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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIacuteBA
CENTRO DE CIEcircNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO
LEITURA E RELACcedilOtildeES DE GEcircNERO AS DISCURSIVIDADES DOS(AS)
EDUCADORES(AS) NAS MEDIACcedilOtildeES DE PRAacuteTICAS LEITORAS
GILVA VASCONCELOS DA SILVA MATOS
Joatildeo Pessoa
2014
GILVA VASCONCELOS DA SILVA MATOS
LEITURA E RELACcedilOtildeES DE GEcircNERO AS DISCURSIVIDADES DOS(AS)
EDUCADORES(AS) NAS MEDIACcedilOtildeES DE PRAacuteTICAS LEITORAS
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Ensino da
Universidade Federal da Paraiacuteba como
requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de
mestra pelo Mestrado Profissional em
Linguiacutestica e Ensino
Orientador Prof Dr Onireves Monteiro da
Costa
Coorientadora Profordf Dra Maria da Luz
Olegaacuterio
Joatildeo Pessoa
2014
GILVA VASCONCELOS DA SILVA MATOS
LEITURA E RELACcedilOtildeES DE GEcircNERO AS DISCURSIVIDADES DOS (AS)
EDUCADORES (AS) NAS MEDIACcedilOtildeES DE PRAacuteTICAS LEITORAS
Dissertaccedilatildeo avaliada em ____________
BANCA EXAMINADORA
Prof Dr Onireves Monteiro da Costa (UFCG)
(orientador)
Profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio (UFCG)
(coorientadora)
Profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide (UFPB)
(examinadora)
Profordf Dra Eliane Ferraz Alves (UFPB)
(examinadora)
Profordf Dra Alvanira Lucia de Barros (UFCG)
(suplente)
Joatildeo Pessoa
2014
Dedico este trabalho a todas as mulheres
militantes agravequelas que deixam ao mundo o
legado de por amarem o suficiente a vida
desejam reinventaacute-la
AGRADECIMENTOS
Sou profundamente grata a todosas aquelesas que deram de alguma forma sua
contribuiccedilatildeo para que esta pesquisa fosse realizada Reconheccedilo e aqui me cabe demonstrar
que esta conquista tem um dar de matildeos que me permitiu aclarar questotildees e seguir diante dos
momentos de tensatildeo que emergem no trajeto das obrigaccedilotildees acadecircmicas
Primeiro e sobretudo agradeccedilo a Deus pelo esconderijo no Altiacutessimo pela
serenidade emanada dos seus braccedilos
Especialmente agradeccedilo ao meu orientador querido Prof Dr Onireves porque me
acolheu do alto de sua sabedoria e grandeza humana permanentemente me incentivando
tornando tudo mais significativo e leve
Agrave profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio coorientadora que carrega no nome o que me
ofertou quando mais precisei ndash visatildeo luminosa sendo docilmente criteriosa no compartilhar
de seu conhecimento
Agradeccedilo agrave profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide por suas saacutebias colaboraccedilotildees
ao participar da banca examinadora de defesa deste trabalho Seu olhar arguto trouxe a
grandeza de quem labuta por uma escola em que os Direitos Humanos encontrem assentos
Agradeccedilo agrave profordf Dra Eliane Ferraz Alves por compor criteriosamente a banca
examinadora de defesa deste trabalho
Agrave admiraacutevel profordf da UNEB Nadja Nunes muito obrigada Sua grandeza perdura em
minhas memoacuterias de aprendiz Haacute um vazio de sua presenccedila na composiccedilatildeo para a banca de
exame de defesa mas compreendendo os percalccedilos do impedimento saiba que natildeo haacute
ausecircncia onde se ministrou um ethos Mire por ti tenho gratidatildeo pela vida inteira
Agradeccedilo agrave profordf Dra Juliene Pedrosa coordenadora deste mestrado referecircncia de
zelo profissional
Agradeccedilo agrave escola TRAVESSIA e seus sujeitos pesquisados por tanta abertura e
respeito com o meu trabalho
Aos meus pais Manuel (in memoriam) e Elisa agradeccedilo pelo amor pelas liccedilotildees de
vida pelas narrativas dos sonhos
Aos meus filhos Pablo Ravi e Lucas que me fazem amar amiuacutede obrigada Os trecircs
compotildeem parte da magia de minha vida pelo segredo de ninar pela becircnccedilatildeo de colos
pacificados Cada um eacute unicamente um cacircntico novo tesouros
A Robert pela vida partilhada enlaccedilada em afetos obrigada
Aosagraves irmatildeosatildes em especial Didi que me nutre com fraternidade amorosa e
incondicional devo-lhe muito
Obrigada deputada estadual Gilma Germano pela propositura de leis de suma
importacircncia para a garantia dos direitos das mulheres
Agradeccedilo ao amigo de infacircncia Iranmil pela liccedilatildeo de enfrentamento agrave homofobia pela
companhia na literatura por falar muito e rir tanto
Agrave Socircnia Maria por me ofertar ao longo dos anos amizade das mais leves e alegres
regrada a risos companheirismo e adoccedilatildeo fraterna
Aosagraves colegas do mestrado em especial Adnilda e Leandro que satildeo tatildeo solidaacuterios e
inteligentes tambeacutem agradeccedilo
Aos meus alunos e alunas com quem aprendi muito
Ao meu chefe o diretor do CECAPRO Prof Giovanny Lima pelo estiacutemulo agraves minhas
buscas pelo conhecimento pelo compromisso com a educaccedilatildeo
Agrave Inecircs Caminha ex-chefe eterna liccedilatildeo de competecircncia e bondade
Agrave competente secretaacuteria do CECAPRO Adilsa Gadelha pelo que tambeacutem sabe ser
amiga
Agrave secretaacuteria do MPLE Vera Lima por sempre e tanto atender respeitosa e
competentemente
Lembrou-se de que em adolescente procurara
um destino e escolhera cantar Como parte de
sua educaccedilatildeo facilmente lhe arranjaram um
bom professor Mas cantava mal ela mesma o
sabia e seu pai amante de oacuteperas fingira natildeo
notar que ela cantava mal Mas houve um
momento em que ela comeccedilou a chorar O
professor perguntara-lhe o que tinha - Eacute que
eu tenho medo de de de de cantar bem []
(LISPECTOR 1979 p 157)
RESUMO
As importantes conquistas efetivadas pelas lutas feministas e pela pauta
reivindicatoacuteria dos Direitos Humanos que problematizam a construccedilatildeo social de gecircnero tecircm
na escola espaccedilo dos mais importantes para o debate promotor da equidade de gecircnero Esta
pesquisa se estrutura pela interface entre as praacuteticas leitoras na escola e a promoccedilatildeo desse
debate e se propotildee a analisar as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de
leituras acerca das relaccedilotildees de gecircnero Para este direcionamento discursivo o estudo move-se
teoricamente na concepccedilatildeo de leitura em Soares (2001 2011) Orlandi (2008) e Silva E T
(2009 2011) nos estudos feministas contemporacircneos (LOURO 2012) (COSTA 2009) nas
reflexotildees trazidas pela Anaacutelise de Discurso (ORLANDI 2012 POSSENTI 2009) e nas
contribuiccedilotildees foucaultianas sobre poder e subjetividade (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c
2011 2012) A investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos tem
como loacutecus uma escola do Ensino Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa-PB na
realizaccedilatildeo de seu projeto de leitura Foram adotados como procedimentos metodoloacutegicos para
geraccedilatildeo dos dados a anaacutelise do documento do projeto de leitura observaccedilotildees de aulas anaacutelise
do material de leitura utilizado nesses eventos dos relatos de diaacutelogos com osas
educadoresas e da aplicaccedilatildeo de questionaacuterio E conforme anaacutelise dos resultados do conjunto
dos instrumentos investigativos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo perpassa pela
instacircncia do projeto de leitura da escola nem nas vozes docentes perscrutadas
Palavras-chave Leitura Gecircnero Discurso Praacuteticas discursivas Direitos Humanos
ABSTRACT
The important achievements of feminist struggles and the Human Rights agenda
which discuss the social construction of gender find at school an important space for the
debate that promotes gender equality This piece of research focuses reading practices at
school and the promotion of this debate aiming at analyzing the discourses of (male and
female) teachers as reading mediators on gender relations As its theoretical framework this
study considers the definition of reading proposed by Soares (2001 2011) Orlandi (2008)
and Silva E T (2009 2011) contemporary feminist studies (LOURO 2012 COSTA 2009
PISCITELLI 2002) reflections proposed in the field of Discourse Analysis (POSSENTI
2009) and the foucauldian discussions on power and subjectivity (FOUCAULT 2004a
2004b 2004c 2011 2012) This qualitative investigation has as its locus a public primary
school in the city of Joatildeo Pessoa ndash PB while developing its reading project Data
wasgenerated from the analysis of the reading project document lesson observations reading
material used in the sessions reports by the teachers and a questionnaire The results indicate
that the debate concerning gender relations does not emerge in the reading project activities or
the teachersrsquo voices studied
Keywords Reading Gender Discourse Discursive practices Human rights
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 10
1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA 25
11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade 25
12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de
investigaccedilatildeo 27
2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO 29
21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos 29
22 Feminismo poder e educaccedilatildeo 39
23 A leitura no Brasil em retratos 51
24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso 64
25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social 69
26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades 72
3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS 82
31 O Documento-fundador o natildeo dito significando 82
32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam 87
33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos 89
34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades 92
35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder 113
4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA
VIA DA LEITURA 125
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 136
REFEREcircNCIAS 142
APEcircNDICE 150
10
INTRODUCcedilAtildeO
A Gecircnese da pesquisa como (entre)veio o desejo
Movida pelo interesse entre leitura e relaccedilotildees de gecircnero investigo com este trabalho
as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de leituras frente ao debate
sobre a equidade de gecircnero Esta accedilatildeo investigativa se daacute em uma escola do Ensino
Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa - PB que executa um projeto de leitura em sua
biblioteca em um dia especiacutefico a sexta-feira fato provavelmente responsaacutevel pela
nomeaccedilatildeo da atividade a CestaSexta Literaacuteria
Os passos dados para a construccedilatildeo desta pesquisa possuem histoacuteria imagens
memoacuterias esquecimentos desejos uma gecircnese Debruccedilo-me agora sobre essa gecircnese E creio
que duas imagens armazenadas por mim nas andanccedilas escolares satildeo possivelmente
fundadoras-mor de meu objeto de pesquisa Elas entre tantas imagens que se ofertam como
leituras propiacutecias agraves reflexotildees sobre o debate da equidade de gecircnero na escola satildeo frugais em
minhas memoacuterias de educadora de mulher Chegaram em contingecircncias especiais e se
tornaram efeitos encarnados no sentido que o poeta Fernando Pessoa diz que irrompem
provocaccedilotildees Foram por mim guardadas em um momento de inquietaccedilatildeo em que me
debruccedilava sobre qual tema me aticcedilaria profundamente para estudar neste mestrado E de
forma providencial e diligente estas imagens me (s)acudiram a alma quando as registrei
pegaram-me pela matildeo e me levaram a uma itineracircncia na qual satildeo debulhados saberes
poderes palavras ordens accedilotildees discursivas de outros sobre mim que me fazem estar quem
estou Mais do que isto as imagens levaram-me mesmo que medrosamente a um desejo
profundo de discutir a construccedilatildeo das diferenccedilas as discursividades docentes acerca do
feminismo as relaccedilotildees de gecircnero e o lugar da escola como espaccedilo de debate e de construccedilatildeo
de equidade
E foi assim que vivi a experiecircncia de registraacute-las Envolta pelo meu interesse
profissional de pensar a leitura como importante instrumento na formaccedilatildeo discente descobri
um trabalho em escolas da zona rural de um municiacutepio paraibano realizado por uma ONG
muito bem conceituado Pensei que poderia render um bom estudo avaliar como as histoacuterias
contadas naqueles espaccedilos poderiam funcionar como instrumento de mediaccedilatildeo na construccedilatildeo
das identidades de gecircneros na problematizaccedilatildeo de papeacuteis socialmente construiacutedos
Discordando de minha orientaccedilatildeo acadecircmica que via com dificuldade a distacircncia
entre minha morada e meu objeto de estudo natildeo me incomodou o fato de viajar para me
11
enveredar na pesquisa Muito pelo contraacuterio achei que em verdade estaria ali menina leitora
que fui em uma casa de pais analfabetos onde livros eram objetos rariacutessimos por quem eu
nutria a paixatildeo visceral Viajei para ver crianccedilas que liam movida quem sabe por um desejo
de me visitar naquela roda de leitura Na roda a vida seria salva com a imaginaccedilatildeo aticcedilada
Na roda seria quem sou na interaccedilatildeo das leituras Ao certo fui buscar narrativas que me
narrariam ou em uma confluecircncia com o que diz Albuquerque Juacutenior (2007) iria simular o
germe de novas existecircncias novos modos de subjetivaccedilatildeo Embrenhei-me por essa busca
levando o fasciacutenio pelo campo de gecircnero aonde for aspirando ao meu interesse de escrevente
dispersa aticcedilada pelo ldquofogo que vem da paixatildeo que consome que lanccedila paixatildeo pelo devirrdquo
tatildeo bem-dita na prescriccedilatildeo vertiginosa de Albuquerque Juacutenior (2007)
Em minha primeira visita na unidade escolar referida era veacutespera do Dia das Matildees e
o foco na roda da leitura trazia textos sobre a mulher-matildee Imagens essencialistas da mulher
eram sumariamente expostas por poder gerar vidas ldquoela eacute paciente sensiacutevel dedicada e
zelosardquo Essa construccedilatildeo discursiva era traccedilada naquela roda de leitura para e com crianccedilas de
forma inclusive a se ignorar a jaacute instalada e reorganizada nova composiccedilatildeo das famiacutelias Isso
me gerou desconforto ldquoo gecircnero eacute o destino Natildeo haveria outra trajetoacuteriardquo (SAFFIOTI
2001) Mas naquela roda circulou um fato que marcou ainda mais minha tarde jaacute quente
climaticamente Surge depois de alguns minutos de iniacutecio de aula sala adentro um pai
levando seu filho pequeno pela matildeo O homem visivelmente abatido veio partilhar o recente
drama pessoal no qual estava mergulhado que em funccedilatildeo das proporccedilotildees espaciais da
comunidade jaacute parecia ser de conhecimento de todosas a ex-companheira e matildee de seu filho
fora embora com o amante O pai bem jovem expressou ali uma uniacutevoca e velha leitura a de
que ele e seu filho foram traiacutedos de que aquela mulher natildeo prestava A presenccedila daquele
genitor ali descontrolado soou-me de forma vertiginosa E ele teceu uma imagem da ex-
mulher agrave frente de todosas e de seu filho como a de quem natildeo possuiacutea nenhuma dignidade
Um discurso machista e essencialista era debulhado com os requintes de uma alma cega pela
ferida do abandono Em puacuteblico ali se construiacutea um lugar para as mulheres que decidem
partir as que rejeitam o papel que lhes eacute destinado ficar em casa embora o lar desmorone E
a crianccedila mesmo enlaccedilada pela condiccedilatildeo de filho em um misto de profunda dor e decepccedilatildeo
reproduzia com movimentos de cabeccedila toda uma narrativa demonizadora da mulher Os
acenos de cabeccedila agrave voz do pai refletiam possivelmente um sim agrave formaccedilatildeo discursiva de um
lar alicerccedilado aos moldes machistas patriarcais
Aquela cena me levou agrave dor do peso de um mundo em que a iniquidade de gecircnero
ainda estilhaccedilava seu poder nos olhos de um menininho choroso carregado pela matildeo de um
12
pai que arrastava consigo machismo e furor No final entre os burburinhos dosas
coleguinhas que diziam entre outras coisas ldquoA matildee de Felipe (esse eacute um nome fictiacutecio) eacute
ruim ainda bem que a minha natildeo me abandonourdquo eu ouvi a professora em uma tentativa
desajeitada de compensar a dor daquela crianccedila intervir e dizer que se ele tinha uma matildee
ruim em compensaccedilatildeo contava com um pai bom um heroacutei Essa educadora talvez sem
refletir sobre o efeito de sua interferecircncia sobre o jogo de verdade que a impulsiona
posicionou-se como aquela que tem a responsabilidade de oferecer respostas e o fez de um
lugar de autoridade do qual reproduziu significativamente os estereoacutetipos de gecircnero O seu
posicionamento se traduziu para mim como a delineaccedilatildeo discursiva de papeacuteis alicerccedilados aos
moldes androcecircntricos e por conseguinte produtor da iniquidade de gecircnero Isto me
impactou pois mesmo que sejam ressoadas corriqueiramente as construccedilotildees discursivas da
hegemonia machista natildeo haacute como natildeo buscar da escola o afinamento com a contra-
hegemonia que os avanccedilos feministas asseguram A ausecircncia deste afinamento eacute um descuido
com os direitos humanos das mulheres e precisa ser inquirida pelo menos para os amantes da
educaccedilatildeo libertaacuteria
Saiacute dali convicta de que aquele loacutecus natildeo poderia ser mais apropriado para a
pesquisa Aquela considerada trageacutedia emocional que circulava nas bocas pelo lugar inteiro
precisaria ser omitida em meu estudo por obedecer ao princiacutepio do anonimato evitando
expor inclusive uma crianccedila Mas pensar as relaccedilotildees de gecircnero e desconsiderar a forccedila
daquela imagem e da formaccedilatildeo discursiva que ali reinava seria ser negligente com o tema
com o trabalho Resolvi guardar a imagem falar sobre ela mas procurar outro campo
empiacuterico
Alguns dias depois voltei a conversar com a professora sobre aquele episoacutedio Agora
jaacute natildeo sob o efeito do impacto da cena do primeiro encontro fui incisiva e lhe inquiri sobre a
construccedilatildeo social dos papeacuteis sobre a desigual maneira de se constituir discursivamente
sujeitos e a responsabilidade da escola em formar para a igualdade de direitos de homens e
mulheres Ela me disse que toda a sua conduccedilatildeo estava de acordo com os princiacutepios cristatildeos
defendidos pela escola para os quais a mulher deve ser submissa nascer para se doar agrave
famiacutelia e o que fizera a matildee de F era abominaacutevel negava a ldquoessecircnciardquo feminina A despeito
da laicidade do Estado brasileiro o que implica em tese a negaccedilatildeo da formulaccedilatildeo de regras e
estrateacutegias que levem a enunciados dessa natureza a professora ocupa sua posiccedilatildeo
institucional e embandeira uma verdade forjada em discursos alicerccedilados em princiacutepios da feacute
cristatilde turvada por machismo e hierarquia de gecircnero
13
Em um gesto decisivo procurei outra escola para efetivar minha pesquisa O Dia das
Matildees jaacute havia se passado e ali presenciei mais um momento indicativo de que os sentidos
afiados dos quais fala Louro (2012) eacute um imperativo eacutetico para que se pense nas muralhas que
a escola precisa transpor para deslegitimar ordens sexistas androcecircntricas Assisti em uma
manhatilde em meio ao barulho comum de um intervalo nas escolas um pai se dirigir agrave diretora
falando alto por dois motivos queria que sua voz ultrapassasse o som da zoada do alunado e
estava pronto a mostrar sua firmeza sua forccedila em alto som Ele exigiu explicaccedilotildees desta
profissional sobre o que fora ensinado ao seu filho na festa das matildees tendo em vista que o
aluno expressou vontade de colaborar com as atividades domeacutesticas em casa A gestora
pacientemente explicou-lhe que apenas no momento das homenagens expuseram a reflexatildeo de
que meninos tambeacutem podem e devem ajudar as matildees nas tarefas domeacutesticas considerando
que estas ficam sobrecarregadas costumeiramente O homem retrucou ameaccedilando retirar o
filho da escola se mais uma vez a instituiccedilatildeo quisesse ensinar agrave crianccedila a virar uma
ldquomariquinhardquo Ali eu e ela tentamos dialogar com este pai enfatizando a importacircncia dos
direitos iguais para homens e mulheres do valor da contribuiccedilatildeo para a famiacutelia do trabalho de
todosas e que a concepccedilatildeo dele eacute infundada machista e preconceituosa Em vatildeo O homem
foi agrave escola soacute para bradar seu entendimento do que significa ser macho O que a instituiccedilatildeo
pensa a respeito natildeo lhe interessava
De novo senti o peso de um mundo fortemente assimeacutetrico forjado em conceitos
essencialistas Meu interesse pela problematizaccedilatildeo das iniquidades de gecircnero no chatildeo da
escola me seduziu de vez pensei com que produccedilatildeo de verdade osas trabalhadoresas da
educaccedilatildeo tecircm se movido (ou estariam presos) no enfrentamento destes embates corriqueiros
Escolhi ali mais uma vez por onde iria meu caminho investigativo
Estes dois momentos nas escolas em que experimentei cenas impactantes na
marcaccedilatildeo da assimetria de gecircnero perpassadas em voz docente e de membros familiares
conforme jaacute pontuei foram nodais para a minha decisatildeo de ter em foco essas relaccedilotildees no
espaccedilo escolar como objeto de estudo Mas deveras fui sendo seduzida pela ideia de
problematizar as assimetrias de gecircnero logo cedo na minha casa cheia de meninos
ldquotreinadosrdquo para conquistar espaccedilos enquanto que eu e minhas irmatildes eacuteramos ldquoadestradasrdquo
para o casamento como tantas mulheres de minha geraccedilatildeo e anteriores a ela Rezamos na
cartilha que a nossa formaccedilatildeo discursiva ordenava Filhos lar sexualidade reprimida redoma
sacrifiacutecios em nome de modelos de ldquofelicidaderdquo Modelos cujo formato tem cores
consistecircncia e sons androcecircntricos Tudo aquilo natildeo era escolha ou no dizer de Michel
14
Foucault (2004a 2004b 2012) a margem de liberdade era estreitiacutessima Era o poder
alicerccedilando as relaccedilotildees imbricado na instituiccedilatildeo famiacutelia
Onde haacute poder haacute resistecircncia diz esse pensador francecircs todavia |E os estudos no
campo de gecircnero como enunciados de resistecircncia chegaram-me Com eles chegaram os
compassos que desfazem os essencialismos Em suas vertiginosas paragens os
(des)compassos que explicitam o surdo combate entre o que se vecirc seu enredamento e o que
se diz como bem pontua Albuquerque Juacutenior (2007) E em um processo vital acostumei-me
com esse campo de estudo a afiar os meus sentidos muito embora agraves vezes fiquem
embaccedilados por uma memoacuteria discursiva que se desloca conflitando identidades que me
vestem e com as quais me perco e me acho Nos estudos poacutes-estruturalistas entendi meus
sujeitos dispersos a heterogeneidade discursiva que me faz ser tantas com verdades mil que
fazem viver dentro de mim todas as vidas do poema de Cora Coralina (1983) a cabocla
velha acocorada a que benze e a que reza a lavadeira do Rio Vermelho com seu cheiro
gostoso a mulher suada corrida vive dentro de mim a mulher cozinheira pimenta e cebola
panela de barro mas corro levando a mulher devoradora de fastfood Vive dentro de mim a
mulher roceira enxerto da terra meio casmurra vive a mulher urbana imersa no caos do
tracircnsito enredada nas redes sociais E o que faccedilo com tantas vidas Certamente com os
estudos de gecircnero posso desejar vecirc-las em seus processos de subjetivaccedilatildeo em um mundo
plural mas hegemocircnico global movente instantacircneo liacutequido que pode desfazer verdades
ldquoquebrando a gaiolardquo do essencialismo como propotildeem os Estudos Culturais
Decerto que sempre se constituiu para mim como ato de seduccedilatildeo o garimpar das
subjetividades que se fazem em meio a jogos de verdade como demonstra Foucault (2004a
2004b 2004c 2004d 2012) Ultimamente todavia perscrutar nossosas mestresas sem as
pequenas pretensotildees de quem desvenda descobre o oculto como nos adverte o filoacutesofo
francecircs mas pensando nas histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees de suas subjetividades
constituiacutea-se mais fortemente como desejo e apreensatildeo Minha apreensatildeo de pesquisar modos
de subjetivaccedilatildeo de professora se dava pela frequecircncia com que vinha registrando os
enunciados da categoria que descrevia com muito pesar a atuaccedilatildeo profissional salas lotadas
baixos salaacuterios perda de autoridade violecircncia desinteresse dosas discentes sentimentos de
desvalorizaccedilatildeo frustraccedilotildees enfim uma homogeneidade de queixas perpassando as vozes
dosas educadoresas Obviamente as precaacuterias condiccedilotildees de trabalho justificam os dolorosos
enunciados dosas trabalhadoresas da educaccedilatildeo Essesas profissionais se natildeo se inserem na
militacircncia na defesa de poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a educaccedilatildeo de qualidade no ativismo
poliacutetico na busca pelas praacuteticas de liberdade pelas teacutecnicas de ajuste da relaccedilatildeo de si para
15
consigo um ethos que repousam em uma eacutetica do inconformismo do autodomiacutenio
(FOUCAULT 2004a) tornam o repertoacuterio enunciativo bem marcado por insatisfaccedilatildeo Como
a militacircncia eacute pouca sobram a lamuacuteria e a vitimizaccedilatildeo em um paiacutes com vergonhoso histoacuterico
de baixo investimento na educaccedilatildeo puacuteblica
Ainda assim paradoxalmente minha apreensatildeo se misturava ao desejo de me
debruccedilar sobre as subjetividades dessesas profissionais Pegava-me indagando quais satildeo
face aos efeitos produzidos pelas tecnologias oficiais essas concebidas aqui na concepccedilatildeo
foucaultiana como os instrumentos que proporcionam formaccedilotildees assimilaccedilotildees de ordens as
aprendizagens que tecircm assimilado osas educadoresas Como os debates sobre sexualidade e
gecircnero trazidos pela rede discursiva das diretrizes da educaccedilatildeo brasileira como a Lei de
Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional - LDBEN-96 os Paracircmetros Curriculares Nacionais
(PCNs 1997) faziam-se presentes entre elesas Essas questotildees me instigavam E me
instigaram mais quando pensei a interface discursividadeleituragecircnero
Retornando agrave seduccedilatildeo pela problematizaccedilatildeo da iniquidade de gecircnero fui sendo
seduzida ainda em deacutecadas de atividade como professora em sala de aula Laacute lecionando em
niacuteveis diversos (fundamental meacutedio e superior) procurei sempre trazer agrave tona a constituiccedilatildeo
discursiva da construccedilatildeo social de gecircnero Sentia-me cumpridora de minha missatildeo como
educadora quando a minha praacutetica pedagoacutegica contribuiacutea com a reflexatildeo que aponta para a
necessidade de construirmos um mundo para todas as pessoas Uma utopia e como utopia
natildeo morre move-se Estaacute aqui comigo Estaacute aqui quando olho nossas estatiacutesticas estuacutepidas
que falam de uma violecircncia diaacuteria contra mulheres contra homossexuais contra o constituiacutedo
como diferente Estaacute aqui comigo a utopia de abolir esta violecircncia simboacutelica cantada em
diversos ritmos encarnada em uma musicalidade que embala corpos e mentes com pesadas
imagens degradantes nas quais somos apenas ldquoas mulheres frutas fiu-fiu cachorras sirigaitas
piriguetes popozudas coisificadas lepolapizadasrdquo
No surgimento deste mestrado profissional entatildeo em meus percursos sobre o tema
olhei para a escola especialmente rememorando aquelas duas cujas imagens retive como
disseminadoras e reprodutoras de hierarquia de gecircneros Olhei para suas bibliotecas ou a
ausecircncia delas seussuas professoresas seus regimes de verdade e articulei a problemaacutetica
de que forma as praacuteticas discursivas que constroem sentidos nos enunciados dos (as)
educadores (as) como mediadores (as) de leitura contemplam o debate sobre a equidade de
gecircnero Com a elaboraccedilatildeo desta questatildeo tentei responder ainda agraves inquietaccedilotildees que vivi nos
debates com professoresas durante as formaccedilotildees continuadas executadas pelo CECAPRO
Centro de Capacitaccedilatildeo dos Professores [professoras] onde atuo profissionalmente Da
16
memoacuteria daqueles debates levantei indagaccedilotildees a me sustentar o tema entre elas que leituras
fazem as vozes educadoras sobre a construccedilatildeo discursiva dos sujeitos O que dizem as vozes
leitoras Voltei entatildeo meu interesse para o chatildeo da escola lugar de livros de paredes
riscadas de brincadeiras de canccedilotildees de namoros de sexualidade de conflitos de poder de
rejeiccedilotildees aos que fragilizam o discurso sexista excludente lugar de leitura de formaccedilatildeo e
debate Voltei meu interesse para a escola lugar de tanto mas natildeo para todos os seus lugares
uma esfera de atuaccedilatildeo dessa instituiccedilatildeo pareceu-me de extrema pertinecircncia para entrecruzar
com o debate que objetivei traccedilar a esfera da leitura E considerando a leitura em uma
perspectiva discursiva busquei no entrecruzamento dessa com o debate acerca das relaccedilotildees
de gecircnero meu interesse meu desejo
Apoacutes tecer a gecircnese que propiciou a confecccedilatildeo do presente processo investigativo
farei a partir de agora a apresentaccedilatildeo das demais partes do trabalho feito que passo a realizar
fazendo uso ainda da primeira pessoa do discurso no singular Faccedilo isso em consonacircncia com
a epistemologia feminista que entende o quatildeo as interlocuccedilotildees com autoresas satildeo
cooperativas em uma accedilatildeo investigativa seja de qual porte for mas assume a proposta de
inscriccedilatildeo da natildeo neutralidade do sujeito Sem a ilusatildeo ao certo de que se eacute oa donoa do
dizer conforme pontua a Anaacutelise do Discurso
Como o desejo vira pesquisa
Mas biblioteca num lugar como esse Para quecirc Para o Nogueira ler um romance
de mecircs em mecircs Uma literatura desgraccedilada []
(RAMOS 1978 p83)
Emblemaacutetica esta construccedilatildeo literaacuteria de Graciliano Ramos em Satildeo Bernardo
(1978) construccedilatildeo que situa quem a lecirc o quanto os valores capitalistas opotildeem-se agrave edificaccedilatildeo
de um espaccedilo que privilegie a democratizaccedilatildeo do saber e atraveacutes dessa provavelmente a
praacutetica do letramento emancipador Vale ressaltar todavia que falo aqui de letramento
emancipador concebido em sintonia com o olhar de Soares (2011) como a accedilatildeo leitora que
encoraja a reflexatildeo criacutetica sobre a ordem social uma accedilatildeo que ultrapassa o domiacutenio da
tecnologia do saber ler e escrever faz uso dela incorporando-a a seu viver A autora ao
inscrever diacronicamente os viacutenculos sobre liacutengua escrita sociedade e cultura apregoa o
17
termo alfabetismo1 como oposiccedilatildeo ao do costumeiro uso analfabeto E o faz provocando uma
reflexatildeo sobre as regras codificadas da linguagem
O fato de que sejam correntes na liacutengua os substantivos que negam- analfabetismo e
analfabeto satildeo formados pelo prefixo grego a(n) que envolve a ideia de negaccedilatildeo ndash e
de que cause estranheza o substantivo que afirma alfabetismo e ainda de que natildeo
se tenha um substantivo que afirme o contraacuterio de analfabeto eacute como bem
hipotetiza Silva um fenocircmeno semacircntico significativo porque conhecemos bem e
haacute muito lsquoo estado ou condiccedilatildeo de analfabetorsquo ndash sempre nos foi necessaacuteria uma
palavra para designar este estado ou condiccedilatildeo - e temos usado sem nenhuma
estranheza o termo analfabetismo (SOARES 2011 p 29)
Uma nova realidade social com a ampliaccedilatildeo do acesso agrave escola nas uacuteltimas deacutecadas
e com o processo de industrializaccedilatildeo no Paiacutes provoca uma demanda por maior inserccedilatildeo da
liacutengua escrita que gesta a concepccedilatildeo teoacuterica do letramento Um conceito que em princiacutepio
trouxe muito equiacutevoco com a dissociabilidade que se instaurou para alguns entre os
fenocircmenos da alfabetizaccedilatildeo e do letramento Fenocircmenos de naturezas diferentes mas
indissociaacuteveis e interdependentes que implicam habilidades competecircncias e procedimentos
diferenciados de ensino Questatildeo poreacutem que natildeo seraacute tratada aqui em funccedilatildeo do limite a que
se propotildee este trabalho qual seja investigar a constituiccedilatildeo de efeitos de sentidos na
discursividade dosas educadoresas tendo como foco o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
perpassado nas praacuteticas leitoras dessesas profissionais
E mesmo sem querer engrossar as fileiras dos que lamentam pelos altos iacutendices do
fraacutegil desempenho dosas educandos brasileirosas em provas de leitura detectados em
Programa Internacional de Avaliaccedilatildeo de Estudantes - PISA e nos relatos corriqueiros de
educadoresas e familiares natildeo eacute possiacutevel deixar de reconhecer que este eacute um dos noacutes do Paiacutes
na faceta Satildeo Bernardina que possui Metaforicamente essa obra pode conduzir leitoresas
aos iacutengremes caminhos de um Brasil com abissais desigualdades sociais e que tal qual Paulo
Honoacuterio o narrador-personagem eacute tambeacutem injusto violento e opressor por descuidar de seu
povo Descuida de seu povo entre tantas evidecircncias pela negaccedilatildeo da garantia efetiva de
direitos fundamentais como o de uma educaccedilatildeo de qualidade e que seja emancipadora (cf
FREIRE 1999 2002) Eacute possiacutevel ver pelos caminhos de Satildeo Bernardo e pelos (des)caminhos
das escolas puacuteblicas brasileiras as professoras Madalenas amantes do saber dos livros e do
ser humano lutando contra a loacutegica de um sistema social excludente Nessa militacircncia a
leitura seguramente eacute um dos instrumentos que podem viabilizar a luta por mudanccedilas
1 Em nota a autora explica a atualizaccedilatildeo do termo por letramento tendecircncia confirmada pela dicionarizaccedilatildeo
somente em 2001 do termo
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sociais tendo em vista que pode suscitar as reflexotildees acerca da ordem discursiva (cf
ABREU 2007 apud PINA DA MATTA VEIGA 2012)
De qual leitura todavia falo quando penso aqui na validaccedilatildeo desta como algo
significativo para a vida capaz de suscitar reflexotildees instigantes e desconstrutoras de uma
ordem social Penso em uma leitura que seja prazerosa como nos lembra Rubem Alves
(2004) citando Melanie Kleim o professor [e professora] no ato de ler eacute o seio bom por isso
leitura eacute maternagem Penso tambeacutem em uma leitura que seja experiecircncia no sentido que
Larrosa (2004) daacute ao ato de ler como transformador vinculador das praacuteticas da liberdade da
plenitude do ldquoexistenterdquo Com todo cuidado para evitar ainda os messianismos as
sacralizaccedilotildees Soares (2001) falo ainda de leitura que seja lenha para o fogo da cidadania que
trace as veredas para o campo da garantia dos direitos humanos tocando um instrumento
coacutesmico de muitas melodias que ldquoacordem consciecircncias de homens [e de mulheres] e
adormeccedilam crianccedilasrdquo no sentido drummoniano de se engajar a arte tatildeo meloacutedico quanto
emblemaacutetico na sua ceacutelebre Canccedilatildeo Amiga de 1983
E partindo do desejo de problematizar sobre os efeitos catastroacuteficos dos altos iacutendices
de iletrismo e do analfabetismo no Brasil e sobre qual tem sido o olhar da escola para o
enfrentamento de uma histoacuterica educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria (LOURO 2012 PEDRO
PINSKY 2003) eacute que se foi delineando este trabalho Delineando-se movido na concepccedilatildeo
de leitura como componente constitutivo das formas de sociabilidade e dos jogos sociais
(ORLANDI 2008 SILVA 2011) nas discussotildees foucaultinas sobre a constituiccedilatildeo do sujeito
e praacuteticas de subjetivaccedilatildeo (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) aleacutem de movido em
contribuiccedilotildees de estudos feministas (LOURO 2012) Delineando-se para responder agrave
questatildeo-problema que considera os avanccedilos conquistados pelas lutas feministas e a tensa
disputa que se instala entre tais conquistas e as assimetrias de gecircnero no espaccedilo escolar e
assim eacute proposta eacute contemplado o debate sobre a equidade de gecircnero perpassado nas vozes
educadoras em suas praacuteticas leitoras
Essa questatildeo parte de premissas fatuais que me inquietam e me levam a
problematizar os imaginaacuterios2 inferiorizantes da mulher operam no espaccedilo escolar de que
forma quando a este lugar chegam avanccedilos significativos das diretrizes do Conselho Nacional
de Educaccedilatildeo ndash CNE- pontuando a desconstruccedilatildeo dessa praacutetica Seria este debate ignorado ou
pensado sobre traccedilos negativos Outra questatildeo que me instiga a problematizar eacute a de que
teriam os(as) docentes a concepccedilatildeo de que uma escola democraacutetica prima essencialmente pelo
2Imaginaacuterios aqui na acepccedilatildeo dada por Castoriadis (1982) enquanto rede de sentidos sistema de crenccedilas que
legitima a ordem social em vigor
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respeito e dignidade de todosas e de que as praacuteticas pedagoacutegicas tecircm constituiacutedo sujeitos
diferentes e desiguais em direitos Ademais qual o comprometimento manifesto pelas
praacuteticas pedagoacutegicas dessesas educadoresas para evidenciar suas intenccedilotildees de superar velhas
estruturas estariam usando a leitura como instrumento constituinte e conformante dos
sujeitos para mediar reflexotildees atinentes agrave construccedilatildeo de uma escola democraacutetica inclusiva e
natildeo-sexista
Considerando desse modo que a pergunta problema possui como eixo centralizador
a atenccedilatildeo que as praacuteticas leitoras da escola dispensam ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
refletidas pelas praacuteticas discursivas docentes eacute objetivo geral deste trabalho analisar as
discursividades que produzem sentidos nos enunciados de educadoresas como mediadores
(as) de leituras frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero no projeto CestaSexta Literaacuteria
em uma escola da Rede de Ensino Municipal de Joatildeo Pessoa
Para apoiar essa investigaccedilatildeo que perspectiva observar a vinculaccedilatildeo da leitura como
forte pilar na construccedilatildeo de um mundo mais justo e na desconstruccedilatildeo de imaginaacuterios que
inferiorizam a mulher que criam uma ordem androcecircntrica heteronormatizadora e
excludente vinculaccedilatildeo essa mediatizada nas vozes dos educadores(as) compete-me traccedilar
como objetivos especiacuteficos (i) examinar se na proposta do projeto de leitura da CestaSexta
Literaacuteria expresso em seu documento ocorre seleccedilatildeo de temas que abordem questotildees
voltadas para as poliacuteticas educacionais de gecircnero (ii) investigar se os textos utilizados pelo
projeto nas aulas de leitura observadas contemplam praacuteticas discursivas que produzam
sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero (iii) problematizar efeitos de sentidos que perpassam
pelos relatos docentes e pelo questionaacuterio instrumentos aplicados junto agravesaos educadoresas
expressando as posiccedilotildees de sujeito dosas entrevistadosas acerca das relaccedilotildees de gecircnero em
momentos de interaccedilatildeo na praacutetica leitora (iv) contribuir com reflexotildees que sistematizem
estrateacutegias que propiciem a intervenccedilatildeo e transformaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica na perspectiva
da construccedilatildeo da equidade de gecircnero
Por ser a escola a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela aquisiccedilatildeo de saberes e competecircncias
no plano da formalidade e que esta tem no ensino da leitura uma de suas funccedilotildees cruciais
pesquisar o ato de ler na escola eacute de muita relevacircncia a despeito de este tema sumamente jaacute
ter sido explorado Tal questatildeo jaacute fez com que muitosas teoacutericosas e estudiososas de
diversas aacutereas se debruccedilassem a estudaacute-lo a quantidade de livros artigos teses e dissertaccedilotildees
sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees satildeo magnacircnimas Paulo Freire (1988) Ezequiel
Theodoro da Silva (2009 2011) Magda Soares (2001) Antunes (2009) Orlandi (2008) entre
tantosas outrosas importantes teoacutericosas jaacute teceram suas consideraccedilotildees sobre a leitura que
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aqui encheriam paacuteginas Haveraacute o que dizer mais Parece que natildeo para quem desconsidera
que o inusitado visita a dinacircmica do ato de ler em um contexto escolar com frequecircncia Mas
para quem deseja olhar para as praacuteticas pedagoacutegicas com olhos novos olhos de quem eacute capaz
de se indignar e de natildeo perder de vistas a utopia sempre agrave vista na faceta Madalena de cada
um haacute sempre o que se dizer no chatildeo da escola leitora ou natildeo leitora E eacute em busca deste
dizer sobre ler que me enceta o desejo de ver como educadora que sou homens e mulheres
em processos de libertaccedilatildeo desconstruindo ldquoverdadesrdquo aprendendo com e pela leitura a
refletir sobre seus lugares no mundo que me ponho
E assim compreendendo a leitura como espaccedilo de produccedilatildeo e de reproduccedilatildeo de
significados sociais e objetivando analisar de que forma educadoresas estatildeo forjando
construccedilotildees acerca das identidades de gecircnero em suas praacuteticas leitoras eacute que se desenha a
importacircncia desta pesquisa Isso se justifica porque entre as funccedilotildees da leitura deve estar a
de viabilizar as problematizaccedilotildees que faccedilam leitoresas despertarem para a cidadania ativa o
protagonismo e a autonomia Esses aqui entendidos em uma perspectiva que traduza a
autonomia financeira profissional e pessoal das pessoas e a sua busca pelo ativismo poliacutetico
que expressa consciecircncia de lugar no mundo
E estudar as discursividades que perpassam o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
mediatizadas pelas leituras no espaccedilo escolar eacute desejar averiguar se este instrumento de
aprendizado estaacute sendo usado para desmantelar as assimetrias de poder entre homens e
mulheres em um espaccedilo formador Eacute desejar averiguar enfim se este instrumento estaacute sendo
amparo para questionar estereoacutetipos e verdades cristalizadas naturalizadas em torno de
construccedilotildees de identidades de gecircnero Obviamente que essa eacute uma das possibilidades de
utilizaccedilatildeo da leitura se este instrumento na escola estiver em consonacircncia com as diretrizes
educacionais que concebem a importacircncia de se fazer da instituiccedilatildeo um espaccedilo democraacutetico
Um espaccedilo em que se faccedila fluir o respeito agrave alteridade agrave compreensatildeo de que a identidade e a
diferenccedila satildeo produzidas discursivamente e que tecircm a ver com a atribuiccedilatildeo de sentidos ao
mundo social e com a disputa e luta em torno dessa atribuiccedilatildeo (SILVA 2012) A leitura nessa
perspectiva problematizadora tem a estrateacutegia de ir aleacutem das ldquobenevolentesrdquo declaraccedilotildees de
toleracircncia com o outro com o diferente Ela tem em seu centro a percepccedilatildeo de que as
identidades satildeo sujeitas a uma historicizaccedilatildeo radical processo que deve lanccedilar luz agraves
reflexotildees que transformam o diferente em exterior abjeto (HALL 2011) Nessa dimensatildeo a
leitura faz parte de um projeto poliacutetico que intenta viabilizar a criacutetica da construccedilatildeo da
identidade e da diferenccedila evidenciando o quanto elas satildeo estrategicamente produzidas
fundadoras Conceber adequadamente a fundaccedilatildeo do outro pode desenredar a forma fechada
21
redutora de interpretaccedilotildees a que esse eacute reduzido E a leitura pode ter uma funccedilatildeo fulcral nesse
processo de reflexatildeo quando pensada estrategicamente para isso accedilatildeo relevante para a
contribuiccedilatildeo com a feitura da escola como palco em que a assimetria de tratamentos eacute
combatida em seu lugar haacute a poliacutetica de respeito pelos Direitos Humanos (DH doravante)
O princiacutepio da dignidade dispensado a todas as pessoas conforme preconizam os DH
em muitos de seus documentos (cartas convenccedilotildees estatutos declaraccedilotildees) e nosso
ordenamento juriacutedico maior a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 eacute reclamante contumaz de um
olhar pedagoacutegico que discuta as diferenccedilas a construccedilatildeo das identidades de gecircnero e da
alteridade E na escola soam e ressoam documentos que abordam poliacuteticas da diversidade
cultural sexual e da equidade de gecircnero Mas de que forma o debate chega em um mundo em
que emerge uma globalizaccedilatildeo iacutempar de informaccedilotildees velozes instantacircneas onde se discutem
identidades culturais e desconstruccedilatildeo de paradigmas de comportamentos em meio aos
pensamentos hegemocircnicos Chegaraacute esbarrando em construccedilotildees sociais dosas fazedoresas
da educaccedilatildeo que se apresentariam cristalizadas essencializadas fixas Como tem por fim
assentado na agenda da escola o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero Qual eacute o seu regime de
verdade no sentido foucaultiano de pensar a formaccedilatildeo discursiva como o loacutecus onde
arbitrariamente satildeo determinados os sentidos de um discurso Os muros escolares satildeo
atravessados de que modo pelo debate que provoca as reflexotildees sobre a produccedilatildeo do
diferente Satildeo indagaccedilotildees como essas que me conduzem agrave execuccedilatildeo deste trabalho Isso
merece meu olhar merece porque para que falemos de dignidade precisamos atentar para a
condiccedilatildeo feminina ainda envolta por iniquidade expressa na esfera profissional poliacutetica e
pessoal E para que falemos de dignidade precisamos respeitar as manifestaccedilotildees de desejos e
performances de outras interlocuccedilotildees de outras subjetividades que devem ser reconhecidas
como legiacutetimas
O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero impulsionado pelo ativismo poliacutetico do
coletivo de mulheres chega e deve ser ampliado porque vale pleitear que o princiacutepio da
igualdade formal e material entre homens e mulheres tenha seu cumprimento auferido
Igualdade essa que estaacute distante de ser conquistada muito embora menos longe do que jaacute
esteve no longo caminho rumo agrave construccedilatildeo da cidadania feminina Ainda eacute fato haacute menos
mulheres nas instacircncias de poderes do que deveria no Brasil de acordo com dados do
Anuaacuterio das Mulheres Brasileiras (DIEESE 2011) elas satildeo mais da metade da populaccedilatildeo (51
3) e do eleitorado estatildeo entretanto sub-representadas nas esferas de poder Satildeo 11 no
Congresso Nacional natildeo chegam a 20 nos niacuteveis mais elevados do Poder Executivo No
Judiciaacuterio nas universidades e empresas privadas ocupam apenas 20 das chefias Eacute tambeacutem
22
outro oacutebice agrave igualdade de gecircnero a preocupante materializaccedilatildeo do machismo em forma de
agressatildeo agraves mulheres Conforme ainda os dados do referido Anuaacuterio uma em cada cinco
brasileira jaacute sofreu algum tipo de violecircncia domeacutestica por parte de um homem Das violecircncias
perfiladas nem todas satildeo computadas Haacute a cultura do medo e da vergonha da sua condiccedilatildeo
de viacutetima que impede que a mulher denuncie seu agressor e mesmo havendo campanhas e
aparato legal que mobilizam a denuacutencia da violecircncia contra a mulher ainda se fala em
subnotificaccedilatildeo dos dados De fora fica ainda a costumeiramente natildeo computada a intangiacutevel
violecircncia simboacutelica termo que tomo de empreacutestimo de Bordieu (2012) que fala da
sedimentaccedilatildeo de um consciente androcecircntrico em homens e mulheres alimentando
iniquidades Esta violecircncia natildeo estaacute em estatiacutesticas mas deixa sequelas profundas em suas
viacutetimas fazendo muitas mulheres carregarem em si sentimentos de impotecircncia mutilaccedilatildeo e
subalternidade
A escola tem o fio do poder que costura e regulamenta normas e mudanccedilas que
disciplinam comportamentos hegemonias (PEREIRA 2005) Mas o poder natildeo eacute estanque
fixo haacute neste espaccedilo como em todos os outros lugar para a resistecircncia e a contra-hegemonia
(FOUCAULT 2012) E de que forma tecircm chegado os discursos que problematizam as
mudanccedilas que advogam os movimentos de mulheres e fazem ressoar seu desejo de
desmantelar de descosturar as assimetrias de gecircnero Como a leitura e as vozes escolares
ressoam o que regula a valente marcha feminista que pode contribuir com o combate agrave
violecircncia domeacutestica com o empoderamento das mulheres e dar visibilidade agrave iniquidade de
gecircnero de forma refrataacuteria Acolhendo seus passos Como a leitura e as vozes escolares
abordam a temaacutetica das identidades e da diferenccedila datildeo centralidade e a discutem como
questatildeo de poliacutetica Estas questotildees imbricam-se e com elas penso a linguagem no campo da
discursividade da construccedilatildeo dos jogos de poder da constituiccedilatildeo de sentidos verdades e
subjetivaccedilotildees (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) o que eacute sempre um desafio
instigante para oa educadora Essa temaacutetica eacute premente sendo assim Haacute uma expectativa de
que seja sedimentado o aprendizado de que as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo estatildeo sempre inseridas
em contextos e processos socialmente estruturados legitimando naturalizando e retificando
hegemonias mas tambeacutem sofrendo transformaccedilotildees
Para que o direcionamento discursivo levantado pela questatildeo norteadora satisfaccedila
aos objetivos a que me proponho este estudo move-se teoricamente na concepccedilatildeo
sociointeracionista de leitura e faz uma interface com a Anaacutelise do Discurso AD doravante
tendo como referecircncia o trabalho de Orlandi (2008) sobre leitura que se pauta na perspectiva
da Escola francesa dessa disciplina Trabalho com a concepccedilatildeo de leitura na perspectiva de
23
que ler eacute mais do que decodificar (SOARES 2011) Ler eacute envolver-se com praacuteticas culturais
(MOITA LOPES 2002) que fortalecem a sedimentaccedilatildeo do valor da cidadania que pressupotildee
efetivaccedilatildeo de direitos e deveres para todos Ler entatildeo deixa de ser uma atitude passiva
fechada tradutora decodificadora em que se busca a ldquoverdaderdquo produzida peloa autora ou
pelo texto se se quiser ser positivista ou estruturalista A leitura que me interessa aqui se
ancora na perspectiva interacionista que concebe o aspecto sociocultural e cognitivo da
linguagem e como tal o texto eacute processo e natildeo produto A leitura eacute uma atividade situada
que reflete uma relaccedilatildeo dialoacutegica (cf BAKHTIN 1995) ou seja uma relaccedilatildeo na qual se
estabelecem refraccedilotildees entre autor-leitor-texto e contexto Essa perspectiva expressa um
rompimento com o modelo formalista ou historicista e tem havido um esforccedilo por parte dos
oacutergatildeos responsaacuteveis pelas poliacuteticas de formulaccedilatildeo das diretrizes escolares para implementaacute-la
no seio escolar Os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCNs-1997) refletem essa intenccedilatildeo
os textos satildeo defendidos em sua diversificaccedilatildeo e na defesa da construccedilatildeo de competecircncias
linguiacutesticas com desenvolvimento da habilidade leitora e escritora que ultrapasse a mera
decodificaccedilatildeo no processo de ensino aprendizagem
Por este trabalho buscar uma interface entre a linguagem como praacutetica social e as
relaccedilotildees de gecircnero perscrutadas nas vozes docentes em atividades de leitura propostas pela
escola tambeacutem lhe eacute pertinente a abordagem das formas de constituiccedilatildeo da subjetividade
(FOUCAULT 2004a 2004b 2004d) Estou ainda me movendo pelos estudos da criacutetica
feminista dos estudos poacutes-estruturalistas de gecircnero na contemporaneidade que buscam a
negaccedilatildeo de quaisquer resquiacutecios de uma base essencialista para a formaccedilatildeo das identidades
(LOURO 2012 SILVA 2012) ao tempo que questionam as hierarquias entre o masculino e
o feminino a ordem androcecircntrica heteronormativa e etnocecircntrica Eacute desse olhar que me
sirvo para diante do que pontuam os Estudos Culturais consonantes agrave construccedilatildeo das
identidades como cambiantes heterogecircneas transitivas construiacutedas e reconstruiacutedas social e
discursivamente refletir sobre as implicaccedilotildees de se ler no espaccedilo escolar Refletir atentando
para o discurso pedagoacutegico que daacute sentido agraves diferenccedilas entre meninos e meninas agraves relaccedilotildees
de gecircnero E eacute desse olhar que tambeacutem me sirvo para aprender sobre a consciecircncia de gecircnero
e sobre o desafio da aprendizagem de transformar os jogos de verdade que impotildeem relaccedilotildees
assimeacutetricas Eacute isto o que me enreda neste trabalho
Articulo esta dissertaccedilatildeo em partes que se estruturam assim a introduccedilatildeo na qual
consta a contextualizaccedilatildeo da temaacutetica focalizada com a sua gecircnese a apresentaccedilatildeo do
problema dos objetivos da justificativa e dos pressupostos teoacutericos que embasaram a
pesquisa
24
No capiacutetulo 1 exponho as estrateacutegias metodoloacutegicas com as quais me vali para que o
direcionamento discursivo apresentado que eacute a investigaccedilatildeo das discursividades docentes em
leitura e gecircnero satisfizesse aos objetivos a que me propus construir para este estudo
No capiacutetulo 2 pontuo uma justificativa do campo teoacuterico apresentando estudos de
autoresas utilizadosas bem como pontuo o cruzamento entre a instacircncia da leitura e o debate
sobre as relaccedilotildees de gecircnero sustentado por reflexotildees atinentes aos Direitos Humanos ao
feminismo ao poder agrave educaccedilatildeo e aos modos de subjetivaccedilatildeo
No capiacutetulo 3 discorro sobre a anaacutelise das praacuteticas discursivas dosas educadoresas
perscrutadas pela trajetoacuteria analiacutetica que fiz cujo procedimento para geraccedilatildeo de dados teve os
seguintes instrumentos investigativos o documento do projeto de leitura os relatos dosas
educadoresas que foram gerados em conversas quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola um
questionaacuterio aplicado com nove participantes do projeto de leitura da escola e a observaccedilatildeo
de aulas dos textos utilizados nesses eventos e levantamento dos textos paradidaacuteticos
presentes na biblioteca escolar que se refiram agrave temaacutetica de gecircnero
No capiacutetulo 4 atinente agrave perspectiva interventiva propositora que tem este mestrado
profissional desenvolvo reflexotildees que intencionam contribuir para a inserccedilatildeo temaacutetica de
gecircnero pela via da leitura na escola em que a pesquisa foi realizada Faccedilo ao final deste
capiacutetulo sugestotildees de atividades de ensino enfocando o olhar sobre as relaccedilotildees de gecircnero
Por uacuteltimo apresento as consideraccedilotildees finais com as quais objetivo amarrar os fios
tecidos ao longo do trabalho considerando os conteuacutedos enfocados e reforccedilando a defesa de
se inserir o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero pela via da leitura na escola
problematizando os modelos de feminilidade e masculinidade na defesa da dignidade de
todas as pessoas
25
1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA
11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade
Partindo do entendimento de que a pesquisa a que me proponho realizar que eacute a
anaacutelise de praacuteticas discursivas de docentes sobre as relaccedilotildees de gecircnero como mediadoresas
de leituras exige um dispositivo analiacutetico busco nos procedimentos da AD de filiaccedilatildeo
francesa como nas reflexotildees foucaultianas sobre praacuteticas de subjetivaccedilatildeo e poder nas
reflexotildees poacutes-estruturalistas sobre gecircnero e na perspectiva sociointeracionista sobre leitura
um apoio teoacuterico-metodoloacutegico Nesse sentido estou imbuiacuteda do propoacutesito de percorrer essa
investigaccedilatildeo conforme as diretrizes desse caminho investigativo considerando que natildeo haacute o
sentido ldquoverdadeirordquo mas o real do sentido em sua materialidade linguiacutestica e histoacuterica
(ORLANDI 2012) Estou tambeacutem imbuiacuteda do intento de que com este dispositivo natildeo
vislumbro trabalhar em uma perspectiva de neutralidade tendo em vista que concebo a
pesquisa com base nas praacuteticas discursivas focada nos estudos feministas e nas relaccedilotildees de
gecircnero sob a oacutetica do interesse do engajamento poliacutetico (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007
LOURO 2012)
Essas condiccedilotildees refletem o que as problematizaccedilotildees levantadas pelo feminismo no
tocante agrave loacutegica de se fazer ciecircncia tradicional com seus postulados de estabilidades e
categorizaccedilotildees trouxeram Trouxeram a descrenccedila de que entre as palavras e as coisas existe
uma homologia que se diz exatamente o que se vecirc (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007
POSSENTI 2009) Antes os estudos de gecircnero de base poacutes-estruturalista explicitam que haacute
uma invenccedilatildeo do que eacute sermos mulhereshomens de que haacute uma invenccedilatildeo do que eacute sermos
meninos e meninas de diversas classes diversos tempos etnias e orientaccedilatildeo sexual
construiacuteda discursivamente E a reflexatildeo sobre o que nos tornamos como seres gendrados e
em que poderemos vir a ser como seres que se descobrem gendrados empodera-nos como
investigadores de desaprendizagens pela possibilidade de conhecimento de jogos de verdades
(FABRIacuteCIO 2006)
Os estudos de gecircnero como uma via que se oferece para o entendimento das relaccedilotildees
assimeacutetricas entre os sexos explicitam ainda o atravessamento pelo poder institucionalizado
que confere historicamente o domiacutenio do masculino Lugares diferentes no mundo chegam a
homens e mulheres por um conjunto de accedilotildees formadoras constituiacutedas discursivamente por
siacutembolos culturais institucionalizaccedilotildees e modos de subjetivaccedilatildeo que constituem relaccedilotildees
assimeacutetricas com o corpo com a sexualidade e afetividades para os sujeitos sociais Refletir
26
sob esta perspectiva me faz desejar perceber meu entorno olhando a linguagem a cultura e as
instituiccedilotildees sob a oacutetica do interesse na construccedilatildeo dos processos sociais E o olhar do
feminismo deveras trouxe novas lentes sobre a pesquisa cientiacutefica Louro (2012) pontua que
uma das caracteriacutesticas relevantes dessa epistemologia diz respeito agrave forma como as
estudiosas empenham-se em responder questotildees atinentes agraves suas realidades aos seus campos
de interesses mescladas natildeo como vozes anocircnimas de seu objeto de estudo mas como vozes
que de modo provocativo posicionam-se histoacuterica e culturalmente imiscuindo objetivamente
subjetividades E eacute com este entendimento que intenciono subsiacutedios para um estudo sobre a
discursividade em uma interface com a oacutetica das relaccedilotildees de gecircnero e da leitura sob o crivo
de um convite a examinar ordens morais e estruturas de legitimaccedilatildeo
Esta investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos foi
conforme jaacute exposto concebida para ser realizada em uma escola da Rede de Ensino
Municipal de Joatildeo Pessoa - PB cuja identificaccedilatildeo seraacute preservada A preservaccedilatildeo deve-se agrave
consonacircncia com um mecanismo de proteccedilatildeo o anonimato como compromisso eacutetico
possiacutevel conforme Spink e Menegon (1999) embora salientem as autoras este ponto de
vista natildeo seja paciacutefico Para minha compreensatildeo eacute uma proteccedilatildeo exceccedilatildeo se daacute quando os
sujeitos manifestam o contraacuterio o que natildeo foi o caso Assim o sendo para a identificaccedilatildeo
deste espaccedilo pesquisado resolvi denominaacute-lo de escola TRAVESSIA Esse batismo traduz
meu olhar para o ambiente de ensino-aprendizagem alimentado na esperanccedila freireana pelo
inacabamento em noacutes educadores seres humanos Mesmo emparedadosas eacute preciso pensar
nas travessias Da mesma forma que o campo pesquisado tem um nome fictiacutecio os sujeitos
participantes desta investigaccedilatildeo tambeacutem foram denominados ficticiamente
Essa unidade educacional funciona nos dois periacuteodos com turmas do 6ordm ao 9ordm ano
em um preacutedio construiacutedo haacute menos de dez anos Possui 385 discentes e 25 docentes eacute
composta por dez salas de aula sala de artes laboratoacuterio de informaacutetica laboratoacuterio de
ciecircncias auditoacuterio biblioteca quadra poliesportiva quadra de vocirclei secretaria diretoria sala
de especialistas sala de professores refeitoacuterio e banheiros com padratildeo de acessibilidade
A pesquisa qualitativa na educaccedilatildeo tem centrado seu foco noa educadora vai
buscar sua colaboraccedilatildeo preocupar-se com suas histoacuterias e formaccedilatildeo (GHEDIN FRANCO
2008) Nessa dimensatildeo eacute possiacutevel olhar a realidade na perspectiva doa professora e natildeo
apenas sobre elea Este processo investigativo que tem como objeto as discursividades na
escola acerca das relaccedilotildees de gecircnero mediadas no projeto de leitura tem alinhamento
metodoloacutegico com esta perspectiva de pesquisa e possui como participantes osas
professoresas que integram o tal projeto Foi escolhido o corpo docente do turno vespertino
27
em funccedilatildeo de ajuste com minha disponibilidade de horaacuterio A coordenaccedilatildeo do projeto eacute de
responsabilidade de uma professora readaptada que tem formaccedilatildeo de arte-educadora Esta
profissional segundo me relatou articula trabalhos apoiando osas docentes integrantes do
projeto aleacutem de efetivar atividades literaacuterias e artiacutesticas em datas comemorativas na escola
12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de investigaccedilatildeo
A composiccedilatildeo dos instrumentos selecionados para a investigaccedilatildeo desta pesquisa eacute
constituiacuteda por diversos procedimentos para geraccedilatildeo de dados Consta de um questionaacuterio
aplicado no periacuteodo de 09 de setembro a 28 de outubro de 2013 a nove educadoresas
envolvidosas com o projeto de leitura da escola TRAVESSIA o CestaSexta Literaacuteria
Adotei tambeacutem como instrumento de investigaccedilatildeo os relatos de diaacutelogos com educadoresas
gerados quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola que se deram de 05 de setembro a 28 de
outubro de 2013 Construiacute notas de campo para registrar minhas vivecircncias naquele espaccedilo
perscrutando as vozes daqueles sujeitos pesquisados Satildeo tambeacutem composiccedilatildeo deste conjunto
de instrumentos investigativos as observaccedilotildees de quatro aulas de leitura e de texto utilizado
nestes eventos que ocorreram entre 4 e 11 de julho de 2014 A anaacutelise do documento do
projeto de leitura no tocante aos seus objetivos e metodologia bem como o levantamento de
quais livros paradidaacuteticos da biblioteca tratam da temaacutetica em tela satildeo outras formas
geradoras de dados desta pesquisa Esse levantamento do conjunto de instrumentos foi
elaborado em um processo no qual atentei para que a construccedilatildeo dos mesmos lembrando
Foucault (2004a 2004b 2012) objetivasse natildeo apontar se um enunciado eacute verdadeiro ou
falso enquanto discurso mas situar historicamente a produccedilatildeo desses
O questionaacuterio foi elaborado com treze questotildees objetivas por uma necessidade de
se ajustar agraves premecircncias do tempo mas promovendo espaccedilo para a complementaccedilatildeo de
respostas abertas considerando que outras leituras poderatildeo existir As questotildees formuladas
neste instrumento investigativo versando conforme apecircndice A entre outros toacutepicos acerca
da importacircncia da leitura para a escola sobre se a formaccedilatildeo continuada estaacute contribuindo no
preparo para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero acerca de qual
espaccedilo deve haver no curriacuteculo escolar sobre a histoacuteria social da mulher e ainda qual tem sido
o comportamento doa educadora ao lidar com manifestaccedilotildees de violecircncia de gecircnero
objetivam proporcionar anaacutelises das respostas segundo os pressupostos da AD
Essa disciplina mediante a articulaccedilatildeo liacutengua e histoacuteria descreve e analisa os
sentidos que produzimos socialmente considera assim que o sujeito eacute um efeito da linguagem
28
como praacutetica social E eacute com esta perspectiva que objetivo perceber os efeitos de sentidos as
ideias circulantes e produzidas pelos sujeitos envolvidos nas questotildees do instrumento
questionaacuterio como nos demais procedimentos que compotildeem o campo empiacuterico desta
investigaccedilatildeo as aulas os diaacutelogos o documento a ausecircncia de obras temaacuteticas no acervo
bibliotecaacuterio Lanccedilar matildeo desse amparo teoacuterico me faz buscar formulaccedilotildees epistemoloacutegicas
como o discurso o interdiscurso as formaccedilotildees discursivas entre outras construccedilotildees de
linguagem como fustigaccedilatildeo que possibilita ver ldquopelardquo opacidade da linguagem Por esses
vieses interessa-me natildeo em conceber uma ldquoverdaderdquo a qual terei o poder de ldquodesvendaacute-lardquo
conforme ressalva Foucault (1995 2004a 2004b 2012) mas procuro agrave luz do que me
fornece a AD refletir e inquirir sobre as condiccedilotildees de produccedilotildees ldquodo dito e o natildeo ditordquo
29
2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO
21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos
Uma indagaccedilatildeo que se desdobrava em outras se fez presente em minhas elaboraccedilotildees
sobre a temaacutetica em foco afinal por que buscar na roda de leitura de uma escola fios que
relacionem letramento e o debate sobre a construccedilatildeo social de gecircnero Qual o sentido de se
entrelaccedilar estas duas instacircncias discursivas Natildeo bastaria ler para contribuir com a construccedilatildeo
de uma formaccedilatildeo humana e eacutetica uma formaccedilatildeo cidadatilde na qual se capacitariam todos e todas
para serem protagonistas do projeto de sociedade em que convivem O exerciacutecio da leitura
natildeo estimula o ato de pensar Esta mera sacralizaccedilatildeo da praacutetica leitora tatildeo disseminada por
leigosas e ateacute leitoresas ignora que ler eacute um ato poliacutetico (FREIRE 1988) Ignora que ler eacute
uma praacutetica discursiva implica accedilotildees seleccedilotildees escolhas linguagens contextos variedades
de produccedilotildees sociais (SPINK FREZZA 1999) E que desse modo como praacutetica discursiva
na acepccedilatildeo foucaultina (FOUCAULT 2011) que eacute a tomada de empreacutestimo neste trabalho
conceituada como os dizeres que ganham corpos teacutecnicos em instituiccedilotildees em esquemas de
comportamentos em formas pedagoacutegicas a accedilatildeo de ler deve primar por reflexotildees que exijam
engajamento direcionamento afinal como esse filoacutesofo afirma
[] em toda sociedade a produccedilatildeo do discurso eacute ao mesmo tempo controlada
selecionada organizada e redistribuiacuteda por certo nuacutemero de procedimentos que tecircm
por funccedilatildeo conjurar seus poderes e perigos dominar seu acontecimento aleatoacuterio
esquivar sua pesada e temiacutevel materialidade (FOUCAULT 2011 p 8-9)
Conforme esse pensador francecircs para este controle haacute a fabricaccedilatildeo de certos
procedimentos de exclusatildeo social apoiados sobre uma base institucional Esta tem como
reforccedilo todo um conjunto de praacuteticas dentre as quais estatildeo a medicina a pedagogia a
sexualidade a prisatildeo relacionadas agrave vontade de verdade como um mecanismo de delimitaccedilatildeo
e de controle do discurso Ao trazer estas consideraccedilotildees de Foucault para o debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero que se processam na instituiccedilatildeo escolar fruto de avanccedilos consolidados
pelas lutas feministas contra uma visatildeo androcecircntrica de mundo percebo a relevacircncia das
contribuiccedilotildees do filoacutesofo que inscreve o discurso como praacutetica e como luta na constituiccedilatildeo
dos sujeitos Segundo o autor ldquo[] ndash isto a histoacuteria natildeo cessa de nos ensinar - o discurso natildeo
eacute simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominaccedilatildeo mas aquilo por que
pelo que se luta o poder do qual queremos apoderarrdquo (FOUCAULT 2012 p 10)
30
Diferente de uma visatildeo que simplifica este conceito os pressupostos foucaultinos
pontuam que o discurso existe para constituir ldquocoisasrdquo ldquorealidadesrdquo segundo regras histoacutericas
especiacuteficas de tempo e espaccedilo E esse entendimento deve ser uma das forccedilas que oa analista
do discurso poderaacute dispor como baliza face ao desafio que sua tarefa se apresenta seu
trabalho natildeo eacute ldquodescobrir coisas intocadas inteiras verdadesrdquo Seu trabalho prima por chegar
agrave complexidade das praacuteticas discursivas e natildeo discursivas que emergem em um enredo de
enunciados que se cruzam no interior de campos discursivos Seu trabalho como evidencia
Fisher (2013) ocupa-se de multiplicidades de coisas ditas de enunciaccedilotildees de posiccedilotildees de
sujeito de relaccedilotildees de poder implicadas num certo campo de saber
Nessa direccedilatildeo para efetuar uma interface que pense as discursividades das vozes
docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras na escola objeto desse trabalho
as reflexotildees foucaultianas no que diz respeito agraves posiccedilotildees de sujeito satildeo nodais Com essa
perspectiva pode ser assumida a multiplicaccedilatildeo do tema do sujeito operaccedilatildeo cara a Foucault
(1995 2004a 2004b 2004c 2012) que conduz a caminhos mais fecundos para que o sujeito
seja pensado a sua dispersatildeo Assim diante de um conjunto de enunciaccedilotildees dentro de um
campo discursivo natildeo cabe um sujeito ldquounificanterdquo soberano origem de seu dizer Haacute um
sujeito que precisa ser visto em seu status em seu acircmbito institucional investido de alguma
autoridade imbuiacutedo de certas regras histoacutericas
Isto posto cabe-me adentrar em reflexotildees usando a concepccedilatildeo de dispersatildeo do
sujeito inicialmente pensando sobre qual tem sido a subjetivaccedilatildeo construiacuteda na escola pela
perspectiva dosas docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero estatildeo estesas obedecendo a que
regime de verdade Quais tecircm sido as reflexotildees acerca das ldquocoisas ditasrdquo sabe-se que elas se
entranham das dinacircmicas de poder e saber Sabe-se que emanam de praacuteticas discursivas e natildeo
discursivas atravessadas pelo poder Dar conta dessas relaccedilotildees eacute um legado foucaultiano
complexo aacuterduo e instigante que me inspira trazer para a delineaccedilatildeo acerca das
discursividades suscitadas pelo debate das relaccedilotildees de gecircnero na escola que ao fim e ao
cabo eacute um chamamento do discurso dos DH como pauta reivindicatoacuteria que eacute
E como reivindicaccedilotildees morais que satildeo esses direitos assegura Piovesan (2005)
nascem quando devem e podem nascer Essa autora pontua que os DH em sua concepccedilatildeo
contemporacircnea compotildeem a nossa racionalidade de resistecircncia na medida em que traduzem
processos que abrem e consolidam espaccedilos de luta pela dignidade humana Pautados pela
gramaacutetica da inclusatildeo esses direitos que natildeo satildeo um dado mas um construiacutedo (PIOVESAN
2005) devem adentrar o espaccedilo escolar como um imperativo eacutetico-poliacutetico-social que eacute
capaz de enfrentar um legado discriminatoacuterio que tem negado o respeito agrave diversidade sexual
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cultural e humana o que eacute um atentado agrave premissa da garantia da dignidade de todas as
pessoas
Para o assentamento do debate sobre os postulados dos DH no acircmbito da escola natildeo
nos falta amparo legal positivado Eacute com o entendimento da nodal importacircncia desses direitos
na e para a esfera escolar e considerando o arcabouccedilo legal que dispotildee sobre a educaccedilatildeo a
Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 a Declaraccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas sobre
a Educaccedilatildeo e Formaccedilatildeo em Direitos Humanos (RESOLUCcedilAtildeO A661372011) a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei
93941996) o Programa Mundial de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos (PMEDH 2005204) O
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNEDH2006) e as diretrizes nacionais emanadas
pelo Conselho Nacional de Educaccedilatildeo CNE bem como outros documentos que o Conselho
Nacional de Educaccedilatildeo publica a Resoluccedilatildeo nordm 12012 estabelecendo diretrizes nacionais para
a educaccedilatildeo em Direitos Humanos Esse instrumento em seu artigo 3ordm trata da finalidade
dessa educaccedilatildeo a mudanccedila e a transformaccedilatildeo social fundamentando-se para isto nos
princiacutepios da dignidade humana da igualdade de direitos do reconhecimento e valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e das diversidades da laicidade do Estado da democracia na educaccedilatildeo da
transversalidade vivecircncia globalidade e sustentabilidade socioambiental
Conforme a Resoluccedilatildeo nordm 12012 os sistemas de ensino deveratildeo ter planejamento e
accedilotildees que zelem por tais princiacutepios incluindo-os nas formaccedilotildees iniciais e continuada de
profissionais das diferentes aacutereas de conhecimento como tambeacutem de todo aparato estrutural
da escola Nesse sentido a resoluccedilatildeo se traduz como um poderoso instrumento de inclusatildeo
social Ela eacute aliada na problematizaccedilatildeo de uma estrutural desigualdade social poliacutetica e
econocircmica que viola cotidianamente direitos de grupos vulneraacuteveis ndash pobres negrosas
mulheres homossexuais iacutendiosias ndash Eacute aliada no combate agraves grandes deficiecircncias da
democracia brasileira que repousa em uma deficiente cultura de direitos a despeito de
avanccedilos poacutes processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes
No tocante agraves questotildees de gecircnero agrave produccedilatildeo de praacuteticas discursivas que ocultam o
protagonismo dos sujeitos que fragilizam a hegemonia masculina heterossexual cristatilde e
branca e a inserccedilatildeo desse debate no seio escolar como forma de assegurar o combate agrave
historicamente construiacuteda educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria eacute vaacutelido observar os
mecanismos enunciativos que constituem o olhar sobre o discurso que propotildee o
enfrentamento da iniquidade E um desses mecanismos trata-se dos Paracircmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) criados em 1997 que muito embora a existecircncia desses documentos natildeo
garanta sua implantaccedilatildeo eles satildeo amplamente difundidos e recomendados pelo Ministeacuterio da
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Educaccedilatildeo e Cultura (MEC) Eacute vaacutelido desse modo atentar para esta forma de comunicaccedilatildeo-
poder porque as discursividades que circulam incorrem de resultado de promessas de uma
escola como instituiccedilatildeo democraacutetica o que nos remete agrave intricada relaccedilatildeo discurso e poder
(FOUCAULT 2012) E parece bastante oportuno refletir sobre a emissatildeo de documentos
supostamente avanccedilados no debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero indagando sobre qual
processo de subjetivaccedilatildeo e instauraccedilotildees de verdade estaacute sendo ali operacionalizado
Eacute possiacutevel detectar que a discussatildeo sobre as relaccedilotildees de gecircnero consta de forma
tiacutemida e superficial entre as paacuteginas 144-146 dos PCNs referentes agraves quatro primeiras seacuteries
da educaccedilatildeo Fundamental Assim eram denominados os anos escolares agrave eacutepoca da publicaccedilatildeo
destes documentos Essa inserccedilatildeo temaacutetica eacute composta como toacutepico dentro do tema
transversal Orientaccedilatildeo Sexual que integra o volume 10 da coleccedilatildeo dos PCNs Mas laacute nas
raacutepidas paacuteginas estaacute o conceito de gecircnero e o objetivo que permeia o debate
A discussatildeo sobre relaccedilotildees de gecircnero tem como objetivo combater relaccedilotildees
autoritaacuterias questionar a rigidez dos padrotildees de conduta estabelecidos para homens
e mulheres e apontar sua transformaccedilatildeo A flexibilizaccedilatildeo dos padrotildees visa permitir a
expressatildeo de potencialidades existentes em cada ser humano que satildeo dificultadas
pelos estereoacutetipos de gecircnero Como exemplo comum pode-se lembrar a repressatildeo de
sensibilidade intuiccedilatildeo e meiguice nos meninos e objetividade e agressividade nas
meninas As diferenccedilas natildeo devem ficar aprisionadas em padrotildees preestabelecidos
mas apontando para a equidade entre os sexos (BRASIL 2013 p 144-146)
As relaccedilotildees de gecircnero integram a abordagem feita pelos PCNs tambeacutem para as seacuteries
finais do ensino fundamental como parte dos conteuacutedos dos temas transversais Na
perspectiva para estes anos finais os PCNs indicam a leitura e a anaacutelise de notiacutecias e de obra
literaacuteria como estrateacutegia para abordar a temaacutetica sobre gecircnero perpassada pelo conjunto das
disciplinas Os recursos indicados nos documentos para a exploraccedilatildeo desta temaacutetica se
constituem de formas oportunas para trataacute-lo especialmente a anaacutelise de notiacutecias
considerando que face a uma visatildeo de mundo em que predominam valores machistas e
patriarcais uma cultura eminentemente androcecircntrica apesar da resistecircncia feminista as
notiacutecias devem se constituir como repletas de exemplos de assimetrias de gecircnero
A apresentaccedilatildeo do conceito de gecircnero pelos PCNs todavia se daacute sem uma
fundamentaccedilatildeo criacutetica sustentada pela teoria feminista em um momento em que este conceito
passa por uma efervescecircncia que redimensiona e amplia sua abordagem O conceito de gecircnero
surge com o intento de analisar a subordinaccedilatildeo da mulher ao homem de modo relacional e faz
parte de debates de vaacuterios momentos do movimento feminista O gecircnero como categoria de
anaacutelise passou a ser mais utilizado apoacutes a publicaccedilatildeo do texto de Joan W Scott (1995) Nesse
33
trabalho a autora retoma a diferenccedila entre sexo e gecircnero articulando a noccedilatildeo de poder com a
qual propotildee que gecircnero eacute um elemento constitutivo das relaccedilotildees sociais construiacutedas sobre as
diferenccedilas percebidas entre os sexos sendo ele um primeiro modo de dar significado agraves
relaccedilotildees de poder
De acordo com Piscitelli (2002) o conceito de gecircnero mesmo jaacute tendo sido
utilizado foi marcado a partir da conceitualizaccedilatildeo de Gayle Rubin (1975 apud PISCITELLI
2002 p 4) que definiu o sistema sexogecircnero estabelecendo uma dicotomia em que gecircnero
seria a construccedilatildeo social e sexo seria o que eacute determinado biologicamente Essa perspectiva da
feminista trouxe conforme Piscitelli entusiasmo
Entre as (os) acadecircmicasos que dialogam com as discussotildees feministas o conceito
de gecircnero foi abraccedilado com entusiasmo uma vez que foi considerado um avanccedilo
significativo em relaccedilatildeo agraves possibilidades analiacuteticas oferecidas pela categoria
lsquomulherrsquo Essa categoria passou a ser quase execrada por uma geraccedilatildeo para a qual o
binocircmio feminismomulher parece ter se tornado siacutembolos de enfoques passados
(PISCITELLI 2002 p 1)
Haacute todavia apontado por Piscitelli (2002) um contexto de questionamentos sobre
esse conceito de gecircnero que evidencia uma nova ecircnfase na utilizaccedilatildeo da categoria mulher A
autora evidencia vaacuterias discussotildees em torno dessa questatildeo pontuadas por feministas que
criticam a dicotomia culturanatureza sexogecircnero traccedilos da conceituaccedilatildeo primeira do termo
O sistema dual que caracteriza e universaliza o conceito eacute criticado pelas feministas radicais
que assumem o debate desconstruindo o binocircmio sexogecircnero trazendo agrave reflexatildeo a
inexistecircncia de uma identidade global fixa que obscurece ou subordina todas as outras Uma
reelaboraccedilatildeo teoacuterica e pendular que emerge nitidamente das poliacuteticas da diferenccedila sobre o
conceito de gecircnero fortalece a luta das mulheres em seu caraacuteter de diversidade
A rejeiccedilatildeo aos pressupostos universalistas que a dicotomia sexogecircnero traduz tem se
avolumado e garantido um avanccedilo no debate sobre a luta pelo fim da opressatildeo e subordinaccedilatildeo
da mulher ao homem Sardenberg (2002) enfatiza que as criacuteticas realizadas ao conceito de
gecircnero debatem as diferenccedilas em consonacircncia com a base poacutes-estruturalista e
desconstrutivista que as sustenta e atendem a pauta reivindicatoacuteria de mulheres leacutesbicas
negras e do Terceiro Mundo A feminista sem deixar de resguardar a relevacircncia teoacuterica e
poliacutetica da concepccedilatildeo primeira de gecircnero ressalta a importacircncia das questotildees trazidas pelas
correntes desconstrucionistas Apropria-se esta estudiosa do feminismo do conceito de
corpos gendrados e desfaz a dicotomia sexogecircnero explicando que as identidades de gecircnero
e subjetividade satildeo natildeo imateriais e descorporificadas Ela ao falar de identidades e
34
subjetividades corporificadas aponta para uma direccedilatildeo que dialoga com as teorizaccedilotildees poacutes-
estruturalistas e a importacircncia dos marcadores sociais para essas que veem mais do que
sujeitos homens e mulheres em suas abordagens Veem seres de diferentes etnias classes
geraccedilotildees profissotildees lugares seres cindidos muacuteltiplos natildeo-fixos em suas identidades
imersos que satildeo pela torrencial poacutes-modernidade e seus signos multiculturalismo
globalizaccedilatildeo e informaccedilatildeo acelerada
Louro (2012) ao discutir o caro conceito para os estudos feministas historiciza as
accedilotildees desse coletivo situando a chamada ldquoSegunda Ondardquo como a que propiciou o
desenvolvimento do termo
Seraacute no desdobramento da assim denominada lsquoSegunda Ondarsquo ndash aquela que se inicia
no final da deacutecada de 1960 ndash que o feminismo aleacutem das preocupaccedilotildees sociais e
poliacuteticas iraacute se voltar para as construccedilotildees propriamente teoacutericas No acircmbito do
debate que a partir de entatildeo se trava entre estudiosas e militantes de um lado e seus
criacuteticos ou suas criacuteticas de outro seraacute engendrado e problematizado o conceito de
gecircnero (LOURO 2012 p 19)
Evidenciando a contribuiccedilatildeo que a emergecircncia do conceito de gecircnero propicia ao
movimento feminista Louro (2012) traz o discurso da invisibilidade no qual esse coletivo
esteve imerso em forma de segregaccedilatildeo poliacutetica e social Muito embora afirme essa autora
mulheres da classe trabalhadora e camponesas jaacute ocupassem atividades no mundo do trabalho
em faacutebricas oficinas lavouras Atividades essas ocupadas em condiccedilotildees de subalternidade
frente aos homens considerando os cargos que ocupavam e atividades consideradas
secundaacuterias e ligadas agraves funccedilotildees ldquonaturalizadasrdquo como femininas a assistecircncia e a educaccedilatildeo
Essas questotildees aleacutem da ausecircncia das mulheres em espaccedilos de poder como nos das ciecircncias e
das artes diz Louro (2012) ocupavam as reivindicaccedilotildees das mulheres de luta contra a
opressatildeo de gecircnero
No que tange ao conceito de gecircnero como diferencial desconstrutor da discursividade
que permeia explicaccedilotildees deterministas bioloacutegicas para as desigualdades sociais entre homens
e mulheres Louro (2012) aduz que
Eacute necessaacuterio demonstrar que natildeo satildeo propriamente as caracteriacutesticas sexuais mas eacute a
forma como essas caracteriacutesticas satildeo representadas ou valorizadas aquilo que se diz
ou pensa sobre elas que vai construir efetivamente o que eacute feminino ou masculino
em uma dada sociedade e em um dado momento histoacuterico Para que se compreenda
o lugar e as relaccedilotildees de homens e mulheres numa sociedade importa observar natildeo
exatamente seus sexos mas sim tudo que socialmente se construiu sobre os sexos
O debate vai se construir entatildeo atraveacutes de uma nova linguagem na qual gecircnero seraacute
um conceito fundamental (LOURO 2012 p 25)
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Eacute na direccedilatildeo dos estudos poacutes-estruturalistas que Louro (2012) constroacutei suas reflexotildees
sobre gecircnero debatendo a construccedilatildeo discursiva das diferenccedilas uma das tocircnicas do
pensamento Esta autora evidencia o quanto estudiososas e militantes ligadosas agraves questotildees
eacutetnicas e leacutesbicas tecircm contribuiacutedo para a reflexatildeo sobre praacuteticas poliacuteticas e educativas que
contemplem as diferenccedilas Essa discursividade tem provocado nos estudos feministas uma
implosatildeo das caracteriacutesticas iniciais que satildeo marcadas por uma construccedilatildeo teoacuterica conduzida
por mulheres brancas heterossexuais urbanas e de classe meacutedias Para a autora os estudos
feministas estatildeo sendo oxigenados quando problematizados e desestabilizados desse modo
Entendo entatildeo que as seculares construccedilotildees sociais que subjugam e inferiorizam
mulheres e as que impotildeem exclusatildeo e violecircncia na construccedilatildeo das diferenccedilas sob uma loacutegica
androcecircntrica heteronormatizadora e discriminatoacuteria satildeo muralhas que tecircm sido
problematizadas pelas contribuiccedilotildees afirmativas da pauta dos DH pelos estudos feministas e
pelas contribuiccedilotildees de estudos sobre as relaccedilotildees de poder os quais jaacute foram por mim
referidos Estas questotildees podem estar balizadas no acesso agrave leitura como mediaccedilatildeo e praacutetica
discursiva que suscita o combate da iniquidade de gecircnero como tambeacutem jaacute foi dito Ocorre
amiuacutede mesmo entre osas que natildeo satildeo leitoresas uma valorizaccedilatildeo generalizada do ato de
ler que o naturaliza e o sacraliza As propagandas sobre leitura satildeo veiculadas com esta
dimensatildeo o que fez Souza (2009 p 4) entre outrosas autoresas estudaacute-las e evidenciando o
quanto se camufla o objeto da leitura daquilo que se lecirc indagar ldquoA leitura de todo e qualquer
texto emancipa o sujeitordquo Natildeo eacute preciso ir muito longe para que percebamos que se as
escolas natildeo leem a pedagogia do letramento da vida e da diversidade de infacircncias se natildeo leem
e aplicam o que recomendam as diretrizes2009 do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNE
que apontam para garantir uma formaccedilatildeo plena como ser humano histoacuterico integral social
eacutetico de diferentes linguagens e identidades coletivas e individuais a leitura que se faz
efetivamente natildeo eacute emancipadora Ela pode divertir dar prazer colaborar com o domiacutenio do
coacutedigo em suas variedades linguiacutesticas mas natildeo emancipa Isso pode ser averiguado pelo
olhar de Arroyo (2011) que aborda o quanto a desenfreada busca para o domiacutenio de
capacidades sequenciadas para atender as expectativas de avaliaccedilotildees como a Provinha-Brasil
tem sido danosa
Na praacutetica o direito ao reconhecimento agrave cultura e ao conjunto de potencialidades
humanas que carregamos desde crianccedila vai se perdendo em nome do domiacutenio de
capacidades de letramento e numeramento [] A professora seraacute julgada e
condenada se sua turma natildeo se sair bem na Provinha-Brasil de Letramento Fica
pouco estiacutemulo e espaccedilo para dedicar tempo e energias para a formaccedilatildeo plena das
crianccedilas ateacute nos limites e potencialidades do letramento (ARROYO 2011 p 220)
36
Eacute pertinente pensar portanto como estatildeo sendo formadosas como estatildeo lendo na
instacircncia escolar meninos e meninas leem para se emancipar Leem para problematizar uma
ordem social excludente Leem para debater o que a pauta reivindicatoacuteria dos DH como
movimento que se firma na defesa de um mundo mais justo e igual tem alicerccedilado A
Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo (CONAE) realizada em 2010 direciona em seu
documento final que deve haver a inserccedilatildeo das temaacuteticas dos DH nos Projetos Poliacuteticos
Pedagoacutegicos (PPP) e no novo modelo de gestatildeo e avaliaccedilatildeo (CONAE 2010 p 162-163) Haacute
portanto um papel construiacutedo para a instituiccedilatildeo escolar no enfrentamento de violaccedilotildees desses
direitos
Produtora reprodutora e difusora de conhecimentos a escola eacute uma instituiccedilatildeo social
que pode conforme o seu aparato normativo engendrar as relaccedilotildees mais justas e equacircnimes
Ateacute entatildeo todavia deste lugar no dizer de Louro (2012) largamente tecircm sido gestadas as
diferenccedilas como a representaccedilatildeo de um desvio da normalidade Na visatildeo da referida autora
Desde seus iniacutecios a instituiccedilatildeo escolar exerceu uma accedilatildeo distintiva Ela se
incumbiu de separar os sujeitos ndash tornando aqueles que nela entravam distintos dos
outros os que a ela natildeo tinham acesso [] A escola que nos foi legada pela
sociedade ocidental moderna comeccedilou por separar adultos de crianccedilas catoacutelicos e
protestantes Ela tambeacutem se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela
imediatamente separou os meninos das meninas (LOURO 2012 p 64)
Eacute possiacutevel perceber entatildeo o quanto as relaccedilotildees de gecircnero e a produccedilatildeo negativa das
diferenccedilas satildeo alimentadas nos bancos escolares moldando fabricando sujeitos seres
distintos de diferentes classes etnias idades distintos tambeacutem em direitos e deveres Nesses
moldes essa praacutetica pedagoacutegica tem inquietado osas ativistas e defensoresas dos DH E
efeito de mobilizaccedilotildees a educaccedilatildeo inclusiva voltada para uma cultura de paz e de respeito a
esses direitos emerge Dos tantos pactos internacionais e acordos como accedilatildeo de resistecircncia
diante da violaccedilatildeo do direito agrave dignidade humana podem ser extraiacutedos instrumentos juriacutedicos
importantes para municiar osas educadoresas em suas atividades acadecircmicas caso se
comprometam com a bandeira da educaccedilatildeo como loacutecus para a promoccedilatildeo da defesa de uma
sociedade para todas as pessoas
Inteirar-se da forccedila articulatoacuteria dos movimentos sociais embandeirados com a
defesa dos DH eacute relevante para a instacircncia educacional afinal a escola ressoa as vozes e eacute
uma voz que segundo regras histoacutericas implementa hegemonia e contra-hegemonia
conforme Zenaide (2008) Das articulaccedilotildees poliacuteticas dos movimentos emergem marcos legais
que datildeo sustentaccedilatildeo agraves lutas por cidadania Um desses documentos importantes do leque de
instrumentos universais e regionais que evidenciam accedilotildees pautadas na defesa do DH foi uma
37
conquista do movimento feminista com a aprovaccedilatildeo na Assembleia da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas (ONU) em 1979 da Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de
Discriminaccedilatildeo contra a Mulher Este instrumento traduz o reconhecimento das necessidades
especiacuteficas das mulheres garantindo a igualdade entre homens e mulheres nas esferas
poliacutetica econocircmica social e familiar Outro importante documento no sentido da defesa dos
direitos das mulheres eacute a Convenccedilatildeo Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violecircncia
contra a Mulher de 1994 Essa construccedilatildeo desafia um dos males enfrentados cotidianamente
pelas mulheres das mais diversas esferas sociais e culturais eacute o da violecircncia domeacutestica A
ONU adotou em 1999 o Protocolo Facultativo agrave convenccedilatildeo regional que autoriza ao
CEDAW ndash Comitecirc para a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher
- o recebimento de queixas individuais O Brasil ratificou o protocolo o que significa mais
garantia de direitos agraves brasileiras viacutetimas de violecircncia domeacutestica acesso agrave justiccedila
internacional
Na deacutecada de 1990 os movimentos de mulheres articularam em niacuteveis regionais e
internacionais profiacutecuos acontecimentos poliacuteticos em prol de garantia de seus direitos Em
1993 a Conferecircncia Direitos Humanos de Viena estabelece que os direitos das mulheres satildeo
parte inalienaacuteveis dos DH universais e devem ser protegidos pelos Estados atraveacutes da
promoccedilatildeo de leis e de poliacuteticas puacuteblicas efetivas A Conferecircncia Internacional sobre
Populaccedilatildeo e Desenvolvimento (CIPD) realizada no Cairo em 1994 vem garantir que os
direitos sexuais e reprodutivos passem a ser assumidos como DH reconhecendo o papel
central da sexualidade A IV Conferecircncia Mundial da Mulher realizada em Pequim em 1995
aprovou uma Plataforma de Accedilatildeo reforccedilando o plano da Accedilatildeo de Cairo O debate sobre o
aborto amplia-se em bases soacutelidas eacute apontado como um grave problema de sauacutede puacuteblica e a
descriminalizaccedilatildeo dessa praacutetica ganha foco
Dentre os processos organizativos pela constituiccedilatildeo de forccedilas democraacuteticas os
movimentos de mulheres constituem-se em um expoente de militacircncia Pedro e Pinsky (2003)
relatam o processo de conquista da cidadania feminina que se ainda estaacute longe de ser plena
muito mais longe estaacute de um tempo em que agraves mulheres soacute lhes cabia o espaccedilo domeacutestico
De simples lsquocostela de Adatildeo agrave conquista da cidadania plena eacute uma longa trajetoacuteria
ainda natildeo completada pelas mulheres Mesmo no Ocidente onde o avanccedilo eacute maior e
a subordinaccedilatildeo social tem se reduzido sensivelmente elas ainda sofrem com a
violecircncia salaacuterios menores preconceitos de diversos tipos Que diraacute em paiacuteses
africanos ou islacircmicos em que satildeo vistas como apecircndice do homem na melhor das
hipoacuteteses Contudo relendo as paacuteginas deste texto podemos avaliar o quanto jaacute
avanccedilamos Que as vaacuterias vitoacuterias obtidas sirvam-nos de inspiraccedilatildeo para as lutas
futurasrsquo (PEDRO PINSKY 2003 p 304)
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Se os avanccedilos logrados pela luta feminista mudaram estilo de vida de mulheres eacute
inconteste que ainda sob o jugo da violecircncia seja simboacutelica ou fiacutesica o machismo e o
patriarcalismo deixam seus tentaacuteculos em uma contiacutenua tensatildeo pelo poder (FOUCAULT
2004a 2012) Conforme Louro (2012) a escola pode atestar isso uma cultura ainda
dominante impregnada de estereoacutetipos valores e conteuacutedos sexistas eacute o que olhos atentos
veem Nas palavras da autora
Os sentidos precisam estar afiados para que sejamos capazes de ver ouvir sentir as
muacuteltiplas formas de constituiccedilatildeo dos sujeitos implicados na concepccedilatildeo na
organizaccedilatildeo e no fazer cotidiano escolar O olhar precisa esquadrinhar as paredes
percorrer os corredores e salas deter-se nas pessoas nos seus gestos suas roupas eacute
preciso perceber os sons as falas as sinetas e os silecircncios eacute necessaacuterio sentir as
cadecircncias e os ritmos marcando os movimentos de adultos e crianccedilas Atentaas aos
pequenos indiacutecios veremos que ateacute mesmo o tempo e o espaccedilo da escola natildeo satildeo
distribuiacutedos nem usados ndash portanto natildeo satildeo concebidos do mesmo modo por todas
as pessoas (LOURO 2012 p 63)
Afiar os sentidos para que possamos enxergar os construtos sociais de
performatividades de gecircneros que produzem meninas doces quietas aplicadas submissas e
meninos inquietos agressivos ldquomaisrdquo inteligentes Afiar os sentidos para que possamos olhar
sob o crivo dos estudos de gecircnero que encontram amparo em uma legislaccedilatildeo escolar
conquistada recentemente apoacutes intensa mobilizaccedilatildeo nacional para a criaccedilatildeo do Programa
Nacional em Direitos Humanos em 1993
A emersatildeo das poliacuteticas de valorizaccedilatildeo dos DH como aacuterea transdisciplinar e que
deve estar presente na escola desde a mais tenra idade do aluno ateacute os cursos de poacutes-
graduaccedilatildeo apresenta-se como um instrumento para a desconstruccedilatildeo de uma poliacutetica
educacional sexista e machista O Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos
(PNEDH) criado em 2006 e revisado em 2006 pelo MEC Ministeacuterio da Justiccedila e Secretaria
Especial dos Direitos Humanos vem fortalecer o princiacutepio da igualdade e da dignidade de
todo ser humano E a escola eacute um espaccedilo privilegiado para que a crianccedila iniciando seu
processo de socializaccedilatildeo aprenda a conviver com caros princiacutepios Daiacute a importacircncia de se
desenvolver no interior dos espaccedilos escolares pontua Zenaide (2008) accedilotildees programaacuteticas
que deem mais materialidade agrave educaccedilatildeo agravequela que respeite e defenda os DH Dentre essas
accedilotildees vale citar
Elaborar e organizar propostas curriculares que contemplem a diversidade cultural
nas suas diferentes especificidades com a inclusatildeo de temaacuteticas relativas a gecircnero
identidade de gecircnero raccedila e etnia religiatildeo orientaccedilatildeo sexual pessoas com
deficiecircncias [] bem como trabalhar todas as formas de discriminaccedilatildeo e violaccedilotildees
de direitos na interface dos componentes curriculares (BRASIL 2006 p 24-25)
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Um paiacutes historicamente violador dos DH como o Brasil possui uma diacutevida social
enorme com sua populaccedilatildeo vitimada No que diz respeito agraves violaccedilotildees acerca das identidades
de gecircnero seus instrumentos juriacutedicos conquistados recentemente que possuem a ideia
basilar do respeito agrave dignidade humana precisam ser prementemente cumpridos Essa eacute uma
condiccedilatildeo para que o Brasil promova cidadania a todas as pessoas reinventando novas formas
de se constituir sujeitos cauterizando as feridas machistas homofoacutebicas discriminadoras
Esse agenciamento cultural pode e deve ser gestado alimentado e sustentado por praacuteticas
escolares considerando que satildeo promessas da escola a autonomia o aprendizado de si do
outro o respeito agraves diferenccedilas Conforme Zenaide (2008) entre tantos marcos protetivos para
a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo inclusiva e natildeo sexista que sustentam largamente as promessas
de uma escola para todas as pessoas a Declaraccedilatildeo Mundial sobre Educaccedilatildeo para Todos de
1990 eacute um deles Em seu artigo 3ordm este documento explicita a premecircncia de combater a
assimetria entre homens e mulheres
[] a prioridade mais urgente eacute melhorar a qualidade e garantir o acesso agrave educaccedilatildeo
para meninas e mulheres e superar todos os obstaacuteculos que impedem sua
participaccedilatildeo no processo educativo Os preconceitos e estereoacutetipos de qualquer
natureza devem ser eliminados da educaccedilatildeo (ZENAIDE 2008 p 243)
Apoacutes as reflexotildees atinentes agrave fundamentaccedilatildeo da importacircncia do compromisso do
Estado brasileiro na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas educacionais que respaldem a
garantia da efetivaccedilatildeo dos DH na esfera escolar no que diz respeito agrave equidade de gecircnero irei
discutir no proacuteximo toacutepico como a educaccedilatildeo e o feminismo satildeo esteios para tal efetivaccedilatildeo
Satildeo esteios porque podem propor problematizar as instacircncias os espaccedilos de poder propor
novas formas de subjetivaccedilatildeo formas essas que tecircm historicamente construiacutedo um
enfrentamento agrave interdiccedilatildeo da equidade de gecircnero
22 Feminismo poder e educaccedilatildeo
Uma vez ou outra sempre mais raramente lembrava a galinha que se recortara
contra o ar agrave beira do telhado prestes a anunciar Nesses momentos enchia os
pulmotildees com ar impuro da cozinha e se fosse dado agraves fecircmeas cantar ela natildeo
cantaria mas ficaria muito mais contente
(LISPECTOR 1991 p 46)
A condiccedilatildeo feminina mesmo aos olhos desatentos aparece na linha mestra da obra
clariceana As complexas e ricas criaccedilotildees da autora com Ana Carla Catarina Joana
Macabeacutea Virgiacutenia entre tantas personagens jovens maduras velhas natildeo cedem todavia
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lugar a um mero denuncismo da ordem machista que violentamente imersa mulheres em uma
sociedade feita para os que cantam como os galos A inserccedilatildeo portanto de um trecho de um
dos seus contos Uma galinha (LF1991) neste toacutepico do trabalho natildeo eacute um jeito de chamar
ao destrinchamento da ligaccedilatildeo da escritora com o feminismo fato que ela em diversos
depoimentos sabiamente negou Mas eacute uma forma de dizer que a condiccedilatildeo feminina sem
liberdade e voz emaranhada na densa complexidade psicoloacutegica das personagens clariceanas
perspectiva anguacutestia e violecircncia latentes um mundo portanto que precisa ser desaprisionado
que precisa ser desmantelado E isto a despeito de sua insistecircncia em natildeo ser feminista
expressa feminismo que Clarice constroacutei tatildeo bem com suas mulheres quando lhes daacute o grito
o canto ou quando lhes retira
Neste conto a condiccedilatildeo feminina de subjugada estaacute metaforizada na figura de uma
galinha que apenas nasce e morre cumprindo apaticamente um papel como pontua Bedasee
(1999) Sem canto sem habilidade para a luta valorizada apenas pela sua funccedilatildeo reprodutora
[ Mamatildee mamatildee natildeo mate mais a galinha ela pocircs um ovo G45] este ser que natildeo conta
consigo como o galo conta com sua crista natildeo traduziria uma bandeira de desaprisionamento
dessa ordem proposta pela teoria dos gecircneros Neste conto em que a galinha em fuga eacute
capturada por um homem [ o rapaz poreacutem era um caccedilador adormecido E por mais iacutenfima
que fosse a presa o grito de conquista havia soado ndash G44] natildeo teriacuteamos a preocupaccedilatildeo com
os imemoraacuteveis papeacuteis sociais
Entendendo Clarice que desejou a literatura maior do que as bandeiras maior do que
teses sem uma ldquofunccedilatildeordquo que a aprisione mas relembrando aqui Antonio Cacircndido (1965)
indago esta escritura que apresenta um cotidiano que encerra mulheres em um espaccedilo
domeacutestico violentador natildeo seria uma forma extraordinaacuteria de aticcedilar a transcendecircncia das
servidotildees com a perspectiva que temos de ver na trama clariceana o natildeo-conformismo como
uma ordem Possivelmente A condiccedilatildeo feminina de oprimida exceccedilatildeo a pouquiacutessimas
personagens perpassa pelas mulheres solitaacuterias e servis de Clarice trancadas no lar lacradas
para a vida que natildeo reagem Por que ela natildeo reage cadecirc um pouco de fibra Natildeo ela eacute doce
e obediente (HE41) Haacute nesta ficccedilatildeo um fio que liga as mulheres denunciando um
apagamento social vivido por elas que evidencia feminismo nesta literatura
Por seu turno natildeo na ficccedilatildeo mas na poliacutetica e engajada nos diversos movimentos
sociais outras fizeram feminismos naquele contexto de meados do seacuteculo XX em que
efervesceu a luta pelos direitos das mulheres E a histoacuterica luta das mulheres em prol dos seus
direitos e na caminhada pela cidadania plena que comeccedilou a ser preparada em momentos e
seacuteculos anteriores traduz uma resistecircncia agrave domesticaccedilatildeo social das mais expressivas na
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histoacuteria da humanidade Esta resistecircncia pode me remeter a inuacutemeros pensadores que se
vinculam ao ideaacuterio da busca pela liberdade mas o pensamento de Michel Foucault no que
tange agraves consideraccedilotildees em sua obra sobre o polo subjetividade e verdade parece-me ser de
muita propriedade Tema caro ao filoacutesofo francecircs que categoriza ter sido este o seu problema
Esse sempre foi na realidade o meu problema embora eu tenha formulado o plano
dessa reflexatildeo de uma maneira um pouco diferente Procurei saber como o sujeito
humano entrava nos jogos de verdade tivessem estes a forma de uma ciecircncia ou se
referissem a um modelo cientiacutefico ou fossem como os encontrados nas instituiccedilotildees
ou nas praacuteticas de controle (FOUCAULT 2004a p 264)
As formas de se constituir sujeito satildeo decerto tema caro tambeacutem ao coletivo de
mulheres Embora as questotildees feministas natildeo tenham aparecido no leque de problematizaccedilotildees
do autor conforme nos atesta Rago (2008) esse coletivo pode ter como instrumento de luta
em sua histoacuterica e processual conquista por liberdade e cidadania as reflexotildees foucaultianas
atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo e da premecircncia de se constituir um novo sujeito eacutetico
a partir de praacuteticas de liberdade (cf FOUCAULT 2004a) A leitura desses processos eacute nodal
para a transformaccedilatildeo social que objetiva construir o feminismo pela importacircncia que tem
para esse autor a histoacuteria da constituiccedilatildeo do sujeito na perspectiva das praacuteticas de si Essas
conforme a retomada que o filoacutesofo daacute no debate proposto pela Antiguidade grega sobre tais
teacutecnicas satildeo concebidas como uma maneira de se relacionar consigo mesmo para se elaborar
para atuar individual e socialmente de forma eacutetica respeitosa e consciente O cuidar de si
visa atraveacutes de teacutecnicas de meditaccedilatildeo de aconselhamentos instalar a harmonia entre atos e
palavras instalar a subjetivaccedilatildeo pelo conhecimento de si eacute enfim um ethos que propotildee uma
dimensatildeo ativa do sujeito uma fruiccedilatildeo de si
[] eacute impossiacutevel suspeitar que haja uma certa impossibilidade de constituir hoje
uma eacutetica do eu quando talvez seja uma tarefa urgente fundamental politicamente
indispensaacutevel se for verdade que afinal natildeo haacute outro ponto primeiro e uacuteltimo de
resistecircncia ao poder poliacutetico senatildeo na relaccedilatildeo de si para consigo (FOUCAULT
2004a p 234)
Dimensatildeo essa que ao coletivo de mulheres imerso em um processo de busca por
libertaccedilatildeo pode se constituir como basilar Eacute basilar se considerarmos que da leitura das
reflexotildees foucaultianas acerca dos processos de constituiccedilatildeo das subjetividades pode-se
extrair o debate que destaca a desnaturalizaccedilatildeo do sujeito da construccedilatildeo de si as formas de
sujeiccedilatildeo coercitivas no social Essas uacuteltimas por exemplo se trazidas agrave luz dos estudos
feministas apontam modelos de feminilidade impostos pela dominaccedilatildeo classista e sexista
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desconstruiacutedos e recusados pela militacircncia desse movimento social A refutaccedilatildeo do amor
materno como um sentimento inerente agrave condiccedilatildeo de mulher por exemplo eacute uma das
desnaturalizaccedilotildees que foram articuladas pelos coletivos de mulheres Atributos como o da
docilidade inerente da tendecircncia agrave castidade sexual da domesticidade da inaptidatildeo para
determinados labores da constituiccedilatildeo fiacutesica e emocional como fraacutegil tambeacutem satildeo construccedilotildees
sociais que a mobilizaccedilatildeo feminista tem posto em evidecircncia negando-as Enfim um
mergulho nessa perspectiva temaacutetica oferece ao coletivo de mulheres um vasto leque de
teorizaccedilotildees que o subsidiam politicamente com operadores que lhe aclaram questotildees Uma
delas eacute poder recusar o que somos (FOUCAULT 2012) E a recusa se daacute quando sabemos
que teacutecnica atacar conhecer por quais jogos de verdade homens e mulheres potildeem-se a se
constituiacuterem sujeitos a obedecerem a que regras de sujeiccedilatildeo
Pensar em regras de sujeiccedilotildees na linha foucaultiana eacute tarefa meticulosa ardil que
exige coragem para ver Ao coletivo de mulheres fazer reflexotildees enfaticamente sobre tais
regras sobre os processos sociais de subjetivaccedilatildeo com os modos coercitivos de se constituir
mulher eacute pertinente eacute mobilizador de praacuteticas de liberdades das transformaccedilotildees que este
precisa engendrar E isto pode ser feito afiando-se os sentidos para os pilares culturais que lhe
satildeo configurados como sonhos como verdades em formaccedilotildees discursivas apresentadas desde
a mais tenra infacircncia O casamento por exemplo eacute um deles O matrimocircnio em regra tem
iniacutecio com um pedido formalizado por um homem agrave famiacutelia da mulher para um contrato
social no qual a cerimocircnia em si jaacute oferece um ensaio do que traduz a uniatildeo matrimonial a
dependecircncia social emocional da mulher Costumeiramente na nossa cultura ocidental
cristatilde a noiva entra na igreja conduzida pela matildeo de um homem (pai parente) para ser
entregue a outro o noivo o traje dela tradicionalmente eacute branco simbolizando ldquopureza de
virgemrdquo mesmo que a castidade natildeo lhe seja mais exigida Toda a ritualiacutestica da cerimocircnia
compotildee uma ideia de pertencimento do feminino pelo masculino compotildee uma ideia de
dependecircncia eacute ela quem adota em seu registro de identidade o nome do marido tendo que
alterar seus documentos de solteira Soacute bem recentemente a obrigatoriedade de tal inserccedilatildeo foi
abolida O ritual que costuma agradar agraves mulheres de uma forma bem generalizada por mais
que inove com mudanccedilas em arranjos familiares e nas condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo do
mesmo eacute marcado pela imagem de que a mulher que casa eacute a feliz O simboacutelico ato do
lanccedilamento do bouquecirc (ou mais recentemente outros objetos como os sapinhos de peluacutecia os
santos Antocircnios) pode vestir a ideia de que a felicidade estaacute em angariar um dono Assim se
justifica ver os gestos atleacuteticos que fazem as solteiras presentes movendo-se brava e
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histericamente para conseguirem agarrar tais objetos que a noiva lanccedila em sinal de que
sendo a premiada seraacute a proacutexima a realizar o sonho de casar
Que poder natildeo haacute na adoccedilatildeo de um nome nos jogos que fazem a ideia do
pertencimento O poder onde natildeo o haacute E esse eacute outro veio no olhar do pensador
(FOUCAULT 2012) que pode correr com e perpassar pelos interesses e pelas investigaccedilotildees
das mulheres que lutam por praacuteticas de liberdade que se vinculam ao debate proposto pela
teoria de gecircnero como estrateacutegia para desmantelar assimetrias para se pensar em resistecircncias
O poder em sua dimensatildeo relacional onipresente e capilar evocada pelo filoacutesofo constitui-
se como instacircncia de compreensatildeo basilar das formas de relaccedilotildees sociais
Quero dizer que nas relaccedilotildees humanas quaisquer que sejam elas - quer se trate de
comunicar verbalmente como o fazemos agora ou se trate de relaccedilotildees amorosas
institucionais ou econocircmicas - o poder estaacute sempre presente quero dizer a relaccedilatildeo
em que cada um procura dirigir a conduta do outro Satildeo portanto relaccedilotildees que se
podem encontrar em diferentes niacuteveis sob diferentes formas essas relaccedilotildees de poder
satildeo moacuteveis ou seja podem se modificar natildeo satildeo dadas de uma vez por todas
(FOUCAULT 2004a p 276)
Haacute uma discussatildeo trazida pelo pensamento foucaultiano sobre o poder na qual
repousa natildeo uma teoria geral deste mas a ideia de que a sua existecircncia natildeo emana de um
determinado ponto apenas em aparelho de Estado ou em formato de leis Existe o poder
conforme Foucault (2012) concebe dando-se como feixe de relaccedilatildeo organizado e
piramidalizado Este entendimento atrela-se ao da resistecircncia como possibilidade e esta
adverte o filoacutesofo tem que ser inventiva moacutevel tatildeo produtiva quanto o poder Pensar em
resistecircncia e estrateacutegias para o enfrentamento de relaccedilotildees marcadas por domiacutenio eacute accedilatildeo que
deve interessar ao debate proposto pelos movimentos sociais em especial os coletivos que
perseguem a equidade de gecircnero Aqui vale trazer uma ponderaccedilatildeo feita por Foucault (2004a)
na qual ele ressalva insistir sobretudo nas praacuteticas de liberdade mais do que nos processos de
libertaccedilatildeo a despeito da importacircncia desses que satildeo condiccedilotildees poliacuteticas ou histoacutericas para
aquelas O filoacutesofo afirma que tais processos natildeo satildeo por eles proacuteprios definidores dessas
praacuteticas as quais se constituem de um problema eacutetico Problema eacutetico com o qual se deparam
mulheres imersas em processos de liberaccedilatildeo neste contexto histoacuterico-cultural que
recrudesceu em meados do seacuteculo XX onde irromperam estudos de gecircnero e feminismos
trazendo enfaticamente a pauta do empoderamento para as mulheres Esse aqui entendido
como o processo pelo qual indiviacuteduos e comunidades angariam recursos que lhes permitam
ter voz visibilidade poder de agenda nos temas que afetam suas vidas
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Empoderar-se eacute enfim gestar em si mudanccedilas de performances que perpassam pelo
rompimento de modelos que enclausuram a mulher Historicamente subjugada ensinada a
depender a ser princesa salva adormecida mas acordada com o beijo dos contos infantis
difiacutecil natildeo ter medo de dar certo Na epiacutegrafe deste trabalho uma personagem clariceana
Joana traz agrave tona a temaacutetica do medo como condiccedilatildeo feminina Como uma segunda pele o
medo segura mulheres em direccedilatildeo de carros de cargos e de vidas trancafiando-as
Obviamente que nos novos contornos sociais nos quais a rua eacute espaccedilo conquistado pelo
feminino cada vez mais os medos vatildeo se arrefecendo tornando-se mais leves amenos
vencidos
Os estudos de gecircnero agrave luz do pensamento poacutes-estruturalista trouxeram a relevacircncia
de se refletir sobre modos de subjetivaccedilatildeo novas relaccedilotildees de poder jogos de verdade tudo
muito atinente com as contribuiccedilotildees teoacutericas foucaultianas e significativo para a militacircncia
poliacutetica encetada por feministas Pensando com Foucault (2004a 2012) sobre o poder desse
modo articulo nexos entre a preocupaccedilatildeo eacutetica com o cuidado de si as praacuteticas de liberdade
e a efetivaccedilatildeo de direitos que vem em lutas por libertaccedilatildeo em caminhadas que escavam
cidadania A luta das mulheres pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que lhes garantam o
direito ao aborto agrave sexualidade livre por exemplo traduz resistecircncia que vem com o
conhecimento de si com o conhecimento de seu lugar no mundo Os movimentos das
mulheres em luta pela construccedilatildeo de suas liberdades tecircm perfilado as liccedilotildees foucaultianas de
rede ligadas ao poder luta libertaccedilatildeo mobilizaccedilatildeo estaacutegios de comandos resistecircncia
A ideia de circularidade do poder de seu funcionamento em malhas onde os
indiviacuteduos natildeo soacute circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer um poder e de sofrer sua
accedilatildeo eacute oportuna entatildeo A premissa que permite que assim se pense pode estar identificada
nas reflexotildees abrangentes do autor sobre o poder
Acredito que natildeo pode haver sociedade sem relaccedilotildees de poder se elas forem
entendidas como estrateacutegias atraveacutes das quais indiviacuteduos tentam conduzir
determinar a conduta dos outros O problema natildeo eacute portanto tentar dissolvecirc-las na
utopia de uma comunicaccedilatildeo perfeitamente transparente mas se imporem regras de
direito teacutecnicas de gestatildeo e tambeacutem a moral o ethos a praacutetica de si que permitiratildeo
nesses jogos de poder jogar com o miacutenimo possiacutevel de dominaccedilatildeo (FOUCAULT
2004a p 284)
E por ser historicamente construiacutedo discursivamente tramado por estar no campo
social das resistecircncias muacuteltiplas (dos jeitinhos agraves chantagens e agraves mobilizaccedilotildees) das
mulheres o poder pode ser desconstruiacutedo ser ativado reformulado As relaccedilotildees de poder diz
ainda o pensador francecircs (FOUCAULT 1995 2012) intricam-se pelo menos de certa forma
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com sujeitos livres Um poder soacute se exerce quando eacute possiacutevel minimamente haver
resistecircncias pelo menos estrateacutegias para alterar o quadro Esse autor fala em estados de
dominaccedilatildeo nos quais a violecircncia se constitui como a absoluta impossibilidade de se resistir
ao poder havendo o domiacutenio total do dominador Diferentemente dos estaacutegios de violecircncia
as relaccedilotildees de poder possuem um enfrentamento constante e perpeacutetuo que garante o potencial
de revolta
Assim tambeacutem percebe Louro (2012) e dialoga com o filoacutesofo francecircs acerca dessas
relaccedilotildees A autora utilizando-se da discussatildeo sobre o controle disciplinar que perpassa os
escritos foucaultianos que falam das engenhosas estrateacutegias desenvolvidas pelas instituiccedilotildees
estrateacutegias que satildeo nichos de produccedilotildees discursivas de gecircneros de sujeitos disciplinados
regulados instituiacutedos discute a capilaridade do poder
Homens e mulheres certamente natildeo satildeo construiacutedos apenas atraveacutes de mecanismos
de repressatildeo ou censura eles e elas se fazem tambeacutem atraveacutes de praacuteticas e relaccedilotildees
que instituem gestos modos de ser e estar no mundo formas de falar e de agir
condutas e posturas apropriadas (e usualmente diversas) Os gecircneros se produzem
portanto nas e pelas relaccedilotildees de poder (LOURO 2012 p48)
Louro (2012) sob o crivo das reflexotildees foucaultianas acerca dos modos de
subjetivaccedilatildeo insere uma possibilidade de debate sobre as relaccedilotildees de poder que perpassam as
identidades de gecircnero no esteio do campo da educaccedilatildeo A autora traz a questatildeo de que sob as
lentes do filoacutesofo cabem olhares acerca da ldquonormalizaccedilatildeo da conduta dos meninos e meninas
a produccedilatildeo dos saberes sobre a sexualidade e os corpos as taacuteticas e as tecnologias que
garantem o ldquogovernordquo e o ldquoautogovernordquo dos sujeitosrdquo E eacute com essa direccedilatildeo que esta
estudiosa do feminismo caminha na e pela escola instigando aosas educadoresas agrave afiaccedilatildeo
dos sentidos para que essesas percebam a construccedilatildeo escolar das diferenccedilas das
desigualdades do poder para que observem as praacuteticas femininas educativas e as
representaccedilotildees docentes do magisteacuterio
Os caminhos teoacutericos de Louro (2012) deixam as marcas de quem dialoga com o
pensamento de Foucault (2004c 2004d 2011 2012) no tocante agrave importacircncia que possuem
as instituiccedilotildees como aparelho disciplinador reprodutor ou transformador da sociedade para
ambos A autora discute o aparelhamento da escola na formaccedilatildeo de uma cultura sexista que
difunde estereoacutetipos de gecircnero institui diferenccedilas e modelos Ela enfim alerta osas
educadores sobre a importacircncia da ocupaccedilatildeo deste espaccedilo como instacircncia poliacutetica
46
A linguagem as taacuteticas de organizaccedilatildeo e de classificaccedilatildeo os distintos
procedimentos das disciplinas escolares satildeo todos campos de um exerciacutecio
(desigual) de poder Curriacuteculos regulamentos instrumentos de avaliaccedilotildees e
ordenamento dividem hierarquizam subordinam legitimam ou desqualificam os
sujeitos [] (LOURO 2012 p 72)
Com efeito o processo de subjetivaccedilatildeo se daacute tambeacutem e significativamente na escola
que natildeo soacute transmite conhecimentos mas fabrica sujeitos conforme acordam os estudiosos
acima referendados Esse processo eacute flexionado por dispositivos entendidos esses conforme
Foucault (2012) como um conjunto heterogecircneo que engloba discursos instituiccedilotildees que
formam feixes em um tranccedilado com os quais natildeo se familiariza facilmente Louro (2012) por
isso faz a convocaccedilatildeo com muita propriedade ao ato de ldquoafiar os sentidosrdquo Afiar os sentidos
e apreender no campo da linguagem a forccedila da transmissatildeo e constituiccedilatildeo de sentidos que esta
articula que molda e produz eacute um compromisso de quem concebe a educaccedilatildeo em um campo
eminentemente poliacutetico um lugar para se desbravar cotidianamente
Fisher (2013) eacute uma das estudiosas do campo da Educaccedilatildeo que se posiciona assim
Essa autora trabalha conceitos como os de enunciado praacutetica discursiva sujeito do discurso
relacionados agrave teoria do discurso objetivando evidenciar a importacircncia desse arcabouccedilo para
as pesquisas que se propotildeem a investigar discursos de educadoresas A complexa e
diversificada obra de Michel Foucault eacute explorada pela educadora em pontos estrateacutegicos para
uma interface discurso e educaccedilatildeo Para isto a autora estabelece inicialmente um marco entre
as concepccedilotildees de linguagem a que se vincula agrave ideia de representaccedilatildeo de intencionalidade
na qual o analista ldquodescobrerdquo o que estaacute por traacutes das cortinas porque o discurso eacute interpretado
como um conjunto de signos que pode revelar a ldquoverdaderdquo E a concepccedilatildeo de linguagem que
se apresenta como constituidora interrogativa discursiva construtora de realidades sociais A
pesquisadora demonstra entender que a concepccedilatildeo com a qual Foucault evidencia vinculaccedilatildeo
eacute a que interroga a linguagem
Evocar os conceitos foucaultianos objetivando uma reflexatildeo acerca da importacircncia
desses em pesquisas no campo da educaccedilatildeo eacute uma estrateacutegia vaacutelida que oa analista de
discurso pode lanccedilar matildeo Esse direcionamento que exige uma interrogaccedilatildeo da linguagem
sobre a sua natildeo-transparecircncia e sobre seus processos de produccedilatildeo daacute-se com o esforccedilo de
conforme a AD natildeo buscar explicaccedilotildees lineares de causa e efeito ou mesmo interpretaccedilotildees
ideoloacutegicas simplistas ambas reducionistas e harmonizadoras de uma realidade mais
complexa (FISHER 2013)
A percepccedilatildeo da belicosidade da realidade que eacute atravessada por lutas em torno da
imposiccedilatildeo de sentidos (FOUCAULT 2011 2012) eacute uma postura que traduz uma capacidade
47
investigativa doa analista que deve ser inquiridora ldquoPor que isto eacute dito aqui desse modo
nesta situaccedilatildeo e natildeo em outro tempo e lugar de forma diferenterdquo Nesse sentido Fisher
(2013) dialoga com o filoacutesofo pontuando acerca da constituiccedilatildeo do sujeito para esse teoacuterico
Para a foucaultiana esse pensador multiplica o sujeito a pergunta ldquoquem falardquo desdobra-se
em muitas outras qual o status do enunciador Em que campo de saber se insere Qual seu
lugar institucional [] Com formulaccedilotildees dessa natureza a ideia de discurso como
ldquoexpressatildeo de algo traduccedilatildeo de alguma coisa que estaria em outro lugar talvez em um
sujeito algo que preexiste agrave proacutepria palavra eacute desfeita Em seu lugar pontuam os autores
referendados os atos enunciativos se inscrevem no interior de formaccedilotildees discursivas que
irrompem segundo regime de verdade levando-nos a obedecer a um conjunto de regras dadas
historicamente
As liccedilotildees foucaultinas acima referidas referendadas por Fisher (2013) satildeo
pertinentes para uma contribuiccedilatildeo no presente estudo tendo em vista que a temaacutetica em foco
desta pesquisa encontra nessas reflexotildees do pensador elementos que subsidiam esta
investigaccedilatildeo Um desses elementos eacute a inquiriccedilatildeo da ideia de verdade uniacutevoca por apontar
essa categoria como uma produccedilatildeo histoacuterica e social farta de jogos de poder E a escola eacute
uma instacircncia disciplinar e reguladora de comportamentos amarrada agrave produccedilatildeo de verdades
ao poder-saber pedagoacutegico que se efetua em praacuteticas discursivas ditando regras negando-as
coibindo-as policiando incitando fabricando sujeitos (cf FOUCAULT 2011 2012) Desse
modo inquiro sobre como as praacuteticas discursivas garimpadas no processo de investigaccedilatildeo
irrompem e sob quais condiccedilotildees neste estudo O que haacute nas bocas e nas mentes na experiecircncia
de aprendizagem das praacuteticas leitoras O que desejam os olhos de quem semeia leitura e os
olhos de quem lecirc As discursividades dessesas semeadoresas alicerccedilam-se e movem-se por
quais olhares sobre as relaccedilotildees de gecircnero e de sexualidade que perpassam livros textos
corredores banheiros cochichos desabafos canccedilotildees confissotildees Elas estatildeo explosivamente
presentes como bem atenta Foucault (1985) quando afirma haver em torno do sexo uma
verdadeira explosatildeo discursiva
Seria inexato dizer que a instituiccedilatildeo pedagoacutegica impocircs um silecircncio geral ao sexo das
crianccedilas e adolescentes Pelo contraacuterio desde o seacuteculo XVIII ela concentrou as
formas do discurso no tema estabeleceu pontos de implantaccedilatildeo diferentes codificou
os conteuacutedos e qualificou os locutores Falar dos sexos das crianccedilas fazer com que
falem dele os educadores os meacutedicos os administradores e os pais Ou entatildeo falar
de sexo com as crianccedilas fazer falarem elas mesmas encerraacute-las em uma teia de
discurso que ora se dirigem a elas ora falam delas impondo-lhes conhecimento
canocircnicos ou formando a partir delas um saber que lhes escapa ndash tudo isso permite
vincular a intensificaccedilatildeo dos poderes agrave multiplicaccedilatildeo do discurso (FOUCAULT
1985 p 32)
48
E a despeito de toda dinacircmica social e histoacuterica que tem alterado a percepccedilatildeo dos
jogos dos prazeres e poderes que tem inquirido pensamentos hegemocircnicos acerca da
sexualidade das relaccedilotildees de identidades de gecircnero descontruindo paradigmas como e quais
satildeo as faacutebulas indispensaacuteveis os veios discursivos apreendidos e presentificados na escola em
foco Os pensamentos de Foucault (2004a 2004c 2004d 2011 2012) contribuiacuteram
decisivamente para uma atitude de estranhamento das instituiccedilotildees contribuiacuteram para
caracterizar o discurso pedagoacutegico como um dos que estaacute relacionado agraves praacuteticas de poder e
domesticaccedilatildeo que tem em sua base relaccedilotildees assimeacutetricas Este pensador desse modo daacute
elementos importantes para a compreensatildeo de que natildeo existe verdade que natildeo seja produzida
em relaccedilotildees de poder Estes elementos estatildeo na imersatildeo do entendimento de que a
compreensatildeo dos processos de subjetivaccedilatildeo e das praacuteticas discursivas pode estar a serviccedilo de
uma busca por uma transformaccedilatildeo substancial do que somos e o que poderemos ser em um
mundo marcado pela belicosidade constituiacutedo por discursos
No que concerne a essa busca Rago (1998) pontua o encontro entre o feminismo e o
pensamento de Michel Foucault no lastro do debate sobre a constituiccedilatildeo do sujeito e o quanto
isso potencializa as transformaccedilotildees que precisam ser operadas para que sejam consolidadas as
mudanccedilas sociais e culturais que o coletivo de mulheres pleiteia A autora fala da participaccedilatildeo
do movimento feminista na ldquoampla criacutetica cultural desconstrutivistardquo e acentua o quanto as
propostas deste movimento tecircm produzido uma criacutetica contundente ao modo de produccedilatildeo do
conhecimento cientiacutefico e que isto se deve entre outros motivos ao abrigo que o pensamento
deste coletivo encontra nos postulados dos pensadores poacutes-modernos Os estudos feministas
propotildeem um olhar para a existecircncia do sujeito cindido construiacutedo na e pela linguagem como
efeito das determinaccedilotildees culturais inserido em complexas relaccedilotildees de poder Este olhar tem
consonacircncia com as reflexotildees de Foucault (2004d p 195) especialmente no que se refere ao
empreendimento do autor na construccedilatildeo de uma hermenecircutica de si
Uma histoacuteria que natildeo seria aquela do que poderia existir de verdadeiro nos
conhecimentos mas sim uma anaacutelise dos lsquojogos de verdadersquo dos jogos do
verdadeiro e do falso atraveacutes dos quais o ser se constitui historicamente como
experiecircncia ou seja como podendo e devendo ser pensado Por meio de quais jogos
de verdade o homem se pocircs a pensar o seu ser proacuteprio ao se perceber como louco ao
se olhar como doente ao refletir sobre si mesmo como ser vivo falante e
trabalhador ao se julgar e se punir como criminoso Atraveacutes de quais jogos de
verdade o ser humano se reconheceu como homem de desejo (FOUCAULT
2004d p 195)
Esta construccedilatildeo de si perpassa e enriquece a luta feminista em suas problematizaccedilotildees
acerca das praacuteticas de si colocando em jogo os criteacuterios de modelos femininos naturalizados
49
o modo de sujeiccedilatildeo com que as mulheres se relacionam com tais modelos E nas palavras do
pensador francecircs (FOUCAULT 2004c p 244) haacute uma intenccedilatildeo de beleza no conhecimento
saber para ser Ser o artesatildeo de sua proacutepria beleza Saber para governar a proacutepria vida ldquopara
lhe dar a forma mais bela possiacutevel (aos olhos dos outros de si mesmo e das geraccedilotildees futuras
[]rdquo Nesse sentido podemos dizer que as problematizaccedilotildees foucaultianas acerca das relaccedilotildees
sujeitoverdade e a constituiccedilatildeo da experiecircncia de si satildeo pertinentes ao pensamento feminista
que sob estas referecircncias encontra fios enovelados para uma desconstruccedilatildeo de fabricadas
verdades
Foucault (2004a 2012) que afirma natildeo ser possiacutevel sociedade sem relaccedilotildees de
poder tece os possiacuteveis instrumentos de jogar com o miacutenimo de dominaccedilatildeo regras de direito
a praacutetica de si teacutecnicas racionais de governo o eacutethos O poder de resistecircncia das mulheres
atesta isto Nas palavras de Saffioti (2001) a posiccedilatildeo vitimista impede a ressignificaccedilatildeo das
relaccedilotildees de poder ou seja
[] Em outros termos a postura vitimista eacute tambeacutem essencialista social uma vez
que o gecircnero eacute o destino Na concepccedilatildeo flexiacutevel aqui exposta natildeo haacute lugar para
qualquer essencialismo seja bioloacutegico ou social Cabe frisar que a categoria
histoacuterica gecircnero natildeo constitui uma camisa de forccedila natildeo prescrevendo por
conseguinte um destino inexoraacutevel Eacute loacutegico que o gecircnero traz em si um destino
Todavia cada ser humano ndash homem ou mulher desfruta de certa liberdade para
escolher a trajetoacuteria a descrever (SAFFIOTI 2001 p 125)
Desde sua implantaccedilatildeo o domiacutenio masculino conforme Saffioti (2001) estaacute sendo
resistido por mulheres ao longo da histoacuteria da humanidade Mas o Seacuteculo XX carrega a marca
de ter sido o grande momento de transformaccedilotildees conquistadas por militantes A histoacuteria de
luta das mulheres no Brasil e em niacutevel mundial vem segundo Costa (2009) registrando
mudanccedilas ldquona velocidade da luzrdquo A autora resgata na historiografia do movimento feminista
uma dinacircmica que vai do sufragista do seacuteculo XIX passando pelas deacutecadas de sessenta e
setenta com suas reivindicaccedilotildees proacuteprias e contextuais ateacute os novos desafios que se
apresentam perenemente Ela faz este percurso buscando dar conta das mudanccedilas pelos quais
passaram as lutas feministas ora eufoacuterico ora fraacutegil o movimento natildeo para segundo o olhar
perspicaz da estudiosa que vecirc como uma demonstraccedilatildeo de forccedila da atuaccedilatildeo das mulheres de
luta a construccedilatildeo de documentos como o Plano Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as
Mulheres e da I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres
50
Ateacute chegar aiacute foi um longo e muitas vezes tortuoso caminho de mudanccedilas dilemas
enfrentamentos ajustes derrotas e tambeacutem vitoacuterias O feminismo enfrentou o
autoritarismo da ditadura militar construindo novos espaccedilos puacuteblicos democraacuteticos
ao mesmo tempo em que se rebelava contra o autoritarismo patriarcal presente na
famiacutelia na escola nos espaccedilos de trabalho e tambeacutem no estado Descobriu que natildeo
era impossiacutevel manter a autonomia ideoloacutegica e organizativa e interagir com os
partidos poliacuteticos com os sindicatos com outros movimentos sociais com o Estado
e ateacute com organismos supranacionais Rompeu fronteiras criando em especial
novos espaccedilos de interlocuccedilatildeo e atuaccedilatildeo possibilitando florescer de novas praacuteticas
novas iniciativas e identidades feministas (COSTA 2009 p 75)
Do momento que Costa redigiu essa historiografia em 2004 jaacute foram realizadas
mais duas conferecircncias nacionais em 2007 e 2011 respectivamente articulando e
fortalecendo a caminhada das mulheres por sua emancipaccedilatildeo Emancipaccedilatildeo que se constroacutei
em um longo e penoso percurso mas perseguindo a utopia da cidadania plena mulheres
feministas avanccedilam E um dos sinais claros de que avanccedilam foi traccedilado por Pinsky (2012)
Esta autora formulou recentemente um retrato do processo histoacuterico das imagens femininas
em duas vertentes o modelo riacutegido e o modelo flexiacutevel No modelo riacutegido eacute anunciada uma
imagem de mulher que em regra encampa um papel a ela ldquonaturalizado e destinadordquo a
castidade a docilidade a domesticidade a moralidade a maternidade a renuacutencia agrave vida
proacutepria e ao prazer de ser de si O nome a alma e o corpo dessa mulher submetida aos riacutegidos
padrotildees sociais possuem um dono o masculino Com as devidas interferecircncias das questotildees
sociais e de classe em regra agrave mulher restava-lhe o ldquoreinadordquo da submissatildeo da
invisibilidade de uma experiecircncia de si que a fazia possuiacuteda por outrem
As lutas e conquistas feministas flexibilizaram esse modelo passaram a ocupar
cargos nunca dantes imaginados Isto alterou a ordem discursiva reconfigurou modelos
familiares rediscutiu papeacuteis Natildeo ainda em condiccedilatildeo de igualdade obviamente as mulheres
possuem mais grilhotildees e desafios do que deveriam Conhececirc-los no sentido foucaultiano de
saber como se constituem eacute empoderar-se E esse eacute um desafio que deve ser abrangido pelo
tracircnsito da diversidade da construccedilatildeo dos contornos das identidades e diferenccedilas ligadas
como sistema de significaccedilatildeo (SILVA 2012) Entre mulheres haacute construccedilatildeo de sentidos
diversificados sobre leacutesbicas natildeo-leacutesbicas negras brancas de classes sociais distintas de
diferentes etnias e com diversidade etaacuteria Nesse sentido os estudos de gecircnero se apresentam
como um campo instigante para desmantelar para problematizar a construccedilatildeo social do que eacute
ser homem e do que eacute ser mulher
A proposta de estudo aqui colocada toma enfim as problematizaccedilotildees foucaultianas e
as das estudiosas feministas acerca dos sujeitos dos discursos e suas marcas histoacutericas como
referecircncia para averiguar de que modo as discursividades revelam o que atravessa os muros
51
escolares em termos de vozes docentes e textos sobre gecircnero Essas problematizaccedilotildees que
expressam a concepccedilatildeo de discurso como praacutetica como trama nas teias da linguagem como
movimento de produccedilatildeo de sentidos inserido na histoacuteria e na memoacuteria coletiva expressam o
poder que como concebe o pensador francecircs (cf FOUCAULT 2012) natildeo eacute um mal em si Eacute
um lugar estrategicamente decisivo onde se encontram as relaccedilotildees de forccedilas que influenciam
corpos atitudes discursos enfim a produccedilatildeo das subjetividades
Discutir essas relaccedilotildees eacute buscar desestabilizar as categorias construiacutedas concebendo
gecircnero como discurso que se inscreve em significados poliacuteticos e culturais Apropriar-se
conforme jaacute foi referido dessa constituiccedilatildeo reflexiva pode significar para as lutas feministas
uma valiosa maneira de pensar os jogos de verdades com os quais essas se enredam E por
pensaacute-los poder desconstruiacute-los
Apoacutes discorrer sobre o feminismo a constituiccedilatildeo de subjetividades que tecircm como
referecircncia procedimentos de controle de discursos em uma perspectiva foucaultiana
(FOUCAULT 2011) farei uma incursatildeo sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees poliacuteticas como
praacutetica discursiva que eacute tradutora de uma forma de saber poder
23 A leitura no Brasil em retratos
Nesta parte considero importante pontuar no trabalho um breve panorama da leitura
no Brasil baseado esse em resultado apresentado pela 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do
Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2012) Procuro utilizar alguns dados da pesquisa
perpassando por uma reflexatildeo acerca dos processos de produccedilatildeo da leitura (como leem osas
brasileirosas por que (natildeo) leem o que desejam ler quem propicia a leitura enfim que
tratamento o Estado brasileiro daacute agrave leitura Perpasso tambeacutem pelos dados refletindo como
esses podem ser reverberados pelo presente trabalho
Asseverado como um paiacutes que lecirc pouco segundo indicadores que avaliam estes
dados o Brasil eacute farto em pesquisas que se debruccedilam sobre a leitura Eacute magnacircnima a
produccedilatildeo de textos e eventos que se propotildeem a tratar da complexa questatildeo da leitura de seus
oacutebices funccedilotildees relevacircncias E deveras a reflexatildeo sobre a leitura possui importacircncia crucial
para que possamos adotar praacuteticas poliacuteticas que reparem os equiacutevocos de sermos um paiacutes que
pouco lecirc Esta reflexatildeo se atrelada agrave da escola como instacircncia responsaacutevel pela formaccedilatildeo
leitora eacute de extrema pertinecircncia pelo atribuiacutedo papel que essa instituiccedilatildeo possui na formaccedilatildeo
doa leitora
52
Um dos estudiosos da temaacutetica Silva (2011) vem criticando as pesquisas
educacionais brasileiras voltadas agrave problemaacutetica da leitura afirmando que precisamos
construir melhores inqueacuteritos sobre a accedilatildeo de ler Esse autor fala em crise assegura que natildeo
possuiacutemos uma tradiccedilatildeo de leitores temos por outro lado cifras altiacutessimas de analfabetismo
como barreira para a experiecircncia mais soacutelida com a praacutetica leitora Temos ainda conforme
Silva peacutessimas poliacuteticas de livros parcas e natildeo elucidativas pesquisas sobre o problema
enfim ele levanta a problemaacutetica da leitura como inquietante fonte de preocupaccedilatildeo para o
paiacutes
Por seu turno nas duas uacuteltimas deacutecadas por exemplo foram divulgadas pelo
Instituto Proacute-Livro trecircs ediccedilotildees da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil a primeira em
2000 a segunda em 2008 e a terceira em 2012 que satildeo resultados sobre o comportamento
leitor doa brasileiroa O que em tese se busca a cada ediccedilatildeo segundo os objetivos da
pesquisa ldquoeacute contribuir para que esses estudos possibilitem avaliar e orientar poliacuteticas puacuteblicas
e accedilotildees do governo organizaccedilotildees natildeo governamentais e entidades do livro voltadas a
melhoria dos indicadores de leitura e acesso ao livro no Brasilrdquo (AMORIM 2008 p 26)
Diante dos indicadores publicados que vecircm em forma de tabelas quadros e graacuteficos
comparativos levantados por uma metodologiaamostra com pesquisa quantitativa de opiniatildeo
com aplicaccedilatildeo de questionaacuterio e entrevistas presenciais realizadas nos domiciacutelios tendo
como universo da pesquisa a populaccedilatildeo brasileira residente com cinco anos ou mais
alfabetizada ou natildeo muito se tem a avaliar Muito se tem a avaliar a despeito das criacuteticas que
as ediccedilotildees da pesquisa tecircm recebido a exemplo de Sousa (2008) que traz a problematizaccedilatildeo
acerca do criteacuterio utilizado pelo estudo para conceituar o leitor e o natildeo-leitor
Interessa-me aqui retomar especificamente o criteacuterio adotado para definir o leitor e o
natildeo-leitor para efeito da pesquisa o leitor foi considerado aquele que lsquodeclarou ter
lido pelo menos 1 livro nos uacuteltimos trecircs mesesrsquo e o natildeo-leitor aquele que lsquodeclarou
natildeo ter lido nenhum livro nos uacuteltimos trecircs meses (ainda que tenha lido
ocasionalmente ou em outros meses do ano)rsquo (SOUSA 2008 p 5)
A autora que perscruta o discurso sobre leitura em uma pesquisa com discentes e
docentes envolta em um conceito que abrange o ato de ler para aleacutem da quantificaccedilatildeo de
suportes evidencia o quanto este aspecto indica uma limitaccedilatildeo ao conceito de leitor e natildeo
leitor e revela o nexo mercadoloacutegico que a pesquisa possui tem como patrocinador o mercado
do livro
A aplicabilidade de uma pesquisa do porte de Retratos de Leitura fomenta sempre
questionamentos e isso eacute bom Tais questionamentos traduzem tambeacutem a existecircncia de toda
53
uma diversidade de posicionamentos a respeito da leitura Diversidade que Possenti (2009) agrave
luz das concepccedilotildees da AD pontua em um ensaio no qual propotildee reflexotildees sobre a leitura
advindas das concepccedilotildees apresentadas por estudiosos Satildeo inquietantes segundo esse autor
as teses apresentadas em congressos na miacutedia e em estudos sobre leituras e no seu foco
especiacutefico nos editoriais da ALB - Associaccedilatildeo Brasileira de Leitura Haacute olhares que
expressam uma posiccedilatildeo tradicional no trato com a leitura e em seu contraponto haacute outros
posicionamentos que decorrem de uma vinculaccedilatildeo com o relativismo cultural Sendo assim
haacute criteacuterios que primam pela negaccedilatildeo de qualquer objetividade independentemente do sujeito
o que viabiliza a ideia de que tudo seria linguagem que constroacutei conforme eacute a filosofia do
relativismo Nesse veio o que eacute leitura e se oa brasileiroa lecirc e lecirc bem vai depender de onde
se fala e se enxerga Por sua vez haacute criteacuterios que salientam um olhar mais valorativo sobre a
leitura o que Possenti (2009) diz fazer as chamadas teses defendidas pelos tradicionais Para
esses haacute um modelo que considera que a leitura eacute um bem em si independentemente de ser
entendida como praacutetica histoacuterico- social
Confrontando as teses que circulam acerca da leitura Possenti (2009) evidencia por
exemplo que no que diz respeito agrave questatildeo sobre se o a brasileiroa lecirc ou natildeo o suficiente haacute
uma controveacutersia arriscada Isso se daacute porque os tradicionais restringem o conceito do que eacute
leitura limitando a accedilatildeo de ler basicamente ao livro e atrelado ao cacircnon o que eacute um erro
porque haacute pesquisas que revelam mais textos e suportes fazendo parte do cotidiano de leitura
de outros considerados natildeo leitores Por seu turno o discurso que lhes opotildee exposto
massivamente nos boletins e textos da ALB encobre que as leituras retratadas no paiacutes ainda
que mais ampliadas do que vistas pelo discurso dos tradicionais ainda satildeo indesejaacuteveis em
termos quantitativos o que fazem o autor natildeo ser otimista quando em voga estaacute esta anaacutelise
Genericamente pode-se dizer que a tese mais clara e repetidamente defendida nos
textos da ALB eacute que natildeo se conhece a realidade da leitura no Brasil Outra tese que
parece ser adotada eacute a de que haacute indicaccedilotildees que permitiriam dizer que a situaccedilatildeo eacute
bem melhor do que (ainda) se pensa [] O perigo aparente dessa tese eacute que ela
corre o risco de ser lida assim (temo ter presenciado esta reaccedilatildeo numa das mesas
redondas de que participei no mesmo COLE) se natildeo lemos tatildeo pouco como se
costuma dizer se se diz que lemos tatildeo pouco como efeito de uma concepccedilatildeo muito
estreita de leitura o resultado eacute que analisando alguns dados e alterando a
concepccedilatildeo de leitura pode-se dizer que a situaccedilatildeo eacute boa ou pelo menos natildeo eacute ruim
Logo se adivinha eu imagino que natildeo adoto essa tese (POSSENTI2009 p 25)
Em vez de adotar facilmente teses esse analista procura caracterizar os postulados
que datildeo corpo aos dois discursos que circulam e produzem sentidos sobre leitura Entre eles
estatildeo ideias de que os sujeitos leitores satildeo mais criacuteticos defendidos pelos tradicionalistas Em
54
um contraponto os textos da ALB revelam uma desconstruccedilatildeo da ideia de que ler eacute assegurar
pessoas criacuteticas por mostrar que a leitura tem sido mais objeto de dominaccedilatildeo do que de
libertaccedilatildeo das pessoas Neste jogo Possenti (2009) vislumbra o quanto a despeito do controle
e da distribuiccedilatildeo social dessa praacutetica exercidos pelas instituiccedilotildees como a escola e a Igreja haacute
contra-leituras Assim entre incompatibilidades e confrontos questotildees ligadas agrave praacutetica
leitora problematizam o prazer de ler a importacircncia deste ato e a relativizaccedilatildeo do que seria
uma boa obra Eacute problematizada por este analista do discurso a leitura como praacutetica social
que responde aos aspectos culturais sociais e histoacutericos evidenciando que ler natildeo eacute
essencialmente um bem em si
E a AD pontua a instrumentalizaccedilatildeo dessa ideia quando nos fornece reflexotildees
atinentes agrave importacircncia de que natildeo se lecirc isoladamente haacute sempre textos eivados de discursos
que se cruzam Essa disciplina contribui ainda para a ldquodessacralizaccedilatildeordquo da leitura quando vecirc a
opacidade da linguagem as palavras natildeo remetem agraves coisas E a historicidade ressonando nos
modos de significaccedilatildeo do discurso sobre leitura eacute o que parece interessar agrave AD que se exime
do papel de aacuterbitro no que se refere agrave leitura adequada Importando-se com os percursos com
o movimento que o leitor faz para ler como ler como suas leituras natildeo satildeo individuais
reflexos que satildeo da histoacuteria a que pertencem
Assim posto parece-me razoaacutevel registrar os dados da pesquisa natildeo como um
vaticiacutenio mas como uma das verdades feitas entre os especialistas que se debruccedilaram diante
dos dados da 2ordf ediccedilatildeo (2008) com o intuito de apreender como estes enxergam os sentidos
da leitura na sociedade brasileira Consensual entre esses eacute o olhar de que continua piacutefio o
desempenho doa leitorano paiacutes natildeo obstante os avanccedilos que se registram nos Retratos
Amorim (2008) fala em duas revelaccedilotildees importantes se atentarmos para os resultados da
pesquisa
A primeira delas eacute que natildeo daacute para negar que tem havido avanccedilos nos uacuteltimos anos e
que os brasileiros estatildeo lendo mais Ou pelo menos um pouco mais Em seguida
uma constataccedilatildeo que natildeo chega a negar a afirmativa anterior e muito menos a tirar o
brilho que porventura ela possa conter o Paiacutes estaacute longe de ser uma naccedilatildeo de
cidadatildeo leitores e haacute muito chatildeo pela frente ateacute que se chegue laacute (AMORIM 2008
p 15)
Esta constataccedilatildeo soacute reafirma o que se divulga intuitiva e empiricamente o Estado
brasileiro natildeo considera suficientemente a questatildeo da educaccedilatildeo e da leitura como estrateacutegica
para se construir um paiacutes melhor com mais igualdade e participaccedilatildeo criacutetica na construccedilatildeo da
democracia social Em uma cultura grafocecircntrica a condiccedilatildeo leitora eacute senha valiosa e
55
intransferiacutevel para a fonte de conhecimento para o prazer e a atuaccedilatildeo como protagonista de
sua histoacuteria de vida Obviamente que a leitura aqui abordada natildeo eacute no sentido de uma
entidade fechada descontextualizada essencialista nem meramente decodificadora Sem
deixar entretanto de considerar o tropeccedilo que significa o analfabetismo a leitura que abordo
fala de uma interaccedilatildeo leitor-texto-contexto com uma atribuiccedilatildeo de motivar formar e
assegurar reflexotildees atinentes aos DH aos valores que propiciem a construccedilatildeo de um mundo
para todos Eacute a leitura como praacutetica sociocultural problematizadora das relaccedilotildees de poder
que intento abordar
Werthein (2008) lanccedila luzes sobre a questatildeo abordando uma heranccedila histoacuterica que
explica tantos percalccedilos e descaminhos na praacutetica da leitura
A histoacuteria do Brasil explica em parte sua deficiecircncia educacional O Paiacutes viveu 322
anos como colocircnia de Portugal Nesse territoacuterio onde existe um paiacutes era tudo
proibido Natildeo havia imprensa natildeo existiam escolas muito menos universidades O
comeacutercio era feito unicamente com Lisboa E os raros estudantes da eacutepoca tiveram
de viajar para a capital do Impeacuterio para buscar instruccedilatildeo em Coimbra Foram
pouquiacutessimos A imprensa surgiu no Paiacutes por intermeacutedio de dois caminhos opostos
Em 1808 Dom Joatildeo VI criou a imprensa reacutegia oficial enquanto na mesma eacutepoca
em Londres comeccedilou a ser editado em portuguecircs o Correio Brasiliense que
chegava ao Rio como contrabando Sua circulaccedilatildeo era proibida (WERTHEIN 2008
p 42)
Este quadro evidencia o quanto os colonizadores portugueses relegavam a colocircnia a
uma situaccedilatildeo de ignoracircncia que emperrou em muito o processo de letramento cultural da terra
brasilis Aos colonizadores soacute interessavam a exploraccedilatildeo de nossas riquezas Os portugueses
se comportavam como grandes predadores do territoacuterio levando madeira ouro diamantes e
accediluacutecar Com um contingente populacional constituiacutedo de negros africanos que para caacute vieram
trabalhar como escravos de elementos autoacutectones os iacutendios de diversas tribos que sofreram
severo processo de dizimaccedilatildeo e de imigrantes europeus e japoneses este territoacuterio se formou
mesticcedila e ignorantemente Um povo mesticcedilo formado de um mosaico cultural com a
hegemonia eurocecircntrica eacute um povo que acumulou uma histoacuteria de deficiecircncia educacional
que soacute recentemente tem sido reduzida
Incompatiacutevel com suas riquezas naturais com as transiccedilotildees poliacuteticas que traziam os
avanccedilos do processo de industrializaccedilatildeo do paiacutes esta deficiecircncia educacional comeccedila a ser
combalida e expande-se o processo de democratizaccedilatildeo escolar do paiacutes que inicia o seacuteculo XX
com poucas escolas chegando aosagraves filhosas dos trabalhadoresas brasileirosas A qualidade
dessas escolas eacute sempre uma dura realidade os investimentos na educaccedilatildeo brasileira foram
perenemente piacutefios muito abaixo do que deveriam e poderiam Povo mal educado eacute povo que
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natildeo rompe as abissais diferenccedilas sociais a escola puacuteblica no Brasil forma mal e cria um
ciacuterculo que aprisiona aquele por quem nela passa Aprenderaacute pouco aprenderaacute mal e natildeo
poderaacute disputar em um mercado competitivo A escola eacute entatildeo categoricamente instrumento
de perpetuaccedilatildeo da desigualdade social parco aprendizado parcas chances de mexer com a
estrutura da piracircmide social (GUIMARAtildeES-IOSIF 2009)
Werthein (2008) aduz a relaccedilatildeo entre privileacutegios educacionais apenas para membros
da elite econocircmica agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo como forma de impedir a cidadania do povo As
relaccedilotildees de poder e saber satildeo histoacutericas poliacuteticas Um determinado sentido dado agrave instruccedilatildeo
acadecircmica possui mecanismos de sua produccedilatildeo Garcez (2008) faz uma referecircncia importante
de um dado extraiacutedo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil como significativo para
pontuar que a condiccedilatildeo de ser leitora estaacute afetada por sua inscriccedilatildeo no social A autora
destaca esta relaccedilatildeo embasada no dado de que
[] 85 dos natildeo-leitores nunca foram presenteados com livros na infacircncia
enquanto que no universo dos considerados leitores 51 receberam livros como
presente Outra informaccedilatildeo importante diz respeito agraves praacuteticas familiares de leitura
Dos lares natildeo-leitores 63 dos informantes nunca viram os pais lendo
Considerando que a pesquisa revela que a maior influecircncia para a formaccedilatildeo da
leitura vem dos pais (principalmente das matildees) esse dado eacute ainda mais significativo
(GARCEZ 2008 p 69)
Dados significativos que pontuam o valor do alicerce familiar para a formaccedilatildeo leitora
dos sujeitos ao tempo em que me faz ponderar sobre a importacircncia da cultura como elemento
que mobiliza saberes poderes (des)construccedilotildees de identidades Eacute do pensamento de Hall
(2011) que me valho para afirmar que as identidades satildeo forjadas nas relaccedilotildees com a cultura
que vivenciamos e que no seio dela se encontram forccedilas propulsoras de transformaccedilotildees
como tambeacutem forccedilas mantedoras de uma ordem social Cabe-me assim levar em consideraccedilatildeo
que a infacircncia eacute uma referecircncia construiacuteda sociohistoacuterica e culturalmente na qual agraves crianccedilas
se ensina a ocupaccedilatildeo de lugares na sociedade condicionando-lhes agraves identidades de gecircnero e
isto se faz com o esteio de elementos da cultura
A leitura eacute um desses elementos culturais com os quais se fabricam identidades E
calccedilada na informaccedilatildeo da relevacircncia da matildee na formaccedilatildeo leitora conforme os dados da
pesquisa em tela cabe-me pensar o quanto a evocaccedilatildeo destas referecircncias tem nexo para minha
reflexatildeo Possui nexo porque inscrevo com ele a importacircncia da defesa de uma praacutetica leitora
com uma dimensatildeo eacutetica problematizadora de um mundo que cria assimetrias de gecircnero para
que matildees alimentem discursivamente leituras que fortaleccedilam praacuteticas de liberdade de almas
de consciecircncias Ademais esse jaacute referendado elemento da pesquisa o indicador das matildees
57
como as principais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo leitora dosas filhosas reforccedila a necessidade
de se refletir sobre a carga de um processo cultural ativo e dialoacutegico no qual essas mulheres
transmitem valores identidades de gecircnero e comportamentos aos agraves filhosas Eacute imperativo
refletirmos se aspiramos por uma nova ordem social aplainada pela equidade de gecircnero
sobre o que embalam como ninam contam cantam e leem essas matildees Que leitoresas
formam aquelas que historicamente tem perpassado por uma condiccedilatildeo de subalternidade por
uma condiccedilatildeo opressora por uma educaccedilatildeo que viabiliza a sua sub-representaccedilatildeo nos espaccedilos
do poder Que leitoresas irrompem das ldquobarras da saia da matildeerdquo do seu colo da sua
influecircncia de sujeito que lecirc Que leitoras enfim satildeo aquelas que precisam de leituras que
libertem
Historicamente subjugada a mulher eacute a narradora que influencia contagens E
paradoxalmente faz contagens em livros histoacuterias canccedilotildees filmes desenhos animados
enfim em todo um artefato cultural que reforccedila padrotildees androcecircntricos Desmantelar essa
cadeia de histoacuterias contadas por oprimidas que produzem e reproduzem modelos opressores
me parece uma oportuna estrateacutegia poliacutetica da luta feminista e que osas estudiososas que
analisam a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2008)
deixaram passar ao largo em suas anaacutelises natildeo atentando para a vulnerabilidade do dado
Esses dados entretanto satildeo relevantes deveras para a importacircncia da observaccedilatildeo na
elaboraccedilatildeo de um projeto de leitura na escola com o intento de investigar as discursividades
em torno do ato de ler se daacute a reconstruccedilatildeo de contos de textos problematizados agrave luz da
teoria de gecircnero Haacute e quais satildeo enfim as estrateacutegias para subverter a posiccedilatildeo desigual e
subordinada das mulheres em artefatos culturais que seratildeo por elas usados para formar
leitoresas Esse fio conduz um dos nossos interesses no foco temaacutetico aqui desenvolvido
No que se refere agraves poliacuteticas puacuteblicas de incentivo agrave leitura Laacutezaro e Beauchamp
(2008) discorrem sobre as diretrizes para o fortalecimento das poliacuteticas de leituras contidas
no Plano de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo ndash PDE Satildeo accedilotildees que partem de uma
consideraccedilatildeo sistecircmica da educaccedilatildeo que por meio de instrumentos de avaliaccedilotildees identifica
fragilidades e constroacutei poliacuteticas para o enfrentamento de indicadores deficitaacuterios Satildeo citados
como exemplos de accedilotildees do PDE a introduccedilatildeo da Provinha Brasil o Sistema Universidade
Aberta do Brasil ndash UAB- que tem permitido ampla poliacutetica de formaccedilatildeo dos professores tanto
inicial como continuada atraveacutes da articulaccedilatildeo universidades e municiacutepios O Programa
Nacional do Livro Didaacutetico (PNLD) que a cada ano se amplia eacute mais uma das accedilotildees
implementadas pelo Governo Federal atraveacutes do PDE com o intuito de democratizar o
acesso aos diversos bens culturais e o incremento agrave leitura
58
Esse conjunto de accedilotildees entretanto estaacute longe de transformar o Brasil em um paiacutes de
leitores Haacute apesar dos inegaacuteveis avanccedilos nas uacuteltimas deacutecadas com o amplo acesso agrave escola
em vaacuterios niacuteveis um grande deacuteficit educacional que em muito compromete a formaccedilatildeo
leitora dosas brasileiros e brasileiras o que demanda muito a ser feito E o paiacutes ainda opta por
natildeo investir suficiente ou adequadamente no enfrentamento de crocircnico quadro Laacutezaro e
Beauchamp (2008) pontuam o quanto eacute necessaacuterio que haja mais investimentos por parte do
Poder Puacuteblico mais articulaccedilatildeo de outras poliacuteticas puacuteblicas que ampliem o acesso da
populaccedilatildeo ao livro promovam o valor da leitura formem mediadoresas de leituras na escola
e fora dela e tornem o livro um produto mais acessiacutevel aos niacuteveis de renda da populaccedilatildeo
Laacutezaro e Beauchamp (2008) trabalham com os dados da pesquisa para discutir a
importacircncia da relaccedilatildeo entre a escola o acesso agrave leitura a formaccedilatildeo de leitoresas e as accedilotildees
que possam ampliar e fortalecer as praacuteticas leitoras no Paiacutes A funccedilatildeo central da escola na
constituiccedilatildeo doa leitora eacute um dado do qual a pesquisa trata
A pesquisa evidencia que eacute a escola quem faz o Brasil ler O Brasil estaacute estudando e
eacute a partir da escola que os brasileiros entram em contato com o processo da leitura e
por meio dela acessam os livros independentemente de sua classe social []
Depois da matildee a professora eacute a principal incentivadora da leitura confirmando o
papel central da escola [] Eacute na escola que se lecirc mais os mais jovens leem mais e eacute
na infacircncia que se forma o leitor Entretanto depois da escola o brasileiro lecirc menos
A escola natildeo estaacute formando o leitor mas dando acesso agrave leitura A praacutetica da leitura
continua sendo um privileacutegio de classe (LAacuteZARO BEAUCHAMP 2008 p 73)
Outros indicadores de leitura apresentados pela pesquisa que me trazem reflexotildees
pertinentes dizem respeito agrave revelaccedilatildeo de que a escola eacute responsaacutevel pela existecircncia de mais
leitores mas que por sua vez um percentual significativo dos alunos afirmam que leem por
imposiccedilatildeo da instituiccedilatildeo Esse dado estaacute presente tanto em famiacutelias com maior poder
aquisitivo quanto na de baixo poder 44 dos alunos da rede privada afirmaram ter como
motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola enquanto que 46 dos da rede puacuteblica tambeacutem
deram a mesma razatildeo para o ato de ler Isso nos faz considerar que os projetos de leituras de
uma forma geral natildeo satildeo cativantes natildeo tecircm sido exitosos no sentido de atrair o alunado para
a leitura Eacute tanto que depois da escola lecirc-se menos conforme resultado da pesquisa Tais
revelaccedilotildees pontuam a reflexatildeo de que garantir o acesso agrave escola eacute necessaacuterio e isto estaacute sendo
feito mas o fomento agrave leitura precisa ser suscitado Isto passa necessariamente por accedilotildees
pedagoacutegicas que contemplem o interesse de quem lecirc accedilotildees que traduzam planejamento
compromisso empenho formaccedilatildeo leitora de quem promove as accedilotildees pedagoacutegicas No poema
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Iniciaccedilatildeo Literaacuteria Drummond condena a mediaccedilatildeo improacutepria de quem traz leituras que natildeo
semeiam prazer
Leituras Leituras
Como quem diz navios Sair pelo mundo
Voando na capa vermelha de Juacutelio Verne
Mas por que me deram para livro escolar
A cultura dos campos de Assis Brasil
O mundo eacute soacute fosfatos lotes de 25 hectares
Soja-fumo-alfafa-batata-doce-mandioca
Pastos de cria pastos de engorda
Se algum dia eu for rei baixarei um decreto
Condenando esse Assis a ler sua obra (ANDRADE 1983 p 601)
O prazer da leitura parece ser entre todosas osas estudiosos da temaacutetica o
pressuposto de tudo o mais Rubem Alves (2011) afirma que toda aprendizagem comeccedila com
um pedido se natildeo houver um pedido a aprendizagem natildeo acontece E o prazer de ler
segundo o escritor tem ligaccedilatildeo profunda com a forma que os textos chegam aos olhos e
ouvidos da crianccedila
Assim quem ensina a ler isto eacute aquele que lecirc para os seus alunos tenham prazer no
texto tem de ser um artista Soacute deveria ser estabelecida nas escolas a praacutetica dos
ldquoconcertos de leitura Se haacute concertos de muacutesica erudita por que natildeo concertos de
leitura Ouvindo os alunos experimentaratildeo o prazer de ler (ALVES 2011 p 56)
Sem este encantamento natildeo teremos leitoresas mas alunosas forccediladosas a cumprir
tarefas lendo para responder questotildees lendo sem escolherem os textos muitos delesas
desconexadosas de seus interesses E conforme Failla (2008 p 104) a escola e a famiacutelia
precisam ser autorreflexivas ldquoEm geral se diz que a crianccedila e o jovem natildeo leem e natildeo gostam
de ler Natildeo se diz que elas natildeo foram conquistadas ou estimuladas para ler mas a elas se
atribui sem mediaccedilatildeo que natildeo gostam de ler []rdquo O foco passa a ser uma condiccedilatildeo ldquonaturalrdquo
do jovem ou da crianccedila deixando-se de lado o contexto e as pessoas do entorno deles que
poderiam contribuir substancialmente com o desenvolvimento do prazer pela leitura Este eacute
um aspecto tratado pela ediccedilatildeo em tela da pesquisa Retratos do Brasil que contribui com as
reflexotildees desta pesquisa acerca da leitura na escola e me faz olhar para as motivaccedilotildees que
perpassam a existecircncia dos projetos de leitura da escola brasileira eacute um professor leitor que o
aluno enxerga quando esse profissional desenvolve essas praacuteticas O projeto atende a
interesse acerca de temas considerados envolventes pela comunidade escolar Satildeo projetos
para compor obrigaccedilotildees acadecircmicas ou estatildeo imbuiacutedos de motivaccedilotildees intersubjetivas
60
Contemplam quais atividades preacute-textuais A pesquisa traz dados que abordam preocupaccedilotildees
fundamentais nesse sentido Pode haver com tais referecircncias a suposiccedilatildeo de que a escola natildeo
tem formado leitores para a vida inteira considerando que decresce o nuacutemero de leitores
adultos o que faz pensar que as praacuteticas de leituras tecircm sido pouco sedutoras das quais o natildeo
estudante procura se livrar assim que ultrapassa os muros da escola Parecem necessaacuterias
accedilotildees de promoccedilatildeo agrave leitura que a liguem verdadeiramente agrave vida e tornem os materiais de
leitura mais proacuteximos dos alunos pontua Failla (2008)
Haacute debates percorrendo academias e ambientes de estudo acerca das
problematizaccedilotildees sobre a leitura A evocaccedilatildeo desse debate eacute sempre profiacutecua Profiacutecua e
cabiacutevel na escola uma das instacircncias responsaacuteveis pela sua produccedilatildeo Agrave escola cabe
sistematizar pedagogicamente suas praacuteticas leitoras de modo que deveria como ldquopatildeo diaacuteriordquo
assegurar de forma substanciosa a leitura fomentadora da cidadania que soacute vem se
mergulharmos em aacuteguas profundas das tramas sociais Mas digamos ldquopatildeordquo no sentido
religioso do tom pela necessidade e assiduidade do alimento dialogando com uma reflexatildeo
de Antunes (2009 p 204) ldquoassim como a igreja eacute lugar de oraccedilatildeo o estaacutedio eacute lugar de jogo a
escola eacute lugar de leiturardquo Na defesa das funccedilotildees da leitura no espaccedilo escolar a autora pontua
dentre essas a primordial garantia de acesso agrave escrita o que eacute de extrema importacircncia Em
uma cultura de tradiccedilatildeo grafocecircntrica como a nossa haacute sem duacutevida uma valorizaccedilatildeo dos
aspectos positivos da escrita e a leitura eacute parte da relaccedilatildeo intriacutenseca para a aquisiccedilatildeo de todo
arcabouccedilo artiacutestico-cientiacutefico e cultural veiculado pela escrita Entatildeo conforme a autora a
leitura eacute o passaporte o promotor das funccedilotildees de ampliar o conhecimento a capacidade de
analisar de refletir de acessar agraves novas informaccedilotildees e bens culturais ao prazer esteacutetico a
novas formas de expressatildeo enfim de interagir socialmente entre outras habilidades que a
escrita oferece
Entretanto considerando os deficitaacuterios indicadores de leitura que o Paiacutes
historicamente apresenta estamos longe da produccedilatildeo de uma escola fomentadora
vigorosamente de uma praacutetica leitora consistente Um paiacutes de leitoresas criacuteticosas parece ser
uma miragem a desfilar no deserto da vontade poliacutetica de nossos governantes que insistem
em disponibilizar parcos recursos financeiros mesmo quando sob os holofotes constroem
vasta legalidade na vitrine do papel propondo uma educaccedilatildeo emancipadora de qualidade A
Lei nordm 12244 de 2010 por exemplo exige que todas as escolas puacuteblicas ou privadas ateacute
2020 possuam bibliotecas em suas instalaccedilotildees fiacutesicas Seria esta uma ldquolei mortardquo mais um
ordenamento brasileiro que natildeo ldquopegardquo A considerar o levantamento feito pelo movimento
Todos pela Educaccedilatildeo com base em dados cedidos pelo Instituto Nacional de Estudos e
61
Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira(Inep)2013 haacute um trabalho grande a ser efetivado
que pode sim deixar a norma na vala das tantas que natildeo satildeo cumpridas O Brasil precisa
construir 39 bibliotecas por dia nos proacuteximos sete anos para cumprir a lei A defasagem total
do paiacutes eacute de 128 mil bibliotecas Embora o nuacutemero relativo agrave falta de bibliotecas inclua todas
as redes de ensino eacute nas escolas puacuteblicas que o problema se concentra Nas redes municipal
estadual e federal eacute preciso construir 113269 unidades Falo aqui da construccedilatildeo das sedes
todavia eacute de conhecimento puacuteblico que a manutenccedilatildeo e funcionamento desses equipamentos
demanda maiores investimentos do poder puacuteblico
A criaccedilatildeo da lei todavia independentemente de seu fiel cumprimento por parte das
instituiccedilotildees escolares jaacute eacute um sinal de que se revela um novo tempo em que se olha com mais
atenccedilatildeo para a importacircncia dos espaccedilos propiacutecios agrave leitura Haacute anos natildeo era comum nem
obrigatoacuterio que toda escola possuiacutesse em seu projeto arquitetocircnico bibliotecas e espaccedilos para
leitura construiacuteam-se e reformavam-se escolas sem a preocupaccedilatildeo com este ambiente E
assim se vecirc que haacute no deserto das poliacuteticas puacuteblicas em prol de uma educaccedilatildeo emancipadora
oaacutesis Isto pode ser evidenciado nos uacuteltimos indicadores de leitura no Brasil com a 3ordf ediccedilatildeo
(2012) da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil conforme jaacute referenciado neste trabalho na
qual haacute indicaccedilatildeo de que os brasileiros estatildeo lendo mais E precisamos mirar nossos oaacutesis
mostraacute-los haacute milhares de projetos de leitura sendo executados neste paiacutes Afinal a leitura
pelo seu poder de emersatildeo e imersatildeo poder de fazer com que homens e mulheres se
enunciem de capacitaacute-loslas a interagir em condiccedilotildees mais iguais porque podem ser
conhecedoresas de seus lugares no mundo eacute de nodal importacircncia nas transformaccedilotildees que
precisam ser operadas por esses sujeitos
Por sua vez Marques Neto (2008) evidencia a crenccedila de que o Brasil caminha no
sentido de construir e efetivar poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea do livro e da leitura O autor cita o
Plano Nacional do Livro e Leitura - PNLL criado em 2006 como marco de coesatildeo e
estrateacutegia na garantia do direito essencial das pessoas agrave informaccedilatildeo e ao acesso ao
conhecimento
Entendo que o Brasil por intermeacutedio da uniatildeo fundamental de accedilotildees do Ministeacuterio
da Cultura e da Educaccedilatildeo criando o PNLL chegou nos uacuteltimos quatro anos a um
novo patamar desvelou um novo tempo histoacuterico sob determinadas circunstacircncias
para que logremos conquistar uma poliacutetica de Estado para o livro a leitura as
bibliotecas (MARQUES NETO 2008 p 130)
A importacircncia de equipamento como a biblioteca para a formaccedilatildeo do leitor eacute um
dado que natildeo se pode desconsiderar tendo em vista que as condiccedilotildees sociais de grande
62
parcela da populaccedilatildeo inviabilizam a aquisiccedilatildeo de suportes como livros revistas jornais etc
Torna-se central entatildeo o papel da biblioteca como instrumento para o acesso democraacutetico agrave
leitura aos menos favorecidos economicamente Um dado da pesquisa foi desalentador nesse
sentido 75 dos informantes anunciaram que natildeo possuem o haacutebito de frequentar
bibliotecas 17 usam ocasionalmente e 10 frequentam Esse eacute um dado inconcebiacutevel com
o que conceitua o PNLL ser funccedilatildeo deste equipamento
Um dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura centro de educaccedilatildeo continuada
nuacutecleo de lazer e entretenimento estimulando a criaccedilatildeo e a fruiccedilatildeo dos mais
diversificados bens artiacutesticos-culturais para isso devem estar sintonizadas comas
tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo suportes e linguagens promovendo a
interaccedilatildeo maacutexima entre os livros e esse universo que seduz as atuais geraccedilotildees
(MARQUES NETO 2008 p 133)
Para que esse dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura possa ser um
equipamento eficaz o profissional responsaacutevel por sua gestatildeo e organizaccedilatildeo o bibliotecaacuterio
precisa avanccedilar em conquistas de mais habilidade Para Silva (2011) em regra esse
profissional eacute um exiacutemio conhecedor das normas de catalogaccedilatildeo das leis que regem a
instalaccedilatildeo de bibliotecas das fichas de empreacutestimos de livros De leitura revela o professor
natildeo eacute a regra que haja por parte desse profissional conhecimento interesse e projetos de
incentivo agrave leitura juntamente com a comunidade escolar
No que diz respeito aos dados pontuados pela pesquisa acerca da realidade brasileira
das bibliotecas esses podem ser subsiacutedio para uma reflexatildeo sobre o valor do equipamento
para a consolidaccedilatildeo de uma praacutetica leitora Um dos aspectos que merecem reflexatildeo eacute sobre
quem estaacute apto para gerenciar este equipamento Na escola em que a pesquisa eacute realizada por
exemplo tais quais nas demais da rede municipal de ensino e em muitas pelo paiacutes afora os
responsaacuteveis pela biblioteca costumam ser professoresas readaptadosas nem sempre com
domiacutenio profissional para atuar na aacuterea o que evidencia mais uma fragilidade do poder
puacuteblico com a educaccedilatildeo e a cultura brasileira
Com a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil o Paiacutes tem em matildeos um
diagnoacutestico que possibilita a construccedilatildeo de uma agenda para as poliacuteticas puacuteblicas do livro e de
leitores Vale ressaltar todavia que por esta pesquisa considerar a leitura no suporte livro
como criteacuterio para testificar a condiccedilatildeo leitora do brasileiroa conforme jaacute pontuado aqui
natildeo contemplou suficientemente as novas praacuteticas de leitura que advecircm das tecnologias da
informaccedilatildeo E eacute indubitaacutevel que esta omissatildeo desconsidera um fenocircmeno civilizatoacuterio
importante que tem alterado significativamente comportamentos de pessoas de todas as
63
esferas sociais em escala mundial como eacute o da leitura no espaccedilo cibercultural A imersatildeo do
mundo no uso das tecnologias da informaccedilatildeo que com seus dispositivos virtuais interligam a
comunicaccedilatildeo da sociedade disseminam informaccedilotildees em tempo real e possibilitam a troca
compartilhada de conhecimento democratizando saberes haacutebitos comportamentos tem
provocado mudanccedilas econocircmicas sociais poliacuteticas culturais E essas mudanccedilas seguramente
tecircm afetado tambeacutem as escolas Os dispositivos tecnoloacutegicos em pouco mais de duas
deacutecadas presentes em celulares tablets computadores como uma segunda pele chegam agraves
matildeos e aos olhos de discentes e docentes alterando as praacuteticas sociais de leituras podendo
promover eventos de letramento
A despeito de este natildeo ser objeto deste estudo e de natildeo ter pretensotildees de avaliar
quatildeo profundas satildeo as transformaccedilotildees que a sociedade experimenta a partir dessa nova matriz
cultural eacute relevante ponderar que a escola precisa caminhar responsavelmente com esta
realidade desafiadora que lhe trazem as tecnologias da informaccedilatildeo Como natildeo considerar que
sob pena de comprometer resultados positivos no processo ensino-aprendizagem eacute dever
dosas educadoresas atentar para o modo e os textos que circulam pela escola repleta que
estaacute de nativos digitais Como natildeo considerar ainda que sob pena de que essesas estejam
sendo negligentes com a problematizaccedilatildeo da discursividade docente devem atentar para o que
anda sendo lido na virtualidade nossa de cada dia estampada nas telas
Enfim considerando o papel da escola na formaccedilatildeo doa leitora e o quanto os vaacuterios
suportes e miacutedias satildeo importantes na perspectiva de democratizaccedilatildeo do acesso aos diversos
bens culturais vale destacar que a leitura conforme analistas do discurso natildeo eacute um bem em
si mas que pode se apresentar como lugar estrateacutegico na formaccedilatildeo de um povo para a sua
emancipaccedilatildeo poliacutetica e social Obviamente isso ocorre entre outras razotildees se a leitura for
concebida em uma perspectiva interacionista que leve em consideraccedilatildeo os interesses da
comunidade escolar e reflexotildees atinentes sobre a linguagem em uso Desse modo a agenda de
promoccedilatildeo do letramento para aleacutem do acesso aos suportes e do domiacutenio da tecnologia deve
se constituir prementemente como uma pauta reivindicatoacuteria que envolva educadoresas
gestoresas e demais atoresatrizes sociais
Apoacutes as reflexotildees atinentes agraves descriccedilotildees sobre leitura elaboradas por estudiososas
tendo essesas essencialmente se pautado em uma ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no
Brasil farei uma incursatildeo no proacuteximo toacutepico sobre como a Anaacutelise do Discurso daacute o foco
nas vozes dosas educadores acerca do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero trazido por uma
das instacircncias culturais da escola a da leitura
64
24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso
O projeto de Michel Pecirccheux de uma teoria natildeo subjetiva da leitura eacute uma das
sustentaccedilotildees da defesa de Possenti (2009) de que a AD eacute uma das poucas aacutereas de
conhecimento que tem condiccedilotildees de reivindicar para si o pronunciamento sobre a leitura O
intento do analista francecircs que chegou a postular a ldquoanaacutelise automaacutetica do discursordquo eacute fruto
entre outros de uma nova concepccedilatildeo de liacutengua nos anos sessenta gestada pelo
Estruturalismo e com bastante efervescecircncia na academia francesa Com essa concepccedilatildeo que
atravessava as reflexotildees sobre a linguagem natildeo mais concebendo liacutengua como um coacutedigo que
condensa informaccedilatildeo a quem o conhece conforme a perspectiva saussuriana Pecirccheux
estrutura a noccedilatildeo de discurso Estrutura entendendo este como um ponto intermediaacuterio entre
linguagem e ideologia Esse legado epistemoloacutegico surge em um contexto sociopoliacutetico
francecircs de insurreiccedilatildeo popular de inquietaccedilotildees poliacuteticas A AD eacute pensada nessa atmosfera
como uma disciplina que daacute conta de amalgamar as praacuteticas poliacuteticas e a concepccedilatildeo de
ciecircncias sociais que emerge naquele cenaacuterio (cf SANTOS 2013)
Desalojando os estatutos positivistas ocupam lugares essenciais nas postulaccedilotildees de
Pecirccheux (2012) a subjetividade a ideologia as lutas de classe Assim articula-se a AD em
uma abordagem transdisciplinar com aacutereas como a psicanaacutelise o materialismo dialeacutetico e a
linguiacutestica com as quais entrelaccedila um novo olhar sobre a liacutengua o sujeito e a histoacuteria na
produccedilatildeo de sentidos Esse novo olhar enxerta nos estudos sobre a linguagem a reflexatildeo de
que a leitura natildeo era a leitura de um texto enquanto texto Concebido discursivamente o texto
deve ser tomado como um artefato cultural e linguiacutestico que tem existecircncia na exterioridade
linguiacutestica no social o que interfere em sua circularidade e interpretaccedilatildeo (FERNANDES
2008)
Processam-se nas fases pelas quais passa a AD noccedilotildees como sujeito discursivo
condiccedilotildees de produccedilotildees e formaccedilatildeo discursiva Esses conceitos vatildeo consolidando as reflexotildees
que este campo teoacuterico intenta para dar conta de suas inquietaccedilotildees acerca dos estudos sobre a
linguagem e as transformaccedilotildees sociais que insurgem naquele contexto poliacutetico Uma das
accedilotildees da AD estaacute pautada na teorizaccedilatildeo sobre as restriccedilotildees que o discurso sofre Nesse
sentido Possenti (2009 p 11) pontua o quanto a AD tem como objetivo explicitar as
estrateacutegias e restriccedilotildees de leitura lsquoUm discurso natildeo circula em qualquer lugar natildeo toma
livremente uma forma geneacuterica qualquer e natildeo pode ser interpretado de qualquer maneira por
qualquer umrdquo Restriccedilotildees essas que datildeo aoagrave analista do discurso a incumbecircncia de atentar
para o enunciado em sua historicidade em suas condiccedilotildees de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo em seus
65
efeitos de verdade Sendo assim a leitura de um texto conforme as bases conceituais da AD
prima pela observacircncia de sua historicidade prima pela observacircncia para dar conta dos
percursos de quem lecirc e como lecirc que prescinde destes nortes De acordo com Possenti (2009)
[] Aprendemos a nunca ler um texto isoladamente (natildeo se faz anaacutelise de discurso
de um texto) a nunca ler um texto considerando apenas seu material verbal
(aprendemos a relacionaacute-lo a seu exterior) a nunca tratar a linguagem como se fosse
transparente (aprendemos a supor sempre que a interpretaccedilatildeo eacute um trabalho jaacute que
as palavras natildeo remetem jamais agraves coisas e natildeo tecircm sentido uniacutevocos) a nunca
supor que o texto (ou mesmo vaacuterios) fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura
(aprendemos sempre a supor que mesmo no domiacutenio textual ou ateacute mesmo no do
enunciado mais restrito eacute necessaacuterio acionar mais de um fator relevante ndash considerar
os pressupostos a intertextualidade etc) (POSSENTI 2009 p 14)
Da defesa de uma teoria natildeo subjetiva da leitura sustentada pela AD podemos
depreender que nossos horizontes de pesquisas da linguagem na esfera da leitura devem
ultrapassar a materialidade linguiacutestica A AD nos convida a uma dimensatildeo da linguagem em
seu uso em sua discursividade contemplando as praacuteticas socioculturais por ela perpassadas
Trata-se na abertura dessa via de descrever e interpretar a existecircncia de enunciados e suas
produccedilotildees em determinados lugares e espaccedilos integrando discursos cujas existecircncias
apontam para alguma coisa em curso tal que ldquoa palavra discurso etimologicamente tem em
si a ideia de curso de percurso de correr por de movimento O discurso eacute assim palavra em
movimento praacutetica de linguagem com o estudo do discurso observa-se o homem falandordquo
(ORLANDI 2008 p 15)
Em curso e que segundo ainda essa autora analisaacute-los implica interpretar as praacuteticas
discursivas dos sujeitos abordar as manifestaccedilotildees de linguagem problematizando-as ldquoo que
produzem os sujeitos falantes e leitores Podem esses deixar de perceber que satildeo sujeitos agrave
linguagem a seus equiacutevocos sua opacidade Com essas indagaccedilotildees Orlandi (2012) discorre
como este campo transdisciplinar contribui com o trabalho com a linguagem para que
possamos sem ilusionismos ldquoao menos sermos capazes de uma relaccedilatildeo menos ingecircnua com a
linguagemrdquo Haacute em sua explanaccedilatildeo sobre princiacutepios e procedimentos da AD uma
preocupaccedilatildeo em evidenciar o quanto o trabalho com a linguagem perpassa por incompletudes
por subjetividades por pluralidade de sentidos por histoacuterias nos fazendo entender que haacute
movecircncias mas ldquoos sentidos estatildeo sempre administrados natildeo estatildeo soltosrdquo Os sentidos
materializados por linguagem verbal ou natildeo verbal natildeo satildeo imanentes fixos produzidos que
satildeo por uma pluralidade de discursos que se entrecruzam advindos de condiccedilotildees socio-
histoacutericas e ideoloacutegicas de produccedilatildeo Nessa direccedilatildeo Pecirccheux (2012) vincula os sentidos das
palavras agraves formaccedilotildees ideoloacutegicas de quem as usa afirmando que
66
O sentido de uma palavra de uma expressatildeo de uma proposiccedilatildeo etc natildeo existe lsquoem
si mesmorsquo [] mas ao contraacuterio eacute determinado pelas posiccedilotildees ideoloacutegicas
colocadas em jogo no processo soacutecio-histoacuterico no qual as palavras expressotildees e
proposiccedilotildees satildeo produzidas (PEcircCHEUX 2012 p 190)
A construccedilatildeo do quadro teoacuterico metodoloacutegico desse estudo partiu entatildeo do
pressuposto de que a linguagem natildeo se daacute como evidencia ela se oferece como lugar de
descoberta (cf ORLANDI 2012) O reconhecimento de que a linguagem natildeo eacute transparente
pressupotildee o exerciacutecio constante de querer ver aleacutem da materialidade textual rompendo as
estruturas linguiacutesticas para chegar ao discurso buscando vestiacutegios equiacutevocos e interdiccedilotildees
dispersotildees caminhos que natildeo queiram ldquo[] atravessar o texto para encontrar um sentido do
outro lado A questatildeo que ela coloca eacute como este texto significa Haacute aiacute um deslocamento jaacute
pronunciado pelos formalistas russos onde a questatildeo a ser respondida natildeo eacute lsquoo quecircrsquo mas lsquoo
comordquo (ORLANDI 2012 p 17)
Nesse esteio a formulaccedilatildeo deste objeto de estudo que problematiza a discursividade
dosas docentes frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras busca
assumindo o ponto de vista de umuma analista de discurso verificar a compreensatildeo da
apariccedilatildeo dos enunciados daqueles sujeitos discursivos Apoiado na AD esse estudo pontua a
importacircncia das reflexotildees acerca do discurso e sua vinculaccedilatildeo com o poder das reflexotildees
acerca das posiccedilotildees dos sujeitos envolvidos da opacidade da linguagem que por sua marca
poliacutetica torna-a incapaz dizer e fazer ver tais como satildeo as coisas Assim face aos
questionamentos acerca de como andam as problematizaccedilotildees sobre o que podem meninos e
meninas na esfera escolar em termos de equidade de gecircnero vale observar o lugar histoacuterico
social de onde os enunciadores determinam seus discursos Vale inquirir sobre as vozes que
integram o sujeito discursivo aqui diferenciando esse sujeito do da linguiacutestica geral que aduz
a um sujeito falante homogecircneo dono de seu dizer Na perspectiva da AD o sujeito eacute
constituiacutedo por polifonia noccedilatildeo cunhada de Mikhail Bakhtin que traccedila o entrecruzamento de
discursos como marca do sujeito Ele e suas vozes que ressoam que silenciam falam
reproduzem esquecem explicitam implicitam direta ou indiretamente na materialidade
linguiacutestica Constituiacutedo que eacute entre o eu e o outro decorrente da interaccedilatildeo social o lugar do
sujeito natildeo eacute vazio mas preenchido por aquilo que Pecirccheux (2012) chamou de forma sujeito
(cf SANTOS 2013)
A identificaccedilatildeo dessa constituiccedilatildeo heterogecircnea do sujeito trazida pelos estudos poacutes-
estruturalistas eacute de muita valia para as reflexotildees sobre a linguagem como praacutetica social uma
vez que os enunciados apontam para um lugar-sujeito Apontam que o sujeito discursivo eacute
67
plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se em
formaccedilotildees discursivas Por seu turno a compreensatildeo do conceito de formaccedilatildeo discursiva
trabalhado tanto por Foucault (2011) como por Pecirccheux (2012) eacute imprescindiacutevel para oa
analista do discurso uma vez que este conceito explicita como cada objeto do discurso tem na
formaccedilatildeo discursiva a sua regra de apariccedilatildeo tem o engendramento dos jogos de poder Assim
eacute possiacutevel que haja compreensatildeo das histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees que permitem
veicular o que dizer em determinado espaccedilo social conforme nos mostra Foucault (1995)
Trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situaccedilatildeo
de determinar as condiccedilotildees de sua existecircncia de fixar seus limites da forma mais
justa de estabelecer suas correlaccedilotildees com os outros enunciados a que pode estar
ligado de mostrar que outras formas de enunciaccedilatildeo exclui (FOUCAULT 1995 p
31)
Isto posto fica evidenciado o quanto o trabalho para oa analista do discurso com os
olhos na noccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva potildee em jogo princiacutepios que evocam a apreensatildeo de
sentidos gestada pela memoacuteria discursiva Essa dimensionada pela AD como um espaccedilo de
memoacuteria coletiva que permite a inscriccedilatildeo dos sujeitos em um corpo soacutecio-histoacuterico-cultural eacute
tambeacutem crucial na compreensatildeo da construccedilatildeo da materialidade discursiva E para pocircr em
jogo os princiacutepios que evocam a apreensatildeo de sentidos se faz necessaacuterio fazer aparecer os
movimentos inacabados que a formaccedilatildeo discursiva implica Movimentos que mostram que
no tecido social da discursividade os enunciados satildeo acontecimentos que tecem
continuidades e descontinuidades dizeres exteriores e anteriores diferentes tipos de discursos
que coexistem aparecem e desaparecem dispersando-se formando-se e transformando-se de
modo complexo ao tempo que integram as formaccedilotildees discursivas (cf FOUCAULT 2012)
Essa integraccedilatildeo espelha a heterogeneidade proacutepria agrave formaccedilatildeo social onde coexistem forccedilas
diferentes plurais Isto explica segundo Fernandes (2008) enunciados estruturalmente
semelhantes significando diferentes discursos decorrentes da inscriccedilatildeo ideoloacutegica desses
enunciados
Nesse sentido os estudos poacutes-estruturalistas trazem conforme Pereira (2005) o
discurso para o centro das atenccedilotildees e afirmam que a linguagem natildeo eacute propriamente uma
representaccedilatildeo da realidade feita pelos sujeitos mas eacute constituidora dos sujeitos e da realidade
A linguagem eacute concebida nessa perspectiva como um loacutecus ativo dinacircmico e enredado por
relaccedilotildees de poder E o discurso concebido como um tipo de sentido um efeito de sentido uma
posiccedilatildeo que se materializa na liacutengua embora natildeo mantenha uma relaccedilatildeo biuniacutevoca com ela
(POSSENTI 2009) A linguagem entatildeo no esteio poacutes-estruturalista natildeo eacute apenas um meio
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de transmitir ideias ou significados mas eacute a instacircncia em que se constroem os sentidos que
atribuiacutemos ao mundo e a noacutes mesmos dentro de uma pluralidade de sentidos
Fernandes (2008) trata do discurso como accedilatildeo social e reforccedila na linha de Orlandi
(2012) o quanto os discursos estatildeo implicados com a interpretaccedilatildeo dos sujeitos as condiccedilotildees
histoacuterico-sociais de sua produccedilatildeo e a histoacuteria Instacircncias essas que os discursos ldquonatildeo fixos
moventesrdquo e que fazem esses acompanharem as transformaccedilotildees sociais e poliacuteticas pelas quais
passam o mundo Essas consideraccedilotildees permitem aduzir o quanto a liacutengua se insere na histoacuteria
mediando-a e a constituindo gestando sentidos sentidos esses produzidos face aos lugares
ocupados pelos sujeitos em interlocuccedilatildeo
No que concerne agrave relaccedilatildeo sujeito e enunciado Fernandes (2008 p 28) pontua a
percepccedilatildeo da polifonia como elemento importante para a compreensatildeo do sujeito discursivo
ldquo[] requer compreender quais satildeo as vozes sociais que se fazem presentes em sua vozrdquo
(FERNANDES 2008 p 28) entrecruzada que eacute de diferentes discursos considerando que
natildeo haacute sujeito homogecircneo em decorrecircncia de sua interaccedilatildeo na sociedade Esse autor traz
tambeacutem relaccedilotildees entre o sujeito e a linguagem relaccedilotildees de base psicanalista cuja perspectiva
incide em um sujeito cindido descentrado considerando que
Sempre sob as palavras outras palavras satildeo ditas O sujeito tem a ilusatildeo de ser o
centro de seu dizer pensa exercer o controle dos sentidos do que fala mas
desconhece que a exterioridade estaacute no interior do sujeito em seu discurso estaacute o
lsquooutrorsquo compreendido como exterioridade social (FERNANDES 2008 p 29-30)
De posse de categorias analiacuteticas caras agrave AD como a formaccedilatildeo discursiva e o
descentramento do sujeito categorias discursivas que dialogam com formulaccedilotildees
foucaultianas a saber ldquonatildeo haacute enunciado que natildeo suponha outros natildeo haacute nenhum que natildeo
tenha em torno de si um campo de coexistecircnciasrdquo (FOUCAULT 1995 p 114) reflito sobre o
esteio que permite pensar as vozes escolares Nesse sentido todo enunciado eacute uma reacuteplica a
outros enunciados Com esse marco teoacuterico o debate sobre leitura e as relaccedilotildees de gecircnero que
atravessam as vozes escolares eacute compreendido como um espaccedilo de luta hegemocircnica como
praacutetica social Esta entendida como um conjunto de atividades humanas que engendram tanto
as condiccedilotildees de produccedilatildeo dos discursos quanto as condiccedilotildees de existecircncia de uma sociedade
(SPINK MENEGON 1999) eacute uma de minhas bases de discussatildeo do proacuteximo toacutepico que
envolve a importacircncia da praacutetica da leitura na escola como praacutetica social
69
25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social
Sobre a praacutetica da leitura na escola eacute notaacutevel deveras que esta eacute mateacuteria instigante e
apreciada por tantos estudiosos da educaccedilatildeo (FREIRE 1988 2002) (SILVA E T 2009
2011) (SOARES 2001 2011) (ANTUNES 2009) do socioconstrucionismo (MOITA
LOPES 2002) da Anaacutelise do Discurso (POSSENTI 2009 ORLANDI 2008) entre outros
que se ater sobre o tema eacute se deparar com incontaacuteveis e fecundas pesquisas Isto me instiga a
pensar que muito jaacute foi dito Entretanto face agrave complexa questatildeo eacute sempre desafiador
imersoa na proacutepria realidade profissional problematizar a praacutetica pedagoacutegica imbuiacutedoa de
um desejo pelo inacabado E mover-se na problematizaccedilatildeo da leitura em uma interface
temaacutetica com gecircnero tendo como aporte teoacuterico as reflexotildees instigadas pela AD acerca da
leitura que a trata em uma perspectiva discursiva eacute enveredar por um desafio que atrai Vale
pensando assim inquirir de que forma a leitura tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo
quais satildeo enfim as verdades veiculadas pelas praacuteticas leitoras Dizendo na sintonia com a
AD os discursos sobre as relaccedilotildees de gecircnero estatildeo inscritos em uma determinada formaccedilatildeo
discursiva e operam constituindo que subjetividades segundo os campos do que eacute possiacutevel
pensar dizer julgar fazer na praacutetica leitora desenvolvida
Orlandi (2008) postulando os pressupostos teoacutericos da AD traz pontos cruciais para
uma accedilatildeo problematizadora com a leitura A autora faz referecircncias aos muacuteltiplos modos de
leitura (do ato de decodificar estrita aprendizagem formal de aprender a ler e escrever agrave
atribuiccedilatildeo de sentidos) dependendo cada acepccedilatildeo de seu modo de produccedilatildeo A analista
trabalha a concepccedilatildeo de leitura como um processo complexo no qual para as muacuteltiplas
determinaccedilotildees de sentidos que lhe envolvem exigem-se mais habilidades do que o
imediatismo da accedilatildeo de ler
Quando se lecirc considera-se natildeo apenas o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute
impliacutecito aquilo que tambeacutem natildeo estaacute dito mas estaacute significando E o que natildeo estaacute
dito pode ser de vaacuterias maneiras o que natildeo estaacute dito mas que de certa forma
sustenta o que estaacute dito o que estaacute suposto para que se entenda o que estaacute dito
aquilo a que o que estaacute dito se opotildee outras maneiras diferentes de se dizer o que se
disse e que significa com nuances distintas etc (ORLANDI 2008 p 11)
Eacute instigante o olhar de Orlandi (2008) para que se pense no que natildeo eacute visiacutevel no
texto mesmo que o constitua como forma de assumir uma perspectiva discursiva sobre
leitura Dessa perspectiva concebe-se o pensamento acerca da produccedilatildeo da leitura como parte
do processo de instauraccedilatildeo de sentidos as especificidades e histoacuteria do sujeito-leitor satildeo
70
atentadas O fato de que tanto o sujeito quanto os sentidos satildeo determinados historicamente
tambeacutem faz parte das preocupaccedilotildees doa analista Tambeacutem satildeo preocupaccedilotildees doa analista a
noccedilatildeo de que os modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca tecircm relaccedilatildeo iacutentima com a nossa
produtividade intelectual Eacute nesse sentido a ideia de referecircncia agrave historicidade agraves condiccedilotildees
de produccedilatildeo de leitura com a compreensatildeo dos jogos de poder entre os sujeitos e as
instituiccedilotildees que determinam como lemos que parece perseguir a AD eacute o que assegura Orlandi
(2008) Eacute da leitura como processo que interessa a esse campo de estudo da linguagem o
texto desse modo natildeo eacute um produto que conteacutem uma informaccedilatildeo pronta para ser ldquolidardquo eacute
um artefato cultural unidade complexa de significaccedilatildeo cujo crescimento natildeo ldquoeacute soacute para a
frente relacionando-se com o que ele natildeo eacuterdquo uma vez que o espaccedilo simboacutelico (os impliacutecitos)
entre enunciados efetivamente realizados eacute constitutivo do texto bem como sua relaccedilatildeo com
outros textosrdquo (ORLANDI 2008 p 46)
Como disciplina que se propotildee conhecer os mecanismos de processos de
significaccedilatildeo a AD trata da interaccedilatildeo da leitura na escola acolhendo a ideia foucaultiana de
que diferentes formas de poder produzem diferentes formas de individualidades e diferentes
sujeitosndashleitores Atentar para esta construccedilatildeo pode ser uma forma de evitar reducionismos de
limitar leitura agrave expressatildeo verbal de natildeo considerar o conhecimento preacutevio do aluno entre
outros
[] se sabemos portanto que haacute essa constituiccedilatildeo histoacuterica do sujeito na sua relaccedilatildeo
com a linguagem (logo com a leitura) e se sabemos que ideologicamente o sujeito
leitor se apresenta como esse sujeito capaz da livre determinaccedilatildeo dos sentidos ao
mesmo tempo em que eacute um sujeito submetido agraves regras das instituiccedilotildees como agir
na escola em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo do sujeito- leitor Ou mais simplesmente dada a
configuraccedilatildeo histoacuterica do sujeito-leitor produzido pela sociedade capitalista como
trabalhar com a relaccedilatildeo entre leitura parafraacutestica - leitura polissecircmica (ORLANDI
2008 p 50)
Orlandi (2008) trata dos processos de significaccedilatildeo de leitura na escola considerando
que eacute de grande relevacircncia que esta praacutetica seja desenvolvida tendo uma metodologia de
ensino consequente que explicite os espessos processos de produccedilatildeo de sentido
historicamente determinados ldquoA transparecircncia dos sentidos que brotam de um texto eacute
aparente e tanto quem ensina quanto quem aprende a ler deve procurar conhecer os
mecanismos que aiacute estatildeo jogando (ORLANDI 2008 p42)
Por seu turno Moita Lopes (2002) envolto com as teorias socioconstrucionistas do
discurso e das identidades sociais pontua a importacircncia de em contextos institucionais e em
especial em eventos de leituras atentarmos ldquopara o que fazemos com os outros no mundo por
71
meio da linguagemrdquo (MOITA LOPES 2002 p 14) Este autor se diz atraiacutedo tanto quanto o
mundo acadecircmico pelo papel constitutivo do discurso na construccedilatildeo de quem somos como
sujeitos que aprendem a ser quem satildeo discursivamente Esta perspectiva teoacuterica com a qual o
estudioso se move para refletir sobre as praacuteticas de letramento nas escolas eacute de suma
perspicaacutecia porque pontua por uma ampla aposta na consciecircncia do que faz a leitura eacute uma
praacutetica social E assim concebida como praacutetica social cuida que homens e mulheres
leitoresas natildeo satildeo produtos de um vaacutecuo social trazem suas marcas sociohistoacutericas
engendram-se por condiccedilotildees de construccedilotildees discursivas
Ler eacute legitimar ou questionar identidades eacute nessa direccedilatildeo de entendimento que
caminha Moita Lopes (2002) Direccedilatildeo pela qual vou porque tambeacutem defendo agrave luz de um
olhar socioconstrucionista que eacute com e pela leitura mediadosas pelas narrativas que dela
fazemos que construiacutemos um repertoacuterio de quem somos e de quais satildeo nossas accedilotildees sociais
Nesse sentido os processos formadores de identidades que satildeo dialoacutegicos e constitutivos pela
linguagem merecem a acuidade do olhar do agente de letramento Merecem pelas
possibilidades discursivas que esse sujeito pode construir no tocante agrave reflexatildeo acerca da
condiccedilatildeo humana de sujeito-forma (cf PEcircCHEUX 2012)
Haacute nas reflexotildees trazidas por Moita Lopes (2002) a busca pela desnaturalizaccedilatildeo do
senso comum eivado que eacute este de narrativas nas quais as identidades satildeo homogecircneas
hegemonicamente heterossexuais e brancas E este propoacutesito problematizador pode fecundar e
estar assegurado pela loacutegica da inserccedilatildeo de praacutetica de letramento
Argumenta-se que as histoacuterias contadas funcionam como pacotes de conhecimento
sobre como agir no mundo (Jordan 1989) ecoando discursos a que os alunos satildeo
expostos na miacutedia na famiacutelia etc Com base no potencial que as histoacuterias tecircm de
envolver as pessoas em reflexatildeo sobre a vida social considera-se a importacircncia de
permitir que outras histoacuterias sobre outros tipos de identidades adentrem a sala de
aula ao mesmo tempo que se promove o uso de sistemas de coerecircncia que
desnaturalize o senso comumrdquo (MOITA LOPES 2002 p 20-21)
Desnaturalizar o senso comum eacute desdobrar processos de subjetivaccedilatildeo dos quais as
leituras tecircm participado obedecendo a regras histoacutericas legitimadoras No processo de
legitimaccedilatildeo de leituras a escola eacute uma das instituiccedilotildees em que circula a leitura crivada pelo
olhar de um especialista o professor respaldada em um livro didaacutetico adotado em um
processo bem verticalizado Esta tem sido uma praacutetica redutora considerando estudos que
evidenciam o grau de comprometimento das obras com a negaccedilatildeo de que o sujeito discursivo
eacute plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se
em formaccedilotildees discursivas As inquietaccedilotildees trazidas por Moita Lopes (2002) vatildeo na direccedilatildeo de
72
problematizar a circulaccedilatildeo e produccedilatildeo das leituras com esta direccedilatildeo redutora Esse autor traz
outras bases aos modelos legitimados ampliando a natureza multifacetal de seres humanos a
ser lida discutida Para isto vaticina o estudioso o advento das mudanccedilas bruscas deste iniacutecio
de milecircnio com o caudaloso acesso agraves tecnologias da informaccedilatildeo que expotildeem um mundo
plural e muacuteltiplo eacute um adendo a esta questatildeo
Eacute curioso ver que a miacutedia eletrocircnica que evidencia a chamada Globalizaccedilatildeo ao
mesmo tempo em que aproxima o mundo incorrendo no perigo de homogeneizaacute-lo
colabora para que percebamos a diferenccedila de que somos feitos e as desigualdades e
contradiccedilotildees sociais sob as quais vivemos Essas percepccedilotildees tecircm alterado como
nunca a concepccedilatildeo homogecircnea de identidade social e tecircm levado a nos entendermos
como heterogecircneos e ao mesmo tempo fragmentados e construiacutedos com praacuteticas
discursivas situadas na histoacuteria na cultura e na instituiccedilatildeo (MOITA LOPES 2002
p 15-16)
Somam-se a este olhar socioconstrucionista sobre leitura como praacutetica social que
contempla uma accedilatildeo de ler proficuamente ajustada aos postulados dos DH no que diz respeito
agrave defesa de um mundo plural as contribuiccedilotildees da AD Orlandi (2008) pontua a leitura numa
relaccedilatildeo de historicidade de modos de relaccedilatildeo de trabalho e de produccedilatildeo de sentidos Ler e
compreender na perspectiva trabalhada por esta analista natildeo se traduz em atribuir sentidos
mas conhecer os mecanismos pelos quais se potildee em jogo um determinado processo de
significaccedilatildeo
Os sentidos natildeo nascem ab initio Satildeo criados Satildeo construiacutedos em confrontos de
relaccedilotildees que satildeo soacutecio-historicamente fundadas e permeadas pelas relaccedilotildees de poder
com seus jogos imaginaacuterios Tudo isso tendo como pano de fundo e ponto de
chegada quase que inevitavelmente as instituiccedilotildees Os sentidos em suma satildeo
produzidos (ORLANDI 2012 p 83)
26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades
Apoacutes as consideraccedilotildees acerca dos dispositivos teoacutericos que apoiam esta anaacutelise os
quais me remetem agrave ideia de que o sujeito da leitura e do discurso eacute um sujeito histoacuterico que
fala a partir de condiccedilotildees especiacuteficas de enunciaccedilatildeo cabe pensar sobre a leitura como
produtora e reprodutora de discurso e sobre a importacircncia desse entendimento para um
trabalho no espaccedilo escolar que perspective angariar reflexotildees acerca de processos de
subjetivaccedilatildeo Em minhas buscas para levantamento de um estado da arte que contribuiacutesse
teoricamente com essa perspectiva encontrei produccedilotildees acadecircmicas que atrelavam leituras
subjetividades discursividades e relaccedilotildees de gecircneros no espaccedilo escolar bem pertinentes
Alguns relatos aqui pontuados vatildeo ao encontro das consideraccedilotildees por mim tecidas colhidas
73
pelos pressupostos teoacutericos jaacute aqui tratados tendo sido inclusive uacuteteis na confecccedilatildeo dos
instrumentos investigativos e de suas anaacutelises para este trabalho
Larrosa (2004) problematiza o ato de ler sob o crivo vinculador deste ato agraves praacuteticas
de liberdade O autor em um ensaio intitulado ldquoLeitura e metamorfoserdquo ao analisar o poema
O leitor de Rilke trata da experiecircncia da leitura em sua dimensatildeo complexa e de plenitude do
existente leitura que transforma que transfigura que torna o leitor um outro Larrosa (2004)
ao se debruccedilar sobre a poesia existencial e metalinguiacutestica de Rilke nega a pessoalidade do
leitor cravando sua dispersatildeo Isto fica demonstrado segundo o ensaiacutesta no seguinte verso
ldquoQuem o conhece este que baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo serrdquo(RILKE 1908
apud LARROSA 2004 p 97) Para Larrosa (2004) o poeta trabalha com o movimento do
olhar descrito no poema como o movimento que delineia conversotildees apropriaccedilotildees de
mudanccedilas Assim o leitor que se curva entrega-se aprende a ver de outra maneira e eacute
desconhecido entatildeo ateacute por sua matildee como pode ser visto no segundo quarteto do poema a
saber ldquoNem sequer sua matildee estaria segurase ele eacute aquele que ali lecirc algo mergulhadoem
sua sombrardquo (RILKE 1908 apud LARROSA 2004 p 97) eacute o leitor que angaria olhos
daacutedivos traccedilos alterados para sempre Haacute uma forccedila poeacutetica na imagem do leitor em
silecircncio curvado despersonalizado e por fim transformado da qual Larrosa (2004) se
apropria para trazer uma reflexatildeo em cima do que significa um mundo pronto administrado e
acabado quando ldquotopadordquo por leitores Eacute dessa leitura cujo sentido eacute o de experiecircncia da
reconstruccedilatildeo das travessias diante de um mundo hostil e pronto que a leitura para esse autor
inscreve-se
Alicerccedilado em uma visatildeo de leitura como praacutetica social situada Moita Lopes (2002)
ressalta a accedilatildeo constitutiva do discurso na construccedilatildeo da vida social aprendemos a nos tornar
o que somos com base em fatores sociais e histoacutericos constituiacutedos discursivamente Esse
autor direcionou pesquisas com as praacuteticas de letramento coordenando experiecircncias de
investigaccedilatildeo sobre praacuteticas discursivas em escola puacuteblica do Rio de Janeiro objetivando
investigar a relaccedilatildeo entre texto e formaccedilatildeo de identidade na esfera pedagoacutegica
especificamente a sala-de-aula
Dentre os espaccedilos institucionais em que atuamos a escola tem sido continuamente
apontada como um dos mais importantes na construccedilatildeo de quem somos ou dessa
fragmentaccedilatildeo identitaacuteria Eacute um dos primeiros espaccedilos sociais a que a crianccedila tem
acesso longe da vigilacircncia da famiacutelia a outros modos de ser humano diferentes
daqueles do mundo relativamente homogeneizado da famiacutelia Ou seja eacute na escola
que em geral a crianccedila se expotildee pela primeira vez agraves diferenccedilas que nos constituem
e que portanto representam as primeiras ameaccedilas ao mundo da famiacutelia (MOITA
LOPES 2002 p 17)
74
Como integrante da equipe de pesquisa coordenada pelo autor acima referendado
Santos (2002) categoriza que leitura eacute um fenocircmeno cultural em que as pessoas constroem
sentidos em interaccedilatildeo com outras
[] ler eacute uma accedilatildeo social na qual estatildeo envolvidos a negociaccedilatildeo o
compartilhamento a construccedilatildeo de significados entre leitores e textos Isto eacute a
leitura eacute uma accedilatildeo social porque implica a procura do significado mediado pelo
discurso escrito entre dois sujeitos sociais principais o leitor e o autor situados
soacutecio-historicamente (SANTOS 2002 p 159)
Em consonacircncia com o olhar de Moita Lopes Santos (2002) percebe a leitura como
uma praacutetica social considerando que os significados construiacutedos pelos sujeitos-leitores
refletem o contexto social imediato no qual estatildeo localizados como tambeacutem o mundo social
mais amplo que situa esses contextos Conceber a leitura nessa perspectiva eacute tarefa que exige
do mediador a percepccedilatildeo de que haacute sempre em eventos de leitura uma indeterminaccedilatildeo de
significados em funccedilatildeo da pluralidade de contextos e sujeitos
Coimbra (2002) objetivando refletir as bases discursivas que constroem social e
assimetricamente meninos e meninas utiliza a visatildeo de discurso como forma de accedilatildeo no
mundo e aborda a importacircncia do contexto escolar para a formaccedilatildeo das identidades sociais
Essa professora alinhada com os estudos de Moita Lopes e diante da indagaccedilatildeo sobre qual
seria a forma em que ela e alunosas estariam construindo a identidade social de gecircnero da
mulher em uma escola puacuteblica no Rio de Janeiro propotildee-se a refutar uma visatildeo de mundo
essencialista
Adoto uma visatildeo de discurso como uma forma de accedilatildeo no mundo e um meio pelo
qual nossa cultura e nossas identidades satildeo constituiacutedas e definidas Como diz Moita
Lopes (1998) as identidades natildeo estatildeo nos indiviacuteduos mas emergem nas interaccedilotildees
entre os indiviacuteduos agindo em praacuteticas discursivas particulares nas quais estatildeo
posicionados [] Da mesma forma o comportamento diferenciado de gecircnero natildeo
existe naturalmente como parte essencial do indiviacuteduo Ele eacute tambeacutem construiacutedo na
interaccedilatildeo social (COIMBRA 2002 p 210)
Para refutar o essencialismo esse aqui entendido na perspectiva que lhe datildeo os
Estudos Culturais como uma percepccedilatildeo de mundo que atribui aos seres humanos marcas
universais imutaacuteveis e pertencentes ao indiviacuteduo naturalmente (HALL 2011 SILVA 2012)
Coimbra lanccedila matildeo dos estudos sobre gecircnero adotados por Louro que concebem gecircnero
como um sistema de relaccedilotildees de poder calcado nas estruturas sociais o que possibilita a
reflexatildeo sobre o quanto as praacuteticas discursivas sustentam a primazia masculina
75
[] a visatildeo essencialista enfatiza as caracteriacutesticas bioloacutegicas e reduz a importacircncia
do contexto soacutecio-histoacuterico naturalizando o poder do homem e as desigualdades
social e econocircmica estabelecidas entre os gecircneros masculino e feminino Isto eacute as
desigualdades satildeo percebidas como consequecircncias naturais e inevitaacuteveis da natureza
bioloacutegica das mulheres e dos homens e natildeo satildeo entendidas como historicamente
construiacutedas e modificaacuteveis (LOURO apud COIMBRA 2002 p 212)
Por considerar a escola elemento reprodutor ou transformador da sociedade porque
veicula enquadramento vontade imposta ao outro sobre seus corpos construccedilatildeo de estigmas
de silecircncios estereoacutetipos e exclusotildees ou porque veicula emersatildeo de vozes que desejam
escuta diaacutelogo e respeito em um sinal de resistecircncia Silva A L G (2009) trata da produccedilatildeo
de sentidos nesse espaccedilo Essa autora chama a atenccedilatildeo para as demandas sociais na
contemporaneidade sobre corporeidade sexualidade e identidade de gecircnero na escola
demandas que traduzem um mundo cambiante vertiginoso movente pleno de
questionamentos que tem nos deixado atocircnitos e sem respostas em seu dizer Sem respostas
ldquoprontasrdquo melhor seria dito porque no cotidiano escolar nos deparamos com uma cultura
que a despeito de ser marcada pela pluralidade reflete a disseminaccedilatildeo da
heteronormatividade da diferenccedila como desvio e de padrotildees de comportamentos para
meninos e meninas Haacute um conjunto de conteuacutedos cognitivos e simboacutelicos que selecionados
sob efeito de didatizaccedilotildees atravessam segundo (SILVA A L G 2009) os muros e
instrumentos escolares engendrando liccedilotildees de corpos disciplinados normalizados E dessas
liccedilotildees questiona a pedagoga qual o lugar do outro nas relaccedilotildees escolares enfim como
meninos e meninas satildeo educadosas
Carvalho (2003) nessa direccedilatildeo fala das experimentaccedilotildees com praacuteticas pedagoacutegicas
problematizadoras do modelo que institui a iniquidade de gecircnero Essa educadora procura
responder sobre as questotildees de gecircnero salientando a importacircncia da luta das mulheres
educadoras por sistematizaccedilotildees de estrateacutegias de intervenccedilatildeo nas atividades e no curriacuteculo
escolar para o desenvolvimento da consciecircncia de gecircnero Essa eacute uma tendecircncia que segue o
olhar militante de um feminismo que se manifesta e se fortalece a cada dia mas que precisa
dar passos marcantes no debate escolar sobre as formas de subjetivaccedilatildeo de ser homem e ser
mulher
A escola tem ferrolhos fortes na trava para o novo para o desmantelo das
assimetrias a despeito de guardado em armaacuterios e prateleiras das instituiccedilotildees muitas vezes
estaacute todo um ordenamento da legislaccedilatildeo educacional que institui avanccedilos na conquista de
uma escola que respeite a pluralidade cultural e a dignidade humana Carvalho (2003) fala
atraveacutes de seu envolvimento com a temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero na educaccedilatildeo do
76
caminhar que se esboccedila na escola de um processo de desconstruccedilatildeo de uma visatildeo e divisatildeo
de mundo androcecircntrica Fruto possivelmente a autora afirma do ativismo de algunsmas
educadoresas
[] Eacute plausiacutevel supor que o reconhecimento das diferenccedilas de gecircnero inicialmente
invisiacuteveis ou natildeo problemaacuteticas jaacute seja o resultado da problematizaccedilatildeo propiciada
pela oficina No contexto escolar apontam problemas como filas atividades e
brincadeiras separadas por sexo violecircncia na sala de aula e no recreio problema de
higiene e limpeza da escola manifestaccedilotildees da sexualidade na preacute-adolescecircncia e
adolescecircncia (brincadeiras sexuais gravidez precoce discriminaccedilatildeo dos
homossexuais) e das dificuldades das professoras de trabalharem com Orientaccedilatildeo
sexual (CARVALHO 2003 p 72)
O fazer pedagoacutegico trama produccedilotildees de sentidos que satildeo construiacutedas em praacuteticas
discursivas em gestos e olhares que muito dizem sobre os corpos e a sexualidade no
cotidiano escolar Rollemberg (2002) adotando a perspectiva socioconstrucionista do
discurso estuda como osas professoresas constroem sua identidade social e profissional por
meio de suas narrativas de vida A autora reforccedila a ideia de que o discurso tambeacutem determina
e eacute determinado por contextos socioculturais especiacuteficos nos quais esses sujeitos atuam e de
que esses sujeitos possuem naturezas multifacetadas
O professor ou professora eacute tambeacutem homem mulher marido esposa pai matildee
filho filha segue determinada religiatildeo tem suas crenccedilas sua visatildeo de mundo
ocupa certa posiccedilatildeo social e enfim torna-se professor na interaccedilatildeo desse mosaico de
diferentes traccedilos que o constituem Seu discurso reflete entatildeo essa natureza
multifacetada e nas diversas praacuteticas discursivas nas quais se envolvem os
professores vatildeo se reconstruindo como tais (ROLLEMBERG 2002 p 251)
Em artigo que discorre sobre uma investigaccedilatildeo feita em escola na qual leciona
Rollemberg (2002) aborda a construccedilatildeo social do discurso e da identidade profissional dos
educadoresas entrecortada por identidade de gecircnero A autora aborda as relaccedilotildees de poder
que se estabelecem em contextos sociais e culturais que forjam que moldam seres diferentes
com posiccedilotildees assimeacutetricas socialmente Ao tratar dos traccedilos de gecircnero o estudo de
Rollemberg adota tambeacutem a visatildeo processual das identidades e as tem como natildeo-fixas natildeo-
imutaacuteveis natildeo-estaacuteticas construiacutedas discursiva e socialmente
Cruz (2012) ao discorrer sobre a utilizaccedilatildeo do texto literaacuterio descarta
veementemente a noccedilatildeo de ler como decifrar palavras e questiona sobre o modo de
apropriaccedilatildeo desse texto por parte da escola A autora fala de seus fracassos com atividades de
leituras procurando explicaacute-los entre tantos lastros pelo processo de interlocuccedilatildeo na leitura
77
de textos para a qual o leitora eacute construtora e natildeo apenas receptora de um significado
global para o texto
Foi com essa consciecircncia (que eacute um aprendizado) que passei a analisar a relaccedilatildeo
existente entre leitor o texto o autor e a realidade que circunda todos Essa anaacutelise
me fez perceber que o docente (no caso eu) elaborava as atividades do seu ponto de
vista sem conversar e portanto sem conhecer a partir das falas dos alunos o modo
como eles se apropriavam dos textos literaacuterios e a relaccedilatildeo que eles tinham com o
mundo da leitura Essa ausecircncia de diaacutelogo entre as partes estimulava o desinteresse
dos alunos e a reproduccedilatildeo de leituras mecanizadas que soacute serviam para
cumprimento de tarefas obrigatoacuterias (CRUZ 2012 p 161)
Ao discutir por sua vez o papel de mediadora da leitura pela escola Bastos (2012)
remonta agrave histoacuteria dessa praacutetica no Brasil tratando de uma heranccedila natildeo leitora onde haacute a
rarefaccedilatildeo e esgarccedilamento da praacutetica que sedimenta a justificativa de professoresas para o
distanciamento do livro falta de tempo condiccedilotildees financeiras Esta autora dessacraliza o ato
de ler falando de leituras na relaccedilatildeo leitortextocontexto
A relaccedilatildeo leitortexto soacute tem sentido se houver compreensatildeo do que e para que se lecirc
O papel da escola nesse processo eacute perigoso porque tanto ela pode formar um leitor
criacutetico e assim libertaacute-lo dos preceitos ideoloacutegicos o que seria o ideal como
conduzi-lo para o extremo oposto acorrentando-o agrave ideologia dominante que ao
iludir cria falsos valores (BASTOS 2012 p 194)
Nesse sentido a autora supracitada tece comentaacuterios que satildeo intrincados com a
percepccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva da AD como um conjunto de formas reguladas
atravessando leituras postuladas E que agrave escola que se pretende inclusiva e democraacutetica
cabe ser mediadora de leitura em uma perspectiva que aposte na consciecircncia de que a leitura eacute
produtora e reprodutora de sentidos Bastos (2012) reforccedila uma ideia que lanccedila uma instigante
reflexatildeo sobre os que observam de forma mais questionadora o corrente sentido de leitura
Por fim e talvez mais importante assumir tambeacutem que para grande parte da
populaccedilatildeo a leitura natildeo representa um gecircnero de primeira necessidade e portanto
pode viver sem ela e pouco ou nada tem a ver com a presenccedila ou ausecircncia de prazer
esteacutetico (BASTOS 2012 p 194-195)
No que tange agrave importacircncia das condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo e de acesso agrave leitura
Soares (2001) oferece uma importante contribuiccedilatildeo sobre o tema a leitura natildeo existe em um
vaacutecuo em atos isolados e universalizantes Ela estaacute engendrada em relaccedilotildees socialmente
construiacutedas favorecendo o fato de que a interaccedilatildeo seja uma marca do ato de ler Assim ler
tem diferentes valores para as classes sociais para as diferentes etnias e culturas A autora
analisa atraveacutes de resultados de pesquisas com entrevistados de diferentes extratos sociais o
78
quanto ler corresponde a diferentes expectativas Para a classe dominante por exemplo ler
relaciona-se a lazer a prazer agrave ampliaccedilatildeo de horizontes de conhecimentos Por seu turno as
classes dominadas veem na leitura uma funccedilatildeo utilitaacuteria de acesso ao mundo do trabalho agrave
garantia da sobrevivecircncia
No tocante agrave importacircncia dos estudos de gecircnero as reflexotildees de Aras e Cunha (2011)
acerca das divisotildees no mundo de trabalho entre homens e mulheres satildeo pertinentes Essas
autoras pontuam que ao analisarem as relaccedilotildees de gecircnero no magisteacuterio em um curso de
capacitaccedilatildeo para professores e professoras da Rede Estadual de Ensino da Bahia o PROLE
constataram que as mulheres enfrentam uma dificuldade de conciliar tarefas tendo em vista
que se dividem entre a casa e o trabalho de modo extenuante o que revela uma exploraccedilatildeo
nas relaccedilotildees de gecircnero As autoras citam uma pesquisa jaacute um pouco antiga mas que dadas as
proporccedilotildees com que os dados se alteram deve ainda traduzir um quadro bem representativo
da realidade atual Segundo pesquisa feita por Aguiar (2004 apud ARAS CUNHA 2011 p
45) durante a semana a jornada diaacuteria da mulher eacute de 502 minutos 5 maior que a do
homem que trabalha 480 minutos No fim de semana a diferenccedila eacute ainda maior enquanto a
carga masculina eacute de 201 minutos a da mulher eacute de 326 ou seja 62 maior Se a mulher for
matildee este iacutendice cresce ainda mais mesmo que tenha quem a ajude Esses dados e demais
outros revelados pelas autoras refletem uma cultura que molda um lugar para a mulher o
espaccedilo privado e que mesmo tendo estaacute avanccedilado em conquistas sociais que a potildeem no
espaccedilo puacuteblico haacute uma cultura machista que oprime as mulheres trabalhadoras dando-lhes
um papel central na administraccedilatildeo da vida familiar na educaccedilatildeo dos filhos nas tarefas
ldquonaturalizadasrdquo como femininas Aras e Cunha (2011) avaliam o quanto os estudos de gecircnero
constroem bases importantes para a reflexatildeo desse sistema desmantelando as assimetrias no
interior da famiacutelia
Por sua vez Sardenberg e Suzarte (2011) discutem a importacircncia da perscruta dos
sujeitos que se encontram nas escolas ouvindo o que ressoam suas vozes As autoras
refletem a partir de relatos de grupos de mulheres pertencentes agraves camadas populares sobre a
representaccedilatildeo da educaccedilatildeo escolar como perspectiva de empoderamento para os membros
desses grupos As feministas perpassam por questotildees que mostram as representaccedilotildees do
espaccedilo escolar como lugar de esperanccedila e liberdade oportunidade de se emancipar social e
individualmente de prover-se de ldquoum novo instrumental de conhecer e atuar ou ateacute mesmo
de transformar-se
Buscar ressonacircncia das praacuteticas discursivas dosas docentes nas atividades de leitura
realizadas por estesas eacute um trabalho que exige o afiar de sentidos ao qual Louro (2012) se
79
refere Haacute qual espaccedilo nas praacuteticas de leitura nas falas e histoacuterias disseminado para a
discussatildeo da equidade de gecircnero trazida pelo movimento de mulheres e movimentos que
apregoam o respeito agraves diversidades A pesquisadora dos estudos feministas aponta a
importacircncia de buscar uma reflexatildeo que pontue o lugar da escola na construccedilatildeo de um ideaacuterio
de respeito agraves diferenccedilas e agrave alteridade
Portanto se admitimos que a escola natildeo apenas transmite conhecimentos nem
mesmo apenas os produz mas que ela tambeacutem fabrica sujeitos produz identidades
eacutetnicas de gecircnero de classe se reconhecemos que essas identidades estatildeo sendo
produzidas atraveacutes de relaccedilotildees de desigualdade se admitimos que a escola estaacute
intrinsecamente comprometida com a manutenccedilatildeo de uma sociedade dividida e que
faz isso cotidianamente com nossa participaccedilatildeo e omissatildeo se acreditamos que a
praacutetica escolar eacute historicamente contingente e que eacute uma praacutetica poliacutetica isto eacute que
se transforma e pode ser subvertida e por fim se natildeo nos sentimos confortaacuteveis com
essas divisotildees sociais entatildeo certamente encontramos justificativas natildeo apenas para
observar mas especialmente para tentar interferir na continuidade dessas
desigualdades (LOURO 2012 p 89)
E a leitura efetivamente pode ser um instrumento que propicie este ideaacuterio Mas
cabe sempre inquirir que textos circulam nestes espaccedilos regulando modos de subjetivaccedilatildeo da
comunidade escolar No que se refere agrave presenccedila substancial do livro didaacutetico no cotidiano
escolar como um dos principais instrumentos manuseados por docentes e discentes eacute
importante a anaacutelise desse material em seu aspecto poliacutetico e cultural Considerando os
comportamentos sociais que tecircm sido construiacutedos acerca da imagem masculina e feminina
veiculados pelos livros didaacuteticos Marques (2009) assevera que as representaccedilotildees do lugar
social do homem e da mulher ainda satildeo bem demarcadas pelas forccedilas patriarcais e hierarquia
de gecircneros A autora debruccedilou-se entre outros sobre os resultados de uma exaustiva pesquisa
realizada por uma comissatildeo instituiacuteda pelo MEC em 1991 para analisar 80 coleccedilotildees de
Estudos Sociais da 1ordf agrave 4ordf seacuterie E conforme Marques (2009) foram observadas fortes
tendecircncias de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo de conteuacutedos que evidenciam modelos que atestam
papeacuteis sociais para homens e mulheres minados de preconceitos estereoacutetipos e enganosos
quando a imagem da famiacutelia e a da escola eacute a de que vivem isentas de conflitos A autora
revela o quanto o livro didaacutetico discrimina a mulher restringindo o seu universo ao espaccedilo
domeacutestico As imagens como construccedilotildees sociais possuem historicidade na sua posiccedilatildeo A
naturalizaccedilatildeo da divisatildeo sexual dos papeacuteis sociais incorre em uma posiccedilatildeo de imobilidade
social tendo em vista a cristalizaccedilatildeo de modelos o pai provedor e a matildee cuidadora Ele o
homem aparece envolto em leituras trabalho fornecendo agrave famiacutelia sustento e lazer ela a
mulher em funccedilotildees que a limitam agrave casa o que ocasiona a ideia de alienaccedilatildeo
80
Marques (2009) salienta o quanto a emergecircncia dos movimentos de mulheres por sua
cidadania plena a despeito de sua forccedila social natildeo encontra visibilidade nos livros didaacuteticos
Estes equiacutevocos todavia satildeo verificados hoje como natildeo mais representativos
substancialmente dos livros didaacuteticos e paradidaacuteticos fruto de um ativismo dos movimentos
de mulheres que terminou pressionando editoras secretarias estaduais e municipais no sentido
de envidar esforccedilos para que se repense o uso deste instrumento de modo mais criacutetico
Considerando o caraacuteter mercadoloacutegico do livro didaacutetico Marques (2009) salienta o quanto a
formaccedilatildeo doa professora para a escolha do material didaacutetico e sua mediaccedilatildeo com os textos eacute
de relevacircncia inconteste O risco de reproduzirmos discursos e representaccedilotildees machistas e
patriarcais eacute inerente aoagrave educadora imersoa que estaacute ainda em uma sociedade que produz
uma submissatildeo feminina O processo de construccedilatildeo das imagens e textos que povoam uma
subalternidade feminina eacute o que deve ser trabalhado pelo profissional atinente agraves questotildees de
gecircnero
Nesse sentido Louro (2012) ao avaliar o quanto o material didaacutetico eacute reprodutor e
produtor de discurso veiculador de diferenccedilas traz uma reflexatildeo sobre a construccedilatildeo escolar
das representaccedilotildees que segregam
Os livros didaacuteticos e os paradidaacuteticos tecircm sido objeto de vaacuterias investigaccedilotildees que
neles examinam as representaccedilotildees dos gecircneros dos grupos eacutetnicos das classes
sociais Muitas dessas anaacutelises tecircm apontado para a concepccedilatildeo de dois mundos
distintos ainda apresentam a concepccedilatildeo de dois mundos distintos (um mundo
puacuteblico masculino e um mundo domeacutestico feminino) ou para a indicaccedilatildeo de
atividades caracteriacutesticas de homens e atividades de mulheres Tambeacutem tem
observado a representaccedilatildeo da famiacutelia tiacutepica construiacuteda de um pai e uma matildee e
usualmente dois filhos um menino e uma menina (LOURO 2012 p 68)
A relevacircncia dos estudos acima referendados se faz perceber porque esses atrelam a
construccedilatildeo social do discurso em um espaccedilo que se constitui como centro de construccedilatildeo e
exerciacutecio de poder que eacute a escola E ao mesmo tempo em que enseja a reflexatildeo de que em sua
dinacircmica interna essa instituiccedilatildeo cria a possibilidade de processos de contra-hegemonia Eacute
percebida tambeacutem a relevacircncia dos estudos que estruturam uma interface discursividade
leitura e gecircnero na escola por estes propiciarem reflexotildees perspicazes Reflexotildees essas que
satildeo consonantes com o pensamento de Carvalho (2003) quando esta pedagoga militante do
feminismo afirma que das relaccedilotildees de gecircnero natildeo se pode tomar distacircncia ldquo[] de forma
impliacutecita estruturam o trabalho escolar as relaccedilotildees entre docentes e discentes e constituem
as identidades profissionais e pessoaisrdquo (CARVALHO 2003 p 77) Isto se daacute porque na sala
de aula nos curriacuteculos nas relaccedilotildees interpessoais nos conteuacutedos abordados ou natildeo
81
abordados haacute um campo de luta refletindo que a escola estaacute inserida em relaccedilotildees histoacutericas
mediadas e construiacutedas por discursos
Nesse sentido reitero o quatildeo os relatos acima extraiacutedos em sua maioria de um
contexto social que tece leitura em cotidianos na escola satildeo uacuteteis empreacutestimos para esta
anaacutelise considerando que os trabalhos apresentados versam sobre toacutepicos afins ao aqui
desenvolvido relaccedilotildees de gecircnero preconceitos construccedilatildeo de identidades pontuados em
ambiente de leitura
82
3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS
O entendimento de que a abordagem de uma pesquisa exige um processo de revisatildeo
e reorganizaccedilatildeo de accedilotildees eacute importante na concepccedilatildeo de um trabalho Essa percepccedilatildeo eacute
consoante com a perspectiva da epistemologia feminista que entende a realidade como um
fenocircmeno histoacuterico cultural e dinacircmico (LOURO 2012 COSTA 2009) E meus passos na
direccedilatildeo e dentro da escola se constituiacuteram de inuacutemeras articulaccedilotildees de accedilotildees com as quais
tracei um norte investigativo objetivando fazer deste estudo algo profiacutecuo ordenado que
perspective contribuir com reflexotildees atinentes agrave educaccedilatildeo como praacutetica emancipadora
problematizadora de modos de subjetivaccedilatildeo
Dando prosseguimento ao rito comum a um processo de investigaccedilatildeo construiacute um
diaacutelogo preacutevio com a direccedilatildeocorpo teacutecnico com osas professoresas e a coordenadora do
projeto agravesaos quais foram explicados o procedimento e os objetivos da pesquisa ao tempo
em que foi solicitada a anuecircncia para sua aplicaccedilatildeo Como a dissertaccedilatildeo deste mestrado possui
caraacuteter interventivo foi explicada agrave equipe tambeacutem sobre a possibilidade de construccedilatildeo de
uma accedilatildeo propositora de trabalho apresentada por esta pesquisadora como fruto da
investigaccedilatildeo desenvolvida Esta informaccedilatildeo foi bem acolhida pela coordenaccedilatildeo do projeto
receptiva agrave possibilidade de crescimento de aprendizado e desejosa de aperfeiccediloar o trabalho
com a leitura pelo menos assim se manifestou
31 O Documento-fundador o natildeo dito significando
Logo nos primeiros contatos com osas integrantes da pesquisa que em consonacircncia
com as pactuadas regras do anonimato precisam aqui ser denominadosas ficticiamente
solicitei informaccedilotildees sobre o projeto de leitura instrumento de anaacutelise para aquele momento
O surgimento tempo de execuccedilatildeo seu formato documentaccedilatildeo criteacuterios para escolha de
textos entre outras indagaccedilotildees foram solicitadas Quando solicitei uma coacutepia do projeto agrave sua
coordenadora Diana cujo tempo de atuaccedilatildeo profissional eacute de 18 anos tive como resposta a
condiccedilatildeo de que o texto seria disponibilizado para que eu o conhecesse mas natildeo poderia
constar como anexo em meu trabalho por respeito ao acordado pacto do anonimato Aceitei a
condiccedilatildeo mesmo argumentando que o problema da identificaccedilatildeo do projeto seria resolvido
com o corte da parte que o identificasse A coordenadora relutou Isto me fez pensar no
campo discursivo mais amplo que eacute a negaccedilatildeo do texto possivelmente nele haveria o que natildeo
83
pode ser visto haveria a ausecircncia do dizer melhor Entendi a sonegaccedilatildeo do texto como a
tentativa de natildeo fazer aparecer o seu pouco labor
E constatei deveras isso quando o documento me chegou agraves matildeos depois de algumas
visitas em que o solicitara Observei que conforme o texto o projeto natildeo fora pensado para
discutir a leitura em sua funccedilatildeo social mais ampla Sem intencionar desqualificar o trabalho
daquela escola natildeo tive como deixar de ver pouca expressatildeo de conhecimento das funccedilotildees da
leitura naquele material Havia ali a mera proposta de decodificaccedilatildeo no lugar do letramento a
tarefa feita para cumprir obrigaccedilatildeo Natildeo estavam pontuados temas problematizando a
implantaccedilatildeo da defesa dos DH nem nenhum tema transversal proposto pelos PCNs constando
como ponto de exploraccedilatildeo no projeto de leitura muito menos o desta pesquisa As relaccedilotildees de
gecircnero conforme averiguei naquele material investigativo natildeo encontram assento no projeto
de leitura a CestaSexta Literaacuteria E eacute sobre isto que discorrerei agora analisando o referido
material como um dos procedimentos geradores de dados desta pesquisa que o eacute
O documento que eacute apresentado agrave Secretaria Municipal da Educaccedilatildeo - SEDEC- em
regra eacute uma exigecircncia deste oacutergatildeo como preacute-requisito para que osas professoresas
readaptadosas que exercem funccedilatildeo em biblioteca justifiquem sua permanecircncia na escola
Essesas profissionais precisam demonstrar estar vinculadosas agraves unidades escolares e
desenvolvendo trabalho pedagoacutegico a fim de assegurarem a manutenccedilatildeo da gratificaccedilatildeo
docente que perderiam caso saiacutessem da funccedilatildeo de professoresas e do espaccedilo escolar
Observar como esse documento eacute articulado e seu comprometimento com o que se
propotildee a fazer me remeteu a um compromisso eacutetico com o qual desejo afirmar aqui que natildeo
tenho a palavra final sobre do que necessariamente se deve constituir um trabalho desta
natureza mas faccedilo minhas leituras minhas anaacutelises E nessas leituras que natildeo poderiam ser
soacute minhas em uma perpeacutetua dialogia com Freire (1988 2002) Moita Lopes (2002) Foucault
(2011) Orlandi (2008) e com tantosas outrosas estudiososas e natildeo estudiososas
compreendo que eacute preciso supor que um texto nunca fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura
(POSSENTI 2009)
Assim leio o documento do projeto de leitura da escola buscando sua
intertextualidade suas condiccedilotildees de produccedilatildeo seus ditos e natildeo-ditos Penso entatildeo sobre seu
nascedouro quem o produziu e por que o fez Procurei observar se aquele documento
expressava interesse pedagoacutegico intersubjetivo ou a exigecircncia da SEDEC teria sido a causa da
sua elaboraccedilatildeo ou seja motivaccedilatildeo externa administrativa E me interessei pelo que existe e
natildeo existe ali dizendo da realidade social que o produziu quem observa sua confecccedilatildeo sua
aplicaccedilatildeo ou natildeo-aplicaccedilatildeo A SEDEC exige uma produccedilatildeo acadecircmica mas o impacto da
84
execuccedilatildeo desta tarefa na atividade escolar parece natildeo ser devidamente acompanhado Essa
questatildeo jaacute me envereda para uma reflexatildeo sobre poliacutetica puacuteblica de gestatildeo educacional que
natildeo eacute de competecircncia desta pesquisa mas que ao fim e ao cabo faz sentido explorar tal
inquietaccedilatildeo pela relaccedilatildeo que haacute entre o labor do projeto e sua existecircncia e aplicaccedilatildeo
As indagaccedilotildees que produzi diante daquele documento eram sustentadas por uma
intenccedilatildeo de observar inicialmente se a tocircnica do projeto concebia a leitura como uma praacutetica
cultural natildeo neutra inserida nas relaccedilotildees de poder Se enfim era concebida como campo de
disputa espaccedilo de poder Afastando-se da defesa da leitura como tese unicamente advogo a
da leitura como utopia semeada por olhos de quem ama e faz educaccedilatildeo porque luta por
praacutetica de liberdade como defendeu Paulo Freire ao longo de sua vida e obra E a leitura
nessa perspectiva faz da educaccedilatildeo o ponto amoroso em que Hanna Arendt diz dever ser nas
palavras da autora ldquoa educaccedilatildeo eacute o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante
para assumirmos a responsabilidade por ele e com tal gesto salvaacute-lo da ruiacutena que seria
inevitaacutevel natildeo fosse a renovaccedilatildeo e a vinda dos novos e dos jovensrdquo (ARENDT 2009 p 247)
Sem querer mais uma vez reforccedilo desfazer do trabalho realizado na escola
TRAVESSIA natildeo posso omitir que enxerguei que aquele documento natildeo dizia desse
compromisso propalado pelos pensadores acima E assim o concebo quando olho a vaguidatildeo
com que ele se veste no que diz respeito aos seus objetivos e procedimentos metodoloacutegicos
Obviamente natildeo posso restringir a praacutetica leitora do projeto ao que estaacute marcado no referido
documento Sem relaccedilotildees ingecircnuas com a linguagem como propotildee a AD que afirma com
Orlandi (2008) que quando se lecirc considera-se natildeo o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute
impliacutecito entre o que eacute feito e proposto existe o caminho do exequiacutevel que eacute atropelado
muitas vezes por adversas condiccedilotildees de trabalhos
E precisei atentar para o que aquele projeto anuncia fazer observando suas
articulaccedilotildees entre objetivos accedilotildees metodologia No tocante a essas articulaccedilotildees natildeo constam
ali explicitadas entre seus objetivos as temaacuteticas transversais recomendadas pelos PCNs
muito menos a de gecircnero Assim considerando que os sentidos de um texto passam por outros
textos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo contemplado nas vozes perscrutadas
anteriormente em meus primeiros contatos com os sujeitos pesquisados ressoava sua
ausecircncia ali tambeacutem E da leitura daquele documento extrai que natildeo haacute a presenccedila do tema
proposto por esta pesquisa para inquiriccedilatildeo estaacute todavia posto ali como objetivo geral do
projeto desenvolver o gosto pela leitura escrita e arte visando agrave construccedilatildeo de uma
identidade poeacutetica formaccedilatildeo de cidadatildeos reflexivos e leitores autocircnomos
85
Atrelada agrave minha questatildeo problema natildeo adentrei para a investigaccedilatildeo do que seria
essa identidade poeacutetica que jaacute tem outra nuance investigativa Mas o toacutepico a formaccedilatildeo de
cidadatildeos [cidadatildes] reflexivos[as] entranha-se com meu objeto de pesquisa e indaguei como a
AD indaga como isso significa para aquela unidade escolar pressionada por uma instacircncia
administrativa a produzir um documento e um trabalho Como significa para aquela
educadora a formaccedilatildeo de uma cidadania reflexiva mediada por praacuteticas leitoras A efetivaccedilatildeo
disso passa necessariamente por textos lidos selecionados apresentados sob diversos
suportes imersos em escolhas que expressem comprometimento com os problemas sociais
com a construccedilatildeo dos processos que debatem tais problemas vinculados aos interesses dosas
leitoresas Natildeo pude saber entretanto por este documento quais seriam os textos
selecionados para a empreitada de trabalhar a formaccedilatildeo cidadatilde pois natildeo havia nas referecircncias
bibliograacuteficas do mesmo indicaccedilatildeo alguma de como as aulas seriam subsidiadas em termos de
textos Esta omissatildeo pode indicar que para aleacutem da sonegaccedilatildeo desta informaccedilatildeo anunciar
negligecircncia pode haver mais sentidos nesta ausecircncia
Aleacutem daquilo que eacute dito analisar discursos eacute tambeacutem atentar para o que natildeo eacute dito
que conforme a AD nos silecircncios nas interdiccedilotildees haacute formas especiacuteficas dos sujeitos
construiacuterem significados E haacute naquele documento uma ausecircncia de dito significando um
evento discursivo no qual a produccedilatildeo as relaccedilotildees de poder a circulaccedilatildeo dos textos e seu jogo
discursivo natildeo estatildeo explicitados quem produz o debate da formaccedilatildeo cidadatilde e como o produz
natildeo se consegue saber atraveacutes de textos elencados E o ato de ler como praacutetica adotada pela
escola natildeo dispensa um planejamento criterioso no qual se saiba o que se vai ler o porquecirc se
vai ler quando se vai ler mesmo que a seleccedilatildeo dos textos deva ser flexiacutevel para ajustes Isso
se deve fazer para que se evite uma praacutetica riacutegida e impositiva haacute uma realidade dinacircmica
que deve ser contemplada com espaccedilo para a inserccedilatildeo de leituras que possam emergir em
consonacircncia com interesses advindos da comunidade escolar Daiacute ser compreensiacutevel que natildeo
haja uma seleccedilatildeo de textos consagradamente fechada mas sua ausecircncia pode estar indicando
na direccedilatildeo de que as accedilotildees do projeto estatildeo passando ao largo de uma leitura norteada
imbuiacuteda de uma accedilatildeo poliacutetica criteriosamente edificada
Esta constataccedilatildeo ficou mais evidenciada quando observei os objetivos especiacuteficos
(OE) do referido documento Haacute uma quantidade elevada desses (sete) os quais natildeo cumprem
devidamente a funccedilatildeo de pormenorizar as accedilotildees que se pretendem alcanccedilar de forma a
estabelecer estreita relaccedilatildeo com o descrito nos objetivos gerais no que diz respeito agrave
competecircncia da formaccedilatildeo de cidadatildeos [cidadatildes] Considerei a princiacutepio redutor selecionar
unicamente o texto literaacuterio para compor os OE do trabalho E eacute o primeiro que estaacute elencado
86
Diversificar a leitura com textos literaacuterios previamente selecionados Eleger este gecircnero e
deixar de fora pelo menos eacute o que natildeo estaacute explicitado uma gama de formas discursivas que
perpassam o cotidiano escolar eacute desconsiderar o sujeito-leitor e seu lugar social eacute
desconsiderar que a sala-de-aula eacute um espaccedilo complexo onde subjetividades marcadas por
lugares sociais distintos possuem interesses iacutempares Esta eleiccedilatildeo portanto eacute redutora Por
mais que haja razotildees profiacutecuas para se trabalhar a literatura na escola pela presenccedila de
categorias no texto literaacuterio como as da experiecircncia esteacutetica da ludicidade do estranhamento
da subjetividade do aguccedilamento da criatividade do aticcedilamento da imaginaccedilatildeo haacute um
equiacutevoco em eleger apenas o literaacuterio como texto para ser trabalhado Esta escolha tambeacutem
vai na contramatildeo do que recomendam os PCNs (BRASIL 2001 p 36) que apontam para a
pertinecircncia de que a escola promova em seus estudos uma variedade de gecircneros tendo o
literaacuterio como mais um deles
O equiacutevoco da confecccedilatildeo do documento eacute perceptiacutevel tambeacutem por natildeo ser visto ao
longo do seu texto o apontamento de temaacutetica que tenha relaccedilatildeo com a formaccedilatildeo da
cidadania A formaccedilatildeo de cidadatildeos[cidadatildes] reflexivos[as] que o projeto de leitura da escola
aponta em seus objetivos gerais passa por uma contemplaccedilatildeo de leituras que natildeo estaacute ali
desenhada Sem escavar temas que estatildeo na invisibilidade na superficialidade naturalizados e
distantes dos propoacutesitos da pauta reivindicatoacuteria dos DH esse pretenso sujeito reflexivo eacute
mera ornamentaccedilatildeo de projetos de leituras As secretarias de Educaccedilatildeo das escolas puacuteblicas
brasileiras sabem que eacute tarefa hercuacutelea construir leitoresas criacuteticosas e que um dos entraves a
isso estaacute na maacutequina do poder puacuteblico despreparada desequipada para proporcionar
condiccedilotildees favoraacuteveis agrave praacutetica leitora Isto pode ser visto pela inoperacircncia de natildeo fazerem
com que seusuas educadoresas sejam bonsboas leitoresas para que de forma competente
possam atuar como agentes de letramento Assim sem o devido compromisso com a leitura
demonstram estar esses oacutergatildeos administrativos quando engavetam projetos de leituras
anualmente solicitando novos a cada ano letivo sem acompanhar suas feituras que em regra
se diz por aiacute satildeo sem esmeros cumprindo tarefa administrativa como me pareceu este na
escola TRAVESSIA
A fragilizaccedilatildeo com que se organiza o projeto eacute notaacutevel ainda quando se busca em sua
metodologia a articulaccedilatildeo das accedilotildees que promovem os passos que objetivam propor a
formaccedilatildeo da cidadania reflexiva Entre as accedilotildees propostas que constam de oficinas de leitura
escrita de artes de imagens destinadas a alunosas do 6ordm ao 9ordm ano ocorridas em salas e na
biblioteca haacute como enunciado metodoloacutegico que haveraacute planejamento mensal para a seleccedilatildeo
de textos e das dinacircmicas voltado para um contexto relevante para a vida pessoal e social
87
Primeiramente natildeo se esclarece exatamente o que seria este contexto relevante a expressatildeo eacute
vaga Depois chamou-me atenccedilatildeo o quanto a expressatildeo tema foi citada vagamente por
diversas vezes [] explorando o imaginaacuterio e as referecircncias que os alunos tecircm sobre os
temas textuais Natildeo haacute entretanto evidecircncia alguma de quais textos e temas seratildeo
trabalhados Esta inexatidatildeo me fez enxergar impropriedade na proposiccedilatildeo Em uma das
atividades propostas assim aparece levantar as referecircncias que os alunos tecircm sobre os temas
dos textos E de novo quais textos e temas conforme a redaccedilatildeo do projeto natildeo foi possiacutevel
levantaacute-los naquele documento Outra vez haacute uma frase solta compondo o texto Sequer uma
referecircncia aos temas transversais propostos pelos PCNs foi feita Mas no natildeo-dito acerca de
uma tarefa que eacute propositura da escola que deveria atuar pela exiacutemia preocupaccedilatildeo de
contribuir deveras com a construccedilatildeo de uma leitora ativoa a questatildeo-problema por mim
levantada nesta pesquisa foi respondida na leitura do documento Verifiquei deveras que
considerando o que estaacute posto ali por aquele texto-fundador natildeo se contempla o debate sobre
a equidade de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA
32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam
E como travessias natildeo se fazem sem caminhadas caminhei mais pela escola em
busca de perscrutar o que anunciam as vozes docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero na via da
leitura Caminhei contornando em alguns momentos e espaccedilos a anguacutestia pela percepccedilatildeo da
ausecircncia do desejo nosas fazedoresas da educaccedilatildeo por uma leitura como praacutetica social que
construa significados e proponha novos modos de subjetivaccedilatildeo Contornando sem receita
(ningueacutem eacute portador de saiacutedas solitaacuterias) nem elixir nem liccedilotildees nem textos prontos Apenas
escutando sentindo entendendo que a constituiccedilatildeo de uma alunoa leitora pode desaguar em
um mar de ativismo social em um mar que desemaranhe a promoccedilatildeo de um sujeito criacutetico
arguitivo reflexivo natildeo apenas pelo que se lecirc mas de qual lugar e para que se lecirc Para isso
deve haver uma dimensatildeo eacutetica no ato de ler natildeo meramente teacutecnica como costuma grassar
nas escolas pouco afeitas a pensar a leitura de modo perquisitivo Esta dimensatildeo eacutetica natildeo se
semeia em escola assolada por pragmatismo que natildeo ama a educaccedilatildeo essa dimensatildeo
conforme Arendt (2009) anuncia tem no amor a medida de nossos compromissos Eacute
dimensatildeo que abarca decisatildeo poliacutetica eacute escolha pela salvaccedilatildeo pela convicccedilatildeo do
inacabamento freireano (FREIRE1999)
Muito brevemente fui percebendo entatildeo que na escola TRAVESSIA as relaccedilotildees de
gecircnero natildeo perpassavam como debate proposto pelo seu referido projeto de leitura E outra
88
comprovaccedilatildeo disso foi aferida pela consulta que fiz do acervo da biblioteca especificamente
no que se refere agraves obras paradidaacuteticas que satildeo as selecionadas para investigaccedilatildeo em termos
de levantamento natildeo propriamente de anaacutelise dos textos neste estudo Em uma pequena
prateleira havia alguns livros tive o cuidado de ler suas fichas catalograacuteficas e identifiquei
que em nenhum deles tematizava-se gecircnero Conforme ainda me respondeu a coordenadora
do projeto de leitura nas listas de livros da biblioteca natildeo estava disponibilizada nenhuma
obra pelo menos que fosse de seu conhecimento que tratasse da temaacutetica de gecircnero
Indaguei-lhe se alguma educadora ou alunoa jaacute havia manifestado o interesse de procurar
obras com esta temaacutetica Respondeu-me que natildeo
E de fato parece natildeo haver uma existecircncia farta de textos publicados para a
literatura infanto-juvenil trazendo o foco especiacutefico no tema das relaccedilotildees de gecircnero em uma
perspectiva de resistecircncia de oferta de um olhar desconstrutor de formas de se constituir
subjetividades masculinas e femininas Existem obras como A bolsa amarela de Lygia
Bojunga Nunes (2003) Faca sem ponta e galinha sem peacute de Ruth Rocha (2008) e outras
poucas no universo literaacuterio infanto-juvenil brasileiro que enfocam a temaacutetica de gecircnero e
que poderiam estar entre os parcos livros daquele espaccedilo-leitor mas natildeo estatildeo
Mesmo assim a ausecircncia de obras que tratem das iniquidades de gecircnero agrave luz de sua
problematizaccedilatildeo por si soacute natildeo eacute referecircncia de que natildeo haacute a temaacutetica em tela naquele espaccedilo
Ademais a ausecircncia de obras emblemaacuteticas que pontuem o debate proacute-equidade natildeo eacute oacutebice
para que se olhe a questatildeo do alto das indicaccedilotildees das diretrizes educacionais que propotildeem o
desmantelo das assimetrias de gecircnero Para isto basta que se problematizem as leituras de todo
um artefato cultural com sentidos que sedimentam um imaginaacuterio inferiorizante da mulher e
constroem o diferente como abjeto Basta natildeo silenciar diante de artefatos que circulam
construindo sentidos e configurando infacircncias e adolescecircncias prensadas em estereoacutetipos de
gecircnero Estes artefatos circulam socialmente e podem ser lidos como a AD pontua indagar
natildeo o que o texto significa mas como significa
Os sentidos segundo essa disciplina natildeo satildeo fixos natildeo existem em si mesmos
mesmo que sejam administrados (PEcircCHEUX 2012) A escola por isto deve olhar com
atenccedilatildeo todo artefato que lhe chega e o que ela produz como uma forma de militar pela
construccedilatildeo de uma praacutetica de liberdade na qual homens e mulheres desfamiliarizam-se com
as incontaacuteveis narrativas que cruzam suas heterogecircneas formaccedilotildees discursivas Se isto natildeo faz
parte do cotidiano das praacuteticas leitoras dosas educadoresas assimilado como uma questatildeo
poliacutetica uma questatildeo de resistecircncia assimilado aleacutem do que propotildee cursos de formaccedilatildeo de
nada adiantam obras construiacutedas agrave luz da teoria de gecircnero postas em um acervo bibliotecaacuterio
89
De toda sorte a ausecircncia de textos que evoquem leituras militantes fala de uma presenccedila natildeo-
dita fala de um vazio preenchido por uma leitura descomprometida com a pauta
reivindicatoacuteria dos direitos das mulheres e dos direitos da populaccedilatildeo LGBT (leacutesbicas gays
bissexuais travestis transexuais e transgecircneros)
33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos
Nos percalccedilos da travessia na escola verifiquei tambeacutem por outros modos conforme
propus como empiria desta pesquisa que ali natildeo se dava visibilidade ao debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero Comprovei isso ainda pelos depoimentos de educadoresas que em vaacuterios
momentos nos diaacutelogos que tivemos ressaltaram perceber a ausecircncia do tema mesmo
reconhecido por alguns a sua relevacircncia para a construccedilatildeo da cidadania plena Houve registros
orais disso por parte de profissional da biblioteca e de demais educadoresas os quais irei
descrevecirc-los ao longo deste capiacutetulo por consideraacute-los relevantes para a anaacutelise Um desses
registros se deu no relato proferido pela professora Denise que entre as tarefas de emprestar
e guardar livros aquela profissional relatou-me que guarda assiduamente aleacutem de livros
histoacuterias de vida de alunosalunas desabafando sobre conflitos
Denise que estaacute na TRAVESSIA haacute seis anos atesta que haacute naquela unidade escolar
muitos problemas ligados agrave questatildeo da sexualidade da identidade da violecircncia de gecircnero e
domeacutestica Ouvi atentamente a ecircnfase que deu na violecircncia domeacutestica trazida de casa por
meninos e meninas que para esta profissional provoca-lhes ansiedade e revolta Daquela
informante extrai que acirrados conflitos de natureza de gecircnero vividos por aquele grupo de
crianccedilas e adolescentes satildeo como que despejados ali Assim compreendi ser quando lhe
indaguei acerca de accedilotildees para o enfrentamento desses conflitos e afora os atendimentos pelos
especialistas o que eacute tiacutepico e corriqueiro ela me respondeu que natildeo se faz mais nada naquele
espaccedilo Esse nada esteve como resposta referente agrave indagaccedilatildeo que lhe fiz pontuando se o
projeto de leitura natildeo trabalhava especificamente em forma de debates com textos que
evocassem reflexotildees socializaccedilatildeo envolvimento com as famiacutelias e enfrentamento dessas
questotildees
A cada momento no chatildeo da escola natildeo me passava incoacutelume a presenccedila tatildeo
avassaladora de conflitos envolvendo violecircncia de gecircnero reveladas pelas praacuteticas discursivas
de outrosas informantes desta pesquisa Em uma de minhas visitas agrave escola todavia em 4 de
outubro2013 registrei um relato que me fez refletir com mais ecircnfase sobre as relaccedilotildees de
poder como praacuteticas integrantes do cotidiano em grande extensatildeo Esta reflexatildeo se deu
90
quando dialoguei com Rosa professora de Inglecircs haacute vinte anos Soliacutecita em me atender a
educadora revelou por diversas vezes o desejo de desabafar mas expressando sinceridade
mesmo que me chocasse E falou enfaticamente a partir de um status conservador que rejeita
os estudos e as bandeiras dos DH as ideias sobre sexualidade e gecircnero defendidas por
ldquoeducadoresas modernosrdquo por achar que o mundo bom em seu dizer ldquoeacute aquele onde
existem regras moral repressatildeo E que isto parece querer acabarrdquo
Para Rosa as tecnologias enunciativas que propotildeem uma nova ordem de reflexatildeo e
comportamento eacute uma desordem um mal Natildeo exatamente com essas palavras mas trazendo
este sentido respondeu-me a docente quando lhe indaguei acerca da inserccedilatildeo do debate dobre
gecircnero respaldada nas questotildees trazidas pela legislaccedilatildeo educacional Seu olhar aposta na
repressatildeo no silecircncio em especial agraves garotas que estatildeo muito soltas a seu ver Esta
informante sem o menor embaraccedilo relatou-me que a escola vivia momentos difiacuteceis com
uma explosatildeo da sexualidade da sua juventude e que isso era efeito da falta ldquode freiordquo Para
sustentar suas ideias relatou-me um fato haviam recentemente passado por uma experiecircncia
dificiacutelima com a depressatildeo de uma jovem que se autoflagelou (cortando o corpo em vaacuterias
partes) depois de ter tido sua imagem exposta publicamente em rede social quando fez sexo
com vaacuterios garotos e permitiu que eles filmassem o ato O comportamento da aluna opinou a
educadora foi muito vulgar rendeu-lhe depressatildeo chacota desonra preocupaccedilotildees para a
famiacutelia
Da discursividade de Rosa emanava rigidez de comportamento repressatildeo inclusive
fazendo a defesa do controle dos corpos pela instituiccedilatildeo Sem nenhum ressentimento de estar
errada nem extemporacircnea esta docente assumiu que se preocupava veementemente com as
roupas as danccedilas os comportamentos das meninas que a seu ver eram consideradas como
ldquoassanhadinhas perdidasrdquo Sua vigilacircncia acreditava esta informante era o melhor para a
escola E de forma diferenciada dirigia o controle a meninos e meninas para elas os
cuidados eram focados na sexualidade com relaccedilatildeo aos garotos a vida social deles como um
todo tinha sua apreensatildeo Aos meninos preocupaccedilotildees de natureza diferente eram por ela
dispensadas cuidados com as drogas o aprendizado a violecircncia a marginalidade Agraves
questotildees ligadas agrave sexualidade e ao corpo dos garotos havia um silecircncio um natildeo dito
permissivo da parte dela como se soacute a eles lhes coubesse o direito de viver seus desejos
sexuais
Ao ouvir a apropriaccedilatildeo do discurso da construccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
naquela voz educadora veio-me pela memoacuteria discursiva agrave lembranccedila o discriminador dito
popular ldquosegure sua cabrita que meu bode estaacute soltordquo O ditado que trata assimetricamente
91
homens e mulheres veio-me [meu bode estaacute solto] pelo silecircncio permissivo da educadora agrave
ordem machista quanto ao que podem os meninos satildeo livres E veio-me [segure sua cabrita]
pela fala dela quanto agrave ordem repressiva do que natildeo podem as meninas precisam de
cabrestos Tatildeo iniacutequo esse dito poderia ser pronunciado por aquela voz educadora para
sintetizar seu olhar insensiacutevel agraves questotildees trazidas pelos campos dos estudos de gecircnero Um
olhar de uma educadora turvado de preconceito machista em meio a toda uma
problematizaccedilatildeo que o coletivo de mulheres tenta construir sobre igualdade de direitos eacute um
olhar que destoa com praacuteticas de liberdade e aduz com a indagaccedilatildeo de Foucault no tocante agrave
regulaccedilatildeo dos comportamentos entre outras instituiccedilotildees pela escola
O que eacute afinal um sistema de ensino senatildeo uma ritualizaccedilatildeo da palavra senatildeo uma
qualificaccedilatildeo e uma fixaccedilatildeo de papeacuteis para os sujeitos que falam senatildeo a constituiccedilatildeo
de um grupo doutrinaacuterio ao menos difuso senatildeo uma distribuiccedilatildeo e uma apropriaccedilatildeo
do discurso com seus poderes e seus saberes [] (FOUCAULT 2011 p 44-45)
Na consonacircncia com o que diz Foucault (2011) os depoimentos de Rosa podem ser
vistos como os que se apropriam de um discurso que se arvora no papel de controlar sujeitos
pautados no poder institucional escolar E mesmo quando este poder passa a ser enxertado por
outra ordem discursiva que abala pilares conservadores a educadora eacute refrataacuteria agrave nova
ordem e defende o controle da doutrina da coerccedilatildeo de comportamentos tachando as alunas
que se lanccedilam nas descobertas da sexualidade como vulgares Isso fez com que ela fosse
redutora no olhar que dirigiu agrave menina de sua histoacuteria viacutetima do machismo de um grupo de
colegas ainda eacute a condenada pela autoridade escolar Indaguei-lhe o que fizeram com os
meninos que expuseram a garota Sua resposta anunciou um conservadorismo atravessado por
gecircnero
- Foram chamados na direccedilatildeo advertidos Mas satildeo homens
Homens que usam mulheres humilham-nas expotildeem-nas A ressalva pontuada pela
materialidade linguiacutestica da conjunccedilatildeo adversativa mas no enunciado de Rosa reforccedila seu
olhar segregacionista machista seu status de sujeito que anuncia de um lugar conservador
ldquoMas satildeo homensrdquo eacute o enunciado campo para o natildeo dito brotar nada lhes pega mal na
instacircncia da sexualidade assim subjaz um discurso assimeacutetrico de gecircnero naquela voz Na
concepccedilatildeo daquela educadora ser homem eacute um atributo para a libertinagem aleacutem do direito agrave
liberdade
92
Percebi ali que passando ao largo de um debate que contemple problematizar
preconceitos machistas assimetrias de gecircneros alguns profissionais aleacutem de Rosa lidam de
forma tensa e iniacutequa com o despertar da sexualidade dessesas jovens especialmente na
representaccedilatildeo dos papeacuteis do masculino e do feminino Vale todavia fazer o registro de que
osas colaboradoresas observadosas e entrevistadosas natildeo podem ser vistos como
vilotildeesvilatildes nem portadoresas de verdades ou falsidades mas como sujeitos que se engrenam
em poderes e saberes culturas comportamentos disciplinados historicamente dados por isso
passiacuteveis de movecircncias de transformaccedilotildees
34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades
E ainda sequenciando a explanaccedilatildeo do campo empiacuterico que faz parte desta pesquisa
pontuo que averiguei o quanto o projeto de leitura era desvinculado de uma problematizaccedilatildeo
sobre as relaccedilotildees de gecircnero com base na anaacutelise das respostas do questionaacuterio aplicado junto
agravesaos educadoresas Aqui farei o entrelaccedilamento da anaacutelise dos resultados deste instrumento
com mais relatos que geraram dados para este estudo
Como um dos pontos do processo investigativo recorri agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio
com osas demais educadoresas envolvidosas com o projeto com o propoacutesito de avaliar
como a accedilatildeo leitora eacute apreendida por outros sujeitos considerando que inicialmente apenas
trabalhei com a coordenaccedilatildeo do projeto A aplicaccedilatildeo deste instrumento foi solicitada depois
de alguns diaacutelogos com membros da equipe pedagoacutegica da escola agrave Diana coordenadora do
projeto de leitura que de forma bastante soliacutecita concordou disponibilizando-se para
colaborar e recebeu em matildeos dez coacutepias do questionaacuterio para distribuir com educadoresas
integrantes do trabalho ali desenvolvido Anteriormente jaacute havia feito o convite aosagraves
professoresas para que participassem da pesquisa assegurando-lhes o respeito ao anonimato
caso assim o desejassem Dos dez instrumentos entregues apenas de um natildeo houve a
devolutiva o que me fez ter a colaboraccedilatildeo de um nuacutemero satisfatoacuterio considerando o total de
professoresas na instacircncia educacional em tela envolvidosas com o referido projeto
Para esse instrumento investigativo foram articulados enunciados pensando na
contribuiccedilatildeo para as reflexotildees que preciso construir considerando que o sujeito fala sempre a
partir de especiacuteficas posiccedilotildees histoacutericas e culturais de praacuteticas descontiacutenuas que se cruzam
se desconhecem se justapotildeem enfim que natildeo se pode apreendecirc-las de forma objetiva e
neutra (cf FOUCAULT 2011 2012) Vale ressalvar entatildeo de que a interaccedilatildeo que eacute feita com
as respostas dadas no documento investigativo natildeo pode ser vaticinada como uma revelaccedilatildeo
93
objetiva do real se assim o fosse natildeo estaria partilhando com a perspectiva foucaultiana
como tambeacutem com a da criacutetica feminista poacutes-estruturalista as quais concebem que a verdade
eacute uma produccedilatildeo discursiva histoacuterica e social o que indica que natildeo haacute a verdade mas haacute a que
prevalece
No tocante agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio ouvi dosas respondentes em contatos
fortuitos que as questotildees formuladas foram bem interessantes A qualificaccedilatildeo de interessante
pelo que assimilei deveu-se agraves formulaccedilotildees que fizeram com que osas educadoresas
informantes refletissem sobre as suas praacuteticas discursivas Guiei-me para a confecccedilatildeo deste
instrumento investigativo entre outras pelas reflexotildees que o Poacutes-Estruturalismo traz em
termos de abrir caminhos para se pensar a realidade pontuando uma poliacutetica de
problematizaccedilatildeo da diferenccedila racial eacutetnica e de gecircnero As questotildees levantadas no
instrumento investigativo foram elaboradas considerando tambeacutem o norte interrogativo de que
se havia tal poliacutetica no que se refere agraves questotildees de gecircnero adentrado o espaccedilo escolar
E desse modo considerando que apoacutes a inserccedilatildeo da temaacutetica de gecircnero nas duas
uacuteltimas deacutecadas por meio tambeacutem de elementos enunciativos oficiais como os PCNs (1997) e
a LDBEN-96 que indicam o respeito agrave diversidade e agrave igualdade de direitos fui investigar
com este instrumento se oa educadora estava sendo formadoa para atuar (ou natildeo) por uma
sociedade em que as assimetrias de gecircnero fossem combatidas Por seu turno trazendo a
interface temaacutetica de gecircnero com a perspectiva da leitura discursiva na qual ler eacute mais do que
decodificar eacute se inscrever socialmente procurei elaborar questatildeo que pontuasse como a
leitura se desenvolvia no projeto
Busquei enfim enunciados que tratassem das discursividades docentes referentes agrave
construccedilatildeo social do gecircnero e agrave leitura como praacutetica social Assim os propus
1 O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto A
CestaSexta Literaacuteria (marque ateacute trecircs principais questotildees)
1a ( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo
1b ( ) Uma atividade prazerosa
1c ( ) A escola natildeo valoriza a leitura
1d ( ) A escola valoriza pouco a leitura
1e ( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais
Outra __________________________________
Trecircs enunciados foram sumamente considerados 1a 1c e 1e instrumento de ajuda
na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo a escola natildeo valoriza a leitura e o de que eacute um estiacutemulo agraves
transformaccedilotildees sociais Chamou-me atenccedilatildeo a marcaccedilatildeo de que a escola natildeo valoriza a leitura
94
(1c) por tudo o que essa praacutetica pode significar marcado no uacuteltimo item possibilidade de
mudanccedilas sociais Tambeacutem a ausecircncia de marcaccedilatildeo no enunciado que vecirc na leitura uma
atividade prazerosa (1b) eacute um indicativo que incita reflexotildees considerando que a formaccedilatildeo
doa leitora tem vinculaccedilatildeo profunda com o prazer de ler E estas reflexotildees me trazem agrave
lembranccedila a informaccedilatildeo da 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil na qual eacute
pontuada a problemaacutetica de que a escola brasileira natildeo sedimenta a leitura oferece o acesso
mas natildeo sabe semear o prazer pelo ato de ler Segundo indicadores da pesquisa aqui os
rememorando 44 dos alunos da rede privada e 46 da puacuteblica afirmaram ter como
motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola Com as reflexotildees que a natildeo-marcaccedilatildeo do
enunciado 1b suscita vieram-me agrave lembranccedila tambeacutem Carlos Drummond de Andrade
(1983) e Rubem Alves (2004) quando esses aticcedilam poeticamente o desejo pelos requintes do
mergulho nas deliacutecias das leituras natildeo-obrigatoacuterias das que nascem da fome de ler da fome
de aticcedilar a imaginaccedilatildeo as reflexotildees que podem advir de uma leitura fecunda
Esse enunciado natildeo marcado pelosas educadoresas pontua uma denuacutencia de
desvalor pela escola a uma de suas eleitas funccedilotildees formadoras a da leitura Decerto que isto
reflete todo o descaso que o poder puacuteblico historicamente tem feito em termos de poliacuteticas
voltadas ao estiacutemulo agrave leitura agrave valorizaccedilatildeo da educaccedilatildeo Haacute uma heranccedila de deficiecircncia
educacional da qual soacute recentemente se tem cuidado natildeo ainda o suficiente ainda de modo
piacutefio melhor dizendo mas despontam investimentos maiores do que jaacute houve Investimentos
piacutefios ou natildeo investimentos Este eacute um legado que tatildeo bem lembra Werthein (2008) ao citar
as relaccedilotildees de poder-saber pertencentes agrave elite econocircmica brasileira que se instruiacutea na
Europa agrave eacutepoca do Brasil Colocircnia enquanto que ao povo lhe era negado o direito agrave escola
Quando o acesso agrave educaccedilatildeo puacuteblica se torna realidade a qualidade natildeo faz parte desta
conquista Disto se sabe a estrutura que a educaccedilatildeo puacuteblica oferta aos seus usuaacuterios em
termos de praacuteticas leitoras eacute deficitaacuteria As salas de aulas lotadas os pequenos acervos as
escolhas dos livros com os criteacuterios mercadoloacutegicos agrave frente os parcos recursos tecnoloacutegicos
para facilitarem animaccedilotildees adequadas a pouca reflexibilidade das famiacutelias quanto agrave leitura
em casa entre tantas outras satildeo condiccedilotildees que educadoresas elencam como obstaacuteculos a uma
experiecircncia prazerosa com a leitura
As condiccedilotildees limitadoras acima elencadas natildeo foram extraiacutedas pelas respostas ao
questionaacuterio Foram informaccedilotildees que obtive em diaacutelogo com a professora Mari em uma das
minhas visitas agrave escola (diaacuterio de campo13set2013) Apoacutes esta me informar sobre a
ausecircncia da temaacutetica de gecircnero em suas praacuteticas indaguei-lhe se natildeo considerava pertinente
trabalhar com textos que abordassem a violecircncia de gecircnero Fiz a pergunta tendo em vista o
95
que anunciam Carvalho (2003) e Louro (2012) no tocante agrave percepccedilatildeo dessas estudiosas de
que natildeo haacute distacircncia da temaacutetica ela eacute entranhada no espaccedilo escolar fabricando sujeitos
Educadoresas tecircm desse modo a possibilidade de contribuir reflexivamente sobre que
construccedilatildeo discursiva se faz com esses sujeitos reforccedilam preconceitos e estereoacutetipos de
gecircnero ou garantem o direito a esses de uma digna imagem de si Natildeo haacute neutralidade o
tempo todo somos tramados por linguagem que nos moldam
E para suscitar este debate as diretrizes educacionais inclusivas como as
positivadas em Resoluccedilatildeo 0112 no PNDH nos PCNs e na LDB satildeo aportes que chegam
ocupando gavetas escolares e atenccedilatildeo em eventos de formaccedilotildees continuadas mas se estas
estatildeo incorporadas nas praacuteticas discursivas dosas fazedoresas da educaccedilatildeo eacute outra questatildeo E
foi isso que ali atestei na entrevista com Mari a professora de Liacutengua Portuguesa suas
inquietaccedilotildees evidenciaram a lacuna entre as tecnologias oficiais por ela conhecidas e a sua
praacutetica discursiva Agrave minha indagaccedilatildeo acerca da necessidade de trabalhar para uma
consciecircncia de gecircnero sem titubear ela me respondeu
- Dou-me por satisfeita quando faccedilo meus alunos [e alunas] lerem O que leem natildeo
faz parte de minhas expectativas
Mais um enunciado que destrincha que carrega frustraccedilotildees profissionais de vozes
emparedadas pelos muros escolares de um sistema educacional feito para engessar
mobilizaccedilatildeo social ressoou ali Investimentos parcos na educaccedilatildeo puacuteblica que resultam em
peacutessimas condiccedilotildees de trabalhos minguaram as expectativas de uma mulher ainda jovem com
poucos anos de formada que parece entender o quanto a leitura pode propiciar criticidade o
que leem soou em sua voz com forccedila com tom de importacircncia Mas isso depende de suas
vinculaccedilotildees com accedilotildees poliacuteticas como remete Freire (2002) com accedilotildees planejadas como
indicam estudiososas da leitura e daacute trabalho propocirc-las naquele ambiente tatildeo hostil agrave leitura
aos olhos de Mari E ela abriu matildeo disso confessamente
Natildeo pude deixar de suspeitar de que talvez sem estar protegida pelo anonimato
aquela educadora que me disse natildeo ser do quadro efetivo dosas servidoresas por isto natildeo se
sentia segura para fazer criacuteticas agrave educaccedilatildeo na rede municipal natildeo tivesse tido a coragem de
se expor tatildeo cruamente Expocircs-se e trouxe agraves vistas uma das piores chagas da escola puacuteblica
brasileira a de que a leitura natildeo tem o lugar que deveria conforme Antunes (2009) anuncia
lugar de destaque de centro de alimento de patildeo diaacuterio Na contramatildeo de investimentos
intelectuais e financeiros em letramento tocircnica educacional das uacuteltimas deacutecadas Mari se
96
contentava com a mera decodificaccedilatildeo com a leitura que poderia promover ao maacuteximo oa
estudante aagrave trabalhadora natildeo aagrave cidadatildeoatilde Haacute uma relaccedilatildeo entre esta tocircnica de
descompromisso dito em escola paraibana ressoada pelo que pontua Bastos (2012) em outro
espaccedilo do territoacuterio brasileiro o baiano de que a escola precisa cumprir sua funccedilatildeo social e
atrair para o ato de ler este grupo de excluiacutedo para quem a leitura natildeo eacute gecircnero de primeira
necessidade
Retornando ao questionaacuterio tambeacutem respondido por esta informante na segunda
questatildeo deste instrumento objetivei inquirir sobre o que se lecirc avaliando quais conteuacutedos
eram promovidos pelo projeto
2 O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos
Direitos Humanos
( ) sim ( ) natildeo
Apesar de destoante com o que apresenta o documento do projeto de leitura que
conforme jaacute referido natildeo evidencia trabalhar temas atinentes aos DH das nove respostas a
esta questatildeo sete percebem a presenccedila de temas no projeto de leitura que focam reflexotildees
com tais temaacuteticas Na formulaccedilatildeo do enunciado foi pontuado o racismo e de forma
generalizada a expressatildeo preconceitos inviabilizando melhor percepccedilatildeo do que consta como
defesa dos DH Mas na questatildeo seguinte a de nuacutemero trecircs articulei a especiacutefica questatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero interessada em averiguar qual o comprometimento da escola por seus
propoacutesitos educacionais e poliacuteticos especificamente em seu projeto de leitura com o campo
de gecircnero
3 O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto
( ) sim ( ) natildeo
Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior
3a ( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas
3b ( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica
escolar de engajamento no combate agraves assimetrias de gecircnero
3c ( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema no projeto de leitura
3d ( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e
como muitas leituras reforccedilam os padrotildees sexistas presentes na sociedade
( ) outra ____________________________
97
As respostas da segunda questatildeo foram quase totalizadoras de que haacute a existecircncia de
um estiacutemulo agraves reflexotildees pertinentes agraves temaacuteticas dos DH pelo projeto de leitura desenvolvido
na escola Quanto agrave terceira todosas nove respondentes afirmaram que natildeo haacute a incorporaccedilatildeo
temaacutetica de gecircnero nas leituras feitas pelo projeto e por conseguinte marcaram a proposiccedilatildeo
3c O cruzamento da anaacutelise dessas duas questotildees pode evidenciar o quanto debater gecircnero
parece ser mais aacutespero menos necessaacuterio do que enveredar por outros caminhos que os DH
embandeiram Esta dissociaccedilatildeo chamou-me atenccedilatildeo e me fez refletir quanto esta temaacutetica
passa ao largo de accedilotildees de leitura em um momento em que se discute recontar textos agrave luz de
teorias de gecircnero respaldada a recontagem na militacircncia do coletivo de mulheres que deseja
ver desconstruiacutedas imagens que as fragilizam
O debate conforme responderam osas educadoresas natildeo aparece no projeto de
leitura assim pode natildeo estar incorporado sistematicamente como accedilatildeo poliacutetica de resistecircncia
relembrando o dito por Foucault (2004a 2012) Em um dos meus diaacutelogos com a
coordenadora do projeto na visita de 28 de setembro de 2013 fazendo inquiriccedilotildees sobre a
percepccedilatildeo dela quanto ao conceito de gecircnero das obras presentes no espaccedilo da biblioteca
acerca desse campo obtive de mais uma informante desta pesquisa que natildeo havia obra ali
com esta perspectiva Este tema precisaria ser inserido passava ao largo o foco nas relaccedilotildees
de gecircnero Falou-me que ao selecionar textos natildeo traz este olhar previamente Quando lhe
indaguei como via a omissatildeo da temaacutetica respondeu-me
- Percebo a omissatildeo agora com sua presenccedila que faz sentido discutir gecircnero Mas
como faccedilo isto Quais textos devem ser trabalhados
E eu lhe escutei sem entender como esta educadora natildeo atentaria que subjaz em regra
nos diversos gecircneros textuais um olhar construtor de gecircnero Haacute olhares sobre mulheres
negras brancas jovens idosas de classes e etnias diferentes nos quais subjazem nos gecircneros
textuais a iniquidade de gecircnero social Plasmada em letras de muacutesicas livros didaacuteticos
paradidaacuteticos canccedilotildees histoacuterias piadas publicidades mateacuterias jornaliacutesticas cantadas enfim
sob os mais diversos formatos haacute a temaacutetica de gecircnero Indaguei-lhe se acharia que a
ausecircncia de textos especiacuteficos para o enfrentamento agrave iniquidade de gecircnero poderia mesmo
ser oacutebice para a exploraccedilatildeo da temaacutetica considerando que ela estaacute no imaginaacuterio social de
alguma forma precisando ser desconstruiacuteda Ela foi sincera e confessou que natildeo atentava para
a presenccedila da temaacutetica perpassando em tantos gecircneros textuais A invisibilidade da violecircncia
de gecircnero deu sinais naquele depoimento De modo letaacutergico natildeo sendo contemplada em
98
leituras escolares nem vista em textos que fazem parte do cotidiano das prateleiras de
bibliotecas dos aparelhos de som e das mochilas escolares a invisibilidade fazia acenos pelos
sentidos que aquela educadora concedia ao ato de ler
O ato de ler natildeo se esgota em livros bibliotecas professoresas escolas Nascem de
olhos que veem que planejam que seduzem Silva (2011) aduz que as praacuteticas de leitura
escolar natildeo podem nascer do acaso nem do autoritarismo de tarefas mas de uma programaccedilatildeo
envolvente E isto perpassa essencialmente por uma formaccedilatildeo que privilegie praacuteticas de
liberdade consciecircncia da importacircncia de uma construccedilatildeo coletiva do lugar de si e do outro no
mundo que nos cerca Dessa formaccedilatildeo o poder puacuteblico tem dito se preocupar Eacute com o que
parecem concordar osas entrevistadosas diante da seguinte questatildeo
4 Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel
inicial quanto na continuada tem preparado o (a) profissional para uma praacutetica
pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar
( ) sim ( ) natildeo
Essa questatildeo objetivou perceber de que forma as poliacuteticas puacuteblicas de formaccedilatildeo
inicial e continuada satildeo percebidas Eacute algo que merece a atenccedilatildeo ser averiguado seriam essas
formaccedilotildees proficientes excessivamente teoacutericas de que modo essas praacuteticas discursivas
equipam essesas profissionais para impactar suas atuaccedilotildees Investigar o que de fato tem
atravessado os discursos das formaccedilotildees e ressoado no chatildeo da escola nos modos de
subjetivaccedilatildeo dessesas professoresas leitoresas eacute de uma pertinecircncia tamanha para quem se
envolve com a educaccedilatildeo como praacutetica de liberdade no sentido foucaultiano Dizendo de outro
modo eacute salutar buscar se haacute verdades novas atinentes ao que propotildeem os DH sobre a
equidade de gecircnero sobre a desconstruccedilatildeo da constituiccedilatildeo do diferente enunciadas pelos
formadores em curso de capacitaccedilatildeo e nas formaccedilotildees iniciais e quais tecircm sido seus efeitos
Com a aplicaccedilatildeo da quarta questatildeo pude avaliar como satildeo afetadas as relaccedilotildees de gecircnero pela
ingestatildeo do debate pelas tecnologias formadoras E de fato a totalidade dosas respondentes
afirmou que recebe uma formaccedilatildeo que capacita que contempla o debate sobre a construccedilatildeo
das diferenccedilas e a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar
Entre todavia o recebimento de uma formaccedilatildeo capaz de problematizar as
assimetrias de gecircnero e a implementaccedilatildeo por parte dessesas educadoresas de uma praacutetica
discursiva que lhes capacite romper com uma memoacuteria discursiva que interdita uma condiccedilatildeo
de vida sem subalternidades existem seacuteculos de jogos de verdade nos quais os processos de
subjetivaccedilatildeo transigem segundo regras histoacutericas Satildeo jogos que perpassam doutrinas
99
pedagoacutegicas sustentando uma superioridade intelectual dos homens por isto destinando
lugares distintos para homens e mulheres (o puacuteblico aos homens o privado agraves mulheres)
Satildeo jogos de verdade que destinam comportamentos diferenciados aos sexos constituindo o
gecircnero sustentando a inferioridade feminina a construccedilatildeo da diferenccedila do padratildeo
heterossexual como desvio como patologia entre tantos outros jogos de verdade
E as regras histoacutericas hoje consideram lentamente uma ordem discursiva que se
desenha na qual as muralhas androcecircntricas sofrem o abalo de uma atuaccedilatildeo poliacutetica do
coletivo de mulheres e do LGBT que se empoderam com o ativismo autoral por respeito agraves
diferenccedilas Pude constar isto em uma visitaccedilatildeo que fiz agrave escola em 24 de outubro de 2013 Em
diaacutelogo com Elisa uma professora com 15 anos de atuaccedilatildeo profissional no qual lhe indaguei
sobre sua percepccedilatildeo acerca da presenccedila das relaccedilotildees de gecircnero no cotidiano escolar acerca da
vinculaccedilatildeo (ou natildeo) entre suas praacuteticas leitoras e estas questotildees Muito rapidamente ela se
posicionou como uma conservadora e se disse escandalizada com as transformaccedilotildees sociais
que via emergir em termos de comportamentos sexuais inclusive ali na escola Ouvi um
desabafo inusitado desta informante que presenciou uma cena de beijos entre duas
adolescentes
- Natildeo vejo a hora de sair desta escola Aqui todos satildeo danados E as meninas nem se
falam Peguei duas aos beijos fui intervir e ouvi da menina
- Taacute com preconceito eacute professora
A narrativa daquela educadora me marcou e lhe indaguei se ela achava que estava
com preconceito conforme lhe indagou a menina Respondeu que sim pois sendo beijos entre
casais heterossexuais tambeacutem reprimiria o ato mas natildeo ficaria tatildeo aborrecida como ficou Fiz
a Elisa mais indagaccedilotildees inquirindo sobre o efeito das formaccedilotildees acadecircmicas pelas quais ela
tem passado Ela pareceu-me marcha por lugares onde soam ritmos diferentes E com suas
respostas fui remetida ao que diz Orlandi (2008) acerca do entrecruzamento de vozes que
torna o sujeito heterogecircneo e das condiccedilotildees de produccedilotildees do discurso que permitem
enunciados diferentes em determinados espaccedilos sociais Mesmo se dizendo refrataacuteria agraves
mudanccedilas Elisa disse aprovar as formaccedilotildees continuadas que ensinam a lidar com as
diferenccedilas apesar de natildeo conseguir concordar com o que escuta e vecirc
- Nas formaccedilotildees continuadas ateacute entendo a questatildeo do respeito mesmo sem
concordar ateacute entendo Mas quando presencio uma cena como a do beijo das meninas em
puacuteblico daacute um nojo acho uma falta de respeito natildeo concordo
100
E como demonstrou natildeo concordar Sua ecircnfase agrave cena me fez pensar no quanto
provavelmente o beijo das duas garotas consideradas desviantes lhe foi claramente chocante
mas natildeo menos e natildeo tatildeo claro foi chocante a ela o tom reivindicativo com o qual a aluna se
apoderou para evocar da professora uma postura mais reflexiva mais apropriada a sua funccedilatildeo
A desviante aos olhos de Elisa pode ter lhe lembrado de que para ser educadora ela deveria
estar atinente agraves novas poliacuteticas educacionais deveria ter postura de respeito agrave liberdade de
afeto seja de que maneira for Haacute o dever ao respeito agraves diferenccedilas assegurado legalmente
parece ter dito a menina ao lhe indagar sobre preconceito
Elisa segundo me informou caiu em si natildeo se sentia preparada para atuar ali
mesmo que se esforccedilasse para assimilar as diretrizes de uma escola inclusiva democraacutetica
natildeo discriminatoacuteria Essa professora se depara com formaccedilotildees discursivas conflitantes e entre
suas verdades e o que a escola deseja construir aos moldes de ser inclusiva angustia-se O
recrudescimento do constituiacutedo diferente que empoderado natildeo aceita ser abjeto (HALL
2011) e reivindica direitos pocircs em evidecircncia isto causando-lhe transtorno Uma firmeza da
menina desviante foi o estopim para gerar na professora a vontade de abandonar aquela
escola para natildeo ter que se desfazer de uma formaccedilatildeo discursiva cristalizadora de identidades
Formaccedilatildeo que talvez natildeo tenha lhe permitido enxergar amiuacutede toda sorte de preconceitos
insultos e ofensas vividos por outrosas desviantes tirando-lhes o chatildeo tirando-lhes da escola
Agora era o seu chatildeo que lhe fora retirado por um gesto de afirmaccedilatildeo de identidade de
altivez de peleja pela desconstruccedilatildeo de verdades
Restaria querer buscar outro chatildeo mais soacutelido mais firme na crosta essencialista
Mas para qual escola iria Mesmo timidamente o discurso da defesa da diversidade cultural
sexual e da equidade de direitos eacute um campo de luta que surge amparado em legislaccedilatildeo
educacional e em formaccedilotildees continuadas dispensadas aosagraves educadoresas Embora de forma
amena tangencial surge Eacute o contraponto a uma ordem conservadora de uma perspectiva
essencialista discriminadora que se faz surgir em praacuteticas discursivas instigadoras de
problematizaccedilotildees da iniquidade de gecircnero Acerca da presenccedila desse contraponto na escola
TRAVESSIA quis saber interrogando sobre as poliacuteticas educacionais no direcionamento do
que pode o menino e a menina toacutepico da quinta questatildeo
5 As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o
menino e o que pode a menina
( ) sim ( ) natildeo
101
5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e
meninas
5b ( ) comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento
5c ( ) ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual
5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que
satildeo naturalmente desiguais
Osas respondentes demonstraram natildeo perceber que a escola trata fortemente
desigual a ambos Em nenhuma resposta houve a marcaccedilatildeo para o enunciado 5c o qual
afirma que as poliacuteticas educacionais ainda comprometem a equidade de gecircnero Por sua vez a
negaccedilatildeo de que haacute discriminaccedilatildeo foi bem marcada pela maioria dos respondentes
5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e
meninas
Haacute uma coerecircncia interna na marcaccedilatildeo dessas respostas quando relacionado o
conjunto de todas as quatro proposiccedilotildees considerando que com a ausecircncia absoluta por parte
de todos os respondentes de marcaccedilatildeo com o enunciado a seguir haacute a indicaccedilatildeo de que osas
respondentes buscam negar ranccedilos essencialistas nas suas formaccedilotildees discursivas
5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que
satildeo naturalmente desiguais
O que me leva a assim pensar eacute a consideraccedilatildeo de que em nenhuma das respostas
houve marcaccedilatildeo na propositura acima indicada (5d Osas colaboradoresas da pesquisa
parecem querer evidenciar crer que natildeo somos homens e mulheres naturalmente desiguais
Somos ao contraacuterio construiacutedos desiguais detentores em princiacutepio de direitos iguais e a
escola parece querer respeitar esta conquista que eacute relativamente recente Parece mas
estabelecendo um diaacutelogo com vozes informantes desta pesquisa como as de Rosa e Elisa
por exemplo nem chega a parecer suas vozes carregam enunciados visivelmente
sedimentados na assimetria essencialista
Por sua vez com o enunciado da sexta questatildeo que intenciona captar de que forma a
escola tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo intervindo nas construccedilotildees de gecircnero
das crianccedilas e adolescentes foram evidenciados resultados que mostram possibilidades bem
reveladoras de olhares essencialistas Seguem a questatildeo e seus resultados
102
6 Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como
natildeo apropriados para seu sexo qual a leitura feita
6a ( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada
crianccedila
6b ( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado
6c ( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
Outro _______________________________
Apenas dois tipos de respostas foram marcadas Unicamente uma pontuaccedilatildeo para a
proposiccedilatildeo 6a que anuncia Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras
de cada crianccedila Esta percepccedilatildeo solitaacuteria vai ao encontro de um olhar que aceita
problematizar padrotildees hegemocircnicos aceita contrariar jogos de poder que reproduzem
estigmatizaccedilotildees discriminaccedilotildees sexistas assimetrias de gecircnero Por seu turno oito dosas
nove colaboradoresas disseram que procuram redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
(6c) Uma indicaccedilatildeo de que raciocinam por uma loacutegica essencialista dual homogeinizante
normalanormal Uma loacutegica que exclui os que rompem com os padrotildees identitaacuterios de
gecircnero e mesmo que evite expocirc-los constrangecirc-los natildeo os aceita tenta enquadraacute-los Satildeo os
saberes-poderes que permitem o governo de sujeitos por outros os processos de subjetivaccedilatildeo
sendo instaurados por verdades veiculadas pelas instituiccedilotildees
O poder funciona e se exerce em rede Nas suas malhas os indiviacuteduos natildeo soacute
circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer este poder e de sofrer sua accedilatildeo
nunca satildeo o alvo inerte ou consentido do poder satildeo sempre centros de transmissatildeo
Em outros termos o poder natildeo se aplica aos indiviacuteduos passa por eles
(FOUCAULT 2012 p 45)
Para corroborar a afirmaccedilatildeo de Foucault (2012) que fala deste poder dispersado
localizado pelo pensador nas relaccedilotildees sociais como um todo retorno aos fragmentos retirados
dessa pesquisa refletindo sobre o poder em sua dimensatildeo relacional A quase totalidade dosas
educadoresas vigiada possivelmente pelos olhares de pais direccedilatildeo colegas por enunciados
que circulam em documentos escolares em formaccedilotildees e cursos posiciona-se dubiamente
concebe a polaridade fixa dos gecircneros exerce entatildeo o poder de redirecionar o interesse do
considerado desviante Mas natildeo expotildee quem a contraria Estariam sendo desestimulados
essesas colaboradoresas pelas bandeiras anti-homofoacutebicas Bom sinal para o ativismo
poliacutetico da populaccedilatildeo LGBT que historicamente sofre as agruras do preconceito e da
discriminaccedilatildeo confrontando isto com o que reza um dos princiacutepios do Plano Nacional da
Promoccedilatildeo da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT lanccedilado em 2009 ldquoUm Estado
Democraacutetico de Direito natildeo pode aceitar praacuteticas sociais e institucionais que criminalizam
103
estigmatizam e marginalizam as pessoas por motivo de sexo orientaccedilatildeo sexual eou
identidade de gecircnerordquo (Secretaria Especial dos Direitos Humanos 2009 p11)
Com os sentidos afiados em confluecircncia com o olhar de Louro (2012) um passeio
pela escola e pelas respostas apresentadas neste instrumento de investigaccedilatildeo revelam o quanto
praacuteticas escolares expressam uma constituiccedilatildeo discursiva com fixaccedilatildeo de comportamentos
adequados para meninos e meninas Ora rechaccedilando ora respaldando o fato eacute que os modelos
socialmente valorizados ainda satildeo os que estereotipam meninas como fraacutegeis esforccediladas e
meninos como inteligentes fortes Isso resulta em confronto em fabricaccedilotildees de estereoacutetipos
Para a elaboraccedilatildeo da seacutetima questatildeo que possui este elo busquei reflexotildees no pensamento de
Foucault (2004a 2004c) quando esse propotildee o cuidado de si as praacuteticas que constituem uma
subjetividade eacutetica Penso que a defesa de uma vigilacircncia sobre construccedilotildees discursivas que
fabricam mulheres objetos coisificadas veiculadas em toda sorte de artefato cultural deve ser
constituiacuteda se o rompimento com esse modelo eacute desejado E considero a ausecircncia desta
vigilacircncia por parte dosas educadoresas como uma lacuna que impede a quebra substancial
com um paradigma machista Eacute esse paradigma que permite uma praacutetica discursiva dos
homens em fazer as inuacutemeras piadas sobre loura as incontaacuteveis formas de estereotipar as
mulheres no que se refere a sua intelectualidade a sua atribuiacuteda inabililidade para dirigir para
exercer certas profissotildees relacionando grosseiramente beleza agrave burrice enfim formas
conflituosas de se perceber um ao outro fazem parte de um repertoacuterio que resolvi imprimir em
minhas inquiriccedilotildees
7 Como mediadora de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de
preconceito uma expressatildeo de conflitos entre olhares de meninos e de meninas
7a ( ) pouco eacute natural a disputa
7b ( ) interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de
discriminaccedilatildeo
7c ( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa
As respostas foram incisivamente favoraacuteveis agrave intervenccedilatildeo A marcaccedilatildeo da totalidade
dosas respondentes para o enunciado 7b parece indicar que na contramatildeo de ser
inadequadamente omisso diante de discriminaccedilatildeo ningueacutem deseja estar embora possa
paradoxalmente direcionar comportamentos conforme anunciado pelas respostas da questatildeo
6c Natildeo haveria aiacute a manifestaccedilatildeo de que se natildeo aceitamos uma nova ordem de interesses por
parte de crianccedilas conforme enunciado da sexta questatildeo que soacute obteve uma marcaccedilatildeo eacute
104
porque natildeo duvidamos do que tenha sido naturalizado construiacutedo discursivamente como o
outro o diferente
Estas dissonacircncias entre interferir em manifestaccedilotildees de preconceitos e construir
possibilidades de exercer controle sobre o outro o desviante da pressuposta normalidade
mesmo que de forma discreta podem estar expressando modos de subjetivaccedilatildeo nos quais
sujeitos expostos agraves diversas formaccedilotildees discursivas assimilam mudanccedilas ordens interesses
Em outros momentos todavia retecircm-se com perspectivas essencialistas que osas impedem
de apropriar-se do que recomendam as tecnologias oficiais no tocante por exemplo ao
respeito agrave diversidade humana aos conhecimentos dos processos de construccedilatildeo do diferente
como o outro o abjeto Osas educadoresas expressam entatildeo em muitas tentativas de quebra
de paradigmas que os jogos por verdades se datildeo de modo processual refletem lutas poderes
e resistecircncias dispersando e replicando vozes
Considerando a importacircncia de buscar inquiriccedilatildeo sobre o fenocircmeno da violecircncia
domeacutestica contra a mulher como uma das mazelas sociais que as vitimiza cotidianamente
sob as mais diferentes formas de massacre fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral patrimonial
na oitava questatildeo resolvi inquirir sobre como este fenocircmeno eacute percebido pelosas
educadoresas envolvidosas no estudo Assim propus o enunciado
8 No tocante agrave violecircncia contra a mulher segundo o Mapa da Violecircncia 2012 o
Brasil ocupa a 7ordf colocaccedilatildeo em um ranking de 84 paiacuteses O que em sua opiniatildeo
explica a existecircncia deste fenocircmeno Marque mais de uma questatildeo caso queira
8a ( ) Formaccedilatildeo cultural
8b ( ) Haacute pessoas naturalmente violentas
8c ( ) Natildeo sei
8d ( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo
8e ( )O desemprego crise financeira e pobreza
Outra ______________________
Nesta proposiccedilatildeo as respostas foram diversificadas foi marcado inclusive o
enunciado que afirma desconhecer as razotildees (8c) A questatildeo em aberto natildeo foi aproveitada
por nenhuma respondente Mas em sua maioria essesas (seis dosas nove) relacionaram o
fenocircmeno da violecircncia contra a mulher como algo que tem causa na formaccedilatildeo cultural Eacute
importante que se atente como alguns enunciados marcados podem estar evidenciando o
quanto a problemaacutetica carrega alguns mitos sobre as suas provaacuteveis causas Observando por
exemplo a marcaccedilatildeo isolada para o toacutepico 8e que faz nexo causal entre a violecircncia e a crise
econocircmica como pensar que a violecircncia estaacute ligada agraves dificuldades dessa ordem quando em
105
todas as classes sociais se registram ocorrecircncias Haacute maneiras diferentes de encarar as
agressividades em funccedilatildeo de tabus entre outros subterfuacutegios mas mulheres pertencentes a
todas as posiccedilotildees da piracircmide social satildeo viacutetimas de violecircncia conforme atestam inuacutemeras
pesquisas (SAFFIOTI 2001)
A evidecircncia de que o entendimento sobre as causas da violecircncia foi redutor estaacute
tambeacutem na marcaccedilatildeo isolada da proposiccedilatildeo 8d afinal estas causas apontadas estatildeo indicando
que o estopim estourou pelo aumento do stress pela perda do autocontrole (SAFFIOTI
MUNHOS 1994) mas em verdade haacute algo maior que impulsiona a agressatildeo encontra
apenas as brechas em quaisquer desculpas Em verdade eacute costumeira a confusatildeo entre causas
e motivaccedilotildees da violecircncia aquelas satildeo mais sistecircmicas e as motivaccedilotildees mais localizadas
ocasionadas por situaccedilotildees diversas como stress uso de entorpecentes etc
Considero importante atentar para o fato de que se a maioria respondeu perceber
vinculaccedilatildeo entre a violecircncia e a formaccedilatildeo cultural talvez por presenciar tantas cenas de
violecircncia de gecircnero e escutar narrativas feitas por alunosas acerca das dores maternas e
fraternas provocadas pela violecircncia domeacutestica deveria estar a escola propondo a brigada
anti-violecircncia pelo vieacutes da cultura Mas nenhuma respondente posicionou-se assim no espaccedilo
deixado em branco no questionaacuterio com o fim de possibilitar a expressatildeo de reflexotildees tambeacutem
nessa direccedilatildeo
A violecircncia contra a mulher tem vinculaccedilatildeo em uma cultura machista patriarcal
sedimentada milenarmente Buscar compreendecirc-la no campo dos estudos de gecircnero seria
oportuno para a escola porque poderia ser evidenciada o quanto a educaccedilatildeo dispensada a
meninos e meninas de forma diferenciada na qual se passam valores que sustentam olhar
para as mulheres que as inferioriza eacute possivelmente forte construto que alimenta uma cultura
machista E essa credencia agrave banalizaccedilatildeo do fenocircmeno da violecircncia Basta que se lembre dos
ditados populares que grassam (jaacute grassaram bem mais) nas bocas ldquoMulher eacute que nem bife
quanto mais apanha melhor ficardquo para que se atente o quanto haacute a naturalizaccedilatildeo do
fenocircmeno Esse dito eacute soacute um entre tantos nos imaginaacuterios sociais que fabricam a ideia de que
violentar mulheres faz parte eacute permitido
E satildeo por esses imaginaacuterios sociais que o Relatoacuterio Final da Comissatildeo Parlamentar
Mista de Inqueacuterito ndash CPMI - da Violecircncia contra a Mulher do Congresso Nacional entregue
em julho de 2013 aponta iacutendices alarmantes fala de femiciacutedio e coloca como uma
necessidade premente a da superaccedilatildeo deste mal
106
A curva ascendente do femiciacutedio a permanecircncia de altos padrotildees de violecircncia contra
mulheres e a toleracircncia estatal detectada tanto por pesquisas estudos e relatoacuterios
nacionais e internacionais quanto pelos trabalhos desta CPMI estatildeo a demonstrar a
necessidade urgente de mudanccedilas legais e culturais em nossa sociedade Conforme
mostra a pesquisa intitulada Mapa da Violecircncia homiciacutedios de mulheres mais de 92
mil mulheres foram assassinadas no Brasil nos uacuteltimos trinta anos 43 mil delas soacute
na uacuteltima deacutecada (BRASIL 2013 p 8)
A violecircncia contra a mulher eacute um fenocircmeno bastante complexo com raiacutezes fincadas
em solos de culturas machistas amparada em um Estado historicamente omisso na promoccedilatildeo
do direito a uma vida sem violecircncia para as mulheres Esse fenocircmeno que esteve na
invisibilidade social encoberto por muito tempo erroneamente sustentado pelo direito ao
instituto da privacidade entre parceiros tendo inclusive um aparato popular que os abrigava
de vexames e intervenccedilotildees ldquoEm briga de marido e mulher natildeo se mete a colherrdquo teve
recentemente a intervenccedilatildeo do Estado brasileiro com a Lei 113402006 a Maria da Penha
Esse instrumento juriacutedico se apresenta como um dos mais avanccedilados amparo legal para o
enfrentamento da questatildeo Natildeo se muda todavia cultura com golpe de lei haacute muito a ser
feito em termos de estrutura do judiciaacuterio brasileiro (ampliaccedilatildeo do nuacutemero de varas de
juizados especiais de Casas Abrigo de DEAMS - Delegacias Especializadas de Atendimento
agrave Mulher - funcionando em regime de plantatildeo capacitaccedilatildeo dos juristas) para que a lei passe a
ser um ordenamento juriacutedico que vigore como deve efetivamente sendo aplicado de forma
preventiva educativa e punitiva
E a escola no que diz respeito a formar para a equidade de gecircnero e para a cultura da
paz eacute espaccedilo fundamental que pode se ofertar no semeio desta colheita Importante portanto
a denuacutencia que osas respondentes fizeram da atuaccedilatildeo piacutefia da unidade escolar em tela no
tocante ao papel que a instituiccedilatildeo deve ter como importante instrumento no combate agrave
violecircncia domeacutestica contra a mulher Satildeo muitas as respostas (oito das nove) que afirmaram
pouco operar a escola neste sentido Assim se constituiu a nona questatildeo
9 Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave
questatildeo
( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante
A escola TRAVESSIA conforme percebem aqueles que dela fazem parte e
seguramente presenciam depoimentos e cenas que datildeo conta do mal da violecircncia contra a
mulher como o que grassa pouco opera no enfrentamento deste problema Esse mal que
sendo uma violaccedilatildeo dos direitos humanos das mulheres eacute um flagelo uma ameaccedila agrave
107
Democracia agrave paz agrave justiccedila deve portanto ter a escola envolvida em sua prevenccedilatildeo
eliminaccedilatildeo e enfrentamento Natildeo haacute como esta instituiccedilatildeo ser indiferente ao caminho sem
volta que as marchas feministas vecircm construindo especialmente nas uacuteltimas deacutecadas com
grandes avanccedilos dados pelos seus gritos ecoados nas bandeiras dos DH positivados em
forma de lei especiacutefica que penaliza a violecircncia contra a mulher e em diretrizes educacionais
que propotildeem a equidade de gecircnero
Como instacircncia de poder atravessada por praacuteticas discursivas natildeo neutras
legitimadora de ordem social por meio de suas ldquoverdadesrdquo fabricadas a escola propaga em
tese sua missatildeo fundamental como a de formar seres humanos eacuteticos conscientes de sua
igualdade de direitos por seus propoacutesitos e pela obrigatoriedade legal que se desenha com o
advento da poacutes-modernidade Mas na praacutetica sua missatildeo tem eacute instituiacutedo a segregaccedilatildeo
atraveacutes do controle disciplinar domesticando corpos e mentes (LOURO 2012)
Nesse sentido a promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de enfrentamento agrave violecircncia de
gecircnero eacute uma realidade de resistecircncia que daacute sinais tiacutemidos no chatildeo da escola mas daacute sinais
Cabe aosagraves fazedores da educaccedilatildeo acolhecirc-los Sua contribuiccedilatildeo ao debate que estranha
sentidos essencializados pode ser significativa considerando que os muros escolares racham
com o advento da globalizaccedilatildeo e dos avanccedilos tecnoloacutegicos disseminando informaccedilatildeo
instantaneamente Satildeo inuacutemeros os recursos educativos que podem amparar a discussatildeo
reportagens filmes peccedilas teatrais programas de TV de raacutedio diaacutelogos que circulam em salas
de aula entre outros Obviamente que esses recursos na maioria esmagadora das escolas
puacuteblicas brasileiras natildeo satildeo inteiramente disponibilizados e na escola TRAVESSIA natildeo eacute
diferente Haacute laacute escassez de textos e de demais instrumentos que permitam um trabalho bem
amparado percebida em minhas visitaccedilotildees Mas isso natildeo pode se constituir como oacutebice total
haacute sempre formas de propor o debate em um mundo plural que existe e deseja se firmar Por
onde andamos e estamos haacute sujeitos em interlocuccedilatildeo trazendo presentes vozes sociais de
onde emanam efeitos de sentidos sobre papeacuteis construiacutedos
Elaborei questatildeo especiacutefica sobre qual o olhar a escola evidencia ter atraveacutes de seu
projeto de leitura para um dos melhores instrumentos juriacutedicos em niacutevel mundial de
enfrentamento do combate agrave violecircncia domeacutestica a Lei Maria da Penha Esse ordenamento
juriacutedico que segundo pesquisa do Instituto AvonIPSOS (2011) eacute um marco legal
amplamente conhecido e poderia estar sendo pontuado no ambiente escolar de modo a
semear a cultura da paz e do respeito agraves mulheres Assim mobilizei a deacutecima questatildeo desse
instrumento
108
10 A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da
violecircncia contra a mulher ganha que espaccedilo no projeto de leitura
10a ( ) Nunca foi citada
10b ( ) Existe na biblioteca
10c ( ) Jaacute trabalhamos com ela
As respostas obtidas indicam sintonia com a nona proposiccedilatildeo na qual se pontuou
que a problemaacutetica da violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo encontra a importacircncia que
lhe eacute devida Todosas colaboradoresas responderam na deacutecima questatildeo que a lei nunca foi
citada (10a) Natildeo que o ordenamento juriacutedico tenha que ter referecircncia obrigatoacuteria nas leituras
da escola mas face a sua popularidade e pertinecircncia inclusive havendo versatildeo deste em
cordel o que facilitaria sua divulgaccedilatildeo poderia constar como uma das leituras feitas e
referidas de forma direta ou indireta Poderia porque a escola eacute espaccedilo formador tem papel
estruturante em accedilotildees que podem semear reflexotildees individuais e coletivas pela construccedilatildeo da
cultura da paz A educaccedilatildeo tensionando conflito e vozes pode ser constituiacutedo como espaccedilo
fecundo de organizaccedilatildeo pela emancipaccedilatildeo de oprimidos[as] (FREIRE 2002) Nesta acepccedilatildeo
a lei pode chegar a todas as crianccedilas e adolescentes pela instacircncia da escola como um sulco
no muro da iniquidade de gecircnero mostrando-se em sua consistecircncia preventiva e punitiva
como um aprendizado um oacutebice agrave violecircncia domeacutestica
Natildeo bastaraacute todavia conhecer o ordenamento juriacutedico para que se coiacuteba a violecircncia
O enfrentamento desse fenocircmeno perpassa pela construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo
nas quais o direito a uma vida sem violecircncia agraves mulheres seja efetivamente garantido e
assegurado pela condiccedilatildeo humana destas A escola deve ser um baluarte na colaboraccedilatildeo dessa
praacutetica para isso por ela precisam perpassar debates caros ao tema inquirindo sobre qual
posicionamento tem tido a instituiccedilatildeo quanto agrave construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de hegemonias
tem reforccedilado ou questionado as assimetrias de gecircnero
Na escola TRAVESSIA pude constatar haacute um tangenciamento do debate acerca das
relaccedilotildees de gecircnero percebido pelas discursividades de seusuas educadoresas como
mediadores de leituras Uma anaacutelise desse tangenciamento pode pontuar uma reflexatildeo que
perspectiva com um debate proposto por Foucault (2011) na linha do que satildeo as conjunturas
histoacutericas e socioculturais que permitem os jogos de verdades Se haacute a positivaccedilatildeo da lei na
sociedade brasileira e ela pode ser contemplada como legado de mobilizaccedilatildeo haacute todavia a
ausecircncia de seu debate em instacircncias escolares como a da escola TRAVESSIA E isso pode
ser contemplado como um legado de controle social no qual a eliminaccedilatildeo das discriminaccedilotildees
das violecircncias dos confrontos eacute significativamente negada silenciada mesmo que estejam
109
postas tecnologias que a discutam O rompimento desse controle que silencia lutas eacute uma
tarefa que oa intelectual oa educadora pode desejar construir lembrando aquilo que
Foucault (2004a 2004c 2012) pontua as pessoas podem ser mais felizes mais livres As
pessoas natildeo satildeo aprisionadas pelo poder elas podem modificar sua dominaccedilatildeo Isso evoca a
recusa do que satildeo despertada pela consciecircncia do que lhes disseram ldquoNingueacutem entraraacute na
ordem do discurso se natildeo satisfizer a certas exigecircncias ou se natildeo for de iniacutecio qualificado
para fazecirc-lordquo (FOUCAULT 2011)
E que ordem de discurso adentra a escola TRAVESSIA produzindo efeitos de
sentidos postos pela ausecircncia do debate sobre as hierarquias de gecircnero Adentra conforme
depoimentos de educadoresas ali escutadosas a da pouca reflexibilidade sobre o campo de
gecircnero a do adormecimento para a noccedilatildeo de estrateacutegias que enfrentem o poder androcecircntrico
Uma das formas de resistecircncia a esse poder se daacute pelo ato desbravador do conhecimento dos
processos discursivos que constituem as subjetividades que constituem as verdades ditas
sobre homens e sobre mulheres Satildeo passos na caminhada pela emancipaccedilatildeo A leitura pode
ser constituiacuteda com esta linhagem e ser mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de
identidades na ressignificaccedilatildeo de leituras eivadas de identidades socialmente construiacutedas pela
subalternidade da mulher Nessa direccedilatildeo Moita Lopes (2003) traz a tecitura com que a
linguagem nos constroacutei e corrobora com a ideia de resistecircncia
A percepccedilatildeo do discurso como construccedilatildeo social coloca as pessoas como
participantes nos processos de construccedilatildeo de significado na sociedade e portanto
inclui a possibilidade de permitir posiccedilotildees de resistecircncia em relaccedilatildeo a discursos
hegemocircnicos isto eacute o poder natildeo eacute tomado como monoliacutetico e as identidades sociais
natildeo fixas (MOITA LOPES 2003 p 55)
Nesse sentido por conceber a importacircncia do conhecimento dos processos histoacutericos
emancipatoacuterios como o das lutas sociais e em especial a esse trabalho o do movimento
feminista foi elaborada questatildeo que objetivava perpassar pelas reflexotildees acerca da histoacuteria
social das mulheres As histoacuterias dos homens estatildeo aiacute onipresentes ocupando o tempo todo
todo espaccedilo Mas a histoacuteria social das mulheres natildeo eacute significativamente contada natildeo consta
nos curriacuteculos natildeo eacute devidamente estudada Isso possivelmente contribui para trazecirc-las na
invisibilidade considerando que os seus processos histoacutericos de subordinaccedilatildeo ao masculino
suas exclusotildees dos campos poliacuteticos cientiacuteficos artiacutesticos enfim ainda natildeo satildeo devidamente
estudados A histoacuteria de luta pela emancipaccedilatildeo social das mulheres eacute entretanto uma das
mais bem vividas experiecircncias que atestam o poder da mobilizaccedilatildeo social e mereceria estar
110
entre as preocupaccedilotildees da escola e no projeto de leitura Desejei saber como esta questatildeo era
percebida pelosas informantes e elaborei o deacutecimo primeiro questionamento
11 Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo
escolar e no projeto
11a ( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos
curriacuteculos escolares
11b ( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas
memoacuterias ocultadas e inferiorizadas
11c ( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca
carga horaacuteria para exploraacute-lo mais
11d ( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho
importante
Aqui natildeo houve ressalvas para a defesa na quase totalidade das respostas (sete das
nove) da implementaccedilatildeo da histoacuteria das mulheres como forma de resgate de si no debate
escolar Natildeo houve marcaccedilatildeo para o enunciado 11 d A questatildeo 11b foi bem pontuada entatildeo
ldquoApoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e
inferiorizadasrdquo Eacute como um reconhecimento de que o processo de aprendizagem de uma
desnaturalizaccedilatildeo da desigualdade entre homens e mulheres passa pelo conhecimento da
histoacuteria que as excluiu e da sua inclusatildeo pela luta Foucault (2004c) auxilia nesse sentido
quando nos traz a pertinecircncia do conhecimento e a compreensatildeo da relevacircncia do papel do
intelectual
[] e que podemos mostrar agraves pessoas que elas satildeo muito mais livres do que
pensam que elas tomam por verdadeiros por evidentes certos temas fabricados em
um momento particular da histoacuteria e que essa pretensa evidecircncia pode ser criticada
e destruiacuteda O papel do intelectual eacute mudar alguma coisa no pensamento das
pessoas (FOUCAULT 2004c p 295)
Uma pretensatildeo bem ponderada E que em alguns outros momentos o filoacutesofo se
retrai desta posiccedilatildeo de ldquomostrarrdquo caminhos ao outro (FOUCAULT 2004e) Mas a histoacuteria de
luta das mulheres por sua emancipaccedilatildeo social eacute um caminho que merece ser mostrado Papel
que osas educadoresas podem cumprir percebendo-se como sujeitos agrave linguagem agrave
aprendizagem de ordens discursivas e se resistirem promotores das mudanccedilas que a
educaccedilatildeo pode constituir Papel que o movimento feminista com intelectuais e ativistas
parece ter cumprido com propriedade A atuaccedilatildeo desse movimento solicitada na 12ordf questatildeo
assim foi angariada
111
12 Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista Marque ateacute duas
respostas
12a ( ) fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da
opressatildeo agrave mulher
12b ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute
bom
12c ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo
eacute
bom
12d ( ) eacute um movimento com muito radicalismo
A unanimidade de valorizaccedilatildeo desta praacutetica discursiva quase imperou desta vez As
proposiccedilotildees 12a e 12b as quais veem com olhos respeitosos o movimento foram as
marcaccedilotildees de oito colaboradoresas Apenas uma resposta considerou o radicalismo do
movimento sua marca talvez por pressupor que as mulheres militantes propotildeem mudanccedilas
que ferem uma construiacuteda e disciplinada essecircncia feminina Os movimentos feministas
propotildeem radicalizar a desnaturalizaccedilatildeo de um mundo construiacutedo em pilares desiguais e
injustos um mundo calccedilado em machismo em violecircncia contra a mulher Radicalizar a
desnaturalizaccedilatildeo deste mundo eacute bom nodal conforme concordaram os que marcaram os
enunciados 12a e 12b Por seu turno ningueacutem marcou que isto natildeo seria bom conforme
enuncia o 12c
A uacuteltima questatildeo do instrumento investigativo versou sobre a consciecircncia do valor
histoacuterico e simboacutelico que tem o Dia Internacional da Mulher Neste enunciado foi deixada
uma questatildeo em aberto com espaccedilo para que osas colaboradoresas pudessem expressar
opiniotildees que ampliassem o conteuacutedo do enunciado o 13 a cuja visatildeo da mulher perpassa por
questotildees generalistas simplistas
13 O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas
comemorativas
( )sim ( ) natildeo
Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que
se faz na data ou o que se pretende fazer
13a ( ) Ressaltam-se as qualidades da mulher eacute um dia em que ela eacute intensamente
valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola
13b ( ) outros Especifique_____________________
Todas as marcaccedilotildees apontaram para a 13a ou seja dia de demonstrar homenagens
E o que se homenageia Em regra por meio da publicidade e de outras praacuteticas discursivas
112
circulam imagens que narram e constituem mulheres com identidades ldquonaturaisrdquo dotadas de
habilidades tantas expressas em forma de doaccedilatildeo de cuidados e tantas outras construccedilotildees
dignas de serem presenteadas Batons perfumes flores entre outros satildeo apetrechos que
acompanham imagens que circulam representando o 8 de marccedilo como o Dia Internacional da
Mulher A publicidade que opera com o objetivo de reafirmar valores convencimentos
haacutebitos desfocou a perspectiva de luta de memoacuteria de caminhada por direitos implementada
pelo movimento O teor eacute outro o do consumo Agraves mulheres flores em seu dia Se nos
demais os papeacuteis sexuais exalam o perfume da iniquidade de gecircnero que murchem as flores
Eacute o tempo ainda da formataccedilatildeo que murcha da presenccedila de vozes que falam de um lugar
social o do consumo guiado pelos interesses capitalistas ou o do apagamento da luta das
mulheres por sua cidadania guiado pelos interesses machistas E com esses instala-se o
comportamento de tirar o foco das bandeiras feministas que ergueram o 8 de marccedilo tiram o
foco e semeiam verdades como as de que se valoriza a mulher com perfumes dias de beleza
de spas de corpos sarados ritualizados para uma beleza homogecircnea com tempo de validade
e condiccedilotildees de uso
Nesta questatildeo nenhuma resposta ultrapassou a marcaccedilatildeo de um x nenhum
enunciado a preencher o espaccedilo vazio adentrando todosas respondentes pela perspectiva do
senso comum das comerciais e banais homenagens agraves mulheres Esta ausecircncia de percepccedilatildeo
pelo menos evidenciada pelo que natildeo foi dito que significa conforme pontua a AD por parte
dosas educadoresas para o Dia Internacional da Mulher pode estar revelando um desvalor
para as brigadas que precisam ser armadas naquela seara O 8 de marccedilo eacute data de flores natildeo
pelo que as mulheres satildeo em termos de construccedilotildees essencialistas mas pelo que lutam para
ser livres O 8 de marccedilo eacute dia de memoacuteria de luta sobretudo pelo que as mulheres ainda
precisam assegurar para que possam ter o comando de suas vidas nas matildeos dando ou natildeo
essas em pedidos de casamento Haacute desse modo mais uma maneira de homenagear as
mulheres que eacute pela saudaccedilatildeo na luta na grandeza de fazer uma nova histoacuteria que natildeo foi
dita nas respostas daquelesas respondentes E este silecircncio pode estar ressoando como um
ldquoadeus agraves armasrdquo ou melhor como um natildeo agraves armas O natildeo uso das armas por parte de
quem tem uma responsabilidade social com os marcos legislativos educacionais com a
adoccedilatildeo de praacuteticas de si que osas faccedila zelar por um ethos pela cultura da paz e pela bandeira
da inclusatildeo evidencia uma cristalizaccedilatildeo das identidades uma naturalizaccedilatildeo da construccedilatildeo da
diferenccedila um descompromisso social com a cidadania plena da mulher
Ali na escola TRAVESSIA percebi entatildeo com as leituras das anaacutelises dos
instrumentos investigativos aplicados que o processo de fortalecimento da cidadania da
113
mulher natildeo encontra a guarida nos olhos de quem trabalha com a leitura comprometendo o
ato poliacutetico de ler Natildeo eacute uma trilha faacutecil eacute bom reconhecer atravessar no cotidiano escolar
um oceano de discursos que constroem imagens da mulher que as inferioriza que tingem o
diferente com cores da negaccedilatildeo e desejar atuar para desconstruir tais imagens Os pais e matildees
aparecem para contestar mudanccedilas contestar desconstruccedilotildees de papeacuteis socialmente
instituiacutedos como naquelas cenas que vivi e narrei quando construiacute a gecircnese desta pesquisa
Mas oa educadora tem um chamado para ficar na trincheira por uma brigada que inclua que
emancipe que torne a escola reflexiva atraente a todas as pessoas independentemente de
etnia de orientaccedilatildeo sexual de condiccedilatildeo social Pelo menos esse chamado estaacute sendo
evocado segundo as regras histoacuterias de um tempo que se desenha novo com uma
programaccedilatildeo na qual os jogos de verdades possuem malhas que se abrem para sujeitos de
direitos mesmo que lentamente conquistados
35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder
Por reorganizaccedilotildees das accedilotildees em funccedilatildeo de vaacuterias suspensotildees de aulas de leitura
pelo projeto entre outras intercorrecircncias deixei a etapa de observaccedilatildeo de aulas para o reiniacutecio
das aulas do 2ordm semestre de 2014 Planejei esta accedilatildeo atentando para o papel central dosas
educadoresas na conduccedilatildeo do debate por sua posiccedilatildeo de liacuteder na interaccedilatildeo relacional e por
serem esses os sujeitos desta pesquisa E assisti agraves aulas das professoras Jacqueline e Luacutecia
cujos nomes satildeo fictiacutecios como todos os outros e que possuem respectivamente oito e vinte
anos de formadas Em ambas houve uma receptividade agradaacutevel mas irei relatar minha
experiecircncia apenas nas aulas de Jacqueline por entendecirc-las mais significativa para o estudo
Assim as considero porque esta professora instigada possivelmente pelos desafios de alguns
instantes de conversas nos quais muito ouvi fez uma tentativa improvisada de dialogar com o
tema em tela
No preluacutedio dessas aulas que se deram em 11 de julho de 2014 no turno vespertino
a professora Jacqueline que me atendeu na biblioteca da escola em um horaacuterio reservado para
isto mostrou-se soliacutecita receosa e muito determinada a demonstrar sua anguacutestia suas
inquietaccedilotildees com a escolha profissional que fez
- Escolhi ser professora desde pequena Era meu sonho Mas a realidade eacute um
pesadelo Quando chega o momento de entrar na sala de aula eu me arrependo desta
escolha Tenho uma filha de 1 ano e seis meses e peccedilo a Deus todo dia que a livre desta
profissatildeo
114
A professora conduziu-me com sua fala pela escola como quem apresenta um
depoacutesito de problemas sem lugar para sonhos para a edificaccedilatildeo da autonomia Ali era o
reduto das queixas narrado por uma voz que soacute lamenta Jacqueline debulhou uma a uma as
lamentaccedilotildees que impregnam aquele ambiente Ouvi um rosaacuterio de desespero de exaustatildeo de
descontrole de pacircnico ateacute de criacuteticas ao ECA - Estatuto da Crianccedila e do Adolescente - que
estava na iminecircncia de completar 24 anos de criaccedilatildeo e que segundo ela ateacute hoje natildeo sabe o
bem que fez a sociedade a existecircncia desse ordenamento juriacutedico As criacuteticas saiacuteram do ECA
agraves peacutessimas condiccedilotildees de trabalho agraves famiacutelias que a seu ver satildeo irresponsaacuteveis Essas
segundo a informante soacute visitam as escolas quando seus benefiacutecios sociais estatildeo ameaccedilados
sobrecarregando a instituiccedilatildeo com deveres que satildeo delas Jaqueline estava disposta a relatar
sobre o peso de ser docente Informou-me que guarda as lembranccedilas das coisas lindas sobre a
educaccedilatildeo ditas por Paulo Freire pelos[as] professores[as] da universidade mas ali dentro da
escola nada que ouviu serve aplica-se
- Somos impotentes Soacute um ou outro aluno daacute sentido ao nosso trabalho Vivemos na
sala de aula o aacutepice do desinteresse e desrespeito e isto eacute terriacutevel Tem horas que natildeo
acredito que estou vivendo isto
Ouvi aquele depoimento atenta e dolorosamente Mas inseri um toacutepico novo o
motivo da observaccedilatildeo daquela aula buscar o nexo temaacutetico das leituras feitas ali O tom da
desmotivaccedilatildeo do sentimento de impotecircncia continuou fazendo parte dos enunciados da profordf
Jaqueline
- Ler aqui eacute complicado professora Natildeo temos recursos nem interesse por parte
dos[as] alunos[as] que soacute querem bagunccedilar
- O que vocecirc preparou para a aula de hoje Indaguei-lhe Ela me disse que iria pedir
para eles escreverem sobre as feacuterias sobre a copa de 2014 Insisti sobre o que leriam disse-
me que algum texto do livro didaacutetico Perguntei-lhe se soacute liam os textos dos livros didaacuteticos
respondeu-me que quase sempre Um retorno agraves aulas sem planejamento sem a municcedilatildeo de
um texto novo produzido por fatos recentes vindo de suportes diferentes com uma
professora que iria improvisar qualquer leitura pareceu-me o retrato de um descaso
profissional bem niacutetido Sem buscar condenaccedilotildees pessoais puxo um fio do novelo da
educaccedilatildeo puacuteblica brasileira que com seus parcos investimentos faz poliacuteticas pobres para
115
pobres cerceando o direito desses agrave cidadania plena agrave emancipaccedilatildeo social Essa professora eacute
mais um elo da cadeia do descuido que envolve a escola puacuteblica brasileira
Depois de ouvi-la muito provoquei o diaacutelogo sobre a interface gecircnero e leitura
Jacqueline falou de gecircnero dos meios de comunicaccedilatildeo de massa influenciando
comportamentos sendo aliados ldquona abertura de mentesrdquo em suas palavras Mas a abertura de
mentes a seu ver resume-se agrave toleracircncia com o diferente estava sempre afirmando que
respeita ldquoas sapatonasrdquo assim se referindo agraves duas meninas que tinham um relacionamento
amoroso e que tentavam assumir isso na escola mas soacute respeitava natildeo aceitava ldquoaquilo natildeo
era normal e era constrangedorrdquo em suas palavras O pronunciamento desta professora
evidenciando uma construccedilatildeo naturalizada das identidades de gecircnero ainda foi acompanhado
por gestos de face e matildeos que transmitiam uma repugnacircncia pela orientaccedilatildeo sexual natildeo
normatizada
Naquela entrevista com as expressotildees preconceituosas de Jaqueline em nomear as
garotas homossexuais de forma pejorativa e com seus gestos de repulsa agraves manifestaccedilotildees de
afeto das garotas fui levada a compreender uma resposta massiva dada pelo questionaacuterio
quando indaguei acerca do posicionamento dosas educadoresas diante de manifestaccedilotildees de
interesse que contrariassem o normalizado Ali tanto quanto no questionaacuterio o desafio de
adotar um olhar reflexivo que problematize as construccedilotildees sociais que estereotipam
comportamentos e orientaccedilotildees sexuais ainda natildeo foi suficientemente alcanccedilado
Conversamos Toca o sinal para a entrada da aula A nossa interaccedilatildeo gerou nela algo
que teve um impulso e se dirigiu agrave prateleira de livros Chega-me com cinco volumes do guia
da Crianccedila Cidadatilde uma publicaccedilatildeo do UNICEF que eacute uma coleccedilatildeo com temas referentes agrave
cidadania O volume trazido pela professora Jaqueline eacute ldquoConvivendo com meninos e
meninasrdquo de autoria de Gwenaeumllle Boulet et al (2005) Tal documento eacute um encarte pequeno
com 54 paacuteginas cujo foco eacute o tratamento da questatildeo de gecircnero A existecircncia deste texto ali
me causou surpresa considerando que em outra etapa desta pesquisa fui informada pela
servidora que exerce a funccedilatildeo de bibliotecaacuteria ali de que nada havia naquele espaccedilo sobre esta
temaacutetica Mas Jacqueline meses depois desta informaccedilatildeo encontrou e parecia encontrar um
sentido em seu uso agora
ldquo- Jaacute que vocecirc estaacute aqui e pesquisa este tema vamos ver em que daacute hoje ler este
livro Mudei minha aula natildeo gosto de discutir estas questotildees mas agora me deu vontaderdquondash
Expressou-se assim a professora
116
Senti o risco do improviso e do artificialismo da aula que caiacutea ali de forma ex-
temporacircnea fruto de um confesso acaso Refleti ao mesmo tempo o quanto as brigadas por
uma defesa da equidade de gecircnero satildeo tambeacutem em forma de tecircnues mudanccedilas que chegam
chegam troteando Houve com minha presenccedila uma provocaccedilatildeo um encorajamento ao tema
tambeacutem jaacute por inuacutemeras vezes estimulado conforme eacute de conhecimento dosas educadoresas
da rede de ensino municipal atraveacutes de projetos acadecircmicos produzidos pela SEDEC como
os que refletem sobre a questatildeo do Bullying da violecircncia contra a mulher entre outros
A questatildeo eacute semear cuidar e perseverar Ali aos olhos de Jaqueline natildeo me parecia
haver um jardim a receber cuidados Seu semblante angustiado ao se deparar com o toque de
entrada para a sala de aula parecia o de quem natildeo levava sementes nem flores Havia um
solo jaacute pronunciado como aacuterido como infeacutertil nas palavras de uma professora que me disse
rezar protegendo sua filha do mal de ser educadora A turma era a do 6ordm ano A com alunosas
de faixa etaacuteria entre 12-13 anos Estavam presentes 18 alunosas naquela sala que receberam
cinco exemplares para serem lidos o que torna considero uma leitura dificultosa
inadequada A professora sem explicar bem a divisatildeo do material propocircs um ciacuterculo A
acuacutestica da sala era comprometida com ventiladores barulhentos e adolescentes inquietosas
Depois de um tempo ela conseguiu iniciar o trabalho e pediu a leitura do livro Joatildeo este eacute
um nome fictiacutecio tanto quanto os dos demais alunosas aqui referidosas a partir de entatildeo
afirma que natildeo quer ler ainda justificando sua negaccedilatildeo
- Natildeo jaacute sei ler pra que ficar lendo
A mestra pacientemente responde
- Joatildeo todo dia se aprende algo novo com a leitura
Atualizei ali o olhar para a 2ordf ediccedilatildeo da Pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO
PROacute-LIVRO 2008) quando essa pontua sobre quatildeo pode natildeo ser gecircnero de primeira
necessidade a leitura para crianccedilas que natildeo veem pais lendo que natildeo encontram ambiente
propiacutecio para o ato de ler A baixa escolaridade das famiacutelias daquelesas alunosas certamente
propicia pouca frequecircncia da leitura em suas casas o que compromete o estiacutemulo familiar agrave
leitura Para aquele aluno o ato de ler eacute mero instrumento decodificador que como ele jaacute
domina a sua teacutecnica despreza as outras funccedilotildees da leitura A professora deu atenccedilatildeo a Joatildeo
dando-lhe uma resposta concisa sobre o valor dessa praacutetica Mas senti falta de mais Senti
117
falta de uma defesa da leitura que mobilizasse a turma Seria um momento propiacutecio para a
educadora inquirir questotildees acerca do prazer (ou desprazer) de ler
Como quem tem pressa como quem natildeo tem espaccedilo para mergulhar aquela
educadora volta a conduzir a aula Pediu aosagraves alunosas para lerem trechos em voz alta
indagou algo e nem esperou o resultado da resposta jaacute retomou ao texto Minha presenccedila
pode ter lanccedilado sobre ela ansiedade desejo de mostrar que tinha o controle disciplinar do
evento E talvez para ela a permissatildeo e o estiacutemulo agrave palavra gerasse debate e esse o
tumulto as conversas paralelas Mas em determinados momentos a explosatildeo de inquietude
dosas alunosas fragilizava seu jaacute tecircnue controle Olhei a professora contendo ira
envergonhada cheia de medo de explodir com aquelesas alunosas acuada segundo suas
proacuteprias palavras pelo ECA Esse ordenamento diferentemente de ser visto como um
instrumento juriacutedico avanccedilado na garantia de direitos era considerado como o responsaacutevel
por aquele espiacuterito de rebeldia nas vidas das crianccedilas e dosas adolescentes Jacqueline natildeo se
conteve e veio ateacute perto de mim desabafando
- Depois do ECA somos barrados [a] de termos autoridade com eles[as] E natildeo tem
estatuto de professor[a] nada nos protege
Acuada assim ela disse se sentir E sem perceber que lhe faltava autoridade natildeo pela
existecircncia do ECA mas pelo desgoverno de uma educaccedilatildeo puacuteblica precaacuteria engrossou o coro
de vozes que ressoaram dosas seusas colegas Vozes essas por mim anteriormente colhidas
naquela tarde nos momentos que permaneci na sala dosas professoresas ouvindo-osas
Acuada e sem sentir prazer pelo que faz Observando Jacqueline lendo usando toda sua
potencialidade vocal repetindo frases pedindo silecircncio estabeleci um elo com uma resposta
no instrumento investigativo aplicado em outubro de 2013 o questionaacuterio Um dado ali
pontuado por vaacuterios colaboradoresas indicando a ausecircncia de marcaccedilatildeo da leitura como
atividade de prazer (vide primeira questatildeo do instrumento) torna-se tatildeo palpaacutevel naquela sala
Como afirmar prazer na praacutetica leitora quando a voz doa mestrea se esvai em meio agrave gritaria
correria e desinteresse Muito hostil ler assim ela me diz
- Tem professor que ainda mente que eacute hipoacutecrita que diz que isso eacute bom Que faz
seus[as] alunos[as] lerem Esses[as] meninos[as] tornam o ato de ler um desprazer Preparo
tudo com carinho quando chega aqui tomo raiva de mim mesma por ainda insistir
Acompanhar Jacqueline naquela tarde em suas aulas foi passear por falas nas quais o
lugar da leitura na escola era o da farsa do engodo De modo exaustivo ela fala de exaustatildeo
118
de desesperanccedila e de tristeza porque disse acreditar que ali estava ldquoa chave das mudanccedilas que
precisam ser feitasrdquo nas suas palavras E sua discursividade era a da desesperanccedila se haacute a
chave nem haacute a porta na dialogia com Drummond em Joseacute (1983) A leitura era difiacutecil
naquela escola Mesmo assim a mestra comeccedila a trazer problematizaccedilotildees acerca das questotildees
de gecircnero Pede uma opiniatildeo agrave turma sobre um trecho do guia que aborda diferenccedilas entre
meninos e meninas ldquoNoacutes meninas somos sensiacuteveis fraacutegeis E os meninos satildeo uns brutos
[]rdquo(BOULET 2005 p 11) expressando com gritos
- Menina eacute diferente de menino Em quecirc Leiam isso na paacutegina 11 Vocecircs
concordam
As respostas saiacuteram em forma de gritos
- Satildeo umas taradas as meninas
- Aqui tem menina que natildeo aguenta nem o vento deste ventilador toda fraquinha
- Eacute sim satildeo fracas Satildeo iguais a Neymar caem por tudo
- Satildeo umas chatas umas metidas umas piriguetes
Poucos disseram que natildeo nenhum olhar de respeito agraves meninas que responderam
com vaias Imaginei que ela iria procurar problematizar esses enunciados Mas trouxe outro
toacutepico colhido rapidamente do guia que faz uma abordagem pontual das questotildees de gecircnero
entabulando esta outra questatildeo
- Algueacutem aqui aceitaria ser amigo[a] de um gay
Impressionou-me o tom de desatenccedilatildeo agrave problemaacutetica de gecircnero por Jaqueline O que
foi dito por ela ao indagar sobre se algueacutem seria amigo de um gay carrega muito de seu
preconceito Ela sedimentou um olhar que constitui o outro o segregacionado o diferente e
inferiorizado Por que algueacutem teria que aceitar ser amigoa de um gay A relaccedilatildeo natildeo seria a
de se aceitaria ou natildeo a amizade de pessoas E ali o que eacute dito por ela sobre as relaccedilotildees de
gecircnero alicerccedilam estereoacutetipos datildeo invisibilidade ao fenocircmeno da violecircncia aos processos de
construccedilatildeo do diferente (SILVA 2012) Uma praacutetica discursiva que se potildee na contramatildeo dos
interesses de uma escola para todas as pessoas como advogam os DH ali percebi
A professora ouviu da turma um sonoro natildeo E sem atentar possivelmente para o
quanto seu olhar nega uma brigada vigilante anti-sexista anti-homofoacutebica e de respeito aos
direitos das crianccedilas e adolescentes proposta por organismos mundiais e nacionais amparada
119
por marcos legais protetivos natildeo atentou para a sonoridade negativa da turma para um mundo
inclusivo Mas retrucou
- Quer dizer que vocecircs deixariam ele [sic] no isolamento
Um menino de nome Pedro disse que sim que merece sofrer ficar isolado quem
desobedece ao que Deus criou
-E Deus criou homem e mulher professora - Reforccedilou o garoto
Ela respondeu que sim Assumiu uma postura criacionista essencialista Muito
embora tenha salientado que mesmo sendo um desvio uma afronta ao que Deus determinou
essas pessoas merecem ser respeitadas Jeacutessica uma menina muito inquieta considerada
conforme Jacqueline ldquopior do que os meninosrdquo em termos de inquietaccedilatildeo agressivamente
respondeu
- Respeitar boiola professora Respeito natildeo
Jaqueline natildeo retrucou Aquela aluna me parecia sem eco Todas as falas em sua
direccedilatildeo eram no sentido de fazecirc-la ficar quieta A menina demonstrava uma agressividade
para com todosas colegas indiferenccedila agrave aula e desrespeito agrave professora
- Vocecirc eacute louca eacute Respeitar boiola ndash Dirigiu-se agrave Jacqueline respondendo-lhe pela
defesa que a professora fez do dever de todosas ao respeito aos considerados desviantes
Sem economias essa aluna iniciou um turno de xingamentos de imitaccedilotildees grotescas
de como os gays falam andam e gesticulam levando a turma a rir e constrangendo a
professora Desistindo de enfrentaacute-la natildeo sei se por medo de criar mais confronto com a aluna
ou se por consentir manifestaccedilotildees de escaacuternio e homofoacutebicas Jacqueline natildeo exortou a aluna
redirecionou a aula solicitando a volta ao texto E indicando desconhecer por completo o guia
sai procurando o que ler salteando paacuteginas em busca do que explorar Premida pelo tempo
pelo barulho da sala acha trechos aleatoriamente e os ler pede opiniatildeo do grupo e sem
conseguir instigar o interesse da turma que se lanccedila em brincadeiras culpa a todosas pela
eterna balbuacuterdia e descompromisso com o ato de debater
120
Por muitos momentos observei a agitaccedilatildeo da professora diante do texto e da turma
Seu ambiente de trabalho se traduzia como uma violecircncia ao ato de ler a balbuacuterdia dosas
alunosas inviabilizava a mais elementar concentraccedilatildeo que a leitura requer para que haja a
fluecircncia das ideias a capacidade de retecirc-las de trocaacute-las Em polvorosa a turma ao tempo
que respondia a algo pontuado pelo texto desligava-se dele completamente mergulhando em
outros mundos outros textos tatildeo diacutespares ao proposto Parecia natildeo haver naquele espaccedilo por
alguns instantes a presenccedila de um texto em matildeos a presenccedila de uma mestra E ela competia
com a desordem agitando-se gritando muito
Em contraste com aquele cenaacuterio de mestra sem maestria sem calmaria sem rumo
resgatei uma imagem beliacutessima trazida por Larrosa (2004) com a sua leitura do jaacute referido
poema O Leitor de Rilke A construccedilatildeo poeacutetica desse autor debulha jaacute em seus versos
iniciais a imagem de um ser tomado possuiacutedo arrebatado pelo ato de ler ldquoQuem o conhece
a este que jaacute baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo ser a quem apenas o veloz passar
das paacuteginas plenas agraves vezes interrompe com violecircnciardquo O enfrentamento da obra que se daacute
com o rosto abaixado eacute a garantia da transformaccedilatildeo A obra quer quietude o autor diz que
ldquoapenas o veloz passar das paacuteginasrdquo traz a inquietaccedilatildeo Oa leitora poeticamente possui as
marcas da quietude da liquidez da transformaccedilatildeo nas palavras de Larrosa
O texto esse segundo ser no qual o leitor submerge estaacute empapado da sombra do
leitor A palavra alematilde eacute Getrankts e poderia ser traduzida por embriagada ou
porembebido[] O texto entatildeo tambeacutem perdeu sua estabilidade sua solidez e seu
controle sobre si mesmo ao estar impregnado dessa sombra liacutequida e embriagadora
que o leitor [a] derramou sobre ele A sombra do leitor [a] tem algo da fluidez dos
liacutequidos O texto por sua parte eacute permeaacutevel a esses liacutequidos uma vez que se deixa
empapar e embriagar por eles Ambos satildeo liacutequidos e podem misturar-se entre si E o
texto uma vez liquefeito embriagado e desmaternado agora pode ser o elemento
em que o leitor pode submergir para emergir transformado o elemento liacutequido da
metamorfose (LARROSA 2004 p 108)
A experiecircncia da leitura na poesia de Rilke e na interpretaccedilatildeo que Larrosa (2004)
empresta a esta obra eacute a experiecircncia da conversatildeo essa aqui natildeo eacute vista como aspiraccedilatildeo ao
divino mas agrave substancialidade de si da plenitude da saiacuteda do ordinaacuterio da
despersonalizaccedilatildeo ldquoQuem o conhecerdquo Haacute por conseguinte observando a aula de leitura
ministrada por Jaqueline uma distacircncia astronocircmica entre o leitor da poesia rilkeana e osas
leitoresas daquela sala de aula Satildeo contextos histoacutericos distintos com diferentes grupos
sociais que resultam em entregas e natildeo entregas agrave leitura Parece que a sala de aula inquieta e
desgovernada programada pelo poder-escola mesmo que anuncie a importacircncia da entrega
para a leitura natildeo propicia as condiccedilotildees para isto Haacute um controle por parte desse poder que
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cria regras nas quais se gera o impedimento para que a relaccedilatildeo complexa de abandonar-se pela
interpretaccedilatildeo de obras de textos de discursos para inquietar mundos prontos seja efetivada
Ler entatildeo na escola puacuteblica em tela e em tantas outras construiacutedas com a mesma
mesquinharia na faceta Paulo Honorina de nossos gestores puacuteblicos no trato com a educaccedilatildeo
eacute estar sob a tutela de uma atividade que controla e disciplina o natildeo ler
E o ler na sala de Jaqueline dizia do natildeo ler Assim entendi tambeacutem quando
observei a cena em que trecircs alunos que sentavam juntos folheavam o guia passando as
paacuteginas sem deleite algum mesmo este contendo bastante ilustraccedilotildees Um deles disse agrave
professora que ler aquilo ldquoera um sacordquo Ela foi raacutepida em me justificar a opiniatildeo do garoto
- Aqueles satildeo influenciados pela religiatildeo natildeo gostam de nada natildeo aceitam os
homossexuais nem que a mulher se iguale ao homem Satildeo do contra
Jaqueline demonstrou entatildeo entender pouco o que disse o aluno E dividida entre
alunosas que representavam o fundamentalismo religioso e expressavam rigidez de papeacuteis
acerca de identidades de gecircnero entre outrosas que expressavam um olhar assimeacutetrico para
as relaccedilotildees de gecircnero levadosas pelo senso comum e ainda por voz solitaacuteria que afirmou
defender a liberdade de cada um de ser quem quer como a de Viacutetor um paulistano receacutem-
chegado agrave Paraiacuteba Jacqueline posicionou-se E o fez premida pelo discurso da toleracircncia ao
diferente Uma ressonacircncia assumida por ela das suas interaccedilotildees com discursos de
formadores nos eventos de formaccedilatildeo continuada dos quais participa na Rede Municipal de
Ensino Diversas formaccedilotildees discursivas circundavam naquele espaccedilo impingindo a marca de
quatildeo heterogecircneas e fragmentadas satildeo as identidades sociais construiacutedas em praacuteticas
discursivas regradas historicamente Enxergaacute-las e tecirc-las como processos de construccedilotildees nos
quais somos premidos eacute em tese pensar fora do autoritarismo O ato de ler pode estar a serviccedilo
de exercitarmos o pensamento nesta perspectiva o que poderaacute promover o encontro com o
outro com disposiccedilatildeo para o diaacutelogo Mas este ato natildeo pode fugir de sua instacircncia poliacutetica
natildeo pode se dar sem angariar as formaccedilotildees discursivas que determinam verdades apagando e
dando sentidos conforme pontua Foucault [] ldquovivemos em uma sociedade que produz e faz
circular discursos que funcionam como verdade que passam por tal e que deteacutem por este
motivo poderes especiacuteficosrdquo (FOUCAULT 2012 p 231) Esta eacute tarefa para os que brigam os
que vivem em permanente posiccedilatildeo de lutadores
Natildeo sei se instigada pelo nosso diaacutelogo antes da aula a professora trouxe a tocircnica da
violecircncia contra a mulher perguntando se algueacutem ali achava certo um homem agredir uma
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mulher A pergunta me pareceu ingecircnua simplista que expressa possivelmente a
desorganizaccedilatildeo de Jaqueline por improvisar uma aula em um tema que natildeo parece lhe
fascinar As respostas vieram de forma apressadas e uniacutessonas por um natildeo agrave agressatildeo agrave
mulher Ela elogiou o grupo propagando uma cultura de paz reforccedilando que ningueacutem deve
bater em ningueacutemrdquo Chamou-me atenccedilatildeo a voz fraacutegil de uma menina que trouxe o
ordenamento juriacutedico como justificativa para o impedimento agrave violecircncia contra a mulher
- Natildeo pode professora por causa da Maria da Penha
Jacqueline demonstrou gostar desta resposta da garota e falou rapidamente da Lei
1134006 pontuando para a turma ldquoeacute a Maria da Penha que bota os homens que batem em
mulher na cadeiardquo Chamou-me atenccedilatildeo ainda o fato natildeo visto pela professora de que a aluna
natildeo encontrou um oacutebice para a violecircncia contra a mulher na dignidade humana dessa no seu
direito a uma vida sem agressotildees e sim em uma lei Mas a demonstraccedilatildeo de conhecimento do
ordenamento juriacutedico pela menina deixou a professora satisfeita Uma outra aluna indagou-
lhe
- Quem foi professora Maria da Penha
A docente Jaqueline natildeo soube dizer exatamente soacute respondeu que Maria da Penha eacute
uma mulher que sofreu violecircncia domeacutestica Perdeu a oportunidade de narrar uma histoacuteria
exemplar de luta contra a impunidade a este mal que grassa em tantos lares ao tempo em que
evidenciou um comprometimento em sua formaccedilatildeo intelectual Seu desconhecimento
considerando a relevacircncia que a farmacecircutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes
possui como siacutembolo de luta para o enfrentamento da violecircncia contra a mulher demonstrou
fragilidade de formaccedilatildeo profissional Maria da Penha vitimada pela violecircncia com duas
tentativas de assassinato por Marco Antonio Heredia Viveros agrave eacutepoca seu marido lutou
bravamente contra a impunidade a esse crime Por sua obstinaccedilatildeo durante longos anos travou
uma longa batalha no poder Judiciaacuterio e evitou a impunidade de Marco conseguindo levar
sua denuacutencia agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organizaccedilatildeo dos
Estados Americanos) que determinou medidas do Estado brasileiro pela puniccedilatildeo ao ex-
marido e reparaccedilatildeo agrave viacutetima A visibilidade da violecircncia contra a mulher ganhou em Maria da
Penha um baluarte que a fez homenageada com o nome da Lei 1134006 Suas apariccedilotildees na
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miacutedia em especial nas comemoraccedilotildees alusivas ao Dia Internacional da Mulher deveriam ser
outro fator que favorecesse o conhecimento da cearense pela professora Jaqueline
O tema da violecircncia contra a mulher instigou a turma a falar e muitosas alunosas
disseram conhecer mulheres viacutetimas de violecircncia ningueacutem disse que isto fazia parte da
realidade familiar mas da de uma vizinha de uma conhecida Jacqueline natildeo aproveitou a
discussatildeo para trazer reflexotildees sobre as causas desse fenocircmeno dar visibilidade agrave questatildeo
cultural que sustenta a assimetria entre homens e mulheres e discorrer sobre a importacircncia da
lei E mesmo diante de enunciados de meninos dizendo que deveria existir a lei para os
homens tambeacutem o que implica uma incoerecircncia a professora se esquivou de aprofundar o
debate Um debate que seria oportuno considerando que a violecircncia contra homens eacute um
fenocircmeno cultural de baixiacutessima incidecircncia o que em tese natildeo justifica a existecircncia de uma
lei para a proteccedilatildeo dos homens
A aula natildeo havia acabado ainda mas o focirclego da professora sim Como quem paga
alta penitecircncia olhou muito para o reloacutegio enfim sentou-se exaurida ao meu lado e
timidamente me pediu uma opiniatildeo sobre seu desempenho pedagoacutegico Tive zelo para natildeo
parecer dona da verdade e pontuei algo para ela Iniciando pela criacutetica ao improviso Abordei
tambeacutem com a educadora o quanto o lidar com texto em sala de aula em uma perspectiva
discursiva permite a quebra da ilusatildeo de que haacute uma leitura boa e certa para um texto na qual
o professor seria o inteacuterprete legiacutetimo E que a postura dela de natildeo ouvir as respostas dosas
alunosas em alguns momentos evidenciava talvez para ela a crenccedila de que as respostas da
turma estariam fora do campo do verdadeiro Falei tambeacutem do desejo de ver a temaacutetica ser
vivenciada com esmero por respeito ao princiacutepio da dignidade humana de todas as pessoas e
por considerar que para que se engendrem reflexotildees plurais e que se olhem mais
apuradamente as assimetrias de gecircnero desmantelando-nas as construccedilotildees discursivas
precisam fazer parte de um ethos Precisam fazer parte de uma brigada pela defesa de uma
escola inclusiva para todosas e isto natildeo nasce aleatoriamente nem sem suor Novos sujeitos
precisam nascer ou no dizer foucaultiano (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c 2012) novos
modos de subjetivaccedilatildeo Jaqueline ponderou que estava disposta a aprender mas de algumas
coisas natildeo abriria matildeo O que ela e tantosas natildeo abrem matildeo poderaacute continuar impedindo a
responsabilidade da escola em construir caminhos para novos sujeitos com a eliminaccedilatildeo de
praacuteticas discriminatoacuterias sexistas homofoacutebicas
A aula acabou e eu tomei emprestado o material usado em sala para analisaacute-lo
conforme tracei em um dos objetivos deste trabalho E muito embora este natildeo seja um
material programado para fazer parte de suas aulas como jaacute pontuei aqui por sua escolha ter
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sido notoriamente casual aleatoacuteria foi ele o subsiacutedio do evento e eacute um dos textos presentes
na escola que poderaacute ser lido outras vezes Voltei agrave biblioteca e perguntei agrave Denise a
responsaacutevel por aquele espaccedilo que foi uma das participantes da pesquisa se aquele texto o
ldquoGuia da Crianccedila Cidadatilde ndash Convivendo com meninas e meninosrdquo (BOULET 2005) jaacute fazia
parte do acervo bibliotecaacuterio quando de minhas visitaccedilotildees na outra etapa desta pesquisa Ela
me informou que natildeo aqueles volumes tinham sido uma aquisiccedilatildeo no final do ano realizada
pela coordenadora do projeto de leitura
O material usado um guia eacute um gecircnero textual que tem como caracteriacutestica pontuar
concisamente informaccedilotildees para nortear leitoresas acerca de algo E com esse natildeo foi
diferente o material utilizado naquela aula eacute um texto com muita ilustraccedilatildeo em uma
linguagem acessiacutevel e com historinhas apresentadas em trecircs capiacutetulos As narrativas abordam
relacionamentos entre meninos e meninas problematizando a construccedilatildeo das diferenccedilas
atraveacutes de toacutepicos como o interesse dos meninos por baleacute a ocupaccedilatildeo das mulheres no
mercado de trabalho as meninas poderem tomar agrave frente nas manifestaccedilotildees de afeto entre
outros papeacuteis sociais questionados Satildeo toacutepicos interessantes que se organizados
reflexivamente poderiam render uma aula mais significativa
O guia todavia eacute uma produccedilatildeo do UNICEF jaacute com uma certa defasagem em
relaccedilatildeo aos avanccedilos conquistados pelas mulheres no tocante agraves garantias juriacutedicas como as
Leis 1203409 (BRASIL 2009) que prevecirc a obrigatoriedade do preenchimento de vagas por
mulheres em cada partido e a Maria da Penha que combate agrave violecircncia contra a mulher
Outros avanccedilos angariados pelo coletivo feminista natildeo poderiam tambeacutem estar contemplados
ali no que diz respeito agraves mobilizaccedilotildees sociais como as construccedilotildees das conferecircncias entre
outros Assim eacute uma leitura que mobiliza o interesse pelo combate agrave violecircncia de gecircnero tem
seu valor mas precisaria estar melhor articulada e atualizada Esse eacute um trabalho doa
fazedora da educaccedilatildeo que deve entrar em sala carregando leituras catadas angariadas
escolhidas criteriosamente o que natildeo foi o caso da aula em tela na qual a mestra pareceu
carregar um guia sem ser guiada por ele
125
4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA VIA DA
LEITURA
Apoacutes discorrer acerca do trajeto desta pesquisa objetivando costurar os fios traccedilados
ao longo de sua constituiccedilatildeo cabe-me tomar a direccedilatildeo de apresentar nesta parte do estudo
uma proposta de sistematizaccedilatildeo de estrateacutegias que poderatildeo ser adotadas pelo projeto de leitura
da escola TRAVESSIA Isso se deve porque este mestrado que possui uma diretriz
profissional estaacute sendo desenvolvido de modo a permitir uma accedilatildeo interventiva na praacutetica
docente de seus cursistas o que se traduz como compromisso e luta com o fazer pedagoacutegico
aos quais bendigo
E com base no que angariei em termos de anaacutelises das discursividades de
educadoresas como mediadores(as) de leituras cabe-me propor a inserccedilatildeo do debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA Faccedilo assim por conceber que
a leitura ali vivenciada percebida em diversos momentos desta pesquisa natildeo demonstrou
contemplar a temaacutetica da equidade de gecircnero E a ausecircncia desta contemplaccedilatildeo eacute considero
um oacutebice para a formaccedilatildeo de cidadatildeosatildes reflexivosas que eacute um dos objetivos propostos no
documento do referido projeto de leitura da escola
Desse modo e em respeito agrave pauta reivindicatoacuteria dos DH das mulheres da populaccedilatildeo
LGBT e de toda uma legislaccedilatildeo educacional que trata da inclusatildeo como um direito de todas as
pessoas agrave dignidade humana proponho que haja o empenho pela implementaccedilatildeo do debate da
equidade de gecircnero na escola TRAVESSIA por via da leitura Sendo concebida esta via
como uma praacutetica social que pode contribuir significativamente com as mudanccedilas sociais e
culturais que precisam ser construiacutedas (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008) eacute preciso
que nela seja investido um olhar mais reflexivo Para isto eacute crucial que a escola repense o
lugar da leitura centralizando-a norteando esta praacutetica por reflexotildees e estudos frequentes
entre osas professoresas envolvidosas com o projeto CestaSexta literaacuteria Tais reflexotildees e
estudos devem estar subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e
propotildeem como leitura no projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam
estereoacutetipos para os modos como se alicerccedilam verdades Tais reflexotildees e estudos devem estar
subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e propotildeem como leitura no
projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam estereoacutetipos para os modos como
se alicerccedilam verdades A vigilacircncia sobre os modos de conceber a leitura tem razatildeo de ser
quando se considera o que a AD atraveacutes de Possenti (2009) postula em si natildeo eacute a leitura um
bem E como tal natildeo deve ser sacralizada natildeo pode tambeacutem ser mateacuteria de improviso de
mero cumprimento de tarefa sem planejamento criterioso e sabor
126
A formaccedilatildeo de leitoresas pressupotildee estudo pressupotildee concernir com o que se
acolhe Heidegger (apud LARROSA 2004 p 110) investe na importacircncia do ato de ler
debruccedilando-se na etimologia do termo
A etimologia de ler como recorda Heidegger remete a recolher a colher a
colecionar a coletar Leitura lectio liccedilatildeo e tambeacutem e-leiccedilatildeo se-leccedilatildeo co-leccedilatildeo co-
lheita Heidegger mostra como o legein grego relaciona-se com o leger latino e com
o alematildeo lesen em seu sentido primitivo de um ldquopocircr abaixo e pocircr diante de que se
reuacutene a si mesmo e recolhe outras coisasrdquo Esse pocircr eacute um juntar e um com-pocircr []
E aleacutem disso como indica o alematildeo lesen um coletar ou um re-coletar um co-lher
ou um re-colher a colheita de espigas (Ahren-lese) recolhe o fruto do solo A
vindima (Trauben-lese) colhe as bagas da videira Por isso o juntar e pocircr diante natildeo
eacute um juntar qualquer coisa de qualquer maneira natildeo eacute um mero amontoar mas
implica uma busca e uma escolha previamente determinada por um colocar dentre
por um colocar sob um teto por um preservar ou abrigar (HEIDEGGER apud
LARROSA 2004 p 110)
Haacute uma ideia de abrigamento de incorporaccedilatildeo com a definiccedilatildeo do termo que sugere
alimento a leitura como o patildeo diaacuterio que nutre defendida por Antunes (2009) E eacute com essa
ideia que advogo quatildeo a formaccedilatildeo de leitoresas eacute tarefa de extrema responsabilidade
pressupotildee condiccedilotildees adequadas de produccedilatildeo do ato de ler que envolve a disponibilidade do
acervo do espaccedilo adequado bem como as condiccedilotildees intersubjetivas como o desejo o
conhecimento o prazer por parte de quem propotildee a leitura A formaccedilatildeo de leitoresas eacute ato
seacuterio ultrapassa formar para a mera classificaccedilatildeo para o mero valorar de coisas eacute no dizer
de Larrosa (2004) ato que possibilita deixar aparecer o existente em sua plenitude atraveacutes da
experiecircncia do lanccedilar-se
E qual se lanccedilar haacute na leitura proposta pela profordf Jaqueline com poucos livros em
muitas matildeos desprotegida pelo Estado com um fastio intelectual leitor por um tema que
aparece nas formaccedilotildees continuadas segundo me informou mas desaparece na sua praacutetica
discursiva Haacute um lanccedilar-se Haacute eacute um hiato entre os sujeitos que escutam mudanccedilas
anunciadas nas formaccedilotildees entre os sujeitos que leem e natildeo assimilam essas leituras O
percurso formativo dessa profissional como dos outros sujeitos desta pesquisa eacute o de um
sujeito refrataacuterio agraves mudanccedilas propostas nas tecnologias enunciativas nas praacuteticas leitoras que
instiguem reflexotildees sobre a constituiccedilatildeo de identidades Nesse sentido recorro a Noacutevoa
A formaccedilatildeo eacute algo que pertence ao proacuteprio sujeito e se inscreve num processo de ser
(nossas vidas e experiecircncias nosso passado etc) e num processo de ir sendo (nossos
projetos nossa ideia de futura [] Eacute uma conquista feita com muitas ajudas dos
mestres dos livros das aulas dos computadores Mas depende sempre de um
trabalho pessoal Ningueacutem forma ningueacutem Cada um forma-se sozinho (NOacuteVOA
2001 p 15)
127
No trabalho de formaccedilatildeo interior levantado por Noacutevoa que eacute de extrema
importacircncia estatildeo as lembranccedilas foucaultianas das praacuteticas de si (FOUCAULT 2004a
2004b 2004c) as que fazem os sujeitos acordarem para seus desejos atentarem para relaccedilotildees
consigo com seus cuidados mas que permitem o olhar em torno o olhar para as construccedilotildees
sociais de si e do outroa Daiacute poderaacute vir a condiccedilatildeo de ser leitora de ser lanccediladora
Cuidando de si mas amparadoa pelo Estado satildeo por praacuteticas de libertaccedilatildeo e de liberdade que
osas intelectuais e professoresas poderatildeo ter a vitalidade necessaacuteria para formar e ser
leitora E aqui de novo a Literatura de Graciliano Ramos me acolhe com Madalena lutando
chorosamente contra o opressor Paulo Honoacuterio e sendo vencida Acode-me para que eu possa
propagar solitariamente natildeo haacute saiacuteda Agreste eacute a alma de Paulo Honoacuterio
Conheci que Madalena era boa em demasia mas natildeo conheci tudo de uma vez Ela
se revelou pouco a pouco e nunca se revelou inteiramente A culpa foi minha ou
antes a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste (RAMOS 1978
p 92)
Como agreste eacute o coraccedilatildeo de uma sala de aula sem livros sem sonhadoresas sem
leitoresas Fiz esse rodeio por outras paragens para reafirmar que as estrateacutegias para se
formar leitoresas satildeo meticulosas exigem accedilotildees inventivas que mobilizem a ultrapassagem
aos muros da escola fazendo a chamada ao Poder Puacuteblico Mas para isso eacute preciso professora
que escolha natildeo chorar como o fez Madalena Ao agente de letramento resta-lhe organizar-se
politicamente e especialmente se enxerga na leitura um cunho libertaacuterio como me afirmou
Jaqueline minutos antes de entrar na sala de aula e afirmam tantosas outrosas
educadoresas resta-lhe lanccedilar matildeo de artefatos culturais que fomentem reflexotildees
propositoras da construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo de empoderamento social de
grupos minoritaacuterios entre outras formas de experimentar vivecircncias
Eacute uma luta por espaccedilo formar leitora E como luta natildeo se daacute sem investimento sem
desarticulaccedilotildees e articulaccedilotildees de olhares Natildeo se daacute sem mobilizaccedilotildees internas e externas ao
acircmbito da esfera escolar por isso que aqui me cabe atravessar o olhar indo da escola agrave
SEDEC e inquirir desse oacutergatildeo sobre suas responsabilidades poliacutetico-administrativas A
educaccedilatildeo do municiacutepio precisa repensar uma forma de estar gestando maior compromisso e
seriedade com as suas poliacuteticas educacionais no que se refere agrave responsabilidade de formar
leitoresas A produccedilatildeo de projetos de leitura natildeo pode ser tarefa de cunho meramente
administrativo sem o acompanhamento devido pelo pedagoacutegico Uma professora
readaptadoa portanto soacute deve propor e coordenar projeto de leitura se houver nelea as
128
favoraacuteveis condiccedilotildees para isso biblioteca escolar natildeo pode ser lugar para assegurar a
manutenccedilatildeo de gratificaccedilatildeo docente natildeo pode ser espaccedilo onde apenas se emprestam livros
sem a preocupaccedilatildeo com um trabalho profiacutecuo para o estiacutemulo agrave leitura Haacute o Plano Nacional
de Livro e Leitura ndash PNLL que reivindica a esse espaccedilo o seu lugar de dinacircmico polo difusor
de informaccedilatildeo e cultura para isso o profissional que fica agrave frente desse oacutergatildeo precisa avanccedilar
em conquistas por mais habilidade A responsabilidade da SEDEC com osas readaptadosas
natildeo pode se restringir agrave exigecircncia com a confecccedilatildeo de um projeto de leitura no papel mas em
formaacute-losas para que exerccedilam com maestria a funccedilatildeo de agente de letramentos
Pensar entatildeo e ainda em um aperfeiccediloamento com o trabalho de leitura na escola
TRAVESSIA eacute tambeacutem sair dos muros daquele espaccedilo e provocar os gabinetes e o interesse
do Poder Puacuteblico da Rede de Educaccedilatildeo Municipal de Joatildeo Pessoa para o implemento de
melhorias na formaccedilatildeo continuada por ela oferecida Como propositora das formaccedilotildees
continuadas a SEDEC deve se questionar sobre a qualidade dessas avaliando seus impactos
nas praacuteticas docentes As formaccedilotildees continuadas natildeo podem ser inoacutecuas incapazes de fazer
com que seusuas educadoresas impactem suas praacuteticas educativas com o que lhes satildeo
ministradosas nos eventos de formaccedilatildeo Para isto essas praacuteticas precisam estar municiadas de
reflexotildees permanentes acerca de seus jogos de verdades de suas operacionalidades do seu
formato das accedilotildees conectadas com a realidade da sala de aula acerca enfim dos seus efeitos
sobre as praacuteticas discursivas dos seus docentes
Dentre as preocupaccedilotildees que a escola TRAVESSIA deve ter para que possa
aperfeiccediloar seu trabalho com a leitura pode estar tambeacutem a de proporcionar o envolvimento
da participaccedilatildeo familiar nas praacuteticas leitoras A matildee jaacute foi aqui pontuado pelas anaacutelises dos
resultados da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2011) tem papel
inquestionaacutevel na influecircncia da formaccedilatildeo leitora A famiacutelia a despeito das dificuldades de
ajuste com tempo precisa ser estimulada a se envolver com as temaacuteticas e accedilotildees leitoras
desenvolvidas pela escola natildeo soacute atraveacutes das tarefas domeacutesticas dosas filhosas mas vindo agrave
escola para ler produzir textos para elesas participar dos eventos leitores Haacute matildees pais
avocircoacutes tiosas e irmatildeosas talentosos nos lares que podem contribuir com o trabalho de
leitura nas escolas atuando como contadoresas de histoacuterias como atoresatrizes em peccedilas
teatrais entre outras atividades
Reconheccedilo satildeo deveras hercuacuteleas as responsabilidades que o poder puacuteblico precisa
implementar para assegurar as mudanccedilas que a sociedade brasileira tem como direito em
termos de educaccedilatildeo de qualidade Satildeo inuacutemeras e histoacutericas as queixas de educandosas e
educadoresas sobre o ensino que o Estado brasileiro oferta agrave populaccedilatildeo e no que diz respeito
129
agrave praacutetica leitora pela escola elencam com frequecircncia como pontos negativos textos impostos
pouco acervo condiccedilotildees inadequadas de espaccedilo leitura para cumprir obrigaccedilatildeo A escola
precisa olhar com respeito tais queixas crocircnicas de seusuas educadoresas enxergar suas
vozes dispostas a aprender a aprender e aceitar o desafio de ser inventiva para resistir ao
poder como Foucault (2012) ressalta E em se tratando de poder institucional como tem sido
avassalador o poder puacuteblico do descaso com a educaccedilatildeo brasileira Tatildeo devastador a ponto de
fazer com que pensar em propor estrateacutegias interventivas em uma de suas instacircncias de
trabalho seja tatildeo sedutor quanto frustrante para mim e para educadoresas das escolas
puacuteblicas do Paiacutes Como ser inventivo diante dos limites estruturais que se apresentam face agraves
tentativas de desenvolvimento de um bom trabalho A realidade das salas superlotadas e dos
parcos recursos em termos de filmes de acervos literaacuterios musicais e demais artefatos
culturais aqui jaacute referendados comprometem a qualidade de um trabalho com a leitura
expondo o quanto o direito agrave educaccedilatildeo de qualidade estaacute sendo violado
Mas pior ficaraacute se natildeo se propuser Vou tentar pela vitalidade que haacute nos gestos de
tentar e por importar ter a leitura em pauta despertar interesse por ela saber de onde se lecirc
perscrutar por qual controle se lecirc Importa formar leitores que afiem os sentidos reflitam
sobre o estar no mundo para que possam no dizer de Freire (1999 p 124) conceber a
possibilidade do inacabamento humano ldquoa raiz mais profunda da politicidade da educaccedilatildeo se
acha na educabilidade mesma do ser humano que se fundamenta na sua natureza inacabada e
da qual se tornou conscienterdquo A leitura pode ser sem sacralizaccedilotildees uma porta para as buscas
de si foucaultianas e para a consciecircncia freireana
Convencida disto encaminho propostas de atividades de leituras de viacutedeos sites e
filmes para aprimorar as reflexotildees acerca da temaacutetica Faccedilo isto sem a menor pretensatildeo de
demonstrar possuir foacutermula nem verdade alguma nem achando que o que proponho eacute
novidade pois creio que apesar das condiccedilotildees adversas em muitos contextos escolares o
trabalho com a leitura tem sido pautado em uma perspectiva discursiva com objetivos
emancipatoacuterios libertaacuterios E o que me compete fazer neste momento satildeo esboccedilos para uma
reflexatildeo que norteie a praacutetica leitora do CestaSexta Literaacuteria Ciente sou todavia de que
profiacutecuo eacute que se faccedilam estudos coletivos reforccedilados nas coordenaccedilotildees pedagoacutegicas com
muito diaacutelogo e participaccedilatildeo dosas educadoresas ouvindo as famiacutelias os educandosas para
que haja o fortalecimento de ideias e aprendizado coletivo
Ciente sou ainda todavia de que respalda a todosas educadorasas no sentido de
reivindicar e fazer as mudanccedilas que precisam ser efetivadas a chegada de mais uma
tecnologia enunciativa como promessa de mudanccedilas O Senado Federal aprovou em julho
130
deste o novo Plano Nacional da Educaccedilatildeo - PNE cujo teor traz o compromisso firmado pelo
Governo brasileiro atraveacutes de suas poliacuteticas puacuteblicas para o enfrentamento da gravidade que
acomete a educaccedilatildeo brasileira Satildeo promessas em formato de diretrizes e metas a serem
cumpridas ateacute 2024 promessas que soacute poderatildeo ser alcanccediladas se esta tecnologia enunciativa
for concebida e acolhida como Plano de Estado mais do que Plano de Governo
Que sejamos osas santosas fazedoresas da mudanccedila que a educaccedilatildeo brasileira
precisa experimentar para sair de seu estado crocircnico de adoecimento A santidade nos
convoca a rezar aqui o sentido dessa accedilatildeo eacute para aleacutem da busca do sagrado conforme
estabelece esse Plano e um arcabouccedilo da legislaccedilatildeo educacional pela fundamental poliacutetica de
valorizaccedilatildeo global do magisteacuterio a qual implica simultaneamente a formaccedilatildeo profissional
inicial as condiccedilotildees de trabalho salaacuterio e carreira e a formaccedilatildeo continuada Que a reza natildeo
seja silenciosa apenas nem solitaacuteria pois seraacute inoacutecua e que conflua para o que diz o novo
PNE no sentido de que eacute preciso criar condiccedilotildees para que os professores possam vislumbrar
perspectivas de crescimento profissional e de continuidade de seu processo de formaccedilatildeo
(BRASIL 2014) Quem sabe assim o rosaacuterio de lamentaccedilotildees monotemaacuteticas que osas
educadoresas arrastam em seus enunciados natildeo mude de tom surgindo a sonoridade da luta
da paixatildeo e do sonho tatildeo (en)cantada por Chico Buarque de Holanda ldquoAi quero uma
lembranccedila eu quero uma esperanccedila A tua primavera
Apoacutes fazer uma ressalva ao PNE receacutem-chegado retorno agrave reflexatildeo sobre a
semeadura na escola em tela apresentando agrave guisa de sugestatildeo algumas recomendaccedilotildees que
podem ser incorporadas pela organizaccedilatildeo do projeto a CestaSexta Literaacuteria Nesse sentido
cabe aos organizadores do projeto de leitura da escola TRAVESSIA
1) Considerar a fragilidade com que o projeto de leitura se apresenta evidenciada
natildeo soacute pela ausecircncia da temaacutetica de gecircnero e de temas transversais propostos
pelos PCNs como tambeacutem pela ausecircncia de uma fluente organizaccedilatildeo entre as
accedilotildees propostas sua metodologia e seus objetivos e buscar construir uma
reformulaccedilatildeo do projeto Eacute necessaacuterio que este inclua em seus propoacutesitos uma
exposiccedilatildeo clara de temas trabalhados para que haja a relaccedilatildeo desses com a
formaccedilatildeo cidadatilde pelo projeto defendida
2) Construir para o referido projeto uma metodologia dialoacutegica e participativa
havendo a explicitaccedilatildeo dos recursos teacutecnicos adequados aos objetivos propostos
que contribuam para uma educaccedilatildeo natildeo-sexista natildeo discriminadora A sua
metodologia deve ser constituiacuteda de momentos formativos com o corpo docente e
131
gestor a fim de que as accedilotildees sejam elaboradas por uma equipe multidisciplinar
que elabore monitore e avalie todo o processo
3) Apresentar uma bibliografia envolvente e criteriosamente levantada como
tambeacutem uma seleta apresentaccedilatildeo de filmes e de artefatos culturais como canccedilotildees
entre outros objetivando ressignificar a realidade a partir desses instrumentos
Considero oportuno sugerir que a escola procure desenvolver dentro de suas
possibilidades praacuteticas leitoras incrementadas por encenaccedilotildees de peccedilas teatrais
jogos varais com a presenccedila de contadoresas de histoacuterias por exibiccedilatildeo de
filmes que a depender do estilo da peliacutecula pode sofrer cortes em cenas para que
apenas elas sejam estudadas considerando que nem toda narrativa atrai Haacute
programas de televisatildeo e capiacutetulos de novelas que podem ser objetos de anaacutelises
como tambeacutem determinadas leituras circuladas nas redes sociais podem estar
propiciando reflexotildees atinentes agrave valorizaccedilatildeo da dignidade humana
4) Proporcionar realizaccedilotildees de atividades educativas como oficinas palestras e
debates com a inserccedilatildeo da temaacutetica da equidade de gecircnero Para isso deve se
nortear com a discussatildeo de questotildees geradoras que podem ser conforme
pontuadas pelo curso de Gecircnero e Diversidade na Escola ndashGDE- (2009)3 assim
levantadas Como as relaccedilotildees de gecircnero aparecem no cotidiano escolar Haacute cenas
de violecircncia de gecircnero na escola O que educadoresas podem fazer neste
momento A discriminaccedilatildeo de gecircnero ainda coloca as mulheres em desvantagem
em diversas situaccedilotildees sociais Haacute o agravamento da desvantagem quando essa se
une agrave discriminaccedilatildeo eacutetnico-racial Qual a responsabilidade da escola e dos
educadores na garantia do direito de cada pessoa de ter uma justa imagem de si e
de ser tratado com dignidade Educadores e educadoras tecircm a possibilidade de
reforccedilar preconceitos e estereoacutetipos de gecircnero A escola institui sujeitos a partir
de um modelo Este modelo eacute branco masculino heterossexual e todas as pessoas
que natildeo se encaixam nele satildeo o outro que eacute reiteradamente tratado como inferior
estranho diferente Isso tem mudado Caso sim com base em que se sustenta esta
mudanccedila Em todas as classes sociais as mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia
(fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral e sexual) e enfrentam dificuldades de acesso
ao trabalho agrave geraccedilatildeo de renda e agrave participaccedilatildeo na vida poliacutetica Haacute letras de
3As perguntas apresentadas foram adaptadas a partir da leitura do livro intitulado ldquoGecircnero e Diversidade na
Escola Formaccedilatildeo de professorases em gecircnero orientaccedilatildeo sexual e relaccedilotildees eacutetnico-raciaisrdquo Este livro foi
utilizado como Livro de Conteuacutedo para o Curso Gecircnero e Diversidade na Escola (GDE) da Universidade
Federal da Paraiacuteba na modalidade a distacircncia
132
muacutesicas que vinculam a imagem da mulher ao escaacuternio agrave exploraccedilatildeo sexual e agrave
violecircncia fiacutesica e simboacutelica Isto se constitui como algo com que o projeto de
leitura deve se preocupar
5) Vivenciar a praacutetica leitora acompanhada de accedilotildees inventivas dinacircmicas ler
silenciosamente ler grupalmente ler atraveacutes das contaccedilotildees de histoacuterias que
devem ser estimuladas ler para encenar para debater ler para ler Isso pode ser
melhor realizado com a organizaccedilatildeo de grupos pequenos o que eacute um grande
desafio para a instituiccedilatildeo
6) Criar agendas com as quais se trabalhe a leitura em uma perspectiva dinacircmica
expondo temas ao longo do ano letivo acompanhado de artefato cultural para o
debate com recursos como obras cinematograacuteficas literaacuterias imagens feiras
participaccedilatildeo dosas alunosas em eventos culturais que porventura estejam sendo
realizados na cidade
7) Adotar para anaacutelise se possiacutevel as leituras abaixo sugeridas
SUGESTOtildeES DE LEITURAS
Bibliografia teoacuterica
AUAD Daniela Educar meninas e meninos relaccedilotildees de gecircnero na escola Satildeo
Paulo Contexto 2006 96 p
BRASIL Gecircnero e diversidade na escola formaccedilatildeo de professoresas em Gecircnero
Orientaccedilatildeo Sexual e Relaccedilotildees Eacutetnicos-Raciais Livro de Conteuacutedo versatildeo 2009 ndash
Rio de Janeiro CEPESC Brasiacutelia SPM 2009
LOURO Guacira Lopes Gecircnero sexualidade e educaccedilatildeo uma perspectiva poacutes-
estruturalista 14 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2012
SILVA Tomaz Tadeu da Identidade e diferenccedila a perspectiva dos Estudos
Culturais 10 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2011
ZENAIDE Maria de Nazareacute Tavares SILVA Margarida Socircnia Marinho do Monte
Plano de Accedilatildeo em Educaccedilatildeo em e para Direitos Humanos na Educaccedilatildeo baacutesica In
Direitos humanos capacitaccedilatildeo de educadores Joatildeo Pessoa editora
UniversitaacuteriaUFPB 2008 v 2
Bibliografia literaacuteria
BOJUNGA Lygia Sapato de salto Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2006
_____ A bolsa amarela 33 ed Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2003
133
BRAZ Juacutelio Emiacutelio Anjos no aquaacuterio Ilustraccedilotildees de Andreacutea Ramos 20 ed Satildeo
Paulo Atual 2009
LEITE Maacutercia Oliacutevia tem dois papais Ilustraccedilotildees de Taline Schubach Satildeo Paulo
Companhia das Letrinhas 2010
MACHADO Ana Maria A princesa que escolhia Ilustraccedilotildees de Graccedila Lima Rio
de Janeiro Nova Fronteira 2006
ROCHA Ruth Faca sem ponta galinha sem peacute Ilustraccedilotildees de Suppa Satildeo Paulo
Moderna 2009
SIMPATIA Tiatildeo A lei Maria da Penha em cordel ndash Fortaleza XX 2012
SOUZA Flaacutevio de Priacutencipes e princesas sapos e lagartos histoacuterias modernas de
tempos antigos Ilustraccedilotildees de Paulo Ricardo Dantas 6 ed Satildeo Paulo FTD 1996
_____ Homem natildeo chora Ilustraccedilotildees de Riba Tavares Belo Horizonte Formato
Editorial 1994
TORERO Joseacute Roberto PIMENTA Marcus Aurelius Chapeuzinhos coloridos
Rio de Janeiro Objetiva 2010
VIEIRA Isabel E agora matildee 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2002
ZIRALDO Coisas de menina histoacuterias que revelam o que eacute ser menina
maluquinha Satildeo Paulo Globo 2008
SUGESTOtildeES DE FILMES
Minha Vida em Cor-de-Rosa (Mavieen rose) eacute um filme dirigido pelo belga Alain
Berliner e lanccedilado em1997 Trata-se da histoacuteria de um menino chamado Ludovic que
imagina que deveria ter nascido menina O filme mostra os preconceitos que a personagem
principal e seus familiares enfrentam em relaccedilatildeo a sua identidade de gecircnero
Garotos natildeo choram (EUA 1999 Kimberly Peirce) Assunto predominante
sexualidade identidade sexual e de gecircnero atraveacutes da experiecircncia de uma transgecircnero
violecircncia EUA
Geraccedilatildeo Roubada (Austraacutelia 2002 Phillip Noyce) Assunto predominante
Opressatildeo cultural e situaccedilatildeo feminina
Iacuteris (Inglaterra 2001 Richard Eyre) Narra a trajetoacuteria biograacutefica de Iacuteris Murdoch
escritora e filoacutesofa inglesa sua relaccedilatildeo com os homens e seu casamento ateacute a morte por
Alzheimer em 1999
134
Beleza Americana (EUA 1999 Sam Mendes) Assunto predominante relaccedilatildeo
conjugal gecircnero e sexualidade no conflito de geraccedilotildees homofobia
Billy Eliot (Reino Unido 2000 Stephen Daldry) Assunto predominante Gecircnero e
classe identidade sexual danccedila (um garoto faz ballet)
Chocolate (EUA 2000 Lasse Hallstroumlm) Assunto predominante gecircnero
sexualidade e amor relaccedilatildeo matildee e filha descobertas transgressotildees
Delicada atraccedilatildeo (Inglaterra 1996 Hettie Macdonald) Assunto predominante
juventude e sexualidade masculina homoerotismo
Eternamente Pagu (Brasil 1987 Norma Bengell) Narra a trajetoacuteria biograacutefica e
poliacutetica de Pagu e outras personalidades da eacutepoca como Oswald de Andrade e Tarsila do
Amaral
Frida (EUA 2002 Julie Taymor) Assunto predominante biografia da artista Frida
Khalo amor relaccedilatildeo homem-mulher homoerotismo feminino
SUGESTOtildeES DE SITES PARA VISITAR
EDUCACcedilAtildeO ON LINE
httpeducacaoonline ndash Com uma busca na palavra gecircnero encontraraacute textos
acessiacuteveis sobre diversos temas educacionais
REVISTA GEcircNERO ndash (UFF ndash Universidade Federal Fluminense) ndash
httpwwweditorauffbr
Cadernos Pagu
httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso
Revista Estudos Feministas
httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso
SUGESTOtildeES MARCOS LEGISLATIVOS DE DOCUMENTOS
Lei11340 07082006 Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e
familiar contra a mulher nos termos do art 226 da Constituiccedilatildeo Federal da Convenccedilatildeo sobre
a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra as Mulheres e da Convenccedilatildeo
135
Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violecircncia contra a Mulher Disponiacutevel
emlthttpwwwplanaltogovbrCcivil 03 Ato2004-2006Lei11340htmgtAcesso em 26
jun 2013
BRASIL Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos Brasiacutelia
SEDHMJMECUNESCO 2007
136
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Eacute assim A gente pede para ele fazer cara de malvadeza de ruindade de valentia
Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para
ele Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho
(ROSA 1986 p 255)
Este trecho da ficccedilatildeo roseana soa-me como mais um fio das aacuteguas profundas do rio
que flui das conversaccedilotildees de (Rio)baldo e trazecirc-lo para abrir as consideraccedilotildees finais deste
trabalho parece-me oportuno Parece-me porque com esta construccedilatildeo literaacuteria de um ser no
espelho gestando imagens para si que seratildeo e vecircm dos outros pelas palavras e pela
ocularidade refletimos sobre a importacircncia da discursividade como o que nos encarna o que
nos vivifica o que nos constitui Haacute no espelho da obra roseana (ROSA 1986) a marca da
memoacuteria discursiva do outro que nos envereda a marca de que o poder eacute tecido nas praacuteticas
sociais e enunciado em praacuteticas discursivas que operam em noacutes um modo de subjetivaccedilatildeo
ldquo[] Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para ele
Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho []rdquo O espelho dado pelo outro
opera a virada que nos torna mutantes crentes no que vemos no que nos dizem Esta imagem
do espelho na fala de Riobaldo algo que natildeo eacute ldquonovidadeirordquo na ficccedilatildeo literaacuteria reflete
deveras o quanto a construccedilatildeo social da realidade estaacute imersa e constituiacuteda na trama da
linguagem E eacute por isso uma imagem cara que pode ser confluente com o pensamento
foucaultiano (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2004c 2004d 2012) no tocante ao interesse
do filoacutesofo de propor o exerciacutecio da suspeita do que somos e como nos tornamos quem
somos para quem sabe podermos recusar o que somos
Nesse caminho observando o cuidado alertado por Gallo (2008) para que se evite
enxergar tons novidadeiros e se tente ldquocolonizarrdquo pensamentos ter tomado de empreacutestimos as
reflexotildees de Foucault para esta pesquisa constituiu-se como um desafio instigante e vaacutelido As
contribuiccedilotildees do pensador mobilizadas aqui foram as atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo
da construccedilatildeo da verdade e do poder esse em suas formas de assimetria piramidalizadas
fabricadas pelo Estado e instituiccedilotildees como a familiar a religiosa e a escolar A articulaccedilatildeo de
tal empreacutestimo teve sua razatildeo de ser por esta pesquisa conforme evidenciada ter tido como
objetivo empreender reflexotildees acerca das relaccedilotildees de gecircnero perpassadas pelas constituiccedilotildees
discursivas dosas educadoresas como mediadoresas de leitura E a voz do pensador francecircs
levada a esse debate fez-me corroborar com a ideia de que o sujeito natildeo eacute uma substacircncia
137
pronta ele eacute forma que se faz e se refaz determinada por regras soacutecio-histoacutericas Foucault
(2004b) postula sujeitos que se esvanecem
Penso efetivamente que natildeo haacute um sujeito soberano fundador uma forma universal
de sujeito que poderiacuteamos encontrar em todos os lugares Penso pelo contraacuterio que o
sujeito se constitui atraveacutes das praacuteticas de sujeiccedilatildeo ou de maneira mais autocircnoma
atraveacutes das praacuteticas de liberaccedilatildeo de liberdade como na Antiguidade a partir de um
certo nuacutemero de regras de estilos de convenccedilotildees que podemos encontrar no meio
cultural (FOUCAULT 2004b p 291)
E tal postulaccedilatildeo viabiliza reflexotildees de que constituiacutedas discursivamente tramadas
por linguagens essas formas de subjetivaccedilatildeo satildeo moventes materiais dispersas falam de um
lugar institucional anunciando memoacuterias discursivas A importacircncia desse entendimento para
esta pesquisa se mostrou entre outras pela razatildeo de que com a concepccedilatildeo de que haacute
produccedilotildees histoacutericas de subjetividades e de que essas vivem em luta conforme evidencia
Foucault (2012) esta investigaccedilatildeo pocircde atentar para as instacircncias das resistecircncias Pocircde
atentar para as mobilizaccedilotildees que se intercruzam contra o naturalizado o instituiacutedo como
verdadeiro o que eacute controlado disciplinado para que possam ser problematizadas novas
formas de se constituiacuterem sujeitos
Desse modo posso dizer que haacute percebido por este estudo a possibilidade de
entrecruzar olhares foucaultianos sobre modos de subjetivaccedilatildeo e a marcha das mulheres por
um mundo com sujeitos eacuteticos que apregoem a igualdade o direito e a conquista de uma
praacutetica de liberdade para que se trace o desejo por um ethos E um ethos que incita a busca de
si o reinventar-se o desfamiliarizar-se eacute um fio no novelo que os feminismos e todos os
movimentos sociais que objetivam problematizar formaccedilotildees discursivas com seus poderes e
saberes podem ter como experiecircncia como aprendizado Com essa praacutetica homens e
mulheres constituem a beleza de serem artesatildeos de si como pontua Foucault (2004a 2004c)
Mas esta natildeo eacute uma busca sem lutas Desmantelar as invenccedilotildees os jogos de verdade recusar
o que somos por conseguinte eacute tarefa que passa pelo que se perscruta pelo que se elege para
ler ouvir falar partilhar acreditar desacreditar defender atacar enfim eacute tarefa que passa
por atentar para a dimensatildeo discursiva da construccedilatildeo da realidade
Com essa referida dimensatildeo discursiva na qual os sujeitos se inserem produtos e
produtores de sentidos (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008 POSSENTI 2009) e sem
pretender oferecer a uacuteltima palavra nem onde haacute a verdade busquei entatildeo verificar o modo
como a educaccedilatildeo puacuteblica municipal na escola TRAVESSIA produz efeitos de sentidos com
suas praacuteticas leitoras Para isto investiguei as condiccedilotildees histoacutericas de produccedilatildeo dessas
138
praacuteticas perpassando pelas discursividades docentes procurei ouvir educadoresas conhecer
o projeto de leitura da instituiccedilatildeo seu documento fundador perscrutar o que move e dinamiza
o referido projeto saber do acervo da biblioteca do que ali teria ou natildeo referente ao debate
sobre gecircnero Em um clima de receptividade calorosa estive na escola observando aulas e
seus textos aplicando questionaacuterio fazendo diaacuterio de campo perscrutando as vozes que
conduzem o trabalho com leitura na escola com a perspectiva de perceber o que
comportariam as praacuteticas leitoras suscitadas
E as anaacutelises dos resultados dessas investigaccedilotildees jaacute citadas paulatinamente ao longo
do trajeto em que foram aplicados os instrumentos de investigaccedilatildeo apontaram que o debate
acerca das relaccedilotildees de gecircnero tatildeo atinente com a pauta reivindicatoacuteria dos DH natildeo era
contemplado pelo projeto de leitura da escola Assim o percebi quando examinei o documento
constituinte do projeto de leitura da CestaSexta Literaacuteria no qual natildeo se apresenta na
organizaccedilatildeo dos propoacutesitos das accedilotildees da bibliografia e da metodologia desse instrumento a
promoccedilatildeo de uma praacutetica leitora apontando para o respeito agraves diferenccedilas agrave concepccedilatildeo de um
mundo plural e ao combate a uma ordem androcecircntrica Natildeo eacute evidenciado a partir das
referecircncias do documento que a leitura acolhida lanccedilada proposta suscitada pelo projeto
CestaSexta literaacuteria esteja alicerccedilada nas intenccedilotildees de debater as relaccedilotildees de gecircnero Assim o
sendo a escola democraacutetica e inclusiva atinente ao que preconizam os postulados dos DH
natildeo estaacute sendo engendrada pela linha mestra da leitura Por sua vez no tocante agrave produccedilatildeo do
referido instrumento esse se apresenta com outras fragilidades entre elas a de natildeo amarrar
devidamente seus nexos temaacuteticos sobre quais leituras e temas estaratildeo compondo a praacutetica
leitora Haacute um silenciamento quanto agraves inserccedilotildees temaacuteticas seja de que natureza for Natildeo se
sabe entatildeo quais relaccedilotildees de saber e poder estaratildeo sendo colocadas para afirmar o que o
projeto diz perspectivar formar cidadatildeo[a]
Percebi ainda a natildeo problematizaccedilatildeo das relaccedilotildees de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria
quando fiz o levantamento do acervo da biblioteca na primeira etapa da pesquisa As
prateleiras no que se refere agraves obras paradidaacuteticas essas as escolhidas para ser investigadas
natildeo acomodavam tiacutetulos com essa perspectiva assim me disse a responsaacutevel por aquele
espaccedilo assim averiguei tambeacutem com a leitura das fichas catalograacuteficas dos poucos volumes
presentes na biblioteca naquele periacuteodo investigado
Investiguei ainda se os textos utilizados pelo projeto nas aulas de leitura observadas
contemplavam praacuteticas discursivas que produziam sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero e
constatei que natildeo havia uma seleccedilatildeo de textos com a temaacutetica de gecircnero por parte dosas
educadoresas Exceccedilatildeo se deu em uma situaccedilatildeo atiacutepica na qual a professora Jaqueline trouxe
139
improvisadamente a temaacutetica pela leitura de um texto provocada segundo ela pela minha
presenccedila ali
No chatildeo da escola Travessia constatei apoacutes percorrer seus espaccedilos haacute as marcas de
que sua leitura natildeo problematiza a produccedilatildeo e a reproduccedilatildeo da iniquidade de gecircnero E outra
forma de verificar a ausecircncia dessa problematizaccedilatildeo foi pela perscruta dos relatos docentes e
pela anaacutelise das respostas do questionaacuterio lhes aplicado Pude perceber nas anaacutelises que fiz
das respostas daquele instrumento o quanto a constituiccedilatildeo das subjetividades dosas
colaboradoresas expressa olhares que segregam que estigmatizam o diferente que natildeo
percebem os jogos discursivos dos quais fazem parte Fiz a leitura com base em anaacutelise de
algumas das respostas desse instrumento de que emana dosas colaboradoresas uma
formaccedilatildeo discursiva reproduzindo e produzindo a iniquidade de gecircnero a reproduccedilatildeo de
regras e valores que elegem uma visatildeo androcecircntrica e heterossexual traccedilando para os que
natildeo pertencem a este modelo o estigma de diferente de abjeto passiacutevel de ser enquadrado
Assim o demonstraram aquela maioria de colaboradoresas da pesquisa quando expressaram a
intenccedilatildeo de ingerir em interesse de desviantes conforme apresenta a anaacutelise da sexta questatildeo
do instrumento de investigaccedilatildeo
Nas anaacutelises dos relatos dosas colaboradoresas deste estudo ficaram evidecircncias dos
limites com que se deparam essesas profissionais na propositura de um trabalho reflexivo
com a leitura A lamuacuteria e a desesperanccedila acompanhavam a praacutetica de ler minada por parcos
recursos e muita desmotivaccedilatildeo Uma praacutetica que precisa ser repensada pois em muitos
momentos essa traz a marca atraveacutes de enunciados dosas educadoresas da natildeo
contemplaccedilatildeo de importantes debates como os da violecircncia domeacutestica contra a mulher da
iniquidade de gecircnero e de outros temas atinentes agraves postulaccedilotildees dos DH Esse silenciamento
temaacutetico traduz o quanto pode estar reduzido o espaccedilo interacional da leitura como o lugar da
anti-hegemonia da desconstruccedilatildeo do olhar totalitaacuterio para o outro e isso precisa ser
repensado
A natildeo-contemplaccedilatildeo do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero foi ainda percebida nas
aulas observadas Nelas a despeito do esforccedilo da professora para se pronunciar sobre o tema
esse natildeo assentava com o olhar da mestra repousante em uma formaccedilatildeo discursiva
essencialista E a profordf Jaqueline demonstrou-se conflitante em turbulecircncia entre suas
incursotildees pelas formaccedilotildees continuadas ofertadas pela SEDEC anunciando o respeito agrave
pluralidade cultural e agrave diversidade humana e o olhar da mestra construiacutedo inventado para a
natildeo-aceitaccedilatildeo ao diferente tingindo esse com as cores da negaccedilatildeo (SILVA 2012) As
discursividades daquelas aulas foram minadas por olhares redutores para o diferente por
140
ausecircncia de contemplaccedilatildeo de como a linguagem constitui modelos de feminilidade modelos
de masculinidades e o quanto represa a vida
Presumo que isto se registra face agrave ausecircncia do cabal cumprimento do que anunciam
as tecnologias enunciativas sobre educaccedilatildeo como as do PPP da LDB do PNEDH as dos
PCNs a Resoluccedilatildeo 0112 Esses marcos educativos instituem o debate propositivo da
inclusatildeo do respeito agrave diversidade humana e sexual e da defesa inconteste de princiacutepios como
o da dignidade humana no curriacuteculo escolar mas natildeo marcaram efetivamente as poliacuteticas
educacionais vividas na escola Tais tecnologias postas que satildeo recentemente elaboradas eacute de
se anuir provavelmente que mesmo que ocupem gavetas escolares e discursos de
formadores que ressoaram em alguns momentos nas vozes perscrutadas natildeo poderiam
impactar formaccedilotildees discursivas secularmente construiacutedas alicerccediladas ainda pelo poder-
escola E se esbarram conflitantemente em seacuteculos de internalizaccedilatildeo de um modelo
essencialista androcecircntrico e heteronormativo
Por esta razatildeo eacute preciso que da e para a escola erga-se uma brigada contra a
violecircncia de gecircnero E por assim entender propus com a construccedilatildeo do capiacutetulo 4 desta
dissertaccedilatildeo que haja a implementaccedilatildeo de praacuteticas discursivas no projeto de leitura da escola
com o propoacutesito de eliminar o silenciamento da temaacutetica de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria
A cesta que eacute utilizada nas aulas de leitura carregando livros precisa transportar artefatos
culturais que suscitem debates pela reinvenccedilatildeo da vida pela reinvenccedilatildeo do trato entre os
homens e as mulheres balizados na dignidade de todosas Agrave escola TRAVESSIA propus
entatildeo como me solicita o cunho interventivo desse mestrado para seus cursistas que
atravesse seu vazio temaacutetico de gecircnero
Eacute preciso que a travessia desse vazio temaacutetico seja feita A escola por meio do seu
projeto de leitura pode e deve evocar a visibilidade para as iniquidades de gecircnero para o
enfrentamento da violecircncia domeacutestica contra as mulheres e para as suas lutas por
emancipaccedilatildeo social Haacute nas discursividades docentes investigadas linguagens em uso que
demonstram invisibilidade a essas questotildees Convivem com esses enunciados
paradoxalmente em alguns momentos vozes docentes que expressam desejar incorporar do
uso das tecnologias oficiais trabalhadas em formaccedilotildees continuadas conforme informaccedilatildeo em
questionaacuterio (vide questatildeo 4) e a efetivaccedilatildeo de suas experiecircncias de suas vivecircncias
profissionais Assim constatei no diaacutelogo que tive com a educadora Elisa atravessado por
uma leitura essencialista da realidade no tocante agrave identidade dos sujeitos que a faz desejar
sair da escola para natildeo ter que presenciar meninas se beijando
141
Por fim vejo como necessaacuteria a inserccedilatildeo temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero porque as
leituras evocadas pelosas docentes foram percebidas como as que rezavam a cartilha da
toleracircncia agrave diversidade cultural e humana sem questionar as relaccedilotildees de poder e os processos
de diferenciaccedilatildeo Esses que produzem as identidades e as diferenccedilas natildeo sendo questionados
conforme nos sugerem os Estudos Culturais acabam mesmo que frente a um arcabouccedilo de
legislaccedilatildeo educacional que propotildee uma educaccedilatildeo inclusiva e o respeito agrave dignidade humana
repousando no que Silva (2012) pontua como a produccedilatildeo de novas dicotomias a do
dominante tolerante e do dominado tolerado
Ao fim ainda pontuo que a omissatildeo perscrutada nas vozes docentes de uma
problematizaccedilatildeo que perpasse o projeto de leitura indagando-lhe os mecanismos que ativam
as fixaccedilotildees de identidades os estereoacutetipos de gecircnero pela via da leitura eacute algo que contribui
com o modelo de construir subjetivaccedilotildees disciplinadas diferentes e desiguais Isso demanda
da escola TRAVESSIA se deseja atravessar seus limites o desafio de envidar esforccedilos no
sentido de promover o rompimento com esse modelo de ler Sem o enfrentamento deste
desafio a escola natildeo estaraacute gestando utopias o que eacute enfadonho e tristonho
142
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APEcircNDICE A ndash QUESTIONAacuteRIO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIacuteBA
CENTRO DE CIEcircNCIAS LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO
MESTRADO PROFISSIONAL EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO
Prezados (as) colegas
Como aluna regular do mestrado profissional em Linguiacutestica e Ensino pelo Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Ensino PROLING da UFPB desenvolvo uma pesquisa cujas bases conceituais
norteiam-se pela concepccedilatildeo de linguagem como praacutetica discursiva e que tem como objeto de anaacutelise um
entrecruzamento entre as representaccedilotildees de gecircnero e as praacuteticas leitoras na escola concebidas pelos educadores
Solicito dessa escola a colaboraccedilatildeo no sentido de que seu corpo docente envolvido com praacuteticas leitoras
responda a este questionaacuterio que eacute o ponto de partida para outros diaacutelogos com o objetivo de contribuir para
uma reflexatildeo sobre a temaacutetica presente
QUESTIONAacuteRIO
Considerando sua experiecircncia como leitora e sua praacutetica pedagoacutegica especialmente no projeto de
leitura desenvolvido pela escola responda por gentileza agraves seguintes questotildees
Perfil sociodemograacutefico
Sexo ( ) feminino ( ) masculino
Tempo de formado ( ) de 1 a 10 anos( ) de 11 a 21( ) de 21 a 31( ) 32 ou mais
Idade ( ) de 21 a 31 ( ) 31 a 41( ) 41 a 51( ) 51 a 61( ) 62 ou mais
Titulaccedilatildeo( ) superior ( ) Especializaccedilatildeo ( ) mestrado ( ) doutorado
1) O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto de leitura (marque ateacute trecircs
questotildees enumerando-as por ordem de importacircncia)
( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo
( ) Uma atividade prazerosa
( ) A escola natildeo valoriza a leitura
( ) A escola valoriza pouco a leitura
( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais
( ) Outra _______________
2) O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos Direitos Humanos
( ) sim ( ) natildeo
3) O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto
( ) sim ( ) natildeo
151
Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior
( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas
( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica escolar de engajamento no
combate agraves assimetrias de gecircnero
( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema em nosso projeto de leitura
( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e como muitas leituras reforccedilam
os padrotildees sexistas presentes na sociedade
( ) Outra _______________
4) Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel inicial quanto na continuada tem
preparado o (a) profissional para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a igualdade no espaccedilo escolar
( ) sim ( ) natildeo
5) As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o menino e o que pode a menina
no espaccedilo escolar
( ) Natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e meninas
( ) Comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento
( ) Ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual
( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que satildeo naturalmente desiguais
6) Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como natildeo apropriados para seu
sexo qual a leitura feita
( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada crianccedila
( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado
( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
7) Como mediador (a) de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de preconceito uma expressatildeo de
conflitos entre olhares de meninos e de meninas
( ) Pouco eacute natural a disputa
( ) Interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo
( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa
8) No tocante agrave violecircncia contra a mulher o Brasil em um ranking de 84 paiacuteses ocupa a 7ordf posiccedilatildeo sendo a
Paraiacuteba um dos Estados da Federaccedilatildeo mais violentos tambeacutem com a 7ordf colocaccedilatildeo E Joatildeo Pessoa sua
capital eacute a 2ordf mais violenta (CEBELA Mapa da Violecircncia 2012) O que em sua opiniatildeo explica a existecircncia
deste fenocircmeno
( ) Formaccedilatildeo cultural
( ) Haacute pessoas naturalmente violentas
( ) Natildeo sei
( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo
( ) Outra ______________
9) Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave questatildeo
( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante
10) A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da questatildeo ganha que
espaccedilo no projeto de leitura
( ) Nunca foi citada
( ) Existe na biblioteca
( ) Jaacute trabalhamos com ela
152
11) Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo escolar e no projeto
( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos curriacuteculos escolares
( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e inferiorizadas
( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca carga horaacuteria para exploraacute-lo mais
( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho importante
12) Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista
( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute bom
( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo eacute bom
( ) Eacute um movimento com muito radicalismo
( ) Fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da opressatildeo agravemulher
13) O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas comemorativas
( ) sim ( ) natildeo
Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que se faz na data ou o que se
pretende fazer
( ) Eacute um dia em que ela eacute intensamente valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola
( ) Eacute um dia com pouca reflexatildeo sobre a luta feminista
( ) Outra _______________
____________________________________________________
Gilva Vasconcelos da Silva Matos
GILVA VASCONCELOS DA SILVA MATOS
LEITURA E RELACcedilOtildeES DE GEcircNERO AS DISCURSIVIDADES DOS(AS)
EDUCADORES(AS) NAS MEDIACcedilOtildeES DE PRAacuteTICAS LEITORAS
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Ensino da
Universidade Federal da Paraiacuteba como
requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de
mestra pelo Mestrado Profissional em
Linguiacutestica e Ensino
Orientador Prof Dr Onireves Monteiro da
Costa
Coorientadora Profordf Dra Maria da Luz
Olegaacuterio
Joatildeo Pessoa
2014
GILVA VASCONCELOS DA SILVA MATOS
LEITURA E RELACcedilOtildeES DE GEcircNERO AS DISCURSIVIDADES DOS (AS)
EDUCADORES (AS) NAS MEDIACcedilOtildeES DE PRAacuteTICAS LEITORAS
Dissertaccedilatildeo avaliada em ____________
BANCA EXAMINADORA
Prof Dr Onireves Monteiro da Costa (UFCG)
(orientador)
Profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio (UFCG)
(coorientadora)
Profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide (UFPB)
(examinadora)
Profordf Dra Eliane Ferraz Alves (UFPB)
(examinadora)
Profordf Dra Alvanira Lucia de Barros (UFCG)
(suplente)
Joatildeo Pessoa
2014
Dedico este trabalho a todas as mulheres
militantes agravequelas que deixam ao mundo o
legado de por amarem o suficiente a vida
desejam reinventaacute-la
AGRADECIMENTOS
Sou profundamente grata a todosas aquelesas que deram de alguma forma sua
contribuiccedilatildeo para que esta pesquisa fosse realizada Reconheccedilo e aqui me cabe demonstrar
que esta conquista tem um dar de matildeos que me permitiu aclarar questotildees e seguir diante dos
momentos de tensatildeo que emergem no trajeto das obrigaccedilotildees acadecircmicas
Primeiro e sobretudo agradeccedilo a Deus pelo esconderijo no Altiacutessimo pela
serenidade emanada dos seus braccedilos
Especialmente agradeccedilo ao meu orientador querido Prof Dr Onireves porque me
acolheu do alto de sua sabedoria e grandeza humana permanentemente me incentivando
tornando tudo mais significativo e leve
Agrave profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio coorientadora que carrega no nome o que me
ofertou quando mais precisei ndash visatildeo luminosa sendo docilmente criteriosa no compartilhar
de seu conhecimento
Agradeccedilo agrave profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide por suas saacutebias colaboraccedilotildees
ao participar da banca examinadora de defesa deste trabalho Seu olhar arguto trouxe a
grandeza de quem labuta por uma escola em que os Direitos Humanos encontrem assentos
Agradeccedilo agrave profordf Dra Eliane Ferraz Alves por compor criteriosamente a banca
examinadora de defesa deste trabalho
Agrave admiraacutevel profordf da UNEB Nadja Nunes muito obrigada Sua grandeza perdura em
minhas memoacuterias de aprendiz Haacute um vazio de sua presenccedila na composiccedilatildeo para a banca de
exame de defesa mas compreendendo os percalccedilos do impedimento saiba que natildeo haacute
ausecircncia onde se ministrou um ethos Mire por ti tenho gratidatildeo pela vida inteira
Agradeccedilo agrave profordf Dra Juliene Pedrosa coordenadora deste mestrado referecircncia de
zelo profissional
Agradeccedilo agrave escola TRAVESSIA e seus sujeitos pesquisados por tanta abertura e
respeito com o meu trabalho
Aos meus pais Manuel (in memoriam) e Elisa agradeccedilo pelo amor pelas liccedilotildees de
vida pelas narrativas dos sonhos
Aos meus filhos Pablo Ravi e Lucas que me fazem amar amiuacutede obrigada Os trecircs
compotildeem parte da magia de minha vida pelo segredo de ninar pela becircnccedilatildeo de colos
pacificados Cada um eacute unicamente um cacircntico novo tesouros
A Robert pela vida partilhada enlaccedilada em afetos obrigada
Aosagraves irmatildeosatildes em especial Didi que me nutre com fraternidade amorosa e
incondicional devo-lhe muito
Obrigada deputada estadual Gilma Germano pela propositura de leis de suma
importacircncia para a garantia dos direitos das mulheres
Agradeccedilo ao amigo de infacircncia Iranmil pela liccedilatildeo de enfrentamento agrave homofobia pela
companhia na literatura por falar muito e rir tanto
Agrave Socircnia Maria por me ofertar ao longo dos anos amizade das mais leves e alegres
regrada a risos companheirismo e adoccedilatildeo fraterna
Aosagraves colegas do mestrado em especial Adnilda e Leandro que satildeo tatildeo solidaacuterios e
inteligentes tambeacutem agradeccedilo
Aos meus alunos e alunas com quem aprendi muito
Ao meu chefe o diretor do CECAPRO Prof Giovanny Lima pelo estiacutemulo agraves minhas
buscas pelo conhecimento pelo compromisso com a educaccedilatildeo
Agrave Inecircs Caminha ex-chefe eterna liccedilatildeo de competecircncia e bondade
Agrave competente secretaacuteria do CECAPRO Adilsa Gadelha pelo que tambeacutem sabe ser
amiga
Agrave secretaacuteria do MPLE Vera Lima por sempre e tanto atender respeitosa e
competentemente
Lembrou-se de que em adolescente procurara
um destino e escolhera cantar Como parte de
sua educaccedilatildeo facilmente lhe arranjaram um
bom professor Mas cantava mal ela mesma o
sabia e seu pai amante de oacuteperas fingira natildeo
notar que ela cantava mal Mas houve um
momento em que ela comeccedilou a chorar O
professor perguntara-lhe o que tinha - Eacute que
eu tenho medo de de de de cantar bem []
(LISPECTOR 1979 p 157)
RESUMO
As importantes conquistas efetivadas pelas lutas feministas e pela pauta
reivindicatoacuteria dos Direitos Humanos que problematizam a construccedilatildeo social de gecircnero tecircm
na escola espaccedilo dos mais importantes para o debate promotor da equidade de gecircnero Esta
pesquisa se estrutura pela interface entre as praacuteticas leitoras na escola e a promoccedilatildeo desse
debate e se propotildee a analisar as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de
leituras acerca das relaccedilotildees de gecircnero Para este direcionamento discursivo o estudo move-se
teoricamente na concepccedilatildeo de leitura em Soares (2001 2011) Orlandi (2008) e Silva E T
(2009 2011) nos estudos feministas contemporacircneos (LOURO 2012) (COSTA 2009) nas
reflexotildees trazidas pela Anaacutelise de Discurso (ORLANDI 2012 POSSENTI 2009) e nas
contribuiccedilotildees foucaultianas sobre poder e subjetividade (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c
2011 2012) A investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos tem
como loacutecus uma escola do Ensino Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa-PB na
realizaccedilatildeo de seu projeto de leitura Foram adotados como procedimentos metodoloacutegicos para
geraccedilatildeo dos dados a anaacutelise do documento do projeto de leitura observaccedilotildees de aulas anaacutelise
do material de leitura utilizado nesses eventos dos relatos de diaacutelogos com osas
educadoresas e da aplicaccedilatildeo de questionaacuterio E conforme anaacutelise dos resultados do conjunto
dos instrumentos investigativos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo perpassa pela
instacircncia do projeto de leitura da escola nem nas vozes docentes perscrutadas
Palavras-chave Leitura Gecircnero Discurso Praacuteticas discursivas Direitos Humanos
ABSTRACT
The important achievements of feminist struggles and the Human Rights agenda
which discuss the social construction of gender find at school an important space for the
debate that promotes gender equality This piece of research focuses reading practices at
school and the promotion of this debate aiming at analyzing the discourses of (male and
female) teachers as reading mediators on gender relations As its theoretical framework this
study considers the definition of reading proposed by Soares (2001 2011) Orlandi (2008)
and Silva E T (2009 2011) contemporary feminist studies (LOURO 2012 COSTA 2009
PISCITELLI 2002) reflections proposed in the field of Discourse Analysis (POSSENTI
2009) and the foucauldian discussions on power and subjectivity (FOUCAULT 2004a
2004b 2004c 2011 2012) This qualitative investigation has as its locus a public primary
school in the city of Joatildeo Pessoa ndash PB while developing its reading project Data
wasgenerated from the analysis of the reading project document lesson observations reading
material used in the sessions reports by the teachers and a questionnaire The results indicate
that the debate concerning gender relations does not emerge in the reading project activities or
the teachersrsquo voices studied
Keywords Reading Gender Discourse Discursive practices Human rights
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 10
1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA 25
11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade 25
12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de
investigaccedilatildeo 27
2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO 29
21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos 29
22 Feminismo poder e educaccedilatildeo 39
23 A leitura no Brasil em retratos 51
24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso 64
25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social 69
26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades 72
3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS 82
31 O Documento-fundador o natildeo dito significando 82
32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam 87
33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos 89
34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades 92
35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder 113
4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA
VIA DA LEITURA 125
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 136
REFEREcircNCIAS 142
APEcircNDICE 150
10
INTRODUCcedilAtildeO
A Gecircnese da pesquisa como (entre)veio o desejo
Movida pelo interesse entre leitura e relaccedilotildees de gecircnero investigo com este trabalho
as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de leituras frente ao debate
sobre a equidade de gecircnero Esta accedilatildeo investigativa se daacute em uma escola do Ensino
Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa - PB que executa um projeto de leitura em sua
biblioteca em um dia especiacutefico a sexta-feira fato provavelmente responsaacutevel pela
nomeaccedilatildeo da atividade a CestaSexta Literaacuteria
Os passos dados para a construccedilatildeo desta pesquisa possuem histoacuteria imagens
memoacuterias esquecimentos desejos uma gecircnese Debruccedilo-me agora sobre essa gecircnese E creio
que duas imagens armazenadas por mim nas andanccedilas escolares satildeo possivelmente
fundadoras-mor de meu objeto de pesquisa Elas entre tantas imagens que se ofertam como
leituras propiacutecias agraves reflexotildees sobre o debate da equidade de gecircnero na escola satildeo frugais em
minhas memoacuterias de educadora de mulher Chegaram em contingecircncias especiais e se
tornaram efeitos encarnados no sentido que o poeta Fernando Pessoa diz que irrompem
provocaccedilotildees Foram por mim guardadas em um momento de inquietaccedilatildeo em que me
debruccedilava sobre qual tema me aticcedilaria profundamente para estudar neste mestrado E de
forma providencial e diligente estas imagens me (s)acudiram a alma quando as registrei
pegaram-me pela matildeo e me levaram a uma itineracircncia na qual satildeo debulhados saberes
poderes palavras ordens accedilotildees discursivas de outros sobre mim que me fazem estar quem
estou Mais do que isto as imagens levaram-me mesmo que medrosamente a um desejo
profundo de discutir a construccedilatildeo das diferenccedilas as discursividades docentes acerca do
feminismo as relaccedilotildees de gecircnero e o lugar da escola como espaccedilo de debate e de construccedilatildeo
de equidade
E foi assim que vivi a experiecircncia de registraacute-las Envolta pelo meu interesse
profissional de pensar a leitura como importante instrumento na formaccedilatildeo discente descobri
um trabalho em escolas da zona rural de um municiacutepio paraibano realizado por uma ONG
muito bem conceituado Pensei que poderia render um bom estudo avaliar como as histoacuterias
contadas naqueles espaccedilos poderiam funcionar como instrumento de mediaccedilatildeo na construccedilatildeo
das identidades de gecircneros na problematizaccedilatildeo de papeacuteis socialmente construiacutedos
Discordando de minha orientaccedilatildeo acadecircmica que via com dificuldade a distacircncia
entre minha morada e meu objeto de estudo natildeo me incomodou o fato de viajar para me
11
enveredar na pesquisa Muito pelo contraacuterio achei que em verdade estaria ali menina leitora
que fui em uma casa de pais analfabetos onde livros eram objetos rariacutessimos por quem eu
nutria a paixatildeo visceral Viajei para ver crianccedilas que liam movida quem sabe por um desejo
de me visitar naquela roda de leitura Na roda a vida seria salva com a imaginaccedilatildeo aticcedilada
Na roda seria quem sou na interaccedilatildeo das leituras Ao certo fui buscar narrativas que me
narrariam ou em uma confluecircncia com o que diz Albuquerque Juacutenior (2007) iria simular o
germe de novas existecircncias novos modos de subjetivaccedilatildeo Embrenhei-me por essa busca
levando o fasciacutenio pelo campo de gecircnero aonde for aspirando ao meu interesse de escrevente
dispersa aticcedilada pelo ldquofogo que vem da paixatildeo que consome que lanccedila paixatildeo pelo devirrdquo
tatildeo bem-dita na prescriccedilatildeo vertiginosa de Albuquerque Juacutenior (2007)
Em minha primeira visita na unidade escolar referida era veacutespera do Dia das Matildees e
o foco na roda da leitura trazia textos sobre a mulher-matildee Imagens essencialistas da mulher
eram sumariamente expostas por poder gerar vidas ldquoela eacute paciente sensiacutevel dedicada e
zelosardquo Essa construccedilatildeo discursiva era traccedilada naquela roda de leitura para e com crianccedilas de
forma inclusive a se ignorar a jaacute instalada e reorganizada nova composiccedilatildeo das famiacutelias Isso
me gerou desconforto ldquoo gecircnero eacute o destino Natildeo haveria outra trajetoacuteriardquo (SAFFIOTI
2001) Mas naquela roda circulou um fato que marcou ainda mais minha tarde jaacute quente
climaticamente Surge depois de alguns minutos de iniacutecio de aula sala adentro um pai
levando seu filho pequeno pela matildeo O homem visivelmente abatido veio partilhar o recente
drama pessoal no qual estava mergulhado que em funccedilatildeo das proporccedilotildees espaciais da
comunidade jaacute parecia ser de conhecimento de todosas a ex-companheira e matildee de seu filho
fora embora com o amante O pai bem jovem expressou ali uma uniacutevoca e velha leitura a de
que ele e seu filho foram traiacutedos de que aquela mulher natildeo prestava A presenccedila daquele
genitor ali descontrolado soou-me de forma vertiginosa E ele teceu uma imagem da ex-
mulher agrave frente de todosas e de seu filho como a de quem natildeo possuiacutea nenhuma dignidade
Um discurso machista e essencialista era debulhado com os requintes de uma alma cega pela
ferida do abandono Em puacuteblico ali se construiacutea um lugar para as mulheres que decidem
partir as que rejeitam o papel que lhes eacute destinado ficar em casa embora o lar desmorone E
a crianccedila mesmo enlaccedilada pela condiccedilatildeo de filho em um misto de profunda dor e decepccedilatildeo
reproduzia com movimentos de cabeccedila toda uma narrativa demonizadora da mulher Os
acenos de cabeccedila agrave voz do pai refletiam possivelmente um sim agrave formaccedilatildeo discursiva de um
lar alicerccedilado aos moldes machistas patriarcais
Aquela cena me levou agrave dor do peso de um mundo em que a iniquidade de gecircnero
ainda estilhaccedilava seu poder nos olhos de um menininho choroso carregado pela matildeo de um
12
pai que arrastava consigo machismo e furor No final entre os burburinhos dosas
coleguinhas que diziam entre outras coisas ldquoA matildee de Felipe (esse eacute um nome fictiacutecio) eacute
ruim ainda bem que a minha natildeo me abandonourdquo eu ouvi a professora em uma tentativa
desajeitada de compensar a dor daquela crianccedila intervir e dizer que se ele tinha uma matildee
ruim em compensaccedilatildeo contava com um pai bom um heroacutei Essa educadora talvez sem
refletir sobre o efeito de sua interferecircncia sobre o jogo de verdade que a impulsiona
posicionou-se como aquela que tem a responsabilidade de oferecer respostas e o fez de um
lugar de autoridade do qual reproduziu significativamente os estereoacutetipos de gecircnero O seu
posicionamento se traduziu para mim como a delineaccedilatildeo discursiva de papeacuteis alicerccedilados aos
moldes androcecircntricos e por conseguinte produtor da iniquidade de gecircnero Isto me
impactou pois mesmo que sejam ressoadas corriqueiramente as construccedilotildees discursivas da
hegemonia machista natildeo haacute como natildeo buscar da escola o afinamento com a contra-
hegemonia que os avanccedilos feministas asseguram A ausecircncia deste afinamento eacute um descuido
com os direitos humanos das mulheres e precisa ser inquirida pelo menos para os amantes da
educaccedilatildeo libertaacuteria
Saiacute dali convicta de que aquele loacutecus natildeo poderia ser mais apropriado para a
pesquisa Aquela considerada trageacutedia emocional que circulava nas bocas pelo lugar inteiro
precisaria ser omitida em meu estudo por obedecer ao princiacutepio do anonimato evitando
expor inclusive uma crianccedila Mas pensar as relaccedilotildees de gecircnero e desconsiderar a forccedila
daquela imagem e da formaccedilatildeo discursiva que ali reinava seria ser negligente com o tema
com o trabalho Resolvi guardar a imagem falar sobre ela mas procurar outro campo
empiacuterico
Alguns dias depois voltei a conversar com a professora sobre aquele episoacutedio Agora
jaacute natildeo sob o efeito do impacto da cena do primeiro encontro fui incisiva e lhe inquiri sobre a
construccedilatildeo social dos papeacuteis sobre a desigual maneira de se constituir discursivamente
sujeitos e a responsabilidade da escola em formar para a igualdade de direitos de homens e
mulheres Ela me disse que toda a sua conduccedilatildeo estava de acordo com os princiacutepios cristatildeos
defendidos pela escola para os quais a mulher deve ser submissa nascer para se doar agrave
famiacutelia e o que fizera a matildee de F era abominaacutevel negava a ldquoessecircnciardquo feminina A despeito
da laicidade do Estado brasileiro o que implica em tese a negaccedilatildeo da formulaccedilatildeo de regras e
estrateacutegias que levem a enunciados dessa natureza a professora ocupa sua posiccedilatildeo
institucional e embandeira uma verdade forjada em discursos alicerccedilados em princiacutepios da feacute
cristatilde turvada por machismo e hierarquia de gecircnero
13
Em um gesto decisivo procurei outra escola para efetivar minha pesquisa O Dia das
Matildees jaacute havia se passado e ali presenciei mais um momento indicativo de que os sentidos
afiados dos quais fala Louro (2012) eacute um imperativo eacutetico para que se pense nas muralhas que
a escola precisa transpor para deslegitimar ordens sexistas androcecircntricas Assisti em uma
manhatilde em meio ao barulho comum de um intervalo nas escolas um pai se dirigir agrave diretora
falando alto por dois motivos queria que sua voz ultrapassasse o som da zoada do alunado e
estava pronto a mostrar sua firmeza sua forccedila em alto som Ele exigiu explicaccedilotildees desta
profissional sobre o que fora ensinado ao seu filho na festa das matildees tendo em vista que o
aluno expressou vontade de colaborar com as atividades domeacutesticas em casa A gestora
pacientemente explicou-lhe que apenas no momento das homenagens expuseram a reflexatildeo de
que meninos tambeacutem podem e devem ajudar as matildees nas tarefas domeacutesticas considerando
que estas ficam sobrecarregadas costumeiramente O homem retrucou ameaccedilando retirar o
filho da escola se mais uma vez a instituiccedilatildeo quisesse ensinar agrave crianccedila a virar uma
ldquomariquinhardquo Ali eu e ela tentamos dialogar com este pai enfatizando a importacircncia dos
direitos iguais para homens e mulheres do valor da contribuiccedilatildeo para a famiacutelia do trabalho de
todosas e que a concepccedilatildeo dele eacute infundada machista e preconceituosa Em vatildeo O homem
foi agrave escola soacute para bradar seu entendimento do que significa ser macho O que a instituiccedilatildeo
pensa a respeito natildeo lhe interessava
De novo senti o peso de um mundo fortemente assimeacutetrico forjado em conceitos
essencialistas Meu interesse pela problematizaccedilatildeo das iniquidades de gecircnero no chatildeo da
escola me seduziu de vez pensei com que produccedilatildeo de verdade osas trabalhadoresas da
educaccedilatildeo tecircm se movido (ou estariam presos) no enfrentamento destes embates corriqueiros
Escolhi ali mais uma vez por onde iria meu caminho investigativo
Estes dois momentos nas escolas em que experimentei cenas impactantes na
marcaccedilatildeo da assimetria de gecircnero perpassadas em voz docente e de membros familiares
conforme jaacute pontuei foram nodais para a minha decisatildeo de ter em foco essas relaccedilotildees no
espaccedilo escolar como objeto de estudo Mas deveras fui sendo seduzida pela ideia de
problematizar as assimetrias de gecircnero logo cedo na minha casa cheia de meninos
ldquotreinadosrdquo para conquistar espaccedilos enquanto que eu e minhas irmatildes eacuteramos ldquoadestradasrdquo
para o casamento como tantas mulheres de minha geraccedilatildeo e anteriores a ela Rezamos na
cartilha que a nossa formaccedilatildeo discursiva ordenava Filhos lar sexualidade reprimida redoma
sacrifiacutecios em nome de modelos de ldquofelicidaderdquo Modelos cujo formato tem cores
consistecircncia e sons androcecircntricos Tudo aquilo natildeo era escolha ou no dizer de Michel
14
Foucault (2004a 2004b 2012) a margem de liberdade era estreitiacutessima Era o poder
alicerccedilando as relaccedilotildees imbricado na instituiccedilatildeo famiacutelia
Onde haacute poder haacute resistecircncia diz esse pensador francecircs todavia |E os estudos no
campo de gecircnero como enunciados de resistecircncia chegaram-me Com eles chegaram os
compassos que desfazem os essencialismos Em suas vertiginosas paragens os
(des)compassos que explicitam o surdo combate entre o que se vecirc seu enredamento e o que
se diz como bem pontua Albuquerque Juacutenior (2007) E em um processo vital acostumei-me
com esse campo de estudo a afiar os meus sentidos muito embora agraves vezes fiquem
embaccedilados por uma memoacuteria discursiva que se desloca conflitando identidades que me
vestem e com as quais me perco e me acho Nos estudos poacutes-estruturalistas entendi meus
sujeitos dispersos a heterogeneidade discursiva que me faz ser tantas com verdades mil que
fazem viver dentro de mim todas as vidas do poema de Cora Coralina (1983) a cabocla
velha acocorada a que benze e a que reza a lavadeira do Rio Vermelho com seu cheiro
gostoso a mulher suada corrida vive dentro de mim a mulher cozinheira pimenta e cebola
panela de barro mas corro levando a mulher devoradora de fastfood Vive dentro de mim a
mulher roceira enxerto da terra meio casmurra vive a mulher urbana imersa no caos do
tracircnsito enredada nas redes sociais E o que faccedilo com tantas vidas Certamente com os
estudos de gecircnero posso desejar vecirc-las em seus processos de subjetivaccedilatildeo em um mundo
plural mas hegemocircnico global movente instantacircneo liacutequido que pode desfazer verdades
ldquoquebrando a gaiolardquo do essencialismo como propotildeem os Estudos Culturais
Decerto que sempre se constituiu para mim como ato de seduccedilatildeo o garimpar das
subjetividades que se fazem em meio a jogos de verdade como demonstra Foucault (2004a
2004b 2004c 2004d 2012) Ultimamente todavia perscrutar nossosas mestresas sem as
pequenas pretensotildees de quem desvenda descobre o oculto como nos adverte o filoacutesofo
francecircs mas pensando nas histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees de suas subjetividades
constituiacutea-se mais fortemente como desejo e apreensatildeo Minha apreensatildeo de pesquisar modos
de subjetivaccedilatildeo de professora se dava pela frequecircncia com que vinha registrando os
enunciados da categoria que descrevia com muito pesar a atuaccedilatildeo profissional salas lotadas
baixos salaacuterios perda de autoridade violecircncia desinteresse dosas discentes sentimentos de
desvalorizaccedilatildeo frustraccedilotildees enfim uma homogeneidade de queixas perpassando as vozes
dosas educadoresas Obviamente as precaacuterias condiccedilotildees de trabalho justificam os dolorosos
enunciados dosas trabalhadoresas da educaccedilatildeo Essesas profissionais se natildeo se inserem na
militacircncia na defesa de poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a educaccedilatildeo de qualidade no ativismo
poliacutetico na busca pelas praacuteticas de liberdade pelas teacutecnicas de ajuste da relaccedilatildeo de si para
15
consigo um ethos que repousam em uma eacutetica do inconformismo do autodomiacutenio
(FOUCAULT 2004a) tornam o repertoacuterio enunciativo bem marcado por insatisfaccedilatildeo Como
a militacircncia eacute pouca sobram a lamuacuteria e a vitimizaccedilatildeo em um paiacutes com vergonhoso histoacuterico
de baixo investimento na educaccedilatildeo puacuteblica
Ainda assim paradoxalmente minha apreensatildeo se misturava ao desejo de me
debruccedilar sobre as subjetividades dessesas profissionais Pegava-me indagando quais satildeo
face aos efeitos produzidos pelas tecnologias oficiais essas concebidas aqui na concepccedilatildeo
foucaultiana como os instrumentos que proporcionam formaccedilotildees assimilaccedilotildees de ordens as
aprendizagens que tecircm assimilado osas educadoresas Como os debates sobre sexualidade e
gecircnero trazidos pela rede discursiva das diretrizes da educaccedilatildeo brasileira como a Lei de
Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional - LDBEN-96 os Paracircmetros Curriculares Nacionais
(PCNs 1997) faziam-se presentes entre elesas Essas questotildees me instigavam E me
instigaram mais quando pensei a interface discursividadeleituragecircnero
Retornando agrave seduccedilatildeo pela problematizaccedilatildeo da iniquidade de gecircnero fui sendo
seduzida ainda em deacutecadas de atividade como professora em sala de aula Laacute lecionando em
niacuteveis diversos (fundamental meacutedio e superior) procurei sempre trazer agrave tona a constituiccedilatildeo
discursiva da construccedilatildeo social de gecircnero Sentia-me cumpridora de minha missatildeo como
educadora quando a minha praacutetica pedagoacutegica contribuiacutea com a reflexatildeo que aponta para a
necessidade de construirmos um mundo para todas as pessoas Uma utopia e como utopia
natildeo morre move-se Estaacute aqui comigo Estaacute aqui quando olho nossas estatiacutesticas estuacutepidas
que falam de uma violecircncia diaacuteria contra mulheres contra homossexuais contra o constituiacutedo
como diferente Estaacute aqui comigo a utopia de abolir esta violecircncia simboacutelica cantada em
diversos ritmos encarnada em uma musicalidade que embala corpos e mentes com pesadas
imagens degradantes nas quais somos apenas ldquoas mulheres frutas fiu-fiu cachorras sirigaitas
piriguetes popozudas coisificadas lepolapizadasrdquo
No surgimento deste mestrado profissional entatildeo em meus percursos sobre o tema
olhei para a escola especialmente rememorando aquelas duas cujas imagens retive como
disseminadoras e reprodutoras de hierarquia de gecircneros Olhei para suas bibliotecas ou a
ausecircncia delas seussuas professoresas seus regimes de verdade e articulei a problemaacutetica
de que forma as praacuteticas discursivas que constroem sentidos nos enunciados dos (as)
educadores (as) como mediadores (as) de leitura contemplam o debate sobre a equidade de
gecircnero Com a elaboraccedilatildeo desta questatildeo tentei responder ainda agraves inquietaccedilotildees que vivi nos
debates com professoresas durante as formaccedilotildees continuadas executadas pelo CECAPRO
Centro de Capacitaccedilatildeo dos Professores [professoras] onde atuo profissionalmente Da
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memoacuteria daqueles debates levantei indagaccedilotildees a me sustentar o tema entre elas que leituras
fazem as vozes educadoras sobre a construccedilatildeo discursiva dos sujeitos O que dizem as vozes
leitoras Voltei entatildeo meu interesse para o chatildeo da escola lugar de livros de paredes
riscadas de brincadeiras de canccedilotildees de namoros de sexualidade de conflitos de poder de
rejeiccedilotildees aos que fragilizam o discurso sexista excludente lugar de leitura de formaccedilatildeo e
debate Voltei meu interesse para a escola lugar de tanto mas natildeo para todos os seus lugares
uma esfera de atuaccedilatildeo dessa instituiccedilatildeo pareceu-me de extrema pertinecircncia para entrecruzar
com o debate que objetivei traccedilar a esfera da leitura E considerando a leitura em uma
perspectiva discursiva busquei no entrecruzamento dessa com o debate acerca das relaccedilotildees
de gecircnero meu interesse meu desejo
Apoacutes tecer a gecircnese que propiciou a confecccedilatildeo do presente processo investigativo
farei a partir de agora a apresentaccedilatildeo das demais partes do trabalho feito que passo a realizar
fazendo uso ainda da primeira pessoa do discurso no singular Faccedilo isso em consonacircncia com
a epistemologia feminista que entende o quatildeo as interlocuccedilotildees com autoresas satildeo
cooperativas em uma accedilatildeo investigativa seja de qual porte for mas assume a proposta de
inscriccedilatildeo da natildeo neutralidade do sujeito Sem a ilusatildeo ao certo de que se eacute oa donoa do
dizer conforme pontua a Anaacutelise do Discurso
Como o desejo vira pesquisa
Mas biblioteca num lugar como esse Para quecirc Para o Nogueira ler um romance
de mecircs em mecircs Uma literatura desgraccedilada []
(RAMOS 1978 p83)
Emblemaacutetica esta construccedilatildeo literaacuteria de Graciliano Ramos em Satildeo Bernardo
(1978) construccedilatildeo que situa quem a lecirc o quanto os valores capitalistas opotildeem-se agrave edificaccedilatildeo
de um espaccedilo que privilegie a democratizaccedilatildeo do saber e atraveacutes dessa provavelmente a
praacutetica do letramento emancipador Vale ressaltar todavia que falo aqui de letramento
emancipador concebido em sintonia com o olhar de Soares (2011) como a accedilatildeo leitora que
encoraja a reflexatildeo criacutetica sobre a ordem social uma accedilatildeo que ultrapassa o domiacutenio da
tecnologia do saber ler e escrever faz uso dela incorporando-a a seu viver A autora ao
inscrever diacronicamente os viacutenculos sobre liacutengua escrita sociedade e cultura apregoa o
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termo alfabetismo1 como oposiccedilatildeo ao do costumeiro uso analfabeto E o faz provocando uma
reflexatildeo sobre as regras codificadas da linguagem
O fato de que sejam correntes na liacutengua os substantivos que negam- analfabetismo e
analfabeto satildeo formados pelo prefixo grego a(n) que envolve a ideia de negaccedilatildeo ndash e
de que cause estranheza o substantivo que afirma alfabetismo e ainda de que natildeo
se tenha um substantivo que afirme o contraacuterio de analfabeto eacute como bem
hipotetiza Silva um fenocircmeno semacircntico significativo porque conhecemos bem e
haacute muito lsquoo estado ou condiccedilatildeo de analfabetorsquo ndash sempre nos foi necessaacuteria uma
palavra para designar este estado ou condiccedilatildeo - e temos usado sem nenhuma
estranheza o termo analfabetismo (SOARES 2011 p 29)
Uma nova realidade social com a ampliaccedilatildeo do acesso agrave escola nas uacuteltimas deacutecadas
e com o processo de industrializaccedilatildeo no Paiacutes provoca uma demanda por maior inserccedilatildeo da
liacutengua escrita que gesta a concepccedilatildeo teoacuterica do letramento Um conceito que em princiacutepio
trouxe muito equiacutevoco com a dissociabilidade que se instaurou para alguns entre os
fenocircmenos da alfabetizaccedilatildeo e do letramento Fenocircmenos de naturezas diferentes mas
indissociaacuteveis e interdependentes que implicam habilidades competecircncias e procedimentos
diferenciados de ensino Questatildeo poreacutem que natildeo seraacute tratada aqui em funccedilatildeo do limite a que
se propotildee este trabalho qual seja investigar a constituiccedilatildeo de efeitos de sentidos na
discursividade dosas educadoresas tendo como foco o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
perpassado nas praacuteticas leitoras dessesas profissionais
E mesmo sem querer engrossar as fileiras dos que lamentam pelos altos iacutendices do
fraacutegil desempenho dosas educandos brasileirosas em provas de leitura detectados em
Programa Internacional de Avaliaccedilatildeo de Estudantes - PISA e nos relatos corriqueiros de
educadoresas e familiares natildeo eacute possiacutevel deixar de reconhecer que este eacute um dos noacutes do Paiacutes
na faceta Satildeo Bernardina que possui Metaforicamente essa obra pode conduzir leitoresas
aos iacutengremes caminhos de um Brasil com abissais desigualdades sociais e que tal qual Paulo
Honoacuterio o narrador-personagem eacute tambeacutem injusto violento e opressor por descuidar de seu
povo Descuida de seu povo entre tantas evidecircncias pela negaccedilatildeo da garantia efetiva de
direitos fundamentais como o de uma educaccedilatildeo de qualidade e que seja emancipadora (cf
FREIRE 1999 2002) Eacute possiacutevel ver pelos caminhos de Satildeo Bernardo e pelos (des)caminhos
das escolas puacuteblicas brasileiras as professoras Madalenas amantes do saber dos livros e do
ser humano lutando contra a loacutegica de um sistema social excludente Nessa militacircncia a
leitura seguramente eacute um dos instrumentos que podem viabilizar a luta por mudanccedilas
1 Em nota a autora explica a atualizaccedilatildeo do termo por letramento tendecircncia confirmada pela dicionarizaccedilatildeo
somente em 2001 do termo
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sociais tendo em vista que pode suscitar as reflexotildees acerca da ordem discursiva (cf
ABREU 2007 apud PINA DA MATTA VEIGA 2012)
De qual leitura todavia falo quando penso aqui na validaccedilatildeo desta como algo
significativo para a vida capaz de suscitar reflexotildees instigantes e desconstrutoras de uma
ordem social Penso em uma leitura que seja prazerosa como nos lembra Rubem Alves
(2004) citando Melanie Kleim o professor [e professora] no ato de ler eacute o seio bom por isso
leitura eacute maternagem Penso tambeacutem em uma leitura que seja experiecircncia no sentido que
Larrosa (2004) daacute ao ato de ler como transformador vinculador das praacuteticas da liberdade da
plenitude do ldquoexistenterdquo Com todo cuidado para evitar ainda os messianismos as
sacralizaccedilotildees Soares (2001) falo ainda de leitura que seja lenha para o fogo da cidadania que
trace as veredas para o campo da garantia dos direitos humanos tocando um instrumento
coacutesmico de muitas melodias que ldquoacordem consciecircncias de homens [e de mulheres] e
adormeccedilam crianccedilasrdquo no sentido drummoniano de se engajar a arte tatildeo meloacutedico quanto
emblemaacutetico na sua ceacutelebre Canccedilatildeo Amiga de 1983
E partindo do desejo de problematizar sobre os efeitos catastroacuteficos dos altos iacutendices
de iletrismo e do analfabetismo no Brasil e sobre qual tem sido o olhar da escola para o
enfrentamento de uma histoacuterica educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria (LOURO 2012 PEDRO
PINSKY 2003) eacute que se foi delineando este trabalho Delineando-se movido na concepccedilatildeo
de leitura como componente constitutivo das formas de sociabilidade e dos jogos sociais
(ORLANDI 2008 SILVA 2011) nas discussotildees foucaultinas sobre a constituiccedilatildeo do sujeito
e praacuteticas de subjetivaccedilatildeo (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) aleacutem de movido em
contribuiccedilotildees de estudos feministas (LOURO 2012) Delineando-se para responder agrave
questatildeo-problema que considera os avanccedilos conquistados pelas lutas feministas e a tensa
disputa que se instala entre tais conquistas e as assimetrias de gecircnero no espaccedilo escolar e
assim eacute proposta eacute contemplado o debate sobre a equidade de gecircnero perpassado nas vozes
educadoras em suas praacuteticas leitoras
Essa questatildeo parte de premissas fatuais que me inquietam e me levam a
problematizar os imaginaacuterios2 inferiorizantes da mulher operam no espaccedilo escolar de que
forma quando a este lugar chegam avanccedilos significativos das diretrizes do Conselho Nacional
de Educaccedilatildeo ndash CNE- pontuando a desconstruccedilatildeo dessa praacutetica Seria este debate ignorado ou
pensado sobre traccedilos negativos Outra questatildeo que me instiga a problematizar eacute a de que
teriam os(as) docentes a concepccedilatildeo de que uma escola democraacutetica prima essencialmente pelo
2Imaginaacuterios aqui na acepccedilatildeo dada por Castoriadis (1982) enquanto rede de sentidos sistema de crenccedilas que
legitima a ordem social em vigor
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respeito e dignidade de todosas e de que as praacuteticas pedagoacutegicas tecircm constituiacutedo sujeitos
diferentes e desiguais em direitos Ademais qual o comprometimento manifesto pelas
praacuteticas pedagoacutegicas dessesas educadoresas para evidenciar suas intenccedilotildees de superar velhas
estruturas estariam usando a leitura como instrumento constituinte e conformante dos
sujeitos para mediar reflexotildees atinentes agrave construccedilatildeo de uma escola democraacutetica inclusiva e
natildeo-sexista
Considerando desse modo que a pergunta problema possui como eixo centralizador
a atenccedilatildeo que as praacuteticas leitoras da escola dispensam ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
refletidas pelas praacuteticas discursivas docentes eacute objetivo geral deste trabalho analisar as
discursividades que produzem sentidos nos enunciados de educadoresas como mediadores
(as) de leituras frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero no projeto CestaSexta Literaacuteria
em uma escola da Rede de Ensino Municipal de Joatildeo Pessoa
Para apoiar essa investigaccedilatildeo que perspectiva observar a vinculaccedilatildeo da leitura como
forte pilar na construccedilatildeo de um mundo mais justo e na desconstruccedilatildeo de imaginaacuterios que
inferiorizam a mulher que criam uma ordem androcecircntrica heteronormatizadora e
excludente vinculaccedilatildeo essa mediatizada nas vozes dos educadores(as) compete-me traccedilar
como objetivos especiacuteficos (i) examinar se na proposta do projeto de leitura da CestaSexta
Literaacuteria expresso em seu documento ocorre seleccedilatildeo de temas que abordem questotildees
voltadas para as poliacuteticas educacionais de gecircnero (ii) investigar se os textos utilizados pelo
projeto nas aulas de leitura observadas contemplam praacuteticas discursivas que produzam
sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero (iii) problematizar efeitos de sentidos que perpassam
pelos relatos docentes e pelo questionaacuterio instrumentos aplicados junto agravesaos educadoresas
expressando as posiccedilotildees de sujeito dosas entrevistadosas acerca das relaccedilotildees de gecircnero em
momentos de interaccedilatildeo na praacutetica leitora (iv) contribuir com reflexotildees que sistematizem
estrateacutegias que propiciem a intervenccedilatildeo e transformaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica na perspectiva
da construccedilatildeo da equidade de gecircnero
Por ser a escola a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela aquisiccedilatildeo de saberes e competecircncias
no plano da formalidade e que esta tem no ensino da leitura uma de suas funccedilotildees cruciais
pesquisar o ato de ler na escola eacute de muita relevacircncia a despeito de este tema sumamente jaacute
ter sido explorado Tal questatildeo jaacute fez com que muitosas teoacutericosas e estudiososas de
diversas aacutereas se debruccedilassem a estudaacute-lo a quantidade de livros artigos teses e dissertaccedilotildees
sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees satildeo magnacircnimas Paulo Freire (1988) Ezequiel
Theodoro da Silva (2009 2011) Magda Soares (2001) Antunes (2009) Orlandi (2008) entre
tantosas outrosas importantes teoacutericosas jaacute teceram suas consideraccedilotildees sobre a leitura que
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aqui encheriam paacuteginas Haveraacute o que dizer mais Parece que natildeo para quem desconsidera
que o inusitado visita a dinacircmica do ato de ler em um contexto escolar com frequecircncia Mas
para quem deseja olhar para as praacuteticas pedagoacutegicas com olhos novos olhos de quem eacute capaz
de se indignar e de natildeo perder de vistas a utopia sempre agrave vista na faceta Madalena de cada
um haacute sempre o que se dizer no chatildeo da escola leitora ou natildeo leitora E eacute em busca deste
dizer sobre ler que me enceta o desejo de ver como educadora que sou homens e mulheres
em processos de libertaccedilatildeo desconstruindo ldquoverdadesrdquo aprendendo com e pela leitura a
refletir sobre seus lugares no mundo que me ponho
E assim compreendendo a leitura como espaccedilo de produccedilatildeo e de reproduccedilatildeo de
significados sociais e objetivando analisar de que forma educadoresas estatildeo forjando
construccedilotildees acerca das identidades de gecircnero em suas praacuteticas leitoras eacute que se desenha a
importacircncia desta pesquisa Isso se justifica porque entre as funccedilotildees da leitura deve estar a
de viabilizar as problematizaccedilotildees que faccedilam leitoresas despertarem para a cidadania ativa o
protagonismo e a autonomia Esses aqui entendidos em uma perspectiva que traduza a
autonomia financeira profissional e pessoal das pessoas e a sua busca pelo ativismo poliacutetico
que expressa consciecircncia de lugar no mundo
E estudar as discursividades que perpassam o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
mediatizadas pelas leituras no espaccedilo escolar eacute desejar averiguar se este instrumento de
aprendizado estaacute sendo usado para desmantelar as assimetrias de poder entre homens e
mulheres em um espaccedilo formador Eacute desejar averiguar enfim se este instrumento estaacute sendo
amparo para questionar estereoacutetipos e verdades cristalizadas naturalizadas em torno de
construccedilotildees de identidades de gecircnero Obviamente que essa eacute uma das possibilidades de
utilizaccedilatildeo da leitura se este instrumento na escola estiver em consonacircncia com as diretrizes
educacionais que concebem a importacircncia de se fazer da instituiccedilatildeo um espaccedilo democraacutetico
Um espaccedilo em que se faccedila fluir o respeito agrave alteridade agrave compreensatildeo de que a identidade e a
diferenccedila satildeo produzidas discursivamente e que tecircm a ver com a atribuiccedilatildeo de sentidos ao
mundo social e com a disputa e luta em torno dessa atribuiccedilatildeo (SILVA 2012) A leitura nessa
perspectiva problematizadora tem a estrateacutegia de ir aleacutem das ldquobenevolentesrdquo declaraccedilotildees de
toleracircncia com o outro com o diferente Ela tem em seu centro a percepccedilatildeo de que as
identidades satildeo sujeitas a uma historicizaccedilatildeo radical processo que deve lanccedilar luz agraves
reflexotildees que transformam o diferente em exterior abjeto (HALL 2011) Nessa dimensatildeo a
leitura faz parte de um projeto poliacutetico que intenta viabilizar a criacutetica da construccedilatildeo da
identidade e da diferenccedila evidenciando o quanto elas satildeo estrategicamente produzidas
fundadoras Conceber adequadamente a fundaccedilatildeo do outro pode desenredar a forma fechada
21
redutora de interpretaccedilotildees a que esse eacute reduzido E a leitura pode ter uma funccedilatildeo fulcral nesse
processo de reflexatildeo quando pensada estrategicamente para isso accedilatildeo relevante para a
contribuiccedilatildeo com a feitura da escola como palco em que a assimetria de tratamentos eacute
combatida em seu lugar haacute a poliacutetica de respeito pelos Direitos Humanos (DH doravante)
O princiacutepio da dignidade dispensado a todas as pessoas conforme preconizam os DH
em muitos de seus documentos (cartas convenccedilotildees estatutos declaraccedilotildees) e nosso
ordenamento juriacutedico maior a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 eacute reclamante contumaz de um
olhar pedagoacutegico que discuta as diferenccedilas a construccedilatildeo das identidades de gecircnero e da
alteridade E na escola soam e ressoam documentos que abordam poliacuteticas da diversidade
cultural sexual e da equidade de gecircnero Mas de que forma o debate chega em um mundo em
que emerge uma globalizaccedilatildeo iacutempar de informaccedilotildees velozes instantacircneas onde se discutem
identidades culturais e desconstruccedilatildeo de paradigmas de comportamentos em meio aos
pensamentos hegemocircnicos Chegaraacute esbarrando em construccedilotildees sociais dosas fazedoresas
da educaccedilatildeo que se apresentariam cristalizadas essencializadas fixas Como tem por fim
assentado na agenda da escola o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero Qual eacute o seu regime de
verdade no sentido foucaultiano de pensar a formaccedilatildeo discursiva como o loacutecus onde
arbitrariamente satildeo determinados os sentidos de um discurso Os muros escolares satildeo
atravessados de que modo pelo debate que provoca as reflexotildees sobre a produccedilatildeo do
diferente Satildeo indagaccedilotildees como essas que me conduzem agrave execuccedilatildeo deste trabalho Isso
merece meu olhar merece porque para que falemos de dignidade precisamos atentar para a
condiccedilatildeo feminina ainda envolta por iniquidade expressa na esfera profissional poliacutetica e
pessoal E para que falemos de dignidade precisamos respeitar as manifestaccedilotildees de desejos e
performances de outras interlocuccedilotildees de outras subjetividades que devem ser reconhecidas
como legiacutetimas
O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero impulsionado pelo ativismo poliacutetico do
coletivo de mulheres chega e deve ser ampliado porque vale pleitear que o princiacutepio da
igualdade formal e material entre homens e mulheres tenha seu cumprimento auferido
Igualdade essa que estaacute distante de ser conquistada muito embora menos longe do que jaacute
esteve no longo caminho rumo agrave construccedilatildeo da cidadania feminina Ainda eacute fato haacute menos
mulheres nas instacircncias de poderes do que deveria no Brasil de acordo com dados do
Anuaacuterio das Mulheres Brasileiras (DIEESE 2011) elas satildeo mais da metade da populaccedilatildeo (51
3) e do eleitorado estatildeo entretanto sub-representadas nas esferas de poder Satildeo 11 no
Congresso Nacional natildeo chegam a 20 nos niacuteveis mais elevados do Poder Executivo No
Judiciaacuterio nas universidades e empresas privadas ocupam apenas 20 das chefias Eacute tambeacutem
22
outro oacutebice agrave igualdade de gecircnero a preocupante materializaccedilatildeo do machismo em forma de
agressatildeo agraves mulheres Conforme ainda os dados do referido Anuaacuterio uma em cada cinco
brasileira jaacute sofreu algum tipo de violecircncia domeacutestica por parte de um homem Das violecircncias
perfiladas nem todas satildeo computadas Haacute a cultura do medo e da vergonha da sua condiccedilatildeo
de viacutetima que impede que a mulher denuncie seu agressor e mesmo havendo campanhas e
aparato legal que mobilizam a denuacutencia da violecircncia contra a mulher ainda se fala em
subnotificaccedilatildeo dos dados De fora fica ainda a costumeiramente natildeo computada a intangiacutevel
violecircncia simboacutelica termo que tomo de empreacutestimo de Bordieu (2012) que fala da
sedimentaccedilatildeo de um consciente androcecircntrico em homens e mulheres alimentando
iniquidades Esta violecircncia natildeo estaacute em estatiacutesticas mas deixa sequelas profundas em suas
viacutetimas fazendo muitas mulheres carregarem em si sentimentos de impotecircncia mutilaccedilatildeo e
subalternidade
A escola tem o fio do poder que costura e regulamenta normas e mudanccedilas que
disciplinam comportamentos hegemonias (PEREIRA 2005) Mas o poder natildeo eacute estanque
fixo haacute neste espaccedilo como em todos os outros lugar para a resistecircncia e a contra-hegemonia
(FOUCAULT 2012) E de que forma tecircm chegado os discursos que problematizam as
mudanccedilas que advogam os movimentos de mulheres e fazem ressoar seu desejo de
desmantelar de descosturar as assimetrias de gecircnero Como a leitura e as vozes escolares
ressoam o que regula a valente marcha feminista que pode contribuir com o combate agrave
violecircncia domeacutestica com o empoderamento das mulheres e dar visibilidade agrave iniquidade de
gecircnero de forma refrataacuteria Acolhendo seus passos Como a leitura e as vozes escolares
abordam a temaacutetica das identidades e da diferenccedila datildeo centralidade e a discutem como
questatildeo de poliacutetica Estas questotildees imbricam-se e com elas penso a linguagem no campo da
discursividade da construccedilatildeo dos jogos de poder da constituiccedilatildeo de sentidos verdades e
subjetivaccedilotildees (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) o que eacute sempre um desafio
instigante para oa educadora Essa temaacutetica eacute premente sendo assim Haacute uma expectativa de
que seja sedimentado o aprendizado de que as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo estatildeo sempre inseridas
em contextos e processos socialmente estruturados legitimando naturalizando e retificando
hegemonias mas tambeacutem sofrendo transformaccedilotildees
Para que o direcionamento discursivo levantado pela questatildeo norteadora satisfaccedila
aos objetivos a que me proponho este estudo move-se teoricamente na concepccedilatildeo
sociointeracionista de leitura e faz uma interface com a Anaacutelise do Discurso AD doravante
tendo como referecircncia o trabalho de Orlandi (2008) sobre leitura que se pauta na perspectiva
da Escola francesa dessa disciplina Trabalho com a concepccedilatildeo de leitura na perspectiva de
23
que ler eacute mais do que decodificar (SOARES 2011) Ler eacute envolver-se com praacuteticas culturais
(MOITA LOPES 2002) que fortalecem a sedimentaccedilatildeo do valor da cidadania que pressupotildee
efetivaccedilatildeo de direitos e deveres para todos Ler entatildeo deixa de ser uma atitude passiva
fechada tradutora decodificadora em que se busca a ldquoverdaderdquo produzida peloa autora ou
pelo texto se se quiser ser positivista ou estruturalista A leitura que me interessa aqui se
ancora na perspectiva interacionista que concebe o aspecto sociocultural e cognitivo da
linguagem e como tal o texto eacute processo e natildeo produto A leitura eacute uma atividade situada
que reflete uma relaccedilatildeo dialoacutegica (cf BAKHTIN 1995) ou seja uma relaccedilatildeo na qual se
estabelecem refraccedilotildees entre autor-leitor-texto e contexto Essa perspectiva expressa um
rompimento com o modelo formalista ou historicista e tem havido um esforccedilo por parte dos
oacutergatildeos responsaacuteveis pelas poliacuteticas de formulaccedilatildeo das diretrizes escolares para implementaacute-la
no seio escolar Os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCNs-1997) refletem essa intenccedilatildeo
os textos satildeo defendidos em sua diversificaccedilatildeo e na defesa da construccedilatildeo de competecircncias
linguiacutesticas com desenvolvimento da habilidade leitora e escritora que ultrapasse a mera
decodificaccedilatildeo no processo de ensino aprendizagem
Por este trabalho buscar uma interface entre a linguagem como praacutetica social e as
relaccedilotildees de gecircnero perscrutadas nas vozes docentes em atividades de leitura propostas pela
escola tambeacutem lhe eacute pertinente a abordagem das formas de constituiccedilatildeo da subjetividade
(FOUCAULT 2004a 2004b 2004d) Estou ainda me movendo pelos estudos da criacutetica
feminista dos estudos poacutes-estruturalistas de gecircnero na contemporaneidade que buscam a
negaccedilatildeo de quaisquer resquiacutecios de uma base essencialista para a formaccedilatildeo das identidades
(LOURO 2012 SILVA 2012) ao tempo que questionam as hierarquias entre o masculino e
o feminino a ordem androcecircntrica heteronormativa e etnocecircntrica Eacute desse olhar que me
sirvo para diante do que pontuam os Estudos Culturais consonantes agrave construccedilatildeo das
identidades como cambiantes heterogecircneas transitivas construiacutedas e reconstruiacutedas social e
discursivamente refletir sobre as implicaccedilotildees de se ler no espaccedilo escolar Refletir atentando
para o discurso pedagoacutegico que daacute sentido agraves diferenccedilas entre meninos e meninas agraves relaccedilotildees
de gecircnero E eacute desse olhar que tambeacutem me sirvo para aprender sobre a consciecircncia de gecircnero
e sobre o desafio da aprendizagem de transformar os jogos de verdade que impotildeem relaccedilotildees
assimeacutetricas Eacute isto o que me enreda neste trabalho
Articulo esta dissertaccedilatildeo em partes que se estruturam assim a introduccedilatildeo na qual
consta a contextualizaccedilatildeo da temaacutetica focalizada com a sua gecircnese a apresentaccedilatildeo do
problema dos objetivos da justificativa e dos pressupostos teoacutericos que embasaram a
pesquisa
24
No capiacutetulo 1 exponho as estrateacutegias metodoloacutegicas com as quais me vali para que o
direcionamento discursivo apresentado que eacute a investigaccedilatildeo das discursividades docentes em
leitura e gecircnero satisfizesse aos objetivos a que me propus construir para este estudo
No capiacutetulo 2 pontuo uma justificativa do campo teoacuterico apresentando estudos de
autoresas utilizadosas bem como pontuo o cruzamento entre a instacircncia da leitura e o debate
sobre as relaccedilotildees de gecircnero sustentado por reflexotildees atinentes aos Direitos Humanos ao
feminismo ao poder agrave educaccedilatildeo e aos modos de subjetivaccedilatildeo
No capiacutetulo 3 discorro sobre a anaacutelise das praacuteticas discursivas dosas educadoresas
perscrutadas pela trajetoacuteria analiacutetica que fiz cujo procedimento para geraccedilatildeo de dados teve os
seguintes instrumentos investigativos o documento do projeto de leitura os relatos dosas
educadoresas que foram gerados em conversas quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola um
questionaacuterio aplicado com nove participantes do projeto de leitura da escola e a observaccedilatildeo
de aulas dos textos utilizados nesses eventos e levantamento dos textos paradidaacuteticos
presentes na biblioteca escolar que se refiram agrave temaacutetica de gecircnero
No capiacutetulo 4 atinente agrave perspectiva interventiva propositora que tem este mestrado
profissional desenvolvo reflexotildees que intencionam contribuir para a inserccedilatildeo temaacutetica de
gecircnero pela via da leitura na escola em que a pesquisa foi realizada Faccedilo ao final deste
capiacutetulo sugestotildees de atividades de ensino enfocando o olhar sobre as relaccedilotildees de gecircnero
Por uacuteltimo apresento as consideraccedilotildees finais com as quais objetivo amarrar os fios
tecidos ao longo do trabalho considerando os conteuacutedos enfocados e reforccedilando a defesa de
se inserir o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero pela via da leitura na escola
problematizando os modelos de feminilidade e masculinidade na defesa da dignidade de
todas as pessoas
25
1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA
11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade
Partindo do entendimento de que a pesquisa a que me proponho realizar que eacute a
anaacutelise de praacuteticas discursivas de docentes sobre as relaccedilotildees de gecircnero como mediadoresas
de leituras exige um dispositivo analiacutetico busco nos procedimentos da AD de filiaccedilatildeo
francesa como nas reflexotildees foucaultianas sobre praacuteticas de subjetivaccedilatildeo e poder nas
reflexotildees poacutes-estruturalistas sobre gecircnero e na perspectiva sociointeracionista sobre leitura
um apoio teoacuterico-metodoloacutegico Nesse sentido estou imbuiacuteda do propoacutesito de percorrer essa
investigaccedilatildeo conforme as diretrizes desse caminho investigativo considerando que natildeo haacute o
sentido ldquoverdadeirordquo mas o real do sentido em sua materialidade linguiacutestica e histoacuterica
(ORLANDI 2012) Estou tambeacutem imbuiacuteda do intento de que com este dispositivo natildeo
vislumbro trabalhar em uma perspectiva de neutralidade tendo em vista que concebo a
pesquisa com base nas praacuteticas discursivas focada nos estudos feministas e nas relaccedilotildees de
gecircnero sob a oacutetica do interesse do engajamento poliacutetico (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007
LOURO 2012)
Essas condiccedilotildees refletem o que as problematizaccedilotildees levantadas pelo feminismo no
tocante agrave loacutegica de se fazer ciecircncia tradicional com seus postulados de estabilidades e
categorizaccedilotildees trouxeram Trouxeram a descrenccedila de que entre as palavras e as coisas existe
uma homologia que se diz exatamente o que se vecirc (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007
POSSENTI 2009) Antes os estudos de gecircnero de base poacutes-estruturalista explicitam que haacute
uma invenccedilatildeo do que eacute sermos mulhereshomens de que haacute uma invenccedilatildeo do que eacute sermos
meninos e meninas de diversas classes diversos tempos etnias e orientaccedilatildeo sexual
construiacuteda discursivamente E a reflexatildeo sobre o que nos tornamos como seres gendrados e
em que poderemos vir a ser como seres que se descobrem gendrados empodera-nos como
investigadores de desaprendizagens pela possibilidade de conhecimento de jogos de verdades
(FABRIacuteCIO 2006)
Os estudos de gecircnero como uma via que se oferece para o entendimento das relaccedilotildees
assimeacutetricas entre os sexos explicitam ainda o atravessamento pelo poder institucionalizado
que confere historicamente o domiacutenio do masculino Lugares diferentes no mundo chegam a
homens e mulheres por um conjunto de accedilotildees formadoras constituiacutedas discursivamente por
siacutembolos culturais institucionalizaccedilotildees e modos de subjetivaccedilatildeo que constituem relaccedilotildees
assimeacutetricas com o corpo com a sexualidade e afetividades para os sujeitos sociais Refletir
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sob esta perspectiva me faz desejar perceber meu entorno olhando a linguagem a cultura e as
instituiccedilotildees sob a oacutetica do interesse na construccedilatildeo dos processos sociais E o olhar do
feminismo deveras trouxe novas lentes sobre a pesquisa cientiacutefica Louro (2012) pontua que
uma das caracteriacutesticas relevantes dessa epistemologia diz respeito agrave forma como as
estudiosas empenham-se em responder questotildees atinentes agraves suas realidades aos seus campos
de interesses mescladas natildeo como vozes anocircnimas de seu objeto de estudo mas como vozes
que de modo provocativo posicionam-se histoacuterica e culturalmente imiscuindo objetivamente
subjetividades E eacute com este entendimento que intenciono subsiacutedios para um estudo sobre a
discursividade em uma interface com a oacutetica das relaccedilotildees de gecircnero e da leitura sob o crivo
de um convite a examinar ordens morais e estruturas de legitimaccedilatildeo
Esta investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos foi
conforme jaacute exposto concebida para ser realizada em uma escola da Rede de Ensino
Municipal de Joatildeo Pessoa - PB cuja identificaccedilatildeo seraacute preservada A preservaccedilatildeo deve-se agrave
consonacircncia com um mecanismo de proteccedilatildeo o anonimato como compromisso eacutetico
possiacutevel conforme Spink e Menegon (1999) embora salientem as autoras este ponto de
vista natildeo seja paciacutefico Para minha compreensatildeo eacute uma proteccedilatildeo exceccedilatildeo se daacute quando os
sujeitos manifestam o contraacuterio o que natildeo foi o caso Assim o sendo para a identificaccedilatildeo
deste espaccedilo pesquisado resolvi denominaacute-lo de escola TRAVESSIA Esse batismo traduz
meu olhar para o ambiente de ensino-aprendizagem alimentado na esperanccedila freireana pelo
inacabamento em noacutes educadores seres humanos Mesmo emparedadosas eacute preciso pensar
nas travessias Da mesma forma que o campo pesquisado tem um nome fictiacutecio os sujeitos
participantes desta investigaccedilatildeo tambeacutem foram denominados ficticiamente
Essa unidade educacional funciona nos dois periacuteodos com turmas do 6ordm ao 9ordm ano
em um preacutedio construiacutedo haacute menos de dez anos Possui 385 discentes e 25 docentes eacute
composta por dez salas de aula sala de artes laboratoacuterio de informaacutetica laboratoacuterio de
ciecircncias auditoacuterio biblioteca quadra poliesportiva quadra de vocirclei secretaria diretoria sala
de especialistas sala de professores refeitoacuterio e banheiros com padratildeo de acessibilidade
A pesquisa qualitativa na educaccedilatildeo tem centrado seu foco noa educadora vai
buscar sua colaboraccedilatildeo preocupar-se com suas histoacuterias e formaccedilatildeo (GHEDIN FRANCO
2008) Nessa dimensatildeo eacute possiacutevel olhar a realidade na perspectiva doa professora e natildeo
apenas sobre elea Este processo investigativo que tem como objeto as discursividades na
escola acerca das relaccedilotildees de gecircnero mediadas no projeto de leitura tem alinhamento
metodoloacutegico com esta perspectiva de pesquisa e possui como participantes osas
professoresas que integram o tal projeto Foi escolhido o corpo docente do turno vespertino
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em funccedilatildeo de ajuste com minha disponibilidade de horaacuterio A coordenaccedilatildeo do projeto eacute de
responsabilidade de uma professora readaptada que tem formaccedilatildeo de arte-educadora Esta
profissional segundo me relatou articula trabalhos apoiando osas docentes integrantes do
projeto aleacutem de efetivar atividades literaacuterias e artiacutesticas em datas comemorativas na escola
12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de investigaccedilatildeo
A composiccedilatildeo dos instrumentos selecionados para a investigaccedilatildeo desta pesquisa eacute
constituiacuteda por diversos procedimentos para geraccedilatildeo de dados Consta de um questionaacuterio
aplicado no periacuteodo de 09 de setembro a 28 de outubro de 2013 a nove educadoresas
envolvidosas com o projeto de leitura da escola TRAVESSIA o CestaSexta Literaacuteria
Adotei tambeacutem como instrumento de investigaccedilatildeo os relatos de diaacutelogos com educadoresas
gerados quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola que se deram de 05 de setembro a 28 de
outubro de 2013 Construiacute notas de campo para registrar minhas vivecircncias naquele espaccedilo
perscrutando as vozes daqueles sujeitos pesquisados Satildeo tambeacutem composiccedilatildeo deste conjunto
de instrumentos investigativos as observaccedilotildees de quatro aulas de leitura e de texto utilizado
nestes eventos que ocorreram entre 4 e 11 de julho de 2014 A anaacutelise do documento do
projeto de leitura no tocante aos seus objetivos e metodologia bem como o levantamento de
quais livros paradidaacuteticos da biblioteca tratam da temaacutetica em tela satildeo outras formas
geradoras de dados desta pesquisa Esse levantamento do conjunto de instrumentos foi
elaborado em um processo no qual atentei para que a construccedilatildeo dos mesmos lembrando
Foucault (2004a 2004b 2012) objetivasse natildeo apontar se um enunciado eacute verdadeiro ou
falso enquanto discurso mas situar historicamente a produccedilatildeo desses
O questionaacuterio foi elaborado com treze questotildees objetivas por uma necessidade de
se ajustar agraves premecircncias do tempo mas promovendo espaccedilo para a complementaccedilatildeo de
respostas abertas considerando que outras leituras poderatildeo existir As questotildees formuladas
neste instrumento investigativo versando conforme apecircndice A entre outros toacutepicos acerca
da importacircncia da leitura para a escola sobre se a formaccedilatildeo continuada estaacute contribuindo no
preparo para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero acerca de qual
espaccedilo deve haver no curriacuteculo escolar sobre a histoacuteria social da mulher e ainda qual tem sido
o comportamento doa educadora ao lidar com manifestaccedilotildees de violecircncia de gecircnero
objetivam proporcionar anaacutelises das respostas segundo os pressupostos da AD
Essa disciplina mediante a articulaccedilatildeo liacutengua e histoacuteria descreve e analisa os
sentidos que produzimos socialmente considera assim que o sujeito eacute um efeito da linguagem
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como praacutetica social E eacute com esta perspectiva que objetivo perceber os efeitos de sentidos as
ideias circulantes e produzidas pelos sujeitos envolvidos nas questotildees do instrumento
questionaacuterio como nos demais procedimentos que compotildeem o campo empiacuterico desta
investigaccedilatildeo as aulas os diaacutelogos o documento a ausecircncia de obras temaacuteticas no acervo
bibliotecaacuterio Lanccedilar matildeo desse amparo teoacuterico me faz buscar formulaccedilotildees epistemoloacutegicas
como o discurso o interdiscurso as formaccedilotildees discursivas entre outras construccedilotildees de
linguagem como fustigaccedilatildeo que possibilita ver ldquopelardquo opacidade da linguagem Por esses
vieses interessa-me natildeo em conceber uma ldquoverdaderdquo a qual terei o poder de ldquodesvendaacute-lardquo
conforme ressalva Foucault (1995 2004a 2004b 2012) mas procuro agrave luz do que me
fornece a AD refletir e inquirir sobre as condiccedilotildees de produccedilotildees ldquodo dito e o natildeo ditordquo
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2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO
21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos
Uma indagaccedilatildeo que se desdobrava em outras se fez presente em minhas elaboraccedilotildees
sobre a temaacutetica em foco afinal por que buscar na roda de leitura de uma escola fios que
relacionem letramento e o debate sobre a construccedilatildeo social de gecircnero Qual o sentido de se
entrelaccedilar estas duas instacircncias discursivas Natildeo bastaria ler para contribuir com a construccedilatildeo
de uma formaccedilatildeo humana e eacutetica uma formaccedilatildeo cidadatilde na qual se capacitariam todos e todas
para serem protagonistas do projeto de sociedade em que convivem O exerciacutecio da leitura
natildeo estimula o ato de pensar Esta mera sacralizaccedilatildeo da praacutetica leitora tatildeo disseminada por
leigosas e ateacute leitoresas ignora que ler eacute um ato poliacutetico (FREIRE 1988) Ignora que ler eacute
uma praacutetica discursiva implica accedilotildees seleccedilotildees escolhas linguagens contextos variedades
de produccedilotildees sociais (SPINK FREZZA 1999) E que desse modo como praacutetica discursiva
na acepccedilatildeo foucaultina (FOUCAULT 2011) que eacute a tomada de empreacutestimo neste trabalho
conceituada como os dizeres que ganham corpos teacutecnicos em instituiccedilotildees em esquemas de
comportamentos em formas pedagoacutegicas a accedilatildeo de ler deve primar por reflexotildees que exijam
engajamento direcionamento afinal como esse filoacutesofo afirma
[] em toda sociedade a produccedilatildeo do discurso eacute ao mesmo tempo controlada
selecionada organizada e redistribuiacuteda por certo nuacutemero de procedimentos que tecircm
por funccedilatildeo conjurar seus poderes e perigos dominar seu acontecimento aleatoacuterio
esquivar sua pesada e temiacutevel materialidade (FOUCAULT 2011 p 8-9)
Conforme esse pensador francecircs para este controle haacute a fabricaccedilatildeo de certos
procedimentos de exclusatildeo social apoiados sobre uma base institucional Esta tem como
reforccedilo todo um conjunto de praacuteticas dentre as quais estatildeo a medicina a pedagogia a
sexualidade a prisatildeo relacionadas agrave vontade de verdade como um mecanismo de delimitaccedilatildeo
e de controle do discurso Ao trazer estas consideraccedilotildees de Foucault para o debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero que se processam na instituiccedilatildeo escolar fruto de avanccedilos consolidados
pelas lutas feministas contra uma visatildeo androcecircntrica de mundo percebo a relevacircncia das
contribuiccedilotildees do filoacutesofo que inscreve o discurso como praacutetica e como luta na constituiccedilatildeo
dos sujeitos Segundo o autor ldquo[] ndash isto a histoacuteria natildeo cessa de nos ensinar - o discurso natildeo
eacute simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominaccedilatildeo mas aquilo por que
pelo que se luta o poder do qual queremos apoderarrdquo (FOUCAULT 2012 p 10)
30
Diferente de uma visatildeo que simplifica este conceito os pressupostos foucaultinos
pontuam que o discurso existe para constituir ldquocoisasrdquo ldquorealidadesrdquo segundo regras histoacutericas
especiacuteficas de tempo e espaccedilo E esse entendimento deve ser uma das forccedilas que oa analista
do discurso poderaacute dispor como baliza face ao desafio que sua tarefa se apresenta seu
trabalho natildeo eacute ldquodescobrir coisas intocadas inteiras verdadesrdquo Seu trabalho prima por chegar
agrave complexidade das praacuteticas discursivas e natildeo discursivas que emergem em um enredo de
enunciados que se cruzam no interior de campos discursivos Seu trabalho como evidencia
Fisher (2013) ocupa-se de multiplicidades de coisas ditas de enunciaccedilotildees de posiccedilotildees de
sujeito de relaccedilotildees de poder implicadas num certo campo de saber
Nessa direccedilatildeo para efetuar uma interface que pense as discursividades das vozes
docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras na escola objeto desse trabalho
as reflexotildees foucaultianas no que diz respeito agraves posiccedilotildees de sujeito satildeo nodais Com essa
perspectiva pode ser assumida a multiplicaccedilatildeo do tema do sujeito operaccedilatildeo cara a Foucault
(1995 2004a 2004b 2004c 2012) que conduz a caminhos mais fecundos para que o sujeito
seja pensado a sua dispersatildeo Assim diante de um conjunto de enunciaccedilotildees dentro de um
campo discursivo natildeo cabe um sujeito ldquounificanterdquo soberano origem de seu dizer Haacute um
sujeito que precisa ser visto em seu status em seu acircmbito institucional investido de alguma
autoridade imbuiacutedo de certas regras histoacutericas
Isto posto cabe-me adentrar em reflexotildees usando a concepccedilatildeo de dispersatildeo do
sujeito inicialmente pensando sobre qual tem sido a subjetivaccedilatildeo construiacuteda na escola pela
perspectiva dosas docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero estatildeo estesas obedecendo a que
regime de verdade Quais tecircm sido as reflexotildees acerca das ldquocoisas ditasrdquo sabe-se que elas se
entranham das dinacircmicas de poder e saber Sabe-se que emanam de praacuteticas discursivas e natildeo
discursivas atravessadas pelo poder Dar conta dessas relaccedilotildees eacute um legado foucaultiano
complexo aacuterduo e instigante que me inspira trazer para a delineaccedilatildeo acerca das
discursividades suscitadas pelo debate das relaccedilotildees de gecircnero na escola que ao fim e ao
cabo eacute um chamamento do discurso dos DH como pauta reivindicatoacuteria que eacute
E como reivindicaccedilotildees morais que satildeo esses direitos assegura Piovesan (2005)
nascem quando devem e podem nascer Essa autora pontua que os DH em sua concepccedilatildeo
contemporacircnea compotildeem a nossa racionalidade de resistecircncia na medida em que traduzem
processos que abrem e consolidam espaccedilos de luta pela dignidade humana Pautados pela
gramaacutetica da inclusatildeo esses direitos que natildeo satildeo um dado mas um construiacutedo (PIOVESAN
2005) devem adentrar o espaccedilo escolar como um imperativo eacutetico-poliacutetico-social que eacute
capaz de enfrentar um legado discriminatoacuterio que tem negado o respeito agrave diversidade sexual
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cultural e humana o que eacute um atentado agrave premissa da garantia da dignidade de todas as
pessoas
Para o assentamento do debate sobre os postulados dos DH no acircmbito da escola natildeo
nos falta amparo legal positivado Eacute com o entendimento da nodal importacircncia desses direitos
na e para a esfera escolar e considerando o arcabouccedilo legal que dispotildee sobre a educaccedilatildeo a
Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 a Declaraccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas sobre
a Educaccedilatildeo e Formaccedilatildeo em Direitos Humanos (RESOLUCcedilAtildeO A661372011) a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei
93941996) o Programa Mundial de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos (PMEDH 2005204) O
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNEDH2006) e as diretrizes nacionais emanadas
pelo Conselho Nacional de Educaccedilatildeo CNE bem como outros documentos que o Conselho
Nacional de Educaccedilatildeo publica a Resoluccedilatildeo nordm 12012 estabelecendo diretrizes nacionais para
a educaccedilatildeo em Direitos Humanos Esse instrumento em seu artigo 3ordm trata da finalidade
dessa educaccedilatildeo a mudanccedila e a transformaccedilatildeo social fundamentando-se para isto nos
princiacutepios da dignidade humana da igualdade de direitos do reconhecimento e valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e das diversidades da laicidade do Estado da democracia na educaccedilatildeo da
transversalidade vivecircncia globalidade e sustentabilidade socioambiental
Conforme a Resoluccedilatildeo nordm 12012 os sistemas de ensino deveratildeo ter planejamento e
accedilotildees que zelem por tais princiacutepios incluindo-os nas formaccedilotildees iniciais e continuada de
profissionais das diferentes aacutereas de conhecimento como tambeacutem de todo aparato estrutural
da escola Nesse sentido a resoluccedilatildeo se traduz como um poderoso instrumento de inclusatildeo
social Ela eacute aliada na problematizaccedilatildeo de uma estrutural desigualdade social poliacutetica e
econocircmica que viola cotidianamente direitos de grupos vulneraacuteveis ndash pobres negrosas
mulheres homossexuais iacutendiosias ndash Eacute aliada no combate agraves grandes deficiecircncias da
democracia brasileira que repousa em uma deficiente cultura de direitos a despeito de
avanccedilos poacutes processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes
No tocante agraves questotildees de gecircnero agrave produccedilatildeo de praacuteticas discursivas que ocultam o
protagonismo dos sujeitos que fragilizam a hegemonia masculina heterossexual cristatilde e
branca e a inserccedilatildeo desse debate no seio escolar como forma de assegurar o combate agrave
historicamente construiacuteda educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria eacute vaacutelido observar os
mecanismos enunciativos que constituem o olhar sobre o discurso que propotildee o
enfrentamento da iniquidade E um desses mecanismos trata-se dos Paracircmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) criados em 1997 que muito embora a existecircncia desses documentos natildeo
garanta sua implantaccedilatildeo eles satildeo amplamente difundidos e recomendados pelo Ministeacuterio da
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Educaccedilatildeo e Cultura (MEC) Eacute vaacutelido desse modo atentar para esta forma de comunicaccedilatildeo-
poder porque as discursividades que circulam incorrem de resultado de promessas de uma
escola como instituiccedilatildeo democraacutetica o que nos remete agrave intricada relaccedilatildeo discurso e poder
(FOUCAULT 2012) E parece bastante oportuno refletir sobre a emissatildeo de documentos
supostamente avanccedilados no debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero indagando sobre qual
processo de subjetivaccedilatildeo e instauraccedilotildees de verdade estaacute sendo ali operacionalizado
Eacute possiacutevel detectar que a discussatildeo sobre as relaccedilotildees de gecircnero consta de forma
tiacutemida e superficial entre as paacuteginas 144-146 dos PCNs referentes agraves quatro primeiras seacuteries
da educaccedilatildeo Fundamental Assim eram denominados os anos escolares agrave eacutepoca da publicaccedilatildeo
destes documentos Essa inserccedilatildeo temaacutetica eacute composta como toacutepico dentro do tema
transversal Orientaccedilatildeo Sexual que integra o volume 10 da coleccedilatildeo dos PCNs Mas laacute nas
raacutepidas paacuteginas estaacute o conceito de gecircnero e o objetivo que permeia o debate
A discussatildeo sobre relaccedilotildees de gecircnero tem como objetivo combater relaccedilotildees
autoritaacuterias questionar a rigidez dos padrotildees de conduta estabelecidos para homens
e mulheres e apontar sua transformaccedilatildeo A flexibilizaccedilatildeo dos padrotildees visa permitir a
expressatildeo de potencialidades existentes em cada ser humano que satildeo dificultadas
pelos estereoacutetipos de gecircnero Como exemplo comum pode-se lembrar a repressatildeo de
sensibilidade intuiccedilatildeo e meiguice nos meninos e objetividade e agressividade nas
meninas As diferenccedilas natildeo devem ficar aprisionadas em padrotildees preestabelecidos
mas apontando para a equidade entre os sexos (BRASIL 2013 p 144-146)
As relaccedilotildees de gecircnero integram a abordagem feita pelos PCNs tambeacutem para as seacuteries
finais do ensino fundamental como parte dos conteuacutedos dos temas transversais Na
perspectiva para estes anos finais os PCNs indicam a leitura e a anaacutelise de notiacutecias e de obra
literaacuteria como estrateacutegia para abordar a temaacutetica sobre gecircnero perpassada pelo conjunto das
disciplinas Os recursos indicados nos documentos para a exploraccedilatildeo desta temaacutetica se
constituem de formas oportunas para trataacute-lo especialmente a anaacutelise de notiacutecias
considerando que face a uma visatildeo de mundo em que predominam valores machistas e
patriarcais uma cultura eminentemente androcecircntrica apesar da resistecircncia feminista as
notiacutecias devem se constituir como repletas de exemplos de assimetrias de gecircnero
A apresentaccedilatildeo do conceito de gecircnero pelos PCNs todavia se daacute sem uma
fundamentaccedilatildeo criacutetica sustentada pela teoria feminista em um momento em que este conceito
passa por uma efervescecircncia que redimensiona e amplia sua abordagem O conceito de gecircnero
surge com o intento de analisar a subordinaccedilatildeo da mulher ao homem de modo relacional e faz
parte de debates de vaacuterios momentos do movimento feminista O gecircnero como categoria de
anaacutelise passou a ser mais utilizado apoacutes a publicaccedilatildeo do texto de Joan W Scott (1995) Nesse
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trabalho a autora retoma a diferenccedila entre sexo e gecircnero articulando a noccedilatildeo de poder com a
qual propotildee que gecircnero eacute um elemento constitutivo das relaccedilotildees sociais construiacutedas sobre as
diferenccedilas percebidas entre os sexos sendo ele um primeiro modo de dar significado agraves
relaccedilotildees de poder
De acordo com Piscitelli (2002) o conceito de gecircnero mesmo jaacute tendo sido
utilizado foi marcado a partir da conceitualizaccedilatildeo de Gayle Rubin (1975 apud PISCITELLI
2002 p 4) que definiu o sistema sexogecircnero estabelecendo uma dicotomia em que gecircnero
seria a construccedilatildeo social e sexo seria o que eacute determinado biologicamente Essa perspectiva da
feminista trouxe conforme Piscitelli entusiasmo
Entre as (os) acadecircmicasos que dialogam com as discussotildees feministas o conceito
de gecircnero foi abraccedilado com entusiasmo uma vez que foi considerado um avanccedilo
significativo em relaccedilatildeo agraves possibilidades analiacuteticas oferecidas pela categoria
lsquomulherrsquo Essa categoria passou a ser quase execrada por uma geraccedilatildeo para a qual o
binocircmio feminismomulher parece ter se tornado siacutembolos de enfoques passados
(PISCITELLI 2002 p 1)
Haacute todavia apontado por Piscitelli (2002) um contexto de questionamentos sobre
esse conceito de gecircnero que evidencia uma nova ecircnfase na utilizaccedilatildeo da categoria mulher A
autora evidencia vaacuterias discussotildees em torno dessa questatildeo pontuadas por feministas que
criticam a dicotomia culturanatureza sexogecircnero traccedilos da conceituaccedilatildeo primeira do termo
O sistema dual que caracteriza e universaliza o conceito eacute criticado pelas feministas radicais
que assumem o debate desconstruindo o binocircmio sexogecircnero trazendo agrave reflexatildeo a
inexistecircncia de uma identidade global fixa que obscurece ou subordina todas as outras Uma
reelaboraccedilatildeo teoacuterica e pendular que emerge nitidamente das poliacuteticas da diferenccedila sobre o
conceito de gecircnero fortalece a luta das mulheres em seu caraacuteter de diversidade
A rejeiccedilatildeo aos pressupostos universalistas que a dicotomia sexogecircnero traduz tem se
avolumado e garantido um avanccedilo no debate sobre a luta pelo fim da opressatildeo e subordinaccedilatildeo
da mulher ao homem Sardenberg (2002) enfatiza que as criacuteticas realizadas ao conceito de
gecircnero debatem as diferenccedilas em consonacircncia com a base poacutes-estruturalista e
desconstrutivista que as sustenta e atendem a pauta reivindicatoacuteria de mulheres leacutesbicas
negras e do Terceiro Mundo A feminista sem deixar de resguardar a relevacircncia teoacuterica e
poliacutetica da concepccedilatildeo primeira de gecircnero ressalta a importacircncia das questotildees trazidas pelas
correntes desconstrucionistas Apropria-se esta estudiosa do feminismo do conceito de
corpos gendrados e desfaz a dicotomia sexogecircnero explicando que as identidades de gecircnero
e subjetividade satildeo natildeo imateriais e descorporificadas Ela ao falar de identidades e
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subjetividades corporificadas aponta para uma direccedilatildeo que dialoga com as teorizaccedilotildees poacutes-
estruturalistas e a importacircncia dos marcadores sociais para essas que veem mais do que
sujeitos homens e mulheres em suas abordagens Veem seres de diferentes etnias classes
geraccedilotildees profissotildees lugares seres cindidos muacuteltiplos natildeo-fixos em suas identidades
imersos que satildeo pela torrencial poacutes-modernidade e seus signos multiculturalismo
globalizaccedilatildeo e informaccedilatildeo acelerada
Louro (2012) ao discutir o caro conceito para os estudos feministas historiciza as
accedilotildees desse coletivo situando a chamada ldquoSegunda Ondardquo como a que propiciou o
desenvolvimento do termo
Seraacute no desdobramento da assim denominada lsquoSegunda Ondarsquo ndash aquela que se inicia
no final da deacutecada de 1960 ndash que o feminismo aleacutem das preocupaccedilotildees sociais e
poliacuteticas iraacute se voltar para as construccedilotildees propriamente teoacutericas No acircmbito do
debate que a partir de entatildeo se trava entre estudiosas e militantes de um lado e seus
criacuteticos ou suas criacuteticas de outro seraacute engendrado e problematizado o conceito de
gecircnero (LOURO 2012 p 19)
Evidenciando a contribuiccedilatildeo que a emergecircncia do conceito de gecircnero propicia ao
movimento feminista Louro (2012) traz o discurso da invisibilidade no qual esse coletivo
esteve imerso em forma de segregaccedilatildeo poliacutetica e social Muito embora afirme essa autora
mulheres da classe trabalhadora e camponesas jaacute ocupassem atividades no mundo do trabalho
em faacutebricas oficinas lavouras Atividades essas ocupadas em condiccedilotildees de subalternidade
frente aos homens considerando os cargos que ocupavam e atividades consideradas
secundaacuterias e ligadas agraves funccedilotildees ldquonaturalizadasrdquo como femininas a assistecircncia e a educaccedilatildeo
Essas questotildees aleacutem da ausecircncia das mulheres em espaccedilos de poder como nos das ciecircncias e
das artes diz Louro (2012) ocupavam as reivindicaccedilotildees das mulheres de luta contra a
opressatildeo de gecircnero
No que tange ao conceito de gecircnero como diferencial desconstrutor da discursividade
que permeia explicaccedilotildees deterministas bioloacutegicas para as desigualdades sociais entre homens
e mulheres Louro (2012) aduz que
Eacute necessaacuterio demonstrar que natildeo satildeo propriamente as caracteriacutesticas sexuais mas eacute a
forma como essas caracteriacutesticas satildeo representadas ou valorizadas aquilo que se diz
ou pensa sobre elas que vai construir efetivamente o que eacute feminino ou masculino
em uma dada sociedade e em um dado momento histoacuterico Para que se compreenda
o lugar e as relaccedilotildees de homens e mulheres numa sociedade importa observar natildeo
exatamente seus sexos mas sim tudo que socialmente se construiu sobre os sexos
O debate vai se construir entatildeo atraveacutes de uma nova linguagem na qual gecircnero seraacute
um conceito fundamental (LOURO 2012 p 25)
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Eacute na direccedilatildeo dos estudos poacutes-estruturalistas que Louro (2012) constroacutei suas reflexotildees
sobre gecircnero debatendo a construccedilatildeo discursiva das diferenccedilas uma das tocircnicas do
pensamento Esta autora evidencia o quanto estudiososas e militantes ligadosas agraves questotildees
eacutetnicas e leacutesbicas tecircm contribuiacutedo para a reflexatildeo sobre praacuteticas poliacuteticas e educativas que
contemplem as diferenccedilas Essa discursividade tem provocado nos estudos feministas uma
implosatildeo das caracteriacutesticas iniciais que satildeo marcadas por uma construccedilatildeo teoacuterica conduzida
por mulheres brancas heterossexuais urbanas e de classe meacutedias Para a autora os estudos
feministas estatildeo sendo oxigenados quando problematizados e desestabilizados desse modo
Entendo entatildeo que as seculares construccedilotildees sociais que subjugam e inferiorizam
mulheres e as que impotildeem exclusatildeo e violecircncia na construccedilatildeo das diferenccedilas sob uma loacutegica
androcecircntrica heteronormatizadora e discriminatoacuteria satildeo muralhas que tecircm sido
problematizadas pelas contribuiccedilotildees afirmativas da pauta dos DH pelos estudos feministas e
pelas contribuiccedilotildees de estudos sobre as relaccedilotildees de poder os quais jaacute foram por mim
referidos Estas questotildees podem estar balizadas no acesso agrave leitura como mediaccedilatildeo e praacutetica
discursiva que suscita o combate da iniquidade de gecircnero como tambeacutem jaacute foi dito Ocorre
amiuacutede mesmo entre osas que natildeo satildeo leitoresas uma valorizaccedilatildeo generalizada do ato de
ler que o naturaliza e o sacraliza As propagandas sobre leitura satildeo veiculadas com esta
dimensatildeo o que fez Souza (2009 p 4) entre outrosas autoresas estudaacute-las e evidenciando o
quanto se camufla o objeto da leitura daquilo que se lecirc indagar ldquoA leitura de todo e qualquer
texto emancipa o sujeitordquo Natildeo eacute preciso ir muito longe para que percebamos que se as
escolas natildeo leem a pedagogia do letramento da vida e da diversidade de infacircncias se natildeo leem
e aplicam o que recomendam as diretrizes2009 do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNE
que apontam para garantir uma formaccedilatildeo plena como ser humano histoacuterico integral social
eacutetico de diferentes linguagens e identidades coletivas e individuais a leitura que se faz
efetivamente natildeo eacute emancipadora Ela pode divertir dar prazer colaborar com o domiacutenio do
coacutedigo em suas variedades linguiacutesticas mas natildeo emancipa Isso pode ser averiguado pelo
olhar de Arroyo (2011) que aborda o quanto a desenfreada busca para o domiacutenio de
capacidades sequenciadas para atender as expectativas de avaliaccedilotildees como a Provinha-Brasil
tem sido danosa
Na praacutetica o direito ao reconhecimento agrave cultura e ao conjunto de potencialidades
humanas que carregamos desde crianccedila vai se perdendo em nome do domiacutenio de
capacidades de letramento e numeramento [] A professora seraacute julgada e
condenada se sua turma natildeo se sair bem na Provinha-Brasil de Letramento Fica
pouco estiacutemulo e espaccedilo para dedicar tempo e energias para a formaccedilatildeo plena das
crianccedilas ateacute nos limites e potencialidades do letramento (ARROYO 2011 p 220)
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Eacute pertinente pensar portanto como estatildeo sendo formadosas como estatildeo lendo na
instacircncia escolar meninos e meninas leem para se emancipar Leem para problematizar uma
ordem social excludente Leem para debater o que a pauta reivindicatoacuteria dos DH como
movimento que se firma na defesa de um mundo mais justo e igual tem alicerccedilado A
Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo (CONAE) realizada em 2010 direciona em seu
documento final que deve haver a inserccedilatildeo das temaacuteticas dos DH nos Projetos Poliacuteticos
Pedagoacutegicos (PPP) e no novo modelo de gestatildeo e avaliaccedilatildeo (CONAE 2010 p 162-163) Haacute
portanto um papel construiacutedo para a instituiccedilatildeo escolar no enfrentamento de violaccedilotildees desses
direitos
Produtora reprodutora e difusora de conhecimentos a escola eacute uma instituiccedilatildeo social
que pode conforme o seu aparato normativo engendrar as relaccedilotildees mais justas e equacircnimes
Ateacute entatildeo todavia deste lugar no dizer de Louro (2012) largamente tecircm sido gestadas as
diferenccedilas como a representaccedilatildeo de um desvio da normalidade Na visatildeo da referida autora
Desde seus iniacutecios a instituiccedilatildeo escolar exerceu uma accedilatildeo distintiva Ela se
incumbiu de separar os sujeitos ndash tornando aqueles que nela entravam distintos dos
outros os que a ela natildeo tinham acesso [] A escola que nos foi legada pela
sociedade ocidental moderna comeccedilou por separar adultos de crianccedilas catoacutelicos e
protestantes Ela tambeacutem se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela
imediatamente separou os meninos das meninas (LOURO 2012 p 64)
Eacute possiacutevel perceber entatildeo o quanto as relaccedilotildees de gecircnero e a produccedilatildeo negativa das
diferenccedilas satildeo alimentadas nos bancos escolares moldando fabricando sujeitos seres
distintos de diferentes classes etnias idades distintos tambeacutem em direitos e deveres Nesses
moldes essa praacutetica pedagoacutegica tem inquietado osas ativistas e defensoresas dos DH E
efeito de mobilizaccedilotildees a educaccedilatildeo inclusiva voltada para uma cultura de paz e de respeito a
esses direitos emerge Dos tantos pactos internacionais e acordos como accedilatildeo de resistecircncia
diante da violaccedilatildeo do direito agrave dignidade humana podem ser extraiacutedos instrumentos juriacutedicos
importantes para municiar osas educadoresas em suas atividades acadecircmicas caso se
comprometam com a bandeira da educaccedilatildeo como loacutecus para a promoccedilatildeo da defesa de uma
sociedade para todas as pessoas
Inteirar-se da forccedila articulatoacuteria dos movimentos sociais embandeirados com a
defesa dos DH eacute relevante para a instacircncia educacional afinal a escola ressoa as vozes e eacute
uma voz que segundo regras histoacutericas implementa hegemonia e contra-hegemonia
conforme Zenaide (2008) Das articulaccedilotildees poliacuteticas dos movimentos emergem marcos legais
que datildeo sustentaccedilatildeo agraves lutas por cidadania Um desses documentos importantes do leque de
instrumentos universais e regionais que evidenciam accedilotildees pautadas na defesa do DH foi uma
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conquista do movimento feminista com a aprovaccedilatildeo na Assembleia da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas (ONU) em 1979 da Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de
Discriminaccedilatildeo contra a Mulher Este instrumento traduz o reconhecimento das necessidades
especiacuteficas das mulheres garantindo a igualdade entre homens e mulheres nas esferas
poliacutetica econocircmica social e familiar Outro importante documento no sentido da defesa dos
direitos das mulheres eacute a Convenccedilatildeo Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violecircncia
contra a Mulher de 1994 Essa construccedilatildeo desafia um dos males enfrentados cotidianamente
pelas mulheres das mais diversas esferas sociais e culturais eacute o da violecircncia domeacutestica A
ONU adotou em 1999 o Protocolo Facultativo agrave convenccedilatildeo regional que autoriza ao
CEDAW ndash Comitecirc para a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher
- o recebimento de queixas individuais O Brasil ratificou o protocolo o que significa mais
garantia de direitos agraves brasileiras viacutetimas de violecircncia domeacutestica acesso agrave justiccedila
internacional
Na deacutecada de 1990 os movimentos de mulheres articularam em niacuteveis regionais e
internacionais profiacutecuos acontecimentos poliacuteticos em prol de garantia de seus direitos Em
1993 a Conferecircncia Direitos Humanos de Viena estabelece que os direitos das mulheres satildeo
parte inalienaacuteveis dos DH universais e devem ser protegidos pelos Estados atraveacutes da
promoccedilatildeo de leis e de poliacuteticas puacuteblicas efetivas A Conferecircncia Internacional sobre
Populaccedilatildeo e Desenvolvimento (CIPD) realizada no Cairo em 1994 vem garantir que os
direitos sexuais e reprodutivos passem a ser assumidos como DH reconhecendo o papel
central da sexualidade A IV Conferecircncia Mundial da Mulher realizada em Pequim em 1995
aprovou uma Plataforma de Accedilatildeo reforccedilando o plano da Accedilatildeo de Cairo O debate sobre o
aborto amplia-se em bases soacutelidas eacute apontado como um grave problema de sauacutede puacuteblica e a
descriminalizaccedilatildeo dessa praacutetica ganha foco
Dentre os processos organizativos pela constituiccedilatildeo de forccedilas democraacuteticas os
movimentos de mulheres constituem-se em um expoente de militacircncia Pedro e Pinsky (2003)
relatam o processo de conquista da cidadania feminina que se ainda estaacute longe de ser plena
muito mais longe estaacute de um tempo em que agraves mulheres soacute lhes cabia o espaccedilo domeacutestico
De simples lsquocostela de Adatildeo agrave conquista da cidadania plena eacute uma longa trajetoacuteria
ainda natildeo completada pelas mulheres Mesmo no Ocidente onde o avanccedilo eacute maior e
a subordinaccedilatildeo social tem se reduzido sensivelmente elas ainda sofrem com a
violecircncia salaacuterios menores preconceitos de diversos tipos Que diraacute em paiacuteses
africanos ou islacircmicos em que satildeo vistas como apecircndice do homem na melhor das
hipoacuteteses Contudo relendo as paacuteginas deste texto podemos avaliar o quanto jaacute
avanccedilamos Que as vaacuterias vitoacuterias obtidas sirvam-nos de inspiraccedilatildeo para as lutas
futurasrsquo (PEDRO PINSKY 2003 p 304)
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Se os avanccedilos logrados pela luta feminista mudaram estilo de vida de mulheres eacute
inconteste que ainda sob o jugo da violecircncia seja simboacutelica ou fiacutesica o machismo e o
patriarcalismo deixam seus tentaacuteculos em uma contiacutenua tensatildeo pelo poder (FOUCAULT
2004a 2012) Conforme Louro (2012) a escola pode atestar isso uma cultura ainda
dominante impregnada de estereoacutetipos valores e conteuacutedos sexistas eacute o que olhos atentos
veem Nas palavras da autora
Os sentidos precisam estar afiados para que sejamos capazes de ver ouvir sentir as
muacuteltiplas formas de constituiccedilatildeo dos sujeitos implicados na concepccedilatildeo na
organizaccedilatildeo e no fazer cotidiano escolar O olhar precisa esquadrinhar as paredes
percorrer os corredores e salas deter-se nas pessoas nos seus gestos suas roupas eacute
preciso perceber os sons as falas as sinetas e os silecircncios eacute necessaacuterio sentir as
cadecircncias e os ritmos marcando os movimentos de adultos e crianccedilas Atentaas aos
pequenos indiacutecios veremos que ateacute mesmo o tempo e o espaccedilo da escola natildeo satildeo
distribuiacutedos nem usados ndash portanto natildeo satildeo concebidos do mesmo modo por todas
as pessoas (LOURO 2012 p 63)
Afiar os sentidos para que possamos enxergar os construtos sociais de
performatividades de gecircneros que produzem meninas doces quietas aplicadas submissas e
meninos inquietos agressivos ldquomaisrdquo inteligentes Afiar os sentidos para que possamos olhar
sob o crivo dos estudos de gecircnero que encontram amparo em uma legislaccedilatildeo escolar
conquistada recentemente apoacutes intensa mobilizaccedilatildeo nacional para a criaccedilatildeo do Programa
Nacional em Direitos Humanos em 1993
A emersatildeo das poliacuteticas de valorizaccedilatildeo dos DH como aacuterea transdisciplinar e que
deve estar presente na escola desde a mais tenra idade do aluno ateacute os cursos de poacutes-
graduaccedilatildeo apresenta-se como um instrumento para a desconstruccedilatildeo de uma poliacutetica
educacional sexista e machista O Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos
(PNEDH) criado em 2006 e revisado em 2006 pelo MEC Ministeacuterio da Justiccedila e Secretaria
Especial dos Direitos Humanos vem fortalecer o princiacutepio da igualdade e da dignidade de
todo ser humano E a escola eacute um espaccedilo privilegiado para que a crianccedila iniciando seu
processo de socializaccedilatildeo aprenda a conviver com caros princiacutepios Daiacute a importacircncia de se
desenvolver no interior dos espaccedilos escolares pontua Zenaide (2008) accedilotildees programaacuteticas
que deem mais materialidade agrave educaccedilatildeo agravequela que respeite e defenda os DH Dentre essas
accedilotildees vale citar
Elaborar e organizar propostas curriculares que contemplem a diversidade cultural
nas suas diferentes especificidades com a inclusatildeo de temaacuteticas relativas a gecircnero
identidade de gecircnero raccedila e etnia religiatildeo orientaccedilatildeo sexual pessoas com
deficiecircncias [] bem como trabalhar todas as formas de discriminaccedilatildeo e violaccedilotildees
de direitos na interface dos componentes curriculares (BRASIL 2006 p 24-25)
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Um paiacutes historicamente violador dos DH como o Brasil possui uma diacutevida social
enorme com sua populaccedilatildeo vitimada No que diz respeito agraves violaccedilotildees acerca das identidades
de gecircnero seus instrumentos juriacutedicos conquistados recentemente que possuem a ideia
basilar do respeito agrave dignidade humana precisam ser prementemente cumpridos Essa eacute uma
condiccedilatildeo para que o Brasil promova cidadania a todas as pessoas reinventando novas formas
de se constituir sujeitos cauterizando as feridas machistas homofoacutebicas discriminadoras
Esse agenciamento cultural pode e deve ser gestado alimentado e sustentado por praacuteticas
escolares considerando que satildeo promessas da escola a autonomia o aprendizado de si do
outro o respeito agraves diferenccedilas Conforme Zenaide (2008) entre tantos marcos protetivos para
a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo inclusiva e natildeo sexista que sustentam largamente as promessas
de uma escola para todas as pessoas a Declaraccedilatildeo Mundial sobre Educaccedilatildeo para Todos de
1990 eacute um deles Em seu artigo 3ordm este documento explicita a premecircncia de combater a
assimetria entre homens e mulheres
[] a prioridade mais urgente eacute melhorar a qualidade e garantir o acesso agrave educaccedilatildeo
para meninas e mulheres e superar todos os obstaacuteculos que impedem sua
participaccedilatildeo no processo educativo Os preconceitos e estereoacutetipos de qualquer
natureza devem ser eliminados da educaccedilatildeo (ZENAIDE 2008 p 243)
Apoacutes as reflexotildees atinentes agrave fundamentaccedilatildeo da importacircncia do compromisso do
Estado brasileiro na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas educacionais que respaldem a
garantia da efetivaccedilatildeo dos DH na esfera escolar no que diz respeito agrave equidade de gecircnero irei
discutir no proacuteximo toacutepico como a educaccedilatildeo e o feminismo satildeo esteios para tal efetivaccedilatildeo
Satildeo esteios porque podem propor problematizar as instacircncias os espaccedilos de poder propor
novas formas de subjetivaccedilatildeo formas essas que tecircm historicamente construiacutedo um
enfrentamento agrave interdiccedilatildeo da equidade de gecircnero
22 Feminismo poder e educaccedilatildeo
Uma vez ou outra sempre mais raramente lembrava a galinha que se recortara
contra o ar agrave beira do telhado prestes a anunciar Nesses momentos enchia os
pulmotildees com ar impuro da cozinha e se fosse dado agraves fecircmeas cantar ela natildeo
cantaria mas ficaria muito mais contente
(LISPECTOR 1991 p 46)
A condiccedilatildeo feminina mesmo aos olhos desatentos aparece na linha mestra da obra
clariceana As complexas e ricas criaccedilotildees da autora com Ana Carla Catarina Joana
Macabeacutea Virgiacutenia entre tantas personagens jovens maduras velhas natildeo cedem todavia
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lugar a um mero denuncismo da ordem machista que violentamente imersa mulheres em uma
sociedade feita para os que cantam como os galos A inserccedilatildeo portanto de um trecho de um
dos seus contos Uma galinha (LF1991) neste toacutepico do trabalho natildeo eacute um jeito de chamar
ao destrinchamento da ligaccedilatildeo da escritora com o feminismo fato que ela em diversos
depoimentos sabiamente negou Mas eacute uma forma de dizer que a condiccedilatildeo feminina sem
liberdade e voz emaranhada na densa complexidade psicoloacutegica das personagens clariceanas
perspectiva anguacutestia e violecircncia latentes um mundo portanto que precisa ser desaprisionado
que precisa ser desmantelado E isto a despeito de sua insistecircncia em natildeo ser feminista
expressa feminismo que Clarice constroacutei tatildeo bem com suas mulheres quando lhes daacute o grito
o canto ou quando lhes retira
Neste conto a condiccedilatildeo feminina de subjugada estaacute metaforizada na figura de uma
galinha que apenas nasce e morre cumprindo apaticamente um papel como pontua Bedasee
(1999) Sem canto sem habilidade para a luta valorizada apenas pela sua funccedilatildeo reprodutora
[ Mamatildee mamatildee natildeo mate mais a galinha ela pocircs um ovo G45] este ser que natildeo conta
consigo como o galo conta com sua crista natildeo traduziria uma bandeira de desaprisionamento
dessa ordem proposta pela teoria dos gecircneros Neste conto em que a galinha em fuga eacute
capturada por um homem [ o rapaz poreacutem era um caccedilador adormecido E por mais iacutenfima
que fosse a presa o grito de conquista havia soado ndash G44] natildeo teriacuteamos a preocupaccedilatildeo com
os imemoraacuteveis papeacuteis sociais
Entendendo Clarice que desejou a literatura maior do que as bandeiras maior do que
teses sem uma ldquofunccedilatildeordquo que a aprisione mas relembrando aqui Antonio Cacircndido (1965)
indago esta escritura que apresenta um cotidiano que encerra mulheres em um espaccedilo
domeacutestico violentador natildeo seria uma forma extraordinaacuteria de aticcedilar a transcendecircncia das
servidotildees com a perspectiva que temos de ver na trama clariceana o natildeo-conformismo como
uma ordem Possivelmente A condiccedilatildeo feminina de oprimida exceccedilatildeo a pouquiacutessimas
personagens perpassa pelas mulheres solitaacuterias e servis de Clarice trancadas no lar lacradas
para a vida que natildeo reagem Por que ela natildeo reage cadecirc um pouco de fibra Natildeo ela eacute doce
e obediente (HE41) Haacute nesta ficccedilatildeo um fio que liga as mulheres denunciando um
apagamento social vivido por elas que evidencia feminismo nesta literatura
Por seu turno natildeo na ficccedilatildeo mas na poliacutetica e engajada nos diversos movimentos
sociais outras fizeram feminismos naquele contexto de meados do seacuteculo XX em que
efervesceu a luta pelos direitos das mulheres E a histoacuterica luta das mulheres em prol dos seus
direitos e na caminhada pela cidadania plena que comeccedilou a ser preparada em momentos e
seacuteculos anteriores traduz uma resistecircncia agrave domesticaccedilatildeo social das mais expressivas na
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histoacuteria da humanidade Esta resistecircncia pode me remeter a inuacutemeros pensadores que se
vinculam ao ideaacuterio da busca pela liberdade mas o pensamento de Michel Foucault no que
tange agraves consideraccedilotildees em sua obra sobre o polo subjetividade e verdade parece-me ser de
muita propriedade Tema caro ao filoacutesofo francecircs que categoriza ter sido este o seu problema
Esse sempre foi na realidade o meu problema embora eu tenha formulado o plano
dessa reflexatildeo de uma maneira um pouco diferente Procurei saber como o sujeito
humano entrava nos jogos de verdade tivessem estes a forma de uma ciecircncia ou se
referissem a um modelo cientiacutefico ou fossem como os encontrados nas instituiccedilotildees
ou nas praacuteticas de controle (FOUCAULT 2004a p 264)
As formas de se constituir sujeito satildeo decerto tema caro tambeacutem ao coletivo de
mulheres Embora as questotildees feministas natildeo tenham aparecido no leque de problematizaccedilotildees
do autor conforme nos atesta Rago (2008) esse coletivo pode ter como instrumento de luta
em sua histoacuterica e processual conquista por liberdade e cidadania as reflexotildees foucaultianas
atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo e da premecircncia de se constituir um novo sujeito eacutetico
a partir de praacuteticas de liberdade (cf FOUCAULT 2004a) A leitura desses processos eacute nodal
para a transformaccedilatildeo social que objetiva construir o feminismo pela importacircncia que tem
para esse autor a histoacuteria da constituiccedilatildeo do sujeito na perspectiva das praacuteticas de si Essas
conforme a retomada que o filoacutesofo daacute no debate proposto pela Antiguidade grega sobre tais
teacutecnicas satildeo concebidas como uma maneira de se relacionar consigo mesmo para se elaborar
para atuar individual e socialmente de forma eacutetica respeitosa e consciente O cuidar de si
visa atraveacutes de teacutecnicas de meditaccedilatildeo de aconselhamentos instalar a harmonia entre atos e
palavras instalar a subjetivaccedilatildeo pelo conhecimento de si eacute enfim um ethos que propotildee uma
dimensatildeo ativa do sujeito uma fruiccedilatildeo de si
[] eacute impossiacutevel suspeitar que haja uma certa impossibilidade de constituir hoje
uma eacutetica do eu quando talvez seja uma tarefa urgente fundamental politicamente
indispensaacutevel se for verdade que afinal natildeo haacute outro ponto primeiro e uacuteltimo de
resistecircncia ao poder poliacutetico senatildeo na relaccedilatildeo de si para consigo (FOUCAULT
2004a p 234)
Dimensatildeo essa que ao coletivo de mulheres imerso em um processo de busca por
libertaccedilatildeo pode se constituir como basilar Eacute basilar se considerarmos que da leitura das
reflexotildees foucaultianas acerca dos processos de constituiccedilatildeo das subjetividades pode-se
extrair o debate que destaca a desnaturalizaccedilatildeo do sujeito da construccedilatildeo de si as formas de
sujeiccedilatildeo coercitivas no social Essas uacuteltimas por exemplo se trazidas agrave luz dos estudos
feministas apontam modelos de feminilidade impostos pela dominaccedilatildeo classista e sexista
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desconstruiacutedos e recusados pela militacircncia desse movimento social A refutaccedilatildeo do amor
materno como um sentimento inerente agrave condiccedilatildeo de mulher por exemplo eacute uma das
desnaturalizaccedilotildees que foram articuladas pelos coletivos de mulheres Atributos como o da
docilidade inerente da tendecircncia agrave castidade sexual da domesticidade da inaptidatildeo para
determinados labores da constituiccedilatildeo fiacutesica e emocional como fraacutegil tambeacutem satildeo construccedilotildees
sociais que a mobilizaccedilatildeo feminista tem posto em evidecircncia negando-as Enfim um
mergulho nessa perspectiva temaacutetica oferece ao coletivo de mulheres um vasto leque de
teorizaccedilotildees que o subsidiam politicamente com operadores que lhe aclaram questotildees Uma
delas eacute poder recusar o que somos (FOUCAULT 2012) E a recusa se daacute quando sabemos
que teacutecnica atacar conhecer por quais jogos de verdade homens e mulheres potildeem-se a se
constituiacuterem sujeitos a obedecerem a que regras de sujeiccedilatildeo
Pensar em regras de sujeiccedilotildees na linha foucaultiana eacute tarefa meticulosa ardil que
exige coragem para ver Ao coletivo de mulheres fazer reflexotildees enfaticamente sobre tais
regras sobre os processos sociais de subjetivaccedilatildeo com os modos coercitivos de se constituir
mulher eacute pertinente eacute mobilizador de praacuteticas de liberdades das transformaccedilotildees que este
precisa engendrar E isto pode ser feito afiando-se os sentidos para os pilares culturais que lhe
satildeo configurados como sonhos como verdades em formaccedilotildees discursivas apresentadas desde
a mais tenra infacircncia O casamento por exemplo eacute um deles O matrimocircnio em regra tem
iniacutecio com um pedido formalizado por um homem agrave famiacutelia da mulher para um contrato
social no qual a cerimocircnia em si jaacute oferece um ensaio do que traduz a uniatildeo matrimonial a
dependecircncia social emocional da mulher Costumeiramente na nossa cultura ocidental
cristatilde a noiva entra na igreja conduzida pela matildeo de um homem (pai parente) para ser
entregue a outro o noivo o traje dela tradicionalmente eacute branco simbolizando ldquopureza de
virgemrdquo mesmo que a castidade natildeo lhe seja mais exigida Toda a ritualiacutestica da cerimocircnia
compotildee uma ideia de pertencimento do feminino pelo masculino compotildee uma ideia de
dependecircncia eacute ela quem adota em seu registro de identidade o nome do marido tendo que
alterar seus documentos de solteira Soacute bem recentemente a obrigatoriedade de tal inserccedilatildeo foi
abolida O ritual que costuma agradar agraves mulheres de uma forma bem generalizada por mais
que inove com mudanccedilas em arranjos familiares e nas condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo do
mesmo eacute marcado pela imagem de que a mulher que casa eacute a feliz O simboacutelico ato do
lanccedilamento do bouquecirc (ou mais recentemente outros objetos como os sapinhos de peluacutecia os
santos Antocircnios) pode vestir a ideia de que a felicidade estaacute em angariar um dono Assim se
justifica ver os gestos atleacuteticos que fazem as solteiras presentes movendo-se brava e
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histericamente para conseguirem agarrar tais objetos que a noiva lanccedila em sinal de que
sendo a premiada seraacute a proacutexima a realizar o sonho de casar
Que poder natildeo haacute na adoccedilatildeo de um nome nos jogos que fazem a ideia do
pertencimento O poder onde natildeo o haacute E esse eacute outro veio no olhar do pensador
(FOUCAULT 2012) que pode correr com e perpassar pelos interesses e pelas investigaccedilotildees
das mulheres que lutam por praacuteticas de liberdade que se vinculam ao debate proposto pela
teoria de gecircnero como estrateacutegia para desmantelar assimetrias para se pensar em resistecircncias
O poder em sua dimensatildeo relacional onipresente e capilar evocada pelo filoacutesofo constitui-
se como instacircncia de compreensatildeo basilar das formas de relaccedilotildees sociais
Quero dizer que nas relaccedilotildees humanas quaisquer que sejam elas - quer se trate de
comunicar verbalmente como o fazemos agora ou se trate de relaccedilotildees amorosas
institucionais ou econocircmicas - o poder estaacute sempre presente quero dizer a relaccedilatildeo
em que cada um procura dirigir a conduta do outro Satildeo portanto relaccedilotildees que se
podem encontrar em diferentes niacuteveis sob diferentes formas essas relaccedilotildees de poder
satildeo moacuteveis ou seja podem se modificar natildeo satildeo dadas de uma vez por todas
(FOUCAULT 2004a p 276)
Haacute uma discussatildeo trazida pelo pensamento foucaultiano sobre o poder na qual
repousa natildeo uma teoria geral deste mas a ideia de que a sua existecircncia natildeo emana de um
determinado ponto apenas em aparelho de Estado ou em formato de leis Existe o poder
conforme Foucault (2012) concebe dando-se como feixe de relaccedilatildeo organizado e
piramidalizado Este entendimento atrela-se ao da resistecircncia como possibilidade e esta
adverte o filoacutesofo tem que ser inventiva moacutevel tatildeo produtiva quanto o poder Pensar em
resistecircncia e estrateacutegias para o enfrentamento de relaccedilotildees marcadas por domiacutenio eacute accedilatildeo que
deve interessar ao debate proposto pelos movimentos sociais em especial os coletivos que
perseguem a equidade de gecircnero Aqui vale trazer uma ponderaccedilatildeo feita por Foucault (2004a)
na qual ele ressalva insistir sobretudo nas praacuteticas de liberdade mais do que nos processos de
libertaccedilatildeo a despeito da importacircncia desses que satildeo condiccedilotildees poliacuteticas ou histoacutericas para
aquelas O filoacutesofo afirma que tais processos natildeo satildeo por eles proacuteprios definidores dessas
praacuteticas as quais se constituem de um problema eacutetico Problema eacutetico com o qual se deparam
mulheres imersas em processos de liberaccedilatildeo neste contexto histoacuterico-cultural que
recrudesceu em meados do seacuteculo XX onde irromperam estudos de gecircnero e feminismos
trazendo enfaticamente a pauta do empoderamento para as mulheres Esse aqui entendido
como o processo pelo qual indiviacuteduos e comunidades angariam recursos que lhes permitam
ter voz visibilidade poder de agenda nos temas que afetam suas vidas
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Empoderar-se eacute enfim gestar em si mudanccedilas de performances que perpassam pelo
rompimento de modelos que enclausuram a mulher Historicamente subjugada ensinada a
depender a ser princesa salva adormecida mas acordada com o beijo dos contos infantis
difiacutecil natildeo ter medo de dar certo Na epiacutegrafe deste trabalho uma personagem clariceana
Joana traz agrave tona a temaacutetica do medo como condiccedilatildeo feminina Como uma segunda pele o
medo segura mulheres em direccedilatildeo de carros de cargos e de vidas trancafiando-as
Obviamente que nos novos contornos sociais nos quais a rua eacute espaccedilo conquistado pelo
feminino cada vez mais os medos vatildeo se arrefecendo tornando-se mais leves amenos
vencidos
Os estudos de gecircnero agrave luz do pensamento poacutes-estruturalista trouxeram a relevacircncia
de se refletir sobre modos de subjetivaccedilatildeo novas relaccedilotildees de poder jogos de verdade tudo
muito atinente com as contribuiccedilotildees teoacutericas foucaultianas e significativo para a militacircncia
poliacutetica encetada por feministas Pensando com Foucault (2004a 2012) sobre o poder desse
modo articulo nexos entre a preocupaccedilatildeo eacutetica com o cuidado de si as praacuteticas de liberdade
e a efetivaccedilatildeo de direitos que vem em lutas por libertaccedilatildeo em caminhadas que escavam
cidadania A luta das mulheres pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que lhes garantam o
direito ao aborto agrave sexualidade livre por exemplo traduz resistecircncia que vem com o
conhecimento de si com o conhecimento de seu lugar no mundo Os movimentos das
mulheres em luta pela construccedilatildeo de suas liberdades tecircm perfilado as liccedilotildees foucaultianas de
rede ligadas ao poder luta libertaccedilatildeo mobilizaccedilatildeo estaacutegios de comandos resistecircncia
A ideia de circularidade do poder de seu funcionamento em malhas onde os
indiviacuteduos natildeo soacute circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer um poder e de sofrer sua
accedilatildeo eacute oportuna entatildeo A premissa que permite que assim se pense pode estar identificada
nas reflexotildees abrangentes do autor sobre o poder
Acredito que natildeo pode haver sociedade sem relaccedilotildees de poder se elas forem
entendidas como estrateacutegias atraveacutes das quais indiviacuteduos tentam conduzir
determinar a conduta dos outros O problema natildeo eacute portanto tentar dissolvecirc-las na
utopia de uma comunicaccedilatildeo perfeitamente transparente mas se imporem regras de
direito teacutecnicas de gestatildeo e tambeacutem a moral o ethos a praacutetica de si que permitiratildeo
nesses jogos de poder jogar com o miacutenimo possiacutevel de dominaccedilatildeo (FOUCAULT
2004a p 284)
E por ser historicamente construiacutedo discursivamente tramado por estar no campo
social das resistecircncias muacuteltiplas (dos jeitinhos agraves chantagens e agraves mobilizaccedilotildees) das
mulheres o poder pode ser desconstruiacutedo ser ativado reformulado As relaccedilotildees de poder diz
ainda o pensador francecircs (FOUCAULT 1995 2012) intricam-se pelo menos de certa forma
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com sujeitos livres Um poder soacute se exerce quando eacute possiacutevel minimamente haver
resistecircncias pelo menos estrateacutegias para alterar o quadro Esse autor fala em estados de
dominaccedilatildeo nos quais a violecircncia se constitui como a absoluta impossibilidade de se resistir
ao poder havendo o domiacutenio total do dominador Diferentemente dos estaacutegios de violecircncia
as relaccedilotildees de poder possuem um enfrentamento constante e perpeacutetuo que garante o potencial
de revolta
Assim tambeacutem percebe Louro (2012) e dialoga com o filoacutesofo francecircs acerca dessas
relaccedilotildees A autora utilizando-se da discussatildeo sobre o controle disciplinar que perpassa os
escritos foucaultianos que falam das engenhosas estrateacutegias desenvolvidas pelas instituiccedilotildees
estrateacutegias que satildeo nichos de produccedilotildees discursivas de gecircneros de sujeitos disciplinados
regulados instituiacutedos discute a capilaridade do poder
Homens e mulheres certamente natildeo satildeo construiacutedos apenas atraveacutes de mecanismos
de repressatildeo ou censura eles e elas se fazem tambeacutem atraveacutes de praacuteticas e relaccedilotildees
que instituem gestos modos de ser e estar no mundo formas de falar e de agir
condutas e posturas apropriadas (e usualmente diversas) Os gecircneros se produzem
portanto nas e pelas relaccedilotildees de poder (LOURO 2012 p48)
Louro (2012) sob o crivo das reflexotildees foucaultianas acerca dos modos de
subjetivaccedilatildeo insere uma possibilidade de debate sobre as relaccedilotildees de poder que perpassam as
identidades de gecircnero no esteio do campo da educaccedilatildeo A autora traz a questatildeo de que sob as
lentes do filoacutesofo cabem olhares acerca da ldquonormalizaccedilatildeo da conduta dos meninos e meninas
a produccedilatildeo dos saberes sobre a sexualidade e os corpos as taacuteticas e as tecnologias que
garantem o ldquogovernordquo e o ldquoautogovernordquo dos sujeitosrdquo E eacute com essa direccedilatildeo que esta
estudiosa do feminismo caminha na e pela escola instigando aosas educadoresas agrave afiaccedilatildeo
dos sentidos para que essesas percebam a construccedilatildeo escolar das diferenccedilas das
desigualdades do poder para que observem as praacuteticas femininas educativas e as
representaccedilotildees docentes do magisteacuterio
Os caminhos teoacutericos de Louro (2012) deixam as marcas de quem dialoga com o
pensamento de Foucault (2004c 2004d 2011 2012) no tocante agrave importacircncia que possuem
as instituiccedilotildees como aparelho disciplinador reprodutor ou transformador da sociedade para
ambos A autora discute o aparelhamento da escola na formaccedilatildeo de uma cultura sexista que
difunde estereoacutetipos de gecircnero institui diferenccedilas e modelos Ela enfim alerta osas
educadores sobre a importacircncia da ocupaccedilatildeo deste espaccedilo como instacircncia poliacutetica
46
A linguagem as taacuteticas de organizaccedilatildeo e de classificaccedilatildeo os distintos
procedimentos das disciplinas escolares satildeo todos campos de um exerciacutecio
(desigual) de poder Curriacuteculos regulamentos instrumentos de avaliaccedilotildees e
ordenamento dividem hierarquizam subordinam legitimam ou desqualificam os
sujeitos [] (LOURO 2012 p 72)
Com efeito o processo de subjetivaccedilatildeo se daacute tambeacutem e significativamente na escola
que natildeo soacute transmite conhecimentos mas fabrica sujeitos conforme acordam os estudiosos
acima referendados Esse processo eacute flexionado por dispositivos entendidos esses conforme
Foucault (2012) como um conjunto heterogecircneo que engloba discursos instituiccedilotildees que
formam feixes em um tranccedilado com os quais natildeo se familiariza facilmente Louro (2012) por
isso faz a convocaccedilatildeo com muita propriedade ao ato de ldquoafiar os sentidosrdquo Afiar os sentidos
e apreender no campo da linguagem a forccedila da transmissatildeo e constituiccedilatildeo de sentidos que esta
articula que molda e produz eacute um compromisso de quem concebe a educaccedilatildeo em um campo
eminentemente poliacutetico um lugar para se desbravar cotidianamente
Fisher (2013) eacute uma das estudiosas do campo da Educaccedilatildeo que se posiciona assim
Essa autora trabalha conceitos como os de enunciado praacutetica discursiva sujeito do discurso
relacionados agrave teoria do discurso objetivando evidenciar a importacircncia desse arcabouccedilo para
as pesquisas que se propotildeem a investigar discursos de educadoresas A complexa e
diversificada obra de Michel Foucault eacute explorada pela educadora em pontos estrateacutegicos para
uma interface discurso e educaccedilatildeo Para isto a autora estabelece inicialmente um marco entre
as concepccedilotildees de linguagem a que se vincula agrave ideia de representaccedilatildeo de intencionalidade
na qual o analista ldquodescobrerdquo o que estaacute por traacutes das cortinas porque o discurso eacute interpretado
como um conjunto de signos que pode revelar a ldquoverdaderdquo E a concepccedilatildeo de linguagem que
se apresenta como constituidora interrogativa discursiva construtora de realidades sociais A
pesquisadora demonstra entender que a concepccedilatildeo com a qual Foucault evidencia vinculaccedilatildeo
eacute a que interroga a linguagem
Evocar os conceitos foucaultianos objetivando uma reflexatildeo acerca da importacircncia
desses em pesquisas no campo da educaccedilatildeo eacute uma estrateacutegia vaacutelida que oa analista de
discurso pode lanccedilar matildeo Esse direcionamento que exige uma interrogaccedilatildeo da linguagem
sobre a sua natildeo-transparecircncia e sobre seus processos de produccedilatildeo daacute-se com o esforccedilo de
conforme a AD natildeo buscar explicaccedilotildees lineares de causa e efeito ou mesmo interpretaccedilotildees
ideoloacutegicas simplistas ambas reducionistas e harmonizadoras de uma realidade mais
complexa (FISHER 2013)
A percepccedilatildeo da belicosidade da realidade que eacute atravessada por lutas em torno da
imposiccedilatildeo de sentidos (FOUCAULT 2011 2012) eacute uma postura que traduz uma capacidade
47
investigativa doa analista que deve ser inquiridora ldquoPor que isto eacute dito aqui desse modo
nesta situaccedilatildeo e natildeo em outro tempo e lugar de forma diferenterdquo Nesse sentido Fisher
(2013) dialoga com o filoacutesofo pontuando acerca da constituiccedilatildeo do sujeito para esse teoacuterico
Para a foucaultiana esse pensador multiplica o sujeito a pergunta ldquoquem falardquo desdobra-se
em muitas outras qual o status do enunciador Em que campo de saber se insere Qual seu
lugar institucional [] Com formulaccedilotildees dessa natureza a ideia de discurso como
ldquoexpressatildeo de algo traduccedilatildeo de alguma coisa que estaria em outro lugar talvez em um
sujeito algo que preexiste agrave proacutepria palavra eacute desfeita Em seu lugar pontuam os autores
referendados os atos enunciativos se inscrevem no interior de formaccedilotildees discursivas que
irrompem segundo regime de verdade levando-nos a obedecer a um conjunto de regras dadas
historicamente
As liccedilotildees foucaultinas acima referidas referendadas por Fisher (2013) satildeo
pertinentes para uma contribuiccedilatildeo no presente estudo tendo em vista que a temaacutetica em foco
desta pesquisa encontra nessas reflexotildees do pensador elementos que subsidiam esta
investigaccedilatildeo Um desses elementos eacute a inquiriccedilatildeo da ideia de verdade uniacutevoca por apontar
essa categoria como uma produccedilatildeo histoacuterica e social farta de jogos de poder E a escola eacute
uma instacircncia disciplinar e reguladora de comportamentos amarrada agrave produccedilatildeo de verdades
ao poder-saber pedagoacutegico que se efetua em praacuteticas discursivas ditando regras negando-as
coibindo-as policiando incitando fabricando sujeitos (cf FOUCAULT 2011 2012) Desse
modo inquiro sobre como as praacuteticas discursivas garimpadas no processo de investigaccedilatildeo
irrompem e sob quais condiccedilotildees neste estudo O que haacute nas bocas e nas mentes na experiecircncia
de aprendizagem das praacuteticas leitoras O que desejam os olhos de quem semeia leitura e os
olhos de quem lecirc As discursividades dessesas semeadoresas alicerccedilam-se e movem-se por
quais olhares sobre as relaccedilotildees de gecircnero e de sexualidade que perpassam livros textos
corredores banheiros cochichos desabafos canccedilotildees confissotildees Elas estatildeo explosivamente
presentes como bem atenta Foucault (1985) quando afirma haver em torno do sexo uma
verdadeira explosatildeo discursiva
Seria inexato dizer que a instituiccedilatildeo pedagoacutegica impocircs um silecircncio geral ao sexo das
crianccedilas e adolescentes Pelo contraacuterio desde o seacuteculo XVIII ela concentrou as
formas do discurso no tema estabeleceu pontos de implantaccedilatildeo diferentes codificou
os conteuacutedos e qualificou os locutores Falar dos sexos das crianccedilas fazer com que
falem dele os educadores os meacutedicos os administradores e os pais Ou entatildeo falar
de sexo com as crianccedilas fazer falarem elas mesmas encerraacute-las em uma teia de
discurso que ora se dirigem a elas ora falam delas impondo-lhes conhecimento
canocircnicos ou formando a partir delas um saber que lhes escapa ndash tudo isso permite
vincular a intensificaccedilatildeo dos poderes agrave multiplicaccedilatildeo do discurso (FOUCAULT
1985 p 32)
48
E a despeito de toda dinacircmica social e histoacuterica que tem alterado a percepccedilatildeo dos
jogos dos prazeres e poderes que tem inquirido pensamentos hegemocircnicos acerca da
sexualidade das relaccedilotildees de identidades de gecircnero descontruindo paradigmas como e quais
satildeo as faacutebulas indispensaacuteveis os veios discursivos apreendidos e presentificados na escola em
foco Os pensamentos de Foucault (2004a 2004c 2004d 2011 2012) contribuiacuteram
decisivamente para uma atitude de estranhamento das instituiccedilotildees contribuiacuteram para
caracterizar o discurso pedagoacutegico como um dos que estaacute relacionado agraves praacuteticas de poder e
domesticaccedilatildeo que tem em sua base relaccedilotildees assimeacutetricas Este pensador desse modo daacute
elementos importantes para a compreensatildeo de que natildeo existe verdade que natildeo seja produzida
em relaccedilotildees de poder Estes elementos estatildeo na imersatildeo do entendimento de que a
compreensatildeo dos processos de subjetivaccedilatildeo e das praacuteticas discursivas pode estar a serviccedilo de
uma busca por uma transformaccedilatildeo substancial do que somos e o que poderemos ser em um
mundo marcado pela belicosidade constituiacutedo por discursos
No que concerne a essa busca Rago (1998) pontua o encontro entre o feminismo e o
pensamento de Michel Foucault no lastro do debate sobre a constituiccedilatildeo do sujeito e o quanto
isso potencializa as transformaccedilotildees que precisam ser operadas para que sejam consolidadas as
mudanccedilas sociais e culturais que o coletivo de mulheres pleiteia A autora fala da participaccedilatildeo
do movimento feminista na ldquoampla criacutetica cultural desconstrutivistardquo e acentua o quanto as
propostas deste movimento tecircm produzido uma criacutetica contundente ao modo de produccedilatildeo do
conhecimento cientiacutefico e que isto se deve entre outros motivos ao abrigo que o pensamento
deste coletivo encontra nos postulados dos pensadores poacutes-modernos Os estudos feministas
propotildeem um olhar para a existecircncia do sujeito cindido construiacutedo na e pela linguagem como
efeito das determinaccedilotildees culturais inserido em complexas relaccedilotildees de poder Este olhar tem
consonacircncia com as reflexotildees de Foucault (2004d p 195) especialmente no que se refere ao
empreendimento do autor na construccedilatildeo de uma hermenecircutica de si
Uma histoacuteria que natildeo seria aquela do que poderia existir de verdadeiro nos
conhecimentos mas sim uma anaacutelise dos lsquojogos de verdadersquo dos jogos do
verdadeiro e do falso atraveacutes dos quais o ser se constitui historicamente como
experiecircncia ou seja como podendo e devendo ser pensado Por meio de quais jogos
de verdade o homem se pocircs a pensar o seu ser proacuteprio ao se perceber como louco ao
se olhar como doente ao refletir sobre si mesmo como ser vivo falante e
trabalhador ao se julgar e se punir como criminoso Atraveacutes de quais jogos de
verdade o ser humano se reconheceu como homem de desejo (FOUCAULT
2004d p 195)
Esta construccedilatildeo de si perpassa e enriquece a luta feminista em suas problematizaccedilotildees
acerca das praacuteticas de si colocando em jogo os criteacuterios de modelos femininos naturalizados
49
o modo de sujeiccedilatildeo com que as mulheres se relacionam com tais modelos E nas palavras do
pensador francecircs (FOUCAULT 2004c p 244) haacute uma intenccedilatildeo de beleza no conhecimento
saber para ser Ser o artesatildeo de sua proacutepria beleza Saber para governar a proacutepria vida ldquopara
lhe dar a forma mais bela possiacutevel (aos olhos dos outros de si mesmo e das geraccedilotildees futuras
[]rdquo Nesse sentido podemos dizer que as problematizaccedilotildees foucaultianas acerca das relaccedilotildees
sujeitoverdade e a constituiccedilatildeo da experiecircncia de si satildeo pertinentes ao pensamento feminista
que sob estas referecircncias encontra fios enovelados para uma desconstruccedilatildeo de fabricadas
verdades
Foucault (2004a 2012) que afirma natildeo ser possiacutevel sociedade sem relaccedilotildees de
poder tece os possiacuteveis instrumentos de jogar com o miacutenimo de dominaccedilatildeo regras de direito
a praacutetica de si teacutecnicas racionais de governo o eacutethos O poder de resistecircncia das mulheres
atesta isto Nas palavras de Saffioti (2001) a posiccedilatildeo vitimista impede a ressignificaccedilatildeo das
relaccedilotildees de poder ou seja
[] Em outros termos a postura vitimista eacute tambeacutem essencialista social uma vez
que o gecircnero eacute o destino Na concepccedilatildeo flexiacutevel aqui exposta natildeo haacute lugar para
qualquer essencialismo seja bioloacutegico ou social Cabe frisar que a categoria
histoacuterica gecircnero natildeo constitui uma camisa de forccedila natildeo prescrevendo por
conseguinte um destino inexoraacutevel Eacute loacutegico que o gecircnero traz em si um destino
Todavia cada ser humano ndash homem ou mulher desfruta de certa liberdade para
escolher a trajetoacuteria a descrever (SAFFIOTI 2001 p 125)
Desde sua implantaccedilatildeo o domiacutenio masculino conforme Saffioti (2001) estaacute sendo
resistido por mulheres ao longo da histoacuteria da humanidade Mas o Seacuteculo XX carrega a marca
de ter sido o grande momento de transformaccedilotildees conquistadas por militantes A histoacuteria de
luta das mulheres no Brasil e em niacutevel mundial vem segundo Costa (2009) registrando
mudanccedilas ldquona velocidade da luzrdquo A autora resgata na historiografia do movimento feminista
uma dinacircmica que vai do sufragista do seacuteculo XIX passando pelas deacutecadas de sessenta e
setenta com suas reivindicaccedilotildees proacuteprias e contextuais ateacute os novos desafios que se
apresentam perenemente Ela faz este percurso buscando dar conta das mudanccedilas pelos quais
passaram as lutas feministas ora eufoacuterico ora fraacutegil o movimento natildeo para segundo o olhar
perspicaz da estudiosa que vecirc como uma demonstraccedilatildeo de forccedila da atuaccedilatildeo das mulheres de
luta a construccedilatildeo de documentos como o Plano Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as
Mulheres e da I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres
50
Ateacute chegar aiacute foi um longo e muitas vezes tortuoso caminho de mudanccedilas dilemas
enfrentamentos ajustes derrotas e tambeacutem vitoacuterias O feminismo enfrentou o
autoritarismo da ditadura militar construindo novos espaccedilos puacuteblicos democraacuteticos
ao mesmo tempo em que se rebelava contra o autoritarismo patriarcal presente na
famiacutelia na escola nos espaccedilos de trabalho e tambeacutem no estado Descobriu que natildeo
era impossiacutevel manter a autonomia ideoloacutegica e organizativa e interagir com os
partidos poliacuteticos com os sindicatos com outros movimentos sociais com o Estado
e ateacute com organismos supranacionais Rompeu fronteiras criando em especial
novos espaccedilos de interlocuccedilatildeo e atuaccedilatildeo possibilitando florescer de novas praacuteticas
novas iniciativas e identidades feministas (COSTA 2009 p 75)
Do momento que Costa redigiu essa historiografia em 2004 jaacute foram realizadas
mais duas conferecircncias nacionais em 2007 e 2011 respectivamente articulando e
fortalecendo a caminhada das mulheres por sua emancipaccedilatildeo Emancipaccedilatildeo que se constroacutei
em um longo e penoso percurso mas perseguindo a utopia da cidadania plena mulheres
feministas avanccedilam E um dos sinais claros de que avanccedilam foi traccedilado por Pinsky (2012)
Esta autora formulou recentemente um retrato do processo histoacuterico das imagens femininas
em duas vertentes o modelo riacutegido e o modelo flexiacutevel No modelo riacutegido eacute anunciada uma
imagem de mulher que em regra encampa um papel a ela ldquonaturalizado e destinadordquo a
castidade a docilidade a domesticidade a moralidade a maternidade a renuacutencia agrave vida
proacutepria e ao prazer de ser de si O nome a alma e o corpo dessa mulher submetida aos riacutegidos
padrotildees sociais possuem um dono o masculino Com as devidas interferecircncias das questotildees
sociais e de classe em regra agrave mulher restava-lhe o ldquoreinadordquo da submissatildeo da
invisibilidade de uma experiecircncia de si que a fazia possuiacuteda por outrem
As lutas e conquistas feministas flexibilizaram esse modelo passaram a ocupar
cargos nunca dantes imaginados Isto alterou a ordem discursiva reconfigurou modelos
familiares rediscutiu papeacuteis Natildeo ainda em condiccedilatildeo de igualdade obviamente as mulheres
possuem mais grilhotildees e desafios do que deveriam Conhececirc-los no sentido foucaultiano de
saber como se constituem eacute empoderar-se E esse eacute um desafio que deve ser abrangido pelo
tracircnsito da diversidade da construccedilatildeo dos contornos das identidades e diferenccedilas ligadas
como sistema de significaccedilatildeo (SILVA 2012) Entre mulheres haacute construccedilatildeo de sentidos
diversificados sobre leacutesbicas natildeo-leacutesbicas negras brancas de classes sociais distintas de
diferentes etnias e com diversidade etaacuteria Nesse sentido os estudos de gecircnero se apresentam
como um campo instigante para desmantelar para problematizar a construccedilatildeo social do que eacute
ser homem e do que eacute ser mulher
A proposta de estudo aqui colocada toma enfim as problematizaccedilotildees foucaultianas e
as das estudiosas feministas acerca dos sujeitos dos discursos e suas marcas histoacutericas como
referecircncia para averiguar de que modo as discursividades revelam o que atravessa os muros
51
escolares em termos de vozes docentes e textos sobre gecircnero Essas problematizaccedilotildees que
expressam a concepccedilatildeo de discurso como praacutetica como trama nas teias da linguagem como
movimento de produccedilatildeo de sentidos inserido na histoacuteria e na memoacuteria coletiva expressam o
poder que como concebe o pensador francecircs (cf FOUCAULT 2012) natildeo eacute um mal em si Eacute
um lugar estrategicamente decisivo onde se encontram as relaccedilotildees de forccedilas que influenciam
corpos atitudes discursos enfim a produccedilatildeo das subjetividades
Discutir essas relaccedilotildees eacute buscar desestabilizar as categorias construiacutedas concebendo
gecircnero como discurso que se inscreve em significados poliacuteticos e culturais Apropriar-se
conforme jaacute foi referido dessa constituiccedilatildeo reflexiva pode significar para as lutas feministas
uma valiosa maneira de pensar os jogos de verdades com os quais essas se enredam E por
pensaacute-los poder desconstruiacute-los
Apoacutes discorrer sobre o feminismo a constituiccedilatildeo de subjetividades que tecircm como
referecircncia procedimentos de controle de discursos em uma perspectiva foucaultiana
(FOUCAULT 2011) farei uma incursatildeo sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees poliacuteticas como
praacutetica discursiva que eacute tradutora de uma forma de saber poder
23 A leitura no Brasil em retratos
Nesta parte considero importante pontuar no trabalho um breve panorama da leitura
no Brasil baseado esse em resultado apresentado pela 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do
Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2012) Procuro utilizar alguns dados da pesquisa
perpassando por uma reflexatildeo acerca dos processos de produccedilatildeo da leitura (como leem osas
brasileirosas por que (natildeo) leem o que desejam ler quem propicia a leitura enfim que
tratamento o Estado brasileiro daacute agrave leitura Perpasso tambeacutem pelos dados refletindo como
esses podem ser reverberados pelo presente trabalho
Asseverado como um paiacutes que lecirc pouco segundo indicadores que avaliam estes
dados o Brasil eacute farto em pesquisas que se debruccedilam sobre a leitura Eacute magnacircnima a
produccedilatildeo de textos e eventos que se propotildeem a tratar da complexa questatildeo da leitura de seus
oacutebices funccedilotildees relevacircncias E deveras a reflexatildeo sobre a leitura possui importacircncia crucial
para que possamos adotar praacuteticas poliacuteticas que reparem os equiacutevocos de sermos um paiacutes que
pouco lecirc Esta reflexatildeo se atrelada agrave da escola como instacircncia responsaacutevel pela formaccedilatildeo
leitora eacute de extrema pertinecircncia pelo atribuiacutedo papel que essa instituiccedilatildeo possui na formaccedilatildeo
doa leitora
52
Um dos estudiosos da temaacutetica Silva (2011) vem criticando as pesquisas
educacionais brasileiras voltadas agrave problemaacutetica da leitura afirmando que precisamos
construir melhores inqueacuteritos sobre a accedilatildeo de ler Esse autor fala em crise assegura que natildeo
possuiacutemos uma tradiccedilatildeo de leitores temos por outro lado cifras altiacutessimas de analfabetismo
como barreira para a experiecircncia mais soacutelida com a praacutetica leitora Temos ainda conforme
Silva peacutessimas poliacuteticas de livros parcas e natildeo elucidativas pesquisas sobre o problema
enfim ele levanta a problemaacutetica da leitura como inquietante fonte de preocupaccedilatildeo para o
paiacutes
Por seu turno nas duas uacuteltimas deacutecadas por exemplo foram divulgadas pelo
Instituto Proacute-Livro trecircs ediccedilotildees da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil a primeira em
2000 a segunda em 2008 e a terceira em 2012 que satildeo resultados sobre o comportamento
leitor doa brasileiroa O que em tese se busca a cada ediccedilatildeo segundo os objetivos da
pesquisa ldquoeacute contribuir para que esses estudos possibilitem avaliar e orientar poliacuteticas puacuteblicas
e accedilotildees do governo organizaccedilotildees natildeo governamentais e entidades do livro voltadas a
melhoria dos indicadores de leitura e acesso ao livro no Brasilrdquo (AMORIM 2008 p 26)
Diante dos indicadores publicados que vecircm em forma de tabelas quadros e graacuteficos
comparativos levantados por uma metodologiaamostra com pesquisa quantitativa de opiniatildeo
com aplicaccedilatildeo de questionaacuterio e entrevistas presenciais realizadas nos domiciacutelios tendo
como universo da pesquisa a populaccedilatildeo brasileira residente com cinco anos ou mais
alfabetizada ou natildeo muito se tem a avaliar Muito se tem a avaliar a despeito das criacuteticas que
as ediccedilotildees da pesquisa tecircm recebido a exemplo de Sousa (2008) que traz a problematizaccedilatildeo
acerca do criteacuterio utilizado pelo estudo para conceituar o leitor e o natildeo-leitor
Interessa-me aqui retomar especificamente o criteacuterio adotado para definir o leitor e o
natildeo-leitor para efeito da pesquisa o leitor foi considerado aquele que lsquodeclarou ter
lido pelo menos 1 livro nos uacuteltimos trecircs mesesrsquo e o natildeo-leitor aquele que lsquodeclarou
natildeo ter lido nenhum livro nos uacuteltimos trecircs meses (ainda que tenha lido
ocasionalmente ou em outros meses do ano)rsquo (SOUSA 2008 p 5)
A autora que perscruta o discurso sobre leitura em uma pesquisa com discentes e
docentes envolta em um conceito que abrange o ato de ler para aleacutem da quantificaccedilatildeo de
suportes evidencia o quanto este aspecto indica uma limitaccedilatildeo ao conceito de leitor e natildeo
leitor e revela o nexo mercadoloacutegico que a pesquisa possui tem como patrocinador o mercado
do livro
A aplicabilidade de uma pesquisa do porte de Retratos de Leitura fomenta sempre
questionamentos e isso eacute bom Tais questionamentos traduzem tambeacutem a existecircncia de toda
53
uma diversidade de posicionamentos a respeito da leitura Diversidade que Possenti (2009) agrave
luz das concepccedilotildees da AD pontua em um ensaio no qual propotildee reflexotildees sobre a leitura
advindas das concepccedilotildees apresentadas por estudiosos Satildeo inquietantes segundo esse autor
as teses apresentadas em congressos na miacutedia e em estudos sobre leituras e no seu foco
especiacutefico nos editoriais da ALB - Associaccedilatildeo Brasileira de Leitura Haacute olhares que
expressam uma posiccedilatildeo tradicional no trato com a leitura e em seu contraponto haacute outros
posicionamentos que decorrem de uma vinculaccedilatildeo com o relativismo cultural Sendo assim
haacute criteacuterios que primam pela negaccedilatildeo de qualquer objetividade independentemente do sujeito
o que viabiliza a ideia de que tudo seria linguagem que constroacutei conforme eacute a filosofia do
relativismo Nesse veio o que eacute leitura e se oa brasileiroa lecirc e lecirc bem vai depender de onde
se fala e se enxerga Por sua vez haacute criteacuterios que salientam um olhar mais valorativo sobre a
leitura o que Possenti (2009) diz fazer as chamadas teses defendidas pelos tradicionais Para
esses haacute um modelo que considera que a leitura eacute um bem em si independentemente de ser
entendida como praacutetica histoacuterico- social
Confrontando as teses que circulam acerca da leitura Possenti (2009) evidencia por
exemplo que no que diz respeito agrave questatildeo sobre se o a brasileiroa lecirc ou natildeo o suficiente haacute
uma controveacutersia arriscada Isso se daacute porque os tradicionais restringem o conceito do que eacute
leitura limitando a accedilatildeo de ler basicamente ao livro e atrelado ao cacircnon o que eacute um erro
porque haacute pesquisas que revelam mais textos e suportes fazendo parte do cotidiano de leitura
de outros considerados natildeo leitores Por seu turno o discurso que lhes opotildee exposto
massivamente nos boletins e textos da ALB encobre que as leituras retratadas no paiacutes ainda
que mais ampliadas do que vistas pelo discurso dos tradicionais ainda satildeo indesejaacuteveis em
termos quantitativos o que fazem o autor natildeo ser otimista quando em voga estaacute esta anaacutelise
Genericamente pode-se dizer que a tese mais clara e repetidamente defendida nos
textos da ALB eacute que natildeo se conhece a realidade da leitura no Brasil Outra tese que
parece ser adotada eacute a de que haacute indicaccedilotildees que permitiriam dizer que a situaccedilatildeo eacute
bem melhor do que (ainda) se pensa [] O perigo aparente dessa tese eacute que ela
corre o risco de ser lida assim (temo ter presenciado esta reaccedilatildeo numa das mesas
redondas de que participei no mesmo COLE) se natildeo lemos tatildeo pouco como se
costuma dizer se se diz que lemos tatildeo pouco como efeito de uma concepccedilatildeo muito
estreita de leitura o resultado eacute que analisando alguns dados e alterando a
concepccedilatildeo de leitura pode-se dizer que a situaccedilatildeo eacute boa ou pelo menos natildeo eacute ruim
Logo se adivinha eu imagino que natildeo adoto essa tese (POSSENTI2009 p 25)
Em vez de adotar facilmente teses esse analista procura caracterizar os postulados
que datildeo corpo aos dois discursos que circulam e produzem sentidos sobre leitura Entre eles
estatildeo ideias de que os sujeitos leitores satildeo mais criacuteticos defendidos pelos tradicionalistas Em
54
um contraponto os textos da ALB revelam uma desconstruccedilatildeo da ideia de que ler eacute assegurar
pessoas criacuteticas por mostrar que a leitura tem sido mais objeto de dominaccedilatildeo do que de
libertaccedilatildeo das pessoas Neste jogo Possenti (2009) vislumbra o quanto a despeito do controle
e da distribuiccedilatildeo social dessa praacutetica exercidos pelas instituiccedilotildees como a escola e a Igreja haacute
contra-leituras Assim entre incompatibilidades e confrontos questotildees ligadas agrave praacutetica
leitora problematizam o prazer de ler a importacircncia deste ato e a relativizaccedilatildeo do que seria
uma boa obra Eacute problematizada por este analista do discurso a leitura como praacutetica social
que responde aos aspectos culturais sociais e histoacutericos evidenciando que ler natildeo eacute
essencialmente um bem em si
E a AD pontua a instrumentalizaccedilatildeo dessa ideia quando nos fornece reflexotildees
atinentes agrave importacircncia de que natildeo se lecirc isoladamente haacute sempre textos eivados de discursos
que se cruzam Essa disciplina contribui ainda para a ldquodessacralizaccedilatildeordquo da leitura quando vecirc a
opacidade da linguagem as palavras natildeo remetem agraves coisas E a historicidade ressonando nos
modos de significaccedilatildeo do discurso sobre leitura eacute o que parece interessar agrave AD que se exime
do papel de aacuterbitro no que se refere agrave leitura adequada Importando-se com os percursos com
o movimento que o leitor faz para ler como ler como suas leituras natildeo satildeo individuais
reflexos que satildeo da histoacuteria a que pertencem
Assim posto parece-me razoaacutevel registrar os dados da pesquisa natildeo como um
vaticiacutenio mas como uma das verdades feitas entre os especialistas que se debruccedilaram diante
dos dados da 2ordf ediccedilatildeo (2008) com o intuito de apreender como estes enxergam os sentidos
da leitura na sociedade brasileira Consensual entre esses eacute o olhar de que continua piacutefio o
desempenho doa leitorano paiacutes natildeo obstante os avanccedilos que se registram nos Retratos
Amorim (2008) fala em duas revelaccedilotildees importantes se atentarmos para os resultados da
pesquisa
A primeira delas eacute que natildeo daacute para negar que tem havido avanccedilos nos uacuteltimos anos e
que os brasileiros estatildeo lendo mais Ou pelo menos um pouco mais Em seguida
uma constataccedilatildeo que natildeo chega a negar a afirmativa anterior e muito menos a tirar o
brilho que porventura ela possa conter o Paiacutes estaacute longe de ser uma naccedilatildeo de
cidadatildeo leitores e haacute muito chatildeo pela frente ateacute que se chegue laacute (AMORIM 2008
p 15)
Esta constataccedilatildeo soacute reafirma o que se divulga intuitiva e empiricamente o Estado
brasileiro natildeo considera suficientemente a questatildeo da educaccedilatildeo e da leitura como estrateacutegica
para se construir um paiacutes melhor com mais igualdade e participaccedilatildeo criacutetica na construccedilatildeo da
democracia social Em uma cultura grafocecircntrica a condiccedilatildeo leitora eacute senha valiosa e
55
intransferiacutevel para a fonte de conhecimento para o prazer e a atuaccedilatildeo como protagonista de
sua histoacuteria de vida Obviamente que a leitura aqui abordada natildeo eacute no sentido de uma
entidade fechada descontextualizada essencialista nem meramente decodificadora Sem
deixar entretanto de considerar o tropeccedilo que significa o analfabetismo a leitura que abordo
fala de uma interaccedilatildeo leitor-texto-contexto com uma atribuiccedilatildeo de motivar formar e
assegurar reflexotildees atinentes aos DH aos valores que propiciem a construccedilatildeo de um mundo
para todos Eacute a leitura como praacutetica sociocultural problematizadora das relaccedilotildees de poder
que intento abordar
Werthein (2008) lanccedila luzes sobre a questatildeo abordando uma heranccedila histoacuterica que
explica tantos percalccedilos e descaminhos na praacutetica da leitura
A histoacuteria do Brasil explica em parte sua deficiecircncia educacional O Paiacutes viveu 322
anos como colocircnia de Portugal Nesse territoacuterio onde existe um paiacutes era tudo
proibido Natildeo havia imprensa natildeo existiam escolas muito menos universidades O
comeacutercio era feito unicamente com Lisboa E os raros estudantes da eacutepoca tiveram
de viajar para a capital do Impeacuterio para buscar instruccedilatildeo em Coimbra Foram
pouquiacutessimos A imprensa surgiu no Paiacutes por intermeacutedio de dois caminhos opostos
Em 1808 Dom Joatildeo VI criou a imprensa reacutegia oficial enquanto na mesma eacutepoca
em Londres comeccedilou a ser editado em portuguecircs o Correio Brasiliense que
chegava ao Rio como contrabando Sua circulaccedilatildeo era proibida (WERTHEIN 2008
p 42)
Este quadro evidencia o quanto os colonizadores portugueses relegavam a colocircnia a
uma situaccedilatildeo de ignoracircncia que emperrou em muito o processo de letramento cultural da terra
brasilis Aos colonizadores soacute interessavam a exploraccedilatildeo de nossas riquezas Os portugueses
se comportavam como grandes predadores do territoacuterio levando madeira ouro diamantes e
accediluacutecar Com um contingente populacional constituiacutedo de negros africanos que para caacute vieram
trabalhar como escravos de elementos autoacutectones os iacutendios de diversas tribos que sofreram
severo processo de dizimaccedilatildeo e de imigrantes europeus e japoneses este territoacuterio se formou
mesticcedila e ignorantemente Um povo mesticcedilo formado de um mosaico cultural com a
hegemonia eurocecircntrica eacute um povo que acumulou uma histoacuteria de deficiecircncia educacional
que soacute recentemente tem sido reduzida
Incompatiacutevel com suas riquezas naturais com as transiccedilotildees poliacuteticas que traziam os
avanccedilos do processo de industrializaccedilatildeo do paiacutes esta deficiecircncia educacional comeccedila a ser
combalida e expande-se o processo de democratizaccedilatildeo escolar do paiacutes que inicia o seacuteculo XX
com poucas escolas chegando aosagraves filhosas dos trabalhadoresas brasileirosas A qualidade
dessas escolas eacute sempre uma dura realidade os investimentos na educaccedilatildeo brasileira foram
perenemente piacutefios muito abaixo do que deveriam e poderiam Povo mal educado eacute povo que
56
natildeo rompe as abissais diferenccedilas sociais a escola puacuteblica no Brasil forma mal e cria um
ciacuterculo que aprisiona aquele por quem nela passa Aprenderaacute pouco aprenderaacute mal e natildeo
poderaacute disputar em um mercado competitivo A escola eacute entatildeo categoricamente instrumento
de perpetuaccedilatildeo da desigualdade social parco aprendizado parcas chances de mexer com a
estrutura da piracircmide social (GUIMARAtildeES-IOSIF 2009)
Werthein (2008) aduz a relaccedilatildeo entre privileacutegios educacionais apenas para membros
da elite econocircmica agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo como forma de impedir a cidadania do povo As
relaccedilotildees de poder e saber satildeo histoacutericas poliacuteticas Um determinado sentido dado agrave instruccedilatildeo
acadecircmica possui mecanismos de sua produccedilatildeo Garcez (2008) faz uma referecircncia importante
de um dado extraiacutedo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil como significativo para
pontuar que a condiccedilatildeo de ser leitora estaacute afetada por sua inscriccedilatildeo no social A autora
destaca esta relaccedilatildeo embasada no dado de que
[] 85 dos natildeo-leitores nunca foram presenteados com livros na infacircncia
enquanto que no universo dos considerados leitores 51 receberam livros como
presente Outra informaccedilatildeo importante diz respeito agraves praacuteticas familiares de leitura
Dos lares natildeo-leitores 63 dos informantes nunca viram os pais lendo
Considerando que a pesquisa revela que a maior influecircncia para a formaccedilatildeo da
leitura vem dos pais (principalmente das matildees) esse dado eacute ainda mais significativo
(GARCEZ 2008 p 69)
Dados significativos que pontuam o valor do alicerce familiar para a formaccedilatildeo leitora
dos sujeitos ao tempo em que me faz ponderar sobre a importacircncia da cultura como elemento
que mobiliza saberes poderes (des)construccedilotildees de identidades Eacute do pensamento de Hall
(2011) que me valho para afirmar que as identidades satildeo forjadas nas relaccedilotildees com a cultura
que vivenciamos e que no seio dela se encontram forccedilas propulsoras de transformaccedilotildees
como tambeacutem forccedilas mantedoras de uma ordem social Cabe-me assim levar em consideraccedilatildeo
que a infacircncia eacute uma referecircncia construiacuteda sociohistoacuterica e culturalmente na qual agraves crianccedilas
se ensina a ocupaccedilatildeo de lugares na sociedade condicionando-lhes agraves identidades de gecircnero e
isto se faz com o esteio de elementos da cultura
A leitura eacute um desses elementos culturais com os quais se fabricam identidades E
calccedilada na informaccedilatildeo da relevacircncia da matildee na formaccedilatildeo leitora conforme os dados da
pesquisa em tela cabe-me pensar o quanto a evocaccedilatildeo destas referecircncias tem nexo para minha
reflexatildeo Possui nexo porque inscrevo com ele a importacircncia da defesa de uma praacutetica leitora
com uma dimensatildeo eacutetica problematizadora de um mundo que cria assimetrias de gecircnero para
que matildees alimentem discursivamente leituras que fortaleccedilam praacuteticas de liberdade de almas
de consciecircncias Ademais esse jaacute referendado elemento da pesquisa o indicador das matildees
57
como as principais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo leitora dosas filhosas reforccedila a necessidade
de se refletir sobre a carga de um processo cultural ativo e dialoacutegico no qual essas mulheres
transmitem valores identidades de gecircnero e comportamentos aos agraves filhosas Eacute imperativo
refletirmos se aspiramos por uma nova ordem social aplainada pela equidade de gecircnero
sobre o que embalam como ninam contam cantam e leem essas matildees Que leitoresas
formam aquelas que historicamente tem perpassado por uma condiccedilatildeo de subalternidade por
uma condiccedilatildeo opressora por uma educaccedilatildeo que viabiliza a sua sub-representaccedilatildeo nos espaccedilos
do poder Que leitoresas irrompem das ldquobarras da saia da matildeerdquo do seu colo da sua
influecircncia de sujeito que lecirc Que leitoras enfim satildeo aquelas que precisam de leituras que
libertem
Historicamente subjugada a mulher eacute a narradora que influencia contagens E
paradoxalmente faz contagens em livros histoacuterias canccedilotildees filmes desenhos animados
enfim em todo um artefato cultural que reforccedila padrotildees androcecircntricos Desmantelar essa
cadeia de histoacuterias contadas por oprimidas que produzem e reproduzem modelos opressores
me parece uma oportuna estrateacutegia poliacutetica da luta feminista e que osas estudiososas que
analisam a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2008)
deixaram passar ao largo em suas anaacutelises natildeo atentando para a vulnerabilidade do dado
Esses dados entretanto satildeo relevantes deveras para a importacircncia da observaccedilatildeo na
elaboraccedilatildeo de um projeto de leitura na escola com o intento de investigar as discursividades
em torno do ato de ler se daacute a reconstruccedilatildeo de contos de textos problematizados agrave luz da
teoria de gecircnero Haacute e quais satildeo enfim as estrateacutegias para subverter a posiccedilatildeo desigual e
subordinada das mulheres em artefatos culturais que seratildeo por elas usados para formar
leitoresas Esse fio conduz um dos nossos interesses no foco temaacutetico aqui desenvolvido
No que se refere agraves poliacuteticas puacuteblicas de incentivo agrave leitura Laacutezaro e Beauchamp
(2008) discorrem sobre as diretrizes para o fortalecimento das poliacuteticas de leituras contidas
no Plano de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo ndash PDE Satildeo accedilotildees que partem de uma
consideraccedilatildeo sistecircmica da educaccedilatildeo que por meio de instrumentos de avaliaccedilotildees identifica
fragilidades e constroacutei poliacuteticas para o enfrentamento de indicadores deficitaacuterios Satildeo citados
como exemplos de accedilotildees do PDE a introduccedilatildeo da Provinha Brasil o Sistema Universidade
Aberta do Brasil ndash UAB- que tem permitido ampla poliacutetica de formaccedilatildeo dos professores tanto
inicial como continuada atraveacutes da articulaccedilatildeo universidades e municiacutepios O Programa
Nacional do Livro Didaacutetico (PNLD) que a cada ano se amplia eacute mais uma das accedilotildees
implementadas pelo Governo Federal atraveacutes do PDE com o intuito de democratizar o
acesso aos diversos bens culturais e o incremento agrave leitura
58
Esse conjunto de accedilotildees entretanto estaacute longe de transformar o Brasil em um paiacutes de
leitores Haacute apesar dos inegaacuteveis avanccedilos nas uacuteltimas deacutecadas com o amplo acesso agrave escola
em vaacuterios niacuteveis um grande deacuteficit educacional que em muito compromete a formaccedilatildeo
leitora dosas brasileiros e brasileiras o que demanda muito a ser feito E o paiacutes ainda opta por
natildeo investir suficiente ou adequadamente no enfrentamento de crocircnico quadro Laacutezaro e
Beauchamp (2008) pontuam o quanto eacute necessaacuterio que haja mais investimentos por parte do
Poder Puacuteblico mais articulaccedilatildeo de outras poliacuteticas puacuteblicas que ampliem o acesso da
populaccedilatildeo ao livro promovam o valor da leitura formem mediadoresas de leituras na escola
e fora dela e tornem o livro um produto mais acessiacutevel aos niacuteveis de renda da populaccedilatildeo
Laacutezaro e Beauchamp (2008) trabalham com os dados da pesquisa para discutir a
importacircncia da relaccedilatildeo entre a escola o acesso agrave leitura a formaccedilatildeo de leitoresas e as accedilotildees
que possam ampliar e fortalecer as praacuteticas leitoras no Paiacutes A funccedilatildeo central da escola na
constituiccedilatildeo doa leitora eacute um dado do qual a pesquisa trata
A pesquisa evidencia que eacute a escola quem faz o Brasil ler O Brasil estaacute estudando e
eacute a partir da escola que os brasileiros entram em contato com o processo da leitura e
por meio dela acessam os livros independentemente de sua classe social []
Depois da matildee a professora eacute a principal incentivadora da leitura confirmando o
papel central da escola [] Eacute na escola que se lecirc mais os mais jovens leem mais e eacute
na infacircncia que se forma o leitor Entretanto depois da escola o brasileiro lecirc menos
A escola natildeo estaacute formando o leitor mas dando acesso agrave leitura A praacutetica da leitura
continua sendo um privileacutegio de classe (LAacuteZARO BEAUCHAMP 2008 p 73)
Outros indicadores de leitura apresentados pela pesquisa que me trazem reflexotildees
pertinentes dizem respeito agrave revelaccedilatildeo de que a escola eacute responsaacutevel pela existecircncia de mais
leitores mas que por sua vez um percentual significativo dos alunos afirmam que leem por
imposiccedilatildeo da instituiccedilatildeo Esse dado estaacute presente tanto em famiacutelias com maior poder
aquisitivo quanto na de baixo poder 44 dos alunos da rede privada afirmaram ter como
motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola enquanto que 46 dos da rede puacuteblica tambeacutem
deram a mesma razatildeo para o ato de ler Isso nos faz considerar que os projetos de leituras de
uma forma geral natildeo satildeo cativantes natildeo tecircm sido exitosos no sentido de atrair o alunado para
a leitura Eacute tanto que depois da escola lecirc-se menos conforme resultado da pesquisa Tais
revelaccedilotildees pontuam a reflexatildeo de que garantir o acesso agrave escola eacute necessaacuterio e isto estaacute sendo
feito mas o fomento agrave leitura precisa ser suscitado Isto passa necessariamente por accedilotildees
pedagoacutegicas que contemplem o interesse de quem lecirc accedilotildees que traduzam planejamento
compromisso empenho formaccedilatildeo leitora de quem promove as accedilotildees pedagoacutegicas No poema
59
Iniciaccedilatildeo Literaacuteria Drummond condena a mediaccedilatildeo improacutepria de quem traz leituras que natildeo
semeiam prazer
Leituras Leituras
Como quem diz navios Sair pelo mundo
Voando na capa vermelha de Juacutelio Verne
Mas por que me deram para livro escolar
A cultura dos campos de Assis Brasil
O mundo eacute soacute fosfatos lotes de 25 hectares
Soja-fumo-alfafa-batata-doce-mandioca
Pastos de cria pastos de engorda
Se algum dia eu for rei baixarei um decreto
Condenando esse Assis a ler sua obra (ANDRADE 1983 p 601)
O prazer da leitura parece ser entre todosas osas estudiosos da temaacutetica o
pressuposto de tudo o mais Rubem Alves (2011) afirma que toda aprendizagem comeccedila com
um pedido se natildeo houver um pedido a aprendizagem natildeo acontece E o prazer de ler
segundo o escritor tem ligaccedilatildeo profunda com a forma que os textos chegam aos olhos e
ouvidos da crianccedila
Assim quem ensina a ler isto eacute aquele que lecirc para os seus alunos tenham prazer no
texto tem de ser um artista Soacute deveria ser estabelecida nas escolas a praacutetica dos
ldquoconcertos de leitura Se haacute concertos de muacutesica erudita por que natildeo concertos de
leitura Ouvindo os alunos experimentaratildeo o prazer de ler (ALVES 2011 p 56)
Sem este encantamento natildeo teremos leitoresas mas alunosas forccediladosas a cumprir
tarefas lendo para responder questotildees lendo sem escolherem os textos muitos delesas
desconexadosas de seus interesses E conforme Failla (2008 p 104) a escola e a famiacutelia
precisam ser autorreflexivas ldquoEm geral se diz que a crianccedila e o jovem natildeo leem e natildeo gostam
de ler Natildeo se diz que elas natildeo foram conquistadas ou estimuladas para ler mas a elas se
atribui sem mediaccedilatildeo que natildeo gostam de ler []rdquo O foco passa a ser uma condiccedilatildeo ldquonaturalrdquo
do jovem ou da crianccedila deixando-se de lado o contexto e as pessoas do entorno deles que
poderiam contribuir substancialmente com o desenvolvimento do prazer pela leitura Este eacute
um aspecto tratado pela ediccedilatildeo em tela da pesquisa Retratos do Brasil que contribui com as
reflexotildees desta pesquisa acerca da leitura na escola e me faz olhar para as motivaccedilotildees que
perpassam a existecircncia dos projetos de leitura da escola brasileira eacute um professor leitor que o
aluno enxerga quando esse profissional desenvolve essas praacuteticas O projeto atende a
interesse acerca de temas considerados envolventes pela comunidade escolar Satildeo projetos
para compor obrigaccedilotildees acadecircmicas ou estatildeo imbuiacutedos de motivaccedilotildees intersubjetivas
60
Contemplam quais atividades preacute-textuais A pesquisa traz dados que abordam preocupaccedilotildees
fundamentais nesse sentido Pode haver com tais referecircncias a suposiccedilatildeo de que a escola natildeo
tem formado leitores para a vida inteira considerando que decresce o nuacutemero de leitores
adultos o que faz pensar que as praacuteticas de leituras tecircm sido pouco sedutoras das quais o natildeo
estudante procura se livrar assim que ultrapassa os muros da escola Parecem necessaacuterias
accedilotildees de promoccedilatildeo agrave leitura que a liguem verdadeiramente agrave vida e tornem os materiais de
leitura mais proacuteximos dos alunos pontua Failla (2008)
Haacute debates percorrendo academias e ambientes de estudo acerca das
problematizaccedilotildees sobre a leitura A evocaccedilatildeo desse debate eacute sempre profiacutecua Profiacutecua e
cabiacutevel na escola uma das instacircncias responsaacuteveis pela sua produccedilatildeo Agrave escola cabe
sistematizar pedagogicamente suas praacuteticas leitoras de modo que deveria como ldquopatildeo diaacuteriordquo
assegurar de forma substanciosa a leitura fomentadora da cidadania que soacute vem se
mergulharmos em aacuteguas profundas das tramas sociais Mas digamos ldquopatildeordquo no sentido
religioso do tom pela necessidade e assiduidade do alimento dialogando com uma reflexatildeo
de Antunes (2009 p 204) ldquoassim como a igreja eacute lugar de oraccedilatildeo o estaacutedio eacute lugar de jogo a
escola eacute lugar de leiturardquo Na defesa das funccedilotildees da leitura no espaccedilo escolar a autora pontua
dentre essas a primordial garantia de acesso agrave escrita o que eacute de extrema importacircncia Em
uma cultura de tradiccedilatildeo grafocecircntrica como a nossa haacute sem duacutevida uma valorizaccedilatildeo dos
aspectos positivos da escrita e a leitura eacute parte da relaccedilatildeo intriacutenseca para a aquisiccedilatildeo de todo
arcabouccedilo artiacutestico-cientiacutefico e cultural veiculado pela escrita Entatildeo conforme a autora a
leitura eacute o passaporte o promotor das funccedilotildees de ampliar o conhecimento a capacidade de
analisar de refletir de acessar agraves novas informaccedilotildees e bens culturais ao prazer esteacutetico a
novas formas de expressatildeo enfim de interagir socialmente entre outras habilidades que a
escrita oferece
Entretanto considerando os deficitaacuterios indicadores de leitura que o Paiacutes
historicamente apresenta estamos longe da produccedilatildeo de uma escola fomentadora
vigorosamente de uma praacutetica leitora consistente Um paiacutes de leitoresas criacuteticosas parece ser
uma miragem a desfilar no deserto da vontade poliacutetica de nossos governantes que insistem
em disponibilizar parcos recursos financeiros mesmo quando sob os holofotes constroem
vasta legalidade na vitrine do papel propondo uma educaccedilatildeo emancipadora de qualidade A
Lei nordm 12244 de 2010 por exemplo exige que todas as escolas puacuteblicas ou privadas ateacute
2020 possuam bibliotecas em suas instalaccedilotildees fiacutesicas Seria esta uma ldquolei mortardquo mais um
ordenamento brasileiro que natildeo ldquopegardquo A considerar o levantamento feito pelo movimento
Todos pela Educaccedilatildeo com base em dados cedidos pelo Instituto Nacional de Estudos e
61
Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira(Inep)2013 haacute um trabalho grande a ser efetivado
que pode sim deixar a norma na vala das tantas que natildeo satildeo cumpridas O Brasil precisa
construir 39 bibliotecas por dia nos proacuteximos sete anos para cumprir a lei A defasagem total
do paiacutes eacute de 128 mil bibliotecas Embora o nuacutemero relativo agrave falta de bibliotecas inclua todas
as redes de ensino eacute nas escolas puacuteblicas que o problema se concentra Nas redes municipal
estadual e federal eacute preciso construir 113269 unidades Falo aqui da construccedilatildeo das sedes
todavia eacute de conhecimento puacuteblico que a manutenccedilatildeo e funcionamento desses equipamentos
demanda maiores investimentos do poder puacuteblico
A criaccedilatildeo da lei todavia independentemente de seu fiel cumprimento por parte das
instituiccedilotildees escolares jaacute eacute um sinal de que se revela um novo tempo em que se olha com mais
atenccedilatildeo para a importacircncia dos espaccedilos propiacutecios agrave leitura Haacute anos natildeo era comum nem
obrigatoacuterio que toda escola possuiacutesse em seu projeto arquitetocircnico bibliotecas e espaccedilos para
leitura construiacuteam-se e reformavam-se escolas sem a preocupaccedilatildeo com este ambiente E
assim se vecirc que haacute no deserto das poliacuteticas puacuteblicas em prol de uma educaccedilatildeo emancipadora
oaacutesis Isto pode ser evidenciado nos uacuteltimos indicadores de leitura no Brasil com a 3ordf ediccedilatildeo
(2012) da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil conforme jaacute referenciado neste trabalho na
qual haacute indicaccedilatildeo de que os brasileiros estatildeo lendo mais E precisamos mirar nossos oaacutesis
mostraacute-los haacute milhares de projetos de leitura sendo executados neste paiacutes Afinal a leitura
pelo seu poder de emersatildeo e imersatildeo poder de fazer com que homens e mulheres se
enunciem de capacitaacute-loslas a interagir em condiccedilotildees mais iguais porque podem ser
conhecedoresas de seus lugares no mundo eacute de nodal importacircncia nas transformaccedilotildees que
precisam ser operadas por esses sujeitos
Por sua vez Marques Neto (2008) evidencia a crenccedila de que o Brasil caminha no
sentido de construir e efetivar poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea do livro e da leitura O autor cita o
Plano Nacional do Livro e Leitura - PNLL criado em 2006 como marco de coesatildeo e
estrateacutegia na garantia do direito essencial das pessoas agrave informaccedilatildeo e ao acesso ao
conhecimento
Entendo que o Brasil por intermeacutedio da uniatildeo fundamental de accedilotildees do Ministeacuterio
da Cultura e da Educaccedilatildeo criando o PNLL chegou nos uacuteltimos quatro anos a um
novo patamar desvelou um novo tempo histoacuterico sob determinadas circunstacircncias
para que logremos conquistar uma poliacutetica de Estado para o livro a leitura as
bibliotecas (MARQUES NETO 2008 p 130)
A importacircncia de equipamento como a biblioteca para a formaccedilatildeo do leitor eacute um
dado que natildeo se pode desconsiderar tendo em vista que as condiccedilotildees sociais de grande
62
parcela da populaccedilatildeo inviabilizam a aquisiccedilatildeo de suportes como livros revistas jornais etc
Torna-se central entatildeo o papel da biblioteca como instrumento para o acesso democraacutetico agrave
leitura aos menos favorecidos economicamente Um dado da pesquisa foi desalentador nesse
sentido 75 dos informantes anunciaram que natildeo possuem o haacutebito de frequentar
bibliotecas 17 usam ocasionalmente e 10 frequentam Esse eacute um dado inconcebiacutevel com
o que conceitua o PNLL ser funccedilatildeo deste equipamento
Um dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura centro de educaccedilatildeo continuada
nuacutecleo de lazer e entretenimento estimulando a criaccedilatildeo e a fruiccedilatildeo dos mais
diversificados bens artiacutesticos-culturais para isso devem estar sintonizadas comas
tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo suportes e linguagens promovendo a
interaccedilatildeo maacutexima entre os livros e esse universo que seduz as atuais geraccedilotildees
(MARQUES NETO 2008 p 133)
Para que esse dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura possa ser um
equipamento eficaz o profissional responsaacutevel por sua gestatildeo e organizaccedilatildeo o bibliotecaacuterio
precisa avanccedilar em conquistas de mais habilidade Para Silva (2011) em regra esse
profissional eacute um exiacutemio conhecedor das normas de catalogaccedilatildeo das leis que regem a
instalaccedilatildeo de bibliotecas das fichas de empreacutestimos de livros De leitura revela o professor
natildeo eacute a regra que haja por parte desse profissional conhecimento interesse e projetos de
incentivo agrave leitura juntamente com a comunidade escolar
No que diz respeito aos dados pontuados pela pesquisa acerca da realidade brasileira
das bibliotecas esses podem ser subsiacutedio para uma reflexatildeo sobre o valor do equipamento
para a consolidaccedilatildeo de uma praacutetica leitora Um dos aspectos que merecem reflexatildeo eacute sobre
quem estaacute apto para gerenciar este equipamento Na escola em que a pesquisa eacute realizada por
exemplo tais quais nas demais da rede municipal de ensino e em muitas pelo paiacutes afora os
responsaacuteveis pela biblioteca costumam ser professoresas readaptadosas nem sempre com
domiacutenio profissional para atuar na aacuterea o que evidencia mais uma fragilidade do poder
puacuteblico com a educaccedilatildeo e a cultura brasileira
Com a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil o Paiacutes tem em matildeos um
diagnoacutestico que possibilita a construccedilatildeo de uma agenda para as poliacuteticas puacuteblicas do livro e de
leitores Vale ressaltar todavia que por esta pesquisa considerar a leitura no suporte livro
como criteacuterio para testificar a condiccedilatildeo leitora do brasileiroa conforme jaacute pontuado aqui
natildeo contemplou suficientemente as novas praacuteticas de leitura que advecircm das tecnologias da
informaccedilatildeo E eacute indubitaacutevel que esta omissatildeo desconsidera um fenocircmeno civilizatoacuterio
importante que tem alterado significativamente comportamentos de pessoas de todas as
63
esferas sociais em escala mundial como eacute o da leitura no espaccedilo cibercultural A imersatildeo do
mundo no uso das tecnologias da informaccedilatildeo que com seus dispositivos virtuais interligam a
comunicaccedilatildeo da sociedade disseminam informaccedilotildees em tempo real e possibilitam a troca
compartilhada de conhecimento democratizando saberes haacutebitos comportamentos tem
provocado mudanccedilas econocircmicas sociais poliacuteticas culturais E essas mudanccedilas seguramente
tecircm afetado tambeacutem as escolas Os dispositivos tecnoloacutegicos em pouco mais de duas
deacutecadas presentes em celulares tablets computadores como uma segunda pele chegam agraves
matildeos e aos olhos de discentes e docentes alterando as praacuteticas sociais de leituras podendo
promover eventos de letramento
A despeito de este natildeo ser objeto deste estudo e de natildeo ter pretensotildees de avaliar
quatildeo profundas satildeo as transformaccedilotildees que a sociedade experimenta a partir dessa nova matriz
cultural eacute relevante ponderar que a escola precisa caminhar responsavelmente com esta
realidade desafiadora que lhe trazem as tecnologias da informaccedilatildeo Como natildeo considerar que
sob pena de comprometer resultados positivos no processo ensino-aprendizagem eacute dever
dosas educadoresas atentar para o modo e os textos que circulam pela escola repleta que
estaacute de nativos digitais Como natildeo considerar ainda que sob pena de que essesas estejam
sendo negligentes com a problematizaccedilatildeo da discursividade docente devem atentar para o que
anda sendo lido na virtualidade nossa de cada dia estampada nas telas
Enfim considerando o papel da escola na formaccedilatildeo doa leitora e o quanto os vaacuterios
suportes e miacutedias satildeo importantes na perspectiva de democratizaccedilatildeo do acesso aos diversos
bens culturais vale destacar que a leitura conforme analistas do discurso natildeo eacute um bem em
si mas que pode se apresentar como lugar estrateacutegico na formaccedilatildeo de um povo para a sua
emancipaccedilatildeo poliacutetica e social Obviamente isso ocorre entre outras razotildees se a leitura for
concebida em uma perspectiva interacionista que leve em consideraccedilatildeo os interesses da
comunidade escolar e reflexotildees atinentes sobre a linguagem em uso Desse modo a agenda de
promoccedilatildeo do letramento para aleacutem do acesso aos suportes e do domiacutenio da tecnologia deve
se constituir prementemente como uma pauta reivindicatoacuteria que envolva educadoresas
gestoresas e demais atoresatrizes sociais
Apoacutes as reflexotildees atinentes agraves descriccedilotildees sobre leitura elaboradas por estudiososas
tendo essesas essencialmente se pautado em uma ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no
Brasil farei uma incursatildeo no proacuteximo toacutepico sobre como a Anaacutelise do Discurso daacute o foco
nas vozes dosas educadores acerca do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero trazido por uma
das instacircncias culturais da escola a da leitura
64
24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso
O projeto de Michel Pecirccheux de uma teoria natildeo subjetiva da leitura eacute uma das
sustentaccedilotildees da defesa de Possenti (2009) de que a AD eacute uma das poucas aacutereas de
conhecimento que tem condiccedilotildees de reivindicar para si o pronunciamento sobre a leitura O
intento do analista francecircs que chegou a postular a ldquoanaacutelise automaacutetica do discursordquo eacute fruto
entre outros de uma nova concepccedilatildeo de liacutengua nos anos sessenta gestada pelo
Estruturalismo e com bastante efervescecircncia na academia francesa Com essa concepccedilatildeo que
atravessava as reflexotildees sobre a linguagem natildeo mais concebendo liacutengua como um coacutedigo que
condensa informaccedilatildeo a quem o conhece conforme a perspectiva saussuriana Pecirccheux
estrutura a noccedilatildeo de discurso Estrutura entendendo este como um ponto intermediaacuterio entre
linguagem e ideologia Esse legado epistemoloacutegico surge em um contexto sociopoliacutetico
francecircs de insurreiccedilatildeo popular de inquietaccedilotildees poliacuteticas A AD eacute pensada nessa atmosfera
como uma disciplina que daacute conta de amalgamar as praacuteticas poliacuteticas e a concepccedilatildeo de
ciecircncias sociais que emerge naquele cenaacuterio (cf SANTOS 2013)
Desalojando os estatutos positivistas ocupam lugares essenciais nas postulaccedilotildees de
Pecirccheux (2012) a subjetividade a ideologia as lutas de classe Assim articula-se a AD em
uma abordagem transdisciplinar com aacutereas como a psicanaacutelise o materialismo dialeacutetico e a
linguiacutestica com as quais entrelaccedila um novo olhar sobre a liacutengua o sujeito e a histoacuteria na
produccedilatildeo de sentidos Esse novo olhar enxerta nos estudos sobre a linguagem a reflexatildeo de
que a leitura natildeo era a leitura de um texto enquanto texto Concebido discursivamente o texto
deve ser tomado como um artefato cultural e linguiacutestico que tem existecircncia na exterioridade
linguiacutestica no social o que interfere em sua circularidade e interpretaccedilatildeo (FERNANDES
2008)
Processam-se nas fases pelas quais passa a AD noccedilotildees como sujeito discursivo
condiccedilotildees de produccedilotildees e formaccedilatildeo discursiva Esses conceitos vatildeo consolidando as reflexotildees
que este campo teoacuterico intenta para dar conta de suas inquietaccedilotildees acerca dos estudos sobre a
linguagem e as transformaccedilotildees sociais que insurgem naquele contexto poliacutetico Uma das
accedilotildees da AD estaacute pautada na teorizaccedilatildeo sobre as restriccedilotildees que o discurso sofre Nesse
sentido Possenti (2009 p 11) pontua o quanto a AD tem como objetivo explicitar as
estrateacutegias e restriccedilotildees de leitura lsquoUm discurso natildeo circula em qualquer lugar natildeo toma
livremente uma forma geneacuterica qualquer e natildeo pode ser interpretado de qualquer maneira por
qualquer umrdquo Restriccedilotildees essas que datildeo aoagrave analista do discurso a incumbecircncia de atentar
para o enunciado em sua historicidade em suas condiccedilotildees de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo em seus
65
efeitos de verdade Sendo assim a leitura de um texto conforme as bases conceituais da AD
prima pela observacircncia de sua historicidade prima pela observacircncia para dar conta dos
percursos de quem lecirc e como lecirc que prescinde destes nortes De acordo com Possenti (2009)
[] Aprendemos a nunca ler um texto isoladamente (natildeo se faz anaacutelise de discurso
de um texto) a nunca ler um texto considerando apenas seu material verbal
(aprendemos a relacionaacute-lo a seu exterior) a nunca tratar a linguagem como se fosse
transparente (aprendemos a supor sempre que a interpretaccedilatildeo eacute um trabalho jaacute que
as palavras natildeo remetem jamais agraves coisas e natildeo tecircm sentido uniacutevocos) a nunca
supor que o texto (ou mesmo vaacuterios) fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura
(aprendemos sempre a supor que mesmo no domiacutenio textual ou ateacute mesmo no do
enunciado mais restrito eacute necessaacuterio acionar mais de um fator relevante ndash considerar
os pressupostos a intertextualidade etc) (POSSENTI 2009 p 14)
Da defesa de uma teoria natildeo subjetiva da leitura sustentada pela AD podemos
depreender que nossos horizontes de pesquisas da linguagem na esfera da leitura devem
ultrapassar a materialidade linguiacutestica A AD nos convida a uma dimensatildeo da linguagem em
seu uso em sua discursividade contemplando as praacuteticas socioculturais por ela perpassadas
Trata-se na abertura dessa via de descrever e interpretar a existecircncia de enunciados e suas
produccedilotildees em determinados lugares e espaccedilos integrando discursos cujas existecircncias
apontam para alguma coisa em curso tal que ldquoa palavra discurso etimologicamente tem em
si a ideia de curso de percurso de correr por de movimento O discurso eacute assim palavra em
movimento praacutetica de linguagem com o estudo do discurso observa-se o homem falandordquo
(ORLANDI 2008 p 15)
Em curso e que segundo ainda essa autora analisaacute-los implica interpretar as praacuteticas
discursivas dos sujeitos abordar as manifestaccedilotildees de linguagem problematizando-as ldquoo que
produzem os sujeitos falantes e leitores Podem esses deixar de perceber que satildeo sujeitos agrave
linguagem a seus equiacutevocos sua opacidade Com essas indagaccedilotildees Orlandi (2012) discorre
como este campo transdisciplinar contribui com o trabalho com a linguagem para que
possamos sem ilusionismos ldquoao menos sermos capazes de uma relaccedilatildeo menos ingecircnua com a
linguagemrdquo Haacute em sua explanaccedilatildeo sobre princiacutepios e procedimentos da AD uma
preocupaccedilatildeo em evidenciar o quanto o trabalho com a linguagem perpassa por incompletudes
por subjetividades por pluralidade de sentidos por histoacuterias nos fazendo entender que haacute
movecircncias mas ldquoos sentidos estatildeo sempre administrados natildeo estatildeo soltosrdquo Os sentidos
materializados por linguagem verbal ou natildeo verbal natildeo satildeo imanentes fixos produzidos que
satildeo por uma pluralidade de discursos que se entrecruzam advindos de condiccedilotildees socio-
histoacutericas e ideoloacutegicas de produccedilatildeo Nessa direccedilatildeo Pecirccheux (2012) vincula os sentidos das
palavras agraves formaccedilotildees ideoloacutegicas de quem as usa afirmando que
66
O sentido de uma palavra de uma expressatildeo de uma proposiccedilatildeo etc natildeo existe lsquoem
si mesmorsquo [] mas ao contraacuterio eacute determinado pelas posiccedilotildees ideoloacutegicas
colocadas em jogo no processo soacutecio-histoacuterico no qual as palavras expressotildees e
proposiccedilotildees satildeo produzidas (PEcircCHEUX 2012 p 190)
A construccedilatildeo do quadro teoacuterico metodoloacutegico desse estudo partiu entatildeo do
pressuposto de que a linguagem natildeo se daacute como evidencia ela se oferece como lugar de
descoberta (cf ORLANDI 2012) O reconhecimento de que a linguagem natildeo eacute transparente
pressupotildee o exerciacutecio constante de querer ver aleacutem da materialidade textual rompendo as
estruturas linguiacutesticas para chegar ao discurso buscando vestiacutegios equiacutevocos e interdiccedilotildees
dispersotildees caminhos que natildeo queiram ldquo[] atravessar o texto para encontrar um sentido do
outro lado A questatildeo que ela coloca eacute como este texto significa Haacute aiacute um deslocamento jaacute
pronunciado pelos formalistas russos onde a questatildeo a ser respondida natildeo eacute lsquoo quecircrsquo mas lsquoo
comordquo (ORLANDI 2012 p 17)
Nesse esteio a formulaccedilatildeo deste objeto de estudo que problematiza a discursividade
dosas docentes frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras busca
assumindo o ponto de vista de umuma analista de discurso verificar a compreensatildeo da
apariccedilatildeo dos enunciados daqueles sujeitos discursivos Apoiado na AD esse estudo pontua a
importacircncia das reflexotildees acerca do discurso e sua vinculaccedilatildeo com o poder das reflexotildees
acerca das posiccedilotildees dos sujeitos envolvidos da opacidade da linguagem que por sua marca
poliacutetica torna-a incapaz dizer e fazer ver tais como satildeo as coisas Assim face aos
questionamentos acerca de como andam as problematizaccedilotildees sobre o que podem meninos e
meninas na esfera escolar em termos de equidade de gecircnero vale observar o lugar histoacuterico
social de onde os enunciadores determinam seus discursos Vale inquirir sobre as vozes que
integram o sujeito discursivo aqui diferenciando esse sujeito do da linguiacutestica geral que aduz
a um sujeito falante homogecircneo dono de seu dizer Na perspectiva da AD o sujeito eacute
constituiacutedo por polifonia noccedilatildeo cunhada de Mikhail Bakhtin que traccedila o entrecruzamento de
discursos como marca do sujeito Ele e suas vozes que ressoam que silenciam falam
reproduzem esquecem explicitam implicitam direta ou indiretamente na materialidade
linguiacutestica Constituiacutedo que eacute entre o eu e o outro decorrente da interaccedilatildeo social o lugar do
sujeito natildeo eacute vazio mas preenchido por aquilo que Pecirccheux (2012) chamou de forma sujeito
(cf SANTOS 2013)
A identificaccedilatildeo dessa constituiccedilatildeo heterogecircnea do sujeito trazida pelos estudos poacutes-
estruturalistas eacute de muita valia para as reflexotildees sobre a linguagem como praacutetica social uma
vez que os enunciados apontam para um lugar-sujeito Apontam que o sujeito discursivo eacute
67
plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se em
formaccedilotildees discursivas Por seu turno a compreensatildeo do conceito de formaccedilatildeo discursiva
trabalhado tanto por Foucault (2011) como por Pecirccheux (2012) eacute imprescindiacutevel para oa
analista do discurso uma vez que este conceito explicita como cada objeto do discurso tem na
formaccedilatildeo discursiva a sua regra de apariccedilatildeo tem o engendramento dos jogos de poder Assim
eacute possiacutevel que haja compreensatildeo das histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees que permitem
veicular o que dizer em determinado espaccedilo social conforme nos mostra Foucault (1995)
Trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situaccedilatildeo
de determinar as condiccedilotildees de sua existecircncia de fixar seus limites da forma mais
justa de estabelecer suas correlaccedilotildees com os outros enunciados a que pode estar
ligado de mostrar que outras formas de enunciaccedilatildeo exclui (FOUCAULT 1995 p
31)
Isto posto fica evidenciado o quanto o trabalho para oa analista do discurso com os
olhos na noccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva potildee em jogo princiacutepios que evocam a apreensatildeo de
sentidos gestada pela memoacuteria discursiva Essa dimensionada pela AD como um espaccedilo de
memoacuteria coletiva que permite a inscriccedilatildeo dos sujeitos em um corpo soacutecio-histoacuterico-cultural eacute
tambeacutem crucial na compreensatildeo da construccedilatildeo da materialidade discursiva E para pocircr em
jogo os princiacutepios que evocam a apreensatildeo de sentidos se faz necessaacuterio fazer aparecer os
movimentos inacabados que a formaccedilatildeo discursiva implica Movimentos que mostram que
no tecido social da discursividade os enunciados satildeo acontecimentos que tecem
continuidades e descontinuidades dizeres exteriores e anteriores diferentes tipos de discursos
que coexistem aparecem e desaparecem dispersando-se formando-se e transformando-se de
modo complexo ao tempo que integram as formaccedilotildees discursivas (cf FOUCAULT 2012)
Essa integraccedilatildeo espelha a heterogeneidade proacutepria agrave formaccedilatildeo social onde coexistem forccedilas
diferentes plurais Isto explica segundo Fernandes (2008) enunciados estruturalmente
semelhantes significando diferentes discursos decorrentes da inscriccedilatildeo ideoloacutegica desses
enunciados
Nesse sentido os estudos poacutes-estruturalistas trazem conforme Pereira (2005) o
discurso para o centro das atenccedilotildees e afirmam que a linguagem natildeo eacute propriamente uma
representaccedilatildeo da realidade feita pelos sujeitos mas eacute constituidora dos sujeitos e da realidade
A linguagem eacute concebida nessa perspectiva como um loacutecus ativo dinacircmico e enredado por
relaccedilotildees de poder E o discurso concebido como um tipo de sentido um efeito de sentido uma
posiccedilatildeo que se materializa na liacutengua embora natildeo mantenha uma relaccedilatildeo biuniacutevoca com ela
(POSSENTI 2009) A linguagem entatildeo no esteio poacutes-estruturalista natildeo eacute apenas um meio
68
de transmitir ideias ou significados mas eacute a instacircncia em que se constroem os sentidos que
atribuiacutemos ao mundo e a noacutes mesmos dentro de uma pluralidade de sentidos
Fernandes (2008) trata do discurso como accedilatildeo social e reforccedila na linha de Orlandi
(2012) o quanto os discursos estatildeo implicados com a interpretaccedilatildeo dos sujeitos as condiccedilotildees
histoacuterico-sociais de sua produccedilatildeo e a histoacuteria Instacircncias essas que os discursos ldquonatildeo fixos
moventesrdquo e que fazem esses acompanharem as transformaccedilotildees sociais e poliacuteticas pelas quais
passam o mundo Essas consideraccedilotildees permitem aduzir o quanto a liacutengua se insere na histoacuteria
mediando-a e a constituindo gestando sentidos sentidos esses produzidos face aos lugares
ocupados pelos sujeitos em interlocuccedilatildeo
No que concerne agrave relaccedilatildeo sujeito e enunciado Fernandes (2008 p 28) pontua a
percepccedilatildeo da polifonia como elemento importante para a compreensatildeo do sujeito discursivo
ldquo[] requer compreender quais satildeo as vozes sociais que se fazem presentes em sua vozrdquo
(FERNANDES 2008 p 28) entrecruzada que eacute de diferentes discursos considerando que
natildeo haacute sujeito homogecircneo em decorrecircncia de sua interaccedilatildeo na sociedade Esse autor traz
tambeacutem relaccedilotildees entre o sujeito e a linguagem relaccedilotildees de base psicanalista cuja perspectiva
incide em um sujeito cindido descentrado considerando que
Sempre sob as palavras outras palavras satildeo ditas O sujeito tem a ilusatildeo de ser o
centro de seu dizer pensa exercer o controle dos sentidos do que fala mas
desconhece que a exterioridade estaacute no interior do sujeito em seu discurso estaacute o
lsquooutrorsquo compreendido como exterioridade social (FERNANDES 2008 p 29-30)
De posse de categorias analiacuteticas caras agrave AD como a formaccedilatildeo discursiva e o
descentramento do sujeito categorias discursivas que dialogam com formulaccedilotildees
foucaultianas a saber ldquonatildeo haacute enunciado que natildeo suponha outros natildeo haacute nenhum que natildeo
tenha em torno de si um campo de coexistecircnciasrdquo (FOUCAULT 1995 p 114) reflito sobre o
esteio que permite pensar as vozes escolares Nesse sentido todo enunciado eacute uma reacuteplica a
outros enunciados Com esse marco teoacuterico o debate sobre leitura e as relaccedilotildees de gecircnero que
atravessam as vozes escolares eacute compreendido como um espaccedilo de luta hegemocircnica como
praacutetica social Esta entendida como um conjunto de atividades humanas que engendram tanto
as condiccedilotildees de produccedilatildeo dos discursos quanto as condiccedilotildees de existecircncia de uma sociedade
(SPINK MENEGON 1999) eacute uma de minhas bases de discussatildeo do proacuteximo toacutepico que
envolve a importacircncia da praacutetica da leitura na escola como praacutetica social
69
25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social
Sobre a praacutetica da leitura na escola eacute notaacutevel deveras que esta eacute mateacuteria instigante e
apreciada por tantos estudiosos da educaccedilatildeo (FREIRE 1988 2002) (SILVA E T 2009
2011) (SOARES 2001 2011) (ANTUNES 2009) do socioconstrucionismo (MOITA
LOPES 2002) da Anaacutelise do Discurso (POSSENTI 2009 ORLANDI 2008) entre outros
que se ater sobre o tema eacute se deparar com incontaacuteveis e fecundas pesquisas Isto me instiga a
pensar que muito jaacute foi dito Entretanto face agrave complexa questatildeo eacute sempre desafiador
imersoa na proacutepria realidade profissional problematizar a praacutetica pedagoacutegica imbuiacutedoa de
um desejo pelo inacabado E mover-se na problematizaccedilatildeo da leitura em uma interface
temaacutetica com gecircnero tendo como aporte teoacuterico as reflexotildees instigadas pela AD acerca da
leitura que a trata em uma perspectiva discursiva eacute enveredar por um desafio que atrai Vale
pensando assim inquirir de que forma a leitura tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo
quais satildeo enfim as verdades veiculadas pelas praacuteticas leitoras Dizendo na sintonia com a
AD os discursos sobre as relaccedilotildees de gecircnero estatildeo inscritos em uma determinada formaccedilatildeo
discursiva e operam constituindo que subjetividades segundo os campos do que eacute possiacutevel
pensar dizer julgar fazer na praacutetica leitora desenvolvida
Orlandi (2008) postulando os pressupostos teoacutericos da AD traz pontos cruciais para
uma accedilatildeo problematizadora com a leitura A autora faz referecircncias aos muacuteltiplos modos de
leitura (do ato de decodificar estrita aprendizagem formal de aprender a ler e escrever agrave
atribuiccedilatildeo de sentidos) dependendo cada acepccedilatildeo de seu modo de produccedilatildeo A analista
trabalha a concepccedilatildeo de leitura como um processo complexo no qual para as muacuteltiplas
determinaccedilotildees de sentidos que lhe envolvem exigem-se mais habilidades do que o
imediatismo da accedilatildeo de ler
Quando se lecirc considera-se natildeo apenas o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute
impliacutecito aquilo que tambeacutem natildeo estaacute dito mas estaacute significando E o que natildeo estaacute
dito pode ser de vaacuterias maneiras o que natildeo estaacute dito mas que de certa forma
sustenta o que estaacute dito o que estaacute suposto para que se entenda o que estaacute dito
aquilo a que o que estaacute dito se opotildee outras maneiras diferentes de se dizer o que se
disse e que significa com nuances distintas etc (ORLANDI 2008 p 11)
Eacute instigante o olhar de Orlandi (2008) para que se pense no que natildeo eacute visiacutevel no
texto mesmo que o constitua como forma de assumir uma perspectiva discursiva sobre
leitura Dessa perspectiva concebe-se o pensamento acerca da produccedilatildeo da leitura como parte
do processo de instauraccedilatildeo de sentidos as especificidades e histoacuteria do sujeito-leitor satildeo
70
atentadas O fato de que tanto o sujeito quanto os sentidos satildeo determinados historicamente
tambeacutem faz parte das preocupaccedilotildees doa analista Tambeacutem satildeo preocupaccedilotildees doa analista a
noccedilatildeo de que os modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca tecircm relaccedilatildeo iacutentima com a nossa
produtividade intelectual Eacute nesse sentido a ideia de referecircncia agrave historicidade agraves condiccedilotildees
de produccedilatildeo de leitura com a compreensatildeo dos jogos de poder entre os sujeitos e as
instituiccedilotildees que determinam como lemos que parece perseguir a AD eacute o que assegura Orlandi
(2008) Eacute da leitura como processo que interessa a esse campo de estudo da linguagem o
texto desse modo natildeo eacute um produto que conteacutem uma informaccedilatildeo pronta para ser ldquolidardquo eacute
um artefato cultural unidade complexa de significaccedilatildeo cujo crescimento natildeo ldquoeacute soacute para a
frente relacionando-se com o que ele natildeo eacuterdquo uma vez que o espaccedilo simboacutelico (os impliacutecitos)
entre enunciados efetivamente realizados eacute constitutivo do texto bem como sua relaccedilatildeo com
outros textosrdquo (ORLANDI 2008 p 46)
Como disciplina que se propotildee conhecer os mecanismos de processos de
significaccedilatildeo a AD trata da interaccedilatildeo da leitura na escola acolhendo a ideia foucaultiana de
que diferentes formas de poder produzem diferentes formas de individualidades e diferentes
sujeitosndashleitores Atentar para esta construccedilatildeo pode ser uma forma de evitar reducionismos de
limitar leitura agrave expressatildeo verbal de natildeo considerar o conhecimento preacutevio do aluno entre
outros
[] se sabemos portanto que haacute essa constituiccedilatildeo histoacuterica do sujeito na sua relaccedilatildeo
com a linguagem (logo com a leitura) e se sabemos que ideologicamente o sujeito
leitor se apresenta como esse sujeito capaz da livre determinaccedilatildeo dos sentidos ao
mesmo tempo em que eacute um sujeito submetido agraves regras das instituiccedilotildees como agir
na escola em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo do sujeito- leitor Ou mais simplesmente dada a
configuraccedilatildeo histoacuterica do sujeito-leitor produzido pela sociedade capitalista como
trabalhar com a relaccedilatildeo entre leitura parafraacutestica - leitura polissecircmica (ORLANDI
2008 p 50)
Orlandi (2008) trata dos processos de significaccedilatildeo de leitura na escola considerando
que eacute de grande relevacircncia que esta praacutetica seja desenvolvida tendo uma metodologia de
ensino consequente que explicite os espessos processos de produccedilatildeo de sentido
historicamente determinados ldquoA transparecircncia dos sentidos que brotam de um texto eacute
aparente e tanto quem ensina quanto quem aprende a ler deve procurar conhecer os
mecanismos que aiacute estatildeo jogando (ORLANDI 2008 p42)
Por seu turno Moita Lopes (2002) envolto com as teorias socioconstrucionistas do
discurso e das identidades sociais pontua a importacircncia de em contextos institucionais e em
especial em eventos de leituras atentarmos ldquopara o que fazemos com os outros no mundo por
71
meio da linguagemrdquo (MOITA LOPES 2002 p 14) Este autor se diz atraiacutedo tanto quanto o
mundo acadecircmico pelo papel constitutivo do discurso na construccedilatildeo de quem somos como
sujeitos que aprendem a ser quem satildeo discursivamente Esta perspectiva teoacuterica com a qual o
estudioso se move para refletir sobre as praacuteticas de letramento nas escolas eacute de suma
perspicaacutecia porque pontua por uma ampla aposta na consciecircncia do que faz a leitura eacute uma
praacutetica social E assim concebida como praacutetica social cuida que homens e mulheres
leitoresas natildeo satildeo produtos de um vaacutecuo social trazem suas marcas sociohistoacutericas
engendram-se por condiccedilotildees de construccedilotildees discursivas
Ler eacute legitimar ou questionar identidades eacute nessa direccedilatildeo de entendimento que
caminha Moita Lopes (2002) Direccedilatildeo pela qual vou porque tambeacutem defendo agrave luz de um
olhar socioconstrucionista que eacute com e pela leitura mediadosas pelas narrativas que dela
fazemos que construiacutemos um repertoacuterio de quem somos e de quais satildeo nossas accedilotildees sociais
Nesse sentido os processos formadores de identidades que satildeo dialoacutegicos e constitutivos pela
linguagem merecem a acuidade do olhar do agente de letramento Merecem pelas
possibilidades discursivas que esse sujeito pode construir no tocante agrave reflexatildeo acerca da
condiccedilatildeo humana de sujeito-forma (cf PEcircCHEUX 2012)
Haacute nas reflexotildees trazidas por Moita Lopes (2002) a busca pela desnaturalizaccedilatildeo do
senso comum eivado que eacute este de narrativas nas quais as identidades satildeo homogecircneas
hegemonicamente heterossexuais e brancas E este propoacutesito problematizador pode fecundar e
estar assegurado pela loacutegica da inserccedilatildeo de praacutetica de letramento
Argumenta-se que as histoacuterias contadas funcionam como pacotes de conhecimento
sobre como agir no mundo (Jordan 1989) ecoando discursos a que os alunos satildeo
expostos na miacutedia na famiacutelia etc Com base no potencial que as histoacuterias tecircm de
envolver as pessoas em reflexatildeo sobre a vida social considera-se a importacircncia de
permitir que outras histoacuterias sobre outros tipos de identidades adentrem a sala de
aula ao mesmo tempo que se promove o uso de sistemas de coerecircncia que
desnaturalize o senso comumrdquo (MOITA LOPES 2002 p 20-21)
Desnaturalizar o senso comum eacute desdobrar processos de subjetivaccedilatildeo dos quais as
leituras tecircm participado obedecendo a regras histoacutericas legitimadoras No processo de
legitimaccedilatildeo de leituras a escola eacute uma das instituiccedilotildees em que circula a leitura crivada pelo
olhar de um especialista o professor respaldada em um livro didaacutetico adotado em um
processo bem verticalizado Esta tem sido uma praacutetica redutora considerando estudos que
evidenciam o grau de comprometimento das obras com a negaccedilatildeo de que o sujeito discursivo
eacute plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se
em formaccedilotildees discursivas As inquietaccedilotildees trazidas por Moita Lopes (2002) vatildeo na direccedilatildeo de
72
problematizar a circulaccedilatildeo e produccedilatildeo das leituras com esta direccedilatildeo redutora Esse autor traz
outras bases aos modelos legitimados ampliando a natureza multifacetal de seres humanos a
ser lida discutida Para isto vaticina o estudioso o advento das mudanccedilas bruscas deste iniacutecio
de milecircnio com o caudaloso acesso agraves tecnologias da informaccedilatildeo que expotildeem um mundo
plural e muacuteltiplo eacute um adendo a esta questatildeo
Eacute curioso ver que a miacutedia eletrocircnica que evidencia a chamada Globalizaccedilatildeo ao
mesmo tempo em que aproxima o mundo incorrendo no perigo de homogeneizaacute-lo
colabora para que percebamos a diferenccedila de que somos feitos e as desigualdades e
contradiccedilotildees sociais sob as quais vivemos Essas percepccedilotildees tecircm alterado como
nunca a concepccedilatildeo homogecircnea de identidade social e tecircm levado a nos entendermos
como heterogecircneos e ao mesmo tempo fragmentados e construiacutedos com praacuteticas
discursivas situadas na histoacuteria na cultura e na instituiccedilatildeo (MOITA LOPES 2002
p 15-16)
Somam-se a este olhar socioconstrucionista sobre leitura como praacutetica social que
contempla uma accedilatildeo de ler proficuamente ajustada aos postulados dos DH no que diz respeito
agrave defesa de um mundo plural as contribuiccedilotildees da AD Orlandi (2008) pontua a leitura numa
relaccedilatildeo de historicidade de modos de relaccedilatildeo de trabalho e de produccedilatildeo de sentidos Ler e
compreender na perspectiva trabalhada por esta analista natildeo se traduz em atribuir sentidos
mas conhecer os mecanismos pelos quais se potildee em jogo um determinado processo de
significaccedilatildeo
Os sentidos natildeo nascem ab initio Satildeo criados Satildeo construiacutedos em confrontos de
relaccedilotildees que satildeo soacutecio-historicamente fundadas e permeadas pelas relaccedilotildees de poder
com seus jogos imaginaacuterios Tudo isso tendo como pano de fundo e ponto de
chegada quase que inevitavelmente as instituiccedilotildees Os sentidos em suma satildeo
produzidos (ORLANDI 2012 p 83)
26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades
Apoacutes as consideraccedilotildees acerca dos dispositivos teoacutericos que apoiam esta anaacutelise os
quais me remetem agrave ideia de que o sujeito da leitura e do discurso eacute um sujeito histoacuterico que
fala a partir de condiccedilotildees especiacuteficas de enunciaccedilatildeo cabe pensar sobre a leitura como
produtora e reprodutora de discurso e sobre a importacircncia desse entendimento para um
trabalho no espaccedilo escolar que perspective angariar reflexotildees acerca de processos de
subjetivaccedilatildeo Em minhas buscas para levantamento de um estado da arte que contribuiacutesse
teoricamente com essa perspectiva encontrei produccedilotildees acadecircmicas que atrelavam leituras
subjetividades discursividades e relaccedilotildees de gecircneros no espaccedilo escolar bem pertinentes
Alguns relatos aqui pontuados vatildeo ao encontro das consideraccedilotildees por mim tecidas colhidas
73
pelos pressupostos teoacutericos jaacute aqui tratados tendo sido inclusive uacuteteis na confecccedilatildeo dos
instrumentos investigativos e de suas anaacutelises para este trabalho
Larrosa (2004) problematiza o ato de ler sob o crivo vinculador deste ato agraves praacuteticas
de liberdade O autor em um ensaio intitulado ldquoLeitura e metamorfoserdquo ao analisar o poema
O leitor de Rilke trata da experiecircncia da leitura em sua dimensatildeo complexa e de plenitude do
existente leitura que transforma que transfigura que torna o leitor um outro Larrosa (2004)
ao se debruccedilar sobre a poesia existencial e metalinguiacutestica de Rilke nega a pessoalidade do
leitor cravando sua dispersatildeo Isto fica demonstrado segundo o ensaiacutesta no seguinte verso
ldquoQuem o conhece este que baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo serrdquo(RILKE 1908
apud LARROSA 2004 p 97) Para Larrosa (2004) o poeta trabalha com o movimento do
olhar descrito no poema como o movimento que delineia conversotildees apropriaccedilotildees de
mudanccedilas Assim o leitor que se curva entrega-se aprende a ver de outra maneira e eacute
desconhecido entatildeo ateacute por sua matildee como pode ser visto no segundo quarteto do poema a
saber ldquoNem sequer sua matildee estaria segurase ele eacute aquele que ali lecirc algo mergulhadoem
sua sombrardquo (RILKE 1908 apud LARROSA 2004 p 97) eacute o leitor que angaria olhos
daacutedivos traccedilos alterados para sempre Haacute uma forccedila poeacutetica na imagem do leitor em
silecircncio curvado despersonalizado e por fim transformado da qual Larrosa (2004) se
apropria para trazer uma reflexatildeo em cima do que significa um mundo pronto administrado e
acabado quando ldquotopadordquo por leitores Eacute dessa leitura cujo sentido eacute o de experiecircncia da
reconstruccedilatildeo das travessias diante de um mundo hostil e pronto que a leitura para esse autor
inscreve-se
Alicerccedilado em uma visatildeo de leitura como praacutetica social situada Moita Lopes (2002)
ressalta a accedilatildeo constitutiva do discurso na construccedilatildeo da vida social aprendemos a nos tornar
o que somos com base em fatores sociais e histoacutericos constituiacutedos discursivamente Esse
autor direcionou pesquisas com as praacuteticas de letramento coordenando experiecircncias de
investigaccedilatildeo sobre praacuteticas discursivas em escola puacuteblica do Rio de Janeiro objetivando
investigar a relaccedilatildeo entre texto e formaccedilatildeo de identidade na esfera pedagoacutegica
especificamente a sala-de-aula
Dentre os espaccedilos institucionais em que atuamos a escola tem sido continuamente
apontada como um dos mais importantes na construccedilatildeo de quem somos ou dessa
fragmentaccedilatildeo identitaacuteria Eacute um dos primeiros espaccedilos sociais a que a crianccedila tem
acesso longe da vigilacircncia da famiacutelia a outros modos de ser humano diferentes
daqueles do mundo relativamente homogeneizado da famiacutelia Ou seja eacute na escola
que em geral a crianccedila se expotildee pela primeira vez agraves diferenccedilas que nos constituem
e que portanto representam as primeiras ameaccedilas ao mundo da famiacutelia (MOITA
LOPES 2002 p 17)
74
Como integrante da equipe de pesquisa coordenada pelo autor acima referendado
Santos (2002) categoriza que leitura eacute um fenocircmeno cultural em que as pessoas constroem
sentidos em interaccedilatildeo com outras
[] ler eacute uma accedilatildeo social na qual estatildeo envolvidos a negociaccedilatildeo o
compartilhamento a construccedilatildeo de significados entre leitores e textos Isto eacute a
leitura eacute uma accedilatildeo social porque implica a procura do significado mediado pelo
discurso escrito entre dois sujeitos sociais principais o leitor e o autor situados
soacutecio-historicamente (SANTOS 2002 p 159)
Em consonacircncia com o olhar de Moita Lopes Santos (2002) percebe a leitura como
uma praacutetica social considerando que os significados construiacutedos pelos sujeitos-leitores
refletem o contexto social imediato no qual estatildeo localizados como tambeacutem o mundo social
mais amplo que situa esses contextos Conceber a leitura nessa perspectiva eacute tarefa que exige
do mediador a percepccedilatildeo de que haacute sempre em eventos de leitura uma indeterminaccedilatildeo de
significados em funccedilatildeo da pluralidade de contextos e sujeitos
Coimbra (2002) objetivando refletir as bases discursivas que constroem social e
assimetricamente meninos e meninas utiliza a visatildeo de discurso como forma de accedilatildeo no
mundo e aborda a importacircncia do contexto escolar para a formaccedilatildeo das identidades sociais
Essa professora alinhada com os estudos de Moita Lopes e diante da indagaccedilatildeo sobre qual
seria a forma em que ela e alunosas estariam construindo a identidade social de gecircnero da
mulher em uma escola puacuteblica no Rio de Janeiro propotildee-se a refutar uma visatildeo de mundo
essencialista
Adoto uma visatildeo de discurso como uma forma de accedilatildeo no mundo e um meio pelo
qual nossa cultura e nossas identidades satildeo constituiacutedas e definidas Como diz Moita
Lopes (1998) as identidades natildeo estatildeo nos indiviacuteduos mas emergem nas interaccedilotildees
entre os indiviacuteduos agindo em praacuteticas discursivas particulares nas quais estatildeo
posicionados [] Da mesma forma o comportamento diferenciado de gecircnero natildeo
existe naturalmente como parte essencial do indiviacuteduo Ele eacute tambeacutem construiacutedo na
interaccedilatildeo social (COIMBRA 2002 p 210)
Para refutar o essencialismo esse aqui entendido na perspectiva que lhe datildeo os
Estudos Culturais como uma percepccedilatildeo de mundo que atribui aos seres humanos marcas
universais imutaacuteveis e pertencentes ao indiviacuteduo naturalmente (HALL 2011 SILVA 2012)
Coimbra lanccedila matildeo dos estudos sobre gecircnero adotados por Louro que concebem gecircnero
como um sistema de relaccedilotildees de poder calcado nas estruturas sociais o que possibilita a
reflexatildeo sobre o quanto as praacuteticas discursivas sustentam a primazia masculina
75
[] a visatildeo essencialista enfatiza as caracteriacutesticas bioloacutegicas e reduz a importacircncia
do contexto soacutecio-histoacuterico naturalizando o poder do homem e as desigualdades
social e econocircmica estabelecidas entre os gecircneros masculino e feminino Isto eacute as
desigualdades satildeo percebidas como consequecircncias naturais e inevitaacuteveis da natureza
bioloacutegica das mulheres e dos homens e natildeo satildeo entendidas como historicamente
construiacutedas e modificaacuteveis (LOURO apud COIMBRA 2002 p 212)
Por considerar a escola elemento reprodutor ou transformador da sociedade porque
veicula enquadramento vontade imposta ao outro sobre seus corpos construccedilatildeo de estigmas
de silecircncios estereoacutetipos e exclusotildees ou porque veicula emersatildeo de vozes que desejam
escuta diaacutelogo e respeito em um sinal de resistecircncia Silva A L G (2009) trata da produccedilatildeo
de sentidos nesse espaccedilo Essa autora chama a atenccedilatildeo para as demandas sociais na
contemporaneidade sobre corporeidade sexualidade e identidade de gecircnero na escola
demandas que traduzem um mundo cambiante vertiginoso movente pleno de
questionamentos que tem nos deixado atocircnitos e sem respostas em seu dizer Sem respostas
ldquoprontasrdquo melhor seria dito porque no cotidiano escolar nos deparamos com uma cultura
que a despeito de ser marcada pela pluralidade reflete a disseminaccedilatildeo da
heteronormatividade da diferenccedila como desvio e de padrotildees de comportamentos para
meninos e meninas Haacute um conjunto de conteuacutedos cognitivos e simboacutelicos que selecionados
sob efeito de didatizaccedilotildees atravessam segundo (SILVA A L G 2009) os muros e
instrumentos escolares engendrando liccedilotildees de corpos disciplinados normalizados E dessas
liccedilotildees questiona a pedagoga qual o lugar do outro nas relaccedilotildees escolares enfim como
meninos e meninas satildeo educadosas
Carvalho (2003) nessa direccedilatildeo fala das experimentaccedilotildees com praacuteticas pedagoacutegicas
problematizadoras do modelo que institui a iniquidade de gecircnero Essa educadora procura
responder sobre as questotildees de gecircnero salientando a importacircncia da luta das mulheres
educadoras por sistematizaccedilotildees de estrateacutegias de intervenccedilatildeo nas atividades e no curriacuteculo
escolar para o desenvolvimento da consciecircncia de gecircnero Essa eacute uma tendecircncia que segue o
olhar militante de um feminismo que se manifesta e se fortalece a cada dia mas que precisa
dar passos marcantes no debate escolar sobre as formas de subjetivaccedilatildeo de ser homem e ser
mulher
A escola tem ferrolhos fortes na trava para o novo para o desmantelo das
assimetrias a despeito de guardado em armaacuterios e prateleiras das instituiccedilotildees muitas vezes
estaacute todo um ordenamento da legislaccedilatildeo educacional que institui avanccedilos na conquista de
uma escola que respeite a pluralidade cultural e a dignidade humana Carvalho (2003) fala
atraveacutes de seu envolvimento com a temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero na educaccedilatildeo do
76
caminhar que se esboccedila na escola de um processo de desconstruccedilatildeo de uma visatildeo e divisatildeo
de mundo androcecircntrica Fruto possivelmente a autora afirma do ativismo de algunsmas
educadoresas
[] Eacute plausiacutevel supor que o reconhecimento das diferenccedilas de gecircnero inicialmente
invisiacuteveis ou natildeo problemaacuteticas jaacute seja o resultado da problematizaccedilatildeo propiciada
pela oficina No contexto escolar apontam problemas como filas atividades e
brincadeiras separadas por sexo violecircncia na sala de aula e no recreio problema de
higiene e limpeza da escola manifestaccedilotildees da sexualidade na preacute-adolescecircncia e
adolescecircncia (brincadeiras sexuais gravidez precoce discriminaccedilatildeo dos
homossexuais) e das dificuldades das professoras de trabalharem com Orientaccedilatildeo
sexual (CARVALHO 2003 p 72)
O fazer pedagoacutegico trama produccedilotildees de sentidos que satildeo construiacutedas em praacuteticas
discursivas em gestos e olhares que muito dizem sobre os corpos e a sexualidade no
cotidiano escolar Rollemberg (2002) adotando a perspectiva socioconstrucionista do
discurso estuda como osas professoresas constroem sua identidade social e profissional por
meio de suas narrativas de vida A autora reforccedila a ideia de que o discurso tambeacutem determina
e eacute determinado por contextos socioculturais especiacuteficos nos quais esses sujeitos atuam e de
que esses sujeitos possuem naturezas multifacetadas
O professor ou professora eacute tambeacutem homem mulher marido esposa pai matildee
filho filha segue determinada religiatildeo tem suas crenccedilas sua visatildeo de mundo
ocupa certa posiccedilatildeo social e enfim torna-se professor na interaccedilatildeo desse mosaico de
diferentes traccedilos que o constituem Seu discurso reflete entatildeo essa natureza
multifacetada e nas diversas praacuteticas discursivas nas quais se envolvem os
professores vatildeo se reconstruindo como tais (ROLLEMBERG 2002 p 251)
Em artigo que discorre sobre uma investigaccedilatildeo feita em escola na qual leciona
Rollemberg (2002) aborda a construccedilatildeo social do discurso e da identidade profissional dos
educadoresas entrecortada por identidade de gecircnero A autora aborda as relaccedilotildees de poder
que se estabelecem em contextos sociais e culturais que forjam que moldam seres diferentes
com posiccedilotildees assimeacutetricas socialmente Ao tratar dos traccedilos de gecircnero o estudo de
Rollemberg adota tambeacutem a visatildeo processual das identidades e as tem como natildeo-fixas natildeo-
imutaacuteveis natildeo-estaacuteticas construiacutedas discursiva e socialmente
Cruz (2012) ao discorrer sobre a utilizaccedilatildeo do texto literaacuterio descarta
veementemente a noccedilatildeo de ler como decifrar palavras e questiona sobre o modo de
apropriaccedilatildeo desse texto por parte da escola A autora fala de seus fracassos com atividades de
leituras procurando explicaacute-los entre tantos lastros pelo processo de interlocuccedilatildeo na leitura
77
de textos para a qual o leitora eacute construtora e natildeo apenas receptora de um significado
global para o texto
Foi com essa consciecircncia (que eacute um aprendizado) que passei a analisar a relaccedilatildeo
existente entre leitor o texto o autor e a realidade que circunda todos Essa anaacutelise
me fez perceber que o docente (no caso eu) elaborava as atividades do seu ponto de
vista sem conversar e portanto sem conhecer a partir das falas dos alunos o modo
como eles se apropriavam dos textos literaacuterios e a relaccedilatildeo que eles tinham com o
mundo da leitura Essa ausecircncia de diaacutelogo entre as partes estimulava o desinteresse
dos alunos e a reproduccedilatildeo de leituras mecanizadas que soacute serviam para
cumprimento de tarefas obrigatoacuterias (CRUZ 2012 p 161)
Ao discutir por sua vez o papel de mediadora da leitura pela escola Bastos (2012)
remonta agrave histoacuteria dessa praacutetica no Brasil tratando de uma heranccedila natildeo leitora onde haacute a
rarefaccedilatildeo e esgarccedilamento da praacutetica que sedimenta a justificativa de professoresas para o
distanciamento do livro falta de tempo condiccedilotildees financeiras Esta autora dessacraliza o ato
de ler falando de leituras na relaccedilatildeo leitortextocontexto
A relaccedilatildeo leitortexto soacute tem sentido se houver compreensatildeo do que e para que se lecirc
O papel da escola nesse processo eacute perigoso porque tanto ela pode formar um leitor
criacutetico e assim libertaacute-lo dos preceitos ideoloacutegicos o que seria o ideal como
conduzi-lo para o extremo oposto acorrentando-o agrave ideologia dominante que ao
iludir cria falsos valores (BASTOS 2012 p 194)
Nesse sentido a autora supracitada tece comentaacuterios que satildeo intrincados com a
percepccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva da AD como um conjunto de formas reguladas
atravessando leituras postuladas E que agrave escola que se pretende inclusiva e democraacutetica
cabe ser mediadora de leitura em uma perspectiva que aposte na consciecircncia de que a leitura eacute
produtora e reprodutora de sentidos Bastos (2012) reforccedila uma ideia que lanccedila uma instigante
reflexatildeo sobre os que observam de forma mais questionadora o corrente sentido de leitura
Por fim e talvez mais importante assumir tambeacutem que para grande parte da
populaccedilatildeo a leitura natildeo representa um gecircnero de primeira necessidade e portanto
pode viver sem ela e pouco ou nada tem a ver com a presenccedila ou ausecircncia de prazer
esteacutetico (BASTOS 2012 p 194-195)
No que tange agrave importacircncia das condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo e de acesso agrave leitura
Soares (2001) oferece uma importante contribuiccedilatildeo sobre o tema a leitura natildeo existe em um
vaacutecuo em atos isolados e universalizantes Ela estaacute engendrada em relaccedilotildees socialmente
construiacutedas favorecendo o fato de que a interaccedilatildeo seja uma marca do ato de ler Assim ler
tem diferentes valores para as classes sociais para as diferentes etnias e culturas A autora
analisa atraveacutes de resultados de pesquisas com entrevistados de diferentes extratos sociais o
78
quanto ler corresponde a diferentes expectativas Para a classe dominante por exemplo ler
relaciona-se a lazer a prazer agrave ampliaccedilatildeo de horizontes de conhecimentos Por seu turno as
classes dominadas veem na leitura uma funccedilatildeo utilitaacuteria de acesso ao mundo do trabalho agrave
garantia da sobrevivecircncia
No tocante agrave importacircncia dos estudos de gecircnero as reflexotildees de Aras e Cunha (2011)
acerca das divisotildees no mundo de trabalho entre homens e mulheres satildeo pertinentes Essas
autoras pontuam que ao analisarem as relaccedilotildees de gecircnero no magisteacuterio em um curso de
capacitaccedilatildeo para professores e professoras da Rede Estadual de Ensino da Bahia o PROLE
constataram que as mulheres enfrentam uma dificuldade de conciliar tarefas tendo em vista
que se dividem entre a casa e o trabalho de modo extenuante o que revela uma exploraccedilatildeo
nas relaccedilotildees de gecircnero As autoras citam uma pesquisa jaacute um pouco antiga mas que dadas as
proporccedilotildees com que os dados se alteram deve ainda traduzir um quadro bem representativo
da realidade atual Segundo pesquisa feita por Aguiar (2004 apud ARAS CUNHA 2011 p
45) durante a semana a jornada diaacuteria da mulher eacute de 502 minutos 5 maior que a do
homem que trabalha 480 minutos No fim de semana a diferenccedila eacute ainda maior enquanto a
carga masculina eacute de 201 minutos a da mulher eacute de 326 ou seja 62 maior Se a mulher for
matildee este iacutendice cresce ainda mais mesmo que tenha quem a ajude Esses dados e demais
outros revelados pelas autoras refletem uma cultura que molda um lugar para a mulher o
espaccedilo privado e que mesmo tendo estaacute avanccedilado em conquistas sociais que a potildeem no
espaccedilo puacuteblico haacute uma cultura machista que oprime as mulheres trabalhadoras dando-lhes
um papel central na administraccedilatildeo da vida familiar na educaccedilatildeo dos filhos nas tarefas
ldquonaturalizadasrdquo como femininas Aras e Cunha (2011) avaliam o quanto os estudos de gecircnero
constroem bases importantes para a reflexatildeo desse sistema desmantelando as assimetrias no
interior da famiacutelia
Por sua vez Sardenberg e Suzarte (2011) discutem a importacircncia da perscruta dos
sujeitos que se encontram nas escolas ouvindo o que ressoam suas vozes As autoras
refletem a partir de relatos de grupos de mulheres pertencentes agraves camadas populares sobre a
representaccedilatildeo da educaccedilatildeo escolar como perspectiva de empoderamento para os membros
desses grupos As feministas perpassam por questotildees que mostram as representaccedilotildees do
espaccedilo escolar como lugar de esperanccedila e liberdade oportunidade de se emancipar social e
individualmente de prover-se de ldquoum novo instrumental de conhecer e atuar ou ateacute mesmo
de transformar-se
Buscar ressonacircncia das praacuteticas discursivas dosas docentes nas atividades de leitura
realizadas por estesas eacute um trabalho que exige o afiar de sentidos ao qual Louro (2012) se
79
refere Haacute qual espaccedilo nas praacuteticas de leitura nas falas e histoacuterias disseminado para a
discussatildeo da equidade de gecircnero trazida pelo movimento de mulheres e movimentos que
apregoam o respeito agraves diversidades A pesquisadora dos estudos feministas aponta a
importacircncia de buscar uma reflexatildeo que pontue o lugar da escola na construccedilatildeo de um ideaacuterio
de respeito agraves diferenccedilas e agrave alteridade
Portanto se admitimos que a escola natildeo apenas transmite conhecimentos nem
mesmo apenas os produz mas que ela tambeacutem fabrica sujeitos produz identidades
eacutetnicas de gecircnero de classe se reconhecemos que essas identidades estatildeo sendo
produzidas atraveacutes de relaccedilotildees de desigualdade se admitimos que a escola estaacute
intrinsecamente comprometida com a manutenccedilatildeo de uma sociedade dividida e que
faz isso cotidianamente com nossa participaccedilatildeo e omissatildeo se acreditamos que a
praacutetica escolar eacute historicamente contingente e que eacute uma praacutetica poliacutetica isto eacute que
se transforma e pode ser subvertida e por fim se natildeo nos sentimos confortaacuteveis com
essas divisotildees sociais entatildeo certamente encontramos justificativas natildeo apenas para
observar mas especialmente para tentar interferir na continuidade dessas
desigualdades (LOURO 2012 p 89)
E a leitura efetivamente pode ser um instrumento que propicie este ideaacuterio Mas
cabe sempre inquirir que textos circulam nestes espaccedilos regulando modos de subjetivaccedilatildeo da
comunidade escolar No que se refere agrave presenccedila substancial do livro didaacutetico no cotidiano
escolar como um dos principais instrumentos manuseados por docentes e discentes eacute
importante a anaacutelise desse material em seu aspecto poliacutetico e cultural Considerando os
comportamentos sociais que tecircm sido construiacutedos acerca da imagem masculina e feminina
veiculados pelos livros didaacuteticos Marques (2009) assevera que as representaccedilotildees do lugar
social do homem e da mulher ainda satildeo bem demarcadas pelas forccedilas patriarcais e hierarquia
de gecircneros A autora debruccedilou-se entre outros sobre os resultados de uma exaustiva pesquisa
realizada por uma comissatildeo instituiacuteda pelo MEC em 1991 para analisar 80 coleccedilotildees de
Estudos Sociais da 1ordf agrave 4ordf seacuterie E conforme Marques (2009) foram observadas fortes
tendecircncias de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo de conteuacutedos que evidenciam modelos que atestam
papeacuteis sociais para homens e mulheres minados de preconceitos estereoacutetipos e enganosos
quando a imagem da famiacutelia e a da escola eacute a de que vivem isentas de conflitos A autora
revela o quanto o livro didaacutetico discrimina a mulher restringindo o seu universo ao espaccedilo
domeacutestico As imagens como construccedilotildees sociais possuem historicidade na sua posiccedilatildeo A
naturalizaccedilatildeo da divisatildeo sexual dos papeacuteis sociais incorre em uma posiccedilatildeo de imobilidade
social tendo em vista a cristalizaccedilatildeo de modelos o pai provedor e a matildee cuidadora Ele o
homem aparece envolto em leituras trabalho fornecendo agrave famiacutelia sustento e lazer ela a
mulher em funccedilotildees que a limitam agrave casa o que ocasiona a ideia de alienaccedilatildeo
80
Marques (2009) salienta o quanto a emergecircncia dos movimentos de mulheres por sua
cidadania plena a despeito de sua forccedila social natildeo encontra visibilidade nos livros didaacuteticos
Estes equiacutevocos todavia satildeo verificados hoje como natildeo mais representativos
substancialmente dos livros didaacuteticos e paradidaacuteticos fruto de um ativismo dos movimentos
de mulheres que terminou pressionando editoras secretarias estaduais e municipais no sentido
de envidar esforccedilos para que se repense o uso deste instrumento de modo mais criacutetico
Considerando o caraacuteter mercadoloacutegico do livro didaacutetico Marques (2009) salienta o quanto a
formaccedilatildeo doa professora para a escolha do material didaacutetico e sua mediaccedilatildeo com os textos eacute
de relevacircncia inconteste O risco de reproduzirmos discursos e representaccedilotildees machistas e
patriarcais eacute inerente aoagrave educadora imersoa que estaacute ainda em uma sociedade que produz
uma submissatildeo feminina O processo de construccedilatildeo das imagens e textos que povoam uma
subalternidade feminina eacute o que deve ser trabalhado pelo profissional atinente agraves questotildees de
gecircnero
Nesse sentido Louro (2012) ao avaliar o quanto o material didaacutetico eacute reprodutor e
produtor de discurso veiculador de diferenccedilas traz uma reflexatildeo sobre a construccedilatildeo escolar
das representaccedilotildees que segregam
Os livros didaacuteticos e os paradidaacuteticos tecircm sido objeto de vaacuterias investigaccedilotildees que
neles examinam as representaccedilotildees dos gecircneros dos grupos eacutetnicos das classes
sociais Muitas dessas anaacutelises tecircm apontado para a concepccedilatildeo de dois mundos
distintos ainda apresentam a concepccedilatildeo de dois mundos distintos (um mundo
puacuteblico masculino e um mundo domeacutestico feminino) ou para a indicaccedilatildeo de
atividades caracteriacutesticas de homens e atividades de mulheres Tambeacutem tem
observado a representaccedilatildeo da famiacutelia tiacutepica construiacuteda de um pai e uma matildee e
usualmente dois filhos um menino e uma menina (LOURO 2012 p 68)
A relevacircncia dos estudos acima referendados se faz perceber porque esses atrelam a
construccedilatildeo social do discurso em um espaccedilo que se constitui como centro de construccedilatildeo e
exerciacutecio de poder que eacute a escola E ao mesmo tempo em que enseja a reflexatildeo de que em sua
dinacircmica interna essa instituiccedilatildeo cria a possibilidade de processos de contra-hegemonia Eacute
percebida tambeacutem a relevacircncia dos estudos que estruturam uma interface discursividade
leitura e gecircnero na escola por estes propiciarem reflexotildees perspicazes Reflexotildees essas que
satildeo consonantes com o pensamento de Carvalho (2003) quando esta pedagoga militante do
feminismo afirma que das relaccedilotildees de gecircnero natildeo se pode tomar distacircncia ldquo[] de forma
impliacutecita estruturam o trabalho escolar as relaccedilotildees entre docentes e discentes e constituem
as identidades profissionais e pessoaisrdquo (CARVALHO 2003 p 77) Isto se daacute porque na sala
de aula nos curriacuteculos nas relaccedilotildees interpessoais nos conteuacutedos abordados ou natildeo
81
abordados haacute um campo de luta refletindo que a escola estaacute inserida em relaccedilotildees histoacutericas
mediadas e construiacutedas por discursos
Nesse sentido reitero o quatildeo os relatos acima extraiacutedos em sua maioria de um
contexto social que tece leitura em cotidianos na escola satildeo uacuteteis empreacutestimos para esta
anaacutelise considerando que os trabalhos apresentados versam sobre toacutepicos afins ao aqui
desenvolvido relaccedilotildees de gecircnero preconceitos construccedilatildeo de identidades pontuados em
ambiente de leitura
82
3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS
O entendimento de que a abordagem de uma pesquisa exige um processo de revisatildeo
e reorganizaccedilatildeo de accedilotildees eacute importante na concepccedilatildeo de um trabalho Essa percepccedilatildeo eacute
consoante com a perspectiva da epistemologia feminista que entende a realidade como um
fenocircmeno histoacuterico cultural e dinacircmico (LOURO 2012 COSTA 2009) E meus passos na
direccedilatildeo e dentro da escola se constituiacuteram de inuacutemeras articulaccedilotildees de accedilotildees com as quais
tracei um norte investigativo objetivando fazer deste estudo algo profiacutecuo ordenado que
perspective contribuir com reflexotildees atinentes agrave educaccedilatildeo como praacutetica emancipadora
problematizadora de modos de subjetivaccedilatildeo
Dando prosseguimento ao rito comum a um processo de investigaccedilatildeo construiacute um
diaacutelogo preacutevio com a direccedilatildeocorpo teacutecnico com osas professoresas e a coordenadora do
projeto agravesaos quais foram explicados o procedimento e os objetivos da pesquisa ao tempo
em que foi solicitada a anuecircncia para sua aplicaccedilatildeo Como a dissertaccedilatildeo deste mestrado possui
caraacuteter interventivo foi explicada agrave equipe tambeacutem sobre a possibilidade de construccedilatildeo de
uma accedilatildeo propositora de trabalho apresentada por esta pesquisadora como fruto da
investigaccedilatildeo desenvolvida Esta informaccedilatildeo foi bem acolhida pela coordenaccedilatildeo do projeto
receptiva agrave possibilidade de crescimento de aprendizado e desejosa de aperfeiccediloar o trabalho
com a leitura pelo menos assim se manifestou
31 O Documento-fundador o natildeo dito significando
Logo nos primeiros contatos com osas integrantes da pesquisa que em consonacircncia
com as pactuadas regras do anonimato precisam aqui ser denominadosas ficticiamente
solicitei informaccedilotildees sobre o projeto de leitura instrumento de anaacutelise para aquele momento
O surgimento tempo de execuccedilatildeo seu formato documentaccedilatildeo criteacuterios para escolha de
textos entre outras indagaccedilotildees foram solicitadas Quando solicitei uma coacutepia do projeto agrave sua
coordenadora Diana cujo tempo de atuaccedilatildeo profissional eacute de 18 anos tive como resposta a
condiccedilatildeo de que o texto seria disponibilizado para que eu o conhecesse mas natildeo poderia
constar como anexo em meu trabalho por respeito ao acordado pacto do anonimato Aceitei a
condiccedilatildeo mesmo argumentando que o problema da identificaccedilatildeo do projeto seria resolvido
com o corte da parte que o identificasse A coordenadora relutou Isto me fez pensar no
campo discursivo mais amplo que eacute a negaccedilatildeo do texto possivelmente nele haveria o que natildeo
83
pode ser visto haveria a ausecircncia do dizer melhor Entendi a sonegaccedilatildeo do texto como a
tentativa de natildeo fazer aparecer o seu pouco labor
E constatei deveras isso quando o documento me chegou agraves matildeos depois de algumas
visitas em que o solicitara Observei que conforme o texto o projeto natildeo fora pensado para
discutir a leitura em sua funccedilatildeo social mais ampla Sem intencionar desqualificar o trabalho
daquela escola natildeo tive como deixar de ver pouca expressatildeo de conhecimento das funccedilotildees da
leitura naquele material Havia ali a mera proposta de decodificaccedilatildeo no lugar do letramento a
tarefa feita para cumprir obrigaccedilatildeo Natildeo estavam pontuados temas problematizando a
implantaccedilatildeo da defesa dos DH nem nenhum tema transversal proposto pelos PCNs constando
como ponto de exploraccedilatildeo no projeto de leitura muito menos o desta pesquisa As relaccedilotildees de
gecircnero conforme averiguei naquele material investigativo natildeo encontram assento no projeto
de leitura a CestaSexta Literaacuteria E eacute sobre isto que discorrerei agora analisando o referido
material como um dos procedimentos geradores de dados desta pesquisa que o eacute
O documento que eacute apresentado agrave Secretaria Municipal da Educaccedilatildeo - SEDEC- em
regra eacute uma exigecircncia deste oacutergatildeo como preacute-requisito para que osas professoresas
readaptadosas que exercem funccedilatildeo em biblioteca justifiquem sua permanecircncia na escola
Essesas profissionais precisam demonstrar estar vinculadosas agraves unidades escolares e
desenvolvendo trabalho pedagoacutegico a fim de assegurarem a manutenccedilatildeo da gratificaccedilatildeo
docente que perderiam caso saiacutessem da funccedilatildeo de professoresas e do espaccedilo escolar
Observar como esse documento eacute articulado e seu comprometimento com o que se
propotildee a fazer me remeteu a um compromisso eacutetico com o qual desejo afirmar aqui que natildeo
tenho a palavra final sobre do que necessariamente se deve constituir um trabalho desta
natureza mas faccedilo minhas leituras minhas anaacutelises E nessas leituras que natildeo poderiam ser
soacute minhas em uma perpeacutetua dialogia com Freire (1988 2002) Moita Lopes (2002) Foucault
(2011) Orlandi (2008) e com tantosas outrosas estudiososas e natildeo estudiososas
compreendo que eacute preciso supor que um texto nunca fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura
(POSSENTI 2009)
Assim leio o documento do projeto de leitura da escola buscando sua
intertextualidade suas condiccedilotildees de produccedilatildeo seus ditos e natildeo-ditos Penso entatildeo sobre seu
nascedouro quem o produziu e por que o fez Procurei observar se aquele documento
expressava interesse pedagoacutegico intersubjetivo ou a exigecircncia da SEDEC teria sido a causa da
sua elaboraccedilatildeo ou seja motivaccedilatildeo externa administrativa E me interessei pelo que existe e
natildeo existe ali dizendo da realidade social que o produziu quem observa sua confecccedilatildeo sua
aplicaccedilatildeo ou natildeo-aplicaccedilatildeo A SEDEC exige uma produccedilatildeo acadecircmica mas o impacto da
84
execuccedilatildeo desta tarefa na atividade escolar parece natildeo ser devidamente acompanhado Essa
questatildeo jaacute me envereda para uma reflexatildeo sobre poliacutetica puacuteblica de gestatildeo educacional que
natildeo eacute de competecircncia desta pesquisa mas que ao fim e ao cabo faz sentido explorar tal
inquietaccedilatildeo pela relaccedilatildeo que haacute entre o labor do projeto e sua existecircncia e aplicaccedilatildeo
As indagaccedilotildees que produzi diante daquele documento eram sustentadas por uma
intenccedilatildeo de observar inicialmente se a tocircnica do projeto concebia a leitura como uma praacutetica
cultural natildeo neutra inserida nas relaccedilotildees de poder Se enfim era concebida como campo de
disputa espaccedilo de poder Afastando-se da defesa da leitura como tese unicamente advogo a
da leitura como utopia semeada por olhos de quem ama e faz educaccedilatildeo porque luta por
praacutetica de liberdade como defendeu Paulo Freire ao longo de sua vida e obra E a leitura
nessa perspectiva faz da educaccedilatildeo o ponto amoroso em que Hanna Arendt diz dever ser nas
palavras da autora ldquoa educaccedilatildeo eacute o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante
para assumirmos a responsabilidade por ele e com tal gesto salvaacute-lo da ruiacutena que seria
inevitaacutevel natildeo fosse a renovaccedilatildeo e a vinda dos novos e dos jovensrdquo (ARENDT 2009 p 247)
Sem querer mais uma vez reforccedilo desfazer do trabalho realizado na escola
TRAVESSIA natildeo posso omitir que enxerguei que aquele documento natildeo dizia desse
compromisso propalado pelos pensadores acima E assim o concebo quando olho a vaguidatildeo
com que ele se veste no que diz respeito aos seus objetivos e procedimentos metodoloacutegicos
Obviamente natildeo posso restringir a praacutetica leitora do projeto ao que estaacute marcado no referido
documento Sem relaccedilotildees ingecircnuas com a linguagem como propotildee a AD que afirma com
Orlandi (2008) que quando se lecirc considera-se natildeo o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute
impliacutecito entre o que eacute feito e proposto existe o caminho do exequiacutevel que eacute atropelado
muitas vezes por adversas condiccedilotildees de trabalhos
E precisei atentar para o que aquele projeto anuncia fazer observando suas
articulaccedilotildees entre objetivos accedilotildees metodologia No tocante a essas articulaccedilotildees natildeo constam
ali explicitadas entre seus objetivos as temaacuteticas transversais recomendadas pelos PCNs
muito menos a de gecircnero Assim considerando que os sentidos de um texto passam por outros
textos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo contemplado nas vozes perscrutadas
anteriormente em meus primeiros contatos com os sujeitos pesquisados ressoava sua
ausecircncia ali tambeacutem E da leitura daquele documento extrai que natildeo haacute a presenccedila do tema
proposto por esta pesquisa para inquiriccedilatildeo estaacute todavia posto ali como objetivo geral do
projeto desenvolver o gosto pela leitura escrita e arte visando agrave construccedilatildeo de uma
identidade poeacutetica formaccedilatildeo de cidadatildeos reflexivos e leitores autocircnomos
85
Atrelada agrave minha questatildeo problema natildeo adentrei para a investigaccedilatildeo do que seria
essa identidade poeacutetica que jaacute tem outra nuance investigativa Mas o toacutepico a formaccedilatildeo de
cidadatildeos [cidadatildes] reflexivos[as] entranha-se com meu objeto de pesquisa e indaguei como a
AD indaga como isso significa para aquela unidade escolar pressionada por uma instacircncia
administrativa a produzir um documento e um trabalho Como significa para aquela
educadora a formaccedilatildeo de uma cidadania reflexiva mediada por praacuteticas leitoras A efetivaccedilatildeo
disso passa necessariamente por textos lidos selecionados apresentados sob diversos
suportes imersos em escolhas que expressem comprometimento com os problemas sociais
com a construccedilatildeo dos processos que debatem tais problemas vinculados aos interesses dosas
leitoresas Natildeo pude saber entretanto por este documento quais seriam os textos
selecionados para a empreitada de trabalhar a formaccedilatildeo cidadatilde pois natildeo havia nas referecircncias
bibliograacuteficas do mesmo indicaccedilatildeo alguma de como as aulas seriam subsidiadas em termos de
textos Esta omissatildeo pode indicar que para aleacutem da sonegaccedilatildeo desta informaccedilatildeo anunciar
negligecircncia pode haver mais sentidos nesta ausecircncia
Aleacutem daquilo que eacute dito analisar discursos eacute tambeacutem atentar para o que natildeo eacute dito
que conforme a AD nos silecircncios nas interdiccedilotildees haacute formas especiacuteficas dos sujeitos
construiacuterem significados E haacute naquele documento uma ausecircncia de dito significando um
evento discursivo no qual a produccedilatildeo as relaccedilotildees de poder a circulaccedilatildeo dos textos e seu jogo
discursivo natildeo estatildeo explicitados quem produz o debate da formaccedilatildeo cidadatilde e como o produz
natildeo se consegue saber atraveacutes de textos elencados E o ato de ler como praacutetica adotada pela
escola natildeo dispensa um planejamento criterioso no qual se saiba o que se vai ler o porquecirc se
vai ler quando se vai ler mesmo que a seleccedilatildeo dos textos deva ser flexiacutevel para ajustes Isso
se deve fazer para que se evite uma praacutetica riacutegida e impositiva haacute uma realidade dinacircmica
que deve ser contemplada com espaccedilo para a inserccedilatildeo de leituras que possam emergir em
consonacircncia com interesses advindos da comunidade escolar Daiacute ser compreensiacutevel que natildeo
haja uma seleccedilatildeo de textos consagradamente fechada mas sua ausecircncia pode estar indicando
na direccedilatildeo de que as accedilotildees do projeto estatildeo passando ao largo de uma leitura norteada
imbuiacuteda de uma accedilatildeo poliacutetica criteriosamente edificada
Esta constataccedilatildeo ficou mais evidenciada quando observei os objetivos especiacuteficos
(OE) do referido documento Haacute uma quantidade elevada desses (sete) os quais natildeo cumprem
devidamente a funccedilatildeo de pormenorizar as accedilotildees que se pretendem alcanccedilar de forma a
estabelecer estreita relaccedilatildeo com o descrito nos objetivos gerais no que diz respeito agrave
competecircncia da formaccedilatildeo de cidadatildeos [cidadatildes] Considerei a princiacutepio redutor selecionar
unicamente o texto literaacuterio para compor os OE do trabalho E eacute o primeiro que estaacute elencado
86
Diversificar a leitura com textos literaacuterios previamente selecionados Eleger este gecircnero e
deixar de fora pelo menos eacute o que natildeo estaacute explicitado uma gama de formas discursivas que
perpassam o cotidiano escolar eacute desconsiderar o sujeito-leitor e seu lugar social eacute
desconsiderar que a sala-de-aula eacute um espaccedilo complexo onde subjetividades marcadas por
lugares sociais distintos possuem interesses iacutempares Esta eleiccedilatildeo portanto eacute redutora Por
mais que haja razotildees profiacutecuas para se trabalhar a literatura na escola pela presenccedila de
categorias no texto literaacuterio como as da experiecircncia esteacutetica da ludicidade do estranhamento
da subjetividade do aguccedilamento da criatividade do aticcedilamento da imaginaccedilatildeo haacute um
equiacutevoco em eleger apenas o literaacuterio como texto para ser trabalhado Esta escolha tambeacutem
vai na contramatildeo do que recomendam os PCNs (BRASIL 2001 p 36) que apontam para a
pertinecircncia de que a escola promova em seus estudos uma variedade de gecircneros tendo o
literaacuterio como mais um deles
O equiacutevoco da confecccedilatildeo do documento eacute perceptiacutevel tambeacutem por natildeo ser visto ao
longo do seu texto o apontamento de temaacutetica que tenha relaccedilatildeo com a formaccedilatildeo da
cidadania A formaccedilatildeo de cidadatildeos[cidadatildes] reflexivos[as] que o projeto de leitura da escola
aponta em seus objetivos gerais passa por uma contemplaccedilatildeo de leituras que natildeo estaacute ali
desenhada Sem escavar temas que estatildeo na invisibilidade na superficialidade naturalizados e
distantes dos propoacutesitos da pauta reivindicatoacuteria dos DH esse pretenso sujeito reflexivo eacute
mera ornamentaccedilatildeo de projetos de leituras As secretarias de Educaccedilatildeo das escolas puacuteblicas
brasileiras sabem que eacute tarefa hercuacutelea construir leitoresas criacuteticosas e que um dos entraves a
isso estaacute na maacutequina do poder puacuteblico despreparada desequipada para proporcionar
condiccedilotildees favoraacuteveis agrave praacutetica leitora Isto pode ser visto pela inoperacircncia de natildeo fazerem
com que seusuas educadoresas sejam bonsboas leitoresas para que de forma competente
possam atuar como agentes de letramento Assim sem o devido compromisso com a leitura
demonstram estar esses oacutergatildeos administrativos quando engavetam projetos de leituras
anualmente solicitando novos a cada ano letivo sem acompanhar suas feituras que em regra
se diz por aiacute satildeo sem esmeros cumprindo tarefa administrativa como me pareceu este na
escola TRAVESSIA
A fragilizaccedilatildeo com que se organiza o projeto eacute notaacutevel ainda quando se busca em sua
metodologia a articulaccedilatildeo das accedilotildees que promovem os passos que objetivam propor a
formaccedilatildeo da cidadania reflexiva Entre as accedilotildees propostas que constam de oficinas de leitura
escrita de artes de imagens destinadas a alunosas do 6ordm ao 9ordm ano ocorridas em salas e na
biblioteca haacute como enunciado metodoloacutegico que haveraacute planejamento mensal para a seleccedilatildeo
de textos e das dinacircmicas voltado para um contexto relevante para a vida pessoal e social
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Primeiramente natildeo se esclarece exatamente o que seria este contexto relevante a expressatildeo eacute
vaga Depois chamou-me atenccedilatildeo o quanto a expressatildeo tema foi citada vagamente por
diversas vezes [] explorando o imaginaacuterio e as referecircncias que os alunos tecircm sobre os
temas textuais Natildeo haacute entretanto evidecircncia alguma de quais textos e temas seratildeo
trabalhados Esta inexatidatildeo me fez enxergar impropriedade na proposiccedilatildeo Em uma das
atividades propostas assim aparece levantar as referecircncias que os alunos tecircm sobre os temas
dos textos E de novo quais textos e temas conforme a redaccedilatildeo do projeto natildeo foi possiacutevel
levantaacute-los naquele documento Outra vez haacute uma frase solta compondo o texto Sequer uma
referecircncia aos temas transversais propostos pelos PCNs foi feita Mas no natildeo-dito acerca de
uma tarefa que eacute propositura da escola que deveria atuar pela exiacutemia preocupaccedilatildeo de
contribuir deveras com a construccedilatildeo de uma leitora ativoa a questatildeo-problema por mim
levantada nesta pesquisa foi respondida na leitura do documento Verifiquei deveras que
considerando o que estaacute posto ali por aquele texto-fundador natildeo se contempla o debate sobre
a equidade de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA
32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam
E como travessias natildeo se fazem sem caminhadas caminhei mais pela escola em
busca de perscrutar o que anunciam as vozes docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero na via da
leitura Caminhei contornando em alguns momentos e espaccedilos a anguacutestia pela percepccedilatildeo da
ausecircncia do desejo nosas fazedoresas da educaccedilatildeo por uma leitura como praacutetica social que
construa significados e proponha novos modos de subjetivaccedilatildeo Contornando sem receita
(ningueacutem eacute portador de saiacutedas solitaacuterias) nem elixir nem liccedilotildees nem textos prontos Apenas
escutando sentindo entendendo que a constituiccedilatildeo de uma alunoa leitora pode desaguar em
um mar de ativismo social em um mar que desemaranhe a promoccedilatildeo de um sujeito criacutetico
arguitivo reflexivo natildeo apenas pelo que se lecirc mas de qual lugar e para que se lecirc Para isso
deve haver uma dimensatildeo eacutetica no ato de ler natildeo meramente teacutecnica como costuma grassar
nas escolas pouco afeitas a pensar a leitura de modo perquisitivo Esta dimensatildeo eacutetica natildeo se
semeia em escola assolada por pragmatismo que natildeo ama a educaccedilatildeo essa dimensatildeo
conforme Arendt (2009) anuncia tem no amor a medida de nossos compromissos Eacute
dimensatildeo que abarca decisatildeo poliacutetica eacute escolha pela salvaccedilatildeo pela convicccedilatildeo do
inacabamento freireano (FREIRE1999)
Muito brevemente fui percebendo entatildeo que na escola TRAVESSIA as relaccedilotildees de
gecircnero natildeo perpassavam como debate proposto pelo seu referido projeto de leitura E outra
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comprovaccedilatildeo disso foi aferida pela consulta que fiz do acervo da biblioteca especificamente
no que se refere agraves obras paradidaacuteticas que satildeo as selecionadas para investigaccedilatildeo em termos
de levantamento natildeo propriamente de anaacutelise dos textos neste estudo Em uma pequena
prateleira havia alguns livros tive o cuidado de ler suas fichas catalograacuteficas e identifiquei
que em nenhum deles tematizava-se gecircnero Conforme ainda me respondeu a coordenadora
do projeto de leitura nas listas de livros da biblioteca natildeo estava disponibilizada nenhuma
obra pelo menos que fosse de seu conhecimento que tratasse da temaacutetica de gecircnero
Indaguei-lhe se alguma educadora ou alunoa jaacute havia manifestado o interesse de procurar
obras com esta temaacutetica Respondeu-me que natildeo
E de fato parece natildeo haver uma existecircncia farta de textos publicados para a
literatura infanto-juvenil trazendo o foco especiacutefico no tema das relaccedilotildees de gecircnero em uma
perspectiva de resistecircncia de oferta de um olhar desconstrutor de formas de se constituir
subjetividades masculinas e femininas Existem obras como A bolsa amarela de Lygia
Bojunga Nunes (2003) Faca sem ponta e galinha sem peacute de Ruth Rocha (2008) e outras
poucas no universo literaacuterio infanto-juvenil brasileiro que enfocam a temaacutetica de gecircnero e
que poderiam estar entre os parcos livros daquele espaccedilo-leitor mas natildeo estatildeo
Mesmo assim a ausecircncia de obras que tratem das iniquidades de gecircnero agrave luz de sua
problematizaccedilatildeo por si soacute natildeo eacute referecircncia de que natildeo haacute a temaacutetica em tela naquele espaccedilo
Ademais a ausecircncia de obras emblemaacuteticas que pontuem o debate proacute-equidade natildeo eacute oacutebice
para que se olhe a questatildeo do alto das indicaccedilotildees das diretrizes educacionais que propotildeem o
desmantelo das assimetrias de gecircnero Para isto basta que se problematizem as leituras de todo
um artefato cultural com sentidos que sedimentam um imaginaacuterio inferiorizante da mulher e
constroem o diferente como abjeto Basta natildeo silenciar diante de artefatos que circulam
construindo sentidos e configurando infacircncias e adolescecircncias prensadas em estereoacutetipos de
gecircnero Estes artefatos circulam socialmente e podem ser lidos como a AD pontua indagar
natildeo o que o texto significa mas como significa
Os sentidos segundo essa disciplina natildeo satildeo fixos natildeo existem em si mesmos
mesmo que sejam administrados (PEcircCHEUX 2012) A escola por isto deve olhar com
atenccedilatildeo todo artefato que lhe chega e o que ela produz como uma forma de militar pela
construccedilatildeo de uma praacutetica de liberdade na qual homens e mulheres desfamiliarizam-se com
as incontaacuteveis narrativas que cruzam suas heterogecircneas formaccedilotildees discursivas Se isto natildeo faz
parte do cotidiano das praacuteticas leitoras dosas educadoresas assimilado como uma questatildeo
poliacutetica uma questatildeo de resistecircncia assimilado aleacutem do que propotildee cursos de formaccedilatildeo de
nada adiantam obras construiacutedas agrave luz da teoria de gecircnero postas em um acervo bibliotecaacuterio
89
De toda sorte a ausecircncia de textos que evoquem leituras militantes fala de uma presenccedila natildeo-
dita fala de um vazio preenchido por uma leitura descomprometida com a pauta
reivindicatoacuteria dos direitos das mulheres e dos direitos da populaccedilatildeo LGBT (leacutesbicas gays
bissexuais travestis transexuais e transgecircneros)
33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos
Nos percalccedilos da travessia na escola verifiquei tambeacutem por outros modos conforme
propus como empiria desta pesquisa que ali natildeo se dava visibilidade ao debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero Comprovei isso ainda pelos depoimentos de educadoresas que em vaacuterios
momentos nos diaacutelogos que tivemos ressaltaram perceber a ausecircncia do tema mesmo
reconhecido por alguns a sua relevacircncia para a construccedilatildeo da cidadania plena Houve registros
orais disso por parte de profissional da biblioteca e de demais educadoresas os quais irei
descrevecirc-los ao longo deste capiacutetulo por consideraacute-los relevantes para a anaacutelise Um desses
registros se deu no relato proferido pela professora Denise que entre as tarefas de emprestar
e guardar livros aquela profissional relatou-me que guarda assiduamente aleacutem de livros
histoacuterias de vida de alunosalunas desabafando sobre conflitos
Denise que estaacute na TRAVESSIA haacute seis anos atesta que haacute naquela unidade escolar
muitos problemas ligados agrave questatildeo da sexualidade da identidade da violecircncia de gecircnero e
domeacutestica Ouvi atentamente a ecircnfase que deu na violecircncia domeacutestica trazida de casa por
meninos e meninas que para esta profissional provoca-lhes ansiedade e revolta Daquela
informante extrai que acirrados conflitos de natureza de gecircnero vividos por aquele grupo de
crianccedilas e adolescentes satildeo como que despejados ali Assim compreendi ser quando lhe
indaguei acerca de accedilotildees para o enfrentamento desses conflitos e afora os atendimentos pelos
especialistas o que eacute tiacutepico e corriqueiro ela me respondeu que natildeo se faz mais nada naquele
espaccedilo Esse nada esteve como resposta referente agrave indagaccedilatildeo que lhe fiz pontuando se o
projeto de leitura natildeo trabalhava especificamente em forma de debates com textos que
evocassem reflexotildees socializaccedilatildeo envolvimento com as famiacutelias e enfrentamento dessas
questotildees
A cada momento no chatildeo da escola natildeo me passava incoacutelume a presenccedila tatildeo
avassaladora de conflitos envolvendo violecircncia de gecircnero reveladas pelas praacuteticas discursivas
de outrosas informantes desta pesquisa Em uma de minhas visitas agrave escola todavia em 4 de
outubro2013 registrei um relato que me fez refletir com mais ecircnfase sobre as relaccedilotildees de
poder como praacuteticas integrantes do cotidiano em grande extensatildeo Esta reflexatildeo se deu
90
quando dialoguei com Rosa professora de Inglecircs haacute vinte anos Soliacutecita em me atender a
educadora revelou por diversas vezes o desejo de desabafar mas expressando sinceridade
mesmo que me chocasse E falou enfaticamente a partir de um status conservador que rejeita
os estudos e as bandeiras dos DH as ideias sobre sexualidade e gecircnero defendidas por
ldquoeducadoresas modernosrdquo por achar que o mundo bom em seu dizer ldquoeacute aquele onde
existem regras moral repressatildeo E que isto parece querer acabarrdquo
Para Rosa as tecnologias enunciativas que propotildeem uma nova ordem de reflexatildeo e
comportamento eacute uma desordem um mal Natildeo exatamente com essas palavras mas trazendo
este sentido respondeu-me a docente quando lhe indaguei acerca da inserccedilatildeo do debate dobre
gecircnero respaldada nas questotildees trazidas pela legislaccedilatildeo educacional Seu olhar aposta na
repressatildeo no silecircncio em especial agraves garotas que estatildeo muito soltas a seu ver Esta
informante sem o menor embaraccedilo relatou-me que a escola vivia momentos difiacuteceis com
uma explosatildeo da sexualidade da sua juventude e que isso era efeito da falta ldquode freiordquo Para
sustentar suas ideias relatou-me um fato haviam recentemente passado por uma experiecircncia
dificiacutelima com a depressatildeo de uma jovem que se autoflagelou (cortando o corpo em vaacuterias
partes) depois de ter tido sua imagem exposta publicamente em rede social quando fez sexo
com vaacuterios garotos e permitiu que eles filmassem o ato O comportamento da aluna opinou a
educadora foi muito vulgar rendeu-lhe depressatildeo chacota desonra preocupaccedilotildees para a
famiacutelia
Da discursividade de Rosa emanava rigidez de comportamento repressatildeo inclusive
fazendo a defesa do controle dos corpos pela instituiccedilatildeo Sem nenhum ressentimento de estar
errada nem extemporacircnea esta docente assumiu que se preocupava veementemente com as
roupas as danccedilas os comportamentos das meninas que a seu ver eram consideradas como
ldquoassanhadinhas perdidasrdquo Sua vigilacircncia acreditava esta informante era o melhor para a
escola E de forma diferenciada dirigia o controle a meninos e meninas para elas os
cuidados eram focados na sexualidade com relaccedilatildeo aos garotos a vida social deles como um
todo tinha sua apreensatildeo Aos meninos preocupaccedilotildees de natureza diferente eram por ela
dispensadas cuidados com as drogas o aprendizado a violecircncia a marginalidade Agraves
questotildees ligadas agrave sexualidade e ao corpo dos garotos havia um silecircncio um natildeo dito
permissivo da parte dela como se soacute a eles lhes coubesse o direito de viver seus desejos
sexuais
Ao ouvir a apropriaccedilatildeo do discurso da construccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
naquela voz educadora veio-me pela memoacuteria discursiva agrave lembranccedila o discriminador dito
popular ldquosegure sua cabrita que meu bode estaacute soltordquo O ditado que trata assimetricamente
91
homens e mulheres veio-me [meu bode estaacute solto] pelo silecircncio permissivo da educadora agrave
ordem machista quanto ao que podem os meninos satildeo livres E veio-me [segure sua cabrita]
pela fala dela quanto agrave ordem repressiva do que natildeo podem as meninas precisam de
cabrestos Tatildeo iniacutequo esse dito poderia ser pronunciado por aquela voz educadora para
sintetizar seu olhar insensiacutevel agraves questotildees trazidas pelos campos dos estudos de gecircnero Um
olhar de uma educadora turvado de preconceito machista em meio a toda uma
problematizaccedilatildeo que o coletivo de mulheres tenta construir sobre igualdade de direitos eacute um
olhar que destoa com praacuteticas de liberdade e aduz com a indagaccedilatildeo de Foucault no tocante agrave
regulaccedilatildeo dos comportamentos entre outras instituiccedilotildees pela escola
O que eacute afinal um sistema de ensino senatildeo uma ritualizaccedilatildeo da palavra senatildeo uma
qualificaccedilatildeo e uma fixaccedilatildeo de papeacuteis para os sujeitos que falam senatildeo a constituiccedilatildeo
de um grupo doutrinaacuterio ao menos difuso senatildeo uma distribuiccedilatildeo e uma apropriaccedilatildeo
do discurso com seus poderes e seus saberes [] (FOUCAULT 2011 p 44-45)
Na consonacircncia com o que diz Foucault (2011) os depoimentos de Rosa podem ser
vistos como os que se apropriam de um discurso que se arvora no papel de controlar sujeitos
pautados no poder institucional escolar E mesmo quando este poder passa a ser enxertado por
outra ordem discursiva que abala pilares conservadores a educadora eacute refrataacuteria agrave nova
ordem e defende o controle da doutrina da coerccedilatildeo de comportamentos tachando as alunas
que se lanccedilam nas descobertas da sexualidade como vulgares Isso fez com que ela fosse
redutora no olhar que dirigiu agrave menina de sua histoacuteria viacutetima do machismo de um grupo de
colegas ainda eacute a condenada pela autoridade escolar Indaguei-lhe o que fizeram com os
meninos que expuseram a garota Sua resposta anunciou um conservadorismo atravessado por
gecircnero
- Foram chamados na direccedilatildeo advertidos Mas satildeo homens
Homens que usam mulheres humilham-nas expotildeem-nas A ressalva pontuada pela
materialidade linguiacutestica da conjunccedilatildeo adversativa mas no enunciado de Rosa reforccedila seu
olhar segregacionista machista seu status de sujeito que anuncia de um lugar conservador
ldquoMas satildeo homensrdquo eacute o enunciado campo para o natildeo dito brotar nada lhes pega mal na
instacircncia da sexualidade assim subjaz um discurso assimeacutetrico de gecircnero naquela voz Na
concepccedilatildeo daquela educadora ser homem eacute um atributo para a libertinagem aleacutem do direito agrave
liberdade
92
Percebi ali que passando ao largo de um debate que contemple problematizar
preconceitos machistas assimetrias de gecircneros alguns profissionais aleacutem de Rosa lidam de
forma tensa e iniacutequa com o despertar da sexualidade dessesas jovens especialmente na
representaccedilatildeo dos papeacuteis do masculino e do feminino Vale todavia fazer o registro de que
osas colaboradoresas observadosas e entrevistadosas natildeo podem ser vistos como
vilotildeesvilatildes nem portadoresas de verdades ou falsidades mas como sujeitos que se engrenam
em poderes e saberes culturas comportamentos disciplinados historicamente dados por isso
passiacuteveis de movecircncias de transformaccedilotildees
34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades
E ainda sequenciando a explanaccedilatildeo do campo empiacuterico que faz parte desta pesquisa
pontuo que averiguei o quanto o projeto de leitura era desvinculado de uma problematizaccedilatildeo
sobre as relaccedilotildees de gecircnero com base na anaacutelise das respostas do questionaacuterio aplicado junto
agravesaos educadoresas Aqui farei o entrelaccedilamento da anaacutelise dos resultados deste instrumento
com mais relatos que geraram dados para este estudo
Como um dos pontos do processo investigativo recorri agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio
com osas demais educadoresas envolvidosas com o projeto com o propoacutesito de avaliar
como a accedilatildeo leitora eacute apreendida por outros sujeitos considerando que inicialmente apenas
trabalhei com a coordenaccedilatildeo do projeto A aplicaccedilatildeo deste instrumento foi solicitada depois
de alguns diaacutelogos com membros da equipe pedagoacutegica da escola agrave Diana coordenadora do
projeto de leitura que de forma bastante soliacutecita concordou disponibilizando-se para
colaborar e recebeu em matildeos dez coacutepias do questionaacuterio para distribuir com educadoresas
integrantes do trabalho ali desenvolvido Anteriormente jaacute havia feito o convite aosagraves
professoresas para que participassem da pesquisa assegurando-lhes o respeito ao anonimato
caso assim o desejassem Dos dez instrumentos entregues apenas de um natildeo houve a
devolutiva o que me fez ter a colaboraccedilatildeo de um nuacutemero satisfatoacuterio considerando o total de
professoresas na instacircncia educacional em tela envolvidosas com o referido projeto
Para esse instrumento investigativo foram articulados enunciados pensando na
contribuiccedilatildeo para as reflexotildees que preciso construir considerando que o sujeito fala sempre a
partir de especiacuteficas posiccedilotildees histoacutericas e culturais de praacuteticas descontiacutenuas que se cruzam
se desconhecem se justapotildeem enfim que natildeo se pode apreendecirc-las de forma objetiva e
neutra (cf FOUCAULT 2011 2012) Vale ressalvar entatildeo de que a interaccedilatildeo que eacute feita com
as respostas dadas no documento investigativo natildeo pode ser vaticinada como uma revelaccedilatildeo
93
objetiva do real se assim o fosse natildeo estaria partilhando com a perspectiva foucaultiana
como tambeacutem com a da criacutetica feminista poacutes-estruturalista as quais concebem que a verdade
eacute uma produccedilatildeo discursiva histoacuterica e social o que indica que natildeo haacute a verdade mas haacute a que
prevalece
No tocante agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio ouvi dosas respondentes em contatos
fortuitos que as questotildees formuladas foram bem interessantes A qualificaccedilatildeo de interessante
pelo que assimilei deveu-se agraves formulaccedilotildees que fizeram com que osas educadoresas
informantes refletissem sobre as suas praacuteticas discursivas Guiei-me para a confecccedilatildeo deste
instrumento investigativo entre outras pelas reflexotildees que o Poacutes-Estruturalismo traz em
termos de abrir caminhos para se pensar a realidade pontuando uma poliacutetica de
problematizaccedilatildeo da diferenccedila racial eacutetnica e de gecircnero As questotildees levantadas no
instrumento investigativo foram elaboradas considerando tambeacutem o norte interrogativo de que
se havia tal poliacutetica no que se refere agraves questotildees de gecircnero adentrado o espaccedilo escolar
E desse modo considerando que apoacutes a inserccedilatildeo da temaacutetica de gecircnero nas duas
uacuteltimas deacutecadas por meio tambeacutem de elementos enunciativos oficiais como os PCNs (1997) e
a LDBEN-96 que indicam o respeito agrave diversidade e agrave igualdade de direitos fui investigar
com este instrumento se oa educadora estava sendo formadoa para atuar (ou natildeo) por uma
sociedade em que as assimetrias de gecircnero fossem combatidas Por seu turno trazendo a
interface temaacutetica de gecircnero com a perspectiva da leitura discursiva na qual ler eacute mais do que
decodificar eacute se inscrever socialmente procurei elaborar questatildeo que pontuasse como a
leitura se desenvolvia no projeto
Busquei enfim enunciados que tratassem das discursividades docentes referentes agrave
construccedilatildeo social do gecircnero e agrave leitura como praacutetica social Assim os propus
1 O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto A
CestaSexta Literaacuteria (marque ateacute trecircs principais questotildees)
1a ( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo
1b ( ) Uma atividade prazerosa
1c ( ) A escola natildeo valoriza a leitura
1d ( ) A escola valoriza pouco a leitura
1e ( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais
Outra __________________________________
Trecircs enunciados foram sumamente considerados 1a 1c e 1e instrumento de ajuda
na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo a escola natildeo valoriza a leitura e o de que eacute um estiacutemulo agraves
transformaccedilotildees sociais Chamou-me atenccedilatildeo a marcaccedilatildeo de que a escola natildeo valoriza a leitura
94
(1c) por tudo o que essa praacutetica pode significar marcado no uacuteltimo item possibilidade de
mudanccedilas sociais Tambeacutem a ausecircncia de marcaccedilatildeo no enunciado que vecirc na leitura uma
atividade prazerosa (1b) eacute um indicativo que incita reflexotildees considerando que a formaccedilatildeo
doa leitora tem vinculaccedilatildeo profunda com o prazer de ler E estas reflexotildees me trazem agrave
lembranccedila a informaccedilatildeo da 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil na qual eacute
pontuada a problemaacutetica de que a escola brasileira natildeo sedimenta a leitura oferece o acesso
mas natildeo sabe semear o prazer pelo ato de ler Segundo indicadores da pesquisa aqui os
rememorando 44 dos alunos da rede privada e 46 da puacuteblica afirmaram ter como
motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola Com as reflexotildees que a natildeo-marcaccedilatildeo do
enunciado 1b suscita vieram-me agrave lembranccedila tambeacutem Carlos Drummond de Andrade
(1983) e Rubem Alves (2004) quando esses aticcedilam poeticamente o desejo pelos requintes do
mergulho nas deliacutecias das leituras natildeo-obrigatoacuterias das que nascem da fome de ler da fome
de aticcedilar a imaginaccedilatildeo as reflexotildees que podem advir de uma leitura fecunda
Esse enunciado natildeo marcado pelosas educadoresas pontua uma denuacutencia de
desvalor pela escola a uma de suas eleitas funccedilotildees formadoras a da leitura Decerto que isto
reflete todo o descaso que o poder puacuteblico historicamente tem feito em termos de poliacuteticas
voltadas ao estiacutemulo agrave leitura agrave valorizaccedilatildeo da educaccedilatildeo Haacute uma heranccedila de deficiecircncia
educacional da qual soacute recentemente se tem cuidado natildeo ainda o suficiente ainda de modo
piacutefio melhor dizendo mas despontam investimentos maiores do que jaacute houve Investimentos
piacutefios ou natildeo investimentos Este eacute um legado que tatildeo bem lembra Werthein (2008) ao citar
as relaccedilotildees de poder-saber pertencentes agrave elite econocircmica brasileira que se instruiacutea na
Europa agrave eacutepoca do Brasil Colocircnia enquanto que ao povo lhe era negado o direito agrave escola
Quando o acesso agrave educaccedilatildeo puacuteblica se torna realidade a qualidade natildeo faz parte desta
conquista Disto se sabe a estrutura que a educaccedilatildeo puacuteblica oferta aos seus usuaacuterios em
termos de praacuteticas leitoras eacute deficitaacuteria As salas de aulas lotadas os pequenos acervos as
escolhas dos livros com os criteacuterios mercadoloacutegicos agrave frente os parcos recursos tecnoloacutegicos
para facilitarem animaccedilotildees adequadas a pouca reflexibilidade das famiacutelias quanto agrave leitura
em casa entre tantas outras satildeo condiccedilotildees que educadoresas elencam como obstaacuteculos a uma
experiecircncia prazerosa com a leitura
As condiccedilotildees limitadoras acima elencadas natildeo foram extraiacutedas pelas respostas ao
questionaacuterio Foram informaccedilotildees que obtive em diaacutelogo com a professora Mari em uma das
minhas visitas agrave escola (diaacuterio de campo13set2013) Apoacutes esta me informar sobre a
ausecircncia da temaacutetica de gecircnero em suas praacuteticas indaguei-lhe se natildeo considerava pertinente
trabalhar com textos que abordassem a violecircncia de gecircnero Fiz a pergunta tendo em vista o
95
que anunciam Carvalho (2003) e Louro (2012) no tocante agrave percepccedilatildeo dessas estudiosas de
que natildeo haacute distacircncia da temaacutetica ela eacute entranhada no espaccedilo escolar fabricando sujeitos
Educadoresas tecircm desse modo a possibilidade de contribuir reflexivamente sobre que
construccedilatildeo discursiva se faz com esses sujeitos reforccedilam preconceitos e estereoacutetipos de
gecircnero ou garantem o direito a esses de uma digna imagem de si Natildeo haacute neutralidade o
tempo todo somos tramados por linguagem que nos moldam
E para suscitar este debate as diretrizes educacionais inclusivas como as
positivadas em Resoluccedilatildeo 0112 no PNDH nos PCNs e na LDB satildeo aportes que chegam
ocupando gavetas escolares e atenccedilatildeo em eventos de formaccedilotildees continuadas mas se estas
estatildeo incorporadas nas praacuteticas discursivas dosas fazedoresas da educaccedilatildeo eacute outra questatildeo E
foi isso que ali atestei na entrevista com Mari a professora de Liacutengua Portuguesa suas
inquietaccedilotildees evidenciaram a lacuna entre as tecnologias oficiais por ela conhecidas e a sua
praacutetica discursiva Agrave minha indagaccedilatildeo acerca da necessidade de trabalhar para uma
consciecircncia de gecircnero sem titubear ela me respondeu
- Dou-me por satisfeita quando faccedilo meus alunos [e alunas] lerem O que leem natildeo
faz parte de minhas expectativas
Mais um enunciado que destrincha que carrega frustraccedilotildees profissionais de vozes
emparedadas pelos muros escolares de um sistema educacional feito para engessar
mobilizaccedilatildeo social ressoou ali Investimentos parcos na educaccedilatildeo puacuteblica que resultam em
peacutessimas condiccedilotildees de trabalhos minguaram as expectativas de uma mulher ainda jovem com
poucos anos de formada que parece entender o quanto a leitura pode propiciar criticidade o
que leem soou em sua voz com forccedila com tom de importacircncia Mas isso depende de suas
vinculaccedilotildees com accedilotildees poliacuteticas como remete Freire (2002) com accedilotildees planejadas como
indicam estudiososas da leitura e daacute trabalho propocirc-las naquele ambiente tatildeo hostil agrave leitura
aos olhos de Mari E ela abriu matildeo disso confessamente
Natildeo pude deixar de suspeitar de que talvez sem estar protegida pelo anonimato
aquela educadora que me disse natildeo ser do quadro efetivo dosas servidoresas por isto natildeo se
sentia segura para fazer criacuteticas agrave educaccedilatildeo na rede municipal natildeo tivesse tido a coragem de
se expor tatildeo cruamente Expocircs-se e trouxe agraves vistas uma das piores chagas da escola puacuteblica
brasileira a de que a leitura natildeo tem o lugar que deveria conforme Antunes (2009) anuncia
lugar de destaque de centro de alimento de patildeo diaacuterio Na contramatildeo de investimentos
intelectuais e financeiros em letramento tocircnica educacional das uacuteltimas deacutecadas Mari se
96
contentava com a mera decodificaccedilatildeo com a leitura que poderia promover ao maacuteximo oa
estudante aagrave trabalhadora natildeo aagrave cidadatildeoatilde Haacute uma relaccedilatildeo entre esta tocircnica de
descompromisso dito em escola paraibana ressoada pelo que pontua Bastos (2012) em outro
espaccedilo do territoacuterio brasileiro o baiano de que a escola precisa cumprir sua funccedilatildeo social e
atrair para o ato de ler este grupo de excluiacutedo para quem a leitura natildeo eacute gecircnero de primeira
necessidade
Retornando ao questionaacuterio tambeacutem respondido por esta informante na segunda
questatildeo deste instrumento objetivei inquirir sobre o que se lecirc avaliando quais conteuacutedos
eram promovidos pelo projeto
2 O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos
Direitos Humanos
( ) sim ( ) natildeo
Apesar de destoante com o que apresenta o documento do projeto de leitura que
conforme jaacute referido natildeo evidencia trabalhar temas atinentes aos DH das nove respostas a
esta questatildeo sete percebem a presenccedila de temas no projeto de leitura que focam reflexotildees
com tais temaacuteticas Na formulaccedilatildeo do enunciado foi pontuado o racismo e de forma
generalizada a expressatildeo preconceitos inviabilizando melhor percepccedilatildeo do que consta como
defesa dos DH Mas na questatildeo seguinte a de nuacutemero trecircs articulei a especiacutefica questatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero interessada em averiguar qual o comprometimento da escola por seus
propoacutesitos educacionais e poliacuteticos especificamente em seu projeto de leitura com o campo
de gecircnero
3 O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto
( ) sim ( ) natildeo
Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior
3a ( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas
3b ( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica
escolar de engajamento no combate agraves assimetrias de gecircnero
3c ( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema no projeto de leitura
3d ( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e
como muitas leituras reforccedilam os padrotildees sexistas presentes na sociedade
( ) outra ____________________________
97
As respostas da segunda questatildeo foram quase totalizadoras de que haacute a existecircncia de
um estiacutemulo agraves reflexotildees pertinentes agraves temaacuteticas dos DH pelo projeto de leitura desenvolvido
na escola Quanto agrave terceira todosas nove respondentes afirmaram que natildeo haacute a incorporaccedilatildeo
temaacutetica de gecircnero nas leituras feitas pelo projeto e por conseguinte marcaram a proposiccedilatildeo
3c O cruzamento da anaacutelise dessas duas questotildees pode evidenciar o quanto debater gecircnero
parece ser mais aacutespero menos necessaacuterio do que enveredar por outros caminhos que os DH
embandeiram Esta dissociaccedilatildeo chamou-me atenccedilatildeo e me fez refletir quanto esta temaacutetica
passa ao largo de accedilotildees de leitura em um momento em que se discute recontar textos agrave luz de
teorias de gecircnero respaldada a recontagem na militacircncia do coletivo de mulheres que deseja
ver desconstruiacutedas imagens que as fragilizam
O debate conforme responderam osas educadoresas natildeo aparece no projeto de
leitura assim pode natildeo estar incorporado sistematicamente como accedilatildeo poliacutetica de resistecircncia
relembrando o dito por Foucault (2004a 2012) Em um dos meus diaacutelogos com a
coordenadora do projeto na visita de 28 de setembro de 2013 fazendo inquiriccedilotildees sobre a
percepccedilatildeo dela quanto ao conceito de gecircnero das obras presentes no espaccedilo da biblioteca
acerca desse campo obtive de mais uma informante desta pesquisa que natildeo havia obra ali
com esta perspectiva Este tema precisaria ser inserido passava ao largo o foco nas relaccedilotildees
de gecircnero Falou-me que ao selecionar textos natildeo traz este olhar previamente Quando lhe
indaguei como via a omissatildeo da temaacutetica respondeu-me
- Percebo a omissatildeo agora com sua presenccedila que faz sentido discutir gecircnero Mas
como faccedilo isto Quais textos devem ser trabalhados
E eu lhe escutei sem entender como esta educadora natildeo atentaria que subjaz em regra
nos diversos gecircneros textuais um olhar construtor de gecircnero Haacute olhares sobre mulheres
negras brancas jovens idosas de classes e etnias diferentes nos quais subjazem nos gecircneros
textuais a iniquidade de gecircnero social Plasmada em letras de muacutesicas livros didaacuteticos
paradidaacuteticos canccedilotildees histoacuterias piadas publicidades mateacuterias jornaliacutesticas cantadas enfim
sob os mais diversos formatos haacute a temaacutetica de gecircnero Indaguei-lhe se acharia que a
ausecircncia de textos especiacuteficos para o enfrentamento agrave iniquidade de gecircnero poderia mesmo
ser oacutebice para a exploraccedilatildeo da temaacutetica considerando que ela estaacute no imaginaacuterio social de
alguma forma precisando ser desconstruiacuteda Ela foi sincera e confessou que natildeo atentava para
a presenccedila da temaacutetica perpassando em tantos gecircneros textuais A invisibilidade da violecircncia
de gecircnero deu sinais naquele depoimento De modo letaacutergico natildeo sendo contemplada em
98
leituras escolares nem vista em textos que fazem parte do cotidiano das prateleiras de
bibliotecas dos aparelhos de som e das mochilas escolares a invisibilidade fazia acenos pelos
sentidos que aquela educadora concedia ao ato de ler
O ato de ler natildeo se esgota em livros bibliotecas professoresas escolas Nascem de
olhos que veem que planejam que seduzem Silva (2011) aduz que as praacuteticas de leitura
escolar natildeo podem nascer do acaso nem do autoritarismo de tarefas mas de uma programaccedilatildeo
envolvente E isto perpassa essencialmente por uma formaccedilatildeo que privilegie praacuteticas de
liberdade consciecircncia da importacircncia de uma construccedilatildeo coletiva do lugar de si e do outro no
mundo que nos cerca Dessa formaccedilatildeo o poder puacuteblico tem dito se preocupar Eacute com o que
parecem concordar osas entrevistadosas diante da seguinte questatildeo
4 Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel
inicial quanto na continuada tem preparado o (a) profissional para uma praacutetica
pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar
( ) sim ( ) natildeo
Essa questatildeo objetivou perceber de que forma as poliacuteticas puacuteblicas de formaccedilatildeo
inicial e continuada satildeo percebidas Eacute algo que merece a atenccedilatildeo ser averiguado seriam essas
formaccedilotildees proficientes excessivamente teoacutericas de que modo essas praacuteticas discursivas
equipam essesas profissionais para impactar suas atuaccedilotildees Investigar o que de fato tem
atravessado os discursos das formaccedilotildees e ressoado no chatildeo da escola nos modos de
subjetivaccedilatildeo dessesas professoresas leitoresas eacute de uma pertinecircncia tamanha para quem se
envolve com a educaccedilatildeo como praacutetica de liberdade no sentido foucaultiano Dizendo de outro
modo eacute salutar buscar se haacute verdades novas atinentes ao que propotildeem os DH sobre a
equidade de gecircnero sobre a desconstruccedilatildeo da constituiccedilatildeo do diferente enunciadas pelos
formadores em curso de capacitaccedilatildeo e nas formaccedilotildees iniciais e quais tecircm sido seus efeitos
Com a aplicaccedilatildeo da quarta questatildeo pude avaliar como satildeo afetadas as relaccedilotildees de gecircnero pela
ingestatildeo do debate pelas tecnologias formadoras E de fato a totalidade dosas respondentes
afirmou que recebe uma formaccedilatildeo que capacita que contempla o debate sobre a construccedilatildeo
das diferenccedilas e a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar
Entre todavia o recebimento de uma formaccedilatildeo capaz de problematizar as
assimetrias de gecircnero e a implementaccedilatildeo por parte dessesas educadoresas de uma praacutetica
discursiva que lhes capacite romper com uma memoacuteria discursiva que interdita uma condiccedilatildeo
de vida sem subalternidades existem seacuteculos de jogos de verdade nos quais os processos de
subjetivaccedilatildeo transigem segundo regras histoacutericas Satildeo jogos que perpassam doutrinas
99
pedagoacutegicas sustentando uma superioridade intelectual dos homens por isto destinando
lugares distintos para homens e mulheres (o puacuteblico aos homens o privado agraves mulheres)
Satildeo jogos de verdade que destinam comportamentos diferenciados aos sexos constituindo o
gecircnero sustentando a inferioridade feminina a construccedilatildeo da diferenccedila do padratildeo
heterossexual como desvio como patologia entre tantos outros jogos de verdade
E as regras histoacutericas hoje consideram lentamente uma ordem discursiva que se
desenha na qual as muralhas androcecircntricas sofrem o abalo de uma atuaccedilatildeo poliacutetica do
coletivo de mulheres e do LGBT que se empoderam com o ativismo autoral por respeito agraves
diferenccedilas Pude constar isto em uma visitaccedilatildeo que fiz agrave escola em 24 de outubro de 2013 Em
diaacutelogo com Elisa uma professora com 15 anos de atuaccedilatildeo profissional no qual lhe indaguei
sobre sua percepccedilatildeo acerca da presenccedila das relaccedilotildees de gecircnero no cotidiano escolar acerca da
vinculaccedilatildeo (ou natildeo) entre suas praacuteticas leitoras e estas questotildees Muito rapidamente ela se
posicionou como uma conservadora e se disse escandalizada com as transformaccedilotildees sociais
que via emergir em termos de comportamentos sexuais inclusive ali na escola Ouvi um
desabafo inusitado desta informante que presenciou uma cena de beijos entre duas
adolescentes
- Natildeo vejo a hora de sair desta escola Aqui todos satildeo danados E as meninas nem se
falam Peguei duas aos beijos fui intervir e ouvi da menina
- Taacute com preconceito eacute professora
A narrativa daquela educadora me marcou e lhe indaguei se ela achava que estava
com preconceito conforme lhe indagou a menina Respondeu que sim pois sendo beijos entre
casais heterossexuais tambeacutem reprimiria o ato mas natildeo ficaria tatildeo aborrecida como ficou Fiz
a Elisa mais indagaccedilotildees inquirindo sobre o efeito das formaccedilotildees acadecircmicas pelas quais ela
tem passado Ela pareceu-me marcha por lugares onde soam ritmos diferentes E com suas
respostas fui remetida ao que diz Orlandi (2008) acerca do entrecruzamento de vozes que
torna o sujeito heterogecircneo e das condiccedilotildees de produccedilotildees do discurso que permitem
enunciados diferentes em determinados espaccedilos sociais Mesmo se dizendo refrataacuteria agraves
mudanccedilas Elisa disse aprovar as formaccedilotildees continuadas que ensinam a lidar com as
diferenccedilas apesar de natildeo conseguir concordar com o que escuta e vecirc
- Nas formaccedilotildees continuadas ateacute entendo a questatildeo do respeito mesmo sem
concordar ateacute entendo Mas quando presencio uma cena como a do beijo das meninas em
puacuteblico daacute um nojo acho uma falta de respeito natildeo concordo
100
E como demonstrou natildeo concordar Sua ecircnfase agrave cena me fez pensar no quanto
provavelmente o beijo das duas garotas consideradas desviantes lhe foi claramente chocante
mas natildeo menos e natildeo tatildeo claro foi chocante a ela o tom reivindicativo com o qual a aluna se
apoderou para evocar da professora uma postura mais reflexiva mais apropriada a sua funccedilatildeo
A desviante aos olhos de Elisa pode ter lhe lembrado de que para ser educadora ela deveria
estar atinente agraves novas poliacuteticas educacionais deveria ter postura de respeito agrave liberdade de
afeto seja de que maneira for Haacute o dever ao respeito agraves diferenccedilas assegurado legalmente
parece ter dito a menina ao lhe indagar sobre preconceito
Elisa segundo me informou caiu em si natildeo se sentia preparada para atuar ali
mesmo que se esforccedilasse para assimilar as diretrizes de uma escola inclusiva democraacutetica
natildeo discriminatoacuteria Essa professora se depara com formaccedilotildees discursivas conflitantes e entre
suas verdades e o que a escola deseja construir aos moldes de ser inclusiva angustia-se O
recrudescimento do constituiacutedo diferente que empoderado natildeo aceita ser abjeto (HALL
2011) e reivindica direitos pocircs em evidecircncia isto causando-lhe transtorno Uma firmeza da
menina desviante foi o estopim para gerar na professora a vontade de abandonar aquela
escola para natildeo ter que se desfazer de uma formaccedilatildeo discursiva cristalizadora de identidades
Formaccedilatildeo que talvez natildeo tenha lhe permitido enxergar amiuacutede toda sorte de preconceitos
insultos e ofensas vividos por outrosas desviantes tirando-lhes o chatildeo tirando-lhes da escola
Agora era o seu chatildeo que lhe fora retirado por um gesto de afirmaccedilatildeo de identidade de
altivez de peleja pela desconstruccedilatildeo de verdades
Restaria querer buscar outro chatildeo mais soacutelido mais firme na crosta essencialista
Mas para qual escola iria Mesmo timidamente o discurso da defesa da diversidade cultural
sexual e da equidade de direitos eacute um campo de luta que surge amparado em legislaccedilatildeo
educacional e em formaccedilotildees continuadas dispensadas aosagraves educadoresas Embora de forma
amena tangencial surge Eacute o contraponto a uma ordem conservadora de uma perspectiva
essencialista discriminadora que se faz surgir em praacuteticas discursivas instigadoras de
problematizaccedilotildees da iniquidade de gecircnero Acerca da presenccedila desse contraponto na escola
TRAVESSIA quis saber interrogando sobre as poliacuteticas educacionais no direcionamento do
que pode o menino e a menina toacutepico da quinta questatildeo
5 As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o
menino e o que pode a menina
( ) sim ( ) natildeo
101
5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e
meninas
5b ( ) comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento
5c ( ) ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual
5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que
satildeo naturalmente desiguais
Osas respondentes demonstraram natildeo perceber que a escola trata fortemente
desigual a ambos Em nenhuma resposta houve a marcaccedilatildeo para o enunciado 5c o qual
afirma que as poliacuteticas educacionais ainda comprometem a equidade de gecircnero Por sua vez a
negaccedilatildeo de que haacute discriminaccedilatildeo foi bem marcada pela maioria dos respondentes
5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e
meninas
Haacute uma coerecircncia interna na marcaccedilatildeo dessas respostas quando relacionado o
conjunto de todas as quatro proposiccedilotildees considerando que com a ausecircncia absoluta por parte
de todos os respondentes de marcaccedilatildeo com o enunciado a seguir haacute a indicaccedilatildeo de que osas
respondentes buscam negar ranccedilos essencialistas nas suas formaccedilotildees discursivas
5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que
satildeo naturalmente desiguais
O que me leva a assim pensar eacute a consideraccedilatildeo de que em nenhuma das respostas
houve marcaccedilatildeo na propositura acima indicada (5d Osas colaboradoresas da pesquisa
parecem querer evidenciar crer que natildeo somos homens e mulheres naturalmente desiguais
Somos ao contraacuterio construiacutedos desiguais detentores em princiacutepio de direitos iguais e a
escola parece querer respeitar esta conquista que eacute relativamente recente Parece mas
estabelecendo um diaacutelogo com vozes informantes desta pesquisa como as de Rosa e Elisa
por exemplo nem chega a parecer suas vozes carregam enunciados visivelmente
sedimentados na assimetria essencialista
Por sua vez com o enunciado da sexta questatildeo que intenciona captar de que forma a
escola tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo intervindo nas construccedilotildees de gecircnero
das crianccedilas e adolescentes foram evidenciados resultados que mostram possibilidades bem
reveladoras de olhares essencialistas Seguem a questatildeo e seus resultados
102
6 Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como
natildeo apropriados para seu sexo qual a leitura feita
6a ( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada
crianccedila
6b ( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado
6c ( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
Outro _______________________________
Apenas dois tipos de respostas foram marcadas Unicamente uma pontuaccedilatildeo para a
proposiccedilatildeo 6a que anuncia Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras
de cada crianccedila Esta percepccedilatildeo solitaacuteria vai ao encontro de um olhar que aceita
problematizar padrotildees hegemocircnicos aceita contrariar jogos de poder que reproduzem
estigmatizaccedilotildees discriminaccedilotildees sexistas assimetrias de gecircnero Por seu turno oito dosas
nove colaboradoresas disseram que procuram redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
(6c) Uma indicaccedilatildeo de que raciocinam por uma loacutegica essencialista dual homogeinizante
normalanormal Uma loacutegica que exclui os que rompem com os padrotildees identitaacuterios de
gecircnero e mesmo que evite expocirc-los constrangecirc-los natildeo os aceita tenta enquadraacute-los Satildeo os
saberes-poderes que permitem o governo de sujeitos por outros os processos de subjetivaccedilatildeo
sendo instaurados por verdades veiculadas pelas instituiccedilotildees
O poder funciona e se exerce em rede Nas suas malhas os indiviacuteduos natildeo soacute
circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer este poder e de sofrer sua accedilatildeo
nunca satildeo o alvo inerte ou consentido do poder satildeo sempre centros de transmissatildeo
Em outros termos o poder natildeo se aplica aos indiviacuteduos passa por eles
(FOUCAULT 2012 p 45)
Para corroborar a afirmaccedilatildeo de Foucault (2012) que fala deste poder dispersado
localizado pelo pensador nas relaccedilotildees sociais como um todo retorno aos fragmentos retirados
dessa pesquisa refletindo sobre o poder em sua dimensatildeo relacional A quase totalidade dosas
educadoresas vigiada possivelmente pelos olhares de pais direccedilatildeo colegas por enunciados
que circulam em documentos escolares em formaccedilotildees e cursos posiciona-se dubiamente
concebe a polaridade fixa dos gecircneros exerce entatildeo o poder de redirecionar o interesse do
considerado desviante Mas natildeo expotildee quem a contraria Estariam sendo desestimulados
essesas colaboradoresas pelas bandeiras anti-homofoacutebicas Bom sinal para o ativismo
poliacutetico da populaccedilatildeo LGBT que historicamente sofre as agruras do preconceito e da
discriminaccedilatildeo confrontando isto com o que reza um dos princiacutepios do Plano Nacional da
Promoccedilatildeo da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT lanccedilado em 2009 ldquoUm Estado
Democraacutetico de Direito natildeo pode aceitar praacuteticas sociais e institucionais que criminalizam
103
estigmatizam e marginalizam as pessoas por motivo de sexo orientaccedilatildeo sexual eou
identidade de gecircnerordquo (Secretaria Especial dos Direitos Humanos 2009 p11)
Com os sentidos afiados em confluecircncia com o olhar de Louro (2012) um passeio
pela escola e pelas respostas apresentadas neste instrumento de investigaccedilatildeo revelam o quanto
praacuteticas escolares expressam uma constituiccedilatildeo discursiva com fixaccedilatildeo de comportamentos
adequados para meninos e meninas Ora rechaccedilando ora respaldando o fato eacute que os modelos
socialmente valorizados ainda satildeo os que estereotipam meninas como fraacutegeis esforccediladas e
meninos como inteligentes fortes Isso resulta em confronto em fabricaccedilotildees de estereoacutetipos
Para a elaboraccedilatildeo da seacutetima questatildeo que possui este elo busquei reflexotildees no pensamento de
Foucault (2004a 2004c) quando esse propotildee o cuidado de si as praacuteticas que constituem uma
subjetividade eacutetica Penso que a defesa de uma vigilacircncia sobre construccedilotildees discursivas que
fabricam mulheres objetos coisificadas veiculadas em toda sorte de artefato cultural deve ser
constituiacuteda se o rompimento com esse modelo eacute desejado E considero a ausecircncia desta
vigilacircncia por parte dosas educadoresas como uma lacuna que impede a quebra substancial
com um paradigma machista Eacute esse paradigma que permite uma praacutetica discursiva dos
homens em fazer as inuacutemeras piadas sobre loura as incontaacuteveis formas de estereotipar as
mulheres no que se refere a sua intelectualidade a sua atribuiacuteda inabililidade para dirigir para
exercer certas profissotildees relacionando grosseiramente beleza agrave burrice enfim formas
conflituosas de se perceber um ao outro fazem parte de um repertoacuterio que resolvi imprimir em
minhas inquiriccedilotildees
7 Como mediadora de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de
preconceito uma expressatildeo de conflitos entre olhares de meninos e de meninas
7a ( ) pouco eacute natural a disputa
7b ( ) interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de
discriminaccedilatildeo
7c ( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa
As respostas foram incisivamente favoraacuteveis agrave intervenccedilatildeo A marcaccedilatildeo da totalidade
dosas respondentes para o enunciado 7b parece indicar que na contramatildeo de ser
inadequadamente omisso diante de discriminaccedilatildeo ningueacutem deseja estar embora possa
paradoxalmente direcionar comportamentos conforme anunciado pelas respostas da questatildeo
6c Natildeo haveria aiacute a manifestaccedilatildeo de que se natildeo aceitamos uma nova ordem de interesses por
parte de crianccedilas conforme enunciado da sexta questatildeo que soacute obteve uma marcaccedilatildeo eacute
104
porque natildeo duvidamos do que tenha sido naturalizado construiacutedo discursivamente como o
outro o diferente
Estas dissonacircncias entre interferir em manifestaccedilotildees de preconceitos e construir
possibilidades de exercer controle sobre o outro o desviante da pressuposta normalidade
mesmo que de forma discreta podem estar expressando modos de subjetivaccedilatildeo nos quais
sujeitos expostos agraves diversas formaccedilotildees discursivas assimilam mudanccedilas ordens interesses
Em outros momentos todavia retecircm-se com perspectivas essencialistas que osas impedem
de apropriar-se do que recomendam as tecnologias oficiais no tocante por exemplo ao
respeito agrave diversidade humana aos conhecimentos dos processos de construccedilatildeo do diferente
como o outro o abjeto Osas educadoresas expressam entatildeo em muitas tentativas de quebra
de paradigmas que os jogos por verdades se datildeo de modo processual refletem lutas poderes
e resistecircncias dispersando e replicando vozes
Considerando a importacircncia de buscar inquiriccedilatildeo sobre o fenocircmeno da violecircncia
domeacutestica contra a mulher como uma das mazelas sociais que as vitimiza cotidianamente
sob as mais diferentes formas de massacre fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral patrimonial
na oitava questatildeo resolvi inquirir sobre como este fenocircmeno eacute percebido pelosas
educadoresas envolvidosas no estudo Assim propus o enunciado
8 No tocante agrave violecircncia contra a mulher segundo o Mapa da Violecircncia 2012 o
Brasil ocupa a 7ordf colocaccedilatildeo em um ranking de 84 paiacuteses O que em sua opiniatildeo
explica a existecircncia deste fenocircmeno Marque mais de uma questatildeo caso queira
8a ( ) Formaccedilatildeo cultural
8b ( ) Haacute pessoas naturalmente violentas
8c ( ) Natildeo sei
8d ( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo
8e ( )O desemprego crise financeira e pobreza
Outra ______________________
Nesta proposiccedilatildeo as respostas foram diversificadas foi marcado inclusive o
enunciado que afirma desconhecer as razotildees (8c) A questatildeo em aberto natildeo foi aproveitada
por nenhuma respondente Mas em sua maioria essesas (seis dosas nove) relacionaram o
fenocircmeno da violecircncia contra a mulher como algo que tem causa na formaccedilatildeo cultural Eacute
importante que se atente como alguns enunciados marcados podem estar evidenciando o
quanto a problemaacutetica carrega alguns mitos sobre as suas provaacuteveis causas Observando por
exemplo a marcaccedilatildeo isolada para o toacutepico 8e que faz nexo causal entre a violecircncia e a crise
econocircmica como pensar que a violecircncia estaacute ligada agraves dificuldades dessa ordem quando em
105
todas as classes sociais se registram ocorrecircncias Haacute maneiras diferentes de encarar as
agressividades em funccedilatildeo de tabus entre outros subterfuacutegios mas mulheres pertencentes a
todas as posiccedilotildees da piracircmide social satildeo viacutetimas de violecircncia conforme atestam inuacutemeras
pesquisas (SAFFIOTI 2001)
A evidecircncia de que o entendimento sobre as causas da violecircncia foi redutor estaacute
tambeacutem na marcaccedilatildeo isolada da proposiccedilatildeo 8d afinal estas causas apontadas estatildeo indicando
que o estopim estourou pelo aumento do stress pela perda do autocontrole (SAFFIOTI
MUNHOS 1994) mas em verdade haacute algo maior que impulsiona a agressatildeo encontra
apenas as brechas em quaisquer desculpas Em verdade eacute costumeira a confusatildeo entre causas
e motivaccedilotildees da violecircncia aquelas satildeo mais sistecircmicas e as motivaccedilotildees mais localizadas
ocasionadas por situaccedilotildees diversas como stress uso de entorpecentes etc
Considero importante atentar para o fato de que se a maioria respondeu perceber
vinculaccedilatildeo entre a violecircncia e a formaccedilatildeo cultural talvez por presenciar tantas cenas de
violecircncia de gecircnero e escutar narrativas feitas por alunosas acerca das dores maternas e
fraternas provocadas pela violecircncia domeacutestica deveria estar a escola propondo a brigada
anti-violecircncia pelo vieacutes da cultura Mas nenhuma respondente posicionou-se assim no espaccedilo
deixado em branco no questionaacuterio com o fim de possibilitar a expressatildeo de reflexotildees tambeacutem
nessa direccedilatildeo
A violecircncia contra a mulher tem vinculaccedilatildeo em uma cultura machista patriarcal
sedimentada milenarmente Buscar compreendecirc-la no campo dos estudos de gecircnero seria
oportuno para a escola porque poderia ser evidenciada o quanto a educaccedilatildeo dispensada a
meninos e meninas de forma diferenciada na qual se passam valores que sustentam olhar
para as mulheres que as inferioriza eacute possivelmente forte construto que alimenta uma cultura
machista E essa credencia agrave banalizaccedilatildeo do fenocircmeno da violecircncia Basta que se lembre dos
ditados populares que grassam (jaacute grassaram bem mais) nas bocas ldquoMulher eacute que nem bife
quanto mais apanha melhor ficardquo para que se atente o quanto haacute a naturalizaccedilatildeo do
fenocircmeno Esse dito eacute soacute um entre tantos nos imaginaacuterios sociais que fabricam a ideia de que
violentar mulheres faz parte eacute permitido
E satildeo por esses imaginaacuterios sociais que o Relatoacuterio Final da Comissatildeo Parlamentar
Mista de Inqueacuterito ndash CPMI - da Violecircncia contra a Mulher do Congresso Nacional entregue
em julho de 2013 aponta iacutendices alarmantes fala de femiciacutedio e coloca como uma
necessidade premente a da superaccedilatildeo deste mal
106
A curva ascendente do femiciacutedio a permanecircncia de altos padrotildees de violecircncia contra
mulheres e a toleracircncia estatal detectada tanto por pesquisas estudos e relatoacuterios
nacionais e internacionais quanto pelos trabalhos desta CPMI estatildeo a demonstrar a
necessidade urgente de mudanccedilas legais e culturais em nossa sociedade Conforme
mostra a pesquisa intitulada Mapa da Violecircncia homiciacutedios de mulheres mais de 92
mil mulheres foram assassinadas no Brasil nos uacuteltimos trinta anos 43 mil delas soacute
na uacuteltima deacutecada (BRASIL 2013 p 8)
A violecircncia contra a mulher eacute um fenocircmeno bastante complexo com raiacutezes fincadas
em solos de culturas machistas amparada em um Estado historicamente omisso na promoccedilatildeo
do direito a uma vida sem violecircncia para as mulheres Esse fenocircmeno que esteve na
invisibilidade social encoberto por muito tempo erroneamente sustentado pelo direito ao
instituto da privacidade entre parceiros tendo inclusive um aparato popular que os abrigava
de vexames e intervenccedilotildees ldquoEm briga de marido e mulher natildeo se mete a colherrdquo teve
recentemente a intervenccedilatildeo do Estado brasileiro com a Lei 113402006 a Maria da Penha
Esse instrumento juriacutedico se apresenta como um dos mais avanccedilados amparo legal para o
enfrentamento da questatildeo Natildeo se muda todavia cultura com golpe de lei haacute muito a ser
feito em termos de estrutura do judiciaacuterio brasileiro (ampliaccedilatildeo do nuacutemero de varas de
juizados especiais de Casas Abrigo de DEAMS - Delegacias Especializadas de Atendimento
agrave Mulher - funcionando em regime de plantatildeo capacitaccedilatildeo dos juristas) para que a lei passe a
ser um ordenamento juriacutedico que vigore como deve efetivamente sendo aplicado de forma
preventiva educativa e punitiva
E a escola no que diz respeito a formar para a equidade de gecircnero e para a cultura da
paz eacute espaccedilo fundamental que pode se ofertar no semeio desta colheita Importante portanto
a denuacutencia que osas respondentes fizeram da atuaccedilatildeo piacutefia da unidade escolar em tela no
tocante ao papel que a instituiccedilatildeo deve ter como importante instrumento no combate agrave
violecircncia domeacutestica contra a mulher Satildeo muitas as respostas (oito das nove) que afirmaram
pouco operar a escola neste sentido Assim se constituiu a nona questatildeo
9 Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave
questatildeo
( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante
A escola TRAVESSIA conforme percebem aqueles que dela fazem parte e
seguramente presenciam depoimentos e cenas que datildeo conta do mal da violecircncia contra a
mulher como o que grassa pouco opera no enfrentamento deste problema Esse mal que
sendo uma violaccedilatildeo dos direitos humanos das mulheres eacute um flagelo uma ameaccedila agrave
107
Democracia agrave paz agrave justiccedila deve portanto ter a escola envolvida em sua prevenccedilatildeo
eliminaccedilatildeo e enfrentamento Natildeo haacute como esta instituiccedilatildeo ser indiferente ao caminho sem
volta que as marchas feministas vecircm construindo especialmente nas uacuteltimas deacutecadas com
grandes avanccedilos dados pelos seus gritos ecoados nas bandeiras dos DH positivados em
forma de lei especiacutefica que penaliza a violecircncia contra a mulher e em diretrizes educacionais
que propotildeem a equidade de gecircnero
Como instacircncia de poder atravessada por praacuteticas discursivas natildeo neutras
legitimadora de ordem social por meio de suas ldquoverdadesrdquo fabricadas a escola propaga em
tese sua missatildeo fundamental como a de formar seres humanos eacuteticos conscientes de sua
igualdade de direitos por seus propoacutesitos e pela obrigatoriedade legal que se desenha com o
advento da poacutes-modernidade Mas na praacutetica sua missatildeo tem eacute instituiacutedo a segregaccedilatildeo
atraveacutes do controle disciplinar domesticando corpos e mentes (LOURO 2012)
Nesse sentido a promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de enfrentamento agrave violecircncia de
gecircnero eacute uma realidade de resistecircncia que daacute sinais tiacutemidos no chatildeo da escola mas daacute sinais
Cabe aosagraves fazedores da educaccedilatildeo acolhecirc-los Sua contribuiccedilatildeo ao debate que estranha
sentidos essencializados pode ser significativa considerando que os muros escolares racham
com o advento da globalizaccedilatildeo e dos avanccedilos tecnoloacutegicos disseminando informaccedilatildeo
instantaneamente Satildeo inuacutemeros os recursos educativos que podem amparar a discussatildeo
reportagens filmes peccedilas teatrais programas de TV de raacutedio diaacutelogos que circulam em salas
de aula entre outros Obviamente que esses recursos na maioria esmagadora das escolas
puacuteblicas brasileiras natildeo satildeo inteiramente disponibilizados e na escola TRAVESSIA natildeo eacute
diferente Haacute laacute escassez de textos e de demais instrumentos que permitam um trabalho bem
amparado percebida em minhas visitaccedilotildees Mas isso natildeo pode se constituir como oacutebice total
haacute sempre formas de propor o debate em um mundo plural que existe e deseja se firmar Por
onde andamos e estamos haacute sujeitos em interlocuccedilatildeo trazendo presentes vozes sociais de
onde emanam efeitos de sentidos sobre papeacuteis construiacutedos
Elaborei questatildeo especiacutefica sobre qual o olhar a escola evidencia ter atraveacutes de seu
projeto de leitura para um dos melhores instrumentos juriacutedicos em niacutevel mundial de
enfrentamento do combate agrave violecircncia domeacutestica a Lei Maria da Penha Esse ordenamento
juriacutedico que segundo pesquisa do Instituto AvonIPSOS (2011) eacute um marco legal
amplamente conhecido e poderia estar sendo pontuado no ambiente escolar de modo a
semear a cultura da paz e do respeito agraves mulheres Assim mobilizei a deacutecima questatildeo desse
instrumento
108
10 A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da
violecircncia contra a mulher ganha que espaccedilo no projeto de leitura
10a ( ) Nunca foi citada
10b ( ) Existe na biblioteca
10c ( ) Jaacute trabalhamos com ela
As respostas obtidas indicam sintonia com a nona proposiccedilatildeo na qual se pontuou
que a problemaacutetica da violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo encontra a importacircncia que
lhe eacute devida Todosas colaboradoresas responderam na deacutecima questatildeo que a lei nunca foi
citada (10a) Natildeo que o ordenamento juriacutedico tenha que ter referecircncia obrigatoacuteria nas leituras
da escola mas face a sua popularidade e pertinecircncia inclusive havendo versatildeo deste em
cordel o que facilitaria sua divulgaccedilatildeo poderia constar como uma das leituras feitas e
referidas de forma direta ou indireta Poderia porque a escola eacute espaccedilo formador tem papel
estruturante em accedilotildees que podem semear reflexotildees individuais e coletivas pela construccedilatildeo da
cultura da paz A educaccedilatildeo tensionando conflito e vozes pode ser constituiacutedo como espaccedilo
fecundo de organizaccedilatildeo pela emancipaccedilatildeo de oprimidos[as] (FREIRE 2002) Nesta acepccedilatildeo
a lei pode chegar a todas as crianccedilas e adolescentes pela instacircncia da escola como um sulco
no muro da iniquidade de gecircnero mostrando-se em sua consistecircncia preventiva e punitiva
como um aprendizado um oacutebice agrave violecircncia domeacutestica
Natildeo bastaraacute todavia conhecer o ordenamento juriacutedico para que se coiacuteba a violecircncia
O enfrentamento desse fenocircmeno perpassa pela construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo
nas quais o direito a uma vida sem violecircncia agraves mulheres seja efetivamente garantido e
assegurado pela condiccedilatildeo humana destas A escola deve ser um baluarte na colaboraccedilatildeo dessa
praacutetica para isso por ela precisam perpassar debates caros ao tema inquirindo sobre qual
posicionamento tem tido a instituiccedilatildeo quanto agrave construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de hegemonias
tem reforccedilado ou questionado as assimetrias de gecircnero
Na escola TRAVESSIA pude constatar haacute um tangenciamento do debate acerca das
relaccedilotildees de gecircnero percebido pelas discursividades de seusuas educadoresas como
mediadores de leituras Uma anaacutelise desse tangenciamento pode pontuar uma reflexatildeo que
perspectiva com um debate proposto por Foucault (2011) na linha do que satildeo as conjunturas
histoacutericas e socioculturais que permitem os jogos de verdades Se haacute a positivaccedilatildeo da lei na
sociedade brasileira e ela pode ser contemplada como legado de mobilizaccedilatildeo haacute todavia a
ausecircncia de seu debate em instacircncias escolares como a da escola TRAVESSIA E isso pode
ser contemplado como um legado de controle social no qual a eliminaccedilatildeo das discriminaccedilotildees
das violecircncias dos confrontos eacute significativamente negada silenciada mesmo que estejam
109
postas tecnologias que a discutam O rompimento desse controle que silencia lutas eacute uma
tarefa que oa intelectual oa educadora pode desejar construir lembrando aquilo que
Foucault (2004a 2004c 2012) pontua as pessoas podem ser mais felizes mais livres As
pessoas natildeo satildeo aprisionadas pelo poder elas podem modificar sua dominaccedilatildeo Isso evoca a
recusa do que satildeo despertada pela consciecircncia do que lhes disseram ldquoNingueacutem entraraacute na
ordem do discurso se natildeo satisfizer a certas exigecircncias ou se natildeo for de iniacutecio qualificado
para fazecirc-lordquo (FOUCAULT 2011)
E que ordem de discurso adentra a escola TRAVESSIA produzindo efeitos de
sentidos postos pela ausecircncia do debate sobre as hierarquias de gecircnero Adentra conforme
depoimentos de educadoresas ali escutadosas a da pouca reflexibilidade sobre o campo de
gecircnero a do adormecimento para a noccedilatildeo de estrateacutegias que enfrentem o poder androcecircntrico
Uma das formas de resistecircncia a esse poder se daacute pelo ato desbravador do conhecimento dos
processos discursivos que constituem as subjetividades que constituem as verdades ditas
sobre homens e sobre mulheres Satildeo passos na caminhada pela emancipaccedilatildeo A leitura pode
ser constituiacuteda com esta linhagem e ser mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de
identidades na ressignificaccedilatildeo de leituras eivadas de identidades socialmente construiacutedas pela
subalternidade da mulher Nessa direccedilatildeo Moita Lopes (2003) traz a tecitura com que a
linguagem nos constroacutei e corrobora com a ideia de resistecircncia
A percepccedilatildeo do discurso como construccedilatildeo social coloca as pessoas como
participantes nos processos de construccedilatildeo de significado na sociedade e portanto
inclui a possibilidade de permitir posiccedilotildees de resistecircncia em relaccedilatildeo a discursos
hegemocircnicos isto eacute o poder natildeo eacute tomado como monoliacutetico e as identidades sociais
natildeo fixas (MOITA LOPES 2003 p 55)
Nesse sentido por conceber a importacircncia do conhecimento dos processos histoacutericos
emancipatoacuterios como o das lutas sociais e em especial a esse trabalho o do movimento
feminista foi elaborada questatildeo que objetivava perpassar pelas reflexotildees acerca da histoacuteria
social das mulheres As histoacuterias dos homens estatildeo aiacute onipresentes ocupando o tempo todo
todo espaccedilo Mas a histoacuteria social das mulheres natildeo eacute significativamente contada natildeo consta
nos curriacuteculos natildeo eacute devidamente estudada Isso possivelmente contribui para trazecirc-las na
invisibilidade considerando que os seus processos histoacutericos de subordinaccedilatildeo ao masculino
suas exclusotildees dos campos poliacuteticos cientiacuteficos artiacutesticos enfim ainda natildeo satildeo devidamente
estudados A histoacuteria de luta pela emancipaccedilatildeo social das mulheres eacute entretanto uma das
mais bem vividas experiecircncias que atestam o poder da mobilizaccedilatildeo social e mereceria estar
110
entre as preocupaccedilotildees da escola e no projeto de leitura Desejei saber como esta questatildeo era
percebida pelosas informantes e elaborei o deacutecimo primeiro questionamento
11 Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo
escolar e no projeto
11a ( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos
curriacuteculos escolares
11b ( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas
memoacuterias ocultadas e inferiorizadas
11c ( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca
carga horaacuteria para exploraacute-lo mais
11d ( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho
importante
Aqui natildeo houve ressalvas para a defesa na quase totalidade das respostas (sete das
nove) da implementaccedilatildeo da histoacuteria das mulheres como forma de resgate de si no debate
escolar Natildeo houve marcaccedilatildeo para o enunciado 11 d A questatildeo 11b foi bem pontuada entatildeo
ldquoApoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e
inferiorizadasrdquo Eacute como um reconhecimento de que o processo de aprendizagem de uma
desnaturalizaccedilatildeo da desigualdade entre homens e mulheres passa pelo conhecimento da
histoacuteria que as excluiu e da sua inclusatildeo pela luta Foucault (2004c) auxilia nesse sentido
quando nos traz a pertinecircncia do conhecimento e a compreensatildeo da relevacircncia do papel do
intelectual
[] e que podemos mostrar agraves pessoas que elas satildeo muito mais livres do que
pensam que elas tomam por verdadeiros por evidentes certos temas fabricados em
um momento particular da histoacuteria e que essa pretensa evidecircncia pode ser criticada
e destruiacuteda O papel do intelectual eacute mudar alguma coisa no pensamento das
pessoas (FOUCAULT 2004c p 295)
Uma pretensatildeo bem ponderada E que em alguns outros momentos o filoacutesofo se
retrai desta posiccedilatildeo de ldquomostrarrdquo caminhos ao outro (FOUCAULT 2004e) Mas a histoacuteria de
luta das mulheres por sua emancipaccedilatildeo social eacute um caminho que merece ser mostrado Papel
que osas educadoresas podem cumprir percebendo-se como sujeitos agrave linguagem agrave
aprendizagem de ordens discursivas e se resistirem promotores das mudanccedilas que a
educaccedilatildeo pode constituir Papel que o movimento feminista com intelectuais e ativistas
parece ter cumprido com propriedade A atuaccedilatildeo desse movimento solicitada na 12ordf questatildeo
assim foi angariada
111
12 Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista Marque ateacute duas
respostas
12a ( ) fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da
opressatildeo agrave mulher
12b ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute
bom
12c ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo
eacute
bom
12d ( ) eacute um movimento com muito radicalismo
A unanimidade de valorizaccedilatildeo desta praacutetica discursiva quase imperou desta vez As
proposiccedilotildees 12a e 12b as quais veem com olhos respeitosos o movimento foram as
marcaccedilotildees de oito colaboradoresas Apenas uma resposta considerou o radicalismo do
movimento sua marca talvez por pressupor que as mulheres militantes propotildeem mudanccedilas
que ferem uma construiacuteda e disciplinada essecircncia feminina Os movimentos feministas
propotildeem radicalizar a desnaturalizaccedilatildeo de um mundo construiacutedo em pilares desiguais e
injustos um mundo calccedilado em machismo em violecircncia contra a mulher Radicalizar a
desnaturalizaccedilatildeo deste mundo eacute bom nodal conforme concordaram os que marcaram os
enunciados 12a e 12b Por seu turno ningueacutem marcou que isto natildeo seria bom conforme
enuncia o 12c
A uacuteltima questatildeo do instrumento investigativo versou sobre a consciecircncia do valor
histoacuterico e simboacutelico que tem o Dia Internacional da Mulher Neste enunciado foi deixada
uma questatildeo em aberto com espaccedilo para que osas colaboradoresas pudessem expressar
opiniotildees que ampliassem o conteuacutedo do enunciado o 13 a cuja visatildeo da mulher perpassa por
questotildees generalistas simplistas
13 O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas
comemorativas
( )sim ( ) natildeo
Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que
se faz na data ou o que se pretende fazer
13a ( ) Ressaltam-se as qualidades da mulher eacute um dia em que ela eacute intensamente
valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola
13b ( ) outros Especifique_____________________
Todas as marcaccedilotildees apontaram para a 13a ou seja dia de demonstrar homenagens
E o que se homenageia Em regra por meio da publicidade e de outras praacuteticas discursivas
112
circulam imagens que narram e constituem mulheres com identidades ldquonaturaisrdquo dotadas de
habilidades tantas expressas em forma de doaccedilatildeo de cuidados e tantas outras construccedilotildees
dignas de serem presenteadas Batons perfumes flores entre outros satildeo apetrechos que
acompanham imagens que circulam representando o 8 de marccedilo como o Dia Internacional da
Mulher A publicidade que opera com o objetivo de reafirmar valores convencimentos
haacutebitos desfocou a perspectiva de luta de memoacuteria de caminhada por direitos implementada
pelo movimento O teor eacute outro o do consumo Agraves mulheres flores em seu dia Se nos
demais os papeacuteis sexuais exalam o perfume da iniquidade de gecircnero que murchem as flores
Eacute o tempo ainda da formataccedilatildeo que murcha da presenccedila de vozes que falam de um lugar
social o do consumo guiado pelos interesses capitalistas ou o do apagamento da luta das
mulheres por sua cidadania guiado pelos interesses machistas E com esses instala-se o
comportamento de tirar o foco das bandeiras feministas que ergueram o 8 de marccedilo tiram o
foco e semeiam verdades como as de que se valoriza a mulher com perfumes dias de beleza
de spas de corpos sarados ritualizados para uma beleza homogecircnea com tempo de validade
e condiccedilotildees de uso
Nesta questatildeo nenhuma resposta ultrapassou a marcaccedilatildeo de um x nenhum
enunciado a preencher o espaccedilo vazio adentrando todosas respondentes pela perspectiva do
senso comum das comerciais e banais homenagens agraves mulheres Esta ausecircncia de percepccedilatildeo
pelo menos evidenciada pelo que natildeo foi dito que significa conforme pontua a AD por parte
dosas educadoresas para o Dia Internacional da Mulher pode estar revelando um desvalor
para as brigadas que precisam ser armadas naquela seara O 8 de marccedilo eacute data de flores natildeo
pelo que as mulheres satildeo em termos de construccedilotildees essencialistas mas pelo que lutam para
ser livres O 8 de marccedilo eacute dia de memoacuteria de luta sobretudo pelo que as mulheres ainda
precisam assegurar para que possam ter o comando de suas vidas nas matildeos dando ou natildeo
essas em pedidos de casamento Haacute desse modo mais uma maneira de homenagear as
mulheres que eacute pela saudaccedilatildeo na luta na grandeza de fazer uma nova histoacuteria que natildeo foi
dita nas respostas daquelesas respondentes E este silecircncio pode estar ressoando como um
ldquoadeus agraves armasrdquo ou melhor como um natildeo agraves armas O natildeo uso das armas por parte de
quem tem uma responsabilidade social com os marcos legislativos educacionais com a
adoccedilatildeo de praacuteticas de si que osas faccedila zelar por um ethos pela cultura da paz e pela bandeira
da inclusatildeo evidencia uma cristalizaccedilatildeo das identidades uma naturalizaccedilatildeo da construccedilatildeo da
diferenccedila um descompromisso social com a cidadania plena da mulher
Ali na escola TRAVESSIA percebi entatildeo com as leituras das anaacutelises dos
instrumentos investigativos aplicados que o processo de fortalecimento da cidadania da
113
mulher natildeo encontra a guarida nos olhos de quem trabalha com a leitura comprometendo o
ato poliacutetico de ler Natildeo eacute uma trilha faacutecil eacute bom reconhecer atravessar no cotidiano escolar
um oceano de discursos que constroem imagens da mulher que as inferioriza que tingem o
diferente com cores da negaccedilatildeo e desejar atuar para desconstruir tais imagens Os pais e matildees
aparecem para contestar mudanccedilas contestar desconstruccedilotildees de papeacuteis socialmente
instituiacutedos como naquelas cenas que vivi e narrei quando construiacute a gecircnese desta pesquisa
Mas oa educadora tem um chamado para ficar na trincheira por uma brigada que inclua que
emancipe que torne a escola reflexiva atraente a todas as pessoas independentemente de
etnia de orientaccedilatildeo sexual de condiccedilatildeo social Pelo menos esse chamado estaacute sendo
evocado segundo as regras histoacuterias de um tempo que se desenha novo com uma
programaccedilatildeo na qual os jogos de verdades possuem malhas que se abrem para sujeitos de
direitos mesmo que lentamente conquistados
35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder
Por reorganizaccedilotildees das accedilotildees em funccedilatildeo de vaacuterias suspensotildees de aulas de leitura
pelo projeto entre outras intercorrecircncias deixei a etapa de observaccedilatildeo de aulas para o reiniacutecio
das aulas do 2ordm semestre de 2014 Planejei esta accedilatildeo atentando para o papel central dosas
educadoresas na conduccedilatildeo do debate por sua posiccedilatildeo de liacuteder na interaccedilatildeo relacional e por
serem esses os sujeitos desta pesquisa E assisti agraves aulas das professoras Jacqueline e Luacutecia
cujos nomes satildeo fictiacutecios como todos os outros e que possuem respectivamente oito e vinte
anos de formadas Em ambas houve uma receptividade agradaacutevel mas irei relatar minha
experiecircncia apenas nas aulas de Jacqueline por entendecirc-las mais significativa para o estudo
Assim as considero porque esta professora instigada possivelmente pelos desafios de alguns
instantes de conversas nos quais muito ouvi fez uma tentativa improvisada de dialogar com o
tema em tela
No preluacutedio dessas aulas que se deram em 11 de julho de 2014 no turno vespertino
a professora Jacqueline que me atendeu na biblioteca da escola em um horaacuterio reservado para
isto mostrou-se soliacutecita receosa e muito determinada a demonstrar sua anguacutestia suas
inquietaccedilotildees com a escolha profissional que fez
- Escolhi ser professora desde pequena Era meu sonho Mas a realidade eacute um
pesadelo Quando chega o momento de entrar na sala de aula eu me arrependo desta
escolha Tenho uma filha de 1 ano e seis meses e peccedilo a Deus todo dia que a livre desta
profissatildeo
114
A professora conduziu-me com sua fala pela escola como quem apresenta um
depoacutesito de problemas sem lugar para sonhos para a edificaccedilatildeo da autonomia Ali era o
reduto das queixas narrado por uma voz que soacute lamenta Jacqueline debulhou uma a uma as
lamentaccedilotildees que impregnam aquele ambiente Ouvi um rosaacuterio de desespero de exaustatildeo de
descontrole de pacircnico ateacute de criacuteticas ao ECA - Estatuto da Crianccedila e do Adolescente - que
estava na iminecircncia de completar 24 anos de criaccedilatildeo e que segundo ela ateacute hoje natildeo sabe o
bem que fez a sociedade a existecircncia desse ordenamento juriacutedico As criacuteticas saiacuteram do ECA
agraves peacutessimas condiccedilotildees de trabalho agraves famiacutelias que a seu ver satildeo irresponsaacuteveis Essas
segundo a informante soacute visitam as escolas quando seus benefiacutecios sociais estatildeo ameaccedilados
sobrecarregando a instituiccedilatildeo com deveres que satildeo delas Jaqueline estava disposta a relatar
sobre o peso de ser docente Informou-me que guarda as lembranccedilas das coisas lindas sobre a
educaccedilatildeo ditas por Paulo Freire pelos[as] professores[as] da universidade mas ali dentro da
escola nada que ouviu serve aplica-se
- Somos impotentes Soacute um ou outro aluno daacute sentido ao nosso trabalho Vivemos na
sala de aula o aacutepice do desinteresse e desrespeito e isto eacute terriacutevel Tem horas que natildeo
acredito que estou vivendo isto
Ouvi aquele depoimento atenta e dolorosamente Mas inseri um toacutepico novo o
motivo da observaccedilatildeo daquela aula buscar o nexo temaacutetico das leituras feitas ali O tom da
desmotivaccedilatildeo do sentimento de impotecircncia continuou fazendo parte dos enunciados da profordf
Jaqueline
- Ler aqui eacute complicado professora Natildeo temos recursos nem interesse por parte
dos[as] alunos[as] que soacute querem bagunccedilar
- O que vocecirc preparou para a aula de hoje Indaguei-lhe Ela me disse que iria pedir
para eles escreverem sobre as feacuterias sobre a copa de 2014 Insisti sobre o que leriam disse-
me que algum texto do livro didaacutetico Perguntei-lhe se soacute liam os textos dos livros didaacuteticos
respondeu-me que quase sempre Um retorno agraves aulas sem planejamento sem a municcedilatildeo de
um texto novo produzido por fatos recentes vindo de suportes diferentes com uma
professora que iria improvisar qualquer leitura pareceu-me o retrato de um descaso
profissional bem niacutetido Sem buscar condenaccedilotildees pessoais puxo um fio do novelo da
educaccedilatildeo puacuteblica brasileira que com seus parcos investimentos faz poliacuteticas pobres para
115
pobres cerceando o direito desses agrave cidadania plena agrave emancipaccedilatildeo social Essa professora eacute
mais um elo da cadeia do descuido que envolve a escola puacuteblica brasileira
Depois de ouvi-la muito provoquei o diaacutelogo sobre a interface gecircnero e leitura
Jacqueline falou de gecircnero dos meios de comunicaccedilatildeo de massa influenciando
comportamentos sendo aliados ldquona abertura de mentesrdquo em suas palavras Mas a abertura de
mentes a seu ver resume-se agrave toleracircncia com o diferente estava sempre afirmando que
respeita ldquoas sapatonasrdquo assim se referindo agraves duas meninas que tinham um relacionamento
amoroso e que tentavam assumir isso na escola mas soacute respeitava natildeo aceitava ldquoaquilo natildeo
era normal e era constrangedorrdquo em suas palavras O pronunciamento desta professora
evidenciando uma construccedilatildeo naturalizada das identidades de gecircnero ainda foi acompanhado
por gestos de face e matildeos que transmitiam uma repugnacircncia pela orientaccedilatildeo sexual natildeo
normatizada
Naquela entrevista com as expressotildees preconceituosas de Jaqueline em nomear as
garotas homossexuais de forma pejorativa e com seus gestos de repulsa agraves manifestaccedilotildees de
afeto das garotas fui levada a compreender uma resposta massiva dada pelo questionaacuterio
quando indaguei acerca do posicionamento dosas educadoresas diante de manifestaccedilotildees de
interesse que contrariassem o normalizado Ali tanto quanto no questionaacuterio o desafio de
adotar um olhar reflexivo que problematize as construccedilotildees sociais que estereotipam
comportamentos e orientaccedilotildees sexuais ainda natildeo foi suficientemente alcanccedilado
Conversamos Toca o sinal para a entrada da aula A nossa interaccedilatildeo gerou nela algo
que teve um impulso e se dirigiu agrave prateleira de livros Chega-me com cinco volumes do guia
da Crianccedila Cidadatilde uma publicaccedilatildeo do UNICEF que eacute uma coleccedilatildeo com temas referentes agrave
cidadania O volume trazido pela professora Jaqueline eacute ldquoConvivendo com meninos e
meninasrdquo de autoria de Gwenaeumllle Boulet et al (2005) Tal documento eacute um encarte pequeno
com 54 paacuteginas cujo foco eacute o tratamento da questatildeo de gecircnero A existecircncia deste texto ali
me causou surpresa considerando que em outra etapa desta pesquisa fui informada pela
servidora que exerce a funccedilatildeo de bibliotecaacuteria ali de que nada havia naquele espaccedilo sobre esta
temaacutetica Mas Jacqueline meses depois desta informaccedilatildeo encontrou e parecia encontrar um
sentido em seu uso agora
ldquo- Jaacute que vocecirc estaacute aqui e pesquisa este tema vamos ver em que daacute hoje ler este
livro Mudei minha aula natildeo gosto de discutir estas questotildees mas agora me deu vontaderdquondash
Expressou-se assim a professora
116
Senti o risco do improviso e do artificialismo da aula que caiacutea ali de forma ex-
temporacircnea fruto de um confesso acaso Refleti ao mesmo tempo o quanto as brigadas por
uma defesa da equidade de gecircnero satildeo tambeacutem em forma de tecircnues mudanccedilas que chegam
chegam troteando Houve com minha presenccedila uma provocaccedilatildeo um encorajamento ao tema
tambeacutem jaacute por inuacutemeras vezes estimulado conforme eacute de conhecimento dosas educadoresas
da rede de ensino municipal atraveacutes de projetos acadecircmicos produzidos pela SEDEC como
os que refletem sobre a questatildeo do Bullying da violecircncia contra a mulher entre outros
A questatildeo eacute semear cuidar e perseverar Ali aos olhos de Jaqueline natildeo me parecia
haver um jardim a receber cuidados Seu semblante angustiado ao se deparar com o toque de
entrada para a sala de aula parecia o de quem natildeo levava sementes nem flores Havia um
solo jaacute pronunciado como aacuterido como infeacutertil nas palavras de uma professora que me disse
rezar protegendo sua filha do mal de ser educadora A turma era a do 6ordm ano A com alunosas
de faixa etaacuteria entre 12-13 anos Estavam presentes 18 alunosas naquela sala que receberam
cinco exemplares para serem lidos o que torna considero uma leitura dificultosa
inadequada A professora sem explicar bem a divisatildeo do material propocircs um ciacuterculo A
acuacutestica da sala era comprometida com ventiladores barulhentos e adolescentes inquietosas
Depois de um tempo ela conseguiu iniciar o trabalho e pediu a leitura do livro Joatildeo este eacute
um nome fictiacutecio tanto quanto os dos demais alunosas aqui referidosas a partir de entatildeo
afirma que natildeo quer ler ainda justificando sua negaccedilatildeo
- Natildeo jaacute sei ler pra que ficar lendo
A mestra pacientemente responde
- Joatildeo todo dia se aprende algo novo com a leitura
Atualizei ali o olhar para a 2ordf ediccedilatildeo da Pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO
PROacute-LIVRO 2008) quando essa pontua sobre quatildeo pode natildeo ser gecircnero de primeira
necessidade a leitura para crianccedilas que natildeo veem pais lendo que natildeo encontram ambiente
propiacutecio para o ato de ler A baixa escolaridade das famiacutelias daquelesas alunosas certamente
propicia pouca frequecircncia da leitura em suas casas o que compromete o estiacutemulo familiar agrave
leitura Para aquele aluno o ato de ler eacute mero instrumento decodificador que como ele jaacute
domina a sua teacutecnica despreza as outras funccedilotildees da leitura A professora deu atenccedilatildeo a Joatildeo
dando-lhe uma resposta concisa sobre o valor dessa praacutetica Mas senti falta de mais Senti
117
falta de uma defesa da leitura que mobilizasse a turma Seria um momento propiacutecio para a
educadora inquirir questotildees acerca do prazer (ou desprazer) de ler
Como quem tem pressa como quem natildeo tem espaccedilo para mergulhar aquela
educadora volta a conduzir a aula Pediu aosagraves alunosas para lerem trechos em voz alta
indagou algo e nem esperou o resultado da resposta jaacute retomou ao texto Minha presenccedila
pode ter lanccedilado sobre ela ansiedade desejo de mostrar que tinha o controle disciplinar do
evento E talvez para ela a permissatildeo e o estiacutemulo agrave palavra gerasse debate e esse o
tumulto as conversas paralelas Mas em determinados momentos a explosatildeo de inquietude
dosas alunosas fragilizava seu jaacute tecircnue controle Olhei a professora contendo ira
envergonhada cheia de medo de explodir com aquelesas alunosas acuada segundo suas
proacuteprias palavras pelo ECA Esse ordenamento diferentemente de ser visto como um
instrumento juriacutedico avanccedilado na garantia de direitos era considerado como o responsaacutevel
por aquele espiacuterito de rebeldia nas vidas das crianccedilas e dosas adolescentes Jacqueline natildeo se
conteve e veio ateacute perto de mim desabafando
- Depois do ECA somos barrados [a] de termos autoridade com eles[as] E natildeo tem
estatuto de professor[a] nada nos protege
Acuada assim ela disse se sentir E sem perceber que lhe faltava autoridade natildeo pela
existecircncia do ECA mas pelo desgoverno de uma educaccedilatildeo puacuteblica precaacuteria engrossou o coro
de vozes que ressoaram dosas seusas colegas Vozes essas por mim anteriormente colhidas
naquela tarde nos momentos que permaneci na sala dosas professoresas ouvindo-osas
Acuada e sem sentir prazer pelo que faz Observando Jacqueline lendo usando toda sua
potencialidade vocal repetindo frases pedindo silecircncio estabeleci um elo com uma resposta
no instrumento investigativo aplicado em outubro de 2013 o questionaacuterio Um dado ali
pontuado por vaacuterios colaboradoresas indicando a ausecircncia de marcaccedilatildeo da leitura como
atividade de prazer (vide primeira questatildeo do instrumento) torna-se tatildeo palpaacutevel naquela sala
Como afirmar prazer na praacutetica leitora quando a voz doa mestrea se esvai em meio agrave gritaria
correria e desinteresse Muito hostil ler assim ela me diz
- Tem professor que ainda mente que eacute hipoacutecrita que diz que isso eacute bom Que faz
seus[as] alunos[as] lerem Esses[as] meninos[as] tornam o ato de ler um desprazer Preparo
tudo com carinho quando chega aqui tomo raiva de mim mesma por ainda insistir
Acompanhar Jacqueline naquela tarde em suas aulas foi passear por falas nas quais o
lugar da leitura na escola era o da farsa do engodo De modo exaustivo ela fala de exaustatildeo
118
de desesperanccedila e de tristeza porque disse acreditar que ali estava ldquoa chave das mudanccedilas que
precisam ser feitasrdquo nas suas palavras E sua discursividade era a da desesperanccedila se haacute a
chave nem haacute a porta na dialogia com Drummond em Joseacute (1983) A leitura era difiacutecil
naquela escola Mesmo assim a mestra comeccedila a trazer problematizaccedilotildees acerca das questotildees
de gecircnero Pede uma opiniatildeo agrave turma sobre um trecho do guia que aborda diferenccedilas entre
meninos e meninas ldquoNoacutes meninas somos sensiacuteveis fraacutegeis E os meninos satildeo uns brutos
[]rdquo(BOULET 2005 p 11) expressando com gritos
- Menina eacute diferente de menino Em quecirc Leiam isso na paacutegina 11 Vocecircs
concordam
As respostas saiacuteram em forma de gritos
- Satildeo umas taradas as meninas
- Aqui tem menina que natildeo aguenta nem o vento deste ventilador toda fraquinha
- Eacute sim satildeo fracas Satildeo iguais a Neymar caem por tudo
- Satildeo umas chatas umas metidas umas piriguetes
Poucos disseram que natildeo nenhum olhar de respeito agraves meninas que responderam
com vaias Imaginei que ela iria procurar problematizar esses enunciados Mas trouxe outro
toacutepico colhido rapidamente do guia que faz uma abordagem pontual das questotildees de gecircnero
entabulando esta outra questatildeo
- Algueacutem aqui aceitaria ser amigo[a] de um gay
Impressionou-me o tom de desatenccedilatildeo agrave problemaacutetica de gecircnero por Jaqueline O que
foi dito por ela ao indagar sobre se algueacutem seria amigo de um gay carrega muito de seu
preconceito Ela sedimentou um olhar que constitui o outro o segregacionado o diferente e
inferiorizado Por que algueacutem teria que aceitar ser amigoa de um gay A relaccedilatildeo natildeo seria a
de se aceitaria ou natildeo a amizade de pessoas E ali o que eacute dito por ela sobre as relaccedilotildees de
gecircnero alicerccedilam estereoacutetipos datildeo invisibilidade ao fenocircmeno da violecircncia aos processos de
construccedilatildeo do diferente (SILVA 2012) Uma praacutetica discursiva que se potildee na contramatildeo dos
interesses de uma escola para todas as pessoas como advogam os DH ali percebi
A professora ouviu da turma um sonoro natildeo E sem atentar possivelmente para o
quanto seu olhar nega uma brigada vigilante anti-sexista anti-homofoacutebica e de respeito aos
direitos das crianccedilas e adolescentes proposta por organismos mundiais e nacionais amparada
119
por marcos legais protetivos natildeo atentou para a sonoridade negativa da turma para um mundo
inclusivo Mas retrucou
- Quer dizer que vocecircs deixariam ele [sic] no isolamento
Um menino de nome Pedro disse que sim que merece sofrer ficar isolado quem
desobedece ao que Deus criou
-E Deus criou homem e mulher professora - Reforccedilou o garoto
Ela respondeu que sim Assumiu uma postura criacionista essencialista Muito
embora tenha salientado que mesmo sendo um desvio uma afronta ao que Deus determinou
essas pessoas merecem ser respeitadas Jeacutessica uma menina muito inquieta considerada
conforme Jacqueline ldquopior do que os meninosrdquo em termos de inquietaccedilatildeo agressivamente
respondeu
- Respeitar boiola professora Respeito natildeo
Jaqueline natildeo retrucou Aquela aluna me parecia sem eco Todas as falas em sua
direccedilatildeo eram no sentido de fazecirc-la ficar quieta A menina demonstrava uma agressividade
para com todosas colegas indiferenccedila agrave aula e desrespeito agrave professora
- Vocecirc eacute louca eacute Respeitar boiola ndash Dirigiu-se agrave Jacqueline respondendo-lhe pela
defesa que a professora fez do dever de todosas ao respeito aos considerados desviantes
Sem economias essa aluna iniciou um turno de xingamentos de imitaccedilotildees grotescas
de como os gays falam andam e gesticulam levando a turma a rir e constrangendo a
professora Desistindo de enfrentaacute-la natildeo sei se por medo de criar mais confronto com a aluna
ou se por consentir manifestaccedilotildees de escaacuternio e homofoacutebicas Jacqueline natildeo exortou a aluna
redirecionou a aula solicitando a volta ao texto E indicando desconhecer por completo o guia
sai procurando o que ler salteando paacuteginas em busca do que explorar Premida pelo tempo
pelo barulho da sala acha trechos aleatoriamente e os ler pede opiniatildeo do grupo e sem
conseguir instigar o interesse da turma que se lanccedila em brincadeiras culpa a todosas pela
eterna balbuacuterdia e descompromisso com o ato de debater
120
Por muitos momentos observei a agitaccedilatildeo da professora diante do texto e da turma
Seu ambiente de trabalho se traduzia como uma violecircncia ao ato de ler a balbuacuterdia dosas
alunosas inviabilizava a mais elementar concentraccedilatildeo que a leitura requer para que haja a
fluecircncia das ideias a capacidade de retecirc-las de trocaacute-las Em polvorosa a turma ao tempo
que respondia a algo pontuado pelo texto desligava-se dele completamente mergulhando em
outros mundos outros textos tatildeo diacutespares ao proposto Parecia natildeo haver naquele espaccedilo por
alguns instantes a presenccedila de um texto em matildeos a presenccedila de uma mestra E ela competia
com a desordem agitando-se gritando muito
Em contraste com aquele cenaacuterio de mestra sem maestria sem calmaria sem rumo
resgatei uma imagem beliacutessima trazida por Larrosa (2004) com a sua leitura do jaacute referido
poema O Leitor de Rilke A construccedilatildeo poeacutetica desse autor debulha jaacute em seus versos
iniciais a imagem de um ser tomado possuiacutedo arrebatado pelo ato de ler ldquoQuem o conhece
a este que jaacute baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo ser a quem apenas o veloz passar
das paacuteginas plenas agraves vezes interrompe com violecircnciardquo O enfrentamento da obra que se daacute
com o rosto abaixado eacute a garantia da transformaccedilatildeo A obra quer quietude o autor diz que
ldquoapenas o veloz passar das paacuteginasrdquo traz a inquietaccedilatildeo Oa leitora poeticamente possui as
marcas da quietude da liquidez da transformaccedilatildeo nas palavras de Larrosa
O texto esse segundo ser no qual o leitor submerge estaacute empapado da sombra do
leitor A palavra alematilde eacute Getrankts e poderia ser traduzida por embriagada ou
porembebido[] O texto entatildeo tambeacutem perdeu sua estabilidade sua solidez e seu
controle sobre si mesmo ao estar impregnado dessa sombra liacutequida e embriagadora
que o leitor [a] derramou sobre ele A sombra do leitor [a] tem algo da fluidez dos
liacutequidos O texto por sua parte eacute permeaacutevel a esses liacutequidos uma vez que se deixa
empapar e embriagar por eles Ambos satildeo liacutequidos e podem misturar-se entre si E o
texto uma vez liquefeito embriagado e desmaternado agora pode ser o elemento
em que o leitor pode submergir para emergir transformado o elemento liacutequido da
metamorfose (LARROSA 2004 p 108)
A experiecircncia da leitura na poesia de Rilke e na interpretaccedilatildeo que Larrosa (2004)
empresta a esta obra eacute a experiecircncia da conversatildeo essa aqui natildeo eacute vista como aspiraccedilatildeo ao
divino mas agrave substancialidade de si da plenitude da saiacuteda do ordinaacuterio da
despersonalizaccedilatildeo ldquoQuem o conhecerdquo Haacute por conseguinte observando a aula de leitura
ministrada por Jaqueline uma distacircncia astronocircmica entre o leitor da poesia rilkeana e osas
leitoresas daquela sala de aula Satildeo contextos histoacutericos distintos com diferentes grupos
sociais que resultam em entregas e natildeo entregas agrave leitura Parece que a sala de aula inquieta e
desgovernada programada pelo poder-escola mesmo que anuncie a importacircncia da entrega
para a leitura natildeo propicia as condiccedilotildees para isto Haacute um controle por parte desse poder que
121
cria regras nas quais se gera o impedimento para que a relaccedilatildeo complexa de abandonar-se pela
interpretaccedilatildeo de obras de textos de discursos para inquietar mundos prontos seja efetivada
Ler entatildeo na escola puacuteblica em tela e em tantas outras construiacutedas com a mesma
mesquinharia na faceta Paulo Honorina de nossos gestores puacuteblicos no trato com a educaccedilatildeo
eacute estar sob a tutela de uma atividade que controla e disciplina o natildeo ler
E o ler na sala de Jaqueline dizia do natildeo ler Assim entendi tambeacutem quando
observei a cena em que trecircs alunos que sentavam juntos folheavam o guia passando as
paacuteginas sem deleite algum mesmo este contendo bastante ilustraccedilotildees Um deles disse agrave
professora que ler aquilo ldquoera um sacordquo Ela foi raacutepida em me justificar a opiniatildeo do garoto
- Aqueles satildeo influenciados pela religiatildeo natildeo gostam de nada natildeo aceitam os
homossexuais nem que a mulher se iguale ao homem Satildeo do contra
Jaqueline demonstrou entatildeo entender pouco o que disse o aluno E dividida entre
alunosas que representavam o fundamentalismo religioso e expressavam rigidez de papeacuteis
acerca de identidades de gecircnero entre outrosas que expressavam um olhar assimeacutetrico para
as relaccedilotildees de gecircnero levadosas pelo senso comum e ainda por voz solitaacuteria que afirmou
defender a liberdade de cada um de ser quem quer como a de Viacutetor um paulistano receacutem-
chegado agrave Paraiacuteba Jacqueline posicionou-se E o fez premida pelo discurso da toleracircncia ao
diferente Uma ressonacircncia assumida por ela das suas interaccedilotildees com discursos de
formadores nos eventos de formaccedilatildeo continuada dos quais participa na Rede Municipal de
Ensino Diversas formaccedilotildees discursivas circundavam naquele espaccedilo impingindo a marca de
quatildeo heterogecircneas e fragmentadas satildeo as identidades sociais construiacutedas em praacuteticas
discursivas regradas historicamente Enxergaacute-las e tecirc-las como processos de construccedilotildees nos
quais somos premidos eacute em tese pensar fora do autoritarismo O ato de ler pode estar a serviccedilo
de exercitarmos o pensamento nesta perspectiva o que poderaacute promover o encontro com o
outro com disposiccedilatildeo para o diaacutelogo Mas este ato natildeo pode fugir de sua instacircncia poliacutetica
natildeo pode se dar sem angariar as formaccedilotildees discursivas que determinam verdades apagando e
dando sentidos conforme pontua Foucault [] ldquovivemos em uma sociedade que produz e faz
circular discursos que funcionam como verdade que passam por tal e que deteacutem por este
motivo poderes especiacuteficosrdquo (FOUCAULT 2012 p 231) Esta eacute tarefa para os que brigam os
que vivem em permanente posiccedilatildeo de lutadores
Natildeo sei se instigada pelo nosso diaacutelogo antes da aula a professora trouxe a tocircnica da
violecircncia contra a mulher perguntando se algueacutem ali achava certo um homem agredir uma
122
mulher A pergunta me pareceu ingecircnua simplista que expressa possivelmente a
desorganizaccedilatildeo de Jaqueline por improvisar uma aula em um tema que natildeo parece lhe
fascinar As respostas vieram de forma apressadas e uniacutessonas por um natildeo agrave agressatildeo agrave
mulher Ela elogiou o grupo propagando uma cultura de paz reforccedilando que ningueacutem deve
bater em ningueacutemrdquo Chamou-me atenccedilatildeo a voz fraacutegil de uma menina que trouxe o
ordenamento juriacutedico como justificativa para o impedimento agrave violecircncia contra a mulher
- Natildeo pode professora por causa da Maria da Penha
Jacqueline demonstrou gostar desta resposta da garota e falou rapidamente da Lei
1134006 pontuando para a turma ldquoeacute a Maria da Penha que bota os homens que batem em
mulher na cadeiardquo Chamou-me atenccedilatildeo ainda o fato natildeo visto pela professora de que a aluna
natildeo encontrou um oacutebice para a violecircncia contra a mulher na dignidade humana dessa no seu
direito a uma vida sem agressotildees e sim em uma lei Mas a demonstraccedilatildeo de conhecimento do
ordenamento juriacutedico pela menina deixou a professora satisfeita Uma outra aluna indagou-
lhe
- Quem foi professora Maria da Penha
A docente Jaqueline natildeo soube dizer exatamente soacute respondeu que Maria da Penha eacute
uma mulher que sofreu violecircncia domeacutestica Perdeu a oportunidade de narrar uma histoacuteria
exemplar de luta contra a impunidade a este mal que grassa em tantos lares ao tempo em que
evidenciou um comprometimento em sua formaccedilatildeo intelectual Seu desconhecimento
considerando a relevacircncia que a farmacecircutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes
possui como siacutembolo de luta para o enfrentamento da violecircncia contra a mulher demonstrou
fragilidade de formaccedilatildeo profissional Maria da Penha vitimada pela violecircncia com duas
tentativas de assassinato por Marco Antonio Heredia Viveros agrave eacutepoca seu marido lutou
bravamente contra a impunidade a esse crime Por sua obstinaccedilatildeo durante longos anos travou
uma longa batalha no poder Judiciaacuterio e evitou a impunidade de Marco conseguindo levar
sua denuacutencia agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organizaccedilatildeo dos
Estados Americanos) que determinou medidas do Estado brasileiro pela puniccedilatildeo ao ex-
marido e reparaccedilatildeo agrave viacutetima A visibilidade da violecircncia contra a mulher ganhou em Maria da
Penha um baluarte que a fez homenageada com o nome da Lei 1134006 Suas apariccedilotildees na
123
miacutedia em especial nas comemoraccedilotildees alusivas ao Dia Internacional da Mulher deveriam ser
outro fator que favorecesse o conhecimento da cearense pela professora Jaqueline
O tema da violecircncia contra a mulher instigou a turma a falar e muitosas alunosas
disseram conhecer mulheres viacutetimas de violecircncia ningueacutem disse que isto fazia parte da
realidade familiar mas da de uma vizinha de uma conhecida Jacqueline natildeo aproveitou a
discussatildeo para trazer reflexotildees sobre as causas desse fenocircmeno dar visibilidade agrave questatildeo
cultural que sustenta a assimetria entre homens e mulheres e discorrer sobre a importacircncia da
lei E mesmo diante de enunciados de meninos dizendo que deveria existir a lei para os
homens tambeacutem o que implica uma incoerecircncia a professora se esquivou de aprofundar o
debate Um debate que seria oportuno considerando que a violecircncia contra homens eacute um
fenocircmeno cultural de baixiacutessima incidecircncia o que em tese natildeo justifica a existecircncia de uma
lei para a proteccedilatildeo dos homens
A aula natildeo havia acabado ainda mas o focirclego da professora sim Como quem paga
alta penitecircncia olhou muito para o reloacutegio enfim sentou-se exaurida ao meu lado e
timidamente me pediu uma opiniatildeo sobre seu desempenho pedagoacutegico Tive zelo para natildeo
parecer dona da verdade e pontuei algo para ela Iniciando pela criacutetica ao improviso Abordei
tambeacutem com a educadora o quanto o lidar com texto em sala de aula em uma perspectiva
discursiva permite a quebra da ilusatildeo de que haacute uma leitura boa e certa para um texto na qual
o professor seria o inteacuterprete legiacutetimo E que a postura dela de natildeo ouvir as respostas dosas
alunosas em alguns momentos evidenciava talvez para ela a crenccedila de que as respostas da
turma estariam fora do campo do verdadeiro Falei tambeacutem do desejo de ver a temaacutetica ser
vivenciada com esmero por respeito ao princiacutepio da dignidade humana de todas as pessoas e
por considerar que para que se engendrem reflexotildees plurais e que se olhem mais
apuradamente as assimetrias de gecircnero desmantelando-nas as construccedilotildees discursivas
precisam fazer parte de um ethos Precisam fazer parte de uma brigada pela defesa de uma
escola inclusiva para todosas e isto natildeo nasce aleatoriamente nem sem suor Novos sujeitos
precisam nascer ou no dizer foucaultiano (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c 2012) novos
modos de subjetivaccedilatildeo Jaqueline ponderou que estava disposta a aprender mas de algumas
coisas natildeo abriria matildeo O que ela e tantosas natildeo abrem matildeo poderaacute continuar impedindo a
responsabilidade da escola em construir caminhos para novos sujeitos com a eliminaccedilatildeo de
praacuteticas discriminatoacuterias sexistas homofoacutebicas
A aula acabou e eu tomei emprestado o material usado em sala para analisaacute-lo
conforme tracei em um dos objetivos deste trabalho E muito embora este natildeo seja um
material programado para fazer parte de suas aulas como jaacute pontuei aqui por sua escolha ter
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sido notoriamente casual aleatoacuteria foi ele o subsiacutedio do evento e eacute um dos textos presentes
na escola que poderaacute ser lido outras vezes Voltei agrave biblioteca e perguntei agrave Denise a
responsaacutevel por aquele espaccedilo que foi uma das participantes da pesquisa se aquele texto o
ldquoGuia da Crianccedila Cidadatilde ndash Convivendo com meninas e meninosrdquo (BOULET 2005) jaacute fazia
parte do acervo bibliotecaacuterio quando de minhas visitaccedilotildees na outra etapa desta pesquisa Ela
me informou que natildeo aqueles volumes tinham sido uma aquisiccedilatildeo no final do ano realizada
pela coordenadora do projeto de leitura
O material usado um guia eacute um gecircnero textual que tem como caracteriacutestica pontuar
concisamente informaccedilotildees para nortear leitoresas acerca de algo E com esse natildeo foi
diferente o material utilizado naquela aula eacute um texto com muita ilustraccedilatildeo em uma
linguagem acessiacutevel e com historinhas apresentadas em trecircs capiacutetulos As narrativas abordam
relacionamentos entre meninos e meninas problematizando a construccedilatildeo das diferenccedilas
atraveacutes de toacutepicos como o interesse dos meninos por baleacute a ocupaccedilatildeo das mulheres no
mercado de trabalho as meninas poderem tomar agrave frente nas manifestaccedilotildees de afeto entre
outros papeacuteis sociais questionados Satildeo toacutepicos interessantes que se organizados
reflexivamente poderiam render uma aula mais significativa
O guia todavia eacute uma produccedilatildeo do UNICEF jaacute com uma certa defasagem em
relaccedilatildeo aos avanccedilos conquistados pelas mulheres no tocante agraves garantias juriacutedicas como as
Leis 1203409 (BRASIL 2009) que prevecirc a obrigatoriedade do preenchimento de vagas por
mulheres em cada partido e a Maria da Penha que combate agrave violecircncia contra a mulher
Outros avanccedilos angariados pelo coletivo feminista natildeo poderiam tambeacutem estar contemplados
ali no que diz respeito agraves mobilizaccedilotildees sociais como as construccedilotildees das conferecircncias entre
outros Assim eacute uma leitura que mobiliza o interesse pelo combate agrave violecircncia de gecircnero tem
seu valor mas precisaria estar melhor articulada e atualizada Esse eacute um trabalho doa
fazedora da educaccedilatildeo que deve entrar em sala carregando leituras catadas angariadas
escolhidas criteriosamente o que natildeo foi o caso da aula em tela na qual a mestra pareceu
carregar um guia sem ser guiada por ele
125
4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA VIA DA
LEITURA
Apoacutes discorrer acerca do trajeto desta pesquisa objetivando costurar os fios traccedilados
ao longo de sua constituiccedilatildeo cabe-me tomar a direccedilatildeo de apresentar nesta parte do estudo
uma proposta de sistematizaccedilatildeo de estrateacutegias que poderatildeo ser adotadas pelo projeto de leitura
da escola TRAVESSIA Isso se deve porque este mestrado que possui uma diretriz
profissional estaacute sendo desenvolvido de modo a permitir uma accedilatildeo interventiva na praacutetica
docente de seus cursistas o que se traduz como compromisso e luta com o fazer pedagoacutegico
aos quais bendigo
E com base no que angariei em termos de anaacutelises das discursividades de
educadoresas como mediadores(as) de leituras cabe-me propor a inserccedilatildeo do debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA Faccedilo assim por conceber que
a leitura ali vivenciada percebida em diversos momentos desta pesquisa natildeo demonstrou
contemplar a temaacutetica da equidade de gecircnero E a ausecircncia desta contemplaccedilatildeo eacute considero
um oacutebice para a formaccedilatildeo de cidadatildeosatildes reflexivosas que eacute um dos objetivos propostos no
documento do referido projeto de leitura da escola
Desse modo e em respeito agrave pauta reivindicatoacuteria dos DH das mulheres da populaccedilatildeo
LGBT e de toda uma legislaccedilatildeo educacional que trata da inclusatildeo como um direito de todas as
pessoas agrave dignidade humana proponho que haja o empenho pela implementaccedilatildeo do debate da
equidade de gecircnero na escola TRAVESSIA por via da leitura Sendo concebida esta via
como uma praacutetica social que pode contribuir significativamente com as mudanccedilas sociais e
culturais que precisam ser construiacutedas (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008) eacute preciso
que nela seja investido um olhar mais reflexivo Para isto eacute crucial que a escola repense o
lugar da leitura centralizando-a norteando esta praacutetica por reflexotildees e estudos frequentes
entre osas professoresas envolvidosas com o projeto CestaSexta literaacuteria Tais reflexotildees e
estudos devem estar subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e
propotildeem como leitura no projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam
estereoacutetipos para os modos como se alicerccedilam verdades Tais reflexotildees e estudos devem estar
subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e propotildeem como leitura no
projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam estereoacutetipos para os modos como
se alicerccedilam verdades A vigilacircncia sobre os modos de conceber a leitura tem razatildeo de ser
quando se considera o que a AD atraveacutes de Possenti (2009) postula em si natildeo eacute a leitura um
bem E como tal natildeo deve ser sacralizada natildeo pode tambeacutem ser mateacuteria de improviso de
mero cumprimento de tarefa sem planejamento criterioso e sabor
126
A formaccedilatildeo de leitoresas pressupotildee estudo pressupotildee concernir com o que se
acolhe Heidegger (apud LARROSA 2004 p 110) investe na importacircncia do ato de ler
debruccedilando-se na etimologia do termo
A etimologia de ler como recorda Heidegger remete a recolher a colher a
colecionar a coletar Leitura lectio liccedilatildeo e tambeacutem e-leiccedilatildeo se-leccedilatildeo co-leccedilatildeo co-
lheita Heidegger mostra como o legein grego relaciona-se com o leger latino e com
o alematildeo lesen em seu sentido primitivo de um ldquopocircr abaixo e pocircr diante de que se
reuacutene a si mesmo e recolhe outras coisasrdquo Esse pocircr eacute um juntar e um com-pocircr []
E aleacutem disso como indica o alematildeo lesen um coletar ou um re-coletar um co-lher
ou um re-colher a colheita de espigas (Ahren-lese) recolhe o fruto do solo A
vindima (Trauben-lese) colhe as bagas da videira Por isso o juntar e pocircr diante natildeo
eacute um juntar qualquer coisa de qualquer maneira natildeo eacute um mero amontoar mas
implica uma busca e uma escolha previamente determinada por um colocar dentre
por um colocar sob um teto por um preservar ou abrigar (HEIDEGGER apud
LARROSA 2004 p 110)
Haacute uma ideia de abrigamento de incorporaccedilatildeo com a definiccedilatildeo do termo que sugere
alimento a leitura como o patildeo diaacuterio que nutre defendida por Antunes (2009) E eacute com essa
ideia que advogo quatildeo a formaccedilatildeo de leitoresas eacute tarefa de extrema responsabilidade
pressupotildee condiccedilotildees adequadas de produccedilatildeo do ato de ler que envolve a disponibilidade do
acervo do espaccedilo adequado bem como as condiccedilotildees intersubjetivas como o desejo o
conhecimento o prazer por parte de quem propotildee a leitura A formaccedilatildeo de leitoresas eacute ato
seacuterio ultrapassa formar para a mera classificaccedilatildeo para o mero valorar de coisas eacute no dizer
de Larrosa (2004) ato que possibilita deixar aparecer o existente em sua plenitude atraveacutes da
experiecircncia do lanccedilar-se
E qual se lanccedilar haacute na leitura proposta pela profordf Jaqueline com poucos livros em
muitas matildeos desprotegida pelo Estado com um fastio intelectual leitor por um tema que
aparece nas formaccedilotildees continuadas segundo me informou mas desaparece na sua praacutetica
discursiva Haacute um lanccedilar-se Haacute eacute um hiato entre os sujeitos que escutam mudanccedilas
anunciadas nas formaccedilotildees entre os sujeitos que leem e natildeo assimilam essas leituras O
percurso formativo dessa profissional como dos outros sujeitos desta pesquisa eacute o de um
sujeito refrataacuterio agraves mudanccedilas propostas nas tecnologias enunciativas nas praacuteticas leitoras que
instiguem reflexotildees sobre a constituiccedilatildeo de identidades Nesse sentido recorro a Noacutevoa
A formaccedilatildeo eacute algo que pertence ao proacuteprio sujeito e se inscreve num processo de ser
(nossas vidas e experiecircncias nosso passado etc) e num processo de ir sendo (nossos
projetos nossa ideia de futura [] Eacute uma conquista feita com muitas ajudas dos
mestres dos livros das aulas dos computadores Mas depende sempre de um
trabalho pessoal Ningueacutem forma ningueacutem Cada um forma-se sozinho (NOacuteVOA
2001 p 15)
127
No trabalho de formaccedilatildeo interior levantado por Noacutevoa que eacute de extrema
importacircncia estatildeo as lembranccedilas foucaultianas das praacuteticas de si (FOUCAULT 2004a
2004b 2004c) as que fazem os sujeitos acordarem para seus desejos atentarem para relaccedilotildees
consigo com seus cuidados mas que permitem o olhar em torno o olhar para as construccedilotildees
sociais de si e do outroa Daiacute poderaacute vir a condiccedilatildeo de ser leitora de ser lanccediladora
Cuidando de si mas amparadoa pelo Estado satildeo por praacuteticas de libertaccedilatildeo e de liberdade que
osas intelectuais e professoresas poderatildeo ter a vitalidade necessaacuteria para formar e ser
leitora E aqui de novo a Literatura de Graciliano Ramos me acolhe com Madalena lutando
chorosamente contra o opressor Paulo Honoacuterio e sendo vencida Acode-me para que eu possa
propagar solitariamente natildeo haacute saiacuteda Agreste eacute a alma de Paulo Honoacuterio
Conheci que Madalena era boa em demasia mas natildeo conheci tudo de uma vez Ela
se revelou pouco a pouco e nunca se revelou inteiramente A culpa foi minha ou
antes a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste (RAMOS 1978
p 92)
Como agreste eacute o coraccedilatildeo de uma sala de aula sem livros sem sonhadoresas sem
leitoresas Fiz esse rodeio por outras paragens para reafirmar que as estrateacutegias para se
formar leitoresas satildeo meticulosas exigem accedilotildees inventivas que mobilizem a ultrapassagem
aos muros da escola fazendo a chamada ao Poder Puacuteblico Mas para isso eacute preciso professora
que escolha natildeo chorar como o fez Madalena Ao agente de letramento resta-lhe organizar-se
politicamente e especialmente se enxerga na leitura um cunho libertaacuterio como me afirmou
Jaqueline minutos antes de entrar na sala de aula e afirmam tantosas outrosas
educadoresas resta-lhe lanccedilar matildeo de artefatos culturais que fomentem reflexotildees
propositoras da construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo de empoderamento social de
grupos minoritaacuterios entre outras formas de experimentar vivecircncias
Eacute uma luta por espaccedilo formar leitora E como luta natildeo se daacute sem investimento sem
desarticulaccedilotildees e articulaccedilotildees de olhares Natildeo se daacute sem mobilizaccedilotildees internas e externas ao
acircmbito da esfera escolar por isso que aqui me cabe atravessar o olhar indo da escola agrave
SEDEC e inquirir desse oacutergatildeo sobre suas responsabilidades poliacutetico-administrativas A
educaccedilatildeo do municiacutepio precisa repensar uma forma de estar gestando maior compromisso e
seriedade com as suas poliacuteticas educacionais no que se refere agrave responsabilidade de formar
leitoresas A produccedilatildeo de projetos de leitura natildeo pode ser tarefa de cunho meramente
administrativo sem o acompanhamento devido pelo pedagoacutegico Uma professora
readaptadoa portanto soacute deve propor e coordenar projeto de leitura se houver nelea as
128
favoraacuteveis condiccedilotildees para isso biblioteca escolar natildeo pode ser lugar para assegurar a
manutenccedilatildeo de gratificaccedilatildeo docente natildeo pode ser espaccedilo onde apenas se emprestam livros
sem a preocupaccedilatildeo com um trabalho profiacutecuo para o estiacutemulo agrave leitura Haacute o Plano Nacional
de Livro e Leitura ndash PNLL que reivindica a esse espaccedilo o seu lugar de dinacircmico polo difusor
de informaccedilatildeo e cultura para isso o profissional que fica agrave frente desse oacutergatildeo precisa avanccedilar
em conquistas por mais habilidade A responsabilidade da SEDEC com osas readaptadosas
natildeo pode se restringir agrave exigecircncia com a confecccedilatildeo de um projeto de leitura no papel mas em
formaacute-losas para que exerccedilam com maestria a funccedilatildeo de agente de letramentos
Pensar entatildeo e ainda em um aperfeiccediloamento com o trabalho de leitura na escola
TRAVESSIA eacute tambeacutem sair dos muros daquele espaccedilo e provocar os gabinetes e o interesse
do Poder Puacuteblico da Rede de Educaccedilatildeo Municipal de Joatildeo Pessoa para o implemento de
melhorias na formaccedilatildeo continuada por ela oferecida Como propositora das formaccedilotildees
continuadas a SEDEC deve se questionar sobre a qualidade dessas avaliando seus impactos
nas praacuteticas docentes As formaccedilotildees continuadas natildeo podem ser inoacutecuas incapazes de fazer
com que seusuas educadoresas impactem suas praacuteticas educativas com o que lhes satildeo
ministradosas nos eventos de formaccedilatildeo Para isto essas praacuteticas precisam estar municiadas de
reflexotildees permanentes acerca de seus jogos de verdades de suas operacionalidades do seu
formato das accedilotildees conectadas com a realidade da sala de aula acerca enfim dos seus efeitos
sobre as praacuteticas discursivas dos seus docentes
Dentre as preocupaccedilotildees que a escola TRAVESSIA deve ter para que possa
aperfeiccediloar seu trabalho com a leitura pode estar tambeacutem a de proporcionar o envolvimento
da participaccedilatildeo familiar nas praacuteticas leitoras A matildee jaacute foi aqui pontuado pelas anaacutelises dos
resultados da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2011) tem papel
inquestionaacutevel na influecircncia da formaccedilatildeo leitora A famiacutelia a despeito das dificuldades de
ajuste com tempo precisa ser estimulada a se envolver com as temaacuteticas e accedilotildees leitoras
desenvolvidas pela escola natildeo soacute atraveacutes das tarefas domeacutesticas dosas filhosas mas vindo agrave
escola para ler produzir textos para elesas participar dos eventos leitores Haacute matildees pais
avocircoacutes tiosas e irmatildeosas talentosos nos lares que podem contribuir com o trabalho de
leitura nas escolas atuando como contadoresas de histoacuterias como atoresatrizes em peccedilas
teatrais entre outras atividades
Reconheccedilo satildeo deveras hercuacuteleas as responsabilidades que o poder puacuteblico precisa
implementar para assegurar as mudanccedilas que a sociedade brasileira tem como direito em
termos de educaccedilatildeo de qualidade Satildeo inuacutemeras e histoacutericas as queixas de educandosas e
educadoresas sobre o ensino que o Estado brasileiro oferta agrave populaccedilatildeo e no que diz respeito
129
agrave praacutetica leitora pela escola elencam com frequecircncia como pontos negativos textos impostos
pouco acervo condiccedilotildees inadequadas de espaccedilo leitura para cumprir obrigaccedilatildeo A escola
precisa olhar com respeito tais queixas crocircnicas de seusuas educadoresas enxergar suas
vozes dispostas a aprender a aprender e aceitar o desafio de ser inventiva para resistir ao
poder como Foucault (2012) ressalta E em se tratando de poder institucional como tem sido
avassalador o poder puacuteblico do descaso com a educaccedilatildeo brasileira Tatildeo devastador a ponto de
fazer com que pensar em propor estrateacutegias interventivas em uma de suas instacircncias de
trabalho seja tatildeo sedutor quanto frustrante para mim e para educadoresas das escolas
puacuteblicas do Paiacutes Como ser inventivo diante dos limites estruturais que se apresentam face agraves
tentativas de desenvolvimento de um bom trabalho A realidade das salas superlotadas e dos
parcos recursos em termos de filmes de acervos literaacuterios musicais e demais artefatos
culturais aqui jaacute referendados comprometem a qualidade de um trabalho com a leitura
expondo o quanto o direito agrave educaccedilatildeo de qualidade estaacute sendo violado
Mas pior ficaraacute se natildeo se propuser Vou tentar pela vitalidade que haacute nos gestos de
tentar e por importar ter a leitura em pauta despertar interesse por ela saber de onde se lecirc
perscrutar por qual controle se lecirc Importa formar leitores que afiem os sentidos reflitam
sobre o estar no mundo para que possam no dizer de Freire (1999 p 124) conceber a
possibilidade do inacabamento humano ldquoa raiz mais profunda da politicidade da educaccedilatildeo se
acha na educabilidade mesma do ser humano que se fundamenta na sua natureza inacabada e
da qual se tornou conscienterdquo A leitura pode ser sem sacralizaccedilotildees uma porta para as buscas
de si foucaultianas e para a consciecircncia freireana
Convencida disto encaminho propostas de atividades de leituras de viacutedeos sites e
filmes para aprimorar as reflexotildees acerca da temaacutetica Faccedilo isto sem a menor pretensatildeo de
demonstrar possuir foacutermula nem verdade alguma nem achando que o que proponho eacute
novidade pois creio que apesar das condiccedilotildees adversas em muitos contextos escolares o
trabalho com a leitura tem sido pautado em uma perspectiva discursiva com objetivos
emancipatoacuterios libertaacuterios E o que me compete fazer neste momento satildeo esboccedilos para uma
reflexatildeo que norteie a praacutetica leitora do CestaSexta Literaacuteria Ciente sou todavia de que
profiacutecuo eacute que se faccedilam estudos coletivos reforccedilados nas coordenaccedilotildees pedagoacutegicas com
muito diaacutelogo e participaccedilatildeo dosas educadoresas ouvindo as famiacutelias os educandosas para
que haja o fortalecimento de ideias e aprendizado coletivo
Ciente sou ainda todavia de que respalda a todosas educadorasas no sentido de
reivindicar e fazer as mudanccedilas que precisam ser efetivadas a chegada de mais uma
tecnologia enunciativa como promessa de mudanccedilas O Senado Federal aprovou em julho
130
deste o novo Plano Nacional da Educaccedilatildeo - PNE cujo teor traz o compromisso firmado pelo
Governo brasileiro atraveacutes de suas poliacuteticas puacuteblicas para o enfrentamento da gravidade que
acomete a educaccedilatildeo brasileira Satildeo promessas em formato de diretrizes e metas a serem
cumpridas ateacute 2024 promessas que soacute poderatildeo ser alcanccediladas se esta tecnologia enunciativa
for concebida e acolhida como Plano de Estado mais do que Plano de Governo
Que sejamos osas santosas fazedoresas da mudanccedila que a educaccedilatildeo brasileira
precisa experimentar para sair de seu estado crocircnico de adoecimento A santidade nos
convoca a rezar aqui o sentido dessa accedilatildeo eacute para aleacutem da busca do sagrado conforme
estabelece esse Plano e um arcabouccedilo da legislaccedilatildeo educacional pela fundamental poliacutetica de
valorizaccedilatildeo global do magisteacuterio a qual implica simultaneamente a formaccedilatildeo profissional
inicial as condiccedilotildees de trabalho salaacuterio e carreira e a formaccedilatildeo continuada Que a reza natildeo
seja silenciosa apenas nem solitaacuteria pois seraacute inoacutecua e que conflua para o que diz o novo
PNE no sentido de que eacute preciso criar condiccedilotildees para que os professores possam vislumbrar
perspectivas de crescimento profissional e de continuidade de seu processo de formaccedilatildeo
(BRASIL 2014) Quem sabe assim o rosaacuterio de lamentaccedilotildees monotemaacuteticas que osas
educadoresas arrastam em seus enunciados natildeo mude de tom surgindo a sonoridade da luta
da paixatildeo e do sonho tatildeo (en)cantada por Chico Buarque de Holanda ldquoAi quero uma
lembranccedila eu quero uma esperanccedila A tua primavera
Apoacutes fazer uma ressalva ao PNE receacutem-chegado retorno agrave reflexatildeo sobre a
semeadura na escola em tela apresentando agrave guisa de sugestatildeo algumas recomendaccedilotildees que
podem ser incorporadas pela organizaccedilatildeo do projeto a CestaSexta Literaacuteria Nesse sentido
cabe aos organizadores do projeto de leitura da escola TRAVESSIA
1) Considerar a fragilidade com que o projeto de leitura se apresenta evidenciada
natildeo soacute pela ausecircncia da temaacutetica de gecircnero e de temas transversais propostos
pelos PCNs como tambeacutem pela ausecircncia de uma fluente organizaccedilatildeo entre as
accedilotildees propostas sua metodologia e seus objetivos e buscar construir uma
reformulaccedilatildeo do projeto Eacute necessaacuterio que este inclua em seus propoacutesitos uma
exposiccedilatildeo clara de temas trabalhados para que haja a relaccedilatildeo desses com a
formaccedilatildeo cidadatilde pelo projeto defendida
2) Construir para o referido projeto uma metodologia dialoacutegica e participativa
havendo a explicitaccedilatildeo dos recursos teacutecnicos adequados aos objetivos propostos
que contribuam para uma educaccedilatildeo natildeo-sexista natildeo discriminadora A sua
metodologia deve ser constituiacuteda de momentos formativos com o corpo docente e
131
gestor a fim de que as accedilotildees sejam elaboradas por uma equipe multidisciplinar
que elabore monitore e avalie todo o processo
3) Apresentar uma bibliografia envolvente e criteriosamente levantada como
tambeacutem uma seleta apresentaccedilatildeo de filmes e de artefatos culturais como canccedilotildees
entre outros objetivando ressignificar a realidade a partir desses instrumentos
Considero oportuno sugerir que a escola procure desenvolver dentro de suas
possibilidades praacuteticas leitoras incrementadas por encenaccedilotildees de peccedilas teatrais
jogos varais com a presenccedila de contadoresas de histoacuterias por exibiccedilatildeo de
filmes que a depender do estilo da peliacutecula pode sofrer cortes em cenas para que
apenas elas sejam estudadas considerando que nem toda narrativa atrai Haacute
programas de televisatildeo e capiacutetulos de novelas que podem ser objetos de anaacutelises
como tambeacutem determinadas leituras circuladas nas redes sociais podem estar
propiciando reflexotildees atinentes agrave valorizaccedilatildeo da dignidade humana
4) Proporcionar realizaccedilotildees de atividades educativas como oficinas palestras e
debates com a inserccedilatildeo da temaacutetica da equidade de gecircnero Para isso deve se
nortear com a discussatildeo de questotildees geradoras que podem ser conforme
pontuadas pelo curso de Gecircnero e Diversidade na Escola ndashGDE- (2009)3 assim
levantadas Como as relaccedilotildees de gecircnero aparecem no cotidiano escolar Haacute cenas
de violecircncia de gecircnero na escola O que educadoresas podem fazer neste
momento A discriminaccedilatildeo de gecircnero ainda coloca as mulheres em desvantagem
em diversas situaccedilotildees sociais Haacute o agravamento da desvantagem quando essa se
une agrave discriminaccedilatildeo eacutetnico-racial Qual a responsabilidade da escola e dos
educadores na garantia do direito de cada pessoa de ter uma justa imagem de si e
de ser tratado com dignidade Educadores e educadoras tecircm a possibilidade de
reforccedilar preconceitos e estereoacutetipos de gecircnero A escola institui sujeitos a partir
de um modelo Este modelo eacute branco masculino heterossexual e todas as pessoas
que natildeo se encaixam nele satildeo o outro que eacute reiteradamente tratado como inferior
estranho diferente Isso tem mudado Caso sim com base em que se sustenta esta
mudanccedila Em todas as classes sociais as mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia
(fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral e sexual) e enfrentam dificuldades de acesso
ao trabalho agrave geraccedilatildeo de renda e agrave participaccedilatildeo na vida poliacutetica Haacute letras de
3As perguntas apresentadas foram adaptadas a partir da leitura do livro intitulado ldquoGecircnero e Diversidade na
Escola Formaccedilatildeo de professorases em gecircnero orientaccedilatildeo sexual e relaccedilotildees eacutetnico-raciaisrdquo Este livro foi
utilizado como Livro de Conteuacutedo para o Curso Gecircnero e Diversidade na Escola (GDE) da Universidade
Federal da Paraiacuteba na modalidade a distacircncia
132
muacutesicas que vinculam a imagem da mulher ao escaacuternio agrave exploraccedilatildeo sexual e agrave
violecircncia fiacutesica e simboacutelica Isto se constitui como algo com que o projeto de
leitura deve se preocupar
5) Vivenciar a praacutetica leitora acompanhada de accedilotildees inventivas dinacircmicas ler
silenciosamente ler grupalmente ler atraveacutes das contaccedilotildees de histoacuterias que
devem ser estimuladas ler para encenar para debater ler para ler Isso pode ser
melhor realizado com a organizaccedilatildeo de grupos pequenos o que eacute um grande
desafio para a instituiccedilatildeo
6) Criar agendas com as quais se trabalhe a leitura em uma perspectiva dinacircmica
expondo temas ao longo do ano letivo acompanhado de artefato cultural para o
debate com recursos como obras cinematograacuteficas literaacuterias imagens feiras
participaccedilatildeo dosas alunosas em eventos culturais que porventura estejam sendo
realizados na cidade
7) Adotar para anaacutelise se possiacutevel as leituras abaixo sugeridas
SUGESTOtildeES DE LEITURAS
Bibliografia teoacuterica
AUAD Daniela Educar meninas e meninos relaccedilotildees de gecircnero na escola Satildeo
Paulo Contexto 2006 96 p
BRASIL Gecircnero e diversidade na escola formaccedilatildeo de professoresas em Gecircnero
Orientaccedilatildeo Sexual e Relaccedilotildees Eacutetnicos-Raciais Livro de Conteuacutedo versatildeo 2009 ndash
Rio de Janeiro CEPESC Brasiacutelia SPM 2009
LOURO Guacira Lopes Gecircnero sexualidade e educaccedilatildeo uma perspectiva poacutes-
estruturalista 14 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2012
SILVA Tomaz Tadeu da Identidade e diferenccedila a perspectiva dos Estudos
Culturais 10 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2011
ZENAIDE Maria de Nazareacute Tavares SILVA Margarida Socircnia Marinho do Monte
Plano de Accedilatildeo em Educaccedilatildeo em e para Direitos Humanos na Educaccedilatildeo baacutesica In
Direitos humanos capacitaccedilatildeo de educadores Joatildeo Pessoa editora
UniversitaacuteriaUFPB 2008 v 2
Bibliografia literaacuteria
BOJUNGA Lygia Sapato de salto Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2006
_____ A bolsa amarela 33 ed Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2003
133
BRAZ Juacutelio Emiacutelio Anjos no aquaacuterio Ilustraccedilotildees de Andreacutea Ramos 20 ed Satildeo
Paulo Atual 2009
LEITE Maacutercia Oliacutevia tem dois papais Ilustraccedilotildees de Taline Schubach Satildeo Paulo
Companhia das Letrinhas 2010
MACHADO Ana Maria A princesa que escolhia Ilustraccedilotildees de Graccedila Lima Rio
de Janeiro Nova Fronteira 2006
ROCHA Ruth Faca sem ponta galinha sem peacute Ilustraccedilotildees de Suppa Satildeo Paulo
Moderna 2009
SIMPATIA Tiatildeo A lei Maria da Penha em cordel ndash Fortaleza XX 2012
SOUZA Flaacutevio de Priacutencipes e princesas sapos e lagartos histoacuterias modernas de
tempos antigos Ilustraccedilotildees de Paulo Ricardo Dantas 6 ed Satildeo Paulo FTD 1996
_____ Homem natildeo chora Ilustraccedilotildees de Riba Tavares Belo Horizonte Formato
Editorial 1994
TORERO Joseacute Roberto PIMENTA Marcus Aurelius Chapeuzinhos coloridos
Rio de Janeiro Objetiva 2010
VIEIRA Isabel E agora matildee 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2002
ZIRALDO Coisas de menina histoacuterias que revelam o que eacute ser menina
maluquinha Satildeo Paulo Globo 2008
SUGESTOtildeES DE FILMES
Minha Vida em Cor-de-Rosa (Mavieen rose) eacute um filme dirigido pelo belga Alain
Berliner e lanccedilado em1997 Trata-se da histoacuteria de um menino chamado Ludovic que
imagina que deveria ter nascido menina O filme mostra os preconceitos que a personagem
principal e seus familiares enfrentam em relaccedilatildeo a sua identidade de gecircnero
Garotos natildeo choram (EUA 1999 Kimberly Peirce) Assunto predominante
sexualidade identidade sexual e de gecircnero atraveacutes da experiecircncia de uma transgecircnero
violecircncia EUA
Geraccedilatildeo Roubada (Austraacutelia 2002 Phillip Noyce) Assunto predominante
Opressatildeo cultural e situaccedilatildeo feminina
Iacuteris (Inglaterra 2001 Richard Eyre) Narra a trajetoacuteria biograacutefica de Iacuteris Murdoch
escritora e filoacutesofa inglesa sua relaccedilatildeo com os homens e seu casamento ateacute a morte por
Alzheimer em 1999
134
Beleza Americana (EUA 1999 Sam Mendes) Assunto predominante relaccedilatildeo
conjugal gecircnero e sexualidade no conflito de geraccedilotildees homofobia
Billy Eliot (Reino Unido 2000 Stephen Daldry) Assunto predominante Gecircnero e
classe identidade sexual danccedila (um garoto faz ballet)
Chocolate (EUA 2000 Lasse Hallstroumlm) Assunto predominante gecircnero
sexualidade e amor relaccedilatildeo matildee e filha descobertas transgressotildees
Delicada atraccedilatildeo (Inglaterra 1996 Hettie Macdonald) Assunto predominante
juventude e sexualidade masculina homoerotismo
Eternamente Pagu (Brasil 1987 Norma Bengell) Narra a trajetoacuteria biograacutefica e
poliacutetica de Pagu e outras personalidades da eacutepoca como Oswald de Andrade e Tarsila do
Amaral
Frida (EUA 2002 Julie Taymor) Assunto predominante biografia da artista Frida
Khalo amor relaccedilatildeo homem-mulher homoerotismo feminino
SUGESTOtildeES DE SITES PARA VISITAR
EDUCACcedilAtildeO ON LINE
httpeducacaoonline ndash Com uma busca na palavra gecircnero encontraraacute textos
acessiacuteveis sobre diversos temas educacionais
REVISTA GEcircNERO ndash (UFF ndash Universidade Federal Fluminense) ndash
httpwwweditorauffbr
Cadernos Pagu
httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso
Revista Estudos Feministas
httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso
SUGESTOtildeES MARCOS LEGISLATIVOS DE DOCUMENTOS
Lei11340 07082006 Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e
familiar contra a mulher nos termos do art 226 da Constituiccedilatildeo Federal da Convenccedilatildeo sobre
a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra as Mulheres e da Convenccedilatildeo
135
Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violecircncia contra a Mulher Disponiacutevel
emlthttpwwwplanaltogovbrCcivil 03 Ato2004-2006Lei11340htmgtAcesso em 26
jun 2013
BRASIL Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos Brasiacutelia
SEDHMJMECUNESCO 2007
136
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Eacute assim A gente pede para ele fazer cara de malvadeza de ruindade de valentia
Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para
ele Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho
(ROSA 1986 p 255)
Este trecho da ficccedilatildeo roseana soa-me como mais um fio das aacuteguas profundas do rio
que flui das conversaccedilotildees de (Rio)baldo e trazecirc-lo para abrir as consideraccedilotildees finais deste
trabalho parece-me oportuno Parece-me porque com esta construccedilatildeo literaacuteria de um ser no
espelho gestando imagens para si que seratildeo e vecircm dos outros pelas palavras e pela
ocularidade refletimos sobre a importacircncia da discursividade como o que nos encarna o que
nos vivifica o que nos constitui Haacute no espelho da obra roseana (ROSA 1986) a marca da
memoacuteria discursiva do outro que nos envereda a marca de que o poder eacute tecido nas praacuteticas
sociais e enunciado em praacuteticas discursivas que operam em noacutes um modo de subjetivaccedilatildeo
ldquo[] Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para ele
Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho []rdquo O espelho dado pelo outro
opera a virada que nos torna mutantes crentes no que vemos no que nos dizem Esta imagem
do espelho na fala de Riobaldo algo que natildeo eacute ldquonovidadeirordquo na ficccedilatildeo literaacuteria reflete
deveras o quanto a construccedilatildeo social da realidade estaacute imersa e constituiacuteda na trama da
linguagem E eacute por isso uma imagem cara que pode ser confluente com o pensamento
foucaultiano (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2004c 2004d 2012) no tocante ao interesse
do filoacutesofo de propor o exerciacutecio da suspeita do que somos e como nos tornamos quem
somos para quem sabe podermos recusar o que somos
Nesse caminho observando o cuidado alertado por Gallo (2008) para que se evite
enxergar tons novidadeiros e se tente ldquocolonizarrdquo pensamentos ter tomado de empreacutestimos as
reflexotildees de Foucault para esta pesquisa constituiu-se como um desafio instigante e vaacutelido As
contribuiccedilotildees do pensador mobilizadas aqui foram as atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo
da construccedilatildeo da verdade e do poder esse em suas formas de assimetria piramidalizadas
fabricadas pelo Estado e instituiccedilotildees como a familiar a religiosa e a escolar A articulaccedilatildeo de
tal empreacutestimo teve sua razatildeo de ser por esta pesquisa conforme evidenciada ter tido como
objetivo empreender reflexotildees acerca das relaccedilotildees de gecircnero perpassadas pelas constituiccedilotildees
discursivas dosas educadoresas como mediadoresas de leitura E a voz do pensador francecircs
levada a esse debate fez-me corroborar com a ideia de que o sujeito natildeo eacute uma substacircncia
137
pronta ele eacute forma que se faz e se refaz determinada por regras soacutecio-histoacutericas Foucault
(2004b) postula sujeitos que se esvanecem
Penso efetivamente que natildeo haacute um sujeito soberano fundador uma forma universal
de sujeito que poderiacuteamos encontrar em todos os lugares Penso pelo contraacuterio que o
sujeito se constitui atraveacutes das praacuteticas de sujeiccedilatildeo ou de maneira mais autocircnoma
atraveacutes das praacuteticas de liberaccedilatildeo de liberdade como na Antiguidade a partir de um
certo nuacutemero de regras de estilos de convenccedilotildees que podemos encontrar no meio
cultural (FOUCAULT 2004b p 291)
E tal postulaccedilatildeo viabiliza reflexotildees de que constituiacutedas discursivamente tramadas
por linguagens essas formas de subjetivaccedilatildeo satildeo moventes materiais dispersas falam de um
lugar institucional anunciando memoacuterias discursivas A importacircncia desse entendimento para
esta pesquisa se mostrou entre outras pela razatildeo de que com a concepccedilatildeo de que haacute
produccedilotildees histoacutericas de subjetividades e de que essas vivem em luta conforme evidencia
Foucault (2012) esta investigaccedilatildeo pocircde atentar para as instacircncias das resistecircncias Pocircde
atentar para as mobilizaccedilotildees que se intercruzam contra o naturalizado o instituiacutedo como
verdadeiro o que eacute controlado disciplinado para que possam ser problematizadas novas
formas de se constituiacuterem sujeitos
Desse modo posso dizer que haacute percebido por este estudo a possibilidade de
entrecruzar olhares foucaultianos sobre modos de subjetivaccedilatildeo e a marcha das mulheres por
um mundo com sujeitos eacuteticos que apregoem a igualdade o direito e a conquista de uma
praacutetica de liberdade para que se trace o desejo por um ethos E um ethos que incita a busca de
si o reinventar-se o desfamiliarizar-se eacute um fio no novelo que os feminismos e todos os
movimentos sociais que objetivam problematizar formaccedilotildees discursivas com seus poderes e
saberes podem ter como experiecircncia como aprendizado Com essa praacutetica homens e
mulheres constituem a beleza de serem artesatildeos de si como pontua Foucault (2004a 2004c)
Mas esta natildeo eacute uma busca sem lutas Desmantelar as invenccedilotildees os jogos de verdade recusar
o que somos por conseguinte eacute tarefa que passa pelo que se perscruta pelo que se elege para
ler ouvir falar partilhar acreditar desacreditar defender atacar enfim eacute tarefa que passa
por atentar para a dimensatildeo discursiva da construccedilatildeo da realidade
Com essa referida dimensatildeo discursiva na qual os sujeitos se inserem produtos e
produtores de sentidos (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008 POSSENTI 2009) e sem
pretender oferecer a uacuteltima palavra nem onde haacute a verdade busquei entatildeo verificar o modo
como a educaccedilatildeo puacuteblica municipal na escola TRAVESSIA produz efeitos de sentidos com
suas praacuteticas leitoras Para isto investiguei as condiccedilotildees histoacutericas de produccedilatildeo dessas
138
praacuteticas perpassando pelas discursividades docentes procurei ouvir educadoresas conhecer
o projeto de leitura da instituiccedilatildeo seu documento fundador perscrutar o que move e dinamiza
o referido projeto saber do acervo da biblioteca do que ali teria ou natildeo referente ao debate
sobre gecircnero Em um clima de receptividade calorosa estive na escola observando aulas e
seus textos aplicando questionaacuterio fazendo diaacuterio de campo perscrutando as vozes que
conduzem o trabalho com leitura na escola com a perspectiva de perceber o que
comportariam as praacuteticas leitoras suscitadas
E as anaacutelises dos resultados dessas investigaccedilotildees jaacute citadas paulatinamente ao longo
do trajeto em que foram aplicados os instrumentos de investigaccedilatildeo apontaram que o debate
acerca das relaccedilotildees de gecircnero tatildeo atinente com a pauta reivindicatoacuteria dos DH natildeo era
contemplado pelo projeto de leitura da escola Assim o percebi quando examinei o documento
constituinte do projeto de leitura da CestaSexta Literaacuteria no qual natildeo se apresenta na
organizaccedilatildeo dos propoacutesitos das accedilotildees da bibliografia e da metodologia desse instrumento a
promoccedilatildeo de uma praacutetica leitora apontando para o respeito agraves diferenccedilas agrave concepccedilatildeo de um
mundo plural e ao combate a uma ordem androcecircntrica Natildeo eacute evidenciado a partir das
referecircncias do documento que a leitura acolhida lanccedilada proposta suscitada pelo projeto
CestaSexta literaacuteria esteja alicerccedilada nas intenccedilotildees de debater as relaccedilotildees de gecircnero Assim o
sendo a escola democraacutetica e inclusiva atinente ao que preconizam os postulados dos DH
natildeo estaacute sendo engendrada pela linha mestra da leitura Por sua vez no tocante agrave produccedilatildeo do
referido instrumento esse se apresenta com outras fragilidades entre elas a de natildeo amarrar
devidamente seus nexos temaacuteticos sobre quais leituras e temas estaratildeo compondo a praacutetica
leitora Haacute um silenciamento quanto agraves inserccedilotildees temaacuteticas seja de que natureza for Natildeo se
sabe entatildeo quais relaccedilotildees de saber e poder estaratildeo sendo colocadas para afirmar o que o
projeto diz perspectivar formar cidadatildeo[a]
Percebi ainda a natildeo problematizaccedilatildeo das relaccedilotildees de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria
quando fiz o levantamento do acervo da biblioteca na primeira etapa da pesquisa As
prateleiras no que se refere agraves obras paradidaacuteticas essas as escolhidas para ser investigadas
natildeo acomodavam tiacutetulos com essa perspectiva assim me disse a responsaacutevel por aquele
espaccedilo assim averiguei tambeacutem com a leitura das fichas catalograacuteficas dos poucos volumes
presentes na biblioteca naquele periacuteodo investigado
Investiguei ainda se os textos utilizados pelo projeto nas aulas de leitura observadas
contemplavam praacuteticas discursivas que produziam sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero e
constatei que natildeo havia uma seleccedilatildeo de textos com a temaacutetica de gecircnero por parte dosas
educadoresas Exceccedilatildeo se deu em uma situaccedilatildeo atiacutepica na qual a professora Jaqueline trouxe
139
improvisadamente a temaacutetica pela leitura de um texto provocada segundo ela pela minha
presenccedila ali
No chatildeo da escola Travessia constatei apoacutes percorrer seus espaccedilos haacute as marcas de
que sua leitura natildeo problematiza a produccedilatildeo e a reproduccedilatildeo da iniquidade de gecircnero E outra
forma de verificar a ausecircncia dessa problematizaccedilatildeo foi pela perscruta dos relatos docentes e
pela anaacutelise das respostas do questionaacuterio lhes aplicado Pude perceber nas anaacutelises que fiz
das respostas daquele instrumento o quanto a constituiccedilatildeo das subjetividades dosas
colaboradoresas expressa olhares que segregam que estigmatizam o diferente que natildeo
percebem os jogos discursivos dos quais fazem parte Fiz a leitura com base em anaacutelise de
algumas das respostas desse instrumento de que emana dosas colaboradoresas uma
formaccedilatildeo discursiva reproduzindo e produzindo a iniquidade de gecircnero a reproduccedilatildeo de
regras e valores que elegem uma visatildeo androcecircntrica e heterossexual traccedilando para os que
natildeo pertencem a este modelo o estigma de diferente de abjeto passiacutevel de ser enquadrado
Assim o demonstraram aquela maioria de colaboradoresas da pesquisa quando expressaram a
intenccedilatildeo de ingerir em interesse de desviantes conforme apresenta a anaacutelise da sexta questatildeo
do instrumento de investigaccedilatildeo
Nas anaacutelises dos relatos dosas colaboradoresas deste estudo ficaram evidecircncias dos
limites com que se deparam essesas profissionais na propositura de um trabalho reflexivo
com a leitura A lamuacuteria e a desesperanccedila acompanhavam a praacutetica de ler minada por parcos
recursos e muita desmotivaccedilatildeo Uma praacutetica que precisa ser repensada pois em muitos
momentos essa traz a marca atraveacutes de enunciados dosas educadoresas da natildeo
contemplaccedilatildeo de importantes debates como os da violecircncia domeacutestica contra a mulher da
iniquidade de gecircnero e de outros temas atinentes agraves postulaccedilotildees dos DH Esse silenciamento
temaacutetico traduz o quanto pode estar reduzido o espaccedilo interacional da leitura como o lugar da
anti-hegemonia da desconstruccedilatildeo do olhar totalitaacuterio para o outro e isso precisa ser
repensado
A natildeo-contemplaccedilatildeo do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero foi ainda percebida nas
aulas observadas Nelas a despeito do esforccedilo da professora para se pronunciar sobre o tema
esse natildeo assentava com o olhar da mestra repousante em uma formaccedilatildeo discursiva
essencialista E a profordf Jaqueline demonstrou-se conflitante em turbulecircncia entre suas
incursotildees pelas formaccedilotildees continuadas ofertadas pela SEDEC anunciando o respeito agrave
pluralidade cultural e agrave diversidade humana e o olhar da mestra construiacutedo inventado para a
natildeo-aceitaccedilatildeo ao diferente tingindo esse com as cores da negaccedilatildeo (SILVA 2012) As
discursividades daquelas aulas foram minadas por olhares redutores para o diferente por
140
ausecircncia de contemplaccedilatildeo de como a linguagem constitui modelos de feminilidade modelos
de masculinidades e o quanto represa a vida
Presumo que isto se registra face agrave ausecircncia do cabal cumprimento do que anunciam
as tecnologias enunciativas sobre educaccedilatildeo como as do PPP da LDB do PNEDH as dos
PCNs a Resoluccedilatildeo 0112 Esses marcos educativos instituem o debate propositivo da
inclusatildeo do respeito agrave diversidade humana e sexual e da defesa inconteste de princiacutepios como
o da dignidade humana no curriacuteculo escolar mas natildeo marcaram efetivamente as poliacuteticas
educacionais vividas na escola Tais tecnologias postas que satildeo recentemente elaboradas eacute de
se anuir provavelmente que mesmo que ocupem gavetas escolares e discursos de
formadores que ressoaram em alguns momentos nas vozes perscrutadas natildeo poderiam
impactar formaccedilotildees discursivas secularmente construiacutedas alicerccediladas ainda pelo poder-
escola E se esbarram conflitantemente em seacuteculos de internalizaccedilatildeo de um modelo
essencialista androcecircntrico e heteronormativo
Por esta razatildeo eacute preciso que da e para a escola erga-se uma brigada contra a
violecircncia de gecircnero E por assim entender propus com a construccedilatildeo do capiacutetulo 4 desta
dissertaccedilatildeo que haja a implementaccedilatildeo de praacuteticas discursivas no projeto de leitura da escola
com o propoacutesito de eliminar o silenciamento da temaacutetica de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria
A cesta que eacute utilizada nas aulas de leitura carregando livros precisa transportar artefatos
culturais que suscitem debates pela reinvenccedilatildeo da vida pela reinvenccedilatildeo do trato entre os
homens e as mulheres balizados na dignidade de todosas Agrave escola TRAVESSIA propus
entatildeo como me solicita o cunho interventivo desse mestrado para seus cursistas que
atravesse seu vazio temaacutetico de gecircnero
Eacute preciso que a travessia desse vazio temaacutetico seja feita A escola por meio do seu
projeto de leitura pode e deve evocar a visibilidade para as iniquidades de gecircnero para o
enfrentamento da violecircncia domeacutestica contra as mulheres e para as suas lutas por
emancipaccedilatildeo social Haacute nas discursividades docentes investigadas linguagens em uso que
demonstram invisibilidade a essas questotildees Convivem com esses enunciados
paradoxalmente em alguns momentos vozes docentes que expressam desejar incorporar do
uso das tecnologias oficiais trabalhadas em formaccedilotildees continuadas conforme informaccedilatildeo em
questionaacuterio (vide questatildeo 4) e a efetivaccedilatildeo de suas experiecircncias de suas vivecircncias
profissionais Assim constatei no diaacutelogo que tive com a educadora Elisa atravessado por
uma leitura essencialista da realidade no tocante agrave identidade dos sujeitos que a faz desejar
sair da escola para natildeo ter que presenciar meninas se beijando
141
Por fim vejo como necessaacuteria a inserccedilatildeo temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero porque as
leituras evocadas pelosas docentes foram percebidas como as que rezavam a cartilha da
toleracircncia agrave diversidade cultural e humana sem questionar as relaccedilotildees de poder e os processos
de diferenciaccedilatildeo Esses que produzem as identidades e as diferenccedilas natildeo sendo questionados
conforme nos sugerem os Estudos Culturais acabam mesmo que frente a um arcabouccedilo de
legislaccedilatildeo educacional que propotildee uma educaccedilatildeo inclusiva e o respeito agrave dignidade humana
repousando no que Silva (2012) pontua como a produccedilatildeo de novas dicotomias a do
dominante tolerante e do dominado tolerado
Ao fim ainda pontuo que a omissatildeo perscrutada nas vozes docentes de uma
problematizaccedilatildeo que perpasse o projeto de leitura indagando-lhe os mecanismos que ativam
as fixaccedilotildees de identidades os estereoacutetipos de gecircnero pela via da leitura eacute algo que contribui
com o modelo de construir subjetivaccedilotildees disciplinadas diferentes e desiguais Isso demanda
da escola TRAVESSIA se deseja atravessar seus limites o desafio de envidar esforccedilos no
sentido de promover o rompimento com esse modelo de ler Sem o enfrentamento deste
desafio a escola natildeo estaraacute gestando utopias o que eacute enfadonho e tristonho
142
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APEcircNDICE A ndash QUESTIONAacuteRIO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIacuteBA
CENTRO DE CIEcircNCIAS LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO
MESTRADO PROFISSIONAL EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO
Prezados (as) colegas
Como aluna regular do mestrado profissional em Linguiacutestica e Ensino pelo Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Ensino PROLING da UFPB desenvolvo uma pesquisa cujas bases conceituais
norteiam-se pela concepccedilatildeo de linguagem como praacutetica discursiva e que tem como objeto de anaacutelise um
entrecruzamento entre as representaccedilotildees de gecircnero e as praacuteticas leitoras na escola concebidas pelos educadores
Solicito dessa escola a colaboraccedilatildeo no sentido de que seu corpo docente envolvido com praacuteticas leitoras
responda a este questionaacuterio que eacute o ponto de partida para outros diaacutelogos com o objetivo de contribuir para
uma reflexatildeo sobre a temaacutetica presente
QUESTIONAacuteRIO
Considerando sua experiecircncia como leitora e sua praacutetica pedagoacutegica especialmente no projeto de
leitura desenvolvido pela escola responda por gentileza agraves seguintes questotildees
Perfil sociodemograacutefico
Sexo ( ) feminino ( ) masculino
Tempo de formado ( ) de 1 a 10 anos( ) de 11 a 21( ) de 21 a 31( ) 32 ou mais
Idade ( ) de 21 a 31 ( ) 31 a 41( ) 41 a 51( ) 51 a 61( ) 62 ou mais
Titulaccedilatildeo( ) superior ( ) Especializaccedilatildeo ( ) mestrado ( ) doutorado
1) O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto de leitura (marque ateacute trecircs
questotildees enumerando-as por ordem de importacircncia)
( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo
( ) Uma atividade prazerosa
( ) A escola natildeo valoriza a leitura
( ) A escola valoriza pouco a leitura
( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais
( ) Outra _______________
2) O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos Direitos Humanos
( ) sim ( ) natildeo
3) O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto
( ) sim ( ) natildeo
151
Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior
( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas
( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica escolar de engajamento no
combate agraves assimetrias de gecircnero
( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema em nosso projeto de leitura
( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e como muitas leituras reforccedilam
os padrotildees sexistas presentes na sociedade
( ) Outra _______________
4) Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel inicial quanto na continuada tem
preparado o (a) profissional para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a igualdade no espaccedilo escolar
( ) sim ( ) natildeo
5) As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o menino e o que pode a menina
no espaccedilo escolar
( ) Natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e meninas
( ) Comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento
( ) Ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual
( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que satildeo naturalmente desiguais
6) Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como natildeo apropriados para seu
sexo qual a leitura feita
( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada crianccedila
( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado
( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
7) Como mediador (a) de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de preconceito uma expressatildeo de
conflitos entre olhares de meninos e de meninas
( ) Pouco eacute natural a disputa
( ) Interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo
( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa
8) No tocante agrave violecircncia contra a mulher o Brasil em um ranking de 84 paiacuteses ocupa a 7ordf posiccedilatildeo sendo a
Paraiacuteba um dos Estados da Federaccedilatildeo mais violentos tambeacutem com a 7ordf colocaccedilatildeo E Joatildeo Pessoa sua
capital eacute a 2ordf mais violenta (CEBELA Mapa da Violecircncia 2012) O que em sua opiniatildeo explica a existecircncia
deste fenocircmeno
( ) Formaccedilatildeo cultural
( ) Haacute pessoas naturalmente violentas
( ) Natildeo sei
( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo
( ) Outra ______________
9) Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave questatildeo
( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante
10) A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da questatildeo ganha que
espaccedilo no projeto de leitura
( ) Nunca foi citada
( ) Existe na biblioteca
( ) Jaacute trabalhamos com ela
152
11) Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo escolar e no projeto
( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos curriacuteculos escolares
( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e inferiorizadas
( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca carga horaacuteria para exploraacute-lo mais
( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho importante
12) Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista
( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute bom
( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo eacute bom
( ) Eacute um movimento com muito radicalismo
( ) Fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da opressatildeo agravemulher
13) O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas comemorativas
( ) sim ( ) natildeo
Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que se faz na data ou o que se
pretende fazer
( ) Eacute um dia em que ela eacute intensamente valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola
( ) Eacute um dia com pouca reflexatildeo sobre a luta feminista
( ) Outra _______________
____________________________________________________
Gilva Vasconcelos da Silva Matos
GILVA VASCONCELOS DA SILVA MATOS
LEITURA E RELACcedilOtildeES DE GEcircNERO AS DISCURSIVIDADES DOS (AS)
EDUCADORES (AS) NAS MEDIACcedilOtildeES DE PRAacuteTICAS LEITORAS
Dissertaccedilatildeo avaliada em ____________
BANCA EXAMINADORA
Prof Dr Onireves Monteiro da Costa (UFCG)
(orientador)
Profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio (UFCG)
(coorientadora)
Profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide (UFPB)
(examinadora)
Profordf Dra Eliane Ferraz Alves (UFPB)
(examinadora)
Profordf Dra Alvanira Lucia de Barros (UFCG)
(suplente)
Joatildeo Pessoa
2014
Dedico este trabalho a todas as mulheres
militantes agravequelas que deixam ao mundo o
legado de por amarem o suficiente a vida
desejam reinventaacute-la
AGRADECIMENTOS
Sou profundamente grata a todosas aquelesas que deram de alguma forma sua
contribuiccedilatildeo para que esta pesquisa fosse realizada Reconheccedilo e aqui me cabe demonstrar
que esta conquista tem um dar de matildeos que me permitiu aclarar questotildees e seguir diante dos
momentos de tensatildeo que emergem no trajeto das obrigaccedilotildees acadecircmicas
Primeiro e sobretudo agradeccedilo a Deus pelo esconderijo no Altiacutessimo pela
serenidade emanada dos seus braccedilos
Especialmente agradeccedilo ao meu orientador querido Prof Dr Onireves porque me
acolheu do alto de sua sabedoria e grandeza humana permanentemente me incentivando
tornando tudo mais significativo e leve
Agrave profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio coorientadora que carrega no nome o que me
ofertou quando mais precisei ndash visatildeo luminosa sendo docilmente criteriosa no compartilhar
de seu conhecimento
Agradeccedilo agrave profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide por suas saacutebias colaboraccedilotildees
ao participar da banca examinadora de defesa deste trabalho Seu olhar arguto trouxe a
grandeza de quem labuta por uma escola em que os Direitos Humanos encontrem assentos
Agradeccedilo agrave profordf Dra Eliane Ferraz Alves por compor criteriosamente a banca
examinadora de defesa deste trabalho
Agrave admiraacutevel profordf da UNEB Nadja Nunes muito obrigada Sua grandeza perdura em
minhas memoacuterias de aprendiz Haacute um vazio de sua presenccedila na composiccedilatildeo para a banca de
exame de defesa mas compreendendo os percalccedilos do impedimento saiba que natildeo haacute
ausecircncia onde se ministrou um ethos Mire por ti tenho gratidatildeo pela vida inteira
Agradeccedilo agrave profordf Dra Juliene Pedrosa coordenadora deste mestrado referecircncia de
zelo profissional
Agradeccedilo agrave escola TRAVESSIA e seus sujeitos pesquisados por tanta abertura e
respeito com o meu trabalho
Aos meus pais Manuel (in memoriam) e Elisa agradeccedilo pelo amor pelas liccedilotildees de
vida pelas narrativas dos sonhos
Aos meus filhos Pablo Ravi e Lucas que me fazem amar amiuacutede obrigada Os trecircs
compotildeem parte da magia de minha vida pelo segredo de ninar pela becircnccedilatildeo de colos
pacificados Cada um eacute unicamente um cacircntico novo tesouros
A Robert pela vida partilhada enlaccedilada em afetos obrigada
Aosagraves irmatildeosatildes em especial Didi que me nutre com fraternidade amorosa e
incondicional devo-lhe muito
Obrigada deputada estadual Gilma Germano pela propositura de leis de suma
importacircncia para a garantia dos direitos das mulheres
Agradeccedilo ao amigo de infacircncia Iranmil pela liccedilatildeo de enfrentamento agrave homofobia pela
companhia na literatura por falar muito e rir tanto
Agrave Socircnia Maria por me ofertar ao longo dos anos amizade das mais leves e alegres
regrada a risos companheirismo e adoccedilatildeo fraterna
Aosagraves colegas do mestrado em especial Adnilda e Leandro que satildeo tatildeo solidaacuterios e
inteligentes tambeacutem agradeccedilo
Aos meus alunos e alunas com quem aprendi muito
Ao meu chefe o diretor do CECAPRO Prof Giovanny Lima pelo estiacutemulo agraves minhas
buscas pelo conhecimento pelo compromisso com a educaccedilatildeo
Agrave Inecircs Caminha ex-chefe eterna liccedilatildeo de competecircncia e bondade
Agrave competente secretaacuteria do CECAPRO Adilsa Gadelha pelo que tambeacutem sabe ser
amiga
Agrave secretaacuteria do MPLE Vera Lima por sempre e tanto atender respeitosa e
competentemente
Lembrou-se de que em adolescente procurara
um destino e escolhera cantar Como parte de
sua educaccedilatildeo facilmente lhe arranjaram um
bom professor Mas cantava mal ela mesma o
sabia e seu pai amante de oacuteperas fingira natildeo
notar que ela cantava mal Mas houve um
momento em que ela comeccedilou a chorar O
professor perguntara-lhe o que tinha - Eacute que
eu tenho medo de de de de cantar bem []
(LISPECTOR 1979 p 157)
RESUMO
As importantes conquistas efetivadas pelas lutas feministas e pela pauta
reivindicatoacuteria dos Direitos Humanos que problematizam a construccedilatildeo social de gecircnero tecircm
na escola espaccedilo dos mais importantes para o debate promotor da equidade de gecircnero Esta
pesquisa se estrutura pela interface entre as praacuteticas leitoras na escola e a promoccedilatildeo desse
debate e se propotildee a analisar as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de
leituras acerca das relaccedilotildees de gecircnero Para este direcionamento discursivo o estudo move-se
teoricamente na concepccedilatildeo de leitura em Soares (2001 2011) Orlandi (2008) e Silva E T
(2009 2011) nos estudos feministas contemporacircneos (LOURO 2012) (COSTA 2009) nas
reflexotildees trazidas pela Anaacutelise de Discurso (ORLANDI 2012 POSSENTI 2009) e nas
contribuiccedilotildees foucaultianas sobre poder e subjetividade (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c
2011 2012) A investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos tem
como loacutecus uma escola do Ensino Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa-PB na
realizaccedilatildeo de seu projeto de leitura Foram adotados como procedimentos metodoloacutegicos para
geraccedilatildeo dos dados a anaacutelise do documento do projeto de leitura observaccedilotildees de aulas anaacutelise
do material de leitura utilizado nesses eventos dos relatos de diaacutelogos com osas
educadoresas e da aplicaccedilatildeo de questionaacuterio E conforme anaacutelise dos resultados do conjunto
dos instrumentos investigativos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo perpassa pela
instacircncia do projeto de leitura da escola nem nas vozes docentes perscrutadas
Palavras-chave Leitura Gecircnero Discurso Praacuteticas discursivas Direitos Humanos
ABSTRACT
The important achievements of feminist struggles and the Human Rights agenda
which discuss the social construction of gender find at school an important space for the
debate that promotes gender equality This piece of research focuses reading practices at
school and the promotion of this debate aiming at analyzing the discourses of (male and
female) teachers as reading mediators on gender relations As its theoretical framework this
study considers the definition of reading proposed by Soares (2001 2011) Orlandi (2008)
and Silva E T (2009 2011) contemporary feminist studies (LOURO 2012 COSTA 2009
PISCITELLI 2002) reflections proposed in the field of Discourse Analysis (POSSENTI
2009) and the foucauldian discussions on power and subjectivity (FOUCAULT 2004a
2004b 2004c 2011 2012) This qualitative investigation has as its locus a public primary
school in the city of Joatildeo Pessoa ndash PB while developing its reading project Data
wasgenerated from the analysis of the reading project document lesson observations reading
material used in the sessions reports by the teachers and a questionnaire The results indicate
that the debate concerning gender relations does not emerge in the reading project activities or
the teachersrsquo voices studied
Keywords Reading Gender Discourse Discursive practices Human rights
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 10
1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA 25
11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade 25
12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de
investigaccedilatildeo 27
2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO 29
21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos 29
22 Feminismo poder e educaccedilatildeo 39
23 A leitura no Brasil em retratos 51
24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso 64
25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social 69
26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades 72
3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS 82
31 O Documento-fundador o natildeo dito significando 82
32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam 87
33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos 89
34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades 92
35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder 113
4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA
VIA DA LEITURA 125
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 136
REFEREcircNCIAS 142
APEcircNDICE 150
10
INTRODUCcedilAtildeO
A Gecircnese da pesquisa como (entre)veio o desejo
Movida pelo interesse entre leitura e relaccedilotildees de gecircnero investigo com este trabalho
as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de leituras frente ao debate
sobre a equidade de gecircnero Esta accedilatildeo investigativa se daacute em uma escola do Ensino
Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa - PB que executa um projeto de leitura em sua
biblioteca em um dia especiacutefico a sexta-feira fato provavelmente responsaacutevel pela
nomeaccedilatildeo da atividade a CestaSexta Literaacuteria
Os passos dados para a construccedilatildeo desta pesquisa possuem histoacuteria imagens
memoacuterias esquecimentos desejos uma gecircnese Debruccedilo-me agora sobre essa gecircnese E creio
que duas imagens armazenadas por mim nas andanccedilas escolares satildeo possivelmente
fundadoras-mor de meu objeto de pesquisa Elas entre tantas imagens que se ofertam como
leituras propiacutecias agraves reflexotildees sobre o debate da equidade de gecircnero na escola satildeo frugais em
minhas memoacuterias de educadora de mulher Chegaram em contingecircncias especiais e se
tornaram efeitos encarnados no sentido que o poeta Fernando Pessoa diz que irrompem
provocaccedilotildees Foram por mim guardadas em um momento de inquietaccedilatildeo em que me
debruccedilava sobre qual tema me aticcedilaria profundamente para estudar neste mestrado E de
forma providencial e diligente estas imagens me (s)acudiram a alma quando as registrei
pegaram-me pela matildeo e me levaram a uma itineracircncia na qual satildeo debulhados saberes
poderes palavras ordens accedilotildees discursivas de outros sobre mim que me fazem estar quem
estou Mais do que isto as imagens levaram-me mesmo que medrosamente a um desejo
profundo de discutir a construccedilatildeo das diferenccedilas as discursividades docentes acerca do
feminismo as relaccedilotildees de gecircnero e o lugar da escola como espaccedilo de debate e de construccedilatildeo
de equidade
E foi assim que vivi a experiecircncia de registraacute-las Envolta pelo meu interesse
profissional de pensar a leitura como importante instrumento na formaccedilatildeo discente descobri
um trabalho em escolas da zona rural de um municiacutepio paraibano realizado por uma ONG
muito bem conceituado Pensei que poderia render um bom estudo avaliar como as histoacuterias
contadas naqueles espaccedilos poderiam funcionar como instrumento de mediaccedilatildeo na construccedilatildeo
das identidades de gecircneros na problematizaccedilatildeo de papeacuteis socialmente construiacutedos
Discordando de minha orientaccedilatildeo acadecircmica que via com dificuldade a distacircncia
entre minha morada e meu objeto de estudo natildeo me incomodou o fato de viajar para me
11
enveredar na pesquisa Muito pelo contraacuterio achei que em verdade estaria ali menina leitora
que fui em uma casa de pais analfabetos onde livros eram objetos rariacutessimos por quem eu
nutria a paixatildeo visceral Viajei para ver crianccedilas que liam movida quem sabe por um desejo
de me visitar naquela roda de leitura Na roda a vida seria salva com a imaginaccedilatildeo aticcedilada
Na roda seria quem sou na interaccedilatildeo das leituras Ao certo fui buscar narrativas que me
narrariam ou em uma confluecircncia com o que diz Albuquerque Juacutenior (2007) iria simular o
germe de novas existecircncias novos modos de subjetivaccedilatildeo Embrenhei-me por essa busca
levando o fasciacutenio pelo campo de gecircnero aonde for aspirando ao meu interesse de escrevente
dispersa aticcedilada pelo ldquofogo que vem da paixatildeo que consome que lanccedila paixatildeo pelo devirrdquo
tatildeo bem-dita na prescriccedilatildeo vertiginosa de Albuquerque Juacutenior (2007)
Em minha primeira visita na unidade escolar referida era veacutespera do Dia das Matildees e
o foco na roda da leitura trazia textos sobre a mulher-matildee Imagens essencialistas da mulher
eram sumariamente expostas por poder gerar vidas ldquoela eacute paciente sensiacutevel dedicada e
zelosardquo Essa construccedilatildeo discursiva era traccedilada naquela roda de leitura para e com crianccedilas de
forma inclusive a se ignorar a jaacute instalada e reorganizada nova composiccedilatildeo das famiacutelias Isso
me gerou desconforto ldquoo gecircnero eacute o destino Natildeo haveria outra trajetoacuteriardquo (SAFFIOTI
2001) Mas naquela roda circulou um fato que marcou ainda mais minha tarde jaacute quente
climaticamente Surge depois de alguns minutos de iniacutecio de aula sala adentro um pai
levando seu filho pequeno pela matildeo O homem visivelmente abatido veio partilhar o recente
drama pessoal no qual estava mergulhado que em funccedilatildeo das proporccedilotildees espaciais da
comunidade jaacute parecia ser de conhecimento de todosas a ex-companheira e matildee de seu filho
fora embora com o amante O pai bem jovem expressou ali uma uniacutevoca e velha leitura a de
que ele e seu filho foram traiacutedos de que aquela mulher natildeo prestava A presenccedila daquele
genitor ali descontrolado soou-me de forma vertiginosa E ele teceu uma imagem da ex-
mulher agrave frente de todosas e de seu filho como a de quem natildeo possuiacutea nenhuma dignidade
Um discurso machista e essencialista era debulhado com os requintes de uma alma cega pela
ferida do abandono Em puacuteblico ali se construiacutea um lugar para as mulheres que decidem
partir as que rejeitam o papel que lhes eacute destinado ficar em casa embora o lar desmorone E
a crianccedila mesmo enlaccedilada pela condiccedilatildeo de filho em um misto de profunda dor e decepccedilatildeo
reproduzia com movimentos de cabeccedila toda uma narrativa demonizadora da mulher Os
acenos de cabeccedila agrave voz do pai refletiam possivelmente um sim agrave formaccedilatildeo discursiva de um
lar alicerccedilado aos moldes machistas patriarcais
Aquela cena me levou agrave dor do peso de um mundo em que a iniquidade de gecircnero
ainda estilhaccedilava seu poder nos olhos de um menininho choroso carregado pela matildeo de um
12
pai que arrastava consigo machismo e furor No final entre os burburinhos dosas
coleguinhas que diziam entre outras coisas ldquoA matildee de Felipe (esse eacute um nome fictiacutecio) eacute
ruim ainda bem que a minha natildeo me abandonourdquo eu ouvi a professora em uma tentativa
desajeitada de compensar a dor daquela crianccedila intervir e dizer que se ele tinha uma matildee
ruim em compensaccedilatildeo contava com um pai bom um heroacutei Essa educadora talvez sem
refletir sobre o efeito de sua interferecircncia sobre o jogo de verdade que a impulsiona
posicionou-se como aquela que tem a responsabilidade de oferecer respostas e o fez de um
lugar de autoridade do qual reproduziu significativamente os estereoacutetipos de gecircnero O seu
posicionamento se traduziu para mim como a delineaccedilatildeo discursiva de papeacuteis alicerccedilados aos
moldes androcecircntricos e por conseguinte produtor da iniquidade de gecircnero Isto me
impactou pois mesmo que sejam ressoadas corriqueiramente as construccedilotildees discursivas da
hegemonia machista natildeo haacute como natildeo buscar da escola o afinamento com a contra-
hegemonia que os avanccedilos feministas asseguram A ausecircncia deste afinamento eacute um descuido
com os direitos humanos das mulheres e precisa ser inquirida pelo menos para os amantes da
educaccedilatildeo libertaacuteria
Saiacute dali convicta de que aquele loacutecus natildeo poderia ser mais apropriado para a
pesquisa Aquela considerada trageacutedia emocional que circulava nas bocas pelo lugar inteiro
precisaria ser omitida em meu estudo por obedecer ao princiacutepio do anonimato evitando
expor inclusive uma crianccedila Mas pensar as relaccedilotildees de gecircnero e desconsiderar a forccedila
daquela imagem e da formaccedilatildeo discursiva que ali reinava seria ser negligente com o tema
com o trabalho Resolvi guardar a imagem falar sobre ela mas procurar outro campo
empiacuterico
Alguns dias depois voltei a conversar com a professora sobre aquele episoacutedio Agora
jaacute natildeo sob o efeito do impacto da cena do primeiro encontro fui incisiva e lhe inquiri sobre a
construccedilatildeo social dos papeacuteis sobre a desigual maneira de se constituir discursivamente
sujeitos e a responsabilidade da escola em formar para a igualdade de direitos de homens e
mulheres Ela me disse que toda a sua conduccedilatildeo estava de acordo com os princiacutepios cristatildeos
defendidos pela escola para os quais a mulher deve ser submissa nascer para se doar agrave
famiacutelia e o que fizera a matildee de F era abominaacutevel negava a ldquoessecircnciardquo feminina A despeito
da laicidade do Estado brasileiro o que implica em tese a negaccedilatildeo da formulaccedilatildeo de regras e
estrateacutegias que levem a enunciados dessa natureza a professora ocupa sua posiccedilatildeo
institucional e embandeira uma verdade forjada em discursos alicerccedilados em princiacutepios da feacute
cristatilde turvada por machismo e hierarquia de gecircnero
13
Em um gesto decisivo procurei outra escola para efetivar minha pesquisa O Dia das
Matildees jaacute havia se passado e ali presenciei mais um momento indicativo de que os sentidos
afiados dos quais fala Louro (2012) eacute um imperativo eacutetico para que se pense nas muralhas que
a escola precisa transpor para deslegitimar ordens sexistas androcecircntricas Assisti em uma
manhatilde em meio ao barulho comum de um intervalo nas escolas um pai se dirigir agrave diretora
falando alto por dois motivos queria que sua voz ultrapassasse o som da zoada do alunado e
estava pronto a mostrar sua firmeza sua forccedila em alto som Ele exigiu explicaccedilotildees desta
profissional sobre o que fora ensinado ao seu filho na festa das matildees tendo em vista que o
aluno expressou vontade de colaborar com as atividades domeacutesticas em casa A gestora
pacientemente explicou-lhe que apenas no momento das homenagens expuseram a reflexatildeo de
que meninos tambeacutem podem e devem ajudar as matildees nas tarefas domeacutesticas considerando
que estas ficam sobrecarregadas costumeiramente O homem retrucou ameaccedilando retirar o
filho da escola se mais uma vez a instituiccedilatildeo quisesse ensinar agrave crianccedila a virar uma
ldquomariquinhardquo Ali eu e ela tentamos dialogar com este pai enfatizando a importacircncia dos
direitos iguais para homens e mulheres do valor da contribuiccedilatildeo para a famiacutelia do trabalho de
todosas e que a concepccedilatildeo dele eacute infundada machista e preconceituosa Em vatildeo O homem
foi agrave escola soacute para bradar seu entendimento do que significa ser macho O que a instituiccedilatildeo
pensa a respeito natildeo lhe interessava
De novo senti o peso de um mundo fortemente assimeacutetrico forjado em conceitos
essencialistas Meu interesse pela problematizaccedilatildeo das iniquidades de gecircnero no chatildeo da
escola me seduziu de vez pensei com que produccedilatildeo de verdade osas trabalhadoresas da
educaccedilatildeo tecircm se movido (ou estariam presos) no enfrentamento destes embates corriqueiros
Escolhi ali mais uma vez por onde iria meu caminho investigativo
Estes dois momentos nas escolas em que experimentei cenas impactantes na
marcaccedilatildeo da assimetria de gecircnero perpassadas em voz docente e de membros familiares
conforme jaacute pontuei foram nodais para a minha decisatildeo de ter em foco essas relaccedilotildees no
espaccedilo escolar como objeto de estudo Mas deveras fui sendo seduzida pela ideia de
problematizar as assimetrias de gecircnero logo cedo na minha casa cheia de meninos
ldquotreinadosrdquo para conquistar espaccedilos enquanto que eu e minhas irmatildes eacuteramos ldquoadestradasrdquo
para o casamento como tantas mulheres de minha geraccedilatildeo e anteriores a ela Rezamos na
cartilha que a nossa formaccedilatildeo discursiva ordenava Filhos lar sexualidade reprimida redoma
sacrifiacutecios em nome de modelos de ldquofelicidaderdquo Modelos cujo formato tem cores
consistecircncia e sons androcecircntricos Tudo aquilo natildeo era escolha ou no dizer de Michel
14
Foucault (2004a 2004b 2012) a margem de liberdade era estreitiacutessima Era o poder
alicerccedilando as relaccedilotildees imbricado na instituiccedilatildeo famiacutelia
Onde haacute poder haacute resistecircncia diz esse pensador francecircs todavia |E os estudos no
campo de gecircnero como enunciados de resistecircncia chegaram-me Com eles chegaram os
compassos que desfazem os essencialismos Em suas vertiginosas paragens os
(des)compassos que explicitam o surdo combate entre o que se vecirc seu enredamento e o que
se diz como bem pontua Albuquerque Juacutenior (2007) E em um processo vital acostumei-me
com esse campo de estudo a afiar os meus sentidos muito embora agraves vezes fiquem
embaccedilados por uma memoacuteria discursiva que se desloca conflitando identidades que me
vestem e com as quais me perco e me acho Nos estudos poacutes-estruturalistas entendi meus
sujeitos dispersos a heterogeneidade discursiva que me faz ser tantas com verdades mil que
fazem viver dentro de mim todas as vidas do poema de Cora Coralina (1983) a cabocla
velha acocorada a que benze e a que reza a lavadeira do Rio Vermelho com seu cheiro
gostoso a mulher suada corrida vive dentro de mim a mulher cozinheira pimenta e cebola
panela de barro mas corro levando a mulher devoradora de fastfood Vive dentro de mim a
mulher roceira enxerto da terra meio casmurra vive a mulher urbana imersa no caos do
tracircnsito enredada nas redes sociais E o que faccedilo com tantas vidas Certamente com os
estudos de gecircnero posso desejar vecirc-las em seus processos de subjetivaccedilatildeo em um mundo
plural mas hegemocircnico global movente instantacircneo liacutequido que pode desfazer verdades
ldquoquebrando a gaiolardquo do essencialismo como propotildeem os Estudos Culturais
Decerto que sempre se constituiu para mim como ato de seduccedilatildeo o garimpar das
subjetividades que se fazem em meio a jogos de verdade como demonstra Foucault (2004a
2004b 2004c 2004d 2012) Ultimamente todavia perscrutar nossosas mestresas sem as
pequenas pretensotildees de quem desvenda descobre o oculto como nos adverte o filoacutesofo
francecircs mas pensando nas histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees de suas subjetividades
constituiacutea-se mais fortemente como desejo e apreensatildeo Minha apreensatildeo de pesquisar modos
de subjetivaccedilatildeo de professora se dava pela frequecircncia com que vinha registrando os
enunciados da categoria que descrevia com muito pesar a atuaccedilatildeo profissional salas lotadas
baixos salaacuterios perda de autoridade violecircncia desinteresse dosas discentes sentimentos de
desvalorizaccedilatildeo frustraccedilotildees enfim uma homogeneidade de queixas perpassando as vozes
dosas educadoresas Obviamente as precaacuterias condiccedilotildees de trabalho justificam os dolorosos
enunciados dosas trabalhadoresas da educaccedilatildeo Essesas profissionais se natildeo se inserem na
militacircncia na defesa de poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a educaccedilatildeo de qualidade no ativismo
poliacutetico na busca pelas praacuteticas de liberdade pelas teacutecnicas de ajuste da relaccedilatildeo de si para
15
consigo um ethos que repousam em uma eacutetica do inconformismo do autodomiacutenio
(FOUCAULT 2004a) tornam o repertoacuterio enunciativo bem marcado por insatisfaccedilatildeo Como
a militacircncia eacute pouca sobram a lamuacuteria e a vitimizaccedilatildeo em um paiacutes com vergonhoso histoacuterico
de baixo investimento na educaccedilatildeo puacuteblica
Ainda assim paradoxalmente minha apreensatildeo se misturava ao desejo de me
debruccedilar sobre as subjetividades dessesas profissionais Pegava-me indagando quais satildeo
face aos efeitos produzidos pelas tecnologias oficiais essas concebidas aqui na concepccedilatildeo
foucaultiana como os instrumentos que proporcionam formaccedilotildees assimilaccedilotildees de ordens as
aprendizagens que tecircm assimilado osas educadoresas Como os debates sobre sexualidade e
gecircnero trazidos pela rede discursiva das diretrizes da educaccedilatildeo brasileira como a Lei de
Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional - LDBEN-96 os Paracircmetros Curriculares Nacionais
(PCNs 1997) faziam-se presentes entre elesas Essas questotildees me instigavam E me
instigaram mais quando pensei a interface discursividadeleituragecircnero
Retornando agrave seduccedilatildeo pela problematizaccedilatildeo da iniquidade de gecircnero fui sendo
seduzida ainda em deacutecadas de atividade como professora em sala de aula Laacute lecionando em
niacuteveis diversos (fundamental meacutedio e superior) procurei sempre trazer agrave tona a constituiccedilatildeo
discursiva da construccedilatildeo social de gecircnero Sentia-me cumpridora de minha missatildeo como
educadora quando a minha praacutetica pedagoacutegica contribuiacutea com a reflexatildeo que aponta para a
necessidade de construirmos um mundo para todas as pessoas Uma utopia e como utopia
natildeo morre move-se Estaacute aqui comigo Estaacute aqui quando olho nossas estatiacutesticas estuacutepidas
que falam de uma violecircncia diaacuteria contra mulheres contra homossexuais contra o constituiacutedo
como diferente Estaacute aqui comigo a utopia de abolir esta violecircncia simboacutelica cantada em
diversos ritmos encarnada em uma musicalidade que embala corpos e mentes com pesadas
imagens degradantes nas quais somos apenas ldquoas mulheres frutas fiu-fiu cachorras sirigaitas
piriguetes popozudas coisificadas lepolapizadasrdquo
No surgimento deste mestrado profissional entatildeo em meus percursos sobre o tema
olhei para a escola especialmente rememorando aquelas duas cujas imagens retive como
disseminadoras e reprodutoras de hierarquia de gecircneros Olhei para suas bibliotecas ou a
ausecircncia delas seussuas professoresas seus regimes de verdade e articulei a problemaacutetica
de que forma as praacuteticas discursivas que constroem sentidos nos enunciados dos (as)
educadores (as) como mediadores (as) de leitura contemplam o debate sobre a equidade de
gecircnero Com a elaboraccedilatildeo desta questatildeo tentei responder ainda agraves inquietaccedilotildees que vivi nos
debates com professoresas durante as formaccedilotildees continuadas executadas pelo CECAPRO
Centro de Capacitaccedilatildeo dos Professores [professoras] onde atuo profissionalmente Da
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memoacuteria daqueles debates levantei indagaccedilotildees a me sustentar o tema entre elas que leituras
fazem as vozes educadoras sobre a construccedilatildeo discursiva dos sujeitos O que dizem as vozes
leitoras Voltei entatildeo meu interesse para o chatildeo da escola lugar de livros de paredes
riscadas de brincadeiras de canccedilotildees de namoros de sexualidade de conflitos de poder de
rejeiccedilotildees aos que fragilizam o discurso sexista excludente lugar de leitura de formaccedilatildeo e
debate Voltei meu interesse para a escola lugar de tanto mas natildeo para todos os seus lugares
uma esfera de atuaccedilatildeo dessa instituiccedilatildeo pareceu-me de extrema pertinecircncia para entrecruzar
com o debate que objetivei traccedilar a esfera da leitura E considerando a leitura em uma
perspectiva discursiva busquei no entrecruzamento dessa com o debate acerca das relaccedilotildees
de gecircnero meu interesse meu desejo
Apoacutes tecer a gecircnese que propiciou a confecccedilatildeo do presente processo investigativo
farei a partir de agora a apresentaccedilatildeo das demais partes do trabalho feito que passo a realizar
fazendo uso ainda da primeira pessoa do discurso no singular Faccedilo isso em consonacircncia com
a epistemologia feminista que entende o quatildeo as interlocuccedilotildees com autoresas satildeo
cooperativas em uma accedilatildeo investigativa seja de qual porte for mas assume a proposta de
inscriccedilatildeo da natildeo neutralidade do sujeito Sem a ilusatildeo ao certo de que se eacute oa donoa do
dizer conforme pontua a Anaacutelise do Discurso
Como o desejo vira pesquisa
Mas biblioteca num lugar como esse Para quecirc Para o Nogueira ler um romance
de mecircs em mecircs Uma literatura desgraccedilada []
(RAMOS 1978 p83)
Emblemaacutetica esta construccedilatildeo literaacuteria de Graciliano Ramos em Satildeo Bernardo
(1978) construccedilatildeo que situa quem a lecirc o quanto os valores capitalistas opotildeem-se agrave edificaccedilatildeo
de um espaccedilo que privilegie a democratizaccedilatildeo do saber e atraveacutes dessa provavelmente a
praacutetica do letramento emancipador Vale ressaltar todavia que falo aqui de letramento
emancipador concebido em sintonia com o olhar de Soares (2011) como a accedilatildeo leitora que
encoraja a reflexatildeo criacutetica sobre a ordem social uma accedilatildeo que ultrapassa o domiacutenio da
tecnologia do saber ler e escrever faz uso dela incorporando-a a seu viver A autora ao
inscrever diacronicamente os viacutenculos sobre liacutengua escrita sociedade e cultura apregoa o
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termo alfabetismo1 como oposiccedilatildeo ao do costumeiro uso analfabeto E o faz provocando uma
reflexatildeo sobre as regras codificadas da linguagem
O fato de que sejam correntes na liacutengua os substantivos que negam- analfabetismo e
analfabeto satildeo formados pelo prefixo grego a(n) que envolve a ideia de negaccedilatildeo ndash e
de que cause estranheza o substantivo que afirma alfabetismo e ainda de que natildeo
se tenha um substantivo que afirme o contraacuterio de analfabeto eacute como bem
hipotetiza Silva um fenocircmeno semacircntico significativo porque conhecemos bem e
haacute muito lsquoo estado ou condiccedilatildeo de analfabetorsquo ndash sempre nos foi necessaacuteria uma
palavra para designar este estado ou condiccedilatildeo - e temos usado sem nenhuma
estranheza o termo analfabetismo (SOARES 2011 p 29)
Uma nova realidade social com a ampliaccedilatildeo do acesso agrave escola nas uacuteltimas deacutecadas
e com o processo de industrializaccedilatildeo no Paiacutes provoca uma demanda por maior inserccedilatildeo da
liacutengua escrita que gesta a concepccedilatildeo teoacuterica do letramento Um conceito que em princiacutepio
trouxe muito equiacutevoco com a dissociabilidade que se instaurou para alguns entre os
fenocircmenos da alfabetizaccedilatildeo e do letramento Fenocircmenos de naturezas diferentes mas
indissociaacuteveis e interdependentes que implicam habilidades competecircncias e procedimentos
diferenciados de ensino Questatildeo poreacutem que natildeo seraacute tratada aqui em funccedilatildeo do limite a que
se propotildee este trabalho qual seja investigar a constituiccedilatildeo de efeitos de sentidos na
discursividade dosas educadoresas tendo como foco o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
perpassado nas praacuteticas leitoras dessesas profissionais
E mesmo sem querer engrossar as fileiras dos que lamentam pelos altos iacutendices do
fraacutegil desempenho dosas educandos brasileirosas em provas de leitura detectados em
Programa Internacional de Avaliaccedilatildeo de Estudantes - PISA e nos relatos corriqueiros de
educadoresas e familiares natildeo eacute possiacutevel deixar de reconhecer que este eacute um dos noacutes do Paiacutes
na faceta Satildeo Bernardina que possui Metaforicamente essa obra pode conduzir leitoresas
aos iacutengremes caminhos de um Brasil com abissais desigualdades sociais e que tal qual Paulo
Honoacuterio o narrador-personagem eacute tambeacutem injusto violento e opressor por descuidar de seu
povo Descuida de seu povo entre tantas evidecircncias pela negaccedilatildeo da garantia efetiva de
direitos fundamentais como o de uma educaccedilatildeo de qualidade e que seja emancipadora (cf
FREIRE 1999 2002) Eacute possiacutevel ver pelos caminhos de Satildeo Bernardo e pelos (des)caminhos
das escolas puacuteblicas brasileiras as professoras Madalenas amantes do saber dos livros e do
ser humano lutando contra a loacutegica de um sistema social excludente Nessa militacircncia a
leitura seguramente eacute um dos instrumentos que podem viabilizar a luta por mudanccedilas
1 Em nota a autora explica a atualizaccedilatildeo do termo por letramento tendecircncia confirmada pela dicionarizaccedilatildeo
somente em 2001 do termo
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sociais tendo em vista que pode suscitar as reflexotildees acerca da ordem discursiva (cf
ABREU 2007 apud PINA DA MATTA VEIGA 2012)
De qual leitura todavia falo quando penso aqui na validaccedilatildeo desta como algo
significativo para a vida capaz de suscitar reflexotildees instigantes e desconstrutoras de uma
ordem social Penso em uma leitura que seja prazerosa como nos lembra Rubem Alves
(2004) citando Melanie Kleim o professor [e professora] no ato de ler eacute o seio bom por isso
leitura eacute maternagem Penso tambeacutem em uma leitura que seja experiecircncia no sentido que
Larrosa (2004) daacute ao ato de ler como transformador vinculador das praacuteticas da liberdade da
plenitude do ldquoexistenterdquo Com todo cuidado para evitar ainda os messianismos as
sacralizaccedilotildees Soares (2001) falo ainda de leitura que seja lenha para o fogo da cidadania que
trace as veredas para o campo da garantia dos direitos humanos tocando um instrumento
coacutesmico de muitas melodias que ldquoacordem consciecircncias de homens [e de mulheres] e
adormeccedilam crianccedilasrdquo no sentido drummoniano de se engajar a arte tatildeo meloacutedico quanto
emblemaacutetico na sua ceacutelebre Canccedilatildeo Amiga de 1983
E partindo do desejo de problematizar sobre os efeitos catastroacuteficos dos altos iacutendices
de iletrismo e do analfabetismo no Brasil e sobre qual tem sido o olhar da escola para o
enfrentamento de uma histoacuterica educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria (LOURO 2012 PEDRO
PINSKY 2003) eacute que se foi delineando este trabalho Delineando-se movido na concepccedilatildeo
de leitura como componente constitutivo das formas de sociabilidade e dos jogos sociais
(ORLANDI 2008 SILVA 2011) nas discussotildees foucaultinas sobre a constituiccedilatildeo do sujeito
e praacuteticas de subjetivaccedilatildeo (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) aleacutem de movido em
contribuiccedilotildees de estudos feministas (LOURO 2012) Delineando-se para responder agrave
questatildeo-problema que considera os avanccedilos conquistados pelas lutas feministas e a tensa
disputa que se instala entre tais conquistas e as assimetrias de gecircnero no espaccedilo escolar e
assim eacute proposta eacute contemplado o debate sobre a equidade de gecircnero perpassado nas vozes
educadoras em suas praacuteticas leitoras
Essa questatildeo parte de premissas fatuais que me inquietam e me levam a
problematizar os imaginaacuterios2 inferiorizantes da mulher operam no espaccedilo escolar de que
forma quando a este lugar chegam avanccedilos significativos das diretrizes do Conselho Nacional
de Educaccedilatildeo ndash CNE- pontuando a desconstruccedilatildeo dessa praacutetica Seria este debate ignorado ou
pensado sobre traccedilos negativos Outra questatildeo que me instiga a problematizar eacute a de que
teriam os(as) docentes a concepccedilatildeo de que uma escola democraacutetica prima essencialmente pelo
2Imaginaacuterios aqui na acepccedilatildeo dada por Castoriadis (1982) enquanto rede de sentidos sistema de crenccedilas que
legitima a ordem social em vigor
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respeito e dignidade de todosas e de que as praacuteticas pedagoacutegicas tecircm constituiacutedo sujeitos
diferentes e desiguais em direitos Ademais qual o comprometimento manifesto pelas
praacuteticas pedagoacutegicas dessesas educadoresas para evidenciar suas intenccedilotildees de superar velhas
estruturas estariam usando a leitura como instrumento constituinte e conformante dos
sujeitos para mediar reflexotildees atinentes agrave construccedilatildeo de uma escola democraacutetica inclusiva e
natildeo-sexista
Considerando desse modo que a pergunta problema possui como eixo centralizador
a atenccedilatildeo que as praacuteticas leitoras da escola dispensam ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
refletidas pelas praacuteticas discursivas docentes eacute objetivo geral deste trabalho analisar as
discursividades que produzem sentidos nos enunciados de educadoresas como mediadores
(as) de leituras frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero no projeto CestaSexta Literaacuteria
em uma escola da Rede de Ensino Municipal de Joatildeo Pessoa
Para apoiar essa investigaccedilatildeo que perspectiva observar a vinculaccedilatildeo da leitura como
forte pilar na construccedilatildeo de um mundo mais justo e na desconstruccedilatildeo de imaginaacuterios que
inferiorizam a mulher que criam uma ordem androcecircntrica heteronormatizadora e
excludente vinculaccedilatildeo essa mediatizada nas vozes dos educadores(as) compete-me traccedilar
como objetivos especiacuteficos (i) examinar se na proposta do projeto de leitura da CestaSexta
Literaacuteria expresso em seu documento ocorre seleccedilatildeo de temas que abordem questotildees
voltadas para as poliacuteticas educacionais de gecircnero (ii) investigar se os textos utilizados pelo
projeto nas aulas de leitura observadas contemplam praacuteticas discursivas que produzam
sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero (iii) problematizar efeitos de sentidos que perpassam
pelos relatos docentes e pelo questionaacuterio instrumentos aplicados junto agravesaos educadoresas
expressando as posiccedilotildees de sujeito dosas entrevistadosas acerca das relaccedilotildees de gecircnero em
momentos de interaccedilatildeo na praacutetica leitora (iv) contribuir com reflexotildees que sistematizem
estrateacutegias que propiciem a intervenccedilatildeo e transformaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica na perspectiva
da construccedilatildeo da equidade de gecircnero
Por ser a escola a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela aquisiccedilatildeo de saberes e competecircncias
no plano da formalidade e que esta tem no ensino da leitura uma de suas funccedilotildees cruciais
pesquisar o ato de ler na escola eacute de muita relevacircncia a despeito de este tema sumamente jaacute
ter sido explorado Tal questatildeo jaacute fez com que muitosas teoacutericosas e estudiososas de
diversas aacutereas se debruccedilassem a estudaacute-lo a quantidade de livros artigos teses e dissertaccedilotildees
sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees satildeo magnacircnimas Paulo Freire (1988) Ezequiel
Theodoro da Silva (2009 2011) Magda Soares (2001) Antunes (2009) Orlandi (2008) entre
tantosas outrosas importantes teoacutericosas jaacute teceram suas consideraccedilotildees sobre a leitura que
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aqui encheriam paacuteginas Haveraacute o que dizer mais Parece que natildeo para quem desconsidera
que o inusitado visita a dinacircmica do ato de ler em um contexto escolar com frequecircncia Mas
para quem deseja olhar para as praacuteticas pedagoacutegicas com olhos novos olhos de quem eacute capaz
de se indignar e de natildeo perder de vistas a utopia sempre agrave vista na faceta Madalena de cada
um haacute sempre o que se dizer no chatildeo da escola leitora ou natildeo leitora E eacute em busca deste
dizer sobre ler que me enceta o desejo de ver como educadora que sou homens e mulheres
em processos de libertaccedilatildeo desconstruindo ldquoverdadesrdquo aprendendo com e pela leitura a
refletir sobre seus lugares no mundo que me ponho
E assim compreendendo a leitura como espaccedilo de produccedilatildeo e de reproduccedilatildeo de
significados sociais e objetivando analisar de que forma educadoresas estatildeo forjando
construccedilotildees acerca das identidades de gecircnero em suas praacuteticas leitoras eacute que se desenha a
importacircncia desta pesquisa Isso se justifica porque entre as funccedilotildees da leitura deve estar a
de viabilizar as problematizaccedilotildees que faccedilam leitoresas despertarem para a cidadania ativa o
protagonismo e a autonomia Esses aqui entendidos em uma perspectiva que traduza a
autonomia financeira profissional e pessoal das pessoas e a sua busca pelo ativismo poliacutetico
que expressa consciecircncia de lugar no mundo
E estudar as discursividades que perpassam o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
mediatizadas pelas leituras no espaccedilo escolar eacute desejar averiguar se este instrumento de
aprendizado estaacute sendo usado para desmantelar as assimetrias de poder entre homens e
mulheres em um espaccedilo formador Eacute desejar averiguar enfim se este instrumento estaacute sendo
amparo para questionar estereoacutetipos e verdades cristalizadas naturalizadas em torno de
construccedilotildees de identidades de gecircnero Obviamente que essa eacute uma das possibilidades de
utilizaccedilatildeo da leitura se este instrumento na escola estiver em consonacircncia com as diretrizes
educacionais que concebem a importacircncia de se fazer da instituiccedilatildeo um espaccedilo democraacutetico
Um espaccedilo em que se faccedila fluir o respeito agrave alteridade agrave compreensatildeo de que a identidade e a
diferenccedila satildeo produzidas discursivamente e que tecircm a ver com a atribuiccedilatildeo de sentidos ao
mundo social e com a disputa e luta em torno dessa atribuiccedilatildeo (SILVA 2012) A leitura nessa
perspectiva problematizadora tem a estrateacutegia de ir aleacutem das ldquobenevolentesrdquo declaraccedilotildees de
toleracircncia com o outro com o diferente Ela tem em seu centro a percepccedilatildeo de que as
identidades satildeo sujeitas a uma historicizaccedilatildeo radical processo que deve lanccedilar luz agraves
reflexotildees que transformam o diferente em exterior abjeto (HALL 2011) Nessa dimensatildeo a
leitura faz parte de um projeto poliacutetico que intenta viabilizar a criacutetica da construccedilatildeo da
identidade e da diferenccedila evidenciando o quanto elas satildeo estrategicamente produzidas
fundadoras Conceber adequadamente a fundaccedilatildeo do outro pode desenredar a forma fechada
21
redutora de interpretaccedilotildees a que esse eacute reduzido E a leitura pode ter uma funccedilatildeo fulcral nesse
processo de reflexatildeo quando pensada estrategicamente para isso accedilatildeo relevante para a
contribuiccedilatildeo com a feitura da escola como palco em que a assimetria de tratamentos eacute
combatida em seu lugar haacute a poliacutetica de respeito pelos Direitos Humanos (DH doravante)
O princiacutepio da dignidade dispensado a todas as pessoas conforme preconizam os DH
em muitos de seus documentos (cartas convenccedilotildees estatutos declaraccedilotildees) e nosso
ordenamento juriacutedico maior a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 eacute reclamante contumaz de um
olhar pedagoacutegico que discuta as diferenccedilas a construccedilatildeo das identidades de gecircnero e da
alteridade E na escola soam e ressoam documentos que abordam poliacuteticas da diversidade
cultural sexual e da equidade de gecircnero Mas de que forma o debate chega em um mundo em
que emerge uma globalizaccedilatildeo iacutempar de informaccedilotildees velozes instantacircneas onde se discutem
identidades culturais e desconstruccedilatildeo de paradigmas de comportamentos em meio aos
pensamentos hegemocircnicos Chegaraacute esbarrando em construccedilotildees sociais dosas fazedoresas
da educaccedilatildeo que se apresentariam cristalizadas essencializadas fixas Como tem por fim
assentado na agenda da escola o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero Qual eacute o seu regime de
verdade no sentido foucaultiano de pensar a formaccedilatildeo discursiva como o loacutecus onde
arbitrariamente satildeo determinados os sentidos de um discurso Os muros escolares satildeo
atravessados de que modo pelo debate que provoca as reflexotildees sobre a produccedilatildeo do
diferente Satildeo indagaccedilotildees como essas que me conduzem agrave execuccedilatildeo deste trabalho Isso
merece meu olhar merece porque para que falemos de dignidade precisamos atentar para a
condiccedilatildeo feminina ainda envolta por iniquidade expressa na esfera profissional poliacutetica e
pessoal E para que falemos de dignidade precisamos respeitar as manifestaccedilotildees de desejos e
performances de outras interlocuccedilotildees de outras subjetividades que devem ser reconhecidas
como legiacutetimas
O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero impulsionado pelo ativismo poliacutetico do
coletivo de mulheres chega e deve ser ampliado porque vale pleitear que o princiacutepio da
igualdade formal e material entre homens e mulheres tenha seu cumprimento auferido
Igualdade essa que estaacute distante de ser conquistada muito embora menos longe do que jaacute
esteve no longo caminho rumo agrave construccedilatildeo da cidadania feminina Ainda eacute fato haacute menos
mulheres nas instacircncias de poderes do que deveria no Brasil de acordo com dados do
Anuaacuterio das Mulheres Brasileiras (DIEESE 2011) elas satildeo mais da metade da populaccedilatildeo (51
3) e do eleitorado estatildeo entretanto sub-representadas nas esferas de poder Satildeo 11 no
Congresso Nacional natildeo chegam a 20 nos niacuteveis mais elevados do Poder Executivo No
Judiciaacuterio nas universidades e empresas privadas ocupam apenas 20 das chefias Eacute tambeacutem
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outro oacutebice agrave igualdade de gecircnero a preocupante materializaccedilatildeo do machismo em forma de
agressatildeo agraves mulheres Conforme ainda os dados do referido Anuaacuterio uma em cada cinco
brasileira jaacute sofreu algum tipo de violecircncia domeacutestica por parte de um homem Das violecircncias
perfiladas nem todas satildeo computadas Haacute a cultura do medo e da vergonha da sua condiccedilatildeo
de viacutetima que impede que a mulher denuncie seu agressor e mesmo havendo campanhas e
aparato legal que mobilizam a denuacutencia da violecircncia contra a mulher ainda se fala em
subnotificaccedilatildeo dos dados De fora fica ainda a costumeiramente natildeo computada a intangiacutevel
violecircncia simboacutelica termo que tomo de empreacutestimo de Bordieu (2012) que fala da
sedimentaccedilatildeo de um consciente androcecircntrico em homens e mulheres alimentando
iniquidades Esta violecircncia natildeo estaacute em estatiacutesticas mas deixa sequelas profundas em suas
viacutetimas fazendo muitas mulheres carregarem em si sentimentos de impotecircncia mutilaccedilatildeo e
subalternidade
A escola tem o fio do poder que costura e regulamenta normas e mudanccedilas que
disciplinam comportamentos hegemonias (PEREIRA 2005) Mas o poder natildeo eacute estanque
fixo haacute neste espaccedilo como em todos os outros lugar para a resistecircncia e a contra-hegemonia
(FOUCAULT 2012) E de que forma tecircm chegado os discursos que problematizam as
mudanccedilas que advogam os movimentos de mulheres e fazem ressoar seu desejo de
desmantelar de descosturar as assimetrias de gecircnero Como a leitura e as vozes escolares
ressoam o que regula a valente marcha feminista que pode contribuir com o combate agrave
violecircncia domeacutestica com o empoderamento das mulheres e dar visibilidade agrave iniquidade de
gecircnero de forma refrataacuteria Acolhendo seus passos Como a leitura e as vozes escolares
abordam a temaacutetica das identidades e da diferenccedila datildeo centralidade e a discutem como
questatildeo de poliacutetica Estas questotildees imbricam-se e com elas penso a linguagem no campo da
discursividade da construccedilatildeo dos jogos de poder da constituiccedilatildeo de sentidos verdades e
subjetivaccedilotildees (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) o que eacute sempre um desafio
instigante para oa educadora Essa temaacutetica eacute premente sendo assim Haacute uma expectativa de
que seja sedimentado o aprendizado de que as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo estatildeo sempre inseridas
em contextos e processos socialmente estruturados legitimando naturalizando e retificando
hegemonias mas tambeacutem sofrendo transformaccedilotildees
Para que o direcionamento discursivo levantado pela questatildeo norteadora satisfaccedila
aos objetivos a que me proponho este estudo move-se teoricamente na concepccedilatildeo
sociointeracionista de leitura e faz uma interface com a Anaacutelise do Discurso AD doravante
tendo como referecircncia o trabalho de Orlandi (2008) sobre leitura que se pauta na perspectiva
da Escola francesa dessa disciplina Trabalho com a concepccedilatildeo de leitura na perspectiva de
23
que ler eacute mais do que decodificar (SOARES 2011) Ler eacute envolver-se com praacuteticas culturais
(MOITA LOPES 2002) que fortalecem a sedimentaccedilatildeo do valor da cidadania que pressupotildee
efetivaccedilatildeo de direitos e deveres para todos Ler entatildeo deixa de ser uma atitude passiva
fechada tradutora decodificadora em que se busca a ldquoverdaderdquo produzida peloa autora ou
pelo texto se se quiser ser positivista ou estruturalista A leitura que me interessa aqui se
ancora na perspectiva interacionista que concebe o aspecto sociocultural e cognitivo da
linguagem e como tal o texto eacute processo e natildeo produto A leitura eacute uma atividade situada
que reflete uma relaccedilatildeo dialoacutegica (cf BAKHTIN 1995) ou seja uma relaccedilatildeo na qual se
estabelecem refraccedilotildees entre autor-leitor-texto e contexto Essa perspectiva expressa um
rompimento com o modelo formalista ou historicista e tem havido um esforccedilo por parte dos
oacutergatildeos responsaacuteveis pelas poliacuteticas de formulaccedilatildeo das diretrizes escolares para implementaacute-la
no seio escolar Os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCNs-1997) refletem essa intenccedilatildeo
os textos satildeo defendidos em sua diversificaccedilatildeo e na defesa da construccedilatildeo de competecircncias
linguiacutesticas com desenvolvimento da habilidade leitora e escritora que ultrapasse a mera
decodificaccedilatildeo no processo de ensino aprendizagem
Por este trabalho buscar uma interface entre a linguagem como praacutetica social e as
relaccedilotildees de gecircnero perscrutadas nas vozes docentes em atividades de leitura propostas pela
escola tambeacutem lhe eacute pertinente a abordagem das formas de constituiccedilatildeo da subjetividade
(FOUCAULT 2004a 2004b 2004d) Estou ainda me movendo pelos estudos da criacutetica
feminista dos estudos poacutes-estruturalistas de gecircnero na contemporaneidade que buscam a
negaccedilatildeo de quaisquer resquiacutecios de uma base essencialista para a formaccedilatildeo das identidades
(LOURO 2012 SILVA 2012) ao tempo que questionam as hierarquias entre o masculino e
o feminino a ordem androcecircntrica heteronormativa e etnocecircntrica Eacute desse olhar que me
sirvo para diante do que pontuam os Estudos Culturais consonantes agrave construccedilatildeo das
identidades como cambiantes heterogecircneas transitivas construiacutedas e reconstruiacutedas social e
discursivamente refletir sobre as implicaccedilotildees de se ler no espaccedilo escolar Refletir atentando
para o discurso pedagoacutegico que daacute sentido agraves diferenccedilas entre meninos e meninas agraves relaccedilotildees
de gecircnero E eacute desse olhar que tambeacutem me sirvo para aprender sobre a consciecircncia de gecircnero
e sobre o desafio da aprendizagem de transformar os jogos de verdade que impotildeem relaccedilotildees
assimeacutetricas Eacute isto o que me enreda neste trabalho
Articulo esta dissertaccedilatildeo em partes que se estruturam assim a introduccedilatildeo na qual
consta a contextualizaccedilatildeo da temaacutetica focalizada com a sua gecircnese a apresentaccedilatildeo do
problema dos objetivos da justificativa e dos pressupostos teoacutericos que embasaram a
pesquisa
24
No capiacutetulo 1 exponho as estrateacutegias metodoloacutegicas com as quais me vali para que o
direcionamento discursivo apresentado que eacute a investigaccedilatildeo das discursividades docentes em
leitura e gecircnero satisfizesse aos objetivos a que me propus construir para este estudo
No capiacutetulo 2 pontuo uma justificativa do campo teoacuterico apresentando estudos de
autoresas utilizadosas bem como pontuo o cruzamento entre a instacircncia da leitura e o debate
sobre as relaccedilotildees de gecircnero sustentado por reflexotildees atinentes aos Direitos Humanos ao
feminismo ao poder agrave educaccedilatildeo e aos modos de subjetivaccedilatildeo
No capiacutetulo 3 discorro sobre a anaacutelise das praacuteticas discursivas dosas educadoresas
perscrutadas pela trajetoacuteria analiacutetica que fiz cujo procedimento para geraccedilatildeo de dados teve os
seguintes instrumentos investigativos o documento do projeto de leitura os relatos dosas
educadoresas que foram gerados em conversas quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola um
questionaacuterio aplicado com nove participantes do projeto de leitura da escola e a observaccedilatildeo
de aulas dos textos utilizados nesses eventos e levantamento dos textos paradidaacuteticos
presentes na biblioteca escolar que se refiram agrave temaacutetica de gecircnero
No capiacutetulo 4 atinente agrave perspectiva interventiva propositora que tem este mestrado
profissional desenvolvo reflexotildees que intencionam contribuir para a inserccedilatildeo temaacutetica de
gecircnero pela via da leitura na escola em que a pesquisa foi realizada Faccedilo ao final deste
capiacutetulo sugestotildees de atividades de ensino enfocando o olhar sobre as relaccedilotildees de gecircnero
Por uacuteltimo apresento as consideraccedilotildees finais com as quais objetivo amarrar os fios
tecidos ao longo do trabalho considerando os conteuacutedos enfocados e reforccedilando a defesa de
se inserir o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero pela via da leitura na escola
problematizando os modelos de feminilidade e masculinidade na defesa da dignidade de
todas as pessoas
25
1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA
11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade
Partindo do entendimento de que a pesquisa a que me proponho realizar que eacute a
anaacutelise de praacuteticas discursivas de docentes sobre as relaccedilotildees de gecircnero como mediadoresas
de leituras exige um dispositivo analiacutetico busco nos procedimentos da AD de filiaccedilatildeo
francesa como nas reflexotildees foucaultianas sobre praacuteticas de subjetivaccedilatildeo e poder nas
reflexotildees poacutes-estruturalistas sobre gecircnero e na perspectiva sociointeracionista sobre leitura
um apoio teoacuterico-metodoloacutegico Nesse sentido estou imbuiacuteda do propoacutesito de percorrer essa
investigaccedilatildeo conforme as diretrizes desse caminho investigativo considerando que natildeo haacute o
sentido ldquoverdadeirordquo mas o real do sentido em sua materialidade linguiacutestica e histoacuterica
(ORLANDI 2012) Estou tambeacutem imbuiacuteda do intento de que com este dispositivo natildeo
vislumbro trabalhar em uma perspectiva de neutralidade tendo em vista que concebo a
pesquisa com base nas praacuteticas discursivas focada nos estudos feministas e nas relaccedilotildees de
gecircnero sob a oacutetica do interesse do engajamento poliacutetico (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007
LOURO 2012)
Essas condiccedilotildees refletem o que as problematizaccedilotildees levantadas pelo feminismo no
tocante agrave loacutegica de se fazer ciecircncia tradicional com seus postulados de estabilidades e
categorizaccedilotildees trouxeram Trouxeram a descrenccedila de que entre as palavras e as coisas existe
uma homologia que se diz exatamente o que se vecirc (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007
POSSENTI 2009) Antes os estudos de gecircnero de base poacutes-estruturalista explicitam que haacute
uma invenccedilatildeo do que eacute sermos mulhereshomens de que haacute uma invenccedilatildeo do que eacute sermos
meninos e meninas de diversas classes diversos tempos etnias e orientaccedilatildeo sexual
construiacuteda discursivamente E a reflexatildeo sobre o que nos tornamos como seres gendrados e
em que poderemos vir a ser como seres que se descobrem gendrados empodera-nos como
investigadores de desaprendizagens pela possibilidade de conhecimento de jogos de verdades
(FABRIacuteCIO 2006)
Os estudos de gecircnero como uma via que se oferece para o entendimento das relaccedilotildees
assimeacutetricas entre os sexos explicitam ainda o atravessamento pelo poder institucionalizado
que confere historicamente o domiacutenio do masculino Lugares diferentes no mundo chegam a
homens e mulheres por um conjunto de accedilotildees formadoras constituiacutedas discursivamente por
siacutembolos culturais institucionalizaccedilotildees e modos de subjetivaccedilatildeo que constituem relaccedilotildees
assimeacutetricas com o corpo com a sexualidade e afetividades para os sujeitos sociais Refletir
26
sob esta perspectiva me faz desejar perceber meu entorno olhando a linguagem a cultura e as
instituiccedilotildees sob a oacutetica do interesse na construccedilatildeo dos processos sociais E o olhar do
feminismo deveras trouxe novas lentes sobre a pesquisa cientiacutefica Louro (2012) pontua que
uma das caracteriacutesticas relevantes dessa epistemologia diz respeito agrave forma como as
estudiosas empenham-se em responder questotildees atinentes agraves suas realidades aos seus campos
de interesses mescladas natildeo como vozes anocircnimas de seu objeto de estudo mas como vozes
que de modo provocativo posicionam-se histoacuterica e culturalmente imiscuindo objetivamente
subjetividades E eacute com este entendimento que intenciono subsiacutedios para um estudo sobre a
discursividade em uma interface com a oacutetica das relaccedilotildees de gecircnero e da leitura sob o crivo
de um convite a examinar ordens morais e estruturas de legitimaccedilatildeo
Esta investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos foi
conforme jaacute exposto concebida para ser realizada em uma escola da Rede de Ensino
Municipal de Joatildeo Pessoa - PB cuja identificaccedilatildeo seraacute preservada A preservaccedilatildeo deve-se agrave
consonacircncia com um mecanismo de proteccedilatildeo o anonimato como compromisso eacutetico
possiacutevel conforme Spink e Menegon (1999) embora salientem as autoras este ponto de
vista natildeo seja paciacutefico Para minha compreensatildeo eacute uma proteccedilatildeo exceccedilatildeo se daacute quando os
sujeitos manifestam o contraacuterio o que natildeo foi o caso Assim o sendo para a identificaccedilatildeo
deste espaccedilo pesquisado resolvi denominaacute-lo de escola TRAVESSIA Esse batismo traduz
meu olhar para o ambiente de ensino-aprendizagem alimentado na esperanccedila freireana pelo
inacabamento em noacutes educadores seres humanos Mesmo emparedadosas eacute preciso pensar
nas travessias Da mesma forma que o campo pesquisado tem um nome fictiacutecio os sujeitos
participantes desta investigaccedilatildeo tambeacutem foram denominados ficticiamente
Essa unidade educacional funciona nos dois periacuteodos com turmas do 6ordm ao 9ordm ano
em um preacutedio construiacutedo haacute menos de dez anos Possui 385 discentes e 25 docentes eacute
composta por dez salas de aula sala de artes laboratoacuterio de informaacutetica laboratoacuterio de
ciecircncias auditoacuterio biblioteca quadra poliesportiva quadra de vocirclei secretaria diretoria sala
de especialistas sala de professores refeitoacuterio e banheiros com padratildeo de acessibilidade
A pesquisa qualitativa na educaccedilatildeo tem centrado seu foco noa educadora vai
buscar sua colaboraccedilatildeo preocupar-se com suas histoacuterias e formaccedilatildeo (GHEDIN FRANCO
2008) Nessa dimensatildeo eacute possiacutevel olhar a realidade na perspectiva doa professora e natildeo
apenas sobre elea Este processo investigativo que tem como objeto as discursividades na
escola acerca das relaccedilotildees de gecircnero mediadas no projeto de leitura tem alinhamento
metodoloacutegico com esta perspectiva de pesquisa e possui como participantes osas
professoresas que integram o tal projeto Foi escolhido o corpo docente do turno vespertino
27
em funccedilatildeo de ajuste com minha disponibilidade de horaacuterio A coordenaccedilatildeo do projeto eacute de
responsabilidade de uma professora readaptada que tem formaccedilatildeo de arte-educadora Esta
profissional segundo me relatou articula trabalhos apoiando osas docentes integrantes do
projeto aleacutem de efetivar atividades literaacuterias e artiacutesticas em datas comemorativas na escola
12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de investigaccedilatildeo
A composiccedilatildeo dos instrumentos selecionados para a investigaccedilatildeo desta pesquisa eacute
constituiacuteda por diversos procedimentos para geraccedilatildeo de dados Consta de um questionaacuterio
aplicado no periacuteodo de 09 de setembro a 28 de outubro de 2013 a nove educadoresas
envolvidosas com o projeto de leitura da escola TRAVESSIA o CestaSexta Literaacuteria
Adotei tambeacutem como instrumento de investigaccedilatildeo os relatos de diaacutelogos com educadoresas
gerados quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola que se deram de 05 de setembro a 28 de
outubro de 2013 Construiacute notas de campo para registrar minhas vivecircncias naquele espaccedilo
perscrutando as vozes daqueles sujeitos pesquisados Satildeo tambeacutem composiccedilatildeo deste conjunto
de instrumentos investigativos as observaccedilotildees de quatro aulas de leitura e de texto utilizado
nestes eventos que ocorreram entre 4 e 11 de julho de 2014 A anaacutelise do documento do
projeto de leitura no tocante aos seus objetivos e metodologia bem como o levantamento de
quais livros paradidaacuteticos da biblioteca tratam da temaacutetica em tela satildeo outras formas
geradoras de dados desta pesquisa Esse levantamento do conjunto de instrumentos foi
elaborado em um processo no qual atentei para que a construccedilatildeo dos mesmos lembrando
Foucault (2004a 2004b 2012) objetivasse natildeo apontar se um enunciado eacute verdadeiro ou
falso enquanto discurso mas situar historicamente a produccedilatildeo desses
O questionaacuterio foi elaborado com treze questotildees objetivas por uma necessidade de
se ajustar agraves premecircncias do tempo mas promovendo espaccedilo para a complementaccedilatildeo de
respostas abertas considerando que outras leituras poderatildeo existir As questotildees formuladas
neste instrumento investigativo versando conforme apecircndice A entre outros toacutepicos acerca
da importacircncia da leitura para a escola sobre se a formaccedilatildeo continuada estaacute contribuindo no
preparo para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero acerca de qual
espaccedilo deve haver no curriacuteculo escolar sobre a histoacuteria social da mulher e ainda qual tem sido
o comportamento doa educadora ao lidar com manifestaccedilotildees de violecircncia de gecircnero
objetivam proporcionar anaacutelises das respostas segundo os pressupostos da AD
Essa disciplina mediante a articulaccedilatildeo liacutengua e histoacuteria descreve e analisa os
sentidos que produzimos socialmente considera assim que o sujeito eacute um efeito da linguagem
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como praacutetica social E eacute com esta perspectiva que objetivo perceber os efeitos de sentidos as
ideias circulantes e produzidas pelos sujeitos envolvidos nas questotildees do instrumento
questionaacuterio como nos demais procedimentos que compotildeem o campo empiacuterico desta
investigaccedilatildeo as aulas os diaacutelogos o documento a ausecircncia de obras temaacuteticas no acervo
bibliotecaacuterio Lanccedilar matildeo desse amparo teoacuterico me faz buscar formulaccedilotildees epistemoloacutegicas
como o discurso o interdiscurso as formaccedilotildees discursivas entre outras construccedilotildees de
linguagem como fustigaccedilatildeo que possibilita ver ldquopelardquo opacidade da linguagem Por esses
vieses interessa-me natildeo em conceber uma ldquoverdaderdquo a qual terei o poder de ldquodesvendaacute-lardquo
conforme ressalva Foucault (1995 2004a 2004b 2012) mas procuro agrave luz do que me
fornece a AD refletir e inquirir sobre as condiccedilotildees de produccedilotildees ldquodo dito e o natildeo ditordquo
29
2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO
21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos
Uma indagaccedilatildeo que se desdobrava em outras se fez presente em minhas elaboraccedilotildees
sobre a temaacutetica em foco afinal por que buscar na roda de leitura de uma escola fios que
relacionem letramento e o debate sobre a construccedilatildeo social de gecircnero Qual o sentido de se
entrelaccedilar estas duas instacircncias discursivas Natildeo bastaria ler para contribuir com a construccedilatildeo
de uma formaccedilatildeo humana e eacutetica uma formaccedilatildeo cidadatilde na qual se capacitariam todos e todas
para serem protagonistas do projeto de sociedade em que convivem O exerciacutecio da leitura
natildeo estimula o ato de pensar Esta mera sacralizaccedilatildeo da praacutetica leitora tatildeo disseminada por
leigosas e ateacute leitoresas ignora que ler eacute um ato poliacutetico (FREIRE 1988) Ignora que ler eacute
uma praacutetica discursiva implica accedilotildees seleccedilotildees escolhas linguagens contextos variedades
de produccedilotildees sociais (SPINK FREZZA 1999) E que desse modo como praacutetica discursiva
na acepccedilatildeo foucaultina (FOUCAULT 2011) que eacute a tomada de empreacutestimo neste trabalho
conceituada como os dizeres que ganham corpos teacutecnicos em instituiccedilotildees em esquemas de
comportamentos em formas pedagoacutegicas a accedilatildeo de ler deve primar por reflexotildees que exijam
engajamento direcionamento afinal como esse filoacutesofo afirma
[] em toda sociedade a produccedilatildeo do discurso eacute ao mesmo tempo controlada
selecionada organizada e redistribuiacuteda por certo nuacutemero de procedimentos que tecircm
por funccedilatildeo conjurar seus poderes e perigos dominar seu acontecimento aleatoacuterio
esquivar sua pesada e temiacutevel materialidade (FOUCAULT 2011 p 8-9)
Conforme esse pensador francecircs para este controle haacute a fabricaccedilatildeo de certos
procedimentos de exclusatildeo social apoiados sobre uma base institucional Esta tem como
reforccedilo todo um conjunto de praacuteticas dentre as quais estatildeo a medicina a pedagogia a
sexualidade a prisatildeo relacionadas agrave vontade de verdade como um mecanismo de delimitaccedilatildeo
e de controle do discurso Ao trazer estas consideraccedilotildees de Foucault para o debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero que se processam na instituiccedilatildeo escolar fruto de avanccedilos consolidados
pelas lutas feministas contra uma visatildeo androcecircntrica de mundo percebo a relevacircncia das
contribuiccedilotildees do filoacutesofo que inscreve o discurso como praacutetica e como luta na constituiccedilatildeo
dos sujeitos Segundo o autor ldquo[] ndash isto a histoacuteria natildeo cessa de nos ensinar - o discurso natildeo
eacute simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominaccedilatildeo mas aquilo por que
pelo que se luta o poder do qual queremos apoderarrdquo (FOUCAULT 2012 p 10)
30
Diferente de uma visatildeo que simplifica este conceito os pressupostos foucaultinos
pontuam que o discurso existe para constituir ldquocoisasrdquo ldquorealidadesrdquo segundo regras histoacutericas
especiacuteficas de tempo e espaccedilo E esse entendimento deve ser uma das forccedilas que oa analista
do discurso poderaacute dispor como baliza face ao desafio que sua tarefa se apresenta seu
trabalho natildeo eacute ldquodescobrir coisas intocadas inteiras verdadesrdquo Seu trabalho prima por chegar
agrave complexidade das praacuteticas discursivas e natildeo discursivas que emergem em um enredo de
enunciados que se cruzam no interior de campos discursivos Seu trabalho como evidencia
Fisher (2013) ocupa-se de multiplicidades de coisas ditas de enunciaccedilotildees de posiccedilotildees de
sujeito de relaccedilotildees de poder implicadas num certo campo de saber
Nessa direccedilatildeo para efetuar uma interface que pense as discursividades das vozes
docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras na escola objeto desse trabalho
as reflexotildees foucaultianas no que diz respeito agraves posiccedilotildees de sujeito satildeo nodais Com essa
perspectiva pode ser assumida a multiplicaccedilatildeo do tema do sujeito operaccedilatildeo cara a Foucault
(1995 2004a 2004b 2004c 2012) que conduz a caminhos mais fecundos para que o sujeito
seja pensado a sua dispersatildeo Assim diante de um conjunto de enunciaccedilotildees dentro de um
campo discursivo natildeo cabe um sujeito ldquounificanterdquo soberano origem de seu dizer Haacute um
sujeito que precisa ser visto em seu status em seu acircmbito institucional investido de alguma
autoridade imbuiacutedo de certas regras histoacutericas
Isto posto cabe-me adentrar em reflexotildees usando a concepccedilatildeo de dispersatildeo do
sujeito inicialmente pensando sobre qual tem sido a subjetivaccedilatildeo construiacuteda na escola pela
perspectiva dosas docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero estatildeo estesas obedecendo a que
regime de verdade Quais tecircm sido as reflexotildees acerca das ldquocoisas ditasrdquo sabe-se que elas se
entranham das dinacircmicas de poder e saber Sabe-se que emanam de praacuteticas discursivas e natildeo
discursivas atravessadas pelo poder Dar conta dessas relaccedilotildees eacute um legado foucaultiano
complexo aacuterduo e instigante que me inspira trazer para a delineaccedilatildeo acerca das
discursividades suscitadas pelo debate das relaccedilotildees de gecircnero na escola que ao fim e ao
cabo eacute um chamamento do discurso dos DH como pauta reivindicatoacuteria que eacute
E como reivindicaccedilotildees morais que satildeo esses direitos assegura Piovesan (2005)
nascem quando devem e podem nascer Essa autora pontua que os DH em sua concepccedilatildeo
contemporacircnea compotildeem a nossa racionalidade de resistecircncia na medida em que traduzem
processos que abrem e consolidam espaccedilos de luta pela dignidade humana Pautados pela
gramaacutetica da inclusatildeo esses direitos que natildeo satildeo um dado mas um construiacutedo (PIOVESAN
2005) devem adentrar o espaccedilo escolar como um imperativo eacutetico-poliacutetico-social que eacute
capaz de enfrentar um legado discriminatoacuterio que tem negado o respeito agrave diversidade sexual
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cultural e humana o que eacute um atentado agrave premissa da garantia da dignidade de todas as
pessoas
Para o assentamento do debate sobre os postulados dos DH no acircmbito da escola natildeo
nos falta amparo legal positivado Eacute com o entendimento da nodal importacircncia desses direitos
na e para a esfera escolar e considerando o arcabouccedilo legal que dispotildee sobre a educaccedilatildeo a
Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 a Declaraccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas sobre
a Educaccedilatildeo e Formaccedilatildeo em Direitos Humanos (RESOLUCcedilAtildeO A661372011) a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei
93941996) o Programa Mundial de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos (PMEDH 2005204) O
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNEDH2006) e as diretrizes nacionais emanadas
pelo Conselho Nacional de Educaccedilatildeo CNE bem como outros documentos que o Conselho
Nacional de Educaccedilatildeo publica a Resoluccedilatildeo nordm 12012 estabelecendo diretrizes nacionais para
a educaccedilatildeo em Direitos Humanos Esse instrumento em seu artigo 3ordm trata da finalidade
dessa educaccedilatildeo a mudanccedila e a transformaccedilatildeo social fundamentando-se para isto nos
princiacutepios da dignidade humana da igualdade de direitos do reconhecimento e valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e das diversidades da laicidade do Estado da democracia na educaccedilatildeo da
transversalidade vivecircncia globalidade e sustentabilidade socioambiental
Conforme a Resoluccedilatildeo nordm 12012 os sistemas de ensino deveratildeo ter planejamento e
accedilotildees que zelem por tais princiacutepios incluindo-os nas formaccedilotildees iniciais e continuada de
profissionais das diferentes aacutereas de conhecimento como tambeacutem de todo aparato estrutural
da escola Nesse sentido a resoluccedilatildeo se traduz como um poderoso instrumento de inclusatildeo
social Ela eacute aliada na problematizaccedilatildeo de uma estrutural desigualdade social poliacutetica e
econocircmica que viola cotidianamente direitos de grupos vulneraacuteveis ndash pobres negrosas
mulheres homossexuais iacutendiosias ndash Eacute aliada no combate agraves grandes deficiecircncias da
democracia brasileira que repousa em uma deficiente cultura de direitos a despeito de
avanccedilos poacutes processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes
No tocante agraves questotildees de gecircnero agrave produccedilatildeo de praacuteticas discursivas que ocultam o
protagonismo dos sujeitos que fragilizam a hegemonia masculina heterossexual cristatilde e
branca e a inserccedilatildeo desse debate no seio escolar como forma de assegurar o combate agrave
historicamente construiacuteda educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria eacute vaacutelido observar os
mecanismos enunciativos que constituem o olhar sobre o discurso que propotildee o
enfrentamento da iniquidade E um desses mecanismos trata-se dos Paracircmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) criados em 1997 que muito embora a existecircncia desses documentos natildeo
garanta sua implantaccedilatildeo eles satildeo amplamente difundidos e recomendados pelo Ministeacuterio da
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Educaccedilatildeo e Cultura (MEC) Eacute vaacutelido desse modo atentar para esta forma de comunicaccedilatildeo-
poder porque as discursividades que circulam incorrem de resultado de promessas de uma
escola como instituiccedilatildeo democraacutetica o que nos remete agrave intricada relaccedilatildeo discurso e poder
(FOUCAULT 2012) E parece bastante oportuno refletir sobre a emissatildeo de documentos
supostamente avanccedilados no debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero indagando sobre qual
processo de subjetivaccedilatildeo e instauraccedilotildees de verdade estaacute sendo ali operacionalizado
Eacute possiacutevel detectar que a discussatildeo sobre as relaccedilotildees de gecircnero consta de forma
tiacutemida e superficial entre as paacuteginas 144-146 dos PCNs referentes agraves quatro primeiras seacuteries
da educaccedilatildeo Fundamental Assim eram denominados os anos escolares agrave eacutepoca da publicaccedilatildeo
destes documentos Essa inserccedilatildeo temaacutetica eacute composta como toacutepico dentro do tema
transversal Orientaccedilatildeo Sexual que integra o volume 10 da coleccedilatildeo dos PCNs Mas laacute nas
raacutepidas paacuteginas estaacute o conceito de gecircnero e o objetivo que permeia o debate
A discussatildeo sobre relaccedilotildees de gecircnero tem como objetivo combater relaccedilotildees
autoritaacuterias questionar a rigidez dos padrotildees de conduta estabelecidos para homens
e mulheres e apontar sua transformaccedilatildeo A flexibilizaccedilatildeo dos padrotildees visa permitir a
expressatildeo de potencialidades existentes em cada ser humano que satildeo dificultadas
pelos estereoacutetipos de gecircnero Como exemplo comum pode-se lembrar a repressatildeo de
sensibilidade intuiccedilatildeo e meiguice nos meninos e objetividade e agressividade nas
meninas As diferenccedilas natildeo devem ficar aprisionadas em padrotildees preestabelecidos
mas apontando para a equidade entre os sexos (BRASIL 2013 p 144-146)
As relaccedilotildees de gecircnero integram a abordagem feita pelos PCNs tambeacutem para as seacuteries
finais do ensino fundamental como parte dos conteuacutedos dos temas transversais Na
perspectiva para estes anos finais os PCNs indicam a leitura e a anaacutelise de notiacutecias e de obra
literaacuteria como estrateacutegia para abordar a temaacutetica sobre gecircnero perpassada pelo conjunto das
disciplinas Os recursos indicados nos documentos para a exploraccedilatildeo desta temaacutetica se
constituem de formas oportunas para trataacute-lo especialmente a anaacutelise de notiacutecias
considerando que face a uma visatildeo de mundo em que predominam valores machistas e
patriarcais uma cultura eminentemente androcecircntrica apesar da resistecircncia feminista as
notiacutecias devem se constituir como repletas de exemplos de assimetrias de gecircnero
A apresentaccedilatildeo do conceito de gecircnero pelos PCNs todavia se daacute sem uma
fundamentaccedilatildeo criacutetica sustentada pela teoria feminista em um momento em que este conceito
passa por uma efervescecircncia que redimensiona e amplia sua abordagem O conceito de gecircnero
surge com o intento de analisar a subordinaccedilatildeo da mulher ao homem de modo relacional e faz
parte de debates de vaacuterios momentos do movimento feminista O gecircnero como categoria de
anaacutelise passou a ser mais utilizado apoacutes a publicaccedilatildeo do texto de Joan W Scott (1995) Nesse
33
trabalho a autora retoma a diferenccedila entre sexo e gecircnero articulando a noccedilatildeo de poder com a
qual propotildee que gecircnero eacute um elemento constitutivo das relaccedilotildees sociais construiacutedas sobre as
diferenccedilas percebidas entre os sexos sendo ele um primeiro modo de dar significado agraves
relaccedilotildees de poder
De acordo com Piscitelli (2002) o conceito de gecircnero mesmo jaacute tendo sido
utilizado foi marcado a partir da conceitualizaccedilatildeo de Gayle Rubin (1975 apud PISCITELLI
2002 p 4) que definiu o sistema sexogecircnero estabelecendo uma dicotomia em que gecircnero
seria a construccedilatildeo social e sexo seria o que eacute determinado biologicamente Essa perspectiva da
feminista trouxe conforme Piscitelli entusiasmo
Entre as (os) acadecircmicasos que dialogam com as discussotildees feministas o conceito
de gecircnero foi abraccedilado com entusiasmo uma vez que foi considerado um avanccedilo
significativo em relaccedilatildeo agraves possibilidades analiacuteticas oferecidas pela categoria
lsquomulherrsquo Essa categoria passou a ser quase execrada por uma geraccedilatildeo para a qual o
binocircmio feminismomulher parece ter se tornado siacutembolos de enfoques passados
(PISCITELLI 2002 p 1)
Haacute todavia apontado por Piscitelli (2002) um contexto de questionamentos sobre
esse conceito de gecircnero que evidencia uma nova ecircnfase na utilizaccedilatildeo da categoria mulher A
autora evidencia vaacuterias discussotildees em torno dessa questatildeo pontuadas por feministas que
criticam a dicotomia culturanatureza sexogecircnero traccedilos da conceituaccedilatildeo primeira do termo
O sistema dual que caracteriza e universaliza o conceito eacute criticado pelas feministas radicais
que assumem o debate desconstruindo o binocircmio sexogecircnero trazendo agrave reflexatildeo a
inexistecircncia de uma identidade global fixa que obscurece ou subordina todas as outras Uma
reelaboraccedilatildeo teoacuterica e pendular que emerge nitidamente das poliacuteticas da diferenccedila sobre o
conceito de gecircnero fortalece a luta das mulheres em seu caraacuteter de diversidade
A rejeiccedilatildeo aos pressupostos universalistas que a dicotomia sexogecircnero traduz tem se
avolumado e garantido um avanccedilo no debate sobre a luta pelo fim da opressatildeo e subordinaccedilatildeo
da mulher ao homem Sardenberg (2002) enfatiza que as criacuteticas realizadas ao conceito de
gecircnero debatem as diferenccedilas em consonacircncia com a base poacutes-estruturalista e
desconstrutivista que as sustenta e atendem a pauta reivindicatoacuteria de mulheres leacutesbicas
negras e do Terceiro Mundo A feminista sem deixar de resguardar a relevacircncia teoacuterica e
poliacutetica da concepccedilatildeo primeira de gecircnero ressalta a importacircncia das questotildees trazidas pelas
correntes desconstrucionistas Apropria-se esta estudiosa do feminismo do conceito de
corpos gendrados e desfaz a dicotomia sexogecircnero explicando que as identidades de gecircnero
e subjetividade satildeo natildeo imateriais e descorporificadas Ela ao falar de identidades e
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subjetividades corporificadas aponta para uma direccedilatildeo que dialoga com as teorizaccedilotildees poacutes-
estruturalistas e a importacircncia dos marcadores sociais para essas que veem mais do que
sujeitos homens e mulheres em suas abordagens Veem seres de diferentes etnias classes
geraccedilotildees profissotildees lugares seres cindidos muacuteltiplos natildeo-fixos em suas identidades
imersos que satildeo pela torrencial poacutes-modernidade e seus signos multiculturalismo
globalizaccedilatildeo e informaccedilatildeo acelerada
Louro (2012) ao discutir o caro conceito para os estudos feministas historiciza as
accedilotildees desse coletivo situando a chamada ldquoSegunda Ondardquo como a que propiciou o
desenvolvimento do termo
Seraacute no desdobramento da assim denominada lsquoSegunda Ondarsquo ndash aquela que se inicia
no final da deacutecada de 1960 ndash que o feminismo aleacutem das preocupaccedilotildees sociais e
poliacuteticas iraacute se voltar para as construccedilotildees propriamente teoacutericas No acircmbito do
debate que a partir de entatildeo se trava entre estudiosas e militantes de um lado e seus
criacuteticos ou suas criacuteticas de outro seraacute engendrado e problematizado o conceito de
gecircnero (LOURO 2012 p 19)
Evidenciando a contribuiccedilatildeo que a emergecircncia do conceito de gecircnero propicia ao
movimento feminista Louro (2012) traz o discurso da invisibilidade no qual esse coletivo
esteve imerso em forma de segregaccedilatildeo poliacutetica e social Muito embora afirme essa autora
mulheres da classe trabalhadora e camponesas jaacute ocupassem atividades no mundo do trabalho
em faacutebricas oficinas lavouras Atividades essas ocupadas em condiccedilotildees de subalternidade
frente aos homens considerando os cargos que ocupavam e atividades consideradas
secundaacuterias e ligadas agraves funccedilotildees ldquonaturalizadasrdquo como femininas a assistecircncia e a educaccedilatildeo
Essas questotildees aleacutem da ausecircncia das mulheres em espaccedilos de poder como nos das ciecircncias e
das artes diz Louro (2012) ocupavam as reivindicaccedilotildees das mulheres de luta contra a
opressatildeo de gecircnero
No que tange ao conceito de gecircnero como diferencial desconstrutor da discursividade
que permeia explicaccedilotildees deterministas bioloacutegicas para as desigualdades sociais entre homens
e mulheres Louro (2012) aduz que
Eacute necessaacuterio demonstrar que natildeo satildeo propriamente as caracteriacutesticas sexuais mas eacute a
forma como essas caracteriacutesticas satildeo representadas ou valorizadas aquilo que se diz
ou pensa sobre elas que vai construir efetivamente o que eacute feminino ou masculino
em uma dada sociedade e em um dado momento histoacuterico Para que se compreenda
o lugar e as relaccedilotildees de homens e mulheres numa sociedade importa observar natildeo
exatamente seus sexos mas sim tudo que socialmente se construiu sobre os sexos
O debate vai se construir entatildeo atraveacutes de uma nova linguagem na qual gecircnero seraacute
um conceito fundamental (LOURO 2012 p 25)
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Eacute na direccedilatildeo dos estudos poacutes-estruturalistas que Louro (2012) constroacutei suas reflexotildees
sobre gecircnero debatendo a construccedilatildeo discursiva das diferenccedilas uma das tocircnicas do
pensamento Esta autora evidencia o quanto estudiososas e militantes ligadosas agraves questotildees
eacutetnicas e leacutesbicas tecircm contribuiacutedo para a reflexatildeo sobre praacuteticas poliacuteticas e educativas que
contemplem as diferenccedilas Essa discursividade tem provocado nos estudos feministas uma
implosatildeo das caracteriacutesticas iniciais que satildeo marcadas por uma construccedilatildeo teoacuterica conduzida
por mulheres brancas heterossexuais urbanas e de classe meacutedias Para a autora os estudos
feministas estatildeo sendo oxigenados quando problematizados e desestabilizados desse modo
Entendo entatildeo que as seculares construccedilotildees sociais que subjugam e inferiorizam
mulheres e as que impotildeem exclusatildeo e violecircncia na construccedilatildeo das diferenccedilas sob uma loacutegica
androcecircntrica heteronormatizadora e discriminatoacuteria satildeo muralhas que tecircm sido
problematizadas pelas contribuiccedilotildees afirmativas da pauta dos DH pelos estudos feministas e
pelas contribuiccedilotildees de estudos sobre as relaccedilotildees de poder os quais jaacute foram por mim
referidos Estas questotildees podem estar balizadas no acesso agrave leitura como mediaccedilatildeo e praacutetica
discursiva que suscita o combate da iniquidade de gecircnero como tambeacutem jaacute foi dito Ocorre
amiuacutede mesmo entre osas que natildeo satildeo leitoresas uma valorizaccedilatildeo generalizada do ato de
ler que o naturaliza e o sacraliza As propagandas sobre leitura satildeo veiculadas com esta
dimensatildeo o que fez Souza (2009 p 4) entre outrosas autoresas estudaacute-las e evidenciando o
quanto se camufla o objeto da leitura daquilo que se lecirc indagar ldquoA leitura de todo e qualquer
texto emancipa o sujeitordquo Natildeo eacute preciso ir muito longe para que percebamos que se as
escolas natildeo leem a pedagogia do letramento da vida e da diversidade de infacircncias se natildeo leem
e aplicam o que recomendam as diretrizes2009 do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNE
que apontam para garantir uma formaccedilatildeo plena como ser humano histoacuterico integral social
eacutetico de diferentes linguagens e identidades coletivas e individuais a leitura que se faz
efetivamente natildeo eacute emancipadora Ela pode divertir dar prazer colaborar com o domiacutenio do
coacutedigo em suas variedades linguiacutesticas mas natildeo emancipa Isso pode ser averiguado pelo
olhar de Arroyo (2011) que aborda o quanto a desenfreada busca para o domiacutenio de
capacidades sequenciadas para atender as expectativas de avaliaccedilotildees como a Provinha-Brasil
tem sido danosa
Na praacutetica o direito ao reconhecimento agrave cultura e ao conjunto de potencialidades
humanas que carregamos desde crianccedila vai se perdendo em nome do domiacutenio de
capacidades de letramento e numeramento [] A professora seraacute julgada e
condenada se sua turma natildeo se sair bem na Provinha-Brasil de Letramento Fica
pouco estiacutemulo e espaccedilo para dedicar tempo e energias para a formaccedilatildeo plena das
crianccedilas ateacute nos limites e potencialidades do letramento (ARROYO 2011 p 220)
36
Eacute pertinente pensar portanto como estatildeo sendo formadosas como estatildeo lendo na
instacircncia escolar meninos e meninas leem para se emancipar Leem para problematizar uma
ordem social excludente Leem para debater o que a pauta reivindicatoacuteria dos DH como
movimento que se firma na defesa de um mundo mais justo e igual tem alicerccedilado A
Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo (CONAE) realizada em 2010 direciona em seu
documento final que deve haver a inserccedilatildeo das temaacuteticas dos DH nos Projetos Poliacuteticos
Pedagoacutegicos (PPP) e no novo modelo de gestatildeo e avaliaccedilatildeo (CONAE 2010 p 162-163) Haacute
portanto um papel construiacutedo para a instituiccedilatildeo escolar no enfrentamento de violaccedilotildees desses
direitos
Produtora reprodutora e difusora de conhecimentos a escola eacute uma instituiccedilatildeo social
que pode conforme o seu aparato normativo engendrar as relaccedilotildees mais justas e equacircnimes
Ateacute entatildeo todavia deste lugar no dizer de Louro (2012) largamente tecircm sido gestadas as
diferenccedilas como a representaccedilatildeo de um desvio da normalidade Na visatildeo da referida autora
Desde seus iniacutecios a instituiccedilatildeo escolar exerceu uma accedilatildeo distintiva Ela se
incumbiu de separar os sujeitos ndash tornando aqueles que nela entravam distintos dos
outros os que a ela natildeo tinham acesso [] A escola que nos foi legada pela
sociedade ocidental moderna comeccedilou por separar adultos de crianccedilas catoacutelicos e
protestantes Ela tambeacutem se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela
imediatamente separou os meninos das meninas (LOURO 2012 p 64)
Eacute possiacutevel perceber entatildeo o quanto as relaccedilotildees de gecircnero e a produccedilatildeo negativa das
diferenccedilas satildeo alimentadas nos bancos escolares moldando fabricando sujeitos seres
distintos de diferentes classes etnias idades distintos tambeacutem em direitos e deveres Nesses
moldes essa praacutetica pedagoacutegica tem inquietado osas ativistas e defensoresas dos DH E
efeito de mobilizaccedilotildees a educaccedilatildeo inclusiva voltada para uma cultura de paz e de respeito a
esses direitos emerge Dos tantos pactos internacionais e acordos como accedilatildeo de resistecircncia
diante da violaccedilatildeo do direito agrave dignidade humana podem ser extraiacutedos instrumentos juriacutedicos
importantes para municiar osas educadoresas em suas atividades acadecircmicas caso se
comprometam com a bandeira da educaccedilatildeo como loacutecus para a promoccedilatildeo da defesa de uma
sociedade para todas as pessoas
Inteirar-se da forccedila articulatoacuteria dos movimentos sociais embandeirados com a
defesa dos DH eacute relevante para a instacircncia educacional afinal a escola ressoa as vozes e eacute
uma voz que segundo regras histoacutericas implementa hegemonia e contra-hegemonia
conforme Zenaide (2008) Das articulaccedilotildees poliacuteticas dos movimentos emergem marcos legais
que datildeo sustentaccedilatildeo agraves lutas por cidadania Um desses documentos importantes do leque de
instrumentos universais e regionais que evidenciam accedilotildees pautadas na defesa do DH foi uma
37
conquista do movimento feminista com a aprovaccedilatildeo na Assembleia da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas (ONU) em 1979 da Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de
Discriminaccedilatildeo contra a Mulher Este instrumento traduz o reconhecimento das necessidades
especiacuteficas das mulheres garantindo a igualdade entre homens e mulheres nas esferas
poliacutetica econocircmica social e familiar Outro importante documento no sentido da defesa dos
direitos das mulheres eacute a Convenccedilatildeo Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violecircncia
contra a Mulher de 1994 Essa construccedilatildeo desafia um dos males enfrentados cotidianamente
pelas mulheres das mais diversas esferas sociais e culturais eacute o da violecircncia domeacutestica A
ONU adotou em 1999 o Protocolo Facultativo agrave convenccedilatildeo regional que autoriza ao
CEDAW ndash Comitecirc para a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher
- o recebimento de queixas individuais O Brasil ratificou o protocolo o que significa mais
garantia de direitos agraves brasileiras viacutetimas de violecircncia domeacutestica acesso agrave justiccedila
internacional
Na deacutecada de 1990 os movimentos de mulheres articularam em niacuteveis regionais e
internacionais profiacutecuos acontecimentos poliacuteticos em prol de garantia de seus direitos Em
1993 a Conferecircncia Direitos Humanos de Viena estabelece que os direitos das mulheres satildeo
parte inalienaacuteveis dos DH universais e devem ser protegidos pelos Estados atraveacutes da
promoccedilatildeo de leis e de poliacuteticas puacuteblicas efetivas A Conferecircncia Internacional sobre
Populaccedilatildeo e Desenvolvimento (CIPD) realizada no Cairo em 1994 vem garantir que os
direitos sexuais e reprodutivos passem a ser assumidos como DH reconhecendo o papel
central da sexualidade A IV Conferecircncia Mundial da Mulher realizada em Pequim em 1995
aprovou uma Plataforma de Accedilatildeo reforccedilando o plano da Accedilatildeo de Cairo O debate sobre o
aborto amplia-se em bases soacutelidas eacute apontado como um grave problema de sauacutede puacuteblica e a
descriminalizaccedilatildeo dessa praacutetica ganha foco
Dentre os processos organizativos pela constituiccedilatildeo de forccedilas democraacuteticas os
movimentos de mulheres constituem-se em um expoente de militacircncia Pedro e Pinsky (2003)
relatam o processo de conquista da cidadania feminina que se ainda estaacute longe de ser plena
muito mais longe estaacute de um tempo em que agraves mulheres soacute lhes cabia o espaccedilo domeacutestico
De simples lsquocostela de Adatildeo agrave conquista da cidadania plena eacute uma longa trajetoacuteria
ainda natildeo completada pelas mulheres Mesmo no Ocidente onde o avanccedilo eacute maior e
a subordinaccedilatildeo social tem se reduzido sensivelmente elas ainda sofrem com a
violecircncia salaacuterios menores preconceitos de diversos tipos Que diraacute em paiacuteses
africanos ou islacircmicos em que satildeo vistas como apecircndice do homem na melhor das
hipoacuteteses Contudo relendo as paacuteginas deste texto podemos avaliar o quanto jaacute
avanccedilamos Que as vaacuterias vitoacuterias obtidas sirvam-nos de inspiraccedilatildeo para as lutas
futurasrsquo (PEDRO PINSKY 2003 p 304)
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Se os avanccedilos logrados pela luta feminista mudaram estilo de vida de mulheres eacute
inconteste que ainda sob o jugo da violecircncia seja simboacutelica ou fiacutesica o machismo e o
patriarcalismo deixam seus tentaacuteculos em uma contiacutenua tensatildeo pelo poder (FOUCAULT
2004a 2012) Conforme Louro (2012) a escola pode atestar isso uma cultura ainda
dominante impregnada de estereoacutetipos valores e conteuacutedos sexistas eacute o que olhos atentos
veem Nas palavras da autora
Os sentidos precisam estar afiados para que sejamos capazes de ver ouvir sentir as
muacuteltiplas formas de constituiccedilatildeo dos sujeitos implicados na concepccedilatildeo na
organizaccedilatildeo e no fazer cotidiano escolar O olhar precisa esquadrinhar as paredes
percorrer os corredores e salas deter-se nas pessoas nos seus gestos suas roupas eacute
preciso perceber os sons as falas as sinetas e os silecircncios eacute necessaacuterio sentir as
cadecircncias e os ritmos marcando os movimentos de adultos e crianccedilas Atentaas aos
pequenos indiacutecios veremos que ateacute mesmo o tempo e o espaccedilo da escola natildeo satildeo
distribuiacutedos nem usados ndash portanto natildeo satildeo concebidos do mesmo modo por todas
as pessoas (LOURO 2012 p 63)
Afiar os sentidos para que possamos enxergar os construtos sociais de
performatividades de gecircneros que produzem meninas doces quietas aplicadas submissas e
meninos inquietos agressivos ldquomaisrdquo inteligentes Afiar os sentidos para que possamos olhar
sob o crivo dos estudos de gecircnero que encontram amparo em uma legislaccedilatildeo escolar
conquistada recentemente apoacutes intensa mobilizaccedilatildeo nacional para a criaccedilatildeo do Programa
Nacional em Direitos Humanos em 1993
A emersatildeo das poliacuteticas de valorizaccedilatildeo dos DH como aacuterea transdisciplinar e que
deve estar presente na escola desde a mais tenra idade do aluno ateacute os cursos de poacutes-
graduaccedilatildeo apresenta-se como um instrumento para a desconstruccedilatildeo de uma poliacutetica
educacional sexista e machista O Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos
(PNEDH) criado em 2006 e revisado em 2006 pelo MEC Ministeacuterio da Justiccedila e Secretaria
Especial dos Direitos Humanos vem fortalecer o princiacutepio da igualdade e da dignidade de
todo ser humano E a escola eacute um espaccedilo privilegiado para que a crianccedila iniciando seu
processo de socializaccedilatildeo aprenda a conviver com caros princiacutepios Daiacute a importacircncia de se
desenvolver no interior dos espaccedilos escolares pontua Zenaide (2008) accedilotildees programaacuteticas
que deem mais materialidade agrave educaccedilatildeo agravequela que respeite e defenda os DH Dentre essas
accedilotildees vale citar
Elaborar e organizar propostas curriculares que contemplem a diversidade cultural
nas suas diferentes especificidades com a inclusatildeo de temaacuteticas relativas a gecircnero
identidade de gecircnero raccedila e etnia religiatildeo orientaccedilatildeo sexual pessoas com
deficiecircncias [] bem como trabalhar todas as formas de discriminaccedilatildeo e violaccedilotildees
de direitos na interface dos componentes curriculares (BRASIL 2006 p 24-25)
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Um paiacutes historicamente violador dos DH como o Brasil possui uma diacutevida social
enorme com sua populaccedilatildeo vitimada No que diz respeito agraves violaccedilotildees acerca das identidades
de gecircnero seus instrumentos juriacutedicos conquistados recentemente que possuem a ideia
basilar do respeito agrave dignidade humana precisam ser prementemente cumpridos Essa eacute uma
condiccedilatildeo para que o Brasil promova cidadania a todas as pessoas reinventando novas formas
de se constituir sujeitos cauterizando as feridas machistas homofoacutebicas discriminadoras
Esse agenciamento cultural pode e deve ser gestado alimentado e sustentado por praacuteticas
escolares considerando que satildeo promessas da escola a autonomia o aprendizado de si do
outro o respeito agraves diferenccedilas Conforme Zenaide (2008) entre tantos marcos protetivos para
a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo inclusiva e natildeo sexista que sustentam largamente as promessas
de uma escola para todas as pessoas a Declaraccedilatildeo Mundial sobre Educaccedilatildeo para Todos de
1990 eacute um deles Em seu artigo 3ordm este documento explicita a premecircncia de combater a
assimetria entre homens e mulheres
[] a prioridade mais urgente eacute melhorar a qualidade e garantir o acesso agrave educaccedilatildeo
para meninas e mulheres e superar todos os obstaacuteculos que impedem sua
participaccedilatildeo no processo educativo Os preconceitos e estereoacutetipos de qualquer
natureza devem ser eliminados da educaccedilatildeo (ZENAIDE 2008 p 243)
Apoacutes as reflexotildees atinentes agrave fundamentaccedilatildeo da importacircncia do compromisso do
Estado brasileiro na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas educacionais que respaldem a
garantia da efetivaccedilatildeo dos DH na esfera escolar no que diz respeito agrave equidade de gecircnero irei
discutir no proacuteximo toacutepico como a educaccedilatildeo e o feminismo satildeo esteios para tal efetivaccedilatildeo
Satildeo esteios porque podem propor problematizar as instacircncias os espaccedilos de poder propor
novas formas de subjetivaccedilatildeo formas essas que tecircm historicamente construiacutedo um
enfrentamento agrave interdiccedilatildeo da equidade de gecircnero
22 Feminismo poder e educaccedilatildeo
Uma vez ou outra sempre mais raramente lembrava a galinha que se recortara
contra o ar agrave beira do telhado prestes a anunciar Nesses momentos enchia os
pulmotildees com ar impuro da cozinha e se fosse dado agraves fecircmeas cantar ela natildeo
cantaria mas ficaria muito mais contente
(LISPECTOR 1991 p 46)
A condiccedilatildeo feminina mesmo aos olhos desatentos aparece na linha mestra da obra
clariceana As complexas e ricas criaccedilotildees da autora com Ana Carla Catarina Joana
Macabeacutea Virgiacutenia entre tantas personagens jovens maduras velhas natildeo cedem todavia
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lugar a um mero denuncismo da ordem machista que violentamente imersa mulheres em uma
sociedade feita para os que cantam como os galos A inserccedilatildeo portanto de um trecho de um
dos seus contos Uma galinha (LF1991) neste toacutepico do trabalho natildeo eacute um jeito de chamar
ao destrinchamento da ligaccedilatildeo da escritora com o feminismo fato que ela em diversos
depoimentos sabiamente negou Mas eacute uma forma de dizer que a condiccedilatildeo feminina sem
liberdade e voz emaranhada na densa complexidade psicoloacutegica das personagens clariceanas
perspectiva anguacutestia e violecircncia latentes um mundo portanto que precisa ser desaprisionado
que precisa ser desmantelado E isto a despeito de sua insistecircncia em natildeo ser feminista
expressa feminismo que Clarice constroacutei tatildeo bem com suas mulheres quando lhes daacute o grito
o canto ou quando lhes retira
Neste conto a condiccedilatildeo feminina de subjugada estaacute metaforizada na figura de uma
galinha que apenas nasce e morre cumprindo apaticamente um papel como pontua Bedasee
(1999) Sem canto sem habilidade para a luta valorizada apenas pela sua funccedilatildeo reprodutora
[ Mamatildee mamatildee natildeo mate mais a galinha ela pocircs um ovo G45] este ser que natildeo conta
consigo como o galo conta com sua crista natildeo traduziria uma bandeira de desaprisionamento
dessa ordem proposta pela teoria dos gecircneros Neste conto em que a galinha em fuga eacute
capturada por um homem [ o rapaz poreacutem era um caccedilador adormecido E por mais iacutenfima
que fosse a presa o grito de conquista havia soado ndash G44] natildeo teriacuteamos a preocupaccedilatildeo com
os imemoraacuteveis papeacuteis sociais
Entendendo Clarice que desejou a literatura maior do que as bandeiras maior do que
teses sem uma ldquofunccedilatildeordquo que a aprisione mas relembrando aqui Antonio Cacircndido (1965)
indago esta escritura que apresenta um cotidiano que encerra mulheres em um espaccedilo
domeacutestico violentador natildeo seria uma forma extraordinaacuteria de aticcedilar a transcendecircncia das
servidotildees com a perspectiva que temos de ver na trama clariceana o natildeo-conformismo como
uma ordem Possivelmente A condiccedilatildeo feminina de oprimida exceccedilatildeo a pouquiacutessimas
personagens perpassa pelas mulheres solitaacuterias e servis de Clarice trancadas no lar lacradas
para a vida que natildeo reagem Por que ela natildeo reage cadecirc um pouco de fibra Natildeo ela eacute doce
e obediente (HE41) Haacute nesta ficccedilatildeo um fio que liga as mulheres denunciando um
apagamento social vivido por elas que evidencia feminismo nesta literatura
Por seu turno natildeo na ficccedilatildeo mas na poliacutetica e engajada nos diversos movimentos
sociais outras fizeram feminismos naquele contexto de meados do seacuteculo XX em que
efervesceu a luta pelos direitos das mulheres E a histoacuterica luta das mulheres em prol dos seus
direitos e na caminhada pela cidadania plena que comeccedilou a ser preparada em momentos e
seacuteculos anteriores traduz uma resistecircncia agrave domesticaccedilatildeo social das mais expressivas na
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histoacuteria da humanidade Esta resistecircncia pode me remeter a inuacutemeros pensadores que se
vinculam ao ideaacuterio da busca pela liberdade mas o pensamento de Michel Foucault no que
tange agraves consideraccedilotildees em sua obra sobre o polo subjetividade e verdade parece-me ser de
muita propriedade Tema caro ao filoacutesofo francecircs que categoriza ter sido este o seu problema
Esse sempre foi na realidade o meu problema embora eu tenha formulado o plano
dessa reflexatildeo de uma maneira um pouco diferente Procurei saber como o sujeito
humano entrava nos jogos de verdade tivessem estes a forma de uma ciecircncia ou se
referissem a um modelo cientiacutefico ou fossem como os encontrados nas instituiccedilotildees
ou nas praacuteticas de controle (FOUCAULT 2004a p 264)
As formas de se constituir sujeito satildeo decerto tema caro tambeacutem ao coletivo de
mulheres Embora as questotildees feministas natildeo tenham aparecido no leque de problematizaccedilotildees
do autor conforme nos atesta Rago (2008) esse coletivo pode ter como instrumento de luta
em sua histoacuterica e processual conquista por liberdade e cidadania as reflexotildees foucaultianas
atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo e da premecircncia de se constituir um novo sujeito eacutetico
a partir de praacuteticas de liberdade (cf FOUCAULT 2004a) A leitura desses processos eacute nodal
para a transformaccedilatildeo social que objetiva construir o feminismo pela importacircncia que tem
para esse autor a histoacuteria da constituiccedilatildeo do sujeito na perspectiva das praacuteticas de si Essas
conforme a retomada que o filoacutesofo daacute no debate proposto pela Antiguidade grega sobre tais
teacutecnicas satildeo concebidas como uma maneira de se relacionar consigo mesmo para se elaborar
para atuar individual e socialmente de forma eacutetica respeitosa e consciente O cuidar de si
visa atraveacutes de teacutecnicas de meditaccedilatildeo de aconselhamentos instalar a harmonia entre atos e
palavras instalar a subjetivaccedilatildeo pelo conhecimento de si eacute enfim um ethos que propotildee uma
dimensatildeo ativa do sujeito uma fruiccedilatildeo de si
[] eacute impossiacutevel suspeitar que haja uma certa impossibilidade de constituir hoje
uma eacutetica do eu quando talvez seja uma tarefa urgente fundamental politicamente
indispensaacutevel se for verdade que afinal natildeo haacute outro ponto primeiro e uacuteltimo de
resistecircncia ao poder poliacutetico senatildeo na relaccedilatildeo de si para consigo (FOUCAULT
2004a p 234)
Dimensatildeo essa que ao coletivo de mulheres imerso em um processo de busca por
libertaccedilatildeo pode se constituir como basilar Eacute basilar se considerarmos que da leitura das
reflexotildees foucaultianas acerca dos processos de constituiccedilatildeo das subjetividades pode-se
extrair o debate que destaca a desnaturalizaccedilatildeo do sujeito da construccedilatildeo de si as formas de
sujeiccedilatildeo coercitivas no social Essas uacuteltimas por exemplo se trazidas agrave luz dos estudos
feministas apontam modelos de feminilidade impostos pela dominaccedilatildeo classista e sexista
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desconstruiacutedos e recusados pela militacircncia desse movimento social A refutaccedilatildeo do amor
materno como um sentimento inerente agrave condiccedilatildeo de mulher por exemplo eacute uma das
desnaturalizaccedilotildees que foram articuladas pelos coletivos de mulheres Atributos como o da
docilidade inerente da tendecircncia agrave castidade sexual da domesticidade da inaptidatildeo para
determinados labores da constituiccedilatildeo fiacutesica e emocional como fraacutegil tambeacutem satildeo construccedilotildees
sociais que a mobilizaccedilatildeo feminista tem posto em evidecircncia negando-as Enfim um
mergulho nessa perspectiva temaacutetica oferece ao coletivo de mulheres um vasto leque de
teorizaccedilotildees que o subsidiam politicamente com operadores que lhe aclaram questotildees Uma
delas eacute poder recusar o que somos (FOUCAULT 2012) E a recusa se daacute quando sabemos
que teacutecnica atacar conhecer por quais jogos de verdade homens e mulheres potildeem-se a se
constituiacuterem sujeitos a obedecerem a que regras de sujeiccedilatildeo
Pensar em regras de sujeiccedilotildees na linha foucaultiana eacute tarefa meticulosa ardil que
exige coragem para ver Ao coletivo de mulheres fazer reflexotildees enfaticamente sobre tais
regras sobre os processos sociais de subjetivaccedilatildeo com os modos coercitivos de se constituir
mulher eacute pertinente eacute mobilizador de praacuteticas de liberdades das transformaccedilotildees que este
precisa engendrar E isto pode ser feito afiando-se os sentidos para os pilares culturais que lhe
satildeo configurados como sonhos como verdades em formaccedilotildees discursivas apresentadas desde
a mais tenra infacircncia O casamento por exemplo eacute um deles O matrimocircnio em regra tem
iniacutecio com um pedido formalizado por um homem agrave famiacutelia da mulher para um contrato
social no qual a cerimocircnia em si jaacute oferece um ensaio do que traduz a uniatildeo matrimonial a
dependecircncia social emocional da mulher Costumeiramente na nossa cultura ocidental
cristatilde a noiva entra na igreja conduzida pela matildeo de um homem (pai parente) para ser
entregue a outro o noivo o traje dela tradicionalmente eacute branco simbolizando ldquopureza de
virgemrdquo mesmo que a castidade natildeo lhe seja mais exigida Toda a ritualiacutestica da cerimocircnia
compotildee uma ideia de pertencimento do feminino pelo masculino compotildee uma ideia de
dependecircncia eacute ela quem adota em seu registro de identidade o nome do marido tendo que
alterar seus documentos de solteira Soacute bem recentemente a obrigatoriedade de tal inserccedilatildeo foi
abolida O ritual que costuma agradar agraves mulheres de uma forma bem generalizada por mais
que inove com mudanccedilas em arranjos familiares e nas condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo do
mesmo eacute marcado pela imagem de que a mulher que casa eacute a feliz O simboacutelico ato do
lanccedilamento do bouquecirc (ou mais recentemente outros objetos como os sapinhos de peluacutecia os
santos Antocircnios) pode vestir a ideia de que a felicidade estaacute em angariar um dono Assim se
justifica ver os gestos atleacuteticos que fazem as solteiras presentes movendo-se brava e
43
histericamente para conseguirem agarrar tais objetos que a noiva lanccedila em sinal de que
sendo a premiada seraacute a proacutexima a realizar o sonho de casar
Que poder natildeo haacute na adoccedilatildeo de um nome nos jogos que fazem a ideia do
pertencimento O poder onde natildeo o haacute E esse eacute outro veio no olhar do pensador
(FOUCAULT 2012) que pode correr com e perpassar pelos interesses e pelas investigaccedilotildees
das mulheres que lutam por praacuteticas de liberdade que se vinculam ao debate proposto pela
teoria de gecircnero como estrateacutegia para desmantelar assimetrias para se pensar em resistecircncias
O poder em sua dimensatildeo relacional onipresente e capilar evocada pelo filoacutesofo constitui-
se como instacircncia de compreensatildeo basilar das formas de relaccedilotildees sociais
Quero dizer que nas relaccedilotildees humanas quaisquer que sejam elas - quer se trate de
comunicar verbalmente como o fazemos agora ou se trate de relaccedilotildees amorosas
institucionais ou econocircmicas - o poder estaacute sempre presente quero dizer a relaccedilatildeo
em que cada um procura dirigir a conduta do outro Satildeo portanto relaccedilotildees que se
podem encontrar em diferentes niacuteveis sob diferentes formas essas relaccedilotildees de poder
satildeo moacuteveis ou seja podem se modificar natildeo satildeo dadas de uma vez por todas
(FOUCAULT 2004a p 276)
Haacute uma discussatildeo trazida pelo pensamento foucaultiano sobre o poder na qual
repousa natildeo uma teoria geral deste mas a ideia de que a sua existecircncia natildeo emana de um
determinado ponto apenas em aparelho de Estado ou em formato de leis Existe o poder
conforme Foucault (2012) concebe dando-se como feixe de relaccedilatildeo organizado e
piramidalizado Este entendimento atrela-se ao da resistecircncia como possibilidade e esta
adverte o filoacutesofo tem que ser inventiva moacutevel tatildeo produtiva quanto o poder Pensar em
resistecircncia e estrateacutegias para o enfrentamento de relaccedilotildees marcadas por domiacutenio eacute accedilatildeo que
deve interessar ao debate proposto pelos movimentos sociais em especial os coletivos que
perseguem a equidade de gecircnero Aqui vale trazer uma ponderaccedilatildeo feita por Foucault (2004a)
na qual ele ressalva insistir sobretudo nas praacuteticas de liberdade mais do que nos processos de
libertaccedilatildeo a despeito da importacircncia desses que satildeo condiccedilotildees poliacuteticas ou histoacutericas para
aquelas O filoacutesofo afirma que tais processos natildeo satildeo por eles proacuteprios definidores dessas
praacuteticas as quais se constituem de um problema eacutetico Problema eacutetico com o qual se deparam
mulheres imersas em processos de liberaccedilatildeo neste contexto histoacuterico-cultural que
recrudesceu em meados do seacuteculo XX onde irromperam estudos de gecircnero e feminismos
trazendo enfaticamente a pauta do empoderamento para as mulheres Esse aqui entendido
como o processo pelo qual indiviacuteduos e comunidades angariam recursos que lhes permitam
ter voz visibilidade poder de agenda nos temas que afetam suas vidas
44
Empoderar-se eacute enfim gestar em si mudanccedilas de performances que perpassam pelo
rompimento de modelos que enclausuram a mulher Historicamente subjugada ensinada a
depender a ser princesa salva adormecida mas acordada com o beijo dos contos infantis
difiacutecil natildeo ter medo de dar certo Na epiacutegrafe deste trabalho uma personagem clariceana
Joana traz agrave tona a temaacutetica do medo como condiccedilatildeo feminina Como uma segunda pele o
medo segura mulheres em direccedilatildeo de carros de cargos e de vidas trancafiando-as
Obviamente que nos novos contornos sociais nos quais a rua eacute espaccedilo conquistado pelo
feminino cada vez mais os medos vatildeo se arrefecendo tornando-se mais leves amenos
vencidos
Os estudos de gecircnero agrave luz do pensamento poacutes-estruturalista trouxeram a relevacircncia
de se refletir sobre modos de subjetivaccedilatildeo novas relaccedilotildees de poder jogos de verdade tudo
muito atinente com as contribuiccedilotildees teoacutericas foucaultianas e significativo para a militacircncia
poliacutetica encetada por feministas Pensando com Foucault (2004a 2012) sobre o poder desse
modo articulo nexos entre a preocupaccedilatildeo eacutetica com o cuidado de si as praacuteticas de liberdade
e a efetivaccedilatildeo de direitos que vem em lutas por libertaccedilatildeo em caminhadas que escavam
cidadania A luta das mulheres pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que lhes garantam o
direito ao aborto agrave sexualidade livre por exemplo traduz resistecircncia que vem com o
conhecimento de si com o conhecimento de seu lugar no mundo Os movimentos das
mulheres em luta pela construccedilatildeo de suas liberdades tecircm perfilado as liccedilotildees foucaultianas de
rede ligadas ao poder luta libertaccedilatildeo mobilizaccedilatildeo estaacutegios de comandos resistecircncia
A ideia de circularidade do poder de seu funcionamento em malhas onde os
indiviacuteduos natildeo soacute circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer um poder e de sofrer sua
accedilatildeo eacute oportuna entatildeo A premissa que permite que assim se pense pode estar identificada
nas reflexotildees abrangentes do autor sobre o poder
Acredito que natildeo pode haver sociedade sem relaccedilotildees de poder se elas forem
entendidas como estrateacutegias atraveacutes das quais indiviacuteduos tentam conduzir
determinar a conduta dos outros O problema natildeo eacute portanto tentar dissolvecirc-las na
utopia de uma comunicaccedilatildeo perfeitamente transparente mas se imporem regras de
direito teacutecnicas de gestatildeo e tambeacutem a moral o ethos a praacutetica de si que permitiratildeo
nesses jogos de poder jogar com o miacutenimo possiacutevel de dominaccedilatildeo (FOUCAULT
2004a p 284)
E por ser historicamente construiacutedo discursivamente tramado por estar no campo
social das resistecircncias muacuteltiplas (dos jeitinhos agraves chantagens e agraves mobilizaccedilotildees) das
mulheres o poder pode ser desconstruiacutedo ser ativado reformulado As relaccedilotildees de poder diz
ainda o pensador francecircs (FOUCAULT 1995 2012) intricam-se pelo menos de certa forma
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com sujeitos livres Um poder soacute se exerce quando eacute possiacutevel minimamente haver
resistecircncias pelo menos estrateacutegias para alterar o quadro Esse autor fala em estados de
dominaccedilatildeo nos quais a violecircncia se constitui como a absoluta impossibilidade de se resistir
ao poder havendo o domiacutenio total do dominador Diferentemente dos estaacutegios de violecircncia
as relaccedilotildees de poder possuem um enfrentamento constante e perpeacutetuo que garante o potencial
de revolta
Assim tambeacutem percebe Louro (2012) e dialoga com o filoacutesofo francecircs acerca dessas
relaccedilotildees A autora utilizando-se da discussatildeo sobre o controle disciplinar que perpassa os
escritos foucaultianos que falam das engenhosas estrateacutegias desenvolvidas pelas instituiccedilotildees
estrateacutegias que satildeo nichos de produccedilotildees discursivas de gecircneros de sujeitos disciplinados
regulados instituiacutedos discute a capilaridade do poder
Homens e mulheres certamente natildeo satildeo construiacutedos apenas atraveacutes de mecanismos
de repressatildeo ou censura eles e elas se fazem tambeacutem atraveacutes de praacuteticas e relaccedilotildees
que instituem gestos modos de ser e estar no mundo formas de falar e de agir
condutas e posturas apropriadas (e usualmente diversas) Os gecircneros se produzem
portanto nas e pelas relaccedilotildees de poder (LOURO 2012 p48)
Louro (2012) sob o crivo das reflexotildees foucaultianas acerca dos modos de
subjetivaccedilatildeo insere uma possibilidade de debate sobre as relaccedilotildees de poder que perpassam as
identidades de gecircnero no esteio do campo da educaccedilatildeo A autora traz a questatildeo de que sob as
lentes do filoacutesofo cabem olhares acerca da ldquonormalizaccedilatildeo da conduta dos meninos e meninas
a produccedilatildeo dos saberes sobre a sexualidade e os corpos as taacuteticas e as tecnologias que
garantem o ldquogovernordquo e o ldquoautogovernordquo dos sujeitosrdquo E eacute com essa direccedilatildeo que esta
estudiosa do feminismo caminha na e pela escola instigando aosas educadoresas agrave afiaccedilatildeo
dos sentidos para que essesas percebam a construccedilatildeo escolar das diferenccedilas das
desigualdades do poder para que observem as praacuteticas femininas educativas e as
representaccedilotildees docentes do magisteacuterio
Os caminhos teoacutericos de Louro (2012) deixam as marcas de quem dialoga com o
pensamento de Foucault (2004c 2004d 2011 2012) no tocante agrave importacircncia que possuem
as instituiccedilotildees como aparelho disciplinador reprodutor ou transformador da sociedade para
ambos A autora discute o aparelhamento da escola na formaccedilatildeo de uma cultura sexista que
difunde estereoacutetipos de gecircnero institui diferenccedilas e modelos Ela enfim alerta osas
educadores sobre a importacircncia da ocupaccedilatildeo deste espaccedilo como instacircncia poliacutetica
46
A linguagem as taacuteticas de organizaccedilatildeo e de classificaccedilatildeo os distintos
procedimentos das disciplinas escolares satildeo todos campos de um exerciacutecio
(desigual) de poder Curriacuteculos regulamentos instrumentos de avaliaccedilotildees e
ordenamento dividem hierarquizam subordinam legitimam ou desqualificam os
sujeitos [] (LOURO 2012 p 72)
Com efeito o processo de subjetivaccedilatildeo se daacute tambeacutem e significativamente na escola
que natildeo soacute transmite conhecimentos mas fabrica sujeitos conforme acordam os estudiosos
acima referendados Esse processo eacute flexionado por dispositivos entendidos esses conforme
Foucault (2012) como um conjunto heterogecircneo que engloba discursos instituiccedilotildees que
formam feixes em um tranccedilado com os quais natildeo se familiariza facilmente Louro (2012) por
isso faz a convocaccedilatildeo com muita propriedade ao ato de ldquoafiar os sentidosrdquo Afiar os sentidos
e apreender no campo da linguagem a forccedila da transmissatildeo e constituiccedilatildeo de sentidos que esta
articula que molda e produz eacute um compromisso de quem concebe a educaccedilatildeo em um campo
eminentemente poliacutetico um lugar para se desbravar cotidianamente
Fisher (2013) eacute uma das estudiosas do campo da Educaccedilatildeo que se posiciona assim
Essa autora trabalha conceitos como os de enunciado praacutetica discursiva sujeito do discurso
relacionados agrave teoria do discurso objetivando evidenciar a importacircncia desse arcabouccedilo para
as pesquisas que se propotildeem a investigar discursos de educadoresas A complexa e
diversificada obra de Michel Foucault eacute explorada pela educadora em pontos estrateacutegicos para
uma interface discurso e educaccedilatildeo Para isto a autora estabelece inicialmente um marco entre
as concepccedilotildees de linguagem a que se vincula agrave ideia de representaccedilatildeo de intencionalidade
na qual o analista ldquodescobrerdquo o que estaacute por traacutes das cortinas porque o discurso eacute interpretado
como um conjunto de signos que pode revelar a ldquoverdaderdquo E a concepccedilatildeo de linguagem que
se apresenta como constituidora interrogativa discursiva construtora de realidades sociais A
pesquisadora demonstra entender que a concepccedilatildeo com a qual Foucault evidencia vinculaccedilatildeo
eacute a que interroga a linguagem
Evocar os conceitos foucaultianos objetivando uma reflexatildeo acerca da importacircncia
desses em pesquisas no campo da educaccedilatildeo eacute uma estrateacutegia vaacutelida que oa analista de
discurso pode lanccedilar matildeo Esse direcionamento que exige uma interrogaccedilatildeo da linguagem
sobre a sua natildeo-transparecircncia e sobre seus processos de produccedilatildeo daacute-se com o esforccedilo de
conforme a AD natildeo buscar explicaccedilotildees lineares de causa e efeito ou mesmo interpretaccedilotildees
ideoloacutegicas simplistas ambas reducionistas e harmonizadoras de uma realidade mais
complexa (FISHER 2013)
A percepccedilatildeo da belicosidade da realidade que eacute atravessada por lutas em torno da
imposiccedilatildeo de sentidos (FOUCAULT 2011 2012) eacute uma postura que traduz uma capacidade
47
investigativa doa analista que deve ser inquiridora ldquoPor que isto eacute dito aqui desse modo
nesta situaccedilatildeo e natildeo em outro tempo e lugar de forma diferenterdquo Nesse sentido Fisher
(2013) dialoga com o filoacutesofo pontuando acerca da constituiccedilatildeo do sujeito para esse teoacuterico
Para a foucaultiana esse pensador multiplica o sujeito a pergunta ldquoquem falardquo desdobra-se
em muitas outras qual o status do enunciador Em que campo de saber se insere Qual seu
lugar institucional [] Com formulaccedilotildees dessa natureza a ideia de discurso como
ldquoexpressatildeo de algo traduccedilatildeo de alguma coisa que estaria em outro lugar talvez em um
sujeito algo que preexiste agrave proacutepria palavra eacute desfeita Em seu lugar pontuam os autores
referendados os atos enunciativos se inscrevem no interior de formaccedilotildees discursivas que
irrompem segundo regime de verdade levando-nos a obedecer a um conjunto de regras dadas
historicamente
As liccedilotildees foucaultinas acima referidas referendadas por Fisher (2013) satildeo
pertinentes para uma contribuiccedilatildeo no presente estudo tendo em vista que a temaacutetica em foco
desta pesquisa encontra nessas reflexotildees do pensador elementos que subsidiam esta
investigaccedilatildeo Um desses elementos eacute a inquiriccedilatildeo da ideia de verdade uniacutevoca por apontar
essa categoria como uma produccedilatildeo histoacuterica e social farta de jogos de poder E a escola eacute
uma instacircncia disciplinar e reguladora de comportamentos amarrada agrave produccedilatildeo de verdades
ao poder-saber pedagoacutegico que se efetua em praacuteticas discursivas ditando regras negando-as
coibindo-as policiando incitando fabricando sujeitos (cf FOUCAULT 2011 2012) Desse
modo inquiro sobre como as praacuteticas discursivas garimpadas no processo de investigaccedilatildeo
irrompem e sob quais condiccedilotildees neste estudo O que haacute nas bocas e nas mentes na experiecircncia
de aprendizagem das praacuteticas leitoras O que desejam os olhos de quem semeia leitura e os
olhos de quem lecirc As discursividades dessesas semeadoresas alicerccedilam-se e movem-se por
quais olhares sobre as relaccedilotildees de gecircnero e de sexualidade que perpassam livros textos
corredores banheiros cochichos desabafos canccedilotildees confissotildees Elas estatildeo explosivamente
presentes como bem atenta Foucault (1985) quando afirma haver em torno do sexo uma
verdadeira explosatildeo discursiva
Seria inexato dizer que a instituiccedilatildeo pedagoacutegica impocircs um silecircncio geral ao sexo das
crianccedilas e adolescentes Pelo contraacuterio desde o seacuteculo XVIII ela concentrou as
formas do discurso no tema estabeleceu pontos de implantaccedilatildeo diferentes codificou
os conteuacutedos e qualificou os locutores Falar dos sexos das crianccedilas fazer com que
falem dele os educadores os meacutedicos os administradores e os pais Ou entatildeo falar
de sexo com as crianccedilas fazer falarem elas mesmas encerraacute-las em uma teia de
discurso que ora se dirigem a elas ora falam delas impondo-lhes conhecimento
canocircnicos ou formando a partir delas um saber que lhes escapa ndash tudo isso permite
vincular a intensificaccedilatildeo dos poderes agrave multiplicaccedilatildeo do discurso (FOUCAULT
1985 p 32)
48
E a despeito de toda dinacircmica social e histoacuterica que tem alterado a percepccedilatildeo dos
jogos dos prazeres e poderes que tem inquirido pensamentos hegemocircnicos acerca da
sexualidade das relaccedilotildees de identidades de gecircnero descontruindo paradigmas como e quais
satildeo as faacutebulas indispensaacuteveis os veios discursivos apreendidos e presentificados na escola em
foco Os pensamentos de Foucault (2004a 2004c 2004d 2011 2012) contribuiacuteram
decisivamente para uma atitude de estranhamento das instituiccedilotildees contribuiacuteram para
caracterizar o discurso pedagoacutegico como um dos que estaacute relacionado agraves praacuteticas de poder e
domesticaccedilatildeo que tem em sua base relaccedilotildees assimeacutetricas Este pensador desse modo daacute
elementos importantes para a compreensatildeo de que natildeo existe verdade que natildeo seja produzida
em relaccedilotildees de poder Estes elementos estatildeo na imersatildeo do entendimento de que a
compreensatildeo dos processos de subjetivaccedilatildeo e das praacuteticas discursivas pode estar a serviccedilo de
uma busca por uma transformaccedilatildeo substancial do que somos e o que poderemos ser em um
mundo marcado pela belicosidade constituiacutedo por discursos
No que concerne a essa busca Rago (1998) pontua o encontro entre o feminismo e o
pensamento de Michel Foucault no lastro do debate sobre a constituiccedilatildeo do sujeito e o quanto
isso potencializa as transformaccedilotildees que precisam ser operadas para que sejam consolidadas as
mudanccedilas sociais e culturais que o coletivo de mulheres pleiteia A autora fala da participaccedilatildeo
do movimento feminista na ldquoampla criacutetica cultural desconstrutivistardquo e acentua o quanto as
propostas deste movimento tecircm produzido uma criacutetica contundente ao modo de produccedilatildeo do
conhecimento cientiacutefico e que isto se deve entre outros motivos ao abrigo que o pensamento
deste coletivo encontra nos postulados dos pensadores poacutes-modernos Os estudos feministas
propotildeem um olhar para a existecircncia do sujeito cindido construiacutedo na e pela linguagem como
efeito das determinaccedilotildees culturais inserido em complexas relaccedilotildees de poder Este olhar tem
consonacircncia com as reflexotildees de Foucault (2004d p 195) especialmente no que se refere ao
empreendimento do autor na construccedilatildeo de uma hermenecircutica de si
Uma histoacuteria que natildeo seria aquela do que poderia existir de verdadeiro nos
conhecimentos mas sim uma anaacutelise dos lsquojogos de verdadersquo dos jogos do
verdadeiro e do falso atraveacutes dos quais o ser se constitui historicamente como
experiecircncia ou seja como podendo e devendo ser pensado Por meio de quais jogos
de verdade o homem se pocircs a pensar o seu ser proacuteprio ao se perceber como louco ao
se olhar como doente ao refletir sobre si mesmo como ser vivo falante e
trabalhador ao se julgar e se punir como criminoso Atraveacutes de quais jogos de
verdade o ser humano se reconheceu como homem de desejo (FOUCAULT
2004d p 195)
Esta construccedilatildeo de si perpassa e enriquece a luta feminista em suas problematizaccedilotildees
acerca das praacuteticas de si colocando em jogo os criteacuterios de modelos femininos naturalizados
49
o modo de sujeiccedilatildeo com que as mulheres se relacionam com tais modelos E nas palavras do
pensador francecircs (FOUCAULT 2004c p 244) haacute uma intenccedilatildeo de beleza no conhecimento
saber para ser Ser o artesatildeo de sua proacutepria beleza Saber para governar a proacutepria vida ldquopara
lhe dar a forma mais bela possiacutevel (aos olhos dos outros de si mesmo e das geraccedilotildees futuras
[]rdquo Nesse sentido podemos dizer que as problematizaccedilotildees foucaultianas acerca das relaccedilotildees
sujeitoverdade e a constituiccedilatildeo da experiecircncia de si satildeo pertinentes ao pensamento feminista
que sob estas referecircncias encontra fios enovelados para uma desconstruccedilatildeo de fabricadas
verdades
Foucault (2004a 2012) que afirma natildeo ser possiacutevel sociedade sem relaccedilotildees de
poder tece os possiacuteveis instrumentos de jogar com o miacutenimo de dominaccedilatildeo regras de direito
a praacutetica de si teacutecnicas racionais de governo o eacutethos O poder de resistecircncia das mulheres
atesta isto Nas palavras de Saffioti (2001) a posiccedilatildeo vitimista impede a ressignificaccedilatildeo das
relaccedilotildees de poder ou seja
[] Em outros termos a postura vitimista eacute tambeacutem essencialista social uma vez
que o gecircnero eacute o destino Na concepccedilatildeo flexiacutevel aqui exposta natildeo haacute lugar para
qualquer essencialismo seja bioloacutegico ou social Cabe frisar que a categoria
histoacuterica gecircnero natildeo constitui uma camisa de forccedila natildeo prescrevendo por
conseguinte um destino inexoraacutevel Eacute loacutegico que o gecircnero traz em si um destino
Todavia cada ser humano ndash homem ou mulher desfruta de certa liberdade para
escolher a trajetoacuteria a descrever (SAFFIOTI 2001 p 125)
Desde sua implantaccedilatildeo o domiacutenio masculino conforme Saffioti (2001) estaacute sendo
resistido por mulheres ao longo da histoacuteria da humanidade Mas o Seacuteculo XX carrega a marca
de ter sido o grande momento de transformaccedilotildees conquistadas por militantes A histoacuteria de
luta das mulheres no Brasil e em niacutevel mundial vem segundo Costa (2009) registrando
mudanccedilas ldquona velocidade da luzrdquo A autora resgata na historiografia do movimento feminista
uma dinacircmica que vai do sufragista do seacuteculo XIX passando pelas deacutecadas de sessenta e
setenta com suas reivindicaccedilotildees proacuteprias e contextuais ateacute os novos desafios que se
apresentam perenemente Ela faz este percurso buscando dar conta das mudanccedilas pelos quais
passaram as lutas feministas ora eufoacuterico ora fraacutegil o movimento natildeo para segundo o olhar
perspicaz da estudiosa que vecirc como uma demonstraccedilatildeo de forccedila da atuaccedilatildeo das mulheres de
luta a construccedilatildeo de documentos como o Plano Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as
Mulheres e da I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres
50
Ateacute chegar aiacute foi um longo e muitas vezes tortuoso caminho de mudanccedilas dilemas
enfrentamentos ajustes derrotas e tambeacutem vitoacuterias O feminismo enfrentou o
autoritarismo da ditadura militar construindo novos espaccedilos puacuteblicos democraacuteticos
ao mesmo tempo em que se rebelava contra o autoritarismo patriarcal presente na
famiacutelia na escola nos espaccedilos de trabalho e tambeacutem no estado Descobriu que natildeo
era impossiacutevel manter a autonomia ideoloacutegica e organizativa e interagir com os
partidos poliacuteticos com os sindicatos com outros movimentos sociais com o Estado
e ateacute com organismos supranacionais Rompeu fronteiras criando em especial
novos espaccedilos de interlocuccedilatildeo e atuaccedilatildeo possibilitando florescer de novas praacuteticas
novas iniciativas e identidades feministas (COSTA 2009 p 75)
Do momento que Costa redigiu essa historiografia em 2004 jaacute foram realizadas
mais duas conferecircncias nacionais em 2007 e 2011 respectivamente articulando e
fortalecendo a caminhada das mulheres por sua emancipaccedilatildeo Emancipaccedilatildeo que se constroacutei
em um longo e penoso percurso mas perseguindo a utopia da cidadania plena mulheres
feministas avanccedilam E um dos sinais claros de que avanccedilam foi traccedilado por Pinsky (2012)
Esta autora formulou recentemente um retrato do processo histoacuterico das imagens femininas
em duas vertentes o modelo riacutegido e o modelo flexiacutevel No modelo riacutegido eacute anunciada uma
imagem de mulher que em regra encampa um papel a ela ldquonaturalizado e destinadordquo a
castidade a docilidade a domesticidade a moralidade a maternidade a renuacutencia agrave vida
proacutepria e ao prazer de ser de si O nome a alma e o corpo dessa mulher submetida aos riacutegidos
padrotildees sociais possuem um dono o masculino Com as devidas interferecircncias das questotildees
sociais e de classe em regra agrave mulher restava-lhe o ldquoreinadordquo da submissatildeo da
invisibilidade de uma experiecircncia de si que a fazia possuiacuteda por outrem
As lutas e conquistas feministas flexibilizaram esse modelo passaram a ocupar
cargos nunca dantes imaginados Isto alterou a ordem discursiva reconfigurou modelos
familiares rediscutiu papeacuteis Natildeo ainda em condiccedilatildeo de igualdade obviamente as mulheres
possuem mais grilhotildees e desafios do que deveriam Conhececirc-los no sentido foucaultiano de
saber como se constituem eacute empoderar-se E esse eacute um desafio que deve ser abrangido pelo
tracircnsito da diversidade da construccedilatildeo dos contornos das identidades e diferenccedilas ligadas
como sistema de significaccedilatildeo (SILVA 2012) Entre mulheres haacute construccedilatildeo de sentidos
diversificados sobre leacutesbicas natildeo-leacutesbicas negras brancas de classes sociais distintas de
diferentes etnias e com diversidade etaacuteria Nesse sentido os estudos de gecircnero se apresentam
como um campo instigante para desmantelar para problematizar a construccedilatildeo social do que eacute
ser homem e do que eacute ser mulher
A proposta de estudo aqui colocada toma enfim as problematizaccedilotildees foucaultianas e
as das estudiosas feministas acerca dos sujeitos dos discursos e suas marcas histoacutericas como
referecircncia para averiguar de que modo as discursividades revelam o que atravessa os muros
51
escolares em termos de vozes docentes e textos sobre gecircnero Essas problematizaccedilotildees que
expressam a concepccedilatildeo de discurso como praacutetica como trama nas teias da linguagem como
movimento de produccedilatildeo de sentidos inserido na histoacuteria e na memoacuteria coletiva expressam o
poder que como concebe o pensador francecircs (cf FOUCAULT 2012) natildeo eacute um mal em si Eacute
um lugar estrategicamente decisivo onde se encontram as relaccedilotildees de forccedilas que influenciam
corpos atitudes discursos enfim a produccedilatildeo das subjetividades
Discutir essas relaccedilotildees eacute buscar desestabilizar as categorias construiacutedas concebendo
gecircnero como discurso que se inscreve em significados poliacuteticos e culturais Apropriar-se
conforme jaacute foi referido dessa constituiccedilatildeo reflexiva pode significar para as lutas feministas
uma valiosa maneira de pensar os jogos de verdades com os quais essas se enredam E por
pensaacute-los poder desconstruiacute-los
Apoacutes discorrer sobre o feminismo a constituiccedilatildeo de subjetividades que tecircm como
referecircncia procedimentos de controle de discursos em uma perspectiva foucaultiana
(FOUCAULT 2011) farei uma incursatildeo sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees poliacuteticas como
praacutetica discursiva que eacute tradutora de uma forma de saber poder
23 A leitura no Brasil em retratos
Nesta parte considero importante pontuar no trabalho um breve panorama da leitura
no Brasil baseado esse em resultado apresentado pela 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do
Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2012) Procuro utilizar alguns dados da pesquisa
perpassando por uma reflexatildeo acerca dos processos de produccedilatildeo da leitura (como leem osas
brasileirosas por que (natildeo) leem o que desejam ler quem propicia a leitura enfim que
tratamento o Estado brasileiro daacute agrave leitura Perpasso tambeacutem pelos dados refletindo como
esses podem ser reverberados pelo presente trabalho
Asseverado como um paiacutes que lecirc pouco segundo indicadores que avaliam estes
dados o Brasil eacute farto em pesquisas que se debruccedilam sobre a leitura Eacute magnacircnima a
produccedilatildeo de textos e eventos que se propotildeem a tratar da complexa questatildeo da leitura de seus
oacutebices funccedilotildees relevacircncias E deveras a reflexatildeo sobre a leitura possui importacircncia crucial
para que possamos adotar praacuteticas poliacuteticas que reparem os equiacutevocos de sermos um paiacutes que
pouco lecirc Esta reflexatildeo se atrelada agrave da escola como instacircncia responsaacutevel pela formaccedilatildeo
leitora eacute de extrema pertinecircncia pelo atribuiacutedo papel que essa instituiccedilatildeo possui na formaccedilatildeo
doa leitora
52
Um dos estudiosos da temaacutetica Silva (2011) vem criticando as pesquisas
educacionais brasileiras voltadas agrave problemaacutetica da leitura afirmando que precisamos
construir melhores inqueacuteritos sobre a accedilatildeo de ler Esse autor fala em crise assegura que natildeo
possuiacutemos uma tradiccedilatildeo de leitores temos por outro lado cifras altiacutessimas de analfabetismo
como barreira para a experiecircncia mais soacutelida com a praacutetica leitora Temos ainda conforme
Silva peacutessimas poliacuteticas de livros parcas e natildeo elucidativas pesquisas sobre o problema
enfim ele levanta a problemaacutetica da leitura como inquietante fonte de preocupaccedilatildeo para o
paiacutes
Por seu turno nas duas uacuteltimas deacutecadas por exemplo foram divulgadas pelo
Instituto Proacute-Livro trecircs ediccedilotildees da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil a primeira em
2000 a segunda em 2008 e a terceira em 2012 que satildeo resultados sobre o comportamento
leitor doa brasileiroa O que em tese se busca a cada ediccedilatildeo segundo os objetivos da
pesquisa ldquoeacute contribuir para que esses estudos possibilitem avaliar e orientar poliacuteticas puacuteblicas
e accedilotildees do governo organizaccedilotildees natildeo governamentais e entidades do livro voltadas a
melhoria dos indicadores de leitura e acesso ao livro no Brasilrdquo (AMORIM 2008 p 26)
Diante dos indicadores publicados que vecircm em forma de tabelas quadros e graacuteficos
comparativos levantados por uma metodologiaamostra com pesquisa quantitativa de opiniatildeo
com aplicaccedilatildeo de questionaacuterio e entrevistas presenciais realizadas nos domiciacutelios tendo
como universo da pesquisa a populaccedilatildeo brasileira residente com cinco anos ou mais
alfabetizada ou natildeo muito se tem a avaliar Muito se tem a avaliar a despeito das criacuteticas que
as ediccedilotildees da pesquisa tecircm recebido a exemplo de Sousa (2008) que traz a problematizaccedilatildeo
acerca do criteacuterio utilizado pelo estudo para conceituar o leitor e o natildeo-leitor
Interessa-me aqui retomar especificamente o criteacuterio adotado para definir o leitor e o
natildeo-leitor para efeito da pesquisa o leitor foi considerado aquele que lsquodeclarou ter
lido pelo menos 1 livro nos uacuteltimos trecircs mesesrsquo e o natildeo-leitor aquele que lsquodeclarou
natildeo ter lido nenhum livro nos uacuteltimos trecircs meses (ainda que tenha lido
ocasionalmente ou em outros meses do ano)rsquo (SOUSA 2008 p 5)
A autora que perscruta o discurso sobre leitura em uma pesquisa com discentes e
docentes envolta em um conceito que abrange o ato de ler para aleacutem da quantificaccedilatildeo de
suportes evidencia o quanto este aspecto indica uma limitaccedilatildeo ao conceito de leitor e natildeo
leitor e revela o nexo mercadoloacutegico que a pesquisa possui tem como patrocinador o mercado
do livro
A aplicabilidade de uma pesquisa do porte de Retratos de Leitura fomenta sempre
questionamentos e isso eacute bom Tais questionamentos traduzem tambeacutem a existecircncia de toda
53
uma diversidade de posicionamentos a respeito da leitura Diversidade que Possenti (2009) agrave
luz das concepccedilotildees da AD pontua em um ensaio no qual propotildee reflexotildees sobre a leitura
advindas das concepccedilotildees apresentadas por estudiosos Satildeo inquietantes segundo esse autor
as teses apresentadas em congressos na miacutedia e em estudos sobre leituras e no seu foco
especiacutefico nos editoriais da ALB - Associaccedilatildeo Brasileira de Leitura Haacute olhares que
expressam uma posiccedilatildeo tradicional no trato com a leitura e em seu contraponto haacute outros
posicionamentos que decorrem de uma vinculaccedilatildeo com o relativismo cultural Sendo assim
haacute criteacuterios que primam pela negaccedilatildeo de qualquer objetividade independentemente do sujeito
o que viabiliza a ideia de que tudo seria linguagem que constroacutei conforme eacute a filosofia do
relativismo Nesse veio o que eacute leitura e se oa brasileiroa lecirc e lecirc bem vai depender de onde
se fala e se enxerga Por sua vez haacute criteacuterios que salientam um olhar mais valorativo sobre a
leitura o que Possenti (2009) diz fazer as chamadas teses defendidas pelos tradicionais Para
esses haacute um modelo que considera que a leitura eacute um bem em si independentemente de ser
entendida como praacutetica histoacuterico- social
Confrontando as teses que circulam acerca da leitura Possenti (2009) evidencia por
exemplo que no que diz respeito agrave questatildeo sobre se o a brasileiroa lecirc ou natildeo o suficiente haacute
uma controveacutersia arriscada Isso se daacute porque os tradicionais restringem o conceito do que eacute
leitura limitando a accedilatildeo de ler basicamente ao livro e atrelado ao cacircnon o que eacute um erro
porque haacute pesquisas que revelam mais textos e suportes fazendo parte do cotidiano de leitura
de outros considerados natildeo leitores Por seu turno o discurso que lhes opotildee exposto
massivamente nos boletins e textos da ALB encobre que as leituras retratadas no paiacutes ainda
que mais ampliadas do que vistas pelo discurso dos tradicionais ainda satildeo indesejaacuteveis em
termos quantitativos o que fazem o autor natildeo ser otimista quando em voga estaacute esta anaacutelise
Genericamente pode-se dizer que a tese mais clara e repetidamente defendida nos
textos da ALB eacute que natildeo se conhece a realidade da leitura no Brasil Outra tese que
parece ser adotada eacute a de que haacute indicaccedilotildees que permitiriam dizer que a situaccedilatildeo eacute
bem melhor do que (ainda) se pensa [] O perigo aparente dessa tese eacute que ela
corre o risco de ser lida assim (temo ter presenciado esta reaccedilatildeo numa das mesas
redondas de que participei no mesmo COLE) se natildeo lemos tatildeo pouco como se
costuma dizer se se diz que lemos tatildeo pouco como efeito de uma concepccedilatildeo muito
estreita de leitura o resultado eacute que analisando alguns dados e alterando a
concepccedilatildeo de leitura pode-se dizer que a situaccedilatildeo eacute boa ou pelo menos natildeo eacute ruim
Logo se adivinha eu imagino que natildeo adoto essa tese (POSSENTI2009 p 25)
Em vez de adotar facilmente teses esse analista procura caracterizar os postulados
que datildeo corpo aos dois discursos que circulam e produzem sentidos sobre leitura Entre eles
estatildeo ideias de que os sujeitos leitores satildeo mais criacuteticos defendidos pelos tradicionalistas Em
54
um contraponto os textos da ALB revelam uma desconstruccedilatildeo da ideia de que ler eacute assegurar
pessoas criacuteticas por mostrar que a leitura tem sido mais objeto de dominaccedilatildeo do que de
libertaccedilatildeo das pessoas Neste jogo Possenti (2009) vislumbra o quanto a despeito do controle
e da distribuiccedilatildeo social dessa praacutetica exercidos pelas instituiccedilotildees como a escola e a Igreja haacute
contra-leituras Assim entre incompatibilidades e confrontos questotildees ligadas agrave praacutetica
leitora problematizam o prazer de ler a importacircncia deste ato e a relativizaccedilatildeo do que seria
uma boa obra Eacute problematizada por este analista do discurso a leitura como praacutetica social
que responde aos aspectos culturais sociais e histoacutericos evidenciando que ler natildeo eacute
essencialmente um bem em si
E a AD pontua a instrumentalizaccedilatildeo dessa ideia quando nos fornece reflexotildees
atinentes agrave importacircncia de que natildeo se lecirc isoladamente haacute sempre textos eivados de discursos
que se cruzam Essa disciplina contribui ainda para a ldquodessacralizaccedilatildeordquo da leitura quando vecirc a
opacidade da linguagem as palavras natildeo remetem agraves coisas E a historicidade ressonando nos
modos de significaccedilatildeo do discurso sobre leitura eacute o que parece interessar agrave AD que se exime
do papel de aacuterbitro no que se refere agrave leitura adequada Importando-se com os percursos com
o movimento que o leitor faz para ler como ler como suas leituras natildeo satildeo individuais
reflexos que satildeo da histoacuteria a que pertencem
Assim posto parece-me razoaacutevel registrar os dados da pesquisa natildeo como um
vaticiacutenio mas como uma das verdades feitas entre os especialistas que se debruccedilaram diante
dos dados da 2ordf ediccedilatildeo (2008) com o intuito de apreender como estes enxergam os sentidos
da leitura na sociedade brasileira Consensual entre esses eacute o olhar de que continua piacutefio o
desempenho doa leitorano paiacutes natildeo obstante os avanccedilos que se registram nos Retratos
Amorim (2008) fala em duas revelaccedilotildees importantes se atentarmos para os resultados da
pesquisa
A primeira delas eacute que natildeo daacute para negar que tem havido avanccedilos nos uacuteltimos anos e
que os brasileiros estatildeo lendo mais Ou pelo menos um pouco mais Em seguida
uma constataccedilatildeo que natildeo chega a negar a afirmativa anterior e muito menos a tirar o
brilho que porventura ela possa conter o Paiacutes estaacute longe de ser uma naccedilatildeo de
cidadatildeo leitores e haacute muito chatildeo pela frente ateacute que se chegue laacute (AMORIM 2008
p 15)
Esta constataccedilatildeo soacute reafirma o que se divulga intuitiva e empiricamente o Estado
brasileiro natildeo considera suficientemente a questatildeo da educaccedilatildeo e da leitura como estrateacutegica
para se construir um paiacutes melhor com mais igualdade e participaccedilatildeo criacutetica na construccedilatildeo da
democracia social Em uma cultura grafocecircntrica a condiccedilatildeo leitora eacute senha valiosa e
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intransferiacutevel para a fonte de conhecimento para o prazer e a atuaccedilatildeo como protagonista de
sua histoacuteria de vida Obviamente que a leitura aqui abordada natildeo eacute no sentido de uma
entidade fechada descontextualizada essencialista nem meramente decodificadora Sem
deixar entretanto de considerar o tropeccedilo que significa o analfabetismo a leitura que abordo
fala de uma interaccedilatildeo leitor-texto-contexto com uma atribuiccedilatildeo de motivar formar e
assegurar reflexotildees atinentes aos DH aos valores que propiciem a construccedilatildeo de um mundo
para todos Eacute a leitura como praacutetica sociocultural problematizadora das relaccedilotildees de poder
que intento abordar
Werthein (2008) lanccedila luzes sobre a questatildeo abordando uma heranccedila histoacuterica que
explica tantos percalccedilos e descaminhos na praacutetica da leitura
A histoacuteria do Brasil explica em parte sua deficiecircncia educacional O Paiacutes viveu 322
anos como colocircnia de Portugal Nesse territoacuterio onde existe um paiacutes era tudo
proibido Natildeo havia imprensa natildeo existiam escolas muito menos universidades O
comeacutercio era feito unicamente com Lisboa E os raros estudantes da eacutepoca tiveram
de viajar para a capital do Impeacuterio para buscar instruccedilatildeo em Coimbra Foram
pouquiacutessimos A imprensa surgiu no Paiacutes por intermeacutedio de dois caminhos opostos
Em 1808 Dom Joatildeo VI criou a imprensa reacutegia oficial enquanto na mesma eacutepoca
em Londres comeccedilou a ser editado em portuguecircs o Correio Brasiliense que
chegava ao Rio como contrabando Sua circulaccedilatildeo era proibida (WERTHEIN 2008
p 42)
Este quadro evidencia o quanto os colonizadores portugueses relegavam a colocircnia a
uma situaccedilatildeo de ignoracircncia que emperrou em muito o processo de letramento cultural da terra
brasilis Aos colonizadores soacute interessavam a exploraccedilatildeo de nossas riquezas Os portugueses
se comportavam como grandes predadores do territoacuterio levando madeira ouro diamantes e
accediluacutecar Com um contingente populacional constituiacutedo de negros africanos que para caacute vieram
trabalhar como escravos de elementos autoacutectones os iacutendios de diversas tribos que sofreram
severo processo de dizimaccedilatildeo e de imigrantes europeus e japoneses este territoacuterio se formou
mesticcedila e ignorantemente Um povo mesticcedilo formado de um mosaico cultural com a
hegemonia eurocecircntrica eacute um povo que acumulou uma histoacuteria de deficiecircncia educacional
que soacute recentemente tem sido reduzida
Incompatiacutevel com suas riquezas naturais com as transiccedilotildees poliacuteticas que traziam os
avanccedilos do processo de industrializaccedilatildeo do paiacutes esta deficiecircncia educacional comeccedila a ser
combalida e expande-se o processo de democratizaccedilatildeo escolar do paiacutes que inicia o seacuteculo XX
com poucas escolas chegando aosagraves filhosas dos trabalhadoresas brasileirosas A qualidade
dessas escolas eacute sempre uma dura realidade os investimentos na educaccedilatildeo brasileira foram
perenemente piacutefios muito abaixo do que deveriam e poderiam Povo mal educado eacute povo que
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natildeo rompe as abissais diferenccedilas sociais a escola puacuteblica no Brasil forma mal e cria um
ciacuterculo que aprisiona aquele por quem nela passa Aprenderaacute pouco aprenderaacute mal e natildeo
poderaacute disputar em um mercado competitivo A escola eacute entatildeo categoricamente instrumento
de perpetuaccedilatildeo da desigualdade social parco aprendizado parcas chances de mexer com a
estrutura da piracircmide social (GUIMARAtildeES-IOSIF 2009)
Werthein (2008) aduz a relaccedilatildeo entre privileacutegios educacionais apenas para membros
da elite econocircmica agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo como forma de impedir a cidadania do povo As
relaccedilotildees de poder e saber satildeo histoacutericas poliacuteticas Um determinado sentido dado agrave instruccedilatildeo
acadecircmica possui mecanismos de sua produccedilatildeo Garcez (2008) faz uma referecircncia importante
de um dado extraiacutedo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil como significativo para
pontuar que a condiccedilatildeo de ser leitora estaacute afetada por sua inscriccedilatildeo no social A autora
destaca esta relaccedilatildeo embasada no dado de que
[] 85 dos natildeo-leitores nunca foram presenteados com livros na infacircncia
enquanto que no universo dos considerados leitores 51 receberam livros como
presente Outra informaccedilatildeo importante diz respeito agraves praacuteticas familiares de leitura
Dos lares natildeo-leitores 63 dos informantes nunca viram os pais lendo
Considerando que a pesquisa revela que a maior influecircncia para a formaccedilatildeo da
leitura vem dos pais (principalmente das matildees) esse dado eacute ainda mais significativo
(GARCEZ 2008 p 69)
Dados significativos que pontuam o valor do alicerce familiar para a formaccedilatildeo leitora
dos sujeitos ao tempo em que me faz ponderar sobre a importacircncia da cultura como elemento
que mobiliza saberes poderes (des)construccedilotildees de identidades Eacute do pensamento de Hall
(2011) que me valho para afirmar que as identidades satildeo forjadas nas relaccedilotildees com a cultura
que vivenciamos e que no seio dela se encontram forccedilas propulsoras de transformaccedilotildees
como tambeacutem forccedilas mantedoras de uma ordem social Cabe-me assim levar em consideraccedilatildeo
que a infacircncia eacute uma referecircncia construiacuteda sociohistoacuterica e culturalmente na qual agraves crianccedilas
se ensina a ocupaccedilatildeo de lugares na sociedade condicionando-lhes agraves identidades de gecircnero e
isto se faz com o esteio de elementos da cultura
A leitura eacute um desses elementos culturais com os quais se fabricam identidades E
calccedilada na informaccedilatildeo da relevacircncia da matildee na formaccedilatildeo leitora conforme os dados da
pesquisa em tela cabe-me pensar o quanto a evocaccedilatildeo destas referecircncias tem nexo para minha
reflexatildeo Possui nexo porque inscrevo com ele a importacircncia da defesa de uma praacutetica leitora
com uma dimensatildeo eacutetica problematizadora de um mundo que cria assimetrias de gecircnero para
que matildees alimentem discursivamente leituras que fortaleccedilam praacuteticas de liberdade de almas
de consciecircncias Ademais esse jaacute referendado elemento da pesquisa o indicador das matildees
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como as principais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo leitora dosas filhosas reforccedila a necessidade
de se refletir sobre a carga de um processo cultural ativo e dialoacutegico no qual essas mulheres
transmitem valores identidades de gecircnero e comportamentos aos agraves filhosas Eacute imperativo
refletirmos se aspiramos por uma nova ordem social aplainada pela equidade de gecircnero
sobre o que embalam como ninam contam cantam e leem essas matildees Que leitoresas
formam aquelas que historicamente tem perpassado por uma condiccedilatildeo de subalternidade por
uma condiccedilatildeo opressora por uma educaccedilatildeo que viabiliza a sua sub-representaccedilatildeo nos espaccedilos
do poder Que leitoresas irrompem das ldquobarras da saia da matildeerdquo do seu colo da sua
influecircncia de sujeito que lecirc Que leitoras enfim satildeo aquelas que precisam de leituras que
libertem
Historicamente subjugada a mulher eacute a narradora que influencia contagens E
paradoxalmente faz contagens em livros histoacuterias canccedilotildees filmes desenhos animados
enfim em todo um artefato cultural que reforccedila padrotildees androcecircntricos Desmantelar essa
cadeia de histoacuterias contadas por oprimidas que produzem e reproduzem modelos opressores
me parece uma oportuna estrateacutegia poliacutetica da luta feminista e que osas estudiososas que
analisam a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2008)
deixaram passar ao largo em suas anaacutelises natildeo atentando para a vulnerabilidade do dado
Esses dados entretanto satildeo relevantes deveras para a importacircncia da observaccedilatildeo na
elaboraccedilatildeo de um projeto de leitura na escola com o intento de investigar as discursividades
em torno do ato de ler se daacute a reconstruccedilatildeo de contos de textos problematizados agrave luz da
teoria de gecircnero Haacute e quais satildeo enfim as estrateacutegias para subverter a posiccedilatildeo desigual e
subordinada das mulheres em artefatos culturais que seratildeo por elas usados para formar
leitoresas Esse fio conduz um dos nossos interesses no foco temaacutetico aqui desenvolvido
No que se refere agraves poliacuteticas puacuteblicas de incentivo agrave leitura Laacutezaro e Beauchamp
(2008) discorrem sobre as diretrizes para o fortalecimento das poliacuteticas de leituras contidas
no Plano de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo ndash PDE Satildeo accedilotildees que partem de uma
consideraccedilatildeo sistecircmica da educaccedilatildeo que por meio de instrumentos de avaliaccedilotildees identifica
fragilidades e constroacutei poliacuteticas para o enfrentamento de indicadores deficitaacuterios Satildeo citados
como exemplos de accedilotildees do PDE a introduccedilatildeo da Provinha Brasil o Sistema Universidade
Aberta do Brasil ndash UAB- que tem permitido ampla poliacutetica de formaccedilatildeo dos professores tanto
inicial como continuada atraveacutes da articulaccedilatildeo universidades e municiacutepios O Programa
Nacional do Livro Didaacutetico (PNLD) que a cada ano se amplia eacute mais uma das accedilotildees
implementadas pelo Governo Federal atraveacutes do PDE com o intuito de democratizar o
acesso aos diversos bens culturais e o incremento agrave leitura
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Esse conjunto de accedilotildees entretanto estaacute longe de transformar o Brasil em um paiacutes de
leitores Haacute apesar dos inegaacuteveis avanccedilos nas uacuteltimas deacutecadas com o amplo acesso agrave escola
em vaacuterios niacuteveis um grande deacuteficit educacional que em muito compromete a formaccedilatildeo
leitora dosas brasileiros e brasileiras o que demanda muito a ser feito E o paiacutes ainda opta por
natildeo investir suficiente ou adequadamente no enfrentamento de crocircnico quadro Laacutezaro e
Beauchamp (2008) pontuam o quanto eacute necessaacuterio que haja mais investimentos por parte do
Poder Puacuteblico mais articulaccedilatildeo de outras poliacuteticas puacuteblicas que ampliem o acesso da
populaccedilatildeo ao livro promovam o valor da leitura formem mediadoresas de leituras na escola
e fora dela e tornem o livro um produto mais acessiacutevel aos niacuteveis de renda da populaccedilatildeo
Laacutezaro e Beauchamp (2008) trabalham com os dados da pesquisa para discutir a
importacircncia da relaccedilatildeo entre a escola o acesso agrave leitura a formaccedilatildeo de leitoresas e as accedilotildees
que possam ampliar e fortalecer as praacuteticas leitoras no Paiacutes A funccedilatildeo central da escola na
constituiccedilatildeo doa leitora eacute um dado do qual a pesquisa trata
A pesquisa evidencia que eacute a escola quem faz o Brasil ler O Brasil estaacute estudando e
eacute a partir da escola que os brasileiros entram em contato com o processo da leitura e
por meio dela acessam os livros independentemente de sua classe social []
Depois da matildee a professora eacute a principal incentivadora da leitura confirmando o
papel central da escola [] Eacute na escola que se lecirc mais os mais jovens leem mais e eacute
na infacircncia que se forma o leitor Entretanto depois da escola o brasileiro lecirc menos
A escola natildeo estaacute formando o leitor mas dando acesso agrave leitura A praacutetica da leitura
continua sendo um privileacutegio de classe (LAacuteZARO BEAUCHAMP 2008 p 73)
Outros indicadores de leitura apresentados pela pesquisa que me trazem reflexotildees
pertinentes dizem respeito agrave revelaccedilatildeo de que a escola eacute responsaacutevel pela existecircncia de mais
leitores mas que por sua vez um percentual significativo dos alunos afirmam que leem por
imposiccedilatildeo da instituiccedilatildeo Esse dado estaacute presente tanto em famiacutelias com maior poder
aquisitivo quanto na de baixo poder 44 dos alunos da rede privada afirmaram ter como
motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola enquanto que 46 dos da rede puacuteblica tambeacutem
deram a mesma razatildeo para o ato de ler Isso nos faz considerar que os projetos de leituras de
uma forma geral natildeo satildeo cativantes natildeo tecircm sido exitosos no sentido de atrair o alunado para
a leitura Eacute tanto que depois da escola lecirc-se menos conforme resultado da pesquisa Tais
revelaccedilotildees pontuam a reflexatildeo de que garantir o acesso agrave escola eacute necessaacuterio e isto estaacute sendo
feito mas o fomento agrave leitura precisa ser suscitado Isto passa necessariamente por accedilotildees
pedagoacutegicas que contemplem o interesse de quem lecirc accedilotildees que traduzam planejamento
compromisso empenho formaccedilatildeo leitora de quem promove as accedilotildees pedagoacutegicas No poema
59
Iniciaccedilatildeo Literaacuteria Drummond condena a mediaccedilatildeo improacutepria de quem traz leituras que natildeo
semeiam prazer
Leituras Leituras
Como quem diz navios Sair pelo mundo
Voando na capa vermelha de Juacutelio Verne
Mas por que me deram para livro escolar
A cultura dos campos de Assis Brasil
O mundo eacute soacute fosfatos lotes de 25 hectares
Soja-fumo-alfafa-batata-doce-mandioca
Pastos de cria pastos de engorda
Se algum dia eu for rei baixarei um decreto
Condenando esse Assis a ler sua obra (ANDRADE 1983 p 601)
O prazer da leitura parece ser entre todosas osas estudiosos da temaacutetica o
pressuposto de tudo o mais Rubem Alves (2011) afirma que toda aprendizagem comeccedila com
um pedido se natildeo houver um pedido a aprendizagem natildeo acontece E o prazer de ler
segundo o escritor tem ligaccedilatildeo profunda com a forma que os textos chegam aos olhos e
ouvidos da crianccedila
Assim quem ensina a ler isto eacute aquele que lecirc para os seus alunos tenham prazer no
texto tem de ser um artista Soacute deveria ser estabelecida nas escolas a praacutetica dos
ldquoconcertos de leitura Se haacute concertos de muacutesica erudita por que natildeo concertos de
leitura Ouvindo os alunos experimentaratildeo o prazer de ler (ALVES 2011 p 56)
Sem este encantamento natildeo teremos leitoresas mas alunosas forccediladosas a cumprir
tarefas lendo para responder questotildees lendo sem escolherem os textos muitos delesas
desconexadosas de seus interesses E conforme Failla (2008 p 104) a escola e a famiacutelia
precisam ser autorreflexivas ldquoEm geral se diz que a crianccedila e o jovem natildeo leem e natildeo gostam
de ler Natildeo se diz que elas natildeo foram conquistadas ou estimuladas para ler mas a elas se
atribui sem mediaccedilatildeo que natildeo gostam de ler []rdquo O foco passa a ser uma condiccedilatildeo ldquonaturalrdquo
do jovem ou da crianccedila deixando-se de lado o contexto e as pessoas do entorno deles que
poderiam contribuir substancialmente com o desenvolvimento do prazer pela leitura Este eacute
um aspecto tratado pela ediccedilatildeo em tela da pesquisa Retratos do Brasil que contribui com as
reflexotildees desta pesquisa acerca da leitura na escola e me faz olhar para as motivaccedilotildees que
perpassam a existecircncia dos projetos de leitura da escola brasileira eacute um professor leitor que o
aluno enxerga quando esse profissional desenvolve essas praacuteticas O projeto atende a
interesse acerca de temas considerados envolventes pela comunidade escolar Satildeo projetos
para compor obrigaccedilotildees acadecircmicas ou estatildeo imbuiacutedos de motivaccedilotildees intersubjetivas
60
Contemplam quais atividades preacute-textuais A pesquisa traz dados que abordam preocupaccedilotildees
fundamentais nesse sentido Pode haver com tais referecircncias a suposiccedilatildeo de que a escola natildeo
tem formado leitores para a vida inteira considerando que decresce o nuacutemero de leitores
adultos o que faz pensar que as praacuteticas de leituras tecircm sido pouco sedutoras das quais o natildeo
estudante procura se livrar assim que ultrapassa os muros da escola Parecem necessaacuterias
accedilotildees de promoccedilatildeo agrave leitura que a liguem verdadeiramente agrave vida e tornem os materiais de
leitura mais proacuteximos dos alunos pontua Failla (2008)
Haacute debates percorrendo academias e ambientes de estudo acerca das
problematizaccedilotildees sobre a leitura A evocaccedilatildeo desse debate eacute sempre profiacutecua Profiacutecua e
cabiacutevel na escola uma das instacircncias responsaacuteveis pela sua produccedilatildeo Agrave escola cabe
sistematizar pedagogicamente suas praacuteticas leitoras de modo que deveria como ldquopatildeo diaacuteriordquo
assegurar de forma substanciosa a leitura fomentadora da cidadania que soacute vem se
mergulharmos em aacuteguas profundas das tramas sociais Mas digamos ldquopatildeordquo no sentido
religioso do tom pela necessidade e assiduidade do alimento dialogando com uma reflexatildeo
de Antunes (2009 p 204) ldquoassim como a igreja eacute lugar de oraccedilatildeo o estaacutedio eacute lugar de jogo a
escola eacute lugar de leiturardquo Na defesa das funccedilotildees da leitura no espaccedilo escolar a autora pontua
dentre essas a primordial garantia de acesso agrave escrita o que eacute de extrema importacircncia Em
uma cultura de tradiccedilatildeo grafocecircntrica como a nossa haacute sem duacutevida uma valorizaccedilatildeo dos
aspectos positivos da escrita e a leitura eacute parte da relaccedilatildeo intriacutenseca para a aquisiccedilatildeo de todo
arcabouccedilo artiacutestico-cientiacutefico e cultural veiculado pela escrita Entatildeo conforme a autora a
leitura eacute o passaporte o promotor das funccedilotildees de ampliar o conhecimento a capacidade de
analisar de refletir de acessar agraves novas informaccedilotildees e bens culturais ao prazer esteacutetico a
novas formas de expressatildeo enfim de interagir socialmente entre outras habilidades que a
escrita oferece
Entretanto considerando os deficitaacuterios indicadores de leitura que o Paiacutes
historicamente apresenta estamos longe da produccedilatildeo de uma escola fomentadora
vigorosamente de uma praacutetica leitora consistente Um paiacutes de leitoresas criacuteticosas parece ser
uma miragem a desfilar no deserto da vontade poliacutetica de nossos governantes que insistem
em disponibilizar parcos recursos financeiros mesmo quando sob os holofotes constroem
vasta legalidade na vitrine do papel propondo uma educaccedilatildeo emancipadora de qualidade A
Lei nordm 12244 de 2010 por exemplo exige que todas as escolas puacuteblicas ou privadas ateacute
2020 possuam bibliotecas em suas instalaccedilotildees fiacutesicas Seria esta uma ldquolei mortardquo mais um
ordenamento brasileiro que natildeo ldquopegardquo A considerar o levantamento feito pelo movimento
Todos pela Educaccedilatildeo com base em dados cedidos pelo Instituto Nacional de Estudos e
61
Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira(Inep)2013 haacute um trabalho grande a ser efetivado
que pode sim deixar a norma na vala das tantas que natildeo satildeo cumpridas O Brasil precisa
construir 39 bibliotecas por dia nos proacuteximos sete anos para cumprir a lei A defasagem total
do paiacutes eacute de 128 mil bibliotecas Embora o nuacutemero relativo agrave falta de bibliotecas inclua todas
as redes de ensino eacute nas escolas puacuteblicas que o problema se concentra Nas redes municipal
estadual e federal eacute preciso construir 113269 unidades Falo aqui da construccedilatildeo das sedes
todavia eacute de conhecimento puacuteblico que a manutenccedilatildeo e funcionamento desses equipamentos
demanda maiores investimentos do poder puacuteblico
A criaccedilatildeo da lei todavia independentemente de seu fiel cumprimento por parte das
instituiccedilotildees escolares jaacute eacute um sinal de que se revela um novo tempo em que se olha com mais
atenccedilatildeo para a importacircncia dos espaccedilos propiacutecios agrave leitura Haacute anos natildeo era comum nem
obrigatoacuterio que toda escola possuiacutesse em seu projeto arquitetocircnico bibliotecas e espaccedilos para
leitura construiacuteam-se e reformavam-se escolas sem a preocupaccedilatildeo com este ambiente E
assim se vecirc que haacute no deserto das poliacuteticas puacuteblicas em prol de uma educaccedilatildeo emancipadora
oaacutesis Isto pode ser evidenciado nos uacuteltimos indicadores de leitura no Brasil com a 3ordf ediccedilatildeo
(2012) da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil conforme jaacute referenciado neste trabalho na
qual haacute indicaccedilatildeo de que os brasileiros estatildeo lendo mais E precisamos mirar nossos oaacutesis
mostraacute-los haacute milhares de projetos de leitura sendo executados neste paiacutes Afinal a leitura
pelo seu poder de emersatildeo e imersatildeo poder de fazer com que homens e mulheres se
enunciem de capacitaacute-loslas a interagir em condiccedilotildees mais iguais porque podem ser
conhecedoresas de seus lugares no mundo eacute de nodal importacircncia nas transformaccedilotildees que
precisam ser operadas por esses sujeitos
Por sua vez Marques Neto (2008) evidencia a crenccedila de que o Brasil caminha no
sentido de construir e efetivar poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea do livro e da leitura O autor cita o
Plano Nacional do Livro e Leitura - PNLL criado em 2006 como marco de coesatildeo e
estrateacutegia na garantia do direito essencial das pessoas agrave informaccedilatildeo e ao acesso ao
conhecimento
Entendo que o Brasil por intermeacutedio da uniatildeo fundamental de accedilotildees do Ministeacuterio
da Cultura e da Educaccedilatildeo criando o PNLL chegou nos uacuteltimos quatro anos a um
novo patamar desvelou um novo tempo histoacuterico sob determinadas circunstacircncias
para que logremos conquistar uma poliacutetica de Estado para o livro a leitura as
bibliotecas (MARQUES NETO 2008 p 130)
A importacircncia de equipamento como a biblioteca para a formaccedilatildeo do leitor eacute um
dado que natildeo se pode desconsiderar tendo em vista que as condiccedilotildees sociais de grande
62
parcela da populaccedilatildeo inviabilizam a aquisiccedilatildeo de suportes como livros revistas jornais etc
Torna-se central entatildeo o papel da biblioteca como instrumento para o acesso democraacutetico agrave
leitura aos menos favorecidos economicamente Um dado da pesquisa foi desalentador nesse
sentido 75 dos informantes anunciaram que natildeo possuem o haacutebito de frequentar
bibliotecas 17 usam ocasionalmente e 10 frequentam Esse eacute um dado inconcebiacutevel com
o que conceitua o PNLL ser funccedilatildeo deste equipamento
Um dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura centro de educaccedilatildeo continuada
nuacutecleo de lazer e entretenimento estimulando a criaccedilatildeo e a fruiccedilatildeo dos mais
diversificados bens artiacutesticos-culturais para isso devem estar sintonizadas comas
tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo suportes e linguagens promovendo a
interaccedilatildeo maacutexima entre os livros e esse universo que seduz as atuais geraccedilotildees
(MARQUES NETO 2008 p 133)
Para que esse dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura possa ser um
equipamento eficaz o profissional responsaacutevel por sua gestatildeo e organizaccedilatildeo o bibliotecaacuterio
precisa avanccedilar em conquistas de mais habilidade Para Silva (2011) em regra esse
profissional eacute um exiacutemio conhecedor das normas de catalogaccedilatildeo das leis que regem a
instalaccedilatildeo de bibliotecas das fichas de empreacutestimos de livros De leitura revela o professor
natildeo eacute a regra que haja por parte desse profissional conhecimento interesse e projetos de
incentivo agrave leitura juntamente com a comunidade escolar
No que diz respeito aos dados pontuados pela pesquisa acerca da realidade brasileira
das bibliotecas esses podem ser subsiacutedio para uma reflexatildeo sobre o valor do equipamento
para a consolidaccedilatildeo de uma praacutetica leitora Um dos aspectos que merecem reflexatildeo eacute sobre
quem estaacute apto para gerenciar este equipamento Na escola em que a pesquisa eacute realizada por
exemplo tais quais nas demais da rede municipal de ensino e em muitas pelo paiacutes afora os
responsaacuteveis pela biblioteca costumam ser professoresas readaptadosas nem sempre com
domiacutenio profissional para atuar na aacuterea o que evidencia mais uma fragilidade do poder
puacuteblico com a educaccedilatildeo e a cultura brasileira
Com a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil o Paiacutes tem em matildeos um
diagnoacutestico que possibilita a construccedilatildeo de uma agenda para as poliacuteticas puacuteblicas do livro e de
leitores Vale ressaltar todavia que por esta pesquisa considerar a leitura no suporte livro
como criteacuterio para testificar a condiccedilatildeo leitora do brasileiroa conforme jaacute pontuado aqui
natildeo contemplou suficientemente as novas praacuteticas de leitura que advecircm das tecnologias da
informaccedilatildeo E eacute indubitaacutevel que esta omissatildeo desconsidera um fenocircmeno civilizatoacuterio
importante que tem alterado significativamente comportamentos de pessoas de todas as
63
esferas sociais em escala mundial como eacute o da leitura no espaccedilo cibercultural A imersatildeo do
mundo no uso das tecnologias da informaccedilatildeo que com seus dispositivos virtuais interligam a
comunicaccedilatildeo da sociedade disseminam informaccedilotildees em tempo real e possibilitam a troca
compartilhada de conhecimento democratizando saberes haacutebitos comportamentos tem
provocado mudanccedilas econocircmicas sociais poliacuteticas culturais E essas mudanccedilas seguramente
tecircm afetado tambeacutem as escolas Os dispositivos tecnoloacutegicos em pouco mais de duas
deacutecadas presentes em celulares tablets computadores como uma segunda pele chegam agraves
matildeos e aos olhos de discentes e docentes alterando as praacuteticas sociais de leituras podendo
promover eventos de letramento
A despeito de este natildeo ser objeto deste estudo e de natildeo ter pretensotildees de avaliar
quatildeo profundas satildeo as transformaccedilotildees que a sociedade experimenta a partir dessa nova matriz
cultural eacute relevante ponderar que a escola precisa caminhar responsavelmente com esta
realidade desafiadora que lhe trazem as tecnologias da informaccedilatildeo Como natildeo considerar que
sob pena de comprometer resultados positivos no processo ensino-aprendizagem eacute dever
dosas educadoresas atentar para o modo e os textos que circulam pela escola repleta que
estaacute de nativos digitais Como natildeo considerar ainda que sob pena de que essesas estejam
sendo negligentes com a problematizaccedilatildeo da discursividade docente devem atentar para o que
anda sendo lido na virtualidade nossa de cada dia estampada nas telas
Enfim considerando o papel da escola na formaccedilatildeo doa leitora e o quanto os vaacuterios
suportes e miacutedias satildeo importantes na perspectiva de democratizaccedilatildeo do acesso aos diversos
bens culturais vale destacar que a leitura conforme analistas do discurso natildeo eacute um bem em
si mas que pode se apresentar como lugar estrateacutegico na formaccedilatildeo de um povo para a sua
emancipaccedilatildeo poliacutetica e social Obviamente isso ocorre entre outras razotildees se a leitura for
concebida em uma perspectiva interacionista que leve em consideraccedilatildeo os interesses da
comunidade escolar e reflexotildees atinentes sobre a linguagem em uso Desse modo a agenda de
promoccedilatildeo do letramento para aleacutem do acesso aos suportes e do domiacutenio da tecnologia deve
se constituir prementemente como uma pauta reivindicatoacuteria que envolva educadoresas
gestoresas e demais atoresatrizes sociais
Apoacutes as reflexotildees atinentes agraves descriccedilotildees sobre leitura elaboradas por estudiososas
tendo essesas essencialmente se pautado em uma ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no
Brasil farei uma incursatildeo no proacuteximo toacutepico sobre como a Anaacutelise do Discurso daacute o foco
nas vozes dosas educadores acerca do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero trazido por uma
das instacircncias culturais da escola a da leitura
64
24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso
O projeto de Michel Pecirccheux de uma teoria natildeo subjetiva da leitura eacute uma das
sustentaccedilotildees da defesa de Possenti (2009) de que a AD eacute uma das poucas aacutereas de
conhecimento que tem condiccedilotildees de reivindicar para si o pronunciamento sobre a leitura O
intento do analista francecircs que chegou a postular a ldquoanaacutelise automaacutetica do discursordquo eacute fruto
entre outros de uma nova concepccedilatildeo de liacutengua nos anos sessenta gestada pelo
Estruturalismo e com bastante efervescecircncia na academia francesa Com essa concepccedilatildeo que
atravessava as reflexotildees sobre a linguagem natildeo mais concebendo liacutengua como um coacutedigo que
condensa informaccedilatildeo a quem o conhece conforme a perspectiva saussuriana Pecirccheux
estrutura a noccedilatildeo de discurso Estrutura entendendo este como um ponto intermediaacuterio entre
linguagem e ideologia Esse legado epistemoloacutegico surge em um contexto sociopoliacutetico
francecircs de insurreiccedilatildeo popular de inquietaccedilotildees poliacuteticas A AD eacute pensada nessa atmosfera
como uma disciplina que daacute conta de amalgamar as praacuteticas poliacuteticas e a concepccedilatildeo de
ciecircncias sociais que emerge naquele cenaacuterio (cf SANTOS 2013)
Desalojando os estatutos positivistas ocupam lugares essenciais nas postulaccedilotildees de
Pecirccheux (2012) a subjetividade a ideologia as lutas de classe Assim articula-se a AD em
uma abordagem transdisciplinar com aacutereas como a psicanaacutelise o materialismo dialeacutetico e a
linguiacutestica com as quais entrelaccedila um novo olhar sobre a liacutengua o sujeito e a histoacuteria na
produccedilatildeo de sentidos Esse novo olhar enxerta nos estudos sobre a linguagem a reflexatildeo de
que a leitura natildeo era a leitura de um texto enquanto texto Concebido discursivamente o texto
deve ser tomado como um artefato cultural e linguiacutestico que tem existecircncia na exterioridade
linguiacutestica no social o que interfere em sua circularidade e interpretaccedilatildeo (FERNANDES
2008)
Processam-se nas fases pelas quais passa a AD noccedilotildees como sujeito discursivo
condiccedilotildees de produccedilotildees e formaccedilatildeo discursiva Esses conceitos vatildeo consolidando as reflexotildees
que este campo teoacuterico intenta para dar conta de suas inquietaccedilotildees acerca dos estudos sobre a
linguagem e as transformaccedilotildees sociais que insurgem naquele contexto poliacutetico Uma das
accedilotildees da AD estaacute pautada na teorizaccedilatildeo sobre as restriccedilotildees que o discurso sofre Nesse
sentido Possenti (2009 p 11) pontua o quanto a AD tem como objetivo explicitar as
estrateacutegias e restriccedilotildees de leitura lsquoUm discurso natildeo circula em qualquer lugar natildeo toma
livremente uma forma geneacuterica qualquer e natildeo pode ser interpretado de qualquer maneira por
qualquer umrdquo Restriccedilotildees essas que datildeo aoagrave analista do discurso a incumbecircncia de atentar
para o enunciado em sua historicidade em suas condiccedilotildees de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo em seus
65
efeitos de verdade Sendo assim a leitura de um texto conforme as bases conceituais da AD
prima pela observacircncia de sua historicidade prima pela observacircncia para dar conta dos
percursos de quem lecirc e como lecirc que prescinde destes nortes De acordo com Possenti (2009)
[] Aprendemos a nunca ler um texto isoladamente (natildeo se faz anaacutelise de discurso
de um texto) a nunca ler um texto considerando apenas seu material verbal
(aprendemos a relacionaacute-lo a seu exterior) a nunca tratar a linguagem como se fosse
transparente (aprendemos a supor sempre que a interpretaccedilatildeo eacute um trabalho jaacute que
as palavras natildeo remetem jamais agraves coisas e natildeo tecircm sentido uniacutevocos) a nunca
supor que o texto (ou mesmo vaacuterios) fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura
(aprendemos sempre a supor que mesmo no domiacutenio textual ou ateacute mesmo no do
enunciado mais restrito eacute necessaacuterio acionar mais de um fator relevante ndash considerar
os pressupostos a intertextualidade etc) (POSSENTI 2009 p 14)
Da defesa de uma teoria natildeo subjetiva da leitura sustentada pela AD podemos
depreender que nossos horizontes de pesquisas da linguagem na esfera da leitura devem
ultrapassar a materialidade linguiacutestica A AD nos convida a uma dimensatildeo da linguagem em
seu uso em sua discursividade contemplando as praacuteticas socioculturais por ela perpassadas
Trata-se na abertura dessa via de descrever e interpretar a existecircncia de enunciados e suas
produccedilotildees em determinados lugares e espaccedilos integrando discursos cujas existecircncias
apontam para alguma coisa em curso tal que ldquoa palavra discurso etimologicamente tem em
si a ideia de curso de percurso de correr por de movimento O discurso eacute assim palavra em
movimento praacutetica de linguagem com o estudo do discurso observa-se o homem falandordquo
(ORLANDI 2008 p 15)
Em curso e que segundo ainda essa autora analisaacute-los implica interpretar as praacuteticas
discursivas dos sujeitos abordar as manifestaccedilotildees de linguagem problematizando-as ldquoo que
produzem os sujeitos falantes e leitores Podem esses deixar de perceber que satildeo sujeitos agrave
linguagem a seus equiacutevocos sua opacidade Com essas indagaccedilotildees Orlandi (2012) discorre
como este campo transdisciplinar contribui com o trabalho com a linguagem para que
possamos sem ilusionismos ldquoao menos sermos capazes de uma relaccedilatildeo menos ingecircnua com a
linguagemrdquo Haacute em sua explanaccedilatildeo sobre princiacutepios e procedimentos da AD uma
preocupaccedilatildeo em evidenciar o quanto o trabalho com a linguagem perpassa por incompletudes
por subjetividades por pluralidade de sentidos por histoacuterias nos fazendo entender que haacute
movecircncias mas ldquoos sentidos estatildeo sempre administrados natildeo estatildeo soltosrdquo Os sentidos
materializados por linguagem verbal ou natildeo verbal natildeo satildeo imanentes fixos produzidos que
satildeo por uma pluralidade de discursos que se entrecruzam advindos de condiccedilotildees socio-
histoacutericas e ideoloacutegicas de produccedilatildeo Nessa direccedilatildeo Pecirccheux (2012) vincula os sentidos das
palavras agraves formaccedilotildees ideoloacutegicas de quem as usa afirmando que
66
O sentido de uma palavra de uma expressatildeo de uma proposiccedilatildeo etc natildeo existe lsquoem
si mesmorsquo [] mas ao contraacuterio eacute determinado pelas posiccedilotildees ideoloacutegicas
colocadas em jogo no processo soacutecio-histoacuterico no qual as palavras expressotildees e
proposiccedilotildees satildeo produzidas (PEcircCHEUX 2012 p 190)
A construccedilatildeo do quadro teoacuterico metodoloacutegico desse estudo partiu entatildeo do
pressuposto de que a linguagem natildeo se daacute como evidencia ela se oferece como lugar de
descoberta (cf ORLANDI 2012) O reconhecimento de que a linguagem natildeo eacute transparente
pressupotildee o exerciacutecio constante de querer ver aleacutem da materialidade textual rompendo as
estruturas linguiacutesticas para chegar ao discurso buscando vestiacutegios equiacutevocos e interdiccedilotildees
dispersotildees caminhos que natildeo queiram ldquo[] atravessar o texto para encontrar um sentido do
outro lado A questatildeo que ela coloca eacute como este texto significa Haacute aiacute um deslocamento jaacute
pronunciado pelos formalistas russos onde a questatildeo a ser respondida natildeo eacute lsquoo quecircrsquo mas lsquoo
comordquo (ORLANDI 2012 p 17)
Nesse esteio a formulaccedilatildeo deste objeto de estudo que problematiza a discursividade
dosas docentes frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras busca
assumindo o ponto de vista de umuma analista de discurso verificar a compreensatildeo da
apariccedilatildeo dos enunciados daqueles sujeitos discursivos Apoiado na AD esse estudo pontua a
importacircncia das reflexotildees acerca do discurso e sua vinculaccedilatildeo com o poder das reflexotildees
acerca das posiccedilotildees dos sujeitos envolvidos da opacidade da linguagem que por sua marca
poliacutetica torna-a incapaz dizer e fazer ver tais como satildeo as coisas Assim face aos
questionamentos acerca de como andam as problematizaccedilotildees sobre o que podem meninos e
meninas na esfera escolar em termos de equidade de gecircnero vale observar o lugar histoacuterico
social de onde os enunciadores determinam seus discursos Vale inquirir sobre as vozes que
integram o sujeito discursivo aqui diferenciando esse sujeito do da linguiacutestica geral que aduz
a um sujeito falante homogecircneo dono de seu dizer Na perspectiva da AD o sujeito eacute
constituiacutedo por polifonia noccedilatildeo cunhada de Mikhail Bakhtin que traccedila o entrecruzamento de
discursos como marca do sujeito Ele e suas vozes que ressoam que silenciam falam
reproduzem esquecem explicitam implicitam direta ou indiretamente na materialidade
linguiacutestica Constituiacutedo que eacute entre o eu e o outro decorrente da interaccedilatildeo social o lugar do
sujeito natildeo eacute vazio mas preenchido por aquilo que Pecirccheux (2012) chamou de forma sujeito
(cf SANTOS 2013)
A identificaccedilatildeo dessa constituiccedilatildeo heterogecircnea do sujeito trazida pelos estudos poacutes-
estruturalistas eacute de muita valia para as reflexotildees sobre a linguagem como praacutetica social uma
vez que os enunciados apontam para um lugar-sujeito Apontam que o sujeito discursivo eacute
67
plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se em
formaccedilotildees discursivas Por seu turno a compreensatildeo do conceito de formaccedilatildeo discursiva
trabalhado tanto por Foucault (2011) como por Pecirccheux (2012) eacute imprescindiacutevel para oa
analista do discurso uma vez que este conceito explicita como cada objeto do discurso tem na
formaccedilatildeo discursiva a sua regra de apariccedilatildeo tem o engendramento dos jogos de poder Assim
eacute possiacutevel que haja compreensatildeo das histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees que permitem
veicular o que dizer em determinado espaccedilo social conforme nos mostra Foucault (1995)
Trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situaccedilatildeo
de determinar as condiccedilotildees de sua existecircncia de fixar seus limites da forma mais
justa de estabelecer suas correlaccedilotildees com os outros enunciados a que pode estar
ligado de mostrar que outras formas de enunciaccedilatildeo exclui (FOUCAULT 1995 p
31)
Isto posto fica evidenciado o quanto o trabalho para oa analista do discurso com os
olhos na noccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva potildee em jogo princiacutepios que evocam a apreensatildeo de
sentidos gestada pela memoacuteria discursiva Essa dimensionada pela AD como um espaccedilo de
memoacuteria coletiva que permite a inscriccedilatildeo dos sujeitos em um corpo soacutecio-histoacuterico-cultural eacute
tambeacutem crucial na compreensatildeo da construccedilatildeo da materialidade discursiva E para pocircr em
jogo os princiacutepios que evocam a apreensatildeo de sentidos se faz necessaacuterio fazer aparecer os
movimentos inacabados que a formaccedilatildeo discursiva implica Movimentos que mostram que
no tecido social da discursividade os enunciados satildeo acontecimentos que tecem
continuidades e descontinuidades dizeres exteriores e anteriores diferentes tipos de discursos
que coexistem aparecem e desaparecem dispersando-se formando-se e transformando-se de
modo complexo ao tempo que integram as formaccedilotildees discursivas (cf FOUCAULT 2012)
Essa integraccedilatildeo espelha a heterogeneidade proacutepria agrave formaccedilatildeo social onde coexistem forccedilas
diferentes plurais Isto explica segundo Fernandes (2008) enunciados estruturalmente
semelhantes significando diferentes discursos decorrentes da inscriccedilatildeo ideoloacutegica desses
enunciados
Nesse sentido os estudos poacutes-estruturalistas trazem conforme Pereira (2005) o
discurso para o centro das atenccedilotildees e afirmam que a linguagem natildeo eacute propriamente uma
representaccedilatildeo da realidade feita pelos sujeitos mas eacute constituidora dos sujeitos e da realidade
A linguagem eacute concebida nessa perspectiva como um loacutecus ativo dinacircmico e enredado por
relaccedilotildees de poder E o discurso concebido como um tipo de sentido um efeito de sentido uma
posiccedilatildeo que se materializa na liacutengua embora natildeo mantenha uma relaccedilatildeo biuniacutevoca com ela
(POSSENTI 2009) A linguagem entatildeo no esteio poacutes-estruturalista natildeo eacute apenas um meio
68
de transmitir ideias ou significados mas eacute a instacircncia em que se constroem os sentidos que
atribuiacutemos ao mundo e a noacutes mesmos dentro de uma pluralidade de sentidos
Fernandes (2008) trata do discurso como accedilatildeo social e reforccedila na linha de Orlandi
(2012) o quanto os discursos estatildeo implicados com a interpretaccedilatildeo dos sujeitos as condiccedilotildees
histoacuterico-sociais de sua produccedilatildeo e a histoacuteria Instacircncias essas que os discursos ldquonatildeo fixos
moventesrdquo e que fazem esses acompanharem as transformaccedilotildees sociais e poliacuteticas pelas quais
passam o mundo Essas consideraccedilotildees permitem aduzir o quanto a liacutengua se insere na histoacuteria
mediando-a e a constituindo gestando sentidos sentidos esses produzidos face aos lugares
ocupados pelos sujeitos em interlocuccedilatildeo
No que concerne agrave relaccedilatildeo sujeito e enunciado Fernandes (2008 p 28) pontua a
percepccedilatildeo da polifonia como elemento importante para a compreensatildeo do sujeito discursivo
ldquo[] requer compreender quais satildeo as vozes sociais que se fazem presentes em sua vozrdquo
(FERNANDES 2008 p 28) entrecruzada que eacute de diferentes discursos considerando que
natildeo haacute sujeito homogecircneo em decorrecircncia de sua interaccedilatildeo na sociedade Esse autor traz
tambeacutem relaccedilotildees entre o sujeito e a linguagem relaccedilotildees de base psicanalista cuja perspectiva
incide em um sujeito cindido descentrado considerando que
Sempre sob as palavras outras palavras satildeo ditas O sujeito tem a ilusatildeo de ser o
centro de seu dizer pensa exercer o controle dos sentidos do que fala mas
desconhece que a exterioridade estaacute no interior do sujeito em seu discurso estaacute o
lsquooutrorsquo compreendido como exterioridade social (FERNANDES 2008 p 29-30)
De posse de categorias analiacuteticas caras agrave AD como a formaccedilatildeo discursiva e o
descentramento do sujeito categorias discursivas que dialogam com formulaccedilotildees
foucaultianas a saber ldquonatildeo haacute enunciado que natildeo suponha outros natildeo haacute nenhum que natildeo
tenha em torno de si um campo de coexistecircnciasrdquo (FOUCAULT 1995 p 114) reflito sobre o
esteio que permite pensar as vozes escolares Nesse sentido todo enunciado eacute uma reacuteplica a
outros enunciados Com esse marco teoacuterico o debate sobre leitura e as relaccedilotildees de gecircnero que
atravessam as vozes escolares eacute compreendido como um espaccedilo de luta hegemocircnica como
praacutetica social Esta entendida como um conjunto de atividades humanas que engendram tanto
as condiccedilotildees de produccedilatildeo dos discursos quanto as condiccedilotildees de existecircncia de uma sociedade
(SPINK MENEGON 1999) eacute uma de minhas bases de discussatildeo do proacuteximo toacutepico que
envolve a importacircncia da praacutetica da leitura na escola como praacutetica social
69
25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social
Sobre a praacutetica da leitura na escola eacute notaacutevel deveras que esta eacute mateacuteria instigante e
apreciada por tantos estudiosos da educaccedilatildeo (FREIRE 1988 2002) (SILVA E T 2009
2011) (SOARES 2001 2011) (ANTUNES 2009) do socioconstrucionismo (MOITA
LOPES 2002) da Anaacutelise do Discurso (POSSENTI 2009 ORLANDI 2008) entre outros
que se ater sobre o tema eacute se deparar com incontaacuteveis e fecundas pesquisas Isto me instiga a
pensar que muito jaacute foi dito Entretanto face agrave complexa questatildeo eacute sempre desafiador
imersoa na proacutepria realidade profissional problematizar a praacutetica pedagoacutegica imbuiacutedoa de
um desejo pelo inacabado E mover-se na problematizaccedilatildeo da leitura em uma interface
temaacutetica com gecircnero tendo como aporte teoacuterico as reflexotildees instigadas pela AD acerca da
leitura que a trata em uma perspectiva discursiva eacute enveredar por um desafio que atrai Vale
pensando assim inquirir de que forma a leitura tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo
quais satildeo enfim as verdades veiculadas pelas praacuteticas leitoras Dizendo na sintonia com a
AD os discursos sobre as relaccedilotildees de gecircnero estatildeo inscritos em uma determinada formaccedilatildeo
discursiva e operam constituindo que subjetividades segundo os campos do que eacute possiacutevel
pensar dizer julgar fazer na praacutetica leitora desenvolvida
Orlandi (2008) postulando os pressupostos teoacutericos da AD traz pontos cruciais para
uma accedilatildeo problematizadora com a leitura A autora faz referecircncias aos muacuteltiplos modos de
leitura (do ato de decodificar estrita aprendizagem formal de aprender a ler e escrever agrave
atribuiccedilatildeo de sentidos) dependendo cada acepccedilatildeo de seu modo de produccedilatildeo A analista
trabalha a concepccedilatildeo de leitura como um processo complexo no qual para as muacuteltiplas
determinaccedilotildees de sentidos que lhe envolvem exigem-se mais habilidades do que o
imediatismo da accedilatildeo de ler
Quando se lecirc considera-se natildeo apenas o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute
impliacutecito aquilo que tambeacutem natildeo estaacute dito mas estaacute significando E o que natildeo estaacute
dito pode ser de vaacuterias maneiras o que natildeo estaacute dito mas que de certa forma
sustenta o que estaacute dito o que estaacute suposto para que se entenda o que estaacute dito
aquilo a que o que estaacute dito se opotildee outras maneiras diferentes de se dizer o que se
disse e que significa com nuances distintas etc (ORLANDI 2008 p 11)
Eacute instigante o olhar de Orlandi (2008) para que se pense no que natildeo eacute visiacutevel no
texto mesmo que o constitua como forma de assumir uma perspectiva discursiva sobre
leitura Dessa perspectiva concebe-se o pensamento acerca da produccedilatildeo da leitura como parte
do processo de instauraccedilatildeo de sentidos as especificidades e histoacuteria do sujeito-leitor satildeo
70
atentadas O fato de que tanto o sujeito quanto os sentidos satildeo determinados historicamente
tambeacutem faz parte das preocupaccedilotildees doa analista Tambeacutem satildeo preocupaccedilotildees doa analista a
noccedilatildeo de que os modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca tecircm relaccedilatildeo iacutentima com a nossa
produtividade intelectual Eacute nesse sentido a ideia de referecircncia agrave historicidade agraves condiccedilotildees
de produccedilatildeo de leitura com a compreensatildeo dos jogos de poder entre os sujeitos e as
instituiccedilotildees que determinam como lemos que parece perseguir a AD eacute o que assegura Orlandi
(2008) Eacute da leitura como processo que interessa a esse campo de estudo da linguagem o
texto desse modo natildeo eacute um produto que conteacutem uma informaccedilatildeo pronta para ser ldquolidardquo eacute
um artefato cultural unidade complexa de significaccedilatildeo cujo crescimento natildeo ldquoeacute soacute para a
frente relacionando-se com o que ele natildeo eacuterdquo uma vez que o espaccedilo simboacutelico (os impliacutecitos)
entre enunciados efetivamente realizados eacute constitutivo do texto bem como sua relaccedilatildeo com
outros textosrdquo (ORLANDI 2008 p 46)
Como disciplina que se propotildee conhecer os mecanismos de processos de
significaccedilatildeo a AD trata da interaccedilatildeo da leitura na escola acolhendo a ideia foucaultiana de
que diferentes formas de poder produzem diferentes formas de individualidades e diferentes
sujeitosndashleitores Atentar para esta construccedilatildeo pode ser uma forma de evitar reducionismos de
limitar leitura agrave expressatildeo verbal de natildeo considerar o conhecimento preacutevio do aluno entre
outros
[] se sabemos portanto que haacute essa constituiccedilatildeo histoacuterica do sujeito na sua relaccedilatildeo
com a linguagem (logo com a leitura) e se sabemos que ideologicamente o sujeito
leitor se apresenta como esse sujeito capaz da livre determinaccedilatildeo dos sentidos ao
mesmo tempo em que eacute um sujeito submetido agraves regras das instituiccedilotildees como agir
na escola em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo do sujeito- leitor Ou mais simplesmente dada a
configuraccedilatildeo histoacuterica do sujeito-leitor produzido pela sociedade capitalista como
trabalhar com a relaccedilatildeo entre leitura parafraacutestica - leitura polissecircmica (ORLANDI
2008 p 50)
Orlandi (2008) trata dos processos de significaccedilatildeo de leitura na escola considerando
que eacute de grande relevacircncia que esta praacutetica seja desenvolvida tendo uma metodologia de
ensino consequente que explicite os espessos processos de produccedilatildeo de sentido
historicamente determinados ldquoA transparecircncia dos sentidos que brotam de um texto eacute
aparente e tanto quem ensina quanto quem aprende a ler deve procurar conhecer os
mecanismos que aiacute estatildeo jogando (ORLANDI 2008 p42)
Por seu turno Moita Lopes (2002) envolto com as teorias socioconstrucionistas do
discurso e das identidades sociais pontua a importacircncia de em contextos institucionais e em
especial em eventos de leituras atentarmos ldquopara o que fazemos com os outros no mundo por
71
meio da linguagemrdquo (MOITA LOPES 2002 p 14) Este autor se diz atraiacutedo tanto quanto o
mundo acadecircmico pelo papel constitutivo do discurso na construccedilatildeo de quem somos como
sujeitos que aprendem a ser quem satildeo discursivamente Esta perspectiva teoacuterica com a qual o
estudioso se move para refletir sobre as praacuteticas de letramento nas escolas eacute de suma
perspicaacutecia porque pontua por uma ampla aposta na consciecircncia do que faz a leitura eacute uma
praacutetica social E assim concebida como praacutetica social cuida que homens e mulheres
leitoresas natildeo satildeo produtos de um vaacutecuo social trazem suas marcas sociohistoacutericas
engendram-se por condiccedilotildees de construccedilotildees discursivas
Ler eacute legitimar ou questionar identidades eacute nessa direccedilatildeo de entendimento que
caminha Moita Lopes (2002) Direccedilatildeo pela qual vou porque tambeacutem defendo agrave luz de um
olhar socioconstrucionista que eacute com e pela leitura mediadosas pelas narrativas que dela
fazemos que construiacutemos um repertoacuterio de quem somos e de quais satildeo nossas accedilotildees sociais
Nesse sentido os processos formadores de identidades que satildeo dialoacutegicos e constitutivos pela
linguagem merecem a acuidade do olhar do agente de letramento Merecem pelas
possibilidades discursivas que esse sujeito pode construir no tocante agrave reflexatildeo acerca da
condiccedilatildeo humana de sujeito-forma (cf PEcircCHEUX 2012)
Haacute nas reflexotildees trazidas por Moita Lopes (2002) a busca pela desnaturalizaccedilatildeo do
senso comum eivado que eacute este de narrativas nas quais as identidades satildeo homogecircneas
hegemonicamente heterossexuais e brancas E este propoacutesito problematizador pode fecundar e
estar assegurado pela loacutegica da inserccedilatildeo de praacutetica de letramento
Argumenta-se que as histoacuterias contadas funcionam como pacotes de conhecimento
sobre como agir no mundo (Jordan 1989) ecoando discursos a que os alunos satildeo
expostos na miacutedia na famiacutelia etc Com base no potencial que as histoacuterias tecircm de
envolver as pessoas em reflexatildeo sobre a vida social considera-se a importacircncia de
permitir que outras histoacuterias sobre outros tipos de identidades adentrem a sala de
aula ao mesmo tempo que se promove o uso de sistemas de coerecircncia que
desnaturalize o senso comumrdquo (MOITA LOPES 2002 p 20-21)
Desnaturalizar o senso comum eacute desdobrar processos de subjetivaccedilatildeo dos quais as
leituras tecircm participado obedecendo a regras histoacutericas legitimadoras No processo de
legitimaccedilatildeo de leituras a escola eacute uma das instituiccedilotildees em que circula a leitura crivada pelo
olhar de um especialista o professor respaldada em um livro didaacutetico adotado em um
processo bem verticalizado Esta tem sido uma praacutetica redutora considerando estudos que
evidenciam o grau de comprometimento das obras com a negaccedilatildeo de que o sujeito discursivo
eacute plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se
em formaccedilotildees discursivas As inquietaccedilotildees trazidas por Moita Lopes (2002) vatildeo na direccedilatildeo de
72
problematizar a circulaccedilatildeo e produccedilatildeo das leituras com esta direccedilatildeo redutora Esse autor traz
outras bases aos modelos legitimados ampliando a natureza multifacetal de seres humanos a
ser lida discutida Para isto vaticina o estudioso o advento das mudanccedilas bruscas deste iniacutecio
de milecircnio com o caudaloso acesso agraves tecnologias da informaccedilatildeo que expotildeem um mundo
plural e muacuteltiplo eacute um adendo a esta questatildeo
Eacute curioso ver que a miacutedia eletrocircnica que evidencia a chamada Globalizaccedilatildeo ao
mesmo tempo em que aproxima o mundo incorrendo no perigo de homogeneizaacute-lo
colabora para que percebamos a diferenccedila de que somos feitos e as desigualdades e
contradiccedilotildees sociais sob as quais vivemos Essas percepccedilotildees tecircm alterado como
nunca a concepccedilatildeo homogecircnea de identidade social e tecircm levado a nos entendermos
como heterogecircneos e ao mesmo tempo fragmentados e construiacutedos com praacuteticas
discursivas situadas na histoacuteria na cultura e na instituiccedilatildeo (MOITA LOPES 2002
p 15-16)
Somam-se a este olhar socioconstrucionista sobre leitura como praacutetica social que
contempla uma accedilatildeo de ler proficuamente ajustada aos postulados dos DH no que diz respeito
agrave defesa de um mundo plural as contribuiccedilotildees da AD Orlandi (2008) pontua a leitura numa
relaccedilatildeo de historicidade de modos de relaccedilatildeo de trabalho e de produccedilatildeo de sentidos Ler e
compreender na perspectiva trabalhada por esta analista natildeo se traduz em atribuir sentidos
mas conhecer os mecanismos pelos quais se potildee em jogo um determinado processo de
significaccedilatildeo
Os sentidos natildeo nascem ab initio Satildeo criados Satildeo construiacutedos em confrontos de
relaccedilotildees que satildeo soacutecio-historicamente fundadas e permeadas pelas relaccedilotildees de poder
com seus jogos imaginaacuterios Tudo isso tendo como pano de fundo e ponto de
chegada quase que inevitavelmente as instituiccedilotildees Os sentidos em suma satildeo
produzidos (ORLANDI 2012 p 83)
26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades
Apoacutes as consideraccedilotildees acerca dos dispositivos teoacutericos que apoiam esta anaacutelise os
quais me remetem agrave ideia de que o sujeito da leitura e do discurso eacute um sujeito histoacuterico que
fala a partir de condiccedilotildees especiacuteficas de enunciaccedilatildeo cabe pensar sobre a leitura como
produtora e reprodutora de discurso e sobre a importacircncia desse entendimento para um
trabalho no espaccedilo escolar que perspective angariar reflexotildees acerca de processos de
subjetivaccedilatildeo Em minhas buscas para levantamento de um estado da arte que contribuiacutesse
teoricamente com essa perspectiva encontrei produccedilotildees acadecircmicas que atrelavam leituras
subjetividades discursividades e relaccedilotildees de gecircneros no espaccedilo escolar bem pertinentes
Alguns relatos aqui pontuados vatildeo ao encontro das consideraccedilotildees por mim tecidas colhidas
73
pelos pressupostos teoacutericos jaacute aqui tratados tendo sido inclusive uacuteteis na confecccedilatildeo dos
instrumentos investigativos e de suas anaacutelises para este trabalho
Larrosa (2004) problematiza o ato de ler sob o crivo vinculador deste ato agraves praacuteticas
de liberdade O autor em um ensaio intitulado ldquoLeitura e metamorfoserdquo ao analisar o poema
O leitor de Rilke trata da experiecircncia da leitura em sua dimensatildeo complexa e de plenitude do
existente leitura que transforma que transfigura que torna o leitor um outro Larrosa (2004)
ao se debruccedilar sobre a poesia existencial e metalinguiacutestica de Rilke nega a pessoalidade do
leitor cravando sua dispersatildeo Isto fica demonstrado segundo o ensaiacutesta no seguinte verso
ldquoQuem o conhece este que baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo serrdquo(RILKE 1908
apud LARROSA 2004 p 97) Para Larrosa (2004) o poeta trabalha com o movimento do
olhar descrito no poema como o movimento que delineia conversotildees apropriaccedilotildees de
mudanccedilas Assim o leitor que se curva entrega-se aprende a ver de outra maneira e eacute
desconhecido entatildeo ateacute por sua matildee como pode ser visto no segundo quarteto do poema a
saber ldquoNem sequer sua matildee estaria segurase ele eacute aquele que ali lecirc algo mergulhadoem
sua sombrardquo (RILKE 1908 apud LARROSA 2004 p 97) eacute o leitor que angaria olhos
daacutedivos traccedilos alterados para sempre Haacute uma forccedila poeacutetica na imagem do leitor em
silecircncio curvado despersonalizado e por fim transformado da qual Larrosa (2004) se
apropria para trazer uma reflexatildeo em cima do que significa um mundo pronto administrado e
acabado quando ldquotopadordquo por leitores Eacute dessa leitura cujo sentido eacute o de experiecircncia da
reconstruccedilatildeo das travessias diante de um mundo hostil e pronto que a leitura para esse autor
inscreve-se
Alicerccedilado em uma visatildeo de leitura como praacutetica social situada Moita Lopes (2002)
ressalta a accedilatildeo constitutiva do discurso na construccedilatildeo da vida social aprendemos a nos tornar
o que somos com base em fatores sociais e histoacutericos constituiacutedos discursivamente Esse
autor direcionou pesquisas com as praacuteticas de letramento coordenando experiecircncias de
investigaccedilatildeo sobre praacuteticas discursivas em escola puacuteblica do Rio de Janeiro objetivando
investigar a relaccedilatildeo entre texto e formaccedilatildeo de identidade na esfera pedagoacutegica
especificamente a sala-de-aula
Dentre os espaccedilos institucionais em que atuamos a escola tem sido continuamente
apontada como um dos mais importantes na construccedilatildeo de quem somos ou dessa
fragmentaccedilatildeo identitaacuteria Eacute um dos primeiros espaccedilos sociais a que a crianccedila tem
acesso longe da vigilacircncia da famiacutelia a outros modos de ser humano diferentes
daqueles do mundo relativamente homogeneizado da famiacutelia Ou seja eacute na escola
que em geral a crianccedila se expotildee pela primeira vez agraves diferenccedilas que nos constituem
e que portanto representam as primeiras ameaccedilas ao mundo da famiacutelia (MOITA
LOPES 2002 p 17)
74
Como integrante da equipe de pesquisa coordenada pelo autor acima referendado
Santos (2002) categoriza que leitura eacute um fenocircmeno cultural em que as pessoas constroem
sentidos em interaccedilatildeo com outras
[] ler eacute uma accedilatildeo social na qual estatildeo envolvidos a negociaccedilatildeo o
compartilhamento a construccedilatildeo de significados entre leitores e textos Isto eacute a
leitura eacute uma accedilatildeo social porque implica a procura do significado mediado pelo
discurso escrito entre dois sujeitos sociais principais o leitor e o autor situados
soacutecio-historicamente (SANTOS 2002 p 159)
Em consonacircncia com o olhar de Moita Lopes Santos (2002) percebe a leitura como
uma praacutetica social considerando que os significados construiacutedos pelos sujeitos-leitores
refletem o contexto social imediato no qual estatildeo localizados como tambeacutem o mundo social
mais amplo que situa esses contextos Conceber a leitura nessa perspectiva eacute tarefa que exige
do mediador a percepccedilatildeo de que haacute sempre em eventos de leitura uma indeterminaccedilatildeo de
significados em funccedilatildeo da pluralidade de contextos e sujeitos
Coimbra (2002) objetivando refletir as bases discursivas que constroem social e
assimetricamente meninos e meninas utiliza a visatildeo de discurso como forma de accedilatildeo no
mundo e aborda a importacircncia do contexto escolar para a formaccedilatildeo das identidades sociais
Essa professora alinhada com os estudos de Moita Lopes e diante da indagaccedilatildeo sobre qual
seria a forma em que ela e alunosas estariam construindo a identidade social de gecircnero da
mulher em uma escola puacuteblica no Rio de Janeiro propotildee-se a refutar uma visatildeo de mundo
essencialista
Adoto uma visatildeo de discurso como uma forma de accedilatildeo no mundo e um meio pelo
qual nossa cultura e nossas identidades satildeo constituiacutedas e definidas Como diz Moita
Lopes (1998) as identidades natildeo estatildeo nos indiviacuteduos mas emergem nas interaccedilotildees
entre os indiviacuteduos agindo em praacuteticas discursivas particulares nas quais estatildeo
posicionados [] Da mesma forma o comportamento diferenciado de gecircnero natildeo
existe naturalmente como parte essencial do indiviacuteduo Ele eacute tambeacutem construiacutedo na
interaccedilatildeo social (COIMBRA 2002 p 210)
Para refutar o essencialismo esse aqui entendido na perspectiva que lhe datildeo os
Estudos Culturais como uma percepccedilatildeo de mundo que atribui aos seres humanos marcas
universais imutaacuteveis e pertencentes ao indiviacuteduo naturalmente (HALL 2011 SILVA 2012)
Coimbra lanccedila matildeo dos estudos sobre gecircnero adotados por Louro que concebem gecircnero
como um sistema de relaccedilotildees de poder calcado nas estruturas sociais o que possibilita a
reflexatildeo sobre o quanto as praacuteticas discursivas sustentam a primazia masculina
75
[] a visatildeo essencialista enfatiza as caracteriacutesticas bioloacutegicas e reduz a importacircncia
do contexto soacutecio-histoacuterico naturalizando o poder do homem e as desigualdades
social e econocircmica estabelecidas entre os gecircneros masculino e feminino Isto eacute as
desigualdades satildeo percebidas como consequecircncias naturais e inevitaacuteveis da natureza
bioloacutegica das mulheres e dos homens e natildeo satildeo entendidas como historicamente
construiacutedas e modificaacuteveis (LOURO apud COIMBRA 2002 p 212)
Por considerar a escola elemento reprodutor ou transformador da sociedade porque
veicula enquadramento vontade imposta ao outro sobre seus corpos construccedilatildeo de estigmas
de silecircncios estereoacutetipos e exclusotildees ou porque veicula emersatildeo de vozes que desejam
escuta diaacutelogo e respeito em um sinal de resistecircncia Silva A L G (2009) trata da produccedilatildeo
de sentidos nesse espaccedilo Essa autora chama a atenccedilatildeo para as demandas sociais na
contemporaneidade sobre corporeidade sexualidade e identidade de gecircnero na escola
demandas que traduzem um mundo cambiante vertiginoso movente pleno de
questionamentos que tem nos deixado atocircnitos e sem respostas em seu dizer Sem respostas
ldquoprontasrdquo melhor seria dito porque no cotidiano escolar nos deparamos com uma cultura
que a despeito de ser marcada pela pluralidade reflete a disseminaccedilatildeo da
heteronormatividade da diferenccedila como desvio e de padrotildees de comportamentos para
meninos e meninas Haacute um conjunto de conteuacutedos cognitivos e simboacutelicos que selecionados
sob efeito de didatizaccedilotildees atravessam segundo (SILVA A L G 2009) os muros e
instrumentos escolares engendrando liccedilotildees de corpos disciplinados normalizados E dessas
liccedilotildees questiona a pedagoga qual o lugar do outro nas relaccedilotildees escolares enfim como
meninos e meninas satildeo educadosas
Carvalho (2003) nessa direccedilatildeo fala das experimentaccedilotildees com praacuteticas pedagoacutegicas
problematizadoras do modelo que institui a iniquidade de gecircnero Essa educadora procura
responder sobre as questotildees de gecircnero salientando a importacircncia da luta das mulheres
educadoras por sistematizaccedilotildees de estrateacutegias de intervenccedilatildeo nas atividades e no curriacuteculo
escolar para o desenvolvimento da consciecircncia de gecircnero Essa eacute uma tendecircncia que segue o
olhar militante de um feminismo que se manifesta e se fortalece a cada dia mas que precisa
dar passos marcantes no debate escolar sobre as formas de subjetivaccedilatildeo de ser homem e ser
mulher
A escola tem ferrolhos fortes na trava para o novo para o desmantelo das
assimetrias a despeito de guardado em armaacuterios e prateleiras das instituiccedilotildees muitas vezes
estaacute todo um ordenamento da legislaccedilatildeo educacional que institui avanccedilos na conquista de
uma escola que respeite a pluralidade cultural e a dignidade humana Carvalho (2003) fala
atraveacutes de seu envolvimento com a temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero na educaccedilatildeo do
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caminhar que se esboccedila na escola de um processo de desconstruccedilatildeo de uma visatildeo e divisatildeo
de mundo androcecircntrica Fruto possivelmente a autora afirma do ativismo de algunsmas
educadoresas
[] Eacute plausiacutevel supor que o reconhecimento das diferenccedilas de gecircnero inicialmente
invisiacuteveis ou natildeo problemaacuteticas jaacute seja o resultado da problematizaccedilatildeo propiciada
pela oficina No contexto escolar apontam problemas como filas atividades e
brincadeiras separadas por sexo violecircncia na sala de aula e no recreio problema de
higiene e limpeza da escola manifestaccedilotildees da sexualidade na preacute-adolescecircncia e
adolescecircncia (brincadeiras sexuais gravidez precoce discriminaccedilatildeo dos
homossexuais) e das dificuldades das professoras de trabalharem com Orientaccedilatildeo
sexual (CARVALHO 2003 p 72)
O fazer pedagoacutegico trama produccedilotildees de sentidos que satildeo construiacutedas em praacuteticas
discursivas em gestos e olhares que muito dizem sobre os corpos e a sexualidade no
cotidiano escolar Rollemberg (2002) adotando a perspectiva socioconstrucionista do
discurso estuda como osas professoresas constroem sua identidade social e profissional por
meio de suas narrativas de vida A autora reforccedila a ideia de que o discurso tambeacutem determina
e eacute determinado por contextos socioculturais especiacuteficos nos quais esses sujeitos atuam e de
que esses sujeitos possuem naturezas multifacetadas
O professor ou professora eacute tambeacutem homem mulher marido esposa pai matildee
filho filha segue determinada religiatildeo tem suas crenccedilas sua visatildeo de mundo
ocupa certa posiccedilatildeo social e enfim torna-se professor na interaccedilatildeo desse mosaico de
diferentes traccedilos que o constituem Seu discurso reflete entatildeo essa natureza
multifacetada e nas diversas praacuteticas discursivas nas quais se envolvem os
professores vatildeo se reconstruindo como tais (ROLLEMBERG 2002 p 251)
Em artigo que discorre sobre uma investigaccedilatildeo feita em escola na qual leciona
Rollemberg (2002) aborda a construccedilatildeo social do discurso e da identidade profissional dos
educadoresas entrecortada por identidade de gecircnero A autora aborda as relaccedilotildees de poder
que se estabelecem em contextos sociais e culturais que forjam que moldam seres diferentes
com posiccedilotildees assimeacutetricas socialmente Ao tratar dos traccedilos de gecircnero o estudo de
Rollemberg adota tambeacutem a visatildeo processual das identidades e as tem como natildeo-fixas natildeo-
imutaacuteveis natildeo-estaacuteticas construiacutedas discursiva e socialmente
Cruz (2012) ao discorrer sobre a utilizaccedilatildeo do texto literaacuterio descarta
veementemente a noccedilatildeo de ler como decifrar palavras e questiona sobre o modo de
apropriaccedilatildeo desse texto por parte da escola A autora fala de seus fracassos com atividades de
leituras procurando explicaacute-los entre tantos lastros pelo processo de interlocuccedilatildeo na leitura
77
de textos para a qual o leitora eacute construtora e natildeo apenas receptora de um significado
global para o texto
Foi com essa consciecircncia (que eacute um aprendizado) que passei a analisar a relaccedilatildeo
existente entre leitor o texto o autor e a realidade que circunda todos Essa anaacutelise
me fez perceber que o docente (no caso eu) elaborava as atividades do seu ponto de
vista sem conversar e portanto sem conhecer a partir das falas dos alunos o modo
como eles se apropriavam dos textos literaacuterios e a relaccedilatildeo que eles tinham com o
mundo da leitura Essa ausecircncia de diaacutelogo entre as partes estimulava o desinteresse
dos alunos e a reproduccedilatildeo de leituras mecanizadas que soacute serviam para
cumprimento de tarefas obrigatoacuterias (CRUZ 2012 p 161)
Ao discutir por sua vez o papel de mediadora da leitura pela escola Bastos (2012)
remonta agrave histoacuteria dessa praacutetica no Brasil tratando de uma heranccedila natildeo leitora onde haacute a
rarefaccedilatildeo e esgarccedilamento da praacutetica que sedimenta a justificativa de professoresas para o
distanciamento do livro falta de tempo condiccedilotildees financeiras Esta autora dessacraliza o ato
de ler falando de leituras na relaccedilatildeo leitortextocontexto
A relaccedilatildeo leitortexto soacute tem sentido se houver compreensatildeo do que e para que se lecirc
O papel da escola nesse processo eacute perigoso porque tanto ela pode formar um leitor
criacutetico e assim libertaacute-lo dos preceitos ideoloacutegicos o que seria o ideal como
conduzi-lo para o extremo oposto acorrentando-o agrave ideologia dominante que ao
iludir cria falsos valores (BASTOS 2012 p 194)
Nesse sentido a autora supracitada tece comentaacuterios que satildeo intrincados com a
percepccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva da AD como um conjunto de formas reguladas
atravessando leituras postuladas E que agrave escola que se pretende inclusiva e democraacutetica
cabe ser mediadora de leitura em uma perspectiva que aposte na consciecircncia de que a leitura eacute
produtora e reprodutora de sentidos Bastos (2012) reforccedila uma ideia que lanccedila uma instigante
reflexatildeo sobre os que observam de forma mais questionadora o corrente sentido de leitura
Por fim e talvez mais importante assumir tambeacutem que para grande parte da
populaccedilatildeo a leitura natildeo representa um gecircnero de primeira necessidade e portanto
pode viver sem ela e pouco ou nada tem a ver com a presenccedila ou ausecircncia de prazer
esteacutetico (BASTOS 2012 p 194-195)
No que tange agrave importacircncia das condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo e de acesso agrave leitura
Soares (2001) oferece uma importante contribuiccedilatildeo sobre o tema a leitura natildeo existe em um
vaacutecuo em atos isolados e universalizantes Ela estaacute engendrada em relaccedilotildees socialmente
construiacutedas favorecendo o fato de que a interaccedilatildeo seja uma marca do ato de ler Assim ler
tem diferentes valores para as classes sociais para as diferentes etnias e culturas A autora
analisa atraveacutes de resultados de pesquisas com entrevistados de diferentes extratos sociais o
78
quanto ler corresponde a diferentes expectativas Para a classe dominante por exemplo ler
relaciona-se a lazer a prazer agrave ampliaccedilatildeo de horizontes de conhecimentos Por seu turno as
classes dominadas veem na leitura uma funccedilatildeo utilitaacuteria de acesso ao mundo do trabalho agrave
garantia da sobrevivecircncia
No tocante agrave importacircncia dos estudos de gecircnero as reflexotildees de Aras e Cunha (2011)
acerca das divisotildees no mundo de trabalho entre homens e mulheres satildeo pertinentes Essas
autoras pontuam que ao analisarem as relaccedilotildees de gecircnero no magisteacuterio em um curso de
capacitaccedilatildeo para professores e professoras da Rede Estadual de Ensino da Bahia o PROLE
constataram que as mulheres enfrentam uma dificuldade de conciliar tarefas tendo em vista
que se dividem entre a casa e o trabalho de modo extenuante o que revela uma exploraccedilatildeo
nas relaccedilotildees de gecircnero As autoras citam uma pesquisa jaacute um pouco antiga mas que dadas as
proporccedilotildees com que os dados se alteram deve ainda traduzir um quadro bem representativo
da realidade atual Segundo pesquisa feita por Aguiar (2004 apud ARAS CUNHA 2011 p
45) durante a semana a jornada diaacuteria da mulher eacute de 502 minutos 5 maior que a do
homem que trabalha 480 minutos No fim de semana a diferenccedila eacute ainda maior enquanto a
carga masculina eacute de 201 minutos a da mulher eacute de 326 ou seja 62 maior Se a mulher for
matildee este iacutendice cresce ainda mais mesmo que tenha quem a ajude Esses dados e demais
outros revelados pelas autoras refletem uma cultura que molda um lugar para a mulher o
espaccedilo privado e que mesmo tendo estaacute avanccedilado em conquistas sociais que a potildeem no
espaccedilo puacuteblico haacute uma cultura machista que oprime as mulheres trabalhadoras dando-lhes
um papel central na administraccedilatildeo da vida familiar na educaccedilatildeo dos filhos nas tarefas
ldquonaturalizadasrdquo como femininas Aras e Cunha (2011) avaliam o quanto os estudos de gecircnero
constroem bases importantes para a reflexatildeo desse sistema desmantelando as assimetrias no
interior da famiacutelia
Por sua vez Sardenberg e Suzarte (2011) discutem a importacircncia da perscruta dos
sujeitos que se encontram nas escolas ouvindo o que ressoam suas vozes As autoras
refletem a partir de relatos de grupos de mulheres pertencentes agraves camadas populares sobre a
representaccedilatildeo da educaccedilatildeo escolar como perspectiva de empoderamento para os membros
desses grupos As feministas perpassam por questotildees que mostram as representaccedilotildees do
espaccedilo escolar como lugar de esperanccedila e liberdade oportunidade de se emancipar social e
individualmente de prover-se de ldquoum novo instrumental de conhecer e atuar ou ateacute mesmo
de transformar-se
Buscar ressonacircncia das praacuteticas discursivas dosas docentes nas atividades de leitura
realizadas por estesas eacute um trabalho que exige o afiar de sentidos ao qual Louro (2012) se
79
refere Haacute qual espaccedilo nas praacuteticas de leitura nas falas e histoacuterias disseminado para a
discussatildeo da equidade de gecircnero trazida pelo movimento de mulheres e movimentos que
apregoam o respeito agraves diversidades A pesquisadora dos estudos feministas aponta a
importacircncia de buscar uma reflexatildeo que pontue o lugar da escola na construccedilatildeo de um ideaacuterio
de respeito agraves diferenccedilas e agrave alteridade
Portanto se admitimos que a escola natildeo apenas transmite conhecimentos nem
mesmo apenas os produz mas que ela tambeacutem fabrica sujeitos produz identidades
eacutetnicas de gecircnero de classe se reconhecemos que essas identidades estatildeo sendo
produzidas atraveacutes de relaccedilotildees de desigualdade se admitimos que a escola estaacute
intrinsecamente comprometida com a manutenccedilatildeo de uma sociedade dividida e que
faz isso cotidianamente com nossa participaccedilatildeo e omissatildeo se acreditamos que a
praacutetica escolar eacute historicamente contingente e que eacute uma praacutetica poliacutetica isto eacute que
se transforma e pode ser subvertida e por fim se natildeo nos sentimos confortaacuteveis com
essas divisotildees sociais entatildeo certamente encontramos justificativas natildeo apenas para
observar mas especialmente para tentar interferir na continuidade dessas
desigualdades (LOURO 2012 p 89)
E a leitura efetivamente pode ser um instrumento que propicie este ideaacuterio Mas
cabe sempre inquirir que textos circulam nestes espaccedilos regulando modos de subjetivaccedilatildeo da
comunidade escolar No que se refere agrave presenccedila substancial do livro didaacutetico no cotidiano
escolar como um dos principais instrumentos manuseados por docentes e discentes eacute
importante a anaacutelise desse material em seu aspecto poliacutetico e cultural Considerando os
comportamentos sociais que tecircm sido construiacutedos acerca da imagem masculina e feminina
veiculados pelos livros didaacuteticos Marques (2009) assevera que as representaccedilotildees do lugar
social do homem e da mulher ainda satildeo bem demarcadas pelas forccedilas patriarcais e hierarquia
de gecircneros A autora debruccedilou-se entre outros sobre os resultados de uma exaustiva pesquisa
realizada por uma comissatildeo instituiacuteda pelo MEC em 1991 para analisar 80 coleccedilotildees de
Estudos Sociais da 1ordf agrave 4ordf seacuterie E conforme Marques (2009) foram observadas fortes
tendecircncias de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo de conteuacutedos que evidenciam modelos que atestam
papeacuteis sociais para homens e mulheres minados de preconceitos estereoacutetipos e enganosos
quando a imagem da famiacutelia e a da escola eacute a de que vivem isentas de conflitos A autora
revela o quanto o livro didaacutetico discrimina a mulher restringindo o seu universo ao espaccedilo
domeacutestico As imagens como construccedilotildees sociais possuem historicidade na sua posiccedilatildeo A
naturalizaccedilatildeo da divisatildeo sexual dos papeacuteis sociais incorre em uma posiccedilatildeo de imobilidade
social tendo em vista a cristalizaccedilatildeo de modelos o pai provedor e a matildee cuidadora Ele o
homem aparece envolto em leituras trabalho fornecendo agrave famiacutelia sustento e lazer ela a
mulher em funccedilotildees que a limitam agrave casa o que ocasiona a ideia de alienaccedilatildeo
80
Marques (2009) salienta o quanto a emergecircncia dos movimentos de mulheres por sua
cidadania plena a despeito de sua forccedila social natildeo encontra visibilidade nos livros didaacuteticos
Estes equiacutevocos todavia satildeo verificados hoje como natildeo mais representativos
substancialmente dos livros didaacuteticos e paradidaacuteticos fruto de um ativismo dos movimentos
de mulheres que terminou pressionando editoras secretarias estaduais e municipais no sentido
de envidar esforccedilos para que se repense o uso deste instrumento de modo mais criacutetico
Considerando o caraacuteter mercadoloacutegico do livro didaacutetico Marques (2009) salienta o quanto a
formaccedilatildeo doa professora para a escolha do material didaacutetico e sua mediaccedilatildeo com os textos eacute
de relevacircncia inconteste O risco de reproduzirmos discursos e representaccedilotildees machistas e
patriarcais eacute inerente aoagrave educadora imersoa que estaacute ainda em uma sociedade que produz
uma submissatildeo feminina O processo de construccedilatildeo das imagens e textos que povoam uma
subalternidade feminina eacute o que deve ser trabalhado pelo profissional atinente agraves questotildees de
gecircnero
Nesse sentido Louro (2012) ao avaliar o quanto o material didaacutetico eacute reprodutor e
produtor de discurso veiculador de diferenccedilas traz uma reflexatildeo sobre a construccedilatildeo escolar
das representaccedilotildees que segregam
Os livros didaacuteticos e os paradidaacuteticos tecircm sido objeto de vaacuterias investigaccedilotildees que
neles examinam as representaccedilotildees dos gecircneros dos grupos eacutetnicos das classes
sociais Muitas dessas anaacutelises tecircm apontado para a concepccedilatildeo de dois mundos
distintos ainda apresentam a concepccedilatildeo de dois mundos distintos (um mundo
puacuteblico masculino e um mundo domeacutestico feminino) ou para a indicaccedilatildeo de
atividades caracteriacutesticas de homens e atividades de mulheres Tambeacutem tem
observado a representaccedilatildeo da famiacutelia tiacutepica construiacuteda de um pai e uma matildee e
usualmente dois filhos um menino e uma menina (LOURO 2012 p 68)
A relevacircncia dos estudos acima referendados se faz perceber porque esses atrelam a
construccedilatildeo social do discurso em um espaccedilo que se constitui como centro de construccedilatildeo e
exerciacutecio de poder que eacute a escola E ao mesmo tempo em que enseja a reflexatildeo de que em sua
dinacircmica interna essa instituiccedilatildeo cria a possibilidade de processos de contra-hegemonia Eacute
percebida tambeacutem a relevacircncia dos estudos que estruturam uma interface discursividade
leitura e gecircnero na escola por estes propiciarem reflexotildees perspicazes Reflexotildees essas que
satildeo consonantes com o pensamento de Carvalho (2003) quando esta pedagoga militante do
feminismo afirma que das relaccedilotildees de gecircnero natildeo se pode tomar distacircncia ldquo[] de forma
impliacutecita estruturam o trabalho escolar as relaccedilotildees entre docentes e discentes e constituem
as identidades profissionais e pessoaisrdquo (CARVALHO 2003 p 77) Isto se daacute porque na sala
de aula nos curriacuteculos nas relaccedilotildees interpessoais nos conteuacutedos abordados ou natildeo
81
abordados haacute um campo de luta refletindo que a escola estaacute inserida em relaccedilotildees histoacutericas
mediadas e construiacutedas por discursos
Nesse sentido reitero o quatildeo os relatos acima extraiacutedos em sua maioria de um
contexto social que tece leitura em cotidianos na escola satildeo uacuteteis empreacutestimos para esta
anaacutelise considerando que os trabalhos apresentados versam sobre toacutepicos afins ao aqui
desenvolvido relaccedilotildees de gecircnero preconceitos construccedilatildeo de identidades pontuados em
ambiente de leitura
82
3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS
O entendimento de que a abordagem de uma pesquisa exige um processo de revisatildeo
e reorganizaccedilatildeo de accedilotildees eacute importante na concepccedilatildeo de um trabalho Essa percepccedilatildeo eacute
consoante com a perspectiva da epistemologia feminista que entende a realidade como um
fenocircmeno histoacuterico cultural e dinacircmico (LOURO 2012 COSTA 2009) E meus passos na
direccedilatildeo e dentro da escola se constituiacuteram de inuacutemeras articulaccedilotildees de accedilotildees com as quais
tracei um norte investigativo objetivando fazer deste estudo algo profiacutecuo ordenado que
perspective contribuir com reflexotildees atinentes agrave educaccedilatildeo como praacutetica emancipadora
problematizadora de modos de subjetivaccedilatildeo
Dando prosseguimento ao rito comum a um processo de investigaccedilatildeo construiacute um
diaacutelogo preacutevio com a direccedilatildeocorpo teacutecnico com osas professoresas e a coordenadora do
projeto agravesaos quais foram explicados o procedimento e os objetivos da pesquisa ao tempo
em que foi solicitada a anuecircncia para sua aplicaccedilatildeo Como a dissertaccedilatildeo deste mestrado possui
caraacuteter interventivo foi explicada agrave equipe tambeacutem sobre a possibilidade de construccedilatildeo de
uma accedilatildeo propositora de trabalho apresentada por esta pesquisadora como fruto da
investigaccedilatildeo desenvolvida Esta informaccedilatildeo foi bem acolhida pela coordenaccedilatildeo do projeto
receptiva agrave possibilidade de crescimento de aprendizado e desejosa de aperfeiccediloar o trabalho
com a leitura pelo menos assim se manifestou
31 O Documento-fundador o natildeo dito significando
Logo nos primeiros contatos com osas integrantes da pesquisa que em consonacircncia
com as pactuadas regras do anonimato precisam aqui ser denominadosas ficticiamente
solicitei informaccedilotildees sobre o projeto de leitura instrumento de anaacutelise para aquele momento
O surgimento tempo de execuccedilatildeo seu formato documentaccedilatildeo criteacuterios para escolha de
textos entre outras indagaccedilotildees foram solicitadas Quando solicitei uma coacutepia do projeto agrave sua
coordenadora Diana cujo tempo de atuaccedilatildeo profissional eacute de 18 anos tive como resposta a
condiccedilatildeo de que o texto seria disponibilizado para que eu o conhecesse mas natildeo poderia
constar como anexo em meu trabalho por respeito ao acordado pacto do anonimato Aceitei a
condiccedilatildeo mesmo argumentando que o problema da identificaccedilatildeo do projeto seria resolvido
com o corte da parte que o identificasse A coordenadora relutou Isto me fez pensar no
campo discursivo mais amplo que eacute a negaccedilatildeo do texto possivelmente nele haveria o que natildeo
83
pode ser visto haveria a ausecircncia do dizer melhor Entendi a sonegaccedilatildeo do texto como a
tentativa de natildeo fazer aparecer o seu pouco labor
E constatei deveras isso quando o documento me chegou agraves matildeos depois de algumas
visitas em que o solicitara Observei que conforme o texto o projeto natildeo fora pensado para
discutir a leitura em sua funccedilatildeo social mais ampla Sem intencionar desqualificar o trabalho
daquela escola natildeo tive como deixar de ver pouca expressatildeo de conhecimento das funccedilotildees da
leitura naquele material Havia ali a mera proposta de decodificaccedilatildeo no lugar do letramento a
tarefa feita para cumprir obrigaccedilatildeo Natildeo estavam pontuados temas problematizando a
implantaccedilatildeo da defesa dos DH nem nenhum tema transversal proposto pelos PCNs constando
como ponto de exploraccedilatildeo no projeto de leitura muito menos o desta pesquisa As relaccedilotildees de
gecircnero conforme averiguei naquele material investigativo natildeo encontram assento no projeto
de leitura a CestaSexta Literaacuteria E eacute sobre isto que discorrerei agora analisando o referido
material como um dos procedimentos geradores de dados desta pesquisa que o eacute
O documento que eacute apresentado agrave Secretaria Municipal da Educaccedilatildeo - SEDEC- em
regra eacute uma exigecircncia deste oacutergatildeo como preacute-requisito para que osas professoresas
readaptadosas que exercem funccedilatildeo em biblioteca justifiquem sua permanecircncia na escola
Essesas profissionais precisam demonstrar estar vinculadosas agraves unidades escolares e
desenvolvendo trabalho pedagoacutegico a fim de assegurarem a manutenccedilatildeo da gratificaccedilatildeo
docente que perderiam caso saiacutessem da funccedilatildeo de professoresas e do espaccedilo escolar
Observar como esse documento eacute articulado e seu comprometimento com o que se
propotildee a fazer me remeteu a um compromisso eacutetico com o qual desejo afirmar aqui que natildeo
tenho a palavra final sobre do que necessariamente se deve constituir um trabalho desta
natureza mas faccedilo minhas leituras minhas anaacutelises E nessas leituras que natildeo poderiam ser
soacute minhas em uma perpeacutetua dialogia com Freire (1988 2002) Moita Lopes (2002) Foucault
(2011) Orlandi (2008) e com tantosas outrosas estudiososas e natildeo estudiososas
compreendo que eacute preciso supor que um texto nunca fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura
(POSSENTI 2009)
Assim leio o documento do projeto de leitura da escola buscando sua
intertextualidade suas condiccedilotildees de produccedilatildeo seus ditos e natildeo-ditos Penso entatildeo sobre seu
nascedouro quem o produziu e por que o fez Procurei observar se aquele documento
expressava interesse pedagoacutegico intersubjetivo ou a exigecircncia da SEDEC teria sido a causa da
sua elaboraccedilatildeo ou seja motivaccedilatildeo externa administrativa E me interessei pelo que existe e
natildeo existe ali dizendo da realidade social que o produziu quem observa sua confecccedilatildeo sua
aplicaccedilatildeo ou natildeo-aplicaccedilatildeo A SEDEC exige uma produccedilatildeo acadecircmica mas o impacto da
84
execuccedilatildeo desta tarefa na atividade escolar parece natildeo ser devidamente acompanhado Essa
questatildeo jaacute me envereda para uma reflexatildeo sobre poliacutetica puacuteblica de gestatildeo educacional que
natildeo eacute de competecircncia desta pesquisa mas que ao fim e ao cabo faz sentido explorar tal
inquietaccedilatildeo pela relaccedilatildeo que haacute entre o labor do projeto e sua existecircncia e aplicaccedilatildeo
As indagaccedilotildees que produzi diante daquele documento eram sustentadas por uma
intenccedilatildeo de observar inicialmente se a tocircnica do projeto concebia a leitura como uma praacutetica
cultural natildeo neutra inserida nas relaccedilotildees de poder Se enfim era concebida como campo de
disputa espaccedilo de poder Afastando-se da defesa da leitura como tese unicamente advogo a
da leitura como utopia semeada por olhos de quem ama e faz educaccedilatildeo porque luta por
praacutetica de liberdade como defendeu Paulo Freire ao longo de sua vida e obra E a leitura
nessa perspectiva faz da educaccedilatildeo o ponto amoroso em que Hanna Arendt diz dever ser nas
palavras da autora ldquoa educaccedilatildeo eacute o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante
para assumirmos a responsabilidade por ele e com tal gesto salvaacute-lo da ruiacutena que seria
inevitaacutevel natildeo fosse a renovaccedilatildeo e a vinda dos novos e dos jovensrdquo (ARENDT 2009 p 247)
Sem querer mais uma vez reforccedilo desfazer do trabalho realizado na escola
TRAVESSIA natildeo posso omitir que enxerguei que aquele documento natildeo dizia desse
compromisso propalado pelos pensadores acima E assim o concebo quando olho a vaguidatildeo
com que ele se veste no que diz respeito aos seus objetivos e procedimentos metodoloacutegicos
Obviamente natildeo posso restringir a praacutetica leitora do projeto ao que estaacute marcado no referido
documento Sem relaccedilotildees ingecircnuas com a linguagem como propotildee a AD que afirma com
Orlandi (2008) que quando se lecirc considera-se natildeo o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute
impliacutecito entre o que eacute feito e proposto existe o caminho do exequiacutevel que eacute atropelado
muitas vezes por adversas condiccedilotildees de trabalhos
E precisei atentar para o que aquele projeto anuncia fazer observando suas
articulaccedilotildees entre objetivos accedilotildees metodologia No tocante a essas articulaccedilotildees natildeo constam
ali explicitadas entre seus objetivos as temaacuteticas transversais recomendadas pelos PCNs
muito menos a de gecircnero Assim considerando que os sentidos de um texto passam por outros
textos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo contemplado nas vozes perscrutadas
anteriormente em meus primeiros contatos com os sujeitos pesquisados ressoava sua
ausecircncia ali tambeacutem E da leitura daquele documento extrai que natildeo haacute a presenccedila do tema
proposto por esta pesquisa para inquiriccedilatildeo estaacute todavia posto ali como objetivo geral do
projeto desenvolver o gosto pela leitura escrita e arte visando agrave construccedilatildeo de uma
identidade poeacutetica formaccedilatildeo de cidadatildeos reflexivos e leitores autocircnomos
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Atrelada agrave minha questatildeo problema natildeo adentrei para a investigaccedilatildeo do que seria
essa identidade poeacutetica que jaacute tem outra nuance investigativa Mas o toacutepico a formaccedilatildeo de
cidadatildeos [cidadatildes] reflexivos[as] entranha-se com meu objeto de pesquisa e indaguei como a
AD indaga como isso significa para aquela unidade escolar pressionada por uma instacircncia
administrativa a produzir um documento e um trabalho Como significa para aquela
educadora a formaccedilatildeo de uma cidadania reflexiva mediada por praacuteticas leitoras A efetivaccedilatildeo
disso passa necessariamente por textos lidos selecionados apresentados sob diversos
suportes imersos em escolhas que expressem comprometimento com os problemas sociais
com a construccedilatildeo dos processos que debatem tais problemas vinculados aos interesses dosas
leitoresas Natildeo pude saber entretanto por este documento quais seriam os textos
selecionados para a empreitada de trabalhar a formaccedilatildeo cidadatilde pois natildeo havia nas referecircncias
bibliograacuteficas do mesmo indicaccedilatildeo alguma de como as aulas seriam subsidiadas em termos de
textos Esta omissatildeo pode indicar que para aleacutem da sonegaccedilatildeo desta informaccedilatildeo anunciar
negligecircncia pode haver mais sentidos nesta ausecircncia
Aleacutem daquilo que eacute dito analisar discursos eacute tambeacutem atentar para o que natildeo eacute dito
que conforme a AD nos silecircncios nas interdiccedilotildees haacute formas especiacuteficas dos sujeitos
construiacuterem significados E haacute naquele documento uma ausecircncia de dito significando um
evento discursivo no qual a produccedilatildeo as relaccedilotildees de poder a circulaccedilatildeo dos textos e seu jogo
discursivo natildeo estatildeo explicitados quem produz o debate da formaccedilatildeo cidadatilde e como o produz
natildeo se consegue saber atraveacutes de textos elencados E o ato de ler como praacutetica adotada pela
escola natildeo dispensa um planejamento criterioso no qual se saiba o que se vai ler o porquecirc se
vai ler quando se vai ler mesmo que a seleccedilatildeo dos textos deva ser flexiacutevel para ajustes Isso
se deve fazer para que se evite uma praacutetica riacutegida e impositiva haacute uma realidade dinacircmica
que deve ser contemplada com espaccedilo para a inserccedilatildeo de leituras que possam emergir em
consonacircncia com interesses advindos da comunidade escolar Daiacute ser compreensiacutevel que natildeo
haja uma seleccedilatildeo de textos consagradamente fechada mas sua ausecircncia pode estar indicando
na direccedilatildeo de que as accedilotildees do projeto estatildeo passando ao largo de uma leitura norteada
imbuiacuteda de uma accedilatildeo poliacutetica criteriosamente edificada
Esta constataccedilatildeo ficou mais evidenciada quando observei os objetivos especiacuteficos
(OE) do referido documento Haacute uma quantidade elevada desses (sete) os quais natildeo cumprem
devidamente a funccedilatildeo de pormenorizar as accedilotildees que se pretendem alcanccedilar de forma a
estabelecer estreita relaccedilatildeo com o descrito nos objetivos gerais no que diz respeito agrave
competecircncia da formaccedilatildeo de cidadatildeos [cidadatildes] Considerei a princiacutepio redutor selecionar
unicamente o texto literaacuterio para compor os OE do trabalho E eacute o primeiro que estaacute elencado
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Diversificar a leitura com textos literaacuterios previamente selecionados Eleger este gecircnero e
deixar de fora pelo menos eacute o que natildeo estaacute explicitado uma gama de formas discursivas que
perpassam o cotidiano escolar eacute desconsiderar o sujeito-leitor e seu lugar social eacute
desconsiderar que a sala-de-aula eacute um espaccedilo complexo onde subjetividades marcadas por
lugares sociais distintos possuem interesses iacutempares Esta eleiccedilatildeo portanto eacute redutora Por
mais que haja razotildees profiacutecuas para se trabalhar a literatura na escola pela presenccedila de
categorias no texto literaacuterio como as da experiecircncia esteacutetica da ludicidade do estranhamento
da subjetividade do aguccedilamento da criatividade do aticcedilamento da imaginaccedilatildeo haacute um
equiacutevoco em eleger apenas o literaacuterio como texto para ser trabalhado Esta escolha tambeacutem
vai na contramatildeo do que recomendam os PCNs (BRASIL 2001 p 36) que apontam para a
pertinecircncia de que a escola promova em seus estudos uma variedade de gecircneros tendo o
literaacuterio como mais um deles
O equiacutevoco da confecccedilatildeo do documento eacute perceptiacutevel tambeacutem por natildeo ser visto ao
longo do seu texto o apontamento de temaacutetica que tenha relaccedilatildeo com a formaccedilatildeo da
cidadania A formaccedilatildeo de cidadatildeos[cidadatildes] reflexivos[as] que o projeto de leitura da escola
aponta em seus objetivos gerais passa por uma contemplaccedilatildeo de leituras que natildeo estaacute ali
desenhada Sem escavar temas que estatildeo na invisibilidade na superficialidade naturalizados e
distantes dos propoacutesitos da pauta reivindicatoacuteria dos DH esse pretenso sujeito reflexivo eacute
mera ornamentaccedilatildeo de projetos de leituras As secretarias de Educaccedilatildeo das escolas puacuteblicas
brasileiras sabem que eacute tarefa hercuacutelea construir leitoresas criacuteticosas e que um dos entraves a
isso estaacute na maacutequina do poder puacuteblico despreparada desequipada para proporcionar
condiccedilotildees favoraacuteveis agrave praacutetica leitora Isto pode ser visto pela inoperacircncia de natildeo fazerem
com que seusuas educadoresas sejam bonsboas leitoresas para que de forma competente
possam atuar como agentes de letramento Assim sem o devido compromisso com a leitura
demonstram estar esses oacutergatildeos administrativos quando engavetam projetos de leituras
anualmente solicitando novos a cada ano letivo sem acompanhar suas feituras que em regra
se diz por aiacute satildeo sem esmeros cumprindo tarefa administrativa como me pareceu este na
escola TRAVESSIA
A fragilizaccedilatildeo com que se organiza o projeto eacute notaacutevel ainda quando se busca em sua
metodologia a articulaccedilatildeo das accedilotildees que promovem os passos que objetivam propor a
formaccedilatildeo da cidadania reflexiva Entre as accedilotildees propostas que constam de oficinas de leitura
escrita de artes de imagens destinadas a alunosas do 6ordm ao 9ordm ano ocorridas em salas e na
biblioteca haacute como enunciado metodoloacutegico que haveraacute planejamento mensal para a seleccedilatildeo
de textos e das dinacircmicas voltado para um contexto relevante para a vida pessoal e social
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Primeiramente natildeo se esclarece exatamente o que seria este contexto relevante a expressatildeo eacute
vaga Depois chamou-me atenccedilatildeo o quanto a expressatildeo tema foi citada vagamente por
diversas vezes [] explorando o imaginaacuterio e as referecircncias que os alunos tecircm sobre os
temas textuais Natildeo haacute entretanto evidecircncia alguma de quais textos e temas seratildeo
trabalhados Esta inexatidatildeo me fez enxergar impropriedade na proposiccedilatildeo Em uma das
atividades propostas assim aparece levantar as referecircncias que os alunos tecircm sobre os temas
dos textos E de novo quais textos e temas conforme a redaccedilatildeo do projeto natildeo foi possiacutevel
levantaacute-los naquele documento Outra vez haacute uma frase solta compondo o texto Sequer uma
referecircncia aos temas transversais propostos pelos PCNs foi feita Mas no natildeo-dito acerca de
uma tarefa que eacute propositura da escola que deveria atuar pela exiacutemia preocupaccedilatildeo de
contribuir deveras com a construccedilatildeo de uma leitora ativoa a questatildeo-problema por mim
levantada nesta pesquisa foi respondida na leitura do documento Verifiquei deveras que
considerando o que estaacute posto ali por aquele texto-fundador natildeo se contempla o debate sobre
a equidade de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA
32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam
E como travessias natildeo se fazem sem caminhadas caminhei mais pela escola em
busca de perscrutar o que anunciam as vozes docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero na via da
leitura Caminhei contornando em alguns momentos e espaccedilos a anguacutestia pela percepccedilatildeo da
ausecircncia do desejo nosas fazedoresas da educaccedilatildeo por uma leitura como praacutetica social que
construa significados e proponha novos modos de subjetivaccedilatildeo Contornando sem receita
(ningueacutem eacute portador de saiacutedas solitaacuterias) nem elixir nem liccedilotildees nem textos prontos Apenas
escutando sentindo entendendo que a constituiccedilatildeo de uma alunoa leitora pode desaguar em
um mar de ativismo social em um mar que desemaranhe a promoccedilatildeo de um sujeito criacutetico
arguitivo reflexivo natildeo apenas pelo que se lecirc mas de qual lugar e para que se lecirc Para isso
deve haver uma dimensatildeo eacutetica no ato de ler natildeo meramente teacutecnica como costuma grassar
nas escolas pouco afeitas a pensar a leitura de modo perquisitivo Esta dimensatildeo eacutetica natildeo se
semeia em escola assolada por pragmatismo que natildeo ama a educaccedilatildeo essa dimensatildeo
conforme Arendt (2009) anuncia tem no amor a medida de nossos compromissos Eacute
dimensatildeo que abarca decisatildeo poliacutetica eacute escolha pela salvaccedilatildeo pela convicccedilatildeo do
inacabamento freireano (FREIRE1999)
Muito brevemente fui percebendo entatildeo que na escola TRAVESSIA as relaccedilotildees de
gecircnero natildeo perpassavam como debate proposto pelo seu referido projeto de leitura E outra
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comprovaccedilatildeo disso foi aferida pela consulta que fiz do acervo da biblioteca especificamente
no que se refere agraves obras paradidaacuteticas que satildeo as selecionadas para investigaccedilatildeo em termos
de levantamento natildeo propriamente de anaacutelise dos textos neste estudo Em uma pequena
prateleira havia alguns livros tive o cuidado de ler suas fichas catalograacuteficas e identifiquei
que em nenhum deles tematizava-se gecircnero Conforme ainda me respondeu a coordenadora
do projeto de leitura nas listas de livros da biblioteca natildeo estava disponibilizada nenhuma
obra pelo menos que fosse de seu conhecimento que tratasse da temaacutetica de gecircnero
Indaguei-lhe se alguma educadora ou alunoa jaacute havia manifestado o interesse de procurar
obras com esta temaacutetica Respondeu-me que natildeo
E de fato parece natildeo haver uma existecircncia farta de textos publicados para a
literatura infanto-juvenil trazendo o foco especiacutefico no tema das relaccedilotildees de gecircnero em uma
perspectiva de resistecircncia de oferta de um olhar desconstrutor de formas de se constituir
subjetividades masculinas e femininas Existem obras como A bolsa amarela de Lygia
Bojunga Nunes (2003) Faca sem ponta e galinha sem peacute de Ruth Rocha (2008) e outras
poucas no universo literaacuterio infanto-juvenil brasileiro que enfocam a temaacutetica de gecircnero e
que poderiam estar entre os parcos livros daquele espaccedilo-leitor mas natildeo estatildeo
Mesmo assim a ausecircncia de obras que tratem das iniquidades de gecircnero agrave luz de sua
problematizaccedilatildeo por si soacute natildeo eacute referecircncia de que natildeo haacute a temaacutetica em tela naquele espaccedilo
Ademais a ausecircncia de obras emblemaacuteticas que pontuem o debate proacute-equidade natildeo eacute oacutebice
para que se olhe a questatildeo do alto das indicaccedilotildees das diretrizes educacionais que propotildeem o
desmantelo das assimetrias de gecircnero Para isto basta que se problematizem as leituras de todo
um artefato cultural com sentidos que sedimentam um imaginaacuterio inferiorizante da mulher e
constroem o diferente como abjeto Basta natildeo silenciar diante de artefatos que circulam
construindo sentidos e configurando infacircncias e adolescecircncias prensadas em estereoacutetipos de
gecircnero Estes artefatos circulam socialmente e podem ser lidos como a AD pontua indagar
natildeo o que o texto significa mas como significa
Os sentidos segundo essa disciplina natildeo satildeo fixos natildeo existem em si mesmos
mesmo que sejam administrados (PEcircCHEUX 2012) A escola por isto deve olhar com
atenccedilatildeo todo artefato que lhe chega e o que ela produz como uma forma de militar pela
construccedilatildeo de uma praacutetica de liberdade na qual homens e mulheres desfamiliarizam-se com
as incontaacuteveis narrativas que cruzam suas heterogecircneas formaccedilotildees discursivas Se isto natildeo faz
parte do cotidiano das praacuteticas leitoras dosas educadoresas assimilado como uma questatildeo
poliacutetica uma questatildeo de resistecircncia assimilado aleacutem do que propotildee cursos de formaccedilatildeo de
nada adiantam obras construiacutedas agrave luz da teoria de gecircnero postas em um acervo bibliotecaacuterio
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De toda sorte a ausecircncia de textos que evoquem leituras militantes fala de uma presenccedila natildeo-
dita fala de um vazio preenchido por uma leitura descomprometida com a pauta
reivindicatoacuteria dos direitos das mulheres e dos direitos da populaccedilatildeo LGBT (leacutesbicas gays
bissexuais travestis transexuais e transgecircneros)
33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos
Nos percalccedilos da travessia na escola verifiquei tambeacutem por outros modos conforme
propus como empiria desta pesquisa que ali natildeo se dava visibilidade ao debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero Comprovei isso ainda pelos depoimentos de educadoresas que em vaacuterios
momentos nos diaacutelogos que tivemos ressaltaram perceber a ausecircncia do tema mesmo
reconhecido por alguns a sua relevacircncia para a construccedilatildeo da cidadania plena Houve registros
orais disso por parte de profissional da biblioteca e de demais educadoresas os quais irei
descrevecirc-los ao longo deste capiacutetulo por consideraacute-los relevantes para a anaacutelise Um desses
registros se deu no relato proferido pela professora Denise que entre as tarefas de emprestar
e guardar livros aquela profissional relatou-me que guarda assiduamente aleacutem de livros
histoacuterias de vida de alunosalunas desabafando sobre conflitos
Denise que estaacute na TRAVESSIA haacute seis anos atesta que haacute naquela unidade escolar
muitos problemas ligados agrave questatildeo da sexualidade da identidade da violecircncia de gecircnero e
domeacutestica Ouvi atentamente a ecircnfase que deu na violecircncia domeacutestica trazida de casa por
meninos e meninas que para esta profissional provoca-lhes ansiedade e revolta Daquela
informante extrai que acirrados conflitos de natureza de gecircnero vividos por aquele grupo de
crianccedilas e adolescentes satildeo como que despejados ali Assim compreendi ser quando lhe
indaguei acerca de accedilotildees para o enfrentamento desses conflitos e afora os atendimentos pelos
especialistas o que eacute tiacutepico e corriqueiro ela me respondeu que natildeo se faz mais nada naquele
espaccedilo Esse nada esteve como resposta referente agrave indagaccedilatildeo que lhe fiz pontuando se o
projeto de leitura natildeo trabalhava especificamente em forma de debates com textos que
evocassem reflexotildees socializaccedilatildeo envolvimento com as famiacutelias e enfrentamento dessas
questotildees
A cada momento no chatildeo da escola natildeo me passava incoacutelume a presenccedila tatildeo
avassaladora de conflitos envolvendo violecircncia de gecircnero reveladas pelas praacuteticas discursivas
de outrosas informantes desta pesquisa Em uma de minhas visitas agrave escola todavia em 4 de
outubro2013 registrei um relato que me fez refletir com mais ecircnfase sobre as relaccedilotildees de
poder como praacuteticas integrantes do cotidiano em grande extensatildeo Esta reflexatildeo se deu
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quando dialoguei com Rosa professora de Inglecircs haacute vinte anos Soliacutecita em me atender a
educadora revelou por diversas vezes o desejo de desabafar mas expressando sinceridade
mesmo que me chocasse E falou enfaticamente a partir de um status conservador que rejeita
os estudos e as bandeiras dos DH as ideias sobre sexualidade e gecircnero defendidas por
ldquoeducadoresas modernosrdquo por achar que o mundo bom em seu dizer ldquoeacute aquele onde
existem regras moral repressatildeo E que isto parece querer acabarrdquo
Para Rosa as tecnologias enunciativas que propotildeem uma nova ordem de reflexatildeo e
comportamento eacute uma desordem um mal Natildeo exatamente com essas palavras mas trazendo
este sentido respondeu-me a docente quando lhe indaguei acerca da inserccedilatildeo do debate dobre
gecircnero respaldada nas questotildees trazidas pela legislaccedilatildeo educacional Seu olhar aposta na
repressatildeo no silecircncio em especial agraves garotas que estatildeo muito soltas a seu ver Esta
informante sem o menor embaraccedilo relatou-me que a escola vivia momentos difiacuteceis com
uma explosatildeo da sexualidade da sua juventude e que isso era efeito da falta ldquode freiordquo Para
sustentar suas ideias relatou-me um fato haviam recentemente passado por uma experiecircncia
dificiacutelima com a depressatildeo de uma jovem que se autoflagelou (cortando o corpo em vaacuterias
partes) depois de ter tido sua imagem exposta publicamente em rede social quando fez sexo
com vaacuterios garotos e permitiu que eles filmassem o ato O comportamento da aluna opinou a
educadora foi muito vulgar rendeu-lhe depressatildeo chacota desonra preocupaccedilotildees para a
famiacutelia
Da discursividade de Rosa emanava rigidez de comportamento repressatildeo inclusive
fazendo a defesa do controle dos corpos pela instituiccedilatildeo Sem nenhum ressentimento de estar
errada nem extemporacircnea esta docente assumiu que se preocupava veementemente com as
roupas as danccedilas os comportamentos das meninas que a seu ver eram consideradas como
ldquoassanhadinhas perdidasrdquo Sua vigilacircncia acreditava esta informante era o melhor para a
escola E de forma diferenciada dirigia o controle a meninos e meninas para elas os
cuidados eram focados na sexualidade com relaccedilatildeo aos garotos a vida social deles como um
todo tinha sua apreensatildeo Aos meninos preocupaccedilotildees de natureza diferente eram por ela
dispensadas cuidados com as drogas o aprendizado a violecircncia a marginalidade Agraves
questotildees ligadas agrave sexualidade e ao corpo dos garotos havia um silecircncio um natildeo dito
permissivo da parte dela como se soacute a eles lhes coubesse o direito de viver seus desejos
sexuais
Ao ouvir a apropriaccedilatildeo do discurso da construccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
naquela voz educadora veio-me pela memoacuteria discursiva agrave lembranccedila o discriminador dito
popular ldquosegure sua cabrita que meu bode estaacute soltordquo O ditado que trata assimetricamente
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homens e mulheres veio-me [meu bode estaacute solto] pelo silecircncio permissivo da educadora agrave
ordem machista quanto ao que podem os meninos satildeo livres E veio-me [segure sua cabrita]
pela fala dela quanto agrave ordem repressiva do que natildeo podem as meninas precisam de
cabrestos Tatildeo iniacutequo esse dito poderia ser pronunciado por aquela voz educadora para
sintetizar seu olhar insensiacutevel agraves questotildees trazidas pelos campos dos estudos de gecircnero Um
olhar de uma educadora turvado de preconceito machista em meio a toda uma
problematizaccedilatildeo que o coletivo de mulheres tenta construir sobre igualdade de direitos eacute um
olhar que destoa com praacuteticas de liberdade e aduz com a indagaccedilatildeo de Foucault no tocante agrave
regulaccedilatildeo dos comportamentos entre outras instituiccedilotildees pela escola
O que eacute afinal um sistema de ensino senatildeo uma ritualizaccedilatildeo da palavra senatildeo uma
qualificaccedilatildeo e uma fixaccedilatildeo de papeacuteis para os sujeitos que falam senatildeo a constituiccedilatildeo
de um grupo doutrinaacuterio ao menos difuso senatildeo uma distribuiccedilatildeo e uma apropriaccedilatildeo
do discurso com seus poderes e seus saberes [] (FOUCAULT 2011 p 44-45)
Na consonacircncia com o que diz Foucault (2011) os depoimentos de Rosa podem ser
vistos como os que se apropriam de um discurso que se arvora no papel de controlar sujeitos
pautados no poder institucional escolar E mesmo quando este poder passa a ser enxertado por
outra ordem discursiva que abala pilares conservadores a educadora eacute refrataacuteria agrave nova
ordem e defende o controle da doutrina da coerccedilatildeo de comportamentos tachando as alunas
que se lanccedilam nas descobertas da sexualidade como vulgares Isso fez com que ela fosse
redutora no olhar que dirigiu agrave menina de sua histoacuteria viacutetima do machismo de um grupo de
colegas ainda eacute a condenada pela autoridade escolar Indaguei-lhe o que fizeram com os
meninos que expuseram a garota Sua resposta anunciou um conservadorismo atravessado por
gecircnero
- Foram chamados na direccedilatildeo advertidos Mas satildeo homens
Homens que usam mulheres humilham-nas expotildeem-nas A ressalva pontuada pela
materialidade linguiacutestica da conjunccedilatildeo adversativa mas no enunciado de Rosa reforccedila seu
olhar segregacionista machista seu status de sujeito que anuncia de um lugar conservador
ldquoMas satildeo homensrdquo eacute o enunciado campo para o natildeo dito brotar nada lhes pega mal na
instacircncia da sexualidade assim subjaz um discurso assimeacutetrico de gecircnero naquela voz Na
concepccedilatildeo daquela educadora ser homem eacute um atributo para a libertinagem aleacutem do direito agrave
liberdade
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Percebi ali que passando ao largo de um debate que contemple problematizar
preconceitos machistas assimetrias de gecircneros alguns profissionais aleacutem de Rosa lidam de
forma tensa e iniacutequa com o despertar da sexualidade dessesas jovens especialmente na
representaccedilatildeo dos papeacuteis do masculino e do feminino Vale todavia fazer o registro de que
osas colaboradoresas observadosas e entrevistadosas natildeo podem ser vistos como
vilotildeesvilatildes nem portadoresas de verdades ou falsidades mas como sujeitos que se engrenam
em poderes e saberes culturas comportamentos disciplinados historicamente dados por isso
passiacuteveis de movecircncias de transformaccedilotildees
34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades
E ainda sequenciando a explanaccedilatildeo do campo empiacuterico que faz parte desta pesquisa
pontuo que averiguei o quanto o projeto de leitura era desvinculado de uma problematizaccedilatildeo
sobre as relaccedilotildees de gecircnero com base na anaacutelise das respostas do questionaacuterio aplicado junto
agravesaos educadoresas Aqui farei o entrelaccedilamento da anaacutelise dos resultados deste instrumento
com mais relatos que geraram dados para este estudo
Como um dos pontos do processo investigativo recorri agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio
com osas demais educadoresas envolvidosas com o projeto com o propoacutesito de avaliar
como a accedilatildeo leitora eacute apreendida por outros sujeitos considerando que inicialmente apenas
trabalhei com a coordenaccedilatildeo do projeto A aplicaccedilatildeo deste instrumento foi solicitada depois
de alguns diaacutelogos com membros da equipe pedagoacutegica da escola agrave Diana coordenadora do
projeto de leitura que de forma bastante soliacutecita concordou disponibilizando-se para
colaborar e recebeu em matildeos dez coacutepias do questionaacuterio para distribuir com educadoresas
integrantes do trabalho ali desenvolvido Anteriormente jaacute havia feito o convite aosagraves
professoresas para que participassem da pesquisa assegurando-lhes o respeito ao anonimato
caso assim o desejassem Dos dez instrumentos entregues apenas de um natildeo houve a
devolutiva o que me fez ter a colaboraccedilatildeo de um nuacutemero satisfatoacuterio considerando o total de
professoresas na instacircncia educacional em tela envolvidosas com o referido projeto
Para esse instrumento investigativo foram articulados enunciados pensando na
contribuiccedilatildeo para as reflexotildees que preciso construir considerando que o sujeito fala sempre a
partir de especiacuteficas posiccedilotildees histoacutericas e culturais de praacuteticas descontiacutenuas que se cruzam
se desconhecem se justapotildeem enfim que natildeo se pode apreendecirc-las de forma objetiva e
neutra (cf FOUCAULT 2011 2012) Vale ressalvar entatildeo de que a interaccedilatildeo que eacute feita com
as respostas dadas no documento investigativo natildeo pode ser vaticinada como uma revelaccedilatildeo
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objetiva do real se assim o fosse natildeo estaria partilhando com a perspectiva foucaultiana
como tambeacutem com a da criacutetica feminista poacutes-estruturalista as quais concebem que a verdade
eacute uma produccedilatildeo discursiva histoacuterica e social o que indica que natildeo haacute a verdade mas haacute a que
prevalece
No tocante agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio ouvi dosas respondentes em contatos
fortuitos que as questotildees formuladas foram bem interessantes A qualificaccedilatildeo de interessante
pelo que assimilei deveu-se agraves formulaccedilotildees que fizeram com que osas educadoresas
informantes refletissem sobre as suas praacuteticas discursivas Guiei-me para a confecccedilatildeo deste
instrumento investigativo entre outras pelas reflexotildees que o Poacutes-Estruturalismo traz em
termos de abrir caminhos para se pensar a realidade pontuando uma poliacutetica de
problematizaccedilatildeo da diferenccedila racial eacutetnica e de gecircnero As questotildees levantadas no
instrumento investigativo foram elaboradas considerando tambeacutem o norte interrogativo de que
se havia tal poliacutetica no que se refere agraves questotildees de gecircnero adentrado o espaccedilo escolar
E desse modo considerando que apoacutes a inserccedilatildeo da temaacutetica de gecircnero nas duas
uacuteltimas deacutecadas por meio tambeacutem de elementos enunciativos oficiais como os PCNs (1997) e
a LDBEN-96 que indicam o respeito agrave diversidade e agrave igualdade de direitos fui investigar
com este instrumento se oa educadora estava sendo formadoa para atuar (ou natildeo) por uma
sociedade em que as assimetrias de gecircnero fossem combatidas Por seu turno trazendo a
interface temaacutetica de gecircnero com a perspectiva da leitura discursiva na qual ler eacute mais do que
decodificar eacute se inscrever socialmente procurei elaborar questatildeo que pontuasse como a
leitura se desenvolvia no projeto
Busquei enfim enunciados que tratassem das discursividades docentes referentes agrave
construccedilatildeo social do gecircnero e agrave leitura como praacutetica social Assim os propus
1 O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto A
CestaSexta Literaacuteria (marque ateacute trecircs principais questotildees)
1a ( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo
1b ( ) Uma atividade prazerosa
1c ( ) A escola natildeo valoriza a leitura
1d ( ) A escola valoriza pouco a leitura
1e ( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais
Outra __________________________________
Trecircs enunciados foram sumamente considerados 1a 1c e 1e instrumento de ajuda
na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo a escola natildeo valoriza a leitura e o de que eacute um estiacutemulo agraves
transformaccedilotildees sociais Chamou-me atenccedilatildeo a marcaccedilatildeo de que a escola natildeo valoriza a leitura
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(1c) por tudo o que essa praacutetica pode significar marcado no uacuteltimo item possibilidade de
mudanccedilas sociais Tambeacutem a ausecircncia de marcaccedilatildeo no enunciado que vecirc na leitura uma
atividade prazerosa (1b) eacute um indicativo que incita reflexotildees considerando que a formaccedilatildeo
doa leitora tem vinculaccedilatildeo profunda com o prazer de ler E estas reflexotildees me trazem agrave
lembranccedila a informaccedilatildeo da 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil na qual eacute
pontuada a problemaacutetica de que a escola brasileira natildeo sedimenta a leitura oferece o acesso
mas natildeo sabe semear o prazer pelo ato de ler Segundo indicadores da pesquisa aqui os
rememorando 44 dos alunos da rede privada e 46 da puacuteblica afirmaram ter como
motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola Com as reflexotildees que a natildeo-marcaccedilatildeo do
enunciado 1b suscita vieram-me agrave lembranccedila tambeacutem Carlos Drummond de Andrade
(1983) e Rubem Alves (2004) quando esses aticcedilam poeticamente o desejo pelos requintes do
mergulho nas deliacutecias das leituras natildeo-obrigatoacuterias das que nascem da fome de ler da fome
de aticcedilar a imaginaccedilatildeo as reflexotildees que podem advir de uma leitura fecunda
Esse enunciado natildeo marcado pelosas educadoresas pontua uma denuacutencia de
desvalor pela escola a uma de suas eleitas funccedilotildees formadoras a da leitura Decerto que isto
reflete todo o descaso que o poder puacuteblico historicamente tem feito em termos de poliacuteticas
voltadas ao estiacutemulo agrave leitura agrave valorizaccedilatildeo da educaccedilatildeo Haacute uma heranccedila de deficiecircncia
educacional da qual soacute recentemente se tem cuidado natildeo ainda o suficiente ainda de modo
piacutefio melhor dizendo mas despontam investimentos maiores do que jaacute houve Investimentos
piacutefios ou natildeo investimentos Este eacute um legado que tatildeo bem lembra Werthein (2008) ao citar
as relaccedilotildees de poder-saber pertencentes agrave elite econocircmica brasileira que se instruiacutea na
Europa agrave eacutepoca do Brasil Colocircnia enquanto que ao povo lhe era negado o direito agrave escola
Quando o acesso agrave educaccedilatildeo puacuteblica se torna realidade a qualidade natildeo faz parte desta
conquista Disto se sabe a estrutura que a educaccedilatildeo puacuteblica oferta aos seus usuaacuterios em
termos de praacuteticas leitoras eacute deficitaacuteria As salas de aulas lotadas os pequenos acervos as
escolhas dos livros com os criteacuterios mercadoloacutegicos agrave frente os parcos recursos tecnoloacutegicos
para facilitarem animaccedilotildees adequadas a pouca reflexibilidade das famiacutelias quanto agrave leitura
em casa entre tantas outras satildeo condiccedilotildees que educadoresas elencam como obstaacuteculos a uma
experiecircncia prazerosa com a leitura
As condiccedilotildees limitadoras acima elencadas natildeo foram extraiacutedas pelas respostas ao
questionaacuterio Foram informaccedilotildees que obtive em diaacutelogo com a professora Mari em uma das
minhas visitas agrave escola (diaacuterio de campo13set2013) Apoacutes esta me informar sobre a
ausecircncia da temaacutetica de gecircnero em suas praacuteticas indaguei-lhe se natildeo considerava pertinente
trabalhar com textos que abordassem a violecircncia de gecircnero Fiz a pergunta tendo em vista o
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que anunciam Carvalho (2003) e Louro (2012) no tocante agrave percepccedilatildeo dessas estudiosas de
que natildeo haacute distacircncia da temaacutetica ela eacute entranhada no espaccedilo escolar fabricando sujeitos
Educadoresas tecircm desse modo a possibilidade de contribuir reflexivamente sobre que
construccedilatildeo discursiva se faz com esses sujeitos reforccedilam preconceitos e estereoacutetipos de
gecircnero ou garantem o direito a esses de uma digna imagem de si Natildeo haacute neutralidade o
tempo todo somos tramados por linguagem que nos moldam
E para suscitar este debate as diretrizes educacionais inclusivas como as
positivadas em Resoluccedilatildeo 0112 no PNDH nos PCNs e na LDB satildeo aportes que chegam
ocupando gavetas escolares e atenccedilatildeo em eventos de formaccedilotildees continuadas mas se estas
estatildeo incorporadas nas praacuteticas discursivas dosas fazedoresas da educaccedilatildeo eacute outra questatildeo E
foi isso que ali atestei na entrevista com Mari a professora de Liacutengua Portuguesa suas
inquietaccedilotildees evidenciaram a lacuna entre as tecnologias oficiais por ela conhecidas e a sua
praacutetica discursiva Agrave minha indagaccedilatildeo acerca da necessidade de trabalhar para uma
consciecircncia de gecircnero sem titubear ela me respondeu
- Dou-me por satisfeita quando faccedilo meus alunos [e alunas] lerem O que leem natildeo
faz parte de minhas expectativas
Mais um enunciado que destrincha que carrega frustraccedilotildees profissionais de vozes
emparedadas pelos muros escolares de um sistema educacional feito para engessar
mobilizaccedilatildeo social ressoou ali Investimentos parcos na educaccedilatildeo puacuteblica que resultam em
peacutessimas condiccedilotildees de trabalhos minguaram as expectativas de uma mulher ainda jovem com
poucos anos de formada que parece entender o quanto a leitura pode propiciar criticidade o
que leem soou em sua voz com forccedila com tom de importacircncia Mas isso depende de suas
vinculaccedilotildees com accedilotildees poliacuteticas como remete Freire (2002) com accedilotildees planejadas como
indicam estudiososas da leitura e daacute trabalho propocirc-las naquele ambiente tatildeo hostil agrave leitura
aos olhos de Mari E ela abriu matildeo disso confessamente
Natildeo pude deixar de suspeitar de que talvez sem estar protegida pelo anonimato
aquela educadora que me disse natildeo ser do quadro efetivo dosas servidoresas por isto natildeo se
sentia segura para fazer criacuteticas agrave educaccedilatildeo na rede municipal natildeo tivesse tido a coragem de
se expor tatildeo cruamente Expocircs-se e trouxe agraves vistas uma das piores chagas da escola puacuteblica
brasileira a de que a leitura natildeo tem o lugar que deveria conforme Antunes (2009) anuncia
lugar de destaque de centro de alimento de patildeo diaacuterio Na contramatildeo de investimentos
intelectuais e financeiros em letramento tocircnica educacional das uacuteltimas deacutecadas Mari se
96
contentava com a mera decodificaccedilatildeo com a leitura que poderia promover ao maacuteximo oa
estudante aagrave trabalhadora natildeo aagrave cidadatildeoatilde Haacute uma relaccedilatildeo entre esta tocircnica de
descompromisso dito em escola paraibana ressoada pelo que pontua Bastos (2012) em outro
espaccedilo do territoacuterio brasileiro o baiano de que a escola precisa cumprir sua funccedilatildeo social e
atrair para o ato de ler este grupo de excluiacutedo para quem a leitura natildeo eacute gecircnero de primeira
necessidade
Retornando ao questionaacuterio tambeacutem respondido por esta informante na segunda
questatildeo deste instrumento objetivei inquirir sobre o que se lecirc avaliando quais conteuacutedos
eram promovidos pelo projeto
2 O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos
Direitos Humanos
( ) sim ( ) natildeo
Apesar de destoante com o que apresenta o documento do projeto de leitura que
conforme jaacute referido natildeo evidencia trabalhar temas atinentes aos DH das nove respostas a
esta questatildeo sete percebem a presenccedila de temas no projeto de leitura que focam reflexotildees
com tais temaacuteticas Na formulaccedilatildeo do enunciado foi pontuado o racismo e de forma
generalizada a expressatildeo preconceitos inviabilizando melhor percepccedilatildeo do que consta como
defesa dos DH Mas na questatildeo seguinte a de nuacutemero trecircs articulei a especiacutefica questatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero interessada em averiguar qual o comprometimento da escola por seus
propoacutesitos educacionais e poliacuteticos especificamente em seu projeto de leitura com o campo
de gecircnero
3 O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto
( ) sim ( ) natildeo
Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior
3a ( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas
3b ( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica
escolar de engajamento no combate agraves assimetrias de gecircnero
3c ( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema no projeto de leitura
3d ( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e
como muitas leituras reforccedilam os padrotildees sexistas presentes na sociedade
( ) outra ____________________________
97
As respostas da segunda questatildeo foram quase totalizadoras de que haacute a existecircncia de
um estiacutemulo agraves reflexotildees pertinentes agraves temaacuteticas dos DH pelo projeto de leitura desenvolvido
na escola Quanto agrave terceira todosas nove respondentes afirmaram que natildeo haacute a incorporaccedilatildeo
temaacutetica de gecircnero nas leituras feitas pelo projeto e por conseguinte marcaram a proposiccedilatildeo
3c O cruzamento da anaacutelise dessas duas questotildees pode evidenciar o quanto debater gecircnero
parece ser mais aacutespero menos necessaacuterio do que enveredar por outros caminhos que os DH
embandeiram Esta dissociaccedilatildeo chamou-me atenccedilatildeo e me fez refletir quanto esta temaacutetica
passa ao largo de accedilotildees de leitura em um momento em que se discute recontar textos agrave luz de
teorias de gecircnero respaldada a recontagem na militacircncia do coletivo de mulheres que deseja
ver desconstruiacutedas imagens que as fragilizam
O debate conforme responderam osas educadoresas natildeo aparece no projeto de
leitura assim pode natildeo estar incorporado sistematicamente como accedilatildeo poliacutetica de resistecircncia
relembrando o dito por Foucault (2004a 2012) Em um dos meus diaacutelogos com a
coordenadora do projeto na visita de 28 de setembro de 2013 fazendo inquiriccedilotildees sobre a
percepccedilatildeo dela quanto ao conceito de gecircnero das obras presentes no espaccedilo da biblioteca
acerca desse campo obtive de mais uma informante desta pesquisa que natildeo havia obra ali
com esta perspectiva Este tema precisaria ser inserido passava ao largo o foco nas relaccedilotildees
de gecircnero Falou-me que ao selecionar textos natildeo traz este olhar previamente Quando lhe
indaguei como via a omissatildeo da temaacutetica respondeu-me
- Percebo a omissatildeo agora com sua presenccedila que faz sentido discutir gecircnero Mas
como faccedilo isto Quais textos devem ser trabalhados
E eu lhe escutei sem entender como esta educadora natildeo atentaria que subjaz em regra
nos diversos gecircneros textuais um olhar construtor de gecircnero Haacute olhares sobre mulheres
negras brancas jovens idosas de classes e etnias diferentes nos quais subjazem nos gecircneros
textuais a iniquidade de gecircnero social Plasmada em letras de muacutesicas livros didaacuteticos
paradidaacuteticos canccedilotildees histoacuterias piadas publicidades mateacuterias jornaliacutesticas cantadas enfim
sob os mais diversos formatos haacute a temaacutetica de gecircnero Indaguei-lhe se acharia que a
ausecircncia de textos especiacuteficos para o enfrentamento agrave iniquidade de gecircnero poderia mesmo
ser oacutebice para a exploraccedilatildeo da temaacutetica considerando que ela estaacute no imaginaacuterio social de
alguma forma precisando ser desconstruiacuteda Ela foi sincera e confessou que natildeo atentava para
a presenccedila da temaacutetica perpassando em tantos gecircneros textuais A invisibilidade da violecircncia
de gecircnero deu sinais naquele depoimento De modo letaacutergico natildeo sendo contemplada em
98
leituras escolares nem vista em textos que fazem parte do cotidiano das prateleiras de
bibliotecas dos aparelhos de som e das mochilas escolares a invisibilidade fazia acenos pelos
sentidos que aquela educadora concedia ao ato de ler
O ato de ler natildeo se esgota em livros bibliotecas professoresas escolas Nascem de
olhos que veem que planejam que seduzem Silva (2011) aduz que as praacuteticas de leitura
escolar natildeo podem nascer do acaso nem do autoritarismo de tarefas mas de uma programaccedilatildeo
envolvente E isto perpassa essencialmente por uma formaccedilatildeo que privilegie praacuteticas de
liberdade consciecircncia da importacircncia de uma construccedilatildeo coletiva do lugar de si e do outro no
mundo que nos cerca Dessa formaccedilatildeo o poder puacuteblico tem dito se preocupar Eacute com o que
parecem concordar osas entrevistadosas diante da seguinte questatildeo
4 Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel
inicial quanto na continuada tem preparado o (a) profissional para uma praacutetica
pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar
( ) sim ( ) natildeo
Essa questatildeo objetivou perceber de que forma as poliacuteticas puacuteblicas de formaccedilatildeo
inicial e continuada satildeo percebidas Eacute algo que merece a atenccedilatildeo ser averiguado seriam essas
formaccedilotildees proficientes excessivamente teoacutericas de que modo essas praacuteticas discursivas
equipam essesas profissionais para impactar suas atuaccedilotildees Investigar o que de fato tem
atravessado os discursos das formaccedilotildees e ressoado no chatildeo da escola nos modos de
subjetivaccedilatildeo dessesas professoresas leitoresas eacute de uma pertinecircncia tamanha para quem se
envolve com a educaccedilatildeo como praacutetica de liberdade no sentido foucaultiano Dizendo de outro
modo eacute salutar buscar se haacute verdades novas atinentes ao que propotildeem os DH sobre a
equidade de gecircnero sobre a desconstruccedilatildeo da constituiccedilatildeo do diferente enunciadas pelos
formadores em curso de capacitaccedilatildeo e nas formaccedilotildees iniciais e quais tecircm sido seus efeitos
Com a aplicaccedilatildeo da quarta questatildeo pude avaliar como satildeo afetadas as relaccedilotildees de gecircnero pela
ingestatildeo do debate pelas tecnologias formadoras E de fato a totalidade dosas respondentes
afirmou que recebe uma formaccedilatildeo que capacita que contempla o debate sobre a construccedilatildeo
das diferenccedilas e a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar
Entre todavia o recebimento de uma formaccedilatildeo capaz de problematizar as
assimetrias de gecircnero e a implementaccedilatildeo por parte dessesas educadoresas de uma praacutetica
discursiva que lhes capacite romper com uma memoacuteria discursiva que interdita uma condiccedilatildeo
de vida sem subalternidades existem seacuteculos de jogos de verdade nos quais os processos de
subjetivaccedilatildeo transigem segundo regras histoacutericas Satildeo jogos que perpassam doutrinas
99
pedagoacutegicas sustentando uma superioridade intelectual dos homens por isto destinando
lugares distintos para homens e mulheres (o puacuteblico aos homens o privado agraves mulheres)
Satildeo jogos de verdade que destinam comportamentos diferenciados aos sexos constituindo o
gecircnero sustentando a inferioridade feminina a construccedilatildeo da diferenccedila do padratildeo
heterossexual como desvio como patologia entre tantos outros jogos de verdade
E as regras histoacutericas hoje consideram lentamente uma ordem discursiva que se
desenha na qual as muralhas androcecircntricas sofrem o abalo de uma atuaccedilatildeo poliacutetica do
coletivo de mulheres e do LGBT que se empoderam com o ativismo autoral por respeito agraves
diferenccedilas Pude constar isto em uma visitaccedilatildeo que fiz agrave escola em 24 de outubro de 2013 Em
diaacutelogo com Elisa uma professora com 15 anos de atuaccedilatildeo profissional no qual lhe indaguei
sobre sua percepccedilatildeo acerca da presenccedila das relaccedilotildees de gecircnero no cotidiano escolar acerca da
vinculaccedilatildeo (ou natildeo) entre suas praacuteticas leitoras e estas questotildees Muito rapidamente ela se
posicionou como uma conservadora e se disse escandalizada com as transformaccedilotildees sociais
que via emergir em termos de comportamentos sexuais inclusive ali na escola Ouvi um
desabafo inusitado desta informante que presenciou uma cena de beijos entre duas
adolescentes
- Natildeo vejo a hora de sair desta escola Aqui todos satildeo danados E as meninas nem se
falam Peguei duas aos beijos fui intervir e ouvi da menina
- Taacute com preconceito eacute professora
A narrativa daquela educadora me marcou e lhe indaguei se ela achava que estava
com preconceito conforme lhe indagou a menina Respondeu que sim pois sendo beijos entre
casais heterossexuais tambeacutem reprimiria o ato mas natildeo ficaria tatildeo aborrecida como ficou Fiz
a Elisa mais indagaccedilotildees inquirindo sobre o efeito das formaccedilotildees acadecircmicas pelas quais ela
tem passado Ela pareceu-me marcha por lugares onde soam ritmos diferentes E com suas
respostas fui remetida ao que diz Orlandi (2008) acerca do entrecruzamento de vozes que
torna o sujeito heterogecircneo e das condiccedilotildees de produccedilotildees do discurso que permitem
enunciados diferentes em determinados espaccedilos sociais Mesmo se dizendo refrataacuteria agraves
mudanccedilas Elisa disse aprovar as formaccedilotildees continuadas que ensinam a lidar com as
diferenccedilas apesar de natildeo conseguir concordar com o que escuta e vecirc
- Nas formaccedilotildees continuadas ateacute entendo a questatildeo do respeito mesmo sem
concordar ateacute entendo Mas quando presencio uma cena como a do beijo das meninas em
puacuteblico daacute um nojo acho uma falta de respeito natildeo concordo
100
E como demonstrou natildeo concordar Sua ecircnfase agrave cena me fez pensar no quanto
provavelmente o beijo das duas garotas consideradas desviantes lhe foi claramente chocante
mas natildeo menos e natildeo tatildeo claro foi chocante a ela o tom reivindicativo com o qual a aluna se
apoderou para evocar da professora uma postura mais reflexiva mais apropriada a sua funccedilatildeo
A desviante aos olhos de Elisa pode ter lhe lembrado de que para ser educadora ela deveria
estar atinente agraves novas poliacuteticas educacionais deveria ter postura de respeito agrave liberdade de
afeto seja de que maneira for Haacute o dever ao respeito agraves diferenccedilas assegurado legalmente
parece ter dito a menina ao lhe indagar sobre preconceito
Elisa segundo me informou caiu em si natildeo se sentia preparada para atuar ali
mesmo que se esforccedilasse para assimilar as diretrizes de uma escola inclusiva democraacutetica
natildeo discriminatoacuteria Essa professora se depara com formaccedilotildees discursivas conflitantes e entre
suas verdades e o que a escola deseja construir aos moldes de ser inclusiva angustia-se O
recrudescimento do constituiacutedo diferente que empoderado natildeo aceita ser abjeto (HALL
2011) e reivindica direitos pocircs em evidecircncia isto causando-lhe transtorno Uma firmeza da
menina desviante foi o estopim para gerar na professora a vontade de abandonar aquela
escola para natildeo ter que se desfazer de uma formaccedilatildeo discursiva cristalizadora de identidades
Formaccedilatildeo que talvez natildeo tenha lhe permitido enxergar amiuacutede toda sorte de preconceitos
insultos e ofensas vividos por outrosas desviantes tirando-lhes o chatildeo tirando-lhes da escola
Agora era o seu chatildeo que lhe fora retirado por um gesto de afirmaccedilatildeo de identidade de
altivez de peleja pela desconstruccedilatildeo de verdades
Restaria querer buscar outro chatildeo mais soacutelido mais firme na crosta essencialista
Mas para qual escola iria Mesmo timidamente o discurso da defesa da diversidade cultural
sexual e da equidade de direitos eacute um campo de luta que surge amparado em legislaccedilatildeo
educacional e em formaccedilotildees continuadas dispensadas aosagraves educadoresas Embora de forma
amena tangencial surge Eacute o contraponto a uma ordem conservadora de uma perspectiva
essencialista discriminadora que se faz surgir em praacuteticas discursivas instigadoras de
problematizaccedilotildees da iniquidade de gecircnero Acerca da presenccedila desse contraponto na escola
TRAVESSIA quis saber interrogando sobre as poliacuteticas educacionais no direcionamento do
que pode o menino e a menina toacutepico da quinta questatildeo
5 As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o
menino e o que pode a menina
( ) sim ( ) natildeo
101
5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e
meninas
5b ( ) comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento
5c ( ) ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual
5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que
satildeo naturalmente desiguais
Osas respondentes demonstraram natildeo perceber que a escola trata fortemente
desigual a ambos Em nenhuma resposta houve a marcaccedilatildeo para o enunciado 5c o qual
afirma que as poliacuteticas educacionais ainda comprometem a equidade de gecircnero Por sua vez a
negaccedilatildeo de que haacute discriminaccedilatildeo foi bem marcada pela maioria dos respondentes
5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e
meninas
Haacute uma coerecircncia interna na marcaccedilatildeo dessas respostas quando relacionado o
conjunto de todas as quatro proposiccedilotildees considerando que com a ausecircncia absoluta por parte
de todos os respondentes de marcaccedilatildeo com o enunciado a seguir haacute a indicaccedilatildeo de que osas
respondentes buscam negar ranccedilos essencialistas nas suas formaccedilotildees discursivas
5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que
satildeo naturalmente desiguais
O que me leva a assim pensar eacute a consideraccedilatildeo de que em nenhuma das respostas
houve marcaccedilatildeo na propositura acima indicada (5d Osas colaboradoresas da pesquisa
parecem querer evidenciar crer que natildeo somos homens e mulheres naturalmente desiguais
Somos ao contraacuterio construiacutedos desiguais detentores em princiacutepio de direitos iguais e a
escola parece querer respeitar esta conquista que eacute relativamente recente Parece mas
estabelecendo um diaacutelogo com vozes informantes desta pesquisa como as de Rosa e Elisa
por exemplo nem chega a parecer suas vozes carregam enunciados visivelmente
sedimentados na assimetria essencialista
Por sua vez com o enunciado da sexta questatildeo que intenciona captar de que forma a
escola tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo intervindo nas construccedilotildees de gecircnero
das crianccedilas e adolescentes foram evidenciados resultados que mostram possibilidades bem
reveladoras de olhares essencialistas Seguem a questatildeo e seus resultados
102
6 Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como
natildeo apropriados para seu sexo qual a leitura feita
6a ( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada
crianccedila
6b ( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado
6c ( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
Outro _______________________________
Apenas dois tipos de respostas foram marcadas Unicamente uma pontuaccedilatildeo para a
proposiccedilatildeo 6a que anuncia Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras
de cada crianccedila Esta percepccedilatildeo solitaacuteria vai ao encontro de um olhar que aceita
problematizar padrotildees hegemocircnicos aceita contrariar jogos de poder que reproduzem
estigmatizaccedilotildees discriminaccedilotildees sexistas assimetrias de gecircnero Por seu turno oito dosas
nove colaboradoresas disseram que procuram redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
(6c) Uma indicaccedilatildeo de que raciocinam por uma loacutegica essencialista dual homogeinizante
normalanormal Uma loacutegica que exclui os que rompem com os padrotildees identitaacuterios de
gecircnero e mesmo que evite expocirc-los constrangecirc-los natildeo os aceita tenta enquadraacute-los Satildeo os
saberes-poderes que permitem o governo de sujeitos por outros os processos de subjetivaccedilatildeo
sendo instaurados por verdades veiculadas pelas instituiccedilotildees
O poder funciona e se exerce em rede Nas suas malhas os indiviacuteduos natildeo soacute
circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer este poder e de sofrer sua accedilatildeo
nunca satildeo o alvo inerte ou consentido do poder satildeo sempre centros de transmissatildeo
Em outros termos o poder natildeo se aplica aos indiviacuteduos passa por eles
(FOUCAULT 2012 p 45)
Para corroborar a afirmaccedilatildeo de Foucault (2012) que fala deste poder dispersado
localizado pelo pensador nas relaccedilotildees sociais como um todo retorno aos fragmentos retirados
dessa pesquisa refletindo sobre o poder em sua dimensatildeo relacional A quase totalidade dosas
educadoresas vigiada possivelmente pelos olhares de pais direccedilatildeo colegas por enunciados
que circulam em documentos escolares em formaccedilotildees e cursos posiciona-se dubiamente
concebe a polaridade fixa dos gecircneros exerce entatildeo o poder de redirecionar o interesse do
considerado desviante Mas natildeo expotildee quem a contraria Estariam sendo desestimulados
essesas colaboradoresas pelas bandeiras anti-homofoacutebicas Bom sinal para o ativismo
poliacutetico da populaccedilatildeo LGBT que historicamente sofre as agruras do preconceito e da
discriminaccedilatildeo confrontando isto com o que reza um dos princiacutepios do Plano Nacional da
Promoccedilatildeo da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT lanccedilado em 2009 ldquoUm Estado
Democraacutetico de Direito natildeo pode aceitar praacuteticas sociais e institucionais que criminalizam
103
estigmatizam e marginalizam as pessoas por motivo de sexo orientaccedilatildeo sexual eou
identidade de gecircnerordquo (Secretaria Especial dos Direitos Humanos 2009 p11)
Com os sentidos afiados em confluecircncia com o olhar de Louro (2012) um passeio
pela escola e pelas respostas apresentadas neste instrumento de investigaccedilatildeo revelam o quanto
praacuteticas escolares expressam uma constituiccedilatildeo discursiva com fixaccedilatildeo de comportamentos
adequados para meninos e meninas Ora rechaccedilando ora respaldando o fato eacute que os modelos
socialmente valorizados ainda satildeo os que estereotipam meninas como fraacutegeis esforccediladas e
meninos como inteligentes fortes Isso resulta em confronto em fabricaccedilotildees de estereoacutetipos
Para a elaboraccedilatildeo da seacutetima questatildeo que possui este elo busquei reflexotildees no pensamento de
Foucault (2004a 2004c) quando esse propotildee o cuidado de si as praacuteticas que constituem uma
subjetividade eacutetica Penso que a defesa de uma vigilacircncia sobre construccedilotildees discursivas que
fabricam mulheres objetos coisificadas veiculadas em toda sorte de artefato cultural deve ser
constituiacuteda se o rompimento com esse modelo eacute desejado E considero a ausecircncia desta
vigilacircncia por parte dosas educadoresas como uma lacuna que impede a quebra substancial
com um paradigma machista Eacute esse paradigma que permite uma praacutetica discursiva dos
homens em fazer as inuacutemeras piadas sobre loura as incontaacuteveis formas de estereotipar as
mulheres no que se refere a sua intelectualidade a sua atribuiacuteda inabililidade para dirigir para
exercer certas profissotildees relacionando grosseiramente beleza agrave burrice enfim formas
conflituosas de se perceber um ao outro fazem parte de um repertoacuterio que resolvi imprimir em
minhas inquiriccedilotildees
7 Como mediadora de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de
preconceito uma expressatildeo de conflitos entre olhares de meninos e de meninas
7a ( ) pouco eacute natural a disputa
7b ( ) interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de
discriminaccedilatildeo
7c ( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa
As respostas foram incisivamente favoraacuteveis agrave intervenccedilatildeo A marcaccedilatildeo da totalidade
dosas respondentes para o enunciado 7b parece indicar que na contramatildeo de ser
inadequadamente omisso diante de discriminaccedilatildeo ningueacutem deseja estar embora possa
paradoxalmente direcionar comportamentos conforme anunciado pelas respostas da questatildeo
6c Natildeo haveria aiacute a manifestaccedilatildeo de que se natildeo aceitamos uma nova ordem de interesses por
parte de crianccedilas conforme enunciado da sexta questatildeo que soacute obteve uma marcaccedilatildeo eacute
104
porque natildeo duvidamos do que tenha sido naturalizado construiacutedo discursivamente como o
outro o diferente
Estas dissonacircncias entre interferir em manifestaccedilotildees de preconceitos e construir
possibilidades de exercer controle sobre o outro o desviante da pressuposta normalidade
mesmo que de forma discreta podem estar expressando modos de subjetivaccedilatildeo nos quais
sujeitos expostos agraves diversas formaccedilotildees discursivas assimilam mudanccedilas ordens interesses
Em outros momentos todavia retecircm-se com perspectivas essencialistas que osas impedem
de apropriar-se do que recomendam as tecnologias oficiais no tocante por exemplo ao
respeito agrave diversidade humana aos conhecimentos dos processos de construccedilatildeo do diferente
como o outro o abjeto Osas educadoresas expressam entatildeo em muitas tentativas de quebra
de paradigmas que os jogos por verdades se datildeo de modo processual refletem lutas poderes
e resistecircncias dispersando e replicando vozes
Considerando a importacircncia de buscar inquiriccedilatildeo sobre o fenocircmeno da violecircncia
domeacutestica contra a mulher como uma das mazelas sociais que as vitimiza cotidianamente
sob as mais diferentes formas de massacre fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral patrimonial
na oitava questatildeo resolvi inquirir sobre como este fenocircmeno eacute percebido pelosas
educadoresas envolvidosas no estudo Assim propus o enunciado
8 No tocante agrave violecircncia contra a mulher segundo o Mapa da Violecircncia 2012 o
Brasil ocupa a 7ordf colocaccedilatildeo em um ranking de 84 paiacuteses O que em sua opiniatildeo
explica a existecircncia deste fenocircmeno Marque mais de uma questatildeo caso queira
8a ( ) Formaccedilatildeo cultural
8b ( ) Haacute pessoas naturalmente violentas
8c ( ) Natildeo sei
8d ( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo
8e ( )O desemprego crise financeira e pobreza
Outra ______________________
Nesta proposiccedilatildeo as respostas foram diversificadas foi marcado inclusive o
enunciado que afirma desconhecer as razotildees (8c) A questatildeo em aberto natildeo foi aproveitada
por nenhuma respondente Mas em sua maioria essesas (seis dosas nove) relacionaram o
fenocircmeno da violecircncia contra a mulher como algo que tem causa na formaccedilatildeo cultural Eacute
importante que se atente como alguns enunciados marcados podem estar evidenciando o
quanto a problemaacutetica carrega alguns mitos sobre as suas provaacuteveis causas Observando por
exemplo a marcaccedilatildeo isolada para o toacutepico 8e que faz nexo causal entre a violecircncia e a crise
econocircmica como pensar que a violecircncia estaacute ligada agraves dificuldades dessa ordem quando em
105
todas as classes sociais se registram ocorrecircncias Haacute maneiras diferentes de encarar as
agressividades em funccedilatildeo de tabus entre outros subterfuacutegios mas mulheres pertencentes a
todas as posiccedilotildees da piracircmide social satildeo viacutetimas de violecircncia conforme atestam inuacutemeras
pesquisas (SAFFIOTI 2001)
A evidecircncia de que o entendimento sobre as causas da violecircncia foi redutor estaacute
tambeacutem na marcaccedilatildeo isolada da proposiccedilatildeo 8d afinal estas causas apontadas estatildeo indicando
que o estopim estourou pelo aumento do stress pela perda do autocontrole (SAFFIOTI
MUNHOS 1994) mas em verdade haacute algo maior que impulsiona a agressatildeo encontra
apenas as brechas em quaisquer desculpas Em verdade eacute costumeira a confusatildeo entre causas
e motivaccedilotildees da violecircncia aquelas satildeo mais sistecircmicas e as motivaccedilotildees mais localizadas
ocasionadas por situaccedilotildees diversas como stress uso de entorpecentes etc
Considero importante atentar para o fato de que se a maioria respondeu perceber
vinculaccedilatildeo entre a violecircncia e a formaccedilatildeo cultural talvez por presenciar tantas cenas de
violecircncia de gecircnero e escutar narrativas feitas por alunosas acerca das dores maternas e
fraternas provocadas pela violecircncia domeacutestica deveria estar a escola propondo a brigada
anti-violecircncia pelo vieacutes da cultura Mas nenhuma respondente posicionou-se assim no espaccedilo
deixado em branco no questionaacuterio com o fim de possibilitar a expressatildeo de reflexotildees tambeacutem
nessa direccedilatildeo
A violecircncia contra a mulher tem vinculaccedilatildeo em uma cultura machista patriarcal
sedimentada milenarmente Buscar compreendecirc-la no campo dos estudos de gecircnero seria
oportuno para a escola porque poderia ser evidenciada o quanto a educaccedilatildeo dispensada a
meninos e meninas de forma diferenciada na qual se passam valores que sustentam olhar
para as mulheres que as inferioriza eacute possivelmente forte construto que alimenta uma cultura
machista E essa credencia agrave banalizaccedilatildeo do fenocircmeno da violecircncia Basta que se lembre dos
ditados populares que grassam (jaacute grassaram bem mais) nas bocas ldquoMulher eacute que nem bife
quanto mais apanha melhor ficardquo para que se atente o quanto haacute a naturalizaccedilatildeo do
fenocircmeno Esse dito eacute soacute um entre tantos nos imaginaacuterios sociais que fabricam a ideia de que
violentar mulheres faz parte eacute permitido
E satildeo por esses imaginaacuterios sociais que o Relatoacuterio Final da Comissatildeo Parlamentar
Mista de Inqueacuterito ndash CPMI - da Violecircncia contra a Mulher do Congresso Nacional entregue
em julho de 2013 aponta iacutendices alarmantes fala de femiciacutedio e coloca como uma
necessidade premente a da superaccedilatildeo deste mal
106
A curva ascendente do femiciacutedio a permanecircncia de altos padrotildees de violecircncia contra
mulheres e a toleracircncia estatal detectada tanto por pesquisas estudos e relatoacuterios
nacionais e internacionais quanto pelos trabalhos desta CPMI estatildeo a demonstrar a
necessidade urgente de mudanccedilas legais e culturais em nossa sociedade Conforme
mostra a pesquisa intitulada Mapa da Violecircncia homiciacutedios de mulheres mais de 92
mil mulheres foram assassinadas no Brasil nos uacuteltimos trinta anos 43 mil delas soacute
na uacuteltima deacutecada (BRASIL 2013 p 8)
A violecircncia contra a mulher eacute um fenocircmeno bastante complexo com raiacutezes fincadas
em solos de culturas machistas amparada em um Estado historicamente omisso na promoccedilatildeo
do direito a uma vida sem violecircncia para as mulheres Esse fenocircmeno que esteve na
invisibilidade social encoberto por muito tempo erroneamente sustentado pelo direito ao
instituto da privacidade entre parceiros tendo inclusive um aparato popular que os abrigava
de vexames e intervenccedilotildees ldquoEm briga de marido e mulher natildeo se mete a colherrdquo teve
recentemente a intervenccedilatildeo do Estado brasileiro com a Lei 113402006 a Maria da Penha
Esse instrumento juriacutedico se apresenta como um dos mais avanccedilados amparo legal para o
enfrentamento da questatildeo Natildeo se muda todavia cultura com golpe de lei haacute muito a ser
feito em termos de estrutura do judiciaacuterio brasileiro (ampliaccedilatildeo do nuacutemero de varas de
juizados especiais de Casas Abrigo de DEAMS - Delegacias Especializadas de Atendimento
agrave Mulher - funcionando em regime de plantatildeo capacitaccedilatildeo dos juristas) para que a lei passe a
ser um ordenamento juriacutedico que vigore como deve efetivamente sendo aplicado de forma
preventiva educativa e punitiva
E a escola no que diz respeito a formar para a equidade de gecircnero e para a cultura da
paz eacute espaccedilo fundamental que pode se ofertar no semeio desta colheita Importante portanto
a denuacutencia que osas respondentes fizeram da atuaccedilatildeo piacutefia da unidade escolar em tela no
tocante ao papel que a instituiccedilatildeo deve ter como importante instrumento no combate agrave
violecircncia domeacutestica contra a mulher Satildeo muitas as respostas (oito das nove) que afirmaram
pouco operar a escola neste sentido Assim se constituiu a nona questatildeo
9 Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave
questatildeo
( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante
A escola TRAVESSIA conforme percebem aqueles que dela fazem parte e
seguramente presenciam depoimentos e cenas que datildeo conta do mal da violecircncia contra a
mulher como o que grassa pouco opera no enfrentamento deste problema Esse mal que
sendo uma violaccedilatildeo dos direitos humanos das mulheres eacute um flagelo uma ameaccedila agrave
107
Democracia agrave paz agrave justiccedila deve portanto ter a escola envolvida em sua prevenccedilatildeo
eliminaccedilatildeo e enfrentamento Natildeo haacute como esta instituiccedilatildeo ser indiferente ao caminho sem
volta que as marchas feministas vecircm construindo especialmente nas uacuteltimas deacutecadas com
grandes avanccedilos dados pelos seus gritos ecoados nas bandeiras dos DH positivados em
forma de lei especiacutefica que penaliza a violecircncia contra a mulher e em diretrizes educacionais
que propotildeem a equidade de gecircnero
Como instacircncia de poder atravessada por praacuteticas discursivas natildeo neutras
legitimadora de ordem social por meio de suas ldquoverdadesrdquo fabricadas a escola propaga em
tese sua missatildeo fundamental como a de formar seres humanos eacuteticos conscientes de sua
igualdade de direitos por seus propoacutesitos e pela obrigatoriedade legal que se desenha com o
advento da poacutes-modernidade Mas na praacutetica sua missatildeo tem eacute instituiacutedo a segregaccedilatildeo
atraveacutes do controle disciplinar domesticando corpos e mentes (LOURO 2012)
Nesse sentido a promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de enfrentamento agrave violecircncia de
gecircnero eacute uma realidade de resistecircncia que daacute sinais tiacutemidos no chatildeo da escola mas daacute sinais
Cabe aosagraves fazedores da educaccedilatildeo acolhecirc-los Sua contribuiccedilatildeo ao debate que estranha
sentidos essencializados pode ser significativa considerando que os muros escolares racham
com o advento da globalizaccedilatildeo e dos avanccedilos tecnoloacutegicos disseminando informaccedilatildeo
instantaneamente Satildeo inuacutemeros os recursos educativos que podem amparar a discussatildeo
reportagens filmes peccedilas teatrais programas de TV de raacutedio diaacutelogos que circulam em salas
de aula entre outros Obviamente que esses recursos na maioria esmagadora das escolas
puacuteblicas brasileiras natildeo satildeo inteiramente disponibilizados e na escola TRAVESSIA natildeo eacute
diferente Haacute laacute escassez de textos e de demais instrumentos que permitam um trabalho bem
amparado percebida em minhas visitaccedilotildees Mas isso natildeo pode se constituir como oacutebice total
haacute sempre formas de propor o debate em um mundo plural que existe e deseja se firmar Por
onde andamos e estamos haacute sujeitos em interlocuccedilatildeo trazendo presentes vozes sociais de
onde emanam efeitos de sentidos sobre papeacuteis construiacutedos
Elaborei questatildeo especiacutefica sobre qual o olhar a escola evidencia ter atraveacutes de seu
projeto de leitura para um dos melhores instrumentos juriacutedicos em niacutevel mundial de
enfrentamento do combate agrave violecircncia domeacutestica a Lei Maria da Penha Esse ordenamento
juriacutedico que segundo pesquisa do Instituto AvonIPSOS (2011) eacute um marco legal
amplamente conhecido e poderia estar sendo pontuado no ambiente escolar de modo a
semear a cultura da paz e do respeito agraves mulheres Assim mobilizei a deacutecima questatildeo desse
instrumento
108
10 A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da
violecircncia contra a mulher ganha que espaccedilo no projeto de leitura
10a ( ) Nunca foi citada
10b ( ) Existe na biblioteca
10c ( ) Jaacute trabalhamos com ela
As respostas obtidas indicam sintonia com a nona proposiccedilatildeo na qual se pontuou
que a problemaacutetica da violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo encontra a importacircncia que
lhe eacute devida Todosas colaboradoresas responderam na deacutecima questatildeo que a lei nunca foi
citada (10a) Natildeo que o ordenamento juriacutedico tenha que ter referecircncia obrigatoacuteria nas leituras
da escola mas face a sua popularidade e pertinecircncia inclusive havendo versatildeo deste em
cordel o que facilitaria sua divulgaccedilatildeo poderia constar como uma das leituras feitas e
referidas de forma direta ou indireta Poderia porque a escola eacute espaccedilo formador tem papel
estruturante em accedilotildees que podem semear reflexotildees individuais e coletivas pela construccedilatildeo da
cultura da paz A educaccedilatildeo tensionando conflito e vozes pode ser constituiacutedo como espaccedilo
fecundo de organizaccedilatildeo pela emancipaccedilatildeo de oprimidos[as] (FREIRE 2002) Nesta acepccedilatildeo
a lei pode chegar a todas as crianccedilas e adolescentes pela instacircncia da escola como um sulco
no muro da iniquidade de gecircnero mostrando-se em sua consistecircncia preventiva e punitiva
como um aprendizado um oacutebice agrave violecircncia domeacutestica
Natildeo bastaraacute todavia conhecer o ordenamento juriacutedico para que se coiacuteba a violecircncia
O enfrentamento desse fenocircmeno perpassa pela construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo
nas quais o direito a uma vida sem violecircncia agraves mulheres seja efetivamente garantido e
assegurado pela condiccedilatildeo humana destas A escola deve ser um baluarte na colaboraccedilatildeo dessa
praacutetica para isso por ela precisam perpassar debates caros ao tema inquirindo sobre qual
posicionamento tem tido a instituiccedilatildeo quanto agrave construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de hegemonias
tem reforccedilado ou questionado as assimetrias de gecircnero
Na escola TRAVESSIA pude constatar haacute um tangenciamento do debate acerca das
relaccedilotildees de gecircnero percebido pelas discursividades de seusuas educadoresas como
mediadores de leituras Uma anaacutelise desse tangenciamento pode pontuar uma reflexatildeo que
perspectiva com um debate proposto por Foucault (2011) na linha do que satildeo as conjunturas
histoacutericas e socioculturais que permitem os jogos de verdades Se haacute a positivaccedilatildeo da lei na
sociedade brasileira e ela pode ser contemplada como legado de mobilizaccedilatildeo haacute todavia a
ausecircncia de seu debate em instacircncias escolares como a da escola TRAVESSIA E isso pode
ser contemplado como um legado de controle social no qual a eliminaccedilatildeo das discriminaccedilotildees
das violecircncias dos confrontos eacute significativamente negada silenciada mesmo que estejam
109
postas tecnologias que a discutam O rompimento desse controle que silencia lutas eacute uma
tarefa que oa intelectual oa educadora pode desejar construir lembrando aquilo que
Foucault (2004a 2004c 2012) pontua as pessoas podem ser mais felizes mais livres As
pessoas natildeo satildeo aprisionadas pelo poder elas podem modificar sua dominaccedilatildeo Isso evoca a
recusa do que satildeo despertada pela consciecircncia do que lhes disseram ldquoNingueacutem entraraacute na
ordem do discurso se natildeo satisfizer a certas exigecircncias ou se natildeo for de iniacutecio qualificado
para fazecirc-lordquo (FOUCAULT 2011)
E que ordem de discurso adentra a escola TRAVESSIA produzindo efeitos de
sentidos postos pela ausecircncia do debate sobre as hierarquias de gecircnero Adentra conforme
depoimentos de educadoresas ali escutadosas a da pouca reflexibilidade sobre o campo de
gecircnero a do adormecimento para a noccedilatildeo de estrateacutegias que enfrentem o poder androcecircntrico
Uma das formas de resistecircncia a esse poder se daacute pelo ato desbravador do conhecimento dos
processos discursivos que constituem as subjetividades que constituem as verdades ditas
sobre homens e sobre mulheres Satildeo passos na caminhada pela emancipaccedilatildeo A leitura pode
ser constituiacuteda com esta linhagem e ser mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de
identidades na ressignificaccedilatildeo de leituras eivadas de identidades socialmente construiacutedas pela
subalternidade da mulher Nessa direccedilatildeo Moita Lopes (2003) traz a tecitura com que a
linguagem nos constroacutei e corrobora com a ideia de resistecircncia
A percepccedilatildeo do discurso como construccedilatildeo social coloca as pessoas como
participantes nos processos de construccedilatildeo de significado na sociedade e portanto
inclui a possibilidade de permitir posiccedilotildees de resistecircncia em relaccedilatildeo a discursos
hegemocircnicos isto eacute o poder natildeo eacute tomado como monoliacutetico e as identidades sociais
natildeo fixas (MOITA LOPES 2003 p 55)
Nesse sentido por conceber a importacircncia do conhecimento dos processos histoacutericos
emancipatoacuterios como o das lutas sociais e em especial a esse trabalho o do movimento
feminista foi elaborada questatildeo que objetivava perpassar pelas reflexotildees acerca da histoacuteria
social das mulheres As histoacuterias dos homens estatildeo aiacute onipresentes ocupando o tempo todo
todo espaccedilo Mas a histoacuteria social das mulheres natildeo eacute significativamente contada natildeo consta
nos curriacuteculos natildeo eacute devidamente estudada Isso possivelmente contribui para trazecirc-las na
invisibilidade considerando que os seus processos histoacutericos de subordinaccedilatildeo ao masculino
suas exclusotildees dos campos poliacuteticos cientiacuteficos artiacutesticos enfim ainda natildeo satildeo devidamente
estudados A histoacuteria de luta pela emancipaccedilatildeo social das mulheres eacute entretanto uma das
mais bem vividas experiecircncias que atestam o poder da mobilizaccedilatildeo social e mereceria estar
110
entre as preocupaccedilotildees da escola e no projeto de leitura Desejei saber como esta questatildeo era
percebida pelosas informantes e elaborei o deacutecimo primeiro questionamento
11 Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo
escolar e no projeto
11a ( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos
curriacuteculos escolares
11b ( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas
memoacuterias ocultadas e inferiorizadas
11c ( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca
carga horaacuteria para exploraacute-lo mais
11d ( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho
importante
Aqui natildeo houve ressalvas para a defesa na quase totalidade das respostas (sete das
nove) da implementaccedilatildeo da histoacuteria das mulheres como forma de resgate de si no debate
escolar Natildeo houve marcaccedilatildeo para o enunciado 11 d A questatildeo 11b foi bem pontuada entatildeo
ldquoApoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e
inferiorizadasrdquo Eacute como um reconhecimento de que o processo de aprendizagem de uma
desnaturalizaccedilatildeo da desigualdade entre homens e mulheres passa pelo conhecimento da
histoacuteria que as excluiu e da sua inclusatildeo pela luta Foucault (2004c) auxilia nesse sentido
quando nos traz a pertinecircncia do conhecimento e a compreensatildeo da relevacircncia do papel do
intelectual
[] e que podemos mostrar agraves pessoas que elas satildeo muito mais livres do que
pensam que elas tomam por verdadeiros por evidentes certos temas fabricados em
um momento particular da histoacuteria e que essa pretensa evidecircncia pode ser criticada
e destruiacuteda O papel do intelectual eacute mudar alguma coisa no pensamento das
pessoas (FOUCAULT 2004c p 295)
Uma pretensatildeo bem ponderada E que em alguns outros momentos o filoacutesofo se
retrai desta posiccedilatildeo de ldquomostrarrdquo caminhos ao outro (FOUCAULT 2004e) Mas a histoacuteria de
luta das mulheres por sua emancipaccedilatildeo social eacute um caminho que merece ser mostrado Papel
que osas educadoresas podem cumprir percebendo-se como sujeitos agrave linguagem agrave
aprendizagem de ordens discursivas e se resistirem promotores das mudanccedilas que a
educaccedilatildeo pode constituir Papel que o movimento feminista com intelectuais e ativistas
parece ter cumprido com propriedade A atuaccedilatildeo desse movimento solicitada na 12ordf questatildeo
assim foi angariada
111
12 Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista Marque ateacute duas
respostas
12a ( ) fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da
opressatildeo agrave mulher
12b ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute
bom
12c ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo
eacute
bom
12d ( ) eacute um movimento com muito radicalismo
A unanimidade de valorizaccedilatildeo desta praacutetica discursiva quase imperou desta vez As
proposiccedilotildees 12a e 12b as quais veem com olhos respeitosos o movimento foram as
marcaccedilotildees de oito colaboradoresas Apenas uma resposta considerou o radicalismo do
movimento sua marca talvez por pressupor que as mulheres militantes propotildeem mudanccedilas
que ferem uma construiacuteda e disciplinada essecircncia feminina Os movimentos feministas
propotildeem radicalizar a desnaturalizaccedilatildeo de um mundo construiacutedo em pilares desiguais e
injustos um mundo calccedilado em machismo em violecircncia contra a mulher Radicalizar a
desnaturalizaccedilatildeo deste mundo eacute bom nodal conforme concordaram os que marcaram os
enunciados 12a e 12b Por seu turno ningueacutem marcou que isto natildeo seria bom conforme
enuncia o 12c
A uacuteltima questatildeo do instrumento investigativo versou sobre a consciecircncia do valor
histoacuterico e simboacutelico que tem o Dia Internacional da Mulher Neste enunciado foi deixada
uma questatildeo em aberto com espaccedilo para que osas colaboradoresas pudessem expressar
opiniotildees que ampliassem o conteuacutedo do enunciado o 13 a cuja visatildeo da mulher perpassa por
questotildees generalistas simplistas
13 O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas
comemorativas
( )sim ( ) natildeo
Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que
se faz na data ou o que se pretende fazer
13a ( ) Ressaltam-se as qualidades da mulher eacute um dia em que ela eacute intensamente
valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola
13b ( ) outros Especifique_____________________
Todas as marcaccedilotildees apontaram para a 13a ou seja dia de demonstrar homenagens
E o que se homenageia Em regra por meio da publicidade e de outras praacuteticas discursivas
112
circulam imagens que narram e constituem mulheres com identidades ldquonaturaisrdquo dotadas de
habilidades tantas expressas em forma de doaccedilatildeo de cuidados e tantas outras construccedilotildees
dignas de serem presenteadas Batons perfumes flores entre outros satildeo apetrechos que
acompanham imagens que circulam representando o 8 de marccedilo como o Dia Internacional da
Mulher A publicidade que opera com o objetivo de reafirmar valores convencimentos
haacutebitos desfocou a perspectiva de luta de memoacuteria de caminhada por direitos implementada
pelo movimento O teor eacute outro o do consumo Agraves mulheres flores em seu dia Se nos
demais os papeacuteis sexuais exalam o perfume da iniquidade de gecircnero que murchem as flores
Eacute o tempo ainda da formataccedilatildeo que murcha da presenccedila de vozes que falam de um lugar
social o do consumo guiado pelos interesses capitalistas ou o do apagamento da luta das
mulheres por sua cidadania guiado pelos interesses machistas E com esses instala-se o
comportamento de tirar o foco das bandeiras feministas que ergueram o 8 de marccedilo tiram o
foco e semeiam verdades como as de que se valoriza a mulher com perfumes dias de beleza
de spas de corpos sarados ritualizados para uma beleza homogecircnea com tempo de validade
e condiccedilotildees de uso
Nesta questatildeo nenhuma resposta ultrapassou a marcaccedilatildeo de um x nenhum
enunciado a preencher o espaccedilo vazio adentrando todosas respondentes pela perspectiva do
senso comum das comerciais e banais homenagens agraves mulheres Esta ausecircncia de percepccedilatildeo
pelo menos evidenciada pelo que natildeo foi dito que significa conforme pontua a AD por parte
dosas educadoresas para o Dia Internacional da Mulher pode estar revelando um desvalor
para as brigadas que precisam ser armadas naquela seara O 8 de marccedilo eacute data de flores natildeo
pelo que as mulheres satildeo em termos de construccedilotildees essencialistas mas pelo que lutam para
ser livres O 8 de marccedilo eacute dia de memoacuteria de luta sobretudo pelo que as mulheres ainda
precisam assegurar para que possam ter o comando de suas vidas nas matildeos dando ou natildeo
essas em pedidos de casamento Haacute desse modo mais uma maneira de homenagear as
mulheres que eacute pela saudaccedilatildeo na luta na grandeza de fazer uma nova histoacuteria que natildeo foi
dita nas respostas daquelesas respondentes E este silecircncio pode estar ressoando como um
ldquoadeus agraves armasrdquo ou melhor como um natildeo agraves armas O natildeo uso das armas por parte de
quem tem uma responsabilidade social com os marcos legislativos educacionais com a
adoccedilatildeo de praacuteticas de si que osas faccedila zelar por um ethos pela cultura da paz e pela bandeira
da inclusatildeo evidencia uma cristalizaccedilatildeo das identidades uma naturalizaccedilatildeo da construccedilatildeo da
diferenccedila um descompromisso social com a cidadania plena da mulher
Ali na escola TRAVESSIA percebi entatildeo com as leituras das anaacutelises dos
instrumentos investigativos aplicados que o processo de fortalecimento da cidadania da
113
mulher natildeo encontra a guarida nos olhos de quem trabalha com a leitura comprometendo o
ato poliacutetico de ler Natildeo eacute uma trilha faacutecil eacute bom reconhecer atravessar no cotidiano escolar
um oceano de discursos que constroem imagens da mulher que as inferioriza que tingem o
diferente com cores da negaccedilatildeo e desejar atuar para desconstruir tais imagens Os pais e matildees
aparecem para contestar mudanccedilas contestar desconstruccedilotildees de papeacuteis socialmente
instituiacutedos como naquelas cenas que vivi e narrei quando construiacute a gecircnese desta pesquisa
Mas oa educadora tem um chamado para ficar na trincheira por uma brigada que inclua que
emancipe que torne a escola reflexiva atraente a todas as pessoas independentemente de
etnia de orientaccedilatildeo sexual de condiccedilatildeo social Pelo menos esse chamado estaacute sendo
evocado segundo as regras histoacuterias de um tempo que se desenha novo com uma
programaccedilatildeo na qual os jogos de verdades possuem malhas que se abrem para sujeitos de
direitos mesmo que lentamente conquistados
35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder
Por reorganizaccedilotildees das accedilotildees em funccedilatildeo de vaacuterias suspensotildees de aulas de leitura
pelo projeto entre outras intercorrecircncias deixei a etapa de observaccedilatildeo de aulas para o reiniacutecio
das aulas do 2ordm semestre de 2014 Planejei esta accedilatildeo atentando para o papel central dosas
educadoresas na conduccedilatildeo do debate por sua posiccedilatildeo de liacuteder na interaccedilatildeo relacional e por
serem esses os sujeitos desta pesquisa E assisti agraves aulas das professoras Jacqueline e Luacutecia
cujos nomes satildeo fictiacutecios como todos os outros e que possuem respectivamente oito e vinte
anos de formadas Em ambas houve uma receptividade agradaacutevel mas irei relatar minha
experiecircncia apenas nas aulas de Jacqueline por entendecirc-las mais significativa para o estudo
Assim as considero porque esta professora instigada possivelmente pelos desafios de alguns
instantes de conversas nos quais muito ouvi fez uma tentativa improvisada de dialogar com o
tema em tela
No preluacutedio dessas aulas que se deram em 11 de julho de 2014 no turno vespertino
a professora Jacqueline que me atendeu na biblioteca da escola em um horaacuterio reservado para
isto mostrou-se soliacutecita receosa e muito determinada a demonstrar sua anguacutestia suas
inquietaccedilotildees com a escolha profissional que fez
- Escolhi ser professora desde pequena Era meu sonho Mas a realidade eacute um
pesadelo Quando chega o momento de entrar na sala de aula eu me arrependo desta
escolha Tenho uma filha de 1 ano e seis meses e peccedilo a Deus todo dia que a livre desta
profissatildeo
114
A professora conduziu-me com sua fala pela escola como quem apresenta um
depoacutesito de problemas sem lugar para sonhos para a edificaccedilatildeo da autonomia Ali era o
reduto das queixas narrado por uma voz que soacute lamenta Jacqueline debulhou uma a uma as
lamentaccedilotildees que impregnam aquele ambiente Ouvi um rosaacuterio de desespero de exaustatildeo de
descontrole de pacircnico ateacute de criacuteticas ao ECA - Estatuto da Crianccedila e do Adolescente - que
estava na iminecircncia de completar 24 anos de criaccedilatildeo e que segundo ela ateacute hoje natildeo sabe o
bem que fez a sociedade a existecircncia desse ordenamento juriacutedico As criacuteticas saiacuteram do ECA
agraves peacutessimas condiccedilotildees de trabalho agraves famiacutelias que a seu ver satildeo irresponsaacuteveis Essas
segundo a informante soacute visitam as escolas quando seus benefiacutecios sociais estatildeo ameaccedilados
sobrecarregando a instituiccedilatildeo com deveres que satildeo delas Jaqueline estava disposta a relatar
sobre o peso de ser docente Informou-me que guarda as lembranccedilas das coisas lindas sobre a
educaccedilatildeo ditas por Paulo Freire pelos[as] professores[as] da universidade mas ali dentro da
escola nada que ouviu serve aplica-se
- Somos impotentes Soacute um ou outro aluno daacute sentido ao nosso trabalho Vivemos na
sala de aula o aacutepice do desinteresse e desrespeito e isto eacute terriacutevel Tem horas que natildeo
acredito que estou vivendo isto
Ouvi aquele depoimento atenta e dolorosamente Mas inseri um toacutepico novo o
motivo da observaccedilatildeo daquela aula buscar o nexo temaacutetico das leituras feitas ali O tom da
desmotivaccedilatildeo do sentimento de impotecircncia continuou fazendo parte dos enunciados da profordf
Jaqueline
- Ler aqui eacute complicado professora Natildeo temos recursos nem interesse por parte
dos[as] alunos[as] que soacute querem bagunccedilar
- O que vocecirc preparou para a aula de hoje Indaguei-lhe Ela me disse que iria pedir
para eles escreverem sobre as feacuterias sobre a copa de 2014 Insisti sobre o que leriam disse-
me que algum texto do livro didaacutetico Perguntei-lhe se soacute liam os textos dos livros didaacuteticos
respondeu-me que quase sempre Um retorno agraves aulas sem planejamento sem a municcedilatildeo de
um texto novo produzido por fatos recentes vindo de suportes diferentes com uma
professora que iria improvisar qualquer leitura pareceu-me o retrato de um descaso
profissional bem niacutetido Sem buscar condenaccedilotildees pessoais puxo um fio do novelo da
educaccedilatildeo puacuteblica brasileira que com seus parcos investimentos faz poliacuteticas pobres para
115
pobres cerceando o direito desses agrave cidadania plena agrave emancipaccedilatildeo social Essa professora eacute
mais um elo da cadeia do descuido que envolve a escola puacuteblica brasileira
Depois de ouvi-la muito provoquei o diaacutelogo sobre a interface gecircnero e leitura
Jacqueline falou de gecircnero dos meios de comunicaccedilatildeo de massa influenciando
comportamentos sendo aliados ldquona abertura de mentesrdquo em suas palavras Mas a abertura de
mentes a seu ver resume-se agrave toleracircncia com o diferente estava sempre afirmando que
respeita ldquoas sapatonasrdquo assim se referindo agraves duas meninas que tinham um relacionamento
amoroso e que tentavam assumir isso na escola mas soacute respeitava natildeo aceitava ldquoaquilo natildeo
era normal e era constrangedorrdquo em suas palavras O pronunciamento desta professora
evidenciando uma construccedilatildeo naturalizada das identidades de gecircnero ainda foi acompanhado
por gestos de face e matildeos que transmitiam uma repugnacircncia pela orientaccedilatildeo sexual natildeo
normatizada
Naquela entrevista com as expressotildees preconceituosas de Jaqueline em nomear as
garotas homossexuais de forma pejorativa e com seus gestos de repulsa agraves manifestaccedilotildees de
afeto das garotas fui levada a compreender uma resposta massiva dada pelo questionaacuterio
quando indaguei acerca do posicionamento dosas educadoresas diante de manifestaccedilotildees de
interesse que contrariassem o normalizado Ali tanto quanto no questionaacuterio o desafio de
adotar um olhar reflexivo que problematize as construccedilotildees sociais que estereotipam
comportamentos e orientaccedilotildees sexuais ainda natildeo foi suficientemente alcanccedilado
Conversamos Toca o sinal para a entrada da aula A nossa interaccedilatildeo gerou nela algo
que teve um impulso e se dirigiu agrave prateleira de livros Chega-me com cinco volumes do guia
da Crianccedila Cidadatilde uma publicaccedilatildeo do UNICEF que eacute uma coleccedilatildeo com temas referentes agrave
cidadania O volume trazido pela professora Jaqueline eacute ldquoConvivendo com meninos e
meninasrdquo de autoria de Gwenaeumllle Boulet et al (2005) Tal documento eacute um encarte pequeno
com 54 paacuteginas cujo foco eacute o tratamento da questatildeo de gecircnero A existecircncia deste texto ali
me causou surpresa considerando que em outra etapa desta pesquisa fui informada pela
servidora que exerce a funccedilatildeo de bibliotecaacuteria ali de que nada havia naquele espaccedilo sobre esta
temaacutetica Mas Jacqueline meses depois desta informaccedilatildeo encontrou e parecia encontrar um
sentido em seu uso agora
ldquo- Jaacute que vocecirc estaacute aqui e pesquisa este tema vamos ver em que daacute hoje ler este
livro Mudei minha aula natildeo gosto de discutir estas questotildees mas agora me deu vontaderdquondash
Expressou-se assim a professora
116
Senti o risco do improviso e do artificialismo da aula que caiacutea ali de forma ex-
temporacircnea fruto de um confesso acaso Refleti ao mesmo tempo o quanto as brigadas por
uma defesa da equidade de gecircnero satildeo tambeacutem em forma de tecircnues mudanccedilas que chegam
chegam troteando Houve com minha presenccedila uma provocaccedilatildeo um encorajamento ao tema
tambeacutem jaacute por inuacutemeras vezes estimulado conforme eacute de conhecimento dosas educadoresas
da rede de ensino municipal atraveacutes de projetos acadecircmicos produzidos pela SEDEC como
os que refletem sobre a questatildeo do Bullying da violecircncia contra a mulher entre outros
A questatildeo eacute semear cuidar e perseverar Ali aos olhos de Jaqueline natildeo me parecia
haver um jardim a receber cuidados Seu semblante angustiado ao se deparar com o toque de
entrada para a sala de aula parecia o de quem natildeo levava sementes nem flores Havia um
solo jaacute pronunciado como aacuterido como infeacutertil nas palavras de uma professora que me disse
rezar protegendo sua filha do mal de ser educadora A turma era a do 6ordm ano A com alunosas
de faixa etaacuteria entre 12-13 anos Estavam presentes 18 alunosas naquela sala que receberam
cinco exemplares para serem lidos o que torna considero uma leitura dificultosa
inadequada A professora sem explicar bem a divisatildeo do material propocircs um ciacuterculo A
acuacutestica da sala era comprometida com ventiladores barulhentos e adolescentes inquietosas
Depois de um tempo ela conseguiu iniciar o trabalho e pediu a leitura do livro Joatildeo este eacute
um nome fictiacutecio tanto quanto os dos demais alunosas aqui referidosas a partir de entatildeo
afirma que natildeo quer ler ainda justificando sua negaccedilatildeo
- Natildeo jaacute sei ler pra que ficar lendo
A mestra pacientemente responde
- Joatildeo todo dia se aprende algo novo com a leitura
Atualizei ali o olhar para a 2ordf ediccedilatildeo da Pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO
PROacute-LIVRO 2008) quando essa pontua sobre quatildeo pode natildeo ser gecircnero de primeira
necessidade a leitura para crianccedilas que natildeo veem pais lendo que natildeo encontram ambiente
propiacutecio para o ato de ler A baixa escolaridade das famiacutelias daquelesas alunosas certamente
propicia pouca frequecircncia da leitura em suas casas o que compromete o estiacutemulo familiar agrave
leitura Para aquele aluno o ato de ler eacute mero instrumento decodificador que como ele jaacute
domina a sua teacutecnica despreza as outras funccedilotildees da leitura A professora deu atenccedilatildeo a Joatildeo
dando-lhe uma resposta concisa sobre o valor dessa praacutetica Mas senti falta de mais Senti
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falta de uma defesa da leitura que mobilizasse a turma Seria um momento propiacutecio para a
educadora inquirir questotildees acerca do prazer (ou desprazer) de ler
Como quem tem pressa como quem natildeo tem espaccedilo para mergulhar aquela
educadora volta a conduzir a aula Pediu aosagraves alunosas para lerem trechos em voz alta
indagou algo e nem esperou o resultado da resposta jaacute retomou ao texto Minha presenccedila
pode ter lanccedilado sobre ela ansiedade desejo de mostrar que tinha o controle disciplinar do
evento E talvez para ela a permissatildeo e o estiacutemulo agrave palavra gerasse debate e esse o
tumulto as conversas paralelas Mas em determinados momentos a explosatildeo de inquietude
dosas alunosas fragilizava seu jaacute tecircnue controle Olhei a professora contendo ira
envergonhada cheia de medo de explodir com aquelesas alunosas acuada segundo suas
proacuteprias palavras pelo ECA Esse ordenamento diferentemente de ser visto como um
instrumento juriacutedico avanccedilado na garantia de direitos era considerado como o responsaacutevel
por aquele espiacuterito de rebeldia nas vidas das crianccedilas e dosas adolescentes Jacqueline natildeo se
conteve e veio ateacute perto de mim desabafando
- Depois do ECA somos barrados [a] de termos autoridade com eles[as] E natildeo tem
estatuto de professor[a] nada nos protege
Acuada assim ela disse se sentir E sem perceber que lhe faltava autoridade natildeo pela
existecircncia do ECA mas pelo desgoverno de uma educaccedilatildeo puacuteblica precaacuteria engrossou o coro
de vozes que ressoaram dosas seusas colegas Vozes essas por mim anteriormente colhidas
naquela tarde nos momentos que permaneci na sala dosas professoresas ouvindo-osas
Acuada e sem sentir prazer pelo que faz Observando Jacqueline lendo usando toda sua
potencialidade vocal repetindo frases pedindo silecircncio estabeleci um elo com uma resposta
no instrumento investigativo aplicado em outubro de 2013 o questionaacuterio Um dado ali
pontuado por vaacuterios colaboradoresas indicando a ausecircncia de marcaccedilatildeo da leitura como
atividade de prazer (vide primeira questatildeo do instrumento) torna-se tatildeo palpaacutevel naquela sala
Como afirmar prazer na praacutetica leitora quando a voz doa mestrea se esvai em meio agrave gritaria
correria e desinteresse Muito hostil ler assim ela me diz
- Tem professor que ainda mente que eacute hipoacutecrita que diz que isso eacute bom Que faz
seus[as] alunos[as] lerem Esses[as] meninos[as] tornam o ato de ler um desprazer Preparo
tudo com carinho quando chega aqui tomo raiva de mim mesma por ainda insistir
Acompanhar Jacqueline naquela tarde em suas aulas foi passear por falas nas quais o
lugar da leitura na escola era o da farsa do engodo De modo exaustivo ela fala de exaustatildeo
118
de desesperanccedila e de tristeza porque disse acreditar que ali estava ldquoa chave das mudanccedilas que
precisam ser feitasrdquo nas suas palavras E sua discursividade era a da desesperanccedila se haacute a
chave nem haacute a porta na dialogia com Drummond em Joseacute (1983) A leitura era difiacutecil
naquela escola Mesmo assim a mestra comeccedila a trazer problematizaccedilotildees acerca das questotildees
de gecircnero Pede uma opiniatildeo agrave turma sobre um trecho do guia que aborda diferenccedilas entre
meninos e meninas ldquoNoacutes meninas somos sensiacuteveis fraacutegeis E os meninos satildeo uns brutos
[]rdquo(BOULET 2005 p 11) expressando com gritos
- Menina eacute diferente de menino Em quecirc Leiam isso na paacutegina 11 Vocecircs
concordam
As respostas saiacuteram em forma de gritos
- Satildeo umas taradas as meninas
- Aqui tem menina que natildeo aguenta nem o vento deste ventilador toda fraquinha
- Eacute sim satildeo fracas Satildeo iguais a Neymar caem por tudo
- Satildeo umas chatas umas metidas umas piriguetes
Poucos disseram que natildeo nenhum olhar de respeito agraves meninas que responderam
com vaias Imaginei que ela iria procurar problematizar esses enunciados Mas trouxe outro
toacutepico colhido rapidamente do guia que faz uma abordagem pontual das questotildees de gecircnero
entabulando esta outra questatildeo
- Algueacutem aqui aceitaria ser amigo[a] de um gay
Impressionou-me o tom de desatenccedilatildeo agrave problemaacutetica de gecircnero por Jaqueline O que
foi dito por ela ao indagar sobre se algueacutem seria amigo de um gay carrega muito de seu
preconceito Ela sedimentou um olhar que constitui o outro o segregacionado o diferente e
inferiorizado Por que algueacutem teria que aceitar ser amigoa de um gay A relaccedilatildeo natildeo seria a
de se aceitaria ou natildeo a amizade de pessoas E ali o que eacute dito por ela sobre as relaccedilotildees de
gecircnero alicerccedilam estereoacutetipos datildeo invisibilidade ao fenocircmeno da violecircncia aos processos de
construccedilatildeo do diferente (SILVA 2012) Uma praacutetica discursiva que se potildee na contramatildeo dos
interesses de uma escola para todas as pessoas como advogam os DH ali percebi
A professora ouviu da turma um sonoro natildeo E sem atentar possivelmente para o
quanto seu olhar nega uma brigada vigilante anti-sexista anti-homofoacutebica e de respeito aos
direitos das crianccedilas e adolescentes proposta por organismos mundiais e nacionais amparada
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por marcos legais protetivos natildeo atentou para a sonoridade negativa da turma para um mundo
inclusivo Mas retrucou
- Quer dizer que vocecircs deixariam ele [sic] no isolamento
Um menino de nome Pedro disse que sim que merece sofrer ficar isolado quem
desobedece ao que Deus criou
-E Deus criou homem e mulher professora - Reforccedilou o garoto
Ela respondeu que sim Assumiu uma postura criacionista essencialista Muito
embora tenha salientado que mesmo sendo um desvio uma afronta ao que Deus determinou
essas pessoas merecem ser respeitadas Jeacutessica uma menina muito inquieta considerada
conforme Jacqueline ldquopior do que os meninosrdquo em termos de inquietaccedilatildeo agressivamente
respondeu
- Respeitar boiola professora Respeito natildeo
Jaqueline natildeo retrucou Aquela aluna me parecia sem eco Todas as falas em sua
direccedilatildeo eram no sentido de fazecirc-la ficar quieta A menina demonstrava uma agressividade
para com todosas colegas indiferenccedila agrave aula e desrespeito agrave professora
- Vocecirc eacute louca eacute Respeitar boiola ndash Dirigiu-se agrave Jacqueline respondendo-lhe pela
defesa que a professora fez do dever de todosas ao respeito aos considerados desviantes
Sem economias essa aluna iniciou um turno de xingamentos de imitaccedilotildees grotescas
de como os gays falam andam e gesticulam levando a turma a rir e constrangendo a
professora Desistindo de enfrentaacute-la natildeo sei se por medo de criar mais confronto com a aluna
ou se por consentir manifestaccedilotildees de escaacuternio e homofoacutebicas Jacqueline natildeo exortou a aluna
redirecionou a aula solicitando a volta ao texto E indicando desconhecer por completo o guia
sai procurando o que ler salteando paacuteginas em busca do que explorar Premida pelo tempo
pelo barulho da sala acha trechos aleatoriamente e os ler pede opiniatildeo do grupo e sem
conseguir instigar o interesse da turma que se lanccedila em brincadeiras culpa a todosas pela
eterna balbuacuterdia e descompromisso com o ato de debater
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Por muitos momentos observei a agitaccedilatildeo da professora diante do texto e da turma
Seu ambiente de trabalho se traduzia como uma violecircncia ao ato de ler a balbuacuterdia dosas
alunosas inviabilizava a mais elementar concentraccedilatildeo que a leitura requer para que haja a
fluecircncia das ideias a capacidade de retecirc-las de trocaacute-las Em polvorosa a turma ao tempo
que respondia a algo pontuado pelo texto desligava-se dele completamente mergulhando em
outros mundos outros textos tatildeo diacutespares ao proposto Parecia natildeo haver naquele espaccedilo por
alguns instantes a presenccedila de um texto em matildeos a presenccedila de uma mestra E ela competia
com a desordem agitando-se gritando muito
Em contraste com aquele cenaacuterio de mestra sem maestria sem calmaria sem rumo
resgatei uma imagem beliacutessima trazida por Larrosa (2004) com a sua leitura do jaacute referido
poema O Leitor de Rilke A construccedilatildeo poeacutetica desse autor debulha jaacute em seus versos
iniciais a imagem de um ser tomado possuiacutedo arrebatado pelo ato de ler ldquoQuem o conhece
a este que jaacute baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo ser a quem apenas o veloz passar
das paacuteginas plenas agraves vezes interrompe com violecircnciardquo O enfrentamento da obra que se daacute
com o rosto abaixado eacute a garantia da transformaccedilatildeo A obra quer quietude o autor diz que
ldquoapenas o veloz passar das paacuteginasrdquo traz a inquietaccedilatildeo Oa leitora poeticamente possui as
marcas da quietude da liquidez da transformaccedilatildeo nas palavras de Larrosa
O texto esse segundo ser no qual o leitor submerge estaacute empapado da sombra do
leitor A palavra alematilde eacute Getrankts e poderia ser traduzida por embriagada ou
porembebido[] O texto entatildeo tambeacutem perdeu sua estabilidade sua solidez e seu
controle sobre si mesmo ao estar impregnado dessa sombra liacutequida e embriagadora
que o leitor [a] derramou sobre ele A sombra do leitor [a] tem algo da fluidez dos
liacutequidos O texto por sua parte eacute permeaacutevel a esses liacutequidos uma vez que se deixa
empapar e embriagar por eles Ambos satildeo liacutequidos e podem misturar-se entre si E o
texto uma vez liquefeito embriagado e desmaternado agora pode ser o elemento
em que o leitor pode submergir para emergir transformado o elemento liacutequido da
metamorfose (LARROSA 2004 p 108)
A experiecircncia da leitura na poesia de Rilke e na interpretaccedilatildeo que Larrosa (2004)
empresta a esta obra eacute a experiecircncia da conversatildeo essa aqui natildeo eacute vista como aspiraccedilatildeo ao
divino mas agrave substancialidade de si da plenitude da saiacuteda do ordinaacuterio da
despersonalizaccedilatildeo ldquoQuem o conhecerdquo Haacute por conseguinte observando a aula de leitura
ministrada por Jaqueline uma distacircncia astronocircmica entre o leitor da poesia rilkeana e osas
leitoresas daquela sala de aula Satildeo contextos histoacutericos distintos com diferentes grupos
sociais que resultam em entregas e natildeo entregas agrave leitura Parece que a sala de aula inquieta e
desgovernada programada pelo poder-escola mesmo que anuncie a importacircncia da entrega
para a leitura natildeo propicia as condiccedilotildees para isto Haacute um controle por parte desse poder que
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cria regras nas quais se gera o impedimento para que a relaccedilatildeo complexa de abandonar-se pela
interpretaccedilatildeo de obras de textos de discursos para inquietar mundos prontos seja efetivada
Ler entatildeo na escola puacuteblica em tela e em tantas outras construiacutedas com a mesma
mesquinharia na faceta Paulo Honorina de nossos gestores puacuteblicos no trato com a educaccedilatildeo
eacute estar sob a tutela de uma atividade que controla e disciplina o natildeo ler
E o ler na sala de Jaqueline dizia do natildeo ler Assim entendi tambeacutem quando
observei a cena em que trecircs alunos que sentavam juntos folheavam o guia passando as
paacuteginas sem deleite algum mesmo este contendo bastante ilustraccedilotildees Um deles disse agrave
professora que ler aquilo ldquoera um sacordquo Ela foi raacutepida em me justificar a opiniatildeo do garoto
- Aqueles satildeo influenciados pela religiatildeo natildeo gostam de nada natildeo aceitam os
homossexuais nem que a mulher se iguale ao homem Satildeo do contra
Jaqueline demonstrou entatildeo entender pouco o que disse o aluno E dividida entre
alunosas que representavam o fundamentalismo religioso e expressavam rigidez de papeacuteis
acerca de identidades de gecircnero entre outrosas que expressavam um olhar assimeacutetrico para
as relaccedilotildees de gecircnero levadosas pelo senso comum e ainda por voz solitaacuteria que afirmou
defender a liberdade de cada um de ser quem quer como a de Viacutetor um paulistano receacutem-
chegado agrave Paraiacuteba Jacqueline posicionou-se E o fez premida pelo discurso da toleracircncia ao
diferente Uma ressonacircncia assumida por ela das suas interaccedilotildees com discursos de
formadores nos eventos de formaccedilatildeo continuada dos quais participa na Rede Municipal de
Ensino Diversas formaccedilotildees discursivas circundavam naquele espaccedilo impingindo a marca de
quatildeo heterogecircneas e fragmentadas satildeo as identidades sociais construiacutedas em praacuteticas
discursivas regradas historicamente Enxergaacute-las e tecirc-las como processos de construccedilotildees nos
quais somos premidos eacute em tese pensar fora do autoritarismo O ato de ler pode estar a serviccedilo
de exercitarmos o pensamento nesta perspectiva o que poderaacute promover o encontro com o
outro com disposiccedilatildeo para o diaacutelogo Mas este ato natildeo pode fugir de sua instacircncia poliacutetica
natildeo pode se dar sem angariar as formaccedilotildees discursivas que determinam verdades apagando e
dando sentidos conforme pontua Foucault [] ldquovivemos em uma sociedade que produz e faz
circular discursos que funcionam como verdade que passam por tal e que deteacutem por este
motivo poderes especiacuteficosrdquo (FOUCAULT 2012 p 231) Esta eacute tarefa para os que brigam os
que vivem em permanente posiccedilatildeo de lutadores
Natildeo sei se instigada pelo nosso diaacutelogo antes da aula a professora trouxe a tocircnica da
violecircncia contra a mulher perguntando se algueacutem ali achava certo um homem agredir uma
122
mulher A pergunta me pareceu ingecircnua simplista que expressa possivelmente a
desorganizaccedilatildeo de Jaqueline por improvisar uma aula em um tema que natildeo parece lhe
fascinar As respostas vieram de forma apressadas e uniacutessonas por um natildeo agrave agressatildeo agrave
mulher Ela elogiou o grupo propagando uma cultura de paz reforccedilando que ningueacutem deve
bater em ningueacutemrdquo Chamou-me atenccedilatildeo a voz fraacutegil de uma menina que trouxe o
ordenamento juriacutedico como justificativa para o impedimento agrave violecircncia contra a mulher
- Natildeo pode professora por causa da Maria da Penha
Jacqueline demonstrou gostar desta resposta da garota e falou rapidamente da Lei
1134006 pontuando para a turma ldquoeacute a Maria da Penha que bota os homens que batem em
mulher na cadeiardquo Chamou-me atenccedilatildeo ainda o fato natildeo visto pela professora de que a aluna
natildeo encontrou um oacutebice para a violecircncia contra a mulher na dignidade humana dessa no seu
direito a uma vida sem agressotildees e sim em uma lei Mas a demonstraccedilatildeo de conhecimento do
ordenamento juriacutedico pela menina deixou a professora satisfeita Uma outra aluna indagou-
lhe
- Quem foi professora Maria da Penha
A docente Jaqueline natildeo soube dizer exatamente soacute respondeu que Maria da Penha eacute
uma mulher que sofreu violecircncia domeacutestica Perdeu a oportunidade de narrar uma histoacuteria
exemplar de luta contra a impunidade a este mal que grassa em tantos lares ao tempo em que
evidenciou um comprometimento em sua formaccedilatildeo intelectual Seu desconhecimento
considerando a relevacircncia que a farmacecircutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes
possui como siacutembolo de luta para o enfrentamento da violecircncia contra a mulher demonstrou
fragilidade de formaccedilatildeo profissional Maria da Penha vitimada pela violecircncia com duas
tentativas de assassinato por Marco Antonio Heredia Viveros agrave eacutepoca seu marido lutou
bravamente contra a impunidade a esse crime Por sua obstinaccedilatildeo durante longos anos travou
uma longa batalha no poder Judiciaacuterio e evitou a impunidade de Marco conseguindo levar
sua denuacutencia agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organizaccedilatildeo dos
Estados Americanos) que determinou medidas do Estado brasileiro pela puniccedilatildeo ao ex-
marido e reparaccedilatildeo agrave viacutetima A visibilidade da violecircncia contra a mulher ganhou em Maria da
Penha um baluarte que a fez homenageada com o nome da Lei 1134006 Suas apariccedilotildees na
123
miacutedia em especial nas comemoraccedilotildees alusivas ao Dia Internacional da Mulher deveriam ser
outro fator que favorecesse o conhecimento da cearense pela professora Jaqueline
O tema da violecircncia contra a mulher instigou a turma a falar e muitosas alunosas
disseram conhecer mulheres viacutetimas de violecircncia ningueacutem disse que isto fazia parte da
realidade familiar mas da de uma vizinha de uma conhecida Jacqueline natildeo aproveitou a
discussatildeo para trazer reflexotildees sobre as causas desse fenocircmeno dar visibilidade agrave questatildeo
cultural que sustenta a assimetria entre homens e mulheres e discorrer sobre a importacircncia da
lei E mesmo diante de enunciados de meninos dizendo que deveria existir a lei para os
homens tambeacutem o que implica uma incoerecircncia a professora se esquivou de aprofundar o
debate Um debate que seria oportuno considerando que a violecircncia contra homens eacute um
fenocircmeno cultural de baixiacutessima incidecircncia o que em tese natildeo justifica a existecircncia de uma
lei para a proteccedilatildeo dos homens
A aula natildeo havia acabado ainda mas o focirclego da professora sim Como quem paga
alta penitecircncia olhou muito para o reloacutegio enfim sentou-se exaurida ao meu lado e
timidamente me pediu uma opiniatildeo sobre seu desempenho pedagoacutegico Tive zelo para natildeo
parecer dona da verdade e pontuei algo para ela Iniciando pela criacutetica ao improviso Abordei
tambeacutem com a educadora o quanto o lidar com texto em sala de aula em uma perspectiva
discursiva permite a quebra da ilusatildeo de que haacute uma leitura boa e certa para um texto na qual
o professor seria o inteacuterprete legiacutetimo E que a postura dela de natildeo ouvir as respostas dosas
alunosas em alguns momentos evidenciava talvez para ela a crenccedila de que as respostas da
turma estariam fora do campo do verdadeiro Falei tambeacutem do desejo de ver a temaacutetica ser
vivenciada com esmero por respeito ao princiacutepio da dignidade humana de todas as pessoas e
por considerar que para que se engendrem reflexotildees plurais e que se olhem mais
apuradamente as assimetrias de gecircnero desmantelando-nas as construccedilotildees discursivas
precisam fazer parte de um ethos Precisam fazer parte de uma brigada pela defesa de uma
escola inclusiva para todosas e isto natildeo nasce aleatoriamente nem sem suor Novos sujeitos
precisam nascer ou no dizer foucaultiano (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c 2012) novos
modos de subjetivaccedilatildeo Jaqueline ponderou que estava disposta a aprender mas de algumas
coisas natildeo abriria matildeo O que ela e tantosas natildeo abrem matildeo poderaacute continuar impedindo a
responsabilidade da escola em construir caminhos para novos sujeitos com a eliminaccedilatildeo de
praacuteticas discriminatoacuterias sexistas homofoacutebicas
A aula acabou e eu tomei emprestado o material usado em sala para analisaacute-lo
conforme tracei em um dos objetivos deste trabalho E muito embora este natildeo seja um
material programado para fazer parte de suas aulas como jaacute pontuei aqui por sua escolha ter
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sido notoriamente casual aleatoacuteria foi ele o subsiacutedio do evento e eacute um dos textos presentes
na escola que poderaacute ser lido outras vezes Voltei agrave biblioteca e perguntei agrave Denise a
responsaacutevel por aquele espaccedilo que foi uma das participantes da pesquisa se aquele texto o
ldquoGuia da Crianccedila Cidadatilde ndash Convivendo com meninas e meninosrdquo (BOULET 2005) jaacute fazia
parte do acervo bibliotecaacuterio quando de minhas visitaccedilotildees na outra etapa desta pesquisa Ela
me informou que natildeo aqueles volumes tinham sido uma aquisiccedilatildeo no final do ano realizada
pela coordenadora do projeto de leitura
O material usado um guia eacute um gecircnero textual que tem como caracteriacutestica pontuar
concisamente informaccedilotildees para nortear leitoresas acerca de algo E com esse natildeo foi
diferente o material utilizado naquela aula eacute um texto com muita ilustraccedilatildeo em uma
linguagem acessiacutevel e com historinhas apresentadas em trecircs capiacutetulos As narrativas abordam
relacionamentos entre meninos e meninas problematizando a construccedilatildeo das diferenccedilas
atraveacutes de toacutepicos como o interesse dos meninos por baleacute a ocupaccedilatildeo das mulheres no
mercado de trabalho as meninas poderem tomar agrave frente nas manifestaccedilotildees de afeto entre
outros papeacuteis sociais questionados Satildeo toacutepicos interessantes que se organizados
reflexivamente poderiam render uma aula mais significativa
O guia todavia eacute uma produccedilatildeo do UNICEF jaacute com uma certa defasagem em
relaccedilatildeo aos avanccedilos conquistados pelas mulheres no tocante agraves garantias juriacutedicas como as
Leis 1203409 (BRASIL 2009) que prevecirc a obrigatoriedade do preenchimento de vagas por
mulheres em cada partido e a Maria da Penha que combate agrave violecircncia contra a mulher
Outros avanccedilos angariados pelo coletivo feminista natildeo poderiam tambeacutem estar contemplados
ali no que diz respeito agraves mobilizaccedilotildees sociais como as construccedilotildees das conferecircncias entre
outros Assim eacute uma leitura que mobiliza o interesse pelo combate agrave violecircncia de gecircnero tem
seu valor mas precisaria estar melhor articulada e atualizada Esse eacute um trabalho doa
fazedora da educaccedilatildeo que deve entrar em sala carregando leituras catadas angariadas
escolhidas criteriosamente o que natildeo foi o caso da aula em tela na qual a mestra pareceu
carregar um guia sem ser guiada por ele
125
4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA VIA DA
LEITURA
Apoacutes discorrer acerca do trajeto desta pesquisa objetivando costurar os fios traccedilados
ao longo de sua constituiccedilatildeo cabe-me tomar a direccedilatildeo de apresentar nesta parte do estudo
uma proposta de sistematizaccedilatildeo de estrateacutegias que poderatildeo ser adotadas pelo projeto de leitura
da escola TRAVESSIA Isso se deve porque este mestrado que possui uma diretriz
profissional estaacute sendo desenvolvido de modo a permitir uma accedilatildeo interventiva na praacutetica
docente de seus cursistas o que se traduz como compromisso e luta com o fazer pedagoacutegico
aos quais bendigo
E com base no que angariei em termos de anaacutelises das discursividades de
educadoresas como mediadores(as) de leituras cabe-me propor a inserccedilatildeo do debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA Faccedilo assim por conceber que
a leitura ali vivenciada percebida em diversos momentos desta pesquisa natildeo demonstrou
contemplar a temaacutetica da equidade de gecircnero E a ausecircncia desta contemplaccedilatildeo eacute considero
um oacutebice para a formaccedilatildeo de cidadatildeosatildes reflexivosas que eacute um dos objetivos propostos no
documento do referido projeto de leitura da escola
Desse modo e em respeito agrave pauta reivindicatoacuteria dos DH das mulheres da populaccedilatildeo
LGBT e de toda uma legislaccedilatildeo educacional que trata da inclusatildeo como um direito de todas as
pessoas agrave dignidade humana proponho que haja o empenho pela implementaccedilatildeo do debate da
equidade de gecircnero na escola TRAVESSIA por via da leitura Sendo concebida esta via
como uma praacutetica social que pode contribuir significativamente com as mudanccedilas sociais e
culturais que precisam ser construiacutedas (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008) eacute preciso
que nela seja investido um olhar mais reflexivo Para isto eacute crucial que a escola repense o
lugar da leitura centralizando-a norteando esta praacutetica por reflexotildees e estudos frequentes
entre osas professoresas envolvidosas com o projeto CestaSexta literaacuteria Tais reflexotildees e
estudos devem estar subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e
propotildeem como leitura no projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam
estereoacutetipos para os modos como se alicerccedilam verdades Tais reflexotildees e estudos devem estar
subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e propotildeem como leitura no
projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam estereoacutetipos para os modos como
se alicerccedilam verdades A vigilacircncia sobre os modos de conceber a leitura tem razatildeo de ser
quando se considera o que a AD atraveacutes de Possenti (2009) postula em si natildeo eacute a leitura um
bem E como tal natildeo deve ser sacralizada natildeo pode tambeacutem ser mateacuteria de improviso de
mero cumprimento de tarefa sem planejamento criterioso e sabor
126
A formaccedilatildeo de leitoresas pressupotildee estudo pressupotildee concernir com o que se
acolhe Heidegger (apud LARROSA 2004 p 110) investe na importacircncia do ato de ler
debruccedilando-se na etimologia do termo
A etimologia de ler como recorda Heidegger remete a recolher a colher a
colecionar a coletar Leitura lectio liccedilatildeo e tambeacutem e-leiccedilatildeo se-leccedilatildeo co-leccedilatildeo co-
lheita Heidegger mostra como o legein grego relaciona-se com o leger latino e com
o alematildeo lesen em seu sentido primitivo de um ldquopocircr abaixo e pocircr diante de que se
reuacutene a si mesmo e recolhe outras coisasrdquo Esse pocircr eacute um juntar e um com-pocircr []
E aleacutem disso como indica o alematildeo lesen um coletar ou um re-coletar um co-lher
ou um re-colher a colheita de espigas (Ahren-lese) recolhe o fruto do solo A
vindima (Trauben-lese) colhe as bagas da videira Por isso o juntar e pocircr diante natildeo
eacute um juntar qualquer coisa de qualquer maneira natildeo eacute um mero amontoar mas
implica uma busca e uma escolha previamente determinada por um colocar dentre
por um colocar sob um teto por um preservar ou abrigar (HEIDEGGER apud
LARROSA 2004 p 110)
Haacute uma ideia de abrigamento de incorporaccedilatildeo com a definiccedilatildeo do termo que sugere
alimento a leitura como o patildeo diaacuterio que nutre defendida por Antunes (2009) E eacute com essa
ideia que advogo quatildeo a formaccedilatildeo de leitoresas eacute tarefa de extrema responsabilidade
pressupotildee condiccedilotildees adequadas de produccedilatildeo do ato de ler que envolve a disponibilidade do
acervo do espaccedilo adequado bem como as condiccedilotildees intersubjetivas como o desejo o
conhecimento o prazer por parte de quem propotildee a leitura A formaccedilatildeo de leitoresas eacute ato
seacuterio ultrapassa formar para a mera classificaccedilatildeo para o mero valorar de coisas eacute no dizer
de Larrosa (2004) ato que possibilita deixar aparecer o existente em sua plenitude atraveacutes da
experiecircncia do lanccedilar-se
E qual se lanccedilar haacute na leitura proposta pela profordf Jaqueline com poucos livros em
muitas matildeos desprotegida pelo Estado com um fastio intelectual leitor por um tema que
aparece nas formaccedilotildees continuadas segundo me informou mas desaparece na sua praacutetica
discursiva Haacute um lanccedilar-se Haacute eacute um hiato entre os sujeitos que escutam mudanccedilas
anunciadas nas formaccedilotildees entre os sujeitos que leem e natildeo assimilam essas leituras O
percurso formativo dessa profissional como dos outros sujeitos desta pesquisa eacute o de um
sujeito refrataacuterio agraves mudanccedilas propostas nas tecnologias enunciativas nas praacuteticas leitoras que
instiguem reflexotildees sobre a constituiccedilatildeo de identidades Nesse sentido recorro a Noacutevoa
A formaccedilatildeo eacute algo que pertence ao proacuteprio sujeito e se inscreve num processo de ser
(nossas vidas e experiecircncias nosso passado etc) e num processo de ir sendo (nossos
projetos nossa ideia de futura [] Eacute uma conquista feita com muitas ajudas dos
mestres dos livros das aulas dos computadores Mas depende sempre de um
trabalho pessoal Ningueacutem forma ningueacutem Cada um forma-se sozinho (NOacuteVOA
2001 p 15)
127
No trabalho de formaccedilatildeo interior levantado por Noacutevoa que eacute de extrema
importacircncia estatildeo as lembranccedilas foucaultianas das praacuteticas de si (FOUCAULT 2004a
2004b 2004c) as que fazem os sujeitos acordarem para seus desejos atentarem para relaccedilotildees
consigo com seus cuidados mas que permitem o olhar em torno o olhar para as construccedilotildees
sociais de si e do outroa Daiacute poderaacute vir a condiccedilatildeo de ser leitora de ser lanccediladora
Cuidando de si mas amparadoa pelo Estado satildeo por praacuteticas de libertaccedilatildeo e de liberdade que
osas intelectuais e professoresas poderatildeo ter a vitalidade necessaacuteria para formar e ser
leitora E aqui de novo a Literatura de Graciliano Ramos me acolhe com Madalena lutando
chorosamente contra o opressor Paulo Honoacuterio e sendo vencida Acode-me para que eu possa
propagar solitariamente natildeo haacute saiacuteda Agreste eacute a alma de Paulo Honoacuterio
Conheci que Madalena era boa em demasia mas natildeo conheci tudo de uma vez Ela
se revelou pouco a pouco e nunca se revelou inteiramente A culpa foi minha ou
antes a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste (RAMOS 1978
p 92)
Como agreste eacute o coraccedilatildeo de uma sala de aula sem livros sem sonhadoresas sem
leitoresas Fiz esse rodeio por outras paragens para reafirmar que as estrateacutegias para se
formar leitoresas satildeo meticulosas exigem accedilotildees inventivas que mobilizem a ultrapassagem
aos muros da escola fazendo a chamada ao Poder Puacuteblico Mas para isso eacute preciso professora
que escolha natildeo chorar como o fez Madalena Ao agente de letramento resta-lhe organizar-se
politicamente e especialmente se enxerga na leitura um cunho libertaacuterio como me afirmou
Jaqueline minutos antes de entrar na sala de aula e afirmam tantosas outrosas
educadoresas resta-lhe lanccedilar matildeo de artefatos culturais que fomentem reflexotildees
propositoras da construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo de empoderamento social de
grupos minoritaacuterios entre outras formas de experimentar vivecircncias
Eacute uma luta por espaccedilo formar leitora E como luta natildeo se daacute sem investimento sem
desarticulaccedilotildees e articulaccedilotildees de olhares Natildeo se daacute sem mobilizaccedilotildees internas e externas ao
acircmbito da esfera escolar por isso que aqui me cabe atravessar o olhar indo da escola agrave
SEDEC e inquirir desse oacutergatildeo sobre suas responsabilidades poliacutetico-administrativas A
educaccedilatildeo do municiacutepio precisa repensar uma forma de estar gestando maior compromisso e
seriedade com as suas poliacuteticas educacionais no que se refere agrave responsabilidade de formar
leitoresas A produccedilatildeo de projetos de leitura natildeo pode ser tarefa de cunho meramente
administrativo sem o acompanhamento devido pelo pedagoacutegico Uma professora
readaptadoa portanto soacute deve propor e coordenar projeto de leitura se houver nelea as
128
favoraacuteveis condiccedilotildees para isso biblioteca escolar natildeo pode ser lugar para assegurar a
manutenccedilatildeo de gratificaccedilatildeo docente natildeo pode ser espaccedilo onde apenas se emprestam livros
sem a preocupaccedilatildeo com um trabalho profiacutecuo para o estiacutemulo agrave leitura Haacute o Plano Nacional
de Livro e Leitura ndash PNLL que reivindica a esse espaccedilo o seu lugar de dinacircmico polo difusor
de informaccedilatildeo e cultura para isso o profissional que fica agrave frente desse oacutergatildeo precisa avanccedilar
em conquistas por mais habilidade A responsabilidade da SEDEC com osas readaptadosas
natildeo pode se restringir agrave exigecircncia com a confecccedilatildeo de um projeto de leitura no papel mas em
formaacute-losas para que exerccedilam com maestria a funccedilatildeo de agente de letramentos
Pensar entatildeo e ainda em um aperfeiccediloamento com o trabalho de leitura na escola
TRAVESSIA eacute tambeacutem sair dos muros daquele espaccedilo e provocar os gabinetes e o interesse
do Poder Puacuteblico da Rede de Educaccedilatildeo Municipal de Joatildeo Pessoa para o implemento de
melhorias na formaccedilatildeo continuada por ela oferecida Como propositora das formaccedilotildees
continuadas a SEDEC deve se questionar sobre a qualidade dessas avaliando seus impactos
nas praacuteticas docentes As formaccedilotildees continuadas natildeo podem ser inoacutecuas incapazes de fazer
com que seusuas educadoresas impactem suas praacuteticas educativas com o que lhes satildeo
ministradosas nos eventos de formaccedilatildeo Para isto essas praacuteticas precisam estar municiadas de
reflexotildees permanentes acerca de seus jogos de verdades de suas operacionalidades do seu
formato das accedilotildees conectadas com a realidade da sala de aula acerca enfim dos seus efeitos
sobre as praacuteticas discursivas dos seus docentes
Dentre as preocupaccedilotildees que a escola TRAVESSIA deve ter para que possa
aperfeiccediloar seu trabalho com a leitura pode estar tambeacutem a de proporcionar o envolvimento
da participaccedilatildeo familiar nas praacuteticas leitoras A matildee jaacute foi aqui pontuado pelas anaacutelises dos
resultados da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2011) tem papel
inquestionaacutevel na influecircncia da formaccedilatildeo leitora A famiacutelia a despeito das dificuldades de
ajuste com tempo precisa ser estimulada a se envolver com as temaacuteticas e accedilotildees leitoras
desenvolvidas pela escola natildeo soacute atraveacutes das tarefas domeacutesticas dosas filhosas mas vindo agrave
escola para ler produzir textos para elesas participar dos eventos leitores Haacute matildees pais
avocircoacutes tiosas e irmatildeosas talentosos nos lares que podem contribuir com o trabalho de
leitura nas escolas atuando como contadoresas de histoacuterias como atoresatrizes em peccedilas
teatrais entre outras atividades
Reconheccedilo satildeo deveras hercuacuteleas as responsabilidades que o poder puacuteblico precisa
implementar para assegurar as mudanccedilas que a sociedade brasileira tem como direito em
termos de educaccedilatildeo de qualidade Satildeo inuacutemeras e histoacutericas as queixas de educandosas e
educadoresas sobre o ensino que o Estado brasileiro oferta agrave populaccedilatildeo e no que diz respeito
129
agrave praacutetica leitora pela escola elencam com frequecircncia como pontos negativos textos impostos
pouco acervo condiccedilotildees inadequadas de espaccedilo leitura para cumprir obrigaccedilatildeo A escola
precisa olhar com respeito tais queixas crocircnicas de seusuas educadoresas enxergar suas
vozes dispostas a aprender a aprender e aceitar o desafio de ser inventiva para resistir ao
poder como Foucault (2012) ressalta E em se tratando de poder institucional como tem sido
avassalador o poder puacuteblico do descaso com a educaccedilatildeo brasileira Tatildeo devastador a ponto de
fazer com que pensar em propor estrateacutegias interventivas em uma de suas instacircncias de
trabalho seja tatildeo sedutor quanto frustrante para mim e para educadoresas das escolas
puacuteblicas do Paiacutes Como ser inventivo diante dos limites estruturais que se apresentam face agraves
tentativas de desenvolvimento de um bom trabalho A realidade das salas superlotadas e dos
parcos recursos em termos de filmes de acervos literaacuterios musicais e demais artefatos
culturais aqui jaacute referendados comprometem a qualidade de um trabalho com a leitura
expondo o quanto o direito agrave educaccedilatildeo de qualidade estaacute sendo violado
Mas pior ficaraacute se natildeo se propuser Vou tentar pela vitalidade que haacute nos gestos de
tentar e por importar ter a leitura em pauta despertar interesse por ela saber de onde se lecirc
perscrutar por qual controle se lecirc Importa formar leitores que afiem os sentidos reflitam
sobre o estar no mundo para que possam no dizer de Freire (1999 p 124) conceber a
possibilidade do inacabamento humano ldquoa raiz mais profunda da politicidade da educaccedilatildeo se
acha na educabilidade mesma do ser humano que se fundamenta na sua natureza inacabada e
da qual se tornou conscienterdquo A leitura pode ser sem sacralizaccedilotildees uma porta para as buscas
de si foucaultianas e para a consciecircncia freireana
Convencida disto encaminho propostas de atividades de leituras de viacutedeos sites e
filmes para aprimorar as reflexotildees acerca da temaacutetica Faccedilo isto sem a menor pretensatildeo de
demonstrar possuir foacutermula nem verdade alguma nem achando que o que proponho eacute
novidade pois creio que apesar das condiccedilotildees adversas em muitos contextos escolares o
trabalho com a leitura tem sido pautado em uma perspectiva discursiva com objetivos
emancipatoacuterios libertaacuterios E o que me compete fazer neste momento satildeo esboccedilos para uma
reflexatildeo que norteie a praacutetica leitora do CestaSexta Literaacuteria Ciente sou todavia de que
profiacutecuo eacute que se faccedilam estudos coletivos reforccedilados nas coordenaccedilotildees pedagoacutegicas com
muito diaacutelogo e participaccedilatildeo dosas educadoresas ouvindo as famiacutelias os educandosas para
que haja o fortalecimento de ideias e aprendizado coletivo
Ciente sou ainda todavia de que respalda a todosas educadorasas no sentido de
reivindicar e fazer as mudanccedilas que precisam ser efetivadas a chegada de mais uma
tecnologia enunciativa como promessa de mudanccedilas O Senado Federal aprovou em julho
130
deste o novo Plano Nacional da Educaccedilatildeo - PNE cujo teor traz o compromisso firmado pelo
Governo brasileiro atraveacutes de suas poliacuteticas puacuteblicas para o enfrentamento da gravidade que
acomete a educaccedilatildeo brasileira Satildeo promessas em formato de diretrizes e metas a serem
cumpridas ateacute 2024 promessas que soacute poderatildeo ser alcanccediladas se esta tecnologia enunciativa
for concebida e acolhida como Plano de Estado mais do que Plano de Governo
Que sejamos osas santosas fazedoresas da mudanccedila que a educaccedilatildeo brasileira
precisa experimentar para sair de seu estado crocircnico de adoecimento A santidade nos
convoca a rezar aqui o sentido dessa accedilatildeo eacute para aleacutem da busca do sagrado conforme
estabelece esse Plano e um arcabouccedilo da legislaccedilatildeo educacional pela fundamental poliacutetica de
valorizaccedilatildeo global do magisteacuterio a qual implica simultaneamente a formaccedilatildeo profissional
inicial as condiccedilotildees de trabalho salaacuterio e carreira e a formaccedilatildeo continuada Que a reza natildeo
seja silenciosa apenas nem solitaacuteria pois seraacute inoacutecua e que conflua para o que diz o novo
PNE no sentido de que eacute preciso criar condiccedilotildees para que os professores possam vislumbrar
perspectivas de crescimento profissional e de continuidade de seu processo de formaccedilatildeo
(BRASIL 2014) Quem sabe assim o rosaacuterio de lamentaccedilotildees monotemaacuteticas que osas
educadoresas arrastam em seus enunciados natildeo mude de tom surgindo a sonoridade da luta
da paixatildeo e do sonho tatildeo (en)cantada por Chico Buarque de Holanda ldquoAi quero uma
lembranccedila eu quero uma esperanccedila A tua primavera
Apoacutes fazer uma ressalva ao PNE receacutem-chegado retorno agrave reflexatildeo sobre a
semeadura na escola em tela apresentando agrave guisa de sugestatildeo algumas recomendaccedilotildees que
podem ser incorporadas pela organizaccedilatildeo do projeto a CestaSexta Literaacuteria Nesse sentido
cabe aos organizadores do projeto de leitura da escola TRAVESSIA
1) Considerar a fragilidade com que o projeto de leitura se apresenta evidenciada
natildeo soacute pela ausecircncia da temaacutetica de gecircnero e de temas transversais propostos
pelos PCNs como tambeacutem pela ausecircncia de uma fluente organizaccedilatildeo entre as
accedilotildees propostas sua metodologia e seus objetivos e buscar construir uma
reformulaccedilatildeo do projeto Eacute necessaacuterio que este inclua em seus propoacutesitos uma
exposiccedilatildeo clara de temas trabalhados para que haja a relaccedilatildeo desses com a
formaccedilatildeo cidadatilde pelo projeto defendida
2) Construir para o referido projeto uma metodologia dialoacutegica e participativa
havendo a explicitaccedilatildeo dos recursos teacutecnicos adequados aos objetivos propostos
que contribuam para uma educaccedilatildeo natildeo-sexista natildeo discriminadora A sua
metodologia deve ser constituiacuteda de momentos formativos com o corpo docente e
131
gestor a fim de que as accedilotildees sejam elaboradas por uma equipe multidisciplinar
que elabore monitore e avalie todo o processo
3) Apresentar uma bibliografia envolvente e criteriosamente levantada como
tambeacutem uma seleta apresentaccedilatildeo de filmes e de artefatos culturais como canccedilotildees
entre outros objetivando ressignificar a realidade a partir desses instrumentos
Considero oportuno sugerir que a escola procure desenvolver dentro de suas
possibilidades praacuteticas leitoras incrementadas por encenaccedilotildees de peccedilas teatrais
jogos varais com a presenccedila de contadoresas de histoacuterias por exibiccedilatildeo de
filmes que a depender do estilo da peliacutecula pode sofrer cortes em cenas para que
apenas elas sejam estudadas considerando que nem toda narrativa atrai Haacute
programas de televisatildeo e capiacutetulos de novelas que podem ser objetos de anaacutelises
como tambeacutem determinadas leituras circuladas nas redes sociais podem estar
propiciando reflexotildees atinentes agrave valorizaccedilatildeo da dignidade humana
4) Proporcionar realizaccedilotildees de atividades educativas como oficinas palestras e
debates com a inserccedilatildeo da temaacutetica da equidade de gecircnero Para isso deve se
nortear com a discussatildeo de questotildees geradoras que podem ser conforme
pontuadas pelo curso de Gecircnero e Diversidade na Escola ndashGDE- (2009)3 assim
levantadas Como as relaccedilotildees de gecircnero aparecem no cotidiano escolar Haacute cenas
de violecircncia de gecircnero na escola O que educadoresas podem fazer neste
momento A discriminaccedilatildeo de gecircnero ainda coloca as mulheres em desvantagem
em diversas situaccedilotildees sociais Haacute o agravamento da desvantagem quando essa se
une agrave discriminaccedilatildeo eacutetnico-racial Qual a responsabilidade da escola e dos
educadores na garantia do direito de cada pessoa de ter uma justa imagem de si e
de ser tratado com dignidade Educadores e educadoras tecircm a possibilidade de
reforccedilar preconceitos e estereoacutetipos de gecircnero A escola institui sujeitos a partir
de um modelo Este modelo eacute branco masculino heterossexual e todas as pessoas
que natildeo se encaixam nele satildeo o outro que eacute reiteradamente tratado como inferior
estranho diferente Isso tem mudado Caso sim com base em que se sustenta esta
mudanccedila Em todas as classes sociais as mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia
(fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral e sexual) e enfrentam dificuldades de acesso
ao trabalho agrave geraccedilatildeo de renda e agrave participaccedilatildeo na vida poliacutetica Haacute letras de
3As perguntas apresentadas foram adaptadas a partir da leitura do livro intitulado ldquoGecircnero e Diversidade na
Escola Formaccedilatildeo de professorases em gecircnero orientaccedilatildeo sexual e relaccedilotildees eacutetnico-raciaisrdquo Este livro foi
utilizado como Livro de Conteuacutedo para o Curso Gecircnero e Diversidade na Escola (GDE) da Universidade
Federal da Paraiacuteba na modalidade a distacircncia
132
muacutesicas que vinculam a imagem da mulher ao escaacuternio agrave exploraccedilatildeo sexual e agrave
violecircncia fiacutesica e simboacutelica Isto se constitui como algo com que o projeto de
leitura deve se preocupar
5) Vivenciar a praacutetica leitora acompanhada de accedilotildees inventivas dinacircmicas ler
silenciosamente ler grupalmente ler atraveacutes das contaccedilotildees de histoacuterias que
devem ser estimuladas ler para encenar para debater ler para ler Isso pode ser
melhor realizado com a organizaccedilatildeo de grupos pequenos o que eacute um grande
desafio para a instituiccedilatildeo
6) Criar agendas com as quais se trabalhe a leitura em uma perspectiva dinacircmica
expondo temas ao longo do ano letivo acompanhado de artefato cultural para o
debate com recursos como obras cinematograacuteficas literaacuterias imagens feiras
participaccedilatildeo dosas alunosas em eventos culturais que porventura estejam sendo
realizados na cidade
7) Adotar para anaacutelise se possiacutevel as leituras abaixo sugeridas
SUGESTOtildeES DE LEITURAS
Bibliografia teoacuterica
AUAD Daniela Educar meninas e meninos relaccedilotildees de gecircnero na escola Satildeo
Paulo Contexto 2006 96 p
BRASIL Gecircnero e diversidade na escola formaccedilatildeo de professoresas em Gecircnero
Orientaccedilatildeo Sexual e Relaccedilotildees Eacutetnicos-Raciais Livro de Conteuacutedo versatildeo 2009 ndash
Rio de Janeiro CEPESC Brasiacutelia SPM 2009
LOURO Guacira Lopes Gecircnero sexualidade e educaccedilatildeo uma perspectiva poacutes-
estruturalista 14 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2012
SILVA Tomaz Tadeu da Identidade e diferenccedila a perspectiva dos Estudos
Culturais 10 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2011
ZENAIDE Maria de Nazareacute Tavares SILVA Margarida Socircnia Marinho do Monte
Plano de Accedilatildeo em Educaccedilatildeo em e para Direitos Humanos na Educaccedilatildeo baacutesica In
Direitos humanos capacitaccedilatildeo de educadores Joatildeo Pessoa editora
UniversitaacuteriaUFPB 2008 v 2
Bibliografia literaacuteria
BOJUNGA Lygia Sapato de salto Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2006
_____ A bolsa amarela 33 ed Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2003
133
BRAZ Juacutelio Emiacutelio Anjos no aquaacuterio Ilustraccedilotildees de Andreacutea Ramos 20 ed Satildeo
Paulo Atual 2009
LEITE Maacutercia Oliacutevia tem dois papais Ilustraccedilotildees de Taline Schubach Satildeo Paulo
Companhia das Letrinhas 2010
MACHADO Ana Maria A princesa que escolhia Ilustraccedilotildees de Graccedila Lima Rio
de Janeiro Nova Fronteira 2006
ROCHA Ruth Faca sem ponta galinha sem peacute Ilustraccedilotildees de Suppa Satildeo Paulo
Moderna 2009
SIMPATIA Tiatildeo A lei Maria da Penha em cordel ndash Fortaleza XX 2012
SOUZA Flaacutevio de Priacutencipes e princesas sapos e lagartos histoacuterias modernas de
tempos antigos Ilustraccedilotildees de Paulo Ricardo Dantas 6 ed Satildeo Paulo FTD 1996
_____ Homem natildeo chora Ilustraccedilotildees de Riba Tavares Belo Horizonte Formato
Editorial 1994
TORERO Joseacute Roberto PIMENTA Marcus Aurelius Chapeuzinhos coloridos
Rio de Janeiro Objetiva 2010
VIEIRA Isabel E agora matildee 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2002
ZIRALDO Coisas de menina histoacuterias que revelam o que eacute ser menina
maluquinha Satildeo Paulo Globo 2008
SUGESTOtildeES DE FILMES
Minha Vida em Cor-de-Rosa (Mavieen rose) eacute um filme dirigido pelo belga Alain
Berliner e lanccedilado em1997 Trata-se da histoacuteria de um menino chamado Ludovic que
imagina que deveria ter nascido menina O filme mostra os preconceitos que a personagem
principal e seus familiares enfrentam em relaccedilatildeo a sua identidade de gecircnero
Garotos natildeo choram (EUA 1999 Kimberly Peirce) Assunto predominante
sexualidade identidade sexual e de gecircnero atraveacutes da experiecircncia de uma transgecircnero
violecircncia EUA
Geraccedilatildeo Roubada (Austraacutelia 2002 Phillip Noyce) Assunto predominante
Opressatildeo cultural e situaccedilatildeo feminina
Iacuteris (Inglaterra 2001 Richard Eyre) Narra a trajetoacuteria biograacutefica de Iacuteris Murdoch
escritora e filoacutesofa inglesa sua relaccedilatildeo com os homens e seu casamento ateacute a morte por
Alzheimer em 1999
134
Beleza Americana (EUA 1999 Sam Mendes) Assunto predominante relaccedilatildeo
conjugal gecircnero e sexualidade no conflito de geraccedilotildees homofobia
Billy Eliot (Reino Unido 2000 Stephen Daldry) Assunto predominante Gecircnero e
classe identidade sexual danccedila (um garoto faz ballet)
Chocolate (EUA 2000 Lasse Hallstroumlm) Assunto predominante gecircnero
sexualidade e amor relaccedilatildeo matildee e filha descobertas transgressotildees
Delicada atraccedilatildeo (Inglaterra 1996 Hettie Macdonald) Assunto predominante
juventude e sexualidade masculina homoerotismo
Eternamente Pagu (Brasil 1987 Norma Bengell) Narra a trajetoacuteria biograacutefica e
poliacutetica de Pagu e outras personalidades da eacutepoca como Oswald de Andrade e Tarsila do
Amaral
Frida (EUA 2002 Julie Taymor) Assunto predominante biografia da artista Frida
Khalo amor relaccedilatildeo homem-mulher homoerotismo feminino
SUGESTOtildeES DE SITES PARA VISITAR
EDUCACcedilAtildeO ON LINE
httpeducacaoonline ndash Com uma busca na palavra gecircnero encontraraacute textos
acessiacuteveis sobre diversos temas educacionais
REVISTA GEcircNERO ndash (UFF ndash Universidade Federal Fluminense) ndash
httpwwweditorauffbr
Cadernos Pagu
httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso
Revista Estudos Feministas
httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso
SUGESTOtildeES MARCOS LEGISLATIVOS DE DOCUMENTOS
Lei11340 07082006 Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e
familiar contra a mulher nos termos do art 226 da Constituiccedilatildeo Federal da Convenccedilatildeo sobre
a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra as Mulheres e da Convenccedilatildeo
135
Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violecircncia contra a Mulher Disponiacutevel
emlthttpwwwplanaltogovbrCcivil 03 Ato2004-2006Lei11340htmgtAcesso em 26
jun 2013
BRASIL Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos Brasiacutelia
SEDHMJMECUNESCO 2007
136
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Eacute assim A gente pede para ele fazer cara de malvadeza de ruindade de valentia
Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para
ele Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho
(ROSA 1986 p 255)
Este trecho da ficccedilatildeo roseana soa-me como mais um fio das aacuteguas profundas do rio
que flui das conversaccedilotildees de (Rio)baldo e trazecirc-lo para abrir as consideraccedilotildees finais deste
trabalho parece-me oportuno Parece-me porque com esta construccedilatildeo literaacuteria de um ser no
espelho gestando imagens para si que seratildeo e vecircm dos outros pelas palavras e pela
ocularidade refletimos sobre a importacircncia da discursividade como o que nos encarna o que
nos vivifica o que nos constitui Haacute no espelho da obra roseana (ROSA 1986) a marca da
memoacuteria discursiva do outro que nos envereda a marca de que o poder eacute tecido nas praacuteticas
sociais e enunciado em praacuteticas discursivas que operam em noacutes um modo de subjetivaccedilatildeo
ldquo[] Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para ele
Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho []rdquo O espelho dado pelo outro
opera a virada que nos torna mutantes crentes no que vemos no que nos dizem Esta imagem
do espelho na fala de Riobaldo algo que natildeo eacute ldquonovidadeirordquo na ficccedilatildeo literaacuteria reflete
deveras o quanto a construccedilatildeo social da realidade estaacute imersa e constituiacuteda na trama da
linguagem E eacute por isso uma imagem cara que pode ser confluente com o pensamento
foucaultiano (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2004c 2004d 2012) no tocante ao interesse
do filoacutesofo de propor o exerciacutecio da suspeita do que somos e como nos tornamos quem
somos para quem sabe podermos recusar o que somos
Nesse caminho observando o cuidado alertado por Gallo (2008) para que se evite
enxergar tons novidadeiros e se tente ldquocolonizarrdquo pensamentos ter tomado de empreacutestimos as
reflexotildees de Foucault para esta pesquisa constituiu-se como um desafio instigante e vaacutelido As
contribuiccedilotildees do pensador mobilizadas aqui foram as atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo
da construccedilatildeo da verdade e do poder esse em suas formas de assimetria piramidalizadas
fabricadas pelo Estado e instituiccedilotildees como a familiar a religiosa e a escolar A articulaccedilatildeo de
tal empreacutestimo teve sua razatildeo de ser por esta pesquisa conforme evidenciada ter tido como
objetivo empreender reflexotildees acerca das relaccedilotildees de gecircnero perpassadas pelas constituiccedilotildees
discursivas dosas educadoresas como mediadoresas de leitura E a voz do pensador francecircs
levada a esse debate fez-me corroborar com a ideia de que o sujeito natildeo eacute uma substacircncia
137
pronta ele eacute forma que se faz e se refaz determinada por regras soacutecio-histoacutericas Foucault
(2004b) postula sujeitos que se esvanecem
Penso efetivamente que natildeo haacute um sujeito soberano fundador uma forma universal
de sujeito que poderiacuteamos encontrar em todos os lugares Penso pelo contraacuterio que o
sujeito se constitui atraveacutes das praacuteticas de sujeiccedilatildeo ou de maneira mais autocircnoma
atraveacutes das praacuteticas de liberaccedilatildeo de liberdade como na Antiguidade a partir de um
certo nuacutemero de regras de estilos de convenccedilotildees que podemos encontrar no meio
cultural (FOUCAULT 2004b p 291)
E tal postulaccedilatildeo viabiliza reflexotildees de que constituiacutedas discursivamente tramadas
por linguagens essas formas de subjetivaccedilatildeo satildeo moventes materiais dispersas falam de um
lugar institucional anunciando memoacuterias discursivas A importacircncia desse entendimento para
esta pesquisa se mostrou entre outras pela razatildeo de que com a concepccedilatildeo de que haacute
produccedilotildees histoacutericas de subjetividades e de que essas vivem em luta conforme evidencia
Foucault (2012) esta investigaccedilatildeo pocircde atentar para as instacircncias das resistecircncias Pocircde
atentar para as mobilizaccedilotildees que se intercruzam contra o naturalizado o instituiacutedo como
verdadeiro o que eacute controlado disciplinado para que possam ser problematizadas novas
formas de se constituiacuterem sujeitos
Desse modo posso dizer que haacute percebido por este estudo a possibilidade de
entrecruzar olhares foucaultianos sobre modos de subjetivaccedilatildeo e a marcha das mulheres por
um mundo com sujeitos eacuteticos que apregoem a igualdade o direito e a conquista de uma
praacutetica de liberdade para que se trace o desejo por um ethos E um ethos que incita a busca de
si o reinventar-se o desfamiliarizar-se eacute um fio no novelo que os feminismos e todos os
movimentos sociais que objetivam problematizar formaccedilotildees discursivas com seus poderes e
saberes podem ter como experiecircncia como aprendizado Com essa praacutetica homens e
mulheres constituem a beleza de serem artesatildeos de si como pontua Foucault (2004a 2004c)
Mas esta natildeo eacute uma busca sem lutas Desmantelar as invenccedilotildees os jogos de verdade recusar
o que somos por conseguinte eacute tarefa que passa pelo que se perscruta pelo que se elege para
ler ouvir falar partilhar acreditar desacreditar defender atacar enfim eacute tarefa que passa
por atentar para a dimensatildeo discursiva da construccedilatildeo da realidade
Com essa referida dimensatildeo discursiva na qual os sujeitos se inserem produtos e
produtores de sentidos (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008 POSSENTI 2009) e sem
pretender oferecer a uacuteltima palavra nem onde haacute a verdade busquei entatildeo verificar o modo
como a educaccedilatildeo puacuteblica municipal na escola TRAVESSIA produz efeitos de sentidos com
suas praacuteticas leitoras Para isto investiguei as condiccedilotildees histoacutericas de produccedilatildeo dessas
138
praacuteticas perpassando pelas discursividades docentes procurei ouvir educadoresas conhecer
o projeto de leitura da instituiccedilatildeo seu documento fundador perscrutar o que move e dinamiza
o referido projeto saber do acervo da biblioteca do que ali teria ou natildeo referente ao debate
sobre gecircnero Em um clima de receptividade calorosa estive na escola observando aulas e
seus textos aplicando questionaacuterio fazendo diaacuterio de campo perscrutando as vozes que
conduzem o trabalho com leitura na escola com a perspectiva de perceber o que
comportariam as praacuteticas leitoras suscitadas
E as anaacutelises dos resultados dessas investigaccedilotildees jaacute citadas paulatinamente ao longo
do trajeto em que foram aplicados os instrumentos de investigaccedilatildeo apontaram que o debate
acerca das relaccedilotildees de gecircnero tatildeo atinente com a pauta reivindicatoacuteria dos DH natildeo era
contemplado pelo projeto de leitura da escola Assim o percebi quando examinei o documento
constituinte do projeto de leitura da CestaSexta Literaacuteria no qual natildeo se apresenta na
organizaccedilatildeo dos propoacutesitos das accedilotildees da bibliografia e da metodologia desse instrumento a
promoccedilatildeo de uma praacutetica leitora apontando para o respeito agraves diferenccedilas agrave concepccedilatildeo de um
mundo plural e ao combate a uma ordem androcecircntrica Natildeo eacute evidenciado a partir das
referecircncias do documento que a leitura acolhida lanccedilada proposta suscitada pelo projeto
CestaSexta literaacuteria esteja alicerccedilada nas intenccedilotildees de debater as relaccedilotildees de gecircnero Assim o
sendo a escola democraacutetica e inclusiva atinente ao que preconizam os postulados dos DH
natildeo estaacute sendo engendrada pela linha mestra da leitura Por sua vez no tocante agrave produccedilatildeo do
referido instrumento esse se apresenta com outras fragilidades entre elas a de natildeo amarrar
devidamente seus nexos temaacuteticos sobre quais leituras e temas estaratildeo compondo a praacutetica
leitora Haacute um silenciamento quanto agraves inserccedilotildees temaacuteticas seja de que natureza for Natildeo se
sabe entatildeo quais relaccedilotildees de saber e poder estaratildeo sendo colocadas para afirmar o que o
projeto diz perspectivar formar cidadatildeo[a]
Percebi ainda a natildeo problematizaccedilatildeo das relaccedilotildees de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria
quando fiz o levantamento do acervo da biblioteca na primeira etapa da pesquisa As
prateleiras no que se refere agraves obras paradidaacuteticas essas as escolhidas para ser investigadas
natildeo acomodavam tiacutetulos com essa perspectiva assim me disse a responsaacutevel por aquele
espaccedilo assim averiguei tambeacutem com a leitura das fichas catalograacuteficas dos poucos volumes
presentes na biblioteca naquele periacuteodo investigado
Investiguei ainda se os textos utilizados pelo projeto nas aulas de leitura observadas
contemplavam praacuteticas discursivas que produziam sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero e
constatei que natildeo havia uma seleccedilatildeo de textos com a temaacutetica de gecircnero por parte dosas
educadoresas Exceccedilatildeo se deu em uma situaccedilatildeo atiacutepica na qual a professora Jaqueline trouxe
139
improvisadamente a temaacutetica pela leitura de um texto provocada segundo ela pela minha
presenccedila ali
No chatildeo da escola Travessia constatei apoacutes percorrer seus espaccedilos haacute as marcas de
que sua leitura natildeo problematiza a produccedilatildeo e a reproduccedilatildeo da iniquidade de gecircnero E outra
forma de verificar a ausecircncia dessa problematizaccedilatildeo foi pela perscruta dos relatos docentes e
pela anaacutelise das respostas do questionaacuterio lhes aplicado Pude perceber nas anaacutelises que fiz
das respostas daquele instrumento o quanto a constituiccedilatildeo das subjetividades dosas
colaboradoresas expressa olhares que segregam que estigmatizam o diferente que natildeo
percebem os jogos discursivos dos quais fazem parte Fiz a leitura com base em anaacutelise de
algumas das respostas desse instrumento de que emana dosas colaboradoresas uma
formaccedilatildeo discursiva reproduzindo e produzindo a iniquidade de gecircnero a reproduccedilatildeo de
regras e valores que elegem uma visatildeo androcecircntrica e heterossexual traccedilando para os que
natildeo pertencem a este modelo o estigma de diferente de abjeto passiacutevel de ser enquadrado
Assim o demonstraram aquela maioria de colaboradoresas da pesquisa quando expressaram a
intenccedilatildeo de ingerir em interesse de desviantes conforme apresenta a anaacutelise da sexta questatildeo
do instrumento de investigaccedilatildeo
Nas anaacutelises dos relatos dosas colaboradoresas deste estudo ficaram evidecircncias dos
limites com que se deparam essesas profissionais na propositura de um trabalho reflexivo
com a leitura A lamuacuteria e a desesperanccedila acompanhavam a praacutetica de ler minada por parcos
recursos e muita desmotivaccedilatildeo Uma praacutetica que precisa ser repensada pois em muitos
momentos essa traz a marca atraveacutes de enunciados dosas educadoresas da natildeo
contemplaccedilatildeo de importantes debates como os da violecircncia domeacutestica contra a mulher da
iniquidade de gecircnero e de outros temas atinentes agraves postulaccedilotildees dos DH Esse silenciamento
temaacutetico traduz o quanto pode estar reduzido o espaccedilo interacional da leitura como o lugar da
anti-hegemonia da desconstruccedilatildeo do olhar totalitaacuterio para o outro e isso precisa ser
repensado
A natildeo-contemplaccedilatildeo do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero foi ainda percebida nas
aulas observadas Nelas a despeito do esforccedilo da professora para se pronunciar sobre o tema
esse natildeo assentava com o olhar da mestra repousante em uma formaccedilatildeo discursiva
essencialista E a profordf Jaqueline demonstrou-se conflitante em turbulecircncia entre suas
incursotildees pelas formaccedilotildees continuadas ofertadas pela SEDEC anunciando o respeito agrave
pluralidade cultural e agrave diversidade humana e o olhar da mestra construiacutedo inventado para a
natildeo-aceitaccedilatildeo ao diferente tingindo esse com as cores da negaccedilatildeo (SILVA 2012) As
discursividades daquelas aulas foram minadas por olhares redutores para o diferente por
140
ausecircncia de contemplaccedilatildeo de como a linguagem constitui modelos de feminilidade modelos
de masculinidades e o quanto represa a vida
Presumo que isto se registra face agrave ausecircncia do cabal cumprimento do que anunciam
as tecnologias enunciativas sobre educaccedilatildeo como as do PPP da LDB do PNEDH as dos
PCNs a Resoluccedilatildeo 0112 Esses marcos educativos instituem o debate propositivo da
inclusatildeo do respeito agrave diversidade humana e sexual e da defesa inconteste de princiacutepios como
o da dignidade humana no curriacuteculo escolar mas natildeo marcaram efetivamente as poliacuteticas
educacionais vividas na escola Tais tecnologias postas que satildeo recentemente elaboradas eacute de
se anuir provavelmente que mesmo que ocupem gavetas escolares e discursos de
formadores que ressoaram em alguns momentos nas vozes perscrutadas natildeo poderiam
impactar formaccedilotildees discursivas secularmente construiacutedas alicerccediladas ainda pelo poder-
escola E se esbarram conflitantemente em seacuteculos de internalizaccedilatildeo de um modelo
essencialista androcecircntrico e heteronormativo
Por esta razatildeo eacute preciso que da e para a escola erga-se uma brigada contra a
violecircncia de gecircnero E por assim entender propus com a construccedilatildeo do capiacutetulo 4 desta
dissertaccedilatildeo que haja a implementaccedilatildeo de praacuteticas discursivas no projeto de leitura da escola
com o propoacutesito de eliminar o silenciamento da temaacutetica de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria
A cesta que eacute utilizada nas aulas de leitura carregando livros precisa transportar artefatos
culturais que suscitem debates pela reinvenccedilatildeo da vida pela reinvenccedilatildeo do trato entre os
homens e as mulheres balizados na dignidade de todosas Agrave escola TRAVESSIA propus
entatildeo como me solicita o cunho interventivo desse mestrado para seus cursistas que
atravesse seu vazio temaacutetico de gecircnero
Eacute preciso que a travessia desse vazio temaacutetico seja feita A escola por meio do seu
projeto de leitura pode e deve evocar a visibilidade para as iniquidades de gecircnero para o
enfrentamento da violecircncia domeacutestica contra as mulheres e para as suas lutas por
emancipaccedilatildeo social Haacute nas discursividades docentes investigadas linguagens em uso que
demonstram invisibilidade a essas questotildees Convivem com esses enunciados
paradoxalmente em alguns momentos vozes docentes que expressam desejar incorporar do
uso das tecnologias oficiais trabalhadas em formaccedilotildees continuadas conforme informaccedilatildeo em
questionaacuterio (vide questatildeo 4) e a efetivaccedilatildeo de suas experiecircncias de suas vivecircncias
profissionais Assim constatei no diaacutelogo que tive com a educadora Elisa atravessado por
uma leitura essencialista da realidade no tocante agrave identidade dos sujeitos que a faz desejar
sair da escola para natildeo ter que presenciar meninas se beijando
141
Por fim vejo como necessaacuteria a inserccedilatildeo temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero porque as
leituras evocadas pelosas docentes foram percebidas como as que rezavam a cartilha da
toleracircncia agrave diversidade cultural e humana sem questionar as relaccedilotildees de poder e os processos
de diferenciaccedilatildeo Esses que produzem as identidades e as diferenccedilas natildeo sendo questionados
conforme nos sugerem os Estudos Culturais acabam mesmo que frente a um arcabouccedilo de
legislaccedilatildeo educacional que propotildee uma educaccedilatildeo inclusiva e o respeito agrave dignidade humana
repousando no que Silva (2012) pontua como a produccedilatildeo de novas dicotomias a do
dominante tolerante e do dominado tolerado
Ao fim ainda pontuo que a omissatildeo perscrutada nas vozes docentes de uma
problematizaccedilatildeo que perpasse o projeto de leitura indagando-lhe os mecanismos que ativam
as fixaccedilotildees de identidades os estereoacutetipos de gecircnero pela via da leitura eacute algo que contribui
com o modelo de construir subjetivaccedilotildees disciplinadas diferentes e desiguais Isso demanda
da escola TRAVESSIA se deseja atravessar seus limites o desafio de envidar esforccedilos no
sentido de promover o rompimento com esse modelo de ler Sem o enfrentamento deste
desafio a escola natildeo estaraacute gestando utopias o que eacute enfadonho e tristonho
142
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APEcircNDICE A ndash QUESTIONAacuteRIO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIacuteBA
CENTRO DE CIEcircNCIAS LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO
MESTRADO PROFISSIONAL EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO
Prezados (as) colegas
Como aluna regular do mestrado profissional em Linguiacutestica e Ensino pelo Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Ensino PROLING da UFPB desenvolvo uma pesquisa cujas bases conceituais
norteiam-se pela concepccedilatildeo de linguagem como praacutetica discursiva e que tem como objeto de anaacutelise um
entrecruzamento entre as representaccedilotildees de gecircnero e as praacuteticas leitoras na escola concebidas pelos educadores
Solicito dessa escola a colaboraccedilatildeo no sentido de que seu corpo docente envolvido com praacuteticas leitoras
responda a este questionaacuterio que eacute o ponto de partida para outros diaacutelogos com o objetivo de contribuir para
uma reflexatildeo sobre a temaacutetica presente
QUESTIONAacuteRIO
Considerando sua experiecircncia como leitora e sua praacutetica pedagoacutegica especialmente no projeto de
leitura desenvolvido pela escola responda por gentileza agraves seguintes questotildees
Perfil sociodemograacutefico
Sexo ( ) feminino ( ) masculino
Tempo de formado ( ) de 1 a 10 anos( ) de 11 a 21( ) de 21 a 31( ) 32 ou mais
Idade ( ) de 21 a 31 ( ) 31 a 41( ) 41 a 51( ) 51 a 61( ) 62 ou mais
Titulaccedilatildeo( ) superior ( ) Especializaccedilatildeo ( ) mestrado ( ) doutorado
1) O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto de leitura (marque ateacute trecircs
questotildees enumerando-as por ordem de importacircncia)
( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo
( ) Uma atividade prazerosa
( ) A escola natildeo valoriza a leitura
( ) A escola valoriza pouco a leitura
( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais
( ) Outra _______________
2) O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos Direitos Humanos
( ) sim ( ) natildeo
3) O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto
( ) sim ( ) natildeo
151
Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior
( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas
( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica escolar de engajamento no
combate agraves assimetrias de gecircnero
( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema em nosso projeto de leitura
( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e como muitas leituras reforccedilam
os padrotildees sexistas presentes na sociedade
( ) Outra _______________
4) Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel inicial quanto na continuada tem
preparado o (a) profissional para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a igualdade no espaccedilo escolar
( ) sim ( ) natildeo
5) As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o menino e o que pode a menina
no espaccedilo escolar
( ) Natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e meninas
( ) Comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento
( ) Ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual
( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que satildeo naturalmente desiguais
6) Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como natildeo apropriados para seu
sexo qual a leitura feita
( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada crianccedila
( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado
( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
7) Como mediador (a) de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de preconceito uma expressatildeo de
conflitos entre olhares de meninos e de meninas
( ) Pouco eacute natural a disputa
( ) Interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo
( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa
8) No tocante agrave violecircncia contra a mulher o Brasil em um ranking de 84 paiacuteses ocupa a 7ordf posiccedilatildeo sendo a
Paraiacuteba um dos Estados da Federaccedilatildeo mais violentos tambeacutem com a 7ordf colocaccedilatildeo E Joatildeo Pessoa sua
capital eacute a 2ordf mais violenta (CEBELA Mapa da Violecircncia 2012) O que em sua opiniatildeo explica a existecircncia
deste fenocircmeno
( ) Formaccedilatildeo cultural
( ) Haacute pessoas naturalmente violentas
( ) Natildeo sei
( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo
( ) Outra ______________
9) Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave questatildeo
( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante
10) A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da questatildeo ganha que
espaccedilo no projeto de leitura
( ) Nunca foi citada
( ) Existe na biblioteca
( ) Jaacute trabalhamos com ela
152
11) Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo escolar e no projeto
( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos curriacuteculos escolares
( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e inferiorizadas
( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca carga horaacuteria para exploraacute-lo mais
( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho importante
12) Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista
( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute bom
( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo eacute bom
( ) Eacute um movimento com muito radicalismo
( ) Fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da opressatildeo agravemulher
13) O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas comemorativas
( ) sim ( ) natildeo
Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que se faz na data ou o que se
pretende fazer
( ) Eacute um dia em que ela eacute intensamente valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola
( ) Eacute um dia com pouca reflexatildeo sobre a luta feminista
( ) Outra _______________
____________________________________________________
Gilva Vasconcelos da Silva Matos
Dedico este trabalho a todas as mulheres
militantes agravequelas que deixam ao mundo o
legado de por amarem o suficiente a vida
desejam reinventaacute-la
AGRADECIMENTOS
Sou profundamente grata a todosas aquelesas que deram de alguma forma sua
contribuiccedilatildeo para que esta pesquisa fosse realizada Reconheccedilo e aqui me cabe demonstrar
que esta conquista tem um dar de matildeos que me permitiu aclarar questotildees e seguir diante dos
momentos de tensatildeo que emergem no trajeto das obrigaccedilotildees acadecircmicas
Primeiro e sobretudo agradeccedilo a Deus pelo esconderijo no Altiacutessimo pela
serenidade emanada dos seus braccedilos
Especialmente agradeccedilo ao meu orientador querido Prof Dr Onireves porque me
acolheu do alto de sua sabedoria e grandeza humana permanentemente me incentivando
tornando tudo mais significativo e leve
Agrave profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio coorientadora que carrega no nome o que me
ofertou quando mais precisei ndash visatildeo luminosa sendo docilmente criteriosa no compartilhar
de seu conhecimento
Agradeccedilo agrave profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide por suas saacutebias colaboraccedilotildees
ao participar da banca examinadora de defesa deste trabalho Seu olhar arguto trouxe a
grandeza de quem labuta por uma escola em que os Direitos Humanos encontrem assentos
Agradeccedilo agrave profordf Dra Eliane Ferraz Alves por compor criteriosamente a banca
examinadora de defesa deste trabalho
Agrave admiraacutevel profordf da UNEB Nadja Nunes muito obrigada Sua grandeza perdura em
minhas memoacuterias de aprendiz Haacute um vazio de sua presenccedila na composiccedilatildeo para a banca de
exame de defesa mas compreendendo os percalccedilos do impedimento saiba que natildeo haacute
ausecircncia onde se ministrou um ethos Mire por ti tenho gratidatildeo pela vida inteira
Agradeccedilo agrave profordf Dra Juliene Pedrosa coordenadora deste mestrado referecircncia de
zelo profissional
Agradeccedilo agrave escola TRAVESSIA e seus sujeitos pesquisados por tanta abertura e
respeito com o meu trabalho
Aos meus pais Manuel (in memoriam) e Elisa agradeccedilo pelo amor pelas liccedilotildees de
vida pelas narrativas dos sonhos
Aos meus filhos Pablo Ravi e Lucas que me fazem amar amiuacutede obrigada Os trecircs
compotildeem parte da magia de minha vida pelo segredo de ninar pela becircnccedilatildeo de colos
pacificados Cada um eacute unicamente um cacircntico novo tesouros
A Robert pela vida partilhada enlaccedilada em afetos obrigada
Aosagraves irmatildeosatildes em especial Didi que me nutre com fraternidade amorosa e
incondicional devo-lhe muito
Obrigada deputada estadual Gilma Germano pela propositura de leis de suma
importacircncia para a garantia dos direitos das mulheres
Agradeccedilo ao amigo de infacircncia Iranmil pela liccedilatildeo de enfrentamento agrave homofobia pela
companhia na literatura por falar muito e rir tanto
Agrave Socircnia Maria por me ofertar ao longo dos anos amizade das mais leves e alegres
regrada a risos companheirismo e adoccedilatildeo fraterna
Aosagraves colegas do mestrado em especial Adnilda e Leandro que satildeo tatildeo solidaacuterios e
inteligentes tambeacutem agradeccedilo
Aos meus alunos e alunas com quem aprendi muito
Ao meu chefe o diretor do CECAPRO Prof Giovanny Lima pelo estiacutemulo agraves minhas
buscas pelo conhecimento pelo compromisso com a educaccedilatildeo
Agrave Inecircs Caminha ex-chefe eterna liccedilatildeo de competecircncia e bondade
Agrave competente secretaacuteria do CECAPRO Adilsa Gadelha pelo que tambeacutem sabe ser
amiga
Agrave secretaacuteria do MPLE Vera Lima por sempre e tanto atender respeitosa e
competentemente
Lembrou-se de que em adolescente procurara
um destino e escolhera cantar Como parte de
sua educaccedilatildeo facilmente lhe arranjaram um
bom professor Mas cantava mal ela mesma o
sabia e seu pai amante de oacuteperas fingira natildeo
notar que ela cantava mal Mas houve um
momento em que ela comeccedilou a chorar O
professor perguntara-lhe o que tinha - Eacute que
eu tenho medo de de de de cantar bem []
(LISPECTOR 1979 p 157)
RESUMO
As importantes conquistas efetivadas pelas lutas feministas e pela pauta
reivindicatoacuteria dos Direitos Humanos que problematizam a construccedilatildeo social de gecircnero tecircm
na escola espaccedilo dos mais importantes para o debate promotor da equidade de gecircnero Esta
pesquisa se estrutura pela interface entre as praacuteticas leitoras na escola e a promoccedilatildeo desse
debate e se propotildee a analisar as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de
leituras acerca das relaccedilotildees de gecircnero Para este direcionamento discursivo o estudo move-se
teoricamente na concepccedilatildeo de leitura em Soares (2001 2011) Orlandi (2008) e Silva E T
(2009 2011) nos estudos feministas contemporacircneos (LOURO 2012) (COSTA 2009) nas
reflexotildees trazidas pela Anaacutelise de Discurso (ORLANDI 2012 POSSENTI 2009) e nas
contribuiccedilotildees foucaultianas sobre poder e subjetividade (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c
2011 2012) A investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos tem
como loacutecus uma escola do Ensino Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa-PB na
realizaccedilatildeo de seu projeto de leitura Foram adotados como procedimentos metodoloacutegicos para
geraccedilatildeo dos dados a anaacutelise do documento do projeto de leitura observaccedilotildees de aulas anaacutelise
do material de leitura utilizado nesses eventos dos relatos de diaacutelogos com osas
educadoresas e da aplicaccedilatildeo de questionaacuterio E conforme anaacutelise dos resultados do conjunto
dos instrumentos investigativos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo perpassa pela
instacircncia do projeto de leitura da escola nem nas vozes docentes perscrutadas
Palavras-chave Leitura Gecircnero Discurso Praacuteticas discursivas Direitos Humanos
ABSTRACT
The important achievements of feminist struggles and the Human Rights agenda
which discuss the social construction of gender find at school an important space for the
debate that promotes gender equality This piece of research focuses reading practices at
school and the promotion of this debate aiming at analyzing the discourses of (male and
female) teachers as reading mediators on gender relations As its theoretical framework this
study considers the definition of reading proposed by Soares (2001 2011) Orlandi (2008)
and Silva E T (2009 2011) contemporary feminist studies (LOURO 2012 COSTA 2009
PISCITELLI 2002) reflections proposed in the field of Discourse Analysis (POSSENTI
2009) and the foucauldian discussions on power and subjectivity (FOUCAULT 2004a
2004b 2004c 2011 2012) This qualitative investigation has as its locus a public primary
school in the city of Joatildeo Pessoa ndash PB while developing its reading project Data
wasgenerated from the analysis of the reading project document lesson observations reading
material used in the sessions reports by the teachers and a questionnaire The results indicate
that the debate concerning gender relations does not emerge in the reading project activities or
the teachersrsquo voices studied
Keywords Reading Gender Discourse Discursive practices Human rights
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 10
1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA 25
11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade 25
12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de
investigaccedilatildeo 27
2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO 29
21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos 29
22 Feminismo poder e educaccedilatildeo 39
23 A leitura no Brasil em retratos 51
24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso 64
25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social 69
26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades 72
3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS 82
31 O Documento-fundador o natildeo dito significando 82
32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam 87
33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos 89
34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades 92
35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder 113
4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA
VIA DA LEITURA 125
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 136
REFEREcircNCIAS 142
APEcircNDICE 150
10
INTRODUCcedilAtildeO
A Gecircnese da pesquisa como (entre)veio o desejo
Movida pelo interesse entre leitura e relaccedilotildees de gecircnero investigo com este trabalho
as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de leituras frente ao debate
sobre a equidade de gecircnero Esta accedilatildeo investigativa se daacute em uma escola do Ensino
Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa - PB que executa um projeto de leitura em sua
biblioteca em um dia especiacutefico a sexta-feira fato provavelmente responsaacutevel pela
nomeaccedilatildeo da atividade a CestaSexta Literaacuteria
Os passos dados para a construccedilatildeo desta pesquisa possuem histoacuteria imagens
memoacuterias esquecimentos desejos uma gecircnese Debruccedilo-me agora sobre essa gecircnese E creio
que duas imagens armazenadas por mim nas andanccedilas escolares satildeo possivelmente
fundadoras-mor de meu objeto de pesquisa Elas entre tantas imagens que se ofertam como
leituras propiacutecias agraves reflexotildees sobre o debate da equidade de gecircnero na escola satildeo frugais em
minhas memoacuterias de educadora de mulher Chegaram em contingecircncias especiais e se
tornaram efeitos encarnados no sentido que o poeta Fernando Pessoa diz que irrompem
provocaccedilotildees Foram por mim guardadas em um momento de inquietaccedilatildeo em que me
debruccedilava sobre qual tema me aticcedilaria profundamente para estudar neste mestrado E de
forma providencial e diligente estas imagens me (s)acudiram a alma quando as registrei
pegaram-me pela matildeo e me levaram a uma itineracircncia na qual satildeo debulhados saberes
poderes palavras ordens accedilotildees discursivas de outros sobre mim que me fazem estar quem
estou Mais do que isto as imagens levaram-me mesmo que medrosamente a um desejo
profundo de discutir a construccedilatildeo das diferenccedilas as discursividades docentes acerca do
feminismo as relaccedilotildees de gecircnero e o lugar da escola como espaccedilo de debate e de construccedilatildeo
de equidade
E foi assim que vivi a experiecircncia de registraacute-las Envolta pelo meu interesse
profissional de pensar a leitura como importante instrumento na formaccedilatildeo discente descobri
um trabalho em escolas da zona rural de um municiacutepio paraibano realizado por uma ONG
muito bem conceituado Pensei que poderia render um bom estudo avaliar como as histoacuterias
contadas naqueles espaccedilos poderiam funcionar como instrumento de mediaccedilatildeo na construccedilatildeo
das identidades de gecircneros na problematizaccedilatildeo de papeacuteis socialmente construiacutedos
Discordando de minha orientaccedilatildeo acadecircmica que via com dificuldade a distacircncia
entre minha morada e meu objeto de estudo natildeo me incomodou o fato de viajar para me
11
enveredar na pesquisa Muito pelo contraacuterio achei que em verdade estaria ali menina leitora
que fui em uma casa de pais analfabetos onde livros eram objetos rariacutessimos por quem eu
nutria a paixatildeo visceral Viajei para ver crianccedilas que liam movida quem sabe por um desejo
de me visitar naquela roda de leitura Na roda a vida seria salva com a imaginaccedilatildeo aticcedilada
Na roda seria quem sou na interaccedilatildeo das leituras Ao certo fui buscar narrativas que me
narrariam ou em uma confluecircncia com o que diz Albuquerque Juacutenior (2007) iria simular o
germe de novas existecircncias novos modos de subjetivaccedilatildeo Embrenhei-me por essa busca
levando o fasciacutenio pelo campo de gecircnero aonde for aspirando ao meu interesse de escrevente
dispersa aticcedilada pelo ldquofogo que vem da paixatildeo que consome que lanccedila paixatildeo pelo devirrdquo
tatildeo bem-dita na prescriccedilatildeo vertiginosa de Albuquerque Juacutenior (2007)
Em minha primeira visita na unidade escolar referida era veacutespera do Dia das Matildees e
o foco na roda da leitura trazia textos sobre a mulher-matildee Imagens essencialistas da mulher
eram sumariamente expostas por poder gerar vidas ldquoela eacute paciente sensiacutevel dedicada e
zelosardquo Essa construccedilatildeo discursiva era traccedilada naquela roda de leitura para e com crianccedilas de
forma inclusive a se ignorar a jaacute instalada e reorganizada nova composiccedilatildeo das famiacutelias Isso
me gerou desconforto ldquoo gecircnero eacute o destino Natildeo haveria outra trajetoacuteriardquo (SAFFIOTI
2001) Mas naquela roda circulou um fato que marcou ainda mais minha tarde jaacute quente
climaticamente Surge depois de alguns minutos de iniacutecio de aula sala adentro um pai
levando seu filho pequeno pela matildeo O homem visivelmente abatido veio partilhar o recente
drama pessoal no qual estava mergulhado que em funccedilatildeo das proporccedilotildees espaciais da
comunidade jaacute parecia ser de conhecimento de todosas a ex-companheira e matildee de seu filho
fora embora com o amante O pai bem jovem expressou ali uma uniacutevoca e velha leitura a de
que ele e seu filho foram traiacutedos de que aquela mulher natildeo prestava A presenccedila daquele
genitor ali descontrolado soou-me de forma vertiginosa E ele teceu uma imagem da ex-
mulher agrave frente de todosas e de seu filho como a de quem natildeo possuiacutea nenhuma dignidade
Um discurso machista e essencialista era debulhado com os requintes de uma alma cega pela
ferida do abandono Em puacuteblico ali se construiacutea um lugar para as mulheres que decidem
partir as que rejeitam o papel que lhes eacute destinado ficar em casa embora o lar desmorone E
a crianccedila mesmo enlaccedilada pela condiccedilatildeo de filho em um misto de profunda dor e decepccedilatildeo
reproduzia com movimentos de cabeccedila toda uma narrativa demonizadora da mulher Os
acenos de cabeccedila agrave voz do pai refletiam possivelmente um sim agrave formaccedilatildeo discursiva de um
lar alicerccedilado aos moldes machistas patriarcais
Aquela cena me levou agrave dor do peso de um mundo em que a iniquidade de gecircnero
ainda estilhaccedilava seu poder nos olhos de um menininho choroso carregado pela matildeo de um
12
pai que arrastava consigo machismo e furor No final entre os burburinhos dosas
coleguinhas que diziam entre outras coisas ldquoA matildee de Felipe (esse eacute um nome fictiacutecio) eacute
ruim ainda bem que a minha natildeo me abandonourdquo eu ouvi a professora em uma tentativa
desajeitada de compensar a dor daquela crianccedila intervir e dizer que se ele tinha uma matildee
ruim em compensaccedilatildeo contava com um pai bom um heroacutei Essa educadora talvez sem
refletir sobre o efeito de sua interferecircncia sobre o jogo de verdade que a impulsiona
posicionou-se como aquela que tem a responsabilidade de oferecer respostas e o fez de um
lugar de autoridade do qual reproduziu significativamente os estereoacutetipos de gecircnero O seu
posicionamento se traduziu para mim como a delineaccedilatildeo discursiva de papeacuteis alicerccedilados aos
moldes androcecircntricos e por conseguinte produtor da iniquidade de gecircnero Isto me
impactou pois mesmo que sejam ressoadas corriqueiramente as construccedilotildees discursivas da
hegemonia machista natildeo haacute como natildeo buscar da escola o afinamento com a contra-
hegemonia que os avanccedilos feministas asseguram A ausecircncia deste afinamento eacute um descuido
com os direitos humanos das mulheres e precisa ser inquirida pelo menos para os amantes da
educaccedilatildeo libertaacuteria
Saiacute dali convicta de que aquele loacutecus natildeo poderia ser mais apropriado para a
pesquisa Aquela considerada trageacutedia emocional que circulava nas bocas pelo lugar inteiro
precisaria ser omitida em meu estudo por obedecer ao princiacutepio do anonimato evitando
expor inclusive uma crianccedila Mas pensar as relaccedilotildees de gecircnero e desconsiderar a forccedila
daquela imagem e da formaccedilatildeo discursiva que ali reinava seria ser negligente com o tema
com o trabalho Resolvi guardar a imagem falar sobre ela mas procurar outro campo
empiacuterico
Alguns dias depois voltei a conversar com a professora sobre aquele episoacutedio Agora
jaacute natildeo sob o efeito do impacto da cena do primeiro encontro fui incisiva e lhe inquiri sobre a
construccedilatildeo social dos papeacuteis sobre a desigual maneira de se constituir discursivamente
sujeitos e a responsabilidade da escola em formar para a igualdade de direitos de homens e
mulheres Ela me disse que toda a sua conduccedilatildeo estava de acordo com os princiacutepios cristatildeos
defendidos pela escola para os quais a mulher deve ser submissa nascer para se doar agrave
famiacutelia e o que fizera a matildee de F era abominaacutevel negava a ldquoessecircnciardquo feminina A despeito
da laicidade do Estado brasileiro o que implica em tese a negaccedilatildeo da formulaccedilatildeo de regras e
estrateacutegias que levem a enunciados dessa natureza a professora ocupa sua posiccedilatildeo
institucional e embandeira uma verdade forjada em discursos alicerccedilados em princiacutepios da feacute
cristatilde turvada por machismo e hierarquia de gecircnero
13
Em um gesto decisivo procurei outra escola para efetivar minha pesquisa O Dia das
Matildees jaacute havia se passado e ali presenciei mais um momento indicativo de que os sentidos
afiados dos quais fala Louro (2012) eacute um imperativo eacutetico para que se pense nas muralhas que
a escola precisa transpor para deslegitimar ordens sexistas androcecircntricas Assisti em uma
manhatilde em meio ao barulho comum de um intervalo nas escolas um pai se dirigir agrave diretora
falando alto por dois motivos queria que sua voz ultrapassasse o som da zoada do alunado e
estava pronto a mostrar sua firmeza sua forccedila em alto som Ele exigiu explicaccedilotildees desta
profissional sobre o que fora ensinado ao seu filho na festa das matildees tendo em vista que o
aluno expressou vontade de colaborar com as atividades domeacutesticas em casa A gestora
pacientemente explicou-lhe que apenas no momento das homenagens expuseram a reflexatildeo de
que meninos tambeacutem podem e devem ajudar as matildees nas tarefas domeacutesticas considerando
que estas ficam sobrecarregadas costumeiramente O homem retrucou ameaccedilando retirar o
filho da escola se mais uma vez a instituiccedilatildeo quisesse ensinar agrave crianccedila a virar uma
ldquomariquinhardquo Ali eu e ela tentamos dialogar com este pai enfatizando a importacircncia dos
direitos iguais para homens e mulheres do valor da contribuiccedilatildeo para a famiacutelia do trabalho de
todosas e que a concepccedilatildeo dele eacute infundada machista e preconceituosa Em vatildeo O homem
foi agrave escola soacute para bradar seu entendimento do que significa ser macho O que a instituiccedilatildeo
pensa a respeito natildeo lhe interessava
De novo senti o peso de um mundo fortemente assimeacutetrico forjado em conceitos
essencialistas Meu interesse pela problematizaccedilatildeo das iniquidades de gecircnero no chatildeo da
escola me seduziu de vez pensei com que produccedilatildeo de verdade osas trabalhadoresas da
educaccedilatildeo tecircm se movido (ou estariam presos) no enfrentamento destes embates corriqueiros
Escolhi ali mais uma vez por onde iria meu caminho investigativo
Estes dois momentos nas escolas em que experimentei cenas impactantes na
marcaccedilatildeo da assimetria de gecircnero perpassadas em voz docente e de membros familiares
conforme jaacute pontuei foram nodais para a minha decisatildeo de ter em foco essas relaccedilotildees no
espaccedilo escolar como objeto de estudo Mas deveras fui sendo seduzida pela ideia de
problematizar as assimetrias de gecircnero logo cedo na minha casa cheia de meninos
ldquotreinadosrdquo para conquistar espaccedilos enquanto que eu e minhas irmatildes eacuteramos ldquoadestradasrdquo
para o casamento como tantas mulheres de minha geraccedilatildeo e anteriores a ela Rezamos na
cartilha que a nossa formaccedilatildeo discursiva ordenava Filhos lar sexualidade reprimida redoma
sacrifiacutecios em nome de modelos de ldquofelicidaderdquo Modelos cujo formato tem cores
consistecircncia e sons androcecircntricos Tudo aquilo natildeo era escolha ou no dizer de Michel
14
Foucault (2004a 2004b 2012) a margem de liberdade era estreitiacutessima Era o poder
alicerccedilando as relaccedilotildees imbricado na instituiccedilatildeo famiacutelia
Onde haacute poder haacute resistecircncia diz esse pensador francecircs todavia |E os estudos no
campo de gecircnero como enunciados de resistecircncia chegaram-me Com eles chegaram os
compassos que desfazem os essencialismos Em suas vertiginosas paragens os
(des)compassos que explicitam o surdo combate entre o que se vecirc seu enredamento e o que
se diz como bem pontua Albuquerque Juacutenior (2007) E em um processo vital acostumei-me
com esse campo de estudo a afiar os meus sentidos muito embora agraves vezes fiquem
embaccedilados por uma memoacuteria discursiva que se desloca conflitando identidades que me
vestem e com as quais me perco e me acho Nos estudos poacutes-estruturalistas entendi meus
sujeitos dispersos a heterogeneidade discursiva que me faz ser tantas com verdades mil que
fazem viver dentro de mim todas as vidas do poema de Cora Coralina (1983) a cabocla
velha acocorada a que benze e a que reza a lavadeira do Rio Vermelho com seu cheiro
gostoso a mulher suada corrida vive dentro de mim a mulher cozinheira pimenta e cebola
panela de barro mas corro levando a mulher devoradora de fastfood Vive dentro de mim a
mulher roceira enxerto da terra meio casmurra vive a mulher urbana imersa no caos do
tracircnsito enredada nas redes sociais E o que faccedilo com tantas vidas Certamente com os
estudos de gecircnero posso desejar vecirc-las em seus processos de subjetivaccedilatildeo em um mundo
plural mas hegemocircnico global movente instantacircneo liacutequido que pode desfazer verdades
ldquoquebrando a gaiolardquo do essencialismo como propotildeem os Estudos Culturais
Decerto que sempre se constituiu para mim como ato de seduccedilatildeo o garimpar das
subjetividades que se fazem em meio a jogos de verdade como demonstra Foucault (2004a
2004b 2004c 2004d 2012) Ultimamente todavia perscrutar nossosas mestresas sem as
pequenas pretensotildees de quem desvenda descobre o oculto como nos adverte o filoacutesofo
francecircs mas pensando nas histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees de suas subjetividades
constituiacutea-se mais fortemente como desejo e apreensatildeo Minha apreensatildeo de pesquisar modos
de subjetivaccedilatildeo de professora se dava pela frequecircncia com que vinha registrando os
enunciados da categoria que descrevia com muito pesar a atuaccedilatildeo profissional salas lotadas
baixos salaacuterios perda de autoridade violecircncia desinteresse dosas discentes sentimentos de
desvalorizaccedilatildeo frustraccedilotildees enfim uma homogeneidade de queixas perpassando as vozes
dosas educadoresas Obviamente as precaacuterias condiccedilotildees de trabalho justificam os dolorosos
enunciados dosas trabalhadoresas da educaccedilatildeo Essesas profissionais se natildeo se inserem na
militacircncia na defesa de poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a educaccedilatildeo de qualidade no ativismo
poliacutetico na busca pelas praacuteticas de liberdade pelas teacutecnicas de ajuste da relaccedilatildeo de si para
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consigo um ethos que repousam em uma eacutetica do inconformismo do autodomiacutenio
(FOUCAULT 2004a) tornam o repertoacuterio enunciativo bem marcado por insatisfaccedilatildeo Como
a militacircncia eacute pouca sobram a lamuacuteria e a vitimizaccedilatildeo em um paiacutes com vergonhoso histoacuterico
de baixo investimento na educaccedilatildeo puacuteblica
Ainda assim paradoxalmente minha apreensatildeo se misturava ao desejo de me
debruccedilar sobre as subjetividades dessesas profissionais Pegava-me indagando quais satildeo
face aos efeitos produzidos pelas tecnologias oficiais essas concebidas aqui na concepccedilatildeo
foucaultiana como os instrumentos que proporcionam formaccedilotildees assimilaccedilotildees de ordens as
aprendizagens que tecircm assimilado osas educadoresas Como os debates sobre sexualidade e
gecircnero trazidos pela rede discursiva das diretrizes da educaccedilatildeo brasileira como a Lei de
Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional - LDBEN-96 os Paracircmetros Curriculares Nacionais
(PCNs 1997) faziam-se presentes entre elesas Essas questotildees me instigavam E me
instigaram mais quando pensei a interface discursividadeleituragecircnero
Retornando agrave seduccedilatildeo pela problematizaccedilatildeo da iniquidade de gecircnero fui sendo
seduzida ainda em deacutecadas de atividade como professora em sala de aula Laacute lecionando em
niacuteveis diversos (fundamental meacutedio e superior) procurei sempre trazer agrave tona a constituiccedilatildeo
discursiva da construccedilatildeo social de gecircnero Sentia-me cumpridora de minha missatildeo como
educadora quando a minha praacutetica pedagoacutegica contribuiacutea com a reflexatildeo que aponta para a
necessidade de construirmos um mundo para todas as pessoas Uma utopia e como utopia
natildeo morre move-se Estaacute aqui comigo Estaacute aqui quando olho nossas estatiacutesticas estuacutepidas
que falam de uma violecircncia diaacuteria contra mulheres contra homossexuais contra o constituiacutedo
como diferente Estaacute aqui comigo a utopia de abolir esta violecircncia simboacutelica cantada em
diversos ritmos encarnada em uma musicalidade que embala corpos e mentes com pesadas
imagens degradantes nas quais somos apenas ldquoas mulheres frutas fiu-fiu cachorras sirigaitas
piriguetes popozudas coisificadas lepolapizadasrdquo
No surgimento deste mestrado profissional entatildeo em meus percursos sobre o tema
olhei para a escola especialmente rememorando aquelas duas cujas imagens retive como
disseminadoras e reprodutoras de hierarquia de gecircneros Olhei para suas bibliotecas ou a
ausecircncia delas seussuas professoresas seus regimes de verdade e articulei a problemaacutetica
de que forma as praacuteticas discursivas que constroem sentidos nos enunciados dos (as)
educadores (as) como mediadores (as) de leitura contemplam o debate sobre a equidade de
gecircnero Com a elaboraccedilatildeo desta questatildeo tentei responder ainda agraves inquietaccedilotildees que vivi nos
debates com professoresas durante as formaccedilotildees continuadas executadas pelo CECAPRO
Centro de Capacitaccedilatildeo dos Professores [professoras] onde atuo profissionalmente Da
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memoacuteria daqueles debates levantei indagaccedilotildees a me sustentar o tema entre elas que leituras
fazem as vozes educadoras sobre a construccedilatildeo discursiva dos sujeitos O que dizem as vozes
leitoras Voltei entatildeo meu interesse para o chatildeo da escola lugar de livros de paredes
riscadas de brincadeiras de canccedilotildees de namoros de sexualidade de conflitos de poder de
rejeiccedilotildees aos que fragilizam o discurso sexista excludente lugar de leitura de formaccedilatildeo e
debate Voltei meu interesse para a escola lugar de tanto mas natildeo para todos os seus lugares
uma esfera de atuaccedilatildeo dessa instituiccedilatildeo pareceu-me de extrema pertinecircncia para entrecruzar
com o debate que objetivei traccedilar a esfera da leitura E considerando a leitura em uma
perspectiva discursiva busquei no entrecruzamento dessa com o debate acerca das relaccedilotildees
de gecircnero meu interesse meu desejo
Apoacutes tecer a gecircnese que propiciou a confecccedilatildeo do presente processo investigativo
farei a partir de agora a apresentaccedilatildeo das demais partes do trabalho feito que passo a realizar
fazendo uso ainda da primeira pessoa do discurso no singular Faccedilo isso em consonacircncia com
a epistemologia feminista que entende o quatildeo as interlocuccedilotildees com autoresas satildeo
cooperativas em uma accedilatildeo investigativa seja de qual porte for mas assume a proposta de
inscriccedilatildeo da natildeo neutralidade do sujeito Sem a ilusatildeo ao certo de que se eacute oa donoa do
dizer conforme pontua a Anaacutelise do Discurso
Como o desejo vira pesquisa
Mas biblioteca num lugar como esse Para quecirc Para o Nogueira ler um romance
de mecircs em mecircs Uma literatura desgraccedilada []
(RAMOS 1978 p83)
Emblemaacutetica esta construccedilatildeo literaacuteria de Graciliano Ramos em Satildeo Bernardo
(1978) construccedilatildeo que situa quem a lecirc o quanto os valores capitalistas opotildeem-se agrave edificaccedilatildeo
de um espaccedilo que privilegie a democratizaccedilatildeo do saber e atraveacutes dessa provavelmente a
praacutetica do letramento emancipador Vale ressaltar todavia que falo aqui de letramento
emancipador concebido em sintonia com o olhar de Soares (2011) como a accedilatildeo leitora que
encoraja a reflexatildeo criacutetica sobre a ordem social uma accedilatildeo que ultrapassa o domiacutenio da
tecnologia do saber ler e escrever faz uso dela incorporando-a a seu viver A autora ao
inscrever diacronicamente os viacutenculos sobre liacutengua escrita sociedade e cultura apregoa o
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termo alfabetismo1 como oposiccedilatildeo ao do costumeiro uso analfabeto E o faz provocando uma
reflexatildeo sobre as regras codificadas da linguagem
O fato de que sejam correntes na liacutengua os substantivos que negam- analfabetismo e
analfabeto satildeo formados pelo prefixo grego a(n) que envolve a ideia de negaccedilatildeo ndash e
de que cause estranheza o substantivo que afirma alfabetismo e ainda de que natildeo
se tenha um substantivo que afirme o contraacuterio de analfabeto eacute como bem
hipotetiza Silva um fenocircmeno semacircntico significativo porque conhecemos bem e
haacute muito lsquoo estado ou condiccedilatildeo de analfabetorsquo ndash sempre nos foi necessaacuteria uma
palavra para designar este estado ou condiccedilatildeo - e temos usado sem nenhuma
estranheza o termo analfabetismo (SOARES 2011 p 29)
Uma nova realidade social com a ampliaccedilatildeo do acesso agrave escola nas uacuteltimas deacutecadas
e com o processo de industrializaccedilatildeo no Paiacutes provoca uma demanda por maior inserccedilatildeo da
liacutengua escrita que gesta a concepccedilatildeo teoacuterica do letramento Um conceito que em princiacutepio
trouxe muito equiacutevoco com a dissociabilidade que se instaurou para alguns entre os
fenocircmenos da alfabetizaccedilatildeo e do letramento Fenocircmenos de naturezas diferentes mas
indissociaacuteveis e interdependentes que implicam habilidades competecircncias e procedimentos
diferenciados de ensino Questatildeo poreacutem que natildeo seraacute tratada aqui em funccedilatildeo do limite a que
se propotildee este trabalho qual seja investigar a constituiccedilatildeo de efeitos de sentidos na
discursividade dosas educadoresas tendo como foco o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
perpassado nas praacuteticas leitoras dessesas profissionais
E mesmo sem querer engrossar as fileiras dos que lamentam pelos altos iacutendices do
fraacutegil desempenho dosas educandos brasileirosas em provas de leitura detectados em
Programa Internacional de Avaliaccedilatildeo de Estudantes - PISA e nos relatos corriqueiros de
educadoresas e familiares natildeo eacute possiacutevel deixar de reconhecer que este eacute um dos noacutes do Paiacutes
na faceta Satildeo Bernardina que possui Metaforicamente essa obra pode conduzir leitoresas
aos iacutengremes caminhos de um Brasil com abissais desigualdades sociais e que tal qual Paulo
Honoacuterio o narrador-personagem eacute tambeacutem injusto violento e opressor por descuidar de seu
povo Descuida de seu povo entre tantas evidecircncias pela negaccedilatildeo da garantia efetiva de
direitos fundamentais como o de uma educaccedilatildeo de qualidade e que seja emancipadora (cf
FREIRE 1999 2002) Eacute possiacutevel ver pelos caminhos de Satildeo Bernardo e pelos (des)caminhos
das escolas puacuteblicas brasileiras as professoras Madalenas amantes do saber dos livros e do
ser humano lutando contra a loacutegica de um sistema social excludente Nessa militacircncia a
leitura seguramente eacute um dos instrumentos que podem viabilizar a luta por mudanccedilas
1 Em nota a autora explica a atualizaccedilatildeo do termo por letramento tendecircncia confirmada pela dicionarizaccedilatildeo
somente em 2001 do termo
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sociais tendo em vista que pode suscitar as reflexotildees acerca da ordem discursiva (cf
ABREU 2007 apud PINA DA MATTA VEIGA 2012)
De qual leitura todavia falo quando penso aqui na validaccedilatildeo desta como algo
significativo para a vida capaz de suscitar reflexotildees instigantes e desconstrutoras de uma
ordem social Penso em uma leitura que seja prazerosa como nos lembra Rubem Alves
(2004) citando Melanie Kleim o professor [e professora] no ato de ler eacute o seio bom por isso
leitura eacute maternagem Penso tambeacutem em uma leitura que seja experiecircncia no sentido que
Larrosa (2004) daacute ao ato de ler como transformador vinculador das praacuteticas da liberdade da
plenitude do ldquoexistenterdquo Com todo cuidado para evitar ainda os messianismos as
sacralizaccedilotildees Soares (2001) falo ainda de leitura que seja lenha para o fogo da cidadania que
trace as veredas para o campo da garantia dos direitos humanos tocando um instrumento
coacutesmico de muitas melodias que ldquoacordem consciecircncias de homens [e de mulheres] e
adormeccedilam crianccedilasrdquo no sentido drummoniano de se engajar a arte tatildeo meloacutedico quanto
emblemaacutetico na sua ceacutelebre Canccedilatildeo Amiga de 1983
E partindo do desejo de problematizar sobre os efeitos catastroacuteficos dos altos iacutendices
de iletrismo e do analfabetismo no Brasil e sobre qual tem sido o olhar da escola para o
enfrentamento de uma histoacuterica educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria (LOURO 2012 PEDRO
PINSKY 2003) eacute que se foi delineando este trabalho Delineando-se movido na concepccedilatildeo
de leitura como componente constitutivo das formas de sociabilidade e dos jogos sociais
(ORLANDI 2008 SILVA 2011) nas discussotildees foucaultinas sobre a constituiccedilatildeo do sujeito
e praacuteticas de subjetivaccedilatildeo (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) aleacutem de movido em
contribuiccedilotildees de estudos feministas (LOURO 2012) Delineando-se para responder agrave
questatildeo-problema que considera os avanccedilos conquistados pelas lutas feministas e a tensa
disputa que se instala entre tais conquistas e as assimetrias de gecircnero no espaccedilo escolar e
assim eacute proposta eacute contemplado o debate sobre a equidade de gecircnero perpassado nas vozes
educadoras em suas praacuteticas leitoras
Essa questatildeo parte de premissas fatuais que me inquietam e me levam a
problematizar os imaginaacuterios2 inferiorizantes da mulher operam no espaccedilo escolar de que
forma quando a este lugar chegam avanccedilos significativos das diretrizes do Conselho Nacional
de Educaccedilatildeo ndash CNE- pontuando a desconstruccedilatildeo dessa praacutetica Seria este debate ignorado ou
pensado sobre traccedilos negativos Outra questatildeo que me instiga a problematizar eacute a de que
teriam os(as) docentes a concepccedilatildeo de que uma escola democraacutetica prima essencialmente pelo
2Imaginaacuterios aqui na acepccedilatildeo dada por Castoriadis (1982) enquanto rede de sentidos sistema de crenccedilas que
legitima a ordem social em vigor
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respeito e dignidade de todosas e de que as praacuteticas pedagoacutegicas tecircm constituiacutedo sujeitos
diferentes e desiguais em direitos Ademais qual o comprometimento manifesto pelas
praacuteticas pedagoacutegicas dessesas educadoresas para evidenciar suas intenccedilotildees de superar velhas
estruturas estariam usando a leitura como instrumento constituinte e conformante dos
sujeitos para mediar reflexotildees atinentes agrave construccedilatildeo de uma escola democraacutetica inclusiva e
natildeo-sexista
Considerando desse modo que a pergunta problema possui como eixo centralizador
a atenccedilatildeo que as praacuteticas leitoras da escola dispensam ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
refletidas pelas praacuteticas discursivas docentes eacute objetivo geral deste trabalho analisar as
discursividades que produzem sentidos nos enunciados de educadoresas como mediadores
(as) de leituras frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero no projeto CestaSexta Literaacuteria
em uma escola da Rede de Ensino Municipal de Joatildeo Pessoa
Para apoiar essa investigaccedilatildeo que perspectiva observar a vinculaccedilatildeo da leitura como
forte pilar na construccedilatildeo de um mundo mais justo e na desconstruccedilatildeo de imaginaacuterios que
inferiorizam a mulher que criam uma ordem androcecircntrica heteronormatizadora e
excludente vinculaccedilatildeo essa mediatizada nas vozes dos educadores(as) compete-me traccedilar
como objetivos especiacuteficos (i) examinar se na proposta do projeto de leitura da CestaSexta
Literaacuteria expresso em seu documento ocorre seleccedilatildeo de temas que abordem questotildees
voltadas para as poliacuteticas educacionais de gecircnero (ii) investigar se os textos utilizados pelo
projeto nas aulas de leitura observadas contemplam praacuteticas discursivas que produzam
sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero (iii) problematizar efeitos de sentidos que perpassam
pelos relatos docentes e pelo questionaacuterio instrumentos aplicados junto agravesaos educadoresas
expressando as posiccedilotildees de sujeito dosas entrevistadosas acerca das relaccedilotildees de gecircnero em
momentos de interaccedilatildeo na praacutetica leitora (iv) contribuir com reflexotildees que sistematizem
estrateacutegias que propiciem a intervenccedilatildeo e transformaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica na perspectiva
da construccedilatildeo da equidade de gecircnero
Por ser a escola a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela aquisiccedilatildeo de saberes e competecircncias
no plano da formalidade e que esta tem no ensino da leitura uma de suas funccedilotildees cruciais
pesquisar o ato de ler na escola eacute de muita relevacircncia a despeito de este tema sumamente jaacute
ter sido explorado Tal questatildeo jaacute fez com que muitosas teoacutericosas e estudiososas de
diversas aacutereas se debruccedilassem a estudaacute-lo a quantidade de livros artigos teses e dissertaccedilotildees
sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees satildeo magnacircnimas Paulo Freire (1988) Ezequiel
Theodoro da Silva (2009 2011) Magda Soares (2001) Antunes (2009) Orlandi (2008) entre
tantosas outrosas importantes teoacutericosas jaacute teceram suas consideraccedilotildees sobre a leitura que
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aqui encheriam paacuteginas Haveraacute o que dizer mais Parece que natildeo para quem desconsidera
que o inusitado visita a dinacircmica do ato de ler em um contexto escolar com frequecircncia Mas
para quem deseja olhar para as praacuteticas pedagoacutegicas com olhos novos olhos de quem eacute capaz
de se indignar e de natildeo perder de vistas a utopia sempre agrave vista na faceta Madalena de cada
um haacute sempre o que se dizer no chatildeo da escola leitora ou natildeo leitora E eacute em busca deste
dizer sobre ler que me enceta o desejo de ver como educadora que sou homens e mulheres
em processos de libertaccedilatildeo desconstruindo ldquoverdadesrdquo aprendendo com e pela leitura a
refletir sobre seus lugares no mundo que me ponho
E assim compreendendo a leitura como espaccedilo de produccedilatildeo e de reproduccedilatildeo de
significados sociais e objetivando analisar de que forma educadoresas estatildeo forjando
construccedilotildees acerca das identidades de gecircnero em suas praacuteticas leitoras eacute que se desenha a
importacircncia desta pesquisa Isso se justifica porque entre as funccedilotildees da leitura deve estar a
de viabilizar as problematizaccedilotildees que faccedilam leitoresas despertarem para a cidadania ativa o
protagonismo e a autonomia Esses aqui entendidos em uma perspectiva que traduza a
autonomia financeira profissional e pessoal das pessoas e a sua busca pelo ativismo poliacutetico
que expressa consciecircncia de lugar no mundo
E estudar as discursividades que perpassam o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
mediatizadas pelas leituras no espaccedilo escolar eacute desejar averiguar se este instrumento de
aprendizado estaacute sendo usado para desmantelar as assimetrias de poder entre homens e
mulheres em um espaccedilo formador Eacute desejar averiguar enfim se este instrumento estaacute sendo
amparo para questionar estereoacutetipos e verdades cristalizadas naturalizadas em torno de
construccedilotildees de identidades de gecircnero Obviamente que essa eacute uma das possibilidades de
utilizaccedilatildeo da leitura se este instrumento na escola estiver em consonacircncia com as diretrizes
educacionais que concebem a importacircncia de se fazer da instituiccedilatildeo um espaccedilo democraacutetico
Um espaccedilo em que se faccedila fluir o respeito agrave alteridade agrave compreensatildeo de que a identidade e a
diferenccedila satildeo produzidas discursivamente e que tecircm a ver com a atribuiccedilatildeo de sentidos ao
mundo social e com a disputa e luta em torno dessa atribuiccedilatildeo (SILVA 2012) A leitura nessa
perspectiva problematizadora tem a estrateacutegia de ir aleacutem das ldquobenevolentesrdquo declaraccedilotildees de
toleracircncia com o outro com o diferente Ela tem em seu centro a percepccedilatildeo de que as
identidades satildeo sujeitas a uma historicizaccedilatildeo radical processo que deve lanccedilar luz agraves
reflexotildees que transformam o diferente em exterior abjeto (HALL 2011) Nessa dimensatildeo a
leitura faz parte de um projeto poliacutetico que intenta viabilizar a criacutetica da construccedilatildeo da
identidade e da diferenccedila evidenciando o quanto elas satildeo estrategicamente produzidas
fundadoras Conceber adequadamente a fundaccedilatildeo do outro pode desenredar a forma fechada
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redutora de interpretaccedilotildees a que esse eacute reduzido E a leitura pode ter uma funccedilatildeo fulcral nesse
processo de reflexatildeo quando pensada estrategicamente para isso accedilatildeo relevante para a
contribuiccedilatildeo com a feitura da escola como palco em que a assimetria de tratamentos eacute
combatida em seu lugar haacute a poliacutetica de respeito pelos Direitos Humanos (DH doravante)
O princiacutepio da dignidade dispensado a todas as pessoas conforme preconizam os DH
em muitos de seus documentos (cartas convenccedilotildees estatutos declaraccedilotildees) e nosso
ordenamento juriacutedico maior a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 eacute reclamante contumaz de um
olhar pedagoacutegico que discuta as diferenccedilas a construccedilatildeo das identidades de gecircnero e da
alteridade E na escola soam e ressoam documentos que abordam poliacuteticas da diversidade
cultural sexual e da equidade de gecircnero Mas de que forma o debate chega em um mundo em
que emerge uma globalizaccedilatildeo iacutempar de informaccedilotildees velozes instantacircneas onde se discutem
identidades culturais e desconstruccedilatildeo de paradigmas de comportamentos em meio aos
pensamentos hegemocircnicos Chegaraacute esbarrando em construccedilotildees sociais dosas fazedoresas
da educaccedilatildeo que se apresentariam cristalizadas essencializadas fixas Como tem por fim
assentado na agenda da escola o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero Qual eacute o seu regime de
verdade no sentido foucaultiano de pensar a formaccedilatildeo discursiva como o loacutecus onde
arbitrariamente satildeo determinados os sentidos de um discurso Os muros escolares satildeo
atravessados de que modo pelo debate que provoca as reflexotildees sobre a produccedilatildeo do
diferente Satildeo indagaccedilotildees como essas que me conduzem agrave execuccedilatildeo deste trabalho Isso
merece meu olhar merece porque para que falemos de dignidade precisamos atentar para a
condiccedilatildeo feminina ainda envolta por iniquidade expressa na esfera profissional poliacutetica e
pessoal E para que falemos de dignidade precisamos respeitar as manifestaccedilotildees de desejos e
performances de outras interlocuccedilotildees de outras subjetividades que devem ser reconhecidas
como legiacutetimas
O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero impulsionado pelo ativismo poliacutetico do
coletivo de mulheres chega e deve ser ampliado porque vale pleitear que o princiacutepio da
igualdade formal e material entre homens e mulheres tenha seu cumprimento auferido
Igualdade essa que estaacute distante de ser conquistada muito embora menos longe do que jaacute
esteve no longo caminho rumo agrave construccedilatildeo da cidadania feminina Ainda eacute fato haacute menos
mulheres nas instacircncias de poderes do que deveria no Brasil de acordo com dados do
Anuaacuterio das Mulheres Brasileiras (DIEESE 2011) elas satildeo mais da metade da populaccedilatildeo (51
3) e do eleitorado estatildeo entretanto sub-representadas nas esferas de poder Satildeo 11 no
Congresso Nacional natildeo chegam a 20 nos niacuteveis mais elevados do Poder Executivo No
Judiciaacuterio nas universidades e empresas privadas ocupam apenas 20 das chefias Eacute tambeacutem
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outro oacutebice agrave igualdade de gecircnero a preocupante materializaccedilatildeo do machismo em forma de
agressatildeo agraves mulheres Conforme ainda os dados do referido Anuaacuterio uma em cada cinco
brasileira jaacute sofreu algum tipo de violecircncia domeacutestica por parte de um homem Das violecircncias
perfiladas nem todas satildeo computadas Haacute a cultura do medo e da vergonha da sua condiccedilatildeo
de viacutetima que impede que a mulher denuncie seu agressor e mesmo havendo campanhas e
aparato legal que mobilizam a denuacutencia da violecircncia contra a mulher ainda se fala em
subnotificaccedilatildeo dos dados De fora fica ainda a costumeiramente natildeo computada a intangiacutevel
violecircncia simboacutelica termo que tomo de empreacutestimo de Bordieu (2012) que fala da
sedimentaccedilatildeo de um consciente androcecircntrico em homens e mulheres alimentando
iniquidades Esta violecircncia natildeo estaacute em estatiacutesticas mas deixa sequelas profundas em suas
viacutetimas fazendo muitas mulheres carregarem em si sentimentos de impotecircncia mutilaccedilatildeo e
subalternidade
A escola tem o fio do poder que costura e regulamenta normas e mudanccedilas que
disciplinam comportamentos hegemonias (PEREIRA 2005) Mas o poder natildeo eacute estanque
fixo haacute neste espaccedilo como em todos os outros lugar para a resistecircncia e a contra-hegemonia
(FOUCAULT 2012) E de que forma tecircm chegado os discursos que problematizam as
mudanccedilas que advogam os movimentos de mulheres e fazem ressoar seu desejo de
desmantelar de descosturar as assimetrias de gecircnero Como a leitura e as vozes escolares
ressoam o que regula a valente marcha feminista que pode contribuir com o combate agrave
violecircncia domeacutestica com o empoderamento das mulheres e dar visibilidade agrave iniquidade de
gecircnero de forma refrataacuteria Acolhendo seus passos Como a leitura e as vozes escolares
abordam a temaacutetica das identidades e da diferenccedila datildeo centralidade e a discutem como
questatildeo de poliacutetica Estas questotildees imbricam-se e com elas penso a linguagem no campo da
discursividade da construccedilatildeo dos jogos de poder da constituiccedilatildeo de sentidos verdades e
subjetivaccedilotildees (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) o que eacute sempre um desafio
instigante para oa educadora Essa temaacutetica eacute premente sendo assim Haacute uma expectativa de
que seja sedimentado o aprendizado de que as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo estatildeo sempre inseridas
em contextos e processos socialmente estruturados legitimando naturalizando e retificando
hegemonias mas tambeacutem sofrendo transformaccedilotildees
Para que o direcionamento discursivo levantado pela questatildeo norteadora satisfaccedila
aos objetivos a que me proponho este estudo move-se teoricamente na concepccedilatildeo
sociointeracionista de leitura e faz uma interface com a Anaacutelise do Discurso AD doravante
tendo como referecircncia o trabalho de Orlandi (2008) sobre leitura que se pauta na perspectiva
da Escola francesa dessa disciplina Trabalho com a concepccedilatildeo de leitura na perspectiva de
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que ler eacute mais do que decodificar (SOARES 2011) Ler eacute envolver-se com praacuteticas culturais
(MOITA LOPES 2002) que fortalecem a sedimentaccedilatildeo do valor da cidadania que pressupotildee
efetivaccedilatildeo de direitos e deveres para todos Ler entatildeo deixa de ser uma atitude passiva
fechada tradutora decodificadora em que se busca a ldquoverdaderdquo produzida peloa autora ou
pelo texto se se quiser ser positivista ou estruturalista A leitura que me interessa aqui se
ancora na perspectiva interacionista que concebe o aspecto sociocultural e cognitivo da
linguagem e como tal o texto eacute processo e natildeo produto A leitura eacute uma atividade situada
que reflete uma relaccedilatildeo dialoacutegica (cf BAKHTIN 1995) ou seja uma relaccedilatildeo na qual se
estabelecem refraccedilotildees entre autor-leitor-texto e contexto Essa perspectiva expressa um
rompimento com o modelo formalista ou historicista e tem havido um esforccedilo por parte dos
oacutergatildeos responsaacuteveis pelas poliacuteticas de formulaccedilatildeo das diretrizes escolares para implementaacute-la
no seio escolar Os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCNs-1997) refletem essa intenccedilatildeo
os textos satildeo defendidos em sua diversificaccedilatildeo e na defesa da construccedilatildeo de competecircncias
linguiacutesticas com desenvolvimento da habilidade leitora e escritora que ultrapasse a mera
decodificaccedilatildeo no processo de ensino aprendizagem
Por este trabalho buscar uma interface entre a linguagem como praacutetica social e as
relaccedilotildees de gecircnero perscrutadas nas vozes docentes em atividades de leitura propostas pela
escola tambeacutem lhe eacute pertinente a abordagem das formas de constituiccedilatildeo da subjetividade
(FOUCAULT 2004a 2004b 2004d) Estou ainda me movendo pelos estudos da criacutetica
feminista dos estudos poacutes-estruturalistas de gecircnero na contemporaneidade que buscam a
negaccedilatildeo de quaisquer resquiacutecios de uma base essencialista para a formaccedilatildeo das identidades
(LOURO 2012 SILVA 2012) ao tempo que questionam as hierarquias entre o masculino e
o feminino a ordem androcecircntrica heteronormativa e etnocecircntrica Eacute desse olhar que me
sirvo para diante do que pontuam os Estudos Culturais consonantes agrave construccedilatildeo das
identidades como cambiantes heterogecircneas transitivas construiacutedas e reconstruiacutedas social e
discursivamente refletir sobre as implicaccedilotildees de se ler no espaccedilo escolar Refletir atentando
para o discurso pedagoacutegico que daacute sentido agraves diferenccedilas entre meninos e meninas agraves relaccedilotildees
de gecircnero E eacute desse olhar que tambeacutem me sirvo para aprender sobre a consciecircncia de gecircnero
e sobre o desafio da aprendizagem de transformar os jogos de verdade que impotildeem relaccedilotildees
assimeacutetricas Eacute isto o que me enreda neste trabalho
Articulo esta dissertaccedilatildeo em partes que se estruturam assim a introduccedilatildeo na qual
consta a contextualizaccedilatildeo da temaacutetica focalizada com a sua gecircnese a apresentaccedilatildeo do
problema dos objetivos da justificativa e dos pressupostos teoacutericos que embasaram a
pesquisa
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No capiacutetulo 1 exponho as estrateacutegias metodoloacutegicas com as quais me vali para que o
direcionamento discursivo apresentado que eacute a investigaccedilatildeo das discursividades docentes em
leitura e gecircnero satisfizesse aos objetivos a que me propus construir para este estudo
No capiacutetulo 2 pontuo uma justificativa do campo teoacuterico apresentando estudos de
autoresas utilizadosas bem como pontuo o cruzamento entre a instacircncia da leitura e o debate
sobre as relaccedilotildees de gecircnero sustentado por reflexotildees atinentes aos Direitos Humanos ao
feminismo ao poder agrave educaccedilatildeo e aos modos de subjetivaccedilatildeo
No capiacutetulo 3 discorro sobre a anaacutelise das praacuteticas discursivas dosas educadoresas
perscrutadas pela trajetoacuteria analiacutetica que fiz cujo procedimento para geraccedilatildeo de dados teve os
seguintes instrumentos investigativos o documento do projeto de leitura os relatos dosas
educadoresas que foram gerados em conversas quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola um
questionaacuterio aplicado com nove participantes do projeto de leitura da escola e a observaccedilatildeo
de aulas dos textos utilizados nesses eventos e levantamento dos textos paradidaacuteticos
presentes na biblioteca escolar que se refiram agrave temaacutetica de gecircnero
No capiacutetulo 4 atinente agrave perspectiva interventiva propositora que tem este mestrado
profissional desenvolvo reflexotildees que intencionam contribuir para a inserccedilatildeo temaacutetica de
gecircnero pela via da leitura na escola em que a pesquisa foi realizada Faccedilo ao final deste
capiacutetulo sugestotildees de atividades de ensino enfocando o olhar sobre as relaccedilotildees de gecircnero
Por uacuteltimo apresento as consideraccedilotildees finais com as quais objetivo amarrar os fios
tecidos ao longo do trabalho considerando os conteuacutedos enfocados e reforccedilando a defesa de
se inserir o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero pela via da leitura na escola
problematizando os modelos de feminilidade e masculinidade na defesa da dignidade de
todas as pessoas
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1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA
11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade
Partindo do entendimento de que a pesquisa a que me proponho realizar que eacute a
anaacutelise de praacuteticas discursivas de docentes sobre as relaccedilotildees de gecircnero como mediadoresas
de leituras exige um dispositivo analiacutetico busco nos procedimentos da AD de filiaccedilatildeo
francesa como nas reflexotildees foucaultianas sobre praacuteticas de subjetivaccedilatildeo e poder nas
reflexotildees poacutes-estruturalistas sobre gecircnero e na perspectiva sociointeracionista sobre leitura
um apoio teoacuterico-metodoloacutegico Nesse sentido estou imbuiacuteda do propoacutesito de percorrer essa
investigaccedilatildeo conforme as diretrizes desse caminho investigativo considerando que natildeo haacute o
sentido ldquoverdadeirordquo mas o real do sentido em sua materialidade linguiacutestica e histoacuterica
(ORLANDI 2012) Estou tambeacutem imbuiacuteda do intento de que com este dispositivo natildeo
vislumbro trabalhar em uma perspectiva de neutralidade tendo em vista que concebo a
pesquisa com base nas praacuteticas discursivas focada nos estudos feministas e nas relaccedilotildees de
gecircnero sob a oacutetica do interesse do engajamento poliacutetico (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007
LOURO 2012)
Essas condiccedilotildees refletem o que as problematizaccedilotildees levantadas pelo feminismo no
tocante agrave loacutegica de se fazer ciecircncia tradicional com seus postulados de estabilidades e
categorizaccedilotildees trouxeram Trouxeram a descrenccedila de que entre as palavras e as coisas existe
uma homologia que se diz exatamente o que se vecirc (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007
POSSENTI 2009) Antes os estudos de gecircnero de base poacutes-estruturalista explicitam que haacute
uma invenccedilatildeo do que eacute sermos mulhereshomens de que haacute uma invenccedilatildeo do que eacute sermos
meninos e meninas de diversas classes diversos tempos etnias e orientaccedilatildeo sexual
construiacuteda discursivamente E a reflexatildeo sobre o que nos tornamos como seres gendrados e
em que poderemos vir a ser como seres que se descobrem gendrados empodera-nos como
investigadores de desaprendizagens pela possibilidade de conhecimento de jogos de verdades
(FABRIacuteCIO 2006)
Os estudos de gecircnero como uma via que se oferece para o entendimento das relaccedilotildees
assimeacutetricas entre os sexos explicitam ainda o atravessamento pelo poder institucionalizado
que confere historicamente o domiacutenio do masculino Lugares diferentes no mundo chegam a
homens e mulheres por um conjunto de accedilotildees formadoras constituiacutedas discursivamente por
siacutembolos culturais institucionalizaccedilotildees e modos de subjetivaccedilatildeo que constituem relaccedilotildees
assimeacutetricas com o corpo com a sexualidade e afetividades para os sujeitos sociais Refletir
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sob esta perspectiva me faz desejar perceber meu entorno olhando a linguagem a cultura e as
instituiccedilotildees sob a oacutetica do interesse na construccedilatildeo dos processos sociais E o olhar do
feminismo deveras trouxe novas lentes sobre a pesquisa cientiacutefica Louro (2012) pontua que
uma das caracteriacutesticas relevantes dessa epistemologia diz respeito agrave forma como as
estudiosas empenham-se em responder questotildees atinentes agraves suas realidades aos seus campos
de interesses mescladas natildeo como vozes anocircnimas de seu objeto de estudo mas como vozes
que de modo provocativo posicionam-se histoacuterica e culturalmente imiscuindo objetivamente
subjetividades E eacute com este entendimento que intenciono subsiacutedios para um estudo sobre a
discursividade em uma interface com a oacutetica das relaccedilotildees de gecircnero e da leitura sob o crivo
de um convite a examinar ordens morais e estruturas de legitimaccedilatildeo
Esta investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos foi
conforme jaacute exposto concebida para ser realizada em uma escola da Rede de Ensino
Municipal de Joatildeo Pessoa - PB cuja identificaccedilatildeo seraacute preservada A preservaccedilatildeo deve-se agrave
consonacircncia com um mecanismo de proteccedilatildeo o anonimato como compromisso eacutetico
possiacutevel conforme Spink e Menegon (1999) embora salientem as autoras este ponto de
vista natildeo seja paciacutefico Para minha compreensatildeo eacute uma proteccedilatildeo exceccedilatildeo se daacute quando os
sujeitos manifestam o contraacuterio o que natildeo foi o caso Assim o sendo para a identificaccedilatildeo
deste espaccedilo pesquisado resolvi denominaacute-lo de escola TRAVESSIA Esse batismo traduz
meu olhar para o ambiente de ensino-aprendizagem alimentado na esperanccedila freireana pelo
inacabamento em noacutes educadores seres humanos Mesmo emparedadosas eacute preciso pensar
nas travessias Da mesma forma que o campo pesquisado tem um nome fictiacutecio os sujeitos
participantes desta investigaccedilatildeo tambeacutem foram denominados ficticiamente
Essa unidade educacional funciona nos dois periacuteodos com turmas do 6ordm ao 9ordm ano
em um preacutedio construiacutedo haacute menos de dez anos Possui 385 discentes e 25 docentes eacute
composta por dez salas de aula sala de artes laboratoacuterio de informaacutetica laboratoacuterio de
ciecircncias auditoacuterio biblioteca quadra poliesportiva quadra de vocirclei secretaria diretoria sala
de especialistas sala de professores refeitoacuterio e banheiros com padratildeo de acessibilidade
A pesquisa qualitativa na educaccedilatildeo tem centrado seu foco noa educadora vai
buscar sua colaboraccedilatildeo preocupar-se com suas histoacuterias e formaccedilatildeo (GHEDIN FRANCO
2008) Nessa dimensatildeo eacute possiacutevel olhar a realidade na perspectiva doa professora e natildeo
apenas sobre elea Este processo investigativo que tem como objeto as discursividades na
escola acerca das relaccedilotildees de gecircnero mediadas no projeto de leitura tem alinhamento
metodoloacutegico com esta perspectiva de pesquisa e possui como participantes osas
professoresas que integram o tal projeto Foi escolhido o corpo docente do turno vespertino
27
em funccedilatildeo de ajuste com minha disponibilidade de horaacuterio A coordenaccedilatildeo do projeto eacute de
responsabilidade de uma professora readaptada que tem formaccedilatildeo de arte-educadora Esta
profissional segundo me relatou articula trabalhos apoiando osas docentes integrantes do
projeto aleacutem de efetivar atividades literaacuterias e artiacutesticas em datas comemorativas na escola
12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de investigaccedilatildeo
A composiccedilatildeo dos instrumentos selecionados para a investigaccedilatildeo desta pesquisa eacute
constituiacuteda por diversos procedimentos para geraccedilatildeo de dados Consta de um questionaacuterio
aplicado no periacuteodo de 09 de setembro a 28 de outubro de 2013 a nove educadoresas
envolvidosas com o projeto de leitura da escola TRAVESSIA o CestaSexta Literaacuteria
Adotei tambeacutem como instrumento de investigaccedilatildeo os relatos de diaacutelogos com educadoresas
gerados quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola que se deram de 05 de setembro a 28 de
outubro de 2013 Construiacute notas de campo para registrar minhas vivecircncias naquele espaccedilo
perscrutando as vozes daqueles sujeitos pesquisados Satildeo tambeacutem composiccedilatildeo deste conjunto
de instrumentos investigativos as observaccedilotildees de quatro aulas de leitura e de texto utilizado
nestes eventos que ocorreram entre 4 e 11 de julho de 2014 A anaacutelise do documento do
projeto de leitura no tocante aos seus objetivos e metodologia bem como o levantamento de
quais livros paradidaacuteticos da biblioteca tratam da temaacutetica em tela satildeo outras formas
geradoras de dados desta pesquisa Esse levantamento do conjunto de instrumentos foi
elaborado em um processo no qual atentei para que a construccedilatildeo dos mesmos lembrando
Foucault (2004a 2004b 2012) objetivasse natildeo apontar se um enunciado eacute verdadeiro ou
falso enquanto discurso mas situar historicamente a produccedilatildeo desses
O questionaacuterio foi elaborado com treze questotildees objetivas por uma necessidade de
se ajustar agraves premecircncias do tempo mas promovendo espaccedilo para a complementaccedilatildeo de
respostas abertas considerando que outras leituras poderatildeo existir As questotildees formuladas
neste instrumento investigativo versando conforme apecircndice A entre outros toacutepicos acerca
da importacircncia da leitura para a escola sobre se a formaccedilatildeo continuada estaacute contribuindo no
preparo para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero acerca de qual
espaccedilo deve haver no curriacuteculo escolar sobre a histoacuteria social da mulher e ainda qual tem sido
o comportamento doa educadora ao lidar com manifestaccedilotildees de violecircncia de gecircnero
objetivam proporcionar anaacutelises das respostas segundo os pressupostos da AD
Essa disciplina mediante a articulaccedilatildeo liacutengua e histoacuteria descreve e analisa os
sentidos que produzimos socialmente considera assim que o sujeito eacute um efeito da linguagem
28
como praacutetica social E eacute com esta perspectiva que objetivo perceber os efeitos de sentidos as
ideias circulantes e produzidas pelos sujeitos envolvidos nas questotildees do instrumento
questionaacuterio como nos demais procedimentos que compotildeem o campo empiacuterico desta
investigaccedilatildeo as aulas os diaacutelogos o documento a ausecircncia de obras temaacuteticas no acervo
bibliotecaacuterio Lanccedilar matildeo desse amparo teoacuterico me faz buscar formulaccedilotildees epistemoloacutegicas
como o discurso o interdiscurso as formaccedilotildees discursivas entre outras construccedilotildees de
linguagem como fustigaccedilatildeo que possibilita ver ldquopelardquo opacidade da linguagem Por esses
vieses interessa-me natildeo em conceber uma ldquoverdaderdquo a qual terei o poder de ldquodesvendaacute-lardquo
conforme ressalva Foucault (1995 2004a 2004b 2012) mas procuro agrave luz do que me
fornece a AD refletir e inquirir sobre as condiccedilotildees de produccedilotildees ldquodo dito e o natildeo ditordquo
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2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO
21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos
Uma indagaccedilatildeo que se desdobrava em outras se fez presente em minhas elaboraccedilotildees
sobre a temaacutetica em foco afinal por que buscar na roda de leitura de uma escola fios que
relacionem letramento e o debate sobre a construccedilatildeo social de gecircnero Qual o sentido de se
entrelaccedilar estas duas instacircncias discursivas Natildeo bastaria ler para contribuir com a construccedilatildeo
de uma formaccedilatildeo humana e eacutetica uma formaccedilatildeo cidadatilde na qual se capacitariam todos e todas
para serem protagonistas do projeto de sociedade em que convivem O exerciacutecio da leitura
natildeo estimula o ato de pensar Esta mera sacralizaccedilatildeo da praacutetica leitora tatildeo disseminada por
leigosas e ateacute leitoresas ignora que ler eacute um ato poliacutetico (FREIRE 1988) Ignora que ler eacute
uma praacutetica discursiva implica accedilotildees seleccedilotildees escolhas linguagens contextos variedades
de produccedilotildees sociais (SPINK FREZZA 1999) E que desse modo como praacutetica discursiva
na acepccedilatildeo foucaultina (FOUCAULT 2011) que eacute a tomada de empreacutestimo neste trabalho
conceituada como os dizeres que ganham corpos teacutecnicos em instituiccedilotildees em esquemas de
comportamentos em formas pedagoacutegicas a accedilatildeo de ler deve primar por reflexotildees que exijam
engajamento direcionamento afinal como esse filoacutesofo afirma
[] em toda sociedade a produccedilatildeo do discurso eacute ao mesmo tempo controlada
selecionada organizada e redistribuiacuteda por certo nuacutemero de procedimentos que tecircm
por funccedilatildeo conjurar seus poderes e perigos dominar seu acontecimento aleatoacuterio
esquivar sua pesada e temiacutevel materialidade (FOUCAULT 2011 p 8-9)
Conforme esse pensador francecircs para este controle haacute a fabricaccedilatildeo de certos
procedimentos de exclusatildeo social apoiados sobre uma base institucional Esta tem como
reforccedilo todo um conjunto de praacuteticas dentre as quais estatildeo a medicina a pedagogia a
sexualidade a prisatildeo relacionadas agrave vontade de verdade como um mecanismo de delimitaccedilatildeo
e de controle do discurso Ao trazer estas consideraccedilotildees de Foucault para o debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero que se processam na instituiccedilatildeo escolar fruto de avanccedilos consolidados
pelas lutas feministas contra uma visatildeo androcecircntrica de mundo percebo a relevacircncia das
contribuiccedilotildees do filoacutesofo que inscreve o discurso como praacutetica e como luta na constituiccedilatildeo
dos sujeitos Segundo o autor ldquo[] ndash isto a histoacuteria natildeo cessa de nos ensinar - o discurso natildeo
eacute simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominaccedilatildeo mas aquilo por que
pelo que se luta o poder do qual queremos apoderarrdquo (FOUCAULT 2012 p 10)
30
Diferente de uma visatildeo que simplifica este conceito os pressupostos foucaultinos
pontuam que o discurso existe para constituir ldquocoisasrdquo ldquorealidadesrdquo segundo regras histoacutericas
especiacuteficas de tempo e espaccedilo E esse entendimento deve ser uma das forccedilas que oa analista
do discurso poderaacute dispor como baliza face ao desafio que sua tarefa se apresenta seu
trabalho natildeo eacute ldquodescobrir coisas intocadas inteiras verdadesrdquo Seu trabalho prima por chegar
agrave complexidade das praacuteticas discursivas e natildeo discursivas que emergem em um enredo de
enunciados que se cruzam no interior de campos discursivos Seu trabalho como evidencia
Fisher (2013) ocupa-se de multiplicidades de coisas ditas de enunciaccedilotildees de posiccedilotildees de
sujeito de relaccedilotildees de poder implicadas num certo campo de saber
Nessa direccedilatildeo para efetuar uma interface que pense as discursividades das vozes
docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras na escola objeto desse trabalho
as reflexotildees foucaultianas no que diz respeito agraves posiccedilotildees de sujeito satildeo nodais Com essa
perspectiva pode ser assumida a multiplicaccedilatildeo do tema do sujeito operaccedilatildeo cara a Foucault
(1995 2004a 2004b 2004c 2012) que conduz a caminhos mais fecundos para que o sujeito
seja pensado a sua dispersatildeo Assim diante de um conjunto de enunciaccedilotildees dentro de um
campo discursivo natildeo cabe um sujeito ldquounificanterdquo soberano origem de seu dizer Haacute um
sujeito que precisa ser visto em seu status em seu acircmbito institucional investido de alguma
autoridade imbuiacutedo de certas regras histoacutericas
Isto posto cabe-me adentrar em reflexotildees usando a concepccedilatildeo de dispersatildeo do
sujeito inicialmente pensando sobre qual tem sido a subjetivaccedilatildeo construiacuteda na escola pela
perspectiva dosas docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero estatildeo estesas obedecendo a que
regime de verdade Quais tecircm sido as reflexotildees acerca das ldquocoisas ditasrdquo sabe-se que elas se
entranham das dinacircmicas de poder e saber Sabe-se que emanam de praacuteticas discursivas e natildeo
discursivas atravessadas pelo poder Dar conta dessas relaccedilotildees eacute um legado foucaultiano
complexo aacuterduo e instigante que me inspira trazer para a delineaccedilatildeo acerca das
discursividades suscitadas pelo debate das relaccedilotildees de gecircnero na escola que ao fim e ao
cabo eacute um chamamento do discurso dos DH como pauta reivindicatoacuteria que eacute
E como reivindicaccedilotildees morais que satildeo esses direitos assegura Piovesan (2005)
nascem quando devem e podem nascer Essa autora pontua que os DH em sua concepccedilatildeo
contemporacircnea compotildeem a nossa racionalidade de resistecircncia na medida em que traduzem
processos que abrem e consolidam espaccedilos de luta pela dignidade humana Pautados pela
gramaacutetica da inclusatildeo esses direitos que natildeo satildeo um dado mas um construiacutedo (PIOVESAN
2005) devem adentrar o espaccedilo escolar como um imperativo eacutetico-poliacutetico-social que eacute
capaz de enfrentar um legado discriminatoacuterio que tem negado o respeito agrave diversidade sexual
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cultural e humana o que eacute um atentado agrave premissa da garantia da dignidade de todas as
pessoas
Para o assentamento do debate sobre os postulados dos DH no acircmbito da escola natildeo
nos falta amparo legal positivado Eacute com o entendimento da nodal importacircncia desses direitos
na e para a esfera escolar e considerando o arcabouccedilo legal que dispotildee sobre a educaccedilatildeo a
Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 a Declaraccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas sobre
a Educaccedilatildeo e Formaccedilatildeo em Direitos Humanos (RESOLUCcedilAtildeO A661372011) a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei
93941996) o Programa Mundial de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos (PMEDH 2005204) O
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNEDH2006) e as diretrizes nacionais emanadas
pelo Conselho Nacional de Educaccedilatildeo CNE bem como outros documentos que o Conselho
Nacional de Educaccedilatildeo publica a Resoluccedilatildeo nordm 12012 estabelecendo diretrizes nacionais para
a educaccedilatildeo em Direitos Humanos Esse instrumento em seu artigo 3ordm trata da finalidade
dessa educaccedilatildeo a mudanccedila e a transformaccedilatildeo social fundamentando-se para isto nos
princiacutepios da dignidade humana da igualdade de direitos do reconhecimento e valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e das diversidades da laicidade do Estado da democracia na educaccedilatildeo da
transversalidade vivecircncia globalidade e sustentabilidade socioambiental
Conforme a Resoluccedilatildeo nordm 12012 os sistemas de ensino deveratildeo ter planejamento e
accedilotildees que zelem por tais princiacutepios incluindo-os nas formaccedilotildees iniciais e continuada de
profissionais das diferentes aacutereas de conhecimento como tambeacutem de todo aparato estrutural
da escola Nesse sentido a resoluccedilatildeo se traduz como um poderoso instrumento de inclusatildeo
social Ela eacute aliada na problematizaccedilatildeo de uma estrutural desigualdade social poliacutetica e
econocircmica que viola cotidianamente direitos de grupos vulneraacuteveis ndash pobres negrosas
mulheres homossexuais iacutendiosias ndash Eacute aliada no combate agraves grandes deficiecircncias da
democracia brasileira que repousa em uma deficiente cultura de direitos a despeito de
avanccedilos poacutes processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes
No tocante agraves questotildees de gecircnero agrave produccedilatildeo de praacuteticas discursivas que ocultam o
protagonismo dos sujeitos que fragilizam a hegemonia masculina heterossexual cristatilde e
branca e a inserccedilatildeo desse debate no seio escolar como forma de assegurar o combate agrave
historicamente construiacuteda educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria eacute vaacutelido observar os
mecanismos enunciativos que constituem o olhar sobre o discurso que propotildee o
enfrentamento da iniquidade E um desses mecanismos trata-se dos Paracircmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) criados em 1997 que muito embora a existecircncia desses documentos natildeo
garanta sua implantaccedilatildeo eles satildeo amplamente difundidos e recomendados pelo Ministeacuterio da
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Educaccedilatildeo e Cultura (MEC) Eacute vaacutelido desse modo atentar para esta forma de comunicaccedilatildeo-
poder porque as discursividades que circulam incorrem de resultado de promessas de uma
escola como instituiccedilatildeo democraacutetica o que nos remete agrave intricada relaccedilatildeo discurso e poder
(FOUCAULT 2012) E parece bastante oportuno refletir sobre a emissatildeo de documentos
supostamente avanccedilados no debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero indagando sobre qual
processo de subjetivaccedilatildeo e instauraccedilotildees de verdade estaacute sendo ali operacionalizado
Eacute possiacutevel detectar que a discussatildeo sobre as relaccedilotildees de gecircnero consta de forma
tiacutemida e superficial entre as paacuteginas 144-146 dos PCNs referentes agraves quatro primeiras seacuteries
da educaccedilatildeo Fundamental Assim eram denominados os anos escolares agrave eacutepoca da publicaccedilatildeo
destes documentos Essa inserccedilatildeo temaacutetica eacute composta como toacutepico dentro do tema
transversal Orientaccedilatildeo Sexual que integra o volume 10 da coleccedilatildeo dos PCNs Mas laacute nas
raacutepidas paacuteginas estaacute o conceito de gecircnero e o objetivo que permeia o debate
A discussatildeo sobre relaccedilotildees de gecircnero tem como objetivo combater relaccedilotildees
autoritaacuterias questionar a rigidez dos padrotildees de conduta estabelecidos para homens
e mulheres e apontar sua transformaccedilatildeo A flexibilizaccedilatildeo dos padrotildees visa permitir a
expressatildeo de potencialidades existentes em cada ser humano que satildeo dificultadas
pelos estereoacutetipos de gecircnero Como exemplo comum pode-se lembrar a repressatildeo de
sensibilidade intuiccedilatildeo e meiguice nos meninos e objetividade e agressividade nas
meninas As diferenccedilas natildeo devem ficar aprisionadas em padrotildees preestabelecidos
mas apontando para a equidade entre os sexos (BRASIL 2013 p 144-146)
As relaccedilotildees de gecircnero integram a abordagem feita pelos PCNs tambeacutem para as seacuteries
finais do ensino fundamental como parte dos conteuacutedos dos temas transversais Na
perspectiva para estes anos finais os PCNs indicam a leitura e a anaacutelise de notiacutecias e de obra
literaacuteria como estrateacutegia para abordar a temaacutetica sobre gecircnero perpassada pelo conjunto das
disciplinas Os recursos indicados nos documentos para a exploraccedilatildeo desta temaacutetica se
constituem de formas oportunas para trataacute-lo especialmente a anaacutelise de notiacutecias
considerando que face a uma visatildeo de mundo em que predominam valores machistas e
patriarcais uma cultura eminentemente androcecircntrica apesar da resistecircncia feminista as
notiacutecias devem se constituir como repletas de exemplos de assimetrias de gecircnero
A apresentaccedilatildeo do conceito de gecircnero pelos PCNs todavia se daacute sem uma
fundamentaccedilatildeo criacutetica sustentada pela teoria feminista em um momento em que este conceito
passa por uma efervescecircncia que redimensiona e amplia sua abordagem O conceito de gecircnero
surge com o intento de analisar a subordinaccedilatildeo da mulher ao homem de modo relacional e faz
parte de debates de vaacuterios momentos do movimento feminista O gecircnero como categoria de
anaacutelise passou a ser mais utilizado apoacutes a publicaccedilatildeo do texto de Joan W Scott (1995) Nesse
33
trabalho a autora retoma a diferenccedila entre sexo e gecircnero articulando a noccedilatildeo de poder com a
qual propotildee que gecircnero eacute um elemento constitutivo das relaccedilotildees sociais construiacutedas sobre as
diferenccedilas percebidas entre os sexos sendo ele um primeiro modo de dar significado agraves
relaccedilotildees de poder
De acordo com Piscitelli (2002) o conceito de gecircnero mesmo jaacute tendo sido
utilizado foi marcado a partir da conceitualizaccedilatildeo de Gayle Rubin (1975 apud PISCITELLI
2002 p 4) que definiu o sistema sexogecircnero estabelecendo uma dicotomia em que gecircnero
seria a construccedilatildeo social e sexo seria o que eacute determinado biologicamente Essa perspectiva da
feminista trouxe conforme Piscitelli entusiasmo
Entre as (os) acadecircmicasos que dialogam com as discussotildees feministas o conceito
de gecircnero foi abraccedilado com entusiasmo uma vez que foi considerado um avanccedilo
significativo em relaccedilatildeo agraves possibilidades analiacuteticas oferecidas pela categoria
lsquomulherrsquo Essa categoria passou a ser quase execrada por uma geraccedilatildeo para a qual o
binocircmio feminismomulher parece ter se tornado siacutembolos de enfoques passados
(PISCITELLI 2002 p 1)
Haacute todavia apontado por Piscitelli (2002) um contexto de questionamentos sobre
esse conceito de gecircnero que evidencia uma nova ecircnfase na utilizaccedilatildeo da categoria mulher A
autora evidencia vaacuterias discussotildees em torno dessa questatildeo pontuadas por feministas que
criticam a dicotomia culturanatureza sexogecircnero traccedilos da conceituaccedilatildeo primeira do termo
O sistema dual que caracteriza e universaliza o conceito eacute criticado pelas feministas radicais
que assumem o debate desconstruindo o binocircmio sexogecircnero trazendo agrave reflexatildeo a
inexistecircncia de uma identidade global fixa que obscurece ou subordina todas as outras Uma
reelaboraccedilatildeo teoacuterica e pendular que emerge nitidamente das poliacuteticas da diferenccedila sobre o
conceito de gecircnero fortalece a luta das mulheres em seu caraacuteter de diversidade
A rejeiccedilatildeo aos pressupostos universalistas que a dicotomia sexogecircnero traduz tem se
avolumado e garantido um avanccedilo no debate sobre a luta pelo fim da opressatildeo e subordinaccedilatildeo
da mulher ao homem Sardenberg (2002) enfatiza que as criacuteticas realizadas ao conceito de
gecircnero debatem as diferenccedilas em consonacircncia com a base poacutes-estruturalista e
desconstrutivista que as sustenta e atendem a pauta reivindicatoacuteria de mulheres leacutesbicas
negras e do Terceiro Mundo A feminista sem deixar de resguardar a relevacircncia teoacuterica e
poliacutetica da concepccedilatildeo primeira de gecircnero ressalta a importacircncia das questotildees trazidas pelas
correntes desconstrucionistas Apropria-se esta estudiosa do feminismo do conceito de
corpos gendrados e desfaz a dicotomia sexogecircnero explicando que as identidades de gecircnero
e subjetividade satildeo natildeo imateriais e descorporificadas Ela ao falar de identidades e
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subjetividades corporificadas aponta para uma direccedilatildeo que dialoga com as teorizaccedilotildees poacutes-
estruturalistas e a importacircncia dos marcadores sociais para essas que veem mais do que
sujeitos homens e mulheres em suas abordagens Veem seres de diferentes etnias classes
geraccedilotildees profissotildees lugares seres cindidos muacuteltiplos natildeo-fixos em suas identidades
imersos que satildeo pela torrencial poacutes-modernidade e seus signos multiculturalismo
globalizaccedilatildeo e informaccedilatildeo acelerada
Louro (2012) ao discutir o caro conceito para os estudos feministas historiciza as
accedilotildees desse coletivo situando a chamada ldquoSegunda Ondardquo como a que propiciou o
desenvolvimento do termo
Seraacute no desdobramento da assim denominada lsquoSegunda Ondarsquo ndash aquela que se inicia
no final da deacutecada de 1960 ndash que o feminismo aleacutem das preocupaccedilotildees sociais e
poliacuteticas iraacute se voltar para as construccedilotildees propriamente teoacutericas No acircmbito do
debate que a partir de entatildeo se trava entre estudiosas e militantes de um lado e seus
criacuteticos ou suas criacuteticas de outro seraacute engendrado e problematizado o conceito de
gecircnero (LOURO 2012 p 19)
Evidenciando a contribuiccedilatildeo que a emergecircncia do conceito de gecircnero propicia ao
movimento feminista Louro (2012) traz o discurso da invisibilidade no qual esse coletivo
esteve imerso em forma de segregaccedilatildeo poliacutetica e social Muito embora afirme essa autora
mulheres da classe trabalhadora e camponesas jaacute ocupassem atividades no mundo do trabalho
em faacutebricas oficinas lavouras Atividades essas ocupadas em condiccedilotildees de subalternidade
frente aos homens considerando os cargos que ocupavam e atividades consideradas
secundaacuterias e ligadas agraves funccedilotildees ldquonaturalizadasrdquo como femininas a assistecircncia e a educaccedilatildeo
Essas questotildees aleacutem da ausecircncia das mulheres em espaccedilos de poder como nos das ciecircncias e
das artes diz Louro (2012) ocupavam as reivindicaccedilotildees das mulheres de luta contra a
opressatildeo de gecircnero
No que tange ao conceito de gecircnero como diferencial desconstrutor da discursividade
que permeia explicaccedilotildees deterministas bioloacutegicas para as desigualdades sociais entre homens
e mulheres Louro (2012) aduz que
Eacute necessaacuterio demonstrar que natildeo satildeo propriamente as caracteriacutesticas sexuais mas eacute a
forma como essas caracteriacutesticas satildeo representadas ou valorizadas aquilo que se diz
ou pensa sobre elas que vai construir efetivamente o que eacute feminino ou masculino
em uma dada sociedade e em um dado momento histoacuterico Para que se compreenda
o lugar e as relaccedilotildees de homens e mulheres numa sociedade importa observar natildeo
exatamente seus sexos mas sim tudo que socialmente se construiu sobre os sexos
O debate vai se construir entatildeo atraveacutes de uma nova linguagem na qual gecircnero seraacute
um conceito fundamental (LOURO 2012 p 25)
35
Eacute na direccedilatildeo dos estudos poacutes-estruturalistas que Louro (2012) constroacutei suas reflexotildees
sobre gecircnero debatendo a construccedilatildeo discursiva das diferenccedilas uma das tocircnicas do
pensamento Esta autora evidencia o quanto estudiososas e militantes ligadosas agraves questotildees
eacutetnicas e leacutesbicas tecircm contribuiacutedo para a reflexatildeo sobre praacuteticas poliacuteticas e educativas que
contemplem as diferenccedilas Essa discursividade tem provocado nos estudos feministas uma
implosatildeo das caracteriacutesticas iniciais que satildeo marcadas por uma construccedilatildeo teoacuterica conduzida
por mulheres brancas heterossexuais urbanas e de classe meacutedias Para a autora os estudos
feministas estatildeo sendo oxigenados quando problematizados e desestabilizados desse modo
Entendo entatildeo que as seculares construccedilotildees sociais que subjugam e inferiorizam
mulheres e as que impotildeem exclusatildeo e violecircncia na construccedilatildeo das diferenccedilas sob uma loacutegica
androcecircntrica heteronormatizadora e discriminatoacuteria satildeo muralhas que tecircm sido
problematizadas pelas contribuiccedilotildees afirmativas da pauta dos DH pelos estudos feministas e
pelas contribuiccedilotildees de estudos sobre as relaccedilotildees de poder os quais jaacute foram por mim
referidos Estas questotildees podem estar balizadas no acesso agrave leitura como mediaccedilatildeo e praacutetica
discursiva que suscita o combate da iniquidade de gecircnero como tambeacutem jaacute foi dito Ocorre
amiuacutede mesmo entre osas que natildeo satildeo leitoresas uma valorizaccedilatildeo generalizada do ato de
ler que o naturaliza e o sacraliza As propagandas sobre leitura satildeo veiculadas com esta
dimensatildeo o que fez Souza (2009 p 4) entre outrosas autoresas estudaacute-las e evidenciando o
quanto se camufla o objeto da leitura daquilo que se lecirc indagar ldquoA leitura de todo e qualquer
texto emancipa o sujeitordquo Natildeo eacute preciso ir muito longe para que percebamos que se as
escolas natildeo leem a pedagogia do letramento da vida e da diversidade de infacircncias se natildeo leem
e aplicam o que recomendam as diretrizes2009 do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNE
que apontam para garantir uma formaccedilatildeo plena como ser humano histoacuterico integral social
eacutetico de diferentes linguagens e identidades coletivas e individuais a leitura que se faz
efetivamente natildeo eacute emancipadora Ela pode divertir dar prazer colaborar com o domiacutenio do
coacutedigo em suas variedades linguiacutesticas mas natildeo emancipa Isso pode ser averiguado pelo
olhar de Arroyo (2011) que aborda o quanto a desenfreada busca para o domiacutenio de
capacidades sequenciadas para atender as expectativas de avaliaccedilotildees como a Provinha-Brasil
tem sido danosa
Na praacutetica o direito ao reconhecimento agrave cultura e ao conjunto de potencialidades
humanas que carregamos desde crianccedila vai se perdendo em nome do domiacutenio de
capacidades de letramento e numeramento [] A professora seraacute julgada e
condenada se sua turma natildeo se sair bem na Provinha-Brasil de Letramento Fica
pouco estiacutemulo e espaccedilo para dedicar tempo e energias para a formaccedilatildeo plena das
crianccedilas ateacute nos limites e potencialidades do letramento (ARROYO 2011 p 220)
36
Eacute pertinente pensar portanto como estatildeo sendo formadosas como estatildeo lendo na
instacircncia escolar meninos e meninas leem para se emancipar Leem para problematizar uma
ordem social excludente Leem para debater o que a pauta reivindicatoacuteria dos DH como
movimento que se firma na defesa de um mundo mais justo e igual tem alicerccedilado A
Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo (CONAE) realizada em 2010 direciona em seu
documento final que deve haver a inserccedilatildeo das temaacuteticas dos DH nos Projetos Poliacuteticos
Pedagoacutegicos (PPP) e no novo modelo de gestatildeo e avaliaccedilatildeo (CONAE 2010 p 162-163) Haacute
portanto um papel construiacutedo para a instituiccedilatildeo escolar no enfrentamento de violaccedilotildees desses
direitos
Produtora reprodutora e difusora de conhecimentos a escola eacute uma instituiccedilatildeo social
que pode conforme o seu aparato normativo engendrar as relaccedilotildees mais justas e equacircnimes
Ateacute entatildeo todavia deste lugar no dizer de Louro (2012) largamente tecircm sido gestadas as
diferenccedilas como a representaccedilatildeo de um desvio da normalidade Na visatildeo da referida autora
Desde seus iniacutecios a instituiccedilatildeo escolar exerceu uma accedilatildeo distintiva Ela se
incumbiu de separar os sujeitos ndash tornando aqueles que nela entravam distintos dos
outros os que a ela natildeo tinham acesso [] A escola que nos foi legada pela
sociedade ocidental moderna comeccedilou por separar adultos de crianccedilas catoacutelicos e
protestantes Ela tambeacutem se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela
imediatamente separou os meninos das meninas (LOURO 2012 p 64)
Eacute possiacutevel perceber entatildeo o quanto as relaccedilotildees de gecircnero e a produccedilatildeo negativa das
diferenccedilas satildeo alimentadas nos bancos escolares moldando fabricando sujeitos seres
distintos de diferentes classes etnias idades distintos tambeacutem em direitos e deveres Nesses
moldes essa praacutetica pedagoacutegica tem inquietado osas ativistas e defensoresas dos DH E
efeito de mobilizaccedilotildees a educaccedilatildeo inclusiva voltada para uma cultura de paz e de respeito a
esses direitos emerge Dos tantos pactos internacionais e acordos como accedilatildeo de resistecircncia
diante da violaccedilatildeo do direito agrave dignidade humana podem ser extraiacutedos instrumentos juriacutedicos
importantes para municiar osas educadoresas em suas atividades acadecircmicas caso se
comprometam com a bandeira da educaccedilatildeo como loacutecus para a promoccedilatildeo da defesa de uma
sociedade para todas as pessoas
Inteirar-se da forccedila articulatoacuteria dos movimentos sociais embandeirados com a
defesa dos DH eacute relevante para a instacircncia educacional afinal a escola ressoa as vozes e eacute
uma voz que segundo regras histoacutericas implementa hegemonia e contra-hegemonia
conforme Zenaide (2008) Das articulaccedilotildees poliacuteticas dos movimentos emergem marcos legais
que datildeo sustentaccedilatildeo agraves lutas por cidadania Um desses documentos importantes do leque de
instrumentos universais e regionais que evidenciam accedilotildees pautadas na defesa do DH foi uma
37
conquista do movimento feminista com a aprovaccedilatildeo na Assembleia da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas (ONU) em 1979 da Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de
Discriminaccedilatildeo contra a Mulher Este instrumento traduz o reconhecimento das necessidades
especiacuteficas das mulheres garantindo a igualdade entre homens e mulheres nas esferas
poliacutetica econocircmica social e familiar Outro importante documento no sentido da defesa dos
direitos das mulheres eacute a Convenccedilatildeo Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violecircncia
contra a Mulher de 1994 Essa construccedilatildeo desafia um dos males enfrentados cotidianamente
pelas mulheres das mais diversas esferas sociais e culturais eacute o da violecircncia domeacutestica A
ONU adotou em 1999 o Protocolo Facultativo agrave convenccedilatildeo regional que autoriza ao
CEDAW ndash Comitecirc para a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher
- o recebimento de queixas individuais O Brasil ratificou o protocolo o que significa mais
garantia de direitos agraves brasileiras viacutetimas de violecircncia domeacutestica acesso agrave justiccedila
internacional
Na deacutecada de 1990 os movimentos de mulheres articularam em niacuteveis regionais e
internacionais profiacutecuos acontecimentos poliacuteticos em prol de garantia de seus direitos Em
1993 a Conferecircncia Direitos Humanos de Viena estabelece que os direitos das mulheres satildeo
parte inalienaacuteveis dos DH universais e devem ser protegidos pelos Estados atraveacutes da
promoccedilatildeo de leis e de poliacuteticas puacuteblicas efetivas A Conferecircncia Internacional sobre
Populaccedilatildeo e Desenvolvimento (CIPD) realizada no Cairo em 1994 vem garantir que os
direitos sexuais e reprodutivos passem a ser assumidos como DH reconhecendo o papel
central da sexualidade A IV Conferecircncia Mundial da Mulher realizada em Pequim em 1995
aprovou uma Plataforma de Accedilatildeo reforccedilando o plano da Accedilatildeo de Cairo O debate sobre o
aborto amplia-se em bases soacutelidas eacute apontado como um grave problema de sauacutede puacuteblica e a
descriminalizaccedilatildeo dessa praacutetica ganha foco
Dentre os processos organizativos pela constituiccedilatildeo de forccedilas democraacuteticas os
movimentos de mulheres constituem-se em um expoente de militacircncia Pedro e Pinsky (2003)
relatam o processo de conquista da cidadania feminina que se ainda estaacute longe de ser plena
muito mais longe estaacute de um tempo em que agraves mulheres soacute lhes cabia o espaccedilo domeacutestico
De simples lsquocostela de Adatildeo agrave conquista da cidadania plena eacute uma longa trajetoacuteria
ainda natildeo completada pelas mulheres Mesmo no Ocidente onde o avanccedilo eacute maior e
a subordinaccedilatildeo social tem se reduzido sensivelmente elas ainda sofrem com a
violecircncia salaacuterios menores preconceitos de diversos tipos Que diraacute em paiacuteses
africanos ou islacircmicos em que satildeo vistas como apecircndice do homem na melhor das
hipoacuteteses Contudo relendo as paacuteginas deste texto podemos avaliar o quanto jaacute
avanccedilamos Que as vaacuterias vitoacuterias obtidas sirvam-nos de inspiraccedilatildeo para as lutas
futurasrsquo (PEDRO PINSKY 2003 p 304)
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Se os avanccedilos logrados pela luta feminista mudaram estilo de vida de mulheres eacute
inconteste que ainda sob o jugo da violecircncia seja simboacutelica ou fiacutesica o machismo e o
patriarcalismo deixam seus tentaacuteculos em uma contiacutenua tensatildeo pelo poder (FOUCAULT
2004a 2012) Conforme Louro (2012) a escola pode atestar isso uma cultura ainda
dominante impregnada de estereoacutetipos valores e conteuacutedos sexistas eacute o que olhos atentos
veem Nas palavras da autora
Os sentidos precisam estar afiados para que sejamos capazes de ver ouvir sentir as
muacuteltiplas formas de constituiccedilatildeo dos sujeitos implicados na concepccedilatildeo na
organizaccedilatildeo e no fazer cotidiano escolar O olhar precisa esquadrinhar as paredes
percorrer os corredores e salas deter-se nas pessoas nos seus gestos suas roupas eacute
preciso perceber os sons as falas as sinetas e os silecircncios eacute necessaacuterio sentir as
cadecircncias e os ritmos marcando os movimentos de adultos e crianccedilas Atentaas aos
pequenos indiacutecios veremos que ateacute mesmo o tempo e o espaccedilo da escola natildeo satildeo
distribuiacutedos nem usados ndash portanto natildeo satildeo concebidos do mesmo modo por todas
as pessoas (LOURO 2012 p 63)
Afiar os sentidos para que possamos enxergar os construtos sociais de
performatividades de gecircneros que produzem meninas doces quietas aplicadas submissas e
meninos inquietos agressivos ldquomaisrdquo inteligentes Afiar os sentidos para que possamos olhar
sob o crivo dos estudos de gecircnero que encontram amparo em uma legislaccedilatildeo escolar
conquistada recentemente apoacutes intensa mobilizaccedilatildeo nacional para a criaccedilatildeo do Programa
Nacional em Direitos Humanos em 1993
A emersatildeo das poliacuteticas de valorizaccedilatildeo dos DH como aacuterea transdisciplinar e que
deve estar presente na escola desde a mais tenra idade do aluno ateacute os cursos de poacutes-
graduaccedilatildeo apresenta-se como um instrumento para a desconstruccedilatildeo de uma poliacutetica
educacional sexista e machista O Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos
(PNEDH) criado em 2006 e revisado em 2006 pelo MEC Ministeacuterio da Justiccedila e Secretaria
Especial dos Direitos Humanos vem fortalecer o princiacutepio da igualdade e da dignidade de
todo ser humano E a escola eacute um espaccedilo privilegiado para que a crianccedila iniciando seu
processo de socializaccedilatildeo aprenda a conviver com caros princiacutepios Daiacute a importacircncia de se
desenvolver no interior dos espaccedilos escolares pontua Zenaide (2008) accedilotildees programaacuteticas
que deem mais materialidade agrave educaccedilatildeo agravequela que respeite e defenda os DH Dentre essas
accedilotildees vale citar
Elaborar e organizar propostas curriculares que contemplem a diversidade cultural
nas suas diferentes especificidades com a inclusatildeo de temaacuteticas relativas a gecircnero
identidade de gecircnero raccedila e etnia religiatildeo orientaccedilatildeo sexual pessoas com
deficiecircncias [] bem como trabalhar todas as formas de discriminaccedilatildeo e violaccedilotildees
de direitos na interface dos componentes curriculares (BRASIL 2006 p 24-25)
39
Um paiacutes historicamente violador dos DH como o Brasil possui uma diacutevida social
enorme com sua populaccedilatildeo vitimada No que diz respeito agraves violaccedilotildees acerca das identidades
de gecircnero seus instrumentos juriacutedicos conquistados recentemente que possuem a ideia
basilar do respeito agrave dignidade humana precisam ser prementemente cumpridos Essa eacute uma
condiccedilatildeo para que o Brasil promova cidadania a todas as pessoas reinventando novas formas
de se constituir sujeitos cauterizando as feridas machistas homofoacutebicas discriminadoras
Esse agenciamento cultural pode e deve ser gestado alimentado e sustentado por praacuteticas
escolares considerando que satildeo promessas da escola a autonomia o aprendizado de si do
outro o respeito agraves diferenccedilas Conforme Zenaide (2008) entre tantos marcos protetivos para
a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo inclusiva e natildeo sexista que sustentam largamente as promessas
de uma escola para todas as pessoas a Declaraccedilatildeo Mundial sobre Educaccedilatildeo para Todos de
1990 eacute um deles Em seu artigo 3ordm este documento explicita a premecircncia de combater a
assimetria entre homens e mulheres
[] a prioridade mais urgente eacute melhorar a qualidade e garantir o acesso agrave educaccedilatildeo
para meninas e mulheres e superar todos os obstaacuteculos que impedem sua
participaccedilatildeo no processo educativo Os preconceitos e estereoacutetipos de qualquer
natureza devem ser eliminados da educaccedilatildeo (ZENAIDE 2008 p 243)
Apoacutes as reflexotildees atinentes agrave fundamentaccedilatildeo da importacircncia do compromisso do
Estado brasileiro na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas educacionais que respaldem a
garantia da efetivaccedilatildeo dos DH na esfera escolar no que diz respeito agrave equidade de gecircnero irei
discutir no proacuteximo toacutepico como a educaccedilatildeo e o feminismo satildeo esteios para tal efetivaccedilatildeo
Satildeo esteios porque podem propor problematizar as instacircncias os espaccedilos de poder propor
novas formas de subjetivaccedilatildeo formas essas que tecircm historicamente construiacutedo um
enfrentamento agrave interdiccedilatildeo da equidade de gecircnero
22 Feminismo poder e educaccedilatildeo
Uma vez ou outra sempre mais raramente lembrava a galinha que se recortara
contra o ar agrave beira do telhado prestes a anunciar Nesses momentos enchia os
pulmotildees com ar impuro da cozinha e se fosse dado agraves fecircmeas cantar ela natildeo
cantaria mas ficaria muito mais contente
(LISPECTOR 1991 p 46)
A condiccedilatildeo feminina mesmo aos olhos desatentos aparece na linha mestra da obra
clariceana As complexas e ricas criaccedilotildees da autora com Ana Carla Catarina Joana
Macabeacutea Virgiacutenia entre tantas personagens jovens maduras velhas natildeo cedem todavia
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lugar a um mero denuncismo da ordem machista que violentamente imersa mulheres em uma
sociedade feita para os que cantam como os galos A inserccedilatildeo portanto de um trecho de um
dos seus contos Uma galinha (LF1991) neste toacutepico do trabalho natildeo eacute um jeito de chamar
ao destrinchamento da ligaccedilatildeo da escritora com o feminismo fato que ela em diversos
depoimentos sabiamente negou Mas eacute uma forma de dizer que a condiccedilatildeo feminina sem
liberdade e voz emaranhada na densa complexidade psicoloacutegica das personagens clariceanas
perspectiva anguacutestia e violecircncia latentes um mundo portanto que precisa ser desaprisionado
que precisa ser desmantelado E isto a despeito de sua insistecircncia em natildeo ser feminista
expressa feminismo que Clarice constroacutei tatildeo bem com suas mulheres quando lhes daacute o grito
o canto ou quando lhes retira
Neste conto a condiccedilatildeo feminina de subjugada estaacute metaforizada na figura de uma
galinha que apenas nasce e morre cumprindo apaticamente um papel como pontua Bedasee
(1999) Sem canto sem habilidade para a luta valorizada apenas pela sua funccedilatildeo reprodutora
[ Mamatildee mamatildee natildeo mate mais a galinha ela pocircs um ovo G45] este ser que natildeo conta
consigo como o galo conta com sua crista natildeo traduziria uma bandeira de desaprisionamento
dessa ordem proposta pela teoria dos gecircneros Neste conto em que a galinha em fuga eacute
capturada por um homem [ o rapaz poreacutem era um caccedilador adormecido E por mais iacutenfima
que fosse a presa o grito de conquista havia soado ndash G44] natildeo teriacuteamos a preocupaccedilatildeo com
os imemoraacuteveis papeacuteis sociais
Entendendo Clarice que desejou a literatura maior do que as bandeiras maior do que
teses sem uma ldquofunccedilatildeordquo que a aprisione mas relembrando aqui Antonio Cacircndido (1965)
indago esta escritura que apresenta um cotidiano que encerra mulheres em um espaccedilo
domeacutestico violentador natildeo seria uma forma extraordinaacuteria de aticcedilar a transcendecircncia das
servidotildees com a perspectiva que temos de ver na trama clariceana o natildeo-conformismo como
uma ordem Possivelmente A condiccedilatildeo feminina de oprimida exceccedilatildeo a pouquiacutessimas
personagens perpassa pelas mulheres solitaacuterias e servis de Clarice trancadas no lar lacradas
para a vida que natildeo reagem Por que ela natildeo reage cadecirc um pouco de fibra Natildeo ela eacute doce
e obediente (HE41) Haacute nesta ficccedilatildeo um fio que liga as mulheres denunciando um
apagamento social vivido por elas que evidencia feminismo nesta literatura
Por seu turno natildeo na ficccedilatildeo mas na poliacutetica e engajada nos diversos movimentos
sociais outras fizeram feminismos naquele contexto de meados do seacuteculo XX em que
efervesceu a luta pelos direitos das mulheres E a histoacuterica luta das mulheres em prol dos seus
direitos e na caminhada pela cidadania plena que comeccedilou a ser preparada em momentos e
seacuteculos anteriores traduz uma resistecircncia agrave domesticaccedilatildeo social das mais expressivas na
41
histoacuteria da humanidade Esta resistecircncia pode me remeter a inuacutemeros pensadores que se
vinculam ao ideaacuterio da busca pela liberdade mas o pensamento de Michel Foucault no que
tange agraves consideraccedilotildees em sua obra sobre o polo subjetividade e verdade parece-me ser de
muita propriedade Tema caro ao filoacutesofo francecircs que categoriza ter sido este o seu problema
Esse sempre foi na realidade o meu problema embora eu tenha formulado o plano
dessa reflexatildeo de uma maneira um pouco diferente Procurei saber como o sujeito
humano entrava nos jogos de verdade tivessem estes a forma de uma ciecircncia ou se
referissem a um modelo cientiacutefico ou fossem como os encontrados nas instituiccedilotildees
ou nas praacuteticas de controle (FOUCAULT 2004a p 264)
As formas de se constituir sujeito satildeo decerto tema caro tambeacutem ao coletivo de
mulheres Embora as questotildees feministas natildeo tenham aparecido no leque de problematizaccedilotildees
do autor conforme nos atesta Rago (2008) esse coletivo pode ter como instrumento de luta
em sua histoacuterica e processual conquista por liberdade e cidadania as reflexotildees foucaultianas
atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo e da premecircncia de se constituir um novo sujeito eacutetico
a partir de praacuteticas de liberdade (cf FOUCAULT 2004a) A leitura desses processos eacute nodal
para a transformaccedilatildeo social que objetiva construir o feminismo pela importacircncia que tem
para esse autor a histoacuteria da constituiccedilatildeo do sujeito na perspectiva das praacuteticas de si Essas
conforme a retomada que o filoacutesofo daacute no debate proposto pela Antiguidade grega sobre tais
teacutecnicas satildeo concebidas como uma maneira de se relacionar consigo mesmo para se elaborar
para atuar individual e socialmente de forma eacutetica respeitosa e consciente O cuidar de si
visa atraveacutes de teacutecnicas de meditaccedilatildeo de aconselhamentos instalar a harmonia entre atos e
palavras instalar a subjetivaccedilatildeo pelo conhecimento de si eacute enfim um ethos que propotildee uma
dimensatildeo ativa do sujeito uma fruiccedilatildeo de si
[] eacute impossiacutevel suspeitar que haja uma certa impossibilidade de constituir hoje
uma eacutetica do eu quando talvez seja uma tarefa urgente fundamental politicamente
indispensaacutevel se for verdade que afinal natildeo haacute outro ponto primeiro e uacuteltimo de
resistecircncia ao poder poliacutetico senatildeo na relaccedilatildeo de si para consigo (FOUCAULT
2004a p 234)
Dimensatildeo essa que ao coletivo de mulheres imerso em um processo de busca por
libertaccedilatildeo pode se constituir como basilar Eacute basilar se considerarmos que da leitura das
reflexotildees foucaultianas acerca dos processos de constituiccedilatildeo das subjetividades pode-se
extrair o debate que destaca a desnaturalizaccedilatildeo do sujeito da construccedilatildeo de si as formas de
sujeiccedilatildeo coercitivas no social Essas uacuteltimas por exemplo se trazidas agrave luz dos estudos
feministas apontam modelos de feminilidade impostos pela dominaccedilatildeo classista e sexista
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desconstruiacutedos e recusados pela militacircncia desse movimento social A refutaccedilatildeo do amor
materno como um sentimento inerente agrave condiccedilatildeo de mulher por exemplo eacute uma das
desnaturalizaccedilotildees que foram articuladas pelos coletivos de mulheres Atributos como o da
docilidade inerente da tendecircncia agrave castidade sexual da domesticidade da inaptidatildeo para
determinados labores da constituiccedilatildeo fiacutesica e emocional como fraacutegil tambeacutem satildeo construccedilotildees
sociais que a mobilizaccedilatildeo feminista tem posto em evidecircncia negando-as Enfim um
mergulho nessa perspectiva temaacutetica oferece ao coletivo de mulheres um vasto leque de
teorizaccedilotildees que o subsidiam politicamente com operadores que lhe aclaram questotildees Uma
delas eacute poder recusar o que somos (FOUCAULT 2012) E a recusa se daacute quando sabemos
que teacutecnica atacar conhecer por quais jogos de verdade homens e mulheres potildeem-se a se
constituiacuterem sujeitos a obedecerem a que regras de sujeiccedilatildeo
Pensar em regras de sujeiccedilotildees na linha foucaultiana eacute tarefa meticulosa ardil que
exige coragem para ver Ao coletivo de mulheres fazer reflexotildees enfaticamente sobre tais
regras sobre os processos sociais de subjetivaccedilatildeo com os modos coercitivos de se constituir
mulher eacute pertinente eacute mobilizador de praacuteticas de liberdades das transformaccedilotildees que este
precisa engendrar E isto pode ser feito afiando-se os sentidos para os pilares culturais que lhe
satildeo configurados como sonhos como verdades em formaccedilotildees discursivas apresentadas desde
a mais tenra infacircncia O casamento por exemplo eacute um deles O matrimocircnio em regra tem
iniacutecio com um pedido formalizado por um homem agrave famiacutelia da mulher para um contrato
social no qual a cerimocircnia em si jaacute oferece um ensaio do que traduz a uniatildeo matrimonial a
dependecircncia social emocional da mulher Costumeiramente na nossa cultura ocidental
cristatilde a noiva entra na igreja conduzida pela matildeo de um homem (pai parente) para ser
entregue a outro o noivo o traje dela tradicionalmente eacute branco simbolizando ldquopureza de
virgemrdquo mesmo que a castidade natildeo lhe seja mais exigida Toda a ritualiacutestica da cerimocircnia
compotildee uma ideia de pertencimento do feminino pelo masculino compotildee uma ideia de
dependecircncia eacute ela quem adota em seu registro de identidade o nome do marido tendo que
alterar seus documentos de solteira Soacute bem recentemente a obrigatoriedade de tal inserccedilatildeo foi
abolida O ritual que costuma agradar agraves mulheres de uma forma bem generalizada por mais
que inove com mudanccedilas em arranjos familiares e nas condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo do
mesmo eacute marcado pela imagem de que a mulher que casa eacute a feliz O simboacutelico ato do
lanccedilamento do bouquecirc (ou mais recentemente outros objetos como os sapinhos de peluacutecia os
santos Antocircnios) pode vestir a ideia de que a felicidade estaacute em angariar um dono Assim se
justifica ver os gestos atleacuteticos que fazem as solteiras presentes movendo-se brava e
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histericamente para conseguirem agarrar tais objetos que a noiva lanccedila em sinal de que
sendo a premiada seraacute a proacutexima a realizar o sonho de casar
Que poder natildeo haacute na adoccedilatildeo de um nome nos jogos que fazem a ideia do
pertencimento O poder onde natildeo o haacute E esse eacute outro veio no olhar do pensador
(FOUCAULT 2012) que pode correr com e perpassar pelos interesses e pelas investigaccedilotildees
das mulheres que lutam por praacuteticas de liberdade que se vinculam ao debate proposto pela
teoria de gecircnero como estrateacutegia para desmantelar assimetrias para se pensar em resistecircncias
O poder em sua dimensatildeo relacional onipresente e capilar evocada pelo filoacutesofo constitui-
se como instacircncia de compreensatildeo basilar das formas de relaccedilotildees sociais
Quero dizer que nas relaccedilotildees humanas quaisquer que sejam elas - quer se trate de
comunicar verbalmente como o fazemos agora ou se trate de relaccedilotildees amorosas
institucionais ou econocircmicas - o poder estaacute sempre presente quero dizer a relaccedilatildeo
em que cada um procura dirigir a conduta do outro Satildeo portanto relaccedilotildees que se
podem encontrar em diferentes niacuteveis sob diferentes formas essas relaccedilotildees de poder
satildeo moacuteveis ou seja podem se modificar natildeo satildeo dadas de uma vez por todas
(FOUCAULT 2004a p 276)
Haacute uma discussatildeo trazida pelo pensamento foucaultiano sobre o poder na qual
repousa natildeo uma teoria geral deste mas a ideia de que a sua existecircncia natildeo emana de um
determinado ponto apenas em aparelho de Estado ou em formato de leis Existe o poder
conforme Foucault (2012) concebe dando-se como feixe de relaccedilatildeo organizado e
piramidalizado Este entendimento atrela-se ao da resistecircncia como possibilidade e esta
adverte o filoacutesofo tem que ser inventiva moacutevel tatildeo produtiva quanto o poder Pensar em
resistecircncia e estrateacutegias para o enfrentamento de relaccedilotildees marcadas por domiacutenio eacute accedilatildeo que
deve interessar ao debate proposto pelos movimentos sociais em especial os coletivos que
perseguem a equidade de gecircnero Aqui vale trazer uma ponderaccedilatildeo feita por Foucault (2004a)
na qual ele ressalva insistir sobretudo nas praacuteticas de liberdade mais do que nos processos de
libertaccedilatildeo a despeito da importacircncia desses que satildeo condiccedilotildees poliacuteticas ou histoacutericas para
aquelas O filoacutesofo afirma que tais processos natildeo satildeo por eles proacuteprios definidores dessas
praacuteticas as quais se constituem de um problema eacutetico Problema eacutetico com o qual se deparam
mulheres imersas em processos de liberaccedilatildeo neste contexto histoacuterico-cultural que
recrudesceu em meados do seacuteculo XX onde irromperam estudos de gecircnero e feminismos
trazendo enfaticamente a pauta do empoderamento para as mulheres Esse aqui entendido
como o processo pelo qual indiviacuteduos e comunidades angariam recursos que lhes permitam
ter voz visibilidade poder de agenda nos temas que afetam suas vidas
44
Empoderar-se eacute enfim gestar em si mudanccedilas de performances que perpassam pelo
rompimento de modelos que enclausuram a mulher Historicamente subjugada ensinada a
depender a ser princesa salva adormecida mas acordada com o beijo dos contos infantis
difiacutecil natildeo ter medo de dar certo Na epiacutegrafe deste trabalho uma personagem clariceana
Joana traz agrave tona a temaacutetica do medo como condiccedilatildeo feminina Como uma segunda pele o
medo segura mulheres em direccedilatildeo de carros de cargos e de vidas trancafiando-as
Obviamente que nos novos contornos sociais nos quais a rua eacute espaccedilo conquistado pelo
feminino cada vez mais os medos vatildeo se arrefecendo tornando-se mais leves amenos
vencidos
Os estudos de gecircnero agrave luz do pensamento poacutes-estruturalista trouxeram a relevacircncia
de se refletir sobre modos de subjetivaccedilatildeo novas relaccedilotildees de poder jogos de verdade tudo
muito atinente com as contribuiccedilotildees teoacutericas foucaultianas e significativo para a militacircncia
poliacutetica encetada por feministas Pensando com Foucault (2004a 2012) sobre o poder desse
modo articulo nexos entre a preocupaccedilatildeo eacutetica com o cuidado de si as praacuteticas de liberdade
e a efetivaccedilatildeo de direitos que vem em lutas por libertaccedilatildeo em caminhadas que escavam
cidadania A luta das mulheres pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que lhes garantam o
direito ao aborto agrave sexualidade livre por exemplo traduz resistecircncia que vem com o
conhecimento de si com o conhecimento de seu lugar no mundo Os movimentos das
mulheres em luta pela construccedilatildeo de suas liberdades tecircm perfilado as liccedilotildees foucaultianas de
rede ligadas ao poder luta libertaccedilatildeo mobilizaccedilatildeo estaacutegios de comandos resistecircncia
A ideia de circularidade do poder de seu funcionamento em malhas onde os
indiviacuteduos natildeo soacute circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer um poder e de sofrer sua
accedilatildeo eacute oportuna entatildeo A premissa que permite que assim se pense pode estar identificada
nas reflexotildees abrangentes do autor sobre o poder
Acredito que natildeo pode haver sociedade sem relaccedilotildees de poder se elas forem
entendidas como estrateacutegias atraveacutes das quais indiviacuteduos tentam conduzir
determinar a conduta dos outros O problema natildeo eacute portanto tentar dissolvecirc-las na
utopia de uma comunicaccedilatildeo perfeitamente transparente mas se imporem regras de
direito teacutecnicas de gestatildeo e tambeacutem a moral o ethos a praacutetica de si que permitiratildeo
nesses jogos de poder jogar com o miacutenimo possiacutevel de dominaccedilatildeo (FOUCAULT
2004a p 284)
E por ser historicamente construiacutedo discursivamente tramado por estar no campo
social das resistecircncias muacuteltiplas (dos jeitinhos agraves chantagens e agraves mobilizaccedilotildees) das
mulheres o poder pode ser desconstruiacutedo ser ativado reformulado As relaccedilotildees de poder diz
ainda o pensador francecircs (FOUCAULT 1995 2012) intricam-se pelo menos de certa forma
45
com sujeitos livres Um poder soacute se exerce quando eacute possiacutevel minimamente haver
resistecircncias pelo menos estrateacutegias para alterar o quadro Esse autor fala em estados de
dominaccedilatildeo nos quais a violecircncia se constitui como a absoluta impossibilidade de se resistir
ao poder havendo o domiacutenio total do dominador Diferentemente dos estaacutegios de violecircncia
as relaccedilotildees de poder possuem um enfrentamento constante e perpeacutetuo que garante o potencial
de revolta
Assim tambeacutem percebe Louro (2012) e dialoga com o filoacutesofo francecircs acerca dessas
relaccedilotildees A autora utilizando-se da discussatildeo sobre o controle disciplinar que perpassa os
escritos foucaultianos que falam das engenhosas estrateacutegias desenvolvidas pelas instituiccedilotildees
estrateacutegias que satildeo nichos de produccedilotildees discursivas de gecircneros de sujeitos disciplinados
regulados instituiacutedos discute a capilaridade do poder
Homens e mulheres certamente natildeo satildeo construiacutedos apenas atraveacutes de mecanismos
de repressatildeo ou censura eles e elas se fazem tambeacutem atraveacutes de praacuteticas e relaccedilotildees
que instituem gestos modos de ser e estar no mundo formas de falar e de agir
condutas e posturas apropriadas (e usualmente diversas) Os gecircneros se produzem
portanto nas e pelas relaccedilotildees de poder (LOURO 2012 p48)
Louro (2012) sob o crivo das reflexotildees foucaultianas acerca dos modos de
subjetivaccedilatildeo insere uma possibilidade de debate sobre as relaccedilotildees de poder que perpassam as
identidades de gecircnero no esteio do campo da educaccedilatildeo A autora traz a questatildeo de que sob as
lentes do filoacutesofo cabem olhares acerca da ldquonormalizaccedilatildeo da conduta dos meninos e meninas
a produccedilatildeo dos saberes sobre a sexualidade e os corpos as taacuteticas e as tecnologias que
garantem o ldquogovernordquo e o ldquoautogovernordquo dos sujeitosrdquo E eacute com essa direccedilatildeo que esta
estudiosa do feminismo caminha na e pela escola instigando aosas educadoresas agrave afiaccedilatildeo
dos sentidos para que essesas percebam a construccedilatildeo escolar das diferenccedilas das
desigualdades do poder para que observem as praacuteticas femininas educativas e as
representaccedilotildees docentes do magisteacuterio
Os caminhos teoacutericos de Louro (2012) deixam as marcas de quem dialoga com o
pensamento de Foucault (2004c 2004d 2011 2012) no tocante agrave importacircncia que possuem
as instituiccedilotildees como aparelho disciplinador reprodutor ou transformador da sociedade para
ambos A autora discute o aparelhamento da escola na formaccedilatildeo de uma cultura sexista que
difunde estereoacutetipos de gecircnero institui diferenccedilas e modelos Ela enfim alerta osas
educadores sobre a importacircncia da ocupaccedilatildeo deste espaccedilo como instacircncia poliacutetica
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A linguagem as taacuteticas de organizaccedilatildeo e de classificaccedilatildeo os distintos
procedimentos das disciplinas escolares satildeo todos campos de um exerciacutecio
(desigual) de poder Curriacuteculos regulamentos instrumentos de avaliaccedilotildees e
ordenamento dividem hierarquizam subordinam legitimam ou desqualificam os
sujeitos [] (LOURO 2012 p 72)
Com efeito o processo de subjetivaccedilatildeo se daacute tambeacutem e significativamente na escola
que natildeo soacute transmite conhecimentos mas fabrica sujeitos conforme acordam os estudiosos
acima referendados Esse processo eacute flexionado por dispositivos entendidos esses conforme
Foucault (2012) como um conjunto heterogecircneo que engloba discursos instituiccedilotildees que
formam feixes em um tranccedilado com os quais natildeo se familiariza facilmente Louro (2012) por
isso faz a convocaccedilatildeo com muita propriedade ao ato de ldquoafiar os sentidosrdquo Afiar os sentidos
e apreender no campo da linguagem a forccedila da transmissatildeo e constituiccedilatildeo de sentidos que esta
articula que molda e produz eacute um compromisso de quem concebe a educaccedilatildeo em um campo
eminentemente poliacutetico um lugar para se desbravar cotidianamente
Fisher (2013) eacute uma das estudiosas do campo da Educaccedilatildeo que se posiciona assim
Essa autora trabalha conceitos como os de enunciado praacutetica discursiva sujeito do discurso
relacionados agrave teoria do discurso objetivando evidenciar a importacircncia desse arcabouccedilo para
as pesquisas que se propotildeem a investigar discursos de educadoresas A complexa e
diversificada obra de Michel Foucault eacute explorada pela educadora em pontos estrateacutegicos para
uma interface discurso e educaccedilatildeo Para isto a autora estabelece inicialmente um marco entre
as concepccedilotildees de linguagem a que se vincula agrave ideia de representaccedilatildeo de intencionalidade
na qual o analista ldquodescobrerdquo o que estaacute por traacutes das cortinas porque o discurso eacute interpretado
como um conjunto de signos que pode revelar a ldquoverdaderdquo E a concepccedilatildeo de linguagem que
se apresenta como constituidora interrogativa discursiva construtora de realidades sociais A
pesquisadora demonstra entender que a concepccedilatildeo com a qual Foucault evidencia vinculaccedilatildeo
eacute a que interroga a linguagem
Evocar os conceitos foucaultianos objetivando uma reflexatildeo acerca da importacircncia
desses em pesquisas no campo da educaccedilatildeo eacute uma estrateacutegia vaacutelida que oa analista de
discurso pode lanccedilar matildeo Esse direcionamento que exige uma interrogaccedilatildeo da linguagem
sobre a sua natildeo-transparecircncia e sobre seus processos de produccedilatildeo daacute-se com o esforccedilo de
conforme a AD natildeo buscar explicaccedilotildees lineares de causa e efeito ou mesmo interpretaccedilotildees
ideoloacutegicas simplistas ambas reducionistas e harmonizadoras de uma realidade mais
complexa (FISHER 2013)
A percepccedilatildeo da belicosidade da realidade que eacute atravessada por lutas em torno da
imposiccedilatildeo de sentidos (FOUCAULT 2011 2012) eacute uma postura que traduz uma capacidade
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investigativa doa analista que deve ser inquiridora ldquoPor que isto eacute dito aqui desse modo
nesta situaccedilatildeo e natildeo em outro tempo e lugar de forma diferenterdquo Nesse sentido Fisher
(2013) dialoga com o filoacutesofo pontuando acerca da constituiccedilatildeo do sujeito para esse teoacuterico
Para a foucaultiana esse pensador multiplica o sujeito a pergunta ldquoquem falardquo desdobra-se
em muitas outras qual o status do enunciador Em que campo de saber se insere Qual seu
lugar institucional [] Com formulaccedilotildees dessa natureza a ideia de discurso como
ldquoexpressatildeo de algo traduccedilatildeo de alguma coisa que estaria em outro lugar talvez em um
sujeito algo que preexiste agrave proacutepria palavra eacute desfeita Em seu lugar pontuam os autores
referendados os atos enunciativos se inscrevem no interior de formaccedilotildees discursivas que
irrompem segundo regime de verdade levando-nos a obedecer a um conjunto de regras dadas
historicamente
As liccedilotildees foucaultinas acima referidas referendadas por Fisher (2013) satildeo
pertinentes para uma contribuiccedilatildeo no presente estudo tendo em vista que a temaacutetica em foco
desta pesquisa encontra nessas reflexotildees do pensador elementos que subsidiam esta
investigaccedilatildeo Um desses elementos eacute a inquiriccedilatildeo da ideia de verdade uniacutevoca por apontar
essa categoria como uma produccedilatildeo histoacuterica e social farta de jogos de poder E a escola eacute
uma instacircncia disciplinar e reguladora de comportamentos amarrada agrave produccedilatildeo de verdades
ao poder-saber pedagoacutegico que se efetua em praacuteticas discursivas ditando regras negando-as
coibindo-as policiando incitando fabricando sujeitos (cf FOUCAULT 2011 2012) Desse
modo inquiro sobre como as praacuteticas discursivas garimpadas no processo de investigaccedilatildeo
irrompem e sob quais condiccedilotildees neste estudo O que haacute nas bocas e nas mentes na experiecircncia
de aprendizagem das praacuteticas leitoras O que desejam os olhos de quem semeia leitura e os
olhos de quem lecirc As discursividades dessesas semeadoresas alicerccedilam-se e movem-se por
quais olhares sobre as relaccedilotildees de gecircnero e de sexualidade que perpassam livros textos
corredores banheiros cochichos desabafos canccedilotildees confissotildees Elas estatildeo explosivamente
presentes como bem atenta Foucault (1985) quando afirma haver em torno do sexo uma
verdadeira explosatildeo discursiva
Seria inexato dizer que a instituiccedilatildeo pedagoacutegica impocircs um silecircncio geral ao sexo das
crianccedilas e adolescentes Pelo contraacuterio desde o seacuteculo XVIII ela concentrou as
formas do discurso no tema estabeleceu pontos de implantaccedilatildeo diferentes codificou
os conteuacutedos e qualificou os locutores Falar dos sexos das crianccedilas fazer com que
falem dele os educadores os meacutedicos os administradores e os pais Ou entatildeo falar
de sexo com as crianccedilas fazer falarem elas mesmas encerraacute-las em uma teia de
discurso que ora se dirigem a elas ora falam delas impondo-lhes conhecimento
canocircnicos ou formando a partir delas um saber que lhes escapa ndash tudo isso permite
vincular a intensificaccedilatildeo dos poderes agrave multiplicaccedilatildeo do discurso (FOUCAULT
1985 p 32)
48
E a despeito de toda dinacircmica social e histoacuterica que tem alterado a percepccedilatildeo dos
jogos dos prazeres e poderes que tem inquirido pensamentos hegemocircnicos acerca da
sexualidade das relaccedilotildees de identidades de gecircnero descontruindo paradigmas como e quais
satildeo as faacutebulas indispensaacuteveis os veios discursivos apreendidos e presentificados na escola em
foco Os pensamentos de Foucault (2004a 2004c 2004d 2011 2012) contribuiacuteram
decisivamente para uma atitude de estranhamento das instituiccedilotildees contribuiacuteram para
caracterizar o discurso pedagoacutegico como um dos que estaacute relacionado agraves praacuteticas de poder e
domesticaccedilatildeo que tem em sua base relaccedilotildees assimeacutetricas Este pensador desse modo daacute
elementos importantes para a compreensatildeo de que natildeo existe verdade que natildeo seja produzida
em relaccedilotildees de poder Estes elementos estatildeo na imersatildeo do entendimento de que a
compreensatildeo dos processos de subjetivaccedilatildeo e das praacuteticas discursivas pode estar a serviccedilo de
uma busca por uma transformaccedilatildeo substancial do que somos e o que poderemos ser em um
mundo marcado pela belicosidade constituiacutedo por discursos
No que concerne a essa busca Rago (1998) pontua o encontro entre o feminismo e o
pensamento de Michel Foucault no lastro do debate sobre a constituiccedilatildeo do sujeito e o quanto
isso potencializa as transformaccedilotildees que precisam ser operadas para que sejam consolidadas as
mudanccedilas sociais e culturais que o coletivo de mulheres pleiteia A autora fala da participaccedilatildeo
do movimento feminista na ldquoampla criacutetica cultural desconstrutivistardquo e acentua o quanto as
propostas deste movimento tecircm produzido uma criacutetica contundente ao modo de produccedilatildeo do
conhecimento cientiacutefico e que isto se deve entre outros motivos ao abrigo que o pensamento
deste coletivo encontra nos postulados dos pensadores poacutes-modernos Os estudos feministas
propotildeem um olhar para a existecircncia do sujeito cindido construiacutedo na e pela linguagem como
efeito das determinaccedilotildees culturais inserido em complexas relaccedilotildees de poder Este olhar tem
consonacircncia com as reflexotildees de Foucault (2004d p 195) especialmente no que se refere ao
empreendimento do autor na construccedilatildeo de uma hermenecircutica de si
Uma histoacuteria que natildeo seria aquela do que poderia existir de verdadeiro nos
conhecimentos mas sim uma anaacutelise dos lsquojogos de verdadersquo dos jogos do
verdadeiro e do falso atraveacutes dos quais o ser se constitui historicamente como
experiecircncia ou seja como podendo e devendo ser pensado Por meio de quais jogos
de verdade o homem se pocircs a pensar o seu ser proacuteprio ao se perceber como louco ao
se olhar como doente ao refletir sobre si mesmo como ser vivo falante e
trabalhador ao se julgar e se punir como criminoso Atraveacutes de quais jogos de
verdade o ser humano se reconheceu como homem de desejo (FOUCAULT
2004d p 195)
Esta construccedilatildeo de si perpassa e enriquece a luta feminista em suas problematizaccedilotildees
acerca das praacuteticas de si colocando em jogo os criteacuterios de modelos femininos naturalizados
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o modo de sujeiccedilatildeo com que as mulheres se relacionam com tais modelos E nas palavras do
pensador francecircs (FOUCAULT 2004c p 244) haacute uma intenccedilatildeo de beleza no conhecimento
saber para ser Ser o artesatildeo de sua proacutepria beleza Saber para governar a proacutepria vida ldquopara
lhe dar a forma mais bela possiacutevel (aos olhos dos outros de si mesmo e das geraccedilotildees futuras
[]rdquo Nesse sentido podemos dizer que as problematizaccedilotildees foucaultianas acerca das relaccedilotildees
sujeitoverdade e a constituiccedilatildeo da experiecircncia de si satildeo pertinentes ao pensamento feminista
que sob estas referecircncias encontra fios enovelados para uma desconstruccedilatildeo de fabricadas
verdades
Foucault (2004a 2012) que afirma natildeo ser possiacutevel sociedade sem relaccedilotildees de
poder tece os possiacuteveis instrumentos de jogar com o miacutenimo de dominaccedilatildeo regras de direito
a praacutetica de si teacutecnicas racionais de governo o eacutethos O poder de resistecircncia das mulheres
atesta isto Nas palavras de Saffioti (2001) a posiccedilatildeo vitimista impede a ressignificaccedilatildeo das
relaccedilotildees de poder ou seja
[] Em outros termos a postura vitimista eacute tambeacutem essencialista social uma vez
que o gecircnero eacute o destino Na concepccedilatildeo flexiacutevel aqui exposta natildeo haacute lugar para
qualquer essencialismo seja bioloacutegico ou social Cabe frisar que a categoria
histoacuterica gecircnero natildeo constitui uma camisa de forccedila natildeo prescrevendo por
conseguinte um destino inexoraacutevel Eacute loacutegico que o gecircnero traz em si um destino
Todavia cada ser humano ndash homem ou mulher desfruta de certa liberdade para
escolher a trajetoacuteria a descrever (SAFFIOTI 2001 p 125)
Desde sua implantaccedilatildeo o domiacutenio masculino conforme Saffioti (2001) estaacute sendo
resistido por mulheres ao longo da histoacuteria da humanidade Mas o Seacuteculo XX carrega a marca
de ter sido o grande momento de transformaccedilotildees conquistadas por militantes A histoacuteria de
luta das mulheres no Brasil e em niacutevel mundial vem segundo Costa (2009) registrando
mudanccedilas ldquona velocidade da luzrdquo A autora resgata na historiografia do movimento feminista
uma dinacircmica que vai do sufragista do seacuteculo XIX passando pelas deacutecadas de sessenta e
setenta com suas reivindicaccedilotildees proacuteprias e contextuais ateacute os novos desafios que se
apresentam perenemente Ela faz este percurso buscando dar conta das mudanccedilas pelos quais
passaram as lutas feministas ora eufoacuterico ora fraacutegil o movimento natildeo para segundo o olhar
perspicaz da estudiosa que vecirc como uma demonstraccedilatildeo de forccedila da atuaccedilatildeo das mulheres de
luta a construccedilatildeo de documentos como o Plano Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as
Mulheres e da I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres
50
Ateacute chegar aiacute foi um longo e muitas vezes tortuoso caminho de mudanccedilas dilemas
enfrentamentos ajustes derrotas e tambeacutem vitoacuterias O feminismo enfrentou o
autoritarismo da ditadura militar construindo novos espaccedilos puacuteblicos democraacuteticos
ao mesmo tempo em que se rebelava contra o autoritarismo patriarcal presente na
famiacutelia na escola nos espaccedilos de trabalho e tambeacutem no estado Descobriu que natildeo
era impossiacutevel manter a autonomia ideoloacutegica e organizativa e interagir com os
partidos poliacuteticos com os sindicatos com outros movimentos sociais com o Estado
e ateacute com organismos supranacionais Rompeu fronteiras criando em especial
novos espaccedilos de interlocuccedilatildeo e atuaccedilatildeo possibilitando florescer de novas praacuteticas
novas iniciativas e identidades feministas (COSTA 2009 p 75)
Do momento que Costa redigiu essa historiografia em 2004 jaacute foram realizadas
mais duas conferecircncias nacionais em 2007 e 2011 respectivamente articulando e
fortalecendo a caminhada das mulheres por sua emancipaccedilatildeo Emancipaccedilatildeo que se constroacutei
em um longo e penoso percurso mas perseguindo a utopia da cidadania plena mulheres
feministas avanccedilam E um dos sinais claros de que avanccedilam foi traccedilado por Pinsky (2012)
Esta autora formulou recentemente um retrato do processo histoacuterico das imagens femininas
em duas vertentes o modelo riacutegido e o modelo flexiacutevel No modelo riacutegido eacute anunciada uma
imagem de mulher que em regra encampa um papel a ela ldquonaturalizado e destinadordquo a
castidade a docilidade a domesticidade a moralidade a maternidade a renuacutencia agrave vida
proacutepria e ao prazer de ser de si O nome a alma e o corpo dessa mulher submetida aos riacutegidos
padrotildees sociais possuem um dono o masculino Com as devidas interferecircncias das questotildees
sociais e de classe em regra agrave mulher restava-lhe o ldquoreinadordquo da submissatildeo da
invisibilidade de uma experiecircncia de si que a fazia possuiacuteda por outrem
As lutas e conquistas feministas flexibilizaram esse modelo passaram a ocupar
cargos nunca dantes imaginados Isto alterou a ordem discursiva reconfigurou modelos
familiares rediscutiu papeacuteis Natildeo ainda em condiccedilatildeo de igualdade obviamente as mulheres
possuem mais grilhotildees e desafios do que deveriam Conhececirc-los no sentido foucaultiano de
saber como se constituem eacute empoderar-se E esse eacute um desafio que deve ser abrangido pelo
tracircnsito da diversidade da construccedilatildeo dos contornos das identidades e diferenccedilas ligadas
como sistema de significaccedilatildeo (SILVA 2012) Entre mulheres haacute construccedilatildeo de sentidos
diversificados sobre leacutesbicas natildeo-leacutesbicas negras brancas de classes sociais distintas de
diferentes etnias e com diversidade etaacuteria Nesse sentido os estudos de gecircnero se apresentam
como um campo instigante para desmantelar para problematizar a construccedilatildeo social do que eacute
ser homem e do que eacute ser mulher
A proposta de estudo aqui colocada toma enfim as problematizaccedilotildees foucaultianas e
as das estudiosas feministas acerca dos sujeitos dos discursos e suas marcas histoacutericas como
referecircncia para averiguar de que modo as discursividades revelam o que atravessa os muros
51
escolares em termos de vozes docentes e textos sobre gecircnero Essas problematizaccedilotildees que
expressam a concepccedilatildeo de discurso como praacutetica como trama nas teias da linguagem como
movimento de produccedilatildeo de sentidos inserido na histoacuteria e na memoacuteria coletiva expressam o
poder que como concebe o pensador francecircs (cf FOUCAULT 2012) natildeo eacute um mal em si Eacute
um lugar estrategicamente decisivo onde se encontram as relaccedilotildees de forccedilas que influenciam
corpos atitudes discursos enfim a produccedilatildeo das subjetividades
Discutir essas relaccedilotildees eacute buscar desestabilizar as categorias construiacutedas concebendo
gecircnero como discurso que se inscreve em significados poliacuteticos e culturais Apropriar-se
conforme jaacute foi referido dessa constituiccedilatildeo reflexiva pode significar para as lutas feministas
uma valiosa maneira de pensar os jogos de verdades com os quais essas se enredam E por
pensaacute-los poder desconstruiacute-los
Apoacutes discorrer sobre o feminismo a constituiccedilatildeo de subjetividades que tecircm como
referecircncia procedimentos de controle de discursos em uma perspectiva foucaultiana
(FOUCAULT 2011) farei uma incursatildeo sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees poliacuteticas como
praacutetica discursiva que eacute tradutora de uma forma de saber poder
23 A leitura no Brasil em retratos
Nesta parte considero importante pontuar no trabalho um breve panorama da leitura
no Brasil baseado esse em resultado apresentado pela 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do
Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2012) Procuro utilizar alguns dados da pesquisa
perpassando por uma reflexatildeo acerca dos processos de produccedilatildeo da leitura (como leem osas
brasileirosas por que (natildeo) leem o que desejam ler quem propicia a leitura enfim que
tratamento o Estado brasileiro daacute agrave leitura Perpasso tambeacutem pelos dados refletindo como
esses podem ser reverberados pelo presente trabalho
Asseverado como um paiacutes que lecirc pouco segundo indicadores que avaliam estes
dados o Brasil eacute farto em pesquisas que se debruccedilam sobre a leitura Eacute magnacircnima a
produccedilatildeo de textos e eventos que se propotildeem a tratar da complexa questatildeo da leitura de seus
oacutebices funccedilotildees relevacircncias E deveras a reflexatildeo sobre a leitura possui importacircncia crucial
para que possamos adotar praacuteticas poliacuteticas que reparem os equiacutevocos de sermos um paiacutes que
pouco lecirc Esta reflexatildeo se atrelada agrave da escola como instacircncia responsaacutevel pela formaccedilatildeo
leitora eacute de extrema pertinecircncia pelo atribuiacutedo papel que essa instituiccedilatildeo possui na formaccedilatildeo
doa leitora
52
Um dos estudiosos da temaacutetica Silva (2011) vem criticando as pesquisas
educacionais brasileiras voltadas agrave problemaacutetica da leitura afirmando que precisamos
construir melhores inqueacuteritos sobre a accedilatildeo de ler Esse autor fala em crise assegura que natildeo
possuiacutemos uma tradiccedilatildeo de leitores temos por outro lado cifras altiacutessimas de analfabetismo
como barreira para a experiecircncia mais soacutelida com a praacutetica leitora Temos ainda conforme
Silva peacutessimas poliacuteticas de livros parcas e natildeo elucidativas pesquisas sobre o problema
enfim ele levanta a problemaacutetica da leitura como inquietante fonte de preocupaccedilatildeo para o
paiacutes
Por seu turno nas duas uacuteltimas deacutecadas por exemplo foram divulgadas pelo
Instituto Proacute-Livro trecircs ediccedilotildees da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil a primeira em
2000 a segunda em 2008 e a terceira em 2012 que satildeo resultados sobre o comportamento
leitor doa brasileiroa O que em tese se busca a cada ediccedilatildeo segundo os objetivos da
pesquisa ldquoeacute contribuir para que esses estudos possibilitem avaliar e orientar poliacuteticas puacuteblicas
e accedilotildees do governo organizaccedilotildees natildeo governamentais e entidades do livro voltadas a
melhoria dos indicadores de leitura e acesso ao livro no Brasilrdquo (AMORIM 2008 p 26)
Diante dos indicadores publicados que vecircm em forma de tabelas quadros e graacuteficos
comparativos levantados por uma metodologiaamostra com pesquisa quantitativa de opiniatildeo
com aplicaccedilatildeo de questionaacuterio e entrevistas presenciais realizadas nos domiciacutelios tendo
como universo da pesquisa a populaccedilatildeo brasileira residente com cinco anos ou mais
alfabetizada ou natildeo muito se tem a avaliar Muito se tem a avaliar a despeito das criacuteticas que
as ediccedilotildees da pesquisa tecircm recebido a exemplo de Sousa (2008) que traz a problematizaccedilatildeo
acerca do criteacuterio utilizado pelo estudo para conceituar o leitor e o natildeo-leitor
Interessa-me aqui retomar especificamente o criteacuterio adotado para definir o leitor e o
natildeo-leitor para efeito da pesquisa o leitor foi considerado aquele que lsquodeclarou ter
lido pelo menos 1 livro nos uacuteltimos trecircs mesesrsquo e o natildeo-leitor aquele que lsquodeclarou
natildeo ter lido nenhum livro nos uacuteltimos trecircs meses (ainda que tenha lido
ocasionalmente ou em outros meses do ano)rsquo (SOUSA 2008 p 5)
A autora que perscruta o discurso sobre leitura em uma pesquisa com discentes e
docentes envolta em um conceito que abrange o ato de ler para aleacutem da quantificaccedilatildeo de
suportes evidencia o quanto este aspecto indica uma limitaccedilatildeo ao conceito de leitor e natildeo
leitor e revela o nexo mercadoloacutegico que a pesquisa possui tem como patrocinador o mercado
do livro
A aplicabilidade de uma pesquisa do porte de Retratos de Leitura fomenta sempre
questionamentos e isso eacute bom Tais questionamentos traduzem tambeacutem a existecircncia de toda
53
uma diversidade de posicionamentos a respeito da leitura Diversidade que Possenti (2009) agrave
luz das concepccedilotildees da AD pontua em um ensaio no qual propotildee reflexotildees sobre a leitura
advindas das concepccedilotildees apresentadas por estudiosos Satildeo inquietantes segundo esse autor
as teses apresentadas em congressos na miacutedia e em estudos sobre leituras e no seu foco
especiacutefico nos editoriais da ALB - Associaccedilatildeo Brasileira de Leitura Haacute olhares que
expressam uma posiccedilatildeo tradicional no trato com a leitura e em seu contraponto haacute outros
posicionamentos que decorrem de uma vinculaccedilatildeo com o relativismo cultural Sendo assim
haacute criteacuterios que primam pela negaccedilatildeo de qualquer objetividade independentemente do sujeito
o que viabiliza a ideia de que tudo seria linguagem que constroacutei conforme eacute a filosofia do
relativismo Nesse veio o que eacute leitura e se oa brasileiroa lecirc e lecirc bem vai depender de onde
se fala e se enxerga Por sua vez haacute criteacuterios que salientam um olhar mais valorativo sobre a
leitura o que Possenti (2009) diz fazer as chamadas teses defendidas pelos tradicionais Para
esses haacute um modelo que considera que a leitura eacute um bem em si independentemente de ser
entendida como praacutetica histoacuterico- social
Confrontando as teses que circulam acerca da leitura Possenti (2009) evidencia por
exemplo que no que diz respeito agrave questatildeo sobre se o a brasileiroa lecirc ou natildeo o suficiente haacute
uma controveacutersia arriscada Isso se daacute porque os tradicionais restringem o conceito do que eacute
leitura limitando a accedilatildeo de ler basicamente ao livro e atrelado ao cacircnon o que eacute um erro
porque haacute pesquisas que revelam mais textos e suportes fazendo parte do cotidiano de leitura
de outros considerados natildeo leitores Por seu turno o discurso que lhes opotildee exposto
massivamente nos boletins e textos da ALB encobre que as leituras retratadas no paiacutes ainda
que mais ampliadas do que vistas pelo discurso dos tradicionais ainda satildeo indesejaacuteveis em
termos quantitativos o que fazem o autor natildeo ser otimista quando em voga estaacute esta anaacutelise
Genericamente pode-se dizer que a tese mais clara e repetidamente defendida nos
textos da ALB eacute que natildeo se conhece a realidade da leitura no Brasil Outra tese que
parece ser adotada eacute a de que haacute indicaccedilotildees que permitiriam dizer que a situaccedilatildeo eacute
bem melhor do que (ainda) se pensa [] O perigo aparente dessa tese eacute que ela
corre o risco de ser lida assim (temo ter presenciado esta reaccedilatildeo numa das mesas
redondas de que participei no mesmo COLE) se natildeo lemos tatildeo pouco como se
costuma dizer se se diz que lemos tatildeo pouco como efeito de uma concepccedilatildeo muito
estreita de leitura o resultado eacute que analisando alguns dados e alterando a
concepccedilatildeo de leitura pode-se dizer que a situaccedilatildeo eacute boa ou pelo menos natildeo eacute ruim
Logo se adivinha eu imagino que natildeo adoto essa tese (POSSENTI2009 p 25)
Em vez de adotar facilmente teses esse analista procura caracterizar os postulados
que datildeo corpo aos dois discursos que circulam e produzem sentidos sobre leitura Entre eles
estatildeo ideias de que os sujeitos leitores satildeo mais criacuteticos defendidos pelos tradicionalistas Em
54
um contraponto os textos da ALB revelam uma desconstruccedilatildeo da ideia de que ler eacute assegurar
pessoas criacuteticas por mostrar que a leitura tem sido mais objeto de dominaccedilatildeo do que de
libertaccedilatildeo das pessoas Neste jogo Possenti (2009) vislumbra o quanto a despeito do controle
e da distribuiccedilatildeo social dessa praacutetica exercidos pelas instituiccedilotildees como a escola e a Igreja haacute
contra-leituras Assim entre incompatibilidades e confrontos questotildees ligadas agrave praacutetica
leitora problematizam o prazer de ler a importacircncia deste ato e a relativizaccedilatildeo do que seria
uma boa obra Eacute problematizada por este analista do discurso a leitura como praacutetica social
que responde aos aspectos culturais sociais e histoacutericos evidenciando que ler natildeo eacute
essencialmente um bem em si
E a AD pontua a instrumentalizaccedilatildeo dessa ideia quando nos fornece reflexotildees
atinentes agrave importacircncia de que natildeo se lecirc isoladamente haacute sempre textos eivados de discursos
que se cruzam Essa disciplina contribui ainda para a ldquodessacralizaccedilatildeordquo da leitura quando vecirc a
opacidade da linguagem as palavras natildeo remetem agraves coisas E a historicidade ressonando nos
modos de significaccedilatildeo do discurso sobre leitura eacute o que parece interessar agrave AD que se exime
do papel de aacuterbitro no que se refere agrave leitura adequada Importando-se com os percursos com
o movimento que o leitor faz para ler como ler como suas leituras natildeo satildeo individuais
reflexos que satildeo da histoacuteria a que pertencem
Assim posto parece-me razoaacutevel registrar os dados da pesquisa natildeo como um
vaticiacutenio mas como uma das verdades feitas entre os especialistas que se debruccedilaram diante
dos dados da 2ordf ediccedilatildeo (2008) com o intuito de apreender como estes enxergam os sentidos
da leitura na sociedade brasileira Consensual entre esses eacute o olhar de que continua piacutefio o
desempenho doa leitorano paiacutes natildeo obstante os avanccedilos que se registram nos Retratos
Amorim (2008) fala em duas revelaccedilotildees importantes se atentarmos para os resultados da
pesquisa
A primeira delas eacute que natildeo daacute para negar que tem havido avanccedilos nos uacuteltimos anos e
que os brasileiros estatildeo lendo mais Ou pelo menos um pouco mais Em seguida
uma constataccedilatildeo que natildeo chega a negar a afirmativa anterior e muito menos a tirar o
brilho que porventura ela possa conter o Paiacutes estaacute longe de ser uma naccedilatildeo de
cidadatildeo leitores e haacute muito chatildeo pela frente ateacute que se chegue laacute (AMORIM 2008
p 15)
Esta constataccedilatildeo soacute reafirma o que se divulga intuitiva e empiricamente o Estado
brasileiro natildeo considera suficientemente a questatildeo da educaccedilatildeo e da leitura como estrateacutegica
para se construir um paiacutes melhor com mais igualdade e participaccedilatildeo criacutetica na construccedilatildeo da
democracia social Em uma cultura grafocecircntrica a condiccedilatildeo leitora eacute senha valiosa e
55
intransferiacutevel para a fonte de conhecimento para o prazer e a atuaccedilatildeo como protagonista de
sua histoacuteria de vida Obviamente que a leitura aqui abordada natildeo eacute no sentido de uma
entidade fechada descontextualizada essencialista nem meramente decodificadora Sem
deixar entretanto de considerar o tropeccedilo que significa o analfabetismo a leitura que abordo
fala de uma interaccedilatildeo leitor-texto-contexto com uma atribuiccedilatildeo de motivar formar e
assegurar reflexotildees atinentes aos DH aos valores que propiciem a construccedilatildeo de um mundo
para todos Eacute a leitura como praacutetica sociocultural problematizadora das relaccedilotildees de poder
que intento abordar
Werthein (2008) lanccedila luzes sobre a questatildeo abordando uma heranccedila histoacuterica que
explica tantos percalccedilos e descaminhos na praacutetica da leitura
A histoacuteria do Brasil explica em parte sua deficiecircncia educacional O Paiacutes viveu 322
anos como colocircnia de Portugal Nesse territoacuterio onde existe um paiacutes era tudo
proibido Natildeo havia imprensa natildeo existiam escolas muito menos universidades O
comeacutercio era feito unicamente com Lisboa E os raros estudantes da eacutepoca tiveram
de viajar para a capital do Impeacuterio para buscar instruccedilatildeo em Coimbra Foram
pouquiacutessimos A imprensa surgiu no Paiacutes por intermeacutedio de dois caminhos opostos
Em 1808 Dom Joatildeo VI criou a imprensa reacutegia oficial enquanto na mesma eacutepoca
em Londres comeccedilou a ser editado em portuguecircs o Correio Brasiliense que
chegava ao Rio como contrabando Sua circulaccedilatildeo era proibida (WERTHEIN 2008
p 42)
Este quadro evidencia o quanto os colonizadores portugueses relegavam a colocircnia a
uma situaccedilatildeo de ignoracircncia que emperrou em muito o processo de letramento cultural da terra
brasilis Aos colonizadores soacute interessavam a exploraccedilatildeo de nossas riquezas Os portugueses
se comportavam como grandes predadores do territoacuterio levando madeira ouro diamantes e
accediluacutecar Com um contingente populacional constituiacutedo de negros africanos que para caacute vieram
trabalhar como escravos de elementos autoacutectones os iacutendios de diversas tribos que sofreram
severo processo de dizimaccedilatildeo e de imigrantes europeus e japoneses este territoacuterio se formou
mesticcedila e ignorantemente Um povo mesticcedilo formado de um mosaico cultural com a
hegemonia eurocecircntrica eacute um povo que acumulou uma histoacuteria de deficiecircncia educacional
que soacute recentemente tem sido reduzida
Incompatiacutevel com suas riquezas naturais com as transiccedilotildees poliacuteticas que traziam os
avanccedilos do processo de industrializaccedilatildeo do paiacutes esta deficiecircncia educacional comeccedila a ser
combalida e expande-se o processo de democratizaccedilatildeo escolar do paiacutes que inicia o seacuteculo XX
com poucas escolas chegando aosagraves filhosas dos trabalhadoresas brasileirosas A qualidade
dessas escolas eacute sempre uma dura realidade os investimentos na educaccedilatildeo brasileira foram
perenemente piacutefios muito abaixo do que deveriam e poderiam Povo mal educado eacute povo que
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natildeo rompe as abissais diferenccedilas sociais a escola puacuteblica no Brasil forma mal e cria um
ciacuterculo que aprisiona aquele por quem nela passa Aprenderaacute pouco aprenderaacute mal e natildeo
poderaacute disputar em um mercado competitivo A escola eacute entatildeo categoricamente instrumento
de perpetuaccedilatildeo da desigualdade social parco aprendizado parcas chances de mexer com a
estrutura da piracircmide social (GUIMARAtildeES-IOSIF 2009)
Werthein (2008) aduz a relaccedilatildeo entre privileacutegios educacionais apenas para membros
da elite econocircmica agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo como forma de impedir a cidadania do povo As
relaccedilotildees de poder e saber satildeo histoacutericas poliacuteticas Um determinado sentido dado agrave instruccedilatildeo
acadecircmica possui mecanismos de sua produccedilatildeo Garcez (2008) faz uma referecircncia importante
de um dado extraiacutedo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil como significativo para
pontuar que a condiccedilatildeo de ser leitora estaacute afetada por sua inscriccedilatildeo no social A autora
destaca esta relaccedilatildeo embasada no dado de que
[] 85 dos natildeo-leitores nunca foram presenteados com livros na infacircncia
enquanto que no universo dos considerados leitores 51 receberam livros como
presente Outra informaccedilatildeo importante diz respeito agraves praacuteticas familiares de leitura
Dos lares natildeo-leitores 63 dos informantes nunca viram os pais lendo
Considerando que a pesquisa revela que a maior influecircncia para a formaccedilatildeo da
leitura vem dos pais (principalmente das matildees) esse dado eacute ainda mais significativo
(GARCEZ 2008 p 69)
Dados significativos que pontuam o valor do alicerce familiar para a formaccedilatildeo leitora
dos sujeitos ao tempo em que me faz ponderar sobre a importacircncia da cultura como elemento
que mobiliza saberes poderes (des)construccedilotildees de identidades Eacute do pensamento de Hall
(2011) que me valho para afirmar que as identidades satildeo forjadas nas relaccedilotildees com a cultura
que vivenciamos e que no seio dela se encontram forccedilas propulsoras de transformaccedilotildees
como tambeacutem forccedilas mantedoras de uma ordem social Cabe-me assim levar em consideraccedilatildeo
que a infacircncia eacute uma referecircncia construiacuteda sociohistoacuterica e culturalmente na qual agraves crianccedilas
se ensina a ocupaccedilatildeo de lugares na sociedade condicionando-lhes agraves identidades de gecircnero e
isto se faz com o esteio de elementos da cultura
A leitura eacute um desses elementos culturais com os quais se fabricam identidades E
calccedilada na informaccedilatildeo da relevacircncia da matildee na formaccedilatildeo leitora conforme os dados da
pesquisa em tela cabe-me pensar o quanto a evocaccedilatildeo destas referecircncias tem nexo para minha
reflexatildeo Possui nexo porque inscrevo com ele a importacircncia da defesa de uma praacutetica leitora
com uma dimensatildeo eacutetica problematizadora de um mundo que cria assimetrias de gecircnero para
que matildees alimentem discursivamente leituras que fortaleccedilam praacuteticas de liberdade de almas
de consciecircncias Ademais esse jaacute referendado elemento da pesquisa o indicador das matildees
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como as principais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo leitora dosas filhosas reforccedila a necessidade
de se refletir sobre a carga de um processo cultural ativo e dialoacutegico no qual essas mulheres
transmitem valores identidades de gecircnero e comportamentos aos agraves filhosas Eacute imperativo
refletirmos se aspiramos por uma nova ordem social aplainada pela equidade de gecircnero
sobre o que embalam como ninam contam cantam e leem essas matildees Que leitoresas
formam aquelas que historicamente tem perpassado por uma condiccedilatildeo de subalternidade por
uma condiccedilatildeo opressora por uma educaccedilatildeo que viabiliza a sua sub-representaccedilatildeo nos espaccedilos
do poder Que leitoresas irrompem das ldquobarras da saia da matildeerdquo do seu colo da sua
influecircncia de sujeito que lecirc Que leitoras enfim satildeo aquelas que precisam de leituras que
libertem
Historicamente subjugada a mulher eacute a narradora que influencia contagens E
paradoxalmente faz contagens em livros histoacuterias canccedilotildees filmes desenhos animados
enfim em todo um artefato cultural que reforccedila padrotildees androcecircntricos Desmantelar essa
cadeia de histoacuterias contadas por oprimidas que produzem e reproduzem modelos opressores
me parece uma oportuna estrateacutegia poliacutetica da luta feminista e que osas estudiososas que
analisam a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2008)
deixaram passar ao largo em suas anaacutelises natildeo atentando para a vulnerabilidade do dado
Esses dados entretanto satildeo relevantes deveras para a importacircncia da observaccedilatildeo na
elaboraccedilatildeo de um projeto de leitura na escola com o intento de investigar as discursividades
em torno do ato de ler se daacute a reconstruccedilatildeo de contos de textos problematizados agrave luz da
teoria de gecircnero Haacute e quais satildeo enfim as estrateacutegias para subverter a posiccedilatildeo desigual e
subordinada das mulheres em artefatos culturais que seratildeo por elas usados para formar
leitoresas Esse fio conduz um dos nossos interesses no foco temaacutetico aqui desenvolvido
No que se refere agraves poliacuteticas puacuteblicas de incentivo agrave leitura Laacutezaro e Beauchamp
(2008) discorrem sobre as diretrizes para o fortalecimento das poliacuteticas de leituras contidas
no Plano de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo ndash PDE Satildeo accedilotildees que partem de uma
consideraccedilatildeo sistecircmica da educaccedilatildeo que por meio de instrumentos de avaliaccedilotildees identifica
fragilidades e constroacutei poliacuteticas para o enfrentamento de indicadores deficitaacuterios Satildeo citados
como exemplos de accedilotildees do PDE a introduccedilatildeo da Provinha Brasil o Sistema Universidade
Aberta do Brasil ndash UAB- que tem permitido ampla poliacutetica de formaccedilatildeo dos professores tanto
inicial como continuada atraveacutes da articulaccedilatildeo universidades e municiacutepios O Programa
Nacional do Livro Didaacutetico (PNLD) que a cada ano se amplia eacute mais uma das accedilotildees
implementadas pelo Governo Federal atraveacutes do PDE com o intuito de democratizar o
acesso aos diversos bens culturais e o incremento agrave leitura
58
Esse conjunto de accedilotildees entretanto estaacute longe de transformar o Brasil em um paiacutes de
leitores Haacute apesar dos inegaacuteveis avanccedilos nas uacuteltimas deacutecadas com o amplo acesso agrave escola
em vaacuterios niacuteveis um grande deacuteficit educacional que em muito compromete a formaccedilatildeo
leitora dosas brasileiros e brasileiras o que demanda muito a ser feito E o paiacutes ainda opta por
natildeo investir suficiente ou adequadamente no enfrentamento de crocircnico quadro Laacutezaro e
Beauchamp (2008) pontuam o quanto eacute necessaacuterio que haja mais investimentos por parte do
Poder Puacuteblico mais articulaccedilatildeo de outras poliacuteticas puacuteblicas que ampliem o acesso da
populaccedilatildeo ao livro promovam o valor da leitura formem mediadoresas de leituras na escola
e fora dela e tornem o livro um produto mais acessiacutevel aos niacuteveis de renda da populaccedilatildeo
Laacutezaro e Beauchamp (2008) trabalham com os dados da pesquisa para discutir a
importacircncia da relaccedilatildeo entre a escola o acesso agrave leitura a formaccedilatildeo de leitoresas e as accedilotildees
que possam ampliar e fortalecer as praacuteticas leitoras no Paiacutes A funccedilatildeo central da escola na
constituiccedilatildeo doa leitora eacute um dado do qual a pesquisa trata
A pesquisa evidencia que eacute a escola quem faz o Brasil ler O Brasil estaacute estudando e
eacute a partir da escola que os brasileiros entram em contato com o processo da leitura e
por meio dela acessam os livros independentemente de sua classe social []
Depois da matildee a professora eacute a principal incentivadora da leitura confirmando o
papel central da escola [] Eacute na escola que se lecirc mais os mais jovens leem mais e eacute
na infacircncia que se forma o leitor Entretanto depois da escola o brasileiro lecirc menos
A escola natildeo estaacute formando o leitor mas dando acesso agrave leitura A praacutetica da leitura
continua sendo um privileacutegio de classe (LAacuteZARO BEAUCHAMP 2008 p 73)
Outros indicadores de leitura apresentados pela pesquisa que me trazem reflexotildees
pertinentes dizem respeito agrave revelaccedilatildeo de que a escola eacute responsaacutevel pela existecircncia de mais
leitores mas que por sua vez um percentual significativo dos alunos afirmam que leem por
imposiccedilatildeo da instituiccedilatildeo Esse dado estaacute presente tanto em famiacutelias com maior poder
aquisitivo quanto na de baixo poder 44 dos alunos da rede privada afirmaram ter como
motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola enquanto que 46 dos da rede puacuteblica tambeacutem
deram a mesma razatildeo para o ato de ler Isso nos faz considerar que os projetos de leituras de
uma forma geral natildeo satildeo cativantes natildeo tecircm sido exitosos no sentido de atrair o alunado para
a leitura Eacute tanto que depois da escola lecirc-se menos conforme resultado da pesquisa Tais
revelaccedilotildees pontuam a reflexatildeo de que garantir o acesso agrave escola eacute necessaacuterio e isto estaacute sendo
feito mas o fomento agrave leitura precisa ser suscitado Isto passa necessariamente por accedilotildees
pedagoacutegicas que contemplem o interesse de quem lecirc accedilotildees que traduzam planejamento
compromisso empenho formaccedilatildeo leitora de quem promove as accedilotildees pedagoacutegicas No poema
59
Iniciaccedilatildeo Literaacuteria Drummond condena a mediaccedilatildeo improacutepria de quem traz leituras que natildeo
semeiam prazer
Leituras Leituras
Como quem diz navios Sair pelo mundo
Voando na capa vermelha de Juacutelio Verne
Mas por que me deram para livro escolar
A cultura dos campos de Assis Brasil
O mundo eacute soacute fosfatos lotes de 25 hectares
Soja-fumo-alfafa-batata-doce-mandioca
Pastos de cria pastos de engorda
Se algum dia eu for rei baixarei um decreto
Condenando esse Assis a ler sua obra (ANDRADE 1983 p 601)
O prazer da leitura parece ser entre todosas osas estudiosos da temaacutetica o
pressuposto de tudo o mais Rubem Alves (2011) afirma que toda aprendizagem comeccedila com
um pedido se natildeo houver um pedido a aprendizagem natildeo acontece E o prazer de ler
segundo o escritor tem ligaccedilatildeo profunda com a forma que os textos chegam aos olhos e
ouvidos da crianccedila
Assim quem ensina a ler isto eacute aquele que lecirc para os seus alunos tenham prazer no
texto tem de ser um artista Soacute deveria ser estabelecida nas escolas a praacutetica dos
ldquoconcertos de leitura Se haacute concertos de muacutesica erudita por que natildeo concertos de
leitura Ouvindo os alunos experimentaratildeo o prazer de ler (ALVES 2011 p 56)
Sem este encantamento natildeo teremos leitoresas mas alunosas forccediladosas a cumprir
tarefas lendo para responder questotildees lendo sem escolherem os textos muitos delesas
desconexadosas de seus interesses E conforme Failla (2008 p 104) a escola e a famiacutelia
precisam ser autorreflexivas ldquoEm geral se diz que a crianccedila e o jovem natildeo leem e natildeo gostam
de ler Natildeo se diz que elas natildeo foram conquistadas ou estimuladas para ler mas a elas se
atribui sem mediaccedilatildeo que natildeo gostam de ler []rdquo O foco passa a ser uma condiccedilatildeo ldquonaturalrdquo
do jovem ou da crianccedila deixando-se de lado o contexto e as pessoas do entorno deles que
poderiam contribuir substancialmente com o desenvolvimento do prazer pela leitura Este eacute
um aspecto tratado pela ediccedilatildeo em tela da pesquisa Retratos do Brasil que contribui com as
reflexotildees desta pesquisa acerca da leitura na escola e me faz olhar para as motivaccedilotildees que
perpassam a existecircncia dos projetos de leitura da escola brasileira eacute um professor leitor que o
aluno enxerga quando esse profissional desenvolve essas praacuteticas O projeto atende a
interesse acerca de temas considerados envolventes pela comunidade escolar Satildeo projetos
para compor obrigaccedilotildees acadecircmicas ou estatildeo imbuiacutedos de motivaccedilotildees intersubjetivas
60
Contemplam quais atividades preacute-textuais A pesquisa traz dados que abordam preocupaccedilotildees
fundamentais nesse sentido Pode haver com tais referecircncias a suposiccedilatildeo de que a escola natildeo
tem formado leitores para a vida inteira considerando que decresce o nuacutemero de leitores
adultos o que faz pensar que as praacuteticas de leituras tecircm sido pouco sedutoras das quais o natildeo
estudante procura se livrar assim que ultrapassa os muros da escola Parecem necessaacuterias
accedilotildees de promoccedilatildeo agrave leitura que a liguem verdadeiramente agrave vida e tornem os materiais de
leitura mais proacuteximos dos alunos pontua Failla (2008)
Haacute debates percorrendo academias e ambientes de estudo acerca das
problematizaccedilotildees sobre a leitura A evocaccedilatildeo desse debate eacute sempre profiacutecua Profiacutecua e
cabiacutevel na escola uma das instacircncias responsaacuteveis pela sua produccedilatildeo Agrave escola cabe
sistematizar pedagogicamente suas praacuteticas leitoras de modo que deveria como ldquopatildeo diaacuteriordquo
assegurar de forma substanciosa a leitura fomentadora da cidadania que soacute vem se
mergulharmos em aacuteguas profundas das tramas sociais Mas digamos ldquopatildeordquo no sentido
religioso do tom pela necessidade e assiduidade do alimento dialogando com uma reflexatildeo
de Antunes (2009 p 204) ldquoassim como a igreja eacute lugar de oraccedilatildeo o estaacutedio eacute lugar de jogo a
escola eacute lugar de leiturardquo Na defesa das funccedilotildees da leitura no espaccedilo escolar a autora pontua
dentre essas a primordial garantia de acesso agrave escrita o que eacute de extrema importacircncia Em
uma cultura de tradiccedilatildeo grafocecircntrica como a nossa haacute sem duacutevida uma valorizaccedilatildeo dos
aspectos positivos da escrita e a leitura eacute parte da relaccedilatildeo intriacutenseca para a aquisiccedilatildeo de todo
arcabouccedilo artiacutestico-cientiacutefico e cultural veiculado pela escrita Entatildeo conforme a autora a
leitura eacute o passaporte o promotor das funccedilotildees de ampliar o conhecimento a capacidade de
analisar de refletir de acessar agraves novas informaccedilotildees e bens culturais ao prazer esteacutetico a
novas formas de expressatildeo enfim de interagir socialmente entre outras habilidades que a
escrita oferece
Entretanto considerando os deficitaacuterios indicadores de leitura que o Paiacutes
historicamente apresenta estamos longe da produccedilatildeo de uma escola fomentadora
vigorosamente de uma praacutetica leitora consistente Um paiacutes de leitoresas criacuteticosas parece ser
uma miragem a desfilar no deserto da vontade poliacutetica de nossos governantes que insistem
em disponibilizar parcos recursos financeiros mesmo quando sob os holofotes constroem
vasta legalidade na vitrine do papel propondo uma educaccedilatildeo emancipadora de qualidade A
Lei nordm 12244 de 2010 por exemplo exige que todas as escolas puacuteblicas ou privadas ateacute
2020 possuam bibliotecas em suas instalaccedilotildees fiacutesicas Seria esta uma ldquolei mortardquo mais um
ordenamento brasileiro que natildeo ldquopegardquo A considerar o levantamento feito pelo movimento
Todos pela Educaccedilatildeo com base em dados cedidos pelo Instituto Nacional de Estudos e
61
Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira(Inep)2013 haacute um trabalho grande a ser efetivado
que pode sim deixar a norma na vala das tantas que natildeo satildeo cumpridas O Brasil precisa
construir 39 bibliotecas por dia nos proacuteximos sete anos para cumprir a lei A defasagem total
do paiacutes eacute de 128 mil bibliotecas Embora o nuacutemero relativo agrave falta de bibliotecas inclua todas
as redes de ensino eacute nas escolas puacuteblicas que o problema se concentra Nas redes municipal
estadual e federal eacute preciso construir 113269 unidades Falo aqui da construccedilatildeo das sedes
todavia eacute de conhecimento puacuteblico que a manutenccedilatildeo e funcionamento desses equipamentos
demanda maiores investimentos do poder puacuteblico
A criaccedilatildeo da lei todavia independentemente de seu fiel cumprimento por parte das
instituiccedilotildees escolares jaacute eacute um sinal de que se revela um novo tempo em que se olha com mais
atenccedilatildeo para a importacircncia dos espaccedilos propiacutecios agrave leitura Haacute anos natildeo era comum nem
obrigatoacuterio que toda escola possuiacutesse em seu projeto arquitetocircnico bibliotecas e espaccedilos para
leitura construiacuteam-se e reformavam-se escolas sem a preocupaccedilatildeo com este ambiente E
assim se vecirc que haacute no deserto das poliacuteticas puacuteblicas em prol de uma educaccedilatildeo emancipadora
oaacutesis Isto pode ser evidenciado nos uacuteltimos indicadores de leitura no Brasil com a 3ordf ediccedilatildeo
(2012) da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil conforme jaacute referenciado neste trabalho na
qual haacute indicaccedilatildeo de que os brasileiros estatildeo lendo mais E precisamos mirar nossos oaacutesis
mostraacute-los haacute milhares de projetos de leitura sendo executados neste paiacutes Afinal a leitura
pelo seu poder de emersatildeo e imersatildeo poder de fazer com que homens e mulheres se
enunciem de capacitaacute-loslas a interagir em condiccedilotildees mais iguais porque podem ser
conhecedoresas de seus lugares no mundo eacute de nodal importacircncia nas transformaccedilotildees que
precisam ser operadas por esses sujeitos
Por sua vez Marques Neto (2008) evidencia a crenccedila de que o Brasil caminha no
sentido de construir e efetivar poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea do livro e da leitura O autor cita o
Plano Nacional do Livro e Leitura - PNLL criado em 2006 como marco de coesatildeo e
estrateacutegia na garantia do direito essencial das pessoas agrave informaccedilatildeo e ao acesso ao
conhecimento
Entendo que o Brasil por intermeacutedio da uniatildeo fundamental de accedilotildees do Ministeacuterio
da Cultura e da Educaccedilatildeo criando o PNLL chegou nos uacuteltimos quatro anos a um
novo patamar desvelou um novo tempo histoacuterico sob determinadas circunstacircncias
para que logremos conquistar uma poliacutetica de Estado para o livro a leitura as
bibliotecas (MARQUES NETO 2008 p 130)
A importacircncia de equipamento como a biblioteca para a formaccedilatildeo do leitor eacute um
dado que natildeo se pode desconsiderar tendo em vista que as condiccedilotildees sociais de grande
62
parcela da populaccedilatildeo inviabilizam a aquisiccedilatildeo de suportes como livros revistas jornais etc
Torna-se central entatildeo o papel da biblioteca como instrumento para o acesso democraacutetico agrave
leitura aos menos favorecidos economicamente Um dado da pesquisa foi desalentador nesse
sentido 75 dos informantes anunciaram que natildeo possuem o haacutebito de frequentar
bibliotecas 17 usam ocasionalmente e 10 frequentam Esse eacute um dado inconcebiacutevel com
o que conceitua o PNLL ser funccedilatildeo deste equipamento
Um dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura centro de educaccedilatildeo continuada
nuacutecleo de lazer e entretenimento estimulando a criaccedilatildeo e a fruiccedilatildeo dos mais
diversificados bens artiacutesticos-culturais para isso devem estar sintonizadas comas
tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo suportes e linguagens promovendo a
interaccedilatildeo maacutexima entre os livros e esse universo que seduz as atuais geraccedilotildees
(MARQUES NETO 2008 p 133)
Para que esse dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura possa ser um
equipamento eficaz o profissional responsaacutevel por sua gestatildeo e organizaccedilatildeo o bibliotecaacuterio
precisa avanccedilar em conquistas de mais habilidade Para Silva (2011) em regra esse
profissional eacute um exiacutemio conhecedor das normas de catalogaccedilatildeo das leis que regem a
instalaccedilatildeo de bibliotecas das fichas de empreacutestimos de livros De leitura revela o professor
natildeo eacute a regra que haja por parte desse profissional conhecimento interesse e projetos de
incentivo agrave leitura juntamente com a comunidade escolar
No que diz respeito aos dados pontuados pela pesquisa acerca da realidade brasileira
das bibliotecas esses podem ser subsiacutedio para uma reflexatildeo sobre o valor do equipamento
para a consolidaccedilatildeo de uma praacutetica leitora Um dos aspectos que merecem reflexatildeo eacute sobre
quem estaacute apto para gerenciar este equipamento Na escola em que a pesquisa eacute realizada por
exemplo tais quais nas demais da rede municipal de ensino e em muitas pelo paiacutes afora os
responsaacuteveis pela biblioteca costumam ser professoresas readaptadosas nem sempre com
domiacutenio profissional para atuar na aacuterea o que evidencia mais uma fragilidade do poder
puacuteblico com a educaccedilatildeo e a cultura brasileira
Com a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil o Paiacutes tem em matildeos um
diagnoacutestico que possibilita a construccedilatildeo de uma agenda para as poliacuteticas puacuteblicas do livro e de
leitores Vale ressaltar todavia que por esta pesquisa considerar a leitura no suporte livro
como criteacuterio para testificar a condiccedilatildeo leitora do brasileiroa conforme jaacute pontuado aqui
natildeo contemplou suficientemente as novas praacuteticas de leitura que advecircm das tecnologias da
informaccedilatildeo E eacute indubitaacutevel que esta omissatildeo desconsidera um fenocircmeno civilizatoacuterio
importante que tem alterado significativamente comportamentos de pessoas de todas as
63
esferas sociais em escala mundial como eacute o da leitura no espaccedilo cibercultural A imersatildeo do
mundo no uso das tecnologias da informaccedilatildeo que com seus dispositivos virtuais interligam a
comunicaccedilatildeo da sociedade disseminam informaccedilotildees em tempo real e possibilitam a troca
compartilhada de conhecimento democratizando saberes haacutebitos comportamentos tem
provocado mudanccedilas econocircmicas sociais poliacuteticas culturais E essas mudanccedilas seguramente
tecircm afetado tambeacutem as escolas Os dispositivos tecnoloacutegicos em pouco mais de duas
deacutecadas presentes em celulares tablets computadores como uma segunda pele chegam agraves
matildeos e aos olhos de discentes e docentes alterando as praacuteticas sociais de leituras podendo
promover eventos de letramento
A despeito de este natildeo ser objeto deste estudo e de natildeo ter pretensotildees de avaliar
quatildeo profundas satildeo as transformaccedilotildees que a sociedade experimenta a partir dessa nova matriz
cultural eacute relevante ponderar que a escola precisa caminhar responsavelmente com esta
realidade desafiadora que lhe trazem as tecnologias da informaccedilatildeo Como natildeo considerar que
sob pena de comprometer resultados positivos no processo ensino-aprendizagem eacute dever
dosas educadoresas atentar para o modo e os textos que circulam pela escola repleta que
estaacute de nativos digitais Como natildeo considerar ainda que sob pena de que essesas estejam
sendo negligentes com a problematizaccedilatildeo da discursividade docente devem atentar para o que
anda sendo lido na virtualidade nossa de cada dia estampada nas telas
Enfim considerando o papel da escola na formaccedilatildeo doa leitora e o quanto os vaacuterios
suportes e miacutedias satildeo importantes na perspectiva de democratizaccedilatildeo do acesso aos diversos
bens culturais vale destacar que a leitura conforme analistas do discurso natildeo eacute um bem em
si mas que pode se apresentar como lugar estrateacutegico na formaccedilatildeo de um povo para a sua
emancipaccedilatildeo poliacutetica e social Obviamente isso ocorre entre outras razotildees se a leitura for
concebida em uma perspectiva interacionista que leve em consideraccedilatildeo os interesses da
comunidade escolar e reflexotildees atinentes sobre a linguagem em uso Desse modo a agenda de
promoccedilatildeo do letramento para aleacutem do acesso aos suportes e do domiacutenio da tecnologia deve
se constituir prementemente como uma pauta reivindicatoacuteria que envolva educadoresas
gestoresas e demais atoresatrizes sociais
Apoacutes as reflexotildees atinentes agraves descriccedilotildees sobre leitura elaboradas por estudiososas
tendo essesas essencialmente se pautado em uma ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no
Brasil farei uma incursatildeo no proacuteximo toacutepico sobre como a Anaacutelise do Discurso daacute o foco
nas vozes dosas educadores acerca do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero trazido por uma
das instacircncias culturais da escola a da leitura
64
24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso
O projeto de Michel Pecirccheux de uma teoria natildeo subjetiva da leitura eacute uma das
sustentaccedilotildees da defesa de Possenti (2009) de que a AD eacute uma das poucas aacutereas de
conhecimento que tem condiccedilotildees de reivindicar para si o pronunciamento sobre a leitura O
intento do analista francecircs que chegou a postular a ldquoanaacutelise automaacutetica do discursordquo eacute fruto
entre outros de uma nova concepccedilatildeo de liacutengua nos anos sessenta gestada pelo
Estruturalismo e com bastante efervescecircncia na academia francesa Com essa concepccedilatildeo que
atravessava as reflexotildees sobre a linguagem natildeo mais concebendo liacutengua como um coacutedigo que
condensa informaccedilatildeo a quem o conhece conforme a perspectiva saussuriana Pecirccheux
estrutura a noccedilatildeo de discurso Estrutura entendendo este como um ponto intermediaacuterio entre
linguagem e ideologia Esse legado epistemoloacutegico surge em um contexto sociopoliacutetico
francecircs de insurreiccedilatildeo popular de inquietaccedilotildees poliacuteticas A AD eacute pensada nessa atmosfera
como uma disciplina que daacute conta de amalgamar as praacuteticas poliacuteticas e a concepccedilatildeo de
ciecircncias sociais que emerge naquele cenaacuterio (cf SANTOS 2013)
Desalojando os estatutos positivistas ocupam lugares essenciais nas postulaccedilotildees de
Pecirccheux (2012) a subjetividade a ideologia as lutas de classe Assim articula-se a AD em
uma abordagem transdisciplinar com aacutereas como a psicanaacutelise o materialismo dialeacutetico e a
linguiacutestica com as quais entrelaccedila um novo olhar sobre a liacutengua o sujeito e a histoacuteria na
produccedilatildeo de sentidos Esse novo olhar enxerta nos estudos sobre a linguagem a reflexatildeo de
que a leitura natildeo era a leitura de um texto enquanto texto Concebido discursivamente o texto
deve ser tomado como um artefato cultural e linguiacutestico que tem existecircncia na exterioridade
linguiacutestica no social o que interfere em sua circularidade e interpretaccedilatildeo (FERNANDES
2008)
Processam-se nas fases pelas quais passa a AD noccedilotildees como sujeito discursivo
condiccedilotildees de produccedilotildees e formaccedilatildeo discursiva Esses conceitos vatildeo consolidando as reflexotildees
que este campo teoacuterico intenta para dar conta de suas inquietaccedilotildees acerca dos estudos sobre a
linguagem e as transformaccedilotildees sociais que insurgem naquele contexto poliacutetico Uma das
accedilotildees da AD estaacute pautada na teorizaccedilatildeo sobre as restriccedilotildees que o discurso sofre Nesse
sentido Possenti (2009 p 11) pontua o quanto a AD tem como objetivo explicitar as
estrateacutegias e restriccedilotildees de leitura lsquoUm discurso natildeo circula em qualquer lugar natildeo toma
livremente uma forma geneacuterica qualquer e natildeo pode ser interpretado de qualquer maneira por
qualquer umrdquo Restriccedilotildees essas que datildeo aoagrave analista do discurso a incumbecircncia de atentar
para o enunciado em sua historicidade em suas condiccedilotildees de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo em seus
65
efeitos de verdade Sendo assim a leitura de um texto conforme as bases conceituais da AD
prima pela observacircncia de sua historicidade prima pela observacircncia para dar conta dos
percursos de quem lecirc e como lecirc que prescinde destes nortes De acordo com Possenti (2009)
[] Aprendemos a nunca ler um texto isoladamente (natildeo se faz anaacutelise de discurso
de um texto) a nunca ler um texto considerando apenas seu material verbal
(aprendemos a relacionaacute-lo a seu exterior) a nunca tratar a linguagem como se fosse
transparente (aprendemos a supor sempre que a interpretaccedilatildeo eacute um trabalho jaacute que
as palavras natildeo remetem jamais agraves coisas e natildeo tecircm sentido uniacutevocos) a nunca
supor que o texto (ou mesmo vaacuterios) fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura
(aprendemos sempre a supor que mesmo no domiacutenio textual ou ateacute mesmo no do
enunciado mais restrito eacute necessaacuterio acionar mais de um fator relevante ndash considerar
os pressupostos a intertextualidade etc) (POSSENTI 2009 p 14)
Da defesa de uma teoria natildeo subjetiva da leitura sustentada pela AD podemos
depreender que nossos horizontes de pesquisas da linguagem na esfera da leitura devem
ultrapassar a materialidade linguiacutestica A AD nos convida a uma dimensatildeo da linguagem em
seu uso em sua discursividade contemplando as praacuteticas socioculturais por ela perpassadas
Trata-se na abertura dessa via de descrever e interpretar a existecircncia de enunciados e suas
produccedilotildees em determinados lugares e espaccedilos integrando discursos cujas existecircncias
apontam para alguma coisa em curso tal que ldquoa palavra discurso etimologicamente tem em
si a ideia de curso de percurso de correr por de movimento O discurso eacute assim palavra em
movimento praacutetica de linguagem com o estudo do discurso observa-se o homem falandordquo
(ORLANDI 2008 p 15)
Em curso e que segundo ainda essa autora analisaacute-los implica interpretar as praacuteticas
discursivas dos sujeitos abordar as manifestaccedilotildees de linguagem problematizando-as ldquoo que
produzem os sujeitos falantes e leitores Podem esses deixar de perceber que satildeo sujeitos agrave
linguagem a seus equiacutevocos sua opacidade Com essas indagaccedilotildees Orlandi (2012) discorre
como este campo transdisciplinar contribui com o trabalho com a linguagem para que
possamos sem ilusionismos ldquoao menos sermos capazes de uma relaccedilatildeo menos ingecircnua com a
linguagemrdquo Haacute em sua explanaccedilatildeo sobre princiacutepios e procedimentos da AD uma
preocupaccedilatildeo em evidenciar o quanto o trabalho com a linguagem perpassa por incompletudes
por subjetividades por pluralidade de sentidos por histoacuterias nos fazendo entender que haacute
movecircncias mas ldquoos sentidos estatildeo sempre administrados natildeo estatildeo soltosrdquo Os sentidos
materializados por linguagem verbal ou natildeo verbal natildeo satildeo imanentes fixos produzidos que
satildeo por uma pluralidade de discursos que se entrecruzam advindos de condiccedilotildees socio-
histoacutericas e ideoloacutegicas de produccedilatildeo Nessa direccedilatildeo Pecirccheux (2012) vincula os sentidos das
palavras agraves formaccedilotildees ideoloacutegicas de quem as usa afirmando que
66
O sentido de uma palavra de uma expressatildeo de uma proposiccedilatildeo etc natildeo existe lsquoem
si mesmorsquo [] mas ao contraacuterio eacute determinado pelas posiccedilotildees ideoloacutegicas
colocadas em jogo no processo soacutecio-histoacuterico no qual as palavras expressotildees e
proposiccedilotildees satildeo produzidas (PEcircCHEUX 2012 p 190)
A construccedilatildeo do quadro teoacuterico metodoloacutegico desse estudo partiu entatildeo do
pressuposto de que a linguagem natildeo se daacute como evidencia ela se oferece como lugar de
descoberta (cf ORLANDI 2012) O reconhecimento de que a linguagem natildeo eacute transparente
pressupotildee o exerciacutecio constante de querer ver aleacutem da materialidade textual rompendo as
estruturas linguiacutesticas para chegar ao discurso buscando vestiacutegios equiacutevocos e interdiccedilotildees
dispersotildees caminhos que natildeo queiram ldquo[] atravessar o texto para encontrar um sentido do
outro lado A questatildeo que ela coloca eacute como este texto significa Haacute aiacute um deslocamento jaacute
pronunciado pelos formalistas russos onde a questatildeo a ser respondida natildeo eacute lsquoo quecircrsquo mas lsquoo
comordquo (ORLANDI 2012 p 17)
Nesse esteio a formulaccedilatildeo deste objeto de estudo que problematiza a discursividade
dosas docentes frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras busca
assumindo o ponto de vista de umuma analista de discurso verificar a compreensatildeo da
apariccedilatildeo dos enunciados daqueles sujeitos discursivos Apoiado na AD esse estudo pontua a
importacircncia das reflexotildees acerca do discurso e sua vinculaccedilatildeo com o poder das reflexotildees
acerca das posiccedilotildees dos sujeitos envolvidos da opacidade da linguagem que por sua marca
poliacutetica torna-a incapaz dizer e fazer ver tais como satildeo as coisas Assim face aos
questionamentos acerca de como andam as problematizaccedilotildees sobre o que podem meninos e
meninas na esfera escolar em termos de equidade de gecircnero vale observar o lugar histoacuterico
social de onde os enunciadores determinam seus discursos Vale inquirir sobre as vozes que
integram o sujeito discursivo aqui diferenciando esse sujeito do da linguiacutestica geral que aduz
a um sujeito falante homogecircneo dono de seu dizer Na perspectiva da AD o sujeito eacute
constituiacutedo por polifonia noccedilatildeo cunhada de Mikhail Bakhtin que traccedila o entrecruzamento de
discursos como marca do sujeito Ele e suas vozes que ressoam que silenciam falam
reproduzem esquecem explicitam implicitam direta ou indiretamente na materialidade
linguiacutestica Constituiacutedo que eacute entre o eu e o outro decorrente da interaccedilatildeo social o lugar do
sujeito natildeo eacute vazio mas preenchido por aquilo que Pecirccheux (2012) chamou de forma sujeito
(cf SANTOS 2013)
A identificaccedilatildeo dessa constituiccedilatildeo heterogecircnea do sujeito trazida pelos estudos poacutes-
estruturalistas eacute de muita valia para as reflexotildees sobre a linguagem como praacutetica social uma
vez que os enunciados apontam para um lugar-sujeito Apontam que o sujeito discursivo eacute
67
plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se em
formaccedilotildees discursivas Por seu turno a compreensatildeo do conceito de formaccedilatildeo discursiva
trabalhado tanto por Foucault (2011) como por Pecirccheux (2012) eacute imprescindiacutevel para oa
analista do discurso uma vez que este conceito explicita como cada objeto do discurso tem na
formaccedilatildeo discursiva a sua regra de apariccedilatildeo tem o engendramento dos jogos de poder Assim
eacute possiacutevel que haja compreensatildeo das histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees que permitem
veicular o que dizer em determinado espaccedilo social conforme nos mostra Foucault (1995)
Trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situaccedilatildeo
de determinar as condiccedilotildees de sua existecircncia de fixar seus limites da forma mais
justa de estabelecer suas correlaccedilotildees com os outros enunciados a que pode estar
ligado de mostrar que outras formas de enunciaccedilatildeo exclui (FOUCAULT 1995 p
31)
Isto posto fica evidenciado o quanto o trabalho para oa analista do discurso com os
olhos na noccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva potildee em jogo princiacutepios que evocam a apreensatildeo de
sentidos gestada pela memoacuteria discursiva Essa dimensionada pela AD como um espaccedilo de
memoacuteria coletiva que permite a inscriccedilatildeo dos sujeitos em um corpo soacutecio-histoacuterico-cultural eacute
tambeacutem crucial na compreensatildeo da construccedilatildeo da materialidade discursiva E para pocircr em
jogo os princiacutepios que evocam a apreensatildeo de sentidos se faz necessaacuterio fazer aparecer os
movimentos inacabados que a formaccedilatildeo discursiva implica Movimentos que mostram que
no tecido social da discursividade os enunciados satildeo acontecimentos que tecem
continuidades e descontinuidades dizeres exteriores e anteriores diferentes tipos de discursos
que coexistem aparecem e desaparecem dispersando-se formando-se e transformando-se de
modo complexo ao tempo que integram as formaccedilotildees discursivas (cf FOUCAULT 2012)
Essa integraccedilatildeo espelha a heterogeneidade proacutepria agrave formaccedilatildeo social onde coexistem forccedilas
diferentes plurais Isto explica segundo Fernandes (2008) enunciados estruturalmente
semelhantes significando diferentes discursos decorrentes da inscriccedilatildeo ideoloacutegica desses
enunciados
Nesse sentido os estudos poacutes-estruturalistas trazem conforme Pereira (2005) o
discurso para o centro das atenccedilotildees e afirmam que a linguagem natildeo eacute propriamente uma
representaccedilatildeo da realidade feita pelos sujeitos mas eacute constituidora dos sujeitos e da realidade
A linguagem eacute concebida nessa perspectiva como um loacutecus ativo dinacircmico e enredado por
relaccedilotildees de poder E o discurso concebido como um tipo de sentido um efeito de sentido uma
posiccedilatildeo que se materializa na liacutengua embora natildeo mantenha uma relaccedilatildeo biuniacutevoca com ela
(POSSENTI 2009) A linguagem entatildeo no esteio poacutes-estruturalista natildeo eacute apenas um meio
68
de transmitir ideias ou significados mas eacute a instacircncia em que se constroem os sentidos que
atribuiacutemos ao mundo e a noacutes mesmos dentro de uma pluralidade de sentidos
Fernandes (2008) trata do discurso como accedilatildeo social e reforccedila na linha de Orlandi
(2012) o quanto os discursos estatildeo implicados com a interpretaccedilatildeo dos sujeitos as condiccedilotildees
histoacuterico-sociais de sua produccedilatildeo e a histoacuteria Instacircncias essas que os discursos ldquonatildeo fixos
moventesrdquo e que fazem esses acompanharem as transformaccedilotildees sociais e poliacuteticas pelas quais
passam o mundo Essas consideraccedilotildees permitem aduzir o quanto a liacutengua se insere na histoacuteria
mediando-a e a constituindo gestando sentidos sentidos esses produzidos face aos lugares
ocupados pelos sujeitos em interlocuccedilatildeo
No que concerne agrave relaccedilatildeo sujeito e enunciado Fernandes (2008 p 28) pontua a
percepccedilatildeo da polifonia como elemento importante para a compreensatildeo do sujeito discursivo
ldquo[] requer compreender quais satildeo as vozes sociais que se fazem presentes em sua vozrdquo
(FERNANDES 2008 p 28) entrecruzada que eacute de diferentes discursos considerando que
natildeo haacute sujeito homogecircneo em decorrecircncia de sua interaccedilatildeo na sociedade Esse autor traz
tambeacutem relaccedilotildees entre o sujeito e a linguagem relaccedilotildees de base psicanalista cuja perspectiva
incide em um sujeito cindido descentrado considerando que
Sempre sob as palavras outras palavras satildeo ditas O sujeito tem a ilusatildeo de ser o
centro de seu dizer pensa exercer o controle dos sentidos do que fala mas
desconhece que a exterioridade estaacute no interior do sujeito em seu discurso estaacute o
lsquooutrorsquo compreendido como exterioridade social (FERNANDES 2008 p 29-30)
De posse de categorias analiacuteticas caras agrave AD como a formaccedilatildeo discursiva e o
descentramento do sujeito categorias discursivas que dialogam com formulaccedilotildees
foucaultianas a saber ldquonatildeo haacute enunciado que natildeo suponha outros natildeo haacute nenhum que natildeo
tenha em torno de si um campo de coexistecircnciasrdquo (FOUCAULT 1995 p 114) reflito sobre o
esteio que permite pensar as vozes escolares Nesse sentido todo enunciado eacute uma reacuteplica a
outros enunciados Com esse marco teoacuterico o debate sobre leitura e as relaccedilotildees de gecircnero que
atravessam as vozes escolares eacute compreendido como um espaccedilo de luta hegemocircnica como
praacutetica social Esta entendida como um conjunto de atividades humanas que engendram tanto
as condiccedilotildees de produccedilatildeo dos discursos quanto as condiccedilotildees de existecircncia de uma sociedade
(SPINK MENEGON 1999) eacute uma de minhas bases de discussatildeo do proacuteximo toacutepico que
envolve a importacircncia da praacutetica da leitura na escola como praacutetica social
69
25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social
Sobre a praacutetica da leitura na escola eacute notaacutevel deveras que esta eacute mateacuteria instigante e
apreciada por tantos estudiosos da educaccedilatildeo (FREIRE 1988 2002) (SILVA E T 2009
2011) (SOARES 2001 2011) (ANTUNES 2009) do socioconstrucionismo (MOITA
LOPES 2002) da Anaacutelise do Discurso (POSSENTI 2009 ORLANDI 2008) entre outros
que se ater sobre o tema eacute se deparar com incontaacuteveis e fecundas pesquisas Isto me instiga a
pensar que muito jaacute foi dito Entretanto face agrave complexa questatildeo eacute sempre desafiador
imersoa na proacutepria realidade profissional problematizar a praacutetica pedagoacutegica imbuiacutedoa de
um desejo pelo inacabado E mover-se na problematizaccedilatildeo da leitura em uma interface
temaacutetica com gecircnero tendo como aporte teoacuterico as reflexotildees instigadas pela AD acerca da
leitura que a trata em uma perspectiva discursiva eacute enveredar por um desafio que atrai Vale
pensando assim inquirir de que forma a leitura tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo
quais satildeo enfim as verdades veiculadas pelas praacuteticas leitoras Dizendo na sintonia com a
AD os discursos sobre as relaccedilotildees de gecircnero estatildeo inscritos em uma determinada formaccedilatildeo
discursiva e operam constituindo que subjetividades segundo os campos do que eacute possiacutevel
pensar dizer julgar fazer na praacutetica leitora desenvolvida
Orlandi (2008) postulando os pressupostos teoacutericos da AD traz pontos cruciais para
uma accedilatildeo problematizadora com a leitura A autora faz referecircncias aos muacuteltiplos modos de
leitura (do ato de decodificar estrita aprendizagem formal de aprender a ler e escrever agrave
atribuiccedilatildeo de sentidos) dependendo cada acepccedilatildeo de seu modo de produccedilatildeo A analista
trabalha a concepccedilatildeo de leitura como um processo complexo no qual para as muacuteltiplas
determinaccedilotildees de sentidos que lhe envolvem exigem-se mais habilidades do que o
imediatismo da accedilatildeo de ler
Quando se lecirc considera-se natildeo apenas o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute
impliacutecito aquilo que tambeacutem natildeo estaacute dito mas estaacute significando E o que natildeo estaacute
dito pode ser de vaacuterias maneiras o que natildeo estaacute dito mas que de certa forma
sustenta o que estaacute dito o que estaacute suposto para que se entenda o que estaacute dito
aquilo a que o que estaacute dito se opotildee outras maneiras diferentes de se dizer o que se
disse e que significa com nuances distintas etc (ORLANDI 2008 p 11)
Eacute instigante o olhar de Orlandi (2008) para que se pense no que natildeo eacute visiacutevel no
texto mesmo que o constitua como forma de assumir uma perspectiva discursiva sobre
leitura Dessa perspectiva concebe-se o pensamento acerca da produccedilatildeo da leitura como parte
do processo de instauraccedilatildeo de sentidos as especificidades e histoacuteria do sujeito-leitor satildeo
70
atentadas O fato de que tanto o sujeito quanto os sentidos satildeo determinados historicamente
tambeacutem faz parte das preocupaccedilotildees doa analista Tambeacutem satildeo preocupaccedilotildees doa analista a
noccedilatildeo de que os modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca tecircm relaccedilatildeo iacutentima com a nossa
produtividade intelectual Eacute nesse sentido a ideia de referecircncia agrave historicidade agraves condiccedilotildees
de produccedilatildeo de leitura com a compreensatildeo dos jogos de poder entre os sujeitos e as
instituiccedilotildees que determinam como lemos que parece perseguir a AD eacute o que assegura Orlandi
(2008) Eacute da leitura como processo que interessa a esse campo de estudo da linguagem o
texto desse modo natildeo eacute um produto que conteacutem uma informaccedilatildeo pronta para ser ldquolidardquo eacute
um artefato cultural unidade complexa de significaccedilatildeo cujo crescimento natildeo ldquoeacute soacute para a
frente relacionando-se com o que ele natildeo eacuterdquo uma vez que o espaccedilo simboacutelico (os impliacutecitos)
entre enunciados efetivamente realizados eacute constitutivo do texto bem como sua relaccedilatildeo com
outros textosrdquo (ORLANDI 2008 p 46)
Como disciplina que se propotildee conhecer os mecanismos de processos de
significaccedilatildeo a AD trata da interaccedilatildeo da leitura na escola acolhendo a ideia foucaultiana de
que diferentes formas de poder produzem diferentes formas de individualidades e diferentes
sujeitosndashleitores Atentar para esta construccedilatildeo pode ser uma forma de evitar reducionismos de
limitar leitura agrave expressatildeo verbal de natildeo considerar o conhecimento preacutevio do aluno entre
outros
[] se sabemos portanto que haacute essa constituiccedilatildeo histoacuterica do sujeito na sua relaccedilatildeo
com a linguagem (logo com a leitura) e se sabemos que ideologicamente o sujeito
leitor se apresenta como esse sujeito capaz da livre determinaccedilatildeo dos sentidos ao
mesmo tempo em que eacute um sujeito submetido agraves regras das instituiccedilotildees como agir
na escola em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo do sujeito- leitor Ou mais simplesmente dada a
configuraccedilatildeo histoacuterica do sujeito-leitor produzido pela sociedade capitalista como
trabalhar com a relaccedilatildeo entre leitura parafraacutestica - leitura polissecircmica (ORLANDI
2008 p 50)
Orlandi (2008) trata dos processos de significaccedilatildeo de leitura na escola considerando
que eacute de grande relevacircncia que esta praacutetica seja desenvolvida tendo uma metodologia de
ensino consequente que explicite os espessos processos de produccedilatildeo de sentido
historicamente determinados ldquoA transparecircncia dos sentidos que brotam de um texto eacute
aparente e tanto quem ensina quanto quem aprende a ler deve procurar conhecer os
mecanismos que aiacute estatildeo jogando (ORLANDI 2008 p42)
Por seu turno Moita Lopes (2002) envolto com as teorias socioconstrucionistas do
discurso e das identidades sociais pontua a importacircncia de em contextos institucionais e em
especial em eventos de leituras atentarmos ldquopara o que fazemos com os outros no mundo por
71
meio da linguagemrdquo (MOITA LOPES 2002 p 14) Este autor se diz atraiacutedo tanto quanto o
mundo acadecircmico pelo papel constitutivo do discurso na construccedilatildeo de quem somos como
sujeitos que aprendem a ser quem satildeo discursivamente Esta perspectiva teoacuterica com a qual o
estudioso se move para refletir sobre as praacuteticas de letramento nas escolas eacute de suma
perspicaacutecia porque pontua por uma ampla aposta na consciecircncia do que faz a leitura eacute uma
praacutetica social E assim concebida como praacutetica social cuida que homens e mulheres
leitoresas natildeo satildeo produtos de um vaacutecuo social trazem suas marcas sociohistoacutericas
engendram-se por condiccedilotildees de construccedilotildees discursivas
Ler eacute legitimar ou questionar identidades eacute nessa direccedilatildeo de entendimento que
caminha Moita Lopes (2002) Direccedilatildeo pela qual vou porque tambeacutem defendo agrave luz de um
olhar socioconstrucionista que eacute com e pela leitura mediadosas pelas narrativas que dela
fazemos que construiacutemos um repertoacuterio de quem somos e de quais satildeo nossas accedilotildees sociais
Nesse sentido os processos formadores de identidades que satildeo dialoacutegicos e constitutivos pela
linguagem merecem a acuidade do olhar do agente de letramento Merecem pelas
possibilidades discursivas que esse sujeito pode construir no tocante agrave reflexatildeo acerca da
condiccedilatildeo humana de sujeito-forma (cf PEcircCHEUX 2012)
Haacute nas reflexotildees trazidas por Moita Lopes (2002) a busca pela desnaturalizaccedilatildeo do
senso comum eivado que eacute este de narrativas nas quais as identidades satildeo homogecircneas
hegemonicamente heterossexuais e brancas E este propoacutesito problematizador pode fecundar e
estar assegurado pela loacutegica da inserccedilatildeo de praacutetica de letramento
Argumenta-se que as histoacuterias contadas funcionam como pacotes de conhecimento
sobre como agir no mundo (Jordan 1989) ecoando discursos a que os alunos satildeo
expostos na miacutedia na famiacutelia etc Com base no potencial que as histoacuterias tecircm de
envolver as pessoas em reflexatildeo sobre a vida social considera-se a importacircncia de
permitir que outras histoacuterias sobre outros tipos de identidades adentrem a sala de
aula ao mesmo tempo que se promove o uso de sistemas de coerecircncia que
desnaturalize o senso comumrdquo (MOITA LOPES 2002 p 20-21)
Desnaturalizar o senso comum eacute desdobrar processos de subjetivaccedilatildeo dos quais as
leituras tecircm participado obedecendo a regras histoacutericas legitimadoras No processo de
legitimaccedilatildeo de leituras a escola eacute uma das instituiccedilotildees em que circula a leitura crivada pelo
olhar de um especialista o professor respaldada em um livro didaacutetico adotado em um
processo bem verticalizado Esta tem sido uma praacutetica redutora considerando estudos que
evidenciam o grau de comprometimento das obras com a negaccedilatildeo de que o sujeito discursivo
eacute plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se
em formaccedilotildees discursivas As inquietaccedilotildees trazidas por Moita Lopes (2002) vatildeo na direccedilatildeo de
72
problematizar a circulaccedilatildeo e produccedilatildeo das leituras com esta direccedilatildeo redutora Esse autor traz
outras bases aos modelos legitimados ampliando a natureza multifacetal de seres humanos a
ser lida discutida Para isto vaticina o estudioso o advento das mudanccedilas bruscas deste iniacutecio
de milecircnio com o caudaloso acesso agraves tecnologias da informaccedilatildeo que expotildeem um mundo
plural e muacuteltiplo eacute um adendo a esta questatildeo
Eacute curioso ver que a miacutedia eletrocircnica que evidencia a chamada Globalizaccedilatildeo ao
mesmo tempo em que aproxima o mundo incorrendo no perigo de homogeneizaacute-lo
colabora para que percebamos a diferenccedila de que somos feitos e as desigualdades e
contradiccedilotildees sociais sob as quais vivemos Essas percepccedilotildees tecircm alterado como
nunca a concepccedilatildeo homogecircnea de identidade social e tecircm levado a nos entendermos
como heterogecircneos e ao mesmo tempo fragmentados e construiacutedos com praacuteticas
discursivas situadas na histoacuteria na cultura e na instituiccedilatildeo (MOITA LOPES 2002
p 15-16)
Somam-se a este olhar socioconstrucionista sobre leitura como praacutetica social que
contempla uma accedilatildeo de ler proficuamente ajustada aos postulados dos DH no que diz respeito
agrave defesa de um mundo plural as contribuiccedilotildees da AD Orlandi (2008) pontua a leitura numa
relaccedilatildeo de historicidade de modos de relaccedilatildeo de trabalho e de produccedilatildeo de sentidos Ler e
compreender na perspectiva trabalhada por esta analista natildeo se traduz em atribuir sentidos
mas conhecer os mecanismos pelos quais se potildee em jogo um determinado processo de
significaccedilatildeo
Os sentidos natildeo nascem ab initio Satildeo criados Satildeo construiacutedos em confrontos de
relaccedilotildees que satildeo soacutecio-historicamente fundadas e permeadas pelas relaccedilotildees de poder
com seus jogos imaginaacuterios Tudo isso tendo como pano de fundo e ponto de
chegada quase que inevitavelmente as instituiccedilotildees Os sentidos em suma satildeo
produzidos (ORLANDI 2012 p 83)
26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades
Apoacutes as consideraccedilotildees acerca dos dispositivos teoacutericos que apoiam esta anaacutelise os
quais me remetem agrave ideia de que o sujeito da leitura e do discurso eacute um sujeito histoacuterico que
fala a partir de condiccedilotildees especiacuteficas de enunciaccedilatildeo cabe pensar sobre a leitura como
produtora e reprodutora de discurso e sobre a importacircncia desse entendimento para um
trabalho no espaccedilo escolar que perspective angariar reflexotildees acerca de processos de
subjetivaccedilatildeo Em minhas buscas para levantamento de um estado da arte que contribuiacutesse
teoricamente com essa perspectiva encontrei produccedilotildees acadecircmicas que atrelavam leituras
subjetividades discursividades e relaccedilotildees de gecircneros no espaccedilo escolar bem pertinentes
Alguns relatos aqui pontuados vatildeo ao encontro das consideraccedilotildees por mim tecidas colhidas
73
pelos pressupostos teoacutericos jaacute aqui tratados tendo sido inclusive uacuteteis na confecccedilatildeo dos
instrumentos investigativos e de suas anaacutelises para este trabalho
Larrosa (2004) problematiza o ato de ler sob o crivo vinculador deste ato agraves praacuteticas
de liberdade O autor em um ensaio intitulado ldquoLeitura e metamorfoserdquo ao analisar o poema
O leitor de Rilke trata da experiecircncia da leitura em sua dimensatildeo complexa e de plenitude do
existente leitura que transforma que transfigura que torna o leitor um outro Larrosa (2004)
ao se debruccedilar sobre a poesia existencial e metalinguiacutestica de Rilke nega a pessoalidade do
leitor cravando sua dispersatildeo Isto fica demonstrado segundo o ensaiacutesta no seguinte verso
ldquoQuem o conhece este que baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo serrdquo(RILKE 1908
apud LARROSA 2004 p 97) Para Larrosa (2004) o poeta trabalha com o movimento do
olhar descrito no poema como o movimento que delineia conversotildees apropriaccedilotildees de
mudanccedilas Assim o leitor que se curva entrega-se aprende a ver de outra maneira e eacute
desconhecido entatildeo ateacute por sua matildee como pode ser visto no segundo quarteto do poema a
saber ldquoNem sequer sua matildee estaria segurase ele eacute aquele que ali lecirc algo mergulhadoem
sua sombrardquo (RILKE 1908 apud LARROSA 2004 p 97) eacute o leitor que angaria olhos
daacutedivos traccedilos alterados para sempre Haacute uma forccedila poeacutetica na imagem do leitor em
silecircncio curvado despersonalizado e por fim transformado da qual Larrosa (2004) se
apropria para trazer uma reflexatildeo em cima do que significa um mundo pronto administrado e
acabado quando ldquotopadordquo por leitores Eacute dessa leitura cujo sentido eacute o de experiecircncia da
reconstruccedilatildeo das travessias diante de um mundo hostil e pronto que a leitura para esse autor
inscreve-se
Alicerccedilado em uma visatildeo de leitura como praacutetica social situada Moita Lopes (2002)
ressalta a accedilatildeo constitutiva do discurso na construccedilatildeo da vida social aprendemos a nos tornar
o que somos com base em fatores sociais e histoacutericos constituiacutedos discursivamente Esse
autor direcionou pesquisas com as praacuteticas de letramento coordenando experiecircncias de
investigaccedilatildeo sobre praacuteticas discursivas em escola puacuteblica do Rio de Janeiro objetivando
investigar a relaccedilatildeo entre texto e formaccedilatildeo de identidade na esfera pedagoacutegica
especificamente a sala-de-aula
Dentre os espaccedilos institucionais em que atuamos a escola tem sido continuamente
apontada como um dos mais importantes na construccedilatildeo de quem somos ou dessa
fragmentaccedilatildeo identitaacuteria Eacute um dos primeiros espaccedilos sociais a que a crianccedila tem
acesso longe da vigilacircncia da famiacutelia a outros modos de ser humano diferentes
daqueles do mundo relativamente homogeneizado da famiacutelia Ou seja eacute na escola
que em geral a crianccedila se expotildee pela primeira vez agraves diferenccedilas que nos constituem
e que portanto representam as primeiras ameaccedilas ao mundo da famiacutelia (MOITA
LOPES 2002 p 17)
74
Como integrante da equipe de pesquisa coordenada pelo autor acima referendado
Santos (2002) categoriza que leitura eacute um fenocircmeno cultural em que as pessoas constroem
sentidos em interaccedilatildeo com outras
[] ler eacute uma accedilatildeo social na qual estatildeo envolvidos a negociaccedilatildeo o
compartilhamento a construccedilatildeo de significados entre leitores e textos Isto eacute a
leitura eacute uma accedilatildeo social porque implica a procura do significado mediado pelo
discurso escrito entre dois sujeitos sociais principais o leitor e o autor situados
soacutecio-historicamente (SANTOS 2002 p 159)
Em consonacircncia com o olhar de Moita Lopes Santos (2002) percebe a leitura como
uma praacutetica social considerando que os significados construiacutedos pelos sujeitos-leitores
refletem o contexto social imediato no qual estatildeo localizados como tambeacutem o mundo social
mais amplo que situa esses contextos Conceber a leitura nessa perspectiva eacute tarefa que exige
do mediador a percepccedilatildeo de que haacute sempre em eventos de leitura uma indeterminaccedilatildeo de
significados em funccedilatildeo da pluralidade de contextos e sujeitos
Coimbra (2002) objetivando refletir as bases discursivas que constroem social e
assimetricamente meninos e meninas utiliza a visatildeo de discurso como forma de accedilatildeo no
mundo e aborda a importacircncia do contexto escolar para a formaccedilatildeo das identidades sociais
Essa professora alinhada com os estudos de Moita Lopes e diante da indagaccedilatildeo sobre qual
seria a forma em que ela e alunosas estariam construindo a identidade social de gecircnero da
mulher em uma escola puacuteblica no Rio de Janeiro propotildee-se a refutar uma visatildeo de mundo
essencialista
Adoto uma visatildeo de discurso como uma forma de accedilatildeo no mundo e um meio pelo
qual nossa cultura e nossas identidades satildeo constituiacutedas e definidas Como diz Moita
Lopes (1998) as identidades natildeo estatildeo nos indiviacuteduos mas emergem nas interaccedilotildees
entre os indiviacuteduos agindo em praacuteticas discursivas particulares nas quais estatildeo
posicionados [] Da mesma forma o comportamento diferenciado de gecircnero natildeo
existe naturalmente como parte essencial do indiviacuteduo Ele eacute tambeacutem construiacutedo na
interaccedilatildeo social (COIMBRA 2002 p 210)
Para refutar o essencialismo esse aqui entendido na perspectiva que lhe datildeo os
Estudos Culturais como uma percepccedilatildeo de mundo que atribui aos seres humanos marcas
universais imutaacuteveis e pertencentes ao indiviacuteduo naturalmente (HALL 2011 SILVA 2012)
Coimbra lanccedila matildeo dos estudos sobre gecircnero adotados por Louro que concebem gecircnero
como um sistema de relaccedilotildees de poder calcado nas estruturas sociais o que possibilita a
reflexatildeo sobre o quanto as praacuteticas discursivas sustentam a primazia masculina
75
[] a visatildeo essencialista enfatiza as caracteriacutesticas bioloacutegicas e reduz a importacircncia
do contexto soacutecio-histoacuterico naturalizando o poder do homem e as desigualdades
social e econocircmica estabelecidas entre os gecircneros masculino e feminino Isto eacute as
desigualdades satildeo percebidas como consequecircncias naturais e inevitaacuteveis da natureza
bioloacutegica das mulheres e dos homens e natildeo satildeo entendidas como historicamente
construiacutedas e modificaacuteveis (LOURO apud COIMBRA 2002 p 212)
Por considerar a escola elemento reprodutor ou transformador da sociedade porque
veicula enquadramento vontade imposta ao outro sobre seus corpos construccedilatildeo de estigmas
de silecircncios estereoacutetipos e exclusotildees ou porque veicula emersatildeo de vozes que desejam
escuta diaacutelogo e respeito em um sinal de resistecircncia Silva A L G (2009) trata da produccedilatildeo
de sentidos nesse espaccedilo Essa autora chama a atenccedilatildeo para as demandas sociais na
contemporaneidade sobre corporeidade sexualidade e identidade de gecircnero na escola
demandas que traduzem um mundo cambiante vertiginoso movente pleno de
questionamentos que tem nos deixado atocircnitos e sem respostas em seu dizer Sem respostas
ldquoprontasrdquo melhor seria dito porque no cotidiano escolar nos deparamos com uma cultura
que a despeito de ser marcada pela pluralidade reflete a disseminaccedilatildeo da
heteronormatividade da diferenccedila como desvio e de padrotildees de comportamentos para
meninos e meninas Haacute um conjunto de conteuacutedos cognitivos e simboacutelicos que selecionados
sob efeito de didatizaccedilotildees atravessam segundo (SILVA A L G 2009) os muros e
instrumentos escolares engendrando liccedilotildees de corpos disciplinados normalizados E dessas
liccedilotildees questiona a pedagoga qual o lugar do outro nas relaccedilotildees escolares enfim como
meninos e meninas satildeo educadosas
Carvalho (2003) nessa direccedilatildeo fala das experimentaccedilotildees com praacuteticas pedagoacutegicas
problematizadoras do modelo que institui a iniquidade de gecircnero Essa educadora procura
responder sobre as questotildees de gecircnero salientando a importacircncia da luta das mulheres
educadoras por sistematizaccedilotildees de estrateacutegias de intervenccedilatildeo nas atividades e no curriacuteculo
escolar para o desenvolvimento da consciecircncia de gecircnero Essa eacute uma tendecircncia que segue o
olhar militante de um feminismo que se manifesta e se fortalece a cada dia mas que precisa
dar passos marcantes no debate escolar sobre as formas de subjetivaccedilatildeo de ser homem e ser
mulher
A escola tem ferrolhos fortes na trava para o novo para o desmantelo das
assimetrias a despeito de guardado em armaacuterios e prateleiras das instituiccedilotildees muitas vezes
estaacute todo um ordenamento da legislaccedilatildeo educacional que institui avanccedilos na conquista de
uma escola que respeite a pluralidade cultural e a dignidade humana Carvalho (2003) fala
atraveacutes de seu envolvimento com a temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero na educaccedilatildeo do
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caminhar que se esboccedila na escola de um processo de desconstruccedilatildeo de uma visatildeo e divisatildeo
de mundo androcecircntrica Fruto possivelmente a autora afirma do ativismo de algunsmas
educadoresas
[] Eacute plausiacutevel supor que o reconhecimento das diferenccedilas de gecircnero inicialmente
invisiacuteveis ou natildeo problemaacuteticas jaacute seja o resultado da problematizaccedilatildeo propiciada
pela oficina No contexto escolar apontam problemas como filas atividades e
brincadeiras separadas por sexo violecircncia na sala de aula e no recreio problema de
higiene e limpeza da escola manifestaccedilotildees da sexualidade na preacute-adolescecircncia e
adolescecircncia (brincadeiras sexuais gravidez precoce discriminaccedilatildeo dos
homossexuais) e das dificuldades das professoras de trabalharem com Orientaccedilatildeo
sexual (CARVALHO 2003 p 72)
O fazer pedagoacutegico trama produccedilotildees de sentidos que satildeo construiacutedas em praacuteticas
discursivas em gestos e olhares que muito dizem sobre os corpos e a sexualidade no
cotidiano escolar Rollemberg (2002) adotando a perspectiva socioconstrucionista do
discurso estuda como osas professoresas constroem sua identidade social e profissional por
meio de suas narrativas de vida A autora reforccedila a ideia de que o discurso tambeacutem determina
e eacute determinado por contextos socioculturais especiacuteficos nos quais esses sujeitos atuam e de
que esses sujeitos possuem naturezas multifacetadas
O professor ou professora eacute tambeacutem homem mulher marido esposa pai matildee
filho filha segue determinada religiatildeo tem suas crenccedilas sua visatildeo de mundo
ocupa certa posiccedilatildeo social e enfim torna-se professor na interaccedilatildeo desse mosaico de
diferentes traccedilos que o constituem Seu discurso reflete entatildeo essa natureza
multifacetada e nas diversas praacuteticas discursivas nas quais se envolvem os
professores vatildeo se reconstruindo como tais (ROLLEMBERG 2002 p 251)
Em artigo que discorre sobre uma investigaccedilatildeo feita em escola na qual leciona
Rollemberg (2002) aborda a construccedilatildeo social do discurso e da identidade profissional dos
educadoresas entrecortada por identidade de gecircnero A autora aborda as relaccedilotildees de poder
que se estabelecem em contextos sociais e culturais que forjam que moldam seres diferentes
com posiccedilotildees assimeacutetricas socialmente Ao tratar dos traccedilos de gecircnero o estudo de
Rollemberg adota tambeacutem a visatildeo processual das identidades e as tem como natildeo-fixas natildeo-
imutaacuteveis natildeo-estaacuteticas construiacutedas discursiva e socialmente
Cruz (2012) ao discorrer sobre a utilizaccedilatildeo do texto literaacuterio descarta
veementemente a noccedilatildeo de ler como decifrar palavras e questiona sobre o modo de
apropriaccedilatildeo desse texto por parte da escola A autora fala de seus fracassos com atividades de
leituras procurando explicaacute-los entre tantos lastros pelo processo de interlocuccedilatildeo na leitura
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de textos para a qual o leitora eacute construtora e natildeo apenas receptora de um significado
global para o texto
Foi com essa consciecircncia (que eacute um aprendizado) que passei a analisar a relaccedilatildeo
existente entre leitor o texto o autor e a realidade que circunda todos Essa anaacutelise
me fez perceber que o docente (no caso eu) elaborava as atividades do seu ponto de
vista sem conversar e portanto sem conhecer a partir das falas dos alunos o modo
como eles se apropriavam dos textos literaacuterios e a relaccedilatildeo que eles tinham com o
mundo da leitura Essa ausecircncia de diaacutelogo entre as partes estimulava o desinteresse
dos alunos e a reproduccedilatildeo de leituras mecanizadas que soacute serviam para
cumprimento de tarefas obrigatoacuterias (CRUZ 2012 p 161)
Ao discutir por sua vez o papel de mediadora da leitura pela escola Bastos (2012)
remonta agrave histoacuteria dessa praacutetica no Brasil tratando de uma heranccedila natildeo leitora onde haacute a
rarefaccedilatildeo e esgarccedilamento da praacutetica que sedimenta a justificativa de professoresas para o
distanciamento do livro falta de tempo condiccedilotildees financeiras Esta autora dessacraliza o ato
de ler falando de leituras na relaccedilatildeo leitortextocontexto
A relaccedilatildeo leitortexto soacute tem sentido se houver compreensatildeo do que e para que se lecirc
O papel da escola nesse processo eacute perigoso porque tanto ela pode formar um leitor
criacutetico e assim libertaacute-lo dos preceitos ideoloacutegicos o que seria o ideal como
conduzi-lo para o extremo oposto acorrentando-o agrave ideologia dominante que ao
iludir cria falsos valores (BASTOS 2012 p 194)
Nesse sentido a autora supracitada tece comentaacuterios que satildeo intrincados com a
percepccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva da AD como um conjunto de formas reguladas
atravessando leituras postuladas E que agrave escola que se pretende inclusiva e democraacutetica
cabe ser mediadora de leitura em uma perspectiva que aposte na consciecircncia de que a leitura eacute
produtora e reprodutora de sentidos Bastos (2012) reforccedila uma ideia que lanccedila uma instigante
reflexatildeo sobre os que observam de forma mais questionadora o corrente sentido de leitura
Por fim e talvez mais importante assumir tambeacutem que para grande parte da
populaccedilatildeo a leitura natildeo representa um gecircnero de primeira necessidade e portanto
pode viver sem ela e pouco ou nada tem a ver com a presenccedila ou ausecircncia de prazer
esteacutetico (BASTOS 2012 p 194-195)
No que tange agrave importacircncia das condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo e de acesso agrave leitura
Soares (2001) oferece uma importante contribuiccedilatildeo sobre o tema a leitura natildeo existe em um
vaacutecuo em atos isolados e universalizantes Ela estaacute engendrada em relaccedilotildees socialmente
construiacutedas favorecendo o fato de que a interaccedilatildeo seja uma marca do ato de ler Assim ler
tem diferentes valores para as classes sociais para as diferentes etnias e culturas A autora
analisa atraveacutes de resultados de pesquisas com entrevistados de diferentes extratos sociais o
78
quanto ler corresponde a diferentes expectativas Para a classe dominante por exemplo ler
relaciona-se a lazer a prazer agrave ampliaccedilatildeo de horizontes de conhecimentos Por seu turno as
classes dominadas veem na leitura uma funccedilatildeo utilitaacuteria de acesso ao mundo do trabalho agrave
garantia da sobrevivecircncia
No tocante agrave importacircncia dos estudos de gecircnero as reflexotildees de Aras e Cunha (2011)
acerca das divisotildees no mundo de trabalho entre homens e mulheres satildeo pertinentes Essas
autoras pontuam que ao analisarem as relaccedilotildees de gecircnero no magisteacuterio em um curso de
capacitaccedilatildeo para professores e professoras da Rede Estadual de Ensino da Bahia o PROLE
constataram que as mulheres enfrentam uma dificuldade de conciliar tarefas tendo em vista
que se dividem entre a casa e o trabalho de modo extenuante o que revela uma exploraccedilatildeo
nas relaccedilotildees de gecircnero As autoras citam uma pesquisa jaacute um pouco antiga mas que dadas as
proporccedilotildees com que os dados se alteram deve ainda traduzir um quadro bem representativo
da realidade atual Segundo pesquisa feita por Aguiar (2004 apud ARAS CUNHA 2011 p
45) durante a semana a jornada diaacuteria da mulher eacute de 502 minutos 5 maior que a do
homem que trabalha 480 minutos No fim de semana a diferenccedila eacute ainda maior enquanto a
carga masculina eacute de 201 minutos a da mulher eacute de 326 ou seja 62 maior Se a mulher for
matildee este iacutendice cresce ainda mais mesmo que tenha quem a ajude Esses dados e demais
outros revelados pelas autoras refletem uma cultura que molda um lugar para a mulher o
espaccedilo privado e que mesmo tendo estaacute avanccedilado em conquistas sociais que a potildeem no
espaccedilo puacuteblico haacute uma cultura machista que oprime as mulheres trabalhadoras dando-lhes
um papel central na administraccedilatildeo da vida familiar na educaccedilatildeo dos filhos nas tarefas
ldquonaturalizadasrdquo como femininas Aras e Cunha (2011) avaliam o quanto os estudos de gecircnero
constroem bases importantes para a reflexatildeo desse sistema desmantelando as assimetrias no
interior da famiacutelia
Por sua vez Sardenberg e Suzarte (2011) discutem a importacircncia da perscruta dos
sujeitos que se encontram nas escolas ouvindo o que ressoam suas vozes As autoras
refletem a partir de relatos de grupos de mulheres pertencentes agraves camadas populares sobre a
representaccedilatildeo da educaccedilatildeo escolar como perspectiva de empoderamento para os membros
desses grupos As feministas perpassam por questotildees que mostram as representaccedilotildees do
espaccedilo escolar como lugar de esperanccedila e liberdade oportunidade de se emancipar social e
individualmente de prover-se de ldquoum novo instrumental de conhecer e atuar ou ateacute mesmo
de transformar-se
Buscar ressonacircncia das praacuteticas discursivas dosas docentes nas atividades de leitura
realizadas por estesas eacute um trabalho que exige o afiar de sentidos ao qual Louro (2012) se
79
refere Haacute qual espaccedilo nas praacuteticas de leitura nas falas e histoacuterias disseminado para a
discussatildeo da equidade de gecircnero trazida pelo movimento de mulheres e movimentos que
apregoam o respeito agraves diversidades A pesquisadora dos estudos feministas aponta a
importacircncia de buscar uma reflexatildeo que pontue o lugar da escola na construccedilatildeo de um ideaacuterio
de respeito agraves diferenccedilas e agrave alteridade
Portanto se admitimos que a escola natildeo apenas transmite conhecimentos nem
mesmo apenas os produz mas que ela tambeacutem fabrica sujeitos produz identidades
eacutetnicas de gecircnero de classe se reconhecemos que essas identidades estatildeo sendo
produzidas atraveacutes de relaccedilotildees de desigualdade se admitimos que a escola estaacute
intrinsecamente comprometida com a manutenccedilatildeo de uma sociedade dividida e que
faz isso cotidianamente com nossa participaccedilatildeo e omissatildeo se acreditamos que a
praacutetica escolar eacute historicamente contingente e que eacute uma praacutetica poliacutetica isto eacute que
se transforma e pode ser subvertida e por fim se natildeo nos sentimos confortaacuteveis com
essas divisotildees sociais entatildeo certamente encontramos justificativas natildeo apenas para
observar mas especialmente para tentar interferir na continuidade dessas
desigualdades (LOURO 2012 p 89)
E a leitura efetivamente pode ser um instrumento que propicie este ideaacuterio Mas
cabe sempre inquirir que textos circulam nestes espaccedilos regulando modos de subjetivaccedilatildeo da
comunidade escolar No que se refere agrave presenccedila substancial do livro didaacutetico no cotidiano
escolar como um dos principais instrumentos manuseados por docentes e discentes eacute
importante a anaacutelise desse material em seu aspecto poliacutetico e cultural Considerando os
comportamentos sociais que tecircm sido construiacutedos acerca da imagem masculina e feminina
veiculados pelos livros didaacuteticos Marques (2009) assevera que as representaccedilotildees do lugar
social do homem e da mulher ainda satildeo bem demarcadas pelas forccedilas patriarcais e hierarquia
de gecircneros A autora debruccedilou-se entre outros sobre os resultados de uma exaustiva pesquisa
realizada por uma comissatildeo instituiacuteda pelo MEC em 1991 para analisar 80 coleccedilotildees de
Estudos Sociais da 1ordf agrave 4ordf seacuterie E conforme Marques (2009) foram observadas fortes
tendecircncias de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo de conteuacutedos que evidenciam modelos que atestam
papeacuteis sociais para homens e mulheres minados de preconceitos estereoacutetipos e enganosos
quando a imagem da famiacutelia e a da escola eacute a de que vivem isentas de conflitos A autora
revela o quanto o livro didaacutetico discrimina a mulher restringindo o seu universo ao espaccedilo
domeacutestico As imagens como construccedilotildees sociais possuem historicidade na sua posiccedilatildeo A
naturalizaccedilatildeo da divisatildeo sexual dos papeacuteis sociais incorre em uma posiccedilatildeo de imobilidade
social tendo em vista a cristalizaccedilatildeo de modelos o pai provedor e a matildee cuidadora Ele o
homem aparece envolto em leituras trabalho fornecendo agrave famiacutelia sustento e lazer ela a
mulher em funccedilotildees que a limitam agrave casa o que ocasiona a ideia de alienaccedilatildeo
80
Marques (2009) salienta o quanto a emergecircncia dos movimentos de mulheres por sua
cidadania plena a despeito de sua forccedila social natildeo encontra visibilidade nos livros didaacuteticos
Estes equiacutevocos todavia satildeo verificados hoje como natildeo mais representativos
substancialmente dos livros didaacuteticos e paradidaacuteticos fruto de um ativismo dos movimentos
de mulheres que terminou pressionando editoras secretarias estaduais e municipais no sentido
de envidar esforccedilos para que se repense o uso deste instrumento de modo mais criacutetico
Considerando o caraacuteter mercadoloacutegico do livro didaacutetico Marques (2009) salienta o quanto a
formaccedilatildeo doa professora para a escolha do material didaacutetico e sua mediaccedilatildeo com os textos eacute
de relevacircncia inconteste O risco de reproduzirmos discursos e representaccedilotildees machistas e
patriarcais eacute inerente aoagrave educadora imersoa que estaacute ainda em uma sociedade que produz
uma submissatildeo feminina O processo de construccedilatildeo das imagens e textos que povoam uma
subalternidade feminina eacute o que deve ser trabalhado pelo profissional atinente agraves questotildees de
gecircnero
Nesse sentido Louro (2012) ao avaliar o quanto o material didaacutetico eacute reprodutor e
produtor de discurso veiculador de diferenccedilas traz uma reflexatildeo sobre a construccedilatildeo escolar
das representaccedilotildees que segregam
Os livros didaacuteticos e os paradidaacuteticos tecircm sido objeto de vaacuterias investigaccedilotildees que
neles examinam as representaccedilotildees dos gecircneros dos grupos eacutetnicos das classes
sociais Muitas dessas anaacutelises tecircm apontado para a concepccedilatildeo de dois mundos
distintos ainda apresentam a concepccedilatildeo de dois mundos distintos (um mundo
puacuteblico masculino e um mundo domeacutestico feminino) ou para a indicaccedilatildeo de
atividades caracteriacutesticas de homens e atividades de mulheres Tambeacutem tem
observado a representaccedilatildeo da famiacutelia tiacutepica construiacuteda de um pai e uma matildee e
usualmente dois filhos um menino e uma menina (LOURO 2012 p 68)
A relevacircncia dos estudos acima referendados se faz perceber porque esses atrelam a
construccedilatildeo social do discurso em um espaccedilo que se constitui como centro de construccedilatildeo e
exerciacutecio de poder que eacute a escola E ao mesmo tempo em que enseja a reflexatildeo de que em sua
dinacircmica interna essa instituiccedilatildeo cria a possibilidade de processos de contra-hegemonia Eacute
percebida tambeacutem a relevacircncia dos estudos que estruturam uma interface discursividade
leitura e gecircnero na escola por estes propiciarem reflexotildees perspicazes Reflexotildees essas que
satildeo consonantes com o pensamento de Carvalho (2003) quando esta pedagoga militante do
feminismo afirma que das relaccedilotildees de gecircnero natildeo se pode tomar distacircncia ldquo[] de forma
impliacutecita estruturam o trabalho escolar as relaccedilotildees entre docentes e discentes e constituem
as identidades profissionais e pessoaisrdquo (CARVALHO 2003 p 77) Isto se daacute porque na sala
de aula nos curriacuteculos nas relaccedilotildees interpessoais nos conteuacutedos abordados ou natildeo
81
abordados haacute um campo de luta refletindo que a escola estaacute inserida em relaccedilotildees histoacutericas
mediadas e construiacutedas por discursos
Nesse sentido reitero o quatildeo os relatos acima extraiacutedos em sua maioria de um
contexto social que tece leitura em cotidianos na escola satildeo uacuteteis empreacutestimos para esta
anaacutelise considerando que os trabalhos apresentados versam sobre toacutepicos afins ao aqui
desenvolvido relaccedilotildees de gecircnero preconceitos construccedilatildeo de identidades pontuados em
ambiente de leitura
82
3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS
O entendimento de que a abordagem de uma pesquisa exige um processo de revisatildeo
e reorganizaccedilatildeo de accedilotildees eacute importante na concepccedilatildeo de um trabalho Essa percepccedilatildeo eacute
consoante com a perspectiva da epistemologia feminista que entende a realidade como um
fenocircmeno histoacuterico cultural e dinacircmico (LOURO 2012 COSTA 2009) E meus passos na
direccedilatildeo e dentro da escola se constituiacuteram de inuacutemeras articulaccedilotildees de accedilotildees com as quais
tracei um norte investigativo objetivando fazer deste estudo algo profiacutecuo ordenado que
perspective contribuir com reflexotildees atinentes agrave educaccedilatildeo como praacutetica emancipadora
problematizadora de modos de subjetivaccedilatildeo
Dando prosseguimento ao rito comum a um processo de investigaccedilatildeo construiacute um
diaacutelogo preacutevio com a direccedilatildeocorpo teacutecnico com osas professoresas e a coordenadora do
projeto agravesaos quais foram explicados o procedimento e os objetivos da pesquisa ao tempo
em que foi solicitada a anuecircncia para sua aplicaccedilatildeo Como a dissertaccedilatildeo deste mestrado possui
caraacuteter interventivo foi explicada agrave equipe tambeacutem sobre a possibilidade de construccedilatildeo de
uma accedilatildeo propositora de trabalho apresentada por esta pesquisadora como fruto da
investigaccedilatildeo desenvolvida Esta informaccedilatildeo foi bem acolhida pela coordenaccedilatildeo do projeto
receptiva agrave possibilidade de crescimento de aprendizado e desejosa de aperfeiccediloar o trabalho
com a leitura pelo menos assim se manifestou
31 O Documento-fundador o natildeo dito significando
Logo nos primeiros contatos com osas integrantes da pesquisa que em consonacircncia
com as pactuadas regras do anonimato precisam aqui ser denominadosas ficticiamente
solicitei informaccedilotildees sobre o projeto de leitura instrumento de anaacutelise para aquele momento
O surgimento tempo de execuccedilatildeo seu formato documentaccedilatildeo criteacuterios para escolha de
textos entre outras indagaccedilotildees foram solicitadas Quando solicitei uma coacutepia do projeto agrave sua
coordenadora Diana cujo tempo de atuaccedilatildeo profissional eacute de 18 anos tive como resposta a
condiccedilatildeo de que o texto seria disponibilizado para que eu o conhecesse mas natildeo poderia
constar como anexo em meu trabalho por respeito ao acordado pacto do anonimato Aceitei a
condiccedilatildeo mesmo argumentando que o problema da identificaccedilatildeo do projeto seria resolvido
com o corte da parte que o identificasse A coordenadora relutou Isto me fez pensar no
campo discursivo mais amplo que eacute a negaccedilatildeo do texto possivelmente nele haveria o que natildeo
83
pode ser visto haveria a ausecircncia do dizer melhor Entendi a sonegaccedilatildeo do texto como a
tentativa de natildeo fazer aparecer o seu pouco labor
E constatei deveras isso quando o documento me chegou agraves matildeos depois de algumas
visitas em que o solicitara Observei que conforme o texto o projeto natildeo fora pensado para
discutir a leitura em sua funccedilatildeo social mais ampla Sem intencionar desqualificar o trabalho
daquela escola natildeo tive como deixar de ver pouca expressatildeo de conhecimento das funccedilotildees da
leitura naquele material Havia ali a mera proposta de decodificaccedilatildeo no lugar do letramento a
tarefa feita para cumprir obrigaccedilatildeo Natildeo estavam pontuados temas problematizando a
implantaccedilatildeo da defesa dos DH nem nenhum tema transversal proposto pelos PCNs constando
como ponto de exploraccedilatildeo no projeto de leitura muito menos o desta pesquisa As relaccedilotildees de
gecircnero conforme averiguei naquele material investigativo natildeo encontram assento no projeto
de leitura a CestaSexta Literaacuteria E eacute sobre isto que discorrerei agora analisando o referido
material como um dos procedimentos geradores de dados desta pesquisa que o eacute
O documento que eacute apresentado agrave Secretaria Municipal da Educaccedilatildeo - SEDEC- em
regra eacute uma exigecircncia deste oacutergatildeo como preacute-requisito para que osas professoresas
readaptadosas que exercem funccedilatildeo em biblioteca justifiquem sua permanecircncia na escola
Essesas profissionais precisam demonstrar estar vinculadosas agraves unidades escolares e
desenvolvendo trabalho pedagoacutegico a fim de assegurarem a manutenccedilatildeo da gratificaccedilatildeo
docente que perderiam caso saiacutessem da funccedilatildeo de professoresas e do espaccedilo escolar
Observar como esse documento eacute articulado e seu comprometimento com o que se
propotildee a fazer me remeteu a um compromisso eacutetico com o qual desejo afirmar aqui que natildeo
tenho a palavra final sobre do que necessariamente se deve constituir um trabalho desta
natureza mas faccedilo minhas leituras minhas anaacutelises E nessas leituras que natildeo poderiam ser
soacute minhas em uma perpeacutetua dialogia com Freire (1988 2002) Moita Lopes (2002) Foucault
(2011) Orlandi (2008) e com tantosas outrosas estudiososas e natildeo estudiososas
compreendo que eacute preciso supor que um texto nunca fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura
(POSSENTI 2009)
Assim leio o documento do projeto de leitura da escola buscando sua
intertextualidade suas condiccedilotildees de produccedilatildeo seus ditos e natildeo-ditos Penso entatildeo sobre seu
nascedouro quem o produziu e por que o fez Procurei observar se aquele documento
expressava interesse pedagoacutegico intersubjetivo ou a exigecircncia da SEDEC teria sido a causa da
sua elaboraccedilatildeo ou seja motivaccedilatildeo externa administrativa E me interessei pelo que existe e
natildeo existe ali dizendo da realidade social que o produziu quem observa sua confecccedilatildeo sua
aplicaccedilatildeo ou natildeo-aplicaccedilatildeo A SEDEC exige uma produccedilatildeo acadecircmica mas o impacto da
84
execuccedilatildeo desta tarefa na atividade escolar parece natildeo ser devidamente acompanhado Essa
questatildeo jaacute me envereda para uma reflexatildeo sobre poliacutetica puacuteblica de gestatildeo educacional que
natildeo eacute de competecircncia desta pesquisa mas que ao fim e ao cabo faz sentido explorar tal
inquietaccedilatildeo pela relaccedilatildeo que haacute entre o labor do projeto e sua existecircncia e aplicaccedilatildeo
As indagaccedilotildees que produzi diante daquele documento eram sustentadas por uma
intenccedilatildeo de observar inicialmente se a tocircnica do projeto concebia a leitura como uma praacutetica
cultural natildeo neutra inserida nas relaccedilotildees de poder Se enfim era concebida como campo de
disputa espaccedilo de poder Afastando-se da defesa da leitura como tese unicamente advogo a
da leitura como utopia semeada por olhos de quem ama e faz educaccedilatildeo porque luta por
praacutetica de liberdade como defendeu Paulo Freire ao longo de sua vida e obra E a leitura
nessa perspectiva faz da educaccedilatildeo o ponto amoroso em que Hanna Arendt diz dever ser nas
palavras da autora ldquoa educaccedilatildeo eacute o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante
para assumirmos a responsabilidade por ele e com tal gesto salvaacute-lo da ruiacutena que seria
inevitaacutevel natildeo fosse a renovaccedilatildeo e a vinda dos novos e dos jovensrdquo (ARENDT 2009 p 247)
Sem querer mais uma vez reforccedilo desfazer do trabalho realizado na escola
TRAVESSIA natildeo posso omitir que enxerguei que aquele documento natildeo dizia desse
compromisso propalado pelos pensadores acima E assim o concebo quando olho a vaguidatildeo
com que ele se veste no que diz respeito aos seus objetivos e procedimentos metodoloacutegicos
Obviamente natildeo posso restringir a praacutetica leitora do projeto ao que estaacute marcado no referido
documento Sem relaccedilotildees ingecircnuas com a linguagem como propotildee a AD que afirma com
Orlandi (2008) que quando se lecirc considera-se natildeo o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute
impliacutecito entre o que eacute feito e proposto existe o caminho do exequiacutevel que eacute atropelado
muitas vezes por adversas condiccedilotildees de trabalhos
E precisei atentar para o que aquele projeto anuncia fazer observando suas
articulaccedilotildees entre objetivos accedilotildees metodologia No tocante a essas articulaccedilotildees natildeo constam
ali explicitadas entre seus objetivos as temaacuteticas transversais recomendadas pelos PCNs
muito menos a de gecircnero Assim considerando que os sentidos de um texto passam por outros
textos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo contemplado nas vozes perscrutadas
anteriormente em meus primeiros contatos com os sujeitos pesquisados ressoava sua
ausecircncia ali tambeacutem E da leitura daquele documento extrai que natildeo haacute a presenccedila do tema
proposto por esta pesquisa para inquiriccedilatildeo estaacute todavia posto ali como objetivo geral do
projeto desenvolver o gosto pela leitura escrita e arte visando agrave construccedilatildeo de uma
identidade poeacutetica formaccedilatildeo de cidadatildeos reflexivos e leitores autocircnomos
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Atrelada agrave minha questatildeo problema natildeo adentrei para a investigaccedilatildeo do que seria
essa identidade poeacutetica que jaacute tem outra nuance investigativa Mas o toacutepico a formaccedilatildeo de
cidadatildeos [cidadatildes] reflexivos[as] entranha-se com meu objeto de pesquisa e indaguei como a
AD indaga como isso significa para aquela unidade escolar pressionada por uma instacircncia
administrativa a produzir um documento e um trabalho Como significa para aquela
educadora a formaccedilatildeo de uma cidadania reflexiva mediada por praacuteticas leitoras A efetivaccedilatildeo
disso passa necessariamente por textos lidos selecionados apresentados sob diversos
suportes imersos em escolhas que expressem comprometimento com os problemas sociais
com a construccedilatildeo dos processos que debatem tais problemas vinculados aos interesses dosas
leitoresas Natildeo pude saber entretanto por este documento quais seriam os textos
selecionados para a empreitada de trabalhar a formaccedilatildeo cidadatilde pois natildeo havia nas referecircncias
bibliograacuteficas do mesmo indicaccedilatildeo alguma de como as aulas seriam subsidiadas em termos de
textos Esta omissatildeo pode indicar que para aleacutem da sonegaccedilatildeo desta informaccedilatildeo anunciar
negligecircncia pode haver mais sentidos nesta ausecircncia
Aleacutem daquilo que eacute dito analisar discursos eacute tambeacutem atentar para o que natildeo eacute dito
que conforme a AD nos silecircncios nas interdiccedilotildees haacute formas especiacuteficas dos sujeitos
construiacuterem significados E haacute naquele documento uma ausecircncia de dito significando um
evento discursivo no qual a produccedilatildeo as relaccedilotildees de poder a circulaccedilatildeo dos textos e seu jogo
discursivo natildeo estatildeo explicitados quem produz o debate da formaccedilatildeo cidadatilde e como o produz
natildeo se consegue saber atraveacutes de textos elencados E o ato de ler como praacutetica adotada pela
escola natildeo dispensa um planejamento criterioso no qual se saiba o que se vai ler o porquecirc se
vai ler quando se vai ler mesmo que a seleccedilatildeo dos textos deva ser flexiacutevel para ajustes Isso
se deve fazer para que se evite uma praacutetica riacutegida e impositiva haacute uma realidade dinacircmica
que deve ser contemplada com espaccedilo para a inserccedilatildeo de leituras que possam emergir em
consonacircncia com interesses advindos da comunidade escolar Daiacute ser compreensiacutevel que natildeo
haja uma seleccedilatildeo de textos consagradamente fechada mas sua ausecircncia pode estar indicando
na direccedilatildeo de que as accedilotildees do projeto estatildeo passando ao largo de uma leitura norteada
imbuiacuteda de uma accedilatildeo poliacutetica criteriosamente edificada
Esta constataccedilatildeo ficou mais evidenciada quando observei os objetivos especiacuteficos
(OE) do referido documento Haacute uma quantidade elevada desses (sete) os quais natildeo cumprem
devidamente a funccedilatildeo de pormenorizar as accedilotildees que se pretendem alcanccedilar de forma a
estabelecer estreita relaccedilatildeo com o descrito nos objetivos gerais no que diz respeito agrave
competecircncia da formaccedilatildeo de cidadatildeos [cidadatildes] Considerei a princiacutepio redutor selecionar
unicamente o texto literaacuterio para compor os OE do trabalho E eacute o primeiro que estaacute elencado
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Diversificar a leitura com textos literaacuterios previamente selecionados Eleger este gecircnero e
deixar de fora pelo menos eacute o que natildeo estaacute explicitado uma gama de formas discursivas que
perpassam o cotidiano escolar eacute desconsiderar o sujeito-leitor e seu lugar social eacute
desconsiderar que a sala-de-aula eacute um espaccedilo complexo onde subjetividades marcadas por
lugares sociais distintos possuem interesses iacutempares Esta eleiccedilatildeo portanto eacute redutora Por
mais que haja razotildees profiacutecuas para se trabalhar a literatura na escola pela presenccedila de
categorias no texto literaacuterio como as da experiecircncia esteacutetica da ludicidade do estranhamento
da subjetividade do aguccedilamento da criatividade do aticcedilamento da imaginaccedilatildeo haacute um
equiacutevoco em eleger apenas o literaacuterio como texto para ser trabalhado Esta escolha tambeacutem
vai na contramatildeo do que recomendam os PCNs (BRASIL 2001 p 36) que apontam para a
pertinecircncia de que a escola promova em seus estudos uma variedade de gecircneros tendo o
literaacuterio como mais um deles
O equiacutevoco da confecccedilatildeo do documento eacute perceptiacutevel tambeacutem por natildeo ser visto ao
longo do seu texto o apontamento de temaacutetica que tenha relaccedilatildeo com a formaccedilatildeo da
cidadania A formaccedilatildeo de cidadatildeos[cidadatildes] reflexivos[as] que o projeto de leitura da escola
aponta em seus objetivos gerais passa por uma contemplaccedilatildeo de leituras que natildeo estaacute ali
desenhada Sem escavar temas que estatildeo na invisibilidade na superficialidade naturalizados e
distantes dos propoacutesitos da pauta reivindicatoacuteria dos DH esse pretenso sujeito reflexivo eacute
mera ornamentaccedilatildeo de projetos de leituras As secretarias de Educaccedilatildeo das escolas puacuteblicas
brasileiras sabem que eacute tarefa hercuacutelea construir leitoresas criacuteticosas e que um dos entraves a
isso estaacute na maacutequina do poder puacuteblico despreparada desequipada para proporcionar
condiccedilotildees favoraacuteveis agrave praacutetica leitora Isto pode ser visto pela inoperacircncia de natildeo fazerem
com que seusuas educadoresas sejam bonsboas leitoresas para que de forma competente
possam atuar como agentes de letramento Assim sem o devido compromisso com a leitura
demonstram estar esses oacutergatildeos administrativos quando engavetam projetos de leituras
anualmente solicitando novos a cada ano letivo sem acompanhar suas feituras que em regra
se diz por aiacute satildeo sem esmeros cumprindo tarefa administrativa como me pareceu este na
escola TRAVESSIA
A fragilizaccedilatildeo com que se organiza o projeto eacute notaacutevel ainda quando se busca em sua
metodologia a articulaccedilatildeo das accedilotildees que promovem os passos que objetivam propor a
formaccedilatildeo da cidadania reflexiva Entre as accedilotildees propostas que constam de oficinas de leitura
escrita de artes de imagens destinadas a alunosas do 6ordm ao 9ordm ano ocorridas em salas e na
biblioteca haacute como enunciado metodoloacutegico que haveraacute planejamento mensal para a seleccedilatildeo
de textos e das dinacircmicas voltado para um contexto relevante para a vida pessoal e social
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Primeiramente natildeo se esclarece exatamente o que seria este contexto relevante a expressatildeo eacute
vaga Depois chamou-me atenccedilatildeo o quanto a expressatildeo tema foi citada vagamente por
diversas vezes [] explorando o imaginaacuterio e as referecircncias que os alunos tecircm sobre os
temas textuais Natildeo haacute entretanto evidecircncia alguma de quais textos e temas seratildeo
trabalhados Esta inexatidatildeo me fez enxergar impropriedade na proposiccedilatildeo Em uma das
atividades propostas assim aparece levantar as referecircncias que os alunos tecircm sobre os temas
dos textos E de novo quais textos e temas conforme a redaccedilatildeo do projeto natildeo foi possiacutevel
levantaacute-los naquele documento Outra vez haacute uma frase solta compondo o texto Sequer uma
referecircncia aos temas transversais propostos pelos PCNs foi feita Mas no natildeo-dito acerca de
uma tarefa que eacute propositura da escola que deveria atuar pela exiacutemia preocupaccedilatildeo de
contribuir deveras com a construccedilatildeo de uma leitora ativoa a questatildeo-problema por mim
levantada nesta pesquisa foi respondida na leitura do documento Verifiquei deveras que
considerando o que estaacute posto ali por aquele texto-fundador natildeo se contempla o debate sobre
a equidade de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA
32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam
E como travessias natildeo se fazem sem caminhadas caminhei mais pela escola em
busca de perscrutar o que anunciam as vozes docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero na via da
leitura Caminhei contornando em alguns momentos e espaccedilos a anguacutestia pela percepccedilatildeo da
ausecircncia do desejo nosas fazedoresas da educaccedilatildeo por uma leitura como praacutetica social que
construa significados e proponha novos modos de subjetivaccedilatildeo Contornando sem receita
(ningueacutem eacute portador de saiacutedas solitaacuterias) nem elixir nem liccedilotildees nem textos prontos Apenas
escutando sentindo entendendo que a constituiccedilatildeo de uma alunoa leitora pode desaguar em
um mar de ativismo social em um mar que desemaranhe a promoccedilatildeo de um sujeito criacutetico
arguitivo reflexivo natildeo apenas pelo que se lecirc mas de qual lugar e para que se lecirc Para isso
deve haver uma dimensatildeo eacutetica no ato de ler natildeo meramente teacutecnica como costuma grassar
nas escolas pouco afeitas a pensar a leitura de modo perquisitivo Esta dimensatildeo eacutetica natildeo se
semeia em escola assolada por pragmatismo que natildeo ama a educaccedilatildeo essa dimensatildeo
conforme Arendt (2009) anuncia tem no amor a medida de nossos compromissos Eacute
dimensatildeo que abarca decisatildeo poliacutetica eacute escolha pela salvaccedilatildeo pela convicccedilatildeo do
inacabamento freireano (FREIRE1999)
Muito brevemente fui percebendo entatildeo que na escola TRAVESSIA as relaccedilotildees de
gecircnero natildeo perpassavam como debate proposto pelo seu referido projeto de leitura E outra
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comprovaccedilatildeo disso foi aferida pela consulta que fiz do acervo da biblioteca especificamente
no que se refere agraves obras paradidaacuteticas que satildeo as selecionadas para investigaccedilatildeo em termos
de levantamento natildeo propriamente de anaacutelise dos textos neste estudo Em uma pequena
prateleira havia alguns livros tive o cuidado de ler suas fichas catalograacuteficas e identifiquei
que em nenhum deles tematizava-se gecircnero Conforme ainda me respondeu a coordenadora
do projeto de leitura nas listas de livros da biblioteca natildeo estava disponibilizada nenhuma
obra pelo menos que fosse de seu conhecimento que tratasse da temaacutetica de gecircnero
Indaguei-lhe se alguma educadora ou alunoa jaacute havia manifestado o interesse de procurar
obras com esta temaacutetica Respondeu-me que natildeo
E de fato parece natildeo haver uma existecircncia farta de textos publicados para a
literatura infanto-juvenil trazendo o foco especiacutefico no tema das relaccedilotildees de gecircnero em uma
perspectiva de resistecircncia de oferta de um olhar desconstrutor de formas de se constituir
subjetividades masculinas e femininas Existem obras como A bolsa amarela de Lygia
Bojunga Nunes (2003) Faca sem ponta e galinha sem peacute de Ruth Rocha (2008) e outras
poucas no universo literaacuterio infanto-juvenil brasileiro que enfocam a temaacutetica de gecircnero e
que poderiam estar entre os parcos livros daquele espaccedilo-leitor mas natildeo estatildeo
Mesmo assim a ausecircncia de obras que tratem das iniquidades de gecircnero agrave luz de sua
problematizaccedilatildeo por si soacute natildeo eacute referecircncia de que natildeo haacute a temaacutetica em tela naquele espaccedilo
Ademais a ausecircncia de obras emblemaacuteticas que pontuem o debate proacute-equidade natildeo eacute oacutebice
para que se olhe a questatildeo do alto das indicaccedilotildees das diretrizes educacionais que propotildeem o
desmantelo das assimetrias de gecircnero Para isto basta que se problematizem as leituras de todo
um artefato cultural com sentidos que sedimentam um imaginaacuterio inferiorizante da mulher e
constroem o diferente como abjeto Basta natildeo silenciar diante de artefatos que circulam
construindo sentidos e configurando infacircncias e adolescecircncias prensadas em estereoacutetipos de
gecircnero Estes artefatos circulam socialmente e podem ser lidos como a AD pontua indagar
natildeo o que o texto significa mas como significa
Os sentidos segundo essa disciplina natildeo satildeo fixos natildeo existem em si mesmos
mesmo que sejam administrados (PEcircCHEUX 2012) A escola por isto deve olhar com
atenccedilatildeo todo artefato que lhe chega e o que ela produz como uma forma de militar pela
construccedilatildeo de uma praacutetica de liberdade na qual homens e mulheres desfamiliarizam-se com
as incontaacuteveis narrativas que cruzam suas heterogecircneas formaccedilotildees discursivas Se isto natildeo faz
parte do cotidiano das praacuteticas leitoras dosas educadoresas assimilado como uma questatildeo
poliacutetica uma questatildeo de resistecircncia assimilado aleacutem do que propotildee cursos de formaccedilatildeo de
nada adiantam obras construiacutedas agrave luz da teoria de gecircnero postas em um acervo bibliotecaacuterio
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De toda sorte a ausecircncia de textos que evoquem leituras militantes fala de uma presenccedila natildeo-
dita fala de um vazio preenchido por uma leitura descomprometida com a pauta
reivindicatoacuteria dos direitos das mulheres e dos direitos da populaccedilatildeo LGBT (leacutesbicas gays
bissexuais travestis transexuais e transgecircneros)
33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos
Nos percalccedilos da travessia na escola verifiquei tambeacutem por outros modos conforme
propus como empiria desta pesquisa que ali natildeo se dava visibilidade ao debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero Comprovei isso ainda pelos depoimentos de educadoresas que em vaacuterios
momentos nos diaacutelogos que tivemos ressaltaram perceber a ausecircncia do tema mesmo
reconhecido por alguns a sua relevacircncia para a construccedilatildeo da cidadania plena Houve registros
orais disso por parte de profissional da biblioteca e de demais educadoresas os quais irei
descrevecirc-los ao longo deste capiacutetulo por consideraacute-los relevantes para a anaacutelise Um desses
registros se deu no relato proferido pela professora Denise que entre as tarefas de emprestar
e guardar livros aquela profissional relatou-me que guarda assiduamente aleacutem de livros
histoacuterias de vida de alunosalunas desabafando sobre conflitos
Denise que estaacute na TRAVESSIA haacute seis anos atesta que haacute naquela unidade escolar
muitos problemas ligados agrave questatildeo da sexualidade da identidade da violecircncia de gecircnero e
domeacutestica Ouvi atentamente a ecircnfase que deu na violecircncia domeacutestica trazida de casa por
meninos e meninas que para esta profissional provoca-lhes ansiedade e revolta Daquela
informante extrai que acirrados conflitos de natureza de gecircnero vividos por aquele grupo de
crianccedilas e adolescentes satildeo como que despejados ali Assim compreendi ser quando lhe
indaguei acerca de accedilotildees para o enfrentamento desses conflitos e afora os atendimentos pelos
especialistas o que eacute tiacutepico e corriqueiro ela me respondeu que natildeo se faz mais nada naquele
espaccedilo Esse nada esteve como resposta referente agrave indagaccedilatildeo que lhe fiz pontuando se o
projeto de leitura natildeo trabalhava especificamente em forma de debates com textos que
evocassem reflexotildees socializaccedilatildeo envolvimento com as famiacutelias e enfrentamento dessas
questotildees
A cada momento no chatildeo da escola natildeo me passava incoacutelume a presenccedila tatildeo
avassaladora de conflitos envolvendo violecircncia de gecircnero reveladas pelas praacuteticas discursivas
de outrosas informantes desta pesquisa Em uma de minhas visitas agrave escola todavia em 4 de
outubro2013 registrei um relato que me fez refletir com mais ecircnfase sobre as relaccedilotildees de
poder como praacuteticas integrantes do cotidiano em grande extensatildeo Esta reflexatildeo se deu
90
quando dialoguei com Rosa professora de Inglecircs haacute vinte anos Soliacutecita em me atender a
educadora revelou por diversas vezes o desejo de desabafar mas expressando sinceridade
mesmo que me chocasse E falou enfaticamente a partir de um status conservador que rejeita
os estudos e as bandeiras dos DH as ideias sobre sexualidade e gecircnero defendidas por
ldquoeducadoresas modernosrdquo por achar que o mundo bom em seu dizer ldquoeacute aquele onde
existem regras moral repressatildeo E que isto parece querer acabarrdquo
Para Rosa as tecnologias enunciativas que propotildeem uma nova ordem de reflexatildeo e
comportamento eacute uma desordem um mal Natildeo exatamente com essas palavras mas trazendo
este sentido respondeu-me a docente quando lhe indaguei acerca da inserccedilatildeo do debate dobre
gecircnero respaldada nas questotildees trazidas pela legislaccedilatildeo educacional Seu olhar aposta na
repressatildeo no silecircncio em especial agraves garotas que estatildeo muito soltas a seu ver Esta
informante sem o menor embaraccedilo relatou-me que a escola vivia momentos difiacuteceis com
uma explosatildeo da sexualidade da sua juventude e que isso era efeito da falta ldquode freiordquo Para
sustentar suas ideias relatou-me um fato haviam recentemente passado por uma experiecircncia
dificiacutelima com a depressatildeo de uma jovem que se autoflagelou (cortando o corpo em vaacuterias
partes) depois de ter tido sua imagem exposta publicamente em rede social quando fez sexo
com vaacuterios garotos e permitiu que eles filmassem o ato O comportamento da aluna opinou a
educadora foi muito vulgar rendeu-lhe depressatildeo chacota desonra preocupaccedilotildees para a
famiacutelia
Da discursividade de Rosa emanava rigidez de comportamento repressatildeo inclusive
fazendo a defesa do controle dos corpos pela instituiccedilatildeo Sem nenhum ressentimento de estar
errada nem extemporacircnea esta docente assumiu que se preocupava veementemente com as
roupas as danccedilas os comportamentos das meninas que a seu ver eram consideradas como
ldquoassanhadinhas perdidasrdquo Sua vigilacircncia acreditava esta informante era o melhor para a
escola E de forma diferenciada dirigia o controle a meninos e meninas para elas os
cuidados eram focados na sexualidade com relaccedilatildeo aos garotos a vida social deles como um
todo tinha sua apreensatildeo Aos meninos preocupaccedilotildees de natureza diferente eram por ela
dispensadas cuidados com as drogas o aprendizado a violecircncia a marginalidade Agraves
questotildees ligadas agrave sexualidade e ao corpo dos garotos havia um silecircncio um natildeo dito
permissivo da parte dela como se soacute a eles lhes coubesse o direito de viver seus desejos
sexuais
Ao ouvir a apropriaccedilatildeo do discurso da construccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
naquela voz educadora veio-me pela memoacuteria discursiva agrave lembranccedila o discriminador dito
popular ldquosegure sua cabrita que meu bode estaacute soltordquo O ditado que trata assimetricamente
91
homens e mulheres veio-me [meu bode estaacute solto] pelo silecircncio permissivo da educadora agrave
ordem machista quanto ao que podem os meninos satildeo livres E veio-me [segure sua cabrita]
pela fala dela quanto agrave ordem repressiva do que natildeo podem as meninas precisam de
cabrestos Tatildeo iniacutequo esse dito poderia ser pronunciado por aquela voz educadora para
sintetizar seu olhar insensiacutevel agraves questotildees trazidas pelos campos dos estudos de gecircnero Um
olhar de uma educadora turvado de preconceito machista em meio a toda uma
problematizaccedilatildeo que o coletivo de mulheres tenta construir sobre igualdade de direitos eacute um
olhar que destoa com praacuteticas de liberdade e aduz com a indagaccedilatildeo de Foucault no tocante agrave
regulaccedilatildeo dos comportamentos entre outras instituiccedilotildees pela escola
O que eacute afinal um sistema de ensino senatildeo uma ritualizaccedilatildeo da palavra senatildeo uma
qualificaccedilatildeo e uma fixaccedilatildeo de papeacuteis para os sujeitos que falam senatildeo a constituiccedilatildeo
de um grupo doutrinaacuterio ao menos difuso senatildeo uma distribuiccedilatildeo e uma apropriaccedilatildeo
do discurso com seus poderes e seus saberes [] (FOUCAULT 2011 p 44-45)
Na consonacircncia com o que diz Foucault (2011) os depoimentos de Rosa podem ser
vistos como os que se apropriam de um discurso que se arvora no papel de controlar sujeitos
pautados no poder institucional escolar E mesmo quando este poder passa a ser enxertado por
outra ordem discursiva que abala pilares conservadores a educadora eacute refrataacuteria agrave nova
ordem e defende o controle da doutrina da coerccedilatildeo de comportamentos tachando as alunas
que se lanccedilam nas descobertas da sexualidade como vulgares Isso fez com que ela fosse
redutora no olhar que dirigiu agrave menina de sua histoacuteria viacutetima do machismo de um grupo de
colegas ainda eacute a condenada pela autoridade escolar Indaguei-lhe o que fizeram com os
meninos que expuseram a garota Sua resposta anunciou um conservadorismo atravessado por
gecircnero
- Foram chamados na direccedilatildeo advertidos Mas satildeo homens
Homens que usam mulheres humilham-nas expotildeem-nas A ressalva pontuada pela
materialidade linguiacutestica da conjunccedilatildeo adversativa mas no enunciado de Rosa reforccedila seu
olhar segregacionista machista seu status de sujeito que anuncia de um lugar conservador
ldquoMas satildeo homensrdquo eacute o enunciado campo para o natildeo dito brotar nada lhes pega mal na
instacircncia da sexualidade assim subjaz um discurso assimeacutetrico de gecircnero naquela voz Na
concepccedilatildeo daquela educadora ser homem eacute um atributo para a libertinagem aleacutem do direito agrave
liberdade
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Percebi ali que passando ao largo de um debate que contemple problematizar
preconceitos machistas assimetrias de gecircneros alguns profissionais aleacutem de Rosa lidam de
forma tensa e iniacutequa com o despertar da sexualidade dessesas jovens especialmente na
representaccedilatildeo dos papeacuteis do masculino e do feminino Vale todavia fazer o registro de que
osas colaboradoresas observadosas e entrevistadosas natildeo podem ser vistos como
vilotildeesvilatildes nem portadoresas de verdades ou falsidades mas como sujeitos que se engrenam
em poderes e saberes culturas comportamentos disciplinados historicamente dados por isso
passiacuteveis de movecircncias de transformaccedilotildees
34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades
E ainda sequenciando a explanaccedilatildeo do campo empiacuterico que faz parte desta pesquisa
pontuo que averiguei o quanto o projeto de leitura era desvinculado de uma problematizaccedilatildeo
sobre as relaccedilotildees de gecircnero com base na anaacutelise das respostas do questionaacuterio aplicado junto
agravesaos educadoresas Aqui farei o entrelaccedilamento da anaacutelise dos resultados deste instrumento
com mais relatos que geraram dados para este estudo
Como um dos pontos do processo investigativo recorri agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio
com osas demais educadoresas envolvidosas com o projeto com o propoacutesito de avaliar
como a accedilatildeo leitora eacute apreendida por outros sujeitos considerando que inicialmente apenas
trabalhei com a coordenaccedilatildeo do projeto A aplicaccedilatildeo deste instrumento foi solicitada depois
de alguns diaacutelogos com membros da equipe pedagoacutegica da escola agrave Diana coordenadora do
projeto de leitura que de forma bastante soliacutecita concordou disponibilizando-se para
colaborar e recebeu em matildeos dez coacutepias do questionaacuterio para distribuir com educadoresas
integrantes do trabalho ali desenvolvido Anteriormente jaacute havia feito o convite aosagraves
professoresas para que participassem da pesquisa assegurando-lhes o respeito ao anonimato
caso assim o desejassem Dos dez instrumentos entregues apenas de um natildeo houve a
devolutiva o que me fez ter a colaboraccedilatildeo de um nuacutemero satisfatoacuterio considerando o total de
professoresas na instacircncia educacional em tela envolvidosas com o referido projeto
Para esse instrumento investigativo foram articulados enunciados pensando na
contribuiccedilatildeo para as reflexotildees que preciso construir considerando que o sujeito fala sempre a
partir de especiacuteficas posiccedilotildees histoacutericas e culturais de praacuteticas descontiacutenuas que se cruzam
se desconhecem se justapotildeem enfim que natildeo se pode apreendecirc-las de forma objetiva e
neutra (cf FOUCAULT 2011 2012) Vale ressalvar entatildeo de que a interaccedilatildeo que eacute feita com
as respostas dadas no documento investigativo natildeo pode ser vaticinada como uma revelaccedilatildeo
93
objetiva do real se assim o fosse natildeo estaria partilhando com a perspectiva foucaultiana
como tambeacutem com a da criacutetica feminista poacutes-estruturalista as quais concebem que a verdade
eacute uma produccedilatildeo discursiva histoacuterica e social o que indica que natildeo haacute a verdade mas haacute a que
prevalece
No tocante agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio ouvi dosas respondentes em contatos
fortuitos que as questotildees formuladas foram bem interessantes A qualificaccedilatildeo de interessante
pelo que assimilei deveu-se agraves formulaccedilotildees que fizeram com que osas educadoresas
informantes refletissem sobre as suas praacuteticas discursivas Guiei-me para a confecccedilatildeo deste
instrumento investigativo entre outras pelas reflexotildees que o Poacutes-Estruturalismo traz em
termos de abrir caminhos para se pensar a realidade pontuando uma poliacutetica de
problematizaccedilatildeo da diferenccedila racial eacutetnica e de gecircnero As questotildees levantadas no
instrumento investigativo foram elaboradas considerando tambeacutem o norte interrogativo de que
se havia tal poliacutetica no que se refere agraves questotildees de gecircnero adentrado o espaccedilo escolar
E desse modo considerando que apoacutes a inserccedilatildeo da temaacutetica de gecircnero nas duas
uacuteltimas deacutecadas por meio tambeacutem de elementos enunciativos oficiais como os PCNs (1997) e
a LDBEN-96 que indicam o respeito agrave diversidade e agrave igualdade de direitos fui investigar
com este instrumento se oa educadora estava sendo formadoa para atuar (ou natildeo) por uma
sociedade em que as assimetrias de gecircnero fossem combatidas Por seu turno trazendo a
interface temaacutetica de gecircnero com a perspectiva da leitura discursiva na qual ler eacute mais do que
decodificar eacute se inscrever socialmente procurei elaborar questatildeo que pontuasse como a
leitura se desenvolvia no projeto
Busquei enfim enunciados que tratassem das discursividades docentes referentes agrave
construccedilatildeo social do gecircnero e agrave leitura como praacutetica social Assim os propus
1 O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto A
CestaSexta Literaacuteria (marque ateacute trecircs principais questotildees)
1a ( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo
1b ( ) Uma atividade prazerosa
1c ( ) A escola natildeo valoriza a leitura
1d ( ) A escola valoriza pouco a leitura
1e ( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais
Outra __________________________________
Trecircs enunciados foram sumamente considerados 1a 1c e 1e instrumento de ajuda
na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo a escola natildeo valoriza a leitura e o de que eacute um estiacutemulo agraves
transformaccedilotildees sociais Chamou-me atenccedilatildeo a marcaccedilatildeo de que a escola natildeo valoriza a leitura
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(1c) por tudo o que essa praacutetica pode significar marcado no uacuteltimo item possibilidade de
mudanccedilas sociais Tambeacutem a ausecircncia de marcaccedilatildeo no enunciado que vecirc na leitura uma
atividade prazerosa (1b) eacute um indicativo que incita reflexotildees considerando que a formaccedilatildeo
doa leitora tem vinculaccedilatildeo profunda com o prazer de ler E estas reflexotildees me trazem agrave
lembranccedila a informaccedilatildeo da 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil na qual eacute
pontuada a problemaacutetica de que a escola brasileira natildeo sedimenta a leitura oferece o acesso
mas natildeo sabe semear o prazer pelo ato de ler Segundo indicadores da pesquisa aqui os
rememorando 44 dos alunos da rede privada e 46 da puacuteblica afirmaram ter como
motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola Com as reflexotildees que a natildeo-marcaccedilatildeo do
enunciado 1b suscita vieram-me agrave lembranccedila tambeacutem Carlos Drummond de Andrade
(1983) e Rubem Alves (2004) quando esses aticcedilam poeticamente o desejo pelos requintes do
mergulho nas deliacutecias das leituras natildeo-obrigatoacuterias das que nascem da fome de ler da fome
de aticcedilar a imaginaccedilatildeo as reflexotildees que podem advir de uma leitura fecunda
Esse enunciado natildeo marcado pelosas educadoresas pontua uma denuacutencia de
desvalor pela escola a uma de suas eleitas funccedilotildees formadoras a da leitura Decerto que isto
reflete todo o descaso que o poder puacuteblico historicamente tem feito em termos de poliacuteticas
voltadas ao estiacutemulo agrave leitura agrave valorizaccedilatildeo da educaccedilatildeo Haacute uma heranccedila de deficiecircncia
educacional da qual soacute recentemente se tem cuidado natildeo ainda o suficiente ainda de modo
piacutefio melhor dizendo mas despontam investimentos maiores do que jaacute houve Investimentos
piacutefios ou natildeo investimentos Este eacute um legado que tatildeo bem lembra Werthein (2008) ao citar
as relaccedilotildees de poder-saber pertencentes agrave elite econocircmica brasileira que se instruiacutea na
Europa agrave eacutepoca do Brasil Colocircnia enquanto que ao povo lhe era negado o direito agrave escola
Quando o acesso agrave educaccedilatildeo puacuteblica se torna realidade a qualidade natildeo faz parte desta
conquista Disto se sabe a estrutura que a educaccedilatildeo puacuteblica oferta aos seus usuaacuterios em
termos de praacuteticas leitoras eacute deficitaacuteria As salas de aulas lotadas os pequenos acervos as
escolhas dos livros com os criteacuterios mercadoloacutegicos agrave frente os parcos recursos tecnoloacutegicos
para facilitarem animaccedilotildees adequadas a pouca reflexibilidade das famiacutelias quanto agrave leitura
em casa entre tantas outras satildeo condiccedilotildees que educadoresas elencam como obstaacuteculos a uma
experiecircncia prazerosa com a leitura
As condiccedilotildees limitadoras acima elencadas natildeo foram extraiacutedas pelas respostas ao
questionaacuterio Foram informaccedilotildees que obtive em diaacutelogo com a professora Mari em uma das
minhas visitas agrave escola (diaacuterio de campo13set2013) Apoacutes esta me informar sobre a
ausecircncia da temaacutetica de gecircnero em suas praacuteticas indaguei-lhe se natildeo considerava pertinente
trabalhar com textos que abordassem a violecircncia de gecircnero Fiz a pergunta tendo em vista o
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que anunciam Carvalho (2003) e Louro (2012) no tocante agrave percepccedilatildeo dessas estudiosas de
que natildeo haacute distacircncia da temaacutetica ela eacute entranhada no espaccedilo escolar fabricando sujeitos
Educadoresas tecircm desse modo a possibilidade de contribuir reflexivamente sobre que
construccedilatildeo discursiva se faz com esses sujeitos reforccedilam preconceitos e estereoacutetipos de
gecircnero ou garantem o direito a esses de uma digna imagem de si Natildeo haacute neutralidade o
tempo todo somos tramados por linguagem que nos moldam
E para suscitar este debate as diretrizes educacionais inclusivas como as
positivadas em Resoluccedilatildeo 0112 no PNDH nos PCNs e na LDB satildeo aportes que chegam
ocupando gavetas escolares e atenccedilatildeo em eventos de formaccedilotildees continuadas mas se estas
estatildeo incorporadas nas praacuteticas discursivas dosas fazedoresas da educaccedilatildeo eacute outra questatildeo E
foi isso que ali atestei na entrevista com Mari a professora de Liacutengua Portuguesa suas
inquietaccedilotildees evidenciaram a lacuna entre as tecnologias oficiais por ela conhecidas e a sua
praacutetica discursiva Agrave minha indagaccedilatildeo acerca da necessidade de trabalhar para uma
consciecircncia de gecircnero sem titubear ela me respondeu
- Dou-me por satisfeita quando faccedilo meus alunos [e alunas] lerem O que leem natildeo
faz parte de minhas expectativas
Mais um enunciado que destrincha que carrega frustraccedilotildees profissionais de vozes
emparedadas pelos muros escolares de um sistema educacional feito para engessar
mobilizaccedilatildeo social ressoou ali Investimentos parcos na educaccedilatildeo puacuteblica que resultam em
peacutessimas condiccedilotildees de trabalhos minguaram as expectativas de uma mulher ainda jovem com
poucos anos de formada que parece entender o quanto a leitura pode propiciar criticidade o
que leem soou em sua voz com forccedila com tom de importacircncia Mas isso depende de suas
vinculaccedilotildees com accedilotildees poliacuteticas como remete Freire (2002) com accedilotildees planejadas como
indicam estudiososas da leitura e daacute trabalho propocirc-las naquele ambiente tatildeo hostil agrave leitura
aos olhos de Mari E ela abriu matildeo disso confessamente
Natildeo pude deixar de suspeitar de que talvez sem estar protegida pelo anonimato
aquela educadora que me disse natildeo ser do quadro efetivo dosas servidoresas por isto natildeo se
sentia segura para fazer criacuteticas agrave educaccedilatildeo na rede municipal natildeo tivesse tido a coragem de
se expor tatildeo cruamente Expocircs-se e trouxe agraves vistas uma das piores chagas da escola puacuteblica
brasileira a de que a leitura natildeo tem o lugar que deveria conforme Antunes (2009) anuncia
lugar de destaque de centro de alimento de patildeo diaacuterio Na contramatildeo de investimentos
intelectuais e financeiros em letramento tocircnica educacional das uacuteltimas deacutecadas Mari se
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contentava com a mera decodificaccedilatildeo com a leitura que poderia promover ao maacuteximo oa
estudante aagrave trabalhadora natildeo aagrave cidadatildeoatilde Haacute uma relaccedilatildeo entre esta tocircnica de
descompromisso dito em escola paraibana ressoada pelo que pontua Bastos (2012) em outro
espaccedilo do territoacuterio brasileiro o baiano de que a escola precisa cumprir sua funccedilatildeo social e
atrair para o ato de ler este grupo de excluiacutedo para quem a leitura natildeo eacute gecircnero de primeira
necessidade
Retornando ao questionaacuterio tambeacutem respondido por esta informante na segunda
questatildeo deste instrumento objetivei inquirir sobre o que se lecirc avaliando quais conteuacutedos
eram promovidos pelo projeto
2 O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos
Direitos Humanos
( ) sim ( ) natildeo
Apesar de destoante com o que apresenta o documento do projeto de leitura que
conforme jaacute referido natildeo evidencia trabalhar temas atinentes aos DH das nove respostas a
esta questatildeo sete percebem a presenccedila de temas no projeto de leitura que focam reflexotildees
com tais temaacuteticas Na formulaccedilatildeo do enunciado foi pontuado o racismo e de forma
generalizada a expressatildeo preconceitos inviabilizando melhor percepccedilatildeo do que consta como
defesa dos DH Mas na questatildeo seguinte a de nuacutemero trecircs articulei a especiacutefica questatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero interessada em averiguar qual o comprometimento da escola por seus
propoacutesitos educacionais e poliacuteticos especificamente em seu projeto de leitura com o campo
de gecircnero
3 O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto
( ) sim ( ) natildeo
Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior
3a ( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas
3b ( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica
escolar de engajamento no combate agraves assimetrias de gecircnero
3c ( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema no projeto de leitura
3d ( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e
como muitas leituras reforccedilam os padrotildees sexistas presentes na sociedade
( ) outra ____________________________
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As respostas da segunda questatildeo foram quase totalizadoras de que haacute a existecircncia de
um estiacutemulo agraves reflexotildees pertinentes agraves temaacuteticas dos DH pelo projeto de leitura desenvolvido
na escola Quanto agrave terceira todosas nove respondentes afirmaram que natildeo haacute a incorporaccedilatildeo
temaacutetica de gecircnero nas leituras feitas pelo projeto e por conseguinte marcaram a proposiccedilatildeo
3c O cruzamento da anaacutelise dessas duas questotildees pode evidenciar o quanto debater gecircnero
parece ser mais aacutespero menos necessaacuterio do que enveredar por outros caminhos que os DH
embandeiram Esta dissociaccedilatildeo chamou-me atenccedilatildeo e me fez refletir quanto esta temaacutetica
passa ao largo de accedilotildees de leitura em um momento em que se discute recontar textos agrave luz de
teorias de gecircnero respaldada a recontagem na militacircncia do coletivo de mulheres que deseja
ver desconstruiacutedas imagens que as fragilizam
O debate conforme responderam osas educadoresas natildeo aparece no projeto de
leitura assim pode natildeo estar incorporado sistematicamente como accedilatildeo poliacutetica de resistecircncia
relembrando o dito por Foucault (2004a 2012) Em um dos meus diaacutelogos com a
coordenadora do projeto na visita de 28 de setembro de 2013 fazendo inquiriccedilotildees sobre a
percepccedilatildeo dela quanto ao conceito de gecircnero das obras presentes no espaccedilo da biblioteca
acerca desse campo obtive de mais uma informante desta pesquisa que natildeo havia obra ali
com esta perspectiva Este tema precisaria ser inserido passava ao largo o foco nas relaccedilotildees
de gecircnero Falou-me que ao selecionar textos natildeo traz este olhar previamente Quando lhe
indaguei como via a omissatildeo da temaacutetica respondeu-me
- Percebo a omissatildeo agora com sua presenccedila que faz sentido discutir gecircnero Mas
como faccedilo isto Quais textos devem ser trabalhados
E eu lhe escutei sem entender como esta educadora natildeo atentaria que subjaz em regra
nos diversos gecircneros textuais um olhar construtor de gecircnero Haacute olhares sobre mulheres
negras brancas jovens idosas de classes e etnias diferentes nos quais subjazem nos gecircneros
textuais a iniquidade de gecircnero social Plasmada em letras de muacutesicas livros didaacuteticos
paradidaacuteticos canccedilotildees histoacuterias piadas publicidades mateacuterias jornaliacutesticas cantadas enfim
sob os mais diversos formatos haacute a temaacutetica de gecircnero Indaguei-lhe se acharia que a
ausecircncia de textos especiacuteficos para o enfrentamento agrave iniquidade de gecircnero poderia mesmo
ser oacutebice para a exploraccedilatildeo da temaacutetica considerando que ela estaacute no imaginaacuterio social de
alguma forma precisando ser desconstruiacuteda Ela foi sincera e confessou que natildeo atentava para
a presenccedila da temaacutetica perpassando em tantos gecircneros textuais A invisibilidade da violecircncia
de gecircnero deu sinais naquele depoimento De modo letaacutergico natildeo sendo contemplada em
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leituras escolares nem vista em textos que fazem parte do cotidiano das prateleiras de
bibliotecas dos aparelhos de som e das mochilas escolares a invisibilidade fazia acenos pelos
sentidos que aquela educadora concedia ao ato de ler
O ato de ler natildeo se esgota em livros bibliotecas professoresas escolas Nascem de
olhos que veem que planejam que seduzem Silva (2011) aduz que as praacuteticas de leitura
escolar natildeo podem nascer do acaso nem do autoritarismo de tarefas mas de uma programaccedilatildeo
envolvente E isto perpassa essencialmente por uma formaccedilatildeo que privilegie praacuteticas de
liberdade consciecircncia da importacircncia de uma construccedilatildeo coletiva do lugar de si e do outro no
mundo que nos cerca Dessa formaccedilatildeo o poder puacuteblico tem dito se preocupar Eacute com o que
parecem concordar osas entrevistadosas diante da seguinte questatildeo
4 Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel
inicial quanto na continuada tem preparado o (a) profissional para uma praacutetica
pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar
( ) sim ( ) natildeo
Essa questatildeo objetivou perceber de que forma as poliacuteticas puacuteblicas de formaccedilatildeo
inicial e continuada satildeo percebidas Eacute algo que merece a atenccedilatildeo ser averiguado seriam essas
formaccedilotildees proficientes excessivamente teoacutericas de que modo essas praacuteticas discursivas
equipam essesas profissionais para impactar suas atuaccedilotildees Investigar o que de fato tem
atravessado os discursos das formaccedilotildees e ressoado no chatildeo da escola nos modos de
subjetivaccedilatildeo dessesas professoresas leitoresas eacute de uma pertinecircncia tamanha para quem se
envolve com a educaccedilatildeo como praacutetica de liberdade no sentido foucaultiano Dizendo de outro
modo eacute salutar buscar se haacute verdades novas atinentes ao que propotildeem os DH sobre a
equidade de gecircnero sobre a desconstruccedilatildeo da constituiccedilatildeo do diferente enunciadas pelos
formadores em curso de capacitaccedilatildeo e nas formaccedilotildees iniciais e quais tecircm sido seus efeitos
Com a aplicaccedilatildeo da quarta questatildeo pude avaliar como satildeo afetadas as relaccedilotildees de gecircnero pela
ingestatildeo do debate pelas tecnologias formadoras E de fato a totalidade dosas respondentes
afirmou que recebe uma formaccedilatildeo que capacita que contempla o debate sobre a construccedilatildeo
das diferenccedilas e a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar
Entre todavia o recebimento de uma formaccedilatildeo capaz de problematizar as
assimetrias de gecircnero e a implementaccedilatildeo por parte dessesas educadoresas de uma praacutetica
discursiva que lhes capacite romper com uma memoacuteria discursiva que interdita uma condiccedilatildeo
de vida sem subalternidades existem seacuteculos de jogos de verdade nos quais os processos de
subjetivaccedilatildeo transigem segundo regras histoacutericas Satildeo jogos que perpassam doutrinas
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pedagoacutegicas sustentando uma superioridade intelectual dos homens por isto destinando
lugares distintos para homens e mulheres (o puacuteblico aos homens o privado agraves mulheres)
Satildeo jogos de verdade que destinam comportamentos diferenciados aos sexos constituindo o
gecircnero sustentando a inferioridade feminina a construccedilatildeo da diferenccedila do padratildeo
heterossexual como desvio como patologia entre tantos outros jogos de verdade
E as regras histoacutericas hoje consideram lentamente uma ordem discursiva que se
desenha na qual as muralhas androcecircntricas sofrem o abalo de uma atuaccedilatildeo poliacutetica do
coletivo de mulheres e do LGBT que se empoderam com o ativismo autoral por respeito agraves
diferenccedilas Pude constar isto em uma visitaccedilatildeo que fiz agrave escola em 24 de outubro de 2013 Em
diaacutelogo com Elisa uma professora com 15 anos de atuaccedilatildeo profissional no qual lhe indaguei
sobre sua percepccedilatildeo acerca da presenccedila das relaccedilotildees de gecircnero no cotidiano escolar acerca da
vinculaccedilatildeo (ou natildeo) entre suas praacuteticas leitoras e estas questotildees Muito rapidamente ela se
posicionou como uma conservadora e se disse escandalizada com as transformaccedilotildees sociais
que via emergir em termos de comportamentos sexuais inclusive ali na escola Ouvi um
desabafo inusitado desta informante que presenciou uma cena de beijos entre duas
adolescentes
- Natildeo vejo a hora de sair desta escola Aqui todos satildeo danados E as meninas nem se
falam Peguei duas aos beijos fui intervir e ouvi da menina
- Taacute com preconceito eacute professora
A narrativa daquela educadora me marcou e lhe indaguei se ela achava que estava
com preconceito conforme lhe indagou a menina Respondeu que sim pois sendo beijos entre
casais heterossexuais tambeacutem reprimiria o ato mas natildeo ficaria tatildeo aborrecida como ficou Fiz
a Elisa mais indagaccedilotildees inquirindo sobre o efeito das formaccedilotildees acadecircmicas pelas quais ela
tem passado Ela pareceu-me marcha por lugares onde soam ritmos diferentes E com suas
respostas fui remetida ao que diz Orlandi (2008) acerca do entrecruzamento de vozes que
torna o sujeito heterogecircneo e das condiccedilotildees de produccedilotildees do discurso que permitem
enunciados diferentes em determinados espaccedilos sociais Mesmo se dizendo refrataacuteria agraves
mudanccedilas Elisa disse aprovar as formaccedilotildees continuadas que ensinam a lidar com as
diferenccedilas apesar de natildeo conseguir concordar com o que escuta e vecirc
- Nas formaccedilotildees continuadas ateacute entendo a questatildeo do respeito mesmo sem
concordar ateacute entendo Mas quando presencio uma cena como a do beijo das meninas em
puacuteblico daacute um nojo acho uma falta de respeito natildeo concordo
100
E como demonstrou natildeo concordar Sua ecircnfase agrave cena me fez pensar no quanto
provavelmente o beijo das duas garotas consideradas desviantes lhe foi claramente chocante
mas natildeo menos e natildeo tatildeo claro foi chocante a ela o tom reivindicativo com o qual a aluna se
apoderou para evocar da professora uma postura mais reflexiva mais apropriada a sua funccedilatildeo
A desviante aos olhos de Elisa pode ter lhe lembrado de que para ser educadora ela deveria
estar atinente agraves novas poliacuteticas educacionais deveria ter postura de respeito agrave liberdade de
afeto seja de que maneira for Haacute o dever ao respeito agraves diferenccedilas assegurado legalmente
parece ter dito a menina ao lhe indagar sobre preconceito
Elisa segundo me informou caiu em si natildeo se sentia preparada para atuar ali
mesmo que se esforccedilasse para assimilar as diretrizes de uma escola inclusiva democraacutetica
natildeo discriminatoacuteria Essa professora se depara com formaccedilotildees discursivas conflitantes e entre
suas verdades e o que a escola deseja construir aos moldes de ser inclusiva angustia-se O
recrudescimento do constituiacutedo diferente que empoderado natildeo aceita ser abjeto (HALL
2011) e reivindica direitos pocircs em evidecircncia isto causando-lhe transtorno Uma firmeza da
menina desviante foi o estopim para gerar na professora a vontade de abandonar aquela
escola para natildeo ter que se desfazer de uma formaccedilatildeo discursiva cristalizadora de identidades
Formaccedilatildeo que talvez natildeo tenha lhe permitido enxergar amiuacutede toda sorte de preconceitos
insultos e ofensas vividos por outrosas desviantes tirando-lhes o chatildeo tirando-lhes da escola
Agora era o seu chatildeo que lhe fora retirado por um gesto de afirmaccedilatildeo de identidade de
altivez de peleja pela desconstruccedilatildeo de verdades
Restaria querer buscar outro chatildeo mais soacutelido mais firme na crosta essencialista
Mas para qual escola iria Mesmo timidamente o discurso da defesa da diversidade cultural
sexual e da equidade de direitos eacute um campo de luta que surge amparado em legislaccedilatildeo
educacional e em formaccedilotildees continuadas dispensadas aosagraves educadoresas Embora de forma
amena tangencial surge Eacute o contraponto a uma ordem conservadora de uma perspectiva
essencialista discriminadora que se faz surgir em praacuteticas discursivas instigadoras de
problematizaccedilotildees da iniquidade de gecircnero Acerca da presenccedila desse contraponto na escola
TRAVESSIA quis saber interrogando sobre as poliacuteticas educacionais no direcionamento do
que pode o menino e a menina toacutepico da quinta questatildeo
5 As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o
menino e o que pode a menina
( ) sim ( ) natildeo
101
5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e
meninas
5b ( ) comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento
5c ( ) ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual
5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que
satildeo naturalmente desiguais
Osas respondentes demonstraram natildeo perceber que a escola trata fortemente
desigual a ambos Em nenhuma resposta houve a marcaccedilatildeo para o enunciado 5c o qual
afirma que as poliacuteticas educacionais ainda comprometem a equidade de gecircnero Por sua vez a
negaccedilatildeo de que haacute discriminaccedilatildeo foi bem marcada pela maioria dos respondentes
5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e
meninas
Haacute uma coerecircncia interna na marcaccedilatildeo dessas respostas quando relacionado o
conjunto de todas as quatro proposiccedilotildees considerando que com a ausecircncia absoluta por parte
de todos os respondentes de marcaccedilatildeo com o enunciado a seguir haacute a indicaccedilatildeo de que osas
respondentes buscam negar ranccedilos essencialistas nas suas formaccedilotildees discursivas
5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que
satildeo naturalmente desiguais
O que me leva a assim pensar eacute a consideraccedilatildeo de que em nenhuma das respostas
houve marcaccedilatildeo na propositura acima indicada (5d Osas colaboradoresas da pesquisa
parecem querer evidenciar crer que natildeo somos homens e mulheres naturalmente desiguais
Somos ao contraacuterio construiacutedos desiguais detentores em princiacutepio de direitos iguais e a
escola parece querer respeitar esta conquista que eacute relativamente recente Parece mas
estabelecendo um diaacutelogo com vozes informantes desta pesquisa como as de Rosa e Elisa
por exemplo nem chega a parecer suas vozes carregam enunciados visivelmente
sedimentados na assimetria essencialista
Por sua vez com o enunciado da sexta questatildeo que intenciona captar de que forma a
escola tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo intervindo nas construccedilotildees de gecircnero
das crianccedilas e adolescentes foram evidenciados resultados que mostram possibilidades bem
reveladoras de olhares essencialistas Seguem a questatildeo e seus resultados
102
6 Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como
natildeo apropriados para seu sexo qual a leitura feita
6a ( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada
crianccedila
6b ( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado
6c ( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
Outro _______________________________
Apenas dois tipos de respostas foram marcadas Unicamente uma pontuaccedilatildeo para a
proposiccedilatildeo 6a que anuncia Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras
de cada crianccedila Esta percepccedilatildeo solitaacuteria vai ao encontro de um olhar que aceita
problematizar padrotildees hegemocircnicos aceita contrariar jogos de poder que reproduzem
estigmatizaccedilotildees discriminaccedilotildees sexistas assimetrias de gecircnero Por seu turno oito dosas
nove colaboradoresas disseram que procuram redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
(6c) Uma indicaccedilatildeo de que raciocinam por uma loacutegica essencialista dual homogeinizante
normalanormal Uma loacutegica que exclui os que rompem com os padrotildees identitaacuterios de
gecircnero e mesmo que evite expocirc-los constrangecirc-los natildeo os aceita tenta enquadraacute-los Satildeo os
saberes-poderes que permitem o governo de sujeitos por outros os processos de subjetivaccedilatildeo
sendo instaurados por verdades veiculadas pelas instituiccedilotildees
O poder funciona e se exerce em rede Nas suas malhas os indiviacuteduos natildeo soacute
circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer este poder e de sofrer sua accedilatildeo
nunca satildeo o alvo inerte ou consentido do poder satildeo sempre centros de transmissatildeo
Em outros termos o poder natildeo se aplica aos indiviacuteduos passa por eles
(FOUCAULT 2012 p 45)
Para corroborar a afirmaccedilatildeo de Foucault (2012) que fala deste poder dispersado
localizado pelo pensador nas relaccedilotildees sociais como um todo retorno aos fragmentos retirados
dessa pesquisa refletindo sobre o poder em sua dimensatildeo relacional A quase totalidade dosas
educadoresas vigiada possivelmente pelos olhares de pais direccedilatildeo colegas por enunciados
que circulam em documentos escolares em formaccedilotildees e cursos posiciona-se dubiamente
concebe a polaridade fixa dos gecircneros exerce entatildeo o poder de redirecionar o interesse do
considerado desviante Mas natildeo expotildee quem a contraria Estariam sendo desestimulados
essesas colaboradoresas pelas bandeiras anti-homofoacutebicas Bom sinal para o ativismo
poliacutetico da populaccedilatildeo LGBT que historicamente sofre as agruras do preconceito e da
discriminaccedilatildeo confrontando isto com o que reza um dos princiacutepios do Plano Nacional da
Promoccedilatildeo da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT lanccedilado em 2009 ldquoUm Estado
Democraacutetico de Direito natildeo pode aceitar praacuteticas sociais e institucionais que criminalizam
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estigmatizam e marginalizam as pessoas por motivo de sexo orientaccedilatildeo sexual eou
identidade de gecircnerordquo (Secretaria Especial dos Direitos Humanos 2009 p11)
Com os sentidos afiados em confluecircncia com o olhar de Louro (2012) um passeio
pela escola e pelas respostas apresentadas neste instrumento de investigaccedilatildeo revelam o quanto
praacuteticas escolares expressam uma constituiccedilatildeo discursiva com fixaccedilatildeo de comportamentos
adequados para meninos e meninas Ora rechaccedilando ora respaldando o fato eacute que os modelos
socialmente valorizados ainda satildeo os que estereotipam meninas como fraacutegeis esforccediladas e
meninos como inteligentes fortes Isso resulta em confronto em fabricaccedilotildees de estereoacutetipos
Para a elaboraccedilatildeo da seacutetima questatildeo que possui este elo busquei reflexotildees no pensamento de
Foucault (2004a 2004c) quando esse propotildee o cuidado de si as praacuteticas que constituem uma
subjetividade eacutetica Penso que a defesa de uma vigilacircncia sobre construccedilotildees discursivas que
fabricam mulheres objetos coisificadas veiculadas em toda sorte de artefato cultural deve ser
constituiacuteda se o rompimento com esse modelo eacute desejado E considero a ausecircncia desta
vigilacircncia por parte dosas educadoresas como uma lacuna que impede a quebra substancial
com um paradigma machista Eacute esse paradigma que permite uma praacutetica discursiva dos
homens em fazer as inuacutemeras piadas sobre loura as incontaacuteveis formas de estereotipar as
mulheres no que se refere a sua intelectualidade a sua atribuiacuteda inabililidade para dirigir para
exercer certas profissotildees relacionando grosseiramente beleza agrave burrice enfim formas
conflituosas de se perceber um ao outro fazem parte de um repertoacuterio que resolvi imprimir em
minhas inquiriccedilotildees
7 Como mediadora de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de
preconceito uma expressatildeo de conflitos entre olhares de meninos e de meninas
7a ( ) pouco eacute natural a disputa
7b ( ) interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de
discriminaccedilatildeo
7c ( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa
As respostas foram incisivamente favoraacuteveis agrave intervenccedilatildeo A marcaccedilatildeo da totalidade
dosas respondentes para o enunciado 7b parece indicar que na contramatildeo de ser
inadequadamente omisso diante de discriminaccedilatildeo ningueacutem deseja estar embora possa
paradoxalmente direcionar comportamentos conforme anunciado pelas respostas da questatildeo
6c Natildeo haveria aiacute a manifestaccedilatildeo de que se natildeo aceitamos uma nova ordem de interesses por
parte de crianccedilas conforme enunciado da sexta questatildeo que soacute obteve uma marcaccedilatildeo eacute
104
porque natildeo duvidamos do que tenha sido naturalizado construiacutedo discursivamente como o
outro o diferente
Estas dissonacircncias entre interferir em manifestaccedilotildees de preconceitos e construir
possibilidades de exercer controle sobre o outro o desviante da pressuposta normalidade
mesmo que de forma discreta podem estar expressando modos de subjetivaccedilatildeo nos quais
sujeitos expostos agraves diversas formaccedilotildees discursivas assimilam mudanccedilas ordens interesses
Em outros momentos todavia retecircm-se com perspectivas essencialistas que osas impedem
de apropriar-se do que recomendam as tecnologias oficiais no tocante por exemplo ao
respeito agrave diversidade humana aos conhecimentos dos processos de construccedilatildeo do diferente
como o outro o abjeto Osas educadoresas expressam entatildeo em muitas tentativas de quebra
de paradigmas que os jogos por verdades se datildeo de modo processual refletem lutas poderes
e resistecircncias dispersando e replicando vozes
Considerando a importacircncia de buscar inquiriccedilatildeo sobre o fenocircmeno da violecircncia
domeacutestica contra a mulher como uma das mazelas sociais que as vitimiza cotidianamente
sob as mais diferentes formas de massacre fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral patrimonial
na oitava questatildeo resolvi inquirir sobre como este fenocircmeno eacute percebido pelosas
educadoresas envolvidosas no estudo Assim propus o enunciado
8 No tocante agrave violecircncia contra a mulher segundo o Mapa da Violecircncia 2012 o
Brasil ocupa a 7ordf colocaccedilatildeo em um ranking de 84 paiacuteses O que em sua opiniatildeo
explica a existecircncia deste fenocircmeno Marque mais de uma questatildeo caso queira
8a ( ) Formaccedilatildeo cultural
8b ( ) Haacute pessoas naturalmente violentas
8c ( ) Natildeo sei
8d ( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo
8e ( )O desemprego crise financeira e pobreza
Outra ______________________
Nesta proposiccedilatildeo as respostas foram diversificadas foi marcado inclusive o
enunciado que afirma desconhecer as razotildees (8c) A questatildeo em aberto natildeo foi aproveitada
por nenhuma respondente Mas em sua maioria essesas (seis dosas nove) relacionaram o
fenocircmeno da violecircncia contra a mulher como algo que tem causa na formaccedilatildeo cultural Eacute
importante que se atente como alguns enunciados marcados podem estar evidenciando o
quanto a problemaacutetica carrega alguns mitos sobre as suas provaacuteveis causas Observando por
exemplo a marcaccedilatildeo isolada para o toacutepico 8e que faz nexo causal entre a violecircncia e a crise
econocircmica como pensar que a violecircncia estaacute ligada agraves dificuldades dessa ordem quando em
105
todas as classes sociais se registram ocorrecircncias Haacute maneiras diferentes de encarar as
agressividades em funccedilatildeo de tabus entre outros subterfuacutegios mas mulheres pertencentes a
todas as posiccedilotildees da piracircmide social satildeo viacutetimas de violecircncia conforme atestam inuacutemeras
pesquisas (SAFFIOTI 2001)
A evidecircncia de que o entendimento sobre as causas da violecircncia foi redutor estaacute
tambeacutem na marcaccedilatildeo isolada da proposiccedilatildeo 8d afinal estas causas apontadas estatildeo indicando
que o estopim estourou pelo aumento do stress pela perda do autocontrole (SAFFIOTI
MUNHOS 1994) mas em verdade haacute algo maior que impulsiona a agressatildeo encontra
apenas as brechas em quaisquer desculpas Em verdade eacute costumeira a confusatildeo entre causas
e motivaccedilotildees da violecircncia aquelas satildeo mais sistecircmicas e as motivaccedilotildees mais localizadas
ocasionadas por situaccedilotildees diversas como stress uso de entorpecentes etc
Considero importante atentar para o fato de que se a maioria respondeu perceber
vinculaccedilatildeo entre a violecircncia e a formaccedilatildeo cultural talvez por presenciar tantas cenas de
violecircncia de gecircnero e escutar narrativas feitas por alunosas acerca das dores maternas e
fraternas provocadas pela violecircncia domeacutestica deveria estar a escola propondo a brigada
anti-violecircncia pelo vieacutes da cultura Mas nenhuma respondente posicionou-se assim no espaccedilo
deixado em branco no questionaacuterio com o fim de possibilitar a expressatildeo de reflexotildees tambeacutem
nessa direccedilatildeo
A violecircncia contra a mulher tem vinculaccedilatildeo em uma cultura machista patriarcal
sedimentada milenarmente Buscar compreendecirc-la no campo dos estudos de gecircnero seria
oportuno para a escola porque poderia ser evidenciada o quanto a educaccedilatildeo dispensada a
meninos e meninas de forma diferenciada na qual se passam valores que sustentam olhar
para as mulheres que as inferioriza eacute possivelmente forte construto que alimenta uma cultura
machista E essa credencia agrave banalizaccedilatildeo do fenocircmeno da violecircncia Basta que se lembre dos
ditados populares que grassam (jaacute grassaram bem mais) nas bocas ldquoMulher eacute que nem bife
quanto mais apanha melhor ficardquo para que se atente o quanto haacute a naturalizaccedilatildeo do
fenocircmeno Esse dito eacute soacute um entre tantos nos imaginaacuterios sociais que fabricam a ideia de que
violentar mulheres faz parte eacute permitido
E satildeo por esses imaginaacuterios sociais que o Relatoacuterio Final da Comissatildeo Parlamentar
Mista de Inqueacuterito ndash CPMI - da Violecircncia contra a Mulher do Congresso Nacional entregue
em julho de 2013 aponta iacutendices alarmantes fala de femiciacutedio e coloca como uma
necessidade premente a da superaccedilatildeo deste mal
106
A curva ascendente do femiciacutedio a permanecircncia de altos padrotildees de violecircncia contra
mulheres e a toleracircncia estatal detectada tanto por pesquisas estudos e relatoacuterios
nacionais e internacionais quanto pelos trabalhos desta CPMI estatildeo a demonstrar a
necessidade urgente de mudanccedilas legais e culturais em nossa sociedade Conforme
mostra a pesquisa intitulada Mapa da Violecircncia homiciacutedios de mulheres mais de 92
mil mulheres foram assassinadas no Brasil nos uacuteltimos trinta anos 43 mil delas soacute
na uacuteltima deacutecada (BRASIL 2013 p 8)
A violecircncia contra a mulher eacute um fenocircmeno bastante complexo com raiacutezes fincadas
em solos de culturas machistas amparada em um Estado historicamente omisso na promoccedilatildeo
do direito a uma vida sem violecircncia para as mulheres Esse fenocircmeno que esteve na
invisibilidade social encoberto por muito tempo erroneamente sustentado pelo direito ao
instituto da privacidade entre parceiros tendo inclusive um aparato popular que os abrigava
de vexames e intervenccedilotildees ldquoEm briga de marido e mulher natildeo se mete a colherrdquo teve
recentemente a intervenccedilatildeo do Estado brasileiro com a Lei 113402006 a Maria da Penha
Esse instrumento juriacutedico se apresenta como um dos mais avanccedilados amparo legal para o
enfrentamento da questatildeo Natildeo se muda todavia cultura com golpe de lei haacute muito a ser
feito em termos de estrutura do judiciaacuterio brasileiro (ampliaccedilatildeo do nuacutemero de varas de
juizados especiais de Casas Abrigo de DEAMS - Delegacias Especializadas de Atendimento
agrave Mulher - funcionando em regime de plantatildeo capacitaccedilatildeo dos juristas) para que a lei passe a
ser um ordenamento juriacutedico que vigore como deve efetivamente sendo aplicado de forma
preventiva educativa e punitiva
E a escola no que diz respeito a formar para a equidade de gecircnero e para a cultura da
paz eacute espaccedilo fundamental que pode se ofertar no semeio desta colheita Importante portanto
a denuacutencia que osas respondentes fizeram da atuaccedilatildeo piacutefia da unidade escolar em tela no
tocante ao papel que a instituiccedilatildeo deve ter como importante instrumento no combate agrave
violecircncia domeacutestica contra a mulher Satildeo muitas as respostas (oito das nove) que afirmaram
pouco operar a escola neste sentido Assim se constituiu a nona questatildeo
9 Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave
questatildeo
( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante
A escola TRAVESSIA conforme percebem aqueles que dela fazem parte e
seguramente presenciam depoimentos e cenas que datildeo conta do mal da violecircncia contra a
mulher como o que grassa pouco opera no enfrentamento deste problema Esse mal que
sendo uma violaccedilatildeo dos direitos humanos das mulheres eacute um flagelo uma ameaccedila agrave
107
Democracia agrave paz agrave justiccedila deve portanto ter a escola envolvida em sua prevenccedilatildeo
eliminaccedilatildeo e enfrentamento Natildeo haacute como esta instituiccedilatildeo ser indiferente ao caminho sem
volta que as marchas feministas vecircm construindo especialmente nas uacuteltimas deacutecadas com
grandes avanccedilos dados pelos seus gritos ecoados nas bandeiras dos DH positivados em
forma de lei especiacutefica que penaliza a violecircncia contra a mulher e em diretrizes educacionais
que propotildeem a equidade de gecircnero
Como instacircncia de poder atravessada por praacuteticas discursivas natildeo neutras
legitimadora de ordem social por meio de suas ldquoverdadesrdquo fabricadas a escola propaga em
tese sua missatildeo fundamental como a de formar seres humanos eacuteticos conscientes de sua
igualdade de direitos por seus propoacutesitos e pela obrigatoriedade legal que se desenha com o
advento da poacutes-modernidade Mas na praacutetica sua missatildeo tem eacute instituiacutedo a segregaccedilatildeo
atraveacutes do controle disciplinar domesticando corpos e mentes (LOURO 2012)
Nesse sentido a promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de enfrentamento agrave violecircncia de
gecircnero eacute uma realidade de resistecircncia que daacute sinais tiacutemidos no chatildeo da escola mas daacute sinais
Cabe aosagraves fazedores da educaccedilatildeo acolhecirc-los Sua contribuiccedilatildeo ao debate que estranha
sentidos essencializados pode ser significativa considerando que os muros escolares racham
com o advento da globalizaccedilatildeo e dos avanccedilos tecnoloacutegicos disseminando informaccedilatildeo
instantaneamente Satildeo inuacutemeros os recursos educativos que podem amparar a discussatildeo
reportagens filmes peccedilas teatrais programas de TV de raacutedio diaacutelogos que circulam em salas
de aula entre outros Obviamente que esses recursos na maioria esmagadora das escolas
puacuteblicas brasileiras natildeo satildeo inteiramente disponibilizados e na escola TRAVESSIA natildeo eacute
diferente Haacute laacute escassez de textos e de demais instrumentos que permitam um trabalho bem
amparado percebida em minhas visitaccedilotildees Mas isso natildeo pode se constituir como oacutebice total
haacute sempre formas de propor o debate em um mundo plural que existe e deseja se firmar Por
onde andamos e estamos haacute sujeitos em interlocuccedilatildeo trazendo presentes vozes sociais de
onde emanam efeitos de sentidos sobre papeacuteis construiacutedos
Elaborei questatildeo especiacutefica sobre qual o olhar a escola evidencia ter atraveacutes de seu
projeto de leitura para um dos melhores instrumentos juriacutedicos em niacutevel mundial de
enfrentamento do combate agrave violecircncia domeacutestica a Lei Maria da Penha Esse ordenamento
juriacutedico que segundo pesquisa do Instituto AvonIPSOS (2011) eacute um marco legal
amplamente conhecido e poderia estar sendo pontuado no ambiente escolar de modo a
semear a cultura da paz e do respeito agraves mulheres Assim mobilizei a deacutecima questatildeo desse
instrumento
108
10 A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da
violecircncia contra a mulher ganha que espaccedilo no projeto de leitura
10a ( ) Nunca foi citada
10b ( ) Existe na biblioteca
10c ( ) Jaacute trabalhamos com ela
As respostas obtidas indicam sintonia com a nona proposiccedilatildeo na qual se pontuou
que a problemaacutetica da violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo encontra a importacircncia que
lhe eacute devida Todosas colaboradoresas responderam na deacutecima questatildeo que a lei nunca foi
citada (10a) Natildeo que o ordenamento juriacutedico tenha que ter referecircncia obrigatoacuteria nas leituras
da escola mas face a sua popularidade e pertinecircncia inclusive havendo versatildeo deste em
cordel o que facilitaria sua divulgaccedilatildeo poderia constar como uma das leituras feitas e
referidas de forma direta ou indireta Poderia porque a escola eacute espaccedilo formador tem papel
estruturante em accedilotildees que podem semear reflexotildees individuais e coletivas pela construccedilatildeo da
cultura da paz A educaccedilatildeo tensionando conflito e vozes pode ser constituiacutedo como espaccedilo
fecundo de organizaccedilatildeo pela emancipaccedilatildeo de oprimidos[as] (FREIRE 2002) Nesta acepccedilatildeo
a lei pode chegar a todas as crianccedilas e adolescentes pela instacircncia da escola como um sulco
no muro da iniquidade de gecircnero mostrando-se em sua consistecircncia preventiva e punitiva
como um aprendizado um oacutebice agrave violecircncia domeacutestica
Natildeo bastaraacute todavia conhecer o ordenamento juriacutedico para que se coiacuteba a violecircncia
O enfrentamento desse fenocircmeno perpassa pela construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo
nas quais o direito a uma vida sem violecircncia agraves mulheres seja efetivamente garantido e
assegurado pela condiccedilatildeo humana destas A escola deve ser um baluarte na colaboraccedilatildeo dessa
praacutetica para isso por ela precisam perpassar debates caros ao tema inquirindo sobre qual
posicionamento tem tido a instituiccedilatildeo quanto agrave construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de hegemonias
tem reforccedilado ou questionado as assimetrias de gecircnero
Na escola TRAVESSIA pude constatar haacute um tangenciamento do debate acerca das
relaccedilotildees de gecircnero percebido pelas discursividades de seusuas educadoresas como
mediadores de leituras Uma anaacutelise desse tangenciamento pode pontuar uma reflexatildeo que
perspectiva com um debate proposto por Foucault (2011) na linha do que satildeo as conjunturas
histoacutericas e socioculturais que permitem os jogos de verdades Se haacute a positivaccedilatildeo da lei na
sociedade brasileira e ela pode ser contemplada como legado de mobilizaccedilatildeo haacute todavia a
ausecircncia de seu debate em instacircncias escolares como a da escola TRAVESSIA E isso pode
ser contemplado como um legado de controle social no qual a eliminaccedilatildeo das discriminaccedilotildees
das violecircncias dos confrontos eacute significativamente negada silenciada mesmo que estejam
109
postas tecnologias que a discutam O rompimento desse controle que silencia lutas eacute uma
tarefa que oa intelectual oa educadora pode desejar construir lembrando aquilo que
Foucault (2004a 2004c 2012) pontua as pessoas podem ser mais felizes mais livres As
pessoas natildeo satildeo aprisionadas pelo poder elas podem modificar sua dominaccedilatildeo Isso evoca a
recusa do que satildeo despertada pela consciecircncia do que lhes disseram ldquoNingueacutem entraraacute na
ordem do discurso se natildeo satisfizer a certas exigecircncias ou se natildeo for de iniacutecio qualificado
para fazecirc-lordquo (FOUCAULT 2011)
E que ordem de discurso adentra a escola TRAVESSIA produzindo efeitos de
sentidos postos pela ausecircncia do debate sobre as hierarquias de gecircnero Adentra conforme
depoimentos de educadoresas ali escutadosas a da pouca reflexibilidade sobre o campo de
gecircnero a do adormecimento para a noccedilatildeo de estrateacutegias que enfrentem o poder androcecircntrico
Uma das formas de resistecircncia a esse poder se daacute pelo ato desbravador do conhecimento dos
processos discursivos que constituem as subjetividades que constituem as verdades ditas
sobre homens e sobre mulheres Satildeo passos na caminhada pela emancipaccedilatildeo A leitura pode
ser constituiacuteda com esta linhagem e ser mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de
identidades na ressignificaccedilatildeo de leituras eivadas de identidades socialmente construiacutedas pela
subalternidade da mulher Nessa direccedilatildeo Moita Lopes (2003) traz a tecitura com que a
linguagem nos constroacutei e corrobora com a ideia de resistecircncia
A percepccedilatildeo do discurso como construccedilatildeo social coloca as pessoas como
participantes nos processos de construccedilatildeo de significado na sociedade e portanto
inclui a possibilidade de permitir posiccedilotildees de resistecircncia em relaccedilatildeo a discursos
hegemocircnicos isto eacute o poder natildeo eacute tomado como monoliacutetico e as identidades sociais
natildeo fixas (MOITA LOPES 2003 p 55)
Nesse sentido por conceber a importacircncia do conhecimento dos processos histoacutericos
emancipatoacuterios como o das lutas sociais e em especial a esse trabalho o do movimento
feminista foi elaborada questatildeo que objetivava perpassar pelas reflexotildees acerca da histoacuteria
social das mulheres As histoacuterias dos homens estatildeo aiacute onipresentes ocupando o tempo todo
todo espaccedilo Mas a histoacuteria social das mulheres natildeo eacute significativamente contada natildeo consta
nos curriacuteculos natildeo eacute devidamente estudada Isso possivelmente contribui para trazecirc-las na
invisibilidade considerando que os seus processos histoacutericos de subordinaccedilatildeo ao masculino
suas exclusotildees dos campos poliacuteticos cientiacuteficos artiacutesticos enfim ainda natildeo satildeo devidamente
estudados A histoacuteria de luta pela emancipaccedilatildeo social das mulheres eacute entretanto uma das
mais bem vividas experiecircncias que atestam o poder da mobilizaccedilatildeo social e mereceria estar
110
entre as preocupaccedilotildees da escola e no projeto de leitura Desejei saber como esta questatildeo era
percebida pelosas informantes e elaborei o deacutecimo primeiro questionamento
11 Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo
escolar e no projeto
11a ( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos
curriacuteculos escolares
11b ( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas
memoacuterias ocultadas e inferiorizadas
11c ( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca
carga horaacuteria para exploraacute-lo mais
11d ( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho
importante
Aqui natildeo houve ressalvas para a defesa na quase totalidade das respostas (sete das
nove) da implementaccedilatildeo da histoacuteria das mulheres como forma de resgate de si no debate
escolar Natildeo houve marcaccedilatildeo para o enunciado 11 d A questatildeo 11b foi bem pontuada entatildeo
ldquoApoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e
inferiorizadasrdquo Eacute como um reconhecimento de que o processo de aprendizagem de uma
desnaturalizaccedilatildeo da desigualdade entre homens e mulheres passa pelo conhecimento da
histoacuteria que as excluiu e da sua inclusatildeo pela luta Foucault (2004c) auxilia nesse sentido
quando nos traz a pertinecircncia do conhecimento e a compreensatildeo da relevacircncia do papel do
intelectual
[] e que podemos mostrar agraves pessoas que elas satildeo muito mais livres do que
pensam que elas tomam por verdadeiros por evidentes certos temas fabricados em
um momento particular da histoacuteria e que essa pretensa evidecircncia pode ser criticada
e destruiacuteda O papel do intelectual eacute mudar alguma coisa no pensamento das
pessoas (FOUCAULT 2004c p 295)
Uma pretensatildeo bem ponderada E que em alguns outros momentos o filoacutesofo se
retrai desta posiccedilatildeo de ldquomostrarrdquo caminhos ao outro (FOUCAULT 2004e) Mas a histoacuteria de
luta das mulheres por sua emancipaccedilatildeo social eacute um caminho que merece ser mostrado Papel
que osas educadoresas podem cumprir percebendo-se como sujeitos agrave linguagem agrave
aprendizagem de ordens discursivas e se resistirem promotores das mudanccedilas que a
educaccedilatildeo pode constituir Papel que o movimento feminista com intelectuais e ativistas
parece ter cumprido com propriedade A atuaccedilatildeo desse movimento solicitada na 12ordf questatildeo
assim foi angariada
111
12 Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista Marque ateacute duas
respostas
12a ( ) fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da
opressatildeo agrave mulher
12b ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute
bom
12c ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo
eacute
bom
12d ( ) eacute um movimento com muito radicalismo
A unanimidade de valorizaccedilatildeo desta praacutetica discursiva quase imperou desta vez As
proposiccedilotildees 12a e 12b as quais veem com olhos respeitosos o movimento foram as
marcaccedilotildees de oito colaboradoresas Apenas uma resposta considerou o radicalismo do
movimento sua marca talvez por pressupor que as mulheres militantes propotildeem mudanccedilas
que ferem uma construiacuteda e disciplinada essecircncia feminina Os movimentos feministas
propotildeem radicalizar a desnaturalizaccedilatildeo de um mundo construiacutedo em pilares desiguais e
injustos um mundo calccedilado em machismo em violecircncia contra a mulher Radicalizar a
desnaturalizaccedilatildeo deste mundo eacute bom nodal conforme concordaram os que marcaram os
enunciados 12a e 12b Por seu turno ningueacutem marcou que isto natildeo seria bom conforme
enuncia o 12c
A uacuteltima questatildeo do instrumento investigativo versou sobre a consciecircncia do valor
histoacuterico e simboacutelico que tem o Dia Internacional da Mulher Neste enunciado foi deixada
uma questatildeo em aberto com espaccedilo para que osas colaboradoresas pudessem expressar
opiniotildees que ampliassem o conteuacutedo do enunciado o 13 a cuja visatildeo da mulher perpassa por
questotildees generalistas simplistas
13 O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas
comemorativas
( )sim ( ) natildeo
Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que
se faz na data ou o que se pretende fazer
13a ( ) Ressaltam-se as qualidades da mulher eacute um dia em que ela eacute intensamente
valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola
13b ( ) outros Especifique_____________________
Todas as marcaccedilotildees apontaram para a 13a ou seja dia de demonstrar homenagens
E o que se homenageia Em regra por meio da publicidade e de outras praacuteticas discursivas
112
circulam imagens que narram e constituem mulheres com identidades ldquonaturaisrdquo dotadas de
habilidades tantas expressas em forma de doaccedilatildeo de cuidados e tantas outras construccedilotildees
dignas de serem presenteadas Batons perfumes flores entre outros satildeo apetrechos que
acompanham imagens que circulam representando o 8 de marccedilo como o Dia Internacional da
Mulher A publicidade que opera com o objetivo de reafirmar valores convencimentos
haacutebitos desfocou a perspectiva de luta de memoacuteria de caminhada por direitos implementada
pelo movimento O teor eacute outro o do consumo Agraves mulheres flores em seu dia Se nos
demais os papeacuteis sexuais exalam o perfume da iniquidade de gecircnero que murchem as flores
Eacute o tempo ainda da formataccedilatildeo que murcha da presenccedila de vozes que falam de um lugar
social o do consumo guiado pelos interesses capitalistas ou o do apagamento da luta das
mulheres por sua cidadania guiado pelos interesses machistas E com esses instala-se o
comportamento de tirar o foco das bandeiras feministas que ergueram o 8 de marccedilo tiram o
foco e semeiam verdades como as de que se valoriza a mulher com perfumes dias de beleza
de spas de corpos sarados ritualizados para uma beleza homogecircnea com tempo de validade
e condiccedilotildees de uso
Nesta questatildeo nenhuma resposta ultrapassou a marcaccedilatildeo de um x nenhum
enunciado a preencher o espaccedilo vazio adentrando todosas respondentes pela perspectiva do
senso comum das comerciais e banais homenagens agraves mulheres Esta ausecircncia de percepccedilatildeo
pelo menos evidenciada pelo que natildeo foi dito que significa conforme pontua a AD por parte
dosas educadoresas para o Dia Internacional da Mulher pode estar revelando um desvalor
para as brigadas que precisam ser armadas naquela seara O 8 de marccedilo eacute data de flores natildeo
pelo que as mulheres satildeo em termos de construccedilotildees essencialistas mas pelo que lutam para
ser livres O 8 de marccedilo eacute dia de memoacuteria de luta sobretudo pelo que as mulheres ainda
precisam assegurar para que possam ter o comando de suas vidas nas matildeos dando ou natildeo
essas em pedidos de casamento Haacute desse modo mais uma maneira de homenagear as
mulheres que eacute pela saudaccedilatildeo na luta na grandeza de fazer uma nova histoacuteria que natildeo foi
dita nas respostas daquelesas respondentes E este silecircncio pode estar ressoando como um
ldquoadeus agraves armasrdquo ou melhor como um natildeo agraves armas O natildeo uso das armas por parte de
quem tem uma responsabilidade social com os marcos legislativos educacionais com a
adoccedilatildeo de praacuteticas de si que osas faccedila zelar por um ethos pela cultura da paz e pela bandeira
da inclusatildeo evidencia uma cristalizaccedilatildeo das identidades uma naturalizaccedilatildeo da construccedilatildeo da
diferenccedila um descompromisso social com a cidadania plena da mulher
Ali na escola TRAVESSIA percebi entatildeo com as leituras das anaacutelises dos
instrumentos investigativos aplicados que o processo de fortalecimento da cidadania da
113
mulher natildeo encontra a guarida nos olhos de quem trabalha com a leitura comprometendo o
ato poliacutetico de ler Natildeo eacute uma trilha faacutecil eacute bom reconhecer atravessar no cotidiano escolar
um oceano de discursos que constroem imagens da mulher que as inferioriza que tingem o
diferente com cores da negaccedilatildeo e desejar atuar para desconstruir tais imagens Os pais e matildees
aparecem para contestar mudanccedilas contestar desconstruccedilotildees de papeacuteis socialmente
instituiacutedos como naquelas cenas que vivi e narrei quando construiacute a gecircnese desta pesquisa
Mas oa educadora tem um chamado para ficar na trincheira por uma brigada que inclua que
emancipe que torne a escola reflexiva atraente a todas as pessoas independentemente de
etnia de orientaccedilatildeo sexual de condiccedilatildeo social Pelo menos esse chamado estaacute sendo
evocado segundo as regras histoacuterias de um tempo que se desenha novo com uma
programaccedilatildeo na qual os jogos de verdades possuem malhas que se abrem para sujeitos de
direitos mesmo que lentamente conquistados
35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder
Por reorganizaccedilotildees das accedilotildees em funccedilatildeo de vaacuterias suspensotildees de aulas de leitura
pelo projeto entre outras intercorrecircncias deixei a etapa de observaccedilatildeo de aulas para o reiniacutecio
das aulas do 2ordm semestre de 2014 Planejei esta accedilatildeo atentando para o papel central dosas
educadoresas na conduccedilatildeo do debate por sua posiccedilatildeo de liacuteder na interaccedilatildeo relacional e por
serem esses os sujeitos desta pesquisa E assisti agraves aulas das professoras Jacqueline e Luacutecia
cujos nomes satildeo fictiacutecios como todos os outros e que possuem respectivamente oito e vinte
anos de formadas Em ambas houve uma receptividade agradaacutevel mas irei relatar minha
experiecircncia apenas nas aulas de Jacqueline por entendecirc-las mais significativa para o estudo
Assim as considero porque esta professora instigada possivelmente pelos desafios de alguns
instantes de conversas nos quais muito ouvi fez uma tentativa improvisada de dialogar com o
tema em tela
No preluacutedio dessas aulas que se deram em 11 de julho de 2014 no turno vespertino
a professora Jacqueline que me atendeu na biblioteca da escola em um horaacuterio reservado para
isto mostrou-se soliacutecita receosa e muito determinada a demonstrar sua anguacutestia suas
inquietaccedilotildees com a escolha profissional que fez
- Escolhi ser professora desde pequena Era meu sonho Mas a realidade eacute um
pesadelo Quando chega o momento de entrar na sala de aula eu me arrependo desta
escolha Tenho uma filha de 1 ano e seis meses e peccedilo a Deus todo dia que a livre desta
profissatildeo
114
A professora conduziu-me com sua fala pela escola como quem apresenta um
depoacutesito de problemas sem lugar para sonhos para a edificaccedilatildeo da autonomia Ali era o
reduto das queixas narrado por uma voz que soacute lamenta Jacqueline debulhou uma a uma as
lamentaccedilotildees que impregnam aquele ambiente Ouvi um rosaacuterio de desespero de exaustatildeo de
descontrole de pacircnico ateacute de criacuteticas ao ECA - Estatuto da Crianccedila e do Adolescente - que
estava na iminecircncia de completar 24 anos de criaccedilatildeo e que segundo ela ateacute hoje natildeo sabe o
bem que fez a sociedade a existecircncia desse ordenamento juriacutedico As criacuteticas saiacuteram do ECA
agraves peacutessimas condiccedilotildees de trabalho agraves famiacutelias que a seu ver satildeo irresponsaacuteveis Essas
segundo a informante soacute visitam as escolas quando seus benefiacutecios sociais estatildeo ameaccedilados
sobrecarregando a instituiccedilatildeo com deveres que satildeo delas Jaqueline estava disposta a relatar
sobre o peso de ser docente Informou-me que guarda as lembranccedilas das coisas lindas sobre a
educaccedilatildeo ditas por Paulo Freire pelos[as] professores[as] da universidade mas ali dentro da
escola nada que ouviu serve aplica-se
- Somos impotentes Soacute um ou outro aluno daacute sentido ao nosso trabalho Vivemos na
sala de aula o aacutepice do desinteresse e desrespeito e isto eacute terriacutevel Tem horas que natildeo
acredito que estou vivendo isto
Ouvi aquele depoimento atenta e dolorosamente Mas inseri um toacutepico novo o
motivo da observaccedilatildeo daquela aula buscar o nexo temaacutetico das leituras feitas ali O tom da
desmotivaccedilatildeo do sentimento de impotecircncia continuou fazendo parte dos enunciados da profordf
Jaqueline
- Ler aqui eacute complicado professora Natildeo temos recursos nem interesse por parte
dos[as] alunos[as] que soacute querem bagunccedilar
- O que vocecirc preparou para a aula de hoje Indaguei-lhe Ela me disse que iria pedir
para eles escreverem sobre as feacuterias sobre a copa de 2014 Insisti sobre o que leriam disse-
me que algum texto do livro didaacutetico Perguntei-lhe se soacute liam os textos dos livros didaacuteticos
respondeu-me que quase sempre Um retorno agraves aulas sem planejamento sem a municcedilatildeo de
um texto novo produzido por fatos recentes vindo de suportes diferentes com uma
professora que iria improvisar qualquer leitura pareceu-me o retrato de um descaso
profissional bem niacutetido Sem buscar condenaccedilotildees pessoais puxo um fio do novelo da
educaccedilatildeo puacuteblica brasileira que com seus parcos investimentos faz poliacuteticas pobres para
115
pobres cerceando o direito desses agrave cidadania plena agrave emancipaccedilatildeo social Essa professora eacute
mais um elo da cadeia do descuido que envolve a escola puacuteblica brasileira
Depois de ouvi-la muito provoquei o diaacutelogo sobre a interface gecircnero e leitura
Jacqueline falou de gecircnero dos meios de comunicaccedilatildeo de massa influenciando
comportamentos sendo aliados ldquona abertura de mentesrdquo em suas palavras Mas a abertura de
mentes a seu ver resume-se agrave toleracircncia com o diferente estava sempre afirmando que
respeita ldquoas sapatonasrdquo assim se referindo agraves duas meninas que tinham um relacionamento
amoroso e que tentavam assumir isso na escola mas soacute respeitava natildeo aceitava ldquoaquilo natildeo
era normal e era constrangedorrdquo em suas palavras O pronunciamento desta professora
evidenciando uma construccedilatildeo naturalizada das identidades de gecircnero ainda foi acompanhado
por gestos de face e matildeos que transmitiam uma repugnacircncia pela orientaccedilatildeo sexual natildeo
normatizada
Naquela entrevista com as expressotildees preconceituosas de Jaqueline em nomear as
garotas homossexuais de forma pejorativa e com seus gestos de repulsa agraves manifestaccedilotildees de
afeto das garotas fui levada a compreender uma resposta massiva dada pelo questionaacuterio
quando indaguei acerca do posicionamento dosas educadoresas diante de manifestaccedilotildees de
interesse que contrariassem o normalizado Ali tanto quanto no questionaacuterio o desafio de
adotar um olhar reflexivo que problematize as construccedilotildees sociais que estereotipam
comportamentos e orientaccedilotildees sexuais ainda natildeo foi suficientemente alcanccedilado
Conversamos Toca o sinal para a entrada da aula A nossa interaccedilatildeo gerou nela algo
que teve um impulso e se dirigiu agrave prateleira de livros Chega-me com cinco volumes do guia
da Crianccedila Cidadatilde uma publicaccedilatildeo do UNICEF que eacute uma coleccedilatildeo com temas referentes agrave
cidadania O volume trazido pela professora Jaqueline eacute ldquoConvivendo com meninos e
meninasrdquo de autoria de Gwenaeumllle Boulet et al (2005) Tal documento eacute um encarte pequeno
com 54 paacuteginas cujo foco eacute o tratamento da questatildeo de gecircnero A existecircncia deste texto ali
me causou surpresa considerando que em outra etapa desta pesquisa fui informada pela
servidora que exerce a funccedilatildeo de bibliotecaacuteria ali de que nada havia naquele espaccedilo sobre esta
temaacutetica Mas Jacqueline meses depois desta informaccedilatildeo encontrou e parecia encontrar um
sentido em seu uso agora
ldquo- Jaacute que vocecirc estaacute aqui e pesquisa este tema vamos ver em que daacute hoje ler este
livro Mudei minha aula natildeo gosto de discutir estas questotildees mas agora me deu vontaderdquondash
Expressou-se assim a professora
116
Senti o risco do improviso e do artificialismo da aula que caiacutea ali de forma ex-
temporacircnea fruto de um confesso acaso Refleti ao mesmo tempo o quanto as brigadas por
uma defesa da equidade de gecircnero satildeo tambeacutem em forma de tecircnues mudanccedilas que chegam
chegam troteando Houve com minha presenccedila uma provocaccedilatildeo um encorajamento ao tema
tambeacutem jaacute por inuacutemeras vezes estimulado conforme eacute de conhecimento dosas educadoresas
da rede de ensino municipal atraveacutes de projetos acadecircmicos produzidos pela SEDEC como
os que refletem sobre a questatildeo do Bullying da violecircncia contra a mulher entre outros
A questatildeo eacute semear cuidar e perseverar Ali aos olhos de Jaqueline natildeo me parecia
haver um jardim a receber cuidados Seu semblante angustiado ao se deparar com o toque de
entrada para a sala de aula parecia o de quem natildeo levava sementes nem flores Havia um
solo jaacute pronunciado como aacuterido como infeacutertil nas palavras de uma professora que me disse
rezar protegendo sua filha do mal de ser educadora A turma era a do 6ordm ano A com alunosas
de faixa etaacuteria entre 12-13 anos Estavam presentes 18 alunosas naquela sala que receberam
cinco exemplares para serem lidos o que torna considero uma leitura dificultosa
inadequada A professora sem explicar bem a divisatildeo do material propocircs um ciacuterculo A
acuacutestica da sala era comprometida com ventiladores barulhentos e adolescentes inquietosas
Depois de um tempo ela conseguiu iniciar o trabalho e pediu a leitura do livro Joatildeo este eacute
um nome fictiacutecio tanto quanto os dos demais alunosas aqui referidosas a partir de entatildeo
afirma que natildeo quer ler ainda justificando sua negaccedilatildeo
- Natildeo jaacute sei ler pra que ficar lendo
A mestra pacientemente responde
- Joatildeo todo dia se aprende algo novo com a leitura
Atualizei ali o olhar para a 2ordf ediccedilatildeo da Pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO
PROacute-LIVRO 2008) quando essa pontua sobre quatildeo pode natildeo ser gecircnero de primeira
necessidade a leitura para crianccedilas que natildeo veem pais lendo que natildeo encontram ambiente
propiacutecio para o ato de ler A baixa escolaridade das famiacutelias daquelesas alunosas certamente
propicia pouca frequecircncia da leitura em suas casas o que compromete o estiacutemulo familiar agrave
leitura Para aquele aluno o ato de ler eacute mero instrumento decodificador que como ele jaacute
domina a sua teacutecnica despreza as outras funccedilotildees da leitura A professora deu atenccedilatildeo a Joatildeo
dando-lhe uma resposta concisa sobre o valor dessa praacutetica Mas senti falta de mais Senti
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falta de uma defesa da leitura que mobilizasse a turma Seria um momento propiacutecio para a
educadora inquirir questotildees acerca do prazer (ou desprazer) de ler
Como quem tem pressa como quem natildeo tem espaccedilo para mergulhar aquela
educadora volta a conduzir a aula Pediu aosagraves alunosas para lerem trechos em voz alta
indagou algo e nem esperou o resultado da resposta jaacute retomou ao texto Minha presenccedila
pode ter lanccedilado sobre ela ansiedade desejo de mostrar que tinha o controle disciplinar do
evento E talvez para ela a permissatildeo e o estiacutemulo agrave palavra gerasse debate e esse o
tumulto as conversas paralelas Mas em determinados momentos a explosatildeo de inquietude
dosas alunosas fragilizava seu jaacute tecircnue controle Olhei a professora contendo ira
envergonhada cheia de medo de explodir com aquelesas alunosas acuada segundo suas
proacuteprias palavras pelo ECA Esse ordenamento diferentemente de ser visto como um
instrumento juriacutedico avanccedilado na garantia de direitos era considerado como o responsaacutevel
por aquele espiacuterito de rebeldia nas vidas das crianccedilas e dosas adolescentes Jacqueline natildeo se
conteve e veio ateacute perto de mim desabafando
- Depois do ECA somos barrados [a] de termos autoridade com eles[as] E natildeo tem
estatuto de professor[a] nada nos protege
Acuada assim ela disse se sentir E sem perceber que lhe faltava autoridade natildeo pela
existecircncia do ECA mas pelo desgoverno de uma educaccedilatildeo puacuteblica precaacuteria engrossou o coro
de vozes que ressoaram dosas seusas colegas Vozes essas por mim anteriormente colhidas
naquela tarde nos momentos que permaneci na sala dosas professoresas ouvindo-osas
Acuada e sem sentir prazer pelo que faz Observando Jacqueline lendo usando toda sua
potencialidade vocal repetindo frases pedindo silecircncio estabeleci um elo com uma resposta
no instrumento investigativo aplicado em outubro de 2013 o questionaacuterio Um dado ali
pontuado por vaacuterios colaboradoresas indicando a ausecircncia de marcaccedilatildeo da leitura como
atividade de prazer (vide primeira questatildeo do instrumento) torna-se tatildeo palpaacutevel naquela sala
Como afirmar prazer na praacutetica leitora quando a voz doa mestrea se esvai em meio agrave gritaria
correria e desinteresse Muito hostil ler assim ela me diz
- Tem professor que ainda mente que eacute hipoacutecrita que diz que isso eacute bom Que faz
seus[as] alunos[as] lerem Esses[as] meninos[as] tornam o ato de ler um desprazer Preparo
tudo com carinho quando chega aqui tomo raiva de mim mesma por ainda insistir
Acompanhar Jacqueline naquela tarde em suas aulas foi passear por falas nas quais o
lugar da leitura na escola era o da farsa do engodo De modo exaustivo ela fala de exaustatildeo
118
de desesperanccedila e de tristeza porque disse acreditar que ali estava ldquoa chave das mudanccedilas que
precisam ser feitasrdquo nas suas palavras E sua discursividade era a da desesperanccedila se haacute a
chave nem haacute a porta na dialogia com Drummond em Joseacute (1983) A leitura era difiacutecil
naquela escola Mesmo assim a mestra comeccedila a trazer problematizaccedilotildees acerca das questotildees
de gecircnero Pede uma opiniatildeo agrave turma sobre um trecho do guia que aborda diferenccedilas entre
meninos e meninas ldquoNoacutes meninas somos sensiacuteveis fraacutegeis E os meninos satildeo uns brutos
[]rdquo(BOULET 2005 p 11) expressando com gritos
- Menina eacute diferente de menino Em quecirc Leiam isso na paacutegina 11 Vocecircs
concordam
As respostas saiacuteram em forma de gritos
- Satildeo umas taradas as meninas
- Aqui tem menina que natildeo aguenta nem o vento deste ventilador toda fraquinha
- Eacute sim satildeo fracas Satildeo iguais a Neymar caem por tudo
- Satildeo umas chatas umas metidas umas piriguetes
Poucos disseram que natildeo nenhum olhar de respeito agraves meninas que responderam
com vaias Imaginei que ela iria procurar problematizar esses enunciados Mas trouxe outro
toacutepico colhido rapidamente do guia que faz uma abordagem pontual das questotildees de gecircnero
entabulando esta outra questatildeo
- Algueacutem aqui aceitaria ser amigo[a] de um gay
Impressionou-me o tom de desatenccedilatildeo agrave problemaacutetica de gecircnero por Jaqueline O que
foi dito por ela ao indagar sobre se algueacutem seria amigo de um gay carrega muito de seu
preconceito Ela sedimentou um olhar que constitui o outro o segregacionado o diferente e
inferiorizado Por que algueacutem teria que aceitar ser amigoa de um gay A relaccedilatildeo natildeo seria a
de se aceitaria ou natildeo a amizade de pessoas E ali o que eacute dito por ela sobre as relaccedilotildees de
gecircnero alicerccedilam estereoacutetipos datildeo invisibilidade ao fenocircmeno da violecircncia aos processos de
construccedilatildeo do diferente (SILVA 2012) Uma praacutetica discursiva que se potildee na contramatildeo dos
interesses de uma escola para todas as pessoas como advogam os DH ali percebi
A professora ouviu da turma um sonoro natildeo E sem atentar possivelmente para o
quanto seu olhar nega uma brigada vigilante anti-sexista anti-homofoacutebica e de respeito aos
direitos das crianccedilas e adolescentes proposta por organismos mundiais e nacionais amparada
119
por marcos legais protetivos natildeo atentou para a sonoridade negativa da turma para um mundo
inclusivo Mas retrucou
- Quer dizer que vocecircs deixariam ele [sic] no isolamento
Um menino de nome Pedro disse que sim que merece sofrer ficar isolado quem
desobedece ao que Deus criou
-E Deus criou homem e mulher professora - Reforccedilou o garoto
Ela respondeu que sim Assumiu uma postura criacionista essencialista Muito
embora tenha salientado que mesmo sendo um desvio uma afronta ao que Deus determinou
essas pessoas merecem ser respeitadas Jeacutessica uma menina muito inquieta considerada
conforme Jacqueline ldquopior do que os meninosrdquo em termos de inquietaccedilatildeo agressivamente
respondeu
- Respeitar boiola professora Respeito natildeo
Jaqueline natildeo retrucou Aquela aluna me parecia sem eco Todas as falas em sua
direccedilatildeo eram no sentido de fazecirc-la ficar quieta A menina demonstrava uma agressividade
para com todosas colegas indiferenccedila agrave aula e desrespeito agrave professora
- Vocecirc eacute louca eacute Respeitar boiola ndash Dirigiu-se agrave Jacqueline respondendo-lhe pela
defesa que a professora fez do dever de todosas ao respeito aos considerados desviantes
Sem economias essa aluna iniciou um turno de xingamentos de imitaccedilotildees grotescas
de como os gays falam andam e gesticulam levando a turma a rir e constrangendo a
professora Desistindo de enfrentaacute-la natildeo sei se por medo de criar mais confronto com a aluna
ou se por consentir manifestaccedilotildees de escaacuternio e homofoacutebicas Jacqueline natildeo exortou a aluna
redirecionou a aula solicitando a volta ao texto E indicando desconhecer por completo o guia
sai procurando o que ler salteando paacuteginas em busca do que explorar Premida pelo tempo
pelo barulho da sala acha trechos aleatoriamente e os ler pede opiniatildeo do grupo e sem
conseguir instigar o interesse da turma que se lanccedila em brincadeiras culpa a todosas pela
eterna balbuacuterdia e descompromisso com o ato de debater
120
Por muitos momentos observei a agitaccedilatildeo da professora diante do texto e da turma
Seu ambiente de trabalho se traduzia como uma violecircncia ao ato de ler a balbuacuterdia dosas
alunosas inviabilizava a mais elementar concentraccedilatildeo que a leitura requer para que haja a
fluecircncia das ideias a capacidade de retecirc-las de trocaacute-las Em polvorosa a turma ao tempo
que respondia a algo pontuado pelo texto desligava-se dele completamente mergulhando em
outros mundos outros textos tatildeo diacutespares ao proposto Parecia natildeo haver naquele espaccedilo por
alguns instantes a presenccedila de um texto em matildeos a presenccedila de uma mestra E ela competia
com a desordem agitando-se gritando muito
Em contraste com aquele cenaacuterio de mestra sem maestria sem calmaria sem rumo
resgatei uma imagem beliacutessima trazida por Larrosa (2004) com a sua leitura do jaacute referido
poema O Leitor de Rilke A construccedilatildeo poeacutetica desse autor debulha jaacute em seus versos
iniciais a imagem de um ser tomado possuiacutedo arrebatado pelo ato de ler ldquoQuem o conhece
a este que jaacute baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo ser a quem apenas o veloz passar
das paacuteginas plenas agraves vezes interrompe com violecircnciardquo O enfrentamento da obra que se daacute
com o rosto abaixado eacute a garantia da transformaccedilatildeo A obra quer quietude o autor diz que
ldquoapenas o veloz passar das paacuteginasrdquo traz a inquietaccedilatildeo Oa leitora poeticamente possui as
marcas da quietude da liquidez da transformaccedilatildeo nas palavras de Larrosa
O texto esse segundo ser no qual o leitor submerge estaacute empapado da sombra do
leitor A palavra alematilde eacute Getrankts e poderia ser traduzida por embriagada ou
porembebido[] O texto entatildeo tambeacutem perdeu sua estabilidade sua solidez e seu
controle sobre si mesmo ao estar impregnado dessa sombra liacutequida e embriagadora
que o leitor [a] derramou sobre ele A sombra do leitor [a] tem algo da fluidez dos
liacutequidos O texto por sua parte eacute permeaacutevel a esses liacutequidos uma vez que se deixa
empapar e embriagar por eles Ambos satildeo liacutequidos e podem misturar-se entre si E o
texto uma vez liquefeito embriagado e desmaternado agora pode ser o elemento
em que o leitor pode submergir para emergir transformado o elemento liacutequido da
metamorfose (LARROSA 2004 p 108)
A experiecircncia da leitura na poesia de Rilke e na interpretaccedilatildeo que Larrosa (2004)
empresta a esta obra eacute a experiecircncia da conversatildeo essa aqui natildeo eacute vista como aspiraccedilatildeo ao
divino mas agrave substancialidade de si da plenitude da saiacuteda do ordinaacuterio da
despersonalizaccedilatildeo ldquoQuem o conhecerdquo Haacute por conseguinte observando a aula de leitura
ministrada por Jaqueline uma distacircncia astronocircmica entre o leitor da poesia rilkeana e osas
leitoresas daquela sala de aula Satildeo contextos histoacutericos distintos com diferentes grupos
sociais que resultam em entregas e natildeo entregas agrave leitura Parece que a sala de aula inquieta e
desgovernada programada pelo poder-escola mesmo que anuncie a importacircncia da entrega
para a leitura natildeo propicia as condiccedilotildees para isto Haacute um controle por parte desse poder que
121
cria regras nas quais se gera o impedimento para que a relaccedilatildeo complexa de abandonar-se pela
interpretaccedilatildeo de obras de textos de discursos para inquietar mundos prontos seja efetivada
Ler entatildeo na escola puacuteblica em tela e em tantas outras construiacutedas com a mesma
mesquinharia na faceta Paulo Honorina de nossos gestores puacuteblicos no trato com a educaccedilatildeo
eacute estar sob a tutela de uma atividade que controla e disciplina o natildeo ler
E o ler na sala de Jaqueline dizia do natildeo ler Assim entendi tambeacutem quando
observei a cena em que trecircs alunos que sentavam juntos folheavam o guia passando as
paacuteginas sem deleite algum mesmo este contendo bastante ilustraccedilotildees Um deles disse agrave
professora que ler aquilo ldquoera um sacordquo Ela foi raacutepida em me justificar a opiniatildeo do garoto
- Aqueles satildeo influenciados pela religiatildeo natildeo gostam de nada natildeo aceitam os
homossexuais nem que a mulher se iguale ao homem Satildeo do contra
Jaqueline demonstrou entatildeo entender pouco o que disse o aluno E dividida entre
alunosas que representavam o fundamentalismo religioso e expressavam rigidez de papeacuteis
acerca de identidades de gecircnero entre outrosas que expressavam um olhar assimeacutetrico para
as relaccedilotildees de gecircnero levadosas pelo senso comum e ainda por voz solitaacuteria que afirmou
defender a liberdade de cada um de ser quem quer como a de Viacutetor um paulistano receacutem-
chegado agrave Paraiacuteba Jacqueline posicionou-se E o fez premida pelo discurso da toleracircncia ao
diferente Uma ressonacircncia assumida por ela das suas interaccedilotildees com discursos de
formadores nos eventos de formaccedilatildeo continuada dos quais participa na Rede Municipal de
Ensino Diversas formaccedilotildees discursivas circundavam naquele espaccedilo impingindo a marca de
quatildeo heterogecircneas e fragmentadas satildeo as identidades sociais construiacutedas em praacuteticas
discursivas regradas historicamente Enxergaacute-las e tecirc-las como processos de construccedilotildees nos
quais somos premidos eacute em tese pensar fora do autoritarismo O ato de ler pode estar a serviccedilo
de exercitarmos o pensamento nesta perspectiva o que poderaacute promover o encontro com o
outro com disposiccedilatildeo para o diaacutelogo Mas este ato natildeo pode fugir de sua instacircncia poliacutetica
natildeo pode se dar sem angariar as formaccedilotildees discursivas que determinam verdades apagando e
dando sentidos conforme pontua Foucault [] ldquovivemos em uma sociedade que produz e faz
circular discursos que funcionam como verdade que passam por tal e que deteacutem por este
motivo poderes especiacuteficosrdquo (FOUCAULT 2012 p 231) Esta eacute tarefa para os que brigam os
que vivem em permanente posiccedilatildeo de lutadores
Natildeo sei se instigada pelo nosso diaacutelogo antes da aula a professora trouxe a tocircnica da
violecircncia contra a mulher perguntando se algueacutem ali achava certo um homem agredir uma
122
mulher A pergunta me pareceu ingecircnua simplista que expressa possivelmente a
desorganizaccedilatildeo de Jaqueline por improvisar uma aula em um tema que natildeo parece lhe
fascinar As respostas vieram de forma apressadas e uniacutessonas por um natildeo agrave agressatildeo agrave
mulher Ela elogiou o grupo propagando uma cultura de paz reforccedilando que ningueacutem deve
bater em ningueacutemrdquo Chamou-me atenccedilatildeo a voz fraacutegil de uma menina que trouxe o
ordenamento juriacutedico como justificativa para o impedimento agrave violecircncia contra a mulher
- Natildeo pode professora por causa da Maria da Penha
Jacqueline demonstrou gostar desta resposta da garota e falou rapidamente da Lei
1134006 pontuando para a turma ldquoeacute a Maria da Penha que bota os homens que batem em
mulher na cadeiardquo Chamou-me atenccedilatildeo ainda o fato natildeo visto pela professora de que a aluna
natildeo encontrou um oacutebice para a violecircncia contra a mulher na dignidade humana dessa no seu
direito a uma vida sem agressotildees e sim em uma lei Mas a demonstraccedilatildeo de conhecimento do
ordenamento juriacutedico pela menina deixou a professora satisfeita Uma outra aluna indagou-
lhe
- Quem foi professora Maria da Penha
A docente Jaqueline natildeo soube dizer exatamente soacute respondeu que Maria da Penha eacute
uma mulher que sofreu violecircncia domeacutestica Perdeu a oportunidade de narrar uma histoacuteria
exemplar de luta contra a impunidade a este mal que grassa em tantos lares ao tempo em que
evidenciou um comprometimento em sua formaccedilatildeo intelectual Seu desconhecimento
considerando a relevacircncia que a farmacecircutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes
possui como siacutembolo de luta para o enfrentamento da violecircncia contra a mulher demonstrou
fragilidade de formaccedilatildeo profissional Maria da Penha vitimada pela violecircncia com duas
tentativas de assassinato por Marco Antonio Heredia Viveros agrave eacutepoca seu marido lutou
bravamente contra a impunidade a esse crime Por sua obstinaccedilatildeo durante longos anos travou
uma longa batalha no poder Judiciaacuterio e evitou a impunidade de Marco conseguindo levar
sua denuacutencia agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organizaccedilatildeo dos
Estados Americanos) que determinou medidas do Estado brasileiro pela puniccedilatildeo ao ex-
marido e reparaccedilatildeo agrave viacutetima A visibilidade da violecircncia contra a mulher ganhou em Maria da
Penha um baluarte que a fez homenageada com o nome da Lei 1134006 Suas apariccedilotildees na
123
miacutedia em especial nas comemoraccedilotildees alusivas ao Dia Internacional da Mulher deveriam ser
outro fator que favorecesse o conhecimento da cearense pela professora Jaqueline
O tema da violecircncia contra a mulher instigou a turma a falar e muitosas alunosas
disseram conhecer mulheres viacutetimas de violecircncia ningueacutem disse que isto fazia parte da
realidade familiar mas da de uma vizinha de uma conhecida Jacqueline natildeo aproveitou a
discussatildeo para trazer reflexotildees sobre as causas desse fenocircmeno dar visibilidade agrave questatildeo
cultural que sustenta a assimetria entre homens e mulheres e discorrer sobre a importacircncia da
lei E mesmo diante de enunciados de meninos dizendo que deveria existir a lei para os
homens tambeacutem o que implica uma incoerecircncia a professora se esquivou de aprofundar o
debate Um debate que seria oportuno considerando que a violecircncia contra homens eacute um
fenocircmeno cultural de baixiacutessima incidecircncia o que em tese natildeo justifica a existecircncia de uma
lei para a proteccedilatildeo dos homens
A aula natildeo havia acabado ainda mas o focirclego da professora sim Como quem paga
alta penitecircncia olhou muito para o reloacutegio enfim sentou-se exaurida ao meu lado e
timidamente me pediu uma opiniatildeo sobre seu desempenho pedagoacutegico Tive zelo para natildeo
parecer dona da verdade e pontuei algo para ela Iniciando pela criacutetica ao improviso Abordei
tambeacutem com a educadora o quanto o lidar com texto em sala de aula em uma perspectiva
discursiva permite a quebra da ilusatildeo de que haacute uma leitura boa e certa para um texto na qual
o professor seria o inteacuterprete legiacutetimo E que a postura dela de natildeo ouvir as respostas dosas
alunosas em alguns momentos evidenciava talvez para ela a crenccedila de que as respostas da
turma estariam fora do campo do verdadeiro Falei tambeacutem do desejo de ver a temaacutetica ser
vivenciada com esmero por respeito ao princiacutepio da dignidade humana de todas as pessoas e
por considerar que para que se engendrem reflexotildees plurais e que se olhem mais
apuradamente as assimetrias de gecircnero desmantelando-nas as construccedilotildees discursivas
precisam fazer parte de um ethos Precisam fazer parte de uma brigada pela defesa de uma
escola inclusiva para todosas e isto natildeo nasce aleatoriamente nem sem suor Novos sujeitos
precisam nascer ou no dizer foucaultiano (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c 2012) novos
modos de subjetivaccedilatildeo Jaqueline ponderou que estava disposta a aprender mas de algumas
coisas natildeo abriria matildeo O que ela e tantosas natildeo abrem matildeo poderaacute continuar impedindo a
responsabilidade da escola em construir caminhos para novos sujeitos com a eliminaccedilatildeo de
praacuteticas discriminatoacuterias sexistas homofoacutebicas
A aula acabou e eu tomei emprestado o material usado em sala para analisaacute-lo
conforme tracei em um dos objetivos deste trabalho E muito embora este natildeo seja um
material programado para fazer parte de suas aulas como jaacute pontuei aqui por sua escolha ter
124
sido notoriamente casual aleatoacuteria foi ele o subsiacutedio do evento e eacute um dos textos presentes
na escola que poderaacute ser lido outras vezes Voltei agrave biblioteca e perguntei agrave Denise a
responsaacutevel por aquele espaccedilo que foi uma das participantes da pesquisa se aquele texto o
ldquoGuia da Crianccedila Cidadatilde ndash Convivendo com meninas e meninosrdquo (BOULET 2005) jaacute fazia
parte do acervo bibliotecaacuterio quando de minhas visitaccedilotildees na outra etapa desta pesquisa Ela
me informou que natildeo aqueles volumes tinham sido uma aquisiccedilatildeo no final do ano realizada
pela coordenadora do projeto de leitura
O material usado um guia eacute um gecircnero textual que tem como caracteriacutestica pontuar
concisamente informaccedilotildees para nortear leitoresas acerca de algo E com esse natildeo foi
diferente o material utilizado naquela aula eacute um texto com muita ilustraccedilatildeo em uma
linguagem acessiacutevel e com historinhas apresentadas em trecircs capiacutetulos As narrativas abordam
relacionamentos entre meninos e meninas problematizando a construccedilatildeo das diferenccedilas
atraveacutes de toacutepicos como o interesse dos meninos por baleacute a ocupaccedilatildeo das mulheres no
mercado de trabalho as meninas poderem tomar agrave frente nas manifestaccedilotildees de afeto entre
outros papeacuteis sociais questionados Satildeo toacutepicos interessantes que se organizados
reflexivamente poderiam render uma aula mais significativa
O guia todavia eacute uma produccedilatildeo do UNICEF jaacute com uma certa defasagem em
relaccedilatildeo aos avanccedilos conquistados pelas mulheres no tocante agraves garantias juriacutedicas como as
Leis 1203409 (BRASIL 2009) que prevecirc a obrigatoriedade do preenchimento de vagas por
mulheres em cada partido e a Maria da Penha que combate agrave violecircncia contra a mulher
Outros avanccedilos angariados pelo coletivo feminista natildeo poderiam tambeacutem estar contemplados
ali no que diz respeito agraves mobilizaccedilotildees sociais como as construccedilotildees das conferecircncias entre
outros Assim eacute uma leitura que mobiliza o interesse pelo combate agrave violecircncia de gecircnero tem
seu valor mas precisaria estar melhor articulada e atualizada Esse eacute um trabalho doa
fazedora da educaccedilatildeo que deve entrar em sala carregando leituras catadas angariadas
escolhidas criteriosamente o que natildeo foi o caso da aula em tela na qual a mestra pareceu
carregar um guia sem ser guiada por ele
125
4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA VIA DA
LEITURA
Apoacutes discorrer acerca do trajeto desta pesquisa objetivando costurar os fios traccedilados
ao longo de sua constituiccedilatildeo cabe-me tomar a direccedilatildeo de apresentar nesta parte do estudo
uma proposta de sistematizaccedilatildeo de estrateacutegias que poderatildeo ser adotadas pelo projeto de leitura
da escola TRAVESSIA Isso se deve porque este mestrado que possui uma diretriz
profissional estaacute sendo desenvolvido de modo a permitir uma accedilatildeo interventiva na praacutetica
docente de seus cursistas o que se traduz como compromisso e luta com o fazer pedagoacutegico
aos quais bendigo
E com base no que angariei em termos de anaacutelises das discursividades de
educadoresas como mediadores(as) de leituras cabe-me propor a inserccedilatildeo do debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA Faccedilo assim por conceber que
a leitura ali vivenciada percebida em diversos momentos desta pesquisa natildeo demonstrou
contemplar a temaacutetica da equidade de gecircnero E a ausecircncia desta contemplaccedilatildeo eacute considero
um oacutebice para a formaccedilatildeo de cidadatildeosatildes reflexivosas que eacute um dos objetivos propostos no
documento do referido projeto de leitura da escola
Desse modo e em respeito agrave pauta reivindicatoacuteria dos DH das mulheres da populaccedilatildeo
LGBT e de toda uma legislaccedilatildeo educacional que trata da inclusatildeo como um direito de todas as
pessoas agrave dignidade humana proponho que haja o empenho pela implementaccedilatildeo do debate da
equidade de gecircnero na escola TRAVESSIA por via da leitura Sendo concebida esta via
como uma praacutetica social que pode contribuir significativamente com as mudanccedilas sociais e
culturais que precisam ser construiacutedas (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008) eacute preciso
que nela seja investido um olhar mais reflexivo Para isto eacute crucial que a escola repense o
lugar da leitura centralizando-a norteando esta praacutetica por reflexotildees e estudos frequentes
entre osas professoresas envolvidosas com o projeto CestaSexta literaacuteria Tais reflexotildees e
estudos devem estar subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e
propotildeem como leitura no projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam
estereoacutetipos para os modos como se alicerccedilam verdades Tais reflexotildees e estudos devem estar
subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e propotildeem como leitura no
projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam estereoacutetipos para os modos como
se alicerccedilam verdades A vigilacircncia sobre os modos de conceber a leitura tem razatildeo de ser
quando se considera o que a AD atraveacutes de Possenti (2009) postula em si natildeo eacute a leitura um
bem E como tal natildeo deve ser sacralizada natildeo pode tambeacutem ser mateacuteria de improviso de
mero cumprimento de tarefa sem planejamento criterioso e sabor
126
A formaccedilatildeo de leitoresas pressupotildee estudo pressupotildee concernir com o que se
acolhe Heidegger (apud LARROSA 2004 p 110) investe na importacircncia do ato de ler
debruccedilando-se na etimologia do termo
A etimologia de ler como recorda Heidegger remete a recolher a colher a
colecionar a coletar Leitura lectio liccedilatildeo e tambeacutem e-leiccedilatildeo se-leccedilatildeo co-leccedilatildeo co-
lheita Heidegger mostra como o legein grego relaciona-se com o leger latino e com
o alematildeo lesen em seu sentido primitivo de um ldquopocircr abaixo e pocircr diante de que se
reuacutene a si mesmo e recolhe outras coisasrdquo Esse pocircr eacute um juntar e um com-pocircr []
E aleacutem disso como indica o alematildeo lesen um coletar ou um re-coletar um co-lher
ou um re-colher a colheita de espigas (Ahren-lese) recolhe o fruto do solo A
vindima (Trauben-lese) colhe as bagas da videira Por isso o juntar e pocircr diante natildeo
eacute um juntar qualquer coisa de qualquer maneira natildeo eacute um mero amontoar mas
implica uma busca e uma escolha previamente determinada por um colocar dentre
por um colocar sob um teto por um preservar ou abrigar (HEIDEGGER apud
LARROSA 2004 p 110)
Haacute uma ideia de abrigamento de incorporaccedilatildeo com a definiccedilatildeo do termo que sugere
alimento a leitura como o patildeo diaacuterio que nutre defendida por Antunes (2009) E eacute com essa
ideia que advogo quatildeo a formaccedilatildeo de leitoresas eacute tarefa de extrema responsabilidade
pressupotildee condiccedilotildees adequadas de produccedilatildeo do ato de ler que envolve a disponibilidade do
acervo do espaccedilo adequado bem como as condiccedilotildees intersubjetivas como o desejo o
conhecimento o prazer por parte de quem propotildee a leitura A formaccedilatildeo de leitoresas eacute ato
seacuterio ultrapassa formar para a mera classificaccedilatildeo para o mero valorar de coisas eacute no dizer
de Larrosa (2004) ato que possibilita deixar aparecer o existente em sua plenitude atraveacutes da
experiecircncia do lanccedilar-se
E qual se lanccedilar haacute na leitura proposta pela profordf Jaqueline com poucos livros em
muitas matildeos desprotegida pelo Estado com um fastio intelectual leitor por um tema que
aparece nas formaccedilotildees continuadas segundo me informou mas desaparece na sua praacutetica
discursiva Haacute um lanccedilar-se Haacute eacute um hiato entre os sujeitos que escutam mudanccedilas
anunciadas nas formaccedilotildees entre os sujeitos que leem e natildeo assimilam essas leituras O
percurso formativo dessa profissional como dos outros sujeitos desta pesquisa eacute o de um
sujeito refrataacuterio agraves mudanccedilas propostas nas tecnologias enunciativas nas praacuteticas leitoras que
instiguem reflexotildees sobre a constituiccedilatildeo de identidades Nesse sentido recorro a Noacutevoa
A formaccedilatildeo eacute algo que pertence ao proacuteprio sujeito e se inscreve num processo de ser
(nossas vidas e experiecircncias nosso passado etc) e num processo de ir sendo (nossos
projetos nossa ideia de futura [] Eacute uma conquista feita com muitas ajudas dos
mestres dos livros das aulas dos computadores Mas depende sempre de um
trabalho pessoal Ningueacutem forma ningueacutem Cada um forma-se sozinho (NOacuteVOA
2001 p 15)
127
No trabalho de formaccedilatildeo interior levantado por Noacutevoa que eacute de extrema
importacircncia estatildeo as lembranccedilas foucaultianas das praacuteticas de si (FOUCAULT 2004a
2004b 2004c) as que fazem os sujeitos acordarem para seus desejos atentarem para relaccedilotildees
consigo com seus cuidados mas que permitem o olhar em torno o olhar para as construccedilotildees
sociais de si e do outroa Daiacute poderaacute vir a condiccedilatildeo de ser leitora de ser lanccediladora
Cuidando de si mas amparadoa pelo Estado satildeo por praacuteticas de libertaccedilatildeo e de liberdade que
osas intelectuais e professoresas poderatildeo ter a vitalidade necessaacuteria para formar e ser
leitora E aqui de novo a Literatura de Graciliano Ramos me acolhe com Madalena lutando
chorosamente contra o opressor Paulo Honoacuterio e sendo vencida Acode-me para que eu possa
propagar solitariamente natildeo haacute saiacuteda Agreste eacute a alma de Paulo Honoacuterio
Conheci que Madalena era boa em demasia mas natildeo conheci tudo de uma vez Ela
se revelou pouco a pouco e nunca se revelou inteiramente A culpa foi minha ou
antes a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste (RAMOS 1978
p 92)
Como agreste eacute o coraccedilatildeo de uma sala de aula sem livros sem sonhadoresas sem
leitoresas Fiz esse rodeio por outras paragens para reafirmar que as estrateacutegias para se
formar leitoresas satildeo meticulosas exigem accedilotildees inventivas que mobilizem a ultrapassagem
aos muros da escola fazendo a chamada ao Poder Puacuteblico Mas para isso eacute preciso professora
que escolha natildeo chorar como o fez Madalena Ao agente de letramento resta-lhe organizar-se
politicamente e especialmente se enxerga na leitura um cunho libertaacuterio como me afirmou
Jaqueline minutos antes de entrar na sala de aula e afirmam tantosas outrosas
educadoresas resta-lhe lanccedilar matildeo de artefatos culturais que fomentem reflexotildees
propositoras da construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo de empoderamento social de
grupos minoritaacuterios entre outras formas de experimentar vivecircncias
Eacute uma luta por espaccedilo formar leitora E como luta natildeo se daacute sem investimento sem
desarticulaccedilotildees e articulaccedilotildees de olhares Natildeo se daacute sem mobilizaccedilotildees internas e externas ao
acircmbito da esfera escolar por isso que aqui me cabe atravessar o olhar indo da escola agrave
SEDEC e inquirir desse oacutergatildeo sobre suas responsabilidades poliacutetico-administrativas A
educaccedilatildeo do municiacutepio precisa repensar uma forma de estar gestando maior compromisso e
seriedade com as suas poliacuteticas educacionais no que se refere agrave responsabilidade de formar
leitoresas A produccedilatildeo de projetos de leitura natildeo pode ser tarefa de cunho meramente
administrativo sem o acompanhamento devido pelo pedagoacutegico Uma professora
readaptadoa portanto soacute deve propor e coordenar projeto de leitura se houver nelea as
128
favoraacuteveis condiccedilotildees para isso biblioteca escolar natildeo pode ser lugar para assegurar a
manutenccedilatildeo de gratificaccedilatildeo docente natildeo pode ser espaccedilo onde apenas se emprestam livros
sem a preocupaccedilatildeo com um trabalho profiacutecuo para o estiacutemulo agrave leitura Haacute o Plano Nacional
de Livro e Leitura ndash PNLL que reivindica a esse espaccedilo o seu lugar de dinacircmico polo difusor
de informaccedilatildeo e cultura para isso o profissional que fica agrave frente desse oacutergatildeo precisa avanccedilar
em conquistas por mais habilidade A responsabilidade da SEDEC com osas readaptadosas
natildeo pode se restringir agrave exigecircncia com a confecccedilatildeo de um projeto de leitura no papel mas em
formaacute-losas para que exerccedilam com maestria a funccedilatildeo de agente de letramentos
Pensar entatildeo e ainda em um aperfeiccediloamento com o trabalho de leitura na escola
TRAVESSIA eacute tambeacutem sair dos muros daquele espaccedilo e provocar os gabinetes e o interesse
do Poder Puacuteblico da Rede de Educaccedilatildeo Municipal de Joatildeo Pessoa para o implemento de
melhorias na formaccedilatildeo continuada por ela oferecida Como propositora das formaccedilotildees
continuadas a SEDEC deve se questionar sobre a qualidade dessas avaliando seus impactos
nas praacuteticas docentes As formaccedilotildees continuadas natildeo podem ser inoacutecuas incapazes de fazer
com que seusuas educadoresas impactem suas praacuteticas educativas com o que lhes satildeo
ministradosas nos eventos de formaccedilatildeo Para isto essas praacuteticas precisam estar municiadas de
reflexotildees permanentes acerca de seus jogos de verdades de suas operacionalidades do seu
formato das accedilotildees conectadas com a realidade da sala de aula acerca enfim dos seus efeitos
sobre as praacuteticas discursivas dos seus docentes
Dentre as preocupaccedilotildees que a escola TRAVESSIA deve ter para que possa
aperfeiccediloar seu trabalho com a leitura pode estar tambeacutem a de proporcionar o envolvimento
da participaccedilatildeo familiar nas praacuteticas leitoras A matildee jaacute foi aqui pontuado pelas anaacutelises dos
resultados da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2011) tem papel
inquestionaacutevel na influecircncia da formaccedilatildeo leitora A famiacutelia a despeito das dificuldades de
ajuste com tempo precisa ser estimulada a se envolver com as temaacuteticas e accedilotildees leitoras
desenvolvidas pela escola natildeo soacute atraveacutes das tarefas domeacutesticas dosas filhosas mas vindo agrave
escola para ler produzir textos para elesas participar dos eventos leitores Haacute matildees pais
avocircoacutes tiosas e irmatildeosas talentosos nos lares que podem contribuir com o trabalho de
leitura nas escolas atuando como contadoresas de histoacuterias como atoresatrizes em peccedilas
teatrais entre outras atividades
Reconheccedilo satildeo deveras hercuacuteleas as responsabilidades que o poder puacuteblico precisa
implementar para assegurar as mudanccedilas que a sociedade brasileira tem como direito em
termos de educaccedilatildeo de qualidade Satildeo inuacutemeras e histoacutericas as queixas de educandosas e
educadoresas sobre o ensino que o Estado brasileiro oferta agrave populaccedilatildeo e no que diz respeito
129
agrave praacutetica leitora pela escola elencam com frequecircncia como pontos negativos textos impostos
pouco acervo condiccedilotildees inadequadas de espaccedilo leitura para cumprir obrigaccedilatildeo A escola
precisa olhar com respeito tais queixas crocircnicas de seusuas educadoresas enxergar suas
vozes dispostas a aprender a aprender e aceitar o desafio de ser inventiva para resistir ao
poder como Foucault (2012) ressalta E em se tratando de poder institucional como tem sido
avassalador o poder puacuteblico do descaso com a educaccedilatildeo brasileira Tatildeo devastador a ponto de
fazer com que pensar em propor estrateacutegias interventivas em uma de suas instacircncias de
trabalho seja tatildeo sedutor quanto frustrante para mim e para educadoresas das escolas
puacuteblicas do Paiacutes Como ser inventivo diante dos limites estruturais que se apresentam face agraves
tentativas de desenvolvimento de um bom trabalho A realidade das salas superlotadas e dos
parcos recursos em termos de filmes de acervos literaacuterios musicais e demais artefatos
culturais aqui jaacute referendados comprometem a qualidade de um trabalho com a leitura
expondo o quanto o direito agrave educaccedilatildeo de qualidade estaacute sendo violado
Mas pior ficaraacute se natildeo se propuser Vou tentar pela vitalidade que haacute nos gestos de
tentar e por importar ter a leitura em pauta despertar interesse por ela saber de onde se lecirc
perscrutar por qual controle se lecirc Importa formar leitores que afiem os sentidos reflitam
sobre o estar no mundo para que possam no dizer de Freire (1999 p 124) conceber a
possibilidade do inacabamento humano ldquoa raiz mais profunda da politicidade da educaccedilatildeo se
acha na educabilidade mesma do ser humano que se fundamenta na sua natureza inacabada e
da qual se tornou conscienterdquo A leitura pode ser sem sacralizaccedilotildees uma porta para as buscas
de si foucaultianas e para a consciecircncia freireana
Convencida disto encaminho propostas de atividades de leituras de viacutedeos sites e
filmes para aprimorar as reflexotildees acerca da temaacutetica Faccedilo isto sem a menor pretensatildeo de
demonstrar possuir foacutermula nem verdade alguma nem achando que o que proponho eacute
novidade pois creio que apesar das condiccedilotildees adversas em muitos contextos escolares o
trabalho com a leitura tem sido pautado em uma perspectiva discursiva com objetivos
emancipatoacuterios libertaacuterios E o que me compete fazer neste momento satildeo esboccedilos para uma
reflexatildeo que norteie a praacutetica leitora do CestaSexta Literaacuteria Ciente sou todavia de que
profiacutecuo eacute que se faccedilam estudos coletivos reforccedilados nas coordenaccedilotildees pedagoacutegicas com
muito diaacutelogo e participaccedilatildeo dosas educadoresas ouvindo as famiacutelias os educandosas para
que haja o fortalecimento de ideias e aprendizado coletivo
Ciente sou ainda todavia de que respalda a todosas educadorasas no sentido de
reivindicar e fazer as mudanccedilas que precisam ser efetivadas a chegada de mais uma
tecnologia enunciativa como promessa de mudanccedilas O Senado Federal aprovou em julho
130
deste o novo Plano Nacional da Educaccedilatildeo - PNE cujo teor traz o compromisso firmado pelo
Governo brasileiro atraveacutes de suas poliacuteticas puacuteblicas para o enfrentamento da gravidade que
acomete a educaccedilatildeo brasileira Satildeo promessas em formato de diretrizes e metas a serem
cumpridas ateacute 2024 promessas que soacute poderatildeo ser alcanccediladas se esta tecnologia enunciativa
for concebida e acolhida como Plano de Estado mais do que Plano de Governo
Que sejamos osas santosas fazedoresas da mudanccedila que a educaccedilatildeo brasileira
precisa experimentar para sair de seu estado crocircnico de adoecimento A santidade nos
convoca a rezar aqui o sentido dessa accedilatildeo eacute para aleacutem da busca do sagrado conforme
estabelece esse Plano e um arcabouccedilo da legislaccedilatildeo educacional pela fundamental poliacutetica de
valorizaccedilatildeo global do magisteacuterio a qual implica simultaneamente a formaccedilatildeo profissional
inicial as condiccedilotildees de trabalho salaacuterio e carreira e a formaccedilatildeo continuada Que a reza natildeo
seja silenciosa apenas nem solitaacuteria pois seraacute inoacutecua e que conflua para o que diz o novo
PNE no sentido de que eacute preciso criar condiccedilotildees para que os professores possam vislumbrar
perspectivas de crescimento profissional e de continuidade de seu processo de formaccedilatildeo
(BRASIL 2014) Quem sabe assim o rosaacuterio de lamentaccedilotildees monotemaacuteticas que osas
educadoresas arrastam em seus enunciados natildeo mude de tom surgindo a sonoridade da luta
da paixatildeo e do sonho tatildeo (en)cantada por Chico Buarque de Holanda ldquoAi quero uma
lembranccedila eu quero uma esperanccedila A tua primavera
Apoacutes fazer uma ressalva ao PNE receacutem-chegado retorno agrave reflexatildeo sobre a
semeadura na escola em tela apresentando agrave guisa de sugestatildeo algumas recomendaccedilotildees que
podem ser incorporadas pela organizaccedilatildeo do projeto a CestaSexta Literaacuteria Nesse sentido
cabe aos organizadores do projeto de leitura da escola TRAVESSIA
1) Considerar a fragilidade com que o projeto de leitura se apresenta evidenciada
natildeo soacute pela ausecircncia da temaacutetica de gecircnero e de temas transversais propostos
pelos PCNs como tambeacutem pela ausecircncia de uma fluente organizaccedilatildeo entre as
accedilotildees propostas sua metodologia e seus objetivos e buscar construir uma
reformulaccedilatildeo do projeto Eacute necessaacuterio que este inclua em seus propoacutesitos uma
exposiccedilatildeo clara de temas trabalhados para que haja a relaccedilatildeo desses com a
formaccedilatildeo cidadatilde pelo projeto defendida
2) Construir para o referido projeto uma metodologia dialoacutegica e participativa
havendo a explicitaccedilatildeo dos recursos teacutecnicos adequados aos objetivos propostos
que contribuam para uma educaccedilatildeo natildeo-sexista natildeo discriminadora A sua
metodologia deve ser constituiacuteda de momentos formativos com o corpo docente e
131
gestor a fim de que as accedilotildees sejam elaboradas por uma equipe multidisciplinar
que elabore monitore e avalie todo o processo
3) Apresentar uma bibliografia envolvente e criteriosamente levantada como
tambeacutem uma seleta apresentaccedilatildeo de filmes e de artefatos culturais como canccedilotildees
entre outros objetivando ressignificar a realidade a partir desses instrumentos
Considero oportuno sugerir que a escola procure desenvolver dentro de suas
possibilidades praacuteticas leitoras incrementadas por encenaccedilotildees de peccedilas teatrais
jogos varais com a presenccedila de contadoresas de histoacuterias por exibiccedilatildeo de
filmes que a depender do estilo da peliacutecula pode sofrer cortes em cenas para que
apenas elas sejam estudadas considerando que nem toda narrativa atrai Haacute
programas de televisatildeo e capiacutetulos de novelas que podem ser objetos de anaacutelises
como tambeacutem determinadas leituras circuladas nas redes sociais podem estar
propiciando reflexotildees atinentes agrave valorizaccedilatildeo da dignidade humana
4) Proporcionar realizaccedilotildees de atividades educativas como oficinas palestras e
debates com a inserccedilatildeo da temaacutetica da equidade de gecircnero Para isso deve se
nortear com a discussatildeo de questotildees geradoras que podem ser conforme
pontuadas pelo curso de Gecircnero e Diversidade na Escola ndashGDE- (2009)3 assim
levantadas Como as relaccedilotildees de gecircnero aparecem no cotidiano escolar Haacute cenas
de violecircncia de gecircnero na escola O que educadoresas podem fazer neste
momento A discriminaccedilatildeo de gecircnero ainda coloca as mulheres em desvantagem
em diversas situaccedilotildees sociais Haacute o agravamento da desvantagem quando essa se
une agrave discriminaccedilatildeo eacutetnico-racial Qual a responsabilidade da escola e dos
educadores na garantia do direito de cada pessoa de ter uma justa imagem de si e
de ser tratado com dignidade Educadores e educadoras tecircm a possibilidade de
reforccedilar preconceitos e estereoacutetipos de gecircnero A escola institui sujeitos a partir
de um modelo Este modelo eacute branco masculino heterossexual e todas as pessoas
que natildeo se encaixam nele satildeo o outro que eacute reiteradamente tratado como inferior
estranho diferente Isso tem mudado Caso sim com base em que se sustenta esta
mudanccedila Em todas as classes sociais as mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia
(fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral e sexual) e enfrentam dificuldades de acesso
ao trabalho agrave geraccedilatildeo de renda e agrave participaccedilatildeo na vida poliacutetica Haacute letras de
3As perguntas apresentadas foram adaptadas a partir da leitura do livro intitulado ldquoGecircnero e Diversidade na
Escola Formaccedilatildeo de professorases em gecircnero orientaccedilatildeo sexual e relaccedilotildees eacutetnico-raciaisrdquo Este livro foi
utilizado como Livro de Conteuacutedo para o Curso Gecircnero e Diversidade na Escola (GDE) da Universidade
Federal da Paraiacuteba na modalidade a distacircncia
132
muacutesicas que vinculam a imagem da mulher ao escaacuternio agrave exploraccedilatildeo sexual e agrave
violecircncia fiacutesica e simboacutelica Isto se constitui como algo com que o projeto de
leitura deve se preocupar
5) Vivenciar a praacutetica leitora acompanhada de accedilotildees inventivas dinacircmicas ler
silenciosamente ler grupalmente ler atraveacutes das contaccedilotildees de histoacuterias que
devem ser estimuladas ler para encenar para debater ler para ler Isso pode ser
melhor realizado com a organizaccedilatildeo de grupos pequenos o que eacute um grande
desafio para a instituiccedilatildeo
6) Criar agendas com as quais se trabalhe a leitura em uma perspectiva dinacircmica
expondo temas ao longo do ano letivo acompanhado de artefato cultural para o
debate com recursos como obras cinematograacuteficas literaacuterias imagens feiras
participaccedilatildeo dosas alunosas em eventos culturais que porventura estejam sendo
realizados na cidade
7) Adotar para anaacutelise se possiacutevel as leituras abaixo sugeridas
SUGESTOtildeES DE LEITURAS
Bibliografia teoacuterica
AUAD Daniela Educar meninas e meninos relaccedilotildees de gecircnero na escola Satildeo
Paulo Contexto 2006 96 p
BRASIL Gecircnero e diversidade na escola formaccedilatildeo de professoresas em Gecircnero
Orientaccedilatildeo Sexual e Relaccedilotildees Eacutetnicos-Raciais Livro de Conteuacutedo versatildeo 2009 ndash
Rio de Janeiro CEPESC Brasiacutelia SPM 2009
LOURO Guacira Lopes Gecircnero sexualidade e educaccedilatildeo uma perspectiva poacutes-
estruturalista 14 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2012
SILVA Tomaz Tadeu da Identidade e diferenccedila a perspectiva dos Estudos
Culturais 10 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2011
ZENAIDE Maria de Nazareacute Tavares SILVA Margarida Socircnia Marinho do Monte
Plano de Accedilatildeo em Educaccedilatildeo em e para Direitos Humanos na Educaccedilatildeo baacutesica In
Direitos humanos capacitaccedilatildeo de educadores Joatildeo Pessoa editora
UniversitaacuteriaUFPB 2008 v 2
Bibliografia literaacuteria
BOJUNGA Lygia Sapato de salto Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2006
_____ A bolsa amarela 33 ed Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2003
133
BRAZ Juacutelio Emiacutelio Anjos no aquaacuterio Ilustraccedilotildees de Andreacutea Ramos 20 ed Satildeo
Paulo Atual 2009
LEITE Maacutercia Oliacutevia tem dois papais Ilustraccedilotildees de Taline Schubach Satildeo Paulo
Companhia das Letrinhas 2010
MACHADO Ana Maria A princesa que escolhia Ilustraccedilotildees de Graccedila Lima Rio
de Janeiro Nova Fronteira 2006
ROCHA Ruth Faca sem ponta galinha sem peacute Ilustraccedilotildees de Suppa Satildeo Paulo
Moderna 2009
SIMPATIA Tiatildeo A lei Maria da Penha em cordel ndash Fortaleza XX 2012
SOUZA Flaacutevio de Priacutencipes e princesas sapos e lagartos histoacuterias modernas de
tempos antigos Ilustraccedilotildees de Paulo Ricardo Dantas 6 ed Satildeo Paulo FTD 1996
_____ Homem natildeo chora Ilustraccedilotildees de Riba Tavares Belo Horizonte Formato
Editorial 1994
TORERO Joseacute Roberto PIMENTA Marcus Aurelius Chapeuzinhos coloridos
Rio de Janeiro Objetiva 2010
VIEIRA Isabel E agora matildee 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2002
ZIRALDO Coisas de menina histoacuterias que revelam o que eacute ser menina
maluquinha Satildeo Paulo Globo 2008
SUGESTOtildeES DE FILMES
Minha Vida em Cor-de-Rosa (Mavieen rose) eacute um filme dirigido pelo belga Alain
Berliner e lanccedilado em1997 Trata-se da histoacuteria de um menino chamado Ludovic que
imagina que deveria ter nascido menina O filme mostra os preconceitos que a personagem
principal e seus familiares enfrentam em relaccedilatildeo a sua identidade de gecircnero
Garotos natildeo choram (EUA 1999 Kimberly Peirce) Assunto predominante
sexualidade identidade sexual e de gecircnero atraveacutes da experiecircncia de uma transgecircnero
violecircncia EUA
Geraccedilatildeo Roubada (Austraacutelia 2002 Phillip Noyce) Assunto predominante
Opressatildeo cultural e situaccedilatildeo feminina
Iacuteris (Inglaterra 2001 Richard Eyre) Narra a trajetoacuteria biograacutefica de Iacuteris Murdoch
escritora e filoacutesofa inglesa sua relaccedilatildeo com os homens e seu casamento ateacute a morte por
Alzheimer em 1999
134
Beleza Americana (EUA 1999 Sam Mendes) Assunto predominante relaccedilatildeo
conjugal gecircnero e sexualidade no conflito de geraccedilotildees homofobia
Billy Eliot (Reino Unido 2000 Stephen Daldry) Assunto predominante Gecircnero e
classe identidade sexual danccedila (um garoto faz ballet)
Chocolate (EUA 2000 Lasse Hallstroumlm) Assunto predominante gecircnero
sexualidade e amor relaccedilatildeo matildee e filha descobertas transgressotildees
Delicada atraccedilatildeo (Inglaterra 1996 Hettie Macdonald) Assunto predominante
juventude e sexualidade masculina homoerotismo
Eternamente Pagu (Brasil 1987 Norma Bengell) Narra a trajetoacuteria biograacutefica e
poliacutetica de Pagu e outras personalidades da eacutepoca como Oswald de Andrade e Tarsila do
Amaral
Frida (EUA 2002 Julie Taymor) Assunto predominante biografia da artista Frida
Khalo amor relaccedilatildeo homem-mulher homoerotismo feminino
SUGESTOtildeES DE SITES PARA VISITAR
EDUCACcedilAtildeO ON LINE
httpeducacaoonline ndash Com uma busca na palavra gecircnero encontraraacute textos
acessiacuteveis sobre diversos temas educacionais
REVISTA GEcircNERO ndash (UFF ndash Universidade Federal Fluminense) ndash
httpwwweditorauffbr
Cadernos Pagu
httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso
Revista Estudos Feministas
httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso
SUGESTOtildeES MARCOS LEGISLATIVOS DE DOCUMENTOS
Lei11340 07082006 Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e
familiar contra a mulher nos termos do art 226 da Constituiccedilatildeo Federal da Convenccedilatildeo sobre
a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra as Mulheres e da Convenccedilatildeo
135
Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violecircncia contra a Mulher Disponiacutevel
emlthttpwwwplanaltogovbrCcivil 03 Ato2004-2006Lei11340htmgtAcesso em 26
jun 2013
BRASIL Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos Brasiacutelia
SEDHMJMECUNESCO 2007
136
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Eacute assim A gente pede para ele fazer cara de malvadeza de ruindade de valentia
Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para
ele Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho
(ROSA 1986 p 255)
Este trecho da ficccedilatildeo roseana soa-me como mais um fio das aacuteguas profundas do rio
que flui das conversaccedilotildees de (Rio)baldo e trazecirc-lo para abrir as consideraccedilotildees finais deste
trabalho parece-me oportuno Parece-me porque com esta construccedilatildeo literaacuteria de um ser no
espelho gestando imagens para si que seratildeo e vecircm dos outros pelas palavras e pela
ocularidade refletimos sobre a importacircncia da discursividade como o que nos encarna o que
nos vivifica o que nos constitui Haacute no espelho da obra roseana (ROSA 1986) a marca da
memoacuteria discursiva do outro que nos envereda a marca de que o poder eacute tecido nas praacuteticas
sociais e enunciado em praacuteticas discursivas que operam em noacutes um modo de subjetivaccedilatildeo
ldquo[] Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para ele
Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho []rdquo O espelho dado pelo outro
opera a virada que nos torna mutantes crentes no que vemos no que nos dizem Esta imagem
do espelho na fala de Riobaldo algo que natildeo eacute ldquonovidadeirordquo na ficccedilatildeo literaacuteria reflete
deveras o quanto a construccedilatildeo social da realidade estaacute imersa e constituiacuteda na trama da
linguagem E eacute por isso uma imagem cara que pode ser confluente com o pensamento
foucaultiano (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2004c 2004d 2012) no tocante ao interesse
do filoacutesofo de propor o exerciacutecio da suspeita do que somos e como nos tornamos quem
somos para quem sabe podermos recusar o que somos
Nesse caminho observando o cuidado alertado por Gallo (2008) para que se evite
enxergar tons novidadeiros e se tente ldquocolonizarrdquo pensamentos ter tomado de empreacutestimos as
reflexotildees de Foucault para esta pesquisa constituiu-se como um desafio instigante e vaacutelido As
contribuiccedilotildees do pensador mobilizadas aqui foram as atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo
da construccedilatildeo da verdade e do poder esse em suas formas de assimetria piramidalizadas
fabricadas pelo Estado e instituiccedilotildees como a familiar a religiosa e a escolar A articulaccedilatildeo de
tal empreacutestimo teve sua razatildeo de ser por esta pesquisa conforme evidenciada ter tido como
objetivo empreender reflexotildees acerca das relaccedilotildees de gecircnero perpassadas pelas constituiccedilotildees
discursivas dosas educadoresas como mediadoresas de leitura E a voz do pensador francecircs
levada a esse debate fez-me corroborar com a ideia de que o sujeito natildeo eacute uma substacircncia
137
pronta ele eacute forma que se faz e se refaz determinada por regras soacutecio-histoacutericas Foucault
(2004b) postula sujeitos que se esvanecem
Penso efetivamente que natildeo haacute um sujeito soberano fundador uma forma universal
de sujeito que poderiacuteamos encontrar em todos os lugares Penso pelo contraacuterio que o
sujeito se constitui atraveacutes das praacuteticas de sujeiccedilatildeo ou de maneira mais autocircnoma
atraveacutes das praacuteticas de liberaccedilatildeo de liberdade como na Antiguidade a partir de um
certo nuacutemero de regras de estilos de convenccedilotildees que podemos encontrar no meio
cultural (FOUCAULT 2004b p 291)
E tal postulaccedilatildeo viabiliza reflexotildees de que constituiacutedas discursivamente tramadas
por linguagens essas formas de subjetivaccedilatildeo satildeo moventes materiais dispersas falam de um
lugar institucional anunciando memoacuterias discursivas A importacircncia desse entendimento para
esta pesquisa se mostrou entre outras pela razatildeo de que com a concepccedilatildeo de que haacute
produccedilotildees histoacutericas de subjetividades e de que essas vivem em luta conforme evidencia
Foucault (2012) esta investigaccedilatildeo pocircde atentar para as instacircncias das resistecircncias Pocircde
atentar para as mobilizaccedilotildees que se intercruzam contra o naturalizado o instituiacutedo como
verdadeiro o que eacute controlado disciplinado para que possam ser problematizadas novas
formas de se constituiacuterem sujeitos
Desse modo posso dizer que haacute percebido por este estudo a possibilidade de
entrecruzar olhares foucaultianos sobre modos de subjetivaccedilatildeo e a marcha das mulheres por
um mundo com sujeitos eacuteticos que apregoem a igualdade o direito e a conquista de uma
praacutetica de liberdade para que se trace o desejo por um ethos E um ethos que incita a busca de
si o reinventar-se o desfamiliarizar-se eacute um fio no novelo que os feminismos e todos os
movimentos sociais que objetivam problematizar formaccedilotildees discursivas com seus poderes e
saberes podem ter como experiecircncia como aprendizado Com essa praacutetica homens e
mulheres constituem a beleza de serem artesatildeos de si como pontua Foucault (2004a 2004c)
Mas esta natildeo eacute uma busca sem lutas Desmantelar as invenccedilotildees os jogos de verdade recusar
o que somos por conseguinte eacute tarefa que passa pelo que se perscruta pelo que se elege para
ler ouvir falar partilhar acreditar desacreditar defender atacar enfim eacute tarefa que passa
por atentar para a dimensatildeo discursiva da construccedilatildeo da realidade
Com essa referida dimensatildeo discursiva na qual os sujeitos se inserem produtos e
produtores de sentidos (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008 POSSENTI 2009) e sem
pretender oferecer a uacuteltima palavra nem onde haacute a verdade busquei entatildeo verificar o modo
como a educaccedilatildeo puacuteblica municipal na escola TRAVESSIA produz efeitos de sentidos com
suas praacuteticas leitoras Para isto investiguei as condiccedilotildees histoacutericas de produccedilatildeo dessas
138
praacuteticas perpassando pelas discursividades docentes procurei ouvir educadoresas conhecer
o projeto de leitura da instituiccedilatildeo seu documento fundador perscrutar o que move e dinamiza
o referido projeto saber do acervo da biblioteca do que ali teria ou natildeo referente ao debate
sobre gecircnero Em um clima de receptividade calorosa estive na escola observando aulas e
seus textos aplicando questionaacuterio fazendo diaacuterio de campo perscrutando as vozes que
conduzem o trabalho com leitura na escola com a perspectiva de perceber o que
comportariam as praacuteticas leitoras suscitadas
E as anaacutelises dos resultados dessas investigaccedilotildees jaacute citadas paulatinamente ao longo
do trajeto em que foram aplicados os instrumentos de investigaccedilatildeo apontaram que o debate
acerca das relaccedilotildees de gecircnero tatildeo atinente com a pauta reivindicatoacuteria dos DH natildeo era
contemplado pelo projeto de leitura da escola Assim o percebi quando examinei o documento
constituinte do projeto de leitura da CestaSexta Literaacuteria no qual natildeo se apresenta na
organizaccedilatildeo dos propoacutesitos das accedilotildees da bibliografia e da metodologia desse instrumento a
promoccedilatildeo de uma praacutetica leitora apontando para o respeito agraves diferenccedilas agrave concepccedilatildeo de um
mundo plural e ao combate a uma ordem androcecircntrica Natildeo eacute evidenciado a partir das
referecircncias do documento que a leitura acolhida lanccedilada proposta suscitada pelo projeto
CestaSexta literaacuteria esteja alicerccedilada nas intenccedilotildees de debater as relaccedilotildees de gecircnero Assim o
sendo a escola democraacutetica e inclusiva atinente ao que preconizam os postulados dos DH
natildeo estaacute sendo engendrada pela linha mestra da leitura Por sua vez no tocante agrave produccedilatildeo do
referido instrumento esse se apresenta com outras fragilidades entre elas a de natildeo amarrar
devidamente seus nexos temaacuteticos sobre quais leituras e temas estaratildeo compondo a praacutetica
leitora Haacute um silenciamento quanto agraves inserccedilotildees temaacuteticas seja de que natureza for Natildeo se
sabe entatildeo quais relaccedilotildees de saber e poder estaratildeo sendo colocadas para afirmar o que o
projeto diz perspectivar formar cidadatildeo[a]
Percebi ainda a natildeo problematizaccedilatildeo das relaccedilotildees de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria
quando fiz o levantamento do acervo da biblioteca na primeira etapa da pesquisa As
prateleiras no que se refere agraves obras paradidaacuteticas essas as escolhidas para ser investigadas
natildeo acomodavam tiacutetulos com essa perspectiva assim me disse a responsaacutevel por aquele
espaccedilo assim averiguei tambeacutem com a leitura das fichas catalograacuteficas dos poucos volumes
presentes na biblioteca naquele periacuteodo investigado
Investiguei ainda se os textos utilizados pelo projeto nas aulas de leitura observadas
contemplavam praacuteticas discursivas que produziam sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero e
constatei que natildeo havia uma seleccedilatildeo de textos com a temaacutetica de gecircnero por parte dosas
educadoresas Exceccedilatildeo se deu em uma situaccedilatildeo atiacutepica na qual a professora Jaqueline trouxe
139
improvisadamente a temaacutetica pela leitura de um texto provocada segundo ela pela minha
presenccedila ali
No chatildeo da escola Travessia constatei apoacutes percorrer seus espaccedilos haacute as marcas de
que sua leitura natildeo problematiza a produccedilatildeo e a reproduccedilatildeo da iniquidade de gecircnero E outra
forma de verificar a ausecircncia dessa problematizaccedilatildeo foi pela perscruta dos relatos docentes e
pela anaacutelise das respostas do questionaacuterio lhes aplicado Pude perceber nas anaacutelises que fiz
das respostas daquele instrumento o quanto a constituiccedilatildeo das subjetividades dosas
colaboradoresas expressa olhares que segregam que estigmatizam o diferente que natildeo
percebem os jogos discursivos dos quais fazem parte Fiz a leitura com base em anaacutelise de
algumas das respostas desse instrumento de que emana dosas colaboradoresas uma
formaccedilatildeo discursiva reproduzindo e produzindo a iniquidade de gecircnero a reproduccedilatildeo de
regras e valores que elegem uma visatildeo androcecircntrica e heterossexual traccedilando para os que
natildeo pertencem a este modelo o estigma de diferente de abjeto passiacutevel de ser enquadrado
Assim o demonstraram aquela maioria de colaboradoresas da pesquisa quando expressaram a
intenccedilatildeo de ingerir em interesse de desviantes conforme apresenta a anaacutelise da sexta questatildeo
do instrumento de investigaccedilatildeo
Nas anaacutelises dos relatos dosas colaboradoresas deste estudo ficaram evidecircncias dos
limites com que se deparam essesas profissionais na propositura de um trabalho reflexivo
com a leitura A lamuacuteria e a desesperanccedila acompanhavam a praacutetica de ler minada por parcos
recursos e muita desmotivaccedilatildeo Uma praacutetica que precisa ser repensada pois em muitos
momentos essa traz a marca atraveacutes de enunciados dosas educadoresas da natildeo
contemplaccedilatildeo de importantes debates como os da violecircncia domeacutestica contra a mulher da
iniquidade de gecircnero e de outros temas atinentes agraves postulaccedilotildees dos DH Esse silenciamento
temaacutetico traduz o quanto pode estar reduzido o espaccedilo interacional da leitura como o lugar da
anti-hegemonia da desconstruccedilatildeo do olhar totalitaacuterio para o outro e isso precisa ser
repensado
A natildeo-contemplaccedilatildeo do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero foi ainda percebida nas
aulas observadas Nelas a despeito do esforccedilo da professora para se pronunciar sobre o tema
esse natildeo assentava com o olhar da mestra repousante em uma formaccedilatildeo discursiva
essencialista E a profordf Jaqueline demonstrou-se conflitante em turbulecircncia entre suas
incursotildees pelas formaccedilotildees continuadas ofertadas pela SEDEC anunciando o respeito agrave
pluralidade cultural e agrave diversidade humana e o olhar da mestra construiacutedo inventado para a
natildeo-aceitaccedilatildeo ao diferente tingindo esse com as cores da negaccedilatildeo (SILVA 2012) As
discursividades daquelas aulas foram minadas por olhares redutores para o diferente por
140
ausecircncia de contemplaccedilatildeo de como a linguagem constitui modelos de feminilidade modelos
de masculinidades e o quanto represa a vida
Presumo que isto se registra face agrave ausecircncia do cabal cumprimento do que anunciam
as tecnologias enunciativas sobre educaccedilatildeo como as do PPP da LDB do PNEDH as dos
PCNs a Resoluccedilatildeo 0112 Esses marcos educativos instituem o debate propositivo da
inclusatildeo do respeito agrave diversidade humana e sexual e da defesa inconteste de princiacutepios como
o da dignidade humana no curriacuteculo escolar mas natildeo marcaram efetivamente as poliacuteticas
educacionais vividas na escola Tais tecnologias postas que satildeo recentemente elaboradas eacute de
se anuir provavelmente que mesmo que ocupem gavetas escolares e discursos de
formadores que ressoaram em alguns momentos nas vozes perscrutadas natildeo poderiam
impactar formaccedilotildees discursivas secularmente construiacutedas alicerccediladas ainda pelo poder-
escola E se esbarram conflitantemente em seacuteculos de internalizaccedilatildeo de um modelo
essencialista androcecircntrico e heteronormativo
Por esta razatildeo eacute preciso que da e para a escola erga-se uma brigada contra a
violecircncia de gecircnero E por assim entender propus com a construccedilatildeo do capiacutetulo 4 desta
dissertaccedilatildeo que haja a implementaccedilatildeo de praacuteticas discursivas no projeto de leitura da escola
com o propoacutesito de eliminar o silenciamento da temaacutetica de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria
A cesta que eacute utilizada nas aulas de leitura carregando livros precisa transportar artefatos
culturais que suscitem debates pela reinvenccedilatildeo da vida pela reinvenccedilatildeo do trato entre os
homens e as mulheres balizados na dignidade de todosas Agrave escola TRAVESSIA propus
entatildeo como me solicita o cunho interventivo desse mestrado para seus cursistas que
atravesse seu vazio temaacutetico de gecircnero
Eacute preciso que a travessia desse vazio temaacutetico seja feita A escola por meio do seu
projeto de leitura pode e deve evocar a visibilidade para as iniquidades de gecircnero para o
enfrentamento da violecircncia domeacutestica contra as mulheres e para as suas lutas por
emancipaccedilatildeo social Haacute nas discursividades docentes investigadas linguagens em uso que
demonstram invisibilidade a essas questotildees Convivem com esses enunciados
paradoxalmente em alguns momentos vozes docentes que expressam desejar incorporar do
uso das tecnologias oficiais trabalhadas em formaccedilotildees continuadas conforme informaccedilatildeo em
questionaacuterio (vide questatildeo 4) e a efetivaccedilatildeo de suas experiecircncias de suas vivecircncias
profissionais Assim constatei no diaacutelogo que tive com a educadora Elisa atravessado por
uma leitura essencialista da realidade no tocante agrave identidade dos sujeitos que a faz desejar
sair da escola para natildeo ter que presenciar meninas se beijando
141
Por fim vejo como necessaacuteria a inserccedilatildeo temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero porque as
leituras evocadas pelosas docentes foram percebidas como as que rezavam a cartilha da
toleracircncia agrave diversidade cultural e humana sem questionar as relaccedilotildees de poder e os processos
de diferenciaccedilatildeo Esses que produzem as identidades e as diferenccedilas natildeo sendo questionados
conforme nos sugerem os Estudos Culturais acabam mesmo que frente a um arcabouccedilo de
legislaccedilatildeo educacional que propotildee uma educaccedilatildeo inclusiva e o respeito agrave dignidade humana
repousando no que Silva (2012) pontua como a produccedilatildeo de novas dicotomias a do
dominante tolerante e do dominado tolerado
Ao fim ainda pontuo que a omissatildeo perscrutada nas vozes docentes de uma
problematizaccedilatildeo que perpasse o projeto de leitura indagando-lhe os mecanismos que ativam
as fixaccedilotildees de identidades os estereoacutetipos de gecircnero pela via da leitura eacute algo que contribui
com o modelo de construir subjetivaccedilotildees disciplinadas diferentes e desiguais Isso demanda
da escola TRAVESSIA se deseja atravessar seus limites o desafio de envidar esforccedilos no
sentido de promover o rompimento com esse modelo de ler Sem o enfrentamento deste
desafio a escola natildeo estaraacute gestando utopias o que eacute enfadonho e tristonho
142
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APEcircNDICE A ndash QUESTIONAacuteRIO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIacuteBA
CENTRO DE CIEcircNCIAS LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO
MESTRADO PROFISSIONAL EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO
Prezados (as) colegas
Como aluna regular do mestrado profissional em Linguiacutestica e Ensino pelo Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Ensino PROLING da UFPB desenvolvo uma pesquisa cujas bases conceituais
norteiam-se pela concepccedilatildeo de linguagem como praacutetica discursiva e que tem como objeto de anaacutelise um
entrecruzamento entre as representaccedilotildees de gecircnero e as praacuteticas leitoras na escola concebidas pelos educadores
Solicito dessa escola a colaboraccedilatildeo no sentido de que seu corpo docente envolvido com praacuteticas leitoras
responda a este questionaacuterio que eacute o ponto de partida para outros diaacutelogos com o objetivo de contribuir para
uma reflexatildeo sobre a temaacutetica presente
QUESTIONAacuteRIO
Considerando sua experiecircncia como leitora e sua praacutetica pedagoacutegica especialmente no projeto de
leitura desenvolvido pela escola responda por gentileza agraves seguintes questotildees
Perfil sociodemograacutefico
Sexo ( ) feminino ( ) masculino
Tempo de formado ( ) de 1 a 10 anos( ) de 11 a 21( ) de 21 a 31( ) 32 ou mais
Idade ( ) de 21 a 31 ( ) 31 a 41( ) 41 a 51( ) 51 a 61( ) 62 ou mais
Titulaccedilatildeo( ) superior ( ) Especializaccedilatildeo ( ) mestrado ( ) doutorado
1) O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto de leitura (marque ateacute trecircs
questotildees enumerando-as por ordem de importacircncia)
( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo
( ) Uma atividade prazerosa
( ) A escola natildeo valoriza a leitura
( ) A escola valoriza pouco a leitura
( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais
( ) Outra _______________
2) O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos Direitos Humanos
( ) sim ( ) natildeo
3) O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto
( ) sim ( ) natildeo
151
Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior
( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas
( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica escolar de engajamento no
combate agraves assimetrias de gecircnero
( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema em nosso projeto de leitura
( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e como muitas leituras reforccedilam
os padrotildees sexistas presentes na sociedade
( ) Outra _______________
4) Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel inicial quanto na continuada tem
preparado o (a) profissional para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a igualdade no espaccedilo escolar
( ) sim ( ) natildeo
5) As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o menino e o que pode a menina
no espaccedilo escolar
( ) Natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e meninas
( ) Comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento
( ) Ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual
( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que satildeo naturalmente desiguais
6) Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como natildeo apropriados para seu
sexo qual a leitura feita
( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada crianccedila
( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado
( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
7) Como mediador (a) de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de preconceito uma expressatildeo de
conflitos entre olhares de meninos e de meninas
( ) Pouco eacute natural a disputa
( ) Interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo
( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa
8) No tocante agrave violecircncia contra a mulher o Brasil em um ranking de 84 paiacuteses ocupa a 7ordf posiccedilatildeo sendo a
Paraiacuteba um dos Estados da Federaccedilatildeo mais violentos tambeacutem com a 7ordf colocaccedilatildeo E Joatildeo Pessoa sua
capital eacute a 2ordf mais violenta (CEBELA Mapa da Violecircncia 2012) O que em sua opiniatildeo explica a existecircncia
deste fenocircmeno
( ) Formaccedilatildeo cultural
( ) Haacute pessoas naturalmente violentas
( ) Natildeo sei
( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo
( ) Outra ______________
9) Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave questatildeo
( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante
10) A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da questatildeo ganha que
espaccedilo no projeto de leitura
( ) Nunca foi citada
( ) Existe na biblioteca
( ) Jaacute trabalhamos com ela
152
11) Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo escolar e no projeto
( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos curriacuteculos escolares
( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e inferiorizadas
( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca carga horaacuteria para exploraacute-lo mais
( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho importante
12) Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista
( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute bom
( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo eacute bom
( ) Eacute um movimento com muito radicalismo
( ) Fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da opressatildeo agravemulher
13) O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas comemorativas
( ) sim ( ) natildeo
Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que se faz na data ou o que se
pretende fazer
( ) Eacute um dia em que ela eacute intensamente valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola
( ) Eacute um dia com pouca reflexatildeo sobre a luta feminista
( ) Outra _______________
____________________________________________________
Gilva Vasconcelos da Silva Matos
AGRADECIMENTOS
Sou profundamente grata a todosas aquelesas que deram de alguma forma sua
contribuiccedilatildeo para que esta pesquisa fosse realizada Reconheccedilo e aqui me cabe demonstrar
que esta conquista tem um dar de matildeos que me permitiu aclarar questotildees e seguir diante dos
momentos de tensatildeo que emergem no trajeto das obrigaccedilotildees acadecircmicas
Primeiro e sobretudo agradeccedilo a Deus pelo esconderijo no Altiacutessimo pela
serenidade emanada dos seus braccedilos
Especialmente agradeccedilo ao meu orientador querido Prof Dr Onireves porque me
acolheu do alto de sua sabedoria e grandeza humana permanentemente me incentivando
tornando tudo mais significativo e leve
Agrave profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio coorientadora que carrega no nome o que me
ofertou quando mais precisei ndash visatildeo luminosa sendo docilmente criteriosa no compartilhar
de seu conhecimento
Agradeccedilo agrave profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide por suas saacutebias colaboraccedilotildees
ao participar da banca examinadora de defesa deste trabalho Seu olhar arguto trouxe a
grandeza de quem labuta por uma escola em que os Direitos Humanos encontrem assentos
Agradeccedilo agrave profordf Dra Eliane Ferraz Alves por compor criteriosamente a banca
examinadora de defesa deste trabalho
Agrave admiraacutevel profordf da UNEB Nadja Nunes muito obrigada Sua grandeza perdura em
minhas memoacuterias de aprendiz Haacute um vazio de sua presenccedila na composiccedilatildeo para a banca de
exame de defesa mas compreendendo os percalccedilos do impedimento saiba que natildeo haacute
ausecircncia onde se ministrou um ethos Mire por ti tenho gratidatildeo pela vida inteira
Agradeccedilo agrave profordf Dra Juliene Pedrosa coordenadora deste mestrado referecircncia de
zelo profissional
Agradeccedilo agrave escola TRAVESSIA e seus sujeitos pesquisados por tanta abertura e
respeito com o meu trabalho
Aos meus pais Manuel (in memoriam) e Elisa agradeccedilo pelo amor pelas liccedilotildees de
vida pelas narrativas dos sonhos
Aos meus filhos Pablo Ravi e Lucas que me fazem amar amiuacutede obrigada Os trecircs
compotildeem parte da magia de minha vida pelo segredo de ninar pela becircnccedilatildeo de colos
pacificados Cada um eacute unicamente um cacircntico novo tesouros
A Robert pela vida partilhada enlaccedilada em afetos obrigada
Aosagraves irmatildeosatildes em especial Didi que me nutre com fraternidade amorosa e
incondicional devo-lhe muito
Obrigada deputada estadual Gilma Germano pela propositura de leis de suma
importacircncia para a garantia dos direitos das mulheres
Agradeccedilo ao amigo de infacircncia Iranmil pela liccedilatildeo de enfrentamento agrave homofobia pela
companhia na literatura por falar muito e rir tanto
Agrave Socircnia Maria por me ofertar ao longo dos anos amizade das mais leves e alegres
regrada a risos companheirismo e adoccedilatildeo fraterna
Aosagraves colegas do mestrado em especial Adnilda e Leandro que satildeo tatildeo solidaacuterios e
inteligentes tambeacutem agradeccedilo
Aos meus alunos e alunas com quem aprendi muito
Ao meu chefe o diretor do CECAPRO Prof Giovanny Lima pelo estiacutemulo agraves minhas
buscas pelo conhecimento pelo compromisso com a educaccedilatildeo
Agrave Inecircs Caminha ex-chefe eterna liccedilatildeo de competecircncia e bondade
Agrave competente secretaacuteria do CECAPRO Adilsa Gadelha pelo que tambeacutem sabe ser
amiga
Agrave secretaacuteria do MPLE Vera Lima por sempre e tanto atender respeitosa e
competentemente
Lembrou-se de que em adolescente procurara
um destino e escolhera cantar Como parte de
sua educaccedilatildeo facilmente lhe arranjaram um
bom professor Mas cantava mal ela mesma o
sabia e seu pai amante de oacuteperas fingira natildeo
notar que ela cantava mal Mas houve um
momento em que ela comeccedilou a chorar O
professor perguntara-lhe o que tinha - Eacute que
eu tenho medo de de de de cantar bem []
(LISPECTOR 1979 p 157)
RESUMO
As importantes conquistas efetivadas pelas lutas feministas e pela pauta
reivindicatoacuteria dos Direitos Humanos que problematizam a construccedilatildeo social de gecircnero tecircm
na escola espaccedilo dos mais importantes para o debate promotor da equidade de gecircnero Esta
pesquisa se estrutura pela interface entre as praacuteticas leitoras na escola e a promoccedilatildeo desse
debate e se propotildee a analisar as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de
leituras acerca das relaccedilotildees de gecircnero Para este direcionamento discursivo o estudo move-se
teoricamente na concepccedilatildeo de leitura em Soares (2001 2011) Orlandi (2008) e Silva E T
(2009 2011) nos estudos feministas contemporacircneos (LOURO 2012) (COSTA 2009) nas
reflexotildees trazidas pela Anaacutelise de Discurso (ORLANDI 2012 POSSENTI 2009) e nas
contribuiccedilotildees foucaultianas sobre poder e subjetividade (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c
2011 2012) A investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos tem
como loacutecus uma escola do Ensino Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa-PB na
realizaccedilatildeo de seu projeto de leitura Foram adotados como procedimentos metodoloacutegicos para
geraccedilatildeo dos dados a anaacutelise do documento do projeto de leitura observaccedilotildees de aulas anaacutelise
do material de leitura utilizado nesses eventos dos relatos de diaacutelogos com osas
educadoresas e da aplicaccedilatildeo de questionaacuterio E conforme anaacutelise dos resultados do conjunto
dos instrumentos investigativos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo perpassa pela
instacircncia do projeto de leitura da escola nem nas vozes docentes perscrutadas
Palavras-chave Leitura Gecircnero Discurso Praacuteticas discursivas Direitos Humanos
ABSTRACT
The important achievements of feminist struggles and the Human Rights agenda
which discuss the social construction of gender find at school an important space for the
debate that promotes gender equality This piece of research focuses reading practices at
school and the promotion of this debate aiming at analyzing the discourses of (male and
female) teachers as reading mediators on gender relations As its theoretical framework this
study considers the definition of reading proposed by Soares (2001 2011) Orlandi (2008)
and Silva E T (2009 2011) contemporary feminist studies (LOURO 2012 COSTA 2009
PISCITELLI 2002) reflections proposed in the field of Discourse Analysis (POSSENTI
2009) and the foucauldian discussions on power and subjectivity (FOUCAULT 2004a
2004b 2004c 2011 2012) This qualitative investigation has as its locus a public primary
school in the city of Joatildeo Pessoa ndash PB while developing its reading project Data
wasgenerated from the analysis of the reading project document lesson observations reading
material used in the sessions reports by the teachers and a questionnaire The results indicate
that the debate concerning gender relations does not emerge in the reading project activities or
the teachersrsquo voices studied
Keywords Reading Gender Discourse Discursive practices Human rights
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 10
1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA 25
11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade 25
12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de
investigaccedilatildeo 27
2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO 29
21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos 29
22 Feminismo poder e educaccedilatildeo 39
23 A leitura no Brasil em retratos 51
24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso 64
25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social 69
26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades 72
3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS 82
31 O Documento-fundador o natildeo dito significando 82
32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam 87
33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos 89
34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades 92
35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder 113
4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA
VIA DA LEITURA 125
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 136
REFEREcircNCIAS 142
APEcircNDICE 150
10
INTRODUCcedilAtildeO
A Gecircnese da pesquisa como (entre)veio o desejo
Movida pelo interesse entre leitura e relaccedilotildees de gecircnero investigo com este trabalho
as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de leituras frente ao debate
sobre a equidade de gecircnero Esta accedilatildeo investigativa se daacute em uma escola do Ensino
Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa - PB que executa um projeto de leitura em sua
biblioteca em um dia especiacutefico a sexta-feira fato provavelmente responsaacutevel pela
nomeaccedilatildeo da atividade a CestaSexta Literaacuteria
Os passos dados para a construccedilatildeo desta pesquisa possuem histoacuteria imagens
memoacuterias esquecimentos desejos uma gecircnese Debruccedilo-me agora sobre essa gecircnese E creio
que duas imagens armazenadas por mim nas andanccedilas escolares satildeo possivelmente
fundadoras-mor de meu objeto de pesquisa Elas entre tantas imagens que se ofertam como
leituras propiacutecias agraves reflexotildees sobre o debate da equidade de gecircnero na escola satildeo frugais em
minhas memoacuterias de educadora de mulher Chegaram em contingecircncias especiais e se
tornaram efeitos encarnados no sentido que o poeta Fernando Pessoa diz que irrompem
provocaccedilotildees Foram por mim guardadas em um momento de inquietaccedilatildeo em que me
debruccedilava sobre qual tema me aticcedilaria profundamente para estudar neste mestrado E de
forma providencial e diligente estas imagens me (s)acudiram a alma quando as registrei
pegaram-me pela matildeo e me levaram a uma itineracircncia na qual satildeo debulhados saberes
poderes palavras ordens accedilotildees discursivas de outros sobre mim que me fazem estar quem
estou Mais do que isto as imagens levaram-me mesmo que medrosamente a um desejo
profundo de discutir a construccedilatildeo das diferenccedilas as discursividades docentes acerca do
feminismo as relaccedilotildees de gecircnero e o lugar da escola como espaccedilo de debate e de construccedilatildeo
de equidade
E foi assim que vivi a experiecircncia de registraacute-las Envolta pelo meu interesse
profissional de pensar a leitura como importante instrumento na formaccedilatildeo discente descobri
um trabalho em escolas da zona rural de um municiacutepio paraibano realizado por uma ONG
muito bem conceituado Pensei que poderia render um bom estudo avaliar como as histoacuterias
contadas naqueles espaccedilos poderiam funcionar como instrumento de mediaccedilatildeo na construccedilatildeo
das identidades de gecircneros na problematizaccedilatildeo de papeacuteis socialmente construiacutedos
Discordando de minha orientaccedilatildeo acadecircmica que via com dificuldade a distacircncia
entre minha morada e meu objeto de estudo natildeo me incomodou o fato de viajar para me
11
enveredar na pesquisa Muito pelo contraacuterio achei que em verdade estaria ali menina leitora
que fui em uma casa de pais analfabetos onde livros eram objetos rariacutessimos por quem eu
nutria a paixatildeo visceral Viajei para ver crianccedilas que liam movida quem sabe por um desejo
de me visitar naquela roda de leitura Na roda a vida seria salva com a imaginaccedilatildeo aticcedilada
Na roda seria quem sou na interaccedilatildeo das leituras Ao certo fui buscar narrativas que me
narrariam ou em uma confluecircncia com o que diz Albuquerque Juacutenior (2007) iria simular o
germe de novas existecircncias novos modos de subjetivaccedilatildeo Embrenhei-me por essa busca
levando o fasciacutenio pelo campo de gecircnero aonde for aspirando ao meu interesse de escrevente
dispersa aticcedilada pelo ldquofogo que vem da paixatildeo que consome que lanccedila paixatildeo pelo devirrdquo
tatildeo bem-dita na prescriccedilatildeo vertiginosa de Albuquerque Juacutenior (2007)
Em minha primeira visita na unidade escolar referida era veacutespera do Dia das Matildees e
o foco na roda da leitura trazia textos sobre a mulher-matildee Imagens essencialistas da mulher
eram sumariamente expostas por poder gerar vidas ldquoela eacute paciente sensiacutevel dedicada e
zelosardquo Essa construccedilatildeo discursiva era traccedilada naquela roda de leitura para e com crianccedilas de
forma inclusive a se ignorar a jaacute instalada e reorganizada nova composiccedilatildeo das famiacutelias Isso
me gerou desconforto ldquoo gecircnero eacute o destino Natildeo haveria outra trajetoacuteriardquo (SAFFIOTI
2001) Mas naquela roda circulou um fato que marcou ainda mais minha tarde jaacute quente
climaticamente Surge depois de alguns minutos de iniacutecio de aula sala adentro um pai
levando seu filho pequeno pela matildeo O homem visivelmente abatido veio partilhar o recente
drama pessoal no qual estava mergulhado que em funccedilatildeo das proporccedilotildees espaciais da
comunidade jaacute parecia ser de conhecimento de todosas a ex-companheira e matildee de seu filho
fora embora com o amante O pai bem jovem expressou ali uma uniacutevoca e velha leitura a de
que ele e seu filho foram traiacutedos de que aquela mulher natildeo prestava A presenccedila daquele
genitor ali descontrolado soou-me de forma vertiginosa E ele teceu uma imagem da ex-
mulher agrave frente de todosas e de seu filho como a de quem natildeo possuiacutea nenhuma dignidade
Um discurso machista e essencialista era debulhado com os requintes de uma alma cega pela
ferida do abandono Em puacuteblico ali se construiacutea um lugar para as mulheres que decidem
partir as que rejeitam o papel que lhes eacute destinado ficar em casa embora o lar desmorone E
a crianccedila mesmo enlaccedilada pela condiccedilatildeo de filho em um misto de profunda dor e decepccedilatildeo
reproduzia com movimentos de cabeccedila toda uma narrativa demonizadora da mulher Os
acenos de cabeccedila agrave voz do pai refletiam possivelmente um sim agrave formaccedilatildeo discursiva de um
lar alicerccedilado aos moldes machistas patriarcais
Aquela cena me levou agrave dor do peso de um mundo em que a iniquidade de gecircnero
ainda estilhaccedilava seu poder nos olhos de um menininho choroso carregado pela matildeo de um
12
pai que arrastava consigo machismo e furor No final entre os burburinhos dosas
coleguinhas que diziam entre outras coisas ldquoA matildee de Felipe (esse eacute um nome fictiacutecio) eacute
ruim ainda bem que a minha natildeo me abandonourdquo eu ouvi a professora em uma tentativa
desajeitada de compensar a dor daquela crianccedila intervir e dizer que se ele tinha uma matildee
ruim em compensaccedilatildeo contava com um pai bom um heroacutei Essa educadora talvez sem
refletir sobre o efeito de sua interferecircncia sobre o jogo de verdade que a impulsiona
posicionou-se como aquela que tem a responsabilidade de oferecer respostas e o fez de um
lugar de autoridade do qual reproduziu significativamente os estereoacutetipos de gecircnero O seu
posicionamento se traduziu para mim como a delineaccedilatildeo discursiva de papeacuteis alicerccedilados aos
moldes androcecircntricos e por conseguinte produtor da iniquidade de gecircnero Isto me
impactou pois mesmo que sejam ressoadas corriqueiramente as construccedilotildees discursivas da
hegemonia machista natildeo haacute como natildeo buscar da escola o afinamento com a contra-
hegemonia que os avanccedilos feministas asseguram A ausecircncia deste afinamento eacute um descuido
com os direitos humanos das mulheres e precisa ser inquirida pelo menos para os amantes da
educaccedilatildeo libertaacuteria
Saiacute dali convicta de que aquele loacutecus natildeo poderia ser mais apropriado para a
pesquisa Aquela considerada trageacutedia emocional que circulava nas bocas pelo lugar inteiro
precisaria ser omitida em meu estudo por obedecer ao princiacutepio do anonimato evitando
expor inclusive uma crianccedila Mas pensar as relaccedilotildees de gecircnero e desconsiderar a forccedila
daquela imagem e da formaccedilatildeo discursiva que ali reinava seria ser negligente com o tema
com o trabalho Resolvi guardar a imagem falar sobre ela mas procurar outro campo
empiacuterico
Alguns dias depois voltei a conversar com a professora sobre aquele episoacutedio Agora
jaacute natildeo sob o efeito do impacto da cena do primeiro encontro fui incisiva e lhe inquiri sobre a
construccedilatildeo social dos papeacuteis sobre a desigual maneira de se constituir discursivamente
sujeitos e a responsabilidade da escola em formar para a igualdade de direitos de homens e
mulheres Ela me disse que toda a sua conduccedilatildeo estava de acordo com os princiacutepios cristatildeos
defendidos pela escola para os quais a mulher deve ser submissa nascer para se doar agrave
famiacutelia e o que fizera a matildee de F era abominaacutevel negava a ldquoessecircnciardquo feminina A despeito
da laicidade do Estado brasileiro o que implica em tese a negaccedilatildeo da formulaccedilatildeo de regras e
estrateacutegias que levem a enunciados dessa natureza a professora ocupa sua posiccedilatildeo
institucional e embandeira uma verdade forjada em discursos alicerccedilados em princiacutepios da feacute
cristatilde turvada por machismo e hierarquia de gecircnero
13
Em um gesto decisivo procurei outra escola para efetivar minha pesquisa O Dia das
Matildees jaacute havia se passado e ali presenciei mais um momento indicativo de que os sentidos
afiados dos quais fala Louro (2012) eacute um imperativo eacutetico para que se pense nas muralhas que
a escola precisa transpor para deslegitimar ordens sexistas androcecircntricas Assisti em uma
manhatilde em meio ao barulho comum de um intervalo nas escolas um pai se dirigir agrave diretora
falando alto por dois motivos queria que sua voz ultrapassasse o som da zoada do alunado e
estava pronto a mostrar sua firmeza sua forccedila em alto som Ele exigiu explicaccedilotildees desta
profissional sobre o que fora ensinado ao seu filho na festa das matildees tendo em vista que o
aluno expressou vontade de colaborar com as atividades domeacutesticas em casa A gestora
pacientemente explicou-lhe que apenas no momento das homenagens expuseram a reflexatildeo de
que meninos tambeacutem podem e devem ajudar as matildees nas tarefas domeacutesticas considerando
que estas ficam sobrecarregadas costumeiramente O homem retrucou ameaccedilando retirar o
filho da escola se mais uma vez a instituiccedilatildeo quisesse ensinar agrave crianccedila a virar uma
ldquomariquinhardquo Ali eu e ela tentamos dialogar com este pai enfatizando a importacircncia dos
direitos iguais para homens e mulheres do valor da contribuiccedilatildeo para a famiacutelia do trabalho de
todosas e que a concepccedilatildeo dele eacute infundada machista e preconceituosa Em vatildeo O homem
foi agrave escola soacute para bradar seu entendimento do que significa ser macho O que a instituiccedilatildeo
pensa a respeito natildeo lhe interessava
De novo senti o peso de um mundo fortemente assimeacutetrico forjado em conceitos
essencialistas Meu interesse pela problematizaccedilatildeo das iniquidades de gecircnero no chatildeo da
escola me seduziu de vez pensei com que produccedilatildeo de verdade osas trabalhadoresas da
educaccedilatildeo tecircm se movido (ou estariam presos) no enfrentamento destes embates corriqueiros
Escolhi ali mais uma vez por onde iria meu caminho investigativo
Estes dois momentos nas escolas em que experimentei cenas impactantes na
marcaccedilatildeo da assimetria de gecircnero perpassadas em voz docente e de membros familiares
conforme jaacute pontuei foram nodais para a minha decisatildeo de ter em foco essas relaccedilotildees no
espaccedilo escolar como objeto de estudo Mas deveras fui sendo seduzida pela ideia de
problematizar as assimetrias de gecircnero logo cedo na minha casa cheia de meninos
ldquotreinadosrdquo para conquistar espaccedilos enquanto que eu e minhas irmatildes eacuteramos ldquoadestradasrdquo
para o casamento como tantas mulheres de minha geraccedilatildeo e anteriores a ela Rezamos na
cartilha que a nossa formaccedilatildeo discursiva ordenava Filhos lar sexualidade reprimida redoma
sacrifiacutecios em nome de modelos de ldquofelicidaderdquo Modelos cujo formato tem cores
consistecircncia e sons androcecircntricos Tudo aquilo natildeo era escolha ou no dizer de Michel
14
Foucault (2004a 2004b 2012) a margem de liberdade era estreitiacutessima Era o poder
alicerccedilando as relaccedilotildees imbricado na instituiccedilatildeo famiacutelia
Onde haacute poder haacute resistecircncia diz esse pensador francecircs todavia |E os estudos no
campo de gecircnero como enunciados de resistecircncia chegaram-me Com eles chegaram os
compassos que desfazem os essencialismos Em suas vertiginosas paragens os
(des)compassos que explicitam o surdo combate entre o que se vecirc seu enredamento e o que
se diz como bem pontua Albuquerque Juacutenior (2007) E em um processo vital acostumei-me
com esse campo de estudo a afiar os meus sentidos muito embora agraves vezes fiquem
embaccedilados por uma memoacuteria discursiva que se desloca conflitando identidades que me
vestem e com as quais me perco e me acho Nos estudos poacutes-estruturalistas entendi meus
sujeitos dispersos a heterogeneidade discursiva que me faz ser tantas com verdades mil que
fazem viver dentro de mim todas as vidas do poema de Cora Coralina (1983) a cabocla
velha acocorada a que benze e a que reza a lavadeira do Rio Vermelho com seu cheiro
gostoso a mulher suada corrida vive dentro de mim a mulher cozinheira pimenta e cebola
panela de barro mas corro levando a mulher devoradora de fastfood Vive dentro de mim a
mulher roceira enxerto da terra meio casmurra vive a mulher urbana imersa no caos do
tracircnsito enredada nas redes sociais E o que faccedilo com tantas vidas Certamente com os
estudos de gecircnero posso desejar vecirc-las em seus processos de subjetivaccedilatildeo em um mundo
plural mas hegemocircnico global movente instantacircneo liacutequido que pode desfazer verdades
ldquoquebrando a gaiolardquo do essencialismo como propotildeem os Estudos Culturais
Decerto que sempre se constituiu para mim como ato de seduccedilatildeo o garimpar das
subjetividades que se fazem em meio a jogos de verdade como demonstra Foucault (2004a
2004b 2004c 2004d 2012) Ultimamente todavia perscrutar nossosas mestresas sem as
pequenas pretensotildees de quem desvenda descobre o oculto como nos adverte o filoacutesofo
francecircs mas pensando nas histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees de suas subjetividades
constituiacutea-se mais fortemente como desejo e apreensatildeo Minha apreensatildeo de pesquisar modos
de subjetivaccedilatildeo de professora se dava pela frequecircncia com que vinha registrando os
enunciados da categoria que descrevia com muito pesar a atuaccedilatildeo profissional salas lotadas
baixos salaacuterios perda de autoridade violecircncia desinteresse dosas discentes sentimentos de
desvalorizaccedilatildeo frustraccedilotildees enfim uma homogeneidade de queixas perpassando as vozes
dosas educadoresas Obviamente as precaacuterias condiccedilotildees de trabalho justificam os dolorosos
enunciados dosas trabalhadoresas da educaccedilatildeo Essesas profissionais se natildeo se inserem na
militacircncia na defesa de poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a educaccedilatildeo de qualidade no ativismo
poliacutetico na busca pelas praacuteticas de liberdade pelas teacutecnicas de ajuste da relaccedilatildeo de si para
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consigo um ethos que repousam em uma eacutetica do inconformismo do autodomiacutenio
(FOUCAULT 2004a) tornam o repertoacuterio enunciativo bem marcado por insatisfaccedilatildeo Como
a militacircncia eacute pouca sobram a lamuacuteria e a vitimizaccedilatildeo em um paiacutes com vergonhoso histoacuterico
de baixo investimento na educaccedilatildeo puacuteblica
Ainda assim paradoxalmente minha apreensatildeo se misturava ao desejo de me
debruccedilar sobre as subjetividades dessesas profissionais Pegava-me indagando quais satildeo
face aos efeitos produzidos pelas tecnologias oficiais essas concebidas aqui na concepccedilatildeo
foucaultiana como os instrumentos que proporcionam formaccedilotildees assimilaccedilotildees de ordens as
aprendizagens que tecircm assimilado osas educadoresas Como os debates sobre sexualidade e
gecircnero trazidos pela rede discursiva das diretrizes da educaccedilatildeo brasileira como a Lei de
Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional - LDBEN-96 os Paracircmetros Curriculares Nacionais
(PCNs 1997) faziam-se presentes entre elesas Essas questotildees me instigavam E me
instigaram mais quando pensei a interface discursividadeleituragecircnero
Retornando agrave seduccedilatildeo pela problematizaccedilatildeo da iniquidade de gecircnero fui sendo
seduzida ainda em deacutecadas de atividade como professora em sala de aula Laacute lecionando em
niacuteveis diversos (fundamental meacutedio e superior) procurei sempre trazer agrave tona a constituiccedilatildeo
discursiva da construccedilatildeo social de gecircnero Sentia-me cumpridora de minha missatildeo como
educadora quando a minha praacutetica pedagoacutegica contribuiacutea com a reflexatildeo que aponta para a
necessidade de construirmos um mundo para todas as pessoas Uma utopia e como utopia
natildeo morre move-se Estaacute aqui comigo Estaacute aqui quando olho nossas estatiacutesticas estuacutepidas
que falam de uma violecircncia diaacuteria contra mulheres contra homossexuais contra o constituiacutedo
como diferente Estaacute aqui comigo a utopia de abolir esta violecircncia simboacutelica cantada em
diversos ritmos encarnada em uma musicalidade que embala corpos e mentes com pesadas
imagens degradantes nas quais somos apenas ldquoas mulheres frutas fiu-fiu cachorras sirigaitas
piriguetes popozudas coisificadas lepolapizadasrdquo
No surgimento deste mestrado profissional entatildeo em meus percursos sobre o tema
olhei para a escola especialmente rememorando aquelas duas cujas imagens retive como
disseminadoras e reprodutoras de hierarquia de gecircneros Olhei para suas bibliotecas ou a
ausecircncia delas seussuas professoresas seus regimes de verdade e articulei a problemaacutetica
de que forma as praacuteticas discursivas que constroem sentidos nos enunciados dos (as)
educadores (as) como mediadores (as) de leitura contemplam o debate sobre a equidade de
gecircnero Com a elaboraccedilatildeo desta questatildeo tentei responder ainda agraves inquietaccedilotildees que vivi nos
debates com professoresas durante as formaccedilotildees continuadas executadas pelo CECAPRO
Centro de Capacitaccedilatildeo dos Professores [professoras] onde atuo profissionalmente Da
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memoacuteria daqueles debates levantei indagaccedilotildees a me sustentar o tema entre elas que leituras
fazem as vozes educadoras sobre a construccedilatildeo discursiva dos sujeitos O que dizem as vozes
leitoras Voltei entatildeo meu interesse para o chatildeo da escola lugar de livros de paredes
riscadas de brincadeiras de canccedilotildees de namoros de sexualidade de conflitos de poder de
rejeiccedilotildees aos que fragilizam o discurso sexista excludente lugar de leitura de formaccedilatildeo e
debate Voltei meu interesse para a escola lugar de tanto mas natildeo para todos os seus lugares
uma esfera de atuaccedilatildeo dessa instituiccedilatildeo pareceu-me de extrema pertinecircncia para entrecruzar
com o debate que objetivei traccedilar a esfera da leitura E considerando a leitura em uma
perspectiva discursiva busquei no entrecruzamento dessa com o debate acerca das relaccedilotildees
de gecircnero meu interesse meu desejo
Apoacutes tecer a gecircnese que propiciou a confecccedilatildeo do presente processo investigativo
farei a partir de agora a apresentaccedilatildeo das demais partes do trabalho feito que passo a realizar
fazendo uso ainda da primeira pessoa do discurso no singular Faccedilo isso em consonacircncia com
a epistemologia feminista que entende o quatildeo as interlocuccedilotildees com autoresas satildeo
cooperativas em uma accedilatildeo investigativa seja de qual porte for mas assume a proposta de
inscriccedilatildeo da natildeo neutralidade do sujeito Sem a ilusatildeo ao certo de que se eacute oa donoa do
dizer conforme pontua a Anaacutelise do Discurso
Como o desejo vira pesquisa
Mas biblioteca num lugar como esse Para quecirc Para o Nogueira ler um romance
de mecircs em mecircs Uma literatura desgraccedilada []
(RAMOS 1978 p83)
Emblemaacutetica esta construccedilatildeo literaacuteria de Graciliano Ramos em Satildeo Bernardo
(1978) construccedilatildeo que situa quem a lecirc o quanto os valores capitalistas opotildeem-se agrave edificaccedilatildeo
de um espaccedilo que privilegie a democratizaccedilatildeo do saber e atraveacutes dessa provavelmente a
praacutetica do letramento emancipador Vale ressaltar todavia que falo aqui de letramento
emancipador concebido em sintonia com o olhar de Soares (2011) como a accedilatildeo leitora que
encoraja a reflexatildeo criacutetica sobre a ordem social uma accedilatildeo que ultrapassa o domiacutenio da
tecnologia do saber ler e escrever faz uso dela incorporando-a a seu viver A autora ao
inscrever diacronicamente os viacutenculos sobre liacutengua escrita sociedade e cultura apregoa o
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termo alfabetismo1 como oposiccedilatildeo ao do costumeiro uso analfabeto E o faz provocando uma
reflexatildeo sobre as regras codificadas da linguagem
O fato de que sejam correntes na liacutengua os substantivos que negam- analfabetismo e
analfabeto satildeo formados pelo prefixo grego a(n) que envolve a ideia de negaccedilatildeo ndash e
de que cause estranheza o substantivo que afirma alfabetismo e ainda de que natildeo
se tenha um substantivo que afirme o contraacuterio de analfabeto eacute como bem
hipotetiza Silva um fenocircmeno semacircntico significativo porque conhecemos bem e
haacute muito lsquoo estado ou condiccedilatildeo de analfabetorsquo ndash sempre nos foi necessaacuteria uma
palavra para designar este estado ou condiccedilatildeo - e temos usado sem nenhuma
estranheza o termo analfabetismo (SOARES 2011 p 29)
Uma nova realidade social com a ampliaccedilatildeo do acesso agrave escola nas uacuteltimas deacutecadas
e com o processo de industrializaccedilatildeo no Paiacutes provoca uma demanda por maior inserccedilatildeo da
liacutengua escrita que gesta a concepccedilatildeo teoacuterica do letramento Um conceito que em princiacutepio
trouxe muito equiacutevoco com a dissociabilidade que se instaurou para alguns entre os
fenocircmenos da alfabetizaccedilatildeo e do letramento Fenocircmenos de naturezas diferentes mas
indissociaacuteveis e interdependentes que implicam habilidades competecircncias e procedimentos
diferenciados de ensino Questatildeo poreacutem que natildeo seraacute tratada aqui em funccedilatildeo do limite a que
se propotildee este trabalho qual seja investigar a constituiccedilatildeo de efeitos de sentidos na
discursividade dosas educadoresas tendo como foco o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
perpassado nas praacuteticas leitoras dessesas profissionais
E mesmo sem querer engrossar as fileiras dos que lamentam pelos altos iacutendices do
fraacutegil desempenho dosas educandos brasileirosas em provas de leitura detectados em
Programa Internacional de Avaliaccedilatildeo de Estudantes - PISA e nos relatos corriqueiros de
educadoresas e familiares natildeo eacute possiacutevel deixar de reconhecer que este eacute um dos noacutes do Paiacutes
na faceta Satildeo Bernardina que possui Metaforicamente essa obra pode conduzir leitoresas
aos iacutengremes caminhos de um Brasil com abissais desigualdades sociais e que tal qual Paulo
Honoacuterio o narrador-personagem eacute tambeacutem injusto violento e opressor por descuidar de seu
povo Descuida de seu povo entre tantas evidecircncias pela negaccedilatildeo da garantia efetiva de
direitos fundamentais como o de uma educaccedilatildeo de qualidade e que seja emancipadora (cf
FREIRE 1999 2002) Eacute possiacutevel ver pelos caminhos de Satildeo Bernardo e pelos (des)caminhos
das escolas puacuteblicas brasileiras as professoras Madalenas amantes do saber dos livros e do
ser humano lutando contra a loacutegica de um sistema social excludente Nessa militacircncia a
leitura seguramente eacute um dos instrumentos que podem viabilizar a luta por mudanccedilas
1 Em nota a autora explica a atualizaccedilatildeo do termo por letramento tendecircncia confirmada pela dicionarizaccedilatildeo
somente em 2001 do termo
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sociais tendo em vista que pode suscitar as reflexotildees acerca da ordem discursiva (cf
ABREU 2007 apud PINA DA MATTA VEIGA 2012)
De qual leitura todavia falo quando penso aqui na validaccedilatildeo desta como algo
significativo para a vida capaz de suscitar reflexotildees instigantes e desconstrutoras de uma
ordem social Penso em uma leitura que seja prazerosa como nos lembra Rubem Alves
(2004) citando Melanie Kleim o professor [e professora] no ato de ler eacute o seio bom por isso
leitura eacute maternagem Penso tambeacutem em uma leitura que seja experiecircncia no sentido que
Larrosa (2004) daacute ao ato de ler como transformador vinculador das praacuteticas da liberdade da
plenitude do ldquoexistenterdquo Com todo cuidado para evitar ainda os messianismos as
sacralizaccedilotildees Soares (2001) falo ainda de leitura que seja lenha para o fogo da cidadania que
trace as veredas para o campo da garantia dos direitos humanos tocando um instrumento
coacutesmico de muitas melodias que ldquoacordem consciecircncias de homens [e de mulheres] e
adormeccedilam crianccedilasrdquo no sentido drummoniano de se engajar a arte tatildeo meloacutedico quanto
emblemaacutetico na sua ceacutelebre Canccedilatildeo Amiga de 1983
E partindo do desejo de problematizar sobre os efeitos catastroacuteficos dos altos iacutendices
de iletrismo e do analfabetismo no Brasil e sobre qual tem sido o olhar da escola para o
enfrentamento de uma histoacuterica educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria (LOURO 2012 PEDRO
PINSKY 2003) eacute que se foi delineando este trabalho Delineando-se movido na concepccedilatildeo
de leitura como componente constitutivo das formas de sociabilidade e dos jogos sociais
(ORLANDI 2008 SILVA 2011) nas discussotildees foucaultinas sobre a constituiccedilatildeo do sujeito
e praacuteticas de subjetivaccedilatildeo (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) aleacutem de movido em
contribuiccedilotildees de estudos feministas (LOURO 2012) Delineando-se para responder agrave
questatildeo-problema que considera os avanccedilos conquistados pelas lutas feministas e a tensa
disputa que se instala entre tais conquistas e as assimetrias de gecircnero no espaccedilo escolar e
assim eacute proposta eacute contemplado o debate sobre a equidade de gecircnero perpassado nas vozes
educadoras em suas praacuteticas leitoras
Essa questatildeo parte de premissas fatuais que me inquietam e me levam a
problematizar os imaginaacuterios2 inferiorizantes da mulher operam no espaccedilo escolar de que
forma quando a este lugar chegam avanccedilos significativos das diretrizes do Conselho Nacional
de Educaccedilatildeo ndash CNE- pontuando a desconstruccedilatildeo dessa praacutetica Seria este debate ignorado ou
pensado sobre traccedilos negativos Outra questatildeo que me instiga a problematizar eacute a de que
teriam os(as) docentes a concepccedilatildeo de que uma escola democraacutetica prima essencialmente pelo
2Imaginaacuterios aqui na acepccedilatildeo dada por Castoriadis (1982) enquanto rede de sentidos sistema de crenccedilas que
legitima a ordem social em vigor
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respeito e dignidade de todosas e de que as praacuteticas pedagoacutegicas tecircm constituiacutedo sujeitos
diferentes e desiguais em direitos Ademais qual o comprometimento manifesto pelas
praacuteticas pedagoacutegicas dessesas educadoresas para evidenciar suas intenccedilotildees de superar velhas
estruturas estariam usando a leitura como instrumento constituinte e conformante dos
sujeitos para mediar reflexotildees atinentes agrave construccedilatildeo de uma escola democraacutetica inclusiva e
natildeo-sexista
Considerando desse modo que a pergunta problema possui como eixo centralizador
a atenccedilatildeo que as praacuteticas leitoras da escola dispensam ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
refletidas pelas praacuteticas discursivas docentes eacute objetivo geral deste trabalho analisar as
discursividades que produzem sentidos nos enunciados de educadoresas como mediadores
(as) de leituras frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero no projeto CestaSexta Literaacuteria
em uma escola da Rede de Ensino Municipal de Joatildeo Pessoa
Para apoiar essa investigaccedilatildeo que perspectiva observar a vinculaccedilatildeo da leitura como
forte pilar na construccedilatildeo de um mundo mais justo e na desconstruccedilatildeo de imaginaacuterios que
inferiorizam a mulher que criam uma ordem androcecircntrica heteronormatizadora e
excludente vinculaccedilatildeo essa mediatizada nas vozes dos educadores(as) compete-me traccedilar
como objetivos especiacuteficos (i) examinar se na proposta do projeto de leitura da CestaSexta
Literaacuteria expresso em seu documento ocorre seleccedilatildeo de temas que abordem questotildees
voltadas para as poliacuteticas educacionais de gecircnero (ii) investigar se os textos utilizados pelo
projeto nas aulas de leitura observadas contemplam praacuteticas discursivas que produzam
sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero (iii) problematizar efeitos de sentidos que perpassam
pelos relatos docentes e pelo questionaacuterio instrumentos aplicados junto agravesaos educadoresas
expressando as posiccedilotildees de sujeito dosas entrevistadosas acerca das relaccedilotildees de gecircnero em
momentos de interaccedilatildeo na praacutetica leitora (iv) contribuir com reflexotildees que sistematizem
estrateacutegias que propiciem a intervenccedilatildeo e transformaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica na perspectiva
da construccedilatildeo da equidade de gecircnero
Por ser a escola a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela aquisiccedilatildeo de saberes e competecircncias
no plano da formalidade e que esta tem no ensino da leitura uma de suas funccedilotildees cruciais
pesquisar o ato de ler na escola eacute de muita relevacircncia a despeito de este tema sumamente jaacute
ter sido explorado Tal questatildeo jaacute fez com que muitosas teoacutericosas e estudiososas de
diversas aacutereas se debruccedilassem a estudaacute-lo a quantidade de livros artigos teses e dissertaccedilotildees
sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees satildeo magnacircnimas Paulo Freire (1988) Ezequiel
Theodoro da Silva (2009 2011) Magda Soares (2001) Antunes (2009) Orlandi (2008) entre
tantosas outrosas importantes teoacutericosas jaacute teceram suas consideraccedilotildees sobre a leitura que
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aqui encheriam paacuteginas Haveraacute o que dizer mais Parece que natildeo para quem desconsidera
que o inusitado visita a dinacircmica do ato de ler em um contexto escolar com frequecircncia Mas
para quem deseja olhar para as praacuteticas pedagoacutegicas com olhos novos olhos de quem eacute capaz
de se indignar e de natildeo perder de vistas a utopia sempre agrave vista na faceta Madalena de cada
um haacute sempre o que se dizer no chatildeo da escola leitora ou natildeo leitora E eacute em busca deste
dizer sobre ler que me enceta o desejo de ver como educadora que sou homens e mulheres
em processos de libertaccedilatildeo desconstruindo ldquoverdadesrdquo aprendendo com e pela leitura a
refletir sobre seus lugares no mundo que me ponho
E assim compreendendo a leitura como espaccedilo de produccedilatildeo e de reproduccedilatildeo de
significados sociais e objetivando analisar de que forma educadoresas estatildeo forjando
construccedilotildees acerca das identidades de gecircnero em suas praacuteticas leitoras eacute que se desenha a
importacircncia desta pesquisa Isso se justifica porque entre as funccedilotildees da leitura deve estar a
de viabilizar as problematizaccedilotildees que faccedilam leitoresas despertarem para a cidadania ativa o
protagonismo e a autonomia Esses aqui entendidos em uma perspectiva que traduza a
autonomia financeira profissional e pessoal das pessoas e a sua busca pelo ativismo poliacutetico
que expressa consciecircncia de lugar no mundo
E estudar as discursividades que perpassam o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero
mediatizadas pelas leituras no espaccedilo escolar eacute desejar averiguar se este instrumento de
aprendizado estaacute sendo usado para desmantelar as assimetrias de poder entre homens e
mulheres em um espaccedilo formador Eacute desejar averiguar enfim se este instrumento estaacute sendo
amparo para questionar estereoacutetipos e verdades cristalizadas naturalizadas em torno de
construccedilotildees de identidades de gecircnero Obviamente que essa eacute uma das possibilidades de
utilizaccedilatildeo da leitura se este instrumento na escola estiver em consonacircncia com as diretrizes
educacionais que concebem a importacircncia de se fazer da instituiccedilatildeo um espaccedilo democraacutetico
Um espaccedilo em que se faccedila fluir o respeito agrave alteridade agrave compreensatildeo de que a identidade e a
diferenccedila satildeo produzidas discursivamente e que tecircm a ver com a atribuiccedilatildeo de sentidos ao
mundo social e com a disputa e luta em torno dessa atribuiccedilatildeo (SILVA 2012) A leitura nessa
perspectiva problematizadora tem a estrateacutegia de ir aleacutem das ldquobenevolentesrdquo declaraccedilotildees de
toleracircncia com o outro com o diferente Ela tem em seu centro a percepccedilatildeo de que as
identidades satildeo sujeitas a uma historicizaccedilatildeo radical processo que deve lanccedilar luz agraves
reflexotildees que transformam o diferente em exterior abjeto (HALL 2011) Nessa dimensatildeo a
leitura faz parte de um projeto poliacutetico que intenta viabilizar a criacutetica da construccedilatildeo da
identidade e da diferenccedila evidenciando o quanto elas satildeo estrategicamente produzidas
fundadoras Conceber adequadamente a fundaccedilatildeo do outro pode desenredar a forma fechada
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redutora de interpretaccedilotildees a que esse eacute reduzido E a leitura pode ter uma funccedilatildeo fulcral nesse
processo de reflexatildeo quando pensada estrategicamente para isso accedilatildeo relevante para a
contribuiccedilatildeo com a feitura da escola como palco em que a assimetria de tratamentos eacute
combatida em seu lugar haacute a poliacutetica de respeito pelos Direitos Humanos (DH doravante)
O princiacutepio da dignidade dispensado a todas as pessoas conforme preconizam os DH
em muitos de seus documentos (cartas convenccedilotildees estatutos declaraccedilotildees) e nosso
ordenamento juriacutedico maior a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 eacute reclamante contumaz de um
olhar pedagoacutegico que discuta as diferenccedilas a construccedilatildeo das identidades de gecircnero e da
alteridade E na escola soam e ressoam documentos que abordam poliacuteticas da diversidade
cultural sexual e da equidade de gecircnero Mas de que forma o debate chega em um mundo em
que emerge uma globalizaccedilatildeo iacutempar de informaccedilotildees velozes instantacircneas onde se discutem
identidades culturais e desconstruccedilatildeo de paradigmas de comportamentos em meio aos
pensamentos hegemocircnicos Chegaraacute esbarrando em construccedilotildees sociais dosas fazedoresas
da educaccedilatildeo que se apresentariam cristalizadas essencializadas fixas Como tem por fim
assentado na agenda da escola o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero Qual eacute o seu regime de
verdade no sentido foucaultiano de pensar a formaccedilatildeo discursiva como o loacutecus onde
arbitrariamente satildeo determinados os sentidos de um discurso Os muros escolares satildeo
atravessados de que modo pelo debate que provoca as reflexotildees sobre a produccedilatildeo do
diferente Satildeo indagaccedilotildees como essas que me conduzem agrave execuccedilatildeo deste trabalho Isso
merece meu olhar merece porque para que falemos de dignidade precisamos atentar para a
condiccedilatildeo feminina ainda envolta por iniquidade expressa na esfera profissional poliacutetica e
pessoal E para que falemos de dignidade precisamos respeitar as manifestaccedilotildees de desejos e
performances de outras interlocuccedilotildees de outras subjetividades que devem ser reconhecidas
como legiacutetimas
O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero impulsionado pelo ativismo poliacutetico do
coletivo de mulheres chega e deve ser ampliado porque vale pleitear que o princiacutepio da
igualdade formal e material entre homens e mulheres tenha seu cumprimento auferido
Igualdade essa que estaacute distante de ser conquistada muito embora menos longe do que jaacute
esteve no longo caminho rumo agrave construccedilatildeo da cidadania feminina Ainda eacute fato haacute menos
mulheres nas instacircncias de poderes do que deveria no Brasil de acordo com dados do
Anuaacuterio das Mulheres Brasileiras (DIEESE 2011) elas satildeo mais da metade da populaccedilatildeo (51
3) e do eleitorado estatildeo entretanto sub-representadas nas esferas de poder Satildeo 11 no
Congresso Nacional natildeo chegam a 20 nos niacuteveis mais elevados do Poder Executivo No
Judiciaacuterio nas universidades e empresas privadas ocupam apenas 20 das chefias Eacute tambeacutem
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outro oacutebice agrave igualdade de gecircnero a preocupante materializaccedilatildeo do machismo em forma de
agressatildeo agraves mulheres Conforme ainda os dados do referido Anuaacuterio uma em cada cinco
brasileira jaacute sofreu algum tipo de violecircncia domeacutestica por parte de um homem Das violecircncias
perfiladas nem todas satildeo computadas Haacute a cultura do medo e da vergonha da sua condiccedilatildeo
de viacutetima que impede que a mulher denuncie seu agressor e mesmo havendo campanhas e
aparato legal que mobilizam a denuacutencia da violecircncia contra a mulher ainda se fala em
subnotificaccedilatildeo dos dados De fora fica ainda a costumeiramente natildeo computada a intangiacutevel
violecircncia simboacutelica termo que tomo de empreacutestimo de Bordieu (2012) que fala da
sedimentaccedilatildeo de um consciente androcecircntrico em homens e mulheres alimentando
iniquidades Esta violecircncia natildeo estaacute em estatiacutesticas mas deixa sequelas profundas em suas
viacutetimas fazendo muitas mulheres carregarem em si sentimentos de impotecircncia mutilaccedilatildeo e
subalternidade
A escola tem o fio do poder que costura e regulamenta normas e mudanccedilas que
disciplinam comportamentos hegemonias (PEREIRA 2005) Mas o poder natildeo eacute estanque
fixo haacute neste espaccedilo como em todos os outros lugar para a resistecircncia e a contra-hegemonia
(FOUCAULT 2012) E de que forma tecircm chegado os discursos que problematizam as
mudanccedilas que advogam os movimentos de mulheres e fazem ressoar seu desejo de
desmantelar de descosturar as assimetrias de gecircnero Como a leitura e as vozes escolares
ressoam o que regula a valente marcha feminista que pode contribuir com o combate agrave
violecircncia domeacutestica com o empoderamento das mulheres e dar visibilidade agrave iniquidade de
gecircnero de forma refrataacuteria Acolhendo seus passos Como a leitura e as vozes escolares
abordam a temaacutetica das identidades e da diferenccedila datildeo centralidade e a discutem como
questatildeo de poliacutetica Estas questotildees imbricam-se e com elas penso a linguagem no campo da
discursividade da construccedilatildeo dos jogos de poder da constituiccedilatildeo de sentidos verdades e
subjetivaccedilotildees (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) o que eacute sempre um desafio
instigante para oa educadora Essa temaacutetica eacute premente sendo assim Haacute uma expectativa de
que seja sedimentado o aprendizado de que as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo estatildeo sempre inseridas
em contextos e processos socialmente estruturados legitimando naturalizando e retificando
hegemonias mas tambeacutem sofrendo transformaccedilotildees
Para que o direcionamento discursivo levantado pela questatildeo norteadora satisfaccedila
aos objetivos a que me proponho este estudo move-se teoricamente na concepccedilatildeo
sociointeracionista de leitura e faz uma interface com a Anaacutelise do Discurso AD doravante
tendo como referecircncia o trabalho de Orlandi (2008) sobre leitura que se pauta na perspectiva
da Escola francesa dessa disciplina Trabalho com a concepccedilatildeo de leitura na perspectiva de
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que ler eacute mais do que decodificar (SOARES 2011) Ler eacute envolver-se com praacuteticas culturais
(MOITA LOPES 2002) que fortalecem a sedimentaccedilatildeo do valor da cidadania que pressupotildee
efetivaccedilatildeo de direitos e deveres para todos Ler entatildeo deixa de ser uma atitude passiva
fechada tradutora decodificadora em que se busca a ldquoverdaderdquo produzida peloa autora ou
pelo texto se se quiser ser positivista ou estruturalista A leitura que me interessa aqui se
ancora na perspectiva interacionista que concebe o aspecto sociocultural e cognitivo da
linguagem e como tal o texto eacute processo e natildeo produto A leitura eacute uma atividade situada
que reflete uma relaccedilatildeo dialoacutegica (cf BAKHTIN 1995) ou seja uma relaccedilatildeo na qual se
estabelecem refraccedilotildees entre autor-leitor-texto e contexto Essa perspectiva expressa um
rompimento com o modelo formalista ou historicista e tem havido um esforccedilo por parte dos
oacutergatildeos responsaacuteveis pelas poliacuteticas de formulaccedilatildeo das diretrizes escolares para implementaacute-la
no seio escolar Os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCNs-1997) refletem essa intenccedilatildeo
os textos satildeo defendidos em sua diversificaccedilatildeo e na defesa da construccedilatildeo de competecircncias
linguiacutesticas com desenvolvimento da habilidade leitora e escritora que ultrapasse a mera
decodificaccedilatildeo no processo de ensino aprendizagem
Por este trabalho buscar uma interface entre a linguagem como praacutetica social e as
relaccedilotildees de gecircnero perscrutadas nas vozes docentes em atividades de leitura propostas pela
escola tambeacutem lhe eacute pertinente a abordagem das formas de constituiccedilatildeo da subjetividade
(FOUCAULT 2004a 2004b 2004d) Estou ainda me movendo pelos estudos da criacutetica
feminista dos estudos poacutes-estruturalistas de gecircnero na contemporaneidade que buscam a
negaccedilatildeo de quaisquer resquiacutecios de uma base essencialista para a formaccedilatildeo das identidades
(LOURO 2012 SILVA 2012) ao tempo que questionam as hierarquias entre o masculino e
o feminino a ordem androcecircntrica heteronormativa e etnocecircntrica Eacute desse olhar que me
sirvo para diante do que pontuam os Estudos Culturais consonantes agrave construccedilatildeo das
identidades como cambiantes heterogecircneas transitivas construiacutedas e reconstruiacutedas social e
discursivamente refletir sobre as implicaccedilotildees de se ler no espaccedilo escolar Refletir atentando
para o discurso pedagoacutegico que daacute sentido agraves diferenccedilas entre meninos e meninas agraves relaccedilotildees
de gecircnero E eacute desse olhar que tambeacutem me sirvo para aprender sobre a consciecircncia de gecircnero
e sobre o desafio da aprendizagem de transformar os jogos de verdade que impotildeem relaccedilotildees
assimeacutetricas Eacute isto o que me enreda neste trabalho
Articulo esta dissertaccedilatildeo em partes que se estruturam assim a introduccedilatildeo na qual
consta a contextualizaccedilatildeo da temaacutetica focalizada com a sua gecircnese a apresentaccedilatildeo do
problema dos objetivos da justificativa e dos pressupostos teoacutericos que embasaram a
pesquisa
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No capiacutetulo 1 exponho as estrateacutegias metodoloacutegicas com as quais me vali para que o
direcionamento discursivo apresentado que eacute a investigaccedilatildeo das discursividades docentes em
leitura e gecircnero satisfizesse aos objetivos a que me propus construir para este estudo
No capiacutetulo 2 pontuo uma justificativa do campo teoacuterico apresentando estudos de
autoresas utilizadosas bem como pontuo o cruzamento entre a instacircncia da leitura e o debate
sobre as relaccedilotildees de gecircnero sustentado por reflexotildees atinentes aos Direitos Humanos ao
feminismo ao poder agrave educaccedilatildeo e aos modos de subjetivaccedilatildeo
No capiacutetulo 3 discorro sobre a anaacutelise das praacuteticas discursivas dosas educadoresas
perscrutadas pela trajetoacuteria analiacutetica que fiz cujo procedimento para geraccedilatildeo de dados teve os
seguintes instrumentos investigativos o documento do projeto de leitura os relatos dosas
educadoresas que foram gerados em conversas quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola um
questionaacuterio aplicado com nove participantes do projeto de leitura da escola e a observaccedilatildeo
de aulas dos textos utilizados nesses eventos e levantamento dos textos paradidaacuteticos
presentes na biblioteca escolar que se refiram agrave temaacutetica de gecircnero
No capiacutetulo 4 atinente agrave perspectiva interventiva propositora que tem este mestrado
profissional desenvolvo reflexotildees que intencionam contribuir para a inserccedilatildeo temaacutetica de
gecircnero pela via da leitura na escola em que a pesquisa foi realizada Faccedilo ao final deste
capiacutetulo sugestotildees de atividades de ensino enfocando o olhar sobre as relaccedilotildees de gecircnero
Por uacuteltimo apresento as consideraccedilotildees finais com as quais objetivo amarrar os fios
tecidos ao longo do trabalho considerando os conteuacutedos enfocados e reforccedilando a defesa de
se inserir o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero pela via da leitura na escola
problematizando os modelos de feminilidade e masculinidade na defesa da dignidade de
todas as pessoas
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1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA
11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade
Partindo do entendimento de que a pesquisa a que me proponho realizar que eacute a
anaacutelise de praacuteticas discursivas de docentes sobre as relaccedilotildees de gecircnero como mediadoresas
de leituras exige um dispositivo analiacutetico busco nos procedimentos da AD de filiaccedilatildeo
francesa como nas reflexotildees foucaultianas sobre praacuteticas de subjetivaccedilatildeo e poder nas
reflexotildees poacutes-estruturalistas sobre gecircnero e na perspectiva sociointeracionista sobre leitura
um apoio teoacuterico-metodoloacutegico Nesse sentido estou imbuiacuteda do propoacutesito de percorrer essa
investigaccedilatildeo conforme as diretrizes desse caminho investigativo considerando que natildeo haacute o
sentido ldquoverdadeirordquo mas o real do sentido em sua materialidade linguiacutestica e histoacuterica
(ORLANDI 2012) Estou tambeacutem imbuiacuteda do intento de que com este dispositivo natildeo
vislumbro trabalhar em uma perspectiva de neutralidade tendo em vista que concebo a
pesquisa com base nas praacuteticas discursivas focada nos estudos feministas e nas relaccedilotildees de
gecircnero sob a oacutetica do interesse do engajamento poliacutetico (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007
LOURO 2012)
Essas condiccedilotildees refletem o que as problematizaccedilotildees levantadas pelo feminismo no
tocante agrave loacutegica de se fazer ciecircncia tradicional com seus postulados de estabilidades e
categorizaccedilotildees trouxeram Trouxeram a descrenccedila de que entre as palavras e as coisas existe
uma homologia que se diz exatamente o que se vecirc (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007
POSSENTI 2009) Antes os estudos de gecircnero de base poacutes-estruturalista explicitam que haacute
uma invenccedilatildeo do que eacute sermos mulhereshomens de que haacute uma invenccedilatildeo do que eacute sermos
meninos e meninas de diversas classes diversos tempos etnias e orientaccedilatildeo sexual
construiacuteda discursivamente E a reflexatildeo sobre o que nos tornamos como seres gendrados e
em que poderemos vir a ser como seres que se descobrem gendrados empodera-nos como
investigadores de desaprendizagens pela possibilidade de conhecimento de jogos de verdades
(FABRIacuteCIO 2006)
Os estudos de gecircnero como uma via que se oferece para o entendimento das relaccedilotildees
assimeacutetricas entre os sexos explicitam ainda o atravessamento pelo poder institucionalizado
que confere historicamente o domiacutenio do masculino Lugares diferentes no mundo chegam a
homens e mulheres por um conjunto de accedilotildees formadoras constituiacutedas discursivamente por
siacutembolos culturais institucionalizaccedilotildees e modos de subjetivaccedilatildeo que constituem relaccedilotildees
assimeacutetricas com o corpo com a sexualidade e afetividades para os sujeitos sociais Refletir
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sob esta perspectiva me faz desejar perceber meu entorno olhando a linguagem a cultura e as
instituiccedilotildees sob a oacutetica do interesse na construccedilatildeo dos processos sociais E o olhar do
feminismo deveras trouxe novas lentes sobre a pesquisa cientiacutefica Louro (2012) pontua que
uma das caracteriacutesticas relevantes dessa epistemologia diz respeito agrave forma como as
estudiosas empenham-se em responder questotildees atinentes agraves suas realidades aos seus campos
de interesses mescladas natildeo como vozes anocircnimas de seu objeto de estudo mas como vozes
que de modo provocativo posicionam-se histoacuterica e culturalmente imiscuindo objetivamente
subjetividades E eacute com este entendimento que intenciono subsiacutedios para um estudo sobre a
discursividade em uma interface com a oacutetica das relaccedilotildees de gecircnero e da leitura sob o crivo
de um convite a examinar ordens morais e estruturas de legitimaccedilatildeo
Esta investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos foi
conforme jaacute exposto concebida para ser realizada em uma escola da Rede de Ensino
Municipal de Joatildeo Pessoa - PB cuja identificaccedilatildeo seraacute preservada A preservaccedilatildeo deve-se agrave
consonacircncia com um mecanismo de proteccedilatildeo o anonimato como compromisso eacutetico
possiacutevel conforme Spink e Menegon (1999) embora salientem as autoras este ponto de
vista natildeo seja paciacutefico Para minha compreensatildeo eacute uma proteccedilatildeo exceccedilatildeo se daacute quando os
sujeitos manifestam o contraacuterio o que natildeo foi o caso Assim o sendo para a identificaccedilatildeo
deste espaccedilo pesquisado resolvi denominaacute-lo de escola TRAVESSIA Esse batismo traduz
meu olhar para o ambiente de ensino-aprendizagem alimentado na esperanccedila freireana pelo
inacabamento em noacutes educadores seres humanos Mesmo emparedadosas eacute preciso pensar
nas travessias Da mesma forma que o campo pesquisado tem um nome fictiacutecio os sujeitos
participantes desta investigaccedilatildeo tambeacutem foram denominados ficticiamente
Essa unidade educacional funciona nos dois periacuteodos com turmas do 6ordm ao 9ordm ano
em um preacutedio construiacutedo haacute menos de dez anos Possui 385 discentes e 25 docentes eacute
composta por dez salas de aula sala de artes laboratoacuterio de informaacutetica laboratoacuterio de
ciecircncias auditoacuterio biblioteca quadra poliesportiva quadra de vocirclei secretaria diretoria sala
de especialistas sala de professores refeitoacuterio e banheiros com padratildeo de acessibilidade
A pesquisa qualitativa na educaccedilatildeo tem centrado seu foco noa educadora vai
buscar sua colaboraccedilatildeo preocupar-se com suas histoacuterias e formaccedilatildeo (GHEDIN FRANCO
2008) Nessa dimensatildeo eacute possiacutevel olhar a realidade na perspectiva doa professora e natildeo
apenas sobre elea Este processo investigativo que tem como objeto as discursividades na
escola acerca das relaccedilotildees de gecircnero mediadas no projeto de leitura tem alinhamento
metodoloacutegico com esta perspectiva de pesquisa e possui como participantes osas
professoresas que integram o tal projeto Foi escolhido o corpo docente do turno vespertino
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em funccedilatildeo de ajuste com minha disponibilidade de horaacuterio A coordenaccedilatildeo do projeto eacute de
responsabilidade de uma professora readaptada que tem formaccedilatildeo de arte-educadora Esta
profissional segundo me relatou articula trabalhos apoiando osas docentes integrantes do
projeto aleacutem de efetivar atividades literaacuterias e artiacutesticas em datas comemorativas na escola
12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de investigaccedilatildeo
A composiccedilatildeo dos instrumentos selecionados para a investigaccedilatildeo desta pesquisa eacute
constituiacuteda por diversos procedimentos para geraccedilatildeo de dados Consta de um questionaacuterio
aplicado no periacuteodo de 09 de setembro a 28 de outubro de 2013 a nove educadoresas
envolvidosas com o projeto de leitura da escola TRAVESSIA o CestaSexta Literaacuteria
Adotei tambeacutem como instrumento de investigaccedilatildeo os relatos de diaacutelogos com educadoresas
gerados quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola que se deram de 05 de setembro a 28 de
outubro de 2013 Construiacute notas de campo para registrar minhas vivecircncias naquele espaccedilo
perscrutando as vozes daqueles sujeitos pesquisados Satildeo tambeacutem composiccedilatildeo deste conjunto
de instrumentos investigativos as observaccedilotildees de quatro aulas de leitura e de texto utilizado
nestes eventos que ocorreram entre 4 e 11 de julho de 2014 A anaacutelise do documento do
projeto de leitura no tocante aos seus objetivos e metodologia bem como o levantamento de
quais livros paradidaacuteticos da biblioteca tratam da temaacutetica em tela satildeo outras formas
geradoras de dados desta pesquisa Esse levantamento do conjunto de instrumentos foi
elaborado em um processo no qual atentei para que a construccedilatildeo dos mesmos lembrando
Foucault (2004a 2004b 2012) objetivasse natildeo apontar se um enunciado eacute verdadeiro ou
falso enquanto discurso mas situar historicamente a produccedilatildeo desses
O questionaacuterio foi elaborado com treze questotildees objetivas por uma necessidade de
se ajustar agraves premecircncias do tempo mas promovendo espaccedilo para a complementaccedilatildeo de
respostas abertas considerando que outras leituras poderatildeo existir As questotildees formuladas
neste instrumento investigativo versando conforme apecircndice A entre outros toacutepicos acerca
da importacircncia da leitura para a escola sobre se a formaccedilatildeo continuada estaacute contribuindo no
preparo para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero acerca de qual
espaccedilo deve haver no curriacuteculo escolar sobre a histoacuteria social da mulher e ainda qual tem sido
o comportamento doa educadora ao lidar com manifestaccedilotildees de violecircncia de gecircnero
objetivam proporcionar anaacutelises das respostas segundo os pressupostos da AD
Essa disciplina mediante a articulaccedilatildeo liacutengua e histoacuteria descreve e analisa os
sentidos que produzimos socialmente considera assim que o sujeito eacute um efeito da linguagem
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como praacutetica social E eacute com esta perspectiva que objetivo perceber os efeitos de sentidos as
ideias circulantes e produzidas pelos sujeitos envolvidos nas questotildees do instrumento
questionaacuterio como nos demais procedimentos que compotildeem o campo empiacuterico desta
investigaccedilatildeo as aulas os diaacutelogos o documento a ausecircncia de obras temaacuteticas no acervo
bibliotecaacuterio Lanccedilar matildeo desse amparo teoacuterico me faz buscar formulaccedilotildees epistemoloacutegicas
como o discurso o interdiscurso as formaccedilotildees discursivas entre outras construccedilotildees de
linguagem como fustigaccedilatildeo que possibilita ver ldquopelardquo opacidade da linguagem Por esses
vieses interessa-me natildeo em conceber uma ldquoverdaderdquo a qual terei o poder de ldquodesvendaacute-lardquo
conforme ressalva Foucault (1995 2004a 2004b 2012) mas procuro agrave luz do que me
fornece a AD refletir e inquirir sobre as condiccedilotildees de produccedilotildees ldquodo dito e o natildeo ditordquo
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2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO
21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos
Uma indagaccedilatildeo que se desdobrava em outras se fez presente em minhas elaboraccedilotildees
sobre a temaacutetica em foco afinal por que buscar na roda de leitura de uma escola fios que
relacionem letramento e o debate sobre a construccedilatildeo social de gecircnero Qual o sentido de se
entrelaccedilar estas duas instacircncias discursivas Natildeo bastaria ler para contribuir com a construccedilatildeo
de uma formaccedilatildeo humana e eacutetica uma formaccedilatildeo cidadatilde na qual se capacitariam todos e todas
para serem protagonistas do projeto de sociedade em que convivem O exerciacutecio da leitura
natildeo estimula o ato de pensar Esta mera sacralizaccedilatildeo da praacutetica leitora tatildeo disseminada por
leigosas e ateacute leitoresas ignora que ler eacute um ato poliacutetico (FREIRE 1988) Ignora que ler eacute
uma praacutetica discursiva implica accedilotildees seleccedilotildees escolhas linguagens contextos variedades
de produccedilotildees sociais (SPINK FREZZA 1999) E que desse modo como praacutetica discursiva
na acepccedilatildeo foucaultina (FOUCAULT 2011) que eacute a tomada de empreacutestimo neste trabalho
conceituada como os dizeres que ganham corpos teacutecnicos em instituiccedilotildees em esquemas de
comportamentos em formas pedagoacutegicas a accedilatildeo de ler deve primar por reflexotildees que exijam
engajamento direcionamento afinal como esse filoacutesofo afirma
[] em toda sociedade a produccedilatildeo do discurso eacute ao mesmo tempo controlada
selecionada organizada e redistribuiacuteda por certo nuacutemero de procedimentos que tecircm
por funccedilatildeo conjurar seus poderes e perigos dominar seu acontecimento aleatoacuterio
esquivar sua pesada e temiacutevel materialidade (FOUCAULT 2011 p 8-9)
Conforme esse pensador francecircs para este controle haacute a fabricaccedilatildeo de certos
procedimentos de exclusatildeo social apoiados sobre uma base institucional Esta tem como
reforccedilo todo um conjunto de praacuteticas dentre as quais estatildeo a medicina a pedagogia a
sexualidade a prisatildeo relacionadas agrave vontade de verdade como um mecanismo de delimitaccedilatildeo
e de controle do discurso Ao trazer estas consideraccedilotildees de Foucault para o debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero que se processam na instituiccedilatildeo escolar fruto de avanccedilos consolidados
pelas lutas feministas contra uma visatildeo androcecircntrica de mundo percebo a relevacircncia das
contribuiccedilotildees do filoacutesofo que inscreve o discurso como praacutetica e como luta na constituiccedilatildeo
dos sujeitos Segundo o autor ldquo[] ndash isto a histoacuteria natildeo cessa de nos ensinar - o discurso natildeo
eacute simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominaccedilatildeo mas aquilo por que
pelo que se luta o poder do qual queremos apoderarrdquo (FOUCAULT 2012 p 10)
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Diferente de uma visatildeo que simplifica este conceito os pressupostos foucaultinos
pontuam que o discurso existe para constituir ldquocoisasrdquo ldquorealidadesrdquo segundo regras histoacutericas
especiacuteficas de tempo e espaccedilo E esse entendimento deve ser uma das forccedilas que oa analista
do discurso poderaacute dispor como baliza face ao desafio que sua tarefa se apresenta seu
trabalho natildeo eacute ldquodescobrir coisas intocadas inteiras verdadesrdquo Seu trabalho prima por chegar
agrave complexidade das praacuteticas discursivas e natildeo discursivas que emergem em um enredo de
enunciados que se cruzam no interior de campos discursivos Seu trabalho como evidencia
Fisher (2013) ocupa-se de multiplicidades de coisas ditas de enunciaccedilotildees de posiccedilotildees de
sujeito de relaccedilotildees de poder implicadas num certo campo de saber
Nessa direccedilatildeo para efetuar uma interface que pense as discursividades das vozes
docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras na escola objeto desse trabalho
as reflexotildees foucaultianas no que diz respeito agraves posiccedilotildees de sujeito satildeo nodais Com essa
perspectiva pode ser assumida a multiplicaccedilatildeo do tema do sujeito operaccedilatildeo cara a Foucault
(1995 2004a 2004b 2004c 2012) que conduz a caminhos mais fecundos para que o sujeito
seja pensado a sua dispersatildeo Assim diante de um conjunto de enunciaccedilotildees dentro de um
campo discursivo natildeo cabe um sujeito ldquounificanterdquo soberano origem de seu dizer Haacute um
sujeito que precisa ser visto em seu status em seu acircmbito institucional investido de alguma
autoridade imbuiacutedo de certas regras histoacutericas
Isto posto cabe-me adentrar em reflexotildees usando a concepccedilatildeo de dispersatildeo do
sujeito inicialmente pensando sobre qual tem sido a subjetivaccedilatildeo construiacuteda na escola pela
perspectiva dosas docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero estatildeo estesas obedecendo a que
regime de verdade Quais tecircm sido as reflexotildees acerca das ldquocoisas ditasrdquo sabe-se que elas se
entranham das dinacircmicas de poder e saber Sabe-se que emanam de praacuteticas discursivas e natildeo
discursivas atravessadas pelo poder Dar conta dessas relaccedilotildees eacute um legado foucaultiano
complexo aacuterduo e instigante que me inspira trazer para a delineaccedilatildeo acerca das
discursividades suscitadas pelo debate das relaccedilotildees de gecircnero na escola que ao fim e ao
cabo eacute um chamamento do discurso dos DH como pauta reivindicatoacuteria que eacute
E como reivindicaccedilotildees morais que satildeo esses direitos assegura Piovesan (2005)
nascem quando devem e podem nascer Essa autora pontua que os DH em sua concepccedilatildeo
contemporacircnea compotildeem a nossa racionalidade de resistecircncia na medida em que traduzem
processos que abrem e consolidam espaccedilos de luta pela dignidade humana Pautados pela
gramaacutetica da inclusatildeo esses direitos que natildeo satildeo um dado mas um construiacutedo (PIOVESAN
2005) devem adentrar o espaccedilo escolar como um imperativo eacutetico-poliacutetico-social que eacute
capaz de enfrentar um legado discriminatoacuterio que tem negado o respeito agrave diversidade sexual
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cultural e humana o que eacute um atentado agrave premissa da garantia da dignidade de todas as
pessoas
Para o assentamento do debate sobre os postulados dos DH no acircmbito da escola natildeo
nos falta amparo legal positivado Eacute com o entendimento da nodal importacircncia desses direitos
na e para a esfera escolar e considerando o arcabouccedilo legal que dispotildee sobre a educaccedilatildeo a
Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 a Declaraccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas sobre
a Educaccedilatildeo e Formaccedilatildeo em Direitos Humanos (RESOLUCcedilAtildeO A661372011) a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei
93941996) o Programa Mundial de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos (PMEDH 2005204) O
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNEDH2006) e as diretrizes nacionais emanadas
pelo Conselho Nacional de Educaccedilatildeo CNE bem como outros documentos que o Conselho
Nacional de Educaccedilatildeo publica a Resoluccedilatildeo nordm 12012 estabelecendo diretrizes nacionais para
a educaccedilatildeo em Direitos Humanos Esse instrumento em seu artigo 3ordm trata da finalidade
dessa educaccedilatildeo a mudanccedila e a transformaccedilatildeo social fundamentando-se para isto nos
princiacutepios da dignidade humana da igualdade de direitos do reconhecimento e valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e das diversidades da laicidade do Estado da democracia na educaccedilatildeo da
transversalidade vivecircncia globalidade e sustentabilidade socioambiental
Conforme a Resoluccedilatildeo nordm 12012 os sistemas de ensino deveratildeo ter planejamento e
accedilotildees que zelem por tais princiacutepios incluindo-os nas formaccedilotildees iniciais e continuada de
profissionais das diferentes aacutereas de conhecimento como tambeacutem de todo aparato estrutural
da escola Nesse sentido a resoluccedilatildeo se traduz como um poderoso instrumento de inclusatildeo
social Ela eacute aliada na problematizaccedilatildeo de uma estrutural desigualdade social poliacutetica e
econocircmica que viola cotidianamente direitos de grupos vulneraacuteveis ndash pobres negrosas
mulheres homossexuais iacutendiosias ndash Eacute aliada no combate agraves grandes deficiecircncias da
democracia brasileira que repousa em uma deficiente cultura de direitos a despeito de
avanccedilos poacutes processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes
No tocante agraves questotildees de gecircnero agrave produccedilatildeo de praacuteticas discursivas que ocultam o
protagonismo dos sujeitos que fragilizam a hegemonia masculina heterossexual cristatilde e
branca e a inserccedilatildeo desse debate no seio escolar como forma de assegurar o combate agrave
historicamente construiacuteda educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria eacute vaacutelido observar os
mecanismos enunciativos que constituem o olhar sobre o discurso que propotildee o
enfrentamento da iniquidade E um desses mecanismos trata-se dos Paracircmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) criados em 1997 que muito embora a existecircncia desses documentos natildeo
garanta sua implantaccedilatildeo eles satildeo amplamente difundidos e recomendados pelo Ministeacuterio da
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Educaccedilatildeo e Cultura (MEC) Eacute vaacutelido desse modo atentar para esta forma de comunicaccedilatildeo-
poder porque as discursividades que circulam incorrem de resultado de promessas de uma
escola como instituiccedilatildeo democraacutetica o que nos remete agrave intricada relaccedilatildeo discurso e poder
(FOUCAULT 2012) E parece bastante oportuno refletir sobre a emissatildeo de documentos
supostamente avanccedilados no debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero indagando sobre qual
processo de subjetivaccedilatildeo e instauraccedilotildees de verdade estaacute sendo ali operacionalizado
Eacute possiacutevel detectar que a discussatildeo sobre as relaccedilotildees de gecircnero consta de forma
tiacutemida e superficial entre as paacuteginas 144-146 dos PCNs referentes agraves quatro primeiras seacuteries
da educaccedilatildeo Fundamental Assim eram denominados os anos escolares agrave eacutepoca da publicaccedilatildeo
destes documentos Essa inserccedilatildeo temaacutetica eacute composta como toacutepico dentro do tema
transversal Orientaccedilatildeo Sexual que integra o volume 10 da coleccedilatildeo dos PCNs Mas laacute nas
raacutepidas paacuteginas estaacute o conceito de gecircnero e o objetivo que permeia o debate
A discussatildeo sobre relaccedilotildees de gecircnero tem como objetivo combater relaccedilotildees
autoritaacuterias questionar a rigidez dos padrotildees de conduta estabelecidos para homens
e mulheres e apontar sua transformaccedilatildeo A flexibilizaccedilatildeo dos padrotildees visa permitir a
expressatildeo de potencialidades existentes em cada ser humano que satildeo dificultadas
pelos estereoacutetipos de gecircnero Como exemplo comum pode-se lembrar a repressatildeo de
sensibilidade intuiccedilatildeo e meiguice nos meninos e objetividade e agressividade nas
meninas As diferenccedilas natildeo devem ficar aprisionadas em padrotildees preestabelecidos
mas apontando para a equidade entre os sexos (BRASIL 2013 p 144-146)
As relaccedilotildees de gecircnero integram a abordagem feita pelos PCNs tambeacutem para as seacuteries
finais do ensino fundamental como parte dos conteuacutedos dos temas transversais Na
perspectiva para estes anos finais os PCNs indicam a leitura e a anaacutelise de notiacutecias e de obra
literaacuteria como estrateacutegia para abordar a temaacutetica sobre gecircnero perpassada pelo conjunto das
disciplinas Os recursos indicados nos documentos para a exploraccedilatildeo desta temaacutetica se
constituem de formas oportunas para trataacute-lo especialmente a anaacutelise de notiacutecias
considerando que face a uma visatildeo de mundo em que predominam valores machistas e
patriarcais uma cultura eminentemente androcecircntrica apesar da resistecircncia feminista as
notiacutecias devem se constituir como repletas de exemplos de assimetrias de gecircnero
A apresentaccedilatildeo do conceito de gecircnero pelos PCNs todavia se daacute sem uma
fundamentaccedilatildeo criacutetica sustentada pela teoria feminista em um momento em que este conceito
passa por uma efervescecircncia que redimensiona e amplia sua abordagem O conceito de gecircnero
surge com o intento de analisar a subordinaccedilatildeo da mulher ao homem de modo relacional e faz
parte de debates de vaacuterios momentos do movimento feminista O gecircnero como categoria de
anaacutelise passou a ser mais utilizado apoacutes a publicaccedilatildeo do texto de Joan W Scott (1995) Nesse
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trabalho a autora retoma a diferenccedila entre sexo e gecircnero articulando a noccedilatildeo de poder com a
qual propotildee que gecircnero eacute um elemento constitutivo das relaccedilotildees sociais construiacutedas sobre as
diferenccedilas percebidas entre os sexos sendo ele um primeiro modo de dar significado agraves
relaccedilotildees de poder
De acordo com Piscitelli (2002) o conceito de gecircnero mesmo jaacute tendo sido
utilizado foi marcado a partir da conceitualizaccedilatildeo de Gayle Rubin (1975 apud PISCITELLI
2002 p 4) que definiu o sistema sexogecircnero estabelecendo uma dicotomia em que gecircnero
seria a construccedilatildeo social e sexo seria o que eacute determinado biologicamente Essa perspectiva da
feminista trouxe conforme Piscitelli entusiasmo
Entre as (os) acadecircmicasos que dialogam com as discussotildees feministas o conceito
de gecircnero foi abraccedilado com entusiasmo uma vez que foi considerado um avanccedilo
significativo em relaccedilatildeo agraves possibilidades analiacuteticas oferecidas pela categoria
lsquomulherrsquo Essa categoria passou a ser quase execrada por uma geraccedilatildeo para a qual o
binocircmio feminismomulher parece ter se tornado siacutembolos de enfoques passados
(PISCITELLI 2002 p 1)
Haacute todavia apontado por Piscitelli (2002) um contexto de questionamentos sobre
esse conceito de gecircnero que evidencia uma nova ecircnfase na utilizaccedilatildeo da categoria mulher A
autora evidencia vaacuterias discussotildees em torno dessa questatildeo pontuadas por feministas que
criticam a dicotomia culturanatureza sexogecircnero traccedilos da conceituaccedilatildeo primeira do termo
O sistema dual que caracteriza e universaliza o conceito eacute criticado pelas feministas radicais
que assumem o debate desconstruindo o binocircmio sexogecircnero trazendo agrave reflexatildeo a
inexistecircncia de uma identidade global fixa que obscurece ou subordina todas as outras Uma
reelaboraccedilatildeo teoacuterica e pendular que emerge nitidamente das poliacuteticas da diferenccedila sobre o
conceito de gecircnero fortalece a luta das mulheres em seu caraacuteter de diversidade
A rejeiccedilatildeo aos pressupostos universalistas que a dicotomia sexogecircnero traduz tem se
avolumado e garantido um avanccedilo no debate sobre a luta pelo fim da opressatildeo e subordinaccedilatildeo
da mulher ao homem Sardenberg (2002) enfatiza que as criacuteticas realizadas ao conceito de
gecircnero debatem as diferenccedilas em consonacircncia com a base poacutes-estruturalista e
desconstrutivista que as sustenta e atendem a pauta reivindicatoacuteria de mulheres leacutesbicas
negras e do Terceiro Mundo A feminista sem deixar de resguardar a relevacircncia teoacuterica e
poliacutetica da concepccedilatildeo primeira de gecircnero ressalta a importacircncia das questotildees trazidas pelas
correntes desconstrucionistas Apropria-se esta estudiosa do feminismo do conceito de
corpos gendrados e desfaz a dicotomia sexogecircnero explicando que as identidades de gecircnero
e subjetividade satildeo natildeo imateriais e descorporificadas Ela ao falar de identidades e
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subjetividades corporificadas aponta para uma direccedilatildeo que dialoga com as teorizaccedilotildees poacutes-
estruturalistas e a importacircncia dos marcadores sociais para essas que veem mais do que
sujeitos homens e mulheres em suas abordagens Veem seres de diferentes etnias classes
geraccedilotildees profissotildees lugares seres cindidos muacuteltiplos natildeo-fixos em suas identidades
imersos que satildeo pela torrencial poacutes-modernidade e seus signos multiculturalismo
globalizaccedilatildeo e informaccedilatildeo acelerada
Louro (2012) ao discutir o caro conceito para os estudos feministas historiciza as
accedilotildees desse coletivo situando a chamada ldquoSegunda Ondardquo como a que propiciou o
desenvolvimento do termo
Seraacute no desdobramento da assim denominada lsquoSegunda Ondarsquo ndash aquela que se inicia
no final da deacutecada de 1960 ndash que o feminismo aleacutem das preocupaccedilotildees sociais e
poliacuteticas iraacute se voltar para as construccedilotildees propriamente teoacutericas No acircmbito do
debate que a partir de entatildeo se trava entre estudiosas e militantes de um lado e seus
criacuteticos ou suas criacuteticas de outro seraacute engendrado e problematizado o conceito de
gecircnero (LOURO 2012 p 19)
Evidenciando a contribuiccedilatildeo que a emergecircncia do conceito de gecircnero propicia ao
movimento feminista Louro (2012) traz o discurso da invisibilidade no qual esse coletivo
esteve imerso em forma de segregaccedilatildeo poliacutetica e social Muito embora afirme essa autora
mulheres da classe trabalhadora e camponesas jaacute ocupassem atividades no mundo do trabalho
em faacutebricas oficinas lavouras Atividades essas ocupadas em condiccedilotildees de subalternidade
frente aos homens considerando os cargos que ocupavam e atividades consideradas
secundaacuterias e ligadas agraves funccedilotildees ldquonaturalizadasrdquo como femininas a assistecircncia e a educaccedilatildeo
Essas questotildees aleacutem da ausecircncia das mulheres em espaccedilos de poder como nos das ciecircncias e
das artes diz Louro (2012) ocupavam as reivindicaccedilotildees das mulheres de luta contra a
opressatildeo de gecircnero
No que tange ao conceito de gecircnero como diferencial desconstrutor da discursividade
que permeia explicaccedilotildees deterministas bioloacutegicas para as desigualdades sociais entre homens
e mulheres Louro (2012) aduz que
Eacute necessaacuterio demonstrar que natildeo satildeo propriamente as caracteriacutesticas sexuais mas eacute a
forma como essas caracteriacutesticas satildeo representadas ou valorizadas aquilo que se diz
ou pensa sobre elas que vai construir efetivamente o que eacute feminino ou masculino
em uma dada sociedade e em um dado momento histoacuterico Para que se compreenda
o lugar e as relaccedilotildees de homens e mulheres numa sociedade importa observar natildeo
exatamente seus sexos mas sim tudo que socialmente se construiu sobre os sexos
O debate vai se construir entatildeo atraveacutes de uma nova linguagem na qual gecircnero seraacute
um conceito fundamental (LOURO 2012 p 25)
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Eacute na direccedilatildeo dos estudos poacutes-estruturalistas que Louro (2012) constroacutei suas reflexotildees
sobre gecircnero debatendo a construccedilatildeo discursiva das diferenccedilas uma das tocircnicas do
pensamento Esta autora evidencia o quanto estudiososas e militantes ligadosas agraves questotildees
eacutetnicas e leacutesbicas tecircm contribuiacutedo para a reflexatildeo sobre praacuteticas poliacuteticas e educativas que
contemplem as diferenccedilas Essa discursividade tem provocado nos estudos feministas uma
implosatildeo das caracteriacutesticas iniciais que satildeo marcadas por uma construccedilatildeo teoacuterica conduzida
por mulheres brancas heterossexuais urbanas e de classe meacutedias Para a autora os estudos
feministas estatildeo sendo oxigenados quando problematizados e desestabilizados desse modo
Entendo entatildeo que as seculares construccedilotildees sociais que subjugam e inferiorizam
mulheres e as que impotildeem exclusatildeo e violecircncia na construccedilatildeo das diferenccedilas sob uma loacutegica
androcecircntrica heteronormatizadora e discriminatoacuteria satildeo muralhas que tecircm sido
problematizadas pelas contribuiccedilotildees afirmativas da pauta dos DH pelos estudos feministas e
pelas contribuiccedilotildees de estudos sobre as relaccedilotildees de poder os quais jaacute foram por mim
referidos Estas questotildees podem estar balizadas no acesso agrave leitura como mediaccedilatildeo e praacutetica
discursiva que suscita o combate da iniquidade de gecircnero como tambeacutem jaacute foi dito Ocorre
amiuacutede mesmo entre osas que natildeo satildeo leitoresas uma valorizaccedilatildeo generalizada do ato de
ler que o naturaliza e o sacraliza As propagandas sobre leitura satildeo veiculadas com esta
dimensatildeo o que fez Souza (2009 p 4) entre outrosas autoresas estudaacute-las e evidenciando o
quanto se camufla o objeto da leitura daquilo que se lecirc indagar ldquoA leitura de todo e qualquer
texto emancipa o sujeitordquo Natildeo eacute preciso ir muito longe para que percebamos que se as
escolas natildeo leem a pedagogia do letramento da vida e da diversidade de infacircncias se natildeo leem
e aplicam o que recomendam as diretrizes2009 do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNE
que apontam para garantir uma formaccedilatildeo plena como ser humano histoacuterico integral social
eacutetico de diferentes linguagens e identidades coletivas e individuais a leitura que se faz
efetivamente natildeo eacute emancipadora Ela pode divertir dar prazer colaborar com o domiacutenio do
coacutedigo em suas variedades linguiacutesticas mas natildeo emancipa Isso pode ser averiguado pelo
olhar de Arroyo (2011) que aborda o quanto a desenfreada busca para o domiacutenio de
capacidades sequenciadas para atender as expectativas de avaliaccedilotildees como a Provinha-Brasil
tem sido danosa
Na praacutetica o direito ao reconhecimento agrave cultura e ao conjunto de potencialidades
humanas que carregamos desde crianccedila vai se perdendo em nome do domiacutenio de
capacidades de letramento e numeramento [] A professora seraacute julgada e
condenada se sua turma natildeo se sair bem na Provinha-Brasil de Letramento Fica
pouco estiacutemulo e espaccedilo para dedicar tempo e energias para a formaccedilatildeo plena das
crianccedilas ateacute nos limites e potencialidades do letramento (ARROYO 2011 p 220)
36
Eacute pertinente pensar portanto como estatildeo sendo formadosas como estatildeo lendo na
instacircncia escolar meninos e meninas leem para se emancipar Leem para problematizar uma
ordem social excludente Leem para debater o que a pauta reivindicatoacuteria dos DH como
movimento que se firma na defesa de um mundo mais justo e igual tem alicerccedilado A
Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo (CONAE) realizada em 2010 direciona em seu
documento final que deve haver a inserccedilatildeo das temaacuteticas dos DH nos Projetos Poliacuteticos
Pedagoacutegicos (PPP) e no novo modelo de gestatildeo e avaliaccedilatildeo (CONAE 2010 p 162-163) Haacute
portanto um papel construiacutedo para a instituiccedilatildeo escolar no enfrentamento de violaccedilotildees desses
direitos
Produtora reprodutora e difusora de conhecimentos a escola eacute uma instituiccedilatildeo social
que pode conforme o seu aparato normativo engendrar as relaccedilotildees mais justas e equacircnimes
Ateacute entatildeo todavia deste lugar no dizer de Louro (2012) largamente tecircm sido gestadas as
diferenccedilas como a representaccedilatildeo de um desvio da normalidade Na visatildeo da referida autora
Desde seus iniacutecios a instituiccedilatildeo escolar exerceu uma accedilatildeo distintiva Ela se
incumbiu de separar os sujeitos ndash tornando aqueles que nela entravam distintos dos
outros os que a ela natildeo tinham acesso [] A escola que nos foi legada pela
sociedade ocidental moderna comeccedilou por separar adultos de crianccedilas catoacutelicos e
protestantes Ela tambeacutem se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela
imediatamente separou os meninos das meninas (LOURO 2012 p 64)
Eacute possiacutevel perceber entatildeo o quanto as relaccedilotildees de gecircnero e a produccedilatildeo negativa das
diferenccedilas satildeo alimentadas nos bancos escolares moldando fabricando sujeitos seres
distintos de diferentes classes etnias idades distintos tambeacutem em direitos e deveres Nesses
moldes essa praacutetica pedagoacutegica tem inquietado osas ativistas e defensoresas dos DH E
efeito de mobilizaccedilotildees a educaccedilatildeo inclusiva voltada para uma cultura de paz e de respeito a
esses direitos emerge Dos tantos pactos internacionais e acordos como accedilatildeo de resistecircncia
diante da violaccedilatildeo do direito agrave dignidade humana podem ser extraiacutedos instrumentos juriacutedicos
importantes para municiar osas educadoresas em suas atividades acadecircmicas caso se
comprometam com a bandeira da educaccedilatildeo como loacutecus para a promoccedilatildeo da defesa de uma
sociedade para todas as pessoas
Inteirar-se da forccedila articulatoacuteria dos movimentos sociais embandeirados com a
defesa dos DH eacute relevante para a instacircncia educacional afinal a escola ressoa as vozes e eacute
uma voz que segundo regras histoacutericas implementa hegemonia e contra-hegemonia
conforme Zenaide (2008) Das articulaccedilotildees poliacuteticas dos movimentos emergem marcos legais
que datildeo sustentaccedilatildeo agraves lutas por cidadania Um desses documentos importantes do leque de
instrumentos universais e regionais que evidenciam accedilotildees pautadas na defesa do DH foi uma
37
conquista do movimento feminista com a aprovaccedilatildeo na Assembleia da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas (ONU) em 1979 da Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de
Discriminaccedilatildeo contra a Mulher Este instrumento traduz o reconhecimento das necessidades
especiacuteficas das mulheres garantindo a igualdade entre homens e mulheres nas esferas
poliacutetica econocircmica social e familiar Outro importante documento no sentido da defesa dos
direitos das mulheres eacute a Convenccedilatildeo Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violecircncia
contra a Mulher de 1994 Essa construccedilatildeo desafia um dos males enfrentados cotidianamente
pelas mulheres das mais diversas esferas sociais e culturais eacute o da violecircncia domeacutestica A
ONU adotou em 1999 o Protocolo Facultativo agrave convenccedilatildeo regional que autoriza ao
CEDAW ndash Comitecirc para a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher
- o recebimento de queixas individuais O Brasil ratificou o protocolo o que significa mais
garantia de direitos agraves brasileiras viacutetimas de violecircncia domeacutestica acesso agrave justiccedila
internacional
Na deacutecada de 1990 os movimentos de mulheres articularam em niacuteveis regionais e
internacionais profiacutecuos acontecimentos poliacuteticos em prol de garantia de seus direitos Em
1993 a Conferecircncia Direitos Humanos de Viena estabelece que os direitos das mulheres satildeo
parte inalienaacuteveis dos DH universais e devem ser protegidos pelos Estados atraveacutes da
promoccedilatildeo de leis e de poliacuteticas puacuteblicas efetivas A Conferecircncia Internacional sobre
Populaccedilatildeo e Desenvolvimento (CIPD) realizada no Cairo em 1994 vem garantir que os
direitos sexuais e reprodutivos passem a ser assumidos como DH reconhecendo o papel
central da sexualidade A IV Conferecircncia Mundial da Mulher realizada em Pequim em 1995
aprovou uma Plataforma de Accedilatildeo reforccedilando o plano da Accedilatildeo de Cairo O debate sobre o
aborto amplia-se em bases soacutelidas eacute apontado como um grave problema de sauacutede puacuteblica e a
descriminalizaccedilatildeo dessa praacutetica ganha foco
Dentre os processos organizativos pela constituiccedilatildeo de forccedilas democraacuteticas os
movimentos de mulheres constituem-se em um expoente de militacircncia Pedro e Pinsky (2003)
relatam o processo de conquista da cidadania feminina que se ainda estaacute longe de ser plena
muito mais longe estaacute de um tempo em que agraves mulheres soacute lhes cabia o espaccedilo domeacutestico
De simples lsquocostela de Adatildeo agrave conquista da cidadania plena eacute uma longa trajetoacuteria
ainda natildeo completada pelas mulheres Mesmo no Ocidente onde o avanccedilo eacute maior e
a subordinaccedilatildeo social tem se reduzido sensivelmente elas ainda sofrem com a
violecircncia salaacuterios menores preconceitos de diversos tipos Que diraacute em paiacuteses
africanos ou islacircmicos em que satildeo vistas como apecircndice do homem na melhor das
hipoacuteteses Contudo relendo as paacuteginas deste texto podemos avaliar o quanto jaacute
avanccedilamos Que as vaacuterias vitoacuterias obtidas sirvam-nos de inspiraccedilatildeo para as lutas
futurasrsquo (PEDRO PINSKY 2003 p 304)
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Se os avanccedilos logrados pela luta feminista mudaram estilo de vida de mulheres eacute
inconteste que ainda sob o jugo da violecircncia seja simboacutelica ou fiacutesica o machismo e o
patriarcalismo deixam seus tentaacuteculos em uma contiacutenua tensatildeo pelo poder (FOUCAULT
2004a 2012) Conforme Louro (2012) a escola pode atestar isso uma cultura ainda
dominante impregnada de estereoacutetipos valores e conteuacutedos sexistas eacute o que olhos atentos
veem Nas palavras da autora
Os sentidos precisam estar afiados para que sejamos capazes de ver ouvir sentir as
muacuteltiplas formas de constituiccedilatildeo dos sujeitos implicados na concepccedilatildeo na
organizaccedilatildeo e no fazer cotidiano escolar O olhar precisa esquadrinhar as paredes
percorrer os corredores e salas deter-se nas pessoas nos seus gestos suas roupas eacute
preciso perceber os sons as falas as sinetas e os silecircncios eacute necessaacuterio sentir as
cadecircncias e os ritmos marcando os movimentos de adultos e crianccedilas Atentaas aos
pequenos indiacutecios veremos que ateacute mesmo o tempo e o espaccedilo da escola natildeo satildeo
distribuiacutedos nem usados ndash portanto natildeo satildeo concebidos do mesmo modo por todas
as pessoas (LOURO 2012 p 63)
Afiar os sentidos para que possamos enxergar os construtos sociais de
performatividades de gecircneros que produzem meninas doces quietas aplicadas submissas e
meninos inquietos agressivos ldquomaisrdquo inteligentes Afiar os sentidos para que possamos olhar
sob o crivo dos estudos de gecircnero que encontram amparo em uma legislaccedilatildeo escolar
conquistada recentemente apoacutes intensa mobilizaccedilatildeo nacional para a criaccedilatildeo do Programa
Nacional em Direitos Humanos em 1993
A emersatildeo das poliacuteticas de valorizaccedilatildeo dos DH como aacuterea transdisciplinar e que
deve estar presente na escola desde a mais tenra idade do aluno ateacute os cursos de poacutes-
graduaccedilatildeo apresenta-se como um instrumento para a desconstruccedilatildeo de uma poliacutetica
educacional sexista e machista O Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos
(PNEDH) criado em 2006 e revisado em 2006 pelo MEC Ministeacuterio da Justiccedila e Secretaria
Especial dos Direitos Humanos vem fortalecer o princiacutepio da igualdade e da dignidade de
todo ser humano E a escola eacute um espaccedilo privilegiado para que a crianccedila iniciando seu
processo de socializaccedilatildeo aprenda a conviver com caros princiacutepios Daiacute a importacircncia de se
desenvolver no interior dos espaccedilos escolares pontua Zenaide (2008) accedilotildees programaacuteticas
que deem mais materialidade agrave educaccedilatildeo agravequela que respeite e defenda os DH Dentre essas
accedilotildees vale citar
Elaborar e organizar propostas curriculares que contemplem a diversidade cultural
nas suas diferentes especificidades com a inclusatildeo de temaacuteticas relativas a gecircnero
identidade de gecircnero raccedila e etnia religiatildeo orientaccedilatildeo sexual pessoas com
deficiecircncias [] bem como trabalhar todas as formas de discriminaccedilatildeo e violaccedilotildees
de direitos na interface dos componentes curriculares (BRASIL 2006 p 24-25)
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Um paiacutes historicamente violador dos DH como o Brasil possui uma diacutevida social
enorme com sua populaccedilatildeo vitimada No que diz respeito agraves violaccedilotildees acerca das identidades
de gecircnero seus instrumentos juriacutedicos conquistados recentemente que possuem a ideia
basilar do respeito agrave dignidade humana precisam ser prementemente cumpridos Essa eacute uma
condiccedilatildeo para que o Brasil promova cidadania a todas as pessoas reinventando novas formas
de se constituir sujeitos cauterizando as feridas machistas homofoacutebicas discriminadoras
Esse agenciamento cultural pode e deve ser gestado alimentado e sustentado por praacuteticas
escolares considerando que satildeo promessas da escola a autonomia o aprendizado de si do
outro o respeito agraves diferenccedilas Conforme Zenaide (2008) entre tantos marcos protetivos para
a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo inclusiva e natildeo sexista que sustentam largamente as promessas
de uma escola para todas as pessoas a Declaraccedilatildeo Mundial sobre Educaccedilatildeo para Todos de
1990 eacute um deles Em seu artigo 3ordm este documento explicita a premecircncia de combater a
assimetria entre homens e mulheres
[] a prioridade mais urgente eacute melhorar a qualidade e garantir o acesso agrave educaccedilatildeo
para meninas e mulheres e superar todos os obstaacuteculos que impedem sua
participaccedilatildeo no processo educativo Os preconceitos e estereoacutetipos de qualquer
natureza devem ser eliminados da educaccedilatildeo (ZENAIDE 2008 p 243)
Apoacutes as reflexotildees atinentes agrave fundamentaccedilatildeo da importacircncia do compromisso do
Estado brasileiro na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas educacionais que respaldem a
garantia da efetivaccedilatildeo dos DH na esfera escolar no que diz respeito agrave equidade de gecircnero irei
discutir no proacuteximo toacutepico como a educaccedilatildeo e o feminismo satildeo esteios para tal efetivaccedilatildeo
Satildeo esteios porque podem propor problematizar as instacircncias os espaccedilos de poder propor
novas formas de subjetivaccedilatildeo formas essas que tecircm historicamente construiacutedo um
enfrentamento agrave interdiccedilatildeo da equidade de gecircnero
22 Feminismo poder e educaccedilatildeo
Uma vez ou outra sempre mais raramente lembrava a galinha que se recortara
contra o ar agrave beira do telhado prestes a anunciar Nesses momentos enchia os
pulmotildees com ar impuro da cozinha e se fosse dado agraves fecircmeas cantar ela natildeo
cantaria mas ficaria muito mais contente
(LISPECTOR 1991 p 46)
A condiccedilatildeo feminina mesmo aos olhos desatentos aparece na linha mestra da obra
clariceana As complexas e ricas criaccedilotildees da autora com Ana Carla Catarina Joana
Macabeacutea Virgiacutenia entre tantas personagens jovens maduras velhas natildeo cedem todavia
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lugar a um mero denuncismo da ordem machista que violentamente imersa mulheres em uma
sociedade feita para os que cantam como os galos A inserccedilatildeo portanto de um trecho de um
dos seus contos Uma galinha (LF1991) neste toacutepico do trabalho natildeo eacute um jeito de chamar
ao destrinchamento da ligaccedilatildeo da escritora com o feminismo fato que ela em diversos
depoimentos sabiamente negou Mas eacute uma forma de dizer que a condiccedilatildeo feminina sem
liberdade e voz emaranhada na densa complexidade psicoloacutegica das personagens clariceanas
perspectiva anguacutestia e violecircncia latentes um mundo portanto que precisa ser desaprisionado
que precisa ser desmantelado E isto a despeito de sua insistecircncia em natildeo ser feminista
expressa feminismo que Clarice constroacutei tatildeo bem com suas mulheres quando lhes daacute o grito
o canto ou quando lhes retira
Neste conto a condiccedilatildeo feminina de subjugada estaacute metaforizada na figura de uma
galinha que apenas nasce e morre cumprindo apaticamente um papel como pontua Bedasee
(1999) Sem canto sem habilidade para a luta valorizada apenas pela sua funccedilatildeo reprodutora
[ Mamatildee mamatildee natildeo mate mais a galinha ela pocircs um ovo G45] este ser que natildeo conta
consigo como o galo conta com sua crista natildeo traduziria uma bandeira de desaprisionamento
dessa ordem proposta pela teoria dos gecircneros Neste conto em que a galinha em fuga eacute
capturada por um homem [ o rapaz poreacutem era um caccedilador adormecido E por mais iacutenfima
que fosse a presa o grito de conquista havia soado ndash G44] natildeo teriacuteamos a preocupaccedilatildeo com
os imemoraacuteveis papeacuteis sociais
Entendendo Clarice que desejou a literatura maior do que as bandeiras maior do que
teses sem uma ldquofunccedilatildeordquo que a aprisione mas relembrando aqui Antonio Cacircndido (1965)
indago esta escritura que apresenta um cotidiano que encerra mulheres em um espaccedilo
domeacutestico violentador natildeo seria uma forma extraordinaacuteria de aticcedilar a transcendecircncia das
servidotildees com a perspectiva que temos de ver na trama clariceana o natildeo-conformismo como
uma ordem Possivelmente A condiccedilatildeo feminina de oprimida exceccedilatildeo a pouquiacutessimas
personagens perpassa pelas mulheres solitaacuterias e servis de Clarice trancadas no lar lacradas
para a vida que natildeo reagem Por que ela natildeo reage cadecirc um pouco de fibra Natildeo ela eacute doce
e obediente (HE41) Haacute nesta ficccedilatildeo um fio que liga as mulheres denunciando um
apagamento social vivido por elas que evidencia feminismo nesta literatura
Por seu turno natildeo na ficccedilatildeo mas na poliacutetica e engajada nos diversos movimentos
sociais outras fizeram feminismos naquele contexto de meados do seacuteculo XX em que
efervesceu a luta pelos direitos das mulheres E a histoacuterica luta das mulheres em prol dos seus
direitos e na caminhada pela cidadania plena que comeccedilou a ser preparada em momentos e
seacuteculos anteriores traduz uma resistecircncia agrave domesticaccedilatildeo social das mais expressivas na
41
histoacuteria da humanidade Esta resistecircncia pode me remeter a inuacutemeros pensadores que se
vinculam ao ideaacuterio da busca pela liberdade mas o pensamento de Michel Foucault no que
tange agraves consideraccedilotildees em sua obra sobre o polo subjetividade e verdade parece-me ser de
muita propriedade Tema caro ao filoacutesofo francecircs que categoriza ter sido este o seu problema
Esse sempre foi na realidade o meu problema embora eu tenha formulado o plano
dessa reflexatildeo de uma maneira um pouco diferente Procurei saber como o sujeito
humano entrava nos jogos de verdade tivessem estes a forma de uma ciecircncia ou se
referissem a um modelo cientiacutefico ou fossem como os encontrados nas instituiccedilotildees
ou nas praacuteticas de controle (FOUCAULT 2004a p 264)
As formas de se constituir sujeito satildeo decerto tema caro tambeacutem ao coletivo de
mulheres Embora as questotildees feministas natildeo tenham aparecido no leque de problematizaccedilotildees
do autor conforme nos atesta Rago (2008) esse coletivo pode ter como instrumento de luta
em sua histoacuterica e processual conquista por liberdade e cidadania as reflexotildees foucaultianas
atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo e da premecircncia de se constituir um novo sujeito eacutetico
a partir de praacuteticas de liberdade (cf FOUCAULT 2004a) A leitura desses processos eacute nodal
para a transformaccedilatildeo social que objetiva construir o feminismo pela importacircncia que tem
para esse autor a histoacuteria da constituiccedilatildeo do sujeito na perspectiva das praacuteticas de si Essas
conforme a retomada que o filoacutesofo daacute no debate proposto pela Antiguidade grega sobre tais
teacutecnicas satildeo concebidas como uma maneira de se relacionar consigo mesmo para se elaborar
para atuar individual e socialmente de forma eacutetica respeitosa e consciente O cuidar de si
visa atraveacutes de teacutecnicas de meditaccedilatildeo de aconselhamentos instalar a harmonia entre atos e
palavras instalar a subjetivaccedilatildeo pelo conhecimento de si eacute enfim um ethos que propotildee uma
dimensatildeo ativa do sujeito uma fruiccedilatildeo de si
[] eacute impossiacutevel suspeitar que haja uma certa impossibilidade de constituir hoje
uma eacutetica do eu quando talvez seja uma tarefa urgente fundamental politicamente
indispensaacutevel se for verdade que afinal natildeo haacute outro ponto primeiro e uacuteltimo de
resistecircncia ao poder poliacutetico senatildeo na relaccedilatildeo de si para consigo (FOUCAULT
2004a p 234)
Dimensatildeo essa que ao coletivo de mulheres imerso em um processo de busca por
libertaccedilatildeo pode se constituir como basilar Eacute basilar se considerarmos que da leitura das
reflexotildees foucaultianas acerca dos processos de constituiccedilatildeo das subjetividades pode-se
extrair o debate que destaca a desnaturalizaccedilatildeo do sujeito da construccedilatildeo de si as formas de
sujeiccedilatildeo coercitivas no social Essas uacuteltimas por exemplo se trazidas agrave luz dos estudos
feministas apontam modelos de feminilidade impostos pela dominaccedilatildeo classista e sexista
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desconstruiacutedos e recusados pela militacircncia desse movimento social A refutaccedilatildeo do amor
materno como um sentimento inerente agrave condiccedilatildeo de mulher por exemplo eacute uma das
desnaturalizaccedilotildees que foram articuladas pelos coletivos de mulheres Atributos como o da
docilidade inerente da tendecircncia agrave castidade sexual da domesticidade da inaptidatildeo para
determinados labores da constituiccedilatildeo fiacutesica e emocional como fraacutegil tambeacutem satildeo construccedilotildees
sociais que a mobilizaccedilatildeo feminista tem posto em evidecircncia negando-as Enfim um
mergulho nessa perspectiva temaacutetica oferece ao coletivo de mulheres um vasto leque de
teorizaccedilotildees que o subsidiam politicamente com operadores que lhe aclaram questotildees Uma
delas eacute poder recusar o que somos (FOUCAULT 2012) E a recusa se daacute quando sabemos
que teacutecnica atacar conhecer por quais jogos de verdade homens e mulheres potildeem-se a se
constituiacuterem sujeitos a obedecerem a que regras de sujeiccedilatildeo
Pensar em regras de sujeiccedilotildees na linha foucaultiana eacute tarefa meticulosa ardil que
exige coragem para ver Ao coletivo de mulheres fazer reflexotildees enfaticamente sobre tais
regras sobre os processos sociais de subjetivaccedilatildeo com os modos coercitivos de se constituir
mulher eacute pertinente eacute mobilizador de praacuteticas de liberdades das transformaccedilotildees que este
precisa engendrar E isto pode ser feito afiando-se os sentidos para os pilares culturais que lhe
satildeo configurados como sonhos como verdades em formaccedilotildees discursivas apresentadas desde
a mais tenra infacircncia O casamento por exemplo eacute um deles O matrimocircnio em regra tem
iniacutecio com um pedido formalizado por um homem agrave famiacutelia da mulher para um contrato
social no qual a cerimocircnia em si jaacute oferece um ensaio do que traduz a uniatildeo matrimonial a
dependecircncia social emocional da mulher Costumeiramente na nossa cultura ocidental
cristatilde a noiva entra na igreja conduzida pela matildeo de um homem (pai parente) para ser
entregue a outro o noivo o traje dela tradicionalmente eacute branco simbolizando ldquopureza de
virgemrdquo mesmo que a castidade natildeo lhe seja mais exigida Toda a ritualiacutestica da cerimocircnia
compotildee uma ideia de pertencimento do feminino pelo masculino compotildee uma ideia de
dependecircncia eacute ela quem adota em seu registro de identidade o nome do marido tendo que
alterar seus documentos de solteira Soacute bem recentemente a obrigatoriedade de tal inserccedilatildeo foi
abolida O ritual que costuma agradar agraves mulheres de uma forma bem generalizada por mais
que inove com mudanccedilas em arranjos familiares e nas condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo do
mesmo eacute marcado pela imagem de que a mulher que casa eacute a feliz O simboacutelico ato do
lanccedilamento do bouquecirc (ou mais recentemente outros objetos como os sapinhos de peluacutecia os
santos Antocircnios) pode vestir a ideia de que a felicidade estaacute em angariar um dono Assim se
justifica ver os gestos atleacuteticos que fazem as solteiras presentes movendo-se brava e
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histericamente para conseguirem agarrar tais objetos que a noiva lanccedila em sinal de que
sendo a premiada seraacute a proacutexima a realizar o sonho de casar
Que poder natildeo haacute na adoccedilatildeo de um nome nos jogos que fazem a ideia do
pertencimento O poder onde natildeo o haacute E esse eacute outro veio no olhar do pensador
(FOUCAULT 2012) que pode correr com e perpassar pelos interesses e pelas investigaccedilotildees
das mulheres que lutam por praacuteticas de liberdade que se vinculam ao debate proposto pela
teoria de gecircnero como estrateacutegia para desmantelar assimetrias para se pensar em resistecircncias
O poder em sua dimensatildeo relacional onipresente e capilar evocada pelo filoacutesofo constitui-
se como instacircncia de compreensatildeo basilar das formas de relaccedilotildees sociais
Quero dizer que nas relaccedilotildees humanas quaisquer que sejam elas - quer se trate de
comunicar verbalmente como o fazemos agora ou se trate de relaccedilotildees amorosas
institucionais ou econocircmicas - o poder estaacute sempre presente quero dizer a relaccedilatildeo
em que cada um procura dirigir a conduta do outro Satildeo portanto relaccedilotildees que se
podem encontrar em diferentes niacuteveis sob diferentes formas essas relaccedilotildees de poder
satildeo moacuteveis ou seja podem se modificar natildeo satildeo dadas de uma vez por todas
(FOUCAULT 2004a p 276)
Haacute uma discussatildeo trazida pelo pensamento foucaultiano sobre o poder na qual
repousa natildeo uma teoria geral deste mas a ideia de que a sua existecircncia natildeo emana de um
determinado ponto apenas em aparelho de Estado ou em formato de leis Existe o poder
conforme Foucault (2012) concebe dando-se como feixe de relaccedilatildeo organizado e
piramidalizado Este entendimento atrela-se ao da resistecircncia como possibilidade e esta
adverte o filoacutesofo tem que ser inventiva moacutevel tatildeo produtiva quanto o poder Pensar em
resistecircncia e estrateacutegias para o enfrentamento de relaccedilotildees marcadas por domiacutenio eacute accedilatildeo que
deve interessar ao debate proposto pelos movimentos sociais em especial os coletivos que
perseguem a equidade de gecircnero Aqui vale trazer uma ponderaccedilatildeo feita por Foucault (2004a)
na qual ele ressalva insistir sobretudo nas praacuteticas de liberdade mais do que nos processos de
libertaccedilatildeo a despeito da importacircncia desses que satildeo condiccedilotildees poliacuteticas ou histoacutericas para
aquelas O filoacutesofo afirma que tais processos natildeo satildeo por eles proacuteprios definidores dessas
praacuteticas as quais se constituem de um problema eacutetico Problema eacutetico com o qual se deparam
mulheres imersas em processos de liberaccedilatildeo neste contexto histoacuterico-cultural que
recrudesceu em meados do seacuteculo XX onde irromperam estudos de gecircnero e feminismos
trazendo enfaticamente a pauta do empoderamento para as mulheres Esse aqui entendido
como o processo pelo qual indiviacuteduos e comunidades angariam recursos que lhes permitam
ter voz visibilidade poder de agenda nos temas que afetam suas vidas
44
Empoderar-se eacute enfim gestar em si mudanccedilas de performances que perpassam pelo
rompimento de modelos que enclausuram a mulher Historicamente subjugada ensinada a
depender a ser princesa salva adormecida mas acordada com o beijo dos contos infantis
difiacutecil natildeo ter medo de dar certo Na epiacutegrafe deste trabalho uma personagem clariceana
Joana traz agrave tona a temaacutetica do medo como condiccedilatildeo feminina Como uma segunda pele o
medo segura mulheres em direccedilatildeo de carros de cargos e de vidas trancafiando-as
Obviamente que nos novos contornos sociais nos quais a rua eacute espaccedilo conquistado pelo
feminino cada vez mais os medos vatildeo se arrefecendo tornando-se mais leves amenos
vencidos
Os estudos de gecircnero agrave luz do pensamento poacutes-estruturalista trouxeram a relevacircncia
de se refletir sobre modos de subjetivaccedilatildeo novas relaccedilotildees de poder jogos de verdade tudo
muito atinente com as contribuiccedilotildees teoacutericas foucaultianas e significativo para a militacircncia
poliacutetica encetada por feministas Pensando com Foucault (2004a 2012) sobre o poder desse
modo articulo nexos entre a preocupaccedilatildeo eacutetica com o cuidado de si as praacuteticas de liberdade
e a efetivaccedilatildeo de direitos que vem em lutas por libertaccedilatildeo em caminhadas que escavam
cidadania A luta das mulheres pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que lhes garantam o
direito ao aborto agrave sexualidade livre por exemplo traduz resistecircncia que vem com o
conhecimento de si com o conhecimento de seu lugar no mundo Os movimentos das
mulheres em luta pela construccedilatildeo de suas liberdades tecircm perfilado as liccedilotildees foucaultianas de
rede ligadas ao poder luta libertaccedilatildeo mobilizaccedilatildeo estaacutegios de comandos resistecircncia
A ideia de circularidade do poder de seu funcionamento em malhas onde os
indiviacuteduos natildeo soacute circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer um poder e de sofrer sua
accedilatildeo eacute oportuna entatildeo A premissa que permite que assim se pense pode estar identificada
nas reflexotildees abrangentes do autor sobre o poder
Acredito que natildeo pode haver sociedade sem relaccedilotildees de poder se elas forem
entendidas como estrateacutegias atraveacutes das quais indiviacuteduos tentam conduzir
determinar a conduta dos outros O problema natildeo eacute portanto tentar dissolvecirc-las na
utopia de uma comunicaccedilatildeo perfeitamente transparente mas se imporem regras de
direito teacutecnicas de gestatildeo e tambeacutem a moral o ethos a praacutetica de si que permitiratildeo
nesses jogos de poder jogar com o miacutenimo possiacutevel de dominaccedilatildeo (FOUCAULT
2004a p 284)
E por ser historicamente construiacutedo discursivamente tramado por estar no campo
social das resistecircncias muacuteltiplas (dos jeitinhos agraves chantagens e agraves mobilizaccedilotildees) das
mulheres o poder pode ser desconstruiacutedo ser ativado reformulado As relaccedilotildees de poder diz
ainda o pensador francecircs (FOUCAULT 1995 2012) intricam-se pelo menos de certa forma
45
com sujeitos livres Um poder soacute se exerce quando eacute possiacutevel minimamente haver
resistecircncias pelo menos estrateacutegias para alterar o quadro Esse autor fala em estados de
dominaccedilatildeo nos quais a violecircncia se constitui como a absoluta impossibilidade de se resistir
ao poder havendo o domiacutenio total do dominador Diferentemente dos estaacutegios de violecircncia
as relaccedilotildees de poder possuem um enfrentamento constante e perpeacutetuo que garante o potencial
de revolta
Assim tambeacutem percebe Louro (2012) e dialoga com o filoacutesofo francecircs acerca dessas
relaccedilotildees A autora utilizando-se da discussatildeo sobre o controle disciplinar que perpassa os
escritos foucaultianos que falam das engenhosas estrateacutegias desenvolvidas pelas instituiccedilotildees
estrateacutegias que satildeo nichos de produccedilotildees discursivas de gecircneros de sujeitos disciplinados
regulados instituiacutedos discute a capilaridade do poder
Homens e mulheres certamente natildeo satildeo construiacutedos apenas atraveacutes de mecanismos
de repressatildeo ou censura eles e elas se fazem tambeacutem atraveacutes de praacuteticas e relaccedilotildees
que instituem gestos modos de ser e estar no mundo formas de falar e de agir
condutas e posturas apropriadas (e usualmente diversas) Os gecircneros se produzem
portanto nas e pelas relaccedilotildees de poder (LOURO 2012 p48)
Louro (2012) sob o crivo das reflexotildees foucaultianas acerca dos modos de
subjetivaccedilatildeo insere uma possibilidade de debate sobre as relaccedilotildees de poder que perpassam as
identidades de gecircnero no esteio do campo da educaccedilatildeo A autora traz a questatildeo de que sob as
lentes do filoacutesofo cabem olhares acerca da ldquonormalizaccedilatildeo da conduta dos meninos e meninas
a produccedilatildeo dos saberes sobre a sexualidade e os corpos as taacuteticas e as tecnologias que
garantem o ldquogovernordquo e o ldquoautogovernordquo dos sujeitosrdquo E eacute com essa direccedilatildeo que esta
estudiosa do feminismo caminha na e pela escola instigando aosas educadoresas agrave afiaccedilatildeo
dos sentidos para que essesas percebam a construccedilatildeo escolar das diferenccedilas das
desigualdades do poder para que observem as praacuteticas femininas educativas e as
representaccedilotildees docentes do magisteacuterio
Os caminhos teoacutericos de Louro (2012) deixam as marcas de quem dialoga com o
pensamento de Foucault (2004c 2004d 2011 2012) no tocante agrave importacircncia que possuem
as instituiccedilotildees como aparelho disciplinador reprodutor ou transformador da sociedade para
ambos A autora discute o aparelhamento da escola na formaccedilatildeo de uma cultura sexista que
difunde estereoacutetipos de gecircnero institui diferenccedilas e modelos Ela enfim alerta osas
educadores sobre a importacircncia da ocupaccedilatildeo deste espaccedilo como instacircncia poliacutetica
46
A linguagem as taacuteticas de organizaccedilatildeo e de classificaccedilatildeo os distintos
procedimentos das disciplinas escolares satildeo todos campos de um exerciacutecio
(desigual) de poder Curriacuteculos regulamentos instrumentos de avaliaccedilotildees e
ordenamento dividem hierarquizam subordinam legitimam ou desqualificam os
sujeitos [] (LOURO 2012 p 72)
Com efeito o processo de subjetivaccedilatildeo se daacute tambeacutem e significativamente na escola
que natildeo soacute transmite conhecimentos mas fabrica sujeitos conforme acordam os estudiosos
acima referendados Esse processo eacute flexionado por dispositivos entendidos esses conforme
Foucault (2012) como um conjunto heterogecircneo que engloba discursos instituiccedilotildees que
formam feixes em um tranccedilado com os quais natildeo se familiariza facilmente Louro (2012) por
isso faz a convocaccedilatildeo com muita propriedade ao ato de ldquoafiar os sentidosrdquo Afiar os sentidos
e apreender no campo da linguagem a forccedila da transmissatildeo e constituiccedilatildeo de sentidos que esta
articula que molda e produz eacute um compromisso de quem concebe a educaccedilatildeo em um campo
eminentemente poliacutetico um lugar para se desbravar cotidianamente
Fisher (2013) eacute uma das estudiosas do campo da Educaccedilatildeo que se posiciona assim
Essa autora trabalha conceitos como os de enunciado praacutetica discursiva sujeito do discurso
relacionados agrave teoria do discurso objetivando evidenciar a importacircncia desse arcabouccedilo para
as pesquisas que se propotildeem a investigar discursos de educadoresas A complexa e
diversificada obra de Michel Foucault eacute explorada pela educadora em pontos estrateacutegicos para
uma interface discurso e educaccedilatildeo Para isto a autora estabelece inicialmente um marco entre
as concepccedilotildees de linguagem a que se vincula agrave ideia de representaccedilatildeo de intencionalidade
na qual o analista ldquodescobrerdquo o que estaacute por traacutes das cortinas porque o discurso eacute interpretado
como um conjunto de signos que pode revelar a ldquoverdaderdquo E a concepccedilatildeo de linguagem que
se apresenta como constituidora interrogativa discursiva construtora de realidades sociais A
pesquisadora demonstra entender que a concepccedilatildeo com a qual Foucault evidencia vinculaccedilatildeo
eacute a que interroga a linguagem
Evocar os conceitos foucaultianos objetivando uma reflexatildeo acerca da importacircncia
desses em pesquisas no campo da educaccedilatildeo eacute uma estrateacutegia vaacutelida que oa analista de
discurso pode lanccedilar matildeo Esse direcionamento que exige uma interrogaccedilatildeo da linguagem
sobre a sua natildeo-transparecircncia e sobre seus processos de produccedilatildeo daacute-se com o esforccedilo de
conforme a AD natildeo buscar explicaccedilotildees lineares de causa e efeito ou mesmo interpretaccedilotildees
ideoloacutegicas simplistas ambas reducionistas e harmonizadoras de uma realidade mais
complexa (FISHER 2013)
A percepccedilatildeo da belicosidade da realidade que eacute atravessada por lutas em torno da
imposiccedilatildeo de sentidos (FOUCAULT 2011 2012) eacute uma postura que traduz uma capacidade
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investigativa doa analista que deve ser inquiridora ldquoPor que isto eacute dito aqui desse modo
nesta situaccedilatildeo e natildeo em outro tempo e lugar de forma diferenterdquo Nesse sentido Fisher
(2013) dialoga com o filoacutesofo pontuando acerca da constituiccedilatildeo do sujeito para esse teoacuterico
Para a foucaultiana esse pensador multiplica o sujeito a pergunta ldquoquem falardquo desdobra-se
em muitas outras qual o status do enunciador Em que campo de saber se insere Qual seu
lugar institucional [] Com formulaccedilotildees dessa natureza a ideia de discurso como
ldquoexpressatildeo de algo traduccedilatildeo de alguma coisa que estaria em outro lugar talvez em um
sujeito algo que preexiste agrave proacutepria palavra eacute desfeita Em seu lugar pontuam os autores
referendados os atos enunciativos se inscrevem no interior de formaccedilotildees discursivas que
irrompem segundo regime de verdade levando-nos a obedecer a um conjunto de regras dadas
historicamente
As liccedilotildees foucaultinas acima referidas referendadas por Fisher (2013) satildeo
pertinentes para uma contribuiccedilatildeo no presente estudo tendo em vista que a temaacutetica em foco
desta pesquisa encontra nessas reflexotildees do pensador elementos que subsidiam esta
investigaccedilatildeo Um desses elementos eacute a inquiriccedilatildeo da ideia de verdade uniacutevoca por apontar
essa categoria como uma produccedilatildeo histoacuterica e social farta de jogos de poder E a escola eacute
uma instacircncia disciplinar e reguladora de comportamentos amarrada agrave produccedilatildeo de verdades
ao poder-saber pedagoacutegico que se efetua em praacuteticas discursivas ditando regras negando-as
coibindo-as policiando incitando fabricando sujeitos (cf FOUCAULT 2011 2012) Desse
modo inquiro sobre como as praacuteticas discursivas garimpadas no processo de investigaccedilatildeo
irrompem e sob quais condiccedilotildees neste estudo O que haacute nas bocas e nas mentes na experiecircncia
de aprendizagem das praacuteticas leitoras O que desejam os olhos de quem semeia leitura e os
olhos de quem lecirc As discursividades dessesas semeadoresas alicerccedilam-se e movem-se por
quais olhares sobre as relaccedilotildees de gecircnero e de sexualidade que perpassam livros textos
corredores banheiros cochichos desabafos canccedilotildees confissotildees Elas estatildeo explosivamente
presentes como bem atenta Foucault (1985) quando afirma haver em torno do sexo uma
verdadeira explosatildeo discursiva
Seria inexato dizer que a instituiccedilatildeo pedagoacutegica impocircs um silecircncio geral ao sexo das
crianccedilas e adolescentes Pelo contraacuterio desde o seacuteculo XVIII ela concentrou as
formas do discurso no tema estabeleceu pontos de implantaccedilatildeo diferentes codificou
os conteuacutedos e qualificou os locutores Falar dos sexos das crianccedilas fazer com que
falem dele os educadores os meacutedicos os administradores e os pais Ou entatildeo falar
de sexo com as crianccedilas fazer falarem elas mesmas encerraacute-las em uma teia de
discurso que ora se dirigem a elas ora falam delas impondo-lhes conhecimento
canocircnicos ou formando a partir delas um saber que lhes escapa ndash tudo isso permite
vincular a intensificaccedilatildeo dos poderes agrave multiplicaccedilatildeo do discurso (FOUCAULT
1985 p 32)
48
E a despeito de toda dinacircmica social e histoacuterica que tem alterado a percepccedilatildeo dos
jogos dos prazeres e poderes que tem inquirido pensamentos hegemocircnicos acerca da
sexualidade das relaccedilotildees de identidades de gecircnero descontruindo paradigmas como e quais
satildeo as faacutebulas indispensaacuteveis os veios discursivos apreendidos e presentificados na escola em
foco Os pensamentos de Foucault (2004a 2004c 2004d 2011 2012) contribuiacuteram
decisivamente para uma atitude de estranhamento das instituiccedilotildees contribuiacuteram para
caracterizar o discurso pedagoacutegico como um dos que estaacute relacionado agraves praacuteticas de poder e
domesticaccedilatildeo que tem em sua base relaccedilotildees assimeacutetricas Este pensador desse modo daacute
elementos importantes para a compreensatildeo de que natildeo existe verdade que natildeo seja produzida
em relaccedilotildees de poder Estes elementos estatildeo na imersatildeo do entendimento de que a
compreensatildeo dos processos de subjetivaccedilatildeo e das praacuteticas discursivas pode estar a serviccedilo de
uma busca por uma transformaccedilatildeo substancial do que somos e o que poderemos ser em um
mundo marcado pela belicosidade constituiacutedo por discursos
No que concerne a essa busca Rago (1998) pontua o encontro entre o feminismo e o
pensamento de Michel Foucault no lastro do debate sobre a constituiccedilatildeo do sujeito e o quanto
isso potencializa as transformaccedilotildees que precisam ser operadas para que sejam consolidadas as
mudanccedilas sociais e culturais que o coletivo de mulheres pleiteia A autora fala da participaccedilatildeo
do movimento feminista na ldquoampla criacutetica cultural desconstrutivistardquo e acentua o quanto as
propostas deste movimento tecircm produzido uma criacutetica contundente ao modo de produccedilatildeo do
conhecimento cientiacutefico e que isto se deve entre outros motivos ao abrigo que o pensamento
deste coletivo encontra nos postulados dos pensadores poacutes-modernos Os estudos feministas
propotildeem um olhar para a existecircncia do sujeito cindido construiacutedo na e pela linguagem como
efeito das determinaccedilotildees culturais inserido em complexas relaccedilotildees de poder Este olhar tem
consonacircncia com as reflexotildees de Foucault (2004d p 195) especialmente no que se refere ao
empreendimento do autor na construccedilatildeo de uma hermenecircutica de si
Uma histoacuteria que natildeo seria aquela do que poderia existir de verdadeiro nos
conhecimentos mas sim uma anaacutelise dos lsquojogos de verdadersquo dos jogos do
verdadeiro e do falso atraveacutes dos quais o ser se constitui historicamente como
experiecircncia ou seja como podendo e devendo ser pensado Por meio de quais jogos
de verdade o homem se pocircs a pensar o seu ser proacuteprio ao se perceber como louco ao
se olhar como doente ao refletir sobre si mesmo como ser vivo falante e
trabalhador ao se julgar e se punir como criminoso Atraveacutes de quais jogos de
verdade o ser humano se reconheceu como homem de desejo (FOUCAULT
2004d p 195)
Esta construccedilatildeo de si perpassa e enriquece a luta feminista em suas problematizaccedilotildees
acerca das praacuteticas de si colocando em jogo os criteacuterios de modelos femininos naturalizados
49
o modo de sujeiccedilatildeo com que as mulheres se relacionam com tais modelos E nas palavras do
pensador francecircs (FOUCAULT 2004c p 244) haacute uma intenccedilatildeo de beleza no conhecimento
saber para ser Ser o artesatildeo de sua proacutepria beleza Saber para governar a proacutepria vida ldquopara
lhe dar a forma mais bela possiacutevel (aos olhos dos outros de si mesmo e das geraccedilotildees futuras
[]rdquo Nesse sentido podemos dizer que as problematizaccedilotildees foucaultianas acerca das relaccedilotildees
sujeitoverdade e a constituiccedilatildeo da experiecircncia de si satildeo pertinentes ao pensamento feminista
que sob estas referecircncias encontra fios enovelados para uma desconstruccedilatildeo de fabricadas
verdades
Foucault (2004a 2012) que afirma natildeo ser possiacutevel sociedade sem relaccedilotildees de
poder tece os possiacuteveis instrumentos de jogar com o miacutenimo de dominaccedilatildeo regras de direito
a praacutetica de si teacutecnicas racionais de governo o eacutethos O poder de resistecircncia das mulheres
atesta isto Nas palavras de Saffioti (2001) a posiccedilatildeo vitimista impede a ressignificaccedilatildeo das
relaccedilotildees de poder ou seja
[] Em outros termos a postura vitimista eacute tambeacutem essencialista social uma vez
que o gecircnero eacute o destino Na concepccedilatildeo flexiacutevel aqui exposta natildeo haacute lugar para
qualquer essencialismo seja bioloacutegico ou social Cabe frisar que a categoria
histoacuterica gecircnero natildeo constitui uma camisa de forccedila natildeo prescrevendo por
conseguinte um destino inexoraacutevel Eacute loacutegico que o gecircnero traz em si um destino
Todavia cada ser humano ndash homem ou mulher desfruta de certa liberdade para
escolher a trajetoacuteria a descrever (SAFFIOTI 2001 p 125)
Desde sua implantaccedilatildeo o domiacutenio masculino conforme Saffioti (2001) estaacute sendo
resistido por mulheres ao longo da histoacuteria da humanidade Mas o Seacuteculo XX carrega a marca
de ter sido o grande momento de transformaccedilotildees conquistadas por militantes A histoacuteria de
luta das mulheres no Brasil e em niacutevel mundial vem segundo Costa (2009) registrando
mudanccedilas ldquona velocidade da luzrdquo A autora resgata na historiografia do movimento feminista
uma dinacircmica que vai do sufragista do seacuteculo XIX passando pelas deacutecadas de sessenta e
setenta com suas reivindicaccedilotildees proacuteprias e contextuais ateacute os novos desafios que se
apresentam perenemente Ela faz este percurso buscando dar conta das mudanccedilas pelos quais
passaram as lutas feministas ora eufoacuterico ora fraacutegil o movimento natildeo para segundo o olhar
perspicaz da estudiosa que vecirc como uma demonstraccedilatildeo de forccedila da atuaccedilatildeo das mulheres de
luta a construccedilatildeo de documentos como o Plano Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as
Mulheres e da I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres
50
Ateacute chegar aiacute foi um longo e muitas vezes tortuoso caminho de mudanccedilas dilemas
enfrentamentos ajustes derrotas e tambeacutem vitoacuterias O feminismo enfrentou o
autoritarismo da ditadura militar construindo novos espaccedilos puacuteblicos democraacuteticos
ao mesmo tempo em que se rebelava contra o autoritarismo patriarcal presente na
famiacutelia na escola nos espaccedilos de trabalho e tambeacutem no estado Descobriu que natildeo
era impossiacutevel manter a autonomia ideoloacutegica e organizativa e interagir com os
partidos poliacuteticos com os sindicatos com outros movimentos sociais com o Estado
e ateacute com organismos supranacionais Rompeu fronteiras criando em especial
novos espaccedilos de interlocuccedilatildeo e atuaccedilatildeo possibilitando florescer de novas praacuteticas
novas iniciativas e identidades feministas (COSTA 2009 p 75)
Do momento que Costa redigiu essa historiografia em 2004 jaacute foram realizadas
mais duas conferecircncias nacionais em 2007 e 2011 respectivamente articulando e
fortalecendo a caminhada das mulheres por sua emancipaccedilatildeo Emancipaccedilatildeo que se constroacutei
em um longo e penoso percurso mas perseguindo a utopia da cidadania plena mulheres
feministas avanccedilam E um dos sinais claros de que avanccedilam foi traccedilado por Pinsky (2012)
Esta autora formulou recentemente um retrato do processo histoacuterico das imagens femininas
em duas vertentes o modelo riacutegido e o modelo flexiacutevel No modelo riacutegido eacute anunciada uma
imagem de mulher que em regra encampa um papel a ela ldquonaturalizado e destinadordquo a
castidade a docilidade a domesticidade a moralidade a maternidade a renuacutencia agrave vida
proacutepria e ao prazer de ser de si O nome a alma e o corpo dessa mulher submetida aos riacutegidos
padrotildees sociais possuem um dono o masculino Com as devidas interferecircncias das questotildees
sociais e de classe em regra agrave mulher restava-lhe o ldquoreinadordquo da submissatildeo da
invisibilidade de uma experiecircncia de si que a fazia possuiacuteda por outrem
As lutas e conquistas feministas flexibilizaram esse modelo passaram a ocupar
cargos nunca dantes imaginados Isto alterou a ordem discursiva reconfigurou modelos
familiares rediscutiu papeacuteis Natildeo ainda em condiccedilatildeo de igualdade obviamente as mulheres
possuem mais grilhotildees e desafios do que deveriam Conhececirc-los no sentido foucaultiano de
saber como se constituem eacute empoderar-se E esse eacute um desafio que deve ser abrangido pelo
tracircnsito da diversidade da construccedilatildeo dos contornos das identidades e diferenccedilas ligadas
como sistema de significaccedilatildeo (SILVA 2012) Entre mulheres haacute construccedilatildeo de sentidos
diversificados sobre leacutesbicas natildeo-leacutesbicas negras brancas de classes sociais distintas de
diferentes etnias e com diversidade etaacuteria Nesse sentido os estudos de gecircnero se apresentam
como um campo instigante para desmantelar para problematizar a construccedilatildeo social do que eacute
ser homem e do que eacute ser mulher
A proposta de estudo aqui colocada toma enfim as problematizaccedilotildees foucaultianas e
as das estudiosas feministas acerca dos sujeitos dos discursos e suas marcas histoacutericas como
referecircncia para averiguar de que modo as discursividades revelam o que atravessa os muros
51
escolares em termos de vozes docentes e textos sobre gecircnero Essas problematizaccedilotildees que
expressam a concepccedilatildeo de discurso como praacutetica como trama nas teias da linguagem como
movimento de produccedilatildeo de sentidos inserido na histoacuteria e na memoacuteria coletiva expressam o
poder que como concebe o pensador francecircs (cf FOUCAULT 2012) natildeo eacute um mal em si Eacute
um lugar estrategicamente decisivo onde se encontram as relaccedilotildees de forccedilas que influenciam
corpos atitudes discursos enfim a produccedilatildeo das subjetividades
Discutir essas relaccedilotildees eacute buscar desestabilizar as categorias construiacutedas concebendo
gecircnero como discurso que se inscreve em significados poliacuteticos e culturais Apropriar-se
conforme jaacute foi referido dessa constituiccedilatildeo reflexiva pode significar para as lutas feministas
uma valiosa maneira de pensar os jogos de verdades com os quais essas se enredam E por
pensaacute-los poder desconstruiacute-los
Apoacutes discorrer sobre o feminismo a constituiccedilatildeo de subjetividades que tecircm como
referecircncia procedimentos de controle de discursos em uma perspectiva foucaultiana
(FOUCAULT 2011) farei uma incursatildeo sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees poliacuteticas como
praacutetica discursiva que eacute tradutora de uma forma de saber poder
23 A leitura no Brasil em retratos
Nesta parte considero importante pontuar no trabalho um breve panorama da leitura
no Brasil baseado esse em resultado apresentado pela 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do
Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2012) Procuro utilizar alguns dados da pesquisa
perpassando por uma reflexatildeo acerca dos processos de produccedilatildeo da leitura (como leem osas
brasileirosas por que (natildeo) leem o que desejam ler quem propicia a leitura enfim que
tratamento o Estado brasileiro daacute agrave leitura Perpasso tambeacutem pelos dados refletindo como
esses podem ser reverberados pelo presente trabalho
Asseverado como um paiacutes que lecirc pouco segundo indicadores que avaliam estes
dados o Brasil eacute farto em pesquisas que se debruccedilam sobre a leitura Eacute magnacircnima a
produccedilatildeo de textos e eventos que se propotildeem a tratar da complexa questatildeo da leitura de seus
oacutebices funccedilotildees relevacircncias E deveras a reflexatildeo sobre a leitura possui importacircncia crucial
para que possamos adotar praacuteticas poliacuteticas que reparem os equiacutevocos de sermos um paiacutes que
pouco lecirc Esta reflexatildeo se atrelada agrave da escola como instacircncia responsaacutevel pela formaccedilatildeo
leitora eacute de extrema pertinecircncia pelo atribuiacutedo papel que essa instituiccedilatildeo possui na formaccedilatildeo
doa leitora
52
Um dos estudiosos da temaacutetica Silva (2011) vem criticando as pesquisas
educacionais brasileiras voltadas agrave problemaacutetica da leitura afirmando que precisamos
construir melhores inqueacuteritos sobre a accedilatildeo de ler Esse autor fala em crise assegura que natildeo
possuiacutemos uma tradiccedilatildeo de leitores temos por outro lado cifras altiacutessimas de analfabetismo
como barreira para a experiecircncia mais soacutelida com a praacutetica leitora Temos ainda conforme
Silva peacutessimas poliacuteticas de livros parcas e natildeo elucidativas pesquisas sobre o problema
enfim ele levanta a problemaacutetica da leitura como inquietante fonte de preocupaccedilatildeo para o
paiacutes
Por seu turno nas duas uacuteltimas deacutecadas por exemplo foram divulgadas pelo
Instituto Proacute-Livro trecircs ediccedilotildees da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil a primeira em
2000 a segunda em 2008 e a terceira em 2012 que satildeo resultados sobre o comportamento
leitor doa brasileiroa O que em tese se busca a cada ediccedilatildeo segundo os objetivos da
pesquisa ldquoeacute contribuir para que esses estudos possibilitem avaliar e orientar poliacuteticas puacuteblicas
e accedilotildees do governo organizaccedilotildees natildeo governamentais e entidades do livro voltadas a
melhoria dos indicadores de leitura e acesso ao livro no Brasilrdquo (AMORIM 2008 p 26)
Diante dos indicadores publicados que vecircm em forma de tabelas quadros e graacuteficos
comparativos levantados por uma metodologiaamostra com pesquisa quantitativa de opiniatildeo
com aplicaccedilatildeo de questionaacuterio e entrevistas presenciais realizadas nos domiciacutelios tendo
como universo da pesquisa a populaccedilatildeo brasileira residente com cinco anos ou mais
alfabetizada ou natildeo muito se tem a avaliar Muito se tem a avaliar a despeito das criacuteticas que
as ediccedilotildees da pesquisa tecircm recebido a exemplo de Sousa (2008) que traz a problematizaccedilatildeo
acerca do criteacuterio utilizado pelo estudo para conceituar o leitor e o natildeo-leitor
Interessa-me aqui retomar especificamente o criteacuterio adotado para definir o leitor e o
natildeo-leitor para efeito da pesquisa o leitor foi considerado aquele que lsquodeclarou ter
lido pelo menos 1 livro nos uacuteltimos trecircs mesesrsquo e o natildeo-leitor aquele que lsquodeclarou
natildeo ter lido nenhum livro nos uacuteltimos trecircs meses (ainda que tenha lido
ocasionalmente ou em outros meses do ano)rsquo (SOUSA 2008 p 5)
A autora que perscruta o discurso sobre leitura em uma pesquisa com discentes e
docentes envolta em um conceito que abrange o ato de ler para aleacutem da quantificaccedilatildeo de
suportes evidencia o quanto este aspecto indica uma limitaccedilatildeo ao conceito de leitor e natildeo
leitor e revela o nexo mercadoloacutegico que a pesquisa possui tem como patrocinador o mercado
do livro
A aplicabilidade de uma pesquisa do porte de Retratos de Leitura fomenta sempre
questionamentos e isso eacute bom Tais questionamentos traduzem tambeacutem a existecircncia de toda
53
uma diversidade de posicionamentos a respeito da leitura Diversidade que Possenti (2009) agrave
luz das concepccedilotildees da AD pontua em um ensaio no qual propotildee reflexotildees sobre a leitura
advindas das concepccedilotildees apresentadas por estudiosos Satildeo inquietantes segundo esse autor
as teses apresentadas em congressos na miacutedia e em estudos sobre leituras e no seu foco
especiacutefico nos editoriais da ALB - Associaccedilatildeo Brasileira de Leitura Haacute olhares que
expressam uma posiccedilatildeo tradicional no trato com a leitura e em seu contraponto haacute outros
posicionamentos que decorrem de uma vinculaccedilatildeo com o relativismo cultural Sendo assim
haacute criteacuterios que primam pela negaccedilatildeo de qualquer objetividade independentemente do sujeito
o que viabiliza a ideia de que tudo seria linguagem que constroacutei conforme eacute a filosofia do
relativismo Nesse veio o que eacute leitura e se oa brasileiroa lecirc e lecirc bem vai depender de onde
se fala e se enxerga Por sua vez haacute criteacuterios que salientam um olhar mais valorativo sobre a
leitura o que Possenti (2009) diz fazer as chamadas teses defendidas pelos tradicionais Para
esses haacute um modelo que considera que a leitura eacute um bem em si independentemente de ser
entendida como praacutetica histoacuterico- social
Confrontando as teses que circulam acerca da leitura Possenti (2009) evidencia por
exemplo que no que diz respeito agrave questatildeo sobre se o a brasileiroa lecirc ou natildeo o suficiente haacute
uma controveacutersia arriscada Isso se daacute porque os tradicionais restringem o conceito do que eacute
leitura limitando a accedilatildeo de ler basicamente ao livro e atrelado ao cacircnon o que eacute um erro
porque haacute pesquisas que revelam mais textos e suportes fazendo parte do cotidiano de leitura
de outros considerados natildeo leitores Por seu turno o discurso que lhes opotildee exposto
massivamente nos boletins e textos da ALB encobre que as leituras retratadas no paiacutes ainda
que mais ampliadas do que vistas pelo discurso dos tradicionais ainda satildeo indesejaacuteveis em
termos quantitativos o que fazem o autor natildeo ser otimista quando em voga estaacute esta anaacutelise
Genericamente pode-se dizer que a tese mais clara e repetidamente defendida nos
textos da ALB eacute que natildeo se conhece a realidade da leitura no Brasil Outra tese que
parece ser adotada eacute a de que haacute indicaccedilotildees que permitiriam dizer que a situaccedilatildeo eacute
bem melhor do que (ainda) se pensa [] O perigo aparente dessa tese eacute que ela
corre o risco de ser lida assim (temo ter presenciado esta reaccedilatildeo numa das mesas
redondas de que participei no mesmo COLE) se natildeo lemos tatildeo pouco como se
costuma dizer se se diz que lemos tatildeo pouco como efeito de uma concepccedilatildeo muito
estreita de leitura o resultado eacute que analisando alguns dados e alterando a
concepccedilatildeo de leitura pode-se dizer que a situaccedilatildeo eacute boa ou pelo menos natildeo eacute ruim
Logo se adivinha eu imagino que natildeo adoto essa tese (POSSENTI2009 p 25)
Em vez de adotar facilmente teses esse analista procura caracterizar os postulados
que datildeo corpo aos dois discursos que circulam e produzem sentidos sobre leitura Entre eles
estatildeo ideias de que os sujeitos leitores satildeo mais criacuteticos defendidos pelos tradicionalistas Em
54
um contraponto os textos da ALB revelam uma desconstruccedilatildeo da ideia de que ler eacute assegurar
pessoas criacuteticas por mostrar que a leitura tem sido mais objeto de dominaccedilatildeo do que de
libertaccedilatildeo das pessoas Neste jogo Possenti (2009) vislumbra o quanto a despeito do controle
e da distribuiccedilatildeo social dessa praacutetica exercidos pelas instituiccedilotildees como a escola e a Igreja haacute
contra-leituras Assim entre incompatibilidades e confrontos questotildees ligadas agrave praacutetica
leitora problematizam o prazer de ler a importacircncia deste ato e a relativizaccedilatildeo do que seria
uma boa obra Eacute problematizada por este analista do discurso a leitura como praacutetica social
que responde aos aspectos culturais sociais e histoacutericos evidenciando que ler natildeo eacute
essencialmente um bem em si
E a AD pontua a instrumentalizaccedilatildeo dessa ideia quando nos fornece reflexotildees
atinentes agrave importacircncia de que natildeo se lecirc isoladamente haacute sempre textos eivados de discursos
que se cruzam Essa disciplina contribui ainda para a ldquodessacralizaccedilatildeordquo da leitura quando vecirc a
opacidade da linguagem as palavras natildeo remetem agraves coisas E a historicidade ressonando nos
modos de significaccedilatildeo do discurso sobre leitura eacute o que parece interessar agrave AD que se exime
do papel de aacuterbitro no que se refere agrave leitura adequada Importando-se com os percursos com
o movimento que o leitor faz para ler como ler como suas leituras natildeo satildeo individuais
reflexos que satildeo da histoacuteria a que pertencem
Assim posto parece-me razoaacutevel registrar os dados da pesquisa natildeo como um
vaticiacutenio mas como uma das verdades feitas entre os especialistas que se debruccedilaram diante
dos dados da 2ordf ediccedilatildeo (2008) com o intuito de apreender como estes enxergam os sentidos
da leitura na sociedade brasileira Consensual entre esses eacute o olhar de que continua piacutefio o
desempenho doa leitorano paiacutes natildeo obstante os avanccedilos que se registram nos Retratos
Amorim (2008) fala em duas revelaccedilotildees importantes se atentarmos para os resultados da
pesquisa
A primeira delas eacute que natildeo daacute para negar que tem havido avanccedilos nos uacuteltimos anos e
que os brasileiros estatildeo lendo mais Ou pelo menos um pouco mais Em seguida
uma constataccedilatildeo que natildeo chega a negar a afirmativa anterior e muito menos a tirar o
brilho que porventura ela possa conter o Paiacutes estaacute longe de ser uma naccedilatildeo de
cidadatildeo leitores e haacute muito chatildeo pela frente ateacute que se chegue laacute (AMORIM 2008
p 15)
Esta constataccedilatildeo soacute reafirma o que se divulga intuitiva e empiricamente o Estado
brasileiro natildeo considera suficientemente a questatildeo da educaccedilatildeo e da leitura como estrateacutegica
para se construir um paiacutes melhor com mais igualdade e participaccedilatildeo criacutetica na construccedilatildeo da
democracia social Em uma cultura grafocecircntrica a condiccedilatildeo leitora eacute senha valiosa e
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intransferiacutevel para a fonte de conhecimento para o prazer e a atuaccedilatildeo como protagonista de
sua histoacuteria de vida Obviamente que a leitura aqui abordada natildeo eacute no sentido de uma
entidade fechada descontextualizada essencialista nem meramente decodificadora Sem
deixar entretanto de considerar o tropeccedilo que significa o analfabetismo a leitura que abordo
fala de uma interaccedilatildeo leitor-texto-contexto com uma atribuiccedilatildeo de motivar formar e
assegurar reflexotildees atinentes aos DH aos valores que propiciem a construccedilatildeo de um mundo
para todos Eacute a leitura como praacutetica sociocultural problematizadora das relaccedilotildees de poder
que intento abordar
Werthein (2008) lanccedila luzes sobre a questatildeo abordando uma heranccedila histoacuterica que
explica tantos percalccedilos e descaminhos na praacutetica da leitura
A histoacuteria do Brasil explica em parte sua deficiecircncia educacional O Paiacutes viveu 322
anos como colocircnia de Portugal Nesse territoacuterio onde existe um paiacutes era tudo
proibido Natildeo havia imprensa natildeo existiam escolas muito menos universidades O
comeacutercio era feito unicamente com Lisboa E os raros estudantes da eacutepoca tiveram
de viajar para a capital do Impeacuterio para buscar instruccedilatildeo em Coimbra Foram
pouquiacutessimos A imprensa surgiu no Paiacutes por intermeacutedio de dois caminhos opostos
Em 1808 Dom Joatildeo VI criou a imprensa reacutegia oficial enquanto na mesma eacutepoca
em Londres comeccedilou a ser editado em portuguecircs o Correio Brasiliense que
chegava ao Rio como contrabando Sua circulaccedilatildeo era proibida (WERTHEIN 2008
p 42)
Este quadro evidencia o quanto os colonizadores portugueses relegavam a colocircnia a
uma situaccedilatildeo de ignoracircncia que emperrou em muito o processo de letramento cultural da terra
brasilis Aos colonizadores soacute interessavam a exploraccedilatildeo de nossas riquezas Os portugueses
se comportavam como grandes predadores do territoacuterio levando madeira ouro diamantes e
accediluacutecar Com um contingente populacional constituiacutedo de negros africanos que para caacute vieram
trabalhar como escravos de elementos autoacutectones os iacutendios de diversas tribos que sofreram
severo processo de dizimaccedilatildeo e de imigrantes europeus e japoneses este territoacuterio se formou
mesticcedila e ignorantemente Um povo mesticcedilo formado de um mosaico cultural com a
hegemonia eurocecircntrica eacute um povo que acumulou uma histoacuteria de deficiecircncia educacional
que soacute recentemente tem sido reduzida
Incompatiacutevel com suas riquezas naturais com as transiccedilotildees poliacuteticas que traziam os
avanccedilos do processo de industrializaccedilatildeo do paiacutes esta deficiecircncia educacional comeccedila a ser
combalida e expande-se o processo de democratizaccedilatildeo escolar do paiacutes que inicia o seacuteculo XX
com poucas escolas chegando aosagraves filhosas dos trabalhadoresas brasileirosas A qualidade
dessas escolas eacute sempre uma dura realidade os investimentos na educaccedilatildeo brasileira foram
perenemente piacutefios muito abaixo do que deveriam e poderiam Povo mal educado eacute povo que
56
natildeo rompe as abissais diferenccedilas sociais a escola puacuteblica no Brasil forma mal e cria um
ciacuterculo que aprisiona aquele por quem nela passa Aprenderaacute pouco aprenderaacute mal e natildeo
poderaacute disputar em um mercado competitivo A escola eacute entatildeo categoricamente instrumento
de perpetuaccedilatildeo da desigualdade social parco aprendizado parcas chances de mexer com a
estrutura da piracircmide social (GUIMARAtildeES-IOSIF 2009)
Werthein (2008) aduz a relaccedilatildeo entre privileacutegios educacionais apenas para membros
da elite econocircmica agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo como forma de impedir a cidadania do povo As
relaccedilotildees de poder e saber satildeo histoacutericas poliacuteticas Um determinado sentido dado agrave instruccedilatildeo
acadecircmica possui mecanismos de sua produccedilatildeo Garcez (2008) faz uma referecircncia importante
de um dado extraiacutedo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil como significativo para
pontuar que a condiccedilatildeo de ser leitora estaacute afetada por sua inscriccedilatildeo no social A autora
destaca esta relaccedilatildeo embasada no dado de que
[] 85 dos natildeo-leitores nunca foram presenteados com livros na infacircncia
enquanto que no universo dos considerados leitores 51 receberam livros como
presente Outra informaccedilatildeo importante diz respeito agraves praacuteticas familiares de leitura
Dos lares natildeo-leitores 63 dos informantes nunca viram os pais lendo
Considerando que a pesquisa revela que a maior influecircncia para a formaccedilatildeo da
leitura vem dos pais (principalmente das matildees) esse dado eacute ainda mais significativo
(GARCEZ 2008 p 69)
Dados significativos que pontuam o valor do alicerce familiar para a formaccedilatildeo leitora
dos sujeitos ao tempo em que me faz ponderar sobre a importacircncia da cultura como elemento
que mobiliza saberes poderes (des)construccedilotildees de identidades Eacute do pensamento de Hall
(2011) que me valho para afirmar que as identidades satildeo forjadas nas relaccedilotildees com a cultura
que vivenciamos e que no seio dela se encontram forccedilas propulsoras de transformaccedilotildees
como tambeacutem forccedilas mantedoras de uma ordem social Cabe-me assim levar em consideraccedilatildeo
que a infacircncia eacute uma referecircncia construiacuteda sociohistoacuterica e culturalmente na qual agraves crianccedilas
se ensina a ocupaccedilatildeo de lugares na sociedade condicionando-lhes agraves identidades de gecircnero e
isto se faz com o esteio de elementos da cultura
A leitura eacute um desses elementos culturais com os quais se fabricam identidades E
calccedilada na informaccedilatildeo da relevacircncia da matildee na formaccedilatildeo leitora conforme os dados da
pesquisa em tela cabe-me pensar o quanto a evocaccedilatildeo destas referecircncias tem nexo para minha
reflexatildeo Possui nexo porque inscrevo com ele a importacircncia da defesa de uma praacutetica leitora
com uma dimensatildeo eacutetica problematizadora de um mundo que cria assimetrias de gecircnero para
que matildees alimentem discursivamente leituras que fortaleccedilam praacuteticas de liberdade de almas
de consciecircncias Ademais esse jaacute referendado elemento da pesquisa o indicador das matildees
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como as principais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo leitora dosas filhosas reforccedila a necessidade
de se refletir sobre a carga de um processo cultural ativo e dialoacutegico no qual essas mulheres
transmitem valores identidades de gecircnero e comportamentos aos agraves filhosas Eacute imperativo
refletirmos se aspiramos por uma nova ordem social aplainada pela equidade de gecircnero
sobre o que embalam como ninam contam cantam e leem essas matildees Que leitoresas
formam aquelas que historicamente tem perpassado por uma condiccedilatildeo de subalternidade por
uma condiccedilatildeo opressora por uma educaccedilatildeo que viabiliza a sua sub-representaccedilatildeo nos espaccedilos
do poder Que leitoresas irrompem das ldquobarras da saia da matildeerdquo do seu colo da sua
influecircncia de sujeito que lecirc Que leitoras enfim satildeo aquelas que precisam de leituras que
libertem
Historicamente subjugada a mulher eacute a narradora que influencia contagens E
paradoxalmente faz contagens em livros histoacuterias canccedilotildees filmes desenhos animados
enfim em todo um artefato cultural que reforccedila padrotildees androcecircntricos Desmantelar essa
cadeia de histoacuterias contadas por oprimidas que produzem e reproduzem modelos opressores
me parece uma oportuna estrateacutegia poliacutetica da luta feminista e que osas estudiososas que
analisam a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2008)
deixaram passar ao largo em suas anaacutelises natildeo atentando para a vulnerabilidade do dado
Esses dados entretanto satildeo relevantes deveras para a importacircncia da observaccedilatildeo na
elaboraccedilatildeo de um projeto de leitura na escola com o intento de investigar as discursividades
em torno do ato de ler se daacute a reconstruccedilatildeo de contos de textos problematizados agrave luz da
teoria de gecircnero Haacute e quais satildeo enfim as estrateacutegias para subverter a posiccedilatildeo desigual e
subordinada das mulheres em artefatos culturais que seratildeo por elas usados para formar
leitoresas Esse fio conduz um dos nossos interesses no foco temaacutetico aqui desenvolvido
No que se refere agraves poliacuteticas puacuteblicas de incentivo agrave leitura Laacutezaro e Beauchamp
(2008) discorrem sobre as diretrizes para o fortalecimento das poliacuteticas de leituras contidas
no Plano de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo ndash PDE Satildeo accedilotildees que partem de uma
consideraccedilatildeo sistecircmica da educaccedilatildeo que por meio de instrumentos de avaliaccedilotildees identifica
fragilidades e constroacutei poliacuteticas para o enfrentamento de indicadores deficitaacuterios Satildeo citados
como exemplos de accedilotildees do PDE a introduccedilatildeo da Provinha Brasil o Sistema Universidade
Aberta do Brasil ndash UAB- que tem permitido ampla poliacutetica de formaccedilatildeo dos professores tanto
inicial como continuada atraveacutes da articulaccedilatildeo universidades e municiacutepios O Programa
Nacional do Livro Didaacutetico (PNLD) que a cada ano se amplia eacute mais uma das accedilotildees
implementadas pelo Governo Federal atraveacutes do PDE com o intuito de democratizar o
acesso aos diversos bens culturais e o incremento agrave leitura
58
Esse conjunto de accedilotildees entretanto estaacute longe de transformar o Brasil em um paiacutes de
leitores Haacute apesar dos inegaacuteveis avanccedilos nas uacuteltimas deacutecadas com o amplo acesso agrave escola
em vaacuterios niacuteveis um grande deacuteficit educacional que em muito compromete a formaccedilatildeo
leitora dosas brasileiros e brasileiras o que demanda muito a ser feito E o paiacutes ainda opta por
natildeo investir suficiente ou adequadamente no enfrentamento de crocircnico quadro Laacutezaro e
Beauchamp (2008) pontuam o quanto eacute necessaacuterio que haja mais investimentos por parte do
Poder Puacuteblico mais articulaccedilatildeo de outras poliacuteticas puacuteblicas que ampliem o acesso da
populaccedilatildeo ao livro promovam o valor da leitura formem mediadoresas de leituras na escola
e fora dela e tornem o livro um produto mais acessiacutevel aos niacuteveis de renda da populaccedilatildeo
Laacutezaro e Beauchamp (2008) trabalham com os dados da pesquisa para discutir a
importacircncia da relaccedilatildeo entre a escola o acesso agrave leitura a formaccedilatildeo de leitoresas e as accedilotildees
que possam ampliar e fortalecer as praacuteticas leitoras no Paiacutes A funccedilatildeo central da escola na
constituiccedilatildeo doa leitora eacute um dado do qual a pesquisa trata
A pesquisa evidencia que eacute a escola quem faz o Brasil ler O Brasil estaacute estudando e
eacute a partir da escola que os brasileiros entram em contato com o processo da leitura e
por meio dela acessam os livros independentemente de sua classe social []
Depois da matildee a professora eacute a principal incentivadora da leitura confirmando o
papel central da escola [] Eacute na escola que se lecirc mais os mais jovens leem mais e eacute
na infacircncia que se forma o leitor Entretanto depois da escola o brasileiro lecirc menos
A escola natildeo estaacute formando o leitor mas dando acesso agrave leitura A praacutetica da leitura
continua sendo um privileacutegio de classe (LAacuteZARO BEAUCHAMP 2008 p 73)
Outros indicadores de leitura apresentados pela pesquisa que me trazem reflexotildees
pertinentes dizem respeito agrave revelaccedilatildeo de que a escola eacute responsaacutevel pela existecircncia de mais
leitores mas que por sua vez um percentual significativo dos alunos afirmam que leem por
imposiccedilatildeo da instituiccedilatildeo Esse dado estaacute presente tanto em famiacutelias com maior poder
aquisitivo quanto na de baixo poder 44 dos alunos da rede privada afirmaram ter como
motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola enquanto que 46 dos da rede puacuteblica tambeacutem
deram a mesma razatildeo para o ato de ler Isso nos faz considerar que os projetos de leituras de
uma forma geral natildeo satildeo cativantes natildeo tecircm sido exitosos no sentido de atrair o alunado para
a leitura Eacute tanto que depois da escola lecirc-se menos conforme resultado da pesquisa Tais
revelaccedilotildees pontuam a reflexatildeo de que garantir o acesso agrave escola eacute necessaacuterio e isto estaacute sendo
feito mas o fomento agrave leitura precisa ser suscitado Isto passa necessariamente por accedilotildees
pedagoacutegicas que contemplem o interesse de quem lecirc accedilotildees que traduzam planejamento
compromisso empenho formaccedilatildeo leitora de quem promove as accedilotildees pedagoacutegicas No poema
59
Iniciaccedilatildeo Literaacuteria Drummond condena a mediaccedilatildeo improacutepria de quem traz leituras que natildeo
semeiam prazer
Leituras Leituras
Como quem diz navios Sair pelo mundo
Voando na capa vermelha de Juacutelio Verne
Mas por que me deram para livro escolar
A cultura dos campos de Assis Brasil
O mundo eacute soacute fosfatos lotes de 25 hectares
Soja-fumo-alfafa-batata-doce-mandioca
Pastos de cria pastos de engorda
Se algum dia eu for rei baixarei um decreto
Condenando esse Assis a ler sua obra (ANDRADE 1983 p 601)
O prazer da leitura parece ser entre todosas osas estudiosos da temaacutetica o
pressuposto de tudo o mais Rubem Alves (2011) afirma que toda aprendizagem comeccedila com
um pedido se natildeo houver um pedido a aprendizagem natildeo acontece E o prazer de ler
segundo o escritor tem ligaccedilatildeo profunda com a forma que os textos chegam aos olhos e
ouvidos da crianccedila
Assim quem ensina a ler isto eacute aquele que lecirc para os seus alunos tenham prazer no
texto tem de ser um artista Soacute deveria ser estabelecida nas escolas a praacutetica dos
ldquoconcertos de leitura Se haacute concertos de muacutesica erudita por que natildeo concertos de
leitura Ouvindo os alunos experimentaratildeo o prazer de ler (ALVES 2011 p 56)
Sem este encantamento natildeo teremos leitoresas mas alunosas forccediladosas a cumprir
tarefas lendo para responder questotildees lendo sem escolherem os textos muitos delesas
desconexadosas de seus interesses E conforme Failla (2008 p 104) a escola e a famiacutelia
precisam ser autorreflexivas ldquoEm geral se diz que a crianccedila e o jovem natildeo leem e natildeo gostam
de ler Natildeo se diz que elas natildeo foram conquistadas ou estimuladas para ler mas a elas se
atribui sem mediaccedilatildeo que natildeo gostam de ler []rdquo O foco passa a ser uma condiccedilatildeo ldquonaturalrdquo
do jovem ou da crianccedila deixando-se de lado o contexto e as pessoas do entorno deles que
poderiam contribuir substancialmente com o desenvolvimento do prazer pela leitura Este eacute
um aspecto tratado pela ediccedilatildeo em tela da pesquisa Retratos do Brasil que contribui com as
reflexotildees desta pesquisa acerca da leitura na escola e me faz olhar para as motivaccedilotildees que
perpassam a existecircncia dos projetos de leitura da escola brasileira eacute um professor leitor que o
aluno enxerga quando esse profissional desenvolve essas praacuteticas O projeto atende a
interesse acerca de temas considerados envolventes pela comunidade escolar Satildeo projetos
para compor obrigaccedilotildees acadecircmicas ou estatildeo imbuiacutedos de motivaccedilotildees intersubjetivas
60
Contemplam quais atividades preacute-textuais A pesquisa traz dados que abordam preocupaccedilotildees
fundamentais nesse sentido Pode haver com tais referecircncias a suposiccedilatildeo de que a escola natildeo
tem formado leitores para a vida inteira considerando que decresce o nuacutemero de leitores
adultos o que faz pensar que as praacuteticas de leituras tecircm sido pouco sedutoras das quais o natildeo
estudante procura se livrar assim que ultrapassa os muros da escola Parecem necessaacuterias
accedilotildees de promoccedilatildeo agrave leitura que a liguem verdadeiramente agrave vida e tornem os materiais de
leitura mais proacuteximos dos alunos pontua Failla (2008)
Haacute debates percorrendo academias e ambientes de estudo acerca das
problematizaccedilotildees sobre a leitura A evocaccedilatildeo desse debate eacute sempre profiacutecua Profiacutecua e
cabiacutevel na escola uma das instacircncias responsaacuteveis pela sua produccedilatildeo Agrave escola cabe
sistematizar pedagogicamente suas praacuteticas leitoras de modo que deveria como ldquopatildeo diaacuteriordquo
assegurar de forma substanciosa a leitura fomentadora da cidadania que soacute vem se
mergulharmos em aacuteguas profundas das tramas sociais Mas digamos ldquopatildeordquo no sentido
religioso do tom pela necessidade e assiduidade do alimento dialogando com uma reflexatildeo
de Antunes (2009 p 204) ldquoassim como a igreja eacute lugar de oraccedilatildeo o estaacutedio eacute lugar de jogo a
escola eacute lugar de leiturardquo Na defesa das funccedilotildees da leitura no espaccedilo escolar a autora pontua
dentre essas a primordial garantia de acesso agrave escrita o que eacute de extrema importacircncia Em
uma cultura de tradiccedilatildeo grafocecircntrica como a nossa haacute sem duacutevida uma valorizaccedilatildeo dos
aspectos positivos da escrita e a leitura eacute parte da relaccedilatildeo intriacutenseca para a aquisiccedilatildeo de todo
arcabouccedilo artiacutestico-cientiacutefico e cultural veiculado pela escrita Entatildeo conforme a autora a
leitura eacute o passaporte o promotor das funccedilotildees de ampliar o conhecimento a capacidade de
analisar de refletir de acessar agraves novas informaccedilotildees e bens culturais ao prazer esteacutetico a
novas formas de expressatildeo enfim de interagir socialmente entre outras habilidades que a
escrita oferece
Entretanto considerando os deficitaacuterios indicadores de leitura que o Paiacutes
historicamente apresenta estamos longe da produccedilatildeo de uma escola fomentadora
vigorosamente de uma praacutetica leitora consistente Um paiacutes de leitoresas criacuteticosas parece ser
uma miragem a desfilar no deserto da vontade poliacutetica de nossos governantes que insistem
em disponibilizar parcos recursos financeiros mesmo quando sob os holofotes constroem
vasta legalidade na vitrine do papel propondo uma educaccedilatildeo emancipadora de qualidade A
Lei nordm 12244 de 2010 por exemplo exige que todas as escolas puacuteblicas ou privadas ateacute
2020 possuam bibliotecas em suas instalaccedilotildees fiacutesicas Seria esta uma ldquolei mortardquo mais um
ordenamento brasileiro que natildeo ldquopegardquo A considerar o levantamento feito pelo movimento
Todos pela Educaccedilatildeo com base em dados cedidos pelo Instituto Nacional de Estudos e
61
Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira(Inep)2013 haacute um trabalho grande a ser efetivado
que pode sim deixar a norma na vala das tantas que natildeo satildeo cumpridas O Brasil precisa
construir 39 bibliotecas por dia nos proacuteximos sete anos para cumprir a lei A defasagem total
do paiacutes eacute de 128 mil bibliotecas Embora o nuacutemero relativo agrave falta de bibliotecas inclua todas
as redes de ensino eacute nas escolas puacuteblicas que o problema se concentra Nas redes municipal
estadual e federal eacute preciso construir 113269 unidades Falo aqui da construccedilatildeo das sedes
todavia eacute de conhecimento puacuteblico que a manutenccedilatildeo e funcionamento desses equipamentos
demanda maiores investimentos do poder puacuteblico
A criaccedilatildeo da lei todavia independentemente de seu fiel cumprimento por parte das
instituiccedilotildees escolares jaacute eacute um sinal de que se revela um novo tempo em que se olha com mais
atenccedilatildeo para a importacircncia dos espaccedilos propiacutecios agrave leitura Haacute anos natildeo era comum nem
obrigatoacuterio que toda escola possuiacutesse em seu projeto arquitetocircnico bibliotecas e espaccedilos para
leitura construiacuteam-se e reformavam-se escolas sem a preocupaccedilatildeo com este ambiente E
assim se vecirc que haacute no deserto das poliacuteticas puacuteblicas em prol de uma educaccedilatildeo emancipadora
oaacutesis Isto pode ser evidenciado nos uacuteltimos indicadores de leitura no Brasil com a 3ordf ediccedilatildeo
(2012) da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil conforme jaacute referenciado neste trabalho na
qual haacute indicaccedilatildeo de que os brasileiros estatildeo lendo mais E precisamos mirar nossos oaacutesis
mostraacute-los haacute milhares de projetos de leitura sendo executados neste paiacutes Afinal a leitura
pelo seu poder de emersatildeo e imersatildeo poder de fazer com que homens e mulheres se
enunciem de capacitaacute-loslas a interagir em condiccedilotildees mais iguais porque podem ser
conhecedoresas de seus lugares no mundo eacute de nodal importacircncia nas transformaccedilotildees que
precisam ser operadas por esses sujeitos
Por sua vez Marques Neto (2008) evidencia a crenccedila de que o Brasil caminha no
sentido de construir e efetivar poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea do livro e da leitura O autor cita o
Plano Nacional do Livro e Leitura - PNLL criado em 2006 como marco de coesatildeo e
estrateacutegia na garantia do direito essencial das pessoas agrave informaccedilatildeo e ao acesso ao
conhecimento
Entendo que o Brasil por intermeacutedio da uniatildeo fundamental de accedilotildees do Ministeacuterio
da Cultura e da Educaccedilatildeo criando o PNLL chegou nos uacuteltimos quatro anos a um
novo patamar desvelou um novo tempo histoacuterico sob determinadas circunstacircncias
para que logremos conquistar uma poliacutetica de Estado para o livro a leitura as
bibliotecas (MARQUES NETO 2008 p 130)
A importacircncia de equipamento como a biblioteca para a formaccedilatildeo do leitor eacute um
dado que natildeo se pode desconsiderar tendo em vista que as condiccedilotildees sociais de grande
62
parcela da populaccedilatildeo inviabilizam a aquisiccedilatildeo de suportes como livros revistas jornais etc
Torna-se central entatildeo o papel da biblioteca como instrumento para o acesso democraacutetico agrave
leitura aos menos favorecidos economicamente Um dado da pesquisa foi desalentador nesse
sentido 75 dos informantes anunciaram que natildeo possuem o haacutebito de frequentar
bibliotecas 17 usam ocasionalmente e 10 frequentam Esse eacute um dado inconcebiacutevel com
o que conceitua o PNLL ser funccedilatildeo deste equipamento
Um dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura centro de educaccedilatildeo continuada
nuacutecleo de lazer e entretenimento estimulando a criaccedilatildeo e a fruiccedilatildeo dos mais
diversificados bens artiacutesticos-culturais para isso devem estar sintonizadas comas
tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo suportes e linguagens promovendo a
interaccedilatildeo maacutexima entre os livros e esse universo que seduz as atuais geraccedilotildees
(MARQUES NETO 2008 p 133)
Para que esse dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura possa ser um
equipamento eficaz o profissional responsaacutevel por sua gestatildeo e organizaccedilatildeo o bibliotecaacuterio
precisa avanccedilar em conquistas de mais habilidade Para Silva (2011) em regra esse
profissional eacute um exiacutemio conhecedor das normas de catalogaccedilatildeo das leis que regem a
instalaccedilatildeo de bibliotecas das fichas de empreacutestimos de livros De leitura revela o professor
natildeo eacute a regra que haja por parte desse profissional conhecimento interesse e projetos de
incentivo agrave leitura juntamente com a comunidade escolar
No que diz respeito aos dados pontuados pela pesquisa acerca da realidade brasileira
das bibliotecas esses podem ser subsiacutedio para uma reflexatildeo sobre o valor do equipamento
para a consolidaccedilatildeo de uma praacutetica leitora Um dos aspectos que merecem reflexatildeo eacute sobre
quem estaacute apto para gerenciar este equipamento Na escola em que a pesquisa eacute realizada por
exemplo tais quais nas demais da rede municipal de ensino e em muitas pelo paiacutes afora os
responsaacuteveis pela biblioteca costumam ser professoresas readaptadosas nem sempre com
domiacutenio profissional para atuar na aacuterea o que evidencia mais uma fragilidade do poder
puacuteblico com a educaccedilatildeo e a cultura brasileira
Com a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil o Paiacutes tem em matildeos um
diagnoacutestico que possibilita a construccedilatildeo de uma agenda para as poliacuteticas puacuteblicas do livro e de
leitores Vale ressaltar todavia que por esta pesquisa considerar a leitura no suporte livro
como criteacuterio para testificar a condiccedilatildeo leitora do brasileiroa conforme jaacute pontuado aqui
natildeo contemplou suficientemente as novas praacuteticas de leitura que advecircm das tecnologias da
informaccedilatildeo E eacute indubitaacutevel que esta omissatildeo desconsidera um fenocircmeno civilizatoacuterio
importante que tem alterado significativamente comportamentos de pessoas de todas as
63
esferas sociais em escala mundial como eacute o da leitura no espaccedilo cibercultural A imersatildeo do
mundo no uso das tecnologias da informaccedilatildeo que com seus dispositivos virtuais interligam a
comunicaccedilatildeo da sociedade disseminam informaccedilotildees em tempo real e possibilitam a troca
compartilhada de conhecimento democratizando saberes haacutebitos comportamentos tem
provocado mudanccedilas econocircmicas sociais poliacuteticas culturais E essas mudanccedilas seguramente
tecircm afetado tambeacutem as escolas Os dispositivos tecnoloacutegicos em pouco mais de duas
deacutecadas presentes em celulares tablets computadores como uma segunda pele chegam agraves
matildeos e aos olhos de discentes e docentes alterando as praacuteticas sociais de leituras podendo
promover eventos de letramento
A despeito de este natildeo ser objeto deste estudo e de natildeo ter pretensotildees de avaliar
quatildeo profundas satildeo as transformaccedilotildees que a sociedade experimenta a partir dessa nova matriz
cultural eacute relevante ponderar que a escola precisa caminhar responsavelmente com esta
realidade desafiadora que lhe trazem as tecnologias da informaccedilatildeo Como natildeo considerar que
sob pena de comprometer resultados positivos no processo ensino-aprendizagem eacute dever
dosas educadoresas atentar para o modo e os textos que circulam pela escola repleta que
estaacute de nativos digitais Como natildeo considerar ainda que sob pena de que essesas estejam
sendo negligentes com a problematizaccedilatildeo da discursividade docente devem atentar para o que
anda sendo lido na virtualidade nossa de cada dia estampada nas telas
Enfim considerando o papel da escola na formaccedilatildeo doa leitora e o quanto os vaacuterios
suportes e miacutedias satildeo importantes na perspectiva de democratizaccedilatildeo do acesso aos diversos
bens culturais vale destacar que a leitura conforme analistas do discurso natildeo eacute um bem em
si mas que pode se apresentar como lugar estrateacutegico na formaccedilatildeo de um povo para a sua
emancipaccedilatildeo poliacutetica e social Obviamente isso ocorre entre outras razotildees se a leitura for
concebida em uma perspectiva interacionista que leve em consideraccedilatildeo os interesses da
comunidade escolar e reflexotildees atinentes sobre a linguagem em uso Desse modo a agenda de
promoccedilatildeo do letramento para aleacutem do acesso aos suportes e do domiacutenio da tecnologia deve
se constituir prementemente como uma pauta reivindicatoacuteria que envolva educadoresas
gestoresas e demais atoresatrizes sociais
Apoacutes as reflexotildees atinentes agraves descriccedilotildees sobre leitura elaboradas por estudiososas
tendo essesas essencialmente se pautado em uma ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no
Brasil farei uma incursatildeo no proacuteximo toacutepico sobre como a Anaacutelise do Discurso daacute o foco
nas vozes dosas educadores acerca do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero trazido por uma
das instacircncias culturais da escola a da leitura
64
24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso
O projeto de Michel Pecirccheux de uma teoria natildeo subjetiva da leitura eacute uma das
sustentaccedilotildees da defesa de Possenti (2009) de que a AD eacute uma das poucas aacutereas de
conhecimento que tem condiccedilotildees de reivindicar para si o pronunciamento sobre a leitura O
intento do analista francecircs que chegou a postular a ldquoanaacutelise automaacutetica do discursordquo eacute fruto
entre outros de uma nova concepccedilatildeo de liacutengua nos anos sessenta gestada pelo
Estruturalismo e com bastante efervescecircncia na academia francesa Com essa concepccedilatildeo que
atravessava as reflexotildees sobre a linguagem natildeo mais concebendo liacutengua como um coacutedigo que
condensa informaccedilatildeo a quem o conhece conforme a perspectiva saussuriana Pecirccheux
estrutura a noccedilatildeo de discurso Estrutura entendendo este como um ponto intermediaacuterio entre
linguagem e ideologia Esse legado epistemoloacutegico surge em um contexto sociopoliacutetico
francecircs de insurreiccedilatildeo popular de inquietaccedilotildees poliacuteticas A AD eacute pensada nessa atmosfera
como uma disciplina que daacute conta de amalgamar as praacuteticas poliacuteticas e a concepccedilatildeo de
ciecircncias sociais que emerge naquele cenaacuterio (cf SANTOS 2013)
Desalojando os estatutos positivistas ocupam lugares essenciais nas postulaccedilotildees de
Pecirccheux (2012) a subjetividade a ideologia as lutas de classe Assim articula-se a AD em
uma abordagem transdisciplinar com aacutereas como a psicanaacutelise o materialismo dialeacutetico e a
linguiacutestica com as quais entrelaccedila um novo olhar sobre a liacutengua o sujeito e a histoacuteria na
produccedilatildeo de sentidos Esse novo olhar enxerta nos estudos sobre a linguagem a reflexatildeo de
que a leitura natildeo era a leitura de um texto enquanto texto Concebido discursivamente o texto
deve ser tomado como um artefato cultural e linguiacutestico que tem existecircncia na exterioridade
linguiacutestica no social o que interfere em sua circularidade e interpretaccedilatildeo (FERNANDES
2008)
Processam-se nas fases pelas quais passa a AD noccedilotildees como sujeito discursivo
condiccedilotildees de produccedilotildees e formaccedilatildeo discursiva Esses conceitos vatildeo consolidando as reflexotildees
que este campo teoacuterico intenta para dar conta de suas inquietaccedilotildees acerca dos estudos sobre a
linguagem e as transformaccedilotildees sociais que insurgem naquele contexto poliacutetico Uma das
accedilotildees da AD estaacute pautada na teorizaccedilatildeo sobre as restriccedilotildees que o discurso sofre Nesse
sentido Possenti (2009 p 11) pontua o quanto a AD tem como objetivo explicitar as
estrateacutegias e restriccedilotildees de leitura lsquoUm discurso natildeo circula em qualquer lugar natildeo toma
livremente uma forma geneacuterica qualquer e natildeo pode ser interpretado de qualquer maneira por
qualquer umrdquo Restriccedilotildees essas que datildeo aoagrave analista do discurso a incumbecircncia de atentar
para o enunciado em sua historicidade em suas condiccedilotildees de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo em seus
65
efeitos de verdade Sendo assim a leitura de um texto conforme as bases conceituais da AD
prima pela observacircncia de sua historicidade prima pela observacircncia para dar conta dos
percursos de quem lecirc e como lecirc que prescinde destes nortes De acordo com Possenti (2009)
[] Aprendemos a nunca ler um texto isoladamente (natildeo se faz anaacutelise de discurso
de um texto) a nunca ler um texto considerando apenas seu material verbal
(aprendemos a relacionaacute-lo a seu exterior) a nunca tratar a linguagem como se fosse
transparente (aprendemos a supor sempre que a interpretaccedilatildeo eacute um trabalho jaacute que
as palavras natildeo remetem jamais agraves coisas e natildeo tecircm sentido uniacutevocos) a nunca
supor que o texto (ou mesmo vaacuterios) fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura
(aprendemos sempre a supor que mesmo no domiacutenio textual ou ateacute mesmo no do
enunciado mais restrito eacute necessaacuterio acionar mais de um fator relevante ndash considerar
os pressupostos a intertextualidade etc) (POSSENTI 2009 p 14)
Da defesa de uma teoria natildeo subjetiva da leitura sustentada pela AD podemos
depreender que nossos horizontes de pesquisas da linguagem na esfera da leitura devem
ultrapassar a materialidade linguiacutestica A AD nos convida a uma dimensatildeo da linguagem em
seu uso em sua discursividade contemplando as praacuteticas socioculturais por ela perpassadas
Trata-se na abertura dessa via de descrever e interpretar a existecircncia de enunciados e suas
produccedilotildees em determinados lugares e espaccedilos integrando discursos cujas existecircncias
apontam para alguma coisa em curso tal que ldquoa palavra discurso etimologicamente tem em
si a ideia de curso de percurso de correr por de movimento O discurso eacute assim palavra em
movimento praacutetica de linguagem com o estudo do discurso observa-se o homem falandordquo
(ORLANDI 2008 p 15)
Em curso e que segundo ainda essa autora analisaacute-los implica interpretar as praacuteticas
discursivas dos sujeitos abordar as manifestaccedilotildees de linguagem problematizando-as ldquoo que
produzem os sujeitos falantes e leitores Podem esses deixar de perceber que satildeo sujeitos agrave
linguagem a seus equiacutevocos sua opacidade Com essas indagaccedilotildees Orlandi (2012) discorre
como este campo transdisciplinar contribui com o trabalho com a linguagem para que
possamos sem ilusionismos ldquoao menos sermos capazes de uma relaccedilatildeo menos ingecircnua com a
linguagemrdquo Haacute em sua explanaccedilatildeo sobre princiacutepios e procedimentos da AD uma
preocupaccedilatildeo em evidenciar o quanto o trabalho com a linguagem perpassa por incompletudes
por subjetividades por pluralidade de sentidos por histoacuterias nos fazendo entender que haacute
movecircncias mas ldquoos sentidos estatildeo sempre administrados natildeo estatildeo soltosrdquo Os sentidos
materializados por linguagem verbal ou natildeo verbal natildeo satildeo imanentes fixos produzidos que
satildeo por uma pluralidade de discursos que se entrecruzam advindos de condiccedilotildees socio-
histoacutericas e ideoloacutegicas de produccedilatildeo Nessa direccedilatildeo Pecirccheux (2012) vincula os sentidos das
palavras agraves formaccedilotildees ideoloacutegicas de quem as usa afirmando que
66
O sentido de uma palavra de uma expressatildeo de uma proposiccedilatildeo etc natildeo existe lsquoem
si mesmorsquo [] mas ao contraacuterio eacute determinado pelas posiccedilotildees ideoloacutegicas
colocadas em jogo no processo soacutecio-histoacuterico no qual as palavras expressotildees e
proposiccedilotildees satildeo produzidas (PEcircCHEUX 2012 p 190)
A construccedilatildeo do quadro teoacuterico metodoloacutegico desse estudo partiu entatildeo do
pressuposto de que a linguagem natildeo se daacute como evidencia ela se oferece como lugar de
descoberta (cf ORLANDI 2012) O reconhecimento de que a linguagem natildeo eacute transparente
pressupotildee o exerciacutecio constante de querer ver aleacutem da materialidade textual rompendo as
estruturas linguiacutesticas para chegar ao discurso buscando vestiacutegios equiacutevocos e interdiccedilotildees
dispersotildees caminhos que natildeo queiram ldquo[] atravessar o texto para encontrar um sentido do
outro lado A questatildeo que ela coloca eacute como este texto significa Haacute aiacute um deslocamento jaacute
pronunciado pelos formalistas russos onde a questatildeo a ser respondida natildeo eacute lsquoo quecircrsquo mas lsquoo
comordquo (ORLANDI 2012 p 17)
Nesse esteio a formulaccedilatildeo deste objeto de estudo que problematiza a discursividade
dosas docentes frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras busca
assumindo o ponto de vista de umuma analista de discurso verificar a compreensatildeo da
apariccedilatildeo dos enunciados daqueles sujeitos discursivos Apoiado na AD esse estudo pontua a
importacircncia das reflexotildees acerca do discurso e sua vinculaccedilatildeo com o poder das reflexotildees
acerca das posiccedilotildees dos sujeitos envolvidos da opacidade da linguagem que por sua marca
poliacutetica torna-a incapaz dizer e fazer ver tais como satildeo as coisas Assim face aos
questionamentos acerca de como andam as problematizaccedilotildees sobre o que podem meninos e
meninas na esfera escolar em termos de equidade de gecircnero vale observar o lugar histoacuterico
social de onde os enunciadores determinam seus discursos Vale inquirir sobre as vozes que
integram o sujeito discursivo aqui diferenciando esse sujeito do da linguiacutestica geral que aduz
a um sujeito falante homogecircneo dono de seu dizer Na perspectiva da AD o sujeito eacute
constituiacutedo por polifonia noccedilatildeo cunhada de Mikhail Bakhtin que traccedila o entrecruzamento de
discursos como marca do sujeito Ele e suas vozes que ressoam que silenciam falam
reproduzem esquecem explicitam implicitam direta ou indiretamente na materialidade
linguiacutestica Constituiacutedo que eacute entre o eu e o outro decorrente da interaccedilatildeo social o lugar do
sujeito natildeo eacute vazio mas preenchido por aquilo que Pecirccheux (2012) chamou de forma sujeito
(cf SANTOS 2013)
A identificaccedilatildeo dessa constituiccedilatildeo heterogecircnea do sujeito trazida pelos estudos poacutes-
estruturalistas eacute de muita valia para as reflexotildees sobre a linguagem como praacutetica social uma
vez que os enunciados apontam para um lugar-sujeito Apontam que o sujeito discursivo eacute
67
plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se em
formaccedilotildees discursivas Por seu turno a compreensatildeo do conceito de formaccedilatildeo discursiva
trabalhado tanto por Foucault (2011) como por Pecirccheux (2012) eacute imprescindiacutevel para oa
analista do discurso uma vez que este conceito explicita como cada objeto do discurso tem na
formaccedilatildeo discursiva a sua regra de apariccedilatildeo tem o engendramento dos jogos de poder Assim
eacute possiacutevel que haja compreensatildeo das histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees que permitem
veicular o que dizer em determinado espaccedilo social conforme nos mostra Foucault (1995)
Trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situaccedilatildeo
de determinar as condiccedilotildees de sua existecircncia de fixar seus limites da forma mais
justa de estabelecer suas correlaccedilotildees com os outros enunciados a que pode estar
ligado de mostrar que outras formas de enunciaccedilatildeo exclui (FOUCAULT 1995 p
31)
Isto posto fica evidenciado o quanto o trabalho para oa analista do discurso com os
olhos na noccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva potildee em jogo princiacutepios que evocam a apreensatildeo de
sentidos gestada pela memoacuteria discursiva Essa dimensionada pela AD como um espaccedilo de
memoacuteria coletiva que permite a inscriccedilatildeo dos sujeitos em um corpo soacutecio-histoacuterico-cultural eacute
tambeacutem crucial na compreensatildeo da construccedilatildeo da materialidade discursiva E para pocircr em
jogo os princiacutepios que evocam a apreensatildeo de sentidos se faz necessaacuterio fazer aparecer os
movimentos inacabados que a formaccedilatildeo discursiva implica Movimentos que mostram que
no tecido social da discursividade os enunciados satildeo acontecimentos que tecem
continuidades e descontinuidades dizeres exteriores e anteriores diferentes tipos de discursos
que coexistem aparecem e desaparecem dispersando-se formando-se e transformando-se de
modo complexo ao tempo que integram as formaccedilotildees discursivas (cf FOUCAULT 2012)
Essa integraccedilatildeo espelha a heterogeneidade proacutepria agrave formaccedilatildeo social onde coexistem forccedilas
diferentes plurais Isto explica segundo Fernandes (2008) enunciados estruturalmente
semelhantes significando diferentes discursos decorrentes da inscriccedilatildeo ideoloacutegica desses
enunciados
Nesse sentido os estudos poacutes-estruturalistas trazem conforme Pereira (2005) o
discurso para o centro das atenccedilotildees e afirmam que a linguagem natildeo eacute propriamente uma
representaccedilatildeo da realidade feita pelos sujeitos mas eacute constituidora dos sujeitos e da realidade
A linguagem eacute concebida nessa perspectiva como um loacutecus ativo dinacircmico e enredado por
relaccedilotildees de poder E o discurso concebido como um tipo de sentido um efeito de sentido uma
posiccedilatildeo que se materializa na liacutengua embora natildeo mantenha uma relaccedilatildeo biuniacutevoca com ela
(POSSENTI 2009) A linguagem entatildeo no esteio poacutes-estruturalista natildeo eacute apenas um meio
68
de transmitir ideias ou significados mas eacute a instacircncia em que se constroem os sentidos que
atribuiacutemos ao mundo e a noacutes mesmos dentro de uma pluralidade de sentidos
Fernandes (2008) trata do discurso como accedilatildeo social e reforccedila na linha de Orlandi
(2012) o quanto os discursos estatildeo implicados com a interpretaccedilatildeo dos sujeitos as condiccedilotildees
histoacuterico-sociais de sua produccedilatildeo e a histoacuteria Instacircncias essas que os discursos ldquonatildeo fixos
moventesrdquo e que fazem esses acompanharem as transformaccedilotildees sociais e poliacuteticas pelas quais
passam o mundo Essas consideraccedilotildees permitem aduzir o quanto a liacutengua se insere na histoacuteria
mediando-a e a constituindo gestando sentidos sentidos esses produzidos face aos lugares
ocupados pelos sujeitos em interlocuccedilatildeo
No que concerne agrave relaccedilatildeo sujeito e enunciado Fernandes (2008 p 28) pontua a
percepccedilatildeo da polifonia como elemento importante para a compreensatildeo do sujeito discursivo
ldquo[] requer compreender quais satildeo as vozes sociais que se fazem presentes em sua vozrdquo
(FERNANDES 2008 p 28) entrecruzada que eacute de diferentes discursos considerando que
natildeo haacute sujeito homogecircneo em decorrecircncia de sua interaccedilatildeo na sociedade Esse autor traz
tambeacutem relaccedilotildees entre o sujeito e a linguagem relaccedilotildees de base psicanalista cuja perspectiva
incide em um sujeito cindido descentrado considerando que
Sempre sob as palavras outras palavras satildeo ditas O sujeito tem a ilusatildeo de ser o
centro de seu dizer pensa exercer o controle dos sentidos do que fala mas
desconhece que a exterioridade estaacute no interior do sujeito em seu discurso estaacute o
lsquooutrorsquo compreendido como exterioridade social (FERNANDES 2008 p 29-30)
De posse de categorias analiacuteticas caras agrave AD como a formaccedilatildeo discursiva e o
descentramento do sujeito categorias discursivas que dialogam com formulaccedilotildees
foucaultianas a saber ldquonatildeo haacute enunciado que natildeo suponha outros natildeo haacute nenhum que natildeo
tenha em torno de si um campo de coexistecircnciasrdquo (FOUCAULT 1995 p 114) reflito sobre o
esteio que permite pensar as vozes escolares Nesse sentido todo enunciado eacute uma reacuteplica a
outros enunciados Com esse marco teoacuterico o debate sobre leitura e as relaccedilotildees de gecircnero que
atravessam as vozes escolares eacute compreendido como um espaccedilo de luta hegemocircnica como
praacutetica social Esta entendida como um conjunto de atividades humanas que engendram tanto
as condiccedilotildees de produccedilatildeo dos discursos quanto as condiccedilotildees de existecircncia de uma sociedade
(SPINK MENEGON 1999) eacute uma de minhas bases de discussatildeo do proacuteximo toacutepico que
envolve a importacircncia da praacutetica da leitura na escola como praacutetica social
69
25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social
Sobre a praacutetica da leitura na escola eacute notaacutevel deveras que esta eacute mateacuteria instigante e
apreciada por tantos estudiosos da educaccedilatildeo (FREIRE 1988 2002) (SILVA E T 2009
2011) (SOARES 2001 2011) (ANTUNES 2009) do socioconstrucionismo (MOITA
LOPES 2002) da Anaacutelise do Discurso (POSSENTI 2009 ORLANDI 2008) entre outros
que se ater sobre o tema eacute se deparar com incontaacuteveis e fecundas pesquisas Isto me instiga a
pensar que muito jaacute foi dito Entretanto face agrave complexa questatildeo eacute sempre desafiador
imersoa na proacutepria realidade profissional problematizar a praacutetica pedagoacutegica imbuiacutedoa de
um desejo pelo inacabado E mover-se na problematizaccedilatildeo da leitura em uma interface
temaacutetica com gecircnero tendo como aporte teoacuterico as reflexotildees instigadas pela AD acerca da
leitura que a trata em uma perspectiva discursiva eacute enveredar por um desafio que atrai Vale
pensando assim inquirir de que forma a leitura tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo
quais satildeo enfim as verdades veiculadas pelas praacuteticas leitoras Dizendo na sintonia com a
AD os discursos sobre as relaccedilotildees de gecircnero estatildeo inscritos em uma determinada formaccedilatildeo
discursiva e operam constituindo que subjetividades segundo os campos do que eacute possiacutevel
pensar dizer julgar fazer na praacutetica leitora desenvolvida
Orlandi (2008) postulando os pressupostos teoacutericos da AD traz pontos cruciais para
uma accedilatildeo problematizadora com a leitura A autora faz referecircncias aos muacuteltiplos modos de
leitura (do ato de decodificar estrita aprendizagem formal de aprender a ler e escrever agrave
atribuiccedilatildeo de sentidos) dependendo cada acepccedilatildeo de seu modo de produccedilatildeo A analista
trabalha a concepccedilatildeo de leitura como um processo complexo no qual para as muacuteltiplas
determinaccedilotildees de sentidos que lhe envolvem exigem-se mais habilidades do que o
imediatismo da accedilatildeo de ler
Quando se lecirc considera-se natildeo apenas o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute
impliacutecito aquilo que tambeacutem natildeo estaacute dito mas estaacute significando E o que natildeo estaacute
dito pode ser de vaacuterias maneiras o que natildeo estaacute dito mas que de certa forma
sustenta o que estaacute dito o que estaacute suposto para que se entenda o que estaacute dito
aquilo a que o que estaacute dito se opotildee outras maneiras diferentes de se dizer o que se
disse e que significa com nuances distintas etc (ORLANDI 2008 p 11)
Eacute instigante o olhar de Orlandi (2008) para que se pense no que natildeo eacute visiacutevel no
texto mesmo que o constitua como forma de assumir uma perspectiva discursiva sobre
leitura Dessa perspectiva concebe-se o pensamento acerca da produccedilatildeo da leitura como parte
do processo de instauraccedilatildeo de sentidos as especificidades e histoacuteria do sujeito-leitor satildeo
70
atentadas O fato de que tanto o sujeito quanto os sentidos satildeo determinados historicamente
tambeacutem faz parte das preocupaccedilotildees doa analista Tambeacutem satildeo preocupaccedilotildees doa analista a
noccedilatildeo de que os modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca tecircm relaccedilatildeo iacutentima com a nossa
produtividade intelectual Eacute nesse sentido a ideia de referecircncia agrave historicidade agraves condiccedilotildees
de produccedilatildeo de leitura com a compreensatildeo dos jogos de poder entre os sujeitos e as
instituiccedilotildees que determinam como lemos que parece perseguir a AD eacute o que assegura Orlandi
(2008) Eacute da leitura como processo que interessa a esse campo de estudo da linguagem o
texto desse modo natildeo eacute um produto que conteacutem uma informaccedilatildeo pronta para ser ldquolidardquo eacute
um artefato cultural unidade complexa de significaccedilatildeo cujo crescimento natildeo ldquoeacute soacute para a
frente relacionando-se com o que ele natildeo eacuterdquo uma vez que o espaccedilo simboacutelico (os impliacutecitos)
entre enunciados efetivamente realizados eacute constitutivo do texto bem como sua relaccedilatildeo com
outros textosrdquo (ORLANDI 2008 p 46)
Como disciplina que se propotildee conhecer os mecanismos de processos de
significaccedilatildeo a AD trata da interaccedilatildeo da leitura na escola acolhendo a ideia foucaultiana de
que diferentes formas de poder produzem diferentes formas de individualidades e diferentes
sujeitosndashleitores Atentar para esta construccedilatildeo pode ser uma forma de evitar reducionismos de
limitar leitura agrave expressatildeo verbal de natildeo considerar o conhecimento preacutevio do aluno entre
outros
[] se sabemos portanto que haacute essa constituiccedilatildeo histoacuterica do sujeito na sua relaccedilatildeo
com a linguagem (logo com a leitura) e se sabemos que ideologicamente o sujeito
leitor se apresenta como esse sujeito capaz da livre determinaccedilatildeo dos sentidos ao
mesmo tempo em que eacute um sujeito submetido agraves regras das instituiccedilotildees como agir
na escola em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo do sujeito- leitor Ou mais simplesmente dada a
configuraccedilatildeo histoacuterica do sujeito-leitor produzido pela sociedade capitalista como
trabalhar com a relaccedilatildeo entre leitura parafraacutestica - leitura polissecircmica (ORLANDI
2008 p 50)
Orlandi (2008) trata dos processos de significaccedilatildeo de leitura na escola considerando
que eacute de grande relevacircncia que esta praacutetica seja desenvolvida tendo uma metodologia de
ensino consequente que explicite os espessos processos de produccedilatildeo de sentido
historicamente determinados ldquoA transparecircncia dos sentidos que brotam de um texto eacute
aparente e tanto quem ensina quanto quem aprende a ler deve procurar conhecer os
mecanismos que aiacute estatildeo jogando (ORLANDI 2008 p42)
Por seu turno Moita Lopes (2002) envolto com as teorias socioconstrucionistas do
discurso e das identidades sociais pontua a importacircncia de em contextos institucionais e em
especial em eventos de leituras atentarmos ldquopara o que fazemos com os outros no mundo por
71
meio da linguagemrdquo (MOITA LOPES 2002 p 14) Este autor se diz atraiacutedo tanto quanto o
mundo acadecircmico pelo papel constitutivo do discurso na construccedilatildeo de quem somos como
sujeitos que aprendem a ser quem satildeo discursivamente Esta perspectiva teoacuterica com a qual o
estudioso se move para refletir sobre as praacuteticas de letramento nas escolas eacute de suma
perspicaacutecia porque pontua por uma ampla aposta na consciecircncia do que faz a leitura eacute uma
praacutetica social E assim concebida como praacutetica social cuida que homens e mulheres
leitoresas natildeo satildeo produtos de um vaacutecuo social trazem suas marcas sociohistoacutericas
engendram-se por condiccedilotildees de construccedilotildees discursivas
Ler eacute legitimar ou questionar identidades eacute nessa direccedilatildeo de entendimento que
caminha Moita Lopes (2002) Direccedilatildeo pela qual vou porque tambeacutem defendo agrave luz de um
olhar socioconstrucionista que eacute com e pela leitura mediadosas pelas narrativas que dela
fazemos que construiacutemos um repertoacuterio de quem somos e de quais satildeo nossas accedilotildees sociais
Nesse sentido os processos formadores de identidades que satildeo dialoacutegicos e constitutivos pela
linguagem merecem a acuidade do olhar do agente de letramento Merecem pelas
possibilidades discursivas que esse sujeito pode construir no tocante agrave reflexatildeo acerca da
condiccedilatildeo humana de sujeito-forma (cf PEcircCHEUX 2012)
Haacute nas reflexotildees trazidas por Moita Lopes (2002) a busca pela desnaturalizaccedilatildeo do
senso comum eivado que eacute este de narrativas nas quais as identidades satildeo homogecircneas
hegemonicamente heterossexuais e brancas E este propoacutesito problematizador pode fecundar e
estar assegurado pela loacutegica da inserccedilatildeo de praacutetica de letramento
Argumenta-se que as histoacuterias contadas funcionam como pacotes de conhecimento
sobre como agir no mundo (Jordan 1989) ecoando discursos a que os alunos satildeo
expostos na miacutedia na famiacutelia etc Com base no potencial que as histoacuterias tecircm de
envolver as pessoas em reflexatildeo sobre a vida social considera-se a importacircncia de
permitir que outras histoacuterias sobre outros tipos de identidades adentrem a sala de
aula ao mesmo tempo que se promove o uso de sistemas de coerecircncia que
desnaturalize o senso comumrdquo (MOITA LOPES 2002 p 20-21)
Desnaturalizar o senso comum eacute desdobrar processos de subjetivaccedilatildeo dos quais as
leituras tecircm participado obedecendo a regras histoacutericas legitimadoras No processo de
legitimaccedilatildeo de leituras a escola eacute uma das instituiccedilotildees em que circula a leitura crivada pelo
olhar de um especialista o professor respaldada em um livro didaacutetico adotado em um
processo bem verticalizado Esta tem sido uma praacutetica redutora considerando estudos que
evidenciam o grau de comprometimento das obras com a negaccedilatildeo de que o sujeito discursivo
eacute plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se
em formaccedilotildees discursivas As inquietaccedilotildees trazidas por Moita Lopes (2002) vatildeo na direccedilatildeo de
72
problematizar a circulaccedilatildeo e produccedilatildeo das leituras com esta direccedilatildeo redutora Esse autor traz
outras bases aos modelos legitimados ampliando a natureza multifacetal de seres humanos a
ser lida discutida Para isto vaticina o estudioso o advento das mudanccedilas bruscas deste iniacutecio
de milecircnio com o caudaloso acesso agraves tecnologias da informaccedilatildeo que expotildeem um mundo
plural e muacuteltiplo eacute um adendo a esta questatildeo
Eacute curioso ver que a miacutedia eletrocircnica que evidencia a chamada Globalizaccedilatildeo ao
mesmo tempo em que aproxima o mundo incorrendo no perigo de homogeneizaacute-lo
colabora para que percebamos a diferenccedila de que somos feitos e as desigualdades e
contradiccedilotildees sociais sob as quais vivemos Essas percepccedilotildees tecircm alterado como
nunca a concepccedilatildeo homogecircnea de identidade social e tecircm levado a nos entendermos
como heterogecircneos e ao mesmo tempo fragmentados e construiacutedos com praacuteticas
discursivas situadas na histoacuteria na cultura e na instituiccedilatildeo (MOITA LOPES 2002
p 15-16)
Somam-se a este olhar socioconstrucionista sobre leitura como praacutetica social que
contempla uma accedilatildeo de ler proficuamente ajustada aos postulados dos DH no que diz respeito
agrave defesa de um mundo plural as contribuiccedilotildees da AD Orlandi (2008) pontua a leitura numa
relaccedilatildeo de historicidade de modos de relaccedilatildeo de trabalho e de produccedilatildeo de sentidos Ler e
compreender na perspectiva trabalhada por esta analista natildeo se traduz em atribuir sentidos
mas conhecer os mecanismos pelos quais se potildee em jogo um determinado processo de
significaccedilatildeo
Os sentidos natildeo nascem ab initio Satildeo criados Satildeo construiacutedos em confrontos de
relaccedilotildees que satildeo soacutecio-historicamente fundadas e permeadas pelas relaccedilotildees de poder
com seus jogos imaginaacuterios Tudo isso tendo como pano de fundo e ponto de
chegada quase que inevitavelmente as instituiccedilotildees Os sentidos em suma satildeo
produzidos (ORLANDI 2012 p 83)
26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades
Apoacutes as consideraccedilotildees acerca dos dispositivos teoacutericos que apoiam esta anaacutelise os
quais me remetem agrave ideia de que o sujeito da leitura e do discurso eacute um sujeito histoacuterico que
fala a partir de condiccedilotildees especiacuteficas de enunciaccedilatildeo cabe pensar sobre a leitura como
produtora e reprodutora de discurso e sobre a importacircncia desse entendimento para um
trabalho no espaccedilo escolar que perspective angariar reflexotildees acerca de processos de
subjetivaccedilatildeo Em minhas buscas para levantamento de um estado da arte que contribuiacutesse
teoricamente com essa perspectiva encontrei produccedilotildees acadecircmicas que atrelavam leituras
subjetividades discursividades e relaccedilotildees de gecircneros no espaccedilo escolar bem pertinentes
Alguns relatos aqui pontuados vatildeo ao encontro das consideraccedilotildees por mim tecidas colhidas
73
pelos pressupostos teoacutericos jaacute aqui tratados tendo sido inclusive uacuteteis na confecccedilatildeo dos
instrumentos investigativos e de suas anaacutelises para este trabalho
Larrosa (2004) problematiza o ato de ler sob o crivo vinculador deste ato agraves praacuteticas
de liberdade O autor em um ensaio intitulado ldquoLeitura e metamorfoserdquo ao analisar o poema
O leitor de Rilke trata da experiecircncia da leitura em sua dimensatildeo complexa e de plenitude do
existente leitura que transforma que transfigura que torna o leitor um outro Larrosa (2004)
ao se debruccedilar sobre a poesia existencial e metalinguiacutestica de Rilke nega a pessoalidade do
leitor cravando sua dispersatildeo Isto fica demonstrado segundo o ensaiacutesta no seguinte verso
ldquoQuem o conhece este que baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo serrdquo(RILKE 1908
apud LARROSA 2004 p 97) Para Larrosa (2004) o poeta trabalha com o movimento do
olhar descrito no poema como o movimento que delineia conversotildees apropriaccedilotildees de
mudanccedilas Assim o leitor que se curva entrega-se aprende a ver de outra maneira e eacute
desconhecido entatildeo ateacute por sua matildee como pode ser visto no segundo quarteto do poema a
saber ldquoNem sequer sua matildee estaria segurase ele eacute aquele que ali lecirc algo mergulhadoem
sua sombrardquo (RILKE 1908 apud LARROSA 2004 p 97) eacute o leitor que angaria olhos
daacutedivos traccedilos alterados para sempre Haacute uma forccedila poeacutetica na imagem do leitor em
silecircncio curvado despersonalizado e por fim transformado da qual Larrosa (2004) se
apropria para trazer uma reflexatildeo em cima do que significa um mundo pronto administrado e
acabado quando ldquotopadordquo por leitores Eacute dessa leitura cujo sentido eacute o de experiecircncia da
reconstruccedilatildeo das travessias diante de um mundo hostil e pronto que a leitura para esse autor
inscreve-se
Alicerccedilado em uma visatildeo de leitura como praacutetica social situada Moita Lopes (2002)
ressalta a accedilatildeo constitutiva do discurso na construccedilatildeo da vida social aprendemos a nos tornar
o que somos com base em fatores sociais e histoacutericos constituiacutedos discursivamente Esse
autor direcionou pesquisas com as praacuteticas de letramento coordenando experiecircncias de
investigaccedilatildeo sobre praacuteticas discursivas em escola puacuteblica do Rio de Janeiro objetivando
investigar a relaccedilatildeo entre texto e formaccedilatildeo de identidade na esfera pedagoacutegica
especificamente a sala-de-aula
Dentre os espaccedilos institucionais em que atuamos a escola tem sido continuamente
apontada como um dos mais importantes na construccedilatildeo de quem somos ou dessa
fragmentaccedilatildeo identitaacuteria Eacute um dos primeiros espaccedilos sociais a que a crianccedila tem
acesso longe da vigilacircncia da famiacutelia a outros modos de ser humano diferentes
daqueles do mundo relativamente homogeneizado da famiacutelia Ou seja eacute na escola
que em geral a crianccedila se expotildee pela primeira vez agraves diferenccedilas que nos constituem
e que portanto representam as primeiras ameaccedilas ao mundo da famiacutelia (MOITA
LOPES 2002 p 17)
74
Como integrante da equipe de pesquisa coordenada pelo autor acima referendado
Santos (2002) categoriza que leitura eacute um fenocircmeno cultural em que as pessoas constroem
sentidos em interaccedilatildeo com outras
[] ler eacute uma accedilatildeo social na qual estatildeo envolvidos a negociaccedilatildeo o
compartilhamento a construccedilatildeo de significados entre leitores e textos Isto eacute a
leitura eacute uma accedilatildeo social porque implica a procura do significado mediado pelo
discurso escrito entre dois sujeitos sociais principais o leitor e o autor situados
soacutecio-historicamente (SANTOS 2002 p 159)
Em consonacircncia com o olhar de Moita Lopes Santos (2002) percebe a leitura como
uma praacutetica social considerando que os significados construiacutedos pelos sujeitos-leitores
refletem o contexto social imediato no qual estatildeo localizados como tambeacutem o mundo social
mais amplo que situa esses contextos Conceber a leitura nessa perspectiva eacute tarefa que exige
do mediador a percepccedilatildeo de que haacute sempre em eventos de leitura uma indeterminaccedilatildeo de
significados em funccedilatildeo da pluralidade de contextos e sujeitos
Coimbra (2002) objetivando refletir as bases discursivas que constroem social e
assimetricamente meninos e meninas utiliza a visatildeo de discurso como forma de accedilatildeo no
mundo e aborda a importacircncia do contexto escolar para a formaccedilatildeo das identidades sociais
Essa professora alinhada com os estudos de Moita Lopes e diante da indagaccedilatildeo sobre qual
seria a forma em que ela e alunosas estariam construindo a identidade social de gecircnero da
mulher em uma escola puacuteblica no Rio de Janeiro propotildee-se a refutar uma visatildeo de mundo
essencialista
Adoto uma visatildeo de discurso como uma forma de accedilatildeo no mundo e um meio pelo
qual nossa cultura e nossas identidades satildeo constituiacutedas e definidas Como diz Moita
Lopes (1998) as identidades natildeo estatildeo nos indiviacuteduos mas emergem nas interaccedilotildees
entre os indiviacuteduos agindo em praacuteticas discursivas particulares nas quais estatildeo
posicionados [] Da mesma forma o comportamento diferenciado de gecircnero natildeo
existe naturalmente como parte essencial do indiviacuteduo Ele eacute tambeacutem construiacutedo na
interaccedilatildeo social (COIMBRA 2002 p 210)
Para refutar o essencialismo esse aqui entendido na perspectiva que lhe datildeo os
Estudos Culturais como uma percepccedilatildeo de mundo que atribui aos seres humanos marcas
universais imutaacuteveis e pertencentes ao indiviacuteduo naturalmente (HALL 2011 SILVA 2012)
Coimbra lanccedila matildeo dos estudos sobre gecircnero adotados por Louro que concebem gecircnero
como um sistema de relaccedilotildees de poder calcado nas estruturas sociais o que possibilita a
reflexatildeo sobre o quanto as praacuteticas discursivas sustentam a primazia masculina
75
[] a visatildeo essencialista enfatiza as caracteriacutesticas bioloacutegicas e reduz a importacircncia
do contexto soacutecio-histoacuterico naturalizando o poder do homem e as desigualdades
social e econocircmica estabelecidas entre os gecircneros masculino e feminino Isto eacute as
desigualdades satildeo percebidas como consequecircncias naturais e inevitaacuteveis da natureza
bioloacutegica das mulheres e dos homens e natildeo satildeo entendidas como historicamente
construiacutedas e modificaacuteveis (LOURO apud COIMBRA 2002 p 212)
Por considerar a escola elemento reprodutor ou transformador da sociedade porque
veicula enquadramento vontade imposta ao outro sobre seus corpos construccedilatildeo de estigmas
de silecircncios estereoacutetipos e exclusotildees ou porque veicula emersatildeo de vozes que desejam
escuta diaacutelogo e respeito em um sinal de resistecircncia Silva A L G (2009) trata da produccedilatildeo
de sentidos nesse espaccedilo Essa autora chama a atenccedilatildeo para as demandas sociais na
contemporaneidade sobre corporeidade sexualidade e identidade de gecircnero na escola
demandas que traduzem um mundo cambiante vertiginoso movente pleno de
questionamentos que tem nos deixado atocircnitos e sem respostas em seu dizer Sem respostas
ldquoprontasrdquo melhor seria dito porque no cotidiano escolar nos deparamos com uma cultura
que a despeito de ser marcada pela pluralidade reflete a disseminaccedilatildeo da
heteronormatividade da diferenccedila como desvio e de padrotildees de comportamentos para
meninos e meninas Haacute um conjunto de conteuacutedos cognitivos e simboacutelicos que selecionados
sob efeito de didatizaccedilotildees atravessam segundo (SILVA A L G 2009) os muros e
instrumentos escolares engendrando liccedilotildees de corpos disciplinados normalizados E dessas
liccedilotildees questiona a pedagoga qual o lugar do outro nas relaccedilotildees escolares enfim como
meninos e meninas satildeo educadosas
Carvalho (2003) nessa direccedilatildeo fala das experimentaccedilotildees com praacuteticas pedagoacutegicas
problematizadoras do modelo que institui a iniquidade de gecircnero Essa educadora procura
responder sobre as questotildees de gecircnero salientando a importacircncia da luta das mulheres
educadoras por sistematizaccedilotildees de estrateacutegias de intervenccedilatildeo nas atividades e no curriacuteculo
escolar para o desenvolvimento da consciecircncia de gecircnero Essa eacute uma tendecircncia que segue o
olhar militante de um feminismo que se manifesta e se fortalece a cada dia mas que precisa
dar passos marcantes no debate escolar sobre as formas de subjetivaccedilatildeo de ser homem e ser
mulher
A escola tem ferrolhos fortes na trava para o novo para o desmantelo das
assimetrias a despeito de guardado em armaacuterios e prateleiras das instituiccedilotildees muitas vezes
estaacute todo um ordenamento da legislaccedilatildeo educacional que institui avanccedilos na conquista de
uma escola que respeite a pluralidade cultural e a dignidade humana Carvalho (2003) fala
atraveacutes de seu envolvimento com a temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero na educaccedilatildeo do
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caminhar que se esboccedila na escola de um processo de desconstruccedilatildeo de uma visatildeo e divisatildeo
de mundo androcecircntrica Fruto possivelmente a autora afirma do ativismo de algunsmas
educadoresas
[] Eacute plausiacutevel supor que o reconhecimento das diferenccedilas de gecircnero inicialmente
invisiacuteveis ou natildeo problemaacuteticas jaacute seja o resultado da problematizaccedilatildeo propiciada
pela oficina No contexto escolar apontam problemas como filas atividades e
brincadeiras separadas por sexo violecircncia na sala de aula e no recreio problema de
higiene e limpeza da escola manifestaccedilotildees da sexualidade na preacute-adolescecircncia e
adolescecircncia (brincadeiras sexuais gravidez precoce discriminaccedilatildeo dos
homossexuais) e das dificuldades das professoras de trabalharem com Orientaccedilatildeo
sexual (CARVALHO 2003 p 72)
O fazer pedagoacutegico trama produccedilotildees de sentidos que satildeo construiacutedas em praacuteticas
discursivas em gestos e olhares que muito dizem sobre os corpos e a sexualidade no
cotidiano escolar Rollemberg (2002) adotando a perspectiva socioconstrucionista do
discurso estuda como osas professoresas constroem sua identidade social e profissional por
meio de suas narrativas de vida A autora reforccedila a ideia de que o discurso tambeacutem determina
e eacute determinado por contextos socioculturais especiacuteficos nos quais esses sujeitos atuam e de
que esses sujeitos possuem naturezas multifacetadas
O professor ou professora eacute tambeacutem homem mulher marido esposa pai matildee
filho filha segue determinada religiatildeo tem suas crenccedilas sua visatildeo de mundo
ocupa certa posiccedilatildeo social e enfim torna-se professor na interaccedilatildeo desse mosaico de
diferentes traccedilos que o constituem Seu discurso reflete entatildeo essa natureza
multifacetada e nas diversas praacuteticas discursivas nas quais se envolvem os
professores vatildeo se reconstruindo como tais (ROLLEMBERG 2002 p 251)
Em artigo que discorre sobre uma investigaccedilatildeo feita em escola na qual leciona
Rollemberg (2002) aborda a construccedilatildeo social do discurso e da identidade profissional dos
educadoresas entrecortada por identidade de gecircnero A autora aborda as relaccedilotildees de poder
que se estabelecem em contextos sociais e culturais que forjam que moldam seres diferentes
com posiccedilotildees assimeacutetricas socialmente Ao tratar dos traccedilos de gecircnero o estudo de
Rollemberg adota tambeacutem a visatildeo processual das identidades e as tem como natildeo-fixas natildeo-
imutaacuteveis natildeo-estaacuteticas construiacutedas discursiva e socialmente
Cruz (2012) ao discorrer sobre a utilizaccedilatildeo do texto literaacuterio descarta
veementemente a noccedilatildeo de ler como decifrar palavras e questiona sobre o modo de
apropriaccedilatildeo desse texto por parte da escola A autora fala de seus fracassos com atividades de
leituras procurando explicaacute-los entre tantos lastros pelo processo de interlocuccedilatildeo na leitura
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de textos para a qual o leitora eacute construtora e natildeo apenas receptora de um significado
global para o texto
Foi com essa consciecircncia (que eacute um aprendizado) que passei a analisar a relaccedilatildeo
existente entre leitor o texto o autor e a realidade que circunda todos Essa anaacutelise
me fez perceber que o docente (no caso eu) elaborava as atividades do seu ponto de
vista sem conversar e portanto sem conhecer a partir das falas dos alunos o modo
como eles se apropriavam dos textos literaacuterios e a relaccedilatildeo que eles tinham com o
mundo da leitura Essa ausecircncia de diaacutelogo entre as partes estimulava o desinteresse
dos alunos e a reproduccedilatildeo de leituras mecanizadas que soacute serviam para
cumprimento de tarefas obrigatoacuterias (CRUZ 2012 p 161)
Ao discutir por sua vez o papel de mediadora da leitura pela escola Bastos (2012)
remonta agrave histoacuteria dessa praacutetica no Brasil tratando de uma heranccedila natildeo leitora onde haacute a
rarefaccedilatildeo e esgarccedilamento da praacutetica que sedimenta a justificativa de professoresas para o
distanciamento do livro falta de tempo condiccedilotildees financeiras Esta autora dessacraliza o ato
de ler falando de leituras na relaccedilatildeo leitortextocontexto
A relaccedilatildeo leitortexto soacute tem sentido se houver compreensatildeo do que e para que se lecirc
O papel da escola nesse processo eacute perigoso porque tanto ela pode formar um leitor
criacutetico e assim libertaacute-lo dos preceitos ideoloacutegicos o que seria o ideal como
conduzi-lo para o extremo oposto acorrentando-o agrave ideologia dominante que ao
iludir cria falsos valores (BASTOS 2012 p 194)
Nesse sentido a autora supracitada tece comentaacuterios que satildeo intrincados com a
percepccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva da AD como um conjunto de formas reguladas
atravessando leituras postuladas E que agrave escola que se pretende inclusiva e democraacutetica
cabe ser mediadora de leitura em uma perspectiva que aposte na consciecircncia de que a leitura eacute
produtora e reprodutora de sentidos Bastos (2012) reforccedila uma ideia que lanccedila uma instigante
reflexatildeo sobre os que observam de forma mais questionadora o corrente sentido de leitura
Por fim e talvez mais importante assumir tambeacutem que para grande parte da
populaccedilatildeo a leitura natildeo representa um gecircnero de primeira necessidade e portanto
pode viver sem ela e pouco ou nada tem a ver com a presenccedila ou ausecircncia de prazer
esteacutetico (BASTOS 2012 p 194-195)
No que tange agrave importacircncia das condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo e de acesso agrave leitura
Soares (2001) oferece uma importante contribuiccedilatildeo sobre o tema a leitura natildeo existe em um
vaacutecuo em atos isolados e universalizantes Ela estaacute engendrada em relaccedilotildees socialmente
construiacutedas favorecendo o fato de que a interaccedilatildeo seja uma marca do ato de ler Assim ler
tem diferentes valores para as classes sociais para as diferentes etnias e culturas A autora
analisa atraveacutes de resultados de pesquisas com entrevistados de diferentes extratos sociais o
78
quanto ler corresponde a diferentes expectativas Para a classe dominante por exemplo ler
relaciona-se a lazer a prazer agrave ampliaccedilatildeo de horizontes de conhecimentos Por seu turno as
classes dominadas veem na leitura uma funccedilatildeo utilitaacuteria de acesso ao mundo do trabalho agrave
garantia da sobrevivecircncia
No tocante agrave importacircncia dos estudos de gecircnero as reflexotildees de Aras e Cunha (2011)
acerca das divisotildees no mundo de trabalho entre homens e mulheres satildeo pertinentes Essas
autoras pontuam que ao analisarem as relaccedilotildees de gecircnero no magisteacuterio em um curso de
capacitaccedilatildeo para professores e professoras da Rede Estadual de Ensino da Bahia o PROLE
constataram que as mulheres enfrentam uma dificuldade de conciliar tarefas tendo em vista
que se dividem entre a casa e o trabalho de modo extenuante o que revela uma exploraccedilatildeo
nas relaccedilotildees de gecircnero As autoras citam uma pesquisa jaacute um pouco antiga mas que dadas as
proporccedilotildees com que os dados se alteram deve ainda traduzir um quadro bem representativo
da realidade atual Segundo pesquisa feita por Aguiar (2004 apud ARAS CUNHA 2011 p
45) durante a semana a jornada diaacuteria da mulher eacute de 502 minutos 5 maior que a do
homem que trabalha 480 minutos No fim de semana a diferenccedila eacute ainda maior enquanto a
carga masculina eacute de 201 minutos a da mulher eacute de 326 ou seja 62 maior Se a mulher for
matildee este iacutendice cresce ainda mais mesmo que tenha quem a ajude Esses dados e demais
outros revelados pelas autoras refletem uma cultura que molda um lugar para a mulher o
espaccedilo privado e que mesmo tendo estaacute avanccedilado em conquistas sociais que a potildeem no
espaccedilo puacuteblico haacute uma cultura machista que oprime as mulheres trabalhadoras dando-lhes
um papel central na administraccedilatildeo da vida familiar na educaccedilatildeo dos filhos nas tarefas
ldquonaturalizadasrdquo como femininas Aras e Cunha (2011) avaliam o quanto os estudos de gecircnero
constroem bases importantes para a reflexatildeo desse sistema desmantelando as assimetrias no
interior da famiacutelia
Por sua vez Sardenberg e Suzarte (2011) discutem a importacircncia da perscruta dos
sujeitos que se encontram nas escolas ouvindo o que ressoam suas vozes As autoras
refletem a partir de relatos de grupos de mulheres pertencentes agraves camadas populares sobre a
representaccedilatildeo da educaccedilatildeo escolar como perspectiva de empoderamento para os membros
desses grupos As feministas perpassam por questotildees que mostram as representaccedilotildees do
espaccedilo escolar como lugar de esperanccedila e liberdade oportunidade de se emancipar social e
individualmente de prover-se de ldquoum novo instrumental de conhecer e atuar ou ateacute mesmo
de transformar-se
Buscar ressonacircncia das praacuteticas discursivas dosas docentes nas atividades de leitura
realizadas por estesas eacute um trabalho que exige o afiar de sentidos ao qual Louro (2012) se
79
refere Haacute qual espaccedilo nas praacuteticas de leitura nas falas e histoacuterias disseminado para a
discussatildeo da equidade de gecircnero trazida pelo movimento de mulheres e movimentos que
apregoam o respeito agraves diversidades A pesquisadora dos estudos feministas aponta a
importacircncia de buscar uma reflexatildeo que pontue o lugar da escola na construccedilatildeo de um ideaacuterio
de respeito agraves diferenccedilas e agrave alteridade
Portanto se admitimos que a escola natildeo apenas transmite conhecimentos nem
mesmo apenas os produz mas que ela tambeacutem fabrica sujeitos produz identidades
eacutetnicas de gecircnero de classe se reconhecemos que essas identidades estatildeo sendo
produzidas atraveacutes de relaccedilotildees de desigualdade se admitimos que a escola estaacute
intrinsecamente comprometida com a manutenccedilatildeo de uma sociedade dividida e que
faz isso cotidianamente com nossa participaccedilatildeo e omissatildeo se acreditamos que a
praacutetica escolar eacute historicamente contingente e que eacute uma praacutetica poliacutetica isto eacute que
se transforma e pode ser subvertida e por fim se natildeo nos sentimos confortaacuteveis com
essas divisotildees sociais entatildeo certamente encontramos justificativas natildeo apenas para
observar mas especialmente para tentar interferir na continuidade dessas
desigualdades (LOURO 2012 p 89)
E a leitura efetivamente pode ser um instrumento que propicie este ideaacuterio Mas
cabe sempre inquirir que textos circulam nestes espaccedilos regulando modos de subjetivaccedilatildeo da
comunidade escolar No que se refere agrave presenccedila substancial do livro didaacutetico no cotidiano
escolar como um dos principais instrumentos manuseados por docentes e discentes eacute
importante a anaacutelise desse material em seu aspecto poliacutetico e cultural Considerando os
comportamentos sociais que tecircm sido construiacutedos acerca da imagem masculina e feminina
veiculados pelos livros didaacuteticos Marques (2009) assevera que as representaccedilotildees do lugar
social do homem e da mulher ainda satildeo bem demarcadas pelas forccedilas patriarcais e hierarquia
de gecircneros A autora debruccedilou-se entre outros sobre os resultados de uma exaustiva pesquisa
realizada por uma comissatildeo instituiacuteda pelo MEC em 1991 para analisar 80 coleccedilotildees de
Estudos Sociais da 1ordf agrave 4ordf seacuterie E conforme Marques (2009) foram observadas fortes
tendecircncias de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo de conteuacutedos que evidenciam modelos que atestam
papeacuteis sociais para homens e mulheres minados de preconceitos estereoacutetipos e enganosos
quando a imagem da famiacutelia e a da escola eacute a de que vivem isentas de conflitos A autora
revela o quanto o livro didaacutetico discrimina a mulher restringindo o seu universo ao espaccedilo
domeacutestico As imagens como construccedilotildees sociais possuem historicidade na sua posiccedilatildeo A
naturalizaccedilatildeo da divisatildeo sexual dos papeacuteis sociais incorre em uma posiccedilatildeo de imobilidade
social tendo em vista a cristalizaccedilatildeo de modelos o pai provedor e a matildee cuidadora Ele o
homem aparece envolto em leituras trabalho fornecendo agrave famiacutelia sustento e lazer ela a
mulher em funccedilotildees que a limitam agrave casa o que ocasiona a ideia de alienaccedilatildeo
80
Marques (2009) salienta o quanto a emergecircncia dos movimentos de mulheres por sua
cidadania plena a despeito de sua forccedila social natildeo encontra visibilidade nos livros didaacuteticos
Estes equiacutevocos todavia satildeo verificados hoje como natildeo mais representativos
substancialmente dos livros didaacuteticos e paradidaacuteticos fruto de um ativismo dos movimentos
de mulheres que terminou pressionando editoras secretarias estaduais e municipais no sentido
de envidar esforccedilos para que se repense o uso deste instrumento de modo mais criacutetico
Considerando o caraacuteter mercadoloacutegico do livro didaacutetico Marques (2009) salienta o quanto a
formaccedilatildeo doa professora para a escolha do material didaacutetico e sua mediaccedilatildeo com os textos eacute
de relevacircncia inconteste O risco de reproduzirmos discursos e representaccedilotildees machistas e
patriarcais eacute inerente aoagrave educadora imersoa que estaacute ainda em uma sociedade que produz
uma submissatildeo feminina O processo de construccedilatildeo das imagens e textos que povoam uma
subalternidade feminina eacute o que deve ser trabalhado pelo profissional atinente agraves questotildees de
gecircnero
Nesse sentido Louro (2012) ao avaliar o quanto o material didaacutetico eacute reprodutor e
produtor de discurso veiculador de diferenccedilas traz uma reflexatildeo sobre a construccedilatildeo escolar
das representaccedilotildees que segregam
Os livros didaacuteticos e os paradidaacuteticos tecircm sido objeto de vaacuterias investigaccedilotildees que
neles examinam as representaccedilotildees dos gecircneros dos grupos eacutetnicos das classes
sociais Muitas dessas anaacutelises tecircm apontado para a concepccedilatildeo de dois mundos
distintos ainda apresentam a concepccedilatildeo de dois mundos distintos (um mundo
puacuteblico masculino e um mundo domeacutestico feminino) ou para a indicaccedilatildeo de
atividades caracteriacutesticas de homens e atividades de mulheres Tambeacutem tem
observado a representaccedilatildeo da famiacutelia tiacutepica construiacuteda de um pai e uma matildee e
usualmente dois filhos um menino e uma menina (LOURO 2012 p 68)
A relevacircncia dos estudos acima referendados se faz perceber porque esses atrelam a
construccedilatildeo social do discurso em um espaccedilo que se constitui como centro de construccedilatildeo e
exerciacutecio de poder que eacute a escola E ao mesmo tempo em que enseja a reflexatildeo de que em sua
dinacircmica interna essa instituiccedilatildeo cria a possibilidade de processos de contra-hegemonia Eacute
percebida tambeacutem a relevacircncia dos estudos que estruturam uma interface discursividade
leitura e gecircnero na escola por estes propiciarem reflexotildees perspicazes Reflexotildees essas que
satildeo consonantes com o pensamento de Carvalho (2003) quando esta pedagoga militante do
feminismo afirma que das relaccedilotildees de gecircnero natildeo se pode tomar distacircncia ldquo[] de forma
impliacutecita estruturam o trabalho escolar as relaccedilotildees entre docentes e discentes e constituem
as identidades profissionais e pessoaisrdquo (CARVALHO 2003 p 77) Isto se daacute porque na sala
de aula nos curriacuteculos nas relaccedilotildees interpessoais nos conteuacutedos abordados ou natildeo
81
abordados haacute um campo de luta refletindo que a escola estaacute inserida em relaccedilotildees histoacutericas
mediadas e construiacutedas por discursos
Nesse sentido reitero o quatildeo os relatos acima extraiacutedos em sua maioria de um
contexto social que tece leitura em cotidianos na escola satildeo uacuteteis empreacutestimos para esta
anaacutelise considerando que os trabalhos apresentados versam sobre toacutepicos afins ao aqui
desenvolvido relaccedilotildees de gecircnero preconceitos construccedilatildeo de identidades pontuados em
ambiente de leitura
82
3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS
O entendimento de que a abordagem de uma pesquisa exige um processo de revisatildeo
e reorganizaccedilatildeo de accedilotildees eacute importante na concepccedilatildeo de um trabalho Essa percepccedilatildeo eacute
consoante com a perspectiva da epistemologia feminista que entende a realidade como um
fenocircmeno histoacuterico cultural e dinacircmico (LOURO 2012 COSTA 2009) E meus passos na
direccedilatildeo e dentro da escola se constituiacuteram de inuacutemeras articulaccedilotildees de accedilotildees com as quais
tracei um norte investigativo objetivando fazer deste estudo algo profiacutecuo ordenado que
perspective contribuir com reflexotildees atinentes agrave educaccedilatildeo como praacutetica emancipadora
problematizadora de modos de subjetivaccedilatildeo
Dando prosseguimento ao rito comum a um processo de investigaccedilatildeo construiacute um
diaacutelogo preacutevio com a direccedilatildeocorpo teacutecnico com osas professoresas e a coordenadora do
projeto agravesaos quais foram explicados o procedimento e os objetivos da pesquisa ao tempo
em que foi solicitada a anuecircncia para sua aplicaccedilatildeo Como a dissertaccedilatildeo deste mestrado possui
caraacuteter interventivo foi explicada agrave equipe tambeacutem sobre a possibilidade de construccedilatildeo de
uma accedilatildeo propositora de trabalho apresentada por esta pesquisadora como fruto da
investigaccedilatildeo desenvolvida Esta informaccedilatildeo foi bem acolhida pela coordenaccedilatildeo do projeto
receptiva agrave possibilidade de crescimento de aprendizado e desejosa de aperfeiccediloar o trabalho
com a leitura pelo menos assim se manifestou
31 O Documento-fundador o natildeo dito significando
Logo nos primeiros contatos com osas integrantes da pesquisa que em consonacircncia
com as pactuadas regras do anonimato precisam aqui ser denominadosas ficticiamente
solicitei informaccedilotildees sobre o projeto de leitura instrumento de anaacutelise para aquele momento
O surgimento tempo de execuccedilatildeo seu formato documentaccedilatildeo criteacuterios para escolha de
textos entre outras indagaccedilotildees foram solicitadas Quando solicitei uma coacutepia do projeto agrave sua
coordenadora Diana cujo tempo de atuaccedilatildeo profissional eacute de 18 anos tive como resposta a
condiccedilatildeo de que o texto seria disponibilizado para que eu o conhecesse mas natildeo poderia
constar como anexo em meu trabalho por respeito ao acordado pacto do anonimato Aceitei a
condiccedilatildeo mesmo argumentando que o problema da identificaccedilatildeo do projeto seria resolvido
com o corte da parte que o identificasse A coordenadora relutou Isto me fez pensar no
campo discursivo mais amplo que eacute a negaccedilatildeo do texto possivelmente nele haveria o que natildeo
83
pode ser visto haveria a ausecircncia do dizer melhor Entendi a sonegaccedilatildeo do texto como a
tentativa de natildeo fazer aparecer o seu pouco labor
E constatei deveras isso quando o documento me chegou agraves matildeos depois de algumas
visitas em que o solicitara Observei que conforme o texto o projeto natildeo fora pensado para
discutir a leitura em sua funccedilatildeo social mais ampla Sem intencionar desqualificar o trabalho
daquela escola natildeo tive como deixar de ver pouca expressatildeo de conhecimento das funccedilotildees da
leitura naquele material Havia ali a mera proposta de decodificaccedilatildeo no lugar do letramento a
tarefa feita para cumprir obrigaccedilatildeo Natildeo estavam pontuados temas problematizando a
implantaccedilatildeo da defesa dos DH nem nenhum tema transversal proposto pelos PCNs constando
como ponto de exploraccedilatildeo no projeto de leitura muito menos o desta pesquisa As relaccedilotildees de
gecircnero conforme averiguei naquele material investigativo natildeo encontram assento no projeto
de leitura a CestaSexta Literaacuteria E eacute sobre isto que discorrerei agora analisando o referido
material como um dos procedimentos geradores de dados desta pesquisa que o eacute
O documento que eacute apresentado agrave Secretaria Municipal da Educaccedilatildeo - SEDEC- em
regra eacute uma exigecircncia deste oacutergatildeo como preacute-requisito para que osas professoresas
readaptadosas que exercem funccedilatildeo em biblioteca justifiquem sua permanecircncia na escola
Essesas profissionais precisam demonstrar estar vinculadosas agraves unidades escolares e
desenvolvendo trabalho pedagoacutegico a fim de assegurarem a manutenccedilatildeo da gratificaccedilatildeo
docente que perderiam caso saiacutessem da funccedilatildeo de professoresas e do espaccedilo escolar
Observar como esse documento eacute articulado e seu comprometimento com o que se
propotildee a fazer me remeteu a um compromisso eacutetico com o qual desejo afirmar aqui que natildeo
tenho a palavra final sobre do que necessariamente se deve constituir um trabalho desta
natureza mas faccedilo minhas leituras minhas anaacutelises E nessas leituras que natildeo poderiam ser
soacute minhas em uma perpeacutetua dialogia com Freire (1988 2002) Moita Lopes (2002) Foucault
(2011) Orlandi (2008) e com tantosas outrosas estudiososas e natildeo estudiososas
compreendo que eacute preciso supor que um texto nunca fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura
(POSSENTI 2009)
Assim leio o documento do projeto de leitura da escola buscando sua
intertextualidade suas condiccedilotildees de produccedilatildeo seus ditos e natildeo-ditos Penso entatildeo sobre seu
nascedouro quem o produziu e por que o fez Procurei observar se aquele documento
expressava interesse pedagoacutegico intersubjetivo ou a exigecircncia da SEDEC teria sido a causa da
sua elaboraccedilatildeo ou seja motivaccedilatildeo externa administrativa E me interessei pelo que existe e
natildeo existe ali dizendo da realidade social que o produziu quem observa sua confecccedilatildeo sua
aplicaccedilatildeo ou natildeo-aplicaccedilatildeo A SEDEC exige uma produccedilatildeo acadecircmica mas o impacto da
84
execuccedilatildeo desta tarefa na atividade escolar parece natildeo ser devidamente acompanhado Essa
questatildeo jaacute me envereda para uma reflexatildeo sobre poliacutetica puacuteblica de gestatildeo educacional que
natildeo eacute de competecircncia desta pesquisa mas que ao fim e ao cabo faz sentido explorar tal
inquietaccedilatildeo pela relaccedilatildeo que haacute entre o labor do projeto e sua existecircncia e aplicaccedilatildeo
As indagaccedilotildees que produzi diante daquele documento eram sustentadas por uma
intenccedilatildeo de observar inicialmente se a tocircnica do projeto concebia a leitura como uma praacutetica
cultural natildeo neutra inserida nas relaccedilotildees de poder Se enfim era concebida como campo de
disputa espaccedilo de poder Afastando-se da defesa da leitura como tese unicamente advogo a
da leitura como utopia semeada por olhos de quem ama e faz educaccedilatildeo porque luta por
praacutetica de liberdade como defendeu Paulo Freire ao longo de sua vida e obra E a leitura
nessa perspectiva faz da educaccedilatildeo o ponto amoroso em que Hanna Arendt diz dever ser nas
palavras da autora ldquoa educaccedilatildeo eacute o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante
para assumirmos a responsabilidade por ele e com tal gesto salvaacute-lo da ruiacutena que seria
inevitaacutevel natildeo fosse a renovaccedilatildeo e a vinda dos novos e dos jovensrdquo (ARENDT 2009 p 247)
Sem querer mais uma vez reforccedilo desfazer do trabalho realizado na escola
TRAVESSIA natildeo posso omitir que enxerguei que aquele documento natildeo dizia desse
compromisso propalado pelos pensadores acima E assim o concebo quando olho a vaguidatildeo
com que ele se veste no que diz respeito aos seus objetivos e procedimentos metodoloacutegicos
Obviamente natildeo posso restringir a praacutetica leitora do projeto ao que estaacute marcado no referido
documento Sem relaccedilotildees ingecircnuas com a linguagem como propotildee a AD que afirma com
Orlandi (2008) que quando se lecirc considera-se natildeo o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute
impliacutecito entre o que eacute feito e proposto existe o caminho do exequiacutevel que eacute atropelado
muitas vezes por adversas condiccedilotildees de trabalhos
E precisei atentar para o que aquele projeto anuncia fazer observando suas
articulaccedilotildees entre objetivos accedilotildees metodologia No tocante a essas articulaccedilotildees natildeo constam
ali explicitadas entre seus objetivos as temaacuteticas transversais recomendadas pelos PCNs
muito menos a de gecircnero Assim considerando que os sentidos de um texto passam por outros
textos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo contemplado nas vozes perscrutadas
anteriormente em meus primeiros contatos com os sujeitos pesquisados ressoava sua
ausecircncia ali tambeacutem E da leitura daquele documento extrai que natildeo haacute a presenccedila do tema
proposto por esta pesquisa para inquiriccedilatildeo estaacute todavia posto ali como objetivo geral do
projeto desenvolver o gosto pela leitura escrita e arte visando agrave construccedilatildeo de uma
identidade poeacutetica formaccedilatildeo de cidadatildeos reflexivos e leitores autocircnomos
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Atrelada agrave minha questatildeo problema natildeo adentrei para a investigaccedilatildeo do que seria
essa identidade poeacutetica que jaacute tem outra nuance investigativa Mas o toacutepico a formaccedilatildeo de
cidadatildeos [cidadatildes] reflexivos[as] entranha-se com meu objeto de pesquisa e indaguei como a
AD indaga como isso significa para aquela unidade escolar pressionada por uma instacircncia
administrativa a produzir um documento e um trabalho Como significa para aquela
educadora a formaccedilatildeo de uma cidadania reflexiva mediada por praacuteticas leitoras A efetivaccedilatildeo
disso passa necessariamente por textos lidos selecionados apresentados sob diversos
suportes imersos em escolhas que expressem comprometimento com os problemas sociais
com a construccedilatildeo dos processos que debatem tais problemas vinculados aos interesses dosas
leitoresas Natildeo pude saber entretanto por este documento quais seriam os textos
selecionados para a empreitada de trabalhar a formaccedilatildeo cidadatilde pois natildeo havia nas referecircncias
bibliograacuteficas do mesmo indicaccedilatildeo alguma de como as aulas seriam subsidiadas em termos de
textos Esta omissatildeo pode indicar que para aleacutem da sonegaccedilatildeo desta informaccedilatildeo anunciar
negligecircncia pode haver mais sentidos nesta ausecircncia
Aleacutem daquilo que eacute dito analisar discursos eacute tambeacutem atentar para o que natildeo eacute dito
que conforme a AD nos silecircncios nas interdiccedilotildees haacute formas especiacuteficas dos sujeitos
construiacuterem significados E haacute naquele documento uma ausecircncia de dito significando um
evento discursivo no qual a produccedilatildeo as relaccedilotildees de poder a circulaccedilatildeo dos textos e seu jogo
discursivo natildeo estatildeo explicitados quem produz o debate da formaccedilatildeo cidadatilde e como o produz
natildeo se consegue saber atraveacutes de textos elencados E o ato de ler como praacutetica adotada pela
escola natildeo dispensa um planejamento criterioso no qual se saiba o que se vai ler o porquecirc se
vai ler quando se vai ler mesmo que a seleccedilatildeo dos textos deva ser flexiacutevel para ajustes Isso
se deve fazer para que se evite uma praacutetica riacutegida e impositiva haacute uma realidade dinacircmica
que deve ser contemplada com espaccedilo para a inserccedilatildeo de leituras que possam emergir em
consonacircncia com interesses advindos da comunidade escolar Daiacute ser compreensiacutevel que natildeo
haja uma seleccedilatildeo de textos consagradamente fechada mas sua ausecircncia pode estar indicando
na direccedilatildeo de que as accedilotildees do projeto estatildeo passando ao largo de uma leitura norteada
imbuiacuteda de uma accedilatildeo poliacutetica criteriosamente edificada
Esta constataccedilatildeo ficou mais evidenciada quando observei os objetivos especiacuteficos
(OE) do referido documento Haacute uma quantidade elevada desses (sete) os quais natildeo cumprem
devidamente a funccedilatildeo de pormenorizar as accedilotildees que se pretendem alcanccedilar de forma a
estabelecer estreita relaccedilatildeo com o descrito nos objetivos gerais no que diz respeito agrave
competecircncia da formaccedilatildeo de cidadatildeos [cidadatildes] Considerei a princiacutepio redutor selecionar
unicamente o texto literaacuterio para compor os OE do trabalho E eacute o primeiro que estaacute elencado
86
Diversificar a leitura com textos literaacuterios previamente selecionados Eleger este gecircnero e
deixar de fora pelo menos eacute o que natildeo estaacute explicitado uma gama de formas discursivas que
perpassam o cotidiano escolar eacute desconsiderar o sujeito-leitor e seu lugar social eacute
desconsiderar que a sala-de-aula eacute um espaccedilo complexo onde subjetividades marcadas por
lugares sociais distintos possuem interesses iacutempares Esta eleiccedilatildeo portanto eacute redutora Por
mais que haja razotildees profiacutecuas para se trabalhar a literatura na escola pela presenccedila de
categorias no texto literaacuterio como as da experiecircncia esteacutetica da ludicidade do estranhamento
da subjetividade do aguccedilamento da criatividade do aticcedilamento da imaginaccedilatildeo haacute um
equiacutevoco em eleger apenas o literaacuterio como texto para ser trabalhado Esta escolha tambeacutem
vai na contramatildeo do que recomendam os PCNs (BRASIL 2001 p 36) que apontam para a
pertinecircncia de que a escola promova em seus estudos uma variedade de gecircneros tendo o
literaacuterio como mais um deles
O equiacutevoco da confecccedilatildeo do documento eacute perceptiacutevel tambeacutem por natildeo ser visto ao
longo do seu texto o apontamento de temaacutetica que tenha relaccedilatildeo com a formaccedilatildeo da
cidadania A formaccedilatildeo de cidadatildeos[cidadatildes] reflexivos[as] que o projeto de leitura da escola
aponta em seus objetivos gerais passa por uma contemplaccedilatildeo de leituras que natildeo estaacute ali
desenhada Sem escavar temas que estatildeo na invisibilidade na superficialidade naturalizados e
distantes dos propoacutesitos da pauta reivindicatoacuteria dos DH esse pretenso sujeito reflexivo eacute
mera ornamentaccedilatildeo de projetos de leituras As secretarias de Educaccedilatildeo das escolas puacuteblicas
brasileiras sabem que eacute tarefa hercuacutelea construir leitoresas criacuteticosas e que um dos entraves a
isso estaacute na maacutequina do poder puacuteblico despreparada desequipada para proporcionar
condiccedilotildees favoraacuteveis agrave praacutetica leitora Isto pode ser visto pela inoperacircncia de natildeo fazerem
com que seusuas educadoresas sejam bonsboas leitoresas para que de forma competente
possam atuar como agentes de letramento Assim sem o devido compromisso com a leitura
demonstram estar esses oacutergatildeos administrativos quando engavetam projetos de leituras
anualmente solicitando novos a cada ano letivo sem acompanhar suas feituras que em regra
se diz por aiacute satildeo sem esmeros cumprindo tarefa administrativa como me pareceu este na
escola TRAVESSIA
A fragilizaccedilatildeo com que se organiza o projeto eacute notaacutevel ainda quando se busca em sua
metodologia a articulaccedilatildeo das accedilotildees que promovem os passos que objetivam propor a
formaccedilatildeo da cidadania reflexiva Entre as accedilotildees propostas que constam de oficinas de leitura
escrita de artes de imagens destinadas a alunosas do 6ordm ao 9ordm ano ocorridas em salas e na
biblioteca haacute como enunciado metodoloacutegico que haveraacute planejamento mensal para a seleccedilatildeo
de textos e das dinacircmicas voltado para um contexto relevante para a vida pessoal e social
87
Primeiramente natildeo se esclarece exatamente o que seria este contexto relevante a expressatildeo eacute
vaga Depois chamou-me atenccedilatildeo o quanto a expressatildeo tema foi citada vagamente por
diversas vezes [] explorando o imaginaacuterio e as referecircncias que os alunos tecircm sobre os
temas textuais Natildeo haacute entretanto evidecircncia alguma de quais textos e temas seratildeo
trabalhados Esta inexatidatildeo me fez enxergar impropriedade na proposiccedilatildeo Em uma das
atividades propostas assim aparece levantar as referecircncias que os alunos tecircm sobre os temas
dos textos E de novo quais textos e temas conforme a redaccedilatildeo do projeto natildeo foi possiacutevel
levantaacute-los naquele documento Outra vez haacute uma frase solta compondo o texto Sequer uma
referecircncia aos temas transversais propostos pelos PCNs foi feita Mas no natildeo-dito acerca de
uma tarefa que eacute propositura da escola que deveria atuar pela exiacutemia preocupaccedilatildeo de
contribuir deveras com a construccedilatildeo de uma leitora ativoa a questatildeo-problema por mim
levantada nesta pesquisa foi respondida na leitura do documento Verifiquei deveras que
considerando o que estaacute posto ali por aquele texto-fundador natildeo se contempla o debate sobre
a equidade de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA
32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam
E como travessias natildeo se fazem sem caminhadas caminhei mais pela escola em
busca de perscrutar o que anunciam as vozes docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero na via da
leitura Caminhei contornando em alguns momentos e espaccedilos a anguacutestia pela percepccedilatildeo da
ausecircncia do desejo nosas fazedoresas da educaccedilatildeo por uma leitura como praacutetica social que
construa significados e proponha novos modos de subjetivaccedilatildeo Contornando sem receita
(ningueacutem eacute portador de saiacutedas solitaacuterias) nem elixir nem liccedilotildees nem textos prontos Apenas
escutando sentindo entendendo que a constituiccedilatildeo de uma alunoa leitora pode desaguar em
um mar de ativismo social em um mar que desemaranhe a promoccedilatildeo de um sujeito criacutetico
arguitivo reflexivo natildeo apenas pelo que se lecirc mas de qual lugar e para que se lecirc Para isso
deve haver uma dimensatildeo eacutetica no ato de ler natildeo meramente teacutecnica como costuma grassar
nas escolas pouco afeitas a pensar a leitura de modo perquisitivo Esta dimensatildeo eacutetica natildeo se
semeia em escola assolada por pragmatismo que natildeo ama a educaccedilatildeo essa dimensatildeo
conforme Arendt (2009) anuncia tem no amor a medida de nossos compromissos Eacute
dimensatildeo que abarca decisatildeo poliacutetica eacute escolha pela salvaccedilatildeo pela convicccedilatildeo do
inacabamento freireano (FREIRE1999)
Muito brevemente fui percebendo entatildeo que na escola TRAVESSIA as relaccedilotildees de
gecircnero natildeo perpassavam como debate proposto pelo seu referido projeto de leitura E outra
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comprovaccedilatildeo disso foi aferida pela consulta que fiz do acervo da biblioteca especificamente
no que se refere agraves obras paradidaacuteticas que satildeo as selecionadas para investigaccedilatildeo em termos
de levantamento natildeo propriamente de anaacutelise dos textos neste estudo Em uma pequena
prateleira havia alguns livros tive o cuidado de ler suas fichas catalograacuteficas e identifiquei
que em nenhum deles tematizava-se gecircnero Conforme ainda me respondeu a coordenadora
do projeto de leitura nas listas de livros da biblioteca natildeo estava disponibilizada nenhuma
obra pelo menos que fosse de seu conhecimento que tratasse da temaacutetica de gecircnero
Indaguei-lhe se alguma educadora ou alunoa jaacute havia manifestado o interesse de procurar
obras com esta temaacutetica Respondeu-me que natildeo
E de fato parece natildeo haver uma existecircncia farta de textos publicados para a
literatura infanto-juvenil trazendo o foco especiacutefico no tema das relaccedilotildees de gecircnero em uma
perspectiva de resistecircncia de oferta de um olhar desconstrutor de formas de se constituir
subjetividades masculinas e femininas Existem obras como A bolsa amarela de Lygia
Bojunga Nunes (2003) Faca sem ponta e galinha sem peacute de Ruth Rocha (2008) e outras
poucas no universo literaacuterio infanto-juvenil brasileiro que enfocam a temaacutetica de gecircnero e
que poderiam estar entre os parcos livros daquele espaccedilo-leitor mas natildeo estatildeo
Mesmo assim a ausecircncia de obras que tratem das iniquidades de gecircnero agrave luz de sua
problematizaccedilatildeo por si soacute natildeo eacute referecircncia de que natildeo haacute a temaacutetica em tela naquele espaccedilo
Ademais a ausecircncia de obras emblemaacuteticas que pontuem o debate proacute-equidade natildeo eacute oacutebice
para que se olhe a questatildeo do alto das indicaccedilotildees das diretrizes educacionais que propotildeem o
desmantelo das assimetrias de gecircnero Para isto basta que se problematizem as leituras de todo
um artefato cultural com sentidos que sedimentam um imaginaacuterio inferiorizante da mulher e
constroem o diferente como abjeto Basta natildeo silenciar diante de artefatos que circulam
construindo sentidos e configurando infacircncias e adolescecircncias prensadas em estereoacutetipos de
gecircnero Estes artefatos circulam socialmente e podem ser lidos como a AD pontua indagar
natildeo o que o texto significa mas como significa
Os sentidos segundo essa disciplina natildeo satildeo fixos natildeo existem em si mesmos
mesmo que sejam administrados (PEcircCHEUX 2012) A escola por isto deve olhar com
atenccedilatildeo todo artefato que lhe chega e o que ela produz como uma forma de militar pela
construccedilatildeo de uma praacutetica de liberdade na qual homens e mulheres desfamiliarizam-se com
as incontaacuteveis narrativas que cruzam suas heterogecircneas formaccedilotildees discursivas Se isto natildeo faz
parte do cotidiano das praacuteticas leitoras dosas educadoresas assimilado como uma questatildeo
poliacutetica uma questatildeo de resistecircncia assimilado aleacutem do que propotildee cursos de formaccedilatildeo de
nada adiantam obras construiacutedas agrave luz da teoria de gecircnero postas em um acervo bibliotecaacuterio
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De toda sorte a ausecircncia de textos que evoquem leituras militantes fala de uma presenccedila natildeo-
dita fala de um vazio preenchido por uma leitura descomprometida com a pauta
reivindicatoacuteria dos direitos das mulheres e dos direitos da populaccedilatildeo LGBT (leacutesbicas gays
bissexuais travestis transexuais e transgecircneros)
33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos
Nos percalccedilos da travessia na escola verifiquei tambeacutem por outros modos conforme
propus como empiria desta pesquisa que ali natildeo se dava visibilidade ao debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero Comprovei isso ainda pelos depoimentos de educadoresas que em vaacuterios
momentos nos diaacutelogos que tivemos ressaltaram perceber a ausecircncia do tema mesmo
reconhecido por alguns a sua relevacircncia para a construccedilatildeo da cidadania plena Houve registros
orais disso por parte de profissional da biblioteca e de demais educadoresas os quais irei
descrevecirc-los ao longo deste capiacutetulo por consideraacute-los relevantes para a anaacutelise Um desses
registros se deu no relato proferido pela professora Denise que entre as tarefas de emprestar
e guardar livros aquela profissional relatou-me que guarda assiduamente aleacutem de livros
histoacuterias de vida de alunosalunas desabafando sobre conflitos
Denise que estaacute na TRAVESSIA haacute seis anos atesta que haacute naquela unidade escolar
muitos problemas ligados agrave questatildeo da sexualidade da identidade da violecircncia de gecircnero e
domeacutestica Ouvi atentamente a ecircnfase que deu na violecircncia domeacutestica trazida de casa por
meninos e meninas que para esta profissional provoca-lhes ansiedade e revolta Daquela
informante extrai que acirrados conflitos de natureza de gecircnero vividos por aquele grupo de
crianccedilas e adolescentes satildeo como que despejados ali Assim compreendi ser quando lhe
indaguei acerca de accedilotildees para o enfrentamento desses conflitos e afora os atendimentos pelos
especialistas o que eacute tiacutepico e corriqueiro ela me respondeu que natildeo se faz mais nada naquele
espaccedilo Esse nada esteve como resposta referente agrave indagaccedilatildeo que lhe fiz pontuando se o
projeto de leitura natildeo trabalhava especificamente em forma de debates com textos que
evocassem reflexotildees socializaccedilatildeo envolvimento com as famiacutelias e enfrentamento dessas
questotildees
A cada momento no chatildeo da escola natildeo me passava incoacutelume a presenccedila tatildeo
avassaladora de conflitos envolvendo violecircncia de gecircnero reveladas pelas praacuteticas discursivas
de outrosas informantes desta pesquisa Em uma de minhas visitas agrave escola todavia em 4 de
outubro2013 registrei um relato que me fez refletir com mais ecircnfase sobre as relaccedilotildees de
poder como praacuteticas integrantes do cotidiano em grande extensatildeo Esta reflexatildeo se deu
90
quando dialoguei com Rosa professora de Inglecircs haacute vinte anos Soliacutecita em me atender a
educadora revelou por diversas vezes o desejo de desabafar mas expressando sinceridade
mesmo que me chocasse E falou enfaticamente a partir de um status conservador que rejeita
os estudos e as bandeiras dos DH as ideias sobre sexualidade e gecircnero defendidas por
ldquoeducadoresas modernosrdquo por achar que o mundo bom em seu dizer ldquoeacute aquele onde
existem regras moral repressatildeo E que isto parece querer acabarrdquo
Para Rosa as tecnologias enunciativas que propotildeem uma nova ordem de reflexatildeo e
comportamento eacute uma desordem um mal Natildeo exatamente com essas palavras mas trazendo
este sentido respondeu-me a docente quando lhe indaguei acerca da inserccedilatildeo do debate dobre
gecircnero respaldada nas questotildees trazidas pela legislaccedilatildeo educacional Seu olhar aposta na
repressatildeo no silecircncio em especial agraves garotas que estatildeo muito soltas a seu ver Esta
informante sem o menor embaraccedilo relatou-me que a escola vivia momentos difiacuteceis com
uma explosatildeo da sexualidade da sua juventude e que isso era efeito da falta ldquode freiordquo Para
sustentar suas ideias relatou-me um fato haviam recentemente passado por uma experiecircncia
dificiacutelima com a depressatildeo de uma jovem que se autoflagelou (cortando o corpo em vaacuterias
partes) depois de ter tido sua imagem exposta publicamente em rede social quando fez sexo
com vaacuterios garotos e permitiu que eles filmassem o ato O comportamento da aluna opinou a
educadora foi muito vulgar rendeu-lhe depressatildeo chacota desonra preocupaccedilotildees para a
famiacutelia
Da discursividade de Rosa emanava rigidez de comportamento repressatildeo inclusive
fazendo a defesa do controle dos corpos pela instituiccedilatildeo Sem nenhum ressentimento de estar
errada nem extemporacircnea esta docente assumiu que se preocupava veementemente com as
roupas as danccedilas os comportamentos das meninas que a seu ver eram consideradas como
ldquoassanhadinhas perdidasrdquo Sua vigilacircncia acreditava esta informante era o melhor para a
escola E de forma diferenciada dirigia o controle a meninos e meninas para elas os
cuidados eram focados na sexualidade com relaccedilatildeo aos garotos a vida social deles como um
todo tinha sua apreensatildeo Aos meninos preocupaccedilotildees de natureza diferente eram por ela
dispensadas cuidados com as drogas o aprendizado a violecircncia a marginalidade Agraves
questotildees ligadas agrave sexualidade e ao corpo dos garotos havia um silecircncio um natildeo dito
permissivo da parte dela como se soacute a eles lhes coubesse o direito de viver seus desejos
sexuais
Ao ouvir a apropriaccedilatildeo do discurso da construccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
naquela voz educadora veio-me pela memoacuteria discursiva agrave lembranccedila o discriminador dito
popular ldquosegure sua cabrita que meu bode estaacute soltordquo O ditado que trata assimetricamente
91
homens e mulheres veio-me [meu bode estaacute solto] pelo silecircncio permissivo da educadora agrave
ordem machista quanto ao que podem os meninos satildeo livres E veio-me [segure sua cabrita]
pela fala dela quanto agrave ordem repressiva do que natildeo podem as meninas precisam de
cabrestos Tatildeo iniacutequo esse dito poderia ser pronunciado por aquela voz educadora para
sintetizar seu olhar insensiacutevel agraves questotildees trazidas pelos campos dos estudos de gecircnero Um
olhar de uma educadora turvado de preconceito machista em meio a toda uma
problematizaccedilatildeo que o coletivo de mulheres tenta construir sobre igualdade de direitos eacute um
olhar que destoa com praacuteticas de liberdade e aduz com a indagaccedilatildeo de Foucault no tocante agrave
regulaccedilatildeo dos comportamentos entre outras instituiccedilotildees pela escola
O que eacute afinal um sistema de ensino senatildeo uma ritualizaccedilatildeo da palavra senatildeo uma
qualificaccedilatildeo e uma fixaccedilatildeo de papeacuteis para os sujeitos que falam senatildeo a constituiccedilatildeo
de um grupo doutrinaacuterio ao menos difuso senatildeo uma distribuiccedilatildeo e uma apropriaccedilatildeo
do discurso com seus poderes e seus saberes [] (FOUCAULT 2011 p 44-45)
Na consonacircncia com o que diz Foucault (2011) os depoimentos de Rosa podem ser
vistos como os que se apropriam de um discurso que se arvora no papel de controlar sujeitos
pautados no poder institucional escolar E mesmo quando este poder passa a ser enxertado por
outra ordem discursiva que abala pilares conservadores a educadora eacute refrataacuteria agrave nova
ordem e defende o controle da doutrina da coerccedilatildeo de comportamentos tachando as alunas
que se lanccedilam nas descobertas da sexualidade como vulgares Isso fez com que ela fosse
redutora no olhar que dirigiu agrave menina de sua histoacuteria viacutetima do machismo de um grupo de
colegas ainda eacute a condenada pela autoridade escolar Indaguei-lhe o que fizeram com os
meninos que expuseram a garota Sua resposta anunciou um conservadorismo atravessado por
gecircnero
- Foram chamados na direccedilatildeo advertidos Mas satildeo homens
Homens que usam mulheres humilham-nas expotildeem-nas A ressalva pontuada pela
materialidade linguiacutestica da conjunccedilatildeo adversativa mas no enunciado de Rosa reforccedila seu
olhar segregacionista machista seu status de sujeito que anuncia de um lugar conservador
ldquoMas satildeo homensrdquo eacute o enunciado campo para o natildeo dito brotar nada lhes pega mal na
instacircncia da sexualidade assim subjaz um discurso assimeacutetrico de gecircnero naquela voz Na
concepccedilatildeo daquela educadora ser homem eacute um atributo para a libertinagem aleacutem do direito agrave
liberdade
92
Percebi ali que passando ao largo de um debate que contemple problematizar
preconceitos machistas assimetrias de gecircneros alguns profissionais aleacutem de Rosa lidam de
forma tensa e iniacutequa com o despertar da sexualidade dessesas jovens especialmente na
representaccedilatildeo dos papeacuteis do masculino e do feminino Vale todavia fazer o registro de que
osas colaboradoresas observadosas e entrevistadosas natildeo podem ser vistos como
vilotildeesvilatildes nem portadoresas de verdades ou falsidades mas como sujeitos que se engrenam
em poderes e saberes culturas comportamentos disciplinados historicamente dados por isso
passiacuteveis de movecircncias de transformaccedilotildees
34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades
E ainda sequenciando a explanaccedilatildeo do campo empiacuterico que faz parte desta pesquisa
pontuo que averiguei o quanto o projeto de leitura era desvinculado de uma problematizaccedilatildeo
sobre as relaccedilotildees de gecircnero com base na anaacutelise das respostas do questionaacuterio aplicado junto
agravesaos educadoresas Aqui farei o entrelaccedilamento da anaacutelise dos resultados deste instrumento
com mais relatos que geraram dados para este estudo
Como um dos pontos do processo investigativo recorri agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio
com osas demais educadoresas envolvidosas com o projeto com o propoacutesito de avaliar
como a accedilatildeo leitora eacute apreendida por outros sujeitos considerando que inicialmente apenas
trabalhei com a coordenaccedilatildeo do projeto A aplicaccedilatildeo deste instrumento foi solicitada depois
de alguns diaacutelogos com membros da equipe pedagoacutegica da escola agrave Diana coordenadora do
projeto de leitura que de forma bastante soliacutecita concordou disponibilizando-se para
colaborar e recebeu em matildeos dez coacutepias do questionaacuterio para distribuir com educadoresas
integrantes do trabalho ali desenvolvido Anteriormente jaacute havia feito o convite aosagraves
professoresas para que participassem da pesquisa assegurando-lhes o respeito ao anonimato
caso assim o desejassem Dos dez instrumentos entregues apenas de um natildeo houve a
devolutiva o que me fez ter a colaboraccedilatildeo de um nuacutemero satisfatoacuterio considerando o total de
professoresas na instacircncia educacional em tela envolvidosas com o referido projeto
Para esse instrumento investigativo foram articulados enunciados pensando na
contribuiccedilatildeo para as reflexotildees que preciso construir considerando que o sujeito fala sempre a
partir de especiacuteficas posiccedilotildees histoacutericas e culturais de praacuteticas descontiacutenuas que se cruzam
se desconhecem se justapotildeem enfim que natildeo se pode apreendecirc-las de forma objetiva e
neutra (cf FOUCAULT 2011 2012) Vale ressalvar entatildeo de que a interaccedilatildeo que eacute feita com
as respostas dadas no documento investigativo natildeo pode ser vaticinada como uma revelaccedilatildeo
93
objetiva do real se assim o fosse natildeo estaria partilhando com a perspectiva foucaultiana
como tambeacutem com a da criacutetica feminista poacutes-estruturalista as quais concebem que a verdade
eacute uma produccedilatildeo discursiva histoacuterica e social o que indica que natildeo haacute a verdade mas haacute a que
prevalece
No tocante agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio ouvi dosas respondentes em contatos
fortuitos que as questotildees formuladas foram bem interessantes A qualificaccedilatildeo de interessante
pelo que assimilei deveu-se agraves formulaccedilotildees que fizeram com que osas educadoresas
informantes refletissem sobre as suas praacuteticas discursivas Guiei-me para a confecccedilatildeo deste
instrumento investigativo entre outras pelas reflexotildees que o Poacutes-Estruturalismo traz em
termos de abrir caminhos para se pensar a realidade pontuando uma poliacutetica de
problematizaccedilatildeo da diferenccedila racial eacutetnica e de gecircnero As questotildees levantadas no
instrumento investigativo foram elaboradas considerando tambeacutem o norte interrogativo de que
se havia tal poliacutetica no que se refere agraves questotildees de gecircnero adentrado o espaccedilo escolar
E desse modo considerando que apoacutes a inserccedilatildeo da temaacutetica de gecircnero nas duas
uacuteltimas deacutecadas por meio tambeacutem de elementos enunciativos oficiais como os PCNs (1997) e
a LDBEN-96 que indicam o respeito agrave diversidade e agrave igualdade de direitos fui investigar
com este instrumento se oa educadora estava sendo formadoa para atuar (ou natildeo) por uma
sociedade em que as assimetrias de gecircnero fossem combatidas Por seu turno trazendo a
interface temaacutetica de gecircnero com a perspectiva da leitura discursiva na qual ler eacute mais do que
decodificar eacute se inscrever socialmente procurei elaborar questatildeo que pontuasse como a
leitura se desenvolvia no projeto
Busquei enfim enunciados que tratassem das discursividades docentes referentes agrave
construccedilatildeo social do gecircnero e agrave leitura como praacutetica social Assim os propus
1 O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto A
CestaSexta Literaacuteria (marque ateacute trecircs principais questotildees)
1a ( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo
1b ( ) Uma atividade prazerosa
1c ( ) A escola natildeo valoriza a leitura
1d ( ) A escola valoriza pouco a leitura
1e ( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais
Outra __________________________________
Trecircs enunciados foram sumamente considerados 1a 1c e 1e instrumento de ajuda
na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo a escola natildeo valoriza a leitura e o de que eacute um estiacutemulo agraves
transformaccedilotildees sociais Chamou-me atenccedilatildeo a marcaccedilatildeo de que a escola natildeo valoriza a leitura
94
(1c) por tudo o que essa praacutetica pode significar marcado no uacuteltimo item possibilidade de
mudanccedilas sociais Tambeacutem a ausecircncia de marcaccedilatildeo no enunciado que vecirc na leitura uma
atividade prazerosa (1b) eacute um indicativo que incita reflexotildees considerando que a formaccedilatildeo
doa leitora tem vinculaccedilatildeo profunda com o prazer de ler E estas reflexotildees me trazem agrave
lembranccedila a informaccedilatildeo da 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil na qual eacute
pontuada a problemaacutetica de que a escola brasileira natildeo sedimenta a leitura oferece o acesso
mas natildeo sabe semear o prazer pelo ato de ler Segundo indicadores da pesquisa aqui os
rememorando 44 dos alunos da rede privada e 46 da puacuteblica afirmaram ter como
motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola Com as reflexotildees que a natildeo-marcaccedilatildeo do
enunciado 1b suscita vieram-me agrave lembranccedila tambeacutem Carlos Drummond de Andrade
(1983) e Rubem Alves (2004) quando esses aticcedilam poeticamente o desejo pelos requintes do
mergulho nas deliacutecias das leituras natildeo-obrigatoacuterias das que nascem da fome de ler da fome
de aticcedilar a imaginaccedilatildeo as reflexotildees que podem advir de uma leitura fecunda
Esse enunciado natildeo marcado pelosas educadoresas pontua uma denuacutencia de
desvalor pela escola a uma de suas eleitas funccedilotildees formadoras a da leitura Decerto que isto
reflete todo o descaso que o poder puacuteblico historicamente tem feito em termos de poliacuteticas
voltadas ao estiacutemulo agrave leitura agrave valorizaccedilatildeo da educaccedilatildeo Haacute uma heranccedila de deficiecircncia
educacional da qual soacute recentemente se tem cuidado natildeo ainda o suficiente ainda de modo
piacutefio melhor dizendo mas despontam investimentos maiores do que jaacute houve Investimentos
piacutefios ou natildeo investimentos Este eacute um legado que tatildeo bem lembra Werthein (2008) ao citar
as relaccedilotildees de poder-saber pertencentes agrave elite econocircmica brasileira que se instruiacutea na
Europa agrave eacutepoca do Brasil Colocircnia enquanto que ao povo lhe era negado o direito agrave escola
Quando o acesso agrave educaccedilatildeo puacuteblica se torna realidade a qualidade natildeo faz parte desta
conquista Disto se sabe a estrutura que a educaccedilatildeo puacuteblica oferta aos seus usuaacuterios em
termos de praacuteticas leitoras eacute deficitaacuteria As salas de aulas lotadas os pequenos acervos as
escolhas dos livros com os criteacuterios mercadoloacutegicos agrave frente os parcos recursos tecnoloacutegicos
para facilitarem animaccedilotildees adequadas a pouca reflexibilidade das famiacutelias quanto agrave leitura
em casa entre tantas outras satildeo condiccedilotildees que educadoresas elencam como obstaacuteculos a uma
experiecircncia prazerosa com a leitura
As condiccedilotildees limitadoras acima elencadas natildeo foram extraiacutedas pelas respostas ao
questionaacuterio Foram informaccedilotildees que obtive em diaacutelogo com a professora Mari em uma das
minhas visitas agrave escola (diaacuterio de campo13set2013) Apoacutes esta me informar sobre a
ausecircncia da temaacutetica de gecircnero em suas praacuteticas indaguei-lhe se natildeo considerava pertinente
trabalhar com textos que abordassem a violecircncia de gecircnero Fiz a pergunta tendo em vista o
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que anunciam Carvalho (2003) e Louro (2012) no tocante agrave percepccedilatildeo dessas estudiosas de
que natildeo haacute distacircncia da temaacutetica ela eacute entranhada no espaccedilo escolar fabricando sujeitos
Educadoresas tecircm desse modo a possibilidade de contribuir reflexivamente sobre que
construccedilatildeo discursiva se faz com esses sujeitos reforccedilam preconceitos e estereoacutetipos de
gecircnero ou garantem o direito a esses de uma digna imagem de si Natildeo haacute neutralidade o
tempo todo somos tramados por linguagem que nos moldam
E para suscitar este debate as diretrizes educacionais inclusivas como as
positivadas em Resoluccedilatildeo 0112 no PNDH nos PCNs e na LDB satildeo aportes que chegam
ocupando gavetas escolares e atenccedilatildeo em eventos de formaccedilotildees continuadas mas se estas
estatildeo incorporadas nas praacuteticas discursivas dosas fazedoresas da educaccedilatildeo eacute outra questatildeo E
foi isso que ali atestei na entrevista com Mari a professora de Liacutengua Portuguesa suas
inquietaccedilotildees evidenciaram a lacuna entre as tecnologias oficiais por ela conhecidas e a sua
praacutetica discursiva Agrave minha indagaccedilatildeo acerca da necessidade de trabalhar para uma
consciecircncia de gecircnero sem titubear ela me respondeu
- Dou-me por satisfeita quando faccedilo meus alunos [e alunas] lerem O que leem natildeo
faz parte de minhas expectativas
Mais um enunciado que destrincha que carrega frustraccedilotildees profissionais de vozes
emparedadas pelos muros escolares de um sistema educacional feito para engessar
mobilizaccedilatildeo social ressoou ali Investimentos parcos na educaccedilatildeo puacuteblica que resultam em
peacutessimas condiccedilotildees de trabalhos minguaram as expectativas de uma mulher ainda jovem com
poucos anos de formada que parece entender o quanto a leitura pode propiciar criticidade o
que leem soou em sua voz com forccedila com tom de importacircncia Mas isso depende de suas
vinculaccedilotildees com accedilotildees poliacuteticas como remete Freire (2002) com accedilotildees planejadas como
indicam estudiososas da leitura e daacute trabalho propocirc-las naquele ambiente tatildeo hostil agrave leitura
aos olhos de Mari E ela abriu matildeo disso confessamente
Natildeo pude deixar de suspeitar de que talvez sem estar protegida pelo anonimato
aquela educadora que me disse natildeo ser do quadro efetivo dosas servidoresas por isto natildeo se
sentia segura para fazer criacuteticas agrave educaccedilatildeo na rede municipal natildeo tivesse tido a coragem de
se expor tatildeo cruamente Expocircs-se e trouxe agraves vistas uma das piores chagas da escola puacuteblica
brasileira a de que a leitura natildeo tem o lugar que deveria conforme Antunes (2009) anuncia
lugar de destaque de centro de alimento de patildeo diaacuterio Na contramatildeo de investimentos
intelectuais e financeiros em letramento tocircnica educacional das uacuteltimas deacutecadas Mari se
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contentava com a mera decodificaccedilatildeo com a leitura que poderia promover ao maacuteximo oa
estudante aagrave trabalhadora natildeo aagrave cidadatildeoatilde Haacute uma relaccedilatildeo entre esta tocircnica de
descompromisso dito em escola paraibana ressoada pelo que pontua Bastos (2012) em outro
espaccedilo do territoacuterio brasileiro o baiano de que a escola precisa cumprir sua funccedilatildeo social e
atrair para o ato de ler este grupo de excluiacutedo para quem a leitura natildeo eacute gecircnero de primeira
necessidade
Retornando ao questionaacuterio tambeacutem respondido por esta informante na segunda
questatildeo deste instrumento objetivei inquirir sobre o que se lecirc avaliando quais conteuacutedos
eram promovidos pelo projeto
2 O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos
Direitos Humanos
( ) sim ( ) natildeo
Apesar de destoante com o que apresenta o documento do projeto de leitura que
conforme jaacute referido natildeo evidencia trabalhar temas atinentes aos DH das nove respostas a
esta questatildeo sete percebem a presenccedila de temas no projeto de leitura que focam reflexotildees
com tais temaacuteticas Na formulaccedilatildeo do enunciado foi pontuado o racismo e de forma
generalizada a expressatildeo preconceitos inviabilizando melhor percepccedilatildeo do que consta como
defesa dos DH Mas na questatildeo seguinte a de nuacutemero trecircs articulei a especiacutefica questatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero interessada em averiguar qual o comprometimento da escola por seus
propoacutesitos educacionais e poliacuteticos especificamente em seu projeto de leitura com o campo
de gecircnero
3 O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto
( ) sim ( ) natildeo
Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior
3a ( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas
3b ( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica
escolar de engajamento no combate agraves assimetrias de gecircnero
3c ( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema no projeto de leitura
3d ( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e
como muitas leituras reforccedilam os padrotildees sexistas presentes na sociedade
( ) outra ____________________________
97
As respostas da segunda questatildeo foram quase totalizadoras de que haacute a existecircncia de
um estiacutemulo agraves reflexotildees pertinentes agraves temaacuteticas dos DH pelo projeto de leitura desenvolvido
na escola Quanto agrave terceira todosas nove respondentes afirmaram que natildeo haacute a incorporaccedilatildeo
temaacutetica de gecircnero nas leituras feitas pelo projeto e por conseguinte marcaram a proposiccedilatildeo
3c O cruzamento da anaacutelise dessas duas questotildees pode evidenciar o quanto debater gecircnero
parece ser mais aacutespero menos necessaacuterio do que enveredar por outros caminhos que os DH
embandeiram Esta dissociaccedilatildeo chamou-me atenccedilatildeo e me fez refletir quanto esta temaacutetica
passa ao largo de accedilotildees de leitura em um momento em que se discute recontar textos agrave luz de
teorias de gecircnero respaldada a recontagem na militacircncia do coletivo de mulheres que deseja
ver desconstruiacutedas imagens que as fragilizam
O debate conforme responderam osas educadoresas natildeo aparece no projeto de
leitura assim pode natildeo estar incorporado sistematicamente como accedilatildeo poliacutetica de resistecircncia
relembrando o dito por Foucault (2004a 2012) Em um dos meus diaacutelogos com a
coordenadora do projeto na visita de 28 de setembro de 2013 fazendo inquiriccedilotildees sobre a
percepccedilatildeo dela quanto ao conceito de gecircnero das obras presentes no espaccedilo da biblioteca
acerca desse campo obtive de mais uma informante desta pesquisa que natildeo havia obra ali
com esta perspectiva Este tema precisaria ser inserido passava ao largo o foco nas relaccedilotildees
de gecircnero Falou-me que ao selecionar textos natildeo traz este olhar previamente Quando lhe
indaguei como via a omissatildeo da temaacutetica respondeu-me
- Percebo a omissatildeo agora com sua presenccedila que faz sentido discutir gecircnero Mas
como faccedilo isto Quais textos devem ser trabalhados
E eu lhe escutei sem entender como esta educadora natildeo atentaria que subjaz em regra
nos diversos gecircneros textuais um olhar construtor de gecircnero Haacute olhares sobre mulheres
negras brancas jovens idosas de classes e etnias diferentes nos quais subjazem nos gecircneros
textuais a iniquidade de gecircnero social Plasmada em letras de muacutesicas livros didaacuteticos
paradidaacuteticos canccedilotildees histoacuterias piadas publicidades mateacuterias jornaliacutesticas cantadas enfim
sob os mais diversos formatos haacute a temaacutetica de gecircnero Indaguei-lhe se acharia que a
ausecircncia de textos especiacuteficos para o enfrentamento agrave iniquidade de gecircnero poderia mesmo
ser oacutebice para a exploraccedilatildeo da temaacutetica considerando que ela estaacute no imaginaacuterio social de
alguma forma precisando ser desconstruiacuteda Ela foi sincera e confessou que natildeo atentava para
a presenccedila da temaacutetica perpassando em tantos gecircneros textuais A invisibilidade da violecircncia
de gecircnero deu sinais naquele depoimento De modo letaacutergico natildeo sendo contemplada em
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leituras escolares nem vista em textos que fazem parte do cotidiano das prateleiras de
bibliotecas dos aparelhos de som e das mochilas escolares a invisibilidade fazia acenos pelos
sentidos que aquela educadora concedia ao ato de ler
O ato de ler natildeo se esgota em livros bibliotecas professoresas escolas Nascem de
olhos que veem que planejam que seduzem Silva (2011) aduz que as praacuteticas de leitura
escolar natildeo podem nascer do acaso nem do autoritarismo de tarefas mas de uma programaccedilatildeo
envolvente E isto perpassa essencialmente por uma formaccedilatildeo que privilegie praacuteticas de
liberdade consciecircncia da importacircncia de uma construccedilatildeo coletiva do lugar de si e do outro no
mundo que nos cerca Dessa formaccedilatildeo o poder puacuteblico tem dito se preocupar Eacute com o que
parecem concordar osas entrevistadosas diante da seguinte questatildeo
4 Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel
inicial quanto na continuada tem preparado o (a) profissional para uma praacutetica
pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar
( ) sim ( ) natildeo
Essa questatildeo objetivou perceber de que forma as poliacuteticas puacuteblicas de formaccedilatildeo
inicial e continuada satildeo percebidas Eacute algo que merece a atenccedilatildeo ser averiguado seriam essas
formaccedilotildees proficientes excessivamente teoacutericas de que modo essas praacuteticas discursivas
equipam essesas profissionais para impactar suas atuaccedilotildees Investigar o que de fato tem
atravessado os discursos das formaccedilotildees e ressoado no chatildeo da escola nos modos de
subjetivaccedilatildeo dessesas professoresas leitoresas eacute de uma pertinecircncia tamanha para quem se
envolve com a educaccedilatildeo como praacutetica de liberdade no sentido foucaultiano Dizendo de outro
modo eacute salutar buscar se haacute verdades novas atinentes ao que propotildeem os DH sobre a
equidade de gecircnero sobre a desconstruccedilatildeo da constituiccedilatildeo do diferente enunciadas pelos
formadores em curso de capacitaccedilatildeo e nas formaccedilotildees iniciais e quais tecircm sido seus efeitos
Com a aplicaccedilatildeo da quarta questatildeo pude avaliar como satildeo afetadas as relaccedilotildees de gecircnero pela
ingestatildeo do debate pelas tecnologias formadoras E de fato a totalidade dosas respondentes
afirmou que recebe uma formaccedilatildeo que capacita que contempla o debate sobre a construccedilatildeo
das diferenccedilas e a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar
Entre todavia o recebimento de uma formaccedilatildeo capaz de problematizar as
assimetrias de gecircnero e a implementaccedilatildeo por parte dessesas educadoresas de uma praacutetica
discursiva que lhes capacite romper com uma memoacuteria discursiva que interdita uma condiccedilatildeo
de vida sem subalternidades existem seacuteculos de jogos de verdade nos quais os processos de
subjetivaccedilatildeo transigem segundo regras histoacutericas Satildeo jogos que perpassam doutrinas
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pedagoacutegicas sustentando uma superioridade intelectual dos homens por isto destinando
lugares distintos para homens e mulheres (o puacuteblico aos homens o privado agraves mulheres)
Satildeo jogos de verdade que destinam comportamentos diferenciados aos sexos constituindo o
gecircnero sustentando a inferioridade feminina a construccedilatildeo da diferenccedila do padratildeo
heterossexual como desvio como patologia entre tantos outros jogos de verdade
E as regras histoacutericas hoje consideram lentamente uma ordem discursiva que se
desenha na qual as muralhas androcecircntricas sofrem o abalo de uma atuaccedilatildeo poliacutetica do
coletivo de mulheres e do LGBT que se empoderam com o ativismo autoral por respeito agraves
diferenccedilas Pude constar isto em uma visitaccedilatildeo que fiz agrave escola em 24 de outubro de 2013 Em
diaacutelogo com Elisa uma professora com 15 anos de atuaccedilatildeo profissional no qual lhe indaguei
sobre sua percepccedilatildeo acerca da presenccedila das relaccedilotildees de gecircnero no cotidiano escolar acerca da
vinculaccedilatildeo (ou natildeo) entre suas praacuteticas leitoras e estas questotildees Muito rapidamente ela se
posicionou como uma conservadora e se disse escandalizada com as transformaccedilotildees sociais
que via emergir em termos de comportamentos sexuais inclusive ali na escola Ouvi um
desabafo inusitado desta informante que presenciou uma cena de beijos entre duas
adolescentes
- Natildeo vejo a hora de sair desta escola Aqui todos satildeo danados E as meninas nem se
falam Peguei duas aos beijos fui intervir e ouvi da menina
- Taacute com preconceito eacute professora
A narrativa daquela educadora me marcou e lhe indaguei se ela achava que estava
com preconceito conforme lhe indagou a menina Respondeu que sim pois sendo beijos entre
casais heterossexuais tambeacutem reprimiria o ato mas natildeo ficaria tatildeo aborrecida como ficou Fiz
a Elisa mais indagaccedilotildees inquirindo sobre o efeito das formaccedilotildees acadecircmicas pelas quais ela
tem passado Ela pareceu-me marcha por lugares onde soam ritmos diferentes E com suas
respostas fui remetida ao que diz Orlandi (2008) acerca do entrecruzamento de vozes que
torna o sujeito heterogecircneo e das condiccedilotildees de produccedilotildees do discurso que permitem
enunciados diferentes em determinados espaccedilos sociais Mesmo se dizendo refrataacuteria agraves
mudanccedilas Elisa disse aprovar as formaccedilotildees continuadas que ensinam a lidar com as
diferenccedilas apesar de natildeo conseguir concordar com o que escuta e vecirc
- Nas formaccedilotildees continuadas ateacute entendo a questatildeo do respeito mesmo sem
concordar ateacute entendo Mas quando presencio uma cena como a do beijo das meninas em
puacuteblico daacute um nojo acho uma falta de respeito natildeo concordo
100
E como demonstrou natildeo concordar Sua ecircnfase agrave cena me fez pensar no quanto
provavelmente o beijo das duas garotas consideradas desviantes lhe foi claramente chocante
mas natildeo menos e natildeo tatildeo claro foi chocante a ela o tom reivindicativo com o qual a aluna se
apoderou para evocar da professora uma postura mais reflexiva mais apropriada a sua funccedilatildeo
A desviante aos olhos de Elisa pode ter lhe lembrado de que para ser educadora ela deveria
estar atinente agraves novas poliacuteticas educacionais deveria ter postura de respeito agrave liberdade de
afeto seja de que maneira for Haacute o dever ao respeito agraves diferenccedilas assegurado legalmente
parece ter dito a menina ao lhe indagar sobre preconceito
Elisa segundo me informou caiu em si natildeo se sentia preparada para atuar ali
mesmo que se esforccedilasse para assimilar as diretrizes de uma escola inclusiva democraacutetica
natildeo discriminatoacuteria Essa professora se depara com formaccedilotildees discursivas conflitantes e entre
suas verdades e o que a escola deseja construir aos moldes de ser inclusiva angustia-se O
recrudescimento do constituiacutedo diferente que empoderado natildeo aceita ser abjeto (HALL
2011) e reivindica direitos pocircs em evidecircncia isto causando-lhe transtorno Uma firmeza da
menina desviante foi o estopim para gerar na professora a vontade de abandonar aquela
escola para natildeo ter que se desfazer de uma formaccedilatildeo discursiva cristalizadora de identidades
Formaccedilatildeo que talvez natildeo tenha lhe permitido enxergar amiuacutede toda sorte de preconceitos
insultos e ofensas vividos por outrosas desviantes tirando-lhes o chatildeo tirando-lhes da escola
Agora era o seu chatildeo que lhe fora retirado por um gesto de afirmaccedilatildeo de identidade de
altivez de peleja pela desconstruccedilatildeo de verdades
Restaria querer buscar outro chatildeo mais soacutelido mais firme na crosta essencialista
Mas para qual escola iria Mesmo timidamente o discurso da defesa da diversidade cultural
sexual e da equidade de direitos eacute um campo de luta que surge amparado em legislaccedilatildeo
educacional e em formaccedilotildees continuadas dispensadas aosagraves educadoresas Embora de forma
amena tangencial surge Eacute o contraponto a uma ordem conservadora de uma perspectiva
essencialista discriminadora que se faz surgir em praacuteticas discursivas instigadoras de
problematizaccedilotildees da iniquidade de gecircnero Acerca da presenccedila desse contraponto na escola
TRAVESSIA quis saber interrogando sobre as poliacuteticas educacionais no direcionamento do
que pode o menino e a menina toacutepico da quinta questatildeo
5 As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o
menino e o que pode a menina
( ) sim ( ) natildeo
101
5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e
meninas
5b ( ) comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento
5c ( ) ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual
5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que
satildeo naturalmente desiguais
Osas respondentes demonstraram natildeo perceber que a escola trata fortemente
desigual a ambos Em nenhuma resposta houve a marcaccedilatildeo para o enunciado 5c o qual
afirma que as poliacuteticas educacionais ainda comprometem a equidade de gecircnero Por sua vez a
negaccedilatildeo de que haacute discriminaccedilatildeo foi bem marcada pela maioria dos respondentes
5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e
meninas
Haacute uma coerecircncia interna na marcaccedilatildeo dessas respostas quando relacionado o
conjunto de todas as quatro proposiccedilotildees considerando que com a ausecircncia absoluta por parte
de todos os respondentes de marcaccedilatildeo com o enunciado a seguir haacute a indicaccedilatildeo de que osas
respondentes buscam negar ranccedilos essencialistas nas suas formaccedilotildees discursivas
5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que
satildeo naturalmente desiguais
O que me leva a assim pensar eacute a consideraccedilatildeo de que em nenhuma das respostas
houve marcaccedilatildeo na propositura acima indicada (5d Osas colaboradoresas da pesquisa
parecem querer evidenciar crer que natildeo somos homens e mulheres naturalmente desiguais
Somos ao contraacuterio construiacutedos desiguais detentores em princiacutepio de direitos iguais e a
escola parece querer respeitar esta conquista que eacute relativamente recente Parece mas
estabelecendo um diaacutelogo com vozes informantes desta pesquisa como as de Rosa e Elisa
por exemplo nem chega a parecer suas vozes carregam enunciados visivelmente
sedimentados na assimetria essencialista
Por sua vez com o enunciado da sexta questatildeo que intenciona captar de que forma a
escola tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo intervindo nas construccedilotildees de gecircnero
das crianccedilas e adolescentes foram evidenciados resultados que mostram possibilidades bem
reveladoras de olhares essencialistas Seguem a questatildeo e seus resultados
102
6 Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como
natildeo apropriados para seu sexo qual a leitura feita
6a ( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada
crianccedila
6b ( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado
6c ( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
Outro _______________________________
Apenas dois tipos de respostas foram marcadas Unicamente uma pontuaccedilatildeo para a
proposiccedilatildeo 6a que anuncia Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras
de cada crianccedila Esta percepccedilatildeo solitaacuteria vai ao encontro de um olhar que aceita
problematizar padrotildees hegemocircnicos aceita contrariar jogos de poder que reproduzem
estigmatizaccedilotildees discriminaccedilotildees sexistas assimetrias de gecircnero Por seu turno oito dosas
nove colaboradoresas disseram que procuram redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
(6c) Uma indicaccedilatildeo de que raciocinam por uma loacutegica essencialista dual homogeinizante
normalanormal Uma loacutegica que exclui os que rompem com os padrotildees identitaacuterios de
gecircnero e mesmo que evite expocirc-los constrangecirc-los natildeo os aceita tenta enquadraacute-los Satildeo os
saberes-poderes que permitem o governo de sujeitos por outros os processos de subjetivaccedilatildeo
sendo instaurados por verdades veiculadas pelas instituiccedilotildees
O poder funciona e se exerce em rede Nas suas malhas os indiviacuteduos natildeo soacute
circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer este poder e de sofrer sua accedilatildeo
nunca satildeo o alvo inerte ou consentido do poder satildeo sempre centros de transmissatildeo
Em outros termos o poder natildeo se aplica aos indiviacuteduos passa por eles
(FOUCAULT 2012 p 45)
Para corroborar a afirmaccedilatildeo de Foucault (2012) que fala deste poder dispersado
localizado pelo pensador nas relaccedilotildees sociais como um todo retorno aos fragmentos retirados
dessa pesquisa refletindo sobre o poder em sua dimensatildeo relacional A quase totalidade dosas
educadoresas vigiada possivelmente pelos olhares de pais direccedilatildeo colegas por enunciados
que circulam em documentos escolares em formaccedilotildees e cursos posiciona-se dubiamente
concebe a polaridade fixa dos gecircneros exerce entatildeo o poder de redirecionar o interesse do
considerado desviante Mas natildeo expotildee quem a contraria Estariam sendo desestimulados
essesas colaboradoresas pelas bandeiras anti-homofoacutebicas Bom sinal para o ativismo
poliacutetico da populaccedilatildeo LGBT que historicamente sofre as agruras do preconceito e da
discriminaccedilatildeo confrontando isto com o que reza um dos princiacutepios do Plano Nacional da
Promoccedilatildeo da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT lanccedilado em 2009 ldquoUm Estado
Democraacutetico de Direito natildeo pode aceitar praacuteticas sociais e institucionais que criminalizam
103
estigmatizam e marginalizam as pessoas por motivo de sexo orientaccedilatildeo sexual eou
identidade de gecircnerordquo (Secretaria Especial dos Direitos Humanos 2009 p11)
Com os sentidos afiados em confluecircncia com o olhar de Louro (2012) um passeio
pela escola e pelas respostas apresentadas neste instrumento de investigaccedilatildeo revelam o quanto
praacuteticas escolares expressam uma constituiccedilatildeo discursiva com fixaccedilatildeo de comportamentos
adequados para meninos e meninas Ora rechaccedilando ora respaldando o fato eacute que os modelos
socialmente valorizados ainda satildeo os que estereotipam meninas como fraacutegeis esforccediladas e
meninos como inteligentes fortes Isso resulta em confronto em fabricaccedilotildees de estereoacutetipos
Para a elaboraccedilatildeo da seacutetima questatildeo que possui este elo busquei reflexotildees no pensamento de
Foucault (2004a 2004c) quando esse propotildee o cuidado de si as praacuteticas que constituem uma
subjetividade eacutetica Penso que a defesa de uma vigilacircncia sobre construccedilotildees discursivas que
fabricam mulheres objetos coisificadas veiculadas em toda sorte de artefato cultural deve ser
constituiacuteda se o rompimento com esse modelo eacute desejado E considero a ausecircncia desta
vigilacircncia por parte dosas educadoresas como uma lacuna que impede a quebra substancial
com um paradigma machista Eacute esse paradigma que permite uma praacutetica discursiva dos
homens em fazer as inuacutemeras piadas sobre loura as incontaacuteveis formas de estereotipar as
mulheres no que se refere a sua intelectualidade a sua atribuiacuteda inabililidade para dirigir para
exercer certas profissotildees relacionando grosseiramente beleza agrave burrice enfim formas
conflituosas de se perceber um ao outro fazem parte de um repertoacuterio que resolvi imprimir em
minhas inquiriccedilotildees
7 Como mediadora de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de
preconceito uma expressatildeo de conflitos entre olhares de meninos e de meninas
7a ( ) pouco eacute natural a disputa
7b ( ) interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de
discriminaccedilatildeo
7c ( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa
As respostas foram incisivamente favoraacuteveis agrave intervenccedilatildeo A marcaccedilatildeo da totalidade
dosas respondentes para o enunciado 7b parece indicar que na contramatildeo de ser
inadequadamente omisso diante de discriminaccedilatildeo ningueacutem deseja estar embora possa
paradoxalmente direcionar comportamentos conforme anunciado pelas respostas da questatildeo
6c Natildeo haveria aiacute a manifestaccedilatildeo de que se natildeo aceitamos uma nova ordem de interesses por
parte de crianccedilas conforme enunciado da sexta questatildeo que soacute obteve uma marcaccedilatildeo eacute
104
porque natildeo duvidamos do que tenha sido naturalizado construiacutedo discursivamente como o
outro o diferente
Estas dissonacircncias entre interferir em manifestaccedilotildees de preconceitos e construir
possibilidades de exercer controle sobre o outro o desviante da pressuposta normalidade
mesmo que de forma discreta podem estar expressando modos de subjetivaccedilatildeo nos quais
sujeitos expostos agraves diversas formaccedilotildees discursivas assimilam mudanccedilas ordens interesses
Em outros momentos todavia retecircm-se com perspectivas essencialistas que osas impedem
de apropriar-se do que recomendam as tecnologias oficiais no tocante por exemplo ao
respeito agrave diversidade humana aos conhecimentos dos processos de construccedilatildeo do diferente
como o outro o abjeto Osas educadoresas expressam entatildeo em muitas tentativas de quebra
de paradigmas que os jogos por verdades se datildeo de modo processual refletem lutas poderes
e resistecircncias dispersando e replicando vozes
Considerando a importacircncia de buscar inquiriccedilatildeo sobre o fenocircmeno da violecircncia
domeacutestica contra a mulher como uma das mazelas sociais que as vitimiza cotidianamente
sob as mais diferentes formas de massacre fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral patrimonial
na oitava questatildeo resolvi inquirir sobre como este fenocircmeno eacute percebido pelosas
educadoresas envolvidosas no estudo Assim propus o enunciado
8 No tocante agrave violecircncia contra a mulher segundo o Mapa da Violecircncia 2012 o
Brasil ocupa a 7ordf colocaccedilatildeo em um ranking de 84 paiacuteses O que em sua opiniatildeo
explica a existecircncia deste fenocircmeno Marque mais de uma questatildeo caso queira
8a ( ) Formaccedilatildeo cultural
8b ( ) Haacute pessoas naturalmente violentas
8c ( ) Natildeo sei
8d ( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo
8e ( )O desemprego crise financeira e pobreza
Outra ______________________
Nesta proposiccedilatildeo as respostas foram diversificadas foi marcado inclusive o
enunciado que afirma desconhecer as razotildees (8c) A questatildeo em aberto natildeo foi aproveitada
por nenhuma respondente Mas em sua maioria essesas (seis dosas nove) relacionaram o
fenocircmeno da violecircncia contra a mulher como algo que tem causa na formaccedilatildeo cultural Eacute
importante que se atente como alguns enunciados marcados podem estar evidenciando o
quanto a problemaacutetica carrega alguns mitos sobre as suas provaacuteveis causas Observando por
exemplo a marcaccedilatildeo isolada para o toacutepico 8e que faz nexo causal entre a violecircncia e a crise
econocircmica como pensar que a violecircncia estaacute ligada agraves dificuldades dessa ordem quando em
105
todas as classes sociais se registram ocorrecircncias Haacute maneiras diferentes de encarar as
agressividades em funccedilatildeo de tabus entre outros subterfuacutegios mas mulheres pertencentes a
todas as posiccedilotildees da piracircmide social satildeo viacutetimas de violecircncia conforme atestam inuacutemeras
pesquisas (SAFFIOTI 2001)
A evidecircncia de que o entendimento sobre as causas da violecircncia foi redutor estaacute
tambeacutem na marcaccedilatildeo isolada da proposiccedilatildeo 8d afinal estas causas apontadas estatildeo indicando
que o estopim estourou pelo aumento do stress pela perda do autocontrole (SAFFIOTI
MUNHOS 1994) mas em verdade haacute algo maior que impulsiona a agressatildeo encontra
apenas as brechas em quaisquer desculpas Em verdade eacute costumeira a confusatildeo entre causas
e motivaccedilotildees da violecircncia aquelas satildeo mais sistecircmicas e as motivaccedilotildees mais localizadas
ocasionadas por situaccedilotildees diversas como stress uso de entorpecentes etc
Considero importante atentar para o fato de que se a maioria respondeu perceber
vinculaccedilatildeo entre a violecircncia e a formaccedilatildeo cultural talvez por presenciar tantas cenas de
violecircncia de gecircnero e escutar narrativas feitas por alunosas acerca das dores maternas e
fraternas provocadas pela violecircncia domeacutestica deveria estar a escola propondo a brigada
anti-violecircncia pelo vieacutes da cultura Mas nenhuma respondente posicionou-se assim no espaccedilo
deixado em branco no questionaacuterio com o fim de possibilitar a expressatildeo de reflexotildees tambeacutem
nessa direccedilatildeo
A violecircncia contra a mulher tem vinculaccedilatildeo em uma cultura machista patriarcal
sedimentada milenarmente Buscar compreendecirc-la no campo dos estudos de gecircnero seria
oportuno para a escola porque poderia ser evidenciada o quanto a educaccedilatildeo dispensada a
meninos e meninas de forma diferenciada na qual se passam valores que sustentam olhar
para as mulheres que as inferioriza eacute possivelmente forte construto que alimenta uma cultura
machista E essa credencia agrave banalizaccedilatildeo do fenocircmeno da violecircncia Basta que se lembre dos
ditados populares que grassam (jaacute grassaram bem mais) nas bocas ldquoMulher eacute que nem bife
quanto mais apanha melhor ficardquo para que se atente o quanto haacute a naturalizaccedilatildeo do
fenocircmeno Esse dito eacute soacute um entre tantos nos imaginaacuterios sociais que fabricam a ideia de que
violentar mulheres faz parte eacute permitido
E satildeo por esses imaginaacuterios sociais que o Relatoacuterio Final da Comissatildeo Parlamentar
Mista de Inqueacuterito ndash CPMI - da Violecircncia contra a Mulher do Congresso Nacional entregue
em julho de 2013 aponta iacutendices alarmantes fala de femiciacutedio e coloca como uma
necessidade premente a da superaccedilatildeo deste mal
106
A curva ascendente do femiciacutedio a permanecircncia de altos padrotildees de violecircncia contra
mulheres e a toleracircncia estatal detectada tanto por pesquisas estudos e relatoacuterios
nacionais e internacionais quanto pelos trabalhos desta CPMI estatildeo a demonstrar a
necessidade urgente de mudanccedilas legais e culturais em nossa sociedade Conforme
mostra a pesquisa intitulada Mapa da Violecircncia homiciacutedios de mulheres mais de 92
mil mulheres foram assassinadas no Brasil nos uacuteltimos trinta anos 43 mil delas soacute
na uacuteltima deacutecada (BRASIL 2013 p 8)
A violecircncia contra a mulher eacute um fenocircmeno bastante complexo com raiacutezes fincadas
em solos de culturas machistas amparada em um Estado historicamente omisso na promoccedilatildeo
do direito a uma vida sem violecircncia para as mulheres Esse fenocircmeno que esteve na
invisibilidade social encoberto por muito tempo erroneamente sustentado pelo direito ao
instituto da privacidade entre parceiros tendo inclusive um aparato popular que os abrigava
de vexames e intervenccedilotildees ldquoEm briga de marido e mulher natildeo se mete a colherrdquo teve
recentemente a intervenccedilatildeo do Estado brasileiro com a Lei 113402006 a Maria da Penha
Esse instrumento juriacutedico se apresenta como um dos mais avanccedilados amparo legal para o
enfrentamento da questatildeo Natildeo se muda todavia cultura com golpe de lei haacute muito a ser
feito em termos de estrutura do judiciaacuterio brasileiro (ampliaccedilatildeo do nuacutemero de varas de
juizados especiais de Casas Abrigo de DEAMS - Delegacias Especializadas de Atendimento
agrave Mulher - funcionando em regime de plantatildeo capacitaccedilatildeo dos juristas) para que a lei passe a
ser um ordenamento juriacutedico que vigore como deve efetivamente sendo aplicado de forma
preventiva educativa e punitiva
E a escola no que diz respeito a formar para a equidade de gecircnero e para a cultura da
paz eacute espaccedilo fundamental que pode se ofertar no semeio desta colheita Importante portanto
a denuacutencia que osas respondentes fizeram da atuaccedilatildeo piacutefia da unidade escolar em tela no
tocante ao papel que a instituiccedilatildeo deve ter como importante instrumento no combate agrave
violecircncia domeacutestica contra a mulher Satildeo muitas as respostas (oito das nove) que afirmaram
pouco operar a escola neste sentido Assim se constituiu a nona questatildeo
9 Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave
questatildeo
( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante
A escola TRAVESSIA conforme percebem aqueles que dela fazem parte e
seguramente presenciam depoimentos e cenas que datildeo conta do mal da violecircncia contra a
mulher como o que grassa pouco opera no enfrentamento deste problema Esse mal que
sendo uma violaccedilatildeo dos direitos humanos das mulheres eacute um flagelo uma ameaccedila agrave
107
Democracia agrave paz agrave justiccedila deve portanto ter a escola envolvida em sua prevenccedilatildeo
eliminaccedilatildeo e enfrentamento Natildeo haacute como esta instituiccedilatildeo ser indiferente ao caminho sem
volta que as marchas feministas vecircm construindo especialmente nas uacuteltimas deacutecadas com
grandes avanccedilos dados pelos seus gritos ecoados nas bandeiras dos DH positivados em
forma de lei especiacutefica que penaliza a violecircncia contra a mulher e em diretrizes educacionais
que propotildeem a equidade de gecircnero
Como instacircncia de poder atravessada por praacuteticas discursivas natildeo neutras
legitimadora de ordem social por meio de suas ldquoverdadesrdquo fabricadas a escola propaga em
tese sua missatildeo fundamental como a de formar seres humanos eacuteticos conscientes de sua
igualdade de direitos por seus propoacutesitos e pela obrigatoriedade legal que se desenha com o
advento da poacutes-modernidade Mas na praacutetica sua missatildeo tem eacute instituiacutedo a segregaccedilatildeo
atraveacutes do controle disciplinar domesticando corpos e mentes (LOURO 2012)
Nesse sentido a promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de enfrentamento agrave violecircncia de
gecircnero eacute uma realidade de resistecircncia que daacute sinais tiacutemidos no chatildeo da escola mas daacute sinais
Cabe aosagraves fazedores da educaccedilatildeo acolhecirc-los Sua contribuiccedilatildeo ao debate que estranha
sentidos essencializados pode ser significativa considerando que os muros escolares racham
com o advento da globalizaccedilatildeo e dos avanccedilos tecnoloacutegicos disseminando informaccedilatildeo
instantaneamente Satildeo inuacutemeros os recursos educativos que podem amparar a discussatildeo
reportagens filmes peccedilas teatrais programas de TV de raacutedio diaacutelogos que circulam em salas
de aula entre outros Obviamente que esses recursos na maioria esmagadora das escolas
puacuteblicas brasileiras natildeo satildeo inteiramente disponibilizados e na escola TRAVESSIA natildeo eacute
diferente Haacute laacute escassez de textos e de demais instrumentos que permitam um trabalho bem
amparado percebida em minhas visitaccedilotildees Mas isso natildeo pode se constituir como oacutebice total
haacute sempre formas de propor o debate em um mundo plural que existe e deseja se firmar Por
onde andamos e estamos haacute sujeitos em interlocuccedilatildeo trazendo presentes vozes sociais de
onde emanam efeitos de sentidos sobre papeacuteis construiacutedos
Elaborei questatildeo especiacutefica sobre qual o olhar a escola evidencia ter atraveacutes de seu
projeto de leitura para um dos melhores instrumentos juriacutedicos em niacutevel mundial de
enfrentamento do combate agrave violecircncia domeacutestica a Lei Maria da Penha Esse ordenamento
juriacutedico que segundo pesquisa do Instituto AvonIPSOS (2011) eacute um marco legal
amplamente conhecido e poderia estar sendo pontuado no ambiente escolar de modo a
semear a cultura da paz e do respeito agraves mulheres Assim mobilizei a deacutecima questatildeo desse
instrumento
108
10 A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da
violecircncia contra a mulher ganha que espaccedilo no projeto de leitura
10a ( ) Nunca foi citada
10b ( ) Existe na biblioteca
10c ( ) Jaacute trabalhamos com ela
As respostas obtidas indicam sintonia com a nona proposiccedilatildeo na qual se pontuou
que a problemaacutetica da violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo encontra a importacircncia que
lhe eacute devida Todosas colaboradoresas responderam na deacutecima questatildeo que a lei nunca foi
citada (10a) Natildeo que o ordenamento juriacutedico tenha que ter referecircncia obrigatoacuteria nas leituras
da escola mas face a sua popularidade e pertinecircncia inclusive havendo versatildeo deste em
cordel o que facilitaria sua divulgaccedilatildeo poderia constar como uma das leituras feitas e
referidas de forma direta ou indireta Poderia porque a escola eacute espaccedilo formador tem papel
estruturante em accedilotildees que podem semear reflexotildees individuais e coletivas pela construccedilatildeo da
cultura da paz A educaccedilatildeo tensionando conflito e vozes pode ser constituiacutedo como espaccedilo
fecundo de organizaccedilatildeo pela emancipaccedilatildeo de oprimidos[as] (FREIRE 2002) Nesta acepccedilatildeo
a lei pode chegar a todas as crianccedilas e adolescentes pela instacircncia da escola como um sulco
no muro da iniquidade de gecircnero mostrando-se em sua consistecircncia preventiva e punitiva
como um aprendizado um oacutebice agrave violecircncia domeacutestica
Natildeo bastaraacute todavia conhecer o ordenamento juriacutedico para que se coiacuteba a violecircncia
O enfrentamento desse fenocircmeno perpassa pela construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo
nas quais o direito a uma vida sem violecircncia agraves mulheres seja efetivamente garantido e
assegurado pela condiccedilatildeo humana destas A escola deve ser um baluarte na colaboraccedilatildeo dessa
praacutetica para isso por ela precisam perpassar debates caros ao tema inquirindo sobre qual
posicionamento tem tido a instituiccedilatildeo quanto agrave construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de hegemonias
tem reforccedilado ou questionado as assimetrias de gecircnero
Na escola TRAVESSIA pude constatar haacute um tangenciamento do debate acerca das
relaccedilotildees de gecircnero percebido pelas discursividades de seusuas educadoresas como
mediadores de leituras Uma anaacutelise desse tangenciamento pode pontuar uma reflexatildeo que
perspectiva com um debate proposto por Foucault (2011) na linha do que satildeo as conjunturas
histoacutericas e socioculturais que permitem os jogos de verdades Se haacute a positivaccedilatildeo da lei na
sociedade brasileira e ela pode ser contemplada como legado de mobilizaccedilatildeo haacute todavia a
ausecircncia de seu debate em instacircncias escolares como a da escola TRAVESSIA E isso pode
ser contemplado como um legado de controle social no qual a eliminaccedilatildeo das discriminaccedilotildees
das violecircncias dos confrontos eacute significativamente negada silenciada mesmo que estejam
109
postas tecnologias que a discutam O rompimento desse controle que silencia lutas eacute uma
tarefa que oa intelectual oa educadora pode desejar construir lembrando aquilo que
Foucault (2004a 2004c 2012) pontua as pessoas podem ser mais felizes mais livres As
pessoas natildeo satildeo aprisionadas pelo poder elas podem modificar sua dominaccedilatildeo Isso evoca a
recusa do que satildeo despertada pela consciecircncia do que lhes disseram ldquoNingueacutem entraraacute na
ordem do discurso se natildeo satisfizer a certas exigecircncias ou se natildeo for de iniacutecio qualificado
para fazecirc-lordquo (FOUCAULT 2011)
E que ordem de discurso adentra a escola TRAVESSIA produzindo efeitos de
sentidos postos pela ausecircncia do debate sobre as hierarquias de gecircnero Adentra conforme
depoimentos de educadoresas ali escutadosas a da pouca reflexibilidade sobre o campo de
gecircnero a do adormecimento para a noccedilatildeo de estrateacutegias que enfrentem o poder androcecircntrico
Uma das formas de resistecircncia a esse poder se daacute pelo ato desbravador do conhecimento dos
processos discursivos que constituem as subjetividades que constituem as verdades ditas
sobre homens e sobre mulheres Satildeo passos na caminhada pela emancipaccedilatildeo A leitura pode
ser constituiacuteda com esta linhagem e ser mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de
identidades na ressignificaccedilatildeo de leituras eivadas de identidades socialmente construiacutedas pela
subalternidade da mulher Nessa direccedilatildeo Moita Lopes (2003) traz a tecitura com que a
linguagem nos constroacutei e corrobora com a ideia de resistecircncia
A percepccedilatildeo do discurso como construccedilatildeo social coloca as pessoas como
participantes nos processos de construccedilatildeo de significado na sociedade e portanto
inclui a possibilidade de permitir posiccedilotildees de resistecircncia em relaccedilatildeo a discursos
hegemocircnicos isto eacute o poder natildeo eacute tomado como monoliacutetico e as identidades sociais
natildeo fixas (MOITA LOPES 2003 p 55)
Nesse sentido por conceber a importacircncia do conhecimento dos processos histoacutericos
emancipatoacuterios como o das lutas sociais e em especial a esse trabalho o do movimento
feminista foi elaborada questatildeo que objetivava perpassar pelas reflexotildees acerca da histoacuteria
social das mulheres As histoacuterias dos homens estatildeo aiacute onipresentes ocupando o tempo todo
todo espaccedilo Mas a histoacuteria social das mulheres natildeo eacute significativamente contada natildeo consta
nos curriacuteculos natildeo eacute devidamente estudada Isso possivelmente contribui para trazecirc-las na
invisibilidade considerando que os seus processos histoacutericos de subordinaccedilatildeo ao masculino
suas exclusotildees dos campos poliacuteticos cientiacuteficos artiacutesticos enfim ainda natildeo satildeo devidamente
estudados A histoacuteria de luta pela emancipaccedilatildeo social das mulheres eacute entretanto uma das
mais bem vividas experiecircncias que atestam o poder da mobilizaccedilatildeo social e mereceria estar
110
entre as preocupaccedilotildees da escola e no projeto de leitura Desejei saber como esta questatildeo era
percebida pelosas informantes e elaborei o deacutecimo primeiro questionamento
11 Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo
escolar e no projeto
11a ( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos
curriacuteculos escolares
11b ( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas
memoacuterias ocultadas e inferiorizadas
11c ( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca
carga horaacuteria para exploraacute-lo mais
11d ( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho
importante
Aqui natildeo houve ressalvas para a defesa na quase totalidade das respostas (sete das
nove) da implementaccedilatildeo da histoacuteria das mulheres como forma de resgate de si no debate
escolar Natildeo houve marcaccedilatildeo para o enunciado 11 d A questatildeo 11b foi bem pontuada entatildeo
ldquoApoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e
inferiorizadasrdquo Eacute como um reconhecimento de que o processo de aprendizagem de uma
desnaturalizaccedilatildeo da desigualdade entre homens e mulheres passa pelo conhecimento da
histoacuteria que as excluiu e da sua inclusatildeo pela luta Foucault (2004c) auxilia nesse sentido
quando nos traz a pertinecircncia do conhecimento e a compreensatildeo da relevacircncia do papel do
intelectual
[] e que podemos mostrar agraves pessoas que elas satildeo muito mais livres do que
pensam que elas tomam por verdadeiros por evidentes certos temas fabricados em
um momento particular da histoacuteria e que essa pretensa evidecircncia pode ser criticada
e destruiacuteda O papel do intelectual eacute mudar alguma coisa no pensamento das
pessoas (FOUCAULT 2004c p 295)
Uma pretensatildeo bem ponderada E que em alguns outros momentos o filoacutesofo se
retrai desta posiccedilatildeo de ldquomostrarrdquo caminhos ao outro (FOUCAULT 2004e) Mas a histoacuteria de
luta das mulheres por sua emancipaccedilatildeo social eacute um caminho que merece ser mostrado Papel
que osas educadoresas podem cumprir percebendo-se como sujeitos agrave linguagem agrave
aprendizagem de ordens discursivas e se resistirem promotores das mudanccedilas que a
educaccedilatildeo pode constituir Papel que o movimento feminista com intelectuais e ativistas
parece ter cumprido com propriedade A atuaccedilatildeo desse movimento solicitada na 12ordf questatildeo
assim foi angariada
111
12 Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista Marque ateacute duas
respostas
12a ( ) fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da
opressatildeo agrave mulher
12b ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute
bom
12c ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo
eacute
bom
12d ( ) eacute um movimento com muito radicalismo
A unanimidade de valorizaccedilatildeo desta praacutetica discursiva quase imperou desta vez As
proposiccedilotildees 12a e 12b as quais veem com olhos respeitosos o movimento foram as
marcaccedilotildees de oito colaboradoresas Apenas uma resposta considerou o radicalismo do
movimento sua marca talvez por pressupor que as mulheres militantes propotildeem mudanccedilas
que ferem uma construiacuteda e disciplinada essecircncia feminina Os movimentos feministas
propotildeem radicalizar a desnaturalizaccedilatildeo de um mundo construiacutedo em pilares desiguais e
injustos um mundo calccedilado em machismo em violecircncia contra a mulher Radicalizar a
desnaturalizaccedilatildeo deste mundo eacute bom nodal conforme concordaram os que marcaram os
enunciados 12a e 12b Por seu turno ningueacutem marcou que isto natildeo seria bom conforme
enuncia o 12c
A uacuteltima questatildeo do instrumento investigativo versou sobre a consciecircncia do valor
histoacuterico e simboacutelico que tem o Dia Internacional da Mulher Neste enunciado foi deixada
uma questatildeo em aberto com espaccedilo para que osas colaboradoresas pudessem expressar
opiniotildees que ampliassem o conteuacutedo do enunciado o 13 a cuja visatildeo da mulher perpassa por
questotildees generalistas simplistas
13 O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas
comemorativas
( )sim ( ) natildeo
Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que
se faz na data ou o que se pretende fazer
13a ( ) Ressaltam-se as qualidades da mulher eacute um dia em que ela eacute intensamente
valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola
13b ( ) outros Especifique_____________________
Todas as marcaccedilotildees apontaram para a 13a ou seja dia de demonstrar homenagens
E o que se homenageia Em regra por meio da publicidade e de outras praacuteticas discursivas
112
circulam imagens que narram e constituem mulheres com identidades ldquonaturaisrdquo dotadas de
habilidades tantas expressas em forma de doaccedilatildeo de cuidados e tantas outras construccedilotildees
dignas de serem presenteadas Batons perfumes flores entre outros satildeo apetrechos que
acompanham imagens que circulam representando o 8 de marccedilo como o Dia Internacional da
Mulher A publicidade que opera com o objetivo de reafirmar valores convencimentos
haacutebitos desfocou a perspectiva de luta de memoacuteria de caminhada por direitos implementada
pelo movimento O teor eacute outro o do consumo Agraves mulheres flores em seu dia Se nos
demais os papeacuteis sexuais exalam o perfume da iniquidade de gecircnero que murchem as flores
Eacute o tempo ainda da formataccedilatildeo que murcha da presenccedila de vozes que falam de um lugar
social o do consumo guiado pelos interesses capitalistas ou o do apagamento da luta das
mulheres por sua cidadania guiado pelos interesses machistas E com esses instala-se o
comportamento de tirar o foco das bandeiras feministas que ergueram o 8 de marccedilo tiram o
foco e semeiam verdades como as de que se valoriza a mulher com perfumes dias de beleza
de spas de corpos sarados ritualizados para uma beleza homogecircnea com tempo de validade
e condiccedilotildees de uso
Nesta questatildeo nenhuma resposta ultrapassou a marcaccedilatildeo de um x nenhum
enunciado a preencher o espaccedilo vazio adentrando todosas respondentes pela perspectiva do
senso comum das comerciais e banais homenagens agraves mulheres Esta ausecircncia de percepccedilatildeo
pelo menos evidenciada pelo que natildeo foi dito que significa conforme pontua a AD por parte
dosas educadoresas para o Dia Internacional da Mulher pode estar revelando um desvalor
para as brigadas que precisam ser armadas naquela seara O 8 de marccedilo eacute data de flores natildeo
pelo que as mulheres satildeo em termos de construccedilotildees essencialistas mas pelo que lutam para
ser livres O 8 de marccedilo eacute dia de memoacuteria de luta sobretudo pelo que as mulheres ainda
precisam assegurar para que possam ter o comando de suas vidas nas matildeos dando ou natildeo
essas em pedidos de casamento Haacute desse modo mais uma maneira de homenagear as
mulheres que eacute pela saudaccedilatildeo na luta na grandeza de fazer uma nova histoacuteria que natildeo foi
dita nas respostas daquelesas respondentes E este silecircncio pode estar ressoando como um
ldquoadeus agraves armasrdquo ou melhor como um natildeo agraves armas O natildeo uso das armas por parte de
quem tem uma responsabilidade social com os marcos legislativos educacionais com a
adoccedilatildeo de praacuteticas de si que osas faccedila zelar por um ethos pela cultura da paz e pela bandeira
da inclusatildeo evidencia uma cristalizaccedilatildeo das identidades uma naturalizaccedilatildeo da construccedilatildeo da
diferenccedila um descompromisso social com a cidadania plena da mulher
Ali na escola TRAVESSIA percebi entatildeo com as leituras das anaacutelises dos
instrumentos investigativos aplicados que o processo de fortalecimento da cidadania da
113
mulher natildeo encontra a guarida nos olhos de quem trabalha com a leitura comprometendo o
ato poliacutetico de ler Natildeo eacute uma trilha faacutecil eacute bom reconhecer atravessar no cotidiano escolar
um oceano de discursos que constroem imagens da mulher que as inferioriza que tingem o
diferente com cores da negaccedilatildeo e desejar atuar para desconstruir tais imagens Os pais e matildees
aparecem para contestar mudanccedilas contestar desconstruccedilotildees de papeacuteis socialmente
instituiacutedos como naquelas cenas que vivi e narrei quando construiacute a gecircnese desta pesquisa
Mas oa educadora tem um chamado para ficar na trincheira por uma brigada que inclua que
emancipe que torne a escola reflexiva atraente a todas as pessoas independentemente de
etnia de orientaccedilatildeo sexual de condiccedilatildeo social Pelo menos esse chamado estaacute sendo
evocado segundo as regras histoacuterias de um tempo que se desenha novo com uma
programaccedilatildeo na qual os jogos de verdades possuem malhas que se abrem para sujeitos de
direitos mesmo que lentamente conquistados
35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder
Por reorganizaccedilotildees das accedilotildees em funccedilatildeo de vaacuterias suspensotildees de aulas de leitura
pelo projeto entre outras intercorrecircncias deixei a etapa de observaccedilatildeo de aulas para o reiniacutecio
das aulas do 2ordm semestre de 2014 Planejei esta accedilatildeo atentando para o papel central dosas
educadoresas na conduccedilatildeo do debate por sua posiccedilatildeo de liacuteder na interaccedilatildeo relacional e por
serem esses os sujeitos desta pesquisa E assisti agraves aulas das professoras Jacqueline e Luacutecia
cujos nomes satildeo fictiacutecios como todos os outros e que possuem respectivamente oito e vinte
anos de formadas Em ambas houve uma receptividade agradaacutevel mas irei relatar minha
experiecircncia apenas nas aulas de Jacqueline por entendecirc-las mais significativa para o estudo
Assim as considero porque esta professora instigada possivelmente pelos desafios de alguns
instantes de conversas nos quais muito ouvi fez uma tentativa improvisada de dialogar com o
tema em tela
No preluacutedio dessas aulas que se deram em 11 de julho de 2014 no turno vespertino
a professora Jacqueline que me atendeu na biblioteca da escola em um horaacuterio reservado para
isto mostrou-se soliacutecita receosa e muito determinada a demonstrar sua anguacutestia suas
inquietaccedilotildees com a escolha profissional que fez
- Escolhi ser professora desde pequena Era meu sonho Mas a realidade eacute um
pesadelo Quando chega o momento de entrar na sala de aula eu me arrependo desta
escolha Tenho uma filha de 1 ano e seis meses e peccedilo a Deus todo dia que a livre desta
profissatildeo
114
A professora conduziu-me com sua fala pela escola como quem apresenta um
depoacutesito de problemas sem lugar para sonhos para a edificaccedilatildeo da autonomia Ali era o
reduto das queixas narrado por uma voz que soacute lamenta Jacqueline debulhou uma a uma as
lamentaccedilotildees que impregnam aquele ambiente Ouvi um rosaacuterio de desespero de exaustatildeo de
descontrole de pacircnico ateacute de criacuteticas ao ECA - Estatuto da Crianccedila e do Adolescente - que
estava na iminecircncia de completar 24 anos de criaccedilatildeo e que segundo ela ateacute hoje natildeo sabe o
bem que fez a sociedade a existecircncia desse ordenamento juriacutedico As criacuteticas saiacuteram do ECA
agraves peacutessimas condiccedilotildees de trabalho agraves famiacutelias que a seu ver satildeo irresponsaacuteveis Essas
segundo a informante soacute visitam as escolas quando seus benefiacutecios sociais estatildeo ameaccedilados
sobrecarregando a instituiccedilatildeo com deveres que satildeo delas Jaqueline estava disposta a relatar
sobre o peso de ser docente Informou-me que guarda as lembranccedilas das coisas lindas sobre a
educaccedilatildeo ditas por Paulo Freire pelos[as] professores[as] da universidade mas ali dentro da
escola nada que ouviu serve aplica-se
- Somos impotentes Soacute um ou outro aluno daacute sentido ao nosso trabalho Vivemos na
sala de aula o aacutepice do desinteresse e desrespeito e isto eacute terriacutevel Tem horas que natildeo
acredito que estou vivendo isto
Ouvi aquele depoimento atenta e dolorosamente Mas inseri um toacutepico novo o
motivo da observaccedilatildeo daquela aula buscar o nexo temaacutetico das leituras feitas ali O tom da
desmotivaccedilatildeo do sentimento de impotecircncia continuou fazendo parte dos enunciados da profordf
Jaqueline
- Ler aqui eacute complicado professora Natildeo temos recursos nem interesse por parte
dos[as] alunos[as] que soacute querem bagunccedilar
- O que vocecirc preparou para a aula de hoje Indaguei-lhe Ela me disse que iria pedir
para eles escreverem sobre as feacuterias sobre a copa de 2014 Insisti sobre o que leriam disse-
me que algum texto do livro didaacutetico Perguntei-lhe se soacute liam os textos dos livros didaacuteticos
respondeu-me que quase sempre Um retorno agraves aulas sem planejamento sem a municcedilatildeo de
um texto novo produzido por fatos recentes vindo de suportes diferentes com uma
professora que iria improvisar qualquer leitura pareceu-me o retrato de um descaso
profissional bem niacutetido Sem buscar condenaccedilotildees pessoais puxo um fio do novelo da
educaccedilatildeo puacuteblica brasileira que com seus parcos investimentos faz poliacuteticas pobres para
115
pobres cerceando o direito desses agrave cidadania plena agrave emancipaccedilatildeo social Essa professora eacute
mais um elo da cadeia do descuido que envolve a escola puacuteblica brasileira
Depois de ouvi-la muito provoquei o diaacutelogo sobre a interface gecircnero e leitura
Jacqueline falou de gecircnero dos meios de comunicaccedilatildeo de massa influenciando
comportamentos sendo aliados ldquona abertura de mentesrdquo em suas palavras Mas a abertura de
mentes a seu ver resume-se agrave toleracircncia com o diferente estava sempre afirmando que
respeita ldquoas sapatonasrdquo assim se referindo agraves duas meninas que tinham um relacionamento
amoroso e que tentavam assumir isso na escola mas soacute respeitava natildeo aceitava ldquoaquilo natildeo
era normal e era constrangedorrdquo em suas palavras O pronunciamento desta professora
evidenciando uma construccedilatildeo naturalizada das identidades de gecircnero ainda foi acompanhado
por gestos de face e matildeos que transmitiam uma repugnacircncia pela orientaccedilatildeo sexual natildeo
normatizada
Naquela entrevista com as expressotildees preconceituosas de Jaqueline em nomear as
garotas homossexuais de forma pejorativa e com seus gestos de repulsa agraves manifestaccedilotildees de
afeto das garotas fui levada a compreender uma resposta massiva dada pelo questionaacuterio
quando indaguei acerca do posicionamento dosas educadoresas diante de manifestaccedilotildees de
interesse que contrariassem o normalizado Ali tanto quanto no questionaacuterio o desafio de
adotar um olhar reflexivo que problematize as construccedilotildees sociais que estereotipam
comportamentos e orientaccedilotildees sexuais ainda natildeo foi suficientemente alcanccedilado
Conversamos Toca o sinal para a entrada da aula A nossa interaccedilatildeo gerou nela algo
que teve um impulso e se dirigiu agrave prateleira de livros Chega-me com cinco volumes do guia
da Crianccedila Cidadatilde uma publicaccedilatildeo do UNICEF que eacute uma coleccedilatildeo com temas referentes agrave
cidadania O volume trazido pela professora Jaqueline eacute ldquoConvivendo com meninos e
meninasrdquo de autoria de Gwenaeumllle Boulet et al (2005) Tal documento eacute um encarte pequeno
com 54 paacuteginas cujo foco eacute o tratamento da questatildeo de gecircnero A existecircncia deste texto ali
me causou surpresa considerando que em outra etapa desta pesquisa fui informada pela
servidora que exerce a funccedilatildeo de bibliotecaacuteria ali de que nada havia naquele espaccedilo sobre esta
temaacutetica Mas Jacqueline meses depois desta informaccedilatildeo encontrou e parecia encontrar um
sentido em seu uso agora
ldquo- Jaacute que vocecirc estaacute aqui e pesquisa este tema vamos ver em que daacute hoje ler este
livro Mudei minha aula natildeo gosto de discutir estas questotildees mas agora me deu vontaderdquondash
Expressou-se assim a professora
116
Senti o risco do improviso e do artificialismo da aula que caiacutea ali de forma ex-
temporacircnea fruto de um confesso acaso Refleti ao mesmo tempo o quanto as brigadas por
uma defesa da equidade de gecircnero satildeo tambeacutem em forma de tecircnues mudanccedilas que chegam
chegam troteando Houve com minha presenccedila uma provocaccedilatildeo um encorajamento ao tema
tambeacutem jaacute por inuacutemeras vezes estimulado conforme eacute de conhecimento dosas educadoresas
da rede de ensino municipal atraveacutes de projetos acadecircmicos produzidos pela SEDEC como
os que refletem sobre a questatildeo do Bullying da violecircncia contra a mulher entre outros
A questatildeo eacute semear cuidar e perseverar Ali aos olhos de Jaqueline natildeo me parecia
haver um jardim a receber cuidados Seu semblante angustiado ao se deparar com o toque de
entrada para a sala de aula parecia o de quem natildeo levava sementes nem flores Havia um
solo jaacute pronunciado como aacuterido como infeacutertil nas palavras de uma professora que me disse
rezar protegendo sua filha do mal de ser educadora A turma era a do 6ordm ano A com alunosas
de faixa etaacuteria entre 12-13 anos Estavam presentes 18 alunosas naquela sala que receberam
cinco exemplares para serem lidos o que torna considero uma leitura dificultosa
inadequada A professora sem explicar bem a divisatildeo do material propocircs um ciacuterculo A
acuacutestica da sala era comprometida com ventiladores barulhentos e adolescentes inquietosas
Depois de um tempo ela conseguiu iniciar o trabalho e pediu a leitura do livro Joatildeo este eacute
um nome fictiacutecio tanto quanto os dos demais alunosas aqui referidosas a partir de entatildeo
afirma que natildeo quer ler ainda justificando sua negaccedilatildeo
- Natildeo jaacute sei ler pra que ficar lendo
A mestra pacientemente responde
- Joatildeo todo dia se aprende algo novo com a leitura
Atualizei ali o olhar para a 2ordf ediccedilatildeo da Pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO
PROacute-LIVRO 2008) quando essa pontua sobre quatildeo pode natildeo ser gecircnero de primeira
necessidade a leitura para crianccedilas que natildeo veem pais lendo que natildeo encontram ambiente
propiacutecio para o ato de ler A baixa escolaridade das famiacutelias daquelesas alunosas certamente
propicia pouca frequecircncia da leitura em suas casas o que compromete o estiacutemulo familiar agrave
leitura Para aquele aluno o ato de ler eacute mero instrumento decodificador que como ele jaacute
domina a sua teacutecnica despreza as outras funccedilotildees da leitura A professora deu atenccedilatildeo a Joatildeo
dando-lhe uma resposta concisa sobre o valor dessa praacutetica Mas senti falta de mais Senti
117
falta de uma defesa da leitura que mobilizasse a turma Seria um momento propiacutecio para a
educadora inquirir questotildees acerca do prazer (ou desprazer) de ler
Como quem tem pressa como quem natildeo tem espaccedilo para mergulhar aquela
educadora volta a conduzir a aula Pediu aosagraves alunosas para lerem trechos em voz alta
indagou algo e nem esperou o resultado da resposta jaacute retomou ao texto Minha presenccedila
pode ter lanccedilado sobre ela ansiedade desejo de mostrar que tinha o controle disciplinar do
evento E talvez para ela a permissatildeo e o estiacutemulo agrave palavra gerasse debate e esse o
tumulto as conversas paralelas Mas em determinados momentos a explosatildeo de inquietude
dosas alunosas fragilizava seu jaacute tecircnue controle Olhei a professora contendo ira
envergonhada cheia de medo de explodir com aquelesas alunosas acuada segundo suas
proacuteprias palavras pelo ECA Esse ordenamento diferentemente de ser visto como um
instrumento juriacutedico avanccedilado na garantia de direitos era considerado como o responsaacutevel
por aquele espiacuterito de rebeldia nas vidas das crianccedilas e dosas adolescentes Jacqueline natildeo se
conteve e veio ateacute perto de mim desabafando
- Depois do ECA somos barrados [a] de termos autoridade com eles[as] E natildeo tem
estatuto de professor[a] nada nos protege
Acuada assim ela disse se sentir E sem perceber que lhe faltava autoridade natildeo pela
existecircncia do ECA mas pelo desgoverno de uma educaccedilatildeo puacuteblica precaacuteria engrossou o coro
de vozes que ressoaram dosas seusas colegas Vozes essas por mim anteriormente colhidas
naquela tarde nos momentos que permaneci na sala dosas professoresas ouvindo-osas
Acuada e sem sentir prazer pelo que faz Observando Jacqueline lendo usando toda sua
potencialidade vocal repetindo frases pedindo silecircncio estabeleci um elo com uma resposta
no instrumento investigativo aplicado em outubro de 2013 o questionaacuterio Um dado ali
pontuado por vaacuterios colaboradoresas indicando a ausecircncia de marcaccedilatildeo da leitura como
atividade de prazer (vide primeira questatildeo do instrumento) torna-se tatildeo palpaacutevel naquela sala
Como afirmar prazer na praacutetica leitora quando a voz doa mestrea se esvai em meio agrave gritaria
correria e desinteresse Muito hostil ler assim ela me diz
- Tem professor que ainda mente que eacute hipoacutecrita que diz que isso eacute bom Que faz
seus[as] alunos[as] lerem Esses[as] meninos[as] tornam o ato de ler um desprazer Preparo
tudo com carinho quando chega aqui tomo raiva de mim mesma por ainda insistir
Acompanhar Jacqueline naquela tarde em suas aulas foi passear por falas nas quais o
lugar da leitura na escola era o da farsa do engodo De modo exaustivo ela fala de exaustatildeo
118
de desesperanccedila e de tristeza porque disse acreditar que ali estava ldquoa chave das mudanccedilas que
precisam ser feitasrdquo nas suas palavras E sua discursividade era a da desesperanccedila se haacute a
chave nem haacute a porta na dialogia com Drummond em Joseacute (1983) A leitura era difiacutecil
naquela escola Mesmo assim a mestra comeccedila a trazer problematizaccedilotildees acerca das questotildees
de gecircnero Pede uma opiniatildeo agrave turma sobre um trecho do guia que aborda diferenccedilas entre
meninos e meninas ldquoNoacutes meninas somos sensiacuteveis fraacutegeis E os meninos satildeo uns brutos
[]rdquo(BOULET 2005 p 11) expressando com gritos
- Menina eacute diferente de menino Em quecirc Leiam isso na paacutegina 11 Vocecircs
concordam
As respostas saiacuteram em forma de gritos
- Satildeo umas taradas as meninas
- Aqui tem menina que natildeo aguenta nem o vento deste ventilador toda fraquinha
- Eacute sim satildeo fracas Satildeo iguais a Neymar caem por tudo
- Satildeo umas chatas umas metidas umas piriguetes
Poucos disseram que natildeo nenhum olhar de respeito agraves meninas que responderam
com vaias Imaginei que ela iria procurar problematizar esses enunciados Mas trouxe outro
toacutepico colhido rapidamente do guia que faz uma abordagem pontual das questotildees de gecircnero
entabulando esta outra questatildeo
- Algueacutem aqui aceitaria ser amigo[a] de um gay
Impressionou-me o tom de desatenccedilatildeo agrave problemaacutetica de gecircnero por Jaqueline O que
foi dito por ela ao indagar sobre se algueacutem seria amigo de um gay carrega muito de seu
preconceito Ela sedimentou um olhar que constitui o outro o segregacionado o diferente e
inferiorizado Por que algueacutem teria que aceitar ser amigoa de um gay A relaccedilatildeo natildeo seria a
de se aceitaria ou natildeo a amizade de pessoas E ali o que eacute dito por ela sobre as relaccedilotildees de
gecircnero alicerccedilam estereoacutetipos datildeo invisibilidade ao fenocircmeno da violecircncia aos processos de
construccedilatildeo do diferente (SILVA 2012) Uma praacutetica discursiva que se potildee na contramatildeo dos
interesses de uma escola para todas as pessoas como advogam os DH ali percebi
A professora ouviu da turma um sonoro natildeo E sem atentar possivelmente para o
quanto seu olhar nega uma brigada vigilante anti-sexista anti-homofoacutebica e de respeito aos
direitos das crianccedilas e adolescentes proposta por organismos mundiais e nacionais amparada
119
por marcos legais protetivos natildeo atentou para a sonoridade negativa da turma para um mundo
inclusivo Mas retrucou
- Quer dizer que vocecircs deixariam ele [sic] no isolamento
Um menino de nome Pedro disse que sim que merece sofrer ficar isolado quem
desobedece ao que Deus criou
-E Deus criou homem e mulher professora - Reforccedilou o garoto
Ela respondeu que sim Assumiu uma postura criacionista essencialista Muito
embora tenha salientado que mesmo sendo um desvio uma afronta ao que Deus determinou
essas pessoas merecem ser respeitadas Jeacutessica uma menina muito inquieta considerada
conforme Jacqueline ldquopior do que os meninosrdquo em termos de inquietaccedilatildeo agressivamente
respondeu
- Respeitar boiola professora Respeito natildeo
Jaqueline natildeo retrucou Aquela aluna me parecia sem eco Todas as falas em sua
direccedilatildeo eram no sentido de fazecirc-la ficar quieta A menina demonstrava uma agressividade
para com todosas colegas indiferenccedila agrave aula e desrespeito agrave professora
- Vocecirc eacute louca eacute Respeitar boiola ndash Dirigiu-se agrave Jacqueline respondendo-lhe pela
defesa que a professora fez do dever de todosas ao respeito aos considerados desviantes
Sem economias essa aluna iniciou um turno de xingamentos de imitaccedilotildees grotescas
de como os gays falam andam e gesticulam levando a turma a rir e constrangendo a
professora Desistindo de enfrentaacute-la natildeo sei se por medo de criar mais confronto com a aluna
ou se por consentir manifestaccedilotildees de escaacuternio e homofoacutebicas Jacqueline natildeo exortou a aluna
redirecionou a aula solicitando a volta ao texto E indicando desconhecer por completo o guia
sai procurando o que ler salteando paacuteginas em busca do que explorar Premida pelo tempo
pelo barulho da sala acha trechos aleatoriamente e os ler pede opiniatildeo do grupo e sem
conseguir instigar o interesse da turma que se lanccedila em brincadeiras culpa a todosas pela
eterna balbuacuterdia e descompromisso com o ato de debater
120
Por muitos momentos observei a agitaccedilatildeo da professora diante do texto e da turma
Seu ambiente de trabalho se traduzia como uma violecircncia ao ato de ler a balbuacuterdia dosas
alunosas inviabilizava a mais elementar concentraccedilatildeo que a leitura requer para que haja a
fluecircncia das ideias a capacidade de retecirc-las de trocaacute-las Em polvorosa a turma ao tempo
que respondia a algo pontuado pelo texto desligava-se dele completamente mergulhando em
outros mundos outros textos tatildeo diacutespares ao proposto Parecia natildeo haver naquele espaccedilo por
alguns instantes a presenccedila de um texto em matildeos a presenccedila de uma mestra E ela competia
com a desordem agitando-se gritando muito
Em contraste com aquele cenaacuterio de mestra sem maestria sem calmaria sem rumo
resgatei uma imagem beliacutessima trazida por Larrosa (2004) com a sua leitura do jaacute referido
poema O Leitor de Rilke A construccedilatildeo poeacutetica desse autor debulha jaacute em seus versos
iniciais a imagem de um ser tomado possuiacutedo arrebatado pelo ato de ler ldquoQuem o conhece
a este que jaacute baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo ser a quem apenas o veloz passar
das paacuteginas plenas agraves vezes interrompe com violecircnciardquo O enfrentamento da obra que se daacute
com o rosto abaixado eacute a garantia da transformaccedilatildeo A obra quer quietude o autor diz que
ldquoapenas o veloz passar das paacuteginasrdquo traz a inquietaccedilatildeo Oa leitora poeticamente possui as
marcas da quietude da liquidez da transformaccedilatildeo nas palavras de Larrosa
O texto esse segundo ser no qual o leitor submerge estaacute empapado da sombra do
leitor A palavra alematilde eacute Getrankts e poderia ser traduzida por embriagada ou
porembebido[] O texto entatildeo tambeacutem perdeu sua estabilidade sua solidez e seu
controle sobre si mesmo ao estar impregnado dessa sombra liacutequida e embriagadora
que o leitor [a] derramou sobre ele A sombra do leitor [a] tem algo da fluidez dos
liacutequidos O texto por sua parte eacute permeaacutevel a esses liacutequidos uma vez que se deixa
empapar e embriagar por eles Ambos satildeo liacutequidos e podem misturar-se entre si E o
texto uma vez liquefeito embriagado e desmaternado agora pode ser o elemento
em que o leitor pode submergir para emergir transformado o elemento liacutequido da
metamorfose (LARROSA 2004 p 108)
A experiecircncia da leitura na poesia de Rilke e na interpretaccedilatildeo que Larrosa (2004)
empresta a esta obra eacute a experiecircncia da conversatildeo essa aqui natildeo eacute vista como aspiraccedilatildeo ao
divino mas agrave substancialidade de si da plenitude da saiacuteda do ordinaacuterio da
despersonalizaccedilatildeo ldquoQuem o conhecerdquo Haacute por conseguinte observando a aula de leitura
ministrada por Jaqueline uma distacircncia astronocircmica entre o leitor da poesia rilkeana e osas
leitoresas daquela sala de aula Satildeo contextos histoacutericos distintos com diferentes grupos
sociais que resultam em entregas e natildeo entregas agrave leitura Parece que a sala de aula inquieta e
desgovernada programada pelo poder-escola mesmo que anuncie a importacircncia da entrega
para a leitura natildeo propicia as condiccedilotildees para isto Haacute um controle por parte desse poder que
121
cria regras nas quais se gera o impedimento para que a relaccedilatildeo complexa de abandonar-se pela
interpretaccedilatildeo de obras de textos de discursos para inquietar mundos prontos seja efetivada
Ler entatildeo na escola puacuteblica em tela e em tantas outras construiacutedas com a mesma
mesquinharia na faceta Paulo Honorina de nossos gestores puacuteblicos no trato com a educaccedilatildeo
eacute estar sob a tutela de uma atividade que controla e disciplina o natildeo ler
E o ler na sala de Jaqueline dizia do natildeo ler Assim entendi tambeacutem quando
observei a cena em que trecircs alunos que sentavam juntos folheavam o guia passando as
paacuteginas sem deleite algum mesmo este contendo bastante ilustraccedilotildees Um deles disse agrave
professora que ler aquilo ldquoera um sacordquo Ela foi raacutepida em me justificar a opiniatildeo do garoto
- Aqueles satildeo influenciados pela religiatildeo natildeo gostam de nada natildeo aceitam os
homossexuais nem que a mulher se iguale ao homem Satildeo do contra
Jaqueline demonstrou entatildeo entender pouco o que disse o aluno E dividida entre
alunosas que representavam o fundamentalismo religioso e expressavam rigidez de papeacuteis
acerca de identidades de gecircnero entre outrosas que expressavam um olhar assimeacutetrico para
as relaccedilotildees de gecircnero levadosas pelo senso comum e ainda por voz solitaacuteria que afirmou
defender a liberdade de cada um de ser quem quer como a de Viacutetor um paulistano receacutem-
chegado agrave Paraiacuteba Jacqueline posicionou-se E o fez premida pelo discurso da toleracircncia ao
diferente Uma ressonacircncia assumida por ela das suas interaccedilotildees com discursos de
formadores nos eventos de formaccedilatildeo continuada dos quais participa na Rede Municipal de
Ensino Diversas formaccedilotildees discursivas circundavam naquele espaccedilo impingindo a marca de
quatildeo heterogecircneas e fragmentadas satildeo as identidades sociais construiacutedas em praacuteticas
discursivas regradas historicamente Enxergaacute-las e tecirc-las como processos de construccedilotildees nos
quais somos premidos eacute em tese pensar fora do autoritarismo O ato de ler pode estar a serviccedilo
de exercitarmos o pensamento nesta perspectiva o que poderaacute promover o encontro com o
outro com disposiccedilatildeo para o diaacutelogo Mas este ato natildeo pode fugir de sua instacircncia poliacutetica
natildeo pode se dar sem angariar as formaccedilotildees discursivas que determinam verdades apagando e
dando sentidos conforme pontua Foucault [] ldquovivemos em uma sociedade que produz e faz
circular discursos que funcionam como verdade que passam por tal e que deteacutem por este
motivo poderes especiacuteficosrdquo (FOUCAULT 2012 p 231) Esta eacute tarefa para os que brigam os
que vivem em permanente posiccedilatildeo de lutadores
Natildeo sei se instigada pelo nosso diaacutelogo antes da aula a professora trouxe a tocircnica da
violecircncia contra a mulher perguntando se algueacutem ali achava certo um homem agredir uma
122
mulher A pergunta me pareceu ingecircnua simplista que expressa possivelmente a
desorganizaccedilatildeo de Jaqueline por improvisar uma aula em um tema que natildeo parece lhe
fascinar As respostas vieram de forma apressadas e uniacutessonas por um natildeo agrave agressatildeo agrave
mulher Ela elogiou o grupo propagando uma cultura de paz reforccedilando que ningueacutem deve
bater em ningueacutemrdquo Chamou-me atenccedilatildeo a voz fraacutegil de uma menina que trouxe o
ordenamento juriacutedico como justificativa para o impedimento agrave violecircncia contra a mulher
- Natildeo pode professora por causa da Maria da Penha
Jacqueline demonstrou gostar desta resposta da garota e falou rapidamente da Lei
1134006 pontuando para a turma ldquoeacute a Maria da Penha que bota os homens que batem em
mulher na cadeiardquo Chamou-me atenccedilatildeo ainda o fato natildeo visto pela professora de que a aluna
natildeo encontrou um oacutebice para a violecircncia contra a mulher na dignidade humana dessa no seu
direito a uma vida sem agressotildees e sim em uma lei Mas a demonstraccedilatildeo de conhecimento do
ordenamento juriacutedico pela menina deixou a professora satisfeita Uma outra aluna indagou-
lhe
- Quem foi professora Maria da Penha
A docente Jaqueline natildeo soube dizer exatamente soacute respondeu que Maria da Penha eacute
uma mulher que sofreu violecircncia domeacutestica Perdeu a oportunidade de narrar uma histoacuteria
exemplar de luta contra a impunidade a este mal que grassa em tantos lares ao tempo em que
evidenciou um comprometimento em sua formaccedilatildeo intelectual Seu desconhecimento
considerando a relevacircncia que a farmacecircutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes
possui como siacutembolo de luta para o enfrentamento da violecircncia contra a mulher demonstrou
fragilidade de formaccedilatildeo profissional Maria da Penha vitimada pela violecircncia com duas
tentativas de assassinato por Marco Antonio Heredia Viveros agrave eacutepoca seu marido lutou
bravamente contra a impunidade a esse crime Por sua obstinaccedilatildeo durante longos anos travou
uma longa batalha no poder Judiciaacuterio e evitou a impunidade de Marco conseguindo levar
sua denuacutencia agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organizaccedilatildeo dos
Estados Americanos) que determinou medidas do Estado brasileiro pela puniccedilatildeo ao ex-
marido e reparaccedilatildeo agrave viacutetima A visibilidade da violecircncia contra a mulher ganhou em Maria da
Penha um baluarte que a fez homenageada com o nome da Lei 1134006 Suas apariccedilotildees na
123
miacutedia em especial nas comemoraccedilotildees alusivas ao Dia Internacional da Mulher deveriam ser
outro fator que favorecesse o conhecimento da cearense pela professora Jaqueline
O tema da violecircncia contra a mulher instigou a turma a falar e muitosas alunosas
disseram conhecer mulheres viacutetimas de violecircncia ningueacutem disse que isto fazia parte da
realidade familiar mas da de uma vizinha de uma conhecida Jacqueline natildeo aproveitou a
discussatildeo para trazer reflexotildees sobre as causas desse fenocircmeno dar visibilidade agrave questatildeo
cultural que sustenta a assimetria entre homens e mulheres e discorrer sobre a importacircncia da
lei E mesmo diante de enunciados de meninos dizendo que deveria existir a lei para os
homens tambeacutem o que implica uma incoerecircncia a professora se esquivou de aprofundar o
debate Um debate que seria oportuno considerando que a violecircncia contra homens eacute um
fenocircmeno cultural de baixiacutessima incidecircncia o que em tese natildeo justifica a existecircncia de uma
lei para a proteccedilatildeo dos homens
A aula natildeo havia acabado ainda mas o focirclego da professora sim Como quem paga
alta penitecircncia olhou muito para o reloacutegio enfim sentou-se exaurida ao meu lado e
timidamente me pediu uma opiniatildeo sobre seu desempenho pedagoacutegico Tive zelo para natildeo
parecer dona da verdade e pontuei algo para ela Iniciando pela criacutetica ao improviso Abordei
tambeacutem com a educadora o quanto o lidar com texto em sala de aula em uma perspectiva
discursiva permite a quebra da ilusatildeo de que haacute uma leitura boa e certa para um texto na qual
o professor seria o inteacuterprete legiacutetimo E que a postura dela de natildeo ouvir as respostas dosas
alunosas em alguns momentos evidenciava talvez para ela a crenccedila de que as respostas da
turma estariam fora do campo do verdadeiro Falei tambeacutem do desejo de ver a temaacutetica ser
vivenciada com esmero por respeito ao princiacutepio da dignidade humana de todas as pessoas e
por considerar que para que se engendrem reflexotildees plurais e que se olhem mais
apuradamente as assimetrias de gecircnero desmantelando-nas as construccedilotildees discursivas
precisam fazer parte de um ethos Precisam fazer parte de uma brigada pela defesa de uma
escola inclusiva para todosas e isto natildeo nasce aleatoriamente nem sem suor Novos sujeitos
precisam nascer ou no dizer foucaultiano (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c 2012) novos
modos de subjetivaccedilatildeo Jaqueline ponderou que estava disposta a aprender mas de algumas
coisas natildeo abriria matildeo O que ela e tantosas natildeo abrem matildeo poderaacute continuar impedindo a
responsabilidade da escola em construir caminhos para novos sujeitos com a eliminaccedilatildeo de
praacuteticas discriminatoacuterias sexistas homofoacutebicas
A aula acabou e eu tomei emprestado o material usado em sala para analisaacute-lo
conforme tracei em um dos objetivos deste trabalho E muito embora este natildeo seja um
material programado para fazer parte de suas aulas como jaacute pontuei aqui por sua escolha ter
124
sido notoriamente casual aleatoacuteria foi ele o subsiacutedio do evento e eacute um dos textos presentes
na escola que poderaacute ser lido outras vezes Voltei agrave biblioteca e perguntei agrave Denise a
responsaacutevel por aquele espaccedilo que foi uma das participantes da pesquisa se aquele texto o
ldquoGuia da Crianccedila Cidadatilde ndash Convivendo com meninas e meninosrdquo (BOULET 2005) jaacute fazia
parte do acervo bibliotecaacuterio quando de minhas visitaccedilotildees na outra etapa desta pesquisa Ela
me informou que natildeo aqueles volumes tinham sido uma aquisiccedilatildeo no final do ano realizada
pela coordenadora do projeto de leitura
O material usado um guia eacute um gecircnero textual que tem como caracteriacutestica pontuar
concisamente informaccedilotildees para nortear leitoresas acerca de algo E com esse natildeo foi
diferente o material utilizado naquela aula eacute um texto com muita ilustraccedilatildeo em uma
linguagem acessiacutevel e com historinhas apresentadas em trecircs capiacutetulos As narrativas abordam
relacionamentos entre meninos e meninas problematizando a construccedilatildeo das diferenccedilas
atraveacutes de toacutepicos como o interesse dos meninos por baleacute a ocupaccedilatildeo das mulheres no
mercado de trabalho as meninas poderem tomar agrave frente nas manifestaccedilotildees de afeto entre
outros papeacuteis sociais questionados Satildeo toacutepicos interessantes que se organizados
reflexivamente poderiam render uma aula mais significativa
O guia todavia eacute uma produccedilatildeo do UNICEF jaacute com uma certa defasagem em
relaccedilatildeo aos avanccedilos conquistados pelas mulheres no tocante agraves garantias juriacutedicas como as
Leis 1203409 (BRASIL 2009) que prevecirc a obrigatoriedade do preenchimento de vagas por
mulheres em cada partido e a Maria da Penha que combate agrave violecircncia contra a mulher
Outros avanccedilos angariados pelo coletivo feminista natildeo poderiam tambeacutem estar contemplados
ali no que diz respeito agraves mobilizaccedilotildees sociais como as construccedilotildees das conferecircncias entre
outros Assim eacute uma leitura que mobiliza o interesse pelo combate agrave violecircncia de gecircnero tem
seu valor mas precisaria estar melhor articulada e atualizada Esse eacute um trabalho doa
fazedora da educaccedilatildeo que deve entrar em sala carregando leituras catadas angariadas
escolhidas criteriosamente o que natildeo foi o caso da aula em tela na qual a mestra pareceu
carregar um guia sem ser guiada por ele
125
4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA VIA DA
LEITURA
Apoacutes discorrer acerca do trajeto desta pesquisa objetivando costurar os fios traccedilados
ao longo de sua constituiccedilatildeo cabe-me tomar a direccedilatildeo de apresentar nesta parte do estudo
uma proposta de sistematizaccedilatildeo de estrateacutegias que poderatildeo ser adotadas pelo projeto de leitura
da escola TRAVESSIA Isso se deve porque este mestrado que possui uma diretriz
profissional estaacute sendo desenvolvido de modo a permitir uma accedilatildeo interventiva na praacutetica
docente de seus cursistas o que se traduz como compromisso e luta com o fazer pedagoacutegico
aos quais bendigo
E com base no que angariei em termos de anaacutelises das discursividades de
educadoresas como mediadores(as) de leituras cabe-me propor a inserccedilatildeo do debate sobre as
relaccedilotildees de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA Faccedilo assim por conceber que
a leitura ali vivenciada percebida em diversos momentos desta pesquisa natildeo demonstrou
contemplar a temaacutetica da equidade de gecircnero E a ausecircncia desta contemplaccedilatildeo eacute considero
um oacutebice para a formaccedilatildeo de cidadatildeosatildes reflexivosas que eacute um dos objetivos propostos no
documento do referido projeto de leitura da escola
Desse modo e em respeito agrave pauta reivindicatoacuteria dos DH das mulheres da populaccedilatildeo
LGBT e de toda uma legislaccedilatildeo educacional que trata da inclusatildeo como um direito de todas as
pessoas agrave dignidade humana proponho que haja o empenho pela implementaccedilatildeo do debate da
equidade de gecircnero na escola TRAVESSIA por via da leitura Sendo concebida esta via
como uma praacutetica social que pode contribuir significativamente com as mudanccedilas sociais e
culturais que precisam ser construiacutedas (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008) eacute preciso
que nela seja investido um olhar mais reflexivo Para isto eacute crucial que a escola repense o
lugar da leitura centralizando-a norteando esta praacutetica por reflexotildees e estudos frequentes
entre osas professoresas envolvidosas com o projeto CestaSexta literaacuteria Tais reflexotildees e
estudos devem estar subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e
propotildeem como leitura no projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam
estereoacutetipos para os modos como se alicerccedilam verdades Tais reflexotildees e estudos devem estar
subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e propotildeem como leitura no
projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam estereoacutetipos para os modos como
se alicerccedilam verdades A vigilacircncia sobre os modos de conceber a leitura tem razatildeo de ser
quando se considera o que a AD atraveacutes de Possenti (2009) postula em si natildeo eacute a leitura um
bem E como tal natildeo deve ser sacralizada natildeo pode tambeacutem ser mateacuteria de improviso de
mero cumprimento de tarefa sem planejamento criterioso e sabor
126
A formaccedilatildeo de leitoresas pressupotildee estudo pressupotildee concernir com o que se
acolhe Heidegger (apud LARROSA 2004 p 110) investe na importacircncia do ato de ler
debruccedilando-se na etimologia do termo
A etimologia de ler como recorda Heidegger remete a recolher a colher a
colecionar a coletar Leitura lectio liccedilatildeo e tambeacutem e-leiccedilatildeo se-leccedilatildeo co-leccedilatildeo co-
lheita Heidegger mostra como o legein grego relaciona-se com o leger latino e com
o alematildeo lesen em seu sentido primitivo de um ldquopocircr abaixo e pocircr diante de que se
reuacutene a si mesmo e recolhe outras coisasrdquo Esse pocircr eacute um juntar e um com-pocircr []
E aleacutem disso como indica o alematildeo lesen um coletar ou um re-coletar um co-lher
ou um re-colher a colheita de espigas (Ahren-lese) recolhe o fruto do solo A
vindima (Trauben-lese) colhe as bagas da videira Por isso o juntar e pocircr diante natildeo
eacute um juntar qualquer coisa de qualquer maneira natildeo eacute um mero amontoar mas
implica uma busca e uma escolha previamente determinada por um colocar dentre
por um colocar sob um teto por um preservar ou abrigar (HEIDEGGER apud
LARROSA 2004 p 110)
Haacute uma ideia de abrigamento de incorporaccedilatildeo com a definiccedilatildeo do termo que sugere
alimento a leitura como o patildeo diaacuterio que nutre defendida por Antunes (2009) E eacute com essa
ideia que advogo quatildeo a formaccedilatildeo de leitoresas eacute tarefa de extrema responsabilidade
pressupotildee condiccedilotildees adequadas de produccedilatildeo do ato de ler que envolve a disponibilidade do
acervo do espaccedilo adequado bem como as condiccedilotildees intersubjetivas como o desejo o
conhecimento o prazer por parte de quem propotildee a leitura A formaccedilatildeo de leitoresas eacute ato
seacuterio ultrapassa formar para a mera classificaccedilatildeo para o mero valorar de coisas eacute no dizer
de Larrosa (2004) ato que possibilita deixar aparecer o existente em sua plenitude atraveacutes da
experiecircncia do lanccedilar-se
E qual se lanccedilar haacute na leitura proposta pela profordf Jaqueline com poucos livros em
muitas matildeos desprotegida pelo Estado com um fastio intelectual leitor por um tema que
aparece nas formaccedilotildees continuadas segundo me informou mas desaparece na sua praacutetica
discursiva Haacute um lanccedilar-se Haacute eacute um hiato entre os sujeitos que escutam mudanccedilas
anunciadas nas formaccedilotildees entre os sujeitos que leem e natildeo assimilam essas leituras O
percurso formativo dessa profissional como dos outros sujeitos desta pesquisa eacute o de um
sujeito refrataacuterio agraves mudanccedilas propostas nas tecnologias enunciativas nas praacuteticas leitoras que
instiguem reflexotildees sobre a constituiccedilatildeo de identidades Nesse sentido recorro a Noacutevoa
A formaccedilatildeo eacute algo que pertence ao proacuteprio sujeito e se inscreve num processo de ser
(nossas vidas e experiecircncias nosso passado etc) e num processo de ir sendo (nossos
projetos nossa ideia de futura [] Eacute uma conquista feita com muitas ajudas dos
mestres dos livros das aulas dos computadores Mas depende sempre de um
trabalho pessoal Ningueacutem forma ningueacutem Cada um forma-se sozinho (NOacuteVOA
2001 p 15)
127
No trabalho de formaccedilatildeo interior levantado por Noacutevoa que eacute de extrema
importacircncia estatildeo as lembranccedilas foucaultianas das praacuteticas de si (FOUCAULT 2004a
2004b 2004c) as que fazem os sujeitos acordarem para seus desejos atentarem para relaccedilotildees
consigo com seus cuidados mas que permitem o olhar em torno o olhar para as construccedilotildees
sociais de si e do outroa Daiacute poderaacute vir a condiccedilatildeo de ser leitora de ser lanccediladora
Cuidando de si mas amparadoa pelo Estado satildeo por praacuteticas de libertaccedilatildeo e de liberdade que
osas intelectuais e professoresas poderatildeo ter a vitalidade necessaacuteria para formar e ser
leitora E aqui de novo a Literatura de Graciliano Ramos me acolhe com Madalena lutando
chorosamente contra o opressor Paulo Honoacuterio e sendo vencida Acode-me para que eu possa
propagar solitariamente natildeo haacute saiacuteda Agreste eacute a alma de Paulo Honoacuterio
Conheci que Madalena era boa em demasia mas natildeo conheci tudo de uma vez Ela
se revelou pouco a pouco e nunca se revelou inteiramente A culpa foi minha ou
antes a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste (RAMOS 1978
p 92)
Como agreste eacute o coraccedilatildeo de uma sala de aula sem livros sem sonhadoresas sem
leitoresas Fiz esse rodeio por outras paragens para reafirmar que as estrateacutegias para se
formar leitoresas satildeo meticulosas exigem accedilotildees inventivas que mobilizem a ultrapassagem
aos muros da escola fazendo a chamada ao Poder Puacuteblico Mas para isso eacute preciso professora
que escolha natildeo chorar como o fez Madalena Ao agente de letramento resta-lhe organizar-se
politicamente e especialmente se enxerga na leitura um cunho libertaacuterio como me afirmou
Jaqueline minutos antes de entrar na sala de aula e afirmam tantosas outrosas
educadoresas resta-lhe lanccedilar matildeo de artefatos culturais que fomentem reflexotildees
propositoras da construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo de empoderamento social de
grupos minoritaacuterios entre outras formas de experimentar vivecircncias
Eacute uma luta por espaccedilo formar leitora E como luta natildeo se daacute sem investimento sem
desarticulaccedilotildees e articulaccedilotildees de olhares Natildeo se daacute sem mobilizaccedilotildees internas e externas ao
acircmbito da esfera escolar por isso que aqui me cabe atravessar o olhar indo da escola agrave
SEDEC e inquirir desse oacutergatildeo sobre suas responsabilidades poliacutetico-administrativas A
educaccedilatildeo do municiacutepio precisa repensar uma forma de estar gestando maior compromisso e
seriedade com as suas poliacuteticas educacionais no que se refere agrave responsabilidade de formar
leitoresas A produccedilatildeo de projetos de leitura natildeo pode ser tarefa de cunho meramente
administrativo sem o acompanhamento devido pelo pedagoacutegico Uma professora
readaptadoa portanto soacute deve propor e coordenar projeto de leitura se houver nelea as
128
favoraacuteveis condiccedilotildees para isso biblioteca escolar natildeo pode ser lugar para assegurar a
manutenccedilatildeo de gratificaccedilatildeo docente natildeo pode ser espaccedilo onde apenas se emprestam livros
sem a preocupaccedilatildeo com um trabalho profiacutecuo para o estiacutemulo agrave leitura Haacute o Plano Nacional
de Livro e Leitura ndash PNLL que reivindica a esse espaccedilo o seu lugar de dinacircmico polo difusor
de informaccedilatildeo e cultura para isso o profissional que fica agrave frente desse oacutergatildeo precisa avanccedilar
em conquistas por mais habilidade A responsabilidade da SEDEC com osas readaptadosas
natildeo pode se restringir agrave exigecircncia com a confecccedilatildeo de um projeto de leitura no papel mas em
formaacute-losas para que exerccedilam com maestria a funccedilatildeo de agente de letramentos
Pensar entatildeo e ainda em um aperfeiccediloamento com o trabalho de leitura na escola
TRAVESSIA eacute tambeacutem sair dos muros daquele espaccedilo e provocar os gabinetes e o interesse
do Poder Puacuteblico da Rede de Educaccedilatildeo Municipal de Joatildeo Pessoa para o implemento de
melhorias na formaccedilatildeo continuada por ela oferecida Como propositora das formaccedilotildees
continuadas a SEDEC deve se questionar sobre a qualidade dessas avaliando seus impactos
nas praacuteticas docentes As formaccedilotildees continuadas natildeo podem ser inoacutecuas incapazes de fazer
com que seusuas educadoresas impactem suas praacuteticas educativas com o que lhes satildeo
ministradosas nos eventos de formaccedilatildeo Para isto essas praacuteticas precisam estar municiadas de
reflexotildees permanentes acerca de seus jogos de verdades de suas operacionalidades do seu
formato das accedilotildees conectadas com a realidade da sala de aula acerca enfim dos seus efeitos
sobre as praacuteticas discursivas dos seus docentes
Dentre as preocupaccedilotildees que a escola TRAVESSIA deve ter para que possa
aperfeiccediloar seu trabalho com a leitura pode estar tambeacutem a de proporcionar o envolvimento
da participaccedilatildeo familiar nas praacuteticas leitoras A matildee jaacute foi aqui pontuado pelas anaacutelises dos
resultados da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2011) tem papel
inquestionaacutevel na influecircncia da formaccedilatildeo leitora A famiacutelia a despeito das dificuldades de
ajuste com tempo precisa ser estimulada a se envolver com as temaacuteticas e accedilotildees leitoras
desenvolvidas pela escola natildeo soacute atraveacutes das tarefas domeacutesticas dosas filhosas mas vindo agrave
escola para ler produzir textos para elesas participar dos eventos leitores Haacute matildees pais
avocircoacutes tiosas e irmatildeosas talentosos nos lares que podem contribuir com o trabalho de
leitura nas escolas atuando como contadoresas de histoacuterias como atoresatrizes em peccedilas
teatrais entre outras atividades
Reconheccedilo satildeo deveras hercuacuteleas as responsabilidades que o poder puacuteblico precisa
implementar para assegurar as mudanccedilas que a sociedade brasileira tem como direito em
termos de educaccedilatildeo de qualidade Satildeo inuacutemeras e histoacutericas as queixas de educandosas e
educadoresas sobre o ensino que o Estado brasileiro oferta agrave populaccedilatildeo e no que diz respeito
129
agrave praacutetica leitora pela escola elencam com frequecircncia como pontos negativos textos impostos
pouco acervo condiccedilotildees inadequadas de espaccedilo leitura para cumprir obrigaccedilatildeo A escola
precisa olhar com respeito tais queixas crocircnicas de seusuas educadoresas enxergar suas
vozes dispostas a aprender a aprender e aceitar o desafio de ser inventiva para resistir ao
poder como Foucault (2012) ressalta E em se tratando de poder institucional como tem sido
avassalador o poder puacuteblico do descaso com a educaccedilatildeo brasileira Tatildeo devastador a ponto de
fazer com que pensar em propor estrateacutegias interventivas em uma de suas instacircncias de
trabalho seja tatildeo sedutor quanto frustrante para mim e para educadoresas das escolas
puacuteblicas do Paiacutes Como ser inventivo diante dos limites estruturais que se apresentam face agraves
tentativas de desenvolvimento de um bom trabalho A realidade das salas superlotadas e dos
parcos recursos em termos de filmes de acervos literaacuterios musicais e demais artefatos
culturais aqui jaacute referendados comprometem a qualidade de um trabalho com a leitura
expondo o quanto o direito agrave educaccedilatildeo de qualidade estaacute sendo violado
Mas pior ficaraacute se natildeo se propuser Vou tentar pela vitalidade que haacute nos gestos de
tentar e por importar ter a leitura em pauta despertar interesse por ela saber de onde se lecirc
perscrutar por qual controle se lecirc Importa formar leitores que afiem os sentidos reflitam
sobre o estar no mundo para que possam no dizer de Freire (1999 p 124) conceber a
possibilidade do inacabamento humano ldquoa raiz mais profunda da politicidade da educaccedilatildeo se
acha na educabilidade mesma do ser humano que se fundamenta na sua natureza inacabada e
da qual se tornou conscienterdquo A leitura pode ser sem sacralizaccedilotildees uma porta para as buscas
de si foucaultianas e para a consciecircncia freireana
Convencida disto encaminho propostas de atividades de leituras de viacutedeos sites e
filmes para aprimorar as reflexotildees acerca da temaacutetica Faccedilo isto sem a menor pretensatildeo de
demonstrar possuir foacutermula nem verdade alguma nem achando que o que proponho eacute
novidade pois creio que apesar das condiccedilotildees adversas em muitos contextos escolares o
trabalho com a leitura tem sido pautado em uma perspectiva discursiva com objetivos
emancipatoacuterios libertaacuterios E o que me compete fazer neste momento satildeo esboccedilos para uma
reflexatildeo que norteie a praacutetica leitora do CestaSexta Literaacuteria Ciente sou todavia de que
profiacutecuo eacute que se faccedilam estudos coletivos reforccedilados nas coordenaccedilotildees pedagoacutegicas com
muito diaacutelogo e participaccedilatildeo dosas educadoresas ouvindo as famiacutelias os educandosas para
que haja o fortalecimento de ideias e aprendizado coletivo
Ciente sou ainda todavia de que respalda a todosas educadorasas no sentido de
reivindicar e fazer as mudanccedilas que precisam ser efetivadas a chegada de mais uma
tecnologia enunciativa como promessa de mudanccedilas O Senado Federal aprovou em julho
130
deste o novo Plano Nacional da Educaccedilatildeo - PNE cujo teor traz o compromisso firmado pelo
Governo brasileiro atraveacutes de suas poliacuteticas puacuteblicas para o enfrentamento da gravidade que
acomete a educaccedilatildeo brasileira Satildeo promessas em formato de diretrizes e metas a serem
cumpridas ateacute 2024 promessas que soacute poderatildeo ser alcanccediladas se esta tecnologia enunciativa
for concebida e acolhida como Plano de Estado mais do que Plano de Governo
Que sejamos osas santosas fazedoresas da mudanccedila que a educaccedilatildeo brasileira
precisa experimentar para sair de seu estado crocircnico de adoecimento A santidade nos
convoca a rezar aqui o sentido dessa accedilatildeo eacute para aleacutem da busca do sagrado conforme
estabelece esse Plano e um arcabouccedilo da legislaccedilatildeo educacional pela fundamental poliacutetica de
valorizaccedilatildeo global do magisteacuterio a qual implica simultaneamente a formaccedilatildeo profissional
inicial as condiccedilotildees de trabalho salaacuterio e carreira e a formaccedilatildeo continuada Que a reza natildeo
seja silenciosa apenas nem solitaacuteria pois seraacute inoacutecua e que conflua para o que diz o novo
PNE no sentido de que eacute preciso criar condiccedilotildees para que os professores possam vislumbrar
perspectivas de crescimento profissional e de continuidade de seu processo de formaccedilatildeo
(BRASIL 2014) Quem sabe assim o rosaacuterio de lamentaccedilotildees monotemaacuteticas que osas
educadoresas arrastam em seus enunciados natildeo mude de tom surgindo a sonoridade da luta
da paixatildeo e do sonho tatildeo (en)cantada por Chico Buarque de Holanda ldquoAi quero uma
lembranccedila eu quero uma esperanccedila A tua primavera
Apoacutes fazer uma ressalva ao PNE receacutem-chegado retorno agrave reflexatildeo sobre a
semeadura na escola em tela apresentando agrave guisa de sugestatildeo algumas recomendaccedilotildees que
podem ser incorporadas pela organizaccedilatildeo do projeto a CestaSexta Literaacuteria Nesse sentido
cabe aos organizadores do projeto de leitura da escola TRAVESSIA
1) Considerar a fragilidade com que o projeto de leitura se apresenta evidenciada
natildeo soacute pela ausecircncia da temaacutetica de gecircnero e de temas transversais propostos
pelos PCNs como tambeacutem pela ausecircncia de uma fluente organizaccedilatildeo entre as
accedilotildees propostas sua metodologia e seus objetivos e buscar construir uma
reformulaccedilatildeo do projeto Eacute necessaacuterio que este inclua em seus propoacutesitos uma
exposiccedilatildeo clara de temas trabalhados para que haja a relaccedilatildeo desses com a
formaccedilatildeo cidadatilde pelo projeto defendida
2) Construir para o referido projeto uma metodologia dialoacutegica e participativa
havendo a explicitaccedilatildeo dos recursos teacutecnicos adequados aos objetivos propostos
que contribuam para uma educaccedilatildeo natildeo-sexista natildeo discriminadora A sua
metodologia deve ser constituiacuteda de momentos formativos com o corpo docente e
131
gestor a fim de que as accedilotildees sejam elaboradas por uma equipe multidisciplinar
que elabore monitore e avalie todo o processo
3) Apresentar uma bibliografia envolvente e criteriosamente levantada como
tambeacutem uma seleta apresentaccedilatildeo de filmes e de artefatos culturais como canccedilotildees
entre outros objetivando ressignificar a realidade a partir desses instrumentos
Considero oportuno sugerir que a escola procure desenvolver dentro de suas
possibilidades praacuteticas leitoras incrementadas por encenaccedilotildees de peccedilas teatrais
jogos varais com a presenccedila de contadoresas de histoacuterias por exibiccedilatildeo de
filmes que a depender do estilo da peliacutecula pode sofrer cortes em cenas para que
apenas elas sejam estudadas considerando que nem toda narrativa atrai Haacute
programas de televisatildeo e capiacutetulos de novelas que podem ser objetos de anaacutelises
como tambeacutem determinadas leituras circuladas nas redes sociais podem estar
propiciando reflexotildees atinentes agrave valorizaccedilatildeo da dignidade humana
4) Proporcionar realizaccedilotildees de atividades educativas como oficinas palestras e
debates com a inserccedilatildeo da temaacutetica da equidade de gecircnero Para isso deve se
nortear com a discussatildeo de questotildees geradoras que podem ser conforme
pontuadas pelo curso de Gecircnero e Diversidade na Escola ndashGDE- (2009)3 assim
levantadas Como as relaccedilotildees de gecircnero aparecem no cotidiano escolar Haacute cenas
de violecircncia de gecircnero na escola O que educadoresas podem fazer neste
momento A discriminaccedilatildeo de gecircnero ainda coloca as mulheres em desvantagem
em diversas situaccedilotildees sociais Haacute o agravamento da desvantagem quando essa se
une agrave discriminaccedilatildeo eacutetnico-racial Qual a responsabilidade da escola e dos
educadores na garantia do direito de cada pessoa de ter uma justa imagem de si e
de ser tratado com dignidade Educadores e educadoras tecircm a possibilidade de
reforccedilar preconceitos e estereoacutetipos de gecircnero A escola institui sujeitos a partir
de um modelo Este modelo eacute branco masculino heterossexual e todas as pessoas
que natildeo se encaixam nele satildeo o outro que eacute reiteradamente tratado como inferior
estranho diferente Isso tem mudado Caso sim com base em que se sustenta esta
mudanccedila Em todas as classes sociais as mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia
(fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral e sexual) e enfrentam dificuldades de acesso
ao trabalho agrave geraccedilatildeo de renda e agrave participaccedilatildeo na vida poliacutetica Haacute letras de
3As perguntas apresentadas foram adaptadas a partir da leitura do livro intitulado ldquoGecircnero e Diversidade na
Escola Formaccedilatildeo de professorases em gecircnero orientaccedilatildeo sexual e relaccedilotildees eacutetnico-raciaisrdquo Este livro foi
utilizado como Livro de Conteuacutedo para o Curso Gecircnero e Diversidade na Escola (GDE) da Universidade
Federal da Paraiacuteba na modalidade a distacircncia
132
muacutesicas que vinculam a imagem da mulher ao escaacuternio agrave exploraccedilatildeo sexual e agrave
violecircncia fiacutesica e simboacutelica Isto se constitui como algo com que o projeto de
leitura deve se preocupar
5) Vivenciar a praacutetica leitora acompanhada de accedilotildees inventivas dinacircmicas ler
silenciosamente ler grupalmente ler atraveacutes das contaccedilotildees de histoacuterias que
devem ser estimuladas ler para encenar para debater ler para ler Isso pode ser
melhor realizado com a organizaccedilatildeo de grupos pequenos o que eacute um grande
desafio para a instituiccedilatildeo
6) Criar agendas com as quais se trabalhe a leitura em uma perspectiva dinacircmica
expondo temas ao longo do ano letivo acompanhado de artefato cultural para o
debate com recursos como obras cinematograacuteficas literaacuterias imagens feiras
participaccedilatildeo dosas alunosas em eventos culturais que porventura estejam sendo
realizados na cidade
7) Adotar para anaacutelise se possiacutevel as leituras abaixo sugeridas
SUGESTOtildeES DE LEITURAS
Bibliografia teoacuterica
AUAD Daniela Educar meninas e meninos relaccedilotildees de gecircnero na escola Satildeo
Paulo Contexto 2006 96 p
BRASIL Gecircnero e diversidade na escola formaccedilatildeo de professoresas em Gecircnero
Orientaccedilatildeo Sexual e Relaccedilotildees Eacutetnicos-Raciais Livro de Conteuacutedo versatildeo 2009 ndash
Rio de Janeiro CEPESC Brasiacutelia SPM 2009
LOURO Guacira Lopes Gecircnero sexualidade e educaccedilatildeo uma perspectiva poacutes-
estruturalista 14 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2012
SILVA Tomaz Tadeu da Identidade e diferenccedila a perspectiva dos Estudos
Culturais 10 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2011
ZENAIDE Maria de Nazareacute Tavares SILVA Margarida Socircnia Marinho do Monte
Plano de Accedilatildeo em Educaccedilatildeo em e para Direitos Humanos na Educaccedilatildeo baacutesica In
Direitos humanos capacitaccedilatildeo de educadores Joatildeo Pessoa editora
UniversitaacuteriaUFPB 2008 v 2
Bibliografia literaacuteria
BOJUNGA Lygia Sapato de salto Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2006
_____ A bolsa amarela 33 ed Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2003
133
BRAZ Juacutelio Emiacutelio Anjos no aquaacuterio Ilustraccedilotildees de Andreacutea Ramos 20 ed Satildeo
Paulo Atual 2009
LEITE Maacutercia Oliacutevia tem dois papais Ilustraccedilotildees de Taline Schubach Satildeo Paulo
Companhia das Letrinhas 2010
MACHADO Ana Maria A princesa que escolhia Ilustraccedilotildees de Graccedila Lima Rio
de Janeiro Nova Fronteira 2006
ROCHA Ruth Faca sem ponta galinha sem peacute Ilustraccedilotildees de Suppa Satildeo Paulo
Moderna 2009
SIMPATIA Tiatildeo A lei Maria da Penha em cordel ndash Fortaleza XX 2012
SOUZA Flaacutevio de Priacutencipes e princesas sapos e lagartos histoacuterias modernas de
tempos antigos Ilustraccedilotildees de Paulo Ricardo Dantas 6 ed Satildeo Paulo FTD 1996
_____ Homem natildeo chora Ilustraccedilotildees de Riba Tavares Belo Horizonte Formato
Editorial 1994
TORERO Joseacute Roberto PIMENTA Marcus Aurelius Chapeuzinhos coloridos
Rio de Janeiro Objetiva 2010
VIEIRA Isabel E agora matildee 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2002
ZIRALDO Coisas de menina histoacuterias que revelam o que eacute ser menina
maluquinha Satildeo Paulo Globo 2008
SUGESTOtildeES DE FILMES
Minha Vida em Cor-de-Rosa (Mavieen rose) eacute um filme dirigido pelo belga Alain
Berliner e lanccedilado em1997 Trata-se da histoacuteria de um menino chamado Ludovic que
imagina que deveria ter nascido menina O filme mostra os preconceitos que a personagem
principal e seus familiares enfrentam em relaccedilatildeo a sua identidade de gecircnero
Garotos natildeo choram (EUA 1999 Kimberly Peirce) Assunto predominante
sexualidade identidade sexual e de gecircnero atraveacutes da experiecircncia de uma transgecircnero
violecircncia EUA
Geraccedilatildeo Roubada (Austraacutelia 2002 Phillip Noyce) Assunto predominante
Opressatildeo cultural e situaccedilatildeo feminina
Iacuteris (Inglaterra 2001 Richard Eyre) Narra a trajetoacuteria biograacutefica de Iacuteris Murdoch
escritora e filoacutesofa inglesa sua relaccedilatildeo com os homens e seu casamento ateacute a morte por
Alzheimer em 1999
134
Beleza Americana (EUA 1999 Sam Mendes) Assunto predominante relaccedilatildeo
conjugal gecircnero e sexualidade no conflito de geraccedilotildees homofobia
Billy Eliot (Reino Unido 2000 Stephen Daldry) Assunto predominante Gecircnero e
classe identidade sexual danccedila (um garoto faz ballet)
Chocolate (EUA 2000 Lasse Hallstroumlm) Assunto predominante gecircnero
sexualidade e amor relaccedilatildeo matildee e filha descobertas transgressotildees
Delicada atraccedilatildeo (Inglaterra 1996 Hettie Macdonald) Assunto predominante
juventude e sexualidade masculina homoerotismo
Eternamente Pagu (Brasil 1987 Norma Bengell) Narra a trajetoacuteria biograacutefica e
poliacutetica de Pagu e outras personalidades da eacutepoca como Oswald de Andrade e Tarsila do
Amaral
Frida (EUA 2002 Julie Taymor) Assunto predominante biografia da artista Frida
Khalo amor relaccedilatildeo homem-mulher homoerotismo feminino
SUGESTOtildeES DE SITES PARA VISITAR
EDUCACcedilAtildeO ON LINE
httpeducacaoonline ndash Com uma busca na palavra gecircnero encontraraacute textos
acessiacuteveis sobre diversos temas educacionais
REVISTA GEcircNERO ndash (UFF ndash Universidade Federal Fluminense) ndash
httpwwweditorauffbr
Cadernos Pagu
httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso
Revista Estudos Feministas
httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso
SUGESTOtildeES MARCOS LEGISLATIVOS DE DOCUMENTOS
Lei11340 07082006 Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e
familiar contra a mulher nos termos do art 226 da Constituiccedilatildeo Federal da Convenccedilatildeo sobre
a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra as Mulheres e da Convenccedilatildeo
135
Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violecircncia contra a Mulher Disponiacutevel
emlthttpwwwplanaltogovbrCcivil 03 Ato2004-2006Lei11340htmgtAcesso em 26
jun 2013
BRASIL Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos Brasiacutelia
SEDHMJMECUNESCO 2007
136
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Eacute assim A gente pede para ele fazer cara de malvadeza de ruindade de valentia
Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para
ele Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho
(ROSA 1986 p 255)
Este trecho da ficccedilatildeo roseana soa-me como mais um fio das aacuteguas profundas do rio
que flui das conversaccedilotildees de (Rio)baldo e trazecirc-lo para abrir as consideraccedilotildees finais deste
trabalho parece-me oportuno Parece-me porque com esta construccedilatildeo literaacuteria de um ser no
espelho gestando imagens para si que seratildeo e vecircm dos outros pelas palavras e pela
ocularidade refletimos sobre a importacircncia da discursividade como o que nos encarna o que
nos vivifica o que nos constitui Haacute no espelho da obra roseana (ROSA 1986) a marca da
memoacuteria discursiva do outro que nos envereda a marca de que o poder eacute tecido nas praacuteticas
sociais e enunciado em praacuteticas discursivas que operam em noacutes um modo de subjetivaccedilatildeo
ldquo[] Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para ele
Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho []rdquo O espelho dado pelo outro
opera a virada que nos torna mutantes crentes no que vemos no que nos dizem Esta imagem
do espelho na fala de Riobaldo algo que natildeo eacute ldquonovidadeirordquo na ficccedilatildeo literaacuteria reflete
deveras o quanto a construccedilatildeo social da realidade estaacute imersa e constituiacuteda na trama da
linguagem E eacute por isso uma imagem cara que pode ser confluente com o pensamento
foucaultiano (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2004c 2004d 2012) no tocante ao interesse
do filoacutesofo de propor o exerciacutecio da suspeita do que somos e como nos tornamos quem
somos para quem sabe podermos recusar o que somos
Nesse caminho observando o cuidado alertado por Gallo (2008) para que se evite
enxergar tons novidadeiros e se tente ldquocolonizarrdquo pensamentos ter tomado de empreacutestimos as
reflexotildees de Foucault para esta pesquisa constituiu-se como um desafio instigante e vaacutelido As
contribuiccedilotildees do pensador mobilizadas aqui foram as atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo
da construccedilatildeo da verdade e do poder esse em suas formas de assimetria piramidalizadas
fabricadas pelo Estado e instituiccedilotildees como a familiar a religiosa e a escolar A articulaccedilatildeo de
tal empreacutestimo teve sua razatildeo de ser por esta pesquisa conforme evidenciada ter tido como
objetivo empreender reflexotildees acerca das relaccedilotildees de gecircnero perpassadas pelas constituiccedilotildees
discursivas dosas educadoresas como mediadoresas de leitura E a voz do pensador francecircs
levada a esse debate fez-me corroborar com a ideia de que o sujeito natildeo eacute uma substacircncia
137
pronta ele eacute forma que se faz e se refaz determinada por regras soacutecio-histoacutericas Foucault
(2004b) postula sujeitos que se esvanecem
Penso efetivamente que natildeo haacute um sujeito soberano fundador uma forma universal
de sujeito que poderiacuteamos encontrar em todos os lugares Penso pelo contraacuterio que o
sujeito se constitui atraveacutes das praacuteticas de sujeiccedilatildeo ou de maneira mais autocircnoma
atraveacutes das praacuteticas de liberaccedilatildeo de liberdade como na Antiguidade a partir de um
certo nuacutemero de regras de estilos de convenccedilotildees que podemos encontrar no meio
cultural (FOUCAULT 2004b p 291)
E tal postulaccedilatildeo viabiliza reflexotildees de que constituiacutedas discursivamente tramadas
por linguagens essas formas de subjetivaccedilatildeo satildeo moventes materiais dispersas falam de um
lugar institucional anunciando memoacuterias discursivas A importacircncia desse entendimento para
esta pesquisa se mostrou entre outras pela razatildeo de que com a concepccedilatildeo de que haacute
produccedilotildees histoacutericas de subjetividades e de que essas vivem em luta conforme evidencia
Foucault (2012) esta investigaccedilatildeo pocircde atentar para as instacircncias das resistecircncias Pocircde
atentar para as mobilizaccedilotildees que se intercruzam contra o naturalizado o instituiacutedo como
verdadeiro o que eacute controlado disciplinado para que possam ser problematizadas novas
formas de se constituiacuterem sujeitos
Desse modo posso dizer que haacute percebido por este estudo a possibilidade de
entrecruzar olhares foucaultianos sobre modos de subjetivaccedilatildeo e a marcha das mulheres por
um mundo com sujeitos eacuteticos que apregoem a igualdade o direito e a conquista de uma
praacutetica de liberdade para que se trace o desejo por um ethos E um ethos que incita a busca de
si o reinventar-se o desfamiliarizar-se eacute um fio no novelo que os feminismos e todos os
movimentos sociais que objetivam problematizar formaccedilotildees discursivas com seus poderes e
saberes podem ter como experiecircncia como aprendizado Com essa praacutetica homens e
mulheres constituem a beleza de serem artesatildeos de si como pontua Foucault (2004a 2004c)
Mas esta natildeo eacute uma busca sem lutas Desmantelar as invenccedilotildees os jogos de verdade recusar
o que somos por conseguinte eacute tarefa que passa pelo que se perscruta pelo que se elege para
ler ouvir falar partilhar acreditar desacreditar defender atacar enfim eacute tarefa que passa
por atentar para a dimensatildeo discursiva da construccedilatildeo da realidade
Com essa referida dimensatildeo discursiva na qual os sujeitos se inserem produtos e
produtores de sentidos (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008 POSSENTI 2009) e sem
pretender oferecer a uacuteltima palavra nem onde haacute a verdade busquei entatildeo verificar o modo
como a educaccedilatildeo puacuteblica municipal na escola TRAVESSIA produz efeitos de sentidos com
suas praacuteticas leitoras Para isto investiguei as condiccedilotildees histoacutericas de produccedilatildeo dessas
138
praacuteticas perpassando pelas discursividades docentes procurei ouvir educadoresas conhecer
o projeto de leitura da instituiccedilatildeo seu documento fundador perscrutar o que move e dinamiza
o referido projeto saber do acervo da biblioteca do que ali teria ou natildeo referente ao debate
sobre gecircnero Em um clima de receptividade calorosa estive na escola observando aulas e
seus textos aplicando questionaacuterio fazendo diaacuterio de campo perscrutando as vozes que
conduzem o trabalho com leitura na escola com a perspectiva de perceber o que
comportariam as praacuteticas leitoras suscitadas
E as anaacutelises dos resultados dessas investigaccedilotildees jaacute citadas paulatinamente ao longo
do trajeto em que foram aplicados os instrumentos de investigaccedilatildeo apontaram que o debate
acerca das relaccedilotildees de gecircnero tatildeo atinente com a pauta reivindicatoacuteria dos DH natildeo era
contemplado pelo projeto de leitura da escola Assim o percebi quando examinei o documento
constituinte do projeto de leitura da CestaSexta Literaacuteria no qual natildeo se apresenta na
organizaccedilatildeo dos propoacutesitos das accedilotildees da bibliografia e da metodologia desse instrumento a
promoccedilatildeo de uma praacutetica leitora apontando para o respeito agraves diferenccedilas agrave concepccedilatildeo de um
mundo plural e ao combate a uma ordem androcecircntrica Natildeo eacute evidenciado a partir das
referecircncias do documento que a leitura acolhida lanccedilada proposta suscitada pelo projeto
CestaSexta literaacuteria esteja alicerccedilada nas intenccedilotildees de debater as relaccedilotildees de gecircnero Assim o
sendo a escola democraacutetica e inclusiva atinente ao que preconizam os postulados dos DH
natildeo estaacute sendo engendrada pela linha mestra da leitura Por sua vez no tocante agrave produccedilatildeo do
referido instrumento esse se apresenta com outras fragilidades entre elas a de natildeo amarrar
devidamente seus nexos temaacuteticos sobre quais leituras e temas estaratildeo compondo a praacutetica
leitora Haacute um silenciamento quanto agraves inserccedilotildees temaacuteticas seja de que natureza for Natildeo se
sabe entatildeo quais relaccedilotildees de saber e poder estaratildeo sendo colocadas para afirmar o que o
projeto diz perspectivar formar cidadatildeo[a]
Percebi ainda a natildeo problematizaccedilatildeo das relaccedilotildees de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria
quando fiz o levantamento do acervo da biblioteca na primeira etapa da pesquisa As
prateleiras no que se refere agraves obras paradidaacuteticas essas as escolhidas para ser investigadas
natildeo acomodavam tiacutetulos com essa perspectiva assim me disse a responsaacutevel por aquele
espaccedilo assim averiguei tambeacutem com a leitura das fichas catalograacuteficas dos poucos volumes
presentes na biblioteca naquele periacuteodo investigado
Investiguei ainda se os textos utilizados pelo projeto nas aulas de leitura observadas
contemplavam praacuteticas discursivas que produziam sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero e
constatei que natildeo havia uma seleccedilatildeo de textos com a temaacutetica de gecircnero por parte dosas
educadoresas Exceccedilatildeo se deu em uma situaccedilatildeo atiacutepica na qual a professora Jaqueline trouxe
139
improvisadamente a temaacutetica pela leitura de um texto provocada segundo ela pela minha
presenccedila ali
No chatildeo da escola Travessia constatei apoacutes percorrer seus espaccedilos haacute as marcas de
que sua leitura natildeo problematiza a produccedilatildeo e a reproduccedilatildeo da iniquidade de gecircnero E outra
forma de verificar a ausecircncia dessa problematizaccedilatildeo foi pela perscruta dos relatos docentes e
pela anaacutelise das respostas do questionaacuterio lhes aplicado Pude perceber nas anaacutelises que fiz
das respostas daquele instrumento o quanto a constituiccedilatildeo das subjetividades dosas
colaboradoresas expressa olhares que segregam que estigmatizam o diferente que natildeo
percebem os jogos discursivos dos quais fazem parte Fiz a leitura com base em anaacutelise de
algumas das respostas desse instrumento de que emana dosas colaboradoresas uma
formaccedilatildeo discursiva reproduzindo e produzindo a iniquidade de gecircnero a reproduccedilatildeo de
regras e valores que elegem uma visatildeo androcecircntrica e heterossexual traccedilando para os que
natildeo pertencem a este modelo o estigma de diferente de abjeto passiacutevel de ser enquadrado
Assim o demonstraram aquela maioria de colaboradoresas da pesquisa quando expressaram a
intenccedilatildeo de ingerir em interesse de desviantes conforme apresenta a anaacutelise da sexta questatildeo
do instrumento de investigaccedilatildeo
Nas anaacutelises dos relatos dosas colaboradoresas deste estudo ficaram evidecircncias dos
limites com que se deparam essesas profissionais na propositura de um trabalho reflexivo
com a leitura A lamuacuteria e a desesperanccedila acompanhavam a praacutetica de ler minada por parcos
recursos e muita desmotivaccedilatildeo Uma praacutetica que precisa ser repensada pois em muitos
momentos essa traz a marca atraveacutes de enunciados dosas educadoresas da natildeo
contemplaccedilatildeo de importantes debates como os da violecircncia domeacutestica contra a mulher da
iniquidade de gecircnero e de outros temas atinentes agraves postulaccedilotildees dos DH Esse silenciamento
temaacutetico traduz o quanto pode estar reduzido o espaccedilo interacional da leitura como o lugar da
anti-hegemonia da desconstruccedilatildeo do olhar totalitaacuterio para o outro e isso precisa ser
repensado
A natildeo-contemplaccedilatildeo do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero foi ainda percebida nas
aulas observadas Nelas a despeito do esforccedilo da professora para se pronunciar sobre o tema
esse natildeo assentava com o olhar da mestra repousante em uma formaccedilatildeo discursiva
essencialista E a profordf Jaqueline demonstrou-se conflitante em turbulecircncia entre suas
incursotildees pelas formaccedilotildees continuadas ofertadas pela SEDEC anunciando o respeito agrave
pluralidade cultural e agrave diversidade humana e o olhar da mestra construiacutedo inventado para a
natildeo-aceitaccedilatildeo ao diferente tingindo esse com as cores da negaccedilatildeo (SILVA 2012) As
discursividades daquelas aulas foram minadas por olhares redutores para o diferente por
140
ausecircncia de contemplaccedilatildeo de como a linguagem constitui modelos de feminilidade modelos
de masculinidades e o quanto represa a vida
Presumo que isto se registra face agrave ausecircncia do cabal cumprimento do que anunciam
as tecnologias enunciativas sobre educaccedilatildeo como as do PPP da LDB do PNEDH as dos
PCNs a Resoluccedilatildeo 0112 Esses marcos educativos instituem o debate propositivo da
inclusatildeo do respeito agrave diversidade humana e sexual e da defesa inconteste de princiacutepios como
o da dignidade humana no curriacuteculo escolar mas natildeo marcaram efetivamente as poliacuteticas
educacionais vividas na escola Tais tecnologias postas que satildeo recentemente elaboradas eacute de
se anuir provavelmente que mesmo que ocupem gavetas escolares e discursos de
formadores que ressoaram em alguns momentos nas vozes perscrutadas natildeo poderiam
impactar formaccedilotildees discursivas secularmente construiacutedas alicerccediladas ainda pelo poder-
escola E se esbarram conflitantemente em seacuteculos de internalizaccedilatildeo de um modelo
essencialista androcecircntrico e heteronormativo
Por esta razatildeo eacute preciso que da e para a escola erga-se uma brigada contra a
violecircncia de gecircnero E por assim entender propus com a construccedilatildeo do capiacutetulo 4 desta
dissertaccedilatildeo que haja a implementaccedilatildeo de praacuteticas discursivas no projeto de leitura da escola
com o propoacutesito de eliminar o silenciamento da temaacutetica de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria
A cesta que eacute utilizada nas aulas de leitura carregando livros precisa transportar artefatos
culturais que suscitem debates pela reinvenccedilatildeo da vida pela reinvenccedilatildeo do trato entre os
homens e as mulheres balizados na dignidade de todosas Agrave escola TRAVESSIA propus
entatildeo como me solicita o cunho interventivo desse mestrado para seus cursistas que
atravesse seu vazio temaacutetico de gecircnero
Eacute preciso que a travessia desse vazio temaacutetico seja feita A escola por meio do seu
projeto de leitura pode e deve evocar a visibilidade para as iniquidades de gecircnero para o
enfrentamento da violecircncia domeacutestica contra as mulheres e para as suas lutas por
emancipaccedilatildeo social Haacute nas discursividades docentes investigadas linguagens em uso que
demonstram invisibilidade a essas questotildees Convivem com esses enunciados
paradoxalmente em alguns momentos vozes docentes que expressam desejar incorporar do
uso das tecnologias oficiais trabalhadas em formaccedilotildees continuadas conforme informaccedilatildeo em
questionaacuterio (vide questatildeo 4) e a efetivaccedilatildeo de suas experiecircncias de suas vivecircncias
profissionais Assim constatei no diaacutelogo que tive com a educadora Elisa atravessado por
uma leitura essencialista da realidade no tocante agrave identidade dos sujeitos que a faz desejar
sair da escola para natildeo ter que presenciar meninas se beijando
141
Por fim vejo como necessaacuteria a inserccedilatildeo temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero porque as
leituras evocadas pelosas docentes foram percebidas como as que rezavam a cartilha da
toleracircncia agrave diversidade cultural e humana sem questionar as relaccedilotildees de poder e os processos
de diferenciaccedilatildeo Esses que produzem as identidades e as diferenccedilas natildeo sendo questionados
conforme nos sugerem os Estudos Culturais acabam mesmo que frente a um arcabouccedilo de
legislaccedilatildeo educacional que propotildee uma educaccedilatildeo inclusiva e o respeito agrave dignidade humana
repousando no que Silva (2012) pontua como a produccedilatildeo de novas dicotomias a do
dominante tolerante e do dominado tolerado
Ao fim ainda pontuo que a omissatildeo perscrutada nas vozes docentes de uma
problematizaccedilatildeo que perpasse o projeto de leitura indagando-lhe os mecanismos que ativam
as fixaccedilotildees de identidades os estereoacutetipos de gecircnero pela via da leitura eacute algo que contribui
com o modelo de construir subjetivaccedilotildees disciplinadas diferentes e desiguais Isso demanda
da escola TRAVESSIA se deseja atravessar seus limites o desafio de envidar esforccedilos no
sentido de promover o rompimento com esse modelo de ler Sem o enfrentamento deste
desafio a escola natildeo estaraacute gestando utopias o que eacute enfadonho e tristonho
142
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no Brasil Satildeo Paulo imprensa oficial Instituto Proacute-livro 2008 p 41-48
ZENAIDE Maria de Nazareacute Tavares A escola e o seu papel social uma educaccedilatildeo inclusiva
natildeo sexista e natildeo homofoacutebica In Gentle Zenaide e Gomes (org) Gecircnero diversidade
sexual e poliacuteticas puacuteblicas conceituaccedilatildeo e praacuteticas de direitos e poliacuteticas puacuteblicas Joatildeo
Pessoa Ed Universitaacuteria da UFPB 2008
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APEcircNDICE A ndash QUESTIONAacuteRIO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIacuteBA
CENTRO DE CIEcircNCIAS LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO
MESTRADO PROFISSIONAL EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO
Prezados (as) colegas
Como aluna regular do mestrado profissional em Linguiacutestica e Ensino pelo Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Ensino PROLING da UFPB desenvolvo uma pesquisa cujas bases conceituais
norteiam-se pela concepccedilatildeo de linguagem como praacutetica discursiva e que tem como objeto de anaacutelise um
entrecruzamento entre as representaccedilotildees de gecircnero e as praacuteticas leitoras na escola concebidas pelos educadores
Solicito dessa escola a colaboraccedilatildeo no sentido de que seu corpo docente envolvido com praacuteticas leitoras
responda a este questionaacuterio que eacute o ponto de partida para outros diaacutelogos com o objetivo de contribuir para
uma reflexatildeo sobre a temaacutetica presente
QUESTIONAacuteRIO
Considerando sua experiecircncia como leitora e sua praacutetica pedagoacutegica especialmente no projeto de
leitura desenvolvido pela escola responda por gentileza agraves seguintes questotildees
Perfil sociodemograacutefico
Sexo ( ) feminino ( ) masculino
Tempo de formado ( ) de 1 a 10 anos( ) de 11 a 21( ) de 21 a 31( ) 32 ou mais
Idade ( ) de 21 a 31 ( ) 31 a 41( ) 41 a 51( ) 51 a 61( ) 62 ou mais
Titulaccedilatildeo( ) superior ( ) Especializaccedilatildeo ( ) mestrado ( ) doutorado
1) O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto de leitura (marque ateacute trecircs
questotildees enumerando-as por ordem de importacircncia)
( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo
( ) Uma atividade prazerosa
( ) A escola natildeo valoriza a leitura
( ) A escola valoriza pouco a leitura
( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais
( ) Outra _______________
2) O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos Direitos Humanos
( ) sim ( ) natildeo
3) O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto
( ) sim ( ) natildeo
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Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior
( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas
( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica escolar de engajamento no
combate agraves assimetrias de gecircnero
( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema em nosso projeto de leitura
( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e como muitas leituras reforccedilam
os padrotildees sexistas presentes na sociedade
( ) Outra _______________
4) Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel inicial quanto na continuada tem
preparado o (a) profissional para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a igualdade no espaccedilo escolar
( ) sim ( ) natildeo
5) As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o menino e o que pode a menina
no espaccedilo escolar
( ) Natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e meninas
( ) Comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento
( ) Ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual
( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que satildeo naturalmente desiguais
6) Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como natildeo apropriados para seu
sexo qual a leitura feita
( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada crianccedila
( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado
( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo
7) Como mediador (a) de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de preconceito uma expressatildeo de
conflitos entre olhares de meninos e de meninas
( ) Pouco eacute natural a disputa
( ) Interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo
( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa
8) No tocante agrave violecircncia contra a mulher o Brasil em um ranking de 84 paiacuteses ocupa a 7ordf posiccedilatildeo sendo a
Paraiacuteba um dos Estados da Federaccedilatildeo mais violentos tambeacutem com a 7ordf colocaccedilatildeo E Joatildeo Pessoa sua
capital eacute a 2ordf mais violenta (CEBELA Mapa da Violecircncia 2012) O que em sua opiniatildeo explica a existecircncia
deste fenocircmeno
( ) Formaccedilatildeo cultural
( ) Haacute pessoas naturalmente violentas
( ) Natildeo sei
( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo
( ) Outra ______________
9) Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave questatildeo
( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante
10) A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da questatildeo ganha que
espaccedilo no projeto de leitura
( ) Nunca foi citada
( ) Existe na biblioteca
( ) Jaacute trabalhamos com ela
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11) Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo escolar e no projeto
( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos curriacuteculos escolares
( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e inferiorizadas
( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca carga horaacuteria para exploraacute-lo mais
( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho importante
12) Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista
( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute bom
( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo eacute bom
( ) Eacute um movimento com muito radicalismo
( ) Fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da opressatildeo agravemulher
13) O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas comemorativas
( ) sim ( ) natildeo
Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que se faz na data ou o que se
pretende fazer
( ) Eacute um dia em que ela eacute intensamente valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola
( ) Eacute um dia com pouca reflexatildeo sobre a luta feminista
( ) Outra _______________
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Gilva Vasconcelos da Silva Matos