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1
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
FACULDADE INTEGRADA AVM
PÓS GRADUAÇÃO LATO SENSU
DIREITO DE VIZINHANÇA
Uso nocivo da propriedade
Por JORGE LUIZ NUNES DE BRITTO
Orientador
Professor FRANCIS RAJZMAN
Rio de Janeiro
2010
2
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
FACULDADE INTEGRADA AVM
PÓS GRADUAÇÃO LATO SENSU
DIREITO DE VIZINHANÇA
Uso nocivo da propriedade
Monografia apresentada como
exigência final da disciplina Trabalho
de Conclusão de Curso à Universidade
Cândido Mendes – Faculdade
Integrada AVM – Pós Graduação Lato
Sensu em Direito Privado e Civil.
Rio de Janeiro
2010
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente à Deus por me
conceder a vida e as possibilidades de
realizar o aperfeiçoamento em minha
vida profissional.
Agradeço à minha família, em especial
à minha esposa pelos momentos de
paciência e compreensão, carinho e
atenção.
Agradeço aos meus pais pela
educação e criação que sempre
pautaram o meu proceder na vida.
Agradeço a todo o corpo docente da
AVM pelos ensinamentos, e em
especial ao Professor Francis Rajzman
pelos orientações repassadas na
formulação de todo o trabalho
monográfico ora apresentado
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à Deus, à minha
família, e em especial à minha esposa
pela dedicação, companheirismo e
entendimento das dificuldades da vida.
5
RESUMO
A presente monografia tem como objetivo trazer ao conhecimento a
questão envolvendo o direito de vizinhança, de forma a demonstrar a questão
envolvendo o uso nocivo da propriedade, buscando esclarecer quais são as
medidas legais para se fazer cessar a perturbação e o desrespeito ao direito de
propriedade que afetam diretamente o direito de vizinhança, esmiuçando o
direito imobiliário e o direito de propriedade, em razão da crescente demanda
no mercado imobiliário, que faz com que os conflitos aumentem em progressão
geométrica no judiciário.
6
ABSTRACT
This monograph aims to bring to the attention the issue involving the
neighbourhood law, in order to demonstrate the issue involving the harmful use of the
property, seeking to clarify what are the legal measures to stop the disruption and
disrespect to property rights that affect directly the right neighbourhood, scrutinizing the
real estate law and property lawbecause of growing demand in the housing market,
which causes conflicts increase in geometric progression in the judiciary.
7
METODOLOGIA
Os procedimentos metodológicos estão bibliografados em livros
acadêmicos de Direitos reais e Direito de Vizinhança, assim como em livros de
Processo Civil e Direito Civil, baseados nos autores: Orlando Gomes (Direitos
Reais, 19º Ed., Rio de Janeiro, Forense); Arnold Wald:(Direito das Coisas, 11º
ed. São Paulo: Saraiva); Caio Mario (Instituições de Direito Civil. 9º ed. Rio de
Janeiro.: Forense); Silvio Rodrigues (Direito das Coisas, 5º Ed., São Paulo,
Saraiva) e mais alguns autores conforme o desenvolvimento da pesquisa.
Serão utilizados também pesquisas em site do Judiciário para
buscar o entendimento jurisprudencial acerca do tema em questão, assim
como pesquisa em sites especializados no assunto para uma melhor
compreensão do direito de vizinhança na atualidade.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................... 10
CAPÍTULO I ............................................................................................ 12
1 DIREITO DE VIZINHANÇA .................................................................... 12
1.1 Classificação do Direito de Vizinhança............................................... 17
CAPÍTULO II............................................................................................ 19
2 Uso Anormal da Propriedade e Suas Interferências.......................... 19
CAPÍTULO III........................................................................................... 25
3 O Uso Social da Propriedade na Constituição e no Código Civil..... 25
CAPÍTULO IV.......................................................................................... 29
4 Causa dos Conflitos de Vizinhança..................................................... 29
4.1 Barulho................................................................................................... 31
4.2 Grau de Tolerabilidade, incômodos inevitáveis e havidos como
toleráveis................................................................................................
34
CAPÍTULO V........................................................................................... 36
5 As Divisões Envolvendo o Direito de Propriedade e Vizinhança...... 36
5.1 Árvores Limitrofes................................................................................. 37
5.1.1 Árvore situada na divisa........................................................................ 37
5.1.2 Invasão por raízes e ramos................................................................... 38
5.1.3 Frutos caídos de árvores situados em terreno vizinho...................... 38
5.2 Das Águas............................................................................................... 39
5.2.1 Águas que fluem naturalmente do prédio superior............................ 42
5.2.2 Águas levadas artificialmente ao prédio superior.............................. 42
5.2.3 A fonte não captada............................................................................... 43
5.2.4 Águas fluviais......................................................................................... 43
5.2.5 Aqueduto................................................................................................ 44
5.2.6 Fontes e poço......................................................................................... 46
CAPÍTULO VI.......................................................................................... 47
6 Limitações ao Conteúdo do Direito de Propriedade e Abuso de
Direito......................................................................................................
47
6.1 Limites Entre Prédios e Direito de Tapagem....................................... 47
9
6.2 Passagem Forçada................................................................................ 48
6.2.1 Diferença entre passagem forçada e servidão.................................... 49
6.3 Da Passagem de Cabo e Tubulação..................................................... 49
6.4 Direito de Construir............................................................................... 49
6.4.1 Limitações ao direito de construir....................................................... 51
Conclusão 53
Bibliografia 54
10
INTRODUÇÃO
Vizinho: "adj. Próximo; que não está longe; que está à pequeníssima
distancia; que fica perto; limítrofe; contíguo (...) Que mora ou reside perto de
outra pessoa (...)" (Caldas Aulete, p.2023, 1987).
Embora o vernáculo entenda o contrário, a vizinhança não supõe
contiguidade, ou seja, há prédios vizinhos que não são contínuos. E entre eles
pode haver conflito de vizinhança. Deve-se destacar, ainda que os imóveis
devem possuir proprietários diferentes.
É uma maneira de se restringir o exercício do direito de propriedade,
inspirado nas mais diversas causas, como estética ou higiene.
O presente trabalho tem por objetivo passar uma noção sobre
assuntos inerentes as relações de vizinhança, conflitos e soluções, abrangendo
de forma genérica todos as questões pertinentes a esta matéria.
No Direito Romano, os proprietários já litigavam sobre a linha
divisória de seus terrenos, sobre as árvores limítrofes e as águas que correm
de uma para outra propriedade. Sobrepujando de longe em importância todas
estas causas de pleitos, o direito moderno revelou o grande problema do uso
da propriedade para fins industriais.
O conflito de vizinhança é produzido, segundo a doutrina clássica
dos Romanos, por uma emissio." Ou seja, uma introdução, imissão, de uma
substância corpórea no prédio vizinho, causando prejuízo, ou incomodo ao seu
morador. No entanto, devido a uma sutileza, hoje em dia este conceito não é
aceito, porque esta introdução, podem ser incorpóreas, como pelas emissões
de calor, ruídos, por exemplo.
Os problemas dos nossos dias são complexos, implicando em
harmonizar a tecnologia e o progresso com a qualidade de vida. A lei, portanto,
veda o mau uso da propriedade, ou seja, aquele que venha a prejudicar o
sossego e a segurança de terceiros. A primeira norma fixada na matéria é,
pois, no sentido de impedir o mau uso da propriedade, isto é, o uso que, nas
condições de vida de uma localidade, não reveste o caráter de normalidade.
A doutrina do século XIX que elaborou a teoria do uso normal. Mas
ocorre, muitas vezes, que um uso normal, industrial, por exemplo, pode ser
11
socialmente necessário e causar prejuízo aos vizinhos. Esta teoria peca,
porque de vez enquanto um uso anormal, pode ser um uso necessário, apesar
de poder ser prejudicial à vizinhança.
Portanto, surgiu a idéia de socialização da propriedade e a
conceituação do domínio como função social fazendo com que os autores do
fim do século XIX e do inicio do século XX, como Josserand e Duguit,
indicassem como limite ao uso permitido não mais a normalidade, mas a
necessidade coletiva, cabendo a Bonfante substituir a doutrina da normalidade
pela do uso necessário.
Existem três hipóteses nos conflitos de vizinhança, quais sejam: o
uso normal, causando incômodos anormais: nenhum direito para o prejudicado
(ato lícito e danos lícitos); o uso anormal, mas socialmente necessário: direito
do prejudicado à indenização (ato licito e danos ilícitos); e o uso anormal sem
justificativa social, por inexistir interesse coletivo: o prejudicado pode exigir a
cessação da atividade, além das perdas e danos (ato ilícito e dano ilícito).
Vale ressaltar que tal critério tem sido adotado pela nossa
jurisprudência, correspondendo também à elaboração doutrinária dominante
em outros países.
Vale a pena ressaltar, que mesmo aqueles que sustentam o
absolutismo do direito de propriedade costumam apontar as restrições que se
lhe impõem do plano dos direitos de vizinhança como princípios amenizadores
daquela concepção.
12
CAPÍTULO I
DIREITO DE VIZINHANÇA
O problema é muito mais antigo do que se poderia pensar à primeira
vista, GIORGIO GIORGI, (apud Revista Jurídica) em sua Teoria delle
Obbligazioni, Florença, Cammelli, 5ª ed., 1900, / 585 e ss., lembra que os
jurisconsultos romanos, obedecendo àquele preceito de justiça natural, que
permite a cada qual usar livremente das próprias coisas, sem por outro lado,
invadir ou desprezar a propriedade alheia, ensinaram, pela voz de ARISTON,
referido por ULPIANO, que um fabricante de queijo, que pretendia secar a sua
mercadoria, fumigando o vizinho, que eius ei non esse fumum immittere. A
fumaça também da mesma forma que a água, poderia constituir uma
intromissão indevida.1
Mais tarde, os intérpretes e tratadistas deram um passo adiante, e
proibiram também que o tremor, o barulho, os maus cheiros, sempre que
fossem tão intensos ou contínuos que resultassem insuportáveis ao vizinho,
devessem ser proibidos; permitiam até a expulsão daqueles que exercessem
artes ou misteres não apenas perigosos, mas até simplesmente incômodos aos
limítrofes.
Sob o império do direito comum, e do antigo direito francês, a prática
forense elevou quase que por toda parte, ao grau de observância judicial esta
teoria, submetendo os titulares de indústrias incômodas, ou insalubres, ou à
expulsão ou à cessação da atividade, se a importunação produzida decorria de
causa permanente e absoluta, ou a modificações do seu exercício e à
obrigação de ressarcir os prejuízos.
O Código Napoleônico (1804), foi, sem dúvida, o diploma legislativo
de maior repercussão no Direito Ocidental Contemporâneo e, apesar de se lhe
atribuir a revivência da propriedade individualista romana, também lhe
submetia a limitações.
1 Revista Jurídica: Órgão Nacional de Doutrina, Jurisprudência... Ed. Síntese, Porto Alegre, RS.
Ano XLV, nº 237, pág 137- 153, julho de 1997.
13
Os compiladores do Código de Napoleão não introduziram nenhuma
disposição, daí decorrendo inseguranças depois de sua publicação. E dada a
abundância de decretos e ordenações que permitiam o exercício de qualquer
profissão, mister, ou estabelecimento industrial, desde que autorizado pelo
poder administrativo, surgiu a dúvida se o proprietário vizinho a um
estabelecimento industrial incômodo ou insalubre, mas autorizado, tivesse, pelo
menos, o direito de pedir perdas e danos.
Todavia, hoje em dia, torna-se desnecessária, por estar claramente
definida, a pesquisa quanto ao problema do fundamento da responsabilidade
do proprietário pelos danos ou prejuízos causados aos vizinhos, em face da
existência de artigo de lei. Segundo doutrinadores, haverá indenização sempre
que o proprietário provoque incômodo tal que crie, realmente, uma ilegal
diminuição ao direito do seu vizinho. Os julgados dos tribunais confirmam a
responsabilidade do proprietário independentemente de ser o ato praticado por
negligência ou imprudência, ou com intenção de prejudicar: ex. “Na hipótese de
uma construção vir a causar prejuízos a prédio vizinho, estes deverão ser
indenizados, independentemente da apuração de culpa do dono ou do
construtor”. (TJ-SP, Ap. nº 285.727. Rel. Des. Alves Barbosa, in RT. 533/88).
“A responsabilidade dos donos do imóvel onde foram efetuadas as obras é
objetiva e decorre do mau uso da propriedade. Ainda que se trate de ato
excessivo e não-abusivo, isto é, praticado com finalidade legítima, se causar
dano ao prédio vizinho surge a obrigação de indenizar independentemente de
culpa”. (1º TACiv.–SP, AP. nº 548.870-6, Rel. Juiz Roberto Bedaque, ac.
31.01.94, in TR. 705/132).2
"Na perspectiva dos direitos subjetivos derivados da
propriedade, a disciplina jurídica dos direitos de vizinhança
principia referindo-se, ainda que de modo indireto (pela
menção ao proprietário e ao possuidor), à titularidade dominial
ou possessória. Concerne, pro conseguinte, à propriedade ou à
posse, e nesta compreende tanto a posse direta quanto a
indireta. Em todas essas situações os direitos subjetivos
pressupõem deveres correspectivos, e a violação destes faz
2 Gomes, Orlando, Direitos reais. 14ª ed. São Paulo, 199. Ed. Edição Revista Forense, p.192.
14
emergir faculdades que, na defesa, legitima de interesses,
contrapõem-se ao uso anormal da propriedade ou da posse." 3
A vizinhança por si só pode originar conflitos, e para conciliar este
exercício, por parte de proprietários confrontantes, existem restrições à
propriedade que surgem ante a esta necessidade.
Para Santiago Dantas, citado por Maria Helena Diniz:
"Há conflito de vizinhança sempre que um ato praticado pelo
dono de um prédio, ou estado de coisas por ele mantido, vá
exercer seus efeitos sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo
ao próprio imóvel, ou incomodo ao morador."4
Direito de vizinhança, são limitações impostas pela lei às
prerrogativas individuais e com o objetivo de conciliar interesse de proprietários
vizinhos, reduzindo os poderes inerentes ao domínio e de modo a regular a
convivência em favor da harmonia social. Tais direitos e deveres são
recíprocos. Surgem da mera contigüidade entre os prédios e dispensam
registro.
As restrições ao direito de propriedade quanto à intensidade de seu
exercício com o uso normal e anormal, limita-se em razão do principio geral
que proíbe ao individuo um comportamento que venha a exceder o uso normal
de um direito, causando prejuízo a alguém.
As normas que regulam o conflito de vizinhança não serão
necessárias caso o proprietário aja culposamente por meios de atos abusivos.
Ele responderá na forma do direito civil.
Como cita Silvio Rodrigues, o problema ganha complexidade quando
o incômodo que afeta o proprietário confinante resulta de ato praticado pelo
vizinho dentro do âmbito de seu direito.
Caso o ato praticado pelo possuidor do prédio exerça efeito sobre o
imóvel vizinho, causando prejuízo ou incômodo ao seu morador, haverá conflito
de vizinhança.
3 FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao Código Civil: Parte Especial do Direito Das Coisas.
São Paulo: Saraiva, 2003. 4 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo:
Saraiva, 2002.
15
Para que ocorra tal conflito são necessários, em síntese: um ato de
proprietário ou possuidor de um prédio repercuta no prédio vizinho; prejuízo ou
incomodo sofrido pelo morador do prédio vizinho; vínculo de conexão entre o
ato e o prejuízo, ou incômodo.
O mau uso da propriedade é o que excede a zona de garantia de
cada um, prejudicando o sossego, a segurança e a saúde dos vizinhos. Cabe
ao prejudicado um direito de reação, pois cada indivíduo tem o seu domínio
garantido e cada um tem o dever de respeitá-lo.
O proprietário, dentro de sua zona, pode retirar, em regra, todas as
vantagens de coisa que é sua, conforme lhe convier, desde que não cause
grande sacrifício ou dano ao seu vizinho.
Os atos que comprometerem a estabilidade de um prédio e a
incolumidade de seus moradores, estarão ofendendo a segurança pessoal ou
dos bens.
O conflito de vizinhança pode abranger, não somente fisicamente
pessoas e bens, mas também geograficamente, por isso as restrições são mais
do que imposições de ordem privada, pessoais, recíprocas, estabelecidas em
beneficio dos vizinhos.
A maneira de usar e edificar no imóvel diz respeito ao seu
proprietário e sua vizinhança, pois a característica de uso e ocupação afeta a
ambos diretamente bem como, de forma indireta, toda a coletividade. O tráfego
viário, a insolação, a ventilação, a poluição sonora e atmosférica, o
adensamento e a valorização venal são determinados pelas características de
uso e de edificação do conjunto dos imóveis da cidade.
O Novo Código Civil autoriza o proprietário ou possuidor, quando
este ameace ruína, a exigir do vizinho a demolição ou reparação necessária de
seu prédio ou a prestar caução que o garanta contra a possibilidade de dano
iminente. As normas sobre condomínio, também criam limitações mais severas
quanto à utilização da propriedade em edifício de apartamentos.
Para a municipalidade, também, aplica-se o art. 1280 do Código
Civil, em razão de seu poder de polícia e de seu dever de zelar pela segurança
pública.
16
A servidão é um direito real sobre coisa alheia, estabelecida no
interesse do proprietário do prédio dominante, e só se constitui ou se transmite
por atos entre vivos.
Natureza Jurídica do Direito de Vizinhança, são as obrigações
propter rem, vinculam o vizinho e o constituem devedor da obrigação de
respeitá-los. Como acontece com toda obrigação propter rem, ela se transmite
ao sucessor a título particular do vizinho e se extingue pelo abandono da coisa.
Alguns desses direitos são onerosos, pois ao mesmo tempo em que a lei impõe
restrição ao domínio do vizinho, concede-lhe direito à indenização. Ex.:
Passagem forçada, aqueduto. Outros são gratuitos e constituem limitações à
propriedade, decorrentes da necessidade da vida em sociedade.
Silvio Rodrigues5 como se sabe, é um dos doutrinadores mais
objetivos. Em suas obras costuma utilizar poucas palavras para definir as
situações inerentes ao direito civil. No entanto, quando se fala em Direito de
Vizinhança, podemos considerá-lo como um dos mais completos. Ao citar
Daibert ele conceitua Direito de Vizinhança como: "limitações impostas pela lei
às prerrogativas individuais e com o escopo de conciliar interesses de
proprietários vizinhos, reduzindo os poderes inerentes ao domínio e de modo a
regular a convivência".Este conceito também é seguido por Maria Helena
Diniz.6
Existem outros autores, no entanto, mais pragmáticos que
conceituam Direito de vizinhança de uma forma mais sintética. Um exemplo é
Orlando Gomes que diz: " São Direitos de Vizinhança os que a lei estatui por
força deste ato."7 Sendo, portanto, sintético, mas não muito esclarecedor, ele
resume as limitações inerentes a vizinhança em uma frase. Esmiuçando o que
o autor conceituou, é importante salientar que as limitações impostas não se
editam no interesse de particulares. Portanto, há um fim social de harmonizar
um interesse particular que justifica as normas restritas do exercício do Direito
de propriedade.
5 RODRIGUES, Silvio. Direito das Coisas, 5º Ed., São Paulo, Saraiva, 2003. 6 DINIZ, Maria Helena. Direito das Coisas. 4º vol. São Paulo: Saraiva, 2004. 7 GOMES, Orlando. Direitos Reais, 19º Ed., Rio de Janeiro, Forence, 2005.
17
Ele fala ainda que o assunto em tela esta disposto "nos Artigos
1.277 a 1.313 do Código Civil de 2002, dividido em 7 seções, a saber: do uso
anormal da propriedade; das árvores limítrofes; da passagem forçada; da
passagem de cabos e tubulações; das águas; dos limites entre prédios e do
Direito de tapagem; e do Direito de construir."
1.1 Classificação do Direito de Vizinhança
Os Direitos de Vizinhança classificam-se em gratuitos e onerosos,
conforme seu exercício acarrete, ou não, para o proprietário, o dever de
indenizar o dono do prédio Vizinho.
Sobre classificação no âmbito oneroso, Silvio Rodrigues fala que:
"ao mesmo tempo em que a lei impõe restrição ao
domínio do vizinho, concede-lhe direito à indenização." O
mesmo dá exemplo, mencionando sobre a passagem
forçada, (1)"em que o dono do prédio serviente tem direito
à indenização (Art.1.285 do Código Civil); ou do Direito de
travejar na parede confinante, cujo dono será
reembolsado de meio valor da parede e do chão
correspondentes (Art. 1.304 do Código Civil)".8
Rodrigues ao mencionar sobre os Gratuitos diz que a restrição
deste, vem desacompanhada de qualquer indenização. "Assim, o proprietário
que recebe as águas que fluem do prédio superior ,ou, o que permitir em seu
prédio ingresso do vizinho que vem reparar o próprio; ou, o que se encontra
impedido de construir janela a menos de meio metro da linha lindeira. Nenhum
destes proprietários tem direito a qualquer indenização." Estas limitações não
são passíveis de indenização porque já, por sí só criam restrições recíprocas e
presumidas entre os vizinhos".
Os direitos de vizinhança gratuitos constituem restrições a
propriedade , decorrentes da necessidade da vida em sociedade, os onerosos,
8 RODRIGUES, Silvio. Direito das Coisas, 5º Ed., São Paulo, Saraiva, 2003.
18
possuem mais a prerrogativa de serem atribuídos a interesses particulares,
como por exemplo, nas passagem forçada. Em suma um é oneroso, porque a
prestação atribuída a situação não afeta a terceiros ( leia-se a sociedade), o
outro, é gratuito porque afetaria um coletivo, não havendo a necessidade de
indenização porque o interesse é consenso de todos, e afetaria a todos se
fosse de outra forma.
Com relação aos fundamentos jurídicos, não há o que contestar,
tendo em vista que o diploma legal já expõe de forma clara, a responsabilidade
pelos danos causados aos vizinhos. Estes estão presentes nos Artigos 1.277 a
1.281 do Código Civil de 2002.
19
CAPÍTULO II
USO ANORMAL DA PROPRIEDADE E SUAS
INTERFERÊNCIAS
É importante distinguir as interferências das omissões e
repercussões.
Modernamente, diferente do que ocorria em Roma, quando se
referia sempre ao lançamento de coisas corpóreas do imóvel no próximo, a
emissão passou a compreender as repercussões materiais ou imateriais.
As interferências, decorrentes do exercício do direito de propriedade,
criam, conflitos de interesses, que devem se reprimidos ou prevenidos.
Exercendo o poder de polícia, algumas normas têm a função de atenuá-los ou
evitá-los. No plano dos direitos privados outras normas também buscam estes
objetivos. Há ainda as soluções por vias convencionais ou contratuais.
Discorrendo sobre o tema do uso nocivo da propriedade, destaca
Caio Mário que:
"O direito de propriedade compreende o jus utendi e o
abutendi, logo esse direito não é absoluto, não podendo
ser exercido sem restrições porque, de acordo com as
conquistas do direito moderno, não há direitos absolutos
na comunhão social, só podendo o direito de um se
estender até onde começa o direito do outro".9
O critério do uso normal significa que o titular de um direito de
propriedade deve-se utilizar dela, sem ultrapassar a barreira do natural, do
justo, do adequado.
A teoria do uso normal da coisa própria foi sistematizada por
Jhering, recebendo subsídios ulteriores de Ripert e de Planiol. Jhering procurou
diferenciar as imissões lícitas das ilícitas, apoiando-se na idéia de que o
9 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 4. ed., Rio de Janeiro, 1981, vol.
IV.
20
exercício do direito de propriedade não deve exceder às necessidades normais
da vida cotidiana. Substituiu o conceito de imissão pelo de interferência por
achar que o mesmo era insuficiente. Qualquer interferência será proibida, se
causar prejuízo à pessoa ou à coisa ou, ainda, incômodo à pessoa. Quando os
atos praticados pelo vizinho forem tolerados pela média das pessoas, haverá
uso normal da propriedade.
Resume Jhering sua doutrina nos seguintes termos: Ninguém pode
tolerar da parte de seus vizinhos ataques indiretos que causem prejuízos à
pessoa ou à coisa, ou que aborreçam à pessoa por exceder à medida ordinária
daquilo que suportável.
San Tiago Dantas, ao fazer observações à reformulação de Jhering,
afirma:
"A receptividade normal não pode deixar de ser - e
realmente, assim que a concebem os seus criadores - um
critério - limite de tolerabilidade. Os prejuízos sobre o
vizinho por causa do uso legítimo da propriedade alheia
não podem ir além daquele ponto-limite; em outras
palavras: as interferências prejudiciais do vizinho devem
cessar lá onde eles ultrapassam a receptividade ordinária
dos prédios incomodados.
A receptividade normal ou média pode ser o ponto-limite
de suportabilidade das interferências do vizinho em nosso
prédio. Não podemos pretender suportar menos do que a
média, ainda que a nossa suscetibilidade seja maior. Mas
podemos ser obrigados a suportar mais do que a média,
desde que fique concretamente provado que as
interferências em causa não nos tragam prejuízos".10
A ocorrência de mau uso ou não da propriedade deve, assim, ser
examinada em função da normalidade ou anormalidade dessa utilização.
10 DANTAS, San Tiago. O Conflito de vizinhança e sua composição. Programa de Direito Civil III. 2. ed. Rio de Janeiro: E. A. 1939. Disponível em www.jusnavigandis.com.br. Acesso em 21jun2011.
21
Sempre que sejam ultrapassados tais limites, há uso nocivo, pois as
restrições excepcionais impostas visam assegurar a boa convivência social,
que o legislador teve por fim resguardar.
Sempre que os limites normais forem ultrapassados, configura-se o
uso nocivo da propriedade, pois as restrições impostas pelo legislador visam
resguardar a boa convivência social.
A este respeito Orlando Gomes afirma: "O principio geral a que se
subordinam as relações de vizinhança é o de que o proprietário não pode
exercer seu direito por forma, a que venha a prejudicar a segurança, o sossego
e a saúde dos que habitam o prédio vizinho".11
Esta questão é regulada nos Artigos 1.277 a 1281 do código civil.
Silvio Venosa diz que há uma certa dificuldade de identificar o uso
nocivo da propriedade. Ele afirma que "apenas o caso concreto por vezes será
idôneo para concluir pelo mau uso, ou uso nocivo da coisa imóvel".
Venosa ainda relativiza dizendo que "o homem que vive na cidade
não pode ali pretender igual sossego ao daquele que escolhe habitar no
campo"12. Apesar de ser feita esta distinção, não é fácil dizer quando e como
uma propriedade ou coisa esta sendo utilizada de uma forma anormal ou
nociva pela vizinhança.
Cabe ressaltar ainda que, os atos de vizinhança são todos aqueles
praticados por um proprietário que atingem um numero singular ou plural de
prédios vizinhos. Com isso, o aspecto legal fica vasto, não se afastando
também a intervenção de órgãos públicos, incluindo o Ministério Público, com
os instrumentos legais a que lhe são cabíveis.
O dano ou incomodo será o mesmo para o vizinho não importando
se quem o faça é dono, proprietário, ou o inquilino. É importante salientar que
os danos que devem ser sancionados são aqueles que configuram um abuso
de direitos. Portanto diz Orlando Gomes "atos do proprietário que os causem
são permitidos, e outros devem ser tolerados pelo vizinho".
O conceito de uso nocivo da propriedade, diz Orlando Gomes,
"determina-se relativamente, mas não se condiciona ao ato praticado pelo 11 GOMES, Orlando. Direitos Reais, 19º Ed., Rio de Janeiro, Forence, 2005. 12 VENOSA, Silvio de Salvo, Direitos Reais, 5º Ed.São Paulo, Ed. Atlas, 2005.
22
proprietário. Portanto, o propósito de prejudicar ou incomodar pode não existir
e haver mau uso da propriedade".13
A especificação completa dos atos abusivos e excessivos é
impossível de se fazer, no entanto, podemos fazer uma enumeração dos mais
freqüentes usos nocivos da propriedade, a saber: a poluição das águas,
exalações, gases, vapores, fumaça, pós, odores, ruídos, trepidações, criação
de perigo. Orlando Gomes menciona que também "a ameaça de ruína de um
prédio é considerada igualmente como desvio do exercício de propriedade, se
o desmoronamento é perigoso para o prédio vizinho".
Quando ocorrer qualquer uma destes atos abusivos, o vizinho
poderá recorrer a justiça para:
a) lhe indenizar pelo dano causado;
b) fazer cessar os efeitos do uso nocivo da propriedade;
c) Para impedir que o dano seja feito. (aqui entrando a questão do
desmoronamento perigoso, cabendo ação de demolição).
Com relação ainda sobre o mau uso da propriedade, existe mais
uma questão levantada pelo jurista Hely Lopes Meirelles, e que é de suma
importância. Ele fala que:
"as relações de vizinhança são primordialmente de ordem
civil, impostas pela lei ou pela convenção dos
interessados. Quando convencionadas, podem ser
alteradas pela vontade dos vizinhos, a menos que tenham
sido alteradas por normas administrativas, em preceito de
ordem pública. Isso ocorre quando os regulamentos
edilicios da construção repetem em seu texto aquelas
mesmas imposições da lei civil. Já então, o que era
faculdade se transformou em obrigação de interesse
público que não admite descumprimento, modificação ou
renuncia pela vontade das partes".14
13 GOMES, Orlando. Direitos Reais, 19º Ed., Rio de Janeiro, Forence, 2005. 14 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.
23
Por esta questão diz Venosa: "tem o proprietário ou possuidor
legitimidade de acionar o vizinho, para que cumpra regulamento administrativo
de vizinhança: pela convenção entre os interessados, isto é, pelas servidões, e
pelas regras gerias de vizinhança".15
Com relação às ações decorrentes do uso nocivo da propriedade,
Venosa diz o seguinte: "ocorrendo dano, não havendo mais atos continuados
de perturbação, a ação é indenizatória. Cabe ao vizinho atingido provar o que
efetivamente perdeu e razoavelmente deixou de ganhar, suas perdas e danos".
Persistindo o ato de turbação, a ação é para obrigar o causador da nocividade
a fazer e não fazer, se utilizando da astreinte (multa diária), para isso. Este é
regrado no capitulo referente a execução dos obrigações de fazer e não fazer
do CPC (Artigos 632 a 645), e a base para interpor a ação esta nos Artigos
1.277 e seguintes do Código Civil.
Temos ainda a ação de dano infecto, que encontra seu escopo no
mesmo Artigo 1.277, referindo-se assim, a qualquer nocividade ocasionada ao
vizinho.
O Artigo 1.280 é segundo Venosa, “exclusivo da relação edilícia.
Esta relação tem por pressuposto a futuridade de um dano"16. Um perigo
iminente. Como exemplos, Venosa trás: "O estaqueamento em prédio vizinho,
o uso de maquinaria pesada, mas proximidades de prédio vizinho, abertura de
valas", enfim, todo tipo de ato que possa vir a prejudicar o prédio vizinho. Para
este, cabem as ações de cominação, reparação, demolição ou de reposição ao
anterior. Cabe ressaltar, como diz Venosa, "que a demolição deve ser
subsidiária, alternativa na ausência de outra ação".
Com relação à caução de dano infecto, segundo Venosa: "aquele
que teme ruína ou prejuízo em sua propriedade pede garantia de futura
reparação. A caução é sempre preventiva". Esta decorre do direito material
exposto no Artigo 1.280 do código civil, e segue os ditames do Artigo 826 e
seguintes do CPC.
15 VENOSA, Silvio de Salvo, Direitos Reais, 5º Ed.São Paulo, Ed. Atlas, 2005. 16
Idem
24
Segundo o Código Comentado de Nelson Nery Junior: " A ação do
proprietário pelo uso nocivo do prédio vizinho pode ser dirigida contra o dono,
ainda que locada a coisa".17
17 NERY JUNIOR, Nelson, Código Civil Comentado e Legislação extravagante, 3º ed. São
Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2005.
25
CAPÍTULO III
O EXERCÍCIO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA
CONSTITUIÇÃO E NO CÓDIGO CIVIL.
A cada momento depara-se com situações em que se faz necessário
escrever ou falar sobre os fundamentos jurídicos que a vigente Constituição de
1988 expressamente consigna como direitos fundamentais. No caput do artigo
5º, como um dos direitos fundamentais, reconhece a inviolabilidade do direito à
propriedade. Também, como desdobramento, no item XXII do artigo 5º,
expressamente, diz que “é garantido o direito de propriedade”, mas no item
XXII ressalva que “a propriedade atenderá a sua função social.”
Sobre essa questão escreve Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
“Reconhecendo a função social da propriedade, a Constituição não nega o
direito exclusivo do dono sobre a coisa, mas exige que o uso desta seja
condicionado ao bem estar geral.”18
Nessas condições, o imóvel urbano sofre as restrições impostas pelo
plano diretor, zoneamento, normas sobre uso e ocupação, meio ambiente,
entre outros. A Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da
Cidade, regulamentou os arts. 182 e 183 da CF/88 e estabeleceu as diretrizes
gerais. Escreve Regis Fernandes de Oliveira: “Cria-se, através das diretrizes
gerais e dos instrumentos de política urbana, um plexo de normas que
permitem o racional aproveitamento do solo urbano, planificando a vida em
comunidade, dando à propriedade sua função social, decorrente dos princípios
encampados em todo o mundo, com objetivo de melhoria da qualidade de vida,
em todas as suas dimensões.”19
Da mesma forma, o imóvel rural sofre as restrições do Estatuto da
Terra, Código Florestal, Código das Águas, Meio Ambiente, entre outros.
Leciona Luís Carlos Silva de Moraes, sobre a propriedade rural: “No art. 186 da 18 Comentário à Constituição Brasileira de 1988, São Paulo, Saraiva, 1990, v.1 p.46. Disponível
em www.jusnavigandis.com.br . Acesso em 15jun2011. 19 Comentários ao Estatuto da Cidade, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p.28.
Disponível em www.jusnavigandis.com.br . Acesso em 15jun2011.
26
CF/88, temos os quatro requisitos determinantes da função social, entre eles, a
preservação do meio ambiente (inciso II). Seu caput estabelece que a função
social da propriedade rural seja determinada segundo critérios e graus de
exigência estabelecidos em lei.”20
Assim, ROBERTO DE RUGGIERO, Instituições de Direito Civil, trad.
SP. Saraiva, 1972, II/307, (apud Revista Jurídica), conclui que o direito só dá a
sua proteção aos atos humanos que tenham alguma utilidade, não se
protegendo o domínio pelo simples capricho de cada um.
“A propriedade tem uma função social, visto satisfazer uma
exigência humana e, até onde a satisfaz, o direito, protege-a,
garantindo ao indivíduo as mais altas faculdades de uso, de
gozo e disposição. Pode por isso o proprietário destruir o que
lhe pertence, não porque o direito repute tal destruição útil, mas
porque ele tem ao seu arbítrio a sua disposição. Mas, para
além desse destino negativo, não se pode ir até ao ponto de
querer um destino anti-social, usando a coisa em prejuízo de
outrem. A propriedade moderna deve ser exercida civilmente
segundo os fins de direito, e não se age, segundo este,
quando, sem qualquer utilidade própria se exerce o domínio
com fins vexatórios.”21
Está claro que a propriedade absoluta do passado deu lugar à
propriedade social, passível de perda pela desapropriação por interesse ou
necessidade pública além da possibilidade de se impor restrições decorrentes
do poder de polícia. Neste aspecto, aquele absolutismo das faculdades de
gozo e de disposição, que o legislador levou a caráter fundamental na definição
de propriedade, deve, pois, ser entendido não na sua mais ampla e hiperbólica
extensão, mas com limitações racionais que o próprio conceito moderno de
propriedade impõe.
“A constituição assegura o direito de propriedade, mesmo
porque é um direito individual por excelência, do qual resulta a
prosperidade dos povos livres. Mas, a propriedade de há muito 20 Código Florestal Comentado, São Paulo, Atlas, 3ª ed., p. 17. 21 Op. Cit. Revista Jurídica: Órgão Nacional de Doutrina, Jurisprudência .nº 237, pág 141- 153.
27
deixou de ser exclusivamente o direito subjetivo do proprietário,
para se transformar na função social do detentor de riqueza, na
expressão de Duguit. É um direito individual, mas um direito
individual condicionado ao bem estar da comunidade. É uma
projeção da personalidade humana e seu complemento
necessário, mas nem por isso a propriedade privada é
intocável. Admite limitações ao seu uso e restrições ao seu
conteúdo em benefício da comunidade.”22
O Código Civil Brasileiro de 1916 art. 554 outorgava: “o proprietário,
ou inquilino de um prédio o direito de impedir que o mau uso da propriedade
vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam.”
Esse direito deu continuidade no novo Código Civil Brasileiro: O proprietário, ou
o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências
prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas
pela utilização de propriedade vizinha.
Nessas condições, quando o legislador tutela os direitos de
vizinhança, tais direitos possuem, em conseqüência características próprias: a)
em primeiro lugar, são restrições legais, isto é, são deveres criados pela lei. Ao
lado deles podem surgir restrições voluntárias, que são as servidões. Assim, o
dever de suportar o defluxo de águas artificialmente conduzidas, decorre de um
acordo voluntário, é uma servidão; já o dever de suportar o defluxo de águas
naturalmente conduzidas é imposto pela lei, (CC art. 1288, in princípio), é um
dever de vizinhança; b) os direitos de vizinhança não visam a criar vantagens
para nenhum prédio, mas tão somente, evitar prejuízo; são restrições
defensivas (certat de damno vitando) ao passo que as servidões visam a criar
vantagens para alguém (certat de lucro captando); c) são eles direitos reais
inominados ou obrigações propter rem, como se quiser. Entre essas duas
expressões, em verdade, não há diferenças essenciais, por isso que são
estados limítrofes. Todavia é preferível dizer-se direitos reais, e proclamar-se a
realidade desses direitos, pois obrigações propter rem parecem indicar uma
dispensa de cautelas peculiares ao exercício de direitos reais.
22 Meirelles, Hely Lopes, Direito Admin. Brasileiro, 16ª ed. São Paulo, 1991. Ed. Rev. dos
Tribunais, p. 493.
28
Os direitos de vizinhança podem aparecer tão ligados à propriedade
que parecem emanações do domínio, de modo que, para o seu exercício, se
deduz em juízo o próprio domínio, ou na sua manifestação, a posse; assim, se
o proprietário vizinho abre a janela a menos de metro e meio do terreno vizinho
(Código Civil Brasileiro art. 1301), o que se deduz em juízo é o próprio direito
de propriedade: o direito de vizinhança se diz então incorporado ao domínio.
Outras vezes eles aparecem com inteira autonomia; assim,quando o prédio de
determinado proprietário se acha encravado entre os dos vizinhos, a lei impõe
a esses o dever de dar passagem (CC art. 1285), que não é servidão, mas um
direito de vizinhança, suficientemente destacado do domínio para que se possa
exercê-lo com direito autônomo. Portanto, há direitos de vizinhança que são
meras projeções do domínio, a ponto de parecerem confundidos entre os
poderes que tem o proprietário sobre a coisa, e os há que, visivelmente, são
acréscimos, faculdades alheias ao direito de propriedade.
29
CAPÍTULO IV
CAUSA DOS CONFLITOS DE VIZINHANÇA
O conceito de mau uso ou uso nocivo da propriedade se aufere pelo
incômodo excessivo, capaz de causar prejuízo. É uma questão de fato
entregue ao prudente arbítrio do Juiz. Segundo a teoria clássica o conflito de
vizinhança seria uma ruptura do equilíbrio, uma vez que entre dois prédios
vizinhos deve haver um uso equilibrado. Sempre que um dos proprietários
rompe com esse equilíbrio, iniciando uma atividade que não se ajusta à
atividade normal, exercida no outro prédio, o dano deve recair sobre o autor da
ruptura. Dentre as limitações impostas ao direito de propriedade, merecem
especial atenção ao que a lei estabelece, tendo em vista os conflitos que
podem resultar da proximidade dos prédios. Poderá se dizer que são causas
de conflito de vizinhança o mau uso da propriedade que caracteriza ofensa ao
sossego, à saúde e a segurança dos vizinhos, ad exemplum: excesso de
barulho produzido por manifestações religiosas, no interior de templo,
causando perturbações aos moradores de prédios vizinhos; ruídos excessivos,
algazarras, gritarias, diversões espalhafatosas altas horas da noite;
comportamentos que atentem contra a moral e os bons costumes; manutenção
de animais em local impróprio ou inadequado, construções perigosas ou
perniciosas à vizinhança e à coletividade, atividades inconvenientes ou
insalubres na região; odores insuportáveis, fumaça ou fuligem, poluição de
águas, emanação de gases tóxicos, estábulos, dentre outras.
Algumas vezes esses incômodos são exacerbados, e o uso que um
proprietário faz de seu imóvel torna-se nocivo ao seu vizinho, ameaçando a sua
segurança, ou o seu direito, ficando a teoria da propriedade em crise, isto é,
impotente para resolver os conflitos resultantes, que se chamam conflitos de
VIZINHANÇA. Estes se caracterizam, portanto, pela interferência, ou seja, por
essa repercussão in alieno que causa prejuízo ao imóvel vizinho ou incômodo
ao seu morador.
Os deveres jurídicos mais comuns que podem dar origem às
relações de vizinhança são os de tolerância, isto é, obrigações impostas a um
30
proprietário para que consinta que outros interfiram na sua esfera jurídica,
realizando atos que ele estava na condição de repelir. Os demais são, ou
deveres de abstinência, isto é, privações que o proprietário se impõe de atos
compreendidos no seu poder de uso, ou deveres positivos, vale dizer,
prestações que o proprietário deve fazer ao vizinho que dele as espera. Os
direitos de vizinhança, em alguns casos, emanam do domínio gratuitamente,
em outros casos, onerosamente. Alguns são conferidos sem ônus a cada
proprietário, ao passo que outros só lhe são reconhecidos compondo-se ao
vizinho o prejuízo que lhe deriva do correspondente a ser assumido. Há, pois,
direitos de vizinhança gratuitos e direitos de vizinhança onerosos. Estes, ao
contrário dos outros, são aqueles para cuja obtenção se tem de pagar
indenização, como direito de passagem, o de transportar água através do
prédio vizinho (direito de aqueduto), o de madeirar na parede do imóvel
contíguo, etc.
Interessante observar que o prejuízo, ou o incômodo, pode resultar
de elementos ou forças que se propagam ao prédio vizinho ou nele penetram,
os quais tenham natureza corpórea, como emanações de calor, a trepidação, e
os estrépitos. Para corrigir a estreiteza do conceito, alguns admitem que a
imissão também possa ser incorpórea. A fórmula, porém, mais geral das
relações de vizinhança é o uso nocivo.
Se o incômodo excede ao que é razoavelmente tolerável, segundo
as circunstâncias, haverá mau uso da propriedade. Não havendo medida
precisa para o direito do vizinho queixoso, o juiz decidirá segundo o justo
critério, quando o caso não se mostrar suficientemente claro.
Somente o incômodo anormal, intolerável é reprimível, como tem
entendido a jurisprudência. A separação entre os prédios, até mesmo quando
manifestada anteriormente por fossos, paliçadas, muros etc., não destrói a sua
ralação natural de coesão e dependência recíproca. Sendo os imóveis um
contínuo, há coisas que de tal maneira pertencem aos dois prédios, que é
impossível, muitas vezes, a respeito delas, determinar o senhorio. Entre essas
coisas se tem a própria linha divisória, o muro, ou cerca que sobre ela se eleva
a árvore que cresce nas proximidades dos limites, a água que corre de um
prédio para outro, etc. Daí serem incontáveis os atos do proprietário que,
31
embora praticados no interior do imóvel, repercutem no imóvel vizinho. Assim
os ruídos que se produzem num prédio e que se ouvem nos mais próximos,
vapores e fumaças que se exalam e que impregnam a atmosfera circunstante,
vibrações que a continuidade do solo transmite a prédios que seguem tirando a
luz, o prospecto ou o ar de um vizinho, janelas que abrem devassando a
intimidade de uma casa, etc., tudo isso decorre da união de fato que existe
entre os imóveis, por forma a estabelecer entre diversos proprietários das
partes do imóvel contínuo uma comunhão tal, que lhes são reversíveis os seus
próprios atos.
O simples uso que um proprietário faz de seu imóvel pode
incomodar o sossego do dono do prédio confinante, mas se o direito fosse
proibir todos esses incômodos, a propriedade estaria economicamente
aniquilada, além de ferir o outro aspecto do direito de propriedade que é aquela
faculdade de dispor da coisa como queira a condição principal da plenitude do
domínio.
4.1 Barulho
O barulho esta inserido dentro do rol dos problemas causados pelo
mau uso nocivo da propriedade.
Alguns dados históricos referentes a perturbação sonora nos trás
dados históricos referentes a essa questão. Ele menciona que: "O assunto é
bem mais antigo do que pensamos. O Imperador Julio César (101 – 44, antes
de Cristo) determinou " que nenhuma espécie de veiculo de rodas poderia
permanecer dentro dos limites da cidade de Roma, do amanhecer à hora do
crepúsculo; os que tivessem entrado durante a noite deveriam ficar parados e
vazios à espera da referida hora (César – Senatus Consultum – Automóvel, de
Halley)".23
Outro dado histórico interessante advém do século XVI inicio do
XVII. A Rainha Elizabeth I da Inglaterra, proibia aos maridos ingleses de
23 Disponível em http://www.pitoresco.com.br/consultoria/variedades/05.htm. Acesso em 12/05/2011.
32
baterem em sua mulheres depois das 10 horas da noite a fim de não
perturbarem os vizinhos com gritos.
Com referencia ao dito no Artigo 1.277 temos que:
Nelson Nery Junior em seu código comentado diz:
"O Direito do Vizinho, exigindo que não seja molestado em seu
sossego, não vai ao ponto de obrigar a paralisação de todas as
atividades ou a sua segurança; basta que os inconvenientes da
vizinhança se reduzam ao mínimo, de forma tal que possam
ser razoavelmente suportados".24
Sendo assim, se alguém esta perturbando com barulho, ou
quaisquer outras atividades, não há necessidade que estas sejam totalmente
cessadas, mas a prévia diminuição das mesmas já sacia as complicações
referentes a situação.
Com reação a bares e restaurantes. Quando existem pessoas, fora
do estabelecimento comercial, mesmo sendo freqüentadores do local, não
pode ser o comerciante responsabilizado pelo barulho que esta sendo emitido
por estas, como também, como diz no Código Comentado de Nery Junior,
"pelos ruídos provocados por automóveis de seus fregueses, ou pelo fato de os
estacionarem em lugar proibido, causando transtorno aos moradores da
vizinhança".
Na questão de sinos de Igrejas, Nery diz que:
“O próprio uso lícito da propriedade vizinha, desde que se torne
mau, pelo excesso ou pela exorbitância, e causa dano, incida
na possível, órbita processual da ação cominatória. Os sinos
das igrejas podem estar a serviço do capricho dos homens,
transformando-se em perturbação do sossego dos vizinhos".
O assunto cria tantas controvérsias, que para cada caso especifico,
existe uma legislação ou um decreto regulando, juntamente com o código civil.
Nota-se que há uma preocupação excessiva dos legisladores com
relação ao meio ambiente e a cultos religiosos. 24 NERY JUNIOR, Nelson, Código Civil Comentado e Legislação extravagante, 3º ed. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2005.
33
Existem, logicamente também, sanções de natureza penal quando
alguém extrapola de forma exacerbada. Isto esta disposto no Artigo 42 do
decreto-lei 3.688/41, que institui a lei das contravenções penais, que dispõe o
seguinte:
Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:
I – com gritaria ou algazarra.
III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos.
A pena para este delito reclusão de 15 dias a 3 meses, e multa.
No tocante a cultos religiosos se fala que:
A realização de cultos religiosos suscita uma questão interessante,
pois, em princípio, constitui um direito fundamental do indivíduo, previsto no
artigo 5º, inciso VI, da Constituição da República Federativa do Brasil, o qual
passamos a transcrever:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida,
na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias;"
No entanto, em que pese a aludida garantia, tal preceito não autoriza
os adeptos de qualquer crença religiosa a realizarem suas práticas através de
aparelhos que causem poluição sonora. Com efeito, o dispositivo é claro ao
assegurar o livre exercício dos cultos religiosos e garantir, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto, seus rituais e suas liturgias, sem garantir,
entretanto, a violação de outros dispositivos legais.
Pois bem, deve-se conciliar essa liberdade com a preservação do
meio ambiente, objeto da Resolução 001/90, que prescreve a observância dos
padrões estabelecidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas –
ABNT.
A Resolução 001/90 determina:
34
I - A emissão de ruídos, em decorrência de quaisquer atividades
industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda
política, obedecerá, no interesse da saúde, do sossego público, aos padrões,
critérios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução.
Nem dentro dos templos, nem fora deles, podem os praticantes de
um determinado credo prejudicar o direito ao sossego e à saúde dos que forem
vizinhos ou estiverem nas proximidades das práticas litúrgicas".
Voltando a espera Civil, a ação que podemos utilizar contra quem
utiliza de forma indevida a propriedade, fazendo ruídos além dos toleráveis é o
Interdito Proibitório. Podendo ser culminada com uma multa diária a ser
determinada pela Justiça.
4.2 Grau de Tolerabilidade, incômodos inevitáveis e havidos
como toleráveis
O fundamento do direito de vizinhança é a necessidade pública, o
interesse de que os prédios sejam explorados convenientemente, pois que a
inimizade e a emulação poderiam impedir praticamente a sua utilização.
Interpretado nessa matéria, prevalece o critério da normalidade.
Somente o incômodo anormal, intolerável é reprimível. Eis a
preocupação dos direitos de vizinhança: distinguir os limites do bom e do mau
direito de vizinhança, do tolerável e do intolerável, por vezes separados por
linha demais tênue. Há situações de vizinhança que têm nítido caráter de
proteção coletiva. Valorizando a idéia de uso normal e de tolerância nas
relações de vizinhança, o 1º TACiv. SP decidiu que: “os benefícios que uma
árvore traz como agente despoluidor é inegável e compensam eventuais
transtornos que as folhas caídas possam causar ao imóvel vizinho. Sua
erradicação só se justifica ocorrendo manifesto prejuízo ou perigo iminente.”25
Assim, há que se verificar se os incômodos são normais e não são
excessivos para que se legitime esse uso excepcional. Só deve ser mantida a
25 Ap. nº 333.921, Rel. Juiz Ernani de Paiva, ac. 21.12.1985, in RT, 597/110. Disponível em
www.jusnavigandis.com.br. Acesso em 15jun2011.
35
atividade incômoda quando a sua utilização for normal e os seus
inconvenientes irredutíveis. É fundamental a preservação da supremacia dos
dois interesses, o individual que é exclusivo do proprietário e o coletivo que vai
atender os anseios da sociedade. Qualquer que seja a natureza adotada, estes
deverão ter como sentido a preservação da saúde, da segurança, do sossego,
do conforto e da intimidade dos ocupantes.
36
CAPÍTULO V
AS DIVISÕES ENVOLVENDO O DIREITO DE
PROPRIEDADE E VIZINHANÇA
O direito do proprietário do imóvel é limitado pelo direito do
proprietário do imóvel vizinho. O que cada um pode fazer e o que pode impedir,
isto é, o núcleo positivo e o núcleo negativo do direito de propriedade
competem ao sistema jurídico determinar. A técnica legislativa, a esse respeito,
representa elaboração de alguns séculos, na qual muito se deve aos
costumes.
Os direitos de vizinhança produzem-se simetricamente às outras
limitações ao direito de propriedade em seu conteúdo, pela substantivação dos
direitos que objetivamente resultariam delas. Certas limitações de direito
público ainda não chegaram a esse estado em que os direitos só objetivos
oriundos delas se tornariam direitos subjetivos.
Sempre que o exercício do direito de propriedade do imóvel se
contacta com o exercício do direito de outrem, chocando-se com esse, e, pois,
regularmente, podendo ser proibida a incursão por aquele, nasce aos
legisladores o problema de técnica jurídica consistente em se ajuntarem
interesses. A solução há de ser no sentido de se limitarem, por um lado, a
faculdade de exercício (núcleo positivo da propriedade) e, por outro, a de
exclusão (núcleo negativo). Daí nascem direitos e deveres de vizinhança.
O uso de direito de propriedade e o direito de vizinhança se
subdivide em uso nocivo da propriedade, já tratado em seção anterior em razão
da necessidade maior de detalhes; restando para ser tratado neste capítulo as
questões envolvendo as árvores limítrofes; às águas; aos limites entre prédios;
ao direito de construir; à passagem forçada;barulho.
37
5.1 Árvores limítrofes
A parte do Código Civil que diz respeito às árvores limítrofes esta
disposta, logicamente, no capitulo referente aos Direitos de Vizinhança, sendo
regulada nos Artigos 1.282 a 1.284, sem possuir alterações na sua redação no
tocante ao código de 1916.
Segundo Sivilo Rodrigues " a lei prevê três hipóteses de conflitos
derivados de arvores limítrofes, nas relações de vizinhança: na primeira, cuida
das árvores nascidas nos confins entre os dois terrenos; na segunda figura o
caso da invasão de um prédio pelos ramos das raizes da árvore pertencente ao
prédio contíguo; e, na terceira, finalmente, regula a questão da propriedade dos
frutos caídos de arvores situados em terreno vizinho". Analisando cada caso:
5.1.1 Árvore situada na divisa
O Artigo 1.282 do código civil dispõe que a arvore nesta situação
pertença em comum aos dois vizinhos, cujo tronco esteja na divisa entre os
dois terrenos.
Silvio Rodrigues ao citar Pontes de Miranda diz que:
"com razão, chama essa figura de arvore-meia, de maneira que
a cada proprietário pertence a metade da coisa, mas em corpo
indivisível. Ou seja, cada proprietário é dono da parte da
arvore, e não da parte ideal. Exatamente como ocorreria com o
meio comum, no caso de parede meia".
Além disso, alerta Venosa " pertencendo a árvore aos confinantes,
cabem-lhes as despesas de conservação e colheita, podendo aquele que
gastou cobrar do vizinho a metade".
Também temos que levar em consideração de que se, a arvore for
cortada devem ser repartidos todos os frutos entre os donos.
38
5.1.2 Invasão por raízes e ramos:
O Artigo 1.283 do código civil confere ao proprietário o direito de
cortar, até o plano vertical divisório, as raízes e ramos de arvores nascidas em
prédios vizinhos, que ultrapassem a extrema de seu prédio.
Neste sentido, Orlando Gomes diz que " o direito de corte não se
condiciona à nocividade da invasão, podendo ser exercido livremente, pouco
importando que nenhum prejuízo cause este prolongamento da arvore".
Silvio Rodrigues completa falando que "é irrelevante que do corte
das raízes ou ramos invasores resulte a morte, pois quer isso aconteça, quer
não, escapa o proprietário que as podou da obrigação de indenizar por perdas
e danos".
Logicamente, que para evitar danos maiores deve-se notificar o
dono da outra parte do ato que ira ocorrer, sob pena de que se o ato for
abusivo e ocasionar malefícios ao patrimônio da outra parte, haverá a
responsabilidade do proprietário que cortou e poderá responder por perdas e
danos. No entanto, é como diz, Pontes de Miranda: " os galhos e raízes da
arvore que o vizinho cortou são seus, e só seus".
5.1.3 Frutos caídos de arvores situados em terreno
vizinho
O Artigo 1.284 determina que "os frutos caídos de árvores do terreno
vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for propriedade
particular". Tal solução fere o principio que é utilizado pelo código civil de que o
acessório segue o principal, com isso se evita que o dono da árvore penetre
perigosamente no terreno vizinho para apanhar os frutos, o que levantaria
causas de discórdia e dissensões". Trata-se, portanto, de um direito originária
de aquisição da propriedade.
Alguns autores, embora minoria, censuram esta questão,
entendendo que, de acordo com a moral, deveria o fruto caído em terreno
vizinho pertencer ao dono da árvore. No entanto a esmagadora maioria versa
sobre o entendimento de que os frutos pertencem ao dono do terreno ou
39
propriedade, pois o objetivo era coibir conflitos que fatalmente surgiriam com a
entrada do dono da árvore no terreno vizinho para apanha dos frutos caídos".
Para evitar prejuízo, pode o dono da árvore apanhá-los antes de
naturalmente tombarem. Pois é obvio que só pertencem ao dono do solo os
frutos que caírem sem sua provocação.
Agora, alerta Venosa: "se o terreno em que darão os frutos for
público, continuam a pertencer ao dono da árvore, porque aqui desaparece os
riscos de disputas”. 26
Uma ultima questão a ser ressaltada sobre isso é que o dono,
mediante autorização, poderá adentrar em terreno vizinho para colher os que
não caíram.
5.2 Das águas
É devido ao grande valor das águas e por seu desempenho nas
necessidades humanas que existem as normas para atender os conflitos. A lei
impõe ao dono do prédio inferior a obrigação de receber as águas que correm
naturalmente do superior. É obvio que depende do solo e à lei da gravidade. O
dono da fonte não captada, satisfeita as necessidades de seu consumo, não
pode impedir o curso natural das águas pelos prédios (terrenos) inferiores.
Trata-se da antiga servidão legal de águas supérfluas, a qual o prédio inferior
tem direito a elas. O dono da nascente pode usá-la inteira, mas se houver
sobras, o dono do prédio inferior tem o direito de recebe-las e limpas. As águas
pluviais, as que procedem das chuvas, pertencem ao prédio onde caírem
diretamente, podendo o seu dono dispor delas à vontade, salvo existindo direito
alheio em sentido contrário. O proprietário pode usar das águas que nascem
em suas terras, sem contudo poluí-las com detritos que as tornem imprestáveis
a jusante. Também não assiste ao ribeirinho superior o direito de desviar as
águas, que lhe sobram, para leito diverso daquele por onde correm
naturalmente.
26 VENOSA, Silvio de Salvo, Direitos Reais, 5º Ed.São Paulo, Ed. Atlas, 2005.
40
Segundo Orlando Gomes: "Os direitos e obrigações referentes às
águas que interessam a prédios vizinhos têm, para alguns, natureza de
servidão enquanto, para outros, devem estar compreendidos entre as relações
de vizinhança". Analisaremos, logicamente, esta questão com referencia ao
Direito de Vizinhança.27
Silvio Rodrigues diz que:
" quando, dentro do campo da vizinhança, fala-se em
regime das águas legalmente estabelecido, tem-se em
vista um complexo das normas reguladoras da relações
entre vizinhos, referentes as águas de nascentes e
pluviais, que, com o escopo de harmonizar interesses e
compor conflitos, criam direitos e obrigações
recíprocos".28
A disciplina jurídica das águas no código de 2002 esta presente nos
Artigos 1.288 a 1.296, este possui embasamento no Código das Águas (Dec.
24.643/34) onde dispõe sobre a conformação do dolo, para o escoamento das
águas entre as propriedades, e a lei da gravidade, para a observância do curso
das águas. Estas normatizações visão impor uma série de direitos e deveres
inerentes às águas, e a proteção da mesma.
Segundo Orlando Gomes, os principais direitos atribuídos aos
proprietários são:
1) o que tem o dono do prédio superior de facilitar o escoamento das
águas, mediante a abertura de sulcos, regos e drenos.
2) o que tem o dono do prédio inferior de suavizar o escoamento
natural das águas com a abertura de canais, sangradouros e valetas. Este
direito esta disposto no Artigo 1.288 do CC 2002 e esta situado no código das
águas, no Art 69).
3) o de captar as águas do que se serve
27 GOMES, Orlando. Direitos Reais, 19º Ed., Rio de Janeiro, Forence, 2005. 28 RODRIGUES, Silvio. Direito das Coisas, 5º Ed., São Paulo, Saraiva, 2003.
41
4) o que tem o dono do prédio superior de utilizar-se livremente das
águas de fonte não captada, para a satisfação de suas necessidades.
5) o que tem o dono do prédio inferior sobre as sobras das águas de
fonte não captada do prédio superior
6) o de captar integralmente as águas de fonte
7) o de utilizar- se livremente das águas pluviais
8) o de aproveitar as águas dos rios públicos
9) o de canalizar, para fins diversos, através de prédios rústicos
alheios, as águas a que tenha direito
10) o de captar as águas dos rios que banhem ou atravessem seu
terreno
11) o de alterar o álveo da corrente que atravessa sua propriedade,
desde que mantenha o mesmo ponto de saída para o prédio inferior.
E destes, nós pulamos para as principais obrigações dos
proprietários que são:
1) a que tem o dono do prédio inferior de receber as águas que
correm naturalmente do superior, isto é, as águas correntes por obra da
natureza e as águas pluviais.
2) a que tem o dono do prédio inferior de consentir que o dono do
prédio superior penetre em seu terreno para a execução de trabalhos de
conservação e limpeza.
3) a que incumbe ao dono do prédio superior de não impedir o curso
natural das águas pelos prédios inferiores.
4) a de permitir, através de seus prédios, o aqueduto
5) a de não captar toda a água da corrente que atravessa ou banha
seu terreno, a fim de que o dono do prédio vizinho não seja privado da que lhe
tocar.
6) a que tem o dono do prédio superior de não piorar a condição
natural e anterior do prédio inferior, se fizer obras de arte para facilitar o
escoamento das águas
7) a que tem o dono do prédio superior de não escoar para o prédio
inferior as águas elevadas artificialmente e as que provierem de cisternas ou
poços.
42
Alguns destes direitos são onerosos e outros são gratuitos. Neste
questão Silvio Rodrigues costuma distinguir o estudo das águas da seguinte
forma: águas que fluem naturalmente do prédio superior; águas levadas
artificialmente ao prédio superior; a fonte não captada; águas pluviais; o
aqueduto.
5.2.1 Águas que fluem naturalmente do prédio superior
Aqui o legislador leva em conta a questão obrigatória de passagem
das águas. Menciono em questão obrigatória, porque caso o dono do prédio
inferior omita a passagem das mesmas, o mesmo poderá sofrer sanções
demandadas pelo dono do prédio superior, além de ter o seu prédio inundado
pelas águas, tendo em vista que estas não terão disponibilidade de
escoamento. Ver Artigo 1.288, e Código de Águas, Artigo 69.
Cabe salientar também que as águas abrangidas pela regra em
análise não são apenas as de torrente, mas também as pluviais.
É importante salientar que, para que exista esta obrigação, é
necessário que o fluxo seja natural. Caso o dono do prédio superior faça
alguma forma de escoamento diverso, o dono do prédio inferior ficará isento de
obrigação de escoamento.
5.2.2 Águas levadas artificialmente ao prédio superior:
O código Civil de 1916 em seu Artigo 564 determinava que quando
às águas fossem artificialmente levada ao prédio superior e dele escoassem
para o inferior, podia o dono deste reclamar que se desviassem, ou que se lhe
indenizasse o prejuízo. Esta questão fora modificada devido a questões de
excesso de direito são dono do prédio inferior.
Então, a partir da reforma feita pelo Código das águas, essa
possibilidade de escolha (do desvio, ou da indenização) foi abolida. Agora a
regra esta disposta no Artigo 92 do Código das Águas que diz:
43
"Art. 92. Mediante indenização, os donos dos prédios inferiores,
de acordo com as normas da servidão legal de escoamento,
são obrigados a receber as águas das nascentes artificiais.
Parágrafo único. Nessa indenização, porém, será considerado
o valor de qualquer benefício que os mesmos prédios possam
auferir de tais águas".
O código de 2002, no entanto, em seu Artigo 1.289, plagiou a idéia
do Código de 1916.
5.2.3 A fonte não captada
Conforme o Artigo 1.290 do código civil de 2002. O proprietário do
prédio inferior, ao mesmo tempo em que possui a obrigação de receber as
águas que fluem do prédio superior, deve ter o direito de usufruir da sobra de
águas advindas desta.
O problema esta na questão das necessidades, tendo em vista que
o dono do prédio superior pode muito bem se utilizar de todas as águas da
fonte e alegar que, somente utilizando todas as águas da fonte que o mesmo
irá suprir as suas necessidades.
É fácil, no entanto, se presumir se há ato abusivo nesta questão. Já
que fazendo uma simples análise do caso concreto, pode-se descobrir se
houve ma fé.
Caso isso seja comprovado, o uso anormal do direito constitui ato
ilícito, conforme está disposto no Artigo 187 do código civil de 2002, podendo
ser removido mediante processo cominatório.
5.2.4 Águas pluviais
Estas são águas que procedem direto da chuva, sendo assim, elas
iram pertencer ao prédio que caírem diretamente, podendo o proprietário dispor
da mesma a vontade. Isso claro é a regra, mas se existir algum tipo de
convenção em contrario, este poderá não ter os mesmo direitos. Podemos
encontrar esta disposição no Artigo 103 do Código das Águas.
44
O que é importante salientar aqui, é que estas águas não podem ser
desviadas de seu curso natural. Somente poderá ocorrer isso, mediante previa
autorização dos donos da propriedade que resumidamente iriam receber
diretamente estas águas. Se ocorrer infração desse dispositivo diz Silvio
Rodrigues: "responderam os infratores por perdas e danos, podendo, ademais,
ser compelidos a desfazer as obras erguidas para o desvio da água.29
5.2.5 Aqueduto
São as canalizações de águas através de prédios rústicos alheios.
Requisitos:
• Que os prédios servientes não sejam sítios, chácaras muradas,
quintais, pátios, hortas e jardins;
• Que os prédios servientes não sejam sítios, chácaras muradas,
quintais, pátios, hortas e jardins;
• Que sejam os proprietários dos prédios servientes previamente
indenizados dos prejuízos apresentados pelo aqueduto;
• O interesse social;
• Que proporcione proveito à indústria e à agricultura; Para atender as
primeiras necessidades da vida;
• Ao escoamento de águas supérfluas e ao enxugo ou beneficiamento
de terras.
O aqueduto não poderá impedir que os proprietários cerquem os
imóveis e construam sobre ele. As águas poderão ser utilizadas, pelos
proprietários, para primeiras necessidades.
O código de 1916, em seu Artigo 567 trazia restrições a canalização
da água de prédios rústicos vizinhos. O mesmo dizia que eram condições para
o exercício de tal direito :
"a) que os prédios servientes não sejam sítios, ou chácaras
muradas, ou quintais, pátios, hortas e jardins. b) que sejam os
proprietários dos prédios servientes previamente indenizados
29 RODRIGUES, Silvio. Direito das Coisas, 5º Ed., São Paulo, Saraiva, 2003.
45
dos prejuízos representados pelo aqueduto, ressalvando seu
direito à indenização posterior, por danos futuros e defluentes
de infiltração ou irrupção de águas".
O código de 2002, inspirado no Artigo 117 do Código das águas,
ampliou-lhe o âmbito de incidência. Agora além das questões vistas no
parágrafo anterior, ele admite que seja feito aqueduto também quando se
destinar este, a atender as primeiras necessidades da vida, ao escoamento das
águas supérfluas e ao enxugo ou beneficiamento de terras. Tudo isso esta
disposto no Artigo 1.293 do código civil.
O código das águas, que é instituído pelo Decreto 24.643, regula de
forma mais ampla todas as questões referentes a questão das águas.
Segundo Pontes de Miranda:
"A indenização, segundo o Artigo 120, parágrafo 3, do Decreto
numero 24.643, é o correspectivo do ônus de servir,
consistente em redução do rendimento provável e do poder de
dispor da área ("diminui do rendimento da propriedade ou
redução de sua área"). Se a servidão é perpétua,alerta ele, a
indenização ainda há de levar em conta a perpetualidade. Se
não o é, tem-se que levar em consideração o tempo, que há de
ser certo, ou incerto, se trate de termo certo ou incerto, ou a
eventual mesma da condição".30
Miranda ainda ressalta que:
" Os donos dos prédios servientes têm, também, direito à
indenização dos prejuízos que de futuro vierem a resultar da
infiltração ou irrupção das águas, ou deterioração das obras
feitas, para a condução destas. Para garantia deste direito eles
poderão desde logo exigir que se hles preste a caução".
Isto está justamente disposto no Artigo 121 do Decreto 24.643.
Quanto a questão dos problemas que a servidão de aqueduto possa
causar a vizinhança. Pontes de Miranda fala que:
30 MIRANDA, Pontes, Tratado de Direito Privado, 18 vol. Campinas: Ed. Bookseller, 2002.
46
"Estatui o artigo 137 do Decreto 24.643: Sempre que as águas
que correm em beneficio de particulares impeçam ou dificultem
a comunicação com os prédios vizinhos, ou embaracem as
correntes particulares, o particular beneficiado deverá construir
as pontes, canais, e outras obras necessárias para evitar este
inconveniente".31
5.2.6 Fontes e poços
Os Artigos 584 e 585 do código civil de 1916 disponham sobre a
matéria. O Artigo 1.310 do código atual dispõe sobre esta questão, sendo
praticamente um plagio do antigo Artigo 584
O direito moderno, considera ilícito o comportamento daquele que
afunda sua poça mais fundo que o necessário, sem maiores interesses que o
de prejudicar o vizinho. Privando-o de água". Sendo portanto, entendido pela
doutrina moderna como abusivo este ato.
31 Idem
47
CAPÍTULO VI
LIMITAÇÕES AO CONTEÚDO DO DIREITO DE
PROPRIEDADE E ABUSO DE DIREITO
6.1 Limites entre Prédios e o Direito de Tapagem
Toda a matéria de limites atende às dimensões do terreno e dos
edifícios ou outras obras e às relações entre vizinhos. A fixação dos limites
entre prédios consiste em direitos de vizinhança. Nascem para essas
propriedades contíguas direitos e deveres. As limitações não se editam no
interesse dos particulares. É interesse social de harmonizar interesses
particulares dos proprietários vizinhos que justifica as normas restritas do
exercício do direito de propriedade. A vizinhança é um fato que, em direito,
possui significado mais largo do que na linguagem. Consideram-se prédios
vizinhos os que podem sofrer repercussão de atos propagados de prédios
próximos ou que com estes possam ter vínculos jurídicos.
É oportuno notar-se que a linha divisória pode receber obras
destinadas a separar um prédio do outro, o que se chama obra divisória ou
tapume. Na linha de separação de dois imóveis é impossível manter as
características absolutas das propriedades. O que a lei quer é que um não seja
mais bem aquinhoado do que o outro e, assim pode acontecer que o trabalho
de agrimensura já tenha sido feitos, e fixados os limites mediante coordenadas
geográficas que indicam os rumos, faltando, entretanto, assentar no terreno os
marcos necessários. Podem ser marcos no sentido técnico da palavra, ou
sinais de pedra ou de madeira colocados para servirem de marcos. Em outros
casos fazem-se certas gravações ou conta-se o marco certo modo, ou então se
abrem trilhas, sobretudo em propriedades latifundiárias. Outras vezes, abrem-
se valas e, em outras ainda combinam-se diversos sinais, aproveitando-se, em
certos lugares, marcos naturais, como fontes, rios e lagos. Essa colocação de
marcos pode ser objeto de uma ação demarcatória.
O direito de cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu
prédio é privativo do proprietário. Os tapumes divisórios, para os efeitos legais,
48
as sebes vivas, as cercas de arame ou de madeira, as valas ou banquetas,
enfim, tudo quanto sirva a separar dois terrenos, presume-se, até prova em
contrário, pertencer a ambos os proprietários de conformidade com os
costumes da localidade, a concorrer, em partes iguais, para as despesas de
sua construção e conservação. São comuns ou especiais. Os tapumes comuns
compreendem os que podem impedir a passagem de animais de grande porte.
Tapumes especiais são os que podem impedir a passagem de animais de
pequeno porte. É interessante a observar que a construção ou levantamento
dos tapumes especiais para impedir a passagem de animais de pequeno porte,
ou para outro fim, pode ser exigido de quem provocou a necessidade deles,
estando o vizinho prejudicado desobrigado de concorrer com as despesas.
Ampara, ainda, a lei o direito de constranger o seu
confinante a proceder com ele à demarcação entre dois prédios, a aviventar
rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se
proporcionalmente entre os interessados as despesas. Além do direito de
vedar, pode ainda o proprietário exigir que o vizinho lhe permita a entrada,
sempre que o tapume comporte reparos, ficando entendido que se ocasionar
prejuízos deve integral reparação.
6.2 Passagem Forçada
Assemelha-se com a servidão, pois constitui uma prerrogativa para
utilizar, parcialmente, o imóvel de outrem. É o direito do proprietário, que não
tem acesso a via publica, nascente ou porto, de prédio rústico ou urbano
reclamar ao vizinho que lhe de passagem. Quando necessário o rumo será
fixado judicialmente. Trata-se de negócio oneroso, já que o vizinho que
conceder passagem tem direito a indenização cabal. Seu encravamento terá de
ser absoluto, isto é, existindo uma única passagem e sendo ela incômoda não
se qualifica como "encravado". A serventia do vizinho, que lhe facilite o acesso
é servidão de passagem e não passagem forçada. O fundamento da passagem
forçada é o princípio de solidariedade social e no fato de ter a propriedade uma
função econômico-social que interessa a coletividade. Tal interesse baseia-se
em proporcionar ao prédio encravado uma via de acesso, para que não o torne
49
improdutivo, já que seu proprietário ficaria impossibilitado de lhe dar utilização
econômica.
6.2.1 Diferença entre Passagem Forçada e Servidão
A passagem forçada é direito de vizinhança, é uma limitação ao
direito de propriedade, decorrente da lei e imposta no interesse social, para
evitar que um prédio fique inexplorado, e não necessita de registro. A Servidão
é um direito real sobre coisa alheia, a limitação à plenitude do domínio decorre
da vontade das partes, e não da lei, e visa aumentar as comodidades do prédio
dominantes, em detrimento do serviente, e só se constitui após a inscrição no
Registro de Imóveis.
A passagem forçada se extingue quando cessa a necessidade, por
parte do prédio dominante.
6.3 Da passagem de cabos e tubulações
O proprietário é obrigado a tolerar a passagem em seu imóvel de
cabos, tubulações e outros condutores subterrâneos de serviços de utilidade
pública desde que seja indenizado. Serve para atender a necessidade de seus
vizinhos que seja impedido de ter tal beneficio por outros meios ou que ela seja
muito onerosa. O proprietário cedente poderá exigir que a instalação seja feita
de modo menos gravoso ao seu prédio. Poderá ainda solicitar que, se as
instalações, oferecendo grave risco, sejam feitas realizações de obras de
segurança em razão da periculosidade das instalações, pelas concessionárias
que exploram o serviço perigoso ou pelo próprio Poder Público que tomar as
devidas cautelas.
6.4 Direito de Construir
Nessa linha de raciocínio, pode-se dizer que, o direito de construir e
o direito de vizinhança são de ordem privada e dizem respeito a construção e
50
seus efeitos nas relações com terceiros, especialmente com os confrontantes,
enquanto que o direito urbanístico ordena o espaço urbano e as áreas rurais
que nele interferem através de imposição de ordem pública, expressas em
normas de uso e ocupação do solo urbano ou urbanizável ou de proteção
ambiental. Os direitos de construir, de que falam os art. 1299 e ss. do Código
Civil, também nascem de limitação ao conteúdo do direito de propriedade; são
direitos dependentes, contidos no direito de propriedade. Quase sempre, a
construção jurídica de tais direitos é a limitação bilateral: cada propriedade
vizinha sofre limitação. “O proprietário”, diz o Código Civil, pode levantar em
seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os
regulamentos administrativos. Na regra logo ressaltam tese e antítese: cada
um, no seu terreno constrói o que entende como entende e onde entende
(tese); o interesse dos proprietários, e não só o de cada proprietário e o
interesse público tem de ser atendidos (antítese). Direitos dos vizinhos e
regulamentos – leis - administrativos limitam o conteúdo do direito de
propriedade nesse ponto particular da construção.32
O sentido continua a ser sempre o da busca da finalidade social da
propriedade, o equacionamento do direito individual com o direito social. Deve
ser entendido que a liberdade de construir é a regra. As limitações, como
exceção, devem vir expostas pelo ordenamento. Essa utilização da
propriedade deve, da mesma forma ser sempre examinada em consonância
com a regra geral de vizinhança do art. 554 ou art. 1277 do atual Código, que
reprime o mau uso da propriedade, quando ocasiona prejuízo à segurança,
sossego e saúde da vizinhança. De sorte que, dentre os direitos dos vizinhos,
assegurados pelo Código sobressai o de se opor e poder embargar a
construção que invada a área ou lhe deite goteiras, bem como aquela em que
se abra janela, ou se faça eirado, terraço ou varanda a menos de metro e meio.
A finalidade é preservar a privacidade. Geralmente, o poder de polícia
municipal, em matéria de direito de construir é mais amplo, podendo a
Administração Pública alterar a legislação e modificar posturas aplicáveis, a
32 Op.cit. Miranda, Pontes de. Tratado de Direito Privado, p.378
51
qualquer tempo. A própria definição do Código Civil ressalta a observância aos
regulamentos administrativos.
Cabe à municipalidade estabelecer normas urbanísticas, seu plano
diretor, complexo de normas técnicas caracterizadoras dos direitos e limitações
de construir. Modernamente, são mais numerosas e importantes as restrições
de ordem administrativas. As regras civis aplicam-se subsidiariamente. Pode-
se ir mais além, como ensina Washington de Barros Monteiro, a regra proibitiva
que o legislador impõe, se inobservada caberá ao proprietário prejudicado
impugnar dentro do prazo de ano e dia , sob a pena de consumar-se contra si
a prescrição a que alude o art. 1302 do Código civil. De sorte que, cabe ao
lesado com a infração tentar contra o vizinho-infrator o competente processo
judicial. Para tal fim concede-lhe o Código prazo de ano e dia, a partir da
conclusão da obra (e não abertura de janela, sacada, terraço ou goteira). Se o
proprietário, porém, durante o referido lapso de tempo, se conserva inativo,
afirma-se o direito do vizinho, transformando-se em verdadeira servidão,
adquirida pela posse e decurso do tempo.
6.4.1 Limitações ao direito de construir
Não obstante as questões de caráter restritivo têm o proprietário o
direito de construir em seu terreno como quiser. O que cria justamente a
restrição, são os direitos de seus contíguos e os regulamentos de caráter
administrativo, sejam rurais ou urbanos.
Isto é o que mais ou menos diz o Artigo 1.299 do nosso diploma
privado. As limitações ao direito de construir estão reguladas pelo Decreto
7.917 de 30/08/1945.
Logicamente, estas limitações não foram feitas para restringir de
forma descabida a vida das pessoas, ela tem um propósito muito coerente.
Tendo em vista que, se um sujeito, construir uma janela a menos de metro e
meio de outra propriedade, o mesmo poderá estar acabando com a privacidade
de seu vizinho.
Se, de forma imprudente, ou até mesmo desprovido de qualquer
culpa, o proprietário do prédio vizinho, construiu, desobedecendo as regras
52
mencionadas no diploma civilista ou no decreto 7.917/45, e esta
desobediência, obrigou o dono do prédio confinante a construir algo para se
proteger dos malefícios que, eventualmente, poderiam vir de seu vizinho, este
deve indenizar aquele pelo prejuízo causado. É importante para que fique mais
claro que, não há necessidade nem de prova de culpa, porque como diz Silvio
Rodrigues: "O dono do prédio prejudicado não pode sofrer dano pelo
comportamento de seu vizinho, ainda que este atue sem culpa". Então o mero
ato de desobediência da norma, já culminaria em indenização.
Há uma problemática aqui no que diz respeito a quem realmente é o
responsável por dada questão, se é o proprietário da obra ou o empreiteiro.
Existem certos juristas que imputariam a responsabilidade somente ao
empreiteiro, porque o mesmo foi imperito, devia devido a sua profissão,
conhecer as limitações impostas pela lei, assim sendo absolvido o proprietário,
por se presumir que este, poderia não ter conhecimento destas normas. Outra
corrente entende que somente o proprietário é o responsável, porque a
propriedade, de fato, é dele, e ele deveria ter seguido as regras de observância
da obra.
Deixando estas divergências doutrinárias de lado, o que a
jurisprudência entende como mais plausível, e que atende melhor ao interesse
social, é a que o proprietário é o responsável pelo prejuízo causado, podendo
este, conceder ação de regresso contra o profissional habilitado que fez a obra,
se o dano, logicamente , veio de uma imperícia, imprudência ou negligencia.
Sendo assim, a culpa do proprietário seria "in eligendo" ou "in vigilando.".
53
CONCLUSÃO
É importante perceber, de plano e não perder de vista, que os
chamados direitos de vizinhança são direitos de convivência decorrentes da
proximidade ou interferência entre prédios. Nasceram da apropriação da terra e
conservam todas as reminiscências da sua origem. O homem vivendo em
sociedade surge a relação jurídica, sendo obrigado obedecer a preceitos
necessários para harmonização coletiva. Contudo, não é simples definir
quando e como uma propriedade está sendo utilizada anormal ou nocivamente
para vizinhança. Por essa razão, em muitas situações práticas, a teoria do
abuso de direito justificará medidas restritivas no direito de vizinhança. Analisa-
se o abuso dentro do conceito de utilidade da propriedade. Acrescenta-se, a
esse aspecto, a suportabilidade ou tolerabilidade. Se o proprietário a utiliza de
forma excepcional, deve suportar os encargos deste uso.
Vimos que desde a época de Roma as relações entre vizinhos
causavam margem para inúmeras discussões. Nota-se que no direito moderno,
a situação não mudou. Pelo contrario, devido a criação de novas situações,
como, por exemplo, da própria industrialização, criou-se novas concepções de
solução de conflitos inerentes as relações de vizinhança.
É possível concluir que os Direitos de Vizinhança, especificamente o
uso anormal da propriedade, o legislador buscou equilibrar os pratos da
balança ao dotar o vizinho incomodado de argumentos capazes de preservar o
seu sossego, a sua tranqüilidade e segurança ou mesmo sua saúde, desde
que tais ameaças e ocorrências realmente estejam extrapolando o que é
legalmente permitido, ou seja, a faculdade que o proprietário tem de usar,
gozar e dispor da coisa.
Em última análise, necessidade é a pilastra basilar para distinguir os
casos em que a interferência da propriedade deve ser suportada, dos em que
deve ser repelida. Por um lado, é indispensável examinar a suscetibilidade do
incomodado, a qual pode apresentar-se em graus variadíssimos, desde o que
suporta grande barulho até o que repele o menor ruído. Importante é que as
regras disciplinadoras dos direitos de vizinhança restringem as atitudes que
trazem riscos ou causam prejuízos.
54
BIBLIOGRAFIA
DANTAS, San Tiago. O Conflito de vizinhança e sua composição. Programa de Direito Civil III. 2. ed. Rio de Janeiro: E. A. 1939. Disponível em www.jusnavigandis.com.br. Acesso em 21jun2011.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2002. DINIZ, Maria Helena. Direito das Coisas. 4º vol. São Paulo: Saraiva, 2004. FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao Código Civil: Parte Especial do Direito Das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2003. GOMES, Orlando, Direitos reais. 14ª ed. São Paulo, 1999. Ed. Edição Revista Forense, p.192. GOMES, Orlando. Direitos Reais, 19º Ed., Rio de Janeiro, Forence, 2005. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Admin. Brasileiro, 16ª ed. São Paulo, 1991. Ed. Rev. dos Tribunais MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. MIRANDA, Pontes, Tratado de Direito Privado, 18 vol. Campinas: Ed. Bookseller, 2002.
NERY JUNIOR, Nelson, Código Civil Comentado e Legislação extravagante, 3º ed. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2005. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 4. ed., Rio de Janeiro, 1981, vol. IV. Revista Jurídica: Órgão Nacional de Doutrina, Jurisprudência... Ed. Síntese, Porto Alegre, RS. Ano XLV, nº 237, pág 137- 153, julho de 1997. RODRIGUES, Silvio. Direito das Coisas, 5º Ed., São Paulo, Saraiva, 2003. RUGGIERO, Roberto. Instituições de Direito Civil, trad. SP. Saraiva, 1972, II/307, (apud Revista Jurídica). VENOSA, Silvio de Salvo, Direitos Reais, 5º Ed.São Paulo, Ed. Atlas, 2005.
55
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Comentários ao Estatuto da Cidade, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p.28. Disponível em www.jusnavigandis.com.br . Acesso em 15jun2011.
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www.jusnavigandis.com.br. Acesso em 15jun2011.