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Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Foz do Iguaçu CENTRO DE EDUCAÇÃO E LETRAS – CURSO DE LETRAS VIIENCONTRO INTERNACIONAL DE LETRAS 2013 LITERATURA E LINGUÍSTICA: LINGUAGENS DO SÉC.XXI ANAIS ARTIGO – ISSN 2175 389X EIXO TEMÁTICO 3: ENSINO APRENDIZAGEM LINGUA MATERNA
O VII Encontro Internacional de Letras – Literatura e Linguística:
Linguagens do século XXI acontecerá nos dias 25, 26 e 27 de setembro de
2013, na UNIOESTE, Campus de Foz do Iguaçu e na Fundação Cultural da
cidade. Além de ser um evento importante na região oeste do Paraná,
também é de grande relevância para os países do Mercosul, pois tem
como objetivo abordar temas que se caracterizam importantes pela
reflexão do ensino e da pesquisa nestes contextos multiculturais,
permitindo a discussão acerca dos temas “Ensino-aprendizagem de Língua
Materna”, “Estudos Literários”; “Políticas Linguísticas e Ensino”, “Gêneros
do Discurso e Ensino de Língua Moderna”, “Tecnologia e a formação
continuada de professores”, “Plurilinguismo/pluriculturalismo e educação
intercultural na fronteira” e “Ensino de Línguas e Formação de
Professores”. O evento acontece pela realização de mesas coordenadas,
conferências, palestras, minicursos, comunicações e mostra cultural. As
contribuições esperadas são as discussões referentes às linguagens do
século XXI, tendo como meta a não-estagnação dos conceitos acerca dos
estudos da literatura e da linguística, que nas últimas décadas vêm
passando por uma rápida renovação e, ainda, as transformações que estes
avanços representam para o ensino de língua e literatura.
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Foz do Iguaçu CENTRO DE EDUCAÇÃO E LETRAS – CURSO DE LETRAS VIIENCONTRO INTERNACIONAL DE LETRAS 2013 LITERATURA E LINGUÍSTICA: LINGUAGENS DO SÉC.XXI ANAIS ARTIGO – ISSN 2175 389X EIXO TEMÁTICO 3: ENSINO APRENDIZAGEM LINGUA MATERNA
COMISSÃO ORGANIZADORA/UNIOESTE Coordenação do Evento Ana Maria Kaust Subcoordenação Andréia Cristina de Souza COMISSÃO CIENTÍFICA/UNIOESTE Adriane Elisa Glasser Ana Maria Kaust Andréia Cristina de Sousa Delfina Cristina Paizan Flávio Pereira Izaura Maria Carelli Luciana Vedovato Mariana Francis Mariangela Garcia Lunardelli Martha Ribeiro Parahyba Olga Viviana Flores ORGANIZAÇÃO DOS ANAIS Professores (UNIOESTE) Ana Maria Kaust Andréia Cristina de Souza Martha Ribeiro Parahyba Discentes 3º. Ano de Letras (UNIOESTE) André Gomes Dias Bruna Shirley Gobi Pradella Camilla Arantes Cheratzki Chadya Suelyn Furuzawa Daniele Guimarães Macedo Fernando Monteiro Jéssica Aline de Oliveira Dias Laisla Rafaelly Jardim Elsenbach Luana Pereira Ize Lucélia Regina Kurtz Baes Maiara Scherer Machado Márcia Regina Schmitt Polyana Zwirtes Suellen de Almeida
CONFERENCISTAS: Adalberto Petry (SEED/PR) Barbara Hart Dixon (Purdue University/ USA) Ciro Damke (UNIOESTE) Clara Agustina Suarez Cruz (UNILA) Clarice Nadir von Borstel (UNIOESTE) Cleiser Schenatto Langaro (UNIOESTE) Cristiane Lenz (PPG-UFRGS) Débora Cota (UNILA) Denise Rosana da Silva Moraes (UNIOESTE) Fábio Vedovato (FECILCAM) Gustavo Magnani (Site LITERATORTURA) Isis Ribeiro Berger (UNIOESTE/UFSC) Jorge Anthonio e Silva (UNILA) Juliana Lyra (UDC), Maria Celina Oshiro (ENLINK agência) Maria Elena Pires Santos (UNIOESTE) Miriam Carla Barbosa (ENLINK agência) Oraci Reinheimer (SEED/PR), Paul Bergstrom Dixon (Purdue University/ USA) Pedro Granados Aguero (UNILA) Priscila Yamany Medeiros (ENLINK agência) Roberto Medina (UNIRITTER) Rogério Pereira (Jornal Rascunho/Jornal Cândido - PR) Sírio Possenti (UNICAMP) Yazmín López Lenci (UNILA)
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Foz do Iguaçu CENTRO DE EDUCAÇÃO E LETRAS – CURSO DE LETRAS VIIENCONTRO INTERNACIONAL DE LETRAS 2013 LITERATURA E LINGUÍSTICA: LINGUAGENS DO SÉC.XXI ANAIS ARTIGO – ISSN 2175 389X EIXO TEMÁTICO 3: ENSINO APRENDIZAGEM LINGUA MATERNA
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SUMÁRIO AS NOTÍCIAS ENVOLVENDO O EX-PRESIDENTE PARAGUAIO FERNANDO LUGO SOB A ÓTICA DA ANÁLISE
DO DISCURSO ........................................................................................................................................... 4
Thiago Benitez de Melo ....................................................................................................................... 4
Maria Elena Pires Santos ..................................................................................................................... 4
USO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA PARA MELHORAR A COMPREENSÃO DO TEXTO .............................. 21
Tânia Regina Pakuszewski ................................................................................................................. 21
A PRESENÇA DE ANGLICISMOS NOS JORNAIS BRASILEIROS ................................................................... 40
Anne Paolle Jeziorny da SILVA ........................................................................................................... 40
Mariana FRANCIS ............................................................................................................................... 40
IDAS E VINDAS DO ACORDO ORTOGRÁFICO BRASILEIRO: CONSTRUINDO LIMITES PARA UMA LÍNGUA
DES-LIMITE ............................................................................................................................................. 58
ANA MARIA DE FÁTIMA LEME TARINI ............................................................................................... 58
INFERÊNCIAS NO PROCESSO INTERPRETATIVO: UM ESTUDO SOBRE A MÚSICA CAMARO AMARELO ... 76
Maria Angelica Barbosa - (FAF) ......................................................................................................... 76
Luizane Schneider - (FAF) ................................................................................................................... 76
LETRAMENTO ACADÊMICO E LETRAMENTO DO PROFESSOR: UMA PERSPECTIVA MULTICULTURAL E
SITUADA SOBRE O PAPEL DA UNIVERSIDADE NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR ...................................... 94
Sílvia Letícia Matievicz Pereira ........................................................................................................... 94
Angela B. Kleiman .............................................................................................................................. 94
A REPRESENTAÇAO DA LÍNGUA PORTUGUESA NA VIDA DAS PESSOAS COM SURDEZ .......................... 108
Denize Juliana Reis Cardoso ............................................................................................................. 108
Maria Elena Pires Santos ................................................................................................................. 108
A LINGUAGEM DA INTERNET E SUA INFLUÊNCIA NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA
............................................................................................................................................................. 119
Cleidimara Ardenghi ........................................................................................................................ 119
Marivânia Favretto .......................................................................................................................... 119
ALGOZES DA LEITURA: PASSIVIDADE E AGRURA................................................................................... 141
Eliane Andrade de Silva, Bruna Shirley Gobi Pradella ...................................................................... 141
Josiele Kaminski Corso Ozelame ...................................................................................................... 141
LEITURA DE QUADRINHOS E CHARGES: RECURSO METODOLÓGICO EM SALA DE AULA ...................... 149
Iris Cristina Barbosa Cherubini ......................................................................................................... 149
O BLOG COMO RECURSO DIDÁTICO NA SALA DE AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO
FUNDAMENTAL .................................................................................................................................... 162
Ana Paula Domingos Baladeli .......................................................................................................... 162
PROJETO DE EXTENSÃO LÍNGUA PORTUGUESA PARA A UNILA: A INTEGRAÇÃO PELO ENSINO DE
PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA ......................................................................................... 174
André Luiz Ramalho Aguiar ............................................................................................................. 174
Fleide Daniel Santos de Albuquerque .............................................................................................. 174
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AS NOTÍCIAS ENVOLVENDO O EX-PRESIDENTE PARAGUAIO
FERNANDO LUGO SOB A ÓTICA DA ANÁLISE DO DISCURSO
Thiago Benitez de Melo1
Maria Elena Pires Santos2
Resumo: Conjuntamente com as noções de língua e linguagem, acrescenta-se a noção de discurso, como um objeto específico, de difícil apreensão, cuja natureza constitutiva traz contradições que funcionam como regularidades. Quando falamos em discurso, temos que ressaltar que ele não é a língua(gem) em si, mas precisa dela para ter existência material e/ou real. O discurso implica uma exterioridade à língua, encontra-se no social e envolve questões de natureza não estritamente linguísticas. Nesta perspectiva, o presente artigo tem como objetivo central analisar, sob o viés da Análise do Discurso de linha francesa (doravante ADF), notícias de jornais onlines em relação à polêmica de pedofilia envolvendo o ex-presidente paraguaio Fernando Lugo em abril de 2009 e à sua destituição ocorrida no dia 22 de junho de 2012, buscando verificar e revelar, por meio de tal análise, a condição fluida dos discursos, mostrando sua natureza flexível e móvel. Para tanto, além da explanação de alguns conceitos teóricos básicos da ADF, como interdiscurso, memória e formação discursiva, arrolaremos reflexões específicas sobre as noções de língua(gem) e discurso, uma vez que, para a ADF, não se focaliza o indivíduo falante, compreendido como um sujeito empírico; importa o sujeito inserido em uma conjuntura social, tomado em um lugar social, histórico e ideologicamente marcado.
Palavras-chave: Discurso; Mídia; Fernando Lugo
Abstract: In conjunction with the notions of language, adds the notion of speech as a specific object, difficult to grasp, whose constitutive nature brings contradictions that work like regularities. When we talk in speech, we must emphasize that it is not the language in itself, but it needs to have material
1 Licenciado em Letras Português/Espanhol pela Unioeste – campus Foz do Iguaçu e
mestrando em Linguagem e Sociedade, na área de concentração “Práticas Linguísticas, Culturais e de Ensino” na mesma Universidade – campus Cascavel. Email: [email protected] 2 Doutora e pós-doutora em Linguística Aplicada pela UNICAMP, professora do Curso de Pós-
graduação Strictu Sensu em Letras e do Curso de Graduação em Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Email: [email protected]
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existence and/or real. The speech implies an externality to the tongue, is social in nature and involves issues not strictly linguistic. In this perspective, this article aims to analyze central, under the bias of Discourse Analysis of French Line, newspaper reports online regarding pedophilia controversy involving former Paraguayan President Fernando Lugo in April 2009 and their removal occurred on June 22, 2012, seeking to verify and prove, through this analysis, the condition of the fluid discourses, showing its nature flexible and mobile. Therefore, besides the explanation of some basic theoretical concepts of Discourse Analysis, as interdiscourse, memory and discursive formation, we discuss specific reflections on the notions of language and speech, since, for the Discourse Analysis, do not focus on the individual speaker, understood as an empirical subject, the subject matter inserted in a social situation, taking place in a social, historical and ideologically marked. Keywords: Speech; media; Fernando Lugo
Introdução
Este artigo tem como objetivo central analisar, sob o viés da Análise do
Discurso de linha francesa (doravante ADF), notícias de jornais onlines em
relação à polêmica de pedofilia envolvendo o ex-presidente paraguaio
Fernando Lugo em abril de 2009 e à sua destituição ocorrida no dia 22 de
junho de 2012. Buscaremos verificar e revelar, por meio de tal análise, a
condição fluida dos discursos, como são flexíveis e móveis, se deslocam em
função de embates ideológicos, históricos e políticos. Com a análise,
apontaremos os diferentes discursos materializados nesses textos e
explicitaremos o entrecruzamento dos aspectos sociais, histórico e ideológicos
na linguagem, a partir dos quais apontaremos as diferentes vozes constitutivas
nos discursos em questão.
Para efetuar a análise e (re)afirmar a fluidez e deslocamentos de
discursos, lançaremos mão de conceitos teóricos que dão suporte para a
discussão a ser realizada e o pleito a ser assumido: a) noções de língua(gem)
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e discurso; e b) concepção de interdiscurso, memória discursiva e formação
discursiva. Tais conceitos se estabeleceram como primordiais para os estudos
da Análise do Discurso de linha francesa e tornaram-se necessários para a
compreensão de discurso enquanto objeto de estudo. Para tanto, arrolaremos
reflexões específicas sobre a noção de discurso, uma vez que, para a ADF,
não se focaliza o indivíduo falante, compreendido como um sujeito empírico;
importa o sujeito inserido em uma conjuntura social, tomado em um lugar
social, histórico e ideologicamente marcado. Isso porque para falar de discurso
necessitamos romper com uma visão estritamente linguística e devemos
compreender as inter-relações da linguagem com a História e com a
Psicanálise, como muito bem coloca Fernandes (2008).
Como o “corpus” da análise é constituído por apenas alguns textos
selecionados, retirados de notícias da internet, não queremos esgotar o que
aqui está sendo proposto, devendo, o presente artigo, ser visto como uma
incitação para que novos trabalhos a respeito do tema sejam feitos e
(re)pensados.
Um breve parecer sobre Língua(gem) e Discurso
A linguagem em si é a mediação necessária entre o homem e a
realidade, mediação essa que chamamos de discurso. A linguagem está
sempre presente no processo cultural de socialização, pois é através da e pela
linguagem que exteriorizamos o nosso próprio ser no mundo social e
interiorizamos o mundo social como realidade objetiva. Para tomar
conhecimento de determinado povo ou cultura, utilizamo-nos da língua como
sistema de signos capaz, não somente de descrever o mundo real e o mundo
subjetivo, mas também de materializar esse mundo (BERGER, 1985).
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Para Bakhtin (2004), a língua não é um ato individual, mas sim, uma
forma de interação entre locutores e interlocutores, uma vez que, quando
falamos ou escrevemos, dirigimo-nos a interlocutores concretos que também
estabelecem uma relação dialógica com o mundo. Por isso que o estudo da
língua, para o autor, deve começar com o estudo do contexto social em que se
efetuam suas múltiplas formas, pois “a língua, no seu uso prático, é inseparável
de seu conteúdo ideológico ou relativo à vida” (BAKHTIN, 2004, p. 95).
A linguagem só vive na comunicação dialógica daqueles que a usam e,
consequentemente, em um dialogismo ideológico. É precisamente essa
comunicação dialógica que constitui o verdadeiro campo da vida da linguagem.
Toda a vida da linguagem está impregnada de relações dialógicas. Essas
relações, podemos assim dizer, se situam no campo do discurso (BAKHTIN,
2004).
Na mesma perspectiva de Bakhtin, Weedon (1987) afirma que
uma vez que a língua é entendida em termos dos discursos concorrentes, dos modos concorrentes de atribuir significados ao mundo, os quais implicam diferenças na organização do poder social, então a linguagem se torna um lugar importante de luta política (p. 24).
As línguas, todas elas, estão ligadas ao processo de identificação
social dos grupos que as falam. Elas são afetadas por condições históricas
específicas e sempre de acordo com outras línguas, por isso dizemos que
ideologia e linguagem são fatores indissociáveis. Bourdieu (1997) também
afirma que “uma língua vale o que valem aqueles que a falam, da mesma
forma, igualmente, no nível das interações entre indivíduos, a fala sempre deve
uma parte principal de seu valor ao valor da pessoa que a enuncia” (p. 652).
Revuz (1998), por sua vez, argumenta que a língua é também objeto de uma
prática. Essa prática é, ela própria, complexa, pois solicita ao sujeito seu modo
de relaciona-se com os outros e com o mundo por meio dos discursos.
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Contudo, quando falamos em discurso, temos que ressaltar que ele
não é a língua(gem) em si, mas precisa dela para ter existência material e/ou
real. Para compreendermos a palavra discurso como um objeto do qual se
ocupa uma disciplina específica, objeto de investigação científica, devemos
romper com acepções advindas do senso comum como, por exemplo: a)
discurso é uma palavra utilizada cotidianamente para efetuar referência a
pronunciamentos políticos; b) discurso é um texto construído a partir de
recursos estilísticos mais rebuscados; c) discurso é um pronunciamento
proferido com mais eloquência.
O discurso, para a Análise do Discurso,
não é a língua, nem texto, nem a fala, mas necessita de elementos linguísticos para ter existência material. Com isso, dizemos que discurso implica uma exterioridade à língua, encontra-se no social e envolve questões de natureza não estritamente linguísticas. Referimo-nos a aspectos sociais e ideológicos impregnados nas palavras quando elas são pronunciadas (FERNANDES, p. 13).
Poderíamos apresentar e discutir dezenas de conceitos e concepções
de língua, linguagem e discurso. No entanto, basta-nos, para o presente artigo,
asseverar apenas que estamos tomando a (língua)gem como ação e o discurso
como prática social, uma maneira que os indivíduos têm para agirem sobre a
sociedade na qual estão inseridos, sobre os outros indivíduos com os quais
convivem e, concomitantemente, se torna um modo de representação
(FAIRCLOUGH, 1992), mas sempre estando vinculado a fatores ideológicos,
históricos e políticos. Resta-nos ainda ressaltar que os discursos, assim como
a língua(gem), não são fixos, estão sempre se movendo e sofrem
transformações, acompanham as transformações sociais e políticas de toda
natureza que integra a vida humana.
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Interdiscurso, Memória e Formação Discursiva
Sabemos que para falar uma coisa pode-se falar outra. No entanto, só
podemos comprovar aquilo que a língua nos oferece, pois, como já afirmava
Ludwig Wittgenstein, “os limites da minha linguagem são os limites do meu
mundo”. Dessa forma, nunca podemos falar tudo; tudo nunca pode ser dito. Só
podemos dizer algo se nos posicionarmos na perspectiva do dizível, isto é,
nossos dizerem são rodeados de “já ditos”, não sabidos, apagados.
Assim, podemos atestar que todos os dizeres apresentam, em seu
interior, a presença de diferentes discursos, o que denominamos de
interdiscurso. Trata-se de “uma interdiscursividade caracterizada pelo
entrelaçamento de diferentes discursos, oriundos de diferentes momentos na
história e de diferentes lugares sociais” (FERNANDES, 2008, p. 39). O
interdiscurso é “todo conjunto de formulações feitas e já esquecidas que
determinam o que dizemos” (ORLANDI, 2009, p.33).
Como afirma Orlandi (2009) “todo dizer, na realidade se encontra na
confluência dos dois eixos: o da memória (constituição) e o da atualidade
(formulação)” (p. 33). O interdiscurso seria, em suma, a presença de diferentes
discursos, advindos de distintos momentos históricos, entrelaçados no interior
de uma formação discursiva (conceito que discutiremos a seguir).
Relacionado à memória, o interdiscurso permite que os dizeres que já
foram ditos tenham sentido em nossas palavras, pois o sujeito nunca é a
origem de seu dizer. Além disso, o discurso ganha sentido quando se relaciona
com outros discursos numa relação de confronto. Para exemplificarmos a ideia
de interdiscurso observemos a imagem abaixo:
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Observando a figura, percebemos que ela tenta passar uma ideia de que
ateísmo não é sinônimo de maldade ou perversidade e que a religião não pode
servir de critério para julgamentos de personalidade, no caso o caráter. Além
disso, existe uma retomada histórica na campanha, um saber discursivo que
fomos constituindo ao decorrer do tempo e foi produzindo dizeres, um
interdiscurso: a retomada da campanha a personalidades históricas
importantes (Charles Chaplin e Adolf Hitler) e à representação corrente, e já
impregnada, que o senso comum tem sobre o que é ser ateu: significa não
acreditar em Deus e, consequentemente, negar alguns princípios religiosos
como bondade, honestidade e amabilidade, em outras palavras, ser perverso.
Essa retomada à história nos remete ao conceito de memória discursiva.
O que vale frisar aqui, é que essa noção não se refere a lembranças que temos
do passado, a recordações que um indivíduo tem do que já passou. Como
atesta Pêcheux (1999) “a estruturação do discurso vai constituir a materialidade
de uma certa memória social” (p. 11). Segundo Fernandes (2008):
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Os discursos exprimem uma memória coletiva na qual os sujeitos estão inscritos. É uma memória coletiva, até mesmo porque a existência de diferentes tipos de discursos implica a existência de diferentes grupos sociais, sem, contudo, implicar equivalência (p. 45).
Em termos de interdiscursividade, o que devemos observar na
campanha é o posicionamento ateísta pela tentativa de um reposicionamento
identitário, isto é, uma necessidade de firmação de identidade. Criticar o
discurso cristão, religioso em si, significa, ao mesmo tempo, a ele ter que
retornar e dele ter que se afastar para resguardar a própria identidade, pois o
discurso ateísta não se constitui sem se deixar, de algum modo, por ele se
afetar.
Courtine (1981) nos assevera que o interdiscurso é o lugar no qual se
constituem, para um sujeito falante que produz uma sequência discursiva
dominada por uma formação discursiva (FD) determinada, os objetos de que
esse sujeito enunciador se apropria para fazer deles objetos de seu discurso,
bem como as articulações entre esses objetos, pelos quais o sujeito enunciador
vai dar uma coerência a seu propósito. Essa FD colocada pelo autor é definida
por Foucault (1997) como um conjunto de enunciados em que ocorre certa
regularidade, é convencionado. Dentro desses discursos, existem regras
históricas, que são condições para que dadas formações existam ou
desapareçam. Para Serrani-Infante (1998) as FD “são as que determinam o
que pode (ou deve) ser dito, segundo diferentes posições em uma dada
conjuntura socio-histórica” (p. 130).
Nesta perspectiva, podemos afirmar que uma formação discursiva não é
composta de um limite demarcado de maneira fixa, isto é, ela se posiciona
dentro de outras formações e seu limite desloca-se conforme cada momento e
situação. Como bem aponta Mussalim (2001): “como uma formação discursiva
é um dos componentes de uma formação ideológica especifica, o limite que
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define uma formação discursiva é instável, pois ela se inscreve em um espaço
de embates, de lutas ideológicas” (p. 125). Logo, o discurso está longe de ser
produto de um sujeito em particular, pois traz consigo a ideologia da formação
discursiva que o originou.
Para Fernandes (2008), uma FD
refere-se ao que pode dizer somente em determinada época e espaço social, ao que tem lugar e realização a partir de condições de produção específicas, historicamente definidas; trata-se da possibilidade de explicitar como cada enunciado tem o seu lugar e sua regra de aparição, e como as estratégias que o engendram derivam de um mesmo jogo de relações, como um dizer tem espaço em um lugar e em uma época específica (p. 48 – 49).
Dessa forma, o sentido (o qual tomamos aqui como o efeito de sentido
entre sujeitos em enunciação, negando a ideia de mensagem encerrada em si
e contestando a imanência do significado) não é todo e qualquer um e nem
depende do autor ou do leitor, já que a FD é a delimitação do que pode e deve
ser dito e é ela que delimita e permite a constituição de processos discursivos.
O sentido, assim, “se entretece na relação do texto com as suas condições de
produção: o texto como discurso” (CATTELAN, 2011, p. 157). Portanto, o efeito
de sentido é de caráter material, concreto e empiricamente demonstrável. Os
sentidos são produzidos em decorrência da ideologia dos sujeitos em questão,
face aos lugares ocupados por estes sujeitos em interlocução.
Exercício de Análise
Passemos agora para as análises fundamentadas nos conceitos
propostos acima. Tomaremos como objeto de análise e reflexões notícias de
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jornais onlines em relação à polêmica de pedofilia envolvendo o ex-presidente
paraguaio Fernando Lugo em abril de 2009 e à sua destituição ocorrida no dia
22 de junho de 2012.
Para Mussalim (2001), a AD considera como parte constitutiva do
sentido o contexto histórico-social, assim sendo, faz-se necessário situar
historicamente as notícias divulgadas sobre o presidente paraguaio nesses
dois momentos de sua vida (polêmica de pedofilia em 2009 e destituição
presidencial em 2012).
Quando Fernando Lugo assumiu a presidência do Paraguai em 2009,
jornais e revistas de todo o mundo consideraram “diferente” e “ousado” um ex-
bispo se candidatar à presidência, um ex-representante da Igreja Católica
envolver-se no campo político. No entanto, em abril de 2009, quando Lugo já
havia ganhado as eleições e já atuava como presidente, surgiram relatos sobre
um possível filho não reconhecido do ex-presidente. Ele admitiu, então, ter tido
relações sexuais com a estudante Viviana Carrillo quando ainda era bispo e
disse, para tomar todas as responsabilidades pelas suas ações, assumir a
paternidade da criança. Um jornal online, na época, publicou a seguinte
matéria:
Lugo chocou o país na semana passada quando, pressionado por uma
reivindicação judicial, admitiu ser pai de um menino de 2 anos, fruto de uma
relação com uma jovem quando ainda era sacerdote. “Lugo quebrou seu
compromisso eclesial, por um lado, e seu compromisso com o povo, por
outro”, afirmou o legislador José López Chávez, num dos vários ataques a
Lugo proferidos durante a sessão na Câmara dos Deputados.
http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1091753-5602,00.html
Percebemos que a atitude do presidente foi totalmente reprovada pela
população paraguaia na época. Fruto de uma relação com uma jovem quando
ainda era sacerdote não faz parte, de maneira nenhuma, de uma formação
discursiva dita religiosa, pois quebra com o compromisso eclesial que o
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presidente, supostamente, tinha ou deveria ter com a Igreja. Assim também
como não cabe a ação do presidente em uma formação discursiva de cunho
político, pois quebraria seu compromisso com o povo, negaria seu papel de
“cidadão exemplo de paraguaio”, ou seja, não é “normal”, se nos remetemos a
uma memória discursiva de uma determinada sociedade, que um bispo tenha
relações sexuais, muito menos com uma adolescente. Percebemos, assim, que
o acontecimento em questão é muito mais de caráter histórico e religioso do
que político. O pano de fundo se dá, especificamente, no entorno político, mas
as causas e consequências acontecem porque uma memória discursiva é
ativada e atravessa diversas vozes, isto é, há, no fragmento acima, o
entrecruzamento de diferentes formações discursivas constitutivas do sujeito e
reveladoras de dada realidade social que tem lugar na história do Paraguai e
na constituição de sua nação.
Um blog postou, na mesma época, a seguinte notícia:
Quando irrompeu o escândalo e os paraguaios se deram conta de que seu presidente esteve em uma relação pedófila com uma adolescente quando bispo, e que tinha se tornado pai de uma criança durante sua campanha para presidente, a temperatura política subiu em torno de Lugo.
http://www.sacralidade.com/igreja2008/0177.harem.html
O que nos interessa frisar aqui é que o ex-presidente paraguaio, assim
como todos nós, é um sujeito sócio-ideologicamente constituído para a ADF,
além de historicamente situado. Isso quer dizer que somos sujeitos discursivos,
constituídos na inter-relação social, não somos o centro de nossos dizeres. Em
nossas vozes, um conjunto de outras vozes, heterogêneas, se manifesta. Por
isso que, para a ADF, “o sujeito é polifônico e é constituído por uma
heterogeneidade de discursos” (FERNANDES, 2008, p. 21). Bakhtin (1997)
afirma que cada sujeito é um sujeito híbrido, uma arena de conflito e
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confrontação de vários discursos que o constituem. O sentido não está “lá” no
texto, mas é construído a partir dele, considerando o produtor e o “outro”.
Como já colocamos, uma formação discursiva não é composta de um
limite demarcado de maneira fixa. “Uma FD se inscreve entre diversas
formações discursivas, e a fronteira entre elas se desloca em função dos
embates da luta ideológica, sendo esses embates recuperáveis no interior
mesmo de cada um das FDs em relação” (MUSSALIM, 2001, p.125). Podemos
revelar e testificar isso com algumas notícias divulgadas em junho de 2012 a
respeito do impeachment do ex-presidente Fernando Lugo:
Para nós, o que aconteceu foi um golpe de Estado dado pelos donos do
Paraguai, pois houve pouco tempo para Fernando Lugo se defender. Nós
aceitamos Lugo no poder e para nós ele continua sendo o presidente, o
único presidente do Paraguai.
Os paraguaios residentes no exterior apoiam a decisão de Lugo de não
aceitar sua deposição de um cargo para o qual foi escolhido em eleições livres
e democráticas. Diante disso, asseguram que não vão esquecer o que
aconteceu e pretendem, de seus países de residência, organizar
manifestações pacíficas para mostrar o descontentamento com a violação da
democracia no Paraguai.
http://correiodobrasil.com.br/paraguaiosas-residentes-no-exterior-repudiam-deposicao-de-fernando-
lugo/476562/
Percebemos agora as mudanças, o que comprova a instabilidade, nos
discursos, a flexibilidade de uma formação discursiva. Se considerarmos as
condições de produção dos enunciados acima, nos deparamos com um
contexto imediato, um contexto sócio-histórico, ideológico (ORLANDI, 2009).
Exemplificamos: o contexto imediato, no enunciado acima, é o Paraguai, os
paraguaios, o caso do Golpe de Estado paraguaio e o fato dos enunciados
retratarem um “apoio” ao ex-presidente. O contexto amplo, o qual carrega
efeitos que constituem determinada sociedade, é, neste caso, a forma como o
Estado Paraguaio decide as deposições políticas, qual a importância dada à
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voz da população nacional. E, por fim, a história que afeta as posições
ideológicas dos sujeitos: o ex-presidente não foi aceito em um primeiro
momento, mas graças ao seu esforço político (ou qualquer outro motivo que
tenha levado os paraguaios a apoiá-lo) conseguiu o apoio e confiança do povo,
conquistando a maioria da população paraguaia.
No entanto, algumas formações discursivas insistem em estagnar-se,
exatamente pelo fato de que existe um “já-dito” que sustenta a possibilidade
mesma de todo dizer, o qual se torna fundamental para a compreensão do
funcionamento do discurso. Sendo assim, percebemos, com os enunciados
abaixo, que uma formação discursiva de caráter religioso, dita anteriormente no
caso de pedofilia do ex-presidente paraguaio Fernando Lugo, permanece
rígida, inflexível, pois há uma memória discursiva, já construída sócio-
ideologicamente, que não permite o apagamento imediato de determinado
acontecimento:
“O Paraguai viveu momentos muito delicados. Mas, neste momento, temos de
continuar a dar, cada um, o melhor. Há a necessidade de dar força e
continuidade no caminho da justiça e da paz”, disse o arcebispo, que se
reuniu hoje com Franco por cerca de meia hora, no palácio do governo.
Franco é católico praticante e costuma ir à missa todo domingo de manhã. No primeiro dia como presidente empossado, ele agendou a reunião com o arcebispo no começo da manhã.
http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2012/06/23/igreja-catolica-no-paraguai-apoia-novo-
presidente-e-pede-justica-e-paz-no-pais.htm
Com a destituição de Lugo em junho de 2012, o vice- presidente
Federico Franco tomou posse da presidência paraguaia em uma sessão
conjunta do Congresso. O interessante é que a Igreja Católica, como
percebemos nos enunciados, apoiou a tomada de posse do presidente Franco.
Não se torna difícil de saber o motivo: Franco é católico praticante e costuma ir
à missa todo domingo de manhã. Além disso, a Igreja prefere um presidente
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que não tenha um antecedente com má reputação ou que tenha se envolvido
em casos polêmicos, como foi o caso de pedofilia envolvendo Fernando Lugo.
Logo, o discurso da Igreja nos remete a uma conformidade, a um consolo:
temos de continuar a dar, cada um, o melhor.
Conseguimos, dessa maneira, perceber como uma formação discursiva
se aloca dentro de outras formações discursivas e como o seu limite não é fixo
ou estável, ao contrário, é fluido, heterogêneo e instável.
Um discurso de aceitação, confiança e positividade pode tornar-se de
desaprovação, desconfiança e negatividade. Isso porque “o contexto histórico-
social, então, o contexto de enunciação, constitui parte do sentido do discurso
e não apenas um apêndice que pode ou não ser considerado. Em outras
palavras, pode-se dizer que, para ADF, os sentidos são historicamente
construídos” (MUSSALIM, 2001 p.123) e, consequentemente, estão
constantemente se modificando e se adaptando à história e à cultura dos
sujeitos.
Considerações Finais
Pudemos perceber que os fragmentos trazidos acima fazem parte de
diferentes discursos, historicamente construídos, que nos permite perguntar: de
que maneira esses discursos são entendidos em momentos históricos
diferentes? Como um discurso aparece e outro não, isto é, o que faz um
discurso aparecer e tantos outros serem omitidos? Notamos, a esse respeito, a
forma de dizer e a presença do não dito fazendo sentido nas entrelinhas do que
é dito.
É notória a invisibilidade de alguns dizeres, mas que, de uma forma ou
outra, compõem um discurso. Isso porque, por meio das formações discursivas
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explicitamente marcadas nos textos, pela história, podemos encontrar outras,
materializadas somente nas entrelinhas do que é dito, nas sombras das
palavras manifestadas. O que importa reiterar é que um enunciado dialoga com
outros enunciados, com outros discursos que têm lugar na história.
Contudo, vale ressaltar que “todo e qualquer corpus tomado para análise
apresenta-se como um universo discursivo marcado por instabilidade, que
explicita as movências e a inquietude dos sujeitos” (FERNANDES, 2008, p. 61).
Dessa maneira, reafirmamos a fluidez e flexibilidades dos discursos, sua
necessidade de acompanhar as transformações históricas, políticas e sociais,
mas todas ligadas sempre ao campo ideológico, já que Ideologia é inerente ao
discurso, não apenas imprescindível.
Diante do objeto discursivo tomado para análise (as notícias envolvendo
o ex-presidente paraguaio Fernando Lugo), pudemos ver que é necessário
sairmos da materialidade linguística para compreender os discursos em sua
exterioridade, no social, espaço no qual o linguístico, o histórico e o ideológico
coexistem em uma relação de implicância. Eis a instauração de um campo de
conflitos, marcado por oposições ideológicas, no qual diferenças sociais
coexistem simultaneamente. Os discursos têm existência na exterioridade do
linguístico, no social, são marcados sócio-histórico-ideolgicamente.
Quando recorremos a um dicionário, o fazemos para verificar o
significado de uma palavra, pois o significado já está posto ali, é imanente;
porém, em se tratando de AD, nega-se a imanência do significado uma vez que
interessam os sentidos produzidos em decorrência da inscrição sócio-
ideológica e histórica dos sujeitos envolvidos.
Atestamos assim, a necessidade de se considerar a opacidade da
linguagem, a sua não transparência, isto implica revelar que na relação do
sujeito com a língua e com a história, “por trás das palavras ditas, o não-dito
produz sentidos que não podem ser controlados e que não se encerram em si”
(FERNANDES, 2008, p. 83). O silenciado, muitas vezes, acaba sendo muito
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mais importante, na concepção da AD, do que o escancarado, pois, aquilo que
não foi dito pode não ter sido dito por questões ideológicas, políticas e sociais,
questões essas que se tornam um prato cheio para o analista.
Referências
BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004. BERGER, Perter; LUKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Traduzido por Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985. BOURDIEU, P. A Economia das Trocas Linguísticas. São Paulo: Edusp, 1997. CATTELAN, J. C. Que eu fico de olho. In: As línguas em Diálogo: perspectivas e desafios na atualidade. Anais da 14ª Jornada Nacional de Estudos Linguísticos e Literários. Maringá: Sthampa, 2011. COURTINE, J.J. Analyse du discours politique: le discours communiste adressé aux chrétiens. Paris: Didier-Larousse, 1981. FAIRCLOUGH, Norman. Language and power. London, New York: Gongman,
1992.
FERNANDES, C. A. Análise do Discurso: reflexões introdutórias. 2 ed. São
Carlos: Claraluz, 2008.
FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. MUSSALIM, F. Análise do Discurso. In: MUSSALIM, F. e BENTES, A. C. (orgs.). Introdução á lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001.
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ORLANDI, E. P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 8 ed. Campinas, SP: Pontes, 2009. PÊUCHEUX, M. O Papel da memória. Campinas, SP: Pontes, 1999. REVUZ, C. A língua estrangeira entre o desejo de um outro lugar e o risco de do exílio. In: SIGNORINI, I. Língua(gem) e Identidade: elementos para uma discussão no campo aplicado. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1998. SERRANI-INFANTE, S. Abordagem transdisciplinar na enunciação em segunda língua: a proposta AREDA. In: SIGNORINI,I.; CAVALCANTI, M. C. (orgs.). Linguística Aplicada e Transdisciplinaridade. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1998. WEEDON, G. Sociology and school knowledge: curriculum theory, research and politics. Londres: Methue, 1985.
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USO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA PARA MELHORAR A
COMPREENSÃO DO TEXTO
Tânia Regina Pakuszewski3
O presente trabalho consiste na pesquisa sobre o uso das estratégias/procedimentos
de leitura para melhorar a compreensão de textos. O objetivo é entender o
procedimento que elas fazem para que o ato de ler tenha uma compreensão
significativa. Algo indispensável para uma educação com resultado satisfatório. Nesse
trabalho, buscamos descrever esses mecanismos, estratégias, procedimentos e
ações. São vários nomes designados para isso, dependendo do autor, mas o
significado é o mesmo: técnicas para melhorar a compreensão do texto.
Primeiramente, fez-se necessário conhecer e analisar as estratégias; e por último,
descrevê-las em atividades na sala de aula. Elas podem ser usadas antes, durante e
após a leitura. Para concluirmos esse estudo, utilizamos para análise as atividades de
leitura de dois professores observadas durante o Estágio de Observação de Língua
Portuguesa e atividades feitas durante o Estágio de Docência em Língua Portuguesa e
Língua Inglesa. Aquele realizado em 2011; e este em 2012. Com isso, comprovamos
sua eficácia na compreensão leitora. Como fundamentação teórica para conceituar as
estratégias, usamos como embasamento: Isabel Solé (1998), Shahin Vaezi (2006 a,
2006 b), Patrick Howarth (2006) e Cramer & Castle (2001).
Palavras-chaves: Leitura – Estratégias - Atividades
Introdução
3 Graduada orientada pela Prof(a) Dra. Josiele Kaminski Ozelame Corso, Curso de Letras com habilitação
em Língua Portuguesa e Língua Inglesa e respectivas Literaturas, Centro de Educação e Letras da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná Campus Foz do Iguaçu Paraná Brasil,
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A compreensão da leitura é parte fundamental para o entendimento de
qualquer disciplina. Ter mecanismos para que o aluno consiga compreender o que
está lendo é indispensável para uma educação com resultado satisfatório. Nesse
trabalho, buscamos descrever esses mecanismos, estratégias, procedimentos e
ações. São vários nomes designados para isso, dependendo do autor, mas o
significado é o mesmo: técnicas para melhorar a compreensão do texto. Neste
trabalho optamos por “estratégia/procedimento” devido ao uso de diferentes nomes.
O objetivo é entender como as estratégias/procedimentos de leitura fazem
com que esse ato de ler seja melhor compreendido. Para que isso ocorra, faz-se
necessário conhecer as estratégias/procedimentos de leitura, analisar e descrevê-las
em atividades na sala de aula.
Para esse último item, utilizamos as aulas observadas durante o Estágio de
Observação em Língua Portuguesa, que aconteceu no Colégio Estadual Carlos Zewe
Coimbra, localizado no centro de Santa Terezinha de Itaipu, realizado nas turmas do
Ensino Médio e Ensino Fundamental, com dois professores nos turnos matutino e
vespertino. As observações ocorreram nos meses de agosto e setembro de 2011.
Também foram descritas as aulas realizadas durante o Estágio de Docência em
Língua Portuguesa. Realizado nos meses de maio e junho de 2012.
O trabalho está dividido em três partes. Na primeira, discutimos a concepção
de leitura que se observou na realização deste trabalho, a partir dos estudos dos
seguintes teóricos: Paulo Freire (2001), Maria Helena Martins (1994) e as DCEs
(2008). O entendimento desses três teóricos sobre o ato de ler assemelha-se, e essa
concepção de leitura foi a que melhor compreendeu esse trabalho. Na segunda,
apresentamos um quadro com o resumo das estratégias/procedimentos de leitura e
suas divisões: antes, durante e após a leitura, tendo como suporte teórico os textos de
Isabel Solé (1998), Shahin Vaezi (2006a,b) e Patrick Howarth (2006). Nesse capítulo,
fizemos sugestões de atividades exemplificadas pelos autores, essas realizadas e
sugeridas por professores da rede pública e outras elaboradas pelos teóricos. E na
última, a terceira, descrevemos as atividades realizadas pelos professores observados
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em sala de aula, durante o Estágio de Observação. E também utilizamos as atividades
das aulas do Estágio de Docência de Língua Portuguesa.
O que é leitura?
Para ajudar, estimular e incentivar o aluno a gostar de ler, devemos
entender ou ter um pré-conceito de leitura. Para Paulo Freire a leitura é muito
mais do que uma decodificação das letras. Para chegar à compreensão do
texto, primeiro o leitor deve ter um conhecimento de mundo, porque essa
percepção ajuda a compreender e entender o texto. A nossa vivência, tudo o
que acontece na nossa vida nos ajuda a fazer uma relação com o texto, dar
sentido a ele. Um texto sem contexto não atrai a nossa atenção, como afirma
Freire:
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto (FREIRE, 2001, p. 11).
Maria Helena Martins (1994) compartilha do mesmo conceito de Freire,
de que um texto escrito só fará sentido se ele fizer parte da nossa vivência.
Tudo o que ao longo da nossa infância, adolescência e vida adulta vamos
guardando em nossa memória, cada pequeno detalhe que vemos ou que
aprendemos, a cada leitura essa memória volta a dar significado àquelas letras
ou ações. Uma placa de trânsito, por exemplo, a partir do símbolo que há nela,
saberemos, a partir do que já conhecemos ou já vimos, o que essa placa quer
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dizer. É por isso que, quanto mais vivemos e lemos, mais a compreensão da
leitura se torna completa e sofisticada.
A leitura, segundo as DCEs (Diretrizes Curriculares da Educação Básica), é
compreendida como um ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas sociais,
históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado momento.
E coloca a definição que tem base nos estudos de Paulo Freire, no momento que
lemos buscamos nossos conhecimentos, lembranças para dar sentido a esse texto,
“Ao ler, o indivíduo busca as suas experiências, os seus conhecimentos prévios, a
formação familiar, religiosa, cultural, enfim, as várias vozes que o constituem”
(PARANÁ, 2008, p. 56).
Cabe ao professor ter essa concepção de leitura e trabalhar com seus
alunos, segundo DCEs (2008) essa forma leva o estudante a ter uma atitude
crítica perante o texto. Desse modo as crianças terão uma leitura significativa.
Aprendizagens de leitura na sala de aula
O ato de ler não pode ser visto, pelos alunos, como solitário, no sentido de
uma ação isolada, sem a possibilidade de interação com outras pessoas. Na escola o
professor pode fazer leituras mais dinâmicas para alterar essa realidade. Para explorar
a leitura, as aulas não devem ser iguais aos modos de ler em casa. No ambiente
escolar as práticas do ato de ler têm como objetivo ajudar os estudantes a desenvolver
as habilidades que eles precisam para ler mais efetivamente diferentes textos4. Para
4 Neste trabalho não faremos distinção entre L1 (língua materna) e L2 (segunda língua), pois Solé (1998)
não trabalha com essa perspectiva. Entendemos que o ensino de leitura não é uma questão somente
das disciplinas de língua, e sim, de todas as disciplinas escolares. É dever da escolar ter, em seu projeto
curricular, o ensino significativo e compreensivo da leitura, abrangendo assim, todas as disciplinas.
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que isso se consolide, existem estratégias, tarefas antes, durante e após a leitura,
conforme atesta Howarth (2006b).
Na visão metacognitiva, segundo Block (1992 apud VAEZI 2006a)
percebeu-se que as pessoas têm formas diferentes de aprender. A
metacognição segundo Lautert e Spinillo (2011), “pode ser entendida como o
conhecimento acerca do próprio conhecimento, estando relacionada à tomada
de consciência e à capacidade do indivíduo de monitorar e autorregular seus
processos cognitivos” (LAUTERT e SPINILLO, 2011, p. 94).
As autoras entendem a metacognição
como um mecanismo mobilizador de mudanças capaz de ativar processos de raciocínio apropriados frente a uma dada situação, propiciando o desenvolvimento de habilidades de autorregulação e gerenciamento para corrigir formas de raciocinar, permitindo o redirecionamento de formas de pensar (LAUTERT e SPINILLO, 2011, p. 95).
Sendo assim, o professor não pode usar somente o ponto de vista tradicional,
onde focaliza a decodificação ou somente a visão cognitiva, que se centraliza no
processo de construção de sentido. Ele deve ser dinâmico, saber usar cada um
desses pontos de vista de leitura em momentos diferentes e, o principal: ensiná-las ao
aluno.
As estratégias/procedimentos de leitura envolvem o cognitivo e o
metacognitivo. Portanto, não podem ser tratadas como receitas ou técnicas infalíveis.
Por isso, a característica do pensamento estratégico é, segundo Solé (1998), essa
capacidade de repensar e formular outros procedimentos para encontrar soluções
para que sua leitura seja compreendida. Com isso aumenta muito a competência do
leitor e ele se torna autônomo, passando
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a aprender a partir dos textos. (...) a interrogar-se sobre sua própria
compreensão, estabelecer relações entre o que lê e o que faz parte
do seu acervo pessoal, questionar seu conhecimento e modificá-lo
(SOLÉ, 1998, p. 72).
As estratégias/procedimentos de leitura não são modelos a serem seguidos e
sim, alguns procedimentos ou técnicas que o professor pode utilizar antes, durante e
depois da leitura. Essas atitudes ou cuidados fazem muita diferença quando se chega
ao final da proposta trabalhada. Quando dizemos que não são modelos ou receitas é
porque a sala de aula é bastante heterogênea. A partir dos planos de aula de cada
turma, o professor coloca em suas atividades essas estratégias/procedimentos.
Quando o aluno torna-se autônomo, ele consegue determinar os supostos
conteúdos de acordo com o tipo de texto que o professor irá trabalhar. Por isso, o
professor deve levar para sala de aula diferentes gêneros textuais, para que essa
criança saiba escolher e usar as estratégias/procedimentos adequadas para cada
texto. Depois que o estudante tornar-se um bom leitor, ele perceberá que não lemos
uma entrevista e uma receita da mesma forma, para cada um, uma forma de leitura e
uma estratégia diferente.
Para que não aconteça o acúmulo de estratégias em vez de sua prática, o
professor pode dizer como será o procedimento/estratégia do ato de ler, sem
necessariamente, dizer que se trata de uma estratégia. Assim a criança,
automaticamente, aprende estratégias diferentes para cada objetivo de leitura.
Sistematização das estratégias/procedimentos
ESTRATÉGIA/PROCEDIMENTO AUTOR
Analisar o título do texto Solé
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ANTES
Fazer perguntas de inferência sobre seu
conteúdo
Solé
Levar para sala de aula diferentes gêneros
textuais
Solé
Skimming Vaezi
Scanning Vaezi
Perguntas: Por que/para que tenho que lê-
lo? Que sei sobre o conteúdo do texto? Que sei de
conteúdos afins que possam ser úteis para mim? Que
outras coisas sei que possam me ajudar: sobre o
autor, o gênero, o tipo do texto...?
Solé
Identificar o propósito da leitura Block apud
Vaezi
Identificar a forma ou tipo de texto Block apud
Vaezi
Fazer continuas previsões sobre o que
acontecerá depois
Block apud
Vaezi
Listas de vocabulários Vaezi
Ler para obter uma informação precisa Solé
Ler para seguir instruções Solé
Ler para obter uma informação de caráter
geral
Solé
Ler para aprender Solé
Ler para revisar um escrito próprio Solé
Ler para comunicar um texto a um auditório Solé
Ler para praticar leitura em voz alta Solé
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Ler para verificar o que se compreendeu Solé
DURAN
TE
ESTRATÉGIA/PROCEDIMENTO AUTOR
Dialogar com o texto, questionar-se sobre a
sua essência
Solé
Extensive reading Vaezi
Resumir, reagir, perguntar, discutir, avaliar
e colocar no texto a sua própria experiência
Duke and
Pearson, Ur, Vaezi e
Fitzgerald
Prever Duke and
Pearson, Ur, Vaezi e
Fitzgerald
Pular partes ou informações insignificantes Duke and
Pearson, Ur, Vaezi e
Fitzgerald
Reler o texto Duke and
Pearson, Ur, Vaezi e
Fitzgerald
Fazer pausas para internalizar as
informações e organizá-las
Duke and
Pearson, Ur, Vaezi e
Fitzgerald
Parafrasear Duke and
Pearson, Ur, Vaezi e
Fitzgerald
Monitorarem sua compreensão
Duke and
Pearson, Ur, Vaezi e
Fitzgerald
Perguntas: Que informações posso
considerar pouco relevantes? Este texto tem
sentido? As idéias expressadas no mesmo têm
coerência? Que pretendia explicar neste parágrafo –
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subtítulo, capítulo - ? Qual é a idéia fundamental que
extraio daqui? Tenho compreensão adequada dos
mesmos?
Solé
DEPOI
S
ESTRATÉGIA/PROCEDIMENTO AUTOR
Fazer um resumo, um roteiro Solé
Repassar, elaborar e organizar Pozo
Intensive reading Vaezi
Checar a interpretação e depois fazer uma
análise profunda do texto
Barnett
apud Vaezi
Discussão em grupos de forma oral ou
escrita
Barnett
apud Vaezi
Perguntas de compreensão do texto Barnett
apud Vaezi
Resumir o texto de forma oral ou escrita Barnett
apud Vaezi
Ler outro texto com o mesmo tema Barnett
apud Vaezi
Fazer brincadeiras ou jogos Barnett
apud Vaezi
Perguntas: Qual poderá ser o final deste
romance? Que sugeriria para resolver o problema
exposto aqui? Qual poderia ser – por hipótese – o
significado desta palavra que me é desconhecida?
Que pode acontecer com este personagem? Qual é a
informação essencial proporcionada pelo texto e
necessária para conseguir o meu objetivo de leitura?
Solé
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Atividades com o uso das estratégias/procedimentos em sala de aula
Serão descritas estratégias/procedimentos verificadas durante o Estágio de
Observação de Língua Portuguesa. Este consiste em uma atividade que se realiza
durante o terceiro ano do curso de Letras, em que se deve observar a sala de aula
durante trinta horas aulas. O estágio ocorreu no Colégio Estadual Carlos Zewe
Coimbra em Santa Terezinha de Itaipu. No meu estágio, foram observados dois
professores no período matutino e vespertino nos meses de Agosto e Setembro de
2011. As turmas observadas foram: no Ensino Fundamental: 7aA, 7aB, 7aC, 8ª A, 8ª B;
e no Ensino Médio: 1°B, 1°D, 2°B e 3°C.
Também será exposto estratégias/procedimentos utilizadas durante o Estágio
de Docência de Língua Portuguesa. O Estágio de Docência é obrigatório e se realiza
durante o quarto ano de Letras. O estagiário tem de ministrar trinta horas aulas, sob
supervisão do professor regente; e sob orientação de um professor supervisor da
Universidade. As aulas foram ministradas nas turmas do Ensino Médio, 1° e 2° ano.
Tanto o Estágio de Observação como o Estágio de Docência, foram realizados no
Colégio Estadual Carlos Zewe Coimbra em Santa Terezinha de Itaipu.
Cramer (2001) afirma que os professores que estão dia a dia em sala de aula
são “uma fonte valiosa de ideias para desenvolver atitudes positivas em seus alunos”
(CRAMER, 2001, p. 143)5. Eles poucas vezes divulgam essas ideias e resultados, por
isso, torna-se difícil ter acesso a essas ideias para continuação de seus trabalhos, e o
5 As estratégias/procedimentos mencionadas neste capítulo são relatos de professores das escolas
públicas dos Estados Unidos coletadas por Cramer através de pesquisa. Foram escolhidas estas pela
proximidade observada e realizada em sala de aula na prática dos Estágios. Também por serem
mencionadas por professores que estão em sala de aula na escola pública.
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encorajamento de novos professores no uso de estratégias/procedimentos de leitura
(CRAMER, 2001).
Uma atividade de leitura que foi presenciada durante o Estágio de
Observação de Língua Portuguesa, em 2011, foi a “plenária literária”. Essa atividade é
uma forma para ativar a imaginação das crianças. Todo bimestre o professor Y6 faz
com os estudantes uma “plenária literária”, que consiste em uma discussão sobre
livros lidos. Durante o bimestre o aluno escolhe um livro, lê e no final faz um debate
trazendo outros conteúdos abordados pelo professor Y nas aulas de Língua
Portuguesa. No bimestre em que observamos as aulas, eles haviam estudado sobre a
propaganda. Então, no dia marcado, os aprendizes formaram um círculo e cada um
fez a sua propaganda do livro. Eles contaram quem é autor, fizeram um breve resumo
e deixaram em suspense o final para instigar os outros colegas a lerem aquele livro,
como se fosse um produto. Todos contaram e deixaram o suspense no ar para saber o
que aconteceu, qual seria o final da história. O professor Y também contou sobre o
livro que ele leu.
Nessa atividade descrita encontrou-se uma relação com o que sugere Cramer
(2001), o professor pode “ler em voz alta, deixando de lado uma parte crucial da
história, e peça aos alunos que façam previsões sobre o que acontecerá” (CRAMER,
2001, p. 150). Duas estratégias/procedimentos importantes para antes da leitura: dos
alunos fazerem previsões e da leitura em voz alta. Para Cramer, a leitura em voz alta é
“um instrumento de motivação poderoso” (CRAMER, 2001, p. 149). O autor chama
nossa atenção para uma estratégia interessante para fazer o ato de ler em voz alta.
Ele pode convidar “outros adultos para lerem em sua sala de aula seus livros de
infância favoritos” (CRAMER, 2001, p. 150).
Essas três estratégias abordam o conhecimento prévio do aluno, fazem
previsões e buscam participação do professor na leitura com as crianças. São pontos
determinantes para um envolvimento delas no ato de ler.
6 Os professores serão identificados pelas letras Y e X.
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O professor X, que também foi observado, faz um incentivo à leitura
interessante. Durante as aulas, ele sempre tenta mostrar que a interpretação dos
textos depende das leituras que cada um tem, independente de serem literárias, de
revistas ou de jornais. O que importa é estar bem esclarecido de todas as informações
e acontecimentos. Como o professor X tem mais aulas no Ensino Médio, ele sempre
direciona sua fala para o mercado de trabalho e para o curso que cada um irá escolher
na universidade. Comenta com os adolescentes que, para conseguir um emprego, é
importante ter uma leitura diferenciada dos outros, porque hoje em dia, é isso que fará
a diferença em sua entrevista de emprego. Todos têm seu currículo impecável, com
cursos etc., e a leitura poderá ajudá-lo na disputa por vagas. Se o estudante tem o
hábito de ler e interpretar o texto, se aumenta a assimilação e, com isso, ele pode se
tornar um leitor sofisticado, o que lhe ajudará na universidade, porque os textos da
universidade exigem mais compreensão e interpretação dos alunos, por serem textos
técnicos, específicos da área estudada.
Outra estratégia/procedimento realizada pelos dois professores observados, é
a de levar textos de assuntos que interessam aos alunos ou temas de grande
repercussão. Esses textos são somente para leitura e discussão, não é solicitada
interpretação escrita ou trabalhos de compreensão. O professor Y mencionou que está
sempre lendo e, se encontra algo interessante, leva para os alunos lerem e discutirem
com ele.
Essa é uma leitura somente de instigação. Um dos textos trazidos fala sobre
a maconha, o ponto de vista do autor era contrário a liberação deste entorpecente.
Isso gerou uma discussão bem interessante, alguns alunos concordavam com o autor
e colocavam seus argumentos; outros falavam que não devia liberar a maconha e
também colocavam outros argumentos, ou falavam de reportagens que eles haviam
visto sobre esse assunto. Então, o professor Y os incentivou a buscarem o ponto de
vista a favor da liberação, para ver as argumentações do outro autor.
Em uma turma do Ensino Médio, o professor X trouxe um texto, uma
reportagem da revista Isto é, sobre preconceito. Esse tema tem muita repercussão
ultimamente, por isso é interessante trabalhá-lo em sala. O texto falava da intolerância
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de certa religião nos Estados Unidos contra algumas coisas, por exemplo, os judeus
provocaram o Holocausto, Maomé foi possuído pelo demônio, Barack Obama é o
próprio anticristo. Mas o foco da reportagem da revista é o preconceito contra os
homossexuais. Além de discutirem sobre o tema intolerância, o professor X analisou
como o escritor elaborou o texto. As informações que o autor coloca para chamar a
atenção, o questionamento inicial, a foto, as informações na introdução. O professor X
leva os alunos a observarem todas essas questões para uma melhor compreensão do
texto e também de sua produção.
Outro exemplo de estratégia/procedimento relevante que o professor Y fez, é
verificar os livros que os alunos pegam na biblioteca. Quando eles voltam com os
livros, ele passa nas carteiras para ver que livros eles emprestaram e comenta, “Esse
eu já li! É muito bom!” ou, “Esse eu não conheço, mas vou ler.” Depois que todos
retornam da troca de livros, o professor Y deixa até o final da aula para que leiam,
inclusive ele. Cobra dos estudantes uma leitura reflexiva, em que não basta
simplesmente decodificar as letras, e sim entender qual o significado delas. Um aluno
conversando com o professor Y disse que realmente agora, seguindo as instruções
dela de parar, ler de novo e se perguntar o que esse trecho quis dizer, o ajudou muito
na compreensão do texto.
Essa é uma estratégia/procedimento importante, servir de exemplo para os
aprendizes. Se for hora de leitura, não tem porquê o professor não acompanhar os
estudantes. Há uma passagem reflexiva de Freire (2003) que descreve esse
momento:
As qualidades ou virtudes são construídas por nós no esforço que
nos impomos para diminuir a distância entre o que dizemos e o que
fazemos. Esse esforço, de diminuir a distância entre o discurso e a
prática, é já uma dessas virtudes indispensável - a da coerência
(FREIRE, 2003, p. 65).
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Deve-se deixar a fala o mais próximo da prática, assim, os alunos irão confiar
no professor, porque sua fala é sua prática. Associando a essa prática, Cramer (2001)
também sugere uma estratégia/procedimento semelhante, “Recortar artigos de jornais
de revistas sobre assuntos de interesse das crianças e compartilhá-los com os alunos”
(CRAMER, 2001, p. 149).
O professor X aproveita os textos para instigá-los para a discussão, conforme
observado durante uma aula com o Ensino Fundamental. O texto do livro didático era
sobre beijo e foi escrito por estudantes. Como o tema era do interesse deles voltado
para adolescentes, todos prestaram atenção e comentaram sobre o texto. Então, o
professor X aproveitou para falar do machismo que existe na sociedade. Uma aluna
comentou que se seus pais soubessem que ela beijou um menino, eles ficariam uma
fera e com meninos os pais não são tão rudes. O professor X perguntou se eles
sabiam por que isso acontecia, outra menina respondeu que é por causa do
machismo, e o professor X completou, que a nossa sociedade é puramente voltada
para o homem, as mulheres aos poucos estão tendo espaço nela. Com um texto que
os alunos gostam, ele soube aproveitar para levantar uma série de discussões.
Além dessa estratégia/procedimento, o professor X também leva vídeos para
complementar o conteúdo. Durante uma aula sobre o Modernismo, o professor passou
um vídeo sobre a Semana de Arte Moderna de 22, que tinha aproximadamente 10
minutos de duração. Foi bem produtivo, os aprendizes prestaram atenção, depois
discutiram sobre algumas informações do vídeo, e as relacionaram com o que havia
no livro didático. Esse reforço no conteúdo deve ser feito pelos professores, porque é
assim se constrói a aprendizagem significativa.
Em uma das aulas observadas, o professor Y contou aos alunos que seu
escritor preferido é Carlos Drummond de Andrade. Ele, juntamente com os estudantes
da 8a série, fizeram um painel em 2002, quando Drummond completaria 100 anos. Um
aluno desenhou a caricatura do autor e o restante da turma, com a ajuda do professor
Y, selecionou vários poemas e também uma pequena biografia para colarem ao redor
da caricatura. Ele comentou que os alunos aprenderam bastante sobre o autor e ficou
um trabalho bonito para mostrar ao restante do colégio. Esse incentivo para os
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aprendizes desenharem uma história, ou nesse caso desenhar o autor, é importante
par realçar a imaginação das crianças, adolescentes e sair da rotina de sala de aula.
Essa estratégia/procedimento também foi descrita por um professor que participou no
seminário realizado por Eugene H. Cramer.
Em relação ao Estágio de Docência, as estratégias/procedimentos adotadas
foram de pós-leitura. Os textos eram poemas das escolas literárias: Arcadismo e
Simbolismo. Em uma conversa antes das aulas para verificar o conteúdo a ser
trabalhado, o perfil das turmas, o professor regente afirmou que é feita pouca análise
de poema, devido ao pouco tempo e muito conteúdo para se trabalhar. Então, nas
aulas do Estágio de Docência, a proposta foi analisar poemas. Como os alunos não
estavam familiarizados com a compreensão e discussão sobre os poemas, eles eram
orientados para lerem algumas vezes, para que conseguissem entendê-lo. Após a
leitura de cada poema, oralmente, eram feitas perguntas de interpretação. No começo,
tive dificuldade de fazer com que os estudantes lessem e analisassem os poemas
propostos. Por duas vezes, parei a aula e expliquei a importância de analisar, de
compreender um texto. Quando se analisa ou se interpreta um poema, não é somente
uma tarefa para aula de Português, o aluno se torna mais esclarecido, a partir daí ele
consegue interpretar e compreender qualquer texto de qualquer disciplina. Os
aprendizes fiaram pensativos e começaram a fazer.
Com a persistência e a utilização das estratégias/procedimentos de re-leitura
e de perguntas de interpretação, escrita e oralmente, obteve-se sucesso nas análises
dos alunos. Nos últimos poemas, as interpretações eram mais longas e mais
profundas e a compreensão dos textos era excelente.
Uma estratégia/procedimento que Cramer (2001) descreve, é o de dramatizar
o texto trabalhado, mas como o estágio é curto, optou-se por mostrar um vídeo de
estudantes que encenaram um trecho do livro Uraguay, de Basílio da Gama, nesse
trecho é narrada a morte de Lindóia. Os alunos ficaram interessados por saber que
eram estudantes do Ensino Médio que fizeram o vídeo. Em outra ocasião, também
apresentei um vídeo a eles, na segunda aula com o 2° C, os alunos assistiram um
vídeo que explicava o surgimento do movimento simbolista. Após os vídeos, a leitura
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do assunto relacionado a ele, ficou mais compreensivo e significativo, eles
relacionaram o que o vídeo mostrou e a informação que estava no livro didático.
É importante também, que o professor troque de estratégia/procedimento se
ele perceber que o resultado não foi satisfatório naquela turma. A individualidade das
turmas deve ser respeitada, não será substituído o conteúdo, e sim, a forma de
abordá-lo ou realizá-lo. Com a turma do 2° C, optou-se por fazer a interpretação
escrita, em vez da interpretação oral. Os alunos eram tímidos, era um estagiário e não
o professor regente, então esses motivos podem ter colaborado para não participação
deles oralmente. Quando ouve essa mudança da abordagem, eles fizeram as
atividades de compreensão propostas. Após algumas aulas com essa
estratégia/procedimento, os estudantes ficaram sem receios e começaram a participar
oralmente das discussões.
Com esses poucos exemplos, mas com resultados satisfatórios, pode-se
perceber a importância das estratégias/procedimentos de leitura para uma melhor
compreensão. Em todos eles, ficou evidente que interpretação aconteceu de uma
forma mais significativa. Utilizar e dizer aos alunos que essa forma de abordar o
conteúdo é uma estratégia/procedimento para ajudá-lo na compreensão, se cria
leitores sofisticados e conscientes de suas ações para melhorar sua aprendizagem em
qualquer disciplina.
Considerações finais
Quando falamos de leitura, pensamos que já sabemos tudo a respeito, mas
sempre há algo para estudarmos ou refletirmos. Inicialmente, pensamos em estudar o
incentivo à leitura, logo descobrimos que este campo possui uma quantidade
significativa de trabalhos. Mas, quase que acidentalmente, encontramos esse tema:
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estratégias de leitura. Após várias pesquisas para entendermos do que se tratava,
percebemos que é uma forma interessante e significativa de incentivo à leitura, porque
com ela demonstramos aos alunos que existem muitos aspectos para serem
observadas no texto. Com ela podemos esgotar as possibilidades de interpretação, já
que, os alunos estão sempre envolvidos e conscientes de seu sentido.
Com este trabalho chegamos a resultados positivos com o uso de
estratégias/procedimentos para melhorar a compreensão do texto. Primeiramente,
apresentamos o conceito de leitura, que para a realização de atividades de
interpretação significativa, é fundamental a sua abrangência na definição. Para nós,
deve-se entender a leitura, desde uma interpretação de sinais, que podem ser placas
de trânsito; até a leitura de um romance. Após várias pesquisas e análises de
diferentes significados, optou-se pela definição de Paulo Freire. Esse esclarecimento
do que é o ato de ler, e juntamente com o pensamento de Solé (1998) “ler e,
naturalmente, compreender, é fruto da interação entre este texto e seu leitor” (SOLÉ,
1998, p. 114), foi fundamental para este trabalho.
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A PRESENÇA DE ANGLICISMOS NOS JORNAIS BRASILEIROS
Anne Paolle Jeziorny da SILVA7
Mariana FRANCIS8
O compartilhamento de vocábulos de idiomas diferentes é natural a todas as línguas. A língua portuguesa falada no Brasil não é estéril a este movimento, sendo, inclusive, muito receptiva a empréstimos linguísticos. Assim, a partir da observação do crescente número de itens léxicos oriundos da língua inglesa na mídia veiculada no país e da influência deste idioma na língua materna, foi realizado um estudo quanto à presença desses anglicismos em jornais de circulação nacional, correlacionando suas incidências com os verbetes descritos nos dicionários de Houaiss e Villar (2009) e Ferreira (2010). A pesquisa teve como objetivo refletir sobre as características e os usos desses empréstimos, colocando em discussão a presença de estrangeirismos e sua assimilação ao vernáculo como uma temática a ser trabalhada no ensino e na aprendizagem do português como língua materna. As abordagens teóricas assumidas para este trabalho se baseiam, principalmente, em Bahia (1990) e Sousa (2008), no âmbito relacionado ao jornal e sua história, bem como em Carvalho (1984) e Alves (1990), no campo das teorias neológicas, assim como, também, em Correia e Almeida (2012) no que se refere à sugestão de atividades para a aplicação dos conceitos teóricos em contextos escolares. Mediante a apreciação dos anglicismos encontrados nas fontes escolhidas para esse estudo, foram selecionados os mais frequentes e submetidos à análise confrontando suas características com as informações oferecidas nos dicionários, entendidos como autoridades perante os neologismos. Como resultado, obteve-se um panorama da presença e dos atributos desses anglicismos, presentes nos meios de comunicação de massa brasileiros, sendo um fato recorrente e cotidiano na língua escrita e um tema a ser discutido e trabalhado na sala de aula, na disciplina de Língua Portuguesa. Palavras-chave: Anglicismos, Jornais brasileiros, Ensino de língua materna Introdução
7 Licenciada em Letras Português/Espanhol (UNIOESTE – campus de Foz do Iguaçu);
[email protected] 8 Orientadora; Mestre em Estudos da Linguagem (UEL); docente da UNIOESTE – campus de
Foz do Iguaçu; [email protected]
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O estudo que aqui se apresenta parte da observação de itens léxicos,
provenientes da língua inglesa e compartilhados com o português do Brasil,
presentes em jornais de grande circulação nacional.
Optou-se pela pesquisa desse fenômeno linguístico na imprensa escrita
dominical, pois se entende que essa possui uma abrangência maior e uma
linguagem constantemente atualizada, necessária para manter uma relação
próxima de seus leitores e para exprimir novas situações, ideias e produtos. A
preferência pelos anglicismos se deve ao fato da língua inglesa ser, na
presente época, uma das mais influentes na língua portuguesa, como afirmam
Carvalho (1984) e Alves (1990).
O objetivo desse trabalho consiste em correlacionar a língua em uso,
expressa nos jornais, e a língua normatizada em instrumentos linguísticos,
como os dicionários e as gramáticas. De forma específica, se busca, num
primeiro momento, detectar a presença de anglicismos nesses meios de
comunicação escrita para verificar quais possuem maior incidência na língua
portuguesa e quais características diferem das orientações oferecidas nos
instrumentos de consulta, e, num segundo momento, procura-se refletir quanto
à possibilidade de levar essa discussão para a sala de aula no ensino
fundamental e médio.
Sobre o jornalismo e o jornal: antecessores, surgimento e evolução
Ao se procurar a gênese do jornalismo, meio de representação social, é
possível se deparar, segundo Sousa (2008, p. 4), com três correntes
divergentes: a que acredita que o jornalismo teve sua origem na Antiguidade;
outra que pressupõe que o surgimento foi na Modernidade, com o
aparecimento da tipografia; e a terceira afirma que o advento do jornalismo
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ocorreu no século XIX. Neste trabalho, assumem-se os conceitos da primeira
corrente, em conformidade com essa autora, quem parte do princípio que o
jornalismo é uma representação discursiva da vida humana na sua diversidade
de vivências e ideias e que nenhuma sociedade, mesmo as mais primitivas,
conseguiu sobreviver sem informação.
As Atas Romanas ou Atas Diurnas (Actae Diurnae), as quais surgiram
em Roma na Idade Antiga, por volta do século II a./C, são consideradas por
vários estudiosos como os primeiros veículos de índole jornalística. Estes pré-
jornais tinham o objetivo de informar a população através de uma linguagem
simplificada, privada de qualquer amplificação retórica, com assuntos
referentes aos interesses dos governadores.
Na Idade Média surgem outros três fenômenos pré-jornalísticos: a
crônica, que se situa entre a literatura e o jornalismo; as cartas informativas
que, embora possuíssem característica epistolar, tinham a cultura de contar
novidades, notícias e comentários para lugares distantes; e os relatos de
viagens, os quais fundam a literatura de viagens e em alguns detalhes se
aproximam com as reportagens.
Avançando na história, no Renascimento nasceram outros meios
comunicativos precedentes ao jornalismo, os quais consistiam em: os
almanaques populares, elaborados com intuitos comerciais; as folhas volantes,
que eram constituídas de uma única folha e continham geralmente uma única
notícia; e os livros noticiosos, surgidos no século XVI, que eram os
antepassados mais parecidos com o jornal atual.
É na modernidade, no ano de 1597, que surgiu a provável primeira
publicação mensal noticiosa: a RorschacherMonatsschrift, editada por Samuel
Dilbaumn e Leonhard Straub, em Rorschach, Suíça. A partir dela, o jornalismo
começou a percorrer caminhos cada vez mais firmes e bem traçados, se
expandindo por toda a Europa e, consequentemente, com a descoberta das
novas terras, chegou a América.
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No Brasil, entre os anos de 1500 e 1808, o objetivo do governo
português era asfixiar o pensamento livre e, por esse motivo, a imprensa oficial
chegou a essas terras com um atraso de três séculos. Segundo Bahia (1990, p.
10), a palavra imprensa era considerada crime até a chegada da corte
portuguesa ao Novo Mundo, sendo que, o advento do jornalismo ocorre com a
edição de um jornal controlado pelo governo português, a Gazeta do Rio de
Janeiro, em setembro de 1808.
Para controlar o que era divulgado, a polícia real fez divulgar uma lei que
proibia a publicação de escritos sem exame e licença sob pena de prisão e
multa de 200 mil reis. A Gazeta do Rio de Janeiro e a Idade d’Ouro no Brasil,
editado na Bahia, eram os únicos jornais com licença real de impressão até
1821, ano em que D. Pedro, príncipe regente, decretou o fim da censura
prévia, episódio inicial para a independência do Brasil em relação a Portugal,
em 7 de setembro de 1822.
A partir da independência surgem novos jornais, revistas e publicações
de todos os gêneros e, com o passar dos anos, o jornalismo brasileiro evoluiu,
saiu da tipografia artesanal em direção a produções em escala industrial,
introduziu novos tipos de reportagem, impressões coloridas, modernizou seus
aparelhos técnicos, criou padrões e formação apropriada para seus
profissionais, tomou consciência que a imprensa deveria estar de acordo com o
interesse público, chegando ao jornalismo que é conhecido
contemporaneamente.
Apesar de nascido em 1808, o jornalismo brasileiro firma-se
definitivamente nas primeiras décadas do século XX. Neste período surgiram
os principais e mais influentes jornais impressos de circulação diária que se
conhecem na atualidade. Desde o final da década de 1980 se destacam a nível
nacional: O Globo (1925), a Folha de S. Paulo (1921), O Estado de São Paulo
(1875) e o Jornal do Brasil (1891). A nível estadual, estão: Gazeta do Povo
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(Paraná, 1919), Zero Hora (Rio Grande do Sul, 1964), Diário de Pernambuco
(Pernambuco, 1825) e A Tarde (Bahia, 1912).
Sobre a teoria neológica
A linguagem utilizada pelos jornais precisa ser próxima de seu público-
alvo para construir laços de empatia. Por esse motivo, os jornais valem-se de
técnicas que ressaltam as ligações existentes. Uma delas, cujo objetivo é
evidenciar uma relação com um mundo em constante mudança, é o uso de
neologismos. Essa relação também é importante para os neologismos, pois
lhes dá a oportunidade de serem conhecidos e difundidos (ALVES, 1990, p. 6).
Pode-se afirmar que o léxico de todas as línguas sofre mudanças lentas,
graduais e ininterruptas (CARVALHO, 2001, p. 66). Enquanto algumas palavras
deixam de ser utilizadas pelos falantes em um determinado idioma, outras
surgem a todo instante. A esse processo de criação dá-se o nome de neologia
(ALVES, 1990, p. 5).
O resultante do processo de neologia são os neologismos, os quais
podem ser uma unidade lexical criada recentemente, ou uma palavra existente
no vocabulário com novo sentido, ou, ainda, uma palavra emprestada há pouco
tempo de outro sistema linguístico e aceita na língua.
Cumpre ressaltar a diferença entre neologismo e neologia. Neologia lexical é a possibilidade de criação de novas unidades lexicais, em virtudes das regras de produção incluídas no sistema lexical. Neologia é, pois, o fato e neologismo, o vocábulo, a criação vocabular nova (CABELLO, apud QUEIROZ, 2005, p. 25).
Os estudos realizados por Guilbert (apud BARBOSA 2001, p. 33)
apontam para quatro processos geradores da neologia lexical: neologia
fonológica, semântica, sintagmática e alogenética.
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Em especial, interessa para esse estudo a neologia alogenética, a qual é
caracterizada pela utilização de vocábulos provenientes de outros sistemas
linguísticos ao idioma vernáculo. Essas unidades lexicais novas, emprestadas
de outros idiomas, são conhecidas como neologismos alogenéticos
(alogeneticismo), ou neologismos por empréstimo.
Alves (1990) e Barbosa (2001) concordam ao afirmarem que a adoção
desse novo lexema passa por diversas etapas, as quais variam desde seu uso
primário no sistema linguístico até sua entrada no dicionário da língua em que
está inserido, sendo elas: estrangeirismo, peregrinismo, decalque e xenismo.
Na primeira etapa, denominada estrangeirismo, o elemento estrangeiro
empregado na língua é tratado como estranho ao idioma vernáculo. Neste
caso, o elemento estrangeiro é comum em contextos com vocabulários
técnicos como, por exemplo, economia, esportes e informática. Muitas vezes
seu uso é marcado por sinais gráficos, como aspas, itálico ou negrito. Há casos
de tradução do estrangeirismo, ou seja, a unidade léxica é seguida de sua
tradução para que possa ocorrer a compreensão do termo pelo receptor do
texto.
O peregrinismo é considerado como uma segunda etapa do processo
neológico por empréstimo e corresponde à fase da primeira inserção do
vocábulo na língua que o acolhe. Neste momento, podem ocorrer algumas
adaptações gráficas, morfológicas ou semânticas para que o item lexical se
incorpore ao vocabulário do idioma, porém, a forma estrangeira e a forma local
do vocábulo circulam livremente.
Na fase de decalque, que constitui um dos pontos resultantes do
processo, o termo estrangeiro regulamenta seu uso através das modificações
gráficas. Geralmente ocorre a tradução literal do item léxico. O termo, tido
então como empréstimo, torna-se de alta frequência e distribuição regular. Há
casos em que, segundo Alves (1990, p. 80), a expressão decalcada rivaliza
com a expressão original.
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As unidades léxicas que não sofrem o decalque podem chegar a outro
resultado: o xenismo. Nessa etapa, embora a palavra adotada tenha crescente
aumento no uso, ela não sofre alterações, continuando com sua forma original,
ou seja, "se o termo importado permanece na grafia original, mesmo sendo
muito usado, será um xenismo" (CARVALHO, 1984, p. 56).
“Importar uma palavra é importar uma maneira de ver o mundo”,
conforme Almeida (1998, p. 302). Uma língua que permite a adoção de termos
provenientes de outros sistemas linguísticos e socioculturais é reflexo de uma
sociedade receptiva ao que vem de fora. A rigor, nenhuma língua é estéril a
receber ou compartilhar unidades léxicas com outros sistemas linguísticos; no
entanto, algumas línguas exercem maior influência sobre outras e essas
influências refletem a tentativa de algumas nações exercerem poder sobre as
demais e, assim, assegurarem seu domínio.
Atualmente, uma das línguas que mais exerce influência sobre o sistema
linguístico português brasileiro é o inglês americano. Segundo Carvalho (1984,
p. 57), os empréstimos mais abundantes são trazidos mediante linguagens
técnicas e científicas. A grande evolução da informática, sobretudo a internet,
limitou as barreiras de encontro das duas línguas. Os chamados anglicismos,
empréstimos provindos da língua inglesa, estão ganhando cada dia mais
espaço no vocabulário do brasileiro e palavras como ‘deletar’, ‘mouse’ e ‘game’
estão se tornando corriqueiras no léxico de muitos falantes do português.
Percebe-se que a língua portuguesa falada no Brasil é muito receptiva a
termos oriundos de outros sistemas linguísticos, em especial o inglês. Estudos
sobre essa área, cada vez mais crescentes, têm vasto campo de pesquisa,
além de, segundo Correia e Almeida (2012, p. 10), constituírem dados a serem
incorporados aos conteúdos escolares e explorados em atividades didáticas,
instigando o aprofundamento da competência comunicativa, a autonomia e a
autoconfiança na aprendizagem dessa e de outras línguas.
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Propondo um estudo sobre os anglicismos no português brasileiro
Barbosa (2001, p. 35) afirma que a gênese dos neologismos é
instrumento da ideologia de uma determinada época, do pensamento de um
grupo e por isso alguns neologismos se tornam símbolos de determinadas
culturas. Correlacionando esta afirmação com a história do surgimento dos
jornais, verificou-se que esse meio de comunição de massa tem por objetivo,
desde seus primórdios, manter uma relação próxima com o público-leitor
principalmente através do uso da linguagem. Observou-se, dessa forma, a
viabilidade da realização de um trabalho, no qual, focalizam-se os neologismos
alogenéticos, presentes nos jornais brasileiros de grande circulação.
Com base em fontes da impressa escrita (jornais em versão eletrônica)
foram analisados aspectos da difusão e influência dessas fontes sobre a língua
e seus usuários, colaborando com a reflexão a respeito das influências
ideológicas e linguísticas exercidas na sociedade brasileira atual.
Segundo dados da Associação Nacional de Jornais, doravante
denominado ANJ, até o ano de 2010 existiam no Brasil 4.056 jornais em
circulação. Por esse motivo, foram criados alguns critérios a fim de selecionar
as fontes jornalísticas, os quais consistem em: serem comercializados na
cidade de Foz do Iguaçu, Paraná; serem escritos em português do Brasil;
possuir expressiva circulação estadual e nacional; terem edições dominicais,
no mês de março de 2012; possuírem edições completas disponíveis para
consulta na internet; serem jornais que tenham história editorial.
A pesquisa foi realizada em Foz do Iguaçu, no estado do Paraná, Brasil,
e por esse motivo se justifica a necessidade dos jornais serem comercializados
nesse município.
Para a análise, foram consideradas as seções dos jornais comuns em
todas as edições (economia, ciência, mundo, política, entretenimento, coluna
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social, ente outras), desconsiderando os classificados e propagandas, por
esses exercerem outra função, eminentemente comercial, dentro do jornal, a
qual vai além da informativa.
Todos os processos geradores de neologismos estão, comumente,
presentes nos jornais brasileiros. No entanto, para a seleção e delimitação do
corpus, se utilizaram alguns critérios com o intuito de facilitar sua identificação.
Os neologismos deveriam: ser alogenéticos; possuir grafia estranha ao
português; ser procedentes da língua inglesa.
Inicialmente, se realizou um levantamento dos anglicismos presentes
nas fontes e a contabilização das ocorrências, o que gerou uma listagem dos
vocábulos encontrados nas fontes, a qual foi ordenada do termo mais produtivo
ao menos produtivo.
Em seguida, escolheram-se as dez unidades léxicas mais produtivas nos
jornais e, em caso de empate quanto ao número de ocorrências detectadas,
foram selecionadas todas as palavras empatadas.
Os dicionários de Houaiss e Villar (2009) e Ferreira (2010) atuaram
como filtro para a determinação do caráter neológico das unidades lexicais sob
análise.
A fim de afiançar o caráter neológico de uma unidade lexical, usa-se a autoridade dos dicionaristas que, ao atestarem uma unidade não registrada em obras anteriores, acabam
assinalando a ‘existência’ dessa nova unidade (CANO, 2007, p.
138).
Na fase das apreciações, foram observados alguns aspectos
considerados relevantes para as discussões, como: função exercida na frase
modelo; características morfológicas que impliquem em mudança de regras
gramaticais do português; existência ou inexistência de equivalentes na língua
de chegada, sejam eles usuais ou não; diferentes formas de grafia da palavra;
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criação de novos termos a partir do alogenético, tanto xenismos quanto
decalques.
Um olhar sobre a presença de anglicismos em jornais do Brasil
Considerados os critérios para a seleção das fontes, chega-se a dois
jornais: Folha de S. Paulo (doravante FSP), editado na cidade de São Paulo, e
Gazeta do Povo (doravante GP), produzido em Curitiba, estado do Paraná. A
escolha não foi arbitrária, pois os jornais são os únicos que se enquadram em
todos os critérios necessários para a pesquisa.
O jornal FSP começou sua história em 1921 e, na atualidade, possui
uma média de vendas diárias de 286.398 exemplares; está classificado pela
ANJ no segundo lugar de tiragem no Brasil9 possuindo, também, acesso online
gratuito a todas as edições, menos à publicação que é lançada em papel nesse
mesmo dia.
O jornal GP é o maior do estado paranaense, editado desde 1919 na
capital. Está classificado pela ANJ em vigésimo quinto lugar, com uma tiragem
média de 43.513 exemplares, e é o jornal de maior circulação no estado. Foi o
primeiro jornal do estado, e o segundo do país a publicar seu conteúdo na web,
o que aponta a tentativa, também deste jornal, de assegurar seu caráter
universal. Possui livre acesso a edições atuais e passadas através de seu site.
Na primeira etapa da coleta dos dados foram encontrados 305
anglicismos diferentes. Após essa etapa, foi utilizado o recurso de busca
online, oferecido pelos próprios jornais, para fazer a contagem do número de
vezes que cada palavra aparece nas edições selecionadas, chegando-se a um
total de 1.344 ocorrências: 814 na FSP e 530 na GP.
9 O primeiro lugar pertence ao jornal mineiro Super Notícia, com média de circulação diária de
293.572 exemplares vendidos. Todavia, este é um jornal de circulação local só vendido no estado de Minas Gerais.
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Conforme foi apresentado nos critérios de seleção do corpus, optou-se
por analisar, a partir dos dados obtidos, os dez vocábulos mais recorrentes nos
jornais. Deste modo, apresentam-se, a seguir, os anglicismos selecionados e o
número de vezes em que cada termo aparece nas fontes: site (115), internet
(64), show (52), shopping (47), blog (39), marketing (39), e-mail (38), tablet
(35), design (28), gay (18), ranking (18). É importante observar que as palavras
‘tablets’ e ‘shows’, com 32 e 26 repetições respectivamente, estariam entre os
lexemas a serem analisados, no entanto, como já constam suas versões no
singular (‘show’ e ‘tablet’) que possuem valor semântico idêntico, estas foram
desconsideradas. A palavra ‘ranking’ está excedente às dez que deveriam ser
consideradas, no entanto, como seu número de ocorrências empata com a
palavra ‘gay’, as duas foram consideradas para as análises, conforme já estava
previsto nos critérios.
Na apresentação das apreciações, com o intuito de destacar os
anglicismos em uso e dar-lhes maior visibilidade no texto, os exemplos citados
foram numerados, entre parênteses. Ocasionalmente, para dar maior clareza
às explicações, são trazidas ao texto, além das exemplificações, as
transcrições de alguns verbetes do anglicismo em análise. Essas transcrições
estão organizadas por letras, apresentadas em caixa alta, no inicio do verbete,
e ordenadas alfabeticamente.
Para as análises, foram levantados cinco pontos de atrito que
representam as diferenças entre o uso real da língua, quanto à presença de
anglicismos nos jornais brasileiros destinados à pesquisa, e as bases
normativas dessa língua, consultados em dicionários e, ocasionalmente, em
gramáticas, as quais conformam, assim como os dicionários, instrumentos
normatizadores.
O primeiro ponto observado refere-se à alternância quanto ao
significado. Percebe-se que, em alguns casos, os usos feitos pelos jornais
diferem das explicações dicionarísticas. Um exemplo é o termo ‘blog’, para o
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qual, nos dois dicionários consultados, Houaiss e Villar (2009, p. 300) e
Ferreira (2010, p. 323), existem informações de que se trata de uma página
pessoal atualizada por um internauta, o que leva a interpretar que se refere a
uma pessoa física. Essa definição não está, de fato, incorreta, mas é pouco
precisa se for considerado que um blog pode pertencer a uma instituição ou
empresa, conforme se verifica pelos usos encontrados nos jornais, os quais
estão representados no exemplo apresentado abaixo.
(1) “Uma carta, postada no blog da ONG Ciclocidade (...)” (FSP, 11 de
março, página A10, Poder).
Outro caso similar é o do lexema ‘gay’, o qual pode ser usado, como
adjetivo, para abranger o grupo de pessoas homossexuais em expressões
como ‘parada gay’ e ‘cura gay’, as quais não são contempladas nos dicionários
consultados, mas têm uso frequente, conforme é ilustrado pelo exemplo
abaixo.
(2) “Projeto de bancada evangélica propõe a 'cura gay'” (FSP, 4 de
março, página A3, Painel do Leitor).
É interessante perceber que alguns alogeneticismos, como ‘ranking’, são
de difícil definição, o que não representa, a rigor, um problema de alternância
no significado e sim uma falta de precisão derivada da inexistência de termos
correspondentes no vernáculo. Nesses casos observa-se que os dois
dicionários recorreram a exemplos de uso como recurso complementar à
definição.
(3) “Líder do ranking precisou de quase três horas para superar a alemã”
(FSP, 11 de março, página D11, Esporte).
(A) “Ranking [‘ɹӕƞkiƞ] [Ingl.] S.m. Listagem classificatória; classificação:
A CBF divulgou o ranking dos melhores times brasileiros” (FERREIRA, 2010, p.
1777).
(B) “Ranking [‘ɹӕƞkiƞ] [Ing.] s.m. formação ou listagem (de pessoas,
órgãos, etc.); classificação ordenada de acordo com critérios determinados <o
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r. dos melhores atletas de todos os tempos>” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p.
1610).
No segundo caso, divergências quanto à formação do plural, percebe-se
que o termo ‘gay’ apresenta disparidade com o dicionário de Ferreira (2010, p.
1020), pois este refere que ‘gay’, quanto adjetivo, usa-se para ambos os
gêneros, e para determinar plural e singular; todavia, foram detectadas na
pesquisa quatorze ocorrências do vocábulo ‘gays’.
(4) “Havia áreas para paquera, bares gays, e ninguém ligava” (FSP, 18
de março, página A17, Mundo).
(C) “Gay \gej] [ingl.] adj. 2g. e 2n. S. 2g V guei” (FERREIRA, 2010, p.
1020).
O registro ‘gays’ foge ao padrão dito pelo dicionário para enquadrar-se
nas regras da gramática normativa da língua portuguesa, segundo a qual os
adjetivos devem flexionar-se de acordo com o gênero e o número do
substantivo (CEGALLA, 1994, p. 157). Por outro lado, em português, a
formação do plural é flexível com os termos estrangeiros ainda não
aportuguesados, sendo possível a esses permanecer com a grafia original,
acrescentando-lhes somente um ‘s’ final, exceto em palavras terminadas em ‘s’
e ‘z’ (CEGALLA, 1994, p. 146).
O terceiro aspecto que merece destaque consiste na alternância quanto
à grafia dos vocábulos. O dicionário Houaiss e Villar (2009, p. 300) inclui o
vocábulo ‘blog’ no acervo lexical do português, no entanto, somente o define na
entrada ‘blogue’, uso que não foi identificado em nenhuma das fontes.
Percebe-se, dessa forma, uma preferência pelo uso do xenismo 'blog'.
(5) “É um blog cujo criador dá dicas de bem estar e de organização”
(FSP, 25 de março, página 3, Emprego).
O mesmo se observa para o xenismo ‘gay’, em detrimento do termo
dicionarizado ‘guei’, e em ‘shopping’, com relação a ‘shopping center’,
conforme ilustram os exemplos abaixo.
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(6) “Não basta ser gay, tem de ter proposta” (GP, 4 de março, Vida
Pública).
(7) “Conjunto terá prédio de 31 andares, shopping, estação de trem,
aquário e planetário” (FSP, 11 de março, página B6, Mercado).
Ao observar as informações oferecidas para cada um desses lexemas,
percebe-se que os dicionaristas sugerem o uso dos anglicismos com decalque,
porém, são cientes de que os vocábulos também se usam com a grafia original
e apresentam essa informação ao final dos verbetes. Ressalva-se, também,
que o decalque ‘blogue’ é a forma utilizada em Portugal.
O quarto ponto em análise consiste na preferência pelo alogenético.
Observa-se que, nas fontes analisadas, algumas construções provindas do
inglês, como, por exemplo, os vocábulos ‘design’, ‘e-mail’, ‘marketing’, ‘show’ e
‘site’, usam-se com maior frequência, ou de fato substituem seus equivalentes
em português, respectivamente, ‘desenho industrial’, ‘correio eletrônico’,
‘mercadologia’, ‘espetáculo’ e ‘sítio’. Apesar dos dicionários apresentarem
essas possibilidades10 o uso de itens léxicos alogenéticos é muito superior aos
vernáculos.
(8) “Para você que gosta de design não só no canto de uma sala ou em
cima de uma mesinha de centro” (FSP, 11 de março, Mundo).
(9) “Não responda esse e-mail” (FSP, 4 de março, Poder).
(10) “Oportunidade de marketing nos EUA, incentivos fiscais e crescente
público hispano-americano são atrativos para produtores” (FSP, 18 de março,
Ilustrada).
(11) “Show terá participação especial” (FSP, 4 de março, Ilustrada).
(12) “Para participar, os interessados deverão se inscrever no site do
MPT” (GP, 18 de março, Economia).
10
Dentre os termos pesquisados, os únicos casos em que o dicionário Houaiss e Villar (2009) não apresenta correspondentes em português são: ‘marketing’ e ‘site’.
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Devido ao acelerado ritmo de crescimento, os âmbitos do comércio e da
informática, nos quais se originaram termos como ‘design’ ‘marketing’, ‘e-mail’
e ‘site’, impõem uma língua a ser tratada como franca, lugar ocupado, na
atualidade, pela língua inglesa (CARVALHO, 1984). Por essa necessidade
quase imediata de criar e nomear objetos, demanda da celeridade industrial e
da obsolescência tecnológica, a classe gramatical mais produtiva é a dos
substantivos e essa mesma rapidez limita ou impede à língua de criar novos
termos a partir de suas próprias raízes, fazendo com que se importem os
vocábulos juntamente com os produtos, como é o caso de ‘tablet’.
(13) “A empresa também lançou aplicativos para celular e tablet“ (GP, 25
de março, Caderno G).
O quinto e último ponto observado é decorrente do panorama geral
propiciado pelas análises, e consiste na percepção da passagem dos
neologismos ao vernáculo. Todos os lexemas selecionados para a pesquisa
estão dicionarizados e são, por tanto, xenismos, isto é, empréstimos
linguísticos, amplamente difundidos, que permanecem com a grafia do idioma
original.
O único vocábulo que está presente em apenas um dos dicionários é
‘tablet’. A ausência desse anglicismo no dicionário de Houaiss e Villar (2009) se
deve ao fato de ser uma nova tecnologia, popularizada no mercado no ano de
2010; contudo, o termo já tinha sido registrado no dicionário de Ferreira (2010).
Nas fontes consultadas, 'tablet' aparece trinta e cinco vezes, sendo o oitavo
anglicismo mais usual, a exemplo do caso transcrito abaixo.
(14) “O sistema liberará o voto no segundo tablet.” (FSP, 11 de março,
Poder).
Pode se chegar ao entendimento, com a análise desse caso, que a
língua portuguesa parte do uso para o dicionário e que esse movimento é ágil,
assim como a própria língua. De fato, pelas análises realizadas nesse estudo,
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depreende-se a intensa rapidez nos processos de dicionarização de
alogeneticismos no português do Brasil.
Algumas considerações
Partindo da observação de empréstimos linguísticos provenientes da
língua inglesa ao sistema linguístico da língua portuguesa, o presente estudo
centrou-se em evidenciar as relações que existem entre esses dois idiomas.
Nas análises dos anglicismos selecionados, foi possível observar que,
por um lado, a rigor, não há neologismos no corpus, pois todos os itens léxicos
estão presentes nos dicionários. Há que se considerar, por outro lado, que
todos são xenismos, ou seja, foram dicionarizados com a forma do idioma
original, a pesar de que, em alguns casos, os verbetes utilizam remissivas para
peregrinismos, ou aportuguesamentos, como forma preferencial para a escrita.
Em face das observações realizadas é importante ressaltar que, a rigor,
a adoção e a rejeição de elementos linguísticos externos ao português
concretizam-se pelos falantes da língua, pois são eles quem, efetivamente,
atribuirão sentidos aos novos termos e a condição de arcaísmo das palavras.
Em vista disso, percebe-se que os jornais e os dicionários atuam como
perpetuadores dos vocábulos, mas os usuários são os verdadeiros regentes do
idioma.
Essa conscientização quanto ao papel do usuário da língua, como
formador de sentidos e determinador das mudanças que se originam no
idioma, pode ser instigada e cultivada desde a formação escolar, nas aulas de
Língua Portuguesa, mediante a proposta de atividades contextualizadas e
representativas que abram espaço para discussões e reflexões em torno dos
processos neológicos e da constituição de línguas e culturas.
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IDAS E VINDAS DO ACORDO ORTOGRÁFICO BRASILEIRO:
CONSTRUINDO LIMITES PARA UMA LÍNGUA DES-LIMITE
ANA MARIA DE FÁTIMA LEME TARINI11
Um acordo ortográfico para uma língua imaginária, um simulacro. Mas a língua é fluida, como um rio, a língua é des-limite, nas palavras de Orlandi (2005). O sujeito de linguagem faz uso da língua, é afetado pelo real da língua e pelo real da história, bem como a língua brasileira é afetada pelas condições materiais de sua constituição e reformulações, deslocada de sua origem. O Acordo Ortográfico retoma a discussão da origem e da união entre os oito países falantes da língua portuguesa como língua oficial, dos quais sete participaram das reuniões de debates ao longo dos últimos 20 anos. Em dezembro de 2012, deveria tornar-se obrigatório o uso do que foi estabelecido no acordo, Decreto 6.583, assinado em 29 de setembro de 2008, o qual estabelecia vinte uma bases de alterações à ortografia vigente. Entretanto, no final de 2012, o Brasil decidiu adiar a vigência do Acordo Ortográfico, o que nos conduz a indagações, pois se atualmente o documento já está desatualizado, como estará em mais quatro anos? O que está implícito na decisão do adiamento? Basta lembrar que as discussões a respeito deste acordo iniciaram, precisamente nos anos 80 do século XX, e ainda não está encerrado. Faz-se necessário lembrar também que na década de 80 iniciaram-se os avanços tecnológicos no Brasil e graças a essa expansão tecnológica e a própria dinâmica no uso linguístico, o vocabulário da língua portuguesa adquiriu muitos verbetes, ampliando seu léxico. Diante dessas considerações iniciais, destaca-se que o objetivo deste trabalho é justamente abordar de forma descritiva a história dos acordos ortográficos na tentativa de compreender os embates que se travam quando se propõe acordar uma língua com outros países, observando, por meio da análise de discurso, quais os discursos que permeiam este processo de constituição e formulação do Acordo até a solicitação de adiamento. Palavras-chave: Língua, Acordo ortográfico, Política linguística.
Considerações iniciais
11
Professora de Língua Portuguesa e inglesa. Contato: [email protected]
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A Retórica clássica pressupunha uma teoria da disposição do discurso
em sua estrutura compondo uma organização teórica que favorecesse a
persuasão. Um bom discurso teria que convencer a plateia. Pensando nisso,
vem à mente as redações de vestibulares e, atualmente, as do ENEM (Exame
Nacional do Ensino Médio). Como organizar discursos em espaços delimitados,
ou melhor, limitados, com regras gramaticais e ortográficas que não se aprecia,
não se entende, não se explica e muito menos, não se apropria, visto que há
mais exceções que regras (regulares), fixas. “Escrever bem”, “falar bem”, são
atividades possíveis? Eu me questiono. Algumas vezes, o que vemos é uma
verborragia insana, discursos inflamados em uma língua cheia de pedantismos.
Às vezes cabe ao estudante driblar as regras ortográficas (até porque
não as compreende), escrever sobre receitas, enfim “encher linguiça”, ou seria
lingüiça? Estou fazendo uso de sarcasmo, certo humor ácido, o que me parece
ser apropriado para a situação em que nos encontramos. Falar em adiamento
do Acordo Ortográfico em dezembro de 2012, nos conduz a anedotas. Basta
lembrar que as discussões a respeito deste acordo iniciaram, precisamente nos
anos 80 do século XX, e ainda não se chegou ao último capítulo. Faz-se
necessário lembrar também que na década de 80 não usávamos
computadores com acesso à internet nas escolas brasileiras, no entanto de lá
para cá muitas informações foram atualizadas, e graças à expansão
tecnológica e a própria dinâmica no uso linguístico, o vocabulário da língua
portuguesa adquiriu mais verbetes, ampliando seu léxico. Como decorrência, a
influência da língua inglesa continua em franca expansão.
Diante dessas considerações iniciais, destaca-se que o objetivo deste
trabalho é justamente abordar de forma descritiva a história dos acordos
ortográficos na tentativa de compreender os embates que se travam quando se
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propõe acordar uma língua com mais seis países12, observando, por meio da
análise de discurso, quais os discursos que permeiam este processo de
constituição e formulação do Acordo até a solicitação de adiamento e os
interesses de diferentes setores nesta mudança.
É interessante destacar que há vários setores envolvidos nesta
discussão, mas apenas o educacional terá que lidar no dia a dia com a
incompreensão do o que e por que mudou (ou vai mudar) na escrita da língua
portuguesa brasileira. Mesmo entendendo que a escola não é o único lugar em
que nós temos contato com a língua padrão, sabemos que é a única a ser
responsabilizada pelo “fracasso” na escrita.
Historicizando a língua nacional e os acordos ortográficos brasileiros
"Datada deste porto seguro davosa jlha da vera cruz oje sesta feira
primeiro de mayo de 1500 [...]" (trecho da Carta de Descobrimento do Brasil).
Escrita no século XVI, a Carta de Pero Vaz de Caminha demonstra o quão
distante está o português brasileiro atual daquele praticado pelos nossos
colonizadores. A professora Elis Cardoso13 acredita que se nos deparássemos
com esta escrita hoje (e não oje) reprovaríamos o escrivão mor da esquadra
portuguesa. Isto porque a língua é dinâmica, viva, reflete as transformações
sociais, todavia, os acordos ortográficos feitos por meio de leis, decretos, e/ou
instituições reguladoras, mexem com sua grafia de forma a estagná-la. Assim,
nestes quinhentos anos a língua passou por diversas modificações, além da
ampliação lexical, acentos, sinais, contamos ainda com a criação e supressão
de letras mudas.
12
Timor-Leste não participou dos debates como as demais nações, pois durante este período vivia sobre o domínio da Indonésia. Somente em 2002, com a nova constituição é que estabeleceram a língua portuguesa como língua oficial.
13 Artigo disponível em http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao04/04_005.php
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Para nós brasileiros esta história se inicia num período em que Portugal
ficou conhecido pelas grandes navegações, no século XV e XVI, através dos
movimentos colonialistas e de propagação do catolicismo, quando se espalhou
pelo mundo tanto o domínio da coroa portuguesa quanto a língua portuguesa.
O português era imposto às línguas autóctones como língua oficial ou
modificava-se dando origem aos dialetos crioulos. Foi assim que a língua
chegou à África, Ásia, Oceania e América (no Brasil com a “descoberta”, em
1500). O Português é língua oficial em oito países de quatro continentes:
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e
Príncipe, Timor Leste.
Neste processo de colonização a língua foi transportada para lugares em
que habitavam diferentes culturas e línguas. No Brasil, um novo espaço, em
um novo tempo, a língua portuguesa enquanto língua nacional, conforme
Orlandi & Guimarães (2001, p. 22-23), precisou de quatro momentos para sua
implantação: a) período de colonização (1532) até a expulsão dos Holandeses
(1654); b) de 1654 a 1808, data da chegada da família real e mais 15 mil
portugueses no Brasil, na Cidade do Rio de Janeiro; c) de 1808, momento em
que Dom João VI fundou a Biblioteca Nacional e criou a imprensa no país até
1826 (quatro anos depois da Proclamação da República); e d) a partir de 1826,
quando se propôs a primeira vez que se escrevesse diplomas de médicos em
linguagem portuguesa, e como consequência, no ano seguinte, criou-se uma
lei em que se obrigava os professores a ensinar a ler e a escrever conforme a
gramática da língua nacional14.
Em decorrência desta atitude, a língua passa a ter um significado de
nacionalidade e ao mesmo tempo de pertencimento a uma história, que não é
negada. No entanto, ela precisava ser estabelecida de maneira que os falantes
14
Conforme Orlandi & e Guimarães (2001, p. 23), foi assim denominado o primeiro momento em que se trata da gramática de uma língua considerada nacional, mas não uma língua brasileira ou língua portuguesa.
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moradores seguissem as regras, que houvesse uma unificação da escrita.
Além disso, a ideia de “língua nacional está ligada aqui ao processo de
gramatização brasileira do português que é posto em curso a partir da segunda
metade do século XIX. Desde então o Brasil tem seus próprios instrumentos
linguísticos de gramatização, diferentes dos de Portugal” (ORLANDI;
GUIMARÃES, 2001, p. 24).
Posteriormente, no final do século XIX, estabelecida a língua portuguesa
como língua nacional, percebe-se que a gramática da língua no Brasil está
distante da gramática da língua portuguesa de Portugal. Muito se deve às
influências do processo de colonização que trouxe a língua para o além mar,
mas principalmente pela formação estrangeira da elite que pensava a língua
em outras bases filosóficas e científicas, isto é, resulta do tempo e do espaço
diferentes de sua origem. Isto, aliado ao sentimento de nacionalismo
exacerbado, muito presente neste período histórico (como vemos nas
produções literárias brasileiras), dão origem às gramáticas e aos primeiros
dicionários produzidos no Brasil, estes somente no século XX.
Em consequência deste distanciamento - ao longo destes quinhentos e
treze anos de língua portuguesa brasileira – desfrutamos algumas mudanças,
formulações e reformulações ortográficas, visando atualizar a língua à
realidade de uso, mas essencialmente, buscando fixar uma identidade
nacional, porém em nenhum momento houve pretensão de apagamento da
nossa origem, conforme podemos ver pelas tentativas de adequação da escrita
em: Formulário Ortográfico de 1911; Formulário Ortográfico de 1943; Acordo
Ortográfico de 1945 – Brasil; Nomenclatura Gramatical Brasileira em 1959;
Nomenclatura Gramatical Portuguesa em 1967; Acordo Ortográfico de 1990 a
2009 (em discussão) – deveria estar em vigor a partir de 31 de dezembro de
2012.
A primeira mudança oficial da escrita em língua portuguesa no Brasil
ocorreu em 1911. Este, denominado Formulário Ortográfico, era um plano de
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regularização e simplificação da escrita portuguesa para os brasileiros. Nele
estabeleceram inúmeras regras de uso15: letras k, w, y (permitido para
derivados de outras línguas somente, do contrário deveriam usar q,u, i, para a
substituição das respectivas letras); abecedário (23 letras); letra h em posição
medial; letra h em posição inicial; letra h em posição final; letra h noutros
grupos consonânticos; consoantes duplas; supressão de consoantes mudas;
conservação de consoantes mudas; emprego de c e s; grupo inicial SC;
emprego de ch ou x; escrita de ditongos orais; escrita de ditongos nasais; grafia
das vogais nasais finais; e inicial átono com valor de i; s antes de consoante
surda e final; e átono antes de consoante palatal; e fechado antes de
consoante palatal; o átono com valor de u; diferença entre ô e ou; acentuação
gráfica; emprego do sinal gráfico til (~); acentuação de palavras terminadas
em i, u, vogal nasal ou ditongo, seguidos ou não de s; nomes terminados
em em, ens, e formas verbais em am, em; acentuação das palavras
esdrúxulas; acentuação esdrúxula para a diferenciação entre vocábulos com a
mesma forma gráfica e com a mesma sílaba predominante; acentuação das
palavras graves; acento gráfico para distinção de homógrafos; as formas
verbais dêem, lêem, vêem, crêem; acentuação de sequências: vogal + i, vogal
+ u; os ditongos éi, ói, eu; hífen (usos); outros empregos do hífen; acentuação
de vocábulos compostos; apóstrofo; pronomes complementos enclíticos;
contracção de pronomes com as preposições a, de, em, por; divisão silábica;
divisão nos prefixos des-, dis-consoantes iguais – divisão; divisão de palavras
compostas; prefixo ex -; grupos consonânticos inseparáveis; vogais
consecutivas inseparáveis; u depois de q ou g.
Se observar com atenção, quase todas as regras permanecem ainda no
português atual. Exceto as que estão em processo de mudança com o novo
acordo, como é o caso dos acentos das formas
15
Ver em: http://www.portaldalinguaportuguesa.org/acordo.php
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verbais dêem, lêem, vêem, crêem; acentuação dos ditongos éi, ói, eu; hífen
(usos); supressão do trema e acréscimo das letras k,w,y. algumas das
alterações que foram estabelecidas no começo do século estão sendo revistas
no final (a partir de 1990).
Este último acordo em vigor desde 01/01/2009 (período em que poderia
coexistir a norma anterior e a atual), foi implantado por meio do Decreto 6.583,
assinado em 29 de setembro de 2008 e estabelecia vinte uma bases de
alterações à ortografia vigente16: Base I: do alfabeto e dos nomes próprios
estrangeiros e seus derivados; Base II: do h inicial e final; Base III: da homofonia
de certos grafemas consonânticos; Base IV: das sequências consonânticas; Base
V: das vogais átonas; Base VI: das vogais nasais; Base VII: dos ditongos; Base
viii: da acentuação gráfica das palavras oxítonas; Base IX: da acentuação gráfica
das palavras paroxítonas; Base X: da acentuação das vogais tónicas/tônicas
grafadas i e u das palavras oxítonas e paroxítonas; Base XI: da acentuação
gráfica das palavras proparoxítonas; Base XII: do emprego do acento grave; Base
XIII: da supressão dos acentos em palavras derivadas; Base xiv: do trema; Base
xv: do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares; Base XVI: do
hífen nas formações por prefixação, recomposição e sufixação; Base XVII: do
hífen na ênclise, na tmese e com o verbo haver; Base XVIII: do apóstrofo; Base
XIX: das minúsculas e maiúsculas; Base XX: da divisão silábica; Base XXI: das
assinaturas e firmas.
O Decreto é o resultado de um documento assinado em 1990 que teve o
apoio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e trazia como
objetivo unificar as regras do português escrito em todos os países que têm a
língua portuguesa como idioma oficial, atingindo tanto seu léxico particular quanto
as aquisições de outras nações de língua portuguesa.
16
Língua Portuguesa: Reforma Ortográfica – texto integral. Acordo em vigor desde 01/01/2009- Decreto nº 6.583.
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As regras de implantação mudaram, todavia, as regras ortográficas
continuam as mesmas que foram estabelecidas nesta época. Em 1990, quando foi
assinado, a previsão era de que o Acordo entraria em vigor em 1994, mas
dependia da ratificação de todos os países. Como isso não aconteceu, a regra foi
alterada em 2004 para que o documento entrasse em vigor com a ratificação de
três dos oitos países lusófonos. O Brasil foi o primeiro a ratificar o protocolo que
alterou a regra.
O governo de cada país deveria ratificar o Acordo assinado e definir seus
prazos para que ele entrasse em vigor internamente. Segundo a CPLP, Brasil,
Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe já
ratificaram o acordo. Timor Leste, que em 1990 ainda não era uma nação
independente, também já aderiu. Angola é o único país-membro da CPLP que
ainda não ratificou o Acordo, porém a implantação efetiva não aconteceu em
nenhum destes países. O mais adiantado, neste sentido, era o Brasil, que ainda
no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criou cronograma para
atualizações necessárias ao Acordo.
Não obstante, a política linguística se mostra como um reflexo da
necessidade que o Brasil tem de se unir aos outros países devido aos objetivos
comerciais, entretanto Portugal, por exemplo, não está preocupado com esta
unificação. Talvez muito mais em manter suas bases etimológicas de aproximação
com o latim, as quais entendem ser de uma origem erudita que favorece a beleza
histórica do falar e escrever português.
Objetivos do adiamento da vigência do acordo ortográfico
Depois de quatro anos fazendo adaptações, atualizações, reimpressões
de livros e documentos, descobrimos que os brasileiros terão mais três anos
para adaptar-se às novas normas da língua portuguesa. O adiamento foi
estabelecido por meio do Decreto 7875/2012, assinado pela presidente Dilma
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Rousseff e publicado no Diário Oficial da União no dia 28 de dezembro de
2012, três dias antes de expirar o prazo final para as adaptações. A
implantação definitiva do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, firmado em
1990 por todos os países de expressão portuguesa, deveria ocorrer no Brasil a
partir de 1º de janeiro de 2013, segundo decreto presidencial nº 6.583, de
2008. “O novo decreto publicado nesta sexta-feira ampliou o período de
transição até 31 de dezembro de 2015. Até lá, coexistirão a norma ortográfica
atualmente em vigor e a nova norma estabelecida por meio do acordo.” 17
Os meses que antecederam o adiamento foram marcados por ações dos
Senadores da República objetivando ampliar o tempo de transição (para seis
anos como a senadora Ana Amélia e o senador Cyro Miranda sugeriram em
seu projeto), mas por fim em novembro, os senadores Cyro Miranda e Lídice
da Mata levaram à ministra chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, sua
preocupação com o curto período para a implantação definitiva das novas
normas ortográficas.
Apesar desta questão do tempo, ressalta-se que a adequação dos livros
didáticos havia iniciado ainda em 2009, quando o acordo entrou em vigor e
começou o período de transição. Mas no entendimento destes senadores, o
prazo de adaptação foi bastante curto, visto que além dos livros didáticos,
literários, etc, os documentos e publicações oficiais deverão circular adaptados
às novas regras. Além disso, a partir da adoção definitiva das normas
estabelecidas pelo acordo, os concursos públicos e as provas escolares
deverão exigir o uso correto da nova ortografia. Mesmo que haja inúmeras
dúvidas tanto para educadores quanto para estudantes.
Observa-se que para a senadora Ana Amélia, conforme o site de
notícias do Senado, “O assunto demanda maior tempo de maturação, bem
17
Conforme o site: http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/12/28/adiamento-da-
vigencia-do-acordo-ortografico-teve-apoio-de-senadores
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como integração mais ampla com os demais países envolvidos”, haja vista a
importância de um tema como este, um acordo internacional, traçado por sete
países signatários. Ressalta-se ainda “que todos os signatários do acordo
adotaram períodos de transição mais longos. Em Portugal, o período de
convivência entre as duas normas vai até 2015. Em Cabo Verde, o prazo só
acabará em 2019”18. Assim, o Brasil mesmo tendo cumprido seu prazo
(inclusive por meio do trabalho do Ministério da Educação) na atualização de
todo material), está se alinhando aos cronogramas de outros países, visto que
o objetivo era justamente se unir (unir a língua) aos demais.
É interessante ressaltar que tanto no momento de confecção do Acordo,
como neste momento não se prima por uma ampla discussão no que tange às
alterações, envolvendo linguistas, docentes da área, ou simplesmente falantes
da língua, apenas se decreta adiado conforme sugestão deste ou daquele
senador. Mas por outro lado, não há como negar que haja uma inter-relação
entre a língua, a Ciência e Política. Conforme Orlandi & Guimarães (2001, p.
35-36), “As políticas gerais de um país manifestam esta inter-relação cuja
forma mais visível é a formulação específica das Políticas Linguísticas:
invasões, as exclusões, as hierarquias.” Basta ver que todas essas ações
definem que a língua que falamos, “com que estatuto ou quando se determina
este ou aquele modo de acesso a esta língua – pelo ensino, pela produção dos
instrumentos linguísticos, pela leitura das publicações, pelos rituais de
linguagem, pela legitimidade dos acordos [...]” (op. cit), e integram o campo da
política linguística.
A ortografia é nosso foco de estudo neste trabalho, mas para
entendermos os acordos ortográficos se fez necessária a compreensão de que
este importante instrumento linguístico nos conduz ao acesso e domínio da
18
Notícias do site: http://senado.jusbrasil.com.br/noticias/100266955/adiamento-da-vigencia-do-acordo-ortografico-teve-apoio-de-senadores
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língua. A questão é se as modificações que o acordo traz não dificultam mais
ainda este acesso, especialmente no que se referem às camadas mais pobres
de nossa sociedade, que possuem baixa escolaridade e passam por processos
de letramento precários, pois estamos sujeitos a língua e a história, produzidas
sob determinadas condições.
Nesta perspectiva, a língua poderia não representar um entrave no
acesso ao conhecimento erudito, ou a leitura e compreensão de documentos
oficiais. Mas, da forma como as regras estão estabelecidas haverá ainda mais
dificuldade em aprender as regras ortográficas do português do Brasil. Ernani
Pimentel, escritor, professor de linguística, e um dos maiores críticos do
acordo, quer aproveitar o adiamento para melhorar o conteúdo da nova
ortografia. Segundo ele “é preciso simplificar as novas regras e ‘ajustar
problemas que não foram percebidos’ pelas pessoas responsáveis pela
elaboração e assinatura do documento” 19. Ou seja, há problemas com a
escrita de algumas palavras e o momento deveria ser aproveitado para
solucioná-los.
Nesta mesma entrevista, Pimentel afirma que o maior problema do
Acordo é o fato de ter sido pensado no final dos anos 70, do século XX, época
em que a educação era baseada numa didática de memorização, em que o
aluno decorava regras e exceções, sem racionar e descobrir o que faz sentido.
Embora exista a pressão de linguistas, chamados de revisionistas, para
se reexaminar o Acordo, o objetivo do adiamento não é rever o documento,
mas sim dar mais tempo para termos familiaridade. Para Callegari, do MEC,
“as propostas de simplificação não estão contempladas na discussão do grupo
19
Conforme: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/governo-deve-adiar-inicio-do-acordo-ortografico-para-dezembro-de-2015.html
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interministerial. ‘O que poderia ser considerado e sempre pode ser considerado
são propostas que visam simplificar, mas não seria adiar, seria outro acordo’"20.
Diante desta situação Pimentel afirma ainda que não se pode ter um
acordo de ortografia sem considerar o que os professores pensam a respeito
porque são eles que não podem ensinar regras tão ilógicas. Ernani declarou
ao assumir a presidência do Centro de Estudos Linguísticos da Língua
Portuguesa (2012), que isto ecoava “como oportunidade e estímulo de
arregaçar as mangas e trabalhar objetivamente para o resultado prático de
simplificar, baratear e aprofundar a Educação, a começar pelo ensino da
Língua Portuguesa, portal de entrada para todos os ramos de conhecimento"21.
Ernani Pimentel e Cipro Neto, integrantes do movimento “Acordar
melhor”, destacaram as ressalvas que complicam a compreensão da ortografia
proposta pelo Acordo. São problemas, principalmente, com o uso de hífens,
como nestes exemplos: água-de-coco com hífen e suco de uva sem; Nova
Guiné sem hífen e Timor-Leste com; proto-herdeiro com h e hífen, mas
coerdeiro sem; duas grafias para uma mesma palavra bi-hebdomadário e
biebdomadário; paraquedas, paraquedista, paratudo sem hífen e para-raios,
para-sol com; para-raios e para-sol com hífen, mas contrarregra e
contrassenso com RR e SS sem hífen; há duas grafias corretas para pré-
embrião e preembrião, mas uma só para pré-embrionário; água-de-colônia com
hífen e água de cheiro sem; pé de botina, pé de sapo, pé de chinelo sem hífen
e pé-de-meia com; uma grafia para preeleger, mas duas em preeleito, pré-
eleito, pré-eleição, preeleição.22
20
Mesmo site de notícia.
21 Noticias do site: http://www.vestcon.com.br/noticia/ernani-pimentel-toma-posse-
academia-letras-brasilia.aspx
22 Conforme artigo da Revista Língua Portuguesa. Ano 8, nº 87, 2013, p. 15
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Ainda conforme a Revista de Língua Portuguesa, outro fator pode ser
preponderante na decisão de não rever o Acordo, o alto investimento, pois
“a Câmara Brasileira do Livro estima que as editoras se adaptaram a um custo de 40 milhões ao ano, entre 2009 e 2012, considerando só os gastos para revisão e reimpressão. O MEC [...] só com obras complementares para os alunos do ensino fundamental, o montante foi de R$ 591 milhões (em 2008 para a compra de 103 milhões de livros adotados em 2010) e R$ 893 milhões (em 2009, para 118 milhões de livros adotados em 2011). Para o ensino médio de 2012, mais de R$ 720 milhões foram investido em 2010 na compra de 80 milhões de livros para as escolas
23.
Estes números reforçam o fato de que não serão revistas as dualidades
ou as incoerências ortográficas. Como os gastos com alterações, revisões e
reimpressões do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foram vultosos,
nenhum dos políticos toca no assunto revisão, apenas adiamento da
implantação definitiva. Além destes investimentos públicos, não se deve
esquecer os gastos das grandes editoras que visam tão somente um bom
retorno financeiro.
Língua brasileira: acordo ortográfico para uma língua imaginária
Ao analisarmos a palavra Acordo, busca-se compreender porque não se
pensou em reforma da língua, em resolver, ou eliminar problemas que
dificultam o aprendizado e o amplo domínio lexical. Diferente de Fernão de
Oliveira ao afirmar que a língua portuguesa “tem de seu a perfeyção da arte
que outras nações aquirem com muyto trabalho“ (apud SPINA, 1987, p. 15)
cremos que a língua portuguesa possui muitas exceções, e isso é o que produz
as dificuldades de domínio já citadas.
Buscando analisar o termo Acordo por seu funcionamento semântico,
nota-se que este vai se configurando na medida em que os representantes dos
23
Revista da Língua Portuguesa (op. Cit)
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países, ao longo dos vinte anos, vão dialogando, o que causa uma impressão
de aproximação entre as nações para dar nova feição à língua. Mas Acordo
não é Reforma. O objetivo não é a transformação da língua enquanto objeto,
visando a melhoria da escrita ou da fala. Não se busca beneficiar os falantes
da língua Portuguesa. Também não é uma política linguística internacional que
visa divulgação e difusão maciça desta língua de forma global. A palavra
Acordo designa aliança, pacto, negócio, entre outros. Enquanto Reforma
lembra reestruturação, mas também conserto, arranjo, reparo.
O Acordo determina um negócio, enquanto Reforma determina um
reparo. Não é a língua que precisa ser reparada, é um negócio que precisa ser
pactuado. Desde o princípio este era o objetivo de Acordar a ortografia e, em
nome deste negócio, não se revê as incoerências das regras, as quais
preocupam os que clamam por revisão.
Nossa língua brasileira (definição de Orlandi) é fluida, mas pensamos
que se limita por regras para uso e regras de construção ortográfica e fonética,
no entanto Orlandi (2009, p. 18) afirma que a língua é “como um imenso rio,
como um Xingu, que os olhos não abrangem, não seguram, não limitam.
Fluida.” As regras também não limitam os significados, determinados pela
história, política e ideologia. A língua está em movimento contínuo, o que no
livro Língua Brasileira, Orlandi denomina como des-limite. E o “sujeito de
linguagem é descentrado, pois é afetado pelo real da língua e pelo real da
história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam” (ORLANDI,
2005, p. 20). A língua brasileira é afetado pelas condições materiais de sua
constituição e reformulações deslocada de sua origem.
Fixamos regras que nos dão a impressão, simbolicamente, de
possibilidade de domínio amplo de uma língua, mas esta é uma língua
imaginária, gramatizada, sistematizada, estável, modulada por regras
específicas. Neste sentido, diferentemente da língua fluida que circula sem
limites, “a língua imaginária é a língua sistema, a que os analistas fixam em
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suas regras e fórmulas, em suas sistematizações, são artefatos (simulacros)
que os analistas de linguagem têm produzido ao longo de sua história e que
impregnam o imaginário dos sujeitos [...]” (ORLANDI, 2009, p. 18)
Por um lado a busca deste domínio conduz o sujeito ao desejo de
modificações, retificações e reformulações que, em seu imaginário, podem
resolver problemas no que tangem ao saber e ao controle do que escreve e
fala, além de ser a linha divisória que distingue os brasileiros que falam
corretamente dos outros que não; destaca determinados brasileiros entre
brasileiros.
Por outro lado, a língua é parte de uma nação, representa a nação, sua
história. E a constituição da língua está vinculada às relações de poder que
esta sobrepõe à outra, ou outras, seja por uso da força, da repressão, da
expansão cultural de um grupo, ou até da própria repetição constante em
documentos oficiais e textos de divulgação de ideias, a língua vai se
sedimentando a tal ponto que os falantes são levados a aceitá-la e usá-la para
uma “boa comunicação”. Cita-se como exemplo o trabalho desenvolvido por
Marquês de Pombal, no decorrer da história colonial do Brasil. Segundo
Mariani (2001, p.102) “as referências a Pombal estão vinculadas a política da
intervenção da metrópole na proteção das fronteiras, na expansão do
comércio, na transformação dos aldeamentos de índios catequizados em
pequenas vilas e na expulsão dos jesuítas”. Embora os estudos não abordem
as práticas de imposição da língua portuguesa designadas pelo Marquês.
No Brasil, a partir da segunda metade do século XIX, num processo de
descolonização e constituição de uma identidade nacional, há um sentimento
de reconhecimento do que aqui se falava e o que estas palavras diziam. Estas
eram denominadas brasileirismos. “Os brasileirismos eram considerados como
‘empréstimos’ ou ‘influências’ das línguas com as quais o português teve
contato no Brasil, a saber, sobretudo, as línguas indígenas e africanas.
Formou-se assim um domínio lexicográfico particular." (NUNES, 2001, p. 71)
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Considera-se que, embora haja um distanciamento geográfico,
econômico, e até político, das nações falantes de língua portuguesa, estas
ainda tentam manter suas origens etimológicas. Mesmo quando os interesses
políticos estejam a frente dos interesses linguísticos.
Consideraçôes finais
Nas considerações iniciais pretendia-se abordar a história dos acordos
ortográficos, reverberando sobre que discursos permeiam este processo de
constituição e formulação do Acordo, bem como a solicitação do adiamento
ocorrida no final de 2012. Entretanto, no decorrer da produção escrita,
buscando informações a respeito de acordos anteriores, percebi que havia
muito que dizer, muito a pesquisar, diante de diferentes interesses que vão pelo
menos em dois sentidos opostos. De um lado os falantes da língua portuguesa
que poderiam ter regras ortográficas mais lógicas e práticas facilitando a
aquisição e domínio da língua e de outro a Política linguística do país que
pretende fazer uso da língua portuguesa, não para uma aproximação
linguística com Portugal e os países africanos, mas para garantir uma
proximidade comercial, principalmente, com os países em desenvolvimento
(falantes de português).
Nesta perspectiva, ressalta-se que desde a criação da CPLP, em 2009, o
idioma tem sido mais valorizado e prestigiado como se houvesse unificação de
todos os países lusófonos (como se fossem um bloco). Tanto que os negócios
feitos “em língua portuguesa cresceram 534% nos cinco anos anteriores. O
fluxo de comércio entre o Brasil e os sete países lusófonos pulou de US$ 1
bilhão em 1996 (quando a Comunidade de Países de Língua Portuguesa foi
formada) para US$ 6,5 bilhões em 2008”24. Desta forma, o aspecto econômico
24
Informações http://revistalingua.uol.com.br/textos/72/o-valor-do-idioma-249210-1.asp.
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ocupa posição de destaque na hierarquia dos interesses sobre a delimitação de
regras em uma língua, continua se sobrepondo aos demais nas idas e vindas
dos acordos ortográficos brasileiros.
Referências bibliográficas
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In: Vestcon Editora Ltda. Disponível em:
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Acordo em vigor desde 01/01/2009. São Paulo, SP: Editora Escala, 2009.
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Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/governo-deve-
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GUERREIRO, C.; PEREIRA JUNIOR, L. C. O valor do idioma. In: Revista
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http://www.portaldalinguaportuguesa.org/acordo.php. Acesso em: 01 de jul. de
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teve apoio de senadores. Disponível em:
http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/12/28/adiamento-da-
vigencia-do-acordo-ortografico-teve-apoio-de-senadores. Acesso em: 20 de
jun. de 2013.
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75
MARIANI, B. A institucionalização da lingua, história e cidadania no Brasil do
século XVIII: o papel das Academias Literárias e da política do Marquês de
Pombal. In: Orlandi, E. P. (org.) História das Idéias Lingüísticas: Construção do
saber metalinguístico e constituição da língua Nacional. Campinas:
Pontes/Unemat Editora, 2001.
NUNES, J. H. Léxico e língua nacional: apontamentos sobre a história da
Lexicografia no Brasil. In: Orlandi, E. P. (org.) História das Idéias Lingüísticas:
Construção do saber metalinguístico e constituição da língua Nacional.
Campinas: Pontes/Unemat Editora, 2001.
ORLANDI. E. P.; GUIMARÃES, E. J. Formação de um espaço de produção
linguística: A gramática no Brasil. In: Orlandi, E. P. (org.) História das Idéias
Lingüísticas: Construção do saber metalinguístico e constituição da língua
Nacional. Campinas: Pontes/Unemat Editora, 2001.
ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: Princípios e procedimentos. São Paulo:
Pontes, 2005.
___. Língua Brasileira e outras histórias: Discurso sobre a língua e ensino no
Brasil. Campinas, SP: Editora RG, 2009.
REVISTA LÍNGUA PORTUGUESA. O adiamento do acordo. Ano 8, nº 87,
2013, p. 15.
SPINA, S. História da Língua Portuguesa: III Segunda metade do século XVI e
século XVII. São Paulo, SP: Editora Ática, Série Fundamentos, 1987.
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INFERÊNCIAS NO PROCESSO INTERPRETATIVO: UM ESTUDO
SOBRE A MÚSICA CAMARO AMARELO
Maria Angelica Barbosa25
- (FAF)
Luizane Schneider26
- (FAF)27
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar letras de música como uma
ferramenta que permite estimular a interpretação inferencial e, por esse fato, deve ser
explorada a fim de diversificar e contextualizar a aprendizagem. Serão analisadas a
música Camaro Amarelo de Munhoz e Mariano uma famosa representante do sertanejo
universitário e as paródias Mobilete Cromada de João Paulo e Eduardo e Tobata
Rebaixada da Banda Fritz 4. Através das inferências encontradas pretende ser um
estudo sobre a dificuldade de se compreender músicas. As músicas são compostas de
informações explícitas e implícitas, por isso, nos processos de interpretações, faz-se
necessário empregar estratégias inferenciais que elucidem as questões de compreensão
presentes na superfície musical, bem como estratégias que vão auxiliar o leitor a
compreender os implícitos. Após expor que as músicas são estruturas permeadas de
poros e ambiguidades, discute-se o papel da inferência como dispositivo que relaciona
aspectos sociais com significado do conhecimento estabelecido. Considerando isso, este
trabalho terá como enfoque as dificuldades de compreensão das músicas, que vêm
contribuindo para o insucesso dos alunos nas atividades de interpretação. Partindo do
princípio de que as inferências afetam o processo de compreensão da música, será
levantada a hipótese de que o tipo de inferência a ser feita afeta a facilidade ou
dificuldade da compreensão. Neste sentido buscou-se respaldo teórico nos escritos de
Koch (1987), Nascimento Neto (2008), referente à inferência. Concluindo-se que a
leitura centra-se no leitor, é nele que ocorrem as inferências, o leitor estabelece relações
com o texto, para comprovar esta afirmativa far-se-á a análise das músicas, nas quais a
linguagem inferencial se sobressai.
Palavras-chave: Inferências, Músicas, Interpretação.
INTRODUÇÃO
25
Acadêmica do 8º período do Curso de Letras Português/Espanhol e Respectivas Literaturas.
26 Professora Mestre da Faculdade da Fronteira. [email protected]
27 Faculdade da Fronteira –FAF, Barracão-Paraná.
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O ensino diversificado é geralmente desvalorizado devido ao fato de o professor
ter como principal barreira o excesso de conteúdo, perdendo-se assim o foco da
aprendizagem da forma com que ela se constrói e se consolida na vida do aluno,
desenvolvendo valores, habilidades e atitudes. Surge à necessidade de valorizar o
processo de ensino aprendizagem, despertar no aluno atitudes e valores que o possibilite
se desenvolver como cidadão. A criação de atividades diferenciadas voltadas para a
construção do conhecimento e para a valorização do aluno como ser humano torna a
aprendizagem algo fácil, divertido e vantajoso de ser desenvolvido.
A música estreita laços entre os alunos e os professores, sendo capaz de motivar
e estimular o aluno, facilitando a aprendizagem e desenvolvendo a socialização do
indivíduo. Neste contexto o presente trabalho tem como propósito demonstrar a
contribuição da utilização da música como auxílio no processo de ensino-aprendizagem.
Através da análise da música Camaro Amarelo de Munhoz e Mariano e as paródias
Mobilete Cromada de João Paulo e Eduardo e a Tobata Rebaixada da Banda Fritz 4.
INFERÊNCIAS
A noção de inferências é fundamental para quem quer entender o fenômeno da
compreensão. São consideradas inferências aquelas informações que o leitor adiciona ao
texto. As inferências podem ser de muitos tipos, podem ser feitas em diferentes
momentos da leitura e para fazê-las o leitor conta com dados do texto, elementos do seu
conhecimento prévio, bem como da situação comunicativa que juntos possibilitarão a
ele fazer deduções, generalizações, entre outras operações mentais necessárias à
compreensão do texto.
Pode-se dizer que inferências são operações cognitivas que o leitor realiza para
construir proposições novas a partir de informações que ele encontrou no texto. A noção
de inferência tem sido usada para descrever operações cognitivas que vão desde a
identificação do referente de elementos anafóricos e exofóricos até a construção da
organização temática do texto. Essa excessiva abrangência do conceito de inferência é
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problemática para a caracterização desse fenômeno, pois reúne sob o mesmo título
operações muito diversas, trazendo assim dificuldades para o estudo dele.
GÊNEROS TEXTUAIS
Como descrito por Bakhtin (2000 apud DIAS, 2012), as modalidades
comunicativas são gêneros textuais que, em função do seu constante uso social, tornam-
se padrões gerais para o discurso. Bakthin (2003, p.263), dividem os gêneros textuais
em primários e secundários, sendo secundários os que se dão em situações mais
complexas de comunicação, como nas áreas jurídicas, acadêmicas e artísticas. Já os
primários ocorrem na esfera do cotidiano, com características próprias e estão em
discussão neste trabalho.
De modo geral, todo texto está permeado de conhecimentos anteriores a sua
escrituração, sendo que há textos que se utilizam de outros, escritos anteriormente, para
se construírem, ou seja, estabelece-se uma relação entre dois textos quando um deles faz
referência a elementos existentes no outro. Este fato é o que se denomina
intertextualidade. Em relação aos elementos utilizados, estes podem referir-se à forma e
ao conteúdo. Através da intertextualidade há interação entre o sentido dos textos, que
permite a construção de um terceiro sentido. Promove o enriquecimento das
informações abordadas, utilizando fatos que sirvam de base ou comparações das ideias.
Para Koch (2004, p.145), essa “(inevitável) presença do outro naquilo que
dizemos ou escrevemos”, é um recurso argumentativo que pode estar explícito ou
implícito, mas que requer a ativação do texto-fonte na mente do leitor, de forma a
orientar a compreensão daquilo que se lê, realizando assim, a intertextualidade – já
presente na escrituração – no momento da leitura.
Sendo um texto de linguagem verbal, a música se constitui em um gênero
textual, que se utiliza da poesia como forma de expressão, pois está diretamente atrelada
à linguagem musical. Conforme Smith (1989 apud SANTOS, 2008) “vivemos em um
mundo que o cérebro cria, em vez de em algum mundo concreto que existe
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independentemente de nós” (p. 266). Então, percebe-se como as inferências musicais
influenciam a vida em sociedade. Emprega-se o termo música como “a consecução
simultânea de melodia, harmonia e ritmo esteticamente combinados” (NASCIMENTO
NETO, 2003, p. 185).
No que concerne à influência da música na sociedade, Nogueira (2003 apud
NASCIMENTO NETO) enfatiza que no Japão e nos países nórdicos “um educador tem
na sua graduação profissional, um espaço considerável dedicado à sua formação musical
inclusive com a prática de um instrumento”. Já no Brasil, o espaço destinado ao
conhecimento técnico-artístico de música ainda está em fase inicial.
Daí a má formação musical do povo brasileiro. A despeito disso, Nascimento
Neto (2008, p.83) diz que “a padronização ritmo-melódica das músicas comerciais que
degradam a arte musical a uma linguagem monospérmica apenas destinada a encher
ambientes com sensação de agitação ou para estimular a aeróbica mecanicista
contrapondo-se as funções mais nobres” como exprimir sentimentos, pensar, comunicar
e favorecer o desenvolvimento afetivo do indivíduo.
Esta pouca cultura musical contribui para o aumento de músicas cuja inferência
auxilia o preconceito, a violência, o crime e a discriminação, assim como a depreciação
da mulher.
Atualmente, de acordo com a Lei 11.769, de 18 de agosto de 2008 (que altera a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação – nº 9.394/1996), relativa ao ensino de música na
educação básica, em seu parágrafo 6º do art. 26, determina que a música deve ser
conteúdo obrigatório, mas não exclusivo do componente curricular.
ANÁLISE DAS MÚSICAS
Através da inserção desta arte que, por ora, é pouco valorizada como meio de
transmissão de conhecimento no contexto escolar, há um aumento na possibilidade de
que todos aprendam a apreciar as músicas que contenham letras representativas da
cultura artística do povo brasileiro. Isto resultaria no melhoramento do gosto musical do
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povo brasileiro, que deixaria de apreciar as músicas com letras de baixo sentido, pois
quanto mais culto o povo se torna, mais exigente ele fica.
No contexto musical em que vivemos hoje, destaca-se o gênero musical que
ficou conhecido como sertanejo universitário. Nesta modalidade, as músicas são
empolgantes, de fácil memorização e a interação entre o artista e o público se torna
natural. Quase a totalidade das músicas deste gênero são tocadas em versões “pseudo-
acústicas” (já que, na prática, a versão acústica não é levada ao pé da letra) e os CDs, de
modo geral, são gravações de shows ao vivo, com uma participação relevante do
público.
Popularizou-se, principalmente, por influência das mídias, como a televisão, em
alguns casos – novelas, por exemplo – que exploram abertamente o estilo. Algumas
duplas – considerando-se que a absoluta maioria dos cantores deste estilo não cantam
sozinhos, salvo algumas exceções – fazem questão de serem rotuladas como sendo de
sertanejo universitário.
Uma famosa dupla representante deste estilo é a dos cantores Munhoz e Mariano. Estes
cantores, desde o ano de 2006 cantam juntos por todo o Brasil, tendo lançado grandes
sucessos. Um de seus maiores destaques é a música “Camaro Amarelo”, que é o objeto
de análise deste trabalho. A escolha desta música dentre dezenas de outras que abordam
o tema dinheiro e interesse através da linguagem inferencial, está no fato de que esta
música, de letra simples e refrão fácil de ser memorizado pelo ouvinte, vale-se da
linguagem implícita, conforme será demonstrado. Segue a letra da música:
CAMARO AMARELO (Munhoz & Mariano)
Agora eu fiquei doce, doce, doce, doce
Agora eu fiquei do-do-do-do-doce, doce.
Agora eu fiquei doce, doce, doce, doce
Agora eu fiquei do-do-do-do-doce, doce.
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E agora eu fiquei doce igual caramelo,
To tirando onda de Camaro amarelo.
E agora você diz: vem cá que eu te quero,
Quando eu passo no Camaro amarelo.
Quando eu passava por você,
Na minha CG você nem me olhava.
Fazia de tudo pra me ver, pra me perceber,
Mas nem me olhava.
Aí veio a herança do meu véio,
E resolveu os meus problemas, minha situação.
E do dia pra noite fiquei rico,
To na grife, to bonito, to andando igual patrão.
Agora eu fiquei doce igual caramelo,
To tirando onda de Camaro amarelo.
E agora você diz: vem cá que eu te quero,
Quando eu passo no Camaro amarelo.
E agora você vem, né?
Agora você quer.
Só que agora vou escolher,
Tá sobrando mulher.
E agora você vem, né?
Agora você quer, ha.
Só que agora vou escolher,
Tá sobrando mulher.
Visualizando a letra da música “Camaro Amarelo”, de Ricardo e Raphael – que formam
a dupla sertaneja Munhoz e Mariano –, percebemos que, embora inicie sem um
vocativo, possibilita inferir que se trata de uma narrativa informal, contando o que
ocorre com um homem após ter recebido a herança de seu pai: Agora eu fiquei doce,
doce, doce.
A princípio, far-se-á a análise morfológica da letra da música. São 169 palavras, sendo
28 verbos, 20 substantivos, e, entre os adjetivos, a palavra “doce” aparece 14 vezes,
sendo a que mais se repete. Para inserir o leitor de forma aprofundada na análise, segue
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o gráfico com a análise morfológica, contendo a porcentagem de cada classe gramatical.
Observe:
Observa-se que há vários fenômenos semânticos, entre eles, figuras de
linguagem e recursos sonoros, que serão analisados individualmente.
No que tange aos recursos sonoros, observa-se a anáfora28
, através do pronome
oblíquo átono “me”. De modo geral, as palavras utilizadas na música descrevem a
mentalidade social do tempo presente, ou seja, de uma sociedade voltada para o
consumo do prazer. As músicas que recriam situações desse gênero instigam a
curiosidade e, deve-se citar, a maioria das pessoas procura esconder seus sentimentos e
o seu verdadeiro eu.
A música possui sentido conotativo29
, já que seus elementos favorecem o duplo
sentido e estão presentes de forma abundante na música, como se percebe em “agora eu
fiquei doce igual caramelo”.
28
Figura de som que consiste na repetição da mesma palavra ou grupo de palavras no princípio de frases
ou versos consecutivos
29 Que possui significado criado, irreal, subjetivo.
Verbos 23%
Pronomes 19%
Adjetivos 18%
Substantivos 17%
Advérbios 16%
Preposições 6%
Artigo 1%
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Nesta frase, que se destaca já no início da canção, o sujeito diz que ficou doce
sem explicar o porquê dessa doçura. Configura-se como hipérbole pelo exagero
demasiado da ideia de que ficou “doce, doce, doce, doce”. Na sequência, temos “e
agora eu fiquei doce igual caramelo”, que é uma comparação, e segue com “to tirando
onda de Camaro Amarelo”. Será que por ele ter um Camaro amarelo ele ficou doce
igual um caramelo?
A escolha do Camaro Amarelo não foi aleatória. O sujeito o escolheu um pois,
um Camaro, por si só, já atrai olhares quando passa e a cor amarela desperta ainda mais
a atenção das pessoas, cor que representa a riqueza, o dinheiro e o ouro, e deixa as
pessoas curiosas para saber se quem vai sair do Camaro é uma pessoa bonita e
interessante. Por meio das inferências, pode-se relacionar a cor amarela com luz, calor,
descontração, otimismo, alegria, sol, o verão, a prosperidade e a felicidade. É uma
cor inspiradora, que desperta a criatividade, estimula as atividades mentais e o
raciocínio, além de ser associada à nobreza, à inteligência e ao luxo.
Além das inferências e das figuras de linguagem já destacadas, pode-se ainda
destacar uma gradação inferencial de expectativa: provavelmente, antes de ganhar a CG,
o sujeito da música andasse a pé; em seguida tinha uma CG e, agora, tem um Camaro
amarelo.
Mais adiante, encontramos na letra o eu-lírico, que reproduz a fala da mulher:
“Vem cá que eu te quero”, frase que toma forma quando ele passa de Camaro amarelo.
Como é de conhecimento comum, pode-se inferir aqui que um homem que aprecia
música sertaneja e tem um carro, geralmente anda com o som no último volume, o que
impossibilitaria ouvir uma mulher dizendo qualquer coisa. Salvo se ele saiba fazer
leitura labial, a qual se configura direção perigosa, uma vez que ele está prestando
atenção na mulher e não no trânsito.
Ainda com relação à mulher, o rapaz descreve a falta de atenção que ela lhe
dispensava quando ele passava com a CG. Percebe-se que o rapaz demonstra uma
grande necessidade em chamar a atenção da mesma. Porém, nenhuma mulher terá que,
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obrigatoriamente, olhar uma pessoa por ela possuir um veículo, seja moto ou carro. Em
seguida, ele diz que fazia de tudo para que ela o percebesse, ou seja, ele ficava
empinando a moto e fazendo estouros que se assemelham a tiros com a CG. Mas,
através da narrativa de Munhoz & Mariano, o Camaro Amarelo tornou-se o milagre
esperado na vida do sujeito – já que este quer consumir sexualmente a mulher – pois, ao
ganhar o carro, ele consegue a sonhada atenção da moça e, então, não a aceita de
imediato: “E agora você vem, né?/ Agora você quer / Só que agora vou escolher / Tá
sobrando mulher”.
Em outro ponto, uma inferência interessante está no modo como o dinheiro para
a aquisição do Camaro Amarelo chegou ao sujeito. Segundo a música, verifica-se que o
eu lírico está comemorando por ter conseguido muito dinheiro com a morte do pai, o
que representaria um ato de extrema insensibilidade (da parte do sujeito): "Aí veio a
herança do meu véio, / E resolveu os meus problemas, / minha situação”. Com o fato do
pai dele ser rico e ele ter apenas uma CG, pode-se inferir que o indivíduo teve que
esperar o pai morrer ou – quem sabe? – ter planejado a morte do pobre velho.
Apesar do sentido dos versos conduzirem à constatação de que o pai do sujeito
morreu, isto não está explícito na letra. Existe também a possibilidade de ter havido
uma transferência de legítima30
do pai para ele ainda em vida, não há como atestar a
morte. O eu-lírico, de sua parte, agradeceu, pois pode gastar todo o dinheiro que seu
pai conseguiu com seu trabalho no decorrer dos anos, com roupas de grife, amigos,
tratamentos de beleza e um carro de luxo. Ter comprado este carro caro o fez sair por aí
“andando igual patrão”, mas não o transformou em um, pois para ser um patrão, o
sujeito precisaria ter investido em uma empresa ou algo semelhante.
Após comprar o carro e conquistar muitas mulheres – porque já não era mais
interessante aquela que o ignorou no passado – por estar num “padrão acima”, pôde
30
Porção da herança reservada por lei aos herdeiros necessários (ascendentes ou descendentes), e
correspondente à metade dos bens do espólio (HOUAISS, 2009).
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demonstrar toda sua imaturidade ao devolver o mesmo comportamento que a moça o
dispensou outrora, ignorando-a de volta. Afinal, agora ele pode escolher, pois “tá
sobrando mulher”.
O valor de mercado Camaro – carro esportivo fabricado pela montadora
Chevrolet – está por volta de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Através desta
informação, pode-se constatar que o pai do rapaz era um cidadão muito bem sucedido,
pois seu filho conseguiu comprar o carro, fazer tratamento de pele, comprou roupas de
grife e ainda sobrou dinheiro para ele gastar com os “amigos”, que se pode chamar de
interesseiros. Abaixo, a foto do Camaro Amarelo:
3.1 PARÓDIA
A música “Camaro Amarelo”, bem como muitos filmes e músicas, foi
parodiada. A paródia é uma imitação cômica de uma composição literária. Em geral, é
parecida com a obra de origem, e quase sempre tem sentido diferente da composição
original, já que possui efeito cômico, utilizando a ironia e o deboche. Para Sant’Anna
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(2003, p.41), “a paródia deforma o texto original subvertendo sua estrutura ou sentido”.
Para a literatura a paródia é um processo de intertextualidade, com a finalidade de
desconstruir ou reconstruir um texto.
A paródia surge a partir de uma nova interpretação, da recriação de uma obra já
existente e, em geral, consagrada. Seu objetivo é inovar e adaptar a obra original a um
novo contexto, passando diferentes versões para um lado mais despojado e aproveitando
o sucesso da obra original para passar um pouco de alegria. Fávero (2003, p. 50), define
paródia como “canto paralelo, incorporando a ideia de uma canção cantada ao lado de
outra, como uma especial contra canção”.
Para a música “Camaro Amarelo”, João Paulo e Eduardo criaram a “Mobilete
Cromada”, cuja letra segue:
MOBILETE CROMADA (João Paulo e Eduardo)
Agora eu tenho gosto gosto gosto gosto
Agora eu tenho gogo gosto gosto gosto
Agora eu tenho gosto gosto gosto gosto
Agora eu tenho gogo gosto gosto gosto
Agora eu tenho gosto gosto de empada to tirando onda de mobilete cromada
Agora você diz, me dá uma empada quando eu passo na mobilete cromada...
Quando eu passava por você só para vender uma empada
Fazia de tudo pra vende só pra tu come minha empada
Agora fiquei rico to bonito eu ganhei na raspadinha to andando igual patrão
E do dia pra noite você diz que me ama e quer comer quer comer meu empadão
Agora eu tenho gosto gosto de empada to tirando onda de mobilete cromada
Agora você diz, me da uma empada quando eu passo na mobilete cromada.
Agora você vem né agora você quer só que agora to vendendo prum monte de mulher
Agora você vem né agora você quer só que agora to vendendo prum monte de mulher
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Morfologicamente, a música contém 161 palavras, sendo 28 verbos, 22
substantivos, sendo que o adjetivo “gosto” aparece 20 vezes e, a exemplo do adjetivo
“doce” da música original, é o que se repete mais.
O sujeito da música Mobilete Cromada é bem diferente do sujeito do Camaro
Amarelo: este sujeito possui um emprego (vende empadas na rua), não esperava pela
mesada nem pela herança do pai, que talvez fosse um trabalhador comum que passou ao
filho o conhecimento sobre a importância do trabalho, já que, mesmo após receber um
prêmio, o jovem continuou o ofício de vendedor de empadas.
Esse jovem trabalhador, ao passar pela moça com a caixa de isopor cheia de
empadas, deixava-a constrangida, pois ela, provavelmente, queria um namorado com
emprego fixo, não aceitando o emprego que ele tinha, julgando não ser um trabalho
digno de um jovem.
Outra característica contrária ao sujeito do Camaro Amarelo é a de que o
jovem da Mobilete Cromada comprou um veículo de valor muito inferior: uma mobilete
cromada tem valor aproximado de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Através dessa
diferença considerável no valor dos meios de transporte escolhidos pelos dois sujeitos,
pode-se chegar a, pelo menos, duas inferências distintas: a primeira é a de que o rapaz
da Mobilete Cromada não teve muita sorte ao ganhar na raspadinha; a segunda é a de
que o jovem, por ser trabalhador, saiba o verdadeiro valor do dinheiro e menospreze a
ideia de comprar carro de luxo, tendo guardado o restante do dinheiro para comprar e
investir em coisas mais importantes e que deem maior garantia de rendimentos futuros,
bem ao contrário do sujeito anterior que se preocupava exclusivamente em chamar a
atenção das mulheres.
Em determinado trecho da paródia, após o rapaz ter recebido o prêmio, temos
“Agora você diz que me ama e quer comer meu empadão”. A constatação aqui é de que
essa moça nutria certa paixão pelo jovem, mas nunca teve coragem de se aproximar
dele, pois era um homem sem nenhuma estrutura financeira. Talvez houvesse o
interesse de se casar, construir uma família, mas, devido a situação financeira do rapaz,
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não existia condições de formarem um casal. Todavia, ao ganhar na raspadinha, a moça
percebeu que chegou a hora de dar uma oportunidade ao rapaz.
A partir daí, ela passou a querer tudo o que o rapaz um dia lhe propusera:
desde a empada, que ele fizera questão que ela provasse para saber o quanto era boa, até
o seu “empadão”, que faz referência implícita ao órgão sexual masculino.
Ocorre que, agora, o rapaz não faz mais questão de vender para ela já que ele
tem uma grande freguesia composta de mulheres, o que o faz declarar que está sobrando
mulher. Pode-se dizer que ele ampliou também seu negócio, passando a ganhar mais.
A seguir, a foto de uma Mobilete Cromada.
Há outra paródia para a música Camaro Amarelo, cuja letra se pode conferir abaixo:
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TOBATA REBAIXADA (Fritz 4)
Agora eu Fritz tá toce, toce, toce, toce
Agora eu Fritz tá tototototoce, toce
Agora eu Fritz tá toce, toce, toce, toce
Agora eu Fritz tá tototototoce, toce
Agora eu Fritz toce igual cuca recheada
O Fritz tá andando de tobata rebaxada
E a Frida tá loca só dando risada
Querendo da voltinha na tobata rebaxada
Quando o Fritz tava de careton o Frida dizia não
Dizia não
Só dava risada não olhava se chacuaiava
Não embarcava
Aí o vater disse pega o grana
Vai pro stadt de carona compra um tobaton
E agora é só Frida bonita muito chop geladinho
E muito batidão
Agora eu Fritz toce igual cuca recheada
O Fritz tá andando de tobata rebaxada
E a Frida tá loca só dando risada
Querendo da voltinha na tobata rebaxada
Agora a Frida vem
Agora a Frida quer
Só que agora o Fritz
Vai escolher a Frida que quiser
A versão acima, da Banda Fritz 4, de Novo Xingu, cidade do interior do Rio
Grande do Sul, foi premiada como a melhor banda típica alemã. Surgida em 2006, a
banda enfatiza a dicção simples e divertida da língua alemã em suas músicas, com a
simples proposta trazer alegria para pessoas de todas as idades, o que muitas vezes
ocasionou momentos emocionantes ao relembrar músicas que fizeram parte da história
dos expectadores.
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Para analisar esta paródia, bem como feito anteriormente, inicia-se com a
morfologia da letra. Contém 150 palavras, sendo 18 verbos e 32 substantivo e o adjetivo
“toce”, aparece 14 vezes e é a palavra que mais se repete.
O Fritz e a Frida são personagens-símbolos da cultura típica alemã. Vestidos a
caráter, estão presentes em todas as festas desta etnia. Uma das cidades com maior
influência germânica em sua cultura e história é Blumenau. A cidade, situada ao
nordeste do Estado de Santa Catarina, distância 140 quilômetros de Florianópolis. A
arquitetura, a culinária típica e a cerveja na cidade confirmam as raízes germânicas.
Alguns pratos como o marreco recheado, o eisbein (joelho de porco) e o kassler (bisteca
de porco, levemente defumada) formam o trio de ferro da culinária local. Além da
tradicional Oktoberfest31
, a festa do chope realizada no mês de outubro.
Utilizando a culinária alemã, na frase “o Fritz está doce igual cuca recheada” há
uma comparação entre o Fritz e o prato, tipicamente alemão. Não há como saber se uma
pessoa está doce, ainda mais igual a uma cuca recheada. Pode-se inferir que essa
doçura, de sentido conotativo, esteja atraindo a atenção das “Fridas”. Também é
possível deduzir que o Fritz está muito feliz por ter conseguido ganhar o que queria – a
tobata rebaixada – o que faz com que ele se sinta desejado como uma cuca recheada.
Por que ganhou uma tobata rebaixada de seu pai, o Fritz anda se gabando,
dizendo que Frida quer namorar ele. A Frida está bem animada porque o rapaz
demonstrou que sua família tem dinheiro e, agora, a moça está interessada no sujeito e
até querendo dar uma voltinha na tobata rebaixada.
Para adquirir o veículo, o pai deu ao Fritz o dinheiro e mandou-o de carona até a
cidade para comprar um tobatão. Agora, com o referido veículo, “é só Frida bonita
muito chop geladinho e muito batidão”.
Quanto às palavras alemãs ou com forte sotaque característico dos descendentes
desta etnia (Fritz, Frida, toce, tobata, caretón, stadt, vater, chop), aumentam ainda mais
31
Festa que ocorre no mês de outubro.
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a identidade do personagem. Na frase “quando o Fritz estava de carretão / a Frida dizia
não / só dava risada / não olhava se chacuaiava, / não embarcava” o termo
“chacuaiava” é uma variação linguística para “chacoalhava”.
Para identificarmos o veículo em questão, segue uma fotografia de uma Tobata
Rebaixada:
Diante das análises supracitadas, percebe-se em todas as versões da música
que os sujeitos, de uma ou de outra forma, mudaram sua situação financeira: com a
herança do pai, ganhando na raspadinha e até mesmo recebendo do pai um determinado
valor em dinheiro. Desta forma, os sujeitos personagens das músicas puderam escolher
o que comprar, sendo que todos eles investiram em um meio de transporte próprio.
O sujeito citado na canção “Camaro Amarelo”, um rapaz ambicioso, não se
vexou em usufruir de tudo o que era seu por direito e ostentar ao máximo sua nova
condição. Não havendo qualquer referência ao trabalho do rapaz no decorrer da
composição, deduz-se que o moço era acomodado, talvez preguiçoso e, portanto, teve
que esperar a herança do pai para conseguir melhorar sua situação econômica.
Na segunda música analisada, “Mobilete Cromada”, o rapaz pode ser
considerado trabalhador, pois o ofício de vendedor ambulante de alimentos é
discriminado socialmente. Numa sociedade em que não há valorização das profissões
mais simples, em que o preconceito é maior sobre o trabalho digno, mas pouco
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remunerado, que ao comodismo, é possível também inferir que o rapaz era corajoso,
afinal, esses preconceitos e discriminações não o intimidaram nem, tampouco, o fizeram
abandonar sua profissão ao receber o prêmio.
CONCLUSÃO
Com a análise das músicas selecionadas, percebeu-se que a mudança de foco, ou
sobreposição de script, e a quebra da expectativa criada pelo leitor são responsáveis pela
transformação do texto em músicas. Somente quando o leitor muda o foco da leitura é
que ocorre a quebra da expectativa e a ativação da inferência.
Observou-se que todo o texto contribui para a ativação correta da inferência,
confirmando o que afirma Koch, porém, em todas as músicas, a expressão que a ativa é
localizada no decorrer do texto.
REFERÊNCIAS
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Pereira. 3.ed. São Paulo. Martins Fontes. 2000.
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Aprender a Ler. Porto Alegre: Artes Médicas. 1989.
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LETRAMENTO ACADÊMICO E LETRAMENTO DO PROFESSOR:
UMA PERSPECTIVA MULTICULTURAL E SITUADA SOBRE O
PAPEL DA UNIVERSIDADE NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR
Sílvia Letícia Matievicz Pereira32
Angela B. Kleiman33
É comum a constatação, pouco considerada por pesquisas sobre a formação do professor, acerca
do caráter de distância e de desvinculação da atividade profissional que a formação docente
(tanto inicial quanto continuada) assume no contexto universitário (KLEIMAN, 2001, 2008).
Em um extenso estudo coordenado por Gatti & Barreto (2009) sobre a formação inicial e
continuada e a carreira dos professores no Brasil, é preocupante a constatação da pouca ou
inexistente integração dos referencias teóricos (tanto interdisciplinares quanto específicos de
cada licenciatura) ao contexto concreto de ensino. Dentre as queixas dos professores que
participam de cursos de formação continuada levantadas pelas pesquisadoras, por exemplo, está
a de que os professores “sentem dificuldade de entender a relação entre o programa
desenvolvido e suas ações no cotidiano escolar” (GATTI & BARRETO, 2009, p. 221). Partindo
da concepção de letramento acadêmico como um conjunto de práticas de usos da escrita que se
baseiam em modos específicos de construção de sentidos, que variam de acordo com a área do
conhecimento e dos contextos acadêmicos particulares, as quais envolvem relações de poder e
de autoridade e também de identidades (LEA & STREET, 2006), o Grupo Letramento do
Professor, núcleo de pesquisas sobre a formação do professor de língua portuguesa, do qual este
trabalho faz parte, defende que as práticas de letramento acadêmicas, no contexto da formação
docente, mostram-se insuficientes para o desempenho da profissão. Com base nesse ponto de
partida, o presente trabalho objetiva apontar algumas premissas de pesquisa de doutorado em
andamento, cujo foco de investigação é a relação entre a universidade e a educação básica na
formação continuada docente de professores de língua portuguesa no contexto do Programa de
Desenvolvimento Educacional – PDE (política pública paranaense de formação continuada
docente direcionada aos professores estatutários da educação básica pública do estado). A
pesquisa afilia-se à perspectiva antropológica e multicultural dos Estudos do Letramento
(STREET, 1984, 1990), os quais trabalham a partir de uma perspectiva fortalecedora, que busca
contribuir para que o professor exerça seu trabalho em melhores condições. Isso implica uma
possibilidade de formação situada que leve em consideração as necessidades de letramento no e
para o local de trabalho. Este tipo de formação visa ao letramento do professor, o qual - sob o
ponto de vista desses estudos - deve basear-se em “conhecimentos situados, isto é, como
32
E-mail: [email protected]
33 Professora orientadora da pequisa.
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pertencendo e esgotando os conhecimentos necessários para agir segundo as exigências do local
de trabalho” (KLEIMAN, 2008, p. 31). O que se espera, como consequência de uma formação
situada, é “encurtar a distância entre as práticas acadêmicas e as práticas no local de trabalho”
(KLEIMAN & SILVA, 2008, p. 17), por meio de uma relação dialógica entre os saberes
acadêmicos e os exigidos para o local de trabalho. É nessa direção que tanto a pesquisa em
andamento, quanto as pesquisas do Grupo buscam a clareza da distinção entre os saberes
necessários para o uso da escrita, dentre outras questões, e aqueles propícios para o ensino desse
fazer.
Palavras-chave: Formação de professores; Letramento acadêmico; Letramento do professor.
Introdução
Este texto pretende apresentar parte das discussões que compõem projeto de pesquisa de
doutorado em andamento, desenvolvida no programa de pós-graduação em Linguística Aplicada
da UNICAMP, a qual também se insere no Núcleo de Pesquisas Letramento do Professor34
. O
compromisso principal da pesquisa é refletir sobre o papel da universidade no processo de
letramento do professor. De caráter qualitativo-interpretativista, a investigação analisa eventos
de letramento35
no contexto do Programa Desenvolvimento Educacional do Paraná (doravante
PDE).
O PDE é uma política pública de formação continuada ofertada anualmente a cerca de
2000 professores efetivos da rede estadual de ensino do estado. Segundo os documentos que o
regem, o programa busca, por meio da aproximação entre as Instituições Públicas de Ensino
Superior do estado e as escolas públicas de Educação Básica, a construção de saberes voltada à
pratica escolar.
34 O grupo, sediado na Unicamp, constituiu-se em 1991, em resposta a uma solicitação de um município do interior
do estado de São Paulo de assessorias na área de formação de alfabetizadores de jovens e adultos. Desde então, este
grupo desenvolveu cinco projetos temáticos ou integrados, promoveu várias defesas de tese e dissertação, ações que
levaram a publicações na área dos Estudos do Letramento. Atualmente é coordenado pela Profa. Dra. Ana Lúcia
Guedes-Pinto e conta com pesquisadores de várias instituições brasileiras, como UNICAMP, PUC-MG, UNITAU,
UNEB, UFRN, UFSCar, UNIFESP. 35 Esse conceito vem de uma das obras seminais dos Estudos do Letramento: What no bedtime story means: narrative
skills at home and school, de Shirley Heath (1982). A autora o define como “ocasiões em que a língua escrita é
integrante da natureza das interações dos participantes e de suas estratégias e processos interpretativos” (HEATH,
1982, p. 319)35.
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O programa envolve diversas atividades, que somam mais de 900 horas-aula, as quais
devem ser cumpridas no período de dois anos. Essas atividades são realizadas majoritariamente
de forma presencial nas universidades e faculdades públicas do estado e também na modalidade
a distância, em momentos de interação com outros professores do estado, via plataformas
virtuais.
Embora o PDE surja num cenário já abundante de oportunidades de formação
continuada docente, ele se destaca em meio a outras iniciativas por diversas razões, destaco,
brevemente, as duas principais para minha pesquisa. Primeiramente, o programa provê
condições de estudo aos participantes. Os docentes, uma vez inscritos, são afastados
integralmente de suas atividades de sala de aula pelo período de um ano e parcialmente por mais
um ano, sem desconto em sua remuneração. Em segundo lugar, o elemento que justifica o
interesse pelo programa é sua proposta de construção de saberes voltada à prática escolar. Para
efetivar essa proposta, o programa promove a aproximação entre educação básica e a
universidade.
O interesse de minha pesquisa se direciona, especificamente, à maneira como essa
aproximação acontece. No percurso do PDE, é preciso que o professor participante desenvolva,
em conjunto com um orientador de uma das IPES parceiras do programa, um Projeto de
Intervenção Pedagógica na Escola (doravante PIPE). Esse projeto deve ser fruto de
inquietações do professor relacionadas a sua práxis educacional, tendo em vista a mudança
dessa práxis. Desse modo, ao propor um espaço que permite pensar sobre a prática escolar e
suas problemáticas, com vistas ao planejamento e à execução de ações que visem a agir sobre a
realidade escolar, o PDE parece promover um campo privilegiado de intersecção entre os
saberes acadêmicos e a atuação docente.
O objetivo geral da pesquisa é analisar o processo de elaboração e de implementação do
PIPE, entendido como uma via privilegiada para oportunizar uma formação docente situada e,
ao mesmo tempo, comprometida socialmente.
A abordagem sociocultural e etnográfica dos Estudos de Letramento e o dialogismo
bakhtiniano, que compreende a linguagem como um lugar de interação e disputas, compõem o
arcabouço teórico-metodológico que orienta a investigação. Por meio de observação
participante, estou acompanhando todas as atividades do PDE 2013-2014 em que figuram
universidade e professores PDE: aulas, palestras e orientações. Por meio da análise de eventos
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de letramento que constituem o programa, procuro refletir sobre a configuração de uma
formação docente que possa ressoar dialogicamente nas práticas escolares.
Nesse caminho, a distinção entre os saberes acadêmicos e os necessários para a
docência é de extrema relevância, posto que costuma haver uma distância danosa entre
configuração que assumem esses saberes na formação docente universitária e as necessidades
advindas da atuação profissional.
Com base na assunção do conceito de letramento como “conjunto de práticas sociais
cujos modos específicos de funcionamento têm implicações importantes para as formas pelas
quais os sujeitos envolvidos nessas práticas constroem relações de identidade e de poder”
(KLEIMAN, 1995, p. 11), neste trabalho discuto algumas das premissas da pesquisa, por meio
de algumas considerações acerca dos conceitos de “letramento acadêmico” e de “letramento do
professor”.
Para cumprir esse objetivo, na primeira seção chamo a atenção para alguns valores
inerentes aos usos da escrita na academia e para alguns problemas advindos da não observação,
na universidade, desses valores como intrinsicamente plurais.
Na segunda seção, defendo a necessidade de uma perspectiva de formação situada que
leve em consideração as necessidades de letramento no e para o local de trabalho, como
caminho para a problemática de haver, na formação docente, um caráter de distância e de
desvinculação da atividade profissional (KLEIMAN, 2001, 2008).
Encerro o trabalho reiterando alguns apontamentos acerca da relação entre o
“letramento acadêmico” e o “letramento do professor”.
Letramento acadêmico e a (des)consideração dos usos plurais da escrita
Parece ser consensual, nas pesquisas relativas ao ensino na escola, a relevância de que
esta instituição considere o conjunto de conhecimentos trazidos pelos alunos para a construção
de novos saberes. O efeito de se ignorar as práticas vivenciadas pelos estudantes em suas vidas
sociais pode ser desastroso.
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Moacir Gadotti, diretor do instituto Paulo Freire, denuncia que “um dos fatores do fracasso do
nosso sistema educacional está no fato de ele não ter levado em conta a diversidade cultural na
construção de uma educação para todos” (GADOTTI, 1998, p. 311). Semelhantemente, o
tratamento dado às diferenças culturais na escola contemporânea tem sido apontado por
estudiosos da área da linguagem como causa do insucesso no objetivo de encaminhar os alunos
às práticas de letramento socialmente valorizadas e legitimadas (KLEIMAN, 1995, 2001;
ROJO, 2009, 2010; SANTOS, 2005, 2011; TINOCO, 2008; PEREIRA et. al., mímeo; dentre
outros). O hiato que se observa na escola entre as demandas por ela impostas e a bagagem
cultural diversificada dos alunos existe de forma muito semelhante no ensino superior.
Neste contexto, é comum, como aponta Zavala (2010), a circulação de discursos que
apontam para um suposto déficit linguístico como causa das dificuldades dos estudantes para
lidarem com as demandas de letramento que esse nível de ensino lhes exige. Não se considera,
quando os problemas de desempenho acadêmico dos universitários são reduzidos a aspectos
linguísticos, o aumento da diversificação cultural decorrente do alargamento do acesso ao
ensino superior brasileiro.
No passado recente da história da educação no país, o ensino superior era reservado a
uma elite letrada. Advindos de famílias altamente escolarizadas, educados a partir de práticas de
letramento cujos valores não eram concorrentes com as práticas do letramento acadêmico, esses
universitários, em geral, não enfrentavam grandes dificuldades no desenvolvimento das
atividades nesse contexto.
Atualmente, entretanto, o público na universidade é outro. O crescente processo de
democratização do ensino trouxe à universidade uma parcela da população cujas formas de
fazer sentido a partir da escrita, por vezes, chocam-se com as da universidade (ZAVALA,
2010). O ensino superior, para esses grupos, representa uma ruptura conflituosa nos modos de
usar a linguagem, que não pode ser desconsiderada.
Algumas faces desse conflito são expostas em um trabalho da sociolinguista peruana
Zavala (2010). Baseando-se numa série de entrevistas exploratórias com uma estudante
universitária de origem camponesa, a pesquisadora evidencia que as dificuldades encontradas
pela aluna para lidar com as demandas da universidade advêm de sua falta de familiaridade com
discursos acadêmicos. A autora aponta aspectos da escrita acadêmica que eram ausentes nas
práticas discursivas de Paula (sua participante de pesquisa) antes de ela entrar na universidade e
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demonstra a estranheza e as rupturas com suas práticas discursivas que a assimilação desses
aspectos causam à estudante.
O fato de ter de trazer outros autores para validar a própria voz – exigência básica da
escrita acadêmica -, por exemplo, além de ser uma prática completamente nova para Paula - o
que implica o reconhecimento óbvio de que ela não dominava os modos próprios de realizar
essa tarefa – representou para a estudante uma negação de valores que eram constituintes de sua
cultura e, por conseguinte, uma decepção. A aluna questiona os valores subjacentes a essa
exigência, comparando a escrita com a forma de usar a terra: “É como as terras, você as usa (...)
e quando a deixa não importa de quem foi. Não é que faltamos com respeito aos direitos de
outras pessoas (...) eu não sou obrigada a citá-lo é meu desde o momento em que eu o assumo”
(Voz de Paula, in ZAVALA, 2010, p. 77). O fato de sua voz ser desconsiderada se não
acompanhada por outras a fez perceber o valor hierarquicamente menor de seu posicionamento
como sujeito na universidade.
A partir de seu estudo, a autora defende que a escrita acadêmica é, pois, “uma forma de
ver o mundo” (ZAVALA, 2010, p. 75). Face a essa perspectiva, a autora procura evidenciar que
os usos da escrita na academia envolvem sistemas simbólicos, impregnados pelos valores dos
grupos sociais que a utilizam e constitutivos das práticas discursivas desses grupos. Ou seja,
esses usos da língua envolvem um conjunto de valores que são próprios desta esfera de
atividade humana. Em decorrência, conforme aponta Ivanic (1998, apud ZAVALA, 2010), o
letramento acadêmico é concebido metaforicamente por muitos universitários como um “jogo”
que lhes exige a assunção de uma identidade que não reflete sua autoimagem.
Diante dessa forma de entender o letramento acadêmico, Zavala (2010) nos ensina que
os conflitos que emergem entre estudantes e formadores em relação aos usos da escrita na
academia “não se restringem simplesmente à técnica da escritura, às habilidades ou à gramática,
mas a aspectos que estão relacionados com a identidade e a epistemologia” (ZAVALA, 2010, p.
74). De forma consonante, concebo o letramento acadêmico como um conjunto de práticas de
usos da escrita que se baseiam em modos específicos de construção de sentidos, que variam de
acordo com a área do conhecimento e dos contextos acadêmicos particulares, as quais envolvem
relações de poder e de autoridade e também de identidades (LEA & STREET, 2006).
O conceito de letramento acadêmico mostra-se relevante para minha pesquisa, uma vez
que colabora com a compreensão da interação universidade-escola. Entender os modos de
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funcionamento da escrita típicos da academia parece necessário, haja vista que o PDE é um
programa que é realizado majoritariamente na e pela universidade.
Ao abordar a problemática do tratamento dado na escola às diferenças culturais, Rojo
(2010, p. 3) defende a valorização da voz dos estudantes e sugere que sejam promovidos
“eventos escolares de letramento que provoquem a inserção do alunado em práticas letradas
contemporâneas e, com isso, desenvolvam as competências/capacidades de leitura e escrita
requeridas na atualidade”. De maneira análoga, o Grupo Letramento do Professor defende a
necessidade, a partir de uma concepção do ensino e da aprendizagem como “um processo de
construção de saberes e não de transmissão de conhecimentos” (TINOCO, 2008, p. 71), de que
os projetos de formação de professores (inicial e continuada) considerem como relevantes tanto
as representações que esses sujeitos têm a respeito dos objetos de estudo, quanto seus modos de
dizer tais objetos (SANTOS, 2005), o que implica considerar a voz do professor não para julgá-
la, mas para envolvê-la na (re)configuração de ações de formação docente.
A universidade, na condição de idealizadora e/ou promotora da formação inicial e
continuada, bem como de divulgadora das categorias científicas, precisa entender que se não se
propuser a perpetuar a concepção dominante de letramento - que o vê como processo autônomo
e lhe atribui qualidades universais (STREET, 1984)36
, precisa questionar “as relações de poder
que definem a interação entre acadêmicos e professores, entre os que têm suas leituras
legitimadas e os que não as têm” (KLEIMAN & MATENCIO, 2005, p. 11) sob pena de
reproduzir e manter a hierarquia social.
Letramento do professor: um caminho possível para encurtar a distância entre a teoria e a
prática na formação docente
Soma-se às dificuldades concernentes aos usos da escrita acadêmica (decorrentes da
desconsideração dos saberes trazidos pelos alunos), o fato de haver, na formação docente, um
caráter de distância e de desvinculação da atividade profissional (KLEIMAN, 2001, 2008). Em
um extenso estudo coordenado por Gatti & Barreto (2009) sobre a formação inicial e a carreira
36
O modelo de letramento autônomo, tal como descrito pelo autor, constitui-se em mais um impedimento
para mobilização social das camadas menos privilegiadas.
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dos professores no Brasil, em que são analisados os Projetos Políticos Pedagógicos, as
estruturas curriculares e as ementas das disciplinas de 165 cursos presenciais de licenciatura das
várias áreas do conhecimento, é preocupante a constatação da pouca ou inexistente integração
dos referencias teóricos (tanto interdisciplinares quanto específicos de cada licenciatura) ao
contexto concreto de ensino. No que se refere aos cursos de Letras, o estudo constatou que
apenas 10,5% das disciplinas desse curso de formação de professores destinam-se a
conhecimentos específicos para o exercício da docência.
Na formação continuada o cenário não é diferente. A mesma pesquisa revela que os
currículos desses cursos têm pouca preocupação com a “necessidade de uma formação que
forneça os instrumentos indispensáveis a um fazer docente consciente de seus fundamentos,
com boa iniciação em práticas, e aberto a revisões e aperfeiçoamentos constantes” (GATTI &
NUNES, 2008 apud GATTI & BARRETO, 2009). Não é sem razão, portanto, que dentre as
queixas dos professores que participam desse tipo de curso, levantadas pelas pesquisadoras,
estão:
“A formação continuada é organizada com pouca sintonia com necessidades e dificuldades dos
professores e da escola;Os professores não participam das decisões acerca dos processos de
formação aos quais são submetidos;Os formadores não têm conhecimento dos contextos
escolares e dos professores que estão a formar;Os programas não preveem acompanhamento e
apoio sistemático da prática pedagógica dos professores, que sentem dificuldade de entender a
relação entre o programa desenvolvido e suas ações no cotidiano escolar;” (GATTI &
BARRETO, 2009, p. 221)
Embora a universidade venha passando por transformações, possivelmente em função
de sua postura ainda “encastelada”, no sentido de “produzir um conhecimento em torno de si
mesma, para ser ‘consumido’ em seu interior, pelos próprios pesquisadores” (KRAMER &
SOUZA, 2003, p. 156), é que foi possível a configuração desse distanciamento entre o que
produz essa instituição e as necessidades advindas dos professores e do ensino nas escolas.
Diminuir esse distanciamento parece fundamental quando se entende que o conhecimento
produzido na universidade deve ter alguma relevância social.
Em consonância com esse ponto de vista, os Estudos do Letramento (STREET, 1984,
1993, KLEIMAN, 1995) trabalham a partir de uma perspectiva fortalecedora, que busca
contribuir para que o professor exerça seu trabalho em melhores condições, o que implica uma
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perspectiva de formação situada que leve em consideração as necessidades de letramento no e
para o local de trabalho. Este tipo de formação visa ao letramento do professor, o qual deve
basear-se em “conhecimentos situados, isto é, como pertencendo e esgotando os conhecimentos
necessários para agir segundo as exigências do local de trabalho” (KLEIMAN, 2008, p. 31).
Não se defende, nesses estudos, a centralidade dos estudos teóricos linguísticos para a
formação do professor, uma vez que eles se mostram insuficientes para o desempenho da
profissão. A capacidade de construir relações interpessoais de confiança, por exemplo, é um
elemento de grande relevância para o exercício da docência (KLEIMAN, 2001) que raramente é
tratado nesses cursos. Além disso, pesquisas da área da linguística aplicada apontam que os
professores de língua portuguesa, em geral, mostram eficiência na reprodução do discurso
acadêmico de várias áreas do conhecimento científico (como da linguagem, da literatura, da
psicologia da aprendizagem), sem correspondência coerente nas suas práticas pedagógicas
(SIGNORINI, 2000, apud KLEIMAN, 2001).
O Grupo Letramento do Professor entende que não é o conhecimento de teorias
acadêmicas – por si só - (as quais recheiam os cursos de formação e variam historicamente),
“por maior que seja seu poder ou sua eficácia para explicar os fenômenos da linguagem”
(KLEIMAN & SILVA, 2008, p. 510), o que faz com que os professores estejam preparados
para o desafio do ensino da língua materna. Até porque há um vasto caminho a ser percorrido
entre as teorias acadêmicas e sua transposição para a sala de aula. No caso da formação do
professor de língua portuguesa, é comum que o docente fique sozinho com a tarefa de transpor
para a sala e aula as teorias linguísticas, com as quais teve contato fragmentado e terceirizado
(MENEGASSI & OHUSCHI, 2005).
Vale esclarecer, todavia, que o letramento do professor não descarta o letramento
acadêmico. Isso significaria uma formação meramente instrumental. O que se espera, como
consequência de uma formação situada, é “encurtar a distância entre as práticas acadêmicas e as
práticas no local de trabalho” (KLEIMAN & SILVA, 2008, p. 17), por meio de uma relação
dialógica entre os saberes acadêmicos e os exigidos para o exercício da docência. É nessa
direção que busca-se a clareza da distinção entre os saberes necessários para o uso da escrita,
por exemplo, e aqueles propícios para o ensino desse fazer.
Nesse caminho, numa formação para o local de trabalho, são necessários
“conhecimentos sobre as condições específicas de trabalho, as capacidades e interesses da
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turma, a disponibilidade de materiais e o acesso que a comunidade tem a eles” (KLEIMAN &
SILVA, 2008 p. 33), além de conhecimentos de ordem didática – uma vez que é preciso que
professor tenha orientações sobre os modos e as estratégias adequadas para ensinar - os quais
devem estar relacionados às realidades específicas das salas de aulas, “considerando os
participantes reais, suas expectativas, histórias, representações e posicionamentos” (op. cit.),
num trabalho conjunto entre formadores e professores.
Dito de outra forma, os estudos sobre o letramento do professor vêm apontando a
necessidade de os cursos de formação abordarem não apenas o que ensinar e porque ensinar,
aspectos geralmente tratados nas diversas teorias linguísticas e prescritos nos documentos
oficiais. É preciso que, conjuntamente, sejam abordados aspectos relativos a para quem ensinar,
porque ensinar, quando ensinar, voltados para um como ensinar.
A esse conjunto de conhecimentos necessários e relevantes para a docência
denominamos letramento no e para o local de trabalho que, no caso do trabalho do professor,
trata-se de um conjunto de conhecimentos teóricos sobre as diversas disciplinas que se ocupam da matéria
objeto de ensino; de conhecimentos didático-pedagógicos e socioculturais sobre a comunidade alvo do
ensino; de conhecimentos mais subjetivos, advindos de suas experiências profissionais, que resultam em
estratégias e procedimentos de ensino e das capacidades de mobilização de textos e outros recursos
didáticos a serem usados segundo as condições de trabalho efetivamente encontradas, de acordo com a
avaliação que o docente faz do sucesso ou insucesso, para a aprendizagem, do contexto em construção.”
(KLEIMAN & SILVA, 2008, p. 34)
Ao falar dos desafios relativos à formação de professores Nóvoa (2000, p. 133) defende
que “não basta ensinar meia dúzia de técnicas pedagógicas para que o problema se resolva”.
Segundo o autor, o problema remete à falta de equilíbrio entre duas funções tradicionais da
universidade: o ensino e a investigação. De forma semelhante, entendo que há uma necessidade
urgente de que os cursos universitários de formação de professores abandonem a “palavra
monológica” (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1995) e abram-se ao diálogo com a escola, seus
agentes e a comunidade, para que, num intenso trabalho conjunto entre formadores e
professores, busquem alternativas situadas e viáveis para a construção de práticas pedagógicas
diferenciadas. Nesse movimento, a universidade exerceria com mais propriedade sua relevância
social e cumpriria seu papel crítico ao não colaborar com a manutenção do status quo.
Para terminar esta conversa
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A pesquisa em andamento, na qual se ancora este trabalho, entende que a forma
reconhecida e legitimada pelas instituições poderosas não é a única maneira de usar a língua
escrita, nem a de maior valor; nesse sentido, é possível que se questione a hegemonia da escrita
acadêmica, dado que assume a diversidade das práticas de letramento, sem conferir
superioridade a qualquer uma. Ou seja, este estudo compreende que não há usos ‘melhores’ ou
‘piores’ da escrita (TINOCO, 2008); há usos diversos, que podem estar mais ou menos
próximos dos legitimados.
Além do mais, essa perspectiva em relação à escrita leva à percepção de que o
letramento nos acompanha por toda a vida, sendo, por isso mesmo, um processo, no qual
estamos engajados todos que usamos a linguagem escrita (KLEIMAN, 2007). Isso indica não
apenas que todos temos a aprender, mas, sobretudo, que “professores e seus alunos são sujeitos
dotados de habilidades e conhecimentos e o processo de ensinar e aprender tem uma orientação
bidirecional” (TINOCO, 2008, p. 71). Assim sendo, tanto os professores da educação básica,
quanto os formadores universitários estão nessa caminhada e têm o que oferecer um ao outro.
O interesse em analisar a relação entre a universidade e a escola no PDE leva em conta
sua proposta aparentemente inovadora, dado que manifesta, em seus documentos, uma
“subversão” das relações de poder tradicionais entre essas duas instituições do conhecimento,
bem como uma preocupação com elementos pertinentes à formação para e no local de trabalho.
Nesse sentido, a investigação em andamento compromete-se com a observação atenta das
características que assume o diálogo entre esses dois grupos, pois viso a entender como se dá a
intersecção dos seus saberes, o que não pode deixar de considerar as diferenças na hierarquia
social entre eles.
Tendo em vista a problemática dos usos da escrita na universidade e considerando-a
como principal promotora e idealizadora da formação docente inicial e continuada, entendo que
a distância entre aspectos da escrita acadêmica e as práticas discursivas de alunos na
universidade, assim como de professores em formação, não se dá em função de um déficit
linguístico destes, mas por conta da desconsideração – por parte da academia – de que os usos
da língua sempre envolvem um conjunto de valores que são próprios de cada esfera de atividade
humana. Sendo assim, para encurtar essa distância, a universidade poderia trazer à tona os
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valores que subjazem às suas práticas de uso da escrita e não considerá-los como universais e/ou
como conhecimento prévio compartilhado.
Esse ponto de partida é relevante quando se pensa sobre a formação do professor,
porque a universidade, que é a principal promotora e idealizadora da formação docente (tanto
inicial quanto continuada), ao manter uma concepção hierarquizada e ofuscada da escrita,
parece apenas acentuar o caráter de distância entre os modos de difusão dos saberes científicos e
as necessidades advindas da prática docente escolar. Parece necessário refletir a esse respeito
quando se busca a configuração de uma formação docente que possa ressoar dialogicamente nas
práticas escolares.
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Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Foz do Iguaçu CENTRO DE EDUCAÇÃO E LETRAS – CURSO DE LETRAS VIIENCONTRO INTERNACIONAL DE LETRAS 2013 LITERATURA E LINGUÍSTICA: LINGUAGENS DO SÉC.XXI ANAIS ARTIGO – ISSN 2175 389X EIXO TEMÁTICO 3: ENSINO APRENDIZAGEM LINGUA MATERNA
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A REPRESENTAÇAO DA LÍNGUA PORTUGUESA NA VIDA DAS
PESSOAS COM SURDEZ
Denize Juliana Reis Cardoso37
Maria Elena Pires Santos38
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo relatar o papel que a Língua Portuguesa
exerce na vida das pessoas com surdez e os principais fatores que permeiam a questão do
bilinguismo e sua aplicabilidade dentro do âmbito escolar para os aprendizes surdos.
Considerado uma técnica de ensino recente para que a educação do surdo possa ser
completamente efetivada, o bilinguismo envolve aspectos que são de suma importância para o
desempenho escolar de uma pessoa com surdez. Trata-se de um modo comprovadamente eficaz
para auxiliar no desenvolvimento da aprendizagem e da educação das pessoas surdas que
consideram a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) como sendo sua língua materna, ou seja,
sua primeira língua, e a língua portuguesa, sua segunda língua. Levando em consideração esses
aspectos, o ensino bilíngue faz com que essas duas línguas possam ser ensinadas de maneira
completamente didática e produtiva. Com base nessas principais informações, a luta pelo
bilinguismo dentro das escolas públicas brasileiras vem se tornando cada vez maior, o que faz
com que o reconhecimento e os estudos relacionados a essa prática possam ser, de fato,
efetivados. Contudo, pesquisas apontam que esta ainda é uma prática pouco realizada no Brasil,
mesmo sendo considerada uma das maneiras mais eficazes para a aprendizagem das pessoas
com surdez. Tal trabalho expõe algumas características relevantes do ensino bilíngue e mostra,
com base em entrevistas realizadas com surdos, qual o papel que possui a Língua Portuguesa
em seu cotidiano e o quanto a aprendizagem do Português pode ser considerada importante para
um melhor desempenho escolar e futuro dos próprios surdos, porém, sem deixar de dar a devida
importância para sua língua materna, LIBRAS, mostrando que o ensino bilíngue pode fazer com
o aprendizado de LIBRAS e de Língua Portuguesa possa ser efetivado com sucesso.
Palavras-chave: Bilinguismo; Ensino; LIBRAS.
37
Acadêmica do curso de Letras com habilitação em Língua Portuguesa e Língua Espanhola e
Respectivas Literaturas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE – Campus
de Foz do Iguaçu. Apresentadora.
38 Docente do curso de Letras, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Campus de Foz do Iguaçu. Orientadora.
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ABSTRACT: This paper aims to report the role that portuguese language plays in the life of
the people with deafness and the main factors involved in the issue of bilingualism and its
applicability within the school for deaf learners. Considered a teaching technique recently for
education of the deaf can be quite effective, bilingualism involves aspects that are critical to
school performance of a person with deafness. It is a proven effective way to assist in the
development of learning and education of deaf people who consider LIBRAS (Brazilian Sign
Language) as their mother tongue, their first language, and Portuguese, their second language .
Considering these aspects, the bilingual education makes these two languages can be taught in a
completely didactic and productive way. Based on this key information, the fight for
bilingualism within the Brazilian public schools is becoming increasingly larger, which makes
the recognition and studies related to this practice may be, in fact, hired. However, research
indicates that this is still a little practice held in Brazil, despite being considered one of the most
effective ways for learning the deaf people. This work presents some relevant characteristics of
bilingual education and shows, based on interviews with deaf, what role has the Portuguese
language in their daily lives and how learning Portuguese can be considered important to a
better school and the future of their own deaf, however, whilst giving due importance to their
mother tongue, LIBRAS, showing that bilingual education can make learning LIBRAS and
Portuguese can be effected successfully.
Key-words: Bilinguism; Teaching; LIBRAS.
Introdução:
Sabe-se que a Língua Portuguesa possui grande importância no aprendizado de
qualquer indivíduo sendo a mesma algo indispensável na trajetória escolar e,
posteriormente, cotidiana de todos seus falantes. Entretanto, há brasileiros que
consideram a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) como sua primeira língua e a
Língua Portuguesa como sua segunda língua. Trata-se de pessoas surdas que utilizam a
LIBRAS em todos os momentos de suas vidas, afinal “a língua de sinais preenche as
mesmas funções que a linguagem falada tem para os ouvintes” (KARNOPP, PEREIRA,
2004, p. 35).
A Língua Brasileira de Sinais passou a ser devidamente conhecida no ano de 2002 com
a promulgação da Lei nº. 10.436 de 24 de abril deste mesmo ano. Ela foi classificada
como “um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de
comunidades de pessoas surdas do Brasil” (Lei nº. 10.436/2002). Contudo, a LIBRAS já
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vinha sendo utilizada não só pelos brasileiros surdos há muito tempo, pois sempre foi
considerada a língua natural da comunidade surda, tal qual preleciona Heloise Gripp
Diniz (2011):
A Língua de Sinais é a língua natural da comunidade surda de cada país, além da
sua língua falada considerada como oficial, como no Brasil, a Libras, e quanto à língua
falada, o Português. A expressão e a recepção em Libras se dão através dos sinais no
canal da comunicação auditiva (DINIZ, 2011, p. 15).
Como toda língua, a LIBRAS também passa por diferentes processos de
modificação e transformação, possibilitando aos surdos um extenso vocabulário. Assim
como a Língua Portuguesa, essas transformações se dão por diversos fatores:
regionalismo, cultura, idade, comunidade, entre outros:
Como hoje sabemos, a Libras é uma língua humana assim como as outras
línguas faladas, que contém a sua própria estrutura linguística, embora de modalidade
diferente. Como toda língua humana, a Libras passa pelo processo contínuo e gradual de
variação e mudança, seja por motivações internas, seja por contato com outras línguas,
como a Língua Portuguesa (DINIZ, 2011, p. 18).
Mesmo sendo considerada uma Língua oficial, a Língua Brasileira de Sinais é
oficialmente reconhecida há poucos anos, entretanto, esse conhecimento e respeito das
demais pessoas para com a LIBRAS estão cada vez maior em nosso país. Afinal, “hoje
em dia, temos a Libras como uma língua cada vez mais reconhecida pela sociedade, na
legislação, nas escolas, nas universidades, entre outros setores” (DINIZ, 2011, p. 26).
A preocupação em inserir a LIBRAS dentro do contexto escolar, é algo que vem
sendo pensado e trabalhado em nosso país desde meados da década de oitenta, quando,
graças a pesquisas científicas, essa Língua mostrou-se essencial para o aprendizado de
pessoas surdas, sendo comprovado que o desenvolvimento tanto escolar quanto
cognitivo dessas pessoas poderia ser melhorado se essa Língua pudesse ser utilizada:
Por volta da década de 1980, retornou o foco da importância da Libras no ensino
graças a pesquisas linguísticas e pedagógicas. [...] No início do século XXI, houve uma
vitória da comunidade surda do Brasil, das associações de surdos e da Federação
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Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS), em sua luta pela valorização
da Língua de Sinais, com a Lei no 10.436/02. Em seguida, foi intensificada sua
importância na área da educação pelo Decreto no 5.626/05, regulamentando a Libras
(DINIZ, 2011, p. 28).
Tendo como base essas informações a respeito da Língua Brasileira de Sinais,
fica claro o quanto essa Língua é importante para seus usuários, tanto que a mesma é
considerada sua língua materna.
Contudo, levando em consideração o fato de que esses mesmos usuários vivem
no Brasil e, consequentemente, necessitam da Língua Portuguesa em seu cotidiano, qual
o grau de importância que o Português exerce na vida dessas pessoas? Este trabalho visa
demonstrar que a Língua Portuguesa é relevante para as pessoas com surdez e o quanto
o ensino bilíngue é extremamente importante para que essas duas línguas possam ser
estudadas e trabalhadas juntas.
Ensino bilíngue
O bilinguismo envolve as duas línguas: LIBRAS e Língua Portuguesa em um
mesmo viés, fazendo com que seus usuários possam ter acesso às duas de maneira
conjunta, possibilitando um melhor desempenho na Língua Portuguesa escrita:
O bilinguismo é uma proposta de ensino usada por escolas que se propõem a
tornar acessível à criança duas línguas no contexto escolar. Os estudos têm apontado
para essa proposta como sendo mais adequada para o ensino de crianças surdas, tendo
em vista que considera a língua de sinais como língua natural e parte desse pressuposto
para o ensino da língua escrita (QUADROS, 1997, p. 27).
A partir da leitura da obra de Skutnabb-Kangas (1994), Quadros (1997) aponta
alguns motivos que o levaram a crer que o ensino bilíngue é a melhor maneira de fazer
com que o surdo possa aprender a Língua Portuguesa (que é a língua de seu país de
origem) sem deixar sua língua materna no esquecimento, baseando-se nos direitos
humanos linguísticos:
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Skutnabb-Kangas (1994, p. 152) afirma que o nível ótimo de bilinguismo deve
ser o objetivo educacional para todas as crianças surdas. Suas razões para afirmar isso
provêm de análises sobre os direitos humanos linguísticos. Tais direitos devem garantir:
a) que todos os seres humanos têm direito de identificarem-se com uma língua materna
e de serem aceitos e respeitados por isso; b) que todos têm o direito de aprender a língua
materna completamente, nas suas formas oral (quando fisiologicamente possível) e
escrita (pressupondo que a minoria linguística seja educada na sua língua materna); c)
que todos têm o direito de usar sua língua materna em todas as situações oficiais
(inclusive na escola); d) que qualquer mudança que ocorra na língua materna seja
voluntária e nunca imposta (QUADROS, 1997, p. 28).
Dessa forma, o bilinguismo, por se tratar de “uma condição humana muito
comum, refere-se à capacidade de fazer uso de mais de uma língua” (MAHER, 2007, p.
79). Ou seja, o bilinguismo pode realizar com sucesso a tarefa de envolver duas línguas
no decorrer da trajetória escolar de uma criança, nesse caso, uma criança surda que
necessita aprender a Língua Portuguesa juntamente com a LIBRAS.
É importante ressaltar que não há apenas uma maneira de se trabalhar o
bilinguismo dentro das escolas. Alguns aspectos devem ser levados em consideração,
tendo em vista que cada caso em particular possui suas características, muitas vezes,
ímpares, quanto ao aprendizado de duas línguas:
Quanto às formas de bilinguismo existentes em termos de educação de surdos,
pode-se citar duas básicas: uma delas envolve o ensino da segunda língua quase de
forma concomitante à aquisição da primeira língua e a outra caracteriza-se pelo ensino
da segunda língua somente após a aquisição da primeira língua. [...] Assim, para
considerar a possiblidade de um bilinguismo concomitante com crianças surdas, deve-se
atentar à origem das duas línguas (QUADROS, 2007, p. 31).
Conforme aponta a autora, ainda com base em Skutnabb-Kangas (1994), há
alguns critérios que devem ser levados em consideração quanto às diferentes
classificações destinadas ao bilinguismo, pois, são essas diferentes posições que devem
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ser levadas em conta no momento em que o bilinguismo é implantado em um
determinado contexto escolar:
Segundo Skutnabb-Kangas (1994, pp. 143-144), afirmar que a aquisição de duas
línguas ocorre dessa forma depende da definição de bilinguismo. Para o autor, as
variações nas definições ocorrem de acordo com a ênfase dada a cada critério que define
bilinguismo. Os critérios que o autor menciona são os seguintes: a) origem –
aprendizagem de duas línguas dentro da própria família com falantes nativos e/ou
aprendizagem de duas línguas paralelamente como necessidade de comunicação; b)
identificação – interna (a própria pessoa identifica-se como falante bilíngue com duas
línguas e duas culturas); e externa (a pessoa é identificada pelos outros como falante
bilíngue/ falante nativo de duas línguas); c) competência – domínio de duas línguas,
controle das duas línguas como línguas nativas, produção de enunciados com
significados completos na outra língua, conhecimento e controle da estrutura gramatical
da outra língua, contato com a outra língua; d) função – a pessoa usa (ou pode usar)
duas línguas em variadas situações de acordo com a demanda da comunidade)
(QUADROS, 2007, p. 31).
Levando em consideração esses aspectos, o ensino bilíngue mostra-se cada vez
mais relevante na vida de pessoas surdas e, ainda, é perceptível sua eficácia no
desenvolvimento do aprendizado de uma criança surda:
A língua de sinais (L1, primeira língua) deve ser adquirida por meio da interação
entre a criança e o adulto surdo, e a língua na modalidade oral seria fornecida à criança
pelo adulto ouvinte, surgindo como segunda língua (L2), teoricamente baseada nas
habilidades linguísticas desenvolvidas pela primeira língua. Dessa forma, o surdo pode
apresentar um desenvolvimento linguístico-cognitivo paralelo ao verificado na criança
ouvinte. Além disso, pode haver interação harmoniosa entre ouvintes e surdos, havendo
acesso às duas línguas [...] (SANTANA, 2007, p. 166).
Partindo desse pressuposto, do quanto o ensino bilíngue é importante para as
pessoas com surdez, chega-se à conclusão de que o ensino da Língua Portuguesa para
essas pessoas pode ser realizado, fazendo com que os surdos possam ter acesso à Língua
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Portuguesa da melhor maneira possível, através de práticas consideradas eficazes
juntamente com o seu conhecimento natural em LIBRAS:
Quanto ao ensino na Língua Portuguesa, a proposta bilíngue para surdos
concebe o seu desenvolvimento baseado em técnicas de ensino de segundas línguas.
Tais técnicas partem das habilidades interativas e cognitivas já adquiridas pelas crianças
surdas diante das suas experiências naturais com a LIBRAS (QUADROS, 2007, p. 29).
Considerando então a importância que o ensino bilíngue acarreta na educação de
surdos, é possível acreditar que se trata de uma prática extremamente relevante e eficaz.
O papel da Língua Portuguesa na vida das pessoas com surdez
Porém, é importante saber o que pensam os próprios surdos sobre esse assunto.
Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa de caráter qualitativo (BORTONI-
RICARDO, 2008) que tem como um de seus principais objetivos mostrar a realidade de
seus entrevistados.
Seguindo essa abordagem, para a obtenção dos dados foi realizada uma entrevista com
cinco surdos de diferentes graus de escolarização.
Os resultados das entrevistas mostram que os surdos estão cada vez mais interessados
na educação bilíngue, pois, se para os mesmos a LIBRAS é de fundamental importância
como sua primeira língua, afirmam que necessitam aprender a Língua Portuguesa para
poderem exercer alguns de seus direitos como cidadãos, como estudar e trabalhar, por
exemplo.
Outro ponto em que todos concordam quanto à relevância da Língua Portuguesa
em suas vidas é quanto ao fator da língua portuguesa escrita. Todos argumentaram o
quanto é importante saber ler e escrever em Português e o quanto isso é representativo
em vários momentos de suas vidas.
Esses aspectos também são levados em conta quanto à aprendizagem bilíngue de
uma pessoa com surdez. Segundo Vygotsky (1987) apud Zilda Maria Gesueli (2003),
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“o desenvolvimento da escrita é independente do desenvolvimento da fala” (GESUELI,
2003, p. 149).
Ainda como aponta Vygotsky (1987), o processo da escrita não é de total
facilidade, o que mostra ser um desafio para os educadores. Isso leva a crer que a
aquisição da Língua Portuguesa na modalidade escrita, deve ser classificada como um
longo processo de aprendizado:
Segundo o autor, as funções mentais que envolvem a linguagem escrita são
fundamentalmente diferentes das que envolvem a linguagem oral, e a primeira é
considerada a forma de atividade de linguagem mais difícil e complexa, que em certos
aspectos exige da criança intenção e consciência. [...] A escrita exige uma dupla
abstração por parte da criança: primeiro em relação aos possíveis vínculos cm a
oralidade, e segundo em relação ao interlocutor (desconhecido e imaginário). Daí a
complexidade do processo que exige da criança certa reflexão sobre o conhecimento a
ser construído [...]. Vygotsky (1984) e colaboradores caracterizam a escrita como um
processo que se constrói ao longo da vida e não como um produto concluído nos
primeiros anos de escolaridade. A escrita deve ter significado para a criança, ou seja, ela
precisa saber por que e para que serve a escrita (GESUELI, 2003, p. 149).
O grau de necessidade em escrever em Português que os entrevistados
apontaram na pesquisa se encaixa perfeitamente na questão de que é necessário um
ensino bilíngue para os surdos por diversos fatores, porém, o mais relevante deles é a
aquisição da linguagem escrita.
Essa questão mostra-se como sendo uma das maiores preocupações no ensino de
alunos surdos, pois, a maioria dos surdos possui uma grande dificuldade em adquirir a
Língua Portuguesa e, a grande maioria deles, chega às escolas com o Português bastante
defasado por conta dos anos em que não tiveram contato com essa língua:
A questão do letramento de alunos surdos tem preocupado profissionais e pesquisadores
da área da surdez, uma vez que, embora desenvolva habilidades de codificação e de
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decodificação, a maioria apresenta muita dificuldade para atribuir sentido ao que lê.
Essa dificuldade pode ser atribuída não só às concepções de leitura e de escrita que
embasam as práticas pedagógicas utilizadas na escola, mas também ao pouco
conhecimento do português que a quase totalidade dos surdos apresenta quando chega à
escola (KARNOPP; PEREIRA, 2004, p. 34).
Tendo em vista essa concepção do aprendizado da Língua Portuguesa para os surdos, é
importante ressaltar que os entrevistados também deixaram claro a falta que o ensino
bilíngue representou para sua trajetória na educação básica. Quatro dos cinco
entrevistados possuem ligação com o ensino superior e, todos eles, foram taxativos ao
afirmar a dificuldade que possuem para escrever trabalhos acadêmicos e científicos na
Língua Portuguesa.
Quanto a essas concepções diferentes da escrita, Karnopp e Pereira (2004)
apontam que:
Na primeira concepção há a preocupação de se converter unidades sonoras em unidades
gráficas e nesse sentido a discriminação é perceptiva é colocada em primeiro plano. [...]
Na segunda concepção, a escrita não é vista como produto escolar, mas sim como objeto
cultural. Sua aprendizagem é concebida como apropriação de um novo objeto de
conhecimento, com propriedades específicas, e usada como suporte de ações e de
intercâmbios sociais (KARNOPP; PEREIRA, 2004, p. 34).
Com isso, entende-se o quanto a Língua Portuguesa escrita possui importância
para os surdos, como os mesmos deixaram claro durante a pesquisa, e o quanto ainda é
necessário repensar sobre seu ensino dentro do âmbito escolar.
Outro ponto relevante que um dos surdos entrevistados deixou claro é o fato de
que, como não foi alfabetizado na educação bilíngue e considera que seus
conhecimentos quanto ao Português escrito sempre foram falhos, seus trabalhos
escritos, ao longo de sua trajetória acadêmica, sempre foram considerados por alguns de
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seus professores, como “mal escrito” ou “cheio de erros”, como disse o próprio
entrevistado.
Essa ideia de que os surdos escrevem “errado” é claramente explicada pela
teórica Lodenir Becker Karnopp (2002):
O ponto de partida é um entendimento da natureza da escrita como um ato político,
social, mental e linguístico. Considero a escrita como uma prática social, inserida em
relações sociais de uma determinada comunidade, cada uma com suas próprias e
complexas práticas convencionais e ideológicas em que o indivíduo precisa encontrar
uma identidade como escritor em que ele se sinta confidente e confortável com a
mesma. [...] As produções textuais de surdos, muitas vezes, consideradas ‘erradas’ e
como ‘não-textos’, têm uma explicação lógica, científica, linguística, histórica,
psicológica, sociológica, que é frequentemente negada pelos seus educadores.
(KARNOPP, 2002, pp. 56 e 57).
Contudo, essa concepção a respeito da escrita dos surdos ainda é bastante
discutida por diversos teóricos do campo de pesquisas linguísticas.
Considerações finais
Com toda essa ênfase dada ao Português escrito pelos surdos entrevistados, é
possível chegar à conclusão de que, a partir das opiniões dos próprios surdos, o ensino
bilíngue mostra-se essencial, pois todos deixaram claro suas opiniões quanto à
necessidade em aprender, de maneira mais eficaz e com maior amplitude, a Língua
Portuguesa, sem deixar de dar a importância devida para sua língua materna.
Afinal, a opinião de todos foi unânime quanto à necessidade que todos eles
possuem em aprender a Língua Portuguesa escrita, para que possam ter de maneira
digna, os seus devidos direitos de cidadãos.
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Referências
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GESUELI, Zilda Maria. Língua de sinais e aquisição da escrita. In.: GESUELI, Zilda Maria; KAUCHAKJE, Samira; SILVA, Ivani Rodrigues (Orgs.). Cidadania, surdez e linguagem: desafios e realidades. São Paulo: Plexus, 2003.
KARNOPP, Leodeir Becker. Língua de sinais e língua portuguesa: em busca de um diálogo. In.: CAMPOS, Sandra Regina Leite; HARRISON, Kathry Marie Pacheco; LODI, Ana Claudia Balieiro (Orgs.). Letramento e minorias. Porto Alegre: Mediação, 2003.
__________; PEREIRA, Maria Cristina da Cunha. Concepções de leitura e de escrita e educação de surdos. In.: CAMPOS, Sandra Regina Leite; HARRISON, Kathry Marie Pacheco; LODI, Ana Claudia Balieiro (Orgs.). Leitura e escrita no contexto da diversidade. Porto Alegre: Mediação, 2004.
MAHER, Terezinha Machado. Do casulo ao movimento: a suspensão da certeza na educação bilíngue e intercultural. In.: CAVALCANTI, Marilda do Couto; RICARDO, Stella Maris Bortoni (Orgs.). Transculturalidade, linguagem e educação. São Paulo: Mercado de Letras, 2007.
QUADROS, Ronice Müller. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.
RICARDO, Stella Maris Bortoni. O professor pesquisador. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
SANTANA, Ana Paula. Surdez e linguagem: aspectos e implicações neurolinguísticas. São Paulo: Plexus, 2007.
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A LINGUAGEM DA INTERNET E SUA INFLUÊNCIA NO ENSINO-
APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA
Cleidimara Ardenghi39
Marivânia Favretto40
Resumo: Este trabalho, em andamento, tem como tema A Linguagem da Internet e sua Influência no Ensino Aprendizagem da Língua Portuguesa, o qual foi desenvolvido com o objetivo de pesquisar como está sendo utilizada a língua materna e sua escrita na internet, principalmente em comunicações nas redes sociais, além de tentar esclarecer o grau de impacto da linguagem usada nos chats e como esta tem influenciado no processo de ensino aprendizagem da norma culta da língua portuguesa, sabendo que entre seus usuários os maiores adeptos são jovens que ainda estão em formação escolar. Para a realização do presente trabalho, buscou-se primeiramente, através de uma pesquisa bibliográfica e de campo, pesquisar o surgimento da escrita e sua evolução abrangendo nesse aspecto o surgimento e evolução da Língua Portuguesa, sabendo que a escrita impulsionou mudanças desde a época de sua criação até os dias atuais, bem como suas transformações até o surgimento de uma nova linguagem: a linguagem virtual a qual é chamada de internetês, que é uma linguagem caracterizada pela simplificação da escrita que se realiza por meio de abreviações, com o objetivo de facilitar a comunicação no meio virtual. No que se refere à linguagem virtual destaca-se a internet como uma incentivadora na mudança da forma escrita. A partir disso, buscaram-se identificar quais são as abreviações utilizadas na escrita, o significado de cada uma e principalmente se esta tem influenciado na escrita formal de adolescentes em formação escolar, uma vez que muitos ainda estão em fase de aquisição da escrita e esse meio tecnológico pode influenciar de forma negativa nesse processo. Palavras chaves: Ensino- aprendizagem, Língua Portuguesa, Internet.
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Acadêmica do 8º Período de Letras Português/Espanhol e Respectivas Literaturas da
Faculdade da Fronteira – FAF.
40, Professora da Faculdade da Fronteira de Barracão, PR.
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1. INTRODUÇÃO Este trabalho tem como tema a linguagem da internet e sua influência no
processo de ensino aprendizagem da língua portuguesa. Seu objetivo é
evidenciar as mudanças ocorridas na língua escrita no processo histórico, além
de investigar como está sendo utilizada a língua portuguesa na
contemporaneidade, principalmente nas comunicações em redes sociais, além
de tentar esclarecer qual é o grau de impacto da linguagem usada nos chats e
como essa linguagem influencia no processo de ensino- aprendizagem da
língua portuguesa.
Esta pesquisa se justifica pelo fato de que a sociedade está inserida em
um mundo globalizado onde surgiu um grande avanço dos mais diferentes
recursos tecnológicos, entre esses a internet, por meio da qual se tem acesso a
inúmeras informações de diversas fontes. E no que diz respeito à internet,
surge com maior velocidade ainda os canais comunicação às chamadas redes
sociais.
Atualmente, percebe-se que é nos meios de comunicação que os jovens
têm empregado um número considerável de abreviações, em que surge uma
preocupação de até que ponto essas tecnologias influenciam em algumas
atitudes dos adolescentes usuários, assim se investiga até que ponto essa
escrita, utilizada nesses meios presentes na vida dos adolescentes ainda em
formação escolar, que já nascem inseridos nesse meio tecnológico, pode
influenciar no ensino-aprendizagem da língua padrão. A linguagem utilizada no
mundo virtual é o INTERNETÊS, que requer muita agilidade e habilidades de
escrita rápida, e junto com ela há a simplificação da escrita que se dá através
da eliminação das vogais, o que permite perceber que a língua está em
constante transformação, sendo que mudanças são necessárias para que ela
continue viva e para que acompanhe os avanços em todos os aspectos sociais.
No entanto, essas mudanças, muitas vezes, empobrecem o vocabulário
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dos que as utilizam como forma de facilitar a comunicação, como é o caso da
linguagem da internet muito utilizada pelos adolescentes, pois nem sempre é
possível utilizar-se de abreviações na escrita, e o uso constante dessa
linguagem influencia o indivíduo na utilização da língua padrão, uma vez que
crianças e adolescentes ainda em formação escolar apresentam dúvidas
quanto à grafia correta ou não conseguem dissociar esse tipo de linguagem e
acabam utilizando-a na escrita formal.
O surgimento e a evolução da escrita Sendo a escrita um sistema de signos que se usa para expressar
graficamente a linguagem, desde seus primeiros sinais gráficos até chegar à
forma de escrita plena, passou por muitas mudanças e transformações, dessa
forma Kato afirma que a história nos revela que essa consciência foi sendo
despertada aos poucos, tendo levado milênios para se chegar à forma da
escrita alfabética, como se percebe a seguir. Para Kato, desde os primórdios o
homem sentiu a necessidade de estabelecer comunicação com o meio em que
vivia então este buscou se comunicar, em um primeiro momento, através de
pinturas e desenhos que, segundo Kato (2005, pág.13).
O desenho do homem primitivo criado sobre a superfície de algum objeto tinha para ele, de inicio, a função de expressar suas ideias visualmente, enquanto a fala era sua expressão auditiva. Com o passar do tempo, a expressão visual desenvolve-se em duas direções distintas: o desenho como arte e o sistema pictográfico na comunicação.
Essas pinturas e desenhos nas paredes ficaram conhecidos
historicamente como pinturas rupestres, as quais tinham por objetivo passar
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ideias, transmitir desejos e necessidades e assim estabelecer então
comunicação com outros membros de sua comunidade. No entanto essas
representações gráficas apesar de estabelecer comunicação não podem ser
consideradas escritas por não haver uma organização nem norma padrão.
A doutora em letras ainda complementa dizendo que “o homem tem
inerentemente uma necessidade individual de se expressar e uma necessidade
social de se comunicar” e que em um primeiro momento é a escrita que tenta
representar a fala, ou seja, os desenhos representavam o que o homem
desejava falar, transmitir ao meio. Em um segundo momento é a fala que
procura representar a escrita utilizando-se assim de pictogramas, sobre isso a
Doutora ressalta ainda em seu livro (2005, pág.13) que:
Esse sistema pictográfico não apresenta inicialmente uma relação com a fala: porém encaminha-se, posteriormente em direção à representação da fala, passando a ser um simbolismo de segunda ordem. Assim a fala representa ideias, e a escrita representa a fala.
Com o aumento da necessidade de se comunicar e expressar o homem,
com o decorrer do tempo foi criando e desenvolvendo cada vez mais seu
sistema de comunicação, foi por volta de 4000 a.C que, na antiga
Mesopotâmia, os sumérios criaram e desenvolveram a escrita cuneiforme,
onde estes registravam suas transações comerciais através de pequenas
contas em placas de barro e como afirma a autora Kato essa atividade poderia
ser considerada a precursora da escrita.
Sobre essa retrospectiva da evolução da escrita, Kato (2005, pág.13)
enumera as seguintes etapas evolutivas da escrita.
1. Inexistência da escrita 2. Precursores da escrita: fase semasiográfica. 2.1.sistema pictográfico.
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2.2. Recursos de identificação mnemônica. 3. Escrita plena: fase fonográfica. 3.1. Lexical-silábica 3.2. Silábica 3.3. Alfabética Sobre a inexistência da escrita pode-se dizer que ocorreu em um
primeiro momento na tentativa de estabelecer comunicação em que o homem
utilizava-se de figuras para representar as coisas e mais tarde representar a
fala, ou seja, não havia escrita, no entanto havia comunicação, embora não
fosse através de palavras escritas.
O precursor da escrita no que abrange a fase semasiográfica, é a que
corresponde ao período em que se estabelecia comunicação através de sinais
gráficos. Quanto ao sistema pictográfico é a fase em que o homem se
expressava através de desenhos.
Quanto aos precursores de identificação mnemônica a autora Kato os
define como símbolos heráldicos e símbolos usados por indígenas para
registrar tempo, ou seja, ocorre através de associação de objetos e sinais.
Quanto à escrita plena, fase fonográfica ocorre pela representação de
sons graficamente, ou seja, a fase em que a escrita tenta reproduzir a fala.
A fase lexical-silábica segundo a autora Kato teve seu inicio por volta de
3 100 a. C com o sistema pictográfico, cujas formas sofrem um processo de
estilização, para facilitar a escrita e seu uso é gradativamente convencional. A
principio a estilização constituía-se em retificar as linhas arredondadas dos
pictogramas, surgindo assim as letras de forma e consecutivamente a escrita
cursiva com o objetivo de simplificar os traços, passando a ser então um
sistema simbólico.
A fase silábica em sua passagem mostra o fenômeno chamado rébus,
que segundo a autora Kato (2005, pág.15) o define como:
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É a representação de palavras ou silabas por pictogramas, utilizando-se apenas os sons dos nomes dos objetos representados. Usa-se muito da técnica do rébus em jogos de palavras.
Sobre esse fenômeno entende-se que é a utilização de desenhos para a
formação das palavras, como por exemplo, os desenhos de uma “carinha” para
representar “cara” e o desenho de um “barco com vela” para representar “vela”
e a partir dessa composição formar a palavra "caravela” o que na perspectiva
da autora não é muito fácil representar palavras dessa forma, mas esse foi o
caminho encontrado pelo homem para descobrir a escrita silábica, que foi por
muito tempo rejeitado na escrita.
A passagem da escrita- silábica para a alfabética conforme a autora
Kato (2005. Pág. 16) ocorre da seguinte maneira:
Foi o silabário fenício que os gregos tomaram emprestado para a base de sua escrita. Mas o que era feito apenas esporadicamente pelos fenícios, isto é, a colocação da vogal depois da consoante firmou-se entre os gregos como norma passou-se assim da escrita silábica para a escrita alfabética.
A autora ainda enfatiza que a descoberta do alfabeto ocorreu no século
X a. C e após isso não houve mais nenhuma inovação na história da escrita,
embora haja muitas formas de alfabeto no mundo, enfatiza também que
quando o homem começou a usar um símbolo para cada som ele apenas
operou o conhecimento da organização fonológica de sua língua.
A escrita desde seu surgimento ressalta a necessidade de o homem se
comunicar através de seus registros e que, em sua evolução destacam-se duas
fases essenciais, sendo elas a escrita ideográfica e a escrita fonética. Ao longo
do processo de sua evolução, a escrita revela sua criação e seu
desenvolvimento desde a pré-história compreendendo a Idade Média até os
dias atuais, em que o homem permanece com a necessidade de interagir, de
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se comunicar e expressar e pode-se afirmar que o homem faz isso não
somente através da linguagem falada, mas da escrita também.
Como na pré-história essa comunicação com o meio ocorria através de
desenhos e sinais gráficos, houve um período em que, com o aperfeiçoamento
da escrita o homem buscava utilizar-se de uma linguagem mais culta para se
comunicar. Atualmente uma nova forma de comunicação através da escrita
desenvolve-se a partir da evolução da tecnologia, a chamada escrita virtual.
Essa escrita é caracterizada pela busca rápida de informação de forma
simples e com maior velocidade muitas vezes utilizada de forma incorreta e em
certos momentos nos remete novamente à escrita da fase silábica entendida
pela autora como rébus, em que na internet, usa-se de sinais gráficos para
representar uma palavra escrita, como por exemplo, o uso de” ” para se dizer
que esta “feliz” entre outros.
Essa nova forma de escrita surgida na internet, como consequência de
sua evolução, acaba nos remetendo ao seu surgimento, pois como dito
anteriormente o homem se comunicava através de desenhos, imagens, sinais
gráficos e de inicio uma linguagem simplificada, é o que ocorre com o novo
modelo de escrita na internet.
A escrita virtual, que possui até um nome próprio que é o chamado
“internetês” conta com a criatividade de seus usuários e estes fazem uso das
mais diversas maneiras da escrita. Como exemplos têm o uso de “emoticons e
caracteretas” para representar “sentimentos”, além da economia de caracteres
na abreviação de palavras.
Vale ressaltar que embora a escrita esteja em constante transformação
desde seu surgimento, e isto se faz necessário, ainda há regras para uma
escrita culta e formal que continua em vigor.
A língua portuguesa e suas transformações
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Como será estudada neste trabalho, a linguagem da internet e sua
influência no ensino- aprendizagem da Língua Portuguesa, é cabível lembrar
que no projeto de lei nº 1.676 de 1999, do Congresso Nacional decreta sobre a
própria língua: “a Língua Portuguesa é o idioma oficial da República Federativa
do Brasil” “é a forma de expressão oral e escrita do povo brasileiro, tanto no
padrão culto como nos moldes populares”. E nessa perspectiva Saussure
(1995, pág.17) define língua como:
Um produto social, da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. [...] A língua é um todo por si e um princípio de classificação. Desde que lhe demos o primeiro lugar entre os fatos da linguagem. [...] Não é ilusório dizer que é a língua que faz a unidade da linguagem.
A língua em si caracteriza-se então como sendo um conjunto de signos
usados por integrantes de uma comunidade, a qual tem como objetivo principal
estabelecer comunicação e pode ser representados por gestos, imagens,
símbolos, sons, entre outros.
A língua muda sem parar, e para que continue funcionando como um
organismo vivo faz-se necessário todas essas mudanças e transformações
ocorridas ao longo da história.
Quanto ao português é uma língua românica que teve sua origem do
latim- língua falada pelo povo romano, introduzido na Península Ibérica pelos
soldados romanos, como afirma Coutinho em sua gramática histórica na pág.
46 ao referir-se à história da língua portuguesa “A língua portuguesa proveio do
latim vulgar que os romanos introduziram na Lusitânia, região situada ao
ocidente da Península Ibérica.” O latim vulgar, falado pelos soldados romanos,
que invadiram o continente com objetivo de conquistar todas as terras em volta
do mar mediterrâneo e assim expandir o comercio, mesclou-se com as línguas
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já existentes e assim originou novas línguas entre elas o português que durante
sua evolução destacam-se alguns períodos.
Segundo Coutinho (1976, pág.56 e 57) a evolução da língua portuguesa
pode ser definida em três fases sendo elas respectivamente.
A pré-histórica começa com as origens da língua e se prolonga até o século IX, em que surgem os primeiros documentos latino-portugueses. É reduzido o material linguístico desta época, constante de escassas inscrições. Só por conjetura é o que se pode formar uma ideia do romance então falado.
A proto-histórica estende-se do século IX ao XII, os textos que então aparecem são todos redigidos em latim bárbaro. Neles, porem de quando em quando, se encontram palavras portuguesas, o que prova à evidencia que o dialeto galaico-português já existia nesse tempo.
A histórica inicia-se no século XII, em que os textos ou documentos aparecem inteiramente redigidos em português. Anteriormente língua era apenas falada.
A primeira fase vai do século V ao IX, onde ocorre uma mistura do latim
vulgar com a linguagem existente nos locais conquistados, fase onde os textos
e documentos eram escritos em latim e as palavras em português eram apenas
faladas.
Quanto à segunda fase já se encontram documentos escritos em latim
com misturas de português, onde se percebe que a língua era falada, mas não
escrita , nessa fase também ocorre a separação entre o galego e o português
originando-se assim o português Arcaico.
Já a terceira fase corresponde à histórica a qual comporta uma divisão
em duas fases: A arcaica e a moderna, que ocorre a partir do século XII,
quando ocorre a uniformização da língua portuguesa, perpassando ainda
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muitos outros dialetos até chegar ao português brasileiro, que foi implantado no
Brasil através do seu descobrimento, sendo imposto como língua oficial. Já as
línguas nativas, existentes aqui, modificavam-se e assim originavam-se outros
dialetos.
Ao longo do tempo o português passou por inúmeras mudanças para se
chegar ao português falado hoje, é resultado de muitos acréscimos e
supressões. No entanto como a língua é um organismo vivo e está em
constante transformação, faz-se necessário essas mudanças para construção
de sua identidade, e assim a língua portuguesa também constrói sua
identidade.
Durante esse processo de evolução muitas palavras da língua
portuguesa sofreram alterações sendo que muitas delas foram causadas pelo
próprio homem como se percebe na imagem abaixo, pois a escrita em seu
surgimento, no início, era feita de forma simplificada geralmente representada
por desenhos, figuras e rabiscos que expressavam a necessidade de o homem
comunicar-se. O que retorna agora com a escrita utilizada nas redes sociais,
em que há uma simplificação da linguagem, através da abreviação das
palavras e uso de “emoctions” para representar a palavra escrita, onde seu
uso não se limita apenas a esse meio e acaba sendo utilizada em vários outros
contextos sociais, até mesmo nas escritas e produções formais.
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“De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido” (José Saramago) Disponível em: http://www.gordonerd.com/a-evolucao-da-comunicacao
A imagem acima mostra o processo da evolução da escrita, onde o
homem na idade da pedra/pré-história desenvolveu a escrita para suprir a
necessidade de comunicação e seus registros, que era feita através de
desenhos, e a partir daí, no decorrer dos tempos e com as mudanças sofridas
pela sociedade, essa forma de comunicação foi se desenvolvendo cada vez
mais e com essas transformações surgiram novas formas de escritas de
publicação em massa e de publicação simplificada como é o caso do twuiter,
onde os usuários possuem somente 140 caracteres, ou seja, 140 letras para se
comunicarem, transmitir sua mensagem, o que automaticamente faz
necessário a abreviações das palavras ou que as mesmas sejam
representadas por sinais gráficos como os emoctions por exemplo.
A evolução da escrita desde seus primórdios, sem dúvidas, trouxe
muitos benefícios, no entanto com o avanço do mundo tecnológico também
trouxe algumas preocupações, principalmente no que diz respeito a essa
evolução da escrita nos meios virtuais e os adolescentes que fazem uso dessa
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tecnologia, já que esses se encontram em formação escolar, onde as
influências ao seu redor podem contribuir de forma negativa para o processo
de aquisição da escrita.
A linguagem da internet Atualmente uma nova forma de expressar e comunicar-se através da
linguagem escrita surge com a evolução da tecnologia: a chamada escrita
virtual, a qual esta criando um novo modelo de comunicação, que segundo
MARTIN GILES “As redes sociais estão mudando a forma como as pessoas se
comunicam, trabalham e se divertem para melhor”.Pode-se assim destacar a
internet como uma das influências para as mudanças da escrita.
A internet se transformou em um dos maiores vínculos de comunicação
de massa, com uma linguagem própria e acessível a seus usuários, onde as
mensagens vinculadas por esse meio são destinadas a todo tipo de público,
sendo que as mesmas são trazidas para o convívio social de seus usuários,
nessa perspectiva Villela (2002, pág.162) define internet como:
A rede internacional do saber que nos permite acessar um universo ilimitado de informações em múltiplos formatos digitais. Além de continuar arquivada através do tempo, a informação desliza pelo espaço, flui de lugares próximos até grandes distâncias, em alta velocidade e fica disponível 24h por dia.
A linguagem da internet já é uma realidade que a ultrapassou e agora a
principal preocupação de muitos gramáticos é de como ela está sendo utilizada
e até que ponto pode influenciar no aprendizado da escrita e comunicação
entre pessoas
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Junto com o surgimento da internet e todo seu processo de
comunicação também surgiu uma nova linguagem, que ficou conhecida como
internetês, que é uma linguagem simplificada e informal a qual surgiu na
internet com o objetivo de tornar a comunicação mais veloz levando em
consideração que o mundo tecnológico exige essa velocidade, portanto esta
também deve evoluir, uma vez que a comunicação deve ser rápida para
acompanhar esses inúmeros avanços. A tira abaixo ilustra essa evolução e o
que esta produz na vida das pessoas.
(WATTERSON, Bill. O mundo é mágico: as aventuras de Calvin e Haroldo. São Paulo: Conrad Editora, 2007.) Pode-se observar que antigamente o que era urgente era algo para uma
semana ou mais, hoje urgente é algo para o momento, ou seja, no mesmo
instante em que se pede algo pelo telefone, por exemplo, já se envia por e-
mail. E como se pode perceber na tira, o menino, o qual representa a
adolescência atual, não tem paciência para esperar seis minutos. Dessa forma
eles também não têm mais paciência para escrever um texto, assim facilitam
essa escrituração por meio de abreviações.
Essa linguagem é feita de forma rápida e informal, é uma linguagem
caracterizada pela redução de palavras e adoção de gírias, causando assim a
abreviação da escrita bem como o uso dos “emoctions” no lugar da palavra
escrita, o que pode ser considerado um sinal gráfico, com a finalidade de
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facilitar a comunicação, os principais autores dessa escrita são os
adolescentes, os quais fazem uso dessa linguagem principalmente na internet
e no celular. Nessa perspectiva afirma SOARES (1992) que:
O maior instrumento da globalização cultural na sociedade tem sido certamente o conjunto das redes de comunicação de massa. A abrangência extensão e eficácia dessas redes estão na raiz das maiores transformações da virada do século.
Uma das características da evolução dessa linguagem é a evolução da
própria tecnologia, pois uma vez que a rede de computadores plugados permite
que seus usuários tenham informações de todo o mundo e assim a utilização
frequente da internet bem como seu desenvolvimento acabaram produzindo
entre seus usuários, uma linguagem própria e universal, linguagem essa que
trata da aquisição rápida de informações.
As abreviações e modificações nas palavras são criticadas por muitos
gramáticos e professores da língua materna, muitos afirmam que com a
internet cada vez mais presente na vida de adolescentes em formação escolar,
o vício de linguagem informal também tem crescido muito e esta tem sido
empregada em lugares inapropriados como na escola, por exemplo, e nas
escritas mais formais, para as quais ainda se exige a norma padrão da língua
portuguesa.
Mas também existem os defensores dessa linguagem, que afirmam que
o problema não está no uso da linguagem e sim usá-la como única forma de
escrita e comunicação, ainda afirmam que a linguagem agiliza, estimula a
reflexão e aumenta o hábito de leitura e escrita, enfatizam ainda que os
professores devem trabalhar esse tipo de linguagem em sala e trabalhar suas
diferenças entre escrita formal e informal.
Os jovens de hoje são filhos da tecnologia, passam horas no chat e
usam formas linguísticas alheias às regras tradicionais da língua portuguesa,
assim o uso correto da ortografia em sala de aula formal, geralmente, é pobre.
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A linguagem é um meio de comunicação por excelência, graças a ela
podemos expressar ideias, sentimentos e interagir com os outros. A linguagem
consiste em um modelo geral e constante para os membros de uma
determinada comunidade linguística e a realização desse modelo é um ato
individual e voluntário realizado através de fonação e da escrita. Através da
linguagem, forma-se uma identidade, pois ela serve como base para essa
formação: enquanto parte de uma sociedade, com um determinado grupo, que
leva a desenvolver certas características linguísticas que vão moldando o grau
de conhecimento através da forma correta de expressão seja ela escrita ou
verbal.
Para muitos a linguagem da internet se resume nas abreviações como,
por exemplo: “pq” em vez de “porque” ou “vc” substituindo “você”. No entanto a
escrita não produz o mesmo efeito da fala.
É na área da escrita, onde este foco de investigação guiada por regras
de ortografia consideradas por linguistas como a maneira correta e formal de
expressar a linguagem através do uso de sinais gráficos que podem ser
descritos como o uso correto das letras para formar palavras.
Os novos meios de comunicação, especificamente o bate-papo virtuais
chamados chats, sobre esse canal de comunicação e disseminação dessa
linguagem, Eduardo S, Junqueira em: APUD, segundo Gonzalez (2005,
pág.26)
Essas ferramentas promovem discussões interativas, entre duas ou mais pessoas simultaneamente, disponibilizam uma ou mais “salas” (canais) para discussão de assuntos distintos e permitem que se enviem mensagens para todos os usuários conectados num canal ou apenas para um usuário privativamente .
Esse entre outras redes de comunicação social estão criando uma nova
linguagem em jovens estudantes distante da norma, como mencionado
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anteriormente, o que gera o surgimento de novas formas comunicativas
totalmente incorretas através de textos. Prova disso, é o fato de ter passado a
ser comum nas obras, e testes dos estudantes, erros ortográficos repetidos, os
quais para eles já representam mudanças na ortografia, o problema é que
ainda não na oficial.
A linguagem cibernética e sua influência na escrita dos alunos. Esta pesquisa está focada em identificar a relação entre a língua usada
no bate-papo em comunicações virtuais (internetês) e competência gramatical
grafêmica dos estudantes do Ensino Fundamental, que são os principais
consumidores dos meios de comunicação presentes na Internet, como: o
Messenger, chat, Facebook, twuiter, entre outros canais de comunicação.
Destina-se a identificar se essa linguagem atua como um fator de
influência na escrita do aluno utilizada fora do contexto da rede, mais
especificamente na sala de aula, onde se exige uma escrita formal padrão.
Segundo MARCUSCHI (2005, p. 52): [“...] “novo idioma chamado
internetês” que vem deixando gramáticos em pânico”. A mudança na escrita
que gerou e continua a ser gerado na língua nas redes sociais, através de
salas de chat, a partir disso surge uma grande preocupação dessas tecnologias
passarem a influenciar de forma negativa na escrita formal de alunos podendo
gerar o surgimento de novas formas de imediatismo comunicativo linguístico
através de textos, textos estes que refletem a supremacia da comunicação real
no virtual, que nos coloca o aspecto mais marcante desta variedade de
comunicação eletrônica, a oralização do texto, ou seja, a sensação de que os
usuários digitam o que eles estariam dizendo, e leem o que eles querem ser
ouvidos. Este produto é o sentimento de uma necessidade de expressão,
porém, gerou um novo tipo de linguagem dos jovens pertencentes à era
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cibernética, sem limites nem áreas geográficas e construíram códigos
semelhantes, geralmente abreviados a partir da língua portuguesa.
Acredita-se que os jovens ainda em formação escolar, os quais se
encontram em processo de aquisição da linguagem escrita, ao fazerem o uso
constante dessa escrita, fique com seu raciocínio limitado e que não domine
assim a linguagem escrita de forma correta em todos os contextos.
A fim de analisar se o que foi enfatizado anteriormente em relação
à influência da linguagem virtual nas produções dos alunos de Ensino
Fundamental, realizaram-se análises, através de produção textual, a campo
para comprovar que há relação entre a pesquisa bibliográfica deste trabalho e
a prática em sala de aula.
O público alvo desta pesquisa foram alunos do Ensino Fundamental do
9º ano, de uma escola pública no perímetro urbano, pois se entende que estes
têm maior acesso à internet, tanto em casa como na escola.
Para esta etapa foram observadas vinte (20) produções textuais, das
quais após leituras foi identificada em algumas produções, alguma influência da
escrita virtual, umas evidentemente e outras através de erros ortográficos,
trocas de vogais, aumento das palavras como de costume na internet, que
também pode ser uma das influências negativas desse processo, pois como
dito anteriormente, ao fazer uso constante desta linguagem abreviada acaba se
adaptando a essa linguagem sem o interesse pela pesquisa, pelo interesse da
busca da escrita correta.
A análise de textos, produzidos por alunos do 9º ano do ensino
fundamental da escola Dr. Mario Augusto Teixeira de Freitas, deixa evidências
que os alunos levam vestígios da linguagem que utilizam na internet, para as
produções e escritas mais formais da sala da aula, é o que comprova os textos
abaixo escritos por alunos, onde foi aplicado o estágio de regência no qual foi
solicitado a eles que produzissem um texto dissertativo com o tema A Evolução
da Tecnologia, e sendo esta uma produção formal, e de caráter avaliativo,
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ainda houve a influência da escrita virtual, onde o aluno transcreve
propriamente sua fala. Como podemos perceber nos textos em anexo:
No primeiro texto ocorre a troca de vogais e o aumento da palavra ”traz”
acrescida pela vogal “i” o que é uma caracterização da linguagem da internet,
onde se escreve como se fala. No segundo texto o aluno usa claramente a
linguagem da internet, transcrevendo sua própria fala, percebe-se através do
“kkkkk” linguagem utilizada para expressar “risos” já no terceiro texto ocorre a
simplificação da palavra “fosse” com a diminuição de uma vogal, o que também
caracteriza a linguagem simplificada da internet, que se da através da
eliminação de letras.
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3. CONCLUSÃO
A escrita desde seu surgimento tem passado por muitas transformações,
das quais muitas são causadas pelo próprio homem com a intenção de
melhorar sua comunicação e, em outros aspectos destaca-se a internet
como uma das causadoras de mudanças na escrita virtual, já que esta
exige em muitos meios de comunicação que a escrita seja feita de forma
rápida.
Em outros casos acaba induzindo a escrita simplificada, como no
caso do twuiter, onde os usuários possuem apenas 140 caracteres para
transmitir sua mensagem, desejo, o que faz necessário a abreviação de
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muitas palavras bem como o uso de emoctions no lugar da palavra
escrita.
Com todo esse processo de evolução da escrita que gerou e
continua a ser gerado, trouxe muitos benefícios para a linguagem
escrita, mas também muitas preocupações quanto ao novo rumo que
vem tomando a linguagem virtual em sua forma escrita. Pois se sabe
que neste meio encontram-se muitos jovens ainda em formação escolar,
onde estão adquirindo o processo da escrita e através das análises
textuais realizadas por alunos fica evidente que estes levam vestígios
desta linguagem para as escritas formais da sala de aula.
No entanto com o avanço das tecnologias, da internet, e nesse
aspecto sua linguagem escrita a qual evolui diariamente percebe-se que
esta linguagem já é uma realidade que ultrapassou barreiras e veio para
ficar, pois por ser feita de forma rápida e simplificada não havendo assim
preocupação com a norma padrão formal, ou seja, com a escrita correta,
já que todo tipo de escrita é valida inclusive a criatividade de seus
usuários torna-se mais cômoda a seus adeptos, facilitando assim o uso
das abreviações, símbolos e reprodução da língua falada.
Embora muitas vezes haja influências desta escrita virtual nas
produções formais dos alunos em sala de aula, vale ressaltar que o
internetês, não é uma ameaça ao português formal, desde que os
profissionais de língua materna, desenvolvam uma prática pedagógica
voltada aos gêneros textuais, e que o mesmo seja capaz de possibilitar
ao aluno compreender que cada gênero textual possui sua forma de
escrever, e que neste aspecto também existe várias maneiras de se
escrever, no entanto se deve usar cada uma delas em seu contexto. Em
sala de aula, por exemplo, em vestibulares, Enem, redações se exige
uma escrita mais formal, já o internetês é uma linguagem que se usa
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nas redes sociais em comunicações informais, que não deve ser
confundida com a escrita formal culta.
Referências:
COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática Histórica. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1970. KATO, Mary Aizawa. No Mundo da Escrita uma perspectiva Sociolinguística. 7º.ed. São Paulo: Àtica , 2005. MARCUSCHI, Luis Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2008. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da Conversação. 5.ed. São Paulo: Ática, 2006.
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ALGOZES DA LEITURA: PASSIVIDADE E AGRURA
Eliane Andrade de Silva41
, Bruna Shirley Gobi Pradella42
Josiele Kaminski Corso Ozelame43
Resumo: A escola, por sua própria finalidade, deveria ser o local em que o
gosto pela leitura tomasse consistência, amadurecesse, mas, infelizmente, nem
sempre se consegue que isso aconteça. Acreditamos que, alguns fatores
contribuem para esse quadro, tais como: a maneira que os livros são
apresentados às crianças; bibliotecas com acervos deficientes; ausência de
participação da família, no momento em que a criança começa a frequentar a
escola. A pesquisa se justifica pela percepção e contato com crianças
“desiludidas” a ler; se faz necessário conhecer quais são os possíveis motivos
que podem estar por trás de tal desilusão. Nosso objetivo é discutir a leitura no
ambiente escolar, expondo alguns aspectos que tornam o aluno passivo e com
aversão à leitura e, dificultam, assim, toda sua vida escolar. Trabalhar leitura
em sala de aula, na maioria das vezes, é uma tarefa árdua e, se o professor
não puder contar com uma biblioteca bem estruturada e o incentivo da família
do aluno, essa tarefa se torna mais difícil ainda. Esperamos que este trabalho
possa contribuir com as discussões acerca das dificuldades de leitura em
ambiente escolar, do qual muitos alunos sofrem. A pesquisa faz parte do APCC
aplicado na matéria de Leitura Escrita e Oralidade do curso de Letras da
universidade Estadual do Paraná. Para o levantamento de dados, foi realizado
um questionário com uma professora da rede pública de ensino, que leciona
Língua Portuguesa em um colégio estadual de Foz do Iguaçu, bem como
referencial teórico e observação do ambiente escolar, sala de aula e biblioteca.
41
Acadêmica do curso de Letras com habilitação em Língua Portuguesa e Língua Espanhola e
Respectivas Literaturas da UNIOESTE – Campus de Foz do Iguaçu, [email protected]. Apresentadora.
42 Acadêmica do curso de Letras com habilitação em Língua Portuguesa e Língua Espanhola e
Respectivas Literaturas da UNIOESTE – Campus de Foz do Iguaçu, [email protected].
Apresentadora.
43 Professora da UNIOESTE – Campus de Foz do Iguaçu, [email protected]
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Introdução
Em pesquisa realizada em uma escola estadual de Foz do Iguaçu, pode-
se observar alguns pontos importantes sobre como está sendo trabalhada a
leitura na sala de aula. O objetivo de tal pesquisa foi não apenas o de verificar
as falhas no processo de ensino, mas, também, refletir a realidade escolar,
com intuito de entendê-la.
A escola tem por função estimular a leitura, fazer com que o aluno
adentre neste maravilhoso mundo. Cabe a ela guiá-lo, despertar nele o desejo
pela leitura, mas, às vezes, isto não se concretiza e acontece, então, o
caminho inverso, pois, “toda a leitura é penetrada de Desejo (ou Repulsa)”
como afirma Barthers (2004).
A leitura é fundamental na vida escolar do aluno, “a aprendizagem em
geral e da leitura em particular significa uma conquista de autonomia, permite a
ampliação de horizontes (...)” (MARTINS, 1991), garante a este acesso ao
conhecimento e desenvolvimento do seu entendimento de mundo. A falta de
proficiência na leitura acarreta dificuldades em qualquer matéria que ele esteja
estudando, mas é papel essencial do professor de português trabalhá-la.
Entre os aspectos mais importantes dessa prática, se destacam:
primeiro, a maneira arbitraria e destorcida como é apresentada a leitura nos
livros didáticos; segundo, bibliotecas com acervos incompletos e sem ambiente
adequado para a leitura e, terceiro, a falta de participação da família na vida
escolar.
Através de um questionário aplicado a uma professora de português,
atuante na rede estadual de ensino, observou-se que ela, assim como muitos
professores, encontra dificuldades para trabalhar com leitura em sala de aula,
tais dificuldades já foram abordados por Barthes (2004), Geraldi (1991),
Kleiman (1998, 2001) e Silva (1999).
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Algozes da leitura
Algoz, por definição, é aquele que mata, que tira a vida; então, como é possível existir algozes da leitura? Algozes, neste caso, são fatores que matam o gosto pela leitura e, para um leitor tomado pelo dissabor, o texto passa a ser algo vazio, perde-se a interação entre o texto e o leitor. A leitura perde sua dimensão real:
Quando a leitura é entendida como interlocução, tal qual outras atividades de linguagem, só que à distância, então aqueles aspectos que diferenciam a interação oral da escrita e que permitem, de certa maneira um enfoque que torna o texto como conjunto de palavras, passam a ter uma relevância menor (KLEIMAN,1998 s/p).
Perdendo-se a função interlocutora da leitura, perde-se, também, a
motivação do leitor, que não vê sentido nessa prática, pois, embora por vezes
não tenha consciência do diálogo que faz com o texto, ele interage de forma
real com ele. Tirando a interação, resta ao leitor apenas a passividade e agrura
típica de quem não espera nada de um texto.
Leitura em sala de aula
Falar sobre leitura em sala de aula, quase sempre é sinônimo de
interpretação dos textos contidos nos livros didáticos ou leitura dos livros tidos
como “clássicos da literatura”, que seriam mais bem aproveitados não fossem
as fichas obrigatória de leitura.
No questionário, a pergunta dois que se refere ao livro didático, a
professora afirma que as interpretações não levam ao aluno a uma verdadeira
reflexão sobre o texto, ao contrário, eles são direcionados a uma interpretação
conforme a visão de quem os elaborou. As questões de interpretação de texto,
na maioria das vezes, tem outro objetivo que não interpretar, há sempre um
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direcionamento no sentido de busca de respostas, que, na maioria das vezes,
são facilmente encontradas, sem a necessidade de leitura do texto:
É muito freqüente os alunos lerem primeiro as respostas que se seguem ao texto de leitura do livro didático para encontrarem alguma razão para o esforço que farão. Mais freqüente ainda, como tais perguntas pode não exigir esforço algum, de posse delas, o aluno passeia pelo texto e sua superfície em busca das respostas que satisfaram não a si, mas à aferição de leitura que livro didático e professor farão (GERALDI, 1991, s/p).
Kleiman alerta também sobre outro equívoco que recaem os livros
didáticos, que é usar o texto como pretexto “Os livros didáticos estão cheios de
exemplos em que o texto é apenas pretexto para o ensino de regras sintáticas,
isto é, para procurar adjetivos, sujeitos ou frases exclamativas” (KLEIMAN,
2001, s/p).
O livro didático, visto nesta concepção, pouco ajuda o professor nas
aulas de leitura, que, conforme a resposta da professora, acontece uma vez
por semana.
O professor, não podendo contar com o livro didático como legítimo
material de apoio, se vê na difícil tarefa de trabalhar leitura com seus alunos.
Uma boa opção seria trabalhar leitura na biblioteca ou direcionar seus alunos a
pegarem livros emprestados para fazerem a leitura em sala de aula. Mas, como
veremos a seguir, isto nem sempre é uma boa idéia.
Biblioteca escolar
Em visita à biblioteca da escola em que leciona a professora que
respondeu o questionário, verificou-se que dos dez livros mais lidos por
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adolescentes44, a biblioteca dispunha de cinco deles no acervo e, com oferta
apenas de um exemplar de cada livro. Outro fato importante é a insuficiência
de espaço que há na biblioteca para receber alunos, inviabilizando, assim,
aulas de leitura neste local, como sugere a professora.
A biblioteca, por não ofertar os livros que os adolescentes mais leem, dá
a opção, apenas, dos livros que o professor induz a ler, nesse caso, o desejo é
substituído pela obrigação:
A biblioteca é infinita, na medida em que ela sempre está (por mais bem concebida que seja) aquém da demanda: a tendência é nunca estar lá o livro desejado, ao passo que outro livro é proposto: a Biblioteca é o espaço dos substitutos de desejo (...) (BARTHES, 2004, p.35).
A maioria dos alunos cursando o ensino fundamental e médio são
adolescentes, não tendo os seus livros preferidos, eles não se sentiram
atraídos à biblioteca. Tudo piora quando o professor os obriga a ler para aplicar
depois algum tipo de avaliação, prática comum entre os professores inclusive
pela questionada.
A leitura se torna cada vez menos atraente e cresce no aluno à agrura
frente aos livros:
a leitura que é cobrada mediante resumos, relatórios e preenchimentos de fichas é uma redução da atividade a uma avaliação desmotivadora. A insistência no controle diminui a semelhança entre leitura espontânea, do cotidiano, a e leitura escolar, ajudando na construção de associações desta ultima com dever e não com prazer (KLEIMAN, 2001, s/p).
44
Em pesquisa na internet feita em diversos sites, encontrou-se a relação dos dez livros mais
lidos por adolescentes.
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Ainda segundo a professora, ela trabalha, pelo menos, um livro por
bimestre. Levando em consideração que em cada sala há, pelo menos,
quarenta alunos e, a biblioteca tem apenas um exemplar de cinco dos livros
mais lidos por adolescentes, com certeza os alunos acabam lendo os livros
indicados pela professora e não os que eles gostariam de ler. Deve-se lembrar,
também, que esta leitura ainda é avaliada através de trabalhos ou ficha de
leitura.
Fica evidente que a biblioteca precisa de adequações, de mudanças
substanciais, como afirma Silva:
uma mudança substancial na realidade concreta da biblioteca escolar brasileira só será possível se compreendermos que os problemas dessa instituição não serão resolvidos se forem pensados isoladamente, assim como o conjunto dos problemas educacionais não serão superados se pensarmos apenas a escola (SILVA, 1999,p.108).
Para que aconteça está mudança, é necessário o engajamento da
família na vida escolar da criança e adolescente, é necessário interação entre
família e escola.
Família e leitura
Falar de família e leitura nos remete à infância, quando, muitas vezes, a
mãe lê para o filho em um ambiente agradável, cercado de carinho,
lamentavelmente, nem todos têm o primeiro contato com a leitura desta forma:
Devemos nos lembrar que para a maioria, a leitura não é aquela atividade no aconchego do lar, no canto preferido, que nos permite nos isolarmos, sonhar, esquecer, entrar em outros mundos, e que tem suas primeiras associações nas estórias que a nossa mãe nos lia antes de dormir (KLEIMAN, 2001, s/p).
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Mesmo as crianças que são introduzidas ao mundo da leitura por meio
das estórias infantis, têm seu gosto por ela dissipado, pois, ao passo que a
criança cresce, essa leitura vai se tornando cada vez mais escassa e é
substituída pela leitura no ambiente escolar, que, como já foi mencionado, está
muito distante da leitura espontânea que se tinha em família.
É necessário que as famílias retomem o hábito de ler em casa,
incentivem seus filhos a lerem pelo prazer e, o melhor incentivo é dar exemplo:
Nossos filhos e alunos tenderão a ser leitores se nós o formos porque, na maioria das vezes, os contagiamos com nossos valores a com nossas afinidades. Como poderemos formar leitores se os livros não fazem parte efetiva de nossa rotina de comprometimentos? (ZANDOMENEGO;CERUTTI-RIZATTI, 2008, p.25).
A leitura no âmbito familiar tende a fluir mais facilmente, porque não há
cobranças como na escola. A escola deveria firmar parceria com as famílias no
intuito de fortalecer o hábito da leitura, pois, mesmo que o aluno leia uma ficção
cientifica ou um romance, isto influenciará positivamente, porque está
enriquecendo seu conhecimento prévio, que poderá ser usado para outras
leituras.
Considerações finais
Trabalhar leitura constitui um processo longo e dificultoso, a escola, com
seus livros didáticos mal planejados e suas bibliotecas mal estruturadas, nem
sempre favorece o professor nas aulas de leitura, Uma alternativa mais
proveitosa que pode ser estudada é o estreitamento da integração
família/escola. Esta integração poderá levar o aluno a reagir à passividade e
agrura que, muitas vezes, toma conta sua vida escolar no que tange à leitura.
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Referências
BARTHES, Roland. O rumor da língua. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2004. GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 4ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1991. KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: Teoria e pratica. 8ª edição. Campinas: Pontes, 2001 MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 13º edição. São Paulo: Brasiliense, 1991.
SILVA, Waldeck Carneiro. Miséria da biblioteca escolar. 2ª edição. São Paulo: Cortez, 1999. ZANDOMENEGO, Dirce; CERUTTI-RIZATTI, Mary. Produção textual acadêmica. Florianópolis: LLV, UFSC, 2008.
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LEITURA DE QUADRINHOS E CHARGES: RECURSO
METODOLÓGICO EM SALA DE AULA
Iris Cristina Barbosa Cherubini45
Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar o gênero discursivo,
charge, como um possível recurso em sala de aula com alunos do 5º ano do
ensino fundamental. Tendo em vista que as crianças sentem-se atraídas pelos
temas apresentados nessas histórias em quadrinhos, buscamos estimular o
trabalho pedagógico com esse recurso metodológico. Considerando que as
charges possuem uma linguagem caricatural, ou seja, por meio de balões de
fala expõem de maneira irônica, personagens conhecidas nacionalmente.
Dessa maneira o uso desse material em sala de aula é importante, pois
provoca no aluno diferentes estratégias de leitura. Exigindo percepções
críticas, a análise discursiva do gênero textual, charge impõe a interpretação e
argumentação subjetivas do aluno, em que o mesmo atribui concepções de
mundo, de homem e de sociedade, conforme sua perspectiva social. Isto é, o
aluno atribui à função social do gênero baseado na sua realidade material. Na
escrita o professor poderá desenvolver atividades de elaboração de charge,
sendo também um recurso para trabalhar gramática, ortografia e semântica.
Quando articulado a outras disciplinas facilitará o trabalho de
interdisciplinaridade. Portanto o trabalho com autores populares de quadrinhos
e charges em sala de aula favorece ao aluno o uso da do discurso de gênero e
compressão da função social do mesmo. Assim buscamos um alicerce teórico
na perspectiva da análise discursiva de Bakhtin. Para entendermos o processo
de desenvolvimento da linguagem nos remetemos à perspectiva sócio-
interacionista de Vygotsky.
Palavras-chave: Charge. Sala de aula. Interdisciplinaridade.
45
Graduanda de Pedagogia. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. E-mail:
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INTRODUÇÃO
A necessidade de narrar os fatos sociais remonta a antiguidade. Nesse
sentido as estruturas narrativas em histórias receberam formas criativas, pois
buscavam atrair o público leitor.
Sendo consideradas como arte, as histórias escritas na forma de
quadrinhos ocuparam lugar de destaque nas sociedades ao longo do tempo. O
primeiro livro em quadrinhos, produzido em massa, surgiu na Inglaterra no
século XVII. Com o tempo, foram aparecendo novos quadrinhos e publicações
na Europa e nos Estados Unidos da América, bem como o aperfeiçoamento de
certas técnicas de comparação.
Com o renascimento, os impressos literários e os escolares, se
destacam pela função principal da formação intelectual. Agregando-se a esses
a invenção da imprensa por Johanes Gensfleisch Von Gutenberg provocou
grandes transformações político-sócio-culturais que se contraponham ao
modelo de organização medieval vigente até então.
A imprensa foi fundamental para divulgar as mudanças ocorridas no
processo histórico e cultural da civilização moderna e ainda influencia a
formação de opiniões na sociedade contemporânea. A informação escrita
passou a comportar as necessidades dos sujeitos envolvidos com a cidadania
e emancipação humanas.
Nesse sentido a imprensa estimulou a veiculação de questionamentos
sobre as condições sociais do homem moderno, que até então concebia os
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processos sociais como fatos “naturais”, predeterminados, então
compreendemos que a principal função social das tiras “humorísticas”, charges,
está na premissa da problematização sarcástica e irônica da realidade política
e econômica de uma dada sociedade.
As críticas apresentadas geralmente são ao sistema de governo, que
retratam os fatos sociais de forma linear. Assim a imprensa favoreceu o “livre”
arbítrio e o direito de escolha política e religiosa. Vista dessa maneira a charge
promoveu a liberdade de escolha no enfoque da leitura.
Verger (1999) considera a imprensa como revolução, nesse aspecto
ele cita: “invenção da imprensa foi realmente uma das revoluções técnicas
mais importantes da história da humanidade”. Com o surgimento dos
impressos, os livros tornaram-se mais baratos e portáteis, favorecendo a leitura
silenciosa e solitária.
Esta orientação para a privacidade integra-se num movimento mais
amplo, que seria uma maneira de reivindicação de direitos e liberdades
individuais, cujo surgimento a imprensa estimulou e contribuiu para divulgar
(BACELAR, 1999).
Imprensa e Sociedade
A invenção da imprensa influenciou a sociedade em relação a
divulgação das informações e nesse sentido contribuiu para críticas políticas e
culturais dos sentimentos da sociedade moderna.
Provocou uma repaginação na cultura e contribuiu com a ciência e a
religião em seu viés de movimento. Muitos a tem como símbolo do surgimento
da classe média, tendo em vista a característica comunicativa. As histórias
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curtas em quadrinhos, as charges, ganham um lugar de destaque na
divulgação jornalística da época.
Contudo, não possuíam o mesmo papel de destaque das outras artes,
sendo considerada como arte “comum”, pois a sua aceitação em sua maior
parte era entre os leigos. Essa característica popular incentivou a escrita nos
jornais, que destinavam alguns espaços nos cadernos.
Porém os espaços eram pequenos, devido a essa caraterística veio a
denominação de “tiras”. Juntamente as tiras incorporaram-se críticas sociais e
políticas, o que acarretou a função humorística.
A partir do século XIX o jornal recebe outro formato, apresentando
textos cômicos nas tirinhas: Yellow Kid, Mutt e Jeff, entre outros. Esses
promoveram uma grande tiragem na produção de jornais.
Uma tirinha do Yellow Kid.
O personagem central da tirinha era um menino loiro chamado, Yelow
Kid e o seu tigre de pelúcia. Entretanto as tiras do Yellow Kid não ficaram por
muito tempo, pois havia pouco espaço nas páginas dos jornais, não permitindo
que os chargistas escrevessem a sua crítica por inteiro.
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No século XX, as charges receberam novos formatos, criaram-se as
Histórias em quadrinhos, o “fantástico” passou a ser um tema comum nas HQs,
como também as preocupações com referência e apresentação. Com o
surgimento das editoras de Histórias em Quadrinhos adota-se e consagra-se
um novo estilo de publicação, com um formato criado pela união de diferentes
tiras únicas (não mais “tiras de jornal”). Parecia que os quadrinhos tinham
achado o caminho certo; porém, isso não bastava para lhes garantir autonomia.
Para tanto as “tiras” de revistas passam por mudanças, que continham,
na maioria das vezes, histórias de aventuras. Contudo, a qualidade temática
das revistas ainda permanecia inferior às “tiras de jornal”. Era evidente que as
revistas em quadrinhos precisavam de uma renovação temática, buscando um
novo enfoque. A saída encontrada foi às antigas novelas não ilustradas, e o
sucesso foi surpreendente.
Dessa forma possibilitou uma maior interação do leitor com as
temáticas de romance, ficção, faroeste, entre outras, proporcionando
experiências e diálogos sobre temas sociais não discutidos abertamente.
A arte exposta nas charges proporcionou e ainda proporciona aos
leitores leigos diversas leituras de mundo e ao mesmo tempo expressa
sentimentos e subjetividades dos sujeitos sociais.
Conforme Barbosa (1991), a arte desperta palavras e emoções nunca
ditas, para ele: “[...] se a arte não fosse importante não existiria desde o tempo
das cavernas, resistindo a todas as tentativas de menosprezo”. Ou seja, o autor
destaca a maneira artística rupestre no registro dos desenhos feitos nas
paredes das cavernas, os quais representavam o cotidiano das tribos, suas
emoções vivenciadas num determinado momento. Podemos apontar a escrita
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como necessidade intrínseca da humanidade em deixar os acontecimentos
históricos registrados no tempo.
Sem exageros as charges são registros divertidos de tal acontecimento
social e político da sociedade grafocêntrica. Esse percurso histórico nos
permite destacar a importância do gênero como recurso metodológico e
pedagógico em sala de aula.
Charge: recurso metodológico em sala de aula
As charges em sala de aula são importantes, pois com elas o trabalho
didático assume uma perspectiva crítica e emancipadora. Assim, a leitura de
charges desenvolve a argumentação crítica do aluno, na qual a língua,
constitutiva do ser humano possui consciências das pessoas (envolvidas no
processo) e significa as suas angústias, descontentamentos e medos com o
processo político e cultural da sociedade em questão.
Embora saibamos sobre a importância desse recurso didático em sala
de aula, problematizamos a formação do professor no ensino fundamental, pois
com frequência vimos à dificuldade para o entendimento das charges, o que
reflete o pouco uso de tal recurso nas aulas de língua Portuguesa.
Mas, como trabalhar nessa perspectiva, quando se trata de turmas do
ensino fundamental? Como fazer com que discursos contidos nas charges
façam sentido para os alunos? É possível fazer um trabalho na formação do
professor com o gênero charge?
Acreditamos que não há uma receita pronta e acabada para tais
questões, pois as análises sobre o tema são pessoais e absolutas. O que
evidenciam certa resistência dos professores quando questionados sobre a
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prática pedagógica com as charges, por isso, compartilhamos uma experiência
de trabalho com charges para turmas de 5º ano do ensino fundamental, e
apresentamos uma possibilidade de interdisciplinaridade com o gênero em
particular.
Ao apresentarmos a charge para os alunos partimos do contexto
histórico que ela surgiu, visando mostrar a função social do gênero. Para isso,
trouxemos charges antigas e deixamos para que os alunos fizessem as
leituras.
No segundo momento problematizamos os escritos das charges, nessa
etapa foi considerável o envolvimento dos alunos, que estabeleceram análises
de época. Haja vista o trabalho com História e Sociedade.
Assim sendo, a turma identificou as características mais marcantes da
charge, a caricatura, a sátira e a ironia. Com seus significados complexos, os
alunos se sentiram desafiados para interpretarem os fatos.
Após terem se apropriado das intencionalidades presentes nas tirinhas
antigas, fizemos um mural com outras tirinhas que argumentavam sobre as
primeiras. Nesse momento os alunos perceberam a forma divertida de escrever
as suas opiniões.
O trabalho articulou-se com outros conteúdos o que favoreceu uma
melhor apropriação dos conhecimentos, pois compreenderam que os fatos e
fenômenos das ciências não são dissociados.
Vimos que o recurso da charge como metodologia em sala de aula
estimula e desafia os níveis de aprendizagem dos sujeitos envolvidos no
processo. Os enunciados despertaram opiniões e valores sobre determinada
temática social, ou seja, demos vez à voz dos alunos.
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De acordo com Foucault (apud Fischer, 2001) o enunciado se
caracteriza por quatro elementos básicos: um referente, um sujeito, um campo
que está associado a uma materialidade específica:
1. A referência a algo que identificamos (os referentes, na maioria das charges
analisadas, é o político, o eleitor, o congressista);
2. O fato de ter um sujeito desse enunciado (muitos políticos, ou eleitores ou
congressistas efetivamente afirmam algo que aparece na charge, ou seja,
muitos se reconhecem no discurso veiculado);
3. O fato do enunciado não existir isolado, mas em associação e correlação
com outros enunciados, do mesmo discurso (no caso, o discurso político) ou de
outros discursos (por exemplo, o discurso jornalístico);
4. E por último a materialidade do enunciado, que se manifesta em outros
gêneros discursivos. Isto é, os temas se encontram em outras formas de
veiculação.
Porém precisamos perguntar os motivos que levaram a estrutura da
charge apresentada à turma. Assim, embora o discurso possua as
características levantadas podemos presumir que também há uma história que
o desencadeou.
Sob essas condições ao analisar um discurso, juntamente com os
alunos, seja de uma charge ou qualquer outro GT, o professor se defronta não
somente com uma subjetividade de um sujeito, mas com seus conflitos,
divergências e convergências de opinião sobre determinada temática social.
Partindo do pressuposto de que o gênero discursivo é histórico e
situado (Bakhtin, 1997), comenta a respeito da diferença entre gênero de
discursivo primário (simples) e secundário (complexo). Alguns gêneros se
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apresentam mais complexos e mais evoluídos que outros, como são o caso do
romance, teatro, palestras entre outros.
No entanto entre os gêneros discursivos mais complexos, apresentam-
se alguns discursos mais simples, que fazem integram a comunicação verbal
espontânea. Para que possamos entender melhor os conceitos de complexos e
simples recorremos a Bakhtin.
Conforme Bakhtin:
Os gêneros discursos primários, ao se tornarem componentes dos gêneros secundários, transformam-se dentro destes e adquirem uma característica particular: perdem sua relação imediata com a realidade existente e com a realidade dos enunciados alheios – por exemplo, inseridas no romance, a réplica do diálogo cotidiano ou a carta, conservando sua forma e seu significado cotidiano apenas no plano do conteúdo do romance, só se integram à realidade existente através do romance considerando como um todo, ou seja, do romance concebido como fenômeno da vida literário-artística e não da vida cotidiana. (BAKHTIN, 1997: 281).
Esses discursos marcam uma determinada época, isto é, descrevem
de maneira artística dada situação social e histórica. Os gêneros primários, em
sua maioria são aqueles relativos à comunicação oral. E ampliam-se por meio
da linguagem oral e escrita das camadas populares.
Nesse sentido, os gêneros do discurso são abordados na perspectiva
de enunciados, os quais na teoria de Bakhtin todo discurso comporta
intencionalidades de poder e se dão na relativização dos textos ideológicos e
estabilizados na dialógica entre as diversas situações sociais de interação no
uso da linguagem.
Nessa perspectiva discursiva o gênero seria: “qualquer enunciado
isolado, ou seja, inerente ao sujeito, porém possui uma esfera linguística de
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utilização em que elabora elementos relativamente estáveis de enunciados,
sendo isso que denominamos gêneros do discurso (BACKHTIN, 1997, 279)”.
Para que o professor utilize os recursos das charges ele deverá
assumir o papel de pesquisador, educador e político, para que consiga
trabalhar na forma interdisciplinar em transposições didáticas articular o
trabalho com GT em sala de aula possibilitaria a formação de leitores críticos e
conscientes da função social dos gêneros discursivos.
As inter-relações mediadas pelos signos verbais e não verbais criam
uma atmosfera de pertencimento ao texto.
Quanto o significado atribuído aos textos, Sanches (2009) argumenta:
O significado é constituído na correlação [...] com outros sistemas de significado mais amplos, com outros textos, com outros códigos, com outras normas presentes em toda cultura, em toda sociedade. Portanto, compreender um texto (artístico ou não) é compreender não só as relações intra-textuais, senão também as relações extra-textuais e as que surgem de confrontar estas com aquelas. (SANCHES apud TAGÉ, 2009).
Essa característica justifica trabalho didático com charges em sala de
aula. O trabalho docente deverá contemplar as diversas formas de escrita e de
leitura como recursos metodológicos com crianças de todas as idades.
Porém a intervenção realizada pelo professor nas aulas de Língua
Portuguesa em sua maioria fica na superficialidade. Por apresentar
característica mecânica que o professor avalia a leitura das palavras e não os
conceitos que elas refratam.
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Acreditamos que a dificuldade principal se encontra na fragmentação
do fazer pedagógico, em que o profissional da educação não dispõe de tempo
hábil para pesquisar o material didático.
Nesse sentido a leitura em sala de aula fica na mera decodificação dos
textos trabalhados e o docente atribui notas àqueles que leem “melhor”, talvez
se encontre aí o grande desinteresse das crianças nas leituras em sala de aula,
ou mesmo no espaço da biblioteca da escola.
Segundo Nascimento (2005, p.164) a maioria dos professores ainda
não perceberam a dimensão discursiva do texto, e afirma que, nas aulas
desses, os alunos são impedidos do “uso da linguagem como instrumento de
interação, de reprodução social, ou de transformação”, ou seja, o autor
argumenta sobre a indisposição dos professores em provocar interação em
sala de aula.
Entretanto precisamos entender que esses professores, também são
sujeitos sociais, e nesse contexto são constituídos ideologicamente e
historicamente situados. De acordo com Bakhtin (1997) o sujeito é híbrido e
comporta uma arena de convergências e divergências nos discursos do qual
são os interlocutores sociais.
Gêneros textuais e Formação Discursiva
Acreditamos que na escola a prática de leitura dos variados textos
discursivos devem ser estimulada, a equipe pedagógica poderá utilizar todos
os espaços para incentivar as leituras.
Os processos racionalistas praticados em sala de aula nas leituras pré-
selecionadas limitam a capacidade de criatividades, criticidade e imaginação de
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visões de mundo. Dessa forma não se segue com a proposta de Vygotsky, que
argumenta ser a interação pela linguagem o motor do desenvolvimento
psíquico e cognitivo da criança.
Quando a criança está na escola não há uma fragmentação no seu ser
infantil, e nesse contexto a fantasia e a imaginação são constitutivas das suas
subjetividades. O humor presente nas charges provoca em sintonia as
observações críticas do mundo adulto, que por muitas vezes já lhe são
familiares, mas não assumem um caráter divertido, cômico.
Conforme demonstra Rodari (1982, p. 14) em sua análise sobre a
criatividade e o uso da fantasia no século XVII, afirmando que “se tivéssemos
uma fantasia da mesma forma que temos uma lógica, estaria descoberta a arte
de inventar”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim ressaltamos aqui a importância que o texto charge proporcionou
nas aulas de Língua Portuguesa. Mas salientamos que não há receitas prontas
e acabadas, cada profissional saberá procurar e propor recursos e
metodologias diferenciadas para os planos de aula.
Dessa forma acreditamos que agregar significações ao cotidiano das
crianças é realmente fazer a educação política na escola. Foi uma experiência
que me ajudou a vislumbrar cada vez mais a possibilidade desse trabalho em
salas de aula.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BACELAR, Jorge. Apontamentos sobre a história e desenvolvimento da impressão. [PDF 29 KB ] - Jorge Bacelar, 1999. Disponível em: http://bocc.ubi.pt/_esp/autor.php?codautor=3. Acesso em 10/09/2013. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Os gêneros do discurso. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BARBOSA, Ana Mae Tavares de Bastos. A Imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Editora Perspectiva, 1991. CRISTÓVÃO, Vera Lúcia Lopes; NASCIMENTO, Elvira Lopes. Gêneros Textuais e Ensino: Contribuições do Interacionismo Sócio discursivo. In: Gêneros Textuais: Reflexões e Ensino. KARWOSKI, Acir Mário; GAYDECZKA, Beatriz; BRITO Karim Siebeneicher (org.). Editora Kaygangue. União da Vitória, 2005. FISCHER, R.M.B. Adolescência em discurso: mídia e produção de subjetividade. Porto Alegre, 1996. Tese (dout.). Faced/PPGEDU/UFRGS. RODARI, Gianni. Gramática da Fantasia. São Paulo: Summus, 1982. TAGÉ, Terezinha. Contaminações textuais e discursivas na imprensa contemporânea. Revista Rumores, São Paulo, v.1, n.6, set./dez. 2009. VERGER, Jacques. Homens de saber na Idade Média. São Paulo: EDUSC, 1999.
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O BLOG COMO RECURSO DIDÁTICO NA SALA DE AULA DE
LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO FUNDAMENTAL
Ana Paula Domingos Baladeli46
Resumo: O propósito deste artigo é discutir os multiletramentos (BALADELI, 2011; ROJO, 2012) a partir do relato de aplicação de uma proposta didática a partir da exploração de Blogs nas aulas de Língua Portuguesa de dois 9º anos de uma escola pública no interior do Paraná. Fundamentados nas pesquisas sobre letramentos realizadas por (XAVIER, 2011; GEE e HAYES, 2011), problematizamos os letramentos digitais, por meio do estudo, da leitura e da produção de um Blog como alternativa para explorar a multimodalidade e a hipertextualidade na sala de aula de Língua Portuguesa. A opção pelo Blog se deu em função deste contemplar a multimodalidade em sua organização discursiva e de favorecer a autoria dos alunos em diferentes gêneros. Os resultados iniciais desta proposta indicam que mesmo em face dos diferentes letramentos digitais já praticados pelos alunos, o uso do laboratório de informática da escola parece ainda não ser considerado como extensão da sala de aula e, sim entretenimento. Destaco que as condições dos laboratórios de informática, estes que dispõem de conexão lenta e poucos computadores também dificultam o trabalho do professor da escola pública, visto que as salas de aulas costumam ser numerosas. No caso destas turmas, relataram que são raras as iniciativas de professores para o uso do laboratório de informática e, quando ocorrem, estas se baseiam em atividades de pesquisa. Este artigo relata os resultados iniciais de atividades com o uso do Blog nas aulas de Língua Portuguesa e discute a problemática da inserção de tecnologias como o computador e a Internet como recursos favoráveis à aprendizagem no contexto da escola pública.
Palavras-chave: Ensino e aprendizagem. Língua Portuguesa. Multiletramento. Blog. Introdução
46
Doutoranda em Letras (linguagem e sociedade), bolsista CAPES/Fundação Araucária.
Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Contato: [email protected]
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A constante discussão sobre as potencialidades apresentadas pelo uso
de tecnologias na educação tem sido lugar comum nas pesquisas em
Educação e Linguística Aplicada (COPE e KALANTZIS, 2000; FERREIRA e
BALADELI, 2012; LANKSHEAR e KNOBEL, 2007; ROJO, 2012; GEE e
HAYES, 2011). Muitos são os resultados de pesquisa que apontam para uma
emergente transformação na escola em face às práticas sociais dos alunos –
nativos digitais, cada vez mais conectados às tecnologias digitais. Diante disso,
não é por acaso que nas duas últimas décadas aumentou o volume de
pesquisas versando a respeito do uso do computador e da Internet na
educação.
O uso da web como suporte discursivo tem favorecido o
desenvolvimento de hibridizações entre as linguagens, dado que desperta a
atenção para a formação de leitores para os multiletramentos. A leitura na web
é permeada pela fragmentação, flexibilidade e até mesmo pela hibridização dos
gêneros que ganham novas características que o tornam voláteis. Essas
características fazem com que constantemente novos gêneros textuais
(digitais) sejam criados associando as necessidades de interação dos sujeitos
com as funcionalidades e aplicativos disponíveis na interface web.
Segundo Marcuschi (2005); Xavier (2011); Baladeli (2011, 2013), Rojo
(2012), tradicionalmente a escola vem promovendo a formação de leitores para
a organização textual linear, concreta e sequencial que, em muitos casos se
constitui apenas com palavras e imagem, como é o caso dos livros didáticos
impressos, salvo as coleções em que incluem CD-ROM ou CD com arquivos
em áudio, como é o caso de língua estrangeira.
O presente artigo versa sobre o uso do Blog como recurso didático na
aula de Língua Portuguesa com base em algumas atividades propostas para
duas turmas de 9º anos de uma escola pública do interior do Paraná. As
atividades realizadas tomaram com base os novos letramentos digitais e seu
entrecruzamento com a atuação do professor e, toma como referência as
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pesquisas sobre letramento realizadas por (KLEIMAN, 1995; STREET, 1995),
sobre letramento digital nos apoiamos em (LANKSHEAR e KNOBEL, 2007;
GEE e HAYES, 2011); e, em Linguística Aplicada (XAVIER, 2011; FERREIRA
e BALADELI, 2012).
Multiletramentos e educação: intersecções possíveis Embora a hibridização entre as linguagens (verbal e não verbal) não seja
nenhuma novidade, o tema dos multiletramentos tem se tornado presente em
eventos científicos e publicações em educação e formação do professor devido
à premente necessidade em se problematizar a formação do leitor multiletrado
(COPE e KALANTZIS, 2000).
A trajetória do tema dos multiletramentos destacou-se com o evento
científico realizado em 1994, na cidade de Nova Londres nos Estados Unidos,
ocasião que reuniu pesquisadores de diferentes áreas com o objetivo de
delinearem uma metodologia para os multiletramentos. Embora, o grupo que se
reuniu adotasse referenciais distintos, foi justamente essa diversidade
epistemológica que corroborou na propagação da temática e na discussão que
ora ensejamos sobre os multiletramentos.
No evento, participaram pesquisadores dos Estados Unidos, Austrália e
Reino Unido, e, juntos, discutiram os processos de ensino e aprendizagem em
contextos multilíngues; diversidade e currículo; língua e significação social;
cidadania e educação; letramento crítico e letramento visual; cultura e
linguagem; cognição e letramentos entre outros subtemas.
A perspectiva teórica dos Novos Estudos do Letramento, ainda que em
constante evolução desde então, ganhou visibilidade depois deste evento. O
campo dos letramentos tornou-se um terreno fértil para pesquisas em
educação, mas não só com foco na educação formal, isso porque, há algumas
particularidades das pesquisas sobre letramentos múltiplos e multiletramentos.
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Conforme Cazden, Cope, Fairclough (1996); Street, (2012); Rojo, (2012) as
pesquisas que tem como objeto a forma particular como os diferentes grupos
sociais se apropriam da escrita e da leitura e a ressignificam em seu contexto
sociocultural estão relacionadas aos letramentos múltiplos. Os pesquisadores
que, por sua vez, analisam a multimodalidade discursiva, ou seja, a
hibridização das linguagens (letramento visual, letramento imagético,
letramento digital), esta que alinha-se à vertente dos estudos do
multiletramento. Isso não significa que ambas as vertentes sejam dicotômicas,
pelo contrário, é possível encontrar estudos que consideram tanto a
multimodalidade quanto a dimensão cultural na produção de sentidos.
Neste artigo, focalizo a questão da multimodalidade, ou seja, dos
multiletramentos, para discorrer sobre o uso do Blog como recurso didático na
aula de Língua Portuguesa. Essa opção ocorreu devido ao fato de que as
atividades propostas para duas turmas de 9º anos tinham inicialmente como
objetivos; (i) fazer o diagnóstico das práticas de letramentos digitais dos alunos;
(ii) conhecer os interesses deles na web; (iii) diagnosticar os conhecimentos
prévios sobre Blog e, não os sentidos atribuídos pelos alunos à tecnologia.
Conforme Baladeli (2011), a noção dos multiletramentos na educação
congrega a necessidade de formação crítica do sujeito para o desenvolvimento
da leitura e da escrita a partir das modalidades de uso da linguagem. Dentre os
multiletramentos encontram-se os letramentos digitais que, segundo Lankshear
e Knobel (2007) definem como a capacidade de o sujeito compreender e usar a
informação em múltiplos formatos a partir de uma ampla gama de fontes de
informação. Contemplar os letramentos digitais não significa importar as
práticas que ocorrem online e transportá-las para a sala de aula, para eles é
preciso “[...] reconhecer onde e como a natureza e a diversidade dos
letramentos digitais podem entrar na aprendizagem e como é possível criar
pontes entre o interesse dos alunos e os propósitos educacionais”
(LANKSHEAR e KNOBEL, 2007, p. 09).
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A natureza movente e dinâmica das tecnologias digitais corrobora na
criação e manutenção de espaços discursivos alternativos, sendo a web,
cenário profícuo a isso. O caráter inovador dos gêneros que surgiram com o
advento da web está na possibilidade de inserção de recursos visuais e
sonoros, além disso, os gêneros digitais conforme Marcushi (2005) e Komesu
(2005) são mais efêmeros e voláteis que outros, imprimindo dinamicidade nos
discursos que suporta. Por essa razão, é comum um gênero ser criado com
determinado propósito e ao longo dos usos e das necessidades dos usuários
terem esse propósito revisto ou abandonado.
Nas páginas da web, um dos gêneros em crescente uso é o weblog ou
Blog, um espaço discursivo de autoria com base na escrita (in)formal
semelhante a um diário virtual. O Blog foi criado pelo norte americano Evan
William em 1999, desenvolvedor do software Blogger que possibilitava a
publicação de textos online e, que também não requeria muito conhecimento
em informática, daí a popularidade alcançada pelo gênero (KOMESU, 2005). O
gênero Blog pode atender aos mais variados propósitos indo da função de
diário até espaço oficial ou não de interlocução como ocorre com jornalistas,
pesquisadores, educadores entre outros (MARCUSCHI, 2005; KOMESU,
2005).
Da mesma forma que acontece com o livro didático que, na condição de
objeto de pesquisa pode ser tomado ora como gênero ora como suporte para
diferentes gêneros, o Blog também pode ser abordado tanto como um gênero
digital quanto um suporte. Para a sequência de atividades elaboradas para os
9º anos optei em tratar o Blog como um gênero.
Blog na aula de Língua Portuguesa A sequência de atividades foi elaborada como requisito para a conclusão
de um módulo do curso de especialização a distância em tecnologias e ensino
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de Língua Portuguesa. Inicialmente, as atividades foram elaboradas para um
público fictício e, conforme o módulo evoluía a necessidade de reflexão sobre
os resultados fez com que procurasse uma escola para aplicar as atividades.
Diante disso, entrei em contato com uma professora de Língua Portuguesa que
atuava com o ensino fundamental e, após a mesma receber e aprovar as
atividades realizou-se a primeira visita às duas turmas de 9º anos.
O plano das atividades consistia em ambos os 9º anos (durante 5 ou 6
aulas no laboratório de informática da escola) navegarem por alguns Blogs
previamente explorados por mim e pela professora das turmas e responderem
algumas perguntas sobre as características dos Blogs. Tanto as atividades
quanto as respostas destas foram concentradas em um espaço específico para
isto em meu site.
Antes, porém de as turmas irem ao laboratório de informática, averiguei
em sala seus interesses na web e suas práticas de letramento digital inclusive
suas experiências com pesquisa escolar na web. A professora da turma teceu
alguns comentários sobre uma pesquisa recente de gramática que haviam
realizado e, aproveitando a oportunidade, no quadro-negro organizei os
tópicos: plágio; direitos autorais e a definição de fonte segura. Apresentei
alguns exemplos obre essas questões e enfatizei a problemática das mesmas,
antes da realização de uma pesquisa escolar e, na sequência apliquei um
questionário com 13 questões (sendo 08 fechadas e 03 abertas).
Devido ao fato de as turmas serem numerosas (35 e 37 alunos) e de o
laboratório da escola dispor apenas de 14 computadores em funcionamento, foi
preciso dividir a turma. Assim, enquanto encaminhava atividades com parte dos
alunos no laboratório, a professora ficava com os demais na sala de estudo
anexa ao laboratório ou na biblioteca discutindo a próxima edição do jornal
impresso da escola, editado por essas turmas. Essa situação acabou sendo
utilizada como oportunidade para que as turmas se organizassem em
pequenos grupos para produzirem as matérias do jornal. Sugeri então à
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professora - que prontamente aceitou a ideia - de que fosse criada a versão on-
line do jornal, esta poderia ser na plataforma Blogger ou Wordpress, interfaces
de fácil customização e de custo zero.
Como já estava previsto, no início da aula no laboratório os alunos
ficaram agitados e poucos concluíram as atividades que consistiam em
navegar pelo Blog sugerido e responder a cinco perguntas sobre ele.
Algumas questões que antecederam a navegação no Blog foram:
Parte I
. O que você sabe sobre Blogs?
. Já acessou algum Blog? Sobre que assunto?
. Você tem ou teve algum Blog? Qual o seu objetivo em criar o Blog?
Na sequência acessaram o link para um Blog sobre jogos digitais e,
tiveram de responder as seguintes questões:
. Para que leitor/interlocutor (sexo, idade, classe social) ele foi criado e
que tema/assunto ele aborda?
. Que informações/recursos este blog pode conter para tratar do tema?
. Em relação ao autor/locutor deste Blog, trata-se de uma pessoa/grupo
de pessoas ou uma empresa/instituição? Por que você pensa isso?
Conforme os alunos exploravam os links do próprio Blog algumas
características eram destacadas; a posição da leitura on-line na vertical e não
horizontal a que estamos habituados em material impresso; links para vídeos e
imagens; resenhas de jogos; comentários de internautas; número de
visualizações; mini-biografia do autor; lista de seguidores; links para contato
com autor nas redes sociais. Feita esta primeira exploração do gênero, na
sequência os alunos deveriam responder a 5 perguntas a partir da observação
de capas de jogos digitais para o Play Station 2.
. Você gosta de jogar games de computador?
. Que jogos você conhece e como eles são?
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. Destes jogos abaixo, quais você conhece/joga? Quais destes jogos
você gostaria de conhecer/jogar e por quê?
. Pela capa dos jogos abaixo, sobre o que eles tratam?
Mesmo com duas aulas em cada turma, foi necessário deixar as demais
atividades para serem terminadas em casa, visto no sistema de revezamento
cada grupo de alunos que entrava no laboratório tinha em média 15 minutos
para a realização das atividades. A tarefa então consistiu na navegação em 5
Blogs sobre games e responderem no caderno 13 questões sobre estes,
identificando informações como autoria, recursos, linguagem utilizada, público
a que se destina o Blog, forma como o tema é abordado e suas impressões
pessoais sobre a inclusão da temática na escola.
No retorno à sala de aula averiguei com as turmas suas impressões
sobre as atividades e o interesse deles em realizar mais atividades de outras
disciplinas no laboratório de informática. O que ficou evidente na fala dos
alunos e, também nas questões abertas do questionário anteriormente
entregue, foi a escassez de propostas pedagógicas que utilizam o laboratório
de informática. Relataram também, que as raras visitas feitas a este espaço se
dão apenas em função de pesquisas escolares, que não contam com sugestão
de fonte de pesquisa ou mesmo roteiro norteador para a pesquisa. Em
pesquisa anterior, Baladeli (2013), discute justamente a lacuna na formação do
professor de Língua Inglesa para o uso de tecnologias, inclusive o laboratório
de informática, que continua um acessório no planejamento do professor e da
própria cultura escolar.
Ainda segundo as turmas dos 9º anos, alguns professores até propõem
pesquisas na Internet, mas exigem que as mesmas sejam manuscritas,
problemática do “copia e cola” já debatida por Brito e Purificação (2005). Em
linhas gerais, o encontro com as turmas (ainda que conturbado) auxiliou na
adequação das atividades futuras a fim de torná-las mais significativas para
aquelas turmas. A proposta inicial incluía a navegação por Blogs sobre jogos
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de computador e a exploração dos recursos multimodais como; tutoriais, vídeos
resenha, imagens entre outros. Todavia, conforme as atividades do primeiro
encontro ocorriam observei que um grupo de alunos navegava por outros sites
que não os Blogs sugeridos; algumas alunas acessaram páginas de
relacionamentos; outros se recusaram a fazer as atividades propostas
alegando ter internet em casa, mas a maioria em ambas as turmas se
engajaram nas atividades de forma satisfatória.
Seguindo orientações da professora das turmas, as atividades seguintes
foram focadas na criação do Blog como suporte para o informativo da escola.
Sendo assim, minha segunda visita à escola incluiu a sistematização de
perguntas para navegação em Blogs de escolas públicas para que os alunos
compreendessem as funções do gênero e as formas variadas de customização
do mesmo, que incluem diferentes recursos multimodais tais como vídeos,
fotografias, arquivos em áudio e, sobretudo, links para outros espaços na web
relacionados ao tema do Blog. Para isso, selecionei um Blog atualizado de uma
escola pública da mesma cidade para servir de ponto de partida para o novo
rumo tomado pelas atividades. A princípio, as atividades que organizei
consistiam em 5 ou 6 aulas no laboratório com o propósito de os alunos
conhecerem as características dos Blogs sobre jogos e, a partir deles, a
critérios da professora, o tema dos Blogs pudesse ser desmembrado em
subtemas em sala de aula.
O fato inesperado foi que, mesmo sendo a Geração Y (XAVIER, 2011)
nascida no cenário envolto em tecnologias digitais, aquele grupo em específico
não se interessou pelo tema de jogos digitais, dado que serviu de alerta para a
revisão das atividades e objetivos iniciais. Depois de 4 aulas em uma turma e
de 3 aulas em outra e, da revisão das atividades, a professora e eu decidimos
que a realização das próximas atividades com toda a turma seria inviável,
optando assim, pela criação de pequenos grupos que ficarão responsáveis pela
elaboração das matérias, inclusive as fotográficas a serem postadas no Blog do
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Foz do Iguaçu CENTRO DE EDUCAÇÃO E LETRAS – CURSO DE LETRAS VIIENCONTRO INTERNACIONAL DE LETRAS 2013 LITERATURA E LINGUÍSTICA: LINGUAGENS DO SÉC.XXI ANAIS ARTIGO – ISSN 2175 389X EIXO TEMÁTICO 3: ENSINO APRENDIZAGEM LINGUA MATERNA
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informativo/jornal. No momento da escrita deste artigo, uma versão preliminar
do Blog já foi criada; os grupos e as matérias a serem elaboradas já foram
selecionados pela professora, ficando acertado com os grupos que as
informações, links e matérias deverão passar pela anuência da professora
antes de serem publicados no Blog.
Considerações finais
Conforme relatado ao longo deste artigo, a proposta inicial consistia em
adotar alguns Blogs de jogos como recursos didáticos nas aulas de Língua
Portuguesa e, por meio da exploração da multimodalidade os alunos pudessem
praticar outros letramentos digitais, além daqueles que já estão habituados
como interação em redes sociais, conforme dados informados pelos alunos no
questionário inicial. Todavia, a partir do levantamento dos letramentos digitais
praticados pelos alunos e de seus interesses na web, constatamos, a
professora e eu, que a proposta didática deveria sofrer alterações para
adequar-se à realidade das turmas. Isso feito, os encaminhamentos, bem
como, as atividades futuras foram centrados na transposição do
informativo/jornal da escola para um Blog. Aos poucos as turmas foram
compreendendo os propósitos das visitas ao laboratório de informática, mas
essa consciência não eliminou, pelo menos até o momento, o ranço que impera
na escola de que espaços diferentes da sala de aula representam apenas
entretenimento. Essa constatação reitera o argumento de Brito e Purificação
(2005) e Baladeli (2013), de que inserir tecnologias nas práticas pedagógicas
requer planejamento; ajuste do planejamento ao longo do processo; estar
ciente de que entraves de ordem técnica fazem parte de práticas mediadas por
tecnologias e, que os resultados esperados podem não ser alcançados no
tempo e na forma previamente esperados. Isso significa que a próxima etapa
das visitas consistirá na sistematização dos gêneros produzidos pelos alunos
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(notícias, reportagem, resenha, vídeos) e, que a mudança de foco, agora a
produção do Blog, será o projeto dos grupos nas aulas de Língua Portuguesa.
Em linhas gerais, ainda que um pouco conturbado nas primeiras visitas
ao laboratório, os resultados tem indicado que a flexibilidade deve fazer parte
do planejamento das atividades e, que a tecnologia precisa ser incluída na
prática pedagógica, não como um adereço, mas como parte constituinte das
atividades que melhor são realizadas por meio da multimodalidade. Neste
caso, o informativo/jornal da escola em forma de Blog possibilitará aos alunos
serem autores de seus textos; colaborarem selecionando as informações e
matérias publicadas e, também auxiliarem a professora da turma na edição do
Blog.
A continuidade das atividades inclui a colaboração com os grupos na
atualização e divulgação do Blog a fim de que possam continuar
comprometidos com esta tarefa e, que essas práticas de leitura e escrita que
realizam corrobore no desempenho e interesse pelas aulas de Língua
Portuguesa. Por fim, embora estes não tenham sido os objetivos iniciais, se
configuram agora, como mais adequados para o estado da proposta.
Referências
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PROJETO DE EXTENSÃO LÍNGUA PORTUGUESA PARA A UNILA: A
INTEGRAÇÃO PELO ENSINO DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA
ESTRANGEIRA
André Luiz Ramalho Aguiar47
Fleide Daniel Santos de Albuquerque48
O objetivo deste trabalho é apresentar um relato de experiência do Curso de português para falantes de outras línguas, no âmbito do Projeto de Extensão Língua Portuguesa para a UNILA. Este projeto oferece o curso supracitado (i) aos professores argentinos da Escola Intercultural Bilíngue N.2 de Puerto Iguazú, Argentina; (ii) aos docentes da UNILA que não falam português; (iii) aos alunos da UNILA provenientes de outros países da América do Sul e Caribe e (iv) aos demais interessados residentes na região da tríplice fronteira. Concebido para dar respostas às necessidades do público atendido, o projeto destina-se a consolidar a educação bilíngue na Escola Intercultural Bilíngue N. 2 de Puerto Iguazú; oferecer aos docentes estrangeiros da UNILA uma ferramenta de trabalho indispensável para não comprometer o ensino de sua disciplina por problemas de compreensão por parte dos estudantes brasileiros; minimizar as inúmeras dificuldades encontradas por estudantes de fala hispânica no processo de adaptação aos estudos superiores na UNILA; capacitar os falantes de outras línguas, residentes em Foz do Iguaçu, para o pleno exercício da cidadania e promover o ensino de português às comunidades de Puerto Iguazú e Ciudad del Este. Neste sentido, tomaremos como referência três momentos específicos: o público atendido e suas especificidades, a metodologia adotada em sala de aula e ainda os resultados obtidos até o momento atual. Dessa forma, pretendemos mostrar como o projeto de extensão Língua Portuguesa para a UNILA, promovido pela Universidade Federal da Integração Latino-americana, é um resultado bem sucedido de promoção, difusão e projeção do português no Cone Sul.
47 Mestre em Letras (Université Paris 3/Sorbonne Nouvelle). Atualmente é professor visitante da
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e coordenador do Projeto de
Extensão Língua Portuguesa para a UNILA. Desenvolve projetos de pesquisa na área de Políticas
Linguísticas e Português Língua Estrangeira (PLE). E-mail: [email protected]
48 Mestre em Língua Portuguesa (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Atua como professor
colaborador externo no Projeto de Extensão Língua Portuguesa para a UNILA. Tem como áreas de
interesse o ensino e a pesquisa em Português Língua Materna e Não Materna. E-mail:
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Palavras-chave: Português Língua Estrangeira, Português Segunda Língua, Capacitação de docentes para o uso da Língua Portuguesa.
Introdução
A região da tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina é composta por
três cidades vizinhas: Foz do Iguaçu, no estado do Paraná, Puerto Iguazú, no
lado argentino, e Ciudad del Este, no Paraguai. Trata-se de fronteiras
demarcadas pelo Rio Paraná e pelo Rio Iguaçu: este separa Foz do Iguaçu e
Puerto Iguazú. Aquele separa Foz do Iguaçu e Ciudad del Este. É no Rio
Iguaçu que se encontra um dos maiores pontos turísticos do mundo: as
Cataratas do Iguaçu. A região é também conhecida por abrigar a Hidrelétrica
de Itaipu e pelo comércio entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este através da
famosa Ponte da Amizade.
Seguindo a política de interiorização das universidades federais, a
Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA – foi fundada
em Foz do Iguaçu no ano de 2010. Como o próprio nome indica, a integração
latino-americana é o que norteia a missão da UNILA. Assim, as ações de
ensino, pesquisa e extensão visam atender a este objetivo mais geral da
universidade bem como “promover a integração econômica, social e política
das comunidades fronteiriças na Argentina, Brasil e Paraguai” (Plano
Pedagógico Institucional, 2012).
O Projeto de Extensão Língua Portuguesa para a UNILA foi implementado
em 1 de outubro de 2012 pelo professor Fleide Daniel Santos de Albuquerque,
então professor visitante desta universidade. O objetivo principal consistia em
fornecer um maior comando do português de forma mais rápida e com um
enfoque mais funcional, para que os alunos e professores estrangeiros da
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UNILA, em sua totalidade hispanofalantes49, pudessem dar conta de suas
rotinas acadêmicas em uma universidade federal brasileira e agilizar sua
adaptação à vida na cidade de Foz do Iguaçu. O público-alvo era, portanto,
formado por alunos e professores da UNILA, o que justificava o próprio nome
do projeto.
Este projeto surgiu, outrossim, como um desdobramento do Projeto de
Extensão UNILA en el Cruce50, criado em março de 2012 pelo professor Fleide
Albuquerque para oferecer o Curso de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira
para os professores argentinos da Escola Intercultural Bilíngue no 2 de Puerto
Iguazú, na Argentina.
Inicialmente, o Projeto de Extensão Língua Portuguesa para a UNILA
contava com as bolsistas Cynthia Luna Montalbetti, paraguaia, e Emanuely
Duarte, brasileira, ambas alunas da graduação da UNILA. Participavam
também os professores visitantes José Maria Rodrigues e André Luiz Ramalho
Aguiar na qualidade de professores colaboradores.
Em abril de 2013, com o término do vínculo do professor Fleide
Albuquerque com a UNILA, o professor André Aguiar assume a coordenação
do projeto. Os professores, então, para dar uma resposta mais eficaz à missão
integradora da UNILA e atender a uma crescente demanda pelo ensino
português na região, decidiram ampliar o público-alvo, oferecendo o Curso de
49
O projeto da UNILA prevê que 50% dos alunos e professores sejam estrangeiros oriundos dos diversos
países da América Latina e Caribe. A consolidação desta meta tem sido dificultada pela legislação
brasileira, que estipula concursos presenciais para a admissão de novos professores. Hoje, por isso, há
um predomínio de professores brasileiros.
50 A palavra cruce, que em espanhol quer dizer cruzamento, alude ao Programa Escolas de Fronteira,
pelo qual, uma vez por semana, um grupo de professores da Escola Intercultural Bilíngue no 2 de Puerto
Iguazú cruza a fronteira para ministrar aulas de disciplinas diversas em espanhol para os alunos da
Escola Municipal Adele Zanotto Scalco, em Foz do Iguaçu. O mesmo cruzamento é feito pelos
professores da escola brasileira, que ensinam conteúdos diversos, em português, na mesma escola
argentina.
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Português para Falantes de Outras Línguas a toda a comunidade da tríplice
fronteira.
A necessidade de oferecer uma formação linguística diferenciada ao
corpo docente e discente estrangeiro da universidade não foi ignorada e a
equipe executora, por isso, precisou ser aumentada. Por conseguinte, além do
atual professor colaborador e das bolsistas acima citadas, o projeto ainda conta
com os professores Fleide Albuquerque e José Maria Rodrigues, na qualidade
de professores colaboradores externos, e outros dois voluntários, os alunos
Johidson André Ferraz de Oliveira e Leandro Soares Siqueira.
Vários fatores, desse modo, concorreram para a ampliação do Projeto de
Extensão Língua Portuguesa para a UNILA e para o estabelecimento de seu
formato atual. Temos como objetivo contemplar, em primeiro lugar, o próprio
Plano Pedagógico Institucional da universidade, que visa “promover a
integração econômica, social e política das comunidades fronteiriças na
Argentina, Brasil e Paraguai” (Plano Pedagógico Institucional, 2012). Em
segundo lugar, tínhamos como meta realizar um projeto de extensão capaz de
ultrapassar os limites geográficos da tríplice fronteira e dialogar com
instituições de ensino no Paraguai e Argentina, eufóricas pelo imaginário
construído pela mídia em relação ao papel do português do Brasil no mundo
globalizado. Pensando nessas problemáticas e refletindo entorno do significado
de uma instituição como a Universidade Federal da Integração Latino-
Americana no contexto do Cone Sul, o projeto Língua Portuguesa para a
UNILA51 foi desenhado na perspectiva de difundir o ensino da língua
portuguesa, partindo da construção dialógica constante entre línguas-culturas e
sujeitos e mundos culturais diferentes.
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Apesar de atender agora às comunidades que se encontram na tríplice fronteira, o nome do projeto,
por uma questão burocrática, não pôde ser alterado.
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Características Norteadoras do Projeto
O projeto adota uma abordagem da concepção sócio interacionista da
linguagem – com especial ênfase à realidade da tríplice fronteira –, amparada
por uma visão interdisciplinar de caráter dialógico. Assim sendo, mostramos
aos participantes do projeto que aprender português não é somente dominar os
códigos linguísticos e literários da língua, mas também entendê-la como língua
representante e identificadora do povo brasileiro. Para isso, priorizamos a
consciência da identidade na heterogeneidade, facilitando os diálogos entre os
diversos povos e culturas que se encontram integrados no campus da
instituição e na comunidade transfronteiriça.
Os objetivos do projeto, em parte mencionados acima, consistem em (i)
fornecer o preparo linguístico para que os docentes da Escola Intercultural
Bilíngue no 2 de Puerto Iguazú possam executar seu trabalho junto aos alunos
brasileiros da Escola Municipal Adele Zanotto Scalco no âmbito do Programa
Escolas de Fronteira; (ii) contribuir para que o ensino bilíngue seja efetivado
nesta escola argentina; (iii) desenvolver as habilidades de conversação e
escrita em língua portuguesa; (iv) fornecer ferramentas indispensáveis ao uso
da língua portuguesa em ambientes sociais e profissionais; (v) promover a
capacitação profissional dos docentes da UNILA que não falam português; (vi)
otimizar a competência comunicativa dos alunos da UNILA provenientes de
outros países da América do Sul e Caribe; (vii) ofertar cursos de português
para falantes de outras línguas residentes na região da tríplice fronteira.
Desta forma, concebido para dar respostas às necessidades do público
atendido, o projeto destina-se a consolidar a educação bilíngue na Escola
Intercultural Bilíngue no 2 de Puerto Iguazú; oferecer aos docentes estrangeiros
da UNILA uma ferramenta de trabalho indispensável para não comprometer o
ensino de sua disciplina por problemas de compreensão por parte dos
estudantes brasileiros; minimizar as inúmeras dificuldades encontradas por
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estudantes de fala hispânica no processo de adaptação aos estudos superiores
na UNILA e à vida em Foz do Iguaçu; capacitar os falantes de outras línguas –
chinês, árabe e espanhol, principalmente –, residentes em Foz do Iguaçu, para
o pleno exercício da cidadania e promover o ensino de português às
comunidades de Puerto Iguazú e Ciudad del Este.
Assim, expomos abaixo as principais ações desenvolvidas nos últimos 15
meses no projeto de extensão. Tomamos como referência três momentos
específicos: o público atendido e suas especificidades, a metodologia adotada
em sala de aula e ainda os resultados obtidos até o momento atual.
O Ensino de Português na Escola Intercultural Bilíngue no 2 de Puerto Iguazú
As aulas de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira são ministradas
presencialmente na Escola Intercultural Bilíngue de Puerto Iguazú às quartas
feiras no turno vespertino. O público atendido se restringe aos professores
desta escola. O ensino de português como língua estrangeira ocorre, deste
modo, como o prolongamento do Projeto de Extensão UNILA en el cruce, que
teve seu término em julho de 2012.
Assim, o Curso de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira continua sendo
oferecido até hoje aos professores da Escola Intercultural Bilíngue no 2 de
Puerto Iguazú – atualmente no âmbito do Projeto Língua Portuguesa para a
UNILA – como forma de apoiar o Programa Escolas de Fronteira e consolidar a
educação bilíngue nesta escola. Por este programa, professores brasileiros,
lotados na Escola Municipal Adele Zanotto Scalco, em Foz do Iguaçu, vão uma
vez por semana à escola argentina para ministrar aulas, em português, de
disciplinas diversas, adotando para tanto a pedagogia de ensino por projetos.
Os professores argentinos, por sua vez, visitam a escola brasileira também
uma vez por semana, para ministrar aulas, em espanhol, a alunos brasileiros.
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Assim, o projeto UNILA en el Cruce, agora continuado pelo Projeto de
Extensão Língua Portuguesa para a UNILA, foi idealizado com vistas a
contemplar uma necessidade de formação em língua portuguesa dos
professores argentinos que ministram aulas na escola Adele Zanotto Scalco,
em Foz do Iguaçu. O curso de língua e cultura era ministrado, até dezembro de
2012, pelo Professor Coordenador Fleide Daniel Santos de Albuquerque, às
quartas feiras, na escola argentina. A partir de abril de 2013 o professor André
Aguiar assume este curso na Argentina, bem como a coordenação de todas as
outras atividades desenvolvidas pelo projeto.
O ensino bilíngue impõe questões de ordem linguística para os docentes
argentinos que ministram aulas na Escola Adele Zanotto. A comunicação em
língua estrangeira, a relação professor-aluno estrangeiro e outros aspectos do
ensino bilíngue são agora otimizados pela compreensão da língua portuguesa
e por um conhecimento da cultura brasileira (objetiva e subjetiva) que
condiciona os comportamentos e as reações de alunos e professores
brasileiros.
Outros fatores se destacam, como a difusão do ensino de português na
Província de Misiones e o aperfeiçoamento das relações culturais e
educacionais entre a comunidade acadêmica e a população de Puerto Iguazú e
Foz do Iguaçu. O processo de integração educacional e cultural, no nosso
entender, para que tenha êxito, precisa contar com agentes difusores das
línguas portuguesa e espanhola, tanto no Brasil como na Argentina.
Quanto à metodologia adotada, as aulas têm o objetivo de desenvolver as
habilidades oral e escrita em língua portuguesa, voltadas para o uso formal e
coloquial. Aspectos da cultura brasileira objetiva e subjetiva são trabalhados
com vistas a aprofundar a interação pessoal e profissional dos professores
argentinos com falantes nativos do português. As aulas contam, portanto, com
recursos audiovisuais e impressos, que incluem entrevistas, documentários,
propagandas, notícias, filmes, narrativas, cartas, e-mails; bem como textos de
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jornais e revistas. As atividades perfazem 3 horas semanais, complementadas
por tarefas extraclasse.
Capacitação para os docentes estrangeiros da UNILA
Algumas tentativas de ensinar português aos professores estrangeiros
que chegam à UNILA já foram objeto de discussão e de algumas atividades
nesta universidade. Isso foi feito muito informalmente e dentro das condições
que se ofereciam aos professores do eixo de línguas. O que o projeto propôs
foi a formalização dessas ações, por meio de um projeto de extensão que
garanta a continuidade do ensino de português para os professores
estrangeiros e certificação para os professores que cumpram as metas
estabelecidas.
Em se tratando de uma universidade bilíngue, apesar da falta de definição
do sentido em que a UNILA é uma universidade bilíngue, os professores
estrangeiros precisam lidar necessariamente com alunos brasileiros nas mais
diferentes disciplinas. O conhecimento da língua portuguesa é, portanto,
ferramenta de trabalho indispensável ao professor que se empenha em não
comprometer o ensino do conteúdo de sua disciplina por problemas de
compreensão da língua espanhola por parte dos alunos brasileiros. O domínio
do português é indispensável para a socialização do professor com brasileiros
que se encontram ao redor da comunidade acadêmica, bem como para uma
melhor adaptação à cultura brasileira e ao conhecimento partilhado pelos
brasileiros. Se a UNILA visa a fixar o docente estrangeiro, principalmente se
esse docente é efetivo, torna-se imperativo oferecer condições de adaptação
que permitam ao estrangeiro permanecer em Foz do Iguaçu no longo prazo.
Nesse processo, o conhecimento do português – e o acesso ao universo de
referências que uma língua disponibiliza – facilita e consolida a satisfação
pessoal de estar entre brasileiros e querer permanecer no Brasil.
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As aulas, portanto, têm o objetivo de habilitar o docente para comunicar-
se em situações simples e rotineiras que exijam apenas uma troca de
informação para satisfazer necessidades concretas; adquirir elementos
gramaticais e lexicais que permitam a expressão oral e escrita, de forma
objetiva e sem embaraço. Na medida do possível, o docentes da UNILA são
orientados quanto a aspectos da comunicação com alunos brasileiros, já que
na maior parte do tempo, até por falta de um maior domínio do português oral,
as aulas desses professores são ministradas em espanhol. O curso é oferecido
duas vezes por semana, com um total de 3 horas semanais.
Os professores que vêm frequentando o curso hoje sentem que seus
alunos brasileiros compreendem melhor suas aulas, têm menos problemas
com as rotinas da universidade – que, em sua maioria, ainda são conduzidas
em português – e apresentam maior desenvoltura para compreender os outros
e se fazer entender nas reuniões a que precisam comparecer na universidade
e nos trâmites burocráticos e sociais que impõe a vida numa cidade brasileira.
Curso de Língua Portuguesa para Falantes de Outras Línguas destinado aos alunos da UNILA e aos moradores da região da tríplice fronteira
Essa vertente do projeto surge, em primeiro lugar, para minimizar as
inúmeras dificuldades encontradas por estudantes de fala hispânica no
processo de adaptação aos estudos superiores na UNILA. De origem
altamente heterogênea e com deficiências de fluência verbal as mais variadas,
o corpo discente estrangeiro da universidade, ao chegar a Foz do Iguaçu, tem
pela frente vários obstáculos: entender português nas situações quotidianas,
compreender aulas de disciplinas diversas em português e ser capaz de ler
textos em linguagem de rigor acadêmico sem, muitas vezes, nenhum
conhecimento prévio da língua.
A necessidade de aprender português se impõe, desde o primeiro
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momento, para fins de comunicação imediata: o aluno precisa dispor o mais
rápido possível de um conhecimento mínimo que lhe garanta um intercurso
comunicativo sem maiores problemas quando da relação com os estudantes
brasileiros, com o corpo docente de fala portuguesa, com pessoal técnico
administrativo e com a comunidade externa. São muitas as situações em que o
discente é chamado a interagir em língua portuguesa, tanto no âmbito
acadêmico quanto no meio externo, incluindo a circulação pela cidade e
passando pelas tratativas do visto com a Polícia Federal.
Assim, o estudante precisa desenvolver o mais rápido possível uma
habilidade de compreensão oral para acompanhar as diversas disciplinas
oferecidas já no primeiro semestre da graduação. São muitos os discentes que
chegam à UNILA sem saber português e sem nunca sequer ter ouvido a língua
portuguesa. Mesmo tendo em conta a grande a massa de estudantes que
alguma vez na vida entrou em contato com a cultura brasileira, os graus de
proficiência atingidos, quer pela exposição esporádica ao português, quer por
algum nível instrucional adquirido em curso livre, estão longe de dar conta de
uma aula ministrada em língua portuguesa: conteúdos de física, química,
biologia, história, ciência política, música, artes e tantos outros conteúdos
abordados já no primeiro ano acadêmico são, o mais das vezes, explicados
numa linguagem culta formal, muito distante da aprendizagem ou exposição
prévia muitas vezes voltada para a linguagem coloquial ou para a cultura
popular.
A leitura afigura-se como um problema nevrálgico para o aproveitamento
do aluno no primeiro ano. Tem sido a leitura em língua portuguesa a causa de
muitas desistências e do grande atraso e defasagem na aprendizagem dos
alunos de fala hispânica. Mal sabem a língua portuguesa e já encontram diante
de si materiais em linguagem formal acadêmica numa língua estrangeira, que
precisam ler e entender, sob pena de não conseguir realizar as tarefas
avaliativas e as apresentações orais. Os problemas nesse campo são os mais
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diversos: a dificuldade com a leitura já acontece mesmo em espanhol e é
preciso desenvolver a capacidade de compreensão textual em tempo recorde,
para que sejam minimizados os prejuízos supracitados; o acesso aos
diferentes gêneros textuais do meio universitário, que o aluno muitas vezes não
domina na própria língua materna, torna a tarefa de aprender qualquer assunto
penosa e desagradável; a leitura em língua portuguesa, por ser lenta demais
ou ineficiente, torna o acompanhamento das aulas enfadonho e
desestimulante. O estudante não consegue compreender a progressão dos
conteúdos e está sempre atrasado em relação às leituras designadas pelo
docente.
Finalmente, embora, muitas vezes, o discente seja autorizado a
apresentar trabalhos escritos em sua língua materna, é inevitável que seja
chamado a compor textos em português em situações diversas. Entendemos,
também, que o aprendizado da língua escrita deve perfazer as habilidades a
serem adquiridas pelos estudantes estrangeiros, mesmo que o foco de seus
cursos e suas disciplinas não seja diretamente a redação em língua
portuguesa.
As aulas do Projeto Língua Portuguesa para a UNILA têm, portanto, o
objetivo de propiciar ao estudante o desenvolvimento de competências
linguísticas que permitam um domínio operacional da língua portuguesa
(escrita e oral); desenvolver a fluência linguística oral e escrita; aprimorar a
fonética, através de exercícios dialogados, músicas e vídeos; revisar aspectos
gramaticais relevantes. As aulas são oferecidas duas vezes por semana com
um total de 4 horas semanais.
Além de atender ao público interno da UNILA, o projeto vem mobilizando
diversos setores sociais, pois é visto com uma oportunidade única para os
estrangeiros residentes na cidade de Foz do Iguaçu e adjacências. Assim,
estudantes estrangeiros em intercâmbios educativos, voluntários de
organizações não governamentais, servidores dos consulados paraguaios e
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argentinos e comerciantes locais constituem a gama de alunos que passaram a
frequentar as aulas implementadas pelo projeto.
Outras atividades de extensão realizadas
Foram elaboradas oficinas direcionadas aos bolsistas do projeto tendo em
vista a produção de material didático e a leitura de material teórico pedagógico
pertinente ao ensino de português como língua estrangeira. Essas atividades
vêm sendo conduzidas pelos professores que atuam no projeto – coordenador
e colaboradores externos – para atender à necessidade de fornecer
instrumentos teóricos e práticos aos bolsistas e alunos voluntários que
participam do projeto.
Foi criado um site sobre o tema Curso de Língua Portuguesa e Cultura
Brasileira para Falantes de Outras Línguas.
O projeto participou do 31º SEURS - Seminário de Extensão Universitária
da Região Sul – promovido pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), em Florianópolis, Santa Catarina. As bolsistas deste projeto, Cynthia
Jazmin Luna Montalbetti e Emanuely Duarte, receberam o prêmio de melhor
apresentação oral na área temática Comunicação, fato que teve grande
repercussão na comunidade acadêmica.
Conclusões parciais
Quanto ao público atendido, o projeto serve aproximadamente a 350
pessoas por semestre e, indiretamente, aos 620 alunos da Escola Intercultural
Bilíngue de Puerto Iguazú, seja pela formação linguística oferecida aos
professores argentinos, seja pela repercussão do curso de português nas aulas
das diversas disciplinas oferecidas pela escola. No total, o projeto atende a
mais de mil pessoas, entre professores e alunos argentinos, professores e
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alunos brasileiros, servidores dos consulados argentino e paraguaio,
estudantes hispanofalantes da UNILA, voluntários de associações
internacionais sem fins lucrativos e comerciantes locais.
Este público deve aumentar, à medida que o projeto se consolida e a
comunidade passa a ter no projeto a esperança de dar continuidade aos
estudos e consolidar um conhecimento que, no mais das vezes, encontra-se
estratificado pelas relações de fronteira e pelo convívio quotidiano com alunos
e pessoas de fala hispánica.
A comunidade acadêmica da UNILA tem hoje a visão clara de que a
proposta integracionista passa necessariamente pelo uso eficaz do português
nas mais diversas situações comunicativas. O fato de estar localizada numa
região de fronteira contribuiu, a princípio, para cristalizar a ideia de que falar
português é supérfluo ou até desnecessário. Por um lado, os docentes da
UNILA que frequentam o curso têm hoje a consciência dessa realidade e têm
atuado como agentes propagadores da necessidade de aprender português,
haurindo os beneficios de uma comunicação mais clara e eficaz, além de
poderem interpelar seus colegas brasileiros mais incisivamente nas reuniões e
demais situações de conflito no meio acadêmico.
Por outro lado, os alunos apresentam maior desembaraço para dar conta
de suas tarefas acadêmicas e esse fato tem repercutido entre os outros alunos
da universidade. O português já é oferecido normalmente no ciclo de estudos
comum da universidade, mas a consciência de que algo mais precisa ser feito
começa a ser propagada e mais alunos têm procurado as aulas do projeto. O
ceticismo em relação ao estudo do português permeia grande parte dos alunos
estrangeiros que chegam à UNILA: o português é um espanhol mal falado,
diriam alguns, ou “no necesitamos hablar português, porque todos entienden y
hablam español en Foz de Iguazú”, diriam outros. Esse sentimento, a partir da
melhor inserção dos alunos do projeto nas atividades acadêmicas e do fato de
se colocarem de igual para igual com os colegas alunos brasileiros nas
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constantes discussões sobre os problemas da América Latina, tem sido
substituído pela noção de que vale a pena investir no estudo do português, de
que é necessário e imperativo fazer uso do português para se fazer entender e
se impor no debate acadêmico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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com o espanhol. 2. Ed. Campinas: Pontes, 2001.
BARATA, M.C.C.M. O Ensino de Cultura e a Aquisição de uma Língua
Estrangeira. In: JESUS, O. F.; FIGUEIREDO, C. A. (Orgs.). Linguística
aplicada: aspectos da leitura e do ensino de línguas. Uberlândia: EDUFU,
2006, p. 82-107.
JÚDICE, Norimar & DELL’ISOLA, Regina Lúcia Peret (org.). Português-Língua
Estrangeira: novos diálogos. Niteroi: Intertexto, 2009.
LOMBELLO, Leonor C. & ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes de. O Ensino de
Português para Estrangeiros: pressupostos para o planejamento de cursos e
elaboração de materiais. 2. Ed. Campinas: Pontes, 1997.
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MENDES, E. Língua, Cultura e formação de Professores: Por uma Abordagem
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PLANO PEDAGÓGICO INSTITICIONAL (PPI), Universidade Federal da
Integração Latino-Americana, UNILA. Foz do Iguaçu, 2012.
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REFERÊNCIA ELETRÔNICA
Curso de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira para Falantes de Outras
Línguas.https://www.facebook.com/groups/curso.linguaportuguesa.culturabrasil
eira/?fref=ts