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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem Doutorado em Estudos da Linguagem Área de concentração: Linguística Teórica e Descritiva REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE LAMPIÃO E SEU BANDO EM NOTÍCIAS DE JORNAIS MOSSOROENSES (1927): “O mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de asseclas” Ananias Agostinho da Silva NATAL 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · Quadro 16: Conectivos que favorecem a construção da representação discursiva de Lampião como derrotado em notícia do jornal

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE LETRAS Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem

Doutorado em Estudos da Linguagem Área de concentração: Linguística Teórica e Descritiva

REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE LAMPIÃO E SEU BANDO EM NOTÍCIAS DE JORNAIS MOSSOROENSES (1927): “O mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de

asseclas”

Ananias Agostinho da Silva

NATAL 2015

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ANANIAS AGOSTINHO DA SILVA

REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE LAMPIÃO E SEU BANDO EM NOTÍCIAS DE JORNAIS MOSSOROENSES (1927): “O mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de

asseclas”

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sob a orientação do Prof. Dr. Luís Passeggi, como requisito para obtenção do grau de Doutor.

NATAL

2015

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ANANIAS AGOSTINHO DA SILVA

REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE LAMPIÃO E SEU BANDO EM NOTÍCIAS DE JORNAIS MOSSOROENSES (1927): “O mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de

asseclas”

Tese apresentada como requisito para a obtenção do grau de Doutor em Estudos da Linguagem ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), Departamento de Letras, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, tendo sido defendida e aprovada em ____/____/2015, pela seguinte banca examinadora:

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Luís Álvaro Sgadari Passeggi (UFRN)

Presidente

_______________________________________________________________

Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues (UFRN)

Examinador Interno

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Andrey Pereira de Oliveira (UFRN)

Examinador Interno

_______________________________________________________________

Profa. Dra. Maria Eliete de Queiroz (UERN)

Examinadora Externa

_______________________________________________________________

Profa. Dra. Rosalice Botelho Wakim Souza Pinto (CLUNL-CEJEA-Portugal)

Examinadora Externa

______________________________________________________________

Prof. Dr. Gilton Sampaio de Souza (UERN)

Examinador Externo

NATAL 2015

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UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede Catalogação da Publicação na Fonte

Silva, Ananias Agostinho da.

Representações discursivas sobre lampião e seu bando em notícias de jornais mossoroenses (1927): “O mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de asseclas” / Ananias Agostinho da Silva. - Natal, 2016.

212 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Luís Álvaro Sgadari Passeggi.

Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem.

1. Representações discursivas - Tese. 2. Lampião - Tese. 3. Cangaceiros - Tese. 4. Notícias - Tese. 5. Análise do discurso - Tese I. Passeggi, Luís Álvaro Sgadari. II. Título.

RN/UF/BCZM CDU 81‟42:070.3(813.2)

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Já foi-se o tempo

Do fuzil papo amarelo

Prá se bater

Com poder lá do sertão

Mas lampião disse

Que contra o flagelo

Tem que lutar

Com parabelo na mão...

Lenine

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À minha saudosa vó, Felicidade, eu dedico.

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ABREVIATURAS

Análise Textual dos Discursos (ADT)

Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística (ANPOLL)

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

Grupo de Pesquisa em Análise Textual das Representações Discursivas (ATD-RD)

Grupo de Trabalho Linguística de Texto e Análise da Conversação (GT LTAC)

Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Esquema 03: Determinações textuais “ascendentes” e regulações

“descendentes”.......................................................................................................... 30

Figura 02: Esquema 04 – Níveis ou planos de discurso........................................... 36

Figura 03 – Esquema 05: Operações de segmentação e de ligação....................... 41

Figura 04 – Esquema 13: Operações de ligação que asseguram a continuidade

textual........................................................................................................................ 42

Figura 05 – Esquema 11: As três dimensões da proposição-enunciado.................. 47

Figura 06: Situação da comunicação........................................................................ 55

Figura 07: Cabeças decepadas de Lampião e de alguns cangaceiros de seu

bando......................................................................................................................... 87

Figura 08: Itinerário de Lampião e seu bando no Rio Grande do Norte................... 89

Figura 09: Formas de organização dos textos jornalísticos...................................... 95

Figura 10: Fac-símile de edição do jornal “O Mossoroense”................................... 104

Figura 11: Fac-símile de edição do jornal “Correio do Povo”.................................. 107

Figura 12: Fac-símile de edição do jornal “O Nordeste”.......................................... 110

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Tipos de anáfora..................................................................................... 44

Quadro 02: Síntese das sequências textuais............................................................ 51

Quadro 03: Operações de tematização..................................................................... 61

Quadro 04: Operações de aspectualização.............................................................. 61

Quadro 05: Operações de relação............................................................................ 61

Quadro 06: Gêneros do domínio discursivo jornalístico............................................ 92

Quadro 07: Gêneros centrais e periféricos................................................................ 97

Quadro 08: Notícias do jornal “O Mossoroense”..................................................... 105

Quadro 09: Notícias do jornal “Correio do Povo”.................................................... 109

Quadro 10: Notícias do jornal “O Nordeste”............................................................ 111

Quadro 11: Síntese da catalogação dos enunciados.............................................. 113

Quadro 12: Referentes que constroem a representação discursiva de Lampião como

chefe do cangaço na notícia do jornal O Mossoroense.......................................... 120

Quadro 13: Locativos espaciais que constroem a representação discursiva de

Lampião como chefe de cangaço em notícia do jornal O Mossoroense................. 123

Quadro 14: Predicados que constroem a representação discursiva de Lampião como

derrotado em notícia do jornal Correio do Povo...................................................... 126

Quadro 15: Locativos espaciais que constroem a representação discursiva de

Lampião como derrotado em notícia do jornal Correio do Povo............................. 127

Quadro 16: Conectivos que favorecem a construção da representação discursiva de

Lampião como derrotado em notícia do jornal Correio do Povo............................. 128

Quadro 17: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva

de Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste.................................. 131

Quadro 18: Predicados e termos circunstanciais que constroem a representação

discursiva de Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste................. 132

Quadro 19: Locativos temporais que favorecem a construção da representação

discursiva de Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste................. 133

Quadro 20: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação

discursiva de Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste................. 134

Quadro 21: Conectivos que favorecem a construção da representação discursiva de

Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste....................................... 135

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Quadro 22: Referentes que constroem a representação discursiva de Lampião como

capitão e senhor em notícia do jornal O Nordeste.................................................. 137

Quadro 23: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva

de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O

Mossoroense........................................................................................................... 143

Quadro 24: Predicados e termos circunstantes que constroem a representação

discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O

Mossoroense........................................................................................................... 145

Quadro 25: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação

discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O

Mossoroense........................................................................................................... 147

Quadro 26: Locativos espaciais que constroem a representação discursiva de grupo

para os cangaceiros de Lampião............................................................................ 148

Quadro 27: Conetivos que favorecem a construção da representação discursiva de

grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense....... 149

Quadro 28: Predicados e termos circunstantes que constroem a representação

discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia de jornal O

Mossoroense........................................................................................................... 152

Quadro 29: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva

de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo.. 156

Quadro 30: Predicação e termos circunstantes que constroem a representação

discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do

Povo........................................................................................................................ 158

Quadro 31: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação

discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do

Povo........................................................................................................................ 159

Quadro 32: Locativos temporais que favorecem a construção da representação

discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do

Povo........................................................................................................................ 160

Quadro 33: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva

de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia de jornal Correio do

Povo........................................................................................................................ 162

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Quadro 34: Predicação e termos circunstantes que constroem a representação

discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio

do Povo................................................................................................................... 163

Quadro 35: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação

discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio

do Povo................................................................................................................... 165

Quadro 36: Locativos temporais que favorecem a construção da representação

discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio

do Povo................................................................................................................... 165

Quadro 37: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação

discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O

Nordeste.................................................................................................................. 170

Quadro 38: Predicação e termos circunstantes que constroem a representação

discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O

Nordeste.................................................................................................................. 173

Quadro 39: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação

discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O

Nordeste.................................................................................................................. 174

Quadro 40: Locativos temporais que favorecem a construção da representação

discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O

Nordeste.................................................................................................................. 175

Quadro 41: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva

de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Nordeste.... 177

Quadro 42: Síntese das operações semânticas de construção de representações

discursivas versus os recursos linguístico-textuais................................................. 181

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SILVA, Ananias Agostinho da. REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE LAMPIÃO E SEU BANDO EM NOTÍCIAS DE JORNAIS MOSSOROENSES (1927): “O mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de asseclas”. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2015 (UFRN/PPgEL).

RESUMO

Nesta tese de doutoramento analisamos as representações discursivas do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e seu bando de cangaceiros em notícias de jornais mossoroenses publicados na década de vinte do século passado (1927), de quando da invasão do bando à cidade de Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte, em treze de junho daquele ano. Para tanto, tomamos por fundamentação os pressupostos teóricos da Linguística Textual, especialmente do quadro mais restrito do que se designa hoje como Análise Textual dos Discursos (ATD), abordagem teórica e descritiva de estudos linguísticos do texto proposta pelo linguista francês Jean-Michel Adam. Desta abordagem, interessa-nos, de modo específico, o nível semântico do texto, com destaque para a noção de representação discursiva, estudada com base nas operações de referenciação, predicação, modificação, localização espacial e temporal, conexão e analogia (ADAM, 2011; CASTILHO, 2010; KOCH, 2002, 2006; MARCUSCHI, 1998, 2008; NEVES, 2007; RODRIGUES, PASSEGGI, SILVA NETO, 2010). O corpus desta pesquisa é composto por três notícias publicadas na década de vinte do século passado nos jornais O Mossoroense, Correio do Povo e O Nordeste, e reconstituídas por meio de coleta realizada nos arquivos do Museu Municipal Lauro da Escócia, do Memorial da Resistência de Mossoró, ambos localizados em Mossoró, e na coletânea de notícias de jornais Lampião em Mossoró, do historiador norte-rio-grandense Raimundo Nonato. As representações discursivas são construídas a partir do emprego das operações semânticas de análise. Para Lampião, são construídas as seguintes representações: bandido, chefe de cangaceiros, subornador, derrotado, Capitão e Senhor. Para os cangaceiros do bando de Lampião foram construídas as seguintes representações discursivas: grupo, bando, bandidos, companheiros, matilha sanguinária, bandoleiros, cangaceiros, facínoras, horda assaltante, feras e selvagens. Essas representações revelam, principalmente, os pontos de vista dos jornais daquela época, que representavam, essencialmente, os interesses de comerciantes, de políticos, do próprio governo e da população mossoroense de modo geral.

Palavras-chave: Representações discursivas. Lampião. Bando de cangaceiros. Notícias.

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SILVA, Ananias Agostinho da. REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE LAMPIÃO E SEU BANDO EM NOTÍCIAS DE JORNAIS MOSSOROENSES (1927): “O mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de asseclas”. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2015 (UFRN/PPgEL).

ABSTRACT

In this doctoral thesis analyzed the discursive representations of the bandit Lampião,

the Lantern and his bandits gang in news mossoroenses newspapers published in

the twenties of the last century (1927), when the gang invasion of the city of Mossoro

in the state of Rio Grande do Norte, on June 13 of that year. To this end, we take as

basis the theoretical assumptions of linguistics Textual, especially the narrower

context of what is known today as Textual Analysis of the Discourses (ADT),

theoretical and descriptive approach to linguistic studies of the text proposed by the

French linguist Jean-Michel Adam. In this approach, we are interested in, specifically,

the semantic level of the text, highlighting the notion of discursive representation,

studied based on benchmarking operations, predication, modification, spatial location

and temporal connection and analogy (ADAM, 2011; CASTILHO, 2010; KOCH,

2002, 2006; MARCUSCHI, 1998, 2008; NEVES, 2007; RODRIGUES, PASSEGGI &

SILVA NETO, 2010). The corpus of this research consists of three reports in the

twenties of the last century in newspapers The Mossoroense, Correio do Povo and

the Northeast, and reconstituted through the collection held in the Municipal Museum

Lauro Scotland files, Memorial Resistance Mossoro, both located in Natal, and in the

news collection of Lampião newspapers in Natal, north of Rio Grande Raimundo

Nonato historian. The discursive representations are built from the use of semantic

analysis operations. Lampião to, the following representations are built: bandit, head

of bandits, briber, defeated, Captain and Lord. To the outlaws of Lampião bunch of

the following discursive representations were built: group, gang, gangsters, mates,

bloodthirsty pack, brigands, bandits, criminals, burglar horde, and wild beasts. These

representations reveal mainly the views of the newspapers of that time, which

represented mainly the interests of traders, politicians, the government itself and

generally Mossoró population.

Keywords: Discursive representations. Lampião. Bunch of bandits. News.

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SILVA, Ananias Agostinho da. REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE LAMPIÃO E SEU BANDO EM NOTÍCIAS DE JORNAIS MOSSOROENSES (1927): “O mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de asseclas”. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2015 (UFRN/PPgEL).

RESUMEN

En esta tesis doctoral se analizan las representaciones discursivas del bandolero Virgolino Ferreira da Silva, el Lampião, y su grupo de bandidos en noticias de periódicos mossoroenses publicados en los años veinte del siglo pasado (1927), cuando el grupo realizó la invasión de la ciudad de Mossoro en el estado de Rio Grande do Norte, el 13 de junio de ese año. Para ello, toma para la base de analize los supuestos teóricos de la Lingüística Textual, especialmente el contexto más estrecho de lo que se conoce hoy en día como Análise Textual dos Discursos (ATD), enfoque teórico y descriptivo de los estudios lingüísticos del texto propuesto por el lingüista francés Jean-Michel Adam. En este enfoque, nos interesa, en concreto, el nivel semántico del texto, poniendo de relieve la noción de representación discursiva, estudió sobre la base de las operaciones de evaluación comparativa, la predicación, la modificación, la ubicación espacial y temporal, la conexión y la analogía (Adam, 2011 ; CASTILHO, 2010; Koch, 2002, 2006; Marcuschi, 1998, 2008; Neves, 2007; RODRIGUES, PASSEGGI, SILVA NETO, 2010). El corpus de este estudio consiste en tres noticias publicadas en los años veinte del siglo pasado en los periódicos O Mossoroense, Correio do Povo y O Nordeste, y reconstituidos mediante la reunión que tuvo lugar en los archivos de lo Museo Municipal Lauro Escocia e de lo Memorial da Resistência de Mossoro, ambos situados en Mossoró-RN, y en la colección de noticias de lo libro Lampião em Mossoró, de lo historiador Raimundo Nonato. Las representaciones discursivas se construyen a partir del uso de las operaciones de análisis semántico. Para Lampião, las siguientes representaciones se construyen: bandido, jefe de bandidos, sobornador, derrotado, el capitán y Señor. Para los bandidos de Lampião manojo de las siguientes representaciones discursivas se construyeron: grupo, cuadrilla, gángsteres, compañeros, paquete sanguinaria, ladrones, bandidos, criminales, horda antirrobo, bestias y salvajes. Estas representaciones muestran principalmente los puntos de vista de los periódicos de la época, lo que representaba principalmente los intereses de los comerciantes, los políticos, el propio gobierno y en general la población Mossoró. Palabras-clave: Representaciones discursivas. Lampião. El manojo de bandidos. Noticias.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I: CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS............................................. 17

1.1 Primeiras palavras............................................................................................. 17

CAPÍTULO II: A ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS: UMA TEORIA DA

PRODUÇÃO (CON)TEXTUAL DE SENTIDOS........................................................ 24

2.1 Linguística Textual: perspectivas.................................................................... 24

2.2 Análise Textual dos Discursos: a proposta de Jean-Michel Adam.............. 29

2.2.1 Os níveis de análise......................................................................................... 36

2.3 O nível semântico da Análise Textual dos Discursos................................... 40

2.4 As unidades de análise..................................................................................... 45

2.4.1 A proposição..................................................................................................... 46

2.4.2 O período.......................................................................................................... 48

2.4.3 As sequências.................................................................................................. 49

2.4.4 O plano de texto............................................................................................... 51

CAPÍTULO III: SOBRE AS OPERAÇÕES DE CONSTRUÇÃO DE

REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS...................................................................... 53

3.1 Representações discursivas............................................................................ 53

3.2 Operações semânticas de construção de representações discursivas...... 58

3.2.1 Operações da sequência descritiva – Jean-Michel Adam............................... 59

3.3.3 Categorias semânticas – Ataliba T. de Castilho............................................... 62

3.2.4 Operações semânticas – Maria Helena de Moura Neves................................ 65

3.3 Redefinindo as operações de análise das representações discursivas...... 68

3.3.1 Referenciação.................................................................................................. 69

3.3.2 Predicação........................................................................................................ 71

3.3.3 Modificação...................................................................................................... 72

3.3.3.1 Modificação da referenciação ....................................................................... 73

3.3.1.2 Termos circunstantes.................................................................................... 74

3.3.4 Localização espacial e temporal...................................................................... 74

3.3.5 Conexão........................................................................................................... 75

3.3.6 Analogia............................................................................................................ 76

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CAPÍTULO IV: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ASPECTOS METODOLÓGICOS

DA PESQUISA.......................................................................................................... 79

4.1 Caracterização geral da pesquisa.................................................................... 79

4.2 Procedimentos para a constituição do corpus da investigação.................. 81

4.3 Cangaço: Lampião e seu bando de cangaceiros........................................... 85

4.3.1 Sobre o assalto à cidade de Mossoró.............................................................. 88

4.4 O domínio discursivo jornalístico.................................................................... 90

4.4.1 Sobre o jornal e seus gêneros.......................................................................... 93

4.4.2 A notícia............................................................................................................ 98

4.5 O corpus: dos jornais às notícias selecionadas.......................................... 102

4.5.1 O Mossoroense.............................................................................................. 102

4.5.2 Correio do Povo.............................................................................................. 106

4.5.3 O Nordeste..................................................................................................... 109

4.6 Protocolo de análise dos dados.................................................................... 112

CAPÍTULO V: ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS DE

LAMPIÃO................................................................................................................ 116

5.1 A construção de representações discursivas de Lampião em notícias de

jornal....................................................................................................................... 116

5.1.1 Representações discursivas de Lampião em notícia do jornal O

Mossoroense.......................................................................................................... 116

5.1.1.1 Lampião – Bandido...................................................................................... 117

5.1.1.2 Lampião – Chefe do cangaço...................................................................... 119

5.1.2 Representações discursivas de Lampião em notícia do jornal Correio do

Povo........................................................................................................................ 124

5.1.2.1 Lampião – Chefe de cangaceiros................................................................ 124

5.1.2.2 Lampião – Derrotado................................................................................... 125

5.1.2.3 Lampião – Subornador................................................................................ 126

5.1.3 Representações discursivas de Lampião em notícia do jornal O Nordeste... 127

5.1.3.1 Lampião – Bandido...................................................................................... 130

5.1.3.1 Lampião – Capitão e Senhor....................................................................... 136

5.1.4 Síntese........................................................................................................... 138

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CAPÍTULO VI: ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS DO BANDO DE

CANGACEIROS DE LAMPIÃO.............................................................................. 140

6.1 A construção de representações discursivas do bando de cangaceiros de

Lampião em notícias de jornal............................................................................. 140

6.1.1 Representações discursivas do bando de cangaceiros de Lampião em notícia

do jornal O Mossoroense........................................................................................ 140

6.1.1.1 Grupo........................................................................................................... 141

6.1.1.2 Bando.......................................................................................................... 150

6.1.1.2 Bandidos...................................................................................................... 151

6.1.1.3 Companheiros ............................................................................................ 153

6.1.1.4 Matilha......................................................................................................... 153

6.1.2 Representações discursivas do bando de cangaceiros de Lampião em notícia

do jornal Correio do Povo........................................................................................ 154

6.1.2.1 Grupo........................................................................................................... 154

6.1.2.2 Bandidos...................................................................................................... 160

6.1.2.3 Bandoleiros.................................................................................................. 166

6.1.2.4 Facínoras..................................................................................................... 167

6.1.2.5 Horda assaltante......................................................................................... 168

6.1.3 Representações discursivas do bando de cangaceiros de Lampião em notícia

do jornal O Nordeste............................................................................................... 169

6.1.3.1 Grupo........................................................................................................... 169

6.1.3.2 Bandidos...................................................................................................... 171

6.1.3.3 Bando.......................................................................................................... 172

6.1.3.4 Feras e selvagens....................................................................................... 177

6.1.3.5 Companheiros............................................................................................. 178

6.1.4 Síntese........................................................................................................... 179

CAPÍTULO VII: SÍNTESE DOS RESULTADOS DAS ANÁLISES E

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 180

REFERÊNCIAS....................................................................................................... 186

ANEXOS

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...16

CAPÍTULO I: CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

Corre gente! Corre tudo

Que Lampião vem chegando!!!

Com mais cinquenta cabras

Já vem se aproximando!

Foi enorme a correria

E a meninada chorando.

Arievaldo Vianna

1.1 Primeiras palavras

Esta tese de doutoramento trata sobre as representações discursivas do

cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e seu bando em notícias de

jornais mossoroenses publicados na década de vinte do século passado (1927), de

quando da invasão do bando à cidade de Mossoró, no estado do Rio Grande do

Norte, em treze de junho daquele ano. A escolha por esse corpus se justifica em

razão da relevância histórica, social e cultural dessas notícias, assim como pelo

interesse pessoal do pesquisador em melhor conhecer a atuação do cangaço

lampeônico no estado do Rio Grande do Norte e sua influência na história do Brasil

sob o viés dos estudos linguísticos.

Para tanto, buscamos fundamentação em pressupostos teóricos da

Linguística Textual, especialmente no quadro mais restrito do que se designa hoje

como Análise Textual dos Discursos (ADT), abordagem teórica e descritiva de

estudos linguísticos do texto, que, “com o objetivo de pensar o texto e o discurso em

novas categorias, situa decididamente a linguística textual no quadro mais amplo da

análise do discurso” (ADAM, 2011, p. 24). Esta perspectiva visa “teorizar e descrever

os encadeamentos de enunciados elementares no âmbito da unidade de grande

complexidade que constitui um texto” (p. 63), recorrendo a elementos da Análise de

Discurso e da Linguística Textual.

Dentre os principais níveis de análise sugeridos por Adam (2011), situamos

nossa pesquisa no nível semântico do texto, focalizando, de modo especial, a noção

de representação discursiva. Conforme Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010, p.

173), “todo texto constrói, com menor ou maior explicitação, uma representação

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...17

discursiva do seu enunciador, de seu ouvinte ou leitor e dos temas ou assuntos que

são tratados”. No caso desta tese de doutoramento, interessam-nos os temas

tratados nas notícias, especificamente a construção de representações discursivas

de Lampião e seu bando de cangaceiros.

No âmbito do Grupo de Pesquisa em Análise Textual dos Discursos (ATD) e

do Grupo de Pesquisa em Análise Textual das Representações Discursivas (ATD-

RD): Conceptualizações, Narrativas, Emoções (registrados no Diretório dos Grupos

de Pesquisa, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –

CNPq) ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), várias

pesquisas têm sido desenvolvidas focalizando o nível semântico de textos políticos,

jornalísticos, jurídicos, epistolares, dentre outros, de impacto social e relevância

histórica.

Entre os trabalhos que tratam especificamente da noção de representação

discursiva, merece destaque o artigo pioneiro publicado no Brasil dos professores

Maria das Graças Soares Rodrigues, Luís Passeggi e João Gomes da Silva Neto

(2010), sobre as representações discursivas que o ex-presidente da Câmara dos

Deputados, Severino Cavalcanti, faz de si próprio como sertanejo no discurso de

renúncia ao cargo, em setembro de dois mil e cinco. A este, seguem-se vários

outros trabalhos desenvolvidos no âmbito daqueles grupos de pesquisa e do

Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

A tese de doutoramento de Milton Guilherme Ramos (2011) observa como

vestibulandos e pré-vestibulandos constroem representações discursivas dos verbos

ficar e namorar em produções textuais escritas. Fundamentado na Análise Textual

dos Discursos (ADAM, 2011) e na Semântica de Frames (FILMORE, 2006), ele

analisou cento e sessenta e oito textos empíricos e constatou que a construção de

representações discursivas de ficar e namorar ocorre de forma diferenciada, por

meio da designação dos referentes, da predicação, da aspectualização, das

circunstâncias espaciotemporais e do uso de metáforas, ressaltando a influência do

conhecimento enciclopédico e da cultura, além da presença de componentes

cognitivos relativos à produção textual.

A dissertação de mestrado de Karla Geane Oliveira (2013) analisa como se

constroem as representações discursivas da figura feminina no jornal O Povir,

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...18

periódico quinzenal que circulou na cidade de Currais Novos, no Estado do Rio

Grande do Norte, nos anos finais da década de vinte do século passado. Também

baseada na Análise Textual dos Discursos, Oliveira (2013) analisou duzentos e

noventa e dois textos que abordavam aspectos relativos à figura feminina de trinta,

em nove edições do jornal, e constatou que senhorinha, mãe, esposa e dona de

casa foram as representações mais presentes nos textos, sempre em consonância

com as questões de ordem de maternidade, do casamento e da dedicação ao lar.

Maria Eliete de Queiroz (2013), em sua tese de doutoramento, investiga como

as representações discursivas do locutor e dos alocutários são construídas no

discurso de renúncia ao mandato de senador, proferido por Antônio Carlos

Magalhães (ACM), em maio de dois mil e um. De posse do instrumental da Análise

Textual dos Discursos, Queiroz (2013) observa que a representação discursiva do

locutor (Antônio Carlos Magalhães) é constituída “pelo conjunto de representações

mais específicas, expressas nas referenciações e nas suas modificações: vítima;

político; sigla; nordestino; presidente do senado; senador confiante; condenado”.

Como protagonista, “ele assume sempre a sua voz no discurso, manifesta seus

pontos de vista e posiciona-se como sujeito ativo, consciente da importância do seu

papel político e social, que o torna alvo e vítima das ações dos adversários” (p. 11).

A dissertação de mestrado de Alba Valéria Saboia Teixeira Lopes (2014)

identifica e descreve o fenômeno da representação discursiva da vítima e do

agressor no gênero sentença judicial. A pesquisa de Lopes (2014) insere-se no

âmbito teórico da Análise Textual dos Discursos e analisa uma sentença judicial, de

natureza penal, coletada eletronicamente do sítio do Tribunal de Justiça de São

Paulo – Poder Judiciário, com a temática da violência contra a mulher. Como

resultados, a autora demonstra que a construção da representação discursiva dos

sujeitos (vítima e agressor) se dá a partir de pontos de vista de enunciadores

distintos, que podem aproximar-se ou distanciar-se de acordo com a orientação

argumentativa do texto.

Na tese de doutoramento de Benedita Vieira de Andrade (2014), são

analisadas as representações discursivas de Câmara Cascudo em vinte cartas

escritas por Mário de Andrade entre os anos de mil novecentos e vinte e quatro e mil

novecentos e quarenta e quatro. Também fundada na Análise Textual dos

Discursos, Andrade (2014) conclui que são várias as representações discursivas de

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...19

Câmara Cascudo construídas e reconstruídas nos textos de Mário de Andrade. Na

verdade, segundo ela, é possível observar a construção de um conjunto de

diferentes representações discursivas, com destaque para a representação de

escritor, intelectual e amigo.

Anahy Samara Zamblano de Oliveira (2014), em sua tese de doutoramento,

descreve as representações discursivas que a presidenta Dilma Rousseff faz de si

mesma no seu discurso de posse em primeiro de janeiro de dois mil e onze.

Orientada pelas proposições da Análise Textual dos Discursos, Zamblano de

Oliveira (2014) observa que a representação discursiva da presidenta é configurada

por meio de diferentes domínios conceituais, explicitados pelas referenciações e

predicações, com destaque para as designações e ações e para os estados de

mulher e de presidenta, que remetem, respectivamente, aos domínios de gênero e

ao papel político-institucional.

Finalmente, a tese de doutoramento de Lucélio Dantas de Aquino (2015)

analisa as representações discursivas de Lula nas capas das revistas Época e Veja,

atentando para os elementos verbovisuais que constituem o gênero de

discurso capa de revista. Tomando como fundamentação teórica a Análise Textual

dos Discursos, Aquino (2015) analisa quarenta e uma capas de revistas e verifica

que são construídas diversas representações de Lula, tais como: candidato,

candidato eleito, presidente, presidente eleito, presidente reeleito, governante e

membro de partido político, político, petista, aliado de governos internacionais,

cúmplice e participante em escândalos de corrupção, amigo, irmão, primo, sobrinho,

pai, parente e homem.

Nossa investigação se situa neste panorama de pesquisas com foco na

análise semântica de textos concretos e na noção de representação discursiva. Está

diretamente vinculada ao Grupo de Pesquisa em Análise Textual das

Representações Discursivas (ATD-RD): Conceptualizações, Narrativas, Emoções,

mais especificamente à linha de pesquisa “Análise textual do discurso jornalístico”. A

vinculação de nossa pesquisa a este grupo não se dá simplesmente pelo fato de

sermos membros e pesquisadores do mesmo, mas, principalmente, pela

aproximação entre os objetivos propostos nessa tese e os objetivos das

investigações desenvolvidas no âmbito do grupo, que, de modo geral, procuram

descrever e interpretar no discurso jornalístico, nos seus diferentes gêneros e

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...20

suportes, a construção das representações discursivas dos enunciadores, dos

coenunciadores e dos temas tratados.

Assim delimitada, esta pesquisa busca responder a seguinte indagação:

Como se efetiva o processo de construção de representações discursivas

sobre Lampião e seu bando de cangaceiros em notícias de jornais

mossoroenses sobre o assalto do bando à cidade de Mossoró?

Na tentativa de encontrar respostas para o questionamento central desta

pesquisa, objetivamos, de modo geral, investigar a construção de representações

discursivas de Lampião e seu bando de cangaceiros em notícias publicadas em

jornais mossoroenses publicados na década de vinte do século passado, de quando

da invasão do bando à cidade de Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte.

Em decorrência deste objetivo geral, estabelecemos como objetivos

específicos:

Identificar e mapear os mecanismos linguístico-textuais responsáveis pela

construção de representações discursivas de Lampião e seu bando de

cangaceiros, observando a recorrência desses mecanismos no corpus

analisado;

Descrever, analisar e interpretar o processo de construção de

representações discursivas de Lampião e seu bando de cangaceiros e os

efeitos de sentido que elas produzem nas notícias analisadas,

considerando as especificidades do gênero.

Apresentar contribuições teóricas e metodológicas para os estudos e as

pesquisas que tematizam questões relacionadas à construção de

representações discursivas dos temas ou assuntos tratados, especialmente

em gêneros jornalísticos, bem como para os estudos linguísticos e

discursivos dos textos.

Para dar conta dos objetivos apresentados, recorremos a procedimentos de

análise que supõem levantamentos detalhados das ocorrências de fenômenos

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...21

linguísticos que assinalam representações discursivas, analisadas conforme as

operações semânticas descritas a seguir e detalhadas ao longo deste trabalho:

Referenciação;

Predicação;

Modificação;

Localização especial e temporal;

Conexão;

Analogia.

As discussões teóricas e metodológicas e o trabalho de análise dos dados

aqui construídos conferiram a esta tese que ora apresentamos uma organização que

se estrutura em sete capítulos, descritos abaixo:

O primeiro capítulo é dedicado à introdução da tese. Nele, apresentamos

um desenho de nossa investigação, enfocando aspectos como: a temática

da pesquisa, a justificativa para escolha do corpus, o estado da arte, a

questão de pesquisa, os objetivos, as operações semânticas de análise e a

organização estrutural do texto.

O segundo e o terceiro capítulo são dedicados à apresentação do quadro

teórico da investigação. O segundo capítulo encontra-se dividido,

basicamente, em duas partes: na primeira, apresentamos uma

retrospectiva da Linguística Textual, atentando para as principais

perspectivas de trabalho e análise desta corrente da Linguística; na

segunda parte, nos detemos à apresentação da Análise Textual dos

Discursos, perspectiva teórico-metodológica proposta pelo linguista francês

Jean-Michel Adam, focalizando o nível semântico de análise dos textos.

O terceiro capítulo é destinado à noção de representação discursiva,

pautada em Adam (2011) e no princípio de esquematização discursiva de

Jean-Blaize Grize (1990, 1996). Além disso, são apresentadas, discutidas e

redefinidas as principais operações de construção de representações

discursivas adotadas na análise dos dados deste trabalho anteriormente

citadas.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...22

No quarto capítulo, apresentamos os aspectos metodológicos da pesquisa,

enfatizando o percurso realizado para a escolha da metodologia

empregada na coleta e seleção do corpus e análise dos dados.

Destacamos neste capítulo, também, aspectos relativos ao gênero textual

notícia e realizamos uma síntese histórica sobre o cangaço no Nordeste do

Brasil, especialmente sobre a atuação de Lampião.

O quinto e o sexto capítulos são dedicados à análise e interpretação dos

dados. No quinto, analisamos as representações discursivas de Lampião

construídas a partir das operações de análise nas notícias que compõem o

corpus deste trabalho. No sexto capítulo, analisamos as representações

discursivas do bando de cangaceiros de Lampião, também considerando

as operações semânticas de análise.

O sétimo e último capítulo é dedicado à síntese dos resultados, às

principais contribuições da pesquisa para os estudos do texto e do discurso

e às considerações finais. Ao final, encontram-se as referências

bibliográficas e os anexos com a reprodução das notícias analisadas.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...23

CAPÍTULO II: A ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS: UMA TEORIA DA PRODUÇÃO (CON)TEXTUAL DE SENTIDO

Foi uma tarde chuvosa

De tempestade e trovão

Que Virgolino Ferreira

Chamado de Lampião

Comandou o grande ataque

Com o fim de fazer saque

Da capital do sertão

José Cordeiro

2.1 Linguística Textual: perspectivas

A Linguística Textual começou a se desenvolver na Europa a partir da década

de sessenta do século passado, com maior ênfase e destaque na região germânica.

Constituindo um campo específico da Linguística – enquanto ciência da linguagem –

a Linguística Textual, conforme sugerem Fávero e Koch (20121), assume como

principal proposta de trabalho tomar o texto, e não mais a palavra nem a frase, como

objeto particular de investigação. Diferentemente da palavra e da frase, unidades

básicas, mas não completas, porque, dentre outros aspectos, não consideram o

contexto de produção, o texto constitui uma forma específica de manifestação de

linguagem.

A sugestão de se ultrapassar os limites de análise da palavra e da frase

consiste em um projeto inovador e em um amplo esforço teórico de muitos

estudiosos da linguagem da época. Prova disso é que, a partir dessa década de

sessenta, conforme enumeram Fávero e Koch (2012) e Marcuschi (1998), surge

uma rica bibliografia sobre o assunto, principalmente na Europa e nos Estados

Unidos, com destaque para autores como Heidolph, Hartung, Isenberg, Thümmel,

Hartmann, Harweg, Petöfi, Dressler, Van Dijk, Schmidt, Kummer, Wunderlich, dentre

outros que passaram a questionar a frase como unidade de análise, tendo em vista

as lacunas e deficiências que o trabalho com a mesma apresentava no estudo de

vários fenômenos da língua.

1 Trata-se da obra Linguística Textual: Introdução, publicada na década de oitenta (1983). Entretanto,

neste trabalho, dado o esgotamento da primeira edição, recorremos à uma nova publicação da obra pela editora Cortez.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...24

Ao final da década de setenta, Conte (1977) afirma ser possível falar em três

momentos tipológicos da Linguística Textual: i) análise transfrástica, ii) as gramáticas

de texto e iii) as teorias de textos. Apesar de organizados de forma sequenciada,

esses momentos não podem ser concebidos, na passagem de um para o outro, a

partir de uma ótica cronológica, porque o desenvolvimento da Linguística Textual

não se deu de forma homogênea e linear.

No momento denominado de análise transfrástica, o interesse dos estudiosos

começou a se voltar “para fenômenos que não conseguiam ser explicados pelas

teorias sintáticas e/ou pelas teorias semânticas que ficassem limitadas ao nível da

frase” (BENTES, 2006, p. 247), como a correferenciação. Para tentar explicar

fenômenos como este, os estudiosos partiam de enunciados ou sequência de

enunciados (frases) para o texto, compreendido por Isenberg (apud BENTES, 2006,

p. 247) como uma “sequência coerente de enunciados”. Portanto, neste momento, o

objetivo principal dos estudiosos era estudar os tipos de relações que se

estabeleciam entre os diversos enunciados que constituem uma sequência

significativa – o texto – (FÁVERO & KOCH, 1998).

Entretanto, muitos autores (LANG, 1971, 1972; DRESSLER, 1972, 1977;

DIJK, 1972, 1973; PETÖFI, 1972, 1976) perceberam que as análises realizadas em

torno dos enunciados ou das sequências de enunciados não consideravam fatores

como o conhecimento intuitivo do falante, o contexto de produção dos enunciados,

dentre outros fatores. Diante dessa constatação, esses e outros autores começaram

a elaborar gramáticas textuais, que refletissem “sobre os fenômenos lingüísticos

inexplicáveis por meio de uma gramática do enunciado” (FÁVERO & KOCH, 1998, p.

14). Neste momento, o texto passou a ser considerado não mais como uma simples

sequência de frases, mas a sua produção e compreensão derivam de uma

competência do falante, a competência textual. Esta competência, segundo Fávero e

Koch (1998), é o que permite ao falante de uma língua distinguir um texto coerente

de um aglomerado incoerente de frases. E já que os usuários de uma língua têm

esta capacidade, justifica-se a necessidade de elaboração de gramática textual,

cujas tarefas básicas deveriam ser as seguintes:

i) Verificar o que faz com que um texto seja um texto (determinação de seus

princípios de constituição, fatores de textualidade, etc.);

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...25

ii) Levantar critérios para delimitação dos textos (como se pode delimitar um

texto. Como se pode considerá-lo completo, já que a completude é uma

das características essenciais ao texto.);

iii) Diferenciar as várias espécies de textos (FÁVERO & KOCH, 1998).

Apesar do esforço de muitos linguistas para execução dessas tarefas, não se

conseguiu executá-las de modo satisfatório. Conforme Bentes (2006, p. 251), “o

projeto revelou-se demais ambicioso e pouco produtivo, já que muitas questões não

conseguiram ser contempladas [...] e já que não se conseguiu construir um modelo

teórico capaz de garantir um tratamento homogêneo dos fenômenos pesquisados”.

Por isso, em vez de procurarem descrever a competência textual do falante por meio

de uma gramática textual, os estudiosos passaram a analisar os textos com um

olhar mais pragmático, procurando verificar como funcionam os textos em uso, de

que modo eles se constituem e como se dá sua compreensão. Em outras palavras,

os linguistas começaram a elaborar teorias de construção do texto, que o

concebessem não mais como um produto acabado em si, mas como um processo

que envolve questões sociocognitivas, interacionais e comunicativas. Assim sendo,

dados seus objetivos, nosso trabalho se enquadra, pois, nesta terceira fase da

Linguística Textual.

Na década de oitenta, mais de vinte anos após o surgimento da Linguística

Textual na Europa, aqui no Brasil, Marcuschi (20122, p. 33) propôs que a

compreendêssemos como o “estudo das operações linguísticas e cognitivas

reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção de

textos escritos ou orais”. Assim sendo, a Linguística Textual abrange tanto a coesão

no nível dos constituintes linguísticos dos textos, como a coerência conceitual no

nível semântico e cognitivo e o sistema de pressuposições e implicações no nível

pragmático da produção de sentido no plano das ações e intenções. Ou ainda,

voltando aos termos de Marcuschi (2012), por um lado, a Linguística Textual deve se

preocupar com a organização linear dos textos, ou seja, o tratamento estritamente

2 Assim como a obra de Fávero e Koch (2012), anteriormente citada, o trabalho que aqui fazemos

referência compreende um texto apresentado por Marcuschi em uma conferência no IV Congresso Brasileiro de Língua Portuguesa do Instituto de Pesquisas Linguísticas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), também na década de oitenta (especificamente em 1983), publicado posteriormente em forma de livro. Por esgotamento da primeira versão publicada, utilizamos ao longo de nossa tese a recente edição publicada pela Editora Parábola.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...26

linguístico abordado no aspecto da coesão, e, por outro, deve considerar a

organização reticulada e tentacular, não linear, portanto, dos níveis de sentido e

intenções que realizam a coerência no aspecto semântico e pragmático. Trata-se,

portanto, de um campo de investigação bastante amplo e multifacetado.

Atualmente, no Brasil, os estudos em Linguística Textual são desenvolvidos,

basicamente, no âmbito do Grupo de Trabalho Linguística de Texto e Análise da

Conversação (GT LTAC), da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e

Linguística (ANPOLL), e se organizam, de modo geral, em três linhas de

investigação, a seguir identificadas e descritas: estudos sobre conversação,

interação e língua falada, estudos do texto e do discurso e aplicações e

desenvolvimentos dos estudos sobre interação e texto3.

Na primeira linha destacam-se, principalmente, os estudos sobre interação

em diferentes contextos, tais como conversação face a face, conversação em chats

online, entrevista televisiva, dentre outros. Conforme Orecchioni (2006), os estudos

desenvolvidos nesta linha buscam observar os processos cooperativos na atividade

conversacional, como: as trocas de turnos, os silêncios e as lacunas, as falas

simultâneas, as regras conversacionais, a coerência conversacional. “O objetivo da

análise conversacional é, precisamente, explicitar essas regras que sustentam o

funcionamento das trocas comunicativas de todos os gêneros…”. (ORECCHIONI,

2006, p.15). Além disso, também investigam como um dado vocabulário pode

contribuir para inclusão ou exclusão de falantes em um determinado grupo social – é

o caso das gírias (PRETI, 2010; BENTES, 2010).

Os estudos sobre texto e discurso, da segunda linha de investigação, são

desenvolvidos a partir da proposição de teorias ou modelos teórico-metodológicos

de análise de textos. Dentre estes, destacam-se perspectivas enunciativas de

abordagem do texto, tais como a Teoria Semiolinguística do Discurso, do linguista

francês Patrick Charaudeau, e a Teoria da Argumentação na Língua, de Oswald

Ducrot. Além desses, cabe ressaltar também os diálogos entre a Linguística Textual

3 A descrição a seguir não pretende ser exaustiva, nem completa. Interessa-nos apenas sintetizar a

pauta de estudos da Linguística Textual no Brasil neste início do século vinte e um, tomando por base os trabalhos desenvolvidos pelos membros do GT LTAC. Para tanto, tomamos por base os trabalhos pulicados no manual Linguística de Texto e Análise da Conversação: Panorama das pesquisas no Brasil, organizados pelas professoras Anna Christina Bentes e Marli Quadros Leite no ano de 2010, em homenagem ao linguista do texto brasileiro Luís Antônio Marcuschi, principal responsável pela difusão e disseminação das ideias da Linguística Textual no Brasil. Outrossim, os trabalhos em Linguística Textual desenvolvidas no Brasil não se resumem aos trabalhos aqui apresentados. Nosso interesse é apenas apresentar um panorama dos trabalhos mais reconhecidos.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...27

e as ciências sociocogntivistas, seja para compreenderem as relações de mútua

constitutividade entre os conceitos de texto-discurso e sociocognição ou mesmo

para se compreender categorias de análise específicas da Linguística Textual, tais

como a referenciação e o tópico discursivo4.

Nesta linha se enquadra também o modelo de análise de Jean-Michel Adam,

que propõe uma teoria da produção co(n)textual de sentido, denominada de Análise

Textual dos Discursos, difundida no Brasil, especialmente, por pesquisadores da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no âmbito do Grupo de Pesquisa em

Análise Textual dos Discursos (cadastrado no CNPq). Trata-se de uma abordagem

teórico-metodológica que se funda na análise de textos concretos, pertencentes aos

mais diversos gêneros dos discursos, a partir de categorias textuais e discursivas.

Como já elucidado na introdução desta tese, é esta a abordagem da Linguística

Textual que norteia as análises aqui empreendidas e, portanto, será detalhada em

tópico seguinte.

Finalmente, em uma terceira linha de pesquisa da Linguística Textual

desenvolvida no Brasil, encontram-se os estudos dedicados a aplicações das teorias

sobre texto e interação às práticas docentes de ensino de língua, principalmente no

que diz respeito às questões de leitura, escrita, oralidade e gramática. A centralidade

do ensino nos gêneros textuais e a concepção de texto como unidade do ensino de

língua materna são as principais proposições oriundas da Linguística Textual ao

campo didático-educacional. Estas proposições trouxeram implicações significativas

para o ensino de língua, porque redimensionaram as práticas docentes dos

professores, no sentido de priorizar a competência comunicativa dos alunos e não

mais a transmissão pura de um conjunto de regras gramaticais, tal qual se fazia aqui

no Brasil até aproximadamente a década de oitenta.

Considerando estas e outras perspectivas de trabalho, é preciso que

compreendamos a Linguística Textual como uma área interdisciplinar dentro da

Linguística (aqui entendida em âmbito geral como ciência da linguagem), tal como

sugerem Marcuschi (1998) e Koch (1997). Enquanto tal, exige métodos e categorias

4 Em Linguística Textual, trabalhos são desenvolvidos nesta perspectiva a partir da chamada “virada

sociocognitiva” (KOCH, 2007), quando se passa a compreender a cognição como “um fenômeno situado” (BENTES; LEITE, 2010, p. 42), isto é, que deve ser compreendido a partir da incorporação de “aspectos sociais, culturais e interacionais à compreensão do processamento cognitivo” (BENTES; LEITE, 2010, p. 42).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...28

provenientes de lugares distintos, tomados, na maioria das vezes, por empréstimo,

de muitas áreas do conhecimento. Koch (2012), por exemplo, destacou o diálogo

que a Linguística Textual tem estabelecido com as demais ciências humanas, dentre

as quais se ressaltam a Filosofia da linguagem, a Psicologia cognitiva e social, a

Sociologia Interpretativa, a Etnometodologia, a Etnografia da Fala, a Análise do

Discurso, a Análise da Conversação e, de modo recente, com a ciência da Cognição

e a Neurologia, tornando-se, cada vez mais, um domínio interdisciplinar, em que se

busca explicar como se dá a interação social por meio desse objeto complexo e

multifacetado que é o texto.

2.2 Análise Textual dos Discursos: a proposta de Jean-Michel Adam

Também considerando a Linguística Textual como um campo interdisciplinar,

tal qual afirmado anteriormente, quando fizemos referência aos trabalhos de

Marcuschi (1998) e Koch (1997), o linguista francês Jean-Michel Adam (2011),

propôs recentemente que a concebamos a partir de uma aproximação com a Análise

de Discurso, tendo em vista ser o texto e o discurso objetos complementares da

atividade enunciativa. Para tanto, Adam (2011) elabora uma perspectiva teórico-

metodológica denominada de Análise Textual dos Discursos, cujo interesse se volta

para a análise co(n)textual5 dos sentido de textos concretos. É esta abordagem que

apresentaremos ao longo deste tópico e que fundamenta teoricamente nossa tese.

De modo geral, podemos dizer que a Análise Textual dos Discursos

compreende uma abordagem teórica e descritiva da Linguística Textual, elaborada

por Jean-Michel Adam (2011). Estabelece associação entre o texto e o discurso no

sentido de pensá-los a partir de novas categorias que permitam compreender a

Linguística Textual como perspectiva decididamente situada no “quadro mais amplo

da análise do discurso” (p. 24). Sugere, pois, um deslocamento teórico-metodológico

que pode provocar efeitos aparentemente contraditórios, porque ao passo que

5 Acreditamos ser conveniente esclarecermos o emprego do termo co(n)textual, dada a diversidade

de interpretações que este termo pode apresentar. Esta, inclusive, parece ser uma preocupação do próprio Adam (2011, p. 53), e, por isso, recuperamos uma explicação de seu trabalho para o uso do termo: “Escrevemos “co(n)texto” para dizer que a interpretação de enunciados isolados apoia-se tanto na (re)construção de enunciados à esquerda e/ou à direita (cotexto) como na operação de contextualização, que consiste em imaginar uma situação de enunciação que torne possível o enunciado considerado.”. Desse modo, a expressão diz respeito tanto ao cotexto quanto ao contexto propriamente dito.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...29

estabelece relações, também segmente as tarefas da Linguística Textual e da

Análise do Discurso. Entretanto, na verdade, a proposta do linguista francês

estabelece, “ao mesmo tempo, uma separação e uma complementariedade das

tarefas e dos objetos da linguística textual e da análise do discurso”, definindo a

primeira como “um subdomínio do campo mais vasto das práticas discursivas” (p.

43).

Para entendermos o procedimento metodológico adotado por Jean-Michel

Adam, é preciso que compreendamos a Linguística Textual como uma corrente

desvencilhada da tradicional Gramática do Texto, e a Análise de Discurso como

linha emancipada da análise do discurso de orientação francesa (aquela

desenvolvida por Michel Foucault, amplamente difundida aqui no Brasil,

especialmente pelos estudos de Eni Orlandi e Maria do Rosário Valencise Gregolin).

Assim delimitadas, a Linguística Textual teria como objetivo “descrever os princípios

ascendentes que regulam os encadeamentos complexos, mas não anárquicos, das

proposições no seio de um sistema da unidade texto que apresenta relações sempre

especiais”. A Análise de Discurso, compreendida, de modo amplo, como análise das

práticas discursivas, deverá se deter, prioritariamente, à “descrição das regulações

descendentes que as situações de interação, as línguas e os gêneros impõem aos

componentes da textualidade” (ADAM, 1999, p. 35), conforme se pode ver no

esquema a seguir.

Figura 01: Esquema 03: Determinações textuais “ascendentes” e regulações “descendentes” Fonte: Adam (2011, p. 43).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...30

Neste esquema, Adam (2011) mostra a articulação entre os dois campos: a

Linguística Textual como subdomínio da Análise de Discurso. É a primeira que

fornece os instrumentos necessários às leituras das práticas discursivas – uma

combinação dos dados do ambiente linguístico com os dados da situação

extralinguística. O esquema trata, pois, das determinações textuais ascendentes (da

direita para a esquerda) que regem os encadeamentos das proposições no sistema

que constitui o texto – objeto de estudo da Linguística Textual – e as relações

descendentes (da esquerda para a direita) que as situações de interação nos

lugares sociais, nas línguas e nos gêneros impõem aos enunciados – objeto da

análise do discurso (ADAM, 2011). Ou ainda, conforme Herrero Cecília (2006), o

esquema revela que, de um lado, a Análise de Discurso se interessa pelo

funcionamento comunicativo do texto, desde as regulações procedentes da língua,

do tipo de discurso e do gênero específico que impõe ao texto determinadas

convenções ou prescrições temáticas, composicionais, enunciativas ou estilísticas.

Por outro lado, a Linguística Textual se ocupa das regulações que dirigem as

operações e encadeamento e de segmentação das proposições, dos períodos e das

sequências que compõem o texto.

É pensando na possibilidade de articulação entre estas duas correntes que o

autor propõe ser a Análise Textual dos Discursos uma teoria de produção

co(n)textual dos sentidos, que toma como objeto de estudo textos empíricos

concretos. Assim delineada, a Análise Textual dos Discursos pretende responder à

demanda de propostas concretas para a análise de textos, “apresentando uma

reflexão epistemológica e uma teoria de conjunto” (ADAM, 2011, p. 25), que

contempla o texto na relação discursiva de produção e os efeitos de sentido

provenientes do co(n)texto – isto é, os dados do ambiente linguístico imediato

(cotextuais) e também os dados da situação extralinguística (contextuais).

Por tratar-se de uma teoria de conjunto, como disse o próprio Adam (2011)

em citação anterior, o recurso a empréstimos eventuais de conceitos de diferentes

áreas das ciências da linguagem compreende procedimento metodológico

constitutivo da Análise Textual dos Discursos. Para ele, a complexidade que envolve

a descrição de um objeto empírico como o texto justifica a necessidade de uma

teoria que, em diálogo com outras perspectivas, apresente um dispositivo teórico-

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...31

metodológico que dê conta daquele objeto e de suas relações com o domínio mais

vasto do discurso em geral. Esta teoria seria a Análise Textual dos Discursos.

O texto, seu objeto de análise, não pode ser compreendido como um simples

conjunto limitado de elementos léxico-lógico-gramaticais. Sendo o texto um objeto

complexo e multifacetado, plurissemiótico, constituído por nuances as mais diversas

(que envolvem aspectos linguísticos e discursivos múltiplos), uma definição como

esta anteriormente posta é limitada e restrita.

Entretanto, antes de nos determos a apresentação de um conceito ou mesmo

de uma compreensão de texto coerente à proposta teórico-metodológica proposta

por Adam (2011), é pertinente considerarmos as evoluções pelas quais perpassaram

a noção de texto, pois cada conceito é resultado de um longo processo de reflexões,

idas e vindas, de disputas entre sujeitos e campos do conhecimento sobre este

objeto, o texto. Assim, considerando basicamente os momentos históricos pelos

quais passaram a Linguística Textual, buscaremos, a seguir, situar o texto,

destacando os avanços alcançados em relação ao seu conceito. Por fim, ainda que

de modo não exaustivo, nos deteremos à explicitação de uma compreensão mais

coerente à Análise Textual dos Discursos.

Em um momento primeiro dos estudos do texto (entenda-se aqui as duas

primeiras fases da história da Linguística Textual: a análise transfrástica e a

elaboração de gramáticas textuais6), acreditava-se, conforme nos conta Bentes

(2006), que as propriedades definidoras de um texto estariam expressas

principalmente na forma de organização do material linguístico. Esta compreensão

direcionava estudiosos do texto para dois raciocínios que a especificam: i) existiriam

textos (compreendidos como sequências linguísticas coerentes entre si) e não textos

(sequências linguísticas incoerentes entre si); ii) todo texto deveria ser definido como

uma estrutura acabada e pronta, como um produto acabado. Ainda segundo Bentes

(2006), bem como também sugerem Fávero e Koch (2012), uma das definições que

melhor representa este período é a de Satmmerjohann (1975):

O termo texto abrange tanto textos orais, como textos escritos que tenham como extensão mínima dois signos linguísticos, um dos

6 Para uma leitura mais exaustiva e completa das fases históricas da Linguística Textual, ver Bentes (2006),

Fávero e Koch (2012) e Marcuschi (2008).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...32

quais, porém, pode ser suprimido pela situação, no caso de textos de uma só palavra, como “Socorro”, sendo sua extensão máxima indeterminada (apud BENTES, 2012, p. 269).

Na definição apresentada pelo autor, enfatiza-se, sobretudo, o aspecto

material ou formal do texto, ou seja, a atenção recai sobre a extensão e sobre os

elementos constitutivos do texto. Em outros termos, o texto é entendido como uma

unidade que, mesmo possuindo extensão, ao menos teoricamente, indefinida, em

geral, é delimitada com um início, meio e fim. Seja um sermão, um diálogo, um conto

ou até mesmo um livro, todos esses textos serão delimitados por um início, um meio

e por um fim. O conceito de texto, aqui, está ligado, pois, à questão de sua extensão

e de sua organização formal.

Num próximo momento da história da Linguística Textual – a elaboração das

teorias de texto – outros aspectos começam a ser revistos na definição de um

conceito de texto. Como ressalta Bentes (2006), influenciados por teorias

enunciativas e sociointeracionistas que, a partir da década de oitenta, começam a

difundir-se na Europa e nos Estados Unidos, muitos estudiosos dos textos passam a

considerar aspectos que não dizem respeito somente à estrutura e à forma do texto,

mas que existem fora da produção e da recepção textual. Pensando assim, Fávero e

Koch (2012) postulam que, nas teorias de texto, um conceito coerente deveria levar

em conta alguns aspectos, tais como:

i) A produção textual é uma atividade verbal: quando os falantes produzem

um texto praticam atos de fala, produzem enunciados que poderão produzir

no interlocutor determinados efeitos de sentido, mesmo que não sejam

aqueles esperados pelo locutor;

ii) A produção textual é uma atividade verbal consciente: trata-se de uma

atividade verbal intencional, em que o falante procurará empreender seus

propósitos, considerando as condições em que tal atividade é produzida;

iii) A produção textual é uma atividade interacional: os interlocutores estão,

obrigatoriamente, envolvidos nos processos de produção e compreensão

de um texto.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...33

A partir de então, o texto passa a ser visto não apenas como conjunto de

enunciados léxico-linguísticos estruturados a partir de determinadas regras, mas

como uma ocorrência linguística, de qualquer extensão, que apresenta três

propriedades básicas constituintes: unidade sociocomunicativa, semântica e formal

(COSTA VAL, 1991). Em outras palavras, antes de qualquer coisa, o texto é uma

unidade de linguagem em uso, que cumpre uma função sociocomunicativa e só

pode ser concebido enquanto tal quando percebido pelo receptor como um todo

significativo, coerente e coeso. Nesses termos, podemos conceber o texto como um

fenômeno linguístico de caráter enunciativo que vai além da frase, constituindo uma

unidade de sentido, “cujas fronteiras são em geral definidas por seus vínculos com o

mundo no qual ele surge e funciona” (MARCUSCHI, 2008, p. 72).

Dado o caráter contextual de sua teoria, acreditamos que a compreensão de

Jean-Michel Adam sobre a noção de texto se insere nessa direção de olhar para o

texto não como um mero conjunto encadeado de frases ou como uma simples

unidade gramatical. Longe disso, ao defender que a Linguística Textual deve ser

vista como uma “linguística do sentido” – como propôs Cosériu (2007) – Adam

(2010) sugere que devemos olhar para o texto como uma unidade de sentido em

contexto, tal como propuseram Michael A. K. Halliday e Ruquaiya Hasan (1976).

Na verdade, conforme diz Herrero Cecília (2006, p. 151), na Análise Textual

dos Discursos, o texto deve ser compreendido como:

El texto es al mismo tiempo resultado de la actividad discursiva (enunciación) de un sujeito que se dirige a un interlocutor en una situación de comunicación determinada, y una unidad semántica de comunicación organizada en torno a un tema (encadenamiento de proposiciones integradas en secuencias dentro de un esquema composicional que confiere unidad al conjunto)7.

Pensar o texto enquanto uma unidade semântica não significa descartar seus

aspectos formais e estruturais. Adam (2010, p. 09) critica justamente essa postura

adotada por alguns pesquisadores das ciências humanas e das ciências sociais: o

7 O texto é ao mesmo tempo resultado da atividade discursiva (enunciação) de um sujeito que se

dirige a um interlocutor em uma determinada situação de comunicação, e uma unidade semântica de comunicação organizada em torno de um tema (encadeamento de proposições integradas em sequências dentro de um esquema composional que confere unidade ao conjunto).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...34

fato de não se levar efetivamente a sério o materialmente observável dos textos, “os

detalhes semiolinguísticos das formas-sentido mediadoras dos discursos”. O autor,

em trabalhos anteriores, define o texto como um objeto de estudo complexo e de

difícil delimitação metodológica (ADAM, 1996) que apresenta uma “configuração

regulada por diversos módulos ou subsistemas em constante interação, uma

estrutura hierárquica complexa que comporta sequências do mesmo tipo ou de tipos

diferentes” (ADAM, 1992, p. 24). Em outro texto mais recente, Adam (2010) retoma a

proposta de Michel Foucault (1987) para uma análise arqueológica do discurso e

mostra que apesar de muitos analistas do discurso insistirem em não olhar para a

organização sequencial (e material) dos textos, para o materialmente observável, o

filósofo francês defendia justamente o oposto:

Mas não se trata, aqui, de neutralizar o discurso, transformá-lo em signo de outra coisa e atravessar-lhe a espessura para encontrar o que permanece silenciosamente aquém dele, e sim, pelo contrário, mantê-lo em sua consistência, fazê-lo surgir na complexidade que lhe é própria. (FOUCAULT, 1987, p. 65).

Ora, manter o discurso em sua consistência e fazê-lo surgir na complexidade

que lhe é própria são dois princípios relativos essencialmente à natureza do texto.

Apesar disso, dada a primazia conferida ao estudo das condições de produção dos

textos, “a análise do discurso [a corrente de orientação francesa] não fez uma

reflexão específica sobre o estatuto do texto, menos ainda uma teoria específica do

texto” (SARFATI, 2003, p.432). Prendeu-se estritamente às questões que dizem

respeito ao campo do discurso, como se se pudesse estabelecer uma separação

total entre texto e discurso.

Os textos são construtos históricos e linguísticos (ADAM, 2010). Enquanto

tais, só podem ser compreendidos e estudados nas relações com o domínio mais

vasto do discurso, pois como afirmam Charaudeau e Maingueneau (2008), texto e

discurso constituem duas faces complementares de um objeto comum tomado pela

Linguística Textual – que privilegia a organização do contexto e da coesão e da

coerência – e pela Análise do Discurso – mais atenta ao contexto da interação

verbal, às condições de produção. É por isso que acertadamente Adam (2011)

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...35

propõe e desenvolve uma análise textual dos discursos que, procurando articular

perspectivas teóricas as mais diversas, busca dar conta da complexidade que

envolve o texto.

2.2.1 Os níveis de análise

Ao sugerir uma Análise Textual dos Discursos, Jean-Michel Adam (2011)

apresenta níveis de análise textual (no âmbito da Linguística Textual) e níveis de

análise do discurso (pertencentes à Análise do Discurso), conforme esquema

abaixo:

Figura 02: Esquema 04 – Níveis ou planos de discurso Fonte: Adam (2011, p. 61).

Como se pode perceber, o modelo teórico elaborado por Jean-Michel Adam

(2011) apresenta oito níveis de análise distintos que devem ser considerados na

análise de textos e discursos. A inter-relação entre estes níveis pode ser

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...36

compreendida a partir de articulação realizada pelo conceito de gênero do discurso

entre os elementos texto e discurso. Assim, uma ação discursiva (nível um) realiza-

se com base em objetivos (pré)determinados pelo locutor (finalidades) em uma

situação de interação social (nível dois) e numa formação discursiva dadas (aquilo

que pode ser dito naquela situação – nível três), utilizando o dialeto social desta

formação e no seio de um interdiscurso, com a mediação de um gênero do discurso.

Este se materializa em textos que se estruturam a partir de proposições ou

microunidades de sentido (nível quatro), sequências (descritiva, narrativa, dialogal,

argumentativa e expositiva) e planos textuais (nível cinco), manifestando uma

dimensão semântica (representação discursiva – nível seis), uma dimensão

enunciativa (responsabilidade enunciativa – nível sete) e uma dimensão

argumentativa (atos de discurso – nível oito).

Nesta concepção, os gêneros do discurso aparecem como eixo de articulação

entre os níveis de análise no âmbito do discurso e do texto. Por apresentar este

caráter integrador, pensando no esquema proposto por Adam (2011), os gêneros

poderiam estar situados nesta fronteiriça entre os limites do discurso e do texto.

Além disso, retomando o que apontam Passeggi et al (2010), a centralidade da

noção de gêneros pode corresponder à importância crescente do gênero como

categoria de análise da Linguística Textual (e de muitas outras correntes teóricas)

aqui no Brasil.

É claro que cada um dos níveis acima referidos apresentam certas

especificidades, as quais buscaremos destacar a seguir. Por exemplo, a

compreensão de que a linguagem ocorre em situações de interação social nas quais

se concretizam ações discursivas recobre os dois primeiros níveis (um e dois) do

modelo anteriormente apresentado. Como entende Jean-Paul Bronckart (2006), os

indivíduos se encontram em meios sociais diferentes que condicionam, pelo menos

parcialmente, os tipos de atividades que podem ser organizadas, os instrumentos

que são utilizados e os objetos ou as obras que são produzidas, inclusive as

atividades de linguagem. Na verdade, “toda a ação de linguagem inscreve-se (...) em

um dado setor do espaço social” (ADAM, 2011, p. 63), de modo que não é possível

agir pela linguagem senão através da interação social.

No nível três, a análise procura dar conta do que recobre a noção de

formação discursiva. Esta é retomada da Análise de Discurso de orientação francesa

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...37

de Michel Pêcheux e pode ser compreendida da seguinte forma: “São as formações

discursivas que, em uma formação ideológica específica e levando em conta uma

relação de classe, determinam o que pode e deve ser dito a partir de uma posição

dada em uma conjuntura dada” (BRANDÃO, 1998, p. 38). No interior das formações

discursivas, os sentidos estão sob a dependência do interdiscurso, ou seja, de um

conjunto de discursos pertencentes a um mesmo campo e que mantêm relações de

delimitação recíproca uns com os outros. Cada formação discursiva apresenta certos

dialetos próprios de uma dada comunidade de falantes, com características

linguísticas (lexicais, fraseológicas, retóricas, estilísticas), sociais e políticas

específicas que se manifestam em certas práticas discursivas institucionalizadas

(gêneros do discurso).

Os níveis quatro e cinco, das proposições, períodos, sequências e planos de

textos, conforme apontam Passeggi et al (2010), rementem diretamente à textura e à

composicionalidade do texto, ou seja, à sua sequencialidade ou linearidade. A

proposição – ou preposição-enunciado ou proposição-enunciada – constitui unidade

textual mínima da Análise Textual dos Discursos e corresponde a “uma unidade

textual de base, efetivamente realizada e produzida por um ato de enunciação,

portanto como um enunciado mínimo8” (ADAM, 2011, p. 106). A noção de período,

por sua vez, não compreende a conceituação da tradição gramatical de língua

portuguesa; na verdade, designa uma unidade de estruturação textual intermediária

e articuladora de proposições e sequências de enunciados. Estas últimas, as

sequências, “são unidades textuais complexas, compostas de um número limitado

de conjuntos de proposições-enunciados: as macroproposições” (ADAM, 2011, p.

204) e podem ser de cinco tipos: descritiva, narrativa, dialogal, argumentativa e

expositiva. Por fim, os planos de texto são responsáveis pela estrutura

composicional do texto.

O nível seis, que diz respeito à dimensão semântica dos textos e trata da

noção de representação discursiva, que será apresentado detalhadamente em

capítulo posterior, bem como do fenômeno da correferência e das anáforas e das

isotopias do discurso e colocações. No tópico seguinte, trataremos especificamente

do nível semântico do texto, por isso, passamos ao próximo nível de análise.

8 Por ser a proposição-enunciado unidade mínima de análise da Análise textual dos discursos, posteriormente,

lhe dedicaremos mais espaço para conceituação.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...38

Por sua vez, o nível sete, aquele referente à dimensão enunciativa dos textos,

apresenta como principal categoria a noção de responsabilidade enunciativa.

Conforme Adam (2011), a responsabilidade enunciativa ou ponto de vista

compreende a assunção por determinadas entidades ou instâncias do conteúdo do

que é enunciado ou na atribuição de alguns enunciados ou pontos de vista a certas

instâncias. Por seu caráter polifônico – segundo sugere o autor, a responsabilidade

enunciativa dá conta da polifonia dos enunciados – a responsabilidade enunciativa é

constitutiva da enunciação, já que todo enunciado pressupõe um enunciador que se

responsabilize pelo ponto de vista defendido ou enfatizado.

Finalmente, o nível oito corresponde aos atos ilocucionários. Adam (2011)

sugere que toda proposição-enunciado possui um valor ou uma forma ilocucionária.

Retomando a clássica teoria dos atos de fala de Jonh L. Austin (1962), a linguagem

é compreendida como forma de ação – sobre o interlocutor e sobre o mundo

circundante. Os atos de fala podem ser, segundo Austin (1962), de três tipos: ato

locutório (corresponde ao ato de pronunciar um enunciado), ato ilocutório

(corresponde ao ato que o locutor realiza quando pronuncia um enunciado em certas

condições comunicativas e com certas intenções, tais como ordenar, avisar, criticar,

perguntar, convidar, ameaçar, etc.), ato perlocutório (corresponde aos efeitos que

um dado ato ilocutório produz no alocutário. Verbos como convencer, persuadir ou

assustar ocorrem neste tipo de atos de fala, pois nos informam do efeito causado no

alocutário).

A organização do modelo de Adam (2011) nestes oito níveis de análise não é

circunstancial, mas justifica-se, conforme ele próprio defende em recente artigo

(2012), por razões teóricas e por razões didático-metodológicas. Ora, o texto é

entendido por ele como um objeto complexo, que para ser analisado carece de

conhecimento de teorias que tomem o objeto texto a partir de diferentes

perspectivas e abordagens, dado o seu caráter multifacetado. Por isso, em cada um

dos níveis propostos, o texto pode ser analisado a partir de pontos de vista de

vertentes teórico-metodológicas distintas. Por exemplo: a teoria dos atos de fala ou

atos ilocucionários (desenvolvida principalmente por Jonh L. Austin) pode ser

utilizada no nível oito. A teoria das sequências textuais e dos planos de texto

desenvolvida pelo próprio Jean-Michel Adam pode ser utilizada nos níveis quatro e

cinco. A teoria da enunciação de Émile Benveniste e as teorias sobre ponto de vista

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...39

e responsabilidade enunciativa de Alain Rabatel e Henning Nölke podem ser

utilizadas no nível sete. A teoria da argumentação na linguagem de Oswald Ducrot

pode ser utilizada nos níveis seis e oito. Os níveis um e dois são totalmente

teorizados por pesquisadores que posicionam no interacionismo sóciodiscursivo de

Jean Paul Bronckart e por teorias da interação e da conversação. O nível três é o

objeto clássico da Análise de Discurso francesa de Michel Pêcheux conhecida aqui

no Brasil.

Assim, dada a complexidade do objeto de estudo texto, é que, ao menos

metodologicamente, se faz necessário dividir e diferenciar momentos ou níveis de

análise e até mesmo teorizá-los. “Cada nível é a meu ver um momento de análise,

uma unidade de pesquisa e de ensino (esse é um aspecto didático que eu considero

como mais importante) ligado aos outros, mas suficientemente distintos para formar

um todo.” (ADAM, 2012, p. 193). De fato, podemos descrever um texto contentando-

se apenas com um nível e baseando-se em uma teoria consistente dentro deste

nível. É o que fazemos nesta tese, ao olharmos para o texto focalizando

prioritariamente seu aspecto semântico (o nível seis), isto é, as representações

discursivas que são construídas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros nas

notícias que constituem nosso corpus. Entretanto, mesmo assim, não podemos

descartar os demais níveis, porque eles estão intimamente articulados. Pode-se,

portanto, enfatizar as categorias de um dado nível na análise de textos, mas é

preciso considerar as implicações que os outros níveis apresentam na análise do

texto com um todo9.

2.3 O nível semântico da Análise Textual dos Discursos

Na Análise Textual dos Discursos de Jean Michel-Adam, a dimensão

semântica compreende um dos níveis de análise textual, uma vez que cabe à

Linguística Textual a descrição e a definição das diferentes operações, inclusive as

operações semânticas, que são realizadas sobre os enunciados em todos os níveis

de complexidade.

9 A operação de localização espacial e temporal e a operação de conexão, por exemplo, analisadas

aqui como categorias do nível semântico do texto, contribuem de forma determinante para a progressão textual – aspecto observado no nível da textura.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...40

Deste nível de análise, a representação discursiva é a principal categoria

analítica, conforme salienta o próprio Adam (2011) no esquema quatro,

anteriormente apresentado. Entretanto, como o próximo capítulo desta tese é

dedicado com exclusividade às representações discursivas que se constroem nos

enunciados, nos deteremos aqui às demais operações que se estabelecem na

dimensão semântica.

Conforme Adam (2011), as unidades textuais são submetidas a dois tipos de

operações de textualização: operações de segmentação (descontinuidade) e

operações de ligação (continuidade), apresentadas no esquema a seguir:

Figura 03 – Esquema 5: Operações de segmentação e de ligação Fonte: Adam (2011, p. 64).

De um lado, as operações de segmentação (tipográficas na escrita e gestuais

e fonéticas na oralidade) dividem o todo da unidade textual em segmentos

descontínuos, que se organizam de forma linear. Por outro lado, as operações de

ligação consistem na construção de unidades semânticas e de processos de

continuidade pelos quais se reconhece um segmento textual (ADAM, 2011).

Interessam-nos, aqui, de modo especial, estas últimas operações, porque estão

situadas no nível semântico dos textos. As operações de ligação dão coesão, textura

e união aos enunciados, às proposições10, constituindo o todo do texto, conforme se

verá a seguir:

10

A noção de proposição será desenvolvida com mais clareza no tópico seguinte, quando nos deteremos a apresentar as unidades de análise da Análise Textual dos Discursos.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...41

Figura 04 – Esquema 13: Operações de ligação que asseguram a continuidade textual Fonte: Adam (2011, p. 131).

Desses seis tipos de operações de ligação que asseguram a continuidade

textual, nossa atenção recai sobre as ligações do significado, ou as ligações de

ordem semântica. O interesse individual por um desses tipos de ligação não implica

dizer que isoladamente elas são suficientes para fazer de um texto uma unidade

coerente. Detemo-nos especialmente às ligações do significado porque queremos

delinear o nível semântico do texto, conforme a perspectiva de Adam (2011), mas

reconhecemos que estas operações não funcionam individualmente nos textos.

As ligações do significado podem ser de dois tipos: ligações semânticas 01:

anáforas e correferências e ligações semânticas 02: isotopias e colocações.

Segundo Adam (2011, p. 132), a correferência “é uma relação de identidade

referencial entre dois ou mais signos semanticamente interpretáveis,

independentemente um do outro (à diferença de um pronome, vazio de sentido, sem

o seu referente)”. Em outros termos, um dado objeto do texto é retomado

semanticamente por outro que o complementa numa ligação de identidade que não

modifica o seu sentido.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...42

O recuo dos bandidos – Depois de mais de uma hora de pesado bombardeio os

bandoleiros recuaram cessando fogo apesar de duramente hostilizados pelos

defensores da cidade (N02CP).

Como se pode perceber no fragmento acima retirado de uma das notícias de

nosso corpus, a retomada assinalada em negrito é ligada por relação de

correferência e, por isso, os dois termos (os bandidos e os bandoleiros) destacados

são semanticamente complementares. Os usos não mudam a identidade do

referente, mas a reafirma. Este exemplo confirma o que dizem Charaudeau e

Maingueneau (2008): correferência é a capacidade que duas palavras ou um

conjunto de palavras possuem ao se referirem a um mesmo objeto discursivo.

Entretanto, essas duas expressões não são necessariamente sinônimas: “elas

reformulam ou reinterpretam o mesmo discurso, complementando-o ou

esclarecendo-o ao ouvinte-leitor as retomadas contínuas que um texto possibilita

para construir a sua rede de significações” (p. 142).

Ainda segundo Adam (2011), as ligações semânticas correferenciais podem

ser chamadas de anafóricas, uma vez que a interpretação de um significante

depende de um outro, presente no cotexto esquerdo (o caso das anáforas

propriamente ditas – que chamamos de anáforas puras) ou no cotexto direito (o caso

da catáfora). Os tipos de anáforas apresentados pelo autor estão sintetizados no

quadro abaixo:

TIPO DE ANÁFORA EXEMPLO

Resumidora: “quando incide sobre um segmento longo que ela sintetiza” (p. 134).

“Diante da gravidade da situação, por prudência, foram-se retirando tôdas as famílias da cidade e arredores. Êsse movimento aumentou na proporção da aproximação dos bandoleiros.” (Correio do Povo).

Associativa: incide sobre um segmento a ser inferido.

“Mais tarde, chegou um emissário de Lampião conduzindo um bilhete dirigido ao Prefeito Cel. Rodolfo Fernandes exigindo 400 contos de réis.” (Correio do Povo).

Pronominal: retoma um nome e lhe é, por definição, fiel, porque “não indica nenhuma nova propriedade do objeto” (p. 137).

“O grupo de bandidos cometeu tôda a sorte de misérias como sói fazê-lo por onde passa.” (O Mossoroense).

Definida: aparece nos “encadeamentos “Um grupo de bandidos invade o Rio

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...43

que contêm introdução de um referente sob a forma indefinida e depois retomada lexical idêntica” (p. 138).

Grande do Norte e comete depredações. (...). Os bandidos primeiro inutilizaram os aparelhos telegráficos.” (O Nordeste).

Demonstrativa: “indica a identificação, a relação com um segmento posto na memória, anteriormente, mas ela o faz operando uma reclassificação do objeto” (p. 142).

“(...) comerciantes, industriais, autoridades, e elementos de destaque, se entenderam e logo foram comprar rifles e munições, em Fortaleza. (...) êsse armamento está sob as vistas da municipalidade (...).” (O Nordeste).

Quadro 01: Tipos de anáfora. Fonte: Adam (2011).

Diante da exposição, percebemos que esse grupo de ligações semânticas

que envolvem as correferências e as anáforas assegura o processo de construção

de sentido do texto, fazendo uso dos elementos linguísticos que estão disponíveis

na memória do falante para a produção do seu dizer, seja ele falado, seja ele escrito.

O segundo tipo de ligações semânticas refere-se às isotopias e às

colocações. Para compreender a noção de isotopia, Adam (2011) recorre a Algirdas-

Julien Greimas (1976) e Humberto Eco (1985):

A existência do discurso – e não de uma sequência de frases

independentes – só pode ser afirmada se pode ser postulada para a

totalidade das frases que o constituem, uma isotopia comum,

reconhecível, graças a um leque de categorias linguísticas ao longo

do seu desenvolvimento. Assim, somos inclinados a pensar que um

discurso “lógico” deve ser sustentado por uma rede de anafóricos

que, remetendo-se de uma frase a outra, garantem sua permanência

tópica. (GREIMAS, 1976, p. 28 apud ADAM, 2011, p. 147).

Eco (1985, p. 131, apud ADAM, 2011, p. 147), por sua vez, define a isotopia

como “a constância de um percurso de sentido que um texto apresenta quando

submetido a regras de coerência interpretativa”. Em outros termos, a isotopia diz

respeito à permanência de um certo efeito de sentido no todo de um discurso,

corresponde, pois, de modo bastante geral, a coerência semântica de um discurso.

Para Queiroz (2013), a isotopia está voltada para a coerência semântica do texto,

proporcionando a busca pelo seu significado, o que ocorre através da mais simples

sequência de elementos linguísticos que organizam os textos, indo até a mais

complexa rede configuracional. Compreender as isotopias de um discurso é, pois,

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...44

fundamental, para a realização de um trabalho interpretativo de um discurso a partir

do léxico empregado em sua construção.

O outro elemento que congrega o segundo grupo de ligações semânticas são

as colocações. De modo geral, podemos dizer que as colocações são de dois tipos:

as colocações em língua (associações codificadas de lexemas, repertoriada nos

dicionários) e as colocações próprias de um texto (estabelecidas pelas repetições de

sequências de lexemas associados num texto dado).

Aqui, como salienta Adam (2011, p. 156), diferentemente das isotopias,

blocos de sentido temáticos e figurativos que contribuem para facilitar a leitura e,

consequentemente, a compreensão de sentido do conteúdo expresso pelo discurso,

as colocações compreendem os “agrupamentos lexicais que um texto propõe e que

um programa de tratamento informático atento, não apenas à simples segmentação

das ocorrências, mas à das ocorrências de lexemas, permite evidenciar.”. De modo

geral, as colocações são fundamentais para a construção da coesão semântica dos

textos, porque todo o vocabulário empregado pelo autor de um texto é realizado a

partir de associações de lexemas.

Esses dois tipos de ligações semânticas ligam as proposições-enunciados e

formam a organização linear e reticular da estrutura composicional dos textos, os

quais se conectam para assegurar a progressão e a continuidade semântica deles

(ADAM, 2011). Esses fenômenos – as anáforas, as correferências, as isotopias e as

colocações – são elementos fundamentais para compreender a dimensão semântica

dos textos e auxiliam na construção de representações discursivas, principalmente

as correferências e as anáforas, que serão tratadas na categoria de referenciação

no capítulo seguinte.

2.4 As unidades de análise

Ao elaborar uma Análise Textual dos Discursos, Adam (2011) apresenta

unidades textuais de análise que se organizam em níveis crescentes de

complexidade (conforme foi visto no Esquema 03 anteriormente apresentado), nos

quais sua configuração permite unir as proposições em macroproposições ou ainda,

em outros termos, em feixes de proposições que formam níveis de análise mais

complexos, como, por exemplo, os períodos, as sequências e até mesmo as partes

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...45

que compõem um plano de texto. Na seção seguinte, especificaremos cada uma

dessas unidades aqui citadas, buscando compreender as articulações entre ambas

na composição de um todo semântico-composicional dos discursos, que passa a ser

corporificado em um gênero textual.

2.4.1 A proposição

A unidade textual mínima da Análise Textual dos Discursos marca a natureza

do produto de uma enunciação (enunciado) e acrescenta a isto a designação de

uma microunidade sintático-semântica (a qual o conceito de proposição atende

perfeitamente): a proposição-enunciado11. “Ao escolher falar de proposição-

enunciado, não definimos uma unidade tão virtual como a proposição dos lógicos ou

dos gramáticos, mas uma unidade textual de base, efetivamente realizada e

produzida por um ato de enunciação, portanto, como um enunciado mínimo” (ADAM,

2011, p 106).

Esquematicamente, a estrutura sintática da proposição-enunciado é expressa

pela articulação entre um sintagma nominal e um sintagma verbal, o que nos permite

compreendê-la como uma unidade de predicação. No texto, as proposições-

enunciados ligam-se entre si através de diversos processos, dentre os quais:

correferência e anáforas, isotopias, colocações, elipses e implícitos, cadeias de atos

de discursos, conectores – incluindo nestes os organizadores textuais e os

conectores argumentativos (ADAM, 2011). Todos esses elementos estabelecem

nexos entre as proposições, formando unidades maiores de texto.

Além disso, como se verifica no esquema acima, na proposta de Adam (2011,

p. 109), toda proposição-enunciado compreende três dimensões complementares,

às quais se acrescenta o fato de que não existe enunciado isolado, único: “mesmo

aparecendo isolado, um enunciado elementar liga-se a um ou a vários outros e

convoca um ou vários outros em resposta ou como simples continuação”. Essas três

dimensões, compreendem, de forma geral: a responsabilidade enunciativa, a

representação discursiva e o valor ilocucionário da proposição.

11

O termo proposição-enunciado pode ser substituído com valor equivalente pelos termos

proposição-enunciada, proposição ou mesmo apenas enunciado. Em todos esses casos, estaremos nos referindo a esta unidade textual mínima de análise de que fala o linguista francês Jean-Michel Adam.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...46

Figura 05 – Esquema 11: As três dimensões da proposição-enunciado Fonte: Passeggi et al. (2010, p. 299).

A proposição-enunciado é, pois, o alicerce onde as três dimensões se

manifestam – daí sua posição central no esquema. Na dimensão [A] está colocado o

valor descritivo do enunciado. Através de atos de referenciação são construídas no e

pelo discurso representações discursivas de um locutor por um interlocutor

(interpretante). Nesta dimensão também está localizada a questão da avaliação do

valor de verdade dos enunciados, segundo dois regimes pragmáticos: o da condição

de verdade (a oposição do verdadeiro e do falso) e da ficcionalidade (nem

verdadeiro nem falso). Na dimensão [B], a combinação de uma representação

discursiva e de um ponto de vista superpõe-se à alternativa de condição de verdade

e ficcionalidade: “um enunciado (uma representação discursiva) é posto como válido

conforme o locutor, conforme seus interlocutores, conforme os outros delocutivos [...]

ou conforme a opinião comum” (ADAM, 2011, p. 111). O peso de validade de um

enunciado que liga, portanto, uma representação discursiva e um ponto de vista é

um aspecto essencial de seu valor argumentativo e de seu valor ilocucionário [C].

Esse esquema triangular é interessante porque não hierarquiza as três dimensões

componentes da proposição-enunciado, mas situa a [A] e a [C] na mesma linha e

põe a enunciação [B] em posição mediana entre as anteriores.

Essas dimensões estão interligadas na proposição-enunciado. Entretanto,

mesmo assim, podemos observá-las de forma especial, priorizando certos

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...47

elementos constituintes das dimensões, como fizemos nesta investigação sobre as

representações discursivas. É claro que isso só é possível em termos teóricos, como

procedimento de análise de certos fenômenos. Até porque na proposição-enunciado

“toda representação discursiva é a expressão de um ponto de vista (relação [A] –

[B]) e o valor ilocucionário derivado da orientação argumentativa é inseparável do

vínculo entre o sentido de um enunciado e uma atividade significante (relação [C] –

[B])” (ADAM, 2011, p. 113).

2.4.2 O período

As proposições-enunciados estão sujeitas a dois tipos de agrupamentos

(ADAM, 2011) ou empacotamento (CHARAUDEAU & MAIGUENEAU, 2008) que as

mantêm juntas: unidades textuais frouxamente tipificadas – ou empacotamentos não

moldados ou relativamente moldados –, os períodos, e unidades mais complexas,

totalmente tipificadas – empacotamentos sob a forma de macroproposições –, as

sequências12.

Entre esses dois tipos de agrupamentos, segundo Adam (2011), a diferença

deve-se menos ao volume do que à complexidade do todo formado pela

organização das proposições-enunciados. Apresentando uma amplitude

potencialmente menor do que as sequências, os períodos são unidades que entram

diretamente na composição das partes de um plano de texto e que permitem levar

em conta as conexões lógico-gramaticais e rítmicas. As sequências, por sua vez,

são constituídas de unidades textuais complexas, compostas de um número limitado

de conjuntos de proposições-enunciados: as macroproposições.

É claro que esses dois tipos de agrupamentos não podem ser vistos como

dicotômicos. Adam (2011, p. 204) postula que deva existir um “continuum de

complexidade crescente entre o período e a sequência”, sendo uma questão de grau

estabelecer a diferença entre eles, uma vez que os períodos são menos tipificados e

as sequências são estruturas que têm uma organização interna que lhes é própria,

estabelecendo-se uma relação de dependência-independência das sequências com

o texto como um todo.

12

Não conceituamos aqui as sequências textuais propostas por Jean-Michel Adam porque elas serão apresentadas e exemplificadas no tópico seguinte deste trabalho.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...48

2.4.3 As sequências

No Brasil, e em muitos lugares da Europa, Jean-Michel Adam é conhecido

especialmente pela difusão de sua teoria das sequências textuais, elaborada, a

partir da década de noventa, em virtude da grande generalidade das tipologias de

texto (WERLICH, 1975), surgidas com as gramáticas de texto.

Sem querer resumir a discussão exaustiva que Adam (2011) tece sobre as

sequências textuais, de modo geral, podemos entendê-las como conjuntos de

macroproposições que dependem de combinações pré-formatadas “memorizadas

por impregnação cultural (ou seja, pela leitura, escuta e produção de textos) e

transformadas em esquema de reconhecimento e de estruturação da informação

textual” (ADAM, 2011, p. 205). Essas combinações são denominadas pelo autor de

sequências narrativa, descritiva, argumentativa, dialogal e explicativa13.

No quadro a seguir, sintetizamos os conceitos de cada uma destas

sequências e apresentamos exemplos ilustrativos retirados de nosso corpus:

TIPO DE SEQUÊNCIA CONCEITO ILUSTRAÇÃO

Narrativa

A sequência narrativa pode ser identificada com base nos seguintes elementos (macroproposições): situação inicial, nó (desencadeador), reação ou avaliação, desenlace e situação final.

Nossa cidade foi abalada, na noite de terça-feira, pela terrível notícia de que um numeroso grupo de cangaceiros estava atacando a cidade de Apodi, cometendo tôda sorte de crimes. (Correio do Povo)

Descritiva

A sequência descritiva não possui uma organização típica, consistindo frequentemente na aplicação de um conjunto de operações que se desenvolve conforme um plano de texto.

Rica, próspera, vivendo pacificamente de seu labor cotidiano, entregue às cogitações de seu progresso e da sua grandeza da União, esta cidade jamais presenciara cenas de cangaceirismo, parecia fácil prêsa, ambicionada pelo

13

No Brasil, as sequências recebem outras nomenclaturas, como ocorre nos trabalhos de Marcuschi (2003), que prefere falar em tipos narrativo, argumentativo, descritivo, expositivo e injuntivo. Além disso, há também quem defenda a necessidade de proposição de outras sequências, como fazem Fávero e Koch (2012), ao acrescentarem a sequência injuntiva, ou diretiva, e a preditiva, nomeando também a explicativa como expositiva.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...49

famigerado salteador. (O Nordeste).

Argumentativa

A sequência argumentativa compreende um modelo de composição que se apresenta como raciocínio, cujo objeto é demonstrar ou refutar uma tese. Partindo de premissas nem sempre explícitas e supostamente incontestáveis, mostra-se que não se pode admitir essas premissas sem admitir também certa conclusão.

Mossoró, em todos os momentos graves de sua vida social, tem-nos dado sempre exemplo de união e de solidariedade, de maneira que nada nos separa nas ocasiões precisas. Formamos um só bloco e um só corpo ao impulso de nossa consciência cívica e do nosso coração aberto em detalhes de que poderiam resultar esquecimentos não propositais, para ver somente o conjunto nas suas linhas harmoniosas. (O Mossoroense)

Dialogal

O texto dialogal pode ser definido como uma estrutura hierárquica de dois tipos de sequências: de um lado as sequências fáticas de abertura e de fechamento do texto e de outro as sequências transacionais combináveis, que constituem o corpus de interação.

“Virgolino Lampião: Recebi seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede e nem também o Comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos acarretar com tudo o que o Sr. queira contra nós. A cidade acha-se firmemente inabalável na sua defesa confiando na mesma. Rodolfo Fernandes – Prefeito.” (O Nordeste).

Explicativa

A sequência explicativa apresenta uma estrutura sequencial de base, na qual um primeiro operador [POR QUÊ?] introduz a primeira macroproposição obrigatória (P. explicativa 1) e o segundo operador [PORQUE] leva à segunda macroproposição tida como obrigatória (P. explicativa 2). A esta se segue uma terceira macroproposição, que é de ratificação (P.

Lampião resolveu a vir a Mossoró, por instâncias de Massilon que lhe garantira tirar bom resultado, pois êle Lampião nunca tencionara penetrar nesse Estado, porque não tinha aqui nenhum inimigo e se por acaso, para evitar qualquer encontro com fôrças de outros Estados tivesse de passar por algum ponto do Rio Grande do Norte, faria

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...50

explicativa 3)14. sem roubar ou ofender qualquer pessoa desde que não o perseguissem. (Correio do Povo).

Quadro 02: Síntese das sequências textuais. Fonte: Adam (2011) e Passeggi et al (2010).

Em casos muito particulares e pouco frequentes, certos textos podem ser

constituídos por apenas uma sequência ou mesmo por um conjunto de sequências

de um mesmo tipo. Porém, na maioria das vezes, os textos são constituídos por

encadeamentos de várias sequências, que podem acontecer de duas formas: entre

sequências homogêneas - do mesmo tipo – ou, mais habitualmente, sequências

heterogêneas – de tipos diferentes. Nesses encadeamentos, “um modo de

composição aparece como dominante, o que torna um texto predominantemente

narrativo, predominantemente descritivo, predominantemente argumentativo,

predominantemente explicativo ou predominantemente dialogal, apesar da presença

de sequências de outros tipos” (ADAM, 2011, p. 269).

2.4.4 O plano de texto

Mesmo considerando a relevância das sequências prototípicas (narrativa,

descritiva, argumentativa, dialogal e explicativa) na composição textual, para Adam

(2011), não é, necessariamente, o encadeamento de sequências de um tipo ou de

outro que faz com que saibamos quando estamos diante de um texto e não de um

amontoado de frases, mas, sim, os planos de texto. Eles “desempenham um papel

capital na composição macrotextual do sentido” (ADAM, 2004, p. 377), uma vez que

os planos de texto abarcam blocos de texto formados pelas sequências e

estabelecem a organização global prescrita por um gênero. Os planos de texto são,

dessa forma, “o principal fato unificador da estrutura composicional” (ADAM, 2011, p.

258), especialmente nos casos em que os encadeamentos de proposições ou

períodos não chegam a formar claramente sequências.

Os planos de texto estão, com os gêneros, disponíveis no sistema de

conhecimento dos grupos sociais. Eles fazem, portanto, parte dos conhecimentos

14

Os conceitos de cada uma das sequências apresentadas no quadro foram retirados literalmente do trabalho de Passeggi et al (2010), fundamentado em Adam (2011). Considerando a organização dentro do quadro, nos resguardamos de empregar as aspas ou outra marca gráfica.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...51

prévios do leitor, atuando na construção dos sentidos de um texto. Assim, ainda

conforme Adam (2011), ao explicitarem a estrutura global do texto, a forma como os

parágrafos se organizam, a ordem em que as palavras se apresentam no texto, os

planos de texto podem fornecer os elementos necessários à compreensão e à

produção, uma vez que, para a percepção-elaboração da estrutura global do texto, o

leitor lança mão de seus conhecimentos linguístico e textual.

Quanto à organização estrutural interna, os planos de textos podem ser

convencionais (fixos), ou seja, estabilizados pelo estado histórico de um gênero de

discurso, ou podem ser ocasionais, quando são deslocados em relação à história de

um gênero. A título de ilustração, dentre os textos que apresentam planos fixos,

podemos considerar a estrutura de um verbete de dicionário, de um artigo científico

ou de estruturas literárias cristalizadas, como o soneto, por exemplo. Os planos de

texto de gêneros como o editorial, a canção, a propaganda, a poesia livre são, com

frequência, ocasionais, mais abertos e flexíveis, porque estão propensos a mudarem

de acordo com a formação discursiva e o contexto no qual é usado.

Assim sendo, com base na conceituação acima, entendemos que os planos

de texto (fixo e ocasional) estão à disposição do falante-ouvinte ou produtor de

textos para a construção de seus enunciados, que sempre estarão dispostos em um

determinado gênero, seja de formar cristalizada ou não, até porque “o plano é

inventado e descoberto durante o evento” (ADAM, 2004, p. 378). Esses enunciados

acomodam as diferentes possibilidades que dispomos no uso da linguagem, para

construí-los de acordo com as nossas necessidades sociais e discursivas.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...52

CAPÍTULO III: SOBRE AS OPERAÇÕES DE CONSTRUÇÃO DE REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS

Lampião como se sabe

É um tipo muito bandido

Sanguinolento e malvado

E um pouco destemido

Junto com seus capangas

De todo centro ele manga

Sendo sempre perseguido.

José Otávio Pereira Lima

3.1 Representações discursivas

No programa da Análise Textual dos Discursos de Jean-Michel Adam, a

representação discursiva compreende principal categoria de análise do nível

semântico de texto. Para tratar desta categoria, Adam (2011) retoma o “postulado de

representação”, de Jean-Blaize Grize (1990, 1996), segundo o qual as atividades

discursivas dos interlocutores são orientadas por um conjunto complexo de

representações dos temas tratados, da situação de discurso e dos interlocutores

(RODRIGUES, PASSEGGI & SILVA NETO, 2012; ADAM, 1999). Por isso, dizemos,

acompanhando ainda Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010), que todo texto

constrói, com maior ou menor riqueza de detalhes, representações discursivas de

seu enunciador, de seu ouvinte ou leitor e dos temas ou assuntos tratados.

Uma representação discursiva apresenta-se, minimamente, como um tema ou

um objeto de discurso e o desenvolvimento de uma predicação a seu respeito, cuja

forma linguística se estrutura a partir da associação de um sintagma nominal e de

um sintagma verbal, isto é, de um enunciado mínimo proposicional, ou ainda de um

nome e de um adjetivo. Esta extensão estrutural, mesmo sendo mínima, no caso

desta última forma mais reduzida, segundo Adam (2011), consegue preencher o

microuniverso semântico das representações discursivas, porque constrói um

“pequeno mundo” (ADAM, 2011) de forma coerente e estável, apresentado ao

interlocutor como uma imagem da realidade (PLATIN, 2008).

No entanto, mesmo sendo claramente colocada e reconhecida na economia

geral das categorias textuais do programa da Análise Textual dos Discursos, a

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...53

noção de representação discursiva é pouco desenvolvida e relativamente incompleta

na obra de Adam (RODRIGUES et al, 2012), o que pode ser confirmado ao

observarmos o curto número de páginas dedicado às representações discursivas em

A Linguística Textual: Introdução à análise textual dos discursos (pouco menos de

três páginas) a ausência de discussão sobre algumas operações de construção de

representações discursivas, como a predicação. Por isso, necessário se faz a

mobilização de estratégias teórico-metodológicas voltadas para a complementação

da proposta de Adam (2011), tendo em vista uma melhor compreensão de seu

funcionamento nos textos.

Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2012) sugerem, por exemplo, que as

operações de construção identificadas por Adam (2011) para as sequências

descritivas podem ser interpretadas como operações de construção de

representações discursivas, porque são comuns a todos os tipos de sequências

(entenda-se o conteúdo referencial-descritivo). “Trata-se de procedimentos de

textualização gerais e elementares que estão na base da construção de todo texto”

(p. 301). Ademais, estas operações devem ser complementadas com as

contribuições de Grize (1990, 1996) sobre suas operações lógico-discursivas, que

também são operações de textualização e de construção de esquematizações.

Pensando no postulado das representações de Grize (1990, 1996), Passeggi

(2001, p. 248) afirma que:

O postulado das representações remete às “representações mentais” dos interlocutores. Embora a lógica natural não pretenda examinar a realidade psicológica das representações mentais – pois, enquanto lógica, foge das interpretações psicologizantes – ela assume que os interlocutores têm representações e que estas são fundamentais na

comunicação discursiva.

Ora, por isso que Adam (2011) afirma que é o interpretante que constrói, a

partir dos enunciados, as representações discursivas em função de seus objetivos e

intenções (suas finalidades) e de suas representações psicossociais da situação

comunicativa, do enunciador “e do mundo do texto, assim como de seus

pressupostos culturais” (GRIZE, 2004; ADAM, 2011, p. 114). Assim, as

representações discursivas também são construídas em função dos aspectos

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...54

socioculturais que envolvem o processo comunicativo ou, melhor dizendo, nos

termos de Passeggi (2001, p. 248), com base em pré-construídos culturais que são

compartilhados pelos interlocutores, que “mobilizam um conjunto de conhecimentos

pré-construídos, de natureza cultural e social, a começar pela própria língua

utilizada”.

Para interagir com o outro, qualquer locutor deve ter uma representação da

situação de comunicação da qual participará – isto significa que ele deve conhecer

não só o seu interlocutor e o tema tratado no seu discurso, mas também deve ter

uma ideia de si mesmo enquanto interveniente no processo comunicativo e

consciência das intervenções que poderá fazer. Isto porque “uma esquematização

tem por função fazer alguém ver alguma coisa, mas precisamente, é uma

representação discursiva orientada para um destinatário sobre como seu autor

concebe ou imagina uma determinada realidade” (GRIZE, 1996, p. 50). Ao

interlocutor, cabe interpretar, reconstruir a esquematização (ou a representação

discursiva) que lhe é apresentada. E disto resulta o princípio dialógico do modelo

proposto por Grize (1990), apresentado no esquema abaixo:

Figura 06: Situação da comunicação Fonte: Grize (1990)

Do esquema acima, elaborado pelo próprio Grize (1990), depreendemos: os

elementos “A” e “B” designam dois lugares ou papéis que podem ser ocupados,

claro que alternadamente, por um indivíduo ou por um grupo de indivíduos,

resguardando suas especificidades psicológicas e sociais. “Trata-se de sujeitos que

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...55

desempenham cada um uma atividade: atividade de construção por parte de A e

atividade de reconstrução por parte de B” (GRIZE, 1996, p. 68). O locutor “A”

constrói uma representação discursiva do assunto em função da finalidade, dos pré-

construídos culturais e das representações que possui sobre ele mesmo, sobre o

tema e sobre o interlocutor. O locutor “B”, por sua vez, reconstrói essa

esquematização que lhe é proposta em função da esquematização, da finalidade,

das representações e dos pré-construídos culturais.

Entretanto, segundo adverte Adam (2013), deve-se considerar que a

reconstrução que “B” faz da esquematização proposta por “A” pode não ter a mesma

forma, porque os interlocutores são seres distintos, reais e únicos e a comunicação

não é um processo simétrico, há uma série de fatores que tomam parte desse

processo e que o determinam. A assimetria entre “A” e “B” se deve ao fato de que a

finalidade de “A” é diferente da finalidade de “B”, visto que “A”, no esquema

apresentado anteriormente, é aquele que toma a iniciativa do ato de comunicação,

de modo que “B” está restrito ao que “A” lhe propôs.

Convém ainda esclarecer que as representações devem ser distinguidas das

imagens dos diferentes componentes propostos na esquematização acima. O

próprio Grize (1990, p. 33) sublinha esta distinção nos seguintes termos: “(…) je

réservele terme d‟image pour ce que propose la schématisation elle-même. Dans ma

terminologie, orateur et auditeur ont des représentations et le discours propose des

images15". Assim, de um ponto de vista discursivo, toda esquematização –

entendamos toda representação – sugere a construção de três tipos de imagens: do

locutor (Im(A)), do tema tratado em seu discurso (Im(T)) e do interlocutor ao qual o

locutor se dirige (Im(B)).

Estas três imagens são retomadas por Rodrigues, Passeggi e Silva Neto

(2010) como representações de três instâncias do discurso: o enunciador, o ouvinte

ou o leitor e o tema ou assunto tratado. Em Queiroz (2013), esses conceitos são

adaptados da seguinte forma: imagem do locutor para a noção de representação

discursiva de si, imagem do interlocutor para a noção de representação discursiva

do alocutário e imagem do tema tratado para a representação discursiva do tema ou

do assunto tratado.

15

“(...) reservo o termo imagem para o que propõe o próprio esquema. Na minha terminologia, orador e auditor têm representações e o discurso propõe imagens”.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...56

A representação discursiva de si compreende a imagem que o locutor (ou o

enunciador) faz de si mesmo em seu discurso. Trata-se do conceito retórico de

ethos, segundo o qual todo ato de tomar a palavra implica a construção discursiva,

deliberada ou não, de uma imagem de si, no intuito de garantir e assegurar o

sucesso do empreendimento oratório. Segundo Amossy (2013), a construção dessa

imagem não se faz por meio de um autorretrato feito pelo locutor, pelo detalhamento

de suas qualidades e características físicas ou porque ele fale explicitamente de si,

mas que seu estilo, suas crenças implícitas são suficientes para construir a

representação da pessoa do locutor. Como diz Barthes (1975, p. 203), é como se o

orador enunciasse uma informação e, ao mesmo tempo, ele dissesse: “eu sou isto

aqui e não sou aquilo lá”.

De acordo com Grize (1996), para que o locutor construa as suas

esquematizações (isto é, as representações discursivas de si), ele precisa também

pensar no seu possível alocutário. Por isso, dizemos que os discursos constroem

representações discursivas que o locutor faz de seu interlocutor (ou do ouvinte-

leitor). Por sua vez, o alocutário interpreta a esquematização que é construída pelo

locutor, tendo em vista as suas competências linguístico-discursivas e culturais, de

acordo com os seus objetivos (PASSEGGI, 2001). Ora, assim, locutor e alocutário

(ou enunciador e ouvinte-leitor) compreendem instâncias fundamentais no processo

de construção dos textos e no funcionamento dos discursos.

Finalmente, dizemos que o locutor também constrói representações

discursivas do tema ou do assunto tratado em seu texto-discurso. Como salienta

Passeggi (2001, p. 249-250), “as imagens do tema tratado constituem o conteúdo

manifesto da esquematização e remetem diretamente às operações lógico-

discursivas de sua construção”. Os recursos linguístico-discursivos mobilizados pelo

locutor para construir e estruturar o texto de seu discurso (no plano sintático e no

plano semântico) não possibilitam apenas o repasse de informações, mas também a

construção de representações discursivas do assunto tratado, de objetos de

discursos que são tematizados.

Dos três tipos expostos acima, interessa-nos, em nossa pesquisa, de modo

particular, este último tipo de construção de representações discursivas, porque,

como dito na introdução desta tese, na análise do corpus de nossa investigação nos

detemos especificamente à construção de representações discursivas sobre

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...57

Lampião e seu bando, que se configuram como assuntos, como tema tratado nas

notícias analisadas. Como já dito, nos interessa observar como são textualmente

construídas as representações discursivas de Lampião e seu bando de cangaceiros

em notícias do século vinte, tomando como plano de fundo o acontecimento da

incursão do bando à cidade Mossoró, em junto de 1927.

3.2 Operações semânticas de construção de representações discursivas

As representações discursivas são textualmente construídas a partir de certas

operações ou categorias semânticas: referenciação, predicação, modificação,

localização, conexão e analogia. Estas operações, segundo Rodrigues et al (2014,

p. 251), “são semânticas, nocionais, interpretadas numa perspectiva textual. Elas

não correspondem, biunivocamente, a uma única categoria gramatical, lexical ou

mesmo discursiva, antes, incorporam-nas”. A partir da identificação e interpretação

de cada uma delas, conseguimos analisar as representações discursivas que são

construídas sobre Lampião e seu bando nas notícias que compõem o corpus de

nossa pesquisa.

Como definir ou mesmo conceituar essas operações não é uma tarefa

simples, porque além da complexidade que envolve a compreensão de cada uma

delas, existem definições oriundas de perspectivas diferentes dos estudos da

linguagem, é necessário traçar o percurso que realizamos para descrevê-las, bem

como o embasamento teórico-metodológico adotado. Inicialmente, partimos das

operações identificadas por Adam (2011) para análise da sequência descritiva.

Estas operações, apresentadas a seguir, podem ser utilizadas para a análise de

quaisquer tipos de sequências, porque todas elas – narrativa, descritiva,

argumentativa, dialogal e explicativa – apresentam um conteúdo referencial-

descritivo, ou seja, em todas elas é possível a observar a construção de

representações discursivas por meio das operações da sequência descritiva.

Além de Adam (2011), buscamos também respaldo em Castilho (2010) e

Neves (2006). Mesmo não situando seus trabalhos no âmbito da Linguística Textual,

estes dois gramáticos e linguistas brasileiros trazem importantes contribuições para

a definição das operações que utilizamos para identificar e analisar as

representações discursivas no corpus estudado, porque apresentam alguns tipos de

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...58

operações semânticas de construção dos textos, dentre os quais destacamos a

referenciação, a predicação e a conexão. A seguir, portanto, nos empenhamos em

apresentar as definições de cada um desses autores para, posteriormente,

sistematizarmos como compreendemos cada uma das operações que foram

utilizadas para a análise das representações discursivas.

3.2.1 Operações da sequência descritiva – Jean-Michel Adam

Como dito anteriormente, acompanhamos e concordamos com a sugestão de

Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2012) de que as operações linguísticas da

sequência descritiva podem ser compreendidas como operações de construção de

representações discursivas, porque se aplicam aos demais tipos de sequências

textuais, como a narrativa e a argumentativa, por exemplo. Assim, é pertinente aqui

recuperar a definição de Adam (2011) para este tipo de sequência, bem como cada

um dos tipos de operações apresentados pelo autor.

Conforme Adam (2011), a descrição difere dos demais tipos de sequências

textuais porque não possui uma ordem de agrupamento das proposições-

enunciados em macroproposições ligadas entre si, apresentando, portanto, uma

frágil caracterização sequencial. Em razão disso, dizemos que a sequência

descritiva não apresenta uma composicional típica, mas, como veremos, é formada

por operações de base descritiva. Assim, no nível dos enunciados mínimos, isto é,

da proposição, “a teoria ilocucional localiza a parte descritiva dos enunciados no

conteúdo proposicional (p), sobre o qual se aplica um marcador de força

ilocucionária F(p).” (ADAM, 2011, p. 217). Ou seja, no nível da proposição, a

descrição se estrutura a partir da atribuição de uma predicação a um sujeito, o que

constitui a base de um conteúdo proposicional.

Pensando assim, Adam (2011) sugere que as sequências descritivas

possuem força ilocucionária, considerando que é um sujeito que realiza a descrição,

ação que não é realizada independente de um ponto de vista, de uma tomada de

posição. “Do caráter indissociável de um conteúdo descritivo e de uma posição

enunciativa que orienta, argumentativamente, todo enunciado, decorre o fato de que

um procedimento descritivo é inseparável da expressão de um ponto de vista, de

uma visada do discurso” (ADAM, 2011, p. 217). Isto significa dizer que os conteúdos

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...59

descritivos não são expressos objetivamente pelos enunciados, mas apresentam

uma atitude subjetiva.

No nível da composição textual, a extensão da estrutura da descrição é

variável, independentemente dos objetos de discurso, sendo definida por um grupo

de operações descritivas de base, ordenadas segundo determinação de cada plano

de texto. Estas operações, acompanhando Adam (2011, p. 218), na verdade,

constituem quatro “macrooperações que agrupam nove operações descritivas que

geram uma dezena de tipos de operações descritivas de base”. As quatro

macrooperações de construção da sequência descritiva apresentadas pelo autor

são: tematização, aspectualização, relação e expansão por subtematização, as

quais descreveremos a seguir.

A tematização, a principal macrooperação, “dá unidade a um segmento e faz

dele um período tão fortemente característico que aparece como uma espécie de

sequência.” (ADAM, 2011, p. 23). Trata-se de procedimento que consiste, pois, em

expandir as propriedades do objeto do discurso, suas partes, a situação por meio da

aspectualização ou da colocação em relação (estas duas últimas operações serão

explicadas a seguir). Esta operação pode aplicar-se de três maneiras bastante

diferentes e importantes para a construção do sentido: pré-tematização, pós-

tematização e retematização:

OPERAÇÕES POR TEMATIZAÇÃO CONCEITO

Pré-tematização (ancoragem)

“É uma denominação imediata do objeto que abre (escopo à direita) um período descritivo e anuncia um todo.” (ADAM, 2011, p. 217). Trata-se de uma espécie de revelação do objeto descrito.

Pós-tematização (ancoragem diferida)

“É uma denominação adiada do objeto, que somente nomeia o quadro da descrição no curso ou no final da sequência.” (ADAM, 2011, p. 217).

Retematização (reformulação)

É a “nova denominação do objeto, que reenquadra o todo, fechando o período descritivo. Diferentemente da pré-tematização, a retematização implica a existência de uma primeira nomeação [N] do objeto do discurso e vem, portanto, interromper seu escopo.” (ADAM, 2011, p. 218). Linguisticamente, esta operação pode ser representada por elementos como em suma, em resumo, em uma palavra, em outras palavras, dentre outros que sugerem a retematização de um objeto de discurso

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...60

anteriormente citado. Quadro 03: Operações de tematização. Fonte: Adam (2011).

A aspectualização se apoia na tematização e consiste em um conjunto de

operações, nas quais o enunciador descreve o objeto a partir de suas propriedades

ou de suas partes, mas por meio de duas formas específicas: a fragmentação

(partição) e a qualificação.

OPERAÇÕES DE ASPECTUALIZAÇÃO CONCEITO

Fragmentação (partição)

“seleção de partes do objeto da descrição. Operação de análise de um todo, em partes e subpartes de partes, tende a fragmentar o objeto do discurso.” (ADAM, 2011, p. 223).

Qualificação

“evidencia propriedades do todo e/ou das partes selecionadas pela operação de fragmentação. (...) é realizada, na maioria das vezes, pela estrutura do grupo nominal nome + adjetivo e pelo recurso predicativo ao verbo ser.” (p. 223).

Quadro 04: Operações de aspectualização. Fonte: Adam (2011).

A operação de relação compreende procedimento no qual o enunciador

informa ao seu interlocutor (leitor-ouvinte) como o objeto descrito se encontra em um

dado lugar e momento (isto é, a situação do objeto). Esta macrooperação pode

ocorrer de duas maneiras:

OPERAÇÕES DE RELAÇÃO CONCEITO

Relação de contiguidade

“situação temporal (situação do objeto de discurso em um tempo histórico ou individual) ou espacial (relações de contiguidade entre o objeto do discurso e outros objetos suscetíveis de tornar-se o centro [tematização] de um procedimento descritivo, ou, ainda, contiguidade entre as diferentes partes consideradas).” (ADAM, 2011, p. 223).

Relação de analogia

“essa forma de assimilação comparativa ou metafórica permite descrever o todo em partes, colocando-as em relação com outros objetos indivíduos.” (p. 223).

Quadro 05: Operações de relação. Fonte: Adam (2011).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...61

Finalmente, a operação de subtematização consiste na extensão da descrição

pelo acréscimo de qualquer outra operação a uma operação anteriormente

estabelecida. Estas operações, “identificáveis e repetíveis”, segundo Adam (2011),

são fundamentais para descrição de qualquer objeto, em todo gênero de discurso,

de forma potencialmente infinita.

Agora, ainda retomando o autor, “na medida em que um segmento descritivo

não comporta nenhuma linearidade intrínseca, a passagem do repertório de

operações à textualização, implica a adoção de um plano” (224). Por isso, muitas

vezes, conhecer os planos de textos e suas marcas características específicas se

impõe como elemento de importância decisiva para a interpretação de qualquer

descrição ou descrições em um texto.

Além disso, essas operações, ao tempo em que constroem descrição de um

objeto, também constroem representações discursivas do próprio objeto, do

enunciador do texto ou mesmo do interlocutor. Por isso, acreditamos que elas

podem ser aplicadas a quaisquer outros tipos de sequências textuais como

operações de textualização que estão na base da construção de todo texto.

Associadas aos trabalhos de outros autores, elas serão, pois, fundamentais para o

estabelecimento das operações de base de construção de representações

discursivas que estão sendo adotadas em nossa pesquisa, conforme veremos em

tópico seguinte.

3.3.3 Categorias semânticas – Ataliba T. de Castilho

Compreendendo a semântica como o sistema por meio do qual criamos os

significados, o linguista e gramático brasileiro Ataliba T. de Castilho (2010) propõe,

em sua Nova Gramática do Português Brasileiro, sete categorias semânticas de

análise de enunciados: i) Dêixis e foricidade, ii) Referenciação, no sentido de

denominação, iii) Predicação, iv) Verificação, v) Conectividade, vi) Inferência e

pressuposição e vii) Metáfora e metonímia. Estas categorias, segundo o autor,

permitem-nos analisar como funciona o nível semântico dos textos. Vejamos, a

seguir, mesmo que sumariamente, cada uma delas.

A dêixis é uma categoria que “depende crucialmente da situação discursiva e

não das propriedades intencionais necessárias à configuração das categorias de

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...62

referência e predicação” (CASTILHO, 2010, p. 123), como veremos a seguir. A

compreensão de expressões temporais do discurso como aqui e agora ou mesmo

de expressões identificadores dos enunciadores, como eu e você, são exemplos de

termos dêiticos, porque só podem ser compreendidos considerando a situação em

que foram veiculados. Por isso, Castilho (2010) afirma que as expressões dêiticas

selecionam obrigatoriamente a significação pragmática e são essenciais para a

organização do discurso, a ponto de se dizer que sem a dêixis não há discurso.

A foricidade, segundo aponta o próprio autor, deve ser compreendida como

uma espécie de remissão. Representa, portanto, “um segundo conhecimento da

coisa, sendo que o primeiro conhecimento é dado pelos processos de referência ou

designação, e dêixis ou localização” (p. 126). Esta categoria pode ocorrer através da

anáfora, por exemplo, quando um tópico discursivo é retomado, trazendo de novo à

consciência os participantes do discurso anteriormente mencionados, ou presentes

no cotexto.

A referenciação, entendida por Castilho (2010) como denominação,

corresponde à “função pela qual um signo linguístico representa quaisquer entidades

dos mundos extralinguísticos, reais ou imaginários” (p. 126). Inspirado

principalmente nos trabalhos da filosofia contemporânea de Frege, Castilho (2010)

observa que nas expressões referenciais é preciso distinguir o sentido e a

referência: o primeiro compreende o modo de apresentação do objeto e a segunda é

a designatum, ou seja, o sentido é uma representação mental da coisa e a

referência é a própria coisa.

A predicação é definida na relação do predicado com seu escopo. Em outros

termos, ocorre predicação quando um operador toma um termo por seu escopo,

transferindo-lhes propriedades de que o escopo não dispunha antes. “A predicação

é uma operação de transferência de traços semânticos que se movimentam pela

sentença e pelo texto” (p. 128). Segundo o autor, a observação deste traço

predicativo permite identificar pelo menos três grandes mecanismos de predicação:

(i) quando a transferência afeta a intenção da classe-escopo: ocorre uma predicação

por qualificação, como em livro divertido; (ii) quando a transferência afeta a extensão

da classe-escopo: ocorre uma predicação por quantificação, como em tanta risada;

(iii) quando a transferência afeta a modalidade classe-escopo, como em de fato,

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...63

aquele velhinho está lendo atentamente um livro divertido16, em que o predicador de

fato tomou por escopo toda a sentença, tornando-a assertiva.

A verificação funciona por meio de operadores que, ao invés de transferirem

propriedades, tal qual ocorre na predicação, promovem uma comparação implícita

entre seu escopo e o protótipo correspondente. Conforme Castilho (2010, p. 129),

“os conceitos de afirmação, negação, focalização, inclusão, exclusão e delimitação

explicitam o que se entende por verificação, termo técnico que significa avaliar o

conteúdo de verdade, tornar verdadeiro”.

A inferência e a pressuposição, apesar de estarem integradas em uma

mesma categoria, compreendem dois processos sociocognitivos distintos. Fazer

inferência significa criar realidades semânticas a partir de outras realidades

previamente existentes. Isto pode ser feito de duas formas: inferência dedutiva e

inferência argumentativa. No primeiro caso, o fundamento da inferência está no

raciocínio lógico e corresponde à premissa de um silogismo, levando-nos a uma

conclusão. No segundo, a inferência é baseada no conhecimento do senso comum.

Por outro lado, fazer pressuposição é entender alguma coisa que não foi dita, que

não foi posta explicitamente em um dado discurso.

Em Castilho (2010), a metáfora é compreendida especialmente a partir dos

trabalhos de Lakoff e Johnson (2002), que a entende como elemento inerente à

própria linguagem. Para estes autores, de modo bastante didático, a metáfora pode

ser definida da seguinte forma: (i) um fenômeno conceitual, não necessariamente

ligado a expressões linguísticas, (ii) um mecanismo cognitivo básico e muito definido

que a semântica não deve ignorar, (iii) o entendimento de um domínio de

experiência em termos de outro, (iv) a projeção de um conjunto de correspondências

entre um domínio-fonte e um domínio-alvo.

A metonímia, por sua vez, compreende processo no qual alteramos os

sentidos de uma palavra a partir da migração de traços contidos na expressão

linguística. Para Lakoff e Johnson (2002), no caso das metáforas, o que ocorre

principalmente é uma forma de conceber uma coisa em termos de outra, tendo por

função principal a compreensão. Já as metonímias têm eminentemente função

referencial, ou seja, de usar uma entidade para representar outra, apresentando

também a função de favorecer o entendimento.

16

Todos esses exemplos foram utilizados pelo próprio autor em sua Nova Gramática do Português Brasileiro, publicada em 2010 pela Editora Contexto, e foram aqui reproduzidos de forma literal.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...64

Finalmente, a conectividade é uma categoria semântica gramaticalizada como

preposições e conjunções. Segundo Castilho (2010), essas classes servem

essencialmente para ligar e unir palavras e mesmo sentenças, com a diferença de

que a preposição, como classe igualmente predicadora, atribui ao seu escopo,

traços de lugar, tempo, entre outras propriedades que não exercidas pela classe das

conjunções.

3.2.4 Operações semânticas – Maria Helena de Moura Neves

A professora e linguista brasileira Maria Helena de Moura de Neves (2006),

em seu livro Texto e gramática, apresenta as noções de predicação, referenciação e

conexão como operações que possibilitam o estudo “dos processos de constituição

dos enunciados” (p. 11). Mesmo que considere estas operações a partir de uma

visão funcionalista da linguagem, inspirada, principalmente, nos trabalhos de

linguistas como Michael Halliday, Talmy Gívon e Simon Dik, acreditamos ser

pertinente considerar suas proposições e definições, tendo em vista o

estabelecimento posterior de cada uma dessas operações para fins de nossa

pesquisa, uma vez que a própria autora aponta a existência de uma “confluência de

atenção entre a gramática funcional e a linguística do texto” (p. 26).

De acordo com Neves (2006), a predicação é um processo básico de

constituição do enunciado, o que significa dizer que todo enunciado se constitui a

partir do acionamento de um conjunto de estruturas predicativas. As predicações

são construídas a partir de predicados. Os predicados devem ser compreendidos

como designadores de propriedades ou relações que se aplicam a certo número de

termos que se referem a entidades, produzindo predicações que designam estados

de coisas. Em outras palavras, “os predicados designam as propriedades ou

relações que estão na base das predicações que se formam quando eles se

constroem com os seus argumentos e com os demais elementos do enunciado”

(NEVES, 2011, p. 25).

Como os verbos, na maioria das vezes, constituem os predicados das

orações, Neves (2006) sugere, assim como grande parte dos funcionalistas, que

eles sejam compreendidos como elementos centrais da oração. A centralidade do

verbo sugere que todos os demais termos (argumentos) que preenchem sua

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...65

valência são complementos, cada um deles preenchendo um lugar vazio e diferente

exigido pelo próprio verbo, inclusive o próprio sujeito, mesmo que este possua um

estatuto diferente dos demais argumentos, uma vez que ele é o escopo da

predicação que se opera na oração, ou seja, a predicação se estabelece em

referência ao sujeito.

Ora, considerando a centralidade do verbo e o acionamento de uma estrutura

argumental na construção dos predicados, “o que acontece com os verbos se

relaciona intimamente com a natureza dos predicados” (NEVES, 2006, p. 49). Isto

significa dizer que os verbos devem ser classificados conforme a natureza dos

papéis semânticos desempenhados pelos argumentos que contraem relação com o

predicado e que, na oração, se apresentam como funções do verbo, tal como fez

Chafe (1979). De acordo com este autor, segundo esse critério, os verbos podem

indicar:

i) ação, se o A¹ (estruturalmente na função de sujeito) for agente; ii) processo, se o A¹ (estruturalmente na função de sujeito) for afetado ou experienciado; iii) ação-processo, se o A¹ (estruturalmente na função de sujeito) for agente-causativo e houver um A² afetado-efetuado; iv) estado, se o A¹ (estruturalmente na função de sujeito) não for nem agente nem causativo nem afetado (será „neutro‟ inativo). (NEVES, 2006, p. 49-50).

O valor do verbo, como se pode observar, é determinado pela combinação do

argumento que assume função de sujeito com os demais complementos, “já que é a

relação do predicado com os argumentos que condiciona o valor significativo dos

verbos, valor determinado em cada combinação específica” (NEVES, 2006, p. 50).

Portanto, segundo a autora, deve-se levar em conta a identificação dos traços

semânticos do nome (que é o núcleo do complemento), os quais são exigidos pela

matriz construcional do verbo.

É claro que existem outros verbos, como aponta a própria Neves (2006), que

não acionam uma estrutura argumental, no sentido de que não são por si

predicados, ou seja, não constituem o núcleo, a matriz, para o reconhecimento da

estrutura argumental. É o caso dos verbos de ligação e dos verbos-suporte.

Segundo a autora, eles “entram na construção de predicações em condições

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...66

particulares, as quais os retiram do estatuto de centro da matriz predicativa” (p. 59).

Além desses dois tipos de verbos, ainda é preciso considerar os verbos auxiliares e

os modalizadores, que se caracterizam por constituírem operadores sobre outro

verbo com o qual se constroem – o verbo principal ou determinador da estrutura

argumental.

Em Neves (2006), a referenciação pode ser compreendida a partir de três

maneiras: (i) como construção de referentes (ou construtiva, em que “o falante usa

um termo para que o ouvinte construa um referente para esse termo e introduza

esse referente em seu modelo mental”); (ii) como identificação de referentes (ou

identificador, em que “o falante usa um termo para que o ouvinte identifique um

referente que já de algum modo esteja disponível, o que ocorre quando há uma

fonte disponível para a identificação”); e (iii) como a montagem da própria rede

referencial do texto, na medida em que ele se constrói e se processa (NEVES, 2006,

p 75-76). Nesta terceira concepção, que a autora atribui ao funcionalismo linguístico,

o processo de referenciação “diz respeito à própria constituição do texto como uma

rede em que referentes são introduzidos como objetos-de-discurso” (NEVES, 2006,

p. 76), isto é, entidades que constituem termos das predicações, oriundas de uma

construção mental e não de um mundo real.

Nesta última concepção, o processo de referenciação tem a ver com a

progressão ou a manutenção tópica, servindo de base à sustentação da organização

informativa e à orientação do fluxo informacional, mantida por diversas estratégias

de formulação textual, tais como:

i. Preservação de referentes introduzidos no texto;

ii. Introdução de novos referentes;

iii. Retomada e reintrodução de uns e outros; e,

iv. Projeções referenciais.

Assim, na perspectiva defendida por Neves (2006), os estados, eventos,

indivíduos e situações são referenciados no discurso e, como tais, são construtos do

mundo do próprio discurso, independente de sua existência no mundo real. Por isso,

a autora afirma que há dois tipos de referenciais básicos: o genérico e o individual.

No primeiro caso, entende-se que uma referência implicada por um sintagma

nominal pode sempre identificar o referente de forma genérica, compreendendo a

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...67

totalidade das entidades pertencentes a um gênero ou classe. Já no segundo caso,

a referência permite identificar todos ou apenas alguns indivíduos (existentes ou

hipotéticos) incluídos no gênero ou classe.

Finalmente, a autora entende a conexão como uma relação semântica difícil

de definir em termos claros, pela qual se explica os nexos existentes entre o que

vem antes e o que vem depois em um enunciado. De modo geral, ela afirma tratar-

se de um conjunto de relações semânticas entre orações, complexos oracionais,

trechos de textos, explicitados não só pelos elementos ditos conjuntivos, as

conjunções, mas por um diversificado número de expedientes, dentre os quais

podem ser incluídos alguns advérbios – como em: “E os dois meteram-se pelo

atalho juncado florando. Pouco depois, deixavam de ouvir os gritos lancinantes de

Sinhá Andressa” – e mesmo alguns verbos – como em: “Houve um acordo entre o

estado – que dizia que os consumidores foram enganados – e a fábrica de flocos de

aveia. Seguiu-se um megaestudo financia pela Quaker, analisando todas as

pesquisas pró e contra o uso de aveia17.”.

3.3 Redefinindo as operações de análise das representações discursivas

Considerando a exposição anteriormente realizada sobre as operações

semânticas de construção das representações discursivas na perspectiva de cada

um dos autores apresentados, pretendemos, agora, retomá-las e propor uma

redefinição dessas operações. Isto não significa romper com as conceituações aqui

suscitadas, mas sim retomá-las ou mesmo, quando necessário, reformulá-las em

conformidade com os nossos objetivos de pesquisa. Convém ressaltar que estas

operações estão totalmente imbrincadas, de modo que a separação realizada é tão

somente por uma questão didática de maior clareza na apresentação e

sistematização dos dados.

Além disso, algumas operações citadas por alguns dos autores na seção

anterior não serão aqui retomadas, como é o caso, por exemplo, da verificação, de

Castilho (2010), porque não atendem ou não estão relacionadas aos objetivos

propostos. Outras, apesar de serem tratadas separadamente, serão incorporadas a

17

Estes exemplos retirados da própria obra da autora, Texto e gramática, publicada em 2006 aqui no Brasil pela Editora Contexto.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...68

uma categoria, tal como ocorre com a metáfora e a metonímia, que são

incorporadas na operação de analogia.

3.3.1 Referenciação

A referenciação foi citada e trabalhada pelos três autores aqui apresentados.

Em Adam (2011), ela é retomada a partir da operação de tematização e é entendida

como denominação de objetos de discurso. Em Castilho (2010), ela também é

compreendida como denominação ou como função exercida por um signo linguístico

para representar entidades do mundo extralinguístico, real ou imaginário. Por último,

em Neves (2006), a referenciação é tomada como construção e identificação de

referentes e como montagem de uma rede referencial do texto.

Não pretendemos seguir uma ou outra definição isoladamente, mas

recortamos aspectos pertinentes de cada uma delas para compreendermos a

referenciação como o processo que possibilita a designação de objetos de discurso,

sendo estes objetos construtos de uma realidade criada no e pelo próprio discurso.

Esta visão se aproxima bastante do que tem defendido Ingedore Koch (2002, p. 80)

no âmbito da Linguística Textual brasileira. Para ela, a referenciação compreende

uma operação que realizamos para designar seres, coisas, sentimentos, situações,

isto é, para designar objetos de discurso:

[...] a referência passa a ser considerada como resultado da operação que realizamos quando, para designar, representar ou sugerir algo, usamos um termo ou criamos uma situação discursiva referencial com essa finalidade: as entidades designadas são vistas como objetos de discurso e não como objetos do mundo.

Os objetos de discurso não existem em uma realidade dada a priori, como se

fossem entidades correspondentes às coisas existentes no mundo físico.

Representados gramaticalmente por pronomes, substantivos e expressões

nominais, eles constroem a realidade e são construídos no processo de interação no

e pelo discurso. Por isso, eles são dinâmicos, isto é, “uma vez introduzidos no

discurso, podem ser modificados, desativados, reativados, transformados,

recategorizados, construindo-se, assim, o sentido, no curso da progressão textual”

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...69

(KOCH, 2002, p. 81). Ou, nos termos aqui por nós adotados, depois de designados,

os objetos de discurso podem ser redesignados diversas vezes, fator essencial para

evitar a redundância e ambiguidade, bem como para promover a progressão

referencial e textual. A este respeito, convém ainda retomar o que diz Lorenza

Mondada (1994, p. 64), como forma de complementar o que já foi aqui exposto:

O objeto de discurso caracteriza-se pelo fato de construir progressivamente uma configuração, enriquecendo-se com novos aspectos e propriedades, suprimindo aspectos anteriores ou ignorando outros possíveis, que ele pode associar com outros objetos ao integrar-se em novas configurações, bem como pelo fato de articular-se em partes suscetíveis de se autonomizarem por sua vez em novos objetos. O objeto se completa discursivamente.

Por apresentarem um aspecto dinâmico, os objetos de discurso permitem e

favorecem a progressão referencial e textual. Conforme foi visto em Neves (2006), a

referenciação pode ser entendida como a montagem de uma rede referencial própria

do texto, em que os referentes são introduzidos como objetos de discurso,

favorecendo a progressão ou a manutenção tópica. De modo semelhante, Koch

(2002) afirma que a progressão referencial é assegurada no texto a partir da

construção de cadeias referenciais por meio das quais se procede à categorização

ou recategorização discursiva dos referentes, ou seja, dos objetos de discurso.

Dentre as principais estratégias linguísticas que favorecem a progressão referencial,

a autora cita o uso de pronomes ou elipses, o uso de expressões nominais definidas

e o uso de expressões nominais indefinidas.

Também nesse ponto, Adam (2011) parece concordar com Neves (2006) e

Koch (2002). Segundo o autor, a continuidade referencial dos textos é assegurada

por meio da retomada de elementos, isto é, de objetos de discurso, já introduzidos.

Estas retomadas são possibilitadas por certas propriedades da língua:

pronominalização (anáforas pronominais), definitização (anáforas definidas),

referenciação dêitica cotextual (anáfora demonstrativa) e correferência lexical, às

quais se podem acrescentar a recuperação pressuposicional e a retomada por

inferência.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...70

Todas as formas de anáforas e de cadeias de correferências visam, certamente, manter um continuum homogêneo de significação, uma isotopia mínima do discurso por retomadas-repetições, mas asseguram, ao mesmo tempo, a progressão por novas especificações e mobilizações das referências virtuais dos lexemas utilizados (ADAM, 2011, p. 145).

Ora, portanto, os processos referenciais são fundamentais à tessitura textual.

Eles não apenas servem para referir, mas, como expressões multifuncionais,

contribuem para “[...] elaborar o sentido, indicando pontos de vistas, assinalando

direções argumentativas, sinalizando dificuldades de acesso ao referente e

recategorizando os objetos presentes na memória discursiva” (KOCH, 2006, p. 106).

Sendo assim, entendemos que quando as expressões referenciais designam

(categorizam) ou redesignam (ou recategorizam) um dado objeto durante um evento

de comunicação, manifestam também as representações que são construídas no

discurso sobre este objeto (tema tratado) ou mesmo sobre o enunciador e o

interlocutor.

3.3.2 Predicação

Como na Análise Textual dos Discursos de Adam (2011) não há uma

definição sistemática a respeito da operação de predicação, preferimos por

acompanhar de perto em nossa pesquisa a definição proposta por Rodrigues,

Passeggi e Silva Neto (2010, p. 175), porque é fundamentada na proposta daquele

autor: “a predicação remete tanto à operação de seleção dos predicados, isto é, à

designação dos processos, no sentido amplo (ações, estados, mudanças de estado

etc.), como ao estabelecimento da relação predicativa no enunciado”.

Conforme Queiroz (2013), em Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010), a

predicação corresponde ao que gramaticalmente chamamos de predicados – que se

encarregam de estabelecer as relações entre o referente e os processos

desenvolvidos por ele. Linguisticamente, a predicação é construída por meio de

verbos e locuções verbais, os quais são denominados de processos, terminologia

que também adotamos em nosso trabalho.

Como vimos em Neves (2006), os verbos, quanto ao seu aspecto semântico,

podem ser classificados em: verbos de ação, verbos de processo, verbos de ação-

processo e verbos de estado. Adotamos em nosso trabalho esta classificação

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...71

porque acreditamos que ela dá conta de toda a complexidade que envolve os

processos verbais. Logo, concordamos também que o valor do verbo está

relacionado à combinação do argumento que assume a função de sujeito com os

demais complementos, ou seja, a predicação se estabelece em referência ao sujeito.

Entretanto, não entramos na defesa do princípio da centralidade do verbo na

análise do enunciado, porque, em nossas análises, selecionamos os enunciados a

partir da referenciação, isto é, entendemos a referenciação como o elemento que

nos permite selecionar um enunciado e analisar ali, considerando as demais

operações semânticas adotadas, uma representação discursiva. Ademais, pensar o

verbo como o elemento que se coloca no centro da oração compreende um

fenômeno de ordem sintática e, portanto, não nos interessa considerá-lo neste

trabalho. Preferimos entender a predicação e a referenciação como operações que

formam a base de constituição dos enunciados em que à predicação se associam os

termos ligados pelo processo de referenciação, de modo que esta última se constitui

em uma entidade fundamental para se construir um determinado texto.

3.3.3 Modificação

A noção de modificação não foi citada por nenhum dos autores anteriormente

apresentados, mas podemos relacioná-la à operação de aspectualização de Adam

(2011). Como visto, este autor compreende a aspectualização como imputação de

propriedades ou qualificação de um objeto tematizado. Para nós, semelhantemente

à definição de Adam (2011), a modificação compreende justamente a operação

semântica responsável pela atribuição de propriedades ou de qualidades aos

referentes e aos predicados de uma proposição. Está, portanto, ligada não apenas à

referenciação (ou tematização, nos termos de Adam (2011, p. 220), como ele próprio

sugeriu: “essa macrooperação [a aspectualização] se apoia na tematização”), mas

também à predicação.

Por isso, é necessário, pois, dividir a operação de modificação em dois tipos,

porque apresentam comportamento gramatical e semântico diferentes: modificação

da referenciação e modificação da predicação. Portanto, a modificação “está ligada

tanto ao sujeito, por meio de adjetivos e/ou expressões adjetivas, quanto às ações

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...72

verbais dos predicados, por meio das circunstâncias adverbiais” (QUEIROZ, 2013, p.

67).

3.3.3.1 Modificação da referenciação

Se os modificadores dos referentes, como dito anteriormente, são, pelo

menos na maioria das vezes, representados gramaticalmente por adjetivos ou

expressões de valor adjetivo, é imperativo retomar a noção de adjetivo.

Acompanhamos o gramático Evanildo Bechara (2009, p. 143) para definirmos o

adjetivo como “a classe do lexema que se caracteriza por constituir a delimitação,

isto é, por caracterizar as possibilidades designativas do substantivo, orientando

delimitativamente a referência a uma parte ou a um aspecto do denotado”. Ora, a

função do adjetivo é, pois, delimitar o substantivo e isto pode ser feito por meio de

explicação, especialização e especificação. Os termos explicadores destacam e

acentuam uma característica inerente do ser designado. Os especializadores

marcam os limites extensivos ou intensivos pelos quais se considera o determinado,

sem isolá-lo nem opô-lo a outros determináveis capazes de caber na mesma

denominação. Os especificadores restringem as possibilidades de referência de um

signo, ajuntando-lhes notas que não são inerentes ao seu significado (BECHARA,

2009).

Desse modo, ainda acompanhando Bechara (2009), podemos pensar em três

tipos de modificadores dos referentes:

a) Modificadores explicadores: o vasto oceano, as líquidas lágrimas.

b) Modificadores especializadores: a vinda inteira, o sol matutino, o dia no

ocaso, o céu astral, o homem como sujeitos pensantes, Camões como poeta.

c) Modificadores especificadores (especificação distintiva): castelo medieval,

menino louro, aves aquáticas, o presidente da República, o médico de

família18.

18

Os termos destacados em itálico compreendem justamente exemplos dos modificadores indicados em cada item. Convém, também, esclarece, que todos estes exemplos apresentados foram retirados da Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, publicada aqui no Brasil em 2011 pela Editora Contexto.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...73

3.3.1.2 Termos circunstantes

Os modificadores da predicação são, em sua maioria, representados

gramaticalmente por advérbios e expressões adverbiais. O advérbio, como

sabemos, é o elemento responsável por denotar uma circunstância do verbo da

oração. Por isso, chamaremos de termo circunstante aquele que modifica a

predicação.

O termo circunstante, portanto, é o elemento que modifica a predicação, isto

é, que apresenta circunstâncias para o verbo – claro que estas circunstâncias se

estendem para todo o enunciado, porque constitui uma unidade – e é

gramaticalmente representado pelo advérbio, pela locução adverbial ou expressão

de valor adverbial.

As circunstâncias expressas pelo termo circunstante podem ser de diversos

tipos, tais como: assunto, causa, companhia, concessão, condição, conformidade,

dúvida, finalidade, instrumento, intensidade, modo e negação. Convém fazer a

ressalva de que as circunstâncias de tempo e lugar poderiam, caso seguíssemos a

classificação dos advérbios realizada pela maioria das gramáticas normativas

brasileiras, também ser aqui incluídas, porque atuam modificando a predicação.

Entretanto, como veremos a seguir, elas são contempladas pela operação

semântica de localização espacial e temporal.

3.3.4 Localização espacial e temporal

A localização espacial e temporal, como o próprio nome parece sugerir, deve

ser entendida como a operação que localiza os objetos de discurso no tempo e no

espaço, indicando, conforme salientam Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010), as

circunstâncias espaciais e temporais nas quais se desenvolvem os processos e os

participantes. Esta operação compreende, pois, os elementos linguístico-gramaticais

que localizam no texto os espaços físicos e os tempos, através de expressões de

lugar e de tempo, que, gramaticalmente, são representadas pelos advérbios e

equivalentes.

Retomamos esta operação de Adam (2011), mas há controvérsias sobre que

ponto do seu texto pode ser a ela relacionado. Lopes (2014), por exemplo, afirma

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...74

que não há no texto deste autor um tópico específico para tratar da “categoria de

localização”. Para Andrade (2014), a localização corresponde à relação de

contiguidade apresentada por Adam (2011), que permite colocar o objeto de

discurso em relação a determinado tempo (histórico ou individual) ou em relação

com outros objetos. No entanto, preferimos acompanhar a decisão de Queiroz

(2013), para nós, muito mais acertada, de que os elementos que marcam a

localização temporal e espacial são denominados por Adam (2011) de

organizadores textuais. Para este autor, “os organizadores exercem um papel capital

no balizamento dos planos textuais” (ADAM, 2011, p. 181) e, no campo da

representação discursiva, eles podem ser distinguidos em temporais e espaciais.

Organizadores espaciais: à esquerda/à direita, antes/depois, em cima/embaixo, mais longe, de um lado/de outro etc.). Organizadores temporais: então, antes, em seguida, [e] então, depois, após, na véspera, no dia seguinte, três dias depois. Os organizadores temporais possuem uma propriedade interessante: a de poder combinar conforme uma ordem de informatividade crescente: E + então + depois + após/em seguida/mais tarde/logo em seguida (ADAM, 2011, p. 181, grifo do autor).

Assim, considerando o nosso corpus, as expressões que designam os

espaços geográficos (Mossoró, Apodi, Itaú, São Sebastião, dentre outras –

identificadas, especialmente, no capítulo quatro desta tese) e as que situam os

acontecimentos no espaço (desceu para a cidade, por exemplo) são estabelecidas

nos textos por meio de organizadores especiais. Por outro lado, as expressões que

indicam o tempo cronológico (datas e horas, por exemplo) e as que indicam a ordem

dos acontecimentos (antes e depois, por exemplo) funcionam como organizadores

temporais. Portanto, por situar no tempo e no espaço os participantes e os

processos por eles desenvolvidos, a localização espacial e temporal compreende

operação fundamental à análise de representações discursivas.

3.3.5 Conexão

Como o próprio nome sugere, a conexão é a operação que permite o

encadeamento dos enunciados que compõem o texto, assegurando-lhes a coesão

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...75

necessária à construção de sentidos. Gramaticalmente, a conexão é representada

por conjunções, preposições ou expressões equivalentes, que estabelecem ligações

entre um conjunto de enunciados, atribuindo-lhes uma unidade, de modo que

possamos identificá-lo como texto. Trata-se, assim, de operação fundamental para

que um conjunto de enunciados possa receber o estatuto de texto, isto é, possa

apresentar textualidade.

Os autores anteriormente citados, os quais têm fundamentado as redefinições

aqui realizadas, fazem discussões consideráveis sobre a conexão. Em Adam (2011,

p. 179), por exemplo, os conectores dizem respeito a expressões linguísticas “que

reagrupam, além de certas conjunções de coordenação (mas, portanto, ora, então),

certas conjunções e locuções conjuntivas de subordinação (porque, como, com

efeito, em consequência, o que quer que seja, então etc.) e grupos nominais ou

preposicionais (apesar disso etc.). Assim como os organizadores espaciais e

organizadores temporais, os conectores são fundamentais para o estabelecimento

dos planos de texto e para assegurarem a progressão textual.

De modo mais específico, segundo este autor, os conectores podem ser

reclassificados em: i) organizadores enumerativos, que segmentam e ordenam o

material textual combinando valor de ordem com um valor temporal – é o caso dos

aditivos (e, assim, ou, também, ainda) e dos marcadores de integração linear, que

abrem uma série (de um lado, inicialmente) e indicam sua continuidade (em seguida,

depois) ou fechamento (por outro lado, enfim); ii) marcadores de mudança de

topicalização, que indicam a passagem de um objeto de discurso a outro (quanto a

ou no que concerne a); iii) marcadores de ilustração e de exemplificação, que

introduzem exemplos que dão ao enunciado um status de uma ilustração de uma

asserção principal (por exemplo, entre outros, em particular); iv) e conectores

argumentativos, que permitem uma reutilização de um conteúdo proposicional, seja

como um argumento, seja como uma conclusão, seja ainda como um argumento

encarregado de sustentar ou de reforçar uma inferência ou mesmo ainda como um

contra-argumento (ADAM, 2011).

Neves (2006) faz uma ressalva interessante que será aqui por nós tomada

como complementar as colocações de Adam (2011), porque vai ao encontro do

pensamento deste autor: a conexão não pode ser reduzida aos elementos ditos

conjuntivos, os quais não são, por si mesmos, elementos coesivos. Deve ser

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...76

entendida, na verdade, como “um conjunto de relações semânticas entre orações,

entre complexos oracionais, entre trechos de textos, explicitados por um sem

número de expedientes”. Em outros termos, a conexão acontece pelo uso das

conjunções, mas também, e talvez em mesmo grau, pelo uso de advérbios,

complexos verbais, dentre outros elementos.

3.3.6 Analogia

Finalmente, a última operação considerada por nós na análise das

representações discursivas de Lampião e seu bando de cangaceiros foi a analogia.

Entendemos a analogia como operação que corresponde à noção de relação

advinda de Adam (2011); não à relação de contiguidade, mas sim, como

propuseram Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010), à relação analógica, aquela

que descreve o objeto do discurso comparando-o a um outro objeto.

Em Queiroz (2013), esta operação é metodologicamente tratada como

comparação, porque estabelece relações de sentido por meio de processos

comparativos. No entanto, preferimos empregar o termo analogia por acreditarmos

que ela compreende, além da comparação, as relações estabelecidas por meio da

metáfora e da metonímia – aqui entendidas a partir de Castilho (2010) – bem como

de outras figuras de linguagem. Em todos os casos, trata-se de processos cognitivos

de transferência de informação ou de significado de um objeto de discurso para

outro objeto de discurso, por meio da relação fonte-alvo. Neste caso, a analogia está

bastante relacionada à referenciação, porque, de certa forma, constitui uma

redesignação – ou, nos termos de Adam (2011), uma retematização – do objeto.

No caso da analogia por comparação, ela pode ser reconhecida no texto por

meio de elementos linguístico-discursivos que demarcam a comparação entre

objetos, tais como conjunções subordinativas comparativas formadas pelos pares:

mais-menos, maior-menor, melhor-pior do que, (tal) qual, (tanto) quanto, como,

assim como, bem como, como se, que nem. No caso da metáfora e da metonímia, a

analogia pode ser identificada a partir da análise dos aspectos semânticos dos

enunciados, considerando que a primeira trabalha com os traços semânticos

comuns entre duas ideias e a segunda funciona com a relação de contiguidade entre

eles.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...77

Com base nesse percurso teórico, definimos seis operações semânticas de

análise das representações discursivas: a referenciação, a predicação, a

modificação, a localização, a conexão e a analogia. A descrição conceitual e teórica

aqui realizada de cada uma delas não pretendeu ser exaustiva, mas vislumbramos

apenas retomar e redefinir cada uma delas, tornando-as coerentes aos objetivos

propostos para este trabalho, de modo que pudéssemos descrever, interpretar e

analisar as representações discursivas construídas sobre Lampião e seu bando de

cangaceiros nas notícias que compõem nosso corpus.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...78

CAPÍTULO IV: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Lampião disse contente

O Nordeste é meu xodó

Eu vou rever o sertão

E dá lá naquele pó

E um abraço em Candeeiro

E um susto em Mossoró

Antônio Francisco

4.1 Caracterização geral da pesquisa

A investigação de que trata esta tese de doutorado sobre as representações

discursivas de Lampião e de seu bando em notícias de jornais potiguares publicados

na década de vinte do século passado (1927), de quando da invasão do bando à

cidade de Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte, foi desenvolvida no âmbito

do Grupo de Pesquisa em Análise Textual dos Discursos (ATD), cadastrado no

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Também

está vinculada à linha de pesquisa “Estudos linguísticos do texto”, do Programa de

Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte (UFRN), que focaliza o texto como nível e unidade de teorização e

descrição linguísticas.

Dado o seu objeto de estudo (notícias de jornais), podemos caracterizá-la

como uma pesquisa documental (ANDRADE, 2011), porque é realizada a partir de

documentos históricos (ou retrospectivos), considerados academicamente

autênticos, que ainda não receberam tratamento analítico de caráter e rigor

científico, ou que, mesmo já tendo sido processados, ainda podem ser objetos de

interpretação e análises outras. Nosso corpus, mesmo já tendo sido fonte de

estudos históricos, com a finalidade de se construir biografias ou mesmo de se

construir a história do cangaço no estado do Rio Grande do Norte, ainda não foi

objeto de análise textual, tal como aqui empreendemos.

Neste sentido, compreendemos os jornais como documentos, porque datam,

registram, narram e comentam acontecimentos da vida cotidiana, acontecimentos

políticos, históricos, econômicos, dentre outros. As notícias dos jornais aqui

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...79

analisados contam e descrevem a incursão dos cangaceiros de Lampião pelo

interior do estado do Rio Grande do Norte, com a finalidade de alcançarem a cidade

de Mossoró. Trata-se, pois, de um acontecimento histórico que foi registrado, ou

melhor, documentado na maioria dos jornais do estado que circulavam com

periodização regular naquela época (1927).

Em consonância com essa definição, e, considerando os procedimentos

metodológicos utilizados, descritos em tópico posterior, esta pesquisa adota um

enfoque descritivo-interpretativista, uma vez que a análise perpassou,

primeiramente, pela identificação, descrição e classificação das operações

semânticas de análise – referenciação, predicação, modificação, conexão,

localização e analogia – utilizadas para analisar a construção das representações

discursivas de Lampião e seu bando, para, em seguida, procedermos à

interpretação dos enunciados que evidenciam as representações discursivas, tendo

em vista a compreensão co(n)textual dos sentidos dos textos analisados. Adotamos

esta postura porque acreditamos, conforme Triviños (1987, p. 129), que “os

significados, a interpretação, surgem da percepção de um fenômeno visto num

contexto”.

Além disso, a investigação também se orienta por uma abordagem qualitativa-

quantitativa, pois interessa-nos compreender as especificidades da realidade

pesquisada, por meio da identificação, descrição e interpretação de determinadas

variáveis recorrentes em um dado corpus. Conforme Huff (2008), estudos

qualitativos completados por estudos quantitativos podem fornecer maior potencial

de interpretação dos fenômenos, principalmente ao agregar a percepção dos

indivíduos no desenho de pesquisa. Desse modo, a pesquisa quantitativa, portanto,

ajuda a identificação de momentos e locais que podem vir a ser o foco de análises

qualitativas complementares, aumentando a validade do estudo, e não

necessariamente, é importante frisar, sua generalização. Assim, a abordagem

qualitativa-quantitativa encontra-se baseada na convicção de que “o número ajuda a

explicitar a dimensão qualitativa” (ANDRÉ, 1995, p. 24), ou seja, a abordagem

quantitativa pode servir de complemento à abordagem qualitativa.

Finalmente, como toda investigação de caráter científico, para consecução

dos objetivos propostos, se sustenta em um método de análise – definido, dentre

outros aspectos, pela orientação dos objetivos, pela escolha de uma perspectiva

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...80

teórica e, principalmente, pela natureza do corpus – em nossa pesquisa, adotamos o

método dialético-hermenêutico. Isto porque, segundo acredita Minayo (1994), a

união da hermenêutica com a dialética permite ao pesquisador a realização de dois

procedimentos importantes à realização de uma pesquisa: primeiro, a seleção e

descrição das partes (dos enunciados) que compõem o objeto estudado (no caso

desta tese, as notícias dos jornais), tendo em vista a compreensão detalhada deste

objeto por parte do pesquisador. Em seguida, em função da hermenêutica, o

pesquisador, a partir das partes selecionadas e, considerando a necessária

compreensão do objeto de pesquisa como um todo, determina os critérios de análise

e de interpretação do corpus de sua investigação.

Foi assim, portanto, que procedemos quanto ao tratamento do corpus,

conforme detalharemos de forma específica em seção seguinte, de quando da

apresentação de protocolo de análise dos dados da pesquisa. Desse modo, a

análise, primeiro, perpassa a materialidade linguístico-estrutural dos textos, no

sentido de identificar e descrever os enunciados que apresentam representações

discursivas sobre o cangaceiro Lampião e sobre seu bando, bem como para

realização de levantamento das operações de análise. Posteriormente, nos detemos

à análise e interpretação dos enunciados selecionados, tendo em vista compreender

como ocorre linguisticamente a construção das representações discursivas

identificadas nos enunciados. Assim, foi possível compreender co(n)textualmente a

dimensão semântica das notícias dos jornais que constituíram o corpus desta

investigação.

4.2 Procedimentos para a constituição do corpus da investigação

Esta tese analisa as representações discursivas de Lampião e seu bando em

notícias publicadas em jornais potiguares do século vinte, de quando da incursão do

cangaceiro e de seu bando à cidade de Mossoró, Rio Grande do Norte, em treze de

junho de 1927. Considerando nosso intento, os textos que constituem o corpus de

análise desta investigação foram coletados e selecionados a partir de critérios

previamente estabelecidos, conforme serão descritos a seguir.

Inicialmente, estabelecemos um marco espaço-temporal para seleção dos

textos a serem coletados. Os textos foram publicados em jornais potiguares de

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...81

Mossoró, nos meses de maio, junho e julho de 1927 – período que compreende o

início da trajetória realizada pelo bando, a incursão à cidade de Mossoró e a saída

para o estado vizinho do Ceará. Desse modo, dado o curto espaço de tempo do

acontecimento, os jornais publicados nesse período apresentam notícias que

descrevem com riqueza de detalhes a empreitada realizada por Lampião, sob a ótica

dos próprios mossoroenses, tendo em vista que os jornais eram publicados na

cidade de Mossoró, o que facilitou o trabalho de identificação dos elementos

linguístico-textuais que evidenciam as representações discursivas do cangaceiro e

do bando.

Neste período, a presença da imprensa em Mossoró era marcante. Nas

primeiras décadas do século vinte, a cidade contava com vários veículos de

comunicação, principalmente a estação telegráfica e os jornais impressos: Comércio

de Mossoró, Correio do Povo, O Mossoroense e O Nordeste, todos na época com

publicação regular diária, semanal ou quinzenal. Esses meios de comunicação

contribuíram significativamente para o desenvolvimento econômico e social da

cidade, que, àquela época, ocupava o posto de segunda cidade mais desenvolvida

do Estado, perdendo apenas para a capital, Natal.

A incursão de Lampião e seu bando à cidade de Mossoró foi acontecimento

amplamente noticiado pela maioria desses jornais, especialmente Correio do Povo,

O Mossoroense e O Nordeste, que publicaram edições inteiras dedicadas

exclusivamente ao acontecimento histórico já citado. Em função disso, selecionamos

as notícias publicadas nestes três jornais para composição do corpus de nossa

investigação, uma vez que publicaram edições sobre a temática elencada neste

trabalho, durante o marco espaço-temporal anteriormente estabelecido. Não

encontramos nada a respeito da temática no jornal Correio de Mossoró.

Outros jornais publicados no Estado do Rio Grande do Norte, como A

República, de Natal, também publicaram edições sobre a atividade do cangaceiro

Lampião no interior do Estado (NONATO, 2012). Porém, especialmente no caso de

edição deste jornal, trata-se de publicação realizada no mês seguinte, agosto e,

portanto, não condiz com o marco temporal por nós estabelecido. Além disso, os

demais jornais, tal como A República, não conseguem contar o acontecimento com

riqueza de detalhes, confundindo-se na descrição de certos fatos, de quando

comparados à descrição realizada pelos jornais de Mossoró.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...82

Delimitados os jornais, nos empenhamos em selecionar as edições que

contemplavam manchetes sobre a incursão do bando à cidade de Mossoró. Esta

tarefa foi desempenhada com um tanto de dificuldade, uma vez que as fontes

documentais de que dispúnhamos eram bastante escassas. Os locais onde

encontramos cópias das edições dos jornais da época foram o Museu Municipal

Lauro da Escócia e o Memorial da Resistência de Mossoró, ambos localizados em

Mossoró. Entretanto, as edições dos jornais encontravam-se em estado precário de

conservação: vários trechos apagados, muitas páginas rasgadas, incompletas ou

mesmo amareladas em função da ação do tempo ou do próprio descuido daqueles

que já fizeram uso do material.

Por isso, decidimos buscar outras fontes, que apresentassem informações

documentais mais completas. Encontramos vários trechos das edições dos jornais

disponíveis em sítios eletrônicos na internet, mas em sua maioria não se

configuravam em fontes seguras de informação, além de não estarem completas.

Finalmente, encontramos a coletânea Lampião em Mossoró, do historiador norte-rio-

grandense Raimundo Nonato, que nos foi de muita serventia para constituição de

nosso corpus. Esta coletânea apresenta a cópia das edições dos jornais por nós

selecionados, e de muitos outros que fogem aos critérios aqui estabelecidos, que

noticiaram a incursão do bando de Lampião à cidade de Mossoró. Conforme dito no

prefácio da coletânea,

O propósito real desta publicação, outro não é senão, o de levantar do esquecimento, do pó dos arquivos e das páginas dos velhos jornais da época, o noticiário exato e a descrição minuciosa das cenas de vandalismo, praticadas pelo grupo de Virgulino Ferreira, na sua passagem pela zona oeste do Rio Grande do Norte (NONATO, 2012, p. 13).

A coletânea do historiador Raimundo Nonato nos permitiu o contato com os

textos publicados nos jornais, bem como que fizéssemos um cruzamento com os

outros dados, os fragmentos de jornais encontrados no Museu Municipal Lauro da

Escócia e no Memorial da Resistência de Mossoró, tendo em vista a reconstituição

das edições dos jornais selecionados.

As edições dos jornais apresentavam textos pertencentes a vários gêneros

textuais, tais como notícias, entrevistas, diários, depoimentos, poemas em forma de

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...83

cordel, dentre outros. Esse material compreende um compêndio de

aproximadamente cinquenta textos, de gêneros diferentes. Com vistas à otimização

de nossa pesquisa, bem como considerando que uma investigação em análise

textual requer que os dados sejam tratados com minuciosidade, pois todas as

especificidades dos fenômenos linguístico-textuais precisam ser consideradas,

optamos por selecionar para constituição do corpus apenas os textos pertencentes

ao gênero notícia.

A notícia compreende um dos mais importantes gêneros do domínio

discursivo jornalístico, pois descreve um acontecimento, um fenômeno social, de

forma comprometida com a realidade. As notícias dos jornais que compõem nosso

corpus procuram descrever de forma detalhada os acontecimentos realizados no dia

treze de junho de 1927, na cidade de Mossoró, focalizando todo o percurso de

Lampião e seu bando, bem como dos resistentes mossoroenses que se organizaram

em trincheiras para lutar contra os cangaceiros. Trata-se, pois, do gênero que

melhor descreve os acontecimentos, diferentemente, por exemplo, dos poemas de

cordéis, nos quais os poetas acrescentam fatos e omitem realidades em função das

especificidades do próprio gênero – tais como rima, métrica, dentre outras.

Assim sendo, procedemos ao levantamento das notícias publicadas nos três

jornais selecionados sobre a incursão do bando de Lampião a cidade de Mossoró,

em treze de junho de 1927, conforme os critérios aqui estabelecidos. Foram

identificadas nove notícias: quatro delas descrevem a trajetória do bando antes da

incursão a Mossoró; três delas descrevem o ataque realizado por Lampião e seu

bando de cangaceiros à cidade; as outras duas contam para onde foram os

cangaceiros depois da resistência mossoroense. Para o nosso corpus análise,

selecionamos as três notícias que descrevem o ataque do bando, as quais serão

descritas em seção posterior deste capítulo, de quando da apresentação dos jornais

a que pertencem. As demais notícias constituem um corpus secundário, com a

função de eventuais verificações, comparações, contextualizações e observações

complementares.

A seguir, considerando que o objeto de análise de nosso trabalho são notícias

de jornais, faremos algumas considerações a respeito do domínio discursivo

jornalístico, bem como sobre o jornal enquanto suporte e sobre o próprio gênero

notícia, fundamentais ao trabalho com esse gênero.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...84

4.3 Cangaço: Lampião e seu bando de cangaceiros

O termo “cangaço” surgiu como designação do conjunto de vários objetos

usados pelos escravos e camponeses pobres que habitavam o nordeste do Brasil –

o que equivaleria a bagulhos ou troços. Posteriormente, o termo passou a ser

utilizado para designar o conjunto de armas que os bandoleiros carregavam. Em

razão dessa extensão de sentido, surgiram expressões como viver no cangaço ou

tomar o cangaço, significando um estilo de vida relacionado às armas, seja por

causa de desforra ou vingança pessoal, assaltos, serviços contratados de armas,

dentre outros (CASCUDO, 1954). A partir de então, o termo cangaço passou a

designar um movimento social e revolucionário, organizado por homens armados

que vagavam pelas cidades em busca de justiça e vingança.

De modo geral, as origens do movimento estão nas próprias questões sociais

e fundiárias do nordeste. Entretanto, conforme Alves Viana (2012), certos fatores

foram determinantes para o surgimento do cangaço. Uma das principais razões é o

fator latifundiário, ou seja, a relação do homem do campo com a terra. Para Cardoso

(2003), o cangaço surgiu no nordeste brasileiro em razão da fragilidade

agropecuária e do monopólio da terra por parte de alguns latifundiários – em sua

maioria, coronéis. Na verdade, o cangaço no nordeste nasce no contexto do

coronelismo, a princípio, com os capangas e cabras, homens de arma que eram

usados para a segurança ou para atacar os inimigos, e, depois, com os bandos

independentes, que prestavam serviço aos coronéis mediante pagamento.

Outro fator que contribui para o surgimento do cangaço foi a questão

ambiental. O nordeste sofria com as questões em torno do latifúndio, da escassez

de trabalho, da exploração de mão de obra, mas, principalmente, com o surgimento

de períodos prolongados de seca.

O cangaço surgiu numa região pobre, o nordeste semiárido, cuja principal característica do quadro natural é a existência de períodos secos, que desestruturam a economia local, onde a concentração de terras nas mãos de poucos ainda se mantém rigidamente inflexível. Não encontrando soluções para a sobrevivência, ao homem nordestino restava a pouca espera, crescia a apatia de sentimentos ao observar a miséria à sua volta. Muitos levados ao desespero tendiam a enveredar pelos caminhos da violência para escapar da realidade em que o latifundiário – o patrão – lhe

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...85

tirara todo o suor, restando apenas revolta e por motivos inconscientes tornando-se muitas vezes cangaceiros (CARDOSO, 2003, p. 21).

Ao aspecto social e ambiental, acrescenta-se o isolamento da região em

relação ao restante do país. De acordo com Mello (1985), o cangaço era uma

espécie de banditismo do nordeste, desenvolvido e maturado em um contexto de

isolamento nacional e de uma região de duras secas, na qual o desenvolvimento e

seus recursos tardaram a chegar. O sertão nordestino, diferentemente das demais

áreas desenvolvidas do país, era carente de investimentos e possuía uma economia

debilitada, com base numa resistente e frágil pecuária. Tratava-se, pois, de um

sertão favorável à marginalidade.

Fatores de outras ordens também favoreceram o surgimento do cangaço,

como o ideal de vingança.

O fato é que os cangaceiros pareciam sentir necessidade de alinhar-se a uma moral nordestina que esperava e até exigia „olho por olho‟, e que valoriza a valentia. Assim todos os bandidos que falaram alguma coisa sobre sua entrada no cangaço fizeram um esforço para justifica-la em termos de injustiça contra eles ou contra seu povo (NARBER, 2003, p. 162).

Foi o que aconteceu com o mais famoso de todos os cangaceiros, Virgulino

Ferreira da Silva, Lampião. Filho de José Ferreira da Silva e Maria Sulena da

Purificação, Virgulino entrou para o cangaço no início da década de vinte do século

passado para vingar a morte do pai, morto em confronto com a volante em mil

novecentos e dezenove. A família de Lampião vivia pacificamente em região rural do

município de Serra Talhada, estado de Pernambuco. No entanto, por motivos não

claramente conhecidos, envolveu-se em disputas com vizinhos e o patriarca, José

Ferreira da Silva, foi morto pela volante em uma dessas disputas. Desde então,

Lampião decidiu vingá-lo. Tornou-se bandido e entrou para o cangaço.

De início, Lampião formou seu bando com seus dois irmãos, alguns primos e

uns poucos amigos, que somavam, aproximadamente, trinta homens. Juntos,

passaram a atacar fazendas e pequenas cidades em cinco estados do Brasil

(Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Alagoas e Sergipe), quase sempre a pé

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...86

e às vezes montados a cavalo. A partir de então, muitos outros revoltosos decidiram

ingressar no cangaço e fazer parte do bando de Lampião (CARDOSO, 2003), de

modo que, em pouco tempo, o bando passou a contar com mais de cinquenta

homens.

Em pouco tempo, Lampião tornou-se conhecido e temido em todo nordeste

brasileiro, recebendo, inclusive, a alcunha de Rei do cangaço. Seu grupo de

cangaceiros promovia saques a fazendas, ataques a comboios e sequestravam,

principalmente, fazendeiros, a fim de obter resgastes. Entretanto, aqueles que

respeitavam e acatavam as ordens dos cangaceiros não sofriam, mas, pelo

contrário, eram muitas vezes ajudados. Esta atitude, fez com que os cangaceiros

fossem respeitados e até mesmo admirados por parte da população da época,

especialmente a população mais carente. Por causa disso, Lampião foi comparado

ao herói inglês Robin Hood, que roubava comerciantes e fazendeiros para distribuir

parte do dinheiro com os mais pobres.

Figura 07: Cabeças decepadas de Lampião e de alguns cangaceiros de seu bando Fonte: Nonato 2012.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...87

Por causa dos crimes cometidos, que infligiam as leis estabelecidas pelo

governo, o grupo era constantemente perseguido pelos policiais. Na verdade, àquela

época, foram criadas volantes19 para tentar combater e capturar os cangaceiros, que

os apelidaram de “macacos” pelo jeito como fugiam da represália dos cangaceiros,

como que pulando de forma apressada e se escondendo na mata (ALVES VIANA,

2012). Foi, inclusive, em uma emboscada organizada por uma volante que Lampião

e parte de seu bando foram assassinados, em julho de mil novecentos e trinta e oito.

As cabeças dos cangaceiros foram de decepadas e expostas em locais públicos,

pois o governo queria assustar e desestimular esta prática na região.

4.3.1 Sobre o assalto à cidade de Mossoró

Não era do interesse de Lampião, ao menos inicialmente, assaltar Mossoró20:

era uma cidade grande, já bastante desenvolvida, com ares de capital, uma das

cidades mais próspera do estado do Rio Grande do Norte. Assaltá-la não seria

tarefa fácil e, portanto, Lampião não atribuía nenhuma fidelidade a esta missão.

Mas, instigado, principalmente, pelos cangaceiros Antônio Massilon Leite (Massilon

ou Benevides) e José Leite de Santana (Jararaca), dois importantes membros do

seu grupo, Lampião reuniu mais de cinquenta homens, todos bem armados e

municiados, e se embrenhou no interior do estado e percorreu quase quatrocentos

quilômetros, visando alcançar Mossoró e tomá-la de assalto.

Lampião chegou aos arredores da cidade na madrugada do dia treze de junho

de mil novecentos e vinte e sete. Foram quase cinco dias de peregrinação.

Entretanto, ao contrário do que esperavam, Lampião e seu bando de cangaceiros

encontraram em Mossoró resistência: a cidade estava armada e preparada para

enfrentar o bando. O prefeito, Coronel Rodolfo Fernandes, organizou trincheiras em

diversos pontos estratégicos e municiou policiais e civis para defender a cidade do

ataque. Pouco tempo depois da invasão do bando, alguns cangaceiros já se

19

Grupos de soldados ou contratados que percorriam as caatingas em busca de grupos cangaceiros. Alguns ficaram famosos por sua perversidade contra civis. 20

Município brasileiro no interior do estado do Rio Grande do Norte, situado na mesorregião do Oeste Potiguar e microrregião homônima, Região Nordeste do país. Ocupa uma área de 2 099,333 km², sendo o maior município do estado em área, estando distante 281 quilômetros da capital do estado, Natal (IBGE, 2012).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...88

encontravam mortos e outros feridos. Diante deste cenário, Lampião e seu bando

saíram em retirada e Mossoró locupletou vitoriosa.

Figura 08: Itinerário de Lampião e seu bando no Rio Grande do Norte Fonte: Nonato (2012).

Este episódio compreende um dos principais acontecimentos da história de

Mossoró e do estado do Rio Grande do Norte. Desde então, Mossoró ficou

conhecida como a única cidade do Nordeste a expulsar Lampião e seu bando de

cangaceiros sem a ajuda das forças militares e unicamente com a participação do

povo da cidade e, por isso, recebeu o título de terra da resistência. Um dos

principais museus da cidade, o Memorial da Resistência, apresenta várias

exposições que destacam o tema do cangaço e a resistência da cidade de

Mossoró ao bando de Lampião. Além disso, durante o mês de junho, é montado um

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...89

cenário em frente à Igreja de São Vicente, ao lado da antiga casa do Coronel

Rodolfo Fernandes, onde se apresenta o espetáculo teatral “Chuva de balas no país

de Mossoró”, apresentação artística referente à tentativa de assalto do bando à

cidade.

Àquela época, vários jornais do estado do Rio Grande do Norte e de outros

estados vizinhos fizeram a cobertura do ousado acontecimento. Em Mossoró, muitos

números dos jornais O Nordeste, Correio do Povo e O Mossoroense foram

dedicados com exclusividade à tentativa de assalto do bando de Lampião à cidade

de Mossoró – conforme mostramos no terceiro capítulo desta tese. Os números

destes jornais tornaram-se documentos de valor histórico imensurável, porque

descrevem com riqueza de detalhes o acontecimento de treze de junho na cidade de

Mossoró.

Convém esclarecer que as posições ideológicas, sociais e políticas

assumidas naqueles jornais não representavam, necessariamente, os interesses dos

governos estaduais e municipais, mas, por tratar-se de jornais ditos liberais, eram

voltados aos interesses do povo. Claro que autoridades ou indivíduos de maior

prestígio social, tais como industriais, comerciantes, empresários, grandes

fazendeiros, dentre outros, também exerciam certas influências sob estes jornais,

especialmente pelo fato de muitos deles serem parcialmente financiados por esses

sujeitos. Desse modo, mesmo que indiretamente, os discursos veiculados pela

imprensa daquela época eram controlados pelas figuras mais expoentes da cidade

de Mossoró, o que justifica, em razão do contexto histórico em que as notícias foram

escritas, a construção de certas representações discursivas para Lampião e seu

bando de cangaceiros.

4.4 O domínio discursivo jornalístico

O jornalismo constitui um domínio discursivo. “Usamos a expressão domínio

discursivo para designar uma esfera ou instância de produção discursiva ou de

atividade humana. Esses domínios não são textos nem discursos, mas propiciam o

surgimento de discursos bastante específicos” (MARCUSCHI, 2002, p. 23, grifo do

autor). Também não compreende um gênero específico, mas dá origem a vários

gêneros, já que estes são institucionalmente marcados. Por isso, dizemos que os

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...90

domínios são práticas discursivas, dentro das quais se pode identificar um conjunto

de gêneros textuais que lhes são próprios ou específicos como “rotinas

comunicativas institucionalizadas e instauradas por relações de poder”

(MARCUSCHI, 2008, p. 155).

Ora, pensar em domínio discursivo implica considerar a noção de esfera do

Círculo de Bakhtin. O próprio Marcuschi (2008) diz que compreende o domínio

discursivo como esfera no sentido bakhtiniano do termo. No ensaio sobre Os

gêneros do discurso, ao apresentar o conceito de gêneros – tipos relativamente

estáveis de enunciado – e seu modo de funcionamento e circulação em sociedade,

Bakhtin (2003) retoma a noção de esfera:

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada esfera dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica uma determinada esfera. ([1979]2003: 262).

Cada esfera de atividade humana, isto é, cada domínio discursivo congrega

um conjunto institucionalizado de práticas discursivas que organizam certas formas

de comunicação e de compreensão, que são compartilhadas pelos sujeitos que

trabalham no âmbito de cada domínio. Dizendo de outro modo, cada domínio

discurso elabora um repertório de gêneros textuais que apresentam características

próprias, singulares, muitas vezes inerentes ao próprio domínio discursivo,

conhecidas, principalmente, pelos sujeitos que fazem uso desses gêneros.

Partindo desta concepção, Marcuschi (2008, p. 194) sugere que os domínios

discursivos “produzem modelos de ação comunicativa que se estabilizam e se

transmitem de geração para geração com propósitos e efeitos definidos e claros.

Além disso, acarretam formas de ação, reflexão e avaliação social que determinam

formatos textuais que em última instância desembocam na estabilização dos

gêneros textuais.”. Os domínios discursivos operam, portanto, como enquadres

globais de macroordenção comunicativa, subordinando práticas sociodiscursivas

orais e escritas que resultam nos gêneros textuais. Por isso, sabemos que nosso

comportamento discursivo num circo não pode ser o mesmo que numa igreja e que

a produção textual acadêmica e a de uma revista de variedades não será a mesma.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...91

Com finalidade didático-pedagógica, Marcuschi (2008) realizou uma tentativa

de distribuição dos gêneros da oralidade e escrita no enquadre de doze domínios

discursivos: instrucional (científico, acadêmico e educacional), jornalístico, religioso,

saúde, comercial, industrial, jurídico, publicitário, lazer, interpessoal, militar e

ficcional. Nesta classificação, o linguista ressalta que há domínios que são mais

produtivos do que outros em diversidade de formas textuais e que muitos gêneros

são comuns a vários domínios. Os gêneros do domínio discursivo jornalístico,

segundo o autor, são os seguintes:

Domínio discursivo Gêneros escritos Gêneros orais

Jornalístico

Editoriais, notícias, reportagens, notas sociais, artigos de opinião, comentários, jogos, histórias em quadrinhos, palavras cruzadas, crônicas policiais, crônicas esportivas, entrevistas jornalísticas, anúncios classificados, anúncios fúnebres, cartas do leitor, cartas ao leitor, resumo de novelas, reclamações, capas de revista, expediente, boletins de tempo, sinopses de novelas, resumos de filme, cartoons, caricaturas, enquetes, roteiros, erratas, charges, programações semanais, agendas de viagens.

Entrevistas jornalísticas, entrevistas televisivas, entrevistas radiofônicas, entrevistas coletivas, notícias de rádio, notícias de tevê, reportagens ao vivo, comentários, discussões, debates, apresentações, programas radiofônicos, boletins de tempo.

Quadro 06: Gêneros do domínio discursivo jornalístico. Fonte: Marcuschi (2008)

Compreendemos, pois, o jornalismo como uma esfera de atividade humana,

isto é, como um domínio discursivo, dentro do qual são produzidos e circulam muitos

gêneros textuais, por nós aqui denominados de gêneros do jornal, porque, na

maioria das vezes, os gêneros produzidos no âmbito deste domínio possuem o

jornal como o suporte material onde são apresentados.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...92

4.4.1 Sobre o jornal e seus gêneros

“Um jornal se for de papel serve para cobrir o chão quando pinamos a casa e embrulhar peixe

no mercado”. Allan Novaes

Cotidianamente, todos nós recebemos jornais impressos em nossas casas ou

assistimos telejornais na televisão ou mesmo acessamos jornais digitais em nossos

computadores ou aparelhos móveis. Independentemente do meio (impresso,

televisivo ou digital), o jornal constitui material relevante, porque nos mantem

informados sobre os acontecimentos de muitos lugares, até mesmo dos mais

distantes geograficamente, abrangendo diversos interesses e questões sociais.

A linguagem empregada nos jornais é essencialmente formal e, em tese,

objetiva – sim, em tese, porque não podemos esquecer que o jornal também é um

produto de consumo e de que, por trás de cada notícia, está um jornalista com

opiniões próprias – nem sempre compartilhadas por toda equipe do jornal. Assim,

por mais objetiva que tente ser a linguagem jornalística, ela é permeada por

intenções e conteúdos ideológicos, de modo que um leitor atento sempre conseguirá

perceber o posicionamento do jornalista por meio de alguns detalhes linguísticos,

tais como: estruturação do texto, ordem sintática utilizada, ênfase dada à seção, ao

agente, ao objeto, ao local, à data, dentre outros aspectos. Na verdade, os textos

jornalísticos são intersubjetivos, clivados histórica e socialmente e, por isso, nunca

imparciais. Como sugere Souza (2003), eles surgem de um sujeito histórico, social,

múltiplo, dialógico - que é constitutivamente influenciado pelo público alvo – e

ideológico, porque revela a sua historicidade ideológica. A notícia, por exemplo, “é

uma versão de um fenômeno social, não a tradução objetiva, imparcial e

descomprometida de um fato. Qualquer redator ou relator de um fato é parcial

inclusive ao escolher o melhor ângulo para descrevê-lo, como se recomenda nas

redações” (LUSTOSA, 1996, p. 21). Entretanto, este não é o foco de nossa

investigação e, por isso, não nos alongamos nesta discussão.

Dada sua relevância social, o jornal tem sido objeto de muitas investigações,

oriundas de variados campos ou áreas do conhecimento. Muitos ramos da

Linguística têm tomado o jornal como corpus de investigação, tendo em vista o

estudo de aspectos diversos relativos ao funcionamento da língua e da linguagem.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...93

Na Linguística História, por exemplo, os textos publicados em jornais em períodos

históricos passados constituem material relevante à compreensão de fenômenos

linguísticos que entraram em desuso na língua. Especialmente na Linguística

Textual, os textos publicados nos jornais têm sido utilizados por muitos

pesquisadores da área para ilustrar fenômenos linguísticos dos mais diversos, tais

como a referenciação, a relação tópico-comentário, a intertextualidade, para apenas

citar alguns.

Metodologicamente, a Linguística Textual concebe o jornal como um suporte

textual de textos pertencentes a gêneros variados. É assim que pensa, por exemplo,

Luiz Antônio Marcuschi (2003, p. 08), ao afirmar que “o jornal diário, e mesmo o

jornal semanal, é nitidamente um suporte com muitos gêneros”. Para ele, o suporte

de um gênero (ou de muitos gêneros) compreende “um lócus físico ou virtual com

formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero

materializado como texto”. Trata-se, pois, de elemento fundamental, senão sine qua

non, para que o gênero circule na sociedade. De modo sumário, pode-se dizer, a

partir da definição deste autor, que o suporte de um gênero é uma superfície física

(e acrescentaríamos que, muitas vezes, também virtual, como no caso dos gêneros

que são veiculados pela internet) em formato específico que suporta, fixa e mostra

um texto ou discurso que se materializa sob a forma de um gênero. Depreendem-se,

desta definição, três aspectos característicos do suporte:

a) suporte é um lugar físico ou virtual

b) suporte tem formato específico

c) suporte serve para fixar e mostrar o texto.

Segundo Marcuschi (2008), a primeira característica supõe que o suporte

deve ser algo real (sendo a realidade virtual no caso dos gêneros veiculados pela

internet) e sua materialidade é incontornável, não podendo, portanto, ser preenchida

ou delineada. Da segunda característica, entende-se que o suporte não é informe ou

uniforme, mas todo suporte apresenta um formato específico, como acontece com o

livro, a revista, o jornal ou o outdoor. Finalmente, a terceira característica sugere que

a função básica do suporte é justamente fixar o texto e torná-lo acessível para fins

comunicativos.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...94

Por preencher todas essas características (no caso do jornal impresso, o

lugar físico é o papel de imprensa, o formato é standard – entre sessenta por trinta e

oito centímetros e setenta e cinco por sessenta centímetros – e permite ao leitor

visualizar os textos) compreende-se o jornal como suporte textual. A figura abaixo

elabora por Marcuschi (2008) ilustra as formas de organização dos textos, nas quais

o jornal se apresenta como suporte:

Figura 09: Formas de organização dos textos jornalísticos Fonte: Marcuschi (2008)

Da figura acima, depreende-se a seguinte interpretação: todo texto se realiza

em algum gênero (o texto da notícia, por exemplo, se realiza no gênero notícia) e

todo gênero, como sugere Adam (2011), comporta uma ou mais sequências textuais

(a notícia, por exemplo, apresenta, principalmente, sequências textuais narrativas,

descritivas e argumentativas) e é produzido no âmbito de um domínio discursivo

(“práticas discursivas nas quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais

que às vezes lhes são próprios ou específicos como rotinas comunicativas

institucionalizadas e instauradoras de relações de poder” (MARCUSCHI, 2008, p.

155)). Este, por sua vez, se inscreve dentro de uma formação discursiva (um

conjunto de enunciados submetidos a uma mesma regularidade e dispersão na

forma de uma ideologia) e os textos produzidos no âmbito de um domínio discursivo

são fixados em um dado suporte pelo qual atingem a sociedade.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...95

Ora, sendo assim, o jornal compreende um suporte que comporta um

conjunto de textos específicos que compreendem certos gêneros textuais.

Acompanhando Parrat (2001), dizemos que a classificação dos textos dos jornais

em gêneros cumpre, entre outras, uma função pedagógica que se desdobra em dois

aspectos de suma relevância. Em primeiro lugar, a classificação permite que os

escritores dos jornais tenham modelos de referência e possam compreender melhor

o próprio trabalho que fazem; dessa forma, eles podem refletir sobre o trabalho, no

sentido de aperfeiçoá-lo cada vez mais. Por outro lado, e em segundo lugar, a

classificação dos textos em gêneros possibilita ao leitor a aquisição de esquema

mínimo de leitura, o que lhe permite reconhecer formas diferentes de produção

jornalística e seu significado enquanto resultado de uma complexa relação forma-

conteúdo.

Na verdade, quando observamos os demais gêneros, além dos jornalísticos,

podemos dizer que estas parecem ser características peculiares dos próprios

gêneros, conforme explica Todorov (1980, p. 49):

É porque os gêneros existem como instituição, que funcionam como “horizontes de expectativa” para os leitores, como “modelos de escritura” para os autores. Estão aí, com efeito, as duas vertentes da existência histórica dos gêneros (ou, se preferirmos, do discurso metadiscursivo que toma os gêneros como objeto). Por um lado, os autores escrevem em função do (o que não quer dizer: de acordo com o) sistema genérico existente, aquilo que podem testemunhar no texto e fora dele, ou, até mesmo, de certo forma, entre os dois: na capa do livro; esse testemunho não é evidentemente o único meio de provar a existência dos modelos de escritura. Por outro lado, os leitores lêem em função do sistema genérico que conhecem pela crítica, pela escola, pelo sistema de difusão do livro ou simplesmente por ouvir dizer; no entanto, não é necessário que sejam conscientes desse sistema.

Os gêneros do jornal são, em boa medida, típicos e, em certos casos, tal

como o da notícia, recebem, em função do suporte, algumas características

singulares – conforme veremos mais a frente. Pensando nisso, Adair Bonini (2005)

dedicou-se a um estudo aprofundado sobre os gêneros do jornal. Ele os organizou

em um quadro, que os divide em dois grandes grupos de gêneros: gêneros centrais

e gêneros periféricos, conforme podemos observar a seguir:

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...96

CENTRAIS PERIFÉRICOS

PRESOS LIVRES

Cabeçalho Reportagem Anúncio publicitário

Chamada Notícia Anúncio de evento

Editorial Nota Aviso de promoção

Expediente Entrevista Aviso de tomada de preços

Carta do leitor Comentário Aviso de licitação

Artigo de opinião Edital de convocação

Análise Edital de concorrência

Crítica Formulário de inscrição

Perfil Informe

Fotolegenda Palavra-cruzada

Charge Charada

Crônica

Gravura

Programação

Grade de programação (de cinema, de

exposições, musical)

Previsão de tempo

Cotação

Indicadores

Horoscopo

Resultado da loteria

Resumo de novela

Tira

Obituário

Ficha técnica de jogo de futebol

Avaliação de desempenho

Tabela de campeonato Quadro 07: Gêneros centrais e periféricos. Fonte: Bonini (2005)

Este quadro foi construído a partir do critério de centralidade da função do

gênero no suporte jornal. As tonalidades diferentes não são aleatórias ou mesmo

estilísticas, mas constituem uma gradação, do cinza escuro ao branco, e demarcam

a importância dos gêneros na caracterização do jornal. Os conceitos mobilizados no

quadro podem ser interpretados da seguinte maneira, conforme Bonini (2005): todos

eles são gêneros do jornal, porque ocorrem no suporte jornal. Os gêneros centrais

são aqueles que estão diretamente relacionados à organização e aos principais

objetivos sociais e comunicacionais do jornal (relatar, prever e analisar

acontecimentos). São gêneros centrais presos aqueles que estruturam o jornal, tais

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...97

como o editorial. São gêneros centrais livres aqueles que fazem o jornal funcionar,

como a notícia. Por sua vez, os gêneros centrais livres podem ser autônomos –

porque comumente se apresentam como unidades textuais independentes ou

predominantes em um bloco de textos – ou gêneros centrais livres conjugados –

quando ocorrem, em geral, como apêndice dos gêneros autônomos, principalmente

da reportagem. Finalmente, os gêneros periféricos estão relacionados a propósitos

sociais e comunicacionais que incidem sobre o jornal, como os de promover

produtos e pessoas, divertir, educar, cumprir normas legais, contratar pessoal,

dentre outros, como o anúncio publicitário, por exemplo.

Ainda de acordo com o autor, estas divisões não são entendidas como

categorias que explicam o gênero diretamente, mas o processo social e de

linguagem em que ele está envolvido. Trata-se, desse modo, de descrever o gênero

pelo modo como ele funciona no seu suporte, no caso, o jornal. Aqui, de modo

especial, interessa-nos considerar o funcionamento do gênero notícia, considerando

que o corpus deste trabalho é composto essencialmente por textos pertencentes a

este gênero.

4.4.2 A notícia

Os jornais modernos, por disputarem espaço no mercado de trabalho, tentam

satisfazer às necessidades de seus consumidores desenvolvendo um trabalho que

busca associar, entre outros elementos, conteúdo e forma (isto é, focalizando

principalmente a apresentação gráfica). No entanto, o elemento essencial do jornal

ainda continua sendo a notícia. Ela é o eixo estruturante do jornal. Em razão disso,

raramente a notícia é assinada pelo redator que a escreve. A notícia representa o

próprio jornal, que responde, inclusive, pela veracidade de seu conteúdo.

De acordo com Laje (2000, p. 16), “a notícia se define como o relato de uma

série de fatos a partir do fato mais importante ou interessante; e de cada fato, a

partir do aspecto mais importante ou interessante". Sob esta perspectiva, podemos

compreender que a notícia não apenas narra os acontecimentos, mas, além disso,

também os expõe e comenta os fatos. É por isso que a partir de um fato (entenda-

se, um acontecimento) outros se desenvolvem (comentários do autor da notícia,

ativados por sua memória, por exemplo, ou fatos outros que estão diretamente

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...98

ligados – por meio da temática, principalmente – ao fato primeiro), construindo assim

uma cadeia de relações semântico-textuais.

Ademais, é preciso que se compreenda que a notícia não é constituída por

apenas uma única narrativa. Preferimos compreender a notícia como um conjunto

de narrativas (ou micronarrativas) estruturadas, como dito, a partir de um

acontecimento principal. As notícias que constituem nosso corpus, por exemplo,

noticiam, de forma bastante geral, a incursão do bando de Lampião à cidade de

Mossoró. Trata-se, pois, de um acontecimento (na época, um acontecimento

político-social). Porém, enquanto tal desencadeia muitos outros fatos: a passagem

do bando por Apodi, a retirada das famílias, o banditismo no sertão, citando apenas

alguns. Esses fatos, por sua vez, também são noticiados, isto é, narrados e

comentados, e, cada um constitui uma narrativa específica, relacionada

semanticamente à narrativa principal.

Dado este caráter, a notícia pode compreender outros vários gêneros em sua

composição textual. Em uma notícia, é comum encontrarmos gêneros outros, como

bilhetes e telegramas (tal qual ocorrem nas notícias analisadas neste trabalho),

trechos de entrevistas, dentre outros. Esse processo de incorporação de outros

gêneros na composição da notícia nos faz lembrar a distinção realizada pelo filósofo

russo Mikhail Bakhtin entre gêneros primários e gêneros secundários. Segundo ele,

Os gêneros discursivos secundários (complexos – romances, dramas, pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc.) surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente o escrito) – artístico, científico, sociopolítico, etc. No processo de sua formação eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata. Esses gêneros primários, que integram os complexos, aí se transformam e adquirem um caráter especial: perdem o vínculo imediato com a realidade concreta e os enunciados alheios: por exemplo, a réplica do diálogo cotidiano ou da carta no romance, ao manterem a sua forma e o significado cotidiano apenas no plano do conteúdo romanesco, integram a realidade concreta apenas através do conjunto do romance, ou seja, como acontecimento artístico-literário e não da vida cotidiana. No seu conjunto o romance é um enunciado, como a réplica do diálogo cotidiano ou uma carta privada (ele tem a mesma natureza dessas duas), mas à diferença deles é um enunciado secundário (complexo). (BAKHTIN, 2003[1952-1953], p.263-124).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...99

Ora, assim ocorre com a notícia: os gêneros que são incorporados em sua

estrutura composicional perdem seu vínculo com a realidade, isto é, eles não

funcionam de forma independente enquanto gênero específico. Eles só funcionam

dentro da notícia, como parte constitutiva dela.

Por exemplo, em várias notícias analisadas neste trabalho, o gênero carta (ou

bilhete – há uma indefinição nos próprios jornais da época quanto ao texto escrito

pelo cangaceiro Lampião) aparece como parte da notícia. Trata-se de ultimato do

cangaceiro Lampião ao prefeito da cidade de Mossoró, exigindo a quantia de

quatrocentos contos de réis para que não entrasse com seu bando na cidade. O

texto, inclusive, é transcrito no corpo da notícia e foi publicado no jornal como

elemento constitutivo da notícia. Portanto, ao menos no domínio jornalístico, a

referida carta só tem existência em função do gênero notícia, onde foi publicada.

De quando são publicadas, as notícias só possuem valor jornalístico quando

narram acontecimentos que acabaram de acontecer ou quando aconteceram

recentemente ou quando contam coisas que irão acontecer ainda, diferentemente da

reportagem, por exemplo, que discorre sobre um tema, apresentando uma

interpretação sobre situações ou fatos relacionados a este (LAGES, 2005). A notícia

instaura o novo, o inesperado, o pontual, aquilo que é desconhecido para o leitor –

neste último caso, pode-se tratar de um acontecimento não recente, mas que não foi

ainda noticiado por nenhum outro veículo de comunicação ou, mesmo tendo sido

noticiado, a repercussão foi insuficiente, de modo que o caráter de novidade ainda

impera.

A depender do período de circulação do jornal, em apenas um dia a notícia

pode perder seu caráter de novidade. Assim, ela deixa de ter valor jornalístico e, na

maioria das vezes, passa a ter valor histórico. Foi o que aconteceu com as notícias

dos jornais analisados em nosso trabalho: elas não mais possuem valor jornalístico,

porque não instauram mais o novo, uma vez que os acontecimentos narrados estão

no passado. Entretanto, as notícias aqui analisadas apresentam um imenso valor

histórico, porque elas contam a história do Nordeste do Brasil, especialmente da

cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte, durante idos dos anos vinte do século

passado.

Quanto ao aspecto estrutural, geralmente, a notícia apresenta três partes

constitutivas: o título, o lide e o corpo. O título da notícia, via de regra, encontra-se

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...100

disposto no início do texto, com destaque gráfico (na maioria das vezes, em letras

maiúsculas ou em negrito), devendo ser curto, atrativo e sintetizador do assunto

tratado na notícia. Logo em seguida, encontra-se o lide, um enunciado que fica

localizado, quase sempre, abaixo do título e possui a função de transmitir ao leitor as

informações básicas necessárias à compreensão do texto. Conforme Laje (2005), o

lide deve informar qual é o fato jornalístico noticiado e as principais circunstâncias

em que ele ocorre, ou seja, deve informar quem fez o que, a quem, quando, onde,

como, por que e para que, para, depois, continuar os fatos. Finalmente, o corpo da

notícia diz respeito ao restante do texto. Trata-se da parte mais desenvolvida da

notícia, que explica e justifica a razão do acontecimento noticiado e descreve com

detalhes como ocorreram os fatos.

No domínio do jornalismo, este é o modelo mais convencional de estruturação

da notícia, mas existem outros vários tantos modelos de organização. Por exemplo,

no modelo retórico elaborado por Van Dijk (1985), os componentes da notícia são:

título, lide, fato central, contexto, eventos prévios, consequências-reações,

expectativas e avaliação. Segundo o autor, geralmente, um texto que atenda

satisfatoriamente as necessidades do gênero notícia deve apresentar todos esses

elementos; não obstante, não são raros os casos de notícias que apresentam

apenas alguns desses elementos, e, mesmo assim, podem ser consideradas como

tais. Por isso, preferimos nos orientar pela estrutura canônica da notícia, tal qual

apresentada anteriormente, com base nos trabalhos de Laje (2005).

Ademais, apesar de apresentarem uma estrutura prototípica, cada notícia, a

depender do tema tratado, do estilo do redator, do estilo ou da ideologia do jornal,

apresenta um plano de texto específico. O plano de texto é responsável pela

estrutura composicional do texto. Conhecê-lo é fundamental à compreensão do

próprio texto, como sugere Adam (2011, p. 263): “a (re)construção de partes ou

segmentos que correspondem ou ultrapassam os níveis do período e da sequência

é uma atividade cognitiva fundamental que permite a compreensão de um texto [...]”.

Ora, mesmo conservando os elementos prototípicos do gênero (título, lide e corpo),

a estrutura da notícia, não raras as vezes, se organiza em função de escolhas do

redator do texto ou mesmo do próprio jornal no momento da escrita. Por isso,

diremos que o plano de texto da notícia é convencional, porque é muito mais aberto

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...101

e flexível do que uma estrutura cristalizada, pelo menos considerando a análise

preliminar que realizamos das notícias que constituem o corpus desta investigação.

4.5 O corpus: dos jornais às notícias selecionadas

Os jornais que apresentam as notícias que constituem o corpus desta

investigação circularam no estado do Rio Grande do Norte e em cidades de estados

vizinhos durante a década de vinte do século passado, especialmente no ano de

1927, de quando da invasão do bando de Lampião à cidade de Mossoró,

acontecimento principal narrado e comentado nas notícias analisadas. A seguir,

apresentamos um breve histórico dos três jornais potiguares que publicaram àquela

época notícias sobre o acontecimento acima citado e que, portanto, constituíram o

suporte material dos textos analisados nesta pesquisa: O Mossoroense, Correio do

povo e O Nordeste. Além disso, também apresentamos, ao final de cada tópico, as

notícias selecionadas de cada jornal para a constituição do corpus da investigação,

conforme os critérios aqui já estabelecidos.

4.5.1 O Mossoroense

O jornal O Mossoroense foi fundado no dia dezessete de outubro de mil

oitocentos e setenta e dois, pelo senhor Jeremias da Rocha Nogueira, na cidade de

Mossoró, interior do estado do Rio Grande do Norte. De início, o jornal compreendia

um pequeno semanário político, comercial, noticioso e literário de apenas quatro

páginas, que estampava, principalmente, notícias que marcavam a cidade de

Mossoró e de cidades circunvizinhas, como Apodi, Felipe Guerra, Açu e outras

cidades do interior do estado.

Depois da morte do senhor Jeremias da Rocha Nogueira, em mil novecentos

e um, um de seus filhos, o senhor João da Escóssia, que então trabalhava como

xilógrafo, deu continuidade à publicação do jornal. Neste momento, tem início a

segunda fase do O Mossoroense, quando o jornal ressurge como periódico

humorístico e ilustrado. Conforme o historiador Vingt-un Rosado, o jornal traz agora

o intuito de prestar serviços às letras, às artes, às ciências, às indústrias e ao

desenvolvimento de ramos da atividade humana.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...102

Por motivos de doença, João da Escóssia foi obrigado a afastar-se do jornal

em mil novecentos e dezessete e, após sua morte, dois anos depois, Francisco

Pinheiro de Almeida Castro tornou-se seu sucessor, permanecendo no comando do

até mil novecentos e vinte e um. Logo após, assumiram o jornal Rafael Fernandes

Gurjão, como diretor político e redator-chefe, de mil novecentos e vinte e dois a mil

novecentos e trinta, e Augusto da Escóssia, filho de João da Escóssia, como

gerente, de deste último ano até mil novecentos e trinta e quatro. Neste período, o

jornal perdeu muito de suas características culturais. Na verdade, em função da

Primeira Guerra Mundial, muitos jornais do país começaram a perder suas

características literárias e a ser influenciados pelas novas relações estabelecidas

entre a sociedade e a comunicação de massa. Os jornais deixaram de ser literários

e passaram a ser mais noticiosos.

Durante o período da ditadura do governo de Getúlio Vargas, o jornal deixou

de circular, porque não se submetia à censura imposta pelo governo. Em uma

publicação de dezessete de julho de 1932, o jornal declarou: “Impulsionados por um

sentimento de brio (...) resolvemos cerrar as portas do orgam, cuja vida tem sido um

exemplo de trabalho e esforços em prol de todos os nobres cometimentos que se

relacionam com o progresso e com o bem estar do município e do estado”. E ainda:

“Esperamos que um dia os clarões dos raios sublimes da liberdade, do amor e da

justiça illuminem a nossa trajectoria, e que então, se concretisem em verdade

inconcussa as palavras santas do Evangelho: „OS HUMILHADOS SERÃO

EXALTADOS‟.” (O MOSSOROENSE, 17. 07. 1932).

Com a queda de Getúlio e o fim do Estado Novo, O Mossoroense ressurge

em 1946 e volta a circular, desta vez a com direção de Lauro da Escóssia, outro filho

de João da Escóssia. Lauro, juntamente com seus dois filhos, dirigiu O Mossoroense

por aproximadamente trinta anos e foi quem mais escreveu sobre o jornal e sobre a

família Escóssia. Um dos marcos de sua atuação profissional foi a entrevista com o

cangaceiro José Leite Santana, mais conhecido popularmente por Jararaca.

Considerando a idade avançado de Lauro da Escóssia, seu filho mais velho, Lauro

Filho, decide transferir o poder acionário do jornal ao médico Jerônimo Rosado

Cantídio. A partir de então, O Mossoroense manteve sua linha noticiosa, mas

ampliou significativamente a militância política e o espaço para opinião.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...103

A seguir, reproduzimos o fac-símile da primeira página de uma notícia do

jornal O Mossoroense.

Figura 10: Fac-símile de edição do jornal “O Mossoroense”. Fonte: Nonato (2012).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...104

Nos dias atuais, ainda em funcionamento, o jornal é dirigido pelo senhor Laíre

Rosado e tem como editor principal o jornalista e advogado Cid Augusto da Escóssia

Rosado, descendente do fundador do jornal e do ex-diretor Jerônimo Rosado

Cantídio. Assim sendo, mesmo passados mais de cento e quarenta anos, o jornal

ainda continua sendo administrado pela mesma família, sendo um dos principais

jornais da região oeste do estado do Rio Grande do Norte.

Desse jornal, apenas uma notícia atendia aos critérios aqui estabelecidos

para constituição do corpus de nossa pesquisa. Os demais textos publicados no

jornal sobre a incursão de Lampião e seu bando à cidade de Mossoró, e

encontrados nas fontes pesquisadas, pertenciam a outros gêneros textuais, como

entrevista e depoimentos, por exemplo. A notícia selecionada é intitulada de “Hunos

da nova espécie” e foi publicada na edição de dezenove de junho de mil novecentos

e vinte e sete, ou seja, seis dias depois do citado acontecimento. O texto da notícia

traz a cobertura completa e detalhada das atividades desenvolvidas pelo bando de

Lampião na cidade, bem como descrição da “heroica defesa” dos mossoroenses,

coordenada pelo prefeito Rodolfo Fernandes.

O quadro a seguir apresenta informações gerais sobre a notícia selecionada

do jornal O Mossoroense para constituição do corpus de nossa pesquisa:

JORNAL TÍTULO DA NOTÍCIA

LIDE DATA

O Mossoroense

Hunos da nova espécie

O famigerado Lampião e seu

grupo de asseclas atacam

Mossoró

Edição publicada em 19 de junho de 1927

Quadro 08: Notícias do jornal “O Mossoroense”. Fonte: Autor.

Como já enfatizado anteriormente, deste jornal selecionamos apenas uma

notícia, porque não tivemos contato com outras edições que abordassem o

acontecimento da incursão de Lampião e seu bando à cidade de Mossoró. Ademais,

outros textos desta edição do jornal pertenciam a outros gêneros textuais, os quais

não correspondem aos critérios estabelecidos nesta pesquisa para a seleção do

corpus de análise.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...105

4.5.2 Correio do Povo

O Correio do Povo compreende um jornal impresso diário que circulou pela

primeira vez na cidade de Mossoró e em cidades circunvizinhas no dia treze de maio

de mil novecentos e vinte e cinco, de quando foi lançado seu primeiro número.

Àquela época, era proprietário e diretor do jornal o senhor José Octávio, escritor e

jornalista de renome da cidade. Como redatores, assinavam as matérias do jornal os

senhores Jeremias Limeira e Manoel Rodrigues, e como gerente, o senhor Cícero A.

de Oliveira, conhecido artista tipográfico de Mossoró.

Conforme informou José Octávio logo no primeiro número do Correio do

Povo, os organizadores pretendiam a criação de um jornal independente, dedicado à

causa do município de Mossoró e das demais cidades da região Oeste potiguar.

Desse modo, a escolha do nome do jornal já indicava a sua própria ideologia:

tratava-se eminentemente de um jornal voltado exclusivamente para o povo, que

tinha como objetivo dar-lhe oportunidade a voz, priorizando, portanto, suas

necessidades básicas, seus desejos, suas intenções. Por isso, o slogan apresentado

pelo jornal era: “Mossoró acima de tudo”.

Durante seu período de circulação, o Correio do Povo abordou vários temas,

em sua maioria, bastante polêmicos para a época, tais como saneamento básico,

saúde (hospital), funcionamento da diocese, calçamento, arborização, segurança,

costumes, estrada de ferro e, principalmente, o problema da energia elétrica de

Mossoró. Sim, porque àquela época não havia em Mossoró iluminação pública,

mesmo esta sendo uma das cidades do estado mais desenvolvidas

economicamente. Segundo conta o próprio José Otávio, em uma das edições do

jornal de data não identificada, “não havia iluminação pública, e sim um simulacro,

com cento e vinte lâmpadas de trinta watts, um motor a óleo cru, fornecendo energia

e claridade igual à luz dos pirilampos".

Graças principalmente a “pena flamejante” do redator Jeremias Limeira, a

campanha empreitada pelo Correio do Povo foi fundamental para que se oferecesse

à população de Mossoró um serviço de energia elétrica de qualidade, o que

aconteceu em mil novecentos e vinte se seis, de quando assume a Prefeitura de

Mossoró o Coronel Rodolfo Fernandes – um dos personagens principais na história

do combate travado pela cidade com Lampião e seu bando. Segundo consta da

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...106

edição comemorativa do jornal O Mossoroense, “dessa forma, o município se livrou

das cláusulas de um contrato que o escravizaria por noventa e nove anos, se não

fosse essa campanha encabeçada pelo jornal Correio do Povo”.

Figura 11: Fac-símile de edição do jornal “Correio do Povo”. Fonte: Nonato (2012).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...107

O jornal Correio do Povo também cobriu com detalhes um dos mais

importantes acontecimentos da história da cidade de Mossoró, o ataque “do maior

grupo de cangaceiros do Nordeste”, aos treze de junho de mil novecentos e vinte e

sete, àquela cidade – temática central dos textos coletados no corpus de nossa

pesquisa e, portanto, objeto desta investigação. Especialmente em duas de suas

edições, conforme veremos a seguir, o Correio do Povo comentou detalhadamente a

empreitada realizada pelo bando, desde sua passagem pela cidade de Apodi (Rio

Grande do Norte), até a invasão à cidade de Mossoró e a resistência nas “trincheiras

heroicas” dos que ali residiam.

Depois de mais de três anos de efetiva atuação, em meados do ano de mil

novecentos e vinte e oito, o jornal Correio do Povo deixou temporariamente de

circular, de acordo com seu proprietário, em função de “acontecimentos deploráveis

de arbítrio do poder", não especificados pelo próprio jornal. Trata-se de momento de

adormecimento, mas também de amadurecimento para o jornal, que volta a ser

produzido e a circular na cidade de Mossoró dois anos depois, em mil novecentos e

trinta, mas agora com uma proposta ideológica bastante diferente daquela inicial. O

Correio do Povo volta a circular como órgão de apoio à Aliança Liberal, partido

apoiado pelo jovem advogado e político potiguar Café Filho. Desde então, as

edições publicadas pelo jornal focalizaram aspectos de interesse exclusivo do

partido político da Aliança Liberal. Diante esta postura, pouco tempo depois, o

Correio do Povo perde bastante sua credibilidade em relação ao povo mossoroense,

sendo obrigado a parar definitivamente de circular no dia dois de dezembro de mil

novecentos e trinta e quatro por falta de leitores interessados nas matérias

publicadas.

Deste jornal, considerando os critérios aqui estabelecidos para coletado do

corpus, foram selecionadas três notícias. A primeira delas foi publicada entre os dias

dez e treze de maio de mil novecentos e vinte sete (data específica não identificada),

um mês antes da incursão do bando a Mossoró, quando os primeiros cangaceiros

começaram a adentrar o estado do Rio Grande do Norte. Conta do incêndio, dos

roubos e assassinato de que foram vítimas as cidades de Apodi, Itaú e Gavião. Esta

notícia faz parte de nosso corpus secundário. A segunda notícia, a qual pertence ao

corpus de análise, foi publicada em dezenove de junho e descreve o assalto do

bando a Mossoró, conforme se pode ver no quadro seguinte. Finalmente, a terceira

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...108

notícia, publicada ao final do mês de junho de mil novecentos e vinte e sete, de dia

não identificado, comenta a fuga do bando de Lampião para o estado do Ceará e

possíveis ameaças futuras. Esta última notícia também foi anexada ao corpus

secundário da pesquisa.

JORNAL TÍTULO DA NOTÍCIA

LIDE DATA

Correio do Povo

Avé, Mossoró! O maior grupo de cangaceiros do Nordeste assalta nossa cidade, sendo destroçado após 4 horas de renhida luta! A bravura dos nossos civis! Os bandidos são chefiados por Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca. Como morreu o bandido Colchête e como foi ferido e aprisionado Jararaca, o maior sicário do Nordeste – Notícias e notas diversas.

Edição publicada em 19 de junho de 1927.

Quadro 09: Notícias do jornal “Correio do Povo”. Fonte: Autor.

4.5.3 O Nordeste

O jornal O Nordeste circulou pela primeira na cidade de Mossoró no dia

quinze de outubro de mil novecentos e dezesseis, tendo como proprietário o

jornalista, poeta, músico, político, historiador, autodidata e animador cultural José

Martins de Vasconcelos. De acordo com os historiadores Walter Wanderley e

Raimundo Nonato (2002, p. 25), no jornal, José Martins de Vasconcelos fazia de

tudo: “Dirigia, supervisionava, escolhia os títulos, os tipos da composição. Escrevia,

fazia revisão, mexia na tipografia toda para encontrar os objetos, brigava, dava

ordens e contraordens.”. E assim, “a seu jeito, criava as notícias, arranjava os

„casos‟, os furos e os seus notáveis sensacionalismos. Por cima, atendia ainda à

pasta comercial." (p. 28). A seguir, apresentamos o fac-símile de uma das edições

de O Nordeste.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...109

Figura 12: Fac-símile de edição do jornal “O Nordeste”. Fonte: Nonato (2012).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...110

O jornalista José Martins de Vasconcelos primava pela ética profissional e

pela independência de seu jornal. Com esta ideologia, dispensou atenção especial

às dificuldades enfrentadas pelo município, com notável atuação, dentre outros

aspectos, pela defesa do meio ambiente, pelo estímulo à atividade cultural e pelo

carinho que dedicava às figuras que davam relevo à cultura mossoroense. Para

Raimundo Nonato (2002), "a redação do jornal era sua (de José Martins de

Vasconcelos) tenda de trabalho, sua cachaça, o vício de sua vida". No entanto, no

ano de mil novecentos e trinta e quatro, por motivos não divulgados na imprensa da

época e ainda oficialmente desconhecidos, O Nordeste parou definitivamente de

circular.

Deste jornal, foram selecionadas cinco notícias, publicadas nos meses de

maio a julho de mil novecentos e vinte e sete. A primeira e a segunda notícia

apresentam descrição dos primeiros ataques de cangaceiros ao estado do Rio

Grande do Norte, especialmente aos municípios de Apodi, Itaú e à comunidade de

São Sebastião, no mês de maio. Por isso, estas duas constituem parte do corpus

secundário. A terceira notícia, publicada no dia vinte e quatro de junho, narra os

“terríveis contingentes” do “assalto de Lampião à cidade de Mossoró”, na noite de

treze de junho. Trata-se, portanto, da terceira e última notícia que compõe nosso

corpus de análise. Finalmente, as duas últimas notícias, de títulos homônimos, “O

bando de Lampião e seu grupo”, publicadas respectivamente no mês de julho de

1927, contam o itinerário de Lampião e seu bando de cangaceiros após a expulsa na

cidade de Mossoró. Estas também fazem parte do corpus secundário.

JORNAL TÍTULO DA NOTÍCIA LIDE DATA

O Nordeste O bandido Lampião e seu grupo.

Terríveis contingentes – Assalto a esta cidade – A nossa vitória – continuamos em pé de guerra – Lampião derrotado.

Edição publicada em 24 de junho de 1927.

Quadro 10: Notícias do jornal “O Nordeste”. Fonte: Autor.

O corpus de análise de nossa pesquisa, portanto, é constituído por três

notícias pertencentes, respectivamente, aos jornais anteriormente apresentados. As

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...111

outras seis notícias citadas, como já apontado anteriormente, compreendem um

corpus secundário da pesquisa, eventualmente mobilizado para contextualizar o

acontecimento, bem como para verificar e comparar informações apresentadas nas

notícias que compõe o corpus de análise.

Em tempo, convém dizer, que preferimos compreender estes textos como um

conjunto de enunciados que narram e reconstroem a história do cangaço

lampeônico em Mossoró. Sobre eles, interessa-nos os elementos linguísticos em

seus contextos de uso, isto é, a composição e organização das proposições, das

sequências e dos parágrafos que formam a materialidade textual das notícias e

revelam representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros.

De como identificar, interpretar e analisar tais representações, trataremos na

seção seguinte, quando apresentamos o protocolo de análise dos dados utilizado

para o desenvolvimento de nossa investigação.

4.6 Protocolo de análise dos dados

Quanto ao tratamento dos dados selecionados para a composição do corpus,

considerando que o método científico aqui adotado foi o dialético-hermenêutico,

elaboramos um protocolo de análise (um conjunto de procedimentos metodológicos)

pautado essencialmente na análise textual, tendo em vista, principalmente, os

objetivos desta investigação.

Retomando o esquema dos níveis de análise de discurso e de análise textual

de Jean Michel Adam (2011), observamos que a representação discursiva, principal

categoria da dimensão semântica do texto, deve ser analisada no nível de uma

análise textual, porque todo enunciado do texto expressa um conteúdo semântico.

Ora, assim sendo, nossa atenção foi direcionada à dimensão semântica do aspecto

textual das notícias analisadas. É claro que, com isso, não estamos querendo dizer

que abdicamos do nível discursivo dos textos analisados. Na verdade, nosso

trabalho compreende, como já foi dito, uma análise textual de discursos e é por meio

do gênero (notícia) que articulamos o texto ao discurso – conferir esquema quatro de

Adam (2011). Entretanto, considerando os objetivos desta investigação e as

escolhas metodológicas aqui realizadas, categorias teórico-analíticas como

formação discursiva, interdiscurso, socioletos, dentre outras, não serão

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...112

consideradas, ao menos não a priori, porque partimos da instanciação textual, da

materialidade linguística dos textos.

Feitas essas ponderações, convém agora apresentar o protocolo de análise

que orientou o tratamento dos dados que compõem o corpus de nossa pesquisa. De

modo geral, ele está organizado em quatro momentos. Estes momentos se

organizam e correspondem, respectivamente, aos procedimentos e ações

desenvolvidos para realização de nossa pesquisa.

Em um primeiro momento, procedemos ao levantamento exaustivo e à

catalogação do conjunto de enunciados que evidenciam representações discursivas

de Lampião e representações discursivas de seu bando de cangaceiros nas notícias

em análise. Procedemos assim, porque, entendemos, como apontam Passeggi et al

(2010), uma dada representação discursiva pode ser construída em vários pontos do

texto, inclusive em pontos não necessariamente sucessivos ou lineares. Por isso, a

dimensão semântica do texto deve ser abordada com base na proposição-

enunciado, ou seja, no enunciado mínimo, a unidade textual elementar, tal como

propõe Adam (2011).

Orientando-se por uma metodologia de análise tabular, os enunciados

identificados foram organizados em quadros demonstrativos e facilitadores,

considerando, para fins metodológicos, as notícias e os jornais a que pertencem,

conforme constam nos anexos desta tese de doutorado. O quadro a seguir

apresenta a síntese da catalogação dos enunciados identificados em cada notícia:

JORNAL NOTÍCIA ENUNCIADOS

O Mossoroense Hunos da nova espécie 69

Correio do Povo Avé, Mossoró! 73

O Nordeste O bandido lampião e seu grupo

47

Quadro 11: Síntese da catalogação dos enunciados. Fonte: Autor.

Mesmo o corpus sendo composto por notícias pertencentes a três jornais

diferentes, a análise preliminar dos dados permitiu-nos perceber que os mesmos

compartilham pontos de vista ideológicos acerca de Lampião e seu bando de

cangaceiros. Apresentam-se como jornais apáticos ao bando de cangaceiros – como

poderá ser visto no capítulo em que analisamos a construção de representações

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...113

discursivas para com o bando. Não representam, propriamente, a ideologia do

governo, porque são jornais liberais, mas buscavam dar voz ao povo, publicando

matérias e notícias que iam ao encontro de seus interesses. Mesmo os jornais

sendo metodologicamente considerados como suportes textuais, como vimos

anteriormente, ou, num outro sentido, como instituições empresariais, eles estão

sendo aqui entendidos como instâncias discursivas, porque assumem a

responsabilidade dos pontos de vistas marcados nas notícias. As notícias são,

inclusive, assinadas pelos próprios jornais.

Isto posto, em um segundo momento, considerando os enunciados

catalogados, procedemos ao levantamento das operações semânticas de análise

das representações discursivas de Lampião e de seu bando, quais sejam:

referenciação, predicação, modificação, localização, conexão e analogia.

Em relação à categoria de referenciação, buscamos identificar nos

enunciados selecionados os referentes (objetos de discurso) que designam

(categorizam) e redesignam (recategorizam) Lampião e seu bando de cangaceiros,

bem como os modificadores destes referentes, que desempenham funções de

explicadores, especializadores e especificadores (categoria da modificação). Na

maioria das vezes, como veremos nas análises aqui realizadas, os referentes são

gramaticalmente representados por substantivos ou por temos e expressões

equivalentes de valor nominal. Por sua vez, os modificadores dos referentes

identificados nos enunciados são representados gramaticalmente pela classe dos

adjetivos ou por locuções adjetivas.

No que diz respeito à categoria da predicação, atentamos, especialmente,

para os diversos processos verbais que designam as ações e processos

desempenhados pelos referentes ou mesmo os estados em que aqueles se

encontram nos discursos. Gramaticalmente, esta categoria semântica é

representada nos enunciados analisados pelo verbo e por locuções verbais.

Também nos ocupamos de identificar os modificadores das predicações, a que

denominamos de termos circunstantes (modificação das predicações), que, de modo

geral, são representados gramaticalmente por advérbios, locuções adverbiais ou por

expressões equivalentes que denotam circunstâncias adverbiais e modificam os

verbos.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...114

Feito isto, considerando a categoria de localização, e sua relevância para

situar no tempo e no espaço e os referentes e suas predicações, nos concentramos

em identificar as palavras e expressões que indicam as circunstâncias de lugar e de

tempo em que se desenvolvem os processos verbais desempenhados pelos

referentes. Nos enunciados selecionados, essa categoria se apresenta

gramaticalmente sob a forma de advérbio de tempo e de advérbio de lugar ou de

expressões com valor temporal e espacial.

Além destes elementos, buscamos também observar certas conexões ou

encadeamentos estabelecidos entre os enunciados na construção de

representações discursivas de Lampião e de seu bando. Estas conexões se dão a

partir do emprego de conjunções, de locuções conjuntivas, locuções prepositivas ou

mesmo por meio do uso de certas locuções adverbiais que têm por finalidade a

interconexão de enunciados ou de palavras ou termos que compõem um enunciado.

Finalmente, ainda observamos as relações semânticas de analogias que são

estabelecidas entre termos distintos dos enunciados e evidenciam a construção de

representações discursivas de Lampião e de seu bando. As analogias são

construídas em função do uso de conjunções comparativas (comparação) ou por

meio do emprego de expressões metafóricas ou, em casos mais raros, expressões

metonímicas.

Após identificação das operações semânticas de análise das representações

discursivas, em um terceiro momento, organizamos quadros sintetizadores com as

ocorrências dos elementos linguístico-discursivos que representam cada operação

de análise. Estes quadros, além de facilitarem a análise dos dados, permitem-nos

também conhecer o levantamento realizado, bem como apresentam um quantitativo

das ocorrências de cada fenômeno nos enunciados selecionados.

Considerando todos esses procedimentos metodológicos, por último, em um

quarto momento, nos dedicamos à análise e interpretação dos dados, isto é, à

análise das representações discursivas de Lampião e de seu bando de cangaceiros,

tomando por base as operações semânticas de análise anteriormente apresentadas

e tendo em vista sua importância para a construção da dimensão semântica dos

textos. Para tal, recorremos aos enunciados selecionados, que serão retomadas ao

longo da análise como forma de fundamentá-la.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...115

CAPÍTULO V: ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS DE LAMPIÃO

Olê muié rendera

Olê muié rendá

Tu me ensina a fazê renda

Que eu te ensino a namorá

Lampião desceu a serra

Deu um baile em Cajazeira

Botou as moças donzelas

Pra cantá muié rendera

Zé do Norte

5.1 A construção de representações discursivas de Lampião em notícias de

jornal

Este capítulo é dedicado à análise e à interpretação dos dados. Noutros

termos, analisamos como se constroem representações discursivas de Lampião nas

notícias que compõem o corpus desta tese de doutoramento. Como anunciado ao

longo do trabalho, orientamo-nos a partir das operações semânticas de construção

de representações discursivas apresentadas no segundo capítulo: a referenciação, a

predicação, a modificação, a localização espacial e temporal, a analogia e a

conexão. Metodologicamente, mesmo correndo o risco de sermos suportadamente

repetitivos em alguns pontos do texto, preferimos analisar separadamente cada

notícia, tendo em vista compreender, a partir do ponto de vista de cada jornal, as

representações discursivas construídas sobre Lampião. Ao final, construímos uma

síntese dos resultados.

5.1.1 Representações discursivas de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense

O referente Lampião – ou mesmo Virgulino Lampião – aparece (re)designado

em doze enunciados da notícia do jornal O Mossoroense. Nestes enunciados, as

nominalizações constroem representações discursivas do cangaceiro Lampião como

bandido e chefe de cangaceiros. A seguir, analisamos cada uma dessas

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...116

representações discursivas a partir das operações semânticas de análise antes

apresentadas.

5.1.1.1 Lampião – Bandido

Os enunciados abaixo evidenciam a construção da representação discursiva

de Lampião como bandido:

Vivemos sobre a iminência de graves perigos ante as ameaças dos bandidos Lampião, Sabino e Massilon, sendo este o mesmo que atacou Apodi, ali matando, roubando e incendiando (E19M). O bandido Lampião atravessava o Estado da Paraíba, penetra o nosso território, onde ataca fazendas, evitando avizinhar-se da cidade, onde seria combatido, faz prisioneiros, por cuja liberdade exige grandes somas de dinheiro, rouba, saqueia e lança miséria e terror (E23M). (Jararaca) Disse mais que o bandido Virgolino Lampião já foi baleado por diversas vezes (E69M).

a) Referenciação

Nos enunciados acima apresentados, Lampião é designado como bandido.

Em E19M, o termo bandido é empregado com valor genérico, para designar os

indivíduos Lampião, Sabino e Massilon. Enquanto bandido, Lampião aparece ainda

como ameaça à população mossoroense, que vive “sobre a iminência de graves

perigos”. Nos outros enunciados, o termo bandido designa especificamente o

cangaceiro Lampião, que aparece, inclusive, como agente do processo verbal em

E23M e paciente em E69M.

b) Predicação

Em relação à predicação, verificamos nos enunciados acima vários processos

verbais que compreendem, especialmente, ações desempenhadas por Lampião

enquanto agente e contribuem para a construção da representação discursiva do

cangaceiro como bandido.

O bandido Lampião atravessava o Estado da Paraíba, penetra o nosso território, onde ataca fazendas, evitando avizinhar-se da cidade, onde

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...117

seria combatido, faz prisioneiros, por cuja liberdade exige grandes somas de dinheiro, rouba, saqueia e lança miséria e terror (E23M).

Como o enunciado acima compreende parte de uma narrativa que descreve

ações já executadas, os verbos empregados estão no tempo pretérito imperfeito do

modo indicativo. É como se as ações descritas fossem transpostas mentalmente

pelo locutor para o momento da ocorrência. De um modo geral, esses processos

verbais destacados acima desenham uma cadeia semântica de ações criminosas

praticadas por Lampião que trazem para o cenário da situação comunicativa a

imagem de um bandido. Nesse sentido, a seleção lexical de verbos de ação como

ataca, rouba, saqueia, lança, dentre outros, reforça a construção da representação

discursiva de bandido para o cangaceiro Lampião.

Em E69M, há apenas um processo verbal de estado, formado por uma

locução verbal (foi baleado) – ocorrência de processo no tempo pretérito perfeito do

indicativo. Trata-se de ocorrência que indica um estado de Virgolino Lampião: estar

baleado – um fato consolidado.

(Jararaca) Disse mais que o bandido Virgolino Lampião já foi baleado por diversas vezes (E69M).

Esse estado reforça a construção da representação discursiva de Lampião

como bandido. Na verdade, os cangaceiros – representados nas notícias aqui

analisadas como bandidos – eram comumente feridos por disparos realizados pela

polícia – a volante – ou mesmo por coronéis revoltados. O cangaceiro Lampião foi,

por frequentes vezes, atingido por disparos realizados por emboscadas da volante,

mas, em razão de sua rapidez e agilidade, conseguiu, quase sempre, se sobressair

de todas as investidas.

c) Localização espacial e temporal21

O espaço onde se desenvolvem as ações anteriormente apresentadas

(predicações) é descrito nos enunciados abaixo a partir de vários locativos

espaciais:

21

Não há nos enunciados termos locativos indicadores de tempo. Há apenas o tempo verbal, comentado quando falamos sobre as predicações.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...118

O bandido Lampião atravessava o Estado da Paraíba, penetra o nosso território, onde ataca fazendas, evitando avizinhar-se da cidade, onde seria combatido, faz prisioneiros, por cuja liberdade exige grandes somas de dinheiro, rouba, saqueia e lança miséria e terror (E23M).

De modo geral, os locativos constroem o percurso espaço-geográfico

realizado por Lampião até sua chegada à cidade de Mossoró: do Estado da Paraíba

ao Estado do Rio Grande do Norte. De forma especial, as expressões nosso

território e a cidade referem-se, por meio de processo anafórico indireto, justamente

a cidade de Mossoró – cidade onde foram escritas as notícias analisadas neste

trabalho (o que justifica o valor dêitico das expressões) e onde Lampião e seu grupo

realizou um ataque frustrado (episódio que compreende o pano de fundo das

notícias analisadas neste trabalho). O adverbio temporal onde também aparece em

duas ocorrências, com função de pronome relativo, para retomar locativos espaciais.

Todos esses locativos situam espacialmente o universo de ações desenvolvidas por

Lampião como bandido e reforçam, portanto, a construção dessa representação

discursiva para o cangaceiro.

5.1.1.2 Lampião – Chefe do cangaço

Nos enunciados seguintes, são construídas representações discursivas para

Lampião como chefe do cangaço ou mesmo chefe do banditismo:

O famigerado Lampião e seu grupo de asseclas atacam Mossoró (E02M). A incursão do famigerado grupo sinistro capitaneado pelo mais audaz e miserável de todos os bandidos que tem infestado o Nordeste brasileiro e o pacato território do Rio Grande do Norte (E06M). Virgulino Lampião, esta majestade do crime e do terror, alma diabólica de pervertido tarado cujo rastilho de misérias vem desassombradamente espalhando em todos os recantos onde passa com o seu cortejo macabro e facinoroso (E07M). Desesperado por este fracasso, rumara o mesmo (o grupo famanaz desses hunos da nova espécie) para a povoação de São Sebastião, deste município, e dali viria a Mossoró com o intento de locupletar as algibeiras do sinistro chefe – Lampião (E10M). O celerado e seus adeptos entram em contato conosco, pouco antes das 16 horas (E30M). (Jararaca) Disse que o bando que atacou Mossoró vinha dirigido por Lampião, sendo seu grupo chefiado por Massilon Leite (E47M).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...119

O grupo que havia entrado pelo lado do cemitério era chefiado por Lampião (E48M).

a) Referenciação e modificadores

Várias nominalizações são utilizadas na notícia do jornal O Mossoroense para

construir representações discursivas de Lampião como chefe do cangaço. Na

verdade, depois que entrou para o cangaço, Lampião ficou conhecido por liderar os

demais cangaceiros que lhe acompanhavam e, por isso, recebeu diversas alcunhas:

chefe do cangaço, rei do cangaço, chefe de bandidos, dentre outros. Na notícia do

jornal O Mossoroense, a alcunha rei do cangaço não aparece como designação do

referente Lampião, possivelmente em razão da ideologia liberal do jornal, mas outras

nominalizações (categorizações) e termos modificadores permitem a construção de

uma representação de Lampião como chefe do cangaço, conforme se pode

perceber no quadro abaixo.

Referente (Categorização)

Número de

ocorrência

Modificador Código

O famigerado Lampião 01 O mais audaz e miserável de todos os bandidos que tem infestado o Nordeste

brasileiro e o pacato território do Rio Grande do

Norte

E02M

Virgulino Lampião 01 Majestade do crime e do terror, alma diabólica de pervertido tarado cujo

rastilho de misérias vem desassombradamente

espalhando em todos os recantos onde passa com o

seu cortejo macabro e facinoroso

E07M

O sinistro chefe – Lampião

01 - E10M

O celerado 01 - E30M

Lampião 02 - E47M E48M

Quadro 12: Referentes que constroem a representação discursiva de Lampião como chefe do cangaço na notícia do jornal O Mossoroense. Fonte: Autor.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...120

As designações e os modificadores empregados nos enunciados acima

apresentados constroem representações discursivas para Lampião como chefe de

cangaceiros. O adjetivo famigerado, que funciona linguisticamente como qualificador

no sintagma nominal O famigerado Lampião, exaspera a fama de Lampião como

grande cangaceiro e, por isso, respeitado pelos demais. Neste contexto, o adjetivo é

utilizado em um sentido pejorativo, aplicando-se justamente a um sujeito

considerado como malfeitor, que adquiriu fama e conhecimento em razão de crimes

praticados. A expressão modificadora O mais audaz e miserável de todos os

bandidos que tem infestado o Nordeste brasileiro e o pacato território do Rio Grande

do Norte corrobora para a construção dessa representação discursiva. Aqui,

Lampião não é descrito apenas como um bandido do cangaço, mas como o pior de

todos eles e, por isso, carece de ser reconhecido como chefe dos demais, conforme

comprova ainda o referente O celerado, em E30M, indicador de pessoa de má

índole, capaz de cometer atos violentos e que se destaca pela intensidade dos seus

atos.

Os adjetivos audaz e miserável, intensificados pelo advérbio mais, descrevem

traços característicos do cangaceiro Lampião. Funcionam, pois, como modificadores

explicativos do referente, porque acentuam particularidades distintivas do cangaceiro

– o próprio ataque à cidade de Mossoró, por exemplo, compreende uma atitude

audaciosa do cangaceiro, tendo em vista tratar-se de uma cidade relativamente

grande, que podia estar– e estava – preparada para se defender de um ataque de

cangaceiros. Além disso, essas características reforçam a construção de uma

representação discursiva de chefe do cangaço para Lampião, porque são,

convencionalmente, entendidas como elementos necessários ao exercício da chefia,

da liderança, principalmente audácia.

Em E07M, o referente Virgulino Lampião é modificado pela sequência

descritiva Majestade do crime e do terror, alma diabólica de pervertido tarado cujo

rastilho de misérias vem desassombradamente espalhando em todos os recantos

onde passa com o seu cortejo macabro e facinoroso. A descrição reforça a

construção de uma imagem perversa para o cangaceiro Lampião. O uso do pronome

de tratamento Majestade, mesmo que empregado com valor pejorativo, permite a

construção da representação discursiva de rei do cangaço – ou, por assimilação,

chefe do cangaço – tendo em vista que seu uso restringe-se a autoridades de alta

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...121

classificação de uma monarquia. Por analogia, pode-se, pois, dizer que na

organização monárquica do cangaço, Lampião está no topo da hierarquia, como rei

dos demais cangaceiros.

Toda majestade possui um cortejo. O cortejo de Lampião era macabro e

facinoroso. Trata-se do grupo de cangaceiros que acompanhava Lampião em sua

empreitada pelos estados do Nordeste. Interessante destacar a relação de

pertencimento estabelecida na proposição o seu cortejo macabro e facinoroso. O

emprego do pronome possessivo substantivo seu estabelece uma relação de posse,

de pertencimento entre Lampião e o grupo de cangaceiros que lhe seguia. Mais uma

vez, essa construção linguística sugere, pois, para o cangaceiro Lampião, a

representação discursiva de chefe ou rei do cangaço, porque tinha um bando de

cangaceiros por ele dominado.

b) Predicação e termos circunstantes

Nos enunciados acima expostos são poucas as ocorrências de predicações

que sugerem ações ou estados relacionados à imagem de Lampião como chefe do

cangaço. Convém destacar o processo verbal atacam, em E02M, e vem

desassombradamente espalhando, em E07M. A primeira ocorrência refere-se aos

ataques realizados por Lampião e seu bando de cangaceiros à cidade de Mossoró,

episódio que compreende o tema tratado nas notícias analisadas nesse trabalho.

Lampião e o bando são, portanto, os referentes que assumem o papel semântico de

agente do verbo atacam. Interessante reparar que, apesar da forma verbal está

conjugada no tempo presente do modo indicativo, diz respeito a uma ação pontual já

realizada e não a uma ação durativa, tendo em vista que a data de publicação da

notícia – dezenove de junho de mil novecentos e vinte sete, seis dias depois do

assalto do grupo à cidade de Mossoró.

A locução verbal vem espalhando aciona Lampião como agente do processo

verbal indicado. Por estar no presente do indicativo, sugere uma ação durativa – o

rastilho de misérias espalhadas por Lampião e seu bando de cangaceiros em todos

os lugares por onde passam. A locução é modificada pelo advérbio

desassombradamente, que funciona aqui como termo circunstante intensificador da

ação verbal. Especialmente o termo circunstante contribui para a construção de um

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...122

efeito de exagero e de monstruosidade em relação aos feitos de Lampião e de seu

bando de cangaceiros. Dessa forma, colabora para a construção da representação

discursiva de Lampião como um grande cangaceiro ou mesmo o chefe dos demais,

porque suas ações ou ações por ele coordenadas são assombrosas ao ponto de

serem noticiadas em todos os lugares do país.

c) Localização espacial e temporal

O espaço onde se desenvolvem as ações praticadas por Lampião é descrito a

partir dos locativos espaciais abaixo indicados:

Locativo espacial Número de ocorrência

Código

Mossoró 03 E02M E10M E47M

O Nordeste brasileiro e o pacato território do Rio Grande do Norte

01 E06M

Todos os recantos 01 E07M

Onde 01 E07M

A povoação de São Sebastião 01 E10M

O lado do cemitério 01 E48M Quadro 13: Locativos espaciais que constroem a representação discursiva de Lampião como chefe de cangaço em notícia do jornal O Mossoroense. Fonte: Autor.

O locativo espacial Mossoró, mais uma vez, apresenta maior recorrência (três

vezes), o que se explica em razão de ser palco do episódio principal narrado nas

notícias aqui analisadas. Há ainda espaços mais gerais, como o Nordeste brasileiro,

o pacato território do Rio Grande do Norte e todos os recantos e espaços mais

específicos, como a povoação de São Sebastião – atual município de Governador

Dix-Sept Rosado, estado do Rio Grande do Norte. Outros locativos não descrevem

regiões nem cidades, mas situam espacialmente lugares ou pontos específicos,

como o lado do cemitério. O locativo onde aparece no enunciado E07M para

recuperar o locativo todos os recantos. Funciona como elemento coesivo – evita a

substituição de um termo anteriormente citado. Esses locativos descrevem os

espaços percorridos por Lampião para locupletar sua tentativa de assalto à cidade

de Mossoró. A referência a locativos como o Nordeste brasileiro ou mesmo todos os

recantos denunciam a fama de Lampião e, portanto, reforçam a representação

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...123

discursiva do cangaceiro como líder do cangaço, porque ousava adentrar os lugares

mais inusitados possíveis.

5.1.2 Representações discursivas de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo

Na notícia do jornal Correio do Povo, o referente Lampião aparece vinte e oito

vezes. Em boa parte dessas ocorrências, observamos que o referente aparece

semanticamente associado ao bando de homens que acompanhava o cangaceiro

Lampião, construindo, conforme se verá nas análises a seguir, a representação

discursiva de chefe de cangaceiros para Lampião. Por outro lado, verificamos

também que o jornal constrói para Lampião a representação discursiva de derrotado,

tendo em vista o episódio de fuga da cidade de Mossoró quando foi recebido em

emboscada nas trincheiras organizadas pelos policiais e homens da cidade. Além

disso, outra representação saliente é de Lampião como subornador, porque

comprava os policiais e coronéis da época com o dinheiro que roubava em suas

aventuras.

5.1.2.1 Lampião – Chefe de cangaceiros

Os enunciados abaixo apresentados constroem para Lampião a

representação discursiva de chefe de cangaceiros.

Os bandidos são chefiados por Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca (E03CP). A nossa ordeira, pacata, laboriosa e nobre cidade foi atacada e assediada pelo maior número de bandidos do Nordeste, sob a chefia de Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca, chefes de cangaceiros que se coligaram para levar a efeito a empreitada terrível e sinistra de saquear Mossoró, a mais opulenta e rica cidade do Rio Grande do Norte (E05CP). Domingo, 12 do corrente, muito cedo, soube-se que um numeroso grupo de cangaceiros, chefiado por Lampião estava atacando Apodi, que resistia (E10CP). É natural de Buíque (Pernambuco) foi soldado do exército de 920 a 926, dando baixa voltou ao seu Estado onde se aliou ao grupo de cangaceiros chefiados por Virgolino Ferreira (Lampião) há mais de um ano, tendo tomado parte nos ataques de vilas, povoados e fazendas de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Alagoas (E52CP).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...124

a) Referenciação e modificadores

A representação discursiva de Lampião como chefe de cangaceiros é

construída a partir da relação estabelecida entre ele e os demais cangaceiros de seu

grupo. Assim, nos enunciados acima expostos, o nominal Lampião aparece na

função de modificador dos referentes bandidos ou grupo de cangaceiros e a

representação discursiva de chefe de cangaceiros se constrói na associação que se

estabelece entre Lampião e seu grupo.

5.1.2.2 Lampião – Derrotado

Por causa da resistência da cidade de Mossoró, Lampião é descrito pelo

jornal Correio do Povo como derrotado.

Lampião depois de batido em Mossoró tomou rumo do Ceará, pela estrada que liga nossa cidade a Limoeiro (E43CP). O portador relatou que Lampião estava envergonhado porque não pode entrar em Mossoró (E44CP). Chegando perto daqui, na fazenda Oiticica, Lampião mandou um bilhete ao Sr. Rodolfo Fernandes dizendo que não entrava na cidade mediante uma indenização de 400 contos de réis (E59CP). Lampião mesmo assim, resolveu fazer o ataque por ser vergonhoso vir tão perto e voltar sem tentar a entrada (E60CP). Deu ordem de avançar e como estivesse do outro lado do rio vieram até a ponte da Estrada de Ferro a cavalo e aí deixaram as montarias amarradas e os prisioneiros em uma casa guardados por dois homens do grupo (E61CP). Prova essa asserção ter Lampião penetrado aqui com 53 bandidos e haver saído com 43 como constaram os despachos recebidos de Limoeiro (E71CP).

a) Referenciação e modificadores

Os modificadores batido em Mossoró e envergonhado constroem para o

referente Lampião uma representação discursiva de derrotado. Ocorre que, no

ataque realizado a cidade de Mossoró, Lampião e seu bando de cangaceiros foram

recebidos por policiais e civis bem municiados e organizados em trincheiras em

lugares estratégicos da cidade. Lampião, que estava em desvantagem, porque tinha

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...125

um número bem menor de homens, viu-se obrigado a fugir, tendo seu ataque

fracassado.

b) Predicação e termos circunstantes

Os processos verbais que contribuem para a construção da representação

discursiva de Lampião como derrotado estão apresentados no quadro seguinte:

Predicação Número de

ocorrência

Termo Circunstante Código

Tomou 01 - E43CP

Pode entrar 01 Não E44CP

Mandou 01 - E59CP

Entrava 01 Não E59CP

Resolveu fazer 01 - E60CP

Deu 01 - E61CP

Ter penetrado 01 - E71CP

Haver saído 01 - E71CP Quadro 14: Predicados que constroem a representação discursiva de Lampião como derrotado em notícia do jornal Correio do Povo. Fonte: Autor.

O conjunto de predicações é composto por verbos de ação no pretérito

perfeito do indicativo: tomou, mandou, resolveu fazer, deu. Esses verbos descrevem

a sequência de ações realizadas por Lampião antes de invadir a cidade de Mossoró.

Compreendem, pois, uma espécie de planejamento feito pelo chefe dos bandoleiros,

conforme comprovam os complementos verbais. Os verbos pode entrar e entrava

(modificados pelo termo circunstante de negação), respectivamente no pretérito

perfeito e no pretérito imperfeito do indicativo, reforçam a construção da

representação discursiva de Lampião como derrotado, porque sugerem a precaução

e recusa inicial do cangaceiro Lampião em entrar na cidade de Mossoró. Finalmente,

as locuções verbais ter penetrado e havia saído assinalam dois momentos

primordiais do assalto de Lampião e seu bando à cidade de Mossoró: a entrada

frustrada e a saída vergonhosa do grupo de cangaceiros à cidade.

c) Localização espacial e temporal

A localização espacial se constrói a partir dos seguintes locativos:

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...126

Locativo espacial Número de ocorrência

Código

Mossoró 02 E43CP E44CP

Ceará 01 E43CP

Pela estrada que liga nossa cidade a Limoeiro

01 E43CP

Perto daqui 01 E59CP

Na fazenda Oiticica 01 E59CP

O outro lado do rio 01 E61CP

A ponte da Estrada de Ferro 01 E61CP

Aí 01 E61CP

Uma casa 01 E61CP

Aqui 01 E71CP

Limoeiro 01 E71CP Quadro 15: Locativos espaciais que constroem a representação discursiva de Lampião como derrotado em notícia do jornal Correio do Povo. Fonte: Autor.

Além dos locativos espaciais também citados nas outras notícias, como

Mossoró (cenário do principal acontecido narrado nas notícias analisadas), Ceará e

Limoeiro (regiões de refúgio de Lampião – quando saiu fugido de Mossoró),

interessante reparar em expressões como pela estrada que liga nossa cidade a

Limoeiro, o outro lado do rio, a ponte da Estrada de Ferro e a fazenda Oiticica –

locativos espaciais que funcionam como marcadores de pontos estratégicos pelos

quais Lampião passou antes, durante e depois do ataque à cidade de Mossoró. Os

marcadores dêiticos aí e aqui articulam o processo de retomada de outros locativos

espaciais já citados e dão progressão ao texto da notícia.

As circunstâncias de tempo são marcadas, principalmente, pelo locativo

temporal depois de e pelo tempo dos verbos, que se refere, basicamente, a dois

momentos específicos: antes e depois do assalto à cidade de Mossoró.

d) Conexão

A operação de conexão estabelece ligações entre as partes que compõem as

proposições analisadas:

Conectivos Número de ocorrência

Código

Que 03 E43CP

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...127

E44CP E59CP

E 05 E60CP E61CP E71CP

Mesmo assim 01 E60CP

Porque 01 E44CP

Como 02 E61CP E71CP

Até 01 E61CP Quadro 16: Conectivos que favorecem a construção da representação discursiva de Lampião como derrotado em notícia do jornal Correio do Povo. Fonte: Autor.

Do conjunto de conectivos apresentados no quadro acima, as conjunções que

e e foram as mais recorrentes nas proposições que constroem a representação

discursiva de derrotado para Lampião. A primeira deles estabelece nexos entre as

orações que formam os enunciados, estabelecendo entre eles, na maioria das

vezes, relações de subordinação. O e funciona como conjunção coordenativa,

estabelecendo relações de adição e de inclusão entre os enunciados. A preposição

até correlaciona duas estruturas sintáticas estabelecendo entre elas uma relação de

movimento: “como estivesse do outro lado do rio vieram até a ponte da Estrada de

Ferro”. O conectivo mesmo assim apresenta valor adversativo e indica a decisão de

Lampião de atacar Mossoró, mesmo conjecturando a possibilidade de ser derrotado.

A conjunção porque apresenta valor explicativo, e sugere uma relação de causa e

consequência entre os dois enunciados: “Lampião estava envergonhado porque

não pode entrar em Mossoró”. A conjunção como aparece em dois enunciados: em

E61CP sugere suposição, apesar da ausência da partícula se; em E71CP indica

conformidade, acordo ou concordância.

5.1.2.3 Lampião – Subornador

No enunciado abaixo, é construída para Lampião a representação discursiva

de subornador:

Lampião declara sempre em palestra que o dinheiro que arruma é para comprar os oficiais da Polícia de Pernambuco, especialmente o Major Theófanes, oficial que prendeu Antonio Silvino (E65CP).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...128

a) Referenciação

Na proposição acima apresentada, a operação de referenciação compreende

apenas o nominal Lampião. A representação discursiva de subornador é construída,

principalmente, em razão das predicações selecionadas para o referente Lampião,

conforme se pode verificar a seguir.

b) Predicação e modificadores

Os seguintes verbos atribuem a Lampião significações que nos permitem

perceber a construção de representação discursiva de subornador: declara

(modificado pelo termo circunstante sempre), arruma e comprar. Especialmente o

verbo comprar, utilizado no modo infinitivo, sugere a ação de suborno, tendo em

vista que Lampião oferecia dinheiro em troca de armas e da negligência ou omissão

de policiais pernambucanos em relação aos crimes por ele praticados. O termo

circunstante sempre, modificador da forma verbal declara, expressa continuidade ou

mesmo permanência, o que indica ser a ação de suborno prática constante no

cangaço lampeônico. Também o enunciado E59CP, anteriormente apresentado,

permite essa compreensão, uma vez que Lampião tentou subornar o prefeito

Rodolfo Fernandes, da cidade de Mossoró, para evitar o assalto à cidade.

c) Localização espacial e temporal

O enunciado acima apresenta um único locativo espacial, Pernambuco,

estado onde Lampião subornava os policiais e onde planejava a maioria de suas

empreitadas. Não há locativos indicadores de tempo.

5.1.3 Representações discursivas de Lampião em notícia do jornal O Nordeste

A notícia do jornal O Nordeste apresenta quinze ocorrências do referente

Lampião. Os enunciados que apresentam essas ocorrências constroem, de forma

mais evidente, duas representações para Lampião: Bandido e Capitão.

Aparentemente duas representações contraditórias, mas que se justificam em razão

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...129

dos contextos onde foram produzidas, dos gêneros textuais (notícia e bilhete) e

ainda dos pontos de vista dos enunciadores que produziram os enunciados donde

se constroem essas representações.

5.1.3.1 Lampião – Bandido

Os enunciados seguintes foram retirados da notícia do jornal O Nordeste e

revelam o ponto de vista do jornal acerca do cangaceiro Lampião. Favorecem a

construção da representação discursiva de bandido para Lampião, conforme se

pode verificar pelo emprego dos referentes e dos modificadores.

O bandido Lampião e seu grupo (E01N). Há mais de mês, vinha esta cidade sendo avisada de que Lampião, o terrível bandido que tem desafiado a ação das forças policiais do Nordeste, preparava um assalto a esta cidade, conjuntamente com outros, contando aqui fazer sua independência e de seus aliados (E03N). Rica, próspera, vivendo pacificamente de seu labor cotidiano, entregue às cogitações de seu progresso e da sua grandeza da União, esta cidade jamais presenciara cenas de cangaceirismo, parecia fácil prêsa, ambicionada pelo famigerado salteador (E04N). Lampião, que as notícias oficiais do Ceará davam como perseguido pelas polícias dêsse Estado e de Pernambuco, em Aurora, e se internando cada vez mais em busca dos altos sertões, refazia-se, entretanto, no mesmo município de Aurora, daquele mesmo Estado do Ceará, punha-se em contacto com Massilon, que há pouco, vindo do Ceará, tinha salteado Apodi e outros municípios do Rio Grande do Norte, concertava com o seu êmulo Sabino, no Sítio Cipó, em Cajazeiras, na Paraíba, e ajustava o ataque tremendo e sinistro (E05N). Atravessava o Ceará, a Paraíba, entra no Rio Grande do Norte, saqueia fazendas, aprisiona fazendeiros e pessoas gradas, dos quais exige consideráveis quantias em troca da liberdade, evitando sempre as cidades, que sabe guarnecidas (E06N). [Lampião] divide-se nas alturas do Apodi, força um pequeno grupo esta cidade e o outro se dirige para aqui, visando aquele ataque a Apodi nos tranquilizar quanto à aproximação dos canibais (E07N).

a) Referenciação e modificadores

Do conjunto de enunciados acima apresentados, destacamos os seguintes

referentes (nominalizações) que constroem a representação discursiva de bandido

para o cangaceiro Lampião:

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...130

Referente (Categorização)

Número de

ocorrência

Modificador Código

O bandido Lampião 01 - E01N

Lampião 02 O terrível bandido que tem desafiado a ação das forças

policiais do Nordeste.

Perseguido pelas polícias desse Estado e de

Pernambuco

E03N E05N

O famigerado salteador

01 - E04N

Quadro 17: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva de Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste. Fonte: Autor.

Em E01N, a expressão nominal o bandido Lampião categoriza, de forma

direta, o cangaceiro Lampião como bandido. De modo mais específico, dizemos que

o adjetivo bandido funciona semanticamente como um elemento especificador,

porque atribui uma característica definidora do referente Lampião. A construção

dessa representação discursiva é reforçada ainda mais pelos modificadores do

referente Lampião nos enunciados E03N e E05N: o terrível bandido que tem

desafiado a ação das forças policiais do Nordeste e perseguido pelas polícias desse

Estado e de Pernambuco. Esses modificadores são construções sintáticas de valor

adjetivo que funcionam, respectivamente, como aposto e complemento da

predicação, e recategorizam Lampião como bandido, porque acrescentam a

informação de que o cangaceiro era perseguido por forças policiais da região

Nordeste.

Ainda é interessante destacar que Lampião não era considerado como um

bandido simples ou comum. O modificador de E03M caracteriza Lampião como o

terrível bandido, diferenciando-o dos demais cangaceiros, inclusive, pela utilização

do artigo determinante o e do adjetivo terrível, que funciona como um intensificador

da representação de bandido. Essa compreensão se acentua ainda mais quando

consideramos a nominalização o famigerado salteador, em E04N, uma

recategorização de Lampião que reforça a representação discursiva de bandido para

o cangaceiro e lhe atribui ainda o adjetivo de famigerado, para indicar o excesso de

fama e reconhecimento do cangaceiro – mesmo que seja uma fama invertida, uma

má fama.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...131

b) Predicação e termos circunstantes

Os verbos do quadro a seguir apresentam os processos verbais e os

modificadores que auxiliam na construção da representação discursiva de bandido

para Lampião:

Predicação Número de

ocorrência

Termo Circunstante Código

Preparava 01 Conjuntamente com os outros

E03N

Fazer 01 - E03N

Internando 01 Cada vez mais E05N

Punha-se 01 - E05N

Concertava 01 - E05N

Atravessava 01 - E06N

Entra 01 - E06N

Saqueia 01 - E06N

Aprisiona 01 - E06N

Exige 01 - E06N

Evitando 01 Sempre E06N

Divide-se 01 - E07N

Força 01 - E07N Quadro 18: Predicados e termos circunstanciais que constroem a representação discursiva de Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste. Fonte: Autor.

Os verbos destacados acima, no pretérito e no presente do indicativo,

correspondem, em sua maioria, às ações criminosas praticadas por Lampião,

especificamente: preparava, concertava, atravessava, entra, saqueia, aprisiona,

exige e força. Esses verbos e seus respectivos complementos evidenciam

justamente fortes ações realizadas por Lampião ou mesmo por ele coordenadas

como cangaceiro – bandido. São verbos que dizem respeito a atos socialmente

considerados como criminosos ou perversos e que, portanto, podem ser associados

à figura de um bandido – no caso, Lampião é o agente desses atos.

Em razão dos tempos verbais, dizemos que os verbos que aparecem nos

enunciados apresentam traços perfectivos porque dizem respeito a ações

concluídas, já realizadas pelo agente. Trata-se de ações que foram desempenhadas

por Lampião antes do assalto à cidade de Mossoró. Algumas delas, inclusive, como

o assalto realizado à cidade de Apodi e todos os atos de vandalismo e bandidagem

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...132

ali praticados, eram, na verdade, formas de prenúncio, de anunciação, como se

fossem um aviso ou mesmo uma intimidação ou advertência à população de

Mossoró. Os processos verbais internando e evitando, ambos no gerúndio,

modificados pelos termos circunstantes cada vez mais e sempre apresentam traços

de duratividade, porque a atitudes comumente praticadas pelo cangaceiro Lampião.

c) Localização espacial e temporal

O tempo das predicações diz respeito ao tempo verbal. Há dois locativos

indicadores de tempo, no enunciado E04N:

Locativo temporal Número de ocorrência

Código

Há mais de mês 01 E04N

Há pouco 01 E05N Quadro 19: Locativos temporais que favorecem a construção da representação discursiva de Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste. Fonte: Autor.

O primeiro locativo compreende o período de tempo em que Lampião vinha

mandando avisos ou mesmo prenunciando através de ataques a cidades vizinhas o

assalto à cidade de Mossoró. O locativo há pouco se refere ao curto espaço de

tempo percorrido em que o cangaceiro Massilon tinha realizado com Lampião e

outros cangaceiros o assalto à cidade de Apodi.

No que diz respeito à operação de localização espacial, vários locativos

constroem o espaço onde Lampião desenvolveu ações enquanto bandido ou mesmo

cangaceiro. Os locativos, o número de ocorrências e os enunciados onde se

encontram estão apresentados no quadro abaixo:

Locativo espacial Número de ocorrência

Código

Esta cidade 04 E04N E04N E07N

Ceará 02 E05N E06N

Esse Estado e de Pernambuco 01 E05N

Aurora 01 E05N

O mesmo município de Aurora, 01 E05N

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...133

daquele mesmo Estado do Ceará

Os altos sertões 01 E05N

Apodi e outros municípios do Rio Grande do Norte

01 E05N

O Sítio Cipó, em Cajazeiras, na Paraíba

01 E05N

Paraíba 01 E06N

Rio Grande do Norte 01 E06N

As cidades guarnecidas 01 E06N

As alturas de Apodi 01 E07N

Aqui 01 E07N

Apodi 01 E07N Quadro 20: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação discursiva de Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste. Fonte: Autor.

Esses localizadores espaciais vinculam-se a atuação de Lampião na região

Nordeste do Brasil, conforme mostram, por exemplo, os nomes de estados dessa

região: Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba. Eles constroem um

desenho dos percursos feitos por Lampião para assaltar Mossoró: o cangaceiro

parte do estado de Pernambuco, passa pelos estados do Ceará e da Paraíba e entra

no estado do Rio Grande do Norte. O percurso ocorre de forma inversa quando

Lampião e seu bando de cangaceiros são abordados e expulsos da cidade de

Mossoró.

Outros locativos situam pontos geográficos específicos que compreendem ou

fazem parte do percurso macro realizado por Lampião. É o caso dos locativos que

nomeiam municípios dos referidos estados, como Aurora ou o mesmo município de

Aurora, daquele mesmo Estado do Ceará, Apodi e outros municípios do Rio Grande

do Norte, o Sítio Cipó, em Cajazeiras, na Paraíba e Apodi. Esses municípios ou

fizeram parte da rota do cangaceiro até chegar a Mossoró ou serviram de pontos de

encontro entre Lampião e seu grupo de cangaceiros para planejamento de suas

investidas.

Há ainda locativos espaciais mais genéricos que não compreendem uma

cidade especificamente, nem mesmo são tão amplos a ponto de serem

considerados como uma região. Trata-se dos locativos: os altos sertões e as alturas

de Apodi. O primeiro locativo diz respeito aos lugares mais recônditos do sertão

nordestino – um movimento de interiorização da passagem de Lampião. O segundo

locativo, mesmo fazendo referência à cidade de Apodi, não compreende o espaço

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...134

geográfico da cidade de forma propriamente dito, mas sim as suas proximidades ou

mesmo suas adjacências – lugares indeterminados.

Finalmente, entendemos que os locativos esta cidade, as cidades

guarnecidas e o dêitico aqui retomam anaforicamente outros locativos já citados

anteriormente nos enunciados e contribuem, portanto, para a progressão textual da

notícia. De modo geral, todos esses locativos espaciais e temporais aqui citados

colaboram para a construção da representação discursiva de bandido para o

cangaceiro Lampião, porque o situa como agente de processos verbais em espaços

e tempo definidos, considerando o contexto histórico em que as ações se

desenvolveram.

d) Conexão

Os conectivos ligam enunciados ou mesmo estruturas oracionais para

estabelecer entre eles relações semânticas de diversos tipos e contribuir para a

continuidade e progressão do texto (ADAM, 2011). Especialmente os conectivos

abaixo indicados estabelecem nexo entre as proposições – ou no âmbito das

proposições – para a construção da representação discursiva do cangaceiro

Lampião como bandido.

Conectivos Número de ocorrência

Código

Que 05 E03N E05N E06N

E 06 E01N E03N E05N E07N

Quanto a 01 E07N

Como 01 E07N

Entretanto 01 E07N

Para 01 E07N Quadro 21: Conectivos que favorecem a construção da representação discursiva de Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste. Fonte: Autor.

As conjunções que e e apresentam maior recorrência nos enunciados – em

muitos casos o elemento que aparece também com função de pronome relativo,

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...135

substituindo o agente dos processos verbais. Entretanto, mesmo assim, entendemos

que o pronome serve para estabelecer conexão entre os enunciados e, portanto,

pode ser analisado nesta operação de análise. O e estabelece relações de adição e

acréscimo entre os enunciados, especialmente entre as ações que são

desempenhadas por Lampião.

O elemento adversativo entretanto marca uma relação de contrariedade entre

o fato de Lampião está sendo perseguido pelos policiais do estado de Pernambuco,

e, mesmo assim, conseguir se reestabelecer nesse mesmo estado para fazer novas

investidas. Reflete, pois, a fragilidade do sistema policial daquela época que, por

vezes, se corrompia, seja pela influência de autoridades superiores ou mesmo

quando subordinados pelos próprios cangaceiros.

Os demais conectivos reforçam as ligações sintáticas e semânticas entre as

partes do texto para que certos efeitos de sentido lhe possam ser atribuídos – o que

nos permite reconhecer a construção de representações discursivas para os agentes

de proposições.

5.1.3.1 Lampião – Capitão e Senhor

A construção da representação discursiva de Capitão e Senhor para o

cangaceiro Lampião ocorre nos enunciados abaixo a partir das operações de

referenciação (e modificadores), de predicação (e termos circunstantes) e de

localização temporal e espacial.

O ultimatum de Lampião ao cel. Rodolfo Fernandes (E43N). “Cap. Virgolino Ferreira Lmapião – Cel. Rodolfo: Estando Eu até aqui pretendo é dinheiro. Já foi um aviso ahi para o senhor, se por acauzo resolver mi mandar a importância que nós pode Eu evito de entrada ahi, porem não vindo, esta importância eu entrarei até ahi penso que adeus querer eu entro e vai aver muito estrago, por isto se vir o dinheiro eu não entro ahi mais mande resposta logo. Cap. Lampião” (E44N). “Virgolino Lampião: Recebi seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede e nem também o Comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos acarretar com tudo o que o Sr. queira contra nós. A cidade acha-se firmemente inabalável na sua defesa confiando na mesma. Rodolfo Fernandes – Prefeito.” (E45N).

a) Referenciação

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...136

O referente Lampião é redesignado várias vezes nos enunciados:

Referente (Categorização)

Número de

ocorrência

Modificador Código

Lampião 01 - E43N

Cap. Virgolino Ferreira Lampião

01 - E44N

Eu 05 - E44N

Cap. Lampião 01 - E44N

Virgolino Lampião 01 - E45N

O Sr. 01 - E45N Quadro 22: Referentes que constroem a representação discursiva de Lampião como capitão e senhor

em notícia do jornal O Nordeste.

Fonte: Autor.

Diferentemente do que ocorre em outros enunciados (na maioria daqueles

analisados nesse trabalho), aqui Lampião é tratado como Capitão e Senhor. Esses

referentes favorecem a construção de uma imagem política de autoridade que deve

ser respeitada: a primeira expressão foi empregada pelo próprio Lampião, em bilhete

encaminhado ao coronel Rodolfo Fernandes, prefeito da cidade Mossoró. Trata-se,

pois, de uma autodenominação. O bilhete, que na verdade era uma ameaça ou

aviso ao prefeito, foi publicado no corpo da notícia do jornal O Nordeste22.

A segunda expressão foi utilizada pelo Coronel Rodolfo Fernandes em bilhete

de resposta ao cangaceiro Lampião. Esta face política remete ao exercício do poder

político: seja em um nível mais geral – “O Sr.”, “a majestade do crime e do terror”;

seja em um nível mais local – “o chefe dos cangaceiros – chefiados por Lampião”;

ou ao exercício do poder militar - “Cap. Lampião”. Em todos esses casos, Lampião é

tratado de forma respeitosa, possivelmente pelo medo imposto às pessoas daquela

região, por causa das ações praticadas por ele e seu bando de cangaceiros.

A referência ao nome próprio do cangaceiro Lampião, Virgolino Ferreira,

também contribui para a construção de uma representação discursiva respeitosa em

relação ao cangaceiro. Interessante também destacar a referência do pronome

pessoal eu, utilizado várias vezes por Lampião em seu bilhete escrito ao coronel

Rodolfo Fernandes – algumas vezes, inclusive, de forma elíptica. Esse referente é

22

Trata-se de um caso de heterogeneidade tipológica, em que o gênero textual bilhete encontra-se publicado dentro do gênero textual notícia, mas sem perder suas características e o propósito comunicativo próprio do gênero – nos termos de Marcuschi (2008), um gênero com a presença de outros. .

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...137

empregado para marcar a voz do cangaceiro no bilhete (assunção da

responsabilidade enunciativa pelo dizer) e também para enfatizar, principalmente, as

ações futuras que ele, enquanto agente, poderia praticar, caso sua proposta não

fosse aceita pelo prefeito.

b) Predicação e termos circunstantes

Os verbos empregados estão todos em primeira pessoa e no presente

(pretendo, pede, evito, penso, entro) ou futuro (entrarei) do indicativo, tendo em vista

o contexto onde foram empregados e o ponto de vista do enunciador. Esses verbos

especificam o conjunto de ações que Lampião pretende realizar na cidade de

Mossoró, caso o prefeito Rodolfo Fernandes não atendesse sua solicitação.

Instaura-se um jogo entre fazer e não fazer – marcado pelo emprego do termo

circunstante de negação não, que modifica o verbo entrar em sua última ocorrência

no enunciado E44N. Isso intensifica o efeito de ameaça que o bilhete apresenta.

c) Localização espacial e temporal

A espacialidade das proposições acima apresentadas se constrói,

principalmente, em razão de expressões dêiticas de valor adverbial, que situam no

espaço o enunciador (aqui) e o destinatário da mensagem (ahi). A localização

temporal se constrói a partir dos tempos verbais.

5.1.4 Síntese

Os enunciados analisados permitiram-nos observar a construção de diversas

representações discursivas para o cangaceiro Lampião, tendo em vista as

operações de referenciação, predicação, modificação, localização espacial e

temporal e conexão. Essas representações se alteram conforme o ponto de vista do

enunciador. Do ponto de vista dos jornais (entidades que representam o governo e a

sociedade de modo geral), são construídas representações discursivas que

desfavorecem a imagem Lampião: bandido, chefe de cangaceiros, subornador,

derrotado. Quando é Lampião o enunciador, o referente empregado reforça a

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...138

imagem que ele buscava construir de sua pessoa: líder, autoridade (Cap. Virgolino).

E ainda, quando é o Coronel Rodolfo Fernandes o enunciador, o referente

empregado, o pronome de tratamento “O Sr.”, reforça a necessidade de respeito à

imagem de Lampião, mesmo que seja um respeito disfarçado.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...139

CAPÍTULO VI: ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS DO BANDO DE CANGACEIROS DE LAMPIÃO

O bando em suas andanças

Nunca demonstrava medo

Pretendia ir bem longe

Por isso saíra sedo

Queriam logo chegar

Na fazenda de seu Pedro.

Valentin Martins Neto

6.1 A construção de representações discursivas do bando de cangaceiros de

Lampião em notícias de jornal

Dando continuidade às análises empreendidas no capítulo anterior, neste,

analisamos a construção de representações discursivas do bando de cangaceiros de

Lampião em notícias de jornais mossoroenses publicados no século passado, de

quando da invasão do bando à cidade de Mossoró. Na análise, tomamos por base

as operações semânticas de construção de representação discursiva já

apresentadas nesse trabalho: a referenciação, a predicação, a modificação, a

localização espacial e temporal, a analogia e a conexão. Tal como fizemos no

capítulo antecedente, analisamos separadamente cada notícia para, posteriormente,

realizarmos uma síntese das representações construídas.

6.1.1 Representações discursivas do bando de cangaceiros de Lampião em notícia

do jornal O Mossoroense

O referente bando de Lampião é (re)designado de diversas formas na notícia

do jornal O Mossoroense, tendo em vista o emprego de várias nominalizações.

Essas (re)designações constroem e reconstroem representações discursivas

também variadas para os cangaceiros de Lampião: grupo, bando, bandidos,

companheiros, matilha sanguinária, mas que mantêm uma unidade semântica que

gira em torno da ideia de coletivo. As representações discursivas construídas para o

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...140

bando de cangaceiros serão apresentadas e analisadas nos tópicos seguintes, a

partir das operações semânticas de análise antes apresentadas.

6.1.1.1 Grupo

A representação discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião é

construída nos enunciados abaixo apresentados:

O famigerado Lampião e seu grupo de asseclas atacam Mossoró (E02M). A incursão do famigerado grupo sinistro capitaneado pelo mais audaz e miserável de todos os bandidos que tem infestado o Nordeste brasileiro e o pacato território do Rio Grande do Norte (E06M). O grupo famanaz desses hunos da nova espécie tentara atacar e saquear a vizinha cidade do Apodi (E08M). [O grupo famanaz desses hunos da nova espécie] tendo sido obrigado a recuar em vista da resistência heroica que encontrara por parte dos habitantes da pequena cidade (E09M). Desesperado por este fracasso, [O grupo famanaz desses hunos da nova espécie], rumara o mesmo para a povoação de São Sebastião, deste município, e dali viria a Mossoró com o intento de locupletar as algibeiras do sinistro chefe – Lampião (E10M). [O grupo famanaz desses hunos da nova espécie], em seguida, incendiando a cidade, prosseguindo, então, vitorioso, a trajetória infame do seu traçado hediondo de toda a sorte de crimes (E11M). Teve lugar de 23 para 24 horas o assalto do grupo de bandidos ao pequeno povoado de São Sebastião, onde encontrou sem nenhuma resistência (E12M). É, entretanto, digna de admiração a atitude heroica do distinto moço Aristides de Freitas que (...) ficou no aparelho telegráfico dando informações para esta cidade, até a última hora de aproximação do grupo (E13M). No pequeno povoado, o grupo de bandidos cometeu toda a sorte de misérias como sói fazê-lo por onde passa (E14M). [O grupo de bandidos] queimou várias casas comerciais, (...), um auto caminhão e o automóvel de linha da E. de Ferro de Mossoró (E15M). [O grupo de bandidos] arrebentou várias moveis na estação da Estrada, violou lares, quebrando moveis e roubando objetos de outro e de outros objetos de fácil condução (E16M). Nas proximidades deste povoado, o grupo matou um rapaz (E17M). O famigerado grupo não nos encontrou desprevenidos (E21M). Aproximando-se a Apodi destaca-se um grupo que ataca esta cidade (E24M). [O grupo] ruma a Mossoró com seu séquito criminoso (E25M).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...141

[O grupo] corta as comunicações telegráficas com Caraúbas e avança sobre São Sebastião onde chega de 23 para 24 horas do dia 12 (E26M). Ai [São Sebastião] [O grupo] saqueia, rouba, depreda, incendeia, mata, violenta, pratica defloramentos e sacia instintos de selvagens (E27M). [O grupo] desce vagarosamente e ao meio dia de 13 começa a ser avistado (E28M). [O grupo] manda uma intimativa ao Cel. Rodolfo Fernandes (E29M). Pela manhã de terça-feira o grupo sinistro rumava o Jaguaribe, em demanda de Limoeiro, no Estado Ceará (E34M). O grupo que havia entrado pelo lado do cemitério era chefiado por Lampião (E48M). [Jararaca disse] que grupo de Lampião tem muita munição e que o povo mais orientado do mesmo conduz sempre 400 ou 500 cartuchos (E56M).

a) Referenciação e modificadores

A representação discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião é

construída a partir do emprego de várias nominalizações, conforme se pode

perceber no quadro abaixo.

Referente (Categorização)

Número de

ocorrência

Modificador Código

Grupo de asseclas 01 - E02M

Famigerado grupo sinistro

01 Capitaneado pelo mais audaz e miserável de todos

os bandidos que tem infestado o Nordeste brasileiro e o pacato

território do Rio Grande do Norte

E06M

O grupo famanaz desses hunos da nova

espécie23

01 - E08M

O grupo de bandidos24 02 - E12M E14M

O grupo25 02 - E13M E17M

O famigerado grupo 01 - E21M

23

Existem três ocorrências elípticas dessa categorização nos enunciados E09M, E10M e E11M, colocadas entre colchetes e destacadas em negrito e sublinhado. 24

Existem duas ocorrências elípticas dessa categorização nos enunciados E15M e E16M, colocadas entre colchetes e destacadas em negrito e sublinhado. 25

Existem cinco ocorrências elípticas dessa categorização nos enunciados E25M, E26M, E27M, E28M e E29M, colocadas entre colchetes e destacadas em negrito e sublinhado.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...142

Um grupo 01 - E24M

O grupo que havia entrado pelo lado do

cemitério

01 - E48M

Grupo de Lampião 01 - E56M Quadro 23: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense Fonte: Autor.

O nominal grupo aparece nos enunciados acima complementado ou mesmo

modificado por adjetivos que constroem representações discursivas para os

cangaceiros do bando de Lampião – com exceção de o grupo e um grupo,

referentes compostos apenas de um nominal e de um elemento (in)determinante. As

designações empregadas constroem uma cadeia semântica que nos permite

visualizar características que exaltam a grandeza do grupo e a sua perversidade. Os

referentes famigerado grupo e famigerado grupo sinistro intensificam a fama do

grupo de cangaceiros de Lampião, conhecido especialmente em todo o Nordeste

brasileiro por causa dos crimes praticados. O adjetivo sinistro corrobora para a

interpretação de que boa parte das atitudes praticadas pelo grupo causava

estranheza nas pessoas em geral, seja pela perversidade ou mesmo pela

dificuldade de realização de certas empreitadas.

Essa interpretação é complementada pelo emprego do referente o grupo

famanaz desses hunos da nova espécie. O adjetivo famanaz reforça o fato de o

grupo ser afamado e, portanto, reconhecido no sertão nordestino por causa das

suas proezas e valentias. O referente hunos da nova espécie nos remete por uma

relação intertextual às tribos nômades europeias que migravam frequentemente de

um lugar para outro devido a mudanças climáticas em busca de melhor se

estabelecerem. Por serem bastante habilidosos, apresentando proeza militar e

disciplinar, especialmente na produção de armas e na domesticação de equinos, os

membros das tribos mostravam-se imbatíveis, expulsando todos de seus caminhos.

Dada à semelhança de práticas (os cangaceiros também eram nômades,

apresentavam destreza bélica e utilizam cavalos para se movimentarem, seja nos

ataques ou no trânsito de um lugar para outro) os cangaceiros são comparados com

estas tribos, sendo nomeados de “hunos da nova espécie”.

Os referentes grupo de asseclas e grupo de Lampião, bem como o

modificador capitaneado pelo mais audaz e miserável de todos os bandidos que tem

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...143

infestado o Nordeste brasileiro e o pacato território do Rio Grande do Norte

associam a imagem do grupo à imagem do cangaceiro Lampião. O adjetivo asseclas

refere-se a um grupo de guarda-costas, de pessoas que tomam partido por alguém e

tornam-se seus seguidores. É justamente o que acontece com os cangaceiros de

Lampião: ao ingressarem no grupo, tornam-se obedientes ao chefe do cangaço,

seus seguidores. Portanto, os referentes anteriormente citados reforçam a ideia de

pertencimento do grupo a Lampião – chefe do cangaço.

Interessante ainda atentar para o referente o grupo que havia entrado pelo

lado do cemitério, no enunciado E48M. Trata-se de uma expressão de valor nominal

que distingue parte do grupo de Lampião que invadiu a cidade de Mossoró pelo lado

do cemitério. É o localizador espacial que distingue o grupo e, portanto, contribui,

neste caso, para a construção da representação discursiva.

b) Predicação e termos circunstantes

Em relação à operação de predicação, os verbos do quadro a seguir

apresentam os processos verbais e os modificadores que auxiliam na construção da

representação discursiva de grupo dos cangaceiros de Lampião:

Predicação Número de

ocorrência

Termo Circunstante Código

Atacam 01 - E02M

Tentara 01 - E08M

Atacar 01 - E08M

Saquear 01 - E08M

Tendo sido 01 - E09M

Recuar 01 Em vista da resistência heroica que encontrara por

parte dos habitantes da pequena cidade

E09M

Rumara 01 - E10M

Viria 01 - E10M

Locupletar 01 - E10M

Incendiando 01 - E11M

Prosseguindo 01 - E11M

Encontrou 02 Sem nenhuma resistência. Não

E12M E21M

Cometeu 01 Como sói fazê-lo por onde passa

E14M

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...144

Queimou 01 - E15M

Arrebentou 01 - E16M

Violou 01 - E16M

Quebrando 01 - E16M

Roubando 01 - E16M

Matou 01 - E17M

Aproximando 01 - E24M

Destaca 01 - E24M

Ataca 01 - E24M

Ruma 01 - E25M

Corta 01 - E26M

Avança 01 - E26M

Chega 01 - E26M

Saqueia 01 - E27M

Rouba 01 - E27M

Depreda 01 - E27M

Incendeia 01 - E27M

Mata 01 - E27M

Violenta 01 - E27M

Pratica 01 - E27M

Sacia 01 - E27M

Desce 01 Vagarosamente E28M

Começa 01 - E28M

Manda 01 - E29M

Rumava 01 - E34M

Havia entrado 01 - E48M

Era 01 - E48M

Tem 01 - E56M

Conduz 01 - E56M Quadro 24: Predicados e termos circunstantes que constroem a representação discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense. Fonte: Autor.

Esse conjunto de processos verbais compreende, principalmente, ações

praticadas pelo grupo de cangaceiros de Lampião, acionado como agente dessas

ações verbais. Os verbos encontram-se, principalmente, no tempo presente do

modo indicativo e no pretérito mais-que-perfeito do indicativo, o que revela a

concretude das ações. O número de plural no verbo atacam justifica-se pelo fato

deste verbo acionar como argumento na função de agente tanto o grupo de

cangaceiros quanto o próprio Lampião – sujeito composto. As formas verbais que se

encontram no gerúndio indicam ações contínuas, processos verbais não finalizados,

descritos nas narrativas presentes na notícia como ações que estavam em

andamento.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...145

O fato de quase todos os verbos estarem no singular assinala a unidade da

noção de grupo. As ações sugeridas pelos verbos, mesmo estando no singular,

dizem respeito a atitudes praticadas pelo grupo de cangaceiros como um todo. Não

se configura, nesse caso, um sujeito sintático composto, mas semanticamente é

possível verificar a pluralidade da palavra grupo. Trata-se de vários agentes (vários

cangaceiros) que mantêm entre si uma unidade, fundada, principalmente, nos

objetivos a que se propõem. Isso constrói uma identidade para o grupo e, portanto,

reforça a própria representação discursiva de grupo.

As ações expressas nos verbos corroboram as designações atribuídas ao

grupo de cangaceiros nos referentes anteriormente apresentados. Os verbos

atacam, atacar, atacar, saquear, incendiando, queimou, violou, roubando, matou,

depreda, incendeia, violenta, sacia, dentre muitos outros, correspondem aos atos

criminosos praticados pelo grupo de cangaceiros de Lampião. São práticas vistas

pela sociedade como desviantes, porque infringem os direitos de outrem e colocam

sua integridade em risco. Favorecem, pois, a construção de representações

discursivas negativas para o grupo de cangaceiros de Lampião, conforme

verificamos anteriormente: grupo sinistro, grupo famanaz, famigerado grupo.

Os termos circunstantes, que atribuem circunstâncias de causa e modo,

modificam alguns desses verbos – recuar, encontrou e cometeu – apontam para a

construção de representações discursivas positivas (resistência heroica) para os

habitantes da cidade de Mossoró e reforçam a descrição de atitudes aparentemente

covardes por parte do grupo: a invasão ao povoado de São Sebastião, mesmo que

este não tenha esboçado nenhuma resistência. Além disso, demonstram serem as

atitudes do grupo práticas constantes nos diversos lugares por onde passam: como

sói fazê-lo por onde passa.

c) Localização espacial e temporal

No quadro a seguir, apresentamos os locativos que situam espacialmente os

lugares onde se desenvolveram os processos verbais praticados pelo grupo de

cangaceiros de Lampião:

Locativo espacial Número de ocorrência

Código

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...146

Mossoró 03 E02M E10M E25M

O Nordeste brasileiro e o pacato território do Rio Grande do Norte

01 E06M

A vizinha cidade do Apodi 01 E08M

A pequena cidade 01 E09M

A povoação de São Sebastião 01 E09M

Deste município 01 E10M

Dali 01 E10M

O pequeno povoado de São Sebastião

01 E12M

Onde 02 E12M E26M

No aparelho telegráfico 01 E13M

Esta cidade 01 E13M E24M

O pequeno povoado 01 E14M

A Estrada de Ferro de Mossoró 01 E15M

A estação da Estrada 01 E16M

Nas proximidades deste povoado 01 E17M

Apodi 01 E24M

Caraúbas 01 E26M

São Sebastião 01 E26M

Aí 01 E26M

O Jaguaribe 01 E34M

Limoeiro, no Estado do Ceará 01 E34M

O lado do cemitério 01 E48M Quadro 25: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense. Fonte: Autor.

Os locativos espaciais, além de situar geograficamente as ações realizadas

pelo grupo de cangaceiros, constroem também a cenografia dos espaços por eles

percorridos. É possível verificar a ocorrência de nomes de cidades ou regiões

(Mossoró, Apodi, Nordeste), bem como locais específicos, que só podem ser

efetivamente compreendidos quando se considera o co(n)texto da narrativa, como

ocorre em o lado do cemitério ou nas proximidades deste povoado. Os dêiticos dali e

aí e os locativos a pequena cidade, deste município, esta cidade, nas proximidades

deste povoado também só podem ser compreendidos quando se leva em conta o

co(n)texto da notícia, porque são retomadas de outros locativos.

A seguir, apresentamos os locativos que situam no tempo cronológico os

processos verbais desenvolvidos pelo grupo de cangaceiros:

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...147

Locativo temporal Número de ocorrência

Código

Teve lugar de 23 para 24 horas 01 E12M

A última hora 01 E13M

23 para 24 horas do dia 12 01 E26M

Ao meio dia de 13 01 E28M

Pela manhã de terça-feira 01 E34M Quadro 26: Locativos espaciais que constroem a representação discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião. Fonte: Autor.

São locativos que situam com exatidão o tempo em que as ações se

desenvolveram. Permitem-nos compreender a ordem cronológica e sequencial de

concretização das ações verbais. Os locativos teve lugar de 23 para 24 horas e 23

para 24 horas do dia 12 dizem respeito ao momento exato do assalto do grupo de

Lampião ao povoado de São Sebastião – àquela época, pertencente ao município

de Apodi – atividade que antecedeu o assalto à cidade de Mossoró, quase uma

espécie de prenúncio da empreitada futura. O locativo ao meio dia de treze situa o

momento em que o grupo começa a ser avistado nas localidades próximas a

Mossoró, quando Lampião decide enviar um bilhete ao coronel Rodolfo Fernandes,

como forma de ameaça ou mesmo de aviso prévio do assalto à cidade. O locativo a

última hora refere-se aos últimos momentos antes da invasão do grupo a cidade,

anunciados pelo aparelho telegráfico da cidade. Finalmente, o locativo pela manhã

de terça-feira compreende o momento em que grupo foge de Mossoró, devido à

resistência encontrada, com destino a Limoeiro, no estado do Ceará.

Como se pode perceber, os locativos espaciais e temporais contribuem de

forma significativa para a construção da representação discursiva de grupo para os

cangaceiros de Lampião, porque situam as ações por eles desenvolvidas em espaço

e tempo definidos. São fundamentais, portanto, para a compreensão do discurso –

e, consequentemente, do acontecimento – materializado no texto da notícia.

d) Conexão

A operação semântica de conexão é evidenciada nos conectivos

apresentados no quadro a seguir. Esses conectivos estabelecem relações entre

enunciados ou partes de enunciados em que se evidenciam a representação

discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião. Nesse sentido, podemos

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...148

afirmar que contribuem para a construção da representação discursiva de grupo,

porque acionam os elos entre os enunciados que evidenciam essa representação.

Conectivos Número de ocorrência

Código

E

12

E02M E06M E08M E10M E15M E16M E26M E27M E28M E56M

Que 07 E06M E09M E13M E24M E48M E56M

Em vista de 01 E09M

Em seguida 01 E11M

Então 01 E11M

Entretanto 01 E13M Quadro 27: Conetivos que favorecem a construção da representação discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense. Fonte: Autor.

As relações estabelecidas a partir dos conectores acima apresentados são de

diversos tipos: adição (e), adversidade (entretanto), conclusão (então),

consequência (em vista de), dentre outros. Além dessas conjunções, convém

considerar também o organizador sequencial em seguida, o pronome relativo que e

a conjunção coordenativa que. Todos esses conectores estabelecem ligações entre

os enunciados e permitem a progressão do texto, conferindo-lhe sentido. São,

portanto, essenciais à construção de representações discursivas.

e) Analogia

No que se refere à operação semântica de construção de representação

discursiva de analogia, é interessante apontar a metáfora estabelecida com o

referente hunos da nova espécie em E08M, já comentada em tópico anterior,

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...149

quando tratamos sobre as nominalizações que designam o referente grupo. Esse

referente estabelece uma analogia entre os cangaceiros de Lampião e os antigos

hunos, povos bárbaros caracterizados pela agilidade em guerra.

6.1.1.2 Bando

No conjunto de enunciados exibidos abaixo é possível examinar a construção

da representação discursiva de bando para os cangaceiros de Lampião,

considerando, principalmente, as operações semânticas de referenciação e de

predicação:

O itinerário do bando (E18M). [Jararaca] Disse que o bando que atacou Mossoró vinha dirigido por Lampião (E47M). [Jararaca] Disse ainda que quando havia entrado para o bando de Lampião, chefiava um grupo de oito bandidos (E59M). [Jararaca disse] que a vida de bandido era muito ruim, mas que sempre procurou evitar atos mais de seus companheiros, pois teve educação e era muito respeitado, no bando (E67M). [Jararaca] Disse ainda que em S. Sebastião havia o bando ateado fogo em 2 carros da Estrada de Ferro (E68M).

a) Referenciação e modificadores

Considerando a operação semântica de referenciação, a representação

discursiva de bando é construída a partir do emprego do referente o bando nos

enunciados E18M, E47M, E67M e E68M e do referente o bando de Lampião em

E59M. Em geral, o substantivo bando descreve um grupo de pessoas que andam

acompanhadas e possuem pensamentos muito parecidos, tendo em vista um fim

comum ou mesmo similar. Esse conceito aplica-se adequadamente aos cangaceiros

que andavam com Lampião: além de andarem em grupo (como visto no tópico

anterior), compartilhavam interesses e intensões – mesmo que fossem os interesses

do chefe do cangaço. Ora, por isso o emprego do substantivo bando para designar

os cangaceiros.

O referente bando é modificado por locuções adjetivas (de Lampião) ou

proposições de valor adjetivo (que atacou Mossoró vinha dirigido por Lampião) que

estabelecem relação de pertencimento ao cangaceiro Lampião. Assim, a identidade

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...150

do bando se constrói a partir da associação que é estabelecida entre este e

Lampião.

Interessante apontar que os enunciados E47M, E59M, E67M e E68M

representam o ponto de vista do cangaceiro Jararaca, porque compreendem, na

verdade, a reprodução literal de trechos de uma entrevista concedida por este

cangaceiro logo depois de ser preso quando foi atingido no ataque à cidade de

Mossoró.

b) Predicação

A predicação que contribui para a construção da representação discursiva de

bando para os cangaceiros de Lampião compreende os seguintes verbos: atacou

(E47M), vinha dirigido (E47M) e ateado (E68M). Os verbos atacou e ateado

apresentam traços perfectivos (o que indica a concretude da execução das ações) e

acionam o bando como agente das ações expressas. A locução verbal vinha dirigido

aciona Lampião como agente da passiva e corrobora a relação de pertencimento do

bando aquele cangaceiro. Reforça a construção da representação discursiva de

bando porque sugere que todos estavam juntos, sendo guiados pelos interesses de

Lampião.

6.1.1.2 Bandidos

A representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião se

constrói nos enunciados abaixo apresentados, tendo em vista, principalmente, as

operações de referenciação e predicação:

Investem os bandidos as primeiras trincheiras, ladeiam, cortam caminho, surgem ao lado da estação da Estrada de Ferro (E31M). [Os bandidos] entram no prédio da União de Artistas e se entrincheiram, aparecem a margem do rio, defendida pela trincheira da barragem (E32M). Os bandidos recuam e voltam a carga e repelidos novamente se retiram para o seu acampamento, deixando morto o bandido Colchete e vários feridos (E33M).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...151

a) Referenciação

Os cangaceiros de Lampião são designados de bandidos a partir do emprego

do referente os bandidos em E31M, E32M (referente elíptico) e E33M. Apesar dos

cangaceiros não se identificarem com a nomeação de bandidos, preferindo a

nomenclatura cangaceiros, a designação acontece, principalmente, em função da

semelhança entre as práticas dos cangaceiros de Lampião e dos demais bandidos

que assolavam a região àquela época, conforme se percebe no tópico a seguir,

quando analisamos as predicações dos enunciados acima.

b) Predicação

Considerando o conjunto de enunciados antes apresentados, a operação de

predicação compreende os seguintes processos verbais:

Predicação Número de

ocorrência

Termo Circunstante Código

Investem 01 - E31M

Ladeiam 01 - E31M

Cortam 01 - E31M

Surgem 01 - E31M

Entram 01 - E32M

Estrincheiram 01 - E32M

Aparecem 01 - E32M

Recuam 01 - E33M

Voltam 01 - E33M

Retiram 01 - E33M Quadro 28: Predicados e termos circunstantes que constroem a representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia de jornal O Mossoroense. Fonte: Autor.

Os verbos acima expostos acionam o referente os bandidos como agente das

proposições – como mostra, inclusive, a concordância de número. Os processos

verbais descrevem o trânsito dos bandidos durante o assalto à cidade de Mossoró

(ladeiam, cortam, surgem, entram, entrincheiram, aparecem, recuam, voltam,

retiram), enfatizando, principalmente, os momentos de entrada e de saída da cidade.

São, pois, verbos que indicam ou sugerem os movimentos realizados pelos

bandidos, descritos quase que cronologicamente conforme as ações iam

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...152

acontecendo. Além disso, sugerem, também, práticas comumente realizadas por

sujeitos considerados como bandidos, pelo fato de serem desenvolvidas de forma

mascarada, como se estivessem à espreita, se escondendo de alguém (ladeiam,

estrincheiram).

6.1.1.3 Companheiros

Ainda encontramos na notícia do jornal O Mossoroense a representação

discursiva de companheiros, construída nos dois enunciados abaixo:

Traiçoeiro, insidioso, talvez se refazendo porque, tendo chegado aqui com 53 companheiros, saiu com 48 (E36M). [Jararaca disse] que a vida de bandido era muito ruim, mas que sempre procurou evitar atos mais de seus companheiros, pois teve educação e era muito respeitado, no bando (E67M).

a) Referenciação

O referente companheiros é utilizado nos enunciados E36M e E67M para

designar os cangaceiros que acompanhavam e seguiam Lampião. Os cangaceiros

eram fieis ao chefe do cangaço e o seguiam por todos os lugares por onde andava,

cumprindo suas ordens e seus mandos. Por isso, são aqui designados como

companheiros de Lampião. Apesar de companheiro sugerir uma qualidade positiva,

porque diz respeito àquele que é fiel a alguém, parece adquirir outra conotação no

texto da notícia, porque é associado a Lampião. Para este, como já foi visto, são

construídas representações negativas, designado em E36M como traiçoeiro e

insidioso.

6.1.1.4 Matilha

No enunciado apresentado a seguir, verificamos ainda a construção da

representação discursiva de matilha para os cangaceiros de Lampião:

A fuga precipitada da matilha sanguinária em demanda do Ceará

(E05M).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...153

a) Analogia

A representação discursiva de matilha se constrói a partir da operação

semântica de analogia, instaurada com base no emprego do referente matilha

sanguinária. O substantivo matilha é comumente empregado para descrever o

coletivo de cães. No enunciado acima, o termo é utilizado metaforicamente para

estabelecer uma comparação entre os cangaceiros de Lampião e esses animais:

andar em grupo, fazer barulho (os cangaceiros invadiram a cidade de Mossoró

cantando a música Mulher Rendeira e gritando impropérios) e praticar atos violentos.

A comparação é intensificada no enunciado E27M, quando afirma que o grupo de

cangaceiros de Lampião havia praticado atos que saciavam seus instintos de

selvagens. Os cangaceiros são, pois, aqui, comparados com animais violentos e

selvagens.

6.1.2 Representações discursivas do bando de cangaceiros de Lampião em notícia

do jornal Correio do Povo

Na notícia do jornal Correio do Povo, são construídas várias representações

discursivas para os cangaceiros de Lampião: grupo, bandidos, bandoleiros,

cangaceiros, facínoras e horda assaltante. Algumas delas, conforme se pode

perceber, compreendem as mesmas representações anteriormente apresentadas,

de quando analisamos a notícia do jornal O Mossoroense. No entanto, os elementos

linguísticos que assinalam essas representações são diferentes, de maneira que

convém analisá-las e considerar as formas como são construídas, tendo em vista as

operações de análise já apresentadas.

6.1.2.1 Grupo

A representação discursiva de grupo na notícia do jornal Correio do Povo se

constrói nos enunciados abaixo apresentados:

O maior grupo de cangaceiros do Nordeste assalta nossa cidade, sendo destroçado após 4 horas de renhida luta! (E02CP).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...154

Domingo, 12 do corrente, muito cedo, soube-se que um numeroso grupo de cangaceiros, chefiado por Lampião estava atacando Apodi, que resistia (E10CP). De dez para onze horas da noite, já o grupo se apoderava de São Sebastião (E52CP). É natural de Buíque (Pernambuco) foi soldado do exército de 920 a 926, dando baixa voltou ao seu Estado onde se aliou ao grupo de cangaceiros chefiados por Virgolino Ferreira (Lampião) há mais de um ano, tendo tomado parte nos ataques de vilas, povoados e fazendas de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Alagoas (E11CP). No comêço de maio p. findo, Lampião reuniu o seu grupo em Pajeú (Pernambuco), para vir atacar e saquear a cidade de Mossoró, influenciado por Benevides Massilon Leite, cangaceiro de confiança do grupo (E53CP). No itinerário que fizera até aqui, atacaram um lugar chamado Belém, na Paraíba, onde foram repelidos, não tendo continuado a atacar para não desfalcar a munição, no dia seguinte saquearam duas fazendas no município de Luis Gomes, onde, sem resistência, prenderam dois velhos que traziam como reféns, distante daquele sete léguas, roubando, depredando e incendiando (E54CP). Daí continuaram rumando a Mossoró e ao passarem na fazenda Jurema, fizeram roubos e queimaram tudo (E56CP). Deram fogo em Apodi, mas desistiram do ataque para não estragarem munições e chegando no lugar Brejo do Apodi encontraram um automóvel conduzindo um senhor de nome Antonio Gurgel que vinha de Mossoró, cujo senhor trazem prêso e, segundo a firma Lampião, só será sôlto mediante um resgate de 21 contos de réis (E57CP). Ao passarem, domingo, no povoado São Sebastião, não encontrando resistência, queimaram um caminhão e um automóvel saqueando algumas bodegas (E58CP). Atravessaram a ponte e avançaram ficando êle Jararaca em companhia de Sabino Leite, imediato de Lampião. Avançaram pelo lado de baixo para atacar a Estação da Estrada de Ferro (E62CP). O grupo que veio atacar esta cidade é composto de 53 homens, e não recebem nenhuma remuneração de Lampião, fazendo cada qual o que pode nas ocasiões de saques (E64CP). O grupo vinha armado por 44 fuzis mauser, 9 rifles e 15.000 cartuchos, distribuídos até o numero de 400 cada um, sendo êste número pelos mais ALENTADOS (valentes) (E66CP). Declarou que o indivíduo Massilon Leite é o mesmo que assaltou Apodi, em 10 de maio, e que juntou-se ao grupo de Lampião depois dêsse assalto, acompanhado de dois homens José Roque e José Côco, levando 6 fuzis e pequena quantidade de munição que adquiriu nesse assalto (E67CP). Lampião e seu grupo, em Limoeiro (Ceará) foi recebido com festas, havendo banquetes, bailes, etc (E72CP).

a) Referenciação e modificadores

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...155

Os referentes e modificadores que categorizam os cangaceiros de Lampião

como grupo estão apresentados no quadro seguinte:

Referente (Categorização)

Número de

ocorrência

Modificador Código

O maior grupo de cangaceiros do

Nordeste

01 - E02CP

Um numeroso grupo de cangaceiros

01 Chefiado por Lampião E10CP

O grupo 03

- E52CP E64CP E66CP

O grupo de cangaceiros

01 Chefiados por Virgolino Ferreira (Lampião)

E11CP

Grupo 02 - E53CP E72CP

O grupo de Lampião 01 - E67CP Quadro 29: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo. Fonte: Autor.

A representação discursiva se constrói, principalmente, em função do

emprego do referente grupo, modificado por expressões de valor adjetivo que

especificam, caracterizam ou delimitam o referente. O referente o maior grupo de

cangaceiros do Nordeste destaca a grandeza e o reconhecimento que tinham o

grupo de cangaceiros de Lampião. Além de ser conhecido pela sua atuação em

diversas localidades do Nordeste do Brasil, o grupo também se destaca pelo grande

número de cangaceiros que tinha como componentes, conforme se percebe no

referente um numeroso número de cangaceiros ou ainda no enunciado E71CP, que

indica ter o grupo mais de cinquenta cangaceiros.

Os modificadores especificadores chefiado por Lampião e chefiados por

Virgolino Ferreira (Lampião), identificados em E10CP e E11CP, corroboram e

intensificam a relação de pertencimento existente entre o grupo de cangaceiros e o

chefe Lampião. Funcionam como modificadores especificadores porque restringem

ou especificam os referentes, contribuindo para a construção dos significados

(BECHARA, 2009). Desse modo, a representação discursiva de grupo se constrói

nessa relação estabelecida entre os cangaceiros e Lampião como chefe do

cangaço.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...156

b) Predicação e termos circunstantes

Os processos verbais e os termos circunstantes abaixo indicados

compreendem os verbos (e os modificadores desses verbos, respectivamente) das

proposições-enunciados em que se constroem representações discursivas para os

cangaceiros de Lampião como grupo:

Predicação Número de

ocorrência

Termo Circunstante Código

Assalta 01 - E02CP

Estava atacando 01 - E10CP

Apoderava 01 - E52CP

Vir atacar 01 - E53CP

Saquear 01 - E53CP

Atacaram 01 - E54CP

Foram 01 - E54CP

Tendo continuado 01 Não E54CP

Atacar 02 Não E54CP E62CP

Desfalcar 01 Não E54CP

Saquearam 01 - E54CP

Prenderam 01 - E54CP

Roubando 01 - E54CP

Depredando 01 - E54CP

Incendiando 01 - E54CP

Continuaram rumando 01 - E56CP

Passarem 01 - E56CP

Fizeram 01 - E56CP

Queimaram 02 - E56CP E58CP

Deram 01 - E57CP

Desistiram 01 - E57CP

Estragarem 01 Não E57CP

Chegando 01 - E57CP

Encontraram 01 - E57CP

Passarem 01 - E58CP

Encontrando 01 Não E58CP

Saqueando 01 - E58CP

Atravessaram 01 - E62CP

Avançaram 01 - E62CP

Veio atacar 01 - E64CP

É 01 - E64CP

Recebem 01 Não E64CP

Vinha 01 - E66CP

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...157

Foi recebido 01 - E72CP Quadro 30: Predicação e termos circunstantes que constroem a representação discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo. Fonte: Autor.

O conjunto dos verbos que operam junto ao referente grupo constrói uma

cadeia semântica de ações praticadas que se associam à representação discursiva

de grupo de cangaceiros: assalta, apoderava, saquear, atacar, desfalcar, roubando,

depredando, incendiando, queimaram, dentre outros. Esses e outros verbos

compreendem ações de vandalismo que eram praticadas pelos cangaceiros nas

empreitadas pelo sertão nordestino. Alguns dos verbos aparecem no plural porque

acionam o grupo de cangaceiros e o chefe Lampião como agentes da ação verbal

ou porque estabelecem concordância semântica com o referente grupo de

cangaceiros. A maioria dos verbos encontra-se no tempo pretérito, o que indica a

concretude das ações.

O termo circunstante não indica circunstância de negação e é empregado,

principalmente, para descrever decisões tomadas pelos cangaceiros para evitar

perda de munição em uso desnecessário (E54CP e E57CP), para indicar a falta de

resistência ao ataque empreendido no município de Luis Gomes (E58CP) e para

afirmar que os cangaceiros não recebem propina ou qualquer outra espécie de

pagamento do chefe Lampião (E64CP) – o que revela a fidelidade dos cangaceiros.

c) Localização espacial e temporal

Os locativos espaciais compreendem os espaços onde se desenvolveram os

processos verbais praticados que acionam o grupo dos cangaceiros de Lampião

como agente:

Locativo espacial Número de ocorrência

Código

Nossa cidade 01 E02CP

Apodi 03 E10CP E57CP E67CP

São Sebastião 01 E52CP

Vilas, povoados e fazendas de Pernambuco, Paraíba, Ceará e

Alagoas

01 E11CP

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...158

Pajeú (Pernambuco) 01 E53CP

A cidade de Mossoró 01 E43CP

Belém, na Paraíba 01 E54CP

Onde 02 E54CP

Duas fazendas do município de Luís Gomes

01 E54CP

Mossoró 02 E56CP E57CP

A fazenda Jurema 01 E56CP

O lugar de Brejo do Apodi 01 E57CP

O povoado de São Sebastião 01 E58CP

Algumas bodegas 01 E58CP

A ponte 01 E62CP

O lado de baixo 01 E62CP

A Estação da Estrada de Ferro 01 E62CP

Esta cidade 01 E64CP

Limoeiro (Ceará) 01 E72CP Quadro 31: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo. Fonte: Autor.

São locativos que descrevem os lugares por onde passou o grupo de

cangaceiros de Lampião antes, durante e depois do assalto à cidade de Mossoró.

Os locativos Apodi e Mossoró são os mais recorrentes, porque compreendem

localidades de interesse dos cangaceiros. O ataque a Apodi foi estratégico: serviu

tanto de prenúncio para o ataque posterior (a Mossoró), como também foi uma

maneira do grupo de cangaceiros avaliarem sua força e agilidade diante de uma

cidade de população relativamente grande.

Os locativos temporais que auxiliam na construção da representação

discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião, na notícia do jornal Correio do

Povo, estão apresentados a seguir:

Locativo temporal Número de ocorrência

Código

Após 4 horas 01 E02CP

Domingo, 12 do corrente, muito cedo 01 E10CP

De dez para onze horas da noite 01 E52CP

No começo de maio p. findo 01 E53CP

No dia seguinte 01 E54CP

Domingo 01 E58CP

Em 10 de maio 01 E67CP Quadro 32: Locativos temporais que favorecem a construção da representação discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo. Fonte: Autor.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...159

Esses locativos situam no tempo as ações praticadas pelo grupo de

cangaceiros de Lampião. Compreendem unidades de medida de tempo: horas, dias

e mês. Essas unidades correspondem aos momentos exatos em que o grupo de

cangaceiros planeja o ataque a Mossoró (no começo de maio p. findo), chega a

Apodi (domingo, 12, do corrente, muito cedo), a invasão ao povoado de São

Sebastião (de dez para onze horas da noite, domingo) e o assalto a Mossoró (após

4 horas). Esse conjunto de informações sugere que o grupo tinha um itinerário

organizado, suas ações eram planejadas e calculadas, tendo em vista o objetivo

maior e audaz, o ataque à cidade de Mossoró. Como se percebe, várias outras

empreitadas foram realizadas pelo grupo anteriormente ao ataque principal, como

forma de incitar temor e medo a população de Mossoró – conforme comprova o

bilhete escrito por Lampião e enviado ao coronel Rodolfo Fernandes, prefeito da

cidade.

6.1.2.2 Bandidos

A representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião é

construída nos enunciados abaixo:

Os bandidos são chefiados por Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca (E03CP). A nossa ordeira, pacata, laboriosa e nobre cidade foi atacada e assediada pelo maior número de bandidos do Nordeste, sob a chefia de Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca, chefes de cangaceiros que se coligaram para levar a efeito a empreitada terrível e sinistra de saquear Mossoró, a mais opulenta e rica cidade do Rio Grande do Norte (E05CP). A imensa fama de riqueza aqui acumulada e o seu amor ao trabalho, à paz e a ordem despertaram, no espírito de feras daqueles bandidos apetites vorazes de saque e de sangue (E06CP). A aproximação dos bandidos (E13CP). Segunda-feira, 13 do corrente, sabe-se, com certeza, que os bandidos se aproximavam daqui, estando a poucos quilômetros (E15CP). Os bandidos penetraram na cidade pelo Alto da Conceição, de pé, tendo deixado os cavalos em cercado do outro lado do rio (E22CP). [Os bandidos] Dividiram-se em dois grupos que atacaram simultaneamente a Estação da Estrada de Ferro, o Palacete do Prefeito e a Igreja de São Vicente (E23CP). [Os bandidos] Avançaram afoitamente agachados pelo chão atirando e cantando MULHER RENDEIRA, versos elogiosos a Lampião (E24CP).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...160

Mas ou menos depois de meia hora de fogo, puderam alguns bandidos aproximar-se do palacete do Prfeito, tentando tomar de assalto (E25CP). [Alguns bandidos] Corriam encostados ao muro da casa Alfredo Fernandes ao lado da Praça São Vicente, expondo-se ao cerrado tiroteio das trincheiras da tôrre da Igreja São Vicente, do palacete do Prfeito e do calçamento da Praça 6 de Janeiro (E26CP). O portão da garage do Cel. Rodolfo Fernandes quase que é arrombado, tendo sido o Prédio da União de Artistas violado, permanecendo muitos bandidos entrincheirados, hostilizando a trincheira da Estação da Estrada de Ferro Mossoró (E27CP). Em meio da porfiada peleja, os rapazes que tiroteiavam os bandidos da tôrre de São Vicente, deram sinal de que um cangaceiro fora atingido, caindo na travessa São Vicente ao pé do muro Alfredo Fernandes (E29CP). Ao amanhecer de terça-feira começaram a circular notícias positivas do rumo que tomaram os bandidos (E42CP). Os bandidos ainda conduziam o Major Antonio Gurgel, do Brejo do Apodi, e outras pessoas do interior do nosso Estado (E48CP). Diversos bandidos feridos (E69CP). A última hora as autoridades daqui souberam positivamente que no combate de segunda-feira saíram oito bandidos feridos (E70CP). Prova essa asserção ter Lampião penetrado aqui com 53 bandidos e haver saído com 43 como constaram os despachos recebidos de Limoeiro (E71CP).

a) Referenciação e modificadores

Os referentes que categorizam os cangaceiros de Lampião como bandidos

estão identificados no quadro seguinte:

Referente (Categorização)

Número de

ocorrência

Modificador Código

Os bandidos26

06

-

E03CP E13CP E15CP E22CP E42CP E48CP

O maior número de bandidos do Nordeste

01 - E05CP

Aqueles bandidos 01 Apetites vorazes de saque e de sangue

E06CP

Alguns bandidos 01 E25CP

26

Existem mais duas ocorrências elípticas dessa categorização nos enunciados E23CP e E24CP,

colocadas entre colchetes e destacadas em negrito e sublinhado.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...161

Muitos bandidos 01 - E27CP

Os bandidos da tôrre de São Vicente

01 - E29CP

Diversos bandidos 01 Feridos E69CP

Oito bandidos 01 Feridos E70CP

53 bandidos 01 - E71CP Quadro 33: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia de jornal Correio do Povo. Fonte: Autor.

O referente os bandidos é modificado por expressões adjetivas que indicam a

quantidade dos cangaceiros: o maior número, muitos, diversos, 53. Essas

expressões indicam que os bandidos do bando de Lampião andavam em um grupo

relativamente grande, sendo, por isso, considerados como ameaça a qualquer

cidade ou povoado ordeiro – mesmo uma cidade de grande porte, como Mossoró. O

modificador apetites vorazes de saque e de sangue atribui uma característica aos

cangaceiros e contribui para a construção da representação discursiva de bandidos,

porque sugere serem os cangaceiros sujeitos que realizavam saques (assaltos) de

diversos tipos e maltratavam suas vítimas, por vezes até a morte (sangue).

O modificador feridos corresponde aos bandidos que se machucaram de

quando do ataque à cidade de Mossoró, como o cangaceiro Jararaca, por exemplo,

capturado depois de ter sofrido tiros em uma emboscada. A construção da

representação de bandidos feridos exalta a resistência da cidade de Mossoró, que

soube se organizar em trincheiras para lutar vitoriosamente contra os bandidos de

Lampião. Interessante apontar que não há na notícia referência a civis ou populares

feridos da cidade, o que demonstra ter sido o ataque frustrado apenas para os

cangaceiros.

b) Predicação e termos circunstantes

Os seguintes processos verbais acionam o referente os bandidos como

agentes da proposição:

Predicação Número de

ocorrência

Termo Circunstante Código

São 01 - E03CP

Aproximavam 01 - E15CP

Page 164: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · Quadro 16: Conectivos que favorecem a construção da representação discursiva de Lampião como derrotado em notícia do jornal

Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...162

Estando 01 - E15CP

Penetraram 01 - E22CP

Tendo deixado 01 - E22CP

Dividiram 01 - E23CP

Atacaram 01 - E23CP

Avançaram 01 Afoitamente agachados pelo chão

E24CP

Atirando 01 - E24CP

Cantando 01 - E24CP

Puderam 01 - E25CP

Aproximar 01 - E25CP

Tentando tomar 01 - E25CP

Corriam 01 Encostados ao muro da casa Alfredo Fernandes ao lado da Praça São Vicente

E26CP

Expondo 01 - E26CP

Permanecendo 01 - E27CP

Hostilizando 01 - E27CP

Tomaram 01 - E42CP

Conduziam 01 - E48CP

Saíram 01 - E70CP Quadro 34: Predicação e termos circunstantes que constroem a representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo. Fonte: Autor.

Os verbos indicam ações praticadas pelos bandidos e que favorecem a

construção dessa representação discursiva: aproximavam, penetram, dividiram,

atacaram, avançaram, atirando, aproximar, tentando tomar, corriam, hostilizando,

tomaram, conduziam e saíram. Esses são verbos de ação que acionam os bandidos

de Lampião como agentes das proposições verbais e sugerem práticas condizentes

com a representação de bandidos. Os termos circunstantes afoitamente agachados

pelo chão e encostados ao muro da casa Alfredo Fernandes ao lado da Praça São

Vicente atribuem, respectivamente, circunstância de modo e modo-tempo aos

verbos avançavam e corriam. Contribuem para a construção da representação

discursiva de bandidos, porque sugerem as maneiras esdrúxulas pelas quais os

bandidos invadiam as cidades a serem assaltadas.

O verbo de estado são associa o sintagma os bandidos ao predicativo

chefiados por Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca. O predicativo caracteriza o

sujeito os bandidos e estabelece uma relação de pertencimento em relação aos

chefes do cangaço Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca. O verbo cantando sugere

prática costumeira por parte dos bandidos que acompanhavam Lampião: sempre

Page 165: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · Quadro 16: Conectivos que favorecem a construção da representação discursiva de Lampião como derrotado em notícia do jornal

Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...163

assaltavam as cidades cantando a música Mulher Rendeira, como forma de elogiar

o chefe Lampião. Tratava-se, também, de uma forma de identificação dos bandidos

ao bando lampeônico: logo se conheciam os cangaceiros pertencentes a Lampião

porque invadiam as cidades cantando a toada Mulher Rendeira.

c) Localização espacial e temporal

Em relação à operação de localização espacial e temporal, os locativos que

constroem a representação dos cangaceiros de Lampião como bandidos estão

apresentados nos quadros seguintes:

Locativo espacial Número de ocorrência

Código

A nossa ordeira, pacata, laboriosa e nobre cidade

01 E05CP

Mossoró, a mais opulenta e rica cidade do Rio Grande do Norte

01 E05CP

Aqui 02 E06CP E71CP

Daqui 02 E15CP E70CP

A cidade 01 E22CP

O Alto da Conceição 01 E22CP

O cercado do outro lado do rio 01 E22CP

A Estação da Estrada de Ferro, o Palacete do Prefeito e a Igreja de

São Vicente

01 E23CP

O Palacete do Prefeito 01 E25CP

O muro da casa Alfredo Fernandes ao lado da Praça São Vicente

01 E26CP

As trincheiras da tôrre da Igreja São Vicente, do palacete do Prefeito e do

calçamento da Praça 6 de Janeiro

01 E26CP

O portão da garage do Cel. Rodolfo Fernandes

01 E27CP

O Prédio da União de Artistas 01 E27CP

A trincheira da Estação da Estrada de Ferro Mossoró

01 E27CP

A torre São Vicente 01 E29CP

A travessa São Vicente 01 E29CP

O pé do muro Alfredo Fernandes 01 E29CP

O Brejo do Apodi, o interior do nosso Estado

01 E48CP

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...164

Limoeiro 01 E71CP Quadro 35: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo. Fonte: Autor.

Os locativos espaciais mobilizados situam, principalmente, a cidade de

Mossoró como cenário principal do acontecimento narrado, retomada pelos locativos

dêiticos aqui e daqui e, por uma relação metonímica, por outros locativos que situam

pontos específicos estratégicos da cidade. O uso dos dêiticos, por exemplo, revela

os pontos de vista dos enunciadores do texto, porque situam espacialmente o lugar

de onde falam: o jornal ficava situado na cidade de Mossoró e revela, portanto, os

interesses das pessoas daquela cidade e os seus pontos de vista em relação aos

cangaceiros de Lampião. Isso fica evidente quando consideramos o uso dos termos

a nossa ordeira, pacata, laboriosa e nobre cidade (E05CP) e Mossoró, a mais

opulenta e rica cidade do Rio Grande do Norte (E05CP): tanto o uso do pronome

possessivo nossa quanto o emprego de vários termos modificadores que qualificam

a cidade de forma positiva reforçam a interpretação de que os locativos espaciais

revelam os pontos de vista dos enunciadores.

Os locativos temporais presentes nos enunciados que constroem a

representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião estão

apresentados a seguir:

Locativo temporal Número de ocorrência

Código

Segunda-feira, 13 do corrente 01 E15CP

Mais ou menos depois de meia hora de fogo

01 E25CP

Ao amanhecer de terça-feira 01 E42CP

A última hora 01 E70CP

Segunda-feira 01 E70CP Quadro 36: Locativos temporais que favorecem a construção da representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo. Fonte: Autor.

Esse conjunto de locativos temporais compreende momentos específicos e

centrais do assalto dos cangaceiros de Lampião à cidade de Mossoró: indicam o

início do ataque (segunda-feira, 13 do corrente, segunda-feira), situam ações que se

desenvolvem durante o ataque (mais ou menos depois de meia hora de fogo) e

depois do ataque (ao amanhecer de terça-feira e a última hora). Assim, entendemos

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...165

que esses locativos situam no tempo as ações praticadas pelos cangaceiros de

Lampião – representados aqui como bandidos – considerando, principalmente, o

episódio do assalto realizado a Mossoró.

6.1.2.3 Bandoleiros

A representação discursiva de bandoleiros se constrói, principalmente, nos

enunciados abaixo identificados:

Êsse movimento aumentou na proporção da aproximação dos bandoleiros (E12CP). Depois de mais de uma hora de pesado bombardeio os bandoleiros recuaram cessando fogo apesar de duramente hostilizados pelos defensores da cidade (E38CP).

a) Referenciação

Os cangaceiros são designados nos enunciados acima a partir do emprego

do referente os bandoleiros. Esse referente é mobilizado em razão dos cangaceiros

não fixarem moradia em nenhum lugar específico, mas, assim como faziam as tribos

nômades, dirigiam-se de um lugar para outro, em busca de cidades ou regiões

fáceis de serem assaltadas. O referente também se associa com a nominalização o

bando, para designar os componentes do bando de cangaceiros chefiados por

Lampião: bandoleiros, designa, portanto, os sujeitos que andavam em bando, como

ocorria com os cangaceiros.

b) Predicação

No que diz respeito à operação semântica de predicação, observamos que,

nos dois enunciados apresentados, o referente os bandoleiros aparece como agente

da passiva (E12CP) e como agente do processo verbal recuaram (E38CP). Esses

processos verbais indicam, no primeiro caso, a aproximação dos bandoleiros à

cidade de Mossoró, de quando do início do assalto, e, no segundo, o instante em

que os bandoleiros tiveram de recuar, em razão da resistência dos defensores da

cidade. Os verbos sugerem, pois, dois movimentos importantes: aproximação e

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...166

afastamento dos bandoleiros. Esses dois movimentos expressos pelos processos

verbais caracterizam a própria designação de bandoleiros, porque sempre estavam

indo de um lugar para outro, sem a pretensão de consolidar residência em nenhum

local.

6.1.2.4 Facínoras

Os enunciados seguintes evidenciam a construção da representação

discursiva de facínoras para os cangaceiros do bando de Lampião.

As 12 horas da noite, os facínoras voltaram a atividade a atacar novamente as nossas fortificações em grande descargas de fuzilaria (E39CP). Mas não se afoitaram a tentar escalar as trincheiras como pretenderam no primeiro combate. Atiravam de longe com intermitências (E40CP). Pelas 3 horas da madrugada de terça-feira 14 do corrente, deram os facínoras os últimos disparos contra Mossoró (E41CP). Na Estação da Estrada de Ferro de Mossoró – Essa trincheira salvou grandemente a situação impedindo o avanço dos facínoras (E49CP).

a) Referenciação

Considerando a operação semântica de referenciação, dizemos que a

representação discursiva de facínoras se constrói a partir do emprego do referente

os facínoras, nos enunciados acima apresentados. Esse referente constrói

representação discursiva negativa para os cangaceiros de Lampião, porque designa

sujeitos conhecidos pela perversidade ou crueldade dos crimes cometidos.

b) Predicação

Os verbos voltaram, atacar, afoitaram, tentar escalar e atiravam

compreendem os processos verbais que acionam o referente os facínoras como

agente das proposições. Esses verbos apontam ações praticadas (ou não, a

depender do termo circunstante, conforme veremos a seguir) pelos cangaceiros de

quando do ataque a Mossoró. Os verbos voltaram e atacar, modificados pelo termo

circunstante novamente (que indica circunstância de modo), e o verbo deram

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...167

descrevem uma nova tentativa de ataque dos cangaceiros à cidade de Mossoró,

depois de terem sido inicialmente recebidos por civis e militares armados. No

entanto, a segunda tentativa foi realizada com cautela, conforme demonstram os

verbos afoitaram e tentar escalar, modificados pelo termo circunstante não

(indicador de circunstância de negação), e o verno atiravam, modificado pelo termo

circunstante de longe com intermitências (indicador de modo).

6.1.2.5 Horda assaltante

A representação discursiva de horda assaltante é evidenciada no enunciado

seguinte:

Ao seu lado, vimos os Majores Julio Maia, José de Oliveira Costa, José Martins Fernandes e grande número de cavalheiros de representação a despejar a fuzilaria contra a horda assaltante (E49CP).

a) Analogia

No enunciado acima é estabelecida uma analogia entre o referente horda

assaltante, que designa os cangaceiros de Lampião, e tribos nômades francesas

identificadas como hordas. Essas tribos eram, na verdade, grupos de aventureiros

conhecidos por praticarem atos indisciplinados e por invadirem cidades em busca de

dinheiro, alimento e outros bens de valor. Os cangaceiros de Lampião são, pois,

comparados aos membros dessas tribos, tendo em vista a semelhança entre as

atividades praticadas por ambos.

6.1.3 Representações discursivas do bando de cangaceiros de Lampião em notícia

do jornal O Nordeste

Na notícia publicada pelo jornal O Nordeste são construídas as seguintes

representações discursivas para o bando de cangaceiros de Lampião: grupo,

bandidos, bando, feras e selvagens. Essas representações são evidenciadas,

principalmente, nos conjuntos de enunciados abaixo identificados. Como se pode

perceber, mais uma vez, algumas delas se repetem, considerando as

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...168

representações analisadas, o que revela uma simetria entre os pontos de vista dos

enunciadores das três notícias. No entanto, os elementos linguísticos responsáveis

por assinalar essas representações são marcados por especificidades distintas na

notícia do jornal O Nordeste e, por isso, devem ser considerados nesta análise.

6.1.3.1 Grupo

A representação discursiva de grupo é construída nos seguintes enunciados

da notícia do jornal O Nordeste:

O bandido lampião e seu grupo (E01N). [Lampião] divide-se nas alturas do Apodi, força um pequeno grupo esta cidade e o outro se dirige para aqui, visando aquele ataque a Apodi nos tranquilizar quanto à aproximação dos canibais (E07N). Sabino Gomes – 1º Tenente. “13 de junho de 1927 – Meu caro Rodolfo Fernandes. Desde ontem estou aprisionado do grupo de Lampião o qual está aqui aquartelado aqui bem perto da cidade, manda porem um acôrdo para não atacar mediante a soma de quatrocentos contos de réis - ... 400.000$000. Posso adiantar sem receio que o grupo é numeroso, cerca de 150 homens bem equipados e munidos a farta. Creio que seria de bom alvitre você mandar um parlamentar até aqui que me disse o próprio Lampião seria bem recebido. Para evitar o pânico e o derramamento de sangue, penso que o sacrifico compensa, tanto que êle promete não voltar mais a Mossoró. Diga sem falta ao Jaime que os 21 contos que pedi ôntem para o meu resgate não chegaram até aqui e se vieram o portador se desencontrou, assim peço por vida de Iolanda para mandar o cobre por uma pessoa de confiança para salvar a vida do pobre velho. Devo adiantar que todo o grupo me tem tratado com muita deferência, mas eu bem avalio o risco que estou correndo. Creia no meu respeito. Antonio Gurgel do Amaral” (E46N).

a) Referenciação e modificadores

Os referentes e os modificadores que categorizam o bando de Lampião como

grupo estão destacados em negrito nos enunciados acima apresentados, além da

retomada anafórica realizada pelo referente o outro. O referente o grupo designa os

cangaceiros e é modificado pelos adjuntos adnominais pequeno, numeroso e pela

locução de Lampião, que funcionam como modificadores do referente.

Cabe ressaltar que o modificador pequeno não sugere necessariamente a

quantidade dos cangaceiros do grupo de Lampião, identificados no enunciado E46N

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...169

e noutros enunciados desta notícia como numeroso, mas diz respeito a uma divisão

estratégica do grupo realizada pelo próprio Lampião (uma parte do grupo investiu no

ataque em Apodi e a outra se dirigiu para Mossoró), tendo em vista distrair a

atenção dos mossoroenses em relação ao provável ataque.

b) Predicação

A maioria dos processos verbais identificados nos enunciados acima

apresentados não aciona o próprio Lampião como agente das ações verbais:

manda, atacar (modificado pelo termo circunstante não) e tem tratado (modificado

pelo termo circunstante com muita deferência). Apenas o verbo dirige aciona o

referente grupo como agente: indica o rumo seguido por parte do grupo depois de

ordem do chefe Lampião. O verbo de estado está é empregado para descrever a

posição geográfica do grupo, conforme depoimento do senhor Antonio Gurgel do

Amaral em bilhete escrito ao coronel Rodolfo Fernandes.

c) Localização espacial e temporal

Os elementos linguísticos que assinalam a operação semântica de

localização espacial e que favorecem a construção da representação discursiva de

grupo para os cangaceiros de Lampião estão apresentados no quadro abaixo:

Locativo espacial Número de ocorrência

Código

As alturas do Apodi 01 E07N

Esta cidade 01 E07N

Aqui [Mossoró] 01 E07N

Apodi 01 E07N

Aqui [Cativeiro] 03 E46N

Aqui bem perto da cidade [Cativeiro] 01 E46N

Mossoró 01 E46N Quadro 37: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Nordeste. Fonte: Autor.

Além dos locativos espaciais frequentemente mobilizados no texto das

notícias, como, por exemplo, Mossoró e Apodi (este último retomado também pelo

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...170

locativo esta cidade), cidades onde o grupo de cangaceiros de Lampião realizaram

assaltos, convém considerar nestes enunciados o recurso frequente ao dêitico aqui.

Em E07N, o dêitico retoma anaforicamente o locativo Mossoró, que corresponde ao

lugar de onde fala o enunciador – o jornal O Nordeste. Em E046, o enunciador não é

mais o jornal, mas sim o senhor Antonio Gurgel do Amaral, que estava mantido em

cativeiro pelo grupo de cangaceiros. Neste caso, o locativo aqui se refere justamente

ao lugar do cativeiro onde era mantido Antonio Gurgel.

Há apenas três locativos temporais presentes nos enunciados: 13 de junho de

1927, desde ôntem e ôntem (E46N). O primeiro locativo funciona como marcador

temporal da data de escrita do bilhete de Antonio Gurgel. Os outros dois locativos

sugerem o dia em que Antonio Gurgel foi levado para o cativeiro pelo grupo dos

cangaceiros de Lampião, ou seja, dia dose de junho daquele mesmo ano – um dia

antes do assalto a Mossoró. Portanto, os locativos temporais demarcam situações

bastante específicas, relativas, especialmente, ao sequestro do senhor Antonio

Gurgel pelo grupo de cangaceiros.

6.1.3.2 Bandidos

Assim como ocorre nas notícias dos jornais O Mossoroense e Correio do

Povo, na notícia do jornal O Nordeste também é construída a representação

discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião, especialmente nos

enunciados abaixo apresentados:

Os bandidos, entretanto, o tinham preparado com sagacidade (E08N). Cada um trazia dois fuzis para armar possivelmente aquêles que se quisessem acompanhar visando principalmente os trabalhadores da estrada de ferro Mossoró, conforme declararam ao Coronel Moreira, dêles prisioneiro (E09N). Os bandidos surgem em São Sebastião (E10N). No domingo, 13, de 23 para 24 horas, eis que nos surgem inopinadamente os bandidos em S. Sebastião, a sete léguas distante de nós (E11N). Em São Sebastião, os bandidos se entregam ao saque, ao roubo, ao incêndio e a depredações (E12N). Na manhã de segunda-feira, 13, vem descendo, saqueando, aprisionando, exigindo dinheiro, tomando algodão a freteiros e incendiando, trocando montadas, arrebanhando animais (E14N).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...171

A uma légua desta cidade, cêrca de meio dia, mandam um portador com a intimativa ao Coronel Rodolfo Fernandes, infatigável chefe do executivo municipal, para lhes enviar quatrocentos contos de réis, sob pena de se assenhorarem, imediatamente, da cidade (E15N). O céu havia-se toldado. Nevoeiros pesados se formavam e a chuva se avizinhou debaixo de trovoadas! Sombrias pareciam as horas, mas era a saudação que Deus nos mandavam das alturas! Seriam aproximadamente dezesseis horas, quando tivemos o primeiro contacto com os bandidos (E19N). Os bandidos recuam, voltam ousadamente à carga e são novamente repelidos. E24N. Deixam mortos e feridos e organizam a fuga (E23N). Cessado o forte tiroteio, irrompe pelas ruas, o povo, em delirantes brados de vivas a Mossoró, ao Prefeito, ao Presidente do Estado, ao Chefe de Polícia, aos nossos soldados, desafiando Lampião e os seus sequazes: Sabino, Massilon e tôda caterva de bandidos que fugiam diante de nossas armas vitoriosas, sem o derrame de uma só gota de sangue do povo citadino (E25N). Êste número, entretanto, está em desacôrdo com o que se verificou em Limoeiro, no Estado do Ceará, de 41, conforme a fotografia que ali tiraram os bandidos! (E27N).

a) Referenciação e modificadores

Considerando a operação de referenciação, a representação discursiva de

bandidos se constrói a partir da ocorrência (sete vezes) do referente os bandidos.

Esse referente é acionado como agente das proposições e designa os cangaceiros

de Lampião, considerando, conforme se verá na operação de predicação,

principalmente, as ações por eles realizadas. Em E25N, o referente é modificado

pela expressão tôda caterva, que sugere um grupo de indivíduos desordeiros,

caracterizados por praticarem atos de vadiagem e de mau comportamento.

b) Predicação e termos circunstantes

A operação de predicação compreende os processos verbais que acionam o

referente os bandidos como agentes da proposição, expressos no quadro seguinte:

Predicação Número de

ocorrência

Termo Circunstante Código

Tinham preparado 01 Com sagacidade E08N

Trazia 01 - E09N

Armar 01 Possivelmente E09N

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...172

Surgem 02 Inopinadamente E10N E11N

Entregam 01 - E12N

Vem descendo 01 - E14N

Saqueando 01 - E14N

Aprisionando 01 - E14N

Exigindo 01 - E14N

Tomando 01 - E14N

Incendiando 01 - E14N

Trocando 01 - E14N

Arrebanhando 01 - E14N

Mandam 01 - E15N

Assenhorarem 01 Imediatamente E15N

Recuam 01 - E24N

Voltam 01 Ousadamente E24N

São 01 Novamente repelidos E24N

Deixam 01 - E23N

Organizam 01 - E23N

Fugiam 01 Diante de nossas armas vitoriosas

E25N

Quadro 38: Predicação e termos circunstantes que constroem a representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Nordeste. Fonte: Autor.

A cadeia semântica construída pelo conjunto de verbos acima apresentados

permite a construção da representação discursiva de bandidos para os cangaceiros

de Lampião. Especialmente verbos como armar, saqueando, aprisionando, exigindo,

incendiando, arrebanhando, assenhorarem, dentre outros, sugere ser os

cangaceiros sujeitos que praticam atividades socialmente consideradas como

desordeiras ou díscolas. A maioria desses verbos está no gerúndio e sugere que as

ações expressas estavam sendo descritas conforme iam ocorrendo.

Os verbos surgem, vem descendo, recuam, voltam, deixam e fugiam

descrevem os movimentos de entrada e de saída à cidade de Mossoró pelos

cangaceiros de Lampião. Nesse ponto, convém considerar os efeitos provocados

pelos termos circunstantes, que modificam esses verbos, atribuindo-os

circunstâncias, especialmente, de modo. Os termos inopinadamente e ousadamente

modificam os verbos que sugerem a entrada dos cangaceiros à cidade de Mossoró:

como fossem bandidos, eles entram na cidade de forma discreta, para depois

iniciarem o ataque ousado. Por sua vez, os termos novamente repelidos e diante de

nossas armas vitoriosas correspondem ao modo como os cangaceiros, como fossem

bandidos, foram expulsos e deixaram a cidade.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...173

c) Localização espacial e temporal

Os seguintes locativos situam os processos verbais que acionam o referente

os bandidos como agente das proposições e, portanto, contribuem para a

construção da representação discursiva de bandidos para os cangaceiros do bando

de Lampião:

Locativo espacial Número de ocorrência

Código

A estrada de ferro Mossoró 01 E09N

São Sebastião 01 E10N

Em São Sebastião, a sete léguas distante de nós

01 E11N

A uma légua desta cidade 01 E15N

A cidade 01 E15N

As ruas 01 E25N

Mossoró 01 E25N

Limoeiro, no Estado do Ceará 01 E27N Quadro 39: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Nordeste. Fonte: Autor.

Os locativos descrevem espaços já comentados anteriormente e que fazem

parte do cenário do acontecimento principal narrado na notícia: o assalto dos

cangaceiros de Lampião a Mossoró. É possível construir uma cadeia semântica que

se organiza em torno das regiões inicialmente percorridas pelos cangaceiros antes

de entrarem em Mossoró (São Sebastião, Em São Sebastião, A sete léguas distante

de nós, A uma légua desta cidade), da própria cidade de Mossoró (A cidade, As

ruas, A estrada de ferro Mossoró, Mossoró) e da cidade para onde fugiram os

cangaceiros após encontrarem resistência em Mossoró (Limoeiro, no Estado do

Ceará).

Os locativos temporais são apresentados a seguir:

Locativo temporal Número de ocorrência

Código

No domingo, 13, de 23 para 24 horas

01 E11N

Na manhã de segunda, 13 01 E14N

Cêrca de meio dia 01 E15N

Seriam aproximadamente dezesseis 01 E19N

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...174

horas Quadro 40: Locativos temporais que favorecem a construção da representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Nordeste. Fonte: Autor.

Esses locativos situam no tempo os processos verbais que constroem a

representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião. Eles

referem-se exatamente ao dia (domingo, treze de junho) e à hora (manhã de

segunda-feira) de início do assalto dos cangaceiros à cidade de Mossoró.

d) Conexão

Além dos conectores e (que estabelece relações de adição entre partes dos

enunciados) e que (que estabelece relações de coordenação entre os enunciados

ou mesmo retoma, na função de pronome relativo, o agente da ação verbal),

interessante considerar o conectivo entretanto, em E08N. Esse conectivo indica

contrariedade, adversidade. No enunciado, sugere que os bandidos de Lampião

realizaram o ataque à cidade do Apodi como forma de ludibriar os mossoroenses,

fazendo-os acreditar não ser mais do interesse do grupo atacar Mossoró. No

entanto, estavam, na verdade, fazendo um prenúncio do assalto que seria realizado

em Mossoró.

6.1.3.3 Bando

A representação discursiva de bando é construída nas porções de texto

abaixo apresentadas:

O bando se aproxima (E17N). Já então se vinha aproximando o bando, o que era distinguido perfeitamente pelas vedetas das tôrres da Matriz e de São Vicente e outros pontos altos (E18N). O bando se tinha dividido (E21N). O bando sinistro conforme depoimento de Jararaca compunha-se dos facínoras seguintes e outros de quem não se recordava o Jararaca (E40N). Como se vê de um retrato tirado em Limoeiro, logo que ali chegou o bando de Lampião, há mais os nomes seguintes: NAVIEIRO, VALATÃO, FELIX, MIUDO, MOURÃO, BENEVITO, JATOBÁ, ALAGOANO, PINHÃO e MIGUEL (E41N).

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...175

a) Referenciação e modificadores

O referente o bando, mobilizado nos enunciados acima, designa os

cangaceiros que acompanhavam Lampião em suas empreitadas pelo sertão

nordestino. Como já visto anteriormente, recebem essa nominalização pelo fato de

andarem todos reunidos, vestidos de forma semelhante e guiados pelo chefe do

cangaço, Lampião. O referente é modificado pelo emprego dos especificadores

sinistro (E40N) e de Lampião (E41N). O primeiro apresenta uma característica do

bando, conhecido por seus atos obscuros e nefastos. O segundo associa o bando

ao cangaceiro Lampião, estabelecendo entre eles uma relação de posse,

pertencimento, ao mesmo tempo em que funciona como um identificador do bando

dos cangaceiros, considerando que, àquela época, existiam cangaceiros que se

organizavam em outros bandos no Nordeste brasileiro – como, por exemplo, o

bando do cangaceiro Jesuíno Brilhante.

b) Predicação

Os verbos que aparecem nas proposições que constroem a representação de

bando para os cangaceiros de Lampião são os seguintes: aproxima (E17N), vinha se

aproximando (E18N), tinha dividido (E21N), compunha-se (E40N) e chegou (E41N).

Esses verbos acionam o referente o bando como agente dos processos por eles

indicados. Referem-se ao momento em que o bando se aproxima da cidade de

Mossoró (aproxima, vinha se aproximando, chegou), como se organizou para entrar

na cidade (tinha dividido) e à composição do bando (compunha-se).

c) Conexão

Além das conjunções aditivas, que estabelecem nexos entre os enunciados

antes apresentados, convém considerar o emprego da conjunção conformativa

conforme, em E40N. Esse conectivo é mobilizado para atribuir a assunção da

responsabilidade enunciativa de E40N ao cangaceiro Jararaca, capturado em

Mossoró. O enunciado trata sobre a composição do bando de Lampião e recorre à

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...176

fala de Jararaca como um argumento de autoridade, para sustentar a informação

transmitida.

6.1.3.4 Feras e selvagens

Também é construída para os cangaceiros de Lampião a representação

discursiva de feras ou selvagens:

[Lampião] divide-se nas alturas do Apodi, força um pequeno grupo esta cidade e o outro se dirige para aqui, visando aquele ataque a Apodi nos tranquilizar quanto à aproximação dos canibais (E07N). As feras investem e procuravam abrir passagem (E20N). Após essa fuga, na tarde do dia seguinte, 14, chegam-nos tropas da Paraíba e destacamentos de Porta Alegre, dêste Estado, que estivessem aqui mais cedo, teriam conosco exterminado os selvagens (E29N).

a) Referenciação

A representação discursiva se constrói a partir do emprego dos referentes

abaixo indicados:

Referente (Categorização)

Número de

ocorrência

Modificador Código

Os canibais 01 - E07N

As feras 01 - E20N

Os selvagens 01 - E29N Quadro 41: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Nordeste. Fonte: Autor.

Os três referentes designam os cangaceiros como canibais, feras e

selvagens. Não há registros na literatura sobre o cangaço de que os cangaceiros do

bando de Lampião praticavam canibalismo, por isso, acreditamos tratar-se aqui de

uma analogia entre os cangaceiros e certas tribos de canibais, tendo em vista a

semelhança da violência das atitudes praticadas por ambos. Em E20N, os

cangaceiros são designados de feras e em E29N de selvagens. Esses dois

referentes constroem uma representação discursiva animalesca para os

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...177

cangaceiros, como se esses vivenciassem um processo de animalização, quando

entram para o cangaço.

b) Analogia

Ao passo em que designam os cangaceiros, os referentes também

estabelecem comparações entre os cangaceiros e animais selvagens ou tribos

canibais. A analogia estabelecida favorece de forma determinante a construção da

representação discursiva de feras e selvagens para os cangaceiros de Lampião.

6.1.3.5 Companheiros

Ainda encontramos nos enunciados da notícia do jornal O Nordeste a

construção da representação discursiva de companheiros, para os cangaceiros de

Lampião, conforme se verifica no enunciado a seguir:

Na manhã de terça-feira soube-se que Lampião que trazia 52 companheiros, seguira apenas, ao fechar da noite do tiroteio, com 48, rumo do Jaguaribe, em demanda de Limoeiro, Estado do Ceará (E26N).

a) Referenciação e modificadores

O referente companheiros, modificado pelo numeral indicador de quantidade,

designa os cangaceiros de Lampião como aqueles que acompanhavam o chefe do

cangaço. O termo companheiros sugere o fato dos cangaceiros seguirem Lampião

por todos os lugares por onde andava, obedecendo as suas ordens e cumprindo os

seus mandos. Portanto, estabelece uma relação de fidelidade e servidão entre os

cangaceiros e o chefe Lampião.

6.1.4 Síntese

Os referentes empregados para designar os cangaceiros de Lampião

compreendem vários substantivos e expressões lexicais que constroem imagens

pejorativas para o bando. Considerando os referentes e as demais operações

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...178

semânticas, de modo mais recorrente, são construídas, nas notícias analisadas, as

seguintes representações discursivas para os cangaceiros de Lampião: grupo,

bando, bandidos, companheiros, matilha sanguinária, bandoleiros, cangaceiros,

facínoras, horda assaltante, feras e selvagens. Os modificadores da referenciação

dos cangaceiros, com função prioritariamente especificadora, atrelam a imagem do

bando à Lampião: chefiados por Lampião, de Lampião, chefiado por Virgolino

Ferreira, um dos elementos de confiança de Lampião. Este procedimento reforça

ainda mais a construção da representação discursiva de Lampião como chefe ou

líder do grupo de cangaceiros que invadiu a cidade de Mossoró. Na verdade, parece

que a identidade do grupo se sustenta na figura de Lampião: bando de Lampião.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...179

CAPÍTULO VII: SÍNTESE DOS RESULTADOS DAS ANÁLISES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Lá na Gruta do Angico

fez seu pouso derradeiro

No sertão alagoano

morre o rei dos cangaceiros

Fez a justiça no punho,

a lei era o seu aço

Conhecido Lampião,

o grande Rei do Cangaço

João Carreiro

Nesta tese de doutoramento, analisamos, descrevemos e interpretamos as

representações discursivas de Lampião e seu bando de cangaceiros em notícias de

jornais mossoroenses publicados na década de vinte (1927) do século passado, de

quando da invasão do bando à cidade de Mossoró, em treze de junho daquele

mesmo ano. Essas representações foram analisadas tendo por base um conjunto de

operações semânticas de construção de representações discursivas, conceituadas a

partir dos trabalhos de Adam (2011), Grize (1990), Neves (2006), Castilho (2010) e

Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010): referenciação, predicação, modificação,

localização espacial e temporal, conexão e analogia.

Para Lampião, foram construídas as seguintes representações discursivas:

bandido, chefe de cangaceiros, subornador e derrotado. Essas representações

revelam os pontos de vista jornais e desfavorecem a imagem do cangaceiro

Lampião, porque lhe atribuem características negativas ou pejorativas. Em certos

enunciados das notícias, que compreendem fragmentos de outros textos que estão

inseridos dentro das notícias, como, por exemplo, os bilhetes escritos por Lampião e

pelo coronel Rodolfo Fernandes, alteram-se os pontos de vista do enunciador e,

portanto, as representações discursivas construídas para o cangaceiro. Nesses

enunciados, são construídas representações de líder e autoridade para o cangaceiro

Lampião (Cap. Virgolino), ou seja, representações que favorecem sua imagem.

Por sua vez, para os cangaceiros do bando de Lampião foram construídas as

seguintes representações discursivas: grupo, bando, bandidos, companheiros,

matilha sanguinária, bandoleiros, cangaceiros, facínoras, horda assaltante, feras e

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...180

selvagens. Essas representações são associadas à imagem de Lampião,

especialmente a partir dos modificadores empregados, que estabelecem entre eles

uma relação de dependência: chefiados por Lampião, de Lampião, chefiado por

Virgolino Ferreira. Neste ponto, entendemos que as representações são construídas

para os cangaceiros em razão da própria imagem de Lampião, de modo que a

identidade de um está intimamente atrelada a do outro.

Essas representações foram analisadas tendo em vista certos fenômenos

linguísticos utilizados na produção dos textos das notícias que assinalam a

construção de imagens sobre os objetos de discurso – no caso, Lampião e os

cangaceiros de seu bando. Esses fenômenos, por sua vez, foram interpretados com

base em operações semânticas de construção de representações discursivas

anteriormente expressas, conforme apresentamos no quadro seguinte:

Operações semânticas de análise Recursos linguístico-textuais

Referenciação Substantivos, pronomes, nomes próprios e expressões de valor nominal

(sintagmas nominais).

Modificadores Adjetivos, locuções adjetivas ou expressões de valor adjetivo.

Predicação Verbos de ação e de estado no pretérito, presente, infinitivo e gerúndio.

Termos circunstantes Adjuntos adverbiais de modo, de negação e de causa.

Localização espacial Advérbios, adjuntos adverbiais de lugar e expressões indicadoras de espaço.

Localização temporal Advérbio de tempo, adjuntos adverbiais de tempo, tempo dos processos verbais

e outras expressões indicadoras de tempo.

Conexão Conjunções, preposições e pronomes relativos.

Quadro 42: Síntese das operações semânticas de construção de representações discursivas versus os recursos linguístico-textuais. Fonte: Autor.

A operação semântica de referenciação compreendeu o emprego de

substantivos, pronomes ou expressões de valor nominal que (re)designam Lampião

e os cangaceiros de seu bando. Na sua maioria, os nomes possuem uma carga

semântica pejorativa, favorecendo a construção de representações discursivas

negativas para Lampião e os cangaceiros. Essas representações são ainda mais

acentuadas a partir do emprego de adjetivos modificadores que caracterizam,

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...181

descrevem ou especificam os referentes, atribuindo-lhes traços depreciativos ou

desfavoráveis à imagem de Lampião e dos cangaceiros.

Gramaticalmente, grande parte dos referentes que designam Lampião e os

cangaceiros de seu bando assume função sintática de sujeito, agente da passiva ou

complemento do processo verbal. Eles são colocados na posição de sujeito agente

dos processos verbais, os quais praticam, na maioria das vezes, ações violentas em

detrimento de suas vítimas. Estas ações dizem respeito justamente à operação

semântica de predicação.

Na predicação, observamos a recorrência frequente de verbos de ação,

empregados na terceira pessoa do singular e do plural, no pretérito do indicativo,

que indicam ações pontuais, concretizadas. Esses verbos, de modo geral,

constroem uma cadeia semântica de ações violentas e criminosas, que favorecem a

construção das representações discursivas sugeridas pelos referentes das

proposições para Lampião e seu bando de cangaceiros.

Alguns deles são modificados por termos circunstantes, que compreendem

expressões de valor adverbial que modificam os processos verbais e indicando as

circunstâncias em que se desenvolve a ação verbal (a predicação). Nas notícias

analisadas, encontramos termos circunstantes que atribuem, principalmente,

circunstâncias de modo, causa e negação. Neste último caso, o advérbio de

negação é empregado, principalmente, para negar uma possível atitude heroica de

Lampião e seu bando, buscando desqualificá-los como indivíduos sem coragem e

audácia.

No que diz respeito à localização espacial e temporal, constatamos que esta

operação compreende os termos que expressam as circunstâncias de espaço e

tempo em que se desenvolvem os participantes e as ações dos processos verbais.

Apesar de teoricamente compreenderem uma mesma operação semântica de

análise, dada a semelhança de comportamento sintático e semântico, por questões

didático-metodológicas, tratamos a localização espacial e a localização temporal em

itens separados, mas correlacionando-as sempre que necessário.

Foram diversos os espaços descritos nas notícias. O locativo espacial mais

recorrente foi Mossoró, espaço geográfico principal onde se desenvolveram as

ações descritas nas narrativas, incluindo o acontecimento principal narrado nas

notícias – a invasão do bando à cidade Mossoró. Em seguida, apresentam

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...182

expressiva recorrência os locativos esta cidade (dêitico que recategoriza o locativo

Mossoró) e as trincheiras (espaço onde efetivamente ocorreram as lutas entre os

bandoleiros de Lampião e soldados e civis mossoroenses). Cabe ainda considerar a

ocorrência de locativos como Apodi (cidade onde primeiramente os cangaceiros

atacaram antes de Mossoró) e Limoeiro (cidade do Ceará para onde fugiram os

cangaceiros após resistência em Mossoró).

De um modo geral, os locativos espaciais mobilizados nas notícias podem ser

organizados em subcategorias, descritas com exemplos na listagem a seguir:

i) Região: Nordeste, Nordeste Brasileiro.

ii) Estado: Ceará, Pernambuco, Paraíba, Alagoas.

iii) Cidade: Mossoró, Apodi, Limoeiro.

iv) Povoado: São Sebastião, O sítio Sipó, Cajazeiras.

v) Ruas: O Alto da Conceição, Praça 6 de Janeiro.

vi) Locais físicos específicos: Estação da Estrada de Ferro de Mossoró, O

prédio da União dos Artistas, A ponte da Estação da Estrada de Ferro de

Mossoró, O Grande Hotel, A Casa Colombo.

vii) Locais físicos genéricos: As trincheiras, As ruas, Vilas, Povoados e

Fazendas de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Alagoas, Uma casa.

viii) Expressões locativas de distância: Distante daquele sete léguas, Poucos

quilômetros, Daqui a meia légua.

ix) Expressões locativas de espaço: Dentro da rua, O lado de baixo, Por trás

da Igreja de São Vicente, Ao seu lado, O outro lado do rio.

x) Expressões dêiticas: Esta cidade [Mossoró], Ali [Mossoró], Aqui [Mossoró],

Daqui [Mossoró], Perto daqui [Fazenda Oiticica], Dêsse Estado [Ceará], Aqui

[Cativeiro].

A observação e análise dos locativos espaciais nos permite reconstruir a

cenografia onde se desenvolveram os processos verbais desempenhados pelos

participantes dos enunciados. Como defende Queiroz (2013), podem ser

considerados como importantes operadores de textualidade, porque além de

organizarem a topografia dos textos, organizam também, no caso das notícias

analisadas, os percursos de Lampião e seu bando antes, durante e depois da

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...183

invasão à cidade Mossoró. Trataram-se, pois, como visto, de elementos essenciais à

compreensão dos textos analisados nesta tese.

Por sua vez, observamos que a localização temporal diz respeito às

expressões adverbiais que indicam o tempo em que se desenvolve a ação do

processo verbal. Nas notícias analisadas, verificamos a ocorrência de expressões

indicadoras de tempo, gramaticalmente representadas por advérbios ou locuções

adverbiais de tempo. Cabe ressaltar o destaque que apresentaram expressões de

valor numérico que indicam tempo (locuções adverbiais de tempo de valor

numérico), especialmente hora, dia mês e ano, com a finalidade de situar

cronologicamente os acontecimentos narrados nas notícias, especialmente o assalto

dos cangaceiros a Mossoró.

Os conectores, como vimos, são elementos que permitem a conexão entre as

partes que compõem os enunciados (ou as proposições) e entre o conjunto de

proposições que formam o todo semântico na construção das representações

discursivas em um texto. Os conectores empregados nos textos das notícias são

gramaticalmente representados por conjunções e expressões de valor adverbial e

pronominal essenciais à construção de representações discursivas dos temas

tratados nas notícias analisadas, especialmente de Lampião e de seu bando de

cangaceiros. De acordo com Queiroz (2013), além de ligar os enunciados entre si

para construir as redes semânticas que constituem a progressão temática do

discurso, os conectores articulam o conjunto de sequências para formar a unidade

de sentido, constituindo a cadeia isotópica que cria efeitos de sentidos temáticos:

ora Lampião é tratado como sujeito importante, porque é chefe de grupo de

bandidos, ora como um salteador, que merece todo descrédito; ora o bando é

tratado como grupo de bandidos, ora como companheiros.

As relações de analogias (e comparações) ocorrem, principalmente, por meio

do emprego de metáforas que constroem representações discursivas dos

cangaceiros lampeônicos como feras ou grupo de indivíduos que praticam atos

selvagens. Para Lampião, sugerem a construção de representações discursivas

como homem de instintos diabólicos, de caráter pervertido. Em ambos os casos, as

anáforas são utilizadas para reforçar a construção de uma imagem negativa de

Lampião e de seu grupo, conforme pregava a imprensa da época em nome do

governo e das classes sociais majoritárias.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...184

Essas operações contribuíram de forma significativa para que pudéssemos

compreender as formas pelas quais são construídas as representações discursivas

identificadas nas notícias que compõem nosso corpus para Lampião e seu bando de

cangaceiros. Observamos que as notícias revelam os pontos de vista dos próprios

jornais, que representavam, essencialmente, os interesses de comerciantes, de

políticos, do próprio governo e da população mossoroense de modo geral – mesmo

sendo a notícia um gênero que preza pela imparcialidade. Lampião e seus

cangaceiros eram enxergados por esse público como ameaça à tranquilidade e à

ordem da cidade de Mossoró. Nesse ponto, nosso trabalho apresenta contribuição

para compreensão de aspectos históricos relativos ao cangaço, tendo em vista que,

por meio do texto, buscamos compreender os efeitos de sentido que são construídos

sobre Lampião e seus cangaceiros no gênero notícia da década de vinte do século

passado.

Portanto, acreditamos ter o nosso trabalho cumprindo os seus objetivos

pretendidos. Além disso, acreditamos também ter contribuído de forma significativa

para os estudos linguísticos do texto, especialmente para aqueles que tematizam

questões relacionadas à construção de representações discursivas dos temas ou

assuntos tratados, especialmente em gêneros jornalísticos, no caso o gênero

notícia. A proposição da operação semântica de análise de termos circunstantes, ao

invés de modificador da preposição, revela também uma contribuição teórica para os

estudos em Análise Textual dos Discursos, tendo tratar-se de uma mudança

terminológica e conceitual relevante às análises dos termos que atribuem

circunstâncias às predicações.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...185

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...189

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...190

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...191

ANEXOS

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...192

O MOSSOROENSE

ENUNCIADOS

E01M. Hunos da nova espécie.

E02M. O famigerado Lampião e seu grupo de asseclas atacam Mossoró.

E03M. É morto o bandido Colchete e preso o lombrosiano Jararaca.

E04M. Os reféns do bando sinistro.

E05M. A fuga precipitada da matilha sanguinária em demanda do Ceará.

E06M. A incursão do famigerado grupo sinistro capitaneado pelo mais audaz e

miserável de todos os bandidos que tem infestado o Nordeste brasileiro e o pacato

território do Rio Grande do Norte.

E07M. Virgulino Lampião, esta majestade do crime e do terror, alma diabólica de

pervertido tarado cujo rastilho de misérias vem desassombradamente espalhando

em todos os recantos onde passa com o seu cortejo macabro e facinoroso.

E08M. O grupo famanaz desses hunos da nova espécie tentara atacar e saquear a

vizinha cidade do Apodi.

E09M. (O grupo famanaz desses hunos da nova espécie) tendo sido obrigado a

recuar em vista da resistência heroica que encontrara por parte dos habitantes da

pequena cidade.

E10M. Desesperado por este fracasso, (O grupo famanaz desses hunos da nova

espécie), rumara o mesmo para a povoação de São Sebastião, deste município, e

dali viria a Mossoró com o intento de locupletar as algibeiras do sinistro chefe –

Lampião.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...193

E11M. (O grupo famanaz desses hunos da nova espécie), em seguida, incendiando

a cidade, prosseguindo, então, vitorioso, a trajetória infame do seu traçado hediondo

de toda a sorte de crimes.

E12M. Teve lugar de 23 para 24 horas o assalto do grupo de bandidos ao pequeno

povoado de São Sebastião, onde encontrou sem nenhuma resistência.

E13M. É, entretanto, digna de admiração a atitude heroica do distinto moço

Aristides de Freitas que (...) ficou no aparelho telegráfico dando informações para

esta cidade, até a última hora de aproximação do grupo.

E14M. No pequeno povoado, o grupo de bandidos cometeu toda a sorte de misérias

como sói fazê-lo por onde passa.

E15M. (O grupo de bandidos) queimou várias casas comerciais, (...), um auto

caminhão e o automóvel de linha da E. de Ferro de Mossoró.

E16M. (O grupo de bandidos) arrebentou várias moveis na estação da Estrada,

violou lares, quebrando moveis e roubando objetos de outro e de outros objetos de

fácil condução.

E17M. Nas proximidades deste povoado, o grupo matou um rapaz.

E18M. O itinerário do bando.

E19M. Vivemos sobre a iminência de graves perigos ante as ameaças dos bandidos

Lampião, Sabino e Massilon, sendo este o mesmo que atacou Apodi, ali matando,

roubando e incendiando.

E20M. Lampião se concertava com esses no intuito de fazerem a sua independência

com o fruto do nosso trabalho.

E21M. O famigerado grupo não nos encontrou desprevenidos.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...194

E22M. Pacata, ordeira, vivendo do labor cotidiano, estranha às cenas de

cangaceirismo, a população desta cidade não se tomou pânico, não se retirou

desorganizadamente.

E23M. O bandido Lampião atravessava o Estado da Paraíba, penetra o nosso

território, onde ataca fazendas, evitando avizinhar-se da cidade, onde seria

combatido, faz prisioneiros, por cuja liberdade exige grandes somas de dinheiro,

rouba, saqueia e lança miséria e terror.

E24M. Aproximando-se a Apodi destaca-se um grupo que ataca esta cidade.

E25M. (O grupo) ruma a Mossoró com seu séquito criminoso.

E26M. (O grupo) corta as comunicações telegráficas com Caraúbas e avança sobre

São Sebastião onde chega de 23 para 24 horas do dia 12.

E27M. Ai (São Sebastião) saqueia, rouba, depreda, incendeia, mata, violenta,

pratica defloramentos e sacia instintos de selvagens.

E28M. (O grupo) desce vagarosamente e ao meio dia de 13 começa a ser avistado.

E29M. (O grupo) manda uma intimativa ao Cel. Rodolfo Fernandes.

E30M. O celerado e seus adeptos entram em contato conosco, pouco antes das 16

horas.

E31M. Se o céu nos mandava lágrimas, também saudava, abafando o som dos

disparos.

E31M. Investem os bandidos as primeiras trincheiras, ladeiam, cortam caminho,

surgem ao lado da estação da Estrada de Ferro.

E32M. (Os bandidos) entram no prédio da União de Artistas e se entrincheiram,

aparecem a margem do rio, defendida pela trincheira da barragem.

E33M. Os bandidos recuam e voltam a carga e repelidos novamente se retiram para

o seu acampamento, deixando morto o bandido Colchete e vários feridos.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...195

E34M. Pela manhã de terça-feira o grupo sinistro rumava o Jaguaribe, em demanda

de Limoeiro, no Estado Ceará.

E35M. Não sabemos ainda a posição exata de Lampião.

E36M. Traiçoeiro, insidioso, talvez se refazendo porque, tendo chegado aqui com 53

companheiros, saiu com 48.

E37M. A relação das trincheiras que enfrentaram os cangaceiros e outras

minudências.

E38M. A força paraibana (...) vinha no encalço de Lampião e aqui chegaram terça-

feira.

E39M. A polícia da paraibana seguiu rumo Lampião na quarta-feira pela manhã.

E40M. O bandido José Leite, vulgo Jararaca preso, gravemente ferido, e recolhido à

cadeia pública de Mossoró.

E41M. Jararaca nasceu no dia 5 de maio de 1901, em Buique, zona de Pajeú de

Flores, Estado de Pernambuco.

E42M. (Jararaca) É solteiro e há um ano e alguns meses anda com Lampião.

E43M. (Jararaca) Tomou parte no ataque de São Sebastião, Belém e outros pontos

do Nordeste.

E44M. (Jararaca) Conduzia um fuzil mauzer e cartucheiras de duas camadas.

E45M. (Jararaca) Trajava dólman cáqui, camisa encarnada, lenço azul entrelaçado

pro aliança, calçando alpercata de verniz.

E46M. (Jararaca) recebeu o primeiro ferimento no pulmão direito e o segundo na

côxa.

E47M. (Jararaca) Disse que o bando que atacou Mossoró vinha dirigido por

Lampião, sendo seu grupo chefiado por Massilon Leite.

E48M. O grupo que havia entrado pelo lado do cemitério era chefiado por Lampião.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...196

E49M. (Jararaca) Disse mais que o ataque foi alvitrado por Massilon, não sendo isto

desejo de Lampião.

E50M. (Jararaca) Disse ainda que o bandido Júlio Porto não fazia parte do grupo.

E51M. (Jararaca) Disse que ele (Jararaca) foi um cangaceiro temível em toda a zona

pernambucana, onde sempre teve costume de dar carreira em polícias.

E52M. (Jararaca) Disse que sempre encontraram proteção no território cearense.

E53M. (Jararaca) Disse que era vontade do mesmo (Lampião) se conduzir a Pajeú

de Flores, no Estado de Pernambuco.

E54M. (Jararaca) Disse que o mesmo (bandido morto) se chamava Colchete, era

natural de Serra do Monte, Pernambuco.

E55M. (Jararaca) Disse mais que o último ataque a Apodi foi chefiado por Massilon

Leite.

E56M. (Jararaca Disse) que grupo de Lampião tem muita munição e que o povo

mais orientado do mesmo conduz sempre 400 ou 500 cartuchos.

E57M. (Jararaca) disse que era Oliveira (o pequeno bandido que andava com

Lampião), é alvo baixo, tem 16 anos e que Lampião tinha bastante confiança no

mesmo para serviço de espionagem.

E58M. (Jararaca) disse que esse pequeno entrou para o cangaço no intuito de

vingar a morte de seu pai.

E59M. (Jararaca) Disse ainda que quando havia entrado para o bando de Lampião,

chefiava um grupo de oito bandidos.

E60M. (Jararaca) Informou que no mesmo (combate travado em Vitória) morreu o

cangaceiro Patrício, da Serra do Monte.

E61M. (Jararaca) disse saber que o Quincas Gondim, de Navio, Estado de

Pernambuco, mandou matar o pai de Oliveira.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...197

E62M. Lampião entrou em Navio, matando 360 bois.

E63M. Perguntado qual o fim de Lampião em fazer aquisição de muito dinheiro,

disse por ouvir de Lampião queria para comprar a oficialidade de Pernambuco.

E64M. (Jararaca) disse que o mesmo (Massilon) havia confessado ao bando que

tinha sido o autor das mortes em Brejo do Cruz, da Paraíba.

E65M. (Jararaca) Disse mais que foi ordenança do Cel. Antonio Francisco de

Carvalho, na junta de Alistamento Militar do Rio de Janeiro.

E66M. (Jararaca) sentou praça em Maceió em 1921.

E67M. (Jararaca) (disse) que a vida de bandido era muito ruim, mas que sempre

procurou evitar atos mais de seus companheiros, pois teve educação e era muito

respeitado, no bando.

E68M. (Jararaca) Disse ainda que em S. Sebastião havia o bando ateado fogo em 2

carros da Estrada de Ferro.

E69M. (Jararaca) Disse mais que o bandido Virgolino Lampião já foi baleado por

diversas vezes.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...198

CORREIO DO POVO

ENUNCIADOS

E01CP. Avé, Mossoró!

E02CP. O maior grupo de cangaceiros do Nordeste assalta nossa cidade, sendo

destroçado após 4 horas de renhida luta!

E03CP. Os bandidos são chefiados por Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca.

E04CP. Como morreu o bandido Colchête e como foi ferido e aprisionado Jararaca,

o maior sicário do Nordeste.

E05CP. A nossa ordeira, pacata, laboriosa e nobre cidade foi atacada e assediada

pelo maior número de bandidos do Nordeste, sob a chefia de Lampião, Sabino,

Massilon e Jararaca, chefes de cangaceiros que se coligaram para levar a efeito a

empreitada terrível e sinistra de saquear Mossoró, a mais opulenta e rica cidade do

Rio Grande do Norte.

E06CP. A imensa fama de riqueza aqui acumulada e o seu amor ao trabalho, à paz

e a ordem despertaram, no espírito de feras daqueles bandidos apetites vorazes de

saque e de sangue.

E07CP. A população civil em cooperação com a polícia, mostrou e afirmou a

pujança de um Mossoró também aguerrido e marcializado, indômito e formidável de

armas na mão, nas trincheiras e nas ruas.

E08CP. Foram 4 horas de luta heroica onde se cimentou com galhardia maravilhosa

o tempo sacrossanto do novo poder que se levantou com um fanal de glórias e

louros a atestar, pelos tempos em fora, a pujança do povo de Mossoró.

E09CP. Ave, Mossoró!

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...199

E10CP. Domingo, 12 do corrente, muito cedo, soube-se que um numeroso grupo de

cangaceiros, chefiado por Lampião estava atacando Apodi, que resistia.

E11CP. De dez para onze horas da noite, já o grupo de apoderava de São

Sebastião, distante daquele sete léguas, roubando, depredando e incendiando.

E12CP. Êsse movimento aumentou na proporção da aproximação dos bandoleiros.

E13CP. A aproximação dos bandidos

E14CP. O ultimatum de Lampião

E15CP. Segunda-feira, 13 do corrente, sabe-se, com certeza, que os bandidos se

aproximavam daqui, estando a poucos quilômetros.

E16CP. Mais tarde, chegou um emissário de Lampião conduzindo um bilhete dirigido

ao Prefeito Cel. Rodolfo Fernandes exigindo 400 contos de réis, ao contrário entraria

na cidade, incendiando-a.

E16CP. As principais trincheiras que foram organizadas foram as seguintes: No

Palacete do Cel. Rodolfo Fernandes que foi transformado em praça de guerra; na

estação da Estrada de Ferro Mossoró; na tôrre da Igreja de São Vicente de Paulo,

tôdas na cidade nova; nas tôrres da Igreja da Matriz, no Telégrafo, no Colégio

Diocesano e nas residências dos Srs. Pedro Leite e Afonso Freire, situadas na

Praça da Matriz. Na Praça da Independência havia fortificações no Grande Hotel e

Casa Colombo.

E17CP. Na rua Cel. Gurgel e Praça 6 de Janeiro foram feitas trincheiras no

estabelecimento dos Srs. Francisco Marcelino & C., no esgôto do calçamento; no

estabelecimento dos Srs. Alfredo Fernandes & C. na Praça Cel. Bento Praxedes; a

trincheira do Major Julio Maia, outras em diversas ruas e na barragem.

E18CP. As treze horas, começou a chover em meio de grandes trovões.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...200

E19CP. Os bandidos já se achavam no subúrbio do Saco, em casa do Sr. Luis

Firmino, e aproveitaram-se do momento para atacarem a cidade.

E20CP. As quatro horas da tarde, foram disparados, pelos cangaceiros, os primeiros

tiros contra nossa cidade.

E21CP. As nossas fortificações responderam, em cerrada descarga, ao desafio do

inimigo.

E22CP. Os bandidos penetraram na cidade pelo Alto da Conceição, de pé, tendo

deixado os cavalos em cercado do outro lado do rio.

E23CP. [Os bandidos] Dividiram-se em dois grupos que atacaram simultaneamente

a Estação da Estrada de Ferro, o Palacete do Prefeito e a Igreja de São Vicente.

E24CP. [Os bandidos] Avançaram afoitamente agachados pelo chão atirando e

cantando MULHER RENDEIRA, versos elogiosos a Lampião.

E25CP. Mas ou menos depois de meia hora de fogo, puderam alguns bandidos

aproximar-se do palacete do Prfeito, tentando tomar de assalto.

E26CP. [Alguns bandidos] Corriam encostados ao muro da casa Alfredo Fernandes

ao lado da Praça São Vicente, expondo-se ao cerrado tiroteio das trincheiras da

tôrre da Igreja São Vicente, do palacete do Prfeito e do calçamento da Praça 6 de

Janeiro.

E27CP. O portão da garage do Cel. Rodolfo Fernandes quase que é arrombado,

tendo sido o Prédio da União de Artistas violado, permanecendo muitos bandidos

entrincheirados, hostilizando a trincheira da Estação da Estrada de Ferro Mossoró.

E28CP. Como foi morto o bandido Colchête

E29CP. Em meio da porfiada peleja, os rapazes que tiroteiavam os bandidos da

tôrre de São Vicente, deram sinal de que um cangaceiro fora atingido, caindo na

travessa São Vicente ao pé do muro Alfredo Fernandes.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...201

E30CP. [Um cangaceiro] Tinha em seu poder, muita munição, um fuzil mauser,

muitos objetos de ouro e prata.

E31CP. [Um cangaceiro] Era um dos elementos de confiança de Lampião, por ser

afoito e terrível.

E32CP. Como foi ferido e prêso Jararaca – O terrível salteador e sicário de

Pernambuco

E33CP. Após ser prostrado Colchête, o seu companheiro Jararaca aproximou-se

rápido para tomar-lhe as suas armas e munições.

E34CP. Terça-feira de manhã, foi aprisionado nas imediações da Ponte da nossa

Estrada de Ferro, daqui a meia légua, por diversas pessoas dali.

E35CP. [Jararaca] fêz declarações sensacionais que estampamos adiante.

E36CP. É negro, alto, magro, de aspecto repelente.

E37CP. É cangaceiro por índole, chefiando grupos pelo interior de Pernambuco e

Alagoas, onde tem perpetrado os crimes mais monstruosos.

E38CP. Depois de mais de uma hora de pesado bombardeio os bandoleiros

recuaram cessando fogo apesar de duramente hostilizados pelos defensores da

cidade.

E39CP. As 12 horas da noite, os facínoras voltaram a atividade a atacar novamente

as nossas fortificações em grande descargas de fuzilaria.

E40CP. Mas não se afoitaram a tentar escalar as trincheiras como pretenderam no

primeiro combate. Atiravam de longe com intermitências.

E40CP. Os últimos tiros dos cangaceiros

E41CP. Pelas 3 horas da madrugada de terça-feira 14 do corrente, deram os

facínoras os últimos disparos contra Mossoró.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...202

E42CP. Ao amanhecer de terça-feira começaram a circular notícias positivas do

rumo que tomaram os bandidos.

E43CP. Lampião depois de batido em Mossoró tomou rumo do Ceará, pela estrada

que liga nossa cidade a Limoeiro.

E44CP. O portador relatou que Lampião estava envergonhado porque não pode

entrar em Mossoró.

E45CP. [Lampião] Levava seis cavalos sem os respectivos cavalheiros, além de um

doente que soube ser As de Ouro, - um pequeno bandido – ferido por bala no nariz.

E46CP. Os reféns que Lampião conduz

E47CP. Lampião conduziu, prêso, até Lagoa do Rocha – Ceará, o Sr. Manoel Freire.

E48CP. Os bandidos ainda conduziam o Major Antonio Gurgel, do Brejo do Apodi, e

outras pessoas do interior do nosso Estado.

E49CP. Ao seu lado, vimos os Majores Julio Maia, José de Oliveira Costa, José

Martins Fernandes e grande número de cavalheiros de representação a despejar a

fuzilaria contra a horda assaltante.

E49CP. Na Estação da Estrada de Ferro de Mossoró – Essa trincheira salvou

grandemente a situação impedindo o avanço dos facínoras.

E50CP. O que disse ao “Correio do Povo” o bandido e sicário Jararaca

E51CP. Nossa reportagem colheu do bandoleiro José Leite de Santana (Jararaca)

as seguintes informações:

E52CP. É natural de Buíque (Pernambuco) foi soldado do exército de 920 a 926,

dando baixa voltou ao seu Estado onde se aliou ao grupo de cangaceiros chefiados

por Virgolino Ferreira (Lampião) há mais de um ano, tendo tomado parte nos

ataques de vilas, povoados e fazendas de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Alagoas.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...203

E53CP. No comêço de maio p. findo, Lampião reuniu o seu grupo em Pajeú

(Pernambuco), para vir atacar e saquear a cidade de Mossoró, influenciado por

Benevides Massilon Leite, cangaceiro de confiança do grupo.

E54CP. No itinerário que fizera até aqui, atacaram um lugar chamado Belém, na

Paraíba, onde foram repelidos, não tendo continuado a atacar para não desfalcar a

munição, no dia seguinte saquearam duas fazendas no município de Luis Gomes,

onde, sem resistência, prenderam dois velhos que traziam como reféns.

E55CP. Perto de Vitória, neste Estado, encontraram diversos soldados viajando em

automóvel a quem atacaram, tendo êstes repelido, matando um bandido.

E01CP. Depois de cerrado fogo os soldados abandonaram os automóveis que

Lampião mandou queimar.

E56CP. Daí continuaram rumando a Mossoró e ao passarem na fazenda Jurema,

fizeram roubos e queimaram tudo.

E57CP. Deram fogo em Apodi, mas desistiram do ataque para não estragarem

munições e chegando no lugar Brejo do Apodi encontraram um automóvel

conduzindo um senhor de nome Antonio Gurgel que vinha de Mossoró, cujo senhor

trazem prêso e, segundoa firma Lampião, só será sôlto mediante um resgate de 21

contos de réis.

E58CP. Ao passarem, domingo, no povoado São Sebastião, não encontrando

resistência, queimaram um caminhão e um automóvel saqueando algumas bodegas.

E59CP. Chegando perto daqui, na fazenda Oiticica, Lampião mandou um bilhete ao

Sr. Rodolfo Fernandes dizendo que não entrava na cidade mediante uma

indenização de 400 contos de réis.

E60CP. Lampião mesmo assim, resolveu fazer o ataque por ser vergonhoso vir tão

perto e voltar sem tentar a entrada.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...204

E61CP. Deu ordem de avançar e como estivesse do outro lado do rio vieram até a

ponte da Estrada de Ferro a cavalo e aí deixaram as montarias amarradas e os

prisioneiros em uma casa guardados por dois homens do grupo.

E62CP. Atravessaram a ponte e avançaram ficando êle Jararaca em companhia de

Sabino Leite, imediato de Lampião. Êste, Moreno e Massilon Leite, conhecido no

bando por Benevides, avançaram pelo lado de baixo para atacar a Estação da

Estrada de Ferro.

E63CP. Já dentro da rua romperam fogo, tendo a vanguarda comandada por Sabino

e onde êle Jararaca se encontrava, penetrado por trás da Igreja de São Vicente,

mas sem resultado por causa da reação que encontraram; um de seus

companheiros de nome Colchête recebeu um ferimento e caiu agonizante.

E64CP. O grupo que veio atacar esta cidade é composto de 53 homens, e não

recebem nenhuma remuneração de Lampião, fazendo cada qual o que pode nas

ocasiões de saques.

E65CP. Lampião declara sempre em palestra que o dinheiro que arruma é para

comprar os oficiais da Polícia de Pernambuco, especialmente o Major Theófanes,

oficial que prendeu Antonio Silvino.

E66CP. O grupo vinha armado por 44 fuzis mauser, 9 rifles e 15.000 cartuchos,

distribuídos até o numero de 400 cada um, sendo êste número pelos mais

ALENTADOS (valentes). O armamento foi dado a Lampião pelo Dr. Floro

Bartolomeu quando Lampião tomou parte contra os revoltosos tendo o Cel. José

Otávio, de Vila Bela (Pernambuco) atualmente prêso, fornecido também muita

munição. Lampião tem ainda mais armamento cuja quantidade não sabe, guardado

na fazenda Serra do Mato, de propriedade do Cel. Sant‟Ana, no Estado do Ceará.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...205

E67CP. Declarou que o indivíduo Massilon Leite é o mesmo que assaltou Apodi, em

10 de maio, e que juntou-se ao grupo de Lampião depois dêsse assalto,

acompanhado de dois homens José Roque e José Côco, levando 6 fuzis e pequena

quantidade de munição que adquiriu nesse assalto.

E68CP. Sabe com certeza que Lampião nunca atacou uma cidade do tamanho de

Mossoró.

E69CP. Diversos bandidos feridos

E70CP. A última hora as autoridades daqui souberam positivamente que no

combate de segunda-feira saíram oito bandidos feridos.

E71CP. Prova essa asserção ter Lampião penetrado aqui com 53 bandidos e haver

saído com 43 como constaram os despachos recebidos de Limoeiro.

E72CP. Lampião e seu grupo, em Limoeiro (Ceará) foi recebido com festas,

havendo banquetes, bailes, etc.

E73CP. Posou ali para a objetiva de um fotógrafo e de lá só se retirou quando a

fôrça paraibana se aproximou.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...206

O NORDESTE

ENUNCIADOS

E01N. O bandido lampião e seu grupo.

E02N. Lampião derrotado.

E03N. Há mais de mês, vinha esta cidade sendo avisada de que Lampião, o terrível

bandido que tem desafiado a ação das forças policiais do Nordeste, preparava um

assalto a esta cidade, conjuntamente com outros, contando aqui fazer sua

independência e de seus aliados.

E04N. Rica, próspera, vivendo pacificamente de seu labor cotidiano, entregue às

cogitações de seu progresso e da sua grandeza da União, esta cidade jamais

presenciara cenas de cangaceirismo, parecia fácil prêsa, ambicionada pelo

famigerado salteador.

E05N. Lampião, que as notícias oficiais do Ceará davam como perseguido pelas

polícias dêsse Estado e de Pernambuco, em Aurora, e se internando cada vez mais

em busca dos altos sertões, refazia-se, entretanto, no mesmo município de Aurora,

daquele mesmo Estado do Ceará, punha-se em contacto com Massilon, que há

pouco, vindo do Ceará, tinha salteado Apodi e outros municípios do Rio Grande do

Norte, concertava com o seu êmulo Sabino, no Sítio Cipó, em Cajazeiras, na

Paraíba, e ajustava o ataque tremendo e sinistro.

E06N. Atravessava o Ceará, a Paraíba, entra no Rio Grande do Norte, saqueia

fazendas, aprisiona fazendeiros e pessoas gradas, dos quais exige consideráveis

quantias em troca da liberdade, evitando sempre as cidades, que sabe guarnecidas,

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...207

E07N. [Lampião] divide-se nas alturas do Apodi, força um pequeno grupo esta

cidade e o outro se dirige para aqui, visando aquele ataque a Apodi nos tranquilizar

quanto à aproximação dos canibais.

E08N. Os bandidos, entretanto, o tinham preparado com sagacidade.

E09N. Cada um trazia dois fuzis para armar possivelmente aquêles que se

quisessem acompanhar visando principalmente os trabalhadores da estrada de ferro

Mossoró, conforme declararam ao Coronel Moreira, dêles prisioneiro.

E10N. Os bandidos surgem em São Sebastião

E11N. No domingo, 13, de 23 para 24 horas, eis que nos surgem inopinadamente os

bandidos em S. Sebastião, a sete léguas distante de nós.

E12N. Em São Sebastião, os bandidos se entregam ao saque, ao roubo, ao incêndio

e a depredações.

E13N. Nada escapa à sanha destruidora, até roupas, potes, panelas e outros

objetos de uso de pobres moradores são destruídos, havendo notícias exatas de

defloramentos e de violências inomináveis!

E14N. Na manhã de segunda-feira, 13, vem descendo, saqueando, aprisionando,

exigindo dinheiro, tomando algodão a freteiros e incendiando, trocando montadas,

arrebanhando animais.

E15N. A uma légua desta cidade, cêrca de meio dia, mandam um portador com a

intimativa ao Coronel Rodolfo Fernandes, infatigável chefe do executivo municipal,

para lhes enviar quatrocentos contos de réis, sob pena de se assenhorarem,

imediatamente, da cidade.

E16N. Respondido negativamente o ultimatum de Lampião êste não se conformou e

mandou segundo, já de Bom Jesus, a meia légua, que não teve menor sorte.

E17N. O bando se aproxima

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...208

E18N. Já então se vinha aproximando o bando, o que era distinguido perfeitamente

pelas vedetas das tôrres da Matriz e de São Vicente e outros pontos altos.

E19N. O céu havia-se toldado. Nevoeiros pesados se formavam e a chuva se

avizinhou debaixo de trovoadas! Sombrias pareciam as horas, mas era a saudação

que Deus nos mandavam das alturas! Seriam aproximadamente dezesseis horas,

quando tivemos o primeiro contacto com os bandidos.

E20N. As feras investem e procuravam abrir passagem.

E21N. O bando se tinha dividido.

E22N. Cangaceiros surgem ao lado da Matriz, nas imediações do Telegrafo

Nacional e somem-se!

E23N. Os bandidos recuam, voltam ousadamente à carga e são novamente

repelidos. E24N. Deixam mortos e feridos e organizam a fuga.

E25N. Cessado o forte tiroteio, irrompe pelas ruas, o povo, em delirantes brados de

vivas a Mossoró, ao Prefeito, ao Presidente do Estado, ao Chefe de Polícia, aos

nossos soldados, desafiando Lampião e os seus sequazes: Sabino, Massilon e tôda

caterva de bandidos que fugiam diante de nossas armas vitoriosas, sem o derrame

de uma só gota de sangue do povo citadino.

E26N. Na manhã de terça-feira soube-se que Lampião que trazia 52 companheiros,

seguira apenas, ao fechar da noite do tiroteio, com 48, rumo do Jaguaribe, em

demanda de Limoeiro, Estado do Ceará.

E27N. Êste número, entretanto, está em desacôrdo com o que se verificou em

Limoeiro, no Estado do Ceará, de 41, conforme a fotografia que ali tiraram os

bandidos!

E28N. Entretanto, Mossoró se preparou para repelir 150 celerados, pelas armas,

conforme se verificou na carta do refém Cel. Antonio Gurgel.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...209

E29N. Após essa fuga, na tarde do dia seguinte, 14, chegam-nos tropas da Paraíba

e destacamentos de Porta Alegre, dêste Estado, que estivessem aqui mais cedo,

teriam conosco exterminado os selvagens.

E30N. A fôrça paraibana, sob o comando do Tenente Costa, seguiu no encalço dos

bandoleiros.

E31N. Lampião por onde vai passando nos manda ameaças.

E32N. Morte e prisão de dois bandidos

E33N. Quando o fogo mais se intensificava o bandido Colchete relevou uma audácia

formidável, procurando atacar a trincheira do Cel. Rodolfo.

E34N. E, cantando a toada Mulher Rendeira, ao mesmo tempo que dirigia

impropérios, como os demais bandidos que lhe auxiliavam na terrível empreitada,

uma bala prosta-o na esquina próxima, varando-lhe o peito.

E35N. Jararca tenta desarreá-lo (saqueá-lo na jíria deles) como é de costume entre

bandidos.

E36N. Nesse tempo, chovem balas sobre o facínora,

E37N. Jararaca cai ferido e logo se levanta aos tombos em fuga, recebendo adiante

outro balaço na perna direita que o obriga novamente a cair, foge, entretanto, para o

mato, indo pairar à ponte da Estrada de Ferro, onde foi capturado no dia seguinte,

14, morrendo a 19, quando era transferido para Natal.

E38N. Jararaca fez sensacionais revelações que diremos depois.

E39N. O nêgro Colchete naquela mesma tarde foi arrastado, já morto, amarrado

pelas pernas, até a Praça da Matriz, pelo povo, que saudava a vitória com gritos

ensurdecedores!

E40N. O bando sinistro conforme depoimento de Jararaca compunha-se dos

facínoras seguintes e outros de quem não se recordava o Jararaca.

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...210

E41N. Como se vê de um retrato tirado em Limoeiro, logo que ali chegou o bando de

Lampião, há mais os nomes seguintes: NAVIEIRO, VALATÃO, FELIX, MIUDO,

MOURÃO, BENEVITO, JATOBÁ, ALAGOANO, PINHÃO e MIGUEL.

E42N. Se ali só havia 41 bandidos, é fato que 12, inclusivo 2 aqui enterrados,

desapareceram.

E43N. O ultimatum de Lampião ao cel. Rodolfo Fernandes

E44N. Cap. Virgolino Ferreira Lmapião – Cel. Rodolfo: Estando Eu até aqui pretendo

é dinheiro. Já foi um aviso ahi para o senhor, se por acauzo resolver mi mandar a

importância que nós pode Eu evito de entrada ahi, porem não vindo, esta

importância eu entrarei até ahi penso que adeus querer eu entro e vai aver muito

estrago, por isto se vir o dinheiro eu não entro ahi mais mande resposta logo. Cap.

Lampião”.

E45N. “Virgolino Lampião: Recebi seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não

tenho a importância que pede e nem também o Comércio. O Banco está fechado,

tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos acarretar com tudo o que

o Sr. queira contra nós. A cidade acha-se firmemente inabalável na sua defesa

confiando na mesma. Rodolfo Fernandes – Prefeito.”

E46N. Sabino Gomes – 1º Tenente. “13 de junho de 1927 – Meu caro Rodolfo

Fernandes. Desde ontem estou aprisionado do grupo de Lampião o qual está aqui

aquartelado aqui bem perto da cidade, manda porem um acôrdo para não atacar

mediante a soma de quatrocentos contos de réis - ...... 400.000$000. Posso adiantar

sem receio que o grupo é numeroso, cerca de 150 homens bem equipados e

munidos a farta. Creio que seria de bom alvitre você mandar um parlamentar até

aqui que me disse o próprio Lampião seria bem recebido. Para evitar o pânico e o

derramamento de sangue, penso que o sacrifico compensa, tanto que êle promete

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...211

não voltar mais a Mossoró. Diga sem falta ao Jaime que os 21 contos que pedi

ôntem para o meu resgate não chegaram até aqui e se vieram o portador se

desencontrou, assim peço por vida de Iolanda para mandar o cobre por uma pessoa

de confiança para salvar a vida do pobre velho. Devo adiantar que todo o grupo me

tem tratado com muita deferência, mas eu bem avalio o risco que estou correndo.

Creia no meu respeito. Antonio Gurgel do Amaral”.

E47N. “Antonio Gurgel: Não é possível satisfazer-lhe a remessa dos quatrocentos

contos (400.000$000) pois não tenho e mesmo no comércio é impossível se arranjar

tal quantia. Ignora-se onde está refugiado o gerente do Banco, Sr. Jaime Guedes.

Estamos dispostos a recebe-los na altura em que êles desejarem. Nossa situação

oferece absoluta confiança e inteira segurança. Rodolfo Fernandes”.