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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” EM TERAPIA DE FAMÍLIA PROJETO A VEZ DO MESTRE Terapia de Família em Comunidade Dominada pela Violência: Morro do Borel Por: Ana Maria Carvalho Vaz Orientadora Professora Maria Ester de Araújo Oliveira Rio de Janeiro 2003

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … MARIA CARVALHO VAZ.pdf · ... a paciência e o amor dedicados ... um instrumento tenebroso de perdição, a manifestação externa

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

EM TERAPIA DE FAMÍLIA

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Terapia de Família em Comunidade Dominada pela Violência: Morro do Borel

Por: Ana Maria Carvalho Vaz

Orientadora Professora Maria Ester de Araújo Oliveira

Rio de Janeiro

2003

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

EM TERAPIA DE FAMÍLIA

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Terapia de Família em Comunidade Dominada pela Violência: Morro do Borel

Apresentação de monografia à Universidade

Cândido Mendes como condição prévia para

conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato

Sensu” em Terapia de Família.

Por: Ana Maria Carvalho Vaz

AGRADECIMENTOS

Aos familiares e Usuários do Programa de

Reabilitação em Comunidade PRC/Tijuca da

FUNLAR - Fundação Municipal Lar Escola

São Francisco de Paula -, moradores da

Comunidade do Borel, que à semelhança

dos sobreviventes dos campos de concen-

tração Nazistas, após o holocausto, ainda

conseguem fazer opção pela poesia das pe-

quenas importâncias e pelas insignificâncias

do cotidiano. Seus depoimentos me fizeram

acreditar que falhou o encontro do homem

com o homem.

DEDICATÓRIA

À memória de meu pai Francisco Vaz que

partiu antes da conclusão desta tarefa e à

minha mãe Eduarda Isabel pelo incentivo de

sempre. Ao meu Marido Paulo Raimundo,

pelo apoio, a paciência e o amor dedicados

durante a gestação destas páginas, tempo

de oportunidade que gerou o nosso primeiro

filho, “que vem chegando e eu já escuto os

seus sinais”.

“Pôr-do-Sol, nome artístico de Ambrogio Trovati. Ele

dizia que se orgulhava do apelido que lhe convinha

perfeitamente, porque era um homem ofuscado, que

vivia de fantasiosos expedientes, num estado de

alma de perpétua rebelião frustrada. Passara a ado-

lescência e a juventude entre o palco e a prisão e

parecia que as duas instituições (o teatro e a prisão),

não estavam claramente divididas em sua mente

confusa. A prisão num campo de concentração na

Alemanha, mais tarde durante a Segunda Grande

Guerra Mundial, devia ter lhe dado o golpe de mise-

ricórdia. Em suas conversas, o verdadeiro, o possí-

vel e o fantástico formavam um nó imbricado, variá-

vel e inexplicável. Falava da prisão e do tribunal

como de um teatro, onde ninguém é realmente nin-

guém, mas cada um representa, demonstra a sua

habilidade, entra na pele de outro, interpreta um pa-

pel; e o teatro, por sua vez, era um grande símbolo

obscuro, um instrumento tenebroso de perdição, a

manifestação externa de uma seita subterrânea,

malvada e onipresente, que impera para dano de

todos, e que vem bater à nossa porta, para nos a-

garrar, pôr em nós uma máscara, para que sejamos

o que não somos e façamos o que não queremos.

Essa seita é a Sociedade: o grande inimigo, contra

quem ele sempre combatera, e sempre fora vencido,

conseguindo, porém, reerguer-se heroicamente to-

das as vezes.”

Primo Levi, em A Trégua.

“Duvido que o morador do Jacarezinho tenha lido ‘A

Trégua’, de Primo Levi - escritor que sobreviveu aos

campos de concentração nazistas e se dedicou a

descrever seus horrores -, mas o raciocínio era exa-

tamente o mesmo.”

Luiz Eduardo Soares, em Meu Casaco de General - Quinhentos dias no front da segurança pública do Rio de Janeiro.

“Esta é uma guerra peculiar, onde os sujeitos históri-

cos que possuem as armas mais ricas e poderosas

juram que estão disparando flores, progressos e dis-

ciplinas.”

Sidney Chalhoub, em Medo branco de almas negras:

escravos libertos e republicanos na cidade do Rio.

“Você conhece velho adágio segundo o qual o be-

souro se acostuma viver no meio das fezes; aque-

las pessoas podem ou não ter gostado das fezes,

mas com certeza viviam em meio a elas.”

Hammod, o velho, ao falar da ‘civilização comercial’

em Notícias de Lugar Nenhum, de William Moris.

RESUMO

Este trabalho pretende apontar a dificuldade de estabelecer a prática da Te-

rapia Familiar em comunidades - favelas - dominadas pela violência. O estudo foi

realizado a partir de pesquisa elaborada com moradores do Borel, Tijuca, Rio de

Janeiro. Trata-se de uma pequena amostra e projeção em modelo reduzido de

estruturas familiares que apresentam conflitos, localizadas em uma comunidade

envolvida por um contexto sócio - econômico e cultural profundamente marcada

em seu dia-a-dia por diversas formas de violências: o tráfico de drogas; a miséria;

o desemprego; o abandono e a violência do Estado representado pelas polícias

civil e militar; e o preconceito e a indiferença da sociedade do asfalto para com as

populações carentes. Partindo de diferentes abordagens e posições teóricas este

texto demonstra que as causas históricas da violência tem raízes no passado co-

lonial brasileiro - anterior à formação da primeira favela no Rio de Janeiro, no final

do século XI, São raízes políticas, culturais, psicossociais e individuais. Discorre

também sobre as famílias estigmatizadas pelo preconceito, simbolizado de dife-

rentes maneiras, resultado de fragmentação, por vezes conflituosa, que caracteri-

za a cultura contemporânea: chacina e terror policial, delitos cometidos por gan-

gues ou turmas de jovens, bailes funk, arrastões, os conflitos com lutas sociais e

políticas glamourizados pela televisão e pelo cinema, imagens fortes em foto e

telejornalismo. E, busca ultrapassar uma perspectiva reducionista do fenômeno,

ao fazer uma análise menos moral e normativa do tema Terapia de Família em

moradores de comunidades carentes (favelas) e suas inter-relações, origens, ex-

pansão e conflitos, e relações entre território, espaço urbano, democracia e sujei-

tos sociais. A pesquisa no Borel mostrou que a Terapia de Família em estruturas

familiares atingidas pela violência, em alguns casos, pode levar fazer o indivíduo

a expressar o seu descontentamento diante da realidade (ou dinâmicas fundamen-

tais da própria realidade), possibilitando deflagrar tentativas de mudanças ou pro-

cessos de renovação social, dentro de uma linha de ação com a família, promo-

vendo debate familiares sobre os temas violência doméstica, uso de drogas e téc-

nicas de solução de conflitos através do diálogo.

METODOLOGIA

Esta monografia aproveita a experiência do trabalho de campo do Progra-

ma de Reabilitação em Comunidade - PRC/Tijuca, da Fundação Municipal Lar Es-

cola São Francisco de Paula - FUNLAR, órgão da Secretaria Municipal de Desen-

volvimento Social, da Prefeitura do Rio de Janeiro que parte de uma linha de ação

com a família, debate a violência doméstica, o uso de drogas e técnicas de solu-

ção de conflitos através do diálogo visando reverter o processo de exclusão social.

Sobressaiu ao final, a perspectiva do entrevistado e de sua família, tomando-as

como ponto de convergência da diversidade de valores individuais, familiares e

sociais.

A pesquisa bibliográfica deu-se por um sentido de transculturalidade cientí-

fica, optando-se por um olhar sociológico que revelou a relação da violência com

as famílias. Reuniram-se dados ainda fragmentados, apresenta certos recortes

temáticos e vícios interpretativos que precisam ser mapeados para uma melhor

compreensão dos problemas envolvidos.

O livro “Meu Casaco de General – Quinhentos dias no front da Segurança

Pública do Rio de Janeiro, de Luiz Eduardo Soares, foi a chave para compreender

a realidade os moradores da favela. A obra de Soares, anexou a prática à teoria

do estudo psicossocial da violência em comunidades carentes, evidenciando a

resolução dos conflitos familiares gerados violência como fator determinante para

o equilíbrio emocional na estrutura familiar dos moradores entrevistados na Co-

munidade do Borel. No livro estão fartamente assinalados fortes depoimentos, en-

trevistas corajosas e narrativas emocionantes com moradores das favelas que

expõem suas dores psicológicas. Na pesquisa bibliográfica, constatou-se a ausên-

cia de trabalhos que abordem o problema da violência psicológica e emocional na

cidade do Rio de Janeiro – especialmente nos morros cariocas. Localizaram-se

textos referentes à violência física – agressões e crimes violentos com óbitos -,

todos devidamente comprovados, segundo dados estatisticamente confrontados.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

I - FAVELA: UM SÉCULO DE “PROBLEMA”

II - A VIDA NA FAVELA

III - A “CLASSE DOMINADA”

IV - VIOLÊNCIA E MEDO NA FAVELA

4.1 – O MEDO NA COMUNIDADE

4.2 – DEPOIMENTOS

V - TERAPIA DE FAMÍLIA EM FAVELA

CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIA

ANEXOS

ÍNDICE

FOLHA DE AVALIAÇÃO

INTRODUÇÃO

Na pesquisa sobre o efeito da violência em famílias de comunidades caren-

tes, o pesquisador caminhou para a uma encruzilhada teórica, política e ética. Só

psicologia não foi suficiente para compreender os conflitos inter-familiares e con-

tribuir para a resolução dos mesmos. Lançando um olhar sociológico sobre o pro-

blema das famílias vítimas da violência nas favelas, surgiram muitas possibilida-

des de esclarecimento. Este trabalho pertence ao campo da psicologia social.

O Capítulo I, Favela: Um século de “problema”, relata a formação do

primeiro aglomerado habitacional estabelecido no morro da Providência, atrás da

Central do Brasil, no Rio de Janeiro, conhecido como o morro da Favela. Desde o

surgimento da primeira favela em 1897, surgiram na cidade do Rio quase 600 fa-

velas, o que corresponde neste ano de 2003, a 17% do total dos habitantes da

cidade, segundo Alba Zaluar e Marcos Alvito, organizadores do livro Um Século

de Favela(Fundação Getúlio Vargas Editora, 3ª edição, Rio de Janeiro, 2003).

Os sub-capítulos 1.1 – A história de um preconceito e 1.2 - A “cidade

negra”, apontam o problema do preconceito, desde o nascimento das favelas, já

nascidas com a marca da precariedade urbana, resultado da pobreza de seus mo-

radores e do descaso das autoridades governamentais que nunca se interessaram

em promover a inclusão social dos favelados. Os governos, ao contrário, alimenta-

ram junto à população do asfalto, o preconceito em relação aos moradores faveli-

zados, contribuindo para fazer da favela o lugar da carência, da falta, do vazio, do

perigo a ser combatido ou como nas palavras de Carlos Lessa:

“A favela, no plano das representações, inspirou sentimentos

humanitários ao imaginário preconceituoso, da idealização

do estar mais pertinho do céu ao território promíscuo de po-

pulações sem moral, foco de doenças, sítio de vadiagem.

Deus e demônio habitam a favela.” (Zaluar, 2003, orelha)

O Capítulo II - A Vida na favela, trata da vida em família nas comunidades

carentes, marcada por uma ruptura que serve como delimitação de uma espécie

de fronteira visível que caracteriza o que se chama de “cidade cerzida” ou “cidade

partida”, segundo Zuenir Ventura citado por Luiz Eduardo Soares(2000, p.45) em

Meu Casaco de General. O segundo capítulo deste trabalho afirma que captar os

conflitos pessoais dos moradores de uma comunidade carente – uma favela – re-

quer uma pesquisa multidisciplinar, numa leitura sociológica, psicológica, antropo-

lógica, histórica e filosófica, porque a favela é rica em criatividade cultural e políti-

ca com uma capacidade de luta e de organização demonstradas através de um

século de existência como é abordado no primeiro capítulo deste trabalho.

O Capítulo III - A “Classe Dominada” aborda a crucial questão da dor dos

que vivem dominados pelas diversas formas de violências e aguardam passiva-

mente que algum acontecimento externo venha salvá-los do abismo em que suas

famílias se encontram, envolvidas pela barbárie que se instalou na “cidade parti-

da”, e que não atinge apenas a turma do andar de baixo, os moradores das fave-

las, mas também a turma do “andar de cima”, as elites que vivem no asfalto. A

paz, distribuída – comida, justiça, moradia direitos civis, educação, saúde e liber-

dade -, não é mais privilégio exclusivo das elites. A insegurança derramou sobre a

“cidade cerzida” e o medo hoje é um sentimento democrático. Por mais que os

dois mundos permaneçam apartados, asfalto e favela compartilham os efeitos da

violência.

O Capítulo IV - Violência e medo na favela, mostra a violência gerando o

medo nos moradores. As causas são históricas, pois o Brasil tem no seu começo

um pecado original: a violência da conquista e da invasão. A colonização implica

um ato de extrema violência organizada, sistematizada e continuada.

O sub-capítulo 4.1 - O medo na comunidade aponta para a construção da

violência, imposta através do medo, comenta o caráter ideológico da palavra “vio-

lento” que fica claro quando é utilizado sistematicamente para caracterizar “o ou-

tro”, que não pertence ao mesmo estado, raça, grupo, família, bairro,etc. Em al-

gumas cidades, o crime e a violência são como um artifício ou um idioma para se

pensar sobre o outro.

O sub-capítulo 4.2 - Depoimentos, relata declarações fortes de moradores

de favelas, atingidos pela violência e abalados psicologicamente pela dor, assim

explicada por Leonardo Boff:

“Mercado da dor: onde as pessoas vendem suas tragédias. Se retirar ou roubar do ser humano a dor, não lhe sobra mais nada. A lei da oferta e da procura não é nenhuma des-culpa”(Boff, 1996, p.95)

Diante dos depoimentos, não se pode desrespeitar a dor e minimizar a mor-

te, tomando-a como apenas mais um caso, conversível em cifras, números e ten-

dências. O trabalho mostra que se deve compartilhar o luto, não minimizar as ra-

zões da dor e a magnitude do drama humano vivido pelos moradores das comuni-

dades carentes, além de reconhecer as falhas e indicar caminhos futuros positi-

vos, abrindo uma brecha para a esperança, sem cair na armadilha de explicar a

tragédia.

O Capítulo V - Terapia de família em favela, conta sobre o aparecimento

da Terapia de Família com a finalidade de curar “a dor da família” que inicia uma

tratamento terapêutico quando seus processos de crescimento e mudança atin-

gem o limite, passando a repetir infinitamente o mesmo padrão de comportamento

e sentimentos. Esclarece ainda que a Terapia de Família objetiva destruir este

padrão, para forçar a família a desenvolver novas maneiras de relacionar-se.

Aponta também para a dificuldade, senão a quase impossibilidade de apli-

car a terapia de família em moradores de comunidades dominadas pelas violênci-

as e alcançar os mesmos efeitos quando aplicados em famílias de classe média

residentes no “asfalto”.

De acordo com as respostas aos questionários aplicados nos moradores da

comunidade do Borel em entrevistas, eles podem perder suas referências, seus

valores, identidade e ética, devido à violência a que estão expostas. Esperamos

que este texto contribua para uma melhor reflexão dos que atuam como psicote-

rapeutas familiares, e demais pessoas que se interessem em tratar de questões,

como a necessidade das famílias das comunidades viverem em harmonia, resga-

tando a sua auto-estima fortemente abafada.

CAPÍTULO I

FAVELA: UM SÉCULO DE “PROBLEMA”

“Podem me prender/ Podem me bater/ Podem até deixar-me sem comer/ Que eu não mudo de opinião/ Daqui do mor-ro eu não saio não(...)”.

(Opinião, Zé Kéti, 1963).

1. 1 - História de um preconceito

Desde que os primeiros aglomerados que se formaram nos Morros

da Providência e de Santo Antônio, por volta de 1897, no Rio de Janeiro,

capital da República, segundo Alba Zaluar e Marcos Alvito, organizadores

de UM Século de Favela, a Cidade ficou entrecortada por interesses e con-

flitos regionais profundos. As quase 600 favelas que existem hoje na cidade

do Rio de Janeiro- correspondendo por 17% do total dos habitantes da ci-

dade -, tornaram-se uma marca da capital federal, em decorrência (não in-

tencional) das tentativas dos republicanos radicais e dos teóricos do em-

branquecimento – incluindo-se aí os membros das várias oligarquias regio-

nais -, para torná-la uma cidade européia. Cidade desde o início marcada

pelo paradoxo, a derrubada dos cortiços resultou no crescimento da popu-

lação pobre nos morros, charcos e demais áreas vazias em torno da capital.

Mas isso também de deveu à criatividade cultural e política, à capacidade

de luta e de organização demonstradas pelos favelados nos 100 anos de

sua história. E a capital federal nunca se tornou européia, graças à força

que continuaram a ter nela a capoeira (ou pernada ou batucada), as festas

populares que ainda reuniam pessoas de diferentes classes sociais e raças,

as diversas formas e gêneros musicais que uniam o erudito e o popular, es-

pecialmente o samba.

Mas favela ficou também registrada oficialmente como a área de habita-

ções irregularmente construídas, sem arruamentos, sem planos urbanos, sem es-

gotos, sem água, sem luz. Dessa precariedade urbana, resultado da pobreza de

seus habitantes e do descaso do poder público, surgiram as imagens que fizeram

da favela o lugar da carência, da falta, do vazio a ser preenchido pelos sentimen-

tos humanitários, do perigo a ser erradicado pelas estratégias políticas que fize-

ram do favelado um bode expiatório dos problemas da cidade, o “outro”, distinto

do morador civilizado da primeira metrópole que o Brasil teve. Lugar do lodo e da

flor que nela nasce, lagar das mais belas vistas e do maior acúmulo de sujeira,

lugar da finura e elegância de tantos sambistas, desde sempre, e da violência dos

mais famosos bandidos que a cidade conheceu ultimamente, a favela

sempre inspirou e continua a inspirar tanto o imaginário preconceituoso dos que

dela querem distinguir quanto os tantos poetas e escritores que cantaram suas

várias formas de marcar a vida urbana no Rio de Janeiro.

Do dualismo que persiste em muitas das atuais interpretações das favelas,

o Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, guarda um interessante documento datado

de 4 de novembro de 1900. Trata-se de uma carta do delegado da 10ª circunscri-

ção ao chefe da polícia, dr. Enéas Galvão:

“Obedecendo ao pedido de informações que V. Exa., em

ofício sob nº 7.071, ontem me dirigiu relativamente a um lo-

cal do jornal do Brasil, que diz estar o morro da Providência

infestado de vagabundos e criminosos que são o sobressalto

das famílias no local designado, se bem que não haja famíli-

as no local designado, é ali impossível ser feito policiamento

porquanto nesse local, foco de desertores, ladrões e praças

do Exército, não há ruas, os casebres são construídos de

madeira e cobertos de zinco, e não existe em todo o morro

um só bico de gás, de modo que para a completa extinção

dos malfeitores apontados se torna necessário um grande

cerco, que para produzir resultado , precisa pelo menos de

um auxílio de 80 praças completamente armadas(...) Parece,

entretanto, que o meio mais prático de ficar completamente

limpo o aludido morro é ser pela Diretoria de Saúde Pública

ordenada a demolição de todos os pardieiros que em tal sítio

se encontram, pois são edificados sem respectiva licença

municipal e não têm as devidas condições higiênicas “.

A carta do delegado foi encaminhada a um assessor do chefe de polícia,

acompanhada do seguinte parecer, de 8/11/1900: “Parece-me que ao Sr. Prefeito

devem ser pedidas, a bem da ordem e da moralidade públicas, as providências

que julgar necessárias para a extinção dos casebres e pardieiros a que alude o

delegado.”

Os dois documentos pesquisados no Arquivo Nacional mostram que o

“morro da Favela”, apenas três anos depois do Ministério da Guerra permitir que

ali viessem a se alojar os veteranos da campanha de Canudos (terminada em 1º

de outubro de 1897), já era percebido pelas autoridades policiais como “um foco

de desertores, ladrões e praças do Exército”. E mais, a carta do delegado da 10º

circunscrição parece conter a primeira menção à favela como um duplo problema:

sanitário e policial( aos quais o assessor do dr. Enéas Galvão acrescentou a “mo-

ralidade pública”), que poderia, por isso mesmo, ser resolvido de um só golpe. A

idéia de favela como um “foco”, a menção à limpeza, isto é, a retórica centrada

nas concepções de uma “patologia social” e da “poluição” estava destinada a uma

longa permanência na cena institucional carioca do século XX. Porém, a proposta

de cercar um morro habitado por pelas “classes perigosas” não era nova. Os mor-

ros da cidade já no início do século XX eram vistos pela polícia e alguns setores

da população como locais perigosos e refúgios de criminosos. Examinando as es-

tatísticas criminais, um especialista em história da polícia desmente essa idéia,

afiançando que , nas diversas regiões da capital federal de então, “a distribuição

dos tipos de crimes e contravenções é semelhante”. Apesar do que se costuma

afirmar com freqüência na literatura da favela, esta já começa a ser percebida

como um “problema”, no momento em que surge e continua até os dias atuais.

Em 1905, no artigo “Onde moram os pobres”, publicado na revista Renas-

cença, Backheuser, E., afirmava que a “Favela”, embora contasse com apenas

100 casebres, já era motivo de preocupação para o então prefeito Pereira Passos:

“O ilustre dr. Pereira Passos, ativo e inteligente prefeito da cidade, já tem as suas

vistas de arguto administrador voltadas para a “Favela” e em breve providências

serão dadas de acordo com as leis municipais, para acabar com esses casebres.”

O prefeito Pereira Passos, entretanto nada fez e a “Favela “ continuou a

crescer . Mas o morro da Providência chamava a atenção das autoridades, como

sugere a caricatura publicada na revista “O Malho” em 1908. Nela vemos o Dr.

Oswaldo Cruz, ostentando uma braçadeira com o símbolo da saúde no braço es-

querdo, expulsando a população da “Favela”. A legenda informava: “A Higiene vai

limpar o morro da Favela, do lado da estrada de ferro Central. Para isso, intimou

os moradores da Favela a deixarem o morro em 10 dias”. Mais uma vez, não deu

em nada. No mesmo ano, Olavo Bilac escreve uma crônica cujo título “Fora da

Vida”, parece dizer que a única existência que merece ser chamada como tal é a

que transcorria nas avenidas e bulevares da cidade reformada. Comentando o fato

de ter conhecido uma lavadeira no morro da Conceição (perto do que hoje é a

praça Mauá) que não descia ao centro da cidade há 34 anos, afirma em tom épi-

co:

“Fizemos cá embaixo a Abolição e a República, criamos e

destruímos governos (...) mergulhamos de cabeça para bai-

xo (...) andamos beirando o despenhadeiro e a bancarrota,

rasgamos em avenidas o velho seio urbano, trabalhamos,

penamos, gozamos, deliramos, sofremos – vivemos. E, tão

perto materialmente de nós, no seu morro, essa criatura está

lá 33 anos tão moralmente afastada de nós, tão separada de

fato da nossa vida, como se, recuada no espaço e no tempo,

estivesse vivendo no século atrasado, e no fundo da China

(...) essa criaturas apagadas e tristes, apáticas e inexpressi-

vas, que vivem fora da vida..”.

Olavo Billac, na crônica referida, chama a favela de “uma cidade à parte” e

“a mais original de nossas subcidades”. Benjamim Costellat, escreveu Jornal do

Brasil, que a favela é uma “cidade dentro da cidade”. Oestes Barbosa, sambista,

afirmava categórico: “Há, sem dúvida, duas cidades no Rio”. Lima Barreto, crítico

mordaz disse: “Vê-se bem que a principal preocupação do atual governador do

Rio de Janeiro é dividi-lo em duas cidades: uma será européia e a outra indíge-

na”.

Está registrado portanto, entre 1908 e 1923, quando Billac e Lima Barreto

publicaram suas opiniões sobre a favela, o conceito de dualidade que permeia no

discurso sobre a favela, desde o aparecimento da primeira em 1897, no morro da

Providência e se mantêm até hoje. Esta dualidade é contemporânea da idéia de

“dois brasis” – oposições englobadoras de cada lado da sociedade brasileira -, que

remonta aos relatos dos viajantes estrangeiros que aqui aportaram no século XIX,

como ensina Eunice Duhram:

“Afirmava-se a existência de uma dualidade fundamental,

através da qual se acostumava opor, de um lado, a tecnolo-

gia rudimentar e a organização patrimonial do sistema tradi-

cional, retrógrado e pobre, baseado nas relações pessoais

de dominação, lealdade e obrigações mútuas; de outro, um

sistema capitalista industrial em expansão progressista e ri-

co, fundado na concepção do lucro, na racionalização do

processo produtivo, na burocratização das instituições, na

impessoalidade das relações interpessoais”.

Pensada para exprimir o abismo entre o mundo urbano brasileiro, localizado

no Sul e Sudeste, e o mundo tradicional do Nordeste e do Norte, essa dualidade

foi usada em indiferentes contextos e com diferentes conotações para expressar a

superioridade de uma região, estado, cidade ou parte da cidade sobre outras regi-

ões, estados, cidades ou partes da cidade. No Rio de Janeiro, essa reflexão sobre

a dualidade brasileira encontrou na oposição entre favela com o asfalto uma de

suas encarnações.

Em 1948, a prefeitura do então Distrito Federal, realizou o primeiro censo

das favelas do Rio de Janeiro. Segundo o preâmbulo do documento oficial diz que

“os pretos e pardos “prevaleciam nas favelas por serem “hereditariamente atrasa-

dos, desprovidos de ambição e mal ajustados às exigências sociais modernas”. E

que “o preto, por exemplo, via de regra não soube ou não pode(sic) aproveitar a

liberdade adquirida e a melhoria econômica que lhe proporcionou o novo ambien-

te para conquistar bens de consumo capazes de lhe garantirem nível decente de

vida. Renasceu-lhe a preguiça atávica, retornou a estagnação que estiola(...) co-

mo ele todos os indivíduos de necessidades primitivas, sem amor próprio e sem

respeito à própria dignidade – priva-se do essencial à manutenção de um nível de

vida decente mas investe somas relativamente elevadas em indumentária exótica,

na gafieira e nos cordões carnavalescos.

No mesmo ano o jornalista Carlos Lacerda publicou uma série de artigos

dramáticos, conclamando a população carioca para a “Batalha do Rio de Janeiro”

ou a “Batalha das Favelas”, empolgando toda imprensa contra o inimigo “Favela”,

verdadeiros “reservatórios de germes(potencialmente mais perigosos do que a

bomba atômica)” e “trampolins da morte”, devido aos altos riscos de desabamen-

tos. No ano em que o Partido Comunista foi o terceiro mais votado, Lacerda aler-

tava: “aqueles que não quiserem fazer um esforço sincero e profundo para atender

ao problema das favelas, assim como aqueles que preferirem encará-lo como

caso de polícia, têm uma alternativa diante de si: a solução revolucionária, pois os

comunistas oferecem a expropriação dos grandes edifícios e a ocupação de todo

o edifício como solução imediata, redutora e fagueira a quem vive numa tampa de

lata olhando o crescimento dos arranha-céus.

O prefeito Mendes de Morais, a pedido do presidente da República, Mare-

chal Dutra, anuncia em maio de 1948, que empregará Cr$ 400 milhões de Cruzei-

ros na construção de habitações higiênicas em centros residenciais devidamente

urbanizados. O presidente Dutra cria sete comissões para tratar do problema das

favelas e no plano da “Batalha do Rio”. Em Dezembro, após as eleições, “profundo

silêncio na campanha das favelas – um programa grandioso que ficou só no papel.

1.2 - A “cidade negra”

A cidade negra era também solidária, segundo narra Sidney Chalhoub, em

Medo branco de almas negras: escravos libertos e republicanos na cidade do Rio

de Janeiro, 1996, pág. 169 ss. Ela era capaz de buscar e tecer solidariedades de

formas diferentes e com objetivos dos mais variados. O código de posturas de

1830 estabelecia penas de multas e prisão para “toda e qualquer pessoa com

casa de negócio que comprar objetos, que se julguem furtados, pelo diminuto pre-

ço de seu valor e por pessoas que se julguem não possuírem tais objetos.”O có-

digo de posturas de 1838 tentava apertar mais esse controle sobre a circulação de

objetos presumivelmente furtados por negros escravos ou “suspeitos”. Além de

reafirmar a postura acima, ficava determinado que “ninguém poderá ter casa ou

loja de comprar e vender trastes e roupas usadas, vulgarmente chamadas – casas

de belchior – sem que assine termo nesta Câmara de não comprar coisa alguma a

escravos ou a pessoas suspeitas”. É reveladora a fórmula utilizada por esses có-

digos – elaborados por administradores-proprietários em defesa de seus bens –

contra os despossuídos dessa sociedade: ou se enquadram na categoria de traba-

lhadores compulsórios, os escravos, ou caem numa categoria que se vinha ampli-

ando constantemente ao longo do século XIX – ou quem sabe desde muito antes -

, as “pessoas, que se julguem não possuírem...objetos”, ou as “pessoas suspei-

tas”.

CAPÍTULO II

A VIDA NA FAVELA

Ai, barracão,/ pendurado no morro/ e pe-dindo socorro/ à cidade a teus pés.

Barracão (Luís Antônio, 1953)

A vida em família nas comunidades carentes, é marcada por uma ruptura

que serve como delimitação de uma espécie de fronteira invisível que caracteriza

o que se tem chamado de “cidade cerzida” ou “cidade partida”. Como escreveu

Zuenir Ventura em “Cidade partida” - citado no livro “Meu Casaco de General”

“somos também a cidade partida. Mas nossa fratura está ex-

posta. Nossa dor comum, não há como ocultá-la dos olhos

que formam a opinião. Nem todas as artes da dissimulação

vencem a ostensividade do tiroteio. E por mais que os dois

mundos permaneçam apartados, asfalto e favela comparti-

lham os efeitos da violência.”

(Luiz Eduardo Soares, 2000, p. 45)

Captar os conflitos pessoais dos moradores de uma comunidade carente –

uma favela -, requer uma pesquisa multidiciplinar, numa leitura sociológica, antro-

pológica, histórica e filosófica, porque a favela é rica em criatividade cultural e polí-

tica com uma capacidade de luta e de organização demonstradas através de um

século de existência, uma sobrevivência mantida entre o pessoal e o impessoal,

entre o moderno e o antigo, a ordem e a desordem. É preciso lembrar que muitas

mudanças ocorreram no imaginário associado da cidade grande como o Rio de

Janeiro, desde o nascimento da primeira favela, no final do século XIX.

Nos anos 80, foi realizada pelo IBOPE uma pesquisa sobre as causas da

violência na cidade. O resultado apresentou duas correntes: um grupo dos entre-

vistados achavam que o problema tinha origem ou religiosa, ou moral ou sócio

econômica (os resultados de realizada foram analisados por L. E. Soares e Lean-

dro Piquet Carneiro em “Os quatro nomes da violência”, ensaio incluído em: Vio-

lência e política no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1996, publi-

cado com apoio do ISER). A percepção geral não deve ter mudado muito, apesar

dos avanços da nossa cultura cívica ao longo dos anos 90. As terapias correspon-

dem aos diagnósticos, e as soluções propostas pelos cariocas nos anos 80 tam-

bém variavam: redenção messiânica via disseminação da palavra de Deus; este-

relização das mulheres faveladas; edificação de barreiras para impedir a migra-

ção; fuzilamentos transmitidos ao vivo pela TV, diretamente do Maracanã; extin-

ção da justiça e seus trâmites demorados, que deveriam ser substituídos pelo jul-

gamento imediato e pela execução do réu, no próprio local do crime. Já os mais

politizados consideravam o problema insolúvel enquanto as causas permaneces-

sem intocadas.

“As causas seriam o desemprego , a falta de perspectivas de

integração no mercado e a exclusão da cidadania. A deses-

truturação familiar seria um subproduto da marginalização

econômica. Esse diagnóstico vinha acompanhado de um

cardápio de recomendações para a economia brasileira e a

reorganização mais justa de nossas estruturas sociais: me-

lhor distribuição de renda, emprego para todos, educação de

qualidade acessível a todas as crianças e adolescentes etc”

(Luiz Eduardo Soares, 2000 p. 43).

Surgiu no asfalto, uma sociedade de massas com a convivência no mesmo

espaço, de milhões de pessoas, experiência, por exemplo, totalmente diferente da

urbana Grécia antiga onde “tudo era decidido mediante palavras e persuasão, e

não através da força e da violência”(Arendt, 1987 p.68)

Nos dias atuais, o morador de uma comunidade carente, para constituir

uma família e assegurar-lhe os seus direitos à vida, saúde, à alimentação, à edu-

cação, ao esporte, ao lazer, à cultura e à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária, querendo que o seu filho se desenvolva nos

valores e nas normas de uma sociedade justa, tendo um desenvolvimento comple-

to e harmonioso da personalidade, numa atmosfera de civilidade, envidando es-

forços para a sua marginalização, não encontrarão nenhuma das condições para

promover e apoiar seus familiares. A convivência familiar que alimenta o vínculo

familiar estável e estrutura a família -, é um aspecto essencial para o desenvolvi-

mento do indivíduo. Entretanto, a diversidade e multiplicidade dos arranjos inter-

nos de seus membros convivendo em condições desfavoráveis, os levam a uma

situação vulnerável e alterações de comportamento que afetam a estrutura famili-

ar. A falta de políticas públicas e atenção à família pelo Estado, constitui-se sem

dúvida, em um dos fatores condicionantes de desagregação e o enfraquecimento

dos laços familiares. Por que a família é o espaço indispensável para a garantia da

sobrevivência de desenvolvimento e da proteção dos seus membros, propicia

aporte afetivos e materiais necessários ao bem-estar de seus componentes, de-

sempenha papel decisivo na educação formal e informal, e é em seu espaço que

são absorvidos os valores éticos e humanitários. Enquanto forma específica de

agregação, tem uma dinâmica de vida própria. Afetada pelo processo de desen-

volvimento sócio - econômico e pelo impacto da ação do Estado através de suas

políticas econômicas e sociais em seu espaço peculiar que é o doméstico.

A situação das famílias é também caracterizada por problemas sociais de

natureza diversa, tais como atentados freqüentes aos direitos humanos, explora-

ção e abuso, barreiras econômicas, sociais e culturais. É importante o processo de

mudanças que afetam o mundo infra-familiar, pois a situação de vulnerabilidade

está diretamente ligada àquelas mudanças, intimamente associadas às questões

econômico-sociais que têm funcionado como fator desagregador das famílias,

principalmente entre as que as mulheres desempenham o papel de chefe do do-

micílio, a questão migratória por motivo de sobrevivência. O domicílio está sujeito

ameaças freqüentes causadas pela poluição do meio ambiente, o acesso deficien-

te aos serviços urbanos básicos, aos recursos produtivos e aos diferentes méto-

dos de planejamento familiar. São questões que atingem o entorno familiar em

estado de pobreza e vulnerabilidade.

CAPÍTULO III

A “CLASSE DOMINADA”

(...) Feio não é bonito / O morro existe

mas pede pra se acabar / Canta mas can-ta triste / Porque tristeza é só o que se

tem pra contar / Chora mas chora rindo / Porque é valente e nunca se deixa que-brar / Ama / O morro ama / O amor aflito, o amor bonito / Que pede outra história

Feio Não é Bonito(Carlos Lyra e Gianfran-cesco Guarnieri, 1963).

Para falar de família é necessário saber quem ela é, onde é o seu habitat,

para poder conhecê-la melhor, e sendo a família de uma comunidade, poder pen-

sar na questão social. Ser pobre, negro e morador de favela, é condição necessá-

ria para que esta família seja vítima da violência e do preconceito social. Leonardo

Boff explica bem a questão social no nosso dia-a-dia:

“A questão social foi durante muito tempo tratada como caso

de polícia e não como caso político. Em alguns lugares, para

a polícia, se alguém é portador de alguns dos seguintes pês

(pobre, preto e puta), é preso e vítima de violência física. O

grave reside nisto: Esta violência histórica, na base da domi-

nação do outro e de sua escravização, formou a subjetivida-

de coletiva de nossas elites.” (Boff, 1996:95)

Ocorre no espaço comunitário uma inversão de valores no cumprimento

dos papéis sociais dos membros da família. As crianças, muitas vezes, desempe-

nham tarefas de competência dos adultos. São forçadas a se iniciarem muito cedo

no trabalho, por necessidade familiar, assumindo responsabilidades de seus pais,

que desempregados e ou doentes, são sustentados e amparados pelos filhos me-

nores. As mulheres também assumem o papel de provedoras do lar, ausentando-

se na maior parte do dia para trabalhar em locais distantes, enquanto os homens,

desestruturados pela ausência de perspectivas – emprego, auto-estima, qualidade

de vida, entregam-se ao ócio perdendo sua identidade familiar como chefe de fa-

mília e pai, substituídos pelas mulheres.

Exatamente na comunidade do Borel, percebe-se em algumas famílias um

grito abafado de dor, uma revolta. As histórias de cada uma delas se diferenciam

entre si, os elementos que constituem estas famílias também são diferentes, mas

a intensidade do abafado grito de dor é a mesma. Sentem-se profundamente infe-

lizes em suas vidas, e nada parece ter sentido. Não acreditam que possam rees-

truturar seus laços familiares desfeitos pela violência cotidiana, a não ser por um

milagre ou mudando-se para algum lugar no asfalto.

Muitos aguardam passivamente que algum acontecimento externo venha

salvá-los do abismo em que suas famílias se encontram. Atualmente, a violência

recrudesceu e já faz parte do cotidiano das grandes cidades brasileiras. As diver-

sas formas de violência atinge todas as camadas da sociedade brasileira. Tanto

os moradores da Comunidade do Borel, que pertencem a chamada “classe domi-

nada”, bem como as pessoas que moram no asfalto, a “classe privilegiada”, todos

sofrem e convivem com algum grau de violência. (Pós- Graduação em Terapia

de Família. Ana Maria Carvalho Vaz - 15/07/0)

“(...) poder-se-ia falar da violência como forma de domina-

ção, da violência como forma de sobrevivência, da violência

como afirmação da ordem institucional-legal, da violência

como contestação desta mesma ordem, da violência como

forma de manifestação de não-cidadania, da violência como

forma de manifestação de insegurança, do medo, etc.”

(Revista Sociedade e Estado, p. 268).

As classes dominadas apesar de sentirem-se injustiçadas pela vio-

lência, podem usar a violência como estratégia de sobrevivência.

“As classes dominadas internalizaram o caráter vio-

lento, quer dizer, injusto e desigual de sua situação. Elas

não vêem seu direito à segurança realizado, têm que defen-

der-se por si mesmas. Usam da violência, que, na verdade,

é antiviolência, como estratégia de sobrevivência e também

como meio político de recuperar o que lhes foi negado ou

expropriado; vingam-se assaltando e destruindo.”

(R. Amoretti, 1992, p. 76)

A elite fez acreditar no conceito de que o povo não tem nenhum valor, e

sendo ele negro, deve ser esquecido. Se no passado o negro trabalhava de graça

para o seu senhor, hoje, seus descendentes, moradores das comunidades pobres,

recebem o salário como ato de generosidade e não como parte de seu trabalho e

competência. A família de comunidade, vista como classe dominada, vive defen-

dendo-se de tudo e de todos, uma vez que não vê o seu direito à segurança exer-

cido. Estes moradores internalizaram a violência dentro de si como uma estratégia

de sobrevivência. Ser gerente do tráfico, pode ser para a classe dominante, algo

apavorante e assustador. Mas para a classe dominada, tem condição de status,

representando uma posição de respeito e temor. O filho de um gerente de boca

tem que ser respeitado por qualquer um, mesmo que seja apenas uma criança.

Não acontecendo, pode significar castigo a morte para quem desobedecer. Acon-

teceu nesta comunidade do Borel um caso onde o pai, gerente de boca, ameaçou

outro pai de morte caso o seu pequeno filho batesse novamente no seu filho. De

alguma forma a violência se entranha nos lares destas famílias que chega a se

tornar algo natural de se conviver, sendo traficante ou não.

Não se compreende uma família, se não atentar para o que está em sua

volta. Seus valores se modificam através do que ela vive na sociedade. Ela sofre

influência do mundo que a envolve e do que acontece dentro de sua história fami-

liar. Convém destacar que no interior de uma família, seja ela rica ou pobre, seus

membros se movimentam para dentro e para fora, ou seja, há uma interação den-

tro da própria família e com os sistemas extra-familiares. Como existe uma troca

dentro desta família, as ações e comportamento de um determinado membro, in-

fluenciam e sofre influências de outros membros da família.

Pensar no conceito de família é perceber como ela desenvolve suas for-

mas básicas numa seqüência padronizada de comportamento de caráter repetiti-

vo, que permitem uma certa previsibilidade sobre seus membros, e que são verba-

lizadas, mas que de uma certa forma estão vinculadas aos valores de nossa cultu-

ra e que também podem se originar das vivências do casal, onde há possibilida-

des de serem repetições de vivências vindas de suas respectivas famílias de ori-

gem.

A família pode oferecer uma certa resistência às mudanças, pois ela se

autogoverna através de regras construídas por ela mesma, onde é definido o que

é e o que não é permitido, e com isso mantém os seus padrões de interação de

sua homeostasia. Existe a ilusão de que com estas regras as famílias poderá

manter-se equilibrada e estabilizada, como se todos os membros da família esti-

vessem sempre em equilíbrio constante.

CAPÍTULO IV

VIOLÊNCIA E MEDO NA FAVELA

(...)Foram muitos amigos que foram para o ceú / Por isso William e Duda pedem a paz pro Morro do Borel / Viemos cantar para poder lembrar / Um pouco dos ami-gos que se foram / pra nunca mais voltar

Rap do Borel(William e Duda, 1994)

4.1 – O MEDO NA COMUNIDADE

A história recente do Brasil está em continuidade com seu passado. Esta

violência crescente não pode ser entendida como episódica. Uma análise cuida-

dosa mostra conexão da violência com a totalidade social. A questão social no

Brasil, foi durante muito tempo tratada como caso de polícia e não como caso polí-

tico. Para a polícia, se alguém é portador de alguns “ps” (Pobre, Preto e Puta) é

preso e vítima de violência física. O Brasil tem no seu começo um pecado original.

A violência da conquista e da invasão. Fomos colônia e de certo modo permane-

cemos colonizados. A colonização implica um ato de extrema violência organiza-

da, sistematizada e continuada: o colonizado vê congelar sua história.

Todo poder totalitário cria um contra-poder, seja simbólico, seja real. A a-

ceitação da dominação nunca foi pacífica. Nossa história está cheia de revoltas

frustradas mas nunca totalmente dominadas.

A maior violência que uma sociedade pode conhecer é a redução do outro a

escravo e a peça(objeto). Estudos sobre a escravidão urbana mostram as raízes

de alguns hábitos culturais e policialescos hoje existentes. Segundo Leila Mezan

Alganti:

“O escravo urbano era alugado para serviços na rua e vigia-

do pela polícia a mando do dono(senhor) do escravo. É co-

mum ainda nos dias atuais, a polícia desconfiar dos negros

e aplicar-lhes violência quando o prendem ou o detém” (Lei-

la Mezan Alganti, 1986, p. 59).

A sociedade brasileira mostra uma contradição absurda: por um lado não

consegue criar emprego para todos; e por outro prende na rua por vadiagem

aqueles que não conseguem mostrar uma carteira de trabalho assinada. Os tem-

pos de crescimento econômico explosivo nos anos 70, transformaram radicalmen-

te o mapa sociológico brasileiro: em menos de duas décadas, um país que tinha

70% de sua população no campo, transfere-se em massa para as grandes cida-

des, de modo caótico e em condições extremas de privação, exploração e misé-

ria. Um dos maiores exemplos de concentração de renda em todo o mundo e de

separação de classes. Tivemos afinal, desenvolvimento do capitalismo, mas a ri-

queza gerada não foi distribuída e não enriqueceu a sociedade em seu conjunto.

Existem realmente dois brasis, mas não o velho chavão sociológico ‘dois brasis’,

bordão desgastado. São dois brasis vivendo em dimensões ou universos inteira-

mente distintos, bem debaixo dos nossos narizes, nem sempre incomunicáveis. A

maior diferença entre eles é que a legalidade democrática só tem plena validade

para os que habitam o mundo privilegiado das classes superiores. O nó da história

do Brasil é o acordo entre as elites, o compromisso entre oligarquias, a grande

aliança entre os setores dominantes do campo e da cidade. É a turma do chama-

do ‘andar de cima’. O ‘andar de baixo’ é a massa urbana e rural, sempre excluídas

pelo pacto entre as elites. Os do ‘andar de baixo’ são freqüentemente invisíveis

para os do ‘andar de cima’, salvo quando lhes metem medo, produzem incômodo

ou passam a representar alguma ameaça, imaginária ou real.

Na prática, ao longo das décadas em que (políticos conservadores e de-

magógicos) vêm exercendo sua hegemonia, têm se limitado a cercar os bairros

populares com uma espécie de cordão sanitário repressivo, lançando os cães da

polícia sobre os pobres e protegendo as áreas nobres da cidade. Essa truculência

apenas contribui para a instalação da barbárie em escala ampliada. A situação

que herdamos, no Rio e em muitas cidades grandes, constitui o legado desse de-

satino. A paz, na sociedade brasileira, distribui-se como a comida, a justiça, a mo-

radia, os direitos, os direitos civis, a educação, a saúde e a liberdade: é privilégio

das elites.

“Mercado da dor: onde as pessoas vendem suas tragédias. Se retirar ou roubar do ser humano a dor, não lhe sobra mais nada. A lei da oferta e da procura não é nenhuma desculpa”. (Boff, 1996, p. 95)

O caráter ideológico do adjetivo “violento” fica claro quando é utilizado sis-

tematicamente para caracterizar “o outro”, o que não pertence ao mesmo estado,

cidade, raça, etnia, bairro, família, grupo, etc. Em algumas cidades, o crime e a

violência são como um artifício ou um idioma para se pensar sobre o outro(Merry,

1981, p. 102)

Como sugeria Mandela, ‘verdade e reconciliação’. Os gregos, na Antigüida-

de clássica, consideravam o esquecimento a pior punição, a mais grave das mal-

dições, o pior que se poderia desejar a um ser humano. Na comunidade do Jaca-

rezinho, a experiência de ouvir depoimentos de familiares narrando suas dores

pela perda de seus entes queridos, vítimas da violência policial, aprendeu-se que

a superação da tragédia coletiva depende da celebração pública da memória indi-

vidual e coletiva dos grupos vitimados pela barbárie do Estado. A reconciliação

será possível apenas se aprendermos a suportar a verdade, nada se compara ao

contato direto com os depoimentos vivos dos que carregam a dor de perdas tão

trágicas, revoltantes, injustas, fúteis. Pela força da emoção, compartilham a dor e

nos transportam, com realismo, para as cenas dos crimes.

4.2 – DEPOIMENTOS

Devemos ser realistas. Da forma como o ser humano está cultural e social-

mente estruturado traz consigo consideráveis fatores de violência objetiva. Eles

poderão ser minimizados, controlados, mas não eliminados. Atingimos um pondo

radical da análise que importa enfrentar, a raiz originária da violência, a estrutura

do desejo humano articulado para a rivalidade e assim para o conflito e para a vio-

lência. Ao lermos os depoimentos abaixo, refletimos sobre o porquê da violência.

Há violência por razões subjetivasem pessoas individuais e em grupos.

Para Freud a agressividade é expressão da dramaticidade da vida humana

cujo motor é a luta renhida entre o princípio de vida (eros) e o princípio de morte

(thanátos). Assim, descarrega-se a tensão para fins de auto-realização ou então

sobre outros com intentos destrutivos. Esta reflexão nos conduz ao chão da histó-

ria. Eis, um depoimento de morador de uma comunidade carente atingido pela

violência:

“Joilson Santana dos Santos (menino assassinado na véspera por policiais,

na favela da Coréia, em Niterói), era um menino de catorze anos, jamais se envol-

vera com o tráfico, era reconhecidamente um bom garoto, estudioso e trabalhador.

Além disso as balas atingiram Joilson na axila porque ele obedecera o comando

dos policiais, interrompera a brincadeira na porta de casa e erguera os braços.

Familiares e amigos assistiram ao crime. Como de hábito, uma tragédia puxa ou-

tra, entrelaçando as histórias dramáticas em um só novelo. Aproveitando nossa

presença, dona Amélia (nome fictício), a vizinha (da família de Joilson)do lado de

cima da rua, fez questão de nos contar, em detalhes, onde os policiais costuma-

vam amarrar suas vítimas, onde jogavam os corpos... as surras aplicadas...a cai-

xa-d’água para afogamento, os disparos freqüentes.

O pai de Joilson levou até o encontro no Palácio Guanabara, com o Go-

vernador Garotinho, um retrato grande e emoldurado, com o rosto puro e sorriden-

te do filho. Depositou o quadro no chão do gabinete, removendo os panos que o

protegiam. O rosto do menino ficou ali em silêncio, aos pés do Governador com

uma oferenda ambivalente, a imagem do menino morto e o choro do pai.”

(Luiz Eduardo Soares, 2000, p.37)

CAPÍTULO V

TERAPIA DE FAMÍLIA NA FAVELA

“Tão me devendo colégio, namorada, a-parelho de som, respeito, sanduíche de mortadela no botequim, sorvete, bola de futebol. Estão me devendo meia, cinema, filé mignon. Estão me devendo uma garo-ta de vinte anos, cheia de dente e perfu-me...Sempre tive uma missão e não sa-bia. Agora sei... sei que todo fodido fizes-se como eu o mundo seria melhor e mais justo”

Rubem Fonseca em O Cobrador, 1979

A psicoterapia de família teve inicio na América do Norte, em 1950, onde as

famílias começavam a sofrer as mudanças sócio culturais, o desenvolvimento das

ciências humanas, a crise pós-guerra, marcada pelas duas guerras mundiais. Ini-

ciou-se uma preocupação através de alguns terapeutas, de observar grupos fami-

liares. A psicologia não se preocupava ainda com as dinâmicas dos grupos e as

abordagens teóricas sobre a família. Havia uma preocupação com os atendimen-

tos individuais. A psicoterapia individual estava vinculada à medicina psiquiátrica

e não considerava a família como uma relação de vínculo afetivo, importante no

crescimento do indivíduo.

Os profissionais que já lidavam com as famílias, foram aos poucos estu-

dando-as como um grupo e aperfeiçoando uma nova metodologia de trabalho clí-

nico. Aos poucos, outros profissionais foram observando resultados surpreenden-

tes, que se realizavam à medida que aquele paciente era trabalhado junto com a

sua família. Vários pesquisadores começaram a estudar os fenômenos das psico-

terapia de família. Podemos citar o Dr. Gregory Bateson, da Universidade de

Stamford. Seu primeiro trabalho foi publicado em 1956, com o título “Toward a

Theory of Esquisophrenia”, onde foi reconhecido ganhando novos aliados.

A psicoterapia familiar, segundo Virgínia Sarti, citado por José Carlos Go-

mês(1976, p. 78), apareceu com a finalidade de curar “a dor da família”. Quando

um indivíduo habitante de uma família não está bem, todos sofrem e acompanham

a sua dor. E muitas vezes vivem como se fossem o indivíduo “doentes”. Pode ha-

ver neste processo, a perda da própria identidade de cada membro da família. Afi-

nal, quem é este “doente”?

É quem tem vínculo objetivo mais forte. Quem adoece não é quem tem

problema, mas quem pode resolver o problema. É importante saber cumprir esta

função, quando é função de um quando é função do outro. ‘Cada família estabele-

ce uma regra. As regras importantes não são as ditas e as não ditas. São as in-

conscientes. Ninguém diz para o membro da família ficar “doente”. Mas ele toma

este lugar apresentando o sintoma que é a solução do problema. Se numa deter-

minada família existe uma criança que é agressiva, é porque o grupo familiar pre-

cisa e quer que seja assim. Se o grupo familiar não precisa ser alimentado pela

“doença”, o indivíduo “doente”, cresce e se modifica. Observamos o exemplo a-

presentado por Vera Cali

“Por exemplo, uma família pode considerar a agressividade

de João, que pode ser uma resposta à fuga da mãe, que por

sua vez pode ser uma resposta à postura autoritária do pai

em relação a João e assim por diante.”

(Vera Calil, 1987, p.19)

Um filho adolescente que está crescendo, de alguma forma está mexendo

com a estrutura familiar. Existe um desenvolvimento biológico, onde este indivíduo

está deixando de lado o corpo da criança, para poder tornar-se um adulto. É natu-

ral este modificar os seus hábitos. Só porque as pessoas já tinham os seus luga-

res certos e saindo deste lugar, mexe com a estrutura familiar. Pois fica um lugar

vazio que deve ser ocupado. Uma família não pode ser presa. Todos tem que

crescer. E para crescer, tem que mudar os lugares ou sair deles. Mas com esta

mexida inconsciente, o grupo se mobiliza e faz com que os membros que estão

saindo ou tentando sair dos seus lugares, voltem para o lugar original. Esta inca-

pacidade de lidar com as mudanças, como foi dito, trás à tona problemas que po-

dem se tornar tão dolorosos para este grupo familiar que acabam procurando um

terapeuta familiar. A função do terapeuta familiar não é transferir responsabilidade

de onde iniciou o problema, colocando no membro sintomático, a culpa de ser a

fonte dos problemas.

A família, para manter a instabilidade, precisa adaptar-se às mudanças

onde haja uma reorganização para haver um novo equilíbrio que garanta a sobre-

vivência da família.

O nascimento de um membro na família, uma nora nova, a perda de um

membro, como a morte ou saída, fazem parte das mudanças.

Vera Calil (1987), exemplifica que o surgimento da adolescência em um ou

mais membro da família pode desequilibrar a estrutura familiar: “Nesta fase de

desenvolvimento, a família terá que modificar o que é e o que não é permitido em

relação ao adolescente”. (Vera Calil, 1987:19)

“A maioria das famílias começa uma terapia quando seus

processos de crescimento e mudanças atingem o limite. Re-

petem infinitamente o mesmo padrão de comportamento e

sentimentos. Um dos objetivos da terapia familiar é a destru-

ição deste padrão, para assim forçar a família a desenvolver

novas maneiras de relacionar-se.

Para Whitaker, o objetivo central do terapeuta é o aumento

do sentimento de pertencer à família e ao mesmo tempo, da

liberdade de individualização de cada um dos membros da

família. Ou os dois mudam juntos ou não.” (Neil e Kniskern,

1990:206.)

CONCLUSÃO

Finalmente, concluímos que algumas os habitantes de comunidades caren-

tes - morro ou favela -, mesmo atingidos e dominados pelas mais diversas formas

de violências, ainda conseguem se reestruturar psicologicamente dos efeitos da

violência, quando atendidos em terapia de família. Este trabalho reconhece limites

desta prática terapêutica e contribui para superá-los, ao compartilhar no texto as

indagações que as ações políticas e sociais tem suscitado. Muito mais que apre-

sentar êxito, pretendeu-se dar visibilidade aos processos desencadeados, formular

perguntas e equacioná-las. Apresentou-se perplexidades.

Os índices crescentes de desigualdade; o acirramento da violência urbana,

cujos números assustadores são registrados em pesquisas e pela experimentação

empírica do viver em comunidades carentes; o desgaste dos movimentos sociais

organizados, bem como a diminuição do investimento público na área social; e os

índices de ineficiência desses gastos no enfrentamento da pobreza são apenas

alguns dados dramáticos da realidade social que se mantém rebelde e resiste a

ser alterada por um conjunto de medidas simples e inovadoras, como os progra-

mas de reabilitação social baseada na comunidade, desenvolvendo atividades em

comunidades de baixa renda, através de equipes multidiciplinares que visitam

cada residência, cadastrando os moradores, convidando-os a participar de reuni-

ões onde se discute a realidade e aplica-se técnicas de solução de conflitos. O

trabalho esclarece que é urgente identificar os elementos que tornaram possível a

constituição da violência e que a favela não se reduz a lugar de violência. Este

texto, explicita um olhar para a necessidade de se romper com a estigma que de-

fine a favela pela ação criminosa, reduzindo os seus moradores a coniventes com

o crime organizado. Romper com a estigmatização supõe alterar os mecanismos

que a alimentam. Não basta negar sua existência. Ao contrário, é urgente conhe-

cê-los.

Há pouco mais de um século, ao longo da ocupação dos morros cariocas, a

violência psicológica e emocional - invisível, não mensurada estatisticamente -, é

diretamente proporcional ao crescimento da violência física, que foi fartamente

pesquisada e demonstrada através de muitos estudos teóricos e empíricos.

Depreedemos ao final deste trabalho que enquanto as causas da violência

permanecerem intocadas - o desemprego, a falta de perspectiva de integração no

mercado e a exclusão da cidadania -, o problema da violência que é agudo nas

comunidades carentes e também afeta a chamada “cidade partida”, é insolúvel e

que a desestruturação familiar em comunidades carentes dominadas pela violên-

cia seira um subproduto da marginalização econômica. A partir desse diagnóstico,

recomendamos uma reoorganização mais justa das estruturas sociais brasileiras:

melhor distribuição de renda, emprego, educação com qualidade acessível a todas

as crianças e adolescentes. Assim, o morador da favela, reincluído socialmente

poderá se reestruturar psicologicamente.

BIBLIOGRAFIA BOFF, Leonardo. Discursos Sediciosos – Crime, Direito e Sociedade / Institu-to Carioca de Criminologia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996. BRAZELTON, T. Berry ; Tradução: Luís Carlos Borges. Psicologia e Peda-gogia - Cuidando da família em crise. São Paulo: Martins Fontes,1991. CALIL, Vera Lúcia Lamanno. Terapia Familiar e de Casal: Introdução às abordagens sistemática e psicanalista. São Paulo: Summus, 1987. CHINOY, Ely. Sociedade – Uma introdução à sociologia. S. Paulo: Cultrix, 1976. GOMES, José Carlos Vítor. Manual de Psicoterapia Familiar. Petrópolis: Vo-zes, 1987. KALOUSTIAN, Sílvio Manoug (Organizador). Família Brasileira – a base de tudo. Brasília: Cortez – Unicef, 2002. MESSEDER, Carlos Alberto (Organizador). Linguagens da violência. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. SANTOS, JOSÉ VICENTE TAVARES. A violência como dispositivo de exces-so de poder . Brasília: Departamento de Sociologia da Universidade de Brasí-lia, 1995. SOARES, Luíz Eduardo. Meu casaco de general – Quinhentos dias no front da segurança pública do Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. SOARES, Luiz Eduardo. Violência e criminalidade no Estado do Rio de Janei-ro . Rio de Janeiro: Hama Edditora,1998. ZALUAR E ALVITO, Alba e Marcos (Organizadores). Um século de favela. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003.

ÍNDICE DE ANEXOS Anexo 1 >> Entrevista;

Anexo 2 >> Entrevista;

Anexo 3 >> Artigo;

Anexo 4 >> Reportagem;

Anexo 5 >> Reportagem;

Anexo 6 >>; Tabela

Anexo 7 >> Quadro; Anexo 8 >> Questionário;

Anexo 9 >> Pesquisa.

ANEXO 1

ENTREVISTA

Jornal O Pasquim 21 Abr/2002. “O Grito de dor” LUÍZ EDUARDO SOARES - Há uma sensação generalizada de que é a injustiça que impe-ra, e essa sensação se manifesta sob a forma da impotência. Vivi essa situação de perto quando eu ia às favelas. Depois de ter visto o que vi e vivido o que vivi, eu não poderia esquecer isso, ou deixar de tratar essa questão obsessivamente. Nós somos vítimas da vio-lência, seqüestros, assaltos às vezes com morte. Mas quem paga o preço maior é quem vive nas favelas do Rio. Esses vivem sob um duplo nepotismo: o da polícia corrupta e dos cri-minosos armados. Quando você perde um ente querido, o sentimento de dor é intensificado pelo sentimento de que a sua dor nada significa, e que o Estado não tem com você nenhuma responsabilidade, e que a sua voz não vai ser ouvida. Você não tem o mínimo de paz, não tem a menor garantia de que seu filho vai chegar são e salvo em casa. São mais de 600 mil pessoas vivendo assim, metade da população inteira das favelas do Rio. Só um grande pac-to político e a redefinição das prioridades é que poderiam resolver isso. Mas isso é viável, hoje? Não é viável, infelizmente...Mas voltando à dimensão social: um menino pobre, ne-gro, da grande metrópole, transita invisível, é um ser socialmente invisível, por duas razões: ou porque nós não o reconhecemos, negligenciando a sua presença, ou porque nós projeta-mos sobre ele preconceitos e estigmas, e assim dissolvemos a sua singularidade. A invisibi-lidade é muito dolorosa. E aí um traficante oferece uma arma pra esse menino. Nós costu-mamos dar muita atenção ao que acontece no campo da dimensão material e econômica dessa relação, mas somos indiferentes ao jogo que se processa no campo da intersubjetivi-dade. Quando o traficante dá uma arma a esse menino, o menino percebe que pode, através do uso da arma, provocar no outro um sentimento de reconhecimento. Um sentimento de medo, mas um sentimento, e assim, alcança uma visibilidade, uma reedificação como pes-soa. Esse processo tem que ser compreendido por nós, ou não nos credenciaremos a compe-tir com o tráfico. Ziraldo – O que você pode oferecer pro menino, em lugar de um revólver? LE - Nós identificamos a natureza do bem. Temos que disputar menino a menino com o tráfico. Essa disputa, pra ter alguma chance de ser vitoriosa, vai ter que oferecer pelo menos as mesmas vantagens oferecidas pelo tráfico: vantagens materiais, emprego, renda. Nós temos que oferecer valorização e reconhecimento. Como é que uma política pública pode fazer isso? Nós temos que custo-mizar – essa palavra é horrível! – a política pública, pra que ela ofereça o espaço pra que essas meninas e meninos exercitem suas virtudes potenciais. Isso acontece na cultura e nos esportes. Z - Os meninos da Mangueira estão fora do tráfico? LE - Inteiramente. Podem sofrer uma pressão, mas esses que vão para os esportes e são objetos de nossa atenção, de nossa valorização, esses estão fora. Os meninos não mais que-rem ser engraxates de nossos sapatos, pintores de nossas paredes e mecânicos de nossos carros. Eles querem o que os nossos filhos querem: Internet, música, arte, mídia, comunica-ção, esportes, cinema. Eles querem expressão, realização e criatividade. Se nós não tiver-mos sensibilidade de dialogar com eles e oferecer possibilidades de empregos e capacita-ção em áreas que mobilizem os seus desejos e suas fantasias, nós vamos ficar falando gre-go, não vamos conseguir disputar com o tráfico, que além de oferecer vantagens materiais ainda oferece a vantagem simbólica(...).

ANEXO 2

ENTREVISTA

ENTREVISTA – Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 28 de Julho de 2002. P 20. Elenilce Bottari ‘Esta desigualdade gera violência’ Sociólogo da UFRJ diz que discriminar ainda mais as favelas pode agravar as diferenças sociais e a violência A discriminação das favelas por causa da violência pode acirrar ainda mais as dife-renças sociais e agravar o problema da segurança no Rio. O alerta é do sociólogo Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, coordenador do Observatório de Políticas Urbanas e Ges-tão Municipal do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), da UFRJ. Segundo ele, a comparação dos dados do Censo 2000 com os de 1991 confirma a exclusão social enfrentada pelos moradores de favelas. Luiz Cesar - que participar do seminário “Metrópoles: entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o confli-to”, que será realizado de 5 a 9 de agosto, no hotel Novo Mundo – afirma que no Rio há uma divisão social marcante entre a favela e o asfalto. O GLOBO – As favelas cariocas já podem ser consideradas guetos? LUIZ CESAR DE QUEIROZ RIBEIRO – Não, mas podem vir a se constituir se continua-rem sendo vistas pela ótica da violência. Gueto é um lugar homogêneo em termos sociais e abandonado pela sociedade, do ponto vista social, simbólico, cultural. As favelas ainda têm interação com o asfalto e com o poder público. No Rio, elas estão, elas estão organizadas, com associações, escolas. Já os guetos são desertos cívicos. Não são capazes de se associar em nada. OG – O poder paralelo do tráfico e sua violência podem transformar favelas em guetos? LC – A falta de política de segurança pode levar a esse processo. Esse casso recente do dirigente da Associação de Moradores da Serrinha e diretor de bateria da escola de samba, o Macarrão, assassinado pelo tráfico por tentar estabelecer limites, é um exemplo disso. A desmobilização de associação devido à violência do tráfico pode levar à desertificação cívi-ca. OG – De acordo com o Censo do IBGE, a população de favela aumentou. Por quê? LC - Com certeza por causa da falta de uma política habitacional, dos baixos rendimentos e também da falta de transportes. As favelas seguem o fluxo da renda. Sem dinheiro para transportar, sem condições para pagar o aluguel e à procura de oportunidades de trabalho, as pessoas vão subir para o alto dos morros para ficar perto dos grandes centros urbanos. Daí a aproximação. OG – O que poderia ser feito para reverter o processo de favelização da cidade? LC – Precisaria uma política habitacional voltada para a ocupação de vazios urbanos. No lugar de enormes conjuntos habitacionais fora da cidade, que não deixam qualquer alterna-tiva para seus moradores, o estado e os empresários do setor deveriam fazer pequenos con-juntos nos espaços vazios. Mas os empresários querem investir em obras de baixo custo. OG – A existência de realidades tão distantes entre favela e asfalto não é prova de que vi-vemos em uma cidade partida? LC - A imagem da cidade partida é interessante, mas acaba reforçando as diferenças. As pessoas que vivem em favela já sofrem preconceitos. Os próprios nomes estão cada vez

mais depreciativos, como Rato Molhado, Favela da Lacraia. Se a situação já é violenta, imagine quando eles passarem a discriminar o asfalto. OG – Mas aumentou a diferença entre favela e asfalto? LC - Não tenho dados para afirmar, mas acredito que sim. Creio que aumentou a frustra-ção. Antes predominava em nossa sociedade uma cultura hierárquica, com diferenças de direitos entre ricos e pobres, brancos e não brancos. Uma cultura de subordinação, onde o pobre só poderia crescer até um ponto e o patrão, em contrapartida, era paternalista. O pen-samento mudou, mas as condições para que os pobres possam ter as mesmas oportunidades ainda não mudaram. A estrutura é a mesma, ou seja, a justiça é para quem pode pagar, o estado é clientelista e o rico deixou de ser paternalista e passou a pensar mais em si, se isolando em condomínios fechados e contratando seguranças particulares. Isso aumentou a frustração, principalmente no caso dos jovens. Esta desigualdade gera a violência.

ANEXO 3

Artigo

Jornal O Globo – mai/2002 Aos jovens do Rio de Janeiro Alba Zaluar – Rio de Janeiro (RJ)

O negócio ilegal, baseado em intimidação, extorsão e terror, opera em redes. São múltiplas as fraturas em comandos, quadrilhas, bondes, justiceiros e pistoleiros. Por detrás, pouco investigado e punido, o capitalismo das sombras que opera no mercado das armas e drogas, misturando o legal e o ilegal, a polícia e o bandido. Ele é transnacional, como o terror que o preside. Diante disso, é prioritário impedir que se destrua o estado de direito. Qualquer in-tervenção deve ser feita dentro da lei, de modo a evitar um dos seus efeitos mais perversos: a confusão entre polícia e bandido. Por isso, escrevi para os jovens, apostando que a razão pode impedir que, no desespero, se afundem mais na barbárie. Um dos argumentos mais repetitivos para os jovens pobres é o de que vender drogas é um bom negócio, pois paga melhor que o emprego e dá para sair da pobreza. Dizem que otário é quem trabalha por salário. O que não se diz é que este negócio deixa a vida no fio; que o dinheiro que entre fácil sai fácil; que o vício pode pegar; que a guerra entre comandos se torna interminável e as armas, caras; que são grandes os prejuízos para todos. Quando um jovem começa a se envolver com as quadrilhas, adota o modo de viver dela. Tem que gastar mais com roupas, festas, mulheres, drogas para mostrar que está com o bol-so cheio. Assim ele pretende ser aceito entre os homens que agem igual. Impressiona e mete medo. Por pouco tempo. Tem que comprar armas e munições; pagar propinas a poli-ciais corruptos que podem prendê-lo mais facilmente; pagar advogados para defendê-lo. Acaba duro, preso ou morto. Jovens se aproximam da boca procurando “consideração”; porque acham bacana usar dro-gas ilegais; porque os colegas chamaram. Pensam que nunca serão prisioneiros nem das drogas nem das quadrilhas. Mas a cocaína pode viciar de 30% a 40% dos que a usam. A sensação de estarem ligados que ela traz é seguida pela fossa depois que o efeito some. Sentem fissura de usar para ficar a “mil” de novo. Caem num círculo vicioso. Uns come-çam a repassar drogas para pagar o vício; outros a usá-las quando viram traficantes. Se vendem sem permissão, podem ser mortos. Se ganharem muito, mesmo com permissão, atraem a desconfiança e a cobiça dos poderosos. A cocaína pode fazê-los paranóicos, cer-cados de inimigos imaginários. Depois que se envolvem, tem que obedecer as ordens dos chefes. Sair fica cada vez mais difícil.

ANEXO 4

Reportagem Jornal O Globo – Primeiro Caderno – Rio, 28 de Julho de 2002 – p.19 O abismo social dos morros Renda média de chefes de família no asfalto é 5 vezes maior que em favelas Elenilce Bottari (RJ) A distância social entre favela e asfalto no Rio é cinco vezes maior do que a proximidade física faz parecer. Segundo dados do Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os chefes de família nas favelas ganham em média apenas 23% do ren-dimento registrado no resto da cidade. Enquanto, em média, o morador do asfalto recebe R$ 1.533,74, na favela esse rendimento é de R$ 352,41. No caso de muitos bairros, no en-tanto, essa distância é ainda maior. Enquanto a média salarial de um chefe de família na Barra da Tijuca é de R$ 5.175,50, na Favela do Angu Duro, na Estrada do Itanhangá, esse rendimento cai para R$ 382,46. Com base no programa Estatcart – Sistema de Recuperação de Informações Georreferenci-adas do OBGE, O Globo, calculou o rendimento médio em várias favelas do Rio e consta-tou o tamanho da desigualdade social. A distância entre favela e asfalto só cai à medida que os bairros se aproximam da periferia. É o caso da Penha, onde o rendimento médio de um chefe de família é de R$ 828,75, enquanto na favela Vila Cruzeiro, no mesmo bairro, esse valor é de R$ 358,94. Segundo o chefe em exercício da Unidade Estadual do IBGE, José Roberto Scorza, o Rio tem 514 favelas. Para a realização do Censo foram contratadas 7.589 pessoas dessas comu-nidades: - Escolhemos moradores para facilitar a apuração dos dados. Morando há 40 anos na Favela do Angu Duro, na Barra, às margens da Lagoa da Tijuca, a dona-de-casa Maria da Guia da Silva Braga, de 51 anos, provavelmente nunca conhecerá o shopping Città America, que fica em frente. Ela mora em frente. Ela cuida de seis filhos, enquanto o mais velho, dee 20 anos, trabalha como carroceiro para reunir os R$ 200 men-sais que alimentam oito bocas. - As crianças dormem no chão e o frio entra porque não tenho dinheiro para fechar a parede (de compensado). Eu já tentei me inscrever no cheque cidadão, mas não consegui. Os vizi-nhos tentam ajudar a gente, mas a situação é muito difícil – diz Maria da Guia. São muito remotas as chances de ela conhecer uma vizinha de bairro, a escrevente Ana Ce-cília Nogueira, que vive com o filho Carlos Frederico, de 11 anos, no Jardim Oceânico. A renda mensal da família é de R$ 7 mil, 35 vezes a da casa de Maria da Guia: - Eu não consigo imaginar como essas pessoas conseguem sobreviver com tão pouco. Isto é absurdo. A desigualdade social no Rio é com certeza im dos principais fatores de violência da cidade – afirma Ana Cecília.

No Borel, renda média é de R$ 290 O rendimento médio na Tijuca é de R$ 2.412,80, mas o chefe de família no Borel ganha muito menos: R$ 290,80. O marido de Lúcia de Jesus Pereira da Silva recebe, líquido, um pouco mais que isso. - O salário é de R$ 380, mas com descontos fica na média de R$ 320. Aqui somos quatro. Dá pra comer. O que salva é o vale-alimentação que meu marido traz para casa. Diversão é assistir o culto na igreja, que fica aqui mesmo no morro. Morando na entrada do Borel, de frente para a rua São Miguel, a situação da auxiliar de enfermagem Leni Diamantes é melhor. Além da pensão do ex-marido, ela conta com R$ 400 para sustentar os filhos: - Juntando o que o pai dá para eles, tem sido possível sustentar a casa. Mas, se tivesse que pagar aluguel, já ficaria complicado. Na Rocinha (que está entre os morros considerados em melhor situação socioeconômica, juntamente com o Vidigal), o chefe de família ganha em média R$ 451. Com status de bair-ro, o morro tem uma mistura de classes sociais(...). Professor titular de planejamento urbano e regional da Universidade Federal do Rio de Ja-neiro (UFRJ), o sociólogo Luiz Cesar de Queirós Ribeiro analisou os dados do Censo 2000. Segundo ele, os dados demonstraram discriminação entre moradores de baixa renda do as-falto e da favela: - A renda pessoal na favela é sistematicamente menor que a renda fora da favela, mesmo comparando pessoas com as mesmas condições de instrução, idade, sexo ou raça – explica Luiz Cesar.

ANEXO 5

Reportagem

O Globo, Rio de Janeiro, 28 de Janeiro de 2002. P. 20. Michel Alecrim Abismo social: Lojas desistem dos consumidores das comunidades carentes de-pois de empregados sofrerem assaltos ENTREGAS EM DOMICÍLIOS PASSAM LONGE DAS FAVELAS Eletrodomésticos, remédios e pizzas deixam de subir o morro em caminhões e motos por causa da violência Um consumidor entra numa loja para comprar um fogão. Um vendedor simpático oferece vários produtos, com pagamento facilitado. Mas quando o comprador informa o endereço de entrega no morro do Borel, na Tijuca, a expressão do funcionário se transforma e vem a resposta negativa: - Nesse lugar, nós infelizmente não entregamos. A cena, que ocorreu com um repórter do Globo que se passou por um morador da favela na Tele-Rio da Tijuca, acontece constantemente com trabalhadores de comunidades domina-das por traficantes. A violência que assusta os entregadores transforma os moradores de favelas em consumidores de Segunda classe. No teste feito em seis favelas (Borel, Jacarezinho, Grota, Providência, Vidigal e Cabritos), em quatro delas pelo menos uma loja de eletrodomésticos não entregava no endereço per-guntado, sempre um local com acesso a veículos. Quando o assunto é entrega de remédio, a restrição às favelas é mais grave. Em duas delas, Grota e Borel, o serviço simplesmente não existe. Na Providência há entrega somente no horário comercial. Nas demais, os moradores só teriam uma das opções. Moradores às vezes pagam carreto extra Quando há restrições, os moradores das favelas acabam tendo despesas a mais. Ana Gomes Santana, de 56 anos, que mora no alto do Borel, teve que pagar R$ 20 para levarem sua geladeira da associação até sua casa. - Para quem mora ma favela, tudo acaba saindo mais caro - diz. O diretor de Marketing da Tele-Rio, Mário Roberto de Arruda, admitiu que nem em todas as favelas do Rio o caminhão da rede de eletrodomésticos entra. Depois de sofrer muitos assaltos, a loja tomou várias medidas de segurança, e deixou de entregar em algumas co-munidades. - Podemos estar perdendo clientes, mas fazemos o possível para atender os consumidores, como entregas nas associações de moradores - afirmou. As Casa Bahia informaram que entregam no morro da Providência, ao contrário do que informou um vendedor da loja da Rua Uruguiana. Segundo a assessoria da rede, a entrega só não é feita na favela de Manguinhos. O Carrefour informou que no Jacarezinho - onde um funcionário do setor de eletrodomésticos da loja do NorteShopping disse que não há entrega - os moradores recebem os produtos na associação de moradores.

Distribuidoras negociariam com traficantes Um funcionário de uma rede de eletrodomésticos disse que para ser feita a entrega nas fa-velas é necessário um esquema especial. Além da escolta armada no asfalto, a entrada dos caminhões é negociada com os traficantes. Segundo o delegado Reginaldo Félix, da Delegacia de Roubos de Cargas (DRFC), os as-saltos a transportadores de eletrodomésticos são comuns nas proximidades das favelas Kel-son’s, na Penha, e das favelas do Jacarezinho e de Manguinhos. - Os traficantes querem fazer o papel de Robin Hood. Roubam os eletrodomésticos para distribuírem na favela – explica o delegado. A entrega de pizza em casa é grande filão comercial, mas em algumas favelas o medo da violência faz que as motos não nem entrem. É o caso do Borel, do morro dos Cabritos e do Jacarezinho. A Grota e a Providência não têm serviço nas proximidades e somente o mora-dor do Vidigal, dos morros pesquisados pelo jornal, pode receber pizza em casa. A entrega de remédios é uma comodidade às vezes imprescindível quando surge um problema inespe-rado como febre ou dor-de-cabeça. Entretanto, para muitas favelas ainda é um sonho lite-ralmente distante. Numa drogaria perto da Providência, um funcionário atribuiu a recusa da entrega à violên-cia. O entregador da loja foi revistado por traficantes no morro e o acompanharam até a casa do cliente. - Ele ficou traumatizado e jurou que nunca mais entregaria no morro - contou. Contratar moradores de favelas pode ser uma vantagem para os serviços de entregas. É assim que duas farmácias de Copacabana conseguem manter o serviço no morro dos Cabritos. A fave-la, entretanto, não recebe pizza. A alegação de uma pizzaria é que um entregador chegou a ser roubado no lugar. O Vidigal não pode contar com os serviços do vizinho rico Leblon por causa do medo da violência. Farmácias e pizzarias se recusam a entregar no lugar. Mas a favela é uma das poucas que têm alternativas. A pizzaria Guanabara diz ter contratado um morador do morro só para atender aos pedidos da comunidade. A Rocinha é outra favela da Zona Sul que so-fre menos com o isolamento. O presidente da Associação Nacional de Assistência ao Consumidor e Trabalhador (Ana-cont), José Roberto de Oliveira, disse que nenhuma loja pode recusar a vender algo que é oferecido e as recusas poderiam parar na justiça. Já a promotora Léa Freire disse que a loja só comete erro quando não avisa ao consumidor antes da compra.

ANEXO 6

TABELA

Quanto ganham os cariocas RENDIMENTO MENSAL DOS CHEFES DE FAMÍLIA POR DOMICÍLIO (em R$)

Bairro Rendimento em R$ Barra da Tijuca 5.175,50 Favela do angu Duro 382,46 Rocinha 451,00 Morro do Vidigal 662,09 Leblon 4.634,27 Lagoa 5.567,86 Cantagalo 298,13 Tijuca 2.412,80 Borel 290,80 Anchieta 641,68 Fé em Deus 328,43 Penha 828,75 Vila Cruzeiro 358,94 Ramos 983,28 Complexo do Alemão 409,54 Renda média chefes de família p/domicílio População Favelas 352,41 Favelas 1.092,958Asfalto 1.533,74 Cidade 5.857,904 Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da UFRJ

ANEXO 7

QUADRO

Resultado do teste de entrega

ìPizzaria jFarmácia ¹Eletrodomésticos

Morro do Vidigal

Morro do Borel Morro dos Cabritos

¹ Tele-Rio, Casa Bahia, Ponto Frio e Arapuã entregam

¹Tele-Rio não entrega. Ponto Frio e Casas Bahia entregam

¹Todas entregam

j Somente uma entrega jNenhuma entrega jDuas entregam ì Das quatro consultadas, duas entregam

ìNenhuma entrega ìNenhuma entrega

Morro da Providência Favela do Jacarezinho Favela da Grota ¹Duas entregam. Duas não entregam

¹Duas entregam; duas não entregam

¹Uma não entrega; Duas entregam

jDuas entregam jSó uma entrega jNenhuma entrega

ìNenhuma entrega

ìNenhuma entrega ìNenhuma entrega

Anexo 8

Questionário

1ª. ENTREVISTA: Srª “O”(77 anos). 1 - Quantas pessoas moram em sua casa? R - Moram 4 pessoas. 2 - O que faz cada uma? R - Eu faço faxina em casa de família e os meus três filhos não trabalham. 3 - Qual a idade de cada uma? R- Eu tou com 76, meus filhos têm 35, 38 e 45 anos. 4 - Onde nasceram? R – Eu nasci na Paraíba, o resto nasceu na Comunidade do Borel. 5 - Há quanto tempo vocês moram no Borel? R – Eu estou aqui há 46 anos, os outros nasceram aqui. 6 - Até que série da escola cada um estudou? R - Eu nunca fui à escola. Minha filha também não foi à escola. O meu filho com 38 anos, terminou o primeiro grau e o outro com 45 anos só fez o curso primário. 7- Qual é o maior problema para a sua família no Borel? R - Não existe nenhum problema aqui no Borel. 8 - De que maneira este problema atrapalha a vida familiar? R - A violência não chega na minha casa. 9 - O que vocês fazem para resolver este problema? R - Os traficantes são bons. Quando eu preciso de alguma coisa eles me ajudam. E as balas do tiroteio não chegam até a minha casa. 10 - Vocês pensam em se mudar da comunidade? R - Não. Não penso em sair daqui. 2ª. ENTREVISTA: Srª “G”(60 anos). 1- Quantas pessoas moram em sua casa? R - Eu, minha filha e meu neto. 2 - O que faz cada uma? R - Eu trabalho em casa de família, o meu neto estuda e minha filha fica em casa. 3 - Qual a idade de cada uma? R - Tenho 60 anos, minha filha - deficiente física - 40 e o meu neto tem 13 a-nos. 4 - Onde nasceram? R – Eu nasci em Minas eles nasceram aqui no Borel. 5 - Há quanto tempo vocês moram no Borel? R – Eu há 40, eles a vida toda. 6 - Até que série da escola cada um estudou? R - Eu só fiz o primário, o meu neto está fazendo o primeiro grau e a minha filha nunca foi à escola. 7 - Qual é o maior problema para a sua família no Borel?

R - A violência. 8 - De que maneira este problema atrapalha a vida familiar? R - Eu tenho medo de bala perdida e que o meu neto entre para o tráfico. 9 - O que vocês fazem para resolver este problema? R - Não fazemos nada(ri). 10 - Vocês pensam em se mudar da comunidade? R – Não. A minha filha tem as suas amizades na igreja e gosta muito daqui. Já estamos acostumados com a violência. 3ª. ENTREVISTA: Srª “Y”(55 anos). 1 - Quantas pessoas moram em sua casa? R - Três pessoas: eu, minha filha e meu sobrinho. 2 - O que faz cada uma? R - Eu faço bico. Vendo panos de prato e balas nos ônibus. Minha filha vai começar a estudar e o meu sobrinho está desempregado. 3 - Qual a idade de cada uma? R – “Tô” com 55 anos, minha filha 15 e meu sobrinho 23 anos. 4 - Onde nasceram? R - Eu sou da Paraíba e os dois daqui do Borel. 5 - Há quanto tempo vocês moram no Borel? R - Eu moro aqui há 20 anos e os dois nasceram aqui. 6 - Até que série da escola cada um estudou? R - Eu nunca estudei. Minha filha e o meu sobrinho só fizeram a 5ª série. 7 - Qual é o maior problema para sua família no Borel? R - As drogas. 8 - De que maneira este problema atrapalha a vida familiar? R - Meu filho mais velho está internado numa casa de recuperação para dro-gados. Tenho medo que ele saia de lá e volte a roubar para comprar drogas. Tenho medo que o meu sobrinho também entre no tráfico. 9 - O que vocês fazem para resolver este problema? R - Eu fico tomando conta deles quando dá. 10 - Vocês pensam em se mudar da comunidade? R – Sim. Eu invadi uma casa vazia e tô morando aqui até hoje. Mas não tenho para onde ir. 4ª. ENTREVISTA: Srª. “G”(50 anos) 1- Quantas pessoas moram em sua casa? R- Eu e minha filha. 2-O que faz cada uma? R- Eu cato latinha, tomo conta de criança e minha filha está na escola. 3- Qual a idade de cada uma? R- Eu estou com 50 anos e minha filha com 9 anos. 4- Onde nasceram? R- Eu nasci na Bahia e ela no Borel. 5- Há quanto tempo vocês moram no Borel? R- Eu vivo aqui há 20 anos e minha filha há 9. 6- Até que série da escola cada um estudou?

R- Eu nunca fui a escola e a minha filha está na 1ª série. 7- Qual é o maior problema para sua família no Borel? R- Não ter emprego e o tiroteio da polícia. 8- De que maneira este problema atrapalha a vida familiar? R- Às vezes ficamos sem comer e quando tem tiro, temos que ficar debaixo da cama. A minha filha começa a fazer xixi na cama. 9- O que vocês fazem para resolver este problema? R- Não tem o que fazer. 10- Vocês pensam em se mudar da comunidade? R- Não. Não tenho outro barraco para morar. 5ª. ENTREVISTA: Sra. “S”( 40 anos) 1- Quantas pessoas moram em sua casa? R- Eu e meus dois filhos. 2- O que faz cada uma? R - Eu trabalho em casa de família, o garoto está no tráfico e a menina fica em casa. 3- Qual a idade de cada uma? R- Eu estou com 30 anos, o garoto com 15 e A. com 10 anos. 4- Onde nasceram? R- Todos nascemos no Borel. 5- Há quanto tempo vocês moram no Borel? R- Desde que nascemos. 6- Até que série da escola cada um estudou? R- Eu fiz até o 1º grau, meu filho até 5º série e a menina por ser deficiente nunca estudou. 7- Qual o maior problema para a sua família no Borel? R- Meu filho no tráfico. 8- De que maneira este problema atrapalha a vida familiar? R- Vivo colocando meu filho para dormir na rua, ele só chega de madrugada. E ainda tenho que dar dinheiro para ele para não morrer. 9- Como vocês fazem para resolver este problema? R- E dá para resolver? 10- Vocês pensam em se mudar da comunidade? R- Se for para levar meu filho daqui, sim. 6ª ENTREVISTA: Sra. “M”( 40 anos) 1- Quantas pessoas moram em sua casa? R- Somos 4 pessoas. 2- O que faz cada uma? R - Eu trabalho em casa de família, o traste do meu marido só vive drogado e as duas estudam. 3 - Qual a idade de cada uma? R- Eu tenho 40, minhas filhas têm 8 e 12 e o traste, 50 anos. 4 – Onde nasceram? R- Eu sou da Bahia, as meninas nasceram aqui e o outro em Minas. 5- Há quanto tempo vocês vivem no Borel?

R- Eu estou há 30 anos, as meninas há 8 e 12 anos e ele há uns 20 anos. 6- Até que série da escola cada um estudou? R- Eu fiz o primário e ele também. As meninas estão no primário também. 7- Qual é o maior problema para a sua família no Borel? R- Pior que os tiros é o meu marido. Não sai de casa e já tentou me matar e as crianças. 8- De que maneira este problema atrapalha a vida familiar? R- A gente não sabe se “vamos” acordar vivas. 9- O que vocês fazem para resolver este problema? R- Não tem jeito. Só se eu matar ele. 10- Vocês pensam em se mudar da comunidade? R- Sim, por causa dele. Mas para aonde eu vou com as meninas? 7ª ENTREVISTA SRA. “MJ”(40 ANOS) 1- Quantas pessoas moram em sua casa? R- Quatro pessoas. 2- O que faz cada uma? R- Eu tomo conta da minha filha, meu marido é porteiro e meu filho estuda. 3- Qual a idade de cada uma? R- Eu “tô” com 40, meu marido tem 52, o garoto tem 16 e A. tem 9 anos. 4- Onde nasceram? R- Eu sou de Sergipe, ele dá Paraíba, o menino do Borel e a menina também. 5- Há quanto tempo vocês moram no Borel? R- As crianças desde que nasceram. Eu e o meu marido há 20 anos. 6- Até que série da escola cada um estudou? R- Eu nunca estudei, o meu marido fez até 5ª série, o meu filho está na 6ª sé-rie e a menina está no C. A. 7- Qual é o maior problema para a sua família no Borel? R- A guerra da polícia. Quando eles não aparecem ninguém mexe com a gen-te. 8- De que maneira este problema atrapalha a vida familiar? R - A gente tem medo de bala perdida. Todo mundo fica nervoso aqui em ca-sa. 9- O que vocês fazem para resolver este problema? R- Esperar melhorar. 10- Vocês pensam em se mudar da comunidade? R- Sim, mas o dinheiro não dá. 8ª ENTREVISTA: Srª. “M”(70 anos). 1- Quantas pessoas moram em sua casa? R - Somos duas. Ela é minha neta, mas a mãe não quer saber dela, eu a re-gistrei como minha filha. Ela tem deficiência mental. 2- O que faz cada uma? R- Eu vivo de pensão e minha filha estuda. 3- Qual a idade de cada uma? R- Eu tenho 70 e minha filha tem 16 anos. 4- Onde Nasceram?

R- Eu nasci na Bahia e ela aqui no Borel. 5- Há quanto tempo vocês moram no Borel? R - Eu há 40 anos, ela a 16 anos. 6- Até que série da escola cada uma estudou? R- Eu terminei o primário e ela faz o primário. 7- Qual é o maior problema para a sua família no Borel? R- Medo da minha filha se envolver com bandido e engravidar. 8- De que maneira este problema atrapalha a vida familiar? R- Eu não vivo sossegada. Vivemos brigando. 9- O que vocês fazem para resolver este problema? R- Tomando conta dela. Trancando a porta para não fugir. 10- Vocês pensam em mudar da comunidade? R- Sim. Mas não quero levar minha filha. Não tenho mais idade para isso. 9ª ENTREVISTA: Sra. “G”(60 anos). 1- Quantas pessoas moram em sua casa? R- Eu e meu marido. 2- O que faz cada uma? R- Nós vivemos de doação e catamos latinha. 3- Qual a idade de cada uma? R- Eu tenho 70 e o meu marido 80. 4- Onde nasceram? R- Eu nasci em Minas e o meu marido na Bahia. 5- Há quanto tempo vocês moram no Borel? R- Nós estamos aqui há 50 anos. 6- Até que série da escola cada um estudou? R- Ninguém nunca estudou. 7- Qual é o maior problema para a sua família no Borel? R- Guerra entre polícia e bandido. 8- De que maneira este problema atrapalha a vida familiar? R- Vivemos com medo. Meu marido sofre do coração. 9- O que vocês fazem para resolver este problema? R- Não tem jeito. 10- Vocês pensam em se mudar da comunidade? R- Não por causa dos meus filhos e dos meus netos que já vivem aqui. 10ª ENTREVISTA: Sra. “M”(42 anos). 1- Quantas pessoas moram em sua casa? R- Somos 6 pessoas. 2- O que faz cada uma? R- Eu recebo pensão, 1 filho não trabalha, a caçula estuda e os outros estu-dam e trabalham. 3- Qual a idade de cada uma? R- Eu tenho 42 e as crianças têm 32, 22,24, 6 e 13 anos. 4 – Onde nasceram? R – Todos nós nascemos no Ceará. 5 – Há quanto tempo vocês moram no Borel?

R – Eu estou aqui há 35 anos. A minha caçula chegou aqui com dois anos, os outros foram chegando aqui há 20, 15, 12 e 11 anos. 6 – Até que série da escola cada um estudou? R – Eu não terminei o primeiro grau. A minha caçula está no jardim e os ou-tros filhos estão terminando o segundo grau. E um filho nunca foi à escola. 7 - Qual o maior problema para a sua família no Borel? R - A violência. 8 – De que maneira este problema atrapalha a vida familiar? R – A gente fica tenso e nervosos. Quando algum filho tá na rua, eu fico de-sesperada. 9 – O que vocês fazem para resolver este problema? R – Eu oro. 10 – Vocês pensam em se mudar da comunidade? R – Não.

ANEXO 9

Pesquisa

A pesquisa que está sendo apresentada, foi desenvolvida no CIEP Doutor Antoine Magari-nos Torres Filho situado na Rua São Miguel, nº500, na Comunidade do Borel, Bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, com o objetivo de verificar como a terapia de família pode contribu-ir para o equilíbrio e a estruturação dos membros de uma família que convivem com as di-ferentes formas de violências, dentro e fora de suas casas. Foram realizadas 10 entrevistas com um grupo de 10 famílias selecionadas entre os mora-dores da comunidade do Borel, que responderam a um questionário formulado com 10 questões objetivas. As entrevistas encontram-se em anexo a este trabalho. Para o entrevistado sentir-se à vontade, optou-se por uma entrevista verbal, uma vez que a maioria das pessoas ouvidas são analfabetas ou com pouca escolaridade. Dentre os moradores entrevistados, 10 foram mães, sendo que 3 delas viviam com os seus maridos; 5 eram viúvas e 3 eram separadas. • Nº de Moradores em cada residência: - Perguntado sobre quantas pessoas moravam na casa, 9 entrevistadas responderam que

moravam com os seus filhos, dessas, duas declararam que moravam com o neto e a fi-lha; e uma com a filha e o sobrinho.

• Ocupação de cada morador: - Na questão sobre o que faz cada pessoa da casa, 5 entrevistadas responderam que 5 fami-liares trabalhavam no mercado informal; 4 entrevistadas responderam que 5 familiares tra-balhavam no mercado formal e duas responderam que recebiam pensão. • Idade dos moradores: - Com relação à idade das pessoas entrevistadas, 4 responderam que 5 familiares têm a ida-de entre 60 e 80 anos; 5 entrevistados responderam que 5 familiares têm a idade entre 45 e 55 anos; 6 entrevistados responderam que 8 familiares têm a idade entre 30 e 42 anos; 8 entrevistados responderam que 15 familiares têm a idade entre 6 e 24 anos. • Naturalidade dos moradores: - A respeito de naturalidade, 8 entrevistados declararam que 16 familiares nasceram na Comunidade do Borel e 9 entrevistados responderam que 17 familiares nasceram em outros estados. • Tempo de moradia na Comunidade: - Quanto ao tempo em que os entrevistados moram na Comunidade, 7 deles responderam que 11 familiares moravam na Comunidade entre 30 a 50 anos e 8 entrevistados responde-ram que de seus familiares moravam na Comunidade entre 4 a 23 anos. • Grau de escolaridade: - Com relação à série que cada familiar estudou, 7 entrevistados responderam que 10 fami-liares nunca foram a escola; 9 entrevistados declararam que 16 familiares não terminaram ou ainda estavam fazendo o 1º grau. De 3 entrevistados, 5 familiares terminaram o 1º grau.

• O maior problema: - A respeito da possibilidade da família conviver com algum problema, 1 entrevistado disse que não havia problema algum, uma vez que a violência não entrava em sua casa e 9 entre-vistados disseram que a violência era um problema. • Conseqüências do problema: - Perguntado como este problema pode atrapalhar a vida dos seus familiares, 9 entrevista-dos responderam que a violência pode ocasionar conflitos familiares e 1 entrevistado res-pondeu que não existe problema na sua família. • Solução para o problema: - A respeito de como resolver o problema, 9 entrevistados responderam que não há como

resolvê-lo. • Saída da comunidade: - Perguntado sobre a vontade de sair da comunidade, 5 entrevistados responderam que não e 5 entrevistados responderam que sim.

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO ................................................................................. 2 AGRADECIMENTO...................................................................................3 DEDICATÓRIA..........................................................................................4 RESUMO...................................................................................................7 METODOLOGIA........................................................................................8 SUMÁRIO..................................................................................................9 INTRODUÇÃO...........................................................................................10 CAPÍTULO I

FAVELA: UM SÉCULO DE “PROBLEMA”...............................................14

1.1 - A HISTÓRIA DE UM PRECONCEITO.............................................15

1.2 - A “CIDADE NEGRA”........................................................................20

CAPÍTULO II

A VIDA NA FAVELA.................................................................................22

CAPÍTULO III

A “CLASE DOMINADA”............................................................................26

CAPÍTULO IV

VIOLÊNCIA E MEDO NA FAVELA.......................................................... 31

4.1 – O MEDO NA COMUNIDADE...........................................................32

4.2 - DEPOIMENTOS..............................................................................34

CAPÍTULO V

TERAPIA DE FAMÍLIA EM FAVELA...................................................... 36

CONCLUSÃO.......................................................................................... 40

BIBLIOGRAFIA....................................................................................... 42

ANEXOS.................................................................................................. 43

ÍNDICE DE ANEXOS............................................................................... 44

FOLHA DE AVALIAÇÃO Nome da Instituição:

Título da Monografia:

Autor:

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito:

Avaliado por: Conceito:

Avaliado por: Conceito:

Conceito Final: