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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM FARMÁCIA-BIOQUÍMICA Anorexígenos: entre reações adversas e benefícios Pascoal Renato Morgan São Paulo 2018

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM FARMÁCIA-BIOQUÍMICA

Anorexígenos: entre reações adversas e benefícios

Pascoal Renato Morgan

São Paulo

2018

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM FARMÁCIA-BIOQUÍMICA

Anorexígenos: entre reações adversas e benefícios

Pascoal Renato Morgan

Trabalho de Conclusão do Curso de

Farmácia-Bioquímica da Faculdade de

Ciências Farmacêuticas da

Universidade de São Paulo.

Orientadora:

Profa. Dra. Carolina Demarchi Munhoz

São Paulo

2018

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LISTA DE ABREVIATURAS

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária

ARCI Addiction Research Center Inventory

AVC Acidente vascular cerebral

CATEME Câmara Técnica de Medicamentos

DAT-1 Dopamine transporter 1

DM2 Diabetes mellitus tipo 2

EEG Eletroencefalografia

EMA European Medicines Agency

EUA Estados Unidos da América

FDA Food and Drug Administration

HbA1c Hemoglobina glicada

IMAO Inibidor da monoamina oxidase

IMC Índice de Massa Corporal

ITT Intenção de tratamento

kcal quilocaloria

kg quilograma

LDL Low Density Lipoprotein

LOCF Last observation carried forward

MAO Monoamina oxidase

mg miligrama

min minuto

mmHg Milímetros de mercúrio

NET Norepinephrine transporter

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OMS Organização Mundial da Saúde

PA Pressão arterial

PAD Pressão arterial diastólica

PAS Pressão arterial sistólica

RDC Resolução da Diretoria Colegiada

RR Razão de risco

SCOUT Sibutramine Cardiovascular Outcomes

SNC Sistema Nervoso Central

TDAH Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade

TNF-α Tumor necrosis factor alpha

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Fórmula do Índice de Massa Corporal (IMC) ........................................... 9

Figura 2: (±)-1-phenylpropan-2-amine (Anfetamina) ............................................. 13

Figura 3: (RS)-2-diethylamino-1-phenyl-propan-1-one (Anfepramona) ................. 15

Figura 4: 3-(1-phenylpropan-2-ylamino)propanenitrile (Femproporex) .................. 16

Figura 5: (±)-5-(4-chlorophenyl)-3,5-dihydro-2H-imidazo[2,1-a]isoindol-5-ol

(Mazindol).............................................................................................................. 17

Figura 6: (±)-dimethyl-1-[1-(4- chlorophenyl) cyclobutyl]-N,N,3-trimethylbutan- 1-

amine (Sibutramina) .............................................................................................. 25

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RESUMO

MORGAN, P.R. Anorexígenos: entre reações adversas e benefícios. 2018. no. 49. Trabalho de Conclusão de Curso de Farmácia-Bioquímica – Faculdade de Ciências Farmacêuticas – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

Palavras-chave: Obesidade, anorexígenos, sibutramina, anfetamínicos, RDC 52/011

O tratamento da obesidade é complexo e multidisciplinar, incluindo abordagens farmacológicas e não-farmacológicas. O objetivo desta pesquisa foi de comparar a eficácia e a segurança da classe dos anorexígenos, comparando o perfil da sibutramina e dos derivados anfetamínicos (anfepramona, femproporex e mazindol). Desde a apresentação, em setembro de 2011, do Projeto de Lei 2431/2011, que pretendia autorizar a produção, a comercialização e o consumo, sob prescrição médica, dos anorexígenos: sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol e da publicação da RDC 52/011 em outubro de 2011, que baniu os anorexígenos anfepramona, femproporex e mazindol e manteve o uso da sibutramina com restrições, um grande debate acerca do assunto se sucedeu, culminando na aprovação do Projeto de Lei 2431/2011 em junho de 2017 que tornou-se, então, a Lei Ordinária 13454/2017. Este trabalho de pesquisa bibliográfica se propôs a avaliar se a decisão de autorizar a sua comercialização é segura ou não, uma vez que há divergências em pontos como: se há estudos clínicos randomizados que comprovem eficácia e segurança, risco de reações adversas, efeito “rebote” e o uso indiscriminado desses medicamentos. Apesar de a literatura sobre a eficácia e segurança dos anfetamínicos ser muito mais escassa do que a da sibutramina, concluiu-se que os anfetamínicos e a sibutramina podem ser, em uma quantidade razoável de casos, uma opção eficaz e segura de tratamento para a obesidade. Deve-se considerar que nessas situações em que as opções de tratamento são limitadas, diminuir ainda mais o arsenal medicamentoso, deixando como alternativa tratamentos custosos e igualmente discutíveis quanto a sua eficácia e segurança, não parece ser o mais adequado para os pacientes que necessitam de tratamento. Com isso, torna-se mandatório que uma ampla discussão sobre o tema, baseada em dados científicos não enviesados, entre os profissionais de saúde capacitados para tal, seja periodicamente realizada e as diretrizes revistas levando-se em conta a cura do paciente e seu bem-estar.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 9

2. OBJETIVO(S) .................................................................................................... 11

3. MATERIAIS E MÉTODOS................................................................................. 11

4. RESULTADOS .................................................................................................. 12

4.1 Anorexígenos ............................................................................................... 12

4.1.1 Aminas Simpaticomiméticas (Anfetamínicos) ....................................... 12

4.1.1.1 Mecanismo de Ação Terapêutica ....................................................... 13

4.1.1.1.1 Anfepramona ................................................................................... 15

4.1.1.1.2 Femproporex ................................................................................... 15

4.1.1.1.3 Mazindol .......................................................................................... 16

4.1.1.2 Eficácia ............................................................................................... 17

4.1.1.2.1 Anfepramona ................................................................................... 17

4.1.1.2.2 Femproporex ................................................................................... 18

4.1.1.2.3 Mazindol .......................................................................................... 19

4.1.1.3 Segurança .......................................................................................... 19

4.1.1.3.1 Anfepramona ................................................................................... 19

4.1.1.3.2 Femproporex ................................................................................... 20

4.1.1.3.3 Mazindol .......................................................................................... 21

4.1.1.4 Dependência e/ou Tolerância ............................................................ 21

4.1.1.4.1 Anfepramona ................................................................................... 21

4.1.1.4.2 Femproporex ................................................................................... 22

4.1.1.4.3 Mazindol .......................................................................................... 23

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4.1.2 Sibutramina ........................................................................................... 23

4.1.2.1 Mecanismo de Ação Terapêutica ....................................................... 23

4.1.2.2 Eficácia ............................................................................................... 25

4.1.2.3 Reações Adversas ............................................................................. 32

4.1.2.4 Dependência e/ou Tolerância ............................................................ 36

5. DISCUSSÃO ..................................................................................................... 37

6. CONCLUSÃO .................................................................................................... 43

7. REFERÊNCIAS ................................................................................................. 44

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1. INTRODUÇÃO

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o sobrepeso e a

obesidade são definidos como acúmulo anormal ou excessivo de gordura que

oferece um risco para a saúde. Uma medida bruta de obesidade é o índice de

massa corporal (IMC), calculado como a razão entre o peso de uma pessoa (em

quilogramas) e o quadrado da sua altura (em metros), conforme segue:

Figura 1: Fórmula do Índice de Massa Corporal (IMC)

Uma pessoa com um IMC de 30 ou mais é geralmente considerada obesa

enquanto uma pessoa com um IMC igual ou superior a 25 é considerada com

sobrepeso.

O sobrepeso e a obesidade são os principais fatores de risco para uma

série de doenças crônicas, incluindo diabetes, doenças cardiovasculares e câncer.

No passado considerado um problema somente em países de alta renda, o

excesso de peso e a obesidade estão agora dramaticamente em ascensão em

países de baixa e média renda, particularmente em ambientes urbanos (OMS,

2017).

Os principais tratamentos para a obesidade são exercícios físicos e

restrição alimentar que costumam não ser efetivos ou apresentam resultados

positivos apenas por um curto período, restando como alternativas as técnicas

cirúrgicas ou a terapia medicamentosa (RANG, 2016).

Ainda segundo Rang (2016), no que diz respeito à terapia medicamentosa,

muitos tipos de agentes “anorexígenos” já foram testados, incluindo o dinitrofenol,

as anfetaminas, a dexfenfluramina e a fenfluramina. Mas, devido aos seus efeitos

adversos, todos foram tiveram suas prescrições suspensas e foram retirados dos

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mercados norte-americano e europeu. A fenfluramina foi aprovada em 1973 e a

dexfenfluramina em 1996 e ambas foram retiradas do mercado em 1997 tanto pela

Food and Drug Administration (FDA) quanto pela European Medicines Agency

(EMA) (KRENTZ, 2016).

Um outro fármaco que foi retirado do uso clínico na Europa e nos Estados

Unidos em 2010 é a Sibutramina. Em setembro de 2010 foi publicado o estudo (a

partir desta página, será adotado o termo estudo para se referir a estudo clínico

randomizado) Sibutramine Cardiovascular Outcomes (SCOUT), um estudo

randomizado, duplo-cego, placebo-controlado e multicêntrico, com mais de 9800

participantes que tinham história de doença cardiovascular, diabetes mellitus tipo 2

com pelo menos um outro fator de risco cardiovascular, ou ambos e que fizeram

uso de sibutramina na dose de 10mg ao dia (podendo ser aumentada até

15mg/dia a critério do investigador) por em média 3,4 anos. O estudo concluiu que

o risco de infarto do miocárdio não fatal, acidente vascular cerebral não fatal,

ressuscitação após parada cardíaca e morte cardiovascular tiveram aumento em

16% no grupo que fez uso de sibutramina em comparação com o grupo placebo e

uma análise dos três grupos de risco cardiovascular mostrou que o risco de

eventos não fatais foi aumentado entre os indivíduos tratados com sibutramina

que tinham condições cardiovasculares pré-existentes (JAMES, 2005).

Entretanto, no Brasil, mesmo com a recomendação da Câmara Técnica de

Medicamentos (CATEME), através da “Nota Técnica sobre Eficácia e Segurança

dos Medicamentos Inibidores de Apetite” de 2011, para o cancelamento do

registro da sibutramina e dos demais inibidores de apetite (anfepramona,

femproporex e mazindol), com a alegação dos riscos desses medicamentos

superarem amplamente os benefícios, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária

(ANVISA), em outubro de 2011, através da RDC (Resolução da Diretoria

Colegiada) 52/2011, decidiu banir os medicamentos à base de anfetaminas e

manter o uso dos derivados de sibutramina com restrições.

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Em setembro de 2014, através da RDC 50/2014, a ANVISA publicou uma

resolução estabelecendo que as empresas interessadas em comercializar os

medicamentos banidos poderiam passar a fazê-lo, desde que solicitassem novo

registro dos mesmos e comprovassem sua eficácia e segurança. A mesma

comprovação de eficácia e segurança não foi exigida para a sibutramina.

Mesmo com o banimento dos anfetamínicos pela ANVISA, o governo

federal sancionou, em junho de 2016, o Projeto de Lei 2.431/2011, autorizando a

produção, a comercialização e o consumo de medicamentos à base de

sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol.

2. OBJETIVO(S)

O objetivo desta pesquisa foi de comparar a eficácia e a segurança da

classe dos anorexígenos, comparando o perfil da sibutramina e dos anfetamínicos

e, com isso, avaliar se a decisão de autorizar a sua comercialização é segura ou

não.

3. MATERIAIS E MÉTODOS

Para coleta dos estudos acerca deste tema foram utilizados os bancos de

dados PubMed, SciELO e Google Scholar. Somente foram analisados artigos de

licença livre ou disponíveis para a Universidade de São Paulo.

Foram considerados os descritores: Amphetamine, Diethylpropion,

Fenproporex, Mazindol, Sibutramine, Adverse Effects e Clinical Trial e suas

combinações. Os registros de literatura médica considerados de interesse que

apresentaram essas expressões em qualquer um dos campos da base de dados –

por exemplo: título, resumo ou palavras-chave, foram avaliados. Artigos científicos

completos, publicados nos últimos 20 anos foram incluídos.

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Análise estatística

Por se tratar de uma revisão bibliográfica, a análise estatística dos dados

não é aplicável.

4. RESULTADOS

4.1 Anorexígenos

Os medicamentos anorexígenos, também conhecidos como medicamentos

antiobesidade e medicamentos supressores de apetite, constituem o ponto de

partida da terapia farmacológica para a obesidade. Esses medicamentos são

usados como adjuvantes em programas de redução de peso para pacientes

obesos mórbidos (IMC>30 kg/m). Os anorexígenos não são uma solução prática a

longo prazo para pacientes com excesso de peso e são melhor utilizados sob

supervisão médica com dieta aprovada e programa de exercícios. Os

anorexígenos são geralmente divididos em aminas simpaticomiméticas e agentes

serotoninérgicos (LEMKE, 2016).

4.1.1 Aminas Simpaticomiméticas (Anfetamínicos)

Os anorexígenos simpaticomiméticos são estruturalmente e

farmacologicamente relacionados à anfetamina e a seus análogos são

estruturalmente similares. Os anorexígenos simpaticomiméticos estão

relacionados entre si através do farmacóforo fenilpropilamina. Os anorexígenos

destinam-se, principalmente, à supressão do apetite, mas a maioria dos fármacos

dessa classe parece não ter um efeito primário sobre o apetite, sendo essas ações

secundárias à estimulação do Sistema Nervoso Central (SNC) e, como

estimulantes do SNC, têm potencial para abuso ou vício. Como resultado desse

potencial de abuso, a anfetamina e muitos dos seus primeiros análogos não estão

mais no mercado para utilização como anorexígenos (LEMKE, 2016).

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Figura 2: (±)-1-phenylpropan-2-amine (Anfetamina)

4.1.1.1 Mecanismo de Ação Terapêutica

O mecanismo de ação das aminas simpatomiméticas no tratamento da

obesidade não é completamente conhecido, mas os seguintes efeitos são

observados:

- Liberação de norepinefrina das vesículas de armazenamento do neurônio

adrenérgico;

- Bloqueio da recaptura de norepinefrina da sinapse;

- Inibição da recaptura de dopamina (a qual está ligada ao abuso e ao potencial de

dependência).

Nenhum desses efeitos ocorre especificamente no centro de apetite do

cérebro (LEMKE, 2016).

Também se sabe que drogas à base de anfetaminas reduzem a ingestão de

alimentos. Essas são substâncias aditivas devido à sua capacidade de aumentar a

liberação de dopamina, no entanto, seus efeitos anorexígenos são considerados

como resultado da modulação da neurotransmissão noradrenérgica. A ativação

dos adrenoreceptores alfa 1 e beta 2, no hipotálamo, que são reconhecidos como

receptores clinicamente importantes na regulação do peso, mostrou diminuir a

ingestão de alimentos, e os medicamentos que liberam norepinefrina ou

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bloqueiam a recaptação de norepinefrina podem ativar esses receptores (BRAY,

2000).

O mecanismo de ação de todos os agentes anorexígenos é mediado pela

estimulação do hipotálamo para diminuir o apetite. As ações anorexígenas são

mediadas pelo metabolismo da norepinefrina e dopamina; no entanto, os núcleos

hipotalâmicos também podem ser afetados pela insulina e níveis plasmáticos de

glicose. Em geral, os agentes anorexígenos também aumentam a atividade

metabólica basal, principalmente, envolvendo o metabolismo de gorduras e

carboidratos para aumentar a lipólise; no entanto, esses efeitos são

provavelmente secundários aos efeitos de supressão do apetite da droga

(Drugdex®, 2018).

Embora o uso dos derivados anfetamínicos como inibidores de apetite

esteja em debate há alguns anos pelas principais agências regulatórias, esses

fármacos são os de escolha, inclusive com alto índice de sucesso terapêutico, no

tratamento de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Além

disso, os principais fármacos utilizados no tratamento da narcolepsia são

derivados anfetamínicos.

Duas terapias baseadas em estimulantes estão aprovadas para TDAH e

para narcolepsia nos Estados Unidos e no Brasil para todas as faixas etárias e

incluem as anfetaminas (no Brasil e nos EUA a lisdexanfetamina e nos EUA uma

mistura de sais de anfetamina) e o metilfenidato. Além disso, a modafinila está

aprovada, tanto pela ANVISA quanto pelo FDA, para tratamento da narcolepsia.

O uso de estimulantes, muitas vezes ao longo da vida, levantou várias

preocupações e controvérsias ao longo dos anos, já que as anfetaminas e o

metilfenidato são classificados como substâncias que causam danos físicos e

também como substâncias conhecidas por causarem dependência. Dequalquer

forma, os estimulantes não parecem inibir o NET (norepinephrine transporter) e o

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DAT-1 (dopamine transporter) no núcleo accumbéns (a área no cérebro

responsável pela recompensa) quando tomados conforme prescrição.

Adicionalmente, estudos demonstraram que o tratamento de TDAH com

estimulantes pode diminuir o risco de abuso de substâncias, com um efeito mais

robusto quando iniciado em uma idade mais precoce (SHARMA, 2013).

4.1.1.1.1 Anfepramona

A anfepramona ou dietilpropiona é uma amina simpaticomimética com

atividade comparável às anfetaminas que exibe estimulação do sistema nervoso

central, elevação da pressão arterial e provável supressão do apetite (Bula

Tenuate®).

Figura 3: (RS)-2-diethylamino-1-phenyl-propan-1-one (Anfepramona)

4.1.1.1.2 Femproporex

O femproporex é um anorexígeno baseado em anfetaminas que é

rapidamente metabolizado em anfetaminas no organismo. A administração aguda

e crônica de femproporex mostrou um aumentou no metabolismo energético

cerebral em ratos jovens, aumentando a atividade da citrato sintase, malato

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desidrogenase, succinato desidrogenase, creatina quinase e complexos I, II, III e

IV (TOGNONI, 1972).

Figura 4: 3-(1-phenylpropan-2-ylamino)propanenitrile (Femproporex)

4.1.1.1.3 Mazindol

O mazindol1 é um imidazoisoindol anorexígeno que não é quimicamente

relacionado com anfetaminas e outros anorexígenos disponíveis (feniletilaminas)

(Drugdex®, 2018).

Apesar de uma estrutura química diferente, os efeitos farmacológicos do

mazindol são semelhantes aos dos derivados de anfetaminas, suprimindo o

apetite por meio da modificação do metabolismo da norepinefrina e da dopamina,

em oposição aos mecanismos serotoninérgicos (como se observa com a

fenfluramina). O mazindol parece bloquear a recaptação neuronal de norepinefrina

e dopamina liberadas na fenda sináptica. O fármaco produz estimulação do SNC

semelhante aos derivados de anfetaminas, porém a incidência dos seus efeitos

centrais é menor do que com as anfetaminas e é incerto se esses efeitos estão

relacionados ao mecanismo de ação da droga (Drugdex®, 2018).

1 Embora o Mazindol não seja quimicamente relacionado à anfetamina, o mesmo será abordado em conjunto

com os derivados anfetamínicos anfepramona e femproporex pelos efeitos farmacológicos semelhantes entre

eles.

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Figura 5: (±)-5-(4-chlorophenyl)-3,5-dihydro-2H-imidazo[2,1-a]isoindol-5-ol (Mazindol)

4.1.1.2 Eficácia

4.1.1.2.1 Anfepramona

Comercializada nos EUA nas formas farmacêuticas de liberação imediata e

controlada, comercializada no México, Chile e outros países da América Latina

(LUCCHETTA, 2017) e não comercializada no Brasil, a anfepramona possui

estudos de eficácia com resultados conflitantes. Dos três estudos avaliados nesta

revisão, dois estudos de duração menor concluíram que a anfepramona é eficaz

no tratamento da obesidade e um estudo de duração maior concluiu que ela não é

(BRAY, 1999; GLAZER, 2001; ARTERBURN, 2001).

Uma revisão sistemática mais recente (IOANNIDES-DEMOS, 2011) afirma

que, embora poucos (se algum) estudos clínicos randomizados, a longo prazo,

com um número grande de participantes, tenham sido realizados, diversos

estudos demonstraram perda de peso significativa com o uso da anfepramona.

A “Avaliação de Eficácia e Segurança dos medicamentos Inibidores do

Apetite” publicada pela ANVISA em 2011 concluiu que:

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1. Embora existam estudos clínicos com a anfepramona, nenhum deles foi

considerado robusto o suficiente na comprovação da eficácia do fármaco e

2. Os estudos que demonstraram que a anfepramona promove perda de peso não

avaliaram os quadros de morbidade e mortalidade resultantes das complicações

associadas à obesidade.

4.1.1.2.2 Femproporex

O femproporex, chamado também de “Brazilian diet pill”, nunca foi

comercializado nos EUA e foi retirado do mercado europeu em 1999. Foram

encontradas duas revisões sistemáticas recentes, realizadas por pesquisadores

brasileiros, sobre a eficácia e segurança do femproporex.

A primeira delas concluiu que há uma escassez de ensaios randomizados e

placebo-controlados com femproporex, e que os que foram encontrados

apresentam grandes falhas metodológicas, tais como na geração da sequência

randômica, ocultação da distribuição dos tratamentos, cegamento dos

participantes, da equipe envolvida, da avaliação dos resultados além de resultados

incompletos. Concluiu, também, que esses ensaios sugerem que o femproporex é

modestamente eficaz na promoção da perda de peso, mas sem oferecer, no

entanto, evidências de que ele reduz a morbidade e mortalidade associadas à

obesidade. Ainda, conclui que os dados desses estudos são insuficientes para

determinar o perfil risco-benefício do femproporex. Por fim, conclui que o potencial

de abuso e os efeitos adversos semelhantes a anfetaminas são motivo de

preocupação (PAUMGARTTEN, 2016).

A outra concluiu que o femproporex apresenta pouca evidência de sua

efetividade no tratamento de pacientes com sobrepeso e obesidade, além de não

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ter evidência suficiente para cumprir os critérios de eficácia do FDA (LUCCHETTA,

2017).

A “Avaliação de Eficácia e Segurança dos medicamentos Inibidores do

Apetite” publicada pela ANVISA em 2011 não comtemplava estudos ou revisões

sistemáticas sobre o femproporex.

4.1.1.2.3 Mazindol

Comercializado na Europa e nos EUA até 1999 e ainda comercializado no

Canadá, Japão e muitos países da América Latina (LUCCHETTA, 2017), estudos

com o Mazindol demonstraram que a perda de peso foi significativa durante o

tratamento, inclusive mais significativa do que outros anorexígenos (HADDOCK,

2002). Porém, a perda de peso não seria sustentada após o término do tratamento

(ARTERBURN, 2001).

Uma revisão sistemática mais recente (LUCCHETTA, 2017) mostrou que,

dos 5 estudos avaliados, 4 apresentaram redução de peso superior ao placebo.

Um dos estudos em particular teria mostrado uma redução de peso bastante

superior aos demais, sem uma explicação razoável para tal diferença.

A “Avaliação de Eficácia e Segurança dos medicamentos Inibidores do

Apetite” publicada pela ANVISA em 2011 concluiu que não foram encontrados

“estudos robustos, comprobatórios da eficácia do mazindol para o tratamento da

obesidade”.

4.1.1.3 Segurança

4.1.1.3.1 Anfepramona

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A anfepramona tem uso contraindicado em: arteriosclerose avançada,

estados agitados, durante ou dentro de 14 dias do uso de inibidores de MAO,

glaucoma, história de abuso de drogas, hipersensibilidade ou idiossincrasia a

aminas simpaticomiméticas, hipertireoidismo e hipertensão grave (DrugPoint®,

2017).

Os eventos adversos mais comuns com o uso da anfepramona são:

aumento leve de pressão arterial, aumento leve de palpitações, rash, urticária,

constipação, náusea, dor de estômago, vômito, xerostomia, estimulação do

sistema nervoso central, tontura, cefaleia, insônia, dor, visão embaçada, midríase

e inquietação (DrugPoint®, 2017).

A anfepramona pode causar os seguintes eventos adversos graves:

disritmia cardíaca, cardiomiopatia, agranulocitose, leucopenia, isquemia cerebral,

acidente cerebrovascular, transtorno psicótico (raro), hipertensão arterial pulmonar

idiopática e dependência de drogas (raro) (DrugPoint®, 2017).

O parecer da ANVISA de 2011 citou que, além dos eventos adversos

graves mencionados acima, a anfepramona pode causar ainda: hipertensão

arterial primária (HPP) causada por uma mutação nos genes BMPR2 (entre 10% e

20% dos portadores dessa mutação poderiam desenvolver HPP), hipertensão

arterial secundária, psicose, depressão, caquexia, abuso, ginecomastia e aura

visual monocular com cefaleia.

4.1.1.3.2 Femproporex

Os eventos adversos mais comuns para o femproporex em estudos

controlados são: insônia, boca seca, irritabilidade, ansiedade, sensação de maior

disposição (enhanced energy), depressão, gastralgia, espirros, fraqueza,

sialorreia, dor precordial, náusea, constipação. (PAUMGARTTEN, 2016)

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4.1.1.3.3 Mazindol

O mazindol tem uso contraindicado em: estados agitados, durante ou

dentro de 14 dias do uso de inibidores de MAO (crise hipertensiva; o mazindol

deve ser retirado pelo menos 14 dias após a administração de inibidores de MAO),

glaucoma, história de abuso de drogas, hipersensibilidade ao mazindol e doença

cardiovascular sintomática, incluindo arritmias (Drugdex®, 2017).

O mazindol pode apresentar os seguintes eventos adversos: palpitações,

taquicardia leve, rash, reações acneiformes, sudorese excessiva, transpiração

excessiva, sensibilidade à insulina, hiperinsulinemia, aumento da lipogênese, dor

abdominal, constipação, diarreia, náusea, vômito, xerostomia, inquietação, tontura,

insônia, tremores, cefaleia, depressão, sonolência, fraqueza, euforia leve,

dificuldade em iniciar à micção, dor testicular, impotência e diminuição da libido

(Drugdex®, 2017).

Foram reportados casos isolados de: psicose, afrodisia (desejo sexual

intenso), hipertensão pulmonar (Drugdex®, 2017).

4.1.1.4 Dependência e/ou Tolerância

4.1.1.4.1 Anfepramona

A anfepramona tem alguma similaridade química e farmacológica com as

anfetaminas e outros estimulantes, podendo, como esses, ocasionar dependência.

Houve relatos de indivíduos que se tornaram dependentes da anfepramona. A

possibilidade de abuso deve ser levada em conta ao avaliar a conveniência de

incluir um medicamento como parte de um programa de redução de peso (Bula

Tenuate®).

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O abuso de anfetaminas e drogas relacionadas pode estar associado a

vários graus de dependência e disfunção social que, no caso de certos

medicamentos, podem ser graves. Há relatos de pacientes que aumentaram a

dosagem muitas vezes acima do recomendado. A cessação brusca após

administração prolongada de altas doses desse medicamento resulta em fadiga

extrema e depressão mental; as mudanças também são observadas na

eletroencefalografia (EEG) do sono. Manifestações de intoxicação crônica com

medicamentos anorexígenos incluem dermatoses severas, insônia grave,

irritabilidade, hiperatividade e mudanças de personalidade. A manifestação mais

grave da intoxicação crônica é a psicose, muitas vezes clinicamente indistinguível

da esquizofrenia (Bula Tenuate®).

4.1.1.4.2 Femproporex

Segundo a “Nota técnica sobre eficácia e segurança dos medicamentos

inibidores de apetite”, publicada em 2011 pela ANVISA:

“A tolerância ao femproporex, inclusive ao seu efeito anorexígeno,

desenvolve-se rapidamente após o início do tratamento,

provavelmente por dessensibilização provocada pelo

desacoplamento da proteína G do receptor, devido a uma

fosforilação deste. O fenômeno contrário, conhecido como

sensibilização ou tolerância inversa, seria o responsável pelos

estados psicóticos em alguns usuários e ocorreria por

dessensibilização de receptores dopaminérgicos pré-sinápticos

inibitórios (D2) no núcleo accumbens. Síndrome de abstinência e

dependência também são esperados para o Femproporex” (pg. 29

e 30).

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4.1.1.4.3 Mazindol

A tolerância ao efeito anorexígeno do mazindol não ocorreu em estudos de

6 a 12 semanas de duração, no entanto, a avaliação da tolerância além deste

período de tempo não foi avaliada (Drugdex®, 2017).

A tolerância ocorre a todos os agentes anorexígenos. No entanto, nenhuma

tolerância ocorreu com mazindol após 5 meses de tratamento na obesidade.

Todavia, em um estudo clínico, após a descontinuação do mazindol, o peso

corporal dos pacientes aumentou ligeiramente mais do que nos pacientes tratados

com placebo durante um período de 8 semanas, indicando que os efeitos

favoráveis associados à droga não ultrapassam o período de administração do

fármaco (Drugdex®, 2017).

Não foram relatadas reações de abstinência, semelhantes às observadas

com anfetamina, com o mazindol, e a dependência parece ser muito rara ou

inexistente (Drugdex®, 2017).

Nenhum sinal de adição (addiction) foi relatado após 6 meses de tratamento

com mazindol 2mg por dia para obesidade. Em um estudo comparativo, não foram

relatados sintomas de abstinência após a interrupção abrupta do mazindol em 23

indivíduos obesos (Drugdex®, 2017).

4.1.2 Sibutramina

4.1.2.1 Mecanismo de Ação Terapêutica

A sibutramina é um supressor de apetite não-anfetamínico que também

pode ter propriedades antidepressivas. Atua bloqueando a recaptação neuronal de

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norepinefrina, serotonina e, em menor grau, dopamina. Ao contrário de outros

agentes anorexígenos como a dexfenfluramina, a sibutramina não possui atividade

liberadora de neurotransmissores. Em voluntários normais, o medicamento não

possui efeitos depressivos anticolinérgicos ou do sistema nervoso central. Em

animais, observou-se uma rápida downregulation2 dos receptores beta corticais, e

nos testes toxicológicos, diminuiu a alimentação e aumentou a redução de peso.

De acordo com o fabricante e outros, a sibutramina tem um novo mecanismo de

ação que seria "uma redução na ingestão de energia - os pacientes se sentem

satisfeitos mais rapidamente quando comem - e, além disso, o gasto de energia

dos pacientes é aumentado através de uma maior atividade metabólica"

(Drugdex®, 2018).

A sibutramina exerce seus efeitos farmacológicos predominantemente

através dos seus amino-metabolitos secundário (M1) e primário (M2). A própria

sibutramina inibe fortemente a recaptação de serotonina e norepinefrina in vivo,

mas não in vitro. Os metabolitos M1 e M2 inibem a recaptação de serotonina e

norepinefrina tanto in vivo como in vitro (Drugdex®, 2018).

2 Processo pelo qual uma célula diminui a quantidade de um componente celular em resposta a uma variável

externa.

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Figura 6: (±)-dimethyl-1-[1-(4- chlorophenyl) cyclobutyl]-N,N,3-trimethylbutan- 1-amine (Sibutramina)

4.1.2.2 Eficácia

Uma revisão sistemática que avaliou 5 estudos de sibutramina (3 para

perda de peso e 2 para manutenção) encontrou que a terapia com sibutramina

produziu 4,3kg (95% IC3: 3,6kg a 4,9 kg) a mais de redução de peso em

comparação com placebo em estudos com duração de 1 ano. A taxa média de

atrito4 foi de 43%. Resultados semelhantes foram observados em estudos de

manutenção de peso. Foram observadas pequenas melhorias nos níveis de

colesterol lipoproteico de alta densidade e triglicerídeos, mas a terapia com

sibutramina foi associada a um aumento líquido da pressão arterial sistólica [(1,9

mmHg (95% IC: 0,2 mmHg a 3,6 mmHg; p=0.06)] e diastólica (1 mmHg a 4

mmHg) estatisticamente significante. Esses resultados confirmam os achados

3 Intervalo de Confiança. Um intervalo de confiança é uma amplitude de valores, derivados de estatísticas de

amostras, que têm a probabilidade de conter o valor de um parâmetro populacional desconhecido (Minitab,

2018).

4 A principal força avaliativa de estudos controlados randomizados é que cada grupo é geralmente equilibrado

em todas as características, com qualquer desequilíbrio ocorrendo por acaso. No entanto, durante muitos

estudos, os participantes são perdidos no seguimento. Esse desgaste impede a realização de uma análise

completa de intenção de tratamento (ITT) e pode introduzir um viés (DUMVILLE, 2006).

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relatados em avaliações anteriores envolvendo as prescrições de orlistat5 e

sibutramina. O artigo já pontuava que o aumento da pressão arterial e da

frequência cardíaca observada com a terapia com sibutramina são relevantes e

ressaltam a necessidade de estudos que examinem o efeito da terapia com

sibutramina sobre mortalidade e morbidade cardiovascular e que se a sibutramina

for prescrita, é necessário um monitoramento cuidadoso da pressão arterial. O

artigo concluiu que devido à falta de dados, não foi possível tirar conclusões sobre

a eficácia relativa do orlistat ou da sibutramina em diferentes faixas de IMC e em

pacientes com doença cardiovascular pré-existente e que o papel da combinação

de terapia antiobesidade é similarmente desconhecido (PADWAL, 2002).

Em uma outra revisão, do mesmo autor, foram avaliados 3 artigos sobre

sibutramina. Na comparação dos resultados dos três estudos, os pacientes em

terapia com sibutramina perderam 4,3kg (95% IC: 3,6kg a 4,9 kg) ou 4,6% (95%

IC: 3,8% a 5,4%) mais peso do que aqueles que tomaram placebo. No total, 34%

mais pacientes alcançaram pelo menos 5% de perda de peso e 15% alcançaram

pelo menos 10% de perda de peso no braço de sibutramina em comparação com

o placebo. A heterogeneidade estatística foi observada no último desfecho

(P6=0.0008), possivelmente devido a diferenças na magnitude do efeito do

tratamento observadas entre populações predominantemente hipertensas e não

hipertensas. A falta de medidas de variabilidade e heterogeneidade estatística

substancial limitaram uma meta-análise quantitativa para vários desfechos. Tal

como com os estudos com o orlistat, não foram encontrados dados de mortalidade

5 O orlistat é um potente inibidor específico das lipases gastrintestinais, reversível, porém de longa atuação. O

orlistat exerce sua atividade terapêutica exclusivamente na luz do estômago e do intestino delgado, formando

uma ligação covalente com a porção serina do sítio ativo das lipases gástrica e pancreática, não havendo

necessidade de absorção sistêmica para a atividade do medicamento. A enzima inativada é incapaz de

hidrolisar a gordura proveniente dos alimentos, na forma de triglicérides, em ácidos graxos livres e

monoglicerídeos absorvíveis (Bula Orlistat, Brainfarma).

6 O valor-p é definido como a probabilidade de se observar um valor da estatística de teste maior ou igual ao

encontrado. Tradicionalmente, o valor de corte para rejeitar a hipótese nula é de 0,05, o que significa que,

quando não há nenhuma diferença, um valor tão extremo para a estatística de teste é esperado em menos de

5% das vezes (FERREIRA, 2015).

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ou morbidade cardiovascular. A sibutramina não teve efeito clínico ou

estatisticamente significativo no colesterol total, colesterol LDL e controle

glicêmico. O aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca observada com

a terapia com sibutramina foi preocupante, uma vez que pode causar sérias

complicações, principalmente em pacientes com histórico de problemas

cardiovasculares, e ressalta a necessidade de estudos que examinem o efeito da

terapia com sibutramina sobre a mortalidade e morbidade cardiovascular. Esse

agente está atualmente contraindicado em pacientes com história de doença

arterial coronariana, insuficiência cardíaca congestiva, arritmias, doença

cerebrovascular e hipertensão não controlada. No restante dos pacientes que

recebem sibutramina, o monitoramento cuidadoso da pressão arterial é obrigatório

(PADWAL, 2003).

A sibutramina e o orlistat são os agentes mais estudados, mas a

interpretação dos dados é limitada devido a altas taxas de atrito. Ambos os

medicamentos parecem ter uma eficácia modesta na promoção e manutenção da

perda de peso. Mesmo uma quantidade modesta de perda de peso pode ser

benéfica, particularmente em indivíduos de alto risco, como aqueles com

tolerância à glicose diminuída. No entanto, são necessários estudos mais longos e

mais rigorosos metodologicamente para examinar desfechos como a mortalidade

e a morbidade cardiovascular antes de recomendações mais definitivas sobre o

papel desses medicamentos no manejo de pacientes obesos (PADWAL, 2003).

Uma revisão sistemática (ARTERBURN, 2004) identificou um estudo que

avaliou eficácia da sibutramina na manutenção de peso. Todos os 605

participantes receberam sibutramina, 10mg/dia, durante 6 meses. Os 467

participantes com perda de peso maior que 5% foram randomizados (na

proporção 2:1) para sibutramina, 10mg/dia a 20mg/dia ou placebo durante 18

meses. Apenas 56% dos participantes tiveram acompanhamento completo no

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ponto final de 2 anos. Ao usar o método LOCF7 (last observation carried forward),

os participantes que receberam sibutramina versus aqueles que receberam

placebo perderam mais peso nos 2 anos de estudo: 4,0kg (IC 95%, 2,4kg a 5,6 kg)

(ARTERBURN, 2004).

Outros dois estudos forneceram informações sobre a recuperação do peso

após a interrupção da terapia com sibutramina. A segunda fase de um estudo

randomizado, duplo-cego, cruzado (crossover), forneceu dados sobre a

recuperação de peso. Após receber sibutramina na primeira fase do estudo,

10mg/dia, por 6 meses, 55 participantes perderam em média 7,5kg. Na segunda

fase do estudo, de mais 6 meses de tratamento, 40 participantes passaram para o

placebo e recuperaram 3,2kg (ou 43% de recuperação de peso). Um grupo que

utilizou placebo no estudo de manutenção de peso, com duração de 2 anos,

forneceu dados sobre a recuperação de peso aos 18 meses. Nesse estudo, todos

os participantes receberam sibutramina, 10mg/dia, durante 6 meses e

conseguiram uma perda média de peso de 11,3kg. Durante a fase de manutenção

do peso, os 115 participantes que receberam placebo por 18 meses recuperaram

6,2kg (ou 55% de recuperação de peso), já os pacientes do grupo da sibutramina,

em média, mantiveram seu peso por mais um ano, com uma ligeira inclinação

ascendente de ganho de peso após 1 ano (ARTERBURN, 2004; JAMES, 2000).

Uma meta-análise concluiu que a sibutramina promove uma perda de peso

modesta, mas que pode ser clinicamente significante: 4,45kg (95% IC, 3,62kg a

5,29kg) em 12 meses quando administrada juntamente com uma dieta alimentar

balanceada (LI, 2005).

7 Essa técnica substitui os dados faltantes de um participante após a sua descontinuação, utilizando a última

medida disponível e assume que as respostas do participante teriam sido estáveis desde o ponto de

descontinuação até a conclusão do estudo, em vez de assumir que essas pioraram ou melhoraram. Também

pressupõe que os dados faltantes estão "faltando completamente ao acaso" (ou seja, que a probabilidade de

abandono não está relacionada a variáveis, como a gravidade da doença, sintomas, atribuição de grupo ou

efeitos colaterais do fármaco em teste) (MOLNAR, 2008).

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Outra meta-análise avaliou 10 estudos sobre a sibutramina sendo que,

desses, 2 eram limitados a participantes hipertensos com pressão arterial

controlada e 3 recrutaram participantes com diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Dos 10

estudos, 7 eram sobre perda de peso e 3 sobre manutenção do peso eliminado

com o uso de sibutramina. A análise foi de estudos com qualidade semelhantes,

mas com alta taxa de atrito (em média 40%), o que compromete a análise de

intenção de tratamento8 (ITT). Diversas variáveis antropométricas apresentaram

heterogeneidade significativa, mas não se julgou essa heterogeneidade

clinicamente significante. Os participantes que utilizaram sibutramina perderam

4,2kg (3,6kg a 4,7kg, 8 estudos) ou 4,3% (3,7% a 5,0% em 10 estudos) mais peso,

em média, do que os que utilizaram placebo. Cerca de 10% a 30% mais pacientes

no braço sibutramina alcançaram manutenção de peso bem-sucedida em

comparação com o placebo (manutenção de peso bem-sucedida foi definida como

manutenção de 80% a 100% da perda de peso inicial). O tratamento com

sibutramina reduziu significativamente o índice de massa corporal, a

circunferência abdominal, as concentrações de triglicerídeos e as concentrações

aumentadas de colesterol de lipoproteínas de alta densidade. A mudança nas

variáveis glicêmicas e as concentrações de colesterol de lipoproteínas de baixa

densidade e colesterol total foram relatadas inconsistentemente e, quando

relatadas, não foram significativamente diferentes dos valores no grupo placebo

em qualquer estudo (RUCKER, 2007).

Outro estudo de meta-análise avaliou um estudo que demonstrou que,

embora a sibutramina tenha reduzido o peso corporal na mesma magnitude que o

orlistat, ela não apresentou os mesmos efeitos benéficos sobre a pressão arterial

(PA). Em 2 estudos utilizando uma dosagem de 20mg/dia, que era a mais alta do

que a dose aprovada na Alemanha, na época do estudo, de 10mg/dia a 15mg/dia,

a PA aumentou nos pacientes tratados com sibutramina. O estudo, porém, não

discute se esse aumento de PA está relacionado com a dosagem mais elevada de

8 Uma análise por intenção de tratamento é aquela em que todos os participantes de todos os grupos são

seguidos até o fim, independentemente do que ocorrer com cada um deles (AMATUZZI, 2006).

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sibutramina. Essa relação uso de sibutramina e aumento da PA é ainda mais

evidenciada nos estudos que fazem uma comparação direta dos resultados entre

orlistat e sibutramina. Descobriu-se que, enquanto em pacientes do grupo orlistat

(120 mg, 3 vezes ao dia), uma redução de 8,4kg de peso corporal resultou em

uma redução na pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD)

de 4,0mmHg e 3,0mmHg, respectivamente, a mesma perda de 8,3kg no grupo da

sibutramina não causou alteração da PA em pacientes tratados com sibutramina,

10mg/dia. Além disso, em uma meta-análise comparando a sibutramina e placebo

em pacientes com ou sem hipertensão arterial basal, foram encontrados aumentos

significativos na PAS (1,6mmHg) e PAD (1,8mmHg) no grupo de tratamento com

sibutramina apesar do grande efeito sobre a perda de peso nesse grupo

(HORVATH, 2008).

Antes da retirada da sibutramina dos mercados estadunidense e europeu,

uma equipe conduziu uma série de estudos sobre a sibutramina e seus efeitos

sobre o peso corporal, controle glicêmico, resistência à insulina e inflamação em

pacientes hipertensos obesos e em pacientes obesos com diabetes em

monoterapia ou em associação com a L-carnitina. A L-carnitina é uma molécula

endógena envolvida no metabolismo de ácidos graxos, biossintetizada no corpo

humano, utilizando os aminoácidos L-lisina e L-metionina, como substratos. A L-

carnitina e seus ésteres ajudam a reduzir o estresse oxidativo e por isso foi

proposta como um tratamento para muitas condições, incluindo a perda de peso.

O artigo afirma que a sibutramina é claramente eficaz na redução do peso corporal

e da circunferência abdominal; além disso, a ingestão de sibutramina não foi

associada a nenhum efeito cardiovascular e geralmente foi bem tolerada. A

sibutramina também foi eficaz na melhoria da resistência à insulina e dos

parâmetros inflamatórios. No último estudo, foram recrutados 254 pacientes com

DM2 não controlado em terapia com diferentes agentes hipoglicemiantes orais ou

insulina e randomizados para tomar 1mg de sibutramina mais L-carnitina 2g ou

10mg de sibutramina em monoterapia. Tanto a sibutramina quanto a sibutramina

mais L-carnitina melhoraram o perfil glicêmico e lipídico e os níveis de leptina,

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TNF-α e proteína c-reativa de alta sensibilidade. Ainda, a associação de

sibutramina e L-carnitina proporcionou redução do peso corporal, hemoglobina

glicada, insulina plasmática em jejum, HOMA-IR9 (homeostatic model

assessment), vaspina e adiponectina em comparação com a sibutramina

isoladamente (DEROSA, 2012).

Uma revisão sistemática avaliou 44 estudos envolvendo a sibutramina e

concluiu que a mesma nas concentrações de 10mg e 15mg aumentou

significativamente as chances de atingir uma perda de peso de 5% em

comparação com o placebo, com o maior efeito observado aos 3 meses iniciais,

mas com efeito reduzido ao longo do tempo. Apenas um estudo de três braços

relatou dados sobre 10% de perda de peso aos 3 meses e não foram observadas

diferenças estatisticamente significativas entre placebo e 10mg ou 15mg de

sibutramina. Os tratamentos ativos (orlistat, sibutramina 10mg, sibutramina 15mg

e uma combinação de orlistat e sibutramina) foram superiores ao placebo aos 6 e

12 meses. Em linha com os desfechos para a mudança de peso aos 3 meses,

todos os tratamentos ativos foram associados com reduções significativas no IMC

em comparação com o placebo. Não houve diferença entre mudança de estilo de

vida e placebo. Aos 6 meses, nenhum dos tratamentos ativos ou mudança de

estilo de vida foi significativamente melhor do que o placebo. Aos 12 meses,

orlistat e sibutramina 15mg apresentaram redução significativamente maior do

IMC em comparação com o placebo. Nenhuma diferença foi observada entre

sibutramina 10mg ou mudança de estilo de vida e placebo. A sibutramina 15mg

teve a maior probabilidade (62,4%) de ser a melhor intervenção em termos de

redução de IMC.

9 Calculado através da fórmula: HOMA-IR = [(glicemia jejum x insulinemia jejum) ÷ 405]. Considera-se como

valor normal um HOMA-IR de até 2,8.

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As análises de sensibilidade10 foram realizadas apenas na variável de

alteração de peso em 12 meses. Incluir apenas os estudos que utilizaram

explicitamente uma análise ITT forneceu resultados comparáveis à análise

principal, incluindo todos os estudos. Excluir os estudos que utilizaram um período

de wash-in levou a menores reduções médias de peso em comparação com o

placebo. Por exemplo, a principal análise mostrou que, em média, aqueles que

tomaram 15mg de sibutramina perderam 6,35kg mais do que os que receberam

placebo e isso foi reduzido para 3,83kg quando os estudos com wash-in11 foram

excluídos. Os resultados mostraram que as intervenções que foram retiradas do

uso (sibutramina e rimonabanto12) parecem ser as mais eficazes em termos de

perda de peso em comparação com o placebo, sugerindo que podem estar

disponíveis no futuro se o risco de efeitos colaterais puder ser atenuado (GRAY,

2012).

Um artigo de revisão considerou a retirada da sibutramina dos mercados

estadunidense e europeu controversa. De acordo com o artigo, 90% dos

indivíduos recrutados no estudo SCOUT teriam contraindicação, de acordo com a

bula, ao uso da sibutramina. Além disso, os não respondedores não teriam sido

excluídos do estudo (HAINER, 2014).

4.1.2.3 Reações Adversas

A sibutramina é contraindicada em: idade acima de 65 anos, história de

doença cerebrovascular (acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico

transitório), uso concomitante com inibidores da monoamina oxidase (IMAOs),

sendo que pelo menos 2 semanas devem decorrer entre o uso de sibutramina e

10 Na análise de sensibilidade varia-se a forma de análise dos dados para saber a repercussão dessa

mudança nos resultados (PEREIRA, 2014).

11 Período no qual o participante recebe placebo ou quando nenhum tratamento é dado.

12 É um agonista inverso do receptor canabinóide CB1. Sua principal via de efeito é a redução do apetite. É o

primeiro bloqueador seletivo do receptor CB1 a ser aprovado para uso em qualquer lugar do mundo

(Drugbank®, 2018). Foi aprovado pela FDA/EMA em 2006 e retirado do mercado em 2009 (KRENTZ, 2016).

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IMAO, uso concomitante com outros medicamentos de perda de peso de ação

central, história de insuficiência cardíaca congestiva, história de doença arterial

coronariana (por exemplo, angina, história de infarto do miocárdio), distúrbios

alimentares graves (por exemplo, anorexia nervosa ou bulimia nervosa), história

de arritmias cardíacas, hipersensibilidade à sibutramina ou a qualquer outro

componente do produto, hipertensão não controlada (por exemplo, maior que

145/90 mmHg), história de doença oclusiva arterial periférica (Drugdex®, 2018).

No estudo Effect of Sibutramine on Cardiovascular Outcomes in Overweight

and Obese Subjects (SCOUT) os participantes que foram randomizados para o

grupo da sibutramina (n = 4906) tiveram maior taxa de eventos cardiovasculares

em comparação com o placebo (n = 4898). A população do estudo incluiu

pacientes com 55 anos de idade ou mais (idade média de 63,2 anos), com

sobrepeso ou obesidade e que tinham história de doença cardíaca, diabetes tipo 2

mais 1 fator de risco cardiovascular adicional ou doença cardíaca mais diabetes

tipo 2. Ataque cardíaco recente ou acidente vascular cerebral e insuficiência

cardíaca congestiva mal controlada foram critérios de exclusão do estudo. Todos

os pacientes receberam 10mg de sibutramina por dia durante 6 semanas e foram

então randomizados para continuar com 10mg ou 15mg de sibutramina ou

alterados para placebo para acompanhamento a longo prazo. Todos os pacientes

receberam aconselhamento individual para um plano de dieta alimentar e

exercícios físicos, com o objetivo de reduzir a ingestão calórica em 600

quilocalorias (Kcal) por dia. Após uma duração média de tratamento de 3,4 anos, o

objetivo primário combinado de ataque cardíaco, acidente vascular cerebral,

parada cardíaca com ressuscitação e morte ocorreu em 11,4% dos pacientes no

grupo sibutramina, em comparação com 10% no grupo placebo. O risco

cardiovascular superior ao esperado para os pacientes tratados com sibutramina

correlacionou-se com uma razão de risco13 (RR) de 1,16 (intervalo de confiança de

95% (IC), 1,03 a 1,31, p=0,02). Foram observadas taxas significativamente

maiores de infarto do miocárdio não fatal e acidentes vascular cerebral (AVC) não

13 É a razão entre a chance de um evento ocorrer em um grupo e a chance de ocorrer em outro grupo.

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fatais no braço de sibutramina em comparação com o placebo, com RR 1,28 (IC

95%, 1,04 a 1,57; p=0,02) e 1,36 (IC 95%, 1,04 a 1,77; p=0,03), respectivamente.

A análise de subgrupos revelou que, nos pacientes com doença cardíaca e

diabetes, o braço de sibutramina apresentou taxas significativamente maiores do

ponto final cardiovascular combinado (RR, 1,18; IC 95%, 1,02 a 1,37) e AVC (HR,

1,45; 1,05 a 2; ambos p=0,02). Os resultados para os subgrupos apenas para

diabetes e doença cardíaca não foram significativos. No entanto, é importante

notar que o recrutamento desses dois subgrupos parou após 15 meses, devido a

taxas de eventos gerais inferiores às previstas nos pacientes, e o estudo foi

interrompido antes da duração prevista de 6 anos. Assim, é possível que haja um

poder insuficiente para detectar quaisquer efeitos significativos do tratamento de

sibutramina nesses dois subgrupos (JAMES, 2010).

Foram reportados os seguintes eventos adversos com o uso da

sibutramina: doenças da artéria coronária (angina, infarto do miocárdio,

insuficiência cardíaca congestiva, taquicardia, doença oclusiva arterial periférica

arritmia), dor no peito, anormalidades no eletrocardiograma, distúrbio da válvula

cardíaca, hipertensão, infarto do miocárdio, palpitações, intervalo QT prolongado,

taquiarritmia, vasodilatação, acne, erupção bolhosa, herpes simplex, erupções

cutâneas, sudorese, hiponatremia, aumento da sede, dor abdominal, obstrução

intestinal, constipação, distúrbios do reto, gastrite, hemorragia gastrointestinal,

aumento do apetite, indigestão, perda de apetite, náusea, alteração no paladar,

vomito, xerostomia, anemia, equimoses, hemorragia, linfadenopatia,

trombocitopenia, exames de função hepática anormais, reação de

hipersensibilidade, artralgia, artropatia, dor nas costas, mialgia, dor na nuca,

tenossinovite, astenia, estimulação do sistema nervoso central, acidente

cerebrovascular, tontura, dor de cabeça, insônia, enxaqueca, parestesia,

convulsão, síndrome serotoninérgica, sonolência, ataque isquêmico transitório,

distúrbios do ouvido, otalgia, ansiedade, depressão, nervosismo, mania,

mudanças de humor, ataques de pânico, transtorno psicótico, comportamento

suicida, nefrite intersticial, doença infecciosa do trato urinário, candidíase,

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35

dismenorreia, menometrorragia, tosse, laringite, faringite, rinite, sinusite, lesão

acidental, morte, dependência, doença semelhante a gripe (Drugdex®, 2018).

Os estudos avaliados para eficácia da sibutramina reportaram as seguintes

reações adversas:

Em relação a outros resultados avaliados, os autores não identificaram

qualquer evidência de que a sibutramina reduz a mortalidade ou a morbidade de

doenças associadas à obesidade. Os resultados da pressão arterial sistólica e

diastólica variaram; alguns estudos relataram pequenas diminuições, e outros

estudos relataram pequenos aumentos. O nível de glicose no sangue em jejum e o

nível de hemoglobina A1c (hemoglobina glicada) diminuíram ligeiramente nos

pacientes tratados com sibutramina, mas nenhum efeito consistente sobre o

colesterol ou os desfechos lipídicos foi observado. A análise de eventos adversos

não identificou nenhum estudo em que os participantes morreram. A análise

mostrou que em pacientes que tomaram sibutramina, a frequência cardíaca foi

consistentemente aumentada em cerca de 4 batimentos/min (LI, 2005).

Em relação a reações adversas, todos os eventos foram relatados como

leves ou moderados; a ingestão de sibutramina não foi associada a nenhum efeito

cardiovascular e geralmente foi bem tolerada, mesmo que os estudos não visavam

avaliar desfechos cardiovasculares (DEROSA, 2012).

A terapia com sibutramina foi associada com aumentos líquidos na pressão

arterial sistólica [1,9mmHg (IC 95%: 0,2mmHg a 3,6mmHg, teste de

heterogeneidade: p=0,06); em comparação com o placebo. Da mesma forma, a

sibutramina causou aumentos líquidos na pressão arterial diastólica em todos os

quatro ensaios, variando de 1mmHg a 4mmHg. Esses resultados foram

estatisticamente significativos em todos os estudos, mas os dados não foram

agrupados devido à heterogeneidade substancial entre os ensaios. As alterações

da pressão arterial foram devidas a uma combinação de um ligeiro aumento da

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pressão arterial no grupo da sibutramina, bem como a uma pequena diminuição

no grupo do placebo. Todos os ensaios mostraram aumentos maiores na

frequência cardíaca em pacientes com terapia de sibutramina. Esse aumento,

medido entre quatro a seis batimentos por minuto, foi estatisticamente significante

(p<0,05) em três ensaios. Os dados não foram agrupados devido à falta de

medidas de variabilidade (PADWAL, 2002).

A terapia com sibutramina foi associada com aumentos líquidos na pressão

arterial sistólica de 0,8 mmHg (IC 95%: 0,6mmHg a 1,1mmHg) e pressão arterial

diastólica de 0,7mmHg a 3,3mmHg (P <0.05 para os três estudos) em comparação

com placebo. Os dados não foram combinados quantitativamente para a pressão

arterial diastólica devido à heterogeneidade estatística substancial. O tratamento

com sibutramina também foi associado a aumentos da frequência cardíaca de 4

batimentos a 6 batimentos por minuto, que foi estatisticamente significativo

(p<0,05) em dois ensaios (PADWAL, 2003).

Insônia, náusea, boca seca e constipação foram comuns em pacientes com

terapia de sibutramina, ocorrendo em taxas de frequência de 7% a 20%

(PADWAL, 2002; PADWAL, 2003).

Em comparação com o placebo, a sibutramina aumentou a pressão arterial

sistólica em 1,7m Hg (0,1mmHg a 3,3mmHg, sete estudos), pressão arterial

diastólica em 2,4mmHg (1,5mmHg a 3,3mmHg, sete estudos) e frequência

cardíaca em 4,5 batimentos/min (3,5 batidas/min a 5,6 batidas/min; sete estudos).

Insônia, náusea, boca seca e constipação foram comuns em pacientes que

receberam sibutramina, ocorrendo em taxas de frequência de 7% a 20%

(RUCKER, 2007).

4.1.2.4 Dependência e/ou Tolerância

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A Sibutramina parece ter um baixo potencial de dependência e abuso de

acordo com um estudo duplo-cego e randomizado em 31 usuários recreativos de

estimulantes. As pontuações no Addiction Research Center Inventory (ARCI)

mostraram uma maior resposta estimulante e eufórica para dextroanfetamina 30

mg versus dextroanfetamina 20 mg, e ambas as doses produziram uma resposta

significativamente maior do que o placebo (p<0,05). As respostas à sibutramina

(20mg a 30mg) foram estatisticamente indistinguíveis do placebo. O valor de

compra nas ruas estimado para a dextroanfetamina foi maior que para a

sibutramina ou o placebo. A sensação de prazer foi menor durante as sessões nas

quais a sibutramina foi usada (COLE, 1998).

5. DISCUSSÃO

Apesar do parecer técnico da ANVISA, contrário à comercialização dos 4

fármacos avaliados no presente trabalho (e posterior liberação apenas da

sibutramina), vários médicos especialistas e sociedades médicas, como, por

exemplo, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a Sociedade

Brasileira de Diabetes e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da

Síndrome Metabólica, se posicionaram contrariamente à retirada dos

anorexígenos do mercado brasileiro, alegando, dentre outras coisas, que “Se há

grupo de medicamentos com consenso entre sociedades médicas (sobre seu uso)

e dispensado (liberado) em outros países, acreditamos que é direito do médico

brasileiro ter esses medicamentos em seu arsenal contra a obesidade, mesmo

com as limitações dessas substâncias.”14

Um estudo realizado no contexto dessa discussão, placebo-controlado, de

52 semanas de acompanhamento, comparativo entre anfepramona, femproporex,

mazindol, fluoxetina e sibutramina, por pesquisadores da Universidade Federal do

Paraná, concluiu que, com exceção da fluoxetina, todos os outros fármacos

14Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-40748267

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mostraram um perfil benefício-risco satisfatório para alcançar a perda de peso

sustentada em mulheres obesas na pré-menopausa (SUPLICY, 2014). Os vieses

apontados pelos próprios pesquisadores foram a não utilização de cegamento no

estudo, restrição do limite superior de IMC em 40kg/m², idade e exclusão de

homens. Além disso, por conta do número pequeno de participantes e da taxa alta

de dropout15 (25,9%), não foi possível estabelecer conclusões definitivas sobre a

segurança dos fármacos. O estudo sugere que as agências reguladoras no Brasil

e em outros países deveriam rever o papel desses agentes mais antigos e baratos

na luta contra a epidemia de obesidade.

Os anorexígenos são alvo de polêmicas pelo menos desde a década de

1990, persistindo até os dias atuais. Com a publicação do estudo SCOUT, mesmo

a sibutramina, teoricamente com melhor perfil de eficácia e segurança em relação

aos anfetamínicos, teve o registrado caçado na Europa e nos EUA. Com a

publicação da nota técnica da ANVISA sugerindo que o mesmo fosse feito no

Brasil com a sibutramina, além dos anfetamínicos, a sociedade médica reagiu em

peso, alegando que a prática clínica, tanto de prescrição quanto de

acompanhamento dos pacientes seria argumento para atestar a eficácia e

segurança desses anorexígenos.

Embora o estudo SCOUT seja o grande responsável pela suspensão da

venda da sibutramina na Europa e nos EUA, alguns estudos (e parte considerável

da sociedade médica brasileira envolvida com obesidade) sugerem que o SCOUT

incluiu participantes com risco aumentado de doenças cardiovasculares, seja

devido a fatores de riscos relacionados à obesidade (como DM2) seja por história

de doenças cardiovasculares e que isso teria contribuído (no todo ou em parte)

para o resultado do estudo.

Como diz o título do trabalho, a questão central é avaliar os riscos,

manifestados pelas reações adversas, e os benefícios, demonstrados pela eficácia

15 Quando um participante inicia o estudo, mas é descontinuado dele prematuramente.

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de cada um dos fármacos. Por um lado, há a ANVISA, que avalia que os riscos

superam os benefícios, se baseando nos estudos clínicos que ela avaliou. Por

outro lado, há os médicos especialistas e sociedades médicas, que avaliam que

os benefícios superam os riscos e que a retirada dos medicamentos do mercado

seria o verdadeiro risco aos pacientes.

Se, por um lado, a ANVISA se vale dos estudos publicados para defender a

retirada dos anorexígenos do mercado, por outro lado, muitos questionam a

interpretação feita por ela em relação aos resultados desses estudos, colocando,

muitas vezes, em xeque, o próprio resultado dos estudos, que são publicados em

periódicos renomados. Assim, se a prática clínica tem divergido do que os estudos

têm demonstrado, é questionável o quão controlados esses estudos estão sendo,

podendo divergir bastante do que é encontrado no dia-a-dia.

Segundo o Consenso Latino Americano de Obesidade, a intervenção

farmacoterapêutica torna-se necessária quando mudanças no “estilo de vida” não

produzem os efeitos desejados e/ou quando comorbidades podem colocar em

risco a vida do paciente obeso. Como critérios para a indicação da farmacoterapia

no tratamento da obesidade, podemos citar: o medicamento não deve ser critério

único de tratamento; deve estar focada no tratamento integral do paciente obeso e

não exclusivamente na redução de peso; e o tratamento deve ser prescrito e

acompanhado por um especialista (RADAELLI, 2016).

A terapia medicamentosa disponível no Brasil é composta por quatro

medicamentos:

• Sibutramina, registrada em março de 1998 e amplamente discutida no

presente trabalho;

• Orlistat, registrado no final dos anos 1990. Em estudos de 1 a 2 anos de

duração, o tratamento com orlistat levou a perda de peso de ~3% em

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relação ao placebo. Em um estudo de 4 anos, o tratamento com orlistat

produziu ~2,4% de perda de peso em relação ao placebo e menor

incidência (6,2% vs. 9,0%) de diabetes em pacientes com obesidade e pré-

diabetes. Atualmente, o orlistat é o único medicamento para perda de peso

aprovado para uso em adolescentes. Apesar do seu bom perfil de

segurança, o uso do orlistat é limitado por seus efeitos adversos

gastrointestinais, incluindo fezes oleosas, flatos e urgência fecal. Os

pacientes devem ser avisados para tomar um suplemento multivitamínico

diário para compensar a absorção reduzida de vitaminas lipossolúveis

(KISHORE, 2018);

• Lorcasserina16, registrada em 2016. Em 3 estudos clínicos avaliados, o

tratamento com lorcasserina alcançou 3,0% a 3,6% de perda de peso em

relação ao placebo em 1 ano de tratamento. Quando o tratamento foi

continuado por mais um ano, quase metade do peso perdido foi

recuperado. A informação de prescrição para lorcasserina recomenda a

interrupção do medicamento se a perda de peso for <5% após 12 semanas.

No entanto, em um estudo recentemente publicado, apenas 28% dos

pacientes tratados com lorcasserina obtiveram perda de peso de 5% às 12

semanas. Em geral, a lorcasserina é bem tolerada, mas sua eficácia é

marginal. À luz das observações de doença cardíaca valvular em pacientes

tratados com os fármacos serotonérgicos retirados do mercado,

fenfluramina e dexfenfluramina, foram realizadas avaliações

ecocardiográficas em estudos de lorcaserina revelando um risco relativo de

1,16 (IC 95%: 0,81 a 1,67) para o fármaco. Após exigência da FDA, um

teste de resultados cardiovasculares está em andamento (KISHORE,

2018);

16 A Locarsserina é um agonista seletivo para os receptores 5-HT2C.

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• Liraglutida17, registrada no início de 2016. A liraglutida resulta em 4,0% a

5,4% de perda de peso em relação ao placebo ao 1 ano. Em um dos

estudos em que o tratamento duplo-cego foi prolongado por mais 2 anos,

2,0% dos pacientes pré-diabéticos em uso de liraglutida desenvolveram

diabetes em comparação com 6,2% em placebo. Em um estudo de

manutenção de peso, pacientes obesos que perderam uma média de 6%

com uma dieta baixa em calorias, conseguiram uma perda de peso

adicional de 6,2% com liraglutida (versus 0,2% para placebo) ao longo de

um ano. Um estudo que avaliou a segurança cardiovascular da liraglutida

com um acompanhamento médio de 3,8 anos demonstrou menor incidência

de eventos adversos cardiovasculares graves com liraglutida 1,8mg em

pacientes com DM2. Náuseas e diarreia são muito comuns com liraglutida,

especialmente no primeiro mês (KISHORE, 2018).

Não há um medicamento ideal para tratamento da obesidade. Muitos dos

medicamentos que são utilizados para tratar a obesidade acabaram tendo essa

indicação como secundária ao uso do medicamento, como é o caso dos

serotoninérgicos e antidepressivos, por exemplo. Os medicamentos disponíveis

hoje no mercado brasileiro ou possuem uma eficácia limitada (orlistast), segurança

posta em dúvida (lorcasserina, sibutramina), ou valor de tratamento elevado

(liraglutida).

O tratamento cirúrgico é indicado para pacientes com IMC≥ 40 kg/m² e ≥ 35

kg/m² na presença de comorbidades relacionadas ao peso, como o DM2, com

cortes de IMC mais baixos para banda gástrica ajustável. Os procedimentos

cirúrgicos comuns são a gastrectomia vertical (58%), o bypass gástrico em Y de

roux (38%), banda gástrica ajustável (3%) e o desvio biliopancreático com

derivação duodenal (1%), para o qual existem poucos dados de resultados

disponíveis (KISHORE, 2018).

17 A liraglutida é um peptídeo semelhante a glucagon 1 (GLP-1) aprovado em 1,8mg para DM2 e em uma

dose mais elevada de 3,0 mg para obesidade. É administrado como injeção subcutânea diária.

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O bypass gástrico em Y de roux está associado à maior perda de peso nos

estudos de acompanhamento a longo prazo. Em um estudo de 2.410 pacientes,

as perdas de peso no seguimento de 4 anos para bypass gástrico em Y de roux,

gastrectomia vertical e banda gástrica ajustável foram 27%, 18% e 11%,

respectivamente. Um outro estudo resultou em uma perda de peso de 14% a 30%

após um ano para os participantes que realizaram o bypass gástrico em Y de roux

(KISHORE, 2018).

As taxas de complicações graves para a cirurgia bariátrica diminuíram ao

longo dos anos, com estudos recentes mostrando taxas de morbidade e

mortalidade perioperatória de 5% e 0,3%, respectivamente (KISHORE, 2018).

Medicamentos mais antigos têm, naturalmente, estudos mais antigos, e não há

interesse (e nem investimento) para realização de estudos em longo prazo. O

presente trabalho encontrou poucos estudos e revisões sistemáticas/meta-

análises sobre os anfetamínicos. Alguns dos que foram encontrados, inclusive,

foram realizados no Brasil após o início dessa discussão.

O tratamento medicamentoso para obesidade seria indicado para os pacientes

que possuem IMC entre 30kg/m² e 40kg/m², que, acima disso, já teriam indicação

de realizar a cirurgia bariátrica. Embora, muitas vezes, ocorra o uso indiscriminado

de medicamentos para a obesidade por pacientes que, muitas vezes, nem

necessitariam desses medicamentos, já que uma dieta equilibrada, realização de

atividade física e mudanças no estilo de vida (contribuindo para diminuir a

ingestão de calorias e aumentar o gasto) é suficiente para redução do peso, há

uma grande quantidade de pacientes que são obesos de fato (têm a doença,

obesidade) e não vão conseguir uma redução de peso significativa sem o uso de

medicamentos (há um fator neuropsiquiátrico grande envolvido na obesidade).

Não é a intenção desse trabalho arriscar um veredito de qual lado da balança

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pesa mais, se o dos riscos ou o dos benefícios, mas há alguns pontos importantes

a serem levantados:

• Há controvérsias quanto à eficácia. Mas, pela prática clínica, há indícios de

que a terapia funciona para uma parte considerável dos pacientes.

• Há uma quantidade considerável de eventos adversos, incluindo alguns

graves. Contudo, cabe ao médico avaliar o custo-benefício de cada

tratamento.

• Estudos indicam que há abuso das substâncias. Porém, isso se resolveria

com um melhor controle delas.

• Estudos indicam que há efeito rebote, ou seja, o paciente volta a ganhar

peso com a interrupção do tratamento. Talvez alguns pacientes necessitem

manter o tratamento a longo prazo

• Os tratamentos aprovados hoje pela ANVISA possuem custos elevados,

como discutido anteriormente, e também são questionados quanto ao seu

custo-benefício.

• Como as substâncias discutidas nesse trabalho são antigas e possuem um

custo baixo, dificilmente novos estudos clínicos seriam realizados com elas.

6. CONCLUSÃO

Em meados de 2017 a Câmara dos Deputados liberou a produção e venda

dos anorexígenos anfetamínicos anfepramona, femproporex e mazindol,

contrariando a decisão de 2011, da ANVISA, de proibi-los. Por outro lado,

curiosamente, a decisão da FDA e EMA de proibir a sibutramina não foi seguida

pela ANVISA até os dias atuais. A literatura sobre a eficácia e segurança dos

anfetamínicos é muito mais escassa do que a da sibutramina. Porém, ao analisar

a literatura tanto dos anfetamínicos quanto da sibutramina há bons indícios de

que, em uma quantidade razoável de casos, eles se mostram eficazes e seguros,

levando a conclusão de que eles podem ser uma opção de tratamento para a

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obesidade. Avaliar a relação custo/benefício de qualquer tratamento não é fácil.

Todavia, em situações como essa, em que as opções são limitadas, torna-las mais

limitadas ainda, deixando como alternativa tratamentos custosos e em muitos

casos discutíveis quanto a sua eficácia e segurança, não parece ser o mais justo

para com os pacientes. Com isso, torna-se mandatório que uma ampla discussão

sobre o tema, baseada em dados científicos não enviesados, entre os

profissionais de saúde capacitados para tal, seja periodicamente realizada e as

diretrizes revistas levando-se em conta a cura do paciente e seu bem-estar.

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