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Econômica, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 79-122, junho 2008 Um modelo macrodinâmico estocástico de simulação para uma economia aberta 1 José Luís Oreiro * Marcelo de Oliveira Passos ** Resumo – O objetivo deste artigo é apresentar a estrutura e as primeiras simula- ções computacionais de um modelo macrodinâmico estocástico pós-keynesiano para uma economia aberta que possui câmbio flutuante e mobilidade imperfeita de capitais. O modelo integra os lados real e financeiro da economia pós-key- nesiana em um arcabouço dinâmico e estocástico, dentro do qual a produção é determinada pela demanda, o investimento é determinado pela teoria dos dois preços de Minsky, a moeda é endógena, o progresso técnico é determinado por uma função kaldoriana de progresso técnico e as exportações líquidas são um componente importante da demanda agregada. Os capitalistas domésticos podem armazenar as suas poupanças em títulos estrangeiros, de forma que se verifica uma mobilidade imperfeita de capital. Após a apresentação da estrutu- ra básica do modelo, passa-se à sua simulação computacional com o intuito de inferir as trajetórias dinâmicas das variáveis endógenas. As trajetórias simuladas refletem algumas propriedades gerais da dinâmica capitalista, especialmente a existência de flutuações irregulares da taxa de crescimento do produto real. A análise do setor externo da economia mostra que o comportamento das expor- tações líquidas como proporção do produto real é largamente independente da taxa real de câmbio, comprovando a importância dos fatores extra-preço para a dinâmica da conta de transações correntes do balanço de pagamentos. Outro resultado importante obtido com o modelo é o aumento da participação da riqueza financeira na riqueza total do setor privado. Em outras palavras, o modelo aqui proposto sugere a ocorrência de uma “financeirização” crescente da riqueza capitalista no longo prazo. Palavras-chave – Macroeconomia aberta, economia computacional, modelos de simulação, economia pós-keynesiana. JEL – E12; F43, E37. * Professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e Pesquisa- dor do CNPq. E-mail: [email protected]. Página pessoal: www.onkx.com/oreiro. ** Analista de Desenvolvimento de Projetos do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul do Brasil. E-mail: [email protected]. Página Pessoal: http:// econocronicas.zip.net.

um modelo macrodinâmico estocástico de simulação … · Esses modelos só podem ser resolvidos com o auxílio de simulações computacionais, e as soluções assumem a ... Formação

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José lUís oReiRo • maRcelo de oliveiRa passos •

econômica, Rio de janeiro, v. 10, n. 1, p. 79-122, junho 2008

um modelo macrodinâmico estocástico de simulação para uma economia aberta1

josé Luís oreiro*

marcelo de oliveira Passos**

Resumo – O objetivo deste artigo é apresentar a estrutura e as primeiras simula-ções computacionais de um modelo macrodinâmico estocástico pós-keynesiano para uma economia aberta que possui câmbio flutuante e mobilidade imperfeita de capitais. O modelo integra os lados real e financeiro da economia pós-key-nesiana em um arcabouço dinâmico e estocástico, dentro do qual a produção é determinada pela demanda, o investimento é determinado pela teoria dos dois preços de Minsky, a moeda é endógena, o progresso técnico é determinado por uma função kaldoriana de progresso técnico e as exportações líquidas são um componente importante da demanda agregada. Os capitalistas domésticos podem armazenar as suas poupanças em títulos estrangeiros, de forma que se verifica uma mobilidade imperfeita de capital. Após a apresentação da estrutu-ra básica do modelo, passa-se à sua simulação computacional com o intuito de inferir as trajetórias dinâmicas das variáveis endógenas. As trajetórias simuladas refletem algumas propriedades gerais da dinâmica capitalista, especialmente a existência de flutuações irregulares da taxa de crescimento do produto real. A análise do setor externo da economia mostra que o comportamento das expor-tações líquidas como proporção do produto real é largamente independente da taxa real de câmbio, comprovando a importância dos fatores extra-preço para a dinâmica da conta de transações correntes do balanço de pagamentos. Outro resultado importante obtido com o modelo é o aumento da participação da riqueza financeira na riqueza total do setor privado. Em outras palavras, o modelo aqui proposto sugere a ocorrência de uma “financeirização” crescente da riqueza capitalista no longo prazo.

Palavras-chave – Macroeconomia aberta, economia computacional, modelos de simulação, economia pós-keynesiana.

JEL – E12; F43, E37.

* Professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e Pesquisa-dor do CNPq. E-mail: [email protected]. Página pessoal: www.onkx.com/oreiro.

** Analista de Desenvolvimento de Projetos do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul do Brasil. E-mail: [email protected]. Página Pessoal: http://econocronicas.zip.net.

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1. introdução

A característica fundamental da dinâmica capitalista é a ocorrência de crescimento cíclico, ou seja, a ocorrência de flutuações do PIB real ao longo de uma tendência estável, mas não necessariamente constante no longo prazo. Essas flutuações são, em geral, de caráter irregular, mas não-explosivas; isto é, não existe uma tendência ao aumento da magnitude dos ciclos econômicos no longo prazo.

Os economistas heterodoxos geralmente pensam o “problema da dinâmica capitalista” em termos de modelos de equações, em diferenças finitas lineares e não-lineares, que possuem soluções analíticas fechadas. Os modelos lineares de Samuelson (1939) e Kalecki (1954) são capazes de produzir flutuações regulares da atividade econômica apenas no de-curso de uma tendência de longo prazo exógena para um conjunto muito limitado de valores dos parâmetros estruturais dessas equações.

Contudo, as flutuações do nível de produção observadas no mundo real são essencialmente flutuações irregulares. Os modelos não-lineares com solução analítica fechada – como, por exemplo, os modelos de Hicks (1950) e Goodwin (1967) – são, em geral, baseados em “tetos” e “fundos” de natureza casuística ou geram soluções do tipo “ciclo-limite” que não re-produzem o caráter irregular das flutuações observadas no mundo real.

Por causa das limitações dos modelos dinâmicos com solução analí-tica fechada, temos observado nos últimos anos um interesse crescente por modelos dinâmicos elaborados para serem simulados em computa-dor. Esses modelos possuem, em geral, uma estrutura não-linear; mas o elevado número de equações e a complexidade das inter-relações entre as variáveis endógenas fazem com que seja impossível a determinação de uma solução geral e fechada. Esses modelos só podem ser resolvidos com o auxílio de simulações computacionais, e as soluções assumem a forma de trajetórias temporais, ao invés de posições de equilíbrio, para as variáveis econômicas. A solução é obtida em computador após se fi-xarem os valores numéricos para os parâmetros das equações e para as condições iniciais do modelo. Esses valores devem ser realistas o suficiente para assegurar um resultado robusto em termos das trajetórias temporais das variáveis endógenas.

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Uma das grandes limitações do paradigma pós-keynesiano em eco-nomia, tal como ressaltado alguns anos atrás por Solow (1979), é a exis-tência de um arcabouço analítico comum para analisar a dinâmica das economias capitalistas. Num certo sentido, a economia pós-keynesiana é antes uma coleção de teorias alternativas sobre crescimento, distribuição de renda e ciclos econômicos do que uma abordagem teórica para todos esses problemas.2 Existem várias teorias, não necessariamente consisten-tes entre si, para lidar com todos esses problemas. Consideremos, por exemplo, a teoria do investimento. A abordagem de Davidson (1978) e Minsky (1975), embora totalmente compatíveis com as idéias de John Maynard Keynes sobre o assunto, é bastante diferente da abordagem de Kalecki (1954), que enfatiza a importância do princípio da aceleração para as decisões de investimento.

O objetivo deste artigo é apresentar a estrutura e as primeiras simula-ções computacionais de um modelo macrodinâmico estocástico para uma economia aberta que possua características pós-keynesianas e que sirva como um arcabouço analítico comum para a economia pós-keynesiana.3 Os elementos do paradigma pós-keynesiano que foram incorporados no modelo são:

(i) O princípio da demanda efetiva;(ii) Propensões diferenciadas a poupança entre capitalistas e tra-balhadores;(iii) Formação de preços como base em mark-up;(iv) Decisão de investimento baseada na “teoria dos dois preços”, de Minsky;(v) A relevância da estrutura de capital das empresas para as suas decisões de investimento e de formação de preços; (vi) Inflação baseada no conflito distributivo entre capitalistas e trabalhadores; (vii) Oferta de moeda endógnea; (viii) Progresso técnico endógeno à la Kaldor (1957).

As simulações computacionais do modelo reproduzem algumas características importantes da dinâmica capitalista, como a ocorrência de flutuações irregulares – mas não-explosivas – da taxa de crescimento do produto real, a estabilidade da taxa de lucro no longo prazo, a ma-

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nutenção de capacidade ociosa, a ocorrência de um único episódio de queda abrupta do nível de atividade econômica durante todo o período de simulação (o que condiz com a natureza “rara” das Grandes Depressões na história do capitalismo), a importância crescente da riqueza financeira para a dinâmica da acumulação capitalista e a irrelevância da taxa de câmbio para a dinâmica da balança de pagamentos.

Contando com esta Introdução, o presente artigo está estruturado em cinco seções. Na segunda seção iremos apresentar os sete blocos fundamen-tais do modelo aqui exposto. A terceira seção está dedicada à formulação da metodologia de calibragem do modelo. A seção quatro traz os principais resultados de simulação, e a seção cinco apresenta as conclusões do artigo.

2. a estrutura do modelo.

Nesta seção iremos estruturar um modelo macrodinâmico estocásti-co multi-setorial – com os setores produtivo e financeiro – de economia aberta e com governo. Estarão disponíveis dois fatores de produção ape-nas, capital e trabalho, ambos homogêneos. Portanto, não existe assime-tria na idade do equipamento de capital nem diferenças na qualificação do trabalho. Um único bem é produzido nesta economia, servindo tanto para consumo como para investimento.

A resolução do modelo começa com a definição do valor das vari-áveis endógenas no período zero bem como dos valores dos parâmetros estruturais do modelo. Alguns parâmetros, contudo, não possuem valores numéricos constantes: seus valores mudam ao longo do tempo de forma aleatória com base numa distribuição uniforme de probabilidades. Esse procedimento não é apenas uma tentativa de representar a incerteza ine-rente ao problema da estimação dos “valores verdadeiros” dos parâmetros de um modelo, mas também funciona como uma fonte de choques exó-genos ao sistema.4 As equações dinâmicas podem ser então usadas para calcular os valores das variáveis endógenas do período 1 ao período 69, supondo este último como o ponto terminal do período de simulação.

A natureza não-linear das equações dinâmicas do modelo em con-junto com a ocorrência de choques exógenos irá produzir uma trajetória

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para as variáveis endógenas do modelo que é dependente da história particular dos choques exógenos. Daqui se segue, portanto, que a solução do modelo é path-dependent e a “história importa”.

Deve-se também enfatizar que as trajetórias temporais das variáveis endógenas não são, em geral, determinadas por atratores ou por nenhum tipo de equilíbrio. Se for possível calcular um steady-state para as variá-veis endógenas, este resultado será uma solução muito particular (uma solução num conjunto de soluções de não-equilíbrio) e uma solução não-interessante, uma vez que não existirão mecanismos pelos quais se possa assegurar a seleção dessa solução particular. O caso geral é uma trajetória dinâmica fora do equilíbrio para as variáveis endógenas.

Este modelo será construído a partir de sete módulos interdepen-dentes: (i) módulo 1 – componentes da demanda efetiva; (ii) módulo 2 – determinação do nível de produção, renda e progresso tecnológico; (iii) módulo 3 – determinação da distribuição funcional de renda; (iv) módulo 4 – inflação e política monetária; (v) módulo 5 – sistema finan-ceiro, (vi) módulo 6 – setor externo, e (vii) módulo 7 – ativos e passivos do setor privado.

2.1 módulo 1: Demanda efetiva.

Inicialmente assumiremos que os gastos do governo com consumo crescem a uma taxa exógena (hC) por período. Eles são, portanto, autôno-mos com respeito ao nível corrente de atividade econômica. De tal forma que podemos escrever a seguinte equação

Gtc = (1 + hc) Gc

t -1 (1)

Onde: GCt é o gasto em consumo do governo realizado no período t.

Presumimos que os gastos governamentais com investimentos sejam pró-ciclicos, variando na mesma direção do nível de atividade econômica, tal como segue:

GtI = h I Yt – 1 (2)

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Onde: hI representa o fator de indução das variações do nível de atividade econômica do período t-1 sobre os gastos de investimento do governo no período t. Por hipótese: 1>hI>0

O investimento privado na ampliação da capacidade produtiva existente é determinado por um processo de dois estágios. No primeiro, determina-se o investimento que os empresários desejam realizar, dadas as suas expectativas quanto aos rendimentos futuros do equipamento de capital, o seu estado de confiança e a sua “preferência pela liquidez”, fatores que se manifestam na determinação do desconto aplicado à série de rendimentos futuros esperados do novo equipamento de capital.

No segundo estágio, os empresários confrontam o investimento desejado com a restrição financeira ao investimento. Esta restrição é expressa pelo nível máximo de endividamento que a firma pode tolerar. Se o investimento desejado for superior ao “investimento possível”, dada a restrição financeira da firma, então a firma só poderá investir até o máximo permitido pelo seu nível de endividamento. Por outro lado, se o investimento desejado for inferior ao “investimento possível”, então a firma poderá executar a totalidade das suas decisões de investimento.

O estoque de capital desejado pelos empresários possui dois com-

ponentes. O primeiro é: , onde σ representa a razão capital-produto e a0 é o coeficiente de projeção de vendas que é usado pelos empresários para formarem as suas expectativas a respeito do nível futuro de produ-ção e de vendas a partir dos valores observados no período passado. Essa é uma formalização simples do comportamento convencional de forma-ção de expectativas, no qual a situação presente é considerada como um guia para o futuro (POSSAS, 1993). Deve-se também observar que a0 é suposto ser uma variável aleatória com uma distribuição uniforme de probabilidade definida no intervalo [-0.3; 3.7]. As flutuações em a0 re-presentam variações no estado de expectativas de longo termo na teoria keynesiana do investimento.

O segundo componente do estoque de capital desejado é:

-11 S

t

Dt

PP

α ,

onde PtD é o preço de demanda dos ativos de capital no período t; Pt

S é o preço de oferta desse equipamento no mesmo período e a1 é uma cons-tante positiva. Esse componente integra a decisão de investimento na teo-

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ria mais geral da escolha de portfolio, uma vez que, por intermédio desse mecanismo, o investimento em ativos de capital é comparado em termos de lucratividade e liquidez com formas alternativas de acumulação de ri-queza. Mais especificamente, os empresários possuem sempre a alternati-va de usar dinheiro ao invés de ativos de capital como veículo para acumu-lar riqueza no tempo (DAVIDSON, 2002, p. 71). Um preço de demanda dos ativos de capital maior que o preço de oferta é um sinal para os em-presários que o investimento em ativos de capital é superior ao entesoura-mento monetário como estratégia para a acumulação de riqueza.

As funções de investimento desejado e de estoque de capital desejado podem ser expressas por:

Assumindo novamente um comportamento convencional de forma-ção de expectativas, podemos calcular o valor presente das receitas espe-radas do equipamento de capital (o preço de demanda do equipamento de capital). Por intermédio de uma projeção simples dos lucros obtidos no ultimo período (POSSAS, 1993), chega-se à seguinte expressão:

Onde: t é a alíquota do imposto sobre os rendimentos não-salário, mt-1

é a participação dos lucros na renda no período t-1, Pt-1 é o nível geral de preços do período t-1, Yt-1 é a renda real do período t-1 e dt é a taxa de des-conto aplicada aos rendimentos esperados do equipamento de capital.

O custo de reposição do equipamento de capital, que podemos denominar preço de oferta do referido equipamento, equivale ao valor

(3)

(4)

(5)

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do estoque de capital avaliado segundo os preços correntes desse equipa-mento. Dada a estrutura do modelo aqui apresentado, o preço corrente do equipamento de capital é igual ao nível geral de preços prevalecente no período. Sendo assim, temos que:

A taxa de desconto, aplicada aos rendimentos esperados do equi-pamento de capital, depende de dois elementos: (i) a taxa de juros dos empréstimos bancários, entendida como uma proxy para o custo de oportunidade dos projetos de investimento (it-1); e (ii) o risco do toma-dor, que é uma média ponderada do risco de solvência (δt-1) e do risco de refinanciamento ou liquidez (ft-1). Sendo assim, temos:

Onde: θ é o fator de ponderação dos riscos de insolvência e de iliqui-dez (indica o grau de aversão empresarial ao risco de insolvência vis-à-vis o risco de iliquidez); Lt é o volume total de empréstimos fornecidos pelos bancos; γ é o coeficiente de amortização dos débitos empresariais; δt-1 é a razão entre o endividamento total das empresas e o seu estoque de capital; e ft é um coeficiente de comprometimento financeiro, dado pela relação entre o passivo financeiro e o lucro operacional das empresas.

Uma vez determinado o investimento desejado, as firmas devem avaliar a real possibilidade de implementação de suas decisões de inves-timento. Elas devem determinar o montante de empréstimos que podem contrair junto ao setor bancário, tendo em vista o grau máximo de endivi-damento que estão dispostas a aceitar, bem como o montante de recursos próprios efetivamente disponíveis para o financiamento de suas decisões de investimento. Estes últimos são obtidos com base na retenção do lucro operacional líquido. Suporemos que o governo isenta do pagamento de impostos a parcela de lucros que é retida para o autofinanciamento. Des-sa forma, a restrição financeira ao investimento é igual ao acréscimo no nível de endividamento que as firmas estão dispostas a aceitar junto aos

(5a)

(6)

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bancos comerciais mais o lucro operacional liquido antes do pagamento de impostos que não é distribuído aos acionistas. Assim, o investimento que a firma pode realizar no período t é determinado por:

Onde: ϑ é o coeficiente de retenção de lucros, Wt-1 é o salário nomi-nal pago no período t-1, Nt-1 é o número de trabalhadores empregado no período t-1.

A equação (8), a seguir, detalha o investimento efetivamente realizado no período t:

Quanto aos gastos de consumo, iremos assumir a existência de tendên-cias diferenciadas sobre salários e lucros, tal como Kaldor (1956) e Pasinetti (1962). Mais especificamente, iremos considerar que “os trabalhadores gas-tam tudo o que ganham”, com uma propensão à poupança igual a zero.

Por outro lado, iremos assumir que os capitalistas produtivos (ou seja, os proprietários das empresas não-financeiras da economia) têm propensão à poupança sobre o lucro operacional líquido igual a sc e que os capitalistas produtivos possuem um estoque de ativos denominados em moeda estrangeira e herdado do período anterior igual a A*

t-1. Sobre este estoque incide uma taxa de juros internacional igual a i*

t-1, de forma que os capitalistas produtivos obtém uma renda do exterior igual a A*

t-1 i*t-1,

em moeda estrangeira. Com isto, os capitalistas produtivos recebem uma renda do exterior igual a Et A

*t-1 i

*t-1, onde Et é a taxa nominal de câmbio

vigente no período t. Por fim, iremos supor que os capitalistas financeiros (ou seja, os

proprietários dos bancos) têm uma propensão à poupança sobre a re-ceita liquida das operações de intermediação financeira igual a sf. Desse modo, os gastos nominais de consumo no período t são determinados pela seguinte expressão:

PtCt = Wt-1Nt-1 + (1-sc)(1-t)(1-ϑ)(Pt-1Yt-1 - Wt-1Nt-1 - (it-1+γ)Lt-1) + A*t-1 i

*t-1 Et + (1-sf)(1-t)Lt-1 it-1

(7)

(8)

(9)

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A demanda efetiva no período t é determinada pela seguinte ex-pressão:5

Onde: Xt é o quantum exportado no período t, Mt é o quantum importado no período t, é a taxa real de câmbio, Pt é o nível de

preços doméstico, Pt* é o nível de preços internacional.

Iremos supor que o quantum importado é determinado pela função:6

Onde: j é uma constante positiva; ξ é a elasticidade-renda da de-manda pelas importações (positiva); χ é a elasticidade-preço da demanda pelas importações (negativa); Pt é o preço das exportações em moeda nacional.

A função de quantum de exportações, de modo análogo, é:7

Onde: x é uma constante positiva; υ é a elasticidade-renda da de-manda por exportações (positiva); Ω é a elasticidade-preço da demanda pelas exportações (positiva); e Y*

t-1 representa a demanda externa definida no período anterior.

2.2 módulo 2: Produção, renda e progresso tecnológico.

De acordo com o principio da demanda efetiva, o nível de produção é determinado pela demanda efetiva por bens e serviços (PASINETTI, 1997, p. 99). O único pressuposto teórico para a validade deste principio é a existência de capacidade de produção ociosa. Em tais condições as firmas irão atender a qualquer oscilação da demanda, variando o seu

(10)

(11)

(12)

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nível de produção corrente. Portanto, o limite de validade do referido principio é dado pelo nível potencial de produção da economia. Este nível potencial é a quantidade máxima de bens e serviços que a econo-mia pode produzir num dado período com o estoque de máquinas e de trabalhadores disponíveis.

Todavia, determinar o produto potencial envolve limitações de duas naturezas distintas. As primeiras dizem respeito à disponibilidade da força de trabalho. As segundas, à intensidade do uso da capacidade de produção exis-tente. No que se refere às primeiras limitações, importa ressaltar que existe um nível mínimo abaixo do qual a taxa de desemprego não pode cair.8 Essa taxa mínima de desemprego pode ser considerada como o “pleno emprego” da força de trabalho. Denominando essa taxa mínima de desemprego por Umin, temos que a produção máxima de bens e serviços possibilitada pelo pleno emprego da força de trabalho é dada pela expressão:

Onde qt é o requisito unitário de mão-de-obra (quantidade de tra-balhadores tecnicamente necessária para a produção de uma unidade de produto).

A variável qt não é constante, mas muda ao longo do tempo devido à ocorrência de progresso tecnológico. No que se refere ao progresso téc-nico, iremos supor a existência de economias dinâmicas de escala, como, por exemplo, learning by doing. Isso significa que a taxa de variação da produtividade do trabalho é determinada pela taxa de variação do nível de produção e/ou pela taxa de variação do estoque de capital.9 Aqui iremos adotar uma função de progresso técnico kaldoriana (KALDOR, 1957) tal como a que se observa abaixo:

Na expressão (14) pode-se observar que qualquer acréscimo do esto-que de capital agregado irá reduzir o requisito de trabalho por unidade produzida, aumentando assim a produtividade do trabalho.

(13)

(14)

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A incerteza que circunda o processo de mudança técnica é modelada por intermédio de uma variável aleatória (ζ ), que se supõe possuir uma distribuição uniforme de probabilidades no intervalo [-1;1].

Outra hipótese, enfatizada por Steindl (1952), é a existência de um limite superior para o nível de utilização da capacidade produtiva. Daqui se segue que a produção máxima compatível com o nível normal de utilização da capacidade produtiva é dada por:

Onde: Yt-1 é o nível de produção máximo que poderia ser obtido no período t-1 com a plena utilização da capacidade produtiva existente. Esse nível máximo de produção é determinado pela expressão. (Parece faltar aqui a expressão anunciada. Ver com autores)

A produção potencial Yt-1 é dada por:

Onde: σ é a “produtividade social do capital”,10 variável de natureza técnica que indica a quantidade de produto que pode ser obtida por intermédio da utilização de uma unidade de “capital”. Nesse contexto, o produto potencial no período t é o menor valor entre (13) e (15). Temos, portanto:

Se o nível efetivo de produção for menor que o produto potencial determinado pela equação (17), então o produto real no período t será determinado pela demanda efetiva desse mesmo período, dada pela equação (10). A produção pode aumentar entre períodos a uma certa taxa. Contudo, há um limite para esta taxa, dado que as firmas se defrontam com um custo não-desprezível para aumentar a produção entre um período e outro, custo esse dado pelas despesas em que elas têm que incorrer na seleção, contratação e treinamento dos novos trabalhadores. Por esta razão, iremos assumir a existência de uma taxa

(15)

(16)

(15a)

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máxima de crescimento do produto real entre períodos, determinada pelo custo máximo de ajuste do nível de produto entre períodos que as firmas estão dispostas a aceitar. Assim, o nível de produção no período t será determinado pela expressão:

Yt = min [Zt, Ytmax, (1+gmax)Yt-1] (16a)

Onde: gmax representa a taxa máxima de crescimento por período.

2.3 módulo 3: Distribuição de renda.

Numa economia industrial, tal como a que o modelo aqui considera-do supõe, a renda doméstica deve ser concebida como a riqueza expressa em termos materiais (produtos) e criada ao longo de um determinado período. Isto posto, há somente duas modalidades de renda numa econo-mia industrial: salários e lucros brutos. O governo e o setor financeiro não criam riqueza, mas apenas se apropriam de uma parte dos lucros gerados no processo produtivo, sob a forma de impostos e juros. Os impostos e os juros não afetam o montante de lucros e, portanto, de renda criada na economia ao longo de um determinado período. Com isto, a renda avaliada em termos nominais e gerada ao longo do período t é igual à soma da massa de salários e dos lucros brutos. Então, temos:

Onde: rt é a taxa de lucro e w a taxa de salário nominal.A taxa de lucro rt pode ser expressa como o produto entre a par-

ticipação dos lucros na renda (mt), o grau de utilização da capacidade produtiva (ut) e a “produtividade social do capital” (σ). Sendo assim, reescrevemos a expressão (17) da seguinte forma:

Onde: Vt é o salário real.A expressão (18) mostra que, dada a “produtividade do trabalho”, existe

uma relação inversa entre o salário real e a participação dos lucros na renda.

(17)

(18)

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2.4 Módulo 4: Inflação e política monetária

Para determinar a taxa de inflação na economia em consideração, iremos supor que:

(i) As exportações e as importações são feitas apenas com bens de consumo finais. Dessa forma, as variações da taxa nominal de câmbio não têm nenhum impacto direto sobre os custos de pro-dução das firmas; (ii) A mobilidade internacional de trabalho é igual a zero, de modo que os salários nominais e reais são determinados com base apenas nas condições dominantes nos mercados domésticos de trabalho. (iii)As firmas domésticas operam numa estrutura de mercado oligo-polista, de modo que possuem poder de mercado. Assim, podemos considerá-las price-makers no mercado de bens. (iv) Devido à incerteza referente ao nível de demanda pelos seus produtos (resultante da interação estratégica entre as decisões de formação de preços em condições de oligopólio), as firmas fixam os preços dos seus produtos por intermédio de um mark-up sobre os custos diretos unitários de produção.

Dessa forma, temos:

Pt = (1+Ztf )Wtqt (19)

onde zft é a taxa de mark-up fixada pelas empresas do setor produtivo.11

Neste sentido, os preços fixados pelas empresas do setor produtivo podem variar entre períodos em função da ocorrência de: (i) uma varia-ção dos salários entre períodos;12 (ii) uma variação da taxa de mark-up entre períodos; e (iii) uma variação do requisito unitário de mão-de-obra entre períodos.13

Sendo assim, a taxa de inflação no período t, definida como a varia-ção de preços entre o período t e o período t-1, é dada por:

Onde: πt é a taxa de inflação no período t.

(20)

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O primeiro passo para a determinação da taxa de inflação no perí-odo t é, portanto, a determinação da inflação salarial, ou seja, a deter-minação da taxa de variação dos salários nominais entre o período t e o período t-1. Para tanto, iremos supor que os salários nominais são objeto de barganha entre as firmas e os sindicatos. No processo de negociação salarial, os sindicatos demandam reajustes salariais suficientes para cobrir a inflação do período anterior e aumentar o nível de salário real até o patamar desejado. Este patamar é influenciado pelas condições vigentes no mercado de trabalho e pelo crescimento da produtividade. Quanto maior for o poder de barganha dos sindicatos maior será a importância do crescimento da produtividade na determinação da taxa de reajuste dos salários nominais. A equação de reajuste salarial será dada por:

Onde: Vt-1 é o salário real desejado pelos trabalhadores no período t.O salário real desejado é dado por:

Substituindo (19), (21) e (21a) em (20), chega-se à seguinte expressão:

A equação (20a) é uma espécie de Curva de Phillips para a economia em consideração. De fato, a taxa de inflação no período t é, entre outras variáveis, uma função da taxa de desemprego no período t-1. Deve-se observar também a presença de inércia inflacionária, uma vez que a taxa de inflação no período t depende da taxa de inflação no período t-1. Finalmente, deve-se observar que variações no grau de utilização da

(21)

(21a)

(20a)

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capacidade produtiva e no estoque de capital agregado também causam variações na taxa de inflação.

O controle da taxa de inflação é um dos objetivos primordiais dos bancos centrais, instituições responsáveis pela formulação da política monetária. Como pressupostos, assumimos que a política monetária é conduzida num regime de metas de inflação e que o Banco Central fixa a cada período o valor da taxa básica de juros por intermédio de uma regra de Taylor (TAYLOR, 1993).14 A equação para a regra de taxa de juros é dada por:

it* = (1- λ)i*

t-1 + λ[β0(πt-1- π

*)+β1(gt-1- η)+β2](22)

Onde: i* é a taxa básica de juros definida pelo Banco Central;15 λ é o fator de inércia da taxa de juros; os coeficientes β0>0 e β1>0 representam, respectivamente, o peso dado, na formação da taxa básica de juros, à di-vergência da taxa de inflação do período anterior com respeito à “meta inflacionaria” (π*) e à divergência da taxa de crescimento do produto real no período anterior com respeito à taxa natural de crescimento (η); e β2 é uma constante.16

2.5 Módulo 5: Setor financeiro e déficit fiscal.

Tal como no caso do setor produtivo, iremos supor que a estrutura de mercado prevalecente no setor bancário é oligopolista. Os bancos têm, portanto, poder de fixar a taxa de juros cobrada sobre os empréstimos que concedem para as empresas produtivas. Os bancos comerciais definem a taxa de juros cobrada pelos seus empréstimos (it) por intermédio da aplicação de um mark-up (zb

t) sobre a taxa básica de juros definida pelo Banco Central (ROUSSEAS, 1986, p. 51-52), tal como na equação:

Assim como no caso das firmas do setor produtivo, o mark-up ban-cário não é fixo, mas pode variar entre períodos em função de mudanças na conjuntura econômica e/ou no poder de mercado dos bancos. Tal como Aronovih (1994), supomos que o mark-up bancário é contracíclico,

(23)

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variando na direção inversa do grau de utilização da capacidade produtiva. Com efeito, aumentos no grau de utilização da capacidade produtiva estão associados ao aumento das vendas e, portanto, a uma redução do risco de default por parte das empresas do setor produtivo. Essa redução do risco de default permite aos bancos reduzir o spread entre a taxa de juros dos empréstimos e a taxa básica de juros.

Outra suposição implícita neste módulo é a de que aumentos na taxa de inflação induzem os bancos comerciais a aumentar a taxa de mark-up. A intuição aqui é a de que aumentos da taxa de inflação obrigam o banco central a aumentar a taxa básica de juros. Tal ação é realizada na tenta-tiva de impedir uma divergência dos índices de inflação com respeito à meta inflacionária. Ocorre que ela aumenta a volatilidade da taxa básica de juros, contribuindo para o aumento do “risco de juros” (ONO et al., 2005). Como resposta a este aumento, os bancos comerciais elevam o spread entre a sua taxa e a taxa de juros fixada pelo banco central.17 A dinâmica do mark-up bancário é explicitada tal como segue:

ztb = max(zb

min; z1but-1+ z2

b πt-1) (24)

Fixada a taxa de juros dos empréstimos, os bancos comerciais aten-dem a toda a demanda de empréstimos das firmas do setor produtivo. Isso significa que não há nenhum tipo de restrição de crédito, tal como se observa nos modelos macroeconômicos de inspiração neokeynesiana. Portanto, o volume efetivo de crédito concedido pelos bancos comerciais no período t é inteiramente determinado pela demanda de crédito. Tal assunção está em consonância com a hipótese de oferta endógena da moeda, apresentada por Kaldor (1986) e Moore (1988).18 O ritmo de expansão dos depósitos à vista é determinado pelo ritmo de concessão dos empréstimos por parte dos bancos comerciais, de modo que:

Onde: Dt é o volume de depósitos à vista no período t. O déficit fiscal do governo (DGt), por suposto, é inteiramente finan-

ciado pela expansão da base monetária (Ht), de onde se infere que:

(25)

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2.6 módulo 6: Setor externo.

Na modelagem do setor externo assumimos que a economia em consideração é uma pequena economia aberta. O seu regime de câmbio é flutuante e ela possui mobilidade imperfeita de capitais. No que se refere ao regime de conversibilidade da conta de capitais, adotamos o pressuposto de que apenas os capitalistas produtivos estão autorizados por lei a usar uma parte dos lucros distribuídos por suas empresas para adquirir ativos no exterior. A única maneira pela qual os capitais podem fluir da economia doméstica para o “resto do mundo” é por intermédio de “investimento externo direto”. Para explorar os diferenciais entre as taxas de juros doméstica e internacional, partimos da premissa de que são proibidos os movimentos de capitais.

Os preços e a taxa de inflação internacional são determinados pelas seguintes equações:

Onde: εt é um ruído branco e *π é a inflação média do resto do

mundo, definida exogenamente. A equação (26) mostra que a inflação internacional é uma variável aleatória com média e variância constantes.

A renda do resto do mundo cresce a uma taxa aleatória gt*, de forma que:

Onde: g* é a taxa média de crescimento da economia mundial (exo-genamente determinada) e ηt é o termo de ruído branco associado ao processo de crescimento.

(26)

(27)

(28)

(29)

(30)

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Por analogia, iremos supor que a taxa de juros internacional flutua de forma aleatória em torno de um valor constante exogenamente de-terminado:

Onde: i * é a taxa de juros média prevalecente no resto do mundo e γt é o termo de ruído branco associado ao movimento da taxa de juros internacional.

O saldo da conta de transações correntes do balanço de pagamentos é dado por:

O resultado da conta de capitais é determinado por:

Assumimos a existência de um regime de câmbio flutuante puro, de maneira que o saldo do balanço de pagamentos será necessariamente igual a zero, uma vez que as autoridades monetárias não intervêm no mercado de câmbio. Sendo assim, temos que:

Como os capitalistas do setor produtivo utilizam suas poupanças para financiar a compra de ativos no exterior, temos que:

Et (A*t - A

*t-1)= sc (1-t)(1-ϑ)[Pt-1Yt-1 - Wt-1Nt-1 - (it-1+γ)Lt-1)] + Et i

*t-1 A

*t-1 (35)

Substituindo as expressões (11), (12) e (35) em (34), obtemos:

Na equação (36) a taxa nominal de câmbio no período t é a variável que ajusta o valor do saldo da conta de transações correntes do balanço de

(31)

(32)

(33)

(34)

(36)

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pagamentos ao valor do saldo da conta de capitais, determinado pela pou-pança dos capitalistas do setor produtivo, de forma a manter o balanço de pagamentos em equilíbrio. Resolvendo a equação (36) para Et, obtemos:19

2.7 módulo 7: ativos e passivos do setor privado.

O setor privado da economia é composto por três classes sociais: capi-talistas produtivos, capitalistas financeiros e trabalhadores. Estes últimos não possuem riqueza não-humana, uma vez que sua propensão a poupar é igual a zero. Dessa forma, iremos analisar apenas a consistência entre ativos e pas-sivos dos capitalistas produtivos e financeiros da economia considerada.

Os capitalistas produtivos e financeiros são proprietários das empre-sas e dos bancos respectivamente. No entanto, empresas e bancos existem como pessoas jurídicas totalmente distinguíveis de seus proprietários. Sendo assim, os seus ativos e passivos serão analisados separadamente dos ativos e passivos dos seus proprietários.

As empresas do setor produtivo possuem como ativo apenas o es-toque de capital, financiado a partir de lucros retidos (capital próprio, Wt

F) e empréstimos bancários (capital de terceiros). Sendo assim, o seu balancete de estoque pode ser expresso por:

Os ativos bancários são representados pelos empréstimos concedidos às empresas e pelas suas reservas em papel-moeda (Rt). O passivo é composto por depósitos à vista e pelo capital próprio (Wt

B). Em termos algébricos:

Os capitalistas do setor produtivo alocam a sua poupança unicamen-te para a compra de ativos denominados em moeda estrangeira. Dessa forma, temos que:

(37)

(38)

(39)

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Onde: WtP é o estoque de riqueza dos capitalistas do setor produtivo.

Por fim, os capitalistas do setor financeiro alocam a sua riqueza (Wt

cf) entre dois ativos: depósitos bancários e papel-moeda (Mt). Assim, temos que:

Agregando todos os ativos e passivos do setor privado, temos que:

Onde: Wt é a riqueza líquida do setor privado. A base monetária (Ht) é igual, por definição, à soma entre as reservas

bancárias e o papel-moeda em poder do público. Assim temos que:

A partir do exposto acima, fica claro que apenas os bancos e os capitalistas do setor financeiro devem tomar decisões de alocação de portfolio. As empresas do setor produtivo e os capitalistas desse setor alocam sua riqueza inteiramente em um único ativo.

No que se refere aos capitalistas do setor financeiro iremos supor que a quantidade de moeda que eles desejam reter no período t é igual à quantidade de moeda que eles retiveram no período anterior mais a parcela poupada do lucro líquido dos bancos nesse período, ou seja:

Substituindo (26) e (42) em (41), temos:

Rt = (Ht-1- Mt-1) + [(DGt) - (1-t)sf (it-1Lt-1)] (45)

3. calibragem do modelo

O modelo em consideração possui 34 parâmetros estruturais e 45 equações. Para calcular as trajetórias dinâmicas das variáveis endógenas

(41)

(42)

(43)

(40)

(44)

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do sistema devemos inicialmente definir os valores dos parâmetros es-truturais. Alguns parâmetros, contudo, são variáveis aleatórias geradas por uma distribuição uniforme de probabilidades. O método de geração desses parâmetros é detalhado na Tabela I abaixo:

Tabela 1. Variáveis exógenas obtidas pelo processo aleatório

a0 Coeficiente de projeção de vendas (variável aleatória definida no intervalo [-0.3; 3.7] )

G*t

Crescimento da economia mundial (variável aleatória gerada no intervalo [0,005; 0,045]).

ζ Termo estocástico do crescimento da produtividade do trabalho (variável aleatória gerada no intervalo [-1;1])

I*t

Taxa de juros internacional (variável aleatória gerada no intervalo [0,01; 0,12]).

Ω Elasticidade preço da demanda das exportações (variável aleatória gerada no intervalo [0,1; 0,8 ]).

χ Elasticidade preço da demanda das importações (variável aleatória gerada no intervalo [-0,7; -0,55]).

ν Elasticidade renda da demanda de importações (variável aleatória gerada no intervalo [0,85; 0,92]).

ξ Elasticidade renda da demanda de importações (variável aleatória gerada no intervalo [0,95; 1,02]).

Para os demais parâmetros, foram atribuídos valores numéricos que podem ser encontrados nas economias do mundo real, sempre que tais valores podem ser aferidos. Mais especificamente, consideramos uma taxa de crescimento da força de trabalho igual a 1,8% por período, uma meta inflacionária de 5% por período, uma propensão a poupar a par-tir dos lucros distribuídos de 0,2, um coeficiente de retenção de lucros de 0,75, uma razão produto-capital de 0,5 (equivalente a uma relação capital-produto igual a 2), uma taxa máxima de crescimento do produto real de 7% por período, uma taxa mínima de desemprego de 2,5%, um nível máximo de utilização da capacidade produtiva de 0,9 e uma taxa de crescimento dos gastos de consumo corrente do governo de 1% por período. Todos esses valores são verificáveis na experiência histórica das economias capitalistas dos últimos 30 anos. Os demais parâmetros, contu-do, são parâmetros livres, no sentido de que seus valores numéricos não resultam de estimativas a priori. Os valores desses parâmetros são livres justamente para que se possa modificá-los de maneira a se obter uma

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“boa simulação”, isto é, obter uma trajetória dinâmica para as variáveis endógenas que reproduza fatos estilizados sobre a dinâmica de longo prazo das economias capitalistas.

Essas considerações nos levam a propor a seguinte metodologia para a simulação computacional do modelo:

1. Escolhe-se um conjunto inicial de valores para os parâmetros e condições iniciais do sistema. Para os parâmetros que tiverem estimativas confiáveis sobre os seus valores numéricos, use esses valores para calibrar o modelo. 2. Roda-se o modelo em computador para calcular as trajetórias dinâmicas das variáveis endógenas. 3. Comparam-se as trajetórias simuladas com algumas propriedades gerais ou “fatos estilizados da dinâmica das economias capitalistas. 4. Se as trajetórias simuladas não replicarem os “fatos estilizados” da dinâmica capitalista, então se escolhe um novo conjunto de parâmetros e condições iniciais do sistema, mantendo cons-tantes apenas aqueles valores para os quais existem estimativas confiáveis.

Os fatos estilizados que desejamos reproduzir com o modelo são os seguintes:

a) O produto real apresenta uma tendência de crescimento positiva no longo prazo, mas o crescimento não é um processo suave. O crescimento se dá por intermédio de flutuações irregulares, mas não explosivas, no decurso da tendência de longo prazo (BLAN-CHARD e FISHER, 1989, p. 1). b) A taxa de retorno real do capital não apresenta nenhuma ten-dência de queda no longo prazo (KALDOR, 1957). c) Os salários reais apresentam uma tendência secular de cresci-mento, em função do crescimento da produtividade do trabalho. d) Existência de capacidade de produção ociosa no longo prazo (KALECKI, 1954). e) Grandes quedas do nível de atividade econômica – uma “gran-de depressão” – são fenômenos relativamente raros na história do

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capitalismo. Em outras palavras, as depressões só ocorrem uma ou duas vezes ao longo de um século (LEIJONHUFVUD, 1996). f)Existe uma tendência de “financeirização” da riqueza capitalista no longo prazo, ou seja, uma tendência ao aumento da participação dos ativos financeiros na riqueza total do setor privado. g)O nível da taxa real de câmbio aparentemente não possui nenhuma influência sistemática sobre a situação da balança de pagamentos, uma vez que o comportamento das exportações e importações é determinado pela competição extra-preço no longo prazo (McCOMBIE e ROBERTS, 2002, p. 92).

Com base na metodologia de simulação apresentada anteriormente, pode-mos definir o seguinte conjunto de valores para os parâmetros do sistema.

Tabela II. valores dos parâmetros usados na simulação computacional

Valor do parâmetro Valor do parâmetro σ0.5

hI 0.01

hC 0.01

a0 1.5

a1 0.05

z0 0.04

zf1 0.65

zf2 0.3

θ 0.85

γ 0.0

λ 0.05

β0 7

β1 30

β2 -0.25

π* 0.05

η 0.018

sc 0.2

sf 0.2

t 0.18

zb1 -0.05

zb2 0.5

ψ 0.03

µ 0.08

ρ 0.005

φ0 0.3

φ1 0.87

ω 0.85

gmax 0.07

Umin 0.02

umax 0.9

δmax 0.9

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4. Resultados da simulação

O modelo apresentado na Seção 2 foi rodado no EXCEL com os valores numéricos apresentados nas Tabelas I e II para um horizonte de 69 períodos de tempo.20 Dada a natureza path-dependent do modelo apresentado, define-se uma trajetória distinta para cada possível realiza-ção das variáveis endógenas listadas nas equações estruturais. Contudo, as principais características qualitativas do comportamento dinâmico do modelo não mudam entre as realizações das variáveis endógenas. Em outras palavras, o comportamento qualitativo do modelo é robusto.

De forma a fazer uma apresentação inteligível dos resultados da simu-lação, iremos separá-los em três grupos. O primeiro grupo está relaciona-do com as variáveis de crescimento e distribuição de renda. Nesse grupo iremos apresentar a dinâmica das seguintes variáveis: taxa de crescimento do produto real, taxa de desemprego, grau de utilização da capacidade produtiva, participação dos lucros na renda e taxa de lucro. O segundo grupo refere-se ao lado monetário e financeiro da economia. Nesse grupo iremos apresentar a dinâmica da taxa nominal de juros de curto termo, da taxa de juros dos empréstimos bancários, da taxa de inflação, do nível de endividamento das firmas com os bancos comerciais e a proporção dos ativos financeiros na riqueza total do setor privado. Finalmente, no terceiro grupo, iremos apresentar a dinâmica das variáveis endógenas relacionadas com o setor externo, qual seja: a taxa real de câmbio e as exportações líquidas como proporção do produto real.

4.1 o comportamento dinâmico das variáveis relacionadas ao cresci-mento e à distribuição de Renda.

A primeira propriedade qualitativa do modelo que é de nosso inte-resse (e que é independente da realização específica das variáveis aleató-rias) é a ocorrência de crescimento cíclico. As flutuações observadas da taxa de crescimento do produto real são irregulares, mas não explosivas, como podemos observar na Figura 1.

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Figura 1 – Dinâmica da taxa de crescimento do produto real

Na Figura 1 podemos observar a ocorrência de uma recessão grave entre os períodos 21 e 25, quando a taxa de crescimento do produto real cai para -4% por período, e uma grande depressão nos períodos 49 e 50, quando a taxa de crescimento do produto real cai para um patamar de -10% por período. Ao longo de todo o período de simulação, a taxa de crescimento do produto real oscila de forma irregular, apresentando fases de crescimento modesto de 2,3% por período e fases de crescimento robusto de 7% por período.

A taxa média de crescimento do produto real foi de 2,9% por perí-odo ao longo de todo o intervalo temporal da simulação. A taxa natural de crescimento da economia em consideração é estimada em 2,6% por período, resultando de um crescimento de 1,8% da força de trabalho mais um crescimento de 0,8% da produtividade do trabalho. Isso sig-nifica que, no modelo em consideração, o crescimento não se limita a acompanhar a taxa natural de crescimento. Este resultado concorda com os modelos pós-keynesianos de crescimento desenvolvidos por Harrod (1939) e Robinson (1962).

Outra observação interessante refere-se à relação entre crescimento da demanda autônoma e taxa de crescimento efetiva. No presente mode-

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lo, a fonte de crescimento da demanda autônoma é dada pela expansão dos gastos de consumo corrente do governo mais o crescimento das exportações. Tomando a média ponderada do crescimento dos gastos de consumo corrente do governo e das exportações, chegamos a uma taxa média de crescimento da demanda autônoma de apenas 0,7% por período. Isso significa que o crescimento da demanda autônoma não é a fonte de crescimento de longo prazo da economia em consideração, um resultado que está em desacordo com a teoria kaldoriana tradicional de crescimento puxado pela demanda (KALDOR, 1988).

Se o crescimento de longo prazo não é determinado nem pela taxa natural de crescimento nem pela taxa de crescimento da demanda autônoma, então qual é a fonte do crescimento de longo prazo da eco-nomia considerada? A única explicação possível é aquela desenvolvida por Kaldor (1954, p. 67) num artigo praticamente esquecido a respeito da relação entre flutuações cíclicas e crescimento: a tendência de cresci-mento é determinada pelo animal spirits dos capitalistas.

Devido às flutuações da taxa de crescimento do produto real, a taxa de desemprego também exibe altos e baixos durante o período de simulação. Como podemos observar na Figura 2, as grandes elevações da taxa de desemprego ocorrem precisamente nos momentos de queda acentuada da taxa de crescimento econômico. Contudo, a série temporal da taxa de desemprego não apresenta nenhuma tendência de aumento ao longo do tempo, e a taxa média de desemprego é de 8,4% da força de trabalho. Esse é um número bastante próximo dos valores observados nos países da OCDE.

Outra propriedade qualitativa interessante do comportamento dinâ-mico do sistema é a ocorrência de excesso de capacidade no longo prazo. Como mostra a Figura 3, o nível de utilização da capacidade produtiva flutua ao longo do tempo – devido às flutuações da demanda efetiva –, mas exibe um nível médio de 23%.

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Figura 2 – Dinâmica da Taxa de Desemprego

Figura 3 – Dinâmica do Grau de Utilização da Capacidade

Em termos de distribuição de renda, a primeira propriedade dinâ-mica interessante do sistema está relacionada com o comportamento do salário real. Como podemos observar na Figura 4, o salário real aumenta em aproximadamente 15% durante o período de tempo da simulação, o

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que corresponde a uma taxa média de crescimento de 0,23% por período. Como o crescimento da produtividade foi de 0,8% por período, pode-mos concluir que a economia em consideração possui uma tendência a reduzir (aumentar) a participação dos salários (dos lucros) na renda. Esse resultado pode ser visualizado na Figura 5.

Figura 4 – Dinâmica da Taxa de Salário Real

Figura 5 – Dinâmica da Participação dos Lucros na Renda

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Um resultado final referente à distribuição de renda é a estabilidade da taxa de lucro no longo prazo. Como podemos observar na Figura 6, a taxa de lucro flutua ao longo do tempo, basicamente como resultado das flutuações do nível de utilização da capacidade produtiva (como se com-prova pela comparação entre as figuras 3 e 6). No longo prazo, contudo, a taxa de lucro flutua em torno de uma média de 5% por período.

Figura 6 – Dinâmica da Taxa de Lucro

Uma ultima observação se faz necessária a respeito do comportamen-to das variáveis de crescimento e distribuição de renda. Como a taxa de lucro permanece estável ao longo do período de simulação, a tendência ao aumento da participação dos lucros na renda deve ser necessariamente seguida por uma tendência à queda do nível de utilização da capacidade produtiva. Essa tendência pode ser observada na Figura 3. Isso significa que, na economia em questão, o nível de utilização da capacidade produ-tiva e a participação dos lucros na renda caminham em direção opostas. Em outras palavras, o regime de acumulação é do tipo wage-led.

4.2 Comportamento dinâmico das variáveis monetárias e financeiras.

Iremos agora voltar nossa atenção para o lado monetário e financeiro da economia. O primeiro resultado interessante refere-se ao comporta-

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mento da taxa de inflação, como pode ser visualizado na Figura 7. Ao longo de todo o intervalo de simulação, podemos observar apenas dois episódios de aceleração inflacionária: do período 1 até o período 5, e do período 26 até o período 31. No restante do período de simulação, a inflação ou está caindo ou permanece estável, em torno de 0% por período. Esse comportamento da taxa de inflação é explicado por dois fatores: o aumento da produtividade do trabalho a uma taxa superior à do crescimento do salário real (enquanto a produtividade cresce a uma taxa média de 0,8%, o salário real cresce a uma taxa média de 0,23%), e a tendência à queda do nível de utilização da capacidade produtiva, ação que força as empresas a reduzir a sua taxa de mark-up. O efeito combinado desses fatores é forte o suficiente para contra-restar o efeito do gap entre o salário real desejado e o salário real efetivo sobre a taxa de inflação (Figura 8).

Figura 7 – Dinâmica Inflacionária

Supõe-se, ademais, que a política monetária na economia em questão opera sob o arcabouço institucional do Regime de Metas de Inflação. Isso significa que o Banco Central deve aumentar a taxa de juros de curto termo toda vez que for necessário para interromper qualquer acelera-ção da inflação. Como podemos observar na Figura 10, o Banco Central

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aumenta a taxa de juros de curto termo em dois episódios: do período 1 ao período 5 e novamente do período 26 ao período 31, precisamente os episódios de aceleração da inflação. Contudo, não podemos deixar de ressaltar a brutal elevação da taxa de juros de curto termo requerida para estabilizar a taxa de inflação. De fato, no primeiro episódio de elevação da taxa de juros, a taxa de juros de curto termo foi elevada para 37,5% por período, e, no segundo episódio, para 24,8% por período.

Figura 8 – Dinâmica do Conflito Distributivo

Essa observação coloca a seguinte questão: por que um acréscimo brutal da taxa nominal de juros de curto prazo é requerido para estabi-lizar a taxa de inflação?

Para responder a essa questão devemos analisar os canais através dos quais a política monetária pode afetar a taxa de inflação com base no modelo aqui apresentado. A inflação é determinada pela equação (20a), segundo a qual a inflação irá acelerar toda a vez que: i) a meta do salário real for maior que o salário real observado no ultimo período; ii) o nível de utilização da capacidade produtiva estiver aumentando; iii) o nível de endividamento das firmas com o setor bancário estiver aumentando; e iv) a taxa de acumulação de capital estiver aumentando.

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O problema com uma política monetária contracionista como ins-trumento para estabilizar a taxa de inflação é que ela contribui, ao mesmo tempo, para fortalecer os fatores responsáveis por um aumento e por uma redução da taxa de inflação. De fato, um aumento da taxa de juros de curto termo irá aumentar o custo de oportunidade do capital devido ao seu efeito sobre a taxa de desconto dos lucros futuros. Isso irá atuar no sentido de reduzir o investimento desejado. Se a redução do investimento desejado for acompanhada por uma redução do investimento realizado, então dois efeitos irão seguir-se: a) o nível de demanda efetiva irá reduzir-se, contribuindo para a redução do nível de utilização da capacidade produtiva (que reduz a inflação); e b) a taxa de acumulação de capital será reduzida, daí resultando uma redução da taxa de crescimento da produtividade do trabalho, o que aumenta a inflação. Além disso, um aumento da taxa de juros de curto termo produzirá um aumento da taxa de juros bancária (Ver Figura 10). Esse acréscimo irá acelerar a taxa de crescimento do endivida-mento das firmas com o setor bancário, contribuindo para acelerar a taxa de inflação. A agregação de todos esses efeitos demonstra que a definição da política monetária como instrumento de controle da inflação terá uma eficácia muito pequena, se chegar a ter alguma. Esse resultado está em consonância com a literatura empírica a respeito dos efeitos das taxas de juros sobre a taxa de inflação (ARESTIS e SAYWER, 2006, p. 14).

Figura 9 – Dinâmica da Taxa de Juros Nominal de Curto Termo

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Figura 10 – Dinâmica da Taxa de Juros Bancária

No que se refere ao nível de endividamento das firmas com o setor bancário, a Figura 11 mostra que a razão entre a dívida das firmas e o valor corrente do seu estoque de capital se estabiliza em torno de 0,9 no longo prazo. Isso significa que as firmas do setor produtivo são bem-sucedidas em impedir um aumento explosivo no seu nível de endividamento.

Figura 11 – Dinâmica do Nível de Endividamento das Firmas

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Para concluir as observações a respeito da dinâmica das variáveis endógenas, cabe assinalar que, tal como mostra a Figura 12, existe uma tendência de longo prazo para o aumento da participação da riqueza financeira na riqueza total do setor privado. Esse acréscimo resulta do fato de que os capitalistas produtivos e os capitalistas financeiros usam suas poupanças pessoais apenas para comprar ativos financeiros. Esse resultado é consistente com os “fatos estilizados” da dinâmica de longo prazo das economias capitalistas, segundo a qual a riqueza financeira tende a aumentar em importância no longo prazo.

Figura 12 – Dinâmica da Participação da Riqueza Financeira na Riqueza Total

4.3 comportamento dinâmico do setor externo.

Iremos agora voltar nossa atenção para o comportamento dinâmico das variáveis relacionadas com o setor externo da economia. Como po-demos observar na Figura 13, constata-se a ocorrência de uma deprecia-ção contínua da taxa real de câmbio ao longo do período de tempo da simulação. A tendência à depreciação da taxa real de câmbio é causada pela diferença entre as taxas de inflação doméstica e internacional. No nosso exercício de simulação, consideramos uma taxa de inflação inter-nacional de 2,5% por período, mas a taxa média de inflação doméstica

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é de apenas 0,2% por período. Em outras palavras, supõe-se que a taxa de inflação internacional seja 10 vezes maior do que a taxa doméstica de inflação. Além disso, podemos observar a ocorrência de episódios isola-dos de hiperdesvalorização da taxa de câmbio, devido às desvalorizações substanciais, mas temporárias, da taxa nominal de câmbio.

Figura 13 – Dinâmica da Taxa Real de Câmbio

Apesar da tendência à depreciação da taxa real de câmbio, a Figura 14 não exibe nenhuma oscilação no comportamento das exportações lí-quidas como proporção do produto real. De fato, as exportações líquidas como fração do produto real flutuam em torno de 4%. Esse resultado confirma a assertiva pós-keynesiana segundo a qual os preços relativos não têm impacto significativo sobre a situação do balanço de pagamentos (McCOMBIE e ROBERTS, 2002, p. 92).

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Figura 14 – Dinâmica das Exportações Líquidas como Proporção do Produto Real

5. conclusões

O objetivo fundamental deste artigo era construir um modelo ma-crodinâmico estocástico de simulação para uma economia aberta com atividades governamentais, um regime de câmbio flutuante puro, metas de inflação, progresso técnico endógeno e mobilidade imperfeita de capitais. Esse modelo é pensado para ser um arcabouço teórico capaz de integrar os aspectos real e financeiro da economia pós-keynesiana, promovendo assim alguns avanços no sentido de responder à crítica de Solow (1979) segundo a qual a economia pós-keynesiana seria apenas um “estado de espírito”, ao invés de um desafio coerente ao mainstream.

As trajetórias simuladas refletem algumas propriedades gerais da dinâmica capitalista, especialmente a existência de flutuações irregulares da taxa de crescimento do produto real. A análise do setor externo da economia mostra que o comportamento das exportações líquidas como proporção do produto real é largamente independente da taxa real de câmbio. Outro resultado importante do modelo é o aumento da partici-pação da riqueza financeira na riqueza total do setor privado. Em outras palavras, o modelo prevê uma “financeirização” crescente da riqueza capitalista no longo prazo.

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O modelo apresentado neste artigo pode ser usado para avaliar os efeitos das mudanças de política econômica – por exemplo, um aumen-to da taxa de crescimento dos gastos de consumo corrente do governo ou um aumento da meta inflacionária – sobre a dinâmica das variáveis endógenas. Esse exercício, contudo, por falta de espaço, não poderá ser realizado neste artigo.

Notas

1 Os autores agradecem aos comentários de Gary Dymski, Lionello Punzo, Luiz Fernando de Paula, Mark Settterfield, Peter Skott e de um parecerista anônimo desta revista às versões anteriores deste artigo. Eventuais falhas remanescentes são, contudo, de nossa inteira responsabilidade. O apoio financeiro do CNPq também é digno de menção.

2 Para uma crítica de Solow (1979), ver Carvalho (1992). 3 O modelo aqui apresentado é uma extensão e aperfeiçoamento do modelo origi-

nalmente desenvolvido por Oreiro e Ono (2007). Na versão aqui proposta, o modelo original é estendido para uma economia aberta que opera num contexto de mobili-dade imperfeita de capitais e câmbio flutuante. A versão original contemplava uma economia sem qualquer tipo de transação com o exterior. Além disso, uma série de aperfeiçoamentos foram feitos no modelo original. Em primeiro lugar, foi introdu-zido o progresso técnico no modelo, com base numa função de progresso técnico kaldoriana, fator que se achava ausente do modelo original. Em segundo lugar, a função investimento foi reespecificada, o que melhorou sensivelmente os resultados da simulação computacional. Por fim, os gastos de consumo corrente do governo foram considerados nesta versão como autônomos com respeito ao nível de atividade econômica, o que não acontecia na versão original. Essa mudança também permitiu uma sensível melhoria nos resultados da simulação.

4 Devemos enfatizar que a simples introdução de não-lineariedades num modelo econômico não é condição suficiente para produzir flutuações limitadas do produto real ou da taxa de crescimento do produto real. Como mostrado por Nasica (2000, p. 68-69), um modelo dinâmico não-linear pode produzir convergência monótona (ou divergência) com relação aos valores de steady-state do sistema, dependendo dos valores dos parâmetros. Em exercícios matemáticos puros, podemos sempre escolher os valores numéricos requeridos para a existência de flutuações sustentadas da taxa de crescimento do produto real. Contudo, em exercícios mais realistas, sob ponto de vista da teoria econômica, tais graus de liberdade não existem. Portanto, a introdução de choques aleatórios pode ser considerada uma estratégia de modelagem adequada para a dinâmica econômica. Além disso, em modelos determinísticos, embora não-lineares, a ocorrência de path-dependence é quase sempre o resultado de diferenças nas condições iniciais. (id., ib., p.63). Num modelo estocástico não-linear, contudo, a

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path-dependence é o resultado dos efeitos de diferentes histórias de choques externos sobre a estrutura do sistema.

5 Ver Blanchard (1999, p.228). 6 Baseado em Thirwall (1982, p. 195). 7 Baseado em Thirwall (1982, p.221). 8 Trata-se do assim chamado “desemprego friccional” e do “desemprego voluntário”. 9 Trata-se da assim chamada “lei de Kaldor-Verdoorn”. Para uma resenha das evidências

empíricas que apontam para a validade da lei em consideração, ver McCombie e Ridder (1984).

10 Essa terminologia é tomada de empréstimo a Domar (1946). 11 O mark up produtivo pode ser definido como:.

No que se refere à variação da taxa de mark-up entre períodos, iremos basear-nos nas idéias de Eichner (1979). Segundo esse autor, a margem de lucro é uma variável central na adaptação da firma à conjuntura econômica. Num cenário positivo de aumento do grau de utilização da capacidade produtiva, as firmas aumentariam a taxa de mark-up devido ao aumento do seu poder de mercado decorrente do aumento da demanda pelos seus produtos. Por outro lado, a margem de lucro é uma variável importante na determinação da capacidade interna de financiamento da firma. Dessa forma, num cenário de elevação da taxa de endividamento, as firmas podem recorrer ao aumento da taxa de mark-up como parte de uma estratégia com vistas ao aumento dos fundos autogerados.

12 Supõe-se que, ao longo de um dado período, os salários nominais são fixos. 13 Ao contrario dos modelos kaleckianos tradicionais, a taxa de mark-up pode variar ao

longo do tempo como resultado do aumento do poder de mercado das empresas ou em função de uma maior necessidade de geração de fundos próprios para o finan-ciamento das decisões de investimento. Ao longo de um dado período, no entanto, a taxa de mark-up permanece constante.

14 Sobre a compatibilidade entre metas de inflação e a economia pós-keynesiana ver Setterfield (2006).

15 Segundo Barbosa (2004), os bancos centrais não realizam mudanças abruptas na taxa de juros de um período para o outro, mas tendem a se comportar de forma a realizar uma “suavização” dos movimentos da taxa de juros ao longo do tempo. Dessa forma, passa-se a observar certo comportamento inercial da taxa de juros.

16 A única restrição à aplicação da equação (22) como regra de fixação da taxa básica de juros pelo Banco Central é que a taxa de juros básica não pode jamais ser negativa. Dessa forma, deve-se estabelecer um “piso” para a taxa básica de juros nessa economia. Deno-minando esse piso por i*

min, o valor da taxa básica de juros no período t é dado por:

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17 O mark-up bancário possui um “piso” abaixo do qual não pode cair e que reflete o “grau de monopólio” dos bancos. Portanto, a equação de determinação do mark-up bancário é dada por:

18 O argumento básico de Moore (1988) para justificar o caráter endógeno da oferta de moeda é que, nas condições prevalecentes nos modernos sistemas monetários, carac-terizados pela existência conjunta de fiat money e credit money, a base monetária é endógena, ou seja, o banco central acomoda toda e qualquer variação na demanda por reservas bancárias com uma variação da disponibilidade de reservas, mantendo constante a taxa de juros do mercado interbancário.

19 Devemos observar que o diferencial entre a taxa de juros doméstica e a taxa de juros internacional não aparece como um dos determinantes da taxa nominal de câmbio. Isso é uma decorrência lógica da hipótese de que os fluxos de capitais especulativos entre residentes domésticos e residentes no exterior são proibidos por lei. Embora essa não seja mais a realidade da totalidade dos países desenvolvidos e de uma parte considerável dos países emergentes, ainda existem, no grupo destes últimos, países de expressivo peso econômico que proíbem esse tipo de transação. O grande exemplo é a China. No caso chinês o diferencial entre a taxa de juros doméstica e a taxa de juros internacional tem pouca ou nenhuma relevância para a dinâmica da taxa de câmbio devido à presença de elevados controles de capitais de curto prazo.

20 Originalmente o horizonte temporal era de 74 períodos, mas os cinco primeiros períodos foram excluídos da análise exposta a seguir, porque o modelo apresenta um comportamento muito instável nos períodos iniciais de simulação.

a stocastic macroedinamic post-keynesian model of simulation for an opened economy

Abstract – The objective of this article is to present the structure and first simu-lation results of a post-keynesian macro-dynamic stochastic model for an open economy with floating exchange rates and imperfect mobility of capital. The model to be presented integrates both the real and financial aspects of post-keynesian economics in a dynamic framework where real output is demand determined, investment is driven by Minsky´s two price theory, money is en-dogenous, technical progress is determined by a Kaldorian technical progress function and net exports are an important component of aggregate demand. Domestic capitalists can store their wealth in foreign bonds, so there is imperfect mobility of capital. After the presentation of the basic structure of model, one can

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perform its computational simulation and, then, infer the dynamic trajectories of endogenous variables. Simulated trajectories reflect some general features of the dynamic of capitalists economies, especially the existence of irregular fluc-tuations of the growth rates of real output. The analysis of the external sector of the economy shows that the behavior of net export surplus as a share of real output is largely independent of real exchange rate, stressing the importance of non-price competition to the dynamics of the balance of payments. Another important result that was obtained from the model is the increasing share of financial assets in national wealth. In other words, the model provides an eco-nomic result that suggests a growing share of financial assets in the capitalists` aggregate wealth of this economy.

Keywords – Open Economy Macroeconomics, Computational Economics, Simulation Models, Post-Keynesian Economics.

JEL – E12; F43, E37.

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Recebido para publicação em novembro de 2007 Aprovado para publicação em maio de 2008