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Uma Análise acerca do Instituto da Desapropriação Rural:
Ponderações sobre a Temática
Tauã Lima Verdan Rangel1
Resumo: O objetivo do artigo científico está assentado em discorrer acerca da
modalidade de desapropriação rural, abordando, para tanto, seus aspectos
caracterizadores e requisitos ensejadores. Quadra reconhecer que o
ordenamento jurídico nacional garantiu, de um lado, o direito de propriedade e,
doutro ângulo, nunca proibiu a desapropriação. Contemporaneamente, a
convivência entre os institutos encontra materializada nos incisos XXII e XXIV do
artigo 5º da Constituição de 1988. Com clareza ofuscante, insta anotar que o
primeiro inciso preconiza que é garantido o direito de propriedade, ao passo que o
segundo assinala que a legislação disporá acerca do procedimento para a
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social,
mediante justo e prévio quantum indenizatório em dinheiro, excetuando, neste
ponto, as hipóteses entalhadas no próprio Texto Maior. Cuida assinalar,
oportunamente, que a modalidade da desapropriação rural apresenta por objetivo
a transferência para o Poder Público de imóvel caracterizado como rural. Neste
sentido, ainda, em consonância com o artigo 186 da Constituição de 1988, o
Poder Público possui a prerrogativa de proceder à desapropriação rural quando o
imóvel não estiver atendendo a função social rural, porém o escopo da
expropriação pode voltar-se tanto para fins de reforma agrária, como para
qualquer outro fim condizente com a política agrícola e fundiária. A partir de tais
ideários, a pesquisa desenvolvida está assentada no método de revisão
bibliográfica, conjugado, no decorrer do artigo, da legislação nacional pertinente,
com vistas a esmiuçar os requisitos enumerados.
1 Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental. E-mail: [email protected]
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Palavras-chaves: Desapropriação Rural. Proteção Possessória. Estado.
Sumário: 1 Desapropriação Rural: Ponderações Introdutórias; 2 Competência
para a Desapropriação Rural; 3 O Desatendimento da Função Social da
Propriedade Rural e o Cabimento da Desapropriação; 4 Verba Indenizatória
decorrente da Desapropriação Rural; 5 Inaplicabilidade da Desapropriação
1 Desapropriação Rural: Ponderações Introdutórias
Em sede de comentários inaugurais, quadra reconhecer que o
ordenamento jurídico nacional garantiu, de um lado, o direito de propriedade e,
doutro ângulo, nunca proibiu a desapropriação. “Esses dois direitos, o de
propriedade do administrado e o de desapropriar do Estado, como ocorre em
outros países, sempre conviveram no nosso ordenamento jurídico”2.
Contemporaneamente, a convivência entre os institutos encontra materializada
nos incisos XXII e XXIV do artigo 5º da Constituição da República Federativa do
Brasil de 19883. Com clareza ofuscante, insta anotar que o primeiro inciso
preconiza que é garantido o direito de propriedade, ao passo que o segundo
assinala que a legislação disporá acerca do procedimento para a desapropriação
por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justo e
prévio quantum indenizatório em dinheiro, excetuando, neste ponto, as hipóteses
entalhadas no próprio Texto Maior.
Pertinente faz-se mencionar que a faculdade constitucional para
desapropriação é imprescindível, porquanto nem sempre o Estado pode lograr
êxito aos fins que se propõe pelos meios que o Direito Privado oferece e regula.
“O proprietário do bem necessário, útil ou de interesse social para o Estado
resiste às suas pretensões de compra, por não querer vender ou por não lhe
interessar o preço oferecido, impedindo, com essa resistência, a realização do
bem comum”4, como bem anota Diógenes Gasparini. Em tais situações, é tangível
2 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 905. 3 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. 4 GASPARINI, 2012, p. 905.
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que apenas a desapropriação tem o condão de restaurar a prevalência do
interesse público sobre o interesse particular, retirando do proprietário, mediante o
pagamento de indenização, a sua propriedade. Denota-se, portanto, que a
desapropriação é o mais eficaz e também o mais grave instrumento de que
dispõe o Estado para intervir na propriedade, desde que se apresente como
necessária, útil ou de interesse social.
Ao lado do esposado, é mister apontar que vários são os conceitos
estruturados pela doutrina, calcado no ordenamento jurídico vigente. Assim, com
espeque nas disposições legais norteadoras, notadamente aquelas contidas na
da Constituição da República Federativa do Brasil de 19885, a desapropriação é
descrita como sendo o procedimento administrativo pelo qual o Estado,
compulsoriamente, retira de alguém certo bem, por necessidade ou utilidade
pública ou por interesse social e adquire, originariamente, para si ou para outrem,
mediante prévia e justa indenização, adimplida em dinheiro, salvo os casos que o
próprio Texto Constitucional enumera, em que o pagamento é feito como títulos
da dívida pública ou da dívida agrária6. Convém, ainda, mencionar que o instituto
da desapropriação, assim conceituado, também recebe a denominação de
expropriação. O Poder Público é o expropriante ou o desapropriante, ao passo
que o proprietário do bem é o expropriado ou desapropriado. Durante o
desenvolvimento do procedimento expropriatório, o bem é qualificado como
expropriando ou desapropriando.
Cuida assinalar, oportunamente, que a modalidade da desapropriação
rural apresenta por objetivo a transferência para o Poder Público de imóvel
caracterizado como rural. Conforme preconiza o artigo 4º da Lei nº 8.629, de 25
de fevereiro de 19937, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos
constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da
Constituição Federal, o imóvel rural pode ser conceituado como o prédio rústico
de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa 5 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. 6 Neste sentido: GASPARINI, 2012, p. 906. 7 BRASIL. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm>. Acesso em 06 jan. 2014.
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se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou
agroindustrial. Dessa maneira, por exclusão dos limites legislativos estabelecidos,
salta aos olhos que a modalidade em comento não abarcará os imóveis
considerados urbanos, os quais serão suscetíveis de expropriação por
modalidades distintas do instituto em comento. Carvalho Filho8, ao examinar o
thema, discorre que há de se considerar que o sentido assumido pela expressão
é amplo, comportando, consequentemente, mais de um escopo.
Neste sentido, ainda, em consonância com o artigo 186 da Constituição
da República Federativa do Brasil de 19889, o Poder Público possui a prerrogativa
de proceder à desapropriação rural quando o imóvel não estiver atendendo a
função social rural, porém o escopo da expropriação pode voltar-se tanto para fins
de reforma agrária, como para qualquer outro fim condizente com a política
agrícola e fundiária. Ademais, consoante o magistério apresentado por José dos
Santos Carvalho Filho, “é verdade que a regra é aquele objetivo, mas nada
impede (porque a Constituição não proíbe) que o Poder Público persiga a
conquista de outras situações que não a reforma agrária”10, desde que,
obviamente, reste compatibilizada a função social rural. Independente do objetivo
da desapropriação rural, normal é que seja adequada na modalidade de
desapropriação por interesse social, situação fático-jurídica substancializadora de
um dos fundamentos do poder expropriatório do Estado, alicerçado no inciso
XXIV do artigo 5º do Texto Constitucional11.
8 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 818. 9 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. 10 CARVALHO FILHO, 2011, p. 818. 11 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [omissis] XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.
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2 Competência para a Desapropriação Rural
A competência para a desapropriação rural por interesse social é
exclusiva da União Federal, em consequência, Estados, Distrito Federal e
Municípios estão alijados dessa prerrogativa expropriatória específica. Quadra
reafirmar que tal disposição encontra amparo, expressamente, no artigo 184, §2º,
da Constituição da República Federativa do Brasil de 198812, bem como no artigo
2º, §1º, da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 199313, que dispõe sobre a
regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária,
previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Neste sentido,
inclusive, há que se colacionar o paradigmático entendimento jurisprudencial
consagrado no Superior Tribunal de Justiça:
Ementa: Processual Civil e Administrativo - Recurso Especial - Ação de indenização - Arrendatário de imóvel rural objeto de desapropriação pra fins de reforma agrária - Legitimidade Passiva da União - Direito obrigacional que não se sub-roga no preço. 1. Compete exclusivamente à União promover a desapropriação rural por interesse social, para fins de reforma agrária (arts. 184 da CF/88 e 2º, § 1º, da Lei 8.629/93), resultando daí sua legitimidade para figurar no polo passivo de ação almejando a recomposição de prejuízos suportados por arrendatário de imóvel rural objeto de desapropriação. [...] 3. Recurso especial não provido. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp nº 1.130.124/PR/ Relatora: Ministra Eliana Calmon/ Julgado em 04.04.2013/ Publicado no DJe em 10.04.2013).
Insta reconhecer que a exclusividade da competência repousa na
premissa que a matéria rural abrange todo o território brasileiro e ostenta
12 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. [omissis] § 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação. 13 Idem. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm>. Acesso em 06 jan. 2014. Art. 2º A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais. §1º Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.
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interesse de caráter nacional. Consoante aduz José dos Santos Carvalho Filho14,
em seu magistério, o interesse público a ser protegido extrapola o âmbito
estadual, distrital e municipal, motivo pelo qual o Texto Maior confere também à
União a competência para legislar sobre direito agrário.
3 O Desatendimento da Função Social da Propriedade Rural e o
Cabimento da Desapropriação
Ao rememorar que a propriedade constitui direito relativo e
condicionado, é carecido explicitar que, quando qualificar como rural, tenha
utilização atrelada à função social rural. Dessa maneira, quando observado que a
função social rural não está atendida, o imóvel estará sujeito à modalidade de
desapropriação em comento. Neste aspecto, implica anotar que a função ora
mencionada é atendida, nos termos preconizados no artigo 186 da Constituição
Federal de 198815, quando se constata a presença dos seguintes requisitos: (i)
aproveitamento racional e adequado; (ii) utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; (iii) observância das
disposições que regulam as relações de trabalho; e (iv) exploração que favoreça o
bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
O primeiro requisito para materializar a função social da propriedade
está vinculado à racionalidade e à adequação do aproveitamento dos graus de
utilização da terra e da eficiência na exploração. Os graus de aproveitamento
racional e adequado encontram-se inseridos nos §§1º a 7º do artigo 6º da Lei nº
8.629, de 25 de fevereiro de 199316, que dispõe sobre a regulamentação dos
dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III,
Título VII, da Constituição Federal. Neste aspecto, o grau de utilização da terra,
para efeito do caput do artigo 6º do sobredito diploma legal, deverá ser igual ou
14 CARVALHO FILHO, 2011, p. 818. 15 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. 16 Idem. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm>. Acesso em 06 jan. 2014.
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superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área
efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel. Ao lado disso, ainda
sobre o requisito em exame, oportunamente, prima ponderar que o grau de
eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por
cento), e será obtido de acordo com a seguinte sistemática: (i) para os produtos
vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos
índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo,
para cada Microrregião Homogênea; (ii) para a exploração pecuária, divide-se o
número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação
estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião
Homogênea; e (iii) a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste
artigo, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem),
determina o grau de eficiência na exploração.
Para fins, ainda, de aproveitamento racional e adequado, considera-se
efetivamente utilizadas: (i) as áreas plantadas com produtos vegetais; (ii) as áreas
de pastagens nativas e plantadas, observado o índice de lotação por zona de
pecuária, fixado pelo Poder Executivo; (iii) as áreas de exploração extrativa
vegetal ou florestal, observados os índices de rendimento estabelecidos pelo
órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea, e a
legislação ambiental; (iv) as áreas de exploração de florestas nativas, de acordo
com plano de exploração e nas condições estabelecidas pelo órgão federal
competente; e (v) as áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação
de pastagens ou de culturas permanentes, tecnicamente conduzidas e
devidamente comprovadas, mediante documentação e Anotação de
Responsabilidade Técnica. No caso de consórcio ou intercalação de culturas,
considera-se efetivamente utilizada a área total do consórcio ou intercalação.
Em se tratando de caso de mais de um cultivo no ano, com um ou mais
produtos, no mesmo espaço, considera-se efetivamente utilizada a maior área
usada no ano considerado. Para os produtos que não tenham índices de
rendimentos fixados, adotar-se-á a área utilizada com esses produtos, com
resultado do cálculo previsto no inciso I do § 2º do artigo em exame. Não perderá
a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que, por razões de força maior,
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caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida,
devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano
respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie.
No que pertine ao segundo requisito, para configurar-se adequada a
utilização dos recursos naturais disponíveis é imprescindível que se respeite a
vocação natural da terra para manter o potencial produtivo da propriedade. No
que concerne ao meio ambiente, torna-se carecido manter as características
próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais com vistas ao
equilíbrio ecológico. Neste aspecto, consoante aduz o §2º do artigo 9º da Lei nº
8.629, de 25 de fevereiro de 199317, considera-se adequada a utilização dos
recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação
natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade. O
parágrafo subsequente do dispositivo supramencionado estabelece que é
considerada preservação do meio ambiente a manutenção das características
próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida
adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e
qualidade de vida das comunidades vizinhas
O terceiro requisito, por seu turno, estabelece que cumpre respeitar as
leis trabalhistas, os contratos de trabalho e os contratos de trabalho e os contratos
de arrendamento e de parceria rurais, nos termos preconizados no §4º do
dispositivo supramencionado. O último requisito compreende o bem-estar há de
ser retratado pelo atendimento às necessidades básicas e à segurança dos
trabalhadores, sem que haja tensões sociais e animosidades no imóvel. Neste
aspecto, ainda em relação ao requisito em comento, a exploração que favorece o
bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento
das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de
segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel,
conforme estatui o diploma em destaque.
17 BRASIL. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm>. Acesso em 06 jan. 2014.
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Por derradeiro, cuida elucidar que, conforme o Ministro Celso de Mello,
ao relatoriar o Mandado de Segurança nº 21.348, assentou, “dispõe de perfil
jurídico-constitucional próprio e traduz, na concreção do seu alcance, uma reação
do Estado à descaracterização da função social que inere à propriedade
privada”18. Em decorrência de tal cenário, esse tipo especial de desapropriação é
definido como sanção constitucional imponível pela inobservância da função
social da propriedade rural.
4 Verba Indenizatória decorrente da Desapropriação Rural
A indenização, no caso de desapropriação rural para fins de reforma
agrária, não segue a regra geral inserta no inciso XXIV do artigo 5º do Texto
Constitucional19, para as desapropriações por utilidade pública ou por interesse
social de modo geral. Há dois instrumentos para pagamentos de indenização,
18 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Mandado de Segurança nº 21.348. Mandado de Segurança - Imóvel Rural - Desapropriação-Sanção (CF, art. 184) - Tutela constitucional do direito de propriedade - Ausência de recepção do Decreto-Lei N. 554/69 pela nova Constituição - Inviabilidade da declaração expropriatória, por interesse social, ante a inexistência das leis reclamadas pelo Texto Constitucional (art. 184, par. 3, e art. 185, I) - Edição superveniente da Lei Complementar N. 76/93 e da Lei N. 8.629/93 - Irrelevância - Impossibilidade de sua aplicação retroativa - Pedido deferido. - A desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, constitui modalidade especial de intervenção do Poder Público na esfera dominial privada. Dispõe de perfil jurídico-constitucional próprio e traduz, na concreção do seu alcance, uma reação do estado a descaracterização da função social que inere a propriedade privada. A expropriação-sanção foi mantida pela Constituição de 1988, que a previu para o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social (art. 184, caput), hipótese em que o valor da justa indenização - embora prévia - será pago em títulos da dívida pública. A exigência constitucional da justa indenização representa consequência imediatamente derivada da garantia de conservação que foi instituída pelo legislador constituinte em favor do direito de propriedade. - A inexistência das leis reclamadas pela Carta Política (art. 184, par. 3. e art. 185, n. I) impede o exercício, pela união federal, do seu poder de promover, para fins de reforma agrária, a modalidade especial de desapropriação a que se refere o Texto Constitucional (art. 184). A edição dos atos legislativos exigidos pela Carta Federal, ocorrida em momento posterior ao da publicação do decreto presidencial impugnado, não tem o condão de legitimar a declaração expropriatória nele consubstanciada, dada a impossibilidade de aplicação retroativa daqueles diplomas legais. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 02.09.1993. Publicado no DJe em 08.10.1993. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 06 jan. 2014. 19 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [omissis] XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.
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sendo que o primeiro deles constitui a regra geral aplicável na espécie: a
indenização deve ser paga através de títulos da dívida agrária, que são emitidos
pelo Governo Federal retratando certo valor, correspondente à dívida
governamental nele contida, e ao mesmo tempo conferem direitos de crédito a
seu titular. “Tais títulos deverão conter cláusula de preservação do valor real e
serão resgatáveis no prazo, de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua
emissão”20, conforme José dos Santos Carvalho Filho. Regulando o tempo para
resgate, a lei fixou quatro prazos, adotando o critério segundo o qual quanto maior
o período, maior o prazo para poder ser resgatado o título.
No que tange, entretanto, às benfeitorias necessárias e úteis, a
indenização deverá ser paga em dinheiro. Nessa parte o procedimento
expropriatório obedecerá à regra geral, exigindo que o expropriante ofereça o
preço inicialmente, depositando em juízo a verba se quiser a imissão provisória na
posse e só obtenha a transferência das benfeitorias com o pagamento integral da
indenização. Em consonância com o artigo 12 da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro
de 199321, considera-se justa a indenização que reflita o preço atual de mercado
do imóvel em sua totalidade, aí incluídas as terras e acessões naturais, matas e
florestas e as benfeitorias indenizáveis, observados os seguintes aspectos: (i)
localização do imóvel; (ii) aptidão agrícola; (iii) dimensão do imóvel; (iv) área
ocupada e ancianidade das posses; (v) funcionalidade, tempo de uso e estado de
conservação das benfeitorias.
O pagamento da verba indenizatória, a partir dos feixes advindos da
modalidade expropriatória em análise, representa a reação constitucional à
ofensa de um dos mais expressivos corolários estruturadores da ordem
econômica, qual seja: a função social da propriedade. Ao lado disso, cuida
explicitar que a reclamação constitucional da justa indenização, que está
vinculada às modalidades, ordinária e especial, de desapropriação, materializa
consequência imediatamente derivada da garantia de conservação instituída, pelo
legislador constituinte, em favor do direito de propriedade. Não é demais anotar
20 CARVALHO FILHO, 2011, p. 819-820. 21 BRASIL. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm>. Acesso em 06 jan. 2014.
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que a justa indenização, ou a equivalência financeira entre a compensação paga
pelo Estado ao particular e o valor real da propriedade atingida pela ação
expropriatória, traduz elemento de limitação às atividades do Poder Público, que
deverá – para legitimamente exercer a sua prerrogativa institucional – submeter-
se à exigência da justa indenização.
5 Inaplicabilidade da Desapropriação
Quadra anotar que a Constituição Federal afastou da incidência da
desapropriação rural determinados bens com qualificação específica, a saber: (i)
a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu
proprietário não possua outra; e (ii) a propriedade produtiva, consoante dicção do
artigo 185 do Texto Maior22. A primeira hipótese traduz como limitação ao poder
expropriatório da União, pois há uma presunção juris et de jure (absoluta) de que
a pequena e a média propriedades rurais, assim definidas em lei, e desde que o
seu proprietário não possua outra, cumprem a função social. Ao lado disso, deflui,
do preceito constitucional em análise, verdade cláusula de intangibilidade da
propriedade rural, extensível, por igual, à propriedade produtiva, cuja
inexpropriabilidade independerá de sua extensão territorial e da circunstância de
não possui, o seu titular, outra propriedade. O Texto Maior, quer para a definição
de pequena ou média propriedade rural, quer para a outorga de especial
tratamento benéfico à propriedade produtiva – e estipulação de normas para o
cumprimento dos requisitos relativos à sua função social, exige lei.
Cuida resgatar que o imóvel rural pode ser conceituado como o prédio
rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou
possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou
agroindustrial, sendo que a propriedade produtiva é descrita como aquela que,
explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de
utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo
órgão federal competente. Os conceitos de pequena e média propriedade rural
22 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015.
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são subjetivos e indeterminados, colocados ao critério dos indivíduos. Desta feita,
aquele diploma estabeleceu a definição legal, variável logicamente conforme o
tamanho da área da propriedade.
De qualquer sorte, o mandamento constitucional, considerando fora da
incidência expropriatória as propriedades com tais qualificações jurídicas, permitiu
que eventual ação expropriatória objetivando a transferência de tais propriedades
seja julgada extinta sem resolução do mérito por falta da possibilidade jurídica do
pedido. Convém, portanto, estabelecer que a inexpropriabilidade da propriedade
rural, em função de sua área – desde que pequena ou média – e em função do
seu grau de produtividade, independentemente, nesta segunda hipótese, de sua
dimensão física. Assim, a dimensão física e o satisfatório grau de produtividade
do imóvel rural subsidiam insuperáveis limitações constitucionais ao poder
expropriatório da União, no que toca à promoção da reforma agrária. Assim, à luz
do pontuado, a inexploração do imóvel rural – a que equivale a ausência de
qualquer coeficiente de produtividade decorrente de seu não aproveitamento
racional e adequado -, que lhe frustre, objetivamente, a plena realização de sua
função social, constitui o pressuposto necessário de utilização, pelo Poder
Público, do mecanismo expropriatório.
No mais, a ordem constitucional tutela o direito de propriedade, bem
como assegura, ao seu titular, a garantia de conservação do domínio. Logo, a
expropriação reflete uma agressão jurídica a esse direito, cuja intangibilidade não
se apresenta como absoluta. A inviolabilidade do direito de propriedade curva-se
à atuação do Poder Público, desde que a atividade estatal, regida pelo princípio
da legalidade e pelo respeito incondicional à Carta Política, encontre o seu
fundamento em razões ditadas pelo interesse público. Há que se reconhecer que
a desapropriação rural ambiciona fito mais louvável e corolário orientador da
ordem econômica vigente, notadamente no que concerne a assegurar que reste
materializada a função social da propriedade rural, o que se dá apenas
assegurando sua produtividade.
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Referência:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015. __________. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm>. Acesso em 06 jan. 2014. __________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 06 jan. 2014. __________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 06 jan. 2014. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
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