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Cachoeira – Bahia – Brasil, 21, 22 e 23 nov/18 www3.ufrb.edu.br/eventos/4congressoculturas
Uma UFOPA para além do PSE: Os desafios, dificuldades e possibilidades dos
estudantes indígenas e quilombolas na graduação.
MATOS, Jéssica1
Discente, Brasil, < [email protected] >
RIBEIRO, Alan2
Docente, Brasil, < [email protected] >
Resumo: A Universidade Federal do Oeste do Pará conta com dois processos seletivos de ingresso
nos cursos de graduação: o Processo Seletivo Regular (PSR) e o Processo Seletivo Especial (PSE).
Este último é voltado para alunos autodeclarados indígenas e quilombolas. Os alunos indígenas e
quilombolas são vistos como os principais beneficiários das políticas de ação afirmativa da UFOPA.
Neste trabalho, propomos um enfoque sobre estas políticas de permanência estudantil, sobretudo as
ações de acompanhamento acadêmico voltadas para estes estudantes. A partir dos relatos de alguns
estudantes entrevistados registramos algumas narrativas acerca de como a UFOPA tem
desenvolvido o auxílio pedagógico aos estudantes ingressantes pelo PSE durante sua permanência
na instituição. O caráter introdutório e parcial deste trabalho tem por objetivo iniciar um exercício
de repensar os processos de aproximação destes estudantes com o mundo acadêmico tradicional,
indaga-se como a presença dos discentes oriundos do PSE tenciona partes do cotidiano da vida
universitária que, por sua vez, pode ser um espaço de preparação que pode modificar ou não a
trajetória egressa destes estudantes na vida sócio profissional.
Palavras-chave: ações afirmativas – universidade – indígenas – quilombolas
1 Acadêmica do Curso de Bacharelado em Antropologia no Instituto de Ciências da Sociedade (ICS) –
Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).
2 Professor Adjunto A do Instituto de Ciências da Educação, da Universidade Federal do Oeste do Pará (ICED-
UFOPA). Mestre em Antropologia, Doutor em Sociologia da Educação, no Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade de São Paulo (PPGE-USP).
“A luta pelo direito à educação, assim como os modos indígenas [e quilombolas] de ser e
conhecer, interpõe questionamentos ao caráter eurocêntrico dos saberes legitimados no ambiente
acadêmico e nos colocam em posição de vigilância para a defesa desses estudantes, para que
possam concluir o processo de formação sem serem discriminados dentro do próprio sistema de
cotas, ou seja: uma política pública que repara a discriminação, discriminando!”.
Fernandes, 2017, p. 72
INTRODUÇÃO
A universidade ainda é um espaço que reflete a cultura hegemônica eurocêntrica e atua
como instrumento coercitivo e estrutural para pensamentos colonizadores. É a partir desta
disposição contraditória da Universidade evidenciada por ser um lugar sem diversidade étnica,
racial, social etc., que a entrada de minorias socias nesses espaços se faz como contraponto, ou
melhor, confronta toda a configuração da instituição do Ensino Superior.
É fundamental salientar o fato de vivermos em uma sociedade que nega a existência
estrutural, histórico-social do racismo, machismo, sexismo, etnocentrismo; enfim, das marcas
profundas do processo colonial desde o século XV de violência e apagamento da história das
populações que aqui existiram, existem e resistem. Fazemos parte de uma cultura brasileira que
distancia esses fatos do presente.
De acordo com Santos e Maio (2008, p. 83)
“Do ponto de vista esquemático, é possível identificar três vertentes explicativas
principais para a questão racial na tradição intelectual brasileira no período que se estende
desde as últimas décadas do século XIX até os anos 50-60 do século XX, com
desdobramentos até o presente. A primeira delas, o paradigma racial, é inaugurada por volta
de 1870, e tem em Silvio Romero uma importante expressão. A segunda, o paradigma
cultural, tem seu representante maior em Gilberto Freyre, nos anos de 1930. A terceira, o
paradigma da estrutura social, emerge, basicamente, a partir dos anos 1950, e seu
personagem central é Florestan Fernandes. A vertente sociológica desdobra-se, a partir do
final da década de 1970, nos estudos de Carlos Hasenbalg, Nelson do Valle Silva e outros,
que em larga medida influenciaram os contornos da discussão sobre raça que acontece até
os dias atuais.”
A instituição de ensino superior faz parte dessa conjuntura de interfaces do monopólio de
conhecimentos em detrimento do fazer colonial mantendo a mesma padronização de ensino e
restrição do acesso e permanência nesses espaços. A universidade, como antes mencionado, ainda
reflete práticas oriundas da própria sociedade nas zonas de discussão cientifica e inibe a pluralidade
existente no próprio país.
O poder colonial historicamente utilizou-se de diferentes mecanismos para fazer com que
seu sistema funcionasse na reprodução da ideologia do colonizador (PASSOS, 2010, p.1). O campo
da graduação propicia atuações que universalizam o conhecimento, reproduzem discursos e mantém
certa conduta sobre a interlocução do docente-discente para fins de consolidação das hierarquias
existentes entre eles e, novamente, o distanciamento entre o plano ideológico e o plano empírico da
relação universidade – sociedade.
Na perspectiva de Sousa Santos (2001) citado por Beltrão (2011, p.15), a universidade
nasceu como instituição elitista destinada a criar e reproduzir o ciclo dos ideais político-filosóficos
das classes dominantes. Para o autor, as principais funções da universidade seriam: (1) a
investigação científica; (2) ser o centro de cultura para a educação; e (3) proporcionar ensino e
formação profissional integral. Mesmo com as transformações políticas e econômicas do sistema
capitalista, sobretudo no período pós liberalismo, os objetivos da instituição permanecem
basicamente inalterados: investigação, ensino e prestação de serviços.
Uma vez que as pessoas omitidas pelas políticas de Estado tomam pra si a luta de ocupação
das instituições de ensino superior, essa perspectiva começa a sofrer mudanças importantes para a
ascensão desses grupos sociais historicamente marginalizados porque para Sousa Santos (2001)
citado por Beltrão (2001, p. 15), os direitos sociais e econômicos vêm contestar a legitimidade
institucional da universidade, pois quando a educação, sobretudo o ensino superior, se torna
aspiração socialmente legitimada, é necessário adequar o modelo institucional para satisfazer a
busca.
Atualmente, tem-se buscado desenvolver ações afirmativas a partir da intersetorialidade das
políticas públicas nos diversos órgãos de governo sob orientação e coordenação de alguns órgãos,
como a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – SPM, a Secretaria Especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial – Seppir, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH e
também a Secretaria Nacional de Juventude – SNJ. Vale ressaltar que tem sido extremamente
salutar o processo de debates e de consultas por meio dos canais de participação, como conselhos de
políticas públicas e de direitos, ouvidorias, conferências, consultas públicas, entre outros.
(SANTOS; CAVALLEIRO; BARBOSA; RIBEIRO, 2008, p. 913)
Tudo isso, associado principalmente às pressões dos movimentos negros por igualdade
racial, tem possibilitado a discussão e a necessidade de políticas de ações afirmativas para grupos
sociais que historicamente têm sido discriminados na sociedade brasileira. Dessa maneira, tem sido
desenvolvido um “casamento” necessário e imprescindível entre políticas universalistas e políticas
públicas específicas, como as de ação afirmativa. (SANTOS; CAVALLEIRO; BARBOSA;
RIBEIRO, 2008, p. 913)
Assim que começam a se instaurar essas políticas públicas de ações afirmativas, elas passam
a atender a demanda de procura ao acesso à Universidade como um direito de todos. O conceito de
Ações Afirmativas (AA) foi definido por Silvério (2003) citado por Geraldo (2012, p. 64) como um
conjunto de ações e orientações do governo para proteger minorias e grupos que tenham sido
discriminados no passado. Tem por objetivo assegurar a igualdade de oportunidades e combater
estruturas das desigualdades considerando os grupos mais vulneráveis à discriminação.
Porém, pela configuração da estrutura universitária que mantém os mesmos modos de
inserção dos estudantes nas instituições de ensino superior, observa-se uma resistência dela própria
em pensar estratégias de inclusão dessas pessoas. Mais que isso, de outros métodos de ensino-
aprendizagem, assistência estudantil, acompanhamento didático-pedagógico etc., em assegurar a
permanência desses estudantes durante a sua graduação. Dessa maneira, faz-se necessário a
urgência de novas práticas, seja por pressão social ou pelo exercício básico de sua existência: servir
a comunidade não só como meio de obtenção de conhecimentos, mas como agente fundamental na
integração e agregação das causas sociais, fomento da cultura e suas pluralidades.
A DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR E AS POLÍTICAS DE AÇÕES
AFIRMATIVAS NA UFOPA
No dia 08 de Junho de 2017 a Resolução N°200 da Universidade Federal do Oeste do Pará
(UFOPA) instituiu a Política de Ações Afirmativas e Promoção da Igualdade Étnico-Racial e
estabeleceu diretrizes para a instituição do Instituto de Formação Intercultural. Foi a partir desse
princípio, tal como dispõe seu parágrafo único em que ratifica o destino da Política de Ações
Afirmativas e Promoção da Igualdade Étnico Racial, prioritariamente, aos grupos historicamente
excluídos: indígenas, negros, quilombolas, comunidades tradicionais, pessoas com deficiência e
população LGBT que tornou-se legítima a ênfase nas pessoas ingressantes através das políticas de
equidade de direitos, tais como o Sistema de Cotas Sociais, o Processo Seletivo Especial (PSE) e as
vagas às pessoas com deficiência (Resolução 200, 2017) com o intuito de contribuir, como dispõe o
artigo 3°, com a afirmação da dignidade, da identidade e da cultura de grupos discriminados e
vitimados pela exclusão social, ocorridos no passado ou no presente, bem como a diminuição da
desigualdade social através da “ação afirmativa” que a UFOPA entende como “um conjunto de
medidas e ações, específicas e especiais” (Resolução 200, 2017).
A Resolução acontece após a UFOPA já estar praticando ações afirmativas para povos
indígenas desde a sua criação em 2009. Logo, o começo das ações afirmativas não acontece em
2017, com a Resolução 200, acontece em 2010, quando há o primeiro ano de ingressos na UFOPA o
qual já é implantado o PSE Indígena, sob a coordenação, ainda, da Universidade Federal do Pará
(UFPA). Em 2013, logo após a Lei de Cotas (2012), a UFOPA iniciou a implantação da cota de 50%
para estudantes oriundos de escolas públicas, incluindo pretos, pardos e índios. E logo após isso, foi
criado o PSE específico pra quilombolas em 2015. Assim, quando foi instituída a Resolução de
Ações Afirmativas a UFOPA já tinha uma ampla política de inclusão de indígenas, negros,
quilombolas, populações tradicionais etc.
A priori, o que ocorria era que esta entrada, bem como os auxílios e outras ações de apoio e
acompanhamento, era feita através de editais para cada caso. De acordo com o Professor Doutor
Florêncio Vaz Filho que foi o primeiro diretor da Diretoria de Ações Afirmativas (DAA) dependia
da decisão ou da boa vontade de gestores da instituição. Com a criação da Diretoria de Ações
Afirmativas (DAA) em 2015, foi identificada a necessidade de instituir uma base legal, ou melhor,
mais firme pra estas ações, de forma que não dependessem de gestores, mas que fosse algo da
própria instituição, algo garantido de forma permanente.
E nessa primeira gestão da DAA, foi feito um enorme esforço pra elaboração formal desta
política. Antes da sua apreciação e aprovação no Conselho Universitário (CONSUN), a DAA
sistematizou as informações e organizou encontros onde estudantes indígenas e quilombolas foram
consultados e opinaram sobre como deveria ser tal política. Apesar de ser um processo longo, foi
muito amplo, e vários setores da UFOPA puderam se envolver. Nesse contexto, a proposta foi
ganhando corpo, ou texto. Em 2016, a Diretoria de Ações Afirmativas e toda a sua equipe deram
prosseguimento ao trabalho e por fim em meados de 2017, a resolução foi publicada oficialmente.
Sousa Santos (2001) citado por Beltrão (2011, p.15), explica que a manutenção da
legitimidade institucional das universidades está entrelaçada à efetivação de direitos sociais
conquistados, obrigando-as ao enfretamento de questões pertinentes à missão: (1) como
compatibilizar a democratização do acesso, exigida pelo reconhecimento dos direitos sociais, com
os critérios de seleção interna? (2) Como imprimir os ideais de democracia e de igualdade numa
instituição com contornos visivelmente elitistas?
É a partir deste pressuposto que as lutas sociais que põem em pauta a entrada e permanência
das minorias nos espaços universitários ganham força e emancipação nas discussões de cunho
estrutural ao qual se encontra a instituição. Pois há algumas especificidades dentro das próprias
políticas de ações afirmativas no ensino superior que são incoerentes e não atendem de forma
íntegra a conjuntura universitária pois não dialogam com os docentes, servidores, técnicos, diretores
e afins na recepção e acolhimento desses estudantes e agem sem o principio fundamental que
ampara e ratifica tais políticas da Constituição Federativa do Brasil de 1988 no seu art. 3º, incisos I,
III e IV, que elenca entre os objetivos fundamentais da república: construir uma sociedade livre,
justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e diminuir as desigualdades regionais e
sociais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
ESTUDANTES INGÍGENAS E QUILOMBOLAS: DIFICULDADES E
POSSIBILIDADES
O Processo Seletivo Especial é uma expressão da política de ação afirmativa da UFOPA, que
possibilitou o acesso de um total de 470 indígenas ao ensino superior entre 2010 e 2018 pelo
Processo Seletivo Especial Indígena (PSEI) e 243 quilombolas entre 2015 e 2018 pelo Processo
Seletivo Especial Quilombola (PSEQ). Apesar do número expressivo, mostrarei mais adiante a
situação atual desses estudantes, pois a entrada, apesar de diferenciada e importante em termos
quantitativos para a instituição, observa-se necessidades básicas e urgentes para a garantia da
permanência desses acadêmicos.
Através da pesquisa qualitativa, usando sobretudo entrevistas semiestruturadas realizada
com 6 (seis) estudantes indígenas e quilombolas oriundos do PSE, incluindo o Coordenador do
Diretório Acadêmico Indígena (DAIN) e o Coordenador do Coletivo de Estudantes Quilombolas
(CEQ), procurou-se mapear as principais dificuldades e possiblidades quanto à assistência
estudantil e novas estratégias de permanência desses estudantes. Além da análise detalhada dos
dados disponibilizados pela Diretoria de Registro Acadêmico (DRA) da Pró-reitora de Ensino de
Graduação da UFOPA como forma de mostrar em dados quantitativos e qualitativos a situação dos
indígenas e quilombolas e o acompanhamento institucional desses discentes.
Hoje, existem inúmeras questões sobre o Processo Seletivo Especial, pois a cada edição o
edital retifica alguns pontos específicos que excluem ou incluem novos alunos. E essa problemática,
em especial, entra em pauta na luta social indígena e quilombola ano após ano porque não há uma
garantia de que as vagas destinadas permanecerão. Além da seletiva entrada em que muitos desses
estudantes que concorrem entre si no processo e que vieram de um ensino básico precário, um
difícil contato com a dinâmica da cidade e outros aspectos que distanciam essas pessoas do
ambiente acadêmico ainda há uma intensa preocupação em como acolher esses alunos.
No caso dos indígenas, a UFOPA realiza e incentiva hoje o Projeto Político e Pedagógico
nomeado “Formação Básica Indígena” e justifica-se a partir de uma análise de território, etnias,
acessos a instituição e realidades na região paraense. De acordo com a área de atuação do Projeto
emitido no próprio Sistema Integrado de Gestão das Atividades Acadêmicas (SIGAA), a escolha da
região do Oeste do Pará para implementação desse projeto pioneiro de formação inicial de
graduandos indígenas, deve-se a um conjunto de fatores, dentre os quais, destaca-se o
posicionamento geográfico estratégico na Amazônia Legal - por estar localizado na parte central,
com grande proporção de área de florestas protegidas, tanto em Unidades de Conservação quanto
em Terras Indígenas.
Estima-se que nos 10 (dez) municípios da área de atuação direta (AAD) da UFOPA, que
compreende os municípios de Alenquer, Aveiro, Belterra, Itaituba, Jacareacanga, Juruti, Monte
Alegre, Óbidos, Oriximiná e Santarém vivem cerca de 100 (cem) mil pessoas que se auto
identificam como indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores artesanais e ribeirinhas. No que
tange aos indígenas, foram identificadas nessa área 28 povos, os quais, de acordo com a Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), vivem em 21 (vinte e uma) Terras Indígenas (T.I), cuja demarcação
compreende 145.644 km². Dentre essas Terras, 16 correspondem a 42% da área total da AAD
UFOPA.
Mediante esse quadro, pode-se de dizer que a região do Oeste do Pará conta com importante
diversidade de povos e extensa área territorial, explicitando a necessidade urgente de se construir
oportunidades fecundas de desenvolvimento sustentável, a partir da produção e da socialização de
conhecimentos às populações locais, uma das missões da UFOPA. Pode-se, dizer, ainda, que, apesar
de diversos desafios, tais oportunidades vêm sendo oferecidas, uma vez que, desde a criação da
UFOPA se desenvolve estratégias de promoção do ingresso de indígenas nos cursos de graduação.
Desde 2010, é realizado o Processo Seletivo Especial Indígena – PSE Indígena. No
momento está em fase de elaboração da sua sétima edição. Esse processo oferece de uma a duas
vagas por curso de graduação especificamente para indígenas. Para se inscrever nele não é
necessário ter realizado a prova do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. Ademais,
diferentemente do Processo Seletivo Regular – PSR, o PSE até 2015 foi composto por duas etapas,
sendo a primeira uma prova de língua portuguesa e a segunda uma entrevista.
Essas ações são fruto de um conjunto de motivações: presença significativa dos povos
indígenas no Oeste do Pará e na Amazônia, pressão dos movimentos sociais, ampliação e
consolidação de ações afirmativas nas universidades brasileiras. No entanto, as necessidades ainda
são muitas. Não é recente a reivindicação de estudantes e de representantes dos movimentos
indígenas locais a respeito do número insuficiente de vagas específicas para os indígenas nos cursos
regulares oferecidos pela universidade, visto que esse número não atende a demanda das
comunidades indígenas.
Outra reivindicação fortemente apresentada é a da oferta de disciplinas específicas para os
indígenas recém-ingressos na universidade. Tal demanda visa orientá-los a uma adaptação mais
confortável na universidade, bem como prepará-los para um melhor aproveitamento acadêmico,
pois os/as estudantes indígenas, em sua grande maioria, encontram diversas dificuldades de
adaptação, como: problemas de comunicação devido ao domínio insuficiente da língua portuguesa
oral/escrita, problemas com metodologia de aprendizado, falta de habilidade com os procedimentos
burocráticos, dentre outros.
É, sobretudo, a partir dessas demandas que se justifica a criação do ciclo de Formação
Básica Indígena, ou seja, um período de preparação dos graduandos indígenas, antes de ingressarem
regularmente nos cursos escolhidos, com o intuito de minimizar os problemas socioculturais e
linguísticos que os impedem de obter melhor aproveitamento acadêmico e, que em muitos casos
leva à evasão acadêmica. Garantir o ingresso e a permanência de acadêmicos indígenas na
universidade, além de colaborar para o cumprimento de direitos assegurados na Constituição de
1988 e na Lei de Diretrizes e Bases 9394 de 1996, transforma essas instituições em plurais e
multiétnicas, proporcionando a manifestação e a negociação de conflitos, bem como
proporcionando a criação de novas formas de convívio e de reflexão sobre alteridades em jogo:
indígenas e não indígenas.
Fonte: Evento de recepção aos novos estudantes destacou a importância dos processos seletivos especiais na construção
de uma universidade pública plural e multiétnica 11/05/18. (Foto: Josemir Moreira)
É nesse lugar de manifestação e negociação de conflitos que a UFOPA vem procurando se
constituir com sua política de Ações Afirmativas e Inclusão Étnico-Racial, seja na busca de
melhoria dos instrumentos de acesso dos Indígenas ao Ensino Superior seja no apoio a eles durante
sua trajetória na Universidade. Dentre essas ações insere-se essa proposta de formação básica
inicial, em ensino superior, que assegura um Ensino Intercultural, conforme rege a legislação.
Além do FBI (Formação Básica Indígena) uma outra forma institucional de reafirmar a
presença desses povos na Universidade foi a criação do Diretório Acadêmico Indígena (DAIN).
Esse Diretório foi criado em abril de 2013 por meio de uma assembleia, com a participação de
docentes e discentes indígenas e não indígenas da UFOPA. O objetivo desse Diretório, ao ser
criado, foi atuar em defesa dos direitos dos estudantes indígenas diante de possíveis violações na
universidade, representando as populações indígenas atualmente existentes na UFOPA. Entre os
anos de 2013 e 2015, a coordenação do DAIN foi eleita em assembleia.
Em 2016, foi realizada eleição entre os estudantes indígenas para a escolha do coordenador e
em 2018 novamente em assembleia há a entrada de outros acadêmicos como coordenador e vice. Na
pesquisa de cunho qualitativo feita em forma de entrevista com o até então atual coordenador do
DAIN contatou-se a importância do Diretório como lugar de encontro não só para as articulações
necessárias para assegurar direitos e intervir com posições arbitrarias da instituição, o que por si só
qualifica uma organização na qual dispõe uma postura política imprescindível dentro da
Universidade, mas como laboratório de “ajuda – mútua” em que os estudantes procuram o DAIN
para estudar, receber conselhos, usar o computador etc.
Observa-se como os próprios estudantes vão se adequando a falta de acompanhamento da
instituição em relação a permanência material e simbólica – esta última definida por Santos (2009)
como o sentir-se pertencente aquele novo espaço e reconhecido como parte do grupo – a partir da
implementação da Lei nº 12.711/2012, que lhes reserva vagas nesse nível de ensino. Uma vez que a
Universidade direciona com muitas pressões oriundas das manifestações sociais, algum incentivo a
permanência como o Diretório ou a FBI, cria-se um descaso ao acompanhamento das necessidades
mais concretas e urgentes dos estudantes, pois há uma ilusão quanto instituição de “suficiência”
argumentativa.
No caso dos quilombolas, existe o “Cursinho Quilombola” ¹ que hoje é emergente pela
Extensão Universitária e coordenado pelo professor Luiz Fernando de França do Instituto de
Ciências da Educação. É um projeto de intervenção social que tem por objetivo contribuir na
preparação dos quilombolas interessados em participar do Processo Seletivo Especial Quilombola
da UFOPA.
Nesse sentido, o projeto se constitui como fase pré-universitária de formação de estudantes
que já concluíram ou que estão concluindo o Ensino Médio, com ênfase na oferta de aulas de leitura
e interpretação de textos sobre história, cultura e território quilombola. Todavia, considerando sua
estreita relação com o movimento quilombola, o cursinho também se coloca no contexto atual como
instrumento de mobilização da juventude quilombola e negra para a luta pela garantia de direitos,
para o enfrentamento do racismo e para a valorização e dos elementos culturais e identitários que
envolvem a população negra como um todo e comunidade quilombola de forma específica.
Fonte: Acervo do Cursinho Quilombola / Foto: outubro - 2018
Para além do Cursinho Quilombola que antecede o Processo Seletivo, há na Universidade
desde de 2015 o Coletivo de Estudantes Quilombolas (CEQ) conquistado pelo movimento
quilombola dentro da universidade que tem como objetivo lutar pelo bem-estar quilombola e atende
de imediato as primeiras necessidades que surgem para o aluno quilombola, pois o primeiro contato
dele com a universidade é o CEQ.
Na UFOPA, faz-se necessário pensar para além do Auxílio Emergencial Estudantil no
âmbito do Programa de Concessão de Auxílios Estudantis da UFOPA, nos termos do Decreto nº
7.234, de 19 de julho de 2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil
(Pnaes), complementado pelo decreto nº 7.416, de 30 de dezembro de 2010, Portaria — MEC 389,
de 09 de maio de 2013 e de normatização interna da UFOPA e do Programa Bolsa Permanência
(PBP) do Governo Federal, pois até esta política em relação a situação financeira ainda é limitada,
mínima e muito burocrática.
Os acadêmicos oriundos do PSE identificam também suas dificuldades ao despreparo da
Universidade em recebe-los. Ao começar pela apresentação dos cursos existentes e suas linhas de
pesquisa, outra identificação de dificuldade diz respeito a estrutura e ao requisito básico de
estudantes externos à Santarém: A casa do estudante. Além da forma negligente como acontece a
circulação dessas pessoas nos espaços físicos, pois a UFOPA é o primeiro espaço urbano em que o
aluno circula na cidade e não há muitas orientações, de fato, da localização e conhecimento dos
espaços, laboratórios, pró-reitoras, acessos de cunho acadêmico de forma geral.
Os relatos coletados através da pesquisa mapearam as principais demandas de
acompanhamento institucional para a permanência desses estudantes durante a graduação:
DEMANDAS INDÍGENAS QUILOMBOLAS
Auxilio pedagógico referente a métodos de ensino – aprendizagem X X
Relação docente-discente de forma mais abrangente através de
iniciativas da instituição em indicar que os docentes conheçam e
identifique os alunos indígenas e quilombolas antes do início das
aulas.
X X
Incentivar e subsidiar posturas que repelem a discriminação étnica e
racial apresentando aos servidores, docentes e discentes o “modo de
ser” quilombola e indígena.
X X
Auxilio de cunho acadêmico cientifico para a produção de trabalhos
escritos.
X X
Espaços de Convivência Indígena e Quilombola X X
Laboratório de disciplinas por instituto que auxiliem os estudantes a
cada semestre.
X X
Compreensão das atividades ativas dos movimentos sociais de pauta
indígena e quilombola para que não aja prejuízo aos estudos.
X X
Valorização de conhecimentos plurais, novas óticas e maneiras de ver
e saber sobre o mundo.
X X
Consolidar institucionalmente as políticas públicas respaldadas pela
Resolução 200/2017 – UFOPA
X X
Troca de saberes “tradicionais” e científicos nas salas de aula. X
Respeito a multidiversidade e transversalidade das ontologias
presentes na Universidade.
X X
Extinguir as soluções improvisadas em prol de incentivo e
concretização de soluções permanentes das políticas de ações
afirmativas.
X X
Participação mais intensa possibilitada pela UFOPA nos editais
referentes ao Processo Seletivo Especial (PSE), aos auxílios estudantis
e ações referente aos estudantes indígenas e quilombolas.
X X
Ampliação do Coletivo de Estudantes Quilombolas (CEQ) e do
Diretório Acadêmico Indígena (DAIN) em termos físicos,
institucionais e simbólicos.
X X
Fortalecimento do desempenho acadêmico dos estudantes indígenas e
quilombolas através do mapeamento das dificuldades materiais e
imateriais.
X X
Pensar estratégias instituição-estudante sobre as possibilidades de
entrada e saída desses acadêmicos.
X X
Através dos dados disponibilizados pela Diretoria de Registro Acadêmico (DRA) da Pró-
reitora de Ensino de Graduação da UFOPA, podemos observar quantos estudantes indígenas e
quilombolas estão ativos, formandos, cancelados, trancados ou concluídos.
Fonte: PROEN – UFOPA - 2018
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ. O que é o cursinho? 2018. Disponível em: <
https://cursinhoquilombola.wordpress.com/>. Acesso em: 15 nov. 2018.
NOTAS
¹ De acordo com o coordenador do projeto, professor Luiz Fernando França, do Programa de Letras do Instituto de Ciências da
Educação (Iced) da Ufopa, “considerando sua estreita relação com o movimento quilombola, o cursinho também se coloca no contexto
atual como instrumento de mobilização da juventude quilombola e negra para a luta pela garantia de direitos, para o enfrentamento do
racismo e para a valorização e dos elementos culturais e identitários que envolvem a população negra como um todo e comunidade
quilombola de forma específica.”