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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PSICOLOGIA JURÍDICA MONOGRAFIA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UM MAL CONTRA MULHERES ORIENTADOR: Prof . CELSO SANCHEZ ALUNA: MARIA MENDONÇA FELIZOLA 2005-1

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PSICOLOGIA JURÍDICA

MONOGRAFIA

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UM MAL CONTRA MULHERES

ORIENTADOR: Prof . CELSO SANCHEZ

ALUNA: MARIA MENDONÇA FELIZOLA

2005-1

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MARIA MENDONÇA FELIZOLA

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UM MAL CONTRA MULHERES

Monografia desenvolvida como exigência final de curso de Pós graduação em Psicologia Jurídica

Orientador Prof . CELSO SANCHEZ

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES Rio de Janeiro

2005-1

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Amor, um encontro com o objeto

"O amor é tema que não se encerra nem se exaure, apesar de permanentemente

inconcluso, aber-to sempre à possibilidade de novas variações. Eis porque - sem a

apreensão de seu início, sem a visualização de seu final - do tema do amor temos

somente o meio, seu dilacerado meio, onde estamos e somos: os inúmeros e as vezes

antagônicos discursos amorosos, onde fatalmente tentamos inserir nossa fala particular

e provisória".

Platão (filósofo - A República - livro VII)

“É melhor ter amado e ter perdido, do que nunca ter perdido nada”

Samuel Butler (escritor inglês,1902)

“amar não é olhar um ao outro, é olhar juntos na mesma direção”

Saint-Exupéry (escritor francês,1944)

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar a Deus que me deu a vida e a possibilidade de existir.

A minha mãe, noivo e irmão que são forças, luzes e inspirações para continuar. Me

acolhem sempre com carinho.

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SUMÁRIO

RESUMO.......................................................................................................................05

INTRODUÇÃO..............................................................................................................06

Capítulo I-VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: um mal contra as mulheres...............................09

1.1-A agressão e o ato agressivo..................................................................................11

1.2- Violência combinada com droga............................................................................14

1.3- Grupos de homens violentos.................................................................................17

Capítulo II- MULHERES VITIMAS................................................................................22

2.1 –Mulheres que amam demais.................................................................................27

Capítulo III- A LEI..........................................................................................................31

3.1- O corpo: uma prova de agressão...........................................................................34

3.2 - O cumprimento da Lei com penas alternativas.....................................................35

3.3- Violência, uma questão ética e moral....................................................................37

CONCLUSÃO................................................................................................................45

BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................49

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RESUMO

A violência doméstica contra as mulheres é um comportamento que perdura

desde os tempos de outrora, atingindo a todas as classes sociais e etnias. Também é

objetivo, tratar a agressão e a violência sob a ótica dos elementos psicodinâmicos e das

variáveis sócio-culturais. O tema é muito atual e progressivamente vem aumentando na

nossa sociedade, hoje, foram criados órgãos públicos para atender as vitimas. Esses

órgãos públicos têm como função acolher e orientar as mulheres que sofrem violências.

Temos como suporte bibliográfico análise dos efeitos das ações violentas ocorridas nas

relações “amorosas” que já há muito vem sendo pesquisadas. A violência doméstica

acontece costumeiramente nas relações maritais, no entanto, as relações podem se

tornar violentas com inúmeros pretextos. O motivo mais comum é o invertido, ou seja,

as atitudes violentas são justificadas com intuito de proteção ou oferecer segurança.

Palavras chaves: mulher, violência, homem, drogas.

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INTRODUÇÃO

A psicologia por ser considerada uma ciência, influencia várias áreas do

conhecimento humano, na área jurídica vem ganhando espaço para auxiliar e mediar

as possíveis penas dos agressores de violência doméstica. Esta pesquisa estará

voltada à investigação das ocorrências de violência doméstica contra as mulheres e

como isso altera o comportamento de toda a sociedade. Não temos como intenção

esgotar o assunto, nem chegar a conclusões, pois é um assunto que não é recente e

requer profunda investigação do agressor e da vítima.

O presente trabalho tem como objetivo investigar alguns dos muito motivos

das ocorrências de violência doméstica contra as mulheres. Visto que é um

comportamento que perdura desde os tempos de outrora, atingindo a todas as classes

sociais e etnias. Também é objetivo, tratar a agressão e a violência sob a ótica dos

elementos psicodinâmicos e das variáveis sócio-culturais. Esse trabalho se atrelará à

psicologia, a biologia, sociologia.

Os autores que servirão de base para esta pesquisa são: SABBATINI Renato,

SOARES Bárbara, GOMES Luís Flávio, entre outros; considero importantes esses

autores, pois tratam o assunto com interesse de investigação, esclarecimentos e

propõem continuadas pesquisas.

A violência doméstica, atualmente, se faz muito presente e progressivamente na

nossa sociedade, mas com uma diferença dos tempos passados, foram criados órgãos

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públicos para atendê-las e tomar algumas providências sobre o assunto. Esses órgãos

públicos têm como função acolher e orientar as mulheres que sofrem violências. Dentre

muitos órgãos citarei: DEAMS - Delegacias Especiais de Atendimento à Mulheres,

CIAM – Centro Integrado de atendimento à Mulher, NUDEM – Núcleo de Direitos da

Mulher da Defensoria Pública, CEOM – Centro Especial de Orientação à Mulher Zuzu

Angel, essas são algumas instituições na cidade do Rio de Janeiro.

Durante séculos os homens tiveram “carta branca” para mandar, controlar e até

punir suas parceiras, isso perdura até hoje. É pertinente lembrar que a violência contra

as mulheres acontece em todas as classes e camadas sociais, “todas estão sujeitas”.

A violência doméstica acontece normalmente nas relações maritais, no entanto,

nas relações nada acontece como receitas prontas, pois cada ser humano é um ser

subjetivo e diferente; cada história é pessoal e intransferível, contudo, as relações

podem se tornar violentas com inúmeros pretextos. O pretexto mais comum é o

invertido, ou seja, as atitudes violentas são justificadas com intuito de proteção ou

oferecer segurança.

Podemos caracterizar este tipo de violência como sendo um quadro de

comportamentos deliberados, repetidos e de progressiva coerção ou por ameaças e

agressões, no entanto essas atitudes tem a intenção de proteção e controle sobre o

outro.

Esse tipo de violência normalmente é praticado pelo parceiro intimo em relações

tanto heterossexuais como homossexuais. A violência inclui agressões físicas,

psicológicas e sexuais causando medos psicoemocionais.

A violência contra a mulher mesmo que aconteça dentro de sua casa é um

problema de interesse social, podemos confirmar isso pela Constituição Federal/ 88 que

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diz: “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente

pelo homem e pela mulher” parágrafo 5º art.226.

Quanto ao direito de segurança no parágrafo 8º, art.226 encontramos descrito que:

“o estado assegurará assistência à família na pessoa de cada um dos que integram,

criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”

Podemos pensar então que, amparadas pela lei as mulheres podem requerer os

seus direitos perante a sociedade e as suas relações intimas.

O objetivo desta monografia é refletir sobre a violência doméstica, tendo como

suporte empírico a análise dos efeitos das ações violentas ocorridas nas relações

“amorosas”.

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Capítulo I – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UM MAL CONTRA MULHERES

O interesse despertado para saber sobre as ocorrências de violências contra as

mulheres já é antigo, muitas áreas de estudos como a sociologia, antropologia,

psicologia e a jurídica estão investigando e têm como objetivo esclarecer e

compreender como e porque os homens agem com violência sobre o seu objeto de

“amor”.

Desde os tempos pré-históricos, os seres humanos usavam atitudes violentas

como linguagem para se comunicar, definir território, se defender das ameaças. As

mulheres eram fêmeas e os homens instintivamente arrastavam-nas pelos cabelos

quando queriam “acasalar” . Dentro de suas cavernas tinham as relações

animalescamente íntimas.

Hoje, porém, o cenário muda, vivemos numa sociedade pós-moderna, numa

sociedade tecnológica, contudo as atitudes de alguns homens continuam

arquetipicamente sendo reproduzidos pelas forças pré- históricas.

Em nossa sociedade, a televisão é influência cultural que, de acordo com muitos

estudos, contribui para a aprendizagem social por fornecer exemplos de atos violentos,

retratá-los como efetivos e mostrar circunstâncias nas quais são apropriados ou

justificados. Pesquisas feita por Sabbatini (1998), mostram que as crianças que

assistem mais televisão tendem a ser mais agressivas, pensam ser o mundo mais

violento do que realmente é, acabam fazendo do mundo televisivo o seu próprio mundo.

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Psicodinâmicamente, a agressão deve ser considerada à luz da conjuntura

sócio-cultural. Há inúmeras reflexões filosóficas acerca do natural potencial agressivo e

violento do ser humano. Rousseau (1984), teimava em reconhecer uma certa bondade

natural do indivíduo, o qual, colocado diante de uma sociedade corruptora transformaria

sua boa natureza em atuação social condenável. No artigo “O Cérebro Psicopata”,

publicado no Jornal Correio Popular, Campinas, (1998) SABBATINI, cita Thomas

Hobbes que “afirmava ser a condição natural do ser humano vil e má. Sua

sociabilidade aceitável devia-se à atuação modeladora da sociedade, normalmente

através dos mecanismos de coerção e gratificação (valores).”(p.05) Entre estas duas

correntes opostas devemos entender todos os casos de nossa observação de forma

individualizada, considerando as peculiares circunstâncias de cada um e de cada

época.

Por outro lado, psicodinâmicamente, os indivíduos classificados com traços de

personalidade narcisistas, obsessivos, paranóicos ou esquizóides podem estar

especialmente propensos à surtos explosivos de raiva quando sob estresse

demostram comportamentos de “Transtorno Explosivo da Personalidade”. A

classificação na CID-10 (1998), mostra que o Transtorno Explosivo da Personalidade

é um transtorno de personalidade emocionalmente instável. A característica mais

marcante é, a tendência de agir impulsivamente, desprezando as eventuais

conseqüências do ato impulsivo, juntamente com instabilidade afetiva. Os freqüentes

acessos de raiva podem levar à violência ou à explosões comportamentais. Tais

crises de agressividade e explosividade podem ser desencadeadas mais facilmente

quando as atitudes impulsivas são criticadas ou impedidas pelos outros. (p.64)

Pela descrição deste transtorno na CID-10 (1998), podemos compreender

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porque os acometidos por esse transtorno costumam ter sérias conseqüências

sociais e familiares, tais como a perda do emprego, suspensão escolar, divórcio,

dificuldades com relacionamentos interpessoais, acidentes variados e em especial os

de trânsito, hospitalizações e envolvimentos policiais.

1.1-A agressão e o ato agressivo

Para compreendermos a agressão e o ato agressivo faz-se necessário o

esclarecimento do termo agressão. O termo "agressão" (segundo dicionário Aurélio:

Psic. conduta caracterizada por intuito destrutivo). Embora seja conveniente

conceber a violência e a agressão como processos comportamentais, por não se

tratarem de conceitos simples e unitários, também não poderão ser definidos como

tal, permanecendo difíceis de serem analisados isoladamente de outras formas do

comportamento motivado. Guardando inúmeras exceções, a tendência a agressão e

a violência poderão ser concebidas como traços de personalidade, como respostas

aprendidas no ambiente, como reflexos estereotipados de determinados tipos de

pessoas ou até como manifestações psicopatológicas. É impossível considerar a

agressão no ser humano como um evento em

si, emancipada das circunstâncias e contingências. Primeiramente, devemos

considerar a agressão a partir do agente agressor, depois, a partir do agente

agredido e, finalmente, a partir de um observador ou terceiro. Não surpreenderá

encontrarmos três representações diferentes de um mesmo evento.

Segundo Almeida (1996)

Do ponto de vista do agressor, deve-se considerar a intencionalidade dolosa do ato, ou seja, a tentativa intencional de um indivíduo em transmitir estímulos

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nocivos à outro. Para o agredido, deve-se considerar o sentimento de estar sendo agredido ou prejudicado e, quanto ao observador, deve-se considerar seus sentimentos críticos acerca da possibilidade de ter havido nocividade no ato em apreço, bem como sua intencionalidade (subjetiva) em promover a agressão. (p. 37)

Diante desta afirmativa, percebe-se que o ato violento vem sendo considerado

uma atitude subjetiva, dependendo do olhar de cada implicado na circunstância.

Portanto, Sabbatini (1998), num artigo sobre “Fatores Sociais e Culturais associados à

violência” diz:

Outros aspectos aprendidos de violência não têm causas ou soluções clínicas ou psiquiátricas. Por exemplo, a aprendizagem social de comportamento violento pode assumir a forma de afirmação da posição culturalmente aprovada entre grupos de jovens do sexo masculino. Grande parte da violência em larga escala se associa a pobreza, guerra, opressão política e rebelião política. (p.10)

Diante desses contextos o desenvolvimento psicodinâmico das pessoas

potencialmente violentas é crescente, elas passam a monitorar os passos das vítimas e

a controlar suas decisões, seus atos e relações. Outro fator que mostra o possível

comportamento violento é o rápido envolvimento amoroso, isto é, em pouco tempo a

relação se torna intensa, insustentável, a vítima sente culpa por tentar diminuir o ritmo

do envolvimento e acaba se entregando à relação.

Dentre as mais variadas formas de violência doméstica o abuso verbal é um

sinal que precede a violência física. “A fala do agressor geralmente é cruel,

depreciativo e grosseiro, ele tenta convencer o outro de que esta é estúpida, inútil,

incapaz”, diminuindo a estima, convencendo-a que nada fará sem sua ajuda ou

presença. (SOARES, 2002,p.09)

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Quando é indagado sobre suas atitudes, o sujeito agressor - violento conta sua

história responsabilizando suas vitimas. É raro assumir suas atitudes diante da

sociedade e quando lhe é feito tal revelação pode partir para violência física ou morte,

esmurra ou quebra objetos como forma de punição e aterrorização, dessa maneira

podemos pensar que está num processo de imaturidade emocional.

A violência doméstica passa por fases, que pode ter inicio na agressão física,

que se caracteriza por ações como empurrar, socar, esbofetear, chutar, atirar objetos,

estrangular, usar armas, matar e suicidar-se; outra fase é a emocional, que atinge a

pessoa por xingamentos, criticas, atitudes como ignorar, gritar, isolar e humilhar. A

terceira fase da violência é a sexual e esta pode ser caracterizada por toques

indesejados, agressões verbais, desconfiança, sexo doloroso, estupro. Dessa maneira

mostrando o desvio da personalidade do agressor.

A classificação de Transtorno de Personalidade, segundo CID-10 (1998),

É uma síndrome violenta de origem incerta é conhecida também como transtorno do descontrole episódico ou transtorno de personalidade orgânico do tipo explosivo. O transtorno do controle de impulsos caracteriza-se por súbitas respostas agressivas a provocações aparentemente triviais, muitas vezes seguidas por remorso e depressão. O transtorno algumas vezes pode ter causa neurológica, como traumatismo craniano, acidente vascular cerebral, doença infecciosa ou um transtorno cerebral orgânico. (p.62)

Segundo estudos de Soares (2002), “as pessoas tipologicamente violentas

desenvolvem expectativas irreais com relação à parceira, isto é, espera que ela

preencha todas as suas necessidades, exige que a mulher seja perfeita como a mãe,

esposa, amante e amiga. Dentro dessa perspectiva coloca-a em, posição de

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isolamento, criticando-a, acusando seus amigos e familiares, impedindo que ela circule

livremente, trabalhe ou estude”. (p.11)

Ainda segundo a autora,

As pessoas potencialmente violentas revelam uma hipersensibilidade mostrando-se facilmente insultado”, são feridos em seus sentimentos ou enfurecidos com o que considera “injustiça contra si”. “O autor de violência revela crueldade inclusive nas relações sexuais, fantasiando os mais perversos comportamentos desconsiderando o desejo da parceira; tão equivocado nesse momento, exige disponibilidade da sua parceira, como por exemplo quando a mesma está dormindo, doente ou cansada, etc... (SOARES, 2002, p.11)

Uma outra maneira de compreender as causas das ocorrências violentas é pelo

caminho da biologia. Biologicamente, Cárter (1998), esclarece: “o cérebro humano traz

em si toda uma história da evolução tanto em sua função quanto em sua anatomia”

(p.45). Por outro lado o italiano Lombroso, apud Sabbatini (1997) acredita que:

Algumas pessoas são normais e outras nascem predestinadas a serem criminosas ou "loucas". Esse rígido determinismo biológico tentava oferecer ao mundo uma resposta sobre o problema das diferenças pessoais. Não raramente, a sociedade humana tem grande dificuldade em admitir que essas pessoas pertençam ao mesmo grupo humano ordinário, preferindo-se acreditar que os “loucos”, os violentos, são pessoas estranhas e biologicamente diferentes dos homens de bem, de nós mesmos e de nossas famílias. (p.97)

A despeito desse conhecimento que explodiu na última década, a maioria das

pesquisas ou não encontrou uma associação entre doença mental e o risco de cometer

crimes de violência, ou encontrou apenas uma discreta associação, estatisticamente

não significativa.

1.2- Violência combinada com drogas

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O que as pesquisas confirmam é que os efeitos de álcool e drogas estão

associados à violência, no entanto, o maior risco de violência ocorre na combinação de

abuso de álcool e/ou drogas com transtorno de personalidade anti-social. Boa parte das

pesquisas afirmam que o risco de violência em indivíduos da população geral com

abuso de álcool ou drogas foi duas vezes maior do que em pacientes esquizofrênicos

sem esse abuso.

Em 1978, o neurologista francês Paul Broca observou que na superfície medial

do cérebro dos mamíferos, logo abaixo do córtex, existe uma região constituída por

núcleos de células cinzentas (neurônios) a qual ele deu o nome de lobo límbico, que

traduz a idéia de círculo, anel, em torno de, etc. Uma vez que ela forma uma espécie de

borda ao redor do tronco encefálico esse conjunto de estruturas mais tarde foi

denominado “Sistema Límbico”. O “Sistema Límbico atua no controle de nossas

atividades emocionais e comportamentais, assim como nos impulsos

motivacionais”.(s/p) É “esse sistema que comanda certos comportamentos necessários

á sobrevivência de todos os mamíferos.”(BROCA,1978).

Por outro lado disse Grisgby (1991).”a verdadeira força da agressão reside num

conjunto de "assembléias neuronais" ou "armazéns neuronais" e na emoção é

processada pelo Sistema Límbico”.(s/p)

Renato Sabbatini em seu artigo “O Cérebro do Psicopata” diz o seguinte:

Muitos comportamentos associados às relações sociais são controlados pela parte do cérebro chamada lobo frontal, que está localizado na parte mais anterior dos hemisférios cerebrais. A espécie humana tem o maior desenvolvimento do lobo frontal. O “auto-controle”, a capacidade de planejamento, julgamento e o equilíbrio das necessidades do indivíduo versus a necessidade social, e muitas outras funções essenciais

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subjacente ao intercurso social efetivo, são mediadas pelas estruturas frontais do cérebro. (1998, s/p)

O autor ainda afirma que a “agressividade impulsiva, associada às oscilações de

humor, pode ser outra síndrome associada a comportamento anti-social” (1998,s/p)

No entanto outros autores preferem denominar o “Transtornos Explosivos

Intermitentes, de Síndrome de Descontrole Episódico”, o que é a mesma coisa. Trata-se

de ataques recorrentes de violência incontrolável, freqüentemente desencadeadas por

estimulação mínima ou mesmo nenhuma e que transforma completamente a

personalidade do indivíduo naquele instante. Esta síndrome pode ser uma das causas

de homicídios não planejados, ataques sem sentido à pessoas estranhas, agressões

físicas desproporcionais, direção criminosa de veículos, destruição brutal de

propriedades e ataques selvagens à animais, entre outros comportamentos agressivos

e violentos.

Diante da descrição da essência de características da “Síndrome de Descontrole

Episódico”, a incidência, o quadro clínico, seu curso e evolução, na prática clínica,

autoriza considerarmos o álcool como a mais importante estimulação para desencadear

a crise de violência. Segundo as características essenciais da “Síndrome de

Descontrole Episódico”, há ocorrência de episódios bem definidos onde a pessoa

fracassa em resistir a impulsos agressivos, e o grau de agressividade expressada

durante esses episódios é amplamente desproporcional à eventual provocação ou ao

eventual estressor psicossocial desencadeante. O CID-10 (1998), refere-se ainda a

“possibilidade de histórias de condições neurológicas associadas ao Transtorno, como

por exemplo, traumatismos cranianos e episódios de inconsciência ou convulsões febris

na infância”. (p.64)

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Não é raro que o paciente com esse transtorno descreva os episódios agressivos

como "surtos" ou "ataques" nos quais o comportamento explosivo é precedido por um

sentimento de tensão ou excitação, sendo imediatamente seguido por uma sensação

de alívio. Posteriormente, o indivíduo pode sentir remorso, arrependimento ou

embaraço pelo comportamento agressivo e suas conseqüências. Entre os episódios

explosivos podem persistir como traços de personalidade, sinais de impulsividade,

agressividade generalizada, baixa tolerância à frustrações, irritabilidade.

1.3-Grupos de homens violentos

Pesquisas já realizadas pelo Instituto NOOS (Pesquisas Sistêmicas e de

Desenvolvimento de Redes Sociais), mostram que nas reuniões de gêneros feita com

homens, alguns já admitem seus atos violentos. Nas reuniões de grupo seus

argumentos são em torno de questões de identidades masculinas e o processo de

construção das mesmas; relatam que os modelos hegemônicos, ou seja,

preponderância ou superioridade de masculinidade põem em risco as suas vidas e a

integridade daqueles (as) com os quais convive, isto quer dizer que, atitudes machistas

podem levá-los à situações comprometedoras. Narram historias dramáticas nas quais

foram autores e ou vitima de violência de cunho psicológico, físico, sexual, familiar (

materna, paterna, conjugal, filial) policial, racial e econômica.

Perceberam também que a violência tem um caráter cíclico, isto é, violência gera

violência, portanto não pode ser observada apenas do ponto de vista do agressor ou da

vítima. Outra questão a que se referem é que relação entre a violência intra-familar e de

gênero é transgeracional. Alguns contam que foram vitimas na infância e ou na

adolescência de pessoas próximas.

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O discurso dos participantes afirma uma possível existência de um acordo

silencioso entre os mesmos quanto a violência de gênero referido ao machismo e a

uma cultura de defesa da honra; conscientizam de que a violência é parte do repertório

masculino na resolução de problema, conflitos e na manutenção do poder; percebem

que, de forma geral, os homens não se cuidam, não cuidam de outros e reconhece que

cuidado é uma atribuição feminina em nossa sociedade. Nas reuniões podem expressar

inclusive suas insatisfações quanto as condições de trabalho, de segurança, de

ambiente, relações de competição e ausência de solidariedade; evidenciam insatisfação

quanto ao papel de provedor historicamente atribuído aos homens em nossa

sociedade.

Após algum tempo de participação nas reuniões, reconhecem mudanças

qualitativas em suas relações interpessoais passando a escutar, dividir cuidados,

problemas e tarefas com aqueles com os quais convivem. Dentre os relatos, destacam-

se aqueles que se referem aos grupos como proporcionantes da escuta e a interação

com suas companheiras, familiares e demais participantes dos grupos; relatam maior e

melhor satisfação amorosa e sexual; explicitam o aumento de conflitos, não de

violência, na relação com as mulheres. Desta forma, formam redes sociais pessoais e

redes de solidariedade profissional; expressando interesse em participar de trabalhos

de gêneros com outros homens.

Segundo os pesquisadores Acosta, Bronz e Andrade Filho, é necessário maior

tempo de acompanhamento para melhor avaliar a eficácia dessas reuniões de grupo de

homens violentos. Ainda segundo os autores, é necessário também criar e manter

serviços voltados ao atendimentos de homens adolescentes, jovens, adultos e idosos

para atenção à violência intrafamiliar e de gênero. Também julgam importantes “apoiar

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a estruturação da rede de atenção à violência através da articulação dos setores

governamentais de saúde, educação, segurança, justiça e assistência social com

organizações não governamentais, sindicatos, cooperativas, associações comerciais e

empresariais, organizações religiosas e demais recursos comunitários”. (p.23/24)

Sabe-se que para levar adiante essas propostas, tem-se pela frente um grande

desafio ético, na medida “em que está em jogo a integridade pessoal de mulheres, as

crianças, adolescentes, a condição e a qualidade de vida dos homens”.(Apud:

FLACSO, ACOSTA, 2001,p.23)

Um mito a ser combatido é o que generaliza a máxima de que os agressores são

loucos. De fato, apenas uma percentagem extremamente pequena de agressores tem

comprometimento mental. A vasta maioria é totalmente normal, e geralmente

charmosos, persuasivos e racionais. A maior diferença entre eles e os outros é que eles

usam a força e a intimidação para controlar suas companheiras. A agressão é a sua

escolha comportamental.

Segundo as pesquisas realizadas pelo Georgia Commission on Family Violence,

sediado em Atlanta, EUA, “muitos agressores usam o álcool e as drogas como

justificativa, e como uma maneira de por a responsabilidade pela sua violência em algo

fora deles. É verdade que existe uma correlação de mais de 50% entre abuso destas

substâncias e violência doméstica, mas não uma relação causal. Parar com a bebida ou

uso de drogas não vai parar com a violência. Algumas vezes a vítima também abusa do

álcool e das drogas (incluindo as utilizadas sob prescrição médica) como um modo

inconsciente de cooperar com a violência na sua relação”. O companheiro costuma

alegar que bate nela por ela viver bêbada ou “alta”, e que queria “dar uma lição nela”. O

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tratamento do abuso de substâncias somente será útil para a vítima quando ela estiver

a salvo e não mais correr o risco de ser agredida.(s/p)

Como mostra a pesquisa, também não é o estresse que causa a violência

doméstica. Muitas pessoas que vivem sob estresse não agridem seus parceiros. Os

próprios agressores, quando sob estresse no trabalho, não atacam seus colegas ou

seus chefes. Homens que agridem não são violentos com ninguém mais além de sua

própria família, onde tem “baixo controle dos impulsos”. Eles batem, por exemplo, onde

as marcas ficarão ocultas sob a roupa. Muitas agressões duram horas e muitas são

planejadas.

No entanto, eles não têm esse tipo de comportamento fora do contexto familiar,

porque não podem controlar a vida do outro (amigos, patrões, etc) Muito pelo contrário,

eles têm controle suficiente para escolher o alvo das agressões.

Alguns agressores alegam que vivem relações ruins. Uma relação a dois pode ser

muito estressante, e a comunicação pode ser pobre. Podem existir problemas

financeiros, problemas com sexo e com os demais parentes. Mas, a violência não é

resultado destes problemas. Outros casais, apesar de vivenciarem tantos ou maiores

problemas, não vivenciam a violência doméstica. Em geral, é a relação que fica ruim

como resultado da violência e abuso.

Agressores sempre afirmam que a violência começa por causa da parceira. “Ela

me fez fazer isto”. “Ela provocou”. “Ela procurou por isto”. Algumas vezes as próprias

vítimas acreditam nisso. Pensam que, se forem submissas com os agressores, eles vão

parar com o abuso. Mas não é assim que ocorre. Manter a casa limpa e as crianças

quietas, fazer um bom jantar não vai diminuir a violência doméstica. O agressor

simplesmente acha outra razão para bater. A vítima não pode parar com a violência.

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Não depende do que ela faz ou deixa de fazer. Ela pode postergar ou aumentar a

violência doméstica, mas só o agressor pode parar definitivamente com ela. E ainda

assim não há garantias, pois o agressor pode encontrá-la novamente.

Ao trabalhar com a temática da violência masculina ao contrário de estar lidando

com a miséria humana e com o gênero da violência, como muitos acreditam, os

trabalhos terapêuticos feito com esta população, tem revelado a riqueza humana de

seus participantes ampliando os seus recursos vitais e a capacidade para resolução da

violência de gênero. O grande problema está em fazê-los aceitar a condição de

agressor.

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Capítulo II – MULHERES VITIMADAS

Sabemos que para existir um agressor, há uma vítima, a questão é saber por que

as mulheres permanecem nas relações violentas, “talvez seja porque elas gostem ou

não tem caráter, ou são doentes”, tanto quanto seus parceiros? Não há uma resposta

exata, existem muitas razões para as mulheres não conseguirem romper com seus

parceiros violentos.

Tem sido dado ênfase à violência doméstica que atinge as mulheres, na forma

física, acontece que, absolutamente mais comum e infinitamente mais danosa é a

violência psicológica. Esse tipo de violência não acontece apenas no ambiente

doméstico sendo que esta, por ser continuada no tempo, até mesmo sem ser

identificada pela vítima, é a forma de abuso mais difícil de ser identificada, porque não

deixa marcas evidentes no corpo. A agressão psicológica pode ficar camuflada em

doenças alérgicas e auto-imunes.

Ela é comumente camuflada pela sutileza das relações intra-familiares mas causa

sofrimento e conduz a mulher à alterações de comportamento, postura corporal e ou

reações psicossomáticas. Ainda o fato desta mulher, “acoada”, diminuída em sua auto-

estima, repassar aos filhos, o amargor, o qual está sujeita, mesmo que involuntária e ou

inconscientemente, perpetua, pois está criando um modelo de violência para a vida

adulta dos filhos.

Existem casos de mulheres que são mortas quando estão tentando o rompimento,

o homem violento percebe que perdeu o controle sobre sua parceira e diariamente

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aumentam as ameaças sobre a vida inclusive dos filhos. Outras mulheres não separam

porque tem esperanças de que o marido mude o seu comportamento, ela procura ajuda

nos grupos de auto-ajuda, igrejas, psiquiatras e psicólogos, investem a sua energia na

recuperação de seu companheiro. Nada lhe garante, mas ela tem esperanças.

Muitas mulheres que sofrem violência doméstica, escolhem o isolamento como

comportamento. A vezes é um comportamento de defesa que a mulher usa para não

se expor diante dos familiares ou amigos, tornar um ato violento público, significa

encher-se de vergonha e perder as esperanças de recompor o casamento. Muitas delas

se negam socialmente porque quando pedem ajuda a um médico, psicólogo, um líder

religioso, policial ou advogado e esses, despreparados, as tratam com indiferença,

desprezo ou desconfiança, diante desses comportamentos as vitimas acabam se

recolhendo no seu inferno interior. Não encontram

apoio na sociedade. Desamparadas, sem apoio, ficam expostas a chantagem e

ameaças, muitos agressores negam pensão alimentícias, interferem no seu trabalho,

difamam, ou seja, fala mal da sua conduta, pedem a custódia dos filhos; outra situação

que as prendem ao companheiro violento é a dependência econômica, muitas não

estão preparadas para o mercado de trabalho enfim, eles criam tantas dificuldades

que elas se submetem a manter a relação.

Muitas mulheres que são espancadas recebem numerosas orientações para

mudar seu comportamento, na esperança de que isto vá resolver. Mas isto não

acontece. Mudanças nos membros da família não influenciam o agressor a ser menos

violento, pois a violência doméstica não é usualmente um evento único, um incidente

isolado. O espancamento é uma parceria, um reino de força e terror. Uma vez que a

violência começa em uma relação, tende a piorar e se tornar mais freqüente com o

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tempo. O abuso não é um único ataque físico. É um determinado número de táticas,

como por exemplo, a intimidação, a ameaça, a privação econômica, a agressão

psicológica e sexual, que são usadas repetidamente.

Um mito absurdo, imortalizado pelo escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, que

afirmava que “toda mulher gosta de apanhar”, é o que conclui que as mulheres

espancadas sempre mantém seus relacionamentos. O que verificamos é que muitas

mulheres espancadas tentam deixar o agressor pelo menos uma vez ou

permanentemente. Mesmo diante dos obstáculos, algumas tentam o sucesso em

construir uma vida livre de violência.

Claro que existem muitas razões para a mulher agredida ficar na relação.

Entretanto, gostar de ser abusada não é uma delas. Muitas mulheres ficam porque elas

são emocionalmente dependentes de seus agressores, ou não tem trabalho, dinheiro, e

nem um lugar para ir. Elas podem ficar embaraçadas em admitir que tem sido

espancadas, ou que ao menos tem problemas na relação. Algumas ficam por questões

religiosas, ou por ele ser o pai das crianças, outras amam seus companheiros ou

sentem que eles não podem viver sem elas. Diante disso, é um verdadeiro milagre que

tantas vítimas consigam sair e ficar sem a agressão como parte de suas vidas.

Quando a mulher o abandona ou tenta fazê-lo, o agressor aumenta drasticamente

sua violência, porque é necessário para ele reafirmar o controle e autoridade. As

mulheres vítimas de violência doméstica são, geralmente, muito ativas e buscam ajuda

no seu próprio interesse. O que costuma falhar em seus esforços decorre do fato do

agressor continuar a agir e as instituições não cumprirem seu papel de proteção.

As mulheres que sofrem agressão tem profunda convicção de que podem sofrer

uma agressão mais severa ou mesmo ser mortas, caso tentem abandonar a relação

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com o agressor. Agressores deliberadamente deixam suas parceiras isoladas, e as

impedem de trabalhar, de ter oportunidade de educação e chances profissionais. Não é,

de modo algum, algo simples a saída da mulher de sua casa.

Todavia, ao contrário do que possa parecer, existem algumas opções para as

vítimas de violência doméstica. A primeira delas é não fazer nada. Muitas mulheres

escolhem esta opção com medo de fazer algo mais, ou porque não tem esperança de

conseguir nenhum resultado de melhora para a relação. Uma outra opção é escolher

ficar e suportar a situação, tentando fazer modificações paulatinamente nas suas

atitudes. Tanto em uma ou outra opção, ela corre o risco de voltar a ser agredida.

Uma outra opção é conseguir ajuda para salvar a relação. Ela pode, por exemplo,

procurar grupos de apoio e aconselhamento, onde, algumas vezes, o próprio agressor

também começa a ser atendido em um programa educacional ou terapêutico. Mas, esta

opção também traz riscos. Alguns agressores buscam evitar deste modo a prisão ou

tentam manter a esposa em casa, mas não tem a intenção de mudar seu

comportamento. Outros intimidam suas esposas a dizer ao terapeuta que a relação vai

bem, que a violência doméstica parou, quando isto não é a verdade.

Uma outra saída é terminar a relação e tentar construir uma nova vida sem

violência. Esta é uma opção dificílima para a mulher. Significa deixar uma relação

familiar, ter responsabilidade sozinha por seu novo lar, possivelmente tendo de mudar

de endereço, conseguir um trabalho (ou mudar de emprego) e, às vezes, colocar as

crianças em uma nova escola. Muitas mulheres têm na violência doméstica uma razão

inicial para começar uma nova vida, onde elas possam ter liberdade para explorar suas

opções e decidir quais os aspectos que querer desenvolver.

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Pode-se considerar que essa forma silenciosa de violência, vivida pela mulher

“casada” no seu cotidiano, é pouco ou nada considerado até agora. Mas essa violência

não acontece apenas com as mulheres, muito mais às crianças e adolescentes, vítimas

mais disponíveis.

Esta mulher “casada”, que ama o companheiro, quando vítima de atrocidades

psicológicas tende, quase sempre ao sentimento de culpada, ou não consegue

identificar a capacidade do companheiro em arquitetar e manipular. Sente-se confusa

pois não acredita na possibilidade de intenção e mesmo não acreditam ser esta, uma

forma de violência. Não acredita que o marido a está fazendo sofrer deliberadamente,

fazendo-a sentir o sabor do poder que ele detém.

A "confusão" sentida e vivida pela mulher vítima de atrocidades psicológicas reside,

na maioria das vezes, no equívoco de "confundir" os sentimentos, desvalia, ódio,

rejeição. Esta mesma mulher que pensa que ama, pode não amar o marido. Muitos

outros motivos podem estar contribuindo para que ela viva o sentimento de "confusão".

Medo de encarar outra realidade que ela pensa ser mais difícil, que ela pensa que não

vai conseguir alcançar. O medo da separação, do divórcio. O medo de ter "fracassado"

no seu casamento e por fim, também a possibilidade de ela confundir-se no sentimento

de culpa e perder-se no desconhecimento da auto-punição ou auto-destruição.

Essa violência também pode estar sendo demonstrada através da ridicularização do

físico da mulher. Quando dirige a fala à ela chamado-a de gorda, magricela, pele e

osso, velha, relaxada, incapaz de ganhar dinheiro para ajudar a família etc. Quando se

refere a incapacidade intelectual, chama-a de “burrinha”, desinformada, fora da

realidade. Enfim, essas atitudes constantes de censura, pressões, cobranças,

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comparações, tornam cada vez mais difícil a sua compreensão, acredita que agressão

doméstica é só soco ou pancada.

Pode-se considerar que a forte pressão psicológica alcança características de

tortura quando movida por objetivo definido da qual a vítima é o meio. Muitos exemplos

poderiam ser extraídos. O marido que premeditadamente força a pressão psicológica

até que ela chegue a atingir níveis insuportáveis, a vítima cede diante da fragilidade

psicológica e emocional.

2.1 –Mulheres que amam demais

No livro “Mulheres que Amam Demais” de Norwood, (2003), a autora faz

referência a esse comportamento levantando a possibilidade dessas mulheres terem

introjetado característica de uma família desajustada.

Família desajustada é aquela em que os membros têm funções inflexíveis e a comunicação é seriamente restrita a argumentos cabíveis a estas funções. As pessoas não são livres para expressar uma serie de experiências, vontades, desejos e sentimentos. Tem que limitar-se a desempenhar o seu papel, que se adapta aos papeis de outros membros da família. Funções existem em todas as famílias, mas, conforme as situações mudam, os membros devem mudar e adaptara-se para que a família continue saudável. (p.22)

Dessa forma, o tipo de maternidade a uma criança de um ano será diferente a

uma criança de treze, e a função da mãe deve alterar-se para adaptar-se à realidade.

Em famílias desajustadas, os aspectos mais importantes da realidade são negados, e

as funções permanecem inflexíveis.

Quando ninguém pode discutir o que afeta individualmente cada membro da

família ou discutir a família como um todo, na verdade, quando a discussão é proibida

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imediatamente “muda-se de assunto” ou explicitamente alguém que sente-se

responsável pela família diz: “não falamos sobre essas coisas!”. Agindo dessa forma, os

membros dessa família aprendem a não acreditar nas próprias percepções e

sentimentos.

Quando a família nega a realidade, a tendência de todos os membros é negá-la

também, e isso prejudica seriamente o desenvolvimento dos instrumentos básicos para

a vida e para o relacionamento com pessoas e situações. É o prejuízo que se vê em

mulheres que amam demais. Tornam-se incapazes de discernir-se algo ou alguém é

bom ou não. Situações e pessoas que outros evitariam naturalmente por serem

perigosos, desconfortáveis ou perniciosas não são repelidas, pois não podem avaliar

realisticamente ou de forma auto-protetora, não confiam nos seus sentimento, não

usando-os para dirigir a própria vida. Ao contrário, são na verdade atraídas para os

perigos, intrigas, dramas e desafios de que se esquivariam outras pessoas com

experiências mais saudáveis e equilibradas. A partir dessa atração se machucam ainda

mais, pois muito do que as atrai é réplica da convivência na infância. Ferindo-se outra

vez.

Ninguém se transforma em mulher que ama demais por acaso. Crescer como

mulher nessa sociedade e em tal família desajustada, pode gerar alguns padrões

previsíveis. Segundo Norwood (2003), as seguintes características são típicas de

mulheres que amam demais.

1- “Quando vem de um lar desajustado em que as necessidades emocionais

não foram satisfeitas.

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2- Como não recebeu o mínimo de atenção, tenta suprir essa necessidade

insatisfeita através de outra pessoa, tornando-se super atenciosa,

principalmente com homens aparentemente carentes.

3- Como não pode transformar seus pais nas pessoas atenciosas, amáveis e

afetuosas de que precisava, reage fortemente ao tipo de homem familiar mais

inacessível, o qual tenta, mais uma vez, transformar através de seu amor.

4- Com medo de ser abandonada, faz qualquer coisa para impedir o fim do

relacionamento.

5- Quase nada é problema, toma muito tempo ou mesmo custa demais, se for

para “ajudar” o homem com quem esta envolvida.

6- Habituada à falta de amor em relacionamentos pessoais, fica disposta a ter

paciência, esperança, tentando agradar cada vez mais.

7- Fica disposta a arcar com mais de 50% da responsabilidade, da culpa e das

falhas em qualquer relacionamento.

8- Sua auto-estima esta criticamente baixa, e no fundo não acredita que mereça

ser feliz. Ao contrário, acredita que deve conquistar o direito de desfrutar da

vida.

9- Como experimentou pouca segurança na infância, tem uma necessidade

desesperada de controlar seus homens e seus relacionamentos. Mascara

seus esforços para controlar pessoas e situações, mostrando-se “prestativa”.

10- Fica muito mais em contato com o sonho de como o relacionamento poderia

ser que com a realidade da situação.

11- É uma pessoa dependente de homens e de sofrimento espiritual.

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12- Tende psicologicamente e, com freqüência, bioquimicamente a se tornar

dependente de drogas, álcool e ou certos tipos de alimentos, principalmente

doces.

13- Ao ser atraída por pessoas com problemas que precisam de solução, ou ao

se envolver em situações caóticas, incertas e dolorosas emocionalmente,

evita concentrar a responsabilidade em si própria.

14- Tende a ter momentos de depressão, e tenta prevení-los através da agitação

criada por um relacionamento instável.

15- Não tem atração por homens gentis, estáveis, seguros e que estão

interessados. Acha que esses homens “agradáveis” são enfadonhos.” (p.84)

Deixar a relação é um longo processo, a mulher tem que se preparar

afetivamente e economicamente para o desenlace. Essas iniciativas podem levar anos

principalmente se ela não encontra apoio algum.

Vale ressaltar que na busca de ajuda a postura do psicólogo, não é de julgar a

vítima e sim de, procurar entendê-la e ajudá-la a sair dessa situação. O lugar do

psicólogo não é o atrelado a prescrições, leis universais que devem ser seguidas, mas

sim às práticas de si, a subjetivação e a construção dos seus próprios códigos morais.

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Capítulo III - A LEI

No Brasil foi aprovado pelo conselho Nacional, a Lei n* 9.714, de 26 de novembro

de 1998, conhecida como “Lei das Penas Alternativas”, que entrou em vigor na mesma

data. Nesta Lei foram estabelecidas alternativas à pena de privação de liberdade como

forma de política criminal, buscando restringir a prisão os casos de reconhecida

necessidade, ou seja a prisão ficou restrita a crimes de graves periculosidade. A

violência doméstica está inserida no quadro das Penas Alternativas, “considerando

como pressuposto que os objetivos fundamentais das execuções criminais são a

reeducação do infrator e a defesa da sociedade”(p.12). Desta maneira, esse tipo de

pena evita que os pequenos delitos ou contravenções penais fiquem impunes; a pessoa

continua integrada à família e a sociedade prestando um serviço social e repensando

sua conduta. “As penas alternativas são um caminho aberto para o exercício da

cidadania” afirma Gomes (1999, p.12).

As Penas Alternativas são substitutivos penais, cuja pena mínima não exceda a

um ano, são aplicadas em casos que a lei denominou de infrações penais de menor

potencial ofensivo que permitem às pessoas que cometem pequenos delitos como

exemplo: “lesões corporais culposas, delito de trânsito (art. 129); periclitação da vida e

da saúde (arts. 130 a 137); crimes contra a honra (arts. 138 a 145); crimes contra a

liberdade pessoal (arts. 146 a 149); crimes contra inviolabilidade do domicílio (art.150 e

seus parágrafos); crimes contra inviolabilidade de correspondência (arts. 151 a 154); do

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dano (art. 163 a 167); da apropriação indébita (art.168 a 170); estelionato(art. 171); e

contravenções penais. Todos do Código Penal Brasileiro.

As chamadas Penas Alternativas e dentre elas, as restritivas de direitos foram

incluídas no sistema legal brasileiro, quando da reforma da parte geral do Código

Penal, como a expressa intenção de funcionarem como substitutivos penais para as

penas privativas de liberdade. Assim, no art.43, o Código Penal dispõe: As penas

restritivas de direitos são:

I - prestação de serviços à comunidade;

II - interdição temporária de direitos;

III - limitação de fim de semana.

Dentre estas, a que tem relevância e parece ser de maior interesse é a prestação

de serviços à comunidade. Entende-se que “esta medida permite que o condenado se

conscientize dos problemas sociais e tem maior valor coercitivo.” "As prestações de

serviços à comunidade consiste na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas a

entidades assistências, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos

congêneres, em programas comunitários ou estatais.” Parágrafo único: “As tarefas

serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas, durante

oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a

não prejudicar a jornada normal de trabalho". (1990, p.335)

Tal modalidade substitutiva da pena de prisão, porém, dá-se apenas quando o fato

processual reúne as condições previstas no art.44 do CP, ou seja, quando a pena

privativa de liberdade aplicada ao caso for inferior a um ano; “o réu não for reincidente e

a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado,

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bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que esta substituição seja

eficiente.” (1990, p.335)

Vale ressaltar a opinião de Mestieri ( in Teoria elementar do Direito Criminal, RJ,)

de que "como ocorre em todos os institutos que privilegiam o condenado, a substituição

da pena prevista no art. 44 CP, é direito do apenado reunindo os pressupostos legais

necessários; a recusa da concessão há de ser, pois, convenientemente

fundamentada".(1990, p.335)

Diante do gravíssimo caso brasileiro, de completa falência do sistema

penitenciário, não se pode pensar apenas em paliativos como a "anistia" presidencial

em curso, mas, em medida de cunho mais permanente. E embora cientes de que

setores mais formalistas ainda reagem à adoção das "novas" sanções, lembramos

ainda, como Kuehne ( in Maurício Kuehne, Doutrina e Prática da Execução Penal,) que

"não se pode impor soluções que destoam da realidade, do que se quer evitar, ou seja,

o contato nefasto de preços de pouca ou nenhuma periculosidade, com os

"profissionais do crime".(1994,p.31) Acredita-se que o tratamento penal do condenado

deve importar no respeito integral à dignidade humana, de maneira a restaurar-lhe a

estima social. É o que se espera que ocorra com efetiva aplicação do dispositivo penal

em questão, o que para ter sucesso, depende, entretanto, da conjugação de vários

esforços.

A Lei de Execução Penal, lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984, trata

especificamente da prestação de serviços à comunidade nos arts. 149 e 150 :

"Art. 149 - Caberá ao juiz da execução:

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I - designar a entidade ou programa comunitário ou estatal, devidamente credenciado

ou convencionado, junto ao qual o condenado deverá trabalhar gratuitamente, de

acordo com suas aptidões;

II - determinar a intimação do condenado, cientificando-o da entidade, dias e horário em

que deverá cumprir pena;

Art. 150 - A entidade beneficiada com a prestação de serviços encaminhará

mensalmente, ao juiz da execução, relatório circunstanciado, bem como a qualquer

tempo, comunicação sobre ausência ou falta disciplinar. "

Segundo o juiz Caubi Arraes (1997), “de acordo com as mais modernas escolas

de política criminal, a pena toma um caráter de função defensiva ou preservadora da

sociedade.”(s/p) Sabe-se ainda que na luta contra o crime, os meios de prevenção são

muito mais eficazes do que as medidas repressivas. Tais postulados básicos levam-nos

a propor como medida de caráter preventivo à criminalidade, a substituição da

competência jurisdicional na aplicação da pena de prestação de serviços à

comunidade, entre outras. Isto porque o juiz sumariante, assim como o Órgão do

Ministério Público atuante em determinado processo criminal, têm acesso direto ao

apenado, podendo com a maior facilidade fazer a aplicação e a fiscalização da

execução das penas a que nos referimos.

3.1- O corpo: uma prova de agressão

Faremos algumas observações quanto ao que a lei considera como lesão corporal

leves e culposas. Segundo o texto do Juiz Arraes (1997)

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Passam a ser de ação penal pública condicionada à representação (art.88). Somente as dolosas e as culposas. Excluídas as dolosas, é óbvio, graves e gravíssimas. Significa que a partir de 26/11/95, cuidando-se desses crimes, nenhuma denúncia pode ser oferecida sem essa condição de “procedibilidade”, ou seja, representação. Instalado o Juizado Criminal a matéria é disciplinada pelos arts. 75 e 76 na audiência preliminar, a vítima representará ou não. Estando em vigor a lei, o delegado não pode iniciar qualquer ato a esses crimes sem representação. Nem confeccionar o termo de ocorrência, não havendo a representação. No caso de ações penais já em curso, o art. 91 determina a intimação do defendido ou do representante legal para oferecê-la em trinta dias, pena de decadência. (s/p)

Um outro procedimento corriqueiro em se tratando de violência doméstica é a

suspensão do processo, cujo conteúdo está contido no art.89.

Em todos os crimes cuja pena mínima não pode ser superior a um ano, será possível a suspensão condicional do processo (exemplo: art.121 parágrafo 3º, 124,177,180,319 e etc.). Para suspensão do processo não se aplicam as restrições do art.61, ou seja, pode ser concedida as infrações abrangidas por procedimentos especiais. Se o autor do fato está sendo processado, está impedida a suspensão. Os requisitos da suspensão de processo são os mesmos do "SURSIS" e a aceitação deve ser feita pelo promotor e pelo defensor. Havendo recusa de um deles segue o procedimento. Não incide a prescrição durante o prazo de suspensão, recomeça-se a contagem por inteiro, se houver revogação, isso porque o processo é suspenso de dois a quatro anos. Cumpridas as condições sem revogação, o Juiz declara a punibilidade. Só é possível uma segunda suspensão depois de cinco anos(art.76 parágrafo 2 inciso II). (s/p)

3.2 – O cumprimento da Lei com penas alternativas

Na I Conferência Internacional de Direitos Humanos, foi debatido a “questão

penitenciária” e a “aplicação de penas alternativas para pequenos delitos. De acordo

com Luiz Flávio Borges D'Urso, presidente da Associação Brasileira dos Advogados

Criminalistas, a privação da liberdade não é o melhor para punir o indivíduo. Para Julita

Lengruber, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária”, o

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modelo prisional em funcionamento é absolutamente fracassado. Hoje seria preciso,

por exemplo, investir no Brasil pelo menos R$ 1,8 bilhão para resolver o problema das

vagas carcerárias.” Esses dados e declarações foram extraído do Jornal do Conselho

Federal nº 57 de 1997. É uma questão que vem sendo muito debatida, pois citaremos

como exemplo, a polícia, ou os policiais que ficam nas DEAMS para atenderem as

denúncias, muitas vezes relutam em responder aos casos de violência doméstica, ou

intervir no que consideram “algo privado”. A lei reforça quase sempre esta tendência ao

requerer, por exemplo, a um dos parceiros que deixe temporariamente a casa, até que

as coisas se acalmem, deixando a mulher vulnerável à violência. Dessa forma não

aplicando adequadamente a Lei.

O juiz Arraes nos esclarece dizendo:

"Entendo que as medidas puramente repreensivas no tocante a aplicação das leis penais se revelaram com fragibilidade no campo da criminalidade mais precisamente contra as suas formas habituais. Daí entendo que a justiça reflete puramente no modo de ser do estado. Se o estado for indiferente a ordem jurídica e este por sua vez encontrar-se em crise, certamente sua justiça será má ou, não haverá justiça. O povo reclama pela necessidade de reformas, mas mister se faz saber que tipo de reforma cumpre propor para as reais necessidade das justiças no sentido de serem atendidas, que no meu entendimento constata-se do alarmante índice da litigiosidade e por conseguinte devendo assim resultar com as urgentes reduções da explosão de processos e de recursos com a preservação de suas garantias e direitos, colocando a perfeita harmonia do executivo com o judiciário cuja a solução seria o total aperfeiçoamento das instituições, alcançando assim a independência do julgamento como garantia da expansão, da inteligência e da justiça.” ( 1997s/p)

Parece que judicialmente a sociedade tenta uma saída para punir as situações de

violência doméstica. Mesmo não sendo totalmente eficazes as penas alternativas

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deveriam ser aplicadas pois o agressor deveria sentir que está fazendo algo contra a

sociedade e a humanidade em geral.

3.3- Violência, uma questão ética e moral

O artigo de autoria do Professor Nahman Armony, psicanalista, trás uma questão

sobre moral e ética, que está em pauta no Brasil e no mundo. As transgressões, não só

as grandes como também as pequenas, proliferam “cancerigenamente”, ameaçando a

sobrevivência da sociedade. Poderia Freud ou outro teórico da psicologia embasar e

compreender as transformações morais e éticas de nossos tempos visto que

multiplicam-se os atos violentos nas sociedades.

Os termos ética e moral, usados de formas múltiplas, muitas vezes se confundem.

Titular-se-a de moral às normas de conduta estabelecidas por cada grupo social,

modelos a ser seguido. E de ética os princípios gerais que sustentam as relações

sociais; a busca de uma boa maneira de agir e a sabedoria na conduta, cada situação

deverá ser analisada, sentida e examinada à luz destes princípios gerais.

Segundo Armony (2000), “tanto Freud quanto Winnicott usam o termo moral para

falar da ação reguladora do superego. No entanto, o superego freudiano é teorizado

colocando-se no período edípico, cuja “a referência principal de identificação é o pai, ou

mais precisamente, o superego do pai”. A concepção superegóica freudiana tem o pai

como referência principal e a winnicottiana a mãe. (s/p)

As “dificuldades nas relações identificatórias com a função materna e no processo

de identificação com a função paterna repercutem nos campos ético e moral”.

(ARMONY (2000, s/p)

Ainda no artigo de Armony (2000) descreve:

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Há uma interação entre uma sociedade capitalista que dificulta as identificações maternas e paternas e as modificações sofridas pela ética e pela moral portada pelas pessoas. Houve uma mudança na subjetividade que permitiu o aparecimento de questionamentos em áreas antes vedadas por uma moral que reinava absoluta. (s/p)

Fica claro que, em tempo algum puderam ser inteiramente domadas a “pulsão”, o

desejo, as intensidades, mas por um certo período a moral serviu para tentar manter

disciplinada a “massa”.

Parece-nos que, na época de Freud a sociedade apresentava uma face moral

rígida com regras a serem cumpridas. Mesmo transgredidas por alguns, porque

também nesta época já existia violência doméstica, elas permaneciam como pilares

consensualmente aceitos pela sociedade. A idéia vigente era de que a lei era para ser

cumprida, e não contornada como hoje. Portanto, a elaboração do superego freudiano

fez-se dentro desta subjetividade. Para o autor, “a resolução do complexo de Édipo se

dava através da identificação do menino com o superego do pai”, formando, dessa

forma o seu próprio superego. A partir de então este superego servia de modelo para o

ego, dirigindo rígida e “implacavelmente” a vida da pessoa. Freud desvalorizava o

superego em formação permanente do feminino, valorizando a estabilidade e firmeza

de caráter e de princípios do masculino. Dando uma conotação “machista” aos

comportamentos masculino, perpetuando até hoje.

No artigo de Armony, narra:

Não posso fugir à noção (embora hesite em lhe dar expressão) de que, para as mulheres, o nível daquilo que é eticamente normal, é diferente dos homens. Seu superego nunca é tão inexorável, tão impessoal, tão independente de suas origens emocionais como exigimos que o seja nos homens. Os traços de caráter que críticos de todas as épocas

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erigiram contra as mulheres - que demonstram menor senso de justiça que os homens, que estão menos aptas a submeter-se às grandes exigências da vida, que são mais amiúde influenciadas em seus julgamentos por sentimentos de afeição e hostilidade - todos eles seriam amplamente explicados pela modificação na formação de seu superego que acima inferimos. Não devemos nos permitir ser desviados de tais conclusões pelas negações dos feministas, que estão ansiosos por nos forçar a encarar os dois sexos como completamente iguais em posição e valor. ( FREUD apud ARMONY, 2000, s/p)

Pode-se compreender dessa citação que o superego feminino, como participante

do feminino em geral era, naquela subjetividade desvalorizado e reprimido. O superego

freudiano, masculino, edípico, é um superego inexorável, inflexível, viril, guiando-se

inabalavelmente por um consistente ideal de ego. É claro que manter uma tal retidão no

cotidiano é extremamente problemático, mas este era o discurso e a meta ideal. O

homem com essa base moral e machista, tendia e até hoje perpassando pelos tempos,

apresentar o seu superego através de atos violentos.

Segundo o Professor Armony (2000), “naturalizando-se a moral modelar facilita-se

a indiferenciação moral-ética. A ética deixa de ser criativa e passa a ser a repetição -

diferencial que seja - das regras morais adquiridas por identificação com os pais.”

(s/p)Nesse contexto, ética e moralidade se confundem.

Quando as transformações da sociedade exigem mudanças nos códigos morais e

se a moral está confundida com a ética, destituir ou derrubar as regras morais

conseqüentemente, arrasta consigo a ética. Isto significa que hoje, a sociedade está

sem ou com pouca moral e ética. A violência assola toda a sociedade, os homens estão

com valores de sobrevivência esquecendo-se da humanização interior.

E por isso há uma devastação de atitudes violentas, o sujeito não encontra mais

suporte para construção de um ego e um superego, age sem moral e sem ética.

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No livro "O ambiente e os processo de maturação" existe um artigo de 1958

intitulado "Psicanálise do Sentimento de Culpa" onde Winnicott apud Armony (2000),

escreve:

Aqueles que sustentam o ponto de vista de que a moralidade precisa ser inculcada ensinam as crianças pequenas de acordo com essa idéia, e renunciam ao prazer de observar a moralidade [leia-se ética] se desenvolver naturalmente em seus filhos, que estão se desenvolvendo em um bom ambiente, proporcionado de um modo pessoal. (s/p)

Para Winnicott a moralidade depende da capacidade de sentir culpa e de reparar

oobjeto cuja danificação provocou culpa. O autor tem uma concepção mais positiva do

superego em suas relações teóricas com o sentimento de culpa. Diz ele: "Um

sentimento de culpa, portanto, implica que o ego está se reconciliando com o superego"

(s/p). Por outro lado, Freud fala de repressão maciça relacionada ao superego,

estabelecendo-se então um ideal de ego calcado no modelo fornecido pelo superego

dos pais. Parece-nos que este superego freudiano é um “superego modelar” e o

distinguiríamos do superego winnicottiano que se forma gradativamente na relação com

a mãe, Winnicott, chama-o de “superego experiencial”.

Como o superego winnicottiano forma-se gradativamente na relação com a mãe,

ele apresenta uma flexibilidade capaz de ajustar-se às situações sem deixar de ser

ético. A criança preserva a mãe apesar de seus desejos egoístas. A criança poderá

atacar em um momento a mãe, mas no momento seguinte irá reparar o mal feito. Na

analise de Armony (2000), “o precursor de seu princípio ético seria não destruir a mãe

objeto pois assim estaria destruindo a mãe ambiente.” Lançando mão dessa teoria para

explicar o relacionamento amoroso sem atos violentos, o sujeito não agrediria sua

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parceira porque não quer destruir o objeto amado. “É um princípio ético, digamos assim,

egoísta, mas, sem dúvida, o precursor afetivo de um pensamento ético mais amplo e

intelectualizado”. (s/p) Portanto, um pensamento ético amplo, que se apóia em afetos

primitivos, em um devir existencial, encontra uma conciliação entre os seus

desejos/necessidades e os desejos/necessidades da mãe. “Uma conciliação que, mais

que conciliação, é vivência de uma unidade múltipla proporcionada pela identificação

dual-porosa”.(s/p) Ao manter a capacidade e disponibilidade para a identificação dual-

porosa a criança tornar-se-á um adulto capaz de estender a experiência primitiva de

unidade múltipla ao mundo e ao cosmos. Diante de uma situação ele não terá de seguir

uma conduta determinada, não terá de copiar um modelo. Ele não terá modelos, mas

insinuâncias resultante de suas experiências relacionais, mais especialmente na sua

relação com a figura materna. Ou seja, quando o menino vive bem a relação com a

mãe, conseqüentemente terá uma relação saudável com sua companheira.

Na moral freudiana, “uma moral edípica triádica”, mesmo considerando-se o

fantasma originário da castração, cujo o mandato vem de fora, o pai/sociedade dirá ao

filho: "você não poderá realizar o incesto com a sua mãe" cujo outro sentido é "você

terá de recalcar a atmosfera materna", ou ainda "você tem de ser macho". Isto significa

recalcar a sensibilidade, a capacidade de empatia, de se identificar, ou de ter um livre

fluxo dos afetos, etc. Trata-se de um mandato externo, imposto ao filho pelos pais.

Já a ética winnicottiana provém do interior, do medo que a criança tem de destruir

a mãe boa ao destruir a mãe má. Não é o medo de ser castrado por um pai

primeiramente externo (posteriormente internalizado), mas um medo que já desde o

início surge de dentro da criança.

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Portanto, o movimento primitivo espontâneo de preservação da mãe, de

preservação da unidade relacional mãe-filho, pode estender-se à humanidade, ao

planeta, ao cosmos e as relações amorosa. Esse sentimento primitivo, surgido na

relação com a mãe, se preservado e desenvolvido “desemboca numa consciência

ecológica, não modelar, não um modelo a ser seguido, mas exemplar” (s/p), isto é, uma

experiência a ser vivida de cada vez dentro do sentimento holístico que se criou, se

preservou e se desenvolveu. Quando o sujeito internaliza valores éticos, cada situação

será examinada de perto.

Mesmo que na instabilidade ou inconstância das relações, o que predomina é o

desejo de preservação da díada; inicialmente, mãe-bêbe, depois o objeto de amor

substituído por “Outro”.

“Nas vicissitudes da repressão edípica a agressão e a raiva, têm um papel

relevante. A repressão se consegue mediante a agressão do superego modelar contra

o ego experiencial.” (Armony, 2000) O acontecimento repentino da instalação e também

da agressividade, é revelada por uma outra citação de Freud em "O ego e o id." (s/p)

O superego conservará o caráter do pai, e quanto mais intenso foi o complexo de Édipo e mais rapidamente se produziu a sua repressão (pela influência da autoridade, a doutrina religiosa, a educação, a leitura), tanto mais rigoroso será depois o império do superego como consciência moral, talvez também como sentimento inconsciente de culpa, sobre o ego. (FREUD apud ARMONY, 2000, s/p)

Enquanto Freud fala da instalação rápida de um superego para que ele seja forte,

cruel, implacável, Winnicott, no livro "Os processos de maturação", artigo "A moral e a

educação", fala-nos da "evolução de um superego pessoal." Fala de uma evolução

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conectada ao "funcionamento dos processos internos do indivíduo". Diz mais: "Na

realidade, a educação moral não dá resultados a não ser que o menino tenha criado,

seguindo um processo natural de desenvolvimento, em si mesmo aquele que, colocado

no céu, chamamos Deus".Aquilo que chamamos de Deus nada mais é que a projeção

da bondade que é parte do menino e de sua experiência real de vida", (WINNICOTT

apud ARMONY, 2000, s/p).

Winnicott fala de uma evolução do superego ligada à bondade, ao desejo de

preservação da díada mãe-filho, ao amor. Freud refere-se a um superego cruel,

implacável, o “imperativo categórico”, o qual está implicado numa obrigação, num

dever imediato, absoluto e incondicionado, excluindo portanto qualquer outro

sentimento ou inclinação. Exclui, portanto o amor e a bondade.

Winnicott, ainda no artigo "A moral e a educação", recorre à figura de Deus para

falar de ética:

O bebê e a criança pequena costumam ser cuidados de uma maneira estável, digna de confiança, a qual vai nela crescendo até formar uma crença na estabilidade; nesta está contida a percepção infantil da mãe ou do pai, a avó ou a babá. A idéia de bondade e de um pai ou Deus pessoal e estável aparece de forma natural no menino que tenha começado a vida deste modo. (Idem).

Portanto, compreende-se que a ética winnicottiana se constrói desde o

nascimento; ela não é uma súbita aquisição edípica. A ética está ligada ao amor e não

à agressão, embora haja amor e agressão tanto na ética quanto na moral. A ética é

singular, individual e não modelar, da espécie. A ética é flexível e não rígida.

Segundo Armony (2000)

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Baseando-se no conceito de Foucalt, MORES- moral, tem três princípios. No primeiro momento todos os homens deveriam seguir um código moral prescrito, com regras de condutas a serem seguidas; num segundo momento poderia-se observar o sujeito diante desse código universal se o aderiram ou se negligenciaram e no terceiro momento surge a subjetivação, as práticas de si, as maneiras como os sujeitos constroem os seus próprios códigos morais.” (s/p)

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CONCLUSÃO

A violência doméstica como foi visto, é um problema de âmbito social que atinge

famílias de todas as classes sociais. É triste ver alguém exercer violência em pleno Séc.

XXI, sabendo que o diálogo é a melhor forma de resolver os problemas. A violência tem

resultados devastadores para a saúde reprodutiva da mulher, além de afetar seu bem-

estar físico e mental.

Sendo um mal do mundo, muitas mulheres já foram espancadsa, coagidas ao

sexo ou sofreram alguma outra forma de abuso durante a vida. A violência contra as

mulheres inclui a agressão física, sexual, psicológica e econômica, e a maioria das

mulheres que são agredidas por seus parceiros como vimos nas pesquisas, são

violentadas repetidamente. Na realização deste trabalho percebemos que algumas

mulheres permanecem na relação por amor, o que denota uma certa confusão de

sentimentos, outras pensavam que o casamento tinha que ser para sempre, mostrando

que estavam arraigadas à cultura e a educação que receberam. Outras ficam por causa

dos filhos, parecem que se submetem à relação tentando ser “heroínas, vítimas ou

protetoras”. Observamos que muitas ainda ficam na relação por dependência

financeira, talvez por falta de formação profissional ou insegurança para enfrentar o

mercado de trabalho. Algumas ficam por comodismo e costume, estão acomodadas,

não querem mudar o foco de sua vida, parecem não ter noção da gravidade da relação.

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Diante desse contexto, somente quando as mulheres conquistarem uma posição

de “igualdade” com os homens na sociedade, a violência contra elas deixará de ser

uma norma invisível e passará a ser vista como uma aberração inaceitável. Diante de

todo essa conjuntura, cabe a toda sociedade e, sobretudo, aos profissionais

especificamente qualificados, saber como ajudar as vítimas porque sem nenhuma ajuda

podem sofrer violências progressivas podendo chegar até ao homicídio. Quanto ao

agressor, ajudá-lo com penas alternativas é o que a lei faz, no entanto, não podemos

afirmar a sua eficácia, o que parece dar melhor resultado são os grupos reflexivos já

desenvolvidos por instituições especializadas como o NOOS.

A violência doméstica não é somente uma questão de administração da raiva.

Como foi citados pelos autores que embasaram essa pesquisa, “os agressores sabem

como se controlar, tanto que não batem no patrão e sim na mulher e nos filhos.” Eles

fazem isso porque não há nenhum custo a pagar. Alguns homens culpam, por exemplo,

o abuso de drogas e álcool; muitos usam o álcool e as drogas como justificativa, como

uma maneira de não se responsabilizar pelos seus atos violentos.

Todavia, ao contrário do que possa parecer, existem algumas opções para as

vítimas de violência doméstica. A primeira delas é não fazer nada. Muitas mulheres

escolhem esta opção com medo ou por vergonha, e até mesmo a crença de que irão

conseguir mudar algo em seu companheiro. Uma outra opção é escolher ficar na

relação e suportar a situação, tentando ser reconhecida como mulher, fazendo

modificações em si-mesma para resgatar a relação. No entanto, qualquer que seja sua

escolha, certamente poderá voltar a ser agredida. Outra opção, por exemplo, é procurar

grupos de apoio e aconselhamento, onde, algumas vezes, o próprio agressor também

começa a ser atendido em um programa educacional ou terapêutico.

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Os profissionais de saúde podem fazer muito para ajudar as vítimas da violência.

Muitas vezes não ajudam por se manterem desinformados, indiferentes ou

preconceituosos; devem aprender a abordar a questão da violência com as mulheres

de uma forma que as ajude ao mesmo tempo, demonstrando compreensão e

oferecendo apoio.

Para acabar com a violência física e sexual é preciso que todos os segmentos da

sociedade se empenhem e tenham estratégias de longo prazo. A violência doméstica

tem sido uma ocorrência progressiva e quase sem controle das autoridades públicas,

porque muitas mulheres não levam à frente a denúncia ou acusação feita contra seus

parceiros. Muitas retiram a queixa, parece que não querem sair da relação, outras agem

impulsivamente quando sofrem ameaças dos parceiros, coagidas, retiram a acusação.

Por isso essa atitude é conhecida entre os policiais que atendem essas demanda de

“farofa, feijão com arroz”. Com essa atitude perdem a credibilidade e sua moral perante

as autoridades. Talvez, seja por isso que as autoridades e/ou órgãos competentes não

dão tanta importância como deveriam à essas mulheres. Muitos governos se

comprometem a acabar com a violência contra as mulheres aprovando e executando

leis que asseguram a elas o cumprimento de seus direitos legais e punição dos

culpados. No entanto, devido a falta de credibilidade, as autoridades estipulam penas

alternativas aos agressores. As leis de penas alternativas de nada tem adiantado

senão, adiar uma real punição aos infratores.

Mas esta opção também traz riscos. Alguns agressores participam dos grupos

terapêuticos a fim de evitar deste modo a prisão, participam sem nenhuma intenção de

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mudar seu comportamento. Outros intimidam suas esposas a dizer ao terapeuta que a

relação vai bem, que a violência doméstica parou, quando isto não é a verdade.

Uma outra saída é terminar a relação e tentar construir uma nova vida sem

violência. Esta é uma opção complexa para a mulher porque denota mudanças

significativas.

A fisiopatologia da agressão e violência é um vasto campo por onde deverão

desfilar infindáveis hipóteses e pesquisas porque, cada vez mais, a violência é vista

como um sério problema da saúde pública, além de constituir violação dos direitos

humanos.

Mostramos neste trabalho a relevância do assunto visto que é de abrangência

mundial sem distinção de etnia ou classe social e está numa crescente demanda.

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