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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS Um caminho para a paz conjugal POR: Laura Rodrigues Gonçalves ORIENTADOR: Profº. Carlos Cereja Rio de Janeiro MARÇO 2010

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

Um caminho para a paz conjugal

POR: Laura Rodrigues Gonçalves

ORIENTADOR: Profº. Carlos Cereja

Rio de Janeiro

MARÇO 2010

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

Um caminho para a paz conjugal

Monografia apresentada à Universidade

Cândido Mendes como requisito parcial

para obtenção do título de pós-graduação

em Mediação de Conflitos com Ênfase em

Família.

Por: Laura Rodrigues Gonçalves

Rio de Janeiro

MARÇO 2010

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AGRADECIMENTOS

À amiga Isabel Britto, fundamental à

minha existência e evolução;

À psicóloga e mentora Mônica Portella,

por ter me ensinado a enxergar o mundo

sob perspectivas diferentes, modificando

minhas interpretações equivocadas e me

fazendo perceber as inúmeras

possibilidades que a vida oferece; e por

todo apoio e incentivo na nova jornada

pela compreensão da mente humana.

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DEDICATÓRIA

A todos aqueles que, como eu, se

empenham por um futuro onde as

diferenças são compreendidas e

respeitadas.

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“Se você falar com um homem numa

linguagem que ele compreende, isto entra

na cabeça dele. Se você falar com ele em

sua própria linguagem, você atinge seu

coração.”

Nelson Mandela

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RESUMO

O presente trabalho pretende demonstrar de que forma a Mediação

Familiar, como método alternativo de resolução de conflitos, pode contribuir

para a comunicação conjugal e melhoria na qualidade dos relacionamentos em

situação de crise. Devido ao seu caráter transformativo, o processo de medição

de conflitos vem se apresentando como eficiente ferramenta capaz de

proporcionar a facilitação do diálogo construtivo entre conviventes através de

técnicas de negociação que priorizam os interesses implícitos dos casais em

conflito. Na medida em que o processo convalida os sentimentos de cada

parceiro individualmente, os casais adquirem nova forma de percepção e

aceitação do outro e aprendem meios de lidar com as diferenças e

divergências comuns em relacionamentos conjugais, seguindo por um caminho

de comunicação bilateral eficiente, empatia recíproca e convivência pacífica.

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METODOLOGIA

O presente trabalho foi desenvolvido a partir de pesquisas bibliográficas,

através da utilização de livros, artigos e sites de organizações reconhecidas em

seu valor de confiabilidade, bem como publicações acadêmicas. Estarão

embasando teoricamente este estudo, principalmente o trabalho dos seguintes

autores: Roger Fisher, William Ury e Bruce Patton; André Gomma de Azevedo,

Malvina Ester Muszkat; Chistopher Moore; Robert Bush e Joseph Folger; entre

outros.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

OS CONFLITOS CONJUGAIS 10

CAPÍTULO II

O PROCESSO DE MEDIAÇÃO 18

CAPÍTULO III

A MEDIAÇÃO NAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS 33

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA 41

ÍNDICE 44

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INTRODUÇÃO

Visando investigar formas de resolução alternativas para conflitos

interpessoais, o tema central desta pesquisa bibliográfica é determinar a

influência e colaboração do processo de Mediação de Conflitos no

restabelecimento da comunicação eficiente e não-violenta entre parceiros

conjugais em crise; sendo a questão central do trabalho, identificar como o

processo de mediação de conflitos pode contribuir para a comunicação

conjugal e para a qualidade dos relacionamentos afetivos.

O tema sugerido é de fundamental relevância, pois a crescente

demanda dos conflitos no mundo gera inúmeros questionamentos e reflexões

sobre suas causas e conseqüências. Percebendo essa nova demanda de

conflitos e a crescente insatisfação com os resultados de outras formas de

solução de controvérsias, surge no cenário mundial a Mediação de Conflitos,

como nova forma de negociação apta a conciliar ou equilibrar as vontades dos

envolvidos num processo de compreensão mútua de interesses, onde a

intenção não é declarar quem detém razão, mas buscar um consenso

satisfatório para ambos.

Neste sentido, o presente trabalho objetiva: analisar de que forma o

processo de Mediação de Conflitos pode contribui para, a longo prazo, de fato

facilitar a comunicação e aumentar a qualidade do relacionamento conjugal dos

que a ele se submetem; enumerar os equívocos e fatores desencadeantes de

conflitos mais freqüentes no âmbito dos relacionamentos conjugais; apresentar

o processo de mediação de conflitos como meio transformativo das relações

conjugais no que tange à comunicação, compreensão de interesses e empatia

entre os conviventes; e demonstrar a importância da comunicação eficaz e

não-violenta na construção de relacionamentos saudáveis e na prevenção de

futuros conflitos.

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As técnicas de mediação surgiram com intuito de não somente

solucionar e pacificar esses conflitos, mas também se direcionam a obter um

resultado eficaz a longo prazo, de modo a evitar a reincidência e proporcionar

meios de manutenção dos ganhos obtidos com o processo resolutório.

De acordo com a proposta de transformação profunda das relações que

passam pelo processo de mediação, faz-se necessário trazer aos casais não

apenas meios de chegarem a um acordo amigável e sensato junto ao problema

central que apresentam, mas ferramentas e subsídios suficientes para que

possam manter os resultados positivos conquistados e lidar com questões

futuras através de novas formas de comunicação eficiente e empáticas

apreendidas e praticadas ao longo do processo.

No primeiro capítulo, é abordada a noção de conflito com uma sucinta

exposição a respeito do conflito como fenômeno inerente à condição humana,

procedendo-se então à análise dos conflitos conjugais contemporâneos e à

determinação dos equívocos de comunicação como fator preponderante para o

surgimento de controvérsias nos dias de hoje. No capítulo seguinte, a presente

pesquisa conceitua a mediação de conflitos e descreve seu respectivo

processo, onde faz uma breve diferenciação em relação à Terapia Familiar;

esclarece o papel fundamental do mediador e faz uma descrição do rito e

princípios norteadores do método. No capitulo final, comenta a mediação nas

relações interpessoais e aborda a atuação da mesma no âmbito da

conjugalidade, identificando os modelos de mediação mais apropriados aos

conflitos em tela.

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CAPÍTULO I

OS CONFLITOS CONJUGAIS

Depende de cada um se fazer amar. Embora

sejam poucos os que dedicam ao amor o esforço

que lhe é necessário.

LOUISE LABÉ

1.1 - Aspectos gerais do conflito

Nas últimas décadas, é comum assistirmos ao término precipitado de

relações humanas porque as partes entram em conflito. Com freqüência, as

desavenças se dão por motivos facilmente superáveis, mas as pessoas

envolvidas não sabem como buscar o entendimento, nem dispõem de

instrumentos para tal. Em muitos casos, sequer percebem que se envolveram

em uma disputa desnecessária e não compreendem o fracasso da relação.

A dificuldade de identificar e lidar com os conflitos decorre,

principalmente, da falta de clareza com que o problema se apresenta. É fácil

perceber uma divergência se há a expressão direta e agressiva de insatisfação

por um dos envolvidos, mas os grandes conflitos ou disputas assumem

contornos sutis e bem menos óbvios.

Não há um consenso sobre o conceito de conflito e este pode ser

definido de diversas formas: como um fenômeno subjetivo, resultado da

concorrência de intenções ou necessidades incompatíveis ou antagônicas;

como uma situação desencontrada de vontades diversas ou ainda como um

processo onde um percebe que o outro frustrou ou irá frustrar seus interesses.

Pode ocorrer numa ocasião isolada ou se manifestar no desenrolar de várias

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situações que revelam desentendimento, confronto de opiniões, divergências e

questões irreconciliáveis. De acordo com Yard (1999), “O conflito pode ser

definido como um processo ou estado em que duas ou mais pessoas divergem

em razão de metas, interesses ou objetivos individuais percebidos como

mutuamente incompatíveis” (YARN, 1999, p.113 apud AZEVEDO, 2009, p. 27).

Conflito, etimologicamente, traz a idéia de luta - a palavra latina conflictu

quer dizer choque, embate. Azevedo (2009) afirma que, em regra,

intuitivamente se aborda o conflito como um fenômeno negativo nas relações

sociais que proporciona perdas para, ao menos, uma das partes envolvidas

(p.27). Se observarmos a história, até há pouco tempo a ausência de conflitos

era interpretada como expressão de bom ambiente, boas relações e, em

muitos casos, como sinal de competência social e relacional. O conflito era

visto de forma negativa, como resultante da ação e do comportamento de

indivíduos indesejáveis socialmente, associado à agressividade, ao confronto

físico e verbal e a sentimentos negativos - os quais eram considerados

prejudiciais ao bom convívio entre as pessoas.

Contudo, os conflitos não são necessariamente eventos negativos; o

modo como lidamos com eles é que pode gerar interpretações equivocadas e

reações indesejadas; ou seja, não é o conflito em si o problema, mas sim a

nossa capacidade em administrá-lo. Assim, como afirma Breitman (2001), o

conflito não é destrutivo em si, nem bom em si, e pode ser entendido como

uma dos elementos da própria vida, portanto, parte integral do meio no qual

nascemos, vivemos e morremos, fazendo parte de nossas interações; por isso

não pode ser extirpado. A questão, ratifica o autor, é saber como manejá-lo, de

forma que ambas as partes saiam ganhando, ou seja, eficaz e produtivamente.

Shnitman (1999) percebe no conflito uma oportunidade de crescimento e

desenvolvimento. Folger e Bush (1999) consideram que o conflito é

potencialmente transformativo e compreendem-no como parte integrante da

vida e capaz de gerar mudanças, conforme descrevem em seu livro La

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promessa de la mediación (1996).

Os conflitos existem desde o início da humanidade; são fenômenos

normais inerentes à condição humana, que fazem parte do nosso processo de

evolução; necessários para o desenvolvimento e crescimento de qualquer

sistema familiar, social, político e organizacional.

De acordo com o interesse da pesquisa aqui proposta, neste capítulo

abordaremos os aspectos gerais dos conflitos conjugais contemporâneos, e a

importância da comunicação eficiente para os êxito e continuidade dos

relacionamentos afetivos.

1.2 - Os conflitos conjugais contemporâneos

Conforme citado anteriormente, os conflitos podem ser compreendidos

como elementos da própria vida. Somos seres únicos com características

peculiares que nos diferenciam dos demais. Porém, aquilo que nos torna

diferente dos demais pode contribuir, complementando a relação, ou ser motivo

de colisão, já que muitas vezes nós vivenciamos as diferenças como agressão.

É de se esperar que pessoas que são diferentes, tiveram um histórico familiar

diverso e que têm modos particulares de interpretação da vida também tenham

critérios divergentes de como avaliar comportamentos. Porém, se para a vida

em sociedade ser possível é desejável exercitar habilidades sociais de convívio

e administração das diferenças, nos relacionamentos conjugais tais habilidades

são absolutamente imprescindíveis; já que a própria intimidade e a proximidade

inerente aos casais demandam mais tolerância com as características

individuais de cada um.

Porém, segundo Shinyashiki (1999), “conviver é uma arte que poucos

aprendem a dominar” (p.39), já que não há nas escolas disciplinas que

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ensinem como devemos nos relacionar uns com os outros. Se os conflitos

ocorrem quando as partes divergem fundamentalmente em suas percepções

sobre o desejável para cada um; o aumento das expectativas perante o

parceiro, a extrema idealização do outro, o crescente individualismo, as

exigências estressantes do mundo moderno também provocam tensão e

conflito na relação conjugal, podendo levar à separação.

De acordo com Gray (2008), uma nova fonte expressiva de conflitos e

estresse conjugal, nos últimos cinqüenta anos, tem sido as mudanças

fundamentais nos papéis que desempenham homens e mulheres no

relacionamento. Agindo habitual e instintivamente segundo papéis

desatualizados criados num passado distante para um mundo diferente, tanto

homens quanto mulheres de hoje se relacionam e se comunicam de forma que

aumentam o estresse, em vez de diminuí-lo. Assim, sem novas habilidades

para lidar com esse estresse emergente e suprir suas carências emocionais, os

casais inevitavelmente esperam demais de seus companheiros, o que gera um

estresse ainda maior em seus relacionamentos pessoais.

“Os níveis inéditos de estresse que homens e

mulheres estão experimentando têm um preço em

nossos relacionamentos amorosos. Solteiros ou em

um relacionamento de compromisso freqüentemente

estão ocupados ou cansados demais para manter

sentimentos de atração, motivação e afeição.“

(p.11).

O autor segue afirmando que não há dúvidas de que a nova dinâmica

conjugal prejudica o relacionamento em diversos fatores, e só se mantêm a

longo prazo aqueles que se empenham e se dedicam às necessidades atuais

do casal e determinam em consenso o que pode funcionar ou não, o que

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satisfaz ou não ao outro. Para isso é necessário que haja uma comunicação

eficiente entre eles; mas, apesar de parecer bastante óbvio que pessoas que

se amam e se relacionam, também se comunicam com precisão e cordialidade,

se expressando claramente e pretendendo compreender o parceiro, a realidade

dos relacionamentos conjugais não é esta.

1.3 - A comunicação ineficaz como fator gerador de

controvérsias

Existem muitos obstáculos que impedem uma boa comunicação: raiva,

ansiedades, preconceitos, cansaço, estresse, diferenças culturais e outros.

Sendo a comunicação humana um conjunto de operações simbólicas que

permite às pessoas se influenciarem reciprocamente num determinado

contexto, é fundamental estar atento à forma como o casal se comunica para

então se delimitar as razões exatas do conflito.

Scheffen (apud BREITMAN; PORTO, 2001, p. 113) entende a

comunicação interpessoal como: ”[...] o sistema de atividades que mantém,

regula e torna possível as relações humanas”, de onde conclui-se que a base

de qualquer relacionamento é a conversa. É o diálogo que nos abre a

possibilidade de conhecer e reconhecer outra pessoa e de nos deixarmos

conhecer por ela. Desta opinião, compactua Shinyashiki (1999) afirmando que

“É fundamental que o casal cultive diálogos francos

e abertos sobre suas concordâncias e divergências,

sobre suas alegrias e dores, sobre os problemas e

suas soluções e sobre o amor que os une. No

entanto, dialogar talvez seja o que menos façamos.

Muitos casais, em vez de um diálogo, entregam-se a

dois monólogos simultâneos, a um diálogo de

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surdos.” (p.42)

Porém, mesmo com toda a tecnologia que nos permite a comunicação

em tempo integral, se a quantidade de contatos foi drasticamente aumentada

entre parceiros, a qualidade destes contatos caiu proporcionalmente. Neste

sentido, o autor ainda expõe que vivemos na era da comunicação ou, pelo

menos em termos tecnológicos, estamos vivendo uma época de grandes

avanços, mas parece que nos esquecemos da comunicação pelo sentido

original que ela tem em si - o fator de relação entre pessoas:

“É como se estivéssemos perdendo a habilidade de

dialogar e de conhecer o outro. Elas ouvem, mas

não escutam; falam, mas não se deixam conhecer;

esbarram-se, mas não se vêem; e uma multidão

caminha solitariamente em direção a lugar nenhum.

Estamos esquecendo como dividir sonhos e

compartilhar a solidão. Essa dificuldade de percorrer

o mundo dos outros está criando uma geração de

pessoas impacientes e distantes. Ao perdermos a

generosidade de respeitar diferentes pontos de vista,

transformamos os casamentos e os negócios em

verdadeiros campos de batalha, em que o outro

passa a ser nosso inimigo.” (p.44)

Assim, para muitos casais, paradoxalmente, o passar do tempo complica

e até interrompe a comunicação que deveria estar sendo aprimorada com a

cumplicidade. Segundo Muszkat (2008), é exatamente nas relações de

continuidade, devido à convivência e maior intimidade entre as pessoas, que

reside uma tendência maior para a manifestação de conflitos e sua

cronificação. A estigmatização e a cristalização da dinâmica nas relações

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criam um clima constantemente tenso e predisposto ao conflito, sem qualquer

perspectiva de revisão, solução ou apaziguamento. Nesses casos, a

comunicação ganha contornos ineficazes porque se torna improdutiva e

repetitiva.

Ocorre que, como mencionado, casais que sofrem com inúmeros fatores

como o estresse e as atribuições extras da vida moderna se sentem

vulneráveis, cansados e impotentes para solucionar as divergências comuns a

qualquer relacionamento; permitindo que se estabeleça um ciclo de

ressentimentos por deduções da motivação do comportamento do outro, que

na comunicação insuficiente não fica esclarecida. Vão permitindo que questões

emergentes perdurem mal resolvidas, equívocos e interpretações errôneas se

consolidem e divergências sejam evitadas ou debatidas de forma já agressiva.

A autora continua então, afirmando que a linguagem hoje é um dos

principais fatores geradores e mantenedores de conflitos. Formas de

comunicação verbais ou não-verbais - como expressões faciais e posturas

corporais - podem despertar sentimentos de ódio, rejeição, medo, raiva e

ameaça que, se endossados por valores e práticas culturais, poderão gerar as

mais variadas reações, que vão desde o recolhimento até a violência, tornando

a comunicação o grande vilão da história conjugal:

“Dos vilões responsáveis pelos conflitos

interpessoais, a comunicação é um dos mais

imputáveis: considerem-se as formas de

comunicação ambíguas, as baseadas em

referências equivocadas, as acusatórias e assim por

diante” (MUSZKAT, 2008, p.32)

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Isto posto, após diversos estudos constatando que um dos grandes

fatores geradores ou agravantes dos conflitos era o modo como as pessoas se

comunicavam perante uma divergência, e visando formas melhores de se

chegar ao consenso sem que haja sofrimento ou grandes disputas, surge a

Mediação como método alternativo de resolução de conflitos e transformação

na dinâmica das relações pessoais.

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CAPÍTULO II

O PROCESSO DE MEDIAÇÃO

“A Mediação é um processo do coração”.

Luís Alberto Warat

2.1 - Mediação: método de resolução de conflitos

A Mediação propriamente dita, como um conjunto de técnicas

adequadas à resolução de conflitos, surgiu a partir da proposta de negociação

baseada em princípios, desenvolvida no Projeto de Negociação de Harvard -

que ensina a decidir as questões a partir de seus méritos, e não através de um

processo de regateio centrado no que cada lado se diz disposto a fazer e a não

fazer. De acordo com Fisher, Ury e Patton (2005), tal método sugere que

procuremos benefícios mútuos sempre que possível e que, quando seus

interesses entrarem em conflito, insistamos em que o resultado se baseie em

padrões justos, independentes da vontade de qualquer dos lados. O método da

negociação baseada em princípios é rigoroso quanto aos méritos e brando com

as pessoas; não empregando truques nem assunção de posturas.

Ao falar sobre a moderna Teoria do Conflito, Azevedo (2009) afirma que

esta nos convida a refletir sobre a necessidade de utilizar as situações de

controvérsia como uma oportunidade de aprendizado, crescimento e geração

de ganhos mútuos; citando que a aclamada Profa. Mary Parker Follet, em seu

trabalho junto a grupos organizacionais, alertava para uma nova visão do

conflito como o surgimento de diferenças entre dois lados, e não

necessariamente algo negativo, que deveria ser evitado a todo custo ou

resolvido de forma dominadora - suas conclusões giravam em torno da idéia de

que deveríamos aproveitar a energia do atrito causado pela divergência de

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interesses, expectativas e visões para construir novas realidades, novos

relacionamentos, em patamares mais produtivos para todos os envolvidos.

Assim, a Mediação emergiu num contexto mundial de demanda pelo

aproveitamento do conflito como energia positiva que possibilitasse o diálogo e

preservasse o relacionamento dos envolvidos. Este novo procedimento chegou

há pouco ao Brasil, mas já existia em muitos países, mesmo que com inúmeras

variações de apresentação, o que ainda exige uma série contínua de estudos

para expandí-lo e aprimorá-lo. Pode acontecer em diversos contextos de

atendimento: o judicial, na qual as partes estão em litígio judicial e são

convidadas a participar do processo mediatório; a pré-judicial, quando o conflito

está caminhando para uma medida judicial, mas ainda não ação em curso; e a

extrajudicial, que nos interessa para este trabalho e ocorre fora do contexto da

Justiça, como medida preventiva, quando ainda é possível uma intervenção

que preserve as relações originais antes de atitudes mais drásticas e

desgastantes.

É válido ressaltar que a mediação se diferencia da conciliação ao passo

que os mediadores têm o firme propósito de, antes do acordo, enfatizar

transformações pessoais, o que é de extrema importância tanto para a

resolução desses conflitos como para a prevenção de futuras desavenças,

quando isto depender de posturas pessoais.

Uma ampla e excelente definição da Mediação de Conflitos foi citada por

YARD, no qual o conjunto de procedimentos pelo qual a mesma se dá, seria

“um processo autocompositivo segundo o qual as

partes em disputa são auxiliadas por uma terceira

parte, neutra ao conflito, ou um painel de pessoas

sem interesse na causa, para auxiliá-las a chegar a

uma composição.Trata-se de uma negociação

assistida ou facilitada por um ou mais terceiros na

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qual se desenvolve processo composto por vários

atos procedimentais pelos quais o(s) terceiro(s)

imparcial(is) facilita(m) a negociação entre pessoas

em conflito, habilitando-as a melhor compreender

suas posições e a encontrar soluções que se

compatibilizam aos seus interesses e necessidades”

(YARD, 1999. p. 272 apud AZEVEDO, 2004. p.313).

Já Bush e Folger (1996) conceituam a medição como uma técnica

estruturada de resolução de conflitos na qual os disputantes buscam a

intervenção de um terceiro imparcial e qualificado, o mediador. Esse facilitador

as auxilia - por meio da reabertura do diálogo - a encontrar soluções criativas e

alternativas para o conflito, em que todos ganhem.

Almeida e Braga Neto (2002) sustentam que a mediação é destinada

aqueles que prezam a relação pessoal ou de convivência com aquele que se

está em conflito ou desta relação não pode renunciar: “Mediação de Conflitos é

um método de resolução de controvérsias que tem por finalidade a

autocomposição acompanhada da preservação da relação social. A

preservação da relação social é fomentada pela co-autoria dos mediandos em

busca de soluções de interesse e benefício mútuos. São os interesses, as

necessidades e os valores trazidos pelos mediandos à Mediação os

norteadores precípuos do acordo a ser construído. É a mutualidade da

satisfação com os resultados da Mediação que coloca esse instrumento no

grupo dos recursos ganha-ganha de resolução de controvérsias, aspecto

contribuinte da preservação da relação social.” (In Internet)

O fato de estarmos mergulhados em constantes conflitos faz-nos deixar,

muitas vezes, de perceber a freqüência e o quanto muitos deles nos afetam

direta ou indiretamente. Portanto o que se observa é que a maioria das

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pessoas preferiria, se possível, não entrar em alguns conflitos, mas se

inevitáveis, encontrar uma forma de administrá-los ou interrompê-los, vez que

todos reconhecem o desgaste e as perdas tão profundas a que estas situações

podem levar se mal direcionadas.

Nos dizeres de HAYNES e MARODIN (1996), a “mediação é um

processo no qual uma terceira pessoa - o mediador - auxilia os participantes na

resolução de uma disputa. O acordo final resolve o problema com uma solução

mutuamente aceitável e será estruturado de modo a manter a continuidade das

relações das pessoas envolvidas no conflito” (p. 32)

Consoante WARAT (2001), “a mediação seria uma proposta

transformadora do conflito porque não busca a sua decisão por um terceiro,

mas, sim, a sua resolução pelas próprias partes, que recebem auxílio do

mediador para administrá-lo.” (p.19)

Desta forma, a Mediação se apresenta como uma oportunidade para o

desenvolvimento de postura diferenciada na solução de conflitos, baseada na

“cultura da paz” e que vem de encontro a antigos anseios da sociedade pela

valorização de direitos pessoais e de justiça, não no sentido institucional, mas

como o melhor resultado possível a partir da tomada das melhores decisões

pelas próprias partes envolvidas no conflito. Ninguém melhor do que elas

mesmas - se bem conduzidas à reflexão e à transformação em conceitos

humanos básicos -, para construírem acordos e nessas condições poderem

cumpri-los com mais facilidade, pondo fim por muitas vezes a situações que

continuariam eternamente instaladas.

Neste sentido, e principalmente no campo da família, é necessária a

utilização de técnicas transformativas, especialmente as de comunicação e

atitudes, que retiram as pessoas em conflito do lugar da competição e

destruição, conduzindo-as ao lugar da cooperação e construção; conforme nos

afirma Muszkat:

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“A mediação tem por finalidade oferecer ao mediado

a possibilidade de rever seus padrões de conduta,

oferecendo-lhe novas ferramentas que regidas pela

lógica do pacto e pela revalorização da pessoa

humana, sirvam para administrar as diferenças que

existem entre os seres humanos, instalando o

diálogo onde ele não existe. Esta é, justamente, a

qualidade transformativa da mediação” (MUSZKAT,

2008. p.62)

BREITMAN (2001) apresenta a mediação como “um processo orientado

a conferir às pessoas nele envolvidas a autoria de suas próprias decisões,

convidando-as à reflexão e ampliando alternativas“. É um processo não

adversarial dirigido a desconstrução dos impasses que imobilizam a

negociação transformando um contexto de confronto em contexto colaborativo.

É um processo confidencial e voluntário no qual um terceiro imparcial facilita a

negociação entre duas ou mais partes onde um acordo mutuamente aceitável

pode ser um dos desfechos possíveis.

Se posicionando como terceiros imparciais, os mediadores e

facilitadores são treinados em comunicação positiva e relacionamento

construtivo. A comunicação positiva e o relacionamento construtivo

aperfeiçoam as relações interpessoais, correspondendo a uma linguagem

persuasiva e igualitária, baseada em princípios. Diferentemente da

comunicação dominadora, que polariza as posições mediante uma linguagem

impositiva, excludente e hierarquizante; o mediador age no sentido de ampliar

as alternativas para resolver ou prevenir o conflito e a buscar com os

envolvidos, de forma cooperativa, soluções que atendam a todos.

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2.1.1 - Mediação x Terapia familiar

A mediação familiar e a terapia têm sido comparadas constantemente e

suas semelhanças questionadas inúmeras vezes. Provavelmente porque, num

primeiro contato, a mediação familiar revela um nítido efeito terapêutico,

embora não deva jamais ser confundida com terapia. Avalia-se que, diante dos

conflitos familiares muitas vezes nunca tratados, o simples fato de escutar e ser

escutado proporciona às pessoas envolvidas uma sensação nunca

experimentada de falar e ser ouvido, de poder concluir um pensamento,

expressar suas dúvidas e também ter respostas concretas para os

questionamentos.

Mediação e terapia diferem profundamente, ao ponto em que a

mediação não trata a pessoa como indivíduo isolado e suas questões

existenciais; aborda a relação conflitante e o conflito em si, objetivando

constituir um processo breve, focado nas questões apresentadas,

considerando a emoção dos envolvidos como um todo e trabalhando apenas

presente e futuro, visando uma mudança nas relações com enfoque

prospectivo.

Como é possível constatar inclusive pela análise deste trabalho, em

nada se assemelham no tocante às técnicas, objetivos e processo junto às

famílias, sendo confundidas apenas pelo seu efeito apaziguante e

transformador.

2.2 - O mediador

O mediador é um terceiro imparcial, uma pessoa neutra e

desinteressada no conflito que, escolhida e acatada por ambas as partes

conflitantes, conduz o processo de mediação. Cezar-Ferreira (2007) acrescenta

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que o mediador, em última análise, “é um facilitador da comunicação entre

partes que se opõem, quando precisam ou têm interesse em resolver alguma

pendência e pretendem chegar à solução por acordo“ (p.35)

Apesar da função de mediador não exigir formação escolar específica, é

necessário que este tenha profundo conhecimento das técnicas consolidadas

para o bom desempenho e progressão do processo de mediação. Além disso,

é desejável que sejam pessoas com características próprias que permitam o

andamento efetivo do diálogo, sendo consistentes e honestos,

condescendentes com as pessoas e duros com os problemas, com habilidades

específicas para trabalhar emoções difíceis.

Precisam ser pessoas assertivas, não agressivas, não submissas ou

inseguras, e que estejam sempre focadas na solução e consenso. Respeitam a

necessidade de auto-estima e auto-controle de cada um, enfocam no

autocontrole e não no controle dos outros, acreditam que é possível resolver os

problemas, escutam bem para compreender o ponto de vista dos outros,

pensam em soluções criativas e, efetivamente, dispensam atenção às pessoas.

A mediação, para ser exitosa, depende muito da habilidade de

comunicação do mediador. Sua forma de apresentar situações, de comunicar-

se, é fundamental. A habilidade em apresentar o problema sob outros ângulos

é importantíssima para que o conflito seja solucionado.

Breitman e Porto (2001) entendem que basicamente, quem comunica é

quem recebe a comunicação, pois a decodifica e a interpreta. Nessa situação

fica perfeitamente enfatizado que o mediador é o terceiro neutro que sobre

suaves instigações oportuniza as partes a resolverem seus conflitos:

“O mediador, como um profissional que trabalha

essencialmente com o gerenciamento da

comunicação, necessita dominar suas técnicas

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fundamentais, tanto para administrar o processo,

quanto para auxiliar as partes a dialogar, ouvindo o

que uma e outra estão dizendo para que ambas

entendam e se façam entender.” (p.111)

O objetivo não é somente solucionar o conflito, mas auxiliar as partes a

percebê-lo sob perspectivas diferentes. No momento em que os participantes

consigam ter uma percepção diversa da situação conflituosa, poderão melhor

compreender as necessidades, expectativas e preocupações um do outro, o

que facilitará sua resolução. Através dessa capacidade de transformação do

entendimento de questões até então geradoras de problemas, é que o

mediador poderá conduzir o conflito a uma solução adequada.

O mediador familiar ou conjugal, em especial, irá facilitar aos oponentes

confrontar seus pontos de vista quanto às questões familiares, ajudando-os a

discriminar seus interesses e necessidades e a se voltarem para o encontro de

soluções que os ajudem a dissolver os conflitos interpessoais e a dirigir sua

vida e de sua família, de forma adequada e saudável daí para frente. Desta

forma, coloca Cezar-Ferreira (2007):

“O mediador não é um negociador, mas precisa ser

experiente em negociação cooperativa-

transformativa para atuar em conflitos relacionais

familiares. Nas mediações familiares, em particular,

ele deve estar apto a administrar conflitos relacionais

e emocionais.”(p.36)

Assim, conclui Warat (2001): “A mediação não é uma ciência que pode

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ser explicada, ela é uma arte que tem que ser experimentada. Muitas escolas

de mediação acreditam formar mediadores como se fossem magos que

poderiam acalmar as partes com seus truques. A magia é outra: consiste em

entender de gente.” (p.52)

2.3 - Rito e princípios do processo

Na Mediação são dadas às partes a oportunidade de debater seus

próprios conflitos de uma forma focada e organizada tecnicamente, não sendo

nada imposto ou sugerido, mas orientado no sentido de melhor se dirigirem

para o diálogo construtivo.

Expor as próprias idéias é essencial, mas precede de determinados

cuidados, pois críticas mordazes impedem a interação e geram o supracitado

ciclo vicioso de ofensas e desentendimentos. Ao ouvir o outro, é importante

focar no que ele está dizendo e não na elaboração de uma resposta, e é no

sentido de manter o diálogo focado no conteúdo, facilitando e orientando a

comunicação, que a mediação segue um rito funcional pré-estabelecido. Ao

longo deste rito ou processo de mediação, são definidas sessões para que as

partes conflitantes se encontrem com o mediador e, através das técnicas de

comunicação e negociação que este utiliza baseado nos princípios a seguir, o

consenso vai se instalando e evoluindo para a consolidação do diálogo entre os

próprios oponentes.

Como mencionado, a mediação foi inicialmente inspirada no processo

negocial preconizado pela Escola de Negociação de Harvard, portanto

construiu seu rito em torno dos quatro princípios dos ensinamentos do Harvard

Negociation Project, quais sejam:

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2.3.1 - Distinção entre as pessoas e o problema

A discriminação das questões a serem negociadas e a relação existente

entre os envolvidos no desacordo é de fundamental importância, já que, de

acordo com Fisher, Ury e Patton (2005), a relação em si tende a se confundir

com o problema.

Mediadores reconhecem que no dissenso não se negociam apenas a

matéria, a substância, mas, também, a maneira como estamos sendo e temos

sido tratados por esse outro.

A técnica de separar as pessoas do problema, como sustentam os

autores, sugere que o revide em uma discussão não encaminhará a questão

para uma solução satisfatória para as duas partes. No entanto, mesmo

sabendo disso, muitos encontram dificuldade em ouvir de forma atenta o

debatedor, reconhecendo os seus sentimentos e estabelecendo uma

comunicação ativa que possa conduzir à colaboração. Isso porque as emoções

freqüentemente se misturam com o méritos da negociação.

Neste sentido, coloca Azevedo (2008):

“Antes de presumir que as pessoas envolvidas

façam parte do problema a ser abordado,

recomenda-se que os envolvidos assumam uma

postura de atacar os méritos da negociação, lado a

lado, e não os negociadores.” (p.31)

Pautados nessa premissa, os mediadores constroem, com a

concordância dos mediandos, uma pauta objetiva (relativa à matéria) e uma

pauta subjetiva (relativa à relação) de negociação e trabalham ambas as

pautas em paralelo. Essa discriminação é feita durante a oitiva das partes. Na

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pauta objetiva, a matéria ganha evidência; na subjetiva, destacam-se,

especialmente, os sentimentos traduzidos em preocupações futuras ou em

necessidade de reconhecimento, assim como os valores feridos na convivência

do casal.

Quando essas pautas não são discriminadas, corremos o risco de

assistir às questões afetivas, inerentes à essa qualidade de relação, surgirem

travestidas de valores financeiros, de bens patrimoniais ou de procedimentos

objetivos concernentes ao tema negociado.

Situações relativas às separações e divórcios, partilha de herança e

doações, assim como os assuntos pertinentes às empresas familiares –

negociações culturais entre gerações e facções, sucessões e aposentadorias,

dissoluções societárias – podem beneficiar-se da Mediação e da Facilitação de

Diálogos entre partes por serem instrumentos que trabalham, em paralelo, a

preservação da relação entre os envolvidos no conflito.

2.3.2 - Foco nos interesses e não em posições

Segundo experientes mediadores, é interessante observar que a

posição exteriorada pelo indivíduo, ou seja, a postura que ele apresenta

perante o conflito, é um escudo rígido o suficiente para defender interesses e

importantes necessidades, ocultos em um primeiro momento.

A mediação integra o pacote das negociações baseadas em interesses

– um recente norteador de construção de consenso, onde a imagem que tem

traduzido a preciosa diferença entre posições e interesses é a do iceberg, que

mostra emersa a menor parte de sua estrutura – posição – e tem submersa sua

maior massa de gelo – interesses, necessidades e valores. É preciso submergir

nas posições, por meio de perguntas, para alcançar os interesses e valores

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salvaguardados.

Em uma negociação baseada em interesses, como na mediação, são os

interesses e os valores que comporão a pauta de negociação, e não as

posições apresentadas pelos envolvidos;

Azevedo (2009) esclarece que este princípio da negociação baseada em

interesses foi concebido para superar as barreiras que se formam quando a

negociação se fixa exclusivamente nas posições manifestadas pelas partes.

Isso porque a posição manifestada muitas vezes não indica os verdadeiros

interesses daquele negociador. Encontrar o ponto médio entre posições

também pode não produzir um acordo que efetivamente abordará os

verdadeiros interesses, não gerando um acordo satisfatório.

Segundo Fisher, Ury e Patton (2005), desejos e preocupações

constituem interesses. Os interesses motivam as pessoas; são eles os motores

silenciosos por trás da algazarra das posições. Sua posição é algo que você

decidiu. Seus interesses são aquilo que fez com que você se decidisse dessa

forma:

“O problema básico de negociação não está nas

posições conflitantes, mas sim no conflito entre as

necessidades, desejos, interesses e temores de

cada lado.” (p.45)

Os mesmos autores seguem afirmando que, quando se examinam

realmente os interesses motivacionais por trás das posições opostas,

freqüentemente se descobre uma posição alternativa que atende não apenas

aos interesses de uma das partes como também da outra:

“A conciliação de interesses, em vez do

compromisso entre posições, funciona também

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porque, por trás das posições opostas, há muito

mais interesses em comum do que conflitantes.”

(p.46)

2.3.3 - Geração de opções de ganhos mútuos

A criação de soluções de benefício mútuo auxiliam os mediandos a

pensarem, a formatarem e oferecerem soluções que contemplem a todos os

envolvidos; enquanto mediadores os estimulam, indiretamente, a exercitar a

cooperação e a cuidar do restauro da relação social entre eles.

Segundo Azevedo (2009), “criar soluções de benefício mútuo é um

convite difícil de ser aceito“ (p.33), já que não é prática em nossa cultura

sentarmos à mesa de negociações nos colocando no lugar do outro para

identificar suas necessidades e interesses, visando a incluí-los na solução a ser

proposta. Ao contrário, estamos habituados a buscar e a oferecer soluções que

nos atendam, sem considerar, por vezes, o custo para o outro ou as

possibilidades objetivas ou subjetivas desse outro para atendê-las. Essa é uma

mudança paradigmática proposta pelo instituto da mediação, que demanda, por

vezes, tempo de assimilação e concretização.

Naturalmente, sob pressão, muitos negociadores encontram dificuldades

de encontrar soluções eficientes especificamente em razão do envolvimento

emocional. Porém, a busca de uma única solução, especialmente diante de um

adversário, tende a reduzir a perspectiva de uma solução aceitável. Uma das

formas de endereçar essas restrições emocionais na negociação consiste em

separar tempo para a geração de elevado número de opções de ganho mútuo

que abordem os interesses comuns e criativamente reconciliem interesses

divergentes.

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Como relata Fisher (2005), na mente da maioria das pessoas, inventar

opções simplesmente não faz parte do processo de negociação, já que “as

pessoas consideram que sua tarefa é estreitar o hiato entre as posições, e não

ampliar as opções disponíveis. Tendem a pensar que, se já estão tendo

dificuldades suficientes em chegar a um acordo tal como a situação está, a

última coisa de que precisam é uma profusão de idéias diferentes. Visto que o

produto final da negociação é uma decisão única, elas temem que uma

discussão de livre fluxo sirva apenas para retardar e confundir o processo:

“Se o primeiro obstáculo ao pensamento criativo é a

crítica prematura, o segundo é o fechamento

prematuro. Ao buscar desde o início a única

resposta satisfatória, é provável que você provoque

um curto-circuito num processo decisório mais sábio

em que faria sua escolha dentre um número maior

de respostas possíveis.” (FISHER, URY & PATTON,

2005, P.78)

2.3.4 - Utilização de critérios objetivos

Ao incentivar os mediandos a adotarem critérios objetivos para obtenção

de consenso, os mediadores propiciam a desconstrução de impasses,

possibilitando que a eleição de norteadores para operacionalizar uma decisão

não se constitua em obstáculo para colocá-la em prática.

Este último ponto fundamental da negociação baseada em princípios

consiste na utilização de ferramentas objetivas e claras, como: tabelas,

planilhas, listas de planejamento, relatórios comparativos, entre outros. Se o

casal, por exemplo, tem um impasse financeiro, sem tais critérios não será

possível que se estabeleça um novo padrão de conduta. Enfim, a proposta de

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debater critérios objetivos ao invés de posições favorece a despersonificação

do conflito (i.e. a idéia de que o conflito existe por culpa da outra parte).

Aqui, a racionalidade é essencial porque nos leva a perceber as

diferenças e a ficar aberto a soluções criativas. Isso não quer dizer que a

pessoa deva ficar contida ou distante, mas tentar resolver o problema

conjuntamente, já que a verdadeira colaboração é encontrar uma boa solução

para ambas as partes.

É primordial, ainda, que se defina o foco da atenção de forma

prospectiva, pois se nos voltamos ao passado, provocamos culpa e angústia ao

lembrar que antigamente o problema não existia, ou criamos o temor de que

algo ruim volte a ocorrer. Por outro lado, a atenção no presente e futuro gera

sentimentos de calma e clareza e ajuda a dimensionar corretamente a

situação.

Em torno dessa dinâmica, o processo de mediação se instala: com o

mediador ouvindo os mediandos, auxiliando-os a negociar as pautas objetiva e

subjetiva, incentivando-os à autoria de soluções e à busca de benefícios mútuo

com enfoque prospectivo, sendo os responsáveis diretos pelo

comprometimento na execução do acordado.

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CAPÍTULO III

A MEDIAÇÃO NAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS

“As novas idéias são primeiramente ignoradas, depois ridicularizadas,

depois são violentamente combatidas, depois são adotadas como

evidentes, justamente pelos que as combatiam.”

Artur Schopenhauer

3.1 - A mediação no âmbito da conjugalidade

É interessante observarmos que, diferentemente do que ocorre no

campo institucional ou comunitário, onde muitas vezes as disputas surgem por

questões materiais ou objetivas; no campo familiar e conjugal os conflitos tem

razões mais implícitas, com causas construídas ao longos de anos - ou

décadas -, predominantemente pautadas em sentimentos e não em fatos.

Neste ínterim, Shinyashiki (1999) nos alerta que “as necessidades

humanas emocionais e sua satisfação não podem ser negociadas“ (p.89).

Todavia, é possível identificar uma série de maneiras para satisfazer as

necessidades humanas emocionais básicas, e as metas de solução de conflitos

podem ser obtidas por meio do processo de identificação e satisfação daquelas

necessidades, ou seja, para solucionar conflitos de uma maneira geral, é

preciso buscar e conhecer bem as razões do outro.

De acordo com Moraes (1999), em relação aos vínculos conjugais “[...]é

importante ressaltar que o processo da mediação é, muitas vezes,

desenvolvido quando às partes, além de seu interesse que buscam ter

respeitado, apresentam-se em um estado sentimental conturbado. É, portanto,

dever do mediador trabalhar para minimizar as conseqüências disto”. (p.112)

Ainda para MORAES (1999),

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“O ambiente familiar está sujeito a diversos

desentendimentos onde, para os envolvido, mais

relevante é a questão sentimental presente. A

simples fixação de uma compensação financeira

jamais será capaz de reconstruir as relações

humanas existentes previamente entre as partes.

Isto somente será possível através de um amplo

debate sobre o problema, com a conseqüente

restauração das relações entre os envolvidos” (p.81)

Almeida (2008) afirma, neste sentido, que o foco no futuro e na

preservação da relação social fazem da mediação o instrumento de escolha

para as relações continuadas no tempo, e dentre elas, a família com especial

distinção. O alcance social deste propósito é imenso e auxilia na criação de um

cenário mais favorável para a convivência e o diálogo futuros. A autora

continua, expondo que a preservação da relação social desconstrói a fantasia

da ruptura de vínculos importantes e contribui para que o litígio deixe de ser um

recurso para manter o vínculo e o diálogo:

“A preservação da capacidade negocial entre os

implicados, mesmo que mantido algum grau de

animosidade entre eles, viabiliza diálogos futuros e

contribui para a redução de conflitos entre eles.” (In

internet)

Em especial, os processos que fomentam a sustentabilidade do diálogo

entre familiares possibilitam que terceiros indiretamente envolvidos – outros

familiares e amigos – fiquem livres para manter suas relações afetivas, não

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sofram as conseqüências de uma convivência conflituosa e não necessitem

administrar a imposição de uma herança de litigância.

A celeridade proposta pela Mediação reduz os custos emocionais, de

tempo e financeiros pertinentes a conflitos dessa natureza. O sigilo, também

inerente ao processo de Mediação, viabiliza manter os desacordos e as

soluções construídas no âmbito privado, contribuindo igualmente para a

redução dos custos emocionais.

A manutenção da autoria das soluções com os envolvidos no conflito

permite preservar a gestão sobre as próprias vidas e sobre a vida de terceiros

indiretamente implicados. Ela possibilita atender aos interesses comuns e

divergentes, articulando as necessidades de cada um com as possibilidades do

outro, em busca da satisfação mútua, e estimula o cumprimento dos acordos

realizados.

3.2 - Modelos de mediação mais adequados aos conflitos

conjugais

Dentre os vários tipos de mediação praticados atualmente, alguns são

mais voltados para o mundo corporativista e outros se destinam a preservar

relacionamentos, ou ainda modificar o próprio sujeito do conflito. Dependendo

do tipo de conflito e a relação entre as partes, alguns modelos de medição são

mais adequados que outros, possuindo técnicas mais pertinentes aquele fim

desejado.

No chamado modelo tradicional (Fisher, Uri e Patton, 2005), originário

da Escola de Direito do Harvard, o mediador é o facilitador de uma

comunicação pensada de forma linear, de um conflito construído sobre uma

relação de causa e efeito. Quando este modelo surgiu no cenário mundial, não

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demorou muito para que os outros modelos aparecessem aprimorando as

técnicas iniciais a determinado assunto específico, como a família.

Por tratarem da família e focarem mais nas pessoas e na relação entre

elas do que na resolução de um problema pontual, dois modelos se

apresentam bastante adequados à mediação com casais: o modelo de

mediação transformativa (com foco especifico no crescimento moral dos

sujeitos) e o modelo círculo-narrativo (que procura desconstruir velhas

narrativas improdutivas no sentido de transformar o relacionamento).

3.2.1 - Modelo Circular Narrativo

O método de mediação circular narrativo surgiu sob influência de outras

disciplinas, como a psicologia de abordagem sistêmica. Suas maiores

representantes, a norte-americana Sara Cobb e a argentina Marinés Suares,

construíram um modelo de medição fundamentalmente voltado para o campo

da família - no qual resgatam também a teoria da comunicação. A proposta de

trabalho deste modelo inclui cuidar da construção do acordo em questão e, em

paralelo, da relação social entre os envolvidos. Cobb trabalha com as técnicas

de comunicação e de negociação em um cenário sistêmico, onde busca ter

uma visão sistêmica do conflito a partir da interação entre os mediandos, sua

rede social e mediador, e adiciona especial atenção à construção social dos

primeiros e às suas redes sociais de pertinência.

Estando mais focado na transformação do diálogo e do relacionamento

das pessoas do que na busca do acordo final – sem por isso apresentar

caráter terapêutico-, esse método procura desconstruir velhas narrativas,

dando oportunidade para que novas possam ser elaboradas e, então, surja um

acordo. A linha circular-narrativa foge na noção reducionista de causa e efeito e

considera que inúmeros fatores que se retroalimentam (causalidade circular)

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estão presentes nas relações interpessoais e, portanto, nos conflitos.

Para Carl Slaikeu (1996), a importância da mediação não está

exclusivamente centrada na solução do conflito, e sim na possibilidade de

elevar a consciência individual dos sujeitos e da sua capacidade de reconhecer

os interesses, necessidades e pontos de vista da outra parte, o que por si só já

representaria um enorme ganho pessoal e social.

Acrescenta Muszkat (2008):

“Cabe enfatizar que o mediador precisa conhecer

um pouco de psicologia e da dinâmica conjugal para

compreender melhor o que se passa no campo de

determinada família e qual a estratégia mais

apropriada para que aquele casal chegue a uma

consenso satisfatório a ambos.” (p.69)

3.2.2 - Modelo Transformativo

O modelo de mediação transformativo de Bush e Folger (1996)

apresenta uma filosofia de mediação onde conflito significa oportunidade de

crescimento e transformação pessoal, não importando o acordo em si, mas a

mudança nas pessoas e nas suas formas de relacionamento. O foco deste

modelo é o de promover a modificação de “caráter” nos envolvidos, que os

próprios criadores denominam como “crescimento moral”, por meio da

revalorização e do reconhecimento das pessoas e seus sentimentos. Os

autores referem que o processo de mediação possui uma capacidade própria

de mudança das pessoas e que promove um crescimento ao auxiliá-las em

situações difíceis, tais como as decorrentes de um conflito.

A revalorização e o reconhecimento são os dois efeitos essenciais ao

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potencial de transformação deste modelo de mediação, já que enquanto a

primeira significa a devolução às pessoas do sentido do seu próprio valor, de

seu poder e de sua própria capacidade de enfrentar os problemas da vida, o

segundo implica na aceitação e empatia em relação à situação da outra parte.

Para os autores, esses são os ganhos sociais mais significativos, propiciados

pelo diálogo via Mediação. Para os autores, o diálogo entre ser atendido e

atender, desde que possível para ambos, é transformador e se traduz em

acordo como uma conseqüência natural para aqueles que genuinamente

vivenciaram a revalorização e o reconhecimento. Assim, a autocomposição

traduzida em acordo transforma-se em conseqüência e não em sentido da

Mediação Transformativa.

Seu principal objetivo é que, ao final do processo mediatório

transformador, as próprias partes tenham evoluído em relação ao que eram

antes, no sentido de se tornarem mais habilidosas e aptas à comunicação

eficaz e à convivência pacífica. Neste sentido, expressam Breitman e Porto

(2001):

“A capacidade de trabalhar a passagem e o

esclarecimento do nível legal para o nível

psicológico, na medida em que se cria a

possibilidade de discriminar entre as questões

emocionais e as legais, é um trabalho enriquecedor

que ajudará no andamento produtivo dessas

funções. Isto é próprio de um enfoque mediador que

reconhece os aspectos psicológicos envolvidos nas

questões principalmente familiares. Por isso, o

modelo da mediação transformativa possui um

enfoque que em muitos aspectos se identifica com o

processo terapêutico, embora não tenha os mesmos

objetivos.” (p.176)

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CONCLUSÃO

“Da discussão nasce a luz”

(provérbio português)

Conflitos que são ignorados ou reprimidos tendem a crescer e a se

agravar. Porém, quando as diferenças e divergências são reconhecidas e bem

administradas, o conflito é dissolvido e transforma-se numa força positiva,

capaz de mudar hábitos e estimular na busca de mais satisfação nos

relacionamentos.

O conflito é, portanto, potencialmente construtivo ou transformativo

quando oferece aos indivíduos a oportunidade de desenvolver e integrar suas

capacidades individuais conjuntamente, já que, quando tais capacidades são

reconhecidas e valorizadas, são dados passos significativos em direção à

mudança pessoal e social.

Capaz de viabilizar a genuinidade da autoria nas soluções e promover o

indispensável aprendizado de negociar diferenças através da identificação e

legitimação das necessidades e possibilidades do outro e de si mesmo, a

Mediação de Conflitos vem ultrapassando a intenção de ser apenas mais um

método extrajudicial de solução de conflitos e alcançando o patamar de recurso

social mais amplo por fomentar o diálogo e propiciar sua sustentabilidade a

longo prazo nas relações continuadas no tempo; consolidando-se como

método apropriado para resolução de conflitos de natureza familiar e conjugal.

Tendo em vista que o processo de medição trabalha a desobstrução da

comunicação entre as partes, proporciona aos envolvidos uma re-elaboração

dos seus conflitos internos e a subseqüente transformação de sentimentos,

atitudes e até convicções, levando o casal a desafiar as presunções e

suposições que geram atritos comuns nos dias de hoje e a estabelecer um

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novo padrão de comportamentos que possa aproximá-los harmoniosamente na

busca do consenso.

Atento ao problema objetivo que levou ao conflito e à relação existente

entre os oponentes com simultaneidade e foco prospectivo, o método em tela

inaugura com o casal uma nova etapa de vida pautada na colaboração, no

diálogo e no atendimento dos interesses de todos, desestimulando o enfoque

no passado e incluindo especial cuidado com os terceiros indiretamente

implicados nas soluções eleitas.

É interessante ressaltar que as técnicas utilizadas no processo

mediatório proporcionam a construção de um diálogo produtivo e incentivam

sua utilização como recurso para solução de quaisquer divergências. Assim, ao

participarem do processo, as pessoas aprendem outra maneira de negociar

diferenças, ampliando, dessa forma, seus recursos de negociação - o que

contribui não somente para a melhoria da comunicação entre elas e para a

manutenção do relacionamento conjugal, como também para a prevenção

quanto a novos desentendimentos no futuro.

Sendo assim, através desta pesquisa conclui-se que o processo de

mediação familiar constitui excelente ferramenta ao ponto em que trata da

resolução do conflito apresentado à mesma medida em que trata também o

relacionamento, possibilitando o ressurgimento da comunicação eficaz entre os

conviventes e o resgate da qualidade da relação conjugal e afetiva; sendo

capaz de estimular casais em situação de crise a apreenderem o potencial

transformativo do conflito e gerenciá-lo em função de construírem um

ambiente participativo, interativo e de diálogo permanente.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I 10

OS CONFLITOS CONJUGAIS 10

1.1 - Aspectos gerais do conflito 10

1.2 - Conflitos conjugais contemporâneos 12

1.3 - A comunicação ineficaz como fator gerador de controvérsias 14

CAPÍTULO II 18

O PROCESSO DE MEDIAÇÃO 18

2.1 - Mediação: método de resolução de conflitos 18

2.1.1 – Mediação x Terapia Familiar 23

2.2 - O mediador 24

2.3 - Rito e princípios 26

2.3.1 – Distinção entre as pessoas e o problema 27

2.3.2 – Foco nos interesse se não em posições 28

2.3.3 – Geração de opções de ganhos mútuos 30

2.3.4 – Utilização de critérios objetivos 31

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CAPÍTULO III 33

A MEDIAÇÃO NAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS 33

3.1 - A mediação no âmbito da conjugalidade 33

.2 - Modelos de mediação adequados aos conflitos conjugais 35

3.2.1 - Modelo Circular Narrativo 36

3.2.2 - Modelo Transformativo 37

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA 41

ÍNDICE 44