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Universidade do Minho Instituto de Ciências Sociais João Nuno Nogueira Dias setembro de 2013 O P3 e o Crowdsourcing : Seis Meses De Estágio UMinho|2013 João Nuno Nogueira Dias O P3 e o Crowdsourcing : Seis Meses De Estágio

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Universidade do MinhoInstituto de Ciências Sociais

João Nuno Nogueira Dias

setembro de 2013

O P3 e o Crowdsourcing : Seis Meses De Estágio

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Trabalho realizado sob a orientação do Professor Doutor Manuel Pinto

Universidade do MinhoInstituto de Ciências Sociais

João Nuno Nogueira Dias

setembro de 2013

Dissertação de Mestrado

Área de Especialização em Informação e Jornalismo Mestrado em Ciências da Comunicação

O P3 e o Crowdsourcing : Seis Meses De Estágio

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É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SECOMPROMETE;

Universidade do Minho, ___/___/______

Assinatura: ________________________________________________

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Aos meus pais, porque, sem eles, não teria chegado até aqui;

Ao Professor Manuel Pinto, meu orientador, pela ajuda e pela paciência para com um aprendiz;

A Amílcar Correia, director do P3, e a toda a sua equipa, pelo que tanto me ensinaram e

continuam a ensinar.

―A mais longa viagem começa com um pequeno passo.‖

Provérbio chinês

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RESUMO

Este trabalho pretende relatar a experiência de seis meses de estágio no sítio P3, do

jornal Público. É feita a descrição deste órgão de comunicação social, bem como a enumeração

dos aspectos considerados mais relevantes desta experiência, tais como os motivos da escolha

do local de estágio, o impacto dos primeiros dias de trabalho, as particularidades do jornalismo

online ou a relação com as fontes. Alguns dos trabalhos mais marcantes são elencados e a

reprodução dos mesmos encontra-se nos anexos.

Desta experiência, sobressaiu um aspecto sobre o qual é feita uma pequena dissertação,

na segunda parte deste trabalho: o crowdsourcing. Uma das características do sítio que o P3

mais valoriza é a possibilidade de participação do público. Nestas páginas, é feito um

enquadramento teórico acerca do jornalismo online, com particular incidência na participação do

público. Seguidamente, é feita uma análise estatística à componente de crowdsourcing do P3,

no último trimestre de 2012.

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ABSTRACT

This work consists in a report of six months of internship in the site P3, included in

Público newspaper universe. This media organization is descripted, as well as the more relevant

features of this experience, such as the choice justification, in what concerns to the place to

work, the first days impact, the online journalism singularities or the relation with the sources.

Some of the more important articles are listed and reproduced in the appendix section.

In this experience, there was a feature that excelled and on which there is a short

dissertation, in the second half of this work: the crowdsourcing. One of the features that P3

values the most is the public participation possibilities. In this pages, the theoretical framework

about online journalism is done, with particular emphasis to the pulbic participation. Then, a

statistical analysis about the P3 crowdsourcing portion is done.

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ÍNDICE

RESUMO ............................................................................................................................. v

ABSTRACT ........................................................................................................................ vii

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 11

1. RELATÓRIO DE ESTÁGIO ................................................................................................ 13

1.1. O P3 .......................................................................................................................... 13

1.2. ESCOLHA E INTEGRAÇÃO ........................................................................................... 16

1.3. TEMPO, ESCRITA E EDIÇÃO ........................................................................................ 18

1.4. AS FONTES ................................................................................................................ 21

1.5. ALGUNS TRABALHOS ................................................................................................. 23

1.6. BALANÇO ................................................................................................................... 25

2. O P3 E O CROWDSOURCING .......................................................................................... 29

2.1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 29

2.2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO ....................................................................................... 29

2.2.1. O JORNALISMO ONLINE ........................................................................................... 29

2.2.2. PARTICIPAÇÃO ........................................................................................................ 36

2.2.3. JORNALISMO CIDADÃO ............................................................................................ 40

2.2.4. SABEDORIA DA MULTIDÃO ....................................................................................... 43

2.2.5. CROWDSOURCING ................................................................................................... 45

2.2.6. SÍNTESE.................................................................................................................. 47

3. ANÁLISE ESTATÍSTICA AO CROWDSOURCING NO P3 ....................................................... 51

3.1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 51

3.2. DADOS ....................................................................................................................... 52

4. CONCLUSÕES ............................................................................................................... 57

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................... 63

ANEXOS ............................................................................................................................ 65

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INTRODUÇÃO

Depois de três meses de estágio no P3, já tinha várias ideias acerca dos tópicos a

abordar no relatório de actividade. Porém, era esperado que, para além dessa descrição da

experiência de trabalho, fosse feita uma pequena dissertação acerca de um tema. Quanto a esse

ponto, poucos caminhos tinha, como alternativas válidas.

Apesar de o estágio ter sido prolongado, por mais três meses, pensei que o ideal seria

começar a trabalhar no relatório, ainda em actividade, para que pudesse apresentar resultados

em tempo útil. Assim sendo, reuni com o meu orientador, o Professor Manuel Pinto. Tal como

esperava, trouxe várias hipóteses de tema para dissertação, dessa primeira reunião. E trouxe

uma outra que, em si, não era uma hipótese, mas uma ―porta‖ para outras possibilidades:

questionar o director do P3, Amílcar Correia, acerca de temas que se revestissem de particular

interesse, para aquele órgão de comunicação social.

E foi dessa sugestão que surgiu o tema abordado na segunda parte deste relatório: o

crowdsourcing. Para além do interesse que o director do P3 demonstrou, relativamente a um

estudo centrado neste aspecto daquele sítio, o meu contacto com o dia-a-dia do P3 fez-me

perceber que esta era uma área com uma dinâmica muito própria. Aceitei a proposta, de

imediato.

Assim, a segunda fase do meu estágio (de Janeiro a Abril de 2013) foi complementada

com a produção do relatório de actividade e com uma análise estatística da base de dados que

me foi fornecida pelo webmaster do P3, Bruno Ribeiro.

Decidi estruturar este relatório em dois blocos principais: por ordem, o relatório de

actividade e o crowdsourcing no P3. Escolhi esta ordem porque, conforme me foi sugerido pelo

meu orientador, o tema da dissertação pode ser apresentado como uma questão que se

destaca, entre as várias com as quais tomei contacto, durante o estágio. No fundo, é feito um

retrato abrangente do P3 para, depois, se destacar um aspecto.

O relatório de actividade foi dividido consoante temas que considerei estarem

relacionados com aprendizagens de especial importância como, por exemplo, a descrição do P3,

a relação com as fontes, a escrita e a edição, entre outros. Optei por esta estrutura por

considerá-la tematicamente mais coerente do que uma sequenciação cronológica.

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O bloco relativo ao crowdsourcing foi dividido em vários sub-capítulos, sendo que cada

um é dedicado a vários conceitos teóricos, relacionados entre si. Começo por abordar alguns

aspectos do jornalismo online, até chegar ao crowdsourcing, propriamente dito.

Os dois últimos capítulos são dedicados, respectivamente, à análise estatística do

crowdsourcing no P3 e às conclusões do trabalho.

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1. RELATÓRIO DE ESTÁGIO

A primeira parte deste relatório destina-se à descrição do estágio no P3, realizado entre

2 de Outubro de 2012 e 4 de Abril de 2013. Para relatar a minha experiência, optei por

estruturar o texto por capítulos temáticos, de forma a organizar as ideias e tornar o processo

descritivo mais claro. Começarei por fazer uma descrição do P3, para que melhor se

compreenda o contexto em que decorreu esta etapa. Justificarei a minha escolha para o local do

estágio e tentarei destacar alguns aspectos que considero importantes, no trabalho de um

jornalista, e com os quais me deparei, nestes seis meses, tais como o factor tempo, a escrita, a

edição ou a relação com as fontes. Terminarei este capítulo do presente relatório com a

enumeração de alguns dos cerca de cento e noventa trabalhos que realizei no P3, pela

importância e pela representatividade que os mesmos assumiram, nesta experiência. Farei, por

fim, um balanço do estágio, naquela que será uma incursão pela vertente mais pessoal deste

período de actividade.

Tal incursão, dada a riqueza desta experiência, nos planos pessoal e profissional, bem

como a total identificação que desenvolvi, em seis meses, com a equipa de profissionais com

quem trabalhei e com o projecto, em si mesmo, implicará uma vertente mais emocional, o que

não representará, necessariamente, um risco para o distanciamento crítico e para a

objectividade, tão importantes num trabalho académico. Pelo contrário, espera-se que essa

vertente pessoal enriqueça a reflexão a que me proponho.

1.1. O P3

No dia 22 de Setembro de 2011, ―ia para o ar‖ mais um sítio do universo online do

jornal Público: o P3, fruto de uma parceria entre aquele jornal e a Universidade do Porto, e

financiado pelo Quadro de Referência Estratégico Nacional. O nome do sítio surge como

sequência do nome de um suplemento do jornal, o P2, entretanto extinto.

Na edição desse dia, a versão impressa do Público incluía um encarte que descrevia o

projecto. Dois dos títulos desse suplemento não poderiam ser mais representativos do espírito do

P3: ―Tratamos tudo por tu‖ e ―Vamos contar as histórias que te interessam, da maneira P3‖.

Na referida edição, o projecto é apresentado como inovador, por se inserir no interior de

uma universidade (Universidade do Porto), ao invés de estar num espaço de redacção, digamos,

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convencional. A redacção do P3 situa-se numa sala do pólo de Ciências da Comunicação da

Universidade do Porto. A título de curiosidade, esse espaço é contíguo à redacção do JPN, outro

projecto de jornalismo destinado aos alunos daquele departamento. Não existe uma ligação

física à redacção do Porto do Público, mas as duas redacções estão separadas por uma

distância inferior a cem metros.

O carácter original do P3 é acentuado por ser, segundo o texto da sua apresentação, o

primeiro ―jornal digital de informação generalista para uma faixa etária cada vez mais

representativa na sociedade portuguesa‖. Jovens pré-universitários, população universitária,

jovens no primeiro emprego ou à procura dele são apontados como o público-alvo. Mas não só:

―quem, independentemente da idade ou do currículo académico, encontre neste jornalismo as

respostas de que anda à procura‖.

Este projecto contempla uma forte componente experimental, pela tentativa de

determinar se é possível ir de encontro às expectativas dos leitores-tipo anteriormente referidos,

que o P3 define como ―afastados das versões impressas dos jornais e que somente consomem

informação quando nela tropeçam numa rede social‖. Sendo assim, este jornal digital aposta

nas hiperligações ou na navegação por tags; na possibilidade de registo no Pquê?, uma área

privada e que é uma espécie de rede social interna do P3, onde os utilizadores podem

personalizar a forma como consomem os conteúdos; nos comentários aos textos através do

Facebook; na Cultura como secção dominante, numa actualidade ―sem a preocupação da última

hora‖ ou na inclusão, na secção Vícios, das tecnologias, das séries de televisão ou das viagens.

O jornal propõe-se a contar ―as histórias que ninguém conta‖ e ―as mesmas histórias de

sempre, mas de outra maneira‖. Uma maneira que se define como a ―maneira P3‖ e que, numa

fase posterior deste relatório, tentarei definir, com base na minha experiência de trabalho neste

jornal.

A estrutura redactorial é composta por um director, um subdirector (Professor Paulo

Frias, da Universidade do Porto), dois subeditores (um para o texto, outro para o multimédia),

um webmaster e um webdesigner, para além, claro está, de um grupo de jornalistas. Esta

estrutura conta com profissionais que transitaram do Público, aquando da criação do P3, com

bolseiros da Universidade do Porto e com estagiários de jornalismo ou de multimédia.

O ecossistema em que o projecto é produzido engloba, para além deste conjunto de

profissionais, jornalistas das duas redacções (Porto e Lisboa) do Público, uma vez que os seus

trabalhos podem ser publicados no P3.

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A presença da Universidade do Porto faz-se sentir, no dia-a-dia, das mais variadas

formas. Para além de o subdirector do projecto ser um professor daquela instituição, também

muitos dos seus alunos realizam estágios no P3, que tem, entre os seus objectivos, ser uma

espécie de laboratório de jornalismo inserido na referida universidade.

O P3 afirma-se como ―um site verdadeiramente colaborativo‖, que pretende quebrar,

―de uma vez por todas, a barreira entre emissores e receptores‖. Uma das frases que se

destacam no encarte de apresentação do projecto diz que ―partilha‖ é uma das palavras

favoritas do projecto.

Este é um ponto que despertou a minha curiosidade e que, assim sendo, decidi

desenvolver com outra profundidade: em que medida o P3 é feito pela comunidade que o rodeia

(crowdsourcing)? Numa fase posterior deste relatório, apresentarei um estudo detalhado sobre

esta característica do P3.

O jornal está dividido em três secções: Cultura, Actualidade e Vícios. A primeira divide-se

nas seguintes subsecções: Mp3, Filmes, Palcos, Livros, Exposições, Design e Arquitectura. A

Actualidade está dividida por Sociedade, Educação, Desporto, Política, Economia, Ciência,

Ambiente e Media. Os trabalhos publicados na secção Vícios distribuem-se por High-Tech, Gula,

Em Trânsito, Espelho e Ecrã.

Graficamente, o P3 é horizontal, para, segundo o texto de apresentação, contrariar a

tendência de grafismo vertical dos outros sítios. A barra de navegação é definida como ―curta e

vertical‖, também aqui para romper com os sítios que utilizam barras de navegação

―horizontalmente sobrepostas‖. O P3 afirma não preferir o texto à imagem, nem vice-versa, e

garante que um trabalho seu ―é um somatório‖ de ―histórias em texto, fotografia, vídeo, áudio ou

ilustração‖, com a agregação de todos estes elementos na mesma página. Os vídeos e as

fotografias são isolados quando ―vivem autonomamente‖.

Também por isso, o estudo que desenvolvi sobre a componente de crowdsourcing do P3

apresenta, para além de números mais abrangentes e, por isso, capazes de ilustrar esta

realidade, números detalhados sobre as componentes texto e multimédia (estas incluem

fotografia, vídeo ou ilustração).

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1.2. ESCOLHA E INTEGRAÇÃO

A minha primeira opção para estágio recaiu sobre o jornal Público, mais precisamente,

na sua redacção do Porto. Por ser o jornal que tenho (e não serei, certamente, o único a pensar

assim) como uma referência no jornalismo em Portugal, senti que seria uma experiência

enriquecedora trabalhar com os seus profissionais. Dias depois de ter entregado a minha

candidatura, fui questionado sobre uma possibilidade que, embora conhecesse o projecto e o

acompanhasse, eu desconhecia: estagiar no P3. Não hesitei: algo me dizia que seria uma

experiência extraordinária. Não me enganei.

No dia 2 de Outubro, pelas 11 horas da manhã, entrei na redacção, para começar a

trabalhar. Alguma ansiedade marcou o momento, o que é natural, quando se inicia um ciclo tão

importante. Para além dessa reacção, houve outro factor que ajudou a inibir um pouco: a

dimensão da redacção do P3 faz com que ninguém que nela entre passe despercebido. Trata-se

de uma sala pequena, onde se encontram não mais do que dez pessoas. Se esse facto inibe, no

início, também mais depressa nos obriga a desinibir: estamos ali para trabalhar, todos juntos, e

aquela é a nossa equipa. Cedo ficamos a saber os nomes de todos e a conhecer um pouco de

cada um.

A recepção foi atenciosa. Não levava dez minutos de estágio e já um dos elementos da

equipa tinha recorrido ao humor, para ajudar a ―quebrar o gelo‖. Tive oportunidade de

responder a esse mote e senti-me, de imediato, mais descontraído.

Este é um aspecto muito particular daquela casa: a forma de estar da equipa do P3

produz, como soma das diferentes sensibilidades, um sentido de humor colectivo muito

interessante. A dado momento deste estágio, cheguei a ouvir alguém dizer que um lema para

aquela equipa poderia ser, perfeitamente, ―brincamos em serviço‖. A verdade é que se sente

que aqueles profissionais gostam do que fazem e se sentem bem, naquela redacção. Essa

harmonia é decisiva, na facilidade da equipa em integrar novos elementos. Por isso, e pela

identificação que desenvolvi, com aquela realidade, senti-me particularmente em casa.

Para além deste aspecto mais pessoal, importa salientar que todos os profissionais do

P3, sem excepção, estão disponíveis para interromper uma tarefa e ajudar um estagiário. Não

só: é dada toda a margem para que novas dúvidas sejam colocadas. Fica muito claro um

aspecto: temos, como em qualquer outro estágio, que mostrar serviço, mas condições não

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faltam para que tal desígnio seja cumprido. Este é, no meu entender, um factor absolutamente

decisivo na adaptação dos estagiários à realidade do P3.

Em poucos dias, senti-me integrado na equipa e no projecto. Aos poucos, ganhei

confiança e, neste processo, outra característica do P3 foi fundamental: a iniciativa é encorajada.

Há, obviamente, uma constante apresentação de propostas de trabalho, por parte da estrutura

que faz a selecção editorial, mas a ―oferta‖ não se fica por aí. Como o director me disse, logo no

primeiro dia, é possível que um estagiário ―transporte o seu mundo para o P3‖. Ficou claro que

eu poderia abordar os temas que mais me interessassem, desde que houvesse relevância

jornalística e, ao mesmo tempo, eu fosse capaz de reunir a informação necessária à construção

de uma notícia ou reportagem. Para além desta vertente mais associada aos interesses de cada

um, a componente de actualidade também pode servir de base para propostas de trabalho.

Logo nos primeiros dias, sugeri uma série de trabalhos. A maioria deles foi aceite. Este

tipo de autonomia ajuda no processo de familiarização como a linha editorial do P3. Desde cedo,

somos confrontados com a pergunta habitual, dentro da redacção: ―esta é uma notícia P3?‖.

Tal como é referido nas aulas de Teorias do Jornalismo, definir o que é notícia já é

complexo, por invocar uma série de factores capazes de estabelecer uma intrincada rede de

interacções. Logo, definir uma ―notícia P3‖ é uma tarefa igualmente difícil. Porém, é a prática

que nos leva a formar um critério. A parte extraordinariamente rica do processo surge quando,

dentro da redacção, há divergências na avaliação da noticiabilidade de um determinado

acontecimento. Como tal, são momentos altamente pedagógicos aqueles em que se questiona

―Isto é P3?‖. Com isto, acabamos sempre por ter que voltar à ―declaração de princípios‖ do

próprio jornal: ―Vamos contar a histórias que te interessam, da maneira P3‖.

A este processo de conquista de autonomia alia-se um ganho na versatilidade: no P3,

não há especialização, fazemos trabalhos sobre qualquer tema, seja literatura, política, desporto

ou tecnologia, para citar alguns temas. Numa redacção pequena, todos passam um pouco por

todas as áreas. Este aspecto constitui uma vantagem, ao permitir que se desenvolvam

competências em temas que, inicialmente, podem ser pouco familiares a um estagiário.

Em suma, pode dizer-se que, no P3, existe uma cultura que valoriza o estagiário, como

alguém que pode trazer algo de novo, de irreverente, ao trabalho desenvolvido neste jornal.

Quando o P3 se afirma como um laboratório e como um espaço de aprendizagem que quer,

mais do que situar-se na universidade, trabalhar com a universidade, a minha experiência de

seis meses de estágio diz-me que essa afirmação é verdadeira.

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1.3. TEMPO, ESCRITA E EDIÇÃO

O primeiro processo de aprendizagem no P3 passa pela a familiarização com o

funcionamento da página e o registo, na área de utilizadores, para poder começar a colocar

trabalhos na plataforma informática, a partir da qual se faz a paginação dos conteúdos do sítio.

Logo no primeiro dia, é feito o registo e são transmitidas as informações necessárias à produção

dos trabalhos.

Uma das primeiras preocupações que tive, no estágio, foi com o factor tempo: não

importava fazer apenas bem, havia que fazer depressa. Porém, o P3 difere, nesse ponto, de

outros órgãos de comunicação social: a agenda não impõe um ritmo frenético e poucos são os

trabalhos, propostos a um estagiário, que são para o imediato.

Existe, como é evidente, uma componente de actualidade à qual é preciso dar resposta,

mas nesse campo, o P3 conta, para além da agência Lusa, com um aliado de peso: o jornal

Público. Este dado poderá ser confirmado, no trabalho estatístico que desenvolvi sobre o P3,

uma vez que estas duas fontes de conteúdos assumem grande preponderância no produto que

chega aos leitores.

Em situações que possam envolver um ângulo diferente, mais ligado aos jovens, de um

determinado acontecimento noticiado pelo Público, existe a possibilidade de a equipa do P3

produzir os seus trabalhos, dentro da linha editorial determinada.

As outras histórias (as que ―mais ninguém conta‖) são tratadas num ritmo diferente,

com outra possibilidade de maturação, pelo que a vertigem do tempo, de ―fechar um jornal‖ ou

terminar um noticiário, não existe. Onde existe uma exigência permanente é na distribuição de

conteúdos: na página do Facebook do P3 é publicado um trabalho a cada hora (actualmente,

entre as 9h30 da manhã e as 3h30 da madrugada).

Apesar desta possibilidade de desenvolver os trabalhos num ritmo mais pausado e com

outra possibilidade de reflexão, senti, nos primeiros tempos, uma obrigação (colocada por mim)

de apresentar trabalho em tempo útil. O que me levou a abrandar o ritmo foi uma prática do P3

que encerra imenso potencial pedagógico: a edição.

Depois de terminado o já referido processo de aquisição dos conhecimentos técnicos

necessários para trabalhar com a plataforma de criação de conteúdos, os estagiários começam

a colocar os seus textos ―na rede‖, prontos a serem publicados. Para além da redacção do texto,

cabe-lhes escolher as hiperligações (obrigatórias), as notícias relacionadas, as fotografias e os

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vídeos que possam ilustrar melhor o assunto abordado pela notícia. Este conjunto de exigências

permite que se desenvolva alguma sensibilidade, no que respeita a uma componente muito

importante do P3: o grafismo.

Depois de colocados os trabalhos na rede, estes ficam numa espécie de ―linha de

montagem‖, prontos a ser editados e publicados. Nos primeiros tempos (e o processo é tão

eficaz que basta ser executado algumas vezes), os estagiários acompanham a edição dos seus

textos, por parte do director ou dos subeditores, o que lhes permite perceber as razões que

orientam as alterações ocorridas nos trabalhos. Este processo decorre, sobretudo, nos textos em

que são necessárias alterações de fundo. Para além de se aprender imenso, há uma dinâmica

curiosa no processo: nas questões de estilo pessoal, o estagiário é confrontado com uma

determinada dúvida e, caso seja considerada válida a sua opinião, a forma original é mantida.

Neste processo de aprendizagem, e depois de ter colaborado com dois jornais e uma

rádio, tive que aprender métodos de escrita para um meio totalmente novo, para mim: a

Internet. Pela primeira vez, tive que estudar temas como os padrões de leitura de textos online

ou os algoritmos dos motores de busca. E comecei a tê-los em conta, no momento de escrever

os textos.

Outro aspecto de grande relevância está relacionado com a linguagem. O P3 dirige-se a

um público mais jovem, pelo que o vocabulário e a construção frásica diferem das de outros

órgãos de comunicação. Tive que me libertar de alguma formalidade, para começar a ―escrever

à P3‖. Comecei a usar verbos na segunda pessoa, como que interpelando os leitores e tive que

repensar os conceitos de lead e de pirâmide invertida. Percebi que os textos não têm que

começar todos pelas respostas às perguntas habituais (―quem?‖, ―o quê?‖…) e que um texto

online, com o recurso às hiperligações, pode ter várias ―pirâmides flutuantes‖, que o leitor

poderá percorrer consoante o seu interesse.

Tive que perceber, no momento da escrita, que todos somos um pouco vagabundos, na

Internet, e que só vamos ler aquilo que nos prender. É quase como o conceito de

―custo/benefício‖, que é determinante na decisão de um leitor de um jornal em papel de ler

apenas o título, ou algo mais. No fundo, a questão coloca-se desta forma, a cada leitor: ―será

que o que este texto tem para oferecer compensa o esforço de o ler?‖. Na Pragmática, este

conceito é muito explorado: lemos aquilo que nos parece trazer algum ganho, que transforme a

relação ―custo/benefício‖ em algo proveitoso.

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No P3, tentamos segurar o leitor, fazer com que ele clique na notícia e, de seguida, a

leia por completo. Ao mantê-lo connosco, queremos também que ele leia os artigos

relacionados. No fundo, queremos que ele fique no P3 e não ―fuja‖ para outro sítio qualquer. A

Internet é um meio onde a oferta abunda e os leitores gostam de ―saltar‖ de sítio em sítio. A

escrita para um meio online deve, por isso, ser capaz de manter o leitor ligado ao texto, não só

pelos motivos evidentes, mas pelo facto de o tempo de permanência num sítio constituir um dos

pontos relevantes nos contratos publicitários dos jornais digitais.

O título deve, sempre que possível, incluir palavras ou expressões conhecidas, logo,

capazes de garantir, não só, a atenção do leitor, como relevância nos motores de busca. Neste

último ponto, haverá vantagem, caso as palavras com mais força ou relevância estejam logo no

início do título, o que acaba por tornar comum o uso dos dois pontos. Eis alguns exemplos:

―Facebook: já mergulhaste nas histórias do Escafandrista?‖; ―Kickstarter: o primeiro Óscar para

o crowdfunding‖; ―Google lança portal ‗Instituto Cultural‘‖; ―Mac Pro deixará de ser vendido na

União Europeia‖.

Depois do título, os textos contêm uma entrada, que deverá expor algumas das ideias-

chave do texto. É importante que esta não seja repetitiva, relativamente à ideia expressa pelo

título. Essa deverá ser recuperada pelo primeiro parágrafo do texto.

Uma das grandes aprendizagens deste estágio está relacionada com a forma de

começar um texto. Em muitos textos, a fórmula convencional de lead serve devidamente os

interesses da notícia. Noutros casos, como me foi dito pelo director, não temos que começar a

história por ―Era uma vez…‖. Uma prática comum, pelo potencial de captação de interesse, por

parte do leitor, consiste em começar por um pormenor da história e seguir o conceito da ―parte

pelo todo‖. De algo que achemos capaz de captar a atenção do leitor, desfiamos o resto da

história, enunciando as ideias importantes e acabando por dar uma ideia mais abrangente do

tema. Muitas vezes, depois de ter entrevistado uma fonte, fui questionado sobre a história que

aquele trabalho continha. Depois de responder, era-me dito: ―agora escreve como me contaste‖.

Para citar alguns exemplos da prática de começar com um pormenor e partir para o

―quadro geral‖, recordo um trabalho que fiz sobre dois designers que espalharam alguns

cartazes pela baixa do Porto. Nesse texto, começo por referir alguns dos cartazes e das suas

particularidades e, só depois, explico o conceito geral que orientou aquele trabalho. Lembro-me,

também, de uma reportagem numa clínica de animais exóticos, situada em Braga. Durante a

conversa com a proprietária, soube que do tratamento a uma cobra pitão resultara uma ferida

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na mão esquerda. Percebi, no momento, que estava ali o início do meu texto. Noutro trabalho,

relacionado com uma instalação de vídeo construída no Museu da Ciência, em Coimbra, fiz um

jogo de sentidos com o nome da mesma (―Hexaedro‖). Comecei o texto da seguinte forma: ―Um

hexaedro é um poliedro com seis lados. Aquele que se encontra no Museu da Ciência, em

Coimbra, não é apenas isso. Tem imagem e som, conta uma história.‖ Para além destes, outros

trabalhos poderiam ilustrar esta forma de escrever.

Se, por um lado, a ausência da pressão dos prazos, no P3, deixa de parte um ponto de

aprendizagem que seria útil a qualquer estagiário (trabalhar em ―contra-relógio‖), por outro, é

precisamente esse tempo que se torna valiosíssimo noutras aprendizagens. Aumentam as

possibilidades de saída da redacção, para realizar reportagens, a escrita pode ser mais

trabalhada e as dúvidas podem ser colocadas, sem prejuízo do cumprimento de um qualquer

prazo.

Há outro aspecto que me parece fundamental (sobretudo depois de ter conversado com

colegas que estagiaram noutros locais): os trabalhos são assinados. Gosto de pensar (e atrevo-

me a falar por qualquer estagiário) que, para o bem e para o mal, é importante que o nome do

autor esteja nos trabalhos. Porque é uma forma de reconhecimento de um trabalho, mas

também uma responsabilização. Um bom trabalho é um bom trabalho com autor. Um mau

trabalho também é um mau trabalho com autor, pelo que será uma lição.

1.4. AS FONTES

A relação com as fontes é, no meu entender, o ponto mais complexo do trabalho de um

jornalista. Se o digo, é por achar que a vertente humana e, portanto, imprevisível, de uma

profissão, encerra sempre dificuldades acrescidas. Tinha esta ideia já de trabalhos anteriores a

este estágio, mas confirmei-a, ao longo destes seis meses. E mesmo que tal aspecto tenha sido

frisado, em aulas do mestrado, nada como perceber as dificuldades, vivendo-as.

Tudo começa com uma certa timidez inerente à tarefa de contactar, pessoalmente ou

via telefone, um estranho, e começar a fazer-lhe perguntas. Tal condição faz parte da vida de um

jornalista e não há como contornar esse aspecto: quanto mais depressa um jornalista se

desinibir, mais depressa começa a fazer bons trabalhos.

Para além de uma possível retracção, existe a necessidade de manter um diálogo

interessante, capaz de trazer informações relevantes para o trabalho que se está a desenvolver.

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Tudo isso requer preparação: fazer uma análise prévia e cuidada ao assunto e um elenco de

perguntas pertinentes, dentro do tema, é meio caminho para uma entrevista frutífera. Mas, não

menos importante, a prática tem o seu papel, como em todas as actividades. É com ela que nos

tornamos mais autónomos e mais capazes de, num dado momento, mudar o curso da

entrevista, caso surja um bom motivo para o fazer. Por outras palavras, o improviso faz parte

dos requisitos, visto que não sabemos, de antemão, quais as respostas do entrevistado. Gosto

de pensar que a estrutura de uma entrevista se assemelha a uma árvore: há um tronco, capaz

de conferir consistência ao trabalho, mas existem também diversas ramificações, que

poderemos percorrer, consoante o que nos for respondido pelo entrevistado. A qualquer

momento, podemos regressar ao tronco da árvore, ou seja, à linha orientadora da entrevista.

Nos primeiros tempos, preocupava-me com a delimitação do que eu considerava ser a

informação essencial e conduzia as entrevistas com essa ideia. Porém, o contacto com

jornalistas muito mais experientes do que eu ensinou-me que é importante dar atenção aos

pormenores. Muitas vezes, surgem pequenos detalhes, numa conversa, que poderão enriquecer,

e muito, uma história. Enquanto leitores/espectadores/ouvintes, gostamos de saber detalhes

das histórias, sobretudo se tiverem algo que nos chame a atenção, que nos faça rir, que nos

emocione ou que nos provoque algum sentimento. Esses detalhes são óptimos para iniciar um

texto, captámos a atenção do leitor e partimos do particular, para o geral, fugindo às convenções

que possam criar um texto aborrecido que conte, não da melhor forma, uma boa história. Assim,

passei a fazer mais perguntas, sempre com a intenção de saber mais e mais pormenores, para

além das informações mais relevantes.

Com isso, passei, também, a ter aquele sentimento de alguém que encontra algo

valioso, capaz de enriquecer o texto, sempre que um entrevistado revelasse uma informação

peculiar. Pensava logo algo como ―o meu texto está aqui…‖. Esse sentimento foi bem notório

quando entrevistei Daniel Rodrigues, vencedor do World Press Photo, minutos depois do anúncio

dos vencedores. No momento em que o fotojornalista me revelou que, devido às dificuldades

provocadas pelo desemprego, tinha vendido todo o material fotográfico, percebi que havia algo

de poderoso naquela história. O sucesso de leituras que a mesma teve, bem como a

repercussão, ao longo dos dias seguintes, em vários órgãos de comunicação social, provou isso

mesmo.

Para além do contacto humano e dos detalhes que possam enriquecer uma história,

existe também a questão dos possíveis conflitos ou tensões que possam surgir com as fontes.

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Se, por um lado, existe, muitas vezes, um interesse mútuo na publicação de uma determinada

notícia, por outro, é mais do que sabido, podem gerar-se algumas tensões decorrentes de uma

disparidade de interesses. Em temas como a política, a economia ou o futebol, para dar alguns

exemplos, as tensões entre jornalistas e fontes são permanentes.

Nos trabalhos que desenvolvi neste estágio, não passei por nenhuma situação de

crispação ou de tentativa de bloqueio, por parte de uma fonte. Dada a forte componente cultural

do P3, bem como a procura de histórias de sucesso que revelem uma realidade que fica,

recorrentemente, omitida, nestes tempos de crise, as fontes não colocam grandes entraves à

publicação das histórias. Ao longo deste estágio, ninguém tentou cercear a minha liberdade para

escrever. No máximo, surgiram situações em que a fonte revelava informação adicional, como

forma de atribuir um contexto, mas em ―off‖. Para além disso, alguns trabalhos foram feitos com

pedido de embargo: a fonte daria todas as informações, desde que se fixasse uma data antes da

qual o trabalho não poderia ser publicado.

Estes seis meses foram um excelente treino, pela possibilidade de falar com uma

variedade tão rica de fontes. Pude entrevistar escritores, músicos, designers, arquitectos,

empresários, cientistas ou desportistas, o que tornou este estágio uma experiência muito

enriquecedora, não só como jornalista, mas como pessoa.

1.5. ALGUNS TRABALHOS

O primeiro trabalho será, atrevo-me a dizer, inesquecível, para qualquer estagiário. O

meu estava relacionado com um jovem que fez um vídeo satírico sobre o Sporting e que estava a

ser um sucesso no Youtube. O meu primeiro desafio era conseguir contactar o autor do vídeo.

Sem o contacto telefónico, tive que pesquisar o rasto que o autor do vídeo deixava na Internet.

Descobri a sua página do Facebook e o seu e-mail, e pude, também, enviar-lhe uma mensagem

através da sua conta no Youtube. Aqui pode estar um sinal dos tempos, que me surgiu no

caminho em muitos outros trabalhos: um número de telefone é algo valiosíssimo, no jornalismo,

mas, na sua falta, há recursos, através da Internet, que permitem, rapidamente, contactar uma

fonte.

O poder da rede e, em particular, das redes sociais, ficou patente na manhã do anúncio

dos vencedores do World Press Photo. Através de uma publicação, no Facebook, de um antigo

professor, soube que um fotojornalista português era um dos vencedores. Foi, precisamente,

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esse professor quem me deu o contacto de Daniel Rodrigues. Falei com ele, nos minutos que se

seguiram e o P3 foi o primeiro órgão de informação a contar a história do vencedor. Durante o

dia, muitos outros órgãos replicaram aquela história. Não fosse o Facebook e utilidade específica

que a minha rede de contactos ganhou, naquele momento, e talvez o P3 não tivesse ―vencido a

corrida‖.

Nos primeiros tempos, preocupei-me em mostrar iniciativa e em demonstrar que não

estava no P3 apenas para seguir sugestões. Como tal, e aproveitando o mote dado pelo director,

logo no primeiro dia (―Traz o teu mundo para o P3‖), sugeri vários trabalhos, a maioria deles

aceite. Recordo as galerias multimédia que fiz com fotografias de um amigo que está a dar aulas

em Timor ou de um ilustrador bracarense, ou a entrevista que fiz a uma amiga que, de seis em

seis meses, viajava entre a Alemanha e a Palestina, para fazer o seu mestrado. Neste caso, fiz

um trabalho no modelo ―pergunta-resposta‖, o que me obrigou a um esforço de síntese, já que,

depois de transcrita, a entrevista era muito maior do que o modelo do sítio admite (máximo de

3500 caracteres).

Nos primeiros trabalhos, percebi, da pior forma, por alguma ingenuidade, que os

comunicados podem conter erros que são inconvenientes… para quem os produz. Que o

promotor de um comunicado possa tentar transmitir um cenário favorável à entidade que

representa, pode considerar-se normal, mas enganar-se contra si mesmo foi novidade para mim.

Aconteceu-me num comunicado que falava de um ciclo de concertos e que, por omissão, dava a

entender que apenas um concerto se realizara, até àquele momento, e não dois. Como não

encarei a possibilidade de um concerto estar omitido, publiquei a notícia com um erro. Um leitor

fez a correcção, através dos comentários, e mais tarde a assessora de comunicação reportou o

erro. Daí resultou a obsessão positiva de confirmar até o que parece não necessitar de

confirmação.

Outro dos pontos de destaque é o conjunto de trabalhos que são feitos fora da redacção.

Tal representa a possibilidade de um jornalista contactar com uma realidade não controlada,

mais rica e imprevisível do que uma conversa telefónica. Tive a possibilidade de realizar alguns

desses trabalhos. O primeiro foi em Serralves, onde entrevistei um artista plástico, junto a uma

instalação que este criara para o átrio do museu. O desafio estava em perceber a forma de

pensar do artista e fazer com que ele transmitisse as sensações que estavam na base da sua

criação.

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Outras saídas tiveram os seus motivos de interesse. Na área da arquitectura e do design,

enquadram-se dois trabalhos que merecem algum destaque. Um deles foi realizado na Exponor,

onde visitei uma casa feita exclusivamente com materiais produzidos por empresas portuguesas.

Em Vila Nova de Gaia, visitei uma fábrica onde tinha sido produzida uma sauna revestida a

cortiça. Em ambos os casos, entrevistei, no local, os arquitectos que projectaram estas obras.

Tentei, mais uma vez, compreender os conceitos e captar a essência dos processos criativos. Ao

mesmo tempo, impunha-se contar como eram as obras, da forma mais interessante possível.

Em Braga, dois trabalhos também merecem um apontamento. Realizei uma reportagem

numa clínica de animais exóticos, onde pude falar com as veterinárias e observar alguns dos

animais que se encontravam, no momento, em tratamento. Na Universidade do Minho,

entrevistei um taekwondista de sucesso daquela academia.

Outro trabalho do qual guardo boa memória foi uma entrevista a dois designers

portuenses, responsáveis por um projecto de arte urbana que consistiu na colagem de cartazes

em algumas ruas da baixa do Porto. Para além de tentar compreender a vertente conceptual

daquele trabalho, foi necessário andar pelas ruas e observar os cartazes, para mais tarde contar

a história.

1.6. BALANÇO

Como já referi, não é fácil manter o distanciamento crítico, depois de uma experiência

tão marcante como os seis meses de estágio no P3. Esta etapa constituía um enorme desafio.

Apesar de ter acumulado alguma experiência em colaborações anteriores, o que se seguia era

algo diferente. Iria estagiar num sítio do universo online do jornal Público, o que, por si só,

representa uma responsabilidade e uma exigência elevadas. Para além disso, pelas suas

características, o P3 implica algum arrojo, alguma criatividade e versatilidade, pela diversidade

de temas que este jornal digital abrange, e pela forma inovadora como o faz.

Aprendi muito, em vários níveis. Aprendi um pouco sobre tecnologia, projectos de

crowdfunding, sobre arquitectura ou design, tive oportunidade de conhecer pessoas

incrivelmente talentosas e empresas cujos produtos apresentam grande potencial de inovação.

Conheci, de facto, e justiça se faça ao lema do jornal (―contar as histórias que ninguém conta‖),

uma realidade que fica oculta, nestes momentos tão conturbados que vivemos. Percebi que

existe uma geração que, apesar dos condicionalismos, apesar de estar condenada a viver anos

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muitos difíceis, caso permaneça em Portugal, não desiste e tenta chegar um pouco mais longe,

lutando contra a crise, inovando, criando riqueza.

Ao mesmo tempo, tive que crescer, profissionalmente. Tive que desconfiar mais e mais,

tive que tentar aprender, sobre cada tema que me chegou às mãos, melhorei a minha escrita e,

pelo confronto de ideias com extraordinários profissionais, confirmei que é muito saudável o

hábito de questionar o que fazemos, para tentar fazer melhor, da próxima vez. Aprendi, também,

um pouco mais sobre os mecanismos que regem este ―extraordinário mundo novo‖, onde

parece estar tudo e sobre o qual, por vezes, parecemos não saber nada: a Internet. Sendo que,

embora ninguém saiba bem como, o futuro do jornalismo pareça estar nesta plataforma, cada

vez mais predominante nas nossas vidas, um estágio no P3 tem essa dupla vantagem: aprende-

se a fazer jornalismo, o que é óptimo, mas aprende-se a fazê-lo para a Internet. Este é um dado

que se revelará fundamental, num futuro não muito distante.

O tempo previsto para o estágio era de três meses. Foi-me proposto um prolongamento,

que aceitei sem hesitar. Comparando o nível em que me encontrava, ao fim de três meses, e o

nível em que me encontrava, depois de seis, chego à conclusão de que, quando estava,

finalmente pronto, o estágio terminou. Não digo que, em três meses, não se aprenda muito, mas

caso surja a possibilidade de estagiar mais três meses, existem muitas vantagens associadas.

Não só é possível refinar aquilo que se aprendeu em três meses, como também pensar no que

pode ser feito, na segunda fase, para colmatar as eventuais lacunas da primeira.

Há dois aspectos deste estágio que são puramente pessoais, porém, considero relevante

incluí-los nesta descrição. Por proposta minha, pude criar uma rubrica de literatura (Contos

assim-assim), no P3, que consistia na publicação de uma série de contos. Pelo gosto que tenho

pela escrita literária, foi uma excelente oportunidade de publicar para um público tão vasto. Por

proposta do P3, pude desenvolver um trabalho absolutamente fascinante: um roteiro das tascas

do Porto. O fotojornalista Nélson Garrido fotografava os espaços e, mais tarde, eu visitava-os e

provava alguns dos melhores petiscos que se podem encontrar no Porto. Depois disso, escrevia

cerca de setecentos caracteres sobre cada um dos espaços. Parece pouco texto, mas o desafio

estava aí: escrever algo informativo, com piada, em pouco espaço.

Em termos pessoais, esta experiência foi riquíssima, porque conheci pessoas

extraordinárias, a quem muito me liguei, em tão pouco tempo. Para além da já referida

identificação com um projecto inovador e irreverente, como o P3, identifiquei-me com os seus

profissionais. Custou vir embora, o que muito diz desta aventura. Se o puder fazer, e se este

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relatório puder fazê-lo por mim, aconselho vivamente um estágio no P3. Os estagiários contam,

têm total atenção, por parte da equipa, e podem aprender muito. O estilo do P3 também acaba

por levar cada estagiário um pouco mais longe, pela diversidade de temas que lhes coloca no

caminho e pela exigência que existe. Para além disso, os trabalhos são assinados, o que não é

um pormenor, nos dias de hoje. Por fim, numa equipa onde o bom ambiente impera, a

integração é muito fácil.

Sobre o P3, lembro uma frase que encontrei, algures. ―Faz o que gostas e não

trabalharás nem um dia da tua vida.‖ O P3 foi isto, em seis meses.

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2. O P3 E O CROWDSOURCING

2.1. INTRODUÇÃO

Na segunda parte do relatório, há um registo de escrita diferente. Da narração de uma

experiência, que implica uma escrita mais pessoal, mas emocional, até, em alguns casos,

passamos para um registo mais formal.

Conforme já foi explicado, na introdução deste trabalho, o tema escolhido surgiu de uma

sugestão do director daquele jornal digital, que aceitei pelo facto de conhecer a dinâmica muito

própria do crowdsourcing no leque de conteúdos do P3.

Este segundo capítulo tem, como objectivo, o enquadramento teórico do tema do

crowdsourcing, de forma a poder contextualizá-lo e defini-lo, antes de se chegar à análise

estatística deste processo, no âmbito do P3. Parte de um conceito mais abrangente, o do

jornalismo online, aborda as noções de participação dos leitores e do jornalismo cidadão e

apresenta o conceito de sabedoria da multidão, como espécie de prelúdio para o conceito

central desta parte do relatório: o crowdsourcing.

Depois dos conteúdos reunidos, com base no estudo do trabalho de vários autores,

tentarei apresentar uma síntese minha, na qual espelharei os pontos que considero mais

importantes reter, antes de avançar para a análise estatística.

2.2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.2.1. O JORNALISMO ONLINE

A Internet mudou muitos aspectos da vida das sociedades. O jornalismo não ficou

―imune‖ a esta mudança. Segundo Pryor (cit. em Deuze, 2006), o jornalismo online passou por

três fases. A primeira remete para o período que se situa entre 1982 e 1992, no qual surgiram

as primeiras experiências de publicações electrónicas; o segundo momento remete para meados

da década de 1990, quando foram publicadas as primeiras notícias no ciberespaço, ou quando

foi lançada a base de dados Kidon Media-Link, que reunia, em Dezembro de 2002, mais de 14

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mil meios de comunicação social; a terceira fase está relacionada com o aparecimento do

jornalismo multimédia e da banda larga sem fios. Este momento acabou por ser decisivo, pela

mudança que implicou no paradigma da comunicação.

No espaço de uma década, não só milhares de meios de comunicação lançaram uma

versão online (que, em alguns casos, acabou mesmo por ser apagada), mas também

milhares de pessoas comuns e grupos particulares acabaram por usar a ―Rede‖ como

um meio para difundirem as suas notícias (Deuze, 2006: 16).

Este autor faz um contexto histórico que coloca jornalismo e tecnologia de ―mãos

dadas‖, ao longo dos tempos, na optimização dos processos de recolha, edição e distribuição da

informação. No séc. XIX, a imprensa escrita teve um grande crescimento, o séc. XX foi marcado

pela rádio e pela televisão, enquanto que o presente século está a ser pautado pelas plataformas

multimédia digitais (Deuze, 2006).

Cristiane Lindemann enuncia algumas das mudanças sofridas pelo jornalismo, desde

1970.

Tudo se alterou: do papel passou-se para o ecrã do computador; a redacção dispensou

(em alguns casos) um espaço físico e geográfico delimitado, com pauteiros, repórteres,

editores, revisores e diagramadores, o que Marcondes Filho chama de ―ruptura do

ambiente social‖; o webjornalismo quebrou a periodicidade, incorporando a máxima do

tempo real; e, como se estas mudanças todas não bastassem, graças ao advento da

Internet, já não é mais o jornalista o único responsável pela produção de notícias

(Lindemann, 2007: 54-55).

Sousa e Aroso apresentam um conjunto de expressões que poderão designar a prática

do jornalismo online.

Jornalismo digital, jornalismo electrónico, jornalismo multimédia, jornalismo virtual, são

alguns dos muitos vocábulos utilizados por outros autores, consoante motivos próprios,

para expressar esta mesma ideia: o exercício da função jornalística na edição digital de

um jornal impresso, rádio ou televisão ou numa edição jornalística exclusivamente digital

(Sousa & Aroso, 2003: 161).

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Segundo Murad, o conceito de jornalismo surge associado ao suporte técnico através do

qual as notícias são difundidas.

De certa forma, o conceito de jornalismo encontra-se relacionado com o suporte técnico e

com o meio que permite a difusão das notícias. Daí derivam conceitos como jornalismo

impresso, telejornalismo e radiojornalismo (Murad, cit. em Canavilhas, 2001: 2).

Canavilhas (ibidem) parte desta definição para afirmar que ―é, pois, com naturalidade

que se introduz agora o conceito de webjornalismo e não de jornalismo online‖.

Esta prática jornalística, como qualquer outra, apresenta especificidades que se

traduzem em exigências particulares aos seus profissionais.

(…) O recrutamento para redacções digitais exige ao jornalista o domínio alargado de

múltiplas capacidades, bem como a aptidão para trabalhar em ciclos de notícias de

actualização permanente. Em certos casos, o ciberjornalista terá de redigir notícias,

produzir fotografia, áudio e vídeo, construir páginas web, transpor conteúdos impressos

ou audiovisuais para a rede, acrescentar hiperligações, fornecer interfaces que permitam

aos utilizadores o recurso a bases de dados diversas, desenvolver comunidades online,

particularmente através de linhas de chat, etc. (Bastos, 2006: 106).

Sousa e Aroso (2003) enumeram algumas das competências necessárias ao jornalista

de um meio digital, tais como, entre outros, o domínio da pesquisa na Internet, da programação

em HTML, da edição de vídeo e de áudio, a capacidade de escrever histórias, em textos breves,

e em múltiplas dimensões e blocos de texto (o que implica o domínio do hipertexto).

Deuze vai de encontro a este conjunto de ideias.

Em ciberjornalismo escrever não se resume a redigir texto, mas antes a explorar todos

os formatos possíveis a ser utilizados numa estória de modo a permitir a exploração da

característica chave do novo médium: a convergência. As possibilidades narrativas

permitidas por esta convergência multimédia requerem, consequentemente, o

planeamento das estórias através da elaboração de um guião (storyboard), encarado

como essencial no processo de escrita não-linear. A aplicação do storyboarding no

planeamento de uma história online poderá, dependendo das práticas e exigências de

cada media online, caber ao próprio jornalista (Deuze, cit. em Bastos, 2006: 107).

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Toda esta necessidade de alterar o método de produção de conteúdos levou Canavilhas

a propor uma definição de webjornalista.

A introdução de novos elementos não textuais permite ao leitor explorar a notícia de

uma forma pessoal, mas obriga o jornalista a produzi-la segundo um guião de

navegação análogo ao que é preparado para outro documento multimédia. O jornalista

passa a ser um produtor de conteúdos multimédia de cariz jornalístico – webjornalista

(Canavilhas, 2001: 5-6).

Porém, as mudanças impostas pelo jornalismo online não se resumem à prática

jornalística e à forma de consumir os conteúdos, mas estendem-se, também, às relações entre

os produtores e consumidores. Palacios (cit. em Lindemann, 2007: 48) enumera algumas das

características daquilo que Lindemann define como ―webjornalismo participativo‖:

―multimedialidade ou convergência, interactividade, hipertextualidade, personalização,

instantaneidade ou actualização contínua, e memória‖. Estes traços permitem que a rede se

torne num meio onde qualquer utilizador pode ganhar uma voz própria e independente, no

espaço público. Moretzshon considera, no entanto, que as relações de poder da sociedade são

replicadas, mudando apenas o ritmo a que tudo acontece.

O mais correcto seria dizer que, com tantas inovações tecnológicas ao longo do século

passado, o ciberespaço reproduz relações de poder que estão na sociedade (…). O que

se altera é a velocidade e o alcance público da contestação a uma notícia não verídica ou

precária: antes o protesto limitava-se a telefonemas para a redacção ou cartas que a

secção do leitor publicaria (ou não) no dia seguinte (Moretzshon, cit. em Lindemann,

2007: 52).

Canavilhas (2001) defende que a notícia deve ser o princípio de um diálogo entre o

jornalista e os leitores.

No webjornal a relação pode ser imediata. A própria natureza do meio permite que o

webleitor interaja no imediato. Para que tal seja possível o jornalista deve assinar a peça

com o seu endereço electrónico. Dependendo do tema, as notícias devem incluir um

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"faça o seu comentário" de forma a poder funcionar como um fórum. No webjornalismo

a notícia deve ser encarada como o princípio de algo e não um fim em si própria. Deve

funcionar apenas como o "tiro de partida"para uma discussão com os leitores. Para

além da introdução de diferentes pontos de vista enriquecer a notícia, um maior

número de comentários corresponde a um maior número de visitas, o que é apreciado

pelos leitores (Canavilhas, 2001: 2-3).

Para Anselmino (2010), a Internet veio aumentar os sectores reservados pela imprensa

para a participação dos leitores. Para além disso, mecanismos como os blogues, o Facebook e o

Twitter implicaram uma aquisição de competências, por parte dos leitores, que forçaram uma

adaptação dos meios de comunicação. Essas mudanças tiveram como motivo ―outorgar ao leitor

mais espaço para intervir‖ (Anselmino, 2010: 59), e tiveram, como causa, a ―necessidade

crescente de fidelizar a audiência – ou seguir os seus movimentos – para captar mais

publicidade‖ (Anselmino, 2010: 59-60).

Lindemann (2007) nota que não foi a Internet a introduzir os espaços de participação do

público, uma vez que a televisão, a rádio e alguns jornais já tinham criado alguns espaços onde

os espectadores/ouvintes/leitores podiam dar a sua opinião.

Esta generalização do uso das tecnologias poderá ter surpreendido alguns dos grandes

grupos de media. Kevin Kelly pensa dessa forma e chegou a afirmá-lo na Wired. Segundo o

próprio (cit. em Witt, S/D: 6), os especialistas acreditavam que o público nunca iria produzir os

seus textos, os seus vídeos ou as suas músicas, pelo que garante que a criação, num curto

espaço de tempo, de 50 milhões de blogues, terá sido um choque.

A história da participação do público nos media é dividida por Quadros (cit. em

Lindemann, 2007) em seis fases. A primeira é, segundo este autor, mais uma promessa do que

uma realidade, uma vez que um e-mail enviado a uma redacção ficava, muitas vezes, sem

resposta. A segunda fase permite a escolha da forma de consumir os conteúdos, através do

hipertexto. Na terceira fase, os jornalistas, bem como algumas personalidades famosas, surgem

em diálogo com os leitores, através do chat. A quarta fase está relacionada com a possibilidade

de os leitores comentarem as notícias. A quinta fase é aquela em que o público passa a poder

produzir conteúdos, com o apoio do mediador. É, também, o momento em que ganha a

oportunidade de enviar conteúdos audiovisuais para os jornalistas. Na sexta fase o público torna-

-se um jornalista cidadão, podendo trocar de posição com os jornalistas profissionais e construir,

de forma interactiva, os conteúdos.

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O ciberespaço noticioso é definido por Deuze (2006: 23-24) como algo que envolve, cada

vez mais, ―algum tipo de participação, co-criação e colaboração, dependendo do grau de

abertura ou clausura dos meios envolvidos‖. Katz centra-se nesta questão de abertura ou

clausura e define dois tipos de meios de informação.

Os sites de meios abertos adoptam a interactividade; reflectem ideias, comentários e

informação de uma variedade de fontes, especialmente dos seus leitores. (…) As suas

agendas e filosofias políticas raramente são estáticas, mas antes evoluem continuamente o

dom da interactividade. (…) Os meios fechados – jornais, noticiários da noite, e mesmo os

sites de notícias de subscrição – têm estado em declínio durante anos, confrontados com o

envelhecimento das suas audiências, diminuição dos lucros e marginalização face a uma

concorrência feroz (e normalmente gratuita) (Katz, cit. em Deuze, 2006: 24).

Odlyzko (cit. em Deuze, 2006) definiu quatro géneros de jornalismo online, com base na

criação de um gráfico de dois eixos (Gráfico 1). Um dos eixos diz respeito ao contínuo entre

conteúdo e conectividade, enquanto que o outro diz respeito ao nível de moderação da

participação do público. Desse gráfico resultaram, como já foi referido, quatro géneros: ―os sites

de notícias mainstream, os directórios, sítios de opinião e fóruns de discussão‖ (Odlyzko, cit. em

Deuze, 2006: 21).

Gráfico 1 – Tipologia de jornalismo online (Odlyzko, cit. em Deuze, 2006: 21)

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Para que se compreenda esta forma de apresentar a tipologia, importa recordar as

definições do autor deste gráfico. Por conteúdo editorial entende-se ―textos (incluindo palavras

escritas e faladas, imagens paradas e animadas), produzidos e/ou editados por jornalistas‖

(Odlyzko, cit. em Deuze, 2006: 21). A conectividade diz respeito à ―comunicação ‗standard

point-to-point‘, em que a noção de ‗pública‘ se refere à comunicação sem barreiras de entrada

formais (como um processo de moderação ou edição) (Odlyzko, cit. em Deuze, 2006: 22).

O eixo vertical liga dois extremos: os sítios abertos (―comunicação participativa não-

moderada‖) e fechados (―comunicação participativa moderada‖). O primeiro tipo é o que

―permite aos seus utilizadores expor comentários, afirmações, imagens (i. e. conteúdo) sem

moderação ou filtragem‖ (ibidem); os sítios fechados permitem participação dos utilizadores,

embora os seus actos de comunicação sejam sujeitos ―a uma rígida moderação e controlo

editoriais‖ (ibidem).

Deuze (2006) não considera que a convergência entre produção e consumo seja

exclusiva da Internet, mas aponta um esbatimento das fronteiras entre os dois processos, tal

como Metzger (2007: 2), que o justifica com uma ―alargada adopção de tecnologias de

informação e comunicação cada vez mais baratas e fáceis de usar‖ (Deuze, 2006: 22). Para

Metzger (2007: 4), não são apenas os avanços tecnológicos que o justificam, mas também a

―vontade de participar‖. Deuze antevê que o jornalismo terá que incluir mais diálogo com o

público.

É necessário considerar diferentes futuros do jornalismo a coexistir com – numa relação

mais ou menos simbiótica – noções de trabalho noticioso baseadas no conteúdo,

sugerindo, realmente, que a identidade profissional do jornalista não se baseia apenas no

monopólio do conteúdo e da narração, e talvez nunca se tenha baseado nisso (como

sugere o trabalho histórico de Mitchell Stephens). Os exemplos de sites de comentários e

opiniões e os fóruns de discussão dentro do contexto do jornalismo online mostram que

este novo meio parece, de facto, amplificar uma cultura jornalística mais aberta e de

maior conectividade, na medida em que parece ser de natureza mais dialogante (Deuze,

2006: 30).

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2.2.2. PARTICIPAÇÃO

Estes factores poderão ter desencadeado uma cultura de ―acção individual

descentralizada, mais especificamente, uma nova e importante acção cooperativa e coordenada‖

(Benkler, cit. em Metzger, 2007: 4). Para que este paradigma seja implementado, são

necessários ―mecanismos radicalmente distribuídos e sem lógica de mercado, não dependendo

de estratégias de propriedade‖ (ibidem).

No mesmo sentido, Jenkins (cit. em Metzger, 2007: 3), considera que ―as instituições e

as práticas dominantes estão a ser redefinidas por uma consciência crescente das vantagens da

promoção (ou, no mínimo, da tolerância) de culturas participativas‖.

Jenkins (cit. em Deuze, 2006: 25) também se refere a esta ―nova cultura popular

participativa‖, que concede ―às pessoas comuns as ferramentas para arquivar, comentar,

ajustar e fazer re-circular conteúdo‖. Acrescenta que ―as empresas astuciosas atingem esta

cultura para cultivar a fidelidade dos consumidores e gerar conteúdo a baixos custos‖ (ibidem).

Deuze (2006: 25), cita um trabalho do American Press Institute, segundo o qual ―para

sobreviverem, as empresas mediáticas têm que reinventar as maneiras de contar histórias de

modo a competir pela atenção do consumidor (…) e têm que reagir com admiração e respeito

pela criação de conteúdo por parte do consumidor‖.

Segundo Gilarranz et al. (2009: 26) cabe aos media ―abrirem-se e fortalecerem-se com a

inteligência colectiva dos utilizadores e as capacidades e aplicações de outros‖. A consequência

de não seguirem esta tendência será o isolamento ―num ecossistema onde a citação, a

hiperligação e a integração de dados e conteúdos são as novas auto-estradas da informação‖

(ibidem).

A palavra ―ecossistema‖ é, precisamente, a escolhida por Witt (S/D) para determinar o

contexto em que uma determinada organização de media se insere. Segundo este autor, as

organizações devem determinar os seus ecossistemas e disponibilizá-los, online, através de uma

representação visual que seja acessível ao público.

Este é, portanto, o momento em quem a multidão entra em jogo, o que deixará,

indelevelmente, a sua marca no jornalismo. A multidão, segundo Metzger (2007), tornou-se a

fonte.

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Devido à tecnologia e à cultura da Internet, grandes grupos de escritores, repórteres e

fotógrafos amadores estão a desempenhar os papéis que estavam reservados a um

número reduzido de jornalistas profissionais. Neste novo modelo, a multidão é a fonte de

produção de informação, num ambiente colaborativo online (Metzger, 2007: 1).

Este ambiente colaborativo está a produzir ―novos ideais, como a cobertura ampla,

devido à quantidade massiva de repórteres, o valor de múltiplas perspectivas, bem como

autenticidade e transparência‖ (ibidem). Segundo Metzger (2007), esta lógica não implica uma

substituição dos valores tradicionais do jornalismo, mas uma coexistência.

No mesmo sentido, Gilarranz et al. (2009) considera que o jornalismo cidadão e o

jornalismo profissional não são mutuamente exclusivos, mas complementares e uma ―evolução

positiva da comunicação‖ (Gilarranz et al., 2009: 43). ―A colaboração entre jornalistas cidadãos

e jornalistas profissionais é a melhor via para consolidar uma audiência mais activa e mais bem

informada‖ (ibidem).

A natureza do jornalismo cidadão, segundo Träsel (cit. em Lindemann, 2007: 52) não

está em competir com o jornalismo profissional, mas sim ―complementá-lo, fiscalizá-lo, no

sentido de garantir a pluralização das visões sobre um mesmo acontecimento, e de apontar

erros, distorções e limitações‖. ―A possibilidade de intervenção de centenas ou milhares de

leitores contribui para a exactidão das informações publicadas e incentiva uma maior variedade

de interpretações‖ (Träsel, cit. em Lindemann, 2007: 52).

Eric Schmidt, presidente da Google, afirmou (cit. em Gilarranz et al., 2009: 43) que ―o

conteúdo gerado pelos utilizadores vai ser um dos aspectos mais definidores da Internet‖ e que

acredita que ‖este fenómeno, do qual o Youtube é um exemplo, vá ser a expressão definidora da

Humanidade, nos próximos 10 a 20 anos‖.

Esta tensão, provocada pela ―entrada em jogo‖ de milhares de novos produtores de

conteúdos, tem como resultado a alteração profunda da situação dos media. Metzger (2007: 2)

considera que ―estas ‗armas de colaboração massiva‘ são responsáveis pela sublevação que

ocorre nos media e no entretenimento‖. Esta autora acrescenta (2007: 2-3) que ―anteriormente

um bastião do ‗profissionalismo‘, os produtores credenciados dividem o palco com ‗amadores‘

que estão a disputar cada actividade em que se envolvem‖. O ritmo a que esta mudança se

verifica é explicada, por Metzger, em parte pela ―inércia cultural das instituições mergulhadas

nas tradições jornalísticas dos mass media‖ (2007: 3).

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Para além desta inércia, a autora encontra numa certa sobranceria dos jornalistas,

―porque muitos pensavam que o público era demasiado ignorante ou ocupado para desenvolver

opiniões informadas e confiáveis sem ajuda‖ (Metzger, 2007: 14), a razão pela qual o público

esteve afastado da participação.

Usando uma expressão comum, na literatura sobre este tema, o ―palco‖ dos media é,

agora, dividido por amadores e profissionais. Enquanto que alguns encaram a situação com

algum realismo, como Mindich (cit. em Metzger, 2007: 14), que defende que ―os jornalistas

devem tentar, novamente, redefinir a sua profissão‖, devido aos ―contadores de histórias‖ que

surgiram na Internet, ―com tantos a basear-se no modelo de objectividade‖, outros há, como

Keen (cit. em Metzger, 2007: 12), que valorizam os profissionais, pela preparação ―através da

educação e da experiência pessoal de reportagem e edição das notícias, sob a supervisão de

profissionais experientes‖, em contraponto com os jornalistas cidadãos, que ―não têm treino

formal e, com frequência, apresentam opiniões como factos, rumores como reportagem e

insinuações como informação‖.

Dan Gillmor (2005: 140) procura valorizar, entre este constante diálogo que se

estabelece entre jornalistas e consumidores (estes, cada vez mais, produtores, também), os

valores que considera essenciais à sobrevivência do jornalismo, tais como ―a imparcialidade, a

rectidão e a capacidade de ir ao fundo das questões‖. Para além disso, o autor (ibidem)

acrescenta que, mesmo que o público seja mais ouvido, e que o diálogo com este seja mais

livre, os jornalistas são ―obrigados a coligir o maior número possível de factos‖, a ―ser

imparciais‖ e a ―corrigir os erros‖.

Enquanto que reconhece que os leitores contribuíram [―descobrem os meus erros,

dizem-me o que não vi e ajudam-me a captar as subtilezas‖ (ibidem)] para o seu crescimento,

enquanto jornalista, ressalva a importância dos editores. ―E continuamos a precisar de editores.

(…) Os bons editores fazem valer a sua experiência de forma diferente. Estão treinados, na

maioria dos casos devido a uma longa experiência, a reparar no que falta numa história‖

(ibidem). Quanto à importância dos editores, é peremptório: ―Tornam o meu trabalho melhor em

vários sentidos, e não gostaria de vê-los desaparecer‖ (ibidem).

Para Dan Gillmor, é importante ―ajudar o novo jornalismo a compreender e a valorizar os

princípios éticos, a importância de merecer a confiança do público e o profissionalismo‖

(ibidem).

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E a entrada de novos actores no terreno da comunicação não parece preocupar Gillmor.

―É um dos mais saudáveis melhoramentos nos media desde há muito tempo. Estamos a ouvir

novas vozes (…) de pessoas que pretendem dizer o que pensam e o que ouviram, mesmo que

só possam falar para uns poucos‖ (Gillmor, 2005: 143).

Este público está, segundo Moretzshon (2006: 67), a colocar em causa a ―hegemonia

como gatekeeper‖, por parte do jornalista, ao tornar-se ―um activo participante da criação e

disseminação de notícias e informações‖, com recurso a ―ferramentas da web fáceis de usar,

conexões permanentes e equipamentos portáteis cada vez mais eficientes‖.

Desta forma, o conceito de gatekeeper transforma-se, segundo Bruns (cit. em

Lindemann, 2007: 55), em algo como gatewatcher, uma vez que é importante ―filtrar a

informação e republicá-la num contexto específico, dependendo dos interesses do público‖.

Fazendo lembrar a afirmação de William Durant, que um dia afirmou que ―uma grande

civilização não é conquistada, a partir do exterior, sem que se tenha autodestruído, a partir do

interior‖, Manuel Pinto, citado por Moretzshon (2006: 78), garante haver ―zonas de crise e

indefinição não apenas suscitadas pelas diferentes modalidades do dito ‗jornalismo participativo‘,

mas motivadas também pela crise do jornalismo e dos respectivos veículos‖. Perante este

estado da situação, reforça, tal como Gillmor, o papel da edição.

Pela minha parte, sustento que o papel da edição de informação de actualidade se torna

a cada dia mais necessária, mas é provável que essa função vá ter de coexistir com

formas diversificadas de produção dos cidadãos que uns chamarão jornalismo e que

serão, em qualquer caso, a multiplicação de pólos de enunciação e a amplificação dos

círculos de produção de informação e de opinião na sociedade (Pinto, cit. em

Moretzshon, 2006: 78).

É na questão da edição que Lindemann (2007) se centra, para distinguir o jornalismo

profissional do jornalismo cidadão: no primeiro, as informações são confirmadas e o texto é

editado; no segundo, publica-se, primeiro, edita-se, depois.

Soler (cit. em Moretzshon, 2006) propõe uma curiosa alegoria, para enquadrar um dos

riscos da entrada massiva dos cidadãos no jornalismo. O que é sugerido é um cenário em que

um número elevado de cidadãos começa, subitamente, a contar histórias com as quais se cruza,

no seu dia-a-dia. Este processo impõe-se ―até que a trama chegue a um ponto em que, passo a

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passo às vinte e quatro horas do dia real, transcorrem, de maneira rigorosamente paralela, as

vinte e quatro horas de notícias instantâneas desse dia‖ (Soler, cit. em Moretzshon, 2006: 80).

Segundo Pinto (cit. em Moretzshon, 2006: 80), numa situação destas, teríamos

dificuldade em distinguir a informação útil, entre o volume de notícias que seriam difundidas. E

cita o escritor argentino Jorge Luís Borges: ―Para que serviria um mapa se acaso ele fosse

elaborado a uma escala tal que se confundisse com o próprio território?‖ (Pinto, cit. em

Moretzshon, 2006: 80).

2.2.3. JORNALISMO CIDADÃO

A forma como o jornalismo cidadão se impôs, ao longo dos últimos anos, às práticas do

jornalismo profissional, levou mesmo a que se tentasse criar uma definição para esta nova forma

de praticar jornalismo. Foi o caso de Gans (cit. em Lindemann, 2007), que propôs os seguintes

traços: realização de uma cobertura que vá além das fontes básicas ou oficiais, ou seja, que

mostre o pano de fundo ou o entorno dos factos; foco nas notícias mais representativas,

relatando as actividades e opiniões de todos os sectores e papéis da população; ênfase nas

notícias de serviços, fornecendo informações relevantes para sectores (idades, níveis escolares,

etnias, crenças religiosas, etc.) e papéis (pais, filhos, professores, alunos, etc.) específicos, ou

seja, pensar no que as pessoas consideram importante para elas; as notícias devem ser

colectadas a partir de fontes mais dispersas, evitando as fontes de fácil acesso.

O jornalismo cidadão pode, também, ser definido como ―o acto de um cidadão, ou um

grupo de cidadãos, desempenharem um papel activo nos processos de recolha, transmissão,

análise e distribuição de notícias e informações‖ (Bowman e Willis, cit. em Thiel-Stern, S/D: 4). A

informação resultante deste processo é, na opinião dos mesmos autores, ―independente,

confiável, precisa, abrangente e relevante‖ (ibidem).

Esta forma de praticar o jornalismo terá, segundo o estudo WeMedia, da autoria de

Bowman e Willis, efeitos na constituição das redacções. Defendem estes autores (cit. em

Lindemann, 2007) que a redacção com papéis bem definidos será substituída por núcleos de

edição, aos quais se ligarão os cidadãos que pretendem fornecer informações. Nas palavras

destes autores, ―as redacções serão uma espécie de centros de recepção, triagem rápida,

edição imediata e catalogação inteligente‖ (Lindemann, 2007: 55). A participação do público não

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se esgotará nessa fase, uma vez que, após a publicação, será possível fazer comentários e

tornar o processo interactivo.

A questão parece dada como adquirida. ―A questão não é mais se indivíduos sem

educação formal ou licença profissional vão participar na sua própria produção e influenciar a

esfera mediática, mas de quanto e como‖ (Lindemann, 2007: 56).

Linus Torvalds (cit. em Witt, S/D), criador do sistema operativo Linux, considera que,

quando o público estiver disposto a participar sem qualquer tipo de recompensa, o processo

será desempenhado com gosto, sendo as vantagens pessoais relegadas para segundo plano.

Witt (S/D) afirma que o público irá partilhar, dentro das condições certas, e dá um exemplo para

ilustrar a ideia de que o volume de contribuições pode não significar maior sucesso.

Um estranho a pedir indicações numa paragem de autocarro terá mais respostas

positivas do que alguém a pedir boleia. No entanto, se as condições de ambas as

situações puderem ser cumpridas, o segundo caso terá mais hipóteses de sucesso (Witt,

S/D: 16).

Para Raymond, é importante que o público acredite no futuro de um projecto, para que

colabore com ele.

Quando começas a produzir em comunidade, deves ser capaz de apresentar uma

promessa plausível. O teu programa não tem que funcionar particularmente bem. Pode

ser imperfeito, conter erros, estar incompleto ou mal documentado. Onde não deve

falhar é na capacidade de convencer potenciais participantes que podem ser

envolvidos em algo realmente agradável num futuro previsível (Raymond, cit. em Witt,

S/D: 27-28).

Segundo o mesmo autor (idem), os novos paradigmas de conteúdo aberto implicam

uma orientação da actividade no sentido da comunidade: primeiro, servir o público, depois, os

lucros. Outros defendem uma inversão destas prioridades. Segundo Witt, é fundamental, para o

que denomina por ―reinvenção do jornalismo‖, que as organizações tomem uma posição sobre

esta questão.

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Cada nova organização deve decidir em que medida quer manter a propriedade ou

tornar o seu conteúdo totalmente disponível para o público, em geral, ou, no mínimo,

aos seus contribuintes, para que eles possam editá-lo ou construí-lo, para uso próprio

ou da organização (Witt, S/D: 10).

Thiel-Stern (S/D) faz um elenco de algumas das correntes de pensamento, no que à

participação do público diz respeito: Brabham considera que a participação do público pode ser

importante, tendo em conta a descida dos lucros e a baixa da produção; Thorson e Yar colocam

este aspecto como importante num contexto de mudança de audiências; Paulussen e Ugille,

bem como Reich encontram na participação uma possível ameaça aos valores tradicionais do

jornalsimo; Yar e Sands temem uma fragilidade ética; Carr, Gahran e Bradshaw encontram

optimismo, nos media, relativamente à participação do público.

Benkler, por seu lado, coloca a tónica no aproveitamento do potencial criativo do público.

A produção entre pares apresenta um fenómeno fascinante que poderá permitir-nos

explorar reservas de esforços criativos potencialmente inutilizadas. É da maior

importância que não terminemos com a produção entre pares, mas que criemos as

condições institucionais necessárias ao seu desenvolvimento (Benkler, cit. em Witt,

S/D: 27).

Para Witt, uma organização noticiosa deve saber ocupar o seu espaço, no meio online.

Chama-se ―World Wide Web‖ por uma razão. Uma organização noticiosa pode decidir

até que ponto a sua audiência inclui pessoas da rua ao lado ou de Hong Kong. Pode,

também, haver limites aos grupos de interesse. Queremos aficionados de cães, de

gatos, ou ambos? Depois, alguém deve decidir sobre quem participa ou não participa –

essa tarefa de filtragem pode ser uma tarefa da organização noticiosa, da audiência ou

de ambas as partes. Como diz Gillmor, ―em vez de ensinarmos o público, vamos pedir

a sua ajuda e oferecer a nossa. Podemos fazer grandes coisas juntos, e devemos fazê-

-las‖ (Witt, S/D: 18).

Com todas estas ideias, acerca da participação do público, importa, também, reflectir

sobre um aspecto: será a multidão sábia, no seu todo? Será ela capaz de resolver problemas aos

jornalistas?

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2.2.4. SABEDORIA DA MULTIDÃO

Enquanto que Walter Lippman defendia que os especialistas bem informados eram

fundamentais, Metzger (2007: 9) considera que ―dentro das circunstâncias adequadas, os

grupos são extraordinariamente inteligentes, e muitas vezes são mais inteligentes do que as

pessoas mais inteligentes entre eles‖. Surowiecki (cit. em Metzger, 2007), parece situar-se a

meio caminho entre estas duas correntes, considerando que, na maioria das vezes, um

especialista é a melhor forma de resolver um problema, embora reconheça que pode procurar-

se a solução entre a multidão, na qual podem estar incluídos especialistas. Surowiecki (ibidem)

apresenta o conceito de ―informação privada‖, ou seja, aquilo que cada um dos membros da

multidão sabe e que pode, com proveito, ser combinado com a informação privada dos outros

membros. Metzger (2007: 10) afirma que ―quando os nossos juízos imperfeitos são agregados

da forma correcta, a nossa inteligência colectiva é, na maioria das vezes, excelente‖.

Lévy (cit. em Brabham, 2008: 80) define a inteligência colectiva como ―forma de

inteligência universalmente distribuída, constantemente aumentada, coordenada em tempo real

e resultante da mobilização efectiva de capacidades‖. O mesmo autor (ibidem) defende que a

digitalização e as tecnologias de comunicação assumam um papel central na coordenação

destes recursos, uma vez que ―ninguém sabe tudo, mas toda a gente sabe alguma coisa, e todo

o conhecimento reside no ser humano‖.

Sobre a questão da eficácia das soluções produzidas pela multidão, Surowiecki propõe

uma analogia com uma prova de cem metros.

Pense no que aconteceria se se pedisse a cem pessoas para correrem os cem metros e

se fizesse a média dos tempos. O tempo médio não seria melhor do que o tempo dos

corredores mais rápidos. Seria um tempo medíocre. Mas se se pedir a cem pessoas para

responderem a uma pergunta ou resolverem um problema, a resposta média será, na

maioria das vezes, tão boa como a resposta da pessoa mais capaz. Na maior parte dos

casos, a média é medíocre. Nas tomadas de decisão, é maioritariamente excelente.

Quase se pode dizer que fomos programados para sermos colectivamente inteligentes

(Surowiecki, cit. em Brabham, 2008: 80).

O ciberespaço está, segundo Lévy (ibidem) ―pensado para interligar e fornecer um

interface para os vários métodos de criação, registo, comunicação e simulação‖ e que estes

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estão mais relacionados com ―modelos originais de criação e navegação do conhecimento, e as

relações que estas implicam‖, do que com os ―novos meios de transmissão de informação‖.

Brabham (2008) defende que a Internet é a tecnologia que permite concretizar a

sabedoria da multidão, pelo facto de permitir a comunicação livre, com diversidade de opiniões,

sendo estas independentes e descentralizadas. No entanto, este autor (idem) coloca o acesso

aos computadores e à Internet, mas também as competências e as tecnologias necessárias à

resolução dos problemas, como potenciais factores de exclusão.

Sustein (cit. em Metzger, 2007) apresenta algumas dúvidas acerca da diversidade

existente na Internet, uma vez que considera frequente que exista alguma agregação de opiniões

semelhantes e uma consequente polarização nociva.

No que diz respeito a esta lógica aplicada às notícias, Metzger (idem) encontra

vantagens na possibilidade de um texto noticioso conter factos e opiniões que possam abranger

todas as perspectivas possíveis. Brabham (2008) também aponta a diversidade, nas suas várias

dimensões (nacionalidade, classe social, género, etnia, etc.) como uma forma de garantir um

número grande de perspectivas, o que pode ser importante, na resolução de um problema.

Importante será, na opinião de Dan Gillmor (cit. em Moretzshon, 2006) perceber que

existem diferentes níveis de conhecimento: se o público, pelo facto de incluir especialistas, e as

fontes (os próprios especialistas) sabem mais do que o jornalista, o público, em geral, não sabe,

pelo que a importância do jornalista é inquestionável. No fundo, porque será sempre o mediador

que tem acesso a fontes e a locais aos quais o público, em geral, não tem.

E quanto à liberdade de opinião, entre a multidão: existirão condicionamentos? Sustein

(cit. em Metzger, 2007) e Janis (ibidem) acreditam que sim. O primeiro, pelo facto de as

questões a que a multidão responde não serem puramente factuais, mas envolverem uma

componente de juízo de valor, o que está, no seu entender, de forma inevitável, sujeito a

pressões sociais. Janis enuncia o fenómeno da ―espiral do silêncio‖, que consiste na omissão de

opiniões periféricas, também por pressões sociais. Além disso, este autor considera que, em

grupos pequenos e homogéneos, é mais frequente que surjam núcleos de autoridade e lógicas

de grupo que condicionem o exercício da opinião.

O que torna, então, uma comunidade sábia? Surowiecki (cit. em Metzger, 2007) aponta

três condições: a comunidade tem que ser heterogénea, de forma a conter o maior número

possível de informação pessoal e de perspectivas; os membors do grupo devem ser

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independentes, entre si, para evitar pressões sociais; o poder, dentro da comunidade, deve estar

descentralizado.

2.2.5. CROWDSOURCING

Relacionada com esta capacidade de uma multidão para resolver problemas, surge o

conceito de ―crowdsourcing‖. Howe propôs uma definição para este preocesso.

Numa definição simples, crowdsourcing significa uma companhia ou instituição entregar,

sob a forma de concurso aberto, uma função anteriormente desempenhada pelos seus

funcionários a uma rede indefinida (e geralmente abrangente) de pessoas. Pode ter o

formato de peer-production (quando a tarefa é realizada em modo colaborativo), mas

também pode ser desempenhado individualmente. O pré-requisito crucial está no

concurso aberto e na rede abrangente de potenciais colaboradores (Howe, cit. em

Brabham, 2008: 76).

O mesmo autor (ibidem) esclarece que só deverá ser considerado crowdsourcing se uma

determinada organização recorrer ao fabrico em massa e à venda do conceito criado pela

multidão.

Um conceito semelhante a este e que pode, facilmente, gerar alguma confusão é o

conceito de open source. Segundo Brabham (2008), é mais comum no desenvolvimento de

software e consiste na permissão do acesso ao código fonte de um determinado programa, com

o objectivo de nele se produzirem melhoramentos.

A diferença está na manipulação do produto: o crowdsourcing pede soluções para um

problema, o open source permite que um produto seja manipulado, livremente, pelo público.

Por esta diferença fundamental, Brabham (2008) afirma isso mesmo: o open source não

se aplica a todo o tipo de produtos. Um software é manipulável, uma vez que é composto por

código, no limite, zeros e uns do código binário; um produto que requeira outro tipo de processo

de fabrico, até envolvendo materiais e máquinas, não permite a manipulação livre por parte do

público. É ao último modelo que se aplica o crowdsourcing.

E como pode o open source conviver com a propriedade e com um sistema capitalista?

Segundo Brabham é possível, precisamente, com o crowdsourcing.

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Uma sociedade que valorize a qualidade e a inovação da produção em open source, mas

que esteja limitada por um sistema capitalista de propriedade e capital, pode ―ter o bolo

e comê-lo‖ com o crowdsourcing (Brabham, 2008: 83).

Apesar desta valência, o crowdsourcing não é apresentado por este autor como um

modelo perfeito. Segundo o mesmo (2008), o processo tem custos para a multidão, cujas

soluções produzidas ultrapassam, em valor, as recompensas recebidas pela resolução de um

problema. Postigo (cit. em Brabham, 2008: 83) vai mais longe, afirmando que ―este processo

consegue aproveitar uma força de trabalho capaz, com um custo inicial reduzido ou nulo, e

representa uma forma emergente de exploração do trabalho na Internet‖.

Apesar de considerar que o crowdsourcing permite que os indivíduos da multidão se

tornem empreendedores ou que, no mínimo, o seu potencial criativo seja aproveitado, Brabham

(2008) coloca em causa a diversidade da multidão, dúvida que, a confirmar-se, condena,

segundo o autor, o processo ao insucesso. No entender de Brabham (idem), caso o critério de

avaliação das soluções propostas seja da empresa ou de uma multidão homogénea, as

alternativas ao discurso dominante irão, provavelmente, fracassar.

A colaboração da multidão, utilizada com alguma frequência na produção de software,

tem sido alvo de uma expansão, segundo Metzger (2007: 5), também a ―todos os domínios da

produção informativa e cultural‖. De acordo com esta autora (2007: 2), a aplicação do

crowdsourcing ao jornalismo ―significa a solicitação, junto de amadores, e não de jornalistas, de

reportagem, escrita, edição ou fotografia (ou todas estas tarefas)‖.

Metzger (2007) aponta duas formas de aplicar este processo ao jornalismo. Uma surge

da solicitação, junto do público, por parte dos órgãos de informação tradicionais (como exemplo,

o programa I-Report, da CNN); outra tem por base sites cujos conteúdos, textuais e visuais, e,

em alguns casos, até as decisões editoriais, são totalmente reunidos junto da comunidade online

(o exemplo mais conhecido era o site OhmyNews, da Coreia do Sul, que entretanto deixou de

pagar pelos artigos e cuja versão internacional passou a ser um blogue).

Thiel-Stern relaciona os conceitos de crowdsourcing e de jornalismo cidadão.

O crowdsourcing, um tipo de jornalismo cidadão, baseia-se na ideia de que os leitores

podem usar as ferramentas da Web 2.0 para ajudarem os repórteres nas reportagens,

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permitindo que os processos de recolha e transmissão da informação sejam mais

colaborativos, conversacionais e potencialmente mais transparentes (Thiel-Stern, S/D: 2).

O crowdsourcing pode ser uma extensão do jornalismo tradicional, não tanto uma

revolução. Quem o defende é Metzger (2007). E complementa esta ideia com as palavras de

Karp:

―A prática do jornalismo não foi tão mudada quanto foi alargada. O jornalismo era linear.

Agora é colaborativo. Costumava estar nas mãos de poucos. Agora está nas mãos de

muitos mais‖ (cit. em Metzger, 2007: 14).

Metzger (2007) considera, também, que o aparecimento de um grande número de

jornalistas amadores traz múltiplas perspectivas, autenticidade e transparência ao jornalismo, e

defende os profissionais como garantia da defesa da actividade. Ao mesmo tempo (idem),

questiona o crowdsourcing como deriva ideológica do jornalismo tradicional, na medida em que,

segundo garante, são jornalistas muitos dos que praticam esta forma de jornalismo.

Para que os projectos possam receber a colaboração do público devem ter, segundo

Benkler (cit. em Witt, S/D), três características: devem poder ser divididos em módulos,

independentes entre si; os módulos devem ser, predominantemente, de reduzida dimensão,

para que o público não seja afastado por tarefas demasiado extensas, mas deve salvaguardar

alguma heterogeneidade nos módulos, para poder receber contribuições de diferentes volumes;

o projecto deve ter uma integração de baixo custo, tanto no controlo de qualidade dos módulos,

como na integração das contribuições no produto final.

Witt (S/D) considera que a heterogeneidade dos módulos permitirá que um órgão de

comunicação determine que tipo de contribuição quer receber, da parte do público, desde

algumas respostas por e-mail até trabalhos completos, num modelo próximo do jornalismo

cidadão.

2.2.6. SÍNTESE

Eis as noções que considero importante salientar, no contexto deste enquadramento

teórico. Primeiramente, considero indissociável a prática jornalística da tecnologia. Os meios de

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difusão são parte integrante e determinante dos vários tipos de jornalismo. Tal como o

jornalismo impresso, o jornalismo televisivo ou o radiofónico, o jornalismo online tem

características próprias resultantes do meio que o difunde.

A possibilidade de integrar, numa mesma notícia, texto, fotografia, vídeo, áudio e

hipertexto, aliada à facilidade de difundir conteúdos nas redes sociais, alterou completamente o

paradigma da prática jornalística.

Ao webjornalista (bem ou mal, mas esse não é o debate que pretendo desenvolver) é

exigido que saiba planear a apresentação de uma história (fazer o storyboard), escrevê-la e editar

fotografia, vídeo e áudio.

Para além disso, estas mudanças tecnológicas não ocorreram apenas no lado da

produção, mas também junto dos consumidores. O consumidor passou a aceder aos produtos

jornalísticos de forma diferente e, mais do que isso, alterou o seu papel no ―jogo‖: não lhe basta

consumir, uma vez que tem os conhecimentos e os meios para passar a produzir.

Se, por um lado, os meios de comunicação ainda têm predominância no terreno

mediático, por outro, o público aumentou a sua força, uma vez que milhões de pessoas, com

acesso a meios tecnológicos e com facilidade em manuseá-los, acabam por fazer a balança

pender um pouco mais para o seu lado.

No meu entender, os media têm duas hipóteses: aceitam este facto ou ignoram-no. Não

considero que seja profícuo desvalorizar as capacidades do público e a sua vontade de

participar. Não por condescendência, antes porque, cedo ou tarde, o jornalismo acaba por ter

que viver com esses factores. Se eles existem e não há volta, neste processo, então a

coexistência deve ser tentada. Como afirma Lindemann, não se trata de saber se o público vai

participar, mas sim de quantificar essa participação e definir um modelo para a mesma.

Respeitar os conteúdos produzidos pelo público é um importante passo para aproximar

jornalistas e audiência. Considero fundamental a existência de jornalistas, pela orientação da

actividade por princípios éticos, pela preparação técnica e pelas capacidades de selecção de

assuntos e de edição, pelo que, não defendo a sua substituição: reforço a ideia de coexistência

entre jornalistas e público.

Deste diálogo permanente pode resultar uma maior pluralidade de ângulos de

abordagem de um determinado tema, ao mesmo tempo que o público terá mais meios para

escrutinar, através da participação, a qualidade da informação.

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Neste contexto, parece-me positiva a substituição do conceito de ―gatekeeper‖ (aquele

que detém o poder exclusivo sobre o que vai ou não para a esfera pública) pelo de

―gatewatcher‖, ou seja, aquele que se mantém vigilante sobre a informação que entra na esfera

pública e a selecciona, de acordo com a sua qualidade e credibilidade.

Até por uma questão prática: se todos os cidadãos fossem produtores de informação,

gerar-se-ia uma tal quantidade de notícias que tornaria impossível a percepção da realidade.

Embora seja utópico pensar que podemos apreender a realidade, através da informação, sempre

haverá maior perceptibilidade se houver uma selecção cuidada dos assuntos de maior interesse

público.

No fundo, parece-me positivo que o público tenha amplificado a sua voz, mas este dado

só será claramente vantajoso se os jornalistas continuarem a exercer o seu papel, de acordo

com os seus valores éticos.

As redacções deveriam, neste modelo, assumir, cumulativamente à produção, um papel

de recepção, selecção e edição do material produzido pelo público. Este tornaria o processo

mais dinâmico, através dos seus comentários aos trabalhos e à partilha dos mesmos, nas redes

sociais.

Considero que a multidão pode ser sabedora, no caso da participação do público, pela

possibilidade de existência de diversos especialistas, nos mais diversos assuntos, entre as suas

fileiras. O papel do jornalista será, como já referi, o de mediar, uma vez que, se é verdade que

os especialistas sabem mais do que os jornalistas, não é menos verdade que estes sabem, na

maioria das vezes, mais do que o cidadão comum. Para além disso, os jornalistas continuam a

ter um acesso privilegiado, relativamente ao cidadão comum, a fontes e a determinados locais.

Tomemos o exemplo da publicação de crónicas. A contratação de um cronista mediático

traz visibilidade, mas também implica, geralmente, custos elevados. A entrega da secção de

crónicas à multidão da Internet pode garantir o aparecimento de bons cronistas, sem custos. A

menor visibilidade também pode ser mitigada, com o recurso às redes pessoais de cada

cronista, nomeadamente, nas redes sociais.

A Internet é um meio privilegiado para colocar a multidão a produzir conteúdos. Se não

se coloca a questão do acesso à rede, hoje praticamente generalizado, importa saber se a

multidão garante a liberdade de opinião. Considero que se verificam na Internet as três

condições propostas por Surowiecki para a existência de liberdade na multidão:

heterogeneidade, independência entre os membros e descentralização do poder.

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Chegamos, então, à noção de crowdsourcing: uma empresa ou organização entrega

uma ou mais tarefas a um grupo indefinido de pessoas que trabalharão para a sua resolução.

Aplicado ao jornalismo, surge o processo em que os órgãos de comunicação entregam aos

consumidores a tarefa de produzir conteúdos. Estes podem ser divididos em módulos de

diferentes dimensões (podem ser uma simples carta ou uma reportagem completa). Mais uma

vez, importa salientar que não considero que este modelo implique uma substituição de

jornalistas profissionais por jornalistas cidadãos: deverá caber aos primeiros a tarefa de

supervisão e de mediação, sendo a sua produção complementada pela do público.

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3. ANÁLISE ESTATÍSTICA AO CROWDSOURCING NO P3

3.1. INTRODUÇÃO

A análise estatística presente neste relatório pretende determinar a componente de

crowdsourcing do P3, em Outubro, Novembro e Dezembro de 2012. A escolha deste período de

tempo justifica-se com dois motivos: corresponde à primeira fase do meu estágio e foi o primeiro

trimestre após o primeiro aniversário do P3, logo, num momento em que o projecto já atingira

alguma maturidade.

Para além da vertente estatística desta análise, será dada relevância à tipologia dos

conteúdos de crowdsourcing, de forma a compreender melhor a natureza da participação do

público, na produção de conteúdos do P3.

Para determinar a relevância do crowdsourcing no P3, pareceu pertinente tentar fazer

uma medição precisa, no fundo, quantificar essa componente. Para tal, importava definir o que

era crowdsourcing, no caso deste jornal digital.

Analisando a tipologia dos conteúdos do P3, surge uma primeira divisão, como que

natural: há conteúdos de texto e conteúdos multimédia. Dentro dos conteúdos de texto, as

proveniências podem ser várias: as redacções do P3 e do Público, que são consideradas

internas ao universo em análise; as agências noticiosas que, sendo externas, não representam

crowdsourcing; o mesmo raciocínio é válido para os textos com origem no JPN ou no Projecto

Ciência 2.0 (ambos da Universidade do Porto). Excluindo duas publicações que estão na secção

de texto mas que não são textos nem têm autor, chegamos aos textos que são produto dos

leitores do P3 e, portanto, crowdsourcing.

Quanto aos conteúdos multimédia, a lógica é semelhante: os conteúdos oriundos do P3

e do Público são internos; os de agências ou de outros órgãos de comunicação social são

externos, mas não crowdsourcing. Esta categoria abrange todos os outros trabalhos.

Não foi tido em conta o processo de aquisição de conteúdos. Por outras palavras, não há

distinção entre um trabalho que o P3 tenha procurado (por exemplo, um conjunto de fotografias

que se encontre num qualquer sítio da especialidade e cuja publicação o autor tenha autorizado)

e um trabalho que tenha chegado ao P3 (para manter a linha do exemplo, um conjunto de

fotografias que um fotógrafo tenha decidido enviar para o jornal). Para além da dificuldade em

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determinar, em cada caso, qual tinha sido o processo de aquisição de conteúdos, no final, a

origem continua a ser externa ao P3, em indivíduos ou grupos que estão na ―multidão‖.

Para a contagem, foi utilizada uma base de dados em Microsoft Excel, fornecida pelo

webmaster do P3, Bruno Ribeiro, a qual contém, acerca dos artigos publicados entre 1 do

Outubro e 31 de Dezembro de 2012, os respectivos nodes (código numérico que está no

endereço de cada artigo), o título, a data de criação, o tipo (texto ou multimédia), a secção e

subsecção, o autor e quem o introduziu na rede (uma crónica, por exemplo, é colocada na rede

por algum membro da equipa do P3, que não é o autor do texto).

3.2. DADOS

Ao longo do último trimestre de 2012, o P3 contabilizou 996 artigos de texto e 205

galerias multimédia. Estas duas categorias serão tratadas separadamente e, no final do presente

relatório, será feito um apanhado estatístico geral.

No que diz respeito aos artigos de texto, foram definidas seis categorias. Uma delas

inclui todos os trabalhos que foram produzidos na redacção do P3. Nesta categoria, encontram-

-se 369 textos, cerca de 37 por cento da produção do trimestre em estudo (todas as

percentagens serão aproximadas às unidades).

Da redacção do Público chegaram, ao P3, 257 trabalhos, o que representa cerca de 26

por cento do total dos conteúdos. No que diz respeito às agências noticiosas (Lusa, Reuters,

etc.), podemos afirmar que aproximadamente 16 por cento do P3, no último trimestre de 2012,

chegou desse tipo de fontes. Mais precisamente, 164 textos.

Cerca de oito por cento da produção (76 trabalhos) surgiram do contexto envolvente do

P3, na Universidade do Porto. O jornal digital JPN contribuiu com 74 trabalhos, para esta marca,

enquanto que dois artigos de opinião chegaram do projecto Ciência 2.0.

Sem expressão relevante, para esta contagem, encontram-se dois trabalhos sem autor,

onde se encontravam vídeos de eventos organizados pela marca Red Bull.

Feitas as contas, relativamente às fontes anteriormente identificadas, chegamos aos

textos que tiveram origem na comunidade de leitores do P3, aquilo que se define como

crowdsourcing. Nessa categoria, encontram-se 128 textos, perto de 13 por cento da produção do

P3, no último trimestre de 2012.

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Gráfico 2 – Distribuição, por origem, dos conteúdos do P3, no último trimestre de 2012

Centrando a análise nestes 128 trabalhos, podemos analisar a representatividade de

cada uma das três secções do P3. A secção Actualidade assume grande relevância, reunindo 66

dos 128 trabalhos (cerca de 52 por cento) oriundos dos leitores. As secções Cultura e Vícios

apresentam registos similares: 29 trabalhos (cerca de 23 por cento) incidiram na primeira área,

enquanto que 33 (aproximadamente 26 por cento) se enquadram na segunda.

Gráfico 3 – Distribuição, por secção do P3, dos conteúdos com origem no crowdsourcing, no último trimestre de

2012

P3

Público

Agências

JPN e Ciência 2.0

Crowdsourcing

Cultura

Actualidade

Vícios

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Se o estudo incidir sobre a distribuição dos trabalhos de crowdsourcing em sub-secções,

do P3, encontramos a Política em destaque, com 35 textos (cerca de 27 por cento do total),

seguida da Sociedade (16 textos, 13 por cento). Conseguem, também, atingir alguma

expressividade as categorias Em Trânsito (11 trabalhos, nove por cento), Filmes e High-Tech (10

trabalhos, oito por cento). As restantes sub-secções apresentam percentagens entre um e seis

por cento. A categoria Design não recebeu qualquer trabalho, entre o conjunto do crowdsourcing

do P3, no trimestre em estudo.

Gráfico 4 – Número de trabalhos, por sub-secção do P3, dos conteúdos de texto com origem no crowdsourcing, no

último trimestre de 2012

Quanto às galerias multimédia, foram classificados como crowdsourcing todos os

trabalhos que não foram produzidos por profissionais do P3 ou do Público, bem como os

conteúdos da agência Reuters e de outros órgãos de comunicação social (em concreto, Canal

180, The New Yorker e Vice). Da contagem, foram também retirados cinco trabalhos que

apresentavam traduções de galerias já publicadas e que, portanto, não são mais do que

repetições de conteúdos.

Assim sendo, das 205 galerias multimédia publicadas, e retirando as cinco traduções,

restam 200. Dessas, 11 são produzidas no universo Público e 13 são da agência Reuters; por

seu lado, quatro são de outros órgãos (duas do Canal 180, uma da The New Yorker e outra da

Vice). As restantes 172 são consideradas crowdsourcing.

0

5

10

15

20

25

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35

40

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3

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Série1

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Feitas as contas, 86 por cento das galerias multimédia do P3 são produto de

crowdsourcing. Dentro deste grupo, a secção mais representativa é a Fotografia, com 84

trabalhos (cerca de 49 por cento). Seguem-se a Ilustração (46 trabalhos, aproximadamente 27

por cento) e o Instagram (32 trabalhos, cerca de 19 por cento).

Gráfico 5 – Distribuição, por categoria, dos conteúdos multimédia com origem no crowdsourcing, no último

trimestre de 2012

No total, 300 trabalhos (128 textos e 172 galerias multimédia) tiveram origem no

processo de crowdsourcing, no último trimestre de 2012. Tendo em conta que o P3 contabilizou,

em igual período, 1201 entradas, e descontando as cinco galerias que são traduções de galerias

já existentes, ficamos com um universo de 1196 entradas. Logo, podemos afirmar que, no

último trimestre de 2012, 25 por cento dos conteúdos do P3 foram produzidos pela comunidade

exterior ao jornal. A expressão ―comunidade exterior‖ está relacionada com o facto de se ter

considerado, neste trabalho, a redacção do Público, as agências noticiosas e os projectos da

Universidade do Porto (JPN e Projecto Ciência 2.0), onde o P3 está inserido, como elementos

que não se enquadram no processo de crowdsourcing.

Fotografia

Vídeo

Ilustração

Instagram

Webcomics

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4. CONCLUSÕES

Tendo em conta os dados relativos ao processo de crowdsourcing do P3, podemos dizer

que é cumprida a ―declaração do princípios‖ deste jornal digital: ―um site verdadeiramente

colaborativo‖, que pretende quebrar, ―de uma vez por todas, a barreira entre emissores e

receptores‖.

No último trimestre de 2012, e no que aos textos diz respeito, perto de 13 por cento do

P3 é produto de crowdsourcing, enquanto, no multimédia, o valor é esmagador (86 por cento).

Combinando estas duas componentes, ficamos com um total de 25 por cento do P3 como

resultado do crowdousrcing. Pensar que um em cada quatro conteúdos do jornal chega da

comunidade que o envolve diz muito acerca da veracidade de outra afirmação reproduzida na

apresentação do P3: ―‘partilha‘ é uma das nossas palavras favoritas‖.

Se procurarmos analisar a natureza deste contributo do público, poderemos encontrar

outros sinais relevantes. A definição de crowdsourcing proposta por Howe assenta na perfeição

ao P3, uma vez que tarefas anteriormente entregues a profissionais são distribuídas por um

grupo alargado de amadores, sob a forma de concurso aberto: embora algumas personalidades

possam ser convidadas a produzir conteúdos, o P3 propõe, de forma clara, aos seus leitores que

enviem os seus trabalhos.

É muito provável que se verifiquem, neste processo, as condições de Surowiecki, para

que a comunidade envolvente do P3 seja ―sábia‖: uma vez que se trata de uma comunidade

dispersa pela Internet, deverá ser heterogénea, com membros independentes entre si e com o

poder descentralizado.

Ao mesmo tempo, o P3 reúne as condições sugeridas por Benkler, para receber a

colaboração do público: está dividido em módulos (crónicas ou galerias multimédia), de reduzida

dimensão, mas heterogéneos (neste caso, quanto aos formatos, como texto, fotografia,

ilustração, etc.), enquanto que o controlo de qualidade e a integração dos módulos tem baixo

custo.

No que diz respeito aos textos, o crowdsourcing do P3 encontra-se, com excepção de

uma ou outra situação pontual, nas crónicas. O peso da secção da Actualidade na componente

de crowdousrcing e, dentro desta, das secções de Política e Sociedade revelam que o público

tem vontade de participar na discussão acerca da vida pública e, aqui, surge o conceito de

―sabedoria da multidão‖: onde os órgãos de comunicação tradicionais recorrem aos

―especialistas‖ (jornalistas, académicos ou políticos, na maioria dos casos), o P3 recorre ao

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cidadão comum, embora também possam surgir, pontualmente, crónicas de políticos, como

Isabel Moreira ou João Teixeira Lopes.

Já na vertente multimédia, a predominância de sub-secções como Fotografia e

Instagram (combinadas, reúnem cerca de dois terços do crowdsourcing), acompanhadas pela

Ilustração (cerca de 27 por cento), demonstra que a fácil integração deste tipo de trabalhos

(apontada por Benkler como uma vantagem) favorece a participação do público. A confirmar

esta ideia, estão as reduzidas percentagens das sub-secções Vídeo e Webcomics, cujas

produções envolvem outro tipo de meios, o que torna menos frequente a chegada, ao P3, de

trabalhos destas áreas.

Tomando como referencial o Gráfico 1, podemos considerar que o P3 se insere numa

área que fica entre a dos sites de notícias mainstream e a dos directórios, uma vez que a

comunicação participativa é alvo de maior moderação do que nos segundos, mas o conteúdo

tem uma menor componente puramente editorial do que nos primeiros.

No que respeita a questões como fidelização de audiência e baixo custo de produção, o

crowdsourcing parece servir os interesses do P3. Ao integrar os trabalhos de membros da

comunidade online, este jornal acaba por reunir, na sua audiência, as várias micro-comunidades

que envolvem cada um desses membros. Quanto aos custos, é fácil perceber que há vantagem

em trocar um ―profissional‖, que cobraria pelo seu trabalho, por um ―amador‖, que não tem

remuneração e que pode, em muitos casos, ver a divulgação do seu trabalho, num meio com

uma vasta audiência, como uma vantagem pessoal e/ou profissional.

A participação, no P3, é sujeita a moderação, o que mostra que o corpo editorial deste

jornal assume a importância que muitos autores atribuem à edição: o público participa, é certo,

mas ainda existe alguém que detém o critério para determinar o que vai, ou não, ―para o ar‖.

Mais do que deter o poder total do gatekeeper, os editores exercem uma função mais próxima

da de gatewatchers, menos autoritária e mais colaborativa.

Sustein defende que a ―sabedoria da multidão‖ pode ser afectada por uma certa

―polarização nociva‖, mas é, precisamente, na edição que o P3 parece ter uma forma de

combater esse possível efeito. As opiniões ―periféricas‖ também têm o seu espaço e são alvo da

mesma divulgação do que as mais ―consensuais‖, pelo que é possível que as crónicas possam

abranger todo o espectro de análise, relativamente a cada tema.

É pertinente retomar duas citações, neste trabalho.

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A produção entre pares apresenta um fenómeno fascinante que poderá permitir-nos

explorar reservas de esforços criativos potencialmente inutilizadas. É da maior

importância que não terminemos com a produção entre pares, mas que criemos as

condições institucionais necessárias ao seu desenvolvimento (Benkler, cit. em Witt,

S/D: 27).

Chama-se ―World Wide Web‖ por uma razão. Uma organização noticiosa pode decidir

até que ponto a sua audiência inclui pessoas da rua ao lado ou de Hong Kong. Pode,

também, haver limites aos grupos de interesse. Queremos aficionados de cães, de

gatos, ou ambos? Depois, alguém deve decidir sobre quem participa ou não participa –

essa tarefa de filtragem pode ser uma tarefa da organização noticiosa, da audiência ou

de ambas as partes. Como diz Gillmor, ―em vez de ensinarmos o público, vamos pedir

a sua ajuda e oferecer a nossa. Podemos fazer grandes coisas juntos, e devemos fazê-

-las‖ (Witt, S/D: 18).

O crowdsourcing no P3 representa uma forma de aproveitamento do potencial de uma

enorme ―reserva de esforços criativos‖, uma vez que, entre texto e multimédia, permite que um

grande conjunto de criadores divulgue os seus trabalhos. Ao mesmo tempo, inclui, nesse

conjunto, pessoas de Braga ou ―de Hong Kong‖, aficionados de cães e de gatos, liberais e

conservadores, pessoas de esquerda e de direita, entre muitas outras dicotomias possíveis. Para

além disso, como sugere Gillmor, não pretende ensinar o público, antes pedir a sua ajuda e

colaborar com ele.

Feitas as contas, acerca da participação do público na produção de conteúdos do P3,

não resta margem para dúvidas acerca da intenção deste jornal digital. O convite feito aos

leitores para enviarem os seus trabalhos tem consequências práticas, não se tratando apenas de

um slogan. Desta forma, o P3 consegue reunir à sua volta uma comunidade que sabe que, neste

jornal, tem o seu espaço e o direito a uma voz. Para além disso, a ―sabedoria da multidão‖ é

utilizada para ―resolver o problema‖ da produção de conteúdos, sem que se recorra,

constantemente, aos especialistas reconhecidos. E, como Surowiecki defende, um especialista

pode ser importante, mas a multidão pode, muito bem, conter vários especialistas, pelo que a

qualidade dos conteúdos que chegam à redacção não fica colocada em causa.

A finalizar, um valor percentual: 25 por cento. Um em cada quatro conteúdos que o P3

publicou, no último trimestre de 2012, veio do seu exterior. Se a combinação da experiência dos

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jornalistas do Público com uma certa irreverência confere uma identidade própria ao P3, a

vertente de agregador de conteúdos mostra que este jornal não se pretende colocar num

patamar superior ao da comunidade. Estar ao seu lado e produzir com a multidão parece ser a

palavra de ordem. Também por isso, a identidade do P3 tende a distanciar-se da maioria dos

projectos jornalísticos.

Importa, também, enumerar alguns aspectos que considero serem fragilidades do

projecto. Começando pelo crowdsourcing, centremo-nos na questão da notoriedade. Os órgãos

de comunicação social procuram a opinião dos especialistas, em cada tema, mas não só:

existem os cronistas que são solicitados pelo seu mediatismo. Refiro-me a casos como os de

Marcelo Rebelo de Sousa, Pacheco Pereira ou Miguel Sousa Tavares. Qualquer um destes

cronistas, ou outros com semelhante mediatismo, recebem elevadas remunerações para

emitirem opinião. Por este motivo, são totalmente inacessíveis ao P3. Recorrer à multidão tem

vantagem na possibilidade de encontrar bons trabalhos, sem custos associados, mas tem a

desvantagem de nenhum ter grande mediatismo. Ao mesmo tempo, se a possibilidade de

publicação dos trabalhos num espaço com muita audiência pode ser apelativa, o não pagamento

de qualquer remuneração pelos mesmos pode desencorajar à participação do público.

Para além disso, quando determinado assunto gera ondas de aprovação ou

desaprovação nas redes sociais, a comunidade pode não ser tão heterogénea como Surowiecki

defende que deve ser, para ser sábia. As modas nas redes sociais tendem a colocar muitos do

mesmo lado de uma questão, ou pode, também, gerar a ―polarização nociva‖ de que fala

Sustein.

Passando para uma análise mais abrangente, não tanto acerca do crowdsourcing,

começo por enunciar um dos episódios mais marcantes do estágio: ao fim de uma semana de

trabalho, deparei-me com o lado mais triste da realidade do jornalismo actual, no dia em que o

Público despediu 48 trabalhadores, dos quais, 36 jornalistas, num processo no qual o P3 não

ficou incólume. Se o jornal vivia (e ainda vive) tamanhas dificuldades, é impossível não colocar

uma série de pontos de interrogação sobre o futuro do sítio. Não só, porque menos recursos

humanos e financeiros no jornal representam igual decréscimo nos meios do P3, mas, também,

porque se se der o caso de o Público deixar de existir, o P3 seguirá o mesmo caminho.

Para além deste aspecto conjuntural, existe outra desvantagem estrutural no P3. A

redacção integra, com frequência, estagiários. Se é de louvar o processo de aprendizagem que

este sítio proporciona, não é menos relevante, sob o ponto de vista do interesse do P3, que esta

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constante renovação da sua equipa representa alguma instabilidade na equipa de trabalho. Para

além de que não é possível controlar, antecipadamente, o conjunto de competências de um

estagiário, existe o lado mais ingrato do processo: quando, em muitos casos, ele está pronto

para enfrentar os desafios que o trabalho lhe coloca, o estágio está a terminar.

Outro dado que dificulta o trabalho dos profissionais do P3 é a falta de meios humanos e

logísticos. Existem muitas ideias, mas nem sempre é possível colocá-las em prática. Ou porque

não há jornalistas suficientes para dar resposta à agenda, ou porque não há material para todas

as solicitações. Dou um exemplo: na segunda metade do meu estágio, chegaram ao P3 uma

estagiária de fotografia e dois estagiários de vídeo. Este aspecto alterou profundamente as

possibilidades, para melhor: de súbito, havia a possibilidade de se criarem conteúdos próprios,

nas duas áreas em questão. Daí, mais uma vez, uma certa instabilidade: o P3 depende muito,

em cada momento, do número de estagiários e das competências dos mesmos.

Neste sítio não existe a secção Local. Segundo Amílcar Correia, director do P3, ―tudo é

local, tudo é global‖, na era da Internet. Em certa medida, é verdade, mas existe uma questão,

relacionada, novamente, com os recursos humanos, que é incontornável: o P3 tem muito mais

facilidade em acompanhar um evento na cidade do Porto (onde se situa a redacção), do que em

qualquer outro ponto do país. Assim sendo, não digo que o P3 seja local, antes afirmo que é

indissociável da sua localização.

Em suma, o P3 apresenta muitas características inovadoras e, pela forma como pode

captar o público mais jovem (no fundo, aquele que constituirá o mercado do futuro), tem muito

potencial de crescimento. De resto, a sua força no Facebook dá conta disso mesmo: quando

visitei o P3 pela primeira vez, na segunda quinzena de Setembro, ainda antes de começar o

estágio, a sua página naquela rede social tinha 50 mil seguidores. Cerca de um ano depois, a

página contabilizava perto de 120 mil seguidores.

Muito deste sucesso naquela rede social está relacionado com o facto de o P3 procurar

contar histórias que interessam aos mais jovens. É notória a apetência do público pelas notícias

sobre emprego, formação, empresas e produtos inovadores criados em Portugal. Para além

disso, costumam ter muitas leituras as notícias sobre os interesses que os mais jovens

costumam cultivar, como os produtos de tecnologia, os festivais de música e concertos ou as

séries de televisão ou filmes do momento.

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Porém, o P3 não deixa de ser um órgão de comunicação social a quem se coloca uma

questão-chave: que modelo de negócio poderá garantir a sobrevivência de um sítio que integra o

universo de um jornal que, ele próprio, via dias de grande incerteza?

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ANEXOS Neste espaço, reúno alguns dos trabalhos que considero mais marcantes, desta experiência de estágio no P3. Dada a dificuldade de reproduzir um trabalho online no formato impresso, exponho os textos e o links para as páginas.

O Sporting que ele conhecia é um vídeo de sucesso no YouTube Vídeo satírico sobre o Sporting atingiu 500 mil visualizações em cinco dias. Diogo Sena, o autor, tem um canal no YouTube onde publica vídeos de comédia Texto de João Nogueira Dias • 04/10/2012 - 14:59

Chama-se Diogo Sena, tem 17 anos e tornou-se conhecido com o vídeo ―Sporting That I Used to

Know‖. Nesta adaptação do videoclip de ―Somebody That I Used to Know‖, dos Gotye, o jovem

adepto recorda o campeonato vencido pelos ―leões‖, em 2001/2002, e tece duras críticas ao

actual momento do clube. O vídeo superou as 500 mil visualizações, nos primeiros cinco dias

―no ar‖.

Diogo Sena criou, em Agosto, um canal no Youtube, onde se pode encontrar dissertações

sobre temas que vão do ensino e da religião, até algumas ―futilidades‖, com o próprio define.

Começou com o desafio de um amigo, mas confessa que foi algo que sempre quis fazer. Na

sua página no Facebook, o comediante tem mais de 4000 seguidores.

Apesar de terem surgido algumas reações de desagrado, Diogo afirma que muitos sportinguistas

o têm apoiado. Para este adepto leonino, há muitos motivos de insatisfação: ―O modelo de jogo

do Sporting, a administração e o facto de, simplesmente, não ganharmos títulos há muito tempo,

especialmente a Liga portuguesa.‖ Sobre a possibilidade deste vídeo ser um fenómeno efémero,

o autor tem as prioridades definidas: ―Se o Sporting não melhorar, o mais provável é o meu

vídeo ainda durar bastante, mas espero que seja passageiro e que o Sporting volte aos tempos

de glória‖.

O tom crítico deste jovem não deverá apontar baterias a outros… estádios. ―Só fiz esta canção

para passar a mensagem de que o meu clube já não é o mesmo e que precisa de mudança.

Acho que o Porto e o Benfica estão bem melhores do que nós, e até o Braga, custa-me a

admitir, mas é verdade. Não tenho intenção de falar de outros clubes para além do meu.‖

Depois de 500 mil visualizações do vídeo, Diogo Sena sente ter atingido outro patamar. ―Com

este vídeo, ganhei muita visibilidade, e a quantidade de pessoas que agora me subscrevem

aumentou para o quádruplo."

(<http://p3.publico.pt/actualidade/desporto/4844/o-sporting-que-ele-conhecia-e-um-video-de-sucesso-no-youtube>, acedido em 12/09/2013.)

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Português que venceu o World Press Photo não tem máquina Daniel Rodrigues é fotógrafo, está desempregado e venceu o World Press Photo, na categoria "Daily Life". Fotografia vencedora foi tirada na Guiné-Bissau, numa missão humanitária Texto de João Nogueira Dias • 15/02/2013 - 15:06

É fotógrafo, está desempregado e foi obrigado a vender o seu material fotográfico para fazer face às despesas. Chama-se Daniel Rodrigues e venceu o primeiro prémio do World Press Photo ,

na categoria ―Daily Life‖.

A fotografia que lhe garantiu o prémio foi tirada em Março de 2012, na aldeia de Dulombi, na

Guiné-Bissau. ―As crianças estavam a jogar à bola e fui jogar com elas. Pelo meio, fotografei-as.

Gostei do resultado e fiz mais algumas fotografias semelhantes‖, afirma Daniel Rodrigues, ao P3.

O fotógrafo esteve um mês na Guiné-Bissau, ao abrigo da missão humanitária Dulombi . A

iniciativa partiu do próprio, que contactou os responsáveis da missão. Para além da vertente

humanitária da iniciativa, que considera ―muito compensadora, pela possibilidade de ajudar

quem precisa‖, houve outro motivo forte que o levou àquele destino.

―Sou apaixonado por África e tinha o sonho de fotografar lá. Nunca tinha lá ido e esta era uma

boa oportunidade‖, garante. A experiência foi tão positiva que já está no horizonte nova viagem.

No dia 7 de Março, regressa à Guiné, ―a não ser que tenha boas notícias e arranje trabalho‖.

Desta vez, irá "unicamente para ajudar", uma vez que não dispõe de material fotográfico para

registar momentos da missão.

O desemprego

Depois de ter estado na Guiné, em Março de 2012, este grupo humanitário esteve retido 15 dias

no Mali, uma vez que o aeroporto de Bamako havia sido tomado por um grupo de militares. Foi mais uma oportunidade para Daniel Rodrigues tirar algumasfotografias no continente africano.

A dualidade, entre o drama do desemprego e o reconhecimento do World Press Photo, desperta-

lhe um sentimento: revolta.

―Há muita gente com valor, em Portugal, que não tem trabalho. Talvez este prémio possa ajudar

a que essas pessoas sejam olhadas com outra atenção. Espero que este prémio me ajude‖,

garante.

Daniel Rodrigues tirou o curso de fotografia noInstituto Portugês de Fotografia em 2008.

De seguida, estagiou no "Correio da Manhã", durante três meses, e trabalhou na Global

Imagens, até Setembro de 2012.

(<http://p3.publico.pt/cultura/exposicoes/6690/portugues-que-venceu-o-world-press-photo-nao-

tem-maquina>, acedido em 12/09/2013.)

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Um mestrado na Palestina: eis o projecto de Eva Eva Oliveira está a fazer um mestrado sobre a identidade dos palestinianos residentes em Israel. Afirma sentir-se "mais em casa na Palestina do que na Alemanha" Texto de João Nogueira Dias • 28/10/2012 - 13:51

Eva Oliveira viaja, de três em três meses, entre a Alemanha — onde o P3 a encontrou — e a

Palestina, devido ao seu mestrado, dedicado à identidade dos palestinianos que vivem em Israel.

Sobre a adaptação, afirma sentir-se ―mais em casa na Palestina do que na Alemanha‖. Para

além da sua língua materna, fala castelhano, francês, italiano, inglês, alemão, árabe e está a

tentar aprender hebraico.

Como vive uma portuguesa na Palestina?

Sinto-me mais em casa na Palestina do que na Alemanha. Culturalmente, há muitas afinidades

com Portugal. O intenso convívio entre familiares é um exemplo disso.

E como mulher, sentiste dificuldades na adaptação a uma sociedade árabe?

As mulheres não são ostracizadas como se pensa no Ocidente. Muitas das tarefas ficam a cargo

dos homens.

Tens muita preocupação com o que vestes?

Tento não usar roupas que deixem os ombros ou os joelhos descobertos. À excepção desse

aspecto, posso vestir-me como quiser. As palestinianas cristãs, por exemplo, vestem-se de forma

liberal, pelo que é possível encontrar todos os estilos de roupa. E tenho uma vantagem: muitas

pessoas pensam que sou uma palestiniana refugiada, pela minha aparência e pelo meu árabe

imperfeito. Se tivesse um ar mais ―nórdico‖, a minha presença seria muito mais notada.

Como encaras a questão do véu?

Muitas mulheres sentem-se ―despidas‖, sem o véu. Outras não o usam. Quanto mais alta a

classe social, menor o número de mulheres a usar o véu. Em algumas zonas rurais, há mais

conservadorismo, nos hábitos, mas isso é como em Portugal. Esta é a realidade palestiniana. Na

Arábia Saudita, por exemplo, é diferente.

Porquê a Palestina?

Quando estive na Síria, tive um professor de Árabe que era refugiado palestiniano. Vivia num

quarto com os pais e oito irmãos e, enquanto contava a sua história, chorou. Nas sociedades

árabes, o choro, num homem, é altamente reprimido. Para além deste episódio, outros, em que

fui conhecendo palestinianos e fui explorando bibliografia sobre o assunto, despertaram a minha

curiosidade sobre o tema.

Qual é o tema da tua tese?

Em palavras simples, tem a ver com a identidade nos palestinianos que vivem em Israel. Pouca

gente sabe, mas 20% da população israelita é palestiniana. Quando o Estado de Israel foi

fundado, 800 mil palestinianos tornaram-se refugiados, enquanto que 600 mil ficaram em Israel

e foram registados como israelitas. Nesta faixa da população, há uma crise de identidade:

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muitos não sabem se são palestinianos, israelitas ou ―árabes‖, como são denominados pelo

Estado. A coexistência com base na igualdade de direitos, entre comunidades, é impossível

porque as leis chegam a ser racistas.

Como encaras o problema israelo-palestiniano?

Duvido que vá acontecer algo de extraordinário porque o povo palestiniano está cansado e

resignado com a situação. Para além disso, não está organizado e a classe política que o

representa não defende os seus interesses junto de Israel.

Como vives a situação de Portugal, a partir da Alemanha?

Estou muito preocupada e não sinto que os portugueses sejam capazes de colocar as diferenças

ideológicas de parte para lutarem pelo bem comum. Na Alemanha, está muito enraizada a ideia

de que os portugueses e os gregos viveram uma festa paga pelo contribuinte alemão. Houve um

alemão que chegou a escrever-me, dando conta da sua revolta por ―ter que pagar a festa dos

portugueses e dos gregos‖.

Como vês o teu futuro?

Pretendo fazer um doutoramento, pelo que antevejo mais cinco anos a viajar. Sou uma

verdadeira nómada: quando estou num lugar, sinto saudades dos outros lugares e das pessoas

que lá deixei. (<http://p3.publico.pt/actualidade/educacao/5134/um-mestrado-na-palestina-eis-o-projecto-de-eva>, acedido em 12/09/2013.)

Sonae/Serralves: já passaste pela ―Ágora‖? Estrutura feita em cartão da autoria de Carlos Bunga estará exposta no átrio do Museu de Serralves, até 3 de Março Texto de João Nogueira Dias • 26/11/2012 - 19:58

A palavra grega "Ágora" significa praça pública. Foi esse o nome escolhido por Carlos Bunga,

para a instalação que construiu no átrio do Museu de Serralves.

"Este é um espaço que convida as pessoas a estarem centradas nele ou a passarem por ele". O

artista plástico garante que procurou que a sua peça não afectasse o que entende como

funcionalidade do átrio do museu: circulação e acesso.

Segundo o próprio, a peça é uma "estrutura arquitectónica fragmentada, inacabada, com uma

componente de ruína".

Carlos Bunga sugere que o trabalho tem uma componente temporal, até pelo facto de utilizar o

cartão. "Este edifício de Siza Vieira dá a sensação de se projectar na eternidade. O meu trabalho

é uma metáfora do que pode ser um edifício: sugere temporalidade", contrapõe.

O artista define a sua obra como uma espécie de maqueta à escala, uma projecção espacial, o

"potencial de uma ideia".

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A estrutura feita em cartão pode, na opinião de Carlos Bunga, nem ser notada por quem passa

no átrio, mas pode conseguir mais do que isso: pode provocar dúvidas aos que a contemplarem.

"Será que esta peça é uma obra? Será arquitectura? Escultura? Até pintura? As artes plásticas

têm muito esta complexidade que está presente na sociedade contemporânea. A peça funciona

como um espelho: cada um projecta nela aquilo que é. A interpretação é livre", explica.

O processo de criação do artista plástico não envolve desenho ou maqueta e implica a tomada

de decisão no próprio espaço da exposição. O próprio definoe-o como ―um misto de intuição

com racionalidade e, também, algum improviso".

Dois convidados

Carlos Bunga afirma que um povo sem cultura não existe, pelo que considera positivas as parcerias como a que dá vida ao projecto ―Sonae/Serralves‖, pelo papel que desempenham

na preservação da cultura.

O facto de terem sido convidados dois artistas torna o projecto mais rico, na sua opinião, devido

ao ganho de diversidade e à maior "possibilidade de criar estímulos e de levantar questões". (<http://p3.publico.pt/cultura/5488/sonaeserralves-ja-passaste-pela-agora>, acedido em 12/09/2013.)

―Casa dos Portugueses‖: uma casa aberta ao meio Estrutura construída com materiais produzidos em Portugal pode ser visitada no ―Projecto Casa‖, na Exponor, até 9 de Dezembro Texto de João Nogueira Dias • 08/12/2012 - 22:39

―Uma casa aberta ao meio.‖ É desta forma que o arquitecto Carlos Prata define a ―Casa dos

Portugueses‖.

Esta construção, que resulta de uma iniciativa da Modal, está dividida em duas partes. Assim

os visitantes podem circular por um corredor central e dessa forma ver, não só o aspecto

definitivo da casa, como também os materiais usados no interior das paredes.

O nome do projecto está relacionado com os materiais usados na construção: são todos

produzidos em Portugal, por empresas nacionais ou a operar no país. A casa demorou quatro

semanas a ser construída e contou com a colaboração de 26 parceiros. A estrutura estará exposta até 9 de Dezembro, no "Projecto Casa", na Exponor.

Um "stand" que é uma casa O objectivo era, segundo Carlos Prata, arquitecto deste projecto, fazer um stand que se

parecesse com uma casa. "Tentámos mostrar uma casa com escala real e, ao mesmo tempo,

mostrar o sistema de suporte de acabamento, que habitualmente não se vê. Há uma

correspondência entre o que é a estrutura terminada e a forma de a construir‖, explica.

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Numa visita à casa, é possível encontrar acabamentos em cortiça, LCD incorporados em alguns

dos espelhos e vidros ou até um sistema de aquecimento termodinâmico.

―Dentro de um pavilhão, sem exposição solar, é possível gerar calor através deste sistema‖,

garante o arquitecto.

Carlos Prata apoia esta a ideia, pela divulgação dos materiais produzidos em Portugal e pelo

apelo à redução de importações. ―Ao longo dos anos, foram utilizados sistemas tecnológicos,

muitos deles inúteis, importados da Europa Central. Assim, acabámos por devolver os fundos

estruturais que recebemos.‖

Na opinião de Carlos Prata, em Portugal existe arquitectura e mão-de-obra de qualidade. "O

Porto é, provavelmente, a cidade do mundo com mais prémios Pritzker por metro quadrado‖,

garante. Para o arquitecto, apenas a falta de estrutura produtiva e organização impedem uma

maior produtuvidade.

Ânimo ao sector Bruno Moreira, sócio-gerente da Modal, explica que esta iniciativa pretende ser um incentivo a

um mercado em dificuldades. ―Pretendemos valorizar os nossos clientes e transmitir a ideia de

que as empresas do sector da construção estão confiantes‖, afirma.

O próximo passo, na opinião do empresário, poderá por realizar iniciativas semelhantes, noutros

locais. Esse processo dependerá da vontade dos parceiros e necessitará de ser ―faseado com

calma, para que possa correr tão bem como esta edição‖. (<http://p3.publico.pt/cultura/arquitectura/5720/casa-dos-portugueses-uma-casa-aberta-ao-meio>, acedido em 12/09/2013.)

Exóticos em Braga: o Godzilla também adoece Coelhos, porquinhos-da-índia, chinchilas, hamsters, papagaios, canários, periquitos e tartarugas semi-aquáticas. E ainda petauros do açúcar, esquilos, furões, serpentes... Texto de João Nogueira Dias • 27/01/2013 - 21:02

Marta Castelejo tem uma ligadura, no pulso esquerdo, que é uma espécie de ―medalha‖ da sua

actividade como veterinária.

Há alguns anos, quando se preparava para dar uma injecção a uma cobra pitão, esta, não tão

debilitada como aparentava, enrolou-se e apertou com demasiada força.

É assim o dia-a-dia da veterinária que fundou, em 2011, com a colega Andreia Fernandes, a clínicaExóticos em Braga.

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―Tanto vejo um coelho como, a seguir, posso estar a ver uma serpente, o que é completamente

diferente e constitui um desafio‖, explica ao P3 Marta Castelejo, enquanto posa para a fotografia

com Godzilla, a iguana que, como muitos outros exóticos, sentiu dificuldades na adaptação

loja/casa.

Depois de ter descoberto o mundo dos animais exóticos, Marta, que nunca teve no seu horizonte

a típica clínica de cães e gatos, ―com o barulho e o cheiro característicos‖, decidiu seguir essa

via, aproveitando o facto de este ser um mercado ainda pouco explorado. Marta Castelejo aponta

outras quatro clínicas semelhantes, em Portugal, situadas no Porto, Aveiro, Algés e Almada.

Aconselhamento e tratamento

Para além do tratamento dos animais, existe um serviço que a especialista aponta como

fundamental.

―A consulta pré-compra é um dos serviços mais importantes. As pessoas deviam informar-se

antes de comprar animais exóticos. Pelo menos, deviam trazer aqui os animais nos primeiros

dias após a compra, o que evitaria muitos problemas. Por vezes, aparecem urgências que, uma

semana antes, não eram urgência‖, afirma.

Segundo Marta Castelejo, existe pouco conhecimento acerca dos cuidados de que precisam os animais exóticos. A proprietária da clínica de Braga considera que é necessário educar os

clientes, embora reconheça que esse processo é lento.

―Noventa por cento dos problemas, senão mais, devem-se à falta de informação, que se traduz

em mau maneio, má alimentação e falta de cuidados‖, refere.

O momento da compra deste tipo de animais constitui uma mudança nos seus hábitos, pelo que

é frequente que adoeçam. Falta de apetite, sonolência, mudança de cor ou perda de pêlo são

alguns dos sinais a ter em conta.

Dos coelhos às tarântulas

Os coelhos são os animais mais comuns, mas também aparecem porquinhos-da-índia,

chinchilas, hamsters, papagaios, canários, periquitos e tartarugas semi-aquáticas.

Com menor frequência, surgem petauros do açúcar, esquilos, furões e serpentes (―em Braga,

existem algumas‖).

―Já fomos ver avestruzes e porcos-miniatura, que são tudo menos miniatura, pois têm cerca de

60 ou 70 kg. Podem viver dentro de casa, como um cão ou um gato‖, garante.

Tarântulas são visitas raras, o que Marta Castelejo aponta como positivo.

―A única pessoa que vê tarântulas sou eu, as minhas colegas têm repulsa. Não é um animal de

que eu goste, é preciso ter alguma sensibilidade‖, aponta.

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A clínica

Esta clínica de animais exóticos está dividida em vários espaços, destinados a consultas e

cirurgias, mas também ao recobro dos animais. Existe um laboratório e vários utensílios, como

gaiolas, aquários e terrários.

Entre os instrumentos mais comuns estão, entre outros, as toalhas, usadas como meio de

contenção contra, por exemplo, bicadas de papagaio ou mordeduras de esquilos ou hamsters,

ou as luvas, importantes caso se suspeite que um réptil possa ser venenoso.

Também são usados com frequência utensílios metálicos, usados para abrir a boca dos animais

ou para administrar medicação directamente no estômago, ou balanças sensíveis ao grama,

uma vez que importa medir o peso com detalhe.

As jaulas, por seu lado, têm que ter chave, porque se tiverem um mecanismo de fecho mais

simples, os primatas, papagaios ou porcos conseguem perceber como abrir as portas.

Os esconderijos também são importantes, uma vez que alguns animais necessitam de se sentir

seguros, para retomarem a alimentação.

Aquando da visita do P3, encontravam-se em recobro, para além do Godzilla, um esquilo e uma

tartaruga. Estava estes, mas poderiam estar, também, uma tarântula, uma serpente ou uma

arara. Nesta clínica, só não há espaço para cães e gatos. (<http://p3.publico.pt/actualidade/ambiente/6259/exoticos-em-braga-o-godzilla-tambem-adoece>, acedido em 12/09/2013.)

Um estudante de Medicina em busca de um lugar nos Olímpicos Acorda às seis horas para treinar e repete a dose ao fim do dia. Treinar taekwondo, uma modalidade quase sem apoios, não é fácil, mas Rui Bragança não dá sinais de desistência Texto de João Nogueira Dias • 01/12/2012 - 11:32

Tem 21 anos e não esteve nos Jogos Olímpicos de Londres devido a uma derrota ―no último segundo‖. Agora, Rui Bragança já sonha com uma presença nos jogos do Rio de Janeiro, em

2016. E entre os treinos diários e a competição, o atleta do ABC/AAUM ainda arranja tempo

para estudar: está no terceiro ano do curso de Medicina na Universidade do Minho.

Como são os teus hábitos?

Se tiver treino de manhã, acordo às seis horas. Meia hora depois, estou a treinar. Termino por

volta das 8:30, 8:45. Vou às aulas ou, caso tenha o horário livre, vou estudar. Ao meio-dia,

almoço. Tenho aulas a partir das duas, saio por volta das seis e meia e volto a treinar às sete. Ao

chegar a casa, é comer e dormir, porque, no dia seguinte, começa tudo de novo.

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E que restrições tens?

Eu estou na categoria -58 Kg, pelo que não é propriamente fácil manter o peso. Não tenho

grandes restrições, mas não posso exagerar. Já me aconteceu ter um exame antes de uma

prova, descontrolar a alimentação e ficar com peso a mais. Tive que correr um pouco, antes da

competição, para perder peso. Para além disso, não posso sair muitas vezes à noite, nem tenho

muita liberdade para passar alguns dias fora, por causa dos treinos.

Como é praticar desporto de alta competição numa modalidade amadora?

É muito complicado. Quando vamos para o estrangeiro, temos que poupar em tudo. Há uma

empresa que nos patrocina e outra que fornece o material. Não temos mais nenhum apoio.

Cada viagem pode ficar por 400 euros e existem, no mínimo, seis competições a contar para o

―ranking‖ mundial, só na Europa. Temos que escolher muito bem as competições e tentamos

procurar, com antecedência, o sítio mais barato para ficar.

Vocês apercebem-se das diferenças nas condições, relativamente a outros países?

Há atletas que vão a cargo das federações nacionais, não têm de tratar de nada. Nós temos de

tratar de tudo. Mas talvez isso nos dê outra garra: não desperdiçamos nada. Temos que nos

superar e ultrapassar as contrariedades.

Que análise fazes do desporto amador em Portugal?

Portugal devia perceber que não existe apenas futebol. Uma equipa de futebol da III Divisão é

capaz de ter uma carrinha, para transportar os jogadores. Por outro lado, uma atleta como a

Telma Monteiro, que foi medalhada em todos os Europeus em que participou, teve azar nos

Jogos Olímpicos e perdeu o estatuto de alta competição e a bolsa que recebia. Eu estou no

―Top10‖ do ―ranking‖ mundial e não tenho qualquer tipo de apoio. Quando se lembram dos

atletas, é dois meses antes dos Jogos Olímpicos.

Quais as tuas metas?

A maior meta é a participação nos Jogos Olímpicos. Para além disso, gostava de melhorar o

meu resultado no campeonato do Mundo (2.º lugar), conquistar uma medalha num Europeu e

atingir o primeiro lugar do ―ranking‖ mundial. Mas há muito trabalho pela frente.

Achas que é possível ir aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016?

Acho que sim. Estive quase a ir a Londres, mas perdi no último segundo. Desta vez, vou tentar

evoluir, para lá chegar.

O curso de Medicina era o teu grande objectivo?

Apesar de o meu avô ter sido médico, eu sempre disse que não ia para Medicina. Depois, tive

estatuto de alta competição, comecei a pensar em fazer investigação e tinha em mente ficar em

Braga, para poder continuar a treinar. Acabei por me decidir e concorri a Medicina, Engenharia

Biomédica e Bioquímica, porque o que me interessava era ir para um laboratório. Acabei por

entrar na primeira opção, mas já não penso só em investigação: a prática clínica fascina-me.

Foste sempre bom aluno?

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Os meus pais disseram-me que, se não tivesse boas notas, acabava-se o taekwondo, por isso,

sempre me apliquei. Para além disso, ser bom aluno ajuda nesta modalidade, porque nos dá

agilidade mental e disciplina. Ao contrário do que muitos pensam, o taekwondo não é só

pontapés.

Achas que a Medicina te dá vantagem no desporto?

Não é uma grande vantagem, mas ajuda saber como o corpo pode recuperar melhor, que

práticas são mais aconselhadas numa lesão, como se processa a energia no nosso corpo, como

devemos alongar, saber que os ácidos gordos não são aconselhados antes de uma competição… (<http://p3.publico.pt/actualidade/desporto/5538/um-estudante-de-medicina-em-busca-de-um-lugar-nos-olimpicos>, acedido em 12/09/2013.)

São Os Suspeitos e têm "fome criativa" Dois designers portuenses criaram projecto de arte urbana e colaram cerca de 50 cartazes que não saíam da gaveta Texto de João Nogueira Dias • 05/04/2013 - 18:42 Um é inocente, outro é procurado, com uma recompensa de 99 cêntimos. Há um coelho que

deu passos maiores do que a perna. "O problema não és tu, são eles", pode ler-se. Tudo feito

"em nome do suspeito".

Quem são os suspeitos? Não são pessoas, são cartazes colados em algumas ruas da baixa do

Porto e mostram retratos-robô. De quem? Voltamos ao mesmo: dos suspeitos.

O projecto de arte urbana Os Suspeitos surgiu de uma conversa de café e foi levado a cabo por

dois designers, que preferem ser identificados por ―nomes-robô‖: ―Zé 1‖ e ―Zé 2‖.

Tudo começou com a impressão a serigrafia de um conjunto de retratos-robô (daí o nome do

projecto). Os autores convidaram quatro designers, reuniram-se todos num espaço, pintaram os

cartazes de diversas formas e partiram pela cidade do Porto, para colá-los. Da Rua de Miguel Bombarda até à Praça dos Poveiros, passando por locais como a Rua do Almada, foram

colados cerca de 50 ―suspeitos‖. Tudo foi feito na mesma noite e a escolha da baixa portuense

explica-se pela necessidade ―de dar união e visibilidade‖ ao projecto.

―A ideia surgiu de uma espécie de ‗fome criativa‘. Tínhamos a vontade de juntar pessoas, em

torno de um projecto que fosse livre, sem grande responsabilidade‖, explica, ao P3, um dos

autores do projecto.

Segundo os autores desta iniciativa, a ―saída à rua‖ foi uma forma de quebrar uma tendência

para fazer trabalhos que ―não saíam do computador ou da gaveta‖. ―É uma maneira de tornar

as coisas visíveis. Agora que os cartazes estão rasgados e riscados, são mais bonitos. Já são

uma coisa da cidade‖, explica um dos autores.

A cor vermelha

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Os criadores d‘Os Suspeitos deram ―total liberdade‖ aos designers convidados. Como forma de

―manter alguma coerência, dentro do projecto‖, apenas pediram que a cor vermelha estivesse

presente nos trabalhos.

As mensagens transmitidas também não foram alvo de qualquer condicionamento. Inicialmente,

o projecto não foi pensado para ser de intervenção, mas essa característica acabou por surgir.

―Este projecto não surgiu como forma de protesto, mas existe essa vertente, através de alguns

cartazes. A partir do momento em que colamos cartazes, acaba por existir intervenção‖,

explicam os autores.

O futuro

Os próximos passos ainda não estão definidos, embora haja algumas hipóteses. ―Há potencial

para o projecto crescer e ser replicado. Há hipóteses de fazer uma exposição ou apoiar uma

causa‖, garantem os designers.

Quaisquer que sejam as próximas iniciativas, a vertente de colaboração estará presente. Para os

autores deste projecto, a troca é fundamental, para combater as dificuldades. ―Queremos

imprimir 200 cartazes, numa próxima edição, e vamos precisar de ajuda. Isto já não é só nosso:

é dos seis que participaram e queremos que venha a ser de mais pessoas. Queremos convidar

pessoas que estejam fora do nosso círculo mais próximo‖, asseguram. Está lançado o desafio.

Há por aí mais suspeitos? (<http://p3.publico.pt/cultura/exposicoes/7242/sao-os-suspeitos-e-tem-quotfome-criativaquot>, acedido em 12/09/2013.)