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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ MARCELA LINO INVISIBILIDADE DAS MORADIAS DE CORTIÇO DA REGIÃO CENTRAL DE CURITIBA: UMA QUESTÃO SOCIAL? CURITIBA-PR 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

MARCELA LINO

INVISIBILIDADE DAS MORADIAS DE CORTIÇO DA REGIÃO CENTRAL DE

CURITIBA: UMA QUESTÃO SOCIAL?

CURITIBA-PR

2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

MARCELA LINO

INVISIBILIDADE DAS MORADIAS DE CORTIÇO DA REGIÃO CENTRAL DE

CURITIBA: UMA QUESTÃO SOCIAL?

Monografia apresentada como requisito

parcial à obtenção do grau de Bacharel

e Licenciada no Curso de Ciências

Sociais, Setor de Ciências Humanas, da

Universidade Federal do Paraná.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Tarcisa

Silva Bega

CURITIBA-PR

2014

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TERMO DE APROVAÇÃO

MARCELA LINO

INVISIBILIDADE DAS MORADIAS DE CORTIÇO DA REGIÃO CENTRAL DE

CURITIBA: UMA QUESTÃO SOCIAL?

Monografia aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel e

Licenciada no Curso de Ciências Sociais, Setor de Ciências Humanas, da Universidade

Federal do Paraná, pela seguinte Banca Examinadora:

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Tarcisa Silva Bega

Departamento de Sociologia e Política, UFPR

Prof.ª Dr.ª Eliza Maria Almeida Vasconcelos

Departamento de Sociologia e Política, UFPR

Neli Gomes da Rocha

Pós-Graduação de Sociologia, UFPR

Curitiba, 16 de julho de 2014.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a minha família, especialmente a meus pais por sua

dedicação e amor.

Agradeço também a minhas grandes amigas, Joyce e Martiane.

Agradeço a Mariel Ramos, por prosseguir comigo o caminho da graduação,

enfrentando as dificuldades e aproveitando os bons momentos, não só na vida acadêmica.

Agradeço a professora Maria Tarcisa, por me orientar nesta pesquisa, me incentivar,

por dedicar seu tempo, e seu conhecimento, sempre de forma inspiradora.

Agradeço também a professora Eliza Vasconcelos, que ao auxiliar na orientação do

trabalho, trouxe diferentes pontos de vista e contribuiu com seu conhecimento.

Agradeço a oportunidade de fazer parte do Programa de Desenvolvimento Urbano e

Regional – PDUR, onde pude ter experiências além da sala de aula, compartilhar de

discussões teóricas e sobre minha pesquisa, e me aproximar das meninas, como a Júlia, a

Aline, e agradecendo em especial à Viviane Vidal e à Michelle S.R. de Lima, que tanto me

ajudaram, especialmente na pesquisa de campo, compartilhando das dificuldades e dos

momentos divertidos.

Por fim, agradeço a todos que até o momento tive a oportunidade de conhecer ou

conviver, e que de alguma forma deixaram em meu caminho sua contribuição e enriqueceram

minha experiência.

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RESUMO

O projeto surgiu a partir da minha inserção no Programa de Desenvolvimento Urbano e

Regional – PDUR, que comporta ensino, pesquisa e extensão, com caráter interdisciplinar e

atividades onde participei de seminários para um embasamento teórico a respeito da

problemática urbana, através de importantes autores que trabalham com esta questão. O

objetivo deste trabalho é compreender a atual dinâmica do processo de ocupação urbana da

cidade de Curitiba, e suas consequências para uma determinada camada da população, que

possui baixa condição econômica e habita em cômodos alugados, em prédios antigos em

condições precárias, em grande parte na área central, nos chamados cortiços, que de acordo

com Lúcio Kowarick, em sua obra “Viver em Risco – Sobre a Vulnerabilidade Socioeconômica e

Civil” de 2009, possuem, entre outras definições: “[...] habitação das classes pobres. Outras

designações: “cabeça de porco”, “casa de cômodos”, “pensões”, “fundo de quintal” [...]”. Os

cortiços de modo geral são identificados como espaços precários, limitados, por vezes

insalubres, constituídos de um único cômodo de moradia, sem privacidade; ambiente sem

iluminação ou ventilação; banheiro e lavanderia de uso coletivo; esgotos danificados, riscos à

saúde. Por estes aspectos os cortiços transformam-se em questão social, e relacionam-se com

as políticas para a cidade e para o território, e com a tematização da cidade nas Ciências

Sociais. A pesquisa envolve linhas teóricas sobre as características histórico-sociais da

formação da cidade; pesquisa quantitativa para coleta de dados sobre o perfil de moradores de

cortiços da região central de Curitiba. Por fim, a análise de levantamento de dados nos órgãos

municipais e Institutos de Pesquisa, como o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de

Curitiba – IPPUC. O caminho metodológico teve como ponto de partida o levantamento de

bibliografia sobre a constituição do tecido urbano de Curitiba, com foco nos denominados

cortiços; seguiu com a investigação sobre a localização dos mesmos, e sobre as condições

socioeconômicas dos moradores de cortiços na região central da cidade; a pesquisa envolveu,

por fim, uma análise das estratégias de sobrevivência de seus moradores. Após a realização da

pesquisa em órgãos institucionais foi possível constatar a escassez de dados atualizados sobre

a condição das moradias de cortiço na região central de Curitiba e sobre seus habitantes. Foi

possível também confirmar a sua invisibilidade dentro da paisagem urbana, ao não ser

encontrado um mapeamento adequado deste tipo de habitação no bairro Centro ou

adjacências. Por fim, constatou-se através de entrevistas in loco que são moradias habitadas

em sua maioria por adultos entre 21 e 50 anos, boa parte destes sobrevivendo através de

trabalhos intermitentes, e que estes moradores possuem origens variadas, podendo ser desde o

mesmo bairro, a outro município, outro estado, e ainda outro país.

Palavras-chave: Programa de Desenvolvimento Urbano e Regional; Políticas

Habitacionais; Invisibilidade dos cortiços; Cortiços em Curitiba.

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LISTA DE SIGLAS

BNH- Banco Nacional de Habitação

COHAB-CT- Companhia de Habitação Popular de Curitiba.

COHAPAR- Companhia de Habitação do Paraná.

FACINTER – Faculdade Internacional de Curitiba

IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

IPARDES- Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social.

IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

IPPUC- Instituto de Pesquisa e Planejamento de Curitiba.

ONU - Organização das Nações Unidas.

PDUR- Programa de Desenvolvimento Urbano e Regional.

PAR - Programa de Arrendamento Residencial.

PLHIS - Plano Local de Habitação de Interesse Social.

PSH- Plano Setorial de Habitação.

SFH - Sistema Financeiro da Habitação.

SPEI - Sociedade Paranaense de Ensino e Informática.

UFPR - Universidade Federal do Paraná.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 7

2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO CONTEXTO URBANO NO BRASIL ............... 9

3 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DE CURITIBA ................................................... 14

4 PROBLEMÁTICA URBANA DAS MORADIAS DE CORTIÇO ................................ 17

4.1 ANÁLISE DOS CORTIÇOS ............................................................................................ 23

4.2 PERFIL DO MORADOR ..................................................................................................29

4.3 MORADIA, E A CONSTRUÇÃO DA INVISIBILIDADE DOS ENCORTIÇADOS ..... 38

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 47

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 50

APÊNDICES ...........................................................................................................................52

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1 INTRODUÇÃO

O presente projeto surge a partir de minha inserção no Programa de Desenvolvimento

Urbano e Regional - PDUR, que comporta ensino, pesquisa e extensão, com caráter

interdisciplinar e atividades onde participei de seminários para um embasamento teórico a

respeito da problemática urbana, através de importantes autores que trabalham com esta

questão.

Através do debate a respeito da política de habitação, para o enfrentamento dos

problemas cotidianos de moradia, vivenciados na realidade paranaense, surgiu o interesse em

estudar a questão da habitação, em particular as moradias de cortiço, que de acordo com texto de

Kowarick:

(...) possuem por definição do dicionário Aurélio “caixa cilíndrica, de cortiça, na qual as

abelhas criam e produzem mel e cera” e, por analogia, “habitação das classes pobres”.

Outras designações: “cabeça de porco”, “casa de cômodos”, “pensões”, “fundo de

quintal” (...). (KOWARICK, 2009, p. 111).

É importante abordar o significado da simultaneidade de processos de definição da

cidade como problema demográfico, social e político (GORELIK, 2005). E relacioná-lo aqui

com uma questão habitacional específica – os cortiços, por apresentarem uma problemática

aparentemente invisível, mas bastante real e concreta - e sua relação com estes processos, com

as políticas para a cidade e para o território, e com a tematização da cidade nas Ciências

Sociais.

O problema no caso dos cortiços de Curitiba agrava-se pela escassa quantidade de dados e

informações sobre os cortiços existentes na cidade, e sobre a situação de seus moradores, isso

deixa transparecer a ausência de intervenção por parte do poder público, problematizada pelo

fato de tratar-se de áreas de propriedade privada. Portanto, estas moradias envolvem várias

problemáticas como a questão da locação irregular, condições precárias de moradia e ausência

de privacidade. Curitiba é considerada como referência em planejamento urbano, apesar de

possuir vários problemas de mobilidade, no uso dos espaços da cidade, e na questão

habitacional, indo contra a função social da propriedade e da cidade.

Esta pesquisa tem como objetivo principal compreender a atual dinâmica do processo de

ocupação urbana da cidade de Curitiba, e suas consequências para uma determinada camada

da população, que possui baixa condição econômica e habita em cômodos alugados, em

prédios antigos em condições precárias, em grande parte no bairro Centro e suas imediações,

nos chamados cortiços.

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Para alcançar este objetivo, foi necessário: fazer levantamento da bibliografia sobre a

constituição do tecido urbano de Curitiba, destacando a organização espacial das moradias

denominadas cortiços; localizar habitações transformadas em cortiços e sua evolução

histórico-geográfica na cidade; investigar as condições socioeconômicas dos moradores de

cortiços da região central de Curitiba; analisar as estratégias de sobrevivência desenvolvidas

pelos habitantes nesses cortiços.

A metodologia e instrumentos utilizados na pesquisa envolvem características históricas

sobre o aspecto da formação da cidade e linhas teóricas para explicitar os termos utilizados. A

pesquisa de campo envolve descrição das moradias de cortiço investigadas, pesquisa

quantitativa para coleta de dados sobre o perfil dos moradores dos cortiços do bairro Centro e

adjacências, em relação a características como faixa etária, escolaridade, estado civil. E conta

com a análise de dados bibliográficos; dados de órgãos municipais e de Institutos de Pesquisa,

como IPPUC, IBGE, IPARDES.

No primeiro capítulo, será feita uma abordagem do processo histórico que levou à

formação das áreas urbanas no Brasil, e de ocupação das cidades, envolvida com questões

econômicas e sociais.

Já no segundo capítulo, o objetivo será observar o processo de urbanização da cidade de

Curitiba e região, e como ele permitiu o surgimento de diversas formas de morar, para classes

altas ou baixas, em regiões consideradas centrais, ou afastadas, bem estruturadas ou não.

Após falar sobre o processo de urbanização da cidade, o terceiro capítulo apresenta a

diferença entre as formas de morar e entre os tipos de habitação, trazendo a definição de

moradia de cortiço, e problematizando sua invisibilidade dentro das cidades, enfatizando o

caso de Curitiba. O mesmo capítulo traz também a análise das moradias de cortiço da região

central de Curitiba, os resultados obtidos em pesquisa com seus moradores, e dados sobre o

perfil dos mesmos.

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2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO CONTEXTO URBANO NO BRASIL

É possível observar ao longo da história de países como o Brasil, os efeitos do processo

de urbanização e as tensões sociais das quais este processo é causa ou consequência.

No século XVI, o sistema colonial implantado por Portugal, tinha como maior interesse

obter excedente comercializável; para isto, reordenou e implantou novas formas de produção,

que se desenvolveram de acordo com cada região e através das forças produtivas indígenas

utilizadas. A produção era basicamente voltada para o mercado externo dominado pela

metrópole.

No processo de ocupação do território que foi baseado na busca por recursos naturais, a

melhor alternativa para os colonizadores foi a busca de ouro e de prata, que já eram muito

utilizados na Europa, e este processo de busca por minas teve grande determinação na

expansão territorial e início da urbanização.

Não se havia estabelecido uma verdadeira divisão do trabalho entre campo e cidade.

Esta absorvia uma parte do excedente extraído do campo, mas nada lhe fornecia em

troca que tivesse valor econômico. Nem por isso deixava a cidade colonial de

desempenhar um papel essencial na constituição e, depois, na preservação do

sistema colonial.(...). O instrumento básico da força de persuasão era a Igreja, o da

força de coerção eram os corpos de tropa e a burocracia civil. Ambos, para serem

eficientes, necessitavam de uma base urbana. (SINGER, 1987, p.98).

Neste contexto, a nobreza rural detentora dos grandes engenhos mantinha seus

privilégios, e passam a se distinguir também nas cidades com a construção de casas nobres e

sobrados, tornando-se patriarcas urbanos. Ao mesmo tempo, mineradores e negociantes, a

burguesia que começava a surgir, passam a ocupar as cidades assim como a comprar fazendas

e engenhos, numa tentativa de imitar o gênero de vida destes nobres (FREYRE, 2006).

Em algumas regiões como em Recife, houve uma grande ocupação holandesa com

consequências para a formulação urbana local. A arquitetura europeia dos sobrados,

construções voltadas para clima de inverno em uma região tropical, sobrados estreitíssimos

devido à falta de espaço, configuravam estas habitações holandesas. O que Freyre (2006)

denominou como primeiros cortiços do Brasil.

Em meados do século XVII não havia espaço para os novos migrantes da Europa que

continuavam a chegar à região, e alguns detentores de posses aproveitaram para explorar a

falta de moradias através de altos aluguéis de casas e quartos a preços exacerbados. E os

sobrados-cortiços e sobrados-bordéis demonstraram-se pontos de disseminação de doenças

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contagiosas como sífilis e gripe, além das condições anti-higiênicas de habitação e

convivência. A mesma situação ocorreu com alguns sobrados em outras regiões, como

cidades mineiras, Rio de Janeiro e Salvador.

Os cortiços continuaram ao longo dos séculos caracterizados como espaços sujos,

responsáveis pela proliferação de doenças, miséria, vícios, “vagabundagem” e promiscuidade.

No século XIX eram habitados por escravos libertos ou refugiados, por imigrantes de diversas

origens e pela população pobre e miserável em geral.

Ainda no século XIX, a consolidação da economia cafeeira permitiu a emergência da

economia industrial e de uma importante rede urbana, impulsionada pela emergência do

trabalhador livre, e pela proclamação da República. Já em 1930, com a crise nas relações de

dependência, o Estado passa a investir em infraestrutura para o desenvolvimento industrial,

possibilitando uma industrialização mais autônoma, ligada às necessidades básicas do

mercado interno, em países latino-americanos como o Brasil.

Após a 2ª Guerra Mundial, houve uma retomada da dependência da América Latina,

através da introdução de capital e indústrias estrangeiras. E as empresas responsáveis pelo

investimento desenvolveram estratégias e políticas apenas em seu benefício próprio, não

beneficiando econômica e socialmente a população do país onde estavam inseridas, trazendo

novamente a desarticulação do espaço e reforçando as diferenças sociais. Mesmo que a

industrialização tenha trazido uma consolidação do mercado interno, desenvolvimento das

forças produtivas e modernização, com o grande controle exercido pelo capital internacional,

o país passa a produzir bens duráveis e bens de produção, porém o centro das decisões é no

exterior, tirando o foco das necessidades locais, e aumentando a situação de dependência

internacional.

E durante este processo histórico nacional, a migração rural-urbana que se mantinha

constante, acentuou-se fortemente motivada por alguns fatores, como: o crescimento da

população que também acontece na área rural, inclusive pela redução da taxa de mortalidade,

fazendo com que a terra disponível para moradia ou subsistência diminua; o monopólio de

latifúndios e a diminuição de áreas para agricultura, por sua estagnação das forças produtivas,

pois aqueles que a utilizam apenas para subsistência não conseguem investir em sistemas que

mantenham a produtividade da terra, como fertilizantes, o que causa seu empobrecimento

geral, levando estas pessoas a migrarem para a cidade em busca de melhores condições.

(SINGER, 1987).

Outro fator para este movimento de migração é a inserção destas terras de agricultura

na economia de mercado; o produtor pode chegar a ter suas terras expropriadas por

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empresários, e ser então condicionado a proletário. Esta incorporação das áreas rurais ao

mercado de produção capitalista ocorre pela necessidade de incorporação dessas terras à

produção dominante. Como por exemplo, nas regiões Sul e Sudeste, que ficaram voltadas

para a produção de café e soja.

Mesmo considerando que as particularidades locais e regionais provenientes dos

tempos em que a agricultura predominava não desapareceram, (...) não é menos

certo que a produção agrícola se converte num setor da produção industrial,

subordinada aos seus imperativos, submetida às suas exigências. (...) A concentração

da população acompanha a dos meios de produção. (LEFEBVRE, 1999, p. 17).

A cidade começa a ser vista como motor da modernização social, em íntima relação

com as forças produtivas e com a consolidação dos poderes políticos centralizados. Há a

necessidade de acelerar a urbanização sem exacerbar os problemas relacionados a ela, e por

volta de 1950, algumas cidades iniciaram políticas de urbanização que ao menos a princípio

serviriam para um planejamento inteligente que evitasse estes problemas. Porém, o processo

de industrialização gerou a concentração de renda e aumento das populações nas metrópoles

de maneira desarticulada e desigual.

Segundo Baeninger (1992)1, o avanço do processo de urbanização não atingiu a todo o

país de maneira homogênea, refletindo com isto os contrastes socioeconômicos prevalecentes

no território nacional. Em 1960, a média nacional apontava 45% da população morando em

áreas urbanas, e somente a região Sudeste registrava uma população superior a 50%, ao passo

que no Nordeste essa participação chegava a 34%. A acentuada urbanização que se

processava contribuiu para que em 1980 a população residente em áreas urbanas de todas as

grandes regiões superasse os 50%, e em 2000 chegasse a 81,2%.

Mesmo com o elevado grau de urbanização brasileira, o país continuou a possuir uma

grande reserva de solo cultivável, porém a ausência - ainda existente - de uma reforma agrária

e a questão fundiária impedem o acesso à terra por pequenos camponeses, motivando o

contínuo fluxo migratório para as grandes metrópoles. (SACHS, 1999).

O que podemos observar no caso brasileiro, é uma superconcentração de empresas e

indústrias em determinadas metrópoles, justificada pelo mecanismo de mercado; as grandes

empresas tendem a se concentrar em uma mesma área para poder administrá-la melhor,

concentrando na região seus dirigentes, que costumam ser estrangeiros oriundos do país-sede

da empresa, diminuindo custos com infraestrutura na medida em que as necessidades da

empresas passam a estar concentrada na mesma localidade. O capitalismo tende a produzir

1 Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1950 a 1980, in: Baeninger.

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uma concentração urbana, que ocorre tanto em países desenvolvidos quanto em países não

desenvolvidos.

Segundo Kowarick (2009), a questão desta ampliação do capitalismo e

desenvolvimento industrial fez surgir mudanças decorrentes deste processo, como o

crescimento econômico, a migração para as cidades e as oportunidades políticas e

socioeconômicas, as quais deixavam de incorporar uma parcela da população em seu

desenvolvimento e modernização. Foi sempre um processo incompleto e elitista, que permitiu

associar o crescimento econômico ao aumento da pobreza.

Em consequência, tem ocorrido amplo e diverso processo de desresponsabilização

do Estado em relação aos direitos de cidadania, e em seu lugar surgem ações de

cunho humanitário que tendem a equacionar as questões da pobreza em termos de

atendimento focalizado e local. (KOWARICK, 2009, p.98).

Em 1964 foi criado o Banco Nacional da Habitação – BNH, incorporado ao Sistema

Financeiro da Habitação - SFH, que trouxe mudanças no perfil das cidades com a oferta de

recursos financeiros para o mercado habitacional, trazendo a consolidação do mercado

imobiliário privado, especialmente através da promoção de edifícios de apartamentos, a

grande maioria em cidades como o Rio de Janeiro. Isto mudou a imagem das cidades e o

mercado fundiário. Porem não houve uma democratização de acesso à terra, as classes médias

e altas mantiveram a prioridade e para o restante da população, que também buscava moradia

nas cidades, o mercado não se abriu (MARICATO, 2001).

Nas décadas de 1980 e 1990 houve grande diminuição do desenvolvimento econômico

e grande impacto social do desemprego. É quando se observa uma grande concentração de

pobreza urbana; e aumento das tragédias urbanas – enchentes, desmatamento, poluição,

epidemias, violência.

Dentro desta dinâmica, a população de baixa renda acaba por ter como opção apenas a

periferia cada vez mais distante, levando ao grande crescimento das aglomerações. Por falta

de um poder aquisitivo que a permita entrar no mercado regular, esta população resolve sua

questão de moradia dentro da “cidade ilegal”, com ocupações irregulares, em assentamentos

precários, e através da autoconstrução de moradias. O fluxo de migração e a exclusão social

ajudam no crescimento desta configuração num ritmo explosivo. A competição pela

habitação, mesmo a mais precária, leva a uma especulação fundiária e aluguéis altíssimos

mesmo nestas condições. As condições precárias só aumentam e o poder público não

consegue intervir ou absorver o déficit em infraestrutura e serviços. (SACHS, 1999).

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O trabalho se tornou mercadoria, mas a reprodução do trabalhador não se deu pelo

mercado. Grande parte da população, mesmo a que se inseriu no mercado formal, atua fora

dele e busca outras maneiras de subsistência. Por isso, para conseguir morar passa a construir

em áreas irregulares ou invadidas. (MARICATO, 2001).

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3 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DE CURITIBA

No final do século XIX e início do século XX a cidade de Curitiba recebeu um grande

fluxo migratório de europeus; após este processo, o crescimento populacional e urbano da

cidade passou a ser justificado com a migração da população do interior do estado do Paraná e

de outras regiões do Brasil devido, entre outros fatores, à mudança do padrão de produção –

de pequenas propriedades familiares para latifúndios monocultores – e pela busca de melhores

oportunidades profissionais e condição de vida. E o constante ritmo de crescimento

populacional levou também ao avanço demográfico dos municípios com que faz fronteira.

Assim como em tantas outras metrópoles, o predomínio da cidade sobre o campo, relacionado

à industrialização fez com que a cidade expandisse, e esta expansão trouxe aspectos como o

surgimento de subúrbios, complexos industriais e conjuntos residenciais.

Com isto, na esfera estadual, foram criadas em 1965, a Companhia da Habitação do

Paraná (COHAPAR), responsável pela política habitacional do Estado, e na esfera municipal,

a COHAB-CURITIBA, responsável pela política habitacional do município de Curitiba.

Na década de 1970, houve grande mudança no perfil da cidade curitibana, que se deve

ao forte processo de industrialização. Nesta época a área de maior densidade era a central e

suas adjacências, onde se concentravam as habitações da elite; e as classes populares estavam

dispersas nos bairros (SOUZA, 2001). Com o apoio do governo federal, houve a criação da

Região Metropolitana de Curitiba, através da Lei Complementar Federal n.º 14, de 8 de julho

de 1973, e criação do Parque Industrial, do qual a principal consequência foi a criação do

bairro Cidade Industrial de Curitiba. Fez parte também do planejamento da cidade a

construção de conjuntos populares nas regiões periféricas, e nas cidades limítrofes, para a

formação da referida região metropolitana. Ainda nesta década, de acordo com o Plano Local

de Habitação de Interesse Social – PLHIS, Curitiba e Região registraram as maiores taxas de

crescimento populacional entre as regiões metropolitanas brasileiras.

A realidade urbana sempre está relacionada basicamente com uma questão de

centralidade, ou seja, uma figura do “centro” responsável pelas atividades políticas, sociais e

econômicas. Assim, a região central de Curitiba foi o espaço mais valorizado, enquanto que as

classes populares, os problemas sociais e da implementação da indústria, foram todos

deslocados para a “margem” da cidade.

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O crescimento urbano e populacional coincidiu com a extinção do já referido Banco

Nacional de Habitação - BNH, que teve como consequência a diminuição da oferta de

habitações populares, gerando o aumento de bolsões de pobreza e assentamentos precários.

Documentos como a Constituição Federal de 1988, e a lei nº 10.257, de

2001denominada Estatuto da Cidade, tratam da função social da propriedade urbana e da

cidade. A Constituição, em seu Capítulo II: Da Política Urbana, diz: “§ 2º A propriedade

urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da

cidade expressas no plano diretor”. Já o Estatuto da Cidade, em seu Capítulo I: Diretrizes

Gerais, sugere, dentre outras propostas: “art.2º- I – garantia do direito a cidades sustentáveis,

entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura

urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e

futuras gerações; VI - Ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar (...) a retenção

especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização”.

Baseado nestes documentos entende-se que a apropriação social dos centros faria parte

da execução do direito à cidade e à urbanidade. Porém, o que acontece durante o processo e

crescimento da urbanização das grandes cidades é uma periferização que gera grupos cada vez

mais afastados e desprovidos de infraestrutura e acesso aos seus direitos.

As políticas sociais do Estado para habitação de interesse social acabam por não

conseguir ir contra aos mecanismos de exclusão social e segregação espacial inscritos no

modelo econômico, apenas minimizam este processo. E ao mesmo tempo em que houve o

desenvolvimento de uma política social de habitação, a política econômica permitiu uma

estrutura de renda desigual, a especulação fundiária, e o apoio à indústria da construção civil,

dando prioridade às habitações de luxo em detrimento da habitação social. (SACHS, 1999).

E ainda, segundo Ermínia Maricato:

Uma das características do mercado residencial privado legal no Brasil (como em

todos os países periféricos ou semiperiféricos) é, portanto, sua pouca abrangência.

Mercado para poucos é uma das características de um capitalismo que combina

relações modernas de produção com expedientes de subsistência. A maior parte da

produção habitacional no Brasil se faz à margem da lei, sem financiamento público e

sem o concurso de profissionais arquitetos e engenheiros. (MARICATO, 2003,

p.154).

Esta conformação do espaço urbano produziu efeitos sociais, culturais e espaciais em

Curitiba. A população de baixa renda tem dificuldade em obter acesso à igualdade, justiça e

cidadania, e dificuldade de acesso ao direito à moradia, o qual é constituído por lei. Esta

dificuldade pode ser justificada por seus baixos salários, pelo alto custo da terra urbanizada, e

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pela ineficiência de políticas urbanas relacionadas à habitação, o que tem como consequência

o grande número de ocupações irregulares.

Véras, ao falar de habitação e dos cortiços da cidade de São Paulo no início da década

de 1990, chamou a atenção à complexidade da questão habitacional, que não pode ser tratada

apenas como a necessidade do abrigo, morada, mas como a inserção do indivíduo na cidade,

ocupando o espaço urbano e utilizando de sua estrutura, sua paisagem, equipamentos. E

mesmo sendo um direito fundamental, a possibilidade de atender à necessidade de moradia de

todos os cidadãos é ainda mais complexa, visto que isto envolve a posse da terra, a

construção, e a localização urbana, em endereço que dê acesso aos serviços necessários,

levando em conta que todos estes fatores possuem custos ou valorizam o preço do terreno

e/ou casa. Por isto, Véras afirma que “O consumo da habitação, pois, faz parte da questão

social mais ampla” (VÉRAS. 1992, p.85).

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4 PROBLEMÁTICA URBANA DAS MORADIAS DE CORTIÇO

Como apontam a maioria dos estudos, o foco central – quer pelo volume de casos,

quer pela presença física na paisagem urbana – acaba sendo os loteamentos irregulares,

habitações precárias em áreas de risco e favelas. Porém, há uma realidade presente nas

grandes cidades - os cortiços – que em Curitiba é pouco visibilizada e para o qual não há

intervenções.

Basicamente, os cortiços são identificados como espaços precários, limitados, com

muitas pessoas concentradas, sem nenhuma privacidade; o fato de ser um único cômodo

usado como moradia; ambiente sem iluminação ou ventilação; banheiro e lavanderia de uso

coletivo; esgotos danificados, riscos à saúde.

Os cortiços surgiram no contexto brasileiro na segunda metade do século XIX,

habitados por escravos libertos ou refugiados, por imigrantes de diversas origens e pela

população pobre e miserável em geral. Eram caracterizados como espaços sujos, responsáveis

pela proliferação de doenças, miséria, vícios, “vagabundagem” e promiscuidade.

Os maiores cortiços inseridos nesta configuração situavam-se em grandes cidades

como São Paulo e Rio de Janeiro e eram também chamados de “cabeça-de-porco”, “casa de

cômodos”, “pocilga”. Durante algumas décadas, em São Paulo, constituíam-se na principal

forma de habitação popular (SACHS, 1999). Eram raras as vilas operárias e as casas

unifamiliares eram incompatíveis com as remunerações do trabalhador assalariado. Um

trecho de documento oficial da época, demonstra este interesse em criminalizar a pobreza, e

“higienizar” a cidade de São Paulo contra esta camada da população:

É preciso cuidar [...] da habitação [...] onde se acumula a classe pobre, a estalagem

onde pulula a classe operária [...] nessas construções insalubres, repulsivas

algumas,[...] [vivendo] numa quase promiscuidade que a economia lhes impõe, mas

a higiene repele (Câmara Municipal de São Paulo, 1893, pp. 43-44, in:

KOWARICK, 2013, p.50).

Ao tratar do caso do Rio de Janeiro, Ribeiro (1997) comenta que no início do século

passado, investir em aluguel de habitações coletivas podia ser um bom negócio, ao maximizar

o uso do espaço, fazer pouco ou nenhum investimento em infraestrutura e cobrar preços altos

em relação ao que é ofertado ao locatário, sem contar a precariedade ou ausência em certas

áreas da cidade dos meios de transporte, obrigando-os a morar na região mais central onde

poderiam obter emprego. Isto em uma época em que a população cresceu consideravelmente,

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com grande contingente de escravos libertos e migrantes estrangeiros, com baixos e incertos

rendimentos, que viviam da “viração”.

O poder público, alguns políticos, e a população em geral, posicionaram-se contra a

existência dos cortiços, e então alguns foram demolidos entre o final do século XIX e meados

do século XX por ordens governamentais.

O principal é a política higienista, que significa um verdadeiro ataque aos cortiços,

estalagens e casas-de-cômodos existentes no centro da cidade, sob pretexto de que

as precárias condições de moradia são responsáveis pela disseminação das

constantes epidemias. (RIBEIRO, 1997, p. 211).

Com isto, estas populações foram expulsas, e com a nova legislação criada sobre

reforma do espaço urbano da cidade e das habitações, foram inviabilizadas as chances de

manterem-se moradias de cortiço na região central da cidade do Rio de Janeiro.

E seus moradores foram segregados às áreas de periferia e favelas.

A crise do sistema rentista de produção de moradias gera uma piora nas

condições de moradia das “classes pobres” da cidade. Deslocadas do centro, elas

irão aumentar a densidade de ocupação das casas-de-cômodos existentes nas zonas

contíguas ao centro (...). Por outro lado, surgem já desde o início do século XX as

moradias precárias, autoconstruídas em terrenos vagos no centro da cidade, que

aumentarão no decorrer dos anos e formarão os conjuntos de habitações chamados

favelas. (RIBEIRO, 1997, p. 217).

Curitiba não passou pelo mesmo movimento de “encortiçamento” que estas outras

cidades até o início do século XX. Porém após os anos da década de 1970, quando a

população urbana cresce a taxas expressivas, houve uma nova dinâmica de ocupação dos

prédios vagos dos centros urbanos, por populações de baixa renda, movimento que passa a

ocorrer aqui como em outras grandes metrópoles. E o que chama a atenção é o fato destas

habitações possuírem características semelhantes à configuração antiga, do início do século

passado, por sua irregularidade, precariedade e más condições sanitárias.

A questão dos cortiços é complexa não somente por suas condições precárias de

habitabilidade, mas pelo fato de se tratar de locais privados, alugados com valores

exploratórios. De acordo com o glossário do documento da Organização das Nações Unidas –

ONU intitulado “O Direito à Moradia no Brasil”:

Cortiços ou habitação coletiva multifamiliar são em geral imóveis

particulares superadensados com precárias condições de habitabilidade, com risco à

saúde ou de vida. Os cortiços também são irregulares em razão da precariedade da

relação entre proprietário ou locador e os moradores (locatários ou sublocatários).

(ONU, 2005, p.155).

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A região central de Curitiba, composta por bairros como Centro, São Francisco,

sofrem pela demanda de infraestrutura de alta tecnologia e novas formas de morar, e o modo

extensivo de ocupação do território favoreceu a subutilização e abandono de espaços urbanos

consolidados no centro. Com isso houve um movimento da população das classes mais altas

que passaram a morar em bairros próximos, melhor estruturados e mais modernos, ou até

mesmo bairros mais afastados, em condomínios fechados que possuam segurança, bom

acesso, áreas verdes, ocasionando o esvaziamento populacional e a deterioração física e

econômica da região, levando à subutilização de uma cara infraestrutura.

Do ponto de vista da acessibilidade, os centros são, em geral, as áreas mais bem

servidas de transportes públicos. São locais de acesso mais democrático do que

quaisquer outros. Neste sentido são populares. Uma característica da qual o mercado

imobiliário e a elite brasileira costumam se afastar. (MARICATO, 2001, p.138).

Ao mesmo tempo em que a região central deixou de ser de interesse das classes altas

enquanto espaço de moradia, devido ao intenso fluxo de veículos e pessoas, poluição sonora,

visual, do ar, entre outras características que interferem na qualidade de vida e do ambiente,

para parte da camada mais pobre da população a possibilidade de ocupar estes espaços foi

vista como benefício, pois o centro ainda é o espaço de geração de emprego, comércio,

serviços e bens de consumo para a maioria dos habitantes. E a opção para estas pessoas foi

alugar cômodos nas edificações transformadas em cortiços, devido à facilidade de locação,

mesmo com suas baixas rendas, e pelo interesse na proximidade de seus locais de trabalho. De

acordo com o trabalho da geógrafa Fernanda Rauth, de 2002, no qual realizou entrevistas com

moradores de cortiços dos bairros Centro e São Francisco, 65% destes procedem de áreas

periféricas da própria cidade ou da Região Metropolitana de Curitiba. Reconhece-se, então, a

permanência e mesmo a valorização das funções centrais tradicionais. Mesmo com a

existência destas funções em outros compartimentos urbanos mais distantes.

Se o encortiçamento das regiões centrais é recorrente em Curitiba como em outras

grandes cidades, motivada pelas “vantagens” aqui apresentadas, cabe, então, como hipótese

que, à medida que tais bens e serviços se expandam para outros pontos da cidade, os cortiços

tendem a se reproduzir também nestes espaços.

A comparação espacial reside nas possibilidades de moradia para as camadas

pobres: a favela ou a casa, ambas nas periferias distantes, também chamadas de

“vilas”. Estas modalidades de habitação são avaliadas como os “não lugares” em

termos de oportunidades de vida: trabalho, acesso a serviços públicos de transporte,

educação, saúde, saneamento e lazer, e a presença da violência: ela pode estar, diz

um morador de cortiço, “perto da gente”, mas “vem de outro lugar, do outro lado”.

(KOWARICK, 2009, p.123).

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Os cortiços concentrados basicamente na região central da cidade praticamente não são

visíveis na paisagem urbana, porque em geral, são edificações que foram utilizadas como

moradias de uma única família, mas que atualmente abrigam várias famílias, e ficam

“escondidas” em meio aos comércios. Logicamente, tornam-se visíveis ou quando há interesse do

capital imobiliário na região onde os cortiços estão instalados, ou ao surgir alguma proposta de

revitalização da área que acarrete na demolição destes prédios antigos.

Quando há algum projeto pensado para a área central, é visando uma valorização para

referências culturais e históricas ou arquitetônicas, construção de uma imagem positiva da cidade,

e construção de espaço adequado para empresas e instituições públicas.

Um exemplo desta lógica: a Associação Comercial do Paraná – ACP, criou o Centro

Vivo, ação que possui o intuito de garantir o desenvolvimento do Centro de Curitiba, e de

acordo com a Revista Seminário Habitacional, criada pela ACP, farão isto “por meio da

implantação de um grande Condomínio Comercial, Turístico e Cultural, fruto das parcerias

formadas por Entidades de Classe, Associações, Poder Público Municipal e Estadual, Sistema

Educacional e Iniciativa Privada.” (Revista Sem. Habitacional, 2008, p.8).

O Projeto de Revitalização do Centro, iniciado pela ACP em 2005, envolveu ações

sobre acessibilidade, comércio, conservação, habitação e segurança. Na questão da

reabilitação da região central e suas habitações, valorizou-se a arquitetura histórica, e buscou-

se investimentos para intervenção habitacional, de espaços culturais e turísticos, com enfoque

nos sobrados, palacetes e obras públicas com importância histórica. Para isto, foram

implementadas reformas no calçamento, iluminação, e restauração de fachadas, buscando

realizar a pintura das mesmas mantendo suas antigas características.

De acordo com a Revista Seminário Habitacional um dos objetivos da ação seria

motivar o aumento da densidade populacional do Centro de Curitiba, com a justificativa de

que “o esvaziamento após o horário comercial seria causador do aumento da marginalidade,

violência e falta de segurança na região” (2008, pg.59). Além disso, justifica-se que além da

população flutuante que frequenta o centro devido ao emprego e uso do comércio, é

necessário haver uma população permanente, que garanta a constante circulação, a rede de

relacionamentos do bairro, e suas ruas constantemente movimentadas, garantindo a

permanência da ordem pública.

O foco do projeto foi o eixo entre as ruas Barão - Riachuelo, com o objetivo de

“mostrar suas potencialidades de crescimento econômico e ressurgimento como um bom lugar

para se viver”. Diversas propostas fizeram parte do planejamento, como criar um percurso de

visitas guiadas aos pontos de valor histórico, no caminho entre a Praça Eufrásio Correia e a

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Praça 19 de Dezembro. Outra proposta foi a de utilizar imóveis tombados para realizar ações

e projetos culturais e turísticos.

A outra proposta que fazia parte do Projeto de Revitalização, foi denominado

“Habitação de Interesse Social”, que teve como objetivo a inserção de habitação nos prédios

ociosos. O foco da habitação definida como de interesse social, seria a habitação estudantil.

As justificativas para esta escolha seriam os fatos de que além da UFPR e demais

faculdades de Curitiba passar pelo problema do déficit habitacional estudantil, os prédios da

referida região seriam ideais para atender a este público, já que são construções antigas, de 2

ou 3 andares, porém sem elevadores, dificultando uma ocupação generalizada, por não ter

acesso adequado para idosos ou deficientes físicos. E também por não possuírem garagens,

justificando a ocupação por quem não possui automóvel.

E como os programas de Habitação de Interesse Social desenvolvidos por órgãos

como a COHAB, COHAPAR não inserem a questão da habitação estudantil, a ACP propôs

um novo programa, onde se aproveitaria o Programa de Arrendamento Residencial – PAR

(programa de parceria entre COHAB, CAIXA e iniciativa privada, que dá acesso à moradia

substituindo o financiamento pelo arrendamento com prazo de 15 anos), já utilizado em outras

cidades brasileiras, aliando-se a ele uma campanha intitulada “Democratização do acesso à

cidade: eu faço a minha parte”, para incentivar os proprietários a arrendar seus imóveis a um

grupo empresarial que então alugaria as unidades aos estudantes.

Com este projeto, inicialmente os estudantes seriam atendidos, sem a necessidade de

transferência da propriedade - situação considerada como um dos grandes problemas

enfrentados nas regiões centrais, devido aos altos custos dos lotes - e então, futuramente os

espaços seriam repensados para a possibilidade de sua utilização por famílias de maneira mais

permanente.

Garantir o direito à cidade para a população mais pobre já seria um desafio. (...)

Garantir esse direito em uma área prestigiada pela reabilitação é um duplo desafio.

Para tomar parte em um processo de reabilitação do centro, os programas de

moradia social deverão remar contra a corrente. Poucos agentes envolvidos no

processo de reabilitação do centro vão querer moradias destinadas aos pobres na

vizinhança. Até porque elas freiam a valorização imobiliária. (MARICATO, 2001,

p. 144).

Para realizar as ações previstas nos projetos, em 2005 e 2006 o 1º e o 2º Seminário

Habitacional criados pela ACP, juntamente com o Instituto Datacenso, e depois com apoio

das Instituições Facinter, UFPR e SPEI, realizaram uma pesquisa através de entrevistas

exploratórias com imobiliárias, a respeito dos estabelecimentos comerciais vagos existentes

no Centro. Depois, realizaram uma pesquisa quantitativa com frequentadores, não

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frequentadores e moradores do bairro Centro - através da qual verificou-se que a maioria das

pessoas vai ao Centro para trabalhar e comprar.

Na amostragem e no censo, foram pesquisados estabelecimentos comerciais, o perfil

dos consumidores, os estacionamentos existentes na região, etc. No censo da habitação, foi

avaliada a situação dos edifícios abandonados e subutilizados, observando tipo, quantidade

média de apartamentos vagos, existência de elevadores, de vagas de garagem, e a disposição

para venda ou locação. Um dos resultados foi a quantidade média de apartamentos vagos, que

seriam cinco por edifício. E a estimativa é de 660 apartamentos vagos em edifícios

abandonados e/ou subutilizados na área abrangida.

Porém, a pesquisa realizada não especifica as condições de moradia e locação dos

prédios do eixo Barão- Riachuelo, e não traz dados sobre a forma de intervenção sobre os

prédios subutilizados da área e seus locatários.

De acordo com o documento da Organização das Nações Unidas - ONU é dever do poder

público intervir pelos moradores de cortiços, no sentido de garantir sua permanência no imóvel, e

reformá-los caso não o seja possível ser feito pelo proprietário, impedindo assim a interdição do

local, e assegurando a segurança de vida e jurídica dos moradores.

O que se observa através dos planos ou projetos de revitalização de centros urbanos, é que

eles estão voltados para as atividades culturais e artísticas, e possuem o intuito de chamar a

atenção principalmente para as classes médias e altas, para que voltem a utilizar destes espaços.

“Trata-se, então, da preocupação do poder público com o abandono das classes médias e altas,

já que as classes populares continuam a ocupar este espaço, seja através do mercado informal,

atividades terciárias populares ou da ocupação de edifícios em forma de mocós e cortiços.”

(BONADIO; 2013 p.149).

Os direitos dos moradores encortiçados são violados, em três pressupostos constantes no

documento da ONU: no “Direito à Moradia”, já que estes moradores não possuem proteção legal

e vivem sob o risco de uma ordem de despejo; no “Direito de Acesso à Justiça”, por sua

dificuldade de reconhecerem seus direitos enquanto encortiçados como locatários, dificultando

assim seu direito à defesa, e de exigir seus demais direitos; e na violação do “Direito à Tarifa

Social de Energia” e demais serviços essenciais.

Segundo Sachs:

A proliferação dos cortiços se explica, como a das favelas, pela deterioração das

condições econômicas, pela ausência de uma oferta de habitações populares adequada a

preços acessíveis e pela diminuição da construção nos loteamentos periféricos. A isto se

deve acrescentar, sem dúvida, a preferência de uma parte da população por soluções

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locativas para a questão da habitação (possibilidade de solução imediata) (...) (SACHS,

1999, p.97).

O problema, no caso dos cortiços de Curitiba, agrava-se pela escassa quantidade de

dados e informações sobre os cortiços existentes na cidade, e sobre a situação de seus

moradores. Essa “invisibilidade”, por hipótese, indica a ausência de intervenção por parte do

poder público, problematizada pelo fato de se tratar de áreas de propriedade privada.

Segundo Plano Setorial de Habitação (2008), que trabalhou com dados do IBGE de 2000

sobre Curitiba, quanto ao Tipo de Domicílio Particular Permanente, num total de 471.163

domicílios, 74,92% (353.018) eram do tipo casa; 24,83% (117.013) do tipo apartamento, e 0,24%

da população de Curitiba, 1.132 pessoas, habitavam domicílios do tipo cômodo. Sendo que esta

porcentagem está dentro do quadro quanto a Condição de Ocupação do Domicílio, em que

17,04% dos domicílios em Curitiba eram do tipo alugado. E ao trabalhar com a questão do déficit

habitacional em Curitiba, ao dividir as necessidades habitacionais em grupos, um deles,

denominado Déficit Total ou Quantitativo, refere-se à necessidade “de reposição total de

moradias (realocação) em função dos riscos sociais, ambientais e da ilegalidade

caracterizados pelas seguintes variáveis: domicílios improvisados, cômodos alugados ou

cedidos, famílias conviventes, domicílios rústicos ou situações de ônus excessivo com

aluguel” (Relatório Planos Setoriais, 2008). Portanto, ao menos dentro deste plano foi

mencionada a necessidade do reassentamento e produção de moradias para moradores de

domicílios de cômodos alugados ou cedidos. Porém, não há informações a respeito de algum

tipo de intervenção do município neste sentido.

4.1 Análise dos cortiços

A ideia inicial era buscar o número máximo de moradias de cortiço possíveis dentro

do espaço de tempo de pesquisa, e realizar entrevistas com seus moradores para identificar

seu perfil socioeconômico e suas estratégias de sobrevivência.

Devido à dificuldade de encontrar materiais recentes, tanto em relação a pesquisas

acadêmicas quanto de órgãos oficiais, foi utilizada como base a pesquisa de 2002 da geógrafa

Rauth, que dispunha de mapeamento realizado na época de cortiços nos bairros Centro e São

Francisco.

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Utilizando este mapeamento como referência, percorremos ruas como a Treze de

Maio, São Francisco, Riachuelo, Ébano Pereira, Mariano Torres, Conselheiro Laurindo, e

seus entornos. Alguns locais apontados no mapa levaram a prédios particulares de moradia

unifamiliar ou de comércio; a novas construções de prédios ou de estacionamento, por

exemplo. Mesmo no referido trabalho, baseado em mapeamento anterior a ele, criado pela

Secretaria Municipal de Saúde, Rauth (2002) aponta em seu mapa novos cortiços

encontrados; cortiços desapropriados, demolidos ou com novas funções; e cortiços que não

foram localizados.

Sem um mapeamento adequado em mãos, a busca passou a ser então a partir da

definição de cortiço que tínhamos encontrado nos trabalhos de Sociologia que falam sobre o

tema, sendo o significado associado ao caso de Curitiba ou não, pois há maior número de

trabalhos sobre os cortiços das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Basicamente, esta

definição seria: moradia de aluguel, de um único cômodo, com instalações precárias;

banheiros e lavanderia de uso coletivo; várias famílias utilizando dos mesmos espaços,

geralmente em prédios antigos, com construção decadente e aparência deteriorada. Para uma

primeira abordagem, focamos na questão da suposta “aparência de cortiço”.

A primeira abordagem para entrevista, na Rua Mariano Torres, mostrou logo de início

que provavelmente utilizar apenas a questão da aparência externa dos locais não definiria as

moradias como cortiços, independente de em uma data passada ela ter possuído esta função.

O entrevistado afirmou morar com dois colegas, porém apenas a questão em si de ser uma

moradia coletiva, entre outros fatores, não a define como um cortiço. Como afirma Kowarick:

“de fato, é muito diferente habitar em dois cômodos, cozinha e banheiro com mais duas

pessoas do que morar com mais familiares em abafado e úmido porão, no qual se enfileiram

os cubículos, o barulho dos vizinhos é intenso e a fila para uso do banheiro longa e demorada.

(Kowarick, 2009)”. Através da entrevista o rapaz demonstrou que sua casa, mesmo que de

aluguel, era dividida com pessoas com quem possuía intimidade, era provida dos devidos

equipamentos, pois além de possuir um ateliê, dispõe de bom espaço para alimentação e

higiene e para usufruir de sua individualidade.

Ainda buscando ruas demarcadas no mapeamento, encontramos na Rua 13 de Maio

um cortiço em “potencial”, por seu aspecto externo bastante antigo e deteriorado. Ao chegar

lá, uma adolescente atendeu à porta, e aceitou dar entrevista. E logo de início das perguntas,

as respostas recebidas surpreenderam novamente: ela morava ali há cerca de sete meses,

apenas com seus pais, que são os donos da moradia, da qual apesar da aparência ela afirmou

não poder reclamar, pois tem grandes cômodos, muito confortáveis.

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FIGURA 1 – PRÉDIO QUE NÃO ERA CORTIÇO, NA RUA 13 DE MAIO

FONTE: A autora (2014)

Partimos então a uma “peregrinação” na região em busca de prédios que além de se

encaixarem na definição, tivessem placas de “aluga-se quartos” ou de “pensionato” na porta.

Finalmente parecia que havíamos encontrado uma moradia com função de cortiço na Rua

Duque de Caxias. Quartos alugados, para uma média de 15 moradores, quatro banheiros

coletivos, cozinha coletiva e um terraço com espaço para lavagem de roupas e varal. E ainda

no terraço, possibilidade de aluguel de espaço para armar barracas. Em entrevista, a

proprietária Eliane2, comentou também que criava contratos sem muita burocracia, e que

havia vários haitianos habitando ali.

No mesmo dia, fizemos visita a um prédio na Rua São Francisco, que de acordo com o

mapa de 2002, teria ali uma possível moradia de cortiço, apesar de que a aparência externa

não estava nos dizendo o mesmo, já que era um prédio baixo, de boa aparência, com pintura

nova, em amarelo. Mas aí a boa aparência logo foi associada à questão da reabilitação da

região central, feita pela ACP em parceria com os comerciantes, e a Prefeitura.

2 Foram utilizados nomes fictícios para os entrevistados visando proteger sua identidade.

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FIGURA 2 - CORTIÇO RUA DUQUE DE CAXIAS

FONTE: Site Google Street View (30/06/2014)

No caso deste cortiço foi possível fazer duas novas constatações/hipóteses: primeiro,

que por mais que a característica geral destas moradias, mesmo externamente, indique

precariedade, há outras configurações desta moradia nas ruas do centro de Curitiba, e esta foi

um exemplo de boa aparência externa; segundo, que se na pesquisa realizada pela geógrafa

em 2002, dos entrevistados, a maioria tenha vindo da Região Metropolitana para o Centro,

agora há um grande contingente de estrangeiros ocupando estes espaços. São, desde latino-

americanos dos países vizinhos, como Equador, Argentina, até os haitianos que vieram para o

Brasil após receber o visto humanitário depois da tragédia em 2010 em seu país. Estes últimos

não obtiveram juntamente com este visto, acesso a políticas adequadas de saúde, educação,

moradia, e por isso, para conseguirem habitar em cidades como Curitiba, aceitam as

condições de aluguel e moradia em quartos em cortiços na região central da cidade.

O terceiro cortiço a ser encontrado foi na Rua Des. Ermelino de Leão, devido à placa

de “quartos para alugar”, quase despercebida pendurada na porta, em um local de muros

deteriorados, com janelas escuras, o que nos levou a duvidar da presença de moradores.

A partir daí, o foco foi em realizar as entrevistas nos três locais encontrados e não

mais em procurar novos endereços. A princípio, as idas a campo eram realizadas em dias úteis

no período da tarde. Percebemos que não estava surtindo o efeito desejado, já que

encontrávamos no máximo uma ou duas pessoas em casa, além dos proprietários dos locais.

Devido à própria sugestão de um morador, voltamos ao cortiço da Ermelino de Leão em um

sábado, por volta das 11horas, em busca de mais pessoas para entrevistar. Encontramos

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apenas três dos 60 moradores, que disseram que mesmo sábado o pessoal sai para trabalhar,

ou dorme até de tarde, não saem do quarto.

FIGURA 3 – CORTIÇO RUA SÃO FRANCISCO

FONTE: A autora (2014)

Na semana seguinte, mudando de horário para uma nova tentativa, fomos ao cortiço da

Rua Duque de Caxias por volta das 17h30min, horário em que supostamente os moradores

estariam chegando do trabalho. Finalmente obtivemos melhor resultado e encontramos maior

número de pessoas no prédio. E se até então havia levado dias para conseguir duas ou três

entrevistas, conseguimos realizar sete entrevistas dentro de duas horas. Porém, diferente da

primeira vez em que estivemos lá e a proprietária Eliane nos atendeu bem, respondeu à

pesquisa e disse que poderíamos voltar sem problemas, neste outro dia seu marido, Alex,

ficava observando nossa movimentação e inclusive fez questão de ouvir parte de uma das

entrevistas, além de mais uma vez questionar nossa presença ali.

Na outra semana, prosseguimos com a ideia de ir aos cortiços neste horário de “fim de

expediente” para ver se surtia o mesmo resultado, e surtiu. Então, no cortiço da Ermelino de

Leão mais uma vez dentro de duas horas conseguimos sete novas entrevistas. E assim como

no último cortiço, o dono nos observava e perguntava qual nosso objetivo. A atitude deles nos

fez perceber que, ao estar ali de maneira informal, sem um contrato oficial, que delimite seus

deveres e direitos, de forma que permita a reivindicação dos mesmos, deixa os moradores em

uma situação de submissão, inclusive algumas vezes com receio de expressarem sua opinião

sincera sobre o espaço e sobre suas condições por estar morando ali. Isso porque, mesmo que

seja o morador quem paga o aluguel para o proprietário, adquirindo um pretenso direito a

moradia, como o proprietário permitiu sua presença ali sem exigir documentos, assinaturas,

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sem cobranças além do próprio valor mensal ou diário, este se sente à vontade para acolher ou

mandar sair quem ele quiser e quando quiser. Em outras palavras, é como se, mesmo o

locatário pagando, estivesse devendo um favor ao dono, por permitir sua permanência ali.

FIGURA 4 – CORTIÇO RUA DES. ERMELINO DE LEÃO

FONTE: A autora (2014)

Então, no dia seguinte, dia de feriado, resolvemos ir por volta da hora do almoço mais

uma vez ao cortiço da Rua Ermelino de Leão. No corredor, o senhor Samir concedeu

entrevista. Depois desta entrevista, conversamos com o haitiano Bento e tentamos encontrar

mais alguém, afinal a informação era que ali moram cerca de 60 pessoas. Porém ninguém

mais atendeu à porta quando batemos, ou não estavam.

Voltamos à rua. Caminhando pela região em busca de mais algum local com placa de

“aluga-se quartos”, lembramos ter visto um prédio na Rua Pedro Ivo, com porta de entrada

parecida com de hotel, porém com aparência deteriorada, sem recepção e fomos conferir se

estava sendo utilizado como pensão/ cortiço. Ao chegar lá, descobrimos que sim, o local está

em reforma, mas abriga cerca de 20 pessoas. Assim como os outros cortiços, o local parece

um labirinto, com corredores compridos, além da área dos fundos onde também existem

quartos alugados.

Foi o quarto cortiço onde fizemos entrevistas. A princípio, parecia que por encontrar

um “novo campo” seria uma chance de fazer um bom número de entrevistas. Primeiramente,

conversei com o senhor Leonardo, que depois nos indicou para entrevistas o iraniano Farid, a

Maria e a Soraya. Mas o que não esperávamos é que devido a alguns fatores, Soraya fugiu do

“padrão” dos até então entrevistados. Enquanto entrevistávamos Maria, ela interrompeu e

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interveio o tempo todo. Ao final da entrevista, quando pedimos para tirar uma foto do quarto

onde Maria estava, assim como já havia sido feito com outros entrevistados, Soraya se

colocou na frente nos impedindo. Então dissemos que tudo bem, que não tiraríamos foto

nenhuma e ao nos dirigirmos à saída, ela disse que não sairíamos até apagar a tal foto, que não

existia. Quando finalmente convencemos de que não tinha nenhuma foto, ela nos seguiu até a

frente do prédio, e até a calçada na rua. Então, ao nos ver ali na rua com ela, Leonardo, o

primeiro que entrevistei ali, me chamou pedindo desculpas por ela, mas disse que “ninguém

mais sabe o que fazer, que inclusive ele quer se mudar dali por causa dela, que ela arranja

problema com todo mundo, que tem surtos, além de ataques epilépticos”. Também eu sem

saber muito que fazer, apenas agradeci, disse que não havia nenhum problema, que “essas

coisas acontecem”, e fomos embora.

FIGURA 5 – CORTIÇO RUA PEDRO IVO

FONTE: Site Google Street View (30/06/2014)

4.2 Perfil do Morador

Baseando-se no perfil de moradores de cortiço encontrados por Rauth em 2002,

manteve-se a hipótese de que o perfil encontrado seria basicamente:

Uma pessoa com idade entre 21 a 30 anos, com Ensino Fundamental completo ou

cursando, casado ou amasiado, com cerca de dois filhos e com renda mensal de um a

dois salários mínimos. Esse morador de cortiço paga no aluguel do cômodo um

valor que varia de R$100,00 a RS150,00. O número de pessoas que residem no

mesmo cômodo varia entre dois, três ou quatro. A procedência deste morador é da

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própria cidade de Curitiba ou da Região Metropolitana de Curitiba. (RAUTH, 2002,

p.28).

O perfil dos 28 moradores de cortiço entrevistados durante a pesquisa foi: maioria do

sexo masculino, com idade entre 21 e 50 anos, a maior parte de solteiros, divorciados ou

viúvos, que consequentemente levam a um maior número deles morando sozinhos, grande

parte morando no local atual há menos de 2 anos.

QUADRO 1 - DISTRIBUIÇÃO DE SEXO DOS ENTREVISTADOS

POR ENDEREÇO

Endereço Masculino Feminino Total

Rua Duque de Caxias 6 2 8

Rua Des. Ermelino de Leão 7 5 12

Rua São Francisco 3 1 4

Rua Pedro Ivo 2 2 4

Total 18 10 28 FONTE: Elaboração da autora (2014)

QUADRO 2 - ESTADO CIVIL DOS ENTREVISTADOS

Estado Civil Número de Casos

Solteiro 17

Casado / União Estável 5

Divorciado 3

Viúvo 3

Total 28

FONTE: Elaboração da autora (2014)

QUADRO 3 - IDADE DOS ENTREVISTADOS POR ESCALA

Escala Número de casos

16 a 20 anos 1

21 a 30 anos 8

31 a 40 anos 7

41 a 50 anos 5

Mais de 50 anos 7

Total 28

FONTE: Elaboração da autora (2014)

Desde o primeiro cortiço que encontramos, ouvimos falar da presença dos

estrangeiros, especialmente de haitianos. Neste sentido, houve um destaque para o caso do

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cortiço da Rua São Francisco, no qual foram encontrados apenas moradores estrangeiros,

oriundos dos países Equador e Haiti. No local, entrevistamos primeiramente Luiza, que nos

contou que veio do Equador, para morar com seu primo e irmão. Durante o dia, ela cuida de

seu sobrinho, que inclusive estava com ela no momento da conversa, e às 19h quando seu

irmão e primo chegam à casa, ela sempre sai para vender lenços na Rua XV de Novembro, até

às 22h. Comentou também que, quando seu irmão a levou para morar ali, a princípio não

gostou muito do lugar; e demonstrou que, para ela, a percepção de casa e de lar, ainda estava

ligada com a casa em que morou no Equador com suas duas filhas, as quais pretende trazer

para o Brasil. Isso porque, de acordo com ela, mesmo que o lugar em que ela resida agora não

seja assim tão bom, a situação para os imigrantes equatorianos aqui no Brasil ainda é muito

melhor do que em seu país de origem, já que lá é muito mais difícil encontrar trabalho, e os

brasileiros são muito mais gentis, “te extrañan mucho”.

No mesmo cortiço, entrevistamos mais dois equatorianos, que dividem dois quartos

conjugados com mais dois amigos. Comentaram que acham o lugar pequeno, não gostam

muito das instalações, mas é perto do lugar que trabalham, as praças do Centro, onde

apresentam e vendem sua música.

FIGURA 6 – QUARTO DOS EQUATORIANOS ENTREVISTADOS

FONTE: A autora (2014)

No andar debaixo, encontram-se os quartos dos haitianos, os quais foram identificados

por um dos equatorianos como bagunceiros, “... mas é o jeito deles, falam bastante, falam

alto, fazem barulho”. Havia neste andar um cômodo utilizado como escritório, repleto de

haitianos, com dizeres nas paredes e na porta em sua língua nativa, o Criole. Conversei com

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James, que estava atendendo a todos eles. Contou-me estar vivendo no Brasil desde 2010;

incialmente morou em Manaus, e depois veio para Curitiba. Quando chegou aqui na cidade

não sabia onde iria morar nem que atividade exercer. Mas ficou sabendo da possibilidade de

morar ali, pediu ao dono para exercer seu trabalho no mesmo local, e ele permitiu. Paga

R$700 para isto. Não soube/ não quis me explicar bem qual sua atividade com os outros

haitianos ali presentes, mas pareciam lidar com algum tipo de documentação. A princípio

pareceu que iria conversar de maneira totalmente tranquila, mas em algumas perguntas

parecia ficar receoso em dar respostas. Aliás, o receio em responder a algumas questões

surgiu na maioria das entrevistas, porém sempre com mais intensidade no caso dos

estrangeiros.

QUADRO 4 - LOCAL DE MORADIA ANTERIOR DO ENTREVISTADO

(Continuação)

Local Número de Casos

Mesmo bairro 6

Outro bairro Curitiba 4

Outro Município PR 5

Outro Estado 6

Outro País 7

Total 28

FONTE: Elaboração da autora (2014)

No cortiço da Ermelino de Leão, a maioria dos entrevistados é brasileira, apesar deles

comentarem a grande presença de haitianos também neste cortiço. Ronaldo, curitibano, disse

que anteriormente morava com a mãe na Região Metropolitana de Curitiba, mas achou

melhor se mudar por problemas com a família. Há pouco trabalhava em uma lanchonete na

região do centro, mas no momento está desempregado. Ao perguntarmos como ficava esta

questão em relação ao aluguel e sua subsistência, afirmou que por enquanto estava fazendo

bicos, e que o dono do local é tranquilo, que conversaram e ele aceitou a possibilidade de

Ronaldo atrasar um pouco os pagamentos. Ele disse pagar R$300 pelo aluguel, valor que

considerou injusto, mas como ele prefere continuar morando no local, aceita. Em relação aos

vizinhos, disse que já havia mudado de quarto para ficar mais longe do barulho dos vizinhos

acima do seu quarto. Comentou que principalmente os haitianos fazem muito barulho, muita

conversa, ouvem música alta. No mesmo dia, entrevistamos o morador Fabrício, funcionário

público da Prefeitura de Curitiba, que sempre morou de aluguel, e há algum tempo mora no

Centro. Disse que prefere assim, por morar sozinho, mesmo que seu trabalho seja em outro

bairro, no Capão Raso, afinal o transporte de ônibus para lá é de fácil acesso.

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No cortiço da Rua Duque de Caxias, da segunda vez em que estivemos lá,

conseguimos encontrar só uma família do Haiti (pai, mãe, filho) e cerca de 15 argentinos,

além dos moradores conterrâneos. Das sete pessoas que entrevistamos neste dia:

Uma era curitibana que sempre morou em pensões, inclusive durante a maior

parte da vida na pensão da própria mãe, que fica próxima à Reitoria da UFPR;

Um casal que morava na RMC;

O haitiano que está há três anos no Brasil, e sete meses em Curitiba;

Um curitibano que está ali há um mês, mas já está voltando para a casa da ex-

mulher, no bairro Barigui;

E dois eram argentinos que trabalham com malabares nos semáforos da região.

Os dois estavam junto com aproximadamente dez argentinos em um local no térreo, em uma

espécie de sala, com uma bancada/ muro inacabado no meio, espaço que serve para eles que

estão ali apenas por alguns dias, onde se amontoam em colchões no chão.

Em outro dia de visita a este cortiço, conversamos com um vendedor que afirmou estar

sempre viajando, principalmente por dentro do Estado, e esta é sua primeira vez em Curitiba,

estava anteriormente em Maringá. Disse que se hospeda com frequência em locais assim, e

que comparado a outras cidades, o local estava bom e o preço adequado. Ao mesmo tempo

em que conversávamos, havia uma grande circulação de argentinos pelo prédio, alguns

chegando com suas bagagens, para hospedagem. Nenhum deles quis conversar conosco.

A transitoriedade dos argentinos pareceu ser maior, porque dos aceitaram conversar,

disseram estar de passagem e que geralmente ficam apenas cerca de dois meses em cada

cidade. Estes moradores viajam pela região Sul do Brasil, para São Paulo, Rio de Janeiro, e

países vizinhos, Uruguai, Paraguai, além de seu país de origem. Apenas um deles, que tem

uma filha morando em Curitiba, disse já ter ficado aqui por cinco anos no passado, e que

sempre volta para vê-la, ficando por um tempo maior que os outros por aqui. Já os

equatorianos e haitianos, quando demonstraram alguma intenção de mudança, é para uma

moradia melhor, mas de preferência no próprio centro de Curitiba, no máximo para outro

bairro. Como no caso da equatoriana Luiza, que além da intenção de permanecer, pretende

trazer as filhas para morar com ela e seus familiares. Assim como o iraniano Farid, que

mesmo comentando sobre suas dificuldades por ser imigrante, demonstrou a intenção de

melhorar suas condições de vida e de moradia, mas em nenhum momento mencionou alguma

pretensão de mudar de cidade ou de país.

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Assim como os motivos já mencionados, as razões para que as pessoas viessem a

morar aonde estão atualmente e o tempo de moradia, se dividem da seguinte maneira:

QUADRO 5 - MOTIVAÇÃO PARA RESIDIR NO LOCAL

Motivos Nº de Casos

Questões familiares: 11

Questões vinculadas ao trabalho: 10

Outros: 7

Total 28

FONTE: Elaboração da autora (2014)

QUADRO 6 - TEMPO QUE RESIDE NO LOCAL

Tempo Número de Casos

Até 6 meses 10

7 meses a 1 ano 9

1 a 2 anos 4

2 a 5 anos 2

5 anos ou mais 3

Total 28

FONTE: Elaboração da autora (2014)

Na questão das motivações familiares, a divisão se dá basicamente por questões de

união/ desunião. Alguns vieram morar ali para ficarem mais próximos de um dos filhos, como

é o caso de Joana. Outros, após falecimento de familiar que fez a família se dividir, “indo

parar ali”. Ou casos como da Roseli, que não tinha mais condições de pagar o aluguel do

último apartamento que morava com a filha e a neta, e as três se mudaram para a pensão3. E

ainda, há motivações relacionadas à separação de casal, ou briga entre mãe e filho/filha.

Foi um caso de problemas familiares, que levou Ronaldo a mudar-se para lá:

“ ...minha mãe tem uma casa em São José dos Pinhais, eu tava em Santa

Catarina, pensei em voltar a morar com ela, mas não dá certo, lá tem um cunhado

meu, com a minha irmã lá, que toma umas cachaça, aí se eu bater nele na frente da

minha mãe, ela já tem os problema dela de mau de Parkinson, aí fica nervosa, e pra

3É importante pensar que diferente do caso de outras grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, em

Curitiba apesar destas moradias se adequarem à definição de cortiço, recebem sempre o nome de pensão ou

pensionato; tanto pelos proprietários do espaço, quanto na fala dos entrevistados. Acredita-se que por uma

necessidade de fugir do estigma do perfil ainda associado à moradia de cortiço, enquanto espaço sujo, e

degradante (GOFFMANN, 1982); assim como pelo contexto histórico do surgimento dos cortiços ter sido

diferente no caso curitibano, e não ter gerado um senso comum de que as moradias com o perfil descrito devam

ser denominadas de tal forma.

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não matar ela do coração, eu preferi sair, né (...) paguei R$7 mil pra ajudar a

reformar a casa, e tive que sair fora, por causa desse cara”. (Ronaldo)

Também foi uma questão de problema familiar o ocorrido com Maria, de 50 anos, com

um filho casado que mora no bairro Tanguá, um filho de 10 anos que mora com ela no

cortiço, e uma filha, que afirmou ser a motivação de sua mudança para lá:

“Eu morava com a minha filha, né, daí a gente não dava mais pra conviver

junto, eu até cuidava da minha neta... ela tava trabalhando aqui no Centro, e chegava

tarde em casa, só que tinha dia que ela não chegava. E eu preocupava demais, aí ia

chamar a atenção dela, e ela não gostava, daí a gente brigava, até o dia que não se

entendemos mais, e foi o motivo que eu vim parar aqui. Tive que pegar meu filho, e

vim parar aqui no centro. E quando eu cheguei aqui era pior ainda, sem trabalho,

sem dinheiro, graças a deus que tá melhorando né, um pouquinho (...)”. (Maria)

A outra metade dos moradores entrevistados mora no cortiço motivada principalmente

por questões vinculadas ao trabalho. E entre eles, os motivos são desde a proximidade com o

local de trabalho, levando em conta que quase 100% deles vão ao trabalho a pé, tanto pela

busca por emprego, ou até mesmo pela condição de desemprego. Esta última motivação gera

outras estratégias para garantir a moradia: procurar lugar mais barato, ou tentar uma

negociação com o dono do cortiço para atrasar o pagamento do aluguel, visto não haver

contratos formais de locação.

Assim, para muitos – trabalhadores, moradores e transeuntes –, os territórios

centrais consubstanciam muito mais do que o valor de troca que surge da lógica do

lucro. São também local de trabalho e moradia, espaços de luta pela apropriação de

benefícios, fulcro reivindicativo para acesso a bens e serviços – sobretudo

“habitação digna” – necessários à vida nas cidades. (KOWARICK, 2013, p. 55).

Dentre os entrevistados, o quadro de ocupações segue o mesmo padrão de

precariedade da moradia. Das diferentes ocupações, os trabalhadores regulares resumem-se

principalmente a serviços alimentícios, como garçons e auxiliares de cozinha. Os

trabalhadores intermitentes dividem-se entre os malabaristas de semáforo e outras atividades

realizadas na rua, como venda de artesanato, apresentação de música ou de mágica, guardador

de carro e vendedor ambulante. Com exceção do funcionário público, todos os outros

possuem ocupações que exigem baixa qualificação.

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QUADRO 7 – OCUPAÇÃO DOS ENTREVISTADOS

Ocupação

Nº de

Casos

Trabalhador Regular 9

Trabalhador

Intermitente 11

Locador 1

Estudante 1

Desempregado 5

Aposentado 2

Outros 1

Não sabe/ Não

respondeu 2

Total 324

FONTE: Elaboração da autora (2014)

Levando em conta que dos moradores entrevistados, nenhum recebe mensalmente

mais do que quatro salários-mínimos e que cinco deles estão desempregados, é um grande

peso na renda mensal o valor pago pelos aluguéis. Nos casos pesquisados verificamos que em

média o valor reservado para seu pagamento fica em torno de 25% a 35% de suas rendas,

podendo chegar a 70% em alguns casos.

TABELA 1 - RENDA MENSAL DOS

ENTREVISTADOS POR ESCALA

Renda Nº de Casos Percentual

Até 1 salário-mínimo 2 7%

De 1 a 2 salários-mínimos 8 29%

De 2 a 3 salários-mínimos 4 14%

3 e mais salários-mínimos 4 14%

Não sabe/ Não respondeu 10 36%

Total 28 100% FONTE: Elaboração da autora (2014)

Outra situação encontrada, foi a de pessoas que além de sua ocupação principal,

disponibilizam seus serviços domésticos para auxiliar o pagamento do local de moradia.

Fabiana, por exemplo, faz a limpeza do cortiço da Ermelino de Leão e auxilia na recepção dos

novos locatários. Maria também auxilia na limpeza do cortiço da Pedro Ivo, e ambas fazem

isto em troca de desconto no aluguel. Antônia lava roupas e sapatos para seus vizinhos, no

4 O número total é maior que o número de entrevistados devido a casos de acúmulo de funções.

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cortiço da Ermelino. Ao mesmo tempo em que o morador de lá chamado Roberto, ajuda na

segurança, mas afirma que é apenas para auxiliar o dono, que é um amigo antigo.

QUADRO 8 - VALOR MENSAL ALUGUEL

Valor (R$) Nº de Casos

Até R$ 300 7

De R$301 a R$500 10

De R$501 a R$700 6

De R$701 a R$900 2

R$900 e mais -

Não sabe/ não respondeu 3

Total 28 FONTE: Elaboração da autora (2014)

No cortiço da Rua Pedro Ivo, prestam serviços também Leonardo, que é amigo do

dono, e por não estar em condições de pagar o aluguel, devido a atual situação de

desemprego, o auxilia na recepção de novos inquilinos. Farid comentou que além de trabalhar

no restaurante de seu amigo, presta serviços ao dono da pensão, como uma espécie de

segurança do local, sendo responsável pela “ordem”. Informou ser um serviço bem

desagradável, pois já precisou separar briga de casal, além de situações em que sabe que o

pessoal furta coisas e leva para dentro da pensão, ou chegam bêbados e causam problemas.

“O dono pede que eu tome conta aqui. Aí eu ‘faz respeito, faz educação’,

mas aqui não tem respeito. Eu não gosto deste lugar. Trabalho no restaurante, o dia

inteiro encontro pessoas ‘bons’, e aqui não. E às vezes aqui não paga meu salário

todo (...) 2 meses, 3 meses, não me pagou, descontou do aluguel, que é R$400. Mas

aí quero sair, não consigo, porque ele fica me devendo”. (Farid)

No caso dos estrangeiros, a motivação principal é a busca por melhores oportunidades

de trabalho e de condições de vida, que acaba por se somar à questão da proximidade do

emprego, para aqueles que já estão no Brasil por mais de um ou dois anos e conseguiram

empego fixo. O haitiano Jean, diz: “Trabalho no Batel, quando quiser eu vou de ônibus, se

não eu vai a pé. Só, eu não quero, eu não gosto morar no bairro, e a gente trabalha de noite

também, se morar longe, não dá.” (Jean).

Outro conjunto de motivações agrega a preferência por morar no Centro, problemas

ocorridos no último lugar onde estaria morando, ou mesmo a falta de qualquer outra opção

para morar. Como diz o casal Pedro e Nair: “Morava em outro lugar, mas fui pro Rio de

Janeiro e quando voltei não tinha mais quarto, só achei aqui né. E agora perto da Copa, é mais

difícil. A gente vai se mudar de novo, mas vai demorar um mês e pouco ainda.” (Pedro).

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4.3 Moradia, e a construção da invisibilidade dos encortiçados

Assim como o trabalho de mais de uma década da Rauth (2002) já havia constatado e

aparece aqui com ênfase, a invisibilidade dos locais de cortiço dificulta seu acesso. Não só

porque se encontram ao fundo de quintais, mas porque passam despercebidos aos olhos, por

diversos motivos. Primeiro, porque diante do grande movimento nas ruas, grande tráfego de

automóveis, movimento nos comércios, a grande “agitação” do centro da cidade faz com que

algumas coisas passem despercebidas aos olhos, incluindo aí estes espaços de moradia.

Construções antigas no Centro são comuns, algumas ainda utilizadas como moradia

unifamiliar, porém muitas são utilizadas para fins comerciais, como lojas, lanchonetes,

restaurantes, bares, escritórios; e alguns deles, tombados por sua faixada de arquitetura

histórica, estão abandonados, fechados em desuso, muitas vezes lacrados com tábuas ou

cimento. Porém, entre estes prédios, mesmo que passe despercebido, alguns ainda são

habitados, e por um considerável número de pessoas, que alugam estes pequenos quartos,

cômodos que no passado já tiveram a função dos cômodos comuns de uma casa. E que

justamente por sua aparência, por sua pouca iluminação, talvez nos pareçam vazios,

esquecidos.

Opiniões sobre a habitação - avaliações sobre o "morar"

TABELA 2 – OPINIÃO DOS ENTREVISTADOS SOBRE ÁREAS COMUNS

Cozinha Banheiro Área de serviço

Nº de

Casos Percentual

Nº de

Casos Percentual

Nº de

Casos Percentual

Ótimo - - - - - -

Bom 7 25% 14 50% 5 18%

Regular 7 25% 5 18% 6 21%

Ruim 6 21% 7 25% 4 14%

Não utiliza/ não tem 8 29% - - 7 25%

Não sabe/

Não respondeu - - 2 7% 6 21%

Total 28 100% 28 100% 28 100% FONTE: Elaboração da autora (2014)

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Em relação aos espaços coletivos, somente as instalações do banheiro pareceram

satisfazer a maior parte dos entrevistados, que disseram que geralmente estão limpos, seja

porque o próprio dono se responsabiliza por limpar, seja porque os próprios inquilinos ou

algum responsável pela limpeza o faz. Porém, em relação aos espaços de cozinha e

lavanderia, prevaleceram as percepções de que são instalações regulares ou ruins, ou então

nem mesmo são utilizadas por eles. Muitos comem fora, ou apenas compram um lanche e

comem dentro do quarto. Antônia, que está provisoriamente em Curitiba, disse que para

economizar o dinheiro que trouxe, em alguns dias apenas almoça e à noite não come nada.

Joana, do quarto ao lado de Antônia, comentou que a parte da casa que mais sente falta é a

cozinha, pois quando morava em uma casa em Santa Catarina possuía uma grande cozinha.

Sobre a área de serviços, alguns moradores mandam lavar suas roupas em lavanderias,

ou, no caso do cortiço da Ermelino de Leão, alguns pagam à Antônia para lavar, mas há ainda

os que se utilizam dos tanques existentes no local. No dia que conversei com o Samir o

encontrei no momento em que estava lavando louça no tanque de roupa. A dificuldade

relatada por alguns para lavar roupas na pensão é que, ou às vezes o tanque já está sendo

utilizado por alguém na hora que pretendem usar, ou pela possibilidade de “sumir” alguma

peça de roupa do varal.

Ao serem indagados sobre a falta de espaço, oito pessoas disseram que não sentem

falta de nada, enquanto o dobro afirmou sentir. O interessante foi que apesar de sentir falta de

algum espaço, vários disseram não saber bem que espaço seria este. Mas em geral, disseram

sentir falta de uma sala, ou para ter móveis ou receber visitas; de cômodos individuais,

especialmente quem tem filho pequeno; ou então, no caso da moradora Ângela, do cortiço da

Duque de Caxias, ela queria um quintal, para ter jardim e principalmente para ter espaço para

seu cachorro correr - que mora com ela no cortiço.

Casos % Casos % Casos % Casos % Casos % Casos % Casos % Casos %

Ótimo 1 4% - - - - - - - - 1 4% 2 7% 7 25%

Bom 8 29% 8 29% 8 29% 16 57% 11 39% 14 50% 11 39% 14 50%

Regular 10 36% 11 39% 7 25% 7 25% 9 32% 11 39% 7 25% 6 21%

Ruim 8 29% 5 18% 8 29% 3 11% 5 18% - - 7 25% 1 4%

Não sabe/ Não respondeu 1 4% 4 14% 5 18% 2 7% 3 11% 2 7% 1 4% - -

Total 28 100% 28 100% 28 100% 28 100% 28 100% 28 100% 28 100% 28 100%

FONTE: Elaboração da autora (2014)

Relação

Vizinhança

Segurança

Bairro

Distância

vizinhosBarulho

TABELA 3 - OPINIÃO DOS ENTREVISTADOS

Tamanho

do cômodo

Conforto

cortiço

Preço do

aluguel

Segurança

Prédio

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FIGURA 7 – EXEMPLO DE BANHEIRO DE DOIS CORTIÇOS

FONTE: A autora (2014)

No geral a percepção sobre as relações de vizinhança e a proximidade com os vizinhos

de porta/ parede, foram boas. Mesmo que em relação ao conforto em morar ali tenha

prevalecido depoimentos sobre ser regular ou ruim, e mesmo com algumas reclamações mais

pontuais sobre determinados vizinhos. Ao comentar sobre a relação entre os vizinhos, uma

das moradoras disse “aqui é como se fôssemos uma família”.

Os cômodos alugados, em sua maioria, são pequenos quartos onde dos entrevistados a

maior parte vive sozinha. Porém há casos de 2, 3 ou mais pessoas dividindo aquele pequeno

espaço, sendo utilizado para dormir, comer, algumas vezes até cozinhar, assistir televisão,

ouvir música, acessar a internet. Nessa exiguidade, têm que fazer isso em grande parte dos

casos, sentados/ deitados à cama, já que não há espaço para cadeiras ou mesa.

O “curioso”, descoberto através das conversas, é a existência de TV por assinatura e

internet em dois dos cortiços, pagos juntamente ao aluguel por quem optar pelo serviço. Nem

chegávamos a perguntar sobre estes equipamentos, os moradores informaram por conta

própria. Mais uma vez, é um dado que foge ao “padrão” de características que se esperava

encontrar nestes locais, mas que possui a devida importância dentro de suas possibilidades de

lazer. Ainda mais, mostra a capacidade de adaptação dos moradores e dos cortiços à vida do

cotidiano dos moradores da cidade.

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QUADRO 9 - NÚMERO DE MORADORES POR

HABITAÇÃO

Pessoas por cômodo Número de Casos

1 pessoa 14

2 a 3 pessoas 12

4 a 5 pessoas 2

Total 28

FONTE: Elaboração da autora (2014)

Em relação à moradia, no cortiço da Rua Ermelino de Leão, as declarações dos

entrevistados trouxeram um dado interessante, sobre uma “diferença social” interna. Lúcio,

ilusionista que mora ali há três anos, afirmou preferir morar no Centro, pois não gosta de

bairro, nem de vizinhança de bairro, gosta mesmo do movimento e das possibilidades do

centro. O ponto em que mora atualmente fica próximo de vários equipamentos públicos como

do Posto de Saúde, do comércio e da Feirinha do Largo da Ordem. Discorreu sobre seu local

de moradia com certo orgulho, inclusive em relação às possibilidades de mais conforto que

seus vizinhos. Ele aluga um quarto no que chama de “parte de cima”, que possui entrada pela

outra rua, a Al. Augusto Stellfeld, a qual permanece fechada, diferente da entrada onde

estávamos conversando.

Lúcio paga um pouco a mais de aluguel que os outros “da parte de baixo”, o que

garante ter um cômodo maior, com sua própria cozinha. Porém, durante o relato, ele mesmo

deixou claro que na verdade o que o espaço lhe permite é que ele possua uma “despensa” de

cozinha, e fogão dentro do mesmo cômodo em que dorme. Ao ser perguntado sobre

segurança, por exemplo, ele disse também que o lado do local em que ele morava era mais

seguro, mas que em geral era tudo tranquilo; apenas lamentou quando deixou uma jaqueta no

varal ao fundo do prédio e ela foi roubada. E que por isso, quando era alguma roupa mais

cara, ou que ele gostasse mais, ele lavava, esperava por ali enquanto ela secava um pouco, e

depois levava para seu quarto para terminar a secagem sem “nenhum risco”.

Fabrício, funcionário público, assim também como Lúcio, mencionou a “parte de

cima” do cortiço com certo orgulho. Afirmou ser bem melhor que a “parte de baixo”, que

paga R$500 de aluguel para ter um maior cômodo, mais conforto, e que lá (parte de cima) de

fato são quartos maiores, mais iluminados e mais seguros, já que a porta da rua de cima

permanece chaveada. Relata também que a passagem que existia anteriormente de um lado

para outro da pensão por dentro do espaço, não existe mais: para se deslocar do espaço de

cima da pensão para o debaixo, somente pelo lado de fora. Ele disse: “o lado de cá é mais

rústico, como vocês perceberam. O lado de lá é bem mais arrumadinho”.

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FIGURA 8 – QUARTO NA “PARTE DE BAIXO”

FONTE: A Autora (2014).

Em uma de nossas visitas tivemos oportunidade de adentrar o espaço, e entender um

pouco melhor esta lógica. De fato, na “parte de cima”, pela Rua Augusto Stellfeld, há dois

andares, com menos moradores e com melhor aparência interna, pintura em boa condição,

mais arejado organizado. Como custa mais caro, seus locatários possuem cômodos maiores,

ou alugam mais de um. Porém mesmo do “lado de cima” foi possível conhecer os quartos do

Roberto e da Fabiana, no térreo, precários, com baixa luminosidade natural, úmidos e

desarrumados.

Na “parte de baixo”, com entrada pela Ermelino de Leão, há mais dois andares, de

certa forma separada da outra parte da pensão. A entrada tem aparência ruim, com muitos

entulhos no corredor, ambiente escuro, quartos sem janela, numa mistura de alvenaria com

madeira. Segundo uma das moradoras, “os donos podem reformar, porém não mexer

totalmente na estrutura, para preservar seus aspectos históricos”. Neste dia, foram os próprios

moradores que iam me indicando com quem conversar. Alguns deles estavam enfeitando a

“parte de baixo” do prédio com bandeiras e bexigas verde-amarelas, tema do jogo do Brasil

na Copa do Mundo, que aconteceria no dia seguinte. A filha do dono havia comentado que

nos dias de jogo seu pai coloca a televisão no corredor, e o pessoal se reúne para assistir,

assim como em outras ocasiões o pessoal também se reúne para fazer algo junto, são todos

amigos.

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FIGURA 9 – CORREDOR DA “PARTE DE BAIXO”

FONTE: A autora (2014)

FIGURA 10 – QUARTO DA “PARTE DE CIMA”

FONTE: A autora (2014)

Em uma das visitas, em feriado antes da hora do almoço, primeiramente no corredor,

encontrei com o senhor Samir, e ao explicar para ele o que fazia ali, comentou que a Antônia,

que entrevistei dias antes, tinha lhe contado sobre minha visita, por isso ele sabia do que se

tratava. Conversamos e depois ele permitiu que víssemos onde ficava seu quarto, e nos

mostrou o restante do espaço que ainda não tinha conhecido. Ao adentrar no cortiço,

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esbarramos justamente na Antônia no segundo andar da “parte de baixo” andando de camisola

pelo corredor, que afirmou estar tentando descobrir se algum dos banheiros estava vazio, pois

“já fazia uns 20 minutos que estava esperando, e nada”.

No mesmo andar, conheci a “casa” da Roseli, que havia entrevistado dias antes e que

havia me explicado que alugava três cômodos mais um banheiro individual para ela, sua filha

e sua neta. Porém, com exceção do banheiro, foi difícil identificar a divisão dos outros

cômodos, já que o que podia ser visto era uma pia de louça e móveis de uma sala, como

poltrona, estante com televisão, tudo no mesmo espaço. E uma porta, explicou, que daria para

o pequeno quarto em que dormem juntas. “Com o preço que pago aqui (R$700), podia morar

num lugar melhor, mas não consigo me cadastrar pra fazer financiamento, mesmo

comprovando que sou autônoma”, diz ela.

Os valores altos dos aluguéis pagos pelos entrevistados e este relato de Roseli só

confirmam que o encortiçamento não é uma questão de escolha, mas o reflexo da falta de

acesso às políticas habitacionais para trabalhadores formais com baixa renda, para

trabalhadores intermitentes e para os desempregados.

De acordo com Maricato, a ausência de diagnósticos com dados mais precisos sobre as

cidades, demonstra que o conhecimento sobre a necessidade habitacional da população não é

considerado prioritário.

Se não interessa ao mercado não interessa também ao governo, por ele

influenciado, incluindo aí planejadores que se acostumaram a fazer vista grossa aos

números da ilegalidade territorial. (...) Qual a capacidade do mercado em atender

parte dessa população? Como viabilizar o assentamento residencial dos excluídos do

mercado formal? (MARICATO, 2001, p.135).

Ainda no endereço da Ermelino de Leão (a “parte de baixo”) no mesmo corredor,

encontramos um pequeno quarto ocupado por três haitianos. Eles permitiram que

entrássemos, mas não cabia todo mundo, então ficamos encostadas na porta e eles do lado de

dentro. Escolhemos um para direcionar a entrevista, chamado Bento. A conversa foi um

pouco difícil, a princípio ele parecia entender bem o português, porém não deu para avançar

muito com a conversa, não sabemos se porque não entendia bem as palavras, ou não entendia

qual o sentido de fazermos aquelas perguntas. Quando tentei perguntar sobre a relação com os

vizinhos, Bento não entendeu bem. Porém ao perguntar de forma diferente, “se as pessoas o

tratavam bem ali”, as coisas pareceram ficar mais claras, e ele afirmou com um leve sorriso

“Não, não tratam a gente bem”.

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Mais uma vez apareceu a existência da cozinha, porém sem ser utilizada. Os haitianos

comentaram sobre a existência da cozinha coletiva, porém disseram que não tem cozinha no

local, e que eles comem fora ou compram e comem dentro do quarto.

Raiane, de 16 anos, filha do proprietário do cortiço, que veio morar com o pai há cerca

de dois meses, comentou não se relacionar bem com os haitianos. Ao ser perguntado o

motivo, ela disse, que é porque eles se aproveitam para fingir que não entendem nossa língua,

para fingir que não entendem as regras do local. Ela diz:

“Não é que eu não me dou bem, mas eles se finge, sabe. Eles andam de

toalha lá embaixo, e tem mulher morando lá. Quando eu vi eu falei: ‘Ô! E o

respeito? Onde que tá o respeito?’ Ele riu, então eu disse: ‘que educação, cara, dar

risada na cara dos outros?’ Contei pro meu pai, ele foi lá falar com eles, e eles

ficaram bem quietinho. (...) E agora, tô xingando eles também, né, já que eles não

entendem nada. Eles têm medo do meu pai, perto dele eles não dão risada, ficam

quieto”. (Raiane).

Também no cortiço da Duque de Caxias, ao falar sobre a questão de sujeira, bagunça e

barulho, a maioria dos moradores brasileiros relacionavam estes aspectos ruins aos

estrangeiros. Afirmavam: “me desculpe falar, mas os argentinos são porcos, nem banho

alguns deles tomam”, ou então “agora está mais calmo, que diminuiu o número de argentinos,

mas antes tinha uns vinte, não dava pra aguentar”.

Nos outros dois cortiços, que possuem mais haitianos, a reclamação foi sobre suas

algazarras. E eles, quando encontrados no cortiço estão sempre conversando apenas entre si.

Jean, referido anteriormente, ao ser indagado sobre sua relação com a vizinhança, disse sem

pensar: “nenhuma”. Ele mesmo riu por ter dado a resposta tão prontamente, mas afirmou ser

difícil alguma comunicação, já que ele fala mal o português e em inglês ou francês seria mais

difícil ainda. Por isso, ele reveza a jornada de trabalho com a mulher, ela trabalha de dia e ele

à noite, passando a maior parte dos dias dentro do quarto sozinho com o filho de dois anos.

Viver em um cortiço significa falta de privacidade, filas nos banheiros,

espaço diminuto, brigas, bebedeiras, algazarras. Tudo se condensa na palavra

“confusão”. Confusão significa desordem, falta de controle, falta de respeito,

processos que levam ao desarranjo na vida cotidiana. (KOWARICK, 2013, pg. 69).

Já no cortiço da Rua Pedro Ivo, há um diferente aspecto de “diferença social”. No

último quarto do corredor, este já bem deteriorado, que terminava em uma mistura de

construção de alvenaria e madeira, estava Maria, com seu filho e uma amiguinha dele. Quarto

tão pequeno quanto o quarto dos haitianos visto no outro cortiço, por isso ficamos em pé na

porta durante a conversa. Ao mesmo tempo em que conversávamos, Maria passava café numa

cafeteira em cima de uma cadeira, enquanto o filho e a menina sentados na cama, de frente

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para a parede e de lado para a televisão, assistiam TV e comiam macarrão instantâneo em um

pote. Neste cortiço não há cozinha nem área de serviço, pois de acordo com o já comentado

por Leonardo “até o bujão de gás o pessoal rouba aqui”.

Ou seja, neste cortiço, dos quatro entrevistados, um é Farid, estrangeiro enfrentando

problemas para se estabilizar no país, outro é Leonardo, um senhor desempregado morando

“de favor”, a terceira Maria, uma senhora sem profissão ou renda fixa, com um filho pequeno

para criar, e a quarta, Soraya, uma mulher com visíveis problemas psicológicos, que não se

sabe como chegou até ali, e até quando será sustentável para os outros moradores conviver

com ela. Todos passando através de sua expressão corporal e depoimentos, uma certa

“aflição”, desesperança com suas condições, através de falas com tom de indignação, como

no caso do iraniano, ou então através de suspiros, olhar distante, demonstrado uma espécie de

conformação com a situação, no caso da Maria.

Em suma: trata-se de pessoas pobres desprovidas de capital cultural, destituídas

também de qualquer capital econômico, além de sua força de trabalho bruta, sem

nenhum aprendizado para as atividades com maior nível de qualificação e, em

consequência, com maior grau de remuneração, ou seja, sem precondições sociais

que lhes permitam apropriar-se dos benefícios inerentes ao desenvolvimento de uma

sociedade. (KOWARICK, 2013, pg.70).

Os relatos dos entrevistados permitiram demonstrar que mesmo estando todos os

moradores de cortiço em situação de precariedade, subalternidade, alguns se encontram mais

subjugados e segregados que outros. Alguns diferenciam-se dos outros moradores através dos

próprios espaços sociais criados dentro do cortiço. Outros encontram-se diante da sociedade

muito mais desprovidos de capital econômico e cultural e com uma percepção sobre seu lugar

social que não os permite se auto definir enquanto pessoas possuidoras de direitos e passiveis

de melhorias de vida.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao olhar para a questão urbana na cidade de Curitiba, podemos concluir que, ao

mesmo tempo em que a cidade é vista como referência em planejamento urbano, há que se

questionar a quem este planejamento beneficia, e de que maneira. E a definição mais comum

de “morar bem”, também envolve a propriedade do local de morada, e boa estrutura em seu

entorno, seja de equipamentos públicos, como postos de saúde, escolas, policiamento, quanto

equipamentos privados, como comércio, e proximidade das atividades diárias, como trabalho,

escola, faculdade.

Em Curitiba, é possível constatar que existem pessoas que dispõe de todos os

equipamentos urbanos necessários para viver, e que dispões de moradia de boa qualidade.

Porém, existem também aqueles que não conseguem ter acesso à devida estrutura, e buscam

alternativas para morar, viver, sobreviver.

Estas alternativas envolvem as pessoas que moram em áreas ilegais, irregulares,

assentamentos precários, ou quem mora na Região Metropolitana de Curitiba, por exemplo,

muito longe de onde exerce suas atividades, e precisa fazer longos, demorados e cansativos

caminhos de ônibus ou mesmo de carro, entre sua casa e a região central de Curitiba, que

ainda demonstra-se uma região muito importante na questão da circulação do comércio, da

geração de empregos, das opções de estudo, como escolas, cursos, faculdades, e da

possibilidade de lazer, em praças, ou mesmo shoppings centers, isto tanto para a população de

Curitiba quanto para os habitantes de seu entorno.

Podemos perceber que ao tratar das questões de moradia, e planejamento de melhorias

na área da habitação, quando há alguma política pública com este objetivo, costuma focar na

camada da população que se encontra em áreas de risco, terrenos irregulares, entre outras

situações em que há uma necessidade imediata de solução.

No Centro de Curitiba existem várias moradias de cortiço, porém os dados sobre elas

são de difícil acesso, desatualizados, e não levam a algum tipo de ação efetiva. E como se

constituem de propriedades particulares, a dificuldade de intervenção por parte do poder

público se agrava. Inclusive, um dos pontos que levam à invisibilidade das moradias de

cortiço, é a pouca ou nenhuma discussão sobre o tema, e menos ainda ações que intervenham

sobre este tipo de moradia. Mesmo quando há alguma intenção de desenvolvimento de

equipamentos urbanos e moradias no centro da cidade, suas ações não envolvem os

moradores encortiçados. Até porque é problemático pensar em uma solução para esta

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população, pois uma remoção, e desapropriação do local prejudicariam ainda mais seus

moradores, e a cobrança de melhorias por parte dos proprietários não parece viável.

Basicamente, cortiços são prédios/ terrenos de propriedade privada, que o dono divide

em vários espaços os quais são alugados, sem alguma burocracia contratual, e

consequentemente sem muitos direitos ao locatário, que habita em condições precárias, que

vão de instalações coletivas, como banheiros, a quartos úmidos, escuros, até mesmo sem

janela, pequenos espaços utilizados por uma ou mais pessoas, sem alguma privacidade ou

conforto.

Em resumo, o perfil dos moradores de cortiço entrevistados durante a pesquisa, traz os

seguintes dados: a maioria é do sexo masculino, com idade entre 21 e 50 anos, solteiros,

divorciados ou viúvos, que consequentemente levam a um maior número deles morando

sozinhos, grande parte mora no local atual há menos de 2 anos, são oriundos do mesmo

bairro, podendo ser também de outra cidade, outro estado ou mesmo outro país. Sobrevivem

de trabalhos intermitentes, não recebendo mais do que 4 salários-mínimos ao mês.

Boa parte da população que mora nestes locais, tem origem em Curitiba mesmo, ou

veio de cidades limítrofes ou então do interior do estado. Estas pessoas estão ali pelos mais

variados motivos, em muitos casos por questões familiares, porém mesmo que a princípio a

motivação principal para estar ali não seja a falta de teto em outro lugar, por exemplo, o fato

de se hospedar em um local assim demonstra a falta de opção deste morador, que opta pelo

mais barato. Ou mesmo os que estão ali com a finalidade de ficar mais próximos de seu local

de trabalho, justificam a escolha pela economia no pagamento de tarifa de transporte, por

poderem permanecer no centro, conformando-se com o local que possuem condição de pagar,

ou seja, um quarto pequeno em um local tumultuado.

Durante a pesquisa encontrou-se também considerável número de estrangeiros

vivendo nestes cortiços, com a justificativa de que estão aqui a trabalho. Alguns haitianos, que

assim como outros de seu país de origem vieram para o Brasil após o terremoto no Haiti em

2010, estão em Curitiba buscando empregos e moradia para si e para seus familiares. Outros,

como os equatorianos encontrados, afirmam que em seu país as condições de vida são

extremamente precárias, com pouca oferta de emprego, poucas possibilidades, e veem no

Brasil uma boa oportunidade de viver de trabalhos que não exijam alta qualificação, como

vender mercadorias na rua, fazer apresentações de música ao ar livre e vender seus discos. Há

também os argentinos, que assim como os equatorianos vivem de trabalhos intermitentes,

fazendo malabares nas ruas em troca de dinheiro, ou vendendo artesanatos. Porém, estes não

costumam se fixar por muito tempo em Curitiba, permanecem viajando, e veem nas moradias

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de cortiço uma possibilidade de pagar por dia e não mensalmente, sem burocracia. Para todos

os estrangeiros, o cortiço passa a ser a melhor possibilidade que eles encontram de morar no

centro da cidade, já que muitos deles não teriam condições nem mesmo de comprovar sua

renda para alugar um espaço de maneira mais formal.

Foi possível constatar também a relação de submissão dos encortiçados aos

proprietários da moradia, justificada pela forma de locação, que não acontece através de

contrato documentado, e permite que o dono aja de forma arbitrária, recebendo ou expulsando

moradores quando e da maneira que desejar. Situação que faz com que os moradores tenham

receio de criticar as instalações do local, e as situações adversas ocorridas entre a vizinhança.

Às vezes este receio se soma a uma suposta relação de amizade com o proprietário, que não

chega a ser tão sincera, já que o inquilino não pode criticar o locador nem os serviços que ele

lhe oferece.

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICES

APÊNDICE A – Imagens das moradias de cortiço

Um dos quartos da “parte de baixo” na R. Ermelino de Leão

FONTE: A autora (2014)

Cozinha coletiva no cortiço da R. Duque de Caxias

FONTE: A autora (2014)

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Quartos dos fundos do cortiço da R. Ermelino de Leão

FONTE: A autora (2014)

Pia externa no corredor da “parte de baixo” – R. Ermelino de Leão

FONTE: A autora (2014)

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Cozinha da “parte de cima”, cortiço daR. Ermelino de Leão

FONTE: A autora (2014)

Corredor do cortiço da Rua São Francisco

FONTE: A autora (2014)

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APÊNDICE B - Modelo do questionário aplicado aos moradores de cortiço

1. Dados socioeconômicos:

Características do entrevistado:

1.1. Sexo:

(1) feminino (2) masculino

1.2. Idade (anos)

(1) Menos de 1 (2) 1 a 5 (3) 6 a 10 (4) 11 a 15 (5) 16 a 20 (6) 21 a 25 (7) 26 a 30

(8) 31 a 35 (9) 36 a 40 (10) 41 a 45 (11) 46 a 50 (12) 51 ou mais

1.3. Estado civil:

(1) Solteiro (a) (2) Casado (a) (3) União Estável (4) Divorciado (a) (5) Viúvo (a)

1.4. Escolaridade:

(1) Analfabeto (2) Alfabetizado (3) Ens. Fund. I. (4) Ens. Fund. C. (5) Ens. Médio I.

(6) Ens. Médio C. (7) Superior Incompleto (8) Superior Completo

1.5. Número de moradores na residência:

(1) 1 (2) 2-3 (3) 4-5 (4) 6-7 (5) 8-9 (6) 10 ou mais

1.6. Quantidade de moradores por faixa etária (em anos):

(1) ___ menos de 1 (2) ___ 1 a 5 (3) ___ 6 a 10 (4) ___ 11 a 15 (5) ___ 16 a 20 (6)

___ 21 a 25 (7) ___26 a 30 (8) ___31 a 35 (9)___ 36 a 40 (10)___ 41 a 45 (11)___ 46 a

50 (12) ___51 ou mais

1.7. Ocupação:

1 _____________________________________

2 _____________________________________

3 _____________________________________

4 _____________________________________

1.8. Renda mensal (R$):___________________________

1.9. Valor mensal do aluguel:____________________________

1.10. Há quanto tempo residem na moradia atual?

(1) Até 6 meses (2) 7 meses a 1 ano (3) 1 ano a 2 anos (4) 2 anos a 5 anos (5) 5 anos ou

mais. Quantos anos?____________

1.11. Local da moradia anterior

(1) Mesmo Bairro (2) Outro Bairro (3) Outra Cidade. Qual? ___________________ (4)

Outro Estado. Qual?__________________ (5) Outro País. Qual?______________

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1.12. Que tipo de transporte você usa para chegar ao trabalho?

(1) Ônibus e/ou alternativos (2) Veículo próprio (3) 2 ou mais tipos de transporte

(4) Bicicleta (5) A pé (6) Outros. __________________________________

2. Residência e áreas comuns - adequação ao uso

O que você acha do:

2.1. Tamanho do apartamento/casa/cômodo?

(1) Ótimo (2) Bom (3) Regular (4) Ruim

Se possuir (individual ou coletiva) o que acha do:

2.2. Cozinha?

(1) Ótimo (2) Bom (3) Regular (4) Ruim (5) Não existe/ Não utiliza

2.3. Banheiro?

(1) Ótimo (2) Bom (3) Regular (4) Ruim

2.4. Área de serviço?

(1) Ótimo (2) Bom (3) Regular (4) Ruim (5) Não existe/ Não utiliza

2.5. Do conforto?

(1) Ótimo (2) Bom (3) Regular (4) Ruim

2.6. Do preço do aluguel? (1) Ótimo (2) Bom (3) Regular (4) Ruim

2.7. Você sente falta de espaço para desenvolver alguma atividade na sua casa?

(1) Sim (2) Não. Se sim, qual? _________________________________

3. Segurança

Como você classifica sua residência em relação a:

3.1. Segurança contra assaltos, roubos e invasões?

(1) Ótimo (2) Bom (3) Regular (4) Ruim

3.2. Como você classifica este bairro em relação à segurança?

(1) Ótimo (2) Bom (3) Regular (4) Ruim

4. Privacidade

Como você classifica sua casa/apartamento em relação a:

4.1. Distância entre os vizinhos em relação à sua privacidade?

(1) Ótimo (2) Bom (3) Regular (4) Ruim

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4.2. Barulho vindo de áreas externas?

(1) Ótimo (2) Bom (3) Regular (4) Ruim

5. Convivência Social

5.1. Como você qualifica as relações de vizinhança com os outros moradores?

(1) Ótimo (2) Bom (3) Regular (4) Ruim

6. Características das áreas comuns e de vizinhança

Quais serviços existem na vizinhança, e dentre eles, quais utiliza?

6.1 - Postos de Saúde/Hospital

(1) Ótimo (2) Bom (3) Regular (4) Ruim (5) Não utiliza

6.2 - Espaços de Recreação/Praças

(1) Ótimo (2) Bom (3) Regular (4) Ruim (5) Não utiliza

6.3 – Supermercados/Feiras/Comércio

(1) Ótimo (2) Bom (3) Regular (4) Ruim (5) Não utiliza

7.0 O que o motivou a vir morar aqui?

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

Entrevistado: ______________________________________________