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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
DIREITO PENAL MÍNIMO NA SOCIEDADE BRASILEIRA
Por: Bruno Bessa de Lima
Orientador:
Prof. Francis Rajzman
Rio de Janeiro 2011
2
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
DIREITO PENAL MÍNIMO NA SOCIEDADE BRASILEIRA
Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do
Mestre – Universidade Cândido Mendes como
requisito parcial para a obtenção do grau de
especialista em Direito e Processo Penal
Por: Bruno Bessa de Lima
Rio de Janeiro 2011
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço àqueles da minha família que sempre
me incentivaram e acreditaram em mim nos
estudos: minhas mães Tereza e Sueli, minha
esposa Rosileny e meus sogros Ricardo e Maria
de Fátima. Agradeço também ao amigo Dr. João
Paulo e aos demais que me dão força para
seguir em frente.
4
DEDICATÓRIA
Dedico esta pesquisa a Deus que, ao me dar
saúde e alegria, torna tudo possível em minha
vida.
5
RESUMO
LIMA, Bruno Bessa. Direito Penal Mínimo na Sociedade Brasileira (Pós-Graduação em Direito). Rio de Janeiro, 2011.
Tem o presente trabalho o objetivo de suscitar os ganhos que o Direito poderia comemorar se o Sistema Penal passasse a adotá-lo de maneira mais equilibrada, ou seja, intervindo em conflitos estritamente necessários. Portanto, inicialmente, foram expostos três movimentos doutrinários (Abolicionismo, Movimento de Lei e ordem e Direito Penal Mínimo). Os abolicionistas pregam pelo término de um controle social baseado apenas na punição, ou seja, desnecessário é o Direito Penal, já que falho nesta função de controlar os conflitos, ocasionando diversos vícios de legalidade, como: violação de direitos humanos, violação de princípios, entre outros. Já o Movimento de Lei e Ordem, ou Direito Penal Máximo ou Punitivismo, zela por um Estado Penal Total, quer dizer, um ordenamento jurídico transbordado de condutas proibidas para que, então, a comunidade possa viver em “paz”. E o Minimalismo Penal, tão bem chamado de Direito Penal do Equilíbrio por Rogério Greco (2009), crê que o Direito Penal deve outorgar seu poder de tutelar a outros ramos do Direito (princípio da subsidiariedade), quando em jogo bens de menor importância (princípios da intervenção mínima, lesividade, insignificância, etc). Isso, com a finalidade de ser eficaz, garantindo as individualidades do ser humano. Tese esta, aqui, defendida.
6
METODOLOGIA
Este trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisas bibliográficas em
livros de conteúdo especializado em Direito Penal, bem como em artigos de
revistas eletrônicas, sites da internet que abordaram o assunto sobre o referido
tema, jurisprudências e Códigos de Leis existentes no Brasil.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8
CAPITULO I
OS MOVIMENTOS PENAIS .............................................................................. 9
1.1 Abolicionismo ......................................................................................................... 9
1.2 Movimento de lei e ordem .................................................................................... 11
1.3 Direito penal mínimo ............................................................................................ 13
CAPÍTULO II
PRINCÍPIOS .................................................................................................... 14
2.1 Da dignidade da pessoa humana ........................................................................... 14
2.2 Da intervenção mínima ......................................................................................... 15
2.3 Da lesividade ou ofensividade .............................................................................. 17
2.4 Da adequação social .............................................................................................. 18
2.5 Da insignificância ................................................................................................. 19
2.6 Da individualização da pena ................................................................................. 20
2.7 Da proporcionalidade ............................................................................................ 21
2.8 Da responsabilidade social .................................................................................... 23
2.9 Da limitação das penas ......................................................................................... 24
2.10 Da culpabilidade ................................................................................................. 24
2.11 Da legalidade ...................................................................................................... 26
2.12 Da taxatividade ................................................................................................... 27
CAPÍTULO III
MOVIMENTO DE LEI E ORDEM NA ATUAL SOCIEDADE BRASILEIRA ...... 28
CAPÍTULO IV
DIREITO PENAL MÍNIMO NA ATUAL SOCIEDADE BRASILEIRA ................. 34
CAPÍTULO V
JURISPRUDÊNCIAS ....................................................................................... 36
CONCLUSÃO .................................................................................................. 42
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 43
8
INTRODUÇÃO
Temos vivenciado uma sociedade receptora de notícias na mídia acerca
de crimes cruéis, causadores de repúdio por parte desta e criadores de
sentimento de vingança. O Estado, por sua vez, para se mostrar competente
diante de tais situações, utiliza-se dos seus Poderes (Legislativo, Executivo e
Judiciário) para, muitas vezes, adotar o Direito Penal Máximo (Movimento de
Lei e Ordem) e demonstrar aos seus súditos que tudo está sob controle. Mero
engano.
Por isso, importante é a abordagem sobre as formas de como tal
simbolismo prejudica o sistema penal brasileiro, por exemplo, quando garantias
e direitos fundamentais dos indivíduos são jogados fora, desigualdades e
discriminação social se fazem presentes, etc.
Sendo assim, é de se desejar que princípios constitucionais já existentes
sejam respeitados e utilizados de forma mais intensa. Que o direito seja único
para todos, e que o Estado não jogue às costas do Direito Penal todos os
problemas do povo.
Em sentido contrário a essa mínima intervenção do Direito Penal,
caminham outros dois movimentos: o abolicionismo e o punitivismo (Direito
Penal Máximo). O primeiro encara um Direito Penal como sendo defeituoso,
ineficaz e, portanto, devendo ser extinto, enquanto o segundo prega por um
Direito Penal extremamente fortalecido, devendo sua tutela incidir de forma
prioritária a todos os conflitos. Seja como for, discutiremos suas falhas.
Por fim, acreditamos passar por um Estado de “lei e ordem”, sendo curial
o estudo sobre a adoção de um Direito Penal Mínimo, focado na proteção de
bens mais relevantes para a sociedade, se tornando mais eficiente, ao
contrário dos dias atuais, em que diversas leis penais são criadas, entretanto,
de pouca aplicabilidade prática.
9
CAPITULO I
OS MOVIMENTOS PENAIS
Não atingiríamos o objetivo do presente estudo sem fazer breves
alusões acerca dos diferentes tipos de movimentos de políticas criminais. Isso
se faz possível na medida em que o Estado, segundo os parâmetros de cada
teoria, adotará poderes punitivos diversificados, respeitando o ser humano em
maior ou em menor grau.
Doutrinadores do Direito Penal do mundo inteiro pensaram ao longo da
história acerca da adoção de políticas criminais, de acordo com o momento em
que viveram. Com isso, deu-se origem a três movimentos ideários, sendo
importante comentar seus diferentes aspectos e, assim, poder nos filiar àquele
que se encaixe a nossa atual realidade.
1.1 Abolicionismo
Pesquisando sobre o tema, tivemos a sorte de encontrar o brilhante
trabalho da professora Vera Regina Pereira de Andrade (2006), onde a mesma
expôs alguns grupos e seus líderes precursores da idéia do abolicionismo,
quais sejam: Foucault (Group d’Information sur les Prisons); Hulsman (Liga
Coorhhert); Mathiesen (Nork Forening for Kriminal Reform – KROM) e seus
contrapontos escadinavos (KRUM e KRIM). Na Inglaterra existem os radicais
alternativos à prisão (RAP) e alguns defensores nos Estados Unidos da
América (Folter, Scheerer e Larrauri).
Agora, de posse de alguns nomes ideários do movimento abolicionista,
utilizando-nos das palavras da referida professora acima, norteamos as suas
teorias:
a) O sistema penal constitui uma herança escolástica medieval, tendo
uma visão expiatória da pena como o único castigo pelo mal,
colocando sempre autor e vítima numa relação adversarial;
10
b) O sistema penal tem sua eficácia invertida, não conseguindo cumprir
suas obrigações a que se propôs, cumprindo outras funções reais
sem declarar. Sendo assim, incapaz de atingir sua finalidade de
intimidar criminosos, castigar e ressocializar condenados;
c) O sistema somente atua em um número reduzido de casos, onde a
impunidade é a regra, a criminalização a exceção: ilusão de
segurança jurídica;
d) O sistema penal não protege as pessoas, pelo contrário, viola direitos
humanos e todos os princípios constitucionais;
“Sendo ele próprio um problema, deve passar por um processo de
abolição” (ANDRADE, 2006)
Em outras palavras, Rogério Greco (2009) nos ensina que, em virtude
de o Direito Penal ser cruel, seletista, falho em seu objetivo de reprovar e
prevenir condutas, as cifras negras e a possibilidade de os conflitos sociais
serem resolvidos por outros ramos do direito, faz reforçar a idéia de seu
abolicionismo.
Com isso, como bem ilustra Vera Regina Pereira de Andrade (2006),
citando Zaffaroni (1991), o abolicionismo não significa dizer a inexistência de
controle social, devendo os conflitos sociais ser resolvidos, mas que, para
tanto, não há a necessiadde de apelar para um modelo punitivo (vertical) e
formalizado abstratamente.
Entretanto, seguindo a doutrina de Ferrajoli (2002), o pensamento
abolicionista possui duplo defeito: Primeiro, os adeptos a essa corrente
imaginam uma sociedade estática e fértil, idealizados em um modelo pré-
concebidos, para a fixação de suas concepções. Mero engano. Trata-se de
uma sociedade selvagem, abandonada à lei natural do mais forte e, sendo
assim, o Direito Penal não só impede a sobreposição de interesses
dominantes, como também protege o acusado que não estaria a mercê de
vinganças privadas garantindo seus direitos fundamentais. E segundo, a
concepção abolicionista não visa explicar de que maneira o poder punitivo do
11 Estado ficará limitado, sim, pois, por mais que se tornem no movimento
dominante o sistema penal não será totalmente abandonado de imediato. Deve
tal teoria apresentar propostas concretas para a construção de um modelo
penal mais eficiente e humano.
1.2 Movimento de lei e ordem
Também denominado de Direito Penal Máximo ou punitivismo, tal
movimento tem a crença de que o sistema penal é a solução de quase todos os
problemas da sociedade, atuando como prima ratio dos conflitos sociais.
Explica-nos Érika Andrade Miguel (2011), que o Direito Penal é o
instrumento de proteção dos bens considerados mais relevantes para a
sociedade, consistindo num órgão controlador e fiscalizador das relações
sociais, acompanhando os anseios das populações. Com isso, a existência de
raros bens jurídicos a serem tutelados em função do avanço social, surge a
necessidade de alterações daquele instrumento para que o Estado passe a ser
suficiente na proteção dos direitos humanos. Tais alterações são realizadas
com a feitura de novas normas penais para serem aplicadas ou com o
endurecimento das penas já existentes.
E, ainda, para Rogério Greco (2009), é a mídia a grande propagadora do
movimento de Lei e Ordem. Jornalistas, repórteres e apresentadores de
programas de entretenimento, sem conhecimento técnico jurídico, criticam leis
penais e fazem com que a sociedade acredite que com a criação de novas leis
e mais severa se verá livre da criminalidade.
“Para a lei penal não se reconhece outra eficácia senão a de tranqüilizar a opinião pública, ou seja, um efeito simbólico, com o qual se desemboca em um Direito Penal de risco simbólico, ou seja, os riscos não se neutralizariam, mas ao induzir as pessoas a acreditarem que eles não existem, abranda-se a ansiedade ou, mais claramente, mente-se, dando lugar a um Direito Penal promocional, que acaba se convertendo em um mero difusor de
12
ideologia” (BATISTA; ZAFFARONI; ALAGIA E SLOKAR, 2003, apud GRECO, 2009, p.14-15).
Os adeptos desta corrente, tendo como autor Jakobs, acreditam que as
penas ditas alternativas como forma de controle penal, na verdade, servem
como estímulo ao cometimento de delitos, entretanto, ainda conforme Rogério
Greco (2009), quanto mais infrações penais existentes no ordenamento
jurídico, menores são as chances de serem efetivamente punidas, dando azo a
um sistema penal seletivo, descrente e baseado nas cifras negras.
“A certeza de um castigo, mesmo moderado, sempre causará mais
intensa impressão do que temos de outro mais severo, unido à espera da
impunidade [...]” (BECCARIA, 1999, apud GRECO, 2009, p. 15).
Não se poderia terminar o tema acima abordado, sem antes tecer
comentários a um Direito Penal decorrente da máxima tradução de um sistema
penal totalmente intervencionista, qual seja: o Direito Penal do Inimigo.
Em um de seus artigos eletrônicos, Luis Flávio Gomes (2005) nos presta
grandes ensinamentos sobre o assunto. O Direito Penal do Inimigo nada mais
é quando o Estado procede de duas formas distintas em seu poder punitivo:
primeiro, quando vê os delinqüentes como cidadãos comuns que apenas
praticaram determinada conduta proibida, ou quando passam a ver os
indivíduos não como cidadãos, mas como inimigos que representam perigo
para o próprio Estado.
Mas quem são esses inimigos? Criminosos, econômicos, terroristas,
delinqüentes organizados, autores de delitos sexuais e outras infrações penais
perigosas, ou melhor, é inimigo do Estado quem se afasta permanentemente
do Direito e não oferece garantias de recuperação.
Como se percebe tal inimigo não é visto de acordo com a medida de sua
culpabilidade, e sim, conforme sua periculosidade. Com isso, não resta
alternativa ao Estado senão tratá-los de maneira diferente aos demais
13 indivíduos, rasgando qualquer espécie de constituição que garantam os direitos
fundamentais do ser humano.
1.3 Direito penal mínimo
Interessante, aqui, também aprender quais foram os principais
pensadores desse movimento em estudo, quais sejam, nos dizeres de Vera
Regina Pereira de Andrade (2006): o filósofo e criminólogo italiano Alessandro
Baratta; o penalista e criminólogo argentino Eugenio Raúl Zaffaroni e o filósofo
e penalista italiano Luigi Ferrajoli.
Tão bem denominado de Direito Penal do Equilíbrio por Rogério Greco
(2009), tal movimento é o que mais se amolda à realidade da atual sociedade
brasileira. Tem por finalidade a proteção de bens considerados mais relevantes
para o convívio humano, bens que não poderiam ser tutelados de forma eficaz
por outros ramos do direito que não o penal.
Tem como princípio central o da dignidade da pessoa humana,
orientador dos demais princípios existentes, implícita ou explicitamente no
ordenamento jurídico. Todos compromissados na função de aparelhar, ou
melhor, assegurar maiores garantias constitucionais aos indivíduos através da
mínima intervenção penal. Por isso, importante explanação desses princípios
será feita em título posterior.
“Não basta a simples afirmação de que o Estado não encontra outras soluções para o problema socialmente posto, que não aquela predisposta na legislação penal. É imprescindível restar evidente que foram envidados todos os esforços nesse sentido, ou seja, que as políticas possíveis foram implementadas e que mecanismos administrativos ou de os outros ramos do Direito se mostram ineficientes no equacionamento do problema” (FERREIRA, 2009).
14
CAPÍTULO II
PRINCÍPIOS
De grande valia para o presente estudo é a abordagem de alguns
princípios do Direito Penal que servirão como orientação para a sociedade
jurídica no alcance de um estado penal mínimo. Princípio que nas palavras de
Ruy Samuel Espínola (2002), citado por Rogério Greco (2009):
“designam a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas,
por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa,
donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se
reconduzem e/ou se subordinam”.
Vale destacar que os princípios podem ser implícitos ou explícitos, ou
seja, podem ou não estar positivadas em um texto legal, entretanto, seja como
for, tem seu caráter normativo e alto índice de generalidade, sendo
informadores de todo o ordenamento jurídico, validando, inclusive, normas que
lhe deram obediência.
Sendo assim, a seguir, passaremos a expor de que forma e quais os
princípios que auxiliarão os estudiosos do direito para um estado de
intervenção penal mais equilibrado.
2.1 Da dignidade da pessoa humana
Utilizando-se de uma ordem de importância, podemos iniciar a
abordagem com o princípio da dignidade humana, tendo patamar constitucional
e diversos outros princípios sendo derivados dele:
“Art. 1: A República Federativa do Brasil, tomada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento:
III – a dignidade da pessoa humana.”
15 De difícil conceituação, ficaremos com a tradução de Ingo Woltgang
Sarlet (2001):
“a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos” (apud GRECO, 2009, p.56-57).
O princípio da dignidade da pessoa humana está a orientar, por
exemplo, o legislador no momento da criação de um tipo penal. Não pode ele
incluir no ordenamento jurídico uma conduta incriminadora (preceito primário)
ou uma sanção penal (preceito secundário) que desrespeite tal princípio.
“Ora não há como negar que a situação, antes do advento da Constituição da república de 1988, era outra, muito diferente do que hoje conhecemos. A nova ordem constitucional determinou a passagem de um “Estado de Polícia” para um efetivo “Estado Democrático de Direito” é dizer, após a violência institucionalizada pelo regime ditatorial, nossa República caminhou na direção da renovação de seus valores. Esses valores, poderíamos dizer sem peias e quejados, foram materializados em seus fundamentos, inscritos no artigo inaugural, dentre os quais se destaca a regra da dignidade da pessoa. Regra que afasta por completo a ideologia “Law and Order” (Lei e Ordem)” (FARIA, 2010).
2.2 Da intervenção mínima
Perfeita é a divisão de vertentes do princípios da intervenção mínima
dada pelo Procurador da Justiça Rogério Greco (2009). Num primeiro
momento, deve-se levar em conta quais são os bens jurídicos mais relevantes
que mereça a tutela do Sistema Penal e, após, num segundo momento, testar
16 a efetividade de outros ramos do Direito na Incidência dos bens que ficarem de
fora. Teríamos, assim, um Direito Penal subsidiário. Mas quais são os bens
jurídicos mais relevantes? Difícil a resposta, mas alguns doutrinadores tentam
responder.
“Em definitivo, o bem jurídico deve conceber-se no árbitro de uma relação social dialética, como instrumento que garantiza o desenvolvimento da pessoa ao permirtir-lhe uma participação dentro do ambiente político-social de que toma parte. Âmbito em que juridicamente a Constituição representa o marco geral de referência que define os direitos fundamentais e uma organização político-social concreta. Isto, de acordo com as correntes doutrinárias existentes, pode significar que é a constituição que determina que bens jurídicos sejam efetivamente protegidos pelo Direito Penal, ou menos estritamente, que ela sirva de parâmetro para reconhecer esses referidos bens do sistema social” (LOPES, 2000).
Já para Luiz Flávio Gomes (2002), não somente os bens jurídicos
fundamentais são merecedores da tutela penal, outros bens ou interesses,
ainda que não contemplados no texto constitucional, podem ser objeto da
proteção penal, desde que sejam socialmente relevantes e compatíveis com o
quadro axiológico-constitucional.
Deve-se também considerar o fato que cada sociedade possui uma
espécie de valorização para os diversos tipos de bens, criando zonas de
consenso, onde determinados bens possuem o mesmo valor em qualquer
sociedade e zonas de conflito, ou seja, uma determinada situação pode ser
bem aceita por uma questão cultural em uma sociedade, enquanto em outra a
mesma situação causa sentimento de repúdio.
O critério de proteção dos bens mais relevantes, portanto, não é
absoluto, rígido, determinado para todo e qualquer ordenamento jurídico, pois
que o grau de importância oscilará de cultura para cultura.
Realizada a análise de qual ou quais bens jurídicos que merecem a
cobertura do Direito Penal, outros deverão ser tutelados pelos demais ramos
17 do Direito, apenas não os sendo em caso de ineficácia. Por exemplo: por que o
crime de difamação, esculpido no artigo 139 do Código Penal, não poderia ser
apenas resolvido em sede de reparação pecuniária de danos à moral pelo
Direito Civil? Será que não seria suficiente? “Art. 139. Difamar alguém,
imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: pena – detenção de três meses a
um ano, e multa”. Aí sim teríamos o Direito Penal como a última ratio.
“Uma pena pode ser cominada somente se pode provar-se que não existem modos não penais de intervenção aptos para responder a situações nas quais se acham ameaçados os direitos humanos. Não basta, portanto, haver provado a idoneidade da resposta penal; requer-se, também, demostrar que essa não é substituível por outros modos de intervenção de menor custo social” (BARATTA, 1987).
2.3 Da lesividade ou ofensividade
Nos dizeres de Patrícia A. de Souza (2009), somente podem ser
considerados como crime as condutas que, efetivamente, obstruam o
satisfatório conviver em sociedade e se for de tal proporção que justifique a
intervenção penal.
Outra vertente do princípio da ofensividade e que traduz o pensamento
do autor Nilo Batista (1996):
“o Direito Penal só pode, de acordo com o princípio da lesividade, proibir comportamentos que extrapolem o âmbito do próprio agente, que venham atingir bens de terceiros, atendendo-se, pois, ao brocardo nulla lex poenalis sine injuria” (apud GRECO, 2009, p.78).
Ainda, seguindo a doutrina do ilustre procurador Rogério Greco (2009), o
princípio da lesividade em conjunto com o princípio da intervenção mínima
serve de norte para a criação ou revogação de figuras típicas por parte do
18 legislador. Depois de esgotada a etapa de aferição de qual bem jurídico é o
mais relevante para se tutelar, faz-se a averiguação da ofensividade.
Vejamos, por exemplo, a vida como um bem jurídico a ser tutelado. Será
que uma pessoa ao se esfaquear terá tal conduta considerada como crime?
Por evidente que não, eis que não atingiu o bem de terceiro.
2.4 Da adequação social
Outro importante princípio não somente auxiliador na criação ou
revogação das figuras típicas, mas também servindo na interpretação dos tipos
penais é o da adequação social. Este tem como seu criador o professor alemão
Hans Welzel (1993), o qual não poderíamos deixar de transcrever suas
palavras:
“Na função dos tipos de apresentar o ‘modelo’ de conduta proibida se põe de manifesto que as formas de conduta selecionados por eles têm, por uma parte, um caráter social, quer dizer, estão referidos à vida social, mas, por outra parte, são precisamente inadequados a uma vida social ordenada. Nos tipos se faz patente a natureza social e ao mesmo tempo histórica do Direito Penal: assinalam as formas de conduta que se apartam gravemente das ordenações históricas da vida social.
Isto repercute na compreensão e interpretação dos tipos, que por sua influência da doutrina da ação causal eram demasiado restritas, enquanto se via a essência do tipo em lesões causais dos bens jurídicos” ( apud GRECO, 2009, p.81).
A sociedade não para no tempo, vive em constante mutação em relação
aos seus costumes e, por isso, deve o criador dos tipos penais analisar a
época histórica em que se encontra para, até mesmo, retirar do ordenamento
condutas consideradas criminosas há tempos, mas que hoje encontra-se
totalmente aceita por todos. Não existisse esse processo, boa parte da
população moderna teria que se defender de muitos processos criminais, pois
19 não deixariam de praticar determinados atos amplamente aceitos, somente
pelo fato de estarem inseridos no texto legal como sendo delitos. Daí a
importância do legislador na revogação dos tipos penais que não mais prevêem
comportamentos inadequados socialmente.
Outra esclarecedora tradução de conceito de adequação social é a de
Francisco de Assis Toledo (2007) onde, se o tipo penal é a transcrição de uma
conduta proibida, não é possível interpretá-lo, em certas situações aparentes,
como se estivesse também alcançando condutas ilícitas, isto é, socialmente
aceitas e adequadas.
2.5 Da insignificância
Brilhante é o trabalho de Fernando Faria (2010) para utilizarmos como
base no início do estudo do princípio da insignificância, tendo como seu criador
o alemão Claus Roxin.
Para entendermos esse princípio, importante é a distinção entre
tipicidade legal ou formal que é a adequação da conduta a formulação legal; e
a tipicidade conglobante que averigua a proibição do tipo penal através da
indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e
sim conglobada.
Sendo assim, segundo ensinamentos de Zaffaroni e Pierangeli, a
conjugação dessas duas espécies de tipicidade acima citados é que da forma a
tipicidade penal, ou seja, na falta de uma delas, atípico será o fato e,
consequentemente irrelevante para o Direito Penal, criando uma ordem
normativa mínima.
“Sob o enfoque minimalista, em uma visão equilibrada do Direito Penal, somente aqueles bens mais importantes, que sofrem os ataques mais lesivos e inadequados socialmente, é que podem merecer atenção e a proteção do Direito Penal, pois, caso contrário, estaríamos aceitando a tese já
20
debatida em tópico próprio, do Direito Penal Máximo” (GRECO, 2009, p 84).
Vejamos o exemplo de, no campo abstrato, o legislador, sob a égide do
princípio da intervenção mínima, tenha escolhido a propriedade como bem
relevante a ser tutelado. Entretanto, no caso do concreto, ocorre um furto de
R$0,05 (cinco) centavos. Ora, nos termos de uma tipicidade formal, a conduta
proibida ocorreu e, portanto, o fato seria típico, entretanto, sob o olhar de uma
tipicidade conglobante, se perceberá que a proibição não alcança o valor
patrimonial ínfimo, ou seja, insignificante.
2.6 Da individualização da pena
Após o legislador adotar determinada conduta como sendo um ato
incriminador, ou seja, utilizando-se dos princípios da intervenção mínima, da
lesividade e da adequação social, criando o preceito primário de um tipo penal,
é necessária a análise da justa sanção para tal conduta (preceito secundário),
nascendo, assim, o princípio da individualização da pena.
Segundo o raciocínio de Alexandre de Moraes (2002), a estreita
correspondência entre a responsabilização da conduta do agente e a sanção a
ser aplicada traduz o princípio da individualização da pena, atingindo esta as
suas finalidades de repressão e prevenção.
Destaque importante, aqui, é o inciso XLVI do art. 5º da nossa Carta
Magna:
“a lei regulará a individualização da pena, entre outras, as seguintes:
a) Privação ou restrição da liberdade;
b) Perda dos bens;
c) Multa;
d) Prestação social alternativa;
e) Suspensão ou interdição de direitos”.
21
Elucidativa é, também, os ensinamentos de José Frederico Marques,
citado pelo professor Luiz Benito Viggiano Luise (1999), onde o processo de
individualização da pena se desenvolve em três planos distintos que se
completam: o plano legislativo, o judicial e o executório. Havendo, assim, uma
individualização das sanções penais que se denomina individualização
legislativa, individualização judicial (fase cominatória) e individualização
executória (fase da execução).
A individualização legislativa é a fase abstrata em que o legislador
estabelece quando descrimina as sanções cabíveis, delimita as espécies
delituosas e formula o preceito sancionador. Com isso, é a individualização que
domina e dirige as demais, uma vez que é a lei que traça as normas de
conduta do juiz e dos órgãos de execução penal.
Ocorre que, como nos ensina Rogério Greco (2009), de nada vale a
individualização da pena dando a um determinado condenado sua justa pena
se este a cumprirá em conjunto com diversos outros de personalidades
diferentes. Seria colocar um condenado por furto e outro por homicídio numa
mesma cela, em um ambiente promíscuo, dessocializador, que estimula mais a
corrupção do caráter do que o arrependimento necessário e a reintegração
daquele condenado na sociedade.
2.7 Da proporcionalidade
Apesar de o princípio da proporcionalidade ter extrema correlação com o
princípio da individualização da pena, estes não podem ser confundidos. Como
já explicado no tópico anterior, individualizar uma pena significa dizer que cada
conduta delituosa terá sanção específica dada pelo legislador, enquanto a
proporcionalidade estudaremos a seguir.
“O fato de que entre a pena e delito não exista nenhuma relação natural não exime a primeira de ser
22
adequada ao segundo em alguma medida. Ao contrário, precisamente o caráter convencional e legal do nexo retributivo que liga a sanção ao ilícito penal exige que a eleição da qualidade e da quantidade de uma seja realizada pelo legislador e pelo juiz em relação à natureza e a gravidade do outro” (FERRAJOLI, 2002, P.320).
Resumindo as palavras do digníssimo Autor: o preceito secundário
(sanção) do tipo penal não pode ultrapassar a medida de sua serenidade em
relação à gravidade da conduta proibida descrita. Deve, então, haver uma
proporcionalidade. Vale, também, dizer que tal princípio tem como duplo
destinatário, quais sejam: o legislador (procedimento abstrato de cominação) e
o juiz (procedimento concreto).
Para Alessandro Baratta (1987), o princípio da proporcionalidade está
dividida entre a abstrata e a concreta ou adequação do custo social. A primeira
significa que graves violações aos direitos humanos podem ser objeto de
sanções penais. As penas devem ser proporcionais ao dano causado.
Enquanto o segundo se traduz sob o aspecto negativo, que a pena causa
sobre as pessoas que constituem o seu objeto, sobre suas famílias e sobre o
ambiente social e, mais em geral, sobre a própria sociedade.
É justamente o desrespeito a uma proporcionalidade concreta onde se
tem maiores problemas. Para Abrão Razuk (2009), “é preciso perceber o
conceito de proporcionalidade em sua atuação concreta no mundo normativo.
Sob pena de ter razões de desproporcionalidade”.
Para o referido autor o processo criminal está contaminado por diversos
fatores: a mídia, que condena pessoas sem o devido processo legal,
julgamentos injustos, desrespeito ao princípio do contraditório e da ampla
defesa, e, principalmente desrespeito aos princípios da presunção de inocência
e dignidade da pessoa humana. A prisão liquida a pessoa humana por ser um
depósito de preso, ficando a maioria no ócio.
“Tem-se em rigor a doutrina do Direito Penal Mínimo, pena grave para os crimes de alta periculosidade e
23
aos crimes de menor potencial lesivo às penas alternativas, pois a pena no Brasil não está cumprindo sua finalidade, ou seja, intimidar ou reeducar; ao contrário, a prisão é uma verdadeira escola de novos crimes e presta desserviço ao Estado” (RAZUK, 2009).
2.8 Da responsabilidade social
Tal princípio tem status constitucional, inserido no inciso XLV, do art. 5º:
“nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas até o limite do valor do patrimônio transferido”.
Também denominada por muitos doutrinadores, entre eles, Alessandro
Baratta (1987), de princípio da imputação pessoal ou da personalidade,
significa dizer que a pena deve ser aplicada somente à pessoa ou às pessoas
físicas que tenham agido de forma proibida, excluindo toda a forma de
responsabilidade objetiva (sem culpa), ou pelo fato de terceiros.
“o princípio perde a sua natureza absoluta, pois sabemos que quando alguém é condenado, segregado temporariamente do convívio familiar, a pena estende o seu raio de ação àquelas pessoas que, embora não tivessem praticado o delito, sentem a força da ação da sanção penal em razão da separação daquele que, por exemplo, mantinha a subsistência da família. Não somente o lado financeiro de uma segregação parcial da liberdade de alguém afeta seus familiares. Os parentes, de forma geral, mesmo sem qualquer relação de dependência financeira, com aquele que praticou a infração penal, sofrem emocionalmente com sua prisão” (GRECO, 2009, p.106).
Sendo assim, percebe-se que o princípio em questão não é absoluto,
ultrapassando a pena, de outras formas, a pessoa condenada. Até mesmo
24 quando a pena tratar-se de pecúnia, esta pode ser cumprida por outrem que
não o indivíduo responsabilizado.
2.9 Da limitação das penas
Como bem nos ensina Rogério Greco (2009), a Constituição da
República Federativa do Brasil tem o condão de não somente limitar
negativamente a criação de tipificações de comportamentos, ou seja, quanto a
proibições de condutas aceitas pela Lei Maior, mais também de limitar o
preceito secundário do tipo penal incriminador. Vejamos:
Inciso XLVII do art. 5º:
“Não haverá penas:
a) de morte, salvo em casos de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) crueis”.
“Tais penas ferem o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos princípios corolários da república brasileira, devendo ser, pois, extirpados pelo legislador constituinte do ordenamento jurídico. Nesse sentido, merece destaque o princípio da limitação das penas” (ALVES, 1998).
2.10 Da culpabilidade
Iniciaremos este subtítulo com interessante conceito acerca da
culpabilidade expresso por Júlio Gomes Duarte Neto (2009): “deve-se apurar o
grau de culpa (dolo ou culpa stricto senso) para então dosimetrar a punição
pela prática humana”.
25 Para melhor entendimento do conceito acima, explicaremos com base
na doutrina de Rogério Greco (2009). O princípio do nullum crimen nulla poena
sine culpa deve ser analisado sob três enfoques distintos e interligados: a)
culpabilidade como elemento integrante do conceito analítico de crime; b) como
princípio medidor da aplicação da pena; e c) como princípio que impede a
chamada responsabilidade penal objetiva (sem culpa ou pelo resultado).
O primeiro enfoque se dá a partir do momento em que se aceita a
classificação tripartite da infração penal, ou seja, só há crime quando presentes
os seus elementos necessários: tipicidade; ilicitude; e culpabilidade, esta vista
aqui como uma conduta reprovável em que o agente poderia agir de modo
diverso. Ficando provado que o indivíduo não podia de outro modo agir, crime
não haverá.
Se convencido o juiz pela existência desses três elementos necessários
e que, portanto, a conduta é típica, passa-se para o segundo enfoque da
culpabilidade. O magistrado aplicará a pena ao agente de acordo com o nível
de reprovabilidade da conduta. Sobre o tema, o Código Penal se pronuncia em
seu art. 59:
“O juiz, atendendo a culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme for necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime:
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos”.
E a terceira vertente da culpabilidade é aquela que decorre do princípio
da pessoalidade. Somente será responsabilizado por um delito aquele que por
dolo ou culpa deu causa ao resultado danoso. Nunca se terá a
responsabilização penal objetiva.
26 Pelo todo dito, fácil visualizar o princípio da culpabilidade como
regulador do controle penal voltado para os direitos humanos, com maior
garantismo e menor intervencionismo, funcionando como princípio orientador
do legislador para que o mesmo proteja a esfera de liberdade do cidadão da
intervenção do Estado.
2.11 Da legalidade
Um dos instrumentos mais relevantes para o garantismo penal é o
princípio da legalidade, não permitindo que existam crimes e sanções em caso
de não estarem expressamente previstos em lei.
Reza o art. 5º, inciso XXXIX da nossa Carta Magna:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, a segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Tivemos a oportunidade em monografia anterior (A Efetividade do Direito
penal à luz dos Crimes ocorridos na Internet, 2008) de citar o mestre Jorge
José Lawand (2004), para o qual é a lei, segundo os ditames da Constituição
Federal, que pode determinar o que é crime e indicar a pena cabível.
Complementando o raciocínio, Alessandro Baratta (1987) alude que o
princípio da legalidade ou reserva legal limita o poder punitivo estatal somente
às sanções previstas em lei como delitos: nulla poena sine lege, nulla poena
sine crimine.
27 2.12 Da taxatividade
Decorrente do princípio da legalidade, a taxatividade pressupõe que a
conduta proibida expressamente prevista na lei deve estar descrita de maneira
clara, quer dizer, a não ensejar dúvidas e analogias. Ainda nos valendo do
referido autor acima citado, os tipos penais devem, necessariamente, ter a
indicação de seus elementos descritivos e normativos, impondo uma técnica
legislativa que permita a maior objetividade no processo de concretização
judicial das figuras delitivas.
Concluindo, não tivemos a pretensão de esgotar todos os princípios
existentes no ordenamento jurídico e, principalmente os do mundo doutrinário,
deixando tal tarefa para, quem sabe, trabalhos futuros. Mesmo assim, buscou-
se expor boa parte deles e demonstrar de que forma os mesmos são úteis na
busca de um Direito Penal Mínimo, onde se defende a amplitude das garantias
humanas e uma intervenção penal estritamente quando necessária.
28
CAPÍTULO III
MOVIMENTO DE LEI E ORDEM NA ATUAL SOCIEDADE
BRASILEIRA
Para a harmoniosa introdução deste capítulo, se faz necessário os
ensinamentos do professor Clóvis Alberto Volpe Filho (2004), ao dizer que os
habitantes de determinado território delegam ao Estado, por meio de um
acordo, as garantias de uma convivência harmoniosa. Estando essa harmonia
ameaçada, o Estado, portanto, pode agir para coibir e punir. É neste ponto que
encontramos os nossos maiores problemas.
O Estado, todavia, não está ilimitado em tal poder de agir, é existente
uma constituição que enumera direitos e garantias fundamentais dos indivíduos
que devem ser respeitados. Mas será que é mesmo assim quando falamos do
nosso Sistema Penal? Vejamos:
Para a análise de como anda o Sistema Penal Brasileiro, nos valeremos
dos esclarecimentos do professor Augusto Thompson (2007). Para ele, o atual
Sistema Penal está eivado de uma discriminação na produção das leis, uma
vez que a feitura destas não se revela a partir de um poder sobrenatural, e sim
de um poder humano esculpido de interesses das classes dominantes.
Sendo assim, normas são criadas para atingir, em sua maioria,
indivíduos pobres, caracterizando-os como criminosos, enquanto aos ricos é
dada a chancela de esperto, desonesto, duro homem de negócios e etc;
quando, porventura, venham a praticar algum “ilícito civil”.
Exemplo disso ocorre na tipicidade dos crimes no campo patrimonial. Ao
invés de o legislador preferir utilizar-se da abrangência de que o crime
patrimonial “seja qualquer ação ou omissão que vise adquirir vantagem
econômica de terceiro sem o consentimento deste”, repartiu tal visão em
inúmeras condutas, escudado pelo princípio da reserva legal. Criou-se o roubo,
furto e apropriação indébita.
29 Conforme um exemplo dado pelo referido autor acima, se o “cobrador”
de ônibus se apossa de valores do seu empregador, tal será crime, em contra
partida, a empresa que utiliza propaganda, para dizer que seu produto é o mais
barato no mercado e, assim, não o sendo, auferir vantagem econômica do
terceiro consumidor, além do devido, não praticará crime por não ter tipificação
penal que preveja tal prática.
Com isso, exclui-se a figura do delito penal e transforma-o em delito civil,
para que, assim, o cometidor desse delito não fique sob o risco de ser
considerado criminoso. Em outras palavras: dar suporte a classe
economicamente favorecida.
Continuando, a discriminação pode ocorrer na fase policial e na judicial.
Na primeira, a fase policial, pode ser percebida pelo fato de que a polícia tem
acesso facilitado em logradouros, locais públicos, praças, parques, escolas
públicas, e etc. E outros em que ela não pode transitar de forma livre, salvo
consentimento das pessoas como em locais privados, empresas privadas,
casas residenciais e etc.
Tomando por base tal ilustração será bem mais fácil notar que o delito
cometido num bar por certo indivíduo de classe inferior será, de longe, mais
visível por parte da polícia do que àquele cometido dentro de um clube
particular por um cidadão mais abastardo.
Compartilhamos, também, com o entendimento de Augusto Thompson
(2007) quando o mesmo alega que a sociedade aprendeu a caracterizar o
criminoso conforme suas afeições pessoais, ou seja, é aquele indivíduo mal
vestido, com ausência de dentes, sujo, entre outras características; batendo
palmas para a teoria do etiquetamento de Lombroso.
Um policial prefere abordar na rua para averiguação o indivíduo mais
carente, “com traços de criminoso” ao invés de incomodar a pessoa bem
vestida e limpa que esteja transitando. As operações nas favelas, por parte da
polícia, e não em condomínios da zona sul são, também, provas do que foi dito
anteriormente.
30 Outro ponto de discriminação é o fato dos policiais utilizarem certa força
aos indiciados, para que, então, estes venham a expor fatos que elucidem a
ocorrência do crime. Assim, por exemplo, através de tortura, poderá o
investigador obter uma confissão de um delito e, por conseguinte, leva-lo a
elementos probatórios capazes de instruir feitura condenação.
“A inevitável seletividade operacional da criminalização secundária e sua preferente orientação burocrática (sobre pessoas sem poder e por fatos grosseiros e até insignificantes) provocam uma distribuição seletiva em forma de epidemia, que atinge aqueles que têm baixas defesas perante o poder punitivo, aqueles que se tornam mais vulneráveis à criminalizalção secundária porque: a) suas características pessoais se enquadraram nos esteriótipo criminais; b)sua educação só lhes permite realizar ações ilícitas toscas e, por conseguinte, de fácil detecção e; c) porque a etiquetagem suscita a assunção do papel correspondente ao esteriótipo com o qual seu comportamento acaba correspondendo ao mesmo (a profecia que auto realiza). Em suma, as agências acabam selecionando aqueles que circulam pelos espaços públicos com o figurino social dos delinqüentes, prestando-se à criminalização – mediante suas obras toscas – como seu inesgotável combustível” (BATISTA; ZAFFARONI; SLOKAR (2003) apud GRECO, 2009, p.138).
Na fase judicial a discriminação ocorre por conta dos juízes. Após a
triagem dos indivíduos que devem receber os holofotes do judiciário, pela
polícia, cabe ao juiz, agora analisando as provas, decidir sobre a culpabilidade
do ser.
Ocorre que tais provas nem sempre são verdades reais e, assim, o juiz
acaba por antes mesmo de se preocupar com o que foi feito, da maior
importância ao que o indivíduo é. A simples presença de o indiciado conter
antecedentes criminais (não sentença anterior condenatória) já pode ser o
suficiente para que o magistrado, sob a égide do livre convencimento motivado,
o condene. Rasga-se, assim, o princípio do devido processo legal.
31 Como se percebe, a realidade brasileira está longe de seu Estado
Democrático de Direito. Com essa onda de crimes bárbaros que a mídia se
utiliza como meio de promoção, somente traz sentimentos de revolta para a
sociedade a qual acredita num Estado penalmente fortalecido quando este se
vale de uma amplitude de condutas proibidas e que sejam severamente
punidas. Como aludimos em capítulo anterior, estamos diante de um Direito
Penal Máximo, ou melhor, é um movimento de lei e ordem dirigido para quem
dele não tem condições de escapar: direito penal do inimigo.
Mas porque tal movimento é direcionado somente para as pessoas
menos favorecidas? O autor Rogério Greco nos responde:
“Com esse inchaço de tipificações penais existente no ordenamento jurídico, o estado não tem opção senão escolher quem punir, caso contrário, o sistema penitenciário não teria vagas suficiente para prender todos aqueles que tivessem cometido uma infração penal. Se fôssemos levar a ferro e fogo a aplicação de todos os tipos penais existentes, não haveriam pessoas disponíveis nem para apurar os fatos criminosos, tampouco julgar os autores dos delitos, pois todos estaríamos presos” (GRECO, 2009).
Daqui, faz-se outro questionamento: Será mesmo que é prendendo um
ser que se resolve o problema da criminalidade no Brasil?
Fazendo-se uma leitura atenta ao art. 1º da Lei de Execução Penal, fácil
a conclusão de que a pena, no Brasil, tem seu caráter ressocializador, ou seja,
a pena é aplicada no Intuito de garantir ao condenado a sua adequada
reinserção no seio social.
Art. 1º da Lei 7.210/84:
“A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença
ou decisão criminal e proporcionar as condições para a harmônica integração
social do condenado e do internado”.
Sendo assim e nas lições de Augusto Thompson (2007), a pena de
encarceramento se faz presente para que tal finalidade seja atingida.
32 Na prisão, o criminoso deveria receber medidas que o faça apto a ser
merecedor do retorno ao convívio livre em comunidade. Pura ilusão.
O criminoso em seu convívio intramuro é carecedor de quaisquer
estímulos que o faça livre e no seu pensamento. Na penitenciária, o indivíduo
sofre não com a sua individualidade e sim com o convívio em massa. Lá, ao
adentrar, já aprende uma etapa de tarefas a serem, obrigatoriamente,
seguidas; todas já preestabelecidas: aprende quem tem o poder dentro do
presídio, a comer o que tem ou “dar um jeito” para conseguir o que não tem, a
manter diferentes tipos de relações sexuais e etc. Ou seja, por mais que se
busque a reeducação do criminoso, o que se conseguirá é justamente o
inverso.
Como se pode querer a ressocialização da pessoa para seu retorno na
livre sociedade, o trancando na prisão e, assim, aprendendo as normas de uma
sociedade intramuros?
Conclui-se, ainda, segundo o autor acima mencionado, que, na maioria
das vezes, volta a praticar outro delito e, por isso, retorna a penitenciária, pois
já se tornou refém/consumidor dos pensamentos ali aprendidos.
Por evidente, não se pode generalizar tal acontecimento. Existem sim
muitos condenados após terem cumprido suas penas que querem ingressar de
forma renovada na sociedade, se reintegrando. Ocorre que a própria sociedade
não os aceita. Quantos trabalhos não foram negados sob o argumento de o
indivíduo conter o árduo de já ter sido presidiário? Rogério Greco (2009) nos
empresta um ótimo exemplo do episódio de uma condenada pelo homicídio de
uma atriz da Rede Globo que havia se matriculado numa faculdade do Rio de
Janeiro e os alunos, que com ela estudariam, abandonaram a sala de aula.
Por esses motivos, de nada adianta uma política criminal baseada na
criação variada e desenfreada de tipos penais. Não adianta aceitar como
solução de todos os problemas da criminalidade a colocação dos indivíduos em
cárceres, seja qual tenha sido as suas condutas. O resultado disso nós já
vimos e vemos todos os dias: um Direito Penal baseado no simbolismo, onde
33 todas as leis são aplicadas para alguns e outros não, e a sociedade
caminhando como se tudo estivesse bem. Por que não o Estado intervir de
forma mínima, quando estritamente necessário para resolver ou tentar a
problemática da criminalidade social?
34
CAPÍTULO IV
DIREITO PENAL MÍNIMO NA ATUAL SOCIEDADE
BRASILEIRA
Doutrinadores mais modernos apontam a necessidade de mudança
dessa atual realidade em que vivemos, tendo o direito penal como a prima ratio
de todos os conflitos. Ao contrário, com a adoção de um direito penal mais
equilibrado como nos propõe Rogério Greco (2009), talvez não alcancemos a
solução para tudo, entretanto, boa parte do que é hoje visto erroneamente no
Sistema Penal, não mais o será.
“É curioso perceber como no final do século, quando se acreditava no incremente do movimento despenalizado mediante a utilização de técnicas alternativas de controle social, cresce o anseio por penas mais elevadas e, de um modo geral, por uma atuação mais draconiana do sistema punitivo como um todo, com prisões provisórias decretadas amiúde, supressão da progressão do regime prisional, etc. Afora isto, e por mais paradoxal que possa parecer, é exatamente sob o égide do sistema democrático que se está aumentando o espectro de incidência do Direito Penal” (TOROU apud VOLPE FILHO, 2005).
Estando a sociedade brasileira disposta a se enquadrar no movimento
de Intervenção Mínima do Direito Penal, podemos enumerar alguns possíveis
avanços:
a) Não se teria os incontáveis tipos penais, pois o legislador faria uma
análise dos princípios já existentes no ordenamento jurídico e
verificaria, segundo a adequação social, princípio da insignificância,
princípio da intervenção mínima e lesividade, a desnecessidade de
alguns delitos prescritos em lei e os revogaria. Em contrapartida, criaria
tipos penais que dessem maior importância a bens mais relevantes para
serem tutelados;
35
b) A pena de privação de liberdade permaneceria apenas para os delitos
considerados mais graves, deixando que os demais conflitos sociais
possam ser resolvidos por outros ramos do direito que não o penal,
criando-se, assim, outras espécies de punição ou prevenção; Este seria
subsidiário: ultima ratio.
c) A discriminação, em tese (pois a corrupção não desapareceria de
imediato), iria diminuir, uma vez que, com o enxutamento do
ordenamento jurídico penal, o Direito não teria que escolher os seus
“consumidores”. A classe rica e a pobre ficaria sob a incidência do
Direito Penal Mínimo; tendo lugar para a ressocialização de todos;
d) As sanções penais, por respeito do legislador ao princípio da
individualização da pena e proporcionalidade, seriam mais justas.
Assim, talvez terminasse o fato de um furto ter a pena maior do que a
conduta de lesionar a integridade corporal de outrem;
e) As garantias fundamentais do ser humano como a dignidade da pessoa
humana teria maior respeitabilidade. Os cidadãos retomariam as suas
liberdades individuais, tão perdida por muitos nos dias atuais.
Finalizo este trabalho afirmando, junto com Rogério Greco (2009), que
apesar de o Direito Penal Mínimo ser a melhor e mais razoável posição que um
Estado Democrático de Direito deva assumir, sabemos, também, que a
utilização do Direito Penal não deverá ser realizada em substituição ao Estado
Social. O Direito Penal não pode ter a pretensão de tentar resolver todos os
problemas, até os mais graves, que aflingem a sociedade.
E, mesmo que o Estado se esforce para cumprir suas funções sociais,
ainda teríamos o cometimento de delitos, pois que estes, por muitas vezes, não
têm qualquer ligação com necessidades básicas do ser humano, eis que no
mundo existe a inveja, o egoísmo, a vingança, etc.
36
CAPÍTULO V
JURISPRUDÊNCIAS
Tendo este trabalho o propósito de alertar a comunidade jurídica acerca
de um debate sobre o atual “Estado Penal” brasileiro, não podíamos partir para
sua conclusão sem antes transcrever alguns julgados dos Tribunais Estaduais
e Superiores sobre o tema e, assim, ver o quão aceito está pela jurisprudência.
TJSC – APELAÇÃO CRIMINAL Nº. 2008.065.862-3
Relator(a): Min. Newton Varella Júnior
Julgamento: 07/01/2010
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA AS
RELACOES DE CONSUMO (ART. 7º, IX, DA LEI N.
8.137/90). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA POR FALTA
DE TIPICIDADE. DIREITO PENAL MÍNIMO.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA LESIVIDADE
DA CONDUTA. APELO MINISTERIAL. EXPOSIÇÃO
À VENDA DE MERCADORIA IMPRÓPRIA AO
CONSUMO. AGENTES QUE, NA ÉPOCA DOS
FATOS, COMERCIALIZAVAM CARNES BOVINA E
OVINA SEM COMPROVAÇÃO DE INSPEÇÃO
SANITÁRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA
COMPROVADAS. CRIME FORMAL. DELITO DE
PERIGO ABSTRATO. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL.
CONDENAÇÃO DECRETADA. RECURSO
CONHECIDO E PROVIDO.
VOTO
“... Assiste razão ao representante do Ministério
Público, não merecendo prosperar a sentença que,
em aplicação do princípio da intervenção mínima,
absolveu os apelados ao entender que a conduta
37
que lhes foi atribuída é atípica, uma vez que o
simples de ato de expor à venda carne sem
comprovação de procedência não configura fato
delituoso, notadamente porque não tem o condão de
lesar ou expor à risco de lesão bem jurídico
relevante...”
STF - HABEAS CORPUS: HC 101074 SP
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento: 06/04/2010
Ementa
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE DESCAMINHO (CP, ART. 334,"CAPUT", SEGUNDA PARTE)- TRIBUTOS ADUANEIROS SUPOSTAMENTE DEVIDOS NO VALOR DE R$ 4.541,33 - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL
. - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA
38
INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR"
. - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO DELITO DE DESCAMINHO
. - O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. Aplicabilidade do postulado da insignificância ao delito de descaminho (CP, art. 334), considerado, para tanto, o inexpressivo valor do tributo sobre comércio exterior supostamente não recolhido. Precedentes.
STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL: AgRg no REsp 998993 RS 2007/0246305-1
Relator(a): Ministro PAULO GALLOTTI
Julgamento: 05/03/2009
Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. PORTE DE ARMA DE FOGO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE. NULIDADE DA PERÍCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA POTENCIALIDADE.
1. Tratando-se de crime de porte de arma de fogo, faz-se necessária a comprovação da potencialidade do instrumento, já que o princípio da ofensividade em direito penal exige um mínimo de perigo concreto ao bem jurídico tutelado pela norma, não bastando a simples indicação de perigo abstrato.
2. Com isso, uma vez anulado o exame balístico, resta atípica a conduta do porte de arma.
39
3. Agravo provido para o fim de desprover o recurso especial, que visava reformar o trancamento da ação penal
STF - HABEAS CORPUS: HC 100366 PR
Relator(a): Min. EROS GRAU
Julgamento: 01/12/2009
HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. DÉBITO TRIBUTÁRIO INFERIOR AO VALOR PREVISTO NO ART. 20 DA LEI Nº 10.522/02. ARQUIVAMENTO. CONDUTA IRRELEVANTE PARA A ADMINISTRAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
1. O arquivamento das execuções fiscais cujo valor seja igual ou inferior ao previsto no artigo 20 da Lei n. 10.522/02 é dever-poder do Procurador da Fazenda Nacional, independentemente de qualquer juízo de conveniência e oportunidade.
2. É inadmissível que a conduta seja irrelevante para a Administração Fazendária e não para o direito penal. O Estado, vinculado pelo princípio de sua intervenção mínima em direito penal, somente deve ocupar-se das condutas que impliquem grave violação ao bem juridicamente tutelado. Aplicação do princípio da insignificância. Ordem concedida.
TJDF - RSE: RSE 174579520088070001 DF 0017457-95.2008.807.0001
Relator(a): SANDRA DE SANTIS
Julgamento: 29/04/2010
Ementa
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - PROCESSO ADMINISTRATIVO NÃO EXAURIDO - AUSÊNCIA DE TIPICIDADE PENAL - PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO DIREITO PENAL - DENÚNCIA REJEITADA.
I. A PERSECUÇÃO PENAL, PELA GRAVIDADE E ESTIGMA SOCIAL QUE A ACOMPANHA, DEVE SER SEMPRE O ÚLTIMO RECURSO DO ESTADO.
II. A TIPICIDADE PENAL DO CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA EXIGE O EXAURIMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. EM ESPECIAL
40
QUANDO O RÉU DEMONSTRA INTENÇÃO DE QUITAR A DÍVIDA. SÚMULA VINCULANTE 24/2009.
III. RECURSO IMPROVIDO.
STJ - HABEAS CORPUS: HC 82093 SP 2007/0096128-3
Relator(a): Ministro HAMILTON CARVALHIDO
Julgamento: 27/05/2008
Ementa
HABEAS CORPUS. FURTO TENTADO. DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL. INOCORRÊNCIA. PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO, REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO DO AGENTE E EXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA PROVOCADA. ORDEM DENEGADA.
1. O poder de resposta penal, positivado na Constituição da República e nas leis, por força do princípio da intervenção mínima do Estado, de que deve ser expressão, "(...) só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não se deve ocupar de bagatelas" (Francisco de Assis Toledo, in Princípios Básicos de Direito Penal).
2. O princípio da insignificância é, na palavra do Excelso Supremo Tribunal Federal, expressão do caráter subsidiário do Direito Penal, e requisita, para sua aplicação, a presença de certas circunstâncias objetivas, como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
3. Ordem denegada
STF - HC 97129 / RS - RIO GRANDE DO SUL HABEAS CORPUS Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 11/05/2010
Ementa EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TENTATIVA DE FURTO. CRIME IMPOSSÍVEL, FACE AO SISTEMA DE
41
VIGILÂNCIA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. INOCORRÊNCIA. MERCADORIAS DE VALOR INEXPRESSIVO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. 1. O pleito de absolvição fundado em que o sistema de vigilância do estabelecimento comercial tornou impossível a subtração da coisa não pode vingar. As pacientes poderiam, em tese, lograr êxito no intento delituoso. Daí que o meio para a consecução do crime não era absolutamente ineficaz. 2. A aplicação do princípio da insignificância há de ser criteriosa e casuística, tendo-se em conta critérios objetivos. 3. A tentativa de subtração de mercadorias cujos valores são inexpressivos não justifica a persecução penal. O Direito Penal, considerada a intervenção mínima do Estado, não deve ser acionado para reprimir condutas que não causem lesões significativas aos bens juridicamente tutelados. 4. Aplicação do princípio da insignificância justificada no caso. Ordem deferida a fim de declarar a atipicidade da conduta imputada às pacientes, por aplicação do princípio da insignificância.
42
CONCLUSÃO
Estamos em uma democracia, onde todos são iguais perante a lei, ou,
pelo menos, deveria ser. Dito isso, o Estado deve se valer de meios para a
manutenção da paz social, sem distinção entre os seres. Ocorre que tais meios
nem sempre são os mais apropriados.
Quando a traquilidade encontra-se ameaçada, tem a Administração
Pública, através de seus Sistemas, o dever de devolvê-la. No caso de
transgressão a determinada norma inibidora de condutas, o Sistema que se faz
necessário é o Penal (polícia, Ministério Público, judiciário, etc), que deverá
atuar de forma una, sem discriminação de pessoas, mas, como se pôde notar,
não é o que ocorre.
Influenciado por um Movimento Punitivista, onde tipos penais são
criados pelo legislador desenfreadamente, o Sistema Penal encontra sua fuga
para que ele mesmo não seja “encarcerado”, qual seja: escolhe a população
mais fraca economicamente para ficar sob os seus holofotes, um bom exemplo,
como citamos, é a teoria do etiquetamento utilizado por policiais. O resultado
disso é a divisão entre as classes da própria sociedade. Parte se sente segura
com as infindas criações de leis, enquanto a outra não mais vê ou sente a sua
tão “protegida” dignidade.
Sendo assim, doutrina moderna aceita e aponta para a necessidade de
uma “virada”. O Direito Penal encontra-se afogado e sem chances de cumprir
com as suas vitais finalidades, o que somente será possível por seu lado,
dando conta apenas quando se tratar de bens considerados relevantes para o
Direito.
Com a adoção do Direito Penal Mínimo, este não mais cuidará de
problemas insignificantes, sem potencialidade ofensiva ao bem e, portanto, não
precisará mais selecionar o seu campo de incidência, eis que se transformaria
em um Direito Penal para todos. As garantias e direitos constitucionais
poderiam atingir qualquer cidadão, bem como a severidade das sanções a
todas as classes.
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