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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ - UNIOESTE CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM LETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUAGEM E SOCIEDADE
JULIANA DE SÁ FRANÇA
ATÉ COMO MARCADOR DISCURSIVO E OPERADOR ARGUMENTATIVO EM TEXTO ORAL-DIALOGADO
CASCAVEL – PR 2011
JULIANA DE SÁ FRANÇA
ATÉ COMO MARCADOR DISCURSIVO E OPERADOR ARGUMENTATIVO EM TEXTO ORAL-DIALOGADO
Dissertação apresentada à Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – para obtenção do título de Mestre em Letras, junto ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado em Letras, área de concentração Linguagem e Sociedade. Linha de Pesquisa: Processos Lexicais, Retóricos e Argumentativos. Orientadora: Profa. Dra. Aparecida Feola Sella.
CASCAVEL – PR 2011
JULIANA DE SÁ FRANÇA
ATÉ COMO MARCADOR DISCURSIVO E OPERADOR ARGUMENTATIVO EM TEXTO ORAL-DIALOGADO
Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do Título de Mestre em Letras e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras – Nível de Mestrado, área de Concentração em Linguagem e Sociedade, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.
______________________________________________ Profa. Dra. Aparecida Feola Sella
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE Coordenadora
COMISSÃO EXAMINADORA
______________________________________________ Profa. Dra. Esther Gomes de Oliveira
Universidade Estadual de Londrina – UEL Membro efetivo (convidado)
______________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Sebastião Ferrari Soares
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE Membro efetivo (da Instituição)
______________________________________________ Prof. Dr. Jorge Bidarra – UNIOESTE
Membro efetivo (da Instituição)
______________________________________________ Profa. Dra. Aparecida Feola Sella
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE Orientadora
Cascavel, 21 de março de 2011
Dedico este trabalho à minha mãe, a quem devo tudo o que sou e é a maior responsável por essa conquista. A meu pai (in memorian), pois sei que, onde quer que esteja, sempre me acompanha e guia meus passos.
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, minha maior incentivadora, sempre presente e atuante em
minha vida. Obrigada por ser meu maior exemplo de luta, integridade, amor,
confiança e carinho.
À minha orientadora, professora Cida, sinônimo de profissionalismo e
competência. Obrigada pelo tempo dispensado em atendimentos e pelo privilégio de
compartilhar ideias.
À minha entrevistada, sem a qual não seria possível a realização deste
estudo. Obrigada por atender tão solicitamente ao meu pedido de gravação da
entrevista.
À professora Sanimar Busse, minha eterna e querida mestre, que, ainda na
graduação, confiou em meu potencial e me incentivou a participar do processo de
seleção do Mestrado.
Ao professor Alexandre Sebastião Ferrari Soares e à professora Márcia
Sipavicius Seide, por contribuírem, durante o Exame de Qualificação, com valiosas
considerações para o melhoramento da pesquisa.
Aos membros da Comissão Examinadora pela gentileza em lerem o
trabalho e por aceitarem o convite para participar da Banca de Defesa.
Ao corpo administrativo do Colégio Adventista de Cascavel, especialmente
a coordenadora pedagógica Edicléia Beackmann, que, por diversas vezes,
compreendeu a necessidade de ausentar-me do trabalho em função do Mestrado e
sempre me incentivou a prosseguir na caminhada.
A todo o corpo docente do Mestrado em Letras. Muito Obrigada!
“Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra [...]”
(Carlos Drummond de Andrade)
FRANÇA, Juliana de Sá. Até como marcador discursivo e operador argumentativo em texto oral-dialogado. 2011. 110f. Dissertação (Mestrado em Linguagem e Sociedade) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Cascavel.
RESUMO
Atualmente, os estudos linguísticos propõem análises a partir de uma abordagem que considera a língua em uso. A presente pesquisa recorre a este posicionamento porque está voltada para análises de falas gravadas e transcritas, revelando sondagem de fatos atrelados ao funcionamento real da língua. O corpus é composto pela transcrição de uma entrevista realizada com uma mulher trilíngue, falante de português, espanhol e guarani. Dentre as possibilidades de estudo do corpus, optou-se pela análise do vocábulo até, devido à frequência com que aparece na fala da entrevistada e às diferentes funções que assume no discurso. Para o desenvolvimento das análises, tomou-se como aporte teórico os pressupostos da Semântica Argumentativa, na qual propõe-se que a argumentatividade encontra-se inscrita na própria língua. Também fundamentam o trabalho, estudos pautados no desenvolvimento da visão ducrotiana no Brasil, em que se concebe que na língua há mecanismos que podem ser acionados para direcionar os sentidos dos enunciados. Os operadores argumentativos, desse modo, são considerados estratégias ativadas, explicitamente, na estrutura textual, pelos enunciadores para atingir determinados fins. As análises também são norteadas pelos estudos do NURC no que diz respeito aos marcadores discursivos, entendidos como unidades que buscam dar coesão às sequências discursivas. Consideram-se, ainda, os postulados da Análise da Conversação e desenvolvimentos no Brasil acerca da questão. Além de exercer as funções de operador argumentativo e marcador discursivo, as análises de até apontaram para uma possível flutuação entre as duas funções desempenhadas pelo termo. É possível, portanto, afirmar que não há uma regularidade no que se refere às funções desempenhadas por tal unidade, devendo-se considerar, no processo de interpretação, o contexto enunciativo. PALAVRAS-CHAVE: até, operador argumentativo, marcador discursivo.
FRANÇA, Juliana de Sá. Até como marcador discursivo e operador argumentativo em texto oral-dialogado. 2011. 110f. Dissertação (Mestrado em Linguagem e Sociedade) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Cascavel.
RESUMEN Actualmente, los estudios de lenguaje proponen sus análisis desde un enfoque que considera el lenguaje en uso. El estudio se vuelve a análisis de hablas grabadas y transcriptas, demonstrando hechos del funcionamiento real de la lengua. El corpus está compuesto por una transcripción de una entrevista con una mujer trilingüe, hablante de portugués, español y guaraní. Entre las posibilidades para el estudio del corpus, se optó por analizar la palabra até debido a la frecuencia con que aparece en el discurso de la entrevistada y a las diferentes funciones asumidas por ésta en el habla. Para el desarrollo del análisis, se usó la Semántica Argumentativa, en la cual la argumentación está en la lengua. También apoyan el trabajo, estudios basados en el desarrollo de la visión ducrotiana en Brasil, según la cual se cree que existen mecanismos en el lenguaje que pueden ser activados para orientar los sentidos de los enunciados. Los operadores argumentativos, por lo tanto, son considerados como estrategias activadas explícitamente en la estructura textual para lograr ciertos fines. Los análisis también se guían por los estudios de NURC acerca de los marcadores del discurso, que son vistos como unidades que tratan de dar cohesión a las secuencias del discurso. Se consideraron, aún, los preceptos del Análisis de la Conversación y desenvolvimientos en Brasil. Además de ejercer las funciones de operador argumentativo y de marcador discursivo, los análisis de até apuntaron una flotación entre las dos funciones desempeñadas por el término. El análisis de los fragmentos, en los cuales aparece el término até, permite decir que no hay una regularidad en lo que respecta a las funciones desempeñadas por esta unidad, debéndose considerar el contexto de enunciación en el proceso de interpretación.
PALABRAS CLAVE: até, operadores argumentativos, marcadores discursivos.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 10
2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONVERSAÇÃO ................................................ 14
2.1 Falando um pouco sobre Análise da Conversação .............................................14 2.2 O Projeto de Norma Urbana Culta (NURC)..........................................................17 2.3 Conceituando a conversação ............................................................................. 19 2.4 A construção do texto falado .............................................................................. 23 2.4.1 O turno conversacional.................................................................................... 26 2.4.2 O tópico discursivo .......................................................................................... 27 2.4.3 O par dialógico pergunta-resposta .................................................................. 28 2.5 A interpretação dos enunciados em uma conversação....................................... 30 2.6 A conversação na pesquisa................................................................................. 31
3 O PLANEJAMENTO LOCAL DA FALA: MARCADORES DISCURSIVOS X OPERADORES ARGUMENTATIVOS ..................................................................... 35
3.1 Marcadores discursivos ...................................................................................... 36 3.2 Operadores argumentativos ............................................................................... 43 3.2.1 As orientações nos enunciados ....................................................................... 44 3.3 Considerações sobre o campo teórico................................................................ 51
4 ANÁLISE DAS FUNÇÕES DE ATÉ NO CORPUS ............................................. 52
4.1 Considerações sobre o vocábulo até ................................................................. 53 4.2 Até como marcador discursivo ........................................................................... 59 4.3 Até como operador argumentativo ..................................................................... 67 4.3.1 Até hierarquizando argumentos em escalas ................................................... 68 4.3.2 Até denotando concessão ............................................................................... 76 4.4 Casos de difícil classificação: aparente dualidade nas funções assumidas por até.............................................................................................................................. 78
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 83
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 86
APÊNDICES ..............................................................................................................91
APÊNDICE A – Instrumento de coleta de dados.......................................................92 ANEXOS ...................................................................................................................93 ANEXO 01 – Normas de Transcrição ANEXO 02 – Transcrição da entrevista
10
1 INTRODUÇÃO
Os estudos linguísticos mais recentes tendem a propor análises que levem
em conta a língua em uso, ou seja, centram as atenções no estudo da língua como
processo. Nessa perspectiva, as funções dos elementos linguísticos não são
concebidas de forma estanque, mas dinâmica, considerando-se o constante
processo de ressignificação por que passam.
Nesse contexto, tomam relevo as pesquisas que se propõem a analisar o uso
da língua portuguesa em uma situação real de interação linguística. Tendo como
objeto de estudo um corpus autêntico, é possível lançar o olhar sobre diferentes
estruturas linguísticas ativadas pelo falante em uma dada situação de interação
verbal.
Levando em conta as possíveis formas de interação, Dionísio (2006) comenta
que o texto oral encerra uma prática humana mais comum, dado o destaque que
possui nas relações interpessoais. Segundo a autora, a análise desse tipo de texto
tem sido amplamente empregada, não só com o objetivo de conhecer a organização
estrutural dos enunciados, mas também de observar as estratégias conversacionais
adotadas pelos sujeitos nos processos de interação e comunicação cotidianas.
Tendo em mente essa orientação, esta dissertação objetiva verificar as
marcas linguísticas presentes na transcrição de entrevista realizada com uma
imigrante paraguaia que reside no Oeste do Paraná, há mais de 25 anos e que
trabalha como professora de espanhol no Ensino Fundamental.
A entrevista gravada primou pela conversação natural, conforme preconiza a
Análise da Conversação e pesquisas desenvolvidas no interior do Projeto de Norma
Urbana Culta (NURC). A esse respeito, Fávero e Andrade (1998) observam que o
objetivo das entrevistas é deixar o entrevistado falar livremente, pois o interesse do
documentador deve centrar-se no modo como a língua é usada e não no que o
interlocutor diz.
Como se trata de um estudo focado em uma única entrevista, seguiu-se, em
parte, o que está disposto em estudos da Análise da Conversação. Também se
consideraram as observações de Lüdke e André (1986), uma vez que se trata, de
certa forma, de um estudo de caso.
11
Dentre as possibilidades de estudo do corpus, optou-se pela análise do
vocábulo até devido à frequência com que aparece na fala da entrevistada e às
diferentes funções que assume no discurso.
Ressalta-se que o termo “função” não é empregado nesta pesquisa como um
conceito marcado pelo desempenho estanque de um determinado papel, mas
relaciona-se a um termo e ao seu uso em contexto, isto é, alude à noção de que
cada elemento linguístico possui papel não só sintático, mas também significativo no
discurso. Esse posicionamento implica considerar que o uso pode modificar a função
de um dado vocábulo, no caso desta dissertação, fala-se especificamente do
vocábulo até.
Parte-se da hipótese de que, conforme o contexto, o termo pode
desempenhar diferentes funções. Desse modo, independentemente da
categorização tradicional que receba, a palavra até atua segundo papéis diversos
que assume na língua.
Para o desenvolvimento das análises, tomou-se como aporte teórico os
estudos de Ducrot (1981, 1987, 1989), que postula que a argumentatividade
encontra-se inscrita na própria língua. Na perspectiva do teórico, a orientação
argumentativa dos enunciados relaciona-se ao acionamento de determinados
morfemas, que implicam uma gradação de força em prol de uma determinada
conclusão.
Os estudos de Koch (2000, 2002, 2004, 2006a) também fundamentam o
trabalho desenvolvido, pois a autora considera que, no processo de interação,
busca-se a adesão dos interlocutores. Além disso, a estudiosa compartilha a visão
ducrotiana de que na língua há mecanismos que podem ser acionados para
direcionar os sentidos dos enunciados.
Tais elementos que imprimem valor argumentativo aos enunciados são
concebidos pela Semântica Argumentativa como marcas dotadas de relevância ao
se considerar o evento de enunciação. Os operadores argumentativos, desse modo,
são considerados estratégias ativadas, explicitamente, na estrutura textual, pelos
enunciadores para atingir determinados fins. Considera-se, nesta pesquisa, que tais
recursos linguísticos podem, ainda, revelar traços específicos de um falante trilíngue
diante de suas crenças e de suas experiências com as culturas brasileira e
paraguaia.
12
Esta dissertação também é norteada pelos estudos do Projeto de Norma
Urbana Culta (NURC), no que diz respeito aos marcadores discursivos, entendidos
como unidades que buscam dar coesão às sequências discursivas. As pesquisas
empreendidas são importantes ferramentas para a compreensão da interação
humana por meio da linguagem e oferecem subsídios para o estudo dos marcadores
discursivos. Segundo Gonçalves (2006), por meio dos marcadores discursivos, é
possível observar como os interlocutores negociam entre si, como protegem suas
faces, formulam os enunciados e as intenções que permeiam a conversação. Trata-
se, portanto, de perceber como se organiza, em termos de planejamento, a atividade
conversacional. Consideraram-se, ainda, para o desenvolvimento das análises, os
postulados de Marcuschi (1991), Risso, Silva e Urbano (2006) e Koch (2006b)
acerca da questão, bem como dissertações e teses que abordam o tema.
A análise dos recortes em que aparece o termo até permite afirmar que não
há uma regularidade no que se refere às funções desempenhadas por tal unidade,
devendo-se considerar, no processo de interpretação, o contexto enunciativo.
Quanto às contribuições deste trabalho, espera-se que sirva para ampliar o
estudo dos operadores argumentativos e dos marcadores discursivos, com o intuito
de auxiliar professores de língua portuguesa na aquisição de conhecimentos que
sirvam de suporte ao trabalho docente, como, por exemplo, no momento de orientar
a produção de textos de caráter argumentativo. Além disso, pretende-se colaborar
para o entendimento das estruturas da língua de forma contextualizada e funcional,
principalmente com relação a marcas que podem orientar leituras acerca das
intenções, expectativas e crenças dos usuários da língua, o que poderia ser medido
por meio de marcadores discursivos.
Pesquisas assinalam que mais da metade dos falantes de espanhol está
inscrita em um contexto de contato com outras línguas. Em uma região de fronteira,
como a do Oeste do Paraná, segundo Aguilera (2008a), ocorre uma intensa
movimentação de imigração e migração, suscitando intensas trocas linguísticas e
culturais. Observa-se que tanto os marcadores discursivos como os operadores
argumentativos têm sido largamente estudados pela Análise da Conversação e pela
Semântica Argumentativa, respectivamente. Entretanto, conforme Gonçalves (2006),
tais estudos têm sido realizados em textos orais produzidos por falantes, em
situações de uso da língua materna, sendo poucas as pesquisas que se ocupam da
13
análise e da descrição do funcionamento dos mecanismos linguísticos em questão
atualizados por falantes cuja língua materna não é o português.
Essa situação de trânsito e proximidade torna possível a inserção dos
imigrantes em um contexto de readaptação e adequação, no qual necessitam
aprender a viver em uma nova realidade social, cultural e linguística. Quanto à
questão linguística, observa-se que o papel desempenhado por alguns elementos
linguísticos pode ser revelador de traços de acomodação a uma dada cultura e
mesmo de formas de se lidar com essa acomodação. Dessa maneira, acredita-se
que este trabalho pode contribuir para os estudos sobre o tema, acrescentando
novos dados às pesquisas já realizadas, e para subsidiar outras na área.
A dissertação apresenta-se descrita em quatro capítulos, sendo esta
introdução o primeiro deles. No segundo, apresenta-se um panorama sobre a
conversação, sua organização e a forma como é considerada nesta pesquisa. O
terceiro capítulo enfoca o suporte teórico das análises, a definição e as
características dos marcadores discursivos, bem como focaliza as noções de
argumentação na língua, de operadores argumentativos e de escala argumentativa.
No quarto, e último, capítulo, traçam-se breves considerações sobre o vocábulo até
e propõem-se as análises dos recortes em que se observa a ocorrência desse
elemento. Adverte-se que o estudo empreendido não teve a pretensão de esgotar
as possibilidades de análise do termo em questão, mas sim de apontar
possibilidades de interpretação para o vocábulo.
14
2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONVERSAÇÃO
Neste capítulo, encontram-se alguns conceitos referentes aos estudos do
texto oral-dialogado. Nesse sentido, apresenta-se um panorama da abordagem
preconizada pela Análise da Conversação. Em seguida, busca-se conceituar o que é
conversação, elencando suas características principais, sua organização e sua
estruturação. Por fim, apresenta-se o papel da conversação, considerado no
desenvolvimento da pesquisa.
2.1 Falando um pouco sobre Análise da Conversação
Segundo Marcuschi (1991), o interesse pela sistematização do estudo do
fenômeno conversacional tem suas origens na década de 60, quando a Análise da
Conversação ensaia os primeiros passos ligados a estudos sociológicos, mais
especificamente, à Etnometodologia, cujo objeto de pesquisa é constituído por
atividades práticas do cotidiano. O autor explica que
[...] a Etnometodologia, fundada por Garfinkel no início dos anos 60, é ligada à Sociologia da Comunicação e à Antropologia Cognitiva e se preocupa com as ações humanas diárias nas mais diversas culturas. Trata da constituição da realidade no mundo do dia-a-dia e investiga a forma de as pessoas se apropriarem do conhecimento social e das ações (daí o uso do radical etno); diz respeito à forma metódica de como os membros de uma sociedade aplicam aquele seu saber sociocultural (daí o radical metodologia) (MARCUSCHI,
1991, p. 7-8).
Na Etnometodologia, os pesquisadores devem permanecer atentos aos
fenômenos interacionais, de modo a observar as relações estabelecidas e as
conexões estruturais existentes no processo interativo, ou seja, os aspectos
essenciais na organização do texto conversacional.
Segundo Dionísio (2006), uma das principais diferenças entre as abordagens
sociológicas da conversação e a abordagem feita pela Análise da Conversação (AC)
refere-se ao fato de as primeiras procurarem responder questões do tipo “como nós
15
conversamos?”, enquanto a segunda questiona “como a linguagem se estrutura para
favorecer a conversação?”.
Nas primeiras décadas de seu surgimento, de acordo com Marcuschi (1991),
a AC privilegiava estudos formais da conversação. Essa fase inicial baseava-se no
princípio de que as interações utilizam determinados mecanismos organizacionais,
passíveis de análise e descrição.
A partir dos anos 1970, o foco das investigações “ultrapassa a análise das
estruturas e atinge os processos cooperativos presentes na atividade
conversacional: o problema passa da organização para a interpretação.”
(MARCUSCHI, 1991, p. 6). Os estudos passam, então, a se ocupar da observação,
análise e descrição de fenômenos da linguagem atrelados a fatores
sociolinguísticos, culturais e pragmáticos para o sucesso da interação entre os
envolvidos.
Essa vertente da linguística pode, por conseguinte, ser considerada como
portadora de uma natureza holística na medida em que, conforme Petri (2001), seu
objeto de estudo são dados verbais empíricos analisados em seu contexto de
ocorrência.
Nesse sentido, a noção de interação torna-se essencial para o
empreendimento de pesquisas que versam sobre práticas conversacionais.
Um conceito fundamental na AC é o de interação, entendida como um jogo complexo de expectativas recíprocas no qual os sujeitos constituem sua identidade no sistema e pelo sistema interpessoal e nas ações sociais; um jogo complexo no qual a realidade social se constitui na intercompreensão (PETRI, 2001, p. 83).
Os conceitos utilizados pela AC, segundo Petri (2001), não implicam
restrições no significado do termo “conversação”, que pode se referir a todos os
textos orais, produzidos espontaneamente em situações de interação social. Desse
modo, podem ser objeto de análise tanto produções verbais oriundas de situações
de comunicação cotidianas informais, como aquelas provenientes de interações
orais relativas ao universo de trabalho, como a linguagem oral de um tribunal, por
exemplo.
Quanto às condições de produção, a conversação pode ser dividida em duas
modalidades: a artificial e a natural. A primeira representa a conversação
espontânea, em que o planejamento ocorre no momento da interação verbal. Já a
16
segunda corresponde à conversação fílmica, por exemplo, em que há um
planejamento discursivo previamente elaborado.
Petri (2001) indica que os estudos empreendidos pela Análise da
Conversação consistem em pesquisas empíricas sobre discursos produzidos em
situações naturais, que são colhidos e armazenados por meio de dispositivos
eletrônicos. Posteriormente, o material coletado é transcrito e analisado,
observando-se as estruturas ativadas no desenvolvimento da comunicação, a
interação dos participantes, as pressuposições e os significados que se podem
verificar no discurso.
Da transcrição de uma comunicação verbal ocorrida no quadro de uma interação natural, buscam-se obter conhecimentos que ultrapassam as análises fonológicas, sintáticas, semânticas ou mesmo aqueles relativos à boa formação gramatical ou textual. Através da AC, procura-se entender, por exemplo, como a tarefa de conduzir uma conversação é realizada (PETRI, 2001, p. 81).
Ao longo dos anos, os analistas da conversação empreenderam estudos
sobre vários aspectos da atividade conversacional, tais como o estabelecimento de
tópicos conversacionais, o par dialógico pergunta-resposta, hesitações, repetições,
silenciamentos, referenciação, correções, parafraseamentos, entre outros.
Para a pesquisa empreendida, o par pergunta-resposta assume papel
relevante, uma vez que, para a coleta do corpus, a conversação foi motivada por
questionamentos feitos pela pesquisadora acerca da vida da participante. Para
Fávero, Andrade e Aquino (2006, p. 133), as perguntas e as respostas são
elementos cruciais na interação humana, sendo “difícil imaginar uma conversação
sem elas”. O par dialógico associa-se, então, aos princípios de cooperação da
conversação, tendo em vista que perguntas carecem de respostas.
Diante do exposto, a tomada de turno1 assume papel essencial para o
desenvolvimento conversacional, pois é a partir da distribuição deles entre os
envolvidos que ocorre a conversação.
Sobre a atuação dos interlocutores na constituição do texto verbal, Koch
(2006a) salienta que as intenções do enunciador para atingir determinado fim devem
ser consideradas na análise conversacional. Devido ao caráter argumentativo da
1 Pode-se definir turno, na Análise da Conversação, como aquilo que um falante faz ou diz enquanto
tem a palavra, incluindo também a possibilidade de silêncio.
17
língua, sabe-se que o falante deseja produzir reações em seu interlocutor por meio
do texto verbal que constrói. De acordo com Petri (2001), o locutor se antecipa a
possíveis interpretações por meio da escolha de seus enunciados, considerando
para isso os possíveis sentidos que podem ser atribuídos e aquilo que ele considera
saber sobre as convenções válidas para seu interlocutor. O que a Análise da
Conversação considera, na realidade, não é a intenção do locutor, mas a intenção
que o interlocutor pode atribuir àquele ato. Para Petri (2001), é
[...] importante, também, para a AC, a compreensão do sistema complexo constituído pela identidade das pessoas, pelos papéis que desempenham, pela interação simbólica e pela própria comunicação que não subsistem sem uma estrutura reflexiva e sem o sistema da língua (PETRI, 2001, p. 91-92).
Assim, conforme Dionísio (2006), a Análise da Conversação, ao pesquisar a
maneira como os interlocutores realizam seu planejamento textual
momentaneamente em relação aos demais envolvidos na interação verbal, aponta a
utilização dos itens gramaticais como práticas sociais que cumprem ações
interpessoais na conversação.
No Brasil, a Análise da Conversação é representada, sobretudo, pelos
trabalhos desenvolvidos pelo Projeto de Norma Urbana Culta (NURC), que analisa
textos orais coletados em diversas regiões do país. Segundo Barros (1999), os
estudos do NURC versam sobre a organização textual-interativa da fala e os
procedimentos de construção dos discursos orais.
2.2 O Projeto de Norma Urbana Culta (NURC)
As raízes do projeto NURC encontram-se em Juan Lope Blanch, professor
mexicano, que propôs a organização de um projeto para descrever a norma culta do
espanhol falado. Assim, em 1964, surgiu o Proyecto de Estudio Coordinado de la
Norma Linguística Culta de las Principales Ciudades de Iberoamérica y de Península
Ibérica.
18
Conforme Silva (2010)2, Nélson Rossi, professor da Universidade Federal da
Bahia, apresentou, em 1968, no IV Simpósio do Programa Interamericano de
Lingüística e Ensino de Idiomas, o trabalho intitulado O Projeto de Estudo da Fala
Culta e sua Execução no Domínio da Língua Portuguesa. Este foi o primeiro passo
para que, em 1969, o Proyecto fosse implantado no Brasil, recebendo o nome de
Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta no Brasil – Projeto NURC, que
manteve a mesma gênese do pioneiro mexicano.
Os trabalhos do NURC iniciaram-se em cinco capitais, cuja população
ultrapassava a marca de um milhão de habitantes. Dessa maneira, no nordeste,
Recife e Salvador foram abrangidas pelo projeto; no Sudeste, Rio de Janeiro e São
Paulo; e Porto Alegre foi a cidade sulina englobada. Para cada uma das localidades
foram designados professores responsáveis, a saber: José B. Villanova (Recife),
Nélson Rossi (Salvador), Celso Cunha (Rio de Janeiro), Isaac N. Salum (que, após
sua morte, foi substituído por Dino Preti) e Ataliba Teixeira de Castilho (São Paulo),
e Albino de Bem Veiga (Porto Alegre).
Segundo Silva (2010), para o desenvolvimento das atividades do NURC,
estimava-se que seriam necessários 600 informantes e 400 horas de gravação. Os
trabalhos baseavam-se em um guia-questionário e desenvolviam-se em três etapas:
gravações, transcrição e análise do corpus. O autor fornece, ainda, dados sobre os
informantes e a natureza das gravações:
Os informantes foram distribuídos em três faixas etárias:
1ª faixa etária: de 25 a 35 anos de idade (30%);
2ª faixa etária: de 36 a 55 anos de idade (45%);
3ª faixa etária: mais de 56 anos de idade (25%). Quanto à natureza, as gravações foram divididas em quatro tipos:
1º - Gravações secretas de um diálogo espontâneo (GS): 40 horas (10%);
2º - Diálogo entre dois informantes (D2): 160 horas (40%);
3º - Diálogo entre o informante e o documentador (DID): 160 horas (40%);
4º - Elocuções Formais (EF): 40 horas (10%) (SILVA, 2010)
O fato de São Paulo contar com dois responsáveis permitiu que, nessa
localidade, o NURC contasse duas sedes: uma na Universidade de São Paulo,
2 Todas as referências a Silva, nesta seção, dizem respeito ao artigo publicado em:
http://www.fflch.usp.br/dlcv/nurc/historico.htm
19
coordenada por Dino Preti, e outra na Universidade Estadual de Campinas, sob a
supervisão de Ataliba Teixeira de Castilho.
O Projeto ganhou novo relevo quando a equipe de São Paulo passou a
contrariar o modelo de questionário empregado pelo NURC, que se baseava
naquele usado pelo Proyecto mexicano e privilegiava aspectos da língua escrita nas
análises dos dados.
Muitas reuniões foram feitas para se discutir a respeito das regras de
transcrição das gravações. Mas, segundo Silva (2010), somente em 1984, em um
seminário na Unicamp, que contou com a presença do professor Luís Antônio
Marcuschi, recém chegado da Alemanha, é que foram acordadas as normas para
transcrição do corpus e debatidas novas perspectivas para a realização das
análises, considerando, de fato, as características da língua falada.
A partir de 1985, o NURC da USP constituiu um grupo permanente de
pesquisadores, que passou a centrar seus estudos em livros e artigos referentes à
Análise da Conversação para que os pressupostos dessa corrente teórica pudessem
subsidiar as análises dos dados obtidos.
No mesmo ano, foi acordado que as cidades abrangidas pelo NURC deveriam
intercambiar 18 entrevistas de seu acervo com as demais cidades participantes,
constituindo, assim, um corpus compartilhado.
O acervo do núcleo do NURC, no Rio de Janeiro, encontra-se disponível on-
line3 e conta com um total de 350 horas de gravações, realizadas nas décadas de 70
e 90. Os inquéritos são numerados, contam com a transcrição e um link para um
arquivo de som, que pode ser descarregado no computador do usuário ou ouvido
diretamente pelo navegador.
2.3 Conceituando a conversação
A conversação é descrita pelos teóricos consultados como a interação entre
dois ou mais interlocutores que possuem a intenção de entrar em contato uns com
os outros. Para Preti (2002, p. 45-46), a conversação “abrange um grande leque de
atividades de comunicação verbal, desde as falas descompromissadas do dia a dia,
3 Disponível em: <http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/>.
20
até diálogos com temas pré-determinados”. Ainda, segundo o autor, essas falas
“podem, à medida que decorrem, ir se modificando, em função das circunstâncias
criadas pela própria interação” (PRETI, 2002, p. 45-46).
Conforme Marcuschi (1991), dentre as manifestações da linguagem, a
conversação é aquela a que o ser humano se expõe primeiro e, geralmente, é
aquela de que faz uso pelo resto da vida. Tal relação, segundo noções da
psicanálise, apontadas por Ferrari4 durante a Qualificação deste trabalho, inicia-se
ainda durante a gestação humana, quando a mulher grávida interage oralmente com
o bebê que se encontra em seu ventre. Após o nascimento do indivíduo, o processo
de interação intensifica-se, pois a genitora interage de maneira dialógica com o filho
ao atribuir significados aos silêncios e aos sons emitidos pela criança.
Não é fundamental saber se a mãe está inferindo corretamente ou não; o fundamental é que a criança está aprendendo a interagir; está internalizando estilos entoacionais e prosódicos, e montando uma complexa matriz de valores simbólicos. Inserida num aprendizado sistemático e culturalmente marcado, onde as atenções para as regras de uso se sobrepõem às meramente linguísticas, ela está se introduzindo na atividade conversacional (MARCUSCHI, 1991, p. 14-15).
A relevância das considerações referem-se ao fato de o início da construção
da história conversacional humana ocorrer no interior das relações familiares, que
introduzem o homem no processo de interação e socialização com o mundo. É
possível afirmar, seguindo a perspectiva de Marcuschi (1991), que a conversação
configura-se como a atividade linguística básica, uma vez que está presente no
cotidiano de todas as pessoas, independentemente de questões econômicas ou
sociais.
Sobre os aspectos da conversação, o autor assinala cinco características
constitutivas que devem ser observadas para que a atividade seja considerada uma
interação verbal centrada:
a) interação entre pelo menos dois falantes; b) ocorrência de pelo menos uma troca de falantes; c) presença de uma sequência de ações coordenadas; d) execução numa identidade temporal;
4 Comentário feito pelo professor Alexandre Sebastião Ferrari Soares durante o Exame de
Qualificação, em 28 de setembro de 2010.
21
e) envolvimento numa "interação centrada" (MARCUSCHI, 1991, p. 15).
Nos eventos de fala, dois ou mais interlocutores possuem a mesma tarefa, ou
seja, trocar ideias sobre um assunto específico ou apenas romper o silêncio. É por
isso que Petri (2001, p. 23) considera o envolvimento como uma das características
da conversação, e ela é entendida como o “resultado de um trabalho cooperativo, ou
„a duas vozes‟”. No presente estudo, a conversação se dá entre a entrevistadora e a
entrevistada, atuando a primeira no sentido de motivar a segunda a discorrer sobre
aspectos de sua vida.
Dada a necessidade de interação entre falantes para configurar a
conversação, é imprescindível que os sujeitos envolvidos estejam inseridos no
mesmo espaço temporal, o que não implica necessariamente uma interação face a
face, haja vista a possibilidade de se interagir por meio de conversas telefônicas ou
de entrevistas radiofônicas, por exemplo.
Além disso, a exigência de troca de falantes implica a exclusão de algumas
categorias da denominação “conversação”. Os sermões, por exemplo, não se
enquadram no conceito, pois, ainda que dirigidos a um público, não contêm
alternância entre falantes, o que os assemelha à estrutura de um monólogo.
Atente-se também para o último item elencado por Marcuschi (1991), que
explicita a relevância de a interação estar centrada em um assunto, ou seja, em
temas comuns, mesmo que sejam observadas digressões. Assim, a conversação
requer uma interação cooperativa, na qual um tema seja mantido em foco.
Some-se às condições já mencionadas a ideia de que, para o
desenvolvimento conversacional, é necessário, também, que os interlocutores
compartilhem minimamente certos conhecimentos, não apenas em termos
linguísticos, pois “os esquemas comunicativos e a consecução de objetivos exigem
partilhamentos e aptidões cognitivas que superam em muito o simples domínio da
língua em si” (MARCUSCHI, 1991, p. 16). Desse modo, além da aptidão linguística,
a conversação requer o envolvimento cultural e o domínio de situações sociais entre
os interlocutores.
A conversação é, portanto, mais do que a ativação do código verbal. Ela
representa uma atividade cognitiva que possibilita ao ser humano comunicar-se e
interagir no contexto social em que se insere.
22
A modalidade corresponde, ainda, ao reconhecimento da função dialógica da
linguagem. Sobre a presença do “outro” no discurso, Koch (2006b) compara os
interlocutores na produção de texto nas modalidades oral e escrita.
Todo texto é resultado de uma co-produção entre interlocutores: o que distingue o texto escrito do falado é a forma como tal co-produção se realiza. No texto escrito, a co-produção se resume à consideração do Outro para o qual escreve, não havendo participação direta e ativa deste na elaboração lingüística do texto, em função do distanciamento entre escritor e leitor. [...] No texto falado, por estarem os interlocutores co-presentes, ocorre uma interlocução ativa, que implica um processo de co-autoria, refletido, na materialidade lingüística, por marcas da produção verbal conjunta (KOCH, 2006b, p. 40).
O texto oral produzido é, portanto, uma coprodução, uma vez que sua
construção é feita passo a passo em processo de cooperação entre os
interlocutores, que interagem em conjunto. Por isso, a fala produzida, no processo
de comunicação, pode apresentar marcas que denunciam essa presença, como os
questionamentos que visam à adesão do interlocutor.
Nota-se que a conversação é marcada por princípios de solidariedade e de
cooperação entre os interlocutores.
Um fato singular das interações faladas é o de o falante receber ajuda explícita do ouvinte, para complementar um enunciado que está processando. Diante de uma hesitação do locutor quanto à escolha de uma palavra, por exemplo, fornecendo-lhe uma opção lexical (KOCH, 2006b, p. 42).
A interação entre os interlocutores faz com que, mesmo quando detém a
palavra, o locutor não seja o único responsável pela produção de seu discurso, pois
os envolvidos, na atividade conversacional, não só atuam segundo princípios de
cooperação, como também conegociam e coargumentam. E, sob essa ótica,
Dionísio (2006, p. 69) aponta que “a conversação, é uma atividade semântica, ou
seja, um processo de produção de sentidos altamente estruturado e funcionalmente
motivado”.
Como afirma Koch (2006b), o texto falado, apesar de relativamente não
planejável de antemão, apresenta uma sintaxe característica, uma estruturação
própria, que é ditada pelas circunstâncias sociocognitivas de sua produção, e deve
ser avaliado a partir de tal perspectiva.
23
2.4 A construção do texto falado
Mesmo utilizando sistema linguístico idêntico, fala e escrita constituem duas
modalidades de uso da língua e, portanto, cada uma delas possui características
próprias, não sendo aceitável que a segunda seja vista como simples transcrição da
primeira.
As diferenças entre as duas manifestações apresentam-se ligadas às práticas
sociais e têm como parâmetro o maior ou o menor envolvimento dos interlocutores.
Koch (2006b) observa
[...] que existem textos escritos que se situam, no contínuo, mais próximos ao pólo da fala conversacional (bilhetes, cartas familiares, textos de humor, por exemplo), ao passo que existem textos falados que mais se aproximam ao pólo da escrita formal (conferências, entrevistas profissionais para altos cargos administrativos e outros), existindo, ainda, tipos mistos, além de muitos outros intermediários (KOCH, 2006b, p. 44)
Tendo por base uma visão dicotômica que separa língua falada e língua
escrita, estabeleceu-se, a princípio, uma série de atributos que, em sua maioria,
opunham uma categoria à outra. Nesse viés, a fala, como aponta Koch (2006b), era
caracterizada como contextualizada, não planejada, fragmentada e pouco
elaborada, ao passo que a escrita era tida como descontextualizada, planejada e
elaborada. Percebe-se a fragilidade de tais considerações, pois tanto o discurso oral
quanto o discurso escrito precisam ser tratados, considerando-se a esfera discursiva
em que se realizam, ou seja, as condições efetivas em que o texto está sendo
produzido.
A necessidade de observar as condições de produção evidencia-se quando
há uma reflexão acerca da suposta contextualização da fala e descontextualização
da escrita. Ocorre, na realidade, que ambas as modalidades requerem a utilização
de recursos próprios. Na linguagem escrita, por exemplo, não é possível que uma
frase seja complementada com um gesto, já que o interlocutor não estará presente
fisicamente. Por outro lado, a escrita é contextualizada, uma vez que requer o
contexto de produção, constituído pelo autor, no momento da produção, e o de
publicação, que obedece às regras de editoração do veículo que o publicará, e
24
adquire sentidos no momento da leitura. No discurso oral, tais etapas (produção e
publicação) coincidem e são reforçados por elementos extraverbais, como os
gestos.
A modalidade escrita e a modalidade oral constituem, na realidade, duas
possibilidades de uso da língua, que se servem do mesmo sistema linguístico.
Apesar de possuírem características próprias, não devem ser analisadas a partir de
um prisma dicotômico. A respeito dos equívocos causados pelas comparações entre
fala e escrita, Koch (2006b) faz o seguinte comentário:
Na realidade, [...] o que ocorre é que [...] tais características foram sempre estabelecidas tendo por parâmetro o ideal da escrita (isto é, costuma-se olhar a língua falada através das lentes de uma gramática projetada para a escrita), o que levou a uma visão preconceituosa da fala (descontínua, pouco organizada, rudimentar, sem qualquer planejamento), que chegou a ser comparada à linguagem rústica das sociedades primitivas ou à das crianças em fase de aquisição de linguagem (KOCH, 2006b, p. 45).
Tais comparações relativas à língua falada decorrem de visões equivocadas,
pois, segundo Koch (2006b), devido à interação imediata, ocorrem pressões de
ordem pragmática que, muitas vezes, acarretam uma sobreposição das exigências
sintáticas.
São elas que, em muitos casos, obrigam o locutor a sacrificar a sintaxe em prol das necessidades da interação, fato que se traduz pela presença, no texto falado, não só de falsos começos, truncamentos, correções, hesitações, mas também de inserções, repetições e paráfrases, que têm, frequentemente, funções cognitivo-interacionais de grande relevância (KOCH, 2006b, p.46).
Segundo Marcuschi (1991), normalmente, a conversação divide-se em três
seções estruturais distintas, a saber: abertura, desenvolvimento e fechamento. “A
seção de abertura apresenta normalmente o contato inicial, com os cumprimentos
ou algo semelhante, vindo então, a seção com o desenvolvimento do tópico [...] e,
finalmente as despedidas [...], perfazendo a seção de fechamento” (MARCUSCHI,
1991, p. 51).
As fases de abertura e fechamento evidenciam o caráter interativo da
conversação. A primeira remete ao engajamento dos interlocutores a uma
determinada circunstância, sendo que, na comunicação cotidiana, qualquer um dos
25
falantes pode iniciar uma conversação informal, na qual não se observa hierarquia
de falantes. Todavia, pode ocorrer a restrição do início da atividade, como no
exercício de determinadas profissões ou no interior de instituições, em que a
interação entre os participantes apresenta-se atrelada ao papel que lhes cabe.
Já o fechamento deve ser percebido claramente e ser aceito pelo interlocutor.
Desse modo, segundo Petri (2001), há uma etapa preparatória nessa fase, em que
um dos participantes utiliza seu turno para a produção de enunciados conclusivos;
cabe ao outro falante demonstrar que também deseja encerrar a conversação ou,
então, levantar novo tema para debate.
O desenvolvimento da conversação compõe-se das atividades essenciais
para a execução ordenada da modalidade. Os estudos desenvolvidos pelo Projeto
de Norma Urbana Culta, observando o grupo de organização textual-interativa do
texto falado, consideram que o processo básico de construção do texto falado,
inserido no desenvolvimento, é a topicalidade.
[...] a topicalidade é o fio condutor da organização discursiva, e [...] a despeito da aparente fragmentariedade da fala, há, no nível, macro, uma estruturação orgânica do texto falado, que aponta para uma regularidade de construção. A organicidade do texto falado é manifestada por relações de interdependência tópica (JUBRAN, 2006a, p. 33).
Apresentando-se atrelado à organização do tópico discursivo, o par dialógico
pergunta-resposta propicia a instauração da coerência no texto falado, conforme
indica Jubran (2006a).
São fenômenos intrínsecos da construção do texto oral também a hesitação,
as pausas, as repetições, a correção, entre outros. Todavia, nesta parte do trabalho,
interessa discorrer sobre os conceitos de turno conversacional e de tópico
discursivo, bem como sobre o par dialógico pergunta-resposta, elementos
entendidos como organizadores tópicos do texto falado, que parecem justificar a
escolha do questionário como instrumento de coleta de dados para a presente
pesquisa.
26
2.4.1 O turno conversacional
De acordo com Marcuschi (1991), o princípio básico da conversação é: “fala
um de cada vez”. Com isso, a tomada de turno pode ser considerada como estrutura
básica para o desenvolvimento da atividade.
Quando não há nenhuma regulamentação institucional, são os próprios
interlocutores que decidem a repartição dos turnos de fala. De acordo com
Marcuschi (1991), é necessário que os participantes reconheçam quando uma
enunciação termina para que possam fazer uso da palavra. O autor indica que a
observação de alguns indícios, como a entoação e certas construções sintáticas,
propiciam a apreensão da completude do turno de fala do parceiro.
A alternância dos turnos entre os interlocutores representa um papel
disciplinador, uma vez que a tomada de turno representa a organização da
conversação. O respeito à tomada de turno significa que falas simultâneas e
sobreposição de vozes devem ser evitadas, possibilitando que a atividade
conversacional seja mais clara e livre de ruídos. Segundo Marcuschi (1991), duas
técnicas podem ser empregadas para a alternância de turnos:
Técnica I – O falante corrente escolhe o próximo falante, e este toma a palavra iniciando o próximo turno; Técnica II – O falante corrente pára e o próximo falante obtém o turno pela auto-escolha (MARCUSCHI, 1991, p. 20).
Todavia, em uma interação verbal cujo número de participantes é maior que
dois, a simultaneidade de falas pode ocorrer, sobretudo quando o falante de um
turno não dirige sua fala a outro interlocutor específico. Desse modo, para o
prosseguimento da atividade, podem ser usados recursos metalinguísticos, como a
expressão “deixa eu falar”; paralinguísticos, como um gesto; ou, ainda, um dos
falantes que iniciou o turno ao mesmo tempo que outro silencia-se para que seu
interlocutor prossiga. O número elevado de participantes na conversação pode
propiciar também o surgimento de conversas paralelas.
Uma nova quebra do princípio básico da conversação, aludido por Marcuschi
(1991), no início desta seção, pode ser observada na sobreposição de vozes
durante o turno de um falante. Segundo o próprio autor, o registro mais comum
27
dessa manifestação se dá sobre o pronunciamento de expressões de concordância
ou discordância à medida que se acompanha a fala do interlocutor.
2.4.2 O tópico discursivo
Em uma conversação, os turnos, além de sucessores temporais uns dos
outros, fazem referência a seus antecedentes. Dessa forma, um turno traz em si um
conjunto de possibilidades e sentidos desencadeados por aquele que o precedeu. É
nesse processo que está inserido o conceito de tópico discursivo.
O tópico decorre, portanto, de um processo que envolve colaborativamente os participantes do ato interacional na construção da conversação, assentada em um complexo de fatores contextuais, entre os quais as circunstâncias dos interlocutores, os conhecimentos partilhados entre eles, sua visão de mundo, o background de cada um em relação ao que falam (JUBRAN, 2006b,
p. 90).
A interação baseia-se, portanto, no envolvimento, ou seja, na atenção
dispensada a um assunto escolhido por ambos os interlocutores ou imposto pelo
contexto social. O tópico discursivo constitui-se, portanto, um elemento de grande
importância para o desenvolvimento da conversação, pois sua estruturação atua
como elo condutor na organização textual-interativa e, a partir dele, se empreende a
descrição da organização tópica de um texto.
Dentre suas características, citam-se a centração e a organicidade. Conforme
Jubran (2006a), pela primeira entende-se a relação de interdependência semântica
entre os enunciados de um segmento textual, bem como a relevância desse
conjunto. Já a segunda é manifestada por relações de interdependência tópica
estabelecidas pelo plano hierárquico (dependências de superordenação e
subordinação entre tópicos que se implicam pelo grau de abrangência do assunto) e
pelo plano linear (segundo articulações intertópicas em termos de adjacência ou
interposições de tópicos diferentes na linha do discurso).
O plano linear revela-se importante para este estudo, pois é nele que estão
contidas as noções de continuidade e descontinuidade tópicas, uma vez que a
28
entrevista nem sempre apresenta uma progressão linear do tópico que desenvolve,
o que é evidenciado em uma conversação natural pelo fato de os interlocutores
mudarem normalmente de tópico, conforme seus objetivos.
A continuidade decorre de uma organização sequencial dos tópicos, de forma
que a abertura de um se dá após o fechamento de outro, precedente. Já a
descontinuidade, segundo Jubran (2006b, p. 99), “decorre de uma perturbação da
sequencialidade linear”, ou seja, ocorre quando um novo tópico é introduzido antes
do esgotamento de seu precedente.
Ainda sobre a questão, salienta-se o uso de marcadores discursivos como
sinalizadores de introdução ou esgotamento de tópicos. “Eles são basicamente
sequenciadores e, no que diz respeito à organização tópica do texto falado,
estabelecem aberturas, encaminhamentos, retomadas e fechos de tópicos, em
posições inter ou intratópicas” (JUBRAN, 2006b, p. 111).
Segundo Jubran (2006b), a segmentação do texto em unidades tópicas é
procedimento básico para a análise, uma vez que “o analista focaliza a sequência
dos tópicos, da forma como aparecem na linha do discurso, em termos de
continuidade ou descontinuidade” (JUBRAN, 2006b, p.119, grifos de autora).
2.4.3 O par dialógico pergunta-resposta
Considerado como uma das sequências conversacionais mais comuns, o par
dialógico pergunta-resposta, conforme Petri (2001), é, ao mesmo tempo,
organizador da conversação e estratégia de seleção de falantes, além de funcionar
como proponente de tema.
Fávero et al. (2006) considera que perguntas (Ps) e respostas (Rs) são
elementos chaves nos processos de interação humana e, por isso, são indicadores
de compreensão, pois a segunda parte só pode ser produzida se a primeira foi
compreendida. Ou seja,
[...] as Ps antecipam e restringem semanticamente as Rs e parecem depender destas, que, por sua vez, são ainda mais dependentes das primeiras. Isso, além de implicar que uma P seja necessariamente
29
respondida, leva a uma definição circular em que a diferença entre os dois atos é o aspecto eleitor/eleito [...] (FÁVERO et al., 2006, p. 136).
Ressalta-se, todavia, que nem sempre a ativação do par dialógico implica
circularidade, pois uma pergunta pode ser seguida por outra pergunta. Sendo assim,
“não há uma determinação lógica na ordenação do par P-R” (FÁVERO et al., 2006,
p. 138).
Dentre os objetivos que impelem o sujeito a fazer uma pergunta, Petri (2001)
destaca:
1. L1 não possui uma informação e deseja possuí-la. Essa é a condição mais freqüente; 2. L1 quer saber se L2 possui a informação. Nesse caso é a questão didática; 3. L1 deseja que L2 admita uma verdade que ele (L1) já conhece ou suspeita, como ocorre em certos casos de interrogatório policial ou judiciário; 4. L1 quer a informação, mas para informar um terceiro, testemunha da interação. É o caso das entrevistas, quando o entrevistador faz uma pergunta, cuja resposta ele conhece, mas não o seu auditório; 5. L1 pergunta pelo simples prazer de perguntar ou de ouvir a resposta (PETRI, 2001, p. 119).
Pelo exposto, entende-se que a pergunta nem sempre é feita para que se
possa obter determinada informação, mas é produzida com as mais variadas
intenções. Conforme Ducrot (1977), qualquer pergunta cria no interlocutor uma
obrigação jurídica de responder, ou seja, produz uma reação que se realiza
verbalmente materializada em um enunciado linguístico, trazendo a informação
solicitada. Com isso, as perguntas podem ser vistas como meio de agir sobre o outro
e de fazê-lo reagir. As respostas, por sua vez, não são asserções comuns, mas se
produzem segundo as orientações presentes na pergunta.
Segundo Marcuschi (1991), os estudos acerca do organizador conversacional
distinguem as perguntas a partir de dois tipos: de sim-não e sobre algo. Para este
trabalho, os questionamentos foram elaborados de modo que se enquadrassem na
segunda modalidade, pois se objetivou que a entrevistada discorresse sobre os
temas topicalizados, questão que será aprofundada no Capítulo IV.
30
2.5 A interpretação dos enunciados em uma conversação
De acordo com Petri (2001), toda enunciação depende da intenção do
enunciador em atingir determinado objetivo ilocucional. Tal objetivo, por sua vez,
relaciona-se à aceitação do interlocutor diante do que lhe é exposto. Ocorre que,
para o êxito do objetivo pretendido pelo enunciador, é necessário, ainda, que o
interlocutor compreenda qual é esse objetivo. E, por fim, essa compreensão
depende da formulação adequada da enunciação.
Percebe-se, portanto, que não basta a produção dos atos de fala pelos enunciados; ele precisa produzir as condições para que o enunciatário reconheça sua intenção e aceite realizar o objetivo pretendido. Essas condições referem-se a atividades lingüístico-cognitivas que garantam a compreensão, estimulem, facilitem ou provoquem a aceitação. E, mesmo assim, a atividade ilocucional produzirá seus efeitos apenas a partir da compreensão e da aceitação do objetivo pelo enunciatário, mostrando a reação desejada (PETRI, 2001, p. 91).
Há, portanto, um jogo de relações imaginárias, no qual o locutor se antecipa
às possíveis interpretações e reações dos demais envolvidos na conversação, por
meio da seleção de seus enunciados. Dessa forma, a constituição de todo falar
representa a relação de seu interior com seu exterior, ou seja, há uma tentativa de
organização discursiva a partir de um destinatário. O sujeito, inconscientemente,
formula representações imaginárias acerca do lugar por ele ocupado, da posição de
seu interlocutor e da imagem do seu próprio discurso perante o outro, de modo que
seus enunciados sejam formulados de forma a “permitir ao receptor tirar as
conclusões que ele deseja que sejam tiradas” (PETRI, 2001, p. 91).
Os participantes da conversação são indivíduos diferentes e opacos uns em
relação aos outros, possibilitando que as interpretações recíprocas sejam
divergentes. Diante disso, segundo Petri (2001), é necessário um desenvolvimento
abstrato da interação, de seu funcionamento e das obrigações dela decorrentes,
formando um processo denominado “idealização de sociabilidade”.
Nesse processo, o princípio da cooperatividade torna-se essencial, pois
implica comportar-se de modo que sejam mantidas as idealizações fundamentais,
bem como garantidos esforços em direção à interpretação quando ocorrem
31
problemas na interação. A evidência mais significativa do princípio é dada pela
disposição entre os participantes de falar e escutar uns aos outros.
Petri (2001) resume o processo de interação e interpretação envolvido na
conversação da seguinte maneira:
A comunicação como interação simbólica realizada por meio da linguagem apresenta traços fundamentais que podem ser assim resumidos: seu caráter dialógico, que propicia a construção de uma reciprocidade e que repousa sobre um princípio de cooperação; a interpretabilidade dos símbolos em jogo, que acarreta a necessidade de procedimentos de negociação, para assegurar a intercompreensão; sua constituição como processo sequencial, sob a restrição do desenrolar temporal e da alternância dos participantes [...] (PETRI, 2001, p. 94).
A intercompreensão deve ser entendida como a compreensão recíproca
atrelada à interpretação semântica dos enunciados, não correspondendo à sua
avaliação. Assim, é preciso que o falante garanta a compreensão da enunciação
pelo parceiro. Para tanto, é necessário que o sujeito estabeleça as referências
pertinentes ao contexto de produção de sua fala, como o saber do cotidiano e os
objetos aos quais faz referência. Dessa forma, conforme Petri (2001), são
construídas idealizações para desencadear expectativas no interlocutor de maneira
a assegurar a compreensão.
Em uma conversação, portanto, o sujeito reage segundo sua compreensão do
enunciado, não significando que não haja mal-entendidos nesse processo. O
primeiro falante pode demonstrar, por sua reação, se aceita ou não a interpretação
feita por seu interlocutor, podendo corrigi-lo ou aceitar a interpretação produzida.
A significação dos enunciados, portanto, apresenta-se atrelada a um processo
de negociação entre os interlocutores, no qual os participantes demonstram
reciprocamente como interpretam os enunciados e, ainda, se aceitam as
significações que o interlocutor atribui à sua fala.
2.6 A conversação na pesquisa
32
Neste trabalho, a conversação ocorre entre a pesquisadora e a entrevistada,
atuando a primeira no sentido de motivar a segunda a falar da maneira mais
espontânea possível.
Com base nas teorias da Análise da Conversação, cujos princípios orientam a
análise de conversas naturais, optou-se por selecionar uma participante que já
conhecesse previamente a pesquisadora para que a coleta de dados ocorresse da
forma mais espontânea possível. Dada a proximidade entre entrevistada e
pesquisadora, esta se configura como uma pesquisadora-participante.
Desse modo, como sujeito da pesquisa, selecionou-se a mãe de uma colega
de colégio da pesquisadora, que possuía como característica peculiar o fato de ser
imigrante. Trata-se de uma mulher nascida e criada no Paraguai, divorciada e
residente na cidade de Cascavel há mais de 25 anos. A imigração para o Brasil
deveu-se ao fato de a participante ter se casado com um brasileiro.
Nos primeiros anos no Paraná, a entrevistada dedicou-se exclusivamente aos
cuidados dispensados às três filhas, ao lar e ao marido. Anos mais tarde, com o
divórcio, retomou os estudos no Brasil, ingressando no Magistério. No mesmo
período, começou a lecionar a disciplina de Língua Espanhola em escolas
particulares. Após terminar o curso de Magistério, ingressou em um curso superior
de licenciatura em Língua Portuguesa e Língua Espanhola, cuja conclusão ocorreu
em 2008.
Como as filhas mais velhas se casaram, atualmente, a entrevistada vive
apenas com a caçula; continua lecionando Espanhol e não tem pretensão de voltar a
viver no Paraguai.
Para a realização do estudo, foi gravada uma conversa com a participante,
primando-se pela conversação natural; para tanto, tentou-se criar um ambiente
favorável para a coleta do corpus. A opção pela entrevista oral deveu-se à tentativa
de se criar uma atmosfera informal, na qual a participante relatasse suas
experiências sem monitoramento do próprio discurso, conforme preconiza o Projeto
NURC.
A opção pela espontaneidade, na coleta do texto oral, segundo Preti (1998, p.
72), permite observar “que os diálogos, mesmo iniciando-se indecisos, acabam por
fluir naturalmente, ainda que os interlocutores quase sempre se comportem com
uma regularidade que indica que estão atentos à situação criada”. Ainda sobre as
premissas do NURC, Fávero e Andrade (1998) apontam que o objetivo das
33
entrevistas é deixar o entrevistado falar livremente, pois o interesse do
documentador deve centrar-se no modo como a língua é usada e não no que o
interlocutor diz.
Segundo Dionísio (2006), existem variedades, no grau de formalidade da
conversação natural, e na presente investigação optou-se pela conversação
informal, beirando à espontaneidade. Dessa maneira, o local escolhido para a
realização da entrevista foi a própria residência da entrevistada, por se considerar
que ali a participante se sentiria mais à vontade para a gravação de sua fala. Esse
cuidado visou à obtenção de um corpus que refletisse o uso cotidiano da língua feito
pela entrevistada, ou seja, uma fala sem monitoramentos.
Optou-se pelo questionário como forma de motivar as falas da entrevistada,
mas se priorizou a fala espontânea da informante em todos os momentos, ou seja,
as interferências feitas pela entrevistadora foram evitadas, deixando a informante
livre para falar. A esse respeito, Fávero (2000) esclarece que, nas entrevistas do
Projeto NURC,
[...] as formulações do entrevistador são representadas, quase sempre, por perguntas, já que não importa o que o entrevistador diz, mas de que maneira o diz. Assim, as perguntas não buscam a informação, mas são colocadoras de situação [...] (FÁVERO, 2000, p. 85).
A entrevistada respondeu a doze perguntas (Vide apêndice A) que versaram
sobre temas gerais de sua vida, desde a infância no Paraguai até seu percurso
acadêmico e profissional no Brasil. Os questionamentos foram elaborados de modo
que a participante pudesse falar o mais livremente possível sobre os tópicos. Assim,
as questões não foram pontuais, mas elaboradas de maneira aberta para que a
entrevistada discorresse espontaneamente.
As interferências, por parte da pesquisadora, foram evitadas, sendo que esta
apenas proferiu palavras de assentimento durante a fala da entrevistada, bem como
interagiu, por meio de gestos ou risos, como forma de incentivar a falante a
prosseguir em seu texto oral.
Após a gravação da entrevista, que teve duração aproximada de 70 minutos,
procedeu-se à transcrição, utilizando como referência as normas de transcrição do
Projeto NURC, já que elas, além dos aspectos verbais, consideram a codificação de
aspectos entoacionais e de informações adicionais, conforme preconiza a AC.
34
Da transcrição de uma comunicação verbal ocorrida no quadro de uma interação natural, buscam-se obter conhecimentos que ultrapassam as análises fonológicas, sintáticas, semânticas ou mesmo aqueles relativos à boa formação gramatical ou textual (PETRI, 2001, p. 81).
No texto oral coletado, foram registradas 22 ocorrências do item até, que
foram tomadas como corpus da pesquisa.
Embora a coleta do corpus tenha se baseado no princípio da entrevista, a
análise das ocorrências e funções do item até está centrada apenas nas respostas
da informante, sem perder de vista as perguntas que as motivaram. Dessa forma, a
organização estrutural da fala da entrevistadora não será considerada, já que serve
apenas de mote para a fala da entrevistada e, devido às respostas longas, infere-se
que ela se sentiu à vontade para falar.
Das respostas da informante, foram selecionados os trechos em que se
observa a presença do vocábulo sob análise. Ressalva-se, contudo, que essa
sistematização aconteceu apenas como forma de facilitar o olhar sobre as relações
estabelecidas entre o termo até e seus precedentes e procedentes, pois o contexto
linguístico do qual fazem parte os recortes não pode ser desconsiderado no
processo de análise.
Assim, os trechos analisados nesta pesquisa não apresentam uniformidade
nem seguem uma lógica preestabelecida, mas demonstram como ocorre o uso
funcional do item até em fragmentos extraídos de um texto oral-dialogado, que beira
à espontaneidade.
A análise do corpus, além do conteúdo de cunho linguístico, revela trechos
em que se percebem alguns conflitos vividos pela imigrante paraguaia. A falante faz
comparações entre brasileiros e paraguaios e expõe modos de vida, considerados
por ela, aparentemente, como antagônicos.
De acordo com Risso e Jubran (1998), a comunicação verbal entre
interlocutores está contextualizada em um complexo conjunto de circunstâncias que
atuam na dinâmica das relações sociais entre os interlocutores. Desse modo, a
construção do texto oral está diretamente relacionada ao desejo expresso pelo
produtor discursivo de ser compreendido por seus interlocutores.
No capítulo procedente, traça-se um panorama sobre as teorias a partir das
quais se analisará, no Capítulo IV, o termo até.
35
3 O PLANEJAMENTO LOCAL DA FALA: MARCADORES DISCURSIVOS x
OPERADORES ARGUMENTATIVOS
A conversação natural é entendida como uma modalidade espontânea da
linguagem, no sentido de que não possui um planejamento prévio e corresponde,
localmente, às exigências do contexto no qual se insere.
Salienta-se que, mesmo sendo localmente planejada, a conversação natural
não elimina a existência de uma organização textual. Ocorre que sua organização
deve ser entendida como um processo que obedece a regras próprias, que podem
tanto se afastar quanto se aproximar daquelas seguidas na produção do texto
escrito.
Conforme já comentado no capítulo anterior, Marcuschi (1991) observa que o
texto oral não se distancia do escrito no que se refere à estrutura e à organização,
haja vista a presença de elementos sintático-semânticos no texto falado, assim
como estratégias adotadas pelos falantes para manter a coerência e a coesão do
discurso que produzem.
Segundo Gonçalves (2006), os estudos atuais da Análise da Conversação
enfatizam a necessidade de se analisarem os elementos que estão envolvidos no
evento da enunciação. De acordo com a autora, observa-se o avanço de pesquisas
na área no que se refere às questões de coesão e coerência do texto oral, em que
se analisam, sobretudo, as trocas de turno, o tópico discursivo, as atividades de
formulação e os marcadores discursivos.
Conforme já exposto no Capítulo II, bem como na introdução, a entrevista
promovida seguiu os parâmetros do NURC, em termos de concepção de texto e do
funcionamento dos operadores e marcadores analisados, devido ao perfil tomado
pelo texto no decorrer da entrevista, descrito neste trabalho como espontâneo e com
poucas interferências da pesquisadora.
Nesta pesquisa, entende-se a fala espontânea como aquela que não é
planejada previamente, é produzida em tempo real e atende às exigências do
contexto imediato, ou seja, neste caso, a fala produzida a partir da motivação dada
pela pesquisadora.
Em uma das faces desta dissertação, os interesses voltam-se para a
descrição de marcadores discursivos no corpus, entendendo-os como mecanismos
36
importantes na efetivação da progressão textual, pois, por meio deles, a falante tenta
articular sua fala.
Concebe-se, na presente pesquisa, que todo falar possui essência
argumentativa. Reconhecem-se as interações comunicativas como manifestações
impregnadas pela argumentação, e considera-se que a produção do enunciado se
dá a partir da seleção de estratégias que possibilitam o êxito do processamento
argumentativo.
Por isso, procurou-se também verificar como a entrevistada procedeu no
direcionamento da argumentação, tendo como base a teoria de Ducrot (1989), que
considera os operadores argumentativos como elementos de papel relevante na
constituição dos enunciados, pois atuam como indicadores em prol de uma
determinada conclusão em detrimento de outras.
Partindo das noções de marcadores discursivos e de operadores
argumentativos, observou-se, especificamente, o comportamento do vocábulo até no
corpus, com enfoque nas funções por ele desempenhadas, ora como marcador
discursivo, ora como operador argumentativo, em uma situação real de uso da
língua em que esta é localmente planejada.
Nas sessões seguintes deste capítulo, traça-se breve comentário a respeito
dos conceitos que norteiam a análise procedida.
3.1 Marcadores discursivos (MDs)
A conversação, a partir da perspectiva-textual interativa proposta por estudos
desenvolvidos em conformidade com a proposta do NURC, indica a existência de
relações que sustentam os elementos participantes da organização linguística e das
estratégias acionadas pelos falantes durante a conversação.
Dentre os elementos envolvidos na construção dos textos de língua falada,
segundo Gonçalves (2006), há aqueles que são responsáveis por sua organização,
exercendo a função de conectivos textuais: “são os chamados Marcadores
Conversacionais” (GONÇALVES, 2006, p. 85, grifos de autora).
Ressalva-se que, no presente estudo, a denominação “marcadores
conversacionais” apresenta-se inserida no conceito de “marcadores discursivos”,
37
como orienta o NURC. A esse respeito, Risso, Silva e Urbano (2006, p. 404) afirmam
que, “para efeitos de designação, adotamos aqui a denominação de marcadores
discursivos [...], que nos parece ser mais adequada e abrangente que a de
marcadores conversacionais” (RISSO; SILVA; URBANO, 2006, p. 404, grifos de
autores).
Para os autores, embora seja mais corrente entre os estudos linguísticos
brasileiros, a designação “marcadores conversacionais” sugere um
comprometimento exclusivo com a língua falada. Já a denominação “marcadores
discursivos” permite a aplicação do conceito também aos textos escritos.
Guerra (2007) amplia a questão terminológica, expondo as nomenclatura
observada na literatura para se referir aos elementos que desempenham função de
MDs.
Não há, inclusive, em torno dos MDs, um consenso terminológico, aparecendo, para se referir a mecanismos que desempenham basicamente a mesma função, expressões como articuladores textuais, marcadores conversacionais, conectivos discursivos, operadores discursivos, operadores argumentativos, marcadores de estruturação da conversação, apoios do discurso, sinais de estruturação etc. (GUERRA, 2007, p. 10, grifos da autora).
Assim, este trabalho apoia-se em estudos que utilizam as terminologias
mencionadas, que serão tomadas como sinônimas, pois o objeto de análise é um
texto oral. Contudo, para efeito de padronização do texto deste trabalho, optou-se
pelo termo “marcador discursivo”.
Segundo Gonçalves (2006), a presença de palavras e expressões enunciadas
espontaneamente, atreladas a determinadas condições, está, normalmente,
relacionada a uma intenção bem delimitada do locutor em relação ao interlocutor, ou
seja, revela a tentativa de adequação da linguagem em relação ao sujeito com quem
se fala. Ou seja, o que move o recurso a esse tipo de organizadores textuais são
justamente nas condições típicas do texto oral-dialogado, as quais envolvem
refacções, retomadas e reelaborações, por exemplo.
Para Marcuschi (1991), os marcadores discursivos apresentam característica
multifuncional ao atuarem, simultaneamente, na organização da interação, na
articulação do texto e na indicação da força ilocutória. Tais recursos, ao mesmo
38
tempo que dão coesão ao texto, também o segmentam e pontuam, pois podem
suprimir o papel dos signos de pontuação.
Além disso, o estudo dos marcadores discursivos implica reconhecimento das
noções de cooperação e interação, inerentes à dinâmica conversacional. Segundo
Gonçalves (2006), por meio de tais elementos
[...] podemos observar como os interlocutores negociam entre si, como protegem suas faces, como elaboram seus pensamentos, como reagem ao que ouvem, que intenções apresentam durante o ato; enfim, é descobrir um pouco como se organiza, em termos de planejamento, o texto falado e como é levado a cabo pelos ouvintes (GONÇALVES, 2006, p. 92).
Dessa forma, os marcadores discursivos são vitais ao texto falado, pois
possibilitam sua construção e organização. Tais recursos, segundo Marcuschi
(1991), podem ser divididos em “três tipos de evidências: (a) verbais, (b) não-verbais
e (c) supra-segmentais”. (MARCUSCHI, 1991, p. 61, grifos de autor).
O grupo (b) diz respeito aos elementos paralinguísticos, como o riso e a
gesticulação, que desempenham papel relevante durante a conversação. Os
marcadores inseridos nessa classificação “estabelecem, mantêm e regulam o
contato” (MARCUSCHI, 1991, p. 63). Já os supra-segmentais, grupo (c), de acordo
com Marcuschi (1991), apresentam natureza linguística, mas não caráter verbal,
como as pausas e o tom de voz.
Esta pesquisa centra o olhar nos marcadores discursivos inseridos no grupo
(a), ou seja, os verbais, cujas características são explicitadas por Marcuschi (1991):
Os recursos verbais que operam como marcadores formam uma
classe de palavras ou expressões altamente estereotipadas, de grande ocorrência e recorrência. Não contribuem propriamente com informações novas para o desenvolvimento do tópico, mas situam-se no contexto geral, particular ou pessoal da conversação (MARCUSCHI, 1991, p. 62, grifo de autor).
No plano dos marcadores verbais, estão envolvidos sons não lexicalizados –
como hum e ahã – palavras, locuções e sintagmas mais desenvolvidos. Segundo
Urbano (1999), percebe-se que os marcadores verbais podem assumir formas
simples (apenas uma palavra, como entende?), complexas (expressões como quer
dizer) ou oracionais (tenho a impressão de que).
39
Para ilustrar as categorias dos marcadores discursivos elencadas acima,
Urbano (1999, p. 87) formula o seguinte esquema:
lexicalizados (sabe?)
verbais
linguísticos não lexicalizados (ahn)
marcadores prosódicos (pausas, alongamentos)
não-linguísticos (ou paralinguísticos)
Quanto às características apresentadas pelos marcadores discursivos
verbais, Risso, Silva e Urbano (2006) descrevem oito traços fortes aplicáveis a esse
grupo de palavras:
a) alta recorrência; b) exterioridade ao conteúdo proposicional; c) transparência semântica parcial; d) invariabilidade formal ou variabilidade restritiva; e) independência sintática; f) demarcação prosódica; g) não-autonomia comunicativa;
h) massa fônica reduzida (RISSO; SILVA; URBANO, 2006, p. 415).
O primeiro traço5 considerado, na caracterização de um marcador discursivo,
na perspectiva dos autores, atrela-se à frequência com que aparece em textos orais,
ou seja, observa-se a “alta reiteração da forma ao longo do discurso” (RISSO;
SILVA; URBANO, 2006, p. 406). A constante ativação da palavra até, na fala da
entrevistada, permite situar esse vocábulo dentro da alta recorrência, concernente
aos marcadores discursivos.
A variável (b) sobre a relação com o conteúdo proposicional6, na perspectiva
de Risso, Silva e Urbano (2006), considera a relação das unidades em estudo com
as informações conteudísticas dos fragmentos tópicos analisados. Os autores
indicam que a alta frequência de unidades exteriores ao conteúdo das proposições
revela ser este um forte traço para a identificação dos marcadores discursivos.
5 Alta recorrência 6 Exterioridade ao conteúdo proposicional
40
Quanto à transparência semântica (traço c), observa-se que os marcadores
passam por um processo de adaptação semântica no que se refere ao seu conteúdo
gramatical ou lexical. Exemplifica-se esse traço com os enunciados abaixo,
apresentados por Risso, Silva e Urbano (2006) em análise do vocábulo agora:
(3) L1 – agora eu assumi também... uma:: secretaria da APM...
(D2 SP 360:165-166) [...] (4) L1 – agora:: o Luís... desde pequeno... gosta da história do homem...
(D2 SP 360: 1.415-20) (RISSO; SILVA; URBANO, 2006, p. 431).
Observa-se que, em (3), a palavra agora atua como adjunto adverbial de
tempo; logo, possui transparência semântica, o que não a caracteriza como
marcador discursivo. Já em (4), a palavra não coincide com a representação
temporal e é ativada pelo falante numa tentativa de articulação textual. A não
transparência semântica observada no último exemplo faz dessa ocorrência de
agora um marcador discursivo.
O item (d)7, dos traços caracterizadores das unidades em questão, indica que
els se apresentam, normalmente, cristalizadas, sendo ativadas automaticamente,
nos discursos e não propriamente formuladas.
Quanto à característica (e)8, os estudos sobre os marcadores discursivos
evidenciam predominância de independência sintática sobre as manifestações de
dependência, sendo a não integração sintática um forte indicador de MD.
Quando se consideram os marcadores verbais [...] uma outra questão se impõe: qual é o seu estatuto sintático dentro da estrutura oracional. Para tanto, deve-se levar em conta, inicialmente, os marcadores verbais lexicalizados ou não, cujas emissões são completas por si e autônomas entonacionalmente, caracterizando, uns e outros, a partir disso, total independência sintática. [...] costuma-se dizer que eles são sintaticamente independentes, principalmente quando “iniciais” [...] ou quando não constituídos por verbo (URBANO, 1999, p. 89).
Assim, os marcadores discursivos não desempenham uma função sintática no
que se refere à estrutura gramatical da oração.
7 Invariabilidade formal ou variabilidade restritiva 8 Independência sintática
41
A variável (f)9 aponta que os marcadores discursivos podem se apresentar
demarcadas por pausas ou por outro elemento prosódico em relação aos segmentos
que as precedem, procedem ou, ainda, em ambos os casos.
A penúltima característica10 diz respeito à não autonomia comunicativa dos
marcadores discursivos, ou seja, as palavras que integram a categoria são
insuficientes por si mesmas para a constituição de enunciados.
Por fim, os estudos textual-interativos apontam que as unidades apresentam
reduzida massa vocabular, pois a maioria das ocorrências corresponde ao limite de
até três sílabas tônicas, em confronto com as que ultrapassam esse limite.
Exemplifica-se esse traço com o objeto de análise desta pesquisa: o termo até.
Contudo, conforme alerta Gonçalves (2006, p. 97), não é incomum encontrar
marcadores formados por locuções ou frases completas: “frases de infinitivo com
valor temporal, condicional ou de outro tipo”.
Ressalva-se a possibilidade de desvios em um ou outro dos padrões
elencados, o que não implica, necessariamente, a eliminação do vocábulo da
categoria “marcadores discursivos”. “O fato de uma mesma forma poder prestar-se a
diferentes funções e ter, em decorrência, diferentes enquadramentos reflete-se
automaticamente em alterações nos padrões de traços acima delineados” (RISSO;
SILVA; URBANO, 2006, p. 418).
Apesar da admissão de desvios dos traços caracterizadores dos marcadores
discursivos, segundo Guerra (2007), algumas das características elencadas acima –
denominadas pela autora como variáveis - se sobressaem em relação às outras:
Dessas variáveis, cinco são definidas como mais decisivas na identificação de MDs, uma vez que apresentam os traços que, por serem os mais prototípicos de MDs, formam o denominado núcleo piloto de definição dos MDs. (GUERRA, 2007, p. 31, grifos de
autora).
Segundo a autora, os cinco traços decisivos são a articulação dos segmentos
do discurso, a orientação da interação, a exterioridade ao conteúdo proposicional, a
independência sintática e a não-autonomia comunicativa, sendo que os três últimos
seriam a referência preliminar para que uma unidade seja considerada ou não como
um marcador discursivo.
9 Demarcação prosódica 10 Não-autonomia comunicativa
42
Para Berenguer (1995, p. 110), na conversação, “los marcadores actúan tanto
en el nivel de la estructura del discurso, contribuyendo a la constitución del sentido,
como en el nivel del cuadro participacional, manifestando las relaciones entre los
hablantes”11. Na mesma perspectiva, Castilho (1989) atrela aos elementos uma
função textual, que pode ser considerada segundo dois grupos: os elementos
basicamente interacionais e os basicamente sequenciadores.
Segundo Castilho (1989), os primeiros representam os processos de relação
interpessoal, administrando os turnos conversacionais; esse grupo não será
abordado nesta pesquisa. Já os segundos, que interessa a este trabalho,
apresentam-se envolvidos “no amarramento textual das informações
progressivamente liberadas ao longo do evento comunicativo e, simultaneamente,
no encaminhamento de perspectivas assumidas em relação ao assunto, no ato
interacional” (RISSO, 2006, p. 427). Assim, segundo a autora, a atuação desse
grupo centra-se no processamento da informação e na tessitura dos tópicos que se
lhe associam, ou seja, são marcadores articuladores de partes do texto. Risso
(2006) adverte-se que, não raro, os marcadores podem desempenhar funções
sequenciadoras e interacionais concomitantemente.
Na função de marcadores sequenciadores, as unidades podem atuar na
articulação da estrutura tópica e se destacam pela condição de elemento não
integrante da estrutura sentencial. Conforme Risso (2006), elas se antecipam às
sentenças e assumem independência sintática relativamente aos componentes
sentenciais.
A não-integração do articulador tópico à construção da sentença pode gerar a impressão de estarmos diante de um elemento descartável, que parece sobrar na fala [...]. Basta, porém, excluí-lo, para que se perceba quantos dados se perdem sobre a orientação que o falante dá a seu discurso, sobre a administração do tópico, enfim, sobre o controle da informação (RISSO, 2006, p. 434-435).
Nessa perspectiva, a atuação dos marcadores discursivos sequenciadores
confere o estatuto funcional de estruturador textual, tida por Urbano (1999) como
uma função genérica desempenhada por tais elementos.
11
“[...] os marcadores atuam tanto no nível da estrutura do discurso, contribuindo para a constituição do sentido, como no nível do quadro participativo, manifestando as relações entre os falantes” (BERENGUER, 1995, p. 110, tradução nossa).
43
O aspecto relevante dos marcadores é o das funções que desempenham. Pode-se dizer que desempenham funções mais genéricas e funções mais específicas, sendo bem genérica a função articuladora ou estruturadora. São específicas as funções de monitoramento do ouvinte ao falante ou a de busca de aprovação discursiva pelo falante em relação ao ouvinte, ou, ainda, de sinalizadores de hesitação, de atenuação ou de reformulação por parte do falante, ou, ainda, de sua intenção de asserir ou perguntar (URBANO, 1999, p. 100).
Pelo exposto e considerando o posicionamento de Gonçalves (2006), conclui-
se que os marcadores discursivos constituem-se como:
[...] um grupo heterogêneo de elementos de variada estrutura gramatical que se distinguem por suas funções semântico-pragmáticas e se dedicam a precisar, contrastar, confirmar o significado da oração, a marcar a sua ordem com relação a uma oração anterior ou posteriormente enunciada durante o ato conversacional ou, ainda, iniciar, acompanhar, finalizar ou dar continuidade (fazer com que haja avanço) aos turnos conversacionais (intra ou inter-turnos) (GONÇALVES, 2006, p. 97-98).
Assim, segundo Urbano (1999), os marcadores discursivos atuam como
articuladores das unidades cognitivo-informativas, revelando as condições de
produção do texto, ou seja, “são elementos que amarram o texto não enquanto
estrutura verbal cognitiva, mas também enquanto estrutura de interação
interpessoal” (URBANO, 1999, p. 86).
3.2 Operadores argumentativos
Embora algumas vertentes linguísticas classifiquem os operadores
argumentativos como elementos pertencentes à classe dos marcadores discursivos,
opta-se, nesta dissertação, pela classificação à parte dos vocábulos que
desempenham função argumentativa em determinados enunciados.
A opção por não considerar os operadores como variantes dos marcadores
discursivos deve-se à observação de que nem sempre os primeiros respondem aos
três quesitos básicos observados nos segundos (exterioridade dos MDs em relação
ao conteúdo proposicional; independência sintática; falta de auto-suficiência
44
comunicativa), sobretudo no que diz respeito à exterioridade em relação ao
conteúdo proposicional e à independência sintática.
No que tange às marcas linguísticas presentes nos enunciados que cumprem
a função de orientação a uma determinada conclusão, ou seja, os operadores
argumentativos, recorreu-se aos postulados de Ducrot (1981, 1987), considerando-
se a teoria de que a argumentação está inscrita na língua.
3.2.1 As orientações nos enunciados
Na abordagem da argumentação, vertentes que se ocupam de questões
especificamente linguísticas enfocam o estudo das marcas que orientam o
interlocutor. Esse viés de análise é assumido pela Semântica Argumentativa,
corrente teórica em que se inserem as pesquisas desenvolvidas por Ducrot (1981,
1987).
Para o teórico, o ato linguístico fundamental é o de argumentar, ou seja, por
meio da língua, o falante orienta os interlocutores a determinada conclusão. Desse
modo, a compreensão de uma enunciação implica apreender as pistas deixadas na
superfície linguística.
Ao postular que a argumentatividade apresenta-se inscrita na língua, Ducrot
(1981) inaugura uma nova forma de analisar o texto, observando elementos que até
então as outras teorias, como a vertente estruturalista, consideravam irrelevantes.
Estudando, desde a década de 70, fenômenos atrelados à pressuposição, Ducrot
(1981, 1987) passa a considerar o conhecimento extralinguístico possuído pelos
falantes como importante fator para apreensão dos significados no processo de
interação verbal.
Ducrot (1987) postula que a argumentação é inerente à língua e, por isso,
constitutiva dos enunciados. A partir da decodificação das pistas que o locutor deixa
na superfície discursiva, é possível uma leitura mais aprofundada dos textos. O
acionamento de um adjunto adverbial, por exemplo, pode revelar posições do locutor
que permitem a apreensão das diferentes significações do enunciado. Assim, na
perspectiva ducrotiana, a argumentação revela-se mais em sua estruturação
linguística do que na própria informação que veicula.
45
Na teoria da argumentação postulada por Ducrot, a língua não é vista como
tendo a função principal de representar a realidade, mas é concebida como
dependente da enunciação e de um contexto. Nessa perspectiva, ao utilizar a língua,
os interlocutores realizam escolhas significativas entre as múltiplas possibilidades
oferecidas pelo sistema linguístico. Por conseguinte, os falantes, além de atuarem
segundo regras combinatórias, recorrem a artifícios linguísticos que buscam
direcionar a argumentação para determinada conclusão.
Dentro desta concepção, entende-se como significação de uma frase o conjunto de instruções concernentes às estratégias a serem
usadas na decodificação dos enunciados pelos quais a frase se atualiza, permitindo percorrer-lhe as leituras possíveis (KOCH, 2000, p. 104, grifo de autora).
Tais orientações para a apreensão do significado da frase estariam
codificadas e possuiriam natureza gramatical, o que, segundo Koch (2000), implica o
“reconhecimento de um valor retórico (ou argumentativo) da própria gramática”
(KOCH, 2000, p. 104, grifo de autora).
Depreende-se daí o fato de que existem enunciados articulados de modo a
conduzir o interlocutor a determinadas conclusões em detrimento de outras, ou seja,
o enunciado orienta discursivamente.
De acordo com Guimarães (2001, p. 25), quando bem articulada, a
argumentação cria o efeito de verdade, isto é, resulta em um sentimento de
realidade. Por conseguinte, “orientar argumentativamente com um enunciado X é
apresentar o conteúdo A como devendo conduzir o interlocutor a concluir C”. Em
outras palavras, em A, o produtor deve estruturar o enunciado de modo que, a partir
dele, se acredite em C. O autor ilustra as considerações com enunciados ditos por
alguém em um contexto de Copa do Mundo, em que o Brasil foi desclassificado pela
França:
O Zico errou um pênalti no jogo de hoje.
e
Até o Zico errou um pênalti no jogo de hoje.
Segundo Guimarães (2001), é possível interpretar o primeiro enunciado como
uma informação sobre o jogo; essa análise não é extensiva ao segundo enunciado.
46
Pela presença da palavra até, o enunciado pode ser interpretado como um
argumento a favor da conclusão de que a seleção do Brasil jogou muito mal.
Desse modo, a escolha dos recursos linguísticos a serem empregados torna-
se essencial para que o locutor atinja o efeito pretendido com sua fala. Salienta-se
que a seleção das estratégias acontece a partir da situação na qual estão inseridos
os interlocutores e que o acionamento de um determinado recurso linguístico deve
levar em consideração a força argumentativa que assume em prol da tese
defendida.
Assim, os enunciados só podem ser compreendidos se estiverem inseridos
em um lugar comum argumentativo, no qual são compartilhados valores, normas e
bases culturais, que confere sentidos à produção linguística. Depreende-se, pelo
exposto, que o sentido do enunciado se constitui a partir da junção do conjunto de
elementos linguísticos que atua como instrução na frase, da situação de ocorrência
e da enunciação, representada pelo próprio enunciado.
Para o linguista, a frase pode conter elementos cujo significado extrapola o
limite do informacional e passa a atuar como indicador de uma determinada
conclusão.
Essa função tem marcas próprias na estrutura do enunciado: o valor argumentativo de uma frase não é somente consequência das informações por ela trazidas, mas a frase pode comportar diversos morfemas, expressões ou termos que, além de seu conteúdo informativo, servem para dar uma orientação argumentativa ao enunciado, a conduzir o destinatário em tal ou qual direção (DUCROT, 1981, p. 78).
Ducrot (1981) usa a expressão “operadores argumentativos” (OAs) para
designar os elementos explícitos na organização gramatical da frase que indicam a
argumentatividade dos enunciados. Essa classificação engloba conectivos,
advérbios, preposições, locuções adverbiais, conjuntivas e prepositivas, além de
palavras que não se enquadram nas categorias preconizadas pela gramática, como
as palavras que denotam exclusão (só, somente, apenas), inclusão (até, também,
inclusive) e retificação (aliás, melhor).
Koch (2003) faz uma distinção entre duas classes de operadores: os lógico-
semânticos e os argumentativos. Os primeiros estabelecem uma relação entre fato e
verdade, ou seja, conectam o conteúdo de duas proposições. Já os segundos, além
47
de exercer a função citada, inserem argumentos que indicam a intenção em
persuadir o interlocutor.
Ainda para a autora (2000), cabe à Semântica Argumentativa a análise do
papel desempenhado pelas palavras que atuam como operadores argumentativos.
É a macrossintaxe do discurso – ou semântica argumentativa –
que vai recuperar esses elementos, por serem justamente eles que determinam o valor argumentativo dos enunciados, constituindo-se, pois, em marcas linguísticas importantes da enunciação (KOCH, 2000, p. 105, grifos de autora).
Guimarães (2001) critica a abordagem feita pelas gramáticas tradicionais no
que se refere às conjunções, pois, na visão do estudioso, os compêndios
apresentam-se destituídos de reflexão sobre a língua como atividade discursiva,
uma vez que apenas aludem à classificação de tal classe de palavras em
coordenativas e subordinativas. Assim, percebe-se que o tratamento dado pela
gramática tradicional a esses termos é classificatório, uma vez que aponta suas
funções relacionais apenas quando considera a possibilidade de tais elementos
agirem na conexão de enunciados.
Os operadores argumentativos constituem, dessa maneira, uma categoria
linguística que direciona a interpretação dos enunciados. Em outras palavras, trata-
se de recursos acionados pelo locutor para que seja realizada uma leitura autorizada
na qual são apreendidos os sentidos que o produtor pretende instaurar no
enunciado.
Segundo as premissas de Ducrot (1989, p. 18-19),
[...] um morfema X é O.A. em relação a uma frase P se três condições são preenchidas. 1) Pode-se construir a partir de P uma frase P‟ pela introdução de x em P. O que descrevo “P = P + x”. Mas deve-se entender que a introdução de x pode fazer-se não somente por adição, mas também por uma substituição acompanhada, eventualmente, de certas modificações sintáticas. [...] 2) Em uma situação de discurso determinada, um enunciado de P e um enunciado de P‟ têm valores argumentativos nitidamente diferentes: não se pode argumentar da mesma forma a partir de um e a partir do outro. 3) Esta diferença argumentativa não pode ser derivada de uma diferença factual entre as informações fornecidas, na situação do discurso considerada, pelos enunciados de P e de P‟. Ter-se-á notado que esta terceira condição liga a aplicação da definição às possibilidades de derivação que o linguista se dá a si mesmo (DUCROT, 1989, p. 18-19).
48
A palavra até pode atuar como operador argumentativo, pois, em
determinados contextos, estabelece argumento considerado relevante para orientar
o interlocutor à conclusão desejada. É possível ilustrar o exposto com o enunciado:
Prefeitos, governadores e até o presidente da República compareceram ao evento,
no qual se observa que o termo em questão evidencia o argumento mais forte
utilizado para enaltecer a importância do acontecimento.
Koch (2000) apresenta classificação do que denomina de principais
operadores argumentativos. O até é apontado, juntamente com outras marcas
linguísticas, como organizador de hierarquia dos elementos numa escala,
assinalando o argumento mais forte para uma conclusão R.
Ressalva-se que, embora haja sistematizações acerca das funções
assumidas pelos operadores argumentativos, como a formulada por Koch (2000), o
valor semântico apresentado por esse grupo de palavras deve ser observado a partir
do contexto do qual emergem.
Diante disso, adquire relevo o conhecimento das funções desempenhadas
pelos operadores argumentativos, já que eles contribuem para a construção de
sentidos na progressão discursiva. Admite-se, de acordo com Koch (2002), que tais
elementos, ao implicitarem determinadas conclusões e abrirem possibilidades para a
interpretação dos enunciados, podem se apresentar imbuídos de juízos de valores e
conter manifestações das concepções ideológicas do produtor do texto.
O papel desempenhando pelos operadores argumentativos pode ser
observado a partir de uma hierarquização, denominada por Ducrot (1981) de “escala
argumentativa” (EA), que se refere às gradações que os enunciados podem assumir
quanto à sua eficácia no processo argumentativo. Tal organização em escala
baseia-se no conceito de classe argumentativa (CA), cuja definição é apresentada
por Guimarães (2001):
[...] uma classe argumentativa é constituída pelos enunciados cujos conteúdos, regularmente, se apresentam como argumentando para uma conclusão que define a classe argumentativa. E não só numa situação particular específica, mas como uma regularidade que se apresenta como se desse em todas as situações de enunciações possíveis (GUIMARÃES, 2001, p. 27).
O autor ainda considera que uma escala argumentativa é uma classe
argumentativa na qual é possível observar uma relação de força maior ou menor
49
sobre o conteúdo dos enunciados. Ducrot (1981) assevera que “um locutor [...]
coloca dois enunciados de p e p’ na CA determinada por em enunciado r, se ele
considera p e p’ como argumentos a favor de r” (DUCROT, 1981, p. 180).
Esquematizando os conceitos, tem-se:
C.A. E.A.
r r
p‟
p p‟ p
Ilustrando os conceitos, é possível formular o exemplo abaixo:
r: Paulo é ambicioso.
até governador
Ele deseja ser prefeito
pelo menos vereador
No exemplo, observa-se que a função de governador, antecedida pelo termo
até, revela o argumento mais forte utilizado pelo enunciador no sentido de convencer
o interlocutor sobre a ambição de Paulo. Do mesmo modo, o desejo de Paulo em ser
“pelo menos vereador” tem por objetivo apresentar o sujeito como ambicioso,
embora o cargo seja considerado inferior ao de prefeito e governador. Por levar à
mesma conclusão, os operadores até e pelo menos, nesse caso, pertencem à
mesma classe argumentativa, mesmo não pertencendo à mesma hierarquia
argumentativa.
50
Do exposto, observa-se a hierarquia estabelecida pelos operadores em favor
de uma conclusão r.
[...] certos operadores estabelecem a hierarquia de elementos numa escala, assinalando o argumento mais forte para uma conclusão r (mesmo, até, até mesmo, inclusive) ou, então, o mais fraco (ao menos, pelo menos, no mínimo), deixando, porém, subentendido
que existem outros mais fortes [...] (KOCH, 2000, p. 106, grifos de autora).
Retomando a ilustração apresentada anteriormente, não poderiam fazer parte
da mesma classe argumentativa, por permitir conclusões diferentes, os operadores
quase e só em enunciados do tipo:
quase R$1000,00
Helena recebe R$ 1000,00
só R$1000,00
No primeiro caso, o operador quase, situado no ápice da escala, remete à
conclusão r de que Helena recebe um valor considerável, enquanto, no último
exemplo, só implica uma conclusão r, de que o valor recebido por Helena é baixo.
Assim, os operadores em questão apontam para conclusões distintas e, portanto,
não podem ser classificados dentro da mesma classe argumentativa.
De acordo com Ducrot (1989), os enunciados inserem-se em uma classe
argumentativa por conter uma marca da língua. Desse modo, argumentar a favor de
uma conclusão C, por meio de A, implica apresentar A de modo que se possa
concluir C, sendo, por isso, a argumentação constitutiva dos enunciados.
Considerando a importância da orientação de sentido exercida pelos
operadores argumentativos, no interior do discurso, esta dissertação propõe-se,
conforme já anunciado, a pesquisar as diferentes ocorrências do operador até, em
um texto oral, e o efeito de sentido produzido nesse texto, visto que
[...] a significação não se encontra no sentido como parte sua: ela é, no essencial pelo menos, constituída de diretivas, ou ainda
51
instruções, de senhas, para decodificar o sentido de seus enunciados (DUCROT, 1989, p. 14).
Desse modo, o desenvolvimento do estudo implica prolongamento das
pesquisas acerca da língua escrita desenvolvidas por Ducrot em direção ao texto
oral. A conjugação de teorias, segundo Sella (2008, p. 312), desde que observados
objetivos claros, pode “elucidar o funcionamento dos elementos linguísticos em
determinados contextos discursivos”.
Assim, optou-se pela análise do operador argumentativo até, presente em um
texto oral e sua utilização, em um contexto comunicativo real, em que há, segundo
Koch (2006b), uma certa relativização de planejamento.
3.3 Considerações sobre o campo teórico
Os estudos consultados neste capítulo servem para reflexões acerca da
linguagem em funcionamento e da relevância de se observar o estatuto de certos
elementos linguísticos.
Pensando nos marcadores discursivos, pode-se avaliar o importante papel
das pesquisas desenvolvidas no interior da Análise da Conversação, no que tange
ao uso da língua e ao fato de que tal reconhecimento gera reflexões sobre o ensino
dessa língua.
É expressiva a percepção de funções atreladas mais diretamente ao processo
interativo, o que rende ampliação quanto a noções acerca do papel da língua. Sai de
cena o esforço meramente prescritivista, que condena o recurso aos dispositivos da
oralidade, e sai de cena também a primazia que as gramáticas tradicionais dão às
descrições.
Com relação aos operadores argumentativos, percebe-se um avanço mais
evidente, pois estudos propostos pela Semântica Argumentativa e pela Linguística
Textual, por exemplo, têm sido referendados com mais frequência em obras que
versam sobre a língua em uso.
52
4 ANÁLISES DAS FUNÇÕES DE ATÉ NO CORPUS
Neste capítulo, pretende-se, primeiramente, apresentar considerações sobre
o vocábulo até e, posteriormente, apresentar as análises de alguns recortes
extraídos do corpus, a fim de analisar os papéis desempenhados pelo item até
segundo os fenômenos descritos ao longo desta dissertação.
De acordo com Marcuschi (1991), na conversação, as unidades linguísticas
obedecem não só a princípios sintáticos, mas, sobretudo, a princípios comunicativos
para sua demarcação.
Para fins de análise, optou-se por classificar e analisar a palavra até de
acordo com a observação de duas funções por ela desempenhadas no enunciado:
marcador discursivo ou operador argumentativo.
A distinção tem por base a consideração de que esses elementos foram
observados nos recortes selecionados e as funções percebidas acenavam para
duas direções:
a) uma atuação mais relacionada ao mecanismo argumentativo inserido no
interior das informações descritas e/ou apresentadas como argumentos
propriamente ditos; nesse sentido, os elementos sob análise incidem nos enlaces
sintático-semânticos e também argumentativos, o que permite classificá-los como
operadores argumentativos;
b) a outra atuação refere-se mais propriamente ao papel de articulação do
processo de interação e situa “o tópico no contexto geral, particular ou pessoal da
conversação” (MARCUSCHI, 1991, p. 62). Nesse sentido, conforme analisa o autor,
os elementos em questão não “contribuem para o desenvolvimento de informações
novas para o desenvolvimento do tópico”. Tais elementos atuam como marcadores
conversacionais e se apresentam como uma tentativa de organização e elaboração
da conversação.
Desse modo, acredita-se que a análise dos valores e usos dos operadores
argumentativos pode contribuir para ampliar os estudos que versam sobre o tema,
além de possibilitar a reflexão de sua ativação, em uma situação real, na qual os
usuários da língua buscam interagir socialmente por meio do uso da linguagem.
Salienta-se que, embora o foco do trabalho seja a análise do vocábulo até,
considerou-se o sentido constituído no interior dos recortes, ou seja, as possíveis
53
interpretações da fala da própria informante, haja vista o vínculo dos os elementos
sob análise ao contexto linguístico do qual emergem.
4.1 Considerações sobre o vocábulo até
Considerando as classificações e definições apresentadas para o vocábulo
até, em dicionários de Língua Portuguesa, reproduzem-se aqui duas explicações
extraídas de conceituados compêndios:
Até prep. 1. expressa um limite posterior de tempo.
2. expressa um limite espacial, o término de uma distância ou superfície. adv. 3. também, inclusive, mesmo, ainda. 4. no máximo. (HOUAISS, 2001, p.80) Até prep. 1. É usada: a) Para indicar a distância a que se pode chegar [...]. b) Para dizer em que horário alguma coisa termina ou deve terminar [...]. c) O máximo que se pode fazer, ou a que se pode chegar a fazer. adv. 2. ainda, também, mesmo (FERREIRA, 2001, p. 78).
Observa-se que a noção de limite de até está presente em ambas as
definições do termo descritas pelos dicionários, atrelando a ideia de limite, tanto no
plano concreto (espaço e tempo) como no plano abstrato. Percebe-se, ainda, que os
dicionários apontam para a mudança de classe gramatical de acordo com a
significação adquirida pelo termo, indicando que ele pode ser tomado ora como
preposição, ora como advérbio.
Bosque e Demonte (2000) indicam que, na língua espanhola, o termo hasta
apresenta características semelhantes àquelas atribuídas à palavra até pelos
dicionários brasileiros mencionados, podendo ser classificado como advérbio ou
preposição. Na abordagem dos autores, o vocábulo possui apenas as duas funções
citadas e ilustram a diferença entre até preposicional e até adverbial com os
seguintes exemplos: Subiram até o último andar (preposição) e Até subiram ao
último andar (advérbio).
54
Para Neves (2000), o termo pode ser considerado advérbio de inclusão com
incorporação de outros elementos, explicação que a autora exemplifica com o
enunciado: Eu soube até que ele vai usar palmatória em quem agir contra os
interesses do município. Na perspectiva da autora, os advérbios de inclusão e
exclusão atuam sobre a veracidade que se pensa atribuir ao enunciado.
Nesse sentido, conforme indica Rosário (2007), há uma extrapolação da
função tradicional do advérbio, segundo a qual esse termo atua intensificando
palavras, mas não orações.
A difícil delimitação do escopo de um determinado advérbio como o próprio até também pode estar ligada a uma ambigüidade potencial
da frase e com uma hierarquia de análises possíveis e previstas no ato de elocução. Assim, contextos de ambigüidade quanto ao escopo do advérbio podem ser, de fato, um instrumento bastante útil na transmissão de diferentes sentidos no texto (ROSÁRIO, 2007, p. 74).
Desse modo, a alternância de papéis do item até acontece devido a seu
caráter funcional, que altera suas propriedades segundo o contexto em que é
ativado. Ocorre, todavia, que, segundo a perspectiva adotada nesta pesquisa, as
significações de até não se esgotam em sua atuação como preposição ou advérbio,
podendo também atuar no plano discursivo e, assim, configurar-se ainda como
operador discursivo ou operador argumentativo.
Segundo Rosário (2007), as mudanças de significado observadas em relação
ao item até, ao longo dos anos, podem ser observadas em uma relação de espaço,
tempo e texto; o primeiro representa o uso mais comum do item, e o último,
acepções mais inovadoras baseadas no plano discursivo. Assim, a pesquisadora
esquematiza as significações do termo na seguinte tabela:
12
55
(ROSÁRIO, 2007, p. 133)12
De acordo com o esquema, a mudança de classe do vocábulo implica alterar
também a função por ele exercida. Conforme Rosário (2007), há uma tendência de
as formas adquirirem, progressivamente, significados mais abstratos, passando pela
noção de espaço e culminando em uma perspectiva mais abstrata, ligada ao âmbito
textual. Dessa forma, tem-se o seguinte esquema: espaço > tempo > texto, sendo os
itens à direta sempre mais abstratos que os da esquerda.
Esse processo de ressignificação das formas, que se dá ao longo dos anos, é
chamado de gramaticalização, entendida como “o processo pelo qual itens e
construções lexicais passam, em determinados contextos lingüísticos, a servir a
funções gramaticais” (NEVES, 2004, p. 115, grifo de autora). Essa transformação
não ocorre de maneira repentina, mas é fruto de usos em distintos contextos durante
um período considerável de tempo.
O item até, conforme aponta Rosário (2007), inicialmente era considerado
uma forma transparente, sendo empregado apenas para circunscrever a delimitação
espacial. Ilustra-se tal função do vocábulo com um fragmento extraído do corpus:
Recorte Linha Fragmento
1 550 556 558
“[...] JÁ era amiga dos professores também... quando eu falei... “professores... eu vou desistir”... porque era prova de todas as matérias né?... primeiro e segundo grado... e quando veio aquello... falei nossa... eu me apavorei... falei no vou fazer... de aí eu comentei com os professores... e a Fátima... una professora MUIto querida... me falou... “você vai... claro que você vai passar... e... nós vamos te ajudar”... de aí eu ( )... “mas eu não tenho os LIvros... eu tenho os livros da minha filha...no no sé como comenzar”... daí ela... nunca esqueço que ela é::: me trouxe até aqui e falou... “Maria... tá aqui os livros... é só comenzar a estudar”... um MONte de livros... veio de carro... colocou aí na mesa... e de aí comencé:::... comencé a estudar... [...]”
Nesse fragmento, percebe-se que o termo aponta uma limitação concreta no
espaço, indicando o lugar para o qual a amiga da falante levou os livros. A esse
12 Domínio de re: “mundo” exterior ao discurso/ Mundo de dicto: “mundo” interior ao discurso. Segundo
Tavares (2001), o percurso re > de dicto refere-se à transferência do mundo da experiência sensório motora, dos
objetos tangíveis e visíveis, de relações espacio-temporais para o mundo do texto.
56
respeito, Rosário (2007) propõe distinguir a natureza dos referentes aos quais o
termo se atrela, sugerindo as categorias abstratos – lugar abstratizado no discurso –
e concretos – entidades físicas. Desse modo, na ocorrência acima, o termo em
análise é um limitador espacial atrelado a um referente concreto – a casa da
entrevistada – representado pelo advérbio de lugar aqui.
Todavia, nesse caso, o item até não funciona como único elemento com a
capacidade de indicar lugar. Tal noção, propriamente dita, apresenta-se sobretudo
atrelada ao advérbio de lugar aqui, este sim indispensável, nesse recorte, para a
dimensão espacial. Até funciona, então, como um sinalizador para o fim de uma
trajetória iniciada, ou seja, indica o local para onde os livros foram levados.
Segundo os estudos de Rosário (2007), a construção discursiva até aqui é
empregada com bastante frequência pelos falantes. Entretanto, ressalva-se que seu
uso nem sempre se apresenta atrelado à noção de lugar. A locução pode estar
ligada à ideia de tempo, possibilitando sua substituição por até agora, sem que se
perca sua significação original considerando o contexto em que se insere.
Segundo Rosário (2007), foi durante o latim tardio que o termo até passou a
ser utilizado para denotar tempo. Essa face do vocábulo também é ilustrada com
quatro fragmentos retirados do corpus:
Recorte Linha Fragmento
2 69 73
“[...] na quinta série... eu me lembro que nós tínhamos que fazer algunas... é:::... redacciones... eu era péssima em redacción... porque as professoras... né:::... elas:::... colocavam lá... era... e:::.. e:::... ensinava uma vez e... coitado de nós... nós tínhamos que ( )... depois... é::::... oitava série:::... oc... octavo año... no... quinto grado... SEXTO... ATÉ sexto grado era... eu terminé mi sexto grado... daí comencé primer curso... [...]”
3 164 165
“[...] estudávamos inGLÊS... eso sí... inglês... em... desde o:::... desde o segundo... no:::... en el::... en el...primer curso... PRIMER curso... até o sexto curso... era obrigatório inglês... [...]”
4 292 294
“[...]a la noche... las chicas van en la discoteca... ay eso está muy lindo en Paraguai... discotecas internacionales né?... y:::... continuando las fiestas se baila mucho... mediodía até noche... tranquilo... [...]”
57
5 22 25 26
“[...] tínhamos que estudiar eles os professores eram muito exigentes com nós... e o castigo... quando nós não fazíamos as nossas tarefas... eles o que que faziam conosco?... Pegavam así a mão... né?... os quatro dedos... e pegava com a régua... e tchitchi... com a régua... quando no fazíamos a tarefa ou puxava a orelha... né?... e puxava... e os meninos eles iam no cantinho lá no::: num lugar... e ficavam aí até:::... até que...
a::: professora falava para eles que... podiam sair de lá... [...]”
Tanto em 2 quanto em 3, a falante reflete sobre seu período escolar,
circunscrevendo a duração das ações descritas à série que cursava. Desse modo, o
acionamento de até marca um limite para a duração da ação no tempo, que se
apresenta atrelada ao percurso escolar da falante.
Em 2, a ação descrita foi prejudicada pela dificuldade na transcrição da fala
da entrevistada, mas o acionamento de até na sequência permite inferir que a
falante delimita o tempo transcorrido do fato narrado. Por sua vez, em 3, ao traçar
uma linha do tempo, a entrevistada indica até que época apenas o ensino da língua
inglesa era praticado de forma obrigatória na escola, em detrimento de outros
idiomas, como o próprio guarani, uma das línguas oficiais do país.
A noção de limitação temporal apresenta-se mais evidente ainda em 4,
porque o termo está ladeado pelos advérbios mediodía (meio-dia) e noche (noite).
Nesse caso, a falante enuncia a duração das festas paraguaias, que começam ao
meio-dia e se estendiam até à noite de maneira tranquila.
Diante do exposto, observa-se que o termo, quando usado como limitador
temporal, não atua como um marcador discursivo ou operador argumentativo, mas
exerce função clássica de preposição, pois sua presença na sentença é obrigatória,
ou seja, retirá-lo implica perda sintática e semântica para o discurso, portanto.
A gramática tradicional classifica a união preposição + conjunção como uma
locução conjuntiva devido ao caráter, aparentemente, de conector apresentado pela
estrutura. Sendo assim, a ativação de até atuaria no sentido de imprimir à sequência
discursiva a ideia de limite temporal, inclusive quando o vocábulo não se apresenta
anteposto à conjunção que. Todavia, segundo esse viés, ao se unir a tal conjunção,
formando o par até que, obtém-se uma locução com propriedades conjuntivas.
58
Entretanto, no quinto recorte13, a presença de até anteposto à palavra que
rompe com esse parâmetro cristalizado ao não apenas conectar estruturas
discursivas, como também, imprimir a indicação de limite temporal que a falante
pretende atestar quanto à duração dos castigos na escola. Caso atuasse apenas
com o valor conjuntivo, a locução até que poderia ser substituída, sem prejuízo de
sentido, por qualquer outra conjunção temporal, como a palavra quando, por
exemplo. Ocorre que, nesse caso, essa substituição implicaria a perda do sentido de
limite temporal – que a falante deseja demarcar –, explicitado pela enunciação de
até.
A função do item de estabelecer um limite para a ação descrita pela falante
possui uma força tão grande que a sequência discursiva permaneceria com o
mesmo valor semântico, mesmo sem a presença da conjunção que: “Os meninos
ficavam no cantinho, num lugar, ficavam aí até a professora falar que eles poderiam
sair de lá”.
Desse modo, no fragmento em questão, o segundo item até é essencial na
sentença e se assemelha à locução conjuntiva até que por duas características: a
indicação de limite temporal, no campo semântico; e a capacidade de união de
orações, no campo sintático.
Observa-se também que a estrutura até que se apresenta precedida por outro
até, sendo que este apresenta características de marcador discursivo, uma vez que
se percebe, por sua ativação, uma tentativa de articulação discursiva, comprovada
pelo prolongamento vocálico e pela pausa que o procede, para então culminar na
estrutura até que.
Desse modo, a trajetória do termo até pode ser sintetizada nas palavras de
Pereira (2004, p. 51):
Com a sua origem dêitica espacial, na estrutura latina clássica, com o posterior uso como marcador de caso no latim tardio e com seu emprego em relações mais abstratas no português do século XIV e no português do século XVI, com uma maior quantidade de acepções, observa-se a evolução ESPAÇO > TEMPO > QUALIDADE (PEREIRA, 2004, p. 51).
13
“[...] tínhamos que estudiar eles os professores eram muito exigentes com nós... e o castigo... quando nós não fazíamos as nossas tarefas... eles o que que faziam conosco?... Pegavam así a mão... né?... os quatro dedos... e pegava com a régua... e tchitchi... com a régua... quando no fazíamos a tarefa ou puxava a orelha... né?... e puxava... e os meninos eles iam no cantinho lá no::: num lugar... e ficavam aí até:::... até que... a::: professora falava para eles que... podiam sair de lá... [...]”.
59
O objeto desta pesquisa, o item até, pode ser tomado como exemplo da
gramaticalização, uma vez que, conforme o exposto, originalmente era empregado
para indicar limite espacial, passando pelo limite temporal e culminando com a
significação textual, ou seja, podendo caracterizar-se como operador argumentativo
ou como marcador discursivo. No caso dos recortes 1, 2, 3 e 4, o até funciona
apenas como preposição.
As transformações históricas sofridas pelo termo não são o alvo deste
trabalho; portanto, essa questão não será aprofundada. Entretanto, não se exclui a
possibilidade de enfatizar, em estudos posteriores, a história de transformação do
vocábulo. Considerando os objetivos deste trabalho, nas seções seguintes,
observam-se os papéis que o vocábulo sob análise pode exercer em um texto oral-
dialogado, de caráter espontâneo.
Para as análises, dividiu-se o papel de até segundo seu caráter concreto
(limite de tempo e espaço) ou abstrato (textual), e centraram-se as atenções na
atuação de até em sua acepção textual, ou seja, em sua ativação em função do
discurso, fazendo a diferenciação entre até como operador argumentativo e até
como marcador discursivo.
Os fragmentos analisados estão dispostos em tabelas, divididas em três
colunas. A primeira coluna apresenta o número do recorte, situando o leitor em
relação às análises desenvolvidas, pois elas obedecem à numeração elencada na
coluna. Para facilitar a localização do recorte na transcrição da entrevista, a segunda
coluna indica as linhas inicial e final do fragmento, bem como aquela em que se
encontra o termo até na transcrição constante nos anexos da pesquisa. A última
coluna expõe o recorte feito da entrevista.
4.2 Até como marcador discursivo
Nesta seção, serão expostos fragmentos do corpus em que se observa a
presença de até atuando como marcador discursivo. De acordo com Penhavel
(2005, p. 1), os marcadores discursivos “são mecanismos que atuam no nível do
discurso [...], estabelecendo algum tipo de relação entre unidades textuais e/ou entre
os interlocutores”.
60
Nesse grupo, a atuação de até refere-se à inclusão discursiva, ou seja, a uma
estratégia de encadear as partes do texto, numa tentativa de adicionar ao discurso
mais um elemento.
Recorte Linha Fragmento
6 41 43 48
“L1: e na escola... vocês tinham aula de outros idiomas... assim ou não? L2: não... não... era só o... o... castelhano... espanhol na época... só... Quem falava na época em guarani... é:::... davam risada... porque até enton/... até na época... naquela época em
que:::... o que tá fazendo ciquenta... quarenta e pouco anos... eu tinha oito anos né?... É::::... quem falava guarani chamavam de guaranga... guaranga... eu tinha meio que vergonha porque os meus pais falavam... todo guarani... e os meus amigos tudo espanhol né?... E o que que nós tínhamos que fazer?... tínhamos que... que... aprenDER... o... espanhol né?... […]”
7 127 128
“[...] era muy... muy exigente... el segundo grado lá era muito exigente... até hoje... entonces que que que pasó?... [...]”
8 397 403 407 412 414
“[...] o Franco já subiu como gerente...ele era muito esforçado também né... e::::... no no banco... eu eu lembro quando:::... o Franco demorava mais ele me chamava... eu e a Romina íamos caminhando... en el... no banco... e ( ) voltávamos com ele né... e no banco... o pessoal do banco... nossa... tinha o maior respeito conmigo... achava muito lindo eso aí... e ACHAvam bonito quando eu FALAva... falava tudo atrapalhado... é claro até hoje falo... porque no é fácil... no é... no é... fácil... você falar... duas... dois idiomas... así misturam muito... eu quando vou a Paraguai todo mundo fica me olhando porque EU misturo português... sabe?... e tem... tem coisas que::: que:::.. que eu esqu/ esQUEço... no me lembro por exemplo do::: do::: Paraguai... eu agora estava estuDANdo espanhol... e::::... porque daí enton/... MAS... com com... com o correr do tempo... ATÉ enton/... depois eu vim me separei:::...
e todo mais perdi todos ah:::... muitas amizades né... MAS continuei tendo OTRAS.. muito... ah:::... amizades muito lindas né... e daí cuando o:::... quando estuDEI agora na faculdade... aí si... aí eu senti o que que é o preconceito L1: na faculdade? L2: na faculdade... aí eu fiquei muito... aí si... até HOJE por
causa de eso... eu... me bloqueei:::... é::... as colegas... eu percebia que as colegas... se cutucavam né... quando eu tentava falar alguma coisa... elas... davam riSADA.... [...]”
9 462 463
“[...] e foi aí que sufri:: preconceito... antes no... nossa... antes no... MEU Pai... ADOro eso aqui... eu ADOro Brasil... até
hoje... só foi na faculdade que... daí eu já no quis estudar mais
61
465
no quis continuar... no quis fazer mais a minha:::... a minha::: a minha pós... [...]”
As ocorrências de até expostas acima aparentemente possuem a mesma
função daquela descrita na seção anterior por denotarem a duração dos
acontecimentos descritos pela entrevistada. A própria presença de adjuntos
adverbiais explicita a função temporal implicada nos enunciados. A expressão até
hoje, presente em 7, 8 e 9, por exemplo, é comumente empregada em situações em
que se pretende fazer saber que desde algum tempo atrás até o momento presente
ocorre ou ocorria determinada ação. Contudo, além da delimitação de tempo, o
acionamento das estruturas de cunho temporal implica a interrupção do fluxo
informativo para a inserção de comentários sobre a narração apresentada. Em
outras palavras, tais enunciações revelam também a posição da falante quanto ao
que relata à entrevistadora.
No sexto fragmento14, a falante comenta sobre as disciplinas de língua
estrangeira que eram obrigatórias na escola e revela o preconceito linguístico contra
o guarani, que era utilizado apenas em contextos informais, como na esfera familiar.
Ao enunciar “porque até enton/... até na época”, a entrevistada não só situa
temporalmente a ação, como também indica que atualmente a relação com o
guarani não é mais a mesma. Note-se, ainda, que o fluxo discursivo é interrompido
pela a inserção do comentário relacionado ao tempo, sendo enfatizada ainda mais a
relação de distância entre o momento atual e o vivenciado pela falante, quando ela
faz cálculos sobre o passar dos anos.
Essa estratégia linguística adotada circunscreve o período em que as línguas
faladas no país dividiam os estratos sociais. Para Calvet (2002), a existência das
línguas é dependente das pessoas que as falam, assim como a história de uma
língua é a história de seus falantes.
14
“L1: e na escola... vocês tinham aula de outros idiomas... assim ou não? L2: não... não... era só o... o... castelhano... espanhol na época... só... Quem falava na época em guarani... é:::... davam risada... porque até enton/... até na época... naquela época em que:::... o que tá fazendo ciquenta... quarenta e pouco anos... eu tinha oito anos né?... É::::... quem falava guarani chamavam de guaranga... guaranga... eu tinha meio que vergonha porque os meus pais falavam... todo guarani... e os meus amigos tudo espanhol né?... E o que que nós tínhamos que fazer?... tínhamos que... que... aprenDER... o... espanhol né?... […]”.
62
Com efeito, existe todo um conjunto de atitudes, de sentimentos dos
falantes para com suas línguas e para com aqueles que as utilizam, que torna superficial a análise da língua como simples instrumento. Pode-se amar ou não um martelo, sem que isso mude em nada o modo de pregar um prego, enquanto as atitudes lingüísticas exercem influências sobre o comportamento lingüístico (CALVET, 2002, p. 65).
Dessa maneira, mais do que instrumento de comunicação, a língua pode ser
fator de integração, estigmatização ou prestígio social segundo o contexto no qual
se inserem os falantes. Revela-se, no fragmento em questão, a existência da
depreciação da língua guarani e a valorização da língua espanhola, pois a primeira
seria adequada apenas a esferas informais, enquanto a segunda estaria atrelada à
detenção de cultura.
Evidencia-se, assim, que o acionamento da estrutura “até enton/... até
naquela época” restringe e especifica o contexto em que o enunciado deve ser
interpretado, além de constituir uma tentativa de articular coesivamente a fala,
expressa pelas pausas e hesitações do sujeito. Constata-se, no recorte em questão,
que a repetição do marcador discursivo até é intercalada por pausas, o que permite
à falante momentos de organização e planejamento interno na constituição de seu
texto oral. Além disso, embora fixe uma marca temporal, a expressão atua como um
elemento anafórico ao se referir a um evento prévio anteriormente mencionado.
Revela-se, ainda, a alternância entre os códigos linguísticos utilizados pela
falante. Ao enunciar “até enton/”, há uma alusão ao uso da língua espanhola, dado o
pronunciamento de enton, entendido como uma interrupção da palavra espanhola
entonces, em uma tentativa de empréstimo linguístico, que é substituída, na
sequência, pela expressão correspondente em língua portuguesa. De acordo com
Gonçalves (2006), tal fato ocorre por conta de as línguas portuguesa e espanhola
serem originárias do latim, com grande similaridade linguística (lexical, sintático-
semântica e fonética), sendo que “alguns dos marcadores utilizados são
extremamente semelhantes” (GONÇALVES, 2006, p. 104).
Se, em 6, o marcador discursivo até foi acionado para afastar a época
descrita do momento presente, em 715 ocorre o movimento contrário. Ao comentar
sobre a rigidez do sistema de ensino paraguaio, a falante enfatiza o adjetivo
exigente por meio do emprego do advérbio intensificador muy, pronunciado duas
15
“[...] era muy... muy exigente... el segundo grado lá era muito exigente... até hoje... entonces que que que pasó?... [...]”.
63
vezes, intercaladas por pausas. Em seguida, novamente, a falante assevera o
predicativo em uma sentença em que mescla o espanhol com o português e finaliza
como uma pausa, como se estivesse refletindo acerca do que enunciou. Essa pausa
é finalizada quando enuncia “até hoje”, revelando que as premissas do sistema
acadêmico paraguaio permanecem as mesmas e permitindo a inferência de que a
própria entrevistada possui certa admiração em relação a esse fato.
Percebe-se que há a interrupção do fluxo informativo para a inserção do
comentário em questão, avaliado como pertinente pela entrevistada, que é
procedido pela retomada do tópico discursivo sobre sua escolarização. O marcador
discursivo pode ser visto, então, como uma estratégia de correção adotada pela
falante. Nas palavras de Marcuschi (1991), o recurso atua “como processo de edição
ou auto-edição conversacional e contribui para organizar a conversação localmente”
(MARCUSCHI, 1991, p. 29). A falante reflete sobre seu enunciado, considera que
houve uma falha ao enunciar o rigor acadêmico paraguaio por meio do emprego do
verbo no pretérito e se autocorrige no mesmo turno em que a falha aparece.
No recorte 816, observa-se a demarcação do tempo de forma mais acentuada
com ocorrências da expressão “até hoje”. A primeira delas (linha 403) possui uma
característica curiosa, pois, antes da construção em tela, apresenta-se o marcador
discursivo claro, classificado por Urbano (2006) como um fático produzido depois de
enunciado declarativo. Assim, o marcador conversacional é composto por toda a
expressão “é claro até hoje falo”, expressão que, toda ela, serve para avaliar o
conteúdo que vinha sendo relatado.
Berenguer (1995, p. 111) caracteriza marcadores desse tipo como “frases
hechas ya convencionalizadas que los hablantes usan como una unidad gramatical,
16
“[...] o Franco já subiu como gerente...ele era muito esforçado também né... e::::... no no banco... eu eu lembro quando:::... o Franco demorava mais ele me chamava... eu e a Romina íamos caminhando... en el... no banco... e ( ) voltávamos com ele né... e no banco... o pessoal do banco... nossa... tinha o maior respeito conmigo... achava muito lindo eso aí... e ACHAvam bonito quando eu FALAva... falava tudo atrapalhado... é claro até hoje falo... porque no é fácil... no é... no é... fácil... você falar... duas... dois idiomas... así misturam muito... eu quando vou a Paraguai todo mundo fica me olhando porque EU misturo português... sabe?... e tem... tem coisas que::: que:::.. que eu esqu/ esQUEço... no me lembro por exemplo do::: do::: Paraguai... eu agora estava estuDANdo espanhol... e::::... porque daí enton/... MAS... com com... com o correr do tempo... ATÉ enton/... depois eu vim me separei:::... e todo mais perdi todos ah:::... muitas amizades né... MAS continuei tendo OTRAS.. muito... ah:::... amizades muito lindas né... e daí cuando o:::... quando estuDEI agora na faculdade... aí si... aí eu senti o que que é o preconceito”. L1: na faculdade?. L2: na faculdade... aí eu fiquei muito... aí si... até HOJE por causa de eso... eu... me bloqueei:::... é::... as colegas... eu percebia que as colegas... se cutucavam né... quando eu tentava falar alguma coisa... elas... davam riSADA.... [...]”.
64
especialmente en la conversación”17. Do mesmo modo, embora considerem a massa
fônica reduzida um dos traços característicos dos marcadores discursivos, Risso,
Silva e Urbano (2006) observam que 3,3% dos registros de marcadores discursivos
apontam para formas mais longas de realização das unidades, como no caso em
questão.
Nesse sentido, enunciar a expressão implica interromper o fluxo
informacional, que volta a atenção para o próprio processo interacional. Essa
ocorrência lembra um dos direcionamentos presentes na Análise da Conversação,
que diz respeito à preservação da face, segundo o qual “como não há previsibilidade
quanto às ações a serem desenvolvidas pelo(s) outro(s) interlocutor(es), o falante
adota mecanismos que assegurem o resguardo do que não deseja ver exibido”
(GALEMBECK, 2005, p. 173).
Segundo os princípios de preservação da face, os sujeitos possuem uma face
negativa, que compreende sua liberdade de ação e a esfera do território pessoal a
ser defendido, e outra face positiva, correspondente aos anseios de reconhecimento
e aceitação de suas vontades. As pessoas utilizam, então, estratégias para a
preservação dessas faces porque, ao se engajar em uma conversação, os
indivíduos ameaçam as faces dos outros, bem como as suas próprias.
Nas interações verbais, os falantes têm consciência de que se encontram em
uma posição vulnerável, visto que podem ser interrompidos ou contestados por seus
interlocutores. “Por esse motivo, o falante adota procedimentos que lhe permitam
controlar a construção dessa auto-imagem” (GALLEMBECK, 2005, p.172), ou seja,
mudar a significação de uma fala, transformando aquilo que poderia ser considerado
como ofensivo ou intolerável em algo aceitável.
O emprego da expressão sob análise, portanto, pode ser entendido como
uma tentativa de preservação da face, pois a falante faz uma ressalva em relação ao
que havia enunciado anteriormente, em uma tentativa de autocorreção, que se
antecipa a uma possível contraposição do interlocutor a respeito de sua proficiência
linguística.
[...] existe uma motivação estrutural ou pressão estrutural para que o falante faça a autocorreção no interior do mesmo turno e na mesma sentença em que a falha ocorre. Pois é possível que no final da
17
“[...] frases feitas e convencionais que os falantes usam como unidade gramatical, especialmente na conversação” (BERENGUER, 1995, p. 111, tradução nossa).
65
sentença ele perca a palavra e não tenha a chance de seu autocorrigir (MARCUSCHI, 1991, p. 32, grifo de autor).
Assim, a expressão “é claro até hoje falo” é uma estratégia conversacional de
autocorreção que contribui para a intercompreensão durante o processo interacional,
cumprindo, também, um papel de preservação da face. Por meio da atividade
reparadora, foi restaurado o equilíbrio rompido, numa tentativa de amenizar os riscos
de ameaça à face.
Na segunda ocorrência de “até hoje”, na linha 411 do mesmo recorte,
observa-se novamente a descontinuidade no tópico discursivo por meio de sua
ativação. A locutora pretende discorrer sobre o preconceito sofrido na esfera
acadêmica, mas hesita ao tentar descrever seu sentimento em relação à agressão.
A esse respeito, Marcuschi (2006, p. 47) argumenta que as hesitações, recorrentes
na língua falada, “têm a função de ganhar mais tempo para o
planejamento/verbalização do texto, sendo condicionadas por pressões situacionais
das mais diversas ordens a que estão sujeitos os interlocutores”. Desse modo, após
a hesitação, a falante enuncia a expressão como uma tentativa de garantir coesão
entre as sequências do tópico sobre o qual discorre.
No fragmento 8, há ainda a ocorrência do marcador conversacional até –
linha 406 –, usado de maneira enfática, com a elevação do tom de voz da
entrevistada. Há, nesse ponto, o que Jubran (2006b, p. 97) descreve como quebra
na linearidade da organização tópica, uma vez que um dos princípios que a regem é
a continuidade, oriunda de “uma organização seqüencial dos tópicos, de forma que a
abertura de um se dá após o fechamento de outro, precedente”. A ruptura tópica é
representada pelo desvio no curso do relato, em que, inicialmente, a falante
descreve a visão dos brasileiros em relação a seu modo de falar e sua dificuldade
em articular os dois idiomas sem mesclar traços de um no outro, para, na sequência,
narrar as perdas afetivas sofridas com sua separação matrimonial.
Além do marcador discursivo em questão, há a remissão à palavra espanhola
entonces, que, devido a um corte lexical, é enunciada apenas como enton. Mais do
que desempenhar a função de marcação temporal, a expressão “até enton/”
representa uma tentativa de articulação e progressão discursiva.
A falante, aparentemente, perde-se no desenvolvimento do tópico discursivo
sobre sua relação com as línguas portuguesa e espanhola, pois se percebe uma
66
considerável ocorrência de pausas e repetições antecedendo a expressão em
análise, que orienta a fala para um novo tópico discursivo, centrado nas relações de
amizade entre a entrevistada e os brasileiros
Registra-se, quanto a esse particular, uma tendência para, mais frequentemente, o marcador introduzir uma mudança de perspectiva do locutor relativamente à informação que é dada por ele próprio em momento anterior do discurso (RISSO, 2006, p. 444).
Percebe-se, então, que a ativação do marcador discursivo articula a fala da
entrevistada para a retomada do questionamento, feito pela entrevistadora, acerca
da receptividade dos brasileiros em relação a ela. Foi a partir dessa pergunta que a
falante discorreu sobre sua habilidade como trilíngue, retomando o foco da questão
somente no final do enunciado, após a introdução de “até enton/”. Na sequência, a
informante declara de que foi vítima de preconceito durante a faculdade.
Apesar de relatar a discriminação sofrida, no âmbito acadêmico, a falante
afirma, no trecho 918, que gosta do Brasil. Novamente, o acionamento da estrutura
“até hoje” não só delimita a duração do acontecimento, como também, aliada ao
termo “só”, que é ativado na sequência, expõe o posicionamento da entrevistada.
Nesse sentido, a expressão “até hoje” carrega em si um sentimento positivo,
relacionado às experiências no país; e uma conotação negativa ao enunciar “só”,
referindo-se a experiência na faculdade, que estaria excluída das boas recordações
englobadas por “até hoje”. Desse modo, ao enunciar “até hoje”, a entrevistada
parece fazer uma concessão, como se dissesse “Apesar do que aconteceu, continuo
gostando do Brasil”.
Pelos recortes expostos, observa-se que, embora seja acionado com a função
básica de articular as sequências discursivas, promovendo a coesão entre elas, o
marcador discursivo até é ativado, no fio discursivo, com diferentes propósitos,
confirmando a análise feita por Risso, Silva e Urbano (2006, p. 418): “[...] dificilmente
um determinado MD exerce uma única função em caráter permanente e absoluto”.
Em todas as ocorrências analisadas, até apresenta-se antecedido por pausas,
recurso que garante ao termo, segundo Gonçalves (2006), certo valor retardatário,
pois a falante utiliza-se da palavra, bem como da frase que esta introduz, para
18
“[...] e foi aí que sufri:: preconceito... antes no... nossa... antes no... MEU Pai... ADOro eso aqui... eu ADOro Brasil... até hoje... só foi na faculdade que... daí eu já no quis estudar mais no quis continuar... no quis fazer mais a minha:::... a minha::: a minha pós... [...]”.
67
ganhar tempo na organização mental do enunciado. Desse modo, ao mesmo tempo
que articula o texto, a presença do marcador discursivo o segmenta.
O marcador discursivo utilizado pela falante não é ativado a esmo, mas se
apresenta atrelado à situação de comunicação em que aparece. Percebe-se que,
além de o elemento linguístico atuar como articulador discursivo, seu uso apresenta-
se ligado à necessidade de expressão emotiva, ou seja, a falante mostra intenção
bem delimitada em relação à interlocutora, pois o acionamento do marcador provoca
uma alteração no valor do enunciado. Assim, a falante tenta adequar a linguagem ao
contexto de interlocução, tendo em vista a presença da interlocutora.
4.3 Até como operador argumentativo
De acordo com Ducrot (1981), o valor argumentativo de um enunciado não
veicula apenas informações, pois, por intermédio de determinados morfemas,
expressões ou termos, há o encaminhamento do interlocutor para uma determinada
direção.
Para o autor, alguns elementos linguísticos devem ser considerados na
interpretação de qualquer enunciado, principalmente daqueles que orientam
argumentativamente de forma a conduzir o interlocutor a determinada conclusão.
Segundo o linguista, o sentido dos enunciados deve ser compreendido com as
combinações possíveis desses enunciados com outros da língua, ou seja, como
função de sua orientação argumentativa.
Nessa perspectiva, segundo Sapata (2006), a enunciação é entendida como
um evento cuja descrição encontra-se, de certa forma, dentro do próprio enunciado.
Entender o sentido de um enunciado como o “retrato” de sua enunciação é admitir que ele implica (mostra) o modo como aquilo que se diz é dito, ou seja, tanto a sua força ilocucionária, como o futuro discursivo que, a partir dele, se abre às conclusões para as quais ele se apresenta como argumento (SAPATA, 2006, p. 476).
A enunciação é definida, em Guimarães (2001), como um acontecimento de
linguagem; ela se constitui pelo funcionamento da língua, no cruzamento com a
exterioridade da língua. A compreensão da enunciação, desse modo, significa
68
apreender as marcas deixadas pela língua, pois, conforme Koch (2000), não há
discurso descomprometido, uma vez que todo enunciado aponta para determinadas
conclusões.
Segundo Guimarães (2001), a argumentação estrutura o discurso, pois marca
as possibilidades de sua construção e garante a continuidade ao articular
enunciados de modo a transformá-los em texto. Sendo assim, por meio da língua, o
falante orienta seu interlocutor para determinada conclusão, ou seja, há uma
orientação argumentativa que estabelece o modo de interpretar o texto. A exposição
de um conteúdo objetivando um sentido é mais facilmente percebida quando há
operadores argumentativos, tais como até.
Ao eleger determinados recursos em detrimento de outros, o sujeito
compromete-se com as estratégias escolhidas. Por outro lado, o interlocutor, situado
no campo da interpretação, é orientado a seguir algumas pistas que buscam adesão
em relação à ideia defendida.
Considerando tais concepções teóricas, selecionaram-se fragmentos da
entrevista em que a palavra até orienta argumentativamente os enunciados.
Observou-se que, no corpus, o termo, como operador argumentativo, atua em dois
direcionamentos: hierarquiza elementos em escala e demarca concessão.
4.3.1 Até hierarquizando argumentos em escalas
Percebe-se que, em todas as ocorrências elencadas a seguir, o operador até
enquadra-se no rol dos operadores que assinalam o argumento mais forte de uma
escala de orientação no sentido de dada conclusão, conforme explicita Koch (2000).
Segundo a autora, trata-se de uma função cujo sentido é o de hierarquizar os
argumentos em escala, apontando para aquele considerado o mais forte em prol de
uma conclusão r. No mesmo grupo de até, enquadram-se os termos inclusive,
mesmo e até mesmo, sendo que estes não foram verificados no corpus desta
pesquisa.
Nos exemplos expostos nessa seção, inserem-se todas as ocorrências de até
como estratégia argumentativa, isto é, aquelas que chamam a atenção do
interlocutor para as intenções comunicativas do produtor do discurso.
69
Recorte Linha Fragmento
10 38 40
“[...] Mas foi bem sofrido... sabe?... Porque nós queríamos se forMAR... queríamos estuDAR...é:::... só que chegávamos da escola e tínhamo/ que ir trabalhar... vender leche... frutas... e verduras... até bananas eu vendia. [...]”
11 439 446 447
“[...] enton/ todo eso vino naqule tempo em que eu me formei... eu sufri MUIto... porque eu no esperava... realmente eso aí das minhas colegas... eu NO tenho culpa... eu... eu estudei basTANTE litertura... e por coICIDENCIA... claro... habrá sido una coiciDENCIA... de que aquello que eu estudei... caiu en ese dia... porque LÓGICO que eu no vou saber toda a literaTUra::: né?... é ÓBVIO eso aí...eu no no estudei aqui... MAS... infelizmente eu tirei CEM... eu fiz TUDO... eu::... acertei TOdas as questões...e por eso elas... meu Deus do céu... de ahí elas colocaram até advogado que:::... eles queriam que eu... é:::... fizesse outra prova né? [...]”
12 472 474 475
“[...] eu vejo nas crianças... elas são sinceras... né... nós adultos temos um pouco essa maldade... temos inveja né... que... um é melhor que o outro... e o que que eu percibi até entre os pro/ professores também existe eso aí... eu particularmente NO [...]”
13 658 661 662
“[...] MAS o povo no GEral eles ADOram o brasileiro sabe por quê?... porque o povo brasileiro::... um povo muito trabalhor né?... e lá a veces o::: povo de Paraguai toma así toma o famoso tererê de eles... atrasa TUdo... e já:::... estão acostumados... no adianta... porque ATÉ a empregada doméstica tem que sentar e tomar o tererê de eles... e eu fico LOUca quando eu vou.... quando vejo essas coisas lá... […]”
Segundo Guimarães (2001), os enunciados apresentam-se marcados por
uma orientação argumentativa. No fragmento 10, linha 40, percebe-se que tal
direcionamento é dado pela presença de até.
Ao ser atualizado pela falante para descrever o trabalho que desenvolvia
concomitantemente aos estudos, o operador argumentativo, antecedendo o
substantivo banana, pode ser visto como uma razão apresentada, na enunciação, a
favor de uma conclusão, como, por exemplo, a de que as condições financeiras da
família não eram boas. Tal conclusão pode ser inferida a partir da associação de até
com os demais elementos elencados pela falante na descrição feita.
Considerando-se o contexto atual, onde se insere a falante, percebe-se que é
comum entre os sujeitos o emprego do ditado “a preço de banana” para fazer
70
referência a produtos ou serviços cujo valor é relativamente insignificante. Numa
possível alusão à frase popular, a participante aciona o operador argumentativo,
com o sentido de inclusão, para indicar sua situação financeira na época.
Nota-se que a falante não necessitaria citar o item banana isoladamente, pelo
fato de ele já estar contido no grupo frutas, mas opta por fazê-lo de maneira enfática
ao utilizar o operador argumentativo, constituindo uma avaliação do locutor sobre o
que enuncia.
r= A família da entrevistada não dispunha de muitos recursos
financeiros.
A entrevistada precisava vender até banana.
A entrevistada precisava vender leite, frutas e verduras.
Conforme Guimarães (2001), o operador em questão seleciona o argumento
mais forte de uma escala para se chegar a uma conclusão. Assim, o item até orienta
argumentativamente o enunciado ao situar a fruta banana no topo dos argumentos
utilizados para indicar o nível financeiro da família.
Observa-se, ainda, que essa interpretação é amparada pelo uso de “só que”
no início do relato. As considerações de Ducrot (1981) a respeito do elemento mas
podem ser estendidas à combinação “só que”: o acionamento do operador evidencia
o jogo enunciativo que se dá a partir das intenções do locutor e da maneira como
este as demonstra. Desse modo, no fragmento 10, percebe-se que, mais do que
opor dois enunciados, a expressão “só que”, linha 40, assinala uma quebra de
expectativa quanto ao que se enuncia antes do acionamento da estrutura. Assim,
primeiramente, há o relato sobre o desejo em relação à conclusão dos estudos;
entretanto, o operador argumentativo instaura uma sequência que rompe com a
conclusão esperada sobre a vida acadêmica da falante.
Da afirmação da entrevistada, depreende-se que o ato de estudar requer
dedicação e concebem-se como incompatíveis – ou, pelo menos, dificultosas – as
71
atividades de estudar e trabalhar quando executadas ao mesmo tempo. Em termos
argumentativos, o dado “precisavam trabalhar” imprime maior força ao enunciado.
A expressão “só que”, somada ao acionamento do operador até, permite
concluir que os operadores foram utilizados pela entrevistada no sentido de orientar
a interlocutora a compartilhar a ideia de que a infância e o processo de
escolarização da informante no Paraguai estiveram permeados por adversidades.
O operador constitui-se, nos recortes analisados, uma estratégia discursiva
acionada pela falante, que busca focalizar o argumento mais relevante, em termos
de escala, para se chegar a uma conclusão r.
No fragmento 1119, até, linha 446, imprime maior força argumentativa ao que
a entrevistada relata. Quando questionada se já havia sofrido algum tipo de
preconceito por ser uma imigrante, a participante relata que as colegas não
admitiam o fato de uma paraguaia ter um desempenho melhor do que as brasileiras
na disciplina de Literatura e, por isso, exigiram, junto à administração da
universidade, que a entrevistada fosse submetida a uma nova avaliação. Entretanto,
a reivindicação das colegas descontentes não se limitou à reclamação na diretoria
da instituição de ensino, tendo culminado na procura de um advogado – nas
palavras da entrevistada, “elas colocaram até advogado” – para se instaurar um
processo sobre o caso.
Observa-se que o termo até poderia ser retirado da sentença sem que isso
acarretasse danos à estrutura sintática, sendo facultativa sua presença. Ocorre que
a retirada do vocábulo implicaria prejuízos semânticos para o enunciado devido à
perda do relevo que a falante pretendeu dar ao fato de um jurista ter sido acionado.
Segundo Ducrot (1981), considerando p e p’, inseridos em uma mesma classe
argumentativa orientada pelo enunciado r, “diremos que o enunciado p’ é mais forte
que p, se toda classe argumentativa que contém p contém também p’, e se p’ é nela,
cada vez superior a p” (DUCROT, 1981, p. 182). Assim, em uma sequência
discursiva do tipo p até p’, infere-se que uma conclusão r é determinante de uma
escala argumentativa em que p’ é mais forte do que p.
19
“[...] enton/ todo eso vino naqule tempo em que eu me formei... eu sufri MUIto... porque eu no esperava... realmente eso aí das minhas colegas... eu NO tenho culpa... eu... eu estudei basTANTE litertura... e por coICIDENCIA... claro... habrá sido una coiciDENCIA... de que aquello que eu estudei... caiu en ese dia... porque LÓGICO que eu no vou saber toda a literaTUra::: né?... é ÓBVIO eso aí...eu no no estudei aqui... MAS... infelizmente eu tirei CEM... eu fiz TUDO... eu::... acertei TOdas as questões...e por eso elas... meu Deus do céu... de ahí elas colocaram até advogado que:::... eles queriam que eu... é:::... fizesse outra prova né? [...]”
72
Dessa forma, o fragmento 11 pode ser organizado, em termos de argumento,
da seguinte maneira:
r = A entrevistada foi vítima de preconceito.
p’ = Até um advogado foi acionado para que a entrevistada
refizesse a prova de literatura.
p = As colegas queriam que a entrevistada refizesse a prova
de literatura.
Conforme Ducrot (1981, p. 185), “toda conclusão autorizada por um
enunciado „fraco‟ de uma escala, é autorizada ainda melhor por um enunciado forte
desta escala.” Há, portanto, uma gradação nos argumentos empregados pela
falante, sendo que o mais forte deles apresenta-se introduzido pelo operador até.
Percebe-se, assim, que o fato de as colegas buscarem auxílio jurídico é o
argumento máximo utilizado pela falante para declarar-se como vítima de
discriminação devido à sua nacionalidade.
Em sua dissertação de mestrado, Angnes (2004, p. 40) alerta para as
questões de alteridade no que diz respeito ao uso da língua. A autora afirma que
parte da população brasileira tende a estigmatizar os imigrantes paraguaios, bem
como o espanhol falado no Paraguai, ao “realizar comentários discriminatórios em
relação às diferenças culturais e mesmo linguísticas em direção a paraguaios e
produtos lá comercializados”.
O fragmento em análise expõe as questões de alteridade, envolvendo
julgamentos e percepções sobre os outros. No caso específico, a situação relaciona-
se às manifestações de falantes de uma localidade relativas à cultura de outros
sujeitos e à sua própria cultura.
73
O termo maldade é tomado como tópico pela informante e ainda como mote
para o estabelecimento da escala argumentativa acionada no recorte 1220. Dessa
forma, traça-se comparação entre criança e adulto e, depois, orienta-se para a
seguinte escala, mediante correlação adulto/maldade: maldade adulto
professor.
Sistematizando a hierarquização dos argumentos utilizados pela falante em
prol de uma possível conclusão r, tem-se:
r= Os adultos são maldosos
Até professores são maldosos.
Outra profissão qualquer
Questionada sobre sua preferência quanto ao público a quem ministra aulas,
a falante afirma preferir as crianças pelo fato de elas não terem maldade. Em
contrapartida, os adultos não a atraem por competirem entre si. Essa
competitividade exposta pela entrevistada é realçada quando enuncia que tal
característica foi observada por ela até entre os professores.
É importante observar que, via de regra, o grupo de professores é constituído
pelos adultos anteriormente mencionados pela falante, portanto, seria dispensável
uma referência aos profissionais. Contudo, a entrevistada opta por citá-los
separadamente e de maneira enfática, sendo essa menção antecedida pelo
operador até. É possível interpretar essa enunciação da entrevistada como
reveladora de seu ponto de vista sobre os professores, que, segundo a visão
popular, deveriam servir de exemplo aos alunos.
Dessa maneira, a falante revela, ao mesmo tempo, surpresa e indignação por
constatar que o grupo que deveria ser modelo também apresenta valores que
20
“[...] eu vejo nas crianças... elas são sinceras... né... nós adultos temos um pouco essa maldade... temos inveja né... que... um é melhor que o outro... e o que que eu percibi até entre os pro/ professores também existe eso aí... eu particularmente NO [...]”.
74
considera negativos. É por isso que os professores são apresentados como
argumento máximo para explicar a preferência da falante pelo público infantil.
Em 1321, o operador argumentativo até continua distribuindo os argumentos
elencados pela falante em posição de escala. Questionada sobre os hábitos do povo
paraguaio, a entrevistada indica uma suposta tranquilidade dos conterrâneos.
r= Os paraguaios são sossegados.
Até a empregada doméstica toma tererê. (b)
O povo paraguaio toma tererê. (a)
De acordo com Guimarães (2001, p. 28), “toda sequência X até Y é de uma
escala argumentativa cujos conteúdos de A e B são argumentos para r e B é um
argumento mais forte do que A”. Assim, ambos os enunciados podem ser vistos
como argumentos para a conclusão suposta. Entretanto, o argumento do enunciado
(b) apresenta-se como superior ao do enunciado (a).
Além de estabelecer a hierarquia de argumentos, no recorte 13, linha 661, o
operador até pode ser tomado, ainda, como um indicador do espanto da
entrevistada sobre o fato de as empregas domésticas interromperem suas atividades
em nome do costume nacional. O acionamento do operador argumentativo, portanto,
evidencia o jogo enunciativo que se dá a partir das intenções do locutor e do modo
como este as revela.
Nos argumentos usados, a locutora revela percepções culturais, que, é óbvio,
não foram criadas por ela; algumas, inclusive, depõem contra ela, visto que
descreve o povo paraguaio como se sua condição de imigrante no Brasil a
distanciasse dos atributos dados por ela mesma aos compatriotas do Paraguai.
21 “[...] MAS o povo no GEral eles ADOram o brasileiro sabe por quê?... porque o povo brasileiro::... um povo muito trabalhor né?... e lá a veces o::: povo de Paraguai toma así toma o famoso tererê de eles... atrasa TUdo... e já:::... estão acostumados... no adianta... porque ATÉ a empregada doméstica tem que sentar e tomar o tererê de eles... e eu fico LOUca quando eu vou.... quando vejo essas coisas lá... […]”.
75
Dessa maneira, acredita-se que todos os falantes têm a capacidade de emitir
juízos de valor, tanto positivos quanto negativos, sobre determinada língua. A esse
respeito, Aguilera (2008b) afirma que
A atitude lingüística assumida pelo falante implica a noção de identidade, que se pode definir como a característica ou o conjunto de características que permitem diferenciar um grupo de outro, uma etnia de outra, um povo de outro (AGUILERA, 2008b, p. 106).
Por meio da experiência, todavia, as pessoas passam a manter ocultas
algumas de suas atitudes: “na realidade, é uma característica comum do
pensamento humano fazer inferências sobre as atitudes dos outros e regular nossas
próprias ações em conformidade” (LAMBERT; LAMBERT, 1968, p. 79). A falante
revela, assim, por meio das estruturas linguísticas, especialmente do uso de até,
traços de acomodação à cultura brasileira, pois avalia negativamente os hábitos dos
nativos do Paraguai.
Ressalta-se que nem sempre todos os argumentos da escala apresentam-se
explícitos no texto. Deve-se também observar o contexto em que o discurso insere-
se, considerando o conhecimento de mundo que se tem acerca de determinado
assunto.
Diante do exposto, constata-se que, mesmo quando atua como operador
argumentativo, o termo até possui ainda as propriedades de indicador de limite, uma
vez que aponta para o argumento derradeiro em prol de uma conclusão r, ou seja,
indica o limite entre os argumentos acionados pela falante. Segundo Rosário (2007),
isso ocorre devido ao fenômeno da persistência, em que os termos tendem a
conservar alguns traços de seus matizes de origem.
No corpus, não foi constatada nenhuma ocorrência de termos similares a até,
como inclusive ou mesmo, indicando que, no texto oral sob investigação, o termo até
foi utilizado como único recurso linguístico para introduzir os argumentos mais fortes.
Pelos fragmentos analisados, evidencia-se que os estudos norteados pela
Semântica Argumentativa podem colaborar para a apreensão das estratégias
argumentativas de que o falante lança mão, por meio das pistas linguísticas
deixadas no enunciado – neste caso, especialmente o acionamento do operador
argumentativo até –, com o intuito de provocar a adesão do interlocutor à tese
defendida.
76
4.3.2 Até denotando concessão
Além da função de hierarquizar elementos em escala, observada na seção
anterior, três ocorrências de até como operador argumentativo agregam uma nova
carga semântica ao item. Nos fragmentos abaixo, o termo possui, aparentemente,
um significado atrelado à ideia de concessão.
Recorte Linha Fragmento
14 482 484 489
“[...] eu SEMpre gostei de lecionar crianças... eu já... já aaa.. aprendi... lá já lecionava né?... agora por eso que eu fico entre... entre lecionar adulto o adolescente... adulto até dá pra
pensar... adulto né... bem adulto... porque eles vão para estudar mesmo... no brincar... em... que nem essa... eu estava esses dias... eu fui sustituir a professora... una professora lá na Harpa... e aí tem seNHOres...que QUErem estudar... enton/ com ESSE... tudo bem... é:::... é gostoso porque eles vão para para esTUDAR... no van para brincar... e as crianças também... as crianças brincam... mas se você falar para criança ... pode parar... até no vai parar no né... mas aí... três
o dos dos três vezes ele para... e eles son sinceros [...]”
15 497 501 512
“[…] L1: e você acha que você leva alguma.... algum tipo de vantagem quando você vai procurar um emprego... pra dar aula de espanhol... você paraguaia por já falar o espanhol... leva alguma vantagem sobre um professor que se forma aqui no Brasil por exemplo? L2: en una... é... po pode até ser... porque eu... eu sou
paraguaia mas eu sou... é:::... sei faLAR o espanhol... lógico agora que eu esTUdei... aí tudo bem... en una das escolas que eu fui aqui... é:::... eles me falaram... o:::... o::::... dono da escola me falou... “eu prefiero una:::... una:::... professora que fala já... o espanhol”... porque ele também foi para Estados Unidos...ficou lá dieciséis anos com a esposa... e hoje eles están aí... abriram una escola... e ele... ele me falou... ele me falou... “eu prefiero porque de ahí tem... tem...” según ele... eu estou te falando o que ele me comentou né... según ele disse que tem professoras aí que já foram aí que están esTUDANdo ainda o espanhol né... que ele percebeu que:::... no:::... é:::... que.... que ela fala tudo errado... e que ele preferia realmente una:::... una:::... una que já é nativa no caso... MAS aí eu falo que tem ÓTImas professores porque... é:::.. tem... están se formando professores muito bons em espanhol... claro... […]”
77
Nesses três registros do operador argumentativo até, a falante parece acioná-
lo com a intenção de abrir uma concessão diante do que está narrando.
No recorte 14, em que manifesta sua preferência em ministrar aulas para
crianças, a falante emprega o termo até em uma conotação de possibilidade. Ela
poderia abrir uma exceção (“até dá pra pensar”) para trabalhar com adultos. Desse
modo, a entrevistada mantém, no topo da escala sua predileção pelo público infantil,
mas faz uma concessão ao analisar a possibilidade de dar aulas para adultos,
demonstrando uma opinião contrária a que vinha sendo evidenciada em sua linha de
raciocínio.
Fato idêntico é observado na linha 489 do mesmo fragmento. A falante
discorre sobre o comportamento das crianças em sala de aula, e o modo como
conduz seu discurso leva o interlocutor a inferir que são obedientes, que acatam
imediatamente as instruções dadas pela professora. Ocorre que, ao enunciar “até no
vai parar no né”, a entrevistada opera uma quebra na expectativa produzida
anteriormente e abre uma concessão, segundo a qual as crianças não mudariam de
comportamento ao primeiro comando, sendo necessário insistir para a obtenção do
comportamento desejado: “mas aí... três o dos dos três vezes ele para”.
Dinâmica semelhante é percebida em 15. Questionada sobre uma suposta
vantagem que teria ao procurar emprego em escolas de idiomas por ser uma falante
de espanhol nativa, a entrevistada vacila ao responder. Inicia uma fala permeada por
pausas, gagueja e enuncia que “pode até ser”. As hesitações, aliadas à gagueira e
ao uso de até, evidenciam o caráter de incerteza da declaração da entrevistada. O
operador apresenta-se, ainda, ladeado pelo verbo modalizador poder, que reforça o
caráter de possibilidade, visto que a falante não está convicta do que diz.
Segundo Petri (2001), a forma como a pergunta está organizada é portadora
de restrições e expectativas, além de pressupor determinadas situações. Assim, na
sequência do enunciado, é possível confirmar que a falante não compartilha o
posicionamento apresentado na pergunta de que levaria vantagem sobre as demais
professoras formadas no Brasil, pois afirma que o país possui bons docentes da
disciplina. Percebe-se, então, um processo de negociação da significação do
enunciado caracterizado pela pergunta da entrevistadora.
Desse modo, os três usos de até elencados nesta seção apresentam um
caráter de concessão. Nesses casos, a falante empregou o item quando não estava
segura quanto ao tópico discursivo.
78
Observa-se que, nesses casos, o acionamento de até parece estar mais
relacionado à inserção de comentários, no fio discursivo, do que propriamente à
hierarquização dos argumentos, fato que poderia ser considerado como um aceno
para a aproximação entre os papéis de operador argumentativo e marcador
discursivo desempenhados pelo termo.
4.4 Casos de difícil classificação: aparente dualidade nas funções assumidas
por até
Observou-se, no corpus, a ocorrência de casos em que a classificação do
termo até apresenta-se nebulosa, pois parece ocorrer uma dualidade em seu
comportamento, podendo o termo ser classificado tanto como operador
argumentativo quanto como marcador discursivo.
Vejam-se os casos no quadro abaixo:
Recorte Linha Fragmento
16 148 153 157
“[...] porque o Paraguai é bilíngue tem o espanhol e o guarani junto... Agora tem o::... de::... o:::... como que o povo... como que nós falávamos... nós misturamos... el... castelhano.... com o guarani... e o que nós... e e... em esses... em... em... em esses dos... duas misturas... se forma Jopará... é o que o povo fala... no... o povo de Paraguai no fala o verdadeiro guarani... eles falam Jopará... enton/ que eu estava lendo até me informé lá quando eu fui... é::::.... con alguns... é que praticamente tem três idiomas... porque o espanhol... que falam los de la classe social mais alta e:::... a:::... as pessoas que vão.... trabalhar né?... TEM que ser espanhol... exigem... no POde misturar aí... guarani no... e::: de ahí falam... tem pessoas que falam BEM o guarani... mas a MAIORIA do povo fala o Jopará... [...]”
17 160 163 165
“[…] nas esCOlas... están ensinando... o guarani... é um idioma MUITO difícil... MUITO difícil... que EU sí... eu tenho dicionários... é:::... a minha:::... a minha sobrinha desistió de ensinar e ela ensinava guarani... era profeSOra de guarani... enton/ ela me deu de presente os... eu tenho os livros de ela... até están com uns professores... e guarani é MUITO difícil... e
na época nós no:::... nós no... NADA em guarani...estudávamos inGLÊS.. […]”
79
No recorte 16, linha 153, no qual a entrevistada descreve as línguas faladas
coloquialmente no Paraguai, observa-se que até busca relacionar coesivamente os
enunciados proferidos pela falante. Tradicionalmente, o vocábulo até é classificado,
conforme Bechara (2003), como uma preposição essencial, isto é, como uma
palavra que, em língua portuguesa, só pode assumir esse papel. Entretanto,
observa-se a opacidade semântica apresentada pelo item no fragmento em questão,
peculiaridade considerada como um dos traços apresentados pelos marcadores
discursivos. Nesse contexto, a unidade extrapola os limites funcionais da preposição
e atua enfatizando a fala que a procede.
Percebe-se, ainda, que o marcador apresenta-se inserido em uma sequência
cujo objetivo é introduzir um dado particular no assunto narrado pela entrevistada. A
falante interrompe o tópico discursivo sobre o falar paraguaio e insere um
comentário com o intuito de imprimir credibilidade sobre aquilo que descreve, ou
seja, sobre a relação entre o espanhol, o guarani e o dialeto jopará. Entretanto, tal
informação não é suficiente “para constituir um novo conjunto de centração, isto é,
um novo tópico” (RISSO, 2006, p. 441).
Desse modo, o encerramento do comentário é anunciado por alongamentos
vocálicos e pausas, que evidenciam a tentativa de planejamento do uso da língua
empreendido pela falante. Na sequência, observa-se a retomada do tópico
discursivo anteriormente interrompido.
Após o detalhamento dos dados nos quais se baseia, constata-se uma pausa
na fala da entrevistada, em um provável processo de elaboração discursiva, e, na
sequência, o tópico sobre a articulação entre espanhol, guarani e jopará é retomado
pela falante.
Dinâmica semelhante pode ser observada no fragmento 17, linha 163, em
que, novamente, há a interrupção do fluxo discursivo para a inserção de um
comentário da falante. Mais uma vez, a atuação de até apresenta-se vinculada à
articulação intratópica, em que “estabelece conexões circunscritas ao âmbito de um
segmento tópico específico, promovendo, em sua estruturação, o sequenciamento
de proposições integradas no mesmo conjunto de referentes em centração” (RISSO,
2006, p. 441). Assim, embora comente sobre quem detém os livros atualmente, o
dado não é representativo para constituir um novo tópico discursivo, que se volta
novamente para a dificuldade de aprendizado do guarani.
80
O intratópico inserido no fluxo discursivo pelo acionamento do marcador até
apresenta-se delimitado por demarcação prosódica, representada pelas pausas
demarcativas que sinalizam para uma autonomia entonacional do segmento,
semelhante aos que se observa nos vocativos.
As pausas são tomadas, ainda, segundo Marcuschi (1991, p. 63), como
marcadores discursivos suprassegmentais e “constituem um fator decisivo na
organização do texto conversacional”. Desse modo, no fragmento sob análise,
ocorre a ativação concomitante de dois marcadores discursivos, de natureza distinta,
na tentativa de estabelecer coesão entre as partes do discurso.
Por outro lado, os mesmos itens podem ser tomados como operadores
argumentativos, já que até atua hierarquizando os argumentos em escala.
Tal função pode ser observada ainda em 1622, quando a entrevistada faz um
relato sobre as línguas faladas no Paraguai. A falante menciona o jopará, que seria
um dialeto local, mais falado do que o próprio guarani, e parece querer dar
credibilidade à própria fala ao mencionar que leu e que até se informou sobre o
assunto com os nativos quando esteve no Paraguai. Desse modo, o termo até, que
pode ser substituído por inclusive, sem prejuízo semântico para o enunciado, revela
o argumento mais forte utilizado pela entrevistada para atestar a veracidade do que
está enunciando.
Em escala, é possível criar o seguinte esquema:
r= É comprovado que o Jopará é mais usado no Paraguai do
que o Guarani.
A entrevistada até se informou sobre o assunto com os nativos.
A entrevistada leu sobre o assunto.
22
“[...] porque o Paraguai é bilíngüe tem o espanhol e o guarani junto... Agora tem o::... de::... o:::... como que o povo... como que nós falávamos... nós misturamos... el... castelhano.... com o guarani... e o que nós... e e... em esses... em... em... em esses dos... duas misturas... se forma Jopará... é o que o povo fala... no... o povo de Paraguai no fala o verdadeiro guarani... eles falam Jopará... enton/ que eu estava lendo até me informé lá quando eu fui... é::::.... con alguns... é que praticamente tem três idiomas... porque o espanhol... que falam los de la classe social mais alta e:::... a:::... as pessoas que vão.... trabalhar né?... TEM que ser espanhol... exigem... no POde misturar aí... guarani no... e::: de ahí falam... tem pessoas que falam BEM o guarani... mas a MAIORIA do povo fala o Jopará... [...]”.
81
Tais argumentos evidenciam as vozes de autoridade sobre as quais a lógica
argumentativa manifestada apóia-se. Mesmo considerando que ambos os
argumentos conduzem à tese defendida, pode-se dizer que a falante considera que
o contato com o povo paraguaio imprime mais credibilidade à conclusão
apresentada do que a própria literatura referente ao assunto. Os compatriotas são
usados, assim, como o argumento de autoridade máximo, conferindo um status de
verdade ao enunciado proferido.
Por sua vez, em 1723, o termo até pode ser interpretado como operador
argumentativo que atesta a relevância dos livros de guarani que a entrevistada
possui.
r= É necessário material especializado para aprender guarani.
Até professores se interessam pelos livros que a entrevistada ganhou.
A entrevistada ganhou livros que tratam do guarani.
Nesse sentido, o uso de até, no enunciado da entrevistada, deixa de se
constituir como introdutor de simples comentário – marcador discursivo – e adquire
peso de indicador de argumento de autoridade, utilizado pela falante para enaltecer
o material que lhe foi presenteado pela sobrinha.
Essa ambiguidade, dualidade ou flutuação nas funções desempenhadas por
até, nos exemplos acima, atesta o fato de que a língua é viva e está em permanente
processo de adequação, readequação e transferência de valor conforme a situação
em que é empregada.
Assim como o termo já foi usado somente para demarcar noções espaciais,
como apontado neste trabalho, seus empregos e significações foram se modificando
23
“[…] nas esCOlas... están ensinando... o guarani... é um idioma MUITO difícil... MUITO difícil... que EU sí... eu tenho dicionários... é:::... a minha:::... a minha sobrinha desistió de ensinar e ela ensinava guarani... era profeSOra de guarani... enton/ ela me deu de presente os... eu tenho os livros de ela... até están com uns professores... e guarani é MUITO difícil... e na época nós no:::... nós no... NADA em guarani...estudávamos inGLÊS.. […]”.
82
com o passar do tempo até chegar ao nível textual. Pode-se dizer, portanto, que as
diferentes funções de até coexistem e que podem, inclusive, ocorrer
simultaneamente em uma ocorrência, como nos casos apresentados acima.
83
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises realizadas evidenciam que o locutor produz seu enunciado a partir
de estratégias que possibilitam o sucesso no processamento argumentativo.
Nesse sentido, os falantes empreendem ajustamentos nos vocábulos
selecionados para constituir os enunciados. É por isso que se observa que o item
até é ativado ora como marcador discursivo, ora como operador argumentativo. O
enquadramento em categorias aqui proposto relaciona-se ao modo como ocorreu o
desencadeamento dos vocábulos para a constituição do texto oral.
Uma vez que a conversação natural não possui planejamento prévio, o falante
utiliza recursos linguísticos para garantir a coesão discursiva. Desse modo, os
marcadores discursivos não só articulam o texto, como também evidenciam o
planejamento local da linguagem empreendido pelo falante. Percebe-se que, embora
independentes sintaticamente, os marcadores discursivos são dependentes
discursivamente; ou seja, segundo a Análise da Conversação, é necessário
considerar as relações interpessoais envolvidas no processo comunicativo. Já os
operadores argumentativos atuam como pistas que direcionam o interlocutor para
determinada conclusão em detrimento de outras.
O item até alterna as funções desempenhadas no discurso, sendo
significativas as ocorrências tanto como marcador discursivo quanto como operador
argumentativo.
Quando assume função de marcador discursivo, o termo não apresenta seu
significado original de limitador, atuando mais como elo entre as sequências que
compõem o discurso. Já com relação à sua função de operador argumentativo, é
possível considerar a execução de dois papéis assumidos pelo item: hierarquiza os
elementos em escala e mantém os traços de limitador, mais abstratos do que os
espaciais e temporais – uma vez que introduz o argumento mais relevante utilizado
pelo falante, portanto, o argumento máximo – e abre concessões durante a
argumentação.
Quanto às semelhanças entre as funções do vocábulo como marcador
discursivo e operador argumentativo, aponta-se o fato de ambos envolverem a
noção de inclusão. No primeiro grupo, a inclusão ocorre de maneira discursiva,
encadeando discursos na fala, como se novos elementos fossem somados ao texto.
84
A inclusão, no caso de operador argumentativo, é dada pela escala argumentativa,
na qual o argumento mais relevante é incluído por último.
As análises apontaram, ainda, para uma possível flutuação entre as funções
textuais desempenhadas pelo termo, uma vez que se evidenciou em algumas
ocorrências que o vocábulo poderia ser classificado tanto como operador
argumentativo quanto como marcador discursivo.
Diante do exposto, fica evidente que o uso da língua influi de maneira decisiva
na classificação e determinação de um elemento linguístico. Somente em função da
língua em uso foi possível classificar e analisar o papel desempenhado em cada
uma das ocorrências do vocábulo até ativadas no discurso da entrevistada.
Muitos detalhes foram percebidos no texto oral sob análise, inclusive questões
relativas aos conflitos da informante trilíngue em uma situação de hegemonia da
língua de prestígio, quando ainda vivia no Paraguai. E essa percepção é guiada
pelos encaminhamentos teóricos percorridos, o que serviu para vislumbrar como
algumas marcas linguísticas atuam ora para tecer o próprio trajeto interativo, ora
para conduzir o interlocutor a determinadas conclusões.
Em algumas passagens do texto, o papel desempenhado pelo termo até,
considerando-se os demais elementos linguísticos com os quais se relaciona, revela
traços de acomodação da falante à cultura brasileira e mesmo formas de se lidar
com essa acomodação. Concebe-se, nesta pesquisa, que as atitudes linguísticas
estão diretamente relacionadas às manifestações dos falantes de uma localidade
acerca da língua de outros sujeitos e de sua própria língua. Acredita-se que todos os
falantes possuem a capacidade de emitir juízos de valor, tanto positivos quanto
negativos, sobre determinada língua e cultura.
Percebe-se que a falante, em alguns momentos, empreendeu avaliações
acerca dos hábitos do povo paraguaio, chegando a classificar, de maneira negativa,
os compatriotas, como quando discorre sobre o costume de tomar tererê, e enaltece
o modo de vida do povo brasileiro, com o qual se assimila nesse momento. Dessa
forma, é possível afirmar que a identidade sociolinguística adquirida pela falante nos
anos de vivência no Brasil influencia o modo como se relaciona com o Paraguai.
Por fim, vale ressaltar que o processo de interação verbal é constituído por
esquemas de negociação entre os interlocutores e se apresenta permeado pela
necessidade de preservação da face, pela disposição para negociar e pela
progressão do tópico discursivo, por exemplo. Entretanto, o fundamento básico de
85
toda conversação apresenta-se não só atrelado àquilo que o falante deseja expor,
bem como à interpretação feita pelo interlocutor acerca daquilo que lhe é
apresentado.
86
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92
APÊNDICE A – Instrumento de coleta de dados
1. Fale sobre sua infância.
2. Comente como foi sua vivência escolar no Paraguai.
3. Relate alguns dos costumes do seu país.
4. Como foi sua decisão de morar no Brasil?
5. O que você pensa sobre a língua portuguesa? Foi fácil aprendê-la?
6. Suas filhas nasceram e foram educadas no Brasil, por isso tem como
língua materna o português. Mas, quando crianças, você ensinou a elas o
Espanhol? Como era a relação delas com as duas línguas?
7. Comente sobre sua vida acadêmica no Brasil. Sendo você uma falante
nativa do espanhol em um curso que visa formar professores de língua
espanhola, como era seu relacionamento com os colegas de turma e
docentes?
8. Comente sobre seu trabalho como professora de espanhol no Brasil.
9. Você gostaria de ministrar aulas de língua portuguesa no Brasil?
10. Se você decidisse voltar a viver no Paraguai, ministraria aulas de
Português lá?
11. Como você caracterizaria o povo brasileiro?
12. Como você caracterizaria o povo paraguaio?
95
OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO*
Incompreensão de palavras ou segmentos
( ) do nível de renda...( ) nível de renda nominal...
Hipótese do que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado (com o gravador)
Truncamento (havendo homografia, usa-se acento indicativo da tônica e/ou timbre)
/ e comé/ e reinicia
Entoação enfática maiúscula porque as pessoas reTÊM moeda
Prolongamento de vogal e consoante (como s, r)
:: podendo aumentar para :::: ou mais
ao emprestarem os... éh::: ...o dinheiro
Silabação - por motivo tran-sa-ção
Interrogação ? eo Banco... Central... certo?
Qualquer pausa ...
são três motivos... ou três razões... que fazem com que se retenha moeda... existe uma... retenção
Comentários descritivos do transcritor
((minúsculas)) ((tossiu))
Comentários que quebram a seqüência temática da exposição; desvio temático
-- -- ... a demanda de moeda -- vamos dar essa notação -- demanda de moeda por motivo
Superposição, simultaneidade de vozes
{ ligando as linhas
A. na { casa da sua irmã B. sexta-feira? A. fizeram { lá... B. cozinharam lá?
Indicação de que a fala foi tomada ou interrompida em determinado ponto. Não no seu início, por exemplo.
(...) (...) nós vimos que existem...
Citações literais ou leituras de textos, durante a gravação
" "
Pedro Lima... ah escreve na ocasião... "O cinema falado em língua estrangeira não precisa de nenhuma baRREIra entre nós"...
* Exemplos retirados dos inquéritos NURC/SP No. 338 EF e 331 D2. (Disponível em:
http://www.fflch.usp.br/dlcv/nurc/normas_para_transcricao.htm)
97
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA 1 2
L1: fale sobre sua infância... como é que foi sua infância no Paraguai? 3
L2: minha infância?... eh:::... foi muy:::... foi linda e ao mesmo tempo muy sufrido... porque 4
éramos gente muy humilde... mi hermana y yo teníamos que trabajar y::: teníamos que ir a la 5
escuela a ca... a pie digamos... no teníamos condición de... é:::... de:::... de pagar un 6
colectivo... entonces íamos a pie... é:::... no teníamos juguetes... é:::... trabajábamos... 7
vendíamos leche... frutas... y verduras... entonces... no... no... era una infancia muy linda... 8
pero también... al mismo tiempo... é... disfrutamos de:::... de todo que nuestros padres nos... 9
nos podrían pro-por-cio-nar. 10
L1: e era uma família numerosa? 11
L2: éramos... diez... cinco me... cinco niñas y cinco... cinco niños... entonces... hoy claro... 12
estamos todos... unidos... hasta hoy... e::: una de ellas faleceu... Sarita... con cincuenta y ocho 13
años... y quedamos ahora nueve... ((a entrevistada diminuiu o tom de voz ao falar da irmã 14
morta)) 15
L1: pode falar em português também... tia... se quiser... É::: eu quero que você fale um 16
pouquinho agora como que foi a época de escola no Paraguai... como que era a escola de lá... 17
como que era tudo... 18
L2: meu Deus... enton/... a escola LÁ... era como eu tinha te:: comentado... era um poco é::: 19
longe de casa... era longe e nós tínhamos que ir a pe e a escola é::::... era tudo misturado 20
gente... gente pobre... gente::: ricas... é::: de todo un poco né?... e nós tínhamos que estudiar 21
eles os professores eram muito exigentes com nós... e o castigo... quando nós não fazíamos as 22
nossas tarefas... eles o que que faziam conosco?... Pegavam así a mão... né?... os quatro 23
dedos... e pegava com a régua... e tchitchi... com a régua... quando no fazíamos a tarefa ou 24
puxava a orelha... né?... e puxava... e os meninos eles iam no cantinho lá no::: num lugar... e 25
ficavam aí até:::... até que... L1::: professora falava para eles que... podiam sair de lá... de aí 26
o:::... eu me lembro que... que no primeiro segundo... grado naquela época né?... é... para mim 27
me falavam de ratito... ratón... ratoncito... porque eu era muito magrinha... esqueletinha... né? 28
e... vivia llevando unas galletas... galletas duras ne?... Que o meu pai ganhava dL1:... do 29
quarTEL... daí eu levava isso aí ... com... no recreo... e minhas colegas davam risada de mi... e 30
por eso que chamavam de ratoncito... ((risos)) e un dia de esas... una... uma das colegas... 31
lembro que levou um pan con tortilla... aquellas tortillas coloCAdas así encima con... con 32
pan... e una vontade menina de comer... MEU DEUS DO CÉU... e o que que eu fiz?... Eu vi 33
um dinheirinho que caiu lá... não sei de quem que era... e peguei esse dinheiro e fui 34
comPRAR esse:::... essL1::: tortilla.. menina... foi... eu acho que foi o:: dia mais feliz da 35
minha vida ((risos)) quando eu fui lá comprar essa tortilla... com... con... pancito... sabe? 36
((risos))... Mas foi bem sofrido... sabe?... Porque nós queríamos se forMAR... queríamos 37
estuDAR...é:::... só que chegávamos da escola e tínhamo/ que ir trabalhar... vender leche... 38
frutas... e verduras... até bananas eu vendia. 39
L1: e na escola... vocês tinham aula de outros idiomas... assim ou não? 40
L2: não... não... era só o... o... castelhano... espanhol na época... só... Quem falava na época 41
em guarani... é:::... davam risada... porque até enton/... até na época... naquela época em 42
que:::... o que tá fazendo ciquenta... quarenta e pouco anos... eu tinha oito anos né?... É::::... 43
quem falava guarani chamavam de guaranga... guaranga... eu tinha meio que vergonha porque 44
os meus pais falavam... todo guarani... e os meus amigos tudo espanhol né?... E o que que nós 45
tínhamos que fazer?... tínhamos que... que... aprenDER... o... espanhol né?... para ir na escola 46
para que ninguém dê risada de... de nós... porque falar guarani naquela Época... meu Deus do 47
céu... davam risada de nós... e daí eu me vi obriGADA a aprender o... espanhol. 48
L1: então... em casa você só falava o guarani 49
11
[ 50
L2: sí 51
L1: e quando ia pra escola... o espanhol? 52
L2: espanhol... mas só com meus pais... os pais e irmãos... né?... e agora... com os 53
amiguinhos de así da... da... os vizinhos e as vizinhas tudo espaNHOL... tudo espanhol... e eu 54
mais preferia assim espanhol porque... porque as minhas colegas davam risada que eu falava 55
guarani né?...e eu não queria eso aí... era humiLHANTE... ta entendendo?... enton/ de aí... eu 56
estudava... estudava mesmo... SEMpre quis estudar... e aí lógico... casteLHAno ah... a 57
matéria MAIS difícil era o castelhano... era a que::: tínhamos que fazer redação... já depois... 58
no quinto... sexto grado né?... porque no... no primeiro aninho no... era só fazia... eu me 59
lembro que nós tínhamos um caderninho com::... de doble raya que chama né?... e nesse nós 60
tínhamos que fazer caliGRAFIA... e:::... lembro também que... os... os livros... tinha um 61
livrinho... que vinha tudo em castelhano... eu me lembro que falava así... “Mi pa-pá se lla-ma 62
PE-pe... Mi ma-má se lla-ma María”... e aí... era era... sabe... era uma coisa repetitiva... 63
tínhamos que só:::... no aprendíamos... tínhamos que só:::... decorar... sabe?... mas aí no dia 64
seguiente... nós tínhamos que ir lá en el pizarrón... e... e mostrar aquilo que nós aprendemos... 65
mas depois así que na... na... na... na quinta série... eu me lembro que nós tínhamos que fazer 66
algunas... é:::... redacciones... eu era péssima em redacción... porque as professoras... né:::... 67
elas:::... colocavam lá... era... e:::.. e:::... ensinava uma vez e... coitado de nós... nós tínhamos 68
que ( )... depois... é::::... oitava série:::... oc... octavo año... no... quinto grado... SEXTO... 69
ATÉ sexto grado era... eu terminé mi sexto grado... daí comencé primer curso... em um... em.. 70
el Instituto Juan Batista Albergue... ele era um colégio muito bom... já com... acho que eu 71
tinha doce, trece años... e a minha mãe pagava... era... esse.. esse colegio era solamente de 72
gente rica... mas o que que aconteceu?... Esse senhor... o:::... o diretor lá da:::... do colégio... 73
Martin Almada que... hoje é famoso lá em Paraguai... ele... era é:::... ele era compadre do 74
vizinho... da minha comadre da minha mãe... e a minha mãe é:::... matava galinha... e levava 75
para eles né?... e daí um dia de eses o don Martin foi lá em casa e preguntó pra mamãe se 76
tinha ga... gallina né... e ela falou que tinha e fez aquela sopa... e mando para él... e ele 77
começou a fazer amizade com minha mãe... e de aí preguntó... “mas você tem TANTOS 78
filhos”... dez né?... “Cuantos hijos doña Hilária y no están estudiando?”...”Si...están 79
estudiando Todos”... e daí ele falou que ele era director de una:::... de uma::::... de um:::... de 80
um instituto... que se queríamos estudiar ele iria:::: dar CHANce para nós... e daí a minha mãe 81
falou así... “Mas yo no tengo doutor Martín para pagarle... somos diez... tengo que dar de 82
comer a mis hijos”... e aí el dijo “no... pero::... me pague como usted pueda... puede hacerme 83
estas coMIDAS... me pague... me puede mandar gallina... frutas... carne”... porque a minha 84
mãe também vendia carne depois... leche... e con eso ela foi pagando... e se formamos... um 85
colegio MUITO bom... muito bom mesmo... que eu... aí SÍ... aí nunca esqueço que a minha 86
professora Benefrida... nós tínhamos é:::... una matéria... dibujo... dibujo... diseño... 87
maravilhoso... tipo:::... sei lá... é::: arquitetura... daí nós tínhamos que fazer aqueles::.. 88
pirâmides... pirâmides de Egipto... sei lá... que que... Es em Egipto que fica aqueles pirâmides 89
né? 90
L1: sim 91
L2: tá.. e:::.. ela... mas era bem exigente ela... e daí que que aconteceu?... ela ela tinha falado 92
que::... tal dia nós tínhamos que levar nosso álbum... um álbum de ese tamanho... né? 93
((gesticula mostrando a dimensão do álbum))... e que íamos ter a prova... só que eu não sé o 94
que aconteceu conmigo eu não sé... acho que esqueci da DAta e... no dia que chegou eu não 95
levei o meu meu álbum... e::::.... ela me de... me deixou com cero... ela ela colocou CEro en 96
na minha::::... na minha materia... e eu comencé a chorar... daí eu falei “ma dona Benefrida eu 97
tenho... eu vo vo... me da::: me da uma chance eu tenho que ir só buscar”... “No Mendonza”... 98
ela falava... Mendoza só ( )... “No no no NO NO...”... eu falei... mas daí eu falei... “pelo 99
12
aMOR de Deus... a señora me deixou para examen ni final... sabe... en janeiro... daí... eu... 100
“no... no interesa Maria... no inteRESA...”... que que eu fiz?... eu fui chorar no... pedi 101
licença...e fui... eu falei com Don Martín... es el... direcTOR.. ((toca o interfone)) eu fui direto 102
para... o:::... director... daí ela::::... ele:::... daí ele falou:::... eu falei... o meu... meu caso para a 103
esposa... e a esposa me chamou... e fui lá pra o director... daí me falou “Maria... que que tá 104
acontecendo?”... e daí eu falei assim para ele::: “o Martín::::... o::::... o profesor... ah::::... a 105
profesora Benefrida me dejó con cero e::::... eu não tenho ni direito a exámen porque eu tenho 106
só oito... siete e meio no meu::::... na minha nota... na minha liBREta” falei... e daí ele falou 107
así... “Aai::... donde está tu albun?”... (( interrupção pela chegada de uma vizinha)) 108
L2: (...) pronto... Eu di una planta para ela... essa é minha comadre (...) tá::: e daí ah:::... -- voy 109
hablarte en español ahora... puede ser? -- 110
L1: pode 111
L2: de ahí... a::::... doctor Arman me disse... “ah... entonces anda a traer tu albun” y:::... y:::... 112
yo no tenía dinero para mi pasaje... y andé a pedirle a mi esposa y... co...correr... ( ) a 113
conversar... meu fui atrás de mi albun... y:::... le mostré todo... y él me coloco ocho... pero 114
para mí... foi MUY... frustrante:::... marCÓ... me marcó porque la::::... la profesora me 115
humilló en la frente de todo el mundo... entonces me dijo... me recuedo que me me dijo... “no, 116
vos vas a pasar... cualquier cosa viene hablar conmigo... y tu albun está lindo... está hermoso... 117
pinta bien...” y le digo... pero la:::: la Benefrida... yo sé que me va::::... me va a segurar... le 118
dijo... cuando vienen los supervisores... porque allá cuando nosotros ( ) nuestro examen... 119
final... venían dos profesores de:::... del... de la:::::... de Ministerio de Educación... era muy... 120
muy exigente... el segundo grado lá era muito exigente... até hoje... entonces que que que 121
pasó?... cuANdo me fui yo para... estar en las primeras filas... ella me humilló de novo y me 122
disse “que estás haciendo acá?”... dije “voy a hacer mi prueba”... “y quién te:::... quién te dijo 123
que vas a hacer prueba?”... “el direcTOR”... y ella no firmó mi... mi prueba... porque tenía que 124
firmar... Antes todos les tenían que firmar... y no firmó... y así... ( )... el... el.. director... el 125
vino... y miró... y el vino firmó mi... el:::... mi papel... y cuando vio eso mi profesora ni le 126
habló al... al director... entoces con eso... eso me marcó mucho... porque yo me... ella... ella 127
tanto me humilló enfrente a... a los... los supervisores del ministerio... como me humilló ante 128
mis colegas... pero yo tuve el apoyo total del director... porque él sabe de donde venía... y 129
porque... porque:::... este no foi por causa de irresponsabilidad de algo que hice... y así fue... 130
eso fue una cosa que más me marcó... y cuanto a estudios del segundo... tercero... tercer 131
curso... é:::... mudé de colegio... e::... sufrimos mucho para... formarmos... el tercer curso yo 132
terminé::... y no teníamos más condiciones fui para Buenos Aires... quedé un año y medio en 133
Buenos Aires... y de ahí VOLví a estudiar... junté mi dinero... trabajando allá con mis 134
hermanos... mis hermanas... conviví con los porteños allá... y:::... continué mis estudios... y::: 135
me formé... me recibí 136
L1: e nesse... nesse tempo de escola... nenhuma outra língua você aprendeu... assim... na 137
escola... teve algum momento que o guarani... eles ensinaram para vocês? 138
L2: não... naquela época... o guarani no... o guarani lo começaram a ensinar depois já... que 139
de... depois entrou como:::... é:::... como era... como idioma... como idioma nacional 140
também... porque o Paraguai é bilíngüe tem o espanhol e o guarani junto... Agora tem o::... 141
de::... o:::... como que o povo... como que nós falávamos... nós misturamos... el... 142
castelhano.... com o guarani... e o que nós... e e... em esses... em... em... em esses dos... duas 143
misturas... se forma Jopará... é o que o povo fala... no... o povo de Paraguai no fala o 144
verdadeiro guarani... eles falam Jopará... enton/ que eu estava lendo até me informé lá quando 145
eu fui... é::::.... con alguns... é que praticamente tem três idiomas... porque o espanhol... que 146
falam los de la classe social mais alta e:::... a::::... as pessoas que vão.... trabalhar né?... TEM 147
que ser espanhol... exigem... no POde misturar aí... guarani no... e::: de ahí falam... tem 148
pessoas que falam BEM o guarani... mas a MAIORIA do povo fala o Jopará... que é una 149
13
mistura... enton/ praticamente estamos com três idiomas lá... enton/... é é:::... en la época 150
NO... nossa... nós no podíamos falar na escola em o guarani... agora é tudo contrário... agora 151
como ah... o guarani foi nacionaLIZADO né?... é:::.... nas esCOlas... están ensinando... o 152
guarani... é um idioma MUITO difícil... MUITO difícil... que EU sí... eu tenho dicionários... 153
é:::... a minha::::... a minha sobrinha desistió de ensinar e ela ensinava guarani... era 154
profeSOra de guarani... enton/ ela me deu de presente os... eu tenho os livros de ela... até 155
están com uns professores... e guarani é MUITO difícil... e na época nós no:::... nós no... 156
NADA em guarani...estudávamos inGLÊS... eso sí... inglês... em... desde o:::... desde o 157
segundo... no:::... en el::... en el...primer curso... PRIMER curso... até o sexto curso... era 158
obrigatório inglês... entonces sé um pouco de inglês... foi daquela época... e português ni... ni 159
tínhamos idea... me lembro que ERA:::: a professora Rita que falava... que ela vinha para o 160
Brasil na época ela falava “Mas esses brasileiros falam tudo errado” ((risos))... e agora é tudo 161
contrário... aqui eu aprendo que os paraguaios falam tudo errado né?... por causa dos acentos 162
ortográficos né?... e eu no tinha ni idea como era Brasil né?... daí eu... eu falava así... “Mas 163
aONDE que é o Brasil... professora?”... “Passando... de Puerto Presidente Estrosner...”... que 164
en la época ERA... Ciudad del Este era Puerto Presidente Estrosner... ela já era una señora de 165
idade... e daí um dia eu fui... MEU DEUS... eso aí eu nunca esqueço também... que eu fui... 166
ela me mandou ler um texto... e eu peguei e:::... tinha acho que... no... aqueles acentos... e eu 167
no pronunciei... e foi aí que ela me falou... “O:::. ( ) me parece que vos sos brasileira”... eu 168
nunca esqueço... eu falei... “NO... pues yo ni conozco Brasil... professora Rita”... “Y como no 169
has pronunciado? No te das cuenta que ese lleva acento?”... Meu Deus do céu... ((risos))... e.. 170
de ahí... e nunca pensé para você ver... Brasil... e hoje estou aqui em Brasil... Ni sabia como... 171
que... ni tinha IDEA... como que era o Brasil... e agora eu aDOro Brasil... Não quero voltar 172
para Paraguai no... 173
L1: eu queria saber de algum costume do... do Paraguai... um costume... alguma festa... 174
alguma coisa que vocês tenham lá bem próprio do Paraguai... 175
L2: é... bem próprio do Paraguai... bom... lá por exemplo o:::... o nosso povo lá... é... as festas 176
así... festas de aniversário... pode ser o mais pobre...mas tem que ter festa de aniversário... o 177
primeiro aninho de um filho... o aniversário de una mãe... o aniversário de um pai... tem que 178
ser sempre tem que ser é:::... tem que ter una festa tem que ter um bolinho... enton/ é así... um 179
asadito... com una mandioca... con una sopa paraGUAYA... una ensaLADA... eso tem que 180
ter... e o de repente o para quem tem mais condições claro... bebidas... de whisky para... né... 181
cervejas finas é:::... vinho... vinho se toma muito lá... vinho vai muito bem... e de ahí para 182
quem::... para quem tem menos possibilidades né::... fazem aquela festinha... um bolinho... 183
para as crianças pequenas e... de ahí um:::... unos globos... e unos chocolates... e já para festa 184
así... dependendo da::::... da festa de... de quem que vai ser a festa... se vai ser aniversário 185
de:::... muito... muito alto::... né... de quem tem condições ((interfone))... daí aquela festa... 186
que nem lá é:::... também se faz assado... eu vou te mostrar depois no vídeo... 187
((entrevista é interrompida para que a entrevistada possa atender uma pessoa que está na 188
portão. A entrevistada volta e comenta que se trata de um paraguaio)) 189
L2: hablas guarani? 190
L3: si... 191
L2: de que lugar? 192
L3: é:::... De San Pedro ( ) 193
L2: ( )y como veniste para Brasil?? 194
L3: ( ) voluntariamente 195
L2: voluntariamente?? 196
L3: si... 197
L2: para religión? Cuál religión? 198
L3: iglesia de Unificación 199
14
L2: de Unificación... Y hay más gente acá? 200
L3: sí... ( ) 201
L2: en sério:::?... Es muy bueno colaborar contigo... Ellas son amigas... é... 202
L2: ella es profesora de español... 203
L3: ah sí? 204
L1: sí... 205
L2: ella se recibiu en la facultad... 206
L3: en la facultad? Hablas inglés también? 207
L1: no no... muy poco 208
L2: y vos hablás inglés? 209
L3: sí... sí... he recibido clases ( ) 210
L2: en sério? ( ) Y como están le recibiendo las personas? 211
L3: ah:::... más o menos... 212
L2: ( ) ((fala em guarani)) 213
L3: ((fala em guarani)) 214
L2: es lindo el trabajo de ustedes... Yo recibí a:::::... hace cuatro años.... a tres hermanas aquí 215
en casa... tres hermanas:::... de:::... bolivianas... parece que era Bolívia sí... y hician también 216
un trabajo de misiones... um trabajo... 217
L3: y ustedes... cuanto tiempo ya llevan aquí? 218
L2: yo treinta años... 219
L3: ella también? 220
L2: ella VIve acá 221
L1: sí, soy brasileña 222
L3: ((fala em guarani)) 223
L2: ((fala em guarani))... eu falei para ele que você sabe mais do que eu... 224
L1: no... 225
((risos)) 226
L3: ustedes no tienen una tarjeta para llevar para mí? 227
L2: ah:::... no tengo... Voy a marcarte la ruta y escribimos cartas. 228
L3: ahan... está bien... 229
L1: hace cuanto está acá en Brasil? 230
L3: ah... tiene algo como:::... quince días... 231
L1: quince días? Y ya has venido para cá otras veces? 232
L3: sí? 233
L1: sí? Y por lo visto las personas no están recibiendote bien? 234
L3: más o menos:::... no muy bien... pero:::... ( ) ahora sí que me recibieron bien 235
L1: tú hablas portugués o no? 236
L3: sí 237
L1: si? 238
L3: yo tuve en secundaria en Ciudad del Este 239
L1: y tenían clases de portugués alla? 240
L3: ahn? 241
L1: tenían clases de portugués allá? 242
L3: no no... tenía sólo:::... aprendí con:::... con gente así... con mis compañeros... 243
L1: y crees que es fácil aprenderlo? 244
L3: ahn? 245
L1: crees que es fácil aprender portugués? 246
L3: sí... escribiendo se aprende todo... Por que?... No tienes así un cartoncito para me dar? 247
L1: no... no tengo... infelizmente no... 248
L3: en sério? 249
15
L1: ( ) pero ella va a apuntar allí la dirección para que ustedes se correspondan... 250
L3: ((risos)) Profesora de portugués? 251
L1: también... profesora de portugués y de español... dicto español para los chicos y... para los 252
mayores también 253
L3: sí... 254
L1: les encanta a las personas acá hablar español... por eso que le pregunté si las personas acá 255
le estaban recibiendo bien... 256
L3: algunas... 257
L2: qué bien... manda cartas... revistas... né... para... 258
[ 259
L3: ahan 260
L2: de dónde estás... 261
L3: está bien... 262
L2: y te deseo suerte. 263
L3: ok 264
L2: suerte que tu trabajo es muy lindo ah... 265
L3: ahan... 266
L2: verdad? 267
L3: sí 268
L2: sí... que bien... 269
L3: para... la próxima ya va a ser mejor... muchas gracias... buena suerte 270
L2: obrigada... suerte a usted... chao 271
L2: enton/... estos son os meninos que:::... batalham para ser alguém... estos meninos vem de 272
longe... que lugar longe 273
L1: que coicidencia... ne tia... vir bem na casa da uma paraguaia... 274
L2: ixi... esos son os meninos que no tem condições... lá em Paraguai no... enton... o que que 275
eu estava te falando?... do:::... que que eu tava te falando? 276
L1: das festas de aniversário... 277
L2: ah festas de aniversário... vou te mostrar o que que nós fizemos para mamãe... outra 278
coisa... é::: HOJE... hoje as festas como que é?... porque antigamente nós não tínhamos muitas 279
condições né?... é:::... fazia... é:::... um asadito...reunían toda la família con harpa y guitarra... 280
para quem puede harpa y guitARRA... generalmente todos... el más pobre puede ser... tiene 281
que tener... una música... a la noche... las chicas van en la discoteca... ay eso está muy lindo 282
en Paraguai... discotecas internacionales né?... y:::... continuando las fiestas se baila mucho... 283
mediodía até noche... tranquilo... e comida típica es aquello que yo te hablé 284
L1: sobre religião... tia... aquele menino que veio aqui... ele era missionário... tem alguma 285
ligação com alguma religião do Paraguai... ou não? 286
L2: deve ter... deve ter... mas generalmente é mais de:::... de outros países... garanto que ele 287
foi convidado e como é um menino que não tem condições de... de estudar ou de trabalhar... 288
de ahí vem oh:::... as pessoas de... de fora... é:::... geralmente são de Estados Unidos né?... y 289
levam esses meninos para eso aí...claro que tem que ter sempre cuidado né?... porque já 290
aconteceu que... prometem trabalho para algunas meninas e van levam elas para:::: lugar para 291
se prostituir... mas eu acredito que eles sejam así::: é:::... tenha... tenha alguna ligación con 292
alguna:::: igreja lá em Paraguai né?... enton/...de ahí... vai a ser esses meninos son os meninos 293
que no tem condições de estudo... porque lá em Paraguai... meu Deus do céu... é uma... é uma 294
tristeza... ih... GENte cada vez que eu vou e volto... eu volto::: revoltada... fico TRISte... por 295
causa das condições né?... a:::::... a diferença social... lá quem é rico é rico quem é pobre é 296
pobre... eso... eso.... ta... ta... por todo lugar... crianças muito pobres nas ruas pidiendo... 297
coMIda... diNHEIro:::... lá em Asunción mesmo... meu Deus... tudo muito triste...enquanto 298
que você vai NOUtro lugar... numa rua... que tem mansões... que tem... NOSsa... tem quatro 299
16
cinco carros importados dentro da garagem... e eso revolta um pouco a gente ((entrevistada 300
fala mais baixo quando menciona as diferenças sociais do país)) 301
L1: lembrando seu povo... assim... lá do Paraguai... da sua terra natal... como que você 302
descreveria o povo paraguaio... se você fosse contar sobre eles para alguém... como que você 303
descreveria? 304
L2: ah ta...bom... é:::... eles... eu describiria así... o povo em si é:::... é:::... um povo muy... 305
muito humilde... e eles são muito:::... como que eu vou te falar?... é:::... eles são... é:::... é:::... 306
é:::... não é bondadoso a palavra... hospitalarios pode ser? 307
L1: hospitaleiros? 308
L2: isso:::... em Paraguai... é:::... eles são así... o povo sufrido... MUITO sufrido... e:: que::: 309
sempre están batalhando por alguna coisa né?... e:::... é:::... eu pessoalmente tenho muita dó 310
do povo de Paraguai... PARA aqueles que NO tem condições... eu tenho MUITA pena de eses 311
de ese povo... fico às vezes como eu te já te falei... fico MUITO revoltada contra os que TEM 312
mais condições... porque eles ni olham para esses... para esse povo humilde... sabe?... enton/... 313
é... no no geral... así...cuan/ cuando eu vou lá... eu GOSto de ficar lá... justamente por eso... 314
e... e... o que que acontece?... o povo em si se une muito... você trás... é:::... os teus amigos... 315
vem é... con/ convida por exemplo para ir en una reunión em... em una fiesta lá em 316
casa...vamos se reunir... vamos fazer un... un asadito... enton/ todo mundo... eles son muito 317
uNIdos... em ese sentido... y:::... enquanto... a::::... CLARO que tem o outro lado...que tem 318
povo muito... muito bem de vida que eles... lógico... é de outra::::... é de outro... de outro:::... 319
é:::... como que se diz?... de outra::::... de outra classe social né?... enton/::: no::::... a esse 320
povo así de... de... de esa outra classe eu não conheço muito... eu convivo más com meu 321
povo... o povo huMILDE né?... é:::... que que também sabem se divertir:::... sabem... sabem o 322
que é:::... tomar um pouco alguna cerveja::::... tomar um bom vinho::... sabe?... E:::... eles son 323
muito... NOSSA... son um povo muito hospitalarios né?... não tem nada que falar... só que 324
CLARO... tem costumes así que... eu particularmente no sé se vou conseguir morar mais... ya 325
me acostumé com os costumes do Brasil... eles são um poco:::... um poco:::... um poco 326
meio:::... desordeNAdos:::... relaxaDInhos:::... é:::... tem a culTURA né?... não adianta... eu 327
sufro muito quando eu vou lá porque na casa da minha mãe né... una casa bonita::::... cheio de 328
flores... cheio de jardim... se coloca uma pessoa aí... é:::... é:::... de confianza así para::::... 329
para cuidar da casa e toda aquela bagunça... eso me incomoda muito sabe?... enton/... um 330
povo que::: NOSSA... no... no... no foi BEM eduCADA... né:::... faz... ta tudo BEM:::... um 331
povo sossegado sabe?... enton/... eu.... nesse sentido no concordo... porque eu já faz trinta 332
anos que eu estou morando aqui...eu sempre fui uma::::... um pouco exigente... quando eu 333
moRAVA lá já era assim... eu queria buscar outras.... outras coisas... sabe?... e fui para 334
Buenos Aires já vim aqui... aqui vim e fiquei né?...quando me formei lá já::: com quin/ com 335
diecisiete anos ya estaba lecionando né?... mas eu fui lecionar LÁ... no OUtro lado... 336
Hernandarias... só brasiLEIros... italianos... é::::... alemanes... enton/... eu só tinha diecisiete 337
anos já era professora... mas aí três anos eu já estava casada e já estava aqui no Brasil 338
L1: e como que foi mudar pra cá? Como que foi a decisão de deixar o Paraguai e vir pro 339
Brasil? 340
L2: ah:::... eu estava apaixonada ((risos))... estava apaixonada né menina... encontré para mi o 341
homem ideal ((risos))... NOSSA... achei meu... meu parceiro... achei meu... como que era?... 342
o:::.. a minha alma gêmea... na época né... tava com vinte:::... dezoito:::... é... dezoito años eu 343
tinha quando comencé a namorar com Franco... o Carlos né... para mi foi o homem PERfeito 344
né:::... era tudo que eu sonhava... porque lá em Paraguai sempre pensava... lá dos paraguaios 345
eram sin verGUENZA::::... né... e nunca namorei lá... porque eu era muito... eu era... nossa... 346
era muito exigente em esse sentido... em TOdos os sentidos... e daí quando me:::... quando 347
tivemos essa proposta de vir lecionar longe... né... primeiro veio a minha irmã que se 348
formou... ela É professora... agora eu só no... eu fiz o segundo grado... mais... o ministério...eu 349
17
tinha autorização do:::... do::: MEC también Ministério de Educación... que eu podia le... 350
lecionar né?... e daí eu vim na::::... na:::: colônia aqui desse lado... mais perto aqui de::::... de 351
Ciudad del Este... junto com minha irmã... e foi lá que eu conheci esse cara né... e lógico que 352
eu me apaixonei... era a família ideal... né... nós inclusive estábamos hospedadas na casa dos 353
pais de él... só que eles moravam aqui em Cascavel... é... e nós estávamos... como éramos 354
professoras de... professora lá em Paraguai é PROFESSORA... é palavra maior né... e daí nós 355
não tínhamos que dar MAU exemplo... e aonde que íamos íamos morar?... en la casa dos pais 356
do FRANco... só que eles não moravam lá... MAS quando eu conheci esse rapaz MEU Deus 357
do céu... a família unida... porque eu sempre quis una família né... e:::::... él muito... bonitón... 358
muito metido né... estudava aqui:::... e daí eu pensé... a mi hermana me ( ) ... ela me falava... 359
“olha... esse é um bom partido né?...” ((risos)) Daí eu comencé a namorar... com três anos 360
estava casada. 361
L1: mas ele é brasileiro? 362
L2: ele é brasileiro... daí eu me casé lá em Paraguai... lá onde eu lecionava... o meu casamento 363
foi na capela da escola... e os meus convidados eram meus alunos ((risos))... eles que 364
decoraram tudo... a escolinha CHEIA de flores... sabe?... margarida... margaridas do jardim... 365
do... do... ((risos)) das crianças... é:::... e a minha meu cabelo estava cheio de 366
margaridas:::...enton/... algo bem natural MUIto lindo... sabe?... e:::... de ahí...é::: de ahí... 367
algunos dias... nós:::... é:::... os meu presentes vino tudo na frente...eu fiquei mais lá mais 368
unos días... depois eh... eu tinha que colocar em ordem as:::... a::: escola... os materiais da 369
escola... e depois eu vim para cá e::: nunca mais voltei lá...e foi así que... e foi así que::... é:::... 370
que:::... que comenzó a minha história de::: de vir para o Brasil 371
L1: e foi bem recebida quando chegou aqui? 372
L2: fui. 373
L1: foi? 374
L2: fui... muito bem recibida... NOSSA::::... no comenzo foi MUIto lindo... porque eu 375
conhecia:::: os pais já da::::... do Franco já... porque eu já morei junto com eles lá né... depois 376
eu vim para cá... o pai do Franco tinha falecido né... e:::... eu fui... vim morar com a minha 377
sogra... mas daí a algunos tempos já o Franco já estava trabalhando no banco já... depois 378
veio:::... é:::... unos unos tiempos eu já fiquei grávida da Romina né... veio o bebê... e já:::... o 379
Franco já subiu como gerente...ele era muito esforçado também né... e::::... no no banco... eu 380
eu lembro quando:::... o Franco demorava mais ele me chamava... eu e a Romina íamos 381
caminhando... en el... no banco... e ( ) voltávamos com ele né... e no banco... o pessoal do 382
banco... nossa... tinha o maior respeito conmigo... achava muito lindo eso aí... e ACHAvam 383
bonito quando eu FALAva... falava tudo atrapalhado... é claro até hoje falo... porque no é 384
fácil... no é... no é... fácil... você falar... duas... dois idiomas... así misturam muito... eu quando 385
vou a Paraguai todo mundo fica me olhando porque EU misturo português... sabe?... e tem... 386
tem coisas que::: que:::.. que eu esqu/ esQUEço... no me lembro por exemplo do::: do::: 387
Paraguai... eu agora estava estuDANdo espanhol... e::::... porque daí enton/... MAS... com 388
com... com o correr do tempo... ATÉ enton/... depois eu vim me separei:::... e todo mais perdi 389
todos ah:::... muitas amizades né... MAS continuei tendo OTRAS... muito... ah:::... amizades 390
muito lindas né... e daí cuando o:::... quando estuDEI agora na faculdade... aí si... aí eu senti o 391
que que é o preconceito 392
L1: na faculdade? 393
L2: na faculdade... aí eu fiquei muito... aí si... até HOJE por causa de eso... eu... me 394
bloqueei:::... é::... as colegas... eu percebia que as colegas... se cutucavam né... quando eu 395
tentava falar alguma coisa... elas... davam riSADA... ah::::... as colegas que não gostavam de 396
mi... porque a maioria gostava... e os professores enton/... nossa... e foi MAIS quando eu fiz 397
essa prova de:::... de literatura... eu tive a infelicidade... infelicidade digo eu porque:::...eu 398
sufri muito de tirar cem em literatura portuguesa né... elas no aceitavam... aí sí elas me 399
18
massacraram... e aí eu vi... eu sufri muito preconceito... porque daí una de elas falou que... 400
como que uma paraguaia... é:::... que no sabe falar o português ia tirar cem em literatura 401
portuguesa... enton/ eu:::... efoi una das professoras... foi professora que esCUTOU... que me 402
comunicou... que ela falou... enton/ no era mentira...eu fiquei muito triste inventaram um 403
monte de coisas de mi... disse que a PROfessora de literatura::::... ela:::::... disse que:::... eu 404
fiz a prova... a minha prova a lápis... e que ela se encarregou de... de completar... eso é uma 405
calúnia.. LÓGIco que eu fazia a lápis... por pela minha insegurança... e depois borraba tudo... 406
tirava tudo... mas... com a... com a... com a professora que nós tínhamos... no tinha eso... ela 407
era MUIto exigente... eu NI ERA amiga da professora... e eso me doeu MUIto... já faz dois 408
anos atrás... eso aí... eu... nossa... e DAÍ eu fui consultar com a minha... um dia eu fui 409
comentar com a minha:::: minha coorDENADORA...eso aí... ela me falou... “você sufriu 410
desde o primeiro ano esse preconceito... desde o primeiro ano eu BATAlhei por você”... daí 411
eu falei... “eu percebi professora”... e daí ela me falou... “acontece que elas é:::... morriam de 412
ciúme de você... porque você com a TUA idade... com TOdos teus problemas... que você... 413
tinha... era... elas... eram meninas irresponsáveis... e voCÊ se inteRESSAVA... você se 414
acercaba aos professores e preguntaba... e porque que eso aí... porque um um dia para nós elas 415
falaram... elas chegaram a falar que NÓS puxamos muito o teu saco...”... eh... era ela... no 416
eu... sabe?... “e daí nós no:::... una de esa quando você no estava aí... nós falamos que VOCÊ 417
era uma pessoa muito esforçada... e que nós tínhamos que te ajudar... MAS você estudava... 418
nunca te dimos de presente... UNA vírgula... porque nós percibimos que você estudava”... 419
enton/ todo eso vino naqule tempo em que eu me formei... eu sufri MUIto... porque eu no 420
esperava... realmente eso aí das minhas colegas... eu NO tenho culpa... eu... eu estudei 421
basTANTE litertura... e por coICIDENCIA... claro... habrá sido una coiciDENCIA... de que 422
aquello que eu estudei... caiu en ese dia... porque LÓGICO que eu no vou saber toda a 423
literaTUra:::: né?... é ÓBVIO eso aí...eu no no estudei aqui... MAS... infelizmente eu tirei 424
CEM... eu fiz TUDO... eu::... acertei TOdas as questões...e por eso elas... meu Deus do céu... 425
de ahí elas colocaram até advogado que:::... eles queriam que eu... é:::... fizesse outra prova 426
né? 427
L1: acionaram advogado? 428
L2: SÍ:::... de ahi a::::... de ahí a:::: Rocio e a Romina acionaram outro... e falaram... de ahí ela 429
falou com una das colegas... falou así... “fale para a menina que falou da minha mãe... que vai 430
ser processada por três coisas... ou vocês param com eso aí... ou nós estamos também com 431
advogado”... porque elas queriam que eu fizesse outra prova... daí o Douglas... o diretor 432
falou... “o que... o que vocês tem contra a Maria?... No é o problema a Maria o problema son 433
VOCÊS... vocês que no pasSARAM... ela no VAI fazer outra prova... no vai fazer”... enton/ 434
de ahí a Rocio ligou para una das meninas e falou... “fulana falou así... e ela vai ser 435
processada... avise ela... aí já não é minha mãe que está nesta história... já são nossas filhas... 436
porque é um absurdo o que vocês están fazendo por ela... eu conheço ela... ela tinha de 437
madrugada... tinha que levantar para estudar... e essas preguiÇOSAS... além de de estar 438
fofocando... caluniando ELA... están falando ainda do país... que TIpo de professores están 439
formando... porque para ser um bom professor no tem que comentar NAda de um país... 440
enton/ o preconceito está aí”... aí que eles pararam... a menina ficou com medo né?...e foi aí 441
que sufri:: preconceito... antes no... nossa... antes no... MEU Pai... ADOro eso aqui... eu 442
ADOro Brasil... até hoje... só foi na faculdade que... daí eu já no quis estudar mais no quis 443
continuar... no quis fazer mais a minha::::... a minha:::: a minha pós... porque as minhas 444
colegas continuam... e TEM é:::... me... me convidaram para ir dar aula agora... em uma das 445
escolas... está a menina que me caluniou... eu não vou... mas eu gosto aqui... aqui do Brasil 446
447
L1: e você... tia... dando aula de::: de espanhol... para as crianças e agora você está com 5ª a 448
8ª... como que é a experiência? 449
19
L2: A-DO-RO... MEU Deus... como eu gosto... EU gosto... porque porque Ju... eu vejo nas 450
crianças... elas são sinceras... né... nós adultos temos um pouco essa maldade... temos inveja 451
né... que... um é melhor que o outro... e o que que eu percibi até entre os pro/ professores 452
também existe eso aí... eu particularmente NO... na faculdade... como eu te falei... para mi... 453
para mi os professores foram MARAvilhosos... e no sé se independente se:::... porque eu 454
nunca quis criticar...eu no vou falar do meu colega de jeito nenhum...e eu escutava eso aí 455
ENtre os profe... é:::... entre os professores no... entre os COLEgas que estavam se 456
formando... e:::...eu defendia sempre essa::::... ah:::... o lado dos professores né?... e o que que 457
acontece?... eu... eu vi muita maldade en ese sentido... e as crianças no... as crianças eles eles 458
o que te falam é verdade... tá entendendo?... eu SEMpre gostei de lecionar crianças... eu já... 459
já aaa.. aprendi... lá já lecionava né?... agora por eso que eu fico entre... entre lecionar adulto o 460
adolescente... adulto até dá pra pensar... adulto né... bem adulto... porque eles vão para 461
estudar mesmo... no brincar... em... que nem essa... eu estava esses dias... eu fui sustituir a 462
professora... una professora lá na Harpa... e aí tem seNHOres...que QUErem estudar... enton/ 463
com ESSE... tudo bem... é:::... é gostoso porque eles vão para para esTUDAR... no van para 464
brincar... e as crianças também... as crianças brincam... mas se você falar para criança ... pode 465
parar... até no vai parar no né... mas aí... três o dos dos três vezes ele para... e eles son 466
sinceros... e te dizem ah maestra... você é así asado... é porque eles son sinceros...LÓGIco que 467
tem crianças né?... que:::... é cheio de problemas... mas aí você entra um pouco no mundo de 468
ele... e você escuta ele o que que tem atrás a historinha de eles... você vai ver porque que essa 469
criança é así... porque que ele é rebelde... enton/ eu me apaix/ eu me apaixonei de... de... da... 470
das crianças... ADOro... eu sinto saudades... en ese tempo así... que eu no estava dando mais 471
aula... eu sentia... é:::... sentia saudades de eles... enton/ eu gosto de lecionar mais crianças 472
L1: e você acha que você leva alguma.... algum tipo de vantagem quando você vai procurar 473
um emprego... pra dar aula de espanhol... você paraguaia por já falar o espanhol... leva 474
alguma vantagem sobre um professor que se forma aqui no Brasil por exemplo? 475
L2: en una... é... po pode até ser... porque eu... eu sou paraguaia mas eu sou... é:::... sei faLAR 476
o espanhol... lógico agora que eu esTUdei... aí tudo bem... en una das escolas que eu fui 477
aqui... é:::... eles me falaram... o:::... o::::... dono da escola me falou... “eu prefiero uma::::... 478
uma::::... professora que fala já... o espanhol”... porque ele também foi para Estados 479
Unidos...ficou lá dieciséis anos com a esposa... e hoje eles están aí... abriram una escola... e 480
ele... ele me falou... ele me falou... “eu prefiero porque de ahí tem... tem...” según ele... eu 481
estou te falando o que ele me comentou né... según ele disse que tem professoras aí que já 482
foram aí que están esTUDANdo ainda o espanhol né... que ele percebeu que:::... no:::... é:::... 483
que.... que ela fala tudo errado... e que ele preferia realmente uma::::... uma::::... una que já é 484
nativa no caso... MAS aí eu falo que tem ÓTImas professores porque... é:::.. tem... están se 485
formando professores muito bons em espanhol... claro... e:::... eu vi aí na unioeste quando 486
estaba aí fazendo unos é:::... unos cursos... na unioeste... nossa... tem unos professores 487
MARAvilhosos que... olha... eu tenho MUIto que aprender de eles... no tenha dúvida... 488
porque... o:::... o::... que acontece Ju... as pessoas pensam... NOSsa... aquela professora é 489
nativa... ela deve ser ÓTIma... mas no é por aí... a parte de... de espanhol é difícil... a parte 490
gramatical... você sabe que é MUIto difícil... e eu... depois de quantos anos faz que voltei a 491
estudar de novo?... faz três anos que estou morando aqui... TREINTA anos aliás... trinta 492
anos...em trinta anos depois... depois de trinta anos que eu comecei a estudar de novo 493
espanhol... tá entendendo?... e português enton/ tem MUIta coisa ainda para aprender em 494
português... EU... eu no teria coragem de dar aula de português... 495
((fim do primeiro lado da fita, que acabou cortando a resposta da entrevistada)) 496
L1: ((o início da pergunta ficou comprometido por ter iniciado gravação no outro lado da 497
fita)) e daí você aprendeu na casa do Franco? 498
20
L2: foi... foi com as crianças que eu lecionava... porque daí eram todos brasiLEIROS... a 499
maioria... eu me lembro que tinha dentro una aula... quarenta crianças... e essas crianças 500
tinham que estudar... veja só... olha a dificuldade... primeira coisa que nós tínhamos que 501
fazer... era ensinar as crianças... a:::... aprender espanhol... para DEpois:::... passar os 502
conteúdos da:::::... do que nós iríamos dar... porque eles no compreendiam NAda... tadinhos 503
no entendiam nada... o que... que... “que habla professora?”... “que habla?”... sabe?... enton/ 504
nós tínhamos que praticar DENtro::... o idioma espanhol... probrecinhos de eles... eles... 505
sufriran muito... e lógico que nós também sufrimos... e daí o que que acontecia?... daí eles 506
fala/... daí eu falava así... bom... eu vou ensinar a vocês o:::... espanhol... e vocês me ensinam 507
o:::... português... e foi assim que eu comencé... depois que eu fui... e donde... donde nós 508
morávamos... todos eles eram... eram brasileiros né?... e foi aí eu no entendia nada... no 509
compreendia nada... eu falava pra minha irmã... que que ele ta falando?... né?... e depois 510
depois com as crianças e junto depois... com a minha sogra::::... futuro sogra... futura 511
sogra::::... e o meu enamorado... e o povo de lá... comencé a... eu comencé a... a falar esp/ o 512
português... SÓ falAR... porque eu no... en la época eu no estudei... nunca estudei... eu só falei 513
así com... aprendi a falar com o povo né? 514
L1: estudar... estudar... foi na faculdade tia que você... ah... não... você fez magistério... 515
L2: eu fiz magistério... mas aí para fazer magistério eu tinha que fazer aquela prova seletiva... 516
foi no Wilson Joffre nunca esqueço... e daí o que que aconteceu?... né... eu me lembro que a 517
Rocio estava estudando né... na época... e ela me trouxe é:::... ela me falou así... “mãe... acho 518
que você vai ter que dar um exame para ir no magistério”... e eu fui lá no colégio Maria 519
Auxiliadora e me falou... “no... pode comenzar”... daí eu falei... “mas no vou fazer nenhuma 520
prova?”... e ela me falou así... a diretora me falou así... “nós vamos te avisar... você vai fazer 521
uma prova si”... de aí eu já comencé o magistério... já fazia unos... unos quatro cin/ quatro 522
meses né... e aí veio a ordem que eu tinha que ir fazer essa prova seletiva... JÁ era amiga dos 523
professores também... quando eu falei... “professores... eu vou desistir”... porque era prova de 524
todas as matérias né?... primeiro e segundo grado... e cuando veio aquello... falei nossa... eu 525
me apavorei... falei no vou fazer... de aí eu comentei com os professores... e a Fátima... una 526
professora MUIto querida... me falou... “você vai... claro que você vai passar... e... nós vamos 527
te ajudar”... de aí eu ( )... “mas eu não tenho os LIvros... eu tenho os livros da minha filha...no 528
no sé como comenzar”... daí ela... nunca esqueço que ela é::: me trouxe até aqui e falou... 529
“Maria... tá aqui os livros... é só comenzar a estudar”... um MONte de livros... veio de carro... 530
colocou aí na mesa... e de aí comencé:::... comencé a estudar... e a Rocio... a minha filha 531
Rocio me falava... “mãe... você no precisa estudar todos... você vai fazer ese”... e ela 532
comenzava a me ensinar COmo que eu tinha que estudar... eu falei... “filha... tô.. estou com 533
medo... no vou passar... é MUIta coisa”... daí a Rocio oRALmente...nós estudávamos así... e 534
ela me falava... “mãe”... daí eu no entendia o que que era um... suponhamos... una... una 535
palabra... “que que significa eso filha?” e ela me falava... enton/ ela me falava “relaciona com 536
alguma coisa”... e o que eu fiz... né... e eu lembro que:::... história era uma das matérias que 537
eu mais gostava... e fiquei em história... engraçado... acho que confundi um pouco... né... 538
passei português... passei literatura::::...tudo::... passei tudo e fiquei... e daí na segunda:::: 539
chance né... acho que te dão duas três oportunidades... daí na segunda eu tirei acho que no me 540
engano... tirei o/ oito nove... e passei... passei fiz tudo essas provas seletivas...para depois 541
é:::... ir no magistério... só que eles já me tinham me:::... a irmã me falou... “vem já assistir as 542
aulas... que depois nós vamos te matricular”... e passei... foi así que comencé com português... 543
dePOIS fui... me deixei... me formei... quando veio a doença da Rocio né... eu deixei tudo 544
meus materiais lá... mas já tinha me formado em magistério eu no fiz a... é:::... o:::... como 545
era?... o baile da formatura... essas coisas... no participei de eso aí... de nada... porque foi na 546
época em que... a:::: Rocio veio a:::... adoecer... eu larguei tudo lá... mas eu me formei... 547
21
magistério... eu passei tudo com boas notas... agora na faculdade que eu vi que::: e:::... em 548
espanhol... justo em espanhol... que eu::: eu... fui com nota bem baixa 549
L1: em espanhol? 550
L2: em espanhol... MAS eu acho... eu não acredito... eu acho que eso foi:::... eles me 551
colocaram de propósito... porque eu... eu sei o que eu fiz lá... tem professores que... sei lá... 552
e::.. nosotros... no... nas outras matérias... fui bem né... e:::... em:::... magistério:::... as... as 553
minhas notas são bem ( ) 554
L1: e na faculdade as suas colegas... na parte do espanhol... vinham pedir sua ajuda para fazer 555
trabalho? 556
L2: sim... eles vinham... mas eu... o que eu sabia... porque sempre deixei claro Ju... que eu... 557
por exemplo... no sabia:::... no... no era que sabia tudo... eu sabia FAlar como eu te falei... eu 558
precisava de um estudo... eu tinha que comenzar a estudar... em coMENZÈ a estudar de 559
novo... e o que... o que que eu percibí que as colegas... suponhamos... é é é... eles vinham me 560
preguntar suponhamos uma coisa bem difícil... que às vezes eu no saBIA responder...enton/ 561
eu tinha né... du/ dúvidas né... daí eu falava... “oh... eu vou me informar bem” porque eu 562
penso así... no pelo fato de ser nativo vai saber tudo... no... eu... por exemplo... eu... a parte 563
gramatical tem muitas coisas... agora LÓGIco... tá tudo aqui né?... mas aí você tem que ir 564
estudando... eu parei de estudar há quarenta anos... né?... agora eu comencé a estudar... outra 565
vez né... fiz MUItos cursos... por eso que eu insisto... continuo fazendo cursos de espanhol 566
né?... aí depois eu quero comenzar o português... e:::... eso é claro... o que... o que eu podia 567
ajudar no... no... no::... primeiro e segundo ano... eu mostrava así minha folha para eles ((a 568
entrevistada mostra por gesto que levantava sua folha para que o colega que sentava atrás 569
pudesse ver))... fazia tudo né?... tranquilo... ( ) eu ajudo mesmo... o que eu sei... nossa... no 570
penso duas vezes... no tenha essa... essa coisa de “nossa... ela... eu no vou ajudar porque... 571
é:::... eu quero ser a melhor” no... se é por mi... eu... olha::::... eu... me faz minha prova e eu 572
vou fazer tua prova... eu quero ajudar e eu acho que:::... sei lá... é:::... porque eu... eu penso 573
así... quando... se você quer ser alguém... você vai estudar... as meninada só que coitada... 574
tinha meninas que eram empregada doméstica na faculdade... e ela me falava “eu no vou 575
lecionar espanhol... enton/... Maria... se você faz minha prova... tranquilo”... só que... 576
CLARO... eu no fiz a ninguém... mas eu... mostrava así... faziam tudo... passavam tudo 577
L1: você teve a Romina, a Rocio e a Ana... elas tinham um pai brasileiro e uma mãe 578
paraguaia... com que língua... que língua que você ensinava para elas? 579
L2: aqui o português... 580
L1: e daí quando elas iam para lá como que funcionava? 581
L2: para lá daí elas aprenderam o espanhol 582
L1: mas lá?... não em casa com você aqui? 583
L2: não... não... aqui em casa no... eu falava tudo português com elas... mas só que elas 584
aprenderam é... a Rocio... por exemplo... vocês estudavam espanhol... em... no Santa Maria 585
né?... com o professor lá... que eu inclusive ia ser a professora de vocês... ((risos)) e por medo 586
eu voltei para trás... Meu Deus... nunca esqueço... é a::::... a::::... a irmã Olmira... é Olmira 587
né?... Se lembra da irmã? 588
L1: uhun 589
L2: eu fui... firmei tudo lá e depois voltei para trás... é que na época estava me separando 590
né.?... e quando ela me ofreceu essa::::... esse... essa::::... essa oportunidade de lecionar é:: 591
espanhol... meu Deus... eu fiquei MUIto feliz menina do céu... e fui e assinei tudo e daí voltei 592
para trás... eu no esTAva bem... eu estava me separando na época né?...e de aí a Rocio 593
aprendeu aí a parte gramatical... e a parte oral así aprendia conmigo... nós praticávamos... mas 594
eso porque ela tinha que::... estudar né?... mas aqui eu... tudo em português... elas me 595
entendiam né?... daí quando nós íamos lá... as meninadas falavam em português... mas elas 596
estavam aPRENDENdo o espanhol... hoje a Rocio... a Rocio fala perfeitamente o 597
22
espanhol...eles vão se comunica lá::... tudo mundo conhecendo o espanhol... enton/ AQUI em 598
casa sempre foi o português 599
L1: e agora a Romina lá... só no espanhol... 600
L2: mas só que así... aquele:::... aquele espanhol TOdo mal falado... a Romina... é aquele que 601
te falei... aquele Jopará... ela por exemplo fala así é:::... é:::... ((a entrevista reproduz uma frase 602
de difícil compreensão por conter palavras em guarani))... (nambrena) no existe no::: no::: no 603
dicionário espanhol... (nambrena)... (nambrena) é una... um idioma inventado pelo Paraguai... 604
e olha que tem muitos... muitos escritores muito:::... é:::... aqueles que estudam... um idioma... 605
como que fala?... o::::... que son cuRIOsos pelo:::... pela forma que o paraguaio fala... porque 606
eles vivem inventando coisas... daí a Romina eu falo así... “Romina... meu Deus do céu... o... 607
o... te/... teu espanhol é péssimo”... ela mistura português... guarani e espanhol... enton/ sai um 608
idioma que ELA misma inventou... ((risos))... “RoMIna... meu Deus do céu”... “ah... mãe fica 609
quieta... eu sei que você é formada... e me está chamando a atenção... eu falo do jeito que eu 610
quero”... (nambrena)... (maena)... ((enumera uma série de palavras em guarani)) só eles que se 611
entendem 612
L1: e lá na sua comunidade... onde você morava... onde a Romina mora ainda... como vocês 613
veem os brasileiros lá?... qual é a visão que eles tem do povo brasileiro? 614
L2: Ah::... eles gostam... NÓS gostamos dos brasileiros... no tenha DÚvida de eso... gostamos 615
MUIto... quando o povo brasileiro vai lá... lá é:::... lá no meu povo principalmente.... a 616
minha::::... minha família... eles no sabem que fazer por um brasileiro... LÓgico que eles tem 617
um pouQUInho né... eles sabem que aqui é TUdo una maravilha que é tudo povo brasileiro é 618
MUIto limpo um povo muito limpo né?... e o povo paraguaio ao contrário né?... LÓgico que 619
tem também... povo muito... muito limpo né? Porque lá é así... “ah... eu sou pobre” ela te fala 620
“yo soy pobre”... mas no porque sea pobre...vai ser po/ puerca né?... enton/ de aí é así... e lá 621
em casa... em casa por exemplo... che/ chega una que nem a dona Ema por exemplo... a mãe 622
do Franco... a família lá de de brasileiros... e... a minha mãe se preocupa... coitadinha... faz de 623
TUdo por eles... MAS o povo no GEral eles ADOram o brasileiro sabe por quê?... porque o 624
povo brasileiro::... um povo muito trabalhor né?... e lá a veces o::: povo de Paraguai toma así 625
toma o famoso tererê de eles... atrasa TUdo... e já:::... estão acostumados... no adianta... 626
porque ATÉ a empregada doméstica tem que sentar e tomar o tererê de eles... e eu fico 627
LOUca quando eu vou.... quando vejo essas coisas lá... porque atrasa tudo né Ju?... é:::... 628
MAS o povo em si ADOra o... o brasileiro:::... o brasileiro é sempre muito bem vindo... é 629
LÓgico que tem os policiais que daqui para:::: ir de carro... é mais difícil... por quê?... porque 630
tem os policiais que son coRRUPtos né?... que... piden dinheiro:::... propina... o:::... pai 631
mesmo das meninas... o meu ex marido... no quer ir mais para lá... por que?... porque... no 632
caminho eles vêem que é brasileiro e aseguran e:::... COmo aqui também é así... vêem o:::... a 633
chapa paraguaia sempre de carro importado... eles aseguran é:::... o... meu genro... o Gabriel 634
que que fizeram por ele?... aqui no Brasil... quando era a:::::... a formatura da Rocio o Gabriel 635
a Romina já estava aqui... com a fami/... com a sogra e o sogro... e o Gabriel iria vir mais 636
tarde com o irmão né?... e quando vinha vindo... eles tinha... eu no me e:::... se no me engano 637
foi um:::... una camionete o um carro:::... aqueles carros imporTAdos... e chamou atenção da 638
polícia... a... aqui de Medianeira... e vieram detrás... do::... do Gabriel... e pararam ele... ele 639
estava com o irmão... eles deixaram PElados sabe?... que... capar tudo... sei lá... tirou TUdo... 640
porque pensavam que eles... eles estavam trazendo droga... tá entendendo?... eles queriam 641
sabe por que que ele::: tinha aquele::: aquela camionete daquele porte lá sei lá... e de aí ele 642
falou así... “mas eu traBAlho... meu Pais trabalham... a MInha muLHER trabalha conMIgo... 643
e porque lá em Paraguai nós temos condições de comprar um carro que nem esse”... enton/ 644
foi::.. ele no chegou a tempo... quando nós estávamos chegando aqui duas horas da 645
madrugada... ele estava chegando... com o irmão... no deu tempo de ir na festa da Rocio... 646
enton/ é así... eu acho que eso aí é muito relativo né?... mas o povo:::... a tua pregunta era se... 647
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como que era da::::... como que era:::: é::: o:::: em relação aos brasileiros... o... o povo 648
brasileiro é muito bem recibido pelos paraguaios... gostamos muito de eles... é::: 649
L1: é isso então... acho que já está bom... 650
L2: mas no era pra ser espanhol?... agora falei só português... 651
L1: não tem problema... 652
L2: no hay problema? 653
L1: não... não tem problema nenhuma... podia misturar... falar do jeito que você se sentisse 654
mais a vontade... 655
L2: Ai::: que legal... enton/ tá jóia... vai te ajudar?... maravilha... 656