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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÓGICA E METAFÍSICA
UMA PERSPECTIVA ETERNA DA NATUREZA
Kissel Goldblum
Rio de Janeiro
2019
Kissel Goldblum
UMA PERSPECTIVA ETERNA DA NATUREZA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Lógica e Metafísica, Instituto de Filosofia
e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Filosofia.
Orientador: Dr. Ulysses Pinheiro
Goldblum, Kissel
Uma perspectiva eterna da Natureza/ Kissel Goldblum. Rio de
Janeiro: UFRJ, IFCS, 2019.
Orientador: Dr. Ulysses Pinheiro
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/IFCS/Programa de Pós-Graduação
em Lógica e Metafísica.2019.
Referências Bibliográficas
1. Metafísica. 2. Epistemologia 3. Intuição I Pinheiro, Ulysses
(orientador). II Universidade Federal do Rio de Janeiro - Programa
de Pós-Graduação em Lógica e Metafísica.
Aprovado em junho de 2019
______________________________________________________
Prof. Dr. Ulysses Pinheiro, UFRJ
______________________________________________________
Prof. Dr. Edgar Marques, UFRJ
______________________________________________________
Prof. Dr. Maurício Rocha, PUC-Rio
Agradecimentos
Primeiramente, ao Ulysses, pelos ensinamentos, pelo apoio, pela atenção às minhas ideias
e por compartilhar de uma perspectiva que enxerga a filosofia como um campo de ação, de
combate, de vida real e não meramente restrita ao ambiente acadêmico. Ao Maurício, por aceitar
participar da banca, pelos momentos alegres e por compartilhar sua perspectiva sempre atenta e
sagaz da filosofia de Espinosa. Ao Edgar, por aceitar participar da banca e pelos conselhos exatos
e atentos sobre minha pesquisa. Aos meus pais, pela vida dedicada à família, o que proporcionou
a estrutura responsável por eu estar aqui hoje. À minha tia Esther, pela memória. Ao meu irmão
Avner pelo companheirismo e pelos momentos de reflexão. Às minhas irmãs Alessandra, Shila e
Vanessa, e aos meus sobrinhos Gael, Miguel, Nina e Theo, por todo amor que compartilhamos. À
Letícia, pelos afetos e afecções que vivemos juntos, sem eles esta pesquisa teria outro resultado.
Ao Pedro Rego e Paulo Henrique por terem aceitado serem suplentes da minha banca de defesa.
Aos professores do PPGLM. À FAPERJ, pela bolsa. E aos camaradas, digo o que disse Espinosa:
“Nada estimo mais, entre todas as coisas que não estão em meu poder, do que contrair uma
aliança de amizade com homens que amem sinceramente a verdade”.
דע לפני מי אתה עומד.1
1 “Saiba diante de quem você está”. (Berakot 28b, Mishnat)
Abreviaturas
E – Ética
PM – Pensamentos Metafísicos
TEI – Tratado de Emenda do Intelecto
TTP – Tratado Teológico Político
BT – Breve Tratado
P – Parte
Ax – Axioma
Def – Definição
Prop – Proposição
Dem – Demonstração
Col – Corolário
Esc – Escólío
Exp – Explicação
Apên – Apêndice
Cap – Capítulo
Con – Conclusão
Pref – Prefácio
Post - Postulados
RESUMO
O objetivo desta dissertação é analisar como podemos compreender a natureza por meio de uma
perspectiva eterna da mente humana. Espinosa expôs a possibilidade de nossa mente
compreender a essência dos corpos sob uma perspectiva eterna, que não está relacionada com a
existência atual e presente dos corpos. Neste sentido, pretendo mostrar a importância em
direcionarmos nosso entendimento à busca de uma via que supere o ponto de vista da duração,
tão fundamental para a realização do verdadeiro conhecimento da Natureza. Conhecimento que
exigirá algo mais do que interpretações, significantes e significados. No Tratado Teológico-
Político, notamos que nossa mente, só pelo fato de conter em si, objetivamente, “a natureza de
Deus e dela participar, tem o poder de formar certas noções que explicam a natureza das coisas”2.
Se quisermos, realmente, entender a Natureza, precisamos nos considerar de maneira interna, e
não externa a ela. Mostraremos que, apenas através de uma análise não antropocêntrica dos
gêneros do conhecimento de Espinosa, podemos vislumbrar a conciliação entre a essência da
Substância e a essência do modo e, assim, participar adequadamente da Natureza. “Não há nada
fora da substância. A própria substância tem que responder por si mesma, sendo entendida: tem
que se entender”3.
Palavras-chave: Espinosa; Conhecimento; Natureza; Eternidade; Intuição.
2 TTP, cap.1.
3 KAUFFMAN, F. Spinoza’s System as Theory of Expression. 1940, p.91, tradução nossa.
ABSTRACT
The purpose of this dissertation is to analyze how we can understand Nature through an eternal
perspective of the human mind. Spinoza exposed the possibility of our mind to understand the
essence of the bodies from an eternal perspective, which is not related to the present existence of
bodies. In this sense, I intend to show the importance in directing our understanding to the search
for a way that surpasses the point of view of duration, so fundamental for the realization of the
true knowledge of Nature. Knowledge that will require something more than interpretations and
signs. In the Political-Theological Treatise, we note that our mind simply because containing
“the nature of God within itself in concept, and partakes thereof, and is thereby enabled to form
certain basic ideas that explain natural phenomena” 4
. If we really want to understand Nature, we
must consider ourselves inwardly and not externally of it. We will show that only through a non-
anthropocentric analysis of the kinds of Spinoza's knowledge can we catch a glimpse of the
conciliation between the essence of Substance and the essence of mode, thus, properly participate
in Nature. “There is nothing outside the substance. The substance itself has to answer for itself
being understood: it has to understand itself”5.
Keywords: Spinoza; Knowledge; Nature; Eternity; Intuition.
4 TTP, cap.1.
5 KAUFFMAN, F. Spinoza’s System as Theory of Expression. 1940, p.91.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 11
PREÂMBULO
1.1 Distinções entre as concepções cartesiana e espinosana de Substância ................................ 19
1.2 Uma filosofia mística? ........................................................................................................... 24
UMA ANÁLISE ONTOLÓGICA
2.1 A unidade da Natureza ........................................................................................................ 27
2.2 Deus e os modos de ser ....................................................................................................... 28
UMA EPISTEMOLOGIA ENVOLVENTE
3.1 A ideia e a expressão .......................................................................................................... 35
3.2 A imanência da Substância e a expressão de seus modos .................................................. 40
3.3 A potência de pensar e a potência da Natureza para existir e agir ..................................... 43
3.4 A essência da Substância e a essência do modo ................................................................. 46
3.5 O primeiro gênero - a imaginação e seus signos ................................................................ 52
3.6 O segundo gênero - a razão ................................................................................................ 58
3.7 O conhecimento reflexivo não exige signos ....................................................................... 61
3.8 A imaginação e o intelecto ................................................................................................. 65
3.9 A definição e o método reflexivo: a ordem e as coisas fixas e eternas ............................... 67
UMA FUNÇÃO MUITO MAIS IMPORTANTE DO QUE SIGNIFICAR
4.1 Produção e compreensão ..................................................................................................... 74
4.2 Um trampolim para eternidade ............................................................................................ 76
CONCLUSÃO .................................................................................................................... 83
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 91
11
INTRODUÇÃO
Quem conhece a obra de Espinosa sabe o quanto ela é árida, complexa e mesmo
inacessível, como o comentador Arnold Zweig expõe, mostrando que algumas partes do seu
pensamento só podem ser entendidas com total clareza se convertermos alguns de seus termos
para o idioma hebraico6. Assim, naturalmente, ao longo da leitura de sua obra, deparar-nos-emos
com certos obstáculos filosóficos que, para o leitor desavisado, podem parecer algo exótico
demais pela própria raridade do projeto espinosano. Rareza que exige uma certa disposição para
alcançar não apenas novas ideias, mas também novas formas pelas quais podemos compreender a
própria maneira que compreendemos as ideias.
Russell, em a História do pensamento ocidental, expõe que a tendência, ainda atual, do
estudo acadêmico de buscar cada vez mais especializações sobre temas muito específicos faz com
que o homem moderno esqueça suas dívidas intelectuais para com seus antepassados7. Neste
sentido, ignoram que problemas filosóficos do presente não surgiram do nada no tempo, assim
como negligenciam que a sociedade é produto das circunstâncias e da educação que os homens
desenvolvem. Estes mesmos homens - produtos de uma sociedade modificada – são, assim,
resultados de circunstâncias modificadas. Desta maneira, não podemos esquecer “que as
circunstâncias são modificadas precisamente pelos próprios homens e que o próprio educador
precisa ser educado”8. Por conseguinte, essa dissertação pretende sondar novos protocolos de
experiência, novas zonas de intensidades, ou ainda, novos campos de potências, ao investigar
uma perspectiva eterna do conhecimento da Natureza na filosofia espinosana.
Espinosa aponta para um novo entendimento, que busca superar uma análise extrínseca da
Natureza9, ao conceber não mais o conhecedor e o conhecido através de substâncias distintas. O
conhecedor e o conhecido se fundem em um conhecendo. Em “Espinosa, os atributos são formas
dinâmicas e ativas. Eis aí o que parece essencial: o atributo não é mais atribuído, ele é, de certa
6 Cf. ZWEIG, A. O pensamento vivo de Spinoza, 1961, p.11.
7 Cf. RUSSELL, B. Historia do pensamento ocidental, 2016, p.8.
8 MARX, K. Teses de Feuerbach. 1845, p.3.
9 Durante o decorrer desta dissertação veremos a palavra natureza escrita ora como “Natureza”, ora como “natureza”.
No primeiro caso, nos referimos à Natureza sinônimo de Deus ou de Substância; no segundo, nos referimos à
natureza tal como aparece na extensão ou no pensamento. Mais precisamente: “Natureza e natureza” estão
relacionadas com as noções de “natureza naturante e natureza naturada”, (que veremos mais à diante).
12
forma, ‘atribuidor’”10
. Uma perspectiva eterna da natureza aponta para uma realidade absoluta, o
que possibilita o desenvolvimento de novas circunstâncias, um novo modo de pensar, capaz de
superar o ambiente que mantém o homem em uma gramática de significados, estruturado na ideia
de um homem substancial, o qual erigiu um império dentro de um império.
Utilizarei uma série de comentadores de Espinosa para auxiliar na exposição das ideias e
objetivos que compõem o eixo argumentativo desta dissertação, cada um com o seu grau de
influência. Gostaria de enfatizar a importância de alguns destes filósofos no desenvolvimento
desta pesquisa: Lorenzo Vinciguerra, comentador recente, italiano, nos ajudará a pensar a
filosofia espinosana de uma perspectiva não antropocêntrica da imaginação e dos gêneros do
conhecimento em geral; Deleuze, sem dúvida, um dos mais importantes comentadores de
Espinosa, também merece destaque nesta pesquisa, e suas obras serão importantes no caminho
para a compreensão de linhas de pensamento capazes de superar o âmbito da mera interpretação
das coisas na duração em direção a uma perspectiva eterna da Natureza. Em muitas obras de
Deleuze vemos essa crítica à interpretação: em Kafka, Por uma literatura menor - “Acreditamos
apenas em uma experimentação de Kafka, sem interpretação nem significância, mas somente
protocolos de experiência”11
. Sobre o Mil Platôs, François Ewad diz que “Gilles Deleuze e Félix
Guattari detestam a interpretação. ‘Interpretar’, dizem, ‘é nossa maneira moderna de crer e de ser
piedosos’. À interpretação, eles opõem a experimentação”12
. Em O Anti-Édipo, Deleuze e
Guattari investigam processos epistemológicos que não têm o seu fim na busca por significados
do inconsciente - “A significação não está presa ao significado para o qual remete cada um dos
significantes enunciados, mas é constituída pelo processo, pela sutura, pela concatenação dos
elementos encadeados”13
. Contudo, utilizarei, principalmente, suas obras específicas sobre
Espinosa14
, ainda que possa citar um ou outro conceito criado por Deleuze (muitas vezes em
conjunto com Guattari) para auxiliar no desenvolvimento desta dissertação. Trabalharei também
com comentadores mais clássicos, como Pierre-François Moreau, Alexandre Matheron e Martial
Gueroult, os quais, acredito, não podem ser ignorados.
10
DELEUZE, G. O Problema da Expressão em Espinosa. 2017, p.47. 11
DELEUZE, G. Kafka por uma literatura menor. 2015, p.16. 12
DELEUZE, G. Mil Platôs. 2017. 13
DELEUZE, G. O Anti-Édipo. 2017, p.93. 14
DELEUZE, G. O Problema da Expressão em Espinosa. 2017; Espinosa. Filosofia Prática. 2002; Les cours de
Gilles Deleuze. 1981.
13
Esta pesquisa busca entender como definir a existência a partir de uma perspectiva eterna,
como formalizar a superação do campo da duração. Em outras palavras, investigar a qualidade da
mente humana que não está contida na matriz da experiência da existência. Na quinta parte da
Ética, quando Espinosa fala sobre o amor intelectual, temos um outro exemplo desta perspectiva
da eternidade: “O amor intelectual da mente para com Deus é o próprio amor de Deus, com o
qual ele ama a si mesmo, não enquanto é infinito, mas enquanto pode ser explicado por meio da
essência da mente humana, considerada sob a perspectiva da eternidade”15
(grifo nosso).
Descobriremos que só superaremos o âmbito da duração quando apreendermos uma maneira de
participar da Natureza; quando participarmos disso que a consciência imaginativa só pode
interpretar. E somente o intelecto, que rompe com a experiência vivida, é capaz de conceber o
infinito como atual. A consciência é, neste sentido, apenas um sintoma das interpretações do
mundo baseadas nos dois primeiros gêneros de conhecimento: “a consciência é apenas um sonho
de olhos abertos”16
.
Conhecer a Natureza é um processo que consiste em compreender os atributos que nos
explicam, e envolvem desde uma perspectiva interna, e não externa à coisa. Neste sentido, os
gêneros do conhecimento de Espinosa não podem ser compreendidos da perspectiva de
faculdades humanas, mas sim, devemos compreendê-los como a maneira própria pela qual Deus
conhece a si mesmo. Ao abandonarmos a ideia de “faculdades humanas”, podemos abandonar
também uma tentativa de compreender a Substância por meio de uma relação de significados
entre homem e natureza. Para Espinosa, o conhecimento da Natureza não é alcançado por meio
de um o método analógico, ou seja, um conjunto determinado de ideias, que, de alguma maneira,
adquire autoridade como método prévio capaz de tematizar nosso acesso aos sinais da verdade. A
verdade não é composta por um conjunto de significados: “o verdadeiro método não é buscar
signos da verdade depois da aquisição das ideias”17
. Na filosofia espinosana, vemos uma
distinção entre método e “Método”. Quando o autor da Ética fala sobre “o verdadeiro Método”,
não se refere a um método superior a todos os outros – ou o melhor método até então
desenvolvido -, mas à maneira própria pela qual a Natureza conhece a si mesma. “Deleuze disse
certa vez que não nos tornamos spinozanos, mas que nos descobrimos spinozanos, pois o
15
EV, Prop.36. 16
DELEUZE, G. Filosofia Prática. 2002, p.26. 17
TEI,§36.
14
pensador holandês foi aquele que ensinou a alma a viver sua vida, não a salvá-la”18
. Distingue-se,
assim, da concepção que compreende o método como um instrumento utilizado por um homem,
que substancialmente distinto da natureza exterior a ele, carece de um metodologia que dê conta
desta relação entre Substâncias de naturezas distintas.
Muito influenciado pelo pensamento de Descartes, que acentuou o entendimento da mente
e do corpo como seres substanciais distintos19
, a tradição continua exercendo uma enorme
influência na maneira como pensamos nos dias de hoje. O autor de Meditações concede à
distinção real um valor numérico, uma possibilidade de dividir substancialmente a natureza e as
coisas. “Leibniz apresenta, também aqui, a crítica à prova cartesiana a priori da existência de
Deus, ou seja, é preciso mostrar a compatibilidade dos atributos”20
. Espinosa nos mostra que não
há várias Substâncias, deste modo, não podemos distinguir numericamente a Substância. Isso fica
mais claro quando entendemos que não há nenhuma Substância com limites: toda Substância é
infinitamente perfeita em seu gênero; “isto é, que no intelecto infinito de Deus não pode haver
uma Substância mais perfeita que aquela que já existe na Natureza”21
. Neste sentido, faremos um
pequeno cotejo, no próximo capítulo, entre as perspectivas espinosana e cartesiana de Substância,
apenas para auxiliar na compreensão da filosofia de Espinosa e do seu modo particular de
conhecer a Natureza.
A filosofia espinosana revela a necessidade de examinarmos a causa se quisermos,
realmente, conhecer o efeito. Conhecer pela causa é o único meio de conhecer a essência. Para
entendermos os próprios efeitos, necessitamos, antes, conhecer a causa. Por exemplo, as
características extrínsecas de um círculo não são suficientes para descrever sua causa adequada22
.
Quando confundimos universais com particulares, julgamos as coisas de acordo com sua
disposição em nosso cérebro, ou melhor, tomamos as afecções de nossa imaginação pelas
próprias coisas reais. Entender é conhecer a causa das coisas, saber como as coisas foram
18
ROCHA, M. “Spinoza em Deleuze”. 2014, p.452. 19
Com Descartes, “as ideias deixam de ser entidades independentes existindo em um mundo próprio como em
Platão, e passam a ser entendidas como entidades mentais, inicialmente na ‘mente de Deus’, posteriormente na mente
humana. Este processo terá seu ponto culminante na teoria das ideias de Descartes”. (MARCONDES, 2002, p.106) 20
MOURA, T. “Leibniz leitor de Espinosa”. Revista Conatus – Filosofia de Spinoza – Volume 5 – Número 9 – Julho
2011, p.95-101, p.99. 21
BT, PI, Cap.II,§2. 22
Veremos adiante esta questão.
15
produzidas, deste modo, quanto mais coisas conhecemos, mais aptos a mais coisas somos23
. No
Tratado de Emenda do Intelecto, vemos que as causas das ideias das coisas particulares são
outras ideias específicas que a produziram24
. O método sintético também pode ser considerado
reflexivo, já que nos mostra a ideia que é causa do efeito, dado que (a ideia) é existente apenas
em ato25
. As noções de causa de si e por si são, assim, indispensáveis, pois o método espinosano
também é um Método genético.
O Método consiste em conhecer as próprias maneiras pelas quais podemos conhecer. Não
se trata de uma busca por significados, mas a compreensão da maneira própria pela qual
conhecemos as forças que se expressam na natureza tais como elas são em si mesmas. A
expressão26
assume, assim, uma função fundamental na dinâmica de conhecimento e progresso27
.
Deus não fabrica signos. Deus se expressa, e a expressão não é nem simbólica e nem mística. Em
Espinosa e o problema da expressão, Deleuze escreve que o problema para compreender
Espinosa decorre do fato de que a ideia não é objeto de demonstração e nem de definição28
. Nas
definições da parte dois da Ética, Espinosa explica que ideia é um conceito da mente, que a
mente forma, simplesmente, por ser uma coisa pensante. Enfatizando o fato da escolha da palavra
conceito e não percepção, o autor explica que a palavra conceito exprime uma ação enquanto
percepção parece indicar uma posição passiva, como um espelho que forma imagens, refletindo
de maneira passiva os objetos do mundo.
Knox Peden lembra que o espinosismo é uma filosofia do savoir: “Gueroult escreve sobre
savoir absolu, não connaissance absolue. Só porque Deus, ou Substância, é ‘incognoscível’ em
um sentido exaustivo não significa que uma compreensão ‘adequada’ da idéia de substância seja
23
“Quem tem um corpo capaz de muitas coisas tem uma mente cuja maior parte é eterna”. (EV, Prop.39) 24
O “Método nada mais é que o conhecimento reflexivo ou ideia da ideia; e porque não se dá ideia da ideia a não ser
que primeiro se dê uma ideia, não se dará, portanto, Método, a não ser que primeiro se dê uma ideia”. (TEI,§38) 25
O objeto da ideia é sempre um modo definido da extensão existente em ato. 26
É importante ressaltar que Espinosa utiliza a palavra expressão em uma concepção ontológica e não, apenas,
semântica. Logo nas primeiras definições da primeira parte da Ética, Espinosa afirma: “pertence à essência do que é
absolutamente infinito tudo aquilo que exprime uma essência e não envolve nenhuma negação”. (EI, Def.6, grifo
nosso) Neste sentido, o ser absolutamente infinito, ou seja, a Substância, Deus ou a Natureza, é uma coisa expressiva
e que não envolve nenhuma negação. Isto, compreendido de uma perspectiva ontológica. 27
Utilizo a palavra progresso, em referência à passagem do Tratado da Emenda do Intelecto: “À medida que
confundimos a imaginação com intelecto, julgamos inteligir o que imaginamos. [...] Por isso antepomos o que
devemos pospor e assim se desfaz a verdadeira ordem do progresso e não se conclui nada legitimamente”. (TEI, §89) 28
Cf. DELEUZE, G. Espinosa e o problema da expressão. 2017, p.15.
16
impossível”29
. A expressão assume um papel precípuo e intrigante na dinâmica de conhecimento.
A Natureza se expressa e, ao expressar-se, revela relações; “que a natureza não tenha nenhum fim
que lhe tenha sido prefixado e todas as causas finais não passam de ficções humanas, não será
necessário argumentar muito”30
.
Ao confundir a eternidade com a duração, pensamos na mente como possuidora de uma
finalidade, como se agisse em vista de algum fim. Paul Wienpahl afirma que, desde a obra Fedón
de Platão, a tradição desenvolveu, com certa dificuldade, os temas relacionados ao pensamento e
ao “pensar”31
. Ainda não estamos totalmente certos ou conscientes do que vemos quando
olhamos para dentro. Se estivéssemos, ensinaríamos, desde cedo, a pensar como pensar. Quando
a comentadora argentina Diana Cohen32
lembra que a mente não pode ser absolutamente
destruída com o corpo (alguma coisa, eterna, resta), notamos uma via, um possibilidade de
experimentar algo eterno nesta vida33
. Da perspectiva da eternidade, podemos vislumbrar um
ponto de vista eterno do corpo, sem relação com a duração e que também não possui relação com
as outras coisas; é como ter acesso a uma certa quididade específica de cada modificação. Como
a mente humana só conhece o corpo humano através das ideias das afecções pelas quais o corpo é
afetado34
, inevitavelmente - posto que a ideia de duração está sempre relacionada à ideia dos
corpos na extensão -, parece impossível para o homem atual contemplar uma perspectiva eterna
da Natureza, esta possibilidade parece muito distante para nós. Conhecer coisas eternamente é
conhecer uma coisa no seu mais íntimo singular, é conhecer um indivíduo, não em relação com
outros indivíduos, não em relação a suas qualidades na duração, mas nas suas próprias qualidades
particulares, imutáveis e eternas.
Espinosa expõe uma maneira de conhecer a natureza muito peculiar, cujo processo de
conhecer suprime todas as distinções entre sujeito e objeto. Na visão de Alquié, a dissolução do
29
KNOX, P. “Descartes, Spinoza, and the impasse of french philosophy: Ferdinand Alquie versus Martial Gueroult”.
2011, p.83, tradução nossa. 30
EII, Apên. 31
Cf. WIENPAHL, P. Spinoza Radical. 1969, p.107. 32
COHEN, D. “La Identidad Personal: Del cuerpo propio a la Ética”. UBA. 2008, págs. 187-203. 33
Assim como na passagem: “O amor intelectual da mente para com Deus é o próprio amor de Deus, com o qual ele
ama a si mesmo, não enquanto é infinito, mas enquanto pode ser explicado por meio da essência da mente
humana, considerada sob a perspectiva da eternidade; isto é, o amor intelectual da mente para com Deus é uma
parte do amor infinito com que Deus ama a si mesmo”, (EV, Prop.36, grifo nosso). 34
EII, Prop.19.
17
“eu” é o evento central na filosofia de Espinosa35
. Um dos objetivos centrais desta exposição é
mostrar que, apenas por meio de uma análise não antropocêntrica dos gêneros do conhecimento
de Espinosa, podemos vislumbrar o objetivo supremo do seu tratado: “Compreender as coisas por
meio do terceiro gênero de conhecimento”36
. Pretendo expor uma linha de pensamento que
descobre uma mesma ordem na descrição dos gêneros do conhecimento de Espinosa, em suas
diferentes obras, distinguindo-se apenas pela velocidade e amadurecimento com o qual se propõe
a alcançar a ciência intuitiva. Deste modo, reconheceremos a intuição como uma ferramenta
fundamental para alcançarmos a perspectiva da eternidade das coisas.
Ao negligenciar a importância de se atingir o terceiro gênero, mal compreendemos a função
do primeiro e do segundo. Este engano ocorre porque tradicionalmente tratamos a imaginação e a
razão como fins em si e sem relação recíproca: o primeiro tomamos como fantasia37
e o segundo,
como verdade eterna. Não obstante, conhecer para Espinosa é conhecer ativamente a Natureza.
Veremos em que sentido podemos falar sobre uma potência humana, dentro dos limites
epistemológicos e ontológicos das modificações dos modos da natureza.
Tradicionalmente, temos utilizado a razão como a ferramenta epistemológica capaz de
compreender a Natureza e conduzir o homem a uma vida superior. Não obstante, Espinosa
mostra que, ao encontrarmos seu verdadeiro papel na dinâmica de conhecimento, podemos
desqualificá-la desta função. Se o homem quiser, realmente, entender a Natureza, ele não pode
considerar-se de maneira externa ao objeto da análise. A concepção de que o homem possa ser
definido como uma substância separada das demais ainda remonta ao conceito aristotélico
synolon. A gota separada do oceano não reconhece sua natureza. O sujeito apartado do mundo
carece de um método que dê conta de uma linguagem capaz de interpretar “as verdades do
mundo exterior”. E é neste sentido que o homem não pode superar um entendimento subjetivo
interpretativo da natureza. O método espinosano só é válido quando escapamos do signo, ao
abandonar a aparente cisão entre mim e o mundo.
A filosofia do autor da Ética pretende romper com a herança da história do
desenvolvimento linear do pensamento filosófico ocidental: “A autoridade de Platão, Aristóteles
35
The “central event of Spinoza’s philosophy is the dissolution of the “I””. (KNOX, p.90) 36
EV, Prop.25. 37
“No século XVII, imaginação não significava fantasia criadora, mas sensação, percepção e memória”. (CHAUÍ,
1995, p.34)
18
e Sócrates exerce pouca influência em mim”38
. Espinosa descreve um projeto que pretende
mostrar simplesmente como entender como entender39
. Este entendimento é o que nos
proporciona o salto a novas linhas de pensamento – o “modo de viver filosófico é o único a
oferecer alguma esperança de superar os acasos da existência, propiciando uma fuga à roda do
destino”40
.
Fritz Kauffman mostra que Espinosa descreve o intelecto como “um intellectus actu, uma
intelecção atual, idêntica à volição real e nunca, de modo algum, um intelecto meramente
potencial”41
. Procurarei mostrar como a compreensão correta da própria maneira pela qual
conhecemos pode superar certos aspectos centrais da epistemologia baseada em uma semiologia
da significação, nos conduzindo, assim, ao entendimento das ideias adequadas da natureza. “Seus
três gêneros do conhecimento não se referem a três gêneros de alguma faculdade humana; ao
contrário, eles são as três maneiras pelas quais Deus conhece a sua própria natureza”42
. Deste
modo, a Filosofia deve superar a perspectiva que a reduz a uma atividade meramente abstrata.
Espinosa demonstra um tratado que se propõe a produzir novas linhas de pensamento capazes de
conceber uma ética, mas que, todavia, não possui pretensão de se tornar um método prévio
universal. “Os homens, que não sabem a verdade das coisas, procuram ater-se ao certo, a fim de
que, não podendo satisfazer ao intelecto com a ciência, ao menos a vontade repouse sobre a
consciência”43
.
38
Carta 56, a Hugo Boxel. 39
“E, por isso, o fulcro de toda esta segunda parte do método consiste apenas no seguinte: justamente em serem
conhecidas as condições da boa definição e, em seguida, no modo de as descobrir.” (TEI §94, grifo nosso) 40
RUSSELL, B. A História do pensamento ocidental. 2016, p.28. 41
KAUFFMANN, F. Spinoza’s system as theory of expression. 1940, p.95, tradução nossa. 42
VINCIGUERRA, 2012, p.136. 43
VICO, G. Nova Ciência. 1967, p.33.
19
PREÂMBULO
Distinções entre as concepções cartesiana e espinosana de Substância
“A teoria de Platão das faculdades da alma e sua dualidade com o corpo, assumida pela
tradição agostiniana e renovada por Descartes, moldou muito de nossa epistemologia e
antropologia”44
. Lorenzo Vinciguerra enfatiza que, se quisermos entender a noção de imaginação
em Espinosa, precisamos escapar da longa tradição ocidental que trata o tema de maneira
antropocêntrica. Ou seja, temos que superar a perspectiva que ainda trata a imaginação como uma
faculdade humana e, de maneira distinta, necessitamos considerá-la como parte da própria
cosmologia e física do autor.
Todavia, a tradição continua exercendo uma enorme influência na maneira como
pensamos nos dias de hoje, quer dizer, tendemos, naturalmente, a pensar na imaginação, razão e
intuição como faculdades do pensamento humano. Descartes concebeu a mente e o corpo como
seres substanciais, de tal maneira que a união entre estas substâncias distintas se daria por meio
da glândula pineal45
. De outra forma, Espinosa nos mostra que a mente não tem nenhuma
faculdade de entender, desejar, amar etc. A noção de que existem faculdades na mente está
enraizada na perspectiva de que os homens são seres substanciais46
. Para Espinosa, não há mais
de uma Substância, ou seja, não podemos distinguir numericamente a Substância. Não há várias
Substâncias que correspondam a diferentes atributos. Isso fica mais claro quando entendemos que
a Substância tem limites e que toda Substância é infinitamente perfeita em seu gênero, “isto é,
que no intelecto infinito de Deus não pode haver uma substância mais perfeita que aquela que já
existe na Natureza”47
. De modo distinto, Descartes concede à distinção real um valor numérico,
uma possibilidade de dividir substancialmente a natureza e as coisas.
A filosofia espinosana procura sobrepor a noção cartesiana das quantidades substanciais
por uma noção de potência. O atributo não é uma forma relativa de ver ou de considerar as
44
VINCIGUERRA, 2012, p.131, tradução nossa. 45
Cf. EV, Pref. 46
Esta concepção ficará mais clara quando falarmos, mais a frente, sobre a potência de agir e de existir. 47
BT, PI, Cap.II,§2.
20
coisas, e sua relação com o entendimento é certamente fundamental. Esta originalidade, de certa
forma, está ligada à maneira com que Espinosa lida com a potência e a essência:
O axioma de Descartes48
, reconheço, é um pouco obscuro, como
haveis observado; ele teria dado um melhor enunciado se houvesse dito: a
potência de pensar não é maior para pensar do que a potência da natureza
para existir e agir. Esse é um axioma claro e verdadeiro, a partir do qual a
existência de Deus segue de sua ideia de maneira clara e eficaz49
.
Descartes não superou o âmbito da consciência psicológica para alcançar a forma lógica
da ideia e pela qual a coisa, realmente, pode ser entendida. Ele não concebeu a unidade do
absoluto, isto é, um ser absoluto que compreende o real ao reproduzir suas ideias na ordem da
natureza. Em outras palavras, tratamos da distinção entre, de um lado, a ideia clara e distinta
cartesiana e de outro, a ideia espinosana. O cartesianismo nos mostrou que as ideias claras e
distintas são o que há de mais verdadeiro na relação entre o homem e a natureza. Todavia, há um
impasse – a causa fundamental do erro - gerado entre os limites do entendimento e o ilimitado da
vontade50
. Ou seja, quando a vontade nos conduz a falar sobre temas que não entendemos. Sobre
isso, nas últimas linhas de Pensamentos Metafísicos, Espinosa diz “Portanto, quando sustentam
que a vontade é indeterminada, parecem concebê-la também como um corpo posto em equilíbrio;
e já que aqueles corpos nada têm senão o que receberam das causas externas, eles pensam que o
mesmo segue-se na vontade”51
.
Espinosa nega a teoria de Descartes ao negar a assimetria entre entendimento e vontade. A
“ideia nasce de um objeto que é existente na Natureza”52
, desta forma, a verdade não é um termo
transcendental, ou seja, a ideia não é formada na mente dos homens como uma coisa que
transcende à coisa. Para uma ideia (essência objetiva) existir, necessita-se apenas do atributo
pensamento (essência formal).
48
O axioma que Espinosa se refere fala sobre a existência de Deus, dadas por Descartes na terceira e quarta
Meditação. 49
Carta 40, à Jelles. 50
Cf. DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. IV Meditação. 51
PM, PII, Cap.XII 52
BT, PII, Con §12
21
A consideração cartesiana de Deus como causa transcendente e a
consideração spinozista de Deus como causa imanente, é, em última
análise, o que vai ocasionar a diferença na concepção do entendimento
divino e humano na Filosofia de Descartes e de Spinoza53
.
Descartes não alcançou a causa que revela como a coisa é aquilo que é. No início da
terceira parte da Ética, Espinosa faz observações neste sentido:
Sei, é verdade que o muito celebrado Descartes, embora também
acreditasse que a mente tem um poder absoluto sobre suas próprias ações,
tentou aplicadamente, entretanto, explicar os afetos humanos por suas
causas primeiras e mostrar, ao mesmo tempo, a via pela qual a mente pode
ter domínio absoluto sobre os afetos. Mas ele nada mais mostrou, em
minha opinião, só que a perspicácia de sua grande inteligência,como
provarei no momento oportuno54
.
O claro e o distinto, como imagens das coisas, nos possibilita um conhecimento apenas
parcial, já que não alcança a essência formal da coisa, e jamais atinge a causa da ideia na qual as
propriedades desta coisa se estruturam55
. Entendemos, assim, apenas o resultado dos modos de
como estes objetos aparecem, por meio das ideias inatas que Deus imprimiu em nós. A ideia clara
e distinta não pode revelar sua própria causa imanente. Descartes busca causas naquilo que
Espinosa considera efeito, o autor da Ética afirma que essa lógica inverte a natureza, pois toma
como efeito aquilo que é realmente causa e vice-versa. “Além disso, converte em posterior o que
é, por natureza, anterior”56
.
Espinosa opera uma conciliação entre uma longa tradição teológica que afirmava o
determinismo das coisas criadas, e uma outra longa tradição física e materialista que afirmava das
coisas criadas toda sua potência de agir. Na obra do autor, as duas correntes se juntam, uma
53
FRAGOSO, E. “Descartes e Espinosa. O Método e o entendimento”. Estud.filos, n.33, p.53-64, 2006, p.11. 54
EIII,Pref. 55
Cf. Carta 1, à Oldenburg. Especificamente a resposta que Espinosa dá à pergunta: “que defeitos observais na
filosofia de Descartes e na de Bacon?”. 56
EI, Apên.
22
fazendo referência à essência da Substância, e outra, à essência dos modos.57
O cartesiano utiliza
uma metodologia regressiva e analítica, já o espinosismo examina a causa e não o efeito, ou seja,
utiliza uma metodologia reflexiva e sintética. É conhecendo as maneiras pelas quais podemos
conhecer que reconhecemos as ideias verdadeiras. O espinosismo exprime um princípio capaz de
superar totalmente a subjetividade ao compreender o observador e a coisa observada como
constituindo partes de uma mesma estrutura. Em outras palavras, o observador não pode
compreender as ideias como devem ser compreendidas se não compreender que ele mesmo é
parte do intelecto infinito de Deus, ou seja, que ele mesmo é uma ideia.58
É preciso chegar nos
primeiros elementos, isto é, na fonte de origem da Natureza.
Necessitamos entender a ênfase que Espinosa dá na questão da unidade absoluta. O
método não se baseia em nos fazer entender alguma coisa (ou todas as coisas) da natureza, mas
em expor uma via que revela uma inserção imanente da potência de pensar do homem no
intelecto infinito de Deus - nossa própria potência de compreender. Os homens têm uma potência
de pensar na medida em que participam da potência absoluta de pensar59
.
Neste sentido, podemos entender que a mente humana para Espinosa é um modo do
atributo pensamento, uma parte do entendimento da própria natureza. Ao compreender Deus, nos
compreendemos. Para Descartes, nunca compreenderemos realmente Deus, porque existe um
desalinhamento natural, causado pela finitude de meu intelecto e a infinitude da sua natureza
(todavia, não é por isso que não podemos ter ideias claras e distintas). O autor das Meditações
distingue o conceito de “inteligir” e de “compreender”: podemos “inteligir” Deus, mas não
“compreendê-lo”.
Para o cartesianismo, possuímos um conhecimento claro e distinto de um efeito antes de
termos um conhecimento claro e distinto da causa. Posso saber que existo como sendo um ser
pensante antes mesmo de conhecer a causa pela qual existo. O conhecimento claro e distinto do
efeito infere algum conhecimento da causa, mas apenas um conhecimento desordenado60
.
Descartes mostra que a ordem das razões humanas deve partir dos efeitos para as causas.
57
“Por um lado, devemos atribuir a Deus uma potência de existir e de agir idêntica a sua essência formal ou
correspondente à sua natureza. Por outro lado, porém, devemos igualmente atribuir a ele uma potência de pensar,
idêntica a sua essência objetiva ou correspondente a sua ideia”. (DELEUZE, 2017, p.126) 58
Cf. EII, Def.3. 59
Cf. EIV, Prop.29,30 e 36. 60
Cf. DELEUZE, G. Espinosa e o problema da Expressão. 2017, p.172, NT.
23
Portanto, “a distinção entre a natureza da causa do entendimento em Descartes e Spinoza terá
como conseqüência a não aceitação por parte de Spinoza da heterogeneidade total entre o
entendimento divino e humano”61
. Esta e outras distinções farão com que Espinosa não utilize o
método analítico. Para Descartes, é indispensável a promessa de que, a partir de uma ideia clara e
distinta do efeito, podemos alcançar uma ideia clara e distinta da causa. Já, o autor da Ética
expõe que a ideia clara e distinta da causa não revela nada além do que sua filosofia entende
como um efeito - um sintoma -, e não como conhecimento adequado, que, de fato é o que
demonstra a causa de sua existência. As características extrínsecas não são suficientes, por
exemplo, para descrever a essência de um círculo, mas apenas sua causa adequada. Entender é
conhecer a causa das coisas, saber como as coisas foram produzidas, e quanto mais coisas
conhecemos, mais aptos a mais coisas somos62
.
Sabemos que a substância infinita cartesiana é causa de si de maneira distinta à forma com
que é causa das coisas que gera; sendo causa apenas de maneira análoga à causa das coisas que
cria. Em Espinosa, a substância é causa de si, exatamente da forma que é causa das coisas que
origina. Faltou ao autor das Meditações a compreensão de uma razão lógica, pela qual a causa de
si é atingida por ela mesma, estruturada na lógica da natureza absoluta da Substância. Quando a
filosofia espinosana fala que a essência se expressa nos atributos e que estes atributos não
compõem a essência da substância sem constituir sua existência, ele mostra também que eles não
exprimem a essência sem exprimir a existência que naturalmente dela decorre; assim, a existência
se concilia com a essência. Neste sentido, a causa de si tem uma razão lógica formal não só por
analogia, mas eficientemente.
Vemos, na sexta definição da segunda parte da Ética, que, por realidade e perfeição,
podemos compreender o mesmo, pois Deus age como existe. A causa de si é desvelada por sua
própria natureza. As coisas que gera, gera necessariamente e não acidentalmente. Todavia,
quando falamos sobre o ser em um sentido formal no cartesianismo, falamos sempre de uma
maneira análoga à causa eficiente. O nada não tem atributos. Desta forma, quantitativamente,
todo atributo é uma propriedade de uma Substância. Destarte, todas as coisas ou existem em si ou
61
FRAGOSO, E. “Descartes e Espinosa. O Método e o entendimento”. Estud.filos, n.33, p.53-64, 2006, p.9. 62
“Quem tem um corpo capaz de muitas coisas tem uma mente cuja maior parte é eterna”. (EV, Prop.39)
24
em outra coisa, ou seja: Substância, propriedade ou modo63
. Da perspectiva dos modos, não há
acidentes, não há atributos que não deveriam necessariamente serem exprimidos.
Na filosofia espinosana, a teoria da imanência e a do método sintético são fundamentais.
O cartesianismo explica a causa do erro por um desalinhamento existente entre a finitude da
mente humana e a infinitude da natureza. As propriedades permanecem como acidentais em
Descartes, porque ele precisa manter uma certa causalidade nas coisas externas. Em Espinosa,
vemos que há uma necessidade intrínseca nos modos de ser. A Substância é a causa de todas as
coisas da natureza porque não se distingue dela. Por esse ângulo, podemos notar como tudo na
natureza é logicamente necessário. No início do apêndice da EI, Espinosa revela que as coisas
foram pré-determinadas não por pura vontade de Deus, mas por sua própria natureza, ou seja, por
sua forma, por sua ação. Neste sentido, a imanência é fundamental para compreendermos a
Substância única espinosana.
Em suma, a causa do erro para Espinosa não reside em uma incapacidade do ser humano
de compreender a infinidade da natureza, ou seja, não está em uma suposta assimetria existente
entre o intelecto e a vontade (como acreditava para Descartes). Para o autor da Ética, a causa do
erro está relacionada com uma má compreensão dos modos do pensamento, como podemos
conferir no TEI: “aqueles que não estabelecem cuidadosamente a distinção entre a imaginação e
o entendimento incorrem em erros enormes”64
.
Uma filosofia mística?
A dificuldade na compreensão da obra de Espinosa é apontada por praticamente todos os
estudiosos que se dedicam à matéria. As novidades que anunciava no século XVII ainda
conservam uma peculiaridade de estranheza por permanecerem raras. Com tantas minúcias
filosóficas necessárias para descrever Deus, seus atributos e suas infinitas modificações, é preciso
anos de estudos e reflexões aprofundadas para se encontrar os pontos de contato de seus
princípios fundamentais, outros para caminhar neste campo e tantos outros mais para
compreender sua intuição. Para entender o impacto do seu pensamento, podemos lembrar que
63
Cf. EI, Prop.4. 64
TEI, §87-89.
25
Espinosa fora excomungado de sua comunidade judaica aos vinte e três anos, antes mesmo de
publicar qualquer obra. Arnold Zweig, em O Pensamento Vivo de Spinoza, nos diz que somente
os homens de hoje em dia podem medir o que, realmente, significou a palavra espinosista à
época: traduzindo-a por bolchevista65
.
Curiosamente, uma certa aura de misticismo e incerteza rondam a obra de Espinosa. Digo
curiosamente porque, como Claudio Ulpiano lembrava, o problema para Espinosa não é
propriamente o erro, mas exatamente a superstição e a tolice. Contudo, certas características
místicas rondam sua história. Espinosa estudou durante um certo tempo com o rabino Isaac
Aboab da Fonseca, que tinha uma forte tendência ao misticismo, embora discordassem acerca da
relevância da Cabala66
. Também estudou na yeshivá Keter Torah, onde foi introduzido ao
pensamento de Maimônides67
pelo rabino Mortera. Alguns comentadores identificam o
espinosismo como o acabamento e síntese de um longo desenvolvimento da teologia e do
misticismo judaico. Por exemplo, o filósofo alemão Johann Wachter68
realiza um estudo sobre a
influência que o misticismo teve nos trabalhos de Espinosa. Na mesma linha, Jean-Claude
Piguet69
identifica a influência da tradição cabalística na Ética, assim como Henry Walter Brann,
que possui um artigo intitulado Spinoza and the Kabbalah70
.
Outro tema que merece atenção é o rigor de sua excomungação: ela dizia para ninguém
”comunicar-se com ele oralmente ou por escrito, nem lhe prestar nenhum favor, nem estar com
ele sob o mesmo teto nem dentro de quatro cúbitos de sua vizinhança, nem ler nenhum tratado
composto ou escrito por ele”71
. A rigidez e severidade com que o documento fora redigido é
motivo de debate até os dias de hoje72
. Inclusive, é curioso o fato de estar escrito na
excomungação “não ler nenhum tratado composto ou escrito por ele”. Acredito que isto revela a
possibilidade histórica de Espinosa ter escrito algum texto, à época, que tenha sido destruído, mas
65
ZWEIG, A. O pensamento vivo de Spinoza.1973, p.58. 66
NADLER, S. Um livro forjado no inferno. 2013, p.21. 67
Sua principal obra - O Guia dos Perplexos - é notavelmente reconhecida como base e referência para o estudo do
misticismo judaico. 68
WACHTER, J. Der Spinozismus im Jüdenthumb. 1699. 69
PIGHET, J. Le Dieu de Spinoza, 1989. 70
Cf. WALTER, H. “Spinoza and the Kabbalah”, Speculum Spinozanum, 1677-1977, London: Routledge & Kegan
Paul, pp.108-18. 71
GUINSBURG, J. Spinoza: obra completa II: correspondência Completa e Vida. 2014, p.347. 72
“Nem o próprio herém nem qualquer documento do período nos dizem exatamente quais teriam sido suas supostas
‘más opiniões e atos’, nem quais ‘abomináveis heresias’ ou ‘feitos monstruosos’ ele alegadamente teria praticado e
ensinado”. (NADLER, 2013, p.25)
26
talvez nunca saberemos. É certo que algumas de suas obras se perderam e tantas outras foram
destruídas pelo próprio autor, como, por exemplo, um escrito chamado Tratado do Arco-Íris e
uma tradução que havia começado do Antigo Testamento para o flamengo, ambos lançados ao
fogo pelo próprio Espinosa. Durante sua vida, o autor demonstrou enorme receio e preocupação
constante com as pessoas que tinham acesso às suas obras. Fora ameaçado inúmeras vezes,
inclusive sofreu uma tentativa de assassinato por esfaqueamento na saída de um teatro. Publicou
apenas dois livros em vida, sendo um de forma anônima, este “considerado por contemporâneos
de Espinosa como o livro mais perigoso que já fora publicado”73
. Certamente, não iremos
investigar se há alguma relação do conteúdo das obras de Espinosa com o misticismo do século
XVII, da Cabala ou de qualquer outro. Tampouco investigaremos o porquê de tanta perseguição,
mas apenas achamos relevante atentarmos a esta questão. Quiçá, centenas de anos de estudos
acadêmicos sobre o espinosismo têm ignorado algo que o pensamento meramente racional não
pode alcançar. Pois bem, após esta breve digressão, voltemos ao tema central.
73
NADLER, S. Um livro forjado no inferno. 2013, p.11. O livro em questão é o Tratado Teológico-Político.
27
UMA ANÁLISE ONTOLÓGICA
A unidade da Natureza
Para o homem compreender a unidade e conhecer a união da mente com a natureza
absoluta, necessita-se algo mais que palavras, demonstrações ou definições. Na terceira e quarta
definição da primeira parte da Ética, Espinosa fundamenta a estrutura una da Natureza: tudo o
que existe, existe ou em si mesmo ou em outra coisa, e aquilo que não pode ser concebido por
outra coisa deve ser concebido por si. Neste sentido, as quatorze primeiras proposições do
primeiro livro da Ética tratam de examinar esta unidade e explicar a Substância, seus infinitos
atributos de modos infinitos.
Procuraremos entender o que esta visão representa na prática epistemológica e ontológica
de sua filosofia. Se a Substância é composta de infinitos atributos de infinitos modos, devemos
compreendê-la, portanto, por meio de uma estrutura infinita que se organiza de maneira certa e
determinada. Neste sentido, entendemos o que Lorenzo Vinciguerra quis dizer com - “a
epistemologia anda de mãos dadas com a ontologia”74
. Em Espinosa, todas as coisas serão
referidas como “um modo de ser-ente”75
, dado que a sua essência objetiva não é distinta da ideia
do corpo existente em ato. Eu sou um modo de ser-ente, você é um modo de ser-ente, este
computador em que escrevo essa dissertação é um modo de ser-ente, Espinosa era um modo de
ser-ente. O que tem o nome de flor é um modo “florido” de ser-ente. O conhecedor e o conhecido
se transformam em um sendo-conhecendo. A filosofia espinosana explica que o que existe é um
único substantivo verdadeiro: ser e suas ações, ou Deus e a natureza.
Explicitada a unidade indivisível do ser, seguem-se, naturalmente, algumas questões
envolvendo: determinismo, função das partes, essência, modo etc. Espinosa nos explica que, por
atributo, devemos entender aquilo que um intelecto (entendimento) percebe de uma Substância
74
VINCIGUERRA, L. 2012, p.131, tradução nossa. 75
A palavra essência em português não é uma tradução da palavra essentia em latim, mas uma transliteração,
essentia em sua raiz advém do termo esse (ser). “O verbo latino para ‘ser’ é esse. Com ele formamos os particípios
presentes essentia e ens, e o gerúndio essendi (Essentia foi traduzido para o inglês como ‘essence’ (essência) e ens
como ‘being’ (ser). De fato, ‘essence’ não é uma tradução de essentia. É uma transliteração. [...] cada vez que em
uma tradução inglesa ou espanhola de BDS o leitor encontra a palavra ‘essence’ (essência) deve substituí-la por
‘being’ (ser-ente)”. (WIENPAHL, 1979, p.70)
28
como constituindo sua essência.76
O homem como um modo de um atributo da natureza não é
uma substância que exista independentemente de qualquer outra coisa. O entendimento das
maneiras pelas quais o homem conhece a si só pode ser alcançado a partir da percepção de que o
homem, inevitavelmente, insere-se na totalidade da natureza, da mesma forma com que um
atributo constitui a essência da Substância. Ademais, “é impossível que o homem não seja uma
parte da natureza e que não siga a ordem comum desta”77
.
Descrever a dinâmica do modo com que o ser conhece é diferente de conceber um método
para a compreensão da verdade78
. Quando nos dedicamos à construção de um método que
tematize o acesso à verdade, conservamos, sem nos darmos conta, este homem aristotélico
cartesiano que a tradição do pensamento ocidental ensinou, pois a construção de um método só é
válida se conservarmos um homem que o utilize. A filosofia espinosista descreve as próprias
maneiras pelas quais a natureza conhece, ou seja, ela não envolve uma busca por signos da
verdade. A utilização de fórmulas e algoritmos conserva o estudo ontológico como um estudo
diverso da epistemologia, este, dedicado ao estudo das possibilidades de conhecimento do
homem, e aquele, dedicado ao estudo do ser próprio da natureza exterior.
Como tudo o que existe é a Substância e seus modos (de tal maneira que os modos nada
mais são do que afecções dos atributos de Deus), podemos concluir que o conhecimento
ontológico é o próprio conhecimento. Conhecer a maneira com que conhecemos é conhecer - é o
que Deleuze chama de investigação sobre a “genealogia da essência da substância”79
.
Deus e os modos de ser
A distinção fundamental que devemos realizar a fim de compreender a natureza da
Substância é: de um lado, a natureza naturante (natura naturans); de outro, a natureza naturada
(natura naturata), isto é, entre Deus ou Ser, e os modos de ser. Para examiná-los, devemos,
76
Cf. EI, Def4. 77
EIV, Apên, cap.7. 78
O próprio título do artigo de Emmanuel Fragoso - “Descartes e Spinoza. O método e o entendimento” -, explicita
essa distinção. 79
Cf. DELEUZE, 2017, p.12. “Généalogie de l’essence de la substance”.
29
como Deleuze explica em Cursos sobre Spinoza, procurar entendê-los, não por meio de signos,
muito menos superstições, mas compreendê-los como expressões – a substância que se exprime,
o atributo que a exprime e a essência exprimida80
. O que existe pode ser visto como ser, antes que
como Substância, atributo e movimento.
O absolutamente perfeito compreende a Substância e seus atributos. Na sexta definição da
primeira parte da Ética, Espinosa explica que a substância é composta por infinitos atributos, de
tal maneira que cada um desses atributos exprime uma essência eterna e infinita. A filosofia
espinosana supera uma visão antropocêntrica do infinito, para entender a necessidade do
absolutamente infinito, o qual possui uma estrutura descrita por sua própria natureza. Não há
atributos iguais. A distinção real nunca é numérica, ou seja, não podemos distinguir
numericamente modificações entre atributo da Substância. Tampouco atributos podem ser
considerados acidentes, posto que a causa da existência da natureza é a mesma pela qual ela
existe – perfeição é igual a existência. Não há na natureza qualquer coisa a qual podemos atribuir
a algum vício ou carência, pois à natureza não podemos atribuir características humanas. De um
certo modo, podemos entender a natureza de todas as coisas por meio do conhecimento da união
que a mente tem com a Natureza inteira. “Espinosa repete desde o Curto tratado e o Tratado da
Reforma do Entendimento até a Parte V da Ética, o bem supremo consiste em nossa união com
um ser substancial eterno e imutável”81
. Adquirir tal natureza e esforçar-se para que muitas
adquiram comigo se torna parte essencial da ética espinosana.
O entendimento da Natureza não passa por uma interpretação subjetiva. Temos a potência
de enxergar as coisas absolutamente sendo da maneira como são. Cada atributo exprime a
infinidade e a necessidade de sua existência, ou seja, sua eternidade82
. Os modos são expressivos,
eles exprimem a essência de Deus, uma espécie da expressão da expressão. Em um primeiro
momento, devemos notar que a Substância se exprime em seus atributos e cada atributo exprime
uma essência, posto que origina-se da essência da Substância. Em seguida, os atributos se
expressam: eles se expressam nos modos que necessitam deles, e cada um expressa modificações
por meio de uma produção de coisas reais.
80
Cf. Deleuze, G. Espinosa e o problema da Expressão, 2017, p. .30 81
PINHEIRO, U. “Eternidade e esquecimento: memória, identidade pessoal e ética segundo Espinosa”. 2009, p.45. 82
“O principal atributo, a ser considerado antes de todos, é a eternidade de Deus, pela qual explicamos a sua
duração; para não atribuirmos nenhuma duração a Deus, dizemos que ele é eterno”. (PM, PII, Cap.1)
30
Aprendemos que o intelecto compreende dois atributos de Deus – a extensão e o
pensamento – de tal maneira que ambos atributos estão eternamente pensando e se
“extensionando”. O atributo do pensamento se expressa em todas as coisas, assim como o
atributo extensão: não há pensamento sem extensão e extensão sem pensamento. A ordem e a
conexão das ideias é igual a ordem e conexão das coisas. Os atributos da extensão e do
pensamento são aspectos da mesma coisa: de Deus e de cada modo específico de ser. Todos os
seres são animados, não há atributo morto ou sem nenhum movimento, assim, passáros e pedras
são igualmente animados. Conjuntos específicos de corpos constituem indivíduos, estes
expressam-se de forma mental e corporal.
Todas as coisas na natureza participam tanto do atributo mental como da extensão física.
Na parte dois da Ética, Espinosa mostra que nenhum atributo pode existir sem o outro. Os
atributos não podem ser compreendidos como espelhos que refletem a Substância, mas como
elementos vivos ou orgânicos que não se distinguem no nível de perfeição. A proposição
dezesseis da parte um revela as infinitas coisas que devem seguir de infinitos modos e por meio
dos quais atingimos os elementos primeiros, a noção da substância única. Todo atributo reproduz
uma qualidade, uma certa quididade, porque qualifica a Substância como sendo o que é, ao passo
que também reproduz um modo da diversidade da Substância. Não podemos enxergar os
atributos como simples características. Eles são, de certo modo, atribuidores, não são apenas
qualidades atribuídas a algo, possuem um valor expressivo, estão em movimento – vivos. Eles
não são mais atribuídos, considerados como eram pela tradição, como meros acidentes ou coisas
subjetivas. Eles exprimem uma essência infinita, uma qualidade ilimitada.
Por meio dos atributos, entendemos Deus, ou seja, podemos alcançá-lo, partindo de seus
modos, mas o entendimento proveniente dos modos não é alcançado através de abstrações e nem
através de analogias. A metodologia espinosana não é analógica e nem ideal, mas um
entendimento prático.
Cada vez que criamos um signo de uma certa expressão, criamos limites, periferias,
superstições, fantasias, todas as argúcias metafísicas, com as quais se estruturam
epistemologicamente a Torá, o Evangelho etc. Esta dinâmica epistemológica analógica produziu
um certo desconhecimento geral dos homens em relação às leis naturais, o que acabou por
31
construir uma relação dúbia entre a necessidade e as leis dos homens. Todas as leis adquirem um
conteúdo moral se não realizamos esta distinção de maneira eficaz.
Todo o movimento do universo segue imediatamente do atributo da extensão, do mesmo
modo como toda ideia segue do atributo pensamento83
. É importante notar, como é exposto nas
EII7e13, que existe uma correlação entre os atributos extensão e pensamento. Devido a esta
conexão, a tradição espinosista acostumou-se a chamar de “paralela” a relação dos atributos de
Deus. Por certo, os atributos de Deus estão numa eterna constância, de tal sorte que não há
nenhum pensamento sem que haja um correlato na extensão. E, nesta esteira, Matheron, em um
de seus artigos84
, realiza uma investigação para encontrar uma resposta à seguinte questão: qual o
correlato na extensão da compreensão de uma ideia verdadeira no pensamento?85
Digo isto para
mostrar o quão rigorosa é a relação de correspondência entre os atributos. É importante notar, que
esta relação de similaridade entre os atributos não representa apenas uma coincidência no
encadeamento dos correlatos das naturezas de cada atributo, porém um equivalência em relação à
origem de princípio entre as sequências, que necessitam ser entendidas como autônomas:
“Quando Espinosa afirma que os modos dos atributos diferentes não tem apenas a mesma ordem,
mas também a mesma concatenação, ele quer dizer que os princípios dos quais eles dependem
são eles mesmos iguais”86
. Por um outro lado, há filósofos que discordam da utilização deste
conceito (paralelismo) para explicar a dinâmica dos atributos. Por exemplo, no artigo de Ericka
Itokazua, “A última tentação do paralelismo na interpretação da filosofia de Espinosa”, vemos
que a autora cita Chantal Jaquet como exemplo de uma filósofa que expõe o termo paralelismo
como um instrumento conceitual “que mais atrapalha do que ajuda” na compreensão dos
atributos87
. Deleuze entende que Leibniz, ao conceber o termo “paralelismo”, utilizou-o de
83
Neste sentido, entendemos quando Espinosa afirma no BT: “No que toca agora à Natura naturata, ou aos modos
ou criaturas que dependem imediatamente de Deus, ou são criados imediatamente por Ele, não conhecemos mais do
que dois deles, à saber, o movimento na matéria e o intelecto na coisa pensante.” (BT, PI, cap.IX, §1, grifo nosso) 84
MATHERON, A. “Etudes sur Spinoza et les philosophes de lage classique”. 2011. 85
Ibid, p.693. “que se passe-t-il das le corps lorsque l’espirit compred?”. 86
DELEUZE, G. Espinosa e o problema da expresão. 2017, p.117. 87
ITOKAZUA, E. “A última tentação do paralelismo na interpretação da filosofia de Espinosa”. Revista Conatus -
Filosofia de Spinoza - volume 4 - número 8 - dezembro 2010. “Não é aqui nosso propósito procurar a exata datação
da primeira vez em que o termo aparece associado a Espinosa, nem fazer má análise histórica do paralelismo,
bastando-nos o breve exame das ocorrências mais conhecidas. Quanto à sugestão de seu primeiro uso nas cartas de
Jacobi, seguimos a referência feita por Maxime Rovere no seu trabalho La tentation du parallelisme: um fantasme
géometrique dans l´histoire du spinozism” in La théorie spinoziste des rapports corps-esprit et ses usages actuels
organizado por Jaquet, C., Sévérac, P., Suhamy, A., Hermann, Paris, 2009.”
32
maneira muito generalizada, já que a relação de encadeamentos entre naturezas independentes
resulta de um mesmo princípio (da natureza naturante).88
Não obstante, e levando em consideração o que já expliquei sobre a distinção entre
natureza naturada e natureza naturante, enfatizo que o termo “paralelismo” deve ser empregado
apenas aos modos do Ser, posto que a natureza não pára de agir constantemente, produzindo na
mesma sequência de encadeamento nos infinitos atributos. Sendo assim, há, de certo modo, uma
relação entre os modos dos infinitos atributos, já que exprimem uma substância única, ou seja,
constituem incessantemente uma mesma modificação.
De uma perspectiva extensional, podemos identificar partes individuais que se
diferenciam pelo movimento e repouso e também partes individuais justapostas que constituem
indivíduos89
. Essa pluralidade de indivíduos se relacionam no sentido em que constitui um
mesmo indivíduo, no mesmo sentido em que um indivíduo é composto de vários modos,
“concebemos facilmente que a natureza inteira é um só indivíduo, cujas partes, isto é, todos os
corpos variam de indefinidas maneiras, sem qualquer mudança do indivíduo inteiro”90
.
A ordem e a concatenação das ideias são as mesmas que a ordem e a concatenação das
coisas. Esta proposição de Espinosa, em um certo sentido, aponta para uma influência aristotélica
no espinosismo: saber o que uma coisa é, é entender a sua causa. Uma ideia verdadeira só é
explicada de maneira correta quando explicamos sua causa no atributo pensamento, no mesmo
sentido em que só descobrimos o que um corpo é se examinarmos sua causa na extensão. Uma
coisa extensa não pode produzir uma ideia, ou seja, um modo do pensamento, e vice-versa. A
cada ideia condiz uma coisa.
A natureza se produz ao passo que se compreende. Ao agir, ela compreende o que produz.
A filosofia de Espinosa é uma lógica, de tal sorte que a natureza que fundamenta sua lógica é, ao
mesmo tempo: epistemologia e ontologia. Neste sentido, o ser humano é um composto
constituído de mente e corpo91
, de tal modo que estes compostos não existem como coisas
separadas, ou seja, são atributos da mesma coisa consideradas de formas distintas - modificações
88
DELEUZE, 2017, p.161. 89
EII, P13. 90
EII, P13. 91
Em referência com o que vimos acima: “O corpo humano compõe-se de muitos indivíduos (de natureza diferente),
cada um dos quais é também altamente composto”. (EII, Prop.13, Post)
33
dos modos da Substância.92
Não constituem por si só substâncias. O ser humano aparece na
segunda parte da Ética93
constituindo a parte que trata sobre a origem e natureza da mente. Não
obstante, tendemos a pensar os seres humanos como seres substanciais, independentes de outros
seres, como o aristotelismo nos ensinou, e que se reflete na estrutura de nossa gramática
construída sob a erige do sujeito e predicado.
A extensão não é o reflexo do conjunto constituído pela soma de cada corpo particular,
pois, antes de constituir seres particulares, ela exprime a essência de uma Substância única. A
mente humana necessita de outras mentes para desenvolver o seu próprio modo de pensar. Desta
maneira, as ideias só podem ser geradas por outras ideias, assim como corpos só podem surgir do
relacionamento de outros corpos. Neste sentido, Espinosa diz que nada é mais útil ao homem do
que outro homem. Os seres humanos expressam a essência de Deus por meio das modificações
de seus atributos, um modo de ser-ente extensional e “pensamental”, cujo poder de afetar e de ser
afetado é sempre exercido. Poder compartilhado também por todos os outros seres.
Temos pensado que nosso pensamento encontra-se em nosso cérebro, assim como
pensamos que nossas ideias estão separadas de outras ideias. Isto porque tendemos a pensar as
ideias do pensamento da mesma forma como pensamos as coisas na extensão, distinguindo ideias
como distinguimos corpos, ou seja, por meio de suas imagens e palavras na duração. Desta
forma, “confundiram a mente com as coisas corpóreas; o que teve origem porque, para significar
as coisas espirituais que não entendiam, utilizaram as palavras que costumam utilizar para as
coisas corpóreas”94
. Entretanto, vemos como o corpo e a mente humana não existem de maneira
isolada. Para o corpo existir, antes foi necessário que existisse uma comunidade de pessoas que o
produziram, do mesmo modo, para existir a mente humana (a ideia do corpo), antes foi
necessário que existisse uma relação de ideias que a produziram. Uma mente (ou um corpo),
considerados unicamente em si mesmos, são pouco conscientes de si e da Natureza. Como um
peixe em um oceano que, ao conhecer a natureza do mar, conhece a sua mesma. O homem ao
descobrir a Natureza, descobre quem é.
92
A “substância pensante e a substância extensa são uma só e a mesma substância, compreendida ora sob um
atributo, ora sob outro. Assim, também um modo da extensão e a ideia desse modo são uma só e mesma coisa, que se
exprime, entretanto, de duas maneira”. (EII, Prop.7, cor) 93
A segunda parte do BT intitula-se: Do homem e de quanto lhe pertence. 94
PM, PII, Cap.XII.
34
A relação existente de amor entre o homem e a Natureza, ou seja Deus, existe na medida
em que há uma coincidência entre o fato de Deus amar a si mesmo num amor compreensivo, e a
tomada de consciência dos homens da parte eterna da mente. Deus não ama o homem enquanto
considerado como um ser infinito, que realiza todos os atos e ações com tudo e com todos, mas
sim, enquanto é explicado por constituir a essência da mente humana. Nada pode ocorrer que
possa extinguir este amor compreensivo.95
“Sou imperfeito, logo, não tenho existência necessária,
logo, não tenho a potência de me conservar; sou conservado por outro, mas um outro que tem
necessariamente o poder de conservar a si mesmo, [...] que existe necessariamente”96
.
As relações entre corpos resultam sempre em uma composição ou em uma decomposição.
Um corpo é capaz de agir e de padecer à medida que compreende adequadamente ou que
compreende inadequadamente. Esta é a medida de inferioridade e superioridade entre as mentes
humanas. Quando Espinosa nos explica que a Natureza tem esta ou aquela ideia, não devemos
entender que Deus tem infinitas ideias, ou que tem várias ideias, ao passo que temos apenas uma
por vez. De maneira distinta, temos de entender que a mente humana, às vezes, percebe as coisas
parcialmente, ou seja, inadequadamente, enquanto o intelecto divino (essência formal da mente
humana) existe absolutamente por sua própria natureza.97
95
Cf. EV, Prop.36. 96
DELEUZE, G. Espinosa e Problema da Expressão. 2017, p. 96. 97
EII, Prop.11,cor.
35
UMA EPISTEMOLOGIA ENVOLVENTE
A ideia e a expressão
Na sexta definição da primeira parte da Ética, Espinosa expõe uma característica
fundamental dos atributos: eles são expressivos. Cada um exprime uma essência eterna e infinita.
A expressão assume, assim, uma função essencial na dinâmica de conhecimento.
Como disse o professor emérito da UFRJ Carneiro Leão: “conhecer aquilo que podemos
enxergar é muito fácil, difícil é descrever aquilo que não enxergamos”. Tradicionalmente, o
pensamento tem aparecido como algo de natureza incerta e complexa demais para se
compreender. Tanto é assim que nunca tivemos aula de como pensar ou sobre o que é o
pensamento. Ainda hoje, tratamos o tema com uma certa obscuridade. Nas definições da segunda
parte da Ética, vemos que a ideia é um conceito da mente, que a mente concebe, dado que é uma
coisa que pensa. Espinosa utiliza a palavra conceber pois se trata de um verbo, ou seja, uma ação,
e o pensamento é ativo e não, passivo. As ideias não surgem como representações de um modelo
imaginativo, quer dizer, não surgem como resultado da impressão da imagem de um objeto
exterior no pensamento. As ideias só podem resultar de outras ideias, assim como os corpos só
podem resultar de outros corpos - corpos não produzem ideias.
Como dissemos, Espinosa não trata de conceber um método para que os homens possam
compreender a natureza, mas sim, entender as próprias maneiras pelas quais a Substância
compreende. Se não existe um método98
, tampouco existe uma finalidade no conhecimento. Não
se trata de uma busca por signos, mas a compreensão da maneira própria pela qual conhecemos
as forças que se expressam na natureza tais como elas são em si mesmas. E assim, a expressão
assume uma função fundamental na dinâmica de conhecimento e progresso99
. Deus não fabrica
signos, Deus se expressa e a expressão não é nem simbólica e nem mística. A Natureza se
98
No TEI, Espinosa diz várias vezes que há um Método (com m maiúsculo), no caso, este Método não trata de uma
método analógico. Espinosa não trata de um “método” no sentido analógico, de um certo mecanismo de mediação
entre a finitude humana e a infinidade da natureza. No entanto, Método no sentido espinosano é o próprio
entendimento. Não podemos tratar em termos de uma metodologia, pois a Beatitude não é o prémio da virtude, mas a
própria virtude, ou seja, a compreensão. 99
Utilizo a palavra progresso em referência à passagem do Tratado da Emenda do Intelecto: “À medida que
confundimos a imaginação com intelecto, julgamos inteligir o que imaginamos.[...] Por isso antepomos o que
devemos pospor e assim se desfaz a verdadeira ordem do progresso e não se conclui nada legitimamente”. (TEI, §90)
36
expressa e, ao expressar-se, revela relações. A expressão não pode, assim, ser compreendida
como uma coisa fixada pela consciência, mas o conhecimento da natureza da expressão surge da
compreensão de que isso que se expressa é o mesmo que se compreende. Analisando a
expressão, Deleuze desvenda seus dois correlatos100
: explicare et envolvere101
. Exprimir é
envolver e explicar, estes são os dois aspectos da expressão. Envolver é explicar e explicar é
desenvolver. As duas palavras advém da palavra latina plicar, que significa dobrar. Nesta esteira,
implicar ou envolver introduzem a ideia de dobrar para dentro, enquanto explicar e desenvolver,
dobrar para fora. A expressão é, assim, uma manifestação do uno no múltiplo. A Substância se
expressa no todo, ou seja, o todo desdobra as suas partes. Em outras palavras o observador é a
coisa observada.
As expressões exprimem a própria unidade, “são os olhos da alma. São, portanto, os
órgãos que nos colocam em contato com as coisas e, por ocasião desse contato, nos transmitem
esse sentimento de nós mesmos”102
. A tradição, ao caracterizar a mecânica epistemológica do
processo de formação das ideias a partir do modelo imaginativo, ensinou que as ideias surgem
como resultado do encontro do pensamento com a extensão. Esta concepção negligencia o caráter
expressivo da ideia e falseia o índice da verdade, que está na própria coisa ou na ideia. Gabriel
Leitão expõe o erro fatal daqueles que “julgam as coisas pelos nomes e não os nomes pelas
coisas”103
. Portanto, “compreenderá claramente que a ideia (por ser um modo do pensar) não
consiste nem na imagem de alguma coisa, nem em palavras”104
.
A ideia é outro modo de considerar os corpos da extensão e vice-versa - res extensa é
igual à res cogitans – cada modo expressa a essencialidade eterna e infinita da Substância. Em
grego, ideia significa forma, um aspecto ou aparência de alguma coisa. Para Espinosa, tudo tem
ideias: pedras, pássaros, homem etc. Todas as coisas têm uma forma, o que equivale a dizer que
todas as coisas têm uma ideia. O objeto da ideia que é, por exemplo, a mente de um ser humano,
é o corpo de sua ideia. A forma de um corpo humano é a mente deste corpo, é o que possibilita a
distinção de um objeto de outro. A mente de uma planta, é muito mais simples do que a de um ser
humano, uma planta é animada em um nível muito menor.
100
DELEUZE, G. Espinosa e o problema da Expresão, 2017. 101
Ibidem. 102
MOREAU, F. MOREAU, F. Spinoza l’expérience et l’éternite. 1994, p.547, tradução nossa. 103
LEITÃO, G. “O problema da linguagem em Espinosa”. Linguagens e Diálogos, v.1, n.1, p. 24-41, 2010, p.30. 104
EII, Prop.49esc.
37
A ideia verdadeira distingue-se das demais porque é adequada, e não pela correspondência
com seu ideado. Uma coisa é o círculo e outra, a ideia de círculo105
. O círculo, como vimos, tem
centro e periferia, todavia, a ideia do corpo não é o corpo: “querendo dividir a água divido senão
o modo da substância e não a substância mesma”106
. Para que a mente reproduza o modelo da
natureza, ela deve produzir todas as suas ideias a partir daquela que reproduz a origem e a fonte
da Natureza; “O escopo, então, é ter ideias claras e distintas, tais que, como se pode ver, sejam
feitas a partir da pura mente e não de movimento fortuitos do corpo”107
(grifo nosso).
Conheceremos a maneira correta de conhecer quando tivermos a ideia do ser perfeitíssimo e,
como sabemos, a ideia é uma sensação em ato. Esforçar-nos-emos para concatenar as ideias de
tal modo que nossa mente reproduza objetivamente a formalidade da natureza, ou seja, que nosso
intelecto humano reproduza o intelecto divino, e que as coisas sejam concebidas por meio de sua
essência.
A ideia exprime a perfeição das coisas no pensamento. A modificação de um modo exprime
a ideia de um corpo que manifesta a essência da Natureza imediatamente. Na demonstração da
manifestação da expressão, esta envolve e a explica. Não podemos entender a expressão a partir
de suas explicações, apenas através da própria expressão. A explicação aponta mas permanece
sempre após o acontecimento. A essência formal não é expressa sem que haja entendimento
divino, visto que é a expressão que funda a conexão com o entendimento. “Por Deus
compreendo as afecções de uma Substância, ou seja, aquilo que existe e que consiste de infinitos
atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita”108
. É na medida que a
Substância se exprime nos atributos que os atributos exprimem a essência formal.
Os atributos são como pontos de vista da Natureza. Mas, no absoluto, os pontos de vista não
são exteriores (no absoluto não existe interior e exterior). A Natureza compreende em si a
infinidade de seus próprios pontos de vista. Não é um ponto de vista que adquire um
entendimento finito perfeito, que entende todas as propriedades, uma a uma, e as explica ao
compará-las com outras coisas próximas. A coisa que se exprime é ela mesma que se explica.
A expressão não pode ser objeto de repetição e demonstração - é ela própria em ato que se
105
TEI, §33. 106
BT,PI,Cap2,§21. 107
TEI ,§91. 108
EI, Def.6.
38
exprime no absoluto, que manifesta imediatamente a essência da Substância. Não é possível
entender qualquer ideia sem que haja expressão. Cada expressão é como se fosse a existência do
exprimido, de tal forma, que a essência exprimida é a essência da Natureza.
A expressão é como uma semente que exprime, de certa forma, a árvore toda. A essência da
Natureza é expressa nos modos, assim como o espelho aponta para o olho que vê a imagem. O
que é expresso está envolvido na expressão assim como a árvore e a semente: a essência da
Substância é constituída pelos atributos que a exprimem e não meramente refletida nos atributos.
A expressão reúne Deus (natureza naturante) e o mundo (natureza naturada). Os modos se
exprimem, desenvolvem ou explicam a Natureza. A potência é a coesão absoluta de Deus e o
mundo. Mas Deus tem outra potência, outro modo da expressão: Deus se exprime e se entende
objetivamente. Quando Espinosa diz: “a potência de pensar de Deus é igual à sua potência atual
de agir. Isto é, tudo o que se segue, formalmente, da natureza infinita de Deus segue-se
objetivamente em Deus, na mesma ordem e segundo a mesma conexão, da ideia de Deus”109
, e
que “quando a mente humana percebe isto ou aquilo não dizemos senão que Deus, não enquanto
é infinito, mas enquanto é explicado por meio da natureza da mente humana, [...] tem esta ou
aquela ideia”110
, vemos que essência de Deus age formalmente nos modos que constituem sua
natureza e objetivamente na ideia que exprime essa natureza. A essência objetiva é uma potência
de Deus. Não existe um ser que seja a causa de todas as coisas sem que também seja causa de
fato das ideias.
Espinosa estava dizendo que há uma relação da potência infinita de Deus de pensar e da
essência objetiva que exprime as ideias. Sabemos que a Natureza pensa infinitas coisas de
infinitos modos.111
Para que ela conceba uma ideia de sua própria essência é necessário que ela
possua, no atributo pensamento, uma potência de pensar idêntica à potência de existir. A potência
infinita do pensamento de pensar é a essência objetiva de Deus: não há causa objetiva se não
houver uma essência formal.
Possibilidades e necessidades constituem a potência da existência e das ações de Deus:
possibilidades relativas aos modos formalmente distintos e à necessidade relativa à unicidade da
109
EII, Prop.7, cor. 110
EII, Prop.11, cor. 111
Cf. EI, Def.6.
39
Substância. “A essência formal não é por si e tampouco criada; com efeito, os dois suporiam que
a coisa existe em ato, mas ela depende só da essência divina, na qual tudo está contido”112
.
Como a Natureza é um ser do qual se afirmam atributos infinitos e
contém em si todas as essências das coisas criadas, é necessário que de
tudo isso, seja produzido no pensamento uma ideia infinita que contenha
em si objetivamente a Natureza inteira, tal qual ela realmente é em si
mesma.113
Se quisermos examinar uma perspectiva, digamos, lógica do pensamento de Deus,
certamente, o objeto desta ciência só poderia ser sua própria natureza. O atributo pensamento
constitui-se de maneira formal de modificações que objetivamente expressam o atributo. Em
outras palavras, a diferenciação entre causa formal e objetiva coincide no pensamento com a
diferenciação entre essência formal e realidade. Neste sentido, para tudo que existe de maneira
formal há uma ideia que objetivamente corresponda a esta formalidade. “Deus contém
eminentemente aquilo que se encontra formalmente nas coisas criadas, isto é, Deus tem atributos
tais que contêm todas as coisas criadas da maneira mais eminente”114
.115
Para investigarmos a natureza da ideia de Deus, é necessário inquirir uma resposta que
resida no próprio atributo pensamento, que é dizer, quando investigamos a ideia de Deus, estamos
procurando a natureza da expressão. Para tal, é essencial manter uma distinção muito clara na
mente entre aquilo que exprime e o que é expresso. O expresso é a causa, mas o que se exprime é
a potência de entender as maneiras pelas quais entendemos. No início do apêndice da EI,
Espinosa diz que tudo o que acontece tem como causa Deus pela própria natureza da sua forma.
As ideias seguem da ideia de Deus e, formalmente falando, de sua potência de pensar.
112
PM, PI, Cap.2. 113
BT, PII,Con,§3. 114
PM,PI,Cap.2. 115
Poderíamos nos questionar se a Ética Espinosa dá espaço para a noção de Deus como causa eminente. No
EI17esc, o autor afirma: “E por isso o intelecto, enquanto concebido como constituindo a essência de Deus, é,
realmente, a causa das coisas, tanto de sua essência como de sua existência, o que parece ter sido percebido também
por aqueles que afirmaram que o intelecto, a vontade e a potência de Deus são uma única e mesma coisa. Portanto,
como o intelecto de Deus é a única causa das coisas, isto é, tanto de sua essência como de sua existência, ele deve
necessariamente delas diferir, seja no que toca à essência, seja no que toca à existência. Como efeito, o que é causado
difere da respectiva causa precisamente naquilo que ele recebe dela”.
40
“Ademais, como para a existência de uma ideia (ou essência objetiva) somente se requer o
atributo pensante e o objeto (ou essência formal), o que dissemos é certo: a ideia ou essência
objetiva é a modificação mais imediata do atributo”116
. Sem dúvida, nossas ideias de afecções
“envolvem” sua própria causa, ou seja, a essência objetiva do corpo exterior, mas elas não a
“exprimem” nem a “explicam”. As afecções que temos revelam uma perspectiva de nosso corpo,
todavia, não podem explicar a essência da natureza exterior. As imagens que temos são marcas,
imagens impressas em nossa retina e não ideias expressivas; são apenas sensações, não
compreensões. Devemos lembrar: conceber uma ideia, da perspectiva da eternidade, tem menos
relação com interpretar e mais com participar da natureza. “A ideia inadequada é a ideia
inexpressiva”117
.
A imanência da Substância e a expressão de seus modos
Participamos da Natureza enquanto entregamos energia para a produção. Participamos
emanativamente: tudo é emanado. A participação acontece enquanto há entrega: entregamos ao
participar. Deleuze, em Espinosa Filosofia Prática, afirma que a emanação aparece como um
conjunto entre o doador, o que é doado e o que recebe. A modificação compartilha da ação, ou
seja, da expressão, durante o tempo em que, definido absolutamente por aquilo doado, coincide
com o concessor. Encontramos, aqui, um fator que reúne a causa emanente e a causa imanente. A
modificação causa, mas esta causa está para além de sua total apreensão. Logicamente, digamos
assim, a causa eficiente é a modificação, e o efeito só é efeito pois a causa é uma modificação
definida. Da perspectiva da imanência, “nenhuma coisa criada pode existir por sua natureza
sequer um instante, mas é continuamente procriada por Deus”118
. A Natureza que emana, emana
porque apreende e compartilha de uma imanação da qual as coisas se originam e coincidem. O
que emana causa o mundo, não obstante, causa pois compartilha de uma imanação.
Para investigarmos aquilo que é imanente, precisamos direcionar nosso foco para o estudo
ontológico em uma concepção clássica do conceito. A imanência absoluta se expressa
absolutamente em todas as modificações a todo momento. Como vimos, Deus se desenvolve da
116
BT, PII, Con,§7. 117
DELEUZE, 2017, p. 118
PM, Cap.12.
41
mesma maneira que desenvolve o mundo, e não apenas de maneira analógica. Deste modo,
observamos a natureza da perspectiva da eternidade, na qual compreendemos diretamente Deus
por meio das essências formais das coisas do mundo. Aparentemente, enxergamos um
predomínio da causa objetiva em detrimento da causa imanente, todavia, a causa objetiva não
pode ir além das características extrínsecas. A imanência não opera por analogia; “todas as
coisas existem em Deus e dele dependem de tal maneira que não podem existir nem ser
concebidas sem ele”119
. Vemos que a causa objetiva tem predominância sobre o efeito mas não
supera aquilo que produz no nível da aparência. Necessitamos observar a produção sempre de
maneira positiva. A mente concebe por meio de uma dinâmica que envolve coisas formais, não
representativas. Por isso, podemos afirmar que, por meio das essências das partes, podemos
alcançar o entendimento de Deus.
É preciso considerar que uma causa passageira é aquela cujas
produções são exteriores ou fora de si mesma, como alguém que joga uma
pedra no ar. Ou um carpinteiro que constrói uma casa. Ao passo que uma
causa imanente age interiormente e se detém em si mesma, sem sair de
modo algum. Assim, quando nossa alma pensa ou deseja alguma coisa, ela
é ou se detém nesse pensamento ou desejo sem dele sair, sendo sua causa
imanente. É dessa maneira que o Deus de Spinoza é a causa deste
Universo, onde está e não além.120
Enquanto explicamos, complicamos. Em outras palavras, dobramos aquilo que é - a
coisa nunca sai de Deus. O observador não se desgruda da coisa observada. A imanência implica
a unidade da Natureza; “pois é o mesmo ser, ao qual as coisas estão presentes, que está presente
nas coisas. A imanência se define pelo conjunto da complicação e da explicação, da inerência e
da implicação”121
. A expressão emana, por meio de sua essência objetiva, a essência formal
imanente. Aquilo que emana não emana significantemente, tampouco, misticamente, mas
expressivamente.
119
EI, Apên. 120
GUINSBURG, J. Spinoza: obra completa I. A Vida de Barukh de Spinoza. 2014, p.344. 121
DELEUZE, 2017, p.193.
42
A modificação compartilha com o modo à medida que causa o efeito daquilo que é
imanente. Aquilo que expressa desvela a realidade, e assim: a perfeição122
. A Natureza se
exprime em si mesma ao exprimir-se no mundo. Este mundo é o ato que Deus expressa. Deus não
é imanente no sentido de que todas as modificações, de todos os modos, expressam a mesma
essência de Deus. Por isso, chocou a todos, no século XVII, quando Espinosa disse que aquele
martelo que viam era a própria forma de Deus na extensão. É no desvelar da extensão que Deus
se explica e se compreende. A Substância se exprime no mundo, e o mundo expressa os modos
da Substância. Deus se expressa.
Não podemos explicar sem se envolver e complicar. A explicação supõe um nível de
envolvimento entre os corpos na extensão e entre as ideias no pensamento. O efeito que emana é
expresso, revelado e, por si, explicado na medida em que a Substância é a causa de todos os
modos e modificações. Nos desenvolvemos como existimos formalmente. Como as ideias não
surgem do modelo imaginativo, as ideias não são modelos das modificações dos modos
extensionais da Natureza. Deus não produz gêneros universais. “Aristóteles, mais ainda, errou
gravissimamente se acreditou ter explicado adequadamente a essência humana por sua
definição”123
, e como “todo é somente um ente de razão”124
, o progresso no conhecimento erige-
se sobre coisas reais, em outras palavras, formais. Devemos “sempre deduzir nossas ideias a
partir de coisas físicas, ou seja, de entes reais, progredindo, o quanto se possa fazer, [...] a partir
de um ente real para outro ente real”125
. Conhecer é conhecer a Natureza, e conhecer a Natureza
não é conhecer as palavras, tampouco as imagens.
Participamos da expressão na medida que conhecemos sua formalidade, compartilhando
com a Natureza que emana, e apreendendo suas formas. O que objetivamente emana causa o
mundo. Causa pois compartilha de uma emanação formal. A expressão reúne a distinção dos
modos com a constituição una da Natureza. A tradição teológica explicou Deus de modo distinto
ao mundo material. A Natureza se exprime em si mesma ao exprimir-se no mundo. Este mundo é
composto pelos modos expressos por Deus.
122
Cf. EII, Def.6. 123
PM, PI, Cap.1 124
BT, PI §9. 125
TEI, §99.
43
A potência de pensar e a potência da natureza para existir e agir
Podemos notar que Espinosa prova a existência da Substância partindo da potência, ou
seja, não de alguma coisa transcendental126
. A prova não passa pela ideia de um Deus, tampouco
tenho uma ideia de Deus porque Deus é infinito, e sendo, assim, supostamente, seria a fonte de
todas as ideias.127
O entendimento da Natureza acontece imediatamente na existência por meio da
sua potência de existir.
Espinosa afirma que o mundo produzido nada acrescenta à essência de Deus – as
“essências das coisas são desde toda eternidade e permanecerão imutáveis por toda a
eternidade”128
. Podemos identificar e separar dois níveis da expressão: a Natureza se expressa em
si mesma (natura naturante), antes de se expressar nos seus modos (natura naturada), e, neste
sentido, o mundo pode ser considerado como uma expressão em segundo nível. E como
“nenhuma coisa criada faz algo pela própria força, do mesmo modo que nenhuma coisa criada
começa a existir por sua própria força”129
, um ser finito não existe por sua própria essência e
potência, mas em virtude de uma causa externa. Essência, ideia, potência e existência são
distinções que podemos fazer apenas nos modos da Natureza, como quando afirmamos existir
todo e parte130
. No mesmo sentido, “um intelecto em ato, quer seja finito, quer seja infinito, tal
como a vontade, desejo, o amor etc., deve estar referido à natureza naturada não à naturante”131
.
Os seres finitos são dependentes. Os atributos são expressões comuns à substância e aos modos
que os implicam. É através dos atributos que a Natureza comunica a todas as modificações a
potência que lhes é devida. Não obstante, o autor da Ética não está dizendo que um ser
dependente não tem potência. As modificações têm potência para agir, porém, à medida que se
compreende como parte de um todo, este que existe por si e “que pelo seu concurso procria
todas as coisas a cada instante”132
.
126
“Enganaram-se completamente aqueles que julgaram o verdadeiro um termo transcendental”. (PM, PI, cap.VI) 127
EV, Prop.36. 128
BT, PI, Cap.1,§2. 129
PM, p.211. 130
BT, PI, Cap.1,§19. 131
EI, Prop.31. 132
PM, PI, cap.III, p.211.
44
O homem, como uma modificação de um modo de Deus, é uma coisa finita. É necessário
que aquilo que identificamos como sua mente seja uma modificação do atributo pensamento, e
caso essa modificação seja destruída, o atributo pensamento permanecerá intacto. No mesmo
sentido, o corpo humano é uma modificação do atributo extensão. Se destruído, deixa de existir,
e, da mesma forma, o atributo extensão não se alterará. Estes modos são partes da potência
infinita de Deus, a modificação atua na existência pela potência de existir. Quem tem a potência
de se conservar existe, portanto, necessariamente. O homem não tem uma existência necessária,
não tem potência de se conservar. Somos conservados por outro, cuja existência é necessária. A
potência é equivalente à essência, e é justamente por esta identidade que as coisas existem e se
conservam. “De fato, se fosse uma criatura, precisaria da potência de Deus para que fosse
conservada e assim dar-se-ia um progresso ao infinito”133
. Quer dizer, por meio da potência,
notamos sua essência, “não passa mais pela ideia de Deus, nem por uma correspondente potência
de pensar, para chegar, em conclusão, a uma potência infinita de existir. Ela opera imediatamente
na existência pela potência de existir”134
.
Na sétima proposição da segunda parte da Ética, notamos que a potência de pensar de
Deus é igual a sua potência de agir, dado que a ordem e conexão das ideias é a mesma que a
ordem e a conexão das coisas. Afirma-se uma certa identidade entre os objetos e as ideias. Este
pedaço de seda que estou vendo é uma modificação em relação à potência de existir do atributo
formal ao qual depende; paralelamente, também é uma ideia objetiva do pensamento do qual
depende formalmente sua potência de pensar. Em termos de potência, podemos notar que o
pedaço de seda e a ideia deste pedaço de seda são uma só e mesma coisa expressa de duas
maneiras distintas. A “potência de pensar de Deus é igual à sua potência atual de agir. Isto é, tudo
o que se segue, formalmente, da natureza infinita de Deus segue-se, objetivamente, em Deus, na
mesma ordem e segundo a mesma conexão da ideia de Deus”135
.
A Natureza produz ao passo que pensa sua produção. Deus tem uma potência de existir e
de agir equivalente a sua essência formal, quer dizer, expressa por sua natureza. De uma outra
perspectiva, Deus tem uma potência de pensar equivalente a sua essência objetiva, ou seja,
133
PM, PII, cap.IV. 134
DELEUZE, G. Espinosa e o problema da expressão. 2017, p.95. 135
EII, Prop.7, cor.
45
relativa a sua ideia. Quando Lorenzo Vinguerra enfatiza que a ontologia de Espinosa anda de
mãos dadas com sua epistemologia, ele está dizendo que Deus possui uma potência de pensar e
de conhecer à medida que possui uma potência de existir e de agir. A natureza naturada possui
duas potências, é em si e por si: “a saber, o movimento na matéria e o intelecto na coisa
pensante”136
. O que existe na Natureza são coisas ou ações137
. Espinosa utiliza cogitatio absolute
como potência de pensar e intellectus absolute infinitus para denominar o entendimento infinito.
Para o autor da Ética, agimos, ou seja, somos ativos, quando temos uma ideia adequada da
natureza, e passivos, quando temos apenas uma ideia inadequada.
Porque existimos como homens somos constituídos por um modo da extensão e um modo
do pensamento. Participamos da potência de Deus na medida em que nosso corpo participa da
potência de existir e nossa alma participa da potência de pensar. Somos partes da potência da
Natureza. Do mesmo modo como outros corpos agem sobre nossos corpos, ideias agem sobre
nossa alma (a ideia do corpo). E é por fazermos parte desta dinâmica, onde afetamos e somos
afetados por outras ideias, que temos ideias. Quando interpretamos alguma coisa, estamos apenas
nomeando o efeito que esta coisa tem sobre nossa consciência138
, o que chamamos de “eu” é a
ideia que temos do nosso corpo e da nossa alma, enquanto agem ou padecem.139
Nossa verdadeira
potência de pensar revela-se na medida em que compreendemos adequadamente a mais íntima e a
mais vívida relação entre a existência dos corpos e o conhecimento da causa de suas ações.
136
BT, PI, cap.IX,§1. 137
Cf. BT, PI, cap.X,§4. 138
“Com efeito, todas as ideias que temos dos corpos indicam antes o estado atual de nosso corpo do que a natureza
do corpo exterior”. (PIII, Definição geral do Afetos, Exp.) 139
Prosseguirei no tema, de maneira en passant, todavia, para não correr o risco de ser mal compreendido, o que
quero salientar é a importância de notarmos isso: a vontade, como um modo do pensar, origina-se de causas
exteriores à mente humana, assim como todos os outros modos, como as percepções, o intelecto etc.; quer dizer,
mesmo “o entender é uma pura paixão, isto é, uma percepção, na mente, da essência e da existência das coisas, de
modo que nunca somos nós que afirmamos ou negamos algo da coisa, mas que ela mesma, em nós, afirma ou nega
algo de si mesma”. (BT, PII, cap.XVI, §5) De uma outra perspectiva, o autor da Ética afirma: “a vontade, tal como o
intelecto, é apenas um modo definido do pensar [...] É por isso que a vontade, assim como as outras coisas naturais,
não pertence à natureza de Deus, mas tem, com esta natureza, a mesma relação que têm o movimento e o repouso
e todas as outras coisas que se seguem, como mostramos, da necessidade da natureza divina, e que são por ela
determinadas a existir e a operar de uma maneira definida”. (EI, Prop.32, Dem., cor.2, grifo nosso) Como não há
faculdades na mente em um nível inferior aos modos do pensar, ou em qualquer outro nível, podemos entender
melhor que também não existe, ou ao menos não é por meio dos modos do pensamento, que poderemos encontrar
qualquer fundamento para o que se pode chamar de dêitico “eu” no espinosismo. Sendo assim, o leitor pode entender
quando afirmei acima que “o que chamamos de “eu” é a ideia que temos do nosso corpo e da nossa alma, enquanto
agem ou padecem”.
46
A essência da Substância e a essência do modo
Há dois processos que coadunam: um referente à essência da Substância e outro, à
essência do modo. Todo corpo, por ser uma modificação, está a todo momento afetando e sendo
afetado. Deste modo, sua potência é constantemente atualizada. “À potentia corresponde uma
aptitudo (aptidão) ou potestas (poder)”140
. Quando nos referimos à essência do modo, devemos
notar que ela condiz, de uma certa maneira, com uma potência de poder ser afetado, e como os
corpos são todos modificações, afetam-se, ou seja, modificam-se a todo momento, ora por
afecções adequadas ora por afecções passivas. “Evidentemente, esta tendência será frustrada por
todos os tipos de causas externas que, na maioria das vezes, impedirão que ele se atualize”141
.
Agora, quando falamos da essência da Substância nos referimos a uma potência sempre atual,
imanente, a Natureza é absoluta, é tudo que é a todo momento142
. Ela produz como existe, a
potência de Deus não se distingue de sua essência. Deus só se afeta adequadamente. “Deus é
causa imanente, e não transitiva, de todas as coisas”143
.
Sabemos que as modificações - os seres finitos - não podem existir por suas próprias
causas, são dependentes de uma potência externa para ser. Possuem uma essência particular,
conquanto essa essência, desacompanhada, não tem poder para realizar-se na existência. Somente
quando nós nos concebermos como alguma coisa que só pode ser à medida que é parte de um
todo (que existe necessariamente), apreenderemos, de fato, o que é ser uma modificação de um
modo da Substância. É por este caminho onde encontraremos a medida da potência, ou seja, do
poder ou aptidão que cabe à essência do modo: participar ativamente do atributo, o qual somos
uma modificação.
Dado que seu potencial abarca plenamente a totalidade do que existe, a Natureza é
absoluta, ela abrange a integralidade da duração e da eternidade. Russell, em a História da
Filosofia, afirma sobre a filosofia espinosana: “só a ignorância nos faz supor que podemos
modificar o futuro: o que há de ser será, e o futuro está fixado de modo tão inalterável quanto o
passado”144
. Seus modos (os atributos) são as condições que permitem ao intelecto perceber
140
DELEUZE, G. Espinosa e o problema da expressão. 2017, p.101. 141
MATHERON, 2011, p.698, tradução nossa. 142
“A existência de Deus e sua essência são uma única e mesma coisa”. (EI, prop.20) 143
EI, Prop.18. 144
GUINSBURG, J. Spinoza: obra completa II: correspondência Completa e Vida. 2014, p.370.
47
aquilo que constitui a essência da Substância, que por sua vez, às contêm formalmente145
. As
modificações dos seus atributos envolvem distinções racionais e são implicados pelos modos na
duração. Como um composto de corpo e alma, ou seja, de modificações dos modos da Natureza e
que possuem cada qual uma essência objetiva, o homem é, a todo momento, de certa forma,
determinado pela essência da Substância à medida que as essências do seu corpo e de sua alma
(mente humana) exprimem sua imanência. A dinâmica de conhecimento da Natureza formaliza
este processo de coadunação de duas essências (da Substância e do modo), processo que podemos
observar, descrito de uma determinada abordagem no TEI, quando o autor da Ética fala sobre a
necessidade de inquirir uma ordem correta - seguir a partir das coisas particulares “a fim de que
sua essência objetiva seja também a causa de todas as nossas ideias e, então, nossa mente venha a
reproduzir maximamente a Natureza”146
. Em seguida, fala sobre como progredir desde os entes
reais como uma estrutura a ser desvelada uma à uma, progredindo “segundo a série das causas”.
Não obstante, devemos “notar que eu aqui não intelijo por série das causas e dos entes reais, a
série das coisas singulares mutáveis, mas exclusivamente a série das coisas fixas e eternas”147
.
Pois bem, com isto em mente, temos uma perspectiva que mostra o porquê não é através da
interpretação dos significados das palavras que a Natureza manifesta sua perfeição aos homens -
“poder-se-ia perguntar com razão como Deus pode fazer-se conhecer ao homem [...]
Respondemos: jamais por palavras”148
. A essência imanente expressa pelos modos, por meio das
essências objetivas, não transmite suas verdades de uma maneira transcendental ao próprio
movimento da matéria ou ao intelecto na coisa pensante. Ao contrário, ela os determina
iminentemente, a todo momento, desde sempre para sempre.
Para entender em que medida podemos enunciar uma potência das essências objetivas nos
seres criados – dada a imanência da essência da Substância -, temos que investigar a aptidão149
das coisas finitas para agir, existir e perseverar na sua existência, em outras palavras, em que
consiste sua potência. Na oitava definição da quarta parte da Ética, Espinosa afirma que virtude e
potência têm o mesmo sentido. Deste modo, enquanto referida, por exemplo, ao homem é sua
145
Cf. EI, Def.4. 146
TEI, §99 147
Ibidem, §100 148
BT, PII, cap.XXIV, §9-10. 149
Ou poder.
48
própria essência ou natureza150
, quando age exclusivamente por meio de leis próprias151
. As
coisas na duração, ou seja, que dependem das coisas eternas, têm potencial para agir à medida
que se compreendem como causa adequada. Assim, “Padecemos à medida que somos uma parte
da natureza, parte que não pode ser concebida por si mesma, sem as demais”152
. Notamos que
padecemos quando somos apenas uma causa parcial, quando temos uma ideia inadequada, por
meio da ideia de nossa própria mente separada da Natureza, por exemplo, à medida que imagina,
a mente humana não tem um conhecimento adequado153
. De modo contrário, persevera quando é
consciente que suas ações fazem parte do movimento da extensão, e além do mais, “não pode
ocorrer que o homem não seja uma parte da natureza”154
. A potência do homem é uma parte da
potência infinita de Deus. Expressamos nosso quinhão da potência de Deus quando explicamos
essa potentia por nossa própria essência. Essa aptidão, essa disposição inata das essências
objetivas, só pode ser compreendida em termos de uma participação na potência, na capacidade
de se mover na matriz da experiência da duração. Veja bem, a participação não acaba com as
diferenças entre as essências: “minha potência continua sendo minha própria essência, a potência
de Deus continua sendo a sua própria essência, ao mesmo tempo em que minha potência é uma
parte da potência de Deus”155
.
Do ponto de vista da produção dos modos, o que se deduz imediatamente da natureza de
Deus é que Deus doa necessariamente a si mesmo todos os modos concebidos pelos atributos. O
modo infinito imediato de cada atributo é a propriedade pela qual Deus produz tudo o que é
concebível em suas modificações. Em sua obra, Etudes sur Spinoza et les philosophies de lage
classique156
, Alexandre Matheron atribui ao movimento e repouso a função de transmitir, na
prática, a comunicação da essência formal com a essência dos modos no atributo extensão. “Na
extensão, a propriedade que Deus tem necessariamente para doar a todos os modos concebíveis é
precisamente o movimento e o repouso, posto que é unicamente pelo movimento e repouso que
150
Neste sentido, vale ressaltar, como conceitos clássicos da metafísica que o autor conserva da filosofia grega e da
escolástica, como potência, essência, Substância, modo etc., assumem, na filosofia espinosana, uma função diferente
da tradição. Suas investigações se afastam de uma visão antropomórfica, transcendental ou mitopoética da Natureza.
Por mais complicado que seja abandonar, por exemplo, as características religiosas que o termo Deus carrega. 151
Cf. EIV, Def.4. 152
EIV, Prop.2. 153
Cf. EII, Prop.26. 154
EIV, Prop.4. 155
DELEUZE, 2017, p.99-100. 156
MATHERON, A. Etudes sur Spinoza et les philosophies de lage classique. 2011.
49
os corpos podem aparecer; e com todas as suas leis, produzir tudo que existe”157
. A essência de
um modo possui realidade ontológica na medida que é constituído por aquilo doado por Deus. A
essência de um corpo é justamente uma certa quantidade de movimento e repouso158
caracterizado por certas leis, que não podem constituir para si nada além de uma combinação
particular das leis universais da Natureza. As essências de nossos corpos, como verdades eternas,
compreendem eternamente os padrões de encadeamento lógico que nossos corpos devem seguir
para receber e doar, enquanto as causas exteriores não atrapalham.159
Nós temos, portanto,
eternamente, o conhecimento da forma de encadeamento e da aptidão de nosso corpo, mesmo se
uma imaginação o mantiver escondido por uma grande parte de nossas vidas.
Nossa mente, a ideia de um corpo existente em ato, possui dois aspectos. Como Matheron
coloca, “ela é ao mesmo tempo, a eterna idéia daquela verdade eterna que é a essência de nosso
corpo e a idéia não eterna dessa verdade não eterna que é a existência presente, aqui e agora, do
nosso corpo na duração”160
. Destes dois aspectos da nossa mente, só o primeiro conhece
adequadamente, posto que alcança o ponto de vista da eternidade. A ideia de nosso corpo
presente, aqui e agora, não é capaz de exprimir a eternidade do meu próprio corpo. A própria
palavra agora deriva do latim hac hora, que podemos descrever como neste momento, e este
momento está sempre na duração. Por sua vez, a palavra momento deriva do latim momentum,
uma contração de movimentum - este momento é sempre uma expressão de um Deus ativo e
imanente. “O principal atributo a ser considerado antes de todos, é a eternidade de Deus, pela
qual explicamos sua duração”161
. Esta noção, só pode, portanto, vir do aspecto de nós mesmos
que é a ideia eterna da nossa essência.
E na medida exata em que temos uma parte da ideia de que somos,
isto é, onde nós mesmos sabemos algo da essência do nosso corpo - e,
157
MATHERON, 2011, p.699, tradução nossa. 158
“A essência objetiva dessa proporção existente e que está no atributo pensante, dizemos que é a mente do corpo.
Assim, se uma dessas modificações (o repouso ou o movimento) se altera para mais ou para menos, também a ideia
se altera para mais ou para menos, também a ideia se altera na mesma medida; por exemplo se o repouso vem a
aumentar e o movimento a diminuir, assim é causada ado ou tristeza que denominamos frio. Pelo contrário, se o
movimento é que cresce, assim é causada a dor que denominamos calor.” (BT,PII, Apên, §15) 159
“Durante o tempo em que não estamos tomados por afetos que são contrários à nossa natureza, nós temos o poder
de ordenar e concatenar as afecções do corpo segundo a ordem própria do intelecto”. (EV, Prop.10) 160
MATHERON, 2011, p.702, tradução nossa. 161
PM, PII, Cap.I
50
reflexivamente, da nossa mente - sob o aspecto da eternidade, [...] que
somos esse conhecimento do terceiro tipo que forma a Deus: sabemos que
estamos em Deus e que somos concebidos por Deus.162
Vimos como na metafísica de Espinosa, dois processos se harmonizam; um descrevendo a
essência da substância, e outro, a essência do modo. Toda potentia (potência) representa um
poder de ser afetado que é sempre exercido, e sendo assim, todo poder163
é absolutamente atual.
Como sabemos, os modos não têm poder de existir por si só, eles precisam, a todo momento, ser
conservados pela Substância; “Portanto, tampouco Deus é, em relação a seus efeitos ou criaturas,
outra coisa que uma causa imanente”164
. É neste sentido que a essência objetiva é constantemente
afetada. Esta dinâmica é imprescindível para que as criaturas possam perseverar no seu ser, e
como não param de se afetar - afetam-se sempre, seja através de ideias inadequadas, seja através
de ideias adequadas (descritas por nossa essência particular).
Assim, a distinção da potência e do ato, no nível do modo,
desaparece em benefício de uma correlação entre duas potências
igualmente atuais, potência de agir e potência de padecer, que variam em
razão inversa, mas cuja soma é constante, e constantemente efetuada. Eis
por que Espinosa pode apresentar a potência do modo, ora como um
invariante idêntico à essência pois que o poder de ser afetado permanece
constante, ora como sujeita a variações, pois a potência de agir (ou força
de existir) "aumenta" ou "diminui", segundo a proporção das afecções
ativas que contribuem para preencher esse poder a cada instante165
.
Agora, se analisarmos a essência da Substância, veremos, primeiramente, que sua
potência é eterna166
. Deste modo, caracterizá-la como “sempre atual” não satisfaz, pois não a
diferencia das essências dos modos. Precisamos dizer que a essência da Substância também é
162
MATHERON, 2011, p.703, tradução nossa. 163
Ou aptidão. 164
BT, PI, cap.II, Diálogo entre o intelecto, o amor, a razão e a Concupiscência, §12. 165
DELEUZE, G. Espinosa e o problema da expressão. 2017, p.102. 166
“O principal atributo, a ser considerado antes de todos, é a eternidade de Deus, pela qual explicamos a sua
duração; ou antes, para não atribuirmos nenhuma duração a Deus, dizemos que ele é eterno”. (PM, PII, cap.I)
51
uma força plenamente ativa. A essência pode ser caracterizada como potência, no sentido em que
é essência de alguma coisa na qual predomina, em que exerce força. De outro lado, a essência dos
modos só pode ser caracterizada como potentia quando em relação à essência da Substância. “É
de notar enfim que a necessidade, que pela força da causa está nas coisas criadas, é dita ou em
relação à essência delas ou em relação à existência delas”167
. Os modos têm aptidão para exprimir
o eterno posto que são como suas criaturas, e assim, dependem só da essência divina na qual tudo
está contido. É impossível para o homem conhecer a si mesmo sem conhecer a origem da sua
natureza, de sua causa; da mesma maneira, é impossível, partindo da natureza da parábola ainda
não conhecida, conhecer a natureza de suas ordenadas.168
Provavelmente, a conjuminação das essências é um dos temas mais complexos dentro da
metafísica espinosana. A dificuldade reside na tarefa de conciliá-las ao passo em que
conservamos suas diferenças. O próprio autor reconhece este fato pelo menos duas vezes em
Pensamentos Metafísicos: “nenhum homem quer ou opera algo a não ser o que Deus decretou
desde toda eternidade que ele quisesse e operasse. De que modo isso pode ocorrer, preservada a
liberdade humana, excede nossa compreensão”169
. E, também, quando afirma:
Agora, para que se pudesse entender devidamente a ubiquidade
de Deus ou sua presença em cada coisa, necessariamente dever-se-ia
penetrar a natureza íntima da vontade divina, pela qual criou as coisas e
pela qual as procria continuamente; como isso supera a compreensão
humana, é impossível explicar de que maneira Deus está em toda parte.170
Bom, é certo que, como modos, os homens têm a aptidão para partilhar da natureza divina
e, desta maneira, têm o poder de formar ideias que explicam a causa da natureza das coisas. Tudo
o que compreendemos adequadamente compreendemos da ideia da Substância e de quem a
expressa, não por palavras, “mas de uma forma ainda mais excelente e adequada à natureza da
mente, como, sem dúvida, sabe por experiência própria todo aquele que alguma vez
167
PM, PI, cap.III. 168
Cf. PM, PI, cap.II. 169
PM, PI, cap.III. 170
PM, PII, cap.III.,
52
experimentou a certeza do entendimento”171
. Deus produz uma infinidade de coisas e ele não se
limita em apenas criá-las, ele se comunica imanente, eterna e absolutamente com elas, “tudo o
que o homem tem de forma, movimento, e outras coisas, são igualmente modos dos outros
atributos que referimos a Deus”172
.
O primeiro gênero do conhecimento – a imaginação e seus signos
Para pensarmos o papel da imaginação na filosofia de Espinosa, precisamos abandonar a
noção que, tradicionalmente, desenvolvemos sobre o assunto, ou seja, tratando a imaginação
como uma faculdade humana. O autor da Ética nos explica que não existem faculdades na mente
humana173
; logo, não há também um centro que possa controlar conscientemente a imaginação ou
qualquer outra suposta faculdade. A natureza age absolutamente por leis próprias, “além da
perfeição de sua própria natureza, não existe nenhuma causa que, extrínseca ou intrinsecamente,
leve a agir”174
.
Imaginar é tomar as coisas por suas imagens, conhecer as coisas por meio de signos. Esta
estrutura só pode ser entendida na sua totalidade dentro da teoria das marcas e das imagens, e que
se refere a todo modo que é capaz de marcar e ser marcado por outros corpos na infinita semiose
da natureza, “O problema do signo, de certa forma, remonta à origem da própria filosofia”175
. No
Tratado Teológico-Político, Espinosa trata a imaginação como um método para adquirir
conhecimento por meio de signos - imaginatio as cognitio ex signis. Todavia, os profetas seriam
os únicos capacitados para interpretar este conhecimento. De outro lado, há o conhecimento
adquirido via luz natural, por meio do entendimento, através da Filosofia. O Tratado da Emenda
do Intelecto refere-se a uma teoria sobre a verdade e a certeza, na qual a distinção entre
imaginação e entendimento é parte fundamental do Método176
.
A imaginação não pertence apenas aos homens, mas a todos os corpos e indivíduos que,
embora em diferentes níveis, são todos capazes de afetarem e serem afetados. Essa compreensão
171
TTP, cap.1. 172
BT, PII, §3. 173
EII, Prop.49. 174
EI, Prop.17c2. 175
VINCIGUERRA, 2012, p.130, tradução nossa. 176
TEI, §86.
53
para Vinciguerra não passa por uma hermenêutica subjetiva, ao contrário, ela é o fundamento do
que o autor chama de “realismo radical”: significado é um produto da natureza envolvendo todas
as mentes, estas consideradas como ideias.
A ideia sempre expressa consigo uma afirmação ou uma negação. Os que não atentam a
diferenciação entre a ideia e a palavra exteriorizam palavras querendo, inutilmente, expressar
ideias. Como quando dizem odiar firmemente alguém, quando na realidade desconhecem o que
sentem, e a exteriorização quer fazer crer que dizer o que dizem supera a própria verdade da
ideia; ou ainda, acreditam que podem não querer o que querem quando dizem não querer.
“Portanto, compreenderá claramente que a ideia (por ser um modo do pensar) não consiste nem
na imagem de alguma coisa, nem em palavras”177
.
O que existe de comum entre as ideias é uma afirmação, ou seja, a definição das próprias
ideias adequadas ou inadequadas, afirmações singulares. Não é uma ideia universal que define
ideias distintas, mas o próprio ato de explicar a causa adequada de cada ideia particular; “Por
isso, é conveniente observar, sobretudo, o quão facilmente nos enganamos quando confundimos
os universais com singulares e os entes de razão e abstratos com os reais”178
.
A física de Espinosa está relacionada com a produção de imagens; a teoria sobre a
reprodução dos universais, inclusive, é parte do que chamamos da pequena física do autor179
. As
imagens originam-se nas marcas (vestigia) do corpo. Seja em indivíduos humanos ou outros,
como pássaros, pedras etc.180
Corpos são capazes de afetar e de serem afetados, são capazes de
imprimir vestigia em outros corpos e podem ser marcados, cada qual de acordo com suas
possibilidades. Vinciguerra nos mostra que procurar sentido nas marcas e signos, seja fora de
nossos corpos ou por meio de causas internas, não é uma característica limitada ao intelecto
humano. O conhecimento resultante da imaginação não é um fenômeno exclusivo do ser humano,
a imaginação pertence a todos os indivíduos que se encaixam na descrição de corpos que se
relacionam com os vestígios na pequena física de Espinosa. Já que a imaginação depende de
signos, que naturalmente dependem das marcas externas, nós somos apenas seus intérpretes. O
signo é um resultado de marcas, não é um atributo da natureza. Os homens acostumados a
177
EII, Prop.49,esc. 178
EII, Prop.49,esc. 179
EII, Prop.13. 180
EII, Prop.13,esc.
54
investigar e encontrar uma causa final nos eventos da natureza distorceram sua ordem ao tratarem
os meios como fins181
.
A dinâmica de funcionamento da imaginação dos corpos citados acima (como homens,
pássaros etc) funciona da mesma maneira, através de uma estrutura que se move semioticamente
de maneira autônoma. Somos corpos que imaginam porque, da mesma forma como todos os
outros corpos, participamos nesta estrutura orgânica de funcionamento e processamento dos
signos. Tanto faz se é um filósofo que passa anos buscando encontrar determinado significado
para uma certa ideia de sua imaginação, ou se é uma formiga que ao entrar em contato com um
buraco na floresta tem uma reação automática, que a fará seguir, dar a volta etc. Porque nos dois
casos, o significado é um resultado, um sintoma da relação de corpos182
. Não obstante, os
significados também estão intimamente ligados com o seu interpretador e ao modo particular do
pensamento de quando foi feita a interpretação. Pommum não significa nada para alguém que não
fala latim, para alguém que não tem esse código linguístico não é uma linguagem, assim como
uma marca na floresta não tem significado se não tiver ninguém para interpretá-la. Além de estar
familiarizado com o código linguístico, as particularidades do interpretador influenciarão na
interpretação: se um confeiteiro ouve a palavra bomba, provavelmente significará uma coisa para
comer, se for um soldado significará algo bélico. Vemos assim, que a cadeia de significados é
direcionada pelo apetite. Imaginar é produzir imagens a partir da cadeia de processamento
determinada pela posição do intérprete na existência. Como o intelecto e a vontade são modos de
pensar, ou seja, não são distintos por natureza, a tendência da cadeia da imagem (concatenatio)
naturalmente seguirá a ordem das afecções do corpo que já se encontram no hábito (consuetudo).
O hábito, de certa maneira, determina o apetite e é na verdade o fundamento do significado
“Os poetas sabem, e Sigmundo Freud confirmou, o que Rudyard Kipling se utilizou como
epígrafe de sua última obra: ‘Dá-me os sete primeiros anos de uma criança e fica-te com o
resto’”183
. A imaginação está, de certa maneira, associada à infância de todo ser humano. E como
vimos no TTP, ao opor imaginação ao intelecto, o autor da Ética mostra que o povo judeu, como
todos os outros povos, em seus primórdios, era um povo infantil. Neste sentido, o tempo que
passaram no deserto serviu para que os profetas pudessem educá-los por meio dos textos
181
EI, Apên. 182
VINCIGUERRA, 2012, p.137-138, tradução nossa. 183
ZWEIG, 1979, p.31.
55
sagrados. Contemporaneamente, por meio do avanços da psicologia, psiquiatria etc., sabemos
como a infância é um período fundamental para o desenvolvimento do ser humano, que
influenciará durante toda a vida do indivíduo.
Em seu livro Uma filosofia da Liberdade, Marilena Chauí aponta para importância de não
analisarmos a imaginação de maneira anacrônica, pois no “século XVII, imaginação não significa
fantasia criadora, mas sensação, percepção e memória”184
. O meu objetivo neste capítulo é
entender a função da imaginação nessa complexa estrutura de envolvimento e desenvolvimento
do conhecimento, até o cume da sabedoria185
. “Gostaria, em primeiro lugar, advertir que eu não
atribuo à Natureza nem beleza nem feiúra, nem ordem nem confusão. Pois as coisas não podem
ser ditas belas ou feias, ordenadas ou confusas senão por nossa imaginação”186
.
Para enfatizar esta questão dos signos, utilizarei o conto do autor Michel Tournier187
, no
qual ele nos conta a história sobre a superstição de um povo originário das ilhas nórdicas. Esta
tribo, historicamente, tem associado os ventos que sopram do norte à morte ou a desfortúnios.
Tournier desvela que este medo está associado às invasões de povos nórdicos à época das
conquistas vikings. Ou seja, este povo conservou o medo (um modo de pensar) resultante da
possibilidade de que estes ventos estivessem ajudando a soprar as velas dos invasores. O que
vemos aqui? Vemos um exemplo de como o signo, uma marca, é resultante de toda uma cadeia
de significados e significantes, que seguem uma tendência própria - concatenatio -, e que, através
do hábito – consuetude -, tem conservado secularmente este significado, sem que nunca tenham
se questionado sobre sua causa. Espinosa faz referência a este fato no prefácio da parte três da
Ética, onde explica que os homens crêem ser livres por terem consciência de seus apetites e
volições – no caso, o medo resultante dos ventos do norte –, todavia, não se questionam sobre as
184
CHAUÍ, 1995, p.34. 185
“Para forjar o ferro é necessário um martelo e, para ter um martelo, é necessário fabricá-lo, para o que são
necessários outro martelo e outros instrumentos, os quais, por sua vez, para que os possuíssemos, exigiriam ainda
outros instrumentos, e assim ao infinito […] do mesmo modo que os homens, de início, conseguiram, ainda que
dificultosa e imperfeitamente, fabricar, com instrumentos naturais, certas coisas muito fáceis e, feitas estas,
fabricaram outras coisas mais difíceis já com menos trabalho e maior perfeição e assim, progressivamente, das obras
mais simples aos instrumentos, e dos instrumentos a outras obras e outros instrumentos, chegaram a fabricar com
pouco trabalho coisas tão difíceis; assim também a razão pela sua força natural fabrica para si instrumentos
intelectuais com os quais ganha outras forças para outras obras intelectuais e com estas cria outros instrumentos ou
capacidades para continuar investigando; e assim, progressivamente, avança até atingir o cume da sabedoria”. (TEI,
§30-31) 186
Carta 32, à Oldenburg. 187
TOURNIER, M. A Gota de Ouro. 1987.
56
causas (nem em sonhos) destas volições. Concluímos que os homens nascem ignorantes das
causas das coisas da natureza, e que, a princípio, todos apetecem buscar a sua própria utilidade;
ou seja, quando não conhecemos as causas de nossos apetites, tendemos a seguir o próprio hábito.
“Deve-se, entretanto, observar que essas noções não são formadas por todos da mesma maneira.
Elas variam, em cada um, em razão da coisa pela qual o corpo foi mais vezes afetado, e a qual a
mente imagina ou lembra mais facilmente”188
. Para imaginar e recordar dependemos de nossos
corpos particulares, pois dependemos das pinturas mentais que formamos das coisas.
Para finalizar este exame sobre a imaginação, explicarei, de maneira bem sucinta, a teoria
chamada Traçabilidade189
, de Lorenzo Vinciguerra190
, para entender melhor a estrutura da
imaginação e seguir para o segundo gênero do conhecimento. Como vimos, um corpo é um modo
que existe em comunhão com outros corpos, de tal maneira, que todos os corpos não param de se
encontrar e produzir resultados de composição ou de decomposição. Neste sentido, o autor utiliza
o termo – Modificação cinética e Traçabilidade191
- para descrever este ambiente em que
estamos, de alguma forma, sob o domínio do acaso, sendo “traçados”, compondo ou sendo
decompostos.
Nesta perspectiva, o corpo seria como uma espécie de escritura, como um campo em que
são continuamente inscritas marcas e signos por meio dos resultados das interpretações dos
encontros com outros corpos. A memória exerce, nesta estrutura, um papel fundamental na
formação da identidade pessoal do corpo. Para investigarmos o centro e as extremidades desta
identidade pessoal, Espinosa cita o poeta espanhol que por uma certa causa se esqueceu das
fábulas e das tragédias de suas peças.192
E como a imaginação não é uma função exclusiva dos homens, todas as coisas se
constituem, em certa medida, de traços de afecções: a “traçabilidade” (tracebility) é uma
caraterística que todos os indivíduos na natureza possuem. Posto que os corpos se diferenciam,
como podemos notar na parte dois da Ética, por uma diferença entre o movimento e o repouso (se
tratarmos apenas de corpos simples), e, também, quando os corpos simples são forçados a se
188
EII, Prop.40,esc.1. 189
Tracebilility. 190
Teoria do Vinciguerra intitulada: “Traceability: A Hypotheses about the Facies Totius Universi”. 191
Kinetic modification e Traceability. 192
EIV, Prop.39, esc.
57
justaporem e formarem proporcionalmente um único movimento (por meio da justaposição de
seus corpos) - por estarem “juntos, compõem um só corpo ou indivíduo, que se distingue dos
outros por essa união de corpos”193
, formando assim corpos compostos. Estes corpos compostos,
diferentemente dos simples, distinguem-se entre si por uma diferença de tamanho de suas
superfícies, descritos por Espinosa por superfícies duras, moles ou fluídas. Esta estrutura é o
modo infinito mediato da extensão (faceis totius universi).
Nesta esteira, todos os corpos compõem um só indivíduo na natureza194
, de tal sorte, que a
variação de movimento e repouso entre as partes não altera, de nenhuma maneira, a natureza
deste indivíduo uno. Somos corpos que vivem entre uma multidão de outros corpos - como um
grande cosmo -, no qual, os encontros que os corpos celestes realizam resultam de um longo
processo semiológico cósmico histórico e orgânico, o qual nunca teve inicio e nunca terá fim.
“Então, imaginação é uma interpretação cósmica dos sinais, e o panpsiquismo espinosano tende a
um gênero muito especial de pansemiótica”195
.
Os profetas teriam a função de interpretar os signos de Deus. Entretanto, as revelações
proféticas não podem superar o âmbito da imaginação porque, como vimos acima, os significados
dos signos dependem do hábito de cada indivíduo particular e da cadeia das imagens que os
corpos constituíram ao longo da história. Vinciguerra pretende nos mostrar que a imaginação é
uma função orgânica, pertencente a todos os corpos. Para a superação da interpretação subjetiva
dos signos, necessitamos superar este ambiente imaginativo das marcas - a natureza não pode ser
explicada por modelos imaginativos. Não podemos utilizar nossa prática semiótica para procurar
os significados da natureza, porque a natureza não tem nenhum significado. Procurar
significado é uma função da imaginação.
A seguir, descreveremos o segundo gênero do conhecimento, procurando mostrar como o
autor da Ética propõe a superação das linhas de significação, passando pelo segundo gênero, a
caminho do entendimento verdadeiro da natureza, que de nenhuma maneira pode ser objeto de
interpretação.
193
EII, Prop.13, Dem.1. 194
“Conceberemos facilmente que a natureza inteira é um só indivíduo, cujas partes, isto é, todos os corpos, variam
de infinitas maneiras, sem qualquer mudança do indivíduo inteiro”. (EII, Prop.13) 195
VINCIGUERRA, 2012, p.5, tradução nossa.
58
O segundo gênero do conhecimento - a razão
Para analisarmos a razão de uma perspectiva ampla nas obras de Espinosa, previamente
ao estudo do tema em si, é importante ter em mente uma espécie de “linha do tempo” do
desenvolvimento histórico da razão nas obras do autor. O TEI foi escrito de 1656 a 1662, a Ética
começou a ser escrita em 1662, interrompida em 1665 para a produção do TTP, retomada em
1670 e finalizada em 1675. Em 1663, ele inicia os Princípios da Filosofia Cartesiana e os
Pensamentos Metafísicos. Por último, o Tratado Político, que ele escreve de 1675 à 1677. O
segundo gênero do conhecimento para Espinosa, conforme é explicitado na Ética, mostra uma
categoria da sua epistemologia que supera o mero conhecimento mutilado proveniente da
experiência errática, assim como das ideias universais que formamos a partir dos signos da
imaginação. Este gênero do conhecimento passa a conhecer as relações das ideias provenientes
do primeiro gênero, e, desta maneira, conhece as ideias adequadas das propriedades das coisas,
não apenas “por ter ouvido ou lido certas palavras”, mas por investigarem suas relações passam a
conhecer suas causas. Neste sentido, “nós recordamos das coisas e delas formamos ideias
semelhantes àquelas por meio das quais imaginamos as coisas que conhecemos”196
. Além destes
dois modos, Espinosa fala da necessidade de um esforço supremo para direcionarmos nosso
conhecimento para um terceiro gênero; este, o único capaz de conhecer, realmente a natureza das
coisas197
. No caso, o terceiro gênero não será propriamente objeto de estudo desta dissertação,
mas é importante compreender sua posição na dinâmica de conhecimento da Natureza. No Breve
Tratado, Espinosa menciona um modo de “adquirir conceitos” capaz de superar o modo que
apenas expressa uma opinião ou crença - “como um papagaio repete o que lhe ensinaram”198
-,
assim como a tentativa de utilizar casos particulares como regra para conhecer o todo. O autor da
Ética separa a imaginação em duas formas de “adquirir conceitos”: “Este opina ou crê não
somente por ouvir dizer, mas pela experiência. São essas as duas maneiras de opinar”199
. Desta
forma, a razão é o terceiro modo de adquirir conceitos no BT; um que jamais pode nos enganar,
pois não se baseia em opiniões, nem em “ouvir falar”, conhecendo as causas pelas quais as coisas
196
EII, Prop.40esc2. 197
À saber: a intuição. 198
BT, PI, Cap.1. 199
BT, PI, Cap.1.
59
que são não podem deixar de ser. Além destes três primeiros modos, o autor menciona um quarto
modo que não precisa da arte de raciocinar, “porque com sua intuição vê imediatamente a
proporcionalidade e todos os cálculos”200
. No Tratado de Emenda do Intelecto, Espinosa reduz
todos os “modos de perceber” também a quatro: o primeiro descrito como uma percepção que
tomamos por ter ouvido falar, o segundo modo é a percepção resultante da experiência vaga, uma
que ainda não é determinada pelo intelecto; o terceiro modo é aquele que conhecemos a causa a
partir do efeito, ou a partir de ideias universais; há um quarto modo, que “a coisa é percebida
através de sua essência tão somente, ou através do conhecimento de sua causa próxima.”201
. O
TEI, ao longo de seu desenvolvimento, aponta para um gênero de conhecimento que desvela uma
ordem capaz de inteligir a série das causas e dos entes reais, não a partir das coisas singulares,
mas exclusivamente da série das coisas fixas e eternas.202
A razão para Espinosa é um meio pelo qual podemos ter a ideia adequada das coisas, ou
seja, é a ferramenta epistemológica capaz de formar ideias universais. As ideias adequadas
formadas pela razão são aquelas que, após analisadas as ideias comuns percebidas de forma
mutilada e confusa pela imaginação, passam a conhecer a causa, ou seja, a maneira pela qual
determinado ente se produziu - seja “extensionalmente” através de encontros de corpos, ou no
pensamento, através do relacionamento de ideias.
Temos de manter sempre em mente que o pensamento racional é só um modo de pensar
igual a outros, como amar, desejar etc. O que Espinosa chama de razão na parte dois da Ética
não é precisamente o que chamamos ciência, posto que apenas o terceiro gênero do
conhecimento é descrito como ciência no espinosismo - scientiam intuitivam. A razão espinosana
funciona mais como uma escada203
entre as ideias inadequadas da imaginação e entendimento
que apenas o terceiro gênero do conhecimento pode alcançar.204
Até tomarmos consciência que, no caminho para compreender a natureza, sua extensão e
pensamento, precisamos suplantar o campo da significação, não compreenderemos a razão como
devemos; ou seja, não como um fim em si, mas como um meio para alcançar a ciência intuitiva.
200
Ibidem. 201
TEI, §19-22. 202
TEI, §100 e 102 203
Novamente: “Por fim, vemos também que o raciocínio não é o mais importante em nós, mas somente como uma
escada que nos permite nos elevarmos ao lugar almejado”. (BT, PII, Cap.XXV, §6, grifo nosso). 204
Cf. EV, Prop.25.
60
A razão é em si mesma uma afecção205
. Para superarmos o ambiente imaginativo do primeiro
gênero do conhecimento, temos que compreender que a função principal da razão não é procurar
dar significado às coisas206
. Tanto a Ética, quanto o BT e o TEI apontam para um conhecimento
que pretende ir além da razão. Neste sentido, utilizando apenas os dois primeiros gêneros do
conhecimento, o homem só é capaz de compreender a Natureza através de signos207
, ele fica em
uma gramática de significados da verdade208
. Aqueles que buscam sinais da felicidade ou da
beatitude vivem imersos na imaginação. A felicidade ou beatitude é alcançada no momento em
que se compreende a Substância. Não é uma busca pela verdade, é uma compreensão da sua
própria natureza: a “beatitude não é o prêmio da virtude, mas a própria virtude; e não a
desfrutamos porque refreamos os apetites lúbricos, mas, em vez disso, podemos refrear os
apetites lúbricos porque a desfrutamos”209
.
A proposição vinte cinco da quinta parte da Ética nos mostra que o “esforço supremo da
mente e sua virtude suprema consistem em compreender as coisas por meio do terceiro gênero de
conhecimento”. Espinosa sempre nos diz, no decorrer da maioria de suas obras, que devemos ter
em mente o objetivo de compreender a natureza pela perspectiva da eternidade.
Pois, ao nível da racionalidade operatória que aqui se investigou, é
evidente que a ciência produzida manipula as coisas sem habitá-las, sem
se unir a elas e por elas ser habitada. Tal ciência não sente (gevoelen) e
não frui (genieten) a coisa mesma, ela produz índices que funcionam como
205
“Esse gênero de conhecimento não explica, pois, a essência de coisa singular alguma (nullius rei singularis
essentiam explicant). Enquanto conhecimento verdadeiro do bem e do mal, dá origem às regras (regulæ) ou preceitos
(præcepta) da razão, mas não pode, apenas por ser verdadeiro, refrear ou extinguir os afetos, dependendo, para
tanto, daquilo que esse conhecimento seja, ele próprio, enquanto afeto. Sua dimensão prescritiva (præscribit,
postulat) nada contém que seja contra a natureza. Ensina que algo se esforça (conatur) a se auto preservar e a
procurar seu útil próprio. Constitui o fundamento da virtude. Trata-se de um conhecimento que a mente usa (utitur) a
fim de inteligir e não a fim de outra coisa; ou seja, enquanto a mente raciocina (ratiocinatur), nada concebe de bom
para si senão o que conduz (conducit) a inteligir (intelligere). (CRISTIANO, 2004, p.68) 206
Dar significado é uma prática da imaginação. 207
E o “verdadeiro Método não é buscar um signo da verdade depois da aquisição de ideias, mas que o
verdadeiro Método é a via para que a própria verdade, ou as essências objetivas das coisas, ou as ideias (tudo isso
significa o mesmo), sejam buscadas na devida ordem”. (TEI, §37, grifo nosso) 208
Devemos notar que as noções comuns se estabelecem a partir de "dados sensoriais", de ideias mutiladas. Na
Ética, Espinosa afirma: “A partir de signos; por exemplo, por ter ouvido ou lido certas palavras, nós nos recordamos
das coisas e delas formamos ideias semelhantes àquelas por meio das quais imaginamos as coisas. Por termos,
finalmente, noções comuns e ideias adequadas das propriedades das coisas. A este modo me referirei como razão e
conhecimento e segundo gênero. Além desses dois gêneros de conhecimento, existe ainda um terceiro, como
mostrarei a seguir, que chamaremos de ciência intuitiva.”. (EII, Prop.40) 209
EV, Prop.42.
61
definições, mas que passam ao largo do que está concretamente dado
(datorum numerorum), e trata seu objeto como “objeto em geral”
(aliquid), construído sob medida para suportar as atribuições racionais de
efeitos ou propriedades210
.
O conhecimento reflexivo não exige signos
O caminho que atinge o conhecimento verdadeiro não procura encontrar nenhum signo. A
verdade não exige significados. Para conhecê-la, necessitamos conhecer como conhecer as
essências objetivas das coisas ou, o que é o mesmo, das ideias. O conhecimento da Natureza não
exige um conjunto de ideias organizadas que formam um algoritmo capaz de apreender,
exatamente, as modificações da natureza. É o próprio exame da estrutura da natureza do mundo
que revela as maneiras pelas quais as conhecemos. O método nada mais é do que um
conhecimento reflexivo. Ao conhecermos a estrutura da natureza, conhecemos a nós mesmos. Do
mesmo modo, a mente humana tanto melhor se intelige quanto mais intelige a natureza. Estamos
em um processo infindável de reflexão sobre a natureza do ser.
Em o Tratado Teológico-Político, Espinosa opõe o conhecimento da luz natural ao
império dos signos constituídos secularmente através das escrituras sagradas. Contudo, “aquele
que as ignora e todavia reconhece pela luz natural que Deus existe etc., e observa, além disso, a
verdadeira regra da vida, esse possui inteiramente a beatitude”211
. O signo adquire a forma de um
presságio. Enquanto a filosofia for considerada como um poder de pensar abstrata e
independentemente da realidade de nosso mundo, nunca poderemos superar o pensamento
teológico antropomorfizado. Para conhecer a verdade, não carecemos de nenhum símbolo. De
fato, não necessitamos de nenhum critério externo, apenas da ideia verdadeira. Porque ter certeza
é apenas entender como apreender a essência objetiva em si, ou seja, a maneira pela qual nós
tomamos consciência da essência formal é a própria certeza em si. Dependemos da qualidade de
nosso discernimento sobre a natureza das ideias para reconhecê-las, enquanto o pensamento
religioso necessita de sinais que necessitam ser interpretados e que revelem o caminho do divino,
a filosofia lida com uma verdade que não necessita de signos. A filosofia não “revela”
propriamente uma verdade, mas é o conhecimento da própria natureza da filosofia que viabiliza o
210
NOVAES, 2006, p.32. 211
TTP, cap.V, §78.
62
conhecimento de Deus - a epistemologia é inseparável da ontologia. Deus como um ser infinito e
perfeito ao conhecer conhece a si mesmo.
Temos tentado pensar na eternidade da natureza por meio da imaginação. O primeiro
gênero do conhecimento, por exemplo, as opiniões, memórias, imaginações, são conhecimentos
constituídos por símbolos – cognitio ex signis. Textos escritos ou falados são signos. As palavras
procuram representar a natureza, ou seja, um ser infinito mas, todavia, não podem superar o
âmbito da duração uma vez que simplesmente necessitam, a priori, de um sistema linguístico
historicamente desenvolvido para significar algo. Ou seja, toda letra precisa de um tempo
determinado na duração para reverberar nos ouvidos. Os vocábulos não funcionam como uma
conexão verdadeira entre Deus e suas criaturas, mas sim, como determinações extrínsecas que
somente indicam o modo pelo qual as criaturas imaginam a Natureza. Assim, devemos ter cautela
para não confundir características externas com a expressão de Deus, confundindo a expressão
com os signos. A expressão dos modos não aparece como um conjunto unívoco de significados.
Assim, podemos entender por que as “verdades” advindas das interpretações não são
capazes de “tocar” a Natureza. É impossível que exista um conjunto pré-definido de ideias
capazes de conceber uma regra geral para processar todas as ideias e, desta forma, apontar as
verdadeiras. Sendo assim, os “homens especiais” que se declararam “iluminados” ou
“santificados” ao longo da história e, por isso, aptos a revelarem a verdade, apenas exteriorizaram
a sua maneira particular de processar os vestígios deixados pelo movimento dos espíritos.
Para aperfeiçoarmos a suplantação do âmbito dos significados, cabe atentarmos, como
explicitado em Pensamentos Metafísicos, a distinção fundamental entre as concepções de ente
real e ente de razão212
, este descrito por três modos de pensar que utilizamos para explicar as
coisas entendidas. São eles: o tempo, o número e a medida213
. No Breve Tratado, o autor
explica-os da seguinte maneira:
Algumas coisas estão em nosso intelecto, e não na Natureza e,
portanto, são também uma obra unicamente nossa e servem para entender
distintamente as coisas; entre elas incluímos todas as relações que se
212
Sobre esta descrição dos entes, Cf. PM, PI, Cap.1. 213
Ibid, Parte I, Cap.1. §3. p. 197.
63
referem às coisas diversas, e às quais chamamos Entia Rationis (entes de
razão).214
O autor da Ética está dizendo, de maneira resumida, que ou você pode entender (por meio
dos entes reais) ou você explicar (por meio dos entes de razão), utilizando, por exemplo, o tempo
para explicar a duração, ou o número para explicar as quantidades discretas. Podemos
“facilmente ver com quanto zelo cabe precaver-se na investigação das coisas, a fim de não
confundirmos os entes reais com os entes de razão”215
. Porque “uma coisa, com efeito, é inquirir
a natureza das coisas, outra, inquirir os modos pelos quais as coisas são por nós percebidas”216
.
Uma vez que os modos de pensar217
são sempre modos que explicam as coisas relativamente às
outras, o progresso do conhecimento só é possível quando atingimos as causas adequadas dos
entes reais: “a série das coisas fixas e eternas”218
. Podemos também distingui-los entre um ente
que por sua natureza existe necessariamente, quer dizer, que sua essência envolve a existência; e
outro, cuja essência não envolve a existência.
Sabemos que Deus não tem duração. Não podemos utilizar o tempo como um modo para
pensar em Deus, e “para não atribuirmos nenhuma duração a Deus, dizemos que ele é eterno”219
.
Não há qualquer possibilidade de entendê-lo por meio de signos, apenas o conhecimento
reflexivo pode alcançá-lo, posto que a verdade é imanente à tomada de consciência de nossa
própria natureza. A beatitude não é o prêmio da virtude, e não a atingimos porque
compreendemos racionalmente, por exemplo, como nos livrar dos pensamentos lúbricos. Ao
contrário, é por ascendermos à beatitude que podemos nos livrar dos pensamentos lúbricos.
Ergue-se uma gigantesca questão: como conhecer a Natureza de maneira direta e exata,
sem dispositivos de intermediação? Dedicar-me-ei a este exame mais à frente. Neste momento,
irei apenas expor um ou dois exemplos de linhas de pensamento que, talvez, possam dar conta
desta tarefa. Nesta esteira, Agamben, em O tempo que Resta, aponta para uma série de conceitos
214
BT, PII, cap.X, §1. 215
Ibid. 216
Ibid. 217
“Disso claramente patenteia-se que estes modos de pensar não são ideias de coisas e de modo algum podem ser
colocados entre as ideias; por isso também não têm eles nenhum ideado que exista necessariamente ou que possa
existir”. (PI, cap.I) 218
TEI, §100. 219
PM, PII, cap.1, Da eternidade de Deus.
64
paulinos que podem nos auxiliar a entender a Natureza para além de uma perspectiva
estritamente comparativa. Como, por exemplo, a klesis220
e o hos me221
, este uma ferramenta
epistemológica com a qual podemos perceber um caminho que ultrapassa o ambiente da
significação, no sentido em que o hos me não pretende explicar os modos de tal maneira a se
restringir em uma análise comparativa, ou seja, restrita ao primeiro e segundo gêneros do
conhecimento de Espinosa mas, de outra maneira, vai ao encontro com suas próprias
particularidades.
O hos me paulino aparece, como um tensor de tipo especial, que
não tensiona o campo semântico de um conceito em direção a outro
conceito, mas o coloca em tensão consigo mesmo na forma do como não:
chorosos como não chorosos. Isto é, a tensão messiânica não vai em
direção a um alhures nem se esgota na indiferença entre alguma coisa e o
seu oposto. Uma determinada condição factícia é posta em relação consigo
mesma – o choro é tensionado em direção ao choro, a alegria em direção à
alegria222
.
Agamben também nos revela que, de acordo com Paulo, viver messianicamente
significaria usar a klesis223
, que, no caso, só pode ser utilizada quando não a possuímos. No
entanto, como entender “usar sem possuir”? Primeiramente, quando falamos em entender um
método que não se propõe à apropriação da ação, não entendemos que o homem deva realizar
uma ação vazia ou negativa. De maneira distinta, não se trata de uma mudança qualitativa da
ação. Não buscamos uma ação negativa, mas a negativa da ação; de uma ação que se realiza à
medida que o homem abdica da ação. Talvez, este exemplo que Agamben dá seja um caminho
pelo qual podemos vislumbrar o abandono de uma epistemologia baseada na tradução de
significados, suplantando, assim, as características extrínsecas e simbólicas do âmbito da
duração.
220
Como nos diz Agamben: klesis - “o chamado”. (AGAMBEN, 2015, p.38) 221
Cf. AGAMBEN, G. O tempo que Resta. 2015, p.38. O conceito de hos me: “na forma do como não”. 222
Ibid, p.38. 223
klesis ou “o chamado”. (AGAMBEN, 2015, p.38)
65
A imaginação e o intelecto
Em vários momentos de sua obra, Espinosa relaciona o erro à incapacidade de se
distinguir corretamente a imaginação do intelecto. No TEI, afirma que facilmente “podem cair
em grandes erros aqueles que não distinguiram acuradamente entre imaginação e intelecto”224
. Na
Ética, expõe “como aqueles que não compreendem a natureza das coisas nada afirmam sobre ela,
mas apenas as imaginam, confundindo a imaginação com o intelecto, eles creem firmemente que
existe uma ordenação das coisas, ignorando tanto a natureza das coisas quanto a sua própria”225
.
Por imaginação entendemos, como já analisamos acima, o primeiro gênero do
conhecimento de Espinosa. O que pretendo evidenciar aqui é o tamanho de sua abrangência
devido ao fato de que a imaginação é o primeiro gênero do conhecimento. Eu, aqui, agora,
escrevendo nesse teclado, olhando para essa tela, dentro de um quarto, com uma janela etc. Tudo
o que vejo, em um primeiro momento, todas essas luzes, cores, sombras, ou seja, as imagens à
minha volta, resultam da minha imaginação – imaginar é tomar as coisas por suas imagens, por
suas características extrínsecas. Porque o que quer que eu perceba pela imagem necessita de um
tempo para que eu possa perceber, é necessário um tempo para que minha retina perceba algo e
mande essa informação para o meu lobo occipital. Assim sendo, não importa quanto tempo eu
dedique para descobrir a verdade de uma palavra (palavras fazem parte da imaginação)226
, nunca
irei encontrá-la, porque a verdade não tem duração. “Tudo isso mostra suficientemente que cada
um julga as coisas de acordo com a disposição de seu cérebro, ou melhor, toma as afecções de
sua imaginação pelas próprias coisas”227
. Por exemplo, valores que comumente acostumamos
formar como cheiroso ou fedido, desorganizado ou organizado etc., são apenas maneiras com as
quais os homens acostumaram a explicar a Natureza. Neste sentido, quando, por algum motivo,
enxergaram uma harmonia nos movimentos celestes também atribuíram à Natureza divina uma
harmonia. “A isto respondemos: que parte e todo não são entes verdadeiros ou reais, mas somente
entes de razão e, por conseguinte, na Natureza não existe nem todo nem partes”228
.
224
TEI, §87. 225
EI, Apên. 226
“Como as palavras são partes da imaginação. [...] São signos na medida que estão na imaginação e não no
intelecto”. (TEI, §88 ) 227
EI, Apên. 228
BT, P.II, cap.II, §19.
66
Por intelecto compreendemos o “corpo” do atributo pensamento, do mesmo modo como o
movimento é o “corpo” da extensão. Tendemos a pensar a extensão como uma coisa definida e
finita, como as primeiras teorias atômicas descreveram, todavia, a extensão é tão infinita quanto o
pensamento, pela própria natureza de seu gênero. Dizemos que o movimento na matéria e o
intelecto na coisa pensante existiram desde sempre e assim permanecerão existindo por toda
eternidade. Uma “obra verdadeiramente tão grande quanto convinha à grandeza do artífice”229
. A
única característica do intelecto é “entender tudo clara e distintamente em todos os tempos; de
onde emana uma íntima ou perfeitíssima satisfação imutável, visto que não pode deixar de fazer o
que faz”230
.
Para que a força do intelecto suplante a força da imaginação, podemos tomar alguns
cuidados: por exemplo, notar que a imaginação é sempre afetada por coisas singulares, por
modificações do pensamento ou da extensão - ela permanece na superfície, não procura se
aprofundar e encontrar a causas dos movimentos. Todas as ideias que não são verdadeiras têm
sua origem na imaginação, em alguma sensação fortuita: “os homens estão de fato, conscientes
de suas ações e de seus apetites, mas desconhecem as causas pelas quais são determinados a
apetecer algo”231
. Os efeitos objetivos do intelecto procedem na alma como a razão da
formalidade de seu objeto. A verdadeira ciência é a compreensão da causa adequada das forças
que se exercem na realidade. As operações pelas quais as imaginações são produzidas se fazem
segundo leis que não reproduzem “objetivamente a formalidade da natureza, tanto no todo como
em suas partes”232
, mas apenas dos vestígios dos movimentos dos corpos.
Devemos notar que as ideias que se originam do intelecto não são como reflexos da
extensão, mas são coisas ativas formadas ativamente por meio do relacionamento de ideias, assim
como os corpos foram postos em movimento por meio do relacionamento com outros corpos. O
intelecto, por natureza, é uma coisa ativa, e a imaginação, passiva. A imagem representativa é
apenas uma aparência que, examinada mais a fundo, revela um conteúdo expressivo de uma
Substância imanente. A consciência imediata aparente comparada à necessidade lógica da coisa,
229
BT, P.I, cap. IX, §1. 230
Ibid, §3. 231
EIV, Pref. 232
TEI, §91.
67
do autômato propriamente dito, do próprio expressar do desenvolvimento das ideias e do
movimento, é apenas um sintoma.
O conhecimento que adquirimos com os signos não é o conhecimento da expressão. Ele
não pode ser expressivo posto que o cristalizamos, ele não tem movimento, e sendo assim, não
supera, em nenhum sentido, o primeiro gênero do conhecimento. O intelecto é o “movimento” do
pensamento. As ideias verdadeiras que dele se originam expressam suas próprias causas, não por
meio de determinações extrínsecas (clareza e distinção), mas intrínsecas (adequadas). Portanto,
apenas a definição genética nos conduz à verdade das coisas porque nos coloca no ponto de vista
da criação da própria coisa. As ideias do intelecto só podem ser descritas através de suas
expressões: na expressão, no movimento ou na ação de seu surgimento. Os signos que criamos
para defini-los não os explicam adequadamente, talvez, no máximo, nos dão um certo parâmetro,
mas nunca são explicações intelectuais (definições genéticas ou causais de Deus), mas, sim,
imaginativas. A revelação desta verdade genética é uma expressão. “A oposição entre as
expressões e os signos é uma das teses fundamentais do espinosismo”233
. E, dito isto, entendemos
porque apenas a descrição do círculo como um elemento que possui um ponto fixo e outro móvel
define-o corretamente, posto que revela sua causa adequada.
A definição e o método reflexivo: a ordem e as coisas fixas e eternas
Como Espinosa afirma, primeiramente, devemos conhecer as condições de uma boa
definição, entender como explicar a essência íntima das coisas. Vimos que não devemos
confundir os signos, as propriedades extrínsecas, com a expressão da Substância imanente. Para
definir a coisa criada234
, podemos compreendê-la por meio de alguma causa próxima; para definir
a Substância, devemos compreendê-la apenas por sua própria.
O intelecto humano deve reproduzir maximamente a ordem da natureza e, para isso, deve
deduzir sempre as ideias de entes reais, de coisas que existem para além de nossa própria mente,
investigando a maneira pelas quais as coisas foram geneticamente produzidas, indo de “um ente
real para outro ente real, de modo que não passamos às ideias abstratas e universais”235
(isso
confundiria toda dinâmica epistemológica). O método reflexivo reflete sobre as coisas fixas e
233
DELEUZE, 2017, p.201. 234
Os atributos e suas modificações. 235
TEI. §99
68
eternas, não sobre os objetos da imaginação. Essa ou aquela imagem singular não definem as
essências, são denominações extrínsecas, não revelam nada além de características dos vestígios.
As verdades das coisas estão inscritas nelas como “seus verdadeiros códices”: a verdade não é
como uma mercadoria de onde não se vê sinais de seus produtores.
A definição que descreve a ordem das coisas fixas e eternas não examina a existência,
mas os próprios fundamentos que dirigem nosso pensamento, dado que o método é o próprio
conhecimento reflexivo. O conhecimento da estrutura da verdade desvela as forças do intelecto,
e, como já vimos, a característica principal do pensamento é entender perfeitamente as ideias
verdadeiras. Quando conhecemos a coisa, temos o conhecimento da Natureza. No mesmo
sentido, a conexão que a Natureza tem com as coisas é o mesmo que as coisas têm em si com a
Natureza. Por “isso é que certos hebreus parecem ter visto, como que através de uma nuvem, pois
admitem que Deus, o entendimento de Deus e as coisas compreendidas por ele são uma única e
mesma coisa”236
. Não existem ordens de naturezas formais distintas. A ordem da razão é a
mesma da ordem do ser, ou seja, o autor da Ética está dizendo que é impossível dividir o ser, de
nenhuma forma. A distinção formal se dá apenas nos atributos. Dessa maneira, as Afecções são
distintas formalmente, todavia, possuem a mesma identidade no ser, ontologicamente a mesma,
formalmente diversa.
É na expressão da essência eterna imanente de Deus que o definimos como a causa de
todas as coisas237
, no mesmo sentido em que é causa de si mesmo. A ubiquidade de sua presença
e de sua potência absoluta são como afecções universais, “Deus é uma causa imanente e não
transitiva, já que opera tudo em Si mesmo e não fora, posto que fora dele não há nada”238
. A
ordem de si é a ordem de tudo. Ao defini-lo, definimos as leis fixas e eternas da natureza, aquelas
impossíveis de serem transgredidas. Deus age “unicamente segundo as leis da sua natureza”.
Tudo que acontece, acontece porque tem que acontecer. Digo isso, não porque estava “escrito”
em algum lugar que tudo iria acontecer antes do ocorrido, mas porque as leis eternas que
consubstanciam o movimento da extensão e o intelecto do pensamento funcionam por meio das
mesmas leis eternas que sempre produziram tudo da mesma maneira desde toda a eternidade.
236
DELEUZE, 2017, p.114. 237
EI, Apên. 238
BT, PI, cap.III, §2.
69
Vimos que os atributos não são substantivos, muito menos adjetivos, mas verbos. Os
modos dos atributos da Substância são períodos que derivam das orações principais. Estas
constituem todo o roteiro da existência, que existe sobre uma ordem na qual Deus produz tudo
ativamente. A expressão engendra a imanência na existência, de tal modo, que esta imanência se
exprime numa mesma ordem até a infinidade de suas modificações. Essa ordem descarta a
conexão de causalidade das coisas na existência como o fundamento de toda a ação. A primeira
parte do método espinosano não se baseia em nos fazer conhecer qualquer coisa que seja, mas em
nos fazer entender a potência do ato de compreender, apreender essa potentia, essa aptidão.
Neste sentido, é que dizemos que o método é reflexivo. Ele é descrito pelo entendimento puro,
pelo observador observando as próprias leis que estruturam as essências eternas exprimidas pela
Substância. A epistemologia é a forma e o conteúdo da filosofia.
Dentre a miríade de informações importantes que a EII49 expõe, uma delas é a
importância em distinguirmos corretamente entre “as imagens, as palavras e as ideias”239
. O
atributo pensamento pensa porque possui uma potência infinita de pensar, não porque reflete a
extensão ou qualquer outra coisa. Esta noção advém da ideia de que a verdade seja definida por
um modelo de correspondência. Todavia, este modelo revela apenas definições nominais ou
extrínsecas. A aptidão de compreender é a capacidade de pensar da própria Substância enquanto
ela se explica por cada ideia. A ordem é a forma da mente, porque a mente é a coisa existente em
ato. A clareza e a distinção não alcançam a essência exprimida, somente o seu conteúdo
representativo - a imagem. Neste sentido, descuidamos de distinguir “por um lado, a ideia ou o
conceito da mente e, por outro, as imagens das coisas que imaginamos”240
. Deste modo, podemos
até seguir a lógica da construção da imagem, mas não da essência formal. “Há um formalismo
lógico que não se confunde com a forma da consciência psicológica. Há um conteúdo material da
ideia que não se confunde com um conteúdo representativo.”241
. Se buscarmos encontrar uma
ordem para a verdade, veremos que, no máximo, podemos aplicar esse termo - ordem - à
estrutura da própria ideia, o que, por sua vez, remete ao entendimento reflexivo e à própria
definição em si. Nesse caminho, apreendemos a potestade do saber.
239
EII, Prop.49, esc. 240
Ibidem. 241
DELEUZE, 2017, p.143
70
Compreendendo a grandiosidade desta tarefa, que é, de certo modo, compreender a ação -
digo isto porque padecemos quando não entendemos as causas de nossos movimentos e agimos
quando as entendemos, que é compreender a própria definição ou o conhecimento reflexivo -,
podemos passar à segunda parte do método242
. A própria definição exige uma segunda parte.
Primeiramente, vimos que o escopo é ter ideias “a partir da pura mente e não de movimentos
fortuitos do corpo”243
. Em seguida, examinaremos esse conteúdo, essa essência adequada
exprimida pela Substância por meio de seus modos. É uma investigação sobre o “conteúdo” da
ideia, 244
a ideia verdadeira expressa e explica uma essência formal, ela envolve e explica a causa
das coisas. Claro, sabemos que o efeito necessita da causa, mas devemos compreender esta
dinâmica numa conjuntura eterna e autônoma. O que queremos dizer com isso é que o fato do
efeito depender da causa não pressupõe que a causa eficiente seja a única razão do movimento
existente em ato, porque se seguirmos a cadeia lógica das causas de qualquer efeito, seja do vento
deste ar condicionado batendo em mim agora, perceberei que, em algum momento, eu o comprei,
mas também em algum momento alguém o imaginou e resolveu produzi-lo, assim seguiremos até
o infinito, de tal modo, que todas as causas das coisas móveis e singulares na existência
expressam imanentemente uma causa formal - toda causa eficiente, seja dos movimentos na
extensão ou no intelecto, diluem-se na onipotência e abundância eterna da causa imanente da
Substância. Quando examinamos um possível “conteúdo” da ideia, buscamos a ideia que exprime
sua causa. Para o autor da Ética, a definição e o método reflexivo apresentam a simples
possibilidade de articular, epistemologicamente, as ideias uma à uma (ou os corpos um a um). Ele
expõe a potência desta dinâmica de relacionamento que segue a ordem das coisas fixas e eternas.
E esta mesma dinâmica revela (através da expressão) sua estrutura e conteúdo formal. Todavia, a
mente humana, ao não refletir sobre si mesma, reflete sobre as imagens desta estrutura e
conteúdo, e, assim, não supera a ideia clara e distinta, permanecendo no conhecimento do efeito,
242
TEI, §91. “Ademais, para que finalmente cheguemos à segunda parte deste método”. Esta divisão em duas partes
presentes no TEI, aparece presente, de uma certa maneira, também na Ética quando, claramente, podemos dividir os
gêneros do conhecimento em dois, de um lado, a imaginação e a razão e, de outro, a intuição. Assim como o Breve
Tratado, o qual Espinosa divide em duas partes, uma primeira sobre “Deus”, e outra, sobre o “homem e seu bem
estar”. O Pensamentos Metafísicos é dividido também em duas partes, uma parte geral e outra especial da metafísica.
Curiosamente, Albert Einstein divide a teoria da relatividade também em duas como em PM: “Teoria Geral da
Relatividade” e “Teoria Especial da Relatividade”. 243
TEI, §91. 244
Sobre a “Geologia da Moral” em Mil Platôs.
71
cada vez mais distinto e claro245
. Apenas a causa da ideia, à medida que se expressa, revela a
essência íntima das modificações dos modos da Substância.
Sabemos do que se trata o método reflexivo, todavia, podemos nos questionar: ele nos
arranca toda ação e nos põe numa posição de pura contemplação? Simplesmente devemos
analisar o desenvolvimento do relacionamento de ideias e do relacionamento de corpos, da
perspectiva de “mais um corpo” dentre outros corpos ou de “mais uma ideia” dentre outras
ideias? Se nosso conhecimento dependesse do conhecimento do efeito246
, realmente, tentaríamos
conhecer o conteúdo do oceano sem jamais mergulhar, ou seja, permaneceríamos sempre à sua
margem. Mas, de outra maneira, quando investigamos a causa somos como que arrastados à
razão da existência das coisas que não podem existir por si – a sua imanência -, revelada na
expressão da essência formal. Eu não posso compreender esta relação sem me envolver com ela,
sem uma dinâmica afetiva ativa. Por exemplo, novamente a questão do círculo, quando pretendo
descrevê-lo por uma percepção, digo que possui a mesma distância entre seus lados e seu centro,
não que esta descrição não resulte de uma apreensão real de uma causa extrínseca, mas apenas a
descrição como um ponto fixo e um móvel causa a ideia do círculo. É este processo que produz,
ele mesmo, a ideia verdadeira.
Compreender o “conteúdo” da ideia verdadeira só é possível na expressão, porque é nela
que a essência íntima é exprimida. O método segue a ordem das coisas fixas e eternas, ele não
utiliza nenhuma imagem de onde “essas coisas fixas e eternas, embora sejam singulares, serão
para nós, contudo, em razão de sua ubíqua presença e latíssima potência, como que universais ou
gêneros das definições”247
. Em geral, pensamos que podemos deduzir a existência pelo fato de
que supostamente “eu” esteja aqui agora, vendo o que vejo, ouvindo o que ouço, sentindo o que
sinto; penso: - “não é possível que isso tudo não exista, não estamos vendo, não estamos
sentindo?!”. Entretanto, o que define a existência é a concepção de sua ideia adequada e não de
sua aparência, por mais clara e distinta que pareça ser, porque, quando analisamos mais à fundo,
encontramos uma causa imanente e eterna.
245
Como, por exemplo, quando a psiquiatria avança cada vez mais na distinção e clareza do efeito de uma certa
patologia no corpo humano, e assim, desenvolve cada vez mais “remédios” que busquem “desligar” o efeito no lugar
exato da aparição na duração no corpo humano. Todavia, neste sentido, não superam a ideia clara e distinta do efeito
em busca de sua causa imanente. 246
Como, por exemplo, em Descartes. 247
TEI, §101.
72
A dificuldade reside no fato que necessitamos de palavras para descrever a estrutura da
natureza naturada e, sobre isso, Espinosa afirma que devemos tomar cuidado para não cair nos
erros dos “filósofos verbalistas e gramaticistas que julgam as coisas pelos nomes, e não os nomes
pelas coisas”248
. Deste modo, utilizamos termos, como: eternidade, substância, infinito - para
descrever Deus249
, mas nunca como um símbolo capaz de representá-lo. As palavras devem ser
utilizadas como instrumentos que buscam conhecer as ideias adequadas, como as características
extrínsecas250
, que funcionam como os oceanos, que podem conduzir os naufragos às costas de
ilhas paradisíacas, ou à morte em uma tempestade.
Destarte, o conhecimento da natureza na filosofia de Espinosa se baseia, em um primeiro
momento, em expor os caminhos de uma boa definição, que, de outro modo, é o mesmo que o
desvelamento do método reflexivo ou a conscientização da potência de conhecer. Podemos dizer,
de uma certa maneira, que esta primeira parte trata da forma ou do método reflexivo: a forma da
ideia. No caminho do conhecimento, desta forma, surge a segunda fase do método que identifica
um “conteúdo” das ideias: a essência exprimida pela Substância, a qual nossa mente, ao
reproduzir, reproduz “objetivamente a formalidade da natureza, tanto no todo como em suas
partes”251
, assim, revelando os meios de sua produção. Esta segunda fase da metodologia
espinosana busca alcançar as verdades, suplantando a mera clareza e distinção para causar as
ideias através do entendimento adequado. “A adequação constitui a matéria do verdadeiro. [...] A
ideia adequada é, portanto, a ideia expressiva” 252
. Deste modo, explicamos a metodologia da
produção eternamente ativa de Deus.
Deus está sempre muito próximo de tudo. Ele está envolvido iminentemente com a causa
genética de todo o universo. A Natureza se exprime em si mesma antes de se exprimir nos seus
modos. Seus atributos são causas mediadas da Substância, das quais, suas modificações resultam
de uma dinâmica de produção que flui de maneira autônoma do intelecto eterno e do movimento
da extensão. Ser um autômata significa dizer que o movimento só pode ter sua causa na extensão,
assim como a ideia só pode ter sua causa no pensamento. A Substância expressa a essência
248
PM, PI, cap.I. 249
Em hebraico existe a palavras sod para descrever o estudo dos livros da Cabala (do Zoar) que examina as
definições ocultas no texto da Torá. A tradição budista usa o termo satori que descreve um estado de iluminação e
entendimento que supera o ambiente da duração o qual as coisas finitas não podem descrever. 250
Cf. BT, PII, cap.XXIV, §101. 251
TEI, §91. 252
DELEUZE, 2017, p.152.
73
formal, que é o que de fato produz imanentemente todos os seus resultados, mas cabe lembrar
que ela se exprime antes de tudo em si mesma, constituindo-se de maneira formal. A Natureza se
expressa em si e para si, e, neste sentido, todos seus modos são os mesmos, ela compreende tudo
que explica e envolve, a ideia verdadeira surge porque a compreendemos - produzimos como nos
entendemos. Neste sentido é que todas as ideias verdadeiras são expressivas.
74
UMA FUNÇÃO MUITO MAIS IMPORTANTE DO QUE SIGNIFICAR
Produção e compreensão
A palavra em hebraico ללמוד (que lemos lilmod) significa, ao mesmo tempo, estudar e
aprender. A gramática hebraica utiliza a mesma palavra para descrever duas palavras diferentes
do português. O estudo do conhecimento da natureza na filosofia espinosana pode nos auxiliar na
compreensão desta palavra porque apreende uma linha de pensamento que revela uma dinâmica
na qual a Natureza só produz à medida que se compreende. Mas o que Espinosa quer dizer com
“compreender-se”? Para dar esta resposta, precisamos recordar que: agimos quando
compreendemos e padecemos quando formamos ideias inadequadas. A produção de qualquer
coisa envolve o conhecimento daquilo necessário para produzi-la. A expressão da Natureza
envolve, ao mesmo tempo, sua compreensão e sua explicação.
A Substância age ao passo que seus modos se exprimem. Surge, daí, o princípio da
autonomia das séries de seus modos. A fonte da qual todos os modos se originam é a mesma.
Como a quarta definição da primeira parte da Ética expõe, os atributos constituem a essência da
Substância, ou seja, embora distingam-se pelos modos, constituem uma única e mesma natureza.
Nesse sentido, podemos dizer que todos os modos exprimem uma mesma modificação.
Entretanto, essa modificação persevera apenas enquanto os atributos exprimem a essência íntima
da Substância. Os infinitos atributos mantêm-se à ordem das coisas fixas e eternas, eles apontam
sempre à luz natural, não têm a função de desvelar qualquer coisa que seja – “tudo o que é feito
se faz segundo uma ordem eterna e segundo leis certas da Natureza”253
. O método reflexivo se
baseia em alcançar a natureza para que possamos desfrutar dela, “esforçar-me para que muitos
adquiram comigo; isto é, também pertence à minha felicidade trabalhar para que muitos outros
intelijam o mesmo”254
.
Compreender é uma espécie de afecção porque ao entender nos alegramos, não é apenas
uma ferramenta meramente racional. Mas o que formaliza e explica essa dinâmica? Em outras
palavras, por que ficamos felizes ao entender? Encontramos essa resposta nos últimos parágrafos
do BT. Retornando ao que já dissemos sobre a característica fundamental da extensão – o
253
TEI, §12. 254
Ibid, §14.
75
movimento e o repouso -, “cada coisa corpórea particular não é outro senão uma certa proporção
de movimento e do repouso”255
. Assim, o corpo humano é também uma certa proporção de
movimento e repouso, de tal forma que o que determina o equilíbrio desta proporção está na
mente do corpo ou, o que é o mesmo, na sua essência objetiva. Portanto, “se o repouso vem a
aumentar e o movimento a diminuir, assim é causada a dor e a tristeza que denominamos frio.
Pelo contrário, se o movimento é que cresce, assim é causa da dor que denominamos calor”256
-
desta dinâmica, origina-se toda a multiplicidade das sensações. Neste sentido, dizemos que
compreender é uma espécie de afecção universal. As forças externas que nos impedem de
entender perfeitamente a mente do corpo que nos constitui nos entristecem, nos afastam da ideia
adequada de nossa proporção original, “daí se origina a alegria que denominamos repouso,
exercício agradável e contentamento”257
.
Se a natureza naturada não introduz nada de novo à essência eterna de Deus258
,
poderíamos nos questionar sobre a razão pela qual Deus a gera. A Natureza produz da maneira
como se compreende – quando entendemos, agimos, porque, ao entender, apreendemos a causa
da produção. De fato, sabemos que a razão da existência é a mesma pela qual ela existe. Sendo
assim, devemos nos questionar sobre o que buscamos saber quando procuramos uma razão para a
existência. Como Deus é imanente à duração, não existe uma razão para além da ordem das
coisas fixas e eternas expressas aqui e agora, existentes em ato. Por este motivo, a Natureza não é
capaz de entender sua essência sem produzir as coisas que decorrem no movimento da extensão e
no intelecto do pensamento. Destarte, o tema da definição é basilar no conhecimento da Natureza
para Espinosa, porque o movimento e o intelecto, ou seja, a atividade da extensão e do
pensamento, perseveram por meio de definições. A Natureza está sempre produzindo e se
compreendendo, “segue-se daí que a potência de pensar de Deus é igual à sua potência atual de
agir”259
. Ela não se exprime de maneira formal (nos seus modos), sem se entender de maneira
objetiva (nas modificações). Quer dizer, quando a Natureza se expressa, ela também está se
explicando. Espinosa sempre lembra que toda ação da Natureza é necessária, tudo o que se
expressa revela a verdade de sua produção.
255
BT, PII, Apên, §14. 256
Ibid, §15. 257
Ibid, §17. 258
Cf. PM, PII, cap.IV, Da imutabilidade de Deus. 259
EI, Prop.30.
76
Com efeito, só temos potência para compreender ou conhecer na
medida em que participamos da potência absoluta de pensar, que
corresponde à ideia de Deus. Quando Espinosa lembra, ao contrário, que
Deus se faz conhecer imediatamente, que ele é conhecido por si mesmo e
não por outra coisa, ele quer dizer que o conhecimento de Deus não
precisa nem de signos, nem de procedimentos analógicos.260
(grifo nosso)
Um trampolim para eternidade
É certo que os homens nunca alcançarão o conhecimento verdadeiro da Natureza
enquanto insistirem em conhecê-la através de algum signo ou de qualquer relação analógica, qual
exija um intermediário. Neste sentido, Espinosa sempre enfatiza para atentarmos à distinção entre
imaginação e intelecto ou entre ente de razão e ente real. Para o autor, é impossível ao homem
conhecer Deus por meio de palavras ou símbolos261
. Abandonar os significados é o primeiro
estágio em direção ao conhecimento da Natureza. Deleuze, em Cursos de Spinoza, afirma:
“Espinosa disse mil vezes que Deus não fabrica nenhum signo, ele se expressa. [...] isto é, ele
revela relações. E revelar relações não é nem místico e nem simbólico”262
. Quiçá, podemos fazer
uma analogia com a Alegoria da Caverna, especificamente na primeira parte da dialética
ascendente. Nas entranhas da Terra, no mundo dos mortos, os prisioneiros “acorrentados e
imóveis desde a infância só podem ver o que se encontra diante deles no fundo da caverna: as
sombras”263
. O primeiro estágio da libertação da caverna passa por reconhecer que o hábito e o
costume fizeram com que estes homens vivessem por toda vida achando que as sombras eram a
luz natural.264
Vico, em seu livro Nova Ciência, realiza um cotejo entre os estágios do desenvolvimento
cognoscível do ser humano e o desenvolvimento histórico das sociedades humanas.265
O autor
260
DELEUZE, 2017, p.156. 261
“Deus pode fazer-se conhecer aos homens: jamais por palavras. [...] Assim estimamos impossível que Deus
possa fazer-se conhecer aos homens por meio de algum signo exterior”. (BT, Cap.XIV,§10, grifo nosso) 262
DELEUZE, G. Cursos de Spinoza. 1978, p.32, tradução nossa. 263
MARCONDES, 2002, p.65. 264
Facilmente poderíamos fazer uma relação com o TTP entre as revelações dos poetas e o conhecimento advindo da
luz natural. 265
“Todas as nações gentílicas, já que todas tiveram os seus Júpiteres e os seus Hércules, foram, nas suas primícias,
poéticas”. De forma correlacionada, quando crianças, baseamos nosso aprendizado na repetição de sílabas, gestos etc
. Notamos que a criança humana, antes de ser capaz de formar os gêneros inteligíveis das coisas, interpreta da
77
explica que todas as sociedades arcaicas desenvolveram certos mitos para explicar a natureza
porque a imaginação é o primeiro estágio do conhecimento humano. Sabemos que os povos
antigos possuíam a imaginação muito viva e abundante em seu pensamento, talvez porque ainda
não havia dado tempo para os homens desenvolverem os gêneros do conhecimento - o
“pensamento do homem ocidental antigo era envolvido na imaginação”266
. Podemos entender
essa suplantação da imaginação como parte de um processo natural, como parte da superação da
infância que toda pessoa tem que passar. As crianças tendem a explicar o mundo através de
monstros e fantasmas, ou seja, por meio de imagens, posto que ainda não conhecem a causa do
funcionamento da natureza. Ainda não tiveram tempo de conhecer as causas daquilo que as
determina, ou seja, em termos espinosanos, a criança se constitui, em sua maioria, de ideias
inadequadas. A infância é determinada por uma certa preponderância das paixões sobre as ações.
Agora, podemos entender, um pouco melhor, este cotejo que Vico realiza entre o período da
infância humana e o período das primeiras sociedades quais explicavam a realidade por meio de
narrativas mitopoéticas.
A imaginação, o primeiro gênero do conhecimento de Espinosa, trata da experiência vaga,
que os sentidos representam mutilada. Por exemplo, podemos saber que iremos morrer porque
vimos outros morrerem. Neste mesmo sentido, sabemos que o óleo alimenta o fogo, que a água o
apaga, que a regra de três é uma maneira de conhecer uma quantidade que tenha para outra
conhecida a mesma relação que possui entre si dentre dois valores numéricos etc., sem que
exatamente saibamos a causa de funcionamento de todos estes processos. E como, em um
primeiro momento, as coisas imaginadas oferecem um conforto maior aos homens do que a razão
e a intuição, porque exige um esforço muito menor, tendemos a utilizar as imagens da
imaginação para explicar as causas daquilo que não conhecemos e, assim, permanecemos
apaixonados por nossas mentiras. Os “homens preferem a ordenação à confusão, como se a
realidade por meio de gêneros fantásticos: na exteriorização de monstros e explicações surrealistas, devido ao óbvio
desconhecimento das causas da natureza. “Nas crianças vigoríssima é a memória, e, pois vívida em excesso a
fantasia, que outra coisa não é senão memória ou dilatada ou compósita . É a evidência das imagens poéticas que
precisou de forjar-se o primitivo mundo infante”. Deduzimos que os primeiros poetas assim o foram em virtude de
sua natureza imaginativa. Neste sentido, como mostra Giambattista Vico, as línguas provavelmente começaram pelas
vozes monossilábicas, assim como começam a falar todas as crianças; relativamente, as antigas sociedades humanas
desenvolveram-se nas selvas, a partir dos meios mais rudes e simples, depois nos tugúrios, aldeias, cidades, e, até
edificarem-se as academias. 266
Ibidem, tradução nossa.
78
ordenação fosse algo que, independentemente de nossa imaginação, existisse na natureza”267
. No
campo da imaginação, cada um julga as coisas de acordo com a disposição dos movimentos
fortuitos de seu cérebro. Desta forma, tomam “as afecções de sua imaginação pelas próprias
coisas”268
. Alguns não superam a imaginação e vivem por toda vida se constituindo de ideias
inadequadas.
Para superar os significados, necessitamos fazer uma diferenciação entre as ideias e as
imagens das coisas que imaginamos, ou, de uma outra perspectiva: distinguir entre as palavras
que utilizamos para dar significado às coisas, e as ideias. Desta maneira, não confundiremos as
ideias com as palavras ou com as imagens. A concepção de que a verdade seja definida por um
processo de correspondência nos ensinou que as ideias resultam do contato de nossa mente com
as coisas extensas. Nesta conjuntura, as ideias são encaradas como meras pinturas mentais criadas
pelas palavras. No entanto, a ideia não consiste nem nas palavras e nem nas imagens.
Quando nós imaginamos, o pensamento reúne características extrínsecas, imagens, e, aí,
entra a linguagem. A imaginação definida pelos primeiros aspectos quais conhecemos as coisas
são ideias inadequadas, advindas da experiência vaga. Estas ideias não se explicam por si
próprias. Não obstante, o entendimento não passa pela supressão das ideias inadequadas, mas em
utilizar aquilo que há de positivo nelas para conceber cada vez mais ideias adequadas e, assim,
possibilitar que as ideias inadequadas ocupem uma mínima parte em nós. Afinal, a ideia
adequada é aquela que expressa sua produção, que se explica ao se exprimir, expressando sua
própria causa. A ideia inadequada é inexpressiva - ela nos dá certos indícios, no entanto, não nos
explica sua própria causa. Ela permanece sempre à margem da ideia verdadeira.
“Imaginar é sentir os vestígios que se encontram no cérebro devido ao movimento dos
espíritos”269
. Por conseguinte, sucede que imaginamos imagens como entes reais. Por exemplo,
quando tratamos o início, a distância, o inferno, a justiça etc., como ideias, só procedemos deste
modo porque confundimos a imaginação com o intelecto, todavia, estas palavras não são ideias,
já que não possuem ideado. Contudo, dizer que a ideia concorda com seu ideado, realmente, não
define nada intrínseco da ideia, porque a compara com algo externo a ela - o ideado. Para dar
267
EI, Apên. 268
Ibidem 269
PM, PI, Cap.1.
79
uma definição intrínseca, precisamos definir a forma lógica das ideias que não se confunde com
as maneiras pelas quais nós as compreendemos.270
Para compreender a Natureza de uma
perspectiva eterna da mente humana é preciso superar as maneiras pelas quais temos tentado
compreender as coisas271
, e ousar compreendê-las como são tudo o que é: entes reais. Os modos
tradicionais são modos de conhecer que exigem algum dispositivo intermediário, alguma
“ferramenta epistemológica” que possibilite “ao homem conhecer a Natureza”. Se seguirmos
nessa trilha, cairíamos “por causa disso em grandes erros, tal como aconteceu a muitos até
hoje”272
. Espinosa não expôs uma metodologia com a qual o homem pode conhecer a natureza,
mas de modo distinto, revelou as próprias maneiras pelas quais a natureza mesma se
compreende.273
Todo o conhecimento parte da imaginação. A partir das noções gerais, conhecemos as
ideias adequadas, conhecemos a via para a qual devemos nos empenhar em dirigir todos os
nossos pensamentos. Em segundo lugar, as ideias adequadas mostram qual deva ser a melhor
percepção, mostram o caminho para chegar à nossa perfeição274
. O “verdadeiro Método não é
buscar um signo da verdade [...], mas que o verdadeiro Método é a via para que a própria
verdade, ou as essências objetivas das coisas, ou as ideias sejam buscadas na devida ordem”275
.
Por este motivo, Espinosa afirma, algumas vezes, que o primeiro passo é distinguir entre as ideias
verdadeiras e todas as demais percepções. A disciplina e a rotina serão também fundamentais
270
“Donde também é fácil ver com quanto zelo cabe precaver-se na investigação das coisas, a fim de não
confundirmos os entes reais com os entes de razão. Um coisa com efeito é inquirir a natureza das coisas; outras,
inquirir os modos pelos quais as coisas são por nós percebidas”. (PM, PI, cap.1) 271
Ou seja, temos tentado compreender a natureza através dos entes de razão, como se estes funcionassem como
uma espécie de intermediário entre mim e a natureza, e que toda teoria do conhecimento estivesse, de certo modo,
resumida nesta operação (à saber, desenvolver um método, ou um algoritmo, capaz de “decifrar” a Natureza e de
interpretá-la perfeitamente). No entanto, negligenciamos, primeiro, que, também como vimos, a Natureza não tem
nenhum fim nas suas ações, assim, toda ideia de finalidade não passa de ficções da mente humana, e, em segundo,
ainda que tivesse, como entre os entes de razão e os entes reais não se dá nenhuma conveniência, nunca
conheceríamos estes por meio daqueles. Não obstante, o autor da Ética está dizendo que a epistemologia correta é
aquela que se propõe a explicar como a própria Substância conhece os entes reais. E não como uma suposta
substância humana poderia conhecê-lo. A razão aponta à intuição, e este gênero do conhecimento conhece a
Natureza. Veja bem, a razão não funciona como um dispositivo epistemológico capaz de “traduzir”, “interpretar” ou
“explicar”, a Natureza, não é esta a sua função, ainda que temos tratado-a como tal. A razão revela o trampolim,
contudo ela não é capaz de interpretar o salto, e se quer ele pode ser interpretado. 272
PM, PI, cap.1. 273
Novamente: “Não há nada fora da substância. A própria substância tem que responder por si mesma sendo
entendida: tem que se entender”. (KAUFFMAN, 1940, p.91, tradução nossa). 274
Cf. TEI, §49. 275
TEI, §36.
80
para chegar e conservar este nível de entendimento. Neste sentido, angariar uma forma reta e
objetiva de viver para não perder tempo com os imprevistos ordinários.
Quando entendermos que conhecer as maneiras pelas quais podemos conhecer é o próprio
conhecimento, saberemos que “tal Método será perfeitíssimo quando tivermos a ideia do Ente
perfeitíssimo”276
. De tal modo, que o segundo gênero do conhecimento - a razão - funciona como
índice desta ideia perfeitíssima, mas que, todavia, não a alcança. A razão “nos anuncia o sumo
bem a fim de despertar-nos para que o busquemos e nos unamos a ele, união que é nossa
suprema salvação e felicidade”277
. O Ente perfeitíssimo, ou seja, a Natureza, só pode ser
compreendida quando nos unimos a ela, quando participamos dela, e não quando a
interpretamos com os signos da imaginação. União que só ocorre por meio do terceiro gênero do
conhecimento, esta é a fonte da maior satisfação que na mente pode existir278
. A superação da
interpretação subjetiva envolve compreender que é do terceiro gênero do conhecimento que nasce
o amor intelectual de Deus, não “enquanto o imaginamos como presente, mas enquanto
compreendemos que Deus é eterno. É isso que chamo de amor intelectual de Deus.”279
É a expressão que estabelece o entendimento e revela a causa de sua produção. Portanto, a
expressão conecta Deus (natureza naturante) e seus modos de ser (natureza naturada). A Natureza
compreende tudo que expressa, porque ao expressar a explica - produzimos como nos
entendemos. Neste sentido, é que todas as ideias verdadeiras são expressivas e as ideias
inadequadas inexpressivas (como todas as características extrínsecas). Quando expressamos uma
ideia adequada, revelamos a causa da sua produção de uma perspectiva interna e não externa à
coisa; de outro modo, quando definimos a coisa por ideias extrínsecas, permanecemos da
perspectiva das formas da minha percepção, ou seja, permanecemos externos à coisa. Nesta
conjuntura, o máximo que podemos fazer é comparar a ideia verdadeira com a coisa que percebo.
Por exemplo, se digo que uma suposta característica da ideia verdadeira de sol é que ele “’nasce’
dia após dia”, estou apenas comparando a ideia de sol (inadequada que possuo) com o sol mesmo
que vejo todos os dias. Este exemplo deixa mais claro o porquê das ideias extrínsecas, de fato,
não explicarem nada da ideia verdadeira, posto que não afirmam nada da coisa, mas do modo
276
TEI, §49. 277
BT, PII, Cap.XXV, §6. 278
Cf. EV, Prop.32-33. Vale notar que nestas proposições, Espinosa revela mais claramente que o terceiro gênero do
conhecimento envolve a alegria, e daí decorre que precisamos compreender este gênero, também, como uma afecção. 279
EV, Prop.32,cor.
81
como as percebemos; ou seja, conservamos a noção tradicional de verdade como
correspondência. Contudo, necessitamos conceber o conteúdo material, assim como a forma
lógica verdadeira da ideia, e estes só podem ser alcançados quando entendemos a causa de sua
produção na expressão.
O objetivo supremo da doutrina espinosana é conhecer as coisas por meio da ciência
intuitiva - “o esforço supremo da mente e sua virtude suprema consistem em compreender as
coisas por meio do terceiro gênero de conhecimento”280
. Conhecer a Natureza não é conhecer o
conjunto de todas as coisas particulares, mas conhecer nossa potência de compreender ou nosso
entendimento: ela descreve o caminho para o conhecimento e deduz, a partir dele, a condição da
beatitude como plena efetivação de nossa potência. É porque conhecemos como conhecer que
podemos conhecer as coisas na sua mais íntima singularidade e não ao contrário, quer dizer, não
é porque conhecemos cada coisa que sabemos o que é conhecer. Nem poderíamos querer
conhecer algo antes de saber o que é conhecer e como a Substância conhece.
Na EV23, Espinosa afirma que a “mente humana não pode ser inteiramente destruída
juntamente com o corpo: dela permanece algo, que é eterno”. Este algo eterno é a ideia que
exprime a essência do corpo sob a perspectiva da eternidade, quer dizer, um modo de pensar, que
pertence à essência da mente. Quando a mente compreende as coisas da natureza sob a
perspectiva da eternidade, não compreende as coisas a partir de suas características na existência
e duração, mas a partir de uma perspectiva eterna da essência dos corpos. De tal modo, que esta
perspectiva só é realmente alcançada por meio do terceiro gênero. “Quem conhece intuitivamente
pode ser comparado com um Buda”281
. Quando alcanço uma perspectiva eterna das essências das
coisas, converto-me em uma ideia verdadeira ou em um modo de ser ente real. Devemos
considerar que o conhecimento intuitivo é um modo de comportar-se afetivamente, e não é
meramente racional.
280
EV, Prop.25. 281
WINPAHL, 1979, p.116, tradução nossa.
82
Por fim, vemos também que o raciocínio não é o mais importante
em nós, mas somente como uma escada que nos permite nos elevarmos
ao lugar almejado; ou como um bom espírito que, fora de toda falsidade e
engano, nos anuncia o sumo bem a fim de despertar-nos que o busquemos
e nos unamos a ele, união que é nossa suprema salvação e felicidade282
.
(grifo nosso)
282
BT, PII, Cap.XXV, §6.
83
CONCLUSÃO
Vimos ao longo desta dissertação, a importância em direcionarmos nosso esforço para
compreender a Natureza por meio de uma perspectiva eterna da mente humana. Espinosa expôs
uma dinâmica de conhecimento da Natureza que só pode se realizar quando compreendermos as
coisas da extensão e as ideias do pensamento de um ponto de vista interno, e não externo às
coisas. Para alcançar essa perspectiva, é necessário buscar suplantar, de algum modo, o ambiente
da existência, posto que “a eternidade não pode, ser explicada pela duração”283
. A “vida pessoal
no tempo, segundo Espinosa, não importa; não são essas unidades circunstanciais e contingentes
dadas pela memória que constituem nossa essência eterna”284
.
Talvez, a proposição mais importante e enigmática que devemos analisar para a
compreensão do eixo central desta dissertação seja a EV36. Quando Espinosa afirma que o amor
intelectual de Deus, pelo qual ele ama a si mesmo, é o mesmo amor intelectual que a mente tem
para com Deus, enquanto compreende a natureza de uma perspectiva da eternidade285
, notamos
que o autor insere uma modificação, propriamente um afeto, para elucidar a união entre a mente
humana e Deus. Uma categoria que não pode ser compreendida apenas por uma atividade
meramente racional, pois esta não será capaz de, realmente, fruir as coisas que compõem a
Substância e realizar esse amor. Fruição que só será adequadamente efetivada quando
ascendermos a uma perspectiva eterna das coisas do mundo. Ascensão que, por sua vez, apenas
atingiremos quando vislumbrarmos um maneira de participar ou de se envolver nisso que a
consciência imaginativa só é capaz de interpretar. Há uma qualidade da mente humana que não
está retida na matriz da experiência da duração, capaz de conceber o infinito como atual em todas
as coisas. Espinosa afirma que nossa salvação consiste neste amor constante e eterno para com
Deus, o que é o mesmo dizer: no amor de Deus para consigo mesmo. Também podemos intitular
este amor de satisfação do ânimo. Para fruir da natureza das coisas, devemos entender que só
283
EV, Prop. 29, dem. 284
PINHEIRO, U. “Eternidade e esquecimento: memória, identidade pessoal e ética segundo Espinosa”. 2009, p.47. 285
Cf. EV, Prop.36.
84
alcançaremos seu cume, sua singularidade, quando concebermos, perfeitamente, o “conhecimento
da união que a mente tem com a Natureza inteira”286
.
A tradição cartesiana concebeu uma Substância distinta das coisas que gera no mundo,
causando-as apenas de forma análoga às coisas que cria. Por outro lado, para Espinosa, a
Substância é causa de si, do mesmo modo como é causa das coisas que expressa. Descartes
desvelou Deus como causa eficiente das coisas que origina; todavia, para Espinosa, ele ignorou
que apenas a causa formal é causa de si. O autor das Meditações negligenciou a compreensão de
uma razão lógica pela qual a causa de si é expressa. Os modos não compõem a essência da
Natureza sem constituir sua existência, tampouco podem exprimir a essência sem exprimir a
existência lógica que dela sucede. É neste sentido que a existência se concilia com a essência.
Assim, a causa de si tem uma razão lógica formal não só por analogia, mas eficientemente. Deus
age como existe.
Os atributos não podem ser compreendidos como espelhos que refletem a Substância, mas
como elementos autômatos. Tendemos a pensar que somos nossos corpos, mas nossos corpos não
pensam que pertencem a quem pensamos que eles pertencem, eles cumprem sua própria agenda e
cadeia de apetite. Não podemos enxergar os atributos como simples características. Eles são, de
certo modo, atribuidores, não são apenas qualidades atribuídas a algo. Eles possuem um valor
expressivo, estão em um eterno movimento. Eles não são mais meros acidentes ou coisas
subjetivas. Eles exprimem uma essência infinita.
“A experiência da nossa eternidade não se refere ao conhecimento das afecções do corpo,
nem ao conhecimento da essência do corpo”287
. Quando o autor nos diz que a mente pode viver
sem o corpo, sabemos que alguma coisa resta desta vida para a eternidade288
. Deduzimos que são
elas as ideias adequadas que, por sua vez, são expressões do infinito para o infinito. São nestes
momentos em que podemos afirmar que Deus conhece a si mesmo. A expressão é fundamental
para apreendermos a dinâmica de conhecimento espinosana. Ao se exprimir, a Natureza se
explica. A explicação é um envolvimento com isso que se explica. Envolver é explicar. A
286
TEI, §13. 287
MOREAU, F. Spinoza l’expérience et l’éternite. 1994, p.547, tradução nossa. 288
“A mente humana não pode ser inteiramente destruída juntamente com o corpo: dela permanece algo, que é
eterno”. (EV, Prop.36)
85
expressão é, assim, uma manifestação das particularidades na totalidade. A Substância se
expressa no todo, ou seja, o todo envolve suas partes. A essência de Deus age formalmente nos
modos que constituem sua natureza, e objetivamente na ideia que exprime essa natureza. A
essência objetiva é uma potência de Deus. Não existe um ser que seja a causa de todas as coisas
sem que também seja causa de fato das ideias. Para tudo que existe de maneira formal há uma
ideia que objetivamente corresponda a esta formalidade.
Participamos da Natureza enquanto doamos energia para a produção da vida.
Participamos emanativamente: tudo é emanado. A participação acontece enquanto há entrega:
entregamos para participar. A modificação compartilha da ação, ou seja, da expressão durante o
tempo em que, definido absolutamente por aquilo doado, coincide com o concessor. Quando a
mente humana compreende a eternidade, compreende o amor intelectual de Deus para consigo
mesmo - esta coincidência reúne causa emanente e a causa imanente.289
A modificação causa,
mas esta causa está para além de sua total compreensão em um sentido cognoscível. Nenhuma
“coisa criada pode existir por sua natureza sequer um instante, mas é continuamente procriada
por Deus”290
. A Natureza que emana, emana porque apreende, e compartilha de uma imanação da
qual as coisas se originam e coincidem - o que emana causa o mundo, não obstante, causa pois
compartilha de uma imanação. A imanência absoluta se expressa absolutamente em todas as
modificações. Observamos a natureza da perspectiva da eternidade, na qual compreendemos
diretamente Deus por meio das essências formais das coisas do mundo. A imanência não opera
por analogia; “todas as coisas existem em Deus e dele dependem de tal maneira que não podem
existir nem ser concebidas sem ele”291
. Afirmarmos que, por meio das essências das partes,
podemos alcançar o entendimento de Deus.
É preciso considerar que uma causa passageira é aquela cujas
produções são exteriores ou fora de si mesma, como alguém que joga uma
pedra no ar. Ou um carpinteiro que constrói uma casa. Ao passo que uma
causa imanente age interiormente e se detém em si mesma, sem sair de
modo algum. Assim, quando nossa alma pensa ou deseja alguma coisa, ela
é ou se detém nesse pensamento ou desejo sem dele sair, sendo sua causa
289
Arriscaria relacionar esta passagem com o trecho das Teses de Feuerbach: “A coincidência da mudança das
circunstâncias com a mudança da atividade humana ou com a mudança dos próprios homens só pode ser concebida e
entendida racionalmente como prática revolucionária”. (MARX, 1990) 290
PM, Cap.12. 291
EI, Apên.
86
imanente. É dessa maneira que o Deus de Spinoza é a causa deste
Universo, onde está e não além.292
É na expressão que Deus se explica e se compreende. Deus se expressa no mundo e o
mundo exprime suas particularidades. A parte eterna de cada atributo é a propriedade pela qual
Deus produz tudo o que a mente concebe como existente na duração. Por meio dos Modos, Deus
informa suas modificações da potência que lhes é devida; neste caminho Deus e seus atributos se
harmonizam. Cada modificação possui uma aptidão293
para agir, existir e perseverar na sua
existência; em outras palavras, cada parte tem sua potência. Padecemos, exatamente, quando não
somos a causa adequada dos acontecimentos que nos envolvem e nos explicam. Sofremos quando
somos afetados por partes da natureza que não podemos explicar por nós mesmos294
, de outro
modo, agimos quando somos causa adequada dos eventos que nos envolvem. Deste modo,
somos, assim, conscientes do alinhamento existente entre nossas ações e o eterno amor de Deus
para consigo mesmo.
Procuramos mostrar como o primeiro e segundo gênero do conhecimento de Espinosa – a
imaginação e a razão – não podem superar o campo das significações. Seus objetivos não são,
propriamente, dar significado às coisas, mas, desvendar o caminho para o conhecimento
verdadeiro da natureza. Este, não pode ser objeto de interpretação, ele só pode ser alcançado por
meio da expressão da ideia adequada. As ideias adequadas são as ideias expressivas - intrínsecas.
Apenas a definição genética nos conduz à verdade das coisas posto que nos coloca na perspectiva
de suas criações. Os significados que criamos para definir as coisas não as explicam
adequadamente, talvez, no máximo, nos dão uma certa referência, mas não constituem definições
genéticas ou causais de Deus. A revelação desta verdade genética é uma expressão. A “oposição
entre as expressões e os signos é uma das teses fundamentais do espinosismo”295
.
Devemos notar que o fato do efeito depender da causa não pressupõe que a causa eficiente
seja a única razão do movimento existente, porque se buscarmos seguir a cadeia lógica das causas
de qualquer efeito na duração, seguiremos em um infindável abismo. Se o mundo não possuísse
leis internas que estruturassem a dinâmica de suas mudanças, ele não mudaria nunca. Todas as
292
GUINSBURG, J. Spinoza: obra completa I. A Vida de Barukh de Spinoza. 2014, p.344. 293
Ou poder. 294
EIV, Prop.2. 295
DELEUZE, 2017, p.201.
87
causas das coisas móveis e singulares na existência expressam imanentemente uma causa formal.
E esta mesma dinâmica revela (através da expressão) sua estrutura e conteúdo formais. Todavia,
a mente humana, ao não refletir sobre si mesma, reflete sobre as imagens desta estrutura e
conteúdo. Deste modo, não supera a ideia clara e distinta, permanecendo no conhecimento do
efeito, mesmo que cada vez mais distinto e claro296
. Apenas a causa da ideia, à medida que se
expressa na expressão, revela a essência íntima das modificações dos Modos da Substância.
A Substância expressa a essência formal, que é o que de fato produz imanentemente
mundo. A Natureza se expressa em si e para si, e, neste sentido, todos seus modos são os
mesmos, ela compreende tudo o que explica e envolve. A ideia adequada surge porque a
compreendemos: produzimos como nos entendemos. Agimos quando compreendemos e
padecemos quando nos apaixonamos. A expressão da Natureza envolve, ao mesmo tempo, sua
compreensão e sua explicação. Ela não se expressa de maneira formal, sem se entender de
maneira objetiva. Quer dizer, quando a Natureza se expressa, ela também está se explicando.
Espinosa sempre lembra que toda ação da Natureza é necessária, tudo o que se expressa revela a
verdade de sua produção.
Com efeito, só temos potência para compreender ou conhecer na
medida em que participamos da potência absoluta de pensar, que
corresponde à ideia de Deus. Quando Espinosa lembra, ao contrário, que
Deus se faz conhecer imediatamente, que ele é conhecido por si mesmo e
não por outra coisa, ele quer dizer que o conhecimento de Deus não
precisa nem de signos, nem de procedimentos analógicos.297
(grifo nosso)
Os homens nunca alcançarão o conhecimento verdadeiro da Natureza enquanto insistirem
em buscar conhecê-la através de algum signo ou de qualquer relação analógica que exija
intermediários. Enquanto o homem fundamentar o conhecimento da Natureza na compreensão de
296
Como, por exemplo, quando a psiquiatria avança cada vez mais na distinção e clareza do efeito de uma certa
patologia no corpo humano, e assim, desenvolve cada vez mais “remédios” que busquem “desligar” o efeito no lugar
exato da aparição na duração no corpo humano. Todavia, neste sentido, não superam a ideia clara e distinta do efeito
em busca de sua causa imanente. 297
DELEUZE, 2017, p.156.
88
seus signos, tomará “as afecções de sua imaginação pelas próprias coisas”298
. A ideia verdadeira
não é um significado verdadeiro, mas uma ideia adequada, é aquela que expressa sua própria
causa, que se explica ao se exprimir; já, a ideia inadequada é inexpressiva. Para dar uma
definição intrínseca, precisamos definir a forma lógica das ideias que não se confunde com as
maneiras pelas quais nós as compreendemos
Esta pesquisa procurou mostrar que, tradicionalmente, temos tomado a razão como a
ferramenta epistemológica capaz de compreender a Natureza e conduzir o homem a uma vida
superior. No entanto, Espinosa nos revela que sua verdadeira função não é propriamente entender
a Natureza, mas “nos anunciar o sumo bem a fim de despertar-nos para que o busquemos e nos
unamos a ele, união que é nossa suprema salvação e felicidade”299
. Deus, ou seja, a Natureza, só
pode ser compreendida quando nos unimos a ela, quando participamos dela. União que só
ocorre quando concebemos Deus, não “enquanto o imaginamos como presente, mas enquanto
compreendemos que Deus é eterno. É isso que chamo de amor intelectual de Deus.”300
Amor que,
de certo modo, conecta a natureza naturante e a natureza naturada. Conhecer a Natureza é
conhecer nossa potência de compreender. Sendo assim, não poderíamos querer conhecer algo,
sem antes saber o que é conhecer.
Constatamos que, em suma, na coisa extensa não há nenhuma outra modificação além do
movimento e do repouso, “cada coisa corpórea particular não é outra senão uma certa proporção
de movimento e repouso”301
. Logo, os homens também são uma certa proporção de movimento e
repouso, de tal sorte, que a essência objetiva, ou seja, a ideia verdadeira desta proporção, precisa
existir no pensamento, a qual Espinosa chama de mente do corpo302
. E, à oscilação do equilíbrio
desta proporção, para mais ou para menos, que, no Breve Tratado, o autor da Ética atribuiu as
tendências opostas dos afetos, como o calor e o frio.303
Nesta esteira, “se a mudança ocorre em
uma parte é causa de que ela retorne à sua primeira proporção, daí se origina a alegria que
denominamos repouso, exercício agradável e contentamento”304
. “Sem a virtude, sem a direção
do intelecto tudo leva a ruína, sem que possamos gozar de nenhum repouso, como se vivêssemos
298
Ibidem 299
BT, PII, Cap.XXV, §6. 300
EV, Prop.32,cor. 301
BT, PII, Apên, §14. 302
Cf. BT, PII, Apên, §15. 303
Ibidem. 304
Ibid §16.
89
fora do nosso elemento”305
. A essência de um corpo pode ser caracterizada por uma certa
quantidade de movimento e repouso306
que oscila de acordo com leis universais e eternas da
Natureza.307
A essência de um modo existe na medida em que é constituída por aquilo expresso
pela Natureza. Enquanto não somos constrangidos por causas externas308
, temos a aptidão
derivada das essências de nossos corpos de compreender os padrões de encadeamento lógico que
nossos corpos devem seguir para receber e doar - precisamente, porque tudo o que ocorre, ocorre
por um decreto divino. Deste modo, podemos expressar a causa adequada das coisas do mundo.
Apontamos que Espinosa expôs uma teoria do conhecimento cujo objetivo maior é
conduzir o homem à compreensão da Natureza por meio da intuição. Neste sentido, devemos
abandonar, como vimos, de certo modo, uma concepção tradicional do conhecimento que não
supera uma compreensão analógica da Natureza. A epistemologia espinosana concebe um
entendimento que só se realiza, verdadeiramente, na medida em que participamos da natureza
divina da singularidade de cada coisa. Esta participação será mais perfeita quanto mais perfeita
forem minhas ações, que, por sua vez, dependem da perfeição do conhecimento que possuímos
de Deus. Podemos dizer que a tranquilidade de meu espírito309
e a consequente felicidade ou
satisfação de meu ânimo310
(nossa beatitude) dependem do entendimento da Natureza que
possuo, pelo “qual somos induzidos a realizar apenas aquelas ações que o amor e a generosidade
nos aconselham”311
e a “suportar com igual ânimo uma e outra face da fortuna, pois certamente
todas as coisas se seguem do decreto eterno de Deus, com a mesma necessidade da qual se segue
a essência do triângulo”312
.
305
BT, PII, cap.XXVI, §2. 306
“A essência objetiva dessa proporção existente e que está no atributo pensante, dizemos que é a mente do corpo.
Assim, se uma dessas modificações (o repouso ou o movimento) se altera para mais ou para menos, também a ideia
se altera para mais ou para menos, também a ideia se altera na mesma medida; por exemplo se o repouso vem a
aumentar e o movimento a diminuir, assim é causada ado ou tristeza que denominamos frio. Pelo contrário, se o
movimento é que cresce, assim é causada a dor que denominamos calor.” (BT,PII, Apên, §15) 307
“Na extensão, a propriedade que Deus tem necessariamente para doar a todos os modos concebíveis é
precisamente o movimento e o repouso, posto que é unicamente pelo movimento e repouso que os corpos podem
aparecer; e com todas as suas leis, produzir tudo que existe”. (MATHERON, 2011, p.699, tradução nossa.) 308
“Durante o tempo em que não estamos tomados por afetos que são contrários à nossa natureza, nós temos o poder
de ordenar e concatenar as afecções do corpo segundo a ordem própria do intelecto”. (EV, Prop.10) 309
Nesta esteira, Espinosa afirma: “Pois o ignorante, além de ser agitado, de muitas maneiras, pelas causas
exteriores, e de nunca gozar da verdadeira satisfação do ânimo, vive, ainda, quase inconsciente de si mesmo, de Deus
e das coisas”. (EV, Prop.42, esc) 310
Pois “quando se goza dele não se quer trocá-lo por nenhuma outra coisa do mundo”. (BT, PII, cap.XXVI, §3) 311
EII, Prop.49. 312
Ibidem. Ou seja, que a soma de seus três ângulos é igual a soma de dois ângulos retos.
90
Finalmente, mostramos que Espinosa expôs uma teoria do conhecimento muito particular
cujo objetivo maior é direcionar o homem à compreensão da Natureza por meio do terceiro
gênero do conhecimento – da ciência intuitiva. Este tal gênero, exige algo mais do que uma
compreensão racional e analógica da Natureza, exige a apreensão de uma maneira pela qual o
homem é capaz de participar da Natureza. Esta participação será mais perfeita quanto mais
perfeita forem nossas ações. A equanimidade de nosso espírito313
, e sua consequente felicidade
ou beatitude, depende da qualidade da potência do conhecimento que temos da nossa natureza.
Não “passa mais pela ideia de Deus, nem por uma correspondente potência de pensar, para
chegar, em conclusão, a uma potência infinita de existir. Ela opera imediatamente na existência
pela potência de existir”314
. Nossa verdadeira potência de pensar se revela na medida em que
compreendemos adequadamente a mais íntima e a mais vívida relação de união entre a existência
presente de nossos corpos e a eternidade de Deus.
“Para concluir, resta-me apenas dizer algo aos amigos para quem escrevo: não vos
assusteis com essas novidades, pois bem sabeis que uma coisa não deixa de ser verdadeira só
porque muitos não a admitem”315
.
313
Nesta esteira, Espinosa afirma: “Pois o ignorante, além de ser agitado, de muitas maneiras, pelas causas
exteriores, e de nunca gozar da verdadeira satisfação do ânimo, vive, ainda, quase inconsciente de si mesmo, de Deus
e das coisas”. (EV, Prop.42, esc) 314
DELEUZE, G. Espinosa e o problema da expressão. 2017, p.95. 315
BT, PII, Con
91
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