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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
AVM FACULDADE INTEGRADA
CONTOS DE FADAS E SUA COLABORAÇÃO
PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Por: Ana Paula Vilela Rodrigues
Orientadora: Prof.ª. Fabiane Muniz
São Paulo
2014
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
AVM FACULDADE INTEGRADA
CONTOS DE FADAS E SUA COLABORAÇÃO
PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do
Mestre – Universidade Candido Mendes como
requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Psicopedagogia Institucional.
Por: Ana Paula Vilela Rodrigues
3
AGRADECIMENTOS
A Deus, por dar-me força para alcançar mais esta conquista.
Aos meus filhos, Cindy e Davi, e meu marido Everson, que estiveram ao meu
lado sempre.
À orientadora, tutora Narcisa Castilho Melo, pelas orientações transmitidas.
À orientadora, professora Fabiane Muniz, por sua contribuição.
A todos que, de alguma forma, contribuíram para o meu êxito profissional.
4
DEDICATÓRIA
A todas as pessoas que estiveram envolvidas, direta ou indiretamente.
Aos meus lindos filhos, Cindy e Davi.
Ao meu marido Everson.
5
RESUMO
O presente trabalho trata da discussão acerca da importância dos
Contos de Fadas para o desenvolvimento do imaginário infantil. Tal assunto foi
escolhido por conta da familiaridade da pesquisadora com a leitura e escrita e
sua preocupação com a pouca importância que as pessoas dão para a leitura.
Justifico, aqui, a existência dos capítulos iniciais sobre aprendizagem e
leitura. O primeiro capítulo descreve como a aprendizagem acontece através
de grandes pesquisadores, como Piaget, Vygotsky e Wallon e neurocientistas,
uma área nova de pesquisa que tem muito a ajudar. O segundo capítulo é,
voltado para a importância da leitura e do ato de ler, sendo este um ato político,
capaz de modificar o modo de pensar de uma sociedade. Através de Paulo
Freire, Caio Riter e Geraldo Peçanha de Almeida, há um paralelo entre leitura
da palavra e leitura de mundo e a importância de se formar bons leitores, a
origem da literatura infantil e os Contos de Fadas.
Enfim, no terceiro capítulo o assunto principal é realmente os Contos de
Fadas, sua importância para o desenvolvimento infantil e o que se pode ser
trabalhado enquanto psicopedagogo para um melhor desempenho de seu
paciente, juntamente com Bruno Bettelheim e Teresa Colomer.
Este trabalho foi uma forma de demonstrar o quanto a leitura é
importante, não só para mim, mas para toda a sociedade e que quanto mais
nós crescemos e amadurecemos, mais difícil fica para introduzi-la na rotina das
pessoas. Sendo assim, na educação infantil é o melhor momento para ser
introduzida a literatura para que essa seja uma atitude duradoura, como os
“felizes para sempre” dos nossos eternos Contos de Fadas.
6
METODOLOGIA
Considerando a proposta do trabalho a ser realizado, a metodologia foi
reduzida fundamentalmente à pesquisa bibliográfica e webgráfica, uma vez que
há uma bibiografia considerável sobre o assunto, mas poucas discussões
acerca de sua importância em sala de aula, principalmente na educação
infantil.
O principal autor estudado foi Bruno Bettelheim, através de sua obra
Psicanálise dos contos de fadas, um manual indispensável para quem lida com
o desenvolvimento infantil. E não há como discutir leitura sem Paulo Freire.
Educador por vocação, sua obra também foi de grande valia para o estudo em
questão. Ademais, grande parte do material disponível está em artigos mais
atuais e não em livros.
7
(...) hoje se pode reconhecer que o processo
de aprendizagem de cada pessoa está associado
à construção de pontes entre a objetividade e a
subjetividade, entre o ser que observa e o ser
observado, e vice-versa, entre o saber e o não
saber, entre os seres que coexistem e juntos,
se humanizam e trocam saberes.
Essa é a relação e a reação dos sentimentos
e das emoções vividas em sala de aula,
sob os olhares dos professores e estudantes
que fazem parte destas relações que
pulsam dentro de cada um de nós,
que é a busca do conhecimento
e de um novo saber.” (Relvas 2012).
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 09
CAPÍTULO I – O desenvolvimento infantil e a aprendizagem ......................... 11
1.1 - Jean Piaget ........................................................................................... 11
1.2 - Lev Semenovitch Vygotsky ................................................................... 13
1.3 - Henri Wallon .......................................................................................... 15
1.4 - Neurociência, aprendizagem e educação ............................................. 17
CAPÍTULO II - A leitura, a literatura infantil e a escola .................................... 20
2.1 - A leitura e a importância de ato de ler ................................................... 20
2.2 - A origem da literatura infantil ................................................................. 22
2.3 - A literatura e a escola ............................................................................ 23
CAPÍTULO III – A Psicopedagogia e os contos de fadas ................................ 28
3.1 – O imaginário infantil ................................................................................ 28
3.2 – Os contos de fadas ................................................................................. 30
3.3 – A atuação psicopedagógica através dos contos ..................................... 32
CONCLUSÃO .................................................................................................. 37
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 39
9
INTRODUÇÃO
Atualmente, fala-se muito da questão do lúdico no ambiente escolar e
que a brincadeira em sala de aula é coisa séria. Aqui mesmo no curso, tem-se
um módulo exclusivo sobre o assunto. Porém, não deixa claro o quanto as
crianças ainda precisam da leitura dos contos de fadas para explorar o campo
do desenvolvimento infantil tanto quanto os jogos e as brincadeiras.
Desde o nascimento, as crianças têm necessidade de pessoas que
leiam para elas, para que possam se familiarizar com a linguagem. Os livros
proporcionam muitos estímulos para seu desenvolvimento: as personagens, as
emoções da história, as ilustrações, o ritmo de quem lê. Isso faz com que os
horizontes da criança sejam ampliados, o que aumenta sua capacidade de
compreender o mundo. Ler histórias é um gesto simples que pode transformar
a maneira de ver o mundo das crianças.
Os contos de fadas estão cada vez mais fora de moda por conta das
novas tecnologias que invadiram as casas das famílias modernas e as escolas,
mas, para alguns estudiosos, ainda são de grande valia para a formação da
personalidade do ser humano e seu desenvolvimento social. Com isso, tornam-
se crescentes as propostas de trabalho e discussões sobre a importância e a
influência dos contos de fadas para o desenvolvimento infantil.
É importante ressaltar que as crianças entendem a linguagem utilizada
nos contos de fadas, se divertem e se distraem no seu dia a dia brincando de
faz de conta, dividindo-se entre imaginação e realidade. Elas se interessam
mais pelos contos de fadas do que por outras leituras porque estes apresentam
soluções para seus medos, dúvidas ou angústias e as personagens as ajudam
a resolver esses conflitos.
Contar e ouvir histórias são parte fundamental no desenvolvimento da
identidade infantil, quando, através delas, a criança tem a possibilidade de se
colocar no lugar das personagens, entrando na história e produzindo opiniões,
sentimentos, ideias; assim, adapta-se a situações reais que ela só
experimentaria quando adulta e é capaz de aprender sobre seus processos
interiores.
10
O objetivo do trabalho foi analisar se os contos de fadas podem
realmente colaborar para o desenvolvimento das crianças na educação infantil
e discutir a sua importância para o desenvolvimento cognitivo, social e
emocional da criança. Por isso, no primeiro capítulo, foram estudados dados a
respeito do desenvolvimento infantil e aprendizagem oriundos de grandes
teóricos, sendo eles Piaget, Vygotsky e seu discípulo Luria, Wallon e a
professora Marta Relvas, neurobióloga, autora de diversos livros que mostram
o quanto é importante entender o cérebro para entender como a aprendizagem
acontece.
O segundo capítulo, a partir de Paulo Freire e Caio Riter, apresenta a
questão da importância da leitura e do ato de ler em nossa sociedade atual,
mostrando o quanto a leitura é um ato político e social, capaz de mudar todo
um povo; além de trazer ao leitor a origem da literatura infantil, a trajetória dos
contos de fadas, suas origens e alterações ao logo da história e a questão dos
contos de fadas e a escola, as aplicações propostas pelo governo federal
através de projetos e cursos para professores pensando no desenvolvimento
do educando.
O terceiro capítulo apresenta o desenvolvimento do imaginário infantil
através dos contos de fadas - o contar histórias - descrevendo suas as
finalidades e benefícios a fim de ajudar a criança a construir sua identidade e o
trabalho do Psicopedagogo com os contos de fadas para a melhora no
desempenho dos alunos atendidos, com exemplos de histórias infantis que
podem ser úteis ao seu tratamento e desenvolvimento.
Fica a sugestão para que, também no curso de Psicopedagogia,
tenhamos módulos referentes ao tipo de leitura a ser aplicada a cada turma em
sala de aula, uma vez que uma criança leitora será, no futuro, um adulto muito
mais reflexivo, capaz de exercer conscientemente seu direito à cidadania.
11
CAPÍTULO I
O DESENVOLVIMENTO INFANTIL E A APRENDIZAGEM
Para um maior aprofundamento sobre o assunto a ser tratado, segue
uma apresentação acerca de alguns dos principais teóricos relacionados à
Teoria da Aprendizagem. Afinal, para chegar a conclusões a respeito do quanto
os contos de fadas são importantes para o desenvolvimento infantil, é
necessário saber como o aprendizado acontece. As considerações são sobre
os trabalhos de Jean Piaget, Lev Semenovitch Vygotsky e seu discípulo
Alexander Luria e Henri Wallon, além de destacar trabalhos de neurobiólogos,
como a professora Marta Relvas, que podem nos mostrar a importância de
estudar o cérebro e suas ramificações para entender onde e como acontece o
aprendizado.
1.1 – Jean Piaget (1896 – 1980)
Formado em Biologia, se interessou em pesquisar sobre o
desenvolvimento do conhecimento em seres humanos.
Nasceu em 09 de agosto de 1986 em Neuchâtel, Suíça. Já adolescente,
chamou a atenção internacional por conta de vários trabalhos escritos a
respeito de moluscos. Formou-se em Biologia na Universidade de Neuchâtel
em 1915; completou o doutorado em Ciências Naturais na mesma instituição
em 1918. Mudou-se para Zurich e se tornou biólogo experimental.
Em 1919 começou a trabalhar com Alfred Binet, pedagogo e psicólogo
francês criador dos primeiros testes de QI, e ficou responsável por aprimorar e
tornar estes testes de QI perfeitos. Foi então que surgiram seus primeiros
estudos sobre o desenvolvimento da aprendizagem infantil. Mais tarde,
acompanhou metodicamente a evolução mental de suas três filhas,
desenvolvendo, assim, a sua teoria construtivista.
Segundo Piaget, a origem do conhecimento é própria do sujeito,
biológica, e constituída na interação homem-objeto. Seus estudos deram
origem à teoria psicogenética, que mostra o quanto a interação é necessária ao
12
ser humano; e à epistemologia genética, teoria do conhecimento focada no
desenvolvimento natural da criança, o estudo dos mecanismos de formação do
conhecimento lógico, as noções de tempo, espaço, objeto e da evolução do
conhecimento. Explica que o aprendizado acontece a partir de seu nascimento,
através da sucção do leite materno, do pegar, do por na boca, do jogar e nunca
acaba.
Em Piaget (2014) para o estudioso, existem quatro fases do
desenvolvimento cognitivo, onde ocorrem transformações que diferenciam uma
fase da outra, com características específicas em cada uma delas, descritas
através dos seguintes estágios: Sensório-motor, Pré-operatório, Operatório
concreto e Operatório formal.
O estágio Sensório-motor, que se dá do nascimento até os dois anos de
idade, é um período no qual a atividade intelectual é de natureza sensorial e
motora, através dos deslocamentos do próprio corpo. É uma inteligência
prática, onde o bebê percebe o ambiente e age sobre ele, toma consciência do
próprio corpo e o difere do restante do mundo físico.
O segundo estágio, chamado de Pré-operatório, acontece entre os dois
e sete anos de idade, aproximadamente. É o período da aprendizagem intuitiva
e instrumental básica. O pensamento da criança não está limitado a seu
ambiente sensorial imediato, em virtude do desenvolvimento da capacidade
simbólica. Aqui surge a função semiótica, que permite o desenvolvimento da
linguagem, do desenho, da imitação. É o período da fantasia, do faz de contas,
do animismo, do egocentrismo, entre outras características.
O terceiro estágio é chamado de Operatório concreto e se enquadra na
faixa dos sete aos onze anos. Neste período, as operações mentais da criança
ocorrem em resposta a objetos e situações reais, quando ela consolida a
construção das operações resultantes de ações mentais interiorizadas e
reversíveis e a formação de novas estruturas. Os principais aspectos em
relação ao desenvolvimento afetivo são a conservação dos sentimentos, a
formação da vontade e o início do pensamento e sentimentos autônomos.
E por último está o estágio chamado Operatório formal, que abrange os
doze aos dezesseis anos, aproximadamente, onde as estruturas cognitivas
tornam-se qualitativamente prontas. É o ápice do desenvolvimento da
13
inteligência e da capacidade de transformar o pensamento simbólico e intuitivo
em pensamento operatório. Inicia-se a formação da personalidade para a
adaptação ao mundo adulto.
Ainda de acordo com seus estudos, o pensamento se organiza mediante
a construção de esquemas que se formam através do processo de adaptação,
um processo dinâmico e contínuo no qual a estrutura hereditária do organismo
interage com o meio externo de modo a reconstituir-se. É o equilíbrio contínuo
entre a assimilação - processo de integração de novos conhecimentos em
estruturas já existentes - e a acomodação - reformulação das estruturas em
relação aos novos conteúdos que se incorporam - dos esquemas de novos
elementos, isto é, a cada nível de desenvolvimento cognitivo, os anteriores são
sempre incorporados e integrados. Então, a inteligência se dá através da
adaptação a situações novas, em etapas ou estágios sucessivos, com
complexidades crescentes, encadeadas umas às outras; do conhecer o objeto
que está a sua volta e interagir com ele.
Sendo assim, se a criança interage com a história e a moral nela
existente, através de uma música ou de contos de fadas contados pelos
adultos, em família, ou pelos educadores, nas escolas de Educação Infantil,
muito cedo vai utilizar o que aprendeu em sala de aula e no seu mundo.
Principalmente na Educação Infantil, que abrange o estágio Pré-operatório,
responsável pelo período da fantasia e do faz de contas. É esse aprendizado
que será lapidado durante todos os anos na escola e que levará a criança ao
seu desenvolvimento intelectual, físico e moral.
1.2 – Lev Semenovitch Vygotsky (1896 – 1934)
Nasceu em 17 de novembro de 1896 em Orcha, Bielorrússia. Em 1914,
ingressou na Universidade de Moscovo, onde começou o curso de Medicina,
mas acabou formando-se em Direito. Ensinou literatura, estética, história da
arte e psicologia, graças à sua infância mergulhada em livros. Em pouco tempo
de vida escreveu mais de 200 artigos e publicou A Psicologia da Arte, sua tese
de mestrado sobre Hamlet, obra de William Shakespeare.
14
Grande parte de suas obras foi publicada apenas após sua morte
precoce, em 1934, por conta de uma tuberculose.
Teve como discípulo, Alexander Luria, quem conheceu no Segundo
Congresso Pan-Russo de Psiconeurologia, em Leningrado, quando Vygotsky
apresentou seu artigo sobre o Método de Investigação Reflexológica e
Psicológica e foi convidado por Luria, então secretário científico do Instituto de
Psicologia da Universidade de Moscovo, a participar da reconstituição do
Instituto.
Vygotsky e Piaget não chegaram a se conhecer, por conta do
falecimento de Vygotsky, mas apesar de discordarem em pontos consideráveis,
Piaget lamentou a falta de tempo para que pudessem discuti-los.
Para Vygotsky, o conhecimento é mediado através de relações entre
sujeito, objeto e o meio onde se vive; então, o professor é o mediador que atua
auxiliando na aprendizagem, é o ser que estimula os esquemas mentais já
existentes para a construção do conhecimento e é a interseção do que a
criança já sabe com aquilo que ela pode vir a saber, através da imitação do
outro. Isso interfere na zona de desenvolvimento proximal dessa criança e
provoca avanços que não aconteceriam espontaneamente.
Segundo Bastos (2014), para Vygotsky, a criança nasce apenas com
funções psicológicas elementares e é com o aprendizado cultural que ela
adquire funções superiores. Um dos fatores mais levados em consideração é a
linguagem: a principal função social e comunicativa, que difere muito de uma
região para outra, influenciando na aprendizagem. Aprender é garantir que o
desenvolvimento da cultura e da espécie será perpetuado pelos que ainda
virão e se relacionarão com eles. Pode-se dizer que o meio em que o indivíduo
vive é responsável pelo que o indivíduo aprenderá até um determinado período
de sua vida; desde o modo de se vestir, as palavras utilizadas ou até mesmo
pequenos costumes são herdados desta relação com o meio.
Em seus estudos, destaca que a aprendizagem está em função da
comunicação e do desenvolvimento do indivíduo como resultado de um
processo sócio histórico, e enfatiza o papel da linguagem. Ela interage com o
desenvolvimento produzindo uma abertura na zona de desenvolvimento
proximal - que é a distância entre aquilo que a criança é capaz de fazer por si
15
própria e o que ela é capaz de fazer com a intervenção de um adulto -. Essa
intervenção se dá a partir da mediação, um processo de interferência do adulto
na construção do conhecimento do outro, interferência de um ser que sabe um
pouco mais, no aprendizado daquele que sabe um pouco menos para que este
desenvolva suas capacidades mentais. Sendo assim, os dois, ensinante e
aprendente, devem estar inseridos num contexto, a partir do seu ambiente
social e cultural. Por isso, a aprendizagem constrói-se em processos de troca,
chamados, por ele, de mediação. Enquanto isso, a linguagem fornece os
conceitos, as formas de organização do real, a mediação entre o sujeito e o
objeto do conhecimento. É por meio dela que as funções mentais superiores
são formadas e culturalmente transmitidas.
Um trabalho bem desenvolvido na escola, desde a alfabetização, leva o
educando a um maior desenvolvimento das funções cognitivas e culturais. Uma
boa mediação, através da escolha de bons contos é fundamental pra o futuro
da criança. Se um bom projeto de leitura for montado, com uma estrutura
capaz de alcançar a zona de desenvolvimento proximal dos alunos,
futuramente sua aprendizagem ocorrerá naturalmente e só serão alcançados
bons resultados.
De acordo com Alexander Luria (Apud. em Pereira e Galuch, 2012), na
criança em desenvolvimento, as primeiras relações sociais e as primeiras
exposições a um sistema linguístico (de significado especial) determinam as
formas de sua atividade mental. Neste ponto, o sistema linguístico dos contos
de fadas é de grande valia para a aprendizagem por conter uma estrutura fixa,
um roteiro de introdução, desenvolvimento, clímax e conclusão e por ter
personagens que podem interagir com o público ao seu redor.
1.3 – Henri Wallon (1879 – 1962)
Nasceu e morreu em Paris, França. Em 1902, formou-se em Filosofia
pela Escola Normal Superior. Deu aulas no ensino secundário, discordando
dos métodos autoritários utilizados para controlar a disciplina nas salas de
aulas e começou a se preocupar com as causas sociais.
16
Em sua época não existia um curso específico de Psicologia, então, em
1908, formou-se em Medicina. Atuou como médico em instituições psiquiátricas
se dedicando ao atendimento de crianças com deficiências neurológicas e com
distúrbios de comportamento, se interessando ainda mais pela psicologia da
criança.
Em 1925, fundou um laboratório que se destinava a pesquisas e ao
atendimento a crianças tidas como anormais, junto a uma escola na periferia
de Paris para que, além de ajudar e estudar essas crianças, ele pudesse ter
acesso a elas inseridas em seu próprio meio. Publicou, então, A Criança
Turbulenta, sua tese de doutorado; depois dela, diversos outros textos voltados
para a psicologia da criança.
Em Galvão (2012), para Wallon, o estudo da criança não era um mero
instrumento para a compreensão do psiquismo humano, mas também, uma
maneira de contribuir para a educação. Enfatizava, sempre, a importância de
que esse estudo fosse feito através da criança contextualizada, buscando
entender as interações que aconteciam entre sujeito e ambiente.
Wallon, como Piaget, também se utilizou de estágios para circundar o
desenvolvimento infantil, porém, era muito mais flexível em relação ao tempo
que eles durariam, pois, segundo ele, o fator biológico, determinante no
nascimento, vai dando lugar ao social e este pode transformar todos os efeitos
do fator biológico, quando há interações sociais através de circunstâncias
sociais capazes de modificar essa evolução. Por isso, não há condições de
definir um limite para o desenvolvimento da inteligência nem da pessoa em si,
pois dependem intimamente das apropriações que o sujeito faz do que foi
oferecido a ele.
Segundo Galvão (2012), as etapas de desenvolvimento definidas por
Wallon são Estágio Impulsivo-emocional, Estágio Sensório-motor e projetivo,
Estágio do Personalismo, Estágio Categorial e Predominância Funcional.
O Estágio Impulsivo-emocional se dá no primeiro ano de vida e é
caracterizado pelas reações do bebê frente aos outros e pela interação da
criança com o meio.
Já o Estágio Sensório-motor e projetivo acontece do segundo até o
terceiro ano de vida e se caracteriza pelas relações cognitivas com o meio. A
17
aquisição da marcha e preensão dão autonomia para a manipulação de objetos
e na busca de espaços, além do desenvolvimento da função simbólica e da
linguagem.
O terceiro estágio, chamado de Estágio do Personalismo, abrange a
faixa dos três aos seis anos e é responsável pela formação da personalidade e
da construção da consciência, que acontece através das relações sociais e
afetivas.
Aos seis anos, inicia-se o Estágio Categorial que é responsável pelos
avanços da inteligência, onde a criança passa a ter interesse para as coisas, o
conhecimento e o mundo exterior.
Por último, denominado Predominância Funcional, acontece perto da
adolescência e ocorre nova definição dos contornos de personalidade, onde as
discussões de questões éticas, morais e existenciais emergem. Com isso, há
momentos de afetividade e outros de agressividade, de acúmulo de energia ou
de liberação desta.
Para o autor, o meio influencia diretamente no desenvolvimento do
sujeito, seja ele psíquico ou motor. Médico, psicólogo e filósofo francês mostrou
que as crianças têm também corpo e emoções (e não apenas cabeça) na sala
de aula.
1.4 - Neurociência, aprendizagem e educação
Neurociências, em Relvas (2012), é um campo de estudo entre
Anatomia, Biologia, Farmacologia, Fisiologia, Genética, Patologia, Neurologia,
Psicologia, Psiquiatria, Química, Radiologia e os vislumbrados estudos
inerentes à educação humana no ensino e na aprendizagem. Ao estudar
Neurociências, o profissional adquire um amplo leque de informações que
podem ser capazes de instrui-lo para um melhor aproveitamento escolar de
todos seus alunos.
Sabe-se, por exemplo, que o cérebro dos homens é um pouco diferente
do cérebro das mulheres. Homens têm melhor desempenho e precisão em
testes de raciocínio matemático, de navegação em rota, ou de habilidades
motoras com alvo. Mulheres tendem a ser melhores em trabalhos manuais, na
18
memorização de referências e em trabalhos que envolvem memória verbal e
fluência verbal. Essas informações são relevantes para a realização de
algumas atividades, como a leitura em voz alta em sala de aula.
Já a aprendizagem, para Relvas (2010), é um fenômeno extremamente
complexo, envolvendo aspectos cognitivos, emocionais, orgânicos,
psicológicos, sociais e culturais. É uma modificação biológica na comunicação
entre os neurônios e resulta no crescimento ou nas alterações das células.
A aprendizagem acontece na interação, na troca de conhecimentos e
provoca uma transformação na estrutura mental do indivíduo. Ter vontade de
aprender é característica do ser humano e o professor tem papel fundamental
para que essa vontade cresça ainda mais.
Em estudos atuais, principalmente aqueles voltados à Neurociência e à
Psicologia, a emoção é fator primordial para que a aprendizagem aconteça e a
afetividade impera como fator importantíssimo na aquisição de todo e qualquer
conhecimento, uma vez que, se a criança se sente confortável e feliz ao lado
daquele que a ensina, ela tem prazer em aprender e, com isso, os objetivos do
educador podem ser alcançados de uma maneira mais rápida e satisfatória.
Nas palavras de Leahy-Dios (2000 - Apud. Almeida, 2010):
"Os valores adquiridos na formação dos professores reforçam a
ideia de que a literatura é enriquecedora, traz autossatisfação e
alta cultura. Entretanto, há graves lacunas entre determinados
conhecimentos teóricos específicos e a prática docente. Tais
lacunas acabam por comprometer o enriquecimento individual
e a autossatisfação através da leitura literária. Alguns
professores reconhecem o esvaziamento teórico de seu
treinamento, centrado em conceitos e estratégias didáticas
inadequados. O papel original de leitura como "modelo e
prazer" que os influenciou a se tornarem professores de leitura
não é vivenciado por seus alunos, indicando que algo mudou
mais que a distância socioeconômica entre as gerações."
19
Por isso, o prazer e a motivação devem ser transmitidos pelo professor
da Educação Infantil. E ele só consegue isso a partir de seu conhecimento.
Entender a importância dos contos de fadas para o desenvolvimento da criança
através de cursos ou leituras, através de um aprofundamento do assunto, fará
com que seus objetivos sejam atingidos e que, no futuro, esses alunos possam
ser leitores efetivos e capazes de resolver seus problemas de formas mais
objetivas e, porque não dizer, fáceis, enfim, capazes de serem adultos bem
resolvidos consigo mesmos e conscientes de suas ações.
Atualmente, existem muitos adolescentes alienados, se preocupando
apenas com a internet e os amigos virtuais. Poucos deles têm amigos reais. E
leem pouco, ou não leem nada. Por isso, não conseguem se expressar sobre
qualquer assunto, seja ele o mais banal. Ao fazer uma anamnese sobre eles, o
que se descobre é que não adquiriram o hábito de ler quando crianças e não o
conseguem fazer agora. Como os pais estão geralmente muito ocupados, cabe
à escola inserir na criança esse “vírus” e que ela não seja capaz de se livrar
dele.
20
CAPÍTULO II
A LEITURA, A LITERATURA INFANTIL E A ESCOLA
Nesse capítulo há uma explanação sobre a leitura e a importância do ato
de ler através de um paralelo entre gerações. São destacados apontamentos
de Paulo Freire, grande educador e conferencista de sua geração, Geraldo
Peçanha de Almeida, professor e conferencista e Caio Riter, autor de livros
sobre literatura que, com sua experiência de professor, aluno e pai, mostra
uma paixão pelas letras. Em seu segundo momento, há, então, a origem da
literatura infantil, uma vez que, nem sempre, crianças foram vistas como tal, a
importância da leitura e literatura em sala de aula e em seu terceiro momento,
as diretrizes federais que envolvem a leitura e os projetos propostos.
2.1 – A leitura e a importância do ato de ler
Para Freire (2011) ler é muito mais do que decodificar algumas letras e
formar palavra. A leitura tem caráter social e político. Não é mera memorização
mecânica de um objeto, mas sim, o conhecimento de tal objeto. A leitura
implica na compreensão do que está escrito através do conhecimento interno
do sujeito, de sua maturidade e do seu conhecimento do mundo. São vários
fatores os responsáveis por essa total compreensão do que está escrito. Não
sendo possível essa combinação de fatores, há o chamado analfabeto
funcional, que é aquele que lê, mas não entende o que foi lido.
É importante ressaltar que a leitura de palavras acontece após a leitura
do mundo. A partir do momento em que o sujeito nasce, passa a conviver com
pessoas, animais, plantas, lugares. Por isso, aprende a se comunicar e a se
entender, independente da leitura da palavra escrita. Então, pode-se dizer que
a leitura da palavra escrita e a leitura do mundo estão intimamente ligadas, e
assim, que leitura e escrita estão ligadas a palavras e significados pertencentes
ao mundo da criança. Um sujeito nascido no nordeste do Brasil tem
significantes diferentes do sujeito nascido no sul do país, colonizado por
culturas diferentes. Segundo Freire (2011):
21
"O comando da leitura e da escrita se dá a partir de palavras e
temas significativos para os sujeitos e não palavras, temas,
contos/histórias que estão ligadas e são representativos para o
professor. Não é uma leitura mecânica, memorizada, para
prestar conta na hora da aula da leitura."
O ato de ler tem sentido tão amplo que não é possível defini-lo. Ler
significa interagir com um mundo novo cheio de descobertas e novas
situações, é viajar sem sair do lugar, é atribuir sentido a alguma coisa que foi
escrita.
Tendo caráter social e político, é certo dizer que a leitura, desencadeada
pelas leituras de mundo, é fator importante para a construção da cidadania. É a
leitura que permite a criança participar e modificar a realidade que existe a sua
volta, seja ela formada a partir de experiências boas ou ruins. Ou seja, permite
não apenas decodificar os signos, mas lhes prover significados mais amplos.
Ler é fazer com que a pessoa seja capaz de se maravilhar com um verso, rima,
a beleza das palavras. É poder rir com as situações vividas pelas personagens
e com os contos, instituindo novos ares, novos universos, suscitando o
imaginário, a curiosidade, a possibilidade para solucionar questões e entender
o mundo. É atribuir sentido a alguma coisa escrita.
Portanto, em Almeida (2010):
"Ler é um processo diário de construção em que o leitor é
colocado em frente aos espaços em branco deixados pelos
textos diante das mais variadas intrigas e das mais complexas
situações e, perante qualquer um desses fatos, o texto lhe
cobrará uma atitude."
A leitura faz com que o leitor tenha uma participação efetiva do texto
lido. Ela não é pacífica, muito menos passiva. À medida que diferentes textos e
diferentes assuntos são apresentados aos alunos, maior será a construção da
sua cidadania. Para as crianças, deixa um hábito muito difícil de livrar.
22
A escola que tem por objetivo formar novos leitores e se esforça para tal
com ações e projetos interessantes tende a lançar na sociedade crianças,
jovens e adultos dispostos a refletir sobre todos os temas e serem capazes de,
através de suas ações, modificar seu ambiente, diferentemente dos
adolescentes atuais que, ao serem abordados por situações complexas ou
desafiadoras são apenas capazes de dizer que não têm opinião formada sobre
aquilo.
De acordo com Patrícia Lacerda e Volnei Canônica, em artigo publicado
no Jornal O Globo em 26/10/2012:
"O prazer pela leitura não se ensina como uma lição
convencional. É necessário um conjunto de políticas
continuadas que garantam ao professor o acompanhamento na
sua trajetória de leitor, tempo para a leitura, acesso ao livro, e
que ele seja sensibilizado para o papel que desempenha de
transmissor do gosto pela leitura."
2.2 – A origem da literatura infantil
Consta apenas que a literatura infantil começou seu majestoso caminho,
a passos muito lentos, no início do século XVIII, juntamente com as primeiras
citações sobre o fato de a criança deixar de ser um mini-adulto e passar a ser
vista como criança, a ter direitos, o que antes não havia. O que se sabe é que,
por durante muito tempo, não houve qualquer diferença no manejo com criança
e jovens que os diferenciasse dos adultos.
As pessoas menos abastadas da sociedade viviam em casas muito
grandes, sem divisões de cômodos, e, nesses casarões vivia a família inteira,
geralmente muito numerosa - por conta da inexistência de métodos de
contracepção. Esposa e o marido dormiam no mesmo cômodo que os filhos e
todas as pessoas da casa tinham que trabalhar. Quando havia relação sexual,
era ali mesmo, no quarto, com todos os outros moradores por perto, sem
distinção de idade ou grau de parentesco. Se a mulher engravidava,
geralmente a gestação era considerada um acidente de trabalho, uma vez que
23
ela deveria dispensar uma parte de seu tempo nos cuidados básicos da
criança, não estando disponível para seus demais afazeres. Segundo Motta
(2011), era comum que essas crianças, geralmente os meninos, fossem
levadas por outras famílias para aprenderem algumas profissões. Estes eram
devolvidos apenas no início da adolescência, nem conhecendo direito seus
parentes e não tendo mais nenhum vínculo afetivo com a família por conta da
distância em que tinham vivido. As meninas geralmente ficavam com a mãe
aprendendo as tarefas do lar. Em Motta (2011, Apud Aries, 1981):
“Até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a
infância ou não tentava representa-la; é difícil acreditar que
essa ausência se devesse à falta de habilidade ou de
competência. Parece mais provável que a infância não tivesse
lugar naquele mundo”.
Apenas no início do século XVIII essa situação começa a mudar e os
adultos percebem que as crianças possuem um tempo próprio para que
aconteça seu desenvolvimento, chamado de etapas, e que essas etapas
devem ser respeitadas. Nesse momento, as famílias já não mandam seus
filhos para outros lares, seu grupo familiar é menor e, então, começam a
aparecer traços de afetividade entre seus entes e o surgimento da emoção. A
literatura é, a partir do final do século XVIII, adaptada para essa nova faixa
etária, começam as modificações e estruturações nos movimentos literários
para serem aproximadamente como são atualmente e surgem os contos de
fadas.
2.3 – A literatura e a escola
Vive-se em uma democracia, onde todas as pessoas têm direitos sociais
e individuais e deveres a serem cumpridos. Em relação às escolas, esses
deveres são dispostos em leis, resoluções e referencias que regem a educação
no país. Para o planejamento da rotina em sala de aula, há referenciais que
regulamentam os trabalhos.
24
As legislações estudadas foram a Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, com constantes emendas, a Lei de Diretrizes e Bases, nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, também com constantes emendas, as
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica e o Referencial
curricular nacional para a educação infantil, sendo as duas primeiras
sancionadas pela subchefia para assuntos jurídicos da Casa Civil da
Presidência da República e as duas últimas pelo MEC – Ministério da
Educação e Cultura.
Considerando o assunto do trabalho a Educação Infantil e os contos de
fadas, seguem as descrições do que se diz nos referenciais norteadores dos
educadores.
A Constituição da República, em seu capítulo 3º, da Educação, da
Cultura e do Desporto, na Seção I – da Educação, dispõe que a educação,
direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
O texto da Constituição já adianta para um ensino que vise o pleno
desenvolvimento do aluno e o exercício da cidadania. Como já citado
anteriormente, com os contos de fadas, as crianças são submetidas a
momentos de reflexão sobre a vida e o comportamento, individual e social,
fazendo com que esses objetivos sejam atingidos.
Já a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), já restrita apenas aos assuntos
voltados a educação cita, como cópia da Constituição, no artigo 2º que a
educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e
nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho. Em seu artigo 29º dispõe que a finalidade da
educação básica é o desenvolvimento integral da criança de até cinco anos em
seus aspectos físico, psicológico intelectual e social.
Também na LDB, como na Constituição, o objetivo da educação infantil
é o pleno desenvolvimento do educando que se dá através de boas práticas
em sala de aula, de bons projetos que possam realmente modificar a vida das
crianças.
25
Os textos das leis acima mostram os objetivos da educação básica,
porém não mostram como fazê-lo. Para tal, o Ministério da Educação e Cultura,
dentro da Secretaria de Educação, criou referenciais, ou manuais práticos, com
sugestões de atividades e planejamentos para que os professores pudessem
ter um material norteador de seus trabalhos. Nasceram, então, o Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil e as Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais da Educação Básica. Também foram lançados livros de
estudo do PROINFANTIL1 elaborados tendo como base os Guias de Estudo do
Programa de Formação de Professores em Exercício - PROFORMAÇÃO2.
Lançado em 1998, o Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil é uma coleção de três volumes que pretende contribuir para o
planejamento das práticas educativas, sendo um guia de orientação para
projetos educativos que têm como objetivo a formação pessoal e social, a partir
da construção da identidade e autonomia das crianças e o conhecimento de
mundo.
No documento Introdução – Volume 1 – Fundamenta as concepções
sobre creches e pré-escola, além de definir os objetivos da educação infantil,
sendo um deles o desenvolvimento de uma imagem positiva de si, atuando de
forma cada vez mais independente, com confiança em suas capacidades e
percepção de suas limitações; além de haver uma descrição sobre conteúdos,
como organizar, selecionar, integrar esses conteúdos sabendo que não há
aprendizagem sem ele, além de orientações didáticas para organização do
tempo. Há uma descrição sobre as atividades que devem ser permanentes, a
serem realizadas com frequência regular, diária ou semanal. Em MEC/SEF
(1998): brincadeiras no espaço interno e externo, roda de história, roda de
conversas, ateliês ou oficinas de desenho, pintura, modelagem e música. Nos
volumes 2 e 3, relativos, respectivamente, ao âmbito de experiência e formação
pessoal e social e experiência de conhecimento de mundo, descrevem a
1 Proinfantil – O Programa de Formação Inicial dos Professores em Exercício na Educação Infantil é dirigido aos 37 mil professores de creches e pré-escolas que não têm a formação mínima exigida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) - nível médio em magistério. 2 O Programa de Formação de Professores em Exercício é voltado para professores de escolas públicas nas séries iniciais do ensino fundamental, em classes de alfabetização ou na educação de jovens e adultos que não tenham formação em magistério nível médio, na modalidade Normal. O curso combina educação à distância com encontros presenciais e tem duração de dois anos, estruturados em quatro módulos.
26
importância do faz-de-contas para enriquecer sua identidade, por poder
experimentar outras formas de pensar e desenvolver um sentido próprio de
moral e justiça. Através de orientações, as páginas seguintes dos referenciais
descrevem a importância dos jogos e brincadeiras, da organização do
ambiente e do tempo, entre outros, orientações didáticas para prática de leitura
e afins. Um bom material para a capacitação dos professores na busca efetiva
de melhorar as condições de ensino/aprendizagem no Brasil.
Mais atuais que os referenciais, os livros de estudo da Coleção
PROINFANTIL, lançados em 2006 pelo MEC/SEB, trazem o papel da literatura
infantil no desenvolvimento do leitor através de textos e exemplos de como
aplicá-los na prática pedagógica.
As Diretrizes Curriculares da Educação Básica, fixadas como Resolução
nº 5, de 17 de dezembro de 2009 e lançadas pelo MEC/SEB em 2013, como
livro, evidenciam as direções a serem tomadas tanto pelos diretores e
responsáveis pela escola, o espaço existente e a limpeza das salas de aula,
como para os professores em relação ao que deve ter em sala de aula e como
aplicar.
Para os responsáveis, as Diretrizes Curriculares da Educação Básica
determinam que deva haver espaços para que as crianças interajam entre si e
favoreçam o contato com diversos produtos que possam adquirir e construir
cultura através dos livros de literatura, brinquedos, objetos e outros materiais
de manifestações artísticas e com elementos da natureza.
Aos professores, os eixos norteadores de seu trabalho constam no artigo
9º, inciso III como interações e brincadeiras que possibilitem às crianças
experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e
escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos.
Uma vez que a Educação Infantil tem função sociopolítica, da mesma
forma que a leitura, o desenvolvimento integral da criança acontece quando,
sabendo de sua responsabilidade, o professor utilize do material disponível
pelo governo3, e de tantos outros lançados todos os dias por profissionais
competentes, para a adequação de seus projetos em sala de aula na busca
3 Todo o material de apoio, bem como as leis e resoluções, está disponível no site http://portal.mec.gov.br/. Não é necessário ser professor da rede pública para ter acesso a eles.
http://portal.mec.gov.br/
27
desse desenvolvimento. Um bom conteúdo seriam os contos de fadas, que em
Bettelheim (2012):
“O conto de fadas procede de um modo conforme àquele
segundo o qual uma criança pensa e experimenta o mundo; é
por isso que ele é tão convincente para ela. A criança pode
obter um conforto muito maior de um conto de fadas do que de
um esforço para confortá-la baseado em raciocínios e pontos
de vista adultos. Uma criança confia no que o conto de fadas
diz porque a visão de mundo aí apresentada está de acordo
com a sua.”
Ao compreender que a escola de Educação Infantil seja um lugar
direcionado para a escolarização das crianças ao garantir seu desenvolvimento
intelectual, social e afetivo, é importante dizer que a leitura literária está em
consonância com esses propósitos, pois direciona essas crianças para sua
formação integral ao provocar a valorização dos sentimentos e emoções,
próprios da condição humana.
28
CAPÍTULO III
A PSICOPEDAGOGIA E OS CONTOS DE FADAS
O mundo encantado dos contos de fadas ajuda as crianças a lidar com
os temores do mundo real, pois elas projetam seus receios e desejos nos
personagens e incidentes das histórias. É o que defende Bruno Bettelheim em
seu livro A Psicanálise dos Contos de Fadas. A partir dele e de Teresa
Colomer, o que se pretende neste capítulo, é induzir o leitor da importância dos
contos de fadas para as crianças.
Para entender um pouco melhor sobre como ajudar os alunos no seu
desenvolvimento através dos contos de fadas e para melhorar o atendimento
individual do educando, esse capítulo se dará através da explanação sobre
imaginário infantil, o seu desenvolvimento e o papel do psicopedagogo nesse
processo. Com isso, o objetivo do trabalho deverá ser alcançado: o de mostrar
como o trabalho com contos de fadas em sala de aula e em atividades
complementares pode melhorar o desempenho dos alunos e fazer deles
pessoas capazes de resolver seus problemas, buscar soluções e serem
adultos reflexivos.
3.1 – O imaginário infantil
A narração é a forma mais agradável para a leitura infanto-juvenil,
auxiliando o processo educacional. Os narradores preocupam-se em criar a
movimentação que mexe com o espírito infantil. Fazer perguntas, supor
respostas, são técnicas interessantes para a criança: faz com que elas
explorem os fatos, analisem e tirem significados. Pode-se dizer que o
imaginário infantil é algo que precisa ser aguçado. Está no cérebro de todos,
mas só irá realmente interferir em seu desenvolvimento quando este for
trabalhado. A mente da criança pequena contém impressões mal ordenadas,
alguns aspectos da realidade e elementos dominados pela fantasia, por isso,
imaginação da criança deve ser estimulada a inventar. Conforme Bettelheim,
através do jogo simbólico, ela vai compreendendo seu inconsciente para poder
29
dominar seus problemas psicológicos de desenvolvimento, superar suas
decepções narcisistas, dilemas edípicos, ser capaz de abandonar
dependências infantis, obtendo um sentimento de individualidade e
valorizando-se.
Como concluiu Piaget, o pensamento infantil atravessa um estado
animista até a puberdade. Isso significa que, mesmo pais e professores
dizendo o contrário, para as crianças, todos os seres inanimados têm vida,
como o rio que está vivo, pois a água está correndo ou uma pedra quando
desce uma ladeira rodando. E se para a criança não há uma linha separando
pessoas de objetos, não há diferença entre os humanos e os animais, portanto
os animais e seres vivos também podem falar e têm semelhanças e vida
parecida com os humanos. Segundo Bettelheim (2012), para a criança que
tenta entender o mundo, parece razoável esperar respostas daqueles objetos
que despertam a sua curiosidade.
É por isso que os contos de fadas têm muito a dizer, como os
Porquinhos, o Lobo Mau, os passarinhos, o relógio da casa da Fera e mesmo a
Fera. São situações comuns para as crianças. Os adultos podem explicar com
situações científicas, lhes dizendo coisas que elas não conseguem sentir, com
ensinamentos racionais, mas as crianças não estão preparadas para
determinadas situações e apenas absorvem o que os adultos disseram. Os
contos ajudam-nas exatamente a entender as situações reais, porém, com a
maturidade que lhes é necessária.
Para Bettelheim (2012), numa criança, contudo, sempre que seu
inconsciente vem à tona, ele imediatamente domina sua personalidade total.
Isso porque ela ainda não controla seu ego, recebendo apenas um conteúdo
caótico desse inconsciente. Algumas brincadeiras como bonecas ou animais,
têm como objetivo ajudar a controlar esse inconsciente. Algumas pressões das
crianças podem ser tratadas assim, mas apenas os contos de fadas podem
exteriorizar tudo aquilo que a criança está sentindo e ajudar a livrá-la dos
medos. Um dos motivos é o fato de que grande parte das histórias é
representada por crianças, o que faz com que elas se familiarizem com a
história de uma forma mais verdadeira, mesmo sabendo que a história não
aconteceu no tempo dela, nem na cidade dela.
30
3.2 – Os Contos de Fadas
Não há uma certeza de onde os contos de fadas possam ter sido
contados pela primeira vez. Há uma ideia de que tenham surgido como
poemas de amores eternos, estranhos ou fatais existentes na civilização Celta.
Segundo Couto e Campos (2009), o que se sabe é que os contos de fadas são
narrativas de conteúdo simbólico existentes desde o início da humanidade.
Essas histórias, que eram transmitidas pela tradição oral, em geral, nas classes
mais baixas, têm sua primeira adaptação realizada pelo francês Charles
Perrault (1628 - 1703) para que se adequassem aos nobres pertencentes à
corte do Rei Luiz XIV (1638 - 1715), sendo retiradas as passagens obscenas,
incestuosas ou de canibalismo, por exemplo, e manter apenas seu apelo
literário junto aos parisienses mais abastados, ou seja, os contos nada mais
eram que passagens relatadas da vida dos camponeses, cheias de
pornografias e aventuras, pouco indicados para as crianças. Nessa época
ainda não existia a designação Contos de Fadas, por conta de seu conteúdo
violento e impróprio. Anos mais tarde, com a instituição da Fada como
idealização da mulher perfeita e com poderes sobrenaturais, esses contos
começam a ser adaptados para o universo infantil e voltados à educação, uma
vez que a fantasia neles contida ajudava a formar a personalidade dos
menores.
O que sempre chamou a atenção e chama até hoje é que a história dos
contos de fadas serve de exemplo para atitudes das crianças de uma maneira
geral. Sempre houve, nessas histórias, a intenção da transmissão de
determinados valores ou padrões sociais que eram respeitados por uma
determinada sociedade, ao mesmo tempo em que há uma noção de
pertencimento social que é a capacidade de participar da história como se ela
acontecesse no nosso mundo, no mesmo tempo e espaço em que vivemos.
Em Bruno Bettelheim (2012) pode-se afirmar:
"Enquanto diverte a criança, o conto de fadas a esclarece
sobre si mesma, e favorece o desenvolvimento de sua
personalidade. Oferece significado em tantos níveis diferentes,
31
e enriquece a existência da criança de tantos modos que
nenhum livro pode fazer justiça à multidão e diversidade de
contribuições que esses contos dão à vida da criança."
No Brasil, as adaptações que chegavam da Europa eram utilizadas em
salas de aula e aconselhavam o patriotismo, amor, respeito à família e aos
mais velhos, fazendo valer seu projeto ideológico e educativo.
Os contos de fadas, diferente das histórias modernas, conduzem a
criança a um significado mais profundo da vida. Além de serem interessantes e
prender a atenção dos pequenos, expõem problemas interiores e suas
soluções que, durante a vida, a criança enfrentará. Do ponto de vista
intelectual, segundo Bettelheim (2012), estimulam a imaginação, desenvolvem
a inteligência a ajudam a tornar claras suas emoções, reconhecem as
dificuldades e sugerem soluções para os problemas. Representam uma série
de valores que ultrapassam a barreira dos tempos e existem até hoje. Têm
como características a simplicidade das situações descritas, a clara distinção
entre o bem e mal, a facilidade de identificação do leitor com o herói positivo e
o desenlace feliz de história, Colomer (2003).
Do ponto de vista adulto ou científico, pode-se dizer que as respostas
dos contos não sendo reais, são fantásticas, o que pareceria incorreto para
muitos adultos. O que eles não entendem é que a criança precisa desse mundo
fantástico para organizar seus pensamentos. Todas as explicações realistas
são geralmente incompreensíveis para as crianças porque lhes falta o
entendimento abstrato necessário para que aja sentido. A criança só tem
segurança naquilo que ela entende perfeitamente.
O ato de contar ou ler um conto de fadas tem efeito calmante, onde as
crianças não estão expostas ao obstáculo de estimulantes visuais e acústicos e
podem desfrutar a proximidade de um adulto em que confiam. A história dá
margem para o desdobramento de conteúdos e conceitos. Através dela, a
criança pode lidar com seus medos, angústias, raiva: pode significar e
ressignificar experiências. É, também, elemento de aculturação, em Colomer
(2003) citando a teoria vigotskiana de aprendizagem. Representa uma crença
32
necessária ao desenvolvimento pessoal da criança que algum dia ela sairá
vitoriosa, crescendo e trabalhando arduamente.
Em princípio, contos de fadas com finais felizes são os que mais
confortam as crianças, porque aliviam a tensão, lavram-nas de temores, o que
é bom para fortalecê-las. Teresa Colomer, em entrevista à Revista Escola
(Ago-14), destaca que a literatura não é luxo, mas a base para a construção de
si mesmo.
Bettelheim (2012) ainda cita que a criança não está consciente de seus
processos íntimos, exteriorizados nos contos de fadas e simbolicamente
representados por ações que substituem as lutas interiores e exteriores. O
crescimento pessoal necessita de profunda concentração. E ainda explica:
“Os contos de fadas, como todas as verdadeiras obras de
arte, possuem uma riqueza e profundidade multifárias que
transcendem de longe aquilo que mesmo o mais cuidadoso dos
exames digressivos pode extrair deles.”
3.3 – A atuação psicopedagógica através dos contos
As histórias dos contos de fadas oferecem inúmeras contribuições às
crianças em desenvolvimento tamanha riqueza simbólica existente, o que
auxilia a formação da personalidade e organização do pensamento infantil,
além de despertar seu imaginário. Seu talento especial, de falar diretamente às
crianças, faz com que elas encantem ao mesmo tempo em que instruam, é um
gênero literário que favorece a projeção das fantasias inconscientes, que trata
da realização de desejos e se relaciona às angústias.
Como a mente da criança da educação infantil ainda não está totalmente
desenvolvida, histórias verdadeiras, que parecem ter saído do mundo real,
podem não fazer tanto sentido. Já os contos trabalham o subconsciente,
atraindo muito mais a atenção dos pequenos. Ao psicopedagogo e seu
paciente oferecem uma troca de informações a fim de que possam compartilhar
seus sentimentos, emoções, fantasia. Ao surgirem dilemas como constituição
do ego, complexo de Édipo, a castração, o psicopedagogo pode, então, intervir
33
e ajudar, uma vez que o objetivo do tratamento psicopedagógico é a
desaparição do sintoma e a possibilidade para o sujeito de aprender
normalmente ou, ao menos, no nível mais alto que as suas condições
orgânicas, constitucionais e pessoais lhe permitam, Pain (1985). E, para esses
casos, Bettelheim (2012) cita:
“Para que o conto de fadas produza efeitos de exteriorização
benéficos, a criança deve permanecer ignorante das pressões
inconscientes a que está respondendo ao tornar suas as
soluções de contos de fadas.”
É importante que a criança entenda o que dizem os contos por conta
própria. Ao adulto, cabe apenas o ato de contá-las. E só ouvindo repetidamente
um mesmo conto que a criança é capaz de aproveitar a história e tirar um
significado mais pessoal dele. Para que o encantamento aconteça é preciso
dar à criança a necessidade de sentir a história. Segundo Bettelheim, a faixa de
idade que as crianças mais compreendem os contos é aos cinco anos. Mas
isso não quer dizer que eles não possam ser lidos antes ou não ajudem depois.
O ideal é que se contem histórias desde o nascimento para que a criança se
acostume com o momento e isso lhe possa ser agradável.
O inconsciente é a fonte de matéria-prima e a base sobre a qual o ego
erige o edifício de nossa personalidade. Prosseguindo na comparação, nossas
fantasias são os recursos naturais que fornecem e moldam essa matéria-prima,
Bettelheim (2012). A infância é a época em que essas fantasias devem ser
estimuladas. E isso é feito quando se pede à criança para desenhar o que
quiserem ou inventarem histórias. E todas as histórias inventadas são reflexo
de seu inconsciente. E quando ouvem histórias, o conto fornece aquilo que é
necessário para seu alimento e a forma contada faz com que ela compreenda o
que é preciso. A criança gosta dos contos de fadas porque apesar de tudo de
ruim que pode acontecer, há sempre um final feliz.
Há muitos contos de fadas que podem e devem ser lidos para crianças
bem pequenas, como a história dos Três Porquinhos, que abarca uma
mensagem de coragem que inspira confiança e fortalece a autoestima do leitor.
34
Adverte, ao mesmo tempo, aquelas que gostam de contar vantagens e que
pensam que são donas do mundo. Essas crianças aprendem que quem se
superestima ou é cansado demais para construir uma casa resistente corre o
risco de ser devorado - ou é de fato devorado - como na versão original da
história e a moral está clara: mesmo sendo apenas um porquinho, você
consegue fugir do Lobo Mau se for rápido e esperto. Isso dá coragem, inspira a
confiança e fortalece a autoestima. Além disso, mostra as vantagens de
amadurecer, pois o mais sábio deles é o maior e mais velho, em Bettelheim
(2012).
Chapeuzinho Vermelho é um conto para crianças inocentes demais e
sem confiança, pois a história previne contra o descuido e ensina a
determinação e independência. No princípio, a heroína promete obedecer às
recomendações da mãe, mas, assim que se afasta da casa, faz exatamente o
contrário: fala com ousadia ao lobo, desvia-se do caminho e, por fim, quer
saber absolutamente tudo e acaba tendo uma surpresa desagradável. Nem um
fio de cabelo da heroína é tocado. Ela sobrevive e comemora alegremente a
morte do lobo junto de sua avó e do caçador. Ela nada sofre, mas sai da
aventura mais experiente. As crianças que se identificam com a personagem e
vivem o que ela viveu ganham maior determinação e independência.
Chapeuzinho Vermelho é tentada, confia nas boas intenções dos outros e isso
pode causar armadilhas, mas como adverte Bettelheim (2012), se não
houvesse algo em nós que aprecia o grande lobo mau, ele não teria poder
sobre nós. É importante entender sua natureza, mas ainda mais importante é
saber o que o torna atraente para nós.
Em Cinderela, a menina é relegada pela madrasta à função de criada,
atormentada pelas meias-irmãs, vivendo no meio das cinzas, junto à lareira, e
imposta a realizar tarefas impossíveis. É o conto da rivalidade e do ciúme
fraternos e de como se pode vencê-los, Bettelheim (2012) e quaisquer que
sejam as condições externas, a criança vivencia um período íntimo de
sofrimento. É um grande conforto identificar-se com alguém em situação pior
que a nossa. A Cinderela entre as cinzas mostra que ninguém pode escapar
disso. O consolo fortalece. A criança alcança, com a heroína, a glória maior -
35
que é a conquista do príncipe - além de dar às filhas da madrasta, o que elas
merecem.
A Bela Adormecida é caracterizada por um processo de individualização
após ter encontrado forças na solidão, encoraja a criança a não temer os
perigos da passividade. Mostra que após um longo repouso, se pode alcançar
a glória. É um conto que pode ser comparado à fase adolescente onde existe o
período de passividade (juntamente com o fato de deixar de ser criança e ainda
não ser um adulto). A mensagem final é bem parecida com a Branca de Neve:
após um período de passividade idêntico à morte, no final da infância, é apenas
um tempo de crescimento tranquilo e de preparação, do qual a pessoa
despertará madura, pronta para a união sexual, Bettelheim (2012).
Como constatado, na grande maioria dos contos há um confronto entre o
bem e o mal, belos e feios, fortes e fracos, que remete críticas à corte da
época. Existe sempre a bruxa, que é a mensageira do mal, com poderes
mágicos e a princesa, sempre relacionada ao cuidado da casa e da família,
geralmente somente o pai, já que na época em que foram escritos, era comum
que a mãe morresse no parto e a criança fosse criada apenas pelo pai, era
bondosa e prestativa e, como prêmio, sempre ficava com o príncipe, no final. A
madrasta má, referência à segunda mulher do pai, que não fazia questão de
tratar a primogênita bem, uma vez que as leis vigentes deixavam toda a
herança ao primogênito e os prováveis meios-irmãos não teriam direito a nada.
O sapo vira príncipe, os gênios intercalam entre bons e maus, que significam a
fantasia do poder e os relacionamentos interpessoais.
A sabedoria é a consequência de experiências significativas que
enriqueceram a vida, reflexo de uma personalidade rica e bem integrada. Os
primeiros passos rumo à aquisição dessa personalidade são quando a criança
começa a lutar contra suas ligações profundas e ambivalentes com seus pais.
Os contos dão ideias e coragem para lutar contra essas dificuldades e
fortalecem as esperanças de sua resolução bem-sucedida, Bettelheim (2012).
Em alguns artigos também há a intenção dos contos de melhorar a
leitura e a escrita do aluno. Uma vez que a grande maioria das crianças não
tem esse hábito, o trabalho com os contos pode induzi-las a gostar um pouco
36
da leitura e a quere praticá-la, ao tentar escrever um novo final para a história,
por exemplo.
“Seja qual for a verdade de fato, a criança que ouve contos
de fadas passa a imaginar e acreditar que, por amor a ela, o
genitor está disposto a arriscar a vida para lhe trazer o
presente que mais deseja. Por sua vez, uma tal criança
acredita ser merecedora de tal devoção, já que estaria disposta
a sacrificar sua vida por amor a seu genitor. Desse modo, ela
crescerá para trazer paz e felicidade até mesmo para aqueles
que estão dolorosamente aflitos que parecem feras. Ao fazê-lo,
uma pessoa obterá felicidade para si própria e para seu
parceiro para a vida e, com ela, igualmente para seus pais.
Estará em paz para consigo mesma e com o mundo.
Essa é uma das múltiplas verdades reveladas pelos contos
de fadas que podem orientar nossas vidas; é uma verdade tão
válida hoje em dia quanto quando era uma vez.” Bettelheim
(2012).
37
CONCLUSÃO
Ao iniciar o trabalho, como professora de português, tinha em mente
apenas uma coisa: tentar mostrar aos professores que leitura em sala de aula é
importante para todas as crianças, independente da faixa etária ou da sua
classe social. Os contos de fadas foram escolhidos por conta da proximidade
com o autor do livro A Psicanálise dos Contos de Fadas, de Bruno Bettelheim.
Mas trabalhar apenas a importância dos contos de fadas sem identificar
alguma coisa de como a aprendizagem acontece parecia algo inconsistente.
Falar da importância da leitura também, se não o trabalho não faria sentido.
Hoje, depois de tudo pronto, vejo o quão importante foram meus
escritos, e mais, minha experiência de vida.
Quando comecei a escrever sobre a aprendizagem, gostaria de enfocar
o quanto o estímulo e a convivência são importantes para o desenvolvimento
infantil. Ao colocar meu bebê (que hoje tem um ano e três meses) na escolinha,
percebi o quão fundamental é o papel dos pais no seu desenvolvimento. Sim,
como estudado pelos nossos grandes pensadores Vygotsky, Wallon, com os
neurocientistas, é o meio que desenvolve a criança. Ela precisa de estímulos
para o que seja que ela fazer. E a escola ainda não entende isso. Não, da
forma que deveria entender. A escola ainda não está preparada para as
crianças estimuladas que possam vir a frequentá-la.
Analisando mais um pouco o trabalho, tinha que falar de leitura. E leitura
de mundo. E leitura da vida. Vi em minha outra filha (de 15 anos) a falta que o
estímulo à leitura faz e como tudo o que eu queria provar aqui era verdadeiro:
Ela não teve quem contasse os contos para ela – apesar de ter todos os
clássicos em casa. Não adiantou. Ela não os conhece e nem sabe que sua
opinião pode fazer a diferença! Em um dever de redação apenas me disse que
não tinha opinião sobre o assunto e por isso, não saberia escrever. O estímulo
à leitura desde a educação infantil pode ajudar a criança e se tornar um adulto
com interesse em informação, que seja capaz de discutir qualquer assunto.
A partir desses dois exemplos vejo meus objetivos alcançados. Os
contos de fadas produzem maravilhas na mente de quem lê ou de quem ouve.
38
Sim, os professores podem e devem ler para seus alunos. Manter uma rotina e,
se possível, uma biblioteca em sala de aula e que os psicopedagogos, através
dos contos, ajudem as crianças tidas como diferentes a alcançarem seu lugar
ao sol através de uma bela história, lida com muita emoção. Os contos são
capazes de intervir no ego da criança que, nela, ainda está caótico. Como eles
falam a linguagem da própria criança, fica mais fácil dela resolver os problemas
que possam vir a aparecer na vida adulta. Além disso, eles encantam e deixam
a vida mais bonita. Os contos de fadas têm em si, uma riqueza intelectual
impossível de se precisar. É necessário, apenas, contar.
39
BIBLIOGRAFIA
Livros:
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