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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
ADRIANO CECATTO
A IMPLANTAÇÃO DO ENSINO MISTO NO COLÉGIO MARISTA SANTA MARIA DE CURITIBA NO FINAL DA DÉCADA DE 1970
CURITIBA 2008
- 2 -
ADRIANO CECATTO
A IMPLANTAÇÃO DO ENSINO MISTO NO COLÉGIO MARISTA SANTA MARIA DE CURITIBA NO FINAL DA DÉCADA DE 1970
Monografia apresentada à disciplina Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Prof. Dra. Roseli Terezinha Boschilia
CURITIBA 200
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AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida, pela proteção e tantas graças recebidas.
À minha família, que mesmo distante, acompanharam e meu processo
pessoal e acadêmico, pelo apoio constante.
À professora orientadora, Roseli T. Boschilia, por esse tempo de partilha,
aprendizado e crescimento acadêmico.
Ao Colégio Marista Santa Maria, por todo apoio, disponibilizando
material para a realização da pesquisa.
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RESUMO
Este trabalho tem como objetivo discutir o processo de implantação do ensino misto no Colégio Marista Santa Maria de Curitiba, no final da década de 1970, com ênfase nas respectivas mudanças e desdobramentos. As mudanças foram provocadas pelo advento da modernidade, iniciada no séc. XVIII, com o Iluminismo, que buscava romper com a tradição e a fé e reforçar a idéia de progresso. Como sabemos, diante desse cenário, a Igreja Católica necessitou de estratégias para se adaptar às necessidades da sociedade, atingindo a organização de suas instituições educacionais. Uma das estratégias foi a implantação do ensino misto. No final da década de 1970, o Colégio Santa Maria, com o objetivo de adaptar-se a essas novas exigências, passou a oferecer ensino para ambos os gêneros de alunos. A partir desse quadro, esse trabalho analisou como a instituição se organizou para enfrentar essas mudanças. A política educacional da educação separada por gênero sempre constituiu uma das principais bandeiras dos colégios católicos. No entanto, as transformações ocorridas na sociedade ocidental a partir da década de 1930 provocaram mudanças nas próprias definições contidas nas Encíclicas papais, sobretudo no contexto que deu origem ao Concílio Vaticano II. Após esse Concílio, as instituições de ensino católicas, em face das exigências sociais, iniciaram gradativamente a passagem para o sistema misto de ensino, o que, no entanto, não ocorreu de modo automático e homogêneo. Dessa forma, percebemos que as mudanças não ocorreram de forma automática nem entre as demais congregações religiosas voltadas ao ensino, nem mesmo dentro da própria Instituição Marista. Entre outros motivos, entendemos que o Colégio Santa Maria tomou a decisão de implantar a educação mista tão tardiamente pelo fato de fazer parte de uma cidade que tem em seu bojo social uma prática de catolicismo extremamente tradicional. Desta forma, nosso objeto nos remeteu às adaptações que o próprio Colégio fez, por meio de discursos frente aos avanços sociais, na tentativa de manter as idéias conservadoras que se prolongaram com outra configuração, após 1965, adotando o sistema de educação mista, somente no final da década de 1970. Vale destacar que o Colégio Santa Maria, apoiado no discurso da Igreja Católica, soube adaptar-se às necessidades sociais trazidas pela modernidade. Assim, podemos entender que essa mudança para o ensino misto exigiu muito mais esforço de adaptação à cultura moderna, tendo em vista as necessidades da juventude. E para não perder seus espaços na sociedade, aquela instituição formulou um discurso baseado na tradição e na família que ganhou novos contornos diante das exigências constantes da modernidade que vislumbrava um novo cenário de desenvolvimento urbano. Palavras-chave: Políticas da Igreja Católica; Modernidade; Educação.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 6
2 AS POLÍTICAS DA IGREJA NO SÉCULO XX................................................8
2.1 A IGREJA CATÓLICA E O CATOLICISMO ULTRAMONTANO...................8
2.2 O POSICIONAMENTO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL.................... 16
2.3 OS IRMÃOS MARISTAS DAS ESCOLAS OU “PEQUENOS IRMÃOS DE
MARIA”............................................................................................................. 24
3 OS DISCURSOS INSTITUCIONAIS FRENTE ÀS MUDANÇAS
OCASIONADAS PELA MODERNIDADE........................................................ 28
3.1 A VINDA DA CONGREGAÇÃO DOS IRMÃOS MARISTAS DAS ESCOLAS
PARA O BRASIL............................................................................................... 28
3.2 A PRESENÇA MARISTA NO PARANÁ.............................. ....................... 35
3.3 OS IRMÃOS MARISTAS EM CURITIBA: AS DIFERENTES FRENTES DE
TRABALHO................................. ..................................................................... 39
3.4 A NECESSIDADE DE ABERTURA.............................................................42
4 EDUCAÇÃO MISTA: UMA NECESSIDADE DE ADAPTAÇÃO PARA A
SOBREVIVÊNCIA INSTITUCIONAL?..............................................................46
4.1 PENSANDO A EDUCAÇÃO MISTA............................................................47
4.2 A ABERTURA DO COLÉGIO PARA O ENSINO MISTO OU CO-
EDUCAÇÃO.......................................................................................................52
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................65
FONTES............................................................................................................66
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1. INTRODUÇÃO
Nesta pesquisa, discutimos as estratégias que a Instituição Marista
utilizou para promover a implantação do ensino misto, buscando analisar os
discursos que o Colégio Santa Maria formulou para enfrentar as mudanças
ocasionadas com a modernidade, entre essas mudanças, a passagem para a
co-educação. Partindo dessa problemática, buscamos identificar as práticas
que o Colégio adotou a partir da entrada de representantes do gênero feminino
na Instituição.
Procuramos analisar os discursos da Igreja com as mudanças advindas
com o Concílio Vaticano II, destacadamente por meio da Gravissimum
Educationis, no intuito de resgatar as políticas pensadas acerca da educação
cristã da juventude. Paralelamente, e complementar, analisamos os discursos
que o próprio Colégio emitiu nesse processo de mudança para a co-educação
através dos boletins informativos internos.
Descrevemos no primeiro capítulo as políticas pensadas pela Igreja
Católica desde o século XIX. Ou seja, os valores da sociedade estavam
pautados em moldes conservadores, apropriados politicamente pela Igreja,
particularmente por meio das idéias propostas por Leão XIII, de adaptar-se às
transformações da sociedade para garantir a sobrevivência da instituição. A
Igreja do Brasil, alinhando-se ao discurso ultramontano apoiou-se no discurso
de defesa da tradição e da família para contrapor-se às mudanças trazidas pela
modernidade. Por isso, adotou postura de defesa para se adequar ao novo
modelo que se instaurava. Para manter o poder e impor o seu discurso foi
imprescindível obter o controle no campo da educação.
O segundo capítulo nosso objetivo foi analisar a instalação da
Congregação Marista no Brasil, mais especificamente no Paraná, onde
atentamos para as diferentes frentes de trabalho dos Maristas no interior do
estado e, principalmente, em Curitiba. Nesse sentido, foram muitos os colégios
católicos fundados na capital paranaense na primeira metade do século XX,
entre eles, o Colégio Santa Maria (1925).
No terceiro capítulo procuramos identificar as práticas do Colégio Santa
Maria no momento de mudança para o ensino misto. Nessa perspectiva,
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analisamos os boletins informativos internos que eram editados mensalmente
com o intuito de criar sintonia entre o Colégio e as famílias.
Por sua vez, apontamos para a educação mista, na tentativa de
compreender as estratégias e práticas que o Santa Maria adotou diante da
modernidade. Desse modo, como adaptar-se frente a tantas mudanças e
exigências sociais sem perder a identidade? Se um dos mecanismos foi a
implantação do ensino misto, porquê entre os Colégios Maristas, o Santa Maria
foi o último a realizar a passagem para a educação para ambos os gêneros?
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2. AS POLÍTICAS DA IGREJA NO SÉCULO XX
2.1. A IGREJA CATÓLICA E O CATOLICISMO ULTRAMONTANO
Ao reportarmo-nos à atuação da Igreja e ao papel exercido por ela no
campo da educação no Brasil, especificamente no século XX, necessariamente
se deve remeter ao mundo moderno e às transformações trazidas pela
modernidade, a partir da realidade da Europa nos séculos XVII e XVIII, com a
necessidade da própria Igreja Católica criar mecanismos para salvaguardar a
sua autoridade espiritual, em face do crescente processo de secularização
(BOSCHILIA, 2002, p.14). Como sabemos, durante a Idade Média prevaleceu
uma doutrina calcada no medo do inferno, cujo objetivo era o de conter e
manter a fidelidade dos cristãos; permaneceram resquícios desse medo
impregnado no ensinamento cristão; o cultivo do corpo estava relacionado ao
pecado; ao espírito humano dava-se atenção, visto que o corpo estava
destinado ao desprezo, uma matéria a ser corrompida. “A preparação da alma
significava, antes de tudo, a educação do homem de modo a permitir-lhe
triunfar sobre as paixões e baixos instintos, fortalecendo-lhe a vontade e o
caráter, de modo a garantir-lhe a salvação” (MANOEL, 1996, p.57). O próprio
desenvolvimento das cidades, das navegações, do comércio, com o
surgimento da profissão do usurário no decorrer dos séculos XI, XII e XIII
relacionam-se intimamente ao aspecto das mudanças econômicas, da matéria,
do dinheiro, do lucro, que por sua vez corromperia o espírito de acordo com os
princípios cristãos, afastando os seres humanos do grande ideal: salvar a alma
valorizando a pátria celeste. Assim como a idéia de inferno e purgatório
acabaram ganhando ênfase neste período, sendo claramente expostos na obra
de Dante Alighieri, A divina Comédia, com essas idéias sendo retomadas nos
séculos seguintes por uma parcela do clero mais conservador.
No entanto, havia cumplicidade e certo equilíbrio nas relações de poder
entre Estado e Igreja. Com base na filosofia de Tomás de Aquino1, nos séculos
1“O que de modo geral caracteriza a qualidade da reflexão teológica de Sto Tomás é o seu esforço em estabelecer o estatuto científico da teologia como ciência da fé. Ele tenta aplicar à ‘doutrina sagrada’ uma concepção de ciência que não se origina no interior da fé, mas é recebida de fora, da filosofia aristotélica” (RITO, Frei Honório. Introdução à Teologia. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1998).
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seguintes de seus ensinamentos, XVI e XVII, defendeu-se a interdependência
dos poderes político e espiritual. Foi especificamente no século XVIII que o
poder eclesial se viu ameaçado na Europa pelo Iluminismo2 racionalista,
ocasionando distanciamento da tradição e da autoridade, o que levou a
hierarquia eclesiástica a se preocupar e ocupar-se das questões morais, visto
que as esferas públicas e privadas se separaram de forma gradativa com o
processo de laicização3 e em decorrência do progresso da sociedade neste
período. Nesse contexto de progresso, a Igreja sentiu que precisava buscar
novos caminhos para assegurar os espaços de poder (BOSCHILIA, 2002,
p.17). Para combater a modernidade no século XIX a Igreja não avançou, no
entanto, apontou a Idade Média como período a ser seguido, em que a mesma
exercia controle político, cultural e ideológico sobre a civilização européia.
Controle exercido, sobretudo, no campo do conhecimento. Para garantir
presença efetiva nos vários campos de atividade social, a Igreja resgatou essas
idéias utilizando-se de discursos de ordem moral, demonstrando estar
preocupada com a dimensão espiritual, atenta ao campo social e suas
respectivas mudanças. Dessa maneira, buscou-se fazer convergir os seus
interesses com os da sociedade, passando-se a direcionar suas ações para
recuperar a tradição e a autoridade,
adotando como política religiosa um modelo muito próximo àquele imposto pela Igreja no período tridentino, dando contornos definitivos ao movimento que ficou conhecido como catolicismo ultramontano, que foi responsável pela política conservadora adotada pela Igreja até meados do século XX (BOSCHILIA, 2002, p.18).
Por ser um movimento anticlerical e hierárquico, tendo o papa como
figura central, a Igreja trazia em seu bojo a proposta de recristianizar o mundo
para fins de salvação dos seres humanos, segundo as idéias defendidas desde
2“O termo Iluminismo indica um movimento de idéias que tem suas origens no século XVII, mas que se desenvolve especialmente no século XVIII, denominado por isso o ‘século das luzes’. Esse movimento visa estimular a luta da razão contra a autoridade, isto é, a luta da ‘luz’ contra as ‘trevas’ (...) é, então, uma filosofia militante de crítica da tradição cultural e institucional; seu programa é a difusão do uso da razão para dirigir o progresso da vida em todos os aspectos” (BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 13ª ed, 2007, p. 605). 3“As diferentes significações do Laicismo reúnem em si a história das idéias e a história das instituições e podem ser resumidas nas duas expressões clássicas: ‘cultura leiga’ e ‘Estado leigo’.” (BOBBIO, Norberto.Dicionário de Política. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 13ª ed, 2007, p. 670)
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o Concílio de Trento (1545-1563)4. Esse movimento teve como meta principal a
substituição do antigo modelo eclesial e de cristandade, concebendo a Igreja
como uma sociedade perfeita e paralela ao Estado. Esse movimento de
romanização5 procurou defender a doutrina e os valores da tradição para
contrapor-se ao ideal de progresso advindo por meio do movimento iluminista
da França, no decorrer dos séculos XVII e XVIII, mas que se prolongou no
século XIX e entrou no século seguinte. Segundo Manoel (1996, p.41): “O
ultramontanismo, portanto, aparece como reação ao mundo moderno, ao
capitalismo, ao iluminismo, ao liberalismo e a todo o conjunto de novas idéias
que, começando, a se esboçar no século XV e XVI, adquiriram contornos
definitivos após a Revolução Industrial e Revolução Francesa.” Enquanto
posição intelectual, o Iluminismo difundia que todo o conhecimento ou crença
seria passível de crítica, dotando assim a ciência com caráter utilitarista. Nessa
condição, “não apenas o monopólio intelectual da Igreja ficava abalado, mas a
instituição mesma ficava aberta a críticas e questionamentos” (MANOEL, 1996,
p.40). Ao passo que o liberalismo6 trouxe novas formas de relacionamento
entre as classes sociais, na tentativa de estabelecer a igualdade e a liberdade,
desestabilizando a nobreza dos seus respectivos privilégios muito defendidos e
justificados pelo ideal de monarquia que permeava a própria Igreja Católica.
Portanto, segundo Manoel (1996, p. 40), o liberalismo desejava abolir a
monarquia absolutista, “que se pretendia legítima representante de Deus na
terra e era ungida pela doutrina política católica.” As próprias doutrinas 4 Foi o mais longo Concílio da história da Igreja. Emitiu numerosos decretos disciplinares e especificou claramente as doutrinas católicas quanto à salvação, os sacramentos e o cânone bíblico, em oposição ao protestantismo. Padronizou o ritual da missa, abolindo as variações locais, instituindo a chamada "Missa Tridentina" (referência à cidade de Trento, onde o Concílio transcorreu). Regulou as obrigações dos bispos. Confirmou a presença de Cristo na Eucaristia. Foram criados seminários como centros de formação sacerdotal e reconheceu-se a superioridade do papa sobre a assembléia conciliar. Foi instituído o índice de livros proibidos (o "Index Librorum Prohibitorum") e reorganizada a Inquisição (Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: http://wikipedia.com.br. Acesso em: 25/07/2008. 5“O movimento ultramontano procurava resgatar a idéia do inferno e do paraíso que havia povoado o imaginário medieval e, ao mesmo tempo, buscava combater o racionalismo científico, mantendo a dicotomia entre as verdades sobrenaturais e as verdades científicas” (BOSCHILIA, 2002, p.19). 6 “Liberalismo é um fenômeno histórico que se manifesta na Idade Moderna e que tem seu baricentro na Europa (ou na área Atlântica), embora tenha exercido notável influência nos países que sentiram mais fortemente esta hegemonia cultural (Austrália, América Latina e, em parte, a Índia e o Japão)” (BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 13ª ed, 2007, p.687).
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divulgadas pelo iluminismo consideravam que o paraíso seria construído na
terra, o que contrariava a doutrina católica com sua proposta de salvação, que
deveria passar necessariamente pela fé, por outras instâncias ‘invisíveis’ (na
perspectiva teológica). No entanto, é importante perceber que havia idéias
novas que estavam adentrando no campo social, ameaçando diretamente o
campo de poder do catolicismo. “De acordo com os ultramontanos, a salvação
da humanidade dependeria da recristianização do mundo e essa tarefa deveria
ser assumida pela Igreja, portadora da Verdade” (BOSCHILIA, 2002, p.19).
Considerando essa realidade de defesa da bandeira cristã no decorrer
dos séculos XVIII e XIX, parte do clero que se fez presente na Cúria Romana, e
que assumiu o controle político e religioso, instituiu uma política conservadora
denominada de ultramontanismo com o intuito de combater a modernidade. O
desenvolvimento no campo social estava caminhando paralelamente aos
preceitos e controle da Igreja Católica, o que tirava mais ainda o espaço de
poder que por ela permaneceu muito tempo dominado, dificultando a prática do
discurso doutrinário. Essa política desenvolvida de forma muito clara entre o
período de 1800 a 1958, de Pio VII7 a Pio XII8, foi marcada pela centralização
da instituição católica em Roma e seu fechamento, com recusa do mundo
moderno que se apresentava. Nesse contexto, a Igreja empenhou-se na
construção de um discurso que fosse capaz de garantir o equilíbrio no campo
do poder e do exercício de tal poder (BOSCHILIA, 2002, p.17).
Entre os anos de 1878 e 1958 a Igreja realizou tentativas de
reconciliação com o mundo moderno, já que a sociedade civil e seu
desenvolvimento cultural a consideravam como lugar dos atrasos, inimiga do
progresso. Esse distanciamento gerou vários embates políticos. No entanto,
alguns autores como Exequiel R. Gutierrez (1995), sociólogo e professor de
Doutrina Social da Igreja na Universidade do Chile, para não afirmar
diretamente que a Igreja quis acompanhar a modernidade, para não se afastar
demais das nuanças sociais, aponta que ela foi capaz de ‘discernir os valores
da modernidade’, não acordando com seus contra-valores. Segundo este autor,
teria o catolicismo romano reconhecido o valor da tolerância, da democracia,
do socialismo, afirmando, contudo, que nenhum deles constituía opção a ser
7 Seu pontificado foi de 14 de março de 1800 à 20 de agosto de 1823. 8 Seu pontificado foi de 02 de março de 1939 à 09 de outubro de 1958.
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feita pelos cristãos. Isso assinala um discurso muito sutil da própria Igreja, que
foi capaz de se posicionar em face de algumas imposições sociais contrárias
aos princípios católicos; por outro lado, soube acompanhar os meandros das
políticas sociais.
Certamente um dos intelectuais de profunda importância na instância do
catolicismo foi o Papa Leão XIII9, que teve o encargo de iniciar esse processo
de reconciliação da Igreja com a esfera da sociedade civil. Desenvolveu ampla
atividade política por meio de suas obras. Foi entre os papas o que mais
escreveu, somando-se 87 encíclicas e declarações. Procurou restaurar o
tomismo, propondo Tomás de Aquino como autor mais qualificado da teologia e
filosofia católica, com a idéia de defesa da interdependência entre as esferas
de poder, entre o público e o privado, entre Igreja e Estado. Desejava, com o
resgate dos estudos de Tomás de Aquino, elevar o nível intelectual do clero e
das elites leigas, contribuindo até mesmo para se pensar a ética social (neo-
tomismo), tendo como representante desse pensamento o francês Jacques
Maritain. Uma das grandes obras, escritas por Leão XIII, que teve grande
difusão até o Concílio Vaticano II foi a Rerum Novarum, caracterizada pelo
combate ao liberalismo e ao capitalismo do século XIX. No entanto, teceu
críticas à visão socialista e racionalista de uma sociedade, vista como contrato
social, pronunciando que a ordem da mesma seria obra de Deus; defendeu
arduamente a sociedade enquanto corpo social repleto de membros
interligados a uma hierarquia, o que na verdade contrariava a democracia. O
fato é que, mesmo sendo uma encíclica de defesa ao catolicismo e seus
valores, muitos cristãos católicos rejeitaram as idéias por considerarem muito
avançado esse pensamento para o século XIX.
Talvez Leão XIII não tenha vislumbrado com exatidão o verdadeiro
espírito do liberalismo e racionalismo científico, e as possibilidades que o
progresso poderia significar para a humanidade, pelo menos na sua totalidade
como percebemos hoje. Por outro lado, há de se destacar as influências
externas ao âmbito eclesial e as respectivas mudanças que afetavam os
cristãos e que certamente o clero católico já havia demonstrado preocupação.
9 Seu pontificado foi 20 de fevereiro de 1878 à 20 de julho de 1903. Foi de fundamental importância para a Igreja Católica ao elaborar a encíclica Rerum Novarum em 15 de maio de 1891, constituindo progressivamente a Doutrina Social da Igreja (DSI) (GUTIERREZ, 1995, p.13).
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No entanto, denunciou a opressão vivida pela classe operária, devido à
intromissão estatal; para ele esta classe estaria sendo castigada, escravizada
pelo ideal de progresso ancorado nas propostas capitalistas de produção. Essa
doutrina produzida sobre o ensinamento da Doutrina Social possibilitou nesse
período, a discussão sobre o princípio de subsidiariedade10, que defendia as
pessoas e instituições da intervenção abusiva do Estado. Nessa perspectiva do
bem comum, e que está incluído na doutrina cristã, a Igreja defendeu a
propriedade privada pelo viés doutrinário de concepção de ser humano11.
A importância fundamental de Leão XIII esteve no fato de ter percebido a
necessidade de acompanhar o mundo moderno, preparando a Igreja, ou pelo
menos parte dela, para entrar no século XX. Passados os papados de Pio X e
Bento XV, foi Pio XI12 quem deu continuidade às políticas da Doutrina Social,
opondo-se fortemente ao laicismo anticlerical, às propostas do liberalismo e ao
comunismo bolchevista. O comunismo, durante o século XX, foi condenado
pela Igreja como sendo o maior perigo para a civilização cristã (RIVAS
GUTIERREZ, 1995, p.29). Tanto Leão XIII como Pio XI viam a educação como
ferramenta primordial para modificar o campo social, formando mentes e
cristãos capazes de reproduzir o ensinamento adquirido para o
desenvolvimento de uma sociedade sadia. Assim também Pio XII, que teve seu
pontificado antecedendo o Concílio Vaticano II13, se empenhou politicamente
em reproduzir o mesmo discurso, utilizando-se de ferramentas modernas,
como foi o caso do rádio. Discursos de ordem social apelavam para a
sensibilização e caridade para com os pobres e que a justiça social só
aconteceria, quando os ricos tomassem medidas responsáveis para diminuir as
desigualdades que, por sua vez, foi capaz de sensibilizar grande parcela da
elite católica para o compromisso e engajamento social.
Diante de um mundo que passou por consideráveis nuanças em vários
âmbitos no decorrer do século XIX: social, cultural, técnico-científico, político, a
10 O Princípio de Subsidiariedade, segundo Gutierrez (1995, p. 36) é “um dos pilares da Doutrina Social que protege as pessoas e os corpos da intervenção abusiva do Estado e, nessa medida, todas as formas de ditadura ou de totalitarismo.” 11 Que tem uma gênese e um fim último; por sinal, não é temporal, mas de Salvação elevado ao patamar da espiritualidade. 12 Seu pontificado foi de 06 de fevereiro de 1922 à 10 de fevereiro de 1939. 13 Segundo Gutierrez (1995, p.54): “Este Concílio constituiu o maior legado de João XXIII e de seu sucessor Paulo VI. Inaugurado em 11 de outubro de 1962, estendeu-se durante quatro laboriosas sessões até o dia 08 de dezembro de 1965.”
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Igreja Católica começava a se posicionar. Mesmo discordando da forma como
ocorreram algumas mudanças, ela tinha como intuito garantir a sobrevivência
institucional, e para tal, procurava adaptar-se à sociedade, conforme apontam
algumas encíclicas do papado de Pio X14, Leão XIII e Pio XI. Por sua vez,
esses, apoiados na filosofia produzida por Tomás de Aquino, souberam
apontar um meio termo entre os avanços, a ciência, e a fé. O próprio Leão XIII
defendeu arduamente o direito à educação e o seu papel na sociedade,
direcionando intenso discurso de supervalorização da família na tarefa de
educar os filhos e no respectivo papel da Igreja Católica no concernente ao
campo espiritual. Deixou claro que cabia ao Estado ater-se ao aspecto natural,
sendo que o poder e missão da Igreja não deveriam subordinar-se às
autoridades terrenas. Ainda nessa perspectiva, Leão XIII insistiu em que
apenas a Igreja poderia oferecer uma educação completa por meio de seus
princípios morais e religiosos, considerando em suas prerrogativas que o ideal
de bom cidadão passaria necessariamente por uma vida cristã autêntica, pela
vivência da doutrina, das práticas religiosas e dos valores do cristianismo nos
moldes europeu.
Pio IX15, na década de 1840 já havia escrito algumas encíclicas (Qui
Pluribus, 1846; Syllabus, 1861; Quanta Cura, 1864; entre outras), combatendo
o liberalismo e o racionalismo como piores inimigos da Igreja. Com ele, o
catolicismo romano afirmou seus princípios tradicionais e retomou seu
pensamento no campo social, embora se tenha adotado uma postura bastante
conservadora. “A orientação fundamental desses três documentos de Pio IX
era combater a racionalidade do mundo moderno e as propostas da política
liberal” (MANOEL, 1996, p.44). Além desses, há uma vasta produção de
documentos na linha da doutrina social da Igreja que segue até o Concílio
Vaticano II (1962-1965), repercutindo esse mesmo discurso de combate ao
liberalismo. Pio XI, em 1929, retoma essa política implementada pela Igreja na
carta encíclica Divini Illius Magistri, com o intuito de fortalecer o discurso em
torno da missão de educar, da necessidade da criação de escolas católicas
para a educação da juventude nos seguintes termos
14 Seu pontificado foi de 04 de agosto de 1903 à 20 de agosto de 1914. 15 Seu pontificado foi de 16 de junho de 1846 à 07 de fevereiro de 1878.
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Quanto à extensão da missão educativa da Igreja, estende-se esta a todos os povos, sem restrição alguma, segundo o preceito de Cristo: “Ensinai todas as gentes”; nem há poder terreno que a possa legitimamente contrastar ou impedir. – E estende-se primeiramente sobre todos os fiéis, pelos quais – como mãe carinhosíssima – tem solícito cuidado. Por isso é que para eles criou e promoveu, em todos os séculos, uma imensa multidão de escolas e institutos, em todos os ramos do saber; porque, como dizíamos, não há muito ainda, até na longínqua Idade Média, em que eram tão numerosos (houve até quem quisesse dizer que eram excessivamente numerosos) os mosteiros, os conventos, as igrejas, as colegiadas, os cabidos catedrais e não catedrais, junto de cada uma destas instituições tinha a Igreja uma família escolar, um foco de instrução e de educação cristã (Divini Illius Magistri, 1950, p.11).
Torna-se visível nas encíclicas e declarações, particularmente em
algumas produzidas no século XX, a presença de um catolicismo romano que
se colocou com grande ênfase como modelo, juntamente com a família, para
garantir a ordem moral e social, ou seja, a garantia dos direito naturais e
divinos. Sendo ela capaz de assegurar tais aspectos, seria merecedora de total
apoio na seriedade em que poderia ministrar a educação.
Sem dúvida, podem-se considerar as políticas direcionadas pela Cúria
Romana, especificamente por parte do clero conservador, com o desejo de
recristianização da sociedade, garantindo várias frentes, sendo uma delas a
educação. Ivan Manoel (1996), estudioso das questões referentes às políticas
eclesiais e educacionais, realizador de pesquisas sobre Igreja e educação no
Brasil, como no seu livro Igreja e Educação Feminina: uma face do
conservadorismo, apontou que a bandeira da educação visava combater o
pensamento moderno com a obtenção do controle sobre a produção do
conhecimento ainda ligado ao modelo medieval. Dessa forma, a preocupação
primeira da Igreja diante desse cenário foi de definir uma política contrária às
idéias que atacavam os dogmas católicos e garantir a divulgação de novas
idéias que pudessem ser úteis no resgate do ideal cristão, ideais sugeridos na
perspectiva medieval de salvação (MANOEL, 1996, p.42).
Ao tratar sobre a queda do liberalismo no contexto das duas Grandes
Guerras, Hobsbawm (1995, p.114) reconhece os avanços no início do século
XX nas diversas áreas, entre elas, a ciência e a educação, tendo em vista a
melhoria da condição humana e, menciona que: “Antes de 1914, esses valores
só tinham sido contestados por forças tradicionalistas como a Igreja Católica
Romana, que ergueu barricadas defensivas de dogmas contra as forças
superiores da modernidade (...).” Na passagem do século XX a sociedade
encontrou-se norteada pelo cientificismo e pela técnica. Isso exigia respostas
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cada vez mais rápidas nos vários campos da sociedade. Ora, a Igreja se via
sem saída diante de tantos avanços, com seu discurso religioso não sendo
mais compatível com o panorama social que se estava vivendo, tendo
dificuldades no convencimento de seus fiéis. Justamente aí ela se vê diante da
urgente necessidade de adaptar-se cada vez mais, para não perder seu
espaço de poder. “Para a construção de uma nova verdade e a manutenção do
campo de poder, era imprescindível a obtenção do controle sobre o sistema
educacional” (BOSCHILIA, 2002, p. 21).
2.2. O POSICIONAMENTO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL
Por volta da segunda metade do século XIX, iniciou-se esse movimento
de romanização do catolicismo pelo episcopado do Brasil com o intuito de uma
possível reforma católica. Política eclesial que foi assumida diretamente pela
Cúria Romana, portanto de caráter eminentemente hierárquico, pois os bispos
brasileiros atribuíam a si próprios a missão de reformar o catolicismo no Brasil.
Interessante notar, como aponta Riolando Azzi (2008, p. 77), que o próprio
clero, envolvido com a cultura iluminista e com um projeto político de cunho
liberal, passava a ser instruído pela Santa Sé na formação de um modelo de
sacerdote que pudesse ter dedicação exclusiva ao culto divino e à manutenção
do celibato eclesiástico. Segundo Wernet (1987, p.88), esse catolicismo
implantado no Brasil “não apenas correspondeu à orientação da Igreja Católica
(...), mas também aos interessados na manutenção do status quo do País.” Ou
seja, a mentalidade burguesa invadiu os ambientes eclesiásticos, contribuindo
para que ela tenha uma postura de afastamento do campo social, em nível de
produção, organização, ao passo que o clero justificava a burguesia; por outro
lado, denunciava os perigos morais da vida urbana, a partir da espiritualidade.
Esse catolicismo romanizado penetrou no Brasil, inicialmente em Minas Gerais
(Campo Belo e Mariana) com a vinda de padres Lazaristas que se dedicavam
com o trabalho de evangelização das missões populares e posteriormente com
a formação em colégios e seminários. Muitos religiosos de congregações
docentes aqui vieram em decorrência também do fato de terem sido expulsos
da Europa, principalmente da França por ocasião da laicização do ensino
naquele país. A pedido dos bispos do Brasil, escolas foram fundadas e, em
- 17 -
aliança com o Estado, mesmo no contexto de poucos recursos humanos e
materiais para investir na educação, as escolas católicas ocuparam os espaços
crescentes, sobretudo no ensino secundário.
O surgimento gradativo da classe burguesa acabou influenciando
diretamente não só a área econômica, mas considerou a educação como meio
de mudança e prolongamento do progresso social. A ascensão da pequena e
média burguesia do século XIX, marcada pela academia humanista e
cientificista, de permeio com o cultivo das letras, não só teve intenção de
demarcar a esfera educativa, mas demonstrar que era privilégio de poucos.
Vislumbrava-se na França um modelo de escola, com novas idéias, bem
diferentes do rígido controle cultural que era exercido sobre o Brasil ainda no
século XIX, sob os auspícios da coroa portuguesa. Por isso os intelectuais
franceses se tornaram referência para grande parte da elite rural e depois
urbana. A academia francesa interferiu diretamente no clero que aspirava a ter
maior autonomia em relação ao Estado e, à medida que havia envolvimento
com esse projeto político de sociedade, os clérigos começaram a pensar um
modelo de Igreja que fosse capaz de sintonizar-se com as aspirações, com
nova forma de aliança entre os interesses da Pátria livre e a Igreja brasileira, no
sentido de lograr ‘uma Igreja livre no Estado livre’. No Brasil, diferentemente da
França, ocorreu aliança entre liberalismo e catolicismo. Não só pela fragilidade
que advinha o poder do clero desde o período colonial com a carência na
formação acadêmica, o que parece até contraditório diante das políticas que a
Igreja se propunha defender.
Diante da nova configuração política enfrentada nos séculos XIX e XX,
sentiu-se a necessidade da Igreja ajustar o seu respectivo discurso com a
própria prática institucional, a fim de manter coerência com os princípios do
movimento de romanização. Wernet (1987, p.88) aponta que “o
conservadorismo ultramontano ganhou continuamente força, conduzindo aos
poucos o catolicismo brasileiro a satelitizar-se progressivamente ao tipo de
catolicismo dominante na Europa.” Para isso acontecer, foi necessário garantir
que a população brasileira, independentemente da profissão de fé, pudesse ser
na sua maioria católica, tendo em vista as idéias modernistas e secularizantes
(BOSCHILIA, 2002, p.41).
- 18 -
No século XIX, a Igreja ansiava cada vez mais em limitar e frear os
espaços de atuação do Estado, pois ela se considerava singular no que diz
respeito a uma educação completa. A educação deveria necessariamente ser
ministrada com princípios morais e religiosos pautados na doutrina e na
supervalorização da família. Assim caberia ao Estado possibilitar segurança e
proteção para o pleno desenvolvimento da família, respeitando e assegurando
o direito da educação cristã. Dentro dessa questão familiar, logicamente
pensada nos moldes tradicionais, a juventude se teria afastado cada vez mais
por causa das inovações trazidas pelo mundo moderno e sua influência no
âmbito da religião, principalmente nos aspectos referentes à moral. Embora o
Estado tenha interferido no tocante à organização da família brasileira, a Igreja
não deixou de defender o modelo tradicional, de recomendar uma família
numerosa, bem como a dedicação exclusiva da mulher ao lar. Como
conseqüência da separação entre Igreja e Estado, entre outras medidas, foi
decretado o casamento civil, que ocasionou disputa entre os dois poderes. A
família passou por certa crise em sua estrutura, necessitando estabelecer
maior vigilância sobre a juventude que fez o movimento de sair do âmbito
privado, familiar, relacionando-se muito mais com as instâncias públicas.
Segundo Roseli Boschilia (2002), que realizou estudos sobre os colégios
católicos de Curitiba na primeira metade do século XX, Modelando Condutas: a
educação católica em colégios masculinos, resgatando as políticas da Igreja
desde períodos anteriores como já citamos acima, descreve o papel
desempenhado pelos colégios católicos na sociedade brasileira; eles tinham
como objetivo “subsidiar a família na educação dos adolescentes e,
complementar a função do Estado e da Igreja na formação do cidadão cristão”
(BOSCHILIA, 2002, p.24). Muitas congregações religiosas voltadas ao ensino,
e ao ensino na sua maioria para a classe burguesa, traduziram muito bem em
seus discursos a necessidade de se formar bons cidadãos que, por sua vez, só
seria bom na medida em que se formasse um bom cristão, repleto de virtudes.
Ou seja, só teria uma educação completa, quem passasse pela educação
cristã, que tinha por seu fim último a perspectiva de Salvação. No entanto,
consideremos a concepção de mundo moderno que se tinha, de uma
sociedade em permanente crise, ameaçada pelo mal, “revivido pelo
humanismo renascentista e alimentado pela ciência materialista e pelo
- 19 -
liberalismo” (MANOEL, 1996, p.77). Para isso era necessário isolar as crianças
e os jovens do mundo, que era considerado mau e corruptor. Assim, pode-se
entender melhor o sentido dos seminários, conventos e grande número de
internatos criados no decorrer dos séculos XIX e XX com o objetivo de isolar o
máximo possível essas crianças do convívio social e, nos momentos em que
estivessem junto da sociedade, deveriam praticar e defender os ‘sólidos’
valores católicos. Justamente uma concepção de educação totalmente voltada
ao desapego às coisas ‘mundanas’. Tanto é que a Igreja investiu arduamente,
no decorrer dos séculos XIX e XX, na difusão de escolas por todo o mundo
com o intuito muito claro de recuperar o domínio do campo da educação, frear
os avanços da modernidade com seu discurso acerca dos princípios morais e
religiosos.
Com essa nova postura política, renova-se e aumenta significativamente
o número de congregações religiosas que advêm da Europa para desenvolver
o trabalho de evangelização da juventude por intermédio da educação cristã no
Brasil. Essas congregações, alinhadas as políticas do Vaticano, na sua maioria
voltar-se-ão ao ensino tanto para homens como para mulheres. Em geral os
religiosos trabalham com a formação de meninos e as religiosas com a
formação das moças, além da preocupação com o recrutamento de jovens
para assumirem o sacerdócio ou a consagração na vida religiosa.
No concernente à educação feminina no século XIX, praticamente não
haviam escolas, seja do setor público ou do interesse privado, que na sua
maioria estavam sob orientação das congregações religiosas16. O
analfabetismo feminino era bastante elevado, justamente pela falta de escolas
e pela mentalidade de que cabia à mulher ater-se às coisas do lar, embora isso
não significasse ausência de cultura, pois as mesmas em casa recebiam
orientações no tocante às informações que deveriam ter como base para o
convívio social. Com isso, poucas mulheres haviam freqüentado a escola
primária. Nesse tema, a iniciativa privada, por meio das escolas das Irmãs
(religiosas), logrou trabalho notável em diversos pontos do país. Começaram
abrindo o curso secundário para as meninas, como é o caso do Colégio de
16 Ao referimo-nos ao público e privado, está ligado ao Estado e à Igreja no tocante ao aspecto das escolas católicas dirigidas pelas inúmeras congregações religiosas provenientes da Europa. Embora houvessem escolas dirigidas também por leigos, as religiosas foram as primeiras a se firmarem no Brasil.
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Nossa Senhora do Patrocínio, fundado em 1854 em Itu, cidade do interior de
São Paulo. Sob a orientação das Irmãs de São José de Chambéry,
congregação francesa. O Estado apoiou essa implantação com a finalidade de
formar as filhas da elite cafeeira, para que elas pudessem ocupar futuramente
lugares centrais na sociedade. Mas era uma educação destinada, acima de
tudo, para a formação de mães de família, para que viessem a se tornar damas
polidas, jovens cultas, sociáveis, acima de tudo cristãs, católicas convictas que
pudessem difundir na família e na sociedade os valores do catolicismo
romanizado. Nesse sentido, torná-las aptas ao convívio social, modelando o
próprio caráter a partir de modelos, de bons exemplos, sendo a Virgem Maria o
máximo modelo de virtude espiritual e de maternidade.
Essa educação religiosa e acadêmica, de molde francês, teve como
objetivo a perfeição, por isso o afastamento do mundo e dos acontecimentos
sociais. Portanto, o projeto educacional católico desejava “educar meninas e
jovens conforme os conceitos elaborados pela Igreja ultramontana, de tal sorte
que elas viessem posteriormente a serem educadoras dos filhos e de toda a
sociedade, conforme os preceitos e a doutrina do catolicismo conservador”
(MANOEL, 1996, p.49). O colégio caracterizava-se como lugar seguro, onde
estariam as meninas salvas e isoladas das maldades mundanas com rígida
disciplina, submissão e obediência irrestrita. Ou seja, a salvação passaria
necessariamente pela santidade, pela perfeição que, na sua vez, só seria
possível pela prática dos valores propostos pelo catolicismo romanizado.
Segundo Ivan Manoel, essas políticas educacionais da Igreja ganhariam
espaço na sociedade civil, sendo reforçada pela Igreja brasileira em sintonia
com o papado. A maneira como o colégio exerceu seu papel, resguardando as
mulheres da modernidade, mostra claramente as alianças e os interesses do
próprio Estado com o tipo de cidadão que desejava formar mediante a
educação da juventude, até mesmo depois da instalação de tantas outras
escolas masculinas e femininas.
Paulatinamente, os colégios foram se afastando da dependência dos
bispos, de acordo com o novo cenário urbano que se desenhou no final do
século XIX, “para se adequarem cada vez mais às exigências do Estado, bem
como aos auspícios da sociedade.” (AZZI, 2008, p.105,) Para garantir o
sucesso das escolas na formação das elites, se fazia necessária, dentro dos
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padrões de sociedade burguesa, uma boa postura na constituição do processo
educativo.
Riolando Azzi17, ao descrever a história da educação católica no Brasil e
a contribuição dos Irmãos Maristas, aponta que um dos meios que facilitaram a
vinda de muitos colégios católicos foi o decreto de separação entre Estado e
Igreja que, por sua vez, também trouxe como conseqüência a laicização. “(...) o
episcopado brasileiro reagiu fortemente contra essas medidas prescritas pelo
novo regime republicano em nome do pensamento liberal e da urbanização
progressiva” (AZZI, 1997, p. 32, v.1). Dessa forma, as congregações religiosas
não tiveram dificuldade em se adaptar, fazendo alianças com a burguesia
agrária e urbana; afinal os filhos freqüentariam uma educação que seria
ministrada nos moldes europeus, portanto uma educação considerada
moderna. Segundo os liberais, o ensino católico veio para garantir o domínio
clerical sobre a sociedade brasileira; por isso irrompeu a luta para a separação
entre Estado e Igreja, após a Proclamação da República, em 1889. Por esse
motivo sempre existiu certa tensão entre as questões políticas propostas pelo
Estado e a liberdade religiosa, com os liberais considerando o ensino uma
força de transformação social e a Igreja mantendo-se na defesa da ordem e da
sociedade tradicional. Com a Proclamação da República, o catolicismo deixou
de ser a religião oficial do Estado, sendo introduzido o ensino leigo no país.
Nesse contexto há de se considerar a entrada de outros credos religiosos,
sobretudo os protestantes, que também direcionaram trabalhos com a
instauração de escolas, assim como o aumento gradativo de escolas públicas,
sobretudo à partir de 1920. Daí se percebe que a multiplicação de escolas
católicas foi estimulada pelos bispos com o intuito de entrar nos espaços onde
escolas públicas e protestantes que estavam sendo implantadas (AZZI, 1997,
p. 37, v.1). Houve também congregações religiosas que se dedicaram, desde o
seu início, à educação da elite em grandes centros urbanos. As que tinham sua
origem de trabalho com a educação das camadas mais populares da
sociedade continuaram aqui no Brasil, mas, no decorrer dos anos, de acordo
com as necessidades, fizeram a opção em direcionar o trabalho para a
educação principalmente da elite.
17 AZZI, Riolando. História da educação católica no Brasil: Contribuição dos Irmãos Maristas. São Paulo: Loyola: SIMAR, 1997, v.1-4.
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Nesse sentido, com o intuito de se mudar o país, alcançar êxito
econômico e ingressar com mais facilidade na esfera social, fazia-se
necessário educar a burguesia para que esta pudesse posteriormente levar
adiante, em outros setores da sociedade, os valores cristãos católicos advindos
da formação acadêmica no ensino primário e secundário. O ensino católico era
bem visto pelas elites. A Igreja lançou sua influência com o intuito de formar os
quadros políticos dirigentes do país. Portanto, as escolas católicas serviam
também aos interesses do próprio Estado, lastreada na classe alta e média, até
porque as eleições era privilégio de restrito estrato social.
Uma educação sabiamente destinada à classe burguesa, conduzida por
setores expressivos da economia brasileira: a burguesia agrária tradicional e a
nascente burguesia urbano-industrial. Esse direcionamento da oferta para uma
clientela específica, também tem muito que ver com o próprio cenário da
economia do país, com a necessidade das congregações religiosas, acima de
tudo, conseguirem manterem-se economicamente sustentáveis. Um dos
motivos das escolas se tornarem caras para a maioria da população era
justamente a preocupação da Igreja com a formação das elites aliados aos
fatores de desigualdades sociais. Mesmo ocorrendo atritos entre os dois
grupos - Igreja e Estado -, segundo Riolando Azzi (2008, p.67), “ambos
apostavam na necessidade de modernizar o país e, ao mesmo tempo, realizar
essa modernização dentro do sistema capitalista.” A burguesia agrária com
base na cultura cafeeira se desenvolveu intensamente nas últimas décadas do
século XIX na região sudeste. Já a burguesia industrial se firmou nos centros
urbanos de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre no início do século XX
(Azzi, 2008, p.68). A própria expansão da cultura do café favoreceu o
desenvolvimento urbano e a formação da sociedade burguesa e,
conseqüentemente, a valorização da cultura letrada, havendo forte
identificação com os valores da modernidade de numa sociedade secularizada.
Esses valores propuseram nova forma de ver o mundo, deixando de lado parte
da tradição e da moral cristã, para compartilhar os avanços promovidos pela
ciência e pela tecnologia nesta passagem do mundo rural para o urbano.
Importa retomar que, no final do século XIX houve o rompimento das
relações entre Estado e Igreja, pois o ensino que vinha sendo ministrado nos
estabelecimentos públicos passou a ser leigo, deixando de ser o catolicismo a
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religião oficial (1891). Essa atitude do Estado contrariou o Ato Adicional de
1834, que atribuía poder às províncias e municípios no concernente a
regulação e acompanhamento da educação primária e secundária. Com isso
ocorreram ações importantes no interior do catolicismo, propiciando políticas de
expansão, com a criação de dioceses, arquidioceses e prelazias. Com a
Constituição de 1891 a Igreja se vê excluída do poder público e político; pior,
foi colocada em pé de igualdade com as outras religiões. Como afirma Roseli
Boschilia (2002, p.41)
A retirada do ensino religioso do currículo das escolas públicas e equiparação com as demais escolas, religiosas e privadas, significava a perda de influência no campo educacional, não apenas junto às camadas populares, mas também junto às camadas elitizadas da sociedade.
Isso representava significativa perda dos seus privilégios. Atitude de
mudança da Igreja nessa situação foi o direcionamento da política de
multiplicação de dioceses, e conseqüentemente de seminários, conventos e
escolas católicas. No início do século XX, a Igreja precisava estar
constantemente se adequando ao cenário da modernidade, com a difusão de
outros mecanismos que pudessem assegurar a fé e a virtude. Para isso atuou
em outros campos, como o da comunicação, em que “o Papa Pio XI propôs
que a Igreja se adequasse à realidade, utilizando-se desses meios modernos
para realizar seu projeto de evangelização e educação dos jovens”
(BOSCHILIA, 2002, p.141).
Essa relação com o Estado foi caracterizada de modo geral pela
cooperação, principalmente com a necessidade de firmar a presença do
catolicismo junto da sociedade, porquanto, mesmo com posicionamentos
contrário de muitos bispos acerca da união dos dois setores, pensavam que
somente com essa proximidade é que se poderia chegar a adquirir novamente
o prestígio. Com esse posicionamento, procurou-se uma forma de colaboração
harmônica entre os dois poderes, com o respectivo respeito da distinção entre
as esferas espiritual e temporal. A consonância entre as aspirações políticas da
Igreja e do Estado teve por objetivo o fortalecimento da sociedade burguesa,
contraponde-se a qualquer modelo socialista de sociedade. Isso ocorria à
medida que a Igreja adotou a postura de defesa do Estado junto do povo, tendo
em contrapartida a abertura de espaços por parte do Estado, para que pudesse
atuar na doutrinação moral e religiosa, que na verdade não passou de uma
- 24 -
estratégia que pudesse garantir a orientação do Estado pelos princípios
cristãos.
Pode-se notar que a juventude foi escolhida para promover esse
projeto, considerando que a educação seria estrategicamente um meio capaz
de assegurar o pleno desenvolvimento intelectual e moral da sociedade
(BOSCHILIA, 2002, p.26). Deste modo, a Igreja procurou criar um sistema de
ensino muito competitivo, no tocante a educação secundária. Como impulso no
combate à secularização, a consolidação do modelo de produção capitalista
que muito influenciou a forma de organização da sociedade, exigiu da
hierarquia católica grande esforço para a implantação das idéias
ultramontanas, reafirmando e adaptando suas concepções, tendo a educação
como instrumento ideológico. Reconhece-se neste sentido a criação de
políticas institucionais em consonância com a realidade legal do Estado, com
forte direcionamento de encíclicas papais que combateram os mecanismos de
secularização na ocupação dos espaços que a própria Igreja Católica teria
conquistado desde a colonização portuguesa.
Marcadamente, na educação católica do século XX pode-se reconhecer
a capacidade de adaptação de suas políticas às leis educacionais instituídas e
pensadas pelo Estado, aliado às necessidades da sociedade. Procurou assim
contrapor-se às idéias liberais, dando-se ênfase ao perfil de uma escola que
pudesse sublinhar a moral. Para isso a Igreja Católica no Brasil apoiou-se nas
idéias de um catolicismo romanizado, na tentativa de sensibilizar a sociedade
com discursos que priorizavam a defesa da fé Católica, da tradição e da esfera
familiar. Segundo Manoel (1996, p.56), “a luta católica para recuperar o sistema
sobre o controle educacional brasileiro se estendeu até a década de 1960,
quando foi aprovada a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB n.
4.024/61).”
2.3. OS IRMÃOS MARISTAS DAS ESCOLAS OU PEQUENOS IRMÃOS DE
MARIA
No Brasil, educação nos primeiros séculos da sua história se
desenvolveu com a presença marcante de escolas católicas. A história da
educação católica, assim, confunde-se, muitas vezes, com a própria história da
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educação brasileira, que se iniciou desde a chegada dos portugueses, passou
pela expulsão dos Jesuítas, em 1759, e seguiu com a abertura e retomada das
políticas instauradas pela Igreja Católica no combate à secularização, em
meados do século XIX até o Concílio Vaticano II (1962-1965). Não que o
Concílio tenha sido uma marca temporal em que esse processo de
romanização tenha se findado, mas que reflete mais nitidamente à partir das
decisões tomadas por meio do decretos e declarações a postura que a Igreja
Católica adotou no percurso da segunda metade de 1800 até a década de 60.
Com a colonização do país e no decorrer dos séculos XVIII e XIX, é perceptível
a influência da Companhia de Jesus (Jesuítas) e de outras congregações
religiosas européias que se dirigiram ao Brasil com a perspectiva de combater
a secularização da modernidade e os ideais iluministas, a fim de assegurar os
princípios morais e a preservação dos costumes por meio da educação nos
moldes do catolicismo romanizado. Entre esses Colégios estava o Instituto
Santa Maria de Curitiba, fundado em 1925, pelos Irmãos Maristas, que
futuramente foi elevado à categoria de Colégio (Colégio Marista Santa Maria).
Antes dos Maristas chegarem ao Brasil, constituindo-se uma nova leva de
congregações que se somam às mais tradicionais, é importante destacar que
havia a presença de congregações de religiosas e religiosos que trabalhavam
com a educação, como vimos no estudo de Ivam Manoel sobre o colégio
Nossa Senhora do Patrocínio (1859), de Itu, São Paulo.
Entre as tantas congregações voltadas à educação cristã da juventude,
estiveram e se fazem presente ainda hoje na Igreja os Irmãos Maristas18,
conhecidos inicialmente em sua gênese como “Pequenos Irmãos de Maria”.
Surgiram na França em janeiro de 1817, logo após a Revolução Francesa, sob
a orientação de um padre chamado Marcelino Champagnat, caracterizando
inicialmente uma educação voltada para as classes populares (camponeses),
geralmente inserindo-se no trabalho em escolas paroquiais, com vínculos
empregatícios com as prefeituras das pequenas cidades do interior da França.
No entanto, apoiados no modelo disciplinar dos jesuítas e nas propostas
formuladas por João Baptista de La Salle, elaboraram um projeto próprio de
18 Chamam-se Maristas por terem sua origem religiosa vinculada ao nome da Virgem Maria. São Irmãos religiosos consagrados à Igreja por meio de uma Congregação pelos votos de Pobreza, Castidade e Obediência.
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educação capaz de garantir regras e normas comuns para todas as Escolas
Maristas, inclusive as que posteriormente se expandiram para fora da França,
chegando ao Brasil em 1897 (BOSCHILIA, 2002, p.30). Neste período, logo
após a Revolução Francesa, foram muitas as congregações religiosas
dedicadas para fins de educação; muitas delas se colocaram sob o patrocínio
da Virgem Maria, criando um modelo pedagógico pautado pelos Irmãos das
Escolas Cristãs. Essa referência à Virgem Maria é muito importante pelo
próprio significado do nome das congregações religiosas muito devotas e
consagradas a Ela, como pelos valores e normas de comportamento familiar e
de castidade perfeita atribuído pela Igreja à Virgem. No decorrer do século XIX,
essas práticas, esse modelo escolar europeu foi-se firmando, trazendo em seu
bojo as práticas disciplinares que, segundo Roseli Boschilia (2002, p. 32),
visavam garantir a reprodução de modelos de conduta e, nesse sentido, tinham o respaldo das famílias, também interessadas num controle mais efetivo sobre os filhos. A escola, ao assumir a tarefa de formação dos estudantes, ganhou autoridade moral. Com a introdução da disciplina no espaço escolar, surgiu a noção de criança bem-educada, como um traço distintivo entre a burguesia e as camadas mais populares.
Com a crise surgida na Europa, principalmente na França com a
Revolução de 1789, com a expulsão de muitos religiosos, viam o “outro lado do
oceano” boas perspectivas de abertura política e eclesial. Dessa maneira, em
1897 os Irmãos Maristas chegaram ao Brasil, desembarcando no Rio de
Janeiro, sob orientação do bispo de Mariana, D. Silvério Gomes Pimenta,
instalaram-se em Congonhas do Campo, Minas Gerais. Segundo Azzi (1997,
p.17, v.1), eram “europeus, de fé ultramontana, portanto conservadores,
sentindo-se missionários em um país católico (...) tendo como projeto de
trabalhar na educação da juventude brasileira.” Ali tiveram as primeiras ações
na esfera educativa, expandindo-se posteriormente para outros estados do
país e com o intuito de abranger a classe média.
Riolando Azzi ressaltou a contribuição da Igreja e da sociedade na
esfera educacional, relatando que as escolas Maristas, assim como muitas
outras, se expandiram de acordo com as expectativas da classe média,
ocorrendo remodelação dos colégios, de acordo com a urgente necessidade de
adequá-los às exigências trazidas pelo mundo moderno. Dessa forma, houve
adequação de acordo com a demanda e a necessidade, de modo que se
preservasse o objetivo que se propõe realizar a instituição: formar bons cristãos
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e virtuosos cidadãos. É expresso claramente esse objetivo em um documento
institucional denominado Missão Educativa Marista (2000, p.37), nº 69: “Para
Marcelino Champagnat, o núcleo da Missão é fazer Jesus Cristo conhecido e
amado. Ele considerava a educação como um meio para levar as crianças e os
jovens à experiência de fé pessoal e de fazê-los bons cristãos e virtuosos
cidadãos.” Com esse intuito, a congregação Marista conquistou gradativamente
seu espaço no campo educacional da sociedade brasileira.
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3. OS DISCURSOS INSTITUCIONAIS FRENTE ÀS MUDANÇAS
OCASIONADAS PELA MODERNIDADE
3.1. A VINDA DA CONGREGAÇÃO DOS IRMÃOS MARISTAS DAS ESCOLAS
PARA O BRASIL
Com o intuito de descrever a educação católica no Brasil e, em
particular, o trabalho educacional do Instituto dos Irmãos Maristas das Escolas,
Riolando Azzi pesquisou a expansão da instituição e suas contribuições para o
cenário educacional brasileiro. Descreve o modo como a congregação foi se
adaptando às realidades, diante da modernidade, na tentativa de acompanhá-
la a partir da reestruturação das diversas escolas, seja mudando-se de lugar
físico de trabalho, ou, adaptando as estruturas das escolas ao cenário social
que se modificava gradativamente no decorrer do século XX.
As políticas eclesiais favoreceram gradativamente a fixação de inúmeras
congregações de religiosas e religiosos no Brasil, assim como em todo o
mundo, com fins de legitimar o domínio no campo educacional e frear os
avanços da modernidade, trabalhando com a educação, principalmente na
primeira metade do século XX. A Igreja foi percebendo a necessidade de
mudar e adaptar seu respectivo discurso e sua prática, “procurou pautar sua
ação na elaboração de um projeto educativo-religioso, cujo objetivo era
implementar o ensino do catecismo e lutar pela educação cristã, como um
direito de toda a população católica que compunha a maioria da sociedade
brasileira” (BOSCHILIA, 2002, p.42). Muitos colégios católicos adquiriram
significativo papel junto à sociedade, ao subsidiar a família na educação e
complementar as atribuições do Estado e da Igreja na formação de um cidadão
cristão dentro dos moldes estabelecidos pelo catolicismo.
Mesmo sendo reconhecida legalmente como instituição de ensino em
1851, ou seja, após 34 anos de sua fundação na França, a Congregação dos
Irmãos Maristas das Escolas continuou desenvolvendo seu respectivo trabalho
com as camadas sociais economicamente menos privilegiadas, o que não
ocorreu efetivamente no Brasil. A educação primária estava nas mãos do
Estado, já a secundária as congregações religiosas viriam a se ocupar,
desenvolvendo papel importante na educação das elites brasileiras. A Igreja
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Católica via no Brasil a abertura do Estado para a implementação do trabalho
orientado pelos bispos que, por sua vez, estes encaminhavam às
congregações.
O fundador dos Irmãos Maristas das Escolas, Marcelino Champagnat,
descreveu nas constituições e estatutos da congregação que não deveriam
ficar somente no território francês, mas que todas as dioceses do mundo
estariam em seus planos. Foi com essa motivação que, após uma visita do
bispo Dom Silvério Gomes Pimenta à Casa Geral da instituição na França,
concorre para a vinda dos seis primeiros Irmãos Maristas ao Brasil, com
espírito missionário. No dia 15 de outubro de 1897 desembarcam no porto do
Rio de Janeiro, prosseguindo viagem até Congonhas do Campo, Minas Gerais,
chegando três dias depois.
19
Congonhas do Campo, MG – Os seis Irmãos Maristas pioneiros com o
Monsenhor Cândido Veloso que os acolheu no Rio de Janeiro
19 SEDREZ, Ascânio J. A Presença dos Irmãos Maristas em São Paulo: Educação Evangelizadora? Um estudo de caso: Colégio Nossa senhora da Glória e Colégio Arquidiocesano de São Paulo. Dissertação de Mestrado do programa de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1998, p.40.
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Pela maneira como foi descrito no livro Vingt Ans de Brésil20, a
população festejou a chegada dos Maristas, particularmente as crianças que
desejavam freqüentar a escola. As descrições da cidade, das quatro igrejas, a
pequena escola que administravam, a população, foram bastante satisfatórias
para os maristas no primeiro momento. No entanto foram muitas as
dificuldades desses missionários, principalmente o fato de terem de aprender o
português e, conseqüentemente, aliado a aspectos da cultura local que se fazia
resistente aos métodos de ensino. Foi este fator que dificultou enormemente a
aplicação da rígida disciplina a que estavam acostumados nas escolas da
França. Segundo Azzi (1997, p.63, v.1): “Os religiosos encontraram muitas
dificuldades, tanto para a manutenção da disciplina como para a instrução dos
alunos, por ignorarem quase completamente a língua portuguesa.” Os alunos,
pouco afeitos à disciplina e aos métodos estabelecidos, reagiram
contrariamente ao novo sistema de ensino. Posteriormente, a saída de
Congonhas foi relacionada às questões de indisciplina de educandos,
culminando com um mal-estar criado entre os irmãos e a população que ficou
sabendo de um ato de violência por parte de um religioso Marista, decorrente
de uma situação de indisciplina de um menino. Apesar de esse Irmão ter sido
transferido, não ficou uma boa impressão na cidade, gerando desconfiança da
população, levando com isso à diminuição do número de alunos na escola.
Paralelamente a isso, a questão econômica foi preponderante, pois o sustento
dos Maristas e dos alunos ficaria a cargo das rendas do santuário do Bom
Jesus, o que não foi possível, tornando incerta e precária a manutenção da
escola. Nesse sentido, a convite de outros bispos e em sintonia com a
província da França, em 1902, os Irmãos Maristas se dirigiram para o interior
de Minas Gerais e ao estado de São Paulo para fins de se estabelecerem na
direção de colégios. Na primeira década do século XX foram destinados mais
missionários maristas para o Brasil, instalando-se no Rio Grande do Sul, Norte
e Nordeste do país, assumindo grandes colégios por eles fundados ou
fornecidos pelos bispos. Cada região tinha suas características próprias, visto
que, no Rio Grande do Sul, a presença de imigrantes europeus nas muitas
20“Os anos iniciais, de 1897 a 1917, foram perpetuados no livro ‘Vingt Ans de Brésil’ e recolhem parcialmente as anotações pessoais do Irmão Adorátor, pena fluente e primeiro provincial da futura Província do Brasil Central” (ADORÁTOR, Irmão. Vingt Ans de Brésil. Tradutor: Virgílio Josué Balestro. Curitiba: SIMAR e Editora Champagnat, 2005, p.05).
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colônias foi aspecto importantíssimo de coesão pela vivência da fé católica,
facilitando a adesão nos bancos escolares.
Uma das grandes metas foi o trabalho com externatos e internatos,
visando futuramente à manutenção da instituição com possíveis candidatos à
vida religiosa. Por isso reconhece-se o papel preponderante desse gênero de
estabelecimento, sendo em Mendes, Rio de Janeiro, a principal casa de
recrutamento para a preparação à vida religiosa. Tanto em Uberaba, que foi
uma das principais fundações no ano de 1902, por contar com apoio de outra
congregação de irmãs e padres franceses; na capital Paulista e em Franca,
ambas em 1902, percebe-se que era o início de um trabalho mais consistente
da congregação Marista em sintonia com os bispos. No interior paulista as
Irmãs de São José de Chambéry deram grande apoio para que a obra marista
prosperasse; na capital paulista foram os jesuítas que fizeram o convite e
apoiaram o estabelecimento dos Maristas, de modo que sempre existiu troca
de favores através dos serviços sacerdotais (retiros, missas, etc). Os jesuítas
foram de fundamental importância também no Rio Grande do Sul.
Gradativamente os Maristas foram se tornando conhecidos pela sociedade
brasileira, e ganhando reconhecimento das famílias, fortalecendo cada vez
mais o estilo educativo empregado.
Em 1907, o bispo Duarte Leopoldo e Silva foi transferido da diocese de
Curitiba para São Paulo. Uma de suas preocupações era justamente a perda
da identidade da igreja brasileira em face do número elevado de congregações
e institutos religiosos europeus presentes no Brasil. Sua intenção era de
integrar esses grupos na realidade nacional, para isso, como elemento
indispensável seria o aprendizado da língua portuguesa para que houvesse
incorporação à realidade brasileira. Embora seja um pouco contraditório,
diante da exaltação feita à educação e à língua francesa, então língua mundial
no campo da intelectualidade, levado a cabo pelos maristas e por todas as
demais congregações. Ao falar de um Irmão que viveu a primeira década do
século XX no Brasil, Azzi (1997, p.198, v.1) ressalta que “nunca perdia a
oportunidade de ressaltar a importância das atividades dos religiosos
franceses, moldando a juventude brasileira dentro dos padrões europeus em
que tinham sido formados.” Se por um lado as escolas maristas nas primeiras
décadas não valorizaram suficientemente a cultura brasileira, por outro lado
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não se pode negar que o modelo de educação européia correspondia
plenamente aos projetos que a burguesia urbana tinha para com seus filhos.
Dessa maneira, na primeira metade do século XX, na medida em que os
Irmãos Maristas foram se instalando nas diversas regiões do país e seu
trabalho foi ganhando retorno positivo da sociedade, houve a necessidade de
fazer uma divisão administrativa, por províncias, para facilitar a locomoção e
melhor administrar as escolas.
“A partir do Centenário da Independência em 1922, a hierarquia
eclesiástica procurou, de forma mais intensa mostrar que a fé católica era um
elemento constitutivo da identidade brasileira” (AZZI, 1997, p. 59, v.2). Para
conquistar cada vez mais seu espaço em nível nacional e obter êxito, era
necessária a colaboração do Estado, com o poder político apoiando as ações
da Igreja na esfera social. Para formar sua presença, na década de 1930
iniciaram-se os Congressos Eucarísticos, com o intuito de aproximar as
políticas com o Estado e adentrar a vida social; “a fé católica, por conseguinte,
era um elemento indispensável para a reorganização social do país” (AZZI,
1997, p.60, v.2). Com esse intuito, os discursos em defesa da autoridade
estiveram muito presentes na hierarquia eclesiástica, pois acreditava-se na
importância do princípio da autoridade na vida social. Assim, os bispos, de
modo geral, procuraram colocar em evidência o papel da Igreja como
sustentáculo da ordem e defensora do princípio de autoridade. Para manter o
poder e autoridade, os Maristas mantiveram firmemente alguns rituais, a fim de
manter a identidade e missão a que se comprometeram no país. Para isso, a
valorização da família com eventos direcionados e, sobretudo, impondo o
modelo tradicional inspirado na Sagrada Família. Assim como outras formas
utilizadas pelos colégios a fim de estreitar o diálogo com a família na missão de
educar, cuidando com os ‘perigos modernos’, com os atrativos que pudessem
vir a afastar o adolescente da religião e perturbar o modelo familiar vigente.
Nessa perspectiva, mesmo diminuindo significativamente o espaço de atuação
da Igreja Católica, ela traduziu as políticas do catolicismo romanizado
adaptando-o segundo as suas possibilidades, com base nos valores morais, de
respeito à autoridade, à pátria e à família.
A Igreja sempre procurou aproximação com os governos estaduais, a fim
de adaptar os trabalhos mediante o direcionamento do próprio Estado. Com o
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surgimento de leis no âmbito educacional, as congregações religiosas, apesar
das restrições, foram capazes de adaptarem-se a essas mudanças sem perder
de vista os objetivos que se propunham na formação da sociedade brasileira.
Nesse sentido mantinham relações estreitas com algumas lideranças políticas,
com outras nem tanto. Fato é que, “além de reconhecer a importância da
doutrina católica para o bom relacionamento com a sociedade, o Estado
também sabia que, na área de ensino secundário, se retirasse da Igreja essa
atribuição, não conseguiria repassá-la a alguém com competência para
desempenhá-la” (BOSCHILIA, 2002, p.43).
Na década de 1920, foi criada a ABE (Associação Brasileira de
Educação), que teve papel importante “nas discussões do ensino, incentivando
os grandes projetos de reforma iniciados ainda nos anos vinte e que se
intensificaram a partir de 1930” (BOSCHILIA, 2002, p.45). Tinham o intuito de
solucionar os problemas ligados à educação. Os pioneiros da educação ou
escolanovistas desejavam um projeto que modernizasse a área pedagógica,
defendendo no manifesto de 1934, “a laicidade, a co-educação e a
necessidade urgente de uma política nacional de educação” (BOSCHILIA,
2002, p.46). Contra esse grupo, os intelectuais católicos consideraram essas
idéias uma afronta aos princípios educacionais católicos. Por esse motivo, uma
educação laica e destinada para ambos os sexos nos mesmos espaços,
defrontava-se com o conservadorismo católico presente na sociedade
brasileira, que tinha a religião como referência dos princípios morais. Mesmo
em 1932, com o Manifesto dos Pioneiros defendendo a educação para ambos
os sexos e laica, educadores católicos sob a liderança de Alceu Amoroso
Lima21, continuava em defesa de uma educação subordinada ao catolicismo,
ensino particular e com separação de acordo com o sexo.
Em 1934, Gustavo Capanema22, como Ministro da Educação e da
Saúde, favoreceu por meio de seus discursos, que a Igreja pudesse ganhar
novamente mais espaço para a prática das escolas religiosas. Como a maioria
das escolas particulares ainda estavam sob orientação dos religiosos e 21 Alceu Amoroso Lima nasceu no Rio de Janeiro em 11 de dezembrode 1893, em Petrópolis. Sua morte data do dia 14 de agosto de 1983. Foi um crítico literário, professor, pensador, escritor e líder católico brasileiro. 22 Ministro da Educação de 1937 a 1945, responsável pela organização de boa parte da educação do país, organizando o Ministério da Educação. Capanema apoiou grupos intelectuais, principalmente arquitetos e artistas plásticos.
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religiosas no Brasil, na década seguinte, a estratégia adotada por Capanema
foi de que o governo se ocupasse da educação das classes populares, sendo a
elite e classe média destinadas às escolas particulares. Para Capanema, o
objetivo do curso secundário era destinar aos jovens cultura geral, acentuando
o patriotismo e o humanismo, destinando com grande ênfase a educação moral
e cívica dos alunos. Por isso, manteve como facultativo o ensino religioso e
considerou a necessidade de ter escolas exclusivas para o atendimento ao
público feminino. Essa abertura e apoio do Estado facilitaram o discurso
doutrinário e catequético da Igreja.
Na década de 1930, sintonizados com as mudanças sociais, com a
economia e urbanização, Francisco Campos23, Ministro da Educação e Saúde,
atentou para a crescente demanda escolar no ensino secundário. Segundo
Boschilia (2002, p.48), “o objetivo da reforma, portanto, era transformar o curso
secundário num curso eminentemente educativo, retirando-lhe o caráter de
‘curso de passagem’.”
Nas décadas de 40 e 50 a Igreja, de certa forma, perdeu espaço na área
educacional em virtude do aumento das escolas privadas não confessionais,
fenômeno presente nos grandes centros urbanos. Conforme dados fornecidos
pela Diretoria do Ensino Secundário do MEC, apresentados por Boschilia
(2002, p.54): “em 1959 existiam no país três mil instituições ginasiais e
colegiais. Destas, 28% pertenciam à rede pública, 29% eram instituições
católicas, enquanto a maioria (43%) era constituída por escolas particulares
leigas.” Esses dados apontam para outro cenário, certamente com a Igreja
passava por momento de enfraquecimento político, que será posteriormente
revisto pelo Concílio Vaticano II, na década de 1960, pois esse Concílio
conduziu a Igreja a pensar na necessidade urgente em abrir-se de fato ao
mundo que se apresentava, com seus problemas e desafios muito mais
expostos. Surge a preocupação com o social, exigindo postura mais coerente
da hierarquia eclesiástica na orientação da Igreja, visto que ela mesma
reconhece o esgotamento dos discursos e práticas do catolicismo. No Paraná
especificamente, e na região sul de modo geral, pode-se afirmar que a
23 Ministro da Educação e Saúde. Fez a primeira reforma educacional de caráter nacional em 1931. Essa reforma foi marcada pela articulação junto aos ideários do governo autoritário de Getúlio Vargas e seu projeto político ideológico, implantado no Estado Novo.
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imigração européia favoreceu a permanência mais prolongada do catolicismo
conservador em relação a outros Estados.
Na década de 1960, com a Lei 4.024/61, a Igreja Católica diminuiu sua
atuação nos espaços educacionais, pois acabou sendo desfavorecida. Embora
a lei privilegiasse a escola pública, manteve-se igualdade de direitos para a
escola privada, que na sua maioria ainda era de cunho religioso. Foi período
marcado pela repressão militar, que inicialmente teve apoio da Igreja por meio
da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil); mas, à medida que os
militares se fortaleceram no poder, passaram a atuar de forma repressiva sobre
os bispos, padres, religiosos e leigos. Destacadamente a Ação Católica, aliada
aos movimentos estudantis, nas suas várias frentes se posicionou contrária à
postura repressiva, principalmente no período militar.
3.2. A PRESENÇA MARISTA NO PARANÁ
No Paraná, a Igreja procurou aproveitar essa relação de estabilidade
para recuperar os espaços na educação, intervindo na legislação. Por ter
grande contingente de imigrantes ligados ao catolicismo, os governantes
utilizaram-se das autoridades eclesiásticas para somar forças e manter a
ordem social. No final do século XIX algumas congregações religiosas, de
cunho tridentino, voltadas para a educação de imigrantes se estabelecem para
o ensino primário, sendo uma das grandes marcas da educação religiosa
católica do final do século XIX. Em 1892 a diocese de Curitiba foi criada,
abrangendo os Estados de Paraná e Santa Catarina. Durante a Primeira
República, as políticas educacionais da Igreja estiveram voltadas com ênfase
para a educação feminina, ou seja, as congregações femininas eram a maioria.
Segundo Fedalto (1956, p. 225), os Franciscanos deram início aos trabalhos
com o Colégio Bom Jesus em 1896 para atender o público masculino,
especificamente imigrantes alemães. Há de se considerar que essas
congregações pertenciam à primeira leva vindas ao Paraná e que as demais
surgiram após a década de 1920, até mesmo porque, “à medida que não
existia uma grande demanda pelo ensino secundário, nem o Estado nem a
Igreja estavam preocupados em ocupar esse espaço” (BOSCHILIA, 2002,
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p.58). Nesse mesmo período Munhoz da Rocha24, favorável aos católicos,
propõe a inclusão do ensino religioso nas escolas públicas facultativamente, o
que aumentou a disputa entre católicos e anticlericais.
O aumento significativo de congregações que vieram ao Paraná após a
década de 1920 se deu justamente pelo cenário de desenvolvimento da
indústria, que teve seu início ainda no final do século XIX, com a necessidade
de formação para o comércio, até mesmo criando a necessidade de que as
congregações femininas abrissem o curso secundário para as moças. A
modernidade era manifestada pela crescente urbanização provocada pelo
advento da industrialização e expansão do comércio em Curitiba e nas demais
cidades que surgirão sob esse mesmo impulso no Paraná. Na década de 1940,
foi inaugurado o curso colegial pelos colégios Santa Maria e Sagrado Coração
para rapazes e moças que desejavam entrar na universidade, assim como
outros posteriormente fizeram o mesmo. De acordo com Boschilia (2002, p.64),
ao apresentar o relatório do governo Moysés Lupion de 1958, relativo ao ano
anterior, “em 1957 estavam em atividades no Estado do Paraná 66 ginásios
(19.825 alunos), 12 colégios (2.023 alunos), 8 escolas técnicas de comércio
(505 alunos) e quatro unidades de Ensino Superior (158 alunos), totalizando
22.511 alunos.” Com o aumento da demanda, o Estado se viu pressionado a
aumentar o ensino secundário, assim como o nível superior. Dessa forma
percebe-se que as escolas católicas souberam estrategicamente adaptar seus
estabelecimentos de ensino às necessidades das demandas sociais.
A Diocese de Curitiba, com o bispo Dom João Francisco Braga, em 1908
trouxe para Curitiba quatro congregações religiosas italianas: Passionistas,
Josefinos, Estigmatinos e Capuchinhos. Foi esse bispo que abriu as portas da
diocese para a entrada dos Irmãos Maristas em 1925 para iniciar o trabalho
com a implantação do Colégio Santa Maria. Seu sucessor Dom Ático Euzébio
da Rocha, em 1939, concede a entrada dos Irmãos Maristas do Rio Grande do
Sul para administrar o Internato Paranaense, atual Colégio Marista do bairro
Seminário. Assim como, junto dos Maristas, vários colégios se estabelecem
24 Foi presidente do Estado do Paraná por duas gestões: de 1920 a 1928. “A nomeação de Caetano Munhoz da Rocha, católico ferrenho, para o cargo de Presidente do Estado, provocou um desequilíbrio nessas relações de poder, trazendo condições mais favoráveis ao grupo católico” (BOSCHILIA, 2002, p.59).
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anterior e posteriormente, com destaque na década de 1950, em que são
fundados 11 colégios religiosos em Curitiba, masculinos e femininos.
A expansão da cultura cafeeira para o Norte do Paraná provocou
acelerada migração e, conseqüentemente, a urbanização. Na década de 1920
começou o desenvolvimento significativo com a presença dos ingleses no
comércio e na lavoura cafeeira. Entre 1940 e 1950, segundo Azzi (1997, p.173,
v.3), o Norte se retratava como espaço promissor de desenvolvimento
econômico, mas não só, pois causou preocupação para a Igreja Católica em
relação ao surgimento de numerosas comunidades protestantes (Metodistas,
Batistas e Presbiterianos). Em virtude disso,
a partir de 1952, fora organizada em âmbito nacional a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (...) a importância que o tema da defesa da fé católica assumiu dentro da CNBB, coloca em evidência que, apesar do propósito de novos rumos, permanecia subjacente uma mentalidade de neocristandade (...) daí a necessidade de uma forte reação contra esse avanço protestante no Norte do Paraná (AZZI, 1997, p.174, v.3).
O catolicismo pretendia assumir não só o papel de liderança religiosa
hegemônica nessa região, mas garantir o seu espaço diante do novo cenário
econômico promissor que se apresentava. Como referência da organização
católica no Paraná nesse período, tendo como centro de referência a cidade de
Curitiba, destaca-se Dom Manuel da Silveira D’Elboux que assumiu a
arquidiocese em 1950 e levou a cabo a expansão do catolicismo em todo o
Estado, incluindo a fundação Universidade Católica do Paraná, que
posteriormente passaria a ser administrada pelos Maristas. Essa política de
defesa da fé católica, por meio da expansão de colégios da congregação,
manteve-se com intensidade. Em Londrina a fundação ocorreu em 1955, e em
Maringá em 1958. Pode-se perceber que a expansão demorou um pouco mais
e se deve à preocupação manifestada no interior da Igreja em relação ao
avanço significativo do protestantismo na região Norte do Estado; por isso
houve a fundação dos colégios na mesma década. Estrategicamente a Igreja
visava combater os demais credos religiosos que colocassem em risco a
hegemonia católica, nesse caso o protestantismo, aliado paralelamente ao
cenário de carência de estabelecimentos de ensino; haja vista a necessidade
da expansão do ensino secundário.
Na cidade de Ponta Grossa a presença dos maristas ocorreu em 1961,
considerando ser lugar de passagem do interior para a capital (Campos
- 38 -
Gerais). Em Cascavel, região Oeste do Estado, as autoridades municipais
convidaram os maristas para dar inicio com os trabalhos em 1961. Já em
Itapejara D’Oeste, na região Sudoeste do Estado, os maristas assumiram uma
escola em convênio com o Governo Estadual, trabalhando com o Ensino
fundamental I e II em 1969. Essa unidade Marista, situada em uma cidade
pequena interiorana, tinha como um de seus objetivos estratégicos o de
recrutar novas vocações para a vida religiosa.
Além desses colégios, instalados na sua maioria antes da década de
1960, foi levado a cabo a importante tarefa de recrutamento de jovens para que
pudessem se juntar à congregação no trabalho de evangelização pela
educação. Nesse sentido, no bairro Mercês, em Curitiba, havia sido criado o
Juvenato Champagnat, que tinha iniciado junto do Instituto Santa Maria e
passou a ter uma sede própria no ano de 1927. Nessa mesma perspectiva, em
1959, foi fundado um Juvenato de Londrina. Ambos visando ao recrutamento
de jovens. A diferença é que esses jovens não mais eram recrutados para
continuar os estudos no atual Ensino Fundamental I, como era em Curitiba,
mas davam prosseguimento aos estudos acadêmicos e maristas a partir do
Ensino Médio.
Olhando para esse panorama de fundações de escolas e centros de
formação à vida religiosa, percebe-se que das décadas de 1950 e 1960 a
instituição, aliada às políticas eclesiais, soube traçar metas e adaptar suas
unidades às necessidades vigentes, principalmente no que se refere à
ocupação dos espaços, já que o protestantismo e outros credos estavam
crescendo no interior do Estado. Paralelamente ao protestantismo, a
necessidade de ocupar novos espaços se fazia urgente não só pela disputa em
si, mas principalmente porque a instituição precisava manter-se
economicamente. Aliado a essa questão de disputa territorial entre credos
religiosos, a necessidade urgente que a congregação sente em recrutar jovens
para fins de continuar a missão da instituição, visando à sua manutenção
material e espiritual.
- 39 -
3.3. OS IRMÃOS MARISTAS EM CURITIBA: AS DIFERENTES FRENTES DE
TRABALHO
Acerca dos Maristas em Curitiba, particularmente no que diz respeito ao
Colégio Santa Maria, faz-se mister apontar os estudos realizados por Roseli
Teresinha Boschilia, Modelando Condutas. Além de descrever as políticas
eclesiais, aponta a relação estabelecida entre a Igreja e a educação analisando
os discursos institucionais contidos nas relações pedagógicas e sociais no
tocante a defesa e manutenção dos campos de poder. Nesse sentido, descreve
como a Igreja Católica passou a investir numa política de disseminação de
colégios pelo mundo no decorrer do dos séculos XIX e XX. Á partir do Santa
Maria, traçou um panorama sobre a educação católica ministrada pelas
diversas congregações religiosas, masculinas e femininas de Curitiba.
Entre os colégios católicos fundados em Curitiba antes da década de
1920, eram na sua maioria voltados para a educação feminina e, somente o
Bom Jesus havia sido fundado em 1896, atendia o público masculino. A
Congregação dos Santos Anjos, francesa, abriu um colégio para meninas nos
regimes de internato e externato em 1896; em 1904 as Missionárias Zeladoras
do Sagrado Coração de Jesus fundaram o Colégio Sagrado Coração de Jesus;
as Irmãs de Sion abriram uma escola em 1906; as Franciscanas da Sagrada
Família na primeira década fundam várias escolas para atender aos núcleos
colônias dos poloneses; sendo poucas as congregações masculinas.
No entanto não foi tão tranqüila a fixação dos Irmãos Maristas. Em 1925
foi fundado o Instituto Santa Maria, que funcionava em regime de externato, na
Rua XV de Novembro com a Rua Conselheiro Laurindo. Conforme Azzi (1997,
p.279, v.2), as Irmãs de Sion abriram em 1906 o Colégio Nossa Senhora de
Sion, mas começou a funcionar em 1910. Devido à insalubridade do lugar,
muitas irmãs vieram a falecer. Diante disso, aliado também à falta de alunas, a
Superiora da Congregação resolveu retirar as irmãs do colégio, passando
então para a mitra diocesana, sob a administração do bispo, aliado à
aprovação de Caetano Munhoz da Rocha, Governador do Estado entre 1920 e
1928. O bispo D. João Braga pleiteou a vinda dos maristas para a diocese de
Curitiba, concretizando-se em 1924; no ano seguinte foram iniciados os
trabalhos no Instituto Santa Maria, que além da preocupação com a educação
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da juventude, tinha como uma de suas principais metas fazer com que mais
jovens viessem seguir a vida religiosa, tanto é que o Juvenato se iniciou junto
ao Instituto Santa Maria e só foi transferido para o bairro Mercês em 1926
(FEDALTO, 1956, p.244). Um dos motivos dessa transferência se deve ao
aumento do número de alunos, aliado à falta de espaço até para o trabalho
manual, que tanto era prezado na formação de um Irmão Marista. Outro
aspecto foi a concorrência. Os padres Lazaristas, que administravam o
externato no bairro Seminário, ficaram apreensivos, temendo a concorrência
que pudessem ter. Por isso pediram aos Maristas que não abrissem o
internato. No entanto, em 1939 os maristas do Rio Grande do Sul assumiram o
internato dos padres Lazaristas, hoje o atual Colégio Paranaense, no bairro
Seminário. O nome do bairro chamado Seminário faz referência ao colégio que
tinha sido por muito tempo funcionado como seminário. Um dos motivos de os
maristas terem chegado mais tardiamente ao Paraná, visto que em Minas
Gerias, Rio de Janeiro e São Paulo a fixação foi pelo menos 20 anos antes, se
deve ao movimento de combate anticlerical de um grupo de oposição ao
governador do Estado Caetano Munhoz da Rocha que defendia as instituições
católicas. Esse movimento considerava a educação católica como um
imperativo para o conhecimento, para a liberdade, para o desenvolvimento.
Os Maristas conquistaram significativo espaço na sociedade curitibana,
com reconhecimento expressivo ao longo do tempo pela qualidade das suas
obras na formação da juventude. Consideremos que a população de Curitiba,
entre 1930 e 1940, se estimava por volta de 100 mil habitantes, na sua maioria
de imigrantes, e nas proximidades do colégio as casas eram pertencentes a
famílias tradicionais que desenvolviam o comércio do mate ou da madeira
de modo geral o perfil socioeconômico dos alunos que freqüentavam os colégios católicos espelhava o modelo da família urbana, católica, pertencente às camadas média e alta, com quatro filhos, em média. Nesse grupo, além de representantes das tradicionais famílias paranaenses, estava um grande número de descendentes de imigrantes alemães, italianos, poloneses e árabes. A partir da análise dos dados, pode-se afirmar que, entre as décadas de 1920 e 1960, a maior parte dos pais de alunos do Santa Maria, bem como de outros colégios católicos, eram industriais, empresários, comerciantes ou profissionais liberais. Em menor número estavam professores, militares, bancários e funcionários públicos. No caso das mães, a grande maioria havia estudado em colégios católicos, e seguia, rigorosamente, o papel para qual fora educada, o de mãe dedicada, administradora competente do lar e companheira exemplar do marido. As poucas mulheres casadas que exerciam alguma atividade profissional remunerada estavam ligadas ao magistério e ao funcionalismo público (Boschilia, 2002, p.68).
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O Instituto Santa Maria gradativamente foi recebendo alunos, fazendo-se
necessária a construção de novas instalações entre os anos de 1938 e 1941,
que abrigaria a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, além de um salão
nobre e a capela. Com a reforma de ensino Capanema, foi introduzido o curso
científico nos três últimos anos e foi denominado oficialmente de Colégio Santa
Maria. Com as propostas formuladas por Gustavo Capanema em 1942, além
da mudança de nome e abrir o curso colegial, foi de ministrar as aulas em um
único período, e não mais em dois turnos. Dessa forma, o externato perderia a
razão de existir, com seus espaços (cozinha, refeitório, etc) precisando ser
repensados. “O Santa Maria sempre procurou atender às exigências feitas pelo
Estado, no sentido de se adequar à legislação vigente, e assim usufruir dos
direitos concedidos pelo governo às escolas particulares” (Boschilia, 2002,
p.74). Isso demonstra a preocupação da instituição em alinhar o trabalho de
educação com as propostas de leis orientadas pelo Estado, o que garantia ao
colégio a obtenção dos certificados necessários para o estabelecimento
continuar ministrando a educação. Na década de 1950 foram fundados 11
colégios católicos em Curitiba, conforme citação de Roseli Boschilia (2002,
p.56). Isso nos leva a pensar que as muitas congregações, dedicadas ao
ensino, foram capazes de adaptarem-se às mudanças trazidas pela
modernidade, sem perder a proposta a que estavam destinadas.
Aliada a essa constante adaptação, os colégios maristas pautavam suas
práticas pedagógicas na ordem, na disciplina e na prática de exercícios físicos,
a fim de internalizar nos alunos a noção de trabalho, competitividade, sacrifício,
riscos. Dava-se grande ênfase ao cultivo do corpo, ao intelecto e à alma, além
da sociabilidade que consistia em preparar os alunos para a vida social nas
diferentes funções que desempenhariam, quando saíssem do colégio. Dessa
maneira, o ser ‘bom cristão e cidadão virtuoso’ seria reproduzido em outras
instâncias da sociedade, de modo que o colégio soube adaptar-se às
mudanças trazidas pela industrialização e, conseqüentemente o novo contexto
cultural. Também soube reconhecer o novo modelo socioeconômico, sem
perder o objetivo que era manter e disseminar o catolicismo nos moldes
tradicionais, conforme aponta o movimento ultramontano. E para isso, fazia-se
necessário oferecer uma educação completa, sedimentada na obediência e na
disciplina; na virtude e na fé; pureza; compaixão; respeito à família e aos
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superiores; acima de tudo as três virtudes maristas orientadas pelo fundador
Marcelino Champagnat: humildade, simplicidade e modéstia. “Dessa forma,
aliando princípios católicos aos ideais positivistas de ordem e progresso, que
pautavam o ensino laico, a congregação marista se propunha a preparar os
jovens, adequadamente, para inseri-los na sociedade do trabalho” (Boschilia,
2002, p.79).
3.4. A NECESSIDADE DE ABERTURA
Convém ressaltarmos o Concílio Vaticano II dentre os eventos mais
importantes da Igreja Católica no século XX. Foi considerado o acontecimento
mais marcante desde o Concílio de Trento (1545-1563). Teve a sua frente o
papa João XXIII25, que foi “o primeiro Papa deste século que assumiu com
alegria os valores próprios do mundo moderno” (GUTIERREZ, 1995, p.47).
Assim nos aponta Azzi (1997, p.26, v.4): “Foi a partir do Concílio Vaticano II
que parte significativa do episcopado se abriu para os problemas pastorais do
país, entre os quais a questão da educação.” Podemos afirmar que o Concílio
Vaticano II, considerado ecumênico, promoveu uma renovação em todos os
âmbitos da Igreja, mantendo-se a preocupação principal sobre o aspecto do
desenvolvimento, que alcançou seu auge na década de 60: “o desenvolvimento
tem que abarcar todas as dimensões do homem e alcançar todas as pessoas”
(GUTIERREZ, 1995, p.65). A Igreja passou por uma reavaliação política pela
sua repercussão no campo educacional, pois segundo Boschilia (2002, p.55)
Os constantes desafios representados, principalmente, pelo grande crescimento populacional nos países em desenvolvimento exigiam uma tomada de posição, sobretudo, diante da miséria e da violência. Esse processo de revisão, consubstanciado a partir do Concílio Vaticano II, levou a Igreja a rever sua postura política, e essa mudança de atitude se refletiu diretamente sobre as práticas eclesiásticas, indicando novos rumos para o magistério católico.
João XXIII convocou a hierarquia eclesiástica para ‘abrir as portas e
janelas’ da Igreja e receber novos ares; olhar para fora dos muros da Instituição
e ver a realidade social, com a necessidade de um catolicismo mais coerente.
Passa, dessa maneira, a manifestar novas preocupações com o país
Essa nova preocupação com o social acarretou uma mudança de paradigmas, à medida que os novos desafios que deveriam ser enfrentados pela hierarquia
25 Seu papado foi de 1959 a 1963. Faleceu no decorrer do Concílio Vaticano II.
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eclesiástica apontavam para o esgotamento do modelo romanizado. Nesse sentido, o projeto educacional, embora não tenha sido abandonado, passou a ocupar um lugar secundário na política institucional da Igreja (BOSCHILIA, 2002, p.55).
Certamente as instituições católicas de ensino tiveram grandes
dificuldades para se adaptar às políticas mencionadas pela Igreja após a
década de 1960. Para tal, utilizou-se de encíclicas papais, que foi uma das
formas mais eficazes de comunicação com os seus fiéis. O documento
Gravíssimus Educationis foi considerado de extrema importância para a
educação católica. “Já no inicio, os padres conciliares insistem no
reconhecimento da necessidade de uma extensão universal do processo
educativo, mas ao mesmo tempo salvaguardando o respeito às diferenças
culturais de cada região do mundo” (AZZI, 1997, p. 27). Essa suposta abertura
advém das idéias do papa Paulo VI ao promover o ecumenismo, refletindo no
documento a preocupação em ir ao encontro dos diferentes povos e diferentes
culturas. Ou seja, viu a necessidade de organizar um discurso e colocar a
Igreja diante das transformações advindas do progresso social, para não ficar
isolada dos acontecimentos mundiais. Por isso, reconhece que caberia a Igreja
a responsabilidade diante do progresso e expansão da educação com múltiplas
escolas. Mas com a grande preocupação de se manter a identidade católica
como seu diferencial, associado aos princípios cristãos de ‘restaurar em Cristo
a vida dos homens’.
Os homens todos de qualquer raça, condição e idade, em virtude da dignidade de sua pessoa, gozam do direito inalienável à educação, que corresponda à sua finalidade, à índole, à diferença de sexo, e se acomode à cultura e às tradições nacionais e ao mesmo tempo se abra à convivência fraterna com outros povos, favorecendo a união verdadeira e a paz na terra. A autêntica educação no entanto visa o aprimoramento da pessoa humana em relação a seu fim último e o bem das sociedades de que o homem é membro, e em cujas tarefas, uma vez adulto, terá que participar (Gravíssimus Educationis, 2000, p.583)
Essa preocupação com a identidade religiosa das escolas também se
manifestou com a diminuição repentina e numerosa das vocações religiosas.
Eram os religiosos que atuavam em sala de aula como educadores, e no caso
da Congregação Marista, os religiosos que lecionavam, por isso inclusive
possuem uma identidade muito forte ligada ao ensino, sendo conhecidos
mundialmente por Irmãos Maristas das Escolas.
Cumpre considerar que na década de 1960 irrompeu uma crise no
interior da Igreja Católica no concernente ao abandono da vida religiosa e,
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conseqüentemente, houve diminuição do número de educadores religiosos,
surgindo a necessidade do investimento na formação religiosa dos leigos para
o enquadramento na proposta educativa, dando-se continuidade na missão que
a instituição se propunha. Paralelas a essa questão, as legislações
caminharam gradativamente para que houvesse sempre mais a adaptação das
escolas católicas às leis vigorantes. Certamente houve a preocupação
financeira, pois as escolas católicas, além de adaptarem-se e ocuparem novos
espaços, o faziam também por uma visível necessidade econômica para sua
manutenção.
Aliada a essa crise vocacional, também a falta de uma política
educacional clara por parte da Igreja para sua presença no mundo da
educação. Ocorreu na década de 1960 o boom do ensino público, qualificando
as escolas públicas e surgindo escolas privadas sob administração leiga.
Nesse sentido, a partir desse período os leigos que trabalham nas instituições
de ensino católica tornavam-se cada vez mais numerosos. No primeiro
momento os colégios masculinos contratavam professores homens, e os
colégios femininos, mulheres. Mas com o passar dos anos, o gênero feminino
foi conquistando seu espaço no trabalho docente. Esse panorama colocou as
escolas católicas numa encruzilhada, pois não seria possível continuar o
trabalho dependendo das poucas vocações e fechando-se aos leigos, por isso,
gradativamente as congregações religiosas voltadas ao ensino, sentem a
necessidade de formar esse professor leigo de acordo com os princípios da
Instituição e da própria Igreja em função da manutenção do espaço de
trabalho.
A Congregação Marista procurou apoiar-se no discurso construído
historicamente pela instituição, na defesa da tradição e da família para remar
contra as mudanças que a modernidade trouxe. Ao mesmo tempo, aliou-se a
essa modernidade, e para tal, produziu um discurso que pudesse oferecer o
que o Estado oferecia, sem deixar de lado as doutrinas católicas e a tradição.
Nessa perspectiva, podemos citar a declaração Gravissimum Educationis,
sobre a educação cristã, que foi produzida pelo Concilio Vaticano II, apontando
a preocupação constante ao considerar o campo da educação como influência
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sempre maior para o progresso social. Por isso Paulo VI26 pautou seu discurso
no ecumenismo, de ir ao encontro dos diferentes povos, das diferentes
culturas, justamente por ser uma necessidade urgente de acompanhar o
mundo e não ficar fora dele.
26“Coroado pontífice em 29 de junho de 1963, decidiu continuar o Concílio, interrompido pela morte de seu predecessor (...) Paulo VI viveu intensamente o drama de um mundo que, ao rejeitar Deus, optava por um humanismo ateu” (GUTIERREZ, 1995, p.57-59)
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4. EDUCAÇÃO MISTA: UMA NECESSIDADE DE ADAPTAÇÃO PARA A
SOBREVIVÊNCIA INSTITUCIONAL?
Ao falar da mudança que ocorreu na historiografia e do papel do
historiador no decorrer do século XX, Reis (2003, p.104) aponta a necessidade
de se complexificar, levantar questões acerca dos fatos, pois “ele raciocina
sobre eles, busca a sua inteligibilidade, atribuindo-lhes sentido, pensando as
possibilidades objetivas e os seus desdobramentos.” Considera que a
historiografia contemporânea não está isenta de influências externas, porque “a
história não escapa às pressões socioeconômicas que determinam as
representações de uma sociedade” (REIS, 2003, p.105). Por esse motivo, o
desafio fica ainda maior do historiador do tempo presente, porque “a história
dos fatos recentes nem sempre foi vista como problemática” (FERREIRA,
2000, p.124).
Analisando um pouco mais o papel desempenhado pela Igreja Católica
no Brasil, principalmente no tocante à educação da juventude, foram muitas as
questões que vieram em mente e nos fizeram olhar para além dos fatos
historicamente colocados. Com esse intuito buscou-se compreender por que
tão tardiamente o Colégio Marista Santa Maria passou a incluir meninas em
seu estabelecimento, trabalhando com ambos os gêneros após meio século de
fundação.
Como se sabe, no âmbito familiar, ocorreram algumas mudanças, a
partir da década de 1950, em decorrência principalmente da industrialização e
do crescimento dos centros urbanos. Diante dessa nova configuração social, a
própria mulher sentiu a necessidade de sair da esfera privada e conquistar
outros espaços no mercado de trabalho, para contribuir com a renda familiar e
atuar em outros setores da sociedade, tendo assim se preparar por meio da
escolarização.
Após o Concílio Vaticano II, as instituições de ensino católicas, em face
das exigências sociais, iniciaram a passagem para o sistema misto de ensino,
o que não ocorreu de modo automático e homogêneo. Isso indica que as
mudanças não ocorreram de forma automática nem entre as demais
congregações religiosas voltadas ao ensino, nem mesmo dentro da própria
Instituição Marista. Por esse motivo, pretendemos entender o que impulsionou
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o Colégio Santa Maria a tomar a decisão de implantar a educação mista e
compreender os mecanismos que a Instituição utilizou para efetivar essa
implantação. Desta forma, nosso objeto nos remete às adaptações que o
próprio Colégio fez, por meio de discursos em face dos avanços sociais, na
tentativa de manter as idéias conservadoras que se prolongaram com outra
configuração, após 1965, rendendo-se ao sistema de educação mista somente
no final da década de 1970.
No decorrer da pesquisa, levantando algumas informações, foi possível
detectar que o Colégio Santa Maria foi o último da Província Marista de São
Paulo27 a fazer essa mudança. Os demais colégios ligados à congregação
incluíram o atendimento ao gênero feminino entre os anos de 1965 e 1970.
Para a análise das fontes, percorremos os boletins que tiveram
periodicidade mensal no Colégio, destinados aos alunos e às famílias. Desta
forma, analisamos 87 publicações, entre os anos de 1972 a 1982. Um dos
objetivos do boletim analisado28, e que transpareceu nos discursos, foi a
necessidade da responsabilidade com a educação que precisaria existir tanto
da parte da escola como da família. A criação do informativo se deu porque
havia falta de comunicação entre esses dois setores.
4.1. PENSANDO A EDUCAÇÃO MISTA
Queremos apontar a discussão acerca do ensino misto, a fim de
entender como ocorreu essa passagem, aliada ao pensamento da Igreja
Católica, estrategicamente com a divulgação das encíclicas, ao passo que
alguns autores também nos apontam algumas reflexões acerca da educação
nesse período. Daniela Auad (2006, p.62), sugere que
Nos Estados Unidos e nos países do norte da Europa- como a Noruega, Finlândia, Suécia- vinculados ao protestantismo, a prática da escola mista foi implantada já no século XIX. Porém, a maioria dos países europeus vinculados ao catolicismo- como Espanha, Itália, França, Portugal, Bélgica, Inglaterra -, a escola mista despertava, ainda no século XX, oposição e era ainda prática minoritária nos sistemas de ensino
27Essa província administrativamente compreende os Estados de São Paulo, Paraná e Distrito Federal. Composto por 11 colégios, 14 centros sociais, 1 universidade e 1 editora. 28Analisamos os Boletins mensais do colégio, de junho de 1972 até novembro de 1982. De junho de 1972 a junho de 1977 foi intitulado de ‘O Apeemista’; de março de 1978 a novembro de 1982 se chamará ‘O Santa Maria’; de 1983 em diante, chamar-se-á ‘Alvorada’, fazendo menção ao novo colégio inaugurado em 1984, no Parque São Lourenço.
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Auad refere-se à França e à Espanha como países com grandes
entraves pedagógicos devido aos fatores políticos e religiosos. Setores
vinculados à Igreja Católica “demonstravam, com argumentos morais e
religiosos, a perniciosidade da educação conjunta” (AUAD, 2006, p.62). Roseli
Boschilia também aponta que essa discussão já vigorava na França e Estados
Unidos na segunda metade do século XIX, e que esse sistema já estava
implantado há algum tempo. Professores que discutiam essa questão
consideravam que
a idéia era inaplicável no Brasil, porque segundo os princípios católicos, a convivência entre indivíduos de gêneros distintos era aceito somente para fins de procriação, e, nesse sentido, a co-educação era prejudicial à criança e, principalmente ao jovem, porque a fragilidade ‘natural’ do ser humano poderia levá-lo a transgredir os princípios morais (...) O papel da Igreja, e também da escola, deveria ser o de impedir que os cristãos ficassem suscetíveis ao pecado (BOSCHILIA, 2002, p.38).
Foi muito forte a resistência da população brasileira em relação ao
ensino misto, justamente por não se dissociar o campo religioso do campo
moral, pela dificuldade inicial das escolas brasileiras em separar a questão
religiosa do espaço escolar. Nesse sentido a Escola Nova29, na década de
1920, influenciada pelo filósofo John Dewey, no Brasil sob liderança de Anísio
Teixeira, propunha nesse movimento escolanovista como projeto pedagógico, o
ensino oficial obrigatório, gratuito, leigo e misto (AUAD, 2006, p.67). Defendiam
a necessidade urgente de políticas educacionais para o país, que
considerassem a laicidade e a co-educação do ensino. Já para alguns
intelectuais católicos, entre eles, Alceu Amoroso Lima, “a questão da laicidade
e da co-educação representava uma afronta aos princípios da educação
católica” (BOSCHILIA, 2002, p.46). Os escolanovistas defendiam a escola
mista tão combatida pelos conservadores, mesmo que o objetivo inicial não
tenha sido o de emancipar as mulheres dos domínios masculinos. “Na verdade,
o que se notava predominantemente era a defesa da escola mista como uma
forma econômica de organizar as classes escolares” (AUAD, 2006, p.67). A
passagem para o ensino misto interessava ao governo, visto que a
29 A década de 1920, na área da educação, foi um período de grandes iniciativas. Foi a década das reformas educacionais. Não havia ainda um sistema organizado de educação pública, como é hoje a rede de ensino controlada pelo Ministério da Educação. Abriu-se assim grande espaço para propostas em prol da educação.
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manutenção em classes separadas para meninos e meninas aumentaria os
custos dos cofres públicos, o que seria um empecilho para a implantação do
ensino oficial e gratuito.
Convêm lembrar que os espaços educacionais católicos foram
favorecidos pelos governos até o inicio da década de 1960, com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4.024/61, que colocou a escola
pública em situação de igualdade de direitos com as escolas privadas,
caracterizando a perda de espaço na área educacional por parte da Igreja. A
própria escola privada leiga, já nesse período, é citada como a maioria em
proporção no país (43% sobre 28% públicas e 29% católicas). Segundo Manoel
(1996, p.56), a Igreja criou escolas com um discurso que justificasse essa rede
escolar organizada
Para o instituto católico, no entanto, a criação de uma rede escolar não se restringia apenas ao aspecto comercial que necessariamente circunda a escola particular. A questão era mais profunda. Tratava-se, antes, de aproveitar um espaço ainda não totalmente ocupado pelo ‘inimigo’ e, por meio dele, desenvolver um trabalho saneador, cujo resultado final deveria ser o afastamento tanto das idéias modernas, quanto do ensino leigo, considerado necessariamente mau e corruptor.
Mas o posicionamento da Igreja Católica em relação à educação mista
não ocorreu somente com o Concílio Vaticano II. Em 1929 o papa Pio XI
escreveu a encíclica Divini Illius Magistri, sobre a educação cristã da juventude,
relatando que a educação mista seria perniciosa à educação cristã, além de
promover a promiscuidade e a igualdade niveladora. Segundo indica a
encíclica,
O Criador ordenou e dispôs a convivência perfeita entre os dois sexos somente na unidade do matrimônio e gradualmente distinta na família e na sociedade (..), portanto, deve ser mantida e favorecida na formação educativa, com a necessária distinção e correspondente separação, proporcionada às diversas idades e circunstâncias (Divini Illius Magistri, 1950, p.28).
Essa visão permeou a educação católica por muitos anos, considerando
os atributos hierárquicos e patriarcais pensados internamente e estendidos à
sociedade como um todo, frisando-se a manutenção da ordem, da religião e da
moral das décadas de 1920 e 1930. E continuou na década de 1960, até
mesmo com críticas à escola pública de estar desenvolvendo somente a
inteligência que, portanto, só estaria instruindo, e não educando. Nessa
perspectiva, a escola católica seria a única que teria condições de desenvolver
a inteligência e formar o caráter, na perspectiva de uma educação voltada para
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a formação das almas. Embora o discurso seja aprimorado com o Concílio
Vaticano II, a década de 1960 exigiu uma postura de abertura às questões
sociais e as necessidades geradas pelo mercado. Entre essas necessidades
esteve a econômica, com a finalidade de abertura para fornecer educação
cristã para ambos os sexos.
No Brasil, grosso modo, esse processo de passagem teria sido mais
difícil para as congregações femininas do que para as masculinas. O acesso
das meninas a um ambiente escolar marcadamente constituído pela presença
masculina teria sido mais tranqüilo. Já a entrada de meninos em colégios
marcadamente de presença feminina, sofreria maior resistência.
Segundo Auad (2006, p.68), a escola primária mista foi oficialmente
implantada no Brasil na década de 1920, mas a separação e a hierarquização
entre homens e mulheres mantiveram-se com a utilização de diferentes
mecanismos. Nessa perspectiva, a escola mista foi insuficiente para combater
a discriminação das mulheres. Segundo essa autora, o fato de a escola
funcionar como sistema misto não quer dizer que ela esteja possibilitando a co-
educação. Não basta unir meninos e meninas numa sala de aula para diminuir
a desigualdade presente entre os sexos, então não basta que ambos os sexos
tenha acesso à escolarização
Assim, a escola mista é um meio e um pressuposto para haver co-educação, mas não é suficiente para que esta ocorra. Em uma escola mista, a co-educação pode se desenvolver, mas isso raramente acontecerá sem medidas explicitamente guiadas em que objeto seja o fim da desigualdade de gênero. (AUAD, 2006, p.56).
Léa Rezende Archanjo, ao analisar as relações sociais de gênero
estabelecidas dentro do Colégio Estadual do Paraná, nas décadas de 1950 e
1960, notou que “a organização das turmas por turno de acordo com o sexo
dos alunos permaneceu no Colégio Estadual do Paraná até meados dos anos
80” (ARCHANJO, 1998, p.85). Dessa forma, as práticas escolares e os papéis
reproduzidos socialmente sobre homens e mulheres, estavam vinculados ao
desenvolvimento da sociedade, que acabou por exigir maior grau de
profissionalização, além de impulsionar as mulheres para a inserção
profissional, entendendo-se a escolarização como meio eficaz e propulsor de
mudanças.
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Para Zaíra Ary (2000, p.29), entre as décadas de 1950 a 1980 houve
profundas mudanças culturais, sociais e políticas. Em seu trabalho procurou
compreender o papel desempenhado pela Igreja Católica na formação da
juventude mediante as instituições de ensino. Nessa perspectiva, desmistifica
as afirmações que por muito tempo perduraram em relação à mulher, de ser
considerada “sexo frágil”, destinada ao espaço doméstico, à procriação. Por
isso propõem pensar as conquistas das mulheres por meio da escolarização,
quebrando a lógica de uma sociedade que, por muito tempo, se estruturou a
partir do masculino. Nessa perspectiva, podemos reconhecer alguns avanços
significativos citados por Hobsbawm (1995, p.306) no decorrer os Anos
Dourados:
Na verdade, as mulheres como um grupo tornavam-se agora uma força política importante, como não eram antes. A primeira e talvez mais impressionante exemplo dessa nova consciência de gênero foi a revolta das mulheres tradicionalmente fiéis aos países católicos romano contra doutrinas impopulares da Igreja, como foi mostrado notadamente nos referendos italianos em favor do divórcio (1974).
Para Zaíra Ary, nas instituições mais tradicionais, como é o caso da
Igreja e das Escolas Católicas, a resistência foi muito maior para a
emancipação feminina. É justamente o acesso ao saber que garantirá à mulher
o poder por meio do acesso à formação secundária e universitária.
São aspectos importantíssimos apontados por Léa Resende e Zaíra Ary,
que consideraram a necessidade vigente da escolarização feminina e o modo
como a educação escolar nas décadas de 1950 a 1980 ainda disseminava e
legitimava as relações sociais de gênero de que estava impregnado o
imaginário conservador católico. Isso nos aponta que, mesmo havendo muitas
escolas católicas em Curitiba, entre os colégios que ministravam a educação
leiga, também havia a separação por gênero. Podemos apontar que a
sociedade curitibana estava permeada pelos ideais de um catolicismo
extremamente conservador. Assim, não se concebia a possibilidade de sexos
opostos ocuparem os mesmos espaços educativos, e até mesmo alguns
lugares sociais. Conforme o imaginário social influenciado pela Igreja nesse
período, “o corpo é pelo menos uma ocasião para pecar (...)” (ARY, 2000,
p.52).
As desigualdades presentes e as alternativas, que a educação mista
acabou fornecendo para o desenvolvimento intelectual, possibilitaram às
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mulheres almejar profissionalização para adentrar nos espaços públicos. Nessa
perspectiva, o momento histórico do final da década de 1970 passou a exigir
maior preparação profissional para o mercado de trabalho. Acerca do cenário
brasileiro,
(...) a industrialização acelerada e a urbanização rápida vão criando novas oportunidades de vida, oportunidades de investimento e oportunidades de trabalho. Oportunidades de investimento na indústria, no comercio, nos transportes, nas comunicações, na construção civil, no sistema financeiro, no sistema educacional, de saúde etc., que exigem capital maior ou menor, tecnologia mais ou menos complexa. Oportunidades de trabalho, melhores ou piores, bem remuneradas ou mal remuneradas, com maiores ou menores possibilidades de progressão profissional, no setor privado ou público (MELLO; NOVAIS, 1998, p.581).
Essa necessidade criou a necessidade de uma nova demanda para os
colégios, tanto da rede pública como da rede privada, que se tornou mais
exigente em termos de adaptação com os colégios católicos masculinos, que
tiveram de repensar seus espaços para acolher essa nova clientela.
4.2. A ABERTURA DO COLÉGIO PARA O ENSINO MISTO OU CO-
EDUCAÇÃO
No período pós-Vaticano II, praticamente todos os colégios Maristas já
tinham iniciado o processo de implantação do ensino misto ainda no decorrer
da década de 1960. Isso denota que foram todos dentro da mesma década; no
entanto não foram todos no mesmo ano e de uma só vez. O Colégio Santa
Maria, pertencente à Província Marista de São Paulo até o ano de 2001,
administrativamente compreendia os Estados de São Paulo, Paraná e Distrito
Federal. Deste modo, pudemos perceber que 10 dentre os 11 Colégios
Maristas da mesma província realizaram essa mudança entre os anos de 1965
e 1970, sendo o Santa Maria o último, como foi apontado pelo jornal O Estado
do Paraná: “O Santa Maria deve ser o último, ou um dos últimos, dos Irmãos
Maristas, a tomar essa atitude” (O Santa Maria aceita meninas, 18/02/1979).
Alguns colégios fizeram um processo diferente, em função de suas
origens, como o caso de Cascavel e de Itapejara D’Oeste, ambos do Paraná.
Em Cascavel os Maristas compraram uma escola que era administrada pela
prefeitura até 1961. Como o processo educativo já se tinha iniciado dentro do
sistema misto, os maristas continuaram o trabalho sem modificar o cenário de
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atendimento. Já em Itapejara D’Oeste, na região Sudoeste do Estado,
assumiram uma escola em convênio o governo Estadual no ano de 1969, que
atendia ambos os gêneros com o ensino fundamental I e II. No entanto essa
unidade Marista, situada em uma cidade de pequeno porte e interiorana, tinha
como um de seus objetivos estratégicos o de recrutar novas vocações para a
vida religiosa. Essa nova maneira de trabalho denota a necessidade de a
Congregação Marista, estrategicamente, abrir mão de um grande centro, que
automaticamente geraria mais lucro, para criar novos espaços de atuação com
a finalidade de manutenção da instituição.
Segundo Azzi (1997, p.328, v.04), “a introdução dos cursos mistos nos
colégios maristas ocorreu de forma gradual.” Assim, percebemos que as
mudanças não ocorreram de forma automática nem entre as demais
congregações religiosas voltadas ao ensino, nem mesmo dentro da própria
Instituição Marista. Boschilia (2002, p.77) apontou que “somente em 1978 a
instituição rendeu-se ao sistema de educação misto, deixando de ser uma
instituição voltada exclusivamente ao ensino masculino.”
No Santa Maria, a presença feminina já tinha sido antecipada no final da
década de 1950 com a presença de professoras. Por sua vez, veremos que a
inclusão de discentes, futuramente trouxe a exigência de ampliar esse quadro
de funcionárias mulheres. Consta no jornal30 comemorativo dos 80 anos do
colégio que a primeira professora foi contratada em 1959, o que não era
comum acontecer entre os colégios masculinos neste período pré-Vaticano II:
“Numa iniciativa ousada, o Instituto Santa Maria, em 1959, resolveu contratar
uma professora. Até então, apenas Irmãos e professores leigos do sexo
masculino davam aulas (...)” (INFORME SANTA MARIA, 2005, p.05).
Visualizando uma revista31 que traz a história e retrato de vários colégios
Maristas do Brasil, constam fotos dos professores do Santa Maria referente ao
ano de 1967. Interessante perceber que estavam divididos em categorias:
primeiro, somente os Irmãos Maristas (16); segundo, as professoras leigas
(16); e terceiro, os professores leigos (16). Eram no total de 48 professores:
30Informe Santa Maria, Curitiba, outubro de 2005. Foi uma edição especial em comemoração aos 80 anos do Colégio. 31Presença Marista no Mundo e no Brasil: 150 anos de fundação e 70 anos de Brasil: 1817 – 1897 – 1967. Setembro de 1967.
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podemos detectar um quadro de professores bem mais heterogêneo. E mesmo
que o discurso evangelizador continuasse bastante presente: “Hoje, decorridos
42 anos, com o nome mudado para COLÉGIO SANTA MARIA, continua
cumprindo a sua nobre missão de educar a mocidade, preparando os cidadãos
de amanhã e cristãos para a eternidade” (PRESENÇA Marista, 1967, p.34).
“Lembrem-se, porém, os professores serem eles os primeiríssimos
promotores do que a escola católica pode levar e concretizar em seus
propósitos e iniciativas” (Gravissimum Educationis, 2000, p.591). Essa
afirmação contribui para apontarmos a necessidade cada vez maior das
congregações religiosas voltadas para o ensino, atentarem para a formação de
seus professores leigos, considerando o grande número de religiosos que
saíram da Igreja com o advento do Concílio, que provocou forte crise
vocacional. Para contrapor-se a essa crise, além da expansão da promoção
vocacional para o interior do Estado, o Santa Maria programava atividades
mensais para os jovens a fim de formar cristãos e buscar novas vocações. “(...)
são dois dias de intensa atividade, no sentido de descobrirem o verdadeiro e
profundo significado da vida de um jovem” (O APEEMISTA, 1975, n.42).
Para fazer frente a essa necessidade de contar com o trabalho de
professores leigos, o Santa Maria promovia encontros semestrais intensivos
destinados à formação docente, fundamentada no Projeto Educativo Marista e
nos princípios cristãos. “Um grupo que busca trabalhar unido, ter metas
comuns, co-divide as responsabilidades e tenta ser cada vez mais consciente e
eficaz na sua ação educativa: isto está procurando ser o Corpo Docente do
Santa Maria” (O APEEMISTA, 1974, n.37). Nessa perspectiva, o nº 54 (O
APEEMISTA, 1976) fez alusão à necessidade da formação religiosa desses
educadores: “Professor, não se considere simples profissional da instrução,
nem tão somente distribuidor remunerado da sabedoria. Você é muito mais:
você é um ministro do sacrifício em que sacerdote e vítima se misturam, para o
sustento dos outros.” Essa preocupação com a formação docente se manteve
como meta fundamental no processo educativo entre os boletins analisados.
A APM32 era e continua sendo uma associação encarregada de
dinamizar atividades para alunos e pais dos alunos do Santa Maria. Apesar de
32 Associação de Pais e Mestres do Colégio Santa Maria.
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a diretoria ter sido composta inicialmente somente por homens, havia o
Departamento Feminino que promovia atividades para as mães dos alunos e
para a família de modo geral. Assim, como exemplo, destacadamente, os
eventos de chá mensal das mães, palestras e desfiles de moda se faziam
recorrentes, como foi apontado em nota de agradecimento: “(...) realizado a 11
deste no Círculo Militar do Paraná. Ao ato que constou com o Desfile de Modas
da Girassol Boutique e o Desfile de Jóias de Bergerson Joalheiros, estiveram
presentes o Presidente da APM e o Diretor do Colégio Santa Maria, além de
numerosas mães” (O APEEMISTA, 1973, n.27). Isso denota a necessidade de
atividades voltadas para o público feminino, visto que a APM e o corpo docente
do colégio era composto praticamente por homens.
Os Maristas fazem parte de uma congregação que teve origem no nome
da Virgem Maria, trazendo em si alguns slogans como: “Tudo a Jesus por
Maria. Tudo a Maria para Jesus”, entre as demais formas com que a Virgem
Maria é citada em documentos da Instituição. Isso denota um jeito de educar
específico que, embora seja uma instituição masculina, sua pedagogia se
retrata profundamente feminina ao se apresentar a Virgem Maria como “Boa-
Mãe” e modelo de educadora e de família. No próprio mês de maio, sempre se
enfatizou a importância da presença de Maria para todos os Maristas e, por sua
vez, a ênfase dada à comemoração anual do Dia das Mães:
Mercê disto, maio, mês marial e mês das Mães, tem um profundo sentido cristão que se não deve deixar de perder. Entendeu-o muito bem Champagnat ao fazer da Ação Educadora, uma ação inspirada na Mãe divina, educadora por excelência. Os Maristas, fiéis ao Fundador, educam a juventude marialmente: fórmula perfeita que nunca envelhecerá, porque a Mãe será a eterna presença em toda em toda Educação autêntica (O APEEMISTA, 1973, n.21).
Outro aspecto que podemos detectar principalmente na primeira metade
da década de 1970, é justamente a presença de um discurso de elevação ao
civismo, ao amor à pátria, por meio da valorização de atividades voltadas ao
evento comemorativo da Semana da Pátria: “Poderíamos quedar-nos
indiferentes? Desligados? Não, sobretudo nós, cristãos, educadores por
missão e opção, pois a Pátria tem lugar assegurado na vida de todo cristão” (O
APEEMISTA, 1972, n.15). Nesta perspectiva se fazia analogia entre a pátria
terrestre e a celeste. Aliado a essa questão, enfatizava-se o componente
disciplinar, seja na parte esportiva seja na sala de aula.
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Além de ser um colégio tradicional, reconhecido consecutivamente,
todos os anos, na década de 1970 pela sociedade curitibana como o melhor
estabelecimento de ensino, merece destaque a formação esportiva organizada
pelos educadores. O Santa Maria sempre esteve entre os primeiros colocados
nos torneios dentro e fora de Curitiba. Até nesse aspecto se faz sentir a
ausência feminina. Embora promovessem um famoso futebol de final de ano
entre as professoras33, foi mais sentida a ausência nas competições externas
ao colégio. Ao participarem dos jogos promovidos pela Escola Técnica da
Federal em 1977, o redator do boletim expressa-se ‘indignado’ porque o Santa
Maria não ganhou o troféu máximo. Para isso, foram somados os pontos das
modalidades masculina e feminina, e neste caso, o Santa Maria ainda não
tinha o ensino misto.
O Santa Maria, convidado, compareceu e somente não trouxe o Troféu Máximo porque o Regulamento (?) previa a soma de pontos das Equipes masculina e feminina. Há 52 anos toda Curitiba sabe que o Santa Maria não é misto. Mas nos convidam para uma competição desigual...Mesmo assim chegamos perto...balançando o esporte colegial da capital: 86 pontos contra 111 dos mistos (O APEEMISTA, 1977, n.59).
Gradativamente foram sendo sentidas socialmente as necessidades de
se concretizar a presença das meninas no Colégio, pois esse cenário já era
vislumbrado na educação de Curitiba.
A entrada oficial das meninas no Colégio Santa Maria data do ano letivo
de 1979, embora, como já comentamos, algumas já tivessem entrado nas
séries iniciais no ano anterior. Dessa forma, os bancos escolares deixaram de
ser ocupados exclusivamente por rapazes.
O Colégio Santa Maria, de certo modo, se completava, e o gesto dos rapazes, recepcionando cada uma das moças com um botão de rosa, mais do que simples ato de cavalheirismo, escrevia uma página da nossa história: acolhiam uma nova presença, a presença delas (O SANTA MARIA, 1979, n. 09).
Como essa mudança para o ensino misto já tinha ocorrido nos demais
colégios maristas, o novo diretor que assumiu a administração em 1978 decidiu
mudar também no Santa Maria, porque no Colégio Arquidiocesano de São
Paulo, onde estava anteriormente, a mudança teria “apaziguado” muitas
confusões, brigas, e outros comportamentos indisciplinados no ambiente
escolar. Também o fato das famílias serem constituídas de dois a quatro filhos, 33“Por um momento as atenções esportivas voltadas para a competição da Copa do Brasil abriram espaço para um acontecimento local: O ATLE-TIBA das professoras do Santa Maria (...) Nenhum cartão nem palavrão ou falta desleal. Mais um balé do que competição. Muito do agrado da torcida vibrante” (O SANTA MARIA,1978, n.05).
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facilitou às famílias ter todos os filhos no mesmo colégio, ou seja, não
precisaria mais levar os meninos para o Santa Maria e as meninas para um
colégio administrado por freiras. Propiciando essa mudança, muitos problemas
estariam resolvidos. Em conversa com esse Irmão Marista, que hoje está com
seus 86 anos, comentou que a disciplina do Santa Maria não estava nada boa
e que ele teria sido designado para a direção, a fim de melhorar esse cenário.
Referindo-se ao Irmão Celedônio Cruz, o boletim aponta que “o novo Reitor
traz uma larga bagagem de serviços e de experiências que o credenciam à
total confiança do corpo docente e discente” (O SANTA MARIA, 1978, n.01).
A entrada das meninas ocorreu já em 1978 com a matrícula de 66
meninas nas séries iniciais. Com referência à entrada do gênero feminino,
embora tenha sido a 53 anos depois da fundação, e não 52: “Cinqüenta e dois
anos depois, o Santa Maria abre as suas portas ao elemento discente feminino
(...) Jamile Zanardine passa à história como a primeira menina matriculada no
Colégio Santa Maria”(O SANTA MARIA, 1978, n.01).
Por ser algo novo, sentiu-se um pouco de resistência por parte da
sociedade que agora via o colégio sob outros olhos, surgindo até mesmo
alguns comentários preconceituosos em relação à cor azul da fachada do
colégio, que passaria então a ser rosa:
Depois, o tempo, a 2ª demão, os frisos brancos amenizando o efeito global inicial fizeram com que ao impacto inicial sucedesse uma aceitação geral. Mesmo porque nenhum retrocesso era possível. Assim, o Santa Maria vestiu-se de azul logo agora que passa a ser misto. Pior se fosse rosa... (O SANTA MARIA, 1978, n.01).
Essa mudança exigiu cautela por não se saber se de fato obteriam
sucesso, por isso o começo com um número reduzido de meninas, e somente
compondo as séries iniciais.
Em fevereiro de 1979 essa passagem se deu por completo:
Naquela manhã de entrada escolar, nas salas de aula alguma coisa pairava no ar. Não era curiosidade apenas, nem só uma indefinível novidade: era uma nova realidade, sentida por todos – a presença de meninas nos bancos escolares tanto tempo exclusivamente dos rapazes (O SANTA MARIA, 1979, n.09).
Diferentemente do ano anterior, percebemos que houve a preocupação
em receber essa nova clientela de forma que pudesse marcar a todos, e a
entrada das meninas ocorreu em todas as séries:
A presença das meninas em todas as salas do Santa Maria, passando um mês e tanto de aula, constituiu-se um fato que não podia passar sem registro especial. Era mesmo,
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para o repórter, acostumado com a só presença masculina, um prato tentador (O SANTA MARIA, 1979, n.09).
As meninas exaltavam a qualidade da educação do Colégio e a forma
como foram bem recebidas, pois achavam impossível que um dia pudessem vir
a estudar no Santa Maria. O depoimento de uma aluna da 8ª série diz o
seguinte:
Aquilo que parecia um bicho de sete cabeças, (nossa chegada) na realidade não existiu. Fomos bem recebidas e nos integramos no grupo como se o Colégio sempre tivesse sido misto. Encontrei aqui o Ir. Celedônio Cruz, que já conhecera no Arquidiocesano de São Paulo, e aprendera a admirar. É uma das coisas boas que o Colégio tem, além de bons professores e boa disciplina (O SANTA MARIA, 1979, n.09).
A partir desse cenário, além da preocupação em se contratar
professoras, buscaram adaptar seus espaços em função dessa nova demanda.
Estrategicamente, para acolher essa nova clientela e garantir o processo de
educação mista com relativo sucesso, o colégio procurou criar uma nova
cultura no espaço escolar. Nesse sentido, nos três primeiro anos (1979, 1980,
1981), promoveu um evento institucional e social para a escolha da ‘Garota
Santa Maria’. “Pela primeira vez em sua história, o GASM promove o Concurso
GAROTA SANTA MARIA. Objetiva, assim, um maior entrosamento escola-
pais-alunos” (O SANTA MARIA, 1979, n.14).
Também eventos como o baile de debutantes, onde o colégio, em seu
discurso, fez questão de enfatizar a importância feminina no processo
educacional. Assim expressou o Diretor Irmão Celedônio:
‘Vocês, minhas amigas, permitam que assim as chame, são muito importantes para o Colégio Santa Maria. Sua presença entre nós tem um significado muito especial e válido na tarefa educacional’ (...) Agradeceu aos pais a confiança depositada na direção do Colégio, tão significativa neste primeiro ano de alunas compondo o corpo discente, tantos anos apenas masculino (O SANTA MARIA,1979, n.15).
E acrescenta-se no editorial do informativo nº 22 (O SANTA MARIA,
1980): “Na primavera da vida, vocês são como as flores: viçosas, coloridas,
orvalhadas, desejadas. Mas o destino da flor, paradoxalmente, para ser, é
murchar e cair, permitindo o nascimento do fruto”. Oportunamente por meio
desses eventos, aliado ao departamento feminino da APM, o colégio
estabeleceu ‘certa naturalidade’ nas relações entre meninos e meninas.
Considerando o aspecto do progresso social, as mudanças culturais e a
crescente urbanização, a encíclica Gravissimum Educationis não deixou de
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apontar a necessidade da fundação e adaptação de novas escolas, em
consonância com os “novos tempos”. Essa questão da modernidade acabou
fazendo-se muito presente na maioria dos informativos, da necessidade vigente
do colégio atentar para as necessidades sociais sem perder de vista o objetivo
primeiro da instituição: “Formas bons cristãos e cidadãos virtuosos”. Por isso o
colégio foi gradativamente pensando em modernizar seus espaços, articulando
a construção de um novo prédio capaz de atender às exigências modernas, a
fim de “preparar as gerações de amanhã”. Tanto é que, em 1983, o boletim
passou a ser intitulado de ALVORADA, justamente para receber o novo prédio
que surgiria para acompanhar os processos da modernidade.
Sobre a construção do novo colégio, foi alegado que esse projeto de
renovação serviu para dar respostas para os novos cenários educacionais,
principalmente por ir além da construção física, mas
a construção de homens, o acabamento das almas. Será, ai, a vez da comunidade e da família investirem. Com uma diferença, porém: a construção material preparou um edifício para o Templo; desgastar-se-á, morrerá ao final. A construção intelectual, moral e religiosa, preparará pessoas para a Eternidade; elas perpetuar-se-ão, ressuscitarão ao último dia (O SANTA MARIA, 1982, n. 36).
Outro aspecto sentido pelos maristas nesse panorama da modernidade
foi a concorrência em relação às outras escolas particulares, principalmente as
não religiosas. Por isso fizeram críticas às propagandas incisivas feitas pelas
demais escolas:
(...) não podemos deixar sem registro crítico o que se vê, ou se viu, nesta entre-safra das aulas: a disputa comercializada da educação. Todos, não bem todos felizmente, querendo mostrar as ‘qualidades’ do seu produto, num bombardeio, à qui mieux mieux, áudio-visual, colorido e quanto caro, para atrair a clientela. Só atrair? (O APEEMISTA, 1977, n.57).
Isso também denota a necessidade de o Santa Maria ir além da tradição
e começar a criar mecanismo de renovação para enfrentar a modernidade,
principalmente porque a concorrência passou a bater nas portas da instituição,
que até a década de 1970 contava com sua tradição para receber novos
alunos. Além da necessidade de se modernizarem os métodos de ensino, o
colégio sentiu a evasão no ensino secundário, constatada antes da presença
das meninas, pois já se pensava na importância e na necessidade do contato
entre meninas e meninos no mesmo espaço escolar.
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No entanto os discursos em torno da tradição e da família foram
fundamentais para contrapor-se ao progresso trazido pela modernidade e para
fazer frente à implantação do ensino misto que, cada vez mais apontava a
exigência da escolarização e da profissionalização da mulher.
Assim, percebemos as conquistas que as mulheres tiveram na segunda
metade do século XX produziram mudanças nas relações sociais de gênero.
Utilizando gênero como categoria de análise, consideremos que a educação
mista caracterizada pela busca de escolarização do gênero feminino em
espaços até então tidos como masculinos, foi o crescente ingresso da mulher
no mercado de trabalho que passou a suscitar discussões sobre a
domesticidade da mulher (ARCHANJO, 1997, p.159). Ao pensarmos que
masculino e feminino não são determinações biológicas, consideremos que
gênero “é uma construção social apreendida, institucionalizada, representada e
transmitida através de gerações” (ARCHANJO, 1997, p.171). Isso nos remete a
pensar o rompimento com uma relação tradicional e convencional entre o
gênero masculino em busca de relações entre iguais, conforme as mudanças
dos papéis profissionais a serem desempenhados por homens e mulheres. É
nesse contexto que a entrada de alunos do gênero feminino no Santa Maria
nos leva a considerar os aspectos sociais e as necessidades econômicas de
sobrevivência da instituição, aliada à necessidade urgente de adaptação para
viver o processo de concorrência imposta pelo mercado até então não sentido.
Embora remando, em parte, contra a moral e contra os valores creditados pela
Igreja Católica, as escolas católicas precisaram aceitar essa modalidade
educativa, a fim de entrar na dinâmica ritmada pela modernidade.
A mudança aparentemente poderia refletir-se somente no aspecto
comportamental com a presença de ambos os gêneros no mesmo espaço; mas
exigiu da instituição repensar seus espaços físicos e principalmente a sua
concepção filosófica que, até então, estava voltada exclusivamente para a
educação de homens, para inseri-los socialmente.
Pensando o espaço educativo, compreendemo-lo como reflexo das
mudanças que ocorreram na sociedade na segunda metade do século XX.
Michel Foucault34 nos ajudou a pensar as práticas da instituição, justamente
34 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 26ªed. Petrópolis: Vozes, 2002.
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reconhecendo o modelo disciplinar e as relações de poder estabelecidas dentro
do espaço educativo. Foucault, em seus estudos, citou a pedagogia de Jean-
Baptiste de La Salle, fundador dos Irmãos Lassalistas, que priorizava as
pequenas coisas: a presença junto dos alunos; a observação constante do
movimento dos corpos; o cuidado com os horários; a repetição, etc. Isso nos
indica que os Irmãos Maristas possuem resquícios muito fortes da
supervalorização da disciplina para a manutenção da ordem nos colégios, pois
o fundador Marcelino Champagnat, em seu projeto educativo, baseou-se nas
regras de La Salle. Nesse sentido, apesar das mudanças físicas para receber a
clientela do gênero feminino, não significava que as atividades não estivessem
voltadas para a disciplinarização. No final da década de 1970, o colégio
precisou repensar a parte disciplinar. Sendo a escola, segundo Foucault,
moldada conforme sua função social que deverá ocupar dentro do sistema de
produção, o conhecimento se tornou indispensável para legitimar o poder e a
necessidade vigente de escolarização feminina, para ocupar espaços sociais
até então tidos unicamente como masculinos.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se reconhecer que a educação Católica passou por algumas
mudanças e adaptações, principalmente após a segunda metade do século XX,
merecendo significativo destaque na sociedade brasileira. A Igreja devotada ao
campo educacional percebeu a importância que o ensino científico foi
assumindo progressivamente no mundo contemporâneo, não podendo deixar
de lado a instância do progresso moderno, embora tenha sido, por muito
tempo, combatente dele por meio de seus discursos institucionais.
Uma das estratégias utilizadas para fazer frente à modernidade foi a
política de implementação de Escolas Católicas, e posteriormente, a mudança
para a educação mista. Esta passagem para o ensino misto não ocorreu de
forma automática entre os colégios maristas; o Santa Maria foi o último a
implementar esse processo educativo, no final da década de 1970. Um dos
motivos do atraso em incluir o gênero feminino na instituição deve-se ao fato da
presença de um catolicismo bastante tradicional, que permeava a sociedade
curitibana e ao próprio medo da instituição em mudar o perfil de atendimento,
justamente numa época em que somente a tradição não garantiria o sucesso
diante da concorrência surgida no mercado educacional. Essa divisão que
existia dentro do Santa Maria, assim como nos demais colégios católicos, nos
leva a pensar que é reflexo da mentalidade cristã católica presente nas
estruturas sociais.
O Concilio Vaticano II rompeu com a rígida postura da Igreja Católica,
retomando diálogo com o mundo moderno, ou seja, retomou as políticas
apontadas por Leão XIII acerca da necessidade de se aliar à modernidade, já
que se fazia difícil acompanhá-la. Nesse contexto, as Escolas Católicas
demonstram abertura para o ensino científico, agregando ao ensino humanista.
Assim, o Colégio Santa Maria assegurou e deu continuidade às políticas da
Igreja, utilizando-se de discursos em defesa da tradição, da fé e da família para
organizar-se diante das mudanças trazidas pelo Concilio numa tentativa de
abertura aos avanços sociais.
A resistência a essa mudança nos aponta a continuidade de políticas
implementadas pela Igreja no século XIX, permeando o ensino católico com o
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constante esforço de se manter os valores tradicionais, aliando-os à
modernidade.
A fim de garantir a sobrevivência institucional, o Colégio Santa Maria
adaptou-se aos avanços e exigências da sociedade com mecanismos que
asseguravam os valores cristãos e maristas. Entre essas exigências, uma diz
respeito à sobrevivência financeira institucional em virtude da concorrência
entre as demais escolas. O Santa Maria enxergou a educação mista como uma
saída possível e necessária no final da década de 1970.
O Colégio fez essa mudança, buscando uma melhoria comportamental,
disciplinar; mas na verdade estendeu-se a outras necessidades e exigências,
principalmente no tocante à concorrência e à sobrevivência financeira da
Instituição. Percebe-se que o Santa Maria, na década de 1960, já estava
passando por um momento de dificuldades em conter a disciplina dos alunos.
No entanto, pudemos perceber que a concorrência se fazia presente entre as
demais escolas. Dessa forma, como sobreviver num mercado que se tornava
cada vez mais competitivo, e ao mesmo tempo manter a “tradição”, em sintonia
com as políticas da Igreja acerca das diretivas com a educação cristã da
juventude?
Ao longo dos boletins analisados, foi freqüente o discurso acerca do
progresso. Um progresso que não foi visto com bons olhos pela Igreja Católica
e que deveria ser combatido pela educação cristã, pois foi necessário
contrapor-se à modernidade que estava cada vez mais dificultando o discurso
do Colégio acerca da família e da tradição. Nessa perspectiva, a defesa dos
valores por parte da Igreja se fez necessária; mais ainda, a necessidade de
adaptar o Colégio em função de uma nova demanda, com novas exigências.
Essa constante repercussão e notoriedade do discurso justificavam a
necessidade de o Santa Maria atentar ao progresso social, pois seu discurso
estava alinhado ao da própria Igreja no ordenamento das encíclicas papais.
Entre tantos acontecimentos trazidos pela modernidade, talvez o que
mais se fez sentir entre as escolas católicas, no decorrer da segunda metade
do século XX, foi essa mudança para a educação mista. Ela, por sua vez,
acarretou outras exigências. A decisão de o Santa Maria incluir o gênero
feminino no espaço educativo concorreu para a modificação dos olhares entre
os próprios alunos; entre os alunos e o Santa Maria; e entre o Santa Maria e a
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sociedade; e em relação ao que o próprio Colégio estava buscando formar, em
face dessa nova demanda discente.
Nesse sentido, o Santa Maria, apoiado no discurso da Igreja Católica,
soube adaptar-se às rápidas transformações que vinham ocorrendo na
sociedade. Mesmo o Colégio, mantendo-se com discurso e postura pautados
pela tradição, foi capaz de elaborar estratégias para adentrar e acompanhar a
modernidade, tendo em vista as necessidades da juventude. Assim,
reconhecemos o constante conflito entre modernidade e tradição. Um dos
mecanismos necessários para a sobrevivência institucional, sem dúvida, foi a
abertura do colégio para a educação mista.
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