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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO JOSÉ EDEMIR DA SILVA ANJO LUZ, CÂMERA, AÇÃO: A CRIATIVIDADE COMO PRÁTICA SOCIOMATERIAL EM UMA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL VITÓRIA - ES 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

JOSÉ EDEMIR DA SILVA ANJO

LUZ, CÂMERA, AÇÃO: A CRIATIVIDADE COMO PRÁTICA

SOCIOMATERIAL EM UMA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL

VITÓRIA - ES 2019

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JOSÉ EDEMIR DA SILVA ANJO

LUZ, CÂMERA, AÇÃO: A CRIATIVIDADE COMO PRÁTICA

SOCIOMATERIAL EM UMA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para obtenção do título de Mestre em Administração.

Orientador: Prof.º Dr. César Augusto Tureta de Morais.

VITÓRIA - ES 2019

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Dedico aos meus pais, Creuza e Antônio,

aos meus irmãos, Ermílio, Lucilene, Edson

e os pequenos Gabriel e Caio.

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AGRADECIMENTOS

Sou grato a Deus, aos anjos e santos de luz pelas lutas e conflitos vencidos para

chegada e passagem desse ciclo acadêmico e pessoal.

Sou grato a minha família, da qual tive que me ausentar fisicamente ao longo de dois

anos para seguir nessa busca por conhecimento, e mesmo sem compreenderem a

prática do fazer mestrado, me apoiaram incondicionalmente. A distância permitiu o

fortalecimento do nosso amor fraterno.

Sou grato aos meus amigos das alagoas com que sempre pude contar com carinho e

palavras de motivação. Em especial, a Karla e Valfrido.

Sou grato ao Janela, por não só terem aceito meu pedido de pesquisa, mas por terem

me acolhido e a ideia de um administrador cinéfilo e passar a ser um janeleiro.

Sou grato ao meu orientador, César Tureta, por sua postura como pessoa e

acadêmico e pela presteza pelo conhecimento compartilhado. Sua orientação foi

fundamental para que eu pudesse pensar chegar aqui e a galgar novos horizontes. E

ao meu eterno orientador e amigo, Rodrigo Gameiro pela cumplicidade.

Sou grato aos professores Rúbens Amara e professor Fábio Ferreira pela troca de

ideias na leitura e avaliação deste trabalho. Aos professores do Programa de Pós-

Graduação em Administração da Universidade Federal do Espírito Santo. Em

especial, ao professor Alfredo Leite da Silva, por me apresentar a teoria das práticas,

a professora Letícia Fantinel e professor Alexandre Reis Rosa, por provocar como

pessoa e pesquisador a desconstruir ideias e comportamentos com postura ética na

academia.

Sou grato aos secretários, Adriana e Fábio, as “tias” e demais servidores da Ufes que

contribuíram na minha convivência diária nos diversos ambientes da academia.

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Sou grato a minha turma de mestrado de 2017, por compartilharem os momentos de

leituras, cafés, conversas nas terras capixabas, de modo especial ao amigo Mateus

Bitti. E não poderia deixar agradecer a vivência com as demais turmas, principalmente

das minhas amigas Geciane Silva, Rosiane Viana e Mariana Melo, meu muito

obrigado pela amizade.

Sou grato a minha amiga Rhaiane Maria, por compartilhar angústias e alegrias e ter

me dado aconchego e carinho nessa jornada.

Sou grato a meu amigo Arthur Lopes, pela cumplicidade e irmandade que foi

construída em meio as nossas práticas reflexivas. E Ana Lopes, por me acolher como

membro da família.

Sou grato a Bruno Latour, por me fazer apaixonar e mergulhar no universo da Teoria

Ator-Rede e aos não-humanos, pois sem eles essa prática de dissertar não seria

possível.

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“Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão.”

Glauber Rocha

Alfredo – “A vida não é como você viu no cinema. A vida é mais difícil.”

Nuovo Cinema Paradiso (1988), Giuseppe Tornatore

“Tenho de admitir que estou sendo astucioso outra vez. Ao abrir a caixa-preta dos

fatos científicos, não ignorávamos que abríamos a caixa de Pandora. Era impossível

evitá-lo. Ela esteve hermeticamente fechada enquanto permaneceu na terra de

ninguém das duas culturas, oculta no meio das couves e nabos, placidamente

ignorada pelos humanistas, que tentam combater os perigos da objetificação, e

pelos epistemologistas, que procuram anular os males trazidos pela massa rebelde.

Agora que ela foi aberra, espalhando pragas e maldições, pecados e doenças, só há

urna coisa a fazer: mergulhar na caixa quase vazia, para resgatar aquilo que,

segundo a lenda venerável, ficou lá no fundo - sim, a esperança. A profundidade é

demasiada para mim; não quer ajudar-me na tarefa? Não quer dar-me urna

mãozinha?”

Bruno Latour – A Esperança de Pandora, 2001

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RESUMO

Este estudo se propôs a em compreender como se dá criatividade como prática

sociomaterial de uma produção audiovisual, tendo como objeto de estudo a produção

de um curta-metragem, em realização pelo projeto de extensão Núcleo de Produção

Audiovisual (Janela), do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do

Espírito Santo (UFES). As discussões teóricas repousaram sobre discussões a cerca

da criatividade nas organizações e da abordagem da teoria da prática sociomaterial,

com base na postura teórico-metodológica da TAR. A fim de alcançar o objetivo geral,

realizou-se uma pesquisa empírica qualitativa, que utilizou como procedimentos de

produção de dados a triangulação das técnicas: observação participante, entrevistas

e documentos textuais e audiovisuais. Em relação à análise e interpretação dos

dados, foi empregado o procedimento de análise de conteúdo temático a posteriori. A

partir da experiência em campo, entende-se a prática da criatividade como um

fenômeno sociomaterial, à medida que é transladada pelas ações da rede de atores

(humanos e não-humanos). Assim, compreender a criatividade a luz da

sociomaterialidade, consiste em depreender a noção de distribuição das ideias pelos

processos criativos que configuram a realização de um produto audiovisual, que é

traduzido como fenômeno sociomaterial de forma que as ações dos atores ocorrem

de forma processual e dinâmica, sendo que as ideias estão em constante movimento

são cotidianamente produzidas, reproduzidas e modificadas. Com esta pesquisa

empírica, espera-se contribuir para o campo das ciências da administração na análise

do fenômeno da criatividade como prática sociomaterial e os papeis dos elementos

não-humanos no cotidiano das práticas criativas.

Palavras-chave: Criatividade; Sociomaterialidade; Criatividade como Prática

Sociomaterial; Audiovisual.

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ABSTRACT

This study if proposed to become an organization as a sociomaterial practice of an

audiovisual production, as an object of study of short duration, with a project to extend

the Audiovisual Production Center (Window), to take a Film and Audiovisual course of

the University Federal University of Espírito Santo (UFES). The theoretical discussions

on socioeconomic issues, on the theoretical and practical basis of ART. In order to

achieve the general objective, the research is a qualitative research, which uses as

data production procedures a triangle of techniques: participant observation, interviews

and textual and audiovisual documents. In relation to the analysis and interpretation of

the data, the a posteriori thematic content analysis procedure was used. From the

experience in the field, it is understood the practice of a community as a sociomaterial

phenomenon, a measure that is translated by the actions of the network of actors

(human and non-human). Thus, understanding the light of sociomateriality, constituting

a concept of creation of actions by the creative processes that configure the realization

of an audiovisual product, which is translated as a sociomaterial phenomenon of

actions as the actors that occur in a procedural and dynamic way, being that ideas are

in constant movement are produced, reproduced and modified daily. With this

research, the research can be useful for the development of computer science in the

analysis of the process of creativity as a sociomaterial practice and the objectives of

nonhuman elements in the daily practice of creative practices.

Keywords: Creativity; Sociomateriality; Creativity as a Sociomaterial Practice;

Audiovisual.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Modelo Componencial Dinâmico de Criatividade ..................................... 28

Figura 2 – Momentos de Translação ......................................................................... 36

Figura 3 – Esquema conceitual do projeto ................................................................ 39

Figura 4 – Modelo Translacional do Processo Sociomaterial Criativo ....................... 42

Figura 5 – Análise em espiral dos dados .................................................................. 55

Figura 6 – Categorias Temáticas ............................................................................... 56

Figura 7 – Pauta do Grupo ........................................................................................ 72

Figura 8 – Casting ..................................................................................................... 73

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1 – Labvídeo ............................................................................................ 59

Fotografia 2 – Reunião Geral .................................................................................... 61

Fotografia 3 – Reunião da equipe de roteiro ............................................................. 77

Fotografia 4 – Claquete ............................................................................................. 84

Fotografia 5 – Preparação para as gravações .......................................................... 85

Fotografia 6 – Produção da equipe de Arte ............................................................... 87

Fotografia 7 – Frame de momentos de gravação no apartamento ............................ 88

Fotografia 8 – Frame de momentos de gravação na floresta .................................... 88

Fotografia 9 – Reunião após as gravações ............................................................... 90

Fotografia 10 – Frames de momentos da edição de imagens................................... 93

Fotografia 11 – Frames de momentos de edição de som.......................................... 96

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1– Atores Entrevistados ............................................................................... 53

Quadro 2 – Elementos Não-Humanos Essenciais para Execução das Tarefas por

Equipes ..................................................................................................................... 68

Quadro 3 – Atividades Desenvolvidas pelo Janela em 2017.2.................................. 69

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABD Capixaba – Associação Brasileira de Documentaristas e Curta Metragistas do

Espírito Santo

ANT – Actor-Network Theory

EBP – Estudos Baseados em Prática

CAR – Centro de Artes

EOR – Estudos Organizacionais

CEPSH – Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos

CNS – Conselho Nacional de Saúde

SINAES – Sindicato da Indústria Audiovisual do Espírito Santo

TAR – Teoria Ator-Rede

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UFES – Universidade Federal do Espírito Santo

UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 17

2 REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................... 22

2.1 CRIATIVIDADE NAS ORGANIZAÇÕES ............................................................. 22

2.1.1 Processo Criativo nas Organizações ........................................................... 22

2.2 PRÁTICAS SOCIOMATERIAIS ........................................................................... 29

2.2.1 Materialidade na Prática ................................................................................ 29

2.2.2 Contribuições da TAR para os Estudos sobre Sociomaterialidade ........... 33

2.2.3 Transladando Práticas Sociomateriais ......................................................... 34

2.3 SOCIOMATERIALIDADE CRIATIVA ................................................................... 38

2.3.1 Relações Sociomateriais no Processo Criativo .......................................... 38

3 O PERCURSO METODOLÓGICO SEGUIDO ....................................................... 44

3.1 CARACTERIZAÇÃO E ABORDAGEM DA PESQUISA ....................................... 44

3.1.1 Da Escolha ao Campo de Pesquisa .............................................................. 45

3.1.2 Janela: Núcleo de Produção Audiovisual .................................................... 47

3.2 PRODUZINDO E COLETANDO DADOS PARA PESQUISA ............................... 48

3.2.1 Observação Participante ............................................................................... 48

3.2.2 Documentos textuais e audiovisuais............................................................ 50

3.2.3 Entrevistas ...................................................................................................... 52

3.3 ANÁLISE DOS DADOS ....................................................................................... 54

4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ................................................................ 58

4.1 #VEMSERJANELA .............................................................................................. 58

4.2 QUANDO OS ATORES SE REUNEM PARA CRIAR ........................................... 66

4.3 IDEIAS EM MOVIMENTO ................................................................................... 76

4.3.1 Roteirror: colocando as ideias no papel ........................................................... 76

4.3.2 Traduzindo as ideias do papel para o áudio e vídeo ........................................ 81

5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ........................................................................ 98

5.1 A CRIATIVIDADE COMO PRÁTICA SOCIOMATERIAL NA PRODUÇÃO

AUDIOVISUAL .......................................................................................................... 98

5.2 OS ATORES NÃO-HUMANOS EM CENA ........................................................ 104

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 108

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REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 113

APÊNDICE A – TCLE ............................................................................................. 124

APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista ..................................................................... 126

ANEXO A – Interfaces do Parecer Consubstanciado do CEPSH ............................ 127

ANEXO B – Declaração do Núcleo de Produção Audiovisual ................................. 129

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1 INTRODUÇÃO

Quando somos levados a pensar em uma produção cultural, como um filme, muitos

acabam levando em consideração apenas os momentos de sua espetacularização: a

divulgação do trailer, a estreia nas salas de cinema, o glamour dos festivais de

premiação. Mas como essa produção audiovisual chegou a esse ponto? Pensar um

produto cinematográfico a partir de sua produção leva a uma busca pela percepção

de como pode ocorrer e quais são as etapas do processo de desenvolvimento

(STRANDVAD, 2011; 2013; 2017). Em geral, não refletimos sobre a complexidade do

fazer cinema (BERNADET, 1980).

Associado a isso, estaria a ideia da aproximação do produtor com seu idealizador,

sendo ele dotado de talento pelo valor de sua arte materializada, partindo de uma

lógica antropocêntrica (DUFF; SUMARTOJO, 2017). Nesse mundo das artes, os

indivíduos seriam dotados de ideias criativas, onde um filme seria um produto

subjetivo simbólico carregado de valor cultural (BECKER, 2008; JONES et al., 2016).

A indústria audiovisual surge do impulso tecnológico partindo da indústria do cinema,

em que resulta em novas mídias, processos organizativos e de produção, linguagem,

estética (HARTLEY; WEN; LI, 2015; JONES; LORENZEN; SAPSED, 2015;). A

produção audiovisual se insere hoje no campo das indústrias criativas que abarca

outros setores, como a publicidade, arquitetura, games, artesanato, design, moda,

música, artes cênicas, editoração, softwares, dentre outros. Eles têm em comum a

percepção de que possuem habilidades criativas, sendo a criatividade o motor para

crescimento econômico e social onde estão inseridos (BENDASSOLI et al., 2009;

FLEW, 2013; HARTLEY; WEN; LI, 2015; JONES; LORENZEN; SAPSED, 2015).

Tradicionalmente, a criatividade é caracterizada pela produção de novas ideias, que

para serem úteis no ambiente organizacional, precisaria estar condicionada a um

indivíduo ou pequeno grupo de pessoas criativas (AMABILE,1988; AMABILE; PRATT,

2016). Essa relação entre gestão e criatividade se estabelece pelos aspectos

dinâmicos e contínuos do processo criativo no campo dos Estudos Organizacionais

(EOR) (DAVEL, VIANNA, 2012; DUARTE, 2015), diante da abordagem processual-

relacional, onde há o entendimento da organização como processo (CZARNIAWSKA,

2008; DUARTE; ALCADIPANI, 2016; WATSON, 2005).

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Jones et al. (2016), rejeitam essa caracterização da criatividade associada ao

indivíduo e apontam para necessidade dos estudos empíricos sobre aspectos

materiais como caminho de exploração da criatividade. Como forma de questionar

esse antropocentrismo criativo, que leva a uma perspectiva ontológica relativista

(HASSARD; COX, 2013) em um estudo empírico, Duff e Sumartojo (2017)

argumentam que a criatividade não é um atributo inerente ao homem, visto que para

eles são as forças de convergência entre humanos e não-humanos que permite o ato

de criação ocorra numa Assemblage. Jones, Lorenzen e Sapsed (2015) reiteram essa

compreensão da criativa da base material (não-humanos) pela capacidade de

expressão criativa presentes no que Duff e Sumartojo (2017) entendem como prática

criativa desenvolvida entre ações do indivíduo humano com objetos, o que geraria

numa aliança para criação, produção do trabalho criativo.

Essas discussões têm ocorrido de forma mais acentuada em pesquisas realizadas no

campo dos Estudos Organizacionais (EOR), a partir das Teorias da Prática

(RECKWITZ, 2002; CORRADI; GHERARDI; VERZELLONI, 2010; FELDMAN;

ORLIKOWSKI, 2011). Neste cenário, Orlikowski (2007) e Leonardi (2012) chamaram

atenção para a relevância dos materiais na análise das práticas na construção social

no campo organizacional, devendo-se compreender a realidade a partir da

sociomaterialidade, em que o social e o material são unificados como uma única

entidade. Dessa forma, a sociomaterialidade se propõe a compreender e observar a

interação dos humanos e não-humanos (ORLIKOWSKI, 2007; 2010; ORLIKOWSKI;

SCOTT, 2008; CARLILE et al., 2013; KALLINIKOS; LEONARDI; NARDI, 2012;

LEONARDI, 2013).

Partindo dessa lente, Duff e Sumartojo (2017) argumentam que em ambientes

criativos, como o audiovisual, há o movimento de forças de convergência entre

humanos e não-humanos que permite a prática, ocorra em uma Assemblage. Isso

colabora para o entendimento de que as atividades de pessoas com objetos gerariam

uma aliança no processo de criação na produção do trabalho (JONES; LORENZEN;

SAPSED, 2015).

Com proposta de analisar a materialização de ideias na produção cultural, Strandvad

(2011), ao estabelecer uma perspectiva material baseada no aporte teórico-conceitual

da Teoria Ator-Rede (TAR) (ALCADIPANI; TURETA, 2009; LATOUR, 2011; 2012;

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CAMILLIS; BUSSULAR; ANTONELLO, 2016), observou a partir do desenvolvimento

de uma produção cinematográfica, momentos em que os objetos como participantes

ativos e colaborativos na evolução e progresso das práticas criativas. Constatou-se

que os objetos não apenas evoluem, mas também estabilizam e expandem suas

ações (STRANDVAD, 2011; LATOUR, 2012; SAYS, 2014).

Diante dessa exposição contextual, alguns aspectos impulsionaram a proposta de

investigação para prática sociomaterial no campo audiovisual, a partir da base teórica

das teorias da prática e teórico-metodológica da TAR, algumas questões podem ser

colocadas: como ocorrem as relações entre os atores envolvidos em uma

produção audiovisual? Quais são as práticas sociomateriais geradas pelo

processo organizativo de um produto audiovisual?

Para responder esses questionamentos, a pesquisa se propôs como objetivo geral em

compreender como se dá criatividade como prática sociomaterial de uma produção

audiovisual, tendo como objeto de estudo a produção de um curta-metragem, em

realização pelo projeto de extensão Núcleo de Produção Audiovisual (Janela), do

curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Com o intuito de alcançar o objetivo geral, buscou-se cumprir os seguintes objetivos

específicos: (a) identificar e compreender as atividades que constituem a criatividade

na produção audiovisual; (b) identificar e descrever os papéis dos atores não-

humanos na produção audiovisual; e (c) analisar e compreender a influência da

sociomaterialidade nas práticas criativas da rede de atores.

Tal escolha do objeto e local ocorre pelo fato de ser possível observar e identificar

características para o desenvolvimento das relações sociomateriais. Gimenez (2016)

ressalta a falta de atenção dos EOR para campo cinematográfico brasileiro como

objeto de análise organizacional. Com isso, buscou-se a compreensão do papel

desempenhado pelos elementos materiais nas práticas criativas, como a criatividade

é entendida, mantida e promovida no campo organizacional da indústria criativa do

audiovisual, como forma de abertura de novos olhares para esse mundo criativo.

Orlikowski (2007), Leonardi (2012), Tureta e Alcadipani (2009) salientam que existem

poucos estudos que tratam da importância da materialidade na prática social, sendo

eles colocados em segundo plano e de forma figurativa nos estudos que propõem

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analisar os processos organizativos. Nesse sentido, o estudo busca explorar essa

lacuna, pois a pesquisa pretende compreender a participação dos elementos materiais

no processo criativo ser uma prática sociomaterial. Outro ponto, é a contribuição com

o segmento audiovisual a compreender as relações sociomateriais de suas práticas,

de como se organizam e criam, a pesquisa oferece implicações transferíveis para o

campo organizacional, uma vez que contribuem para o desenvolvimento de novas

práticas.

Seguindo a agenda de estudos empíricos pela lente de análise para prática

sociomaterial, Slade (2013) analisou a aprendizagem profissional na prática rural,

tendo como resultado que o aprendizado profissional da polícia rural é corporificado e

desenvolvido por meio de interações entre atores humanos e não-humanos.

Panourgias, Nandhakumar e Scarbrough (2014) realização um estudo sociomaterial

no desenvolvimento de jogos de computador, em que identificaram o surgimento de

novas práticas de desenvolvimento de jogos através dos envolvimentos das relações

sociomateriais.

No Brasil, há recente movimento de estudos na busca de analisar a relevância de

práticas com olhar para os não-humanos. Moura (2016) se colocou a compreender a

gestão escolar como prática sociomaterial, onde observou e traçou as evidências da

textura da prática com a constante presença de atores não-humanos como agentes

nos processos construção, reprodução e modificação da prática de gestão escolar. Já

Silva (2017), se voltou a Sustentabilidade como prática sociomaterial no processo de

gerenciamento de um hotel em João Pessoa, onde aponta dependência da existência

de elementos não-humanos para a sua realização.

Apesar desse movimento crescente de estudos que fazem uso da abordagem da

prática sociomaterial, ainda são poucos os trabalhos que exploram setores da

indústria criativas, como ressaltado por Duarte (2015) e Jones et al. (2016). Isso se

mostra como uma lacuna de campo a ser explorada, diante das possibilidades que

uma produção audiovisual (STRANDVAD, 2011; 2013; 2017) permite diante de seus

fatores tecnológicos, econômicos, artístico, cultural, estético e social.

A fim de alcançar o objetivo da pesquisa foi realizada com abordagem metodológica

qualitativa, com inspiração metodológica da TAR sobre o conceito de translação e ao

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seguir os atores (LATOUR, 2011). A produção de coleta de dados foi realizada por

meio de uma triangulação de técnicas: observação participante, documentos textuais

(notas), material audiovisual (fotografia, áudio, vídeo) e entrevistas com os envolvidos

no projeto Janela. Em relação à análise e interpretação dos achados na pesquisa, foi

empregado o procedimento de análise de conteúdo temática com categorização a

posteriori.

Além desse capítulo introdutório, este estudo se encontra estruturado com um

segundo capítulo, onde são abordadas discussões do referencial teórico no intuito de

estabelecer relações entre a criatividade nas organizações, com atenção ao processo

criativo na indústria audiovisual, e práticas sociomateriais, discutidas com base na

perspectiva epistemológica dos EBP e contribuições da TAR diante do processo de

translação. No terceiro capítulo apresenta-se com mais detalhes os motivos da

escolha do percurso metodológico para desenvolvimento desta pesquisa já com as

impressões observadas ao acessar o campo do objeto de estudo. No quarto capítulo

são apresentados os resultados discutidos da produção dos dados. Em seguida, no

quinto capítulo, os resultados são discutidos. Por fim, são apresentadas as

considerações finais desta dissertação.

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22

2 REFERENCIAL TEÓRICO

O referencial teórico desta pesquisa tem a intenção de estabelecer uma relação entre

a criatividade e sociomaterialidade nos EOR. Com isso, são expostas discussões

sobre a Criatividade nas Organizações, Prática Sociomaterial e Sociomaterialidade

Criativa.

2.1 CRIATIVIDADE NAS ORGANIZAÇÕES

Ao longo desse espaço busca-se estabelecer uma compreensão em torno de como a

criatividade é tratada e compreendida e seu processo e breve panorama do campo da

indústria criativa do setor audiovisual.

2.1.1 Processo Criativo nas Organizações

Motivar a criatividade em organizações é ainda algo complexo e que requer atenção

(MUNFORD et al., 2002; MUNFORD; HESTER; ROBLEDO, 2012). A noção de

criatividade nas organizações está presente não somente para fins lucrativos, há

percepção dela em ações organizacionais colaborativas (JEFFCUTT, 2004), e não só

em empresas privadas, mas também em organizações públicas, sem fins lucrativos

(MUNFORD et al., 2002; MUNFORD; HESTER; ROBLEDO, 2012).

Munford, Hester e Robledo (2012) orientam para quebra desse paradigma tradicional,

que é de pouca influência e relevância da criatividade no mundo organizacional, para

o olhar mais moderno dos fenômenos sociais organizacionais diante de um contexto

para o incentivo pela prática de trabalhos criativos. Na visão tradicional, a organização

é vista como uma estrutura sistêmica-controladora e para Watson (2005), não caberia

a organização ser entendida como algo estável, quando necessário seria um olhar

processual para as organizações.

Para tanto, as organizações são compreendidas neste trabalho na abordagem

processual-relacional (WATSON, 2005; CZARNIAWSKA, 2008; DUARTE;

ALCADIPANI, 2016). Weick (1973) apresenta o organizing (organizar) como proposta

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para desnaturalização da visão tradicional de organização, pois com organizing, as

organizações são como objetos de ação (verbos), um estado instável e com estruturas

heterogêneas (WEICK, SUTCLIFE; OBSTGELD, 2005; DUARTE; ALCADIPANI,

2016). A partir dessa visão processual da gestão, torna-se possível uma aproximação

da criatividade com o de gestão, pois ambos são vistos como processos dinâmicos e

contínuos (DAVEL, VIANNA, 2012).

Muitas das vezes, a criatividade remete apenas aos momentos de sucesso e melhoria

de desempenho de uma organização, apesar de sua evidência quando associada a

ideias de inovação (MUMFORD; HESTER; ROBLEDO, 2012). Ainda assim,

discussões em torno do conceito de criatividade ocorrem em diferentes campos do

saber e em diferentes níveis de análise, como na psicologia que explora as dimensões

de criatividade em individual ou grupos (HENNESSEY; AMABILE, 2010). Há também

uma busca no nível organizacional por uma compreensão na relação com a

criatividade e gestão (HENNSESEY; AMABILE, 2010; MUNFORD et al., 2002;

MUNFORD; HESTER; ROBLEDO,2012).

Para Amabile e Pratt (2016, p. 158), a criatividade trata-se da “[...] produção de novas

ideias úteis”. Eles reiteram essa discussão na possibilidade dessas ideias úteis sejam

produzidas por um indivíduo ou pequeno grupo de indivíduos que trabalham juntos. A

implementação realizada com sucesso de uma ideia criativa estaria relacionada a

inovação. Essas são as mesmas definições postuladas anteriormente por Amabile

(1988). Pode-se observar que, criatividade e inovação ocorrem em momentos

diferentes nos processos nas organizações, porém são fenômenos que estão

interligados entre si (AMABILE; PRATT, 2016; MUNFORD; HESTER; ROBLEDO,

2012).

Sobre o caráter “útil” dessas ideias criativas, deve-se voltar atenção para percepção

de valor dessa utilidade, algo que irá variar de acordo com os interesses internos e

externos da organização, podendo vir a ser até prejudicial para alguém ou algum

grupo, como ressaltado por George (2007), haja vista que criatividade e inovação são

fenômenos subjetivos dentre um contexto organizacional permeado por questões

sociais e históricas (espaço e tempo) (AMABILE; 1988; AMABILE; PRATT, 2016).

Diante disso, busca-se aqui explorar com mais afinco o fenômeno da criatividade.

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Para Munford, Hester e Robledo (2012, p. 04), a criatividade nas organizações pode

ser vista como uma “[...] produção de soluções de problemas com alta qualidade,

originalidade e elegância.” Nesse caso, o trabalho criativo surge como resultado de

um problema ocorrido na organização e essa suposição implica em cinco

constatações sobre a criatividade: (1) forma de desempenho, (2) criatividade como

produto de cognição humana, (3) solução criativa é resultado de um alto nível de

cognição humana, (4) tomada de decisão de forma consciente pelo feito criativo e, (5)

sem referências anteriores quanto a essa solução de problema criativo (MARCY;

MUNFORD, 2007; MUFORD; HESTER; ROBLEDO, 2012).

Sendo a criatividade vista como ação de alto nível cognitivo, isso implica em pensar o

ato criativo, quando surgem novos problemas, como fatos desconhecidos, provocam

no aumento da cognição pela complexidade da situação, onde encontra-se uma

infinidade de possíveis resoluções dos problemas surgidos (MARCY; MUNFORD,

2007). Assim, no processo de pensamento criativo de soluções dos problemas que

são gerados os insights, novas ideias e respostas múltiplas para execução do trabalho

criativo (MUNFORD; HESTER; ROBLEDO, 2012).

Munford, Hester e Robledo (2012) salientam para valorização da criatividade nas

organizações, onde muitas das vezes não têm a merecida atenção do da produção

de pensamentos criativos e produtos inovadores, justamente pela ocorrência de

variáveis internas, como controle de custos e variáveis externas, como imitações

implicam em limitar seus valores e inibir tais prática no ambiente organizacional. A

estrutura organizacional e o ambiente seriam outros fatores apontados que podem

inibir ou interromper alguma ação criativa. Esforços inovadores requerem cautela,

tendo em vista muitas vezes o capital financeiro investido em projetos com ideias

criativas (HUNTER; CASSIDY; LIGON, 2012).

Para Loiola e Miguez (2015), a criatividade vai além do fato de gerar ideias, ela gera

novos artefatos. Isar e Anheier (2010) apontam o processo criativo como resultado da

interação dos indivíduos criativos com artefatos e rituais simbólicos, onde a partir de

suas experiências e conhecimento, as ideais são construídas socialmente. No campo

da cultura, por exemplo, essa característica de ação criativa em gerar ideias e

produtos consiste em um processo de autonomização após ser legitimado pelo campo

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que tais ideias precisam serem colocadas à prova (ISAR; ANHEIER, 2010; LOIOLA;

MIGUEZ, 2015).

Loiola e Miguez (2015) argumentam que essa compreensão de criatividade atribuída

apenas ao indivíduo delimita o conceito de criatividade, pois com ela associada ao

indivíduo, há necessidade da ocorrência de um processo de aceitação sociocultural

de determinado grupo de indivíduos (ISAR; ANHEIER, 2010; LOIOLA; MIGUEZ,

2015). Loiola e Miguez (2015) ressaltam que, tanto a criatividade como inovação,

independente de surgirem a partir dos indivíduos ou grupos, esses fenômenos não

podem ser vistos como algo ligado ao campo cultural. Isar e Anheier (2010) reforçam

que criatividade e inovação emergem também de áreas da gestão e da ciência e

tecnologia, pois são provocadas pelas relações não apenas culturais e sociais, mas

também políticas e econômicas. Costa (2015) argumentar ser um desafio encontrar

uma percepção única de criatividade, ainda mais quando inserida no campo da

produção cultural, visto que são poucas as instituições com foco nesse espaço de

mercado de ideias.

Bendassolli et al. (2009, p.13), afirmam que a criatividade seria a “[...] capacidade de

o indivíduo manipular objetos do mundo externo a partir de um desenvolvimento

simultâneo de seus recursos pessoais, suas fantasias e seus desejos”. Com isso, a

criatividade também fica associada ao questionamento de ideias e sua aplicabilidade

como resultado no processo organizativo e de produção, algo que vai da criação de

produtos e serviços artísticos-culturais à inovação tecnológica (JEFFCUTT; PRATT,

2002).

Jeffcutt e Pratt (2002) apontam a criatividade como um processo contínuo, por ter

imbricado nela a relação de conhecimento e interação entre ideias, redes e

tecnologias situadas no contexto para o surgimento da atividade de criação. Há aqui

também uma tentativa de evitar o paradoxo de que somente atividades culturais são

criativas numa convergência entre gestão e criatividade, pois tal caráter processual

de criatividade deve se estender as organizações de forma geral (ISAR; ANHEIER,

2010; JEFFCUTT; PRATT, 2002; LOIOLA; MIGUEZ, 2015).

O indivíduo criativo que desenvolve o bem criativo associado ao uso de ferramentas

baseadas nos avanços tecnológicos permite que seja produzido e personificadas as

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práticas culturais (COSTA, 2015; JEFFCUTT; PRATT, 2002). Então, aquilo que é

produzido passa a ser valorizado pelo seu valor simbólico cultural que o mercado vê

como algo atrativo. São os contextos culturais, sociais e econômicos que tornam a

criatividade em diferentes configurações nas organizações (JEFFCUTT; PRATT,

2002).

No campo organizacional, a criatividade é geradora de valor por produzir ideias que

são colocadas em prática no processo de produção do trabalho (BENDASSOLLI;

BORGES-ANDRADE, 2011). A criatividade passa então a ser analisada e

compreendida pela interação do indivíduo com o meio social e seus hábitos culturais

(BENDASSOLLI; BORGES-ANDRADE, 2011; JEFFCUTT; PRATT, 2002; LOIOLA;

MIGUEZ, 2015).

Há nesse caminho, uma busca pelo equilíbrio entre gestão e criatividade se torna um

desafio, quando se está diante processo de desenvolvimento de um produto ou

serviço, o que possibilita na geração de conflitos entre os profissionais criativos

(DEFILLIPI, GRABHER; JONES, 2007). Cabe então uma identificação desses

indivíduos criativos em um ambiente organizacional (MUZZIO; PAIVA-JUNIOR, 2015).

Muzzio (2017) ressalta a importância de a criatividade ser vista como parte do

processo de gestão nas organizações, e diante dessa compreensão da gestão

criativa, que práticas organizacionais estejam envolvidas de forma harmônica

(LAMPEL; LANT; SHAMSIE, 2009).

Isso provoca uma ampliação do espaço no campo dos EOR, tendo tido uma maior

discussão com estudos teóricos e empíricos nos setores da indústria criativa, sendo o

indivíduo compreendido como o detentor do capital intelectual no conjunto do

processo da criação, produção e comercialização dos produtos e serviços

(BENDASSOLLI et al., 2009). A formação das relações sociais e organizacionais entre

um conjunto de indivíduos criativos leva ao seu conjunto de membro a uma nova

classe, uma classe criativa (FLORIDA, 2002).

A indústria criativa está estruturada e moldada pelas relações sociais, culturais,

tecnológicas e mercado (MOERAN, 2009). A valorização da presença do capital

intelectual leva abertura de um novo olhar nas indústrias criativas, antes somente visto

pela ótica da valorização econômica e comercial. Ao passo que aproxima o indivíduo

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do processo de criação, as indústrias criativas são vistas numa dinâmica organizativa

mais flexível por se relacionarem de forma interativa na sua construção como

organização (JEFFCUTT; PRATT, 2002).

A criatividade como fenômeno em vários níveis (individual, grupal, organizacional e

ambiental), com variáveis complexas (capacidade tecnológica, demanda de mercado,

por exemplo) muitas vezes desconhecidas pelo próprio caráter do pensamento criativo

(MUNFORD; HESTER; ROBLEDO, 2012). Não se tratando de fenômenos estáticos,

pelo contrário, são dinâmicos, o que permite uma melhor compreensão e tentativa de

previsão a ponto de ser possível planejar os processos criativos (HUNTER; CASSIDY;

LIGON, 2012).

Partindo disso, Amabile (1988), apresenta o modelo componencial dinâmico de

criatividade, uma proposta que busca traçar estágios da ocorrência das ideias criativas

a serem utilizadas pelas organizações. Após quase três décadas, com revisão teórica

ao longo desse tempo, Amabile e Pratt (2016) introduzem a influência de

componentes ao longo do processo criativo, conforme visto figura 11. Eles reiteram

para ocorrência da produção de ideias em pequenos grupos de indivíduos.

Com atenção aos momentos dos cinco estágios do processo criativo, temos no

estágio 1 é a apresentação, situação que há a identificação do problema ou objetivo,

o que recai em uma “apresentação de tarefas”, onde forças motivacionais internas e

externas vão influenciar os envolvidos. No estágio 2 compreende como o momento

de preparação, pois a partir da identificação das tarefas, requer que estejam

presentes as habilidades e conhecimentos necessários para continuidade das ações.

A geração de ideias no estágio 3 envolve um momento crucial do processo criativo,

pois nesse momento, as habilidades são expressas a partir da motivação na produção

de pensamentos criativos para resolução dos problemas (AMABILE; 1988; AMABILE;

PRATT, 2016).

1 Os itens na cor roxa representam o modelo componencial original (AMABILE, 1988). Os itens na cor

verde representam os acréscimos ou modificações revistas por Amabile e Pratt (2016).

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Figura 1 – Modelo Componencial Dinâmico de Criatividade

Fonte: Amabile e Pratt (p. 164, 2016).

O momento de avaliação das ideias produzidas a serem vistas como úteis ocorre no

estágio 4. Na validação de ideias, é requerida uma atenção para solução do

problema em questão, conforme as habilidades e conhecimentos disponíveis. Após a

validação, tem-se a avalição de resultados, como forma de perceber as melhorias

alcançadas (sucesso) e atenção para as barreiras encontradas (fracassos) para evitar

na solução de processos futuros (progressos) (AMABILE; 1988; AMABILE; PRATT,

2016).

Sobre novas observações e implementações do modelo, Amabile e Pratt (2016)

apontam para dupla influência dos componentes organizacionais no nível individual e

no próprio ambiental organizacional, daí a característica de improvisação do processo

criativo. Outro ponto está no momento motivação pelo fato dos indivíduos estarem

sujeitos a grandes influências (internas e externas), o que traz um traço ainda mais

dinâmica do processo, onde os componentes organizacionais exercem influências

além das estruturais, além do fato de aprimoramento das habilidades e

relacionamentos afetarem os momentos das etapas do processo criativo.

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Dessa pluralidade a respeito de criatividade, pode-se observar que não é de hoje as

discussões no campo organizacional sobre criatividade e isso toma mais atenção com

as indústrias criativas, que serão discutidas a seguir ao explorar mais especificamente

a indústria audiovisual.

2.2 PRÁTICAS SOCIOMATERIAIS

Nesta seção propõe-se a fomentar discussões em acerca da materialidade nos EOR

sob a perspectiva epistemológica dos EBP. Com a “virada da prática”, os EBP se

colocam como um conjunto de abordagens que vão de encontro às teorias sociais

clássicas ao se debruçar sobre os fenômenos da vida cotidiana organizacional

(RECKWITZ, 2002; BISPO, 2013; NICOLINI, 2013), daí a necessidade de abarca-los

em termo guarda-chuva (GHERARDI, 2006; BISPO, 2013). Eles vão em direção a

uma análise entre a estrutura e agentes que constituem mutuamente os fenômenos

imersos nesse contexto social coletivo (SCHATZKI, 2001; 2002; RECKWITZ, 2002;

NICOLINE; GHERARDI; YANOW, 2003; GHERARDI, 2006; CORRADI; GHERARDI;

VERZELLONI, 2010; FELDMAN; ORLIKOWSKI, 2011; BISPO, 2013; NICOLINI,

2013).

Dentre os campos dos EBP, o campo da prática sociomaterial será adotado para o

estudo neste trabalho. Assim, as próximas seções se dedicam a discutir e explorar a

noção sociomaterialidade e da TAR, sobretudo do processo de translação como

aporte teórico, pois será dessa forma que os processos organizativos serão

compreendidos neste trabalho, o que implicar em dar mais espaço a exploração dos

elementos materiais junto ao social na ação de uma prática, como a produção

audiovisual.

2.2.1 Materialidade na Prática

Dentro as abordagens da EBP, tem ocorrido um movimento para compreensão de

fenômenos sociais diante de uma maior atenção e relevância dos elementos materiais

(elementos não-humanos) diante das interações nas ações estabelecidas com os

humanos, tem sido agenda de pesquisa no campo organizacional (SCHATZKI, 2001;

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2002; GHERARDI, 2006; 2009; ORLIKOWSKI, 2007; LATOUR, 2011; 2012; CARLILE

et al., 2013; LEONARDI, 2012; 2013). As ações dos atores sociais (humanos e não-

humanos) que estruturam e reestruturam ao longo do tempo no campo das práticas

que está situado o mundo social (GHERARDI, 2006; 2009). Neste trabalho, dentre os

entendimentos sobre prática, tem-se que a realidade é socialmente formada e

organizada diante da criação de redes de ações de atores (humanos e não-humanos)

(LATOUR, 2012). Assim, as práticas são constituídas sociomaterialmente

(ORLIKOWSKI, 2007).

Quando provocados a pensar no material e, ainda mais no campo organizacional,

implicitamente são coisas, objetos com características sólidas que estão ao redor dos

processos organizativos. As discussões sobre materialidade têm surgido em diversos

campos das ciências sociais, em volta de termos sinônimos ao sociomaterial (como

sócio material; sócio-material), provocando um movimento crescente de estudos pelo

olhar sociomaterial, uma “virada material” (BARAD, 2003; ORLIKOWSKI, 2007;

CARLILE et al., 2013).

Não é recente as discussões sobre materialidade no campo organizacional

(LEONARDI, 2012). Nesse debate, há uma polissemia conceitual em torno do termo

materialidade, em que vai de acordo com diferentes práticas para compreensão de

que as “coisas” são feitas de materiais, têm-se a prevalência da ideia de as “coisas”

serem algo tangível, sólido (LEONARDI, 2010; CARLILE et al., 2013). Esse sentido

pragmático é encontrado nos dicionários, mas também com diferentes visões dentro

das ciências sociais, como no direito e contabilidade para o que vem a ser material

(CARLILE et al., 2013).

Tais visões distintas trazem a responsabilidade e a necessidade de se importar com

o material (LEONARDI, 2010; 2012), e suas questões éticas (CARLILE et al., 2013).

A visão pragmática de algo material ser essencialmente sólido gira em torno de fatos

históricos e culturais sobre atribuir uma coisa ser material ou imaterial, o que gera

consequências não apenas no campo conceitual, mas em decorrências práticas, uma

vez que: “[...] um objeto (e até mesmo um humano) pode ser material para alguém e

imaterial para outros, podendo mudar esse estado no tempo” (CARLILE et al., 2013,

p. 06, tradução nossa).

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Diante dessas implicações semânticas, vê-se a iminente necessidade do

reconhecimento da importância e relevância dos materiais como forma de superar as

discussões sociais tradicionalmente centradas nos seres humanos, como apontados

por Latour (2012). Assim, deve-se levar em consideração o papel dos materiais na

vida social, e como sugerido por Latour (2012), a (re)conceituação dos fenômenos

organizacionais ser entrelaçado entre elementos sociais e materiais.

Em meio as discussões em torno da agência dos materiais nos fenômenos sociais,

Carlile et al. (2013), ressaltam para o grau de envolvimento dos materiais na estrutura

social. Considera-se também a possibilidade de o ambiente virtual ser constituído

dessas coisas materiais, apesar de ainda ocorrer certo estranhamento

(ORLIKOWSKI, 2007; 2010; ORLIKOWSKI; SCOTT, 2008). Com isso, vê-se que ao

se importar com os materiais, são plurais as possibilidades de análise e o grau de

materialidade nas organizações a partir de investigações em meio a essa perspectiva

epistemológica.

Mesmo diante da influência de elementos materiais, como destaque para os objetos

ou artefatos, suas transformações com avanço da tecnologia, o que tanto digital como

física, que são sinais do dinamismo organizacional, não tem recebido atenção

necessária (ORLIKOWSKI, 2007), e pouca atribuição de sentidos, pois o material

ultrapassa o aspecto físico, a depender do uso de determinado material em um

contexto, possui significado e sentido na ação social (LEONARDI, 2012). Ao passo

que sentidos são dados aos elementos materiais, estes objetos e artefatos, mesmo

com condições físicas são tão materiais quanto imaterial (SVABO, 2009).

É fato que os elementos materiais contribuem cada vez mais nas ações dos indivíduos

(STRATI, 2007; KALLINIKOS; LEONARDI; NARDI, 2012). Como argumentam

Kallinikos; Leonardi e Nardi (2012), os materiais influenciam cotidianamente nas

ações e práticas, podendo eles serem influenciadores e geradores de mudanças de

rotina e hábitos no campo social. Isso fica mais claro em ambientes organizacionais

com o grau de avanço de elementos tecnológicos, como sinais de mudança de tempo

e espaço. Provoca também numa necessidade de atualização dos indivíduos a

experimentar uma nova prática, como exemplo, temos o caso das mídias de

comunicação que reinventam a sua linguagem a cada nova tecnologia.

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Desse modo, antigas atividades passam a serem executadas de outra forma, sem

perder sentido, mas isso só ocorre devido os elementos materiais (KALLINIKOS;

LEONARDI; NARDI, 2012). Os objetos e artefatos, além de não poderem ser vistos

como somente físicos, não são também estáveis, pois a materialidade precisar ser

entendida como algo inacabado e temporal, por sofrer constantes modificações a cada

prática exercida (KALLINIKOS; LEONARDI; NARDI, 2012; OLIRKOWSKI, 2007;

2010).

Diante disso, há uma crescente discussão em torno da materialidade nos processos

organizacionais (DAMERON; LÊ; LEBARON, 2015). E, sendo assim, a

sociomaterialidade tem sido agenda recente no campo organizacional (CARLILE et

al., 2013; LEONARDI, 2013; LEONARDI; KALLINIKOS; LEONARDI; NARDI, 2012;

ORLIKOWSKI, 2007; 2010; ORLIKOWSKI; SCOTT, 2008).

Os objetos e artefatos não são mais vistos de forma secundária na análise da

realidade organizacional, pelo contrário, são partes constituintes para construção e

compreensão dos processos sociais, que são criados e modificados constantemente

(LEONARDI; BARLEY, 2008). Assim, nas práticas, o social e o material não podem

ser dissociados, o que nos leva a compreender a realidade organizacional como

práticas sociomateriais (ORLIKWSKI, 2007). Para Orlikwoski (2007, p. 1437, tradução

nossa, grifo nosso):

O social e o material são constitutivamente enredados na vida cotidiana. A posição de entrelaçamento constitutivo não privilegia seres humanos ou tecnologia (em interações unidirecionais), nem os ligam através de uma forma de reciprocidade mútua (em interações de duas vias). Em vez disso, o social e o material estão intimamente relacionados - não há social que também não é material, e não há material que não é também social.

Leornadi (2012) defende a necessidade da fusão das palavras “materialidade” e

“social”, dada a essa relação intrínseca, onde vê que a materialidade é social por ser

criada em meio ao processo social; e no mesmo sentido, o social só se constituí em

meio ao material. Dessa forma, a sociomaterialidade se torna um elemento de

transformação a ser construído e reconstruído pelos processos organizativos. Os

elementos produzidos pela prática sociomaterial são inseparáveis da prática

(LEONARDI, 2012; ORLIKWSKI, 2007; SVABO, 2009).

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Leonardi (2012) salienta que a materialidade não se trata necessariamente de um

elemento não-humano físico, o material estaria em volta das práticas. Assim, o

material tratar-se de elementos tecnológicos físicos e não-físicos: um hardware

(máquina fotográfica) ou um software (um programa editor de fotos), por exemplo.

Orlikowski (2007) argumenta que diante das práticas organizacionais, são muitos os

aspectos materiais podem passar desapercebidos pelos espaços praticados, onde

encontra-se além dos insumos administrativos, como mesas, cadeiras e

computadores; elementos não tão visíveis pelos praticantes como as redes elétrica,

telefônica, banco de dados. O cotidiano da vida social é permeado de materialidade

(COOLE; FROST, 2010; ORLIKOWSKI, 2007).

Dessa forma, vê-se que a materialidade é inseparável do social, logo o cotidiano é

constituído, modificado e reconstituído em meios a existência das relações dos seres

humanos com os elementos materiais (COOLE; FROST, 2010), por mais que venha

sendo ignorada essa participação dos materiais no contexto organizacional

(ORLIKOWSKI, 2007). Com isso, depreende-se que tais práticas sociais estão

imersas em um cotidiano sociomaterial. Essa perspectiva sociomaterial parte

essencialmente dos pressupostos da ANT, no intuito de estabelecer novas evidências

que considerem a dinâmica existente na interação social entre humanos e não-

humanos nos fenômenos investigados (TURETA; TONELLI; ALCADIPANI, 2011).

2.2.2 Contribuições da TAR para os Estudos sobre Sociomaterialidade

Para elucidar a noção de sociomaterialidade, Orlikowski (2007) atribui sua inspiração

pelas contribuições da TAR, pois ela vê o social limitado a uma construção

homogênea, mas como um caminho a ser percorrido pelas associações entre os

atores que são essencialmente heterogêneos. Para Latour (2012, p. 100) o social “[...]

é um nome de um tipo de associação momentânea caracterizada pelo modo como se

aglutina assumindo novas formas”. Com isso, desconstrói-se o conceito tradicional

do que é social, ao propor uma nova construção social da realidade (TONELLI; BRITO;

ZAMBALDE, 2011; TONELLI, 2016).

A Actor-Network Theory (ANT), Teoria Ator-Rede (TAR) ou ainda Teoria da

Translação é um referencial teórico-metodológico desenvolvido, incialmente por

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MicHel Callon, John Law e Bruno Latour nos seus estudos empíricos do campo da

sociologia e ciência tecnologia (DUARTE, 2015; TURETA, 2011), com a ideia de

estabelecer limites entre sociedade e tecnologia (TONELLI, 2016). Partindo de uma

perspectiva processual (CZARNIASWSKA, 2004, 2008; DUARTE; ALCADIPANI,

2016). A TAR se propõe a investigar os processos de ordenação, pois eles não

surgem como algo concluído, mas como resultado de associações entre as formações

das redes de atores (ALCADIPANI; TURETA, 2009). Trata-se de uma sociologia das

associações (LATOUR, 2012).

Para Latour (2011), colabora para o entendimento e percepção de mundo, a realidade

ser produção das relações associadas entre os atores, um hibridismo entre humanos

e não-humanos, algo indissociável. Ator, agente ou ainda actante (no sentindo de

atuante), são entendidos como sinônimos na TAR, trata-se daquele que que realiza

uma ação. A rede seria o caminho a ser percorrido pelos atores em movimento, que

se associam como outras entidades, sendo as redes formadas por vários materiais

(LATOUR, 2011; 2012). Na TAR, o ator passa a ser formado por elementos humanos

e não-humanos como agentes de ação em uma rede. O ator-rede seria a

representação das incertezas no ato da ação (LATOUR, 2012).

Através dessas associações que ocorre o processo de translação (CALLON, 1986).

Essa mudança leva a relevância da necessidade de se dar importância na constituição

do processo social, ignorado nos estudos que analisavam a realidade sendo

construída, tendo os fatores materiais visto sem atenção ou de forma inferior acerca

do papel nas redes (TURETA, 2011, TONELLI, 2016). O processo de translação

desenvolvido por Callon (1986) pode contribuir para o entendimento das relações

sociomateriais.

2.2.3 Transladando Práticas Sociomateriais

Com inspiração na filosofia de MicHel Serres (TONELLI, 2016), a translação seria uma

operação generalizada que implica em deslocamento das entidades em suas redes

de ações, o que leva a incerteza da identidade do que é e do que está sendo envolvido

no processo translação, cabendo ao processo de translação a produção dos

elementos coletivo imbricados na realidade (CZARNIAWSKA, 2008). Trata-se de um

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processo de construção de conexões, improvisação, bricolagem, que está permeado

nas ações passadas, presentes e futuras entre os elementos participantes desse

processo de translação (CZARNIAWSKA, 2008).

A medida que o social é formado por associações entre atores, e que esses atores

formam redes heterogêneas configurando em uma realidade. Logo, tem-se a

indeterminação como característica dos atores, o que leva ao processo de

associações entre eles para realizarem suas ações, sendo isso realizado diante de

uma realidade performada, sendo ela renovada a cada associação de atores, e isso

todo esse processo de associações necessita de explicação para que seja possível

compreender os fatos (LATOUR, 2012).

Sobre essas associações, Callon (1986) as entende como processo de translação e

estabelece quatro momentos: (1) problematização, (2) interesse, (3) inscrição e (4)

mobilização, conforme demonstrado na figura 2. A translação seria um processo que

permite a transformação de coisas diferentes em iguais, como a junção de objetivos

específicos em um único central (LATOUR, 2011).

A problematização envolve a fase em que atores diante de suas ações se relacionam

com outros atores de outras redes para o levantamento de questões para a realização

das ações, e para tanto tem-se o estabelecimento dessas novas alianças diante da

formação dessa nova rede (CALLON 1986; TURETA, 2011). Há nesse primeiro

momento processos de definições dos objetos principais, ao passo que vai da

identificação de objetivos semelhantes, tanto comum a rede como do próprio ator-rede

(TURETA, 2011).

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Figura 2 – Momentos de Translação

Fonte: Elaborado pelo autor baseado em Callon (1986).

Dessas alianças surge o momento de interesse entre os atores, pois ao definirem os

objetivos centrais da rede, há também uma identidade definida por meio das ações

realizadas em comum (CALLON, 1986, TURETA, 2011). Segundo Callon (1986 p. 09),

o interessamento deve ser compreendido tendo como noção que “a identidade, os

objetivos ou as inclinações de seus aliados. Mas esses aliados estão implicados

provisoriamente na problematização de outros atores também.” O interesse pelo

alcance de determinada ação provoca tensões entre os atores envolvidos por causa

das diversas possibilidades de realização (LATOUR, 2001; 2011), no sentido que “[...]

Em lugar de uma rígida oposição entre contexto e conteúdo, as cadeias de translação

referem-se ao trabalho graças ao qual os atores modificam, deslocam e transladam

seus vários e contraditórios interesses” (LATOUR, 2001, p. 356).

Para Latour (2011), a inscrição materializa o acordo promovido entre os atores-rede,

sendo possível ser representado em um contrato físico, por exemplo. Com isso, o

momento de inscrição possibilidade uma melhor identificação visual da rede, mesmo

diante de sua mobilidade é possível acompanha-la por sua materialização, o que torna

um momento mais estável. Estando os atores inscritos, eles “[...] exploram suas

diferenças e interesses de maneira que possam estabelecer o conjunto de práticas

que será compartilhado” (TURETA, 2011, p. 70). As inscrições seriam móveis

imutáveis, pelo fato de poderem realizar o deslocamento muitas vezes de forma

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contraditória ao interesse, pois uma vez que “[...] São sempre móveis, isto é, permitem

novas translações e articulações ao mesmo tempo em que mantêm intactas algumas

formas de relação (LATOUR, 2001, p. 350).

A mobilização é uma ação constante dos atores, o que acarreta numa movimentação,

muitas vezes não previsível de suas ações (CALLON, 1986). Dessa forma, Callon

(1986) prediz que não um caminho, uma fórmula determinada para os atores irem à

busca de estabelecer novas redes. Nessa interação de mobilização por aliados, acaba

ocorrendo a definição de um representante de cada rede (TURETA, 2011). Seriam

eles, os porta-vozes, “[...] aqueles atores que se tornam os legítimos representantes

da associação e que falam e agem em nome dos demais” (VALADÃO, 2014, p. 59).

Ao descrever os quatros momentos de translação, Callon (1986) acaba evidenciando

que a construção e produção de rede de relações ao mesmo tempo que fatos

científicos são evidenciados. Assim, fatos científicos são transladados, construídos

socialmente, como apontados por Latour e Woolgar (1997). Os fatos científicos estão

sendo reconhecidos e traduzidos com a ajuda dos atores envolvidos nas atividades

ao longo do processo de produção do curta-metragem, haja vista que as evidências

precisam serem legitimadas e afirmadas pelos atores (LATOUR, 2011). Essa tradução

seria a translação de interesses entre os atores. Dessas possibilidades de interações

que conhecimentos são produzidos.

Partindo dessa perspectiva translacional da TAR, esse processo pode vir a gerar

efeitos de ordenamento, ainda que de forma temporal, pois uma característica

intrínseca desses momentos é que eles ocorrem constantemente, no sentido que há

(re)construção das ações dos atores-rede para estabelecerem práticas

institucionalizadas (LAW, 1992; LATOUR, 2011). Dessa forma, compreender o

processo de translação significa compreender como a realidade é moldada a partir

mobilização de atores-rede para realização de uma ideia que se vai se tornando

legitimada (CALLON, 1986; LATOUR, 2011; 2012).

Algo que fica também constatado na tradução dessas práticas é o poder de influência

dos não-humanos com a formação de “caixas-pretas”. A metáfora da caixa-preta é

colocada como uma representação de um fato constituído como verdade, mesmo que

alguns atores-rede não tenham tido compreensão de tais fatos já estabelecidos. A

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formação de uma caixa-preta pode ser interpretada também como um ponto de

referência a ser percebido pelos atores mediadores e intermediários no processo de

translação à medida que as caixas-pretas vão sendo (des)construídas (abertas e

fechadas), e como ponto de passagem (LATOUR, 2001 2011; 2012).

Assim, transladando essa metáfora, o fenômeno de investigação desta pesquisa, as

relações sociomateriais no processo criativo, seria uma caixa-preta. Diante disso, esta

pesquisa se colocar a abrir essa caixa criativa na busca de compreender de como os

atores-rede se manifestam no ato de criar. Como argumenta Latour (2011), é preciso

seguir os rastros dos atores criativos antes que os fatos sejam concretizados, pois

assim pode-se observar as ideias criativas que foram sendo constituídas e

desconstruídas, além da atuação latente dos não-humanos no decorrer do processo

de abertura e fechamento dessa caixa-preta na produção do curta-metragem.

2.3 SOCIOMATERIALIDADE CRIATIVA

Este espaço se insere no intuito de estabelecer uma ligação entre as discussões

realizadas anteriormente neste trabalho. Busca-se provocar a necessidade de um

olhar para as práticas sociomateriais no processo criativo.

2.3.1 Relações Sociomateriais no Processo Criativo

A partir das articulações com atenção aos principais aspectos abordados neste projeto

no campo da criatividade (AMABILE, 1988; AMABILE; PRATT, 2016; MUNFORD;

HESTER; ROBLEDO, 2012) e práticas sociomateriais (CARLILE et al., 2013;

LEONARDI, 2012; ORLIKOWSKI, 2007) nas organizações, aponta-se como um

caminho empírico a ser trilhado representado no esquema conceitual (figura 3) à

respeito da sociomaterialidade criativa como proposta de que os desdobramentos

auxiliem na compreensão as relações sociomateriais ao longo do processo criativo

na realização de um curta-metragem.

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Figura 3 – Esquema conceitual do projeto

Fonte: Elaborado pelo autor.

Pôde-se observar que a noção de criatividade é eminentemente centrada como

característica do indivíduo (AMABILE, 1988; 1998; AMABILE; PRATT, 2016;

MUNFORD; HESTER; ROBLEDO, 2012), ainda que esse indivíduo estabelece

relações sociais dentre um contexto cultural (ISAR; ANHEIER, 2010; LOILA; MIGUEZ;

2015; MOERAN, 2009). Esses sujeitos criativos são ainda identificados como

mainstreamns e mavericks (BECKER, 2008; JONES et al., 2016). Como forma de

questionar esse antropocentrismo criativo, Duff e Sumartojo (2017) discutem a

capacidade de os elementos materiais serem também agentes participantes do

processo criativo na prática criativa no campo das indústrias criativas, onde

diagramam a aliança entre os humanos e não-humanos na prática criativa, o que se

trataria de uma Assemblage. Na Assemblage, a criatividade ocorre de forma

processual nas práticas desenvolvidas entre os humanos e não-humanos, o que

implica numa assembleia, uma colagem entre os indivíduos e os objetos, e isso

possibilita gerar uma aliança desses atores para os momentos de criação e produção

do trabalho criativo (DUFF; SUMARTOJO, 2017).

A criatividade seria uma convenção, temporária de forças e elementos materiais,

afetivos de forma heterogenia em uma determinada prática criativa. A criatividade se

CRIATIVIDADE(GERAÇÃO DE

IDEIAS)

SOCIOMATERIALIDAREALIDADE

FORMADA POR RELAÇÕES DE ELEMENTOS

SOCIAIS E MATERIAIS

SOCIOMATERIALIDADE CRIATIVA

(IDEIAS CONSTITUÍDAS PELA RELAÇÃO ENTRE

HUMANOS E NÃO-HUMANOS)

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expressaria pela sua capacidade semiótica (DUFF; SUMARTOJO, 2017, JONES;

LORENZEN; SAPSED, 2015). Seria por meio de códigos semióticos e de sua base

material, que a criatividade pode vir a ser entendida como um processo de geração

de algo novo que estaria associado a elementos já existentes, o que estaria

condicionado como fatores de mudança para geração dessa prática criativa nova os

aspectos sociais, política e tecnologia (JONES; LORENZEN, SAPSED, 2015. Assim:

[...]a prática criativa subsiste no campo afetivo, social e conexões materiais forjadas entre esses corpos, forças e espaços à medida que se encontram, tornando-se efetivo, tornando-se criativo, capacitando capacidades ao mesmo tempo em que exclui outras (DUFF, SUMARTOJO, 2017, p. 2, tradução nossa).

Na prática criativa, a criatividade seria um momento de vinculação entre os humanos

e não-humanos, por meio das conexões das ideias na geração de novidades, não

podendo ser tratado de forma acessória ou intermediária os objetos nas ações do

cotidiano como ressaltado por Latour (2012). Duff e Surmatoj (2017) estimulam

pesquisas empíricas nos EOR para identificação das configurações dessas práticas

criativas.

Jones et al. (2016), apontam a materialidade como caminho a ser explorado no

universo criativo. A materialidade não só pode estabilizar a criatividade em produtos

culturais como as pinturas, edifícios, livros, por exemplo, como também promulgar

novos códigos semióticos com proposta de difundir práticas criativas, mas também

estimular inovações (JONES; LORENZEN; SAPSED, 2015; JONES et al., 2016). A

materialidade deixa rastros, permite a criação de novos códigos semióticos que se

expressam simbolicamente a partir da tecnologia no mundo das artes (JONES et al.,

2016).

Com proposta de analisar a materialização de ideias na produção cultural, Strandvad

(2011) estabeleceu uma perspectiva material, onde observou a partir do

desenvolvimento de uma produção cinematográfica, momentos em que os objetos

como participantes ativos e colaborativos na evolução da produção cultural. Em seu

estudo empírico ela identifica momentos da evolução dos objetos, onde eles não

apenas evoluem, mas também estabilizam e expandem suas ações. Esse estudo

empírico vai ao encontro de trabalhos que buscam evidenciar tais práticas

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sociomateriais, sobretudo criativas como sugerem Jones et al. (2016) e Duff e

Sumartojo (2017).

Como tentativa de traçar os caminhos dos atores ao segui-los (LATOUR, 2011), este

trabalho apresenta uma convergência entre os cinco estágios do processo criativo

proposto no modelo apresentado por Amabile (1988) e adaptado posteriormente por

Amabile e Pratt (2016), com os quatros momentos do processo de translação proposto

por Callon (1986). Na figura 4 tem-se a proposta de tal modelo do processo

sociomaterial criativo.

O momento de problematização pode ser associado e compreendido com estágio de

apresentação da tarefa, pois nesse contexto surgem para os indivíduos criativos (os

atores criativos), um problema em que eles precisaram identificar as possibilidades de

resolução dessa situação colocada em questão. Eles precisaram encontrar a partir de

seus objetivos e forças motivacionais pessoais, o estabelecimento e semelhanças

desse objetivo geral, que é externo, para solução do problema coletivo.

Dessa compreensão de um objetivo comum a todos os envolvidos na solução de um

problema criativo posto, os interesses se convertem na identificação dos atore e

pontes de alianças surgem como uma rede que liga os objetivos comuns com os

gerais de cada ator envolvido. E para serem escolhidos para rede, os atores precisam

estar preparados, dispostos e munido do conhecimento e habilidade necessário para

realização das ações a serem executas pelas redes de ações.

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Figura 4 – Modelo Translacional do Processo Sociomaterial Criativo

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Amabile e Pratt (2016) e Callon (1986).

O momento de inscrição coincide com o momento de geração de ideias, pois as redes

são percebidas através das ideias que estão sendo materializadas nesse instante. No

sentido que, as ideias criativas vão sendo produzidas e sendo constituídas para

aprovação e definição dos atores criativos envolvidos. Por estarem inscritos, os atores

passam a estabilizarem e definir suas ideias de forma que alcance a solução de

conflitos pela rede está visivelmente sociomaterialidade.

A mobilização passa a ocorrer constantemente pelos atores criativos por seus

esforços em validarem suas ideias, o que já se torna como uma ação para tentativa

de consolidação das redes de aliança já estabelecidas e interesse de gerar novas

redes com outros atores a partir do surgimento de problemas criativos. Ao passo que

o problema apresentado foi solucionado, ainda requer-se uma avaliação das práticas

sociomateriais realizadas pelos atores, desde as primeiras ações realizadas, onde

cabe a identificação de das falhas, sucessos e progressos ao longo do processos de

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criação e dessas práticas sociomateriais realizadas poderem vir a serem legitimadas

e propagadas pelos atores que serão os porta-vozes.

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3 O PERCURSO METODOLÓGICO SEGUIDO

Esta seção dedica-se a apresentar as escolhas metodológicas para realização desta

pesquisa. Incialmente, traz-se a caracterização da pesquisa que se desdobrou como

instrumentos para produção dos dados as técnicas de observação participante,

pesquisa documental-audiovisual e entrevistas. Em seguida, relata-se o campo

pesquisado, em que as práticas de criatividade sociomaterial emergiram na produção

de um curta-metragem e o tratamento realizado para análise dos dados. Saliento que

passarei a utilizar, em alguns momentos, o recurso narrativo em primeira pessoa, por

buscar descrever essa minha experiência na prática do fazer pesquisa de campo

(CLIFFORD, 2008).

Cabe ressaltar que questões éticas foram tomadas para o desenvolvimento deste

estudo. Com isso, foram inicialmente obedecidos os critérios éticos no

desenvolvimento de pesquisa com seres humanos, com a elaboração do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE A), com base na resolução nº

466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Tendo sido avaliada e aprovada a

proposta deste projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres

Humanos (CEPSH) da UFES, sob o parecer de número 2.542.707 (ANEXO A).

3.1 CARACTERIZAÇÃO E ABORDAGEM DA PESQUISA

Para melhor compreensão da criatividade como prática sociomaterial ao longo de uma

produção audiovisual, foi proposta neste estudo, a realização de uma pesquisa com

características qualitativas. Pois, ao pretender investigar fenômenos sociais, a escolha

da abordagem qualitativa se tornou essencial, uma vez que como pesquisador, me

dispus a ir à campo e coloca à e me permitir compreender a construção e o

desenvolvimento dos processos organizativos de uma produção audiovisual

(CRESWELL, 2013; DENZIN; LINCOLN, 2011).

Diante dessa participação ativa como pesquisador próximo do objeto de estudo para

observação das práticas sociomateriais, o estudo tomou como inspiração os preceitos

metodológicos da TAR, sobretudo do processo de translação. Latour (2012) propõe

que sigamos os atores, pois eles sabem o que estão fazendo, basta o pesquisador

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aprender junto com eles não apenas o que fazem, mas o motivo que levam a realizar

tais ações.

Dessa forma, fui me preparando para ir à campo, passando a explorar os espaços,

físicos e virtuais, dos atores humanos envolvidos no campo do objeto de pesquisa a

fim de observar os fatos científicos (LATOUR; WOOLGAR, 1997). A TAR como

proposta metodológica, parte de uma perspectiva crescente dos EOR em relação a

compreensão das relações heterogêneas dos processos organizativos (ALCADIPANI;

TURETA, 2009; ALCADIPANI; HASSARD, 2010; CAMILLIS, 2011; TURETA, 2011;

DUARTE, 2015).

Por se tratar de uma epistemologia pós-estruturalista, de natureza ontológica

relativista, e ao ser fundamentado em estudos empíricos, a TAR é vista como uma

versão empírica do pós-estruturalismo (ALCADIPANI; TURETA, 2009; DUARTE;

HASSARD; COX, 2013; ALCADIPANI, 2016). Sendo assim, esta pesquisa pode ser

apontada como um estudo empírico do pós-estruturalismo, sob a perspectiva do

campo dos EOR.

Assim, busquei descrever de forma detalhada o processo do desenvolvimento das

associações entre os atores. Pude observar que as atividades são modificadas diante

da liberdade e flexibilização nas ações das práticas dos atores seus comportamentos.

Foi ao longo do percurso da realização desta pesquisa que o método foi sendo

construído (LATOUR, 2011), o que a possibilitou na compreensão da realidade que

estava sendo construída (LAW, 2004). Dessa perspectiva, identifiquei que o processo

de produção audiovisual, como fenômeno organizacional, é performado pelos

interesses dos atores humanos e não-humanos (LAW, 1994; 2004; CZARNIAWSKA,

2008).

3.1.1 Da Escolha ao Campo de Pesquisa

O campo de investigação da criatividade como fenômeno de práticas sociomateriais

foi o audiovisual. Duarte (2015), Jones et al. (2016) e Strandvad (2011) incentivam

para uma maior investigação das práticas dos setores criativos, pois podem trazer

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valorosas contribuições para o campo de pesquisa. Neste campo, a criatividades

ocorre de forma mais tangível por meio de processos criativo.

Strandvad (2011) aponta que ao observar a dinâmica organização de uma produção

audiovisual, é possível constatar uma evolução simultânea do objeto cultural e de seus

processos de produção. Assim, justifica-se a discussão desse estudo pelo recente

interesse dos EOR nas indústrias criativas (DUARTE, 2015; JONES et al., 2016).

Com isso, entre os meses de julho e agosto de 2017, passei a procurar um ambiente

que pudesse acompanhar alguma produção audiovisual, do início ao fim, o que

compreende em três etapas gerais: pré-produção, produção e pós-produção. Judice

e Furtado (2014) salientam para necessidade de acompanhar a realização completa

de um fenômeno criativo, e com atenção ao contexto do espaço de pesquisa, sua

relevância e prática para as atividades diárias (MOERAN, 2009).

Nessa procura por uma produção audiovisual (o que poderia vir a ser um filme, curta-

metragem, comercial, animação, videoclipe, programa de TV), realizei uma busca

pelas redes sociais de produtoras presentes preferencialmente na cidade de

Vitória/ES. Nisso, acabei me deparando com organizações mais alternativas e

independentes, e entre elas organizações mobilizadoras do audiovisual capixaba,

ABD Capixaba (Associação Brasileira de Documentaristas e Curta Metragistas do

Espírito Santo) atuando com realização de fóruns que discutem políticas públicas

culturais desse setor e mostras com produções independentes locais do estado. Outro

ator institucional é o SINAES (Sindicato da Indústria Audiovisual do Espírito Santo),

que visa estabelecer uma relação dessa indústria com causas trabalhistas e busca de

fomento do setor privado e público.

E entre buscas por contatos via redes sociais, troca de e-mails com produtoras e com

participação de fóruns que me deparei por meio da TV Ufes o Núcleo de Produção

Audiovisual (Janela), projeto de extensão do curso de graduação de Cinema e

Audiovisual. Assim, este trabalho teve como objeto de estudo as atividades

desenvolvidas do projeto de extensão do Núcleo de Produção Audiovisual da UFES

que envolve, essencialmente, alunos do curso de graduação em Cinema e

Audiovisual, Publicidade e Propaganda, Jornalismo, Artes Visuais dessa

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universidade. Foi a entrada pela Janela que me possibilitaria acompanhar uma

produção audiovisual.

3.1.2 Janela: Núcleo de Produção Audiovisual

Os atores são as fontes das ações (LATOUR, 2011) e já com o entendimento de não

prever as ações dos atores no campo (ALCADIPANI; TURETA, 2009),que entrei em

contato inicial com o aluno bolsista do projeto e o professor responsável do projeto.

Por meio de uma entrevista exploratória com eles, vi as instalações do projeto: sala

administrativa, que funciona como ilha de edição também, o Laboratório de Vídeo

(LABVÍDEO), um espaço para gravações internas, mas utilizada normalmente para as

reuniões do Janela.

Com base nessa conversa inicial, compreendi que o Janela tem como metodologia de

trabalho a troca de experiência entre os participantes, iniciantes e veteranos do

projeto, onde muitos já atuam no cenário profissional do audiovisual antes mesmo de

iniciarem seus cursos. Com cerca de 5 anos de existência do projeto, baseado já em

um projeto semelhante desenvolvido pelo mesmo professor que é responsável por

conduzir o projeto são realizadas a cada semestre letivo atividades práticas para pré-

produção, produção e pós-produção de um produto audiovisual como curta-

metragem, documentário, programa, websérie, clipe. Os produtos audiovisuais do

JANELA são exibidos na mostra “Na Janela”, além da disponibilidade em redes

sociais, para toda comunidade, acadêmica e externa, o que resulta na visibilidade do

projeto ao aproximar a universidade com a sociedade por meio da produção

audiovisual.

Dessa maneira, o projeto a escolha do Janela como objeto se justifica por possibilitar

que eu como pesquisador passe a ter acesso as ações e transformações da rede de

atores do projeto a partir da produção de um produto audiovisual em meio a processos

criativos presentes no Janela como membro do projeto a partir do mês de agosto de

2017. Assim, as relações sociomateriais tem sido as fontes de dados e informações

da pesquisa para a compreensão as relações sociomateriais existentes no processo

criativo.

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3.2 PRODUZINDO E COLETANDO DADOS PARA PESQUISA

A produção de dados foi por meio da observação participante, entrevistas e

documentos textuais e audiovisuais. Dessa forma, este estudo utilizará diferentes

fontes de informação (CRESWELL, 2013). Essas escolhas recaem em uma

triangulação de técnicas (CÁRDENAS et al., 2018), o que permitiu relacionar e

confrontar os dados produzidos ao longo das etapas de coleta da pesquisa como

forma de enriquecer os dados para alcance dos objetivos desta pesquisa (DENZIN;

LINCOLN, 2011).

3.2.1 Observação Participante

Para que pudesse compreender como as relações sociomateriais ocorrem na

produção audiovisual, participei do projeto Janela 2017/2, como membro da equipe

de produção do curta-metragem Hel. Minha entrada no campo ocorreu em 29/08/2017

com minha inscrição, por meio do preenchimento de um formulário online. No mesmo

dia ocorreu também a primeira reunião geral do projeto com os inscritos nesse

período. Nessa reunião me apresentei pude me apresentar não só como membro do

grupo, mas também como pesquisar ao apresentar a proposta de estudo.

O produto audiovisual escolhido para produção foi um curta-metragem de ficção do

gênero terror. Entre meados de setembro a dezembro de 2017, foram desenvolvidos

os processos de pré, produção e início da pós-produção do curta-metragem. O projeto

entrou em recesso nos meses de janeiro e fevereiro de 2018. Retornei ao campo em

março até maio de 2018 para acompanhar as finalizações da edição do curta-

metragem. Foi neste período que pude observar a realização do curta-metragem.

Desde o momento da inscrição passei até meados de dezembro de 2017 participando

das reuniões gerais, sempre a partir das 16h nas terças-feiras. Tais reuniões tinham

como propósito alinhar a realização de um produto audiovisual. Inicialmente, eram

cerca de 50 inscritos, entre membros antigos e novos, algo nunca visto pela

coordenação do projeto antes.

Minha participação ocorreu como membro da equipe de produção. Essa escolha foi

por meio da indicação de alguns atores com quem havia criado maior aproximação.

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Além das reuniões gerais, participei das reuniões da equipe de produção, acompanhei

mais de perto a equipe de roteiro. Ao todo, foram 29 observações, com cerca de 50

horas (ver ANEXO B).

Na estadia de campo, fui seguindo os atores em diferentes espaços e momentos da

execução do curta-metragem (reuniões gerais, reuniões de equipes, escolha de

locações, gravações, ilhas de edição). Pude acompanha-los também por meio das

redes sociais, espaço que foi sendo conquistado e passando a segui-los também.

Além de encontros em eventos de cinema na cidade de Vitória-ES.

Ao longo das observações, fui seguindo os atores sempre com um bloco de notas,

caneta, uma câmera fotográfica semiprofissional para fotografar/filmar, assim como o

celular. Escolhi observar utilizando esses recursos audiovisuais, na tentativa de

contribuir numa melhor robustez de dados coletados, a partir da produção de

documentos textuais e audiovisuais para posterior análise, além da construção de

notas de campo com maior robustez.

Nessa imersão no campo, fui estabelecendo confiança e empatia com os demais

envolvidos no projeto, algo que se fez necessário para realização da observação

participante (YANOW, 2012), uma vez que ousei como pesquisador em mergulhar no

cotidiano das práticas de um grupo, entender os significados a serem compartilhados

de sua cultura (ANGROSINO, 2005; CAVEDON, 2014).

Com a necessidade de estar presente na realização do curta-metragem, Moeran

(2009), aponta para utilização da técnica de observação participante para que o

pesquisador possa ter a essa experiência de trabalho em conjunto com as pessoas

criativas. Ele ainda sugere que por meio dessa técnica com tentativa de compreender

a noção de criatividade entre as diferentes formas de processos criativos nas

indústrias criativas.

Ao longo do processo de realização do curta-metragem, me preocupei em observar a

relevância e o papel dos elementos não-humanos nas atividades e práticas

vivenciadas. Pude observar as ideias em movimento na construção de elementos não-

humanos próprios do curta-metragem, como a produção do roteiro e da decupagem.

Além da experiência de produtor de set em que as cenas eram sociomaterializadas

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com os elementos de cenas, do próprio momento de gravação com os equipamentos

de câmera e som ligados em ação e também da etapa de uso dos software de edição

para finalização do produto audiovisual.

Em pesquisas que seguem atores não-humanos, Bruni (2005) indica que o processo

investigativo requer a necessidade de identificar e observar conexões que vão sendo

estabelecidas nas redes de ações com os atores humanos, como eles interagem no

campo. Nesse sentido, seguiu-se a orientação do uso da técnica de observação que

também foi utilizada como instrumento de produção de dados nos trabalhos de

Camillis (2011), Tureta (2011) e Duarte (2015), por ela contribuir em uma melhor

compreensão da participação da rede de atores e suas práticas.

3.2.2 Documentos textuais e audiovisuais

Das minhas observações, produzi em alguns momentos documentos gravações de

áudios, registros fotográficos, vídeos e anotações como forma de expressões do

processo de organizar como forma de ampliar as práticas do fazer organizacional

(DAMERON; LÊ; LEBARON, 2015; HINDMARSH; LLEWELLYN, 2016). A utilização,

desses materiais, nesta pesquisa, se colocou como possibilidade de observar a

realidade como um fato (HODDER, 1994; BAUER; GASKELL, 2012). O recurso de

produzir materiais audiovisuais é colocado como desafio metodológico neste projeto,

pois vai ao encontro dos objetivos de identificar as práticas sociomateriais

(HINDMARSH; LLEWELLYN, 2016). Algo que tem sido um desejo cada vez maior de

compreender os comportamentos dos atores ao capturar visualmente seus momentos

de interações (JARRETT; LIU, 2016).

Assim, arquivei junto das observações em formato digital de forma digital os materiais,

o que se configurou como um fotodiário (SCHULTZE, 2012). Como indicam Zundel,

MacIntosh e Mackay (2016), além de buscar analisa-los posteriormente, eles servirão

como forma de ilustrar de forma mais rica as minhas narrativas junto dos elementos

materiais utilizados nas práticas organizativas cotidianas do grupo Janela. Mesmo

sem ser compreender muitas técnicas de uso, me coloquei a utiliza-las, o que é um

desafio para os pesquisadores se propõe a realizar essa técnica metodológica

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(MASON, 2012). Ressalto que contei muitas vezes com o auxílio despertado pela

curiosidade e empatia dos atores do Janela no uso com seus equipamentos

profissionais e semiprofissionais audiovisuais.

Fazendo uso do vídeo, por exemplo, foi possível observar e entender como ocorrer a

sociabilidade dos objetos materiais (HINDMARSH; LLEWELLYN, 2016). Fazer uso de

recursos audiovisuais recai em uma perspectiva paradoxal do pesquisador ao se

relacionar mais densamente com a tecnologia (WHITING et al., 2016), daí provocar

tensões, mesmo com grupo de atores que fazem uso corrente desse tipo de

tecnologia, como o caso em questão do grupo Janela. Dessa forma, busquei explorar

mais as imagens dentro do contexto das práticas sociomateriais, no sentido de tentar

superar tal desafio nas pesquisas qualitativas que pouco exploram quando fazem uso,

acabam não dando atenção a fonte de dados visuais (CAMPOS, 2011; MASON,

2012).

Documentos textuais desenvolvidos pelos próprios atores (roteiro, decupagem,

diárias) e o próprio curta-metragem (arquivos de áudio de vídeo) são os materiais que

foram perfomados ao longo da minha inscrição na rede. Seria praticamente

impossível, ao me inserir no campo audiovisual não pensar em produzir e analisar tais

materiais, dando inclusive uma maior atenção e destaque ao utilizá-los como recursos

metodológicos e instrumentais no sentido de promover futuras discussões

metodológicas desses recursos na pesquisa qualitativa (CAMPOS, 2011; DAMERON;

LÊ; LEBARON, 2015; MASON, 2012; ZUNDEL; MACLNTOSH; MACKAY, 2016).

Acredita-se que a prática de gravação de vídeo pode torna-se cada vez mais

disponível para análise e compreensão das investigações nos espaços praticados

(MENGIS; NICOLINI; GORLI, 2016). Metodologias baseadas em recursos

audiovisuais possibilitam uma melhor representação do objeto pesquisado por suas

qualidades multimodais e uma reflexividade das práticas observadas (JARRETT; LIU;

2016; TORALDO; ISLAM; MANGIA, 2016).

Procurando ter sempre em mãos uma máquina fotográfica ou o celular com câmera e

gravador, capturei em diferentes espaços, nos quais a produção do curta-metragem

acontece (MENGIS; NICOLINI; GORLI, 2016; TORALDO; ISLAM; MANGIA, 2016).

Recorri a esses instrumentos para desenvolver a pesquisa por considerar uma

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vantagem esses recursos textuais e audiovisuais, pela possibilidade de fazer

inferências e observações daquilo que não foi dito ou está ausente a partir da

observação dos mesmos, ou até mesmo confrontos entre o que foi dito (CAMPOS,

2011; DAMERON; LÊ; LEBARON, 2015; BAUER; GASKELL, 2012).

3.2.3 Entrevistas

As entrevistas foram realizadas nos meses de maio e junho de 2018, com o recurso

de um roteiro semiestruturado (APÊNDICE B). Elas ocorreram justamente após o

período da observação participante e da produção de documentos textuais e

audiovisuais, pois antes de entrar em campo, eu não saberia fazer questionamentos

tendo observado apenas o dito, ao invés do vivido. Diante das particularidades com

os atores entrevistados, ressalto que o roteiro sofria adaptações a cada entrevista

realizada para dar liberdade aos relatos dos acontecimentos vividos, pois as

perguntas foram reconstruídas no momento das entrevistas (SPRADLEY, 1979).

Inclusive, perguntas sendo construídas de uma entrevista para outra, conforme novos

temas e problemas surgiam.

Os entrevistados foram selecionados de forma intencional, tendo como pressuposto a

busca um membro de cada área ou etapa da realização do curta-metragem, no intuito

de garantir um olhar por perspectivas diferentes dos processos criativos praticados e

observados pelos entrevistados, como aponta Gaskell (2012). Não limitei a escolha

pelo tempo no projeto. Ainda assim, houve certo equilíbrio entre os novos janeleiros e

os veteranos. Latour (2012) aponta para relevância pela possibilidade do pesquisador

estar disposto a ouvir qualquer relato de algum momento de ação, pois os atores

podem oferecer um conjunto mais substancial de dados.

O convite para as entrevistas ocorreu via conversa instantânea pela rede social

Facebook® e WhatsApp®. Como todos eram estudantes da Ufes, eles tinham rotinas

variadas de estudos. Assim, os locais e horários foram conforme a disponibilidade de

tempo e espaço. Com isso, elas foram realizadas nos momentos livres deles,

resguardando apenas a limitação de ser em um ambiente de certo silêncio. Nisso, as

entrevistas foram realizadas em espaços variados na própria Ufes, nas acomodações

do CCJE e do CAR, como também da própria residência dos entrevistados. Vale

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destacar que em algumas, houve a necessidade de trocar de horários e dias por

questões particulares dos entrevistados, mas que me causava certa frustação como

entrevistador.

Para que a identidade dos entrevistados seja preservada, os mesmos passam a

serem identificados por nomes fictícios de personagens célebres de filmes de terror,

como forma de trazer aproximação da experiência da realização de um curta-

metragem de ficção do gênero terror.

Quadro 1– Atores Entrevistados

Entrevistadx Nome fictício dxs

entrevistadxs

Função(ões) dos

atores no curta-

metragem

Duração da

entrevista

1 Leatherface Roteirista 20 min

2 Samara Morgan Assistente de

Produção 27 min

3 Norman Bates Produtor Executivo 54 min

4 John Constantine Roteirista e Assistente

de Som 58 min

5 Carrie White Diretora de Arte e

Roteirista 44 min

6 Michael Myers Assistente de

Fotografia 29 min

7 Regan MacNeil Continuísta 22 min

8 Suzy Bannion Assistente de

Fotografia 22 min

9 Jason Voorhees Assistente de Direção 34 min

10 Hannibal Lecter Roteirista e Assistente

de Som 58 min

11 Freddy Krueger Editor de Imagem 57 min

12 Jack Torrance Diretor de Pós-

produção 47 min

13 Annie Wilkes Diretora Geral e

Roteirista 59 min

14 Rosemarey

Woodhouse Produtora de Elenco 26 min

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15 Lorraine Warren

Diretora de Edição de

Som e Assistente de

Arte

1h e 6 min

Fonte: Elaborado pelo autor.

O recurso da técnica de entrevista permitiu a construção de evidências por meio da

relação estabelecida entre o pesquisador como entrevistador com os atores humanos

entrevistados (GASKELL, 2012). Foram explicitados os objetivos da entrevista com

assinatura do TCLE, da necessidade de gravação para inserção das perguntas que

foram conduzidas de forma mais espontânea, uma conversa com troca de

informações, e muitas delas foram carregadas de risos pelas relações que foram

sendo (re)estabelecidas. Conforme indicado por Spradley (1979), as entrevistas foram

realizadas com intenção de desvendar questões observadas no fenômeno

investigado, mas que ainda precisa ser explicitada ou confrontada. Utilizei esse tipo

de entrevista por ter uma noção do ponto final que chegaria determinada entrevista a

partir das perguntas, apesar de não deter o controle total de seu desenrolar. As

entrevistas foram gravadas por meio de um gravador semiprofissional e por um

aplicativo de gravação do meu celular. Elas foram transcritas posteriormente para um

editor de texto. A finalização do processo desse processo de transcrição marca o fim

da produção dos dados nesta pesquisa.

3.3 ANÁLISE DOS DADOS

A triangulação de técnicas contribuiu com o rigor científico, o que possibilitou a

ampliação do entendimento do fenômeno em estudo (CÁRDENAS et al., 2018). Para

análise desses dados, recorri à análise de conteúdo (LUNE; BERG, 2017), com base

na proposta de sistematização em espiral da análise dos dados produzidos por

Creswell (2013), conforme a figura 5, em que procurei codificar os dados e identificar

suas temáticas (CORBIN; STRAUSS, 1990; GLASER e STRAUSS, 2006). Nisso,

optei por seguir a orientação de Ryan e Bernard (2003), com categorização temática

dos dados à posteriori.

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O primeiro momento do processo de análise foi de estabelecer uma ordem dos dados

da pesquisa (notas de campo, fotodiário, vídeos, documentos, entrevistas), que foram

arquivados de forma sistemática, conforme o tipo de dado (formato digital variado),

para dar início à leitura de revisão dos dados de forma sistemática. Nessa

sistematização, em que estavam todos estavam meio digital, foram alinhados pelas

datas de coleta em pastas digitais, tendo um backup desses dados, como forma de

evitar a perda. Ressalto ainda, pela especificidade dos materiais audiovisuais que são

mais sensíveis à serem corrompidos, além de exigirem um suporte técnico de

informática maior do que arquivos de edição de texto, por exemplo.

Figura 5 – Análise em espiral dos dados

Fonte: Adaptado (CRESWELL, 2013).

Ao longo das leituras, pude realizar conexões e confrontos entre os dados que produzi

a fim de identificar e analisar o papel dos elementos não-humanos no emaranhando

de processos criativos nos espaços que ocorriam as práticas criativas. Dessas

reflexões, em que realizava anotações das informações que os dados iam me

Relatos

(resultados e

discussões)

Produção dos Dados

(textos, notas de campo,

fotografias, áudios, vídeos)

Manuseio e

Tratamento

Análise de

Conteúdo

(categorias e

subcategorias)

Leituras e

Reflexões

Descrição,

Classificação e

Interpretação

Representação e

Visualização das

Categorias

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revelando, pude codificar seus conteúdos, com base nos momentos da realização do

curta-metragem. Ao estabelece essa relação, fui alinhando os fragmentos dos dados

de fontes variadas, como a fala de um dos atores humanos entrevistados com o

registro fotográfico que realizei. Essas junções de vários elementos advindas de

dados diversos proporcionam a codificação de forma a identificar temáticas em

comum, o que representa uma união de códigos (CORBIN; STRAUSS, 1990).

Ao longo desse processo, os códigos e os temas foram sendo reconstituídos, uma vez

que necessitei condensar os dados sobre o fenômeno analisado da criatividade como

prática sociomaterial (GLASER ; STRAUSS, 2006; RYAN; BERNARD, 2003). Dessas

(re)construções e (re)combinações de códigos à luz criatividade como prática

sociomaterial, cheguei a visualização da categoria central e duas subcategorias

temáticas (ver figura 6), de forma que os relatos dos dados serão apresentados nos

resultados e discussões no próximo tópico.

Figura 6 – Categorias Temáticas

Fonte: Elaborado pelo autor.

Ao escolher não definir as categorias antecipadamente implicou nesse estudo esse

processo de constantes idas e vindas aos dados produzidos e no referencial teórico-

A ORGANIZAÇÃO DOS CRIATIVOS #VEMSERJANELA

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metodológico, sempre analisando as falas dos entrevistados, os registros fotográficos,

vídeos e demais conteúdos que emergiram do campo empírico. Vale ressaltar, que a

revelação da categoria central “Ideias em movimento” e duas subcategorias,

#VEMSERJANELA” e “Quando os Criativos se Reúnem para Criar”, foi realizado em

meio a constante construção e desconstrução de categorias para estabelecimento

dessa categoria central e suas subcategorias.

A partir das tentativas de agrupamentos dos códigos que elas se configuraram, de

forma que os temas puderam expressar a sociomaterialização das práticas criativas,

com base na perspectiva epistemológica e metodológica da TAR, frente ao referencial da

criatividade nas organizações e da abordagem da prática sociomaterial. Nelas, expresso os

momentos que a rede se constitui e translada diante do desafio de realizarem um

curta-metragem, em que as motivações levam a explorarem novas habilidades, novas

práticas em reunião com os elementos não-humanos que vão dando

sociomaterialidade as ideias criativas.

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4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

4.1 #VEMSERJANELA

O percurso do Janela não é entregar uma obra pronta, nem com qualidade. A ideia é entender, organizar, fazer e tal. Essa é a parada. Fez isso? Aconteceu isso? O objetivo foi alcançado? Foi! Então agora vamos tentar ter o material pronto pra poder dar uma recompensa para as outras pessoas (Entrevista com Norman Bates).

É com a ideia de convidar alunos interessados em ter a experiência de participar da

realização de algum produto audiovisual que o Janela abre inscrições a cada novo

semestre da Ufes. O projeto é costumeiramente apresentado aos alunos por meio da

“Semana Calórica”, atividade de integração promovida pelos cursos do Centro de

Artes (CAR), em que são divulgados os projetos de extensão, empresa júnior, grupos

de pesquisa e etc. Michael Myers lembra bem quando Norman Bates apresentou o

projeto pela primeira vez: “[...] a gente foi até o Bob... A gente nem conhecia o Bob

ainda, foi a primeira vez. Aí a gente sentou no chão mesmo e ele exibiu lá no labvídeo,

o verde grande. Ele exibiu um curta”(Entrevista com Michael Myers).

A inscrição ocorre através do preenchimento de um formulário online, em que

necessita ser preenchido por dados pessoais, como nome e endereço, curso e

período que está fazendo, e-mail, e a provável área de interesse e que tipo de produto

audiovisual teria interesse de fazer. Apesar de a divulgação ocorrer para o CAR, e

focar em novos alunos do curso de cinema e audiovisual, as inscrições são abertas

para todos os alunos da Ufes, incluindo veteranos, pois muitos acabam postergando

a participação. Em entrevista com John Constantine, ele argumenta que “[...] quando

você é calouro, é tudo tão novo que você não consegue prestar atenção em tudo que

tem pra fazer. Ainda mais eu que vim do interior pra cidade. Eu entrei só no segundo

semestre porque eu já tinha uma noção do que era”. Essa noção vai ao encontro à

escolha do curso e das escolhas das atividades profissionais que estão diante deles.

O Janela tem como principal canal de comunicação o uso de redes sociais para se

conectar com os janeleiros. As informações mais recentes sobre o projeto são

divulgadas em sua página no Facebook®. Ele ainda conta com seu canal no

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Youtube®2, que serve de base para divulgação de suas produções. É na sua fanpage

que ocorrem as chamadas para inscrição do projeto de cada semestre. Além de

curtirem a página da rede social, é preciso que os novos inscritos passem a participar

do grupo virtual que é fechado para membros e ex-membros Nesse grupo que

ocorrem as muitas das trocas de informações ao longo do processo de produção que

estaria por vir.

“Toda terça-feira, às 16 horas no labvídeo3”. Era esse o horário e o ponto de encontro

marcado para realização das reuniões gerais do Janela (notas de campo).

Fotografia 1 – Labvídeo

Fonte: Fonte: Registro fotográfico realizado pelo autor.

O labvídeo é um set de gravação com direito a chroma key, equipamentos de

iluminação, tripés já pré-montados um pouco mais distante do espaço que seria a

reunião. Mesmo dentro de um estúdio, havia a noção da divisão dos espaços a serem

utilizados pelos membros do projeto. Não havia interação com os materiais e

equipamentos que muitos ali não chegaram a ter oportunidade de ao menos tocar ou

2 https://www.youtube.com/channel/UCUmx8Z_3VpQYUm7jwDQBw_w 3 Por motivos do labvídeo está reservado para demandas de gravações dos cursos de artes, houve o

caso de duas reuniões serem desenvolvidas em salas de aula, além de ser uma alternativa pelo número de pessoas para melhor acomodarem. Realizou-se ainda uma enquete o grupo do Facebook do Janela, em que a maioria havia decidido por continuar sendo no labvídeo.

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saber o nome de tais equipamentos (notas de campo). O estúdio em si, me pareceu

grande suficiente e com estrutura adequada. Era um ambiente estimulante para quem

desejava ter um primeiro contato com audiovisual.

Norman Bates, como bolsista do projeto, sob a supervisão de um professor

responsável (uma espécie de tutor), que organizava cada reunião que duração média

de uma hora por meio de uma pauta via e-mail e através de postagens no grupo virtual

para os janeleiros inscritos daquele período. Mesmo não estando na pauta, era

comum a cada início da reunião uma introdução por meio de uma música do momento,

principalmente do lançamento de algum clipe, um trailer. E ao final, quando havia

tempo, a exibição de algum produto audiovisual do próprio projeto ou de algum projeto

externo que alguns janeleiros se envolviam. Era lá que as principais informações eram

dadas e as decisões eram tomadas em conjunto.

A reunião iniciou com certo atraso, umas 16H15. Tinha muita gente, pouco mais de

quarenta pessoas. Eu me sentei em uma ponta do retângulo que havia se formado

com as cadeiras e bancos. Puxei meu caderninho de anotações e caneta à mão. A

câmera estava na bolsa. Estava barulhento e quente demais pelas conversas entre

os grupinhos de pessoas que vi se organizarem conforme chegavam. A maioria ficou

chão mesmo, alguns na escada e os que viam chegando, os atrasados iam ficando

em pé mesmo, por trás do retângulo. (Notas de campo).

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Fotografia 2 – Reunião Geral

Fonte: Registro fotográfico realizado pelo autor.

Para Norman Bates, já era esperado um número grande de pessoas ali, pelo volume

de inscritos naquele período e por saber que muitos veteranos não inscritos iriam

aparecer naquela tarde também. A cada reunião, as pessoas iam se acomodando,

conforme os lugares possíveis. Norman Bates tomava sempre a frente das reuniões,

se apresentou como aluno bolsista do Janela.

Na primeira reunião, era de praxe o momento de apresentação, pois era uma forma

de estabelecer novos vínculos sociais, além de saberem o que havia motivado a

quererem entrar no Janela. Conforme o pessoal foi se apresentado, pude perceber

que os calouros de cada curso (jornalismo, publicidade e propaganda, cinema e

audiovisual) ficaram juntos, lado a lado. De pouco mais de quarenta pessoas, apenas

dois eram do curso de artes visuais. Sobre as expectativas, o discurso era comum:

busca por conhecimento da área, tendo em vista que eles se viam como iniciantes

nessa seara, com pouca ou nenhuma experiência na área audiovisual. Percebi que o

chamado ao Janela, seria pelo fato dele oferecer uma aprendizagem prática de forma

inicial.

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[...] o janela foi o que mais me interessou assim de cara, que eu pensei que: é um projeto simples, que não tomaria tanto tempo porque a reunião é uma vez por semana, uma horinha. E é uma coisa que eu vi que se eu fizesse em dois, três semestres, eu conseguiria absorver muito mais [...] do que eu absorveria só nas aulas do curso, nas aulas da noite. E aí, eu já fiquei sabendo na semana calórica e me interessei em entrar (Entrevista com Samara Morgan).

Nas apresentações, pude identificar que dos calouros, o pessoal que era de cinema e

audiovisual falava com mais propriedade das partes técnicas da produção audiovisual

(edição, som, fotografia). Já o pessoal de jornalismo falava especificamente de roteiro

e os demais falavam de da produção de um modo geral. Os veteranos, que eram

predominantemente de alunos do curso de cinema e audiovisual, ao se apresentarem,

já contavam suas experiências em produções anteriores no Janela. O gosto pelo

cinema, a curiosidade pelo que poderia ser encontrado atrás das câmeras era algo

comum:

“[...] essa relação com audiovisual é muito natural, desde sempre porque eu sempre gostei muito de filme. [...] por que isso acontece? Como que isso é? Como que é cada passo? Como é que se monta esse quebra-cabeça para chegar naquele resultado, né. Até mesmo o funcionamento do próprio cinema, né. Como que projeta e tal. Então eu comecei a sentir essa curiosidade.” (Entrevista com Leatherface).

Pude observar que a escolha para entrarem no Janela estava muito associada não só

ao fato de aprenderem e aperfeiçoarem atividades profissionais, mas também de pela

curiosidade ou por seus, das artes, uma classe artística, da cultura pop, pois muitos

ali como Carrie e Rosimary eram atrizes profissionais já, tanto que “[...] se tivesse

teatro, eu teria feito teatro” (Entrevista com Carrie). Esse despertar para a profissão

criativa está sempre em conjunto com algum elemento ou atividade cultural. Esses

gostos por essas atividades que os levaram a estarem por trás das câmeras de acordo

com o curso escolhido. Como de assistir filmes.

[...] quando eu ainda morava lá minha cidade [...] uma cidade que nem tem cinema, não tinha cinema e não tem até hoje. Eu gostava muito de ver filme e comecei a me interessar em ficar procurando site de cinema e ficava em filme no Youtube mesmo, pela internet e tal... [...] eu peguei filme de locadora até 2015. Sabe, eu demorei muito pra parar de pegar filme em locadora [...] E aí eu lembro que quando eu tava nessa de procurar uns filmes diferentes pra ver e tal, assisti um filme específico, que eu vi o filme e fiquei, tipo: "ah eu quero fazer cinema". O nome do filme é Gummo. É um filme do ano que eu nasci, de 97 e de um diretor que eu gosto muito. Aí eu assisti esse filme e fiquei, tipo: nossa! Eu amei isso e é isso que eu quero fazer! Aí, foi meio que aí que eu resolvi fazer cinema.[...] Só que aí até conversar, pai, mãe [...] a preocupação deles não é nem de conseguir dinheiro sabe, é de conseguir

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área para trabalhar, sabe. Porque lá na minha cidade não tem nada porque é uma cidade bem, bem pequena (Entrevista com Annie Wilkes).

De ler e escrever.

Com 14 anos, eu tava com o livro meu de Harry Potter. [...] Eu peguei meu livro. Peguei o primeiro capítulo assim e comecei a escrever como se fosse um filme assim. Colocava algumas falas, colocava algumas ações, os diálogos e tal. E assim, eu não sabia se era um roteiro ou não, eu tava fazendo aquilo e falei que era um roteiro depois. A partir daquele momento, eu comecei a me interessar. Depois que eu voltei para casa, comecei a pesquisar sobre roteiro, como que era o roteiro, aquele formato. Aí quando eu peguei, eu levei um pouco de susto porque é todo naquela fonte de máquina de escrever. Então eu levei um pouco de susto sim, mas a partir daquele momento eu comecei a pesquisar sobre ... a gente abre o Word, escolhe a fonte ali... aí eu comecei a pesquisar roteiros. Aí eu baixava na internet roteiros de filmes que eu gostava [...]. Daí, eu comecei a gostar muito de roteiro, sabe, comecei a pesquisar mais, entrar nesse assunto, nesse universo. Comecei a ver vários making-of assim, por trás, adora aquilo ali, chroma key... Eu não sabia que o nome era chroma key, mas eu adorava. [...] A partir dessa minha ideia de pegar um livro e começar a escrever que eu comecei a entrar no universo do cinema por trás das câmeras e não o que eu tava vendo ali, entendeu. Comecei a me interessar muito por isso (Entrevista com Jack Torrance).

Outros ainda tinham ligações por outras produções audiovisuais, como televisão.

[...] Eu sou do tipo que não gosta de cinema [...] Eu sou do tipo que entrou no curso pelo audiovisual. Eu gosto da TV, eu gosto do stremming, eu gosto dessa parada, dessa vibe. Produzir TV é meu sonho, trabalhar na TV. É essa linguagem na qual eu sempre fui apaixonado, a linguagem da TV. E daí, entrei porque as coisas do cinema e da TV caminham juntas. (Entrevista com Norman Bates).

Pelo mesmo fato da TV, dos equipamentos, do cinema com a TV são sempre parecidos. A câmera, o microfone. Como se portar em frente a câmera, em frente a ela. Eu falei: vou tentar entrar no Janela para eu ter uma noção como é que é todo esse aparato televisivo, de produção cinematográfica também, de programa, que eles também faziam programas. Acho que um tempo atrás fizeram um programa. Vou entrar mesmo pra tirar uma dúvida, de como é e se eu tô no lugar certo (Entrevista com Jason Voorhees).

Videoclipe, dança.

Eu sempre fui muito consumidor de videoclipe. Eu também sou fascinado por dança. [...] Eu queria dança, meu foco mesmo é dança, mas aqui não tem. Aí, eu vim pra o cinema e não sabia, porque eu não sou fã de série. Alguém pergunta: “você assistiu série tal?” eu: “não, não assisti!”. O Oscar eu não assisto, nenhuma premiação. A única premiação que eu assisto é o MTV porque é relacionada a clipe, o VMA, que é o eu conheço, que eu consumo. Agora de filme eu não sei, porque eu não consumo. E aí quando falam: “ah, o diretor fulano de tal” e eu: “quem é fulano de tal?!” [risos] (Entrevista com Freddy Krueger).

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Além dos gostos e preferências por certos formatos de produtos audiovisuais, a

organização e divisão das tarefas despontava ali inicialmente também. Os veteranos

puxavam a sardinha pelas suas áreas domínio, já demonstrando aos demais a

possibilidade de conhecerem e aprenderem atividades. Mas também indicavam

limitações dos modelos de trabalhos ali: “não queiram fazer documentário”, “muitos

atores dão trabalho”. Ou ainda pela dedicação de um trabalho voluntário: “vamos ter

que acordar às cinco horas da manhã no sábado”, “vamos ter que trabalhar doze horas

seguidas no final de semana”. E questão de tempo e recursos financeiros: “temos

prazos e tempo curto”, “não temos dinheiro” (notas de campo).

Sobre essas falas, Lorraine Warren, chamou atenção por essas falas dos veteranos

no projeto, que tentavam amedrontar ou afastar os novos inscritos foi buscando

amenizar, dizendo que não é de fato complicado lhe dá algumas situações, improvisos

com os materiais e equipamentos que davam suporte ao Janela, mas que de fato o

desgaste se daria principalmente por precisarem lhe dar com pessoas.

Seguindo o processo criativo do Janela, na próxima reunião a pauta seria sobre o tipo

de produto audiovisual, em que teríamos a liberdade para opinar e escolher o tipo. Foi

a reunião da produção de ideias. Nela, Norman Bates deixou um monitor com a página

em branco do Word® em frente dos presentes na reunião e solicitou que cada um

desse palpites do que gostaria de fazer. Um dos veteranos começou a falar do tempo,

do dinheiro que eram curtos. Outro ponto tocado por ele foi da disponibilidade de

recursos materiais. Era preciso pensar em um produto ao mesmo tempo pensar se

era algo viável.

Uma das veteranas começou então a soltar ideia, de um programa de TV, que tinha

uma espécie de “jogo do privilégio”, e ela ao tentar explicar, uns foram vendo que isso

era parecido com outro programa de TV, outras propagandas, e nesse momento o

professor interrompe dizendo que “[...] Está é a ideia. As ideias serem tomadas a partir

de outras ideias, uma fala de um vai causando a fala do outro e as coisas vão surgindo”

(notas de campo). Mas havia que não esperava por esse momento de brainstorming.

Eu parti do princípio que deveria ter uma ideia antes, sabe de: “não, vou apresentar alguma coisa que dê pra fazer um curta”. [...] De já ter uma ideia pronta assim, pré-ideia. Eu pensava que fosse assim, a pessoa já com a ideia, mas não! Foi o contrário do que aconteceu, não foi isso [risos] (Entrevista com Michaek Myers).

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Norman Bates relembrou que primeiro a gente fosse discutindo o que produto irámos

fazer, se ficção, documentário, videoclipe, e deixar a ideia do provável roteiro pra

depois. Mas as pessoas já estavam envolvidas demais ali para ouvi-lo. Alguém falou

de raça, outros começaram a falar da questão orçamentária da Ufes, do RU

(restaurante universitário), a possibilidade de fazer um documentário que expressasse

a situação da Ufes, outros voltando pela ideia de trabalhar com a escola infantil

presente no campus da Ufes, mas logo desistiram porque “dá trabalho trabalhar com

crianças”. Outro falou de fazer uma adaptação, outra falou fazer sobre terror, algo de

suspense, mas nada estruturado de ideias, outra de videoclipe, outra de programa de

TV ao vivo ou com plateia. Nesses jogos de ideias surgia sempre a inviabilidade da

questão de pensar o tempo, o tempo e dinheiro e a falta de estrutura, de equipamentos

para tal.

E nessa discussão me veio à lembrança de um documentário de ficção que havia

visto, em que uma avó contava uma lembrança sua a uma neta. Outro apontou que

essa ideia poderia ser associada com as histórias de vidas das paneleiras daqui de

goiabeiras. Nisso outro rapaz puxou um link da ideia, não das paneleiras, mas da ideia

de imaginação de uma história visualidade pelo olhar de outra pessoa, de outra

pessoa, como uma espécie de telefone sem fio, daí uma ala puxou pra ideia de terror,

de suspense jornalístico, investigativo, de algo mais trash como um espírito vindo da

panela de barro.

Era um momento de grande descontração entre todos e eu aproveito esse momento

para tirar foto, muito calouros foram se soltando mais, levantando a mão para

expressarem suas ideias. Norman Bates tomou a frente novamente e fez uma

“aclamação da assembleia” pra definir primeiro que produto de fato iriámos produzir,

pois lançadas as ideias, era preciso definir o tipo de produto. Vinte e oito janeleiros

escolheram ficção e sete escolheram documentário. Os demais produtos, como

programa de TV e videoclipe perderam força.

A ideia de realizar um curta-metragem do gênero terror foi ganhando atenção da

maioria do grupo, pois era algo ainda não produzido pelo Janela viram algo

interessante, mas pude perceber que Norman Bates e o professor não gostaram tanto

e alguns dos veteranos falavam que iriam acabar produzindo algo sem muita

qualidade. Mas o clima foi sendo levado pela ideia de terror e daí então foi feita a

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votação pelo gênero do curta-metragem da seguinte maneira: comédia (2), adaptação

(2), videoclipe (6), horror (21) e policial (3). Por decisão da assembleia, havia sido

escolhida a ideia de realização de um curta-metragem do gênero horror.

4.2 QUANDO OS ATORES SE REUNEM PARA CRIAR

Ao ser optado por produzir um curta-metragem de ficção do gênero horror, o próximo

processo criativo seria das escolhas das funções e organização das equipes. Diante

do número de participantes, foi preciso a realização de duas reuniões para decidir as

funções de cada um, pois havia chegou a ver casos de disputas, principalmente entre

os postos de direção, além de precisa estabelecer o limite de participantes em

determinadas funções. Ainda assim, na primeira reunião foi ouvido o desejo inicial de

cada janeleiro.

Norman Bates havia indicado um texto-base com informações básicas de cada área

comum na realização de um curta-metragem: roteiro, produção, direção, fotográfica,

som direto, direção de arte, edição/montagem, edição de som, áreas essenciais para

realização de um produto audiovisual. Essas explicações sobrem cada área não

causaram estranhezas, pelo fato dos envolvidos no projeto terem apontado que

tinham certa curiosidade pelo que acontece por trás das câmeras por meio de

reportagens que divulgam o processo de grandes produções de filmes (notas de

campo). Mas o conhecimento teórico nem era comum a todos, principalmente para os

janeleiros calouros. O Janela proporciona essa vivência prática e “[...] porque esse é

o importante do Janela: a gente começa uma coisa, mas a gente faz um rodízio”

(Entrevista com Carrie).

Eu sempre soube que gostava muito de fotografia, que eu gosto bastante de fazer e de direção eu pensava assim porque é o que as pessoas pensam primeiro. Mas só depois que eu entrei aqui na faculdade, na Ufes, fui entender o que é que faz cada função e aí eu fui me identificando mais com algumas funções específicas, mas o que eu gosto e o que eu não gosto. Que aí eu fui vendo na prática o que cada função faz (Entrevista com Annie Wilkes).

Muitos ainda estavam na dúvida entre duas alternativas de conhecimento que

deixavam mais confortável de realizar por ter já conhecimento e experiência. Como o

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caso de Annie Wilkes, uma das já consideradas veteranas que ficou como a franca

favorita para ser a diretora geral e membro da equipe de roteiro, por ser de

conhecimento da grande maioria ali de seu gosto particular pelo gênero e também por

desenvolver pesquisa de iniciação científica nesta área. Os motivos e escolhas das

tarefas que iriam passar a ter domínio nesse curta-metragem variaram.

Eu tava entre direção de arte e preparação de elenco. E aí eu pegue preparação de elenco porque é algo que eu já tava mais ou menos familiarizada e me senti mais à vontade pra começar com algo que eu já tivesse uma experiência legalzinha (Entrevista com Rosemary Woodhouse).

Já outros demonstravam foram mais convictos em suas escolhas.

De cara no roteiro, assim mesmo. Já fui bem definido, na verdade. Eu vi as apresentações das outras equipes, mas não! [...] Mas aí, eu falei: Caraca! Nossa, um projeto de extensão de cinema, eu quero ver muito como é que funciona o roteiro, assim. Logo de cara! Foi uma vontade assim, logo de cara, mesmo né! Porque eu acho muito interessante essa coisa de você conceber a história. [...] Tem o argumento que e você vê que tudo aquilo ali que foi desenvolvido, ele passa por vários processos ali... Então, tipo assim, é o princípio de tudo, né pra chegar a um resultado final. (Entrevista com Leatherface).

Eu fui muito focada naquele dia, me lembro até hoje do dia que a gente foi definir equipe porque, assim, tinha três pessoas querendo a direção de arte: eu, a fulana e o sicrano. E aí o sicrano chegou e falou: “ah, a fulana é caloura porque ele achou que ela era nova”. Aí, a fulana falou: “não, eu já tô não sei quantos períodos no recôncavo e já fiz direção de arte com beltrano, fulano e sicrano... [risos]”, sambou assim. Aí eu só deixei os dois brigando aí fiquei esperando [...] eu não sabia o que pegar naquele dia porque eles tavam querendo que a Sicrana fosse diretora de produção e aí eu não vou competir com a Sicrana porque ela é uma baita diretora de produção, saca! E eu não queria dirigir, tanto que eu aticei a Annie Wilkers pra ser diretora pra depois ficarem de birra comigo [risos]. Ela pesquisava terror, ela que deu o tema de ser um terror psicológico. Ela já tinha uma história na cabeça assim e também ela é mulher, então seria bem melhor e quase todos da equipe, as diretoras né, eram mulheres, menos o diretor de fotografia (Entrevista com Carrie).

Outros buscavam fazer algo diferente do que já havia feito.

No Hel fui para assistência de som, queria fazer alguma coisa diferente que eu não tinha feito ainda. Não queria fotografia porque acho chato. Fui fazer som, captação de som direto. E fui ao roteiro só porque não tinha ninguém, depois que eu entrei foi uma galera [risos] (Entrevista com John Constantine).

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Outros tinham o desejo de estarem presentes no set gravação, daí a escolha por uma

função que proporcionasse essa vivência.

[...] Foi de excluir coisas que eu não tinha interesse mesmo em participar. O roteiro no Janela não participa das gravações. É só fazer o roteiro e acabou. Eu falei: “eu quero saber como é que é a gravação, como é que é o dia a dia”. Se eu entrasse no roteiro, eu não ia participar do set. Aí por isso que eu fui cortando, fui pensando nessa forma: onde que eu estaria mais ligado nas gravações (Entrevista com Jason Voorhees).

Mas muitos não sabiam bem o que fazer ou não conheciam com detalhes todas as

áreas, em que muitas contavam com certas habilidades pessoais, inclusive. E pelo

contingente, muitos tiverem que mudar suas áreas.

[continuidade]. Soube na hora. Tipo, eles explicaram [...] de você manter a cena, de você gravar de acordo com o tempo, contar, né e aí depois você fazer as coisas acontecer. E você tem que ser muito perfeccionista. Tem que colocar tudo exatamente no mesmo lugar. Tem que tá muito atento há várias coisas. [...] Eu tinha pensado em produção, só que aí não tinha vaga [risos].

Dessas escolhas das funções, os janeleiros para desenvolverem suas atividades iriam

necessitar se envolver diretamente com determinados elementos materiais,

equipamentos que são essenciais para o cumprimento de suas atividades (Quadro 1).

Nisso, muitos sequer tinham conhecimento do nome dos objetos ou sabiam manuseá-

los. Essa era umas motivações e vantagens da experiência de fazer o Janela. Para

isso, eles contavam com o suporte do Labvídeo que funcionava também como uma

locadora de equipamentos de gravação das produções do curso de cinema e

audiovisual da Ufes, e das ilhas de edição.

Quadro 2 – Elementos Não-Humanos Essenciais para Execução das Tarefas por Equipes

Equipes Elementos não-humanos essenciais para execução das tarefas

Roteiro Papel; Caneta/Lápis; Editor de Texto; Cetlx®.

Produção Roteiro, Decupagem; Ordem do Dia; Equipamentos do

Set (das áreas de Fotografia e Som Direto); Elementos

de Cena (diversos).

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Preparação de Elenco Roteiro; Decupagem; Ordem do Dia; Figurino;

Maquiagem.

Arte Roteiro; Decupagem; Ordem do Dia; Figurino;

Maquiagem; Elementos de Cena (diversos).

Fotografia Roteiro; Decupagem; Ordem do Dia; Câmera; Lente;

Tripé; lâmpadas, Rebatedor, Filtros de Cores; Cartão de

Memória; Pilhas/Baterias; Case.

Som Direto Roteiro; Decupagem; Ordem do Dia; Cartão de Memória;

Boom (vara + suspensão + microfone); Microfone

Lapela; Fone de Ouvido; Gravador; Pilhas/ Baterias;

Case.

Continuidade Roteiro; Decupagem; Ordem do Dia; Celular (função

câmera).

Edição de Imagem Roteiro; Decupagem; Ordem do Dia; Computador;

Caixas de Som; Adobe Premiere Pro®.

Edição de Som Roteiro; Decupagem; Ordem do Dia; Computador; Adobe

Audition®; Caixas de Som; Fone de Ouvido.

Direção Geral Roteiro; Decupagem; Ordem do Dia; Claquete,

Equipamentos do Set; Elementos de Cena.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Diante das escolhas pelas habilidades que haviam optado por desenvolver através

das funções escolhidas, o Hel se organizou da seguinte maneira:

Quadro 3 – Atividades Desenvolvidas pelo Janela em 2017.2

ETAPAS DE

REALIZAÇÃO DO

CURTA-

METRAGAM

MESES EQUIPES

ENVOLVIDAS

ATIVIDADES GERAIS

DESENVOLVIDAS PELAS

EQUIPES

PRÉ-PRODUÇÃO

Agosto e

Setembro/2017

Roteiro

Direção

Arte

Definição da realização de um curta-metragem de ficção do

gênero terror psicológico;

Equipe e funções;

Produção do Roteiro.

Outubro/2017

Roteiro Definição do Roteiro;

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Direção

Produção

Preparação de Elenco

Arte

Fotografia

Som

Teste de Atrizes;

Escolha das lotações de gravação;

Reuniões por equipe.

Novembro/2017

Direção

Produção

Preparação de Elenco

Arte

Fotografia

Som

Planejamento das gravações;

Ensaios do Elenco.

PRODUÇÃO

Dezembro/2017

Direção

Produção

Continuidade

Arte

Fotografia

Som Direto

Pós-Produção (Montagem)

Gravação.

Janeiro e

Fevereiro/2018

Sem atividades (Férias).

PÓS-PRODUÇÃO

Março e

Abril/2018

Direção

Pós-Produção (Montagem, Edição de

Imagem)

Montagem;

Edição.

Maio até

dezembro/2018

Direção

Pós-Produção (Edição de Som)

Som;

Efeitos;

Trilha

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Fonte: Elaborado pelo autor.

Após a formação das equipes por área de atuação, era sugerido que cada diretor

responsável criasse um canal de comunicação para troca de ideias, marcação de

reuniões por equipes. O caminho escolhido pelos grupos foi de grupos fechados,

como o do Janela. Alguns grupos fizerem grupos de mensagem mesmo, com certa

limitação diante do layout.

As demandas que iam surgindo não ocorriam de forma uniforme e no mesmo período

pelas equipes. Ainda assim, a formação de grupos via rede social permitia a

possibilidade de estreitamento das relações entre os atores humanos. Era comum a

cada nova reunião, uma conversa sobre memes, algum filme ou história da cultura

pop que rolava no ambiente virtual. Percebi que muitos, assim como iam

estabelecendo novos vínculos por passar a conhecer os gostos dos outros, por filmes

e séries, principalmente.

A forma de controle e organização para o andamento do curta-metragem era por meio

das pautas. Além de servir de registro de informações, por parte do bolsista para

realização do relatório mensal de suas atividades. E ainda junto com as listas de

frequência dos participantes dos projetos, do resultado do produto realizado no projeto

naquele semestre pra prestar informações em um relatório final para a Proex-Ufes.

Nas pautas constavam principalmente das cobranças dos prazos de determinadas

atividades específicas de cada equipe pra ciência do andamento geral de cada grupo,

além da responsabilidade dos pontos de pauta de cada reunião. Havia a

responsabilidade também da chamada, no fim de cada reunião, como forma de

controle de presença e registro de horas complementares para serem computadas

futuramente no certificado.

Essa formalidade entrava em paradoxo com o perfil da comunicação mais despojada

pelo clima que é proporcionado no ambiente das redes sociais. O Janela é formado

majoritariamente por jovens graduandos, que vivem com seus smartphones na mão,

que buscam estar sempre conectados em redes sociais. Isso fica mais transparente

como a pauta era postada no grupo, conforme a figura a seguir.

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Figura 7 – Pauta do Grupo

Fonte: Janela (2017).

Um momento de ampliação dessas relações foi com a necessidade de divulgação do

casting para o Hel. Era preciso encontrar duas atrizes entre dezoito e vinte e cinco

anos para atuarem de forma voluntária no curta. Essa atividade ficava à carga da

equipe de produção da qual eu fazia parte. Na equipe, tinha um membro que era

responsável pela produção de elenco e o caminho encontrado para convocar as

atrizes convidadas pelo Facebook. Mesmo assim, cabia a todos os demais membros

da equipe geral o compartilhamento em seus perfis sociais. As candidatas precisariam

preencher um formulário eletrônico com informações básicas, como dados pessoais,

e principalmente a disponibilidade para o período de ensaios e gravações.

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Figura 8 – Casting

Fonte: Janela (2017).

Nessa opção de criação de grupos de cada área específica, me limitei a observar as

demandas e tarefas da minha equipe de produção. Ainda assim, pude observar que

tanto no meu como os das demais equipes alguns atritos haviam sido gerados.

No meu grupo, a cada demanda solicitada da direção geral, a diretora de produção

passava a informação e determinada tarefa que alguns membros do grupo

precisariam cumprir. Em muitos momentos, percebi que muitos dos componentes das

equipes visualizavam e não respondiam, o que resultava em críticas pela falta de

compromisso e atenção de membros da equipe.

Era preciso está conectado as atividades que iam sendo desenvolvidas. O período eu

antecedias os dias de gravações, eram os momentos que percebi que as pessoas

precisariam está online a todo instante, no sentido de precisar está à par dos possíveis

problemas, além de dúvidas que iam surgindo.

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[...] Mas assim, dúvida que eu tinha, eu mandava sempre no privado, não mandava no grupo mesmo não. O grupo ficava mais pra mandar os documentos prontos, o que podia mudar. Data de reunião, quem podia participar. Reuniões só lá dia de terça mesmo (Entrevista com Jason Voorhees).

Os grupos virtuais se tornaram ferramenta precisa para questões que surgiam. Ele

pode ser visto também, além de um canal mais barato e prático. Seu caráter informal

permite quebrar barreiras sociais, o que gera uma maior aproximação (mesmo que

virtual) entre os atores redes envolvida nas atividades da produção audiovisual.

Outro ponto era a falta de recurso. A saída para captar recursos então foi de ser uma

doação solidária de “5 golpes”. Cabia a equipe de produção organizar uma lista e

captar esse recurso de cada membro do Janela. Eu fiquei como responsável por essa

tarefa, em que precisei coletar o dinheiro, tendo a coleta de assinatura de quem doava

o dinheiro em uma lista a ser entregue a diretora de produção dias antes do início da

gravação.

Sobre trabalhar em uma produção de baixo orçamento:

[...] é limitador, é chato, mas ao mesmo tempo você aprende porque lá fora você ai ter um limite. A única coisa que a gente tira de bom do janela é justamente isso: lá fora vai ter um orçamento x, pode ser o orçamento seja enorme, que a gente consiga fazer tudo, pode ser... mas pode ser que o orçamento seja muito pequeno, até mesmo porque nem todo mundo quer uma arte, ou sei lá, uma fotografia muito exuberante. Então o orçamento vai variar e a gente tem que saber lhe dar com esses limites, sabe. Nunca a gente vai poder ter tudo, mesmo que seja em um ambiente profissional, vai ter um limite. Apesar de que no janela o limite é muuito pequeno. Beira ao zero, mas a gente estimula a criatividade de como fazer aquilo dar certo com zero! Porque a gente realmente parte do zero porque não é obrigatório doar... (Entrevista com Lorraine Warren, grifo do autor).

As demandas foram surgindo, conforme o andamento da realização do curta.

Inicialmente, após a escolha de que iria ser produzido um curta de ficção do gênero

horror psicológico, as demandas e por consequência, as reuniões eram focadas na

equipe de roteiro. O tempo de duração da equipe foi longo, dado que os prazos iam

sendo atropelados a todo custo. Críticas quanto ao andamento do processo de

produção do curta-metragem foram surgindo.

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O pecado do audiovisual é algumas pessoas. Então o audiovisual é como uma empresa com vários departamentos, então a gente precisa que os setores conversem. Só que quase não acontece. As pessoas tentam fazer de forma independente. Só que não, o diretor é o centro, ele precisa saber de tudo que tá acontecendo, o produtor é o sub. Só que as pessoas não pensam nisso (Entrevista com Freddy Krueger).

Além das críticas ao formato da organização, havia preocupação quanto ao momento

de gravação pelo despreparo e falta de conhecimento e o grande número de pessoas

envolvidas que limitavam a execução das tarefas, sem falar nas disputas entre os

cursos que ocorria de forma velada.

[...] aquilo foi ruim para o projeto porque é um curta-metragem de vinte minutos ou menos e tipo, tinha oito roteiristas, era muita mão. [...] o pessoal que tem entrado muita gente de publicidade e de cinema, eles chamam a gente mais pra gente conter o pessoal de publicidade porque não sabe mais ou menos o que tá fazendo. Eles estão entrando por CURIOSIDADE e eles têm a visão da publicidade. Aqui é meio diferente, sabe. O que nossos cursos têm mais em comum é a oportunidade de emprego... (Entrevista com John Constantine)

Para alguns dos atores, havia incômodo nessa estruturação da reunião,

principalmente nos cargos de direção do curta, que ficavam meio à margem. Como

relata Lorraine Warren, essa percepção já era de projetos passados:

[...] Porque a Annie Wilkes não tinha muito autonomia nas reuniões. Você acompanhou o processo, a Annie Wilkes não falava muito. [...] O Norman Bates tomava à frente, ditava as pautas e as pessoas sempre se dirigiam ao Norman Bates! Tipo: “Norman Bates, a gente pode fazer isso não sei o quê?” Ninguém comunicava a direção diretamente. Era sempre a produção ia pra o Norman Bates, pro Norman Bates falar pra direção. Era sempre assim. No videoclipe era a mesma coisa. As pessoas recorriam ao Norman Bates, quando deveria ao menos me informar, sabe. [...] No Hel foi a mesma coisa, as pessoas, meio que não liam o roteiro, e aí chegava na hora e tipo, não sabia o que fazer... e ficava aquela coisa de não vai dar certo , não vai dar certo, não vai dar certo, não vaid ar certo! É meio estranho. (Entrevista com Lorraine Warren, grifo do autor).

Notava-se uma disputa velada pelo papel de protagonismo da reunião. Afinal, caberia

ao bolsista do projeto (produtor executivo) ou a diretora geral do curta? Esse

desconforto por parte da direção na falta da oportunidade de voz da diretora para suas

ideias quanto ao seu curta. Há de ressalta também, certa confusão também e

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possibilidades de mudanças quanto aos momentos de destaque e atenção a quem

conduziria o projeto nos demais espaços (como sets de filmagens, ilhas de edição).

4.3 IDEIAS EM MOVIMENTO

Como Núcleo de Produção Audiovisual, o Janela pode ser apontado também como

um laboratório de criação de ideias que são explorados nos seus espaços de atuação:

sala do projeto (que foi utilizada como sala de reunião da equipe de roteiro e ilha de

edição, o labvídeo, os sets de filmagens e as ilhas de edição. Outra espaço bastante

utilizado foi o virtual, por meio dos grupos do Facebook®. Nos tópicos a seguir, são

apresentadas as ideias em movimento na produção do curta-metragem Hel.

4.3.1 Roteirror: colocando as ideias no papel

Passado o momento de organização dos componentes de cada equipe, a primeira

demanda do projeto seria a produção do roteiro. Pude acompanhar de perto esse

processo criativo. A sala do Janela ficou reservada para ser o local de discussão do

roteiro. A equipe passou a ser formada por um grupo de sete roteiristas, tendo um

equilíbrio de jovens calouros e veteranos do curso de cinema, que estavam envolvidos

em outras equipes, como direção geral e direção de arte.

A sala era pequena para equipe, mas os elementos materiais presentes, como papel,

lápis, caneta, internet, computador contribuíam dando suporte para realização das

reuniões que ocorriam normalmente antes das reuniões gerais do projeto ou no fim

das tarde. Seguindo a média de uma hora de duração até meados de outubro.

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Fotografia 3 – Reunião da equipe de roteiro

Fonte: Registro fotográfico realizado pelo autor.

As primeiras reuniões eram intensas de ideias, recorriam a dinâmica de brainstorming.

Inicialmente, os atores traziam ideais anotadas em papéis, outros, digitadas em seus

smartphones. Observei que muitos eram avessos a essa materialização e traziam

seus argumentos de forma oral, o que às vezes causavam em esquecimento pela

perda de raciocínio. Mas isso logo se dissolvia pelas discussões e gerações de ideias

que eram desenvolvidas por esse grupo de roteiristas. Pude notar certas

particularidades nos momentos de criação.

[...] eu tento imergi na ideia proposta e trago comigo as ferramentas de história que eu tenho [...] como conduzir e tal, coisas que eu gosto e jogar em cima dessa ideia e tentar desdobrar pra ver o que é que sai; [...] Como roteirista eu escrevo conforme a necessidade do projeto. [...] O roteiro é também supervalorizado porque você tem que escrever sabendo que alguém vai usar ele pra chegar em algum lugar, então você tenta ali, sem querer conduzir ele pra chegar no lugar que você também quer. [...] O que eu gosto do roteiro é que ele é muito livre no jeito de fazer, sabe. Você anota aqui, depois vai. [...] O rascunho pra mim é sempre uma coisa engraçada. Eu começo a fazer pra não esquecer normalmente eu faço no bloco de notas. Eu deixo o texto descansar. É importante fazer isso. E pra mim, escrever de verdade, é muito mais revisar do que criar e escrever. Aí depois você sentar e olhar pra cena que você fez: “hum, essa cena tá mal estruturada porque eu já entrego o objeto dela na primeira fala e se eu jogar ela aqui pra último e fazer e conduzir isso melhor...” (Entrevista com John Constantine, grifo do autor).

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Ainda assim, alguns ali ficaram “[...] mais para espectador” (Entrevista com Hannibal

Lecter) para saber como funcionava na prática a produção de um roteiro. Apesar de

todos serem ouvidos, era nítida uma maior credibilidade por parte dos roteiristas que

tinham cargos de direção em outras equipes (notas de campo). Além do fato desses

terem tido experiências e conhecimento fora do Janela (haviam feito a disciplina de

roteiro e realização de outros trabalhos cinematográficos).

Para John Constantine e Carrie White recomendavam a necessidade de um mediador

para um melhor desenvolvimento das ideias, pois o ego intrínseco nas discussões das

ideias, das criticas com aprovações e reprovações culminavam em inibir que novas

ideias fossem expressas ali, o que desencadeava não só nesse bloqueio criativo, mas

também em desavenças pelas disputas das melhores ideias. Esses e os demais

fatores citados anteriormente limitavam o papel de aprendizagem do Janela no

desenvolvimento de novas habilidades para os atores.

[...]Sala de roteirista normalmente tem o “Showrunner", ele que vai selecionar as ideias. E na nossa sala era cada um defendendo o seu. Eles (calouros) iam mais pra ver como era, um monte de gente brigando pelo ego. Briga de ego. [...] A gente tava brigando por uma parada que nem existe, era só imaginação, era só ideia, coisa que tá abstrata e você ficar brigando por causa disso (Entrevista com John Constantine, grifo do autor).

Tinha gente que nunca tinha inscrito um roteiro, entendeu. E que não sabia nem como que era um roteiro de cinema. Tinha gente de jornalismo também. Então meio que a gente acabou dominando isso [veteranos do curso de cinema], mas cara, eu acho que eu fiz muita diplomacia naquelas reuniões porque eu pegava os meninos pra sentar no computador e mostrar pra eles: “oh faz isso, isso e isso” porque querendo ou não, se deixar os outros lá discutindo sobre roteiro, eles não vão aprender a escrever um roteiro, entendeu. É esse brainstorming das reuniões de roteiro. A pessoa tá lá pra aprender também. No Janela tem que aprender em todas as fases, então tinha que ter sempre alguém pra mediar, entendeu (Entrevista com Carrie White, grifo do autor).

Com a proposta em de realização um curta-metragem de terror psicológico, os atores

buscavam em sua bagagem, filmes do gênero. As referências iam desde os filmes

clássicos do gênero do diretor Alfred Hitchcock, de filmes adaptados dos livros do

escritor Stephen King aos recentes filmes, como O Babadook® (2014), Raw® (2016).

Uma questão levantada era a de “mulheres no horror”, frente aos estudos de projeto

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de pesquisa desenvolvida pela diretora geral (notas de campo). Outros recorriam a

séries e filmes dramáticos, mas a outros produtos audiovisuais como jogos

eletrônicos.

[...] eu gosto de triller psicológico, mas terror... eu não gosto, acho bobo. Mas eu fui, busquei referência. Fui em um jogo que eu jogava quando era mais novo que me dava horrores de medo, que era o Silent Hill®. Fui e assisti lá 4 horas o menino jogando para eu lembrar e passo uma pranchinha de referências também assim, filmes, cenas assim e tal e depois eu vou tentando (Entrevista com John Constantine).

Na construção do roteiro, que continha apenas duas personagem femininas, pude

reparar que muitos elementos materiais iriam dar forma ao curta-metragem, apesar

de ainda não concretos, pois seria algo a ser pensado pela equipe de arte. No roteiro,

constava a necessidade de materiais exotéricos, de um símbolo para ser criado para

deixar como marca para uma “[...] figura estranha e assustadora toma forma” (trecho

de cena do roteiro).

A diretora geral Annie Wilkes, que era umas das roteiristas, mas ela já alertava pelo

fato do roteiro não ser seguido à risca nos momentos futuros de gravação. Isso é visto

como algo impossível pelas mudanças que os projetos sofrem por questões

financeiras, de equipamentos e das habilidades técnicas e de pessoas (notas de

campo). Muitos deles se preocupavam com a proposta de ser uma ideia coletiva que

ia dando forma, algo que limitava a liberdade para criar (notas de campo).

[...] se você tá escrevendo só um roteiro, você imagina toda ideia na sua mente e vai escrevendo... Ah meu Deus, tudo compartilhado é mais difícil. Assim, a gente chega com uma ideia. Passa pra o grupo. Quando você tem coragem de passar para o grupo, né. Porque às vezes é uma coisa tão interna, né e aí você tem que levar aquilo pra o grupo e o grupo tem que debater sobre isso, pra ver o que cabe, o que vai dá uma ligação com a história entendeu, porque até então você tem uma história. A gente já tinha uma história, só que a gente tinha que desenvolver a história (Entrevista com Carrie White, grifo do autor).

A cada reunião geral, mesmo com o roteiro ainda em processo de construção era

apresentado ao demais janeleiros. Era uma forma de deixar “por dentro” todas as

equipes do que estaria por vir. Essa situação deixava incomodada a equipe de roteiro

pelo fato das pessoas irem fazendo críticas ou dando novas ideias ou com certo

descrédito as que haviam sido passadas para o papel. Ficou notória a falta de crédito

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do roteiro (notas de campo). Diante da pressão dos prazos, algumas reuniões foram

realizadas de forma pelo grupo virtual para dar maior viabilidade. Algo que inibiu mais

a participação de todos os envolvidos no roteiro, o que acabou sendo tomadas

decisões de forma unilaterais por poucos componentes da equipe de roteiro (notas de

campo).

[...] Foi tudo meio complicado naquela sala de roteiro, porque eu tava muito contra, não que eles tivessem tido ideias ruins, mas era que eles estavam tendo ideias dispersas e as cenas não tavam conversando. E não tinha progressão. “[...] eu gosto desse tipo de cena! Gostei de quatro cenas. Beleza! Nosso curta!” Como ligar isso? Não é à toa que eu acho que o roteiro do curta ficou muita “montanha-russa”. Ele te puxa. Volta. Puxa de novo e volta. Eles queriam fazer um terror psicológico. Eu acho que todo mundo meio que seguiu por aí, sabe. Essas ideias que eles tiveram não são ideias ruins, o problema é que não são harmônicas. As histórias, elas eram sempre... eram soltas (Entrevista com John Constatine).

Para ser finalizado em no prazo (10/10/2017), o roteiro passou por duas revisões da

equipe de produção. Era preciso constatar se as ideias colocadas ali são possíveis de

serem “traduzidas” por áudio e vídeo. Nessas reuniões de revisão, pude notar que a

preocupação em “cortar” ideias apontadas como mirabolantes demais que fugiam da

trama central e as que não comprometiam. Esse tratamento das ideias era levado ao

conhecimento de todos nas reuniões gerais. E um caso que chamou a atenção e foi

motivo de piadas internas, de erros ortográficos, erros de continuidade que não

deixavam a história fluida, segundo observações da equipe de produção (notas de

campo). Ainda assim, em meio a essa disputa de egos, intrigas entre equipes e

descrédito pelas habilidades dos atores que estavam em ação no processo de criação

do roteiro, que foi finalizado para garantir continuidade dos demais processos

criativos.

Com a aprovação do roteiro, outros elementos próprios do curta-metragem a serem

produzido seriam a Decupagem. A decupagem ficou sob a responsabilidade da

diretora geral e diretor de fotografia. Esse processo era desafiador para Annie Wilkes,

pois “[...] toda essa parte de visão e de pensar em enquadramentos e pensar como

que vai tá o som e pensar tudo isso desde o começo [...] É o papel de diretor”.

[...] você tem escrever em palavras-imagens, então é diferente de literatura que você tenta saber as palavras certas pra passar o que você tá querendo e conduzir. O roteiro você tem mais que imaginar imageticamente o que você quer passar e eu acho o roteiro mais livre, acho mais leve também de se fazer e tal (Entrevista com John Constatine, grifo do autor).

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4.3.2 Traduzindo as ideias do papel para o áudio e vídeo

Enquanto a decupagem ia sendo desenvolvida, a equipe de produção coordenava e

exigia o andamento das demais atividades das equipes envolvidas para os momentos

de gravação. Os processos criativos eram distribuídos pelas equipes, conforme suas

habilidades esperadas. Nesse momento de preparação para as gravações, produção

de elenco Foi o momento de maior movimentação e ação entre trabalhos internos das

equipes envolvidas.

Com os processos de roteiro e decupagem concluídos, à equipe de produção cabia

coordenar as atividades para ocorrência das gravações. Desde a captação de

recursos para compra de suprimentos e demandas de materiais das equipes, reservar

de datas para gravação, busca pelas locações. Era fazer de tudo para eu as gravações

ocorressem. Essas atividades eram atividades vistas como “administrativas”, e

sobrava para muitos dos integrantes a responsabilidades por qualquer erro no

planejamento das atividades (notas de campo). Já a equipe de arte ficava a cargo de

definir uma paleta de cores com base nas ideias do roteiro, de ir notando a

necessidade de determinados elementos essenciais para as cenas, além do figurino

e maquiagem.

Ocorriam também os ensaios com as duas atrizes do curta-metragem, sob a

responsabilidade da preparação de elenco. Com o roteiro e a decupagem na mão, os

ensaios eram realizados e apesar de não poder mudar o roteiro, havia espaço para

liberdade de criação da atuação e desenvolvimento das habilidades de preparação

com exercícios e técnicas que ela tinha como experiência e conhecimento prévio

antes do Janela.

[...] É, mudar o roteiro não tem como. Mas era basicamente ler o roteiro e gente ensaiava com ela fazendo as cenas em si e eu corrigindo algumas coisas. [...] a atriz, o ator. Ela precisa também da sua liberdade pra criar. Então eu me via como auxiliar na criação dela porque eu acho que isso vai muito de uma concepção de quem tá preparando. Algumas pessoas colocam marca e falam pra onde ele vai olhar, como que ele vai olhar e tudo. Eu prefiro deixar que a atriz me mostre o que ela tem e eu possa ir guiando ela na construção de uma coisa do que chegar e falar que é assim que ela vai fazer.[...] Então acho muito importante ela criar muito e depois eu ir cortando algumas coisas do que depois eu ter que tentando acrescentar. É muito mais difícil. Então eu a deixo criar e fazer e as vezes eu ia através de exercício, através da própria repetição ou exemplificando pra ela do jeito que gostaria

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que ficasse. Repetindo e, refazendo, e exercícios até criar uma coisa diferente (Entrevista com Rosemary Woodhouse).

Já as equipes de fotografia e som direto precisavam enviar lista dos equipamentos e

demais materiais que iriam utilizar nos momentos de gravação para equipe de

produção, que iria reservar para os quatros dias de gravação no Labvídeo. Nesse

período, os assistentes de som e direção puderam também conhecer e manuseá-los,

pois para muitos, era o primeiro contato com uma câmera e um microfone profissional,

além de outros objetos mais específicos do qual nem os nomes sabiam, e

principalmente de compreender os planos e ângulos contidos na decupagem. Era

momento de aprendizagem para depois irem à prática (notas de campo). Sobre os

objetos que iria utilizar nos momentos de gravação entrevista, Hannibal Lecter conta

que “[...] não sabia nem pelo nome. Mas eu não sei qual que é bom, qual que é ruim.

[marcar do objeto] é horrível! A gente meio que passa por cima de equipamento. O

curso [cinema e audiovisual] é bem disperso nesse sentido”.

[...] não sabia de nada (risos). Os nomes, os equipamentos até que foram mais tranquilos, mas daí quando chegou nos planos e ele explicando como é que era: acima do ombro, outra a gente vai gravar de cima, esse aqui vai ser só o rosto... E como é que ia mexer a câmera... E isso foi bastante informação. Tem o contra-plongée, plongée. Aí, tinha o ponto de vista. Acho que tinha bastante ponto de vista na filmagem, que era como se a própria pessoa tivesse... Como se fosse a visão da própria pessoa, né. Aí, ele, explicou um pouco disso pra gente e gente foi pegando um pouquinho. [...] Ele ensina bem [diretor de fotografia] Foi bom nesse sentido, porque no começo estava tudo meio parado, né! (Entrevista com Suzy Bannion).

O roteiro pedia duas locações centrais para serem sets de gravações: um

apartamento e uma floresta. As escolhas por esses ambientes se limitaram pela falta

de recursos financeiros do projeto, o que já estava diante mão observado pelas

equipes responsáveis pela escolha do lugar de gravação. Essa era uma atividade em

conjunto entre as equipes de direção geral, fotografia, som direto, produção e arte.

O set de locação é o espaço em que vários processos criativos são realizados

somente no período de gravação. É o lugar onde o curta ganha corpo, em que as

ideias presentes no roteiro são executadas. Além disso, levava-se em conta, o caráter

técnico das locações do set, como de som (ecos, barulhos externos) e iluminação (se

o ambiente iria precisar de iluminação artificial, por exemplo), clima bem como das

possibilidades da própria ambientação os elementos de cena, bem como da

idealização dos planos e ângulos de gravação. Houve um desgaste pela aprovação

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das locações pela falta de presença de membros de equipes, o que levou a troca de

locais de ambientação. No fim, ficou definido como locais de gravação, um local de

floresta dentro da própria Ufes e o apartamento da diretora geral.

Foram decididos quatro dias de gravações, dois em cada locação. A direção geral e

seus assistentes planejaram os momentos de gravação por meio da Ordem do Dia,

material que servia de guia de gravação. Nela, constava o momento de gravação de

cena, do tempo de duração, de sua preparação, montagem e desmontagem de cena.

Tudo cronometrado. Também havia a descrição dos materiais e equipamentos para

execução das cenas e das pessoas que precisariam estar ali. As equipes envolvidas

nas gravações realizaram uma escala para cada dia de gravação, como forma de

todos participarem das gravações.

[...] o set é um lugar muito delicado pra quem tá fazendo cinema, seja para o som, pra fotografia, para os assistentes, para direção, principalmente, pra produção que tem que coordenar tudo. Você foi produção, você sabe [risos]. Pois é, tem que ter um apreço sabe, pelo set. (Entrevista com Jack Torrance).

Esse momento foi tomado com muita expectativa e motivação de ver a possibilidade

não só de aprendizagem, mas também de terem a percepção positiva da escolha.

Havia muita expectativa motivada para os momentos de gravação. Ali muitos

conseguiram colocar em práticas novas habilidades. Foram dois fins de semanas

seguidos com diária de cerca de oito horas aos sábados e 6h aos domingos. Três

diárias no apartamento e uma na floresta.

A equipe de produção tinha a responsabilidade de deixar disponíveis os materiais e

equipamentos solicitados por todas as equipes, com principal atenção aos

equipamentos de som e câmera. Como produtor de set, fiquei com essa

responsabilidade de conferir todos os materiais antes e após as gravações. Fora

esses que eram do labvídeo, havia outros equipamentos e materiais de alguns atores

que disponibilizaram para os momentos de gravação, como os materiais de

maquiagem e figurino. Ainda assim, diante da limitação dos recursos, não tínhamos

disponíveis todos os equipamentos necessários e precisávamos improvisar como o

foi o caso da claquete, em que não tivemos em umas das diárias por esta reservada

para outras produções. Equipamento necessário pela assistente de direção em que

anotava os dados de cada tomada de gravação precisou recorrer a um caderno para

escrever a ordem dos takes.

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Fotografia 4 – Claquete

Fonte: Registro fotográfico realizado pelo autor.

As equipes de som direto e fotografia tinham as montagens dos equipamentos

momentos antes das gravações. Eles iam sendo deslocados de entre as tomadas de

gravações e somente no fim das gravações que eram desmontados. Havia muito zelo

com os materiais e equipamentos por parte deles, por necessidade de reutilizarem

novamente em perfeitas condições.

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Fotografia 5 – Preparação para as gravações

Fonte: Registro gravado pelo autor.

Um motivo que levou a estresse e certa desorganização entre as equipes foram à falta

das pilhas estarem descarregadas, o que chegou a gerar certo atraso e apreensão.

Assim como a falta de fita crepe, recurso material de extrema importância para o set

por sua função versátil.

[...] Quando não tem fita crepe no set... Que absurdo é esse, Zé?! A gente só vive de fita crepe! [Risos]. Porque dá pra fazer muita coisa com fita crepe. A fita crepe é pra enrolar o som. A fita crepe é pra fechar coisa que tiver caindo da arte, entendeu. É pra fazer machucado também (Entrevista com Carrie White).

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Era momento também da preparação de elenco com a revisão das cenas que estavam

prestes a serem gravadas. Um momento particular entre a preparadora de elenco com

as atrizes para pequenos ajustes sobre a atuação que implica diretamente no

resultado do processo criativo.

[...] Eu acredito muito nessa coisa de uma criação coletiva, entendeu. Eu acho que nenhuma criação é única e exclusivamente de uma pessoa, mas de um grupo. Porque é um trabalho em grupo, e, por exemplo, dependendo... Sei lá, uma coisa pra o roteirista tá boa, mas na hora, na prática, não tá funcionando. Então, que tá tentando fazer as coisas na prática, que no caso, eu tava vendo as coisas saindo na prática com a atriz um pouco antes da gravação, devido aos ensaios. [...] É minha parte e acho muito viável você respeitar a função dos outros, entendeu. Tipo, eu falei só que o achava que cabia a mim porque se não acaba criando um bafafá e um estresse desnecessário no set que já não estava muito legal [risos].

À equipe de arte cabia a organização dos cenários com os elementos de cena, do

figurino e da maquiagem que demandou muito tempo para preparação das feridas e

machucados que o roteiro demandava. Foi observado a falta de elementos de cenas

e outros materiais para “produção da arte”, o que levou a inibir o processo criativo que

havia sido idealizado pelos demais. Essas questões foram culminando para uma

maior tensão nos momentos de gravação, onde “a culpa é da arte” (notas de campo).

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Fotografia 6 – Produção da equipe de Arte

Fonte: Registro fotográfico realizado pelo autor.

“Câmera? Ok! Som? Ok! Silêncio! Ação!” Os instantes em que as cenas iam sendo

gravadas era o clímax da produção do curta-metragem. Para realização das de suas

ações os janeleiros se envolviam com um emaranhado de elementos materiais e

objetos ao ponto que iam colocando em prática suas habilidades e conhecimentos.

Era preciso haver sincronia entre os atores e com os materiais e equipamentos que

utilizavam nos instantes de atuação das funções, o que se configurava na

aprendizagem prática de conhecimento (notas de campo).

Ela [diretora de som direto] tava operando o gravador e eu só tava segurando o microfone lá, não teve problema não. Foi a primeira vez, era só pegar o microfone e botar lá assim, [risos]. Você não pode mexer rápido, ter certa distância porque senão fica estourado som e tal, mas foi tranquilo, foi divertido fazer microfonia (Entrevista com John Constatine).

Os ciborgues estavam em ação. Muitos tiveram que contar com momentos de teste

de suas habilidades e lhe darem com momentos de pressão provocados pelo

exercício da função desempenhada ali. Como o caso de rever planos e ângulos de

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previstos na decupagem pela falta de elementos ou por improviso criativo da direção

geral diante das suas possibilidades de criar e da atuação dos demais membros da

equipe.

Fotografia 7 – Frame de momentos de gravação no apartamento

Fonte: Registro gravado pelo autor.

Fotografia 8 – Frame de momentos de gravação na floresta

Fonte: Registro gravado pelo autor.

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Pude registrar esses momentos assumindo a função de Still, pois além de produtor de

set, em que ficava por conta da organização geral dos materiais e equipamentos, eu

acompanhei os as filmagens do curta-metragem fazendo o seu making of. E também

havia, entre uma cena e outra, havia o trabalho da continuidade, que com o celular

com na função câmera registrava como os arranjos dos elementos de cena estavam

postos para serem utilizados em outra diária.

Sendo algo mais profissional, seria necessário o uso de uma câmera, pelos detalhes, pela precisão. Porém, assim, acho que o celular atendeu as nossas necessidades. Porque também, a gente tem que entender que é um projeto que a gente não tem verba, que a gente tem que se virar (Entrevista com Regan MacNeil)

Nos estágios finais de cada diária era acompanhado por empenho nas conclusões

das cenas, o que levava a um esforço coletivo dos que estavam presentes ali, apesar

de certa mudança de pessoas pelo rodízio de pessoas nas funções. Isso limitava a

sincronização entre as equipes. O pouco espaço do set para um número grande de

pessoas e diferentes a cada diária inibia o caráter criativo que o momento pedia. O

cartão de memória ia da câmera e do gravador ia ficando cheio e era preciso salvar

os áudios e vídeos de todos os takes. A logger tinha essa função e entrava em cena

a cada final de diária para transferir os arquivos para um notebook.

As gravações foram marcadas por esses momentos de tensão. Era preciso uma

sincronia entre todos os presentes ali. Notei que muitos se sentiam limitações criativas

pela função que exercia. As discussões sobre os motivos das falhas da trajetória do

curta ia desde o processo criativo do roteiro, a questões de ordem pessoal como

responsabilidade, da organização do janela e da falta de habilidade dos janeleiros

nas suas ações criativas, o que geraram em desgastes nos membros, o que pude

observar com as reuniões gerais cada vez mais vazia após as gravações e início da

etapa de pós-produção.

Um dos problemas do Janela, acho que as funções. Nunca são bem definidas, parece que ninguém sabe direito o que é que cada um faz o que é pra cada um fazer e aí acaba que um quer ficar colocando a culpa no outro... “ah não por que isso não era pra eu fazer, era pra você fazer e blá, blá blá”, só que num set comum de filmagem, não é pra eu tá me preocupando com essas coisas porque é diretor e o diretor tem que tá pensando. Tipo assim, tem que tá concentrado em como eu quero o enquadramento, como eu quero assim, todos os aspectos. Tipo, a arte eu quero que fique desse jeito, o enquadramento quero que fique desse jeito só que não é pra eu pensar em como que vai tá, tipo assim. Eu tenho que pensar: ah, eu quero que a atriz, tem que tá com essa roupa e tal [...] Eu tô trabalhando desde o começo, aí o

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enquadramento cai desse jeito e tal, mas não sou eu que tenho que pensar como que vai chegar essa blusa dela. Não sou eu que tenho que pensar como que vai ter o chifre do demônio lá que eu quero porque se eu pensar além de todas essas coisas, isso. Não tem como dar conta né, porque toda essa parte de visão e de pensar em enquadramentos e pensar como que vai tá o som e pensar tudo isso desde o começo, fazer a decupagem e tudo, já sou eu que tava fazendo, que é o papel de diretor. Mas aí não tem como ficar responsável por tudo. [...] O Janela é um projeto que, meio que todo mundo tem que ter opinião, todo mundo tem que concordarem uma mesma coisa, entende, e é difícil com muita gente, né. E aí acaba que, sabe. Não é assim: a minha ideia ou a sua ideia, e aí tem que ser meio que a "nossa" ideia e aí fica meio que uma mistura sabe, porque tem que ser uma coisa meio horizontal, só que isso, às vezes, acaba atrapalhando, sabe. Porque a palavra final era pra ser minha, né, sempre... (Entrevista com Annie Wilkes).

O problema foi a má distribuição. Por exemplo, tinham pessoas ociosas em set... Isso não é bom! Acho um problema também essa coisa de não respeita funções, de não respeitar o trabalho do outro, de você não escutar o outro, de arrogância. Tem muito uma coisa, sabe de ego. De que o ator... O diretor ele pode tudo ou o produtor pode tudo, ou talvez... Essas coisas atrapalham muito. E quando as pessoas não sabem qual a função delas, que eu acho que isso pode ter acontecido. Talvez por elas não terem uma função porque não tinha tantas funções assim (Entrevista com Rosemary Woodhouse).

Fotografia 9 – Reunião após as gravações

Fonte: Registro fotográfico realizado pelo autor.

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Em dezembro de 2017 têm-se o início a etapa de pós-produção, que coincide com o

fim do semestre sempre marcado pela realização de atividades avaliativas. Há aqui

um conflito dos atores humanos entre suas responsabilidades como alunos e como

janeleiros. É na pós-produção que os atores vão expressar suas habilidades para

finalização do Hel. Para realização de suas tarefas, que são essencialmente a edição

de imagem e som, eles necessitam de um conjunto de suporte ferramental que se

encontram nas ilhas de edição do Bob.

Jack Torrance ficou a cargo da direção de pós-produção, função antes não existente

em produtos anteriores do Janela. Ela foi criada devido o número de participantes

(notas de campo). Ele dividiu da seguinte maneira a equipe de edição de imagem e

som:

[...] tinha três veteranos do curso [...] e mais três calouros, que tinha acabado de entrar no Janela. Então eu dividi assim: cada um fazia sincagem, montagem, depois o primeiro corte e aí depois ia fazendo os outros cortes e tal... aí ficava um veterano com um calouro, que aí, o calouro aprendia e o veterano ensinava. E tem a equipe de edição de som também, que é o mesmo sistema, só que já tinham um background de som. A Lorraine Warren (diretora de som) já tinha esse conhecimento de edição de som.

Para execução das tarefas, era de conhecimento de Jack Torrance e Norman Bates

que os calouros que estavam na função de assistentes de edição precisariam ter um

conhecimento prévio dos programas de edição. O Janela tinha acesso as ilhas de

edição do Bob que tinham como programa da empresa Adobe Systems ® de edição

de imagens o Adobe Premiere Pro® e Adobe Audition® de áudio. Ao longo do tempo

em campo, sempre ouvia a referência desses programas por serem apontados como

programas “profissionais”, o que facilita a entrada no mercado de trabalho, o que

causa certo “apego” e gosto em aprender. Para muitos deles, o acesso ocorreu em

algumas disciplinas do curso, mas de forma bastante superficial, daí mais uma

oportunidade que o Janela oferece a eles.

Nisso, período antes de iniciarem as atividades da pós, optou-se por realizarem

oficinas desses programas como forma de acelerar as atividades da edição. Os

janeleiros veteranos que tinham domínio prático desses softwares se colocaram à

disposição para serem os instrutores. Entretanto,

Elas não funcionaram muito porque algumas pessoas vinham, outras não vinham, entendeu?! Então, é muito daquela coisa da responsabilidade também que a gente tem sempre esse problema. Se eu não me engano foram

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duas oficinas que aconteceram real assim, de quatro que a gente marcou (Entrevista com Jack Torrance).

Não muito diferente do período das oficinas, que pode ser apontado como uma ação

de apresentar um contato inicial com ferramentas criativas, em que foi o contato inicial

dos que participaram.

Jack Torrance buscava estimular sua equipe para desenvolverem suas tarefas, por

meio do contato virtual que “[...] era bem dinâmico, a gente conversava e tal: vamos

começar tal dia as montagens, ir pra ilhas, porque a gente tem tal data para entregar.

[...] Claro que as datas eram extrapoladas um pouco [risos]. Mas era assim essa

organização, por messenger (Entrevista com Jack Torrance). Os janeleiros já tinha

consciência de que não iriam chegar à finalização do Hel nesse período. Ainda assim,

buscaram estabelecer um prazo para o primeiro corte. Algo que não foi concretizado,

pois chegou-se apenas ao processo de sincronização dos arquivos de áudio e

imagem, conforme ordem de gravação.

O problema do Janela sempre foi pra gente finalizar os filmes ou pra, pelo menos, ir pra ilha de edição naquele período que ele foi produzido. Só que a gente, no começo ainda tá introduzindo muita coisa: tem os calouros que entram, tem as pessoas que ainda se familiarizando com o projeto, que não sabem, aí já gastou umas duas semanas. Aí depois a gente via começar a dividir equipe, decidir roteiro, aí tem os tratamentos dos roteiros... Então, assim, a gente já perdeu umas 5 semanas, de 15, né. [...] Porque a gente atrasando no começo, então a gente vai apertando durante o caminho inteiro pra gente poder gravar nas datas que dá. Pra gente não deixar pra o próximo período. Então assim, chega no final e a gente não consegue finalizar porque já apertou demais e ficou muito sufocado pra todo mundo. Então, sempre teve esse problema da gente não conseguir finalizar naquele período, entendeu (Entrevista com Jack Torrance).

A tarefa de sincronização ou sincagem (termo mais usual pelos membros do Janela),

ficou sobre a responsabilidade de Freddy Krueger, janeleiro veterano que veio a

compor a equipe do Hel somente para essa atividade específica, diferente de todos

os demais participantes que estavam desde o início do Hel (notas de campo). Por ter

tido envolvimento em todos os momentos desde a pré-produção, eu passava

informações e tirava suas dúvidas quanto aos takes e seus arquivos correspondentes.

Para compreensão da sincronização, ele necessitava de um conhecimento prévio do

produto e para isso ele necessitava recorrer ao roteiro, a decupagem e as ordens dos

dias, pois a história do Hel precisaria “entrar” na cabeça dele também (notas de

campo). Ao se deparar com esses materiais que compõem o Hel, Freddy Krueger,

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apesar de aparentemente exercer uma tarefa “mecânica”, argumentava desse

processo de envolvimento com o produto que estava sendo moldado ali.

O ponto de interseção do arquivo de imagem com o áudio ocorria com a captação de

áudio da claquete. Esse registro do barulho dela, da “claque” era de total importância

para execução do momento certo que ele deveria “sincar” de um arquivo com outro,

de uma cena com outra (notas de campo). Em muito dos takes apontados como

corretos pela direção não conseguia captar o momento de ação da claquete no set de

filmagem, quando não era captada sua imagem também. Freddy Krueger e Lorraine

Warren apontavam essa “falha técnica” por se tratar de uma produção em que a

grande maioria dos envolvidos eram calouros, o que levava a falta de conhecimento

da necessidade da captura da imagem e do áudio desse momento para a

sincronização e montagem do Hel.

Fotografia 10 – Frames de momentos da edição de imagens

Fonte: Registro gravado pelo autor.

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Durante o processo de montagem do Hel, em que ocorre a ordenação dos planos, não

mais conforme mais pela decupagem, mas sim pelo roteiro. É o momento em que as

cenas são colocadas em ordem dos planos filmados. No primeiro momento, foi-se

ordenando as cenas de acordo com o roteiro. Nesse caminho, há também o embate

das ideias que foram colocadas no roteiro para as que foram realizadas na gravação.

Na edição, as ideias gravadas são constantemente testadas para identificar se

continuam a dar sentido de forma foi pensada cada cena. Há uma liberdade criativa

por parte dos editores em conjunto com a diretora, no sentido que traz certa liberdade

e flexibilidade para a sua realização. Sobre essas mudanças de ideias, a diretora

comenta o que:

Às vezes não dá pra sair do jeito que queria. Não dá! [...] Eu mudei, né. O filme tá bem diferente na montagem. [...] O final é diferente do filme porque não deu certo o final que eu pensava. A ideia ali do roteiro que a gente tinha pensado era o final, ela tipo cair no chão e aparecer vários lugares vazios... Acontece que, quando foi pra gravar esses lugares vazios quando a gente foi ver as imagens, sabe. Não tinha a ver, não ia passar a ideia que eu queria, sabe. Só que acabou que na hora eu vi que não, sabe. A ideia que eu tinha pensado não combinava, não tinha a ver e aí, eu mudei a ordem de várias coisas, na montagem porque não tava funcionando do jeito que eu pensei ficou diferente, entendeu, porque tem o roteiro, aí, a gente vai gravar, e já tem coisa que muda, porque, enfim, atuação. Aí na montagem, tem coisa mais ainda que muda porque, sabe, quando eu botei na ordem cronológica... Não fazia nenhum sentido. Várias coisas porque não tinha continuidade, e eu tive que mudar a ordem de coisas. [...] Eu botei, tipo, numa ordem e não fazia sentido essa ordem, que era a do roteiro, porque não tava condizente, entendeu. Tipo, a gente gravou as coisas errado. Tinha várias coisas que não tava certa. Tipo assim, figurino, de uma para outra, (cena), tá entendendo? Ah, por exemplo, a cena 19 e a cena 20. Na cena 19, ela tá com uma roupa e na cena 20 é pra ela tá com a mesma roupa porque é uma continuidade, só que às vezes, tipo, não, não tava. E aí? Eu tive que mudar um monte de coisa [...] com a ajuda [dos janeleiros] que montaram o filme que foram também me ajudando, tipo assim: “ah que fica melhor desse jeito e tal, porque não ficou, sabe do jeito que era imaginado, assim”. Eu já sabia. Na hora que a gente tava gravando as coisas, eu já sabia que não ia dar certo porque não tinha continuidade. Aí na hora que eu botei na ordem não fazia sentido nenhum, aí eu mudei... e o trabalho da arte pra ver coisa desse figurino. Vê se tava o figurino certo, maquiagem certa e tal. Várias coisas que foram solicitadas não existiram, simplesmente não existiram [risos]. “Ah vamos gravar com tal coisa, ah não tem”. Foi por falta de não levar (Entrevista com Annie Wilkes).

As mudanças e novas ideias surgiram no processo de montagem como forma de

solucionar problemas por falhas na execução de tarefas realizadas nos momentos de

gravação. Sendo que alguns deles como notado pela diretora do curta são

identificados após a visualização das ideias. Esses problemas técnicos acabam

associados pela falta da habilidade de realizar ou não determinadas ações que eram

esperadas, pois “[...] são probleminhas comuns que a gente substitui na pós [...] são

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detalhes de quem tá aprendendo a fazer uma captação ainda” (Entrevista com

Lorraine Warren). Diante desse contexto, foram realizados dois cortes em que a

montagem, a organização visual ficou aprovada pela diretora geral que passa para a

edição de som para finalização do Hel.

A edição de som é vista pela diretora de som, Lorraine Warrem, como momento da

correção dos problemas que ocorreram na captação do áudio (notas de campo).

Problemas como “[...] vento no microfone, tipo, microfone muito perto da hora que atriz

tá gritando. Talvez não precisasse tá tão perto dela, tanto no boom, quanto na lapela

[...]” (Entrevista com Lorraine Warrem). Essa falta de conhecimento e da falta de uma

relação próxima com elementos materiais nos momentos da captação que geram

esses problemas. Em contrapartida, eles geram possibilidades de algumas atividades

serem colocadas em práticas ou aperfeiçoadas pelas tarefas de edição. Na edição de

som é preciso ter feeling!

[...]Você tem que se concentrar no que você tá ouvindo. E aí que vale de ter uma boa caixa de som, ou de ter um fone muito bom pra ouvir, pra você poder se concentrar mesmo, porque às vezes passou um som você não viu ou, sei lá, tá faltando alguma coisa e você não ouviu. [...] No meu caso é importante ter alguém perto. [...] você acha que tem um ruído ali, mas não tem. não existe esse ruído, mas agora [...] está fazendo captação? Você pede pra duas ou três pessoas ouvirem a mesma coisa. Se ninguém ouviu, é você que tá produzindo o ruído. Às vezes você tá com o fone aqui. No meu caso acontece muito porque eu tenho um problema de audição no meu ouvido direito e aí, às vezes eu coloco fone de ouvido e começa um zumbido, sabe. É automático. [...] se tiver muito alto, meu ouvido começa a ter o processo de inflamação e aí eu tenho que tirar o fone, para um pouco e depois colocar de novo pra poder ter certeza que não sou que tô produzindo porque eu consigo ouvir o zumbido e isso acontece com várias pessoas. Às vezes o fone é muito grande, vai muito pra dentro, você não consegue ouvir o lado de fora, o ruído tá justamente nessa caixa aqui! Do próprio ouvido, do aparelho. Então, você tem que tirar, respirar um pouco e pôr de novo porque o ruído vai sumir. [...] Às vezes você se meche um pouquinho e aí pi! Porque o ruído de fora, toda sua percepção, sabe aquele instinto aranha que você observa, sente o que tá atrás de você pelos seus ouvidos? É isso!! Você tirou aquele negócio, acabou aqueles ruídos externos. Tá você, a cabeça e o fone aqui diretamente no seu ouvido e qualquer botoquesinho nele é um barulho. Qualquer rodada no fio é um barulho. E o próprio cabo de energia. Se você ouviu a energia passando pro próprio aparelho do gravador. (Entrevista com Lorraine Warrem, grifo do autor, grifo do autor).

Na figura x, consegui capturar um momento em que “instinto aranha” de Lorraine

Warrem foi ativado. Observação a relação imagem com áudio da cena em que na

decupagem deveria mostrar um barulho de suspiros, mas ela ouvia outros barulhos.

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Eu que estava presente também constatei e fomos verificar se o barulho vinha de

algumas das caixas de som. Feito isso, observamos que não havia problema algum

ali. Era um desses “ruídos” imaginários (notas de campo).

Fotografia 11 – Frames de momentos de edição de som

Fonte: Registro gravado pelo autor.

Além de ter confessado “apego” ao Audition®, pude observar que Lorraine Warrem

recorria muito ao Youtube®, quando dúvidas surgiam na realização de determinado

uso de ferramenta do programa. Recorrer ao Youtube® era uma atividade recorrente

para sanar dúvidas e aprender via tutorial e fóruns, além dos “brancos” causados pela

falta de prática em algumas ações do programa ou de não saber mesmo (notas de

campo).

Em meio a esse processo criativo de finalização do Hel, que já vinha com certo atraso,

ocorreu um fato não esperado: a desinstalação dos programas de edição da Adobe

Systems ®, devido a ao prazo final de licença. Isso impediu que as atividades

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continuassem no semestre 2018/1. Outro pacote de programa foi instalado, mas os

janeleiros envolvidos não dominavam as funções no novo programa, além da

possibilidade de limitação técnica que poderia causa no Hel. Dessa pausa, outros

projetos surgiram, outras atividades, os janeleiros aconteceram com eles: alguns se

formaram, estão envolvidos com outros projetos, estágios, ou não fazem mais parte

do Janela. Ainda assim, há disposição da direção geral e pós-produção na conclusão

do Hel para 2019.

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5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Este espaço se dedica a explorar discussões em torno da perspectiva da criatividade

como prática sociomaterial à luz da configuração dos dados apresentados sobre a

trajetória da realização do curta-metragem Hel.

5.1 A CRIATIVIDADE COMO PRÁTICA SOCIOMATERIAL NA PRODUÇÃO

AUDIOVISUAL

A trajetória da realização do curta-metragem Hel, um produto audiovisual inacabado

desenvolvida por jovens universitários, que motivados a desenvolverem suas

habilidades criativas em meio a uma produção de caráter artesanal, com poucos

recursos (conhecimento, financeiro, material) promovidos pelo projeto de extensão

Janela. A pesquisa possibilitou a identificação das práticas que compõem a

criatividade sociomaterial existente na produção audiovisual. Assim, durante o

processo de investigação, busquei observar quais as principais atividades faziam

parte de processos criativos. Nessa produção, pude analisar a configuração da rede

de atores que entraram em cena para criar. A pesquisa possibilitou a identificação das

práticas que compõem a criatividade sociomaterial na realização do curta-metragem

Hel.

Com a proposta de proporcionar a esses jovens outsiders a produção de ideias úteis

para a realização de um produto audiovisual. Pude notar que o Janela pode ser visto

como um laboratório de criação, um espaço aberto e coletivo aos jovens que possuem

interesse ao que está por trás das câmeras, já que as inscrições para participar do

projeto ocorrem a cada novo semestre na Ufes (#vemserjanela). Por meio dele,

constatei a atenção no processo de troca de ideias entre a interação dos “janeleiros”

para produzirem algo. Desse caráter coletivo, tendo a produção audiovisual áreas e

setores diversos, algo que a torna os processos criativos sempre dinâmicos. Para

tanto, considero que a criatividade na realização curta-metragem Hel ocorreu de forma

distribuída.

Tradicionalmente descrita como processo colaborativo de grupos, a noção de

criatividade distribuída proposta por Boysen (2017) aponta a criatividade como uma

construção social, de forma que no caso em estudo, a produção do Janela não

envolveria apenas o grupo de jovens inscritos no projeto no semestre de 2017.2, mas

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também os demais membros da comunidade universitária e sociedade, já que trata-

se de um projeto de extensão. Ou seja, não inclui apenas o criador, mas também o

espectador que interage com o produto audiovisual. E distanciando-se de

perspectivas tradicionais (AMABILE, 1988, 1996), essa noção de criatividade

distribuída é mediada por uma rede de atores. Dessa forma, o grupo de jovens

universitários não é criativo, mas sim participante do ato criativo, o que distancia

também do caráter individual nos processos criativos (BOYSEN, 2017; TANGGAARD,

2013).

De forma que a criatividade é um fenômeno social, a TAR corrobora para o

entendimento desse agenciamento da rede de atores (LATOUR, 2012). Os objetos

dão suporte aos processos criativos distribuídos e não podem ser ignorados, pois eles

desempenham papeis essenciais no fenômeno estudado (SAYS, 2014). Em campo,

foi possível identificar que a criatividade se dava entre a rede de atores, em que não

havia possibilidade de dissociar os processos de criação do social e do material. Os

atores não-humanos desempenharam papeis significativos na produção de ideias do

curta-metragem. Ao adotar a ideia de criatividade distribuída no cenário da realização

do produto audiovisual, o olhar para rede de atores se tornou essencial. Com isso,

pude observar como a rede buscou desenvolver o curta-metragem por meio das

interações e mobilização entre atores humanos com as ideias geradas, os objetos e

as técnicas utilizadas para produção do curta-metragem que levava a ideias em

movimento. Com isso, essa abordagem se torna relevante por ir de encontro aos

estudos tradicionais e afastar-se da não de criatividade antropocêntrica, bem como

possibilitar estudos que explorem o ato criativo como fenômeno sociomaterial.

Ao passo da produção de ideias úteis (AMABILE, 1988; AMABILE; PRATT, 2016), a

criatividade no Janela se configura por meio de uma dinâmica entre processos

criativo-organizativos. A gestão-criação do curta-metragem ocorreu por meio de

processos indissociáveis (DAVEL; VIANNA, 2012). Essa perspectiva processual-

relacional da prática criativa volta-se os olhos para o movimento cotidiano da produção

dessas ideias, em que elementos humanos e não-humanos deram suporte e foram

mediadores das ações criativas. Dessa forma, a criatividade na produção audiovisual

pode ser entendida como processo em movimento dinâmico constituído por uma

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assembleia de atores humanos e não-humanos. Analisar uma produção audiovisual

sob esse olhar implica em identificar as interconexões entre os atores em rede.

O organizar (organizing) do curta-metragem tinha sua (re)organização constante,

quando os criativos se reuniam parar criar o que supera a visão de uma organização

estática (CZARNIAWSKA, 2004; 2008). Observei que o organizing de cada processo

criativo como prática envolvia diversos elementos humanos e não-humanos que os

sustentavam, como o a configuração das subdivisões por equipes de trabalho e suas

escalas para os momentos de realização das atividades nos períodos de gravação e

os diferentes equipamentos e materiais à disposição. A prática era alterara pelas

novas interações dos atores criativos com o organizar de cada diária, de cada reunião

em que novos atores humanos e não-humanos eram incorporados a uma prática

criativa. Embora dessem suporte às práticas, os atores que as sustentavam eram

alterados a cada movimento, o que implicava em novas formatos do organizar as

ideias.

Conforme os processos criativos iam sendo transladados ao longo da trajetória do

curta-metragem, a criatividade tinha sua propriedade transitória, na qual as ideias em

movimentos eram distribuídas. A começar pela configuração da organização entre as

funções distribuídas entre as equipes do curta-metragem, em que tempos e espaços

para desenvolvimento das ações eram distintas. Diante das escolhas das áreas, de

cada equipe era esperado que os atores humanos e não-humanos desempenhassem

suas ações, de forma que a rede de atores alcance a solução do problema: a

realização de um produto audiovisual. Uma das falhas apontadas na trajetória do

curta-metragem foi a disputa de egos e a própria falta compreensão dos papéis que

cada ator de cada equipe deveria desempenhar, o que provocou na desestabilização

do grupo e descrédito e falta de compromisso pelo projeto por parte dos atores.

Outra questão notada foi a má distribuição de o grande número de atores humanos

por equipes, o que limitava ou inibia nos momentos de brainstormings, em que as

ideias eram produzidas e discutidas suas aplicações. Esse fato era percebido, tanto

nas reuniões gerais, em que poucas vozes eram ouvidas dentre os atores, bem como

nas reuniões de equipes em que estive presente. Havia pressão para o

desenvolvimento do roteiro, que exigiam habilidades de escrita e bagagem de

referências em produções anteriores do gênero terror. Essa pressão era diluída entre

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os membros das equipes de edição de som e imagem, que chegaram a ter problemas

pela impossibilidade de acesso aos softwares e hardwares. Constatava que os

processos criativos iam sendo desenvolvidos de forma desalinhada, com desencontro

de informações e ideias entre os atores em rede.

Nas diárias de gravação, período em que muitas equipes (direção, fotografia, som

direito, continuidade, arte e produção), que antes trabalhavam em separado

precisaram alinhar a distribuição de seus processos criativos em conjunto. Com uma

malha de materiais e equipamentos à disposição, como a equipes de, tinham que

montar o set para iniciarem as gravações. Eram grandes processos criativos

ocorrendo no mesmo instante. Pude observar a falta de sincronização entre a

distribuição das tarefes limitaram as ações dos atores. Os equipamentos e

ferramentas à disposição não chegaram a utilizar o seu potencial técnico pela o

desconhecimento e falta de habilidade no desenvolvimento das tarefas nos momentos

de ação (AMABILE; PRATT, 2016).

Essas situações levaram a não concretização total do curta-metragem Hel, que se

encontra inacabado e com ações inativas. Pelo fato de o curta-metragem analisado

não ter sido finalizado se configurou como um caso de falha na realização do produto

audiovisual. Por esse fato, ele pode vir a ser visto com demérito, mas fato da falha da

finalização desse produto cultural pode incitar novas perspectivas (STRANDVAD,

2017), em que se ressaltam os momentos de translação até o momento de abrir a

caixa-preta. Ao apresentar situações de falhas na trajetória do curta-metragem na

apresentação dos resultados, em que as dificuldades encontradas pela rede de atores

do curta-metragem para sociomaterializar e estabilizarem as ideias que permaneciam

em constante movimento de forma distribuída.

Tendo a criatividade distribuída, os atores tiveram muitos momentos de incertezas e

inseguranças para entrarem em cena, mas seguiram o caminho ao se associarem a

suas experiências com as dos outros atores. Isso pode ser notado por atores humanos

que eram calouros e veteranos de cursos diversos que estavam em papéis de direção

do Hel. Ainda assim, depreende-se a noção de progresso frente às motivações das

tarefas realizadas e o domínio das habilidades, frente ao processo de conhecimento

e aprendizagem (AMABILE; PRATT, 2016), que caracteriza o projeto Janela como um

laboratório de criação.

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A falta de comprometimento com os prazos, desinteresse pela execução da tarefa, os

problemas de ordem pessoal, e descrédito ao trabalho de atores humanos em cargo

de liderança provocaram barreiras que levavam ao retrocesso do progresso. Isso pode

ser notado nos momentos iniciais da geração de ideias entre os membros da equipe

de roteiro, em que havia uma “disputa” entre os argumentos confrontados. Além dos

momentos da gravação em que a diretora geral não se sentia ouvida. Esses fatores

culminaram na influencia de um ambiente de que inibiam a criatividades, o que levava

a falta de motivação intrínseca por falta de habilidade de domínio da tarefa e

inexperiência na função que o ator buscou desempenhar (AMABILE; PRATT, 2016).

Disso, pode-se depreender o fracasso pela não continuidade das atividades do curta-

metragem, a motivação intrínseca dos atores-rede era fraca. Assim, havia

interferências para um progresso no trabalho significativo, além da falta de medidas

de motivação extrínseca pelo grupo envolvida, frente à forma distribuída em que

ocorreu a criatividade.

O progresso se encontra em aprender uma nova tarefa ou passar a ter domínio de

alguma, porque essa ação é deslocada, de forma que deve-se reconhecer a

dependência das ações dos outros atores presentes nessa rede complexa que foi a

trajetória de realização do curta-metragem. Dessa forma pude compreender que no

movimento de geração de ideias, elementos não-humanos não apenas tornam

tangíveis as ideias, pois eles estão presentes nos momentos que as ideias são

expressas, podendo ser, inclusive pontapé inicial para elas. Ao se depararem com os

equipamentos e materiais específicos de suas funções, atores da equipe de fotografia

procuravam testar novos ângulos e enquadramentos, como forma de trazerem

alternativas para a gravação de cenas, algo que diretora geral também modificava ou

cortava determinadas cenas antes previstas por elas naquele momento criativo perder

sua utilidade frente às ações dos atores em rede. Os atores também buscavam

referências em filmes que haviam assistidos e discutidos em sala de aula, além de

suas próprias experiências de produções anteriores em atuavam em outras funções.

Como sugerido por Tanggaard (2013), a criatividade sociomaterial pode ser

interpretada como um fenômeno da vida cotidiana. Pode notar que atividades sociais,

como de ler um livro, ir ao cinema, ver um filme em casa levam indivíduos a quererem

saber o que há por trás e participar da realização desses produtos e serviços culturais

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e que ao mesmo tempo, essas atividades serem de fonte de inspiração e

conhecimento para criarem, e não apenas mais serem consumidores. Como no caso

estudado em que objetos (câmeras, computadores, etc.) foram significantes para

realização das atividades criativas. Com isso, a pesquisa pode analisar as interações

entre os elementos humanos e não-humanos por meio da abordagem da criatividade

como prática sociomaterial (ORLIKOWSKI, 2007; CARLILE et al., 2013;

TANGGAARD, 2013).

Nos processos criativos observados, como na configuração do roteiro e dos

momentos de gravação foi possível identificar momentos em que os elementos não-

humanos se tornam essenciais para realização da prática criativa (DUFF;

SUMARTOJO, 2017; JÚLIO; TURETA, 2018). E para tanto, há a necessidade de que

os atores humanos precisaram aprender a manusear objetos no conjunto de

atividades para possibilitar sua façanha criativa. Sendo que muitas vezes, as ideias

geradas acabavam sendo transladadas diante das limitações dos elementos não-

humanos (ou de sua falta) e da falta de habilidade dos atores humanos para

determinada prática. Nesse sentido, pude evidenciar que objetos desempenham

papeis de destaque no fenômeno social que é a criatividade.

Sendo a criatividade expressa de forma temporária, em meio a convenção atores-rede

(DUFF; SUMARTJO, 2017), a produção de um curta-metragem Hel se realizou em

tempo e espaço determinado, como um evento. Os processos criativos da

materialização da do roteiro, da decupagem e ordem do dia seguiam esse ritual, em

que determinados atores humanos e não-humanos foram necessários se reunirem

temporariamente. Desse caráter temporário dos processos do curta-metragem

compreender a criatividade de forma cíclica, diante de sua dinamicidade. Dessa

forma, pude compreender que a criatividade como prática sociomaterial ocorre. Assim

como a geração de ideias, as habilidades são desenvolvidas ao longo do processo,

se reconfigurando a cada há espaço para novas cenas a serem gravadas as cenas

podem ser editas, cortadas, montadas para apresentação das seleções de ideias

úteis. E ao passar a analisarmos a criatividade como algo produzido de forma

distribuída, possibilita que ela seja gerenciada de forma que envolva ações coletivas

e estimulem uma cultura criativa nos diversos níveis organizacionais que os processos

criativos ocorram. Dessa relação em um ambiente organizacional, considero ser

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preciso um olhar voltado para os estímulos criativos nos espaços em que os atores se

reúnem para criar, em que seja considerado como mediadores das ideais em

movimento os elementos não-humanos.

5.2 OS ATORES NÃO-HUMANOS EM CENA

Longe de serem vistos (ignorados) como figurantes, pude observar que os objetos

estavam em ação em conjunto com os atores humanos com papeis e ações nos

processos criativos do curta-metragem. Os atores eram hora coadjuvante, hora

protagonista das práticas de criatividade sociomaterial no fazer cinema. Os objetos

atuavam como mediadores e davam suporte aos atos criativos (SAYS, 2014) como

mediadores em diferentes ordens temporais e espaciais na configuração da rede de

atores. Pude notar que os objetos possuem diferentes papéis no processo de gestão-

criação.

Nos períodos de gravação, em que para atriz entrar em cena, era preciso que a

câmera, equipamentos de som (microfone, gravador), pilhas, baterias, cartão de

memorias e estivessem disponíveis para serem utilizados. Esse arranjo material era

essencial para as cenas de captação de som do ambiente e gravação de cenas de

ambientes externos. Com suporte de acesso aos materiais e equipamentos do Janela,

a qualidade técnica desses materiais chegava ainda a serem questionadas, ainda que

os atores não dispusessem de conhecimento técnico suficiente para questionar, pois

muitos ali tinha o contato físico pela primeira vez e em pouco tempo para realizarem

suas tarefas. Uma outra situação foi o figurino e a maquiagem (falsas feridas), em que

a equipe de arte tinha a expectativa de ter acesso a materiais, mas que não foi

possível sociomaterializar as ideias iniciais e assim limitaram-se aos elementos

materiais à disposição pelos próprios membros da equipe, já que recursos financeiros

não eram suficientes também.

Era preciso esse suporte dos atores não-humanos para as ideias que estavam em

constante movimento, pois eles poderiam entrar e sair de cena a qualquer momento.

Tiveram situações em que sua falta foi sentida, e os atores precisavam improvisar e

estarem dispostos a manterem as ideias iniciais. Como o caso da claquete, que era

um objeto essencial para os takes de gravação e corte das cenas na edição. Com a

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falta desse ator em rede, houve a necessidade de ser perfomado um caderno e uma

prancheta para fazer alusão as ações de uma claquete. Outro caso em que houve a

necessidade de improviso foi o de figurino, em que foi sentida a falta de uma camisa

na última diária. Isso limitou o trabalho de continuidade, o que também levou a ser

considerada a gravação de cenas em novos ângulos e planos para evitar essa falta

do elemento não-humano essencial. Com a falta de elementos não-humanos

esperados, novos objetos e materiais entravam para as ideias que continuavam em

movimento. Nesses momentos de improvisos, os elementos não-humanos podiam vir

a contribuir ou inibir a criatividade.

Assim como Strandvad (2011), pude constatar que os objetos não apenas evoluem,

mas também estabilizam e expandem suas ações. Das ideias iniciais presentes no

roteiro, o Hel ainda em forma de papel sofria transformações a cada revisão e olhar

crítico dos atores ao ponto dessas ideias serem aprovadas nas assembleias que

ocorriam às 16h a cada terça-feira. Sendo as ideias estabilizadas nesse primeiro

momento, era preciso que elas tornassem a forma de “palavras-imagem”, de forma

que as ideias ficassem expressas nos planos e ângulos da decupagem. Pela lente da

câmera, da gravação do áudio e atuação da atriz, as ideias se expandiam e tomavam

novas formas, novas ideias que distanciava da projeção inicial da diretora e demais

membros da rede. Em formato de vídeo as ideias se encontram à disposição para

edição e finalização, no sentido que pode vir ainda a ser perfomada por novas ideias

pelos atores humanos e não-humanos envolvidos nesse ato criativo de produzir o

curta-metragem. Isso implica em uma simetria etnográfica como indicado por

Strandvad (2013) pelo trabalho desenvolvido por cineastas, de forma que se fez

preciso analisar essa interação entre “homem-objeto” (HUSSENOT; MISSONIER,

2010), pelo olhar processual-relacional que possibilita a constatação da evolução dos

objetos que pode impulsionar a geração de ideias.

Nesse mundo cinematográfico, cabe alusão aos papeis dos atores da metáfora do

gerente-ciborgue apresentada por Tureta, Tonelli e Alcadipani (2011), tratando-se de

uma figura social. A indústria audiovisual é um ambiente de trabalho que está

fortemente vinculado a tecnologia. Da organização e distribuição das tarefas, os

objetos eram distribuídos de acordo com as ações esperadas e cabiam aos elementos

não-humano darem suporte a elas. A câmera fotográfica e todo seu aparato material

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(como tripé, bateria e cartão de memória), era extremamente indispensável para o

diretor de fotografia e para realização do curta-metram. Porém, as ações eram

condicionais aos demais atores-rede. Reunidos, assumiam o papel de ciborgues, o

que provoca em uma mediação tecnológica. Essa associação material por meio da de

objetos e elementos tecnológicos de forma intensa foi constatada também com o

período de edição de imagem e som, em que os atores, desempenhando as atividades

cotidianas do fazer cinema, estabeleciam uma conexão sociomaterial com o produto

audiovisual sendo performado por softwares e hardwares (ORLIKOWSKI, 2011;

ORLIKOWSKI, SCOTT, 2013; PANOURGIAS; NANDHAKUMAR; SCARBROUGH,

2014). Em toda a trajetória do curta-metragem, objetos ajudaram a estabelecer a rede.

Como o caso das redes sociais, que foram utilizadas como ferramentas de trabalho,

em que os atores compartilhavam suas ideias em reuniões online, bem com a

coordenação de toda a comunicação que havia sido distribuída entre as equipes

(ORLIKOWSKI; SCOTT, 2013; SCOTT; ORLIKOWSKI, 2012).

Relações entre os elementos e objetos, contribuem na realização das tarefas que

ocorriam em cada equipe e no todo em direção à realização do curta-metragem,

mesmo diante das controvérsias vivencias pelos atores-rede e suas limitações para

desenvolverem a criatividade, que era distribuída ao longo do tempo em múltiplas

tarefas, como no momento de preparação para as gravações em que era preciso que

os atores tivessem disponíveis para entrarem em ação. Essa visão relacional orienta

para entendimento da extensão dos papeis dos objetos em meio a colaboração na

realização das tarefas. Havia nessas situações, uma dinâmica de forma entre a

escolha da função/equipe pela identificação com os objetos associados. Como o caso

da fotografia e som direto, em que os atores precisavam conhecer os equipamentos

de câmera e microfone antes dos períodos de gravação. À equipe de produção de

arte cabia também uma preparação da confecção do figurino e elementos de cena,

bem como da preparação de elenco, em que a atriz precisava ter decorado o texto do

roteiro (SUCHMAN; 2005).

Apesar das falhas apontadas pela trajetória do curta-metragem, a assembleia

caracterizada por suas reconfigurações (DUFF; SURMATOJO, 2017), foi possíbel

perceber a mediação dos objetos no desenvolvimento das habilidades e

conhecimento entre os processos criativos distribuídos. Os elementos não-humanos

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exerceram grande impacto no processo de aprendizagem dos atores participantes do

Janela. Assim, por meios dos processos criativos, os atores em rede puderam

estabelecer movimento constante de aprendizagem, o processo de learning-in-

organizing, como apontado por Gherardi (2001). Condicionante a esse processo, o

social formado não é externo ou separado da materialidade, sendo considerado como

uma prática sociomaterial (GHERARDI, 2017). Os atores relataram o potencioal de

participarem de um projeto em que aprendem na prática técnicas que viam em sala

de aula, bem como o fato de poder se aproximarem das escolhas das áreas de

atuação profissional mediante ao progresso de suas habildiades. O conhecimento

adquirido se torna bagagem para práticas criativis de futuras produções audiovisuais.

Cabe ressaltar também a formação do gosto pelos atores e como elementos principais

as interações dos elementos humanos e não-humanos na produção das práticas

criativas, na organização coletiva de uma comunidade de práticas que se torna o

Janela. De que forma uma comunidade de prática pode estabelecer um vínculo com

outra comunidade de prática, (GHERARDI, 2013). Esse gosto foi formado por meio

do compartilhamento do vocabulário audiovisual, da formação de identidades dentro

de comunidades e o refinamento pelo desempenho no papel que os atores assumiam,

de amadores à especialistas das práticas criativa distribuídas entre as ações coletivas.

Os atores em períodos mais longos de seus cursos já apresentavam esse refinamento

e progresso de ações ao ponto de serem condicionados ao posto de diretores que

estabeleciam a distribuição das atividades criativas.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve o objetivo de compreender como se dá a criatividade como prática

sociomaterial na produção de um curta-metragem em um projeto de extensão

universitário da Ufes, o Janela. Para tanto, ao amparar-me na epistemologia das

práticas (RECKWITZ, 2002), e, sobretudo, na TAR (LATOUR, 2011; 2012) para

desenvolver esse estudo, distancie-me dos trabalhos tradicionais que possuem

olhares para uma criatividade inerente aos indivíduos (AMABILE, 1988), em que

ignoraram a relevância e a participação dos objetos na vida cotidiana (TANGGAARD,

2013) e no ato criativo (DUFF; SURMATOJO, 2017), o que leva a um estudo com a

perspectiva ontológica relativista (HASSARD; COX, 2013).

As discussões teóricas repousaram sobre discussões a cerca da criatividade nas

organizações, nas quais ainda há o predomínio de abordagens tradicionais

(AMABILE; 1988; AMABILE; PRATT, 2016), em que privilegia aspectos cognitivos

associados ao indivíduo e pequenos grupos que voltam-se para atenção a produção

de ideias criativas. À medida que busque compreender a pluralidade conceitual da

criatividade, concedera-se relevante o desenvolvimento de estudos na área do setor

audiovisual (STRANDVAD, 2011; 2013), seja por sua capacidade sociocultural e

econômica, seja por seu potencial criativo, já que se configura no campo das indústrias

criativas, que carecem discussões com maior espaço nos Estudos Organizacionais

(JONES; LORENZEN; SAPSED, 2015; JONES et al. 2016).

Ao recorrer a ANT com seu caráter processual nas relações entre elementos humanos

e não-humanos na constituição do processo social (LATOUR, 2012), de forma que

pude identificar e compreender as atividades que constituem a criatividade na

produção audiovisual ao seguir os atores humanos e não-humanos e analisar a

formação da rede de atores (LATOUR, 2011). Com isso, observei as ações no

processo de translação, em que era as ideias criativas ocorriam de forma transitória e

dinâmica de acordo com a distribuição das ações e papeis dos atores-rede na

realização do curta-metragem Hel.

Com argumentação teórica da abordagem da prática sociomaterial (LEONARDI, 2012;

ORLIKOWSKI, 2007), tive o entendimento de que a relação processual do organizar

que é transladado pela agência de atores humanos e não-humanos, de forma que são

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estabelecidas relações sociomateriais entre os atores-rede. Com isso, pude

estabelecer uma relação entre criatividade e prática sociomaterial para o

entendimento da criatividade como prática sociomaterial.

Em busca de evidenciar essas práticas criativas sociomateriais, a pesquisa foi de

natureza qualitativa (CRESWELL, 2013), na buscar de revelar os fatos científicos

construídos socialmente e transladados pela rede de atores (LATOUR; WOOLGAR,

1997). Para identificar e descrever os papéis dos atores humanos e não-humanos na

produção audiovisual, a produção de dados ocorreu por meio da triangulação das

técnicas de observação participante, documentos textuais e audiovisuais e entrevistas

que possibilitaram uma compreensão das práticas criativas durante os processos de

realização do curta-metragem (CAMPOS, 2011). As fotos e vídeos traduzem essa

evolução em que se constitui a trajetória do curta-metragem de forma a revelar o

estabelecimento das relações sociomateriais entre os atores-rede nos atos criativos

(DAMERON; LÊ; LEBARON, 2015; MASON, 2012; ZUNDEL; MACLNTOSH;

MACKAY, 2016).

Como recomendado pela ANT, segui o atores com o intuito de mapear as principais

atividades desempenhadas por estes (LATOUR, 2011), os elementos humanos (os

jovens realizadores inscritos no projeto Janela) e os não-humanos (redes sociais,

roteiro, câmera, microfone, softwares, etc) ao passo que exerciam seus papeis de

mediação das ideias em movimento (SAYS, 2014). Com relação à discussão e análise

dos dados, utilizei o procedimento de análise de conteúdo temática à posteriori que

revelou as categorias de análise. Sendo a criatividade uma prática do cotidiano, pude

analisar e compreender a influência da sociomaterialidade nas práticas criativas da

rede de atores (CRESWELL, 2013; GLASER; STRAUSS, 2006; RYAN; BERNARD,

2003).

A partir da experiência em campo, entende-se a prática da criatividade como um

fenômeno sociomaterial, a medida que é transladada pelas ações da rede de atores

(humanos e não-humanos). Assim, compreender a criatividade a luz da

sociomaterialidade, consiste em depreender a noção de distribuição das ideias pelos

processos criativos que configuram a realização de um produto audiovisual, que é

traduzido como fenômeno sociomaterial de forma que as ações dos atores ocorrem

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de forma processual e dinâmica, sendo que as ideias estão em constante movimento

são cotidianamente produzidas, reproduzidas e modificadas.

Com o olhar para a criatividade como um fenômeno sociomaterial, as associações

entre os humanos e não-humanos são constituídas, de forma que pude depreender

que a criatividade se configura de forma distribuída de forma que as ideias produzidas

estão em constante processo de movimento e que os atores não-humanos têm papeis

de mediadores nos atos criativos. Com isso, a criatividade sociomaterial pôde ser

potencializada ou inibida pela rede de atores formada nos momentos em que os atores

buscavam desenvolver suas habilidades nas atividades envolvidas nos processos

criativos para realização de suas ações.

Na trajetória da realização de um curta-metragem, uma produção cultural inserida no

campo da indústria criativa, mas que se configura distante do mainstream (JONES et

al., 2016) por seu caráter artesanal de produção e de baixo custo desenvolvida por

jovens estudantes envolvidos em um projeto de extensão universitário (ASHTON;

2013).O caso de falha pela não finalização do curta-metragem possibilita uma

perspectiva em que pude evidenciar e as dificuldades que a rede de atores tiveram

em traduzirem, estabilizar e sociomaterializar as ideias (STRANDVAD, 2017). Essa

experiência de campo permite que compreender que o ato criativo, como a produção

de um produto audiovisual pode ser visto como caso de instauração, em que é

possível notar como a agência é distribuída entre os atores-rede, de forma que a

interação em entre um grupo de atores com elementos materiais possibilita caminhos

diversos frente às ideias que são produzidas.

Diante do contexto pesquisado, pensar a criatividade sob a perspectiva da

sociomaterialidade, permitiu repensar algumas possibilidades de melhoria na prática

da gestão-criação, como exemplo, entender que a criatividade vai além do campo das

indústrias criativas (NAIAK, 2008), pois os atos criativos são instaurados como

fenômeno sociomaterial. Dessa forma, o estudo pode-se apresentar implicações

práticas, pois a trajetória descrita levante a possibilidade de discussões sobre a prática

de gestão-criação a partir das falhas apontadas na tentativa de estabilizar as ideias

em movimento.

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Acredita-se que esta pesquisa contribui teoricamente para o entendimento da

criatividade nas organizações como processo de ideias em movimento, de forma que

o ato criativo é distribuído pelos processos criativos. O que possibilita depreender

como um fenômeno de acontecimento do cotidiano social, em que a participação

importância dos elementos não-humanos como atores que constituem e performam a

prática social a uma prática sociomaterial. Com isso, pode-se dizer também que este

trabalho possa contribuir teoricamente para compreensão e aplicação da

epistemologia da sociomaterialidade amparado na TAR. Ressalta-se pela

possibilidade de discussões em meio de outras abordagens e pressupostos onto-

espistemológicos das teorias da prática. Esta pesquisa pode contribuir para também

quanto aos aspectos metodológicos, pelo fato de apresentar possibilidades de

métodos e técnicas de pesquisa da produção de documentos audiovisuais. Pois

vídeos, ainda são poucos utilizados em estudos qualitativos brasileiros na área da

ciência da administração, mas que permitiu revelar e traduzir as ideias em movimentos

e sua sociomaterialização.

Todavia, cabe ressaltar as limitações desta pesquisa, pois o fato do projeto envolver

jovens voluntários impediram que os prazos fossem realizados conforme o

planejamento inicial, o que me fez ficar à espera dos últimos atos criativos pra a

finalização do curta-metragem. Outro fator foi a ocorrência de muitos atores

envolvidos e muitos processos criativos ocorrerem ao mesmo tempo (o período de

gravação, por exemplo) com o grande número de atores envolvidos, de forma que não

pude acompanhar a trajetória por completo. Além de limitação de acesso, como por

exemplo, dos grupos virtuais dos diretores e de demais equipes em que não tive

acesso.

Ainda assim, acredita-se que, a novos caminhos para realização de estudos para o

fenômeno da criatividade como prática sociomaterial. Dentre as possibilidades, como

sugestão propõe-se em adotar a sociomaterialidade como abordagem teórica para o

desenvolvimento de pesquisas sobre a dinâmica dos atos criativos, de forma a

compreender o estabelecimento das relações com sua característica de distribuição

das ações nos processos criativos em níveis de grupo e organizacional e multinível

em espaços organizacionais diversos. Por fim, outra possibilidade de estudo seria de

discutir os aspectos dos processos de aprendizagem e formação estética do gosto na

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produção de ideias dos cineastas, algo que faz parte do cotidiano profissional e social,

à luz das teorias das práticas.

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APÊNDICE A – TCLE

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APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista

TÓPICOS SUBTÓPICOS ASSOCIAÇÃO AOS MOMENTOS

DO PROCESSO CRIATIVO

1) Breve relato de vida com relação ao audiovisual

1.1 Gostaria de saber um pouco sobre você. 1.2 Como iniciou sua relação com o audiovisual? 1.3 Por que ser um profissional na área de comunicação?

PROBLEMATIZAÇÃO /APRESENTAÇÃO DA TAREFA ▪ Identificar a relação inicial do

ator com o campo e seus objetos;

▪ Objetivos (pessoais e profissionais)

▪ Forças internas e externas; ▪ Experiências anteriores. ▪ Participação dos não-

humanos.

2) Inscrição e relação com o Janela

2.1 Como conheceu o Janela? 2.2 O que te levou a escolher a função x? 2.3 Quais os interesses com as outras funções? 2.4 Quais as relações com os outros participantes?

INTERESSAMENTO/PREPARAÇÃO ▪ Criação da rede; ▪ Justificativa da escolha da

função (objetos e conhecimentos necessários);

▪ Relação do cotidiano com os atores humanos;

▪ Alinhamento dos objetivos; ▪ Participação dos não-

humanos.

3) Atividades e relações desenvolvidas na realização do curta-metragem

3.1 Quais equipamentos foram utilizados nas suas atividades? Você já havia utilizado? 3.2 Houve algum problema ou falha na hora de uso dos equipamentos? Como foi resolvido? 3.3 A sua atividade poderia ser executada sem esses ou com outros equipamentos? De que forma? 3.4 Como ocorreu a relação de trabalho entre você e os demais membros da equipe? 3.5 Como ocorreu o desenvolvido da sua atividade com os as atividades das outras equipes? Pode narrar alguma situação?

INSCRIÇÃO/GERAÇÃO DE IDEIAS ▪ Momentos específicos de

atividades e relação com os não-humanos;

▪ Identificação dos materiais necessários e utilizados nas atividades específicas;

▪ Alinhamento dos objetivos; ▪ Estruturação da rede; ▪ Relevância dos não-

humanos nas atividades;

4) Situações e experiências vivenciadas

4.1 Como avalia sua participação? E da sua equipe? 4.2 Como você avalia o desenvolvimento do curta? 4.3 Você pretende continuar no Janela? Quais funções pretende exercer? 4.4 Você mudaria algo para realização de projetos futuros no Janela?

MOBILIZAÇÃO/VALIDAÇÃO DAS IDEIAS/ AVALIAÇÃO DE

RESULTADOS ▪ Estabelecimento e

desvinculação das associações;

▪ Sucessos, falhas, progressos;

▪ Percepção sobre a relação sociomaterial da produção audiovisual realizada.

Fonte: Elaborado pelo autor.

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ANEXO A – Interfaces do Parecer Consubstanciado do CEPSH

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ANEXO B – Declaração do Núcleo de Produção Audiovisual