123
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA - PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO A ATUAL REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO DECORRENTE DA UNIÃO ESTÁVEL NO BRASIL À LUZ DA HERMENÊUTICA CONSTIT UCIONAL: UMA PROPOST A POLÍTICO-JURÍDICA LUCIANA DE CARVALHO PAULO COELHO Itajaí [SC], dezembro de 2005

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA - PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

A ATUAL REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO DECORRENTE DA UNIÃO ESTÁVEL NO BRASIL À LUZ DA

HERMENÊUTICA CONSTIT UCIONAL: UMA PROPOSTA POLÍTICO-JURÍDICA

LUCIANA DE CARVALHO PAULO COELHO

Itajaí [SC], dezembro de 2005

Page 2: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA - PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

A ATUAL REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO DECORRENTE DA UNIÃO ESTÁVEL NO BRASIL À LUZ DA

HERMENÊUTICA CONSTIT UCIONAL: UMA PROPOSTA POLÍTICO JURÍDICA

LUCIANA DE CARVALHO PAULO COELHO

Dissertação submetida à Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI como requisito final à obtenção do título de Mestre em

Ciência Jurídica.

Orientador: Professor Doutor Osvaldo Ferreira de Melo Co-orientadora: Professora Doutora Maria Fernanda Girardi Gugelmim

Itajaí [SC], dezembro de 2005.

Page 3: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

MEUS AGRADECIMENTOS:

À Deus, por orientar o meu caminhar

e direcionar o meu viver.

Ao Professor Doutor Osvaldo Ferreira de Melo,

meus sinceros agradecimentos pela

honrosa orientação neste trabalho.

À professora Maria Fernanda Girardi Gugelmin,

pela amizade e pelos conhecimentos de Direito de Família

e Sucessões compartilhados com imensa sabedoria

e pela gentileza de co-orientar este trabalho.

À professora Cláudia Rosane Roesler,

pelo incentivo à realização de pesquisas científicas

que influenciaram grandemente no meu

desenvolvimento acadêmico.

Page 4: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

Ao professor Clóvis Demarchi,

Pelo carinho e pela gentileza em realizar a

revisão metodológica do presente trabalho.

À professora Andréa Morgado Dietrich,

por termos trilhado esta etapa acadêmica juntas

e pela sua contribuição para a realização deste trabalho

através da sua amizade e de ensinamentos compartilhados.

Aos professores, Osmar Dinis Facchini, José Carlos Machado

e Antônio Augusto Lapa, pelo incentivo a realização do mestrado

e pela oportunidade do meu ingresso no magistério acadêmico

Page 5: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

DEDICO ESTE TRABALHO:

Aos meus pais, Maurílio e Dulcenéia,

por tudo o que me ensinaram,

pelas lições de vida,

e, sobretudo, por terem sempre

apoiado meus projetos

e confiado no meu potencial.

Ao meu marido Rodrigo, e ao meu filho Samuel

pelo amor, pela compreensão nos momentos de ausência,

e por toda alegria que trazem à minha vida.

Aos meus irmãos Rodrigo e Patrícia

companheiros diários,

pela paciência e amizade.

Page 6: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total

responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando

a Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, a Coordenação do Curso de Pós-

Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica [CPCJ/UNIVALI], a Banca

Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do

mesmo.

Itajaí [SC], dezembro de 2005.

Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda

Page 7: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

ROL DE CATEGORIAS

Casamento: “é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher, livres, que se unem,

segundo as formalidades legais, para obter o auxílio mútuo material e espiritual,

de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família”.1

Companheiro2: é a pessoa que vive com outra em União Estável.

Direitos Sucessórios: são os direitos decorrentes da abertura de uma sucessão.

Entidade Familiar: é a denominação utilizada pela Constituição Federal de 1988

para designar a família oriunda do casamento, da união estável e daquela

composta por um dos progenitores e sua descendência.

Família: “toda forma de agregação de pessoas num núcleo doméstico, regido

pelo amor e pelo respeito mútuos”.3

Hermenêutica Constitucional: “técnica jurídica voltada para a elaboração de

regras para a compreensão do conteúdo e do significado das normas

constitucionais [...]”.4

Política Jurídica: disciplina que prioriza, em sua dimensão prática, “[...] alcançar

a norma que responda tão bem quanto possível as necessidades gerais,

garantindo o bem estar social pelo justo, pelo verdadeiro e pelo útil, sem descurar

da necessária segurança jurídica e sem por em risco o Estado de Direito”. 5[5]

1 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 2 ed., São Paulo: Saraiva, 1996. p. 195. 2 Será utilizado como sinônimo de Convivente, podendo ser utilizadas ambas as categorias

indistintamente. 3 DAL COL, Helder Martinez. A família à luz do concubinato e da união estável . Rio de Janeiro:

Forense, 2002, p. 37. 4 DINIZ, Márcio Augusto de Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. 2 ed. Belo

Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 230. 5[ MELO, Osvaldo Ferreira. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sérgio Antônio

Fabris, 1998, p. 80.

Page 8: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: “[...] o princípio da dignidade da

pessoa humana constitui a base, o alicerce, o fundamento da República e do

Estado Democrático de Direito por ela instituído. A fórmula adotada implica, em

linhas gerais, que a Constituição brasileira transformou a dignidade da pessoa

humana em valor supremo da ordem jurídica política por ela instituída”.6

Sucessão: é “a transferência da herança, ou do legado, por morte de alguém, ao

herdeiro ou legatário, seja por força de lei, ou em virtude de testamento.”7]

União Estável: “célula familiar prevista na Constituição Federal, resultante da

união de homem e mulher sem casamento.”8

6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional

fundamental. Curitiba: Juruá, 2003, p. 63. 7 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito das sucessões. V. 6, São

Paulo: Saraiva, 1998. p. 7.

8 DAL COL, Helder Martinez. A família à luz do concubinato e da união estável, p. 47.

Page 9: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

SUMÁRIO

RESUMO.................................................................................................XI

ABSTRACT ...........................................................................................XII

INTRODUÇÃO.........................................................................................1

CAPÍTULO 1............................................................................................5

HERMENÊUTICA CONSTIT UCIONAL: PRINCÍPIOS, GARANTIAS E DIREITO...................................................................................................5 1.1 A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL................................................................5 1.1.1 CONCEITO.....................................................................................................................5 1.1.2 EVOLUÇÃO ...................................................................................................................7 1.1.3 PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS................................................................................... 12 1.1.3.1 Princípio da supremacia da Constituição .................................................. 12 1.1.3.2 Princípio da unidade da Constituição......................................................... 13 1.1.3.3 Princípio da interpretação conforme a Constituição .............................. 15 1.2 PRINCÍPIOS E REGRAS......................................................................................... 16 1.3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO FUNDAMENTAL À HERANÇA..................................................................................... 18 1.4 A GARANTIA INSTITUCIONAL DE ESPECIAL PROTEÇÃO À FAMÍLIA.... 25 1.5 A PROTEÇÃO À UNIÃO ESTÁVEL COMO FORMA DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA ............................................................................................................................ 29 1.5.1 O DIREITO COMO UM FENÔMENO SOCIAL................................................................. 29 1.5.2 A EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA, JURISPRUDENCIAL E LEGISLATIVA QUE ANTECEDEU A RECEPÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988........................... 31 1.5.3 A TUTELA DA UNIÃO ESTÁVEL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988................... 36

CAPÍTULO 2..........................................................................................40

DIREITOS SUCESSÓRIOS DECORRENTES UNIÃO ESTÁVEL.....40 2.1 A REGULAMENTAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL PELA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL APÓS A SUA PROTEÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988......................................................................................................... 40 2.2 OS DIREITOS SUCESSÓRIOS DOS COMPANHEIROS ANTES DA REGULAMENTAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL PELAS LEIS INFRACONSTITUCIONAIS ........................................................................................... 42

Page 10: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

2.3 O CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL NA LEI 8.971/94 E SUA PREVISÃO REFERENTE AO DIREITO SUCESSÓRIO................................................................ 44 2.3.1 DO USUFRUTO LEGAL .............................................................................................. 45 2.3.2 DO DIREITO DE PROPRIEDADE À HERANÇA............................................................. 48 2.4 O CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL NA LEI 9.278/96 E SUA PREVISÃO REFERENTE AO DIREITO SUCESSÓRIO................................................................ 52 2.5 RECEPÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL PELO ATUAL CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO E A SUA PREVISÃO DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS................. 58 2.5.1 DO DIREITO DE PROPRIEDADE À HERANÇA............................................................. 64 2.5.2 DO DIREITO AO USUFRUTO LEGAL .......................................................................... 70 2.5.3 DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO ........................................................................... 70

CAPÍTULO 3..........................................................................................72

OS DIREITO SUCESSÓRIO DOS COMPANHEIROS À LUZ DA HERMENÊUTICA CONSTIT UCIONAL: UMA PROPOSTA POLÍTICO JURÍDICA ..............................................................................................72 3.1 A POSSIBILIDADE DA OCORRÊNCIA DE UM RETROCESSO NOS DIREITOS SUCESSÓRIOS GARANTIDOS AOS COMPANHEIROS EM VIRTUDE DAS ALTERAÇÕES OCASIONADAS PELA MUDANÇA LEGISLATIVA.................................................................................................................. 72 3.2 O RETROCESSO NOS DIREITOS SUCESSÓRIOS DOS COMPANHEIROS EM COLISÃO COM O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA..... 78 3.3 O RETROCESSO NOS DIREITOS SUCESSÓRIOS DOS COMPANHEIROS EM COLISÃO COM AS GARANTIAS INSTITUCIONAIS DE PROTEÇÃO À FAMÍLIA E A UNIÃO ESTÁVEL................................................................................... 85 3.4 UMA PROPOSTA LEGISLATIVA À LUZ DA POLÍTICA JURÍDICA.............. 89 3.4.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE A POLÍTICA JURÍDICA............................. 90 3.4.2 A APLICAÇÃO DA POLÍTICA JURÍDICA NA LEGISLAÇÃO REFERENTE AOS DIREITOS SUCESSÓRIOS DOS COMPANHEIROS ................................................................................. 95 3.4.2.1 Supressão do artigo 1.790 do Código Civil............................................... 97 3.4.2.2 Alteração do art. 1.831 do Código Civil ...................................................... 99 3.4.2.3 Alteração do art. 1.832 do Código Civil ....................................................100 3.4.2.4 Alteração do caput do art. 1.836 do Código Civil ..................................101 3.4.2.5 Alteração do art. 1.838 do Código Civil ....................................................101 3.4.2.6 Alteração do art. 1.839 do Código Civil ....................................................102 3.4.2.7 Alteração do art. 1.845 do Código Civil ....................................................102

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................104

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................107

Page 11: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

RESUMO

O presente trabalho apresenta um estudo sobre

a Hermenêutica Constitucional em sua concepção atual, procurando demonstrar a

necessidade de toda a ordem jurídica ser lida à luz dos preceitos e princípios

constitucionais, especialmente do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Na

seqüência tratou-se, especificamente, das alterações ocorridas na legislação

referente aos Direitos Sucessórios dos Companheiros, desde a proteção da União

Estável pela Constituição Federal de 1988, a regulamentação destes direitos pela

legislação infraconstitucional, até chegar-se à atual previsão do Código Civil.

Verificou-se que as modificações sofridas pelos Direitos Sucessórios dos

Companheiros, culminando com a regulamentação pelo Código Civil, representou

um retrocesso nestes direitos e a conseqüente violação à garantia constitucional

de especial proteção à Família, bem como ao Princípio da Dignidade da Pessoa

Humana. Demonstrada a impropriedade legislativa no trato dispensado à matéria,

realizou-se uma análise da legislação que regulamenta os Direitos Sucessórios

decorrentes da União Estável, à luz da Política jurídica, concluindo-se pela

necessidade de se elaborar propostas legislativas acerca do tema.

Page 12: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

xii

ABSTRACT

The present paper presents a study about the Constitutional hermeneutic in an actual conception, looking forward to demonstrate the necessity of all juridical order to be read by the light of constitutional precept and principle, especially the Principle of Dignity of the Human Beings/Person. In the sequence it handles, specifically, the alterations that happen in the legislation referring to the "Partners Successor Rights", since the protection of the Stable Union by the 1988 Federal Constitution, a regulation of those rights by the infraconstitucional legislation, until reach to the actual prevision of the Civil code.It was verified that the alterations suffered by the "Partners Successor Rights", culminating with the regulation by the Civil Code, represented a retrogression in those rights and the consequent violation of the special constitutional guaranty/bail to a Family Protection, as like the "Principle of Dignity of the Human Being" Once demonstrated the legislative impropriety about the handling of the subject, it was realized an analyses of the legislation that regulate the "Successors Rights" due to the Stable Union, by the light of the Juridical politics, concluding the necessity to create legislative proposals around the subject.

Page 13: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é realizar um estudo sobre as

alterações ocorridas na legislação que regulamenta os Direitos Sucessórios dos

Companheiros, principalmente em decorrência da atual previsão destes direitos

pelo novo Código Civil. Foram considerados aspectos importantes da

Hermenêutica Constitucional para verificar a possível ocorrência de uma violação

a garantias e princípios constitucionais, especialmente ao Princípio da Dignidade

da Pessoa Humana.

O estudo deste tema é de extrema relevância, tanto em

virtude da grande incidência prática da União Estável, quanto pelo destaque

atribuído à Hermenêutica Constitucional em sua concepção atual, com ênfase aos

princípios constitucionais que devem fundamentar toda a ordem jurídica,

principalmente a Dignidade Humana, princípio que tem sido considerado como

valor supremo e fundamento de todo o Estado Constitucional de Direito.

O tema justifica a realização de uma pesquisa também pela

necessidade de análise da legislação que disciplina os Direitos Sucessórios

decorrentes da União Estável para viabilizar um aperfeiçoamento dessa matéria.

No estudo foram observadas as seguintes hipóteses:

a) A concepção atual da Hermenêutica Constitucional

parece buscar uma nova perspectiva do Direito, com ênfase à supremacia e

normatividade da Constituição, bem como aos princípios e garantias nela

previstos.

b) O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana parece ser

uma das fontes de valor do sistema constitucional brasileiro, conferindo-lhe

unidade axiológica e servindo de parâmetro para a harmonização de todo o

sistema jurídico.

Page 14: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

2

c) Ao disciplinar os Direitos Sucessórios decorrentes da

União estável, o atual Código Civil Brasileiro parece ter alterado os benefícios

anteriormente concedidos pelas Leis 8.971/94 e 9.278/96.

d) As modificações ocorridas nos Direitos Sucessórios dos

Companheiros, com a supressão de direitos anteriormente conquistados por

estes, pode ter violado o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a garantia

institucional de especial proteção à Família.

Esta pesquisa tem como objetivo institucional, produzir uma

Dissertação para obtenção do Título de Mestre em Ciência Jurídica, no Curso de

Pós-Graduação stricto sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do

Itajaí - UNIVALI. O objetivo geral é a investigação da Hermenêutica Constitucional

frente à atual regulamentação dos Direitos Sucessórios decorrentes da União

Estável no Brasil

Para alcançar as metas investigatórias acima estabelecidas

foram traçados os seguintes objetivos específicos: descrever aspectos

destacados da Hermenêutica Constitucional, com ênfase às garantias

institucionais de especial proteção à Família e ao Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana; analisar as modificações sofridas pela legislação que

regulamenta os Direitos Sucessórios dos Companheiros; verificar a possibilidade

da ocorrência de um retrocesso nestes direitos, principalmente em virtude da

atual previsão do Código Civil, bem como a possível violação de garantias

institucionais e do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; avaliar a

necessidade de uma proposta legislativa à luz da Política Jurídica.

O caminho percorrido para se alcançar os objetivos

propostos e realizar a investigação do objeto delimitado foi o método indutivo, e a

base lógica para o relatório será a indutiva.

Foram acionadas as técnicas do referente, da categoria, dos

conceitos operacionais, da pesquisa bibliográfica e do fichamento.

Para facilitar o desenvolvimento da pesquisa e aumentar a

organização e coerência lógica do relato, o relatório final, que compreende esta

Page 15: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

3

dissertação, foi estruturado em três capítulos, cada qual com aproximadamente

trinta páginas, objetivando-se conferir harmonia estrutural ao trabalho.

O primeiro capítulo trata da Hermenêutica Constitucional,

com a abordagem dos seus aspectos fundamentais que contribuem diretamente

para a realização da pesquisa. Inicialmente, analisa-se o conceito, a evolução e

os princípios da Hermenêutica Constitucional. Na seqüência aborda-se,

especificamente, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana em virtude da sua

importância para toda a ordem jurídica, política e social e o seu desdobramento

através da concretização dos direitos fundamentais, enfatizando-se a sua

influência no direito de Família. Realiza-se, ainda, um estudo acerca das

garantias institucionais de especial proteção à Família e à União Estável.

No segundo capítulo faz-se uma abordagem sobre a

legislação referente aos Direitos Sucessórios decorrentes da União Estável. Para

cumprir o objetivo, analisa-se a proteção da União Estável pela Constituição

federal de 1988 e a sua posterior regulamentação pelas Leis 8.971/94 e 9.278/96,

especialmente no que se refere à previsão dos Direitos Sucessórios. Finaliza-se

este capítulo com a análise da atual previsão dos Direitos Sucessórios dos

Companheiros pelo Código Civil.

O terceiro capítulo reserva-se a aplicar o estudo realizado no

primeiro capítulo, acerca da Hermenêutica Constitucional, ao conteúdo dos

Direitos Sucessórios dos Companheiros analisado no segundo capítulo. Neste

contexto, objetiva-se inferir se as alterações ocorridas na legislação dos Direitos

Sucessórios decorrentes da União Estável representam um retrocesso nestes

direitos, bem como verificar a possível violação ao Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana e da Garantia Institucional de especial proteção à Família. Após

este estudo, o resultado obtido é submetido a uma análise à luz da Política

Jurídica.

Nas considerações finais objetivou-se apresentar uma

síntese dos resultados obtidos com a investigação, verificando o cumprimento dos

objetivos propostos no início da pesquisa.

Page 16: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

4

Cumpre registrar que o presente trabalho não possui o

propósito de oferecer respostas ou soluções definitivas sobre o tema abordado,

mas contribuir para o aperfeiçoamento das questões suscitadas, bem como o de

estimular discussão e reflexão acerca de conteúdo tão relevante para o mundo

jurídico, visando assim buscar a realização da Justiça, compromisso maior de

todo operador jurídico.

Page 17: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

5

CAPÍTULO 1

HERMENÊUTICA CONSTIT UCIONAL: PRINCÍPIOS, GARANTIAS E DIREITO

1.1 A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

1.1.1 Conceito

Inicialmente é importante destacar o conceito de

Hermenêutica Jurídica em seu sentido amplo.

Nesta perspectiva, o conceito de grande aceitação na

doutrina é trazido por MAXIMILIANO, segundo o qual “a Hermenêutica Jurídica

tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para

determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito”.9

Ao explicar o conceito supra referido o autor destaca que:

As leis positivas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer a minúcias. È tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para o conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão”.10

9 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense,

2004, p. 1. 10 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 1.

Page 18: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

6

Cumpre ressaltar que na presente pesquisa adotar-se-á o

significado de Hermenêutica como vocábulo que se diferencia de interpretação.

Isto porque se entende como interpretação a aplicação da Hermenêutica, sendo a

interpretação responsável por determinar o sentido e o alcance das expressões

do Direito, ao passo que a Hermenêutica representa a teoria científica da arte de

interpretar, descobrindo e fixando os princípios que devem reger a interpretação.11

MELO ressalta um importante aspecto do fenômeno

hermenêutico ao assinalar que para este ser completo “[...] precisa ser estudado

como aplicação da norma ao fato, ou melhor, do fato à norma, pois o fato precede

à norma”.12

Assim, infere-se que a Hermenêutica está relacionada aos

fatos concretos, devendo ser analisada conjuntamente com a realidade social em

que é aplicada.

Especificamente, a Hermenêutica Constitucional, objeto de

análise desta pesquisa, representa a

[...] técnica jurídica voltada à elaboração de regras para a compreensão do conteúdo e do significado das normas constitucionais [...]. Assim sendo, a sua atividade, porque hermenêutica, é um modo de pensar pragmaticamente a realidade, dirigida a formulação de [...] regras com fundamento nas quais ele interpretará as normas jurídicas em que se baseará para fornecer a solução do problema concreto que a ele se coloca.13

Assim, este conceito, no qual Hermenêutica Constitucional

difere da categoria interpretação, por ser aquela responsável por determinar as

regras em que esta se fundamenta, será adotado no decorrer do presente

trabalho.

11 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 1. 12 MELO, Orlando Ferreira de. Hermenêutica jurídica: uma reflexão sobre novos posicionamentos.

Itajaí: Univali, 2001, p. 18. 13 DINIZ, Márcio Augusto de Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. 2 ed. Belo

Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 230.

Page 19: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

7

1.1.2 Evolução

À época da concretização do Código Civil de 1916,

influenciado por Napoleão Bonaparte na França, prevalecia a crença de que o

Código era a projeção escrita e completa do sistema de regras jurídicas racionais

do Direito Natural, motivo pelo qual se atribuiu ao Código as características antes

imputadas ao Direito Natural Racional. Neste contexto, a lei era considerada

completa e o seu sentido correto seria o literal. A partir desta perspectiva, nascia

a Teoria da Plenitude da Lei, limitando-se à interpretação das normas ao plano

gramatical.14

Esta forma de interpretação e aplicação do direito era

defendida pela Escola da Exegese, sendo que “o sistema interpretativo por ela

proposto era designado de sistema dogmático”.15

MELO assinala que a orientação dogmática é legalista por

colocar a lei em primeiro plano e realizar uma interpretação apenas do seu texto

escrito.16

Em decorrência desta característica, neste sistema

considerava-se o juiz como mero aplicador da lei, o qual poderia realizar somente

a sua interpretação gramatical, a fim de não modificar a vontade do legislador.

Desta forma, no sistema dogmático, verifica-se uma ênfase

ao sentido estrito da lei, evidenciando-se a primazia e relevância atribuída ao

texto literal da norma.

Ao abordar a evolução experimentada, MAGALHÃES

FILHO destaca que:

14 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição. 2 ed.

Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 49. 15 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição, p.

50. 16 MELO, Orlando Ferreira de. Hermenêutica jurídica: uma reflexão sobre novos posicionamentos,

p. 35.

Page 20: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

8

O processo de industrialização veio a invalidar as premissas da

Escola da Exegese, porquanto alterou sensivelmente as relações

sócio-econômicas, contribuindo para evidenciar o descompasso

entre o Código e a nova realidade. Isso motivou o surgimento da

Escola Histórico-Evolutiva [...]”.17

A Escola Histórica na Alemanha teve Gustavo Hugo como

seu precursor e Savigny como seu grande expoente. Savigny era contrário aos

princípios da Escola da Exegese, pois não acreditava que a codificação do Direito

pudesse contribuir de forma decisiva para a unificação da Alemanha.

Ao contrário,

Savigny se opunha à idéia de um Direito Natural Universal, sendo

favorável a um direito para cada nação, proveniente do espírito

do povo. O costume era priorizado como manifestação imediata

do espírito do povo, tendo em vista sua evolução espontânea.

Para Savigny, a codificação petrificaria o Direito, e qualquer

legislação existente só seria válida se estivesse de acordo com o

costume.18

Concernente a sua contribuição para a Hermenêutica,

destaca-se que Savigny admitia as interpretações gramatical, lógica, sistemática e

histórica, sendo que tinha a pretensão de introduzir o método hermenêutico na

dogmática jurídica, de forma a elevar o Direito à categoria de ciência.19

Assinala MAGALHÃES FILHO que “posteriormente, surgiu a

Jurisprudência dos Conceitos (Puchta) e o Pandcetismo (Windscheid) na

Alemanha, bem como a Escola Analítica Inglesa (Austin), todas adotando

17 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição, p.

50. 18 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição, p.

51. 19 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição, p.

51.

Page 21: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

9

métodos lógico formais e, assim, revelando-se semelhante a Escola da

Exegese”.20

Em decorrência das orientações teóricas anteriormente

mencionadas, prevalecia a noção de Estado de Direito como aquele no qual há o

governo de leis.

LEAL registra que neste sistema o direito acaba sendo

imposto à sociedade sob a forma de lei, cuja discussão de conteúdo não existe e

a lei se torna a representação da expressão da normatividade de uma dominação

exercida pela classe que se considera elite.21

Esta forma de Estado, conhecido como Estado legalista, é

caracterizado pelo culto à lei e assentado na idéia de que os preceitos legais

sempre protegeriam as liberdades e os direitos fundamentais da pessoa

humana 22, ainda que, na prática, isto nem sempre correspondesse à realidade.

Contudo, este Estado legalista com predomínio do texto

estrito da lei, paulatinamente, cedeu lugar ao Estado Democrático de Direito,

também chamado de Estado Constitucionalista ou Estado Novo, no qual há uma

ênfase à Constituição e ao reconhecimento da existência e da importância dos

princípios.

O Estado Constitucionalista caracteriza-se pelo culto à

Constituição, enfatizando o princípio da constitucionalidade e o reconhecimento

da normatividade dos princípios que consagram direitos fundamentais, sendo que

estes preceitos supremos não são entendidos simplesmente como formas de

20 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição, p.

63. 21 LEAL, Rogério Gesta. Hermenêutica e direito: considerações sobre a teoria do direito e os

operadores jurídicos. 2 ed., Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1999, p. 95. 22 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição, p.

64.

Page 22: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

10

conselhos ou diretrizes ao legislador, mas, principalmente, como normas

vinculantes. 23

Esta nova visão, em consonância com o Estado

Contemporâneo, tornou a Hermenêutica tradicional ultrapassada, uma vez que se

destinava a uma outra realidade, surgindo, então, a necessidade de uma nova

Hermenêutica.

Para BONAVIDES, a busca de uma moderna interpretação

da Constituição resulta de um certo inconformismo dos juristas com o positivismo

lógico-formal que prevalecia até então.24

Esta perspectiva silogística tradicional de interpretar o

Direito, passou a revelar-se debilitada em virtude da estrutura principiológica das

normas constitucionais contemporâneas destinarem-se mais à garantia de

determinados valores fundamentais do que apenas a disciplinar condutas

diretamente através de mera subsunção.25

Principalmente, considerando-se que os modelos

tradicionais de Hermenêutica existentes até então, surgiram para a interpretação

de normas com estrutura de regras e, em especial, para interpretar normas de

Direito Privado, entretanto, em virtude da ênfase social que o Direito tem

recebido, voltada à Constituição, cujas normas são estruturadas sob a forma de

princípios, tornou-se necessária uma nova metodologia.

Este contexto desencadeou a busca do sentido mais

profundo da Constituição como um verdadeiro instrumento responsável por

estabelecer a necessária adequação do Direito com a sociedade.26

23 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição, p.

64. 24 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 434. 25 DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e Hermenêutica Constitucional, p. 240. 26 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 434.

Page 23: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

11

Foi justamente esta nova perspectiva do Direito, com ênfase

à supremacia e normatividade da Constituição, bem como aos princípios nela

contidos, que desencadeou a necessidade do surgimento de uma nova

concepção Hermenêutica.

Neste sentido, MAGALHÃES FILHO destaca que

Com o reconhecimento da supremacia e da normatividade plena da

Constituição no Estado Moderno, os direitos fundamentais são

considerados como limite não apenas da atividade administrativa,

mas também, da legiferante. Não há, portanto, nenhuma dúvida

mais sobre a juridicidade e aptidão de eficácia dos princípios

estabelecidos no Estatuto Básico da Sociedade, e esse

reposicionamento dos direitos fundamentais tornou necessário o

surgimento de uma nova hermenêutica, porquanto as normas que os

definem possuem estrutura diferente daquelas que têm as normas

infraconstitucionais.27

Para BONAVIDES, a passagem para a Hermenêutica

contemporânea ocorre efetivamente com a nova dimensão que passou a ser

atribuída aos princípios constitucionais, os quais se transformaram de princípios

gerais para princípios constitucionais e, ainda, da necessidade de dar efetivo

sentido aos direitos fundamentais. Por meio deste novo enfoque, os princípios

adquirem grande importância, de maneira que toda a norma e, em conseqüência,

todas as demais questões jurídicas, devem observá-los e respeitá-los.28

Verifica-se, assim, uma mudança na realidade

Hermenêutica, uma vez que, anteriormente, o direito se restringia a mera

aplicação da lei, com a subsunção da norma ao caso concreto, permitindo a

realização apenas de uma interpretação gramatical da norma. A ênfase atribuída

aos princípios e aos direitos fundamentais demonstraram a insuficiência da velha

Hermenêutica, tornando-se necessária uma nova atividade de interpretação do

Direito, consentânea com esta moderna realidade.

27 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição, p.

65. 28 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 259 e 592.

Page 24: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

12

Neste novo contexto, verifica-se a necessidade da

vinculação da Hermenêutica com os princípios constitucionais, os quais são

responsáveis por definir e traduzir a concepção acerca da realidade escolhida

pela própria sociedade.

1.1.3 Princípios Hermenêuticos

Com a superação da antiga concepção Hermenêutica e a

conseqüente ascensão de uma nova Hermenêutica, verifica-se a ênfase a

determinados Princípios Hermenêuticos que conferem a desejada importância à

Carta Constitucional, dentre os quais, são destacados a seguir os de maior

relevância para a presente pesquisa.

1.1.3.1 Princípio da supremacia da Constituição

Este princípio enuncia que a interpretação constitucional se

fundamenta no pressuposto da superioridade jurídica da Constituição sobre as

demais normas no âmbito do Estado.29

Conseqüentemente, em decorrência deste princípio,

nenhum ato jurídico pode contrariar as previsões constitucionais, sob pena de não

subsistir validamente se for constatada a sua incompatibilidade com a Lei

Fundamental.

Infere-se que a legitimidade dos poderes do Estado e suas

ações derivam da Constituição, que os habilita a atuar, de maneira que a atuação

fora dos limites impostos na Constituição não pode ser considerada

constitucional, pois estará ausente de justificação legal.30

29 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3 ed., São Paulo: Saraiva,

1999, p. 157. 30 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 79.

Page 25: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

13

Neste sentido, destaca-se a necessidade das normas

criadas pela atuação de todos os poderes públicos obedecer às diretrizes

constitucionais.

BARROSO assinala que a supremacia constitucional

assume um caráter de superlegalidade formal e material. Nesta temática,

assevera o citado autor que,

A superlegalidade formal identifica a Constituição como a fonte

primária da produção normativa, ditando competências e

procedimentos para a elaboração dos atos normativos inferiores.

E a superlegalidade material subordina o conteúdo de toda a

atividade normativa estatal à conformidade com os princípios e

regras da Constituição.31

Portanto, como se observa, este princípio enfatiza a

superioridade da Constituição sobre as demais normas do ordenamento jurídico,

condicionando o conteúdo das leis infraconstitucionais de acordo com a

Constituição.

1.1.3.2 Princípio da unidade da Constituição

O ordenamento estatal constitui um sistema cujos

elementos são entre si coordenados, apoiando-se um ao outro e pressupondo-se

reciprocamente, de maneira que o elo de ligação entre esses elementos é a

Constituição, por ser a origem comum de todas as normas. Assim, como norma

fundamental, a Constituição é responsável por conferir unidade e caráter

sistemático ao ordenamento jurídico.32

Oportuno registrar que a idéia de unidade da ordem jurídica

se irradia a partir da Constituição e sobre ela também se projeta. Neste sentido:

31 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição, p. 159. 32 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição, p. 188

Page 26: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

14

Se a Constituição é norma fundamental que dá unidade e

coerência à ordem jurídica, ela própria precisa ter unidade e

coerência interna, ou seja, superação de contradições não

através de uma lógica de exclusão de uma parte a favor de outra,

mas através de uma lógica dialética de síntese, através de uma

solução de compromisso. A interpretação constitucional deve

garantir uma visão unitária e coerente do Estatuto Supremo e de

toda a ordem jurídica.33

A Constituição representa o instrumento harmonizador de

uma sociedade pluralista em razão de sua unidade de sentido, o que decorre do

fato de ser este estatuto jurídico que deve integrar todos os valores

representativos das aspirações dos diversos segmentos sociais.34

Neste contexto destaca-se a importância da nova

concepção da Hermenêutica Constitucional, a qual almeja conferir unidade à

Constituição através de uma interpretação que busca a realização dos fins e dos

valores prescritos no seu texto.

Isto significa que a interpretação da Constituição deve ser

realizada de forma a evitar contradições, devendo o intérprete considerar a

Constituição na sua globalidade, procurando harmonizar os espaços de tensão

existentes entre as normas constitucionais a serem concretizadas. Deste princípio

resulta o fato importante de o intérprete não considerar as normas constitucionais

como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num

sistema interno de regras e princípios.35

Verifica-se a importância da Constituição, como instrumento

necessário para conferir unidade a todo o ordenamento jurídico estatal, o que se

cumpre através da unidade e coerência de seu próprio texto, propagando-se

33 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição, p.

79. 34 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição, p.

97. 35 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6 ed., Coimbra:

Almedina, 2002, p. 1211.

Page 27: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

15

também para a necessidade de todas as demais leis infraconstitucionais

apresentarem conteúdo conforme a constituição.

1.1.3.3 Princípio da interpretação conforme a Constituição

Este princípio determina que a Constituição deve ser

interpretada de acordo com os seus valores básicos e as normas

infraconstitucionais devem ser compreendidas a partir da Constituição, preferindo-

se uma interpretação que vá ao encontro de um valor constitucionalmente

almejado.36

BARROSO destaca que este princípio está relacionado com

a unidade do ordenamento jurídico e, dentro desta, com a supremacia da

Constituição. Segundo o autor, “disso resulta que as leis editadas na vigência da

Constituição, assim como as que procedam de momento anterior, devem curvar-

se aos comandos da Lei Fundamental e ser interpretadas em conformidade com

ela”.37

Infere-se que a nova concepção Hermenêutica, responsável

por elucidar os métodos de interpretação constitucional, preceitua e enfatiza a

necessidade de realização da leitura ou interpretação da legislação

infraconstitucional sempre a partir e de acordo com a Constituição.

Ressalta-se que esta concepção está em consonância com

as exigências da atualidade, pois, somente desta forma, será possível viabilizar

as exigências do direito contemporâneo, especialmente na área do direito de

Família, conforme se demonstrará adiante.

36 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição, p.

80. 37 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, p. 184.

Page 28: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

16

1.2 PRINCÍPIOS E REGRAS

Tendo sido constatado nos tópicos antecedentes que a

necessidade da evolução da Hermenêutica Constitucional decorreu da nova

dimensão atribuída aos princípios, que adquiriram normatividade ao lado das

regras jurídicas, necessária se torna a realização desta análise acerca da

distinção entre Princípios e Regras.

DWORKIN destaca, inicialmente, que a diferença entre os

princípios jurídicos e as regras jurídicas é de natureza lógica. Neste sentido

assinala o autor que

os dois padrões apontam para decisões particulares acerca da

obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-

se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são

aplicáveis a maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma

regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta

que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em

nada contribui para a decisão.38

O princípio, por sua vez, “deve ser levado em conta pelas

autoridades públicas, como [se fosse] uma razão que inclina numa ou noutra

direção”.39

Outra distinção entre regras e princípios enfatizada por

DWORKIN consiste na dimensão do peso ou importância característica dos

princípios que as regras não possuem. Em decorrência desta característica,

“quando os princípios se intercruzam [...], aquele que vai resolver o conflito tem de

levar em conta a força relativa de cada um”.40

38 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 39. 39 DWORKIN, Ronald. O império do direito, p. 42. 40 DWORKIN, Ronald. O império do Direito, p. 42.

Page 29: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

17

Isto implica a necessidade de questionamento do peso ou

importância que determinado princípio possui. Já as regras não possuem esta

dimensão, de maneira que se duas regras entram em conflito, uma delas não

pode ser válida.41

ALEXY defende que apesar de existirem inúmeros critérios

para a distinção entre regras e princípios, o critério da generalidade é o utilizado

com mais frequência. Segundo ele, “los princípios son normas de un grado de

generalidad relativamente alto, y las regras normas con un nibel relativamente

bajo de generalidad“.42

O referido autor assinala que os princípios seriam mandatos

de otimização e esta característica seria um critério decisivo para a sua distinção

das regras. Isto implica que “los principios son normas que ordenan que algo sea

realizado en la mayior medida possible, dentro de las possibilidades jurídicas y

reales existentes“. 43

As regras, por sua vez, “son normas que sólo pueden ser

cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que

ella exige, ni más ni menos“.44

Estas características dos princípios, que os diferenciam das

regras, demonstram a sua grande importância no ordenamento jurídico. LEAL

enfatiza que, sendo elevado a este importante patamar, os princípios demonstram

uma superlegalidade material e se tornam fonte primária do ordenamento.

Especialmente porque os princípios representam valores concretos eleitos pela

sociedade política, e, neste sentido, tornam-se o critério de aferição dos

conteúdos constitucionais em sua dimensão normativa mais elevada.45

41 DWORKIN, Ronald. O império do Direito, p. 46. 42 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales , p. 83. 43 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 86. 44 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 87. 45 LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e fundamentais no

Brasil, p. 166.

Page 30: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

18

Dentre os princípios que tem norteado o ordenamento

jurídico e o próprio Direito, destaca-se a seguir o Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana em virtude da sua relevância como valor fonte de todo o sistema

jurídico e da sua importância para o desenvolvimento da presente pesquisa.

1.3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO

FUNDAMENTAL À HERANÇA

A Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo

1º prescreve: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e

direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos

outros com espírito de fraternidade”.

A Constituição Federal do Brasil de 1988 consagra a

Dignidade da Pessoa Humana como um dos fundamentos do Estado Democrático

de Direito46, com a seguinte previsão:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...].

III – a dignidade da pessoa humana;47

A partir desta previsão, o princípio da Dignidade da Pessoa

Humana adquire enfoques e contornos que vão repercutir e influenciar todo o

ordenamento jurídico, inclusive, em aspectos específicos concernentes ao direito

de Família, merecendo, por isso, uma análise no presente trabalho.

46 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição, p.

136. 47 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Page 31: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

19

Conforme anteriormente assinalado, a Dignidade da Pessoa

Humana foi erigida à categoria de fundamento do Estado Democrático de Direito.

MARTINS destaca que

[...] o princípio da dignidade da pessoa humana constitui a

base, o alicerce, o fundamento da República e do Estado Democrático de Direito

por ela instituído. A fórmula adotada implica, em linhas gerais, que a Constituição

brasileira transformou a dignidade da pessoa humana em valor supremo da

ordem jurídica política por ela instituída.48

Esta concepção da Dignidade da Pessoa Humana como

fundamento de uma ordem democrática implica admitir que o próprio Estado se

constrói e se fundamenta a partir da pessoa humana e para servi-la, de maneira

que um dos fins do Estado deve ser viabilizar condições mínimas, tanto materiais

quanto morais, para que as pessoas tenham dignidade.

Além de fundamento do Estado Democrático de Direito, ao

ser considerada como um valor fonte do sistema constitucional, a Dignidade da

Pessoa Humana adquire o papel especial de ser elemento que confere unidade

axiológica-normativa ao sistema constitucional.49

Neste sentido, este princípio é concebido como o elemento

responsável por conferir unidade de sentido a ordem constitucional que o enuncia.

Como decorrência do grau de importância atribuído a este

princípio, “a dignidade da pessoa humana é a fonte ética dos direitos

fundamentais, não sendo estes senão emanações do valor básico mencionado”.50

E prossegue o autor afirmando que “na realidade, os direitos fundamentais, bem

48 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional

fundamental. Curitiba: Juruá, 2003, p. 63. 49 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional

fundamental, p. 63. 50 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição, p.

136.

Page 32: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

20

como toda a ordem jurídica, têm como assento material o valor da pessoa

humana [...]”.51

Desta forma, infere-se que este princípio assume uma

função importantíssima ao delinear o conteúdo dos demais valores e normas

jurídicas em consonância com a Dignidade da Pessoa Humana.

SARLET assevera que “[...] dentre as funções exercidas pelo

princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, destaca-se, pela sua

magnitude, o fato de ser, simultaneamente, elemento que confere sentido e

legitimidade a uma determinada ordem constitucional [...]”.52

Portanto, a legitimidade, a integridade e o verdadeiro sentido

de uma ordem constitucional serão garantidos e preservados se possuírem como

parâmetro e como fundamento o respeito ao princípio da Dignidade da Pessoa

Humana.

Neste contexto, cumpre destacar a função instrumental

integradora e hermenêutica deste princípio, uma vez que “serve de parâmetro

para aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais

e das demais normas constitucionais, mas de todo ordenamento jurídico”.53

Isto implica que a interpretação do ordenamento jurídico,

tanto constitucional como infraconstitucional, deve pautar-se, levando em

consideração, o conteúdo do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Nesta temática, MARTINS destaca que o reconhecimento de

forma expressa da Dignidade da Pessoa Humana como princípio fundamental

traduz,

51 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição, p.

136. 52 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição

federal de 1988. 2 ed, Porto Alegre: Livraria do advogado, 2002, p. 81. 53 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição

federal de 1988, p. 85.

Page 33: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

21

em parte, a pretensão constitucional de transformá-lo em um

parâmetro objetivo de harmonização dos diversos dispositivos

constitucionais (e de todo o sistema jurídico), obrigando o

intérprete a buscar uma concordância prática entre eles, na qual

o valor acolhido no princípio, sem desprezar os demais valores

constitucionais, seja efetivamente preservado.54

Desta forma, para que haja uma harmonização das normas,

incluídas as regras e os princípios de um sistema jurídico, não se pode desprezar

o valor da Dignidade da Pessoa Humana, pois o respeito a este princípio consiste

em uma prerrogativa para a preservação dos demais valores constitucionais.

Para SARLET, “[...] a dignidade da pessoa humana tem sido

reiteradamente considerada como o princípio (e valor) de maior hierarquia da

nossa e de todas as ordens jurídicas que a reconheceram [...]”.55

O autor enfatiza que, cada vez mais, “[...] encontram-se

decisões dos nossos Tribunais valendo-se da dignidade da pessoa como critério

hermenêutico, isto é, como fundamento para solução das controvérsias,

notadamente interpretando a normativa infraconstitucional à luz da dignidade da

pessoa humana”.56

Quanto à função hermenêutica do Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana, SARLET assinala que,

[...] poder-se-á afirmar a existência não apenas de um dever de

interpretação conforme a Constituição e dos Direitos

Fundamentais, mas acima de tudo [...] de uma hermenêutica que,

para além do conhecido postulado do in dúbio pro libertate, tenha

54 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional

fundamental, p. 63. 55 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição

federal de 1988, p. 87. 56 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição

federal de 1988, p. 86.

Page 34: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

22

sempre presente o imperativo segundo o qual em favor da

dignidade não deve haver dúvida.57

Verifica-se que o princípio da Dignidade da Pessoa Humana

está intimamente relacionado com os Direitos Fundamentais, uma vez que “na

verdade, quando a Constituição elencou um longo catálogo de direitos

fundamentais e definiu os objetivos fundamentais do Estado, buscou

essencialmente concretizar a dignidade da pessoa humana”.58

Isto ocorreu porque não teria validade ou resultados

práticos a realização de simples menção ao princípio fundamental da Dignidade

da Pessoa Humana, sem a garantia de um núcleo básico de direitos aos cidadãos

pela Constituição Federal de 1988, o que vem a confirmar a necessária e direta

ligação entre a Dignidade da Pessoa Humana e os Direitos Fundamentais.

Nesta temática, MARTINS afirma que,

Na atual quadratura histórica, uma Constituição que não institua

um amplo catálogo de direitos fundamentais (ou sequer legitime a

instituição pela ordem infraconstitucional), ainda que nela

houvesse expressa menção ao princípio, não estaria positivando

a dignidade da pessoa humana em fórmula capaz de

normatividade, e tampouco, poderia ser considerada

democrática. No rol de direitos fundamentais de uma Constituição

se encontra a mais pura homenagem à dignidade da pessoa

humana.59

Conforme se verifica, a Dignidade da Pessoa Humana é a

fonte ética dos Direitos Fundamentais, sendo estes emanações do valor básico do

referido princípio. Assim, pode-se afirmar que os direitos fundamentais constituem

57 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição

federal de 1988, p. 88. 58 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional

fundamental, p. 65. 59 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional

fundamental, p. 65.

Page 35: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

23

reflexos imediatos ou desdobramentos históricos da Dignidade da Pessoa

Humana.60

Desta forma, o rol de direitos e garantias fundamentais

consagrados no título II da Constituição Federal de 1988 traduz uma

especificação e densificação do princípio fundamental da Dignidade da Pessoa

Humana, ou seja, os direitos fundamentais constituem uma importante

concretização do referido princípio, quer se trate dos direitos e deveres individuais

e coletivos (art. 5º), dos direitos sociais (artS. 6º a 11) ou dos direitos políticos

(arts. 14 a 17).61

Cumpre destacar, em virtude da sua relação direta com o

tema da presente pesquisa, a previsão do inciso XXX do artigo 5º da Constituição

Federal de 1988, o qual prevê o direito fundamental à herança, nos seguintes

termos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXX – É garantido o direito de herança;”.62

Assim, por constituir um direito fundamental,

constitucionalmente assegurado, o direito à herança, consiste em um

desdobramento do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, sendo a sua

regulamentação e efetivação indispensável para a garantia de uma existência

digna à pessoa humana.

60 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição, p.

136. 61 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional

fundamental, p. 66. 62 BRASIL, Constituição Federal de 1988.

Page 36: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

24

Antes de encerrar este subcapítulo, oportuno registrar que o

princípio da Dignidade da Pessoa Humana também é mencionado direta e

indiretamente em outras passagens constitucionais. Especificamente, na área do

direito de Família, em item que interessa para o presente estudo, o § 7º do artigo

226 da Constituição Federal de 1988 estabelece que o planejamento familiar é de

livre decisão do casal e funda-se nos princípios da Dignidade da Pessoa Humana

e da paternidade responsável.63

Art. 226. A Família, base da sociedade, tem especial proteção do

Estado.

[...]

§7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da

paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão

do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais

e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer

forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.64

(grifo nosso)

Neste sentido, registra-se que a Dignidade da Pessoa

Humana é um dos princípios do Direito de Família, de maneira que o seu respeito

constitui a base da comunidade familiar e a garantia necessária para o pleno

desenvolvimento e realização de todos os seus membros.

Portanto, em síntese, destaca-se que

o que se percebe, em última análise, é que onde não houver

respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser

humano, onde as condições mínimas para uma existência digna

não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder,

enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e

dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e

63 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional

fundamental, p. 52. 64 BRASIL. Constituição Federal de 1988.

Page 37: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

25

minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade

da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não

passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.65

Desta forma, infere-se que a plena garantia e efetividade

dos direitos fundamentais constitui uma prerrogativa para a realização do princípio

da Dignidade da Pessoa Humana, especialmente no que se refere ao Direito de

Família, área na qual o respeito a este princípio representa a base de uma

comunidade familiar saudável.

1.4 A GARANTIA INSTITUCIONAL DE ESPECIAL PROTEÇÃO À FAMÍLIA

Para falar-se de garantia institucional, importante destacar

uma definição para esta expressão, delimitando-se o seu alcance e âmbito de

atuação.

Neste sentido, BONAVIDES define garantia institucional

como sendo “a proteção que a Constituição confere a algumas instituições, cuja

importância reconhece fundamental para a sociedade, bem como a certos direitos

fundamentais providos de um componente institucional que os caracteriza”.66

Segundo o autor, a garantia institucional visa a proteger a

essência da instituição reconhecida, assegurando a sua permanência, dificultando

eventual supressão e, principalmente, preservando o mínimo de substantividade

ou essencialidade, ou seja, o cerne que não deve ser atingido, nem violado, uma

vez que isto implicaria no próprio perecimento do ente protegido.67

65 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição

federal de 1988, p. 61. 66 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 492. 67 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 493.

Page 38: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

26

A Constituição Federal de 1988, reconhecendo a

importância da Família para o desenvolvimento do indivíduo e do próprio Estado,

tratou de estabelecer, de forma direta, a garantia constitucional a esta instituição,

com a seguinte previsão do caput do artigo 226:

Art. 226. A Família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.68

Ao afirmar a importância da Família, DIAS destaca que a

Família sempre foi e sempre será a célula básica da sociedade, como um ponto

de partida necessário para possibilitar o desenvolvimento das outras relações

sociais.69

A Constituição Federal de 1988, através de importantes

previsões, foi sensível à alteração dos valores que circundam esta instituição, não

mais concebendo a Família como uma estrutura única, engessada pelos sagrados

laços do matrimônio, mas ao contrário, reconheceu que o traço principal que a

identifica são os laços de afetividade.70

Verifica-se, assim, a ocorrência de uma mudança no

enfoque dado a Família, de maneira que atualmente a Família regulada e

protegida constitucionalmente não é apenas aquela constituída pelo casamento,

mas, especialmente encontra-se a sua identificação através da análise dos

vínculos afetivos que originam e consolidam a sua formação.

Neste contexto, enfatiza-se as relações de sentimentos

entre os membros do grupo familiar, valorizando-se “as funções afetivas da

Família que se torna o refúgio privilegiado das pessoas contra a agitação da vida

nas grandes cidades e das pressões econômicas e sociais”.71

68 BRASIL. Constituição Federal do Brasil de 1988. 69 DIAS, Maria Berenice. Direito de Família e o novo código civil. 3 ed, Belo Horizonte: Del Rey,

2003, p. xiii. 70 DIAS, Maria Berenice. Direito de Família e o novo código civil, p. ix. 71 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de. Curso de Direito de Família. 4 ed, Curitiba, Juruá, 2004,

p. 13.

Page 39: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

27

Esta nova perspectiva fez com que o artigo 226 da Carta

Constitucional, trouxesse previsões específicas de que a entidade familiar é plural

e não mais singular, tendo várias formas de constituição, voltando-se assim, para

a realidade que engloba as várias possibilidades de representação social da

Família.72

O artigo 226 da Constituição Federal de 1988, traz no seu

conteúdo previsão que protege expressamente a União Estável e a Família

Monoparental como entidades familiares, ao lado do casamento.

Importante repetir o texto do seu caput, já citado,

transcrevendo os parágrafos pertinentes ao tema:

Art. 226. A Família, base da sociedade, tem especial proteção do

Estado.

[...]

§3º Para efeito da proteção do Estado é reconhecida a união

estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,

devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade

formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Assim, com a previsão dos §3º e §4º do artigo 226 da Carta

Constitucional foi alargado o conceito de Família, passando a proteger além da

Família constituída pelo casamento civil, também a Família constituída pela União

Estável entre o homem e a mulher e pela comunidade formada por qualquer dos

pais e seus descendentes.73

DIAS enfatiza que esta nova ordem de valores, adotada

pela Constituição Federal de 1988, ao proteger a Família de uma forma mais

72 DIAS, Maria Berenice. Direito de Família e o novo código civil, p.xv. 73 DIAS, Maria Berenice. Direito de Família e o novo código civil, p. 04.

Page 40: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

28

ampla vem ao encontro do constitucionalismo moderno, que privilegia a Dignidade

da Pessoa Humana.74

Este novo enfoque, fundamentado na efetividade do

princípio da Dignidade da Pessoa Humana, demonstra a necessidade de alargar-

se a concepção de Família, visando proteger a pessoa humana de forma cada

vez mais ampla.

Para COSTA, a especial tutela constitucional reservada à

Família “[...] é justamente no sentido de garantir que a Família seja um espaço de

promoção, resguardo e efetivação da dignidade de cada um dos integrantes do

grupo familiar”.75

Segundo a referida autora, este enfoque à Família

[...] se coloca justamente na dimensão do reconhecimento do

primado da pessoa, em que a Família se põe como

instrumento e espaço para realização dessa dignidade, seja no

relacionamento entre os cônjuges, seja na educação e

formação da personalidade dos filhos. Seu caráter

instrumental está posto, portanto, como instrumento de tutela

da dignidade humana.76

Neste contexto, destaca-se a importância da garantia

institucional de especial proteção à Família em sentido amplo, abrangendo às

Uniões Estáveis, dispensada pela Carta Constitucional, a fim de que o objetivo de

concretização da Dignidade da Pessoa Humana através da Família possa ser

efetivamente alcançado.

74 DIAS, Maria Berenice. Direito de Família e o novo código civil, p. xv. 75 COSTA, Judith Martins. A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2002, p. 459. 76 COSTA, Judith Martins. A reconstrução do direito privado, p. 460.

Page 41: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

29

1.5 A PROTEÇÃO À UNIÃO ESTÁVEL COMO FORMA DE CONSTITUIÇÃO DE

FAMÍLIA

Conforme expendido no item anterior, a Constituição Federal

do Brasil de 1988, no §3º do seu artigo 22677, reconheceu e legitimou a União

Estável como uma das modalidades constitutivas de Família, ao lado do

casamento e da família monoparental.

Cumpre registrar que até chegar-se a esta recepção

constitucional houve uma grande evolução doutrinária e jurisprudencial, no

sentido de reconhecer efeitos jurídicos a relacionamentos não matrimoniais entre

pessoas de sexo diferente, que impulsionaram o legislador constitucional a

também adotar este entendimento.

Sabendo-se que o direito é um fenômeno social, todas

estas transformações foram impulsionadas e antecedidas por ingerência da

própria sociedade que exigiu proteção jurídica a uma situação que, apesar de não

possuir amparo legal, já existia na prática.

A análise desta influência impulsionadora exercida pelos

fenômenos sociais, bem como da evolução doutrinária e jurisprudencial ocorrida,

até chegar-se à efetiva proteção da União Estável pela Constituição Federal de

1988 como uma das modalidades de Família, é de fundamental importância para

o entendimento do tema.

1.5.1 O Direito como um fenômeno social

A recepção da União Estável pela Constituição Federal de

1988 ocorreu em virtude das profundas mudanças havidas na sociedade, bem

como em decorrência da evolução dos valores e princípios dos padrões

77 “Art. 226. §3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem

e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

Page 42: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

30

comportamentais, que fizeram com que a sociedade, através de um clamor social,

exigisse o reconhecimento de legitimidade familiar às relações concubinárias.

KRELL destaca “a necessidade da conjugação da realidade

social com a realidade jurídica, preferivelmente esta como reflexo daquela, e o

enorme esforço na evo lução do Direito de Família Brasileiro foram conseqüência

da evolução dos valores sociais que impulsionaram um redimensionamento das

relações familiares e a humanização das mesmas.”78

Esta alteração evidenciada no Direito de Família, com o

reconhecimento constitucional da União Estável como entidade familiar, decorre

das importantes modificações ocorridas na própria sociedade, que, através da

mudança de mentalidade/consciência jurídica dos indivíduos, quanto a uma

realidade fática, tornam-se propulsoras de uma modificação também no mundo

jurídico.

Segundo CZAJKOWSKI,

[...] não é difícil perceber que, no âmbito do Direito de Família,

não há um sistema legislativo perfeito e acabado. É comum, até,

que a aplicação do direito nessa área, se antecipe à confecção

legislativa, atendendo aos anseios de uma sociedade em

constante evolução de costumes, em contínuo processo de

assimilação de novos valores e esquecimento de outros 79.

E o Direito, no intuito de corresponder à consciência jurídica

social, precisa acompanhar esta evolução dos fatos e dos valores através da

evolução normativa, pois, conforme assevera KRELL,

se a sociedade tende a organizar inovações, o Direito tem de

evoluir na mesma direção e consagrar os princípios apropriados

por essa evolução. Se considerarmos a sociedade como algo

78 KRELL, Olga Jubert Gouveia. União estável: Análise Sociológica. Curitiba: Juruá, 2003, p. 74. 79 CZAJKOWSKI, Rainer. União Livre: à luz das Leis 8.871/94 e 9.278/96. 2ª ed, 3ª tir. Curitiba:

Juruá, 2003, p. 33.

Page 43: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

31

vivo, cuja dinâmica se impõe na evolução e no desenvolvimento

dos seres humanos, não podemos deixar de considerar o grande

papel desenvolvido pelo Direito enquanto instrumento a serviço

do social.80

Neste contexto, verifica-se que a regulamentação da União

Estável como entidade familiar na Constituição Federal de 1988 surgiu como

resultado direto da sua aceitação e desejabilidade do próprio grupo social

brasileiro81.

Assim, a União Estável, como um padrão de comportamento

genericamente aceito pelo grupo social, foi garantida constitucionalmente para

retomar a correspondência entre a realidade fática e a realidade jurídico-

normativa.

1.5.2 A evolução doutrinária, jurisprudencial e legislativa que

antecedeu a recepção da União Estável na Constituição Federal de

1988

Oportuno registrar, que o reconhecimento da União Estável

pela Constituição Federal de 1988, como forma de constituição de Família foi

antecedido por um lento processo de conquistas e quebra de paradigmas, pois,

mesmo quando reconhecida à existência do concubinato como um fato social

inquestionável, o sistema jurídico sempre se mostrou resistente à concessão de

efeitos jurídicos positivos à qualquer relação extramatrimonial, ou seja, que não

fosse constituída através do casamento.

80 KRELL, Olga Jubert Gouveia. União estável: Análise Sociológica, p. 75. 81 KRELL, Olga Jubert Gouveia. União estável: Análise Sociológica, p. 76.

Page 44: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

32

Esta resistência, segundo CAHALI82, era decorrente de uma

orientação inspirada no Direito Canônico, insistente em prestigiar como base da

sociedade unicamente o casamento segundo as normas vigentes, de maneira que

apenas o matrimônio criava a Família legítima e apenas esta mereceria a

proteção do Estado.

Portanto, a influência dos valores religiosos, repudiando o

concubinato como uma forma de constituição de Família foi, em grande parte,

responsável pela resistência verificada em nosso sistema jurídico para acolher

qualquer iniciativa dos Companheiros, que vivessem em União Estável, em

regulamentar por escrito a sua relação.

Desta forma, a regulamentação legislativa do concubinato

sempre representou a necessidade de uma quebra de padrões e de valores, para

a construção e o acolhimento de novos valores e princípios ansiados pela

sociedade.

A sociedade, na sua “[...] constante função criadora e

recriadora de princípios e normas, motivadora das mudanças nas relações

sociais, sensibilizando os estudiosos e operadores do Direito, não se furtava a

provocar o Judiciário e o Legislativo apresentando esta realidade, que, mesmo

não sendo nova, passou a ser cada vez mais constante [...]”83.

A provocação da sociedade, no sentido de exigir proteção do

Estado a uma situação de fato existente, originou a ocorrência de uma evolução

doutrinária, jurisprudencial e legislativa, tanto antes, como depois da vigente

Constituição Federal, no intuito de trazer respostas aos anseios sociais ao conferir

efeitos jurídicos decorrentes do concubinato.

Importante registrar que o Código Civil de 1916 não

reconhecia ou previa direitos à Família constituída fora dos padrões oficiais do

casamento civil ou religioso com efeitos civis. OLIVEIRA assevera que as poucas

82 CAHALI, José Francisco. Contrato de Convivência na União Estável. São Paulo: Saraiva, 2002,

p. 02. 83 CAHALI, José Francisco. Contrato de convivência na União Estável, p. 04.

Page 45: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

33

referências do texto legal à vida em concubinato possuíam um caráter censório-

restritivo, principalmente no que se refere a uniões adulterinas, que ficavam à

margem de qualquer proteção jurídica.84

De maneira paulatina, ocorreu um avanço nesta área,

caracterizado pelo reconhecimento de determinados direitos às pessoas que se

uniam através deste modo de convivência informal, tanto na esfera legislativa,

quanto jurisprudencial.

Na esfera legislativa, as uniões entre homem e mulher sem

casamento, tiveram seus primeiros direitos reconhecidos na legislação esparsa.

A área precursora na evolução legislativa está relacionada

ao Direito Previdenciário, conforme assinala CAHALI, “na seara legislativa, em

nosso ordenamento jurídico, o tratamento inicial foi no campo dos efeitos

previdenciários decorrentes do concubinato, sendo nítida a preocupação

assistencial, de cunho estritamente social, e não patrimonial, entre os

conviventes”. 85

CAHALI registra também a

[...] iniciativa apresentada por NELSON CARNEIRO, em 1947, buscando equiparar a companheira à esposa para os fins de pleitear alimentos, pensão, montepio e meio-soldo ou, do mesmo Parlamentar, já como Senador da República em 1966, com o objetivo, embora assim não identificado o projeto, de permitir a

conversão da união estável em casamento86.

Sem pretender esgotar o assunto, destacam-se os seguintes

tópicos extraídos de dispositivos da legislação esparsa em favor do concubinato:

reconhecimento de filhos, independente de sua origem87; adoção de filhos por

84 OLIVEIRA, Euclides. Curso de direito de família. Coordenador: Douglas Philips Freitas.

Florianópolis: Vox Legem, 2004, p. 103. 85 CAHALI, José Francisco. Contrato de convivência na União Estável, p. 05. 86 CAHALI, José Francisco. Contrato de convivência na união estável, p. 06. 87 Revogação do art. 358 do Código Civil de 1916, pela Lei n. 7.841/89, Lei n. 883/49, arts. 26 e 27

da Lei 7.250//84, 8.069/90, Lei n. 8.560/92.

Page 46: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

34

concubinos88; dependência do companheiro para levantar certos valores do autor

da herança 89 ; direito da mulher ao nome do companheiro 90 ; bem de família

extensível a qualquer espécie de entidade familiar91; sub-rogação do companheiro

na locação de imóveis urbanos92, em caso de dissolução da vida em comum com

o locatário ou de seu falecimento.93

Esta evolução, visando ao reconhecimento de direitos aos

Companheiros que vivessem como se casados fossem, embora não estivessem

unidos pelo matrimônio, ocorreu também através da jurisprudência.

O Supremo Tribunal Federal (STF) editou as Súmulas 35 e

380, que representavam a garantia de determinados direitos aos Companheiros.

A Súmula 3594 do STF concedeu à companheira o direito de

ser indenizada pela morte do Companheiro em caso de acidente do trabalho ou

de transporte, ainda que não fossem casados, desde que não houvesse entre

eles impedimento para o matrimônio.

A súmula 380 95 do STF, por sua vez, reconheceu a

existência de sociedade de fato entre os Companheiros, autorizando a partilha de

bens adquiridos pelo esforço comum, por ocasião da dissolução desta sociedade.

A doutrina da época também caminhava no sentido de

aceitação e proteção dos interesses e direitos dos Companheiros e, não obstante

a proibição legislativa quanto à realização e registro em cartório de contratos

particulares entre os Companheiros, a doutrina já passava a acolher estes pactos

88 Lei n. 8.069/90, art. 42, § 2º. 89 Art. 1.037 do CPC e Lei n. 6.858/80. 90 Lei n. 6.015/73, art. 57, §§ 2º a 6º. 91 Lei n. 8.009/90. 92 Lei n. 8.245/91, arts. 11 e 12. 93 OLIVEIRA, Euclides. Curso de direito de família, p. 104. 94 “Em caso de acidente do trabalho ou do transporte, a concubina tem direito de ser indenizada

pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio”. 95 “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução

judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.

Page 47: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

35

entre os concubinos como instrumento apto a gerar efeitos entre as partes

contratantes.

Neste sentido, Márcio Moacyr Porto, citado por CAHALI

afirma que “a união entre pessoas não proibidas de casar não constitui,

reiteramos, uma situação ilícita, ou imoral, pelo que nada impede que os

parceiros, de espontânea vontade, estabeleçam, por escrito, as regras aplicáveis

às suas relações pessoais e patrimoniais, mas dos interesses recíprocos que

resultam da vida em comum”96.

Pensava-se que estas uniões concubinárias eram

conseqüência da impossibilidade de dissolução do vínculo matrimonial, o que

impedia as pessoas que encerrassem o matrimônio de contrair nova união

através do casamento, fazendo com que estabelecessem uniões sem as

formalidades do matrimônio.

Em 1977, com a promulgação da Lei do Divórcio, admitindo

e regulamentando a possibilidade de dissolução do vínculo matrimonial,

[...] acreditava-se na redução drástica, para números inexpressivos, de relações concubinárias, uma vez que não mais existiria o óbice da indissolubilidade do casamento. Entretanto, contrariando as expectativas, o concubinato continuou a ser socialmente uma forma de agrupamento familiar, e agora por opção entre seus partícipes, que, embora livres para o matrimônio, passaram a eleger este meio de constituição de Família até para fugir à arcaica e conservadora estruturação do casamento, exigindo, definitivamente, uma postura direta do legislador quanto a esta figura, agora jurídica, pela crescente proteção e efeitos proclamados pela jurisprudência e legislação esparsa.97

96 CAHALI, José Francisco. Contrato de convivência na união estável, p. 22. 97 CAHALI, José Francisco. Contrato de Convivência na União Estável, p. 25.

Page 48: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

36

Portanto, em virtude destas mudanças de valores e de

padrões culturais, ocasionando uma transformação social, que culminou com uma

evolução doutrinária, jurisprudencial e legislativa, tornou-se de fundamental

importância a tutela da União Estável pelo ordenamento constitucional brasileiro.

1.5.3 A tutela da União Estável na Constituição Federal de 1988

Em decorrência dos reclames sociais e do direcionamento

tomado pela doutrina e pela jurisprudência pátrias no sentido de não deixar as

relações concubinárias à margem do sistema legal, a Constituição Federal de

1988 deu um grande avanço ao ampliar o conceito de Família, em consonância

com o constitucionalismo moderno, abrangendo também sob a proteção do

Estado, as relações concubinárias.

AZEVEDO destaca a necessidade e a importância de o

legislador efetivamente considerar o concubinato, não adulterino e não

incestuoso, como um fato social que existe e é merecedor de proteção do Estado

“[...] para que não pereça grande parte da família, que vive com os mesmos

anseios da legítima, com o mesmo senso de moralidade, mas tolhida pela

ausência de tratamento jurídico, até que se editasse a Constituição Federal de

1988”.98

Esta proteção ocorreu através do §3º do artigo 226 da

Constituição Federal de 1988, que institucionalizou o Concubinato, atribuindo-lhe

uma nova nomenclatura, qual seja, União Estável.

O artigo 226 e seu parágrafo 3º, já citados, apresentam a

seguinte redação na Carta Constitucional:

98 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. São Paulo: Atlas, 2002, p. 230.

Page 49: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

37

Art. 226. A Família, base da sociedade, tem especial proteção do

Estado.

(...)

§ 3º. Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.99

Oportuno ressaltar que a expressão Concubinato era

utilizada em um sentido amplo, “abrangendo tanto as situações de vida em

comum de pessoas desimpedidas, isto é, solteiras, separadas, divorciadas ou

viúvas, como as uniões paralelas ao casamento, ou adulterinas (triângulo

amoroso)”.100

Inclusive, alguns autores adotam denominações específicas

de concubinato puro e concubinato impuro para distinguir as duas situações de

vida em comum, sendo que o concubinato puro corresponde à convivência

duradoura de homem e mulher sem impedimentos decorrentes de outra união,

vivendo como uma Família de fato. Já o concubinato impuro corresponde à

relação adulterina, que envolva pessoa casada em ligação amorosa com terceiro

ou com outros impedimentos matrimoniais absolutos.

EUCLIDES DE OLIVEIRA destaca que o concubinato puro é

que se igualou à União Estável, a qual veio a ser reconhecida pela Constituição

Federal de 1988 como entidade familiar. Segundo o referido autor, deve-se tratar

de maneira diferente, situações jurídicas distintas, portanto, “melhor se reserve

[...] a denominação oficial de “união estável” para a união entre homem e mulher

segundo o figurino legal, e se deixe o termo “concubinato” para as demais

espécies de união fora desse modelo”.101

99 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 100 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil. 6 ed. São Paulo: Método, 2003, p 73. 101 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p 74.

Page 50: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

38

Desta forma, depreende-se que a situação jurídica

abrangida e tutelada pela Constituição Federal de 1988 consiste apenas no

concubinato puro, sendo denominado, a partir de sua proteção constitucional, de

União Estável, reservando-se o termo concubinato para tratar as relações não

protegidas constitucionalmente, por apresentarem algum impedimento legal.

Neste sentido, o Código Civil previu especificamente que as

relações dotadas de impedimento são denominadas de concubinato:

Art. 1727. As relações não eventuais entre homem e mulher,

impedidos de casar, constituem concubinato.102

Verifica-se que a existência de União Estável com a

conseqüente proteção do Estado está subordinada a inexistência de

impedimentos na relação, uma vez que caso exista algum impedimento trata-se

de Concubinato, instituto não alcançado pela proteção constitucional.

Oportuno destacar, que a previsão da Constituição Federal

de 1988, referente à proteção da União estável como uma forma de entidade

familiar, ensejou uma grande mudança no que se refere aos direitos dos

Companheiros, “[...] autorizando, definitivamente, que as questões relativas a

essa outra forma de família fossem tratadas no campo do Direito de Família e não

mais no campo do Direito Obrigacional”.103

Neste contexto, referida previsão constitucional, além de

garantir proteção jurídica à União Estável, garantiu, ainda, a própria moralização

do instituto, que, conforme anteriormente expendido, recebeu a qualificação de

entidade familiar, ao lado do matrimônio legítimo.

102 Código Civil Brasileiro de 2002. 103 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey,

2001, p. 221.

Page 51: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

39

CAHALI registra que “[...] a institucionalização da união

estável trouxe consigo a preservação moral da relação, impondo fosse afastada

qualquer espécie de discriminação, até mesmo pela sociedade, a este núcleo

familiar”.104

Destaca-se que “atualmente as uniões estáveis passaram a

ser consideradas uma forma socialmente aceita de constituição da Família, dela

derivando direitos e obrigações, com ampla proteção patrimonial tanto para os

conviventes como para os filhos”.105

Assim, verifica-se a importância da proteçã da União

Estável pela Constituição Federal de 1988, concebendo status jurídico a uma

situação de fato já existente, bem como garantindo a moralização do instituto e o

conseqüente respeito àqueles que optarem por esta forma de constituição de

Família.

Após a apresentação da proteção específica garantida à

União Estável, pretende-se enfatizar, na presente pesquisa, os Direitos

Sucessórios dos Companheiros, análise que será objeto do próximo capítulo.

104 CAHALI, José Francisco. Contrato de Convivência na União Estável, p. 27. 105 DAL COL, Helder Martinez. A família à luz do concubinato e da união estável. Rio de Janeiro:

forense, 2002, p. 94.

Page 52: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

40

CAPÍTULO 2

DIREITOS SUCESSÓRIOS DECORRENTES DA UNIÃO ESTÁVEL

2.1 A REGULAMENTAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL PELA LEGISLAÇÃO

INFRACONSTITUCIONAL APÓS A SUA PROTEÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL DE 1988

Após a proteção, de forma explícita, aos Companheiros

conferida pelo §3º do art. 226 da Constituição Federal de 1988, surgiu entre os

doutrinadores uma discussão acerca da repercussão da norma constitucional

quanto aos direitos decorrentes da União Estável.

CAHALI sustenta que,

não obstante o respeito a doutrinadores de escolas que

sustentam a equiparação da união estável ao casamento, ou ao

menos uma igualdade de tratamento entre os dois institutos, pelo

só texto constitucional, acabamos por concluir [...] que a nova

Carta identificou as duas formas de constituição de Família

apenas e exclusivamente para efeito de proteção do Estado,

deixando para a legislação infraconstitucional, sede própria para

tanto, a fixação dos efeitos da união entre os seus partícipes, e a

sua conversão em casamento.106

A União Estável foi recepcionada pela Constituição Federal

de 1988 a fim de garantir a sua proteção pelo Estado como uma das formas de

constituição de Família, contudo a regulamentação das conseqüências jurídicas e

dos direitos inerentes a esta modalidade de entidade familiar consiste em uma

atribuição da legislação infraconstitucional.

106 CAHALI, José Francisco. Contrato de Convivência na União Estável, p. 26

Page 53: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

41

Justamente visando a atender esta necessidade, buscou-

se a sua regulamentação a fim de determinar de maneira específica os direitos

e as conseqüências jurídicas desta forma de constituição de Família.

Assim, com o intuito de cumprir o mandamento

constitucional de proteção à União Estável como entidade familiar, previsto no

§3º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, foram editadas duas Leis

especiais sobre a matéria visando regulamentá-la: a Lei de nº 8.971/94 e a Lei

de nº 9.278/96.

A Lei nº 8.971, de 29.12.1994, dispôs acerca dos direitos

dos Companheiros a alimentos, sucessão e meação em caso de morte, sendo

que permaneceu vigente desde a sua publicação em 30.12.1994 até ser

parcialmente revogada pela Lei nº 9.278/96.

A Lei nº 9.278/96, de 10.05.1996, em vigor desde

13.05.1996, traz uma nova definição para União Estável, estabelece os direitos

e deveres dos Companheiros, trata dos alimentos em caso de dissolução da

União estável, garante o direito à meação dos bens adquiridos na constância

da união e a título oneroso, acrescenta o direito de habitação no que se refere

aos Direitos Sucessórios, estabelece a possibilidade de conversão da União

estável em Casamento, bem como remete à competência da Vara da Família

toda a matéria relativa a este tema.

Por ser objeto principal do presente trabalho restringe-se

a análise a seguir de forma específica à regulamentação referente aos Direitos

Sucessórios atribuídos e garantidos aos Companheiros através das referidas

leis especiais, enfatizando-se, inicialmente, quais eram os Direitos

Sucessórios gozados pelos Companheiros antes da regulamentação da União

Estável.

Page 54: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

42

2.2 OS DIREITOS SUCESSÓRIOS DOS COMPANHEIROS ANTES DA

REGULAMENTAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL PELAS LEIS

INFRACONSTITUCIONAIS

O Direito Sucessório trata das regras de transmissão de

bens em razão da morte de um titular.107

Segundo Clóvis Beviláqua, citado por LIPPIMAN, o “direito

das sucessões ou hereditário é o complexo dos princípios segundo os quais se

realiza a transmissão do patrimônio de alguém que deixa de existir. Essa

transmissão constitui a sucessão, o patrimônio transmitido, a herança”.108

A terminologia Direito Sucessório na presente pesquisa,

assim como para a maioria dos juristas, tem o alcance certo acima referido, não

se confundindo com as sucessões feitas em vida, pelos titulares dos direitos,

reservando-se o disciplinamento destas para o direito das obrigações.109

Antes da promulgação das Leis nº 8.971/94 e 9.276/96 não

havia uma garantia, através de previsão legal, de Direitos Sucessórios entre

Companheiros, inclusive, nem mesmo o Código Civil de 1916, previa a existência

de qualquer direito à herança entre Companheiros.

Neste sentido, OLIVEIRA assinala que

antes da regulamentação legal da união estável não havia direito à herança entre companheiros. Na ordem de vocação hereditária, prevista no art. 1603 do Código Civil de 1916, aparece apenas o cônjuge sobrevivente, para haver a herança depois dos descendentes e dos ascendentes. Na falta do cônjuge, sucediam

107 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 3 ed, São Paulo: Atlas, 2003, p.

16. 108 LIPPMAN, Ernesto. Os direitos fundamentaisda constituição de 1988: com anotações e

jurisprudência dos tribunais. São Paulo: LTr, 1999, p. 105. 109 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões, p. 16.

Page 55: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

43

os colaterais, sem lugar, portanto, para chamamento de companheiro supérsite.110

Apesar da falta de proteção legal, era reconhecido pela

jurisprudência pátria, através da Súmula 380 do STF, o direito de partilha de bens

adquiridos por esforço comum dos Companheiros em sociedade de fato

configurada à luz do direito obrigacional.

Segundo OLIVEIRA, o direito reconhecido através desta

Súmula 380 do STF “não se tratava de reconhecimento de direito à herança, mas

de participação equiparáve l à meação patrimonial [...]”.111

Assim, no que se refere ao Direito Sucessório, vislumbrava-

se a possibilidade de favorecimento do Companheiro apenas através de

disposição testamentária. Contudo, esta modalidade ainda encontrava a vedação

do artigo 1.719, inciso III do Código Civil de 1916112, que proibia a outorga de

homem casado à sua Companheiro, pois, neste caso, tratava-se de concubina.

Existia, ainda, uma previsão na Lei nº 6.858/80 quanto à

possibilidade de o Companheiro efetuar o levantamento de certos valores da

herança, como saldo de salários, FGTS, PIS/PASEP, restituição de tributos e

depósitos de pequeno valor, desde que constasse como dependente do

falecido.113

Verifica-se, desta forma, a existência de uma situação de

instabilidade e insegurança geradas pela ausência de amparo legal, que somente

se modificou com a promulgação das leis que regulamentaram a União Estável, e,

admitiu expressamente a sucessão causa mortis entre Companheiros.

110 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p 201. 111 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p 201. 112 BRASIL. Código Civil. “Art. 1719. Não podem também ser nomeados herdeiros, nem legatários:

[...]

III- a concubina do testador casado”. 113 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p 202.

Page 56: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

44

2.3 O CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL NA LEI 8.971/94 E SUA PREVISÃO

REFERENTE AO DIREITO SUCESSÓRIO

Ao regulamentar a União Estável, a Lei nº 8.971/94,

inicialmente, estabeleceu o seu conceito para, na seqüência, prever os Direitos

Sucessórios dos Companheiros.

O conceito de União Estável com a previsão de alguns

requisitos para a sua configuração resta estabelecido no artigo 1º da referida Lei

nos seguintes termos:

Art 1º. A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei 5.478, de 25 de julho de 1.968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.

Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada

judicialmente, divorciada ou viúva.114

Os elementos conceituais caracterizadores da União

Estável, estabelecidos por esta regra jurídica são: a convivência entre homem e

mulher, não impedidos de casarem-se ou separados judicialmente; que esta

convivência tenha duração superior a cinco anos, ou tenha resultado no

nascimento de filho; bem como os direitos dela decorrentes perduram enquanto

os Companheiros não constituírem nova união115.

Quanto à previsão específica dos Direitos Hereditários

garantidos aos Companheiros que preencherem as condições do artigo 1º

supra mencionado, a Lei nº 8.971/94 estabelece que o Companheiro

sobrevivente participará da sucessão do falecido nos seguintes termos: 114 Artigo 1º da Lei nº 8.971/94. 115 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, p. 434.

Page 57: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

45

Art. 2º - As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:

I – o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos destes ou comuns;

II – o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto de metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;

III – na falta de descendentes e de ascendentes, o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.116

Infere-se que os incisos I e II, do art. 2º da Lei nº 8.971/94

supra citado, atribuíram o direito ao usufruto legal, e o inciso III, do mesmo

artigo, estabelece o direito à propriedade da herança.

Para um melhor entendimento é necessária a análise em

separado dos Direitos Sucessórios que foram conferidos pela referida lei aos

Companheiros.

2.3.1 Do Usufruto Legal

O usufruto consiste no direito de fruir as utilidades e frutos

dos bens, destacando-se da nua propriedade reservada aos herdeiros117.

NERY JUNIOR afirma que

116 Lei 8.971/94 117 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p 207.

Page 58: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

46

o usufruto é um dos chamados direitos reais sobre coisa alheia

(ius in re aliena). O direito real de usufruto significa destaque da

propriedade. O exercício do usar e do fruir, enquanto propriedade

plena, é direito reflexo do domínio (direito de disposição) e,

conseqüentemente, seu titular é o proprietário. Com o usufruto, o

exercício passa a ser exclusivamente do usufrutuário, destituído o

proprietário deste direito.118

O instituto do usufruto legal tem um caráter protetivo, e,

LOPES DE OLIVEIRA relembra que “[...] deve visar a garantir o convivente

sobrevivente que, por ter se unido em regime de separação de bens ou de

comunhão parcial de bens, não seja contemplado com bens do de cujus, pois,

como visto, este pode afastar o convivente sobrevivente de sua sucessão causa

mortis, através de testamento”.119

O direito ao usufruto legal foi concedido ao Companheiro

sobrevivente, entretanto, importante destacar a ressalva estabelecida na lei de

que o direito ao usufruto sobre os bens deixados pelo falecido Companheiro é

assegurado ao sobrevivente apenas enquanto este não constituir nova união, ou

seja, enquanto permanecer o estado de viuvez. 120

A análise conjunta dos incisos I e II, do artigo 2º da lei em

análise, leva à conclusão de que o usufruto será parcial sobre ¼ dos bens, se

houver herdeiro descendente, e, sobre ½ dos bens, no caso de haver herdeiro

ascendente.

Conforme se verifica, no inciso I do aludido art. 2º da Lei

8.971/94, o texto legal utiliza a palavra filhos e não descendentes, mas

EUCLIDES OLIVEIRA adverte que “a lei menciona ‘filhos’ impropriamente, pois é

118 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo código civil e legislação

extravagante anotados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 486. 119 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes. Alimentos e sucessão no casamento e na união estável. 7 ed,

Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002, p. 246. 120 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, p. 335.

Page 59: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

47

possível a subsistência de outros herdeiros, na linha descendente (netos), em

face da pré-moriência de filho do autor da herança”121.

Os incisos I e II do art. 2º, ainda esclarecem que os filhos,

entenda-se descendentes, podem ser do de cujus, ou seja, havidos de outra

união, ou comuns, o que implica ser resultante da união com o Companheiro

supérstite 122.

Nas hipóteses previstas nestes incisos, por não ter direito à

herança, o Companheiro é assistido com o direito de usufruto sobre parte dos

bens, através de fração ideal ou sobre bens determinados, conforme reste

estabelecido na partilha.123

A concessão deste direito de usufruto legal ao Companheiro

sobrevivente equipara-se ao direito de usufruto concedido ao cônjuge

sobrevivente previsto no artigo 1.611, § 1º do Código Civil de 1916124.

Neste sentido CZAJKOWSKI afirma que

nos incisos I e II do art. 2º supra transcrito, estendeu-se o

chamado usufruto vidual, estabelecido para o cônjuge viúvo no

art. 1.611, §1º, do Código Civil, também para o companheiro

sobrevivente de uma união estável. Aqui, há uma equiparação

bastante significativa da condição jurídica do companheiro e do

cônjuge viúvo, desde que este último não tenha sido casado com

o falecido em regime de comunhão universal de bens.125

121 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p 207. 122 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, p. 335. 123 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p 207. 124 BRASIL. Código Civil de 1916. “Art 1.611. [...]

§1º- O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos, deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do de cujus”.

125 CZAJKOWSKI, Rainer. União Livre: à luz das Leis 8.871/94 e 9.278/96, p. 172.

Page 60: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

48

Assim, restou garantido o direito de usufruto ao

Companheiro sobrevivente, nos moldes previstos para o cônjuge viúvo,

ampliando-se os Direitos Sucessórios decorrentes da União Estável.

2.3.2 Do Direito de Propriedade à Herança

O inciso III 126 do artigo 2º da Lei 8.971/94 ora analisada,

concede ao Companheiro sobrevivente direito sobre a totalidade da herança do

Companheiro falecido, quando este não deixar descendentes e ascendentes.

EUCLIDES DE OLIVEIRA assinala que a situação prevista

neste dispositivo implica na alteração da ordem de vocação hereditária definida

no artigo 1.603 do Código Civil de 1916127.

O artigo 1.603 do Código Civil de 1916, vigente à época da

promulgação da Lei em comento, 8.971/94, e seus incisos, apresentavam a

seguinte redação:

A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes;

II – aos ascendentes;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais;

V – aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União.128

126 “III – na falta de descendentes e de ascendentes, o (a) companheiro (a) terá direito à totalidade

da herança”. 127 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p 204.

Page 61: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

49

Assim, com a previsão do inciso III do artigo 2º da Lei nº

8.971/94, segundo EUCLIDES DE OLIVEIRA, “no inciso III, onde consta o

deferimento da herança ”ao cônjuge sobrevivente”, leia-se, também, “ou ao

companheiro sobrevivente”. Significa dizer que os colaterais somente recebem a

herança se o extinto não foi casado nem deixou companheira em situação de

união estável”.129

Oportuno registrar a advertência de que referida disposição

legal não pretende tornar o Companheiro um herdeiro necessário, privando o

autor da herança de testar seus bens da maneira que lhe aprouver. Na realidade,

segundo LOPES DE OLIVEIRA, o legislador simplesmente desejou incluir o

Companheiro na ordem de vocação hereditária, inserindo-o entre os herdeiros

facultativos, juntamente com o cônjuge e os colaterais130.

Quanto a alteração da ordem de vocação hereditária

prevista no Código Civil de 1.916, João Roberto Parizatto, citado por LOPES DE

OLIVEIRA, afirma que

no caso em apreço, igualou-se para fins sucessórios a (o) concubina (o) ao cônjuge, prevendo-se que, na hipótese de inexistirem descendentes ou ascendentes do de cujus, a(o) concubina(o) receberá a totalidade da herança, o que ocorre, na mesma hipótese, ao cônjuge sobrevivente que aparece em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária prevista no artigo 1.603 do Código Civil.131

Quanto ao alcance e relevância do inciso III do artigo 2º ora

analisado, VENOSA enfatiza que referido dispositivo veio proporcionar uma

equiparação entre o Companheiro sobrevivente e o cônjuge supérstite na ordem

128 BRASIL. Código Civil de 1916, art. 1603. 129 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civi, p 204. 130 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes. Alimentos e sucessão no casamento e na união estável, p. 236 e

237. 131 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes. Alimentos e sucessão no casamento e na união estável, p. 238.

Page 62: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

50

de vocação hereditária expressa no artigo 1.603 do Código Civil de 1916. Esta

previsão implica que, na inexistência de ascendentes ou descendentes, o

Companheiro será herdeiro da totalidade dos bens do de cujus.132

Nesta hipótese, deduz-se que, conseqüentemente, ocorrerá

a exclusão dos colaterais e do Estado em obter a herança.

Neste contexto, assim como o é para o Direito Sucessório

do cônjuge, também é irrelevante para o Companheiro o regime de bens adotado,

sendo da mesma forma irrelevante o fato de ter, ou não, havido conjugação de

esforços para a obtenção do patrimônio comum pelos Companheiros. O

importante nesta situação, para o Direito Sucessório é que realmente tenha

havido uma União Estável, cujo exame dos requisitos deve ser feito no caso

concreto 133.

Importante destacar que os requisitos necessários para o

direito à sucessão, de início, eram os mesmos previstos no artigo 1º da Lei nº

8.971/94, que eram exigidos para caracterização da qualidade de Companheiros,

quais sejam: união comprovada de homem e mulher solteiros, separados

judicialmente, divorciados ou viúvos, por mais de cinco anos, salvo se com prole.

Contudo, com a edição da Lei nº 9.278/96, houve uma

alteração na conceituação de União Estável, com a dispensa de certos

requisitos pessoais, como o estado civil das partes e do prazo de cinco anos

de vida em comum. Assim, seria inviável a permanência da existência de dois

conceitos para União Estável, pois esta dualidade conceitual contraria a regra

de proteção legal devida ao ente familiar134.

Desta forma, a partir da edição da Lei nº 9.278/96, para a

caracterização do direito à herança (direito de propriedade) previsto na Lei nº

132 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões, p. 114. 133 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões, p. 115. 134 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p 205.

Page 63: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

51

8.971/94, basta a configuração da União Estável nos termos previstos por esta

lei, a qual exige a convivência duradoura, pública e contínua com o propósito

de constituir Família, além do atendimento de outras condições específicas

necessárias aos pleitos sucessórios135.

VARJÃO assevera que para reconhecimento do Direito

Sucessório exige-se que a união tenha perdurado até a data da abertura da

sucessão, ou seja, até a morte do ex-Companheiro, sendo que, se ao tempo

da morte já estava dissolvida a União Estável, desaparece o direito à sucessão

do Companheiro sobrevivente.136

Assim, não há que se falar em Direito Hereditário, se a

dissolução da vida em comum ocorreu antes da morte de um dos

Companheiros, assemelhando-se à situação prevista para os cônjuges, no

caso de separação judicial.

Da mesma forma, não se admite a pretensão de herança

de ex- Companheiro que tenha constituído nova união, uma vez que a

extinção da vida em comum dos Companheiros também faz cessar o Direito

Sucessório por ocasião do óbito de um deles.

AZEVEDO ressalta o fato importante de que o direito à

herança previsto neste inciso III, do art. 2º, da Lei nº 8.971/94, independe se

os bens adquiridos pelo falecido Companheiro ocorreram a título gratuito ou

oneroso, mas simplesmente o fato de tais bens terem sido reconhecidamente

adquiridos durante a união estável137.

135 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p 205. 136 VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. União estável: requisitos e efeitos. São Paulo: Juarez de

Oliveira, 1999, p. 139. 137 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, p. 339.

Page 64: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

52

Art. 3º - Quando os bens deixados pelo (a) autor (a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do companheiro (a), terá o sobrevivente direito à metade dos bens138.

Este artigo, por sua vez, estabelece que em caso de

sucessão por morte, o Companheiro sobrevivente terá direito à metade dos

bens adquiridos pelos Companheiros quando este patrimônio resultar de

atividade em que haja colaboração daquele. AZEVEDO destaca tratar-se,

neste caso, de meação e não de herança139.

Portanto, verifica-se que a Lei nº 8.971/94, que

regulamentou a União Estável, garantiu os direitos sucessórios aos

Companheiros de uma maneira benéfica e ampla, visando atribuir segurança e

estabilidade aos que optarem por esta forma de constituição de Família.

2.4 O CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL NA LEI 9.278/96 E SUA PREVISÃO

REFERENTE AO DIREITO SUCESSÓRIO

O artigo 1º da Lei nº 9.278/96 estabelece o conceito e os

elementos necessários para a caracterização da União Estável, elevando-a à

categoria de entidade familiar, da seguinte forma:

Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de Família140.

138 Lei 8.971/94 139 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, p. 342. 140 Artigo 1º da Lei 9.278/96.

Page 65: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

53

Inicialmente, já se verifica a necessidade de a convivência

ser entre pessoas do sexo diferente, pois a previsão do artigo 1º, ora analisado,

não reconhece a união entre pessoas do mesmo sexo como apta a receber a

proteção do Estado, uma vez ter deixado clara a necessidade da união ser entre

homem e mulher141.

Da leitura do artigo supra citado se depreendem algumas

alterações quanto ao conceito de União Estável em comparação com o

estabelecido pela Lei nº 8.971/94.

Resta evidenciado que este artigo não estabelece prazo

certo para a existência da União Estável, devendo-se, em cada caso, observar-se

a efetiva configuração desta união através da posse recíproca dos Companheiros

com intenção de formação do lar, desde que a convivência seja duradoura, e

capaz de demonstrar a existência de Família.142

Esta característica se diferencia da previsão constante na lei

anterior, a qual exigia o preenchimento do decurso do prazo de 5 (cinco) anos ou

a existência de filhos para que se configurasse a União Estável.

PEREIRA destaca a importância do conteúdo do artigo 5º143

da lei em comento, ao prever a existência de uma presunção do esforço comum

entre os Companheiros, no que se refere aos bens adquiridos onerosamente na

constância da relação.144

Portanto, se até o advento da referida lei, o esforço comum

deveria ser provado, a partir da sua previsão, prevalece a presunção do esforço

141 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, p. 435. 142 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, p. 339. 143 Lei 9.278/96. Art. 5º. Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os

conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

144 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p 221.

Page 66: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

54

comum 145 . Esta regulamentação apresenta um caráter muito importante,

especialmente por repercutir nos Direitos Sucessórios já garantidos aos

Companheiros.

A Lei nº 9.278/96 trouxe apenas uma previsão referente ao

Direito Sucessório, atribuindo ao Companheiro o direito real de habitação, contido

no parágrafo único do artigo 7º que traz a seguinte redação:

Art. 7º Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos.

Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da Família.146

AZEVEDO explica que “o direito real de habitação consiste

na utilização gratuita de imóvel alheio. O titular desse direito deverá residir, com

sua Família, nesse imóvel, não podendo alugá-lo, emprestá-lo”147.

Oportuno destacar que o direito à habitação distingue-se de

usufruto, pois tem um caráter mais restrito. Conforme EUCLIDES DE OLIVEIRA a

habitação

consiste em uso para moradia, não abrangente da percepção dos frutos, pois somente confere direito de habitar, gratuitamente, imóvel residencial alheio. Quem habita não pode alugar, nem emprestar a coisa, mas somente ocupá-la com sua Família.148

145 Oportuno registrar que esta presunção não é absoluta, podendo ser contestada. Entretanto, a

Lei nº 9.278/96 contribui por inverter o ônus da prova, uma vez que o esforço comum a princípio existe, dependendo de prova da parte interessada em sentido contrário para ser derrubado.

146 Artigo 7º da Lei 9.278/96 147 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, p. 339. 148 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p 209.

Page 67: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

55

A previsão do direito real de habitação na legislação

especial constitui mais uma conquista dos Companheiros em termos sucessórios,

pois, não haveria sentido a Lei nº 8.971/94 ter conferido o direito de propriedade e

o direito de usufruto ao Companheiro e ter silenciado acerca do direito real de

habitação.149

Trata-se de um instituto paralelo ao estabelecido para o

cônjuge viúvo no artigo 1.611, §2º do Código Civil de 1916150, e mantido no artigo

1831 do Código Civil de 2002151.

LOPES DE OLIVEIRA destaca que a partir da vigência Lei

nº 9.278/96, o Direito Sucessório do Companheiro sobrevivente se tornou igual ao

Direito Sucessório do cônjuge sobrevivente.152

Do dispositivo citado, que confere o direito real de habitação

ao Companheiro sobrevivente, se verifica a exigência do cumprimento de dois

requisitos importantes: a destinação do imóvel objeto do direito real de habitação

e a ausência de nova união ou casamento.

Quanto ao primeiro requisito,

exige a lei que o imóvel objeto do direito real de habitação seja

destinado à residência da Família. Apesar de o parágrafo único

do art. 7º da Lei 9.278/96 não conter exigência semelhante à

contida no §2º do art. 1611 do Código Civil, no sentido de que o

imóvel objeto do direito real de habitação “seja o único bem

149 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes. Alimentos e sucessão no casamento e na união estável, p. 251. 150 “Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime de comunhão universal, enquanto viver e

permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da Família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar”.

151 “Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da Família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.

152 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes. Alimentos e sucessão no casamento e na união estável, p. 251.

Page 68: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

56

daquela natureza a inventariar”, também aqui entendemos deva

ser feita a mesma exigência, a fim de conferir ao convivente o

direito real de habitação.153

O parágrafo único do artigo 7º da Lei nº 9.278/96 determina,

ainda, que o Companheiro terá este direito real de habitação enquanto viver ou

não constituir nova união ou casamento.

Desta forma, o segundo requisito exigido para a concessão

do direito real de habitação é a permanência do estado de viuvez, sem casar ou

constituir nova união.

LOPES DE OLIVEIRA considera,

mais claro e preciso, esse dispositivo, do que o § 2º do art. 1.611 do Código Civil, pois prevê, como hipóteses de extinção do direito real de habitação, tanto o novo casamento, como a constituição de nova união estável, por parte do convivente sobrevivente. Como já tivemos oportunidade de afirmar, entendemos que, também em relação ao cônjuge sobrevivente, é causa de extinção do direito real de habitação a constituição de união estável.154

O direito real de habitação ao Companheiro foi, inclusive,

objeto de manifestação do Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos: “A

companheira tem, por direito próprio e não decorrente do testamento, o direito de

habitação sobre o imóvel destinado a moradia da família, nos termos da Lei

9.278/96, 7º par. ún.”.155

153 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes. Alimentos e sucessão no casamento e na união estável, p. 253. 154 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes. Alimentos e sucessão no casamento e na união estável, p. 255. 155 STJ, 4ª T, Resp 175862-ES, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, v. u., j. 16.8.2001, DJU 24.9.2001,

p. 308)

Page 69: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

57

Com a edição da Lei nº 9.278/96, que concedeu o direito

real de habitação aos Companheiros, surgiu a discussão na doutrina se houve ou

não a revogação da Lei nº 8.971/94 que regulava a União Estável anteriormente.

Acerca da matéria, AZEVEDO defende que não houve

revogação total da lei anterior, mas apenas a sua revogação tácita parcial, naquilo

que for conflitante com a lei posterior.156

Portanto, permaneceu vigente a Lei nº 8.971/94, no que se

refere ao conteúdo não regulado pela Lei 9.278/96, ocorrendo apenas a

derrogação parcial da lei anterior quanto à matéria que foi objeto de nova

regulamentação pela lei editada posteriormente.

Especificamente quanto ao Direito Sucessório dos

Companheiros, regulado pelas referidas leis, destaca-se a permanência em vigor

das disposições do art. 2º da Lei nº 8.971/94, relativas ao direito de propriedade à

herança do Companheiro sobrevivente, e ao direito de usufruto, haja vista não

terem sido revogadas pela Lei nº 9.278/96, que se limitou a reconhecer mais o

direito real de habitação aos Companheiros.157

Desta forma, não havendo menção de forma expressa à

revogação da lei anterior, a concessão pela Lei nº 9.278/96 do direito real de

habitação, não exclui os demais Direitos Sucessórios já garantidos aos

Companheiros pela lei anterior.

Portanto, os direitos previstos na Lei nº 8.971/94 acrescidos

dos direitos previstos nesta Lei nº 9.278/96, ampliaram as garantias dos

Companheiros, tornando os seus Direitos Sucessórios amplamente protegidos.

156 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, p. 368. 157 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento, p. 98.

Page 70: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

58

2.5 RECEPÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL PELO ATUAL CÓDIGO CIVIL

BRASILEIRO E A SUA PREVISÃO DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS

No atual Código Civil, a União Estável encontra-se prevista

no Livro IV, Título III, em um capítulo dedicado unicamente à União Estável, que

compreende os arts. 1.723 a 1.726, e prevê sua conceituação, impedimentos,

direitos e deveres dos Companheiros, regime de bens e conversão em

casamento, mais o art. 1.727, que apresenta a definição de concubinato.

Existem, ainda, disposições esparsas em outros capítulos

do Código Civil que regulamentam efeitos patrimoniais da União Estável, como

nos casos de obrigação alimentar, prevista no art. 1.694 e, especificamente,

previsão relativa ao Direito Sucessório do Companheiro no art. 1.790.

OLIVEIRA assinala a “impropriedade em destacar como

título a união estável, quando deveria ser um dos subtítulos do “Direito Pessoal”,

pois constitui forma acrescida de entidade familiar, em parelha ao casamento”.158

Portanto, logo de início, já se verifica uma impropriedade

legislativa, em virtude da forma com que foi abordada e regulamentada a União

Estável na legislação substantiva civil.

Segundo o referido autor, esse tratamento diferenciado

talvez possa ser explicado, embora não justificado, pelo fato de a União Estável

não estar prevista no projeto original do Código Civil, vindo a ser acolhida apenas

posteriormente, motivo pelo qual foi colocada na parte final do texto anteriormente

elaborado.159

O conceito de União Estável trazido pelo Código Civil

Brasileiro de 2002 permanece o mesmo já estabelecido pela Lei nº 9.278/96 no

158 OLIVEIRA, Euclides. Curso de direito de família. Coordenador Douglas Philips Freitas, p. 105. 159 OLIVEIRA, Euclides. Curso de direito de família. Coordenador Douglas Philips Freitas, p. 105.

Page 71: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

59

seu art. 1º já citado, apresentando apenas uma pequena mudança na redação, o

que não lhe altera a essência do conteúdo.

O artigo 1.723 prevê o conceito do instituto em apreço, nos

seguintes termos:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de Família.160

Conforme se verifica, o conceito de União Estável no atual

Código Civil, não fixa um período de tempo específico para a caracterização da

União Estável, mas exige as características de a convivência ser pública, contínua

e duradoura.

Inicialmente, destaca-se novamente, que a União Estável

não abrange a união homossexual, pois este dispositivo prevê e protege apenas a

união entre homem e mulher.

PEREIRA assevera que o verdadeiro delineamento para

chegar-se ao atual conceito de União Estável deve levar em consideração os

elementos caracterizadores de um núcleo familiar. Estes elementos consistem na

durabilidade, estabilidade, convivência sob o mesmo teto, prole, relação de

dependência econômica.161

Contudo, ressalta o mesmo autor, que a simples falta de um

dos elementos acima referidos, não implica na descaracterização da União

Estável, pois, segundo ele, “é o conjunto de determinados elementos que ajuda a

objetivar e a formatar o conceito de família. O essencial é que se tenha formado

com aquela relação afetiva e amorosa uma família, repita-se”.162

160 BRASIL. Código Civil de 2002, art. 1723. 161 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo código civil, p. 208. 162 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo código civil, p. 209.

Page 72: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

60

Portanto, este entendimento vem ao encontro da moderna

concepção de Família, segundo a qual, para a sua caracterização, prevalece a

importância dos laços de afeti vidade que uniram os membros que a compõe.

Destaca-se, a seguir, uma abordagem acerca dos requisitos

estabelecidos pelo Código Civil ao estabelecer o conceito de União Estável.

Quanto ao requisito da publicidade, AZEVEDO esclarece

que “[...] como um fato social, a união estável é tão exposta ao público como o

casamento, em que os companheiros são conhecidos, no local em que vivem, nos

meios sociais, principalmente de sua comunidade, pelos fornecedores de

produtos e serviços, apresentando-se, enfim, como se casados fossem”.163

Portanto, o fato de a convivência ser pública, pressupõe o

seu conhecimento no meio social em que vivem os Companheiros, o que impede

a configuração de união estável com caráter familiar aos encontros realizados às

escondidas, em segredo, de maneira clandestina, por ser incompatível com a

idéia de verdadeira Família no meio social.

Da mesma forma que no casamento, a continuidade da

União Estável também é necessária, sem a existência de interrupções que lhe

retirem a característica de permanência, especialmente, porque o vai e vem de

encontros e desencontros, demonstra uma instabilidade na união.164

Esta característica pressupõe que os Companheiros não

apenas se visitem, mas efetivamente vivam juntos, participando um da vida do

outro, sem a existência período certo para a duração da convivência ou de tempo

marcado para se separarem.

163 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, p. 437. 164 OLIVEIRA, Euclides. Curso de direito de família. Coordenador Douglas Philips Freitas, p. 107.

Page 73: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

61

No que se refere ao prazo para atestar-se à eficácia da

União Estável, no atual Código Civil, novamente optou o legislador por não fixá-lo,

afirmando que esta união existe quando for duradoura.165

O requisito de ser uma união duradoura tem o mesmo

sentido de estável, o que significa a permanência por um tempo razoável, que

seja suficiente para caracterizar o intuito de constituir Família.

LISBOA enfatiza que “o período de tempo anteriormente

fixado em ao menos cinco anos não foi adotado pelo novo Código, bastando que

se demonstre que houve tempo suficiente para a prova da estabilidade, o que

deve ser analisado casuisticamente pelo julgador”.166

Isto decorre em virtude do fato de que a União Estável

nasce com o afeto entre os Companheiros, não possuindo prazo certo para existir

ou para terminar, devendo o juiz, em cada caso, auferir se houve ou não duração

suficiente para configuração da existência de União Estável.167

Além dos requisitos de caráter objetivo acima expendidos,

cumpre registrar que a União Estável exige o elemento subjetivo, intencional, que

consiste no propósito de formação da Família.

Nesta temática, ressalta-se que

[...] é no intuito de constituição de Família que está o fundamento da união estável. Esse estado de espírito de viver no lar pode não existir, por exemplo, no companheirismo, que objetive, além da companhia esporádica, relações sexuais ou sociais, com ampla liberdade de que tenham outras convivências ou companheiros, não encarando os afazeres domésticos com seriedade. Nessa situação, pode um casal viver mais de dez anos sem que se

165 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, p. 438. 166 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, volume 5: direito de Família e das sucessões.

3 ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 427. 167 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, p. 438.

Page 74: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

62

vislumbre união estável. Os tribunais chamam esse estado de mero companheirismo, de união aberta ou de relação aberta.168

Portanto, não é qualquer tipo de convivência que se

enquadra no modelo de entidade familiar, mas apenas e especificamente a União

Estável entre homem e mulher com a intenção de efetivamente constituir uma

Família.

O Código Civil, além de regulamentar os direitos inerentes a

União Estável, estabelece, ainda, alguns deveres a serem respeitados pelos

Companheiros, nos seguintes termos:

Art. 1724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.169

Desta forma, verifica-se que, além de estabelecer os

requisitos a serem cumpridos para a configuração da União Estável, bem como os

direitos concedidos aos Companheiros, a legislação civil prevê também deveres a

serem observados, fortalecendo ainda mais os seus vínculos.

Os deveres pessoais entre os Companheiros estabelecidos

na referida disposição legal, são os mesmos previstos para os cônjuges, com

exceção da coabitação, conforme se verifica no art. 1.566 170 do código civil,

demonstrando a aproximação dos citados institutos, e a importância atribuída à

União Estável como forma de entidade familiar, colocada ao lado do casamento.

168 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, p. 438. 169 BRASIL, Código Civil de 2002. 170 BRASIL, Código civil. Art. 1566. São deveres dos cônjuges:

I – fidelidade recíproca;

II – vida em comum, no domicílio conjugal;

III – mútua assistência;

IV – sustento, guarda e educação dos filhos.

Page 75: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

63

O Código Civil trouxe um novo disciplinamento no que se

refere aos Direitos Sucessórios dos Companheiros, sendo que, em

decorrência desta previsão, a posição do Companheiro altera-se

substancialmente se comparada com os direitos que lhe eram anteriormente

garantidos pelas leis especiais.

O Código Civil trata do direito do Companheiro

sobrevivente no âmbito sucessório em um único artigo, o 1.790, que se

encontra no capítulo das Disposições Gerais do Direito das Sucessões.

OLIVEIRA registra que “merece reparo essa colocação

da matéria fora do rol dos sucessores legítimos”. Segundo o autor, o artigo que

regulamenta o Direito Sucessório dos Companheiros deveria estar no Título da

Sucessão Legítima, no Capítulo da Ordem de Vocação Hereditária, que

abrange os descendentes, ascendentes, cônjuges e colaterais.171

Neste sentido, não poderia o Companheiro ser excluído

da qualidade de sucessor legítimo.

A redação do art. 1.790, que prevê os Direitos

Sucessórios dos Companheiros, é a seguinte:

Art. 1790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

171 OLIVEIRA, Euclides. Curso de direito de família. Coordenador Douglas Philips Freitas, p. 110.

Page 76: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

64

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.172

Antes de iniciar a abordagem acerca dos Direitos

Sucessórios do Companheiro sobrevivente, cumpre destacar que “o patrimônio

hereditário do Companheiro morto será inventariado após exclusão da parte

devida ao companheiro sobrevivente a título de meação, nos termos do que

convencionaram ou sob os regramentos do regime de comunhão parcial de

bens”.173

Portanto, os Direitos Sucessórios previstos neste artigo,

referem-se apenas à parte concernente à meação do Companheiro falecido.

Realiza-se esta abordagem dos Direitos Sucessórios dos

Companheiros, analisando separadamente e de forma específica os três aspectos

que já lhe haviam sido garantidos pela legislação infraconstitucional: direito de

propriedade à herança, direito de usufruto vidual e direito real de habitação.

2.5.1 Do Direito de Propriedade à Herança

O Companheiro sobrevivente terá direito à herança, em

concorrência com os demais herdeiros sucessíveis, recebendo um quinhão nas

condições previstas nos incisos I ao IV do artigo 1.790 do Código Civil, da

seguinte forma:

172 Artigo 1790 do Código Civil de 2002. 173 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e Legislação

Extravagante Anotados, p. 599

Page 77: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

65

a) se o Companheiro sobrevivente tem filhos comuns com o autor

da herança: têm direito de suceder o Companheiro falecido para

receber uma quota equivalente a que foi atribuída ao filho quanto

aos bens que o falecido adquiriu onerosamente;

b) se o Companheiro sobrevivente não tem filhos comuns com o

autor da herança: têm direito de suceder o Companheiro morto

para receber uma quota equivalente à metade da que foi atribuída

ao filho quanto aos bens adquiridos onerosamente pelo falecido;

c) se o de cujus não deixou descendentes, mas ascendentes ou

colaterais: o Companheiro sobrevivente tem direito a um terço

daquilo que foi adquirido onerosamente pelo falecido;

d) na hipótese de o de cujus não ter deixado parentes sucessíveis,

o Companheiro sobrevivente tem direito a totalidade da herança.174

Verifica-se uma diferença de tratamento quanto ao regime

estabelecido pela Lei nº 8.971/94 e mantido tacitamente com a edição da Lei nº

9.278/96, na qual o Companheiro sobrevivente recebia a totalidade da herança na

falta de descendentes ou ascendentes, uma vez que, no atual Código Civil, o

Companheiro se sujeita à concorrer com os demais parentes sucessíveis, quais

sejam os colaterais até o quarto grau.

Isto ocorre em virtude do inciso III, do artigo 1.790, do

Código Civil, estabelecer que, havendo colaterais sucessíveis, o Companheiro

terá direito apenas a um terço da herança.

Portanto, o Companheiro somente terá direito à totalidade

da herança se não houver parentes sucessíveis, o que não ocorria no sistema

vigente antes do Código Civil, pois a lei especial que regulamentava a matéria

estabelecia que na falta de descendentes e ascendentes o Companheiro

recolheria a totalidade da herança.

174 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo código civil e legislação

extravagante anotados, p. 600.

Page 78: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

66

Este tratamento, de recolher toda a herança na falta de

descendentes e ascendentes, é o que estabelece o Código Civil vigente ao

cônjuge, colocando-o em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária.175

EUCLIDES entende injustificável tamanha discrepância no

tratamento dispensado ao Companheiro, atribuindo-lhe o concurso minoritário

com parentes colaterais. Para o autor, “melhor seria manter o sistema da

legislação revogada para, em similitude ao disposto com relação ao cônjuge,

reservar ao companheiro a totalidade dos bens da herança como efetivo terceiro

na ordem de vocação hereditária”.176

Assim verifica-se a impropriedade do tratamento legislativo,

ao atribuir ao cônjuge a terceira colocação na ordem de vocação hereditária, logo

após descendentes e ascendentes e, dispensar ao Companheiro um tratamento

que enseja a sua concorrência com parentes colaterais.

Ao abordar acerca da concorrência do Companheiro

supérstite com os colaterais até o quarto grau, HIRONAKA expõe o tratamento

injustificado de uma forma prática:

[...] morto alguém que vivia em união estável, os primeiros a herdar serão os descendentes em concorrência com o companheiro supérstite. Na falta de descendentes, serão chamados os ascendentes em concorrência com o companheiro sobrevivo. Na falta também destes e inexistindo, como é óbvio, cônjuge que amealhe todo o acervo, serão chamados os colaterais até o quarto grau ainda em concorrência com o companheiro, uma vez que, afinal, são também os colaterais parentes sucessíveis. E só na falta desses será chamado o companheiro remanescente para, aí sim, adquirir a totalidade do acervo. È flagrante a discrepância.177

175 Brasil. Código Civil, art. 1829, inc. III, c/c art. 1.838. 176 OLIVEIRA, Euclides. Curso de direito de família. Coordenador Douglas Philipis Freitas, p. 118. 177 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Afeto, ética, família e o novo código civil.

Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 229.

Page 79: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

67

Desta forma, segundo o tratamento dispensado pelo atual

Código Civil, o Companheiro só irá adquirir a totalidade da herança, no caso de

não haver parentes sucessíveis.

Ademais, EUCLIDES DE OLIVEIRA traz à discussão “[...] a

hipótese de o falecido ter deixado apenas bens adquiridos antes da união estável,

ou havidos por doação ou herança. Então, o Convivente nada herdará, mesmo

que não haja parentes sucessíveis, ficando a herança vacante para o ente público

beneficiário [...]”.178

Esta situação se torna controvertida e discutida na doutrina,

pois, conforme NELSON NERY, “não está claro na lei como se dá a sucessão dos

bens adquiridos a título gratuito pelo falecido na hipótese de ele não ter deixado

parentes sucessíveis”.179

Esta discussão ocorre porque o caput do artigo 1790 supra

transcrito dispõe que a participação do Companheiro sobrevivente à sucessão do

outro se dará apenas quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da

união estável. Isto implica em dizer que não terá qualquer participação na herança

relativa a outros bens, que tenham sido adquiridos antes ou havidos

graciosamente, através de herança ou doação, pelo autor da herança.180

Segundo OLIVEIRA, esta discussão é resultante da má

redação do artigo 1.790, uma vez que, enquanto o caput do artigo concebe direito

de herança somente sobre os bens adquiridos onerosamente durante a

convivência, o seu inciso IV, estabelece que na falta de parentes sucessíveis o

Companheiro recebe a totalidade da herança.181

178 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p 211. 179 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo código civil e legislação

extravagante anotados, p. 600. 180 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p. 211. 181 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p. 212.

Page 80: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

68

NELSON NERY argumentando acerca do assunto, crítica a

falta de técnica legislativa, asseverando que

o CC 1790 caput, sob cujos limites os incisos que lhe seguem devem ser interpretados, somente confere direito de sucessão ao companheiro com relação aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nada dispondo sobre os bens adquiridos gratuitamente durante esse mesmo período. É de se indagar se, em face da limitação do CC1790 caput, o legislador ordinário quis excluir o companheiro da sucessão desses bens, fazendo com que a sucessão deles fosse deferida à Fazenda.182

Buscando solucionar o problema, o mesmo autor sugere a

realização de uma interpretação que favoreça os interesses do Companheiro,

visando extrair a real intenção do legislador.

Neste sentido, defende que a herança não deve ser

deferida à Fazenda Pública por três motivos:

a) o CC 1844 manda que a herança seja devolvida ao ente

público, apenas na hipótese de o de cujus não ter deixado

cônjuge, companheiro ou parente sucessível; b) quando o

companheiro não concorre com parente sucessível, a lei se

apressa em mencionar que o companheiro terá direito à

totalidade da herança (CC 1790 IV), fugindo do comando do

caput, ainda que sem muita técnica legislativa; c) a abertura de

herança jacente dá-se quando não há herdeiro legítimo (CC

1819) e, apesar de não contar do rol do CC 1829, a qualidade

sucessória do companheiro é de sucessor legítimo e não de

testamentário.183

182 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo código civil e legislação

extravagante anotados, p. 600. 183 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo código civil e legislação

extravagante anotados, p. 600.

Page 81: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

69

GOMES também entende que apesar de o inciso IV se

referir ao caput do artigo, o qual trata apenas dos bens adquiridos a título

oneroso, cabe ao Companheiro sobrevivente a totalidade dos bens, havidos a

qualquer título, na constância ou não da União Estável, caso não haja parentes

com direito à sucessão.184

Segundo o referido autor “essa interpretação se coaduna

com o disposto no artigo 1.844, inserido no capítulo da ordem de vocação

hereditária, que estatui que a herança somente é devolvida ao Estado se não

houver cônjuge, companheiro, nem parente algum sucessível”.185

Contudo, parte dos doutrinadores defende uma interpretação

literal da lei, segundo a qual o Companheiro deve ter direito à herança somente

sobre os bens adquiridos onerosamente, na constância da União Estável.

Neste sentido, LISBOA afirma que “a sucessão apenas

beneficia o convivente sobre os bens adquiridos onerosamente durante a vigência

da união estável”.186

Acerca deste assunto é necessário aguardar-se uma

manifestação da jurisprudência, para verificar qual o posicionamento será

adotado, uma vez que o fato de se adotar uma ou outra posição traz

conseqüências jurídicas totalmente diferentes.

Ao adotar-se o entendimento da realização de uma

interpretação literal do caput, atribuindo ao Companheiro sobrevivente direito

somente sobre os bens adquiridos onerosamente, na hipótese do inciso IV,

mesmo não havendo parentes sucessíveis, este não terá direito sobre os bens

adquiridos a título gratuito, os quais ficarão para o ente público.

184 GOMES, Orlando. Sucessões. 12 ed, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 68. 185 GOMES, Orlando. Sucessões, p. 68. 186 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil, p. 427.

Page 82: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

70

2.5.2 Do Direito ao Usufruto Legal

No que se refere ao direito de usufruto, garantido pelas Leis

infraconstitucionais de 1994 e 1996, que regulavam a matéria anteriormente, a

questão torna-se prejudicada com o advento do Código Civil de 2002, uma vez

que este não mais prevê o Direito Sucessório de usufruto.

Quanto à falta de garantia do direito ao usufruto, por não ser

mais previsto no novo ordenamento civil, EUCLIDES DE OLIVEIRA entende ser

justificável em decorrência da participação do Companheiro, assim como do

cônjuge, na herança atribuída aos descendentes e ascendentes.187

2.5.3 Do Direito Real de Habitação

Com relação ao direito real de habitação, garantido ao

Companheiro sobrevivente através da Lei nº 9.278/96, também não houve

previsão deste direito no atual Código Civil, que o manteve apenas para o cônjuge

sobrevivente.

EUCLIDES DE OLIVEIRA destaca que o Código Civil de

2002

conserva apenas o direito de habitação no imóvel que servia de residência ao casal, mas somente em favor do cônjuge sobrevivente. Não estende o mesmo direito, de elevado cunho social, ao companheiro sobrevivente, que assim, é deixado inteiramente à míngua, nem mesmo podendo continuar a residir no imóvel que lhe servia de residência na união estável, quando não tenha direito à meação ou a participação na herança.188

187 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p. 213. 188 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p 208.

Page 83: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

71

Portanto, verifica-se um tratamento incompreensível

dispensado ao Companheiro pelo atual Código Civil quanto ao direito real de

habitação, diferenciando-o do cônjuge sobrevivente, bem como retirando um

direito que havia sido concedido-lhe pela Lei nº 9.278/96, de maneira que com a

nova regulamentação dispensada pelo Código Civil, o Companheiro sobrevivente

não é mais contemplado pelo benefício de utilização da moradia que servia ao

casal.

Após a realização desta análise sobre a previsão das Leis nº

8.971/94, 9.278/96 e do Código Civil vigente acerca dos Direitos Sucessórios dos

Companheiros, torna-se importante verificar se, efetivamente, ocorreu um

retrocesso nestes direitos, bem como relaciona-los com a Hermenêutica

Constitucional. Tema que será objeto do capítulo seguinte.

Page 84: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

72

CAPÍTULO 3

OS DIREITOS SUCESSÓRIOS DOS COMPANHEIROS À LUZ DA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL: UMA PROPOSTA POLÍTICO

JURÍDICA

3.1 A POSSIBILIDADE DA OCORRÊNCIA DE UM RETROCESSO NOS

DIREITOS SUCESSÓRIOS GARANTIDOS AOS COMPANHEIROS EM

VIRTUDE DAS ALTERAÇÕES OCASIONADAS PELA MUDANÇA

LEGISLATIVA

A partir da análise retrospectiva do instituto da União Estável

desde a sua proteção pela Constituição Federal de 1988 e regulamentação pelas

Leis Infraconstitucionais de nº 8.971/94 e 9.276/96, verifica-se que os Direitos

Sucessórios garantidos aos Companheiros restaram amplamente protegidos.

Conforme ficou demonstrado, este reconhecimento da União

Estável como Entidade Familiar e a proteção legislativa dos seus Direitos

Sucessórios ocorreu pela necessidade de o legislador acompanhar os fatos

sociais, devendo criar normas consentâneas com a realidade.189

Desta forma, ao regulamentar a União Estável, garantindo-

lhe amplos Direitos Sucessórios, cumpriram-se preceitos e fundamentos

constitucionais que determinam o amparo legal a esta forma de constituição de

Família, inclusive, colocando-a ao lado do matrimônio ao considerá-la como

Entidade Familiar.

De acordo com o expendido no capítulo anterior, após a

recepção do instituto da União Estável pela Constituição Federal de 1988, foram

189 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2 ed., São Paulo: Atlas, 2002, p. 237.

Page 85: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

73

editadas leis infraconstitucionais com o intuito de regulamentar as conseqüências

jurídicas advindas desta forma de convivência familiar.

Assim, as Leis 8.971/94 e 9.278/96 ao regulamentarem a

União Estável garantiram e protegeram, de uma forma extremamente ampla, os

Direitos Sucessórios dos Companheiros.

Destaca-se a ocorrência de uma importante cadeia

evolutiva, pois, antes da tutela da União Estável pela Constituição Federal de

1988, não havia previsão legal quanto aos Direitos Sucessórios dos

Companheiros, sendo que após a garantia oferecida a esta forma de Entidade

Familiar pela Carta Constitucional verificou-se uma proteção estabelecida pela

jurisprudência e legitimada pela doutrina.

Já com a edição da Lei 8.971/94, depreende-se uma

proteção garantida pela própria legislação infraconstitucional ao prever Direitos

Sucessórios específicos, como o direito à herança a título de propriedade e o

direito de usufruto.

A Lei 9.278/96, editada posteriormente, além de manter a

previsão referente ao Direito Sucessório previsto na legislação anterior, ainda

acrescentou aos Companheiros o direito real de habitação.

Quanto à ocorrência desta evolução legislativa, culminando

na ampla garantia dos Direitos Sucessórios dos Companheiros, importante a lição

trazida por EUCLIDES DE OLIVEIRA:

Como visto, o direito à sucessão hereditária, nas leis da união estável, é assegurado de forma ampla ao companheiro sobrevivente, em prática equiparação ao direito do cônjuge viúvo. Somam-se aos direitos de herança e de usufruto do companheiro, previstos na Lei 8.971/94, o direito real de habitação cuidado na Lei 9.278/96 [...].190

190 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil. 6 ed. São Paulo: Método, 2003, p 208.

Page 86: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

74

Contudo, contrariando esta evolução, o Código Civil de

2002 surpreendeu a muitos ao regulamentar os Direitos Sucessórios dos

Companheiros de maneira menos favorável do que era antes da sua

promulgação.

Isto porque, ao invés de manter os Direitos Hereditários já

conquistados pelos Companheiros nas leis infraconstitucionais que o

antecederam, o atual Código Civil retirou determinados direitos no âmbito

sucessório dos quais os Companheiros já haviam sido contemplados, deixando-

os em situação desvantajosa se comparados ao tratamento dispensado ao

cônjuge sobrevivente.

Assim, a atual regulamentação do Direito Sucessório

mostra-se prejudicial aos Companheiros em dois aspectos: primeiro, em virtude

de a previsão do Código Civil vigente implicar um visível retrocesso aos Direitos

Sucessórios anteriormente conquistados e gozados pelos Companheiros;

segundo, destaca-se o fato de o tratamento dispensado ao Companheiro, no que

se refere aos Direitos Sucessórios, ter implicado um descompasso com o

tratamento mais benéfico dispensado ao cônjuge viúvo.

Ao abordar o retrocesso ocorrido nos Direitos Sucessórios

dos Companheiros EUCLIDES DE OLIVEIRA destaca que

O NOVO CÓDIGO sequer inclui o companheiro na ordem de vocação hereditária, limitando-se a tratar de seus direitos nas disposições gerais do Direito das Sucessões. Pelo teor de seu art. 1.790, o companheiro terá direito a participar da sucessão do outro apenas quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Essa participação dá-se em concurso com os demais herdeiros, ou seja: concorrendo com descendentes do falecido, uma cota-parte igual à dos filhos comuns, ou metade do que receber cada um dos filhos; concorrendo com outros parentes sucessíveis (ascendentes ou colaterais), um terço da herança.191

191 OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo

código civil, p. 203.

Page 87: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

75

VENOSA também enfatiza a ocorrência de um retrocesso na

amplitude dos Direitos Sucessórios dos Companheiros, pois, segundo a previsão

da Lei 8.971/94, que antecedeu o Código Civil de 2002 e foi revogada por este,

não havendo herdeiros descendentes ou ascendentes do de cujus, o

Companheiro sobrevivente recolheria toda a herança.192

Contudo, a partir do sistema implantado pelo Código Civil,

havendo colaterais sucessíveis, o Companheiro herdará apenas um terço da

herança, sendo que só terá direito à totalidade da herança se não houver

parentes sucessíveis. Isto significa que o Companheiro concorrerá na herança

com o tio-avô ou com o primo-irmão de seu companheiro, o que, segundo o autor,

“[...] não é uma posição que denote um alcance social sociológico e jurídico digno

de encômios”.193

Desta forma, em virtude da atual previsão no Código Civil de

2002 acerca dos Direitos Sucessórios dos Companheiros, depreende-se que o

direito à totalidade da herança somente é reconhecido em favor do Companheiro

sobrevivente se não houver herdeiros sucessíveis.

Verifica-se, assim, que a sucessão legítima do

Companheiro, a partir do regramento estabelecido no Código Civil de 2002,

ocorre de forma distinta e mais desvantajosa do que a previsão reservada ao

cônjuge sobrevivente, pois na ordem de vocação hereditária atualmente

estabelecida, o Companheiro sobrevivente não prefere nenhum parente

sucessível, nem mesmo os colaterais.194

Ainda, com a agravante do disposto no caput do artigo

1.790 do Código Civil, segundo o qual a sucessão do Companheiro restringe-se

aos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, gerando a discussão,

já expendida no capítulo anterior, se esta disposição aplica-se ao inciso IV ou se,

192 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões. 3 ed, São Paulo: Atlas, 2003, p.

120. 193 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões, p. 120. 194 NERY JUNIOR, Nelson. Novo Código Civil e legislação extravagante anotados, p. 600.

Page 88: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

76

neste caso, o Companheiro será beneficiado também com os bens adquiridos a

título gratuito.

Admitindo-se que a participação do Companheiro na

herança tenha sido limitada, incidindo apenas sobre os bens adquiridos

onerosamente durante a convivência, verificar-se-á uma inadmissível restrição ao

Companheiro pela vedação do seu acesso aos demais bens, ainda que faltem

herdeiros sucessíveis.195

O direito ao usufruto garantido aos Companheiros pela Lei

8.971/94, também foi extinto pelo Código Civil, tanto aos Companheiros como aos

cônjuges, posição que se justifica em virtude de ter sido substituído pela

concorrência na sucessão com os parentes do falecido.196

O Direito real de habitação concedido aos Companheiros por

previsão da Lei 9.278/96, também foi extinto pelo atual Código Civil,

evidenciando-se a ocorrência de mais um retrocesso nos Direitos Hereditários

que eram garantidos aos Companheiros, e, que foi suprimido após a entrada em

vigor do Código Civil de 2002.

O fato de o atual Código Civil ter suprimido o direito real de

habitação ao Companheiro sobrevivente, mantendo este direito apenas ao

cônjuge sobrevivente, traduz, para OLIVEIRA, “inadmissível disparidade no trato

jurídico entre referidas pessoas”.197

Portanto, referido tratamento do Código Civil, ao beneficiar

apenas o cônjuge sobrevivente com o direito real de habitação, mostra-se

injustificado.

Registra-se, ainda, a circunstância de o Companheiro ter

sido excluído da qualidade de sucessor legítimo, encontrando-se em posição

desvantajosa em relação ao casado, uma vez que o Código Civil reserva apenas

195 OLIVEIRA, Euclides. Curso de direito de família. Coordenador Douglas Philips Freitas, p. 111. 196 OLIVEIRA, Euclides. Curso de direito de família. Coordenador Douglas Philips Freitas, p. 111. 197 OLIVEIRA, Euclides. Curso de direito de família. Coordenador Douglas Philips Freitas, p. 111.

Page 89: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

77

ao cônjuge sobrevivente a qualificação de herdeiro necessário, juntamente com

descendentes e ascendentes.198

Assim, se antes da promulgação do Código Civil os Direitos

Sucessórios dos Companheiros estavam amplamente protegidos, inclusive,

igualando-os aos direitos dos cônjuges no âmbito sucessório, com a entrada em

vigor da legislação civil em 2002, os Direitos Hereditários dos Companheiros

sofreram um profundo retrocesso em decorrência da supressão de direitos

anteriormente conquistados, bem como a diminuição de sua condição no plano

sucessório.

Com relação ao tratamento diferenciado dispensado ao

Companheiro e ao cônjuge no atual Código Civil, destaca-se que não se verificou

o mesmo posicionamento distinto ao se tratar de outras áreas de proteção

jurídica, tornando esta disparidade de tratamento ainda mais injustificável.

Nesta temática OLIVEIRA assevera que,

num exame abrangente da proteção jurídica dispensada à união estável, tenha-se em mente que, no campo dos direitos relativos a alimentos (art. 1.694) e à meação (art. 1.725), o companheiro é tratado em posição de igualdade com a pessoa casada. Mas, não assim, na esfera do direito sucessório, onde as disposições do novo ordenamento são bem diversas das que constavam da legislação pretérita.199

Portanto, demonstrada a real ocorrência de um retrocesso

nos Direitos Sucessórios atribuídos aos Companheiros, deixando-os em situação

desvantajosa em relação aos mesmos direitos concedidos aos cônjuges, entende-

se injustificado o tratamento diferenciado, especialmente levando-se em conta a

atual concepção de família e a proteção constitucional garantida à União Estável

como forma de Entidade Familiar.

198 OLIVEIRA, Euclides. Curso de direito de família. Coordenador Douglas Philips Freitas, p. 111 199 OLIVEIRA, Euclides. Curso de direito de família. Coordenador Douglas Philips Freitas, p. 111.

Page 90: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

78

Concernente a este atraso verificado, ao comparar os

direitos anteriormente garantidos aos Companheiros através das leis especiais,

com o tratamento agora dispensado aos Companheiros no âmbito sucessório,

OLIVEIRA registra que “[...] o Código Civil de 2002 dá um salto para trás em face

dessa redução de direitos”.200

Oportuno destacar que a discussão anteriormente realizada

fundamenta-se no fato de o Companheiro sobrevivente ter ficado em posição

menos vantajosa do que o cônjuge sobrevivente, bem como e, principalmente, em

decorrência do retrocedimento verificado nos Direitos Sucessórios dos

Companheiros após a edição do Código Civil de 2002, ao suprimir direitos

anteriormente previstos pela legislação infraconstitucional.

3.2 O RETROCESSO NOS DIREITOS SUCESSÓRIOS DOS COMPANHEIROS

EM COLISÃO COM O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A atual concepção do Direito, surgida com a nova

Hermenêutica, enfatiza a importância do Princípio da Dignidade da Pessoa

Humana, uma vez que a atividade estatal deve ser dirigida ao próprio ser humano

e não mais ao ente público.

Em virtude desta nova concepção, um regime democrático

deve ter como finalidade a realização concreta de políticas públicas que

preservem e, especialmente, promovam a Dignidade da Pessoa Humana.

Isto porque, conforme enfatizado, a própria razão de

existência do Estado Contemporâneo é o ser humano, o qual é o titular da noção

de Dignidade, haja vista que a Dignidade constitui-se como qualidade inerente de

cada pessoa humana, o que a torna destinatária do respeito e proteção, tanto do

Estado quanto das demais pessoas.

200 OLIVEIRA, Euclides. Curso de direito de família. Coordenador Douglas Philips Freitas, p. 111.

Page 91: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

79

Para que efetivamente se cumpra o Princípio da Dignidade

da Pessoa Humana é necessário o respeito pela vida e pela integridade física e

psíquica do ser humano, com a garantia de condições mínimas de sobrevivência

através do reconhecimento e proteção de direitos fundamentais.201

Verifica-se, neste contexto, que a concretização do Princípio

da Dignidade da Pessoa Humana pressupõe o respeito e a proteção tanto de

ordem física quanto de ordem moral do indivíduo.

Cumpre também registrar que o Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana constitui a base, o alicerce, ou seja, o próprio fundamento do

Estado Democrático de Direito. Isto implica que referido princípio representa o

valor supremo não somente da ordem jurídica, mas também da ordem política,

social e econômica.

Em virtude desta importância, ao ser incorporado ao sistema

jurídico sob a forma de princípio pela Constituição Federal de 1988, a Dignidade

da Pessoa Humana determina uma inversão na prioridade política, social,

econômica e jurídica até então existente no Estado Constitucional Brasileiro. A

partir do texto de 1988, adquire-se a consciência constitucional de que a

prioridade do Estado, em todas as suas áreas de atuação, deve ser o homem,

considerado como fonte de sua inspiração e fim último de seus objetivos.202

Assim, infere-se que conceber a Dignidade da Pessoa

Humana como o fundamento do Estado Democrático de Direito, implica admitir

que o próprio Estado se constrói a partir da pessoa humana e para servi-la, sendo

esta a prioridade que justifica a atuação do Estado.

A partir desta compreensão decorre o fato de que o ser

humano está protegido de qualquer humilhação ou desrespeito à sua integridade

não só física, mas também psíquica.

201 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre,

2002, p. 61. 202 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da Pessoa Humana: princípio constitucional

fundamental. Curitiba: Juruá, 2003, p. 72.

Page 92: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

80

Demonstrada a amplitude e a abrangência do Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana atuando como valor e fundamento de toda a ordem

jurídico-política, oportuno registrar que a Dignidade exerce importante influência

no Direito de Família, principalmente nas relações afetivas, uma vez que a

Família é a base para a garantia de uma vida digna e feliz para todos os seus

membros.

Para FARIAS a Família, na visão contemporânea, consiste

em um meio para a realização da felicidade do homem e afirmação de sua

dignidade. Deste contexto, decorre a necessidade de buscar-se uma visão

essencialmente funcionalizada da Família, considerando-a como o “[...] locus

privilegiado para o desenvolvimento da personalidade e afirmação da dignidade

de seus membros“.203

Portanto, depreende-se que a proteção do ser humano, com

a finalidade de preservar-se a Dignidade da Pessoa Humana, pressupõe a

necessidade de proteção do ente familiar.

Foi justamente com o intuito de cumprir este objetivo,

protegendo o ente familiar no seu sentido mais amplo, que a Constituição Federal

de 1988 dispensou tutela específica à União Estável como uma forma de

constituição de Família, ao lado do Casamento e da Família Monoparental.

Contudo, a maneira com que foi disciplinado o Direito

Sucessório dos que vivem em União Estável, provocando o demonstrado

retrocesso nestes direitos, bem como relegando aos Companheiros uma posição

de inferioridade em relação ao cônjuge, mostra-se injustificável e violadora do

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

VELOSO assevera que as Famílias constituídas através de

União Estável possuem a mesma Dignidade, a mesma importância e,

conseqüentemente, merecem igual respeito, consideração e proteção. Segundo o

citado autor, “acabou-se o tempo em que, com base em preconceitos

203 FARIAS, Cristiano Chaves. Revista Brasileira de direito de família. Porto Alegre: Síntese,

IBDFAM, v. 5, n. 18, jun/jul, 2003, p. 67.

Page 93: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

81

aristocráticos, concepções reacionárias, passadistas e argumentos repletos de

hipocrisia, as famílias eram classificadas [...] em famílias de primeira classe, de

segunda classe e, até, de classe nenhuma“.204

Portanto, o tratamento inferiorizado, em virtude da retirada

de direitos já conquistados pelos Companheiros pela legislação

infraconstitucional, relega à União Estável uma posição secundária, ferindo, desta

forma, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, principalmente, por saber-se

que a concretização do referido princípio ocorre através dos direitos

fundamentais, os quais constituem explicitações ou exteriorizações da Dignidade

Humana, o que, conseqüentemente, traz o entendimento de que em cada direito

fundamental faz-se presente um conteúdo ou alguma projeção da Dignidade da

Pessoa.205

Neste sentido, registra-se que a Constituição Federal de

1988 ao instituir e elencar um amplo rol de direitos fundamentais pretendeu não

apenas preservar, mas, principalmente, promover a Dignidade da Pessoa

Humana.206

Assim, a concretização da Dignidade da Pessoa Humana

exige e pressupõe o reconhecimento dos direitos fundamentais

constitucionalmente assegurados, de maneira que a violação dos direitos

fundamentais representa a negação da própria Dignidade.207

Do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana “[...]

decorrem, simultaneamente, obrigações de respeito e consideração (isto é, de

204 VELOSO, Zeno. Direito de família e o novo código civil. Coordenadores: Maria Berenice Dias e

Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 235. 205 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição

federal de 1988, p. 89. 206 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional

fundamental, p. 52. 207 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição

federal de 1988, p. 90.

Page 94: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

82

sua não-violação), mas também um dever de sua promoção e proteção (por meio

de medidas positivas) [...]”.208

Em virtude do citado valor supremo atribuído à Dignidade da

Pessoa Humana, este princípio constitui um limite à atividade restritiva do

legislador, principalmente no que se refere aos Direitos Fundamentais.

Neste sentido, SARLET destaca que “[...] a dignidade da

pessoa atua simultaneamente como limite dos direitos e limite dos limites, isto é,

barreira última contra a atividade restritiva dos direitos fundamentais”.209

Portanto, por ser parte integrante do conteúdo dos direitos

fundamentais, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana atua como importante

elemento de proteção dos direitos contra medidas restritivas.

A análise desta questão remete ao Princípio da Proibição de

Retrocesso, sendo que, para CANOTILHO, este princípio deve ser entendido da

seguinte maneira:

o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação‘ pura e simples desse núcleo essencial.210

Este princípio, apesar de não desconsiderar totalmente a

existência de uma certa liberdade da qual dispõe o legislador inserido em uma

ordem democrática, possui, a função de impedir que o legislador venha a

simplesmente desconstituir o grau de concretização que ele próprio havia dado às

normas da Constituição.

208 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição

federal de 1988, p. 99. 209 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição

federal de 1988, p. 123. 210 CANOTILHO, ob. cit. p. 321.

Page 95: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

83

Principalmente, enfatiza-se a questão de se tratar de normas

constitucionais que, em maior ou menor grau, dependem de normas

infraconstitucionais para atingirem sua plena efetividade, ou seja, para serem

aplicadas e cumpridas pelos entes públicos e pelos particulares.

Verifica-se que com base no Princípio da Proibição de

Retrocesso, principalmente no que se refere a direitos fundamentais, o que se

pretende é evitar que o legislador venha a revogar (no todo ou em parte

essencial) uma ou mais normas infraconstitucionais que concretizaram um direito

fundamental constitucionalmente consagrado. Mesmo que não se esteja referindo

a uma alteração da própria Constituição, ainda assim se estaria diante da

hipótese de um verdadeiro golpe contra a nossa Lei Fundamental.211

O Direito à Herança representa um Direito Fundamental

constitucionalmente assegurado, previsto no inciso XXX do artigo 5º da

Constituição Federal de 1988, e visando dar efetividade ao direito fundamental a

Herança aos Companheiros, o legislador havia garantido um grau de

concretização a este direito através das Leis 8.971/94 e 9.278/96.

Contudo, conforme sustentado e demonstrado no item

precedente, os Direitos Sucessórios dos Companheiros sofreram um profundo

retrocesso com a edição do Código Civil de 2002.

Este fato resta devidamente evidenciado em decorrência da

diminuição de determinados direitos que eram garantidos aos Companheiros pela

legislação infraconstitucional que regulava a matéria antes da entrada em

vigência do Código Civil atual.

211 SANTIAGO, Leonardo Ayres. O perfil dos direitos sociais na atualidade e os aspectos

decorrentes de sua concretização. Disponível em www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto. Acesso em 25/05/2005.

Page 96: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

84

A retirada ou diminuição destes Direitos Sucessórios, já

assegurados e gozados pelos Companheiros, representa uma violação ao

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, uma vez que este representa um

importante elemento de proteção dos direitos contra medidas restritivas.

Mormente, porque o Princípio da Dignidade da Pessoa

Humana concretiza-se através da efetividade dos direitos fundamentais e a

restrição do direito fundamental à herança constitucionalmente assegurado aos

Companheiros atinge diretamente um aspecto da Dignidade Humana.

Desta forma, sabendo-se que os direitos assegurados aos

Companheiros são oriundos de uma aspiração da própria sociedade,

contemplados através de um lento processo de conquistas e adequação à

realidade, é necessário que se resguardem direitos já consagrados e assumidos

pelo legislador em detrimento de outros interesses que não estão relacionados à

vontade coletiva.

FARIAS enfatiza que “[...] o reconhecimento da

fundamentalidade da dignidade humana impõe uma nova postura aos civilistas

modernos (especialmente aqueles que laboram com o Direito de Família),

devendo, na interpretação e aplicação das normas e conceitos jurídicos,

assegurar a vida humana de forma integral e prioritária”.212

A inobservância deste entendimento está fadada ao

desrespeito e ao tratamento indigno àqueles que optarem por viver em União

Estável, a qual representa uma forma de constituição de Família

constitucionalmente assegurada.

212 FARIAS, Cristiano Chaves. Revista brasileira de direito de família. Porto Alegre: Síntese,

IBDFAM, v. 5, n. 18, juh/jul, 2003, p. 66.

Page 97: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

85

3.3 O RETROCESSO NOS DIREITOS SUCESSÓRIOS DOS COMPANHEIROS

EM COLISÃO COM AS GARANTIAS INSTITUCIONAIS DE PROTEÇÃO À

FAMÍLIA E À UNIÃO ESTÁVEL

O Estado possui interesse em preservar a vida familiar com

segurança jurídica, uma vez que a Família representa a sua base, seu

sustentáculo, sua própria vida, ou seja, a menor porção da sociedade. A Família,

por sua vez, é fortalecida através de uma convivência pacífica e segura de seus

membros, unidos pelos laços do amor.213

Assim, em virtude da importância da instituição familiar, o

caput do art. 226 da Constituição Federal de 1988 prevê expressamente que a

Família constitui a base da sociedade e possui especial proteção do Estado.

Segundo FREITAS, esta proteção garantida à Família pelo

Estado constitui um direito subjetivo público, sendo oponível à sociedade e ao

próprio Estado.214

A concepção de Família sofreu alterações ao longo dos

tempos, sendo que a moderna concepção de Família é àquela que privilegia os

laços de afetividade entre os membros que a compõem.

Neste sentido DAL COL enfatiza que “por família não se

pode entender somente aquela constituída sob os auspícios da legislação civil

atinente ao casamento, mas toda forma de agregação de pessoas num núcleo

doméstico, regido pelo amor e pelo respeito mútuos”.215

Este entendimento expressa a nova concepção de Família,

baseada nos laços afetivos, na compreensão e no amor, a qual modificou

profundamente as bases do Direito.

213 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, p. 241. 214 FREITAS, Douglas Phillips. Curso de Direito de Família. Florianópolis: Vox Legem, 2004, p. 01. 215 DAL COL, Helder Martinez. À família à luz do concubinato e da união estável. Rio de Janeiro:

Forense, 2002, p. 37.

Page 98: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

86

Para atender esta evolução ocorrida na concepção de

Família, o Direito modificou-se a fim de abranger um novo estado de

comportamento, representativo de uma nova forma de constituir Família, qual

seja, a União Estável.

Assim, conforme já restou expendido, atendendo às

aspirações sociais e regulamentando uma situação de fato já existente, a

Constituição Federal de 1988 garantiu de forma expressa a proteção do Estado à

União Estável, inc lusive, qualificando-a como Entidade Familiar.

Oportuno destacar o status de Entidade Familiar atribuído à

União Estável pela Constituição Federal de 1988, colocando-a ao lado do

Casamento e da Família Monoparental.216

Portanto, o Estado reconheceu e legitimou a União Estável

como uma forma de constituir Família também merecedora da ampla proteção

estatal e da regulamentação dos direitos a ela inerentes.

Verificou-se que, após esta proteção constitucional, os

direitos decorrentes desta forma de convivência restaram amplamente protegidos,

especialmente no que se refere ao âmbito sucessório.

Contudo, a atual regulamentação do Direito Sucessório dos

Companheiros, retirando direitos anteriormente protegidos, bem como o

colocando em posição menos vantajosa do que o cônjuge sobrevivente, viola

frontalmente a garantia institucional dispensada pelo Estado à União Estável

como forma de Entidade Familiar.

Pois, ao erigir a União Estável, por ser uma forma de

constituir Família, à categoria de instituição protegida e garantida

constitucionalmente, o Estado pretendia preservar o mínimo de substantividade a

esta instituição, assegurando a sua permanência e impedindo eventual supressão

no seu alcance.217

216 AMIM, Andréa Rodrigues. O Novo código civil: livro IV do direito de família. Coord. Heloísa

Maria Dalto Leite. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002, p. 429. 217 Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7 ed, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 497.

Page 99: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

87

O retrocesso verificado no âmbito sucessório colide com a

garantia institucional dispensada à União Estável, uma vez que o atual

disciplinamento representa um tratamento indigno aos Companheiros e distante

da realidade social vivenciada, a qual alargou a concepção de Família a fim de

abranger a União Estável também como forma de Entidade Familiar.

A ocorrência deste recuo dos Direitos Sucessórios dos

Companheiros no Código Civil torna-se ainda mais injustificada em virtude do

tratamento diferenciado, por certo, mais desvantajoso, atribuído ao Companheiro

em relação ao cônjuge nas mesmas condições.

VELOSO registra que, se o princípio da igualdade, vigente

em nossa ordem constitucional, determina que se coloque no mesmo plano, tanto

a Família constituída pelo Casamento, como a que decorre da convivência

pública, contínua e duradoura, não se pode admitir tamanha discriminação no

tratamento conferido aos Companheiros no que se refere ao Direito Sucessório

pelo atual código civil.218

Principalmente, em virtude de estar assentada de forma

pacífica a posição do Companheiro sobrevivente similar à do cônjuge supérstite.

Segundo o citado autor, “salvo a necessidade de alguns ajustes, não se via na

doutrina pátria nenhuma objeção mais profunda sobre a forma como a matéria foi

disciplinada pelas legislações especiais. Não há, portanto, razão jurídica, motivo

histórico, causa sociológica que justifique mudança tão intensa e radical”.219

Desta forma, se a União Estável foi equiparada à Família

constituída pelo matrimônio como forma de Entidade Familiar, verifica-se que este

tratamento atribuído ao Companheiro na esfera do Direito Sucessório pelo atual

Código Civil colide diretamente com a previsão constitucional de especial

proteção à Família e, especificamente, à União Estável, por ser uma forma de

vida familiar constitucionalmente assegurada.

218 VELOSO, Zeno. Direito de família e o novo código civil. Coordenadores: Maria Berenice Dias e

Rodrigo da Cunha Pereira, p. 235 219 VELOSO, Zeno. Direito de família e o novo código civil. Coordenadores: Maria Berenice Dias e

Rodrigo da Cunha Pereira, p. 235.

Page 100: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

88

Especialmente, ante a inexistência de justificativas jurídicas,

históricas ou mesmo sociais, que autorizassem este disciplinamento diferenciado

entre as Famílias matrimonializadas e as Famílias formadas por União Estável.

Neste contexto, FACHIN enfatiza a importância de as

disposições do Código Civil de 2002, especialmente as referentes ao Direito de

Família, serem lidas e aplicadas à luz dos princípios constitucionais.220

Assinala VELOSO que se a Família possui especial proteção

do Estado por representar a base da sociedade; se a União Estável, por sua vez,

é reconhecida como entidade familiar; se estão praticamente equiparadas as

Famílias formadas pelo matrimônio e as Famílias criadas de maneira informal,

através da convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher,

a discrepância existente entre a posição sucessória do cônjuge e do Companheiro

sobrevivente, além de ser totalmente contrária ao sentimento e as aspirações

sociais, efetivamente, fere e maltrata, tanto na letra, quanto no espírito, os

preceitos e fundamentos constitucionais.221

Portanto, demonstradas as disparidades existentes,

importante realizar-se uma reflexão crítica acerca da legislação que regulamenta

os Direitos Sucessórios dos Companheiros, com a realização de uma proposta à

luz da política jurídica, a fim de que o seu conteúdo se mostre, efetivamente,

coerente com o paradigma da Família contemporânea, bem como respeite ao

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, nos moldes previstos pela

Constituição Federal de 1988.

220 FACHIN, Luiz Edson. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre; Síntese, IBDFAM,

v. 5, n. 17, abr/mai, 2003, p. 34. 221 VELOSO, Zeno. Direito de família e o novo código civil. Coordenadores: Maria Berenice Dias e

Rodrigo da Cunha Pereira, p.237.

Page 101: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

89

3.4 UMA PROPOSTA LEGISLATIVA À LUZ DA POLÍTICA JURÍDICA

Conforme se observou nos itens precedentes, a proteção

legal da União Estável foi sendo concretizada como resposta a um clamor da

própria sociedade, demonstrando que o Direito é dinâmico e deve evoluir a fim de

atender aos anseios sociais, uma vez que “se a sociedade tende a organizar

inovações, o Direito tem de evoluir na mesma direção e consagrar os princípios

apropriados por essa evolução”.222

Neste sentido, KRELL assinala que a realidade social é

dinâmica e o Direito também, devendo ser estudado como algo mutável para

evitar a ocorrência de um descompasso entre uma realidade em constante

evolução e um direito estático, 223 principalmente, considerando-se que as

sociedades contemporâneas, que apresentam como característica a democracia,

não aceitam um direito positivo que permaneça alheio às mudanças culturais e às

conquistas sociais, refletindo apenas o voluntarismo do legislador ou do juiz.224

Busca-se, assim, a elaboração de um Direito que

corresponda aos anseios sociais, à realidade vivenciada, e, principalmente,

atenda aos valores de justiça.

Se o direito é representado ou exteriorizado através das

normas jurídicas, o conteúdo destas deve concretizar o valor justiça, bem como

oferecer respostas compatíveis com a realidade social.

Nesta temática, cumpre registrar a existência e a

importância da Política Jurídica, como disciplina específica que tem como objetivo

“buscar o direito adequado a cada época, tendo como balizamento de suas

proposições os padrões éticos vigentes, e a história cultural do respectivo

povo”.225

222 KRELL, Olga Jubert Gouveia. União estável: análise sociológica. Curitiba: Juruá, 2003, p. 75. 223 KRELL, Olga Jubert Gouveia, União estável: análise sociológica, p. 75. 224 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antônio

Fabris, 1994, p. 17. 225 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sérgio Antônio

Fabris, 1998, p. 80.

Page 102: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

90

Portanto, verificada a importância da Política Jurídica como

disciplina própria, destinada a buscar o direito que deve ser, compatível com cada

época, neste capítulo apresentar-se-á, inicialmente, algumas considerações

acerca da Política Jurídica, para, posteriormente, analisar-se a sua aplicação

específica nos Direitos Sucessórios dos Companheiros.

3.4.1 Considerações Preliminares sobre a Política Jurídica

Enfatiza-se a grande importância da Política Jurídica, pois

esta é uma disciplina que prioriza, em sua dimensão prática, “[...] alcançar a

norma que responda tão bem quanto possível às necessidades gerais, garantindo

o bem estar social pelo justo, pelo verdadeiro e pelo útil, sem descurar da

necessária segurança jurídica e sem por em risco o Estado de Direito”.226

Neste sentido, infere-se que a Política Jurídica preocupa-se

com que a norma traduza um efetivo instrumento de justiça e, por isso, sempre se

posiciona além do direito positivo com o objetivo de orientá -lo para as necessárias

alterações e reformas.

Desta forma, aos políticos jurídicos incumbe a realização de

um estudo crítico perceptivo do ordenamento jurídico positivo, assumindo a

responsabilidade de aperfeiçoar o sistema normativo vigente.227

Para cumprir seu propósito, e atingir a justiça através da

norma, a Política Jurídica é uma disciplina que se preocupa, entre outros

aspectos, com a Consciência Jurídica da Sociedade e com a Validade Material da

Norma.

226 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito, p. 20. 227 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da Política Jurídica: propostas epstemológicas para a

pol´tica do direito. Itajaí: Univali, 2001, p. 125.

Page 103: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

91

A Consciência Jurídica representa os valores prevalecentes

em uma sociedade, de maneira que a Política Jurídica preocupa-se em verificar

quais seriam estes valores, descobrindo, assim, o que deseja a maioria das

pessoas sobre questões de interesse comum.228

Apesar das dificuldades em estabelecer consensos em

decorrência da existência de conflitos de interesses, bem como pensamentos

ideológicos distintos dentro de uma mesma sociedade, a Política Jurídica

pretende descobrir e fazer com que a norma jurídica efetivamente represente a

vontade e os interesses da maioria.

Neste sentido, OLIVEIRA assevera a importância de a

Política Jurídica atentar para os interesses legítimos da sociedade, ou seja, para a

consciência jurídica dos indivíduos, [...] “às suas raízes éticas, aos valores que

oscilam em razão de novos costumes, às múltiplas tradições regionais, ao sentir

comum das pessoas, à opinião pública e a tantas outras manifestações que

formam todo um realismo axiológico”.229

Portanto, a constatação da consciência jurídica de uma

sociedade pela Política Jurídica, representa a aferição dos valores e anseios

dominantes, com o objetivo de que se possam encontrar os meios adequados

para o fim proposto de bem ordenar esta sociedade, através da elaboração de

normas que alcancem efetivamente a realização da justiça.

Este enfoque reflete mais um alcance da Política Jurídica, o

qual representa a preocupação com a validade material da norma. Esta, segundo

MELO, é obtida através do respeito aos critérios de justiça e utilidade social, pois

estes valores representariam as qualidades de uma norma perfeita.230

228 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito, p. 23. 229 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da Política Jurídica: propostas epstemológicas para a

política do direito, p. 141. 230 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito, p. 32.

Page 104: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

92

Assim, a validade da norma, enfatizada pela Política

Jurídica, distingue-se da idéia de validade defendida pela ciência jurídica de

natureza eminentemente positivista, para a qual a norma é válida quando

compatível com a norma superior, através de uma relação hierárquica, bem como

quando o seu processo de formação obedeceu ao procedimento previsto para a

sua constituição.231

Neste caso, a verificação de validade da norma possui um

critério estritamente formal, sem levar em consideração a integração normativa da

consciência jurídica da sociedade, ou seja, a sua conformidade com a realidade

vivenciada e desejada.

A Política Jurídica, por sua vez, defende que “a validade de

uma norma não pode ser extraída apenas de seus aspectos formais. mas deve

considerar também a legitimidade ética de seu conteúdo e de seus fins”,

primando, desta forma, pela validade material da norma que deve ser buscada

nas idéias do justo e do socialmente útil.232

O critério de utilidade apresenta-se legítimo e adequado

para definir a validade material de uma norma, quando esta tratar de questões

técnicas, organizacionais e pragmáticas, que não envolvam direitos individuais e

sociais.233

Por isso, a fim de atender aos objetivos da presente

pesquisa, aborda-se, com maior ênfase, o critério de justiça.

Apesar da dificuldade dos doutrinadores em conceituar

Justiça, MELO apresenta uma contribuição ao estabelecer a possibilidade de se

alcançar um conceito racional para esta categoria. Segundo o autor, a Política

Jurídica entende e examina a “[...] Justiça como categoria cultural ou seja como

um valor que a Consciência Jurídica da sociedade atribui à norma posta ou à

231 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da Política Jurídica: propostas epstemológicas para a

política do direito, p. 227. 232 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica, p. 88. 233 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica, p. 120,121.

Page 105: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

93

norma proposta pois, afinal, todo valor designa o grau de aptidão de um objeto

para satisfazer necessidades”.234

Abordando justiça neste sentido, segundo o autor, é possível

estabelecer critérios objetivos de justiça, os quais orientam, na Consciência

Jurídica, o arbitramento da norma como justa ou injusta:

1 – Justiça como ideal político de liberdade e igualdade: A norma que obstaculizar ou fraudar as aspirações de coparticipação e compartilhamento será considerada injusta. 2 – Justiça como relação entre as reivindicações da sociedade e a resposta que lhes dê a norma: Se houver inadequação nessa relação, o sentimento resultante será de que se trata de norma injusta. 3 – Justiça como a correspondência entre o conhecimento científico sobre o fato (conhecimento empírico da realidade) e a norma em questão: A norma cujo sentido não corresponda a verdade empiricamente demonstrada e socialmente aceita será norma injusta. 4 – Justiça como legitimidade ética. A norma do direito que conflitar com a norma de moral poderá ser considerada injusta.235

Para a Política Jurídica, a legitimidade da norma depende da

observância destes critérios, sendo necessária a identificação da norma com as

aspirações sociais, afastando-se do conceito de legalidade para aproximar-se do

conceito de justiça social.236

Neste sentido, surge a importante função que a Política

Jurídica exerce sobre o Direito, orientando-o para as necessárias transformações,

quando constatada a desconformidade da norma com a realidade almejada pela

sociedade.

OLIVEIRA assevera que a Política Jurídica penetra no

Direito inicialmente com uma postura crítica, para,

234 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica, p. 108. 235 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica, p. 108 236 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica, p. 83.

Page 106: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

94

[...] a partir daí observar as tendências indesejáveis e

contrárias aos interesses mais elevados da coletividade e da

sua própria razão de existir, e propor as mudanças de rumo,

quer mediante correções adequadas, quer mediante a

introdução de uma nova estrutura legal. São correções e

acrescimentos inspirados pela conveniência e utilidade dos

meios, tendo em vista o cotidiano progresso da sociedade e a

contínua transformação do direito com o elevado objetivo de

ajusta-los a uma verdadeira ordem social”.237

MELO enfatiza que “a Política Jurídica é crucial quando se

trate de escolhas, de juízos e de respostas concretas visando a correção de

norma imperfeita, à criação da norma nova ou a exclusão de norma indesejável,

por uma questão de legitimação”.238

Portanto, infere-se a relevante preocupação da Política

Jurídica, a qual não se limita simplesmente ao direito posto, ou ao direito vigente,

mas especialmente ao direito desejado, visando a consecução dos anseios

sociais e dos valores de justiça através da norma.

Sendo que, para cumprir sua tarefa, esta disciplina propõe a

realização de análises críticas ao ordenamento vigente, para a efetivação das

medidas necessárias de transformação e readequação das normas indesejadas.

Após esta breve abordagem acerca dos fundamentos da

Política Jurídica, realiza-se a análise dos principais aspectos dos Direitos

Sucessórios dos Companheiros, estabelecendo-se propostas de correção

legislativa à luz da Política Jurídica.

237 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da Política Jurídica: propostas epstemológicas para a

política do direito, p. 46. 238 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito, p. 21.

Page 107: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

95

3.4.2 A aplicação da Política Jurídica na legislação referente aos

Direitos Sucessórios dos Companheiros

A partir da abordagem realizada acerca dos Direitos

Sucessórios dos Companheiros nos capítulos antecedentes, ficou demonstrada a

ocorrência de um retrocesso nestes direitos após a sua regulamentação pelo

Código Civil.

A atual previsão dos Direitos Sucessórios dos Companheiros

demonstra uma inadequação da norma vigente com o direito efetivamente

almejado pela Sociedade, bem como se distancia da realidade vivenciada pela

União Estável ao confrontar-se a prática com a legislação que a regulamenta.

Ademais, a partir da análise realizada, infere-se, ainda, a

desconformidade do Código Civil, na matéria referente aos Direitos Sucessórios

dos Companheiros, com o princípio da Dignidade da Pessoa Humana e com as

garantias constitucionais de especial proteção à Família.

Portanto, alguns itens específicos dos Direitos Sucessórios

dos Companheiros, no atual Código Civil, merecem uma análise à luz da Política

Jurídica, com o objetivo de estabelecer-se propostas de alteração das normas

vigentes a fim de torná-las mais consentâneas com a realidade, bem como mais

aptas a atingir o valor Justiça, tão almejado pelo Direito.

Referidas propostas são apresentadas neste trabalho, não

com a pretensão de que sejam efetivamente acatadas como alterações

legislativas, mas, especialmente, de contribuir para a discussão do tema e o

aperfeiçoamento do direito vigente.

Ainda que não se concretizem referidas propostas de

modificação legislativa, a reflexão sobre o assunto por si só já cumpre o objetivo

de alertar a comunidade jurídica acerca de imperfeições legislativas que merecem

atenção.

Page 108: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

96

Inicialmente cumpre registrar a impropriedade do

retrocesso ocorrido na legislação no que se refere aos Direitos Sucessórios

dos Companheiros, uma vez que se já havia sido garantido um grau de

concretização dos Direitos concedidos à União Estável, bem como ao Direito

fundamental à herança aos Companheiros, é injustificável que uma norma

editada posteriormente venha a retirar direitos que já havi am sido gozados

pelos destinatários das normas.

Especialmente, porque referido grau de concretização e

amplitude dos direitos tutelados, foi alcançado através de um lento processo

de conquistas, implicando resposta aos anseios e reivindicações da própria

sociedade.

Também não se justifica o tratamento diferenciado

dispensado ao Companheiro em relação ao Cônjuge sobrevivente,

privilegiando este em detrimento daquele no que se refere aos Direitos

Sucessórios, pois a própria Constituição Federal de 1988 havia garantido

especial proteção à Família, reconhecendo como forma de constituição de

Família a União Estável, ao lado do casamento e da família monoparental.

Esta igualdade de tratamento constitucional, garantindo

igual proteção a estas formas de constituir Família, torna injustificável o

tratamento menos benéfico atribuído ao Companheiro sobrevivente.

Em virtude destas injustificadas impropriedades da lei, é

que se realiza uma breve abordagem sobre novas propostas legislativas do

texto normativo do Código Civil Brasileiro, à luz da Política Jurídica, a fim de se

corrigirem as inadequações existentes.

Page 109: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

97

3.4.2.1 Supressão do artigo 1.790 do Código Civil

Conforme se verifica, o Código Civil traz a previsão referente

aos Direitos Sucessórios dos Companheiros no art. 1.790, que está inserido no

Livro V que trata do direito das sucessões, no Título I que aborda aspectos da

sucessão em geral, especificamente no capítulo I que prevê disposições gerais.

Esta posição do art. 1.790, que prevê os Direitos

Sucessórios dos Companheiros, mostra-se injustificável, sendo que tal previsão

deveria ter sido inserida no Título II, do livro V, que trata da sucessão legítima.

Neste sentido, HIRONAKA afirma que, “não obstante sua

importância, parece, todavia, que a regra está topicamente mal colocada. Trata-se

de verdadeira regra de vocação hereditária para as hipóteses de união estável,

motivo pelo qual deveria estar situada no capítulo referente à ordem de vocação

hereditária”.239

Assim, visando a uma maior adequação da norma, o art.

1.790 do Código Civil poderia ser suprimido, inserindo-se o Companheiro, ao lado

do cônjuge, na ordem de vocação hereditária prevista pelo art. 1.829, em seu

inciso III.

Esta alteração implicaria na seguinte redação do art. 1.829

do Código Civil:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem:

[...]

III – ao cônjuge ou ao Companheiro sobrevivente.

239 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Afeto, ética, família e o novo código civil.

Coordenador: Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 225.

Page 110: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

98

Esta inserção implicaria, ainda, a necessidade de alterar-se

também os incisos I e II do artigo 1.829, a fim de coadunar-se com a modificação

realizada no inciso III, o que os deixaria com a seguinte redação:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime de comunhão universal ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único), ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; ou em concorrência com o Companheiro sobrevivente, acerca dos bens que fossem exclusivos do falecido, não pertencentes ao acervo comum adquirido na constância da união estável.

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou com o Companheiro sobrevivente.

Esta alteração, com a supressão do art. 1.790, implicaria

ainda a correção da previsão do seu caput 240 , cujo conteúdo se mostra

injustificável ao atribuir a participação de um Companheiro na sucessão do outro

apenas quanto aos bens adquiridos onerosamente.

BARROS afirma ser inconstitucional o caput do art. 1.790 do

Código Civil, ao excluir um Companheiro do direito de participar da sucessão do

outro, exceto, estritamente, quanto aos bens adquiridos de forma onerosa durante

a União Estável. Segundo o autor:

Se a Constituição equipara a união estável ao casamento ao incluí-la entre as formas de entidade familiar que igualmente aceita como válidas, resulta inconstitucional qualquer exclusão aplicada aos companheiros por união estável, que os discrimine in pejus, em cotejo com os cônjuges por casamento. Tal dispositivo

240 Código Civil. Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará na sucessão do outro,

quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

[...].

Page 111: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

99

do art. 1.790 do Código Civil recém-posto em vigor fere a isonomia entre as entidades familiares assegurada pela Constituição nas disposições do seu art. 226. É fulminante e irreparável a sua inconstitucionalidade.241

Portanto, não se justifica a participação de um Companheiro

na sucessão do outro apenas com relação aos bens que foram adquiridos de

forma onerosa, sendo de extrema importância a supressão deste artigo.

Esta alteração, suprimindo-se o art. 1.790 do Código Civil,

acarretaria, ainda, a correção do tratamento injustificado previsto nos incisos

deste artigo, ao atribuir ao Companheiro a concorrência com os colaterais, de

maneira que só seria beneficiado com a totalidade da herança se não houvessem

parentes sucessíveis.

3.4.2.2 Alteração do art. 1.831 do Código Civil

Tendo restado demonstrado ser injustificável a concessão

do direito real de habitação apenas ao Cônjuge sobrevivente, excluindo este

direito ao Companheiro nas mesmas condições, é necessária a alteração do

art. 1.831 do Código Civil.

Mormente, ante o fato de que as legislações especiais

que regulamentavam a União Estável, antes da entrada em vigência do

Código Civil, terem concedido o direito real de habitação ao Companheiro

sobrevivente242, o qual foi suprimido pela legislação civil.

241 BARROS, Sérgio Resende de. Afeto, ética, família e o novo código civil, p. 619. 242 Art. 7º, parágrafo único da Lei nº 9.278/96.

Page 112: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

100

Desta forma, a fim de se corrigir a inadequação existente, a

redação do art. 1.831 poderia ser a seguinte:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime

de bens, ou ao Companheiro sobrevivente, será assegurado, sem

prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real

de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da

família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Portanto, esta modificação é importante para corrigir tanto

o retrocesso provocado pelo atual Código Civil, ao suprimir este direito ao

Companheiro, quanto o tratamento desvantajoso dispensado ao Companheiro

se comparado ao cônjuge.

3.4.2.3 Alteração do art. 1.832 do Código Civil

A alteração deste artigo, inserindo-se o Companheiro, ao

lado do cônjuge, é necessária para se coadunar com as demais propostas de

alterações nos dispositivos legais antecedentes.

A referida alteração, manteria a redação do artigo na sua

forma atual, incluindo apenas o Companheiro juntamente com o Cônjuge, o

que implicaria na seguinte previsão:

Art. 1.832. Em concorrência com os ascendentes (art. 1829,

inciso I) caberá ao cônjuge ou ao Companheiro, quinhão igual

ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota

ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos

herdeiros com que concorrer.

Page 113: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

101

3.4.2.4 Alteração do caput do art. 1.836 do Código Civil

Esta alteração é necessária a fim de manter-se a igualdade

de tratamento entre o cônjuge e o Companheiro dispensada pela Constituição

Federal de 1988, ao considerar tanto o casamento, quanto a União Estável, como

formas de entidade familiar.

Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou Companheiro sobrevivente.

[...].

Desta forma, a modificação realizada implicaria na inserção

do Companheiro, ao lado do cônjuge, para concorrer juntamente com os

ascendentes.

3.4.2.5 Alteração do art. 1.838 do Código Civil

Neste artigo sugere-se apenas a inserção do Companheiro

ao lado do cônjuge, deixando referido artigo com a seguinte redação:

Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será

deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge ou Companheiro

sobrevivente.

A modificação deste artigo, colocando-se o Companheiro

juntamente com o cônjuge no terceiro lugar da ordem de vocação hereditária, é

imprescindível para buscar-se a efetiva justiça no alcance desta norma jurídica.

Primeiramente, esta alteração corrigiria o retrocesso

provocado pela legislação atual, que prevê a concorrência do Companheiro com

Page 114: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

102

outros parentes sucessíveis, recebendo apenas um terço da herança, no caso de

não haverem descendentes e ascendentes.243

Registra-se que a legislação anterior ao Código Civil, que

regulamentava a matéria, já previa o terceiro lugar para o Companheiro na ordem

de vocação hereditária, deferindo a ele a totalidade da herança se não

houvessem descendentes e ascendentes.244

Além disso, manteria-se a igualdade de tratamento entre

cônjuge e Companheiro sobreviventes, corrigindo o tratamento desvantajoso

dispensado a este pelo atual Código Civil, que prevê a concorrência do

Companheiro com outros parentes sucessíveis, para apenas, na falta destes,

herdar a totalidade da herança.

3.4.2.6 Alteração do art. 1.839 do Código Civil

A alteração do art. 1.838 do Código Civil tornaria também

necessária a alteração do art. 1.839 para manter a correspondência legislativa

bem como a concordância entre os artigos, deixando-o com a seguinte redação:

Art. 1.839. Se não houver cônjuge ou Companheiro sobrevivente,

nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a

suceder os colaterais até o quarto grau.

3.4.2.7 Alteração do art. 1.845 do Código Civil

A modificação deste artigo, incluindo-se o Companheiro na

classe dos herdeiros necessários, é imprescindível para harmonizar-se este

dispositivo com todos os demais analisados.

243 Art. 1.790, inciso III do Código Civil. 244 Artigo 2º, inciso III da Lei 8.971/94.

Page 115: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

103

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os

ascendentes e o cônjuge ou Companheiro.

HIRONAKA, defendendo a realização desta modificação,

inserindo-se o Companheiro como herdeiro necessário, assevera que não se

vislumbra “motivo para que as condições do cônjuge e do companheiro não se

equiparassem também na proteção da legítima, como aliás, seria de bom alvitre

em face das disposições constitucionais a respeito da equivalência entre o

casamento e a união estável”.245

Estas alterações não esgotariam as mudanças necessárias,

bem como não traduziriam a perfeição legislativa, contudo, contribuiriam para o

aperfeiçoamento da previsão normativa acerca dos Direitos Sucessórios dos

Companheiros, visando ao efetivo cumprimento de preceitos e princípios

constitucionais.

Em especial, destaca-se a necessidade desta reforma

legislativa, a fim de preservar-se o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e

da garantia constitucional de especial proteção à Família.

Para a realização desta tarefa destaca-se a importância da

Política Jurídica, disciplina que fornece uma base teórica para a elaboração de

estratégias e direcionamentos metodológicos visando às necessárias adequações

entre os avanços sociais e a proteção da Dignidade da Pessoa Humana.246

Portanto, aos operadores jurídicos, munidos da

fundamentação teórica específica, incumbe a missão de não se conformar com o

direito como está, mas buscar, incessantemente, através da pesquisa e análise

crítica, as necessárias adaptações e melhorias com vistas ao aperfeiçoamento do

direito vigente.

245 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Afeto, ética, família e o novo código civil.

Coordenador: Rodrigo da Cunha Pereira, p. 225. 246 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito, p. 85.

Page 116: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

104

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a realização do presente trabalho, através da

exposição do assunto pesquisado, acredita-se que foram confirmadas as

hipóteses inicialmente assumidas e alcançados os objetivos propostos, chegando-

se às seguintes considerações:

No capítulo 1 verificou-se a concepção atual da

Hermenêutica Constitucional, segundo a qual, prevalecendo a supremacia da

Constituição, toda ordem jurídica e política deve coadunar-se com os princípios e

garantias constitucionalmente assegurados.

Através deste novo enfoque hermenêutico, constatou-se a

importância dos princípios e dos direitos fundamentais como elementos

indispensáveis na atividade de interpretação do Direito em um Estado

Democrático, superando-se a aplicação da lei como mera subsunção da norma ao

fato.

Neste contexto, o Princípio da Dignidade da Pessoa

Humana revela uma importante função, tendo sido transformado pela Constituição

Federal em valor supremo da ordem jurídico-política por ela instituída, servindo

como parâmetro e delineando o conteúdo dos demais valores e normas do

ordenamento jurídico brasileiro.

Constatou-se, sobretudo, a importante influência do Princípio

da Dignidade da Pessoa Humana no Direito de Família, juntamente com o

respeito às garantias constitucionais de especial proteção à Família e à União

Estável, como circunstância necessária para o pleno desenvolvimento e

realização de todos os membros da comunidade familiar.

No capítulo 2 realizou-se uma análise específica dos Direitos

Sucessórios decorrentes da União Estável, verificando-se a importância da

Page 117: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

105

proteção da União Estável pela Constituição Federal de 1988, e a sua posterior

regulamentação pelas Leis nº 8.971/94, nº 9.278/96 e pela Lei nº 10.406/02

(Código Civil).

Verificou-se a relevância da proteção dispensada a União

Estável pela Carta Constitucional, que a coloca ao lado do casamento por

considerá-la também como entidade familiar, seguindo-se a sua regulamentação

pela legislação infraconstitucional a fim de proteger os direitos dos Companheiros.

A abordagem específica dos Direitos Sucessórios

decorrentes da União Estável demonstrou que as Leis 8.971/94 e 9.278/96,

cumprindo preceitos constitucionais, protegeram estes direitos de uma forma

bastante ampla, em prática equiparação ao direito do cônjuge viúvo, garantindo

aos Companheiros o direito à herança, de maneira que não havendo herdeiros

descendentes ou ascendentes o Companheiro sobrevivente recolheria toda a

herança, o direito de usufruto e o direito real de habitação.

Contudo, contrariando a evolução ocorrida nos Direitos

Sucessórios garantidos aos Companheiros, o Código Civil trouxe uma

regulamentação destes direitos de maneira menos favorável do que a existente

antes da sua promulgação.

No capítulo 3 verificou-se que o disciplinamento referente

aos Direitos Sucessórios decorrentes da União Estável representa um profundo

retrocesso, pois, além de retirar determinados direitos no âmbito sucessório, dos

quais os Companheiros já haviam sido contemplados pela legislação

infraconstitucional anterior, ainda, com o atual regramento deixou-os em situação

desvantajosa se comparado ao tratamento dispensado ao cônjuge sobrevivente.

Esta realidade representa uma violação ao Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana, bem como as garantias institucionais de especial

proteção á Família, pois a União Estável foi erigida pela Constituição Federal de

Page 118: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

106

1988 como entidade familiar, merecendo igual respeito dispensado ao casamento,

sendo injustificada a situação de inferioridade com que o Companheiro foi tratado.

Além disso, a retirada de direitos dos quais os

Companheiros já haviam sido contemplados, especialmente por tratar-se de

direito fundamental, como o direito à herança, também implica violação à

Dignidade Humana, em sua dimensão no Princípio da Proibição de Retrocesso,

pois desconstitui o grau de concretização deste direito que o legislador já havia

outorgado.

Demonstradas as discrepâncias existentes na legislação que

regulamenta os Direitos Sucessórios dos Companheiros, realizou-se uma reflexão

crítica acerca desta legislação á luz da Política Jurídica, verificando-se a

necessidade de uma proposta de alteração do texto da lei, a fim de que seu

conteúdo venha a mostrar-se coerente com o contemporâneo paradigma de

Família e com os princípios e garantias constitucionais.

Page 119: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

107

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. 1 ed., Madrid: Centro

de Estudios políticos y constitucionales, 1993, 607 p.

AMIM, Andréa Rodrigues. O Novo código civil: livro IV do direito de família.

Coord. Heloísa Maria Dalto Leite. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002, 576 p.

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da Família de fato: de acordo com o novo

código civil, Lei nº 10.406, de 10-01-2002. 2 ed., São Paulo: Atlas, 2002, p. 661.

BARROS, Sérgio Resende de. Afeto, ética, família e o novo código civil.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 3 ed, São

Paulo: Saraiva, 320 p.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

Home Page Senado Federal – http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/.

BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados

Unidos do Brasil. Diário Oficial, Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1916. Disponível

em: Home Page Senado Federal - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário

Oficial. Disponível em: Home Page Senado Federal -

http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe.

BRASIL. Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Regula o direito dos

companheiros a alimentos e à sucessão. Disponível em

www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8971.htm.

Page 120: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

108

BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Regula o § 3° do art. 226 da Constituição Federal. Disponível em www.presidencia.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9278.htm.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo:

Malheiros Editores, 2003. 859 p.

CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. São Paulo:

Saraiva, 2002, p. 331.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6

ed., Coimbra: Almedina, 2002, 1506 p.

COSTA, Judith Martins. A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2002, 861 p.

CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. Curitiba: Juruá,

2001, p. 273.

CZAJKOWSKI, Rainer. União Livre: à luz das Leis 8.871/94 e 9.278/96. 2ª ed, 3ª

tir. Curitiba: Juruá, 2003.

DAL COL, Helder Martinez. A família à luz do concubinato e da união estável. Rio

de Janeiro: forense, 2002, 168 p.

DIAS, Maria Berenice. Direito de Família e o novo código civil. 3 ed, Belo

Horizonte: Del Rey, 2003, 360 p.

DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e hermenêutica

constitucional. 2 ed, Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, 296 p.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 19 ed, São Paulo:

Saraiva, 2004. v. 5. 612 p.

Page 121: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

109

DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002, 568

p.

FACHIN, Luiz Edson. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre;

Síntese, IBDFAM, v. 5, n. 17, abr/mai, 2003.

FARIAS, Cristiano Chaves. Revista Brasileira de direito de família. Porto

Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 5, n. 18, juh/jul, 2003

FREITAS, Douglas Phillips (coordenador). Curso de Direito de Família.

Florianópolis: Vox Legem, 2004, 296 p.

GOMES, Orlando. Sucessões. 12 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 351.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Afeto, ética, família e o novo

código civil. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey,

2004, 688 p.

KRELL, Olga Jubert Gouveia. União estável: Análise Sociológica. Curitiba:

Juruá, 2003, 127 p.

LEAL, Rogério Gesta. Hermenêutica e direito: considerações sobre a teoria do

direito e os operadores jurídicos. 2 ed., Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1999, 202

p.

LEAl, Rogério Gesta. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e

fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2000, 224 p.

LIPPMAN, Ernesto. Os direitos fundamentaisda constituição de 1988: com

anotações e jurisprudência dos tribunais. São Paulo: LTr, 1999, 511 p.

LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de Família e das

sucessões. 3 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 5. p. 560.

Page 122: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

110

MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da

Constituição. 2 ed, Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 248 p.

MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio

constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2003, 142 p.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19 ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2004, 342 p.

MELO, Orlando Ferreira de. Hermenêutica jurídica: uma reflexão sobre novos

posicionamentos. Itajaí: Univali, 2001, 213 p.

MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre:

Sérgio Antônio Fabris, 1994, 136 p.

MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre:

Sérgio Antônio Fabris, 1998, 88 p.

NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, 1759 p.

OLIVEIRA, Euclides. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo código civil. 6 ed., São Paulo: Método, 2003, 318 p.

OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da Política Jurídica: propostas epstemológicas para a política do direito. Itajaí: Univali, 2001, 332 p.

OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de. Curso de Direito de Família. 4 ed,

Curitiba, Juruá, 2004, 480 p.

OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes. Alimentos e sucessão no casamento e na união

estável. 7 ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 432.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha e DIAS, Maria Berenice (orgs). Direito de Família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, 340 p.

Page 123: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI · Luciana de Carvalho Paulo Coelho Mestranda . ROL DE CATEGORIAS ... 6 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:

111

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família . 2 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004,

1.032 p.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. 25 ed., São Paulo:

Saraiva, 2002. v. 7. 342 p.

SANTIAGO, Leonardo Ayres. O perfil dos direitos sociais na atualidade e os

aspectos decorrentes de sua concretização. Disponível em

www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto. Acesso em 25/05/2005

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos

fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2 ed, Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2002, 157 p.

VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. União estável: requisitos e efeitos. São Paulo:

Juarez de Oliveira, 1999, 216 p.

VELOSO, Zeno. Direito de família e o novo código civil. Coordenadores: Maria

Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 3 ed, São Paulo:

Atlas, 2003. 416p.