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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (MESTRADO)
GILDA TERESA CONTRERAS LÓPEZ
UM ESTUDO DE CASO LEITURA DE NARRATIVA DE ACADÊMICOS DO INSTITUTO DE LÍNGUAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
MARINGÁ
2008
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GILDA TERESA CONTRERAS LÓPEZ
UM ESTUDO DE CASO
LEITURA DE NARRATIVA DE ACADÊMICOS DO INSTITUTO DE LÍNGUAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
Dissertação apresentada à Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Letras, área de concentração: Estudos Literários. Orientadora: Profª Drª Mirian Hisae Yaegashi Zappone
MARINGÁ
2008
3
DEDICATÓRIA
Quero declarar solenemente que este trabalho é fruto do esforço partilhado por uma
equipe de pessoas, integrada, em primeiro lugar, pela minha orientadora, Professora
Doutora Mirian H.Y. Zappone, pelas professoras doutoras Alice Áurea Penteado
Martha, Marisa Corrêa Silva, Rosa Maria Graciotto Silva e Vera Helena Gomes
Wielewicki, pela secretária Andréa Regina Previati e por todos meus colegas de turma.
Dedico a todos eles meu trabalho, com a certeza de que há um pouco (ou muito) de cada
um deles nas páginas que registram este esforço partilhado.
Dedico também o trabalho ao ILG, a meus amados colegas e a meus amados alunos.
Com certeza, se estas páginas falassem, ouviríamos as palavras de alento, carinho e
compreensão que me dedicaram ao longo de toda a jornada.
Dedico a meus amigos, que compreenderam minha falta de dedicação à nossa preciosa
amizade.
Se lo dedico a mi madrecita y a mis hermanas, por la fuerza que me han dado, y a mis
hermanos, muy buenos compañeros.
Y finalmente, lo dedico a los tres hombres de mi vida: mi esposo Leonardo y mis hijos
Patricio y Carlos, por creer en mí y por acompañarme siempre con sus mejores palabras
y gestos.
4
AGRADECIMENTOS
Ouvindo a voz do meu coração, agradeço, primeiro a Deus, que com Seu infinito amor
permitiu que eu pudesse realizar este trabalho.
Agradeço a compreensão, dedicação e empenho da minha querida orientadora. Sem sua
colaboração nada teria sido possível. Muito obrigado, professora.
Agradeço a amizade desinteressada da professora Alice Áurea Penteado Martha, que me
deu forças nos momentos mais difíceis.
Agradeço às professoras Regina Célia dos Santos Alves, Vera Wielevick e Marta Silene
Barros, por aceitarem fazer parte da Banca examinadora.
Agradeço a todas as pessoas que de uma ou outra forma colaboraram para que este
trabalho chegasse a um bom fim.
Agradezco a mis alumnitos, que aceptaron ser sujetos de mi investigación.
Y agradezco, de todo corazón, la paciencia y el amor de mi esposo Leonardo, por
acompañarme y apoyarme en cada momento. Gracias, amor, te quiero mucho.
5
UM ESTUDO DE CASO LEITURA DE NARRATIVA DE ACADÊMICOS DO INSTITUTO DE LÍNGUAS
DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
RESUMO
A pesquisa apresentada nesta dissertação teve como objetivo geral verificar de que
modo um grupo de acadêmicos de língua estrangeira da Universidade Estadual de
Maringá, a saber, que se submeteram ao processo completo de escolarização básica,
efetuam a leitura de um texto narrativo. O que nosso trabalho procura é conhecer os
níveis de letramento literário de indivíduos que passaram pela escolarização, a fim de
estabelecer como tem sido a intervenção da escola no processo de formação leitora
desses sujeitos. Os pressupostos teóricos foram retirados de estudos sobre a leitura,
oriundos de alguns campos do saber, tais como a lingüística aplicada, a literatura, e os
estudos sobre letramento, bem como os princípios da critica literária. Teve como base
metodológica os fundamentos da pesquisa qualitativa com estudo exploratório-
descritivo e estudo de caso. Com base nesses pressupostos, para acesso à leitura dos
sujeitos, foram formulados instrumentos de pesquisa, bem como analisados os
resultados a partir deles.
Palavras chave: Letramento literário; Leitura literária, Sujeitos escolarizados
6
UN ESTUDIO DE CASO LECTURA DE NARRATIVAS DE ALUMNOS DEL INSTITUTO DE L ENGUAS
DE LA UNIVERSIDAD ESTADUAL DE MARINGÁ
RESUMEN La investigación presentada en esta disertación ha tenido como objetivo general
constatar de que modo un grupo de académicos de la Universidad Estadual de Maringá,
que, por tanto pasaron por el proceso de escolarización básica, efectúan la lectura de un
texto narrativo. Lo que nuestro trabajo se propone es conocer los niveles de literacidad
literaria, a fin de establecer como ha sido la intervención de la escuela en el proceso de
formación lectora de los sujetos de estudio. Los fundamentos teóricos se basaron en
estudios sobre lectura, provenientes de algunos campos del saber, tales como la
lingüística aplicada, la historia de la lectura y los estudios sobre literacidad, así como los
principios de la crítica literaria. Tuvo como marco metodológico los principios de la
investigación cualitativa con estudio exploratorio-descriptivo y estudio de caso.
Basándonos en esos fundamentos, para tener acceso a la lectura de los sujetos, se
formularon instrumentos de investigación y fueron analizados los resultados a partir de
ellos.
Palabras clave: Literacidad literaria; Lectura literaria; Sujetos escolarizados.
7
SUMÁRIO INTRODUÇÃO
1. LEITURA: Uma atividade, muitos pontos de vista .......................14
1.1 Leitura na perspectiva cognitiva ........................................................15
1.2 Leitura na perspectiva estruturalista .................................................21
1.3 Leitura na perspectiva social ............................................................23
1.4 Leitura e letramento .........................................................................26
1.5 Leitura e teorias da recepção ............................................................34
2. LITERATURA E LEITURA LITERÁRIA ....................................41
2.1 A escola e o ensino literário ...............................................................47
2.2 A leitura literária como uma prática situada e construída..................53
2.3 Princípios que norteiam a leitura literária escolarizada .....................63
2.4 Crítica literária ...................................................................................67
3. A PESQUISA EMPÍRICA
3.1 Metodologia ......................................................................................71
3.1.1 A coleta de dados..........................................................................75
3.2 A pesquisa: dados e discussão ...........................................................77
3.2.1 Os sujeitos da pesquisa..................................................................77
3.2.2 As histórias de leitura dos sujeitos da pesquisa ............................78
3.2.3 Análise das histórias de leitura dos sujeitos da pesquisa ..............90
3.2.4 A leitura de narrativa dos sujeitos entrevistados: os dados ...........95
8
3.2.5 A análise dos dados sobre a recepção do conto ...........................102
CONSIDERAÇOES FINAIS .......................................................................109
REFERÊNCIAS ...........................................................................................115
ANEXOS
ANEXO 1 .................... .................................................................................120
ANEXO 2 ......................................................................................................122
ANEXO 3 ......................................................................................................123
ANEXO 4 ......................................................................................................127
9
INTRODUÇÃO
Sabendo que a leitura tem se tornado objeto de estudo de muitas
disciplinas do conhecimento, tanto relacionadas com as ciências exatas quanto com as
ciências sociais, tivemos o propósito de estudá-la, sob uma perspectiva sócio-cultural,
ou seja, a leitura como elemento que contribui para a formação do sujeito e a inserção
deste na sociedade, uma vez que estamos rodeados de mensagens escritas, as quais
devemos decifrar, compreender, interpretar e atribuir significados. Ou seja estamos nos
referindo à leitura, não só como o domínio de uma tecnologia para codificar e
decodificar um material escrito e sim como um elemento para ler e interpretar o mundo.
Sabe-se que o lugar onde se ensina a escrita e a leitura, é a escola, e é lá
também onde o sujeito deveria desenvolver as habilidades necessárias para comunicar-
se eficientemente por meio de diversos materiais impressos, porém, a realidade mostra
outra situação, que deixa em evidência que aquilo que se espera da escola, não sempre
se cumpre, porque se estabelece como meta a alfabetização e, já o demonstraram
diversas discussões, ser alfabetizado não significa participar de práticas de leitura.
Diversas pesquisas demonstram que os alunos não têm um nível
satisfatório de letramento, e que esse déficit se reflete em todas as disciplinas escolares,
não só nas diretamente relacionadas com os estudos da língua, mas também nas outras
ciências, tanto exatas quanto humanísticas.
Portanto o tema da leitura despertou também nosso interesse, uma vez que
trabalhamos com acadêmicos da Universidade Estadual de Maringá, os quais têm a
oportunidade de estudar línguas estrangeiras no Instituto de Línguas da mesma
instituição. Dentro do processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras
10
trabalha-se com textos de diversos gêneros e, além disso, oferece-se aos alunos a leitura
de textos literários escritos na língua em estudo e é principalmente essa atividade que
nos levou a interessar-nos em pesquisar os níveis de letramento e as histórias de leitura
desses alunos, procurando saber como se transformaram em leitores e quais as
instâncias que os levaram a essa formação.
Cremos que com este trabalho estaremos contribuindo com as pesquisas
sobre a leitura, tentando definir e compreender os múltiplos aspectos que encerra o ato
de ler e mostrando a maneira como a escola e a sociedade têm desempenhado seu papel
na formação de leitores.
Para a melhor segmentação do nosso trabalho, no primeiro capítulo
fizemos um estudo da leitura sob diversas perspectivas, referindo-nos, em primeiro
lugar à perspectiva cognitivista. Revisamos os conceitos de Kato (1985) e Kleiman
(1997), entre outros, que fazem importantes apontamentos sobre o processo de
aquisição da leitura e da escrita. Na perspectiva estruturalista referimo-nos ao conceito
de que o texto possui por si só um único sentido e cabe ao leitor descobri-lo, seguindo
as pistas do próprio texto e, na perspectiva sócio-cultural procuramos estabelecer um
diálogo entre os pressupostos de Paulo Freire e Ezequiel Teodoro da Silva, dando
especial atenção ao conceito de leitura como elemento de inserção do homem na
sociedade.
Ainda no primeiro capítulo fizemos um curto passeio pela história do livro
e da leitura, assim como pelas práticas de leitura, mostrando as mudanças ocorridas
desde o começo dos textos escritos, as diversas formas de materializá-los o os diferentes
perfis dos leitores.
11
Finalizando o primeiro capítulo referimo-nos à leitura e às teorias da
recepção, analisando de forma mais detalhada a participação do leitor na completude da
obra literária.
No segundo capítulo estudamos mais especificamente a leitura literária e
os princípios que norteiam essa leitura na escola, ou seja, aquela leitura que tem suas
próprias convenções, que a diferenciam de outros tipos de leitura. Sabe-se que o leitor
literário precisa conhecer os códigos da ficção para poder percorrer seus caminhos e
exercer sua função de co-criador. Geralmente esses códigos não se descobrem por si
sós, mas é necessária uma formação para essa decodificação.
Interessa à nossa pesquisa saber se nossos sujeitos conhecem tais códigos e
como chegaram a conhecê-los; se foi por meio das instituições escolares ou por outras
vias, outros mediadores encontrados fora do contexto escolar. A escola é, por direito e
dever, o lugar onde as pessoas devem fazer em grande parte sua formação de leitores.
Possivelmente não é a escola o lugar onde o sujeito inicia essa formação, pois em
muitos casos esse processo inicia-se em casa. É possível, também, que a formação
leitora não se conclua na escola, pois ao longo da vida, o sujeito pode continuá-la.
Assim, falamos, no segundo capítulo, da escola como o lugar onde o
indivíduo faz sua entrada formal nos estudos literários e trabalhamos com o pressuposto
de que a literatura contribui para a formação da consciência social, na medida em que
oferece elementos de identificação, aproximação ou afastamento com o mundo ficcional
apresentado nos textos literários.
No terceiro capítulo e já entrando especificamente na pesquisa empírica,
definimos nossa metodologia, optando por um estudo qualitativo descritivo, incluindo
12
estudo de caso, conforme a classificação de pesquisas em estudos sociais de Triviños
(1987).
Para o estudo, selecionamos os sujeitos de pesquisa no Instituto de Línguas
da Universidade Estadual de Maringá. Esses sujeitos são acadêmicos de diferentes
cursos na instituição e, estudam língua espanhola. Para colher as informações,
elaboramos e aplicamos um questionário para a identificação dos sujeitos, uma
entrevista semi-estruturada para conhecer as histórias de leitura deles e, outra entrevista
semi-estruturada para colher a forma de recepção de um conto, após sua leitura.
Optamos por fazer essa verificação com um conto, por pertencer ao gênero
narrativo, que é o mais difundido em ambientes não dedicados aos estudos literários.
Escolhemos o conto No Retiro da Figueira, de Moacyr Scliar, por ser um autor
contemporâneo e, por pertencer, o conto, ao gênero narrativo, tipologia de leitura
literária mais aplicada e desenvolvida nas escolas. Pedimos aos sujeitos lerem o conto e
posteriormente aplicamos um instrumento de coleta de dados, sobre essa leitura.
Ainda no terceiro capítulo analisamos os dados, de acordo com as
informações e, finalmente apresentamos as considerações finais do nosso trabalho, nas
quais deixamos em evidência a importância de continuar estudando a leitura, os leitores
e a sua formação.
Todo o nosso trabalho, principalmente a parte empírica, teve como
objetivo conhecer os sujeitos quanto leitores literários, partindo do pressuposto de que a
leitura literária é um tipo específico de leitura, que obedece a determinadas convenções
e protocolos, os quais o leitor deve aprender na escola, principalmente no ensino de
literatura. Porém, sabe-se que o ensino de literatura nas escolas é bastante deficitário,
em relação à formação do leitor literário, pois a instituição escolar preocupa-se mais
13
com o ensino da história da literatura de que com as obras literárias. Além disso, quando
se trata de realizar leituras literárias, há vários problemas que interferem na deficitária
formação de leitores literários.
Na análise de dados mostramos de que forma nossos sujeitos de pesquisa
se iniciaram como leitores e, mostramos, também, se essa formação leitora se
interrompeu ao sair do Ensino Médio ou se continua fora da escola.
Finalmente apresentamos nossas conclusões, fazendo inferências a partir
das informações obtidas e analisadas, em confronto com os pressupostos teóricos que
nortearam nosso trabalho.
Nos anexos, incluímos o conto No Retiro de Figueira, o questionário de
identificação e as duas entrevistas semi-estruturadas, uma sobre a história de leitura de
cada sujeito e, outra, sobre a recepção do texto narrativo lido.
Esperamos que este trabalho contribua com o ensino da literatura, com um
fim maior, que é o de fazer dessa disciplina um meio efetivo para a compreensão do
mundo.
14
1. LEITURA: UMA ATIVIDADE, MUITOS PONTOS DE VISTA
Nas pesquisas sobre a leitura, esta tem sido abordada desde diferentes
perspectivas, abarcando desde uma análise do processo de aquisição do mecanismo da
leitura, da decodificação de símbolos escritos, de forma detalhada, como é o caso das
pesquisas de Kato (1985), ou a análise dos processos envolvidos na compreensão de
textos escritos, como é o caso dos estudos de Kleiman (1997), até o estudo da leitura
como um fato social que contribui na inserção do indivíduo na sociedade para participar
nela, como é o caso das pesquisas de Paulo Freire, de Ezequiel T. da Silva e muitos
outros, havendo entre esses pólos um amplo leque de abordagens, nenhuma
independente da outra, pois se complementam para ampliar o significado e o conceito.
Já disse Freire (2001) que a leitura do mundo precede a leitura da palavra, deixando em
evidência que além de decodificar sinais gráficos, ler tem outros significados que não só
se referem ao texto escrito, porém, vão além dele, tanto atribuindo significado ao
próprio texto, quanto fazendo leitura do que não está escrito, a leitura do mundo, que
começa desde que o indivíduo é capaz de perceber o mundo que o rodeia.
O mesmo autor, ao referir-se à compreensão de um texto a ser alcançada
por sua leitura crítica diz que esta implica a percepção das relações entre texto e
contexto, ou seja, ele vê no ato de ler e compreender um texto não só o ato de
decodificá-lo e fazer dele uma compreensão estreita, de um sentido só, mas uma
compreensão abrangente, capaz de estabelecer relações entre a palavra escrita e o
mundo que através dela se projeta.
15
E em virtude do leque de possibilidades que oferece o estudo da leitura,
parece-nos importante pesquisar sobre a abrangência do ato de ler e a abrangência dos
seus significados.
Para cada pessoa a leitura tem um significado diferente, cada um faz dela
uma representação individual e muito pessoal, dependendo do lugar que ela ocupa na
sua própria vida, do espaço e do tempo que a ela dedica, das pessoas com quem a
comparte e de outros fatores que farão com que seu conceito de leitura seja peculiar.
Mas, o que é indiscutível, é que a leitura está presente em nossas vidas, de
diversas formas, já que por toda parte há pequenas palavras, desenhos, códigos, aos
quais devemos atribuir significados.
1.1 Leitura na perspectiva cognitivista
Quando se trata de abordar o processo da aquisição de mecanismos para
decodificar e codificar palavras escritas, uma das primeiras preocupações dos
professores alfabetizadores é com o “método”1. Kato (1985) esclarece que na verdade
muitas vezes fala-se de método para referir-se ao “conjunto de materiais, técnicas e
procedimentos para atingir um fim, isto é, um conjunto programado de atividades para o
professor e o aluno”. (KATO, 1985, p. 3 e 4).
A autora comenta que, mesmo dentro dessa abordagem, privilegia-se o
desenvolvimento da escrita, supondo que a leitura será a conseqüência lógica, ou seja,
se o aluno aprende a escrever aprenderá automaticamente a ler e, costuma se dizer que
“quanto mais se escreve melhor se lê” (KATO 1985 p. 5), orientando, portanto, todos os
1 Aspas da autora
16
esforços para a consecução do ato mecânico da escrita, dando pouca importância à
bagagem com que o aluno chega à escola, ou seja, à leitura do mundo que este traz,
pressupondo que o professor deve ensinar-lhe tudo porque ele que nada sabe.
Dentro dessa preocupação com o método a autora estabelece a
importância de o professor conhecer os processos de aprendizagem relacionados com
cada método, pois ele, além de dominar o uso de técnicas e ter conhecimento de
materiais didáticos deve saber os princípios que fundamentam os diferentes métodos de
alfabetização, seja este global puro, global analítico-silábico, silábico-sintético, etc.
Nos estudos de Kato (1985) podemos encontrar referências a vários fatores
no processamento da leitura, estabelecendo sempre uma relação entre esta e o universo
conhecido do aluno, realizando nos inícios do processo as operações de análise e
síntese, as quais lhe permitirão, através da composição e decomposição de elementos,
ler sílabas, palavras e enunciados. Destacamos que a análise e a síntese serão realizadas
pelo aluno num estágio muito inicial, pois quanto maior for o léxico visual do leitor,
maiores condições este terá de realizar uma leitura de maneira ideográfica, ou seja, o
reconhecimento de palavras ou segmentos maiores que a palavra pelo seu contorno ou
extensão.
Kato (1985) trabalha detalhadamente com o processo de análise-síntese e
chama a atenção para o fato de que o leitor usa a análise dos elementos da palavra só
quando se trata de palavras conhecidas, pois, em caso contrário, chega ao entendimento
da palavra a través das pistas que esta lhe fornece, por exemplo, palavras que contêm o
segmento – ola, como cebola, argola, mola, etc., não será necessário analisá-las, pois
pelo fato de o segmento estar já armazenado na sua memória, será mais fácil a
identificação da palavra. Trata-se, segundo a autora, de “uma operação de
17
decomposição e composição, que envolve também um reconhecimento visual
instantâneo, porém, parcial da palavra.” (KATO, 1985, p. 26).
Qualquer palavra pode ser reconhecida instantaneamente pela sua forma,
seu contorno o comprimento, se pertencer ao léxico visual conhecido do leitor, sendo
dispensável a análise dela. No caso de a palavra não pertencer ao léxico visual do leitor,
às vezes só bastará a primeira decomposição para que suas partes possam ser
reconhecidas rapidamente, se suas unidades fizerem parte do léxico visual do qual
estamos falando. Isto pode acontecer, especificamente, no universo das palavras
derivadas, das quais o leitor reconhece seus elementos como unidades independentes.
No caso de um leitor iniciante, em que geralmente seu vocabulário visual é
relativamente limitado, o processo de leitura envolve muito pouco o reconhecimento
visual instantâneo da palavra, consistindo este processo, “mais freqüentemente, em
operações de análise e síntese, sendo a apreensão do significado mediada quase sempre
pela decodificação em palavras auditivamente familiares.” (KATO, 1985, p. 26).
Como um elemento importante neste processo, a autora menciona o
conhecimento prévio do aluno e as suas habilidades visuais e auditivas, que contribuirão
na identificação rápida de cada unidade decodificada. Kato (1985) esclarece, nesse caso,
que não é necessário que o leitor compreenda o significado da palavra, basta com que
seja capaz de unir os segmentos que a compõem para fazer a sua leitura. Cabe aos
professores fazer emergir o conhecimento prévio do aluno, estabelecendo vínculos entre
o conhecido e o conhecimento novo que se deseja introduzir. Esta ação é essencial para
que o aluno seja um elemento realmente ativo dentro do trabalho de alfabetização e não
um elemento meramente receptor das informações que lhe entrega o professor, mesmo
tratando-se de uma abordagem cognitivista.
18
Ainda nesse tema de estudar os processos que fazem parte da aquisição da
escrita e da leitura, Kato (1985) faz referência às leituras ascendente e descendente,
tradução dos termos e botton-up e top-down, respectivamente. O processamento botton-
up faz uso linear e indutivo das informações visuais e, o processamento descendente ou
top-down “é uma abordagem não linear, que faz uso intensivo e dedutivo de
informações não visuais, cuja direção é da macroestrutura para a microestrutura e da
função para a forma.” (KATO, 1985, p. 40).
Outra autora que estuda o processo da leitura dentro de uma perspectiva
cognitivista é Kleiman (1997). Ela aborda de forma específica a compreensão da leitura,
por considerar que essa habilidade é fundamental para a aprendizagem de muitas
disciplinas escolares, já que é através dela que o aluno pode entrar em contato “com um
interlocutor não imediatamente acessível.” (KLEIMAN, 1997, p. 7). Ela formula duas
perguntas para iniciar uma reflexão: Podemos ensinar a compreensão? Podemos ensinar
um processo cognitivo? Ela própria responde que não se pode, e acrescenta que:
o professor deve criar oportunidades que permitam o desenvolvimento desse processo cognitivo, sendo que essas oportunidades poderão ser melhor criadas na medida em que o processo seja melhor conhecido: um conhecimento dos aspectos envolvidos na compreensão e das diversas estratégias que compõem os processos. Tal conhecimento se revela crucial para uma ação pedagógica bem informada e fundamentada. (KLEIMAN, 1997, p. 7).
Esses estudos cognitivistas afirmam que a compreensão de textos
envolve vários processos mentais próprios do ato de compreender e preocupam-se em
fazer descrição e análise detalhadas de dito ato, pois, acreditam que esse estudo
minucioso do processo faz possível o planejamento de estratégias adequadas para o
melhor desempenho do leitor, ajudando-o a perceber relações do texto lido com um
19
contexto maior, a descobrir e inferir informações e significados e a criar estratégias
próprias que lhe permitam chegar à compreensão e a interpretação de um texto lido,
ultrapassando o ato cognitivo, até convertê-lo num ato de interação entre leitor e autor.
Kleiman (1997), tal como Kato (1985), refere-se à importância do
conhecimento prévio da leitura, ou seja, àquele conhecimento que o leitor tem adquirido
ao longo da sua vida; porém, os estudos de Kleiman (1997) focalizam o conhecimento
de mundo do leitor para construir o sentido do texto. Portanto, esse conhecimento vai
além do conhecimento lexical, gramatical, lingüístico. Ele envolve os recursos do leitor
que lhe permitirão interagir com o texto, sem os quais não haverá engajamento nem
compreensão. Kleiman (1997) chama isso de conhecimento de mundo ou conhecimento
acadêmico, que o leitor pode tê-lo adquirido de diferentes maneiras, sejam estas formais
ou informais, seja resultado de vivências, de experiências de outros, de textos lidos ou
ouvidos. A autora explica que:
O chamado conhecimento do mundo abrange desde o domínio que um físico tem sobre sua especialidade até o conhecimento de fatos como “o gato é um mamífero”, Angola está na África”, “não se deve guardar fruta verde na geladeira”, ou “na consulta médica geralmente há uma entrevista antes do exame físico”. Para haver compreensão durante a leitura, aquela parte do nosso conhecimento do mundo que é relevante para a leitura do texto deve estar ativada2, isto é , deve estar num nível ciente, e não perdida no fundo de nossa memória. (KLEIMAN, 1997, p. 21).
Partindo desse pressuposto, pode-se afirmar que a leitura refere-se a um
processo de integração entre o texto e o leitor, o qual irá criando sentido enquanto se
apropria dele, fazendo uso do repertório que se ativa na sua memória, complementando
o texto. No processo da leitura, o leitor atualiza seus conhecimentos sobre o tema lido e
2 Itálico da autora
20
essa atualização lhe permite fazer inferências ou adivinhações para relacionar as partes
do texto, construindo um todo coerente.
A autora destaca a importância de conhecer o processo da leitura para
poder trabalhar com ela e descreve o que um leitor proficiente3 faz quando lê,
começando pelas manifestações observáveis para poder descrever posteriormente aquilo
que não é passível de observação direta. Nessa descrição, Kleiman (1995) diz que “o
leitor proficiente lê rapidamente – mais ou menos 200 palavras por minuto, se o assunto
lhe for familiar ou fácil, e um número menor se ele for desconhecido ou difícil.”
(KLEIMAN, 1995, p. 13).
Na descrição do processo da leitura Kleiman (1995) analisa o movimento
dos olhos e dos lábios durante a leitura silenciosa, inclusive fala da possibilidade de
haver “algum tipo de vocalização interna, ainda que imperceptível quando lemos.”
(KLEIMAN, 1995, p. 14). Também fala da leitura em voz alta e da distância que há
entre a velocidade da voz e a velocidade do olho, observando-se que o olho tem um
movimento mais rápido do que a emissão da voz e ainda afirma que se percebem
diferenças entre esses mecanismos quanto mais escolaridade o leitor tiver, assinalando,
assim mesmo, a importância da memória no armazenamento de cada unidade e da
capacidade da memória imediata para reter um número limitado de elementos.
Neste agir fica em evidência o componente individual da leitura, haja
vista que cada leitor tem um repertório diferente; as experiências de cada um são
peculiares, próprias, que só pertencem a ele, portanto o significado que ele possa dar a
um texto também é peculiar. Não há leitura igual, uniforme. As instâncias em que se
realiza a leitura por cada leitor, naturalmente deverão produzir resultados diferentes e é
3 leitor proficiente: expressão da autora
21
este princípio que deveria orientar a ação de todos os profissionais envolvidos no ensino
da leitura. Nesse sentido consideramos oportuno citar novamente Kleiman (1995),
quando afirma que “o ensino da leitura compete não a uns poucos, mas a todos nós”.
(KlLEIMAN, 1995, p. 7), entretanto, diz ela,
até aqueles diretamente ligados ao ensino de leitura – os professores – encontram-se mal informados em relação ao processo, ao leitor, e às estratégias que levam ao domínio do processo para poder assumir o ensino de leitura com segurança e, sobretudo, com coerência.. (KLEIMAN, 1995, p. 7).
Ela esclarece que a coerência na atuação do profissional é
imprescindível, pois, afirma, muitos dizem saber que a leitura não é só um processo de
decodificação, no entanto, a sua prática revela outra concepção, pois não se possibilita
que o aluno ponha em ação suas capacidades nem que faça da leitura um ato criativo. O
professor, mesmo dizendo acreditar na leitura como uma interação em que leitor e autor
constroem um texto, ou que o leitor completa o texto do autor, poucas vezes permite ao
aluno ouvir a voz do autor ou tentar dialogar com ele e muito menos o convida a
preencher os espaços vazios que há no texto.
1.2 A leitura na perspectiva estruturalista
Uma outra vertente nos estudos sobre a leitura é a perspectiva
estruturalista, que se ocupa das funções da linguagem, mais especificamente, as funções
que cada elemento lingüístico, seja este morfológico, semântico, etc., desempenha num
enunciado. Esta perspectiva da leitura entende que o sentido ou significado do texto
encontra-se nele mesmo e se comunica através da sua estrutura. O circuito da
22
comunicação está formado por um emissor, que seria o autor do texto, um receptor, que
seria o leitor e um canal, que seria o próprio texto ou mensagem, a qual é transmitida
por um código.
Essa abordagem não considera outros fatores na construção de sentido do
texto, ou seja, a leitura não seria mais do que a busca do significado do texto, enunciado
codificado pelo autor, para que o leitor o decodifique, ou seja, que compreenda as idéias
do autor.
No Brasil, podemos citar o trabalho de Blikstein (1997), dentro dessa
abordagem estruturalista da leitura. Ele enfatiza o significado fechado do texto e a
noção de que a escrita é uma codificação que contém o pensamento de um autor e de
que a leitura é um ato de decodificação do texto, o que levará à compreensão do
pensamento do autor. Isso significa que se o autor expressou corretamente sua idéia,
fazendo um correto uso da linguagem, o receptor deverá compreender sem equívocos a
mensagem transmitida e que qualquer erro no circuito da comunicação será resultado da
falta de exatidão da mensagem. O autor diz que
Devemos, portanto, colocar com exatidão o nosso pensamento na cabeça dos outros, sob pena de ninguém saber o que se passa em nossa mente e quais seriam as nossas idéias, desejos, necessidades, projetos, etc.. Só assim é que outros seres poderão colaborar conosco produzindo a resposta que esperamos. (BLIKSTEIN 1997, p. 20).
Segundo o autor “não basta comunicar ou tornar comum as nossas idéias;
é preciso que o destinatário da nossa comunicação seja estimulado ou persuadido a
produzir a resposta”. (BLIKSTEIN, 1991, p. 20). Segundo ele, a comunicação escrita
eficaz deve atender a três funções básicas: produzir uma resposta, tornar o pensamento
comum e persuadir e, acrescenta que para persuadir é necessário pensar na experiência
23
ou no grau de conhecimento do destinatário, pois estes fazem parte do que ele chama de
bagagem cultural ou repertório do leitor.
Esta visão da leitura sob a perspectiva estruturalista tem sido privilegiada nas
escolas, fazendo com que o aluno descubra o que o autor quer dizer, dando ao texto um
sentido único, limitando a aula de leitura a desvendar esse sentido. Esta perspectiva não
leva em consideração o aspecto individual da leitura nem a construção de significados
feita pelo leitor, ao contrário, aborda a leitura como uma atividade uniforme, que levará
sempre aos mesmos resultados.
1.3 A leitura na perspectiva social
Outro autor que discute o tema da leitura é Silva (1993) e, diz que se
considerarmos que o aluno alfabetizado é a mesma coisa que o aluno leitor, é um grande
erro e chama isso de concepção reducionista, “pois à alfabetização devem advir
momentos incessantes de pós-alfabetização, compartilhados por todos os professores
das diferentes áreas do conhecimento, sem o que não há como formar o leitor crítico e
maduro”. (SILVA, 1993, p. 50), Ele amplia a idéia afirmando que se os professores
adotarem uma posição fatalista, esperando que o leitor já venha formado do lar, das
tradições e hábitos familiares, não estarão cumprindo seu papel, pois “não podemos
repassar às famílias uma função que elas não têm condições concretas de exercer”.
(SILVA, 1993, p. 51).
O autor diz que “mostrar o valor da leitura ao educando não é tarefa
difícil, pois esse processo, se produzido numa linha de experiências bem-sucedidas para
o sujeito-leitor, significa uma possibilidade de repensar o real pela compreensão mais
profunda dos aspectos que o compõem”. (SILVA, 1993, p. 85) e afirma que em termos
24
de ensino, não basta teorizar ou discursar sobre o valor da leitura. É preciso, segundo
ele, “construir e levar à prática, situações a serem concretamente vivenciadas de modo
que o valor da leitura venha a ser paulatinamente sedimentado na vida dos educandos.”
(SILVA, 1993, p. 85). Não atuar desse modo, ou seja, não trabalhar a leitura como uma
construção de sentido, leva os alunos a ver o texto como um conjunto de palavras que
não se relacionam e, dificilmente procurarão descobrir um significado nos elementos
lidos.
A leitura como ato criativo de completude do texto não surge
espontaneamente depois que o sujeito consegue o domínio do ato mecânico de ler. É
necessário produzir as condições necessárias para fazer da leitura, um agir social. Silva
(1988) manifesta que se é relativamente fácil constatar a presença da leitura na escola,
torna-se um pouco mais difícil discutir as condições concretas de produção da leitura,
nesse contexto, ou seja, no contexto escolar. Claro, sabe-se que o aluno em quase todas
as disciplinas do currículo escolar está em contato com textos escritos, por tanto, sabe-
se também que a leitura está presente em toda a vida escolar, o que não sabemos é, em
que condições se desenvolve a habilidade nem em quais atividades. Na verdade o que se
conhece são as atividades formatadas como se a leitura fosse uniforme e, como se
devesse produzir resultados idênticos, respostas únicas para as perguntas elaboradas
pelo professor.
Silva (1993) diz que é necessário analisar criticamente as condições
existentes e, as formas pelas quais o ato da leitura é conduzido na escola.
O discurso e o bom senso nos mostram que a leitura é importante no processo de escolarização das pessoas (para muita gente “ir à escola” ainda é sinônimo de “aprender a ler e escrever”); os recursos reais para a prática da leitura na escola podem, entretanto, contrapor-se àquele discurso, pois revelam a condição de sua possibilidade. Assim, a
25
dimensão quantitativa (mais leitura ou menos leitura) e a dimensão qualitativa (boa leitura ou má leitura) do processo dependem da existência de condições escolares concretas para a sua produção. (SILVA, 1993, p. 3).
Os modelos estereotipados de atividades de compreensão leitora não dão
lugar a uma leitura criadora, crítica e questionadora, impedindo que o aluno leitor seja
sujeito ativo no ato de ler. O próprio fato de o aluno saber de cor a rotina: ler um texto,
responder perguntas, ler e verificar as respostas o leva a não esperar nada mais desse
ato, a não querer descobrir outros sentidos no texto nem muito menos a completar os
vazios deixados pelo autor, devido a que existe uma mistificação do escrito, “gerando a
falsa idéia de que tudo o que está escrito ou impresso é necessariamente verdadeiro.
Decorre daí a obediência cega aos referenciais colocados nos livros e a reprodução
mecânica das idéias captadas pela leitura.” SILVA, 1993, p. 3 e 4).
Se a leitura de um texto não desperta a curiosidade, nem expectativas no
leitor, o ato perde seu valor, pois o sujeito-leitor deve ir estabelecendo associações,
ligações entre as informações veiculadas pelo texto e as próprias experiências. Silva
(1988) diz que nesse caso “as palavras do autor ficam como que magicamente fechadas
em si mesmas, sem que os elementos do real, indicados ou evocados pelas palavras,
sejam efetivamente colocados em sua relação direta com a história ou experiências do
leitor“. (SILVA, 1993, p. 5).
As idéias de Silva (1993) parecem ancoradas nos pressupostos de Freire
(1987) que também pensa a leitura relacionando-a com questões sociais mais amplas.
Ele, através das lembranças da sua infância reflete sobre a leitura do mundo, que
precede a leitura das palavras.
Em A importância do ato de ler, Freire (1987) numa linguagem muito
simples e poética diz:
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A retomada da infância distante buscando a compreensão do meu ato de “ler” o mundo particular em que me movia – e até onde não sou traído pela memória – me é absolutamente significativa. Neste esforço a que me vou entregando, re-crio e re-vivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. (...) Na verdade, aquele mundo especial se dava a mim como o mundo de minha atividade perceptiva, por isso mesmo, como o mundo de minhas primeiras leituras. (FREIRE, 1987, p. 12).
Nas lembranças de Paulo Freire fica claro que a leitura, na perspectiva
social, vai muito além do que supõe leitura nas perspectivas cognitivista e estruturalista,
pois essa leitura do mundo, da qual ele fala não se restringe a um ato de decodificação
de uma mensagem escrita e sim a um ato de criação de sentido de uma determinada
leitura. No caso dele, era a leitura da natureza, do canto dos pássaros, do cheiro das
flores, das nuvens no céu, da cor das folhagens, em fim, do seu contexto.
Para resumir as idéias da abordagem social da leitura queremos citar
Silva (1993) que diz que “numa sociedade tão desumana como a nossa, marcada pela
exploração e alienação do homem, o saber oriundo de leituras criticamente feitas é
essencial ao estado de vigilância e lucidez de qualquer cidadão.” (SILVA, 1993, p. 88)
1.4 Leitura e letramento
Não é a leitura o resultado mais universalmente partilhado da
aprendizagem escolar? Chartier (1997), no prefácio da obra Práticas de leitura, lança
essa pergunta. Aparentemente, quando se fala em leitura, se pensa como um ato
uniforme, comum a todos; invariável no tempo, na história, nas épocas, nas culturas. É o
que nos propomos discutir neste espaço do nosso trabalho.
27
Sabe-se que historicamente as práticas de leitura têm ido mudando, assim
como também têm mudado a materialidade dos textos escritos, literários ou não. Essas
mudanças se refletem na formação dos leitores de cada época e de cada lugar. Chartier
(1997), entre outros teóricos, dedicou grande parte de suas pesquisas ao estudo das
práticas de leitura, fator que ele considera muito importante para conhecer como o leitor
chega à apropriação do texto.
Desde a civilização pré-histórica, a sociedade humana tentou superar os
obstáculos para não perder-se no esquecimento. Manguel (2002) diz que “com um único
ato – a incisão de uma figura sobre uma tabuleta de argila –, o primeiro escritor
anônimo conseguiu de repente ter sucesso em todas essas façanhas aparentemente
impossíveis.” (MANGUEL 2002, p. 207). As palavras de Manguel (2002) conduzem-
nos, inevitavelmente, a pensar que junto com esse ato de registrar uma figura sobre a
argila, estaria quem decifrasse essa figura, ou seja, o leitor. O mesmo autor diz que “ao
mesmo tempo em que o primeiro escritor concebia uma nova arte ao fazer marcas num
pedaço de argila, aparecia tacitamente uma outra arte sem a qual as marcas não teriam
nenhum sentido.” (MANGUEL, 2002, p. 207). Continua dizendo Manguel (2002) que
surgindo o leitor, retirava-se automaticamente o escritor, pois só quando este abandona
o texto, esse mesmo texto ganha existência. Ou seja, o leitor existe, também, desde a
Pré-história.
E o livro, então? Como foi a evolução desde essa tabuleta de argila até o
texto eletrônico? Chartier (1997) afirma que a “primeira tentação é comparar a
revolução do livro eletrônico com a revolução provocada pela invenção da imprensa.”
(CHARTIER, 1997, p.7).
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Pode-se dizer que foi uma revolução, embora o livro impresso
mantivesse as estruturas fundamentais do livro manuscrito, seu predecessor, ou seja, as
estruturas do códex. Tanto o livro impresso quanto o manuscrito estavam formados por
folhas dobradas até compor o formato do livro, numa sucessão de cadernos que
posteriormente seriam montados, costurados e protegidos com uma encadernação.
Pode-se afirmar que não houve uma ruptura entre o antes e depois de Gutenberg, o que
houve foi uma continuidade e o texto manuscrito sobreviveu, ainda, por um longo
período após a invenção da imprensa. Também a invenção de Gutenberg não foi
exclusiva, já que no Oriente, mais especificamente no Japão, na China e na Coréia,
surgia um outro sistema de multiplicação: a xilografia, a qual, apesar de se tratar de uma
técnica diferente, era uma forma de imprimir. Chartier (1997) chama a atenção sobre a
euforia com que, às vezes, se fala das mudanças acontecidas após a chegada da
imprensa, considerando que tardou um tempo para ser implantada e propõe que o
historiador do livro seja prudente no momento de definir as transformações passadas.
Assim como as técnicas e os procedimentos da produção do livro foram
se modificando, o leitor também sofreu mudanças no tempo. Se pensarmos num leitor
de textos eletrônicos, temos que reconhecer que a relação entre ele e o texto escrito será
muito diferente da relação de um leitor com o texto escrito, manuscrito ou impresso,
antes da chegada da internet. Chartier (1997) diz que é difícil empregar o termo objeto
para falarmos do livro virtual
Existe propriamente um objeto que é a tela sobre a qual o texto eletrônico é lido, mas esse objeto não é mais manuseado diretamente, imediatamente, pelo leitor. A inscrição do texto na tela cria uma distribuição, uma organização, uma estruturação do texto que não é de modo algum a mesma com a qual se defrontava o leitor do livro em rolo da Antigüidade ou o leitor medieval, moderno e contemporâneo do livro
29
manuscrito ou impresso, onde o texto é organizado a partir de sua estrutura em cadernos, folhas e páginas. (CHARTIER, 1997, p. 12 e 13).
É evidente que a materialidade do livro proporciona ao leitor outras
vivências que acabam dando outro significado à leitura. Com o livro impresso existe um
antes palpável, descritível. Calvino (2005) descreve esse antes com preciosidade e com
linguagem minuciosa ao referir-se às instâncias em que um livro impresso chega às
mãos do leitor, como pode-se verificar no seguinte fragmento.
Você ainda lançou sobre os livros em redor um olhar desgarrado (ou melhor: os livros é que olharam com um olhar perdido como o dos cães no cercado do canil municipal quando vêem um ex-companheiro ser levado na coleira pelo dono que veio resgatá-lo) e, enfim, saiu. Um livro recém publicado lhe dá um prazer especial, não é apenas o livro que você está carregando, é também a novidade contida nele, que poderia ser apenas a do objeto saído há pouco da fábrica, é a beleza diabólica com a qual os livros se adornam, que dura até que a capa se amarelece, até que um véu de poeira se deposita nas bordas das folhas e os cantos da lombada se rasgam no breve outono das bibliotecas. (CALVINO, 2005, p.14 e 15)
Essa sensação descrita por Calvino (2005) não poderá ser vivenciada
pelo leitor do livro virtual, faltar-lhe-á materialidade, recursos sensoriais que de alguma
forma intervêm no ato da leitura. Chartier (1997) afirma que
O fluxo seqüencial do texto na tela, a continuidade que lhe é dada, o fato de que suas fronteiras não são mais tão radicalmente visíveis, como no livro, que encerra, no interior de sua encadernação ou de sua capa, o texto que ele carrega, a possibilidade para o leitor de embaralhar, de entrecruzar, de reunir textos que são inscritos na mesma memória eletrônica: todos esses traços indicam que a revolução do livro eletrônico é uma revolução nas estruturas do suporte material do escrito assim como nas maneiras de ler. (CHARTIER, 1997, p. 13).
Parece-nos interessante assinalar que, apesar dessas diferenças
fundamentais, há também alguns pontos que aproximam os dois tipos de leitura: a do
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livro impresso ou manuscrito e a do livro virtual. Não se pode dizer que sejam
diametralmente opostas, porque se lembrarmos da forma como se apresentava o texto
escrito para o leitor da Antigüidade descobriremos alguma semelhança. Chartier (1997),
analisando o tema da liberdade de ambos leitores, afirma que o leitor do livro virtual vê
passar diante dos seus olhos um texto que corre verticalmente, contando com o recurso
da paginação, do índice, da marcação, do recorte. O leitor do livro em forma de códex
coloca-o diante de si sobre uma mesa, vira suas páginas ou então o segura quando é
possível contê-lo nas mãos. Já o texto eletrônico possibilita ao leitor um distanciamento
com o texto escrito, uma relação não corporal e, isso, em alguns casos, pode representar
uma vantagem.
Longo tem sido o caminho percorrido pelo livro na sua história e teve
que superar muitos obstáculos pra chegar à época atual. Esses obstáculos envolveram
autores, editores, tipógrafos, distribuidores, livreiros, críticos, especialistas em
informática, em ciências da computação. É pela ação de todos esses elementos do
circuito que o livro pode viver sua aventura, a qual, não temos como saber onde
chegará.
Se a aventura do livro tem sido muito diversificada, a aventura do leitor
não ficou atrás. Desde o leitor da tabuleta de argila até o leitor dos livros virtuais, houve
significativas mudanças e o leitor precisou derrubar muitas barreiras e vencer
numerosos obstáculos para conquistar sua liberdade e para que fosse reconhecida sua
existência como elemento que complementa um circuito.
Darnton (1986) comenta o caso de um leitor de Rousseau, chamado Jean
Ranson, comerciante francês do século dezoito. Diz o autor:
31
Ranson não apenas leu Rouseau e se emocionou; ele incorporou as idéias de Rousseau na estrutura da sua vida, quando montou seu negócio, apaixonou-se, casou-se e educou seus filhos. A vida e a leitura corriam paralelas como motivos condutores em uma rica serie de cartas que Ranson escreveu entre 1774 e 1785 e que mostram como o rousseauísmo foi absorvido no modo de vida do burguês provinciano, sob o Antigo Regime Rousseau recebeu um fluxo de cartas de leitores como Ranson, após a publicação de la Nouvelle Héloise4. (DARNTON, 1986, p. 201).
Como podemos apreciar, o leitor Ranson não só leu Rousseau, como
também permitiu que essa leitura influenciasse seu comportamento. E não foi
unicamente esse leitor. Darnton (1986) comenta que
...foi a primeira onda gigantesca de correspondência de admiradores na história da literatura, embora Richardson já houvesse provocado algumas ondas impressivas na Inglaterra. A correspondência revela que os leitores reagiram como Ranson em toda parte da França e, além disso, que suas reações estavam em conformidade com aquelas que Rousseau evocou nos dois prefácios de sua novela. (DARNTON, 1986, p. 201).
Continuando com a reflexão sobre a reação do leitor, parece-nos
interessante acrescentar o jogo que se estabelece entre o autor e o leitor. Darnton (1986)
comenta que Rousseau deu instruções aos leitores, nos dois prefácios de sua novela,
sobre como deveria ser feita a leitura, estabelecendo com o leitor um pacto.
Atribuiu-lhes papéis e proveu-os com uma estratégia para compreender sua novela. O novo modo de ler funcionou tão bem que La Nouvelle Héloise tornou-se o livro mais vendido do século, a mais importante fonte isolada da sensibilidade romântica. (DARNTON, 1986, p. 201).
Com essa obra, Rousseau conseguiu na sua época conquistar toda uma
geração de leitores, além de revolucionar a própria leitura. Darnton (1986) diz que os
leitores enviavam correspondências a Rousseau, a Voltaire, a Balzac e a Zola e, que
4 Romance de Rousseau, escrito em 1761.
32
através dessas cartas, é possível estudar a reação do leitor e elaborar uma teoria, porém,
acrescenta ele, é possível, mas não é fácil, pois os documentos não mostram a atividade
do leitor e, por tratar-se de textos escritos, também passariam pelo processo das
múltiplas interpretações.
Entre o leitor da França do século XVIII, o leitor do século III a.C, que
freqüentava a escola de Calímaco de Cirene, no Norte da África, e o leitor comum atual,
com certeza, há grandes diferenças e pouquíssimas semelhanças. Ao longo da história a
função da leitura tem-se modificado e os leitores têm conquistado alguns direitos. Se
considerarmos que há apenas alguns séculos atrás a leitura era considerada um perigo,
uma ameaça, ou, ainda mais, que era proibida para as mulheres, temos que reconhecer
que o contexto mudou e que diversas causas e acontecimentos contribuíram para essa
mudança.
Perguntamo-nos se o nosso leitor sabe que as práticas de leitura vigentes
na nossa sociedade diferem muito de outras práticas distantes no tempo. Quando
falamos de leitura imediatamente pensamos nos textos que conhecemos, na
materialidade dos textos escritos da nossa época, na nossa modalidade de ler, que nos
tempos atuais já não é tão uniforme, devido aos avanços tecnológicos, e não
imaginamos que ao longo da história já houve muitas formas para materializar os livros
e a forma de ler. Mas é só uma curiosidade científica, talvez irrelevante para nosso
estudo.
No Brasil também há interessantes estudos sobre as práticas de leitura.
Batista e Galvão (1999) apresentam um estudo das diferentes tentativas de lidar com a
leitura como uma prática social e historicamente enformada. Eles afirmam que ela
transformou-se no objeto de estudo de várias áreas do conhecimento científico, sendo
33
sempre vista como um conjunto de processos abstratos e universais, desenvolvidos por
um leitor ideal. Eles se propõem discutir essa visão universal e uniforme da leitura, em
oposição ao leitor real e a leitura “em seu acontecimento concreto, situada no interior de
processos responsáveis pela sua diversidade e variação”. (BATISTA e GALVÃO, 1999,
p. 13).
Eles apresentam a dimensão interdisciplinar da leitura, a fim de
contribuir para a promoção de modos inovadores de compreender, abordar e
problematizar a leitura como um objeto de pesquisa, mostrando que os estudos
convencionais sobre a leitura omitem o fator social implícito nela, pois não evidenciam
os traços constitutivos de diferentes comunidades leitoras.
Essas comunidades leitoras desenvolvem diferentes práticas de leitura
que dependem das configurações sociais que as produzem.e afirmam que diferentes
estudos sobre práticas de leitura buscam apreender a constituição social e histórica de
dois elementos importantes: o texto e os leitores.
Retomando o tema central da nossa pesquisa, partimos do pressuposto de
que os sujeitos do estudo estão familiarizados com a leitura do texto literário, por terem
passado pelo ensino fundamental e médio, mas, perguntamo-nos se eles, estando diante
de um texto literário acionam os mecanismos correspondentes à categoria do texto ou se
realizam a recepção do texto seguindo as convenções de um texto científico, querendo
buscar nele o compromisso com a realidade e a representação desta nas linhas escritas.
Sabe-se que às vezes, o leitor do texto literário não distingue o limite entre realidade e
ficção, deixando-se levar pelas representações encontradas nele, nas quais muitas vezes
identifica sua própria realidade e se perde nos caminhos que o texto traça. Por outro
lado, reconhecendo o caráter polissêmico do texto literário, será pertinente perguntar-se
34
se o nosso leitor usa a sua liberdade de criar seu próprio sentido ou busca o sentido
traçado pelo autor?
1.5 Leitura e teorias da recepção
O tema que interessa especificamente na nossa pesquisa é a leitura de
textos literários e sabemos que nessa leitura o espaço do leitor é ainda maior do que o
espaço do qual dispõe o leitor de outros tipos de textos, pois o texto literário envolve a
subjetividade do leitor, dando-lhe a oportunidade de identificar-se com os conflitos
apresentados na obra e de sentir-se co-autor dela e, mesmo que o texto apresente
situações muito diferentes do seu próprio cotidiano, ver-se-á obrigado a refletir e a
incorporar as novas experiências que resultam da leitura literária. Assim, cumpre neste
item discutir as idéias sobre leitura apresentadas pela teoria literária, a partir das teorias
que enfocam mais especificamente o leitor e a forma de se apropriar e criar sentidos no
ato de ler uma narrativa.
Muitos teóricos têm se dedicado a desvendar os misteriosos laços que se
tecem entre autor, obra e leitor; em disciplinas como a Teoria da estética da recepção e a
Teoria do efeito. Entre os nomes mais destacados podemos citar Umberto Eco, Hans
Robert Jauss e Wolfgang Iser. Porém, os teóricos brasileiros também abordaram em sua
oportunidade o leitor e a ação que o texto exerce sobre ele.
Iser (1999) diz que como uma atividade sob o comando do texto, a
leitura une o processamento do texto ao efeito sobre o leitor, chamando esse processo de
interação e, acrescenta que é difícil descrever essa interação, porque, por um lado, a
35
ciência da literatura ainda não oferece elementos para essa descrição e, por outro lado, é
mais fácil descrever texto e leitor do que decifrar o resultado da confluência de ambos.
Na seqüência do nosso trabalho nos propomos refletir sobre as perguntas
explicitadas, que foram formuladas por Iser (1999), sobre a relação entre texto e leitor.
Ele diz que:
...deve-se assinalar que um texto só pode adquirir vida quando é lido e, se deve ser examinado, precisa ser visto através dos olhos do leitor. “O desenvolvimento do leitor ou do espectador como cúmplice ou colaborador é essencial na curiosa situação da comunicação artística. (ISER, 1999, p. 3).
Ele continua seu raciocínio fazendo a seguinte pergunta: No que
consiste, então, o processo de leitura? E na seqüência afirma que a leitura pode ser
entendida como a transformação que o texto sofre sob a ação do leitor. Cabe então
tentar descobrir se essas múltiplas transformações anulam a identidade do texto e o
desintegram na arbitrariedade da percepção subjetiva. O autor assinala que a história
das respostas às obras literárias, vão refutando uma hipótese e substituindo-a por outra,
traduzindo-se esse processo numa história das variações.
Para estudar a relação entre texto e leitor, Iser (1999) propõe três
estágios: 1º Indicar as qualidades especiais do texto literário que o distinguem de outras
espécies de texto. 2º. Nomear e analisar os elementos básicos dos efeitos que as obras
literárias produzem. Neste estágio deve-se prestar especial atenção aos diferentes graus
do que o autor chama de indeterminação em um texto e as várias formas como essa
indeterminação se manifesta. 3º. Neste último estágio Iser (1999) afirma que há que se
tentar esclarecer o visível crescimento da indeterminação na Literatura desde o século
36
XVIII. Quanto mais os textos perdem a sua indeterminação, mais exigirá que o leitor se
comprometa com o funcionamento do jogo proposto pelo autor.
O leitor é chamado, convidado a descobrir os pontos de confronto de seu
mundo particular com o mundo da obra literária: “o mundo literário parece fantástico
porque contradiz nossa experiência, ou parece trivial porque simplesmente corresponde
à ela.” (ISER, 1999, p. 8). Isto é, a experiência do leitor é muito importante na
concretização da obra literária.
Em O Ato da Leitura, Iser (1999) explica com muito detalhe os atos de
apreensão de uma obra, e diz que ela só se realiza na convergência do texto com o
leitor, ou seja, a obra tem um caráter virtual, pois está dependendo, para completar sua
realização, da realidade do texto e das instâncias da sua leitura, quer dizer, das
disposições caracterizadoras do leitor.
Podemos dizer, então, que há uma interação entre obra e leitor. O leitor
recebe o sentido do texto ao constituí-lo. Não há um código constituído antes da leitura,
ele se constitui com a recepção da obra. Iser (1999) diz que a descrição da interação
entre texto e leitor deve referir-se em primeiro lugar aos processos constitutivos pelos
quais os textos são experimentados na leitura. Desse modo, deve-se substituir a velha
pergunta sobre o que significa determinado texto, pela de quais efeitos causou no leitor
no momento de ler, e depois, já que a obra literária tem dois pólos: um, artístico, que é o
próprio texto criado pelo autor e um pólo estético, que é a concretização produzida pelo
leitor.
O autor esclarece que se pode afirmar que os atos de apreensão do texto
são orientados pela estrutura dele, mas isso não significa que ditas estruturas
mantenham um controle absoluto pela criação de sentidos. No caso da objetividade
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constituída pelos textos ficcionais, possibilitam que o leitor participe da intenção
textual. O objeto ideal não é dado pela obra e sim o constitui o leitor. Isso não significa
que o leque de possibilidades que a obra abre para o leitor, dê a oportunidade de uma
interpretação aleatória, pois “os elementos de indeterminação permitem sem dúvida
certo espectro de realização, mas isso não significa que a compreensão seja aleatória,
pois representa a condição central para a interação entre texto e leitor.” (ISER, 1999, p.
57).
Para Iser (1999), a qualidade estética está na estrutura de realização de
sentido e que “essa estrutura de realização não pode ser idêntica com o produto, pois
sem a participação do leitor não se constitui o sentido.” (ISER, 1999, p. 62).
Para Jauss (1994), outro importante teórico da recepção de um texto
literário, a relação entre literatura e leitor possui implicações tanto estéticas quanto
históricas. Sobre os dois tipos de implicação, ele explica
A implicação estética reside no fato de já a recepção primaria de uma obra pelo leitor encerrar uma avaliação de seu valor estético, pela comparação com outras obras já lidas. A implicação histórica manifesta-se na possibilidade de, numa cadeia de recepções, a compreensão dos primeiros leitores ter continuidade e enriquecer-se de geração em geração, decidindo, assim, o próprio significado histórico de uma obra e tornando visível sua qualidade estética. (JAUSS, 1994, p. 23)
Quando o leitor é chamado a participar na construção da obra, ele poderá
perder-se na ficção, pois poderá não conseguir estabelecer a diferença entre narrativa
natural e narrativa artificial, além disso, há, como diz Umberto Eco, “obras abertas, que
se esforçam para ser tão ambíguas quanto a vida”. (ECO, 2001, p. 123).
Sobre a relação entre ficção e leitor, Eco (2001) diz o seguinte:
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Na ficção as referências precisas ao mundo real são tão intimamente ligadas, que depois de passar algum tempo no mundo do romance e de misturar elementos ficcionais com referências à realidade, como se deve, o leitor já não sabe muito bem onde está.. Tal situação dá origem a alguns fenômenos bastante conhecidos. (...) O leitor passa a acreditar na existência real de personagens e acontecimentos ficcionais. (ECO, 2001, p. 131).
Para Eco (2001), o leitor, no ato da leitura está como interno num
bosque, no qual haverá múltiplas possibilidades de caminhos a seguir. O leitor deve
optar por onde continuar. Na verdade, o leitor sempre é obrigado a decidir e, no
percurso da leitura, deverá ir confirmando ou corrigindo as decisões que tomar.
Explicitamente, Eco (2001) diz:
Num texto narrativo, o leitor é obrigado a optar o tempo todo. Na verdade essa obrigação de optar existe até mesmo no nível da frase individual – pelo menos sempre que esta contém um verbo transitivo. Quando a pessoa que fala está prestes a concluir uma frase, nós como leitores ou ouvintes fazemos uma aposta (embora inconscientemente): prevemos sua escolha ou nos perguntamos qual será sua escolha (pelo menos em frases de impacto como “Ontem à noite no campo-santo do presbitério eu vi...”) (ECO, 2001, p. 12)
Em outras palavras, pode-se dizer que quando o leitor mergulha no texto
vai fazendo previsões em todo momento, durante toda a leitura e, tais previsões, com
certeza, serão construídas a partir do seu universo particular e é isso o que estabelece a
diferença entre as formas de ler um texto e as formas de completá-lo, haja vista que nele
há trilhas, como se fosse um bosque, as quais se bifurcam e o leitor decide se tomar a
trilha da direita ou a da esquerda, porque quando o texto se cala, deixando lacunas,
espaços vazios, silêncios, o leitor exerce sua função de co-autor, completando o sentido
do texto.
Dialogando com Eco podemos citar Eagleton (2001) que afirma que o
“leitor estabelece conexões implícitas, preenche lacunas, faz deduções e comprova
39
suposições – e tudo isso significa um conhecimento tácito do mundo em geral e das
convenções literárias em particular”. (EAGLETON, 2001, p. 105). O autor amplia a
idéia da participação do leitor na obra literária acrescentando que “a obra é cheia de
“indeterminações”, elementos que, para terem efeito, dependem da interpretação do
leitor, e que podem ser interpretados de várias maneiras, provavelmente conflitantes
entre si.” (EAGLETON, 2001, p. 105) Porém, se tais interpretações forem conflitantes,
com a continuação do processo da leitura, o leitor poderá fazer modificações, fechando
assim o círculo hermenêutico , passando da parte ao todo e retomando novamente a
parte, corrigindo ou confirmando as interpretações anteriores.
Todo esse movimento ou, como diz Eco (2001), esse passeio pelo
bosque, será possível somente se o leitor puser em prática certos códigos e convenções
de leitura de texto literário. Eagleton (2001) fala de “leitor equipado com a capacidade e
as reações “adequadas”, aquele que é eficiente para operar certas técnicas de crítica e
certas convenções literárias”. (EAGLETON, 2001, p. 110)
Nessa construção de significado, cabe ao pesquisador perguntar-se o que
levou o leitor a escolher determinado caminho e não outro?, por que não todos os
leitores fazem as mesmas escolhas ao preencher os espaços vazios?, Qual tem sido a
relação de cada leitor com a leitura e mais especificamente com a leitura de textos
narrativos? , Ou seja, quais são as histórias de leitura dos leitores e quais são as práticas
de leitura que levaram a determinado sujeito a ser um leitor ou um não leitor de textos
literários?
Nosso interesse nesta pesquisa é precisamente o leitor e tentamos
descobrir como determinados acadêmicos de diferentes cursos, que não curso de letras,
porém, leitores iniciados em leitura de textos literários, devido às exigências do ensino
40
fundamental, do ensino médio e, principalmente da prova seletiva para o ingresso ao
curso superior, criam o sentido do texto literário. Interessa à nossa pesquisa conhecer as
instâncias que contribuíram para a formação desses acadêmicos como leitores de textos
literários, que papel tem desempenhado a escola nessa formação. Buscamos saber se
esses leitores conhecem as convenções inerentes à leitura do texto literário, que está
localizada no outro extremo das leituras realizadas com fins acadêmicos, de recolher
informações sobre cada disciplina e tema que fazem parte do currículo do curso.
Para resumir nossas reflexões sobre a leitura parece-nos pertinente
afirmar que ela tem sido pesquisada em diferentes perspectivas. Todas elas iluminam,
certamente, nossa compreensão sobre essa prática. Entretanto, poucas delas, como se
notou, problematizam a questão da leitura literária, com exceção das teorias da
recepção.
Embora os teóricos da recepção discutam o modo como o texto literário
se constitui como tal apenas na medida em que o leitor dele participa, efetuando
determinados procedimentos, sua preocupação não se volta, obviamente, para questões
relacionadas ao modo como os leitores podem se tornar leitores literários, ou seja, como
se formam os leitores capazes de realizar as operações por eles descritas em suas
teorias.
Esta é nossa preocupação neste trabalho e nesse sentido, na seqüência
procuramos discutir o que é literatura e leitura literária, evidenciando-a como uma
leitura para a qual torna-se imprescindível a escolarização.
41
2. LITERATURA E LEITURA LITERÁRIA
Quando se fala em leitura literária, parece-nos necessário falar
sobre literatura e sua abrangência, mesmo sendo uma empresa difícil, pois se referir a
ela e a seu ensino pressupõe, em primeiro lugar, conceituá-la, delimitá-la, estabelecer
suas funções, suas relações, registrar seus efeitos, coletivos e individuais e muitos
outros aspectos que com certeza podem surgir de um tema tão amplo e tão
inapreensível. A essa tarefa têm-se dedicado muitos teóricos de diversas áreas.
Para iniciar nossas reflexões aderimos ao método de Compagnon (2001),
propondo algumas perguntas: O que é Literatura? É uma necessidade, um direito, uma
disciplina do currículo escolar, um meio de sobrevivência para os escritores? É arte, é
um objeto de consumo? É tudo isso? E o que é Educação? Qual é a relação entre
Literatura e Educação? Essa relação tem permanecido estática ou passou por mudanças?
Como podemos ver, muitas perguntas surgem quando se trata de
conceituar o termo literatura e definir suas fronteiras. Vejamos o que alguns autores
dizem.
Para conhecer as origens da Literatura, Zilberman (1990) leva-nos à
Antiga Grécia e diz que “passaram-se muitos séculos até a literatura adotar o nome que
atualmente a identifica” (ZILBERMAN, 1990, p. 13). O que hoje conhecemos com o
nome de literatura para nomear uma disciplina do currículo escolar, tardou muito tempo
para se consolidar como tal e, mesmo assim, nem sempre é reconhecido um espaço para
ela.
A sociedade atribui à escola a tarefa de proporcionar ao aluno os
conhecimentos formais sobre literatura e, a partir desse princípio pensamos que
corresponde também analisar a relação entre Literatura e Educação. Para esse fim
42
podemos recordar que institucionalmente essa relação começou com o Trivium, palavra
designada para agrupar três áreas do conhecimento: Gramática, Lógica e Retórica.
Posteriormente, na Renascença, a literatura esteve mais ligada ao ensino das línguas
clássicas: latim e grego. Só no século XVIII, após a Revolução Francesa, a Literatura é
introduzida na escola e se torna objeto da História literária. Ela foi integrada no
currículo escolar e mudou sua forma de tratamento na escola: deixou de ter finalidade
intelectual e ética e adquiriu cunho lingüístico. Dentro de seu papel social ou político,
tornou-se porta voz de uma nacionalidade pré-estabelecida pelo Estado. Desde então, a
Literatura oscilou entre dois objetivos: um a serviço da norma lingüística nacional, e
outro a serviço da comprovação da história. Ambos objetivos serão atingidos inserindo
a disciplina no interior da instituição educativa.
Zilberman (1990) afirma que a Literatura está inserida no social e no
coletivo, porém ela lhe atribui outras características quando diz: “a literatura não deixa
de ser realista, documentando seu tempo de modo lúcido e crítico, mas se mostra
sempre original, não esgotando as possibilidades de criar, pois o imaginário empurra o
artista à geração de formas ou expressões inusitadas. (ZILBERMAN, 1990, p. 18)
Das palavras da autora depreende-se um conceito: a literatura é arte que
acompanha seu tempo, fazendo dele um registro, mas sem o compromisso que os
historiadores têm com a representação da realidade. Também é uma criação sempre
original e provoca no leitor um efeito duplo, pois se por um lado “aciona sua fantasia
colocando frente a frente dois imaginários e dois tipos de vivência interior
(ZILBERMAN, 1990, p. 13), por outro lado, “aciona o posicionamento intelectual do
leitor, pois o texto, mesmo que afastado no tempo ou diferenciado enquanto invenção,
produz no leitor uma modalidade de reconhecimento.” (ZILBERMAN, 1990, p. 19).
43
Esse reconhecimento efetuado pelo leitor através da leitura do texto
literário poder estar relacionado com vivências do leitor, com o conhecimento da
realidade, com a sua leitura do mundo que ele faz ou com se próprio repertorio de
leituras.
Por outro lado, Eagleton (1997) também nos leva na história a séculos
passados, tentando definir o que é Literatura. Para ele, a Literatura não pode ser
definida objetivamente, pois “a definição de literatura fica dependendo da maneira pela
qual alguém lê, e não da natureza daquilo que é lido” (EAGLETON, 2001, p.11). Como
podemos ver, ele dá importância ao leitor, considerando-o um agente do processo
literário, e não aos aspectos estruturais que podem intervir também no processo de
atribuir significado à leitura literária.
Referindo-se especificamente a um outro aspecto presente quando a
tarefa é definir literatura e determinar seus limites, o autor diz que a literatura inglesa no
século XVII incluía tanto as obras de Shakespeare, quanto os ensaios de Francis Bacon,
os sermões de John Donne e a autobiografia espiritual de Bunyan. Ou seja, não havia,
nessa época, uma distinção entre “fato” e “ficção”. A esse respeito, ele questiona
algumas classificações, pois diz que:
[...] se a literatura inclui muito da escrita “fatual”, também exclui uma boa margem de ficção. As histórias em quadrinhos do Super homem e os romances de Mills Boon são ficção, mas isso não faz com que sejam geralmente considerados como literatura, e muito menos como Literatura.5 (EAGLETON, 1997, p. 2).
Desta afirmação, podemos inferir a dificuldade de classificar o literário e
o não literário, pois esses critérios também apresentam mudanças espaço-temporais. O
5 A grafia de Literatura com minúscula e maiúscula, respectivamente, é um recurso utilizado pelo autor para explicitar seu pensamento.
44
autor diz que talvez não seja o fato de ser ficcional ou “imaginativa”6 o que classifique
um texto como literário ou não, mas o fato “de empregar a linguagem de forma
peculiar.” (EAGLETON, 1997, p. 2). Nesse sentido, ele cita as palavras de Jakobson,
que diz que a literatura é uma violência contra a fala comum e acrescenta que a
literatura transforma e intensifica a linguagem comum, afastando-se sistematicamente
da fala cotidiana. Ele exemplifica com a seguinte afirmação:
Se alguém se aproximar de mim em um ponto de ônibus e disser: “Tu, noiva ainda imaculada da quietude”, tenho consciência imediata de que estou em presença do literário. Sei disso porque a tessitura, o ritmo e a ressonância das palavras superam o seu significado abstrato – ou, como os lingüistas diriam de maneira mais técnica, existe uma desconformidade entre os significantes e os significados. (EAGLETON, 1997, p. 3).
Eagleton (1997) explica, após dar esse exemplo, que a literatura usa um
tipo de linguagem que chama a atenção sobre si mesma, traço distintivo da definição de
“literário” apresentada pelos formalistas russos, que afirmavam que a literatura era
“uma organização peculiar da linguagem.” (EAGLETON, 1997, p. 3). Em sua essência
o autor diz:
[...] o formalismo foi a aplicação da lingüística ao estudo da literatura; e como a lingüística em questão era do tipo formal, preocupada com as estruturas de linguagem e não com o que ela de fato poderia dizer, os formalistas passaram ao largo da análise do “conteúdo” literário (instância em que sempre existe a tendência de recorrer à psicologia ou à sociologia) e dedicaram-se ao estudo da forma literária. (EAGLETON, 1997, p. 4).
Nessa linha de reflexão, o mesmo autor ainda afirma que a Literatura,
impondo-nos uma consciência dramática da linguagem, renova as reações habituais,
tornando os objetos mais perceptíveis, e, que o discurso literário aliena a fala comum,
porém, ao fazê-lo, “paradoxalmente nos leva a vivenciar a experiência de maneira mais
6 As aspas são do autor.
45
íntima, mais intensa.” (EAGLETON, 1997, p. 5). Ou seja, o autor explica claramente
que a literatura diferencia-se dos textos não literários, pois oferece ao leitor a
possibilidade de vivenciar e de sentir intensamente aquilo que é apresentado pelo
artista.
Compagnon (2001) também reflete sobre Literatura e texto literário e,
tentando elaborar definições, propõe a indagação de seis termos ou noções sobre a
relação de texto literário com seis outras noções: a intenção, a realidade, a recepção, a
língua, a história e o valor. Ele diz que, se a cada um desses elementos, acrescentarmos
o epíteto literária(o), complicar-se-á a resposta.
De um modo geral, explica o autor, Literatura é tudo o que é impresso
(ou manuscrito), todos os livros contidos numa biblioteca, tudo o que os escritores
escrevem, mas, esclarece o autor, o sentido restrito de Literatura, varia segundo as
épocas e as culturas. Ele reafirma as informações apresentadas anteriormente por
Zilberman (1990), dizendo que na Idade Clássica, a epopéia e o drama constituíam os
dois grandes gêneros concebidos como Literatura. Nas palavras do autor “a tradição
literária é o sistema sincrônico dos textos literários, sistema sempre em movimento,
recompondo-se à medida que surgem novas obras.”(COMPAGNON, 2001, p. 34). Mas,
embora o sistema esteja sempre em movimento, renovando-se, e cada escritor tenha um
modo particular de escrever, o conteúdo é universal.
Por sua parte, Candido (1995), preocupa-se com outro aspecto da
literatura e percorre uns caminhos poucas vezes apresentados por outros teóricos: o do
direito dos indivíduos à literatura, ou seja, para o autor, além de outras definições, a
literatura é um direito. Ele analisa a sociedade, dando ênfase nas classes sociais e nas
enormes diferenças que as separam. A partir desse ponto, ele diz que é preciso criar,
46
desde a infância, a consciência de que os pobres têm direito aos bens materiais, ao lazer,
à arte e à literatura. Diz que compreende Literatura, de forma muito abrangente,
abarcando todas as criações de caráter poético, ficcional ou dramático em todos os
níveis de uma sociedade e em todos os tipos de cultura. Abrangente também, diz ele,
devem ser os grupos favorecidos com a literatura. Nesse sentido, faz uma espécie de
chamamento à sociedade, com as seguintes palavras:
Para que a literatura chamada erudita deixe de ser privilégio de pequenos grupos, é preciso que a organização da sociedade seja feita de maneira a garantir uma distribuição eqüitativa dos bens. Em principio só numa sociedade igualitária os produtos literários poderão circular sem barreiras, e neste domínio a situação é particularmente dramática em países como o Brasil, onde a maioria da população é analfabeta, ou quase, e vive em condições que não permitem a margem de lazer indispensável à leitura. Por isso, numa sociedade estratificada deste tipo, a fruição da literatura se estratifica de maneira abrupta e alienante. (CANDIDO, 1995, p. 257)
Como podemos ver, o autor faz um enfoque claramente social do direito
à literatura, chamando-a de bem humanizador, por permitir ao homem encontrar na
literatura aspectos de sua própria humanidade, devolvendo-lhe uma consciência humana
modificada pela leitura da obra literária. Este enfoque social também apresenta uma
crítica à sociedade por negar esse bem a uma grande parte da população. Isso nos leva a
pensar que a Literatura, ao ser abordada como um bem social, e ao reconhecer que a
leitura de um texto literário provoca efeitos no leitor, deve ser repensada na sociedade,
obrigando a fazer uma análise da sua forma de inserção na escola e do tratamento dado
à disciplina em todo o contexto sócio-cultural.
Tentando elaborar cercar um conceito sobre literatura e de resumir as
idéias de diferentes autores em relação ao tema, podemos dizer que literatura é um tipo
de texto que exige uma forma especial de leitura, baseada em convenções que se
47
aprendem. O principal traço que caracteriza o literário é a representação de um mundo
ficcional, que mesmo tendo falas, personagens e fatos que possam ser semelhantes com
o mundo real, não tem compromisso com a verdade e, portanto, não deve ser vista como
a expressão da opinião ou posicionamento de um autor para informar ou persuadir, (pois
muitas vezes a opinião do autor difere muito da opinião do narrador) e sim como um
evento lingüístico dirigido a um “público implícito (um público que toma forma através
das decisões da obra sobre o que deve ser explicado e o que se supõe que o público
saiba).” (CULLER, 1999, p. 37).
Literatura é uma manifestação artística, e, como tal, apresenta diferentes
faces ao longo da história, pois reflete as características que dão peculiaridade ao
momento em que se produz a obra, recebendo e proporcionando fortes influências
artísticas, culturais e sociais, numa interação com a sociedade, além de ser um fato
social, porque é um produto de consumo, de lazer e de comunicação.
Se já afirmamos que literatura é um tipo de texto que exige uma forma
especial de leitura, baseada em convenções que se aprendem, devemos verificar se a
escola cumpre a sua função de ensinar a forma de ler um texto literário, uma vez que,
como já afirmamos anteriormente, a leitura literária possui uma especificidade, com
veremos na seqüência do nosso trabalho.
2.1 A escola e o ensino literário
Analisando a função da escola na formação do leitor literário, revisamos
os artigos de duas docentes espanholas, Delgado (2001) e Colomer (2001), e
constatamos que o problema não só é percebido no Brasil, mas que países europeus,
48
como é o caso de Espanha, também tentam redimensionar o estudo da Literatura, em
busca de objetivos mais coerentes.
Delgado (2001) diz que uma das tarefas mais urgentes é inovar o ensino
de Língua e Literatura, para corrigir o excesso de gramaticalismo, no caso do ensino de
Língua e o excesso de historicismo, no caso do ensino da Literatura. A autora comenta
as dificuldades encontradas por docentes no ensino dessas disciplinas, propondo novos
rumos para atingir os propósitos da disciplina, tendo em vista que o Ensino Médio deve-
se orientar no sentido de atingir objetivos amplos e abrangentes. Ela aponta que desde
os anos oitenta se está trabalhando numa reforma educacional que visa adaptar a escola
aos novos tempos e, em conseqüência, há uma necessidade de renovação do ensino de
Língua e Literatura. As abordagens gramaticista e historicista deixavam, por um lado,
os alunos insatisfeitos e desinteressados e, por outro, os professores frustrados pelo
desinteresse dos alunos. Dentro dessas abordagens os docentes não achavam uma saída
para o problema nem visualizavam um caminho para suprir as carências dos programas
oficiais de ensino.
Considerando as palavras de Zilberman (1990), Cândido (1995) e
Delgado (2001), surge um importante desafio, que é o de estabelecer os objetivos das
disciplinas voltadas para o ensino da Língua e da Literatura, conferindo à essa última
seus próprios objetivos e suas próprias estratégias.
Parece haver consenso que o ensino da Literatura deve ter como tarefa
principal a formação de leitores e, que para a feliz realização dessa tarefa, haverá que se
buscar apoio em toda a sociedade, para partilhar a responsabilidade. Porém, isso não
diminui o papel que cabe à escola. Ela é, com toda certeza, a instituição que se deve
empenhar para que a disciplina seja uma fonte de prazer e de enriquecimento pessoal.
49
Por sua parte, Colomer (2001) diz que é inegável a contribuição da
Literatura na construção social do indivíduo e da coletividade, mostrando a incoerência
presente no fato de reduzir o papel da Literatura ao do uso social da língua e de centrar a
atenção do ensino da disciplina na análise da construção textual. Ela comenta como as
teorias literárias têm-se desenvolvido, valorizando a construção de significados por
parte do leitor e acrescenta que “a teoria da recepção, a semiótica e a pragmática
referiram-se amplamente ao papel cooperativo que o texto outorga ao leitor e à
Literatura como uso específico da comunicação social.” (COLOMER, 2001, p. 6-23).
Ela acrescenta que já se avançou em formulações fundadas nos efeitos da leitura no
leitor e que esses efeitos devem ser determinantes na reformulação dos objetivos
educacionais.
A autora afirma que o ensino da Literatura deve implementar a existência
de um fórum permanente, do qual participem novas gerações, por meio de um
patrimônio formado por textos que são testemunha das tensões e contradições do
pensamento humano. Essa necessidade se percebe ao ver a proliferação de expressões
como “familiarização com os livros”, “hábitos de leitura”, “animação à leitura”, “prazer
leitor”, “gosto pela leitura”, etc. Ou seja, o que se está dizendo é que a prática escolar da
leitura deve ser extensiva e livre, atendendo a escolha dos leitores.
Reforçando a idéia de que o ensino da Literatura deve passar por
importantes mudanças, é pertinente pensar que essa tem uma importante função na
sociedade e na formação do sujeito. Candido (1995) fala das funções da Literatura da
seguinte maneira:
A função da Literatura está ligada à complexidade de sua natureza, que explica inclusive o papel contraditório mas humanizador (talvez humanizador
50
porque contraditório). Analisando-a podemos distinguir pelo menos três faces: (1) ela é uma construção de objetos autônomos como estrutura e significado; (2) ela é uma forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e dos grupos; (3) ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação difusa e inconsciente. (CANDIDO, 1995, p. 244)
O autor complementa e esclarece que é comum se pensar que a função da
Literatura se centra no terceiro ítem, ou seja, na forma de conhecimento; porém, ele diz
que:
[...]o efeito das obras literárias é devido à atuação simultânea dos três aspectos7 , embora costumemos pensar menos no primeiro, que corresponde à maneira8 pela qual a mensagem é construída; mas esta maneira é o aspecto, senão mais importante, com certeza crucial, porque é o que decide se a comunicação é literária ou não. (CANDIDO, 1995, p. 245).
Ampliando as informações e comentários sobre o prazer que o leitor
sente através da leitura de textos literários, Candido (1995) narra algumas experiências,
das quais transcreveremos uma:
Tempos atrás foi aprovada em Milão uma lei que assegura aos operários certo número de horas destinadas a aperfeiçoamento cultural em matérias escolhidas por eles próprios. A expectativa era que aproveitariam a oportunidade para melhorar o seu nível profissional por meio de novos conhecimentos técnicos ligados à atividade de cada um. Mas para surpresa geral, o que quiseram na grande maioria foi aprender bem a sua língua (muitos estavam ainda ligados a dialetos regionais) e conhecer a literatura italiana. Em segundo lugar queriam aprender violino. (CANDIDO, 1995, p. 260)
Esse exemplo, nas palavras do próprio autor, leva-nos a perceber o
grande poder dos clássicos, “que ultrapassam a barreira da estratificação social e, de
certo modo, podem redimir as distâncias impostas pela desigualdade econômica, pois
tem a capacidade de interessar a todos e, portanto devem ser levados ao maior
número.”(CANDIDO, 1995, p. 261)
7 Destaque nosso 8 Destaque do autor
51
Para isso, faz-se necessário que as propostas institucionais contribuam
para a criação de um espaço para que os docentes de Língua e Literatura possam
dedicar-se à tarefa de incentivar a formação de alunos leitores e criar as condições
necessárias para experimentar a fruição na leitura. Em outras palavras, faz-se
necessário trocar a expressão “ensino de literatura”, pela expressão “educação literária”,
situando, definitivamente, o processo, dentro de um novo enfoque formativo e não
meramente informativo.
O tratamento didático dado à Literatura deve ser comunicativo, devido à
natureza de sua função e às mudanças que a concepção da Literatura e, mais
especificamente da leitura, têm assumido ao longo da história. Considerando que a
disciplina tem uma função social, a obra literária contribui para a inserção cultural e
social dos indivíduos, um dos principais objetivos da educação. A atenção deve-se
centrar nas necessidades dos alunos e na escolha de elementos que sejam indispensáveis
para sua formação.
Para dar ênfase às nossas reflexões sobre a importância da educação
literária e de que essa atenda às necessidades e interesses dos alunos, devemos dizer que
por meio do conhecimento e da formação literária, atingir-se-á uma conquista maior,
que é a de humanizar e de contribuir para a expressão da visão do mundo, assim como
para realizar um registro da história do homem e das gerações. Como Candido (1995)
diz:
Vista deste modo9 a Literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. Assim, como todos sonham todas
9 O autor refer-se à Literatura vista da maneira mais ampla possível.
52
as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. [...] A Literatura é o sonho acordado das civilizações. (CANDIDO, 1995, p. 242)
Refletindo sobre a participação da escola na formação do leitor literário
Zilberman (1997) afirma que a leitura é também passagem para a literatura, mas diz que
tendo lido depoimentos de escritores brasileiros tais como Carlos Drumond de Andrade
e Olavo Bilac “raras vezes a escola, seu aparato como salas de aula, seus instrumentos
como o livro didático, e sua metodologia como a execução do dever de casa provocam
lembranças aprazíveis de leitura”. (ZILBERMAN, 1997, p. 25). A autora comenta que
geralmente as atividades pedagógicas relacionadas com a leitura provocam tédio e
fazem o aluno vivenciá-las como se se tratasse de aprisionamento, controle ou
obrigação, porque o professor não incorpora a leitura no universo do ensino.
A autora diz também que a “imaginação pertence ao mundo interior de
todo individuo, mas não pode ser acionada sem os estímulos provenientes do exterior”.
(ZILBERMAN, 1997, p. 25). Esse exterior seria o texto literário, palavras escritas que
enriquecem com mais propriedade o imaginário, pois podem ir de encontro com
situações pessoais ou com situações inusitadas, produzindo, nas palavras de Zilberman
(1997), o “afastamento do cotidiano ou o retorno a ele, estando o leitor agora de posse
de uma nova experiência, que o prepara melhor para o enfrentamento da experiência
existencial”. (ZILBERMAN 1997, p. 25). A leitura do texto literário contribui com o
sujeito despertando a curiosidade, ajudando a desenvolver a criatividade, a
sensibilidade, dando lugar à fantasia e à expressão de sentimentos. Para Silva (1993), a
“literatura, enquanto expressão da vida, tem a capacidade de redimensionar as
53
percepções que o sujeito possui das suas experiências e do seu mundo”. (SILVA, 1993,
p. 89).
Como se pode observar pela discussão aqui proposta, a literatura
constitui-se um componente curricular fundamental para a formação dos leitores.
Entretanto, é preciso que se investigue de forma mais precisa como ela se faz presente
na escola. Nesse sentido propomos, a seguir, uma discussão sobre os modelos de
letramentos literários a fim de se demonstrar de que maneira a leitura literária se
configura como uma prática situada e construída.
2.2 A leitura literária como uma prática situada e construída
Começaremos nossa fala sobre este tema, citando Hansen (2005), que
afirma que, no caso da leitura de ficção, não há interpretação correta ou incorreta, pois a
ficção é metáfora. O que há, diz ele, são “interpretações adequadas que refazem os
procedimentos técnicos do ato de fingir – e serão melhores quanto mais forem
exaustivas dele ou adequadas a eles.” (HANSEN, 2005, p. 18).
Assim, o ato de fingir, na leitura literária, obedece a procedimentos
efetuados pelo leitor, o qual deverá aprendê-los, pela sua especificidade, pois, como
afirma o autor:
Para que uma leitura se especifique como literária, é consensual que o leitor deva ser capaz de ocupar a posição semiótica do destinatário do texto, refazendo os processos autorais de invenção que produzem o efeito de fingimento. Idealmente, o leitor deve coincidir com o destinatário para receber a informação de modo adequado. Essa coincidência é prescrita pelos modelos dos gêneros e pelos estilos, que funcionam como reguladores sociais da recepção. [...] (HANSEN, 2005, p. 20).
54
Para conhecer esses modelos o leitor precisa participar de eventos de
letramento que se transformem em práticas de letramento realmente significativas.
Propomos, a seguir, uma revisão do termo letramento e de seus modelos.
A palavra letramento foi incorporada nas últimas décadas nos estudos e
pesquisas relacionados com educação, alfabetização, cultura escrita, cultura literária e
outros. Tentaremos apresentar significados do termo, apesar de saber que não é uma
tarefa fácil, devido à multiplicidade de concepções que há sobre o tema e, devido
também, à abrangência do uso do termo em muitas disciplinas do conhecimento.
Queremos iniciar nossa reflexão definindo o termo e para tal tomaremos
como referência Kleiman (1995) que o define “como um conjunto de práticas sociais
que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia , em contextos
específicos para fins específicos”. (KLEIMAN 1995, p. 19).
A autora define o termo dessa forma, porém, reconhece que há uma
grande variedade de estudos que se referem ao tema, dificultando, assim, um consenso
na definição, pois, como ela explica,
se um trabalho sobre letramento examina a capacidade de refletir sobre a própria linguagem de sujeitos alfabetizados versus10 sujeitos analfabetos (por exemplo falar de palavras, sílabas, e assim sucesivamente), então, segue-se que para esse pesquisador ser letrado significa ter desenvolvido e usar uma capacidade metalingüística em relação à própria linguagem (KLEIMAN, 1995, p. 17).
Porém, explica a autora, se um outro pesquisador investiga o fenômeno
sob outros parâmetros, diferirá no seu conceito de letramento, evidenciando, dessa
forma, que o termo pode se adequar à situação de análise.
10 Itálico da autora
55
Soares (2006), por sua parte, refletindo também sobre o tema, formula-
se uma pergunta que ela mesma responde: O que explica o surgimento recente dessa
palavra? Logo ela explica que novas palavras são criadas ou dá-se um novo significado
à palavras que já existem. Tanto ela como Kleiman (1995) explicam que a palavra foi a
tradução para o português do termo literacy., que se define como o estado ou condição
que assume aquele que aprende a ler e escrever. Nesse conceito está implícito que o
domínio da escrita “traz conseqüências sociais, culturais, políticas, econômicas,
cognitivas, lingüísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o
individuo que aprenda a usá-la. “(SOARES, 2006, p. 17). Em outras palavras, aprender
a ler e a escrever e, além disso fazer uso da leitura e da escrita, inevitavelmente
produzirá mudanças sociais, culturais, cognitivas e lingüísticas, entre outras, no
indivíduo.
Os estudos sobre letramento assinalam a importância de diferenciar esse
termo de alfabetização, pois este último refere-se à aquisição da tecnologia para fazer
uso da escrita, envolvendo habilidades cognitivas, perceptivas, motoras, etc. Portanto,
quando se fala em alfabetizar, significa tornar alguém capaz de desenvolver uma
tecnologia, que poderá variar de acordo com os recursos dos quais se dispõe para tal.
Desta maneira, podemos afirmar que o uso do termo letramento, conduze-nos a um
terreno mais amplo e abrangente, por se preocupar não só com a aquisição de uma
tecnologia para produzir ou decifrar textos escritos. Preocupa-se, principalmente, com
as práticas que envolvem o uso da escrita.
Chamamos de uso da escrita não só as situações em que o sujeito
consegue escrever ou ler. Assim sendo, uma criança que ainda não esteja alfabetizada já
pode participar em eventos de letramento. Kleiman (1995), cita o caso de uma criança,
56
que sem saber ler e escrever, se um adulto lhe falar sobre uma fada madrinha,
compreende o significado, pois remete a algum evento de letramento do qual participou.
Aprofundando-se mais nesses estudos, vemos que os teóricos distinguem
dois modelos de letramento: o autônomo e o ideológico. O primeiro refere-se às práticas
com a escrita, considerando-a um termo completo, independente do contexto de sua
produção, cujo processo de interpretação estaria diretamente ligado ao funcionamento
lógico interno do texto escrito. Nesse sentido Kleiman (1995) afirma que “o
desenvolvimento de habilidades cognitivas que o modelo autônomo atribui
universalmente à escrita é conseqüência da escolarização” (KLEIMAN, 1995, p. 25),
pois é na escola onde se realizam as práticas discursivas que valorizam o fato não só de
ter o conhecimento, mas de saber se referir a ele ou explicá-lo.
Como vemos, a escola é o lugar onde, por excelência, se realizam essas
práticas de letramento, porém, sem estabelecer uma clara diferença com a alfabetização,
privilegiando o processo de aquisição de códigos e o desenvolvimento de capacidades
individuais relacionadas com a codificação e decodificação da língua, sem considerar de
que maneira tais práticas podem contribuir para tornarem-se eventos de letramento
significativos para os estudantes.
O outro modelo de letramento é o modelo ideológico e é o que mais
interessa ao nosso trabalho, por ter esse modelo uma abrangência ampla e por levar em
consideração aspectos sócio-culturais da formação do leitor. Esse modelo oferece uma
visão com maior sensibilidade cultural das práticas de letramento, pois elas se
diferenciam de acordo com o contexto no qual se realizam. Dessa maneira, cada grupo
social tem práticas de letramento que dão origem à habilidades específicas e,
geralmente, pode-se observar que crianças cujas famílias lhes proporcionam eventos de
57
letramento desde cedo e, além disso, valorizam a interação com os pais, têm mais
possibilidade de se familiarizar com textos escritos e com a busca de significados.
As premissas que norteiam os estudos no modelo ideológico, afirmam
que o letramento é uma prática de cunho social e como tal, está relacionada com o
conhecimento socialmente construído e não com habilidades técnicas, neutras e
individuais. Quer dizer que a forma como interagem mediadores da leitura e alunos,
representa, sem dúvida, uma prática social que ficará em evidência na natureza do
letramento a ser aprendido e nas opiniões que os participantes do processo venham a
formular. Por exemplo, se o evento de letramento inclui discussão, debate, expressão
oral; estamos falando de um agir socializado, no qual todos os participantes podem
revelar o sentido que para eles representa determinado texto.
Não queremos dizer com essas afirmações que o modelo ideológico de
letramento esteja no pólo oposto ao modelo de letramento autônomo, pelo contrário,
existe entre os dois modelos uma relação, haja vista que no modelo ideológico se
reconhece que as habilidades técnicas que propõe o modelo autônomo se empregam em
um contexto social e ideológico, contribuindo para que o sujeito que aprende possa
atribuir significados às palavras, sentenças e textos com os quais está envolvido.
Inclusive, pode-se afirmar que, na aquisição inicial do letramento, que se dá na
educação institucional, encontra-se presente uma ideologia, fato que se evidencia na
escolha de material, dos programas, dos métodos, etc.
Além desses dois modelos de letramento: o autônomo e o ideológico,
encontramos outra especificidade dentro do tema, que é o letramento literário. Partindo
do conceito de letramento elaborado por Kleiman (1995), podemos dizer que letramento
literário entender-se-ia como as práticas sociais que fazem uso da escrita literária em
58
contextos e com objetivos específicos. Entretanto, para que se faça esta especialização
do conceito, é necessário que se tenha claro o conceito de escrita literária.
A escrita literária diferencia-se de outras tipologias de escrita pela
presença de alguns elementos constitutivos. Um desses elementos que a constituem é a
capacidade de representar o mundo. O ser humano necessita representar o mundo em
que vive, necessita conhecê-lo e se conhecer, para compreendê-lo e se compreender a si
mesmo, e, a escrita literária seria um dos caminhos para satisfazer essa necessidade,
pois contribui para a construção de uma realidade paralela, de um mundo autônomo,
com leis próprias, capaz de produzir a ilusão de aceder a uma realidade nunca antes
vista.
Nesse processo de se internar no universo proposto pelo autor nos atos da
fala, o leitor é convidado a vivenciar as experiências do outro, criado pelo autor, sendo
ele soberano para decidir o que é válido e o que não é, para todos os elementos da sua
criação. Essa aceitação do jogo proposto pelo autor é um dos fatores que diferencia a
escrita literária de outras tipologias de escrita, como a informativa ou a científica.
É como dizer que o jogo literário busca uma verdade, mas uma verdade
artística, que nunca poderá ser comprovada ou verificada, pois, se assim fosse, o jogo
acabaria ou simplesmente se transformaria num entretenimento intelectual, destinado a
distrair, mas não a convencer.
Um outro traço característico da escrita literária é a peculiaridade da
linguagem, pois, sendo organizada em enunciados não comuns, faz-se possível a
representação do mundo que se quer representar. Para esse trabalho de representação,
também vale tudo o que o autor decidir usar, desde uma linguagem facilmente
decifrável, imitando até estruturas enunciativas correspondentes a outras tipologias
59
textuais, até uma linguagem que o leitor precisará esforçar-se muito para compreender e
lhe atribuir sentido.
Sobre a linguagem na escrita literária, Todorov (2003) afirma que a
literatura:
tem a linguagem ao mesmo tempo como ponto de partida e como ponto de chegada; ela lhe fornece tanto sua configuração abstrata quanto sua matéria perceptível, é ao mesmo tempo mediadora e mediatizada. A literatura se revela portanto não só como o primeiro campo que se pode estudar a partir da linguagem, mas também como o primeiro campo cujo conhecimento possa lançar uma nova luz sobre as propriedades da própria linguagem. (T0ODOROV, 2003, p. 54)
Encerrando nossa breve fala sobre a escrita literária, queremos nos referir
ao traço ficcional, uma ficção capaz de convencer o leitor e de fazê-lo entrar no jogo das
representações.
A esse respeito, Marchezan (2004) comenta que:
A enunciação literária, a ficção, é uma atividade lingüística numa dada situação em que o imaginário humano é atualizado, diante de um propósito firmado, claro, entre autor e leitor. [...]. A ficção, para perplexidade do leitor, nomeia para inventar. O mundo da ficção, o seu universo, preponderantemente, é inventado. [...]. Há na ficção um pacto entre autor e lector. O lector precisa dialogar com a voz narrativa e providenciar respostas interpretativas, e, assim, construir o sentido do texto ficcional. (MARCHEZAN, 2004, p. 79)
Complementando as palavras de Marchezan (2004), reiteramos que esse
traço fundamental que demarca um texto literário, seu caráter de ficcionalidade,
expresso por meio de uma linguagem característica, requer um convite, feito pelo autor,
e uma aceitação, por parte do leitor, completando-se, dessa forma, o texto literário. Ou
seja, participar em eventos de letramento literário, exige conhecer e aceitar o jogo
proposto pelo texto literário.
60
Cremos, entretanto, que as práticas de letramento literário e os estudos
delas não se restringem apenas à escola e nem aos textos consagrados pela tradição.
Podemos observá-la em outros espaços fora da escola, tal como ambientes privados,
onde são lidos textos não canônicos, pois esses contextos, mesmo que não estejam
padronizados ou determinados pelas instituições oficias escolares representam uma
parte significativa das práticas de letramento literário e oferecem um terreno fértil de
pesquisa social.
Cosson (2006) afirma que quando o que se quer promover é o letramento
literário não basta só a leitura de textos literários, já que, como vimos anteriormente, a
leitura escolarizada é uma prática construída, é necessário ir além da simples leitura,
pois, afirma o autor:
Os livros, como os fatos, jamais falam por si mesmos. O que os fazem falar são os mecanismos de interpretação que usamos, e grande parte deles são aprendidos na escola. Depois, a leitura literária que a escola objetiva processar visa mais que simplesmente ao entretenimento que a leitura de fruição proporciona. (COSSON, (2006, p. 26).
Isso significa que a escola, se tiver o propósito de proporcionar eventos
de leitura literária significativos para os alunos, deve lhes ensinar formas de explorar os
textos literários. Não é que ele esteja afirmando que o único lugar onde se realiza a
correta leitura de textos literários seja a escola, mas, diz o autor, se a escola ensinar os
protocolos, facilitará a leitura literária.
Para reafirmar nossas reflexões queremos citar as palavras de Zappone,
(2007) e ver o que ela propõe sobre o estudo de letramento aplicado ao estudo da
literatura:
Como se nota, o conceito de letramento, aplicado ao estudo da literatura, mostra-se bastante fértil, pois permite uma compreensão do literário situada
61
para fora dos domínios estritamente ligados ao texto e abre perspectivas para o estudo de variados aspectos relacionados ao modo como se constroem os padrões sociais de letramento literário que levam à efetuação de diferentes práticas em diferentes contextos. (ZAPPONE, 2007, p.10)
Retomando o tema da nossa pesquisa, parece-nos muito válido conhecer
como nossos sujeitos lêem um texto narrativo assim como conhecer suas práticas de
leitura literária e os contextos nos quais tais práticas se produziram, uma vez que esses
indivíduos passaram pelo processo de escolarização, mas, agora, se encontram em
contexto onde a leitura de textos literários é menos observável. Voltamos novamente a
Zappone, quando diz que o letramento literário é mais visivelmente observável no
espaço escolar:
Afinal, quem e como se lê ficção no Brasil? A pergunta matiza um importante campo de pesquisa certamente. Assim, vemos que as práticas de leitura do texto literário a que temos maior acesso são aquelas realizadas pela escola e que estas, também, podem ser emolduradas no modelo autônomo de letramento, pois consideram a autonomia do escrito como fonte suficiente para a produção de sentidos do texto. (ZAPPONE, 2007, p. 10)
A pergunta formulada por Zappone é o que motiva nosso trabalho, ou
seja, o que queremos saber é como nossos sujeitos realizam a leitura literária. Eles lêem
textos literários de acordo com os protocolos de leitura escolarizados, ou seja, de
maneira padronizada pela instituição escolar ou efetuam uma leitura exercendo seu
papel de co-autor, para completar o texto com suas vivências e seu repertório?
Formulamo-nos essas perguntas por saber que o ensino de literatura na escola privilegia
o modelo autônomo de letramento, com o agravante de que os livros didáticos muitas
vezes oferecem recortes de narrativas, as quais obedecem a um critério de seleção
muitas vezes incompreensível, o qual, atrevemo-nos a afirmar, não leva em
consideração a situação e os contextos de leitura nem as identidades e histórias de
leitura dos leitores.
62
Assim sendo, voltamos às palavras de Zappone, que se referindo às
múltiplas formas de realizar a leitura literária diz:
Certamente há muitos modos de ler literatura, como se observou anteriormente se considerarmos a perspectiva do modelo ideológico do letramento literário. Pode-se lê-la apenas como forma de memória e recitação em festejos escolares e outros, como exercício ou treino para os olhos do leitor, de forma que se consiga maior rapidez na decodificação das palavras, consistindo, portanto, um exercício mecânico de leitura. Pode-se, ainda, indagar-se sobre o sentido dos textos literários, utilizá-los como forma de evasão, como motes de vida; pode-se simplesmente apreciar um poema, por exemplo, pela forma sonora que possui ou até utilizá-lo como forma de ornamentação de um discurso. São essas diferentes práticas de letramento literário que podemos encontrar em nossa sociedade. (ZAPPONE, 2007, p. 12).
É comum observar nos textos didáticos propostas de atividades
gramaticais a partir de textos literários. Também é comum elaborar perguntas de
compreensão a partir desses textos, deixando sempre em evidência a crença numa
leitura uniforme, negando a possibilidade de criação de múltiplos sentidos. Como dizem
Batista e Galvão (1999), há um “conjunto de crenças compartilhadas em relação à
leitura. Uma delas é a de que ler seria um fenômeno invariável e sempre igual a si
mesmo.” (BATISTA & GALVÃO, 1999, p. 15)
Partindo dessa observação, parece-nos pertinente refletir sobre os
critérios e princípios que regem a leitura literária escolarizada, para entendermos melhor
o fenômeno do letramento literário.
2.3 Princípios que norteiam a leitura literária escolarizada
Dialogando com as idéias do ensino da literatura, gostaríamos de citar
Chartier (2001), quando afirma que, admitindo o caráter polissêmico do texto narrativo
63
é pertinente analisar o leitor, por ser esse um dos elementos que constitui a obra literária
e, acrescenta que ler aprende-se na escola ou fora dela. Ou seja, espera-se que nas aulas
de língua ou de literatura o aluno conheça as convenções da leitura de textos de diversas
naturezas, e, portanto, que ao ler um texto literário, saiba que ele foi produzido dentro
de determinadas características sociais, as quais, possivelmente ver-se-ão representados
nos diversos gêneros..
Como se viu anteriormente, a leitura do texto literário, se entendida
como uma prática social de letramento, não está restrita apenas ao ambiente escolar,
podendo ser observada fora da escola.
Entretanto, como se pontuou, a escola, por ser uma instituição legitimada
pela sociedade, acaba por uniformizar a leitura do texto literário, tornando-a
escolarizada. Essa escolarização da leitura literária reverbera, por sua vez, os princípios
das leituras canônicas, baseadas nos protocolos da leitura da crítica literária.
Assim, no espaço escolar, considera-se leitor literário o indivíduo capaz
de reconhecer / conhecer as convenções literárias dos gêneros, dos estilos de época,
enfim, todos os protocolos da escrita literária, da qual falamos anteriormente no nosso
trabalho.
Desse modo, se bem sucedida, a tarefa da escola seria formar um leitor
capaz de reconhecer os textos de valor artístico a partir de um determinado gosto e
sensibilidade, o qual sabemos, é branco, masculino, eurocêntrico, enfim, burguês. Ou
seja, a escola, como instituição socialmente legitimada para formar leitores, contribui
com a ideologia burguesa na valorização de estereótipos sociais, servindo-se do ensino
da literatura para tal fim.
64
Diante dessa situação, parece-nos muito adequada uma reflexão de
Azevedo (2004) que, partindo da pergunta “Mas o que é exatamente um leitor?”
(AZEVEDO, (2004, p. 38), diz:
De um certo ponto de vista é possível dizer que leitores são simplesmente pessoas que sabem usufruir os diferentes tipos de livros, as diferentes “literaturas” – científicas, artísticas, didático-informativas, religiosas, técnicas, entre outras – existentes por aí. Conseguem, portanto, diferenciar uma obra literária e artística de um texto científico; ou uma obra filosófica de uma informativa. Leitores podem ser descritos como pessoas aptas a utilizar textos em beneficio próprio , seja por motivação estética, seja para receber informação, seja como instrumento para ampliar sua visão de mundo, seja por motivos religiosos, seja por puro e simples entretenimento. (AZEVEDO, 2004, p. 38).
É claro, o autor está falando de leitores em geral, e não especificamente
do leitor literário, porém, o leitor literário, precisa ser antes, simplesmente, um leitor.
No entanto, o autor, mais adiante, referir-se-á especificamente à leitura literária,
dizendo:
Através do discurso poético, abrimos mão da linguagem objetiva, lógica, sistemática, impessoal, coerente e unívoca dos livros didático-informativos. Não por acaso, as obras didáticas costumam apresentar um discurso muito semelhante entre si, pois nelas, a voz pessoal do autor praticamente desaparece. A razão é simples: esse tipo de livro pretende que todos os seus leitores cheguem à mesma e única interpretação. Para atingir tal objetivo não é possível, evidentemente, recorrer a discursos que possam resultar em múltiplas leitura. (AZEVEDO, 2004, p. 39).
A fala do autor ratifica o que já afirmamos anteriormente: a escola busca
uma leitura uniformizada, que conduza a respostas únicas e que não ofereça a
oportunidade de criar múltiplos sentidos. Porém, é preciso dizer que isso não significa
que o leitor tenha toda a liberdade para criar sentidos de forma arbitrária,
descontextualizada, e é precisamente isso o que a escola deve fornecer ao aluno: os
65
elementos necessários para conhecer as convenções da leitura literária, de acordo com a
época em que foi produzida a obra e de acordo com a sua tipologia.
Hansen (2005) refere-se a esse requisito da leitura literária, dizendo:
Assim, a leitura literária pressupõe por definição a capacidade de percepção do artifício simbólico, ou seja, a capacidade de percepção e relativização do arbitrário simbólico do texto, da particularidade do ato da sua leitura e da não-unidade das representações do indivíduo-leitor. (HANSEN, 2005, p. 31).
De acordo com a afirmação do autor, o leitor literário deve ter essa
capacidade de percepção, mas, é necessário lembrar que o leitor deve aprender a ler com
eficácia e, com esse objetivo, Hansen (2005) afirma que:
[...] o leitor literário deve ser capaz de pôr-se a si mesmo entre parêntesis e traduzir a ordenação léxica, gramatical e argumentativa do texto, mas sem parar aí, pois dever ser principalmente capaz de especificar a ordenação retórica do fingimento. (HANSEN, 2005, p. 32).
Desse modo, o leitor literário deve encontrar as estruturas básicas que lhe
permitam completar o texto literário adequadamente, de acordo com o seu repertório e
as suas expectativas e, cabe à escola produzir as condições necessárias para essa
realização.
A escolarização da leitura literária baseia-se na tradição cristalizada por
meio das instituições e uma das importantes instituições que contribui para criar e
sustentar essa tradição é a critica literária, sobre a qual falaremos a seguir.
66
2,4 Crítica literária
Para iniciarmos nossa reflexão sobre a crítica literária, queremos citar um
elenco de perguntas que Aguiar (2000) retoma de um livro clássico e as adapta ao
terreno estritamente literário:
1) O que confere valor à experiência de ler determinada obra? 2) De que modo essa experiência é melhor do que outra? 3) Por que preferir essa obra àquela? 4) Qual o melhor modo de fruir esta obra? 5) Por que uma determinada opinião sobre esta obra é melhor do que outra?
(...) 6) O que é um poema? Ou um romance, um conto, um drama, uma tragédia,
uma novela, uma crônica, e assim por diante? 7) Como se podem comparar diferentes experiências de leitura? 8) O que é, afinal, o valor? (AGUIAR, 2000, p. 19).
O autor explica que essas perguntas aparecem no livro de Richards que
foi publicado em 1924 e comenta que, possivelmente, algumas delas deveriam ser
reformuladas, para adequá-las à atualidade, mas, mesmo assim, diz Aguiar, “as questões
de Richards continuam sendo nossas” e acrescenta que “servem para definir o alcance
da atividade crítica dentro do campo literário” (AGUIAR, 2000, p. 20).
Quando falamos em crítica literária, devemos incluir a obra literária
dentro do conjunto de obras de arte, e como tal, deve ser tratada de uma forma
específica, pois, “é um objeto único, diferente de todos os demais, que pode espelhar o
mundo em volta, mas dele se distingue radicalmente. (AGUIAR, 2000, p. 20).
Essa especificidade da obra literária impõe um “decoro peculiar”
(AGUIAR, 2000, p. 20), isto é, conhecer as convenções que a caracterizam e apreciá-la
de acordo com essas convenções. Em outras palavras, ao ler um texto romântico
esperamos personagens românticos e situações românticas; “de personagens cômicos,
67
esperamos gestos cômicos; de trágicos, trágicos; e assim por diante.” (AGUIAR, 2000,
p. 20).
O autor afirma que
...a aproximação crítica de uma obra de arte exige quatro operações fundamentais, que são: a paráfrase, a análise, a interpretação e o comentário. Pode haver outras operações, mas sem estas a crítica não se põe de pé por inteiro, embora elas nem sempre possam se completar – em geral, por falta de espaço. (AGUIAR, 2000, p. 21).
Vamos explicar brevemente cada uma dessas operações para entender
melhor as palavras do autor:
“Por paráfrase entendemos a reprodução da obra através da memória do
leitor.” (AGUIAR), 2000, p. 21). O autor alerta para o fato de essa não ser uma operação
passiva, pois o leitor, aquele que mais tarde fará a crítica da obra literária, imprime no
ato de contar a história a sua interpretação da narração, com a qual tentará convencer os
futuros leitores. Aguiar (2000) afirma que é a paráfrase que “nos abre o caminho para a
visualização da forma particular de uma obra.” (AGUIAR, 2000, p. 21).
“Por análise, entendemos a caracterização da forma particular de uma
obra, através da consideração dos seus elementos internos e das relações que mantêm
entre si.” (AGUIAR, 2000, p. 22). Quando se trata de um romance, por exemplo, esses
elementos podem ser tempo, espaço, foco narrativo e outros. No caso de um poema, os
elementos observáveis serão o ritmo, a sonoridade, a estrutura, os jogos de pausas e
silêncios e, dessa maneira, com cada gênero literário, a análise preocupar-se-á com os
elementos constitutivos correspondentes.
“Por interpretação entendemos colocar tudo aquilo que a análise dos
elementos internos da obra nos sugere em relação com os demais campos da arte e do
68
conhecimento...” (AGUIAR, 2000, p. 23). Tais campos podem ser a própria tradição
literária, as outras artes, a história, a filosofia, etc.
Finalmente, por comentário, entendemos “tudo aquilo que vem de fora
da obra (informações biográficas, políticas, sociais, de hábitos e costumes, de produção
editorial, etc.), mas que pode ajudar a emoldurá-la em seu tempo, no conjunto da obra
de seu autor, e também no nosso tempo.” (AGUIAR, 2000, p. 23). Os comentários podem
se apoiar em opiniões, crenças, tendências políticas do seu autor, em preconceitos da
sociedade, etc.
Aguiar (2000) afirma que essas operações não são independentes uma da
outra, pois ao realizar uma, utilizam-se elementos da outra, contribuindo desta forma,
para a crítica cumprir o seu papel.
A crítica literária tanto pode levar ao sucesso quanto ao fracasso uma
obra, porém, também pode fracassar ela própria na sua análise e previsão. Segundo
Jauss (1994) há uma relação entre literatura e público, mas essa relação não se
fundamenta no pressuposto de que cada obra possui seu público específico, histórica e
sociologicamente definível ou de que cada escritor depende do meio, das concepções e
da ideologia de seu público. Também o sucesso literário de uma obra não depende de
que essa exprima aquilo que o grupo esperava: uma identificação com a sua própria
imagem. Esclarece Jauss (1994) que algumas obras, “no momento de sua publicação
não podem ser relacionadas a nenhum público específico, mas rompem tão
completamente o horizonte conhecido de expectativas literárias que seu público
somente começa a formar-se ao poucos.” (JAUSS, 1994, p. 33). Acrescenta o autor que
dessa forma o público pode conferir poder ao novo cânone estético e “passar a sentir
como envelhecidas as obras até então de sucesso, recusando-lhes suas graças.” (JAUSS,
69
1994, p. 33). Dessa forma, podem surgir novas formas que a crítica deverá legitimar,
pois esta não só exerce influência sobre o público, mas também deixar-se-á influenciar
por ele.
Para Candido (1972) uma obra literária se valida como obra autêntica
quando consegue “elaborar em termos esteticamente válidos os pontos de vista
humanitários e políticos.” (CANDIDO, 1972, p. 251), ou seja, o autor tem que ser capaz
de criar uma organização literária adequada, “a eficácia humana é função da eficácia
estética, e portanto o que na literatura age como força humanizadora é a própria
literatura, ou seja, a capacidade de criar formas pertinentes”. (CANDIDO, 1972, p.
251), porém, diz ele:
Isso não quer dizer que só serve a obra perfeita. A obra de menor qualidade também atua, e em geral um movimento literário é constituído por textos de qualidade e textos de qualidade modesta, formando no conjunto uma massa de significado que influi em nosso conhecimento e em nossos sentimentos. (CANDIDO, 1972, p. 251).
Finalizando nossas reflexões sobre crítica literária, diremos que os juízos
de valor literário não são uniformes, assim como não são uniformes as crenças
religiosas, os ideais políticos, nem mesmo o julgamento que fazemos sobre expressões
de arte que não literárias, pois a subjetividade é traço característico e determinante de
todo ser humano. Entretanto, a crítica literária realiza alguns procedimentos de leitura
que, por sua força de autoridade no tema, acaba se expandindo para suportes
especializados (revistas especializadas, ensaios, etc.) para o ambiente escolar, onde
passam a compor uma prática escolarizada e emoldurada.
70
3. A PESQUISA EMPÍRICA: A leitura literária e as pr áticas de leitura de textos
narrativos por leitores escolarizados
3.1 Metodologia
Sendo nosso objetivo pesquisar sobre as formas de recepção de um texto
literário por parte de um grupo de acadêmicos e conhecer quais as instâncias que
contribuíram para a sua formação leitora, após a pesquisa bibliográfica e a
fundamentação teórica tivemos que decidir os caminhos por meio dos quais
encontraríamos respostas para nossas perguntas. Para categorizar o tipo de pesquisa,
utilizamos as definições e classificações de Triviños (1987) e complementamos os
fundamentos teóricos de pesquisa em educação com conceitos de André & Lüdke
(1986).
Conforme Triviños (1987) nosso estudo é qualitativo, de natureza
fenomenológica, descritivo, com estudo de caso e, comenta que essa é uma tipologia
muito aplicada quando o foco essencial reside no desejo de conhecer características de
uma determinada comunidade em relação a um tema. Nesse caso, nosso tema é o estudo
da formação de determinados leitores e seu letramento literário.
O autor assinala que esse tipo de pesquisa se desenvolve em interação
dinâmica, retroalimentando-se, reformulando-se constantemente, de maneira que cada
informação seja veículo para a busca de novas informações.
Triviños (1987) assinala a dificuldade para definir o que se entende por
pesquisa qualitativa, devido “à abrangência do conceito, à especificidade de sua ação,
aos limites deste campo de investigação”. (TRIVIÑOS, 1987, p. 120). Apesar dessa
dificuldade, o autor diz que parece haver um consenso em relação à algumas
71
informações. A pesquisa qualitativa tem sua origem em práticas desenvolvidas,
primeiro, por antropólogos e, depois, por sociólogos. Posterior a isso, começou a ser
desenvolvida por teóricos da educação. O autor explica que “a tradição antropológica
da pesquisa qualitativa faz com que esta seja conhecida como investigação etnográfica.
E pode-se dizer que, às vezes, se usam indistintamente ambas as expressões para referir-
se a uma mesma atividade.” (TRIVIÑOS, 1987, p. 120).
O mesmo autor assinala que há dois conjuntos de pressupostos sobre o
comportamento humano e, diz que ambos são de extraordinária relevância para a
pesquisa educacional. Esses pressupostos referem-se ao individuo e às influências que
exerce o meio, com suas características físicas e sociais no seu desenvolvimento e
comportamento. Afirma ele que não é possível defender a identidade de meios
culturais, pois, mesmo que sejam meios semelhantes, podem produzir resultados
diferentes.
Foi esse o ponto que motivou nossa curiosidade científica: conhecer o nível de
letramento literário dos sujeitos com os quais trabalhamos, e verificar até que ponto eles
conhecem e aplicam os protocolos da leitura literária, considerando que eles passaram
pelo Ensino Médio e, portanto passaram, também, pelo processo de escolarização
literária. Porém, como diz Triviños (1987), não nos preocuparemos com as causas nem
com as conseqüências do fenômeno estudado. Nosso interesse é descrever as
características dele.
Nossos sujeitos de pesquisa são acadêmicos da Universidade Estadual de
Maringá e alunos do curso de espanhol do Instituto de Línguas (ILG) da mesma
instituição.
72
O Instituto de Línguas da Universidade Estadual de Maringá, é um
órgão suplementar dessa universidade. Foi criado em agosto de 1969, ligado
diretamente à Reitoria, com o objetivo de oferecer cursos de línguas estrangeiras à
comunidade universitária (docentes, funcionários e acadêmicos) e, à comunidade
externa.
O ILG oferece, atualmente, cursos em cinco idiomas: inglês, francês,
alemão, italiano e espanhol, bem como serviços de tradução e versão e tem
aproximadamente 1200 alunos matriculados, 31 professores, 03 técnicos
administrativos e um técnico de recursos áudio-visuais. Além dos cursos regulares, o
ILG oferece cursos de aperfeiçoamento em diversas áreas: conversação, cultura,
fonologia, preparatórios para exames de proficiência, cursos instrumentais e outros.
O motivo de selecionarmos alunos do curso de espanhol, do ILG, deveu-
se, exclusivamente, ao fato de a pesquisadora ser professora dessa língua, na instituição,
facilitando, assim, o acesso aos sujeitos que deveriam ter como característica
fundamental o Ensino Médio completo. Tal condição preenchia um critério chave de
seleção: ter participado de um processo completo de escolarização literária. Assim, as
salas de aula de língua estrangeira do ILG/UEM constituíram excelente ambiente para a
seleção desses sujeitos, uma vez que grande parte deles são acadêmicos dos diversos
cursos de graduação ou pós-graduação oferecidos pela instituição.
Os sujeitos selecionados para nossa pesquisa serão referidos nesta, como:
Sujeito 1, Sujeito 2, Sujeito 3 e Sujeito 4 e serão apresentados mais adiante.
Retomando nosso estudo, reiteramos que o que nos interessava era
conhecer as formas de apropriação de um texto literário por sujeitos de uma
determinada comunidade, neste caso, acadêmicos do Instituto de Línguas da UEM,
73
alunos de diferentes cursos e que, portanto, já haviam vivenciado o processo de
escolarização básica, conhecer suas histórias de leitura, ou seja, como se transformaram
em leitores, tanto leitores comuns, quanto leitores literários, qual foi a contribuição da
escola nessa formação, que pessoas têm mediado a leitura entre eles, qual é o nível do
seu letramento literário, como lidam com a ficção, no caso da leitura de um conto, de
que forma preenchem os espaços vazios do texto narrativo, quais são as suas
expectativas, qual é o seu repertório de leituras literárias, etc.
Sabemos que estamos pesquisando um fenômeno complexo com
múltiplas variáveis: alunos de diferentes cursos, de diferentes idades e sexo,
provenientes de diferentes lugares (cidades, estados), resultantes de diferentes
metodologias de alfabetização, elementos de famílias diferentes, com diversos hábitos e
níveis sócio-econômicos, enfim, objetos de estudo diferentes, os quais, com certeza,
entregaram informações sem uniformidade e conduziram a variados resultados.
Nossa pesquisa está diretamente relacionada com nossa formação
acadêmica e com a atividade profissional que desempenhamos. Nesse sentido, Triviños
(1987), ao referir-se ao problema de pesquisa diz que desde o ponto de vista
instrumental-prático, é recomendável que o foco dessa tenha relação direta com a área
de graduação do pesquisador e que surja da prática quotidiana que ele realiza como
profissional. No nosso caso, cumprem-se essas duas condições, pois o pesquisador tem
graduação na área de letras e se desenvolve como profissional na mesma área. Esse fato
tem permitido mergulhar às vezes no tema da pesquisa e outras vezes tomar distância
para tentar analisá-lo da forma mais objetiva possível, ainda sabendo que a neutralidade
e a objetividade do pesquisador, não passam de uma utopia.
74
Tratando-se de um estudo qualitativo, e, para encerrar nossas reflexões
sobre os fundamentos metodológicos do nosso trabalho, parece-nos oportuno comentar
as características principais da pesquisa qualitativa, conforme Bogdan e Biklen (2003).
Eles assinalam cinco características básicas, as quais apresentaremos de
forma resumida: 1) A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta
de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. 2) Os dados coletados são
predominantemente descritivos. 3) A preocupação principal é com o processo e não
com o produto ou resultado. 4) Os pesquisadores qualitativos tendem a analisar seus
dados pelo viés indutivo. 5) Um dos focos essenciais do pesquisador é com o
significado que as pessoas atribuem às situações ou aos fenômenos.
3.1.1 A coleta de dados
Triviños (1987) chama a atenção para o fato de que cada etapa da
pesquisa qualitativa está em interação com a etapa seguinte ou com a anterior, isto é, as
informações fornecidas por um sujeito de pesquisa, numa determinada etapa do
trabalho, podem sugerir ao pesquisador uma revisão de determinado conceito, ou,
talvez, obrigá-lo a retomar algum tópico do estudo. Isso significa que a pesquisa, em
todo momento, é dinâmica e pode estar sujeita a reformulações.
No nosso caso, para a obtenção das informações que buscávamos, após
selecionar os sujeitos da pesquisa, como já comentamos anteriormente, aplicamos os
instrumentos de coleta de dados.
Esses dados foram obtidos por meio de um questionário de identificação,
que os alunos responderam em forma individual. Foi enviado por correio eletrônico, em
75
anexo e foi devolvido da mesma forma. O objetivo desse instrumento foi apenas
identificar o sujeito. (Anexo 1).
O objetivo de colher dados de identificação dos sujeitos, de cunho sócio-
econômico, foi apenas o de identificá-los, não de fazer uma interpretação deles.
Além desse questionário, aplicamos uma entrevista semi-estruturada,
enviada e devolvida também em anexo, por correio eletrônico. O objetivo desse
instrumento foi conhecer as práticas de leitura dos sujeitos. (Anexo 2). Não foi
necessário complementar essa entrevista, pois os entrevistados foram claros e
eloqüentes nas respostas.
Segundo Triviños (1987), esse tipo de instrumento, numa pesquisa
qualitativa, é um dos principais meios que o pesquisador tem para realizar a coleta de
dados, pois, afirma o autor, oferece todas as perspectivas possíveis para que o
informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a
investigação.
Na seqüência, pedimos para os sujeitos da pesquisa, lerem o texto
narrativo No retiro da figueira, conto de Moacyr Scliar. (Anexo 3).
Após a leitura do conto, foi aplicado um instrumento escrito, destinado a
verificar a recepção do conto. (Anexo 4).
Escolhemos para nosso trabalho um conto, por ser uma narrativa curta, o
qual faria mais possível a leitura pelos acadêmicos, haja vista que eles têm sempre
muitas obrigações e tarefas, devido à natureza dos seus estudos e múltiplas atividades.
Assim, eles não precisariam dispor de muitas horas do seu tempo para dedicá-las aos
requerimentos da nossa pesquisa.
76
A escolha do conto No Retiro da Figueira, obedeceu ao critério de
contemporaneidade, tanto nos elementos estéticos quanto nos elementos estruturais. A
escolha do autor, Moacyr Scliar, também levou em consideração o critério de
atualidade, por ser um escritor do nosso tempo, atuante na nossa sociedade.
Ao invés de fazermos uma apresentação longa do autor e suas
qualidades, transcreveremos as palavras de Zilberman (2003), que diz:
Desde o livro da estréia, Moacyr Scliar, estabiliza algumas características em seus contos. A primeira delas é s preferência por personagens carentes de identificação – seres sem nome ou qualquer outro traço que os individualize. Outra característica é a preferência pelo insólito. Não pelo impossível ou sobrenatural, mas pelos fatos, no mínimo, fora do comum. E assim, narra os acontecimentos de tal forma que acaba desvelando a outra face das coisas, pessoas e acontecimentos. São contos que revelam parábolas da sociedade contemporânea. (ZILBERMAN, 2003, contracapa).
3.2 A pesquisa: dados e discussão
3.2.1 Os sujeitos da pesquisa
Como já dissemos anteriormente, os sujeitos da nossa pesquisa são
acadêmicos da UEM, de quatro cursos diferentes. Procurou-se essa diversidade para
enriquecer o nosso estudo,
Para melhor contextualização, faremos, a seguir, a apresentação desses
sujeitos.
Sujeito 1: Sexo feminino, 22 anos, estudante do quarto ano do curso de
Direito. Filha de pais separados, ambos portadores de diploma superior. Tem uma irmã
mais nova e mora sozinha, em Maringá, desde que iniciou o curso superior.
77
Anteriormente morava em outra cidade do estado de Paraná. Além de estudar espanhol,
estuda japonês, no Instituto de estudos japoneses (IEJ), da mesma instituição.
Sujeito 2: Sexo feminino, 28 anos. Faz curso de doutorado na área de
estudos biológicos, especificamente em fauna dos rios da região. É filha de pais
dedicados às atividades agrícolas, em cidade pequena, no interior do estado de Paraná.
Mora sozinha, em Maringá, há quatro anos, quando iniciou seu curso de mestrado.
Sujeito 3: Sexo masculino, 20 anos, aluno do quarto ano do curso de
Farmácia. Seus pais têm segundo grau incompleto. Nasceu em São Paulo e mora em
Maringá desde 2002. Tem duas irmãs e mora com a família.
Sujeito 4: Sexo masculino, 25 anos, pós-graduando do curso de
doutorado em Física. Veio à Maringá para fazer seu curso de mestrado e, ao concluí-lo,
entrou no doutorado. Filho de professores, portadores de diploma superior, separados.
Tem dois irmãos e, mora sozinho, em Maringá. Seus pais moram em outro estado.
3.2.2 As histórias de leitura dos sujeitos da pesquisa
Como já vimos ao longo do nosso trabalho, o ato de ler não é uniforme,
apresenta muitas diferenças de pessoa para pessoa, de época, para época, de lugar para
lugar. Não há sujeitos idênticos, desde o ponto de vista do seu letramento, pois, sendo a
leitura uma atividade socialmente construída, varia de um grupo social para outro.
Petit (2001) afirma que nos tempos atuais a leitura deve se abrir passo
entre o “proibido” e o “obrigatório”11, e diz que no seu país, a França, os professores
lamentam-se permanentemente porque, segundo eles, os jovens não lêem quase nada.
11 Aspas da autora
78
Como podemos ver, a lamentação dos professores franceses encontra eco no nosso país.
É comum ouvirmos essa mesma queixa e o tema é analisado em diferentes eventos,
como congressos, nacionais ou internacionais, seminários, colóquios, e outros eventos
da mesma natureza.
A autora refere entrevistas feitas a leitores de diferentes meios sociais e
conclui que, de acordo com esses estudos, não há relação entre o letramento literário e o
nível sócio-cultural dos leitores que entrevistou. Assim, diz ela:
Hay personas provenientes de ambientes modestos que serían “poco lectores”12 en términos estadísticos, pero que han conocido en toda su extensión la experiencia de la lectura: es decir, que han tenido acceso a sus diferentes registros y han encontrado en particular, en un texto escrito, palabras que los han alterado, que han “trabajado”13 en ellos, a veces mucho después de haberlas leído.14 (PETIT, 2001, p. 24).
A experiência de Petit (2001), parece contradizer um pressuposto, um
preconceito, que seria: alunos provenientes de ambientes letrados, gostam de ler e
dominam os protocolos dos diferentes tipos textuais. Porém, cremos que, como afirma
Petit (2001):
Cuando alguien no ha tenido la suerte de disponer de libros en su casa, de ver leer a sus padres, de escucharlos relatar historias, las cosas pueden cambiar a partir de un encuentro. Un encuentro puede dar la idea de que es posible otro tipo de relación con los libros. Una persona que ama los libros, en un momento dado desempeña el papel de “iniciador”, alguien que puede recomendar libros.15 (PETIT, 2001, p. 25).
12 Aspas da autora 13 Idem nota 14 14 Há pessoas provenientes de meios humildes que classificaríamos como pouco leitores em termos estatísticos, mas que conheceram em toda sua extensão a experiência da leitura: isto é, tiveram acesso a seus diferentes registros e encontraram em particular, num texto escrito, palavras que os modificaram, que mexeram com eles, às vezes, muito depois de que as leram. (Tradução nossa) 15 Quando alguém no teve a sorte de dispor de livros na sua casa, de ver ler a seus pais, de escutá-los narrar histórias, a situação pode mudar a partir de um encontro. Um encontro pode passar a idéia de que é possível outro tipo de relação com os livros. Uma pessoa que gosta de livros, em determinado momento desempenha o papel de “mediador” , alguém que pode recomendar livros. (Tradução nossa)
79
Nossos sujeitos de pesquisa nos contaram suas histórias de leitura, em
entrevista semi estruturada. A respeito desse instrumento, Triviños, diz que “Segundo
nosso ponto de vista, para alguns tipos de pesquisa qualitativa, a entrevista semi-
estruturada é um dos principais meios que tem o investigador para realizar a Coleta de
Dados”. (TRIVIÑOS, 1987, p. 146). O autor afirma que esse instrumento “ao mesmo
tempo que valoriza a presença do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis
para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo
a investigação. “ (TRIVIÑOS, 1987, p. 146).
Nossos sujeitos de pesquisa contaram suas histórias de leitura, por meio
de entrevista semi-estruturada, permitindo-nos conhecer como são suas práticas de
leitura e como é seu letramento literário. Vejamos essas histórias. Transcrevemos,
primeiro, a introdução da entrevista, e depois, as perguntas com as respostas de cada
entrevistado. Adotamos o formato de tabela, para facilitar a visualização e a análise das
respostas.
“Gostaríamos que você nos contasse sua história de leitura, ou seja, de
que maneira se transformou em leitor, como tem sido esse processo, quais as pessoas
que intervieram nele, como mediadores entre você e a leitura, quais têm sido suas
leituras favoritas, quais seus hábitos de leitura, se você gosta de ler pela manhã, pela
tarde, pela noite, onde efetua essas leituras e que papel desempenharam as aulas de
língua portuguesa e literatura, tanto do primeiro quanto do segundo grau, na sua
formação de leitor.”
Para ajudar-lhe formulamos algumas perguntas que poderão orientar seu relato:
80
1. Como foram seus primeiros contatos com a leitura? Tem lembranças
prazerosas sobre esses primeiros contatos? Pode contar algo sobre isso?
SUJEITO 1
Meu primeiro contato foi através das histórias infantis clássicas,
como Branca de Neve, Peter Pan e outros contos nesse estilo. Minha
mãe comprava e lia os livros para mim e para minha irmã. Depois de
lermos muitas e muitas vezes as histórias, ela passou a comprar um
kit de revistinhas para nós. Vinham 05 revistas por mês, para
crianças, algumas de colorir, outras com bastantes informações como
língua estrangeira, história, etc. Eram todas da Disney. Mais tarde,
começamos a ler os livros que a minha mãe tinha (e eram muitos) e
alguns do meu pai. Eram títulos como Horizonte Perdido, O caso dos
dez negrinhos, etc. Isso era feito paralelamente aos livros que
tínhamos que ler na escola. Para as aulas, no ensino fundamental, eu
lia 01 livro por bimestre. Geralmente eu não gostava dos estilos. O
único que me marcou foi lido na quarta série, Coração de Vidro. A
escola também tinha nas salas uma prateleira cheia de livros e
incentivava os alunos a pegar aos fins-de-semana. Desses, o que eu
mais gostei foi As Aventuras do Gatinho Nicolau. Já no ensino
médio, se eu bem me lembro, eram 02 livros por bimestre para as
aulas de Literatura. Cada um marcava um estilo que estava sendo
usado como Arcadismo, Romantismo, Realismo, Naturalismo... E
muitos títulos já visavam o vestibular. Para este, eu li todos os títulos
e os que mais gostei
81
foram Incidente em Antares e O Cortiço. Fora das aulas, eu investia,
e ainda o faço, nos títulos de ficção como O Senhor dos Anéis, Harry
Potter, O Código da Vinci e qualquer aventura de Sherlock Holmes.
Também desenvolvi, nessa época, um gosto por mangás (quadrinhos
japoneses).
SUJEITO 2
Não me lembro se tive contato com a leitura antes do primário, pois
estudei em escola rural e comecei direto no primeiro ano (não havia
pré). No primário, tive professoras muito dedicadas que
incentivavam muito a leitura de histórias e de poemas, assim como
escrevíamos também muitas histórias e fazíamos poemas, e eu
particularmente gostava muito de escrever. Inclusive, havia
concursos onde as melhores redações eram publicadas em livretos
pela prefeitura. Depois que iniciei minha leitura, passei a ler vários
livros de histórias infantis que meus pais compravam.
SUJEITO 3
Que eu me lembre, meu primeiro contato com a leitura aconteceu na
época que eu aprendi a ler (1ª série).
Nessa época o que eu costumava ler era revistas em quadrinhos,
principalmente as da Turma da Mônica e dos personagens da Disney.
Essa atividade era um dos meus passatempos prediletos, sempre que
podia passava na banca de revistas e comprava alguma.
82
SUJEITO 4
Como meus pais eram professores (são ainda), insistiam muito na
leitura. Não me lembro se eu gostava, mas lembro que preferia
brincar e assistir TV.
2. Lembra de alguma história que tenha ouvido quando pequeno(a) que lhe ficasse
gravada na memória de alguma forma especial?
SUJEITO 1
Histórias contadas eu sempre adorei ouvir da minha mãe e da minha
avó. Esta, particularmente, me contava uma história sobre como
surgiu o nome “cão vira-lata”, que era a minha favorita. Minha mãe
gostava de contar histórias sobre Mitologia Grega... apesar de ela não
saber bem as narrativas, como eu vim a descobrir mais tarde lendo
livros a respeito, ela despertava meu interesse com a descrição dos
personagens.
SUJEITO 2
Sim, uma história de um menino que mentia constantemente e para
todas as pessoas, até que um dia aconteceu uma tragédia no povoado
onde morava, ele procurou ajuda mas não acreditaram na sua
história, pois já estavam fartos das suas mentiras. Porém, não me
lembro se esta história é de algum livro ou apenas um “causo”
contado...
SUJEITO 3
Não
83
SUJEITO 4
Não, lembro mais dos heróis da TV.
3. Quando você era pequeno, alguém costumava ler para você?
SUJEITO 1
Minha mãe.
SUJEITO 2
Não me lembro
SUJEITO 3
Não que eu me lembre.
SUJEITO 4
Sim, minha mãe e meu pai liam, mas eu não gostava muito.
4. O que lembra das suas aulas de literatura do ensino fundamental e médio?
SUJEITO 1
Do ensino fundamental, quase nada – apenas que eu não era fã dos
livros indicados. Do ensino médio, lembro mais dos vários
movimentos literários e um ou outro autor marcante. Mas essa
memória já não é mais tão confiável. A verdade é que não li meus
livros favoritos para escola.
SUJEITO 2
Não me lembro das minhas aulas de literatura do ensino fundamental,
já no ensino médio, minhas aulas eram baseadas em apostilas, onde
84
havia o histórico e a seqüência da literatura brasileira, dos autores, e
os contos e poemas, na maioria das vezes em resumo. De maneira
geral, havia discussões em grupos e trabalhos.
SUJEITO 3
Apesar de não ter tanto interesse nas aulas de português (em geral) eu
até que gostava das aulas de literatura. O que eu mais achava
interessante era a linha do tempo dos movimentos literários e sua
contextualização com a Música, Arte e a própria história da
Humanidade.
SUJEITO 4
Não lembro quase nada. Só lembro que nunca li um livro. O máximo
que fiz foi ler resumos. A leitura de romances não é o meu forte.
5. Pode citar os títulos de alguns textos literários que leu? Lembra dos autores?
Foram leituras escolares?
SUJEITO 1
Os livros infantis eram de uma série de contos da Disney. Coração de
Vidro e As Aventuras do Gatinho Nicolau, eu li quando era muito
pequena e me surpreendo de lembrar os títulos. Também li
adaptações de Dom Quixote, de Cervantes, e de Os assassinatos da
Rua Morgue, de Edgar Allan Poe. No ensino médio eu li Dom
Casmurro e O Alienista, de Machado de Assis, A Hora da Estrela, de
Clarice Lispector, Contos diversos, de Lygia Fagundes Telles, O
Cortiço, de Aluízio Azevedo, Incidente em Antares, Érico Veríssimo
85
e todos os títulos clássicos que marcam os movimentos literários.
Fora da escola, eu li O Senhor dos Anéis, de JRR Tolkien, Harry
Potter, de Rowling, O Código da Vinci e Anjos e Demônios, de Dan
Brown, O Rei do Inverno, O Inimigo de Deus e Excalibur, de
Bernard Cornwell, Sherlock Holmes em qualquer título, de Conan
Doyle. Esses foram os que mais me marcaram.
SUJEITO 2
Irei citar alguns livros de literatura que li (que me lembro) e estes
foram leituras escolares. Não me lembrava de todos os autores e
procurando na internet, descobri um site bem interessante com várias
obras da literatura disponíveis:
www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/obras.html
• O Cortiço – Aluízio Azevedo
• D. Casmurro – Machado de Assis
• Helena – Machado de Assis
• Memórias de um Sargento de Milícias – Manuel Antonio de
Almeida
• Morte e vida severina - ?
• Os Sertões – Euclides da Cunha
• Iracema – José de Alencar
A Moreninha – Joaquim Manuel de Macedo
SUJEITO 3
A maioria foram leituras escolares, tais como: O Cortiço, Lucíola, e
outros “clássicos”.
86
Li também alguns outros livros como: As Minas do Salomão
e outros de aventuras, A Divina Comédia (Até o purgatório) e alguns
livros de contos e crônicas como “Dois Amigos e um Chato”.
SUJEITO 4
Não lembro nada disso, mas lembro que para as provas pedia para
algum colega contar a história, ou lia os resumos, e assim consegui as
notas que precisava.
6. Há algum ou alguns livros que sejam seus favoritos? Pode nos dizer quais e por
que?
SUJEITO 1
O Senhor dos Anéis e Harry Potter. São livros grandes, narrativas
mais longas que o de costume, e sempre histórias fantásticas e
imaginativas.
SUJEITO 2
Não me lembro exatamente de todas as histórias, por isso gostaria de
reler algumas obras, mas gostei bastante de Os Sertões e Morte e
Vida Severina por retratarem a realidade de regiões castigadas pela
seca.
SUJEITO 3
Gostei bastante de ter lido o livro “Dois Amigos e um Chato” de
Stanislaw Ponte Preta. É um livro bem divertido, com várias
crônicas, e a maioria delas mostra aspectos cotidianos e engraçados
87
da vida.
SUJEITO 4
Gosto de ler artigos científicos, da minha área, a Física. Compro
revistas e leio muito sobre isso.
7. Dos textos literários que você já leu há algum ou alguns que você não tenha
gostado? Pode citar e nos dizer por que?
SUJEITO 1
Há vários. Do ensino fundamental, eu realmente não gostava de
nenhum, exemplos: A Ilha Perdida, Correntes do Coração (não
estou certa sobre o título). Do ensino médio, eu não gostava de
autores como Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Tomás
Antônio Gonzaga, Antonio Callado e alguns outros. Dos que eu li
por minha iniciativa, não gostei de O Labirinto, de Kate Moss.
SUJEITO 2
Não me lembro de algum que não tenha gostado.
SUJEITO 3
Eu não gostei dos textos teatrais que li. Quando encenadas as
histórias são interessantes, porém quando tive que ler algumas
peças achei-as estranhas.
SUJEITO 4
Desculpe, mas não lembro de nenhum.
88
8.Na sua história de leitura há títulos ou autores pendentes, ou seja, que gostaria
de ler?
SUJEITO 1
Sim, gostaria de ler Admirável Mundo Novo, O Médico e o Monstro,
O Mundo de Sofia, História de Heródoto, e Dom Quixote original.
Alguns eu comecei, mas nunca terminei.
SUJEITO 2
Sim, há vários que eu ainda não li ou que gostaria de reler, e quanto
ao autor gostaria de ler mais livros de Machado de Assis.
• Marília de Dirceu – Tomás António Gonzaga
• A Mão e a Luva – Machado de Assis
• Não consultes médico – Machado de Assis
• Os Sermões – Pe. António Vieira
SUJEITO 3
Não sei se algum dia irei ler, mas me parece muito interessante a
literatura alemã. Títulos como: Fausto, Tristão e Isolda, Assim Falou
Zaratustra, etc. Acho que esse interesse vem do fato de eu gostar um
pouco de ópera e essas são histórias que se transformaram em óperas
(com exceção de “Assim Falou Zaratustra”).
SUJEITO 4
Não, não há nenhum.
89
3.2.3 Análise das histórias de leitura dos sujeitos da pesquisa
Analisando as histórias de leitura dos sujeitos entrevistados, e refletindo
sobre elas, podemos ver que, embora, seja um grupo muito reduzido, há muitas
variáveis, haja vista que cada sujeito apresentou informações que não foi possível
padronizar. Mantendo-nos fiéis aos princípios da pesquisa científica, citamos Triviños
(1987), que, sobre as anotações de campo, diz que “a exatidão das descrições dos
fenômenos sociais é um requisito essencial da pesquisa qualitativa, como primeiro passo
para avançar na explicação e compreensão da totalidade do fenômeno em seu contexto,
dinamismo e relações.”(TRIVIÑOS, 1987, p. 155).
As respostas dos entrevistados revelaram que em alguns casos, o
incentivo à leitura desde que eram pequenos, os fez participar em eventos de letramento
significativos e prazerosos, porém, também podemos ver que um dos entrevistados não
demonstrava interesse pela leitura, no entanto, participava de uma outra forma de
letramento literário, que era assistir desenhos de super-heróis, na TV.
Também ficou em evidência que o ensino de literatura na escola, não
representou um evento de letramento muito significativo para os entrevistados. Foi de
pouca relevância. Apesar disso, consideramos que, o fato de que um dos entrevistados
afirmou ter lido só os resumos das obras literárias exigidas pela escola, demonstrou uma
forma diferente de participação em evento de letramento literário (que seria a leitura de
resumos de obras literárias, e não as obras completas).
No caso do sujeito 3, é interessante observar que expressa interesse pela
literatura alemã, e é capaz de estabelecer associação entre literatura e outras formas de
expressão artística, como por exemplo, a ópera, gênero pouco apreciado por pessoas
90
jovens. Quando ele diz “Acho que esse interesse vem do fato de eu gostar um pouco de
ópera e essas são histórias que se transformaram em óperas (com exceção de “Assim
Falou Zaratustra”), cremos que fica em evidência conhecimento literário que não foi
adquirido na escola.
Parece-nos interessante como os entrevistados têm clara opinião sobre as
aulas de literatura, da sua época escolar. Vejamos, por exemplo, o que diz o sujeito 1,
quando lhe perguntamos: “ Dos textos literários que você já leu há algum ou alguns que
você não tenha gostado? Pode citar e nos dizer por que?”
Ela respondeu: “Há vários. Do ensino fundamental, eu realmente não
gostava de nenhum, exemplos: A Ilha Perdida, Correntes do Coração (não estou certa
sobre o título). Do ensino médio, eu não gostava de autores como Lygia Fagundes
Telles, Clarice Lispector, Tomás Antônio Gonzaga, Antonio Callado e alguns outros.
Dos que eu li por minha iniciativa, não gostei de O Labirinto, de Kate Moss.”
Os autores que ela cita, e diz não ter gostado, todos encontram-se nas
antologias ou nos livros didáticos. Ainda ficamos com uma curiosidade científica
respeito do ensino de literatura: Os alunos poderiam selecionar o que ler e como o
fazer? Quando o entrevistado diz não ter gostado de um autor, do que será
especificamente que não gostou? Do estilo, da linguagem, das estratégias narrativas?
São perguntas que vão ficando no ar, mas que pode ser interessante buscar respostas.
Analisemos a resposta à pergunta 1, elaborada com o objetivo de
conhecer as lembranças dos sujeitos de pesquisa, em relação com suas primeiras
participações de eventos de letramento, literários ou não.
O sujeito 1, expressou-se com grande eloqüência, e se mostrou
conhecedor de vários tipos de leitura, como gibis, livros infantis, mangas e obras
91
consagradas pela mídia, no mercado, como Harry Potter e O Senhor dos Anéis. Esse
sujeito mostra-nos que seu gosto pela leitura começou antes da escolarização, por meio
da mediação da sua mãe, posteriormente a escola ofereceu eventos de letramento
literário, em experiências prazerosas. Porém, também, esse sujeito referencia obras das
quais não gostou. Isso nos leva a refletir sobre a seleção de leituras literárias que a
escola realiza. Quais são os critérios que intervêm nessa seleção? Esses critérios levam
em consideração o cânone, os interesses didáticos do professor, os interesses dos
alunos?
E após a seleção, de que forma se realizam essas práticas de leitura? Há
uma preocupação especial com práticas de letramento literário ou essa especificidade
fica fora dos objetivos e dos conteúdos?
Pelo traço qualitativo-descritivo da nossa pesquisa, não temos como
propósito buscar respostas exatas às perguntas. Nosso interesse reside em levantar as
formas de apropriação do texto literário, assim como a participação da escola, como
instituição autorizada, na formação do leitor literário.
Observamos que como resposta à primeira pergunta, dois sujeitos
mencionaram a leitura de gibis, fato que consideramos importante, porque é uma
atividade realizada fora do contexto escolar, mas que também exige uma forma especial
de leitura e o domínio de certos códigos, como a ordem das falas dos personagens, a
linguagem, a presença de ilustrações, etc.
Por outro lado, o cânone não incorpora esse tipo de leitura, embora já
apareçam com freqüência em livros didáticos, tanto de primeira a quarta série, quanto
de quinta a oitava e, nos livros de Ensino Médio. Mais uma vez formulamos a pergunta
“como efetuam a leitura desses textos os leitores?”
92
Hansen (2005), afirma que seria interessante, no ensino literário, fazer
uma descrição do como ler, ou talvez, de como se lê realmente, embora ele admita que
há muita coisa no ato de ler, que não pode ser verbalizada. Desta afirmação depreende-
se que há distintas formas de apropriação do texto literário, isto é, cada leitor
desenvolve suas próprias estratégias de leitura, as quais fazem da leitura um ato
individual inserido no social, sem esgotar as múltiplas formas de atribuir sentido ao
texto literário.
No caso da segunda e terceira pergunta, sobre as lembranças de eventos
significativos de letramento literário na idade infantil, os sujeito 1 tinha lembranças de
histórias que lhe contavam, citando a mãe e a avó, como mediadoras entre ela e os
textos. O sujeito 2 lembra de uma história, porém não tem claro a origem da lembrança.
Já o sujeito 3, não referiu lembranças dessa época, e, o sujeito 4 disse que seus pais liam
historinhas para ele, mas ele não gostava.
Dessas afirmações desmistificam uma crença bastante generalizada, no
sentido de que o gosto pela leitura transmite-se, primeiro pelos pais e, depois pelos
professores. Essa hipótese não se confirma com o sujeito 4, pois ele afirma que os pais
empenhavam-se em lhe mostrar o valor da leitura, sem obter sucesso.
Perguntamo-nos: donde vem o gosto pela leitura? Também, como nos
outros casos, não temos a resposta.
Com relação às perguntas 4 e 5, que pede para recordar aspectos sobre as
aulas de literatura e sobre obras lidas, também encontramos diversidade de respostas,
que oferecem terreno fértil para análise.
O sujeito 1 disse que não lembra quase nada das aulas de literatura
durante o Ensino Fundamental e, do Ensino Médio, suas lembranças confirmam o que já
93
afirmamos no capítulo 2 da nossa dissertação: a escolarização da literatura preocupa-se
com a historicidade e não com oferecer possibilidades de letramento literário.
Esta afirmação confirma-se, também com a resposta do sujeito 2, que diz
que, no Ensino Médio estudavam, nas apostilas, sobre literatura, mas não disse que
realizassem leitura literárias. Também, nas afirmações desse sujeito, percebe-se um
vazio deixado pela escola, pois, para citar os autores, foi necessário que buscasse os
nomes em internet. Já, por outro lado, e fazendo uma outra leitura, o sujeito tem
interesse em continuar sua formação leitora, ao expressar o desejo de reler algumas
obras. Nesse caso, podemos apontar que, mesmo que a escola não tenha deixado nesse
sujeito lembranças muito palpáveis, pelo menos deixou informações de um cânone
literário.
O sujeito 3 apresenta um dado novo. Ele gostava das linhas de tempo dos
movimentos literários e, também gostava das relaciones da literatura com outras formas
de expressão artística, tais como a música, além de mostrar interesse na
contextualização da arte com a História da Humanidade.
Esse mesmo sujeito vê na literatura um meio de lazer e de diversão, pois
afirma que gostava de leituras engraçadas. Percebemos nessas afirmações uma prática
de letramento literário claramente estabelecida, pois, em determinados contextos, faz-se
uso da leitura literária buscando o prazer, ou seja, fazendo uso do que Candido (1995)
chama de direito à literatura.
Quando perguntamos aos sujeitos sobre obras literárias que não tenham
gostado, apareceram dois dados muito importantes. O sujeito 1, com todo o letramento
literário que tem, respondeu sem ambigüidades, citando nomes de obras canônicas que
não gostou.
94
Já, o sujeito 3, ao ser indagado sobre o tema, também tinha claro que não
gostava de ler obras teatrais, possivelmente por não estar familiarizado com essa
tipologia textual.
Percebemos nisso um vazio na escolarização da literatura, porque não
põe ao alcance dos alunos textos escritos nessas convenções, e, acreditamos, todos os
gêneros literários deveriam ter seu espaço na escolarização da literatura e o teatro é uma
expressão artístico-literária, importante, também, na construção da identidade do
individuo.
Encerraremos aqui, por enquanto, nossa análise das histórias de leitura
dos sujeitos da pesquisa, porém, retomaremos algumas informações, para cruzá-las com
os dados sobre a recepção do conto.
3.2.4 A leitura narrativa dos sujeitos entrevistados: os dados
Na seqüência do nosso trabalho vamos apresentar os depoimentos dos
alunos sobre a leitura do conto No retiro da figueira, de Moacyr Scliar, que pode ser
encontrado no anexo 3.
Um resumo do conto
Trata-se de uma narrativa curta que conta a experiência de um casal de
classe média, com filhos, que decidem comprar uma casa num condomínio fechado, de
trinta residências. Pareceu-lhes o lugar ideal para morar, pois, os vizinhos eram pessoas
como eles: diretores de empresa, profissionais liberais, dois fazendeiros. Muitas árvores,
95
passarinhos que cantavam pontualmente às sete da manhã, pessoas simpáticas, guardas
atenciosos, bem vestidos, sistema de alarmes impecável. Tudo muito bom, “bom
demais”, diz o narrador. O primeiro mês que moraram no condomínio tudo foi como
prometido, um clima de sonho.
Aos poucos a calma foi interrompida: num domingo de manhã soou a
sirene de alarme, os vizinhos se reuniram no salão de festas, perto do lago. Encontraram
os guardas armados de fuzis. Explicaram que tinham decidido reuni-los nesse local, por
medida de segurança: havia marginais nos matos ao redor do Retiro. Pediram para não
saírem nesse domingo. Afina – disseram-lhes, estava um belo dia e tinham todo o
condomínio para desfrutar de um dia de descanso.
Ficaram retidos nesse “paraíso” naquele dia e no seguinte, até que a
polícia cercou o local. O narrador diz que alguns estavam até gostando de ficarem sem
sair, fazendo o que quisessem ou não fazendo nada, mas ele, não.
Na verdade, tratava-se de um seqüestro planejado desde os começos.
Eles, os moradores, tinham sido seqüestrados pelos “guardas tão amáveis” e foram
embora, todos, num jatinho. Diz o narrador que ele está certo de que estão gozando o
dinheiro pago pelo resgate dos moradores, uma quantia suficiente para construir dez
condomínios iguais ao Retiro, que ele, sempre achou..bom demais.
......................................................................................................
Após a leitura do conto, feita de forma individual, em material
fotocopiado, os sujeitos da pesquisa responderam perguntas, em questionário elaborado
para verificar os sentidos que atribuíram à narrativa.
Transcrevemos essas respostas. Adotamos, como no caso da entrevista
semi-estruturada, o formato de tabela.
96
1. Você já conhecia o autor Moacyr Scliar? Se sua resposta for afirmativa, pode
dizer o que sabia dele?
SUJEITO 1
Sim, quando estudei no Atelier de Redação, nos passaram um livro
dele – creio que o título era O Mistério da Casa Verde, ou algo assim.
Era uma história que tinha sido inspirada no conto O Alienista, de
Machado de Assis – servia como uma continuação do conto, nos dias
atuais.
SUJEITO 2
Não, não o conhecia.
SUJEITO 3
Não, nunca tinha ouvido falar.
SUJEITO 4
Não, não o conhecia
2. Após a leitura do conto No retiro da Figueira, pode dizer se gostou ou não e
explicar o(s) motivo(s)?
SUJEITO 1
Gostei muito, porque a primeira vez que eu li não imaginava o
desfecho. Gosto quando a história me surpreende e essa conseguiu.
SUJEITO 2
Sim, gostei do conto, pois este retrata bem a realidade vivida
ultimamente no Brasil, onde pessoas com poder aquisitivo alto
tentam viver em locais super protegidos, afastadas da “sociedade
97
perigosa.” Mas mesmo assim, não conseguem a segurança que
almejam, pois como no conto, confiaram em pessoas corruptas (a
própria segurança do condomínio).
SUJEITO 3
Gostei porque o autor tem uma forma original de contar os fatos.
SUJEITO 4
Sim, confesso que gostei muito Parece que eu estava esperando que
acontecesse algo, mas não sabia o que.
3. Durante a leitura do conto você experimentou curiosidade, tédio, medo, alegria
ou outros sentimentos? Pode explicar quando e por que?
SUJEITO 1
Curiosidade é a descrição adequada. Como a personagem ficou
dizendo “era bom demais” o tempo todo, devia haver alguma coisa
errada, só restava descobrir o que. Fiquei ansiosa pelo final e ele me
surpreendeu
SUJEITO 2
Sim, experimentei a curiosidade quando no conto é falado que apenas
algumas pessoas receberam o prospecto. E também, o que
aconteceria posteriormente, pois toda aquela perfeição do
condomínio parecia que não duraria para sempre.
SUJEITO 3
Fui sentindo muita curiosidade. Quando li que dizia “bom demais”
fui desconfiando.
98
SUJEITO 4
Bom, senti um pouco de desconfiança, assim como esperando que
algo de ruim acontecesse com essas pessoas.
4. Qual é a sua opinião sobre a mulher do protagonista?
SUJEITO 1
Acho que ela é a expressão de como se sentem as pessoas diante da
violência – a vontade de fugir para uma ilha reservada, onde ninguém
lhe alcance, um lugar distante onde não pode ser ferido. O ser
humano tem a necessidade de afastar o mal de si, seja trancando-o
longe, seja trancando a si mesmo longe dele.
SUJEITO 2
Além de toda a questão da insegurança que a mulher sentia no bairro
onde morava, pelos sucessivos fatos de violência, acredito que ela
experimentou um pouco de deslumbramento quando conheceu o
condomínio.
SUJEITO 3
Pareceu-me que era uma mulher comum, um pouco burguesinha,
querendo morar em algum lugar afastado.
SUJEITO 4
Imagino que é uma chata, daquelas que falam e falam sem parar.
99
5. Na sua opinião há indícios de algum tipo de discriminação no conto? Pode
explicar?
SUJEITO 1
Bem, o fato de só alguns terem recebido o anúncio do condomínio
não denota discriminação, afinal, se é para seqüestrar alguém desse
jeito, o seqüestrador realmente tem que escolher a vítima – não
seriam quaisquer pessoas que chamariam tanto a atenção ou
renderiam tanto dinheiro. Ele apenas foi seletivo para chegar ao seu
fim. Quanto ao narrador, ao conhecer os outros moradores do
condomínio, ele diz que gostou deles porque era gente como ele. Isso
poderia indicar sinal de que ele discrimine as pessoas por condição
econômica ou posição social, mas não há como ter certeza disso – ele
não diz expressamente que gostou deles por conta dessas
características, mas sim que essas características conquistaram a
simpatia dele, porque afinal, eles eram muito parecidos. Não há
indicação de que ele fosse tratar de forma diferente que não fosse do
mesmo status que ele, apenas de que ele gosta de pessoas que são
assim, como ele.
SUJEITO 2
Sim, acredito que seja um tipo de discriminação quando:
- a mulher ficou ainda mais entusiasmada quando soube que o chefe
da segurança era formado em direito... (se ele não fosse formado, ou
se tivesse que profissão com menor “status”, talvez ela não tivesse
ficado tão entusiasmada);
100
- o chefe dos guardas me apresentou a alguns dos compradores.
Gostei deles: gente como eu, diretores de empresa, profissionais
liberais, dois fazendeiros... (possivelmente pessoas ricas, e que
estavam à altura de viver no mesmo local que a família do
protagonista e ele passariam a viver);
- Naquela semana descobri que o prospecto tinha sido
enviado apenas a uma quantidade l imitada de pessoas. Na
minha firma, por exemplo, só eu o t inha recebido. Minha
mulher atribuiu o fato a uma seleção cuidadosa de futuros
moradores -- e viu nisso mais um motivo de sat isfação...
(os privi legiados são poucos e convivem em pequenos e
fechados grupos).
SUJEITO 3
Sim, é como separar as pessoas da sociedade, por um lado os que
podem ter tudo e por outro, os que não podem ter nem segurança
para morar.
SUJEITO 4
Sim, vejo muitas formas de discriminação no conto. Quando diz ”ele
deve ser formado em alguma universidade”.
Parece que só as pessoas que têm um diploma superior contam para
os protagonistas.
Também quando mostra a vida dentro do condomínio, moravam
como se só eles existissem.
101
6. Antes de chegar ao desenlace do conto, você já o tinha previsto? Pode explicar?
SUJEITO 1
Não, não o tinha.
SUJEITO 2
Toda aquela perfeição do condomínio parecia que não
duraria para sempre.
SUJEITO 3
Não sabia como acabaria a história, mas desconfiava quando o
narrador dizia que estava bom demais.
SUJEITO 4
Sim, quando diz que no primeiro mês tudo foi muito bom. Nesse
momento pensei que viria algo que quebraria essa calma.
3.2.5 Análise dos dados da recepção do conto
Nesta etapa do nosso trabalho vamos falar sobre a forma como os leitores
receberam o conto, baseando-nos nos dados apresentados nas tabelas das páginas
anteriores.
Direcionamos as perguntas do instrumento da coleta desses dados
objetivando conhecer de que forma nossos leitores realizaram a leitura do texto literário
proposto, como deram sentido ao texto, se reconheceram nele os protocolos da escrita
ficcional, se fizeram antecipações, se confirmaram suas expectativas, se descobriram
102
trilhas traçadas pelo texto ou se foram pelos seus próprios caminhos, fazendo, como diz
Eco (2001), passeios pelo bosque.
De acordo com a tipologia da nossa pesquisa, não estamos interessados
em resultados e sim, no processo, portanto, faremos uma descrição e análise dos dados
colhidos.
A primeira pergunta referia-se ao autor, Moacyr Scliar. Somente uma das
entrevistadas o conhecia, embora ele seja um escritor de vasta produção, além de ser
membro da Academia Brasileira de Letras, desde 2003. Quisemos começar com essa
pergunta, não por considerarmos de fundamental importância conhecer nomes e mais
nomes de escritores, pois, como já dizemos em repetidas ocasiões, ao longo do nosso
trabalho, cremos que o ensino de literatura deva ser menos voltado para a historicidade
e mais para os eventos de letramento literários significativos.
A resposta afirmativa do sujeito 1 mostra que nas suas práticas
escolarizadas não conheceu o autor, mas sim o conheceu em prática extra-escolar fora
da instituição de Ensino Médio.
A segunda e a terceira pergunta, referem-se à experiência estética
vivenciada com a leitura. Os quatro sujeitos disseram ter gostado, uns por um motivo,
outros por outro. Todos eles reconheceram no texto o traço ficcional, porém, gostaram
pela verossimilhança. É que quando o leitor reconhece na leitura elementos com os
quais é possível estabelecer uma identidade, reconstrói sua própria história, se apoiando
em fragmentos da narrativa. São os elementos da escrita literária acionando elementos
da subjetividade do leitor.
Petit (2001) diz que “el texto viene a liberar algo que el lector llevaba en
él, de manera silenciosa. Y a veces encuentra allí la energía, la fuerza para salir de un
103
contexto en el que estaba bloqueado, para diferenciarse, para transportarse a otro
lugar”16. (PETIT, 2001, p. 48).
Nas respostas à pergunta 2 observa-se que os sujeitos tiveram
expectativas, curiosidade. O sujeito 4, por exemplo, mesmo tendo afirmado, na sua
história de leitura, que não gostava de ler textos literários, respondeu :”Sim, confesso
que gostei muito. Parece que eu estava esperando que acontecesse algo, mas não sabia o
que”.
Por meio dessa resposta é possível inferir que o sujeito, apesar de
declarar-se não leitor literário, demonstrou conhecer as convenções da escrita literária,
pois sabia que depois do equilíbrio, deveria vir uma ruptura dele. Isso, na nossa opinião,
é uma conseqüência da escolarização da literatura, pode ser inconsciente, mas existe o
conhecimento.
Em relação à pergunta 3, os quatro sujeitos deixaram em evidência que
aceitaram o jogo proposto pelo texto, o de desconfiar da situação, por meio de pequenas
pistas, como por exemplo, “era bom demais”. Inclusive, na resposta, o sujeito 1
transcreve a fala literalmente esse enunciado que representa o pensamento do narrador.
O sujeito 4, ao igual como na resposta à pergunta 2, confirma seu
envolvimento com a leitura, isto é, sem tomar consciência do fato, a leitura literária teve
efeito sobre ele. Tanto ele, quanto os outro sujeitos da pesquisa, provavelmente não
conseguem descrever o que sentiam durante a leitura, exceto o sujeito 1, que afirmou
“curiosidade é a descrição adequada. Como a personagem ficou dizendo “era bom
demais” o tempo todo, devia haver uma coisa errada, só restava descobrir o que. Fiquei
ansiosa pelo final e ele me surpreendeu.” 16 O texto libera algo que o leitor trazia com ele, de maneira silenciosa. E às vezes encontra ali sua energia, a força para sair de u contexto no qual estava bloqueado, para se diferenciar, para se mudar a um outro lugar. (Tradução nosa)
104
Se analisarmos bem essa fala e fizermos a verificação no texto,
poderemos ver que, na verdade, o narrador disse só uma vez “quanto a mim, estava
achando tudo muito bom. Bom demais”. (SCLIAR, 2003, p. 143), e, depois, só no
último enunciado do conto repete “[...] que eu – diga-se de passagem, sempre achei que
era bom demais”. (SCLIAR, 2003, p. 145). Por que, então, o sujeito 1, teve a impressão
de que o narrador “sempre” tinha dito isso?
Se esse sujeito conseguisse descrever o ato da sua leitura, poderia,
possivelmente identificar sua antecipação ao texto, que depois pode confirmar, quando
chegou ao desenlace.
A quarta e a quinta pergunta indagam o leitor sobre a opinião que se
formaram acerca da mulher do protagonista e sobre a presença ou ausência de
elementos que denotem algum tipo de discriminação. Formulamos a quarta pergunta
com fim de verificar se os sujeitos viam nesse personagem feminino algum estereótipo
social, e, a pergunta 5, para ver se nos significados que os leitores atribuíram ao texto,
houve analogias com valores presentes na sociedade.
Sobre a personagem que representa a mulher do narrador, efetivamente
pode-se afirmar que simbolizou para os sujeitos um estereótipo de situação e de
indivíduos. O sujeito 1, disse que essa personagem é a “expressão de como se sentem as
pessoas diante da violência – a vontade de fugir para uma ilha reservada, onde ninguém
lhe alcance, um lugar distante onde não pode ser ferido.” Ela segue sua afirmação
dizendo: “o ser humano tem a necessidade de afastar o mal de si, seja trancando-o
longe, seja trancando a si mesmo longe dele”.
A análise das palavras desse sujeito, permite ver que, por meio da leitura
de um texto literário, um leitor comum está captando o mundo pela palavra e, está
105
conseguindo expressar a identidade que estabelece entre o texto ficcional e a realidade.
Claro, esse mesmo sujeito, na sua história de leitura, demonstrou ter participado de
eventos de letramento literário que lhe proporcionaram o conhecimento dos protocolos
de uma leitura especializada, como é a leitura literária.
Na entrevista semi-estruturada sobre a história de leitura, esse sujeito fala
que, na sua escola de Ensino Fundamental, disponibilizavam livros para que os alunos
os levassem no final de semana. Portanto, esse sujeito recebeu na escola a ação
mediadora para se tornar um leitor literário, formação que tem continuado com leituras
não escolarizadas.
Retornando à nossa análise dos dados sobre a recepção do conto, o
sujeito 2, percebe na personagem feminina identificada no texto, um sentimento que ela
chama de “deslumbramento” e, justificou, verbalmente, essa opinião, dizendo que além
de o condomínio oferecer segurança, a personagem estava deslumbrada pelo status que
significava morar nesse lugar.
Depreende-se dessa fala, que o sujeito 2, fez uma inferência, dando
sentido à estruturas não evidentes no texto, mas sugeridas no ato da fala. Esse sujeito 2,
na sua história de leitura diz que no Ensino Fundamental, teve professoras muito
dedicadas, que incentivavam muito a leitura de narrativas e poemas. Ou seja, seu
letramento literário iniciou-se na escola, sendo reforçado com leituras não escolarizadas,
em livros que seus pais compravam. Além disso, o sujeito 2 afirma que gostava de
escrever.
Já, no Ensino Médio, o mesmo sujeito diz que as aulas de literatura eram
seguindo apostilas, nas quais havia história da literatura brasileira e, geralmente,
106
resumos de narrativas. A leitura desse material era enriquecida com discussões em
grupos.
Analisando essas informações, e as respostas dela à outras perguntas
sobre sua história de leitura, podemos afirmar que, ainda depois de ter deixado o Ensino
Médio, ficou com o modelo de literatura que dá a escola, pois diz que gostaria de reler
algumas obras canônicas, como Os sertões, Morte e Vida Severina, Marília de Dirceu e
outros. Acreditamos que esses títulos os tenha conhecido na escola, pois em momento
algum refere-se a outras leituras não consagradas pela critica nem pelo mercado. Isto é,
o letramento literário desse sujeito é ainda produto da escolarização, e, aparentemente,
não ampliou seus horizontes de leitura.
Em relação à pergunta 5, sobre indícios de algum tipo de discriminação,
presente no conto, todos os sujeitos da pesquisa interpretaram a presença símbolos de
um tipo de discriminação social, pois os protagonistas deram muito valor ao fato de
morarem no condomínio, pessoas como eles, entendendo que isso identificava um grupo
social privilegiado, os que podiam morar num lugar como esse, e, inclusive, um dos
entrevistados afirma que “é como separar as pessoas da sociedade, por um lado os que
podem ter tudo e por outro, os que no podem ter nem segurança para morar”.
Por sua parte, o sujeito 4, foi muito claro em declarar que a fala do
narrador “ele deve ser formado em alguma universidade” evidencia uma crença: só as
pessoas que têm diploma superior gozam de prestigio social.
Novamente vemos como os leitores aceitam o jogo proposto pelo texto
narrativo, completando-o com sua leitura de mundo. Perguntamo-nos se essa forma de
ler foi aprendida na escola ou fora dela.
107
Finalmente, analisando as respostas dadas à pergunta 6, que dizia
textualmente: “antes de chegar ao desenlace do conto, você já o tinha previsto?”, não
houve consenso. O sujeito 1 disse categoricamente que não tinha previsto nada. Os
sujeitos 2 e 3, disseram que esperavam algo, mas não sabiam o que. Só o sujeito 4
respondeu afirmativamente; ele esperava uma ruptura ao equilíbrio. Nesse sentido as
respostas dos sujeitos 2 e 4 são parecidas, pois os dois esperavam essa ruptura. A única
diferença entre as duas respostas é que uma é enfática e a outra é um pouco ambígua.
Essa diferença mostra como o ato da leitura não é uniforme, nem é
uniforme a forma de apropriação do texto narrativo. Em determinado momento da
leitura, uns leitores se antecipam, apresentam soluções ao enigma, e, vão corrigindo ou
confirmando seus pressupostos. Outros, esperam, têm expectativas, mas não chegam a
concretizá-las, querem ser surpreendidos, sem colaborar com o autor, possivelmente
para prolongar mais a experiência estética que o texto de ficção lhe proporciona.
Para concluir esta análise e, antes de entrarmos nas considerações finais
da nossa pesquisa, parece-nos pertinente afirmar que, na leitura do conto proposto,
nossos sujeitos mostraram-se leitores conhecedores de protocolos e convenções
relativas especificamente ao conto, uma vez que realizaram a leitura da narrativa
percebendo sua simbologia e incorporando seu conhecimento de mundo, para completar
o sentido do texto.
108
CONSIDERAÇOES FINAIS
Iniciamos nosso trabalho com muitas dúvidas, interrogantes,
questionamentos. Curiosidade científica originada pelo desejo de conhecer mais
profundamente o ser humano e alguns dos processos que envolvem sua participação na
sociedade. Animou-nos neste trabalho, o desejo de aprofundar nos processos da leitura,
com o desejo de crescer e contribuir para o crescimento dos outros, mesmo que seja
uma pequeníssima contribuição.
Por onde começamos? Desejávamos conhecer de que forma uns sujeitos
realizavam a leitura e apropriação de um texto narrativo, um conto, e , como se
posicionavam diante desse conto para atribuir-lhe sentido, múltiplos significados,
efetivando o principio de polissemia do texto.
Partimos de uns pressupostos. Nossos sujeitos de pesquisa tinham
passado pelo ensino formal de literatura, ou seja, sujeitos com letramento literário, por
terem estudado treze anos na escola, instituição com autoridade, outorgada pela
sociedade, para formar leitores, neste caso, leitores literários.
Nosso interesse na formação do leitor literário origina-se na convicção de
que a literatura, por meio de diferentes gêneros e tipologias, contribui para a
compreensão do mundo e para a participação na sociedade.
No nosso trabalho afirmamos e demonstramos que a leitura tem sido
tema de estudo de numerosas áreas do conhecimento, por ter uma importância
indiscutível, na formação da individualidade e da coletividade.
109
Fundamentados em diversas teorias e abordagens da leitura, estuda-se o
processo da escolarização e do letramento, e, como uma parcela dele, estuda-se o
letramento literário,
Definem como letramento literário todas as práticas que em
determinados contextos, fazem uso da escrita literária. A escrita literária tem vários
traços que a caracterizam: ficcional, sem compromisso com a realidade, uso especial da
linguagem. Mas, é só isso?
Também muitos teóricos se empenharam em responder essa pergunta e
em definir os limites entre o literário e o não literário, o fictício e o real..
Hansen (2005) afirma que um enunciado é fictício quando seu efeito de
significado não pode ser corrigido pela realidade. Quer dizer, que se um leitor se dispõe
a ler um texto ficcional, não cabe tentar verificar informações, como se se tratasse de
outra natureza de texto.
Mas não todos os leitores sabem essa convenção e, muitas vezes querem
processar o texto literário como se fosse uma fonte de informação e não estão
completamente errados, porque a literatura também faz registros de uma realidade, em
determinada época e em determinado lugar
É isso, precisamente, o que buscamos sempre no nosso trabalho, ou seja,
verificar se determinados leitores reconheceriam a ficção num conto, de temática muito
atual, ou, se iriam revisar os jornais para ver se o fato narrado no conto já tinha era
matéria de reportagem, como mais um golpe de bandidos.
Nossos leitores não fizeram isso, porque, sem emitir juízos de valor
sobre eles, evidenciaram conhecimento para lidar com um texto ficcional, o qual foi
reconhecido sem equívocos.
110
Nossos sujeitos, jovens universitários que estudam língua espanhola no
Instituto de Línguas da Universidade Estadual de Maringá, aceitaram ser sujeitos de
pesquisa, responderam um questionário destinado à identificação (idade, sexo, curso
que realizam na UEM, grupo familiar), participaram de uma entrevista semi-estruturada
nos informando sobre suas histórias como leitores, revelando o que lembravam de seus
primeiros contatos com a leitura, de suas aulas de literatura no Ensino Fundamental e
Médio, realizaram a leitura do conto, e novamente participaram de entrevista semi-
estruturada, para relatar sua experiência como leitores do conto No Retiro da Figueira,
de Moacyr Scliar.
Nossos passos seguiram exatamente essa seqüência, primeiro quisemos
saber como tinham se constituído em leitores literários. O convívio com ele, como
professora de espanhol tinha possibilitado conhecer-lhes sob outra perspectiva, embora,
em conversações informais já tivessem antecipado algumas informações sobre o tema.
Nas aulas de língua espanhola fala-se dos mais variados assuntos, então algumas vezes
já tinham contado alguma experiência como leitores, mas sem aprofundar.
A coleta de dados foi muito valiosa e os sujeitos foram eloqüentes, tanto
quanto puderam, considerando que para alguns deles o tema não se apresentava atrativo,
haja vista que os sujeitos eram de áreas afastadas das letras. O sujeito 1 é aluno do curso
de Direito, o sujeito 2 é aluno do curso de Biologia, (doutorado), o sujeito 3 é aluno do
curso de Engenharia e o sujeito 4 é aluno do curso de Física (doutorado). Diante da
especificidade do curso de cada um deles, pode-se compreender que não fosse tão fácil
falar sobre seu letramento literário.
111
Mesmo assim, colaboraram com a pesquisa e se esforçaram em
responder de acordo com a sua realidade, fato que se pode observar pela ausência de
respostas padronizadas.
Eles realizaram a leitura, vivenciaram a experiência estética e, como diz
Hansen (2005), tiveram liberdade incondicionada de ação.
Pelas afirmações que fizeram, tentando refazer o ato da leitura do conto,
de descrever esse ato, deixaram em evidência que conheciam “as convenções simbólicas
do texto, entendendo-as como procedimentos técnicos de um ato de fingir”. (HANSER,
2005, p. 26).
Processando os dados colhidos, podemos discutir vários aspectos em que
se relacionam as histórias de leitura com a recepção do conto. Perguntávamos, por
exemplo, que lembranças tinham dos seus primeiros contatos com leitura, ou seja, sobre
seus primeiros eventos de letramento. Os sujeitos que conseguiram referir mais
lembranças, ou seja, que suas práticas de letramento literário tinham sido mais
relevantes, foram também, mais explícitos quando se tratou de se referir à recepção do
texto literário. Exemplo disso é o sujeito 1, que tinha várias recordações de suas
primeiras leituras, evidenciando que gostava dessas práticas, também evidenciou maior
participação como co-autor no conto, ou, pelo menos pode ser mais explícito no
momento de descrever seu ato de leitura.
Esse sujeito, também, pelas suas respostas, nos fez saber que, mesmo
fora da escola, continua crescendo no seu letramento literário, pois realiza leituras de
textos literários, já não sob a obrigação escolar. Ou seja, esse sujeito exerce seu direito à
literatura, usando uma expressão de Candido. (CANDIDO, 1995).
112
O sujeito 2 não tinha tantas recordações sobre seus primeiros contatos
com a leitura. Parece-nos importante dizer que estudou em escola rural, razão pela qual,
possivelmente, havia menos acesso a livros ou revistas. As lembranças desse sujeito são
difusas e, talvez sinta os vazios deixados pela escola, pois afirma que gostaria de
retomar algumas leituras de seu período de escolarização. Essa é uma leitura nossa
sobre o fato, mas cremos que tem fundamento, uma vez que o sujeito teve até a
preocupação de navegar em internet, para buscar títulos e autores consagrados pela
crítica. E, aparentemente, para esse sujeito foi muito importante identificar esse desejo.
Ou seja, gostaria de crescer em seu letramento literário, mas não tem autonomia para
selecionar o repertório de leituras e, ainda valoriza o que a escola valoriza.
O sujeito 3 tem lembranças não escolarizadas, leitura de revistas de
quadrinhos, as quais representavam seu maior passatempo. Para esse sujeito, o gosto
pelas aulas de literatura residia no fato de conhecer história da literatura, e tem noção de
que há outro repertório fora do ambiente escolar, haja vista que manifesta seu desejo de
ler alguns títulos da literatura alemã, alem de expressar seu gosto pela ópera, gênero que
talvez nem estudou na sua escolarização. Quanto à recepção do texto literário, esse
sujeito disse ter gostado da forma original de narrá-lo, e também evidenciou conhecer os
protocolos da escrita literária, uma vez que experimentou desconfiança diante do
equilíbrio perfeito e, esperava uma situação em que esse equilíbrio fosse alterado.
Quanto ao desenlace, não se arriscou a fazer antecipações, porém sabia que alguma
coisa ia acontecer. Ou seja, como leitor optou pela segurança do texto, ao invés de
elaborar hipóteses, talvez pelo temor de errar e depois ter de corrigi-las.
O sujeito 4 afirma não gostar de ler textos literários. Prefere os textos
especializados na sua área de estudos e afirma nunca ter sentido interesse pelo texto
113
literário, embora seus pais tenham insistido em tentar introduzi-lo na leitura ficcional.
Mesmo assim, é interessante observar que esse sujeito aceitou a provocação do texto,
criou expectativas e até complementou um dos vazios do texto, imaginando
características para um dos personagens.
Após esta análise dos dados, mesmo que breve, cremos que podemos
afirmar que, a tarefa da escola, em relação ao letramento literário, deixa em evidência,
por um lado, que poderia proporcionar aos alunos experiências mais significativas, e,
por outro lado, também ficou evidente que, mesmo com uma abordagem convencional
da escolarização da literatura, os alunos demonstraram conhecimento de convenções de
leitura literária.
Cremos que é necessário repensar o ensino literário nas escolas de
Ensino Fundamental e Médio, porque, como afirma Cosson “se quisermos formar
leitores capazes de experimentar toda a força humanizadora da literatura, não basta
apenas ler.[...] É justamente para ir além da simples leitura que o letramento literário é
fundamental no processo educativo.(COSSON, 2006, p. 30)
114
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Literatura e letramento: espaços, suportes e interfaces – O jogo do livro. Belo
Horizonte: Autêntica/CEALE/FaE/UFMG, 2003
_____________________. Fim do livro fim dos leitores? São Paulo: Senac, 2001.
_____________________. A leitura e o ensino da literatura. 2. ed. São Paulo:
Contexto, 1991. (Repensando o ensino)
____________________. Sim, a literatura educa. In: _______. Literatura e pedagogia:
ponto e contraponto. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.
118
AANNEEXXOOSS
119
ANEXO 1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ DEPARTAMENTO DE LETRAS
CURSO DE MESTRADO EM ESTUDOS LITERÁRIOS
Questionário de Pesquisa aplicado a alunos do curso de espanhol do Instituto de
Línguas de UEM
Dados de Identificação:
a) Data: _________/_________/____________.
b) Idade: ___________
c) Sexo: Feminino ( ) Masculino ( )
d) Curso de Graduação .......................................................................................
e) Curso de Pós-graduação .................................................................................
Aspectos sócio-econômicos:
a) Você mora com seus pais? Se não mora com os pais, com quem você mora?
b) Quantas pessoas moram em sua casa? Quem são elas?
c) Qual é o grau de escolaridade de seus pais?
Da mãe Do pai
( ) nenhum
( ) fundamental (1ª a 4ª) incompleto
( ) fundamental (1ª a 4ª) completo
( ) fundamental (5ª a 8ª) completo
( ) fundamental (5ª a 8ª) incompleto
( ) ensino médio incompleto
( ) ensino médio completo
( ) superior incompleto
( ) superior completo
( ) nenhum
( ) fundamental (1ª a 4ª) incompleto
( ) fundamental (1ª a 4ª) completo
( ) fundamental (5ª a 8ª) completo
( ) fundamental (5ª a 8ª) incompleto
( ) ensino médio incompleto
( ) ensino médio completo
( ) superior incompleto
( ) superior completo
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Aspectos culturais
d) Quais são as suas atividades de lazer?
d) Você costuma ler textos/livros não relacionados com seu curso de graduação ou pós-
graduação? Caso sua resposta seja afirmativa, poderia citar quais são esses
textos/livros?
e) Em sua casa, as pessoas que moram com você, costumam ler textos não relacionados
com seus estudos ou sua profissão?
e) No seu círculo de amizades, há pessoas que gostem de ler textos/livros literários?
f) No seu círculo de amizades costumam falar sobre obras literárias que tenham lido?
Caso sua resposta seja afirmativa, pode citar alguns títulos?
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ANEXO 2
HISTÓRIAS DE LEITURA
ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
SUJEITO 1
1. Como foram seus primeiros contatos com a leitura? Tem lembranças prazerosas sobre
esses primeiros contatos? Pode contar algo sobre isso?
2. Lembra de alguma história que tenha ouvido quando pequeno(a) que lhe ficasse
gravada na memória de alguma forma especial?
3. Quando você era pequeno, alguém costumava ler para você?
4. O que lembra das suas aulas de literatura do ensino fundamental e médio?
5. Pode citar os títulos de alguns textos literários que leu? Lembra dos autores? Foram
leituras escolares?
6. Há algum livro, ou alguns livros que sejam seus favoritos? Pode nos dizer quais e por
quê?
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ANEXO 3
CONTO NO RETIRO DA FIGUEIRA
MOACYR SCLIAR
Sempre achei que era bom demais. O lugar, principalmente. O lugar era... era
maravilhoso. Bem como dizia o prospecto: maravilhoso. Arborizado, tranqüilo, um dos
últimos locais – dizia o anúncio -- onde você pode ouvir um bem-te-vi cantar. Verdade:
na primeira vez que fomos lá ouvimos o bem-te-vi. E também constatamos que as casas
eram sólidas e bonitas, exatamente como o prospecto as descrevia: estilo moderno,
sólidas e bonitas. Vimos os gramados, os parques, os pôneis, o pequeno lago. Vimos o
campo de aviação. Vimos a majestosa figueira que dava nome ao condomínio: Retiro da
Figueira.
Mas o que mais agradou à minha mulher foi a segurança. Durante todo o trajeto de volta
à cidade -- e eram uns bons cinqüenta minutos -- ela falou, entusiasmada, da cerca
eletrificada, das torres de vigia, dos holofotes, do sistema de alarmes – e sobretudo dos
guardas. Oito guardas, homens fortes, decididos -- mas amáveis, educados. Aliás, quem
nos recebeu naquela visita, e na seguinte, foi o chefe deles, um senhor tão inteligente e
culto que logo pensei: "ah, mas ele deve ser formado em alguma universidade". De fato:
no decorrer da conversa ele mencionou -- mas de maneira casual -- que era formado em
Direito. O que só fez aumentar o entusiasmo de minha mulher.
Ela andava muito assustada ultimamente. Os assaltos violentos se sucediam na
vizinhança; trancas e porteiros eletrônicos já não detinham os criminosos. Todos os dias
sabíamos de alguém roubado e espancado; e quando uma amiga nossa foi violentada por
123
dois marginais, minha mulher decidiu -- tínhamos de mudar de bairro. Tínhamos de
procurar um lugar seguro.
Foi então que enfiaram o prospecto colorido sob nossa porta. Às vezes penso que se
morássemos num edifício mais seguro o portador daquela mensagem publicitária nunca
teria chegado a nós, e, talvez... Mas isto agora são apenas suposições. De qualquer
modo, minha mulher ficou encantada com o Retiro da Figueira. Meus filhos estavam
vidrados nos pôneis. E eu acabava de ser promovido na firma. As coisas todas se
encadearam, e o que começou com um prospecto sendo enfiado sob a porta
transformou-se - como dizia o texto - num novo estilo de vida.
Não fomos os primeiros a comprar casa no Retiro da Figueira. Pelo contrário; entre
nossa primeira visita e a segunda -- uma semana após -- a maior parte das trinta
residências já tinha sido vendida. O chefe dos guardas me apresentou a alguns dos
compradores. Gostei deles: gente como eu, diretores de empresa, profissionais liberais,
dois fazendeiros. Todos tinham vindo pelo prospecto. E quase todos tinham se decidido
pelo lugar por causa da segurança.
Naquela semana descobri que o prospecto tinha sido enviado apenas a uma quantidade
limitada de pessoas. Na minha firma, por exemplo, só eu o tinha recebido. Minha
mulher atribuiu o fato a uma seleção cuidadosa de futuros moradores -- e viu nisso mais
um motivo de satisfação. Quanto a mim, estava achando tudo muito bom. Bom demais.
Mudamo-nos. A vida lá era realmente um encanto. Os bem-te-vis eram pontuais: às sete
da manhã começavam seu afinado concerto. Os pôneis eram mansos, as aléias
ensaibradas estavam sempre limpas. A brisa agitava as árvores do parque -- cento e
doze, bem como dizia o prospecto. Por outro lado, o sistema de alarmes era impecável.
Os guardas compareciam periodicamente à nossa casa para ver se estava tudo bem,
124
sempre gentis, sempre sorridentes. O chefe deles era uma pessoa particularmente
interessada: organizava festas e torneios, preocupava-se com nosso bem-estar. Fez uma
lista dos parentes e amigos dos moradores -- para qualquer emergência, explicou, com
um sorriso tranqüilizador. O primeiro mês decorreu -- tal como prometido no prospecto
-- num clima de sonho. De sonho, mesmo.
Uma manhã de domingo, muito cedo -- lembro-me que os bem-te-vis ainda não tinham
começado a cantar -- soou a sirene de alarme. Nunca tinha tocado antes, de modo que
ficamos um pouco assustados -- um pouco, não muito. Mas sabíamos o que fazer: nos
dirigimos, em ordem, ao salão de festas, perto do lago. Quase todos ainda de roupão ou
pijama.
O chefe dos guardas estava lá, ladeado por seus homens, todos armados de fuzis. Fez-
nos sentar, ofereceu café. Depois, sempre pedindo desculpas pelo transtorno, explicou o
motivo da reunião: é que havia marginais nos matos ao redor do Retiro e ele, avisado
pela polícia, decidira pedir que não saíssemos naquele domingo.
- Afinal -- disse, em tom de gracejo -- está um belo domingo, os pôneis estão aí mesmo,
as quadras de tênis...
Era mesmo um homem muito simpático. Ninguém chegou a ficar verdadeiramente
contrariado.
Contrariados ficaram alguns no dia seguinte, quando a sirene tornou a soar de
madrugada. Reunimo-nos de novo no salão de festas, uns resmungando que era
segunda-feira, dia de trabalho. Sempre sorrindo, o chefe dos guardas pediu desculpas
novamente e disse que infelizmente não poderíamos sair -- os marginais continuavam
nos matos, soltos. Gente perigosa; entre eles, dois assassinos foragidos. À pergunta de
125
um irado cirurgião o chefe dos guardas respondeu que, mesmo de carro, não poderíamos
sair; os bandidos poderiam bloquear a estreita estrada do Retiro.
- E vocês, por que não nos acompanham? -- perguntou o cirurgião.
- E quem vai cuidar da família de vocês? -- disse o chefe dos guardas, sempre sorrindo.
Ficamos retidos naquele dia e no seguinte. Foi aí que a polícia cercou o local: dezenas
de viaturas com homens armados, alguns com máscaras contra gases. De nossas janelas
nós os víamos e reconhecíamos: o chefe dos guardas estava com a razão.
Passávamos o tempo jogando cartas, passeando ou simplesmente não fazendo nada.
Alguns estavam até gostando. Eu não. Pode parecer presunção dizer isto agora, mas eu
não estava gostando nada daquilo.
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ANEXO 4
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
DEPARTAMENTO DE LETRAS
CURSO DE MESTRADO EM ESTUDOS LITERÁRIOS
Sobre o conto No Retiro da Figueira,
de Moacyr Scliar
1. Você já conhecia o autor Moacyr Scliar? Se sua resposta for afirmativa, pode dizer o
que sabia dele?
2. Após a leitura do conto No retiro da Figueira, pode dizer se gostou ou não e explicar
o(s) motivo(s)?
3. Durante a leitura do conto você experimentou curiosidade, tédio, medo, alegria ou
outros sentimentos? Pode explicar quando e por que?
4. Qual é a sua opinião sobre a mulher do protagonista?
5. Na sua opinião, há indícios de algum tipo de discriminação no conto? Pode explicar?
6. Antes de chegar ao desenlace do conto, você já o tinha previsto? Pode explicar?
7. Na sua opinião, há espaços “silêncios do autor” no conto? Quais?
8. Entre o conto e a vida real, há semelhanças e/ou diferenças? Quais?
9. Você já tinha lido algum conto ou romance parecido? Pode explicar?