Trotsky Stalin e a Burocracia

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    TROTSKY, STALIN, E A BUROCRACIA DA URSSOsvaldo Coggiola

    Pouco mais de setenta anos depois de sua redao, o Stalin de Leon Trotsky poderia serconsiderado s um documento histrico, portanto datado. Seria, em nossa opinio, umaconsiderao estreita. Leon Trotsky no tinha concluido sua biografia de Stalin, cujomanuscrito se encontrava na sua mesa de trabalho, quando um agente deste, RamnMercader del Rio, assassinou-o. O atentado foi cometido no dia 20 de agosto de 1940, Trotskyfaleceu no dia 21. Jacson Mornard (o falso nome que o agente usava junto a Trotsky e seuscompanheiros) era, na verdade, o brao executor de um grupo especial da NKVD (sucessora daGPU, polcia poltica stalinista), grupo encabeado no Mxico pelo general sovitico LeonidEitingon, montado e dirigido desde a URSS por Pvel Sudopltov sob rdens e supervisodireta de Stalin. O grupo tinha como tarefa assassinar Trotsky, refugiado no Mxico desde1936. Em maio, um atentado precedente (fracassado), com bombas e metralhadoras, forarealizado por um grupo chefiado pelo pintor muralista David Alfaro Siqueiros, membro doPartido Comunista do Mxico.

    A traduo inglesa (para os EUA) dessa obra inacabada havia sido revisada pelo prprioTrotsky, com exeo do ltimo captulo, e estava pronta em 1941, quando os EUA entraram naSegunda Guerra Mundial, e se transformaram em aliados blicos da URSS (ou seja, de Stalin): aHarper & Brothers adiou ento sua publicao (para poca posterior finalizao da guerra),que s aconteceria em maro de 1946. Nos EUA, na dcada de 1930, havia crescido ainfluncia poltica de Trotsky nos meios intelectuais de esquerda, desiludidos com a poltica doPC norte-americano e com os expurgos comandados por Stalin na URSS. Durante o atentado,partes do manuscrito do Stalin ficaram manchadas de sangue devido luta travada por Trotskycom o assassino em seu escritrio, outras foram destrudas. Nunca saberemos, portanto, qualseria a feio definitiva do texto de Trotsky. A edio inglesa procurou recuperar o mximopossvel do texto, introduzindo palavras e pequenos fragmentos para dar coerncia elegibilidade s partes que Trotsky deixara inacabadas (e indicando, no texto publicado, essaspalavras e fragmentos, assim como tambm feito nesta edio). A primeira edioportuguesa foi publicada em 1947, pelo Instituto Editorial Progresso, de So Paulo, comtraduo do militante trotskista brasileiro Victor de Azevedo. A traduo espanhola foipublicada por Plaza & Jans (de Barcelona). Em anos posteriores, na Amrica Latina, teve boadivulgao a edio mexicana, de Juan Pablos Editora. Em 1981 trabalhamos, na EditoraCidade do Homem (de So Paulo) em uma nova edio brasileira, dividida em trs volumes,dos quais s dois foram publicados. Graas aos cuidados da Editora Livraria da Fsica (dirigidapor um antigo editor da Cidade do Homem) temos agora a segunda edio brasileira completadesta obra. Foi preservada a traduo realizada por Victor de Azevedo, compulsada com averso original inglesa, e com as edies em lngua espanhola.

    Trata-se de uma biografia vingativa de Stalin, responsvel pela excluso (do partido e daURSS) e perseguio internacional de Trotsky, como sustenta, por exemplo, o cubanoLeonardo Padura (em El Hombre que Amaba los Perros, fico histrica recente)? Trotsky jtinha analisado detalhadamente a ascenso da burocracia stalinista na URSS, o usufruto emseu prprio benefcio das conquistas da Revoluo de Outubro de 1917 (expropriao daaristocracia fundiria e da burguesia capitalista, nacionalizao e planejamento centralizado daeconomia, monoplio do comrcio externo) e o indispensvel papel ditatorial exercido(inclusive sobre a prpria burocracia) por Stalin, assim como seu papel histrico einternacional.A Revoluo Trada, publicada em 1936, foi o trabalho mais completo de Trotskynesse sentido, mas no o nico. O Stalinbiogrfico era seu complemento necessrio?

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    comum considerar este trabalho de Trotsky inferior ao conjunto da sua obra. Para Trotsky, aburocratizao da URSS no foi um fenmeno natural, mas o produto de lutas polticas emque, depois da revoluo, surgira uma nova camada social dominante, que no era umasimples excrescncia a ser eliminada pelo desenvolvimento histrico.1 Isso exigia esclarecer ofundo histrico (ideolgico, social e cultural) em que surgira, e vencera, a burocracia stalinista,

    originada nas fileiras da revoluo e do bolchevismo, no sendo, porm, sua continuidade,mas, ao contrrio, sua negao, ao ponto de t-lo exterminado fisicamente. As qualidadesespecficas de Stalin ganhavam, nesse contexto, importncia histrica: mestre dadissimulao, definiu-o Richard Overy, para explicar sua ascenso no aparelho, sobrevivendoaos momentos mais difceis de sua carreira; mestre da dosagem, chamou-o Trotsky,conhecedor pessoal dessa carreira. Se tratava, atravs da biografia de Stalin, de pr emevidncia as razes da degenerao da revoluo sovitica, e as bases do stalinismo comocorrente poltica.

    Leon Trotsky poca da Revoluo de 1905

    As prpias singularidades da trajetria de Trotsky s se compreendem plenamente comoresumo do percurso de uma gerao revolucionria, no fim da Belle poque e na virada para osculo XX, luz das comoes mundiais provocadas pela Primeira Guerra Mundial.Diversamente de Stalin, em todas as fases da revoluo russa, Trotsky (codinome de LevDavidovitch Bronstein) ocupou o centro do palco poltico, exercendo diversasresponsabilidades: presidente do soviet (conselho operrio) de Petrogrado (nas revolues de1905 e 1917), responsvel pela organizao da insurreio de outubro de 1917 (comodirigente do Comit Militar Revolucionrio do soviet), responsvel pela poltica externa daRssia sovitica nos primeiros meses do novo poder, responsvel pela direo do ExrcitoVermelho durante a guerra civil e a interveno externa, responsvel pela reconstruo dosistema de transportes e comunicaes e, finalmente, principal opositor a Stalin no partido ena URSS. O partido em que ingressou s em agosto de 1917 (o partido bolchevique, depoisrebatizado como Partido Comunista), na vspera da Revoluo de Outubro, ficou conhecidocomo o partido de Lnin e Trotsky, um fato menos surpreendente do que parece, seconsiderarmos que o bolchevismo, at pouco antes, era uma das fraes da social-democracia

    russa, que o prprio bolchevismo possuia diversas fraes, e que, em 1917, foi o canalprincipal em que convergiram diversas correntes e militantes revolucionrios (social-democratas) de longa trajetria, ou seja, que a adeso tardia de Trotsky esteve longe de sera nica: Uritski, Lozovsky, Antonov-Ovseenko, Manuilski, Vladimirov, Angelica Balabanova,Chudnovski, Lunacharski, Rizanov, Pokrovski, Radek, Ioffe, todos eles depois conhecidos

    1 Claude Lefort afirmou que, para Trotsky, a burocracia no era mais que uma simples casta, parasitria e

    transitria, superposta a uma infraestrutura socialista, o que no corresponde verdade. Trotsky insistiu em que aURSS era uma sociedade intermediria entre o capitalismo e o socialismo. Qualificar de intermedirio outransitrio o regime sovitico, significa afastar categorias sociais acabadas, como capitalismo (includo ocapitalismo de estado) ou socialismo (A Revoluo Trada).Lefort viu no terror staliniano uma circunscrio daalteridade, onde se articularam harmoniosamente planejamento (econmico), coletivizao, industrializao ecampos de concentrao.

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    dirigentes bolcheviques, tiveram trajetria semelhante. Stalin, velho bolchevique, por outrolado, esteve longe de ser um personagem secundrio na histria precedente.

    Depois da morte de Lnin (1924) Trotsky ridicularizou a tentativa de construir um leninismoartificial contraposto no s ao chamado trotskysmo, mas tambm apresentado comosuperao do prprio marxismo de Marx (o leninismo o marxismo da era das revolues

    proletrias, escreveu Stalin). A noo de leninismo surgiu em 1924, atravs de uma srie deproposies simples e repetidas, configurando uma espcie de catecismo, apoiadas emcitaes de Lnin tiradas do seu contexto (Lenin escrevendo sobre a vi tria do socialismo naRssia virou, por exemplo, partidrio do socialismo num s pas). Em alguns anos, oleninismo transformou-se no leninismo-stalinismo. As suas idias-fora eram: o partidodeve ser monoltico (de ao, de uma pea s, em tenso permanente). No haveriamais divergncias internas, mas desvios, introduzidos do exterior, que traduziriam aideologia do inimigo de classe. Toda tolerncia com eles seria liberalismo (o prprio Stalintinha acusado Lnin de liberalismo nacional, durante a crise suscitada pela questogeorgiana). A discusso interna foi susbstituda pela prtica da crtica e da autocrtica,sendo esta ltima uma arma nas mos da direo partidria, possuidora da linha justa geral.

    E, diversamente do sustentado por Lnin em O Estado e Revoluo, o Estado no seextinguiria, mas se reforaria, devido ao agravamento da luta de classes, resistnciados resduos das classes inimigas, etc. Ficava assim estabelecida a base terica para oataque contra qualquer oposio, que passou a ser realizado atravs da polcia poltica doEstado e da violncia fsica. E tambm para a defesa de um novo objetivo: a construo dosocialismo, agora possvel em um s pas. Para isso, reforou-se o messianismo nacionalrusso: enfatizaram-se encomisticamente as caractersticas peculiares da nao e do povorussos, a originalidade do seu desenvolvimento histrico (o historiador bolchevique M. N.Pokrovski negou-se a cumprir essa tarefa historiogrfica).2 A Internacional Comunista, criadaem 1919, passou a ser um instrumento de defesa da ptria socialista, ou seja, uminstrumento da poltica exterior da URSS, cuja conduta internacional no deveria trazer

    ameaas s conquistas obtidas nessa ptria.

    Mikhail Nikolayevitch Pokrovski

    2Mikhail Nikolayevich Pokrovski (1868-1932) graduou-se na Universidade de Moscou em 1891. Bolchevique desde

    1905, publicou livros sobre a histria da Rssia baseados no materialismo histrico em 1910-1913. Sua BreveHistria da Rssia, publicada em 1920, foi muito apreciada por Lnin, que a prefaciou. Pokrovskichefiou o Institutode Professores Vermelhos entre 1921 e 1931. Em 1929, foi eleito para a Academia Sovitica de Cincias. Foiresponsvel pela excluso de historiadores do antigo regime da academia sovitica, junto aos quais no gozava deprestgio. Foi o historiador mais importante do primeiro perodo da Rssia sovitica. Caiu no ostracismo depois,acusado de "sociologismo vulgar". Seus livros foram banidos: sua oposio a considerar o papel central dasgrandes personalidades na histria chocou-se com o incio do culto personalidade (de Stalin) que, durante aSegunda Guerra Mundial, foi extendido, na historiografia oficial (e at no cinema, vide os filmes de Eisenstein Iv, oTerrvelouA Conspirao dos Boyardos) aos mais importantes czares, dos quais Stalin proclamou-se implicitamentecontinuador: Pokrovski era um inimigo declarado do nacionalismo russo. Depois da morte de Stalin, sua obra foireconsiderada na URSS, sem voltar a ter, no entanto, grande influncia. Sua morte, em 1932, poupou-lhecertamente um destino final nos campos stalinistas.

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    Joseph Stalin (codinome de Ioseb Besarionis Dze Djughashvili) tinha nascido na Gorgia,oficialmente, a 21 de dezembro de 1879 (as fontes atuais situam seu nascimento em 1878),quase contemporaneamente ao nascimento de Trotsky, em um lar muito pobre. Depois dosestudos bsicos, cursou um seminrio da Igreja Ortodoxa (esses seminrios eram uminstrumento da poltica de russificao do Imprio Czarista), onde aprendeu russo (que sempre

    falou com marcado sotaque georgiano), e do qual acabou expulso. Em 1898, vinculou-se a umgrupo social-democrata (do POSDR, Partido Operrio Social-Democrata da Rssia). Em 1901participou da criao do peridico clandestinoA Luta. Seu apelido juvenil de Sosso, virou Koba.Membro do comit social-democrata clandestino de Tbilisi, em 1902 foi preso e deportadopara a Sibria, de onde fugiu em 1904. Em 1905 participou da organizao uma greve geral emBaku; e tambm encontrou Lnin no congresso partidrio (bolchevique) realizado emFinlndia. Com a derrota da Revoluo de 1905, Stalin foi preso e deportado vrias vezes (emtempos recentes, devido s suas sucessivas liberaes, levantou-se a hiptese de que fora,nesse perodo, confidente da polcia poltica czarista, a Okhrana).3 Preso novamente em 1908,foi banido para Vologda, de onde fugiu novamente, dirigindo-se em junho para SoPetersburgo. Eleito para o Comit Central da frao bolchevique, foi preso mais uma vez em

    1910, fugindo em meados do ano seguinte. Durante um breve exlio em ocidente, trabalhoucom Lnin sobre a questo nacional, do que resultaria um texto que credenciou Stalin comoterico na matria: devido a Stalin pertencer a uma minora tnica era da Osstia, uma sub-regio da Gergia Lnin encarregou-o de elaborar um documento que contestasse as tesesdo austro-marxista Otto Bauer sobre a questo das nacionalidades, importante para ossocialistas austracos e russos, visto que tanto o imprio dos Habsburgo como o dos Romanovscompunham-se de um conglomerado de distintas nacionalidades, etnias e religies.Novamente preso em 1913, Stalin foi exilado para o crculo polar rtico, de onde serialibertado, em maro de 1917, pelo governo Kerenski. Em 1913, tambm, adotou o codinomepelo qual ficaria conhecido: Stalin (ao). Segundo Trotsky, Lnin prezava sua tenacidade,sua audcia, sua obstinao e, at certo ponto, sua hipocrisia, como atributos importantespara a luta.

    Em 1917, j editor do jornal do partido, Pravda, Stalin foi reconduzido ao Comit Central dopartido bolchevique. Depois da insurreio de outubro ingressou no governo sovitico(Sovnarkom), ocupando o cargo de presidente do Comissariado das Nacionalidades. Os trsanos seguintes foram marcados pela guerra civil (em que teve vrios enfrentamentos com oprincipal comandante militar sovitico, o prprio Trotsky, que lhe geraram fortes rancores)depois da qual Stalin, embora pouco conhecido das massas, ascendeu dentro da mquinapartidria. Em 1919, entrou no recm criado Politburo (Bur Poltico) do Comit Central, sendodesignado um dos quatro lderes do partido (junto com Lnin, Trotsky e Sverdlov, que falecerialogo depois). Nesse ano foi reorganizada a estrutura partidria (at ento bastante catica),com a criao (no CC) do Politburo e do Bur de Organizao, o que significava, de fato, a

    reorganizao poltica do Estado, pois o funcionamento dos soviets se esvaziara durante aguerra civil, e o PC(b) passara a ser, de fato (no declaradamente) partido nico, depois dadissoluo, em maio de 1918, dos socialistas revolucionrios (SR) de esquerda, aliadosiniciais dos bolcheviques no Sovnarkom. No mesmo ano de 1919, Stalin passou o acupar umposto chave para sua ascenso: responsvel pela Inspeo Operria e Camponesa (Rabkrin),encarregada do controle do Estado, cujas ramificaes passou a conhecer melhor quequalquer outro dirigente sovitico. Em abril de 1922 foi designado secretrio geral do partido.Este cargo (no incio, restrito organizao da agenda e pauta do Politburo) deu uma novadimenso de poder a Stalin. A burocratizao do poder sovitico, nessa altura, no era s um

    3 Cf. Edvard Radzinsky.Joseph Staline. Paris, Le Cherche Midi, 2011.

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    processo objetivo, mas tambm poltico e consciente, impulsionado por uma frao partidriano declarada, chefiada pelo prprio Stalin.4

    Na fase final de sua vida, Lnin tinha diagnosticado e se insurgido contra o fenmenoburocrtico, defendendo a renovao peridica dos dirigentes, a volta ao campo ou sfbricas, a substituio da nomeao pela eleio, propostas em um texto pstumo dirigido ao

    partido. Mas Lnin morreu em janeiro de 1924 sem conseguir reverter, ou sequer frear, oprocesso. O Testamento de Lnin, redigido pouco antes de sua agonia, foi lido, a 18 de maiodesse ano, para os membros do Comit Central (CC), nos dias prvios reunio do XIIICongresso do PC(b). Nele, lia-se: O camarada Stalin, aps tornar-se secretrio geralconcentrou em suas mos poderes ilimitados, e no estou convencido de que sempreconseguir usar esse poder com suficiente cuidado. Em um adendo ao documento, redigidodepois de uma agresso fsica de Ordjonikidz (prximo de Stalin) aos dirigentes bolcheviquesgeorgianos, Lnin reclamou simplesmente a remoo de Stalin dessa responsabilidade. O CCno deu seqncia ao pedido de Lnin, por solicitao de Zinoviev e Kamenev (logo depois,sabendo que no seria aceita, Stalin ofereceu ao CC sua renncia, uma atitude de falsahumildade que foi, para seus bigrafos, um exemplo de seu maquiavelismo). No se deve

    exagerar a importncia desse episdio: um eventual recuo ttico de Stalin no aparelho (Lninno propunha sua excluso da direo ou do partido) no poderia, nessa altura, deter umprocesso imparvel; provavelmente s teria mudado alguma de suas formas polticas. Opartido essencialmente operrio (com uma frao importante de intelectuais na sua direo)de 1917 j tinha se aberto largamente ao campesinato (origem de 30% dos seus 700 milmembros em 1921) e, sobretudo, ao recrutamento massivo, sem estgio probatrio, quecomeou com a promoo Lnin, de 1924, realizada sob responsabilidade de Stalin,consecutiva ao falecimento do lder: 200 mil novos membros foram incorporados nessapromoo, inexperientes, mas j elegveis para cargos de responsabilidade.

    Vladimir Ilitch Ulianov, Lnin

    Dos novos militantes, 30% apenas sabiam ler, e no mais do que 10% eram capazes de manterum debate poltico srio. Em cima e no controle deles existia um aparelho enorme e piramidal,

    em cujo vrtice encontrava-se Stalin, secretrio-geral do Politburo e membro do Bur deOrganizao, o Orgburo (o nico dirigente que pertencia aos dois corpos). Sob sua direo seencontravam os departamentos do secretariado, com amplos poderes de nomeao,revogao e deslocamento. E, sobretudo, a seo especial (ou secreta) do CC, dirigida apartir de 1929 por Poskrebyschev,5 encarregada das relaes com a polcia poltica (a GPU,

    4Cf. Aleksandr Podtchekoldin. 1922: o nascimento da partidocracia na URSS. In: Osvaldo Coggiola.Trotsky Hoje. So

    Paulo, Ensaio, 1992.5

    Alexandre Nikolaevitch Poskrebyschev (1891-1965) foi secretrio particular de Stalin desde 1929, ficando noposto at a morte deste (1953). Ingressou no partido bolchevique em 1917. Foi comissrio poltico no ExrcitoVermelho no Turquesto. Formou-se, depois (1927), em Direito. Em 1937 foi nomeado membro suplente do Comit

    Central do PCUS, e titular em 1939. Dirigiu a seo secreta (chamada Seo Especial a partir de 1934) do ComitCentral, se ocupando da correspondncia secreta do secretrio geral e de sua agenda. Em 1938, redigiu uma Breve

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    sucessora da Tcheka) e diretamente acompanhada por outro secretrio de Stalin,Malenkov,6 futuro fugaz premi da URSS. O sistema (burs, comits) se organizava sob oprincpio da nomeao, e era chamado de nomenklatura (listas de nomeao). Qual era acomposio dos apparatchiki(homens do aparelho) na dcada de 1920? Entre os dirigentes,22% de velhos bolcheviques; 18% de aderentes poca da guerra civil; o restante eram

    recrutas posteriores a 1924. A desmoralizao poltica dos velhos quadros se fazia evidentecom a supresso do mximo comunista dos salrios e com a institucionalizao deprivilgios: carros funcionais, envelopes (prmios, ou verbas de representao) e,sobretudo, verbas em rublos-ouro (os nicos conversveis em divisas externas) paratratamentos de sade no exterior (quer eles fossem realizados ou no). Os valores daconcorrncia (acumulao) individual comearam a voltar com fora.

    Em 1921, com o pas arrasado pelas guerras, cercado pelas potncias ocidentais, e com aclasse operria desarticulada, ps-se em andamento a Nova Poltica Econmica (NEP),ampliando a margem dos mecanismos de mercado, e buscando incrementar, sobretudo, aproduo agrria. A essa altura, a concepo de Lnin, de um partido enxuto derevolucionrios empenhados na igualdade e no combate opresso, parecia um anacronismo.

    Em 1920, 53% dos membros do partido trabalhavam em instituies estatais, e 27% estavamno Exrcito Vermelho. J era claro que a entrada no partido proporcionava certos privilgios. Oaparelho do partido passou, progressivamente, a identificar-se com o aparelho do Estado.

    Poskrebyschev e suas filhas em 1940. A me delas j estava detida

    Histria do PCUS (Partido Comunista da Unio Sovitica). Sua segunda mulher, Bronislava Poskrebyscheva, foidetida em 1939 pela NKVD, ficando Poskrebyschev em situao semelhante de Molotov (com um cargo dirigente,mas com a esposa detida, de fato refm). Bronislava foi fuzilada em 1941. Burocrata extremamente eficiente,preparou a documentao da URSS para as conferncias de Yalta e Potsdam, no fim da Segunda Guerra Mundial.Ocupou-se tambm da sade de Stalin. Em 1952, chegou ao posto de secretrio do Presidium do Comit Central,fugazmente. Foi brevemente detido depois da morte de Stalin, em 1953, depois libertado e aposentado, vivendoat sua morte nos arredores de Moscou.6

    Gueorgi Maksimilinovitch Malenkov (1902-1988) nasceu em Orenburg, em uma famlia de oficiais militares.

    Entrou para o Exrcito Vermelho em 1919 e para o PC(b) em abril de 1920. Aps dar baixa do exrcito em 1921,estudou na Escola Tcnica Superior de Moscou. Formou-se em 1925 e se tornou um dos confidentes de Stalin.Ajudou Stalin durante os expurgos e os massacres de 1936-1938. Foi indicado para o Politburo, no qual s entrariaem 1946, preterido por seus adversrios Andre Jdanov (cultura) e Laurentiy Beria (segurana), mas voltou s graasde Stalin aps a derrocada de Jdanov. Uniu ento foras com Beria para que aliados de Jdanov fossem excludos eenviados para campos de trabalho. Em 1952, tornou-se membro do secretariado do partido. Com a morte de Stalin,no ano seguinte, chegou a ser nomeado premi e primeiro-secretrio do partido, mas foi forado a renunciar liderana do partido em 13 de maro, sendo sucedido por Nikita Khruschev, criando uma espcie de duunvirato,pois Malenkov continuou como premi por dois anos. Nesse perodo, defendeu a reorientao da economiasovitica para a produo de bens de consumo em detrimento da indstria pesada. Foi destitudo de seu cargo emfevereiro de 1955, atacado por suas ligaes com Beria (executado em 1953) e pelo ritmo lento das reformas,particularmente quanto reabilitao de presos polticos, mas permaneceu no Presidium do CC. Em 1957 foiforado a renunciar em virtude de sua suposta participao numa tentativa de depor Khruschev, da qual tambmteriam participado Nikolai Bulganin, Viatcheslav Molotov e Lazar Kaganovitch. Em 1961, foi expulso do PCUS eexilado internamente: virou gerente de uma usina hidreltrica no Cazaquisto at morrer.

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    O regime sovitico conseguira alguma estabilidade externa, graas s vitrias militares emquase todas as frentes da guerra civil, mas sua situao interna se tornava cada vez maiscomplicada, com greves em Petrogrado e, sobretudo, com o levantamento da fortalezamartima de Kronstadt. Coube a Trotsky chefiar a represso rebelio de Kronstadt, comoresponsvel militar do Estado. A represso foi votada pelo X Congresso do PC(b), includa a

    Oposio Operria, chefiada por Chliapnikov e Alexandra Kollontai, oposio s vezesapresentada (deturpadamente) como expresso (conjuntamente com o levantamento deKronstadt) da luta pela democracia operria contra a ditadura bolchevique. Anos depois,Trotsky situou e justificou a represso de Kronstadt, no quadro dos mesmos problemas quepuseram a revoluo a perigo naquele momento: O exrcito russo se encontrou tambm soba influncia do campo. Durante os anos da guerra civil foi necessrio, mais de uma vez,desarmar regimentos descontentes. A introduo da Nova Poltica Econmica (NEP) atenuou atenso, mas no a eliminou. Pelo contrrio, preparou o caminho para o renascimento doskulaki (camponeses ricos) e levou, no incio dessa dcada, renovao da guerra civil naaldeia. O levantamento de Kronstadt foi somente um episdio na histria das relaes dacidade proletria e a aldeia pequeno-burguesa. S possvel compreender esse episdio em

    relao com o curso geral do desenvolvimento da luta de classes durante a revoluo.

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    Gueorgi Malenkov

    Pouco antes da insurreio de Kronstadt, Karl Radek tinha resumido brutalmente a situao dogoverno bolchevique:8 O partido a vanguarda consciente da classe operria. Chegou omomento em que o grosso das massas operrias est cansado, receoso de seguir uma

    7Leon Trotsky. Escritos. Vol. XI (1937-1938), Bogot, Pluma, 1974, p. 201.

    8Karl Radek (1885-1939) nasceu Karol Sobelsohn, numa famlia de judeus poloneses, em Lemberg (atualmente

    Lvov, na Ucrnia, na poca parte da Polnia sob o Imprio Austro-Hngaro). Entrou na social-democracia russa em1898, participando da Revoluo de 1905 em Varsvia. Exilado na Alemanha, entrou para a social-democraciaalem, da qual foi expulso em 1913. Internacionalista durante a Primeira Guerra Mundial, quando viveu na Sua,vinculado Esquerda de Bremen, e a Lnin e o movimento de Zimmerwald, foi, com Alexander Parvus e IkovGanetski, mediador entre Lnin e as autoridades alems para a autorizao da passagem do lder bolchevique pelaAlemanha, em 1917, sob promessa de retirar a Rssia da guerra. Voltou para Rssia depois de fevereiro de 1917,

    indo logo para Estocolmo, onde publicou as revistas Russische Korrespondez-Pravda e Bote der RussischenRevolution, divulgando as posies bolcheviques em alemo. Entrou para o partido bolchevique tambm em 1917.Jornalista brilhante e poliglota, escreveu o opsculoAs Foras Motoras da Revoluo Russa, amplamente divulgadona Europa. Esteve na Alemanha entre 1918 e 1920 para ajudar a organizar o Partido Comunista Alemo (KPD), comRosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, chegando a ser preso, e a desempenhar funes consulares do governosovitico na cela da priso. Em 1920, voltou para a Rssia e entrou para a direo da Komintern (InternacionalComunista). Pioneiro da revoluo sexual, sua campanha contra a moral burguesa e pelo amor livreimpregnaram a propaganda revolucionria na Rssia sovitica ao ponto de uma gerao de filhos de mes solteirasficar conhecida como a prole de Karl Radek. Com Dmitri Manuilsky, foi enviado pela Komintern Alemanha, paraparticipar da frustrada insurreio de novembro de 1923. Em 1924, perdeu seu posto no Comit Centralbolchevique, e em 1927 foi expulso do partido. Elizabeth Poretski lhe atribuiu diversas piadas polticas sobre Stalin,que circulavam em Moscou nessa poca. Depois recuou, foi readmitido no partido em 1930, e ajudou a escrever aConstituio sovitica de 1936. Durante o expurgo do ano seguinte, no entanto, foi acusado de traio e confessouno Processo dos Dezessete, em 1937, sendo condenado a dez anos de trabalhos forados. Morreu executado emum campo de trabalho, em 1939, por ordem direta de Beria, chefe da NKVD.

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    vanguarda que continua arrastando-as pelo caminho das lutas e dos sacrifcios. Devemos cedera trabalhadores no limite de suas foras fsicas e da sua pacincia, menos esclarecidos do quens sobre seus prprios interesses gerais? Seu estado de esprito se torna por momentosclaramente reacionrio. O partido estima que no pode ceder, que deve impor sua vontade devencer aos trabalhadores cansados, dispostos a ceder. Conceitualmente, isto no pode ser

    confundido com a transformao do partido em um ente supra-histrico, dirigido por um guagenial, embora indique o solo em que essa concepo floresceu.

    A represso da rebelio de Kronstadt (1921)

    Uma adoo mais rpida da nova poltica econmica teria evitado a rebelio de Kronstadt? ANEP foi adotada como medida temporria, em 1921, para substituir a poltica do comunismode guerra, baseada nas requisies foradas, que prevaleceu durante a guerra civil. Permitiuum crescimento do comrcio livre e das concesses estrangeiras junto aos setores econmicosnacionalizados e controlados pelo Estado. Estimulou o crescimento de uma classe decamponeses ricos, de uma burguesia comercial (os nepmen), e de concesses para o comrcioe o cultivo privados. Para Edward H. Carr, a NEP no s foi decisiva para os rumos futuros doEstado sovitico na Rssia, mas tambm a viga mestra da sua poltica internacional: Oadvento da NEP, que teve a conseqncia imprevista de fortalecer a autoridade central dopartido, estimulou tambm as foras centralizadoras que j atuavam na formao do Estado

    sovitico. O entusiasmo da massa de 1917 com a destruio do poder estatal haviadesaparecido no mundo dos sonhos no realizados. Estes continuaram a perseguir aslembranas de muitos membros do partido. Mas desde [o Tratado de] Brest-Litovsk e o fim daguerra civil, a necessidade de criar um poder estatal suficientemente forte para enfrentaressas emergncias havia sido forosamente aceita. Era, agora, reforada pela necessidade deconstruir a economia nacional, devastada e despedaada. O perodo da NEP no s modelou oque viria a ser a estrutura constitucional permanente da URSS, como tambm determinou aslinhas a serem seguidas durante muitos anos em suas relaes com os pases estrangeiros.9

    Houve, portanto, uma NEP da poltica externa, que incluiu o III Congresso da InternacionalComunista (IC), que adotou a poltica da frente nica operria? A realidade parece maiscomplexa. Em 1921 apareceram os sintomas de uma estabilizao, no s do capitalismo, mas

    tambm da situao poltica mundial criada pelo surgimento da Rssia sovitica: no IIICongresso da IC, Trotsky indicou que a revoluo mundial no era mais questo de semanasou de meses, mas de anos. Haviauma espcie de empatehistrico: a revoluo no foraderrotada pela presso e interveno militar externa, mas ela estava contida nos limites daRssia sovitica. Lnin referiu-se revoluo russa como sendo, por esse motivo, semi-vitoriosa e semi-derrotada. A guerra provocara enormes destruies na Rssia, o retrocessoquase completo das trocas comerciais e do abastecimento: as cidades haviam perdido 30% dosseus habitantes, as linhas de transporte no funcionavam, a populao sofria fome e frio (7,5milhes de russos foram vtimas da fome e das epidemias). A classe operria vivia um processode decomposio, ao mesmo tempo em que se operava uma rigorosa centralizao militar de

    9 Edward H. Carr.A Revoluo Russa de Lenin e Stalin (1917-1929). Rio de Janeiro, Zahar, 1980, p. 43.

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    recursos (o comunismo de guerra). O endurecimento do regime, o surgimento da Tcheka(polcia poltica), a passagem dos outros partidos polticos (inclusive de esquerda) para ocampo contra-revolucionrio na guerra civil, implicara na extino da democracia sovitica edo pluri-partidarismo. A indstria produzia a 20% do seu nvel pr-1914; a agricultura, a 50%. Aclasse operria ficara reduzida a menos da metade de seu efetivo anterior Grande Guerra, os

    camponeses recusavam o abastecimento das cidades. A velha vanguarda operria setransformara em uma camada de governadores de operrios (o conflito sobre amilitarizao dos sindicatos, medida defendida por Trotsky, ilustrou essa situao). Nessequadro explodiram as greves de Petrogrado e, sobretudo, a insurreio de Kronstadt; mastambm a agitao no campo (em Tambov) vencida menos pela represso do que pela seca epela fome.

    A NEP, adotada em maro de 1921 (tarde demais para Lnin) consistia basicamente nasubstituio das requisies foradas por um imposto em espcie, o que deixava umexcedente livremente negocivel para o campons; na liberdade econmica para o pequenocomrcio e o artesanato; na oferta de concesses ao capital estrangeiro (os investimentosdeste foram importantes no setor petroleiro, em Baku; Hammer, investidor norte-americano,

    amigo de Lnin, foi chamado de capitalista vermelho em seu pas). Para os bolcheviquesestava claro que se tratava de um encorajamento das tendncias capitalistas, e de um recuo

    poltico em virtude do adiamento da revoluo europia. A partir de 1922, a produo agrcolase recuperou em 75%, a industrial em 25%, o comrcio renasceu. Mas tambm nascia umanova burguesia: o kulak (campons abastado, que explorava os meeiros), os nepmen(comerciantes), os spetsy (especialistas). A democracia sovitica, em troca, se extinguia (osbolcheviques poderiam ser derrotados em eleies gerais livres, como j tinha acontecido naseleies constituintes de 1918). No partido, comeava a imperar o sistema de nomeaes porcima, o reino dos apparatchiki, e a hierarquia de secretrios que comeava a control-lo: osMolotov, Kaganovitch e, sobretudo, Stalin. No fim desse ano, Lnin rompeu relaes comStalin, em virtude de sua rudeza pessoal (da qual fora vtima at a mulher de Lnin, Nadeja

    Krupskaa, pedagoga) e do tratamento burocrtico dado questo georgiana, um dos ns daquesto nacional, que deu origem ao Tratado da Unio (base, por sua vez, da existncia daUnio de Repblicas Socialistas Soviticas, URSS, a partir de 1922). Internacionalmente, a ICimpulsionava a conquista das massas com a poltica da frente nica operria, dirigidaprincipalmente social-democracia europia, ainda majoritria no movimento operrio daEuropa ocidental.

    O fracasso das tentativas revolucionrias no exterior levou utilizao crescente dascontradies interimperialistas como meio para superar o isolamento internacional: o Tratadode Rapallo, com a Alemanha, em 1922; o tratado com a Turquia, onde, no entanto, o novochefe de estado, Mustaf Kemal Atatrk fazia assassinar os dirigentes do PC turco (o Subhi), oque evidenciava os problemas de uma diplomacia que entrava em contradio com a

    solidariedade comunista. Os bolcheviques tentaram distinguir a poltica da URSS daquela daInternacional Comunista. A situao interna estava muito condicionada pela situao mundial,os avanos revolucionrios no exterior provocavam entusiasmo. Mas, na vspera do outubroalemo de 1923, se produziu a primeira grave crise pblica do partido. Isto se conjugou com orecuo social e poltico do proletariado russo, desprovido de seus elementos mais combativos(mortos na guerra civil, ou aspirados pelo aparelho de Estado) e com a necessidade dereconstruir uma economia esgotada: o aparelho burgus do Estado Operrio (que Lnindefinia como um Estado burgus sem burguesia)10 elevava-se sobre este, nascia umaburocracia, gerente da penria material.

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    A definio fazia referncia implcita a Marx (Crtica do Programa de Gotha): O direito igual, portanto burgusseria mantido (na primeira fase da sociedade sem classes), no que diz respeito s normas de consumo, porque este

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    Trotsky, Lnin e Kamenev

    Desde 1923-24, quando a prosperidade dos pases capitalistas se tornou evidente, boa partedos novos dirigentes soviticos comeou a propor aspiraes razoveis (contra asperspectivas de 1917-23, qualificadas de sonhos trotskistas): a construo do socialismo emum s pas.11 Mas o proletariado se beneficiava da NEP s na qualidade de consumidor; umanova crise econmica irrompeu em 1923, com a crise das tesouras: os produtos industriaisno encontravam mercado devido estagnao dos preos (e, portanto, do poder adquisitivo)agrcolas. Sua principal conseqncia foi o desemprego industrial: 500 mil desempregados no

    outono de 1922, 1,25 milhes em 1923. O desemprego diminui nos trs anos posteriores,quando o nmero de operrios atingiu dois milhes, e o dos desempregados se estabilizou emum milho. A maioria dos novos operrios, porm, era de origem rural recente, e procurava opagamento em espcie nas indstrias, essencial em momentos de penria, uma massaamorfa, totalmente ignorante dos acontecimentos polticos (Pierre Sorlin). Os melhoreselementos eram absorvidos pelas Rabfak(universidades para operrios): o rendimento geraldo trabalho era menos que medocre. Os kulaki somavam entre quatro e cinco milhes decamponeses, proprietrios de mais de 10 hectares, que enriqueceram na grande fome de1921-1922: um kulakvendia tanto quanto quatro camponeses mdios; 2% dos camponeses (osmais ricos) detinham 60% do mercado, 50% das terras teis, 60% do capital agrcola.Empregavam 1,5 milhes de jornaleiros (com salrios inferiores aos de 1914), alugavam

    utenslio agrcola para 40 milhes de camponeses, emprestavam dinheiro a juros s outrascamadas camponesas, tornavam-se senhores do campo: exigiam o fim do divrcio e dosdireitos da mulher, establecidos em 1918, assim como a pena de morte para os ladres decavalos...

    Os kulakicomeavam a pesar sobre a economia, que reduzia seus investimentos industriais, ese faziam ouvir tambm no partido, onde Nikolai Bukharin era,12 de fato, seu porta-voz: o

    (o consumo) seria equivalente ao trabalho realizado (De cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo seutrabalho): A igualdade consiste aqui no uso de uma medida comum, em condies em que os indivduos sodesiguais, no pelas distines de classe (que desapareceram), mas porque um indivduo superior fsica oumoralmente [intelectualmente] a outro, realizando mais trabalho no mesmo tempo, ou trabalhando mais tempo.Esse direito igual , pela sua natureza, fundamentado na desigualdade, como todo direito, escreveu Marx. Para

    Lnin (O Estado e a Revoluo): O direito burgus no que diz respeito distribuio dos objetos de consumo,supe necessariamente um Estado burgus, porque o direito nada sem um aparelho de coero capaz de obrigar observncia das normas: o Estado socialista, na medida em que sobrevive um Estado depois da desapario dasociedade de classes, , por isso, um Estado burgus sem burguesia.11 Domenico Losurdo lembra que Stalin foi o primeiro dirigente sovitico a afirmar que por um longo perodohistrico a humanidade continuaria dividida no somente em diferentes sistemas sociais, mas tambm emdiferentes identidades lingusticas, culturais e nacionais, uma aparente prova de sua excepcional inteligncia...12

    Nikolai Ivanovich Bukharin (1888-1938) nasceu em Moscou, filho de professores do ensino bsico. Estudoueconomia na Universidade de Moscou, onde tambm iniciou sua vida poltica no movimento estudantil, durante aRevoluo de 1905. Ingressou no POSDR (Partido Operrio Social-Democrata Russo) em 1906, na sua fraobolchevique, tornando-se colaborador prximo de Lnin a partir de 1912, depois de uma deportao para Onega noArkangelsk, seguida de uma fuga para Hannover, na Alemanha. Desde ento foi uma das figuras dirigentes dosbolcheviques. Exilou-se na Europa ocidental, na Sucia e nos EUA. Em Viena, em 1913, ajudou Stalin a redigir seu

    opsculo sobre a questo nacional. Durante esses anos, Bukharin redigiu uma importante crtica de A Acumulaode Capital, de Rosa Luxemburgo; e o clssicoA Economia Mundial e o Imperialismo (existe verso brasileira, na srie

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    principal terico do partido (como Lnin o chamou no Testamento) defendia umaindustrializao a passo de tartaruga e a conservao a qualquer preo da aliana com ocampesinato (devemos avanar com passos pequenos, arrastando nossa enorme carroacamponesa) relanando a palavra de ordem de Guizot: enriquecei-vos. Os nepmen, por suavez, igualaram em 1926 o faturamento do comrcio cooperativo, organizado pelo Estado. Os

    spetsy aumentaram seus salrios e cresceram em nmero (no eram precisas grandesqualificaes para ser spetsy: 60% dos membros do partido no sabiam ler...). Para PierreSorlin: Em 1925, quatro anos depois da guerra civil, uma camada de aproveitadores pareciatirar os melhores benefcios da revoluo.

    O emigrado branco Ustrialov escrevia, em 1925, acerca do povo renovado, fatigado pelatempestade, com vontade de paz, de trabalho, de submisso. Para ele, a NEP era um alentoao crescimento, ao individualismo, como o campo trabalhador, inevitvel como a vida,imperioso como a histria. Expressava assim a esperana de uma restaurao capitalista, nonecessariamente monrquica. A penria econmica conseguiria o que no conseguira aagresso e o cerco militares contra a Rssia sovitica? Essa era a nova aposta da contra-revoluo. Os novos privilegiados do Estado, por sua vez, estavam convencidos da justia da

    sua condio social. A burocracia surgia, na revoluo, com base nos privilgios que outorgavaa condio de distribuidor num contexto de penria e misria. A necessidade de umaorganizao da produo e da distribuio (de uma administrao estatal) se transformava emfim em si mesmo, fonte de privilgios e, finalmente, de arbtrio. Em 1871, a Comuna de Parisadotara medidas visando eliminao da burocracia estatal (mximo dos salrios,elegibilidade e revogabilidade de todos os cargos, unicameralidade), por isso foi chamado deum Estado que j no era, tendencialmente, um Estado: sem burocracia, o Estado extingue-se, tal fora a principal concluso de Marx a respeito.

    Nikolai Bukharin

    Os Economistas da Editora Abril). Aps o exlio, regressou em 1917 Rssia e, durante a Revoluo de Outubro,

    organizou a insurreio em Moscou. Formulou teoricamente os princpios da economia sovitica (Economia doPerodo de Transio, de 1920), co-redigiu, com Probrazhenski, o manualABC do Comunismo, e tambm o maiselaborado Teoria do Materialismo Histrico, que foi criticado por militantes marxistas ocidentais, como Lukcs eGramsci. Passou a ser considerado o terico oficial do bolchevismo. Ocupou importantes cargos polticos nopartido (1917-1934, membro do Comit Central; 1918-1929, redator-chefe do Pravda; 1924-1929, membro doPolitburo; 1926-1929, presidente do Comit Executivo da Komintern). Liderou a ala dos comunistas de esquerdana primeira metade da dcada de 1920, ala partidria de uma guerra revolucionria para a extenso da revoluono ocidente. Depois de uma reviravolta, virou entusiasta e terico da NEP. Com a morte de Lnin, aliou-se a Stalincontra Trotsky e a Oposio de Esquerda. A partir de 1928 foi lder da chamada Oposio de Direita, sendoafastado de cargos dirigentes a partir de 1929, quando a NEP foi abruptamente abandonada. Depois de umaautocrtica, foi nomeado redator-chefe do Izvestia, em 1934. Em 1935, foi o principal redator da Constituio daURSS (dita constituio stalinista). Apesar disso, em 1937 foi preso e, em 1938, condenado morte no terceiroProcesso de Moscou, sendo executado (em que pesem os apelos internacionais de clemncia, como o doromancista francs Romain Rolland) nesse mesmo ano, com 50 anos de idade. Em 1988, durante a era de MikhailGorbachev, foi reabilitado jurdica e politicamente na URSS.

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    A burocracia, de modo geral, indispensvel a todo Estado que se organiza para impor edefender uma dominao de classe ou de casta. Para Max Weber (o Marx da burguesia, nadefinio de Julien Freund), a burocracia (o poder do bureau) uma forma de organizaoque se baseia na racionalidade, isto , na adequao dos meios aos objetivos pretendidos, afim de garantir a mxima eficincia possvel no alcance destes. Weber identificou trs fatores

    principais como base da moderna burocracia: 1) O desenvolvimento de uma economiamonetria: a moeda assume o lugar da remunerao em espcie para os funcionrios,permitindo a centralizao da autoridade e o fortalecimento da administrao; 2) Ocrescimento quantitativo e qualitativo das tarefas administrativas do Estado Moderno; 3) Asuperioridade tcnica em eficincia do tipo burocrtico de administrao, que agiuhistoricamente como uma fora autnoma para se impor, a par da imposio da racionalidadee da tcnica na produo capitalista: O Estado moderno, do ponto de vista sociolgico, umaempresa, como uma fbrica, isto justamente o que tem de historicamente especfico. Asrelaes de domnio, em ambos casos, esto submetidas ao mesmo tipo de condies. ParaWeber, a racionalidade (organizao racional do trabalho; clculo e previso) est ligada burocracia e empresa capitalista, e implica na adequao dos meios aos fins. No contexto

    burocrtico, isto significa eficincia. Ora, a sociedade capitalista no se organiza como umaempresa: o Estado moderno baseia-se na igualdade jurdica (de direitos) dos indivduos (queoculta, ou melhor, inverte, sua desigualdade real), justificando (legitimando) assim suadominao. A abordagem weberiana , portanto, unilateral (deturpada), assim como suacategoria de racionalidade, o que questiona seu conceito de burocracia.

    A concepo de Weber acerca da burocracia em geral (e da burocracia estatal em particular)era uma polmica implcita (e certamente consciente) com a crtica marxista da burocraciaestatal, j presente na crtica de Marx filosofa jurdica de Hegel (da qual Weber foitributrio). Para Hegel, a burocracia liga sociedade civil ao Estado, que seu espritoidealizado (a incarnao da idia moral) a burocracia emanciparia o Estado dos interessesparticulares presentes na sociedade civil, ela o ponto de encontro entre os interesses

    particularistas que percorrem a sociedade e o interesse universal. Para Marx (que chegou aqualificar essa concepo hegeliana como nojenta) a burocracia estatal encobre a oposioentre sociedade e Estado, entre interesse geral e interesse particular, configurando-se comoexpresso da alienao da vida pblica. A burocracia estatal no um esprito: umacorporo, a sociedade civil do Estado; no um ser universal, mas particular, querepresenta corporativamente seus interesses particulares, e os transforma em fins do Estado,pretensa (e ideolgica)mente universais. A sua existncia real destina-se a manter a sociedadecivil num estado de letargia amorfa (O esprito geral da burocracia o segredo, o mistrio,conservado no interior da burocracia pela hierarquia, e no exterior dela pelo seu carter decorporao fechada. Toda manifestao pblica do esprito poltico, do esprito cvico, aparecepara a burocracia como traio ao seu mistrio. A autoridade o princpio de seu saber, e o

    culto autoridade sua maneira de pensar); dissimulando a separao entre Estado esociedade, a burocracia um instrumento contra a sociedade civil (em benefcio dos interessesde classe, isto , das formas histricas de propriedade dominantes, acrescentaria Marxposteriormente).

    Com o desenvolvimento progressivo do Estado moderno (capitalista), popularmente, aburocracia passou a ser vista como uma empresa, repartio ou organizao onde o papelriose multiplica e avoluma, impedindo solues rpidas e eficientes. Na percepo popular, aburocracia identifica-se com o apego dos funcionrios aos regulamentos e rotinas, causandoineficincia organizao. A eficincia gera, assim, a ineficincia. medida que aperfeioa suaburocracia, o Estado se manifesta, nas palavras de Marx (referidas ao Estado bonapartista)como uma jibia que esmaga sociedade, o aborto sobrenatural da sociedade esse

    mesmo Estado que a burocracia considera como sua propriedade privada. Da o sentido

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    revolucionrio de livrar o Estado de sua burocracia (um Estado simples e barato) quesignifica a tendncia objetiva para a extino do Estado. Essa tendncia, porm, pressupe umalto nvel de desenvolvimento econmico, caso contrrio, nas palavras textuais de Marx (emcarta a Engels), mesmo depois da expropriao das classes possuidoras, voltaria a velhamerda (a dominao de classe e a alienao poltica).

    Em um breve texto poltico da dcada de 1930, Trotsky chegou a comparar a burocracia noEstado operrio ao policial que, cassetete em mo, pe ordem na fila da padaria, emcondies de racionamento do po (previamente, o policial garante para si uma rao superior media). A luta de Trotsky contra a burocratizao foi uma continuidade de seu combatepoltico geral face aos problemas do Estado sovitico na dcada de 1920. Um ano antes darevolta de Kronstadt (1921), que foi o deflagrador do movimento em direo NEP, Trotsky isolado, na ocasio, no Politburo props renunciar s requisies foradas dos excedentesagrrios do comunismo de guerra, motivadas pela necessidade de abastecimento doexrcito. Trotsky afirmou que era preciso substituir o sistema de apropriao do excedente poruma taxa progressiva in natura.13 Um ano depois da adoo da NEP, em novembro de 1922,Lnin escreveu: Eu remeto queles que no compreenderam suficientemente nossa NEP ao

    discurso do camarada Trotsky e ao meu sobre essa questo no IV Congresso da InternacionalComunista. Dez dias mais tarde, Lnin se dirigia a Trotsky: Eu li suas teses sobre a NEP econsidero-as de modo geral muito boas; algumas formulaes so muito bem elaboradas,alguns poucos pontos me parecem discutveis. Minha vontade, agora, seria public-las nos

    jornais e depois rapidamente reimprimi-las em brochura. Essa brochura nunca foi publicada.Em 1923, no XII Congresso do partido, Trotsky apresentou um relatrio (Sobre a Indstria)que, de acordo com a transcrio estenogrfica, foi acolhido pelos delegados com aplausosardentes e longos. Ele apresentava uma perspectiva para o desenvolvimento da indstrianos anos subseqentes, coincidente com a tese-resoluo do Congresso: S pode servitoriosa uma indstria que oferea mais do que consome. A indstria que vive s custas dooramento, ou seja da agricultura, no poderia criar o apoio estvel e duradouro necessrio

    ditadura do proletariado.

    Nadeja Krupskaa, esposa de Lnin

    A luta contra a burocratizao do Estado e do partido foi, tambm, o ltimo [e fracassado]combate de Lnin,14 que tencionou lev-lo adiante baseado numa aliana com Trotsky. Oreproche feito a este de no ter tornado pblica essa aliana, e no ter sido conseqentecom ela, na crise provocada pela questo nacional georgiana (contra a poltica o chauvinista

    13Robert Service nega que as propostas formuladas por Trotsky em 1920 fossem precursoras da NEP (de 1921), pois

    elas se limitavam a propugnar a substituio das requisies agrrias por prmios aos camponeses mais produtivos,a descentralizao econmica (no marco do planejamento estatal) e a transformao das unidades desmobilizadasdo Exrcito Vermelho em exrcitos do trabalho, para reativar a combalida indstria russa. Ou seja, nosignificavam (como a NEP) um retorno a mecanismos de economia de mercado: a NEP no consertava, mas punhafim, ao comunismo de guerra.14 Moshe Lewin. Le Dernier Combat de Lnine. Paris, Minuit, 1980.

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    gr-russa da nascente burocracia, e de Stalin em especial, ele prprio georgiano) e narevelao e implementao do Testamento de Lnin (que propunha, como vimos, adestituio de Stalin do posto de secretrio-geral). Historiadores soviticos posteriorespropuseram que Trotsky no s aceitou o bloco com Lnin, como tambm foi politicamenteconseqente com ele (o que no significava que esse bloco tivesse garantida a sua vitria por

    antecipado, pelo peso do prestgio de ambos dirigentes).

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    Trotsky disse, na sua autobiografia:A idia de formar um bloco Lnin-Trotsky contra a burocracia, somente Lnin e eu aconhecamos. Os outros membros do Bur Poltico tinham apenas vagas suspeitas. Ningumsabia nada a respeito das cartas de Lnin sobre a questo nacional nem do Testamento. Se eutivesse comeado a agir, poderiam dizer que iniciava a luta pessoal para ocupar o lugar deLnin. Eu no podia pensar nisso sem arrepios. Pensava que, mesmo saindo vencedor, oresultado final seria para mim uma tamanha desmoralizao que me custaria muito caro. Emtodos os clculos entrava um elemento de incerteza: o prprio Lnin e seu estado de sade.Poder ele manifestar sua opinio? Sobrar-lhe- tempo para tanto? Entender o partido queLnin e Trotsky lutam pelo futuro da revoluo, e no que Trotsky luta pelo posto de Lninenfermo? A situao provisria continuava. Mas a protelao favorecia os usurpadores, pois

    Stalin, como secretrio-geral, dirigia naturalmente no perodo do interregno toda a mquinaestatal.

    Flix Dzerzhinski, fundador da Tcheka, em 1919

    Lnin tornou pblica sua ruptura com Stalin nos ltimos dias de 1922, pouco antes de ficarafastado da poltica pela doena, por uma srie de fatores. Como Comissrio dasNacionalidades, Stalin tinha imposto um governo submisso Gergia manu militari, invadindo-a em fevereiro de 1921 e destitundo o goberno independente menchevique encabeado porNoah Jordnia, no s contra a vontade da maioria da populao, mas tambm dosbolcheviques georgianos. Dois deles (Mdivani e Macaradze) protestaram publicamente. Lninmanifestou-se numa Carta ao Congresso: Penso que, neste episdio, a impacincia de Sta line seu gosto pela coero administrativa, bem como o seu dio contra o famoso chauvinismosocial, exerceram uma influncia fatal. A influncia do dio na poltica em geral

    extremamente funesta. O nosso caso, o de nossas relaes com o Estado da Gergia, constituium exemplo tpico da necessidade de usarmos o mximo de prudncia e mostrarmos umesprito conciliador e tolerante, se quisermos resolver a questo de modo autenticamenteproletrio. E, referindo-se diretamente a Stalin: O georgiano que se mostra desdenhosoquanto a esse aspecto do problema, que descaradamente lana acusaes de social-nacionalismo (quando ele mesmo um autntico social-nacionalista e tambm um vulgarcarrasco gr-russo), esse georgiano, com efeito, viola os interesses da solidariedade proletria

    15 V. V. Juravlev e N. A. Nenakorov. Trotsky et laffaire gorgienne. Cahiers Lon Trotskyn 41, Paris, maro 1990.

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    de classe. Stalin e [Felix] Dzerzhinski [criador e chefe da Tcheka]16 devem ser apontadospoliticamente como os responsveis por essa campanha.

    Lnin morreu em janeiro de 1924, depois de um ano de complicaes crescentes de sade -em parte derivadas do atentado contra a sua vida em 1919, realizado por uma ativista SR(social-revolucionrios) - e de quase total afastamento da poltica ativa. Nos ltimos meses de

    sua vida, suas preocupaes, registradas no Testamento, provocaram constragimentoquando lidas ao Comit Central; a reunio s vsperas do XIII Congresso que resolveu pelo noafastamento de Stalin resolveu tambm divulgar o documento apenas a alguns delegados, oque contou com a anuncia de Trotsky. Seguiram-se, no entanto, e logo depois, uma srie deprovocaes e insultos contra Trotsky, tendendo a polarizar o cenrio poltico: descobriu-seuma carta esquecida, escrita por ele em 1913, dirigindo palavras duras contra Lnin. Oobjetivo, com sua publicao, era mostrar a incompatibilidade entre leninismo etrotskismo. Com a morte de Lnin, Stalin passou, de maneira rpida, a apresentar-se como olegtimo herdeiro do leninismo, definido como um grupo de doutrinas, definidas de maneiravaga, mas infalveis, que distinguiriam a linha oficial do partido das heresias de seus crticos.Trotsky comunicou secretamente o Testamento ao seu simpatizante norte-americano Max

    Eastman, quem o publicou nos EUA, sendo ento desmentido pelo prprio Trotsky. Asqueixas posteriores sobre o comportamento poltico de Trotsky, com base em esse e outrosfatos, apontaram a torn-lo co-responsvel, por omisso, pela ascenso poltica de Stalin, oque foi objeto de uma observao de Ernest Mandel: Em geral, os que fazem esse gnero deanlise querem simultaneamente provar duas coisas contraditrias: por um lado, que Trotskycometeu muitos erros tticos; por outro lado, que a vitria de Stalin era inevitvel, porquecorrespondia s condies objetivas da Rssia dessa poca. Isto particularmente ntido emIsaac Deutscher, onde essas duas teses se entrecruzam continuamente.17

    Impulsionando o anti-trotskismo, em dezembro de 1924, Bukharin escreveu um artigo sobrea teoria da revoluo permanente, defendida por (e identificada com) Trotsky desde 1905,procurando expor a discordncia entre Lnin e Trotsky. Stalin, dias depois, publicou outro

    artigo ( Arevoluo permanente de Trotsky a negao da teoria da revoluo proletria deLnin) que pavimentou a estrada para a elaborao da teoria do socialismo em um s pas,oferecendo uma meta definvel, por acabar com as expectativas de ajuda do exterior, e pormassagear o orgulho nacional, definindo a Revoluo do Outubro como fruto do esprito devanguarda do povo russo. Desde os incios da Internacional Comunista (1919) o PC russocumpria um papel central, no s pela sua autoridade poltica, mas tambm pela ajudafinanceira aos outros PCs. Esse papel foi se transformando em direito de tutela. Assim,partidos comunistas que mal tinham se emancipado do modelo social-democrata se viram svoltas com uma bolchevizao que lhes impunha um modelo monoltico, baseado numaparelho rigorosamente centralizado. O aparelho internacional da IC foi sendo criado com

    16Flix Edmundovich Dzerzhinski (1877-1926) nasceu em uma rica famlia aristocrtica polonesa, perto de Minsk.

    Em 1895 ingressou no POSDR da Litunia. Em 1896 foi expulso da escola em Vilno, por distribuir propagandasocialista e "falar polons". Passou grande parte de sua vida na priso. Deportado na Sibria entre 1897 e 1900,exilou-se em Berlim em 1901, unido-se ao bolchevismo em 1903, quando da diviso em fraes do POSDR.Participou da Revoluo de 1905, sendo preso pela Okhrana (polcia poltica do Estado czarista) at 1912, quandocompartilhou o exlio siberiano com Trotsky. Por pouco tempo livre, voltou a ser preso, ficando na priso atfevereiro de 1917. Na Revoluo de Outubro foi membro do Comit Militar Revolucionario do soviet. Organizou edirigiu a Tcheka (contra-espionagem e polcia poltica), com mo de ferro, durante a guerra civil (1918-1921); foiresponsvel pelo "Terror Vermelho". Depois da guerra promouveu a construo de casas para os rfos da guerracivil. Morreu de infarte, pronunciando um discurso, em 1926. Idealista a toda prova e cavalheiro impecvel, assimo definiu Victor Serge. Depois de 1991, durante o governo de Bris Ieltsin, seu monumento em Moscou foiderrubado; depois, o governo Putin reps sua esttua no Ministrio do Interior; o governo da Bielo-Rssia ergeu-lheoutro monumento.17 Ernest Germain.A Burocracia nos Estados Operrios. Lisboa, Fronteira, 1975, p. 93.

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    base no financiamento da URSS e tambm na cooptao baseada na docilidade e noposicionamento dos dirigentes estrangeiros em relao s lutas internas do PC russo.

    A partir de 1924, em todos os PCs se constituiu uma frao da IC que, no final da dcada, se solidificaria como aparelho internacional do stalinismo. A sua construo exigiu a eliminaodos pioneiros do comunismo em diversos pases: Alfred Rosmer e Pierre Monatte na Frana,

    Heinrich Brandler e os antigos partidrios de Rosa Luxemburgo na Alemanha. Era o incio dascarreiras de Palmiro Togliatti na Itlia, Maurice Thorez e Jacques Doriot na Frana, ErnestThlmann e Walter Ulbricht na Alemanha. A nova poltica da IC na China foi explicadaoficialmente pelo ex-menchevique Martinov, velho adversrio de Lnin (que o criticouduramente no Que fazer?). Martinov reivindicou para a China a revoluo por etapas(primeiro, burguesa, dirigida pela burguesia; s depois, proletria). A evoluo do PC russoprecedeu essa transformao. Os kremlinlogos, em geral, apresentaram a histria do PCrusso ps-Lnin como uma luta pela sucesso: trata-se, no mnimo, de uma simplificao. Acrise poltica j tinha se feito presente no XII Congresso do partido, em 1923, quando Trotsky eBukharin defenderam contra Stalin a posio de Lnin a respeito do problema dasnacionalidades. Simultaneamente, diante da crise das tesouras, Trotsky defendeu a ajuda

    estatal indstria, para poder baixar seus preos. O contexto social russo de 1923 era o deuma nova onda de greves, com a formao de grupos operrios de oposio. O contextomundial, porm, era o da esperana no outubro alemo, ou seja, uma virada favorvel darevoluo mundial, vinda do ocidente. A insurreio alem, no entanto, fracassou em finaisdaquele ano.18

    Grigorii Zinoviev

    No quadro da derrota alem, depois do fracasso da tentativa insurrecional de novembro de1923, Trotsky enviou uma carta ao Buro Poltico criticando o regime interno do partido,apoiada por uma declarao de46 velhos bolcheviques: nascia a Oposio de Esquerda,contra a qual engajou a luta o grupo dirigente, composto por Stalin, Zinoviev 19 e Kamenev. A

    18Depois de marcar at a data (7 de novembro de 1923) e o horrio, os comunistas alemes adiaram a insurreio.

    Para Trotsky: O PC no foi suficientemente firme, clarividente, resoluto e combativo para garantir a interveno nomomento necessrio, e a vitria. S os comunistas de Hamburgo cumpriram a ordem insurrecional, enquanto, naURSS, a troika dirigente (Stalin-Zinoviev-Kamenev), empenhada no combate contra Trotsky, prestava poucaateno aos acontecimentos alemes. A revoluo alem foi adiada sine die: ela no voltaria a se apresentar nasprximas dcadas. A deciso da direo do KPD (Partido Comunista Alemo) de adiar a revoluo foi endossadapela comisso alem da Internacional Comunista Radek, Piatakov, Ounschlicht que se encontrava, no mesmomomento, em territrio alemo.19

    Grigorii Zinoviev, nascido Ovsei-Gershon Aarnovich Apfelbaum na Ucrnia, em 1883, em uma famlia judia depecuaristas produtores de leite, fez seus primeiros estudos em casa. Filiou-se ao POSDR em 1901 e foi membro dafaco bolchevique desde sua criao, em 1903, fazendo parte da sua direo. Principal dirigente bolcheviquedepois de Lnin, notabilizou-se pela sua oratria encendida. Em 10 de outubro de 1917, no entanto, ele e LevKamenev foram os nicos membros do Comit Central bolchevique que votaram contra a proposta de Lnin dedeflagrar imediatamente a insurreio, chegando a critic-la publicamente (Lnin chamou-os por isso de fura-

    greves e pediu sua expulso do partido). Em 29 de outubro do mesmo ano, aps a tomada de poder pelosbolcheviques, a direo do sindicato nacional dos ferrovirios exigiu que o novo governo compartilhasse o poder

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    deciso de lanar publicamente a oposio foi tomada depois de percorrer todas as viaspolticas prvias, levou em conta a situao da URSS e tambm a internacional. A revoluoalem foi um momento-chave na luta interna do partido bolchevique: as vacilaes deZinoviev (principal dirigente da IC) foram um fator decisivo na sua derrota. Mas elas tinhamorigem clara nas presses exercidas por Stalin ( necessrio frear os alemes, no empurr-

    los). A derrota alem condenou claramente URSS a um perodo indefinido de isolamento,encerrando as esperanas na revoluo europia que seguiram Revoluo de Outubro. Aoposio liderada por Trotsky foi condenada na XII Conferncia do PC, em janeiro de 1924.Quando Lnin morreu, nesse mesmo ms, Trotsky, doente, no compareceu aos funerais(aparentemente ludibriado quanto data por Stalin, encarregado das questes organizativas eprotocolares no Politburo). Depois da morte de Lnin, a relao, at ento fluida, entre Trotskye a imprensa sovitica, esmoreceu rapidamente. A 23 de fevereiro de 1924, no sextoaniversrio da criao do Exrcito Vermelho, o quadro poltico geral estava visivelmentemudado: Trotsky, fundador do Exrcito Vermelho, era ainda celebrado pelo Izvestia, mas oPravda, rgo oficial do partido, j comeara a esquec-lo: Caro Camarada Lev Davidovitch -escrevia o Izvestia - no sexto aniversrio de nosso glorioso Exrcito Vermelho, a assemblia

    geral do Soviet de Moscou envia uma calorosa saudao quele que o organizou e guiou. Ojornal publicava tambm um boletim mdico, explicando que Trotsky vira-se forado adescansar no sul. O Pravda, ao contrrio, deu cobertura a todas as celebraes do ExrcitoVermelho, sem citar o nome de Trotsky, e afirmando que s Lnin fora seu chefe eorganizador. A mensagem do Izvestia apareceu num canto, distante das notcias sobre ascomemoraes.

    Ainda assim, o Politburo determinou, pressionado pela situao de crise do partido, um novocurso: o problema, porm, era como interpret-lo. Em seu texto O Novo Curso, Trotskyatacou a burocratizao, a hierarquia dos secretrios, evocando o perigo de degenerao darevoluo. A troika o acusou de promover a luta de geraes, defendendo os velhosbolcheviques (depois exterminados pelo stalinismo). A Oposio foi alijada da imprensa e

    posta em minoria com mtodos burocrticos (deslocamentos de opositores, votos decabresto nas clulas e comits). O passado menchevique de Trotsky foi atacado naimprensa: Stalin o chamou de patriarca dos burocratas. A XII Conferncia do PC condenou ofracionismo da Oposio e psem prtica a promoo Lnin. Em outubro de 1924, Trotskycontra-atacou publicando Lies de Outubro onde, discutindo questes de estratgiarevolucionria, atacou a passada hostilidade de Zinoviev e Kamenev insurreio de outubrode 1917, episdio repetido na Alemanha, novamente com Zinoviev (chefe da Internacional

    com outros partidos socialistas, ameaando com uma greve nacional. Durante essa crise, Zinoviev e Lnin ficaram,mais uma vez, em lados opostos. Depois que a questo se resolveu, Zinoviev e Kamenev se demitiram do CC; Lninchamou-os agora de "desertores". Trotsky passou a ser, graas a isso, o n 2 na direo bolchevique. Zinoviev voltouao CC no VII Congresso do Partido, em 1918, tornando-se responsvel pela defesa de So Petersburgo durante os

    ataques dos contra-revolucionrios brancos. Membro do Politburo (1919 a 1926), indicou Stlin para a secretariageral do partido em 1922, no XI Congresso. Escreveu, nesse perodo uma Breve Histria do Bolchevismo.Presidente da Internacional Comunista desde sua fundao em 1919, em 1926 foi substitudo nessa funo porBukharin. Depois da morte de Lnin (1924), uniu-se a Stlin e Kamenev contra Trotsky. Esse triunvirato (troika)manipulou os debates internos, obtendo uma maioria de delegados no congresso do partido, mas, logo depoishouve ruptura entre seus membros. Em dezembro de 1925, durante o XIV Congresso, Stalin conseguiu que Zinovieve Kamenev fossem nomeados para cargos menores, tirando-lhes o controle do partido em Leningrado (antiga SoPetersburgo). Zinoviev e Kamenev fizeram ento uma efmera aliana com Trotsky (Oposio Unificada).Zinovievacabou sendo expulso do Comit Central, em 1927, e do prprio partido, em 1928. Trotsky permaneceu naoposio; Zinoviev e Kamenev capitularam e escreveram textos reconhecendo seus erros. Foram readmitidosdepois de condenados a um perodo de reflexo de seis meses. Permaneceram inativos at 1932, quando foramexpulsos novamente, sendo readmitidos em 1933, realizando discursos humilhantes no XVII Congresso. Noassassinato de Krov (1934), Zinoviev foi forado a admitir sua "cumplicidade moral", recebendo uma pena de dezanos de priso. Em 1936 foi novamente julgado, no primeiro Processo de Moscou, condenado e executado a 25de agosto de 1936. Foi formalmente absolvido das acusaes em 1988, durante aperestroika.

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    Comunista) como protagonista. Trotsky traou um paralelo entre a vitria do Outubro russo ea derrota do Outubro alemo, sublinhando que os erros de Zinoviev e Kamenev20 no eramdevidos ao acaso, mas a uma poltica sistematicamente vacilante. A reao no se fez esperare, a 2 de novembro, o Pravda deu o sinal da campanha oficial anti-trotskista: O livro docamarada Trotsky est rapidamente se tornando a ltima moda. Isso no surpreende, pois o

    seu objetivo principal o de causar sensao no seio do partido. A introduo (chave da obra)est escrita em linguagem enigmtica. As aluses e insinuaes de que est cheia no podemser facilmente percebidas pelo leitor profano. Por isso necessrio desvendar os mistriosdeste linguajar oculto (to do agrado de Trotsky, apesar de suas exigncias de clareza nacrtica). O autor assume a responsabilidade de intervir contra a linha poltica adotada pelopartido e pela Internacional Comunista. Essa interveno no tem carter puramente terico,mas ao contrrio se assemelha a um programa poltico destinado a anular as decises doscongressos.

    A troika se solidificou contra o debate literrio promovido por Trotsky, demissionrio doComissariado de Guerra a partir de 1925. Outra frao (dita de direita, embora ela jamaisassumisse esse nome) se desenhou em torno das teses de Bukharin, de defesa e

    aprofundamento da NEP, dirigida contra as teses econmicas da Oposio de Esquerda (queProbrazhenski teorizara emA Nova Econmica). A viva de Lnin, Nadeja Krupskaa, tomou apalavra no Pravda, a 16 de dezembro de 1924: No sei se o camara da Trotsky realmenteculpado por todos os pecados mortais de que acusado, no sem intenes polmicas. Mas ocamarada Trotsky no se deve lamentar por isso. No nasceu ontem e por conseguinte devesaber que um texto escrito no tom de As Lies de Outubro s pode suscitar a polmica. Masno esse o piv da questo. O fato que ao nos convidar meditao das lies do outubrovermelho, ele nos prope enfoc-las precisamente sob o ngulo errado. Nos anos decisivos da

    20Lev Borisovich Kamenev, de sobrenome original Rosenfeld, nasceu em Moscou, filho de um operrio ferrovirio

    judeu e de uma me russa ortodoxa. Depois do ginsio em Tiflis (Tbilisi) frequentou a Universidade de Moscou, at

    ser preso por atividades polticas em 1902. Incorporou-se jovem ao POSDR e ao bolchevismo, depois de exilado nofinal daquele ano. Voltou Russia em 1905; organizou greves nas ferrovias em Tiflis e So Petersburgo. Casou-se,nessa poca, com Olga, irm de Trotsky, com a qual teve dois filhos. Depois da ruptura de Lnin com AlexanderBogdnov, transformou-se, com Zinoviev, no principal colaborador de Lnin. Voltou ao exlio depois da derrota daRevoluo de 1905. Adotou, com Zinoviev, uma posio ambgua na tentativa de reunificao bolchevique-menchevique ( qual Lnin se opunha) impulsionada por Bogdnov, que possuia partidrios bolcheviques, comoVictor Nogin, chamados de conciliadores (ou bolcheviques de partido). Foi editor do Pravda, editado em Vienapor Trotsky, com fundos do POSDR (ainda no formalmente dividido). Em 1912, porm, apoiou Lnin e Zinoviev, nocongresso bolchevique de Praga, a proclamar a ruptura com o menchevismo. No entanto, depois da Revoluo deFevereiro de 1917, advogou, com Stalin e Muranov, pelo apio condicional ao governo provisrio e pelareunificao com os mencheviques, posies que foram combatidas por Lnin ao seu retorno do exlio. Oposto, comZinoviev, insurreio de outubro, participou dela depois de deflagrada. Em dezembro de 1918 foi enviado pelopartido para expor em Londres a orientao do governo sovitico, sendo deportado para a Finlndia, onde ficoupreso at janeiro de 1919, quando foi trocado por finlandeses prisioneiros na Rssia. Em seu retorno Rssia foi

    eleito presidente do Soviet de Moscou e do Congresso Pan-Russo dos Soviets (uma espcie de chefe de estado) epassou a integrar o Politburo do CC. Aliado de Stalin depois da morte de Lnin, denunciou os erros de Trotsky naconduo da guerra civil, uma campanha que concluiu com a renncia deste ao seu cargo de Comissrio de Guerra.Compartilhou, depois, com Zinoviev (em uma trajetria quase paralela) a aliana fugaz com Trotsky (foi o portavozda Oposio no XV Congresso do partido, em dezembro de 1927), as suas expulses, recuos e reintegraes aopartido, j hegemonizado por Stalin. Sua re-expulso, em 1932, foi motivada por sua omisso em informar seuscontatos com a oposio de Riutin. Em 1935 foi preso sob a acusao de envolvimento no assassinato de Kirov(ele negou as acusaes), sendo condenado, como Zinoviev, a 10 anos de priso. Julgado no primeiro Processo deMoscou, em 1936, foi acusado de tramar o assassinato de Stalin e de outros lderes do governo, sendo condenadoe executado em 25 de agosto de 1936, junto com Zinoviev e outros 14 velhos bolcheviques. A famlia de Kamenevtambm foi executada: seu segundo filho, Yuri, foi executado a 30 de janeiro de 1938, com 17 anos de idade; seuprimognito, o oficial da fora area A.L. Kamenev, foi executado a 15 de julho de 1939, com 33 anos. OlgaKameneva, sua primeira mulher, foi fuzilada a 11 de setembro de 1941, em Oryol (Sibria), junto a ChristianRakovsky e Maria Spiridonova, ex-membro, pelos SR de esquerda, do primeiro governo sovitico - s um de seusfilhos, Vladimir Glebov, sobreviveu aos expurgos stalinistas. Foi, como Zinoviev!, reabilitado na URSS em 1988.

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    revoluo, o camarada Trotsky dedicou todas as suas foras luta pelo poder sovitico.Desincumbiu-se corajosamente de uma difcil tarefa. Isso o partido jamais esquece. Mas a lutainiciada em outubro (de 1917) ainda no est terminada. preciso batalhar com denodo atconquistar as metas almejadas pela Revoluo de Outubro. A essa altura, seria mortal afastar-se do caminho leninista. E quando um camarada como Trotsky se desvia, talvez

    inconscientemente, para o caminho da reviso do leninismo, o partido tem o dever de intervir(grifo nosso). A viva aportava sua contribuio construo do mito (poucos anos depoisdiria que se Lnin fosse ainda vivo, estaria preso...).

    Olga Kameneva, irm de Trotsky, esposa de Kamenev

    A polmica literria de 1924 teve um grande vencedor: Stalin, que se beneficiou do desgastemtuo a que se submeteram Trotsky e Zinoviev-Kamenev, como constatou Pierre Brou: Amaioria dos membros do partido, para quem a revoluo de 1917, na melhor das hipteses,no passava de uma gloriosa lenda, talvez admitisse com certa amargura o papel de maudesempenhado por Trotsky, sem acreditar realmente nos mritos do bom Zinoviev. Na troika,o discreto Stalin era o menos atingido, uma vez que sua posio de segundo plano em 1917 lhepermitia fugir ao descrdito que abalava os velhos detentores dos primeiros postos. Stalinaproveitou a situao para tentar subordinar o aparelho do partido em Leningrado, basepoltico-organizativa de Zinoviev e Kamenev, o que levou estes ltimos, numa virada, a buscaruma aliana com Trotsky, a princpio resistida pelos membros da Oposio de Esquerda (osmilitantes oposicionistas de Leningrado, que viam em Zinoviev seu principal adversrio,preferiam at uma aliana com Kirov, o homem de Stalin na regio).

    Ivar Smilga

    A reviravolta dos dirigentes de Leningrado se produziu em finais de 1925: Zinoviev e Kamenevatacaram a poltica oficial, qualificando-a de pr-kulak, e retomaram as teses de Trotsky sobrea democracia partidria (em privado, lhe revelaram os mtodos burocrticos e provocadorescontra ele usados em 1923-24). Mas o peso do aparelho levou novamente vantagem: no XIVCongresso do partido, a oposio Zinoviev-Kamenev foi esmagada pela aliana Stalin-Bukharin,que impuseram, agora sim, Serguei Kirov como chefe do partido em Leningrado. Zinoviev e

    Kamenev, com Trotsky, constituiram em 1926 a Oposio Unificada, que reunia uns oito mil

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    militantes, com numerosos velhos bolcheviques. A aliana foi concluda graas intervenodo prprio Trotsky. Trs dos cinco dirigentes histricos indiscutidos do partido eramopositores (Zinoviev, Kamenev e Trotsky): a Oposio parecia uma aliana dos velhosbolcheviques contra Stalin e Bukharin. Com o apoio dado por Nadeja Krupskaa, a Oposioparecia o grupo dos companheiros da vida inteira de Lnin. Uma aliana dos revolucionrios

    contra os administradores, da qual faziam parte tambm boa parte dos comissrios doExrcito Vermelho. Tambm estava na Oposio Ivar Smilga,21 que teve srios conflitos comTrotsky na guerra civil (referidas reciclagem de 60 mil ex-oficiais do Imprio no exrcitorevolucionrio, impulsionada vitoriosamente por Trotsky); Muralov, o heri dos combates deMoscou em 1917, Mrachkovsky (nascido na priso czarista), Ivan Smirnov, operrio chamadoa conscincia do partido.

    O combate da Oposio Unificada se estendeu at 1927, e foi fortemente condicionado pelasituao internacional, sobretudo pelo destino da revoluo chinesa, que apareceu, depois daderrota alem, como a grande esperana de tirar a URSS do isolamento. O centro poltico dodebate se deslocou para a Internacional Comunista, onde Trotsky enfrentou a aliana Stalin-Bukharin; seu centro terico foi posto novamente na questo da revoluo permanente.22

    Depois de algum sucesso inicial dos oposicionistas, os mtodos burocrticos de 1923 voltarama ser usados contra eles, em escala e profundidade bem maiores, incluindo provocaespoliciais (como o suposto uso pela Oposio Unificada da grfica de um ex-oficial de Wrangel,o chefe da contra-revoluo branca: o ex-oficial era um agente da GPU, continuadora daTcheka). A Oposio ficou, assim, amordaada. Ainda acreditava que fosse possvel recuperar opartido, especialmente sobre a base da revoluo internacional, mas era acusada de fomentare organizar uma contra-revoluo, o que ia tornar-se dogma durante o reinado de Stalin. AOposio, no momento, porm, estava ganhando foras. Mais de vinte mil militantescompareciam s suas reunies em Moscou e Leningrado. Zinoviev acreditava que a oposioconjunta venceria facilmente: teria bastado Trotsky e Zinoviev aparecerem juntos nopalanque para unir o partido. Mas este estava crescentemente entulhado por elementos

    anteriormente apolticos; seus comits estavam apinhados de funcionrios do Estado.

    Lev Kamenev

    Apesar do novo surto oposicionista de 1927, quando as esperanas na revoluo chinesa,primeiro, e a crtica poltica suicida imposta por Stlin-Bukharin na China, depois, ampliaram

    21Ivar Tenisovitch Smilga (1892-1938) foi social-democrata desde 1907, integrando o comit de Kronstadt do

    POSDR (frao bolchevique). Aps a Revoluo de Fevereiro presidiu o Comit Regional do Exrcito e da Armadados Operrios da Finlndia e o Comit Executivo dos Sovietes da Regio Norte. Dirigente do Exrcito Vermelho nafrente sul, teve graves divergncias (junto a Stalin) com Trotsky, na guerra civil. Foi, no entanto, partidrio deTrotsky na discusso sobre os sindicatos (1920-21). Foi expulso do partido em 1927, como membro da Oposio deEsquerda; capitulador, foi readmitido no partido em 1930. Em janeiro de 1935 foi condenado a dez anos depriso, mas foi novamente julgado em 1938, no terceiro Processo de Moscou, e condenado a fuzilamento poratividades anti-soviticas.22

    Cf. Pierre Brou. La Question Chinoise dans lInternationale Communiste. Paris, EDI, 1976; e Grigori Zinoviev et al.El Gran Debate. Crdoba, Pasado y Presente, 1972.

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    as bases polticas da Oposio, esta foi finalmente esmagada, suas teses seriam derrotadas demodo acachapante no congresso partidrio e postas fora de circulao. Comearam as

    excluses do partido e as detenes. Em novembro de 1927, no X aniversrio da revoluo de1917, a Oposio se manifestou em pblico pela ltima vez, com faixas prprias no desfile derua (abaixo os nepmen, Voltemos nossas armas contra a direita - o kulak, o nepman, o

    burocrata eRealizemos a vontade de Lnin): "Isto aconteceu a 7 de novembro de 1927, emocasio do gigantesco desfile pelo X aniversrio da Revoluo de Outubro. Um membro doComit Central, cujas simpatias se inclinavam por Trotsky, havia decorado o balco de sua casacom retratos de Lnin, Trotsky e Zinoviev. O desfile passaria sob aquele balco, na esquina dasruas Moskovaia e Tverkaia. Ali se reuniram os membros da oposio para aclamar Trotsky. Obalco foi ento ocupado pela GPU e a polcia, os retratos arrancados e os opositoresencarcerados.23

    As agresses fsicas comearam: o carro de Trotsky foi ameaado com armas de fogo; suamulher, Natlia Sedova, foi fisicamente agredida. No dia seguinte, Trotsky pronunciou seultimo discurso pblico na URSS, no enterro do oposicionista Abraham Ioffe (ex-dirigente dapoltica externa da URSS, que tinha se suicidado na vspera), antes de ser detido e deportado

    para Alma-Ata (no Cazaquisto). Trotsky foi excludo do partido, junto com Kamenev eZinoviev, sem que os militantes ou o pas fossem informados das causas da medida, nem daspropostas da Oposio (democracia interna, industrializao baseada no planejamentocentralizado e na taxao dos kulaki, abandono da estratgia internacional da revoluo poretapas). No XV Congresso do partido, em dezembro de 1927, foi exigida a capitulao dosopositores: a maioria destes cedeu, com Zinoviev e Kamenev buscando (e conseguindotemporariamente) sua reintegrao no partido. Trotsky, isolado, no cedeu: exilado em Alma-Ata (Cazaquisto) reorganizou seus partidrios da Oposio para continuar um combate que sedesenvolveria em condies cada vez mais precrias.

    Ivan Smirnov

    A teoria do socialismo em um s pas, aborto terico sem precedentes surgido do casamentoentre a reao interna e a derrota internacional, surgira em completa contradio com

    qualquer idia antecedente do movimento socialista, desde suas origens organizadas. Stalintinha escrito em fevereiro de 1924: Pode-se conseguir a vitria final do socialismo em um spas, sem os esforos conjuntos do proletariado de vrios pases avanados? No, isto impossvel. O mesmo Stalin escreveu, porm, em novembro do mesmo ano: O Partidoassumiu como ponto de partida a vitria do socialismo neste pas, e essa tarefa pode serrealizada com as foras de um s pas. Em 1918, Lnin no estava exprimindo uma idiapessoal, mas a convico (e, principalmene, a esperana) de todo o partido, ao afirmar: Nossarevoluo o prlogo da revoluo socialista mundial, um passo em direo a ela. Oproletariado russo no pode, pelas suas prprias foras, concluir vitoriosamente a revoluosocialista. Mas pode dar sua revoluo uma extenso que crie melhores condies para a

    23 Margarete Buber-Neumann. Historia del Komintern. A revoluo mundial. Barcelona, Picazo, 1975, p. 181.

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    revoluo socialista, e at certo ponto come-la. Pode tornar a situao mais favorvel para aentrada em cena, nas batalhas decisivas, de seu colaborador principal e mais seguro, oproletariado socialista europeu e norte-americano. A luta dos povos orientais ainda noestava no foco bolchevique (que ignorava tudo tambm, como constatou in situ John Reed, dacontempornea Revoluo Mexicana). Verdade seja dita, Trotsky foi o primeiro a advogar em

    favor de uma orientao asitica, depois das derrotas comunistas em Alemanha e Hungria(em 1919), sem abandonar a perspectiva da revoluo mundial: O caminho para Paris eLondres passa pelas cidades e aldias do Afeganisto, do Punjab e de Bengala, declarou em1920, propondo fosse preparado um forte e numeroso contingente de expertos para traduzirdocumentos e proclamas revolucionrias, nas lnguas usadas na ndia e na China.

    O abandono da perspectiva internacionalista vinculou-se ao retrocesso, isolamento eburocratizao do Estado emergente da revoluo. Dois fatores foram, sem dvida, decisivos:1) O fracasso da revoluo europia, devido principalmente ao freio imposto pela social-democracia (aliada burguesia e aos Estados-maiores europeus) e inexperincia dos jovensncleos revolucionrios (comunistas); 2) O esgotamento, desmoralizao e at dizimao daclasse operria russa, aps anos de sacrifcios, guerra civil e intervenes estrangeiras. Nesse

    palco aconteceu o processo de burocratizao. O partido, que tinha poucos militantesremunerados em 1917, possua 15 mil funcionrios em 1922 (dos quais 800 no centro) atatingir 25 mil em 1926. Em 1928, o PC(b) j contava 1.300.000 membros, dos quais 540.000recrutados depois de 1924 (isto , sete anos depois da revoluo e trs anos depois do fim daguerra civil). O inchao do aparelho de Estado, comeado provavelmente como paliativocontra o desemprego ps-guerra civil (conseqncia da desarticulao econmica e dadesmobilizao do exrcito) atingiu propores descabidas: o Estado czarista (famoso pela suaburocracia obtusa, satirizada pela crtica russa do sculo XIX) possua 600 mil funcionrios em1910; o Estado sovitico possua, em 1928, 2.000.000 de funcionrios, um nmeroequivalente ao de operrios industriais. O histrico demnio russo tinha sado novamente dagarrafa, em verso quantitativamente piorada. Uma pesada losa passou a esmagar um poder

    que, segundo Edward H. Carr, em seus dez primeiros anos de vigncia elegeu 8,7 milhes dedelegados nos soviets camponeses, e 800 mil nos soviets urbanos; com 9 milhes de delegadoseleitos para congressos soviticos regionais e 700 mil para congressos nacionais, configurandouma experincia sem paralelos mundiais precedentes (nem ulteriores) de participao poltica(com exeo da fugaz e limitada experincia da Comuna parisiense de 1871): mais de 60%desses delegados exerceram sua funo s por um mandato, favorecendo uma constanterotao na representao poltica.

    O socialismo num s pas representou, sobretudo, o abandono do internacionalismoproletrio, que era, para o bolchevismo, a precondio da perspectiva socialista para a Rssia.Na tradio marxista e socialista, qualquer pas isoladamente no dispunha dos recursosnecessrios para a construo de uma forma mais elevada de sociedade. Os instrumentos

    exigidos para uma economia que superasse a capitalista, os avanos tcnicos e culturais,requeriam uma associao e planificao mundiais dos recursos acumulados pela sociedade.Coube a Trotsky defender essa idia, que obviamente no lhe pertencia, mas que embasava oconceito (teoria) de revoluo permanente. Tendo assumido o poder, inclusive num pasatrasado, a classe operria no podia deter-se no estagio capitalista, mas teria de avanar emdireo a empreendimentos socialistas. Para essa meta, todavia, era necessrio no parar nasfronteiras nacionais. O socialismo no podia ser construdo em um s pas, e muito menos emum pas atrasado. A idia contrria fora, no entanto, adotada por acasalar-se com os interessesda nascente burocracia da URSS, em um contexto de penria material que tornavaimportantes seus inicialmente pequenos privilgios. Valendo-se da exausto das massas,portanto, Stalin argumentava vitoriosamente que o socialismo podia ser construdo na Rssia,

    enquanto a classe operria dos pases capitalistas evitasse que suas classes dirigentes

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    lanassem ataques militares contra a URSS. De rgos de luta revolucionria, os partidoscomunistas dos outros pases deveriam tornar-se os partidos dos amigos da Unio Sovitica,guarda-fronteiras da URSS. No demorou muito para que essa doutrina fosse submetida ateste na revoluo chinesa de 1925-27.

    Antes da tragdia poltica da China, a idia foi posta prova pelo chamado Comit Anglo-

    Russo, em 1925. Concebido para atrair os dirigentes sindicais britnicos de esquerda para ainfluncia dos sindicatos soviticos, o Comit rapidamente foi apoiado por lderes trade-unionistas de direita como Purcell ou Thomas, que ficariam marcados pela traio grevegeral de 1926, a mais importante da histria do movimento operrio ingls. Trotsky solicitouque se dissolvesse esse bloco. Zinoviev inicialmente vacilou, mas finalmente apoiou o ponto devista de Trotsky. Mesmo quando Purcell e outros recuaram de sua aliana com os soviticos,Stalin apegou-se a eles. Quando esses lderes sindicais apoiaram o ataque imperialistabritnico de Nanquim, em 1927, o PC ingls ainda no rompeu com eles. Pelo contrrio, foramos lderes sindicais britnicos que abandonaram seus amigos soviticos quando no osprecisaram mais, passados os efeitos da radicalizao grevista. Desta forma, a greve geral de1926 no foi apenas um acontecimento marcante na histria britnica, mas tambm na vida

    do PC da URSS. Os escritos de Trotsky a respeito (Para Onde vai Inglaterra?e Lies da GreveGeral) viraram uma leitura de referncia, em Ocidente, sobre o porvir da revoluo europia.

    A derrota da revoluo chinesa, em 1927, foi uma catstrofe poltica que ps em crise Internacional Comunista. A poltica impulsionada por Stalin, Bukharin, e a liderana daKomintern, reproduziu a poltica menchevique de 1917. Iniciou com a idia de que sob o jugoimperialista todas as classes do pas sofriam por igual. A burguesia estava, supostamente,conduzindo uma guerra revolucionaria contra esta opresso; todas as classes oprimidasdeveriam apoi-la, um bloco revolucionrio anti-imperialista teria de ser formado por quatroclasses: a burguesia, a pequena burguesia, o proletariado e os camponeses. A liderana dessaluta pertenceria burguesia e seu partido, o Kuomintang. Stalin chegou a propor a admissodo Kuomintang na Internacional Comunista, na qualidade de partido simpatizante, com

    Trotsky votando contra (sozinho) no Politburo. Esses simpatizantes da IC, quando finalmenteconseguiram conquistar Xangai, em 1927 (chefiados pelo generalissimo Chiang Kai-shek,presidente de honra da Internacional Comunista) afogaram os trabalhadores chineses emseu prprio sangue (como relatado por Andr Malraux em A Condio Humana), deflagrandouma implacvel persegio aos comunistas. Para a IC, a luta de classes na China tinha de sersubordinada unidade (de toda a nao) na luta antiimperialista. Disto resultou a vitria dacontra-revoluo e o massacre da vanguarda do proletariado chins, realizado pelos seussupostos aliados.

    Chen Tu-Xiu, fundador e primeiro secretrio geral do PC chins

    Para Trotsky e a Oposio de Esquerda, ao contrrio, a luta contra o imperialismo era umelemento importante da revoluo democrtica na China, mas no o nico. A soluo daquesto da terra no seria possvel sob a liderana da burguesia. Os latifundirios, os agentes

    financeiros, os capitalistas, os empresrios e, por ltimo, o capital estrangeiro, estavam to

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    intimamente interligados que a revoluo democrtica somente poderia ser realizada contraeles. A nica classe social capaz de liderar as massas pobres nessa luta seria a classe operria,que j possuia suas prprias organizaes independentes (sindicais e polticas). A classeoperria podia depositar sua confiana apenas em suas prprias foras e organizaes,preservando sua independncia poltica da burguesia, no se subordinando a ela. Em oposio

    poltica defendida por Trotsky, a direo da Internacional retomou a idia de ditadurademocrtica do proletariado e dos cam