um desafio para o pesquisador - a formulação do problema de pesquisa

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  • Contrapontos - ano 2 - n. 5 - p. 237-250 - Itaja, maio/ago. 2002 229

    UM DESAFIO PUM DESAFIO PUM DESAFIO PUM DESAFIO PUM DESAFIO PARAARAARAARAARAO PESQUISADOR:O PESQUISADOR:O PESQUISADOR:O PESQUISADOR:O PESQUISADOR:

    a formulao do problemaa formulao do problemaa formulao do problemaa formulao do problemaa formulao do problemade pesquisade pesquisade pesquisade pesquisade pesquisa

    1 Mestre em CinciasSociais Universidade

    Federal de SantaCatarina. Professora

    aposentada daUniversidade Federal deSanta Catarina. Membro

    da equipe doDepartamento de Ensino

    e Avaliao Pr-Reitoria de Ensino

    Univali. E-mail:[email protected]

    ELISABETH JUCHEM MACHADO LEAL1

    O artigo trata da formulao do problema de pesquisa, etapa decisiva para odesenvolvimento de toda investigao. Inicialmente, mostra atravs de exemplosalgumas caractersticas desses problemas com o propsito de distingui-los deproblemas que no se prestam pesquisa cientfica. Na seqncia, analisa oselementos de que o pesquisador lana mo para elaborar o chamado quadro dereferncia, no contexto do qual se d a explicitao do problema de pesquisa.Por ltimo, mostra a importncia da reviso da literatura para levar a bom termoessa etapa da pesquisa, garantindo ao pesquisador o apoio terico de que necessita.

    AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract

    ResumoResumoResumoResumoResumo

    This article deals with the formulation of a research problem, which is adecisive stage in the development of any investigation. Initially, itdemonstrates, by means of examples, some characteristics of these problems,with the aim of distinguishing them from problems that do not lend themselveto scientific research. Next, it analyses the elements which the researcherutilises when creating the so-called frame of reference, in the context ofwhich the explicitation of the research problem occurs. Finally, it shows theimportance of the literature review in bringing to a successful conclusionthis stage of the research and guaranteeing to the researcher the necessarytheoretical support.

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    PPPPPalavrasalavrasalavrasalavrasalavras-----chave:chave:chave:chave:chave:Problema de pesquisa, quadro de referncia, reviso da literatura.

    Key-words:Key-words:Key-words:Key-words:Key-words:Research problem, frame of reference, literature review.

    Navegar precisoViver no precisoFernando Pessoa

    PPPPPesquisar preciso?esquisar preciso?esquisar preciso?esquisar preciso?esquisar preciso?

    Enfatiza-se sempre, ao discutir o processo de pesquisa, que este implica emprocedimentos metdicos, ordenados, sistemticos, lgicos, pois so essas ascaractersticas distintivas do fazer cincia. O trabalho cientfico refere-se adomnios especializados, nos quais os conhecimentos so sistematizados, e cujospesquisadores devem chegar a um consenso intersubjetivo, entre outras questes,sobre os conceitos, os procedimentos e os critrios de validade dos conhecimentosproduzidos. Assim sendo, deve-se concluir que pesquisar, como navegar, preciso.

    Impossvel, no entanto, deixar de reconhecer, nesse processo, a criatividade, ainventividade, a articulao do que antes se pensava inarticulvel, a quebra deparadigmas consagrados, a negao de conhecimentos tidos e havidos comoirrefutveis, um modelo artesanal de cincia. Impossvel deixar de dar razoao argumento de Becker (1999, p. 12), segundo o qual, nas cincias sociais (ehumanas, por que no?) os pesquisadores deveriam se sentir livres para inventarnovas idias e teorias quanto foram Marx, Weber e Durkheim. possvelconcluir, ento, que pesquisar, como viver, no preciso.

    O paradoxo justamente esse. A Metodologia da Pesquisa muitas vezes tomada talvez principalmente por quem no tenha maior familiaridade com ela porreceiturio, mero manual de procedimentos. Basta segui-lo e pronto: tem-se umapesquisa em andamento. Nada mais falso.

    Talvez por concordar com quem afirma que s se aprende a pesquisar,pesquisando, que reconheo a importncia das obras, dos textos que tratamdos modos de fazer pesquisa e dos problemas inerentes a essa prtica. Representama contribuio de algum que, ao pesquisar, est tambm aprendendo a pesquisar(pois no requer cada nova pesquisa novas aprendizagens sobre como pesquisar?),reflete sobre sua ao, busca as reflexes que outros pesquisadores fizeram sobresua experincia, e oferece aos novos pesquisadores suas prprias reflexes.

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    Tem sido crescente o nmero de acadmicos, no apenas de ps-graduao,como tambm de graduao, alm de docentes, que se engajam em atividades depesquisa atravs de programas de pesquisa financiados ou no, ou em busca debolsas de pesquisa em decorrncia dos esforos que as instituies de ensinosuperior esto desenvolvendo, nos ltimos anos, com vistas promoo deatividades de pesquisa, motivadas, por um lado, pelas recomendaes de frunsinternacionais, por outro lado, como decorrncia da presso exercida peloprocesso de avaliao ao qual tm sido submetidas pelo Ministrio de Educao.A pesquisa vem, assim, ocupando um espao cada vez mais relevante na vida ena formao acadmicas.

    Nem por isso se pode pensar que as dificuldades notadamente dos acadmicos,relativas prtica da pesquisa vm diminuindo ou estejam por desaparecer. Aexperincia como docente da disciplina Metodologia da Pesquisa permiteperceber mais de perto e com maior freqncia suas dificuldades com a proposioe o desenvolvimento de projetos de pesquisa. Das etapas desse processo parece-me ser a formulao do problema de pesquisa a que maior obstculo representapara o acadmico iniciante nas prticas de construo do conhecimento. a essaquesto decisiva para o xito de toda pesquisa que este artigo se volta,buscando esclarecer aspectos relevantes para sua compreenso.

    Por ser um processo complexo, e por ser de fato uma prtica mltipla notadamente nas Cincias Humanas que se diferencia em muitos dos seusprocedimentos da pesquisa nas Cincias Naturais , a discusso sobre seusprocedimentos sempre parcial, incompleta, estreitamente decorrente da visode seu autor.

    O artigo que segue privilegia uma das etapas do processo de pesquisa: a daformulao do problema de pesquisa, que pode ser considerada, sem exagero, afase decisiva do processo. Inicialmente se procura mostrar, mediante exemplos,o que caracteriza os problemas de pesquisa, diferenciando-os de problemas queno se prestam pesquisa. Em seguida, apresentam-se os elementos que concorrempara a explicitao do problema de pesquisa e discute-se como se articulam nointerior do que comumente chamado de quadro de referncia. Por fim, mostra-sea importncia da reviso da literatura para o xito desta etapa de importnciafundamental, pois orienta as demais decises do processo, e que, se bem planejada,como dizem Laville e Dionne (1999), funciona como uma espcie de pilotoautomtico da pesquisa.

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    TTTTTodo problema um problemaodo problema um problemaodo problema um problemaodo problema um problemaodo problema um problemade pesquisa?de pesquisa?de pesquisa?de pesquisa?de pesquisa?

    Nem todos os problemas com que nos deparamos se prestam necessariamente pesquisa cientfica. Um problema de pesquisa supe a possibilidade de buscarinformaes a fim de esclarec-lo, compreend-lo, resolv-lo ou contribuir parasua soluo. Um problema de pesquisa, portanto, no um problema que possaser resolvido pela intuio, pelo senso comum ou pela simples especulao.

    Consideremos os seguintes exemplos de problemas:

    A

    1. O fracasso escolar deixaria de existirse toda e qualquer avaliao fossebanida do ensino fundamental?

    2. Jovens negros devem ter acessofacilitado a vagas na universidadepblica, em Santa Catarina?

    3. As empresas devem dispensarfuncionrios para melhor enfrentarperodos de recesso?

    B

    1. Quais as caractersticas que ofenmeno do fracasso escolar apresentanas escolas da rede municipal de SoJoo da Esperana?

    2. Jovens negros concluintes do ensinomdio tm acesso universidadepblica em Santa Catarina?

    3. Quais as estratgias empregadas porempresas que ultrapassaram com xitoperodos de recesso?

    As formulaes que lemos na coluna A no caracterizam problemas de pesquisa,pois no cabe cincia dizer o que deve ou no deve ser feito; alm disso, o modode sua expresso impede uma busca de dados, permite, no mximo, umlevantamento de opinies; no caso da primeira delas h ainda a agravante deremeter ao territrio da pura especulao.

    J as formulaes que lemos na coluna B possibilitam que se verifique, por exemplo:

    em 1: em que sries do ensino fundamental h maior incidncia de reprovaes?Como vem se comportando a taxa de fracasso escolar da rede municipal nosltimos anos? Que aes a Secretaria Municipal de Educao vemdesenvolvendo para reduzir o fracasso escolar? Quais os resultados dessas aesnas escolas? Como os professores interpretam o fracasso escolar? Qual a origemsocial das crianas atingidas pelo fracasso escolar? etc.

    em 2: qual a proporo de jovens negros concluintes do ensino mdio queprestam vestibular nas universidades pblicas de Santa Catarina? Qual a situaoscio-econmica das famlias dos jovens negros que prestam vestibular nas

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    universidades pblicas de SC? Dos jovens negros que prestam vestibular nasuniversidades pblicas de SC, quantos so aprovados? Como se distribuem osuniversitrios negros pelos diversos cursos das universidades pblicas de SC?Qual a trajetria escolar dos jovens negros aprovados no vestibular nasuniversidades pblicas de SC? Etc..

    em 3: que estratgias as empresas X, Y e Z (identificadas como empresas queenfrentaram com sucesso a recesso) desenvolveram com relao a seu quadrode pessoal, durante perodos de recesso? Que tratamento foi dado aosinvestimentos durante esses perodos? Foram introduzidas modificaes noprocesso de produo durante esses perodos? Quais? Com que efeitos? Etc..

    Uma primeira preocupao do pesquisador ser, portanto, a de se certificar deque o problema que enuncia melhor dizendo, o primeiro esboo de suasintenes de pesquisa representa um verdadeiro problema de pesquisa, ouseja, que sua proposio justifica ou requer a realizao de uma pesquisa, aindaque essa primeira formulao no seja definitiva, pois est sujeita a retificaes,ajustes, reorientaes, eis que a dinamicidade uma das caractersticas doprocesso de pesquisa.

    Do que se necessita para formularDo que se necessita para formularDo que se necessita para formularDo que se necessita para formularDo que se necessita para formularo problema de pesquisa?o problema de pesquisa?o problema de pesquisa?o problema de pesquisa?o problema de pesquisa?

    A fase de formulao, de explicitao do problema de pesquisa, uma fasecrucial em qualquer pesquisa, pois dela dependero todas as demais decises, oque significa dizer que a busca de clareza em relao ao problema fundamentalno apenas na elaborao do projeto, mas em todo o processo da pesquisa.

    Um problema de pesquisa formulado mediante a articulao ou a interao dediversos elementos, os quais explicitam a percepo do pesquisador de umadeterminada poro da realidade social a ser compreendida ou desvelada. Esseselementos constitutivos de nossas experincias so constitudos, de acordocom Laville e Dionne (1999), por uma mistura de conhecimentos e valores.

    Os conhecimentos os autores acima citados distinguem, para fins dedelineamento do problema de pesquisa, dois tipos de conhecimentos: os fatosbrutos e os fatos construdos ou generalizaes.

    Os fatos brutos referem-se a dados existentes sobre a realidade. So fatos brutos,por exemplo, os seguintes: em 1999, a populao brasileira era formada por 54%de brancos e 45,3% de negros e pardos; a taxa de analfabetismo era de 8,3% entrebrancos e de 19,8% entre negros (Escssia, 2002). Qual a utilidade de umconhecimento desse tipo para o pesquisador ao planejar e executar sua pesquisa?Embora o simples conhecimento desses fatos no possibilite ao pesquisador acompreenso do fenmeno do racismo, permite que tome conscincia dos pelo

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    problemas que essa realidade comporta, que se situe em relao a ela e seinstrumentalize para examin-la e question-la, alm do que pode ser importantepara a contextualizao do problema que elegeu para investigar.

    Os fatos construdos ou generalizaes so conhecimentos elaborados para explicarconjuntos de fatos brutos; resultam, portanto, de interpretaes. Por exemplo,um pesquisador, ao analisar as desigualdades entre negros e brancos existentes nasociedade brasileira luz de sua histria, pode concluir que entre ns as formascomo a discriminao racial se expressa remetem tanto a caractersticas dacolonizao portuguesa como prpria escravido. Essa concluso umageneralizao.

    Os conceitos e as teorias so generalizaes imprescindveis pesquisa. Osprimeiros so representaes mentais de um conjunto de realidades em funode suas caractersticas comuns essenciais (Laville; Dionne, 1999, p. 91). Empesquisa, a maioria dos conceitos representa realidades abstratas.

    Tomemos, por exemplo, o conceito de racismo: preconceito extremado contraindivduos pertencentes a uma raa ou etnia diferente, geralmente consideradainferior (Houaiss; Villar, 2001, p. 2373). O conhecimento dos atributos desseconceito (ou seja, das realidades que o conceito recobre) permite ao pesquisadorse perguntar se h racismo na sociedade brasileira ou se h racismo nauniversidade, na escola pblica, na empresa ou em alguma outra organizao;como e sob quais circunstncias esse preconceito se manifesta; quais so osgrupos tnicos discriminados; quais as caractersticas dos grupos discriminadosque so tidas como inferiores por aqueles que os discriminam, etc. Podemosver, portanto, que os conceitos so indispensveis ao pesquisador verdadeirasferramentas de trabalho , pois aumentam sua capacidade de ler, questionar edesvelar o real.

    Laville e Dionne (1999) observam que todas as disciplinas possuem algunsconceitos que marcam sua identidade e apontam seus objetos de estudo2 . Defato, os conceitos tm um papel decisivo na pesquisa pois, alm de forneceremas bases para a observao do que relevante, orientam o pesquisador quanto squestes mais pertinentes a serem levantadas para a anlise do fenmeno equanto ao enfoque sob o qual conduzir sua pesquisa.

    As teorias tambm so generalizaes, porm de grande envergadura, como, porexemplo, a teoria das organizaes, a teoria da gravitao universal, a teoria geraldos sistemas e inmeras outras. Uma teoria tem valor explicativo: generalizaexplicaes tiradas de fatos que foram estudados para sua construo. Tambm temvalor analtico, pois o pesquisador a usa para o estudo de outros fatos ou realidadessimilares. Nas palavras de Demo (1990, p. 23): Quem dispe de boa teoria, diantedo dado sabe interpretar, ou pelo menos sabe propor pistas de interpretao possveis.

    Os resultados das pesquisas de outros pesquisadores, suas interpretaes dasrealidades que investigaram esto disposio, na bibliografia especializada, detodo aquele que estiver construindo seu projeto de pesquisa. claro que opesquisador que dispe de conhecimentos interpretativos acumulados, fruto de

    2 Exemplificando:conceitos em Sociologiae Antropologia: grupos,classes, normas, cultura,etc.; em Economia:recursos, produo,trocas, escassez, etc.; emHistria: transformao,mudana, durao,perodo, etc.

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    estudos e leituras ou seja, que dispe de um maior repertrio terico estmais bem capacitado a observar o real, a question-lo e a compreend-lo do queoutro que no dispe desses conhecimentos.

    Pesquisa significa busca de respostas, de solues. Nenhum pesquisadorempreende essa busca s cegas; muito pelo contrrio, seu pensamento e suasdecises so guiados, ao longo de todo o processo de pesquisa, pelo referencialterico ou quadro de referncia que elaborou.

    Os valores So representaes mentais do que bom, desejvel ou ideal;expressam preferncias, inclinaes pessoais. Assim como para qualquer pessoa,os conhecimentos ganham sentido para o pesquisador atravs de seus valores.

    Ao se conscientizar de um problema, o pesquisador o faz a partir de umaobservao e de uma leitura do real e por meio de um quadro de refernciadeterminado. Esse quadro de referncia composto pelos conhecimentosadquiridos pelo pesquisador, aos quais, no entanto, confere peso varivel devidoaos seus valores pessoais. Pode-se dizer, ento, que os caminhos da pesquisa soiluminados pelos valores do pesquisador.

    As teorias, especialmente as teorias sociais, repousam sobre valores; so, de certaforma, expresses de ideais. A valorizao, pelo pesquisador, desta ou daquelateoria far com que dirija sua ateno para diferentes fatos sob diferentesperspectivas. Do que resultaro diferentes leituras do real e, conseqentemente,concluses diversas, como mostra Trivios (1987, p. 96):

    No enfoque positivista, por exemplo, a formulao do problemadeve ressaltar as relaes entre os fenmenos, sem aprofundar abusca das causas. Na linha terica fenomenolgica, o significadoe a intencionalidade possivelmente sejam colocados em relevo.Entretanto, no estudo de natureza dialtica destacar-se-o osaspectos histricos, as contradies, as causas etc.

    O jogo de um conjunto de conhecimentos varivel, amplamente definido eorientado por nossos valores est, portanto, na origem da percepo de umproblema de pesquisa, alertam Laville e Dionne (1999, p. 96), como tambmconduzem a busca do pesquisador pelas respostas, ou seja, definem os caminhosque vai trilhar em sua aproximao da realidade.

    Ainda devem ser mencionados os valores metodolgicos ...que nos fazem estimarque o saber construdo de maneira metdica, especialmente pela pesquisa, valea pena ser obtido e que vale a pena seguir os meios para nele chegar (Laville;Dionne, 1999, p. 96). E que nos fazem tambm privilegiar determinados mtodosem razo da concepo de cincia que assumimos (e da qual precisamos nosconscientizar, caso ainda no o tenhamos feito).

    A preocupao com o mtodo est presente em todo projeto de pesquisa que sepretende srio, rigoroso, pois preciso no esquecer que a diferena entre cinciae outros saberes est justamente no mtodo. A busca de clareza sobre o mtodo

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    pesquisado , portanto, parte integrante do processo de aclaramento do problemade pesquisa. Isto porque a discusso sobre os modos de explic-lo (isto , sobre omtodo) parte desse aclaramento.

    Como trabalha, ento, oComo trabalha, ento, oComo trabalha, ento, oComo trabalha, ento, oComo trabalha, ento, opesquisador para formularpesquisador para formularpesquisador para formularpesquisador para formularpesquisador para formular

    o problema?o problema?o problema?o problema?o problema?

    O pesquisador conscientiza-se de um problema de pesquisa a partir dosconhecimentos de que dispe e que ganham sentido em funo de seus valores.Sua percepo inicial do problema pode ser bastante intuitiva, bem como osprovveis eixos da investigao. Em seguida deve explicitar o problema,descrevendo-o de modo metdico e racional, objetivando-o, portanto.

    Laville e Dionne (1999, p. 98) chamam a isso de operao de desvendamento,que consiste ...em jogar o mais possvel de luz sobre as origens do problema e as interrogaesiniciais que concernem a ele, sobre sua natureza e sobre as vantagens que se teria em resolv-lo, sobre o que se pode prever como soluo e sobre o modo de a chegar.

    Essa operao, portanto, faz com que o pesquisador especifique seu problema depesquisa, circunscreva-o, delimite-o e, progressivamente, decida quais as questesmais pertinentes para esclarec-lo. O bom resultado dessa etapa fundamental do processode pesquisa depende em larga medida de uma competente reviso da literatura, pois ela que vai garantir ao pesquisador o indispensvel apoio terico de que necessita.

    Ler e analisar o que produziram outros pesquisadores, que anteriormentepesquisaram realidades e fatos de alguma forma semelhantes a seu objeto deestudo, possibilita ao pesquisador selecionar tudo aquilo que possa servir emsua pesquisa. Apropriando-se desses conhecimentos e articulando-os aos que jpossui decorrentes de sua experincia pessoal, de sua trajetria de vida ,refina suas perspectivas tericas, agua a percepo de seus prprios valores,torna mais articuladas suas intenes, aclara e objetiva seu aparelho conceitual.

    Tal reviso da literatura no significa, no entanto, leituras pela metade de uma ouduas obras, recorte e colagem de trechos pirateados da internet para produode um nmero previamente determinado de pginas ou, pior ainda, a encomendade textos produzidos por escritrios especializados. Significa, sim, imerso naliteratura; somente um mergulho na literatura pertinente ao seu tema de pesquisavai garantir ao pesquisador verdadeiro contato com o trabalho de outrospesquisadores, indispensvel para estimular sua imaginao quanto aos caminhose procedimentos de sua prpria pesquisa.

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    Considero que os roteiros de projetos de pesquisa, adotados por agncias deapoio pesquisa, ao apresentarem separadamente os tpicos problema depesquisa e reviso bibliogrfica (ou fundamentao terica) no favorecema compreenso, por quem se inicia na pesquisa, pois a descrio do problema depesquisa deva se dar no mbito da discusso terica do objeto de estudo. Issoporque objetivo da pesquisa cientfica e, conseqentemente, tarefa dopesquisador o desvendamento do real, o que requer um esforo do pensamentopara penetrar sua aparncia em busca daquilo que ela recobre e do seu significado.

    O processo de descrio do problema de pesquisa, que resulta da apropriao doconhecimento terico disponvel e sua articulao com a experincia pessoal, trabalho rduo, mas profcuo. nesse processo que as mltiplas questesimplicadas no problema vo se evidenciando, tornando-se o pesquisadorgradativamente mais capaz, ao distingui-las, de selecion-las e hierarquiz-las,de tal sorte que, ao cumprir essa etapa da construo do projeto de pesquisa, jter clareza sobre as perguntas (ou hipteses) de pesquisa que sintetizam osprincipais eixos orientadores do desenvolvimento da pesquisa.

    Enfim, admitindo-se que pesquisar significa, essencialmente, promover o confrontoentre o conhecimento terico acumulado e as evidncias empricas (Ldke; Andr,1986), todo o investimento que o pesquisador fizer na formulao do problema depesquisa resultar em consistncia da investigao e segurana no seudesenvolvimento. O que lhe possibilitar enfrentar os imprevistos e as imprecisesque a aproximao do real reserva queles que se propem a desvend-lo.

    RefernciasRefernciasRefernciasRefernciasRefernciasBECKER; H.S. Mtodos de pesquisa em Cincias Sociais. 4. ed. So Paulo: Hucitec,1999.

    DEMO, P. Pesquisa: princpio cientfico e educativo. So Paulo: Cortez; AutoresAssociados, 1990.

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    LDKE, M.; ANDR, M. E. D. A. Pesquisa em educao: abordagens qualitativas.So Paulo: EPU, 1986.

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