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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
DIREITO PENAL DO INIMIGO:TEORIA, CRÍTICA E ATUALIDADE
Por: Mauricio Miranda Sampaio Corrêa
Orientador
Professor Francis Rajsman.
Rio de Janeiro
2
2010
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
DIREITO PENAL DO INIMIGO:TEORIA, CRÍTICA E ATUALIDADE
Apresentação de monografia à Universidade
Cândido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em direito e
processo penal
Por: Mauricio Miranda Sampaio Corrêa
3
AGRADECIMENTOS
À minha Elisabete, que me incentivou a
fazer este curso de pós-graduação,
sempre sendo minha companheira de
estudo, e, que, com sua inteligência,
ensinou-me a gostar, ainda mais, de
Direito Penal.
4
DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia à minha esposa,
mulher e companheira Elisabete, que me
deu uma nova vida ao casar comigo.
5
RESUMO
Na presente monografia, pretendo estudar o Direito Penal do Inimigo,
sua teoria, sua crítica e a sua atualidade.
O Direito Penal do Inimigo, teoricamente, seria um Direito Penal de
exceção, que existiria, em países democráticos, como uma forma mais rigorosa
de se tratar determinados indivíduos, ditos “inimigos”. Os demais, ditos
“pessoas”, seriam alcançados pelo Direito Penal do Cidadão, considerado este
como o Direito Penal comum.
Os críticos ao Direito Penal do Inimigo veem-no pelo lado negativo, pois,
segundo eles, não se pode criar exceções em legislação penal de países
democráticos, sob pena de ferir a própria liberdade democrática.
A par de quaisquer críticas, o Direito Penal do Inimigo permeia grande
parte do Direito Penal de hoje, e é mais atual do que nunca.
Negar a atualidade do Direito Penal do Inimigo é não ver que o Direito
Penal hodierno cria, cada vez mais, novos “inimigos”.
6
METODOLOGIA
O presente trabalho será dividido em três partes: na primeira, será dada
uma visão teórica sobre o Direito Penal do Inimigo; na segunda, falar-se-á
sobre a sua crítica, quase unânime em considerá-lo antidemocrático; e, na
terceira parte, discutir-se-á a sua atualidade, com a exposição das leis que o
utilizam.
Serão utilizados livros de doutrina sobre o Direito Penal do Inimigo e
citadas leis, tentando englobar o máximo possível de informações sobre o
tema.
O objetivo deste trabalho é expor o que foi dito sobre o Direito Penal do
Inimigo, procurando uma visão objetiva sobre o tema, tentando chegar a uma
conclusão que abranja os melhores entendimentos sobre a matéria.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - Direito Penal do Inimigo: Teoria 09
CAPÍTULO II - Direito Penal do Inimigo: Crítica 15
CAPÍTULO III – Direito Penal do Inimigo:Atualidade 22
CONCLUSÃO 26
BIBLIOGRAFIA 28
ÍNDICE 29
FOLHA DE AVALIAÇÃO 30
8
INTRODUÇÃO
As pessoas são vistas pelas outras, de modo geral, como pessoas
comuns e não como inimigos. Isto ocorre em casa, no trabalho e nos outros
lugares de vida em comum. Ver o outro como inimigo implica em senti-lo como
diferente de você, não merecedor dos mesmos direitos e deveres. Quando se
trata de Direito Penal, tratar o outro como inimigo leva na mesma direção, mas,
neste caso, é o Estado quem decide quem é o inimigo, é o Estado quem
determina a punição aos delitos praticados por este inimigo.
Será que um Estado que se considera democrático pode tratar
delinquentes como “inimigos” e, não, “cidadãos”? Como o Direito Penal do
Inimigo pode ser melhor entendido e aplicado? Como distinguir o Direito Penal
do Inimigo do Direito Penal do Cidadão? O Direito Penal do Inimigo é
antidemocrático? O Direito Penal do Inimigo é uma nova forma de Direito Penal
ou, apenas, uma antiga com nova roupagem? Por que o conceito de Direito
Penal do Inimigo é tão combatido pelos penalistas? Os atuais “inimigos”devem
ter os mesmos direitos das outras “pessoas” ou merecem um Direito Penal de
exceção? O Direito Penal do Inimigo existe, atualmente, em legislações de
países democráticos? Quais leis penais atuais são perpassadas pelo Direito
Penal do Inimigo?
Muitas são as perguntas sobre o Direito Penal do Inimigo e, nesta
monografia, longe de responder a todas, darei uma visão panorâmica da
opinião de alguns autores, juristas das mais diversas nacionalidades, que
escreveram sobre este tema, começando pela criador desta combatida,
criticada e pouco entendida teoria, Günther Jakobs, passando, depois, para a
doutrina de outros juristas, estrangeiros e brasileiros, que combatem – de
forma quase unânime - o conceito de Direito Penal do Inimigo e, renegam a
sua existência em um ambiente democrático, terminando por demonstrar como
a legislação de países democráticos, como o Brasil, EUA e outros utilizam o
Direito Penal do Inimigo de forma velada ou disfarçada.
9
CAPÍTULO I
DIREITO PENAL DO INIMIGO: TEORIA:
“Se señala al penalista alemán Günther Jakobs como el introductor, em
dos fases (primero em forma descriptiva em 1985, y luego justificadora em año
1999) del concepto de un derecho especial, distinto del de los ciudadanos Y
llamado “Derecho penal del enemigo”.” (em espanhol, no original) (Gabriel
Ignacio Anitua in Busato, 2010, p.47). Assim, o criador da teoria do Direito
Penal do Inimigo seria o penalista alemão Günther Jakobs na década de 80.
“Segundo Jakobs, o Direito Penal do Inimigo se caracteriza por três elementos:
em primeiro lugar, constata-se um amplo adiantamento da punibilidade, isto é,
que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico penal é prospectiva
(ponto de referência: o fato futuro), no lugar de – como é o habitual –
retrospectiva (ponto de referência: o fato cometido). Em segundo lugar, as
penas previstas são desproporcionalmente altas: especialmente, a antecipação
da barreira de punição não é considerada para reduzir, correspondentemente,
a pena cominada. Em terceiro lugar, determinadas garantias processuais são
relativizadas ou inclusive suprimidas.” (Manuel Cancio Meliá in Jakobs, 2009, p.
90). Aqui temos três das principais particularidades do Direito Penal do Inimigo:
pune-se o fato futuro, as penas são desproporcionais ao delito e há uma
relativização ou supressão de garantias processuais.
Segundo o próprio Jakobs, as ideias de Thomas Hobbes, no livro
Leviatã, junto com o pensamento de Kant, propiciaram a criação da teoria do
Direito Penal do Inimigo.
A teoria do Direito Penal do Inimigo é muito longa e complexa, e não
cabe, aqui, nos estritos limites desta monografia. Exporei, portanto, a seguir,
alguns conceitos de Günther Jakobs sobre esta teoria.
Estes são os conceitos mais polêmicos, - a meu ver – da teoria do
Direito Penal do Inimigo:
1º Conceito: Inimigo: “de acordo com uma cômoda ilusão, todos os
seres humanos, enquanto pessoas, estão vinculados entre si por meio do
direito. Esta suposição é cômoda porque exime da necessidade de iniciar a
comprovar em que casos se trata, na realidade, de uma relação jurídica e em
10
que outros de uma situação não jurídica; de certo modo, como jurista, nunca se
corre o risco de topar com seus limites. É ilusória porque um vínculo jurídico,
quando se pretende que concorra não só conceitualmente, senão na realidade,
há de constituir a configuração social; não basta o mero postulado de que tal
constituição deve ser. Quando um esquema normativo, por mais justificado que
esteja, não dirige a conduta das pessoas, carece de realidade social....Idêntica
à situação a respeito do Direito em si mesmo é a das instituições que cria e,
especialmente, da pessoa: se já não existe a expectativa séria, que tem efeitos
permanentes de direção da conduta, de um comportamento pessoal –
determinado por direitos e deveres - , a pessoa degenera até converter-se em
um mero postulado, e em seu lugar aparece o indivíduo interpretado
cognitivamente. Isso significa, para o caso da conduta cognitiva, o
aparecimento do indivíduo perigoso: o inimigo”. (Jakobs, 2009, p. 9 e 10). O
conceito de inimigo, então, seria o de um indivíduo perigoso para a sociedade,
uma pessoa degenerada de sua função social, não mais uma pessoa, mas
uma verdadeira “não pessoa”, e, contra ela – e, só contra ela, - seria aplicado o
Direito Penal do Inimigo.
2º Conceito: Direito Penal do Inimigo versus Direito Penal do
Cidadão: “o Direito Penal do cidadão é o Direito de todos, o Direito Penal do
inimigo é daqueles que o constituem contra o inimigo: frente ao inimigo, é só
coação física, até chegar à guerra. Esta coação pode ficar limitada em um
duplo sentido. Em primeiro lugar, o Estado não necessariamente excluirá o
inimigo de todos os direitos. Neste sentido, o sujeito submetido à custódia de
segurança fica incólume em seu papel de proprietário de coisas. E, em
segundo lugar, o Estado não tem por que fazer tudo o que é permitido fazer,
mas pode conter-se, em especial, para não fechar a porta a um posterior
acordo de paz. Mas isso em nada altera o fato de que a medida executada
contra o inimigo não significa nada, mas só coage. O Direito Penal do cidadão
mantém a vigência da norma, o Direito Penal do inimigo (em sentido amplo:
incluindo o Direito das medidas de segurança) combate perigos; com toda
certeza existem múltiplas formas intermediárias.” (Jakobs, 2009, p. 28 e 29)
Por esta visão, vê-se que o Direito Penal do inimigo contrapõe-se ao Direito
11
Penal do cidadão por ser só coação contra um “inimigo” do Estado que deve
ser combatido duramente, mas este Estado é um estado democrático,
respeitando os direitos do “inimigo” assim como respeita os direitos do
“cidadão”. Apenas, a forma como o Estado deve tratar os dois em termos
penais é diferente: para o cidadão, existem as normas penais do Direito Penal
do Cidadão, ou seja, o Direito Penal comum; para o inimigo, só há a coação do
Direito Penal do Inimigo, e essas medidas – ditas medidas de segurança no
texto citado - podem levar à guerra contra o inimigo do Estado e da sociedade.
Por fim, o texto permite visualizar que, para o pensamento de Günther Jakobs,
existem vários tipos intermediários entre o Direito Penal do Inimigo em sua
forma pura e o Direito Penal do Cidadão: são as leis penais que não são
exatamente nem um direito nem outro, mas que são perpassadas pelo Direito
Penal do Inimigo, ainda que disfarçadamente, e que são muitas das leis penais
atuais contra terrorismo, tráfico de drogas e armas, e outras mais de muitos
países democráticos.
3º Conceito: Uso do Direito Penal do Inimigo contra o Terrorismo:
“Não se pretende duvidar que também um terrorista que assassina e aborda
outras empresas pode ser representado como delinquente que deve ser punido
por qualquer Estado que declare que seus atos são delitos. Os delitos seguem
sendo delitos, ainda que se cometam com intenções radicais e em grande
escala. Porém, há que ser indagado se a fixação estrita e exclusiva à categoria
do delito não impõe ao Estado uma atadura – precisamente, a necessidade de
respeitar o autor como pessoa – que, frente a um terrorista, que precisamente
não justifica a expectativa de uma conduta geralmente pessoal, simplesmente
resulta inadequada. Dito de outro modo: quem inclui o inimigo no conceito de
delinquente cidadão não deve assombrar-se quando se misturam os conceitos
“guerra” e “processo penal”. De novo, em outra formulação: quem não quer
privar o Direito penal do cidadão de suas qualidades vinculadas à noção de
Estado de Direito – controle das paixões; reação exclusivamente frente a atos
exteriorizados, não frente a atos meramente preparatórios; a respeito da
personalidade do delinquente no processo penal, etc – deveria chamar de outra
forma aquilo que tem que ser feito contra os terroristas, se não se quer
12
sucumbir, isto é, deveria chamar Direito Penal do inimigo, guerra contida.”
(Jakobs, 2009, p. 35 e 36). Aqui, temos o primeiro e real destinatário do Direito
Penal do Inimigo em sua forma pura: o terrorista. Contra o terrorista nunca se
aplicaria o Direito Penal do cidadão: utiliza-se, sempre, o Direito Penal do
Inimigo, utiliza-se uma espécie de guerra através da coação ao inimigo. O
terrorista, é, na verdade, pelas próprias palavras transcritas acima, o alvo do
Direito Penal do Inimigo criado por Günther Jakobs. Em outras palavras, pode-
se dizer: para o cidadão, a lei – Direito Penal do Cidadão -, para o terrorismo, a
coação – Direito Penal do Inimigo - ou a guerra.
4º Conceito: Não Pessoa: “...a proposição 'no Direito, todo ser humano
tem o direito de ser tratado como pessoa' é incompleta. Além disso, é preciso
que se determine quem deve procurar quais condições para converter em
realidade esta personalidade, e nesse contexto, deveria ser evidente que a
responsabilidade de um suficiente apoio cognitivo é de dever da própria
pessoa, ao menos no que se refere à prestação amplamente confiável, de
fidelidade ao regulamento. Em consequência, a formulação correta da
proposição é a seguinte: 'todo aquele que é fiel ao ordenamento jurídico com
certa confiabilidade tem direito a ser tratado como pessoa, e quem não aplicar
esta disposição, será heteroadministrado, o que significa que não será tratado
como pessoa.” (Jakobs, 2009, p. 58 e 59). Estas afirmações indicam que
pessoa seria só quem respeitasse as leis de um Estado e o Direito Penal do
Inimigo teria como alvo estas “não pessoas”, inimigos, indivíduos que não tem
respeito pelas leis deste Estado e não mereceriam, segundo Günther Jakobs,
ser tratados como pessoas, tendo o Estado o direito, neste caso, de aplicar
contra estas “não pessoas” o Direito Penal do Inimigo.
5º Conceito: A Segurança Pública como Bem Maior a Ser Defendido
com o Direito Penal do Inimigo : “Em primeiro lugar, o Estado não tem
porque colocar em jogo, de forma negligente, a sua configuração. Quando se
fala em Direito Penal do inimigo isto não significa “Lei do menor esforço”,
“penas por meros indícios ou suspeitas”, ou, inclusive, “esquartejamento
público para intimidação”, ou coisas similares (ainda que isso, obviamente, não
resolva o problema de como fazer a delimitação). Em segundo lugar, a
13
inferência de uma resposta à questão da legitimidade do conceito abstrato de
Estado de Direito carece de valor. A constatação de que um Estado que não
reconhece a custódia de segurança, que castiga a fundação de uma
associação terrorista, exclusivamente, enquanto delito contra a ordem pública,
que são alheios à incomunicabilidade, às numerosas escutas, aos agentes
secretos e a muitos outros instrumentos, aproxima-se mais ao ideal de um
Estado de Direito do que um que permita tais instituições e medidas é somente
uma constatação que se fazer em abstrato; por outro lado, em concreto é
possível que a renúncia a estas instituições anule o conteúdo do direito do
cidadão à segurança, e esse direito à segurança é outra denominação do
direito do estado de vigência real do Direito. Paralelamente ao que se expôs
em relação ao conceito de pessoa, e também ao da vigência do Direito,
tampouco um Estado de Direito é real por ser pensado, postulado; e aqueles
que defendem a posição de que no Estado de Direito tudo deve se converter
em realidade, sem concessões, deveriam saber que aquele “tudo”, na verdade,
vem acompanhado de um “ou nada.” (Jakobs, 2009, p. 63 e 64). O Direito
Penal do Inimigo seria uma defesa do Estado de Direito contra indivíduos
potencialmente perigosos para a segurança deste estado, para a própria
existência deste estado como um Estado de Direito. A segurança pública seria
o bem maior a ser defendido pelo Estado com o Direito Penal do Inimigo.
6º Conceito: Direito Penal do Inimigo como Estado de Necessidade
Defensiva do Estado: “...em uma sociedade que concebe o Estado como
instrumento da administração da felicidade dos cidadãos individuais, não cabe
que alguns devam sacrificar-se, renunciando, assim, a todas suas expectativas
de felicidade. Em tal sociedade, o Estado perde sua personalidade ao exigir
este sacrifício de sujeitos não responsáveis. Portanto, se o Estado, em caso de
extrema necessidade, inclusive frente a seus cidadãos que são responsáveis
por ela, não conhece tabu algum, mas sim faz o necessário, menos ainda
poderão ser impostos tabus no âmbito das medidas para se evitar essa
extrema necessidade dirigida contra terroristas. Em outras palavras, contra
aqueles que geram a situação de necessidade, ao menos dentro do
necessário: esta é a força sistemática explosiva do preceito.” (Jakobs, 2009, p.
14
66). Esta visão sobre o Estado ter direito a um espécie de estado de
necessidade defensiva para tratar com os inimigos seria derivada, segundo
Jakobs, das ideias de Thomas Hobbes sobre estado de necessidade do
Estado. Não haveria, nesta situação, impedimento para as ações do Estado,
porque estas assegurariam o direito à felicidade dos demais cidadãos
respeitadores da lei. Este é um dos principais conceitos que Jakobs teria
“tomado emprestado” de Hobbes, o que os defensores de Hobbes não
admitem e renegam completamente, como veremos na crítica no capítulo
seguinte,
7º Conceito: Direito Penal do Inimigo como Direito Penal de
Exceção: “...quem somente reconhece – sit venia verbo – o Estado de Direito
permanente com bons olhos, induz o Estado real a encobrir as exceções
irremediáveis para sua sobrevivência em um mundo desonesto, como regras,
esmaecendo os limites entre o que é regra e o que é exceção. Em outras
palavras, o Estado de Direito imperfeito se representa como perfeito através de
um léxico ideológico. Esta subestimação da complexidade da realidade estatal
é perigosa, visto que obstrui a visão de quando o Direito Penal está sobre o
solo seguro do Direito Penal do cidadão, e quando está sobre o terreno
movediço do Direito Penal do inimigo. Voltando novamente à questão proposta
no início: pode-se conduzir uma guerra contra o terror com os meios de um
Direito Penal próprio de um Estado de Direito? Um Estado de Direito que
abarque tudo não poderia conduzir essa guerra, pois teria que tratar seus
inimigos como pessoas, e, correspondentemente, não poderia tratá-los como
fontes de perigo. Na prática, as coisas são diferentes no Estado de Direito
ótimo, e isso lhe dá a possibilidade de não ser atingido por ataques de seus
inimigos.” (Jakobs, 2009, p. 70). O Direito Penal do Inimigo seria, então,
utilizado em casos especiais, e, só ao dispor o Estado de Direito desta exceção
legal conseguiria combater legal e legitimamente seus “inimigos”. De outra
forma, ficaria fragilizado frente a terroristas e outros inimigos do Estado de
Direito, não possuindo meios para combatê-los.
No capítulo seguinte, teremos as críticas a estes conceitos.
15
CAPÍTULO II
DIREITO PENAL DO INIMIGO: CRÍTICA
“No ano de 2007, ao visitar uma Universidade no Brasil, Ferrajoli foi
indagado acerca do Direito Penal do Inimigo. Sua resposta foi contundente.
Direito Penal do Inimigo, segundo o jurista italiano, seria uma contradição em
termos. Direito pode ter categorias como “delinquente” ou “criminoso”, mas
nunca “inimigo”. A categoria de “inimigo” foi extraída da guerra e o Direito é a
negação da guerra e a afirmação da paz. Lembrou que a própria ideia de
contrato social, que funda o Estado Moderno, indica uma passagem do estado
de natureza (de guerra de todos contra todos, como vislumbrado por Hobbes)
para o estado de sociedade (onde prevalece o Direito). Para o teórico do
garantismo, a legitimidade do Estado deriva de sua assimetria com relação ao
crime. Uma vez que o estado se iguala aos criminosos, atuando do mesmo
modo que estes, perderá a própria fonte de sua legitimidade. E, como pá de
cal, argumentou que o Direito não pode nunca ser o direito de alguns. O Direito
deve ser, sempre, o Direito de todos.” (Dupret, 2008, p. 11). O pensamento do
mestre italiano do garantismo é uma crítica geral e irrestrita ao Direito Penal do
Inimigo, e, como quase todos os penalistas, junta-se à voz quase unânime em
proclamar o Direito Penal do Inimigo como incompatível com o Direito Penal
comum.
A par dessa crítica do mestre italiano, veremos, a seguir, outras críticas,
as mais contundentes possíveis, sobre os conceitos polêmicos expostos no
capítulo anterior:
1ª Crítica) De Rogério Greco, penalista brasileiro, sobre o conceito
de Inimigo: “...quem são os inimigos? Alguns, com segurança, podem afirmar:
os traficantes de drogas, os terroristas, as organizações criminosas
especializadas em sequestros para fins de extorsões...E quem mais? Quem
mais pode se encaixar no perfil do inimigo? Na verdade, a lista nunca terá fim.
Aquele que estiver no poder poderá, amparado pelo raciocínio do Direito Penal
do Inimigo, afastar o seu rival político sob o argumento de sua falta de
patriotismo por atacar as posições governamentais. Outros poderão concluir
que também é inimigo o estuprador da sua filha. Ou seja, dificilmente se poderá
16
encontrar um conceito de inimigo, nos moldes pretendidos por essa corrente,
que tenha o condão de afastar completamente a qualidade de cidadão do ser
humano, a fim de que seja protegido pelas garantias conquistadas ao longo
dos anos.” (Greco, 2009, p. 23). Nesta crítica, vê-se o pensamento de que
inimigo é quem o Estado ou a sociedade assim o determinar, não havendo
como conceituar inimigo em termos gerais afastado do conceito de cidadão,
pelo menos não em sociedades ditas democráticas.
2ª Crítica) De Luis Gracia Martín, penalista espanhol, sobre o
conceito de Direito Penal do Inimigo versus Direito Penal do Cidadão:
“...no horizonte envolvente que havia fixado no princípio – o horizonte da
democracia e do Estado de Direito – pode ser contemplado um movimento
histórico cuja característica mais evidente não é senão a de uma constante luta
da humanidade pela limitação e redução do exercício do poder punitivo, isto é,
da força e da coação física do poder, mediante a fixação e progressivo
desenvolvimento do valor da dignidade do ser humano como um valor de
caráter absoluto e, por isso, capaz de deslegitimar e invalidar qualquer
exercício da força e da coação físicas como formas de imposição e inclusive de
defesa das ordens sociais históricas e, por isso, contingentes. Na medida em
que o Direito Penal do inimigo for apenas força e coação físicas para a
imposição e defesa da ordem social, entrará em uma contradição insanável
com a dignidade do ser humano e deverá ser deslegitimada e invalidada de
modo absoluto. O horizonte da democracia e do Estado de Direito não pode
abarcar nenhuma coexistência entre um Direito Penal para cidadãos e um
Direito Penal para inimigos. O Direito Penal do inimigo não tem lugar no
horizonte da democracia e do Estado de Direito, porque só no horizonte de
uma sociedade não democrática e de um Estado totalitário é imaginável a
emergência de um Direito Penal do inimigo.” (Gracia Martín, 2007, p. 156).
Nesta crítica, vê-se a negação da possibilidade da coexistência, em um Estado
de Direito, de um Direito Penal do Inimigo com um Direito Penal do Cidadão,
pois, neste caso, o Estado não seria mais democrático, ou seja, a democracia
implica em tratar a todos como iguais perante a lei, não podendo haver
inimigos, apenas cidadãos. Do contrário, não haveria democracia neste Estado.
17
3ª Critica) De Eugênio Raúl Zaffaroni, penalista argentino, sobre o
conceito de Uso do Direito Penal contra o Terrorismo: “A rigor, sabemos
muito poucas coisas e entre as que ignoramos está a resposta à pergunta
sobre a solução do problema do terrorismo no mundo. A esse respeito,
sabemos apenas o que o direito penal pode fazer e, é claro, sabemos também
que isso não é o bastante e nem sequer podemos afirmar que tenha alguma
eficácia. Por conseguinte, a pergunta correta – porque é a única que podemos
responder – é a seguinte: o que o direito penal pode fazer em relação aos
terroristas? A resposta é bastante óbvia: se ninguém faz nada, o direito penal
nada pode fazer; se delitos são cometidos, seus responsáveis devem ser
individualizados, detidos, processados, julgados, condenados e levados a
cumprir a pena. É isso que o direito penal pode fazer. Se os delitos tiverem a
gravidade e as características de crimes de lesa-humanidade, deverão receber
o tratamento reservado para esses delitos; se não as tiveram, deverão ser
apenados conforme os tipos que a posse de explosivos podem acarretar, i.é, o
homicídio como meio capaz de provocar grandes estragos, os estragos
seguidos de morte, o assalto a mão armada, o sequestro, a falsificação e o uso
de documentos falsos, a ocultação qualificada, a associação ilícita etc, todos
ampliados em cada caso, conforme as regras da participação, da tentativa e
dos princípios que regulam o concurso material ou formal. As penas para estes
delitos não são benignas em nenhum código penal do mundo, e por isso,
supõe-se que, em caso de condenação, estão previstas penas bastante
prolongadas.” (Zaffaroni, 2007, p. 185) Ou seja, não seria necessário qualquer
direito penal especial – como o Direito Penal do Inimigo – para ser usado
contra terroristas, mas, apenas o Direito Penal comum - o Direito Penal do
Cidadão, para Jakobs. Só seria o caso de penas maiores, - que já existem em
qualquer ordenamento penal - porque os crimes ligados ao terrorismo e
assemelhados possuem sempre um apenamento maior do que os crimes
comuns.
4ª Crítica) De Paulo César Busato, penalista brasileiro, sobre o
conceito de Não Pessoa: “Assim, se a pessoa, no sistema de Jakobs, é
aquela que representa um rol ou papel em um cenário de expectativas contra
18
fáticas, esta se coaduna com o conceito de representação e não essência do
ser humano referido por Hobbes. Assim, o pacto entre “pessoas” não passa de
uma ficção, que não pode obrigar os homens, enquanto autores de
determinadas condutas. Portanto, quando Jakobs nega a condição de pessoa
para alguém, nega a condição de representação de um papel, que em sua
ideia de sistema é o que geraria a titularidade de direitos contidos nas normas
jurídicas compostas para reger o sistema. Em consequência, é justamente o
conjunto de direitos contidos em tais normas o que não pode alcançar os por
ele denominados “não pessoas”.” (Busato, 2010, p. 116). Conforme se
depreende do texto, o autor contesta a noção de não pessoa criada por
Jakobs, afirmando que é contrária ao pensamento de Hobbes – do qual Jakobs
diria se basear – e o pacto entre essas “pessoas” seria fictício, não tendo
sentido jurídico real.
5ª Crítica) De Luiz Regis Prado, penalista brasileiro, sobre o
conceito de Segurança Pública como o Bem Maior a ser defendido pelo
Direito Penal do Inimigo: “O Direito que pretenda obrigar os homens em sua
consciência e não ser mera força, deve considerá-los – a todos – em sua
dignidade humana, como pessoas, seres responsáveis e capazes de se dirigir
por critérios de sentido, verdade e valor. Diante disso, resta evidente que não é
possível reconhecer às normas típicas do Direito Penal do Inimigo o caráter de
Direito. Buscando-se impor como uma ordem de caráter obrigatório e não mero
exercício de um poder superior, o Direito deve necessariamente reconhecer a
condição de pessoa do homem, que tem por base a liberdade humana de
escolher atuar ou não conforme seus preceitos.” (Prado, 2010, p. 120 e 121).
Como vê-se do texto citado, o autor brasileiro não considera que o Direito
Penal do Inimigo seja sequer Direito, ou seja, não existiria Direito realmente
nas normas típicas do Direito Penal do Inimigo, e, consequentemente não há
legitimidade penal do Estado em atuar contra “inimigos” sob qualquer pretexto.
O valor mais importante a ser defendido pelo direito deve ser o de liberdade e
não, conforme pensaria Jakobs, o da segurança do Estado.
6ª Crítica) De Gabriel Ignacio Anitua, penalista argentino, sobre o
conceito de Direito Penal do Inimigo como Estado de Necessidade
19
Defensiva do Estado, falando sobre o pensamento verdadeiro de Hobbes
sobre o assunto: “Cuando Hobbes habla em este caso de ausencia de
derecho de “legitimidad” lo hace de acuerdo a lo que él llama “ley natural” que
como no es iusnaturalista mal podemos entender como alguna forma de
justificación jurídica sino como algo parecido a las leyes de la fisica, o de la
sociologia como mucho. La diferencia com el estado de naturaleza puro es que,
em el caso de cese del Estado de derecho, la hostilidad la practica el Estado.
Éste es el enemigo, no el indivíduo. Dicha hostilidad puede ser, y de hecho es,
praticada por el Estado por fuera de lo jurídico, y sin posibilidades de ser
justificada desde lo jurídico.” (em espanhol no original) (Busato, 2009, p. 59 e
60). Conforme ensina o mestre argentino citado, o inimigo, para Hobbes, na
verdade, seria o Estado, quando agindo em estado de necessidade defensiva,
e, nesta situação, a atuação do estado é hostil ao indivíduo, não sendo
aplicado qualquer direito e sem, também, qualquer justificação jurídica. Não é o
caso da teoria de Jakobs, que justifica a atuação do Estado no Direito Penal do
Inimigo como uma espécie de estado de necessidade defensiva do Estado
contra o inimigo.
7ª Critica) De Manuel Cancio Meliá, penalista espanhol, sobre o
conceito de Direito Penal do Inimigo como Direito Penal de Exceção: “É
necessário um Direito de exceção, chama-se como se chame? Como cabe
deduzir da breve investigação pelas linhas básicas da situação político criminal
levada a cabo em páginas anteriores, desde a perspectiva aqui adotada não há
no horizonte do “Direito Penal” do inimigo, em nenhum dos setores, riscos que
realmente mereçam o estado de exceção. Por outra parte, no plano da
prevenção fática, é sabido que, em numerosos casos, são muito mais efetivos
e adequados instrumentos políticos e policiais (sem contar com as
possibilidades – legais – de uns serviços de inteligência bem orientados) que a
resposta do ordenamento jurídico penal. Particularmente, deveria prestar-se
atenção a determinadas medidas de controle impostas ao infrator culpável
posteriormente à pena privativa de liberdade (evitar aproximação, controle de
movimentos, etc), tal e como estão começando a executar. Em todo caso,
desde o ponto de vista aqui defendido, a questão de se a sociedade preferirá
20
sucumbir ou assumir recortes de âmbitos de liberdade e ampliações massivas
dos meios de intervenção estatal – em cuja cúspide se encontra a
“pena”exacerbada que é a pena draconiana imposta ao inimigo – simplesmente
não enfoca; não se vê abismo algum quando se observa a realidade. É esta,
em todo caso, uma apreciação de caráter político criminal (mesmo que se
queira dar outra resposta à questão suscitada) que excede da mera descrição
ou sistematização. Certamente: “Uma sociedade não ilustrada e um Direito
penal ilustrado não andam juntos”. Mas já chegamos a esse ponto?” (Jakobs,
2009, p. 117 e 118) . Para o ilustre penalista espanhol, pelo visto, não há
porque o Estado utilizar um Direito Penal de exceção, só sendo o caso de
utilizar os meios legais necessários e legais existentes para vigiar, prender e
punir pretensos criminosos, mas sem abrir mão das liberdades democráticas.
Para terminar este capítulo, temos uma defesa – pelo menos parcial -
da teoria do Direito Penal do Inimigo, a do penalista brasileiro Eugênio Pacelli
de Oliveira: “Adiante-se logo que não há qualquer coisificação do homem em
semelhante perspectiva (do direito penal do inimigo). Ao dizer que o
denominado (e muito mal escolhido, com o devido respeito) inimigo não
poderia ser tratado como pessoa, Jakobs simplesmente levou seu sistema às
últimas consequências. Pessoa, para ele, como visto, é aquele titular de
direitos e deveres em determinada social social. Cidadão, portanto, é aquele de
quem se pode esperar o conhecimento da estrutura normativa da sociedade e
o comportamento segundo expectativas comunicativamente compartilhadas...O
inimigo, a que se refere Jakobs, ao contrário de muito quanto já se alegou, não
perde a sua humanidade. Não receber o tratamento de pessoa, (social e
jurídica, portanto) significa dizer apenas que determinados comportamentos,
em razão de sua peculiar natureza, poderiam revelar o completo abandono de
uma sociedade com a qual não só não se compartilha valor algum, mas da qual
também não se respeitam as condições fundamentais de sua existência. É
para essa situação que, segundo o autor, se justificaria o incremento das
proteções penais e processos penais.” (Jakobs, 2008, XXIII e XIV). Na
verdade, esta , talvez seja a única crítica realmente construtiva em relação ao
Direito Penal do Inimigo, pois é de alguém que busca a visão do autor, que é
21
muito especial. A única forma real de crítica no texto é em relação ao termo
“inimigo”.
Por fim, depois das críticas, e para terminar este capítulo, transcrevo a
opinião de Günther Jakobs sobre os detratores de sua teoria do Direito Penal
do Inimigo: “Desde que um Estado de Direito possa estar seguro de si mesmo,
ele não precisará de um Direito Penal do Inimigo; e ele poderá estar seguro de
si, enquanto as suas reações do Direito Penal do Cidadão – além de outras
coisas, especialmente de uma boa educação dos jovens cidadãos – forem
suficientes para preservar a força orientadora do Direito. Todavia, como se
expôs, visto que toda criação normativa – e também um Estado de Direito –
precisa do alicerce cognitivo para conseguir efetivamente dirigir a orientação, é
possível conceber situações – e elas, de fato, existem setorialmente em todo
Estado de Direito – nas quais, em virtude da firme certeza de crimes vindouros,
seja necessária uma reação, anterior a esses crimes, para fins de proteção
contra agentes potenciais: assim é, por exemplo, com a custódia de segurança
e, enquanto medida de (reabilitação e) segurança e, também, com a punição
pré-deslocada, e.g., a punição da mera afiliação a uma associação terrorista.
Para poder limitar esse Direito Penal do Inimigo enquanto Direito de exceção a
um âmbito que seja o mais restrito possível, ele precisa, antes de tudo ser
definido. Para tanto, não bastam fantasias onipotentes de caráter normativista
(“um Estado de Direito não pode conhecer um Direito Penal do Inimigo em
absoluto!”): a sempre suja realidade e os postulados idealizantes são suas
coisas distintas.” (Jakobs, 2008, pg. 15).
22
CAPÍTULO III
DIREITO PENAL DO INIMIGO: ATUALIDADE
“Há muitas regras do Direito Penal que permitem apreciar que naqueles
casos nos quais a expectativa de um comportamento pessoal é defraudada de
maneira duradoura, diminui a disposição em tratar o delinquente como pessoa.
Assim, por exemplo, o legislador (por permanecer primeiro no âmbito do Direito
material) está passando a uma legislação – denominada abertamente deste
modo – de luta, por exemplo, no âmbito da criminalidade econômica, do
terrorismo, da criminalidade organizada, no caso de “delitos sexuais e outras
infrações penais perigosas”, assim como, em geral, no que tange aos “crimes”.
Pretende-se combater, em cada um desses casos, a indivíduos que, em seu
comportamento (por exemplo, no caso dos delitos sexuais), em sua vida
econômica (assim, por exemplo, no caso da criminalidade econômica, da
criminalidade relacionada com as drogas e de outras formas de criminalidade
organizada) ou mediante sua incorporação a uma organização (no caso do
terrorismo, na criminalidade organizada, inclusive já na conspiração para
delinquir, § 30StGB) se tem afastado, provavelmente, de maneira duradoura,
ao menos de modo decidido, do Direito, isto é, que não proporciona a garantia
cognitiva mínima necessária a um tratamento como pessoa.” (Jakobs, 2009, p.
33 e 34). São palavras do próprio Günther Jakobs, corroborando outras já
transcritas no primeiro capítulo, “com toda certeza existem múltiplas formas
intermediárias” (Jakobs, 2009, p. 29) entre o Direito Penal do Cidadão e o
Direito Penal do Inimigo. É desta “região de sombra” que trata o presente
capítulo: o Direito Penal do Inimigo usado de forma disfarçada de Direito Penal
do Cidadão, aonde normas penais e processuais penais são perpassadas pelo
Direito Penal do Inimigo. Não seria uma forma pura de Direito Penal do Inimigo.
O que cabe, aqui, ressaltar é que existe, atualmente, com o problema
crescente da segurança pública em todo o mundo democrático, um aumento da
quantidade de leis que utilizam conceitos, particularidades e características do
Direito Penal do Inimigo, fingindo ser Direito Penal do Cidadão. Nos parágrafos
seguintes, darei exemplos de leis que, atualmente, tratam as “pessoas” como
“inimigos” dentro de um ambiente pretensamente democrático de direito.
23
1º Exemplo) Da legislação alemã, citada por Günther Jakobs:
“primeira e segunda Lei de Luta contra a criminalidade econômica”, “Lei para a
luta contra o terrorismo de 19-2-1986, BGBI, p.2566”, “Lei para luta contra o
tráfico ilegal de drogas tóxicas e outras formas de manifestação da
criminalidade organizada, de 15-7-1999, BGBI, p. 1302”, “Lei para a luta contra
os delitos sexuais e outras infrações penais perigosas de 26/1-1998, BGBI I, p.
160”, Lei de luta contra o delito, de 28-10-1994, BGBI I, p. 3186” (Jakobs, 2009,
p. 33 e 34.
2º Exemplo: Da legislação americana, citada por Paulo César
Busato: “Não é à-toa que a proposta de um Direito Penal do Inimigo encontra-
se perfeitamente ajustada à política criminal estadunidense do Século XXI, que
pode ser sintetizada nos Patriot Acts, que condensam a postura de subversão
da ordem instituída, justificada pela necessidade de combater um inimigo. A
situação de estabelecimento do Estado de exceção como regra pode ser vista
na ordem militar promulgada pelo presidente dos Estados Unidos em 13 de
novembro de 2001, confirmada pelo USA Patriot Act de 26 de outubro de 2001,
autorizando coisas como a infinite detention para não cidadãos acusados de
terrorismo.” (Busato, 2010, p. 121). Neste texto, há a menção aos “Atos
Patriotas” americanos, uma tentativa americana de deter novos ataques
terroristas ao seu território, como o havido às torres gêmeas do World Trade
Center, em 11 de outubro de 2001. A partir deste ataque, os Estados Unidos da
América vivem em um verdadeiro Estado de exceção, e nele, todas as normas
penais e processuais dali advindas são praticamente Direito Penal do Inimigo
em sentido puro.
3º Exemplo: Da legislação espanhola, citada por Manuel Cancio
Meliá: “Em todo caso, o que parece claro é que, no ordenamento espanhol, o
centro de gravidade do Direito Penal do inimigo está nos delitos relacionados
com as drogas, na reação do Direito Penal frente ao fenômeno da imigração,
em geral, no Direito Penal da “criminalidade organizada”, e, sobretudo, no novo
Direito antiterrorista, primeiro na redação dada a alguns dos preceitos
correspondentes no Código Penal de 1995, depois da reforma introduzida
mediante a Lei Orgânica 7/2000 e, finalmente, mediante as reformas entradas
24
em vigor no ano de 2004 neste campo.” (Jakobs, 2009, p. 94) Aqui, temos os
problema das drogas, do terrorismo e da imigração sendo tratadas segundo a
ótica do Direito Penal do Inimigo na Espanha, que, juntamente com a
criminalidade organizada se prestam a servir de desculpa para que governos
europeus ditos democráticos, como o espanhol, usurpam direitos fundamentais
a título de combatê-los.
4º Exemplo) Da legislação latino-americana, citada por Eugenio
Raúl Zaffaroni: “Dito em termos claros: aproximadamente 3/4 dos presos
latino-americanos estão submetidos a medidas de contenção por suspeita
(prisão ou detenção preventiva). Desses, quase 1/3 será absolvido. Isto
significa que em 1/4 dos casos os infratores são condenados formalmente e
são obrigados a cumprir apenas o resto da pena; na metade do total de casos,
verifica-se que o sujeito é infrator, mas se considera que a pena a ser cumprida
foi executada com o tempo da prisão preventiva ou medida de mera contenção;
no que diz respeito aos 1/4 restante dos casos, não se pode verificar a infração
e, por conseguinte, o sujeito é liberado sem que lhe seja imposta pena formal
alguma. Cabe precisar que existe uma notória resistência dos tribunais em
absolver pessoas que permaneceram em prisão preventiva, de modo que
nesse 1/4 de casos de absolvição a arbitrariedade é evidente e incontrastável,
pois só se decide favoravelmente ao preso quando o tribunal não encontrou
nenhuma possibilidade de condenação.”
5º Exemplo: Da legislação brasileira, citada pela penalista brasileira
Cristiane Dupret: ”Podemos perceber esse Direito se entranhando no nosso
ordenamento jurídico, através de alguns institutos atualmente aplicados, como
o regime disciplinar diferenciado, a prisão pela magnitude da lesão nos crimes
contra o Sistema Financeiro Nacional, o regime integralmente fechado da lei de
crimes hediondos, a proibição de liberdade provisória no estatuto do
desarmamento, dentre outros. Felizmente, percebemos que nossos Tribunais,
na análise dos casos concretos, vem mitigando e afastando esse Direito penal
do inimigo. Recentemente, podemos apontar um precedente do STF, através
do julgamento do HC 82.959, no que tange à proibição de progressão de
regime em crimes hediondos, tendo o STF declarado incidenter tantum a
25
inconstitucionalidade de tal proibição. Percebemos, também, a jurisprudência
dominante no sentido de que não pode haver qualquer espécie de prisão
provisória sem que haja necessidade.” (Dupret, 2008, p. 15) Vê-se nesta
exemplificação penal que, no Brasil - com grande apoio da opinião pública por
sinal – o Direito Penal do Inimigo é muito utilizado, já que, como país ainda em
desenvolvimento, quer institucional, quer educacionalmente, não chegamos,
ainda, a ser uma democracia plenamente. Mas, pelo menos nossos Tribunais –
ainda que lentos, - deixam de aplicar alguns institutos penais que são típicos do
Direito Penal do Inimigo, como os citados no texto acima. Já é um começo!
26
CONCLUSÃO
Os mestres penalistas são quase unânimes em não aceitar o Direito
Penal do Inimigo como um Direito, por ser contrário à democracia, às
liberdades civis e ao tratamento de todos como cidadãos, como pessoas. Na
minha humilde opinião, pessoas não são inimigos: pessoas são pessoas e
merecem ser tratados como pessoas, não importa que crimes tenham
cometido. Todos merecem ser tratados como cidadãos, titulares de direitos e
deveres que são inalienáveis da pessoa humana.
As desigualdades sociais, o banditismo generalizado - do qual o trafico
de drogas é o maior símbolo - a misoginia, o racismo, a imigração ilegal, os
crimes contra o sistema financeiro, são atacados pela via legal, na maioria dos
países democráticos, de forma, às vezes, quase a beirar o Direito Penal do
Inimigo. E a população quer mais e mais leis, cada vez mais severas, já que,
segundo grande parte dela, os bandidos teriam tratamento incompatível com os
crimes que cometeram. Sempre há os que, no Brasil e no mundo, defendem
um regime autoritário para o tratamento de pretensos criminosos, advogando
até a pena de morte e a prisão perpétua. Aqui, neste nosso “gigante pela
própria natureza”, as pessoas apequenam o Direito Penal do Cidadão, ao
defenderem, alguns, que qualquer um que tenha sido preso pela nossa polícia
seja julgado e executado sem direito à defesa. Günther Jakobs criou um sistema teórico que deveria ter sido deixado
apenas na teoria, pelo menos até que a humanidade esteja num nível
educacional em que todos tenham conhecimento pleno e absoluto sobre as
leis, seus direitos e deveres, e que respeitem os outros e aceitem suas
diferenças. A teoria pode ser até perfeita e inatacável, do ponto de vista do
mestre alemão, mas não deveria ser levada à prática. Infelizmente, como os
exemplos demonstraram, no mundo democrático praticamente inteiro, o Direito
Penal do Inimigo é cada vez mais presente, “fantasiado” de Direito Penal do
Cidadão. Não deveria ser assim, mas esta é a verdade real e, contra ela, todas
as críticas que existem sobre o Direito Penal do Inimigo caem no vazio, porque
quanto mais violento é o mundo, mais pessoas querem combater violência com
27
violência, e, neste nosso mundo imperfeito, o Direito Penal do Inimigo é cada
vez mais presente, pois o Direito Penal do Inimigo é a violência do Estado
contra o indivíduo que comete um crime – ou apenas pensa em cometer um
crime, hoje em dia, o indivíduo é visto pelo Estado, pela maioria do Estados no
mundo todo, como inimigo.
28
BIBILIOGRAFIA
Busato, Paulo César – Thomas Hobbes penalista/ Paulo César Busato – Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010.
Dupret, Cristiane – Manual de Direito Penal: parte geral e especial – Niterói:
Impetus, 2008.
Gracia, Martin Luis – O Horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo;
tradução Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho; prefácio José Inácio
Lacasta-Zabalza – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
Greco, Rogério – Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito
Penal – 4a. Edição – Niterói,RJ: Impetus, 2009.
Jakobs, Günther - Direito Penal do Inimigo: noções e críticas/ Günther Jakobs,
Manuel Cancio Meliá; organização e tradução André Luís Callegari, Nereu José
Giacomolli - 4ª edição atualizada e ampliada – Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2009.
Jakobs, Günther – Tratado de Direito Penal: Teoria do Injusto Penal e
Culpabilidade/ Günther Jakobs; Luiz Moreira, coordenador e supervisor;
Gercélia Batista de Oliveira Mendes e Geraldo de Carvalho, tradutores – Belo
Horizonte: Del Rey, 2008.
Prado, Luiz Regis – Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, arts. 1º a 120
– 9ª Edição Revista, Atualizada e Ampliada – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010.
Zaffaroni, Eugenio Raúl – O Inimigo no Direito Penal; tradução de Sérgio
Lamarão – Rio de Janeiro: Revan, 2007, 2ª edição junho de 2007.
29
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3 DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
Direito Penal do Inimigo: Teoria 9
CAPÍTULO II
Direito Penal do Inimigo: Crítica 15
CAPÍTULO III
Direito Penal do Inimigo: Atualidade 25
CONCLUSÃO 26
BIBLIOGRAFIA 28
ÍNDICE 29
30
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Instituto A Vez do Mestre
Título da Monografia: Direito Penal do Inimigo: Teoria, Crítica e Atualidade.
Autor: Mauricio Miranda Sampaio Corrêa
Data da entrega:
Avaliado por: Conceito: