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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PPGED
JAMIRA LOPES DE AMORIM
RECONFIGURAÇÕES DO CAMPO UNIVERSITÁRIO NO BRASIL E
SUAS REPERCUSSÕES EM UMA INSTITUIÇÃO PERIFÉRICA –
FAFIDAM/UECE
NATAL
2019
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede
Amorim, Jamira Lopes de.
Reconfigurações do campo universitário no Brasil e suas
repercussões em uma instituição periférica - FAFIDAM/UECE / Jamira Lopes de Amorim. - 2019.
197 f.: il.
Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Centro de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,
Natal, RN, 2019.
Orientador: Prof. Dr. Moisés Domingos Sobrinho.
1. Campo universitário - Tese. 2. Ensino Superior - Tese. 3.
Reconfigurações - Tese. I. Sobrinho, Moisés Domingos. II. Título.
RN/UF/BCZM CDU 378.147
Elaborado por Ana Cristina Cavalcanti Tinôco - CRB-15/262
3
JAMIRA LOPES DE AMORIM
RECONFIGURAÇÕES DO CAMPO UNIVERSITÁRIO NO BRASIL E
SUAS REPERCUSSÕES EM UMA INSTITUIÇÃO PERIFÉRICA –
FAFIDAM/UECE
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação do Centro de Educação, da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutora em Educação.
Linha de Pesquisa: Educação, Formação e profissionalização
docente.
Orientador: Prof. Dr. Moisés Domingos Sobrinho.
NATAL
2019
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7
Dedico este trabalho ao meu pai Cândido e à minha mãe Alzenira!
Mãe, obrigada por vir me visitar de vez em quando. Sempre que a senhora chega eu percebo, vejo sua
vestimenta, seus cabelos e seu olhar. A senhora está mais bonita!
Pai, ainda vamos nos encontrar, eu sei que o senhor está só esperando para me conhecer!
À toda a minha linhagem cigana! Ao meu povo Rom!
8
AGRADECIMENTOS
“Eu me lembro muito bem, do dia em que eu cheguei, jovem que desce do Norte pra cidade grande
com os pés cansados e feridos de andar légua tirana, e lágrimas nos olhos de ler o Pessoa e de
ver o verde da cana (…)”
Muitas vezes cruzando a passarela da Avenida Salgado Filho em direção à UFRN, me perguntei
onde estava e por que caminhava naquela direção. O estranhamento com a indiferença da
metrópole, o sofrimento de quem vem do interior - alheio, estrangeiro e geralmente cheio de bolsas.
As noites mal dormidas, a ansiedade, a responsabilidade, o medo de falhar. Cada travessia ia me
fazendo ver que de alguma maneira era possível ignorar os pedintes na rua, os vendedores, os
ambulantes, os assaltantes. Foram muitas distâncias percorridas até que eu chegasse aqui e, nessa
caminhada, muitas mãos foram sendo dadas. Quando cheguei, não sabia quem era, não lhe
conhecia o rosto, mas trazia um papel anotado com seu nome e, na cabeça, tantos sonhos que eu
depois descobri que eram ilusões.
A você, meu querido Moisés, toda a minha gratidão e respeito. Sei que não fui a sua melhor
orientanda e, também, sei que você não perde tempo com dramas, por esta razão quero lhe dizer
que ter lhe encontrado foi um dos melhores presentes que a vida poderia me dar. Porque lhe
conhecendo, ouvi você dizer: “vá ler, porque você não tem domínio do conceito!”. E eu fui, embora
não tenha o domínio do conceito, eu ganhei um encontro com Pierre Bourdieu. E esse encontro foi
um grande divisor de águas para mim. Levarei eternamente a gratidão e o amor por sua pessoa.
Moisés, a minha mão está estendida para a nossa amizade. Ter sido sua última orientanda foi uma
grande responsabilidade para mim e em muitos momentos não me senti à altura, vacilei, entrei em
conflito comigo mesma. Agora, depois do trabalho avaliado, me sinto satisfeita por saber que, de
alguma forma, este trabalho vai na direção do que você orienta.
Agradeço ao meu companheiro Oliveiro Marrocos. Obrigada pela generosidade, pelo carinho,
proteção e cumplicidade. Seu apoio foi fundamental para mim em todos os momentos. Nesses
quinze anos, que nos conhecemos, esse foi o momento que você mais me ajudou e me deu apoio
para continuar caminhando. Agradeço à minha mãe por tanto me querer bem e por tanto fazer o
possível para que eu alcance os meus objetivos.
Quero agradecer de maneira muito especial à Profa. Sandra Gadelha pela amizade, consideração,
pelas dicas, pela paciência e sobretudo, obrigada por dividir sua experiência, compartilhar seu
conhecimento. Obrigada pelo aceite de participar desta banca. Agradeço ao Prof. Ernandi Mendes,
meu primeiro orientador. Sensível, atencioso e sempre disponível para ajudar. Também não
poderia esquecer a Profa. Marly que desde o mestrado foi tão gentil e atenciosa comigo.
Agradeço as vibrações positivas de todos os meus irmãos da Casa Espírita Mãos de Luz. Obrigada
a todos pelo acolhimeto! Que cada trabalhador da seara espírita Mãos de Luz se sinta abraçado.
Agradeço aos bons amigos espirituais que estiveram comigo ajudando, alentando. Ao amigo
espiritual Simão, muito obrigada pelos bons conselhos, pela humildade no ouvir, pelas reflexões
oportunas. Estou esperando suas visitas e já diminuí o consumo de café como você me
recomendou, em breve eu retorno às meditações!
9
Agradeço imensamente à Carísia Maia, terapêuta amiga, que vem me conduzindo no processo da
busca pelo meu equilíbrio e saúde emocional. É maravilhoso ser sua paciente e sentir que você se
entrega plenamente ao sagrado ofício. À luz da sua condução pude caminhar melhor.
Agradeço aos meus irmãos José e Janice, por compreenderem minhas ausências, por me apoiarem,
prestarem ajuda sempre que necessitei. Esse trabalho também é de vocês. Aos meus três sobrinhos
deixo o meu agradecimento por compreenderem as minhas faltas durante tanto tempo. Iasmin,
Gabriela e Pedro, tia vai poder ver vocês esse final de semana!
Agradeço à vovó Margarida por tanto rezar e pedir a Deus que desse tudo certo. Tudo dará certo,
vó e o seu sonho de estudar não realizado eu estou realizando em sua homenagem. Em homenagem
à todas as mulheres que como a senhora não puderam frequenter a escola. Homenageio também
as lavadeiras de roupa, profissão que a senhora executou com maestria, apesar de gostar mais da
agricultura.
Obrigada ao Prof. Adir, pessoa da minha mais alta admiração, obrigada pela contribuição nesta
pesquisa. Agradeço carinhosamente à Profa. Lia Albuquerque por todas as contribuições dadas a
este trabalho. Sua leitura generosa, seu olhar atento e experiente foram fundamentais para o
fechamento deste trabalho. Prof. Lia, quero que saiba que sua participação na banca de defesa foi
um grande presente para mim. Aos Professores André Lira, Elda Melo e Gilmar Guedes muito
obrigada!
Agradeço aos professores da FAFIDAM que me receberam tão bem no período da pesquisa e que
foram dedicados em oferecer os recursos para que a pesquisa fosse encaminhada. Deixo o meu
agradecimento ao Prof. Rameres e à Profa. Lucenir por todo o apoio durante a pesquisa.
Às amigas Janine Mara, Leide Carla, Jacineide (Neide), Sílvia Moura, Fátima Bezerra e Graciele
Lima obrigada por todas as palavras de apoio, por acreditarem em mim, e serem tão boas
companhias. Nos momentos de maior fragilidade e dificuldade o ombro amigo de vocês me
fortaleceu. Sou feliz e agradecida à vida por colocar em meu caminho pessoas tão sensíveis e
generosas.
Ao querido amigo, Emerson Augusto de Medeiros, deixo o meu agradecimento! Você é um irmão
que a vida me deu, um companheiro de luta, alma querida e dedicada. Como é bom poder
pronunciar a palavra ‘amigo’, sentindo toda a plenitude de seu significado. Durante esses quatro
anos de doutorado, você foi a mão que mais me socorreu, que mais me prestou solidariedade, que
mais me ajudou. Sem suas mãos generosas eu nunca teria me afastado do trabalho para conseguir
escrever essa tese. Você me ensinou o caminho das “burocracias”, fez publicações junto comigo,
me auxiliou nas atividades de extensão, me consolou nos desesperos. Você é brilhante e eu me
sinto agraciada de poder estar perto do seu brilho, de ser iluminada por ele. O seu talento torna
você grande e toca quem convive com você.
Amigo Linconly, você está guardado no meu coração, extamentente no lugar onde se guarda os
irmãos. Meu Pai de Santo querido! Obrigada por me levar para ver o mar, em horas tão tristes.
Obrigada por me fazer sair da rigidez, da contração, da obsessão acadêmica, para sentir a leveza
dos orixás. Com você aprendi que a vida não precisa ser tão séria. Por fim, deixo meu
10
agradecimento e meu abraço à querida professora Marta Pernambuco (in memorian). Sua
inteligência e sensibilidade sempre foram inquietantes e me tocaram profundamente durante o
curso de Doutorado. Eu lembro de sua imagem constantemente, quando vejo como a realidade na
universidade está cada dia mais difícil. A senhora faz muita falta aqui neste plano, mas me conforta
saber que está agora realizando novas aprendizagens e colaborando com a ciência aí no plano
invisível onde só é possível enxergar se o coração está aberto para sentir, sem racionalizar. Muito
obrigada, querida Marta!
11
RESUMO
A presente pesquisa trata de uma análise sobre o campo universitário brasileiro, com recorte empírico
realizado em uma universidade estadual situada no interior do Ceará. Procura-se, como objetivo central,
analisar as principais reconfigurações ocorridas no campo universitário nas últimas décadas e apreender as
repercussões destas reconfigurações na Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM/UECE)
– instituição estadual de ensino superior, pertencente à Universidade Estadual do Ceará. Parte-se do
pressuposto que diferentes “imposições de legitimidade” vêm sendo operacionalizadas no interior do campo
universitário por meio de processos de regulação da prática científica cada vez mais burocratizada,
exigência de níveis de produtividade em espaços curtos de tempo, pressão por publicações em periódicos
qualificados. Além disto, a fragmentação entre ensino, pesquisa e extensão, permeada por impositivos de
uma política com viés mercadorizante vem produzindo mudanças significativas no interior do campo
universitário nacional. Desta forma, pressupõe-se que, dada a autonomia relativa deste espaço, ocorre
também um amplo processo de retradução/refração dessas imposições, como estratégia dos agentes para
preservar o campo de mudanças alheias aos interesses específicos de sua natureza. Assim, “dizemos que
quanto mais autônomo for um campo, maior será seu poder de refração e mais as imposições externas serão
transfiguradas, a ponto, frequentemente, de se tornarem perfeitamente irreconhecíveis” (BOURDIEU,
2004, p. 22). O presente trabalho ancora-se numa abordagem da sociologia reflexiva, mais especificamente
na abordagem praxiológica desenvolvida pelo sociólogo Pierre Bourdieu. No âmbito das principais
reconfigurações do campo universitário, a partir dos anos de 1990, pode-se dizer que o desmonte do modelo
único - fundamentado no princípio da autonomia universitária, pautado ao final dos anos de 1970, e
assegurado na Constituição Federal de 1988, somado à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão
– é o núcleo primordial de alterações realizadas no ensino superior a partir da década de 1990. No âmbito
da propositura desta tese, pode-se afirmar que a instituição pesquisada constitui-se como um subcampo do
campo universitário brasileiro. A investigação demonstra que dentre as principais reconfigurações neste
espaço encontra-se a implantação do Mestrado Acadêmico Intercampi (MAIE) – o primeiro Mestrado
Acadêmico do interior do Ceará a partir de 2013. Pode-se afirmar que as dinâmicas da instituição vêm
sendo reconfiguradas em face da presença da pós-graduação, sendo possível identificar um impulso na
produção científica. No bojo da produção científica identificamos a presença estruturada da atividade
extensionista incorporada formalmente ao curso de Pedagogia como eixo de formação discente. A
confluência de interesses entre áreas disciplinares tem favorecido os agentes do campo permanecerem no
jogo acadêmico na disputa pela definição legítima de região e de ciência.
Palavras-chave: Campo universitário. Ensino Superior. Reconfigurações.
12
RÉSUMÉ
La présente recherche porte sur une analyse du domaine universitaire brésilien, avec une étude empirique
réalisée dans une université d’État située à l’intérieur du Ceará. L’objectif central est d’analyser les
principales reconfigurations survenues dans le domaine universitaire au cours des dernières décennies et de
comprendre les répercussions de ces reconfigurations au sein de la Faculté de philosophie Dom Aureliano
Matos (FAFIDAM / UECE) - établissement d’enseignement supérieur public appartenant à l’Université
d’État de Ceará. Il est fondé sur l’hypothèse selon laquelle différentes "impositions de légitimité" ont été
mises en oeuvre dans le domaine universitaire par le biais de processus de régulation de pratiques
scientifiques de plus en plus bureaucratisées, d’exigences de niveaux de productivité en peu de temps, de
les journaux. De plus, la fragmentation entre l'enseignement, la recherche et la vulgarisation, imprégnée
des exigences d'une politique axée sur les commerçants, a entraîné des changements importants dans le
champ universitaire national. De cette manière, on suppose que compte tenu de la relative autonomie de cet
espace, il existe également un vaste processus de retranslation / réfraction de ces impositions, en tant que
stratégie des agents pour préserver le champ de changement sans rapport avec les intérêts spécifiques de
leur nature. Ainsi, "on dit que plus un champ est autonome, plus son pouvoir de réfraction sera grand, et
plus les impositions externes seront transfigurées, si souvent qu'elles deviennent parfaitement
méconnaissables" (BOURDIEU, 2004, 22). Le présent travail s'inscrit dans une approche de sociologie
réflexive, plus spécifiquement dans l'approche praxiologique développée par le sociologue Pierre Bourdieu.
Dans le contexte des grandes reconfigurations du domaine universitaire, à partir des années 1990, on peut
dire que le démantèlement du modèle unique - fondé sur le principe de l'autonomie universitaire, fondé sur
la fin des années 1970 et garanti par la Constitution fédérale de 1988, À l'indissociabilité de l'enseignement,
de la recherche et de la vulgarisation, s'ajoute le noyau primordial des changements intervenus dans
l'enseignement supérieur à partir des années 1990. Dans le contexte de la proposition de cette thèse, on peut
affirmer que l'institution étudiée se constitue en tant que sous-domaine du domaine Université brésilienne.
La recherche montre que parmi les principales reconfigurations dans cet espace figure la mise en œuvre du
Master académique Intercampi (MAIE) - le premier Master académique de l'intérieur du Ceará à partir de
2013. On peut affirmer que la dynamique de l'institution a été reconfigurée en face de la présence du
diplômé, et il est possible d'identifier une impulsion dans la production scientifique. Au sein de la
production scientifique, nous avons identifié la présence structurée de l’activité de vulgarisation
formellement incorporée au cours de pédagogie comme l’axe de la formation des étudiants. La convergence
des intérêts entre les domaines disciplinaires a incité les agents de terrain à rester dans le jeu académique
dans le conflit pour la définition légitime de la région et de la science.
Mots-clés: domaine universitaire. Enseignement supérieur Reconfigurations.
13
RESUMEN
La presente investigación trata de un análisis sobre el campo universitario brasileño, con recorte empírico
realizado en una universidad estatal situada en el interior de Ceará. Se busca, como objetivo central, analizar
las principales reconfiguraciones ocurridas en el campo universitario en las últimas décadas y aprehender
las repercusiones de estas reconfiguraciones en la Facultad de Filosofía Dom Aureliano Matos (FAFIDAM
/ UECE) - institución estadual de enseñanza superior, perteneciente a la Universidad Estatal de Ceará. Se
parte del supuesto de que diferentes "imposiciones de legitimidad", vienen siendo operacionalizadas en el
interior del campo universitario por medio de procesos de regulación de la práctica científica cada vez más
burocratizada, exigencia de niveles de productividad en espacios cortos de tiempo, presión por
publicaciones en periódicos calificados. Además, la fragmentación entre enseñanza, investigación y
extensión, permeada por impositivos de una política con sesgo mercantil viene produciendo cambios
significativos en el interior del campo universitario nacional. De esta forma, se presupone que, dada la
autonomía relativa de este espacio, ocurre también un amplio proceso de retraducción / refracción de esas
imposiciones, como estrategia de los agentes para preservar el campo de cambios ajenos a los intereses
específicos de su naturaleza. "Así," decimos que cuanto más autónomo es un campo, mayor será su poder
de refracción y más las imposiciones externas serán transfiguradas, a punto, a menudo, de llegar a ser
perfectamente irreconocibles "(BOURDIEU, 2004: 22). El presente trabajo se ancla en un abordaje de la
sociología reflexiva, más específicamente en el enfoque praxiológico desarrollado por el sociólogo Pierre
Bourdieu. En el marco de las principales reconfiguraciones del campo universitario, a partir de los años
1990, se puede decir que el desmonte del modelo único - fundamentado en el principio de la autonomía
universitaria, pautado al final de los años 1970, y asegurado en la Constitución Federal de 1988, que se
suman a la indisociabilidad entre enseñanza, investigación y extensión, es el núcleo primordial de
alteraciones realizadas en la enseñanza superior a partir de la década de 1990. En el ámbito de la proposición
de esta tesis, se puede afirmar que la institución investigada se constituye como un subcampo del campo
universitario brasileño. La investigación demuestra que entre las principales reconfiguraciones en este
espacio se encuentra la implantación del Máster Académico Intercampi (MAIE) - el primer Maestría
Académico del interior de Ceará a partir de 2013. Se puede afirmar que las dinámicas de la institución
vienen siendo reconfiguradas a la cara de la presencia del posgrado, siendo posible identificar un impulso
en la producción científica. En el seno de la producción científica identificamos la presencia estructurada
de la actividad extensionista incorporada formalmente al curso de Pedagogía como eje de formación
discente. La confluencia de intereses entre áreas disciplinarias ha favorecido a los agentes del campo
permanecer en el juego académico en la disputa por la definición legítima de región y de ciencia.
Palabras clave: Campo universitario. Enseñanza superior. Reconfiguraciones.
14
LISTA DE SIGLAS
ABE Associação Brasileira de Educação
ABMES Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior
CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CNPq Conselho Nacional de Pesquisas
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CsF Ciências sem Fronteiras
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
FIES Fundo de Financiamento Estudantil
FUNCAP Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cinetífico e
Tecnológico
GERES Grupo Executivo da Reforma da Educação Superior
IES Instituição de Ensino Superior
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
PARFOR Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
PBEU Programa de Bolsas de Estudo e Permanência Universitária
PEC-G Programa de Estudantes Convênio de Graduação
PDPP Programa de Desenvolvimento Profissional para Professores
PLI Programa de Licenciatura Internacional
PNAES Programa de Assistência ao Estudante de Ensino Superior
PNE Plano Nacional de Educação
PROCAMPO Programa de Apoio à Formação em Licenciatura em Educação do
Campo
PROUNI Programa Universidade para Todos
SISU Sistema de Seleção Unificada
SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
SNPG Sistema Nacional de Pós-Graduação
15
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Cursos Isolados
50
Quadro 2 - Universidades/Faculdades passageiras no Brasil
51
Quadro 3 - Universidades criadas entre 1934 – 1946
54
Quadro 4 - Principais marcos regulatórios das reconfigurações do campo
universitário nacional
71
Quadro 5 - Objetivação Participante
79
Quadro 6 - Sujeitos da Pesquisa
85
Quadro 7 - Professores entrevistados
88
Quadro 8 - Questionários
88
Quadro 9 - Variáveis (tipos de escolas, formação inicial dos professores)
88
Quadro 10 - Sujeitos da Pesquisa
89
Quadro 11 - Unidades e ensino no interior e respectivos cursos de graduação –
UECE
92
Quadro 12 - Programas e Bolsas vinculados ao Ensino, Pesquisa e Extensão na
UECE
94
Quadro 13 - Ingresso de novos docentes na FAFIDAM a partir de 2016 106
Quadro 14 - Laboratórios da FAFIDAM/UECE 107
Quadro 15 - Ex-alunos da FAFIDAM Professores efetivos em universidades
brasileiras
132
Quadro 16 - Grupos de Pesquisa relacionados ao Mestrado Acadêmico
Intercampi/FAFIDAM
133
Quadro 17 - Produção científica sobre a Chapada do Apodi com diferentes pares
vinculados ao LECAMPO e MAIE 2013 – 2019
153
Quadro 18 - Produção científica a partir do MAIE envolvendo as categorias:
Educação do Campo, Educação de Jovens e Adultos, Educação
Popular, Escolas Rurais, Práxis, Pedagogia do Oprimido
156
16
Quadro 19 - Produção científica derivada de pesquisas do MAIE e do
LECAMPO envolvendo as categorias: Educação do Campo,
Educação de Jovens e Adultos, Educação Popular, Escolas Rurais,
Práxis, Pedagogia do Oprimido
157
Quadro 20 - Circulação Internacional de ideias – Brasil, Lisboa, Inglaterra 162
17
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Número de publicações de pesquisas (papers) em nível mundial
2011-2016
57
Figura 2 - Servidores docentes efetivos na FUNECE, por titulação e regime de
trabalho (PDI 2012-2016)
98
Figura 3 - Servidores docentes efetivos na FUNECE, por classe e regime de
trabalho (PDI 2012-2016)
98
Figura 4 - Servidores docentes efetivos na FUNECE, por titulação e regime de
trabalho (PDI 2017-2021)
99
Figura 5 - Servidores docentes efetivos na FUNECE, por classe e regime de
trabalho (PDI 2017-2021)
99
Figura 6 - Principais Metas UECE 2014-2015 101
Figura 7 - Região do Baixo Jaguaribe 104
Figura 8 - Número de alunos por cidade FAFIDAM/UECE 105
Figura 9 - Professores efetivos e substitutos na FAFIDAM 106
Figura 10 - Distribuição dos grupos de pesquisa, pesquisadores e doutores por
instituição 2016
122
Figura 11 - Universidades brasileiras com maior número de publicações 123
Figura 12 - UFC e UECE no ranking internacional 125
Figura 13 - Projetos de Extensão no PPC Pedagogia/FAFIDAM 127
Figura 14 - Evolução do número de ingressos na Pós-Graduação
FAFIDAM/UECE 1998 a 2019
130
Figura 15 - Alunos egressos da FAFIDAM/UECE efetivos em Universidades
brasileiras
131
Figura 16 - Folder/Convite de comemoração de dez anos do LECAMPO 134
Figura 17 - Produção científica sobre o Baixo Jaguaribe no campo da Geografia
Agrária
148
Figura 18 - Pesquisas sobre a região do Baixo Jaguaribe sob orientação de
Raquel Rigotto
151
18
Figura 19 - União de dois campos da educação superior 167
Figura 20 - Interseção de dois campos da educação superior
Figura 21 - Interseção de variados campos sociais 169
19
LISTA DE FOTOS
Foto 1 - Parede lateral do Restaurante Universitário da FAFIDAM
108
Foto 2 - Finalização do semestre em 2018/Reunião de Trabalho LECAMPO 112
20
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
22
CAPÍTULO I – Teoria dos campos e reconfigurações do campo
universitário
34
1.1 Praxiologia e campo social
34
1.2 Formação do campo universitário no Brasil
48
CAPÍTULO II – Caminhos da Pesquisa
74
2.1 A objetivação participante
74
2.2 Os sujeitos da Pesquisa e as entrevistas: considerações e
detalhamentos
83
2.3 Itinerário das entrevistas 90
2.4 Caracterização da Universidade Estadual do Ceará - UECE 91
2.5 A Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos - FAFIDAM 103
2.6 Apresentação do Laboratório de Estudos da Educação do Campo –
LECAMPO e Mestrado Acadêmico Intercampi
109
CAPÍTULO III – O campo científico nacional: modelos de universidade 113
3.1 Modelos de Universidade no Brasil 113
3.2 Origens e desdobramentos dos modelos: napoleônico, humboldtiano e
americano
114
3.3 Estrutura do campo científico nacional: análise comparada 121
3.4 O campo científico no Ceará 124
3.5 O campo científico e sua materialidade na FAFIDAM 126
CAPÍTULO IV – Achados da Pesquisa 136
4.1 Laboratório de Estudos da Educação do Campo: identidades e
resistências
136
21
4.2 A distribuição dos capitais 141
4.3 Pós-Graduação no contexto de confluências na FAFIDAM: produção
científica a partir de campos disciplinares
144
4.4 O crescimento da produção científica por meio da Pós-Graduação na
FAFIDAM
158
4.5 Internacionalização e trocas simbólicas na FAFIDAM/UECE:
diálogos interculturais e científicos entre Brasil e Reino Unido
160
CONSIDERAÇÕES FINAIS 171
REFERÊNCIAS 175
ANEXOS 181
22
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa trata de uma análise sobre o campo universitário brasileiro, com
recorte empírico realizado em uma universidade estadual situada no interior do Ceará. Procura-se,
como objetivo central, analisar as principais reconfigurações ocorridas no campo universitário nas
últimas décadas e apreender as repercussões destas reconfigurações na Faculdade de Filosofia
Dom Aureliano Matos (FAFIDAM/UECE) – instituição estadual de ensino superior, pertencente
à Universidade Estadual do Ceará.
Parte-se do pressuposto que diferentes “imposições de legitimidade” vêm sendo
operacionalizadas no interior do campo universitário por meio de processos de regulação da prática
científica cada vez mais burocratizada, exigência de níveis de produtividade em espaços curtos de
tempo, pressão por publicações em periódicos qualificados. Além disto, a fragmentação entre
ensino, pesquisa e extensão, permeada por impositivos de uma política com viés mercadorizante
vem produzindo mudanças significativas no interior do campo universitário nacional. Desta forma,
pressupõe-se que, dada a autonomia relativa deste espaço, ocorre também um amplo processo de
retradução/refração de tais imposições, como estratégia dos agentes para preservar o campo de
mudanças alheias aos interesses específicos de sua natureza. Assim, “[...] dizemos que quanto mais
autônomo for um campo, maior será seu poder de refração e mais as imposições externas serão
transfiguradas, a ponto, frequentemente, de se tornarem perfeitamente irreconhecíveis”
(BOURDIEU, 2004, p. 22).
O amplo acervo de pesquisas realizadas no âmbito da educação superior revela que este
nível de ensino vem passando por profundas alterações desde os anos de 1990. O processo de
expansão acelerada, propiciada pela diversificação institucional e fomentada por políticas e
programas específicos vem colocando o campo universitário frente a uma encruzilhada expressa
entre democratização e massificação mercantil (SGUISSARD, 2015). A separação entre
universidade de pesquisa e universidade de ensino tem marcado sérias disputas entre
pesquisadores e especialistas (BALBACHEVSKY, 1995; SCHWARTZMAN, 2006; DURHAM,
2003) e de outro lado, tem levado às resistências quanto a esse modelo (DOURADO, 2008;
CATANI; OLIVEIRA; DOURADO, 2001, SAVIANI, 2010 e outros). Estes processos evidenciam
que a agenda e os temas que constituem o campo universitário também fazem parte do conjunto
de relações de forças entre agentes, configuradas por batalhas classificatórias. Sobre este aspecto,
Hey (2008, p. 22) destaca que:
23
[...] o poder na instituição de uma agenda acadêmica em educação superior é representado
pela confluência nas batalhas classificatórias, que foram travadas no espaço de produção
acadêmica, pelo grupo que conseguiu dominá-lo, nesse momento específico. Em tal jogo,
o grupo dominante mobiliza os instrumentos próprios da atividade científica, mas,
sobretudo os recursos extracientíficos, os quais permitem a realização do trabalho de
imposição do conhecimento e reconhecimento do produto dito acadêmico.
O estudo realizado por esta autora demonstra que, no espaço do campo universitário, as
lutas simbólicas em torno dos objetos ditos científicos, são perpassadas por interesses políticos, e
caracterizam-se não apenas na imposição dos dominantes, mas também na resistência dos
dominados. Grosso modo, no Brasil é possível afirmar que essas lutas se configuram na formação
de grupos, tanto do alto clero como do baixo clero. Há lutas permanentes em torno da definição
legítima de sistema de educação superior, de um lado o grupo da USP figurado pelo Núcleo de
Pesquisas sobre o Ensino Superior (NUPES)1 representando o alto clero - e que em grande medida
influenciou as políticas públicas geradas para o ensino superior na última década de 1990 - de
outro os pesquisadores ligados ao campo disciplinar da Educação, representando o baixo clero2.
Vale dizer que, esta separação se institui no plano das políticas que, a partir de 1995
especificamente vêm produzindo a diversificação, diferenciação e processos de flexibilização dos
currículos e dos formatos institucionais no contexto do ensino superior.
O presente trabalho ancora-se numa abordagem da sociologia reflexiva, mais
especificamente na abordagem praxiológica desenvolvida por Pierre Bourdieu. A temática do
ensino superior está na agenda das políticas educacionais, configurada por meio de estudos
encomendados, com um corpo de profissionais especializados e autorizados a falarem sobre este
nível de ensino.
Pode-se afirmar, desta maneira, que o campo de estudos relacionado ao ensino superior
se constitui, sociologicamente, como um problema legítimo no sentido de que ocupa uma agenda
pública, oficial, dotada de uma espécie de universalidade, sobretudo pelo fato de estar interligado
e garantido pelo Estado (BOURDIEU, 2003). Ou seja, é um problema socialmente construído,
perpassado por interesses diversos, dentre os quais se destaca como ‘problema oficial’ na política
educacional brasileira.
1 Atualmente o grupo é denominado como Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP. 2 Para aprofundamento, ver: “Esboço de uma sociologia do campo acadêmico” de Ana Paula Hey (2008).
24
Assim, pode-se também afirmar que, há uma ampla literatura3 onde se destacam Cunha
(1989; 2007); Oliveira (2011); Morosini (2011); Ribeiro (1975); Sampaio (2014); Saviani (2015);
Cavalcante (2000); Dourado, Catani e Oliveira (2004); Oliveira (2000); Ferreira (2015); Mazzilli
(2011); Azevedo (2015); Miranda (2008); Castro e Barbalho (2015); Pacheco, Pereira e Domingos
Sobrinho (2010), somado a isto, há também um conjunto de grupos de pesquisa, observatórios e
laboratórios4 voltados para as temáticas pertinentes a este nível de ensino que aborda o ensino
superior como problema de pesquisa, e diversos autores nacionais e internacionais que procuram
entender este nível de ensino a partir de diversas lentes de análise destacando-se o viés da política
educacional.
É válido observar que há o predomínio de análises direcionadas para o ensino superior,
que se voltam em grande medida para as universidades situadas nos grandes centros, com especial
foco para as regiões sul e sudeste e com destaque para as universidades federais. Esse interesse
não se dá não por acaso, mas porque nestas regiões se encontram também os programas de pós-
graduação melhor posicionados no campo universitário, além de que há maior captação de recursos
3 Destacam-se algumas literaturas que abordam o ensino superior sob o entendimento de que este vem passando por diferentes crises, em obras reconhecidas no meio universitário, tais como “Crise da universidade” De Peter Scott (1984); A universidade em ritmo de barbárie de José Arthur Giannotti (1986); O naufrágio da universidade de Michel Freitag (1995) - esta obra originalmente em francês (Le naufrage de l’université et autres essays d’ épistemologie politique); Universidade em ruínas de Bill Readdings (1996); A universidade em tempo de conciliação autoritária de Franklin Leopoldo e Silva (2004). É possível encontrar apontamentos acerca destas obras no trabalho “Universitas semper reformanda”? A história da Universidade de São Paulo e o discurso da gestão à luz da estrutura social de Maria Caramez Carlotto (2014). Além destas, “A universidade na encruzilhada” de Cristovam Buarque (2003); “Escritos sobre a universidade” de Marilena Chauí (2001). No âmbito das pesquisas voltadas para análise das últimas remodelagens do ensino superior destacam-se Fávero e Sguissard (2012); Dourado (2008); Hey (2008), Oliveira
(2000); dentre outros. A Rede Universitas BR dispõe de farto material sobre o ensino superior, com acervo de
pesquisas atuais e, o Observatório da Educação também desenvolve estudos direcionados diretamente para o ensino
superior. 4 Rede Sulbrasileira de Investigadores em Educação Superior (RIES), que é um Núcleo de Excelência em Ciência,
Tecnologia e Inovação do CNPq/FAPERGS, composto pela PUCRS, UFRGS, UFSM, e UNISINOS; Grupo de
Estudos e Pesquisas em Educação Superior (GEPES) que analisa a expansão da Educação Superior no Brasil nos
governos Lula (2003-2010) e Dilma a partir de 2011; Observatório da Educação Superior da UFPR que atua de
maneira interinstitucional em parceria com Programas de Pós-Graduação; Observatório Universitário da Unicamp que
disponibiliza documentos e análises acerca do Ensino Superior, vinculado também à Revista Ensino Superior
Unicamp, do Centro de Estudos Avançados da Unicamp; Observatório do PNE que apresenta um acompanhamento
dos indicadores e estratégias para alcance da Meta de número 12 do atual Plano Nacional de Educação 2014 – 2024
(PNE); Observatório da Ciência, Tecnologia e das Qualificações vinculado à Direção-Geral de Estatísticas da
Educação e Ciência cujo objetivo é o estudo da capacidade científica e tecnológica nacional no âmbito do Ensino
Superior, tendo este Observatório projeção nacional e internacional; Instituto de Estudos Avançados da Universidade
de São Paulo que realiza estudos sobre instituições e políticas públicas, tendo este Instituto projeção nacional e
internacional. É possível localizar toda a produção desses grupos em plataformas virtuais. Além destes, é possível
também localizar grande quantidade de conteúdos e dados relacionados à Educação Superior na página do Censo da
Educação Superior.
25
por parte de grupos de pesquisa consolidados por longo tempo em tais contextos geográficos, além
disso as universidades federais contam com recursos da União, e correspondem a 36,3% da oferta
de educação superior no Brasil.
No âmbito das principais reconfigurações do campo universitário, a partir dos anos de
1990, pode-se dizer que o desmonte do modelo único5 - fundamentado no princípio da autonomia
universitária, pautado ao final dos anos de 1970, e assegurado na Constituição Federal de 1988,
somado à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão – é o núcleo primordial de alterações
realizadas no ensino superior a partir da década de 1990. Atrelado a este processo a reforma do
Estado, caracterizada pelo avanço da globalização e neoliberalismo, empreendeu uma
reengenharia em toda a estrutura social.
No lastro das modificações instituídas no campo universitário, a partir de 1995, quando
da formulação da Lei de Diretrizes e Bases a inserção de dispositivos definindo que a organização
acadêmica para a educação superior seria classificada em Universidades, Centros Universitários,
Institutos Superiores ou Escolas Superiores, houve a oficialização do processo de diversificação
institucional. A reestruturação da organização acadêmica inclui profundas mudanças na identidade
e no projeto de desenvolvimento institucional das universidades públicas (CATANI &
OLIVEIRA, 2004). A partir disto, Mancebo (2015) aponta dois caminhos decorrentes, primeiro a
quebra do modelo de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e, segundo o estímulo a
novas modalidades de formação e de pesquisa.
Os dados do Censo da Educação Superior (2016) informam que a rede pública de ensino
superior é responsável por 24,7% das matrículas, o que corresponde a um total de 1.990.078 alunos
matriculados na rede pública, enquanto na rede privada o valor percentual chega a 75,3% o que
equivale em números absolutos a 6.058.623 de alunos matriculados em instituições de ensino
superior privadas. Pode-se afirmar que, o processo expansionista se configura de maneira
desordenada, do ponto de vista de sua regulação e controle da oferta por parte do Estado, gerando
5 Implementado a partir da Reforma Universitária de 1968, definida pela Lei 5.540/68, que passou a orientar os rumos da universidade. Dentre as principais mudanças que esta Reforma instituiu está a extinção do regime de cátedras, havendo a partir de então a progressão na carreira docente vinculada aos graus acadêmicos de mestre e doutor. A partir desta Reforma passou a ser estruturado o trabalho em tempo integral e dedicação exclusiva que recebeu incentivos para fixar professores e pesquisadores na universidade. A Reforma previu o princípio da autonomia em nível didático-científico e disciplinar, posteriormente, esse princípio foi retomado e assegurado pela Constituição Federal de 1988 (CUNHA, 1989; DOURADO, 2008).
26
um sistema de ensino superior heterogêneo e complexo, inersectado por orientações e intrusões
externas.
Assim, nossa análise se dará com vistas a apreender as reconfigurações do campo
universitário, mas enfocando uma instituição periférica e observando as repercussões das
reconfigurações ocorridas no plano macro e que se refletiriam no micro do nosso campo de
observação. Desse modo, sistematizamos e traçamos os objetivos específicos da pesquisa da
seguinte forma:
a) Identificar as principais reconfigurações do campo universitário brasileiro, ocorridas
a partir dos anos de 1990 com vistas a apreender os seus desdobramentos no contexto
de uma universidade estadual situada no interior do estado do Ceará;
b) Mapear as propriedades gerais e específicas que caracterizam o campo (ou subcampo)
na realidade investigada, para compreender a sua dinâmica específica;
c) Descrever os capitais dos agentes inseridos nas disputas do subcampo pesquisado, por
meio de análise morfológica centrada no perfil sociológico desses;
d) Elucidar, especificamente, as estratégias desenvolvidas pelos agentes da instituição
periférica frente às mudanças, bem como para manter-se nas disputas em torno do
jogo acadêmico.
Desta feita, a seguinte pergunta orienta o ponto de partida deste trabalho: Quais as
principais repercussões ocorridas na Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos
(FAFIDAM) a partir das últimas reconfigurações do campo universitário brasileiro? Todo o
escopo deste trabalho está amparado pela Teoria dos Campos de Pierre Bourdieu. Desta forma, é
importante explicar nosso lugar de fala, ou seja, é oportuno situar nosso lugar epistêmico. Ao tratar
do campo universitário e suas reconfigurações, partimos do entendimento de que o espaço, que
configura o ensino superior se organiza-se como um campo – que denominamos de campo
universitário. Originariamente, a noção de campo desenvolvida por Pierre Bourdieu aparece como
alternativa, frente a diferentes formas de análise do mundo social e dos produtos culturais
predominantes nas Ciências Sociais desde os anos de 1950. O campo científico é um microcosmo,
com autonomia relativa e leis próprias de funcionamento e, assim como os demais campos sociais,
dispõe de autonomia relativa, ao mesmo tempo em que a imposição de pressões externas se tornam
cada vez mais notórias.
27
Bourdieu (1997) explica que a noção de campo é uma ideia extremamente simples, e parte
da compreensão de que para compreender uma produção cultural, por exemplo, não basta referir-
se ao conteúdo textual dessa produção ou tampouco estabelecer uma relação direta entre texto e
contexto. Para ilustrar, o autor explica que na França com o florescimento da semiologia e
posteriormente com o que se convencionou chamar de pós-modernismo pelo mundo, o texto
passou a ser o alfa e o ômega para compreensão dos produtos culturais, como se nada mais
houvesse, num movimento de fetichismo do texto autonomizado.
Bourdieu (1997) elenca a tradição, frequentemente representada por aqueles que se filiam
ao marxismo, onde se propõe a relação entre texto e contexto para interpretar as obras colocando-
as em relação com o mundo social ou mundo econômico. Nessa esteira de reflexão, Bourdieu
(1997) explica que essa relação direta entre texto e contexto, em sua percepção, caracteriza-se
como um “erro do curto-circuito”, pois consiste em “[...] relacionar uma obra musical ou um
poema simbolista com as greves de Foumies ou as manifestações de Anzim” (BOURDIEU, 1997,
p. 20). Para o autor, entre esses dois pólos de análise - que ele classifica como sendo um de caráter
internalista e outro de caráter externalista – existe um universo intermediário, que denomina de
campo literário, artístico, jurídico ou científico.
Isto significa, para o autor, que há um universo onde estão “[...] inseridos os agentes e as
instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência”
(BOURDIEU, 1997, p. 20). Assim, a noção de campo refere-se a espaços relativamente
autônomos, dotados de leis próprias, ao mesmo tempo submetidos à leis gerais das quais o
macrocosmo também se encontra submetido. Nesses moldes, Bourdieu (1997, p. 21) explica que
“o campo científico é um mundo social e, como tal, faz imposições, solicitações, etc., que são, no
entanto, relativamente independentes das pressões do mundo social global que o envolve.”
Os campos, nesta perspectiva, possuem graus de autonomia relativa que se expressam
pela capacidade de refratarem as imposições, tornando-as, por vezes, irreconhecíveis. O autor
destaca também que, inversamente, a heteronomia dos campos se expressa muito claramente por
meio da entrada direta de problemas políticos no seu interior. E afirma:
Isto significa que a ‘politização’ de uma disciplina não é indício de uma grande
autonomia, e uma das maiores dificuldades encontradas pelas ciências sociais para
chegarem à autonomia é o fato de que pessoas pouco competentes, do ponto de vista de
normas específicas, possam sempre intervir em nome dos princípios heterônomos sem
serem imediatamente desqualificadas (BOURDIEU, 1997, p. 22).
28
Nessa direção, ao tratar da autonomia dos campos, da natureza das pressões externas e
sob quais formas se manifestam as resistências, o autor destaca a importância de escapar à
alternativa da “ciência pura” e da “ciência escrava”. Pois a primeira se posiciona como totalmente
livre acerca de qualquer necessidade social, enquanto a outra se coloca como sujeita a todas as
demandas político-econômicas (BOURDIEU, 1997).
O campo universitário a que nos reportamos aqui “[...] diz respeito ao aparato institucional
assegurado pelo Estado brasileiro que garante a produção, circulação (e mesmo o consumo) de
bens simbólicos que lhe são inerentes (...)” (HEY, 2008, p. 11). Ainda de acordo com esta autora,
este aparato envolve o conjunto das instituições de Educação Superior, tanto públicas como
privadas, abrangendo seus variados níveis, formato e natureza. Oliveira e Catani (2012, p. 150)
assinalam que:
Estrictamente hablando, solo podriamos hablar de universidades al referirnos a las
instituciones universitarias, y a las otras, como instituciones no universitarias o de
ensenanza superior... adoptaremos la terminologia campo universitario para referirnos al
conjunto de las instituciones que integran la educacion superior, principalmente las
universidades que se dedican mas a la investigacion y al posgrado (maestria y doctorado).
Isto posto, escolhemos para participar da pesquisa 05 (cinco) professores, sendo 02
(duas) professoras e 03 (professores), todos em exercício profissional – com, pelo menos, dez anos
de trabalho na instituição, atuantes em atividades de ensino, pesquisa e extensão, além de
atividades próprias da burocracia do campo científico. Os docentes escolhidos para participar da
investigação, possuem titulação mínima de Mestre, sendo que 02 (dois) são pós-doutores, 02 (dois)
são doutores e 01 (um) é Mestre. No quadro abaixo constam as informações referentes aos sujeitos
da pesquisa, com titulação, tempo de trabalho e curso onde cada um ministra aulas:
SUJEITOS TITULAÇÃO TEMPO DE
TRABALHO NA
INSTITUIÇÃO
CURSO EM QUE
LECIONA
Professor José Pós-doutor 26 anos Pedagogia/Mestrado
Acadêmico
Intercampi
Professora Maria Pós-doutora 26 anos Pedagogia/Mestrado
Acadêmico
29
Professor João Doutor 24 anos História/Mestrado
Acadêmico
Intercampi
Professora Lúcia Doutora 21 anos Geografia
Professor Francisco Mestre 13 anos História
Os critérios de escolha se deram a partir das observações em campo, no andamento da
pesquisa, visto que passamos a perceber que seria possível responder às questões do estudo
elaborando uma análise do tipo morfológica, uma vez que não seria possível consultar todo o
universo de agentes envolvidos na dinâmica da instituição6. Nesse sentido, a instituição, embora
tenha um quadro de 110 (cento e dez) professores, do quadro de profissionais efetivos, há apenas
73, dentre os quais 05 (cinco) fizeram parte da pesquisa. Os agentes escolhidos para a pesquisa se
encontram em posições estratégicas no interior do campo, desenvolvem atividades variadas,
transitam também no espaço político, configurado pela relação com Movimentos Sociais na região
onde a instituição está localizada, estabelecem conexões com outras instituições de ensino
nacionais e internacionais, colaboram com a organização da agenda institucional a partir de seus
objetos de estudo, aglutinam capital e poder simbólico em grupos de pesquisa e estudo, participam
de bancas diversas, atuam em Comissões e Comitês, lideram atividades em laboratórios onde
coordenam e/ou colaboram e protagonizam ativa participação na vida acadêmica da instituição,
não apenas no âmbito da região, na qual a instituição está circunscrita. Destes cinco professores
investigados, três foram alunos da instituição entre as décadas de 1980 e 1990.
Além destes profissionais, realizamos também entrevista com 03 (três) alunos formados
na instituição de ensino ora pesquisada e posteriormente alunos do Mestrado oferecido pela mesma
instituição. No quadro abaixo constam algumas informações referentes aos discentes sujeitos da
pesquisa:
ALUNOS IDADE ANO DE CONCLUSÃO DO
MESTRADO
TRABALHO
Aluno 1 27 anos 2017 Professor do Instituto
Federal do Ceará
(IFCE)
Aluna 2 30 anos 2016 Professora da
Universidade Estadual
do Ceará (UECE)
6 Na descrição da metodologia.
30
Aluna 3 25 anos 2019 Professora da Rede
Básica de Educação
A escolha por incluir esses sujeitos na pesquisa se deu, porque observamos que, no lastro
das principais reconfigurações do campo universitário, a pós-graduação aparece no contexto da
instituição pesquisada como uma das repercussões mais visíveis. Os alunos escolhidos para a
pesquisa são ex-alunos da graduação na FAFIDAM, tendo realizado ingresso no Mestrado logo
após a conclusão do curso de graduação. Neste aspecto, em especial, procuramos demonstrar como
a lógica da economia que rege as trocas simbólicas no interior da instituição é garantidora da
produção e reprodução de capitais simbólicos e institucionalizados que vêm conduzindo os
‘excluídos do interior’ ao caminho da pós-graduação. Não se trata aqui de um apelo retórico falar
em ‘excluídos do interior’, pois no mapeamento por nós realizado, constatamos que ocorre o
ingresso de alunos que concluíran a graduação na FAFIDAM na pós-gradução. No espaço-tempo
entre 1998 e 2019 houve regularidade do ingresso, tendo havido a partir de 2014 um crescimento
mais expressivo deste ingresso. A instituição é reconhecida na região pelo protagonismo na
formação de professores. Dentre esses que ingressaram na pós-graduação no período mapeado
(1998 – 2019), aproximadamente 26 (vinte e seis) são professores do Magistério Superior em
diferentes cidades do Brasil. Se considerarmos que a FAFIDAM tem um total de 1.006 alunos
matriculados, veremos que os números que parecem irrisórios, possuem uma dimensão sociológica
valiosa.
O uso da noção de “excluídos do interior” esta se faz com amparo na teoria de Pierre
Bourdieu obsevando-se que a instituição por nós investigada tem em seu quadro discente a
presença majoritária de estudantes oriundos de escolas públicas7, residentes nas cidades do
7 O Relatório Geral do Censo Discente Universidade Estadual do Ceará (UECE), realizado em 2013, consta que o
público que frequenta a instituição é predominantemente jovem, na faixa etária de 15 a 24 anos, correspondendo a
64,25%. O detalhamento do Censo explicita também que 48,02% dos estudantes da UECE vieram de escola pública,
isto quando não consideradas as especificidades por campi; 85% dos estudantes da UECE moram com os pais; 56,41%
são trabalhadores; 15,91% das famílias vive com renda de apenas um salário mínimo; 60,24 % sobrevive em cenários
de pobreza e extrema pobreza (até 01 a 03 salários mínimos); 37,22 tem rendimentos entre 03 a 10 salários mínimos
e 1,16% acima de 20 salários mínimos. Embora já se tenha passado seis anos após o levantamento realizado pela
instituição, serve de parâmetro, além disto o director da instituição informou que foi realizado um levantamento
recente e disponibilizará para a finalização das analises deste trabalho.
31
interior, onde predomina a agricultura, ou atividades de pequenos comércios. Os dados referentes
ao perfil dos estudantes revelam que quase todos são pertencentes à classe D e E.
Quanto aos procedimentos utilizados para realização das análises, fizemos uma incursão
em campo, por meio de observações (observação direta) e diário de campo, pois durante dez meses
acompanhamos diferentes atividades na instituição. A partir disto, definimos que, para responder
às perguntas do estudo seria possível realizar uma análise do tipo morfológica, considerando os
agentes melhor posicionados no interior do campo. Para tal fizemos uso da entrevista, no estilo da
autoanálise provocada, conforme apresenta Bourdieu (2008) em sua obra “A miséria do Mundo”.
Realizamo a aplicação de questionário aberto, e procuramos realizar a objetivação participante no
campo pesquisado, o que favoreceu um conjunto de análises com viés etnográfico. Além destes
procedimentos em campo, procedemos à análise de documentos da instituição, dentre os quais se
destacam o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI, 2012-2016), Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI, 2017-2021), Relatório de Desempenho da Gestão (2015), Censo
Socioeconômico e Cultural dos Alunos da UECE: Versão 2009 e, Relatório Geral do Censo
Discente da UECE – 2013.
Assim, o que consideramos ser uma usina de capitais parece se configurar na relação
exitosa entre alunos e professores, em determinado conjunto de relações na instituição, sobretudo,
institucionalizada pela relação nas atividades dos Laboratórios, que funcionam como verdadeiras
‘usinas’ de capitais e formadores de habitus. Tudo isso, expressa aspectos de como a valorização
aparentemente ‘pouco interessada’ da autoridade científica, do prestígio e da notoriedade
intelectual (BOURDIEU, 2011) reforçam não apenas os capitais, mas também um conjunto de
habitus que demarcam as identidades do grupo. Isto porque o interesse no espaço de produção
simbólica se dá movido por uma lógica diferente da lógica economicista, portanto, chamamos de
illusio, porque não se trata de um interesse utilitarista, ou cínico, mas uma forma de estar, investir
e acreditar que jogar vale a pena. Nesses moldes Aguiar (2017, p, 231) esclarece que:
O que a noção de illusio reflete, como interesse em um campo, é a cumplicidade e o
ajustamento entre as estruturas mentais dos sujeitos (seus habitus ou suas disposições) e
as estruturas objetivas (os próprios campos, suas regularidades, os alvos em jogo, as
disputas), manifestados numa tendência à ação, ao investimento, que nasce desse acordo.
Ante o exposto, organizamos o trabalho da seguinte maneira:
32
No Capítulo I - apresentamos um esboço geral da Teoria dos Campos em Pierre Bourdieu,
em seguida fazemos uma breve apresentação acerca do surgimento das instituições de ensino
superior no Brasil, evidenciando o processo de formação do campo universitário no Brasil e
apresentamos as principais reconfigurações ocorridas a partir dos anos de 1990. Neste primeiro
capítulo, buscamos responder à nossa primeira pergunta que abre o estudo. Assim procuramos
demonstrar quais as principais reconfigurações do campo universitário, bem como procuramos
apresentar um esboço da Teoria dos Campos.
No Capítulo II – Apresentamos os caminhos da pesquisa, evidenciando os procedimentos
escolhidos para responder às principais questões do estudo. Em seguida apresentamos uma
caracterização da Universidade Estadual do Ceará (UECE), buscando evidenciar que a instituição
é apenas uma das instituições que compõem o campo universitário cearense. No procedimento das
análises específicas da instituição elaboramos analogias com o campo universitário nacional,
realizando observações acerca do quadro específico da instituição, que por ser de categoria
administrativa estadual apresenta uma dinâmica específica, principalmente por estar situada numa
região interiorana. Ao mesmo tempo, é possível identificar uma relação estreita entre a dinâmica
do campo nacional com o campo estadual.
No Capítulo III – Apresentamos maiores detalhes acerca deste campo, evidenciando
melhor suas características, com ênfase na produção científica que, a nosso ver, demarca,
atualmente, um ponto fundamental de diferença entre as instituições de ensino superior públicas e
as instituições de ensino superior privadas. Fica evidente, por meio da pesquisa, que a universidade
pública brasileira é responsável majoritária pela produção da ciência e assim o foi historicamente
desde sua consolidação. Assim, o campo universitário é compreendido enquanto manifestação do
campo científico, razão pela qual utilizamos as duas denominações ao longo do texto. Como uma
espécie de prolegômenos, buscamos evidenciar que as reconfigurações as quais o campo
universitário vem passando, se encontram atreladas à questão dos ‘modelos de universidade’, que
a partir das décadas de 1980 e 1990 passam por redefinições em face da reforma do Estado. Em
seguida estabelecemos uma análise comparada entre o trabalho de Miranda (2008) e os dados
recentes sobre a produção científica brasileira. A pesquisa realizada por esta autora, apresenta um
quadro geral do campo científico nacional ainda no ano de 2008, além de um recorte específico no
campo da FAFIDAM. Após uma década, esse quadro continua semelhante no que se refere ao
33
campo científico nacional e a posição das instituições hegemônicas do campo. No âmbito da
FAFIDAM o quadro esboçado pela autora naquele período, se encontra modificado, tendo havido
reconfigurações. Destacamos a análise do campo nacional até o campo científico no Ceará. Por
último, fazemos um comparativo entre os achados de Miranda (2008) e as reconfigurações atuais
da FAFIDAM. Os substratos da pesquisa realizada pela autora servem de referencial empírico para
um panorama e quadro comparativo, que demonstra importantes reconfigurações e mudanças na
instituição nesta última década.
34
CAPÍTULO I
TEORIA DOS CAMPOS E RECONFIGURAÇÕES DO CAMPO UNIVERSITÁRIO
BRASILEIRO
Tratamos aqui de apresentar um esboço geral da teoria dos campos em Pierre Bourdieu.
A guisa de introdução elencamos as contribuições da Praxiologia elaborada pelo autor, entendida
como filosofia disposicional ou filosofia da ação - condensada em um pequeno número de
conceitos fundamentais: campo, capital e habitus. A partir destes elementos, vamos refletir sobre
a formação do campo universitário no Brasil, suas principais reconfigurações e suas possíveis
repercussões destas relacionadas à instituição de ensino superior estadual localizada no interior do
Ceará – a Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM), vinculada à Universidade
Estadual do Ceará (UECE).
1.1 Praxiologia e o conceito de campo social
Pensar o conceito de campo implica obrigatoriamente conceber a sociedade moderna como
complexa e heterogênea, sobretudo, porque se encontra organizada a partir de uma lógica de
diferenciação social das atividades ou funções (LAHIRE, 2017). Este é o primeiro ponto
importante para que se compreenda que a noção de campo diz respeito a uma concepção sobre o
mundo social a partir de seu funcionamento em relação inextrincável com os que o produzem – os
agentes sociais. Assim, o exercício fundamental que a Praxiologia nos impõe é entender o mundo
social como configurado por uma dupla objetividade, o que corrobora para que se possa “[...]
desvendar a multifacetada dialética das estruturas sociais e mentais no processo de dominação.”
(WACQUANT, 2002, p. 98).
Nesse sentido, adotar o conceito de campo é pensar, sobretudo nas sociedades
diferenciadas, e que no século XXI se configuram como altamente diferenciadas. Nesse sentido,
pensar a sociedade atual a partir do complexo processo de diferenciação entre as atividades sociais
requer que façamos uma observação acerca da economia de bens simbólicos, que caracteriza o
imenso mercado de trocas simbólicas. A elaboração do conceito de campo revela, na sua base, a
dimensão simbólica que circunscreve as práticas sociais. Embora o economicismo tenha se
consolidado desde século XVIII e ocupe um lugar legitimado na análise sobre o mundo social, é
importante destacar que a praxiologia de Bourdieu demonstra, tal como afirma Sapiro (2017), que
35
alguns universos sociais não têm seu princípio de funcionamento ancorado na economia, mas
funcionam com os princípios da economia pré-capitalista. Bourdieu (1989) demonstra que nos
universos da ciência, da literatura, da arte e da religião prevalece “o interesse pelo desinteresse”.
Assim, a economia de bens simbólicos que governa certos universos baseia-se na recusa do
cálculo, da lógica do valor, posto que é o interesse, o cálculo e o valor que estão na origem do
economicismo (SAPIRO, 2017).
Ao mesmo tempo, é necessário atentar ao fato de que em sua obra síntese acerca da teoria
dos campos, Bourdieu (2004) explica que o mundo da ciência, por exemplo, assim como o mundo
da economia conhece relações de força, fenômenos de concentração do capital e do poder, e
relações de dominação. Seu modo antieconômico de funcionar não significa que não esteja
enraizado neste subuniverso de aspectos da economia, posto que por meio dele se tem acesso ao
poder econômico ou político, além do acesso às estratégias, que visam conquistar ou conservá-los
(BOURDIEU, 2004). Em “As regras da Arte” Bourdieu (1996) sobre a teoria dos campos afirma
que:
A teoria dos campos que assim se elaborou pouco a pouco não deve nada, porém,
contrariamente às aparências, à transferência do modo de pensamento econômico; ainda
que ao repensar em uma perspectiva estruturalista a análise de Weber, que aplicava à
religião um certo número de conceitos tomados à economia (como concorrência,
monopólio, oferta, procura, etc.), eu me tenha visto introduzido de imediato a
propriedades gerais, válidas para os diferentes campos, que a teoria econômica ressaltara
sem lhes possuir o justo fundamento teórico.
Para que não haja nenhum equívoco quanto ao modelo fundador da noção de campo - que
não é oriundo diretamente da economia, Bourdieu (1996) esclarece que o uso de conceitos tomados
do campo econômico (lucro, troca, capital, dentre outros), não se trata de empréstimos
descontextualizados, ou simples metáfora com função puramente emblemática retirada do campo
econômico. Trata-se, portanto, de transferências realizadas por uma espécie de indução,
empiricamente validada - que ao demonstrar sua fecundidade e seus limites de validade de
transferência – obriga a repensar os pressupostos da teoria econômica, frente às aquisições
extraídas da análise dos campos de produção cultural (BOURDIEU, 1996), razão pela qual o autor
constata que a teoria do campo econômico é um caso particular da teoria geral dos campos.
Neste ponto, a praxiologia confirma, que o universo social se caracteriza por diferentes
microcosmos, que se instituem como espaços relativamente autônomos, o campo científico, por
exemplo, é um mundo social que faz imposições e solicitações, que são relativamente
36
independentes das pressões do mundo social global que o envolve (BOURDIEU, 2004). A
depender do grau de sua autonomia, o campo se encontra resguardado das intrusões externas.
Bourdieu (1996, p. 246) afirma que:
O grau de autonomia de um campo de produção cultural revela-se no grau em que o
princípio de hierarquização externa aí está subordinado ao princípio de hierarquização
interna: quanto maior é a autonomia, mais a relação de forças simbólicas é favorável aos
produtores mais independentes da demanda [...].
Bourdieu demonstrou que as lógicas, que orientam os espaços sociais, não são
homogêneas, nem uníssonas. O núcleo duro que conforma a noção de campo está intimamente
relacionado com o que Wacquant (2013) denomina de ruptura contra os ‘rochedos do realismo
estrutural’ dotando, assim, a análise sobre a estrutura social de dinamismo e movimento para
apreendê-la em seu conjunto de regularidades e variações.
Compete sublinhar que, umas das questões primordiais da praxiologia não é o debate, nem
a disputa no âmbito do argumento teórico, tal como se pode observar em muitas tradições e/ou
doutrinas. As batalhas entre pensadores diversos e, principalmente, entre os iniciados/discípulos
em uma determinada teoria acerca da pureza e da ‘ortodoxia’ do pensamento original de autores
consagrados, não é em nenhuma hipótese o caminho que fundamenta a praxiologia. Bourdieu
(1996, p. 15) explica que todo o seu empreendimento científico “[...] se inspira na convicção de
que não podemos capturar a lógica mais profunda do mundo social a não ser submergindo na
particularidade de uma realidade empírica, historicamente situada e datada.”
Não se resumindo a uma leitura particularista, nem tampouco empiricista, Bourdieu
apresenta “um modelo de espaço social e de espaço simbólico” (BOURDIEU, 1996, p.13),
apresentando o resultado de sua inserção no campo da ciência por meio de uma linguagem
específica, cuja finalidade é dar às Ciências Sociais um lugar de ciência, pois rompe com a
linguagem do ‘senso comum’, muitas vezes, travestida da aparência de uma universalidade, mas
imprecisa, frouxa e presa a um léxico, que pouco se distingue do uso comum.
Por esta razão, o autor também entende ser necessário o domínio de uma linguagem
própria, específica do ofício a que o sociólogo, ou mesmo professores, filósofos e jornalistas se
subscrevem. Estes profissionais da palavra como descreve Marteleto (2017) fazem da profissão
de falar do mundo social um contraponto à retórica dos discursos do senso comum, por isso é
necessário a vigilância epistemológica para não cair nos simplismos da linguagem, nos exemplos
simplificados para descrever ou ilustrar o objeto.
37
Importa esclarecer que, a defesa de Bourdieu em torno de uma linguagem específica não
repousa sobre a tentativa de elaborar uma ciência esotérica, nem tampouco fetichizar os conceitos,
mas demonstrar que, para o uso da palavra, não basta saber o uso correto da gramática. A
linguagem é produtora de variados mercados, além disto, o leitor tende a traduzir o que lê a partir
de um esquema de percepção e da posição que ocupa no campo, razão pela qual quanto mais o
cientista/pesquisador utiliza a retórica científica, tendo sob controle as operações de seu discurso,
mais conseguirá distinguir o discurso científico do discurso de ficção. É oportuno destacar a
relevância de ruptura também com o espontaneísmo científico acerca dos objetos do mundo social,
considerando-se que, entre as estruturas sócio-mentais, há um conjunto de representações, que
estabelecem sentido prático para os agentes.
Antes de adentrar nos caracteres específicos, que constituem propriamente a noção de
campo, é imperioso explicar que a filosofia disposicional desenvolvida por Bourdieu enuncia o
primado das relações entre o espaço social, organizado por meio das posições sociais ocupadas
pelos agentes, das disposições e Das tomadas de posições (BOURDIEU, 1996). Deste modo, a
praxiologia é definida por Bourdieu (1996) como uma filosofia da ação ou, também, uma filosofia
disposicional, que atribui primazia às relações, e está condensada em um pequeno número de
conceitos fundamentais, tais como: habitus, campo e capital. A praxiologia tem como “[...] ponto
central a relação, de mão dupla, entre as estruturas objetivas (dos campos sociais) e as estruturas
incorporadas (do habitus)” (BOURDIEU, 1996, p. 10).
Por esta razão, fala-se em estrutura estruturada e estrutura estruturante, vez que o
conhecimento praxiológico é produto de uma dupla translação teórica, porque,
[...] ele opera, com efeito, uma nova inversão da problemática que a ciência objetiva do
mundo social, como sistema de relações objetivas e independente das consciências e das
vontades individuais, constituiu, ao colocar ela mesma as questões que a experiência
primeira e a análise fenomenológica dessa experiência tendiam a excluir (BOURDIEU,
2002, p. 02).
É comum, entre os desavisados ou mesmo entre pesquisadores iniciantes, procurar
relações entre a teoria de Pierre Bourdieu e a teoria de Karl Marx, por exemplo, buscando-se
encontrar equivalência entre os conceitos. Embora Bourdieu tenha feito combinações entre o
materialismo sensível de Marx, os ensinamentos de Durkheim e as análises de Weber
(WACQUANT, 2013) sua teoria ultrapassa os modelos desses seus antecessores, sobretudo
38
porque o primado da teoria bourdieusiana se dá nos liames da dinâmica das relações constituintes
do mundo social, de forma que:
Os grupos sociais, e notadamente as classes sociais, existem de algum modo duas vezes,
e isso antes mesmo de qualquer intervenção do olhar científico: na objetividade de
primeira ordem, aquela registrada pela distribuição das propriedades materiais; e na
objetividade de segunda ordem, aquela das classificações e das representações
contrastantes que são produzidas pelos agentes na base de um conhecimento prático das
distribuições tal como se manifestam nos estilos de vida (WACQUANT, 2013b, p. 111).
As representações que os indivíduos têm do mundo não se dão de maneira autônoma
posto que são produto de um sistema de esquemas de percepção e de apreciação, que, por sua vez,
são produzidos a partir de uma condição, que se caracteriza pela posição, que o indivíduo ocupa
no espaço social. Nessa direção, o desenvolvimento da sociologia genética proposta por Bourdieu
nos faz revisar o uso de categorias analíticas tantas vezes aplicadas como universais, invariáveis,
invariantes (CHARTIER, 2002), tal como parece comum ocorrer com os conceitos de classe social
e luta de classes.
Sobre este aspecto da relação entre o pensamento de Bourdieu e Marx, Wacquant (2013)8
desenvolveu um importante ensaio, no qual apresenta, detalhadamente, em seis pontos9, como
Bourdieu reformulou a questão marxista de classe10 social, efetuando deslocamentos conceituais,
que vão de estrutura de classe a0 espaço social, consciência de classe ao habitus, ideologia à
8 Ensaio publicado originalmente em Journal Classical Sociology, vol. 13, nº2, maio de 2013, também constitui parte de uma coleção dos textos-chave de Pierre Bourdieu sobre classe e política, lançada em norueguês, de acordo com Wacquant (2013a). Para aprofundamentos ver também: “Capital simbólico e classes sociais” (BOURDIEU, 2013). 9 De acordo com Wacquant (2007) Bourdieu ampliou, mesclou e corrigiu visões clássicas num quadro próprio. A reformulação da questão de classes em Bourdieu exemplifica os principais aspectos de sua sociologia in globo, evidencia o conjunto de operações realizadas para desenvolver sua teoria. Wacquant (2007) destaca os seis aspectos centrais nesta reformulação do conceito de classes, da seguinte forma: 1) Concepção relacional da vida social; 2) É a luta e não a reprodução que revela o motor tanto da ruptura quanto da continuidade social; 3) Ênfase na dimensão e nos mecanismos simbólicos da formação e da dominação de grupo; 4) Revogação e ruptura com a oposição perene entre concepções objetivistas e subjetivistas de classe, ruptura com visões realistas e substancialistas; 5) Fusão entre teoria e pesquisa, ferramentas de análise e ferramentas empíricas, princípios teóricos e metodológicos não podem existir separadamente; 6) Remodelagem da noção de classe, não reduzida somente a questão teórica e empírica, mas inovada com o refinamento da técnica estatística da análise da correspondência múltipla e posteriormente análise geométrica de dados. 10 Na obra “O poder simbólico” Bourdieu (1989, p. 152) ao tratar do espaço social e gênese das classes explica que: “As insuficiências da teoria marxista das classes e, sobretudo, a sua incapacidade de explicar o conjunto das diferenças objectivamente provadas, resultam de que, ao reduzir o mundo social unicamente ao campo econômico, ela se vê obrigada a definir a posição social em referência unicamente à posição nas relações de produção econômica, ignorando com isso as posições ocupadas nos diferentes campos e subcampos – sobretudo nas relações de produção cultural”. O mundo, sob o viés da teoria marxista, conforme assinala Bourdieu organiza-se de forma unidimensional, organizado em torno da oposição entre dois blocos. Para Bourdieu (1989) o espaço social é um espaço multidimensional.
39
violência simbólica, e de classe dirigente ao campo do poder. Os deslocamentos conceituais
desenvolvidos por Bourdieu foram realizados em face das questões mais problemáticas da teoria
social. O esforço realizado ao elaborar seu modelo teórico foi de não colocar teorias justapostas, e
sobre elas desenvolver a sua perspectiva, mas de criar um modelo que traz inovações conceituais
guiadas por questões de pesquisa de campo.
O autor procurou integrar contribuições tanto de Marx, como de Weber num mesmo
sistema conceptual e incorporou, também contribuições das várias escolas construtivistas,
considerando-se a fenomenologia e etnometodologia. Nesse mesmo sistema, incorporou
contribuições advindas de diferentes campos, de acordo com Miranda e Domingos Sobrinho
(1998) foram também as contribuições de Durkheim, Sartre, Lévi-Strauss e Saussure. Ao fazer
comunicar teorias opostas, que “[...] muitas vezes se constituíram umas contra as outras”
(BOURIDEU, 2003, p. 28), não tratou de elaborar sínteses ecléticas. Seu esforço se deu no sentido
de diminuir o ‘racismo’ entre teorias, uma vez que considerava a condenação do ecletismo, por
parte de certas correntes, um álibi para a incultura e a tranquilização preguiçosa que encerra certas
tradições.
Bourdieu (2003, p.24) afirma que:
É mais cômodo para elaborar lições claras: primeira parte Marx, segunda parte Weber,
terceira parte eu próprio... Ao passo que a lógica da investigação conduz a superar a
oposição, retomando à raíz comum. Marx evacuou de seu modelo a verdade subjetiva do
mundo social contra a qual estabeleceu a verdade objetiva desse mundo como relações de
forças. Ora, se o mundo social se reduzisse à sua verdade de relações de forças, se não
fosse, em certa medida, reconhecido como legítimo, as coisas não funcionariam. A
representação subjectiva do mundo social como legítimo faz parte da verdade completa
desse mundo.
Com base nesse entendimento, Bourdieu vê, na sociologia, a possibilidade de “desvelar
coisas escondidas e por vezes recalcadas” (BOURDIEU, 2003, p.24), porém, mais do que, apenas,
colocar sob exame a ciência e os que a produzem, pois na compreenão bourdieusiana a sociologia
é uma ciência que incomoda, porque diferente das outras ciências, “exige-se dela uma
acessibilidade que não se pede à física ou sequer à semiologia e à filosofia (BOURDIEU, 2003, p.
9)”.
Neste ponto, é valioso considerar que, ao desenvolver noções de campo, capital e habitus
Bourdieu colocou em cena aspectos, que dizem respeito às formas de reprodução da dominação,
tendo demonstrado, que os diferentes cosmos e microcosmos funcionam a partir de lutas e disputas
40
concorrenciais em nome daquilo, que os agentes consideram ser a verdade legítima. Nessa linha
de raciocínio, Bourdieu (2004) explica, que, no âmbito da produção das teorias sociais, existem
análises internalistas (endógenas) e análises externalistas (exógenas), ou seja, para algumas
correntes teóricas, grosso modo, basta ler o texto e entendê-lo em sua autonomia – em si mesmo,
como princípio e fim da análise -, para outras, basta ler o texto e entender o contexto, sua relação
com o mundo social e econômico, dessa forma surge uma análise pretensamente científica.
Para realizar uma inserção no campo da praxiologia, é preciso recorrer recorrer às
questões epistemológicas suscitadas por essa filosofia, posto que foi elaborada a partir de muitas
integrações e, sobretudo de rupturas. Nesse sentido, Baranger (2017, p. 173) afirma:
Tudo o que Bourdieu nos diz poderia ser resumido em uma única diferença para com as
ciências naturais, diferença que consiste em uma resistência ativa do objeto. Nas ciências
sociais, afirma ele, impõe-se dar um passo suplementar, do qual as ciências naturais
podem se eximir [...] é necessário historicizar o sujeito da historicização, objetivar o
sujeito da objetivação, ou seja, o transcendental histórico (SSR, 168).
Com efeito, para objetivar esse sujeito ao qual Bourdieu se refere, é necessário saber como
proceder para tal, pois neste ponto, sua teoria acerca do espaço social ou teoria dos campos
apresenta as ferramentas necessárias para o exercício de objetivação e historicização. Pode-se
afirmar que as noções de campo, habitus e capital são ferramentas eficazes para esse trabalho.
Nesse lastro, Catani (2011) explica que a noção de campo começou a ser elaborada por Bourdieu
no início dos anos de 1960, e destaca que esta noção foi resultado de reflexões desenvolvidas em
seminários e na ‘releitura do capítulo sociologia da religião de Max Weber’.
Ao rastrear as primeiras utilizações da noção de campo propriamente realizadas por
Bourdieu, Catani (2011) identifica a publicação do texto “Campo intelectual e projeto criador” na
revista Les Temps (1966) e, posteriormente a republicação na coletânea Problemas do
Estruturalismo (1967) que marcam o início de sua sociologia da cultura, quando se debruçou sobre
o microcosmo intelectual na França11.
Ainda em torno das primeiras publicações com o uso da noção de campo por Bourdieu,
Catani (2011) afirma que em 1970 a noção foi retomada, de modo que Bourdieu definiu o campo
intelectual como constituinte do campo do poder. Catani (2011, p.195) assinala que “os
intelectuais, enquanto possuidores de capital cultural, integram a fração dominada das classes
11 Em “As regras da Arte” Bourdieu explica que “a primeira formulação rigorosa da noção de campo elaborou-se por ocasião da leitura do capítulo de Wirtschaft und Gesellschaft sobre a sociologia religiosa que, obseda pela referência levantada aos problemas levantados pelo estudo do campo literário” (BOURDIEU, 1996, p. 208).
41
dominantes, mantendo relações ambivalentes com as frações dominantes das classes dominadas e
com as classes dominadas”. Convém ressaltar que a posteriori Bourdieu procurou demonstrar que
seu modelo teórico era válido para além da França e foi explícito neste ponto em seu livro Razões
Práticas (1996).
Nesses termos, a noção de campo elaborada por Bourdieu tem como premissa as relações
sociais constituídas em relação ao tempo e ao espaço e, não apenas, as relações em si mesmas. O
espaço social, na percepção de Bourdieu (1996) organiza-se de acordo com três dimensões
fundamentais, descritas de seguinte maneira: 1) os agentes se distribuem de acordo com o volume
global de capital possuído; 2) os agentes se organizam de acordo com a estrutura desse capital
(peso relativo de capital econômico e cultural) e, 3) os agentes se distribuem de acordo com a
evolução do volume e a estrutura do capital, ao longo do tempo.
Na base estrutural da noção de campo social, está a compreensão de “espaço dos
possíveis.” Assim a noção de espaço não apenas no sentido físico, mas no sentido sócio-histórico,
ou seja, “[...] o que eu denomino espaço social, lugar de coexistência de posições sociais, de pontos
mutuamente exclusivos [...]” (BOURDIEU, 2001, p. 159). Neste espaço, o “eu” apreende, inclui,
incorpora as estruturas sociais “sob a forma de estruturas de disposições, de chances objetivas, sob
a forma de esperanças e de antecipações” (idem). Nesse processo os agentes adquirem um
conhecimento sobre o mundo e desenvolvem um senso prático, admitindo sua posição e suas
tomadas de posições. O primado das relações, na praxiologia configura o estruturalismo simbólico
que rompe com o estruturalismo sem sujeito estruturante.
O pano de fundo que dá suporte ao empreendimento bourdieusiano acerca da elaboração
da noção de campo se encontra plasmado na oposição a algumas questões básicas de como a
ciência moderna - herdeira direta da tradição escolástica - construiu uma visão científica do ser
humano. Nesse sentido,
[...] a questão do sujeito se acha suscitada pela própria existência de ciências cujo objeto
é o que se costuma chamar de “sujeito”, esse objeto para quem existem objetos; e que por
isso mesmo, mobilizam pressupostos filosóficos diametralmente opostos àqueles
defendidos pelas “filosofias dos sujeitos” (BOURDIEU, 2001, p.157)
Domingos Sobrinho (1998, p.06) observa que Bourdieu não compactuava “nem com o
desprezo...nem com o olhar distanciado...” das “filosofias sem sujeito” acerca do mundo social, no
qual as oposições tradicionais, tais como: subjetivo/objetivo, individualismo/holismo representam
42
uma compreensão do corpo como exterioridade. Desse modo, esse ‘sujeito’ que a ciência analisa,
comumente, de maneira separada do mundo social, na percepção bourdieusiana não pode ser
entendido como mero espectro de estímulo-resposta mecânica às diversas experiências às quais
está exposto, ou mesmo como objeto a ser dissecado e separado em partes anatômicas.
O sujeito é um corpo submetido a diferentes experimentações no mundo social, encontra-
se incluído, incorporado, habitado na dimensão espaço-temporal. Compete frisar que a concepção
de ‘corpo situado, habitado’, que Bourdieu centraliza, na elaboração de sua teoria, não se trata do
corpo no sentido noético, ou seja, aquele que só reconhece a si e ao mundo por meio do ato de
consciência. Também não se trata de um sujeito transcendental, mas de um corpo que passa por
processos de socialização, estando exposto à regularidades, ao mesmo tempo em que, ao
estabelecer os princípios práticos de organização, construção e classificação do mundo social
também pode revisar ou rejeitar determinadas experiências. Desse modo, Bourdieu (2011, p. 167)
detalha que se trata de “um corpo socializado, investindo na prática dos princípios de
organizadores socialmente construídos e adquiridos no curso de uma experiência social situada e
datada”.
O corpo ocupa um lugar basilar nos fundamentos do pensamento bourdieusiano, o
conhecimento da ação corporal é traduzido por meio do seu conceito de habitus, que de acordo
com Domingos Sobrinho (1998, p.07) é o conceito “mais antigo e sólido” construído pelo autor.
Para Bourdieu as ações não devem ser entendidas como efeito mecânico às imposições de caráter
socialmente coercitivo, ou mesmo não podem ser resumidas a uma visão utilitarista, onde o sujeito
age apenas com a finalidade de obter lucros e ganhos (BOURDIEU, 2001).
Nesses termos, Bourdieu nomeia de ‘agente’ os atores sociais situados na estrutura social
e o termo agência também serve também para designar instituições. Cumpre assinalar, que embora
o conceito de habitus seja um dos mais antigos e um dos mais acessados na teoria bourdieusiana,
este possui uma relação indissociável com o campo. Wacquant (2007) ao apresentar as raízes
históricas do conceito de habitus afirma que eu nascedouro/gênese se encontra na noção
aristotélica de hexis, quando o filósofo grego elaborou sua doutrina sobre a virtude.
Desse modo, desde sua gênese, o conceito de habitus diz respeito a um estado adquirido
e estabelecido do caráter moral, que de acordo com Amorim (2016) orienta nossos sentimentos e
desejos nas situações, modelando desta forma as nossas condutas. Wacquant (2007, p.65) sublinha
43
que foi no século XIII12, com a tradução do termo para o latim que foi acrescentado ao seu sentido
a “[...] capacidade para crescer por meio da atividade, ou disposição durável suspensa a meio
caminho entre potência e ação propositada”. Na mesma linha do autor acima citado, Domingos
Sobrinho (1998, p. 07) apresenta as três dimensões básicas do habitus, que são: eidos, ethos e
hexis13, ao mesmo tempo ressalta que Bourdieu sempre recebeu muitas críticas devido à “forte
acentuação estruturalista” deste conceito.
Numa primeira impressão, é possível considerar que o habitus, ao estar intimamente
relacionado às lógicas do campo, pareça ser um conceito que dá diminuta liberdade para a atuação
dos agentes frente à estrutura social. Pode-se chegar ao mesmo equívoco, que Bourdieu tratou de
recusar: a ideia de que os indivíduos agem de determinada maneira porque não têm outras
possibilidades. Domingos Sobrinho (1998), esclarece que ao desenvolver sua teoria ao longo dos
anos, Bourdieu demonstrou o caráter relacional do conceito tornando-o mais evidenciado em
algumas obras.
Deste modo, em “Questões de sociologia” Bourdieu (2003) explica o porquê de retomar
um conceito tão antigo, explicando que a noção de habitus se assemelha, em grande medida, com
a noção de hábito, mas consegue ultrapassá-la em um aspecto essencial: o fato de se tratar daquilo
que se encarnou de modo duradouro no corpo do indivíduo sob a forma de disposições
permanentes, que se constitui por um “conjunto sistemático de princípios simples e parcialmente
substituíveis [...] princípio de uma autonomia real relativamente às determinações imediatas pela
“situação” [...]” (p. 141).
Também em sua obra “A distinção”, Bourdieu (2011, p. 228) afirma que:
O habitus engendra representações e práticas que, apesar das aparências, são sempre mais
ajustadas às condições objetivas das quais elas são produto. A frase de Marx segundo a
qual “o pequeno burguês é incapaz de superar os limites de seu cérebro” – outros teriam
falado dos limites de seu entendimento – significa que seu pensamento tem os mesmos
limites de sua condição, ou seja, por sua condição, é limitado, de alguma forma,
duplamente: pelos limites materiais que ela impõe à sua prática e pelos limites que ela
12 O termo foi retomado por Tomás de Aquino na sua Summa Theologiae. 13 “...eidos que corresponde à matriz de esquemas lógicos e cognitivos orientadores da apreensão e classificação dos objetos no mundo social e se encontra na base das estratégias desenvolvidas pelos agentes para se inserirem nos diversos espaços sociais; ethos refere-se à uma ética em estado espontâneo e naturalizado, portanto não necessariamente consciente; hexis exteriorização, através do corpo, da internalização da história dos indivíduos (jeito de falar, posicionar-se, gesticular, etc.). (DOMINGOS SOBRINHO, 1998, p 07.).
44
impõe ao seu pensamento, portanto à sua prática, levando-o a aceitar – até mesmo amar
– esses limites.
Em “As regras da Arte” Bourdieu afirma que a noção de habitus exprime uma recusa a uma série
de alternativas apresentadas pelas ciências sociais acerca da ação dos indivíduos no mundo. Desta
forma, as disposições que cada indivíduo tem estão ajustadas à sua posição, tendo o habitus a
função de “dar conta da unidade de estilo que vincula as práticas e os bens de um agente singular
ou de uma classe de agentes” (BOURDIEU, 1996, p. 21). Pode-se dizer que a relação entre habitus
e campo é indissociável, vez que o espaço social, traduzido por meio de um sistema de separações
diferenciais se organiza a partir de distribuições, que “num campo, agentes e instituições estão em
luta, com forças diferentes, e segundo as regras constitutivas desse espaço de jogo [...]”
(BOURDIEU, 2003, p. 142).
Nessa esteira, o campo existe como uma espécie de universo intermediário entre dois
pólos, ou seja, “[...] é o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem,
reproduzem e difundem a arte, a literatura ou a ciência.” (BOURDIEU, 2004, p.20). Convém
salientar que o campo não é um aparelho, “[...] o sistema escolar, o Estado, a Igreja, os partidos,
não são aparelhos, mas campos.” (idem). O autor atenta ao fato de que os aparelhos são um estado
patológico dos campos e destaca que, quando os campos se tornam aparelhos, os dominantes têm
os meios de anular a resistência dos dominados, ou seja,
[...] quando o baixo clero, os militantes, as classes populares, etc. não podem mais que
sofrer com a dominação; quando os movimentos vão de cima para baixo e os efeitos de
dominação são tais que interrompem a luta e a dialética que são constitutivas do campo
(BOURDIEU, 2003, p. 142).
Apreende-se desse modo que, a noção de campo parte da premissa de que há no interior
do macrocosmo diferentes microcosmos, que embora estejam submetidos às leis sociais mais
gerais, possuem autonomia relativa e por esta razão têm suas leis específicas de funcionamento.
Segundo Bourdieu (2004, p.21) quando um campo está submetido às imposições do macrocosmo,
dispõe “de uma autonomia parcial mais ou menos acentuada.”
Desse modo, é necessário entender que, a autonomia dos campos se dá segundo graus
diferentes, portanto, impõe-se analisar a natureza das pressões externas a cada campo para captar
seus mecanismos de resistência, conforme explicita o autor:
Um dos problemas conexos será, evidentemente, o de saber qual é a natureza das pressões
externas, a forma sob a qual elas se exercem, créditos, ordens, instruções, contratos, e sob
45
quais formas se manifestam as resistências que caracterizam a autonomia, isto é, quais
são os mecanismos que o microcosmo aciona para se libertar dessas imposições externas
e ter condições de reconhecer apenas suas próprias determinações internas (BOURDIEU,
2004, p.21).
Nesse diapasão, quanto maior o grau de autonomia de um campo maior a sua capacidade
de refratar as pressões externas. O processo de refração que um determinado campo pode operar
sobre demandas que lhe são impostas se configura na retradução, transfiguração das demandas.
Nesta perspectiva, os campos possuem graus de autonomia relativa, que se expressam pela
capacidade de refratarem as imposições, tornando-as irreconhecíveis. O autor destaca também que,
inversamente, a heteronomia dos campos se expressa muito claramente por meio da entrada direta
de problemas políticos no interior do campo, por exemplo.
Assim, Bourdieu (1997, p. 22) afirma:
Isto significa que a ‘politização’ de uma disciplina não é indício de uma grande
autonomia, e uma das maiores dificuldades encontradas pelas ciências sociais para
chegarem à autonomia é o fato de que pessoas pouco competentes, do ponto de vista de
normas específicas, possam sempre intervir em nome dos princípios heterônomos sem
serem imediatamente desqualificadas.
A heteronomia caracteriza-se como processo contrário ao da autonomia uma vez que,
quanto mais o campo sofre influenciações externas, principalmente problemas políticos, menos
autonomia esse campo possui. É oportuno observar que a entrada de questões alheias aos interesses
do campo, a imposição de agendas, “[...] as determinações externas sempre se exercem por
intermédio das forças específicas do campo, ou seja, depois de haver sofrido uma reestruturação
tanto mais importante quanto o campo é mais autônomo” (BOURDIEU, 1996, p.67).
Desta maneira quanto mais autônomo o campo, “[...] mais capaz de impor sua lógica
específica, que não é mais que a objetivação de toda a sua história em instituições e mecanismos”
(BOURDIEU, 1996, p. 262 – grifos do autor). Nessa direção, ao tratar da autonomia dos campos,
da natureza das pressões externas e sob quais formas se manifestam as resistências, o autor destaca
a importância de escapar à alternativa da “ciência pura” e da “ciência escrava”. Isto porque a
primeira se posiciona como totalmente livre acerca de qualquer necessidade social, enquanto a
outra se coloca como sujeita às demandas político-econômicas (BOURDIEU, 1997).
De modo mais detalhado, os campos são definidos por Bourdieu (2003, p.119) como:
[...] espaços estruturados de posições (ou de postos) cujas propriedades dependem da sua
posição nesses espaços e que podem ser analisadas independentemente das características
de seus ocupantes (em partes determinadas por elas).
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No que se refere às propriedades dos campos, há propriedades gerais e específicas. Assim,
as propriedades gerais podem ser analisadas independentemente das características dos agentes
ocupantes de determinado lugar no campo. Isto se dá porque os campos se relacionam com outros,
possuindo autonomia relativa. Desse modo, ao se estruturarem, os campos possuem leis gerais de
funcionamento, ou mesmo “[...] mecanismos universais... que se especificam em função das
variáveis secundárias” (BOURDIEU, 2003, p.120). Quanto mais o campo científico objeto de
nosso interesse, possui autonomia, mais escapa às leis sociais externas (BOURDIEU, 2004).
A estrutura dos campos se constitui com base nas lutas e na distribuição de capitais
específicos, ou seja, para se estruturar um campo é necessário um acúmulo de tempo e experiências
que garantirão a formulação de estratégias para conservar o monopólio de determinada autoridade
específica. Os limites do campo são determinados pela distribuição de capitais específicos. Isto
quer dizer, por exemplo, que, um crítico de arte não possui os capitais específicos para adentrar o
campo jurídico, a não ser que se empenhe na sua aquisição, pois a entrada de um agente no campo
é sempre determinada pela sua bagagem de capitais e pela capacidade de adequar-se às leis de
inserção no campo. Na lógica da teoria de Bourdieu (2003, p.121) é “o capital específico,
fundamento do poder ou da autoridade específica característica de um campo.” A inserção de um
agente em determinado campo demanda a posse de capitais específicos, mas esta posse se dá em
relação a um conjunto de interesses, ou seja, nenhum agente entra em um campo por acaso. As
condições para se inserir em um campo precisam estar mais ou menos estruturadas em lutas
anteriores à inserção propriamente no campo. Incialmente à entrada em um jogo é necessário um
‘habitus originário’ que gradualmente se converte em habitus específico.
Com base no exposto, a partir da Teoria dos Campos, Bourdieu desenvolveu
especificamente o conceito de campo científico, que tal como os demais, também é um campo de
forças e de lutas, que possui uma lógica de funcionamento específica. O espaço científico, define-
se como espaço físico, “[...] comportando relações de força, as relações de dominação.”
(BOURDIEU, 2004, p.23). O espaço social, na percepção bourdieusiana existe, de alguma
maneira, em relação aos agentes e às relações objetivas por eles engendradas. Assim, o autor
destaca que são as estruturas objetivas entre os agentes que formam os princípios do campo, ou
seja, as visões predominates neste espaço, os pontos de vista, as crenças (illusio), os valores
(habitus, nomos, doxa), são resultado destas relações objetivas, encarnadas a partir de distribuições
47
no espaço. A estrutura das relações objetivas é constituttiva do campo, conforme assegura
Bourdieu (2004). Desse modo, a posição que o agente ocupa, em relação à estrutura do campo é
que determina/orienta as tomadas de decisões.
É necessário não confundir o conceito de campo científico elaborado por Bourdieu com
a noção de “comunidade científica”, pois o campo científico longe de ser um espaço de meras
concordâncias, onde os agentes agem a partir de um espírito comunitário e coletivista, é um espaço
de disputas que,
[…] no domínio da pesquisa científica, os pesquisadores ou as pesquisas dominantes
definem o que é, num dado momento do tempo, o conjunto de objetos importantes, isto
é, o conjunto das questões que importam para os pesquisadores, sobre as quais eles vão
concentrar seus esforços e, se assim posso dizer, “compensar”, determinando uma
concetração de esforços de pesquisa (BOURDIEU, 1998, 35)14.
A estrutura do campo científico é determinada segundo a distribuição do capital
científico, que funciona como crédito científico a partir da posição ocupada pelo agente.
Oportunamente, Bourdieu em sua obra síntese sobre o campo científico indaga: “[…] o que você
entende por capital?” e responde:
[…] O capital científico é uma espécie particular do capital simbólico (o qual, sabe-se, é
sempre fundado sobre atos de conhecimento e reconhecimento) que consiste no
reconhecimento (ou no crédito) atribuído pelo conjunto de pares-concorrentes no interior
do campo científico […] (BOURDIEU, 2004, p. 26)
Isto inclui todos os atos de reconhecimento, que fazem parte do mundo científico, a partir
de posições que só podem ser assumidas por aqueles que dispõem do mínimo do capital necessário,
que envolve o reconhecimento dos pares, mas requer prioritariamente que exista a ‘competência’.
O capital científico, quando está objetivado no agente, reflete-se no reconhecimento, a partir do
número de citações, obras publicadas, pesquisas reconhecidas, objetos de estudo legítimos e
legitimados, etc.
De posse desses elementos introdutórios à teoria dos campos de Pierre Bourdieu, e para
não nos enredarmos em questões demasiadamente longas, considerando o objeto originário desta
14 Em “Escritos de Educação” Bourdieu apresenta um capítulo específico, intitulado “Método científico e hierarquia social dos objetos” onde apresenta importante reflexão sobre a hierarquia dos objetos legítimos, legitimáveis ou indignos, sendo que, esta definição, a depender das condições de independência do campo pode ser resultado de censura específica, com relação às demandas da classe dominante. Assim, destaca-se que: “A definição dominante das coisas boas de se dizer e dos temas dignos de interesse é um dos mecanismos ideológicos que fazem com que coisas também muito boas de se dizer não sejam ditas e com que temas não menos dignos de interesse não interessem a ninguém, ou só possam ser tratados de modo envergonhado ou vicioso.” (BOURDIEU, 1998, p. 35).
48
pesquisa, compete-nos indagar: existe campo universitário no Brasil? É possível lastrear sua
formação? Quais têm sido as principais reconfigurações deste nível de ensino a partir da década
de 1990? A FAFIDAM constitui-se como um subcampo do campo universitário, no contexto
cearense e nacional?
1.2 Formação do campo universitário no Brasil
Para iniciar o caminho de contextualização acerca do campo universitário no Brasil,
recorremos à obra “As Regras da Arte”, na qual Bourdieu (1996, p. 210) destaca que:
Para entrar, em cada caso, na particularidadeda configuração histórica considerada, é
preciso a cada vez dominar a literatura consagrada a um universo artificialmente isolado
[…] A impressão de poder heurístico proporcionada frequentemente pelo emprego de
esquemas teóricos que exprimem o próprio movimento da realidade tem como
contrapartida o sentimento permanente de insatisfação despertado pela imensidão do
trabalho necessário para obter o pleno rendimento da teoria em cada um dos casos
considerados – o que implica os incontáveis recomeços e modificações […]
Esta citação relativa ao movimento da realidade e aos incontáveis recomeços e modificações
acerca da construção do objeto da pesquisa, serve para retratar o longo percurso que realizamos
para chegar a algumas possíveis respostas/reflexões sobre o objeto de estudo desta pesquisa. Por
se tratar de um universo complexo, espaço de disputas que é objeto de análise dos mais variados
tipos, tivemos muita dificuldade em delinear por onde começar, pois as reformas educacionais de
1990 se configuram por meio de inúmeros arranjos na legislação, meandros e nuanças sobre as
quais repousam muitas lutas de cunho politico-ideológico. O campo das análises e dos estudos,
que toma o ensino superior como objeto de estudo se caracteriza por batalhas classificatórias, que,
em grande medida, evidenciam os limites do campo universitário em relação à esfera política.
Desta maneira, Hey (2008, p. 21) argumenta que a “[...] configuração desse espaço em educação
superior permite demonstrar um jogo de lutas entre grupos explicitamente distintos.”
A autora supracitada, a partir de uma análise sociológica de tipo morfológica, por
intermédio da observação acerca do espaço de produção acadêmica em educação superior
identificou a presença e atuação de um grupo dominante na construção de uma agenda acadêmica
para o ensino superior, tendo por horizonte a realização de um projeto político de sociedade15.
49
Nesse contexto, a partir de 1980 os delineamentos quanto à estruturação do campo
universitário vão sendo definidos de forma mais concisa e vão se materializando a partir de espaços
próprios, voltados para a produção da ciência no Brasil.
Para explicitar alguns percursos de como se deu a estruturação do campo universitário
brasileiro, é necessário recorrer a algumas digressões, sem as quais poderá não ficar explicitada a
necessidade de discutir a noção nesta pesquisa, pois, somente a partir do entendimento de como se
estrutura este espaço social, podemos percebê-lo. O campo universitário brasileiro está perpassado,
atualmente, por diversas lógicas externas, no entanto vem conseguindo refratar e resistir à
transformações radicais e bruscas. Oliveira e Catani (2011, p.16) afirmam que:
[...] o mercado dos bens e trocas universitárias ou acadêmico-científicas é um
universo social de poder, de capital, de relações de força, de lutas para preservar
ou transformar essas relações de força, de estratégias de manutenção ou de
subversão e de interesse que se vincula às estruturas objetivas dos diferentes
campos sociais, bem como às estruturas incorporadas do habitus.
Por se constituir também como um campo cultural, o ensino superior movimenta-se por
meio de uma economia da produção simbólica, tal como destaca Chartier (2002, p.141) “[...] uma
economia que funciona com parâmetros opostos ao funcionamento do campo econômico”, nesses
moldes “há o desinteresse estético ou intelectual contra a busca do benefício, de lucro econômico;
a gratuidade do gesto contra a utilidade da produção...” (CHARTIER, 2002, p.141).
Destacamos que a formação do campo universitário no Brasil é recente. O Ensino
Superior, durante largo tempo na história educacional do país ficou restrito a determinados grupos
e interesses, encontra-se instituído desde a vinda da Coroa real portuguesa para o Brasil em 180816.
O mesmo não ocorrera com as universidades que, apenas há aproximadamente um século foram
estruturadas em nosso contexto. Portanto, embora façamos o uso do termo ‘ensino superior’ para
designar toda e qualquer forma de educação de terceiro grau, há diferenças entre sua forma geral
e o ensino propriamente universitário, no que concerne suas concepções e as funções atribuídas às
universidades17.
16 No âmbito da oferta de ensino superior sem vínculo direto com o Estado, portanto, sem nenhum amparo oficial do ponto de vista da manutenção financeira e do aparato legal, Cunha (1989) explica que o primeiro estabelecimento de ensino superior no Brasil foi fundado pelos jesuítas, na Bahia, em 1550. .
50
No panorama amplo da história das universidades pelo mundo, Charle e Veger (1996)
afirmam que as primeiras universidades surgiram no século XIII, na Itália, França e Inglaterra.
Afirmam que “[...] a história das universidades, segmento decisivo da história da cultura ocidental,
possibilita compreender melhor uma parte de nossa herança intelectual e do funcionamento de
nossas sociedades.” (CHARLE; VERGER, 1996, p. 9). Os autores consideram que as
universidades sempre representaram, apenas, uma parte do que se convencionou de modo mais
amplo, denominar de ensino superior. Portanto, ensino superior e universidade se constituem como
dois espaços que são diferentes, complementares em certa medida e concorrentes entre si.
Procedendo a um recuo na história das universidades no Brasil, Saviani (2010) destaca
que os cursos superiores foram instalados no Brasil - com apoio oficial a partir de 1808 - esses
cursos funcionavam de maneira isolada. Organizamos um quadro que ilustra a disposição dos
cursos superiores isolados de 1808 a 1875. Vejamos a seguir:
QUADRO 1: Cursos Isolados (1808 – 1875)
CURSO ANO DE CRIAÇÃO ASPECTOS HISTÓRICOS
Curso de Cirurgia (Bahia); Curso de
Anatomia (Rio de Janeiro); Curso de
Economia (Rio de Janeiro)
1808
Curso de Medicina (Rio de Janeiro)
1809
Curso de Engenharia (Rio de
Janeiro)
1810 Curso agregado à Academia Militar
Curso de Agricultura (Rio de
Janeiro)
1812
Academia de Medicina (Rio de
Janeiro e Bahia)
1813 Junção das cátedras de Anatomia e Cirurgia.
Atualmente fazem parte das universidades
federais dos respectivos estados
Curso de Química (química
industrial, geologia e mineralogia –
Rio de Janeiro)
1817
Curso de Desenho Técnico (Rio de
Janeiro)
1818
Curso de Direito (Olinda/PE)
Curso de Direito (São Paulo)
1827 Em 1854, os dois cursos de Direito
constituíram, respectivamente a Faculdade de
Direito do Largo de São Francisco (SP) e a
Faculdade de Direito de Recife.
Integram atualmente as Universidades de São
Paulo (estadual) e Universidade Federal de
Pernambuco.
Escola Politécnica de Engenharia 1874 Antigo Curso de Engenharia, que foi agregado
da Academia Militar no Rio de Janeiro.
51
Atualmente faz parte da Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
Escola de Minas (Ouro Preto) 1875 Remonta uma lei de 1832 que criou o Curso de
Estudos Minerológicos. Atualmente a Escola
de Minas (e Metalurgia) integra a
Universidade Federal de Ouro Preto.
Fonte: Saviani (2010, p. 5 - 7); elaboração da autora.
Para Saviani (2010), os cursos criados por D. João e as duas faculdades de Direito (uma
em São Paulo e outra em Recife) resumem todo o ensino superior no Brasil até o final do Império.
O autor ressalta que já, no final do Império, iniciou-se um movimento de ‘desoficialização’ do
ensino18. O autor denomina por ‘desoficialização’ o processo de adesão às instituições de ‘ensino
livre’ o que constituiu uma bandeira do movimento positivista no Brasil. Este tipo de ensino foi
oficializado/reconhecido no Decreto da Reforma Leôncio de Carvalho de 187919. Em tal contexto,
surgiram faculdades e esboços de universidades no âmbito particular/privado. Organizamos, no
quadro abaixo a experiência com as “universidades passageiras20”, onde algumas foram
dissolvidas e outras persistiram, tendo sido federalizadas posteriormente.
QUADRO 2: Universidades/Faculdades passageiras no Brasil (1900 – 1946)
FACULDADES/UNIVERSIDADES ANO DE CRIAÇÃO ASPECTOS HISTÓRICOS
Faculdade de Medicina e Direito do Rio
Grande do Sul
1900
Remonta à Escola de Farmácia e Química
criadas em 1895. Também remonta à
Escola de Engenharia fundada em 1896.
Em 1934 foram acrescidas as Faculdades
de Agronomia e Veterninária, Filosofia,
Ciências e Letras. Constituíram a
Universidade de Porto Alegre, e em 1947
transformou-se em Universidade do Rio
Grande do Sul – federalizada em 1950.
Universidade de Manaus 1909 Dissolvida em 1926 – crise econômica e
esgotamento do ciclo da borracha. Das
faculdades que a integravam restou apenas
a Faculdade de Direito, federalizada em
1949 e posteriormente incorporada à
Universidade do Amazonas.
Universidade de São Paulo 1911 Cessou as atividades por volta de 1917, não
restou nenhuma de suas faculdades.
Universidade do Paraná 1912 Iniciou as atividades em 1913 e foi
desativada em 1920, por indução do
governo federal. Passou a funcionar na
19 Decreto Nº 7.247, de 19 de abril de 1979. 20 Este termo é utilizado originalmente por Luiz Antônio Cunha.
52
forma de faculdade isolada, tendo os cursos
de Direito, Engenharia e Medicina. Foi
reconstituída em 1946 e federalizada em
1951, atual Universidade Federal do
Paraná.
Universidade do Rio de Janeiro
1920 Oficializada pelo Decreto n°. 14.343, de 7
de setembro de 1920. Resultou da reunião
da Faculdade de Medicina (originária da
Academia de Medicina e Cirurgia –
fundada em 1808 por D. João VI). Resultou
também da Escola Politécnica (originária
de 1792 com a fundação da Real Academia
de Artilharia, Fortificação e Desenho).
Também resultou da Faculdade de Direito
(criada em 1882 e reestabelecida em 1891,
acrescida da Faculdade Nacional de Belas
Artes e Faculdade Nacional de Filosofia.).
Em 1937 recebeu o nome de Universidade
do Brasil e em 1965 recebeu o nome de
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Universidade de Minas Gerais 1927 De iniciativa privada, contava com recurso
estadual. Foi federalizada em 1949, quando
se tornou Universidade Federal de Minas
Gerais.
Universidade da Bahia 1946 Constituída em 1946, incorporou a Escola
de Cirurgia (1808), Farmácia (1832),
Odontologia (1864), Academia de Belas
Artes (1877), Direito (1891), e Politécnica
(1896) e Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras (1941). Federalizada em 1950,
tornando-se Universidade Federal da
Bahia.
Fonte: Saviani (2010, p. 5), elaboração da autora.
Saviani (2010) destaca o protagonismo do Estado nacional na condução da educação
superior, a partir de 1930 e, também a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública21, bem
como a Reforma Francisco Campos22. Nessa direção, Oliveira e Catani (2011) consideram que o
processo de institucionalização das universidades teve como marco, a aprovação do Estatuto das
Universidades Brasileiras, em 1931, contudo, a educação superior, em sua forma ampla, no Brasil
é anterior à institucionalização das universidades. Nessa mesma ótica, Rothen (2008) destaca que
o Estatuto das universidades brasileiras foi um dos primeiros marcos estruturais de regulação
21 Neste período Saviani destaca também a organização do movimento estudantil, com a criação da União Nacional dos Estudantes (UNE) no ano de 1938. 22 A Reforma Francisco Campos, de acordo com Dallabrida (2009), significou a modernização do ensino secundário brasileiro.
53
legislativa do ensino no Brasil. Além deste Estatuto, foram aprovados outros decretos23,
interligados, e que versavam sobre o modelo de universidade a ser adotado no país, bem como
também faziam referência à Universidade do Rio de Janeiro – primeira instituição a tentar
implementar um modelo de universidade no país.
Rothen (2008) afirma que, no início do século XX, a concepção de educação superior era
herdeira da Reforma Pombalina, o que implicava uma ideia de ciência aplicada, caracterizada por
instituições isoladas, de maneira que a experiência com a universidade era caracterizada pela
aglutinação de cursos e faculdades. De acordo com Rothen (2008) a ideia propriamente de
universidade como cultivo da ciência universal não era bem aceita, tendo dentre seus opositores
os representantes do positivismo brasileiro. Neste cenário, havia disputas entre liberais e
autoritários e, em 1924, a fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE) caracterizou-se
como uma reação dos liberais aos positivistas.
O Estatuto das universidades visava, dentre outras coisas, equilibrar os dois pólos de
disputas em torno da instituição da universidade de modo a não gerar uma ruptura brusca do
modelo institucional até então vigente (idem). Nesse contexto, Rothen (2008) destaca que embora
tenha havido mudanças a partir do Estatuto das universidades, a figura do professor catedrático
não foi extinta – o que por sua vez dificultou a criação de uma carreira acadêmica, além de manter
o ‘autoritarismo’ do professor catedrático. Nesse contexto, a autonomia universitária se dava de
maneira consentida, havendo dubiedade na forma de descrevê-la no próprio texto legal. A Reforma
Francisco Campos pretendeu conciliar a ideia de universidade centrada no desenvolvimento de
23 Decreto n. 19.850, de 11 de abril de 1931, que criou o Conselho Nacional de Educação; Decreto n. 19.851, de 11
de abril de 1931, que dispôs sobre a organização do ensino superior, instituindo o Estatuto das Universidades Brasileiras; Decreto n. 19.852, de 11 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro. Decreto n.19.890, de 18 de abril de 1931, que estruturou o ensino secundário; Decreto n. 20.158, de 30 de junho de 1931, que organizou o ensino comercial; Decreto n. 21.241, de 14 de abril de 1932, consolidando as
disposições sobre a estruturação do ensino secundário. Verbete organizado por ANDREOTTI, fonte: ROMANELLI,
O. História da educação no Brasil 1930-73. Petrópolis, Vozes, 1978; ARANHA, M.L.A. História da Educação. São Paulo, Moderna, 2002. RIBEIRO, M. L. História da Educação Brasileira. A Organização Escolar. Campinas, Autores Associados, 2003.
54
alto padrão da cultura e formação profissional, portanto, houve mais uma justaposição de
diferentes cursos do que mesmo uma intergração.
Definiu-se, a partir do Estatuto das Universidades, que a universidade para ser
reconhecida como tal deveria ser caracterizada pela conjuminância de pelo menos três cursos.
Nessa ótica, Mendonça (2000) considera que a instituição da universidade, se deu a partir de um
caráter desarticulado, uma vez que as instituições criadas a partir de 1920 consistiam mais num
aglomerado de escolas isoladas do que propriamente universidades. No quadro abaixo, constam
algumas universidades criadas entre 1934 e 1946
Quadro 3: Universidades criadas entre 1934 e 1946
UNIVERSIDADES ANO DE CRIAÇÃO
Universidade de São Paulo 1934
Unversidade do Distrito Federal 1935
Universidade do Brasil 1937
PUC do Rio de Janeiro 1941
PUC de São Paulo 1946
Fonte: Saviani (2010). Elaboração da autora.
Segundo Saviani (2010) ao longo da década de 1940 e 1950 ocorreu o processo de
federalização do ensino superior brasileiro, que se estendeu pelas décadas de 1960 e 1970. No que
concerne às reconfigurações e à formação do campo universitário no Brasil, o outro aspecto
relevante foi a Reforma Universitária de 1968. Por meio da Lei Nº 5.540/68, a Reforma
Universitária foi aprovada, tendo sido reformulado, também, o ensino primário e secundário.
Saviani (2010) explica que estes níveis de ensino passaram a ser denominados de ‘ensino de
primeiro e segundo grau’. Por meio da Reforma de 1968, foi apontado o princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, que posteriormente, foi incorporado à
Constituição Federal de 1988. Nesse contexto da reforma, em especial, foi consagrada a autonomia
universitária, que associada ao tripé (ensino, pesquisa e extensão) se tornou referência para a
organização do sistema de ensino superior no país.
No âmbito da discussão sobre a Reforma Universitária de 1968, entram os modelos
clássicos de universidade (modelo napoleônico, modelo anglo-saxônico e modelo prussiano ou
humboldtiano). Saviani (2010, p. 10) considera que: “a origem desses modelos se assenta nos
elementos básicos contituivos das universidades contemporâneas: o Estado, a sociedade civil e a
55
autonomia da comunidade interna à instituição.” Para o autor, no Brasil, desde o final do Império
até a Constituição de 1988, prevaleceu o modelo napoleônico, que é caracterizado pela forte
presença do Estado na organização e regulação do ensino superior (SAVIANI, 2010). Nos anos de
1980, começa a haver um deslocamento e uma alteração do modelo napoleônico, e esse momento
é carcaterizado pela distinção entre universidades de pesquisa e universidades de ensino. Para
Saviani (2010) este deslocamento e alteração ocorreram incialmente em 1986, por meio do Grupo
Executivo para Reformulação do Ensino Superior (GERES), desde então a distinção entre
universidade de pesquisa e universidade de ensino vem sendo inserida nos documentos sobre este
nível de ensino.
Acerca do Grupo Executivo para Reformulação do Ensino Superior (GERES), Cunha
(1997) afirma que a lógica da reforma empreendida em 1995/97 - configurada nas leis e decretos
concernentes ao ensino superior – é resultado da intensa atividade reformadora que caracterizou a
ação do MEC e que se antepôs à aprovação da Lei de Diretrizes e Bases Nº 9.394/96. Desta forma,
o autor destaca que a criação de leis, medidas e decretos, anteposta à aprovação da Lei, gerou
interpretações com predominância para a atribuição do impulso deste processo de reformas estar
alinhado com instituições como o Banco Mundial, por exemplo. A este respeito Cunha (1997, p.
22) assinala que uma das hipóteses para esta interpretação se deu em face de que:
[…] a presença de certas recomendações nos relatórios de agências internacionais
refletem o protagonismo de grupos internos, que visam valorizar suas propostas mediante
o endosso político, importante não apenas devido ao financiamento por elas detido, como,
também, devido ao valor simbólico que tais propostas possam ostentar, depois de
consagradas pelo agente externo.
Mediante o exposto, observa-se que, a instituição universitária é uma das formas que o
ensino superior assume historicamente (MENDONÇA, 2001), e embora tenha ocorrido
tardiamente no Brasil, esta é a forma predominante e elemento central em nosso sistema de ensino.
Assim, mesmo as instituições que não gozam do mesmo estatuto social e jurídico, alinham-se em
torno da instituição universitária. Cunha (2006, p.14) assinala que “[...] em certos países, a
universidade se confunde com o ensino superior, enquanto, em outros ela rivaliza com instituições
de outro tipo na outorga de diplomas e no desenvolvimento do saber legítimo”. O autor prossegue
destacando que há um núcleo comum às instituições universitárias, desde seu nascimento - que é
a luta pela difusão e desenvolvimento do saber. No caso brasileiro, pode-se inferir que a distinção
entre universidade e demais instituições com autorização para outorgar diplomas é significativa,
56
tendo em vista os aspectos históricos de sua tardia implantação e a proliferação de instituições não-
universitárias.
Nesses termos, o ensino superior é a forma mais abrangente de classificação para um
conjunto de instituições, que concorrem entre si, ou se complementam com a finalidade de
produzir e transmitir conhecimento científico, como afirma Miranda (2008, p.21) a universidade
“[...] é uma instituição social que tem como finalidade a produção e transmissão do conhecimento
científico, a formação profissional e a educação de gerações [...]”. É possível lastrear a abordagem
acerca do campo universitário em diferentes autores, tais como Oliveira e Catani (2011), Oliveira
(2000; 2012), Miranda (2008), Hey (2008), Cunha (2006).
Nosso foco de interesse é, portanto, a instituição universitária, constituída como um campo
específico, a partir de aspectos históricos e sociológicos. Em face da grande complexificação do
sistema de ensino superior no país, da heterogeneidade das instituições, da diversidade de práticas
e do grande mercado de disputas simbólicas, que circunda esses espaços – optamos por analisar a
instituição universitária, que desde sua origem, tem por princípio a produção e difusão de
conhecimento, com relativa autonomia frente a outras instituições e com legitimidade para falar e
fazer. Além disto, é no campo universitário, que a produção da pesquisa científica se encontra
consolidada pois atualmente, o Brasil ocupa a 13ª posição de maior produtor de publicações de
pesquisa (papers) em nível mundial, tal como se pode identificar na figura abaixo24.
24 Figura retirada do Relatório da Clarivate Analytics disponibilizado à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) o relatório “Research in Brazil”, com análise sucinta do desempenho da pesquisa brasileira, descrevendo as tendências recentes e identificando destaques. Fonte: http://www.capes.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/8726-documento-disponibilizado-a-capes-apresenta-desempenho-e-tendencias-na-pesquisa-brasileira.
57
Figura 1: Número de publicações de pesquisas (papers) em nível mundial de 2011 - 2016
Fonte: InCites – Clarivate Analytics Web of Science (2011-2016)
Nas informações contidas no Relatório da Clarivate Analytics ressaltamos que 20% da
produção nacional de pesquisa científica se concentram na Universidade de São Paulo. Além desta
instituição, no Relatório, vinte universidades públicas se destacam na produção científica
brasileira. Embora se possa problematizar aspectos, que se referem à produção histórica de uma
hegemonia em torno de certas instituições no país, os dados corroboram o entendimento de que a
produção científica se encontra consolidada em instituições públicas e universitárias. Vale
destacar que, sobre o aspecto da relevância, qualidade e quantidade de produção científica pairam
algumas questões, posto que o parâmetro referencial para se “mensurar” esses elementos, mesmo
com metodologia bibliométrica25 apresenta-se vantagens, mas também limitações. De acordo com
Souza, Filipo e Casado (2018, p. 8) as limitações se dão no sentido da
[…] inclinação temática, idiomática e a presença pouco representativa de países não
anglófonos […] Há também alguns limites de catalogação de periódicos… Alega-se que
25 “Os estudos bibliométricos constituem um conjunto de procedimentos que analisa o comportamento da informação registrada, por meio de indicadores que utilizam as quantificações, análises estatísticas e recursos tecnológicos, com o objetivo de analisar e avaliar a produção da informação nas diferentes áreas do conhecimento. Dentre os indicadores utilizados, destacam-se os de colaboração científica que tem sido definida como dois ou mais atores trabalhando em parceria, onde compartilham informação e conhecimento entre si”. (ALVES, 2013, p. 7).
58
essas bases de dados representam essencialmente a ciência do primeiro mundo, publicada
em idioma inglês e em periódicos de alta reputação […].
Embora tenha se constituído tardiamente em nosso país e, haja um sistema estruturado de
ensino superior privado concorrente há mais de um século26 e a instituição universitária e sua
experiência no contexto brasileiro apresentam características e propriedades, que a nosso ver
configuram-se como próprias de um campo social, considerando-se as disposições historicamente
constituídas, que a colocam em posição de certo monopólio da produção da ciência , ou seja, o
grau de legitimidade adquirido lhe confere autoridade para determinar paradas em jogo – objetos
mais, ou menos, legítimos. Apesar do processo de diferenciação institucional respaldado a partir
da Lei de Diretrizes e Bases Nº 9.394/96, o campo universitário constitui-se como espaço
referencial para a produção científica. Além disto, o campo universitário constitui-se como
referência para todo o sistema de ensino superior do país, razão pela qual diferentes pesquisadores
defensores da diversificação e diferenciação, afeitos à privatização, ao longo das últimas duas
décadas, têm concentrado altos investimentos de seus capitais – cultural, científico, intelectual,
social – para implantar na política educacional o total desmonte do campo universitário nos moldes
como este se encontra, separando as instituições de ensino e as instituições de pesquisa.
A partir de diferentes meios de produção e circulação de seus produtos, o campo
universitário tem, em sua composição, a autonomia e legitimidade para sua produção de
conhecimento, encontra-se também estruturado por meio de diferentes grupos de pesquisa, que
visam a manutenção e conservação de diferentes áreas de estudo, estabelece correlação de forças
com agências financiadoras (CAPES, CNPq), possui associações específicas voltadas para a classe
profissional27, detém autonomia para a criação de mestrados e doutorados com base nos critérios
de classificação acordados entre agências financiadoras e agentes especializados para determinar
regras de funcionamento – com base na produção de seus atores principais (professores e alunos).
Como pano de fundo, esse campo que estamos denominando de campo universitário, ao mesmo
tempo em que goza de autonomia relativa, possui importante relação de dependência com o Estado,
fortalecendo-se assim - embora pareça contraditório - sua força simbólica na produção de valor e
na atribuição de sentido a determinados objetos sociais e culturais.
26 Sampaio (2014) destaca que a relação entre setor privado e o Estado é antiga e se estabeleceu há mais de um século no país, conferindo singularidade ao sistema de ensino superior brasileiro no contexto internacional. 27 A nível nacional os professores do ensino superior possuem uma Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES), criada em 1981, transformada em Sindicato Nacional em 1988, passando e ser ANDES-SN.
59
Assim, o campo universitário “[...] diz respeito ao aparato institucional assegurado pelo
Estado brasileiro que garante a produção, circulação (e mesmo o consumo) de bens simbólicos que
lhe são inerentes [...]” (HEY, 2009, p. 11). De acordo com a autora, este aparato envolve o conjunto
das instituições de educação superior, públicas E privadas, abrangendo seus variados níveis,
formato e natureza. Nesse sentido, o uso da noção de campo universitário, ou, como denomina
Hey (2009) “campo acadêmico” particulariza um universo específico de práticas, que possui
visibilidade em decorrência de sua consolidação, como lugar legitimado para produção do
conhecimento.
O uso da noção de campo ajuda-nos a perceber os espaços sociais como mercado de bens
simbólicos, “...que mesmo estando interconectado a uma ampla rede de interações e estruturas, um
campo social apresenta uma relativa autonomia.” (MIRANDA, 2008, p. 33).
Desse modo, conforme assinala Miranda (2008), a instituição universitária ocupa um
espaço social de disputas simbólicas pela capacidade de falar e agir, de maneira legítima e em
nome da ciência. Nessa mesma linha, Hey (2008) aponta que esse campo já se encontra
solidificado, uma vez que impõe padrões de produção e circulação de bens simbólicos, dotado de
força social global, que o autoriza a estudar tanto os objetos da ciência, como a si mesmo em suas
lógicas e mecanismos constituintes de funcionamento – caracterizados pelos jogos, que lhe são
inerentes. Assim, o campo universitário se constitui como “espaço de posições ligadas por relações
de força específicas, como campo de forças e campo de lutas para conservar ou transformar este
campo de forças” (BOURDIEU, 1989, p.52). Catani (2009, p.11) descreve o campo universitário
da seguinte forma:
O campo universitário diz respeito ao aparato institucional assegurado pelo
Estado brasileiro que garante a produção, circulação (e mesmo o consumo) de
bens simbólicos que lhes são inerentes, envolvendo o conjunto das instituições
de educação superior públicas e privadas, em seus mais variados níveis, formatos
e natureza
Oliveira (2011, p. 08) assinala que “[...] é a partir da década de 1980 que se pode falar mais
efetivamente de um espaço ou campo da educação superior ou universitário no Brasil, tendo por
base um Sistema amplo, heterogêneo e complexo de educação superior.” Nesses termos, Oliveira
e Catani (2011) com base em Dreze e Debelle (1983), observam que mediante as drásticas
modificações do ensino superior, a partir das últimas reformas, não é mais possível pensar em uma
concepção única de universidade. A partir de 1990, por meio do Decreto Nº 2.306, de 19 de agosto
60
de 1997, foi regulamentado o sistema federal de ensino em alinhamento com a nova Lei de
Diretrizes e Bases Nº 9.394/96 (SAVIANI, 2010). Nesse novo alinhamento jurídico a classificação
acadêmica das instituições de ensino superior foi modificada e o modelo único implementado em
1968 começa a ser demonstado28. Para Oliveira (2000, p. 01):
O jogo concorrencial da diferenciação e da distinção institucional, ou melhor, da
ocupação de posições específicas e diferenciadas, contribui para desmontar o sistema
federal, tendo em vista que rompe, paulatinamente, com elementos centrais de
convergência, que asseguravam, pelo menos em tese, certo nível de solidariedade, como:
indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, gestão democrática, padrão unitário de
qualidade, carreira unificada e avaliação institucional.
A partir do desmonte do modelo único, o processo de diferenciação e diversificação
institucional abriu margens para uma espécie de expansão ‘sem controle’, posto que não há
nenhum tipo de planejamento para equalização e equilíbrio quanto ao número de instituições, que
podem pleitear a abertura de novos cursos e a oferta de cursos.
A diferenciação institucional é, portanto, um dos veículos político-jurídicos, que
asseguram a multiplicidade de instituições ofertando a educação superior, sem contudo, se
compromissarem ao desenvolvimento da pesquisa e da extensão, reduzindo-se, apenas, às
atividades de ensino. Nesse lastro, Sguissard (2006, p.1024) destaca que por meio de diferentes
dispositivos legais, a expansão da oferta pública do ensino superior tem sido restrita, enquanto há
uma “desenfreada expansão do setor privado no nível de graduação”29.
Sobre este aspecto, é oportuno explicar, que os termos como “desenfreada expansão” ou
“expansão desordenada” têm sido utilizados para caracterizar o crescimento da oferta de educação
28 A LDB 9.394/96, por meio do seu artigo 52, classifica as Universidades da seguinte maneira: “Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: I – produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional; II – um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; III – um terço do corpo docente em regime de tempo integral.” Quanto à diversificação institucional, consta o seguinte: Art. 8º Quanto à sua organização acadêmica, as instituições de ensino superior do Sistema Federal de Ensino classificam-se em: I – universidades; II – centros universitários; III – faculdades integradas; IV – faculdades; V – institutos superiores ou escolas superiores. Art. 9º As universidades, na forma do disposto no art. 207 da Constituição Federal, caracterizam-se pela indissociabilidade das atividades de ensino, de pesquisa e de extensão, atendendo ainda ao disposto no art. 52 da Lei no 9.394, de 1996. Sobre o regime de trabalho: Art. 10. Para os fins do inciso III do art. 52 da Lei no 9.394, de 1996, entende-se por regime de trabalho em tempo integral aquele com obrigação de prestar quarenta horas semanais de trabalho, na mesma instituição, nele reservado o tempo de pelo menos vinte horas semanais destinado a estudos, pesquisa, trabalhos de extensão, planejamento e avaliação.
61
superior privada no país, contudo, os termos não se restringem simplesmente à forma como esta
expansão vem ocorrendo, mas dizem também respeito ao conteúdo regulatório, que do ponto de
vista da política educacional é “permissivo”, não havendo regulamentação acerca do controle deste
crescimento30. Por esta razão, tem-se visto uma concentração desta oferta sob a responsabilidade
de alguns conglomerados, dentre os quais se destacam, por exemplo, a Kroton – integrada a outros
grandes grupos que oferecem serviços educacionais não apenas para o ensino superior, mas
cobrem também uma parte do ensino básico no Brasil31.
No que tange à regulamentação oriunda da legislação educacional específica, as formas de
“controle” sobre a expansão do ensino superior privado têm sido cada vez mais flexibilizadas, não
havendo limite para este crescimento. No transcurso de 1997 até o ano de 2017 surgiram várias
modificações, quanto à regulamentação do sistema de ensino superior. O Decreto Nº 2.306/97 que
regulamentava o sistema federal de ensino, foi revogado pelo Decreto Nº 3.860/2002,
posteriormente revogado pelo Decreto Nº 5. 773/2006 – que dispunha sobre o exercício das
funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos
superiores de graduação e sequenciais no sistema federal.
Este Decreto do ano de 2006 foi revogado pelo Decreto Nº 9.235/201732 – estabelece a
coexistência de instituições públicas e privadas na oferta de ensino de pós-graduação. No texto
deste Decreto, há menção ao Decreto n 9.057 de 2017 que regulamenta o Artigo 80 da LDB Nº
9.394/96 e estabelece que a educação básica e educação superior poderão ser ofertadas na
modalidade à distância. Neste mesmo Decreto, o polo de educação à distância deixa de ser a
unidade acadêmica e operacional descentralizada para ser apenas a unidade descentralizada da
instituição de educação superior, cuja oferta poderá ser no país ou em outros países. O conteúdo
destes Decretos altera substancialmente os papéis atribuídos às universidades, “desmontando” o
conjunto de dispositivos exarados na própria LDB Nº 9.394/96.
30 Credenciamento/recredenciamento são os passos necessários para as instituições privadas. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), por meio de solicitação da devida instituição avalia e autoriza ou não o recredenciamento da instituição. Ver: Decreto n° 5.773, de 9 de maio de 2006. 31 O Grupo Somos destaca que a Educação Básica é um espaço mais rentável para os negócios e arguenta que a regulação para este nível de ensino é menor do que no ensino superior. 32 Este Decreto revoga os seguintes Decretos: Decreto nº 5.773, de 09 de maio de 2006; Decreto nº 6.303, de 12 de janeiro de 2007; Decreto nº 8.142, de 21 de novembro de 2013; Decreto nº 8.754, de 10 de maio de 2016 e Decreto nº 6.861, de 27 de maio de 2009. Fonte: http://abmes.org.br/legislacoes/detalhe/2289/decreto-n-9.235
62
Assim, o crescimento é “desenfreado” e “desordenado” no sentido de sua regulação por
parte do Estado e frente às instituições universitárias, que vêm tendo reduzido o seu financimaneto
e redefinidos os seus papéis. No âmbito da lógica específica de funcionamento do ensino superior
privado, este setor se encontra fortemente organizado, pois conta com agências específicas de
análise de mercado e acessoria, como a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior
(ABMES), Consultoria Educacional Hoper, dentre outras. A regulamentação quanto ao
crescimento sem limites ocorre por parte do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(CADE) – que, por sua vez, regulamenta e fiscaliza os Atos de Concentração. Tal terminologia se
refere ao conjunto de aspectos econômicos e concorrenciais que envolvem instituições de ensino
privado que, a partir da década de 1990 passaram por expressivo movimento de fusões e
aquisições.
No ano de 2016, o Grupo Kroton Educacional S/A entrou com ação junto ao Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE) com a finalidade de aquisição e controle do Grupo
Estácio Participações S/A, contudo, na expedição do voto da relatora33 o pedido foi negado tendo
em vista a sobreposição horizontal e vertical do Grupo sobre os demais, havendo uma concentração
de mercado, sendo considerada uma operação complexa que poderia incidir em abuso de poder.
Os termos do Relatório Final, revelam uma preocupação com o mercado de players de educação
privada e os prejuízos concorrenciais, que a aquisição poderia constituir, também, prejuízos aos
consumidores, sendo indicada a “necessidade de remédios estruturais e de remédios
comportamentais” (SCHMIDT, 2017). Além disto, o Relatório que reprovou a fusão dos dois
grupos afirma que esse tipo de concentração de mercado tem induzido processos de
homogeneização, estabelecendo um cenário de McDonalds ou Blockbusters de conteúdo
educacional.
No âmbito da reflexão sobre o não limite para o crescimento mercadorizado do ensino se
pode fazer referência à uma entrevista com as pesquisadoras Helena Sampaio e Elizabeth
Balbachevsky, no Programa da UNIVESP TV34, veiculado no youtube, onde as pesquisadoras
33 Ato de Concentração 08700.006185/2016-56, Relatoria da Conselheira Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt e Voto-vogal do Conselheiro Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araújo. Sugerimos leitura do documento: “Concentração do ensino superior privado – Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), RDA – Revista de Direito Administrativo (2017). 34Entrevista publicada no youtube, pelo site da UNIVESP, em 27 de setembro de 2013. Link: https://www.youtube.com/watch?v=ZxbZWxD_KZs&t=713s. Nesta entrevista as professoras pesquisadoras
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explicam que o crescimento da oferta de ensino privado por meio do financiamento (FIES) é
ilimitado, infinito, posto que não há restrição quanto a esta oferta35. Em outra entrevista concedida
ao Programa da UNIVESP TV36, as pesquisadoras destacam que há uma “fantasia” de que todo o
ensino superior precisa fazer pesquisa e, também há uma “fantasia” de que qualquer curso precisa
de uma quantidade X de mestres e doutores. O tom que se pode captar das entrevistadas, a partir
de como se colocam (textualmente e gestualmente) é de que é necessário separar as instituições,
diferenciá-las, sobretudo, realizando uma distinção entre as instituições de alta pesquisa e as
isntituições de ensino (massificadas e profissionalizantes).
Neste ponto, é oportuno observar que a diversificação institucional repercute sobre a
estrutura do ensino superior no Brasil, forjando uma separação entre universidade de ensino e
universidade de pesquisa. A separação entre universidade de ensino e universidade de pesquisa
não se restringe à mera questão de quem pode ou, deve produzir pesquisa, mas traz implicações
quanto aos contratos de trabalho, pois, nas universidade privadas, o contrato de trabalho por hora-
aula difere do contrato de trabalho de 40 horas com dedicação exclusiva como ocorre nas
universidades públicas, o custo-aluno é menor, além da flexibilização dos contratos de trabalho
dos profissionais da área da educação37. Além disto, nas instituições privadas não é necessário
desenvolver pesquisa e extensão, pois apenas o ensino se constitui como dimensão necessária para
formação discente.
Nessa perspectiva, a pesquisadora Eunice Ribeiro Durham, na ocasião em que recebeu o
título de Professora Emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo (USP) destacou o seguinte:
A verdade é que, se é impossível manter instituições nas quais se ministra ensino de boa
qualidade, sem que os alunos se familiarizem com a prática da investigação, é
perfeitamente possível fazê-lo sem os custos de manutenção da pesquisa básica ou
explicam que o sistema público gratuito de ensino superior está se tornando uma “anomalia”, uma espécie de “jabuticaba.” 35 Chizzote (2014) também destaca que nas falas de empresários do ramo de educação superior privada o “céu é o
limite”, posto que este é um setor em franco crescimento e prosperidade mercadológica no Brasil. 36 Entrevista em 16 de janeiro de 2015. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=BZGHosLIGqQ. 37 O estudo realizado por Calderón & Lourenço (2009) destaca que, no contexto do Ensino superior privado, tem sido adotado o modelo de terceirização da mão-de-obra docente. É predominante a figura do professor horista, ou professor contratado por meio de cooperativa, refletindo uma lógica de precarização do trabalho e da carreira docente. Esta política de natureza gerencialista tem por base a redução de custos com encargos trabalhistas, configurando um mercado de trabalho instável e precarizado para os profissionais da educação superior.
64
tecnológica de ponta e sem que a maioria dos quadros docentes trabalhe em tempo integral
(DURHAM, 2002, p. 10).
A questão do financiamento encontra-se na base deste posicionamento, atrelada à ideia
de que é necessário tornar mais eficiente a avaliação de desempenho acadêmico, na busca pela
racionalização da aplicação dos recursos públicos. A ideia de fragmentar o ensino, pesquisa e
extensão repercute diretamente no financiamento, mas não apenas, serve como argumento para
flexibilização de contratos de trabalho, visa alterar o papel das universidades e mantém a pesquisa
no patamar de distinção, tornando-se restrita aos grupos “autorizados” e melhor posicionados nas
disputas. Sobre este aspecto, Oliveira e Catani (2011, p.19) consideram que:
As instituições com maior capital acumulado – intelectual, científico, político e
social – tendem a assumir posição dominante, constituindo-se como
universidades de pesquisa/inovação ou centros de excelência, enquanto as
instituições dominadas ou pretendentes adotam estratégias de sobrevivência e de
alteração de sua condição no espaço do campo.
A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão encontra-se ancorada em dois
conceitos fundamentais, tais como: qualidade socialmente referenciada e autonomia
universitária, que constituem preceitos fundamentais para o desenvolvimento da universidade no
Brasil.
No bojo desta reconfiguração do ensino superior, o processo de expansão deste nível de
ensino vem se dando configurado por meio da massificação38, no caso da presença marcante da
oferta de educação privada, que se encontra orientada por políticas externas em conexão com o
conjunto de políticas educacionais, que a partir de 1990, instituíram sua abertura jurídica.
No que concerne às orientações externas advindas de organismos multilaterais, Dourado
(2002) ressalta a atuação do Banco Mundial, na Agenda Educacional Brasileira, na qual as
orientações se dão no sentido do binômio privatização e mercantilização da educação. Assim, a
inserção das lógicas do campo econômico vem ocorrendo sobre o campo da educação por meio de
vias jurídicas. Outrossim, vale observar que a presença da inciativa privada na oferta de ensino
superior data desde 189139, pois àquela época este tipo de oferta de ensino já era concorrente das
39 Barreyro (2008) afirma que em 1776 foi criada uma faculdade no Seminário dos franciscanos no Rio de Janeiro e em 1798 outra faculdade foi criada no Seminário de Olinda. A autora afirma que em 1890 havia 2.300 alunos em instituições privadas de ensino superior. Para aprofundamento ver: “Mapa do Ensino Superior privado”, Barreyro (2008).
65
ordens religiosas, que conduziam o ensino superior no Brasil. No contexto das reformas iniciadas
a partir de 1995, a privatização no âmbito do ensino superior configura-se como um dado concreto.
Corbucci, Kubota e Meira (2016) assinalam que a participação do setor privado na oferta de
educação superior constitui uma tendência global, em face da internacionalização do capital e do
ingresso de grupos empresariais nos sistemas nacionais, mediante a oferta de ações em bolsas de
valores.
A colaboração do Brasil na Fundação da Organização Mundial40 do Comércio (OMC) e
adesão às suas regras constitui um marco no processo de reconfiguração do campo universitário,
porque a partir desta adesão, o processo de fusões e de aquisições de grupos empresariais de
educação privada passa a ocorrer de maneira expressiva. Nos anos 2000 de acordo com Corbucci,
Kubota e Meira (2016) a feição empresarial deste setor passou a ser fortalecida. Nesse sentido, o
ano de 2005 aparece como marco central das fusões de grupos privados de educação, de modo
que,
Nesse ano, parte majoritária das ações da Universidade Anhembi-Morumbi foi
adquirida pelo grupo americano Laureate. Estudo da CM Consultoria (2014),
referente ao período 2007-2014, mostra que, no primeiro ano desse período, houve
a compra por parte da Anhanguera do capital total da Unibero, assim como o
ingresso no mercado brasileiro do fundo de investimento americano Advent, que
adquiriu 50% das ações da rede Kroton. Esta, por sua vez, fundiu-se à rede Iuni
Educacional, considerada, no referido estudo, como empresa líder na área de
educação no Centro-Oeste brasileiro (CORBUCCI; KUBOTA. MEIRA, 2016, p.
15).
Os autores Corbucci, Kubota e Meira (2016) consideram que houve reconfiguração
estrutural do setor privado de educação superior a partir de 2005, em face da reconcentração deste
tipo de oferta, por parte de grandes grupos empresariais. Nessa mesma linha de raciocínio, os
autores consideram que a partir do ano de 2015, houve um redesenho do setor tendo em vista
reformulações quanto ao Fundo de Finaciamento Estudantil (Fies). As reformulações em torno do
Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) se deram no sentido de coibir o aumento abusivo das
mensalidades praticados por instituições de ensino, tendo sido estabelecidos contratos por
instituição de ensino e, também, outros critérios foram traçados neste período41. Nos termos a que
a privatização vem ocorrendo no Brasil, a rentabilidade das empresas de ensino privado brasileiras
de acordo com Corbucci, Kubota e Meira (2016) é superior a das congêneres, que atuam nos
40 Ver: Thortensen, Ramos, Nogueira e Gianesella (2013). 41 Ver: Corbucci, Kubota e Meira (2016).
66
Estados Unidos, no Japão e Coreia do Sul, o que torna este mercado altamente atrativo para os
investidores estrangeiros.
Nosso esforço por demonstrar a presença expressiva da iniciativa privada na oferta de
ensino superior se dá no sentido de evidenciar que há uma redefinição do papel e da organização
das instituições de ensino superior, portanto, as instituições universitárias se encontram
condicionadas às regulações e orientações emanadas da política educacional, que a partir de 1990
passam por uma reengenharia, que envolve a reforma do Estado. O processo de diversificação e
diferenciação, não se resume à oferta de ensino superior privado, pois está circunscrito à expansão,
caracterizada pelo processo de massificação do ensino superior e os rumos que vêm sendo dados
a este processo no Brasil.
Nesses termos, vale observar que as regulações, que recaem sobre as universidades vêm
se dando enfaticamente em paralelo com a reforma do Estado, operacionalizada a partir de 1995
com a publicação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado - documento que coloca a
educação, cultura, saúde e pesquisa no setor de serviços não-exclusivos do Estado - deixando o
Estado de ser executor e passando a ser regulador e promotor de serviços42. Chizzote (2014, p.
899) afirma que desde, que entrou em vigor o Acordo Geral de Comércio de Serviços (AGCS), no
ano de 1995,
[…] deu suporte jurídico internacional para tornar a educação um serviço similar aos
demais serviços comerciais. Os serviços da educação tornaram-se uma commodity,
sujeitos às leis do mercado, atraindo capitais, novos agentes educacionais e grandes
conglomerados financeiros, e tendem a pôr fim ao modelo tradicional de universidade do
século XX.
Este processo de reconfiguração indica a redefinição de aspectos, que envolvem o
financiamento das instituições, perpassa a questão da autonomia, envolve as concepções e os
modelos de universidade. Nesta pesquisa enfocamos o campo universitário, que se caracteriza
pelas instituições universitárias, reconhecidamente aquelas, que desenvolvem ensino, pesquisa e
extensão, e além disto, são responsáveis pela produção da ciência no país, constituindo atualmente
90% desta produção, sendo estas instituições públicas.
O campo da educação superior constitui-se como o conjunto de instituições de ensino
superior que, não necessariamente, produz ciência, no sentido de sua viculação obrigatória com a
42 Ver: Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995).
67
pesquisa. Com base nisto, vale destacar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº
9.394/96 que, no seu texto e em seus dispositivos fazem referência às instituições universitárias e
não-universitárias, como é o caso, por exemplo, do Art. 48, tal como se encontra abaixo descrito:
Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão
validade nacional como prova da formação recebida por seu titular. § 1º Os diplomas
expedidos pelas universidades serão por elas próprias registrados, e aqueles conferidos
por instituições não-universitárias serão registrados em universidades indicadas pelo
Conselho Nacional de Educação. (LDB 9. 9394/96, p. 22 – destaque nosso).
É oportuno observar que, não somente os impositivos externos propiciam o incremento
da expansão nos moldes privatistas, mas, também a adesão por parte de pesquisadores brasileiros
ao pensamento de que a universidade de ensino, pesquisa e extensão não é uma necessidade para
todo o conjunto de instituições do país - mesmo as públicas.
Desta forma, a aproximação das reformas do ensino superior brasileiro com as orientações
dos organismos transnacionais podem ser pensadas, não somente pelo viés da ação do Estado sob
o jugo da economia em abstrato e, sobretudo, percebidas a partir do entendimento do conceito de
‘estratégia internacional’, que de acordo com Dezalay e Garth (2000, p. 164) “[...] se refere à forma
pela qual os indivíduos usam capital internacional – títulos universitários, conhecimento técnico,
contatos, recursos, prestígio e legitimidade obtida no exterior – para construir suas carreiras em
seus países natais”. Por meio de estratégias internacionais, a importação e exportação de ideias,
abordagens e instituições têm configurado o processo de dolarização do conhecimento. Na base
das transformações institucionais, há um paralelismo estrutural entre países exportadores e
importadores, por esta razão sua interação é fundamental.
No bojo deste paralelismo estrutural, por exemplo, é possível identificar um movimento de
regulação transnacional no campo do ensino superior, Ferreira (2011) destaca a reestruturação das
universidades européias, com especial atenção ao Processo de Bolonha, no qual a autora identifica
semelhanças com a reforma universitária no Brasil a partir de 1990. Nos dois casos, a autora
observa que os diagnósticos sobre a ineficiência das instituições tendem a ser semelhantes, o que
justifica as reformas como forma de atribuir novos papeis a este nível de ensino. No caso dos
diagnósticos em torno da “ineficência” das instituições de ensino superior, Cunha (1997) cita o
Relatório do Banco Mundial em 1991 intitulado “Higher Education Reform in Brasil” de 1991,
que foi elaborado no contexto anterior à formulação da Nº LDB 9.394/96, durante o transcurso das
discussões, que culminaram com a aprovação da Lei, ocasião em que a avaliação institucional
68
ganhou bastante força, com ênfase na questão da produtividade acadêmica. Em meados dos anos
de 1980 houve um “vazamento” de informações na mídia, de uma lista de nomes dos “professores
improdutivos” na Universidade de São Paulo (USP) – vazamento que gerou polêmicas à época e
que reforçou a argumentação de grupos que defendiam um tipo de avaliação baseado na
produtividade acadêmica.
No caso brasileiro, para se compreender as mudanças pelas quais o ensino superior vem
passando, é necessário ter em vista a estrutura social do país, os modos como este nível de ensino
aqui se firmou, as variantes de sua consolidação, como um campo e, também a participação de
diferentes grupos na construção das identidades disputadas e negociadas sobre o que e a quem este
nível de ensino deve atender. Desta maneira, em face às reformas do Estado, Franco e Morosini
(2016) destacam que, a partir da década de 1990, há novas ‘arquiteturas acadêmicas’ que vão sendo
constituídas como resposta às diferentes questões específicas, que quais o ensino superior
brasileiro é chamado a responder.
As autoras supramencionadas explicam, que, no contexto europeu, o termo “arquitetura”
diz respeito às finalidades e princípios produzidos com ênfase no desenvolvimento cultural,
científico e técnico (FRANCO; MOROSINI, 2016). À guisa de maior esclarecimento sobre o uso
do termo, mencionam a Declaração de Sorbone (1998) e a Declaração de Bolonha (1999) como
representativas da busca pela harmonização do sistema europeu da Educação Superior. Portanto,
o uso do termo arquitetura, no contexto brasileiro se dá em torno na organização acadêmica, que,
na visão das autoras, vem ocorrendo por meio de atos normativos e regulatórios.
Rothen e Silva (2014) entendem as demandas atribuídas à educação superior como
mediadas por um complexo categorial relacionado intimamente ao mundo produtivo, ao mesmo
tempo “um sistema simbólico que cria distinções e estabelece, num só golpe, hierarquias e
legitimações” (p.08). Os autores enxergam uma homologia entre o campo político e econômico
em relação ao campo acadêmico, Sguissard (2006) considera que a reforma universitária no Brasil,
sofre influência direta da Comunidade Econômica Européia (CEE), a partir da Declaração de
Bolonha (1999).
Nesse sentido, os autores citam diferentes eixos para a análise do campo científico e
consideram a pós-graduação como “eixo radiador das reconfigurações das práticas universitárias”.
Na mesma perspectiva, Franco e Morosini (idem) visualizam a expansão da educação superior nas
69
últimas décadas como sendo marcada por regulações importadas da economia. As mudanças
encetadas na estrutura do ensino superior vêm sendo realizadas em diferentes países,
impulsionadas por políticas internacionais de acompanhamento e monitoramento43 voltadas para
este nível de ensino. Sobre este aspecto Oliveira e Catani (2011, p.20) sublinham que:
O condicionamento e a subordinação do campo universitário implicam certamente em
maior comprometimento com a sociedade de mercado, com o campo econômico e, por
isso, tende cada vez mais à reprodução do próprio espaço social, deixando em segundo
plano a ruptura e a transformação social. Assim, o campo universitário parece tornar-se
mais ajustado e conservador, uma vez que instaura, também, certa cultura e práticas
organizacionais, que naturaliza, eterniza, consagra e legitima a ordem vigente (...).
O ensino superior parece estar no coração das sociedades modernas, constituindo-se como
ponte estratégica para o desenvolvimento social. Nesse sentido, o Brasil vem instituindo algumas
tendências pronunciadas de reestruturação do ensino superior, que tiveram início no governo de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e significativa implementação a partir dos últimos
governos de Luíz Inácio Lula da Silva (2003 - 2010) e Dilma Rousseff (2011 – 2015).
É possível afirmar, portanto, que há linhas de forças principais, atuantes no campo
universitário a partir da reforma do Estado44, que foram impulsionadas a partir de 1990 em nível
macrossocial. Essas linhas de força expressam um conjunto de homologias entre o campo
econômico e político em sua relação de violência simbólica sobre o campo universitário. Desta
forma, com base em Bourdieu, Wacquant (2012, p. 512) observa que: “
[...] o Estado contemporâneo é atravessado por duas batalhas internas e homólogas aos
conflitos que perturbam obliquamente o conjunto do espaço social: a batalha vertical
(entre dominantes e dominados), que opõe a “alta nobreza do Estado” dos formuladores
de política entusiastas das noções neoliberais, que querem fomentar a “mercatização”, à
“baixa nobreza estatal” dos executores, que defendem as missões protetoras da burocracia
pública e a batalha horizontal (entre as duas modalidades de capital, a econômica e a
cultural, competindo pela supremacia interna), que envolve a “mão direita” do Estado, a
ala econômica, que pretende impor restrições fiscais e a disciplina de mercado, e a “mão
43 A reforma do Estado vem se caracterizando por meio de diferentes frentes, no caso do ensino superior, especificamente nos países em desenvolvimento, têm sido produzidos um conjunto de materiais, cartilhas e orientações oriundas de Conferências nacionais e internacionais, onde agentes legitimados pelas instâncias do Estado são autorizados a participarem. Dentre esses materiais e eventos destaca-se: Higher education: the lessons of experience (1994), documento organizado pelo Banco Mundial. Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, Paris (1998); Conferência Mundial de Educação Superior Paris +5 (2003); Seminário Internacional Universidade XX, Brasília (2003); Seminário “Por que e como reformar a Universidade?” (2003).
70
esquerda” do Estado, a ala social, que protege e apoia as categorias destituídas de capital
conômico e cultural.”
Wacquant (2012) defende a tese de que o neoliberalismo implica uma propensão para a
direita do campo burocrático engendrando um Estado-centauro. O Estado centauro apresenta duas
faces,
[...] é edificante e ‘libertador’ no topo, onde atua para alavancar os recursos e expandir as
opções de vida dos detentores de capital econômico e cultural; mas é penalizador e
restritivo na base, quando se trata de administrar as populações desestabilizadas pelo
aprofundamento da desigualdade e pela difusão da insegurança do trabalho e da
inquietação étnica. O neoliberalismo realmente existente exalta o “laissez faire et laisez
passer” para os dominantes, mas se mostra paternalista e intruso para com os subalternos,
especialmente para com o precariado urbano, cujos parâmetros de vida ele restringe
através da malha combinada de workfare fiscalizador e da supervisão judicial”
(WACQUANT, 2012, p.512)
A ideia de Estado, no contexto das metamorfoses por quais o ensino superior vem
passando, não pode ser atrelada ao Estado em sentido abstrato, embora seja comum atribuir-se ao
Estado verbos de ação como se houvesse uma entidade metafísica que age animada por vontades
próprias. Sobre este aspecto Wacquant (2012, p. 511-512) afirma que:
“[...] o Estado” não é um monólito, um ator coerente (opere ele autonomamente ou como
um servo diligente dos dominantes), nem uma alavanca única, sujeita a ser capturada por
interesses específicos ou movimentos emergentes da sociedade civil. Pelo contrário, ele
é um espaço de forças e de lutas sobre o contorno, as prerrogativas e as prioridades da
autoridade pública, e, em particular, sobre os “problemas sociais” que merecem sua
atenção e como devem ser tratados.
Dezalay e Garth (2000) utilizam o conceito de “guerras palacianas” para explicar que as
lutas em torno do Estado neoliberal não se dão apenas pela disputa em torno do controle do Estado,
mas se dão também em relação aos valores dos indivíduos e dos conhecimentos que dão forma ao
Estado. Ao analisar a história da transformação do Estado na América Latina e nos Estados Unidos,
a partir de 1960 até os anos 2000, os autores consideram que:
A pesquisa descobriu que, de 1960 até hoje, as guerras palacianas do Sul são cada vez
mais desenvolvidas em termos de estratégias internacionais. Uma conclusão provisória
da investigação é que, na verdade, os Estados estão crescentemente inseridos em um
Mercado internacional de conhecimento técnico centrado no circuito internacional
universitário dos Estados Unidos e instituições correlatas (DEZALAY & GARTH, 2000,
p. 164).
Desta forma, com base na teoria dos campos, observa-se que as reconfigurações do
campo universitário se dão em relação a um paralelismo estrutural entre países exportadores e
importadores de conhecimento técnico profissional em nível transnacional. Por meio desse fluxo
71
de trocas internacionais, as reformas institucionais são garantidas, posto que “exportações
simbólicas tendem a ser mais bem-sucedidas quando há homologias estruturais entre o Sul e o
Norte” (DEZALAY & GARTH, 2000, p. 165). No contexto da reengenharia do Estado e da
consequente reconfiguração do campo universitário brasileiro a expansão e a privatização são
norteadoras deste processo. Desta forma, apresentamos a seguir um quadro no qual elencamos
principais marcos regulatórios que estão na base da reconfiguração do campo:
Quadro 4: Principais marcos regulatórios das reconfigurações do campo universitário nacional PRINCIPAIS MARCOS REGULATÓRIOS DAS RECONFIGURAÇÕES DO CAMPO UNIVERSITÁRIO
NACIONAL a partir de 1990
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB 9.394/96, promulgada sob a égide da
Constituição Federal de 1988 que trazia nos dispositivos sobre a educação elementos como a gratuidade
do ensino público em todos os níveis, indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, gestão
democrática, autonomia das universidades.
Na LDB 9.394/96 foram incorporados vários dispositivos referentes à educação superior, havendo uma
reforma “por dentro” da educação superior.
Decreto nº 2.306/97 - regulamentado o sistema federal de ensino em alinhamento com a nova Lei de
Diretrizes e Bases 9.394/96. Este Decreto foi revogado pelo Decreto Nº 3.860/2002, que também foi
revogado pelo Decreto Nº 5.773/2006, revogado pelo Decreto Nº 9.235/2017 e, revogado pelo Decreto
Nº 9.057/2017.
Plano Nacional de Educação (PNE, 2001). O Plano Nacional de Educação é uma prerrogativa legal
desde a Constituição de 1934, contudo só foi implementado a partir de 2001. Tem vigência de dez anos
e é composto por 20 Metas, foi atualizado pela Lei nº 13.005/14.
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) – Lei Nº 10.861, de 14 de abril de
2004. O sistema nacional de avaliação foi precedido por diferentes estratégias de avaliação que ficaram
notabilizadas a partir de 1990. Em 1994, surgiu o PAIUB que foi um Programa construído pelas IES
visando desenvolver a avaliação institucional. Em 1996, foi iniciado o Provão associado a outros
mecanismos de avaliação, contudo, não atendia aos objetivos efetivos da avaliação.
Internacionalização e ações afirmativas a partir de 2000 e reforçado a partir de 2006 – incentivo
para mobilidade entre alunos brasileiros e estrangeiros em países que têm acordo nos Programas, tais
como: Programa de Estudantes Convênio de Graduação (PEC-G), Programa de Licenciatura
Internacional (PLI).
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI instituído a partir do Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, também vinculado ao Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE, 2007).
Programa de Assistência ao Estudante de Ensino Superior (PNAES) – Decreto 7243/10, prevê
assistência estudantil (moradia, alimentação, inclusão digital, saúde, esporte, creche e apoio pedagógico).
Programa Universidade para Todos – PROUNI regulamentado pela Lei nº 11.096/2005, política de
concessão de bolsas (integrais/parciais) para alunos de baixa renda para estudos em instituições de ensino
superior privadas. As instituições que aderem recebem isenção do pagamento de tributos.
72
Fundo de Financiamento Estudantil - FIES criado pela MP nº 1.827, de 27/05/99 e regulamentado
pelas Portarias MEC nº 860, de 27/05/99 e 1.386/99, de 15/19/99 e a Resolução CMN 2647, de 22/09/99.
O banco Caixa Econômica Federal é administrador e agente operador deste Fundo.
Sistema de Seleção Unificada (SISU) – instituído por meio da Portaria Normativa MEC nº 021/2012.
Seleção de estudantes para vagas disponibilizadas por instituições que aderiram ao Sistema. O ingresso
se dá com base nos resultados obtidos no ENEM.
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) foi criado em 1998. Regulamentado a partir de dispositivos
contidos na LDB 9.394/96.
Por meio dos resultados obtidos neste exame os candidatos podem concorrer a vagas, tanto nas
instituições públicas, como podem concorrer a bolsas de estudo em instituições de ensino superior
privadas.
Programas especiais voltados para a expansão do ensino de graduação – PROCAMPO,
PROLIND, PARFOR.
Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) – regula as atividades da Pós-Graduação, sob
coordenação da CAPES.
Plano Nacional de Pós-Graduação (2011 – 2020); Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP);
Programa de Excelência Acadêmica (PROEX).
Universidade Aberta do Brasil (UAB) – criada em 2005, a UAB é um sistema integrado por
universidades públicas que oferece cursos por meio de metodologia à distância. Foi ampliado
especialmente a partir de 2009.
Reforma da Educação Profissional – iniciada em 1997, regulamentada pelo Decreto nº 2.208/97,
Medida Povisória nº 1.549/97 e Portaria nº 646/97.
Em 2005 foi anunciado o Plano de Reestruturação Profissional e Tecnológica.
Criação dos Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia por meio da Lei nº 11.892 de 29 de
dezembro de 2008. Fonte: Dourado (2002); Azevedo (2016); Pacheco, Pereira e Domingos Sobrinho (2010); Polidori; Marinho-Araújo,
Barreyro (2006). Elaboração da autora.
Mediante o quadro regulatório, que reconfigura os papeis das instituições de ensino
superior, destacamos alguns dados relevantes do atual cenário do campo universitário, com base
no Censo da Educação Superior do ano de 2017:
No Brasil, há 296 instituições de educação superior públicas. Destas,
41,9% são Estaduais, o que equivale em números absolutos a 124 instituições;
36,8% são Federais, o que equivale em números absolutos a 109 instituições;
21,3% são Municipais, o que equilave em números absolutos a 63 instituições;
92% dos cursos de graduação nas universidades são presenciais.
No âmbito privado, há 2.152 instituições. Destas,
87,3% são faculdades,
87,9% das instituições de educação superior no país são privadas.
73
Ao todo, são 2.448 instituições de Educação Superior no Brasil.
74
CAPÍTULO II
CAMINHOS DA PESQUISA
Neste capítulo, apresentamos os caminhos da pesquisa evidenciando os procedimentos por nós
realizados ao longo da investigação. Em seguida, apresentamos uma caracterização da
Universidade Estadual do Ceará (UECE), situando-a como um campo, e estabelecemos algumas
analogias entre a estrutura interna da instituição e as reconfigurações campo universitário. Em
sequência, apresentamos um breve panorama sobre a Faculdade de Filosofia Dom Aureliano
Matos – FAFIDAM, explicitando sua estrutura, aspectos do seu funcionamento, e adentramos em
uma descrição sobre os espaços, que servirão de ponto de partida para as análises.
2.1 A OBJETIVAÇÃO PARTICIPANTE
Antes de adentrarmos às especificidades de como realizamos as entrevistas e as ações da
pesquisa, na coleta específica dos dados junto aos sujeitos, é oportuno destacar alguns dos
princípios que nortearam a caminhada. Neste sentido, é necessário considerar que pensar o mundo
social é sempre um desafio, pois a força do pré-construído está inscrita tanto nas coisas e nos
cérebros (BOURDIEU, 1989). Romper com a aparência das evidências, ou seja, realizar a
conversão do olhar consiste em grande desafio para o pesquisador. Bourdieu (1989) considera esta
ruptura como o primeiro passo importante, capaz de “dar novos olhos”, produzindo, se não um
homem novo, mas pelo menos um “novo olhar”, que é o olhar sociológico sobre o mundo social.
O autor menciona uma ‘revolução mental’, que é a mudança de toda a visão do mundo
social que o indivíduo que deseja se tornar pesquisador necessita se submeter. Colocar em
suspenso as pré-construções “[...] implica uma ruptura com os modos de pensamento, conceitos,
métodos que têm a seu favor todas as aparências do senso comum” (BOURDIEU, 1989, p. 49), ou
seja, também aquilo que a atitude positivista honra e reconhece. Nesse sentido, a conversão do
pensamento a que o autor se refere diz respeito, principalmente, à ruptura com o que é evidente no
mundo social e no universo douto, caracterizado pelo exercício de um magistério profético. A
tentação da ciência profética é sempre muito contumaz, principalmente para pesquisadores
principiantes. Bourdieu (1989, p. 50) afirma que “muitas vezes é, só ao cabo de um verdadeiro
75
trabalho de socioanálise que se pode realizar o casamento ideal de um investigador e do seu
‘objeto’, por meio de uma série de fases de sobreinvestimento e de desinvestimento.”
Nesta linha de raciocínio, a objetivação participante não deve ser confundida com a
observação participante, posto que esta segunda, na percepção de Bourdieu (1989) desenvolve a
análise de uma falsa participação em um grupo estranho. Desta feita, o trabalho de objetivação
consiste em lançar o olhar sobre um objeto muito particular. No caso da presente pesquisa, de um
lado, estão os interesses da pesquisadora quanto ao pertencimento no campo universitário, ao
mesmo tempo em que ocupa de uma posição particular nesse campo (BOURDIEU, 1989). Por
conseguinte, os sujeitos da pesquisa ocupam um lugar no campo universitário e, também a pessoa
que realiza esta pesquisa. Por esta razão, adotar a postura de observador imparcial, distanciado
significa dissimular um lugar de neutralidade, que não existe.
Discorrer longas análises sobre o espaço onde atuamos e sobre colegas, que são também,
em alguma medida, pares-concorrentes, não pode ser um exercício omnipresente e quase divino,
dissimulado por detrás da impessoalidade dos procedimentos. É necessário ter consciência também
de que a objetivação possui seus limites. Bourdieu (1989, p. 53) considera que, no mundo
universitário, há uma série de instituições, que “produzem o efeito de tornar aceitável a distância
entre a verdade objectiva e a verdade vivida daquilo que se faz e daquilo que se é”. Por isto há uma
dupla verdade, “objetiva e subjetiva, que constitui a verdade do mundo social” (idem, idem).
Nesses termos, a pesquisa constitui uma relação social, por mais específico que este
trabalho pareça. No trabalho de objetivação participante é necessário entender como o espaço de
interação funciona, quais características conjunturais podem ser destacadas. Além disso, é preciso
compreender o que pode ser dito e, principalmente o que não pode ser dito, é também indispensável
saber quem é excluído e quem se exclui (BOURDIEU, 1989). Desta forma, Bourdieu (1989, p.
57) interroga “mas por que razão a análise é, neste caso, particularmente difícil? E responde
afirmando que “o sociólogo, segundo os objetos que estuda, ele mesmo, mais ou menos afastado
dos actores e das coisas em jogo por ele observadas, mais ou menos diretamente envolvido em
rivalidade com eles [...]”.
Nessa ótica, Bourdieu (2017, p. 74) afirma que:
Eu significo a objetivação dos participantes e não a observação, como se diz
habitualmente. A observação do participante, como eu a entendo, designa a conduta de
76
um etnólogo que a imerge, - ou imerge a ele mesmo, - em um universo social estranho
para observar uma atividade, um ritual ou uma cerimônia, enquanto, idealmente, participa
dela.
Desta maneira, o autor argumenta que a observação participante pressupõe uma espécie
de duplicação da consciência considerada difícil de sustentar, uma vez que “[...] como alguém
pode ser sujeito e objeto, aquele que age e aquele que, por assim dizer, se vê atuando?”
(BOURDIEU, 2017, p. 74). Ao tratar da objetivação participante procura “[...] expor a objetivação
do objeto de objetivação, do sujeito analisador, - em suma, do próprio pesquisador” (idem).
Portanto, não se trata de trazer à baila a prática, no sentido do que o pesquisador realizou durante
a pesquisa, estabelecendo um retorno descritivo ao campo pesquisado e, o relacionamento, que
estabeleceu com seus informantes e também a narrativa dessas experiências. A isto Bourdieu
denomina de um exercício de obervar-se observando. Nesses termos afirma que:
Torna-se, assim, rapidamente claro, que tenho pouca simpatia com o que Clifford Geertz
(1988: 89) chama, depois de Roland Barthes, a doença do diário, isto é, uma explosão de
narcisismo que, às vezes, chega ao exibicionismo, e que surgiu na sequência e em reação
aos longos anos de repressão positivista (BOURDIEU, 2017, p. 74).
Nesses moldes, explica que a reflexividade proposta por sua sociologia não se trata de
uma reflexividade textual “[...] com todas as considerações falsamente sofisticadas sobre o
processo hermenêutico de interpretação cultural e a construção da realidade através da gravação
etnográfica” (BOURDIEU, 2017, p. 75). Para o autor a ciência não pode se resumir à gravação e
análise das pré-construções. A objetivação participante, nos termos a que Bourdieu a apresenta,
não é um entretenimento narcisista, nem mesmo o efeito de um ponto de horna epistemológico
gratuito.
A objetivação participante requer um esforço autoanalítico do pesquisador, sem o qual
poderá ver, no espaço pesquisado, elementos que não reconhece em si mesmo. Deste modo,
Bourdieu (2017, p. 79) afirma que:
O antropólogo que não conhece a si mesmo, que não tem um conhecimento adequado de
sua própria experiência primária do mundo, coloca o primitivo à distância porque não
reconhece o pensamento primitivo e pré-lógico dentro de si mesmo. Fecha-se, assim, em
uma visão escolástica e, portanto, intelectualista, de sua própria prática, e não pode
reconhecer a lógica universal da prática nos modos de pensamento e ação (tal como
mágicos) que ele descreve como pré-lógico ou primitivo.
O pesquisador deve seguir em direção à sua experiência, aceitando que, na sua pesquisa,
há tudo de si, sem que isto implique uma conduta culpada, porque em todos os indivíduos, que são
objeto da investigação, a ação também ocorre sem que estes se interroguem o tempo inteiro por
77
que agem de determinada maneira e não de outra. Bourdieu (2017, p. 80) observa que aqueles que
estão sendo observados e pesquisados,
[…] não têm em suas cabeças a verdade científica de sua prática que eu estou tentando
extrair da observação de sua prática. Além disso, elas normalmente nunca se fazem as
perguntas que eu me perguntei ao atuar junto a elas como um antropólogo: por que tal
cerimônia? Por que as velas? Por que o bolo? Por que os presentes? Por que esses convites
e esses convidados, e não outros? E assim por diante.
Efetivamente a questão que circunda a objetivação participante é a ruptura com a
aplicação do “pensamento acadêmico encarnado pelo mito do homo economicus e da teoria da
ação racional nos comportamentos dos agentes comuns” (idem, grifos do autor), exercício que
contribui para defender o pesquisador de interpretações formatadas espontameamente por si
mesmo e das informações modeladas pelos agentes informantes da pesquisa. Desta maneira, o uso
do conhecimento nativo é parte importante nas operações da pesquisa, que passa pela fase reflexiva
de objetivação que envolve a observação, e a fase ativa – constituindo-se duplo movimento.
A objetivação participante é o cume da arte sociológica, difícil de ser realmente realizada,
mas por pouco realizável que seja, optamos por nos firmar a partir dela, como meio de inserção no
campo pesquisado, principalmente porque nossa relação com este espaço se dá de maneira muito
estreita, desde a graduação. Assim, envidamos o largo esforço de nos firmar numa objetivação,
que nos desse a condição de nossa participação no espaço, colocando em suspenso nosso interesse
mais particular e suas representações. O cuidado nesta participação se deu no sentido de reduzir
ao máximo e, de fato, procurar controlar as distorções e a violência simbólica que se pode ser
exercida através da pesquisa.
Assim, de modo prático, podemos afirmar que a objetivação participante se deu a partir
de uma inserção, no período de agosto de 2017 a agosto de 2018 em atividades realizadas na
instituição, especificamente no Laboratório de Estudos da Educação do Campo (LECAMPO). Este
Laboratório vinculado ao Curso de Pedagogia e se tornou ponto de partida para as nossas análises.
A nossa relação com o espaço pesquisado vem de longo tempo, quando realizamos nosso curso de
graduação em Pedagogia (2006 – 2011). Neste período, atuamos de maneira ativa no Movimento
Estudantil, nas instâncias formais como representante discente do Conselho Universitário –
instância deliberativa na qual tramitam todas as decisões da instituição. Além destas experiências,
estivemos na condição de bolsista do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
78
(PRONERA), no período de 2008 a 2010. Portanto, nossa inserção neste espaço, durante o período
da graduação, foi marcada por uma intensa participação na vida acadêmico-institucional.
Nos anos de 2014 e 2015 – durante a finalização do Curso de Mestrado - estivemos
trabalhando na FAFIDAM, na condição de professora substituta. Neste período desenvolvemos
atividades junto ao LECAMPO, colaborando com as atividades de extensão, pois coordenamos
um Projeto vinculado ao Programa de Extensão denominado “Educação do campo, escola e
organização da cultura: vivências e conhecimentos para a emancipação humana”. O Programa
de Extensão foi desenvolvido na Chapada do Apodi, no Acampamento José Maria do Tomé –
espaço de ocupação territorial por agricultores e agricultoras vinculados ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Neste Acampamento, em especial, são desenvolvidas as atividades de extensão do
LECAMPO, é também o espaço de pesquisa e extensão de muitos trabalhos, que vêm sendo
desenvolvidos desde o ano de 2013/2014. Além disto, pesquisas acerca da região do Baixo
Jaguaribe e das problemáticas em torno desta região vêm ocorrendo desde o final dos anos de
1990. Com a inserção dos projetos de extensão, neste espaço, desde o ano de 2014 têm sido
produzidos trabalhos acadêmicos diversos, resultando em uma produção científica que circula em
diferentes canais de divulgação.
No processo de realização do trabalho, adotamos o uso de um diário de campo, posto
que nossa inserção no campo, durante cerca de um ano, se deu para construção da análise com
observação direta e anotações. O primeiro momento da pesquisa em campo foi construído
basicamente pelas anotações no diário, registros fotográficos, inserção ativa no campo pesquisado
e, sobretudo, pela observação direta. Para evitar pressões e/ou influênciações sobre aqueles, que
estavam sob nossa observação, optamos por não lhes revelar, que no momento nossa presença no
campo se dava em virtude da realização da pesquisa. Esta foi a primeira decisão que tomamos,
com a intenção de reduzir ao máximo a violência simbólica, evitando, também, os efeitos de uma
‘intrusão’ e todas as distorções que isso pode provocar. Além disto, conforme fomos nos revelando
como pesquisadora no campo, havia uma certa indefinição do que seria de fato a pesquisa, todos
sabiam que era sobre a FAFIDAM, o que gerou menos preocupação nos sujeitos. Compete
informar que nossa interação, no transcorrer da pesquisa, ocorreu com muitos estudantes,
professors em reuniões e atividades acadêmicas. A seguir apresentamos o roteiro da objetivação
participante.
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Quadro 5: Objetivação participante
OBJETIVAÇÃO PARTICIPANTE Evento: Comemoração dos 50 anos da FAFIDAM.
Tema da Mesa de abertura: FAFIDAM 50 anos construindo conhecimento no Vale do
Jaguaribe.
06/08/18
07/08/18
08/08/18
09/08/18
Reunião de Mestrandos sobre a Avaliação da CAPES. 09/08/18
Reunião Preparatória para comemoração dos dez anos do Laboratório. 12/09/18
Evento de Comemoração dos dez anos do LECAMPO. 16/10/18
17/10/18
18/10/18
Defesa dos Memoriais do PROCAMPO. 13/11/18
Aula do Mestrado. 26/09/18
Ato Público: Manifesto sobre a morte de Marielle Franco e Anderson Gomes. 14/03/18
Atividade preparatória para o Ato #elenão na Chapada do Apodi. 30/09/18
Comemoração do dia das crianças na Chapada do Apodi. 15/10/18
Atividade de apoio aos acampados contra a reintegração de posse na Chapada do Apodi. 21/11/18
Defesa de Trabalho de Conclusão de Curso – especialização em Gestão Educacional –
discente de Morada Nova/CE.
24/10/18
Defesa de Dissertação – discente Janine Mara Freitas de Lima 17/07/2017
Qualificação de Mestrado – discente Mila Nayanne 29/08/18
Diário Etnográfico – conversa informal com a professora Maria 25/07/18
Visita para registros fotográficos e coleta de dados. 28/03/18
Aula de campo: alunos da UFERSA conhecendo o LECAMPO e a Chapada do Apodi. 27/02/18
Visita para registros e observação. Conversa com os professores João e Lúcia. 21/03/18
A escolha por realizar a pesquisa na Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos
(FAFIDAM), não foi aleatória, pois está intimamente, relacionada com a nossa trajetória de vida.
Conforme já citamos, nossa formação inicial se deu na FAFIDAM, quando nos graduamos em
80
Pedagogia, tendo concluído o curso no ano de 2011. Também nesta instituição, iniciamos nossa
trajetória profissional, antes mesmo de concluir o Mestrado, ainda no ano de 2013 – momento em
que ingressamos na profissão docente no Curso de Pedagogia. No exercício da atividade
profissional, na condição de “professora substituta” realizamos o ingresso também no doutorado
já no ano de 2015 – neste mesmo ano ingressamos, por meio de concurso público, como professora
efetiva em uma universidade federal de ensino.
A rápida trajetória acadêmica colocou-nos diante de grandes desafios, sendo necessário
em curto espaço de tempo realizar uma transição do habitus estudantil para o habitus docente,
processo complexo e difícil que nos conduziu a muitas reflexões sobre a formação inicial, uma vez
que ingressamos como professora do magistério superior em um curso de Licenciatura em
Educação do Campo. A experiência como docente neste curso nos fez perceber o quanto a
universidade se constitui como um espaço da mais alta valia para aqueles, que, historicamente,
estiveram fora dela. As cotas de sacrifício, as lutas enfrentadas para permanecer neste espaço, as
desigualdades de acesso, entre outros, tornaram-se pontos de reflexão e fundamentaram nossas
primeiros questionamentos.
Observamos haver, de modo recorrente, a ideia de que ingressar na universidade/ensino
superior é romper com uma cultura elitista de acesso exclusivo daqueles, que ocupam posição de
privilégio social, sendo também uma forma de transformar o mundo, no sentido político e no
sentido próprio do universo acadêmico que é a apropriação do conhecimento. Este pensamento
permeia uma série de representações do meio acadêmico como espaço de superação do atraso.
Percebemos tais representações naqueles que, sendo do interior, se concebem superando muitas
limitações, pois estão inseridos no mundo universitário. Predomina a ideia de que o “despertar” da
consciência, por meio do conhecimento gera uma mudança de comportamentos rumo a uma
mudança social. Portanto, nossa experiência como aluna e professora nos leva a esta percepção,
concebendo-a não como uma verdade absoluta, mas como uma construção que permeia as imagens
e representações de universidade. Esse fato é resultado do modo como ocorre a relação dos agentes
com o conhecimento, pois essa relação é sempre perpassada por uma efetiva ampliação das
percepções sobre o mundo social em maior ou menor medida.
Nesses termos, em nossa trajetória particular, o acesso à universidade serviu como forma
de superação daquilo que renunciamos, desprezamos e, até mesmo, reprimimos por considerar
provinciano, atrasado e arcaico. O ingresso no meio acadêmico nos fez caminhar em uma pulsão
81
ansiosa e excessivamente apressada rumo ao centro cultural no sentido de alcançar as “altas
teorias” e verdades sobre o mundo social. Ainda que possa soar como um tipo de pensamento
colonizado, de exaltação do mundo “douto” como mundo à parte, é comum que se pense desta
maneira em espaços, onde a arrogância se confunde com a autoridade científica, e o pouco
exercício de autoanálise coletiva se constitui como uma ausência regular das práticas.
Assim, quando passamos a ouvir, no exercício profissional, cotidianamente frases como
“vamos ocupar o latifúndio do saber”, ou mesmo “vai ter filho de agricultor na universidade
sim!”, de imediato sentimos a necessidade de olhar em retrospectiva para nossa própria formação,
ou seja, para nosso lugar de origem, pois em todas estas frases e nas condutas ligadas a elas, havia
de nossa parte um reconhecimento, naqueles que as proferiam - as cotas de sofrimento social, as
lutas internas e externas para assegurar um lugar neste universo chamado universidade. De nossa
parte havia facilidades do ponto de vista da interação e integração a este mundo, porém foram
muitos os desafios quanto à manutenção dos materiais, além de vivenciar as sutilezas da violência
simbólica que não cabe aqui declinar.
Nós nos encontramos em posição, aparentemente ‘privilegiada’ como docente, no
entanto, caminho para chegar a esta posição foi de muitos desafios. Este processo é particular, sob
um certo ponto de vista, mas tem sua relação com o macrocontexto, uma vez que houve uma
expansão acentuada das vagas nos cursos de graduação, e na pós-graduação, além de uma política
de mais efetiva de concursos públicos em diferentes cursos, áreas de conhecimento e instituições
– principalmente, federais.
Nesse sentido, no lastro da compreensão sobre o campo universitário como campo de
forças e campo de lutas para conservar ou transformar, podemos dizer que o acesso ao ensino
superior transformou substancialmente todo o nosso roteiro biográfico, em virtude de sermos
oriundos de uma origem familiar bastante modesta, cuja formação escolar dos parentes mais
próximos e dos pais não chegou sequer ao Ensino Fundamental completo.
Com os parcos recursos familiares tivemos a trajetória escolar toda realizada em
instituições públicas, com muitas dificuldades e limitações e, no contexto familiar, os incentivos
para o ingresso neste nível de ensino foram próximos ou igual a zero. Este pouco incentivo se
constituiu, em grande medida, pelas ausências, que se fizeram logo cedo. No início da
adolescência, perdemos nossa mãe e ficamos aos cuidados de outros parentes, tendo morado em
várias casas diferentes, o que com certeza, propiciou uma “desatenção” maior com o
82
acompanhamento e incentivos para o estudo. Antes disto, levamos uma vida no “estilo cigano”,
tendo viajado para diferentes estados, o que também ocasionou algumas perdas escolares.
Pode-se considerar que “a família nunca é este organismo coerente, homogêneo e
harmonioso como nas visões encantadas ou tão simplesmente em sobrevoo, como muitas visões
macrossociológicas do “meio familiar [...]” (LAHIRE, 2011, p. 13), no entanto, é cabível
considerar que é a instância primeira de socialização, que possui o “monopólio da formação
precoce das disposições mentais e comportamentais”, tal como afirma Lahire (2011, p. 15). Em
nosso caso, somos a primeira geração a cursar o ensino superior, rompendo um padrão familiar de
naturalização do “pouco estudo” como fato sem nenhuma importância.
Nesse sentido, a Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM), caracteriza-
se como um espaço, cujo público advém de realidades semelhantes à nossa, em termos de primeira
geração, que obtém diploma de curso superior e, também, com também indivíduos oriundos da
escola pública e, sobretudo, residentes em cidades pequenas do interior. Por conseguinte a
instituição pesquisada ocupa o lugar de “centro cultural”, espaço de encontro dessas diversas
realidades interioranas que interagem.
Segundo Lahire (2011, p. 16) “[...] um lugar é a maneira de ser no mundo e de estar no
mundo, uma série de coisas pensáveis, possíveis ou autorizadas (e ao mesmo tempo, um quadro
que fixa os limites do pensável, do possível e do que é permitido).” Nessa perspectiva,
consideramos que o nosso lugar de fala é parte de uma árdua construção e o resultado de um longo
processo de interiorização, por meio de milhares de interações, de repetições, treino e
disciplinamento, que nos levaram a interiorizar o gestual, a linguagem e certos modos de
raciocínio. Podemos afirmar, sem nenhuma falsa moral, que hoje nos encontramos razoavelmente
“longe do mato” mas sabendo e admitindo que ele permance nas nuanças do que somos.
Por isto, o gérmen primário de nosso estudo, e a epigênese de nosso interesse acerca do
ensino superior, suas reconfigurações e as repercussões destas numa instituição periférica estão
revestidos de profundo valor emocional, em decorrência de nossa posição e trajetória, neste
espaço, que denominamos como campo universitário. Portanto, no nosso encontro com a
praxiologia bourdieusiana e no processo de construção deste trabalho – na objetivação objetivante
- um primeiro exercício se impôs: a ruptura com os julgamentos sociológicos que são amparados
pela lógica do uso ordinário dos conceitos. Além disto, procuramos fazer uma ruptura com os
julgamentos do senso ideológico, evitando ler e transmitir o discurso científico de maneira a julgar
83
“isto é bom”, “isto é ruim”, “isto é correto politicamente”. Sair de uma lógica de mundo organizada
a partir da ideia de que a realidade deve ser deste ou daquele jeito, foi um longo caminho, até
entendermos que o mundo social se organiza sob várias lógicas de funcionamento e, não
unicamente, sob a lógica das classes sociais, organizadas como dois ou três blocos de concreto,
sem interconexão entre si e separadas mecanicamente pela economia.
Superar o pensamento materialista incorporado aos nossos esquemas de percepção exigiu
um esforço de reelaboração de uma longa caminhada formativa. Assimilar a alquimia
sociossimbólica das práticas sociais ainda é um processo de estranhamento e acomodação do novo.
Desta feita, tomando de empréstimo o pensamento bourdieusiano, podemos dizer que “[...] nesse
esforço para explicar-me e compreender-me, poderei doravante apoiar-me nos cacos de
objetivação de mim mesmo que fui deixando pelo caminho” (BOURDIEU, 2005, p.39).
2.2 OS SUJEITOS DA PESQUISA E AS ENTREVISTAS: considerações e detalhamentos
Para esta pesquisa selecionamos 05 (cinco) professores, seguindo o critério de: a) pelo
menos dez anos de atuação na instituição pesquisada; b) titulação mínima de Mestre; c) trajetória
em atividades acadêmicas de ensino, pesquisa extensão e, atividades administrativas. Em geral, os
professores desenvolvem atividades acadêmicas, no entanto, adotamos este critério para identificar
a relação dos professores com a atividade de ensino e, sobretudo, com a pesquisa e extensão.
Consideramos que, as reconfigurações do ensino superior vêm alterando significativamente os
modelos e concepções de universidade e entendemos que o princípio da indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão vem sendo também reconfigurado.
Assim, entendemos a partir da praxiologia bourdieusiana que estes princípios presentes
nas práticas institucionais colaboram para a formação dos diferentes tipos de capitais
desenvolvidos pelos sujeitos escolhidos para a pesquisa, entendemos, também, que tais princípios
fortalecem a autonomia da universidade. Tomamos como ponto de partida a observação acerca da
posição ocupada por cada professor escolhido para a pesquisa, pois consideramos que a estrutura
do campo é definida a partir da distribuição do capital científico. Tal como afirma Bourdieu (2004,
p. 24) “[...] em outras palavras, os agentes (indivíduos ou instituições) caracterizados pelo volume
de seu capital determinam a estrutura do campo em proporção ao seu peso, que depende do peso
84
de outros agentes, isto é, de todo o espaço”. Assim Bourdieu (2004, p. 23) considera que “[...] a
estrutura das relações objetivas entre os agentes que determina o que eles podem ou não fazer”.
Isto significa que a posição ocupada por cada agente orienta e/ou determina suas tomadas
de posição (idem). Bourdieu (2004, p.26) define o capital científico como uma espécie particular
do capital simbólico, explica que: “[...] é sempre fundado sobre atos de conhecimento e
reconhecimento que consiste no reconhecimento (ou crédito) atribuído pelo conjunto de pares-
concorrentes no interior do campo científico.” Nesse sentido, quando analisamos o contexto do
campo universitário no tempo presente, é possível identificar que a posse de capital científico é
uma condição necessária para qualquer agente adentrar o campo. Além disto, o capital científico
é uma propriedade geral do campo.
O capital científico assemelha-se às competências desenvolvidas pelo agente, que
garantem sua permanência no campo. Ao mesmo tempo, por meio de tais competências, é possível
considerar, que cada posição ocupada no interior do campo científico leva em consideração os
sinais de reconhecimento e consagração (BOURDIEU, 2004).
Convém atentar ao fato de que, na praxiologia bourdieusiana, não se pode levar as leituras
sobre as práticas pelo viés da ilusão maquiavélica e, até cínica, acerca das distribuições no campo
social, isto porque “[...] nada é mais difícil e até mesmo impossível de “manipular” do que um
campo” (idem, p.25). Ao mesmo tempo, não se pode achar que um campo se orienta ao acaso, por
esta razão “[...] os campos são lugares de relações de forças que implicam tendências imanentes e
probabilidades objetivas” (idem, idem).
Os agentes não são partículas passivas conduzidas pelas forças do campo, é oportuno
observar isto. O habitus, nesse contexto, como disposições adquiridas, “[...] pode, em particular,
levá-los a resistir, a opor-se às forças do campo” (BOURDIEU, 2004, p. 28). O habitus funciona
como “[...] sistema de disposições duráveis e transponíveis estruturas estruturadas predispostas a
funcionar como estruturas estruturantes” (BOURDIEU, 2011, p. 87). Neste ponto, consideramos
valioso o estudo aprofundado das relações que se instituem na FAFIDAM, uma vez que a análise
sobre uma fração determinada do campo pode revelar suas lógicas específicas de funcionamento,
fugindo à regra das grandes análises sobre grandes objetos. Sobre este aspecto Bourdieu (1989)
afirma que em uma pesquisa o que há de mais valioso é construção do objeto de modo, que o
85
pesquisador possa reconstruir objetos “grandes” ou “pequenos” no sentido de apreendê-los sob um
ângulo imprevisto.
Os professores escolhidos para esta pesquisa, são “jogadores profissionais”, tal como
observa Bourdieu (BOURDIEU, 2004, p.28):
[..] esse senso do jogo é, de início, um senso da história do jogo, no sentido do futuro do
jogo. Como um bom jogador de rugby sabe para onde vai a bola e se põe lá onde a bola
vai cair, o bom cientista é aquele que, sem ter a necessidade de calcular, de ser cínico, faz
as escolhas que compensam. Aqueles que nasceram no jogo têm o privilégio do
“inatismo”. Eles não têm necessidade de serem cínicos para fazer o que é preciso quando
é preciso ganhar a aposta.
Assim, “[...] os agentes bem ajustados ao jogo são possuídos por ele e tanto mais, sem
dúvida, quanto melhor o compreendem” (BOURDIEU, 1996, p.142). O que isto significa? dito de
outra forma, “entre os agentes e o mundo social há uma relação de cumplicidade infraconsciente,
infralinguística...” (idem, p.143), ou seja, ao incorporar o sentido do jogo, os agentes apropriam-
se de um conjunto de “esquemas práticos de percepção e apreciação” realizando escolhas, que não
ocorrem, apenas, no plano das ações conscientes, pura e simplesmente. Ante o exposto, seguindo
os critérios traçados, apresentamos o quadro com algumas informações sobre os sujeitos
selecionados para a pesquisa
Quadro 6: Sujeitos da pesquisa (Professores) SUJEITOS TITULAÇÃO TEMPO DE
TRABALHO
SEXO/
IDADE/
ESTADO
CIVIL
ESCOLARIDADE
DOS PAIS
PROFISSÃO DOS PAIS
Professor
José
Pós-Doutor 26 anos Maculino
59 anos
Casado
Mãe: analfabeta
Pai: semianalfabeto
Pai: Pedreiro, mestre de
obras, posteriormente
pequeno empresário da
indústria de cerâmica
Mãe: Doméstica
Professora
Maria
Pós-Doutora 26 anos Feminino
59 anos
Casada
Pai:
Mãe:
Pai: comerciante
Mãe:
Professor
João
Doutor 24 anos Masculino
51 anos
Casado
Pai: Ensino
fundamental
incompleto
Mãe: Ensino
Fundamental
incompleto
Pai: agricultor, sendo
pequeno proprietário rural
Mãe: agricultora nas
atividades domésticas
Professora
Lúcia
Doutora 21 anos Feminino
48 anos
Casada
Pai:*
Mãe:*
Pai: agricultor
Mãe: doméstica
86
Professor
Francisco
Mestre 13 anos Masculino
45 anos
Casado
Pai: semi-
analfabeto
Mãe: analfabeta
Pai: agricultor
Mãe: agricultora
*não respondeu. Fonte: informações coletadas a partir das entrevistas.
Os critérios de escolha se deram a partir das observações em campo, no andamento da
pesquisa, pois percebemos que seria possível responder às questões do estudo, elaborando uma
análise do tipo morfológica, uma vez que não seria possível consultar todo o universo de agentes
envolvidos na dinâmica da instituição. No quadro acima, em especial, colocamos a escolaridade
dos pais conforme o pesquisado respondeu.
Para preservar as identidades, atribuímos pseudônimos aos pesquisados. Os sujeitos da
pesquisa não se opuseram à publicação de seus nomes, contudo, por ocuparem posições
estratégicas na estruturação da instituição pesquisada, consideramos mais adequado atribuir
pseudônimos. A escolha dos nomes se deu por semelhança aos nomes reais dos professores, sendo
que todos os nomes atribuídos são parte do nome real dos entrevistados. Os nomes José, João,
Maria e Francisco são parte do nome verdadeiro – que sem o sobrenome não é possível saber quem
são. Apenas a professora Lúcia recebeu, de fato um pseudônimo, por não haver em seu nome
nenhum que pudesse ser utilizado sozinho, sem o sobrenome.
Para a coleta desses dados, procedemos de duas maneiras. Realizamos entrevista com três
professores (José, Maria e Francisco) e aplicamos questionário aberto a dois professores (João e
Lúcia). A aplicação dos instrumentos da pesquisa ocorreu em duas etapas. A primeira, a partir da
aplicação dos questionários abertos à Professora Lúcia e ao Professor João. Em face de suas
ocupações com as atividades administrativas as quais os dois professores são vinculados
consideramos mais oportuno fazer a aplicação do questionário aberto, dando-lhes a condição de
responder e, posteriormente, entregar as respostas. Os questionários foram entregues na versão
impressa e, por solicitação dos professores foram, também, enviados para o e-mail. As perguntas
dos questionários foram organizadas a partir de três tópicos principais, a saber: 1) Trajetória; 2)
Capitais; 3) Gestão universitária/acadêmica. Além dos questionários aplicados, ocorreram
diferentes momentos de conversa com esses professores.
A segunda etapa da pesquisa, constituiu-se da realização das entrevistas. Este momento
exigiu um maior esforço, para conseguir adequar datas e horários nas agendas dos professores. O
87
ambiente da FAFIDAM e do Laboratório não parecia favorável à realização de uma entrevista, em
decorrência do fluxo constante alunos entrando e saindo, além da agenda dos professores sempre
muito cheia de compromissos. Compreendemos que não alcançaríamos os objetivos da
metodologia realizando uma entrevista com “quebras”, com a preocupação do tempo para começar
e terminar, além das interrupções. A primeira entrevista ocorreu no LECAMPO, no período de
recesso das atividades do Laboratório45.
A possibilidade de realizer entrevista com esse professor no LECAMPO foi maior em
virtude do mesmo residir na cidade de Limoeiro do Norte. Então fomos até à residência dos
professores, momento que pudemos aproveitar ao máximo na realização da entrevista. Ao todo,
foram entrevistados 03 (três) professores.
No segundo momento da pesquisa, além da entrevista com os professores, realizamos
entrevista com 03 (três) ex-alunos da instituição. Portanto, no universo da presente pesquisa há
duas amostras de sujeitos diferentes. Apenas no último capítulo, sistematizamos as entrevistas
realizadas com os ex-alunos. Estabelecemos relações entre as trajetórias dos ex-alunos da
instituição, recém formados na graduação e pós-graduação, com faixa etária entre 25 e 30 anos e
as trajetórias de três (03) dos professores pesquisados - que também são ex-alunos da instituição
(João, Francisco e Lúcia), contudo, já em exercício profissional de mais de uma década na
FAFIDAM. O objetivo de ter realizado estas três entrevistas foi relacionar a trajetória de vida e
trajetória escolar com a obtenção de “sucesso” acadêmico. Assim, as entrevistas dão suporte para
nossa reflexão sobre o perfil dos alunos, que ingressam na FAFIDAM, sendo majoritariamente um
público de classe popular, oriundo de trajetórias diversas de exclusão. Para fechar o trabalho
apresentamos o mapeamento da entrada de ex-alunos da FAFIDAM em cursos de pós-graduação
no período de 1998 a 2019.
45 Aproveitei o período do recesso para realizar a primeira entrevista. Marquei o encontro com o professor Francisco
em uma data X, contudo, neste dia o mesmo precisou desmarcar o encontro por motivos de saúde. Por este fato remarcamos para outra data. A possibilidade de realizer entrevista com esse professor no LECAMPO foi maior em virtude do mesmo residir na cidade de Limoeiro do Norte.
88
Todos esses fechos asseguram nossa tese de que há reconfigurações no campo
univeristário e, no caso da FAFIDAM a reconfiguração principal se dá no âmbito da pós-
graduação, razão pela qual apresentamos em pormenor os aspectos destas reconfigurações.
A seguir demonstramos o roteiro das entrevistas com os professores.
Quadro 7: Professores entrevistados (Francisco, José e Maria)
Professor
entrevistado
Data Hora Duração da entrevista Local da entrevista
1º Prof. Francisco 14/12/18 14:30 - 1 hora e 53 minutos Laboratório de Estudos
da Educaçãp do Campo
–
LECAMPO/FAFIDAM
2º Prof. José 24/01/19 13:30 1 hora e 40 Residência do
professor –
Fortaleza/CE. 3ª Profa. Maria 24/01/19 15:30 2 horas e 10 Residência do
professor –
Fortaleza/CE.
Quadro 8: Questionários (professores João e Lúcia)
Questionário aberto Data de entrega Data de recebimento
Profa. Lúcia 27/12/18 18/01/19
Prof. João 27/12/18 21/01/19
Considerando relevante lastrear as variáveis sobre origem familiar e trajetória escolar,
solicitamos aos pesquisados informações referentes a tais aspectos. No quadro a seguir,
apresentamos os tipos de escolas frequentadas pelos pesquisados e a formação inicial de cada
pesquisado:
Quadro 9: Variáveis (tipos de escolas, formação inicial dos professores)
SUJEITOS TIPOS DE ESCOLA QUE
ESTUDARAM
FORMAÇÃO NA
GRADUAÇÃO
Professor José Ens. Fund: Escola pública (dois anos
em escola privada com bolsa – 7º e 8º
ano).
Ens. Médio: Escola pública.
Pedagogia
Professora Maria Ens. Fund: Escola particular.
Ens. Médio: Escola particular.
Serviço Social
Professor João Ens. Fund: Escola pública.
Ens. Médio: Escola pública.
História
89
Professora Lúcia Ens. Fund: Escola pública.
Ens. Médio: Escola pública.
Geografia
Professor Francisco Ens. Fund: Escola particular
Ens. Médio: Escola particular
História
Esses dados são necessários, na medida em que os utilizamos para compreender as
práticas dos sujeitos, principalmente para entender a estruturação do habitus e dos capitais, na
perspectiva de Pierre Bourdieu. Como já mencionamos, entrevistamos 03 (três) ex-alunos da
instituição, recém formados na graduação e pós-graduação ofertada pela FAFIDAM. Os ex-alunos
escolhidos continuam circulando nos espaços da universidade, vinculados às atividades, que são
realizadas no Laboratório de Estudos da Educação do Campo (LECAMPO). Neste espaço, em
especial, há grande circulação de alunos e ex-alunos. O Laboratório tem uma dinâmica de
encontros e reuniões semanais para estudos, preparação de atividades ou reuniões de planejamento
e avaliação. A seguir apresentamos dados coletados
Quadro 10: Sujeitos da pesquisa (ex-alunos)
ALUNOS IDADE ANO DE
CONCLUSÃO
DO MESTRADO
PROFISSÃO DOS
PESQUISADOS
PROFISSÃO
DOS PAIS
ESCOLARIDADE
DOS PAIS
Aluno 1 27 anos 2017 Professor do Instituto
Federal do Ceará (IFCE)
Pai: autônomo
Mãe:
agricultora
Pai:
Mãe:
Aluna 2
30 anos 2016 Professora da
Universidade Estadual do
Ceará
(UECE/FAFIDAM)*
Pai: agricultor
Mãe:
agricultora
Mãe: analfabeta
Pai: sabe ler e
escrever muito
pouco
Aluna 3 25 anos 2019 Professora da Rede
Básica de Educação em
Flores/CE
Pai: agricultor
Mãe:
agricultora
Mãe: 1º ano
primário
Pai: 4ª série
*Professora substituta
Destacamos a idade, o ano de conclusão do Mestrado, a profissão que exercem, bem como
a profissão e escolaridade dos pais, porque, na última parte da pesquisa, realizamos algumas
reflexões acerca dos condicionantes sociais do sucesso acadêmico. Os ex-alunos por nós
selecionados para entrevista, oriundos de trajetórias bastante adversas, obtiveram razoável sucesso
acadêmico, no contexto da instituição e dos cursos de graduação aos quais foram alunos. Incluir
esta amostra de sujeitos na pesquisa se fez em acordo com os argumentos, que levantamos ao longo
90
da pesquisa, que apontam a FAFIDAM como um subcampo do campo universitário, no estado do
Ceará e, no contexto nacional, a partir do Mestrado Acadêmico.
2.3 Itinerário das entrevistas
Na obra “A miséria do mundo” Pierre Bourdieu (2008) chama atenção ao fato de que na
pesquisa científica não se pode confiar na boa vontade do pesquisador e do sujeito pesquisado,
posto que “[..] todo tipo de distorções estão inscritas na própria estrutura da relação de pesquisa”
(BOUDIEU, 2008, p.694). Por esta razão a “reflexividade reflexa, baseada num “trabalho”, num
“olho” sociológico, permite perceber e controlar no campo, na própria condução da entrevista, os
efeitos da estrutura social na qual ela se realiza” (idem). Nessa mesma linha de raciocínio, o autor
também observa que as perguntas realizadas no momento da entrevista produzem efeitos
inevitáveis que devem ser controlados pelo pequisador. Deste modo afirma que:
O sonho positivista de uma perfeita inocência epistemológica oculta na verdade que a
diferença não é entre a ciência que realiza uma construção e aquela que nçao o faz, mas
entre aquela que o faz sem saber e aquela que, sabendo, se esforça para conhecer e
dominar o mais completamente possível os seus atos, inevitáveis, de construção e os
efeitos que eles produzem também inevitavelmente (BOURDIEU, 2008, p.694).
O autor ressalta de que há duas propriedades inerentes à relação de entrevista: a primeira
diz respeito a uma espécie de intrusão sempre um pouco arbitrária, que está no princípio da troca
realizada no ato da entrevista e, em segundo lugar, a dissimetria entre o pesquisador e o pesquisado
na hierarquia das diferentes espécies de capital, mesmo quando há homologias de posição entre
pesquisador e pesquisado. Por esta razão, devemos buscar reduzir ao máximo a violência
simbólica, portanto podemos buscar instaurar uma relação de escuta ativa e metódica. Dessa
forma, as entrevistas realizadas com os dois grupos de sujeitos seguiram o modelo de entrevista
denominado por Bourdieu (2008) como auto-análise provocada e acompanhada. Assim,
iniciamos todas as entrevistas seguindo o mesmo padrão, apresentando um pequeno comentário
sobre a pesquisa, destacando quais os pontos de interesse que nos levaram até o pesquisado. No
caso dos professores, os pontos de interesse iam no sentido de perceber sua relação com as
atividades desenvolvidas nos espaços do Laboratório de Estudos da Educação do Campo, no
Mestrado Acadêmico Intercampi, e nas experiências com as atividades e projetos realizados ao
longo dos últimos anos. Antes de adentrar nestes aspectos de ordem ‘profissional” solicitamos aos
entrevistados que discorressem sobre sua trajetória, considerando suas experiências escolares até
à chegada na FAFIDAM.
91
Tivemos o intuito de deixar o pesquisado livre para discorrer sobre suas experiências,
porém, durante a escuta ativa, metódica e com uma atenção silenciosa e acolhedora, inserimos
perguntas, a partir das falas dos pesquisados, semelhante ao que faz o terapêuta com seu paciente.
As intervenções se deram em alguns momentos como forma de maiêutica, ou seja, procurando não
extorquir as declarações dos entrevistados, mas colaborar e estimular que cada resposta fosse a
melhor possível. Conduzimos os momentos das entrevistas, colaborando com as pessoas
interrogadas, a familiaridade e proximidade com todos os pesquisados favoreceu uma condição de
comunicação “não-violenta”, embora nessa relação também haja limites. Bourdieu (2008, p. 696)
observa que “[…] o interrogador não pode nunca esquecer que objetivando o interrogado, ele
objetiva a si mesmo.” De modo mais claro se pode dizer que, as seis (06) entrevistas seguiram o
mesmo padrão, organizado em duas questões centrais.
A primeira questão era conduzir o entrevistado a falar de sua trajetória, fazendo a relação
com sua origem social. A segunda questão era fazer o entrevistado falar de sua trajetória no espaço
pesquisado, fazendo a relação com os espaços e as práticas que dissemos a cada um deles que
havíamos observado. A partir desta estruturação, seria possível identificar as origens sociais do
grupo, remetendo à identidade de cada participante. Nesse contexto, os três professores ouvidos
apresentam trajetórias diferentes, no sentido de que cada um é oriundo de experiências familiares
e escolares nada semelhantes, mas o entrecruzamento de suas práticas profissionais, de afinidades
políticas e teóricas fazem o grupo parecer homogêneo. No caso das entrevistas com os ex-alunos,
foi possível identificar uma maior similaridade entre as trajetórias e as experiências escolares.
2.4 CARACTERIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE
A Universidade Estadual do Ceará (UECE) teve suas atividades iniciadas nos anos de
1970, por meio da Lei Nº 9.753/73, quando foi dada autorização pelo Poder Executivo para instituir
a Fundação Educacional do Estado do Ceará – a FUNEDUCE. Em 1975, por meio do Decreto Nº
11.233 foi criada a Universidade Estadual do Ceará (UECE).
À essa nova instituição foram incorporadas as Unidades de Ensino Superior existentes na
época, tai como: Escola de Administração do Ceará, Faculdade de Veterinária do Ceará, Escola de
Serviço Social de Fortaleza, Escola de Enfermagem São Vicente de Paula, Faculdade de Filosofia
Dom Aureliano Matos (de Limoeiro do Norte) e Televisão Educativa Canal 5. Em 1979, a
92
FUNEDUCE foi transformada em Fundação Universidade Estadual do Ceará (FUNECE) – criada
para atender às demandas de desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Ceará –
momento em que passou a atuar em rede multicampi. Faculdades do Crato, Juazeiro, Quixadá,
Iguatu, Crateús, Ipu, Ubajara, Redenção e Cedro foram integradas à instituição.
Desde sua criação, a Universidade Estadual do Ceará privilegia cursos de formação de
professores e, atualmente, a instituição conta com seis campi localizados no interior do estado,
dispostos da seguinte maneira:
Quadro 11: Unidades de ensino no interior e respectivos cursos de graduação - UECE
UNIDADES DE ENSINO NO INTERIOR CURSOS
Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos –
FAFIDAM (Limoeiro do Norte)
Ciências Biológicas
Física
Geografia
História
Letras (Língua Inglesa/Língua Portuguesa)
Matemática
Pedagogia
Química
Licenciatura em Educação do Campo*
Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino
(MAIE)
Faculdade de Educação, Ciências e Letras do
Sertão Central – FECLESC (Quixadá)
Ciências Biológicas
Física
História
Letras (Língua Inglesa/Língua Portuguesa)
Matemática
Química
A Faculdade de Educação, Ciências e Letras de
Iguatu - FECLI (Iguatu)
Ciências Biológicas
Física
Geografia
História
Letras (Língua Inglesa/Língua Portuguesa)
Matemática
Química
93
Faculdade de Educação de Crateús - FAEC
(Crateús)
Ciências Biológicas
Pedagogia
Química
Faculdade de Educação de Itapipoca - FACEDI
(Itapipoca)
Ciências Biológicas
Ciências Sociais
Pedagogia
Química
Centro de Educação, Ciências e Tecnologia da
região dos Inhamuns – CECITEC (Tauá)
Ciências Biológicas
Pedagogia
Química
Fonte: Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI, 2012; 2017), elaboração da autora.
Além das seis Unidades multicampi, a UECE tem uma Fazenda de Experimentação
Agropecuária, na cidade de Guaiúba, vinculada à Faculdade de Veterinária (FAVET) e, também,
o campus Experimental de Educação Ambiental e Ecologia de Pacoti/CE. Na disposição dos campi
no quadro acima, a UECE é uma instituição que se caracteriza pela oferta de cursos de licenciatura,
sendo o que consiste como sua principal linha de atuação no contexto do estado do Ceará.
Ressaltamos que a UECE, desde a sua criação, por meio da atuação multicampi desenvolve um
trabalho relevante quanto à oferta de cursos superiores no interior do estado.
A relação da UECE com a pós-graduação teve início no ano de 1981, com a pós-
graduação lato sensu, encampada pelo Centro de Estudos Sociais Aplicados (CESA). A pós-
graduação strictu sensu foi iniciada na década de 1990, com o Mestrado em Produção e
Reprodução de Pequenos Ruminantes, o Mestrado em Letras e o Mestrado em Administração. A
parceria entre a UECE e a Capes iniciou-se também na década de 1990 quando foram
desenvolvidos cursos com a finalidade de qualificar professores para o ensino superior, em âmbito
regional. No âmbito da formação strictu sensu, foram criados Programas de Mestrado em Saúde
Pública e em Geografia neste período. No decênio de 1990 aos anos 2000, houve um crescimento
da instituição, com a implantação de novos cursos, crescimento da pós-graduação, parcerias com
o governo federal, dentre outros.
No lastro desse crescimento, houve uma expansão, que se acentuou de maneira mais
expressiva a partir dos anos 2000. A instituição vem conduzindo Programas e Bolsas vinculadas
ao ensino (graduação), à pesquisa e à extensão, além de bolsas de assistência estudantil. Como
pudemos observar a partir do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI, 2012-2016 e 2017-
2021) a relação (ensino, pesquisa e extensão) está bem delineada na macroorganização da
94
instituição, constituindo-se como um dos valores institucionais da UECE46. Há bolsas específicas
voltadas para o apoio à graduação (ensino), à pesquisa e à extensão. Sistematizamos um esboço
geral da organização dessas Bolsas e Programas, da seguinte maneira:
Quadro 12: Programas e Bolsas vinculados ao ensino, pesquisa e extensão na UECE
Programas e Bolsas vinculados à Graduação
(ENSINO)
- Programa de Monitoria Acadêmica (PROMAC);
- Programa de Educação Tutorial (PET) – atende 07
Cursos;
- Projeto de Reorientação na Formação Acadêmica
dos Cursos de Graduação da Área da Saúde (PRO-
SAÚDE/ PET-SAÚDE);
- Programa de Institucional de Iniciação à Docência
(PIBID) – atende 09 Licenciaturas;
- Programa de Mobilidade e Intercâmbio
Internacional – ocorre por meio de Convênio
Bilateral (convênios específicos);
- Programa de Bolsas Ibero-americanas do Banco
Santander – alunos de graduação podem cursar até
06 meses em universidade ibero-americana. A
UECE tem enviado especialmente para a
Universidad Nacional de La Plata;
- Programa de Mobilidade Nacional ABRUEM –
mobilidade e intercâmbio entre universidades
estaduais e municipais;
- Programa Estudante-Convênio de Graduação
PEC-G – oferece oportunidade de formação
superior a cidadãos de países em desenvolvimento,
com os quais o Brasil tem convênio. Seleciona
estrangeiros entre 18 e 25 anos.
PROCAMPO
PARFOR
46 Os Princípios e Valores da instituição encontram-se dispostos no Plano de Desenvolvimento Institucional na seguinte ordem: Autonomia universitária; Universalismo; Excelência Acadêmica; Indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; Abertura à avaliação externa; Democratização, eficácia e transparência; Respeito à diversidade e Inserção nacional e internacional (PDI, 2017-2021).
95
Programas e Bolsas vinculados à PESQUISA - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica – PIBIC/CNPq;
- Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica nas Ações Afirmativas – PIBIC-
Af/CNPq – voltada para alunos que ingressaram por
meio de Ação Afirmativa;
- Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em
Desenvolvimento Tecnológico e Inovação –
PIBIT/CNPq;
- Programa de Iniciação Científica e Tecnológica –
ICT/CNPq;
- Programa de Iniciação Científica – IC/UECE;
- Programa de Bolsas de Preparação para
Competições Acadêmicas – PCA/UECE;
- Programa Voluntário de Iniciação Científica –
PROVIC/UECE
Programas e Bolsas vinculados à EXTENSÃO - Programa de Bolsas de Extensão;
- Programa de Bolsas de Iniciação Artística;
- Programa de Bolsa da Orquestra Sinfônica da
UECE;
- Programa de Bolsa da Banda Sinfônica da UECE.
Fonte: PDI (2017-2021), elaboração da autora.
A partir do Quadro acima, afirmamos que um estudo realizado por Alves, Macário e Vale
(2013) demonstra, que, no ano de 2008, a UECE contava com 497 bolsas de Iniciação Científica,
e em 2011 esse número subiu para 803 bolsas, representando 161,5% de aumento do número de
bolsas. Contudo, os autores observam que esse crescimento não responde às necessidades da
instituição, uma vez que, no universo de mais de 18 mil alunos de graduação, apenas 4,87%
obtiveram acesso às bolsas de Iniciação Científica no período analisado. Na perspectiva de estudo
realizado pelos autores, ora mencionados, ao analisarmos o Relatório de Gestão da UECE
identificamos que, foram distribuídas 632 bolsas de iniciação científica, 354 bolsas de monitoria,
84 bolsas PET/MEC, 16 bolsas PET Saúde/MS, 922 bolsas PIBID/CAPES, 01 bolsa Santader
Universidade e 900 bolsas do Programa de Bolsas de Estudo e Permanência Universitária (PBEU).
O número absoluto de bolsas distribuídas chega a 2.909. Também existem bolsas de pós-graduação
nos Mestrado Acadêmicos e Profissionais, e nos cursos de Doutorado.
96
No âmbito dos Programas Especiais voltados para graduação, a UECE com o Programa
Ciências sem Fronteiras (CsF), Programa Licenciaturas Internacionais (PLI), Programa de
Desenvolvimento Profissional para Professores (PDPP), Programa Laboratório Interdisciplinar de
Formação do Educador (LIFE). Dentre os Programas Especiais de Apoio à Graduação, na
instituição, com apoio federal constam: Programa Nacional de Formação de Professores da
Educação Básica (PARFOR), Programa de Apoio à Licenciatura Superior e Licenciaturas
Indígenas (PROLIND), Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação
do Campo (PROCAMPO), Serviço Social da Terra e Universidade Aberta do Brasil (UAB). Vale
observar que a instituição conta também com a presença do Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência (PIBID)47.
Procedendo à análise do Plano de Desenvolvimento da Instituição, observando
características organizacionais e históricas, para identificar como se encontra estruturada a UECE,
dois aspectos relativos aos Programas e Bolsas se mostraram relevantes para nosso trabalho. É
possível identificar a presença de Programas diretamente relacionados com a reestruturação do
ensino superior no Brasil, a partir de 1990. Em especial, identificamos a existência de Programas
de mobilidade para estudantes de graduação em nível nacional e internacional48. O Programa
Licenciaturas Internacionais (PLI), por exemplo, foi criado em 2009 a partir da proposta do Grupo
Coimbra de Universidades Brasileiras (GCUB). A proposta deste Programa, de acordo com
Nascimento (2017) é incentivar a mobilidade de estudantes entre universidades brasileiras,
portuguesas e francesas em sete áreas de formação (Matemática, Português, Física, Química,
Biologia, Estudos Artísticos e Educação Física). Além deste, o Programa de Apoio à Licenciatura
47 Respaldado pelo Decreto nº 7.219/10, criado no ano de 2010, tem também respaldo na Portaria Capes nº 096 de julho de 2013. De acordo com Tavares (2015) a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96 teve seu texto alterado para inclusão do PIBID no Art. 62. A autora explica também que a Lei nº 12.796 de 04 de abril de 2013, altera o texto da Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9.394/96) para incluir outras questões no Art. 62, §4º E §5º. 48 Os dados do Censo da educação superior (2017) informam que maior parte dos estudantes estrangeiros que circulam no Brasil é oriunda do continente americano (46,6%), do continente africano o percentual de alunos matriculados no Brasil é de 27,6%.
97
Superior e Licenciaturas Indígenas (PROLIND)49, o PARFOR50 e o PROCAMPO51. A
distribuição de Programas e Bolsas alinhados pelo tripé da indissociabilidade ensino, pesquisa e
extensão corrobora nosso entendimento de que a instituição pesquisada, no âmbito de sua
identidade institucional, está atrelada aos valores do modelo único instituído a partir da Reforma
Universitária de 1968.
O modelo de universidade centrado no ensino, pesquisa e extensão tornou-se a referência
para o Sistema de ensino superior no Brasil, desde a reforma de 1968, cujo formato é reconhecido
como autenticamente universitário52, mas existem tensões e desafios quanto à manutenção deste
modelo, por parte das políticas educacionais desde as reformas iniciadas nos anos de 1990. As
reformas implementadas no ensino superior, com ênfase a partir de 1990 foram e são instituídas
por meio de um processo de metamorfose do Estado e voltam-se cada vez mais à separação e à
distinção entre instituições de ensino superior.
Acerca da oferta diversificada de ensino superior, por exemplo, onde há sepração entre
ensino, pesquisa e extensão, Balbachevsky e Holzhacker (2005) afirmam que a diversificação
institucional foi reconhecida pela primeira vez vez na legislação brasileira a partir da Lei de
49 Este Programa se encontra estruturado a partir de um conjunto de dispositivos legais, onde se destaca o Decreto Presidencial 5.051 de 19 de abril de 2004. Este Decreto promulga a Convenção de nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata sobre povos indígenas e tribais. A Convenção 169 da OIT foi adotada em Genebra em 1989 e a partir do Decreto Presidencial 5.0501, no Brasil, passaram a ser aplicadas as suas disposições e executadas por meio de políticas específicas. De acordo com o texto do Decreto “será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém” fazendo referência ao conteúdo e as diretrizes imprimidas na Convenção da OIT. Fonte: http://portal.mec.gov.br/prolind. Além do Decreto mencionado há também o Parecer 14/99, a Resolução 03/99 e o Parecer 10/2002 todos oriundos do Conselho Nacional de Educação. 50 Este Programa é direcionado à formação inicial e continuada dos professores da rede básica de educação brasileira, congrega 71 municípios de Estados da Federação, tendo 76 instituições de educação superior envolvidas (48 universidades federais, 28 universidades estaduais e 14 universidades comunitárias), ver melhores aprofundamentos em Amorim e Medeiros (2016). No âmbito dos Programas especiais voltados para a formação inicial, o Censo da educação superior (2017) demonstra que em 2017 foram oferecidas quase 10 mil vagas para esta modalidade, dentre os quais o PARFOR e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). 51 Também ensejado no âmbito das políticas e ações supletivas que objetivam a correção progressiva das disparidades de acesso à formação, tanto inicial como continuada, em nível superior, voltada para professores da rede básica. Por meio da Resolução/CD/FNDE de 17 de março de 2009 há a autorização para assistência financeira direcionada a instituições públicas de ensino superior que desenvolvem projetos educacionais que promovem a ampliação do acesso e permanência de estudantes (de baixa renda e grupos étnicos diversificados) na universidade. Os projetos educacionais a que a Resolução diz respeito são aqueles particularmente voltados para formação de professores indígenas, do campo e afrodescendentes. Fonte: http://portal.mec.gov.br/tv-mec. 52 Durham (1998) destaca que a questão da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão já estava contida no movimento de criação das universidades nos anos de 1920, para aprofundamento deste tema a autora sugere o trabalho de Schwartzman e Bomeny (1984).
98
Dretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9.394/96. As autoras ressaltam que: “ainda que
mantenha a idéia de que a vocação do ensino superior seja a pesquisa, o ensino e a extensão, a
nova lei reconhece explicitamente a existência de um formato institucional prioritariamente
voltado para o ensino” (BALBACHEVSKY; HOLZHACKER, 2005, p. 01). Ao tratar da
identidade das instituições de ensino superior53, Oliveira (2000) considera que os processos de
ajuste prevalecem sobre os processos de resistência no campo universitário, por esta razão o
desmonte do modelo único vem ocorrendo de maneira deliberada. Um elemento que nos pareceu
relevante, embora não se trate de nosso objeto específico, mas configura-se como questão de fundo
no trabalho, no PDI (2012-2016) o quadro de docentes efetivos por titulação aparece demonstrando
o seguinte:
Figura 2: Servidores docentes efetivos na FUNECE, por titulação e regime de trabalho
Fonte: PDI (2012-2016).
Figura 3: Servidores docentes efetivos na FUNECE, por classe e regime de trabalho
Fonte: PDI (2012-2016).
53 É importante explicar que a análise do autor é direcionada especialmente para as instituições federais de ensino, o que não invalida o uso análogo para as instituições estaduais de ensino superior. Sobre os modelos de universidade trataremos de maneira mais detalhada no terceiro capítulo.
99
O total de docentes efetivos, incluindo todos os níveis de titulação, classe e regime de
trabalho era de 812, entre os anos de 2012 e 2016. No PDI (2017-2021), observamos, no quadro
com o mesmo conjunto de informações o seguinte:
Figura 4: Servidores docentes efetivos na FUNECE, por titulação e regime de trabalho
Fonte: PDI (2017-2021).
Figura 5: Servidores docentes efetivos na FUNECE, por classe e regime de trabalho
Fonte: PDI (2017-2021).
Houve diminuição no número de professores no PDI (2017-2021). Não é possível decifrar
quais as razões da diminuição do número de docentes efetivos, uma vez que não é possível
identificar as variáveis específicas acerca deste quantitativo, tais como: aposentadorias,
afastamentos para qualificação, licenças por motivo de saúde, exoneração e/ou outras variáveis.
Constatamos que, em números absolutos, houve uma redução do quantitativo de docentes efetivos.
Houve uma redução de 31 (trinta e um) docentes no quadro de efetivos, o que corresponde
percentualmente a 3,81% menos servidores docentes efetivos na instituição54. Quando
54 Com base na análise das informações contidas no PDI (2012-2016), em 2013 houve processo de nomeação e posse de novos professores, decorrente de Concurso Público de Provas e Títulos realizado no segundo semestre de 2012. À época havia 76 vagas de docentes falecidos e exonerados durante o período de janeiro de 2007 a julho de 2012. No período de 2007 a 2012 havia o total de 163 vagas de docentes efetivos a serem preenchidas decorrentes de aposentadorias. De acordo com o PDI (2013-2017) a meta da UECE era até 2015 completar o total de 1.133 cargos definidos por Lei, atendendo às determinações do Ministério da Educação (MEC) e do Conselho Estadual de Educação do Ceará (CEE). Embora na análise dos quadros seja possível identificar decréscimo na variação do número
100
confrontamos o PDI (2012-2016 com o PDI (2017-2021) percebemos que, em 2015, houve
Concurso Público de Provas e Títulos, contudo, não consta a informação de quantos docentes
foram aprovados e/ou contratados55.
Além da redução no número de docentes efetivos, também constatamos, por meio do
Relatório de Gestão da UECE (2015), que houve corte de recursos federais na instituição, o que
provocou uma retração no número de matrículas56. No Relatório consta que, devido aos cortes
orçamentários, realizados no âmbito do PARFOR e da Universidade Aberta do Brasil (UAB) não
foi possível aumentar o número de matrículas, nem criar novos cursos. Além disto, os professores
aprovados no concurso não foram contratados. O quadro a seguir demonstra a situação da
instituição, em termos de número de matrículas de 2012 a 2015 e o número de professores
contratados.
absoluto de docentes efetivos na instituição, no PDI (2017-2021) o texto, no tópico “Dimensão 5 – Perfil do Corpo Docente” (p.67) descreve que a instituição tem cerca de 1.116 docentes, sendo 69,9% efetivos e 30,1% substitutos e visitantes. O Relatório de Gestão da UECE (2017) apresenta a informação de que 340 processos foram realizados no ano de 2017, dentre os quais constam pedidos de afastamento para aposentadoria, averbação de tempo de serviço, declaração de tempo de serviço, cumprimento de diligênciass dos processos de aposentadoria e implantação de aposentadorias. Para maiores detalhes ver: Relatório de Gestão da UECE (2017). 55 No ano de 2014 houve greve de professores, a reivindicação era de que fosse realizado concurso público para docentes efetivos. Em 2013, 60 (sessenta) novos professores tomaram posse e em 2016, mais 15 (quinze) professores efetivos foram contratados. Fonte: http://g1.globo.com/ceara/noticia/2014/09/professores-em-greve-da-uece-protestam-nas-ruas-de-fortaleza.html; http://g1.globo.com/ceara/noticia/2013/07/60professorestomam-posse-nesta-segunda-feira-na-uece.html; https://www.sct.ce.gov.br/2016/03/16/quinze-novos-professores-efetivos-da-uece-tomam-posse/. 56 Não será possível nos determos na análise detalhada e específica acerca da expansão no âmbito da UECE, contudo, o panorama esboçado a partir do PDI (2012-2016 e 2017-2021) e dos Relatórios de Gestão (2015; 2017) evidencia que houve crescimento da pós-graduação, apesar da retração no número de matrículas na graduação.
101
Figura 6: Principais Metas UECE 2014-2015
Fonte: Relatório de Gestão da UECE (2015).
De acordo com a figura anterior, apesar da expansão a nível nacional, a instituição sofreu
uma redução no número de matrículas nos cursos de graduação. Em 2014, havia o total de 18.499
alunos matriculados na instituição e, em 2015, esse número caiu para 16.995, o equivalente a um
percentual de 8,13% a menos no número de matrículas, correspondente a menos 1.504 alunos na
instituição57.
Apesar da redução de incentivo financeiro por parte da instância federal, os Programas e
Bolsas distribuídas entre atividades de ensino, pesquisa e extensão – como citado, no Quadro 12,
houve um maior apoio da esfera federal direcionada ao fortalecimento da formação inicial, ou seja,
para o ensino de graduação. Estão funcionando cerca de 07 (sete) Programas com essa finalidade
(PDPP, PARFOR, PROCAMPO, PEC-G, PLI, PROLIND, PIBID).
57 A Câmara de Coordenadores da instituição vem buscando meios para solucionar o problema de alunos com tempo excedente na instituição. Assim, criando meios de conduzir esses alunos à finalização dos cursos, haverá possibilidade de se criar novas vagas na instituição.
102
Além disto, é possível observar um viés da internacionalização58, figurado nas Bolsas
específicas para mobilidade de estudante entre países ou no Brasil. Sobre este aspecto, o Relatório
de Gestão (2015) destaca que a UECE tem convênio com 21 (vinte e um) países, dentre os quais
se destacam os seguintes: França, Portugal, Chile, Canadá, Alemanha, Suécia, Argentina, Cabo
Verde e Espanha. No ano de 2013, foram assinados três convênios internacionais pela UECE e,
em 2014, mais três convênios, que envolvem a Universidade de La Plata (Argentina), o Instituto
Universitário de Educação de Cabo Verde e a Universidade La Frontera do Chile.
As informações relativas aos Programas de formação inicial, às Bolsas de estudo e aos
Convênios de intercâmbio (internacionalização) fortalecem e revelam a estruturação da UECE.
Por conseguinte, tais informações estão de acordo como o nosso interesse de pesquisa. No âmbito
da observação sobre a repercussão das reconfigurações do campo universitário, os professores
pesquisados são as figuras essenciais, que movimentam o mercado de trocas simbólicas, conforme
as condições estruturais da instituição e, também, de acordo com as suas condições (posições e
disposições) de seus habitus e seus capitais no interior do campo. A referencialidade ao tripé –
ensino, pesquisa e extensão – aparece de maneira estruturada nas falas, nas atividades
desenvolvidas e no conjunto de documentos, que permeiam a estrutura institucional da UECE e da
FAFIDAM.
Convém observar, que nossa análise e caracterização recaem sobre uma instituição de
ensino superior com categoria administrativa estadual59. As implicações acerca deste aspecto são
variadas, uma vez que:
As universidades estaduais constituem um segmento específico do setor público de ensino
superior brasileiro. Diferentemente das federais e das particulares, as universidades
estaduais estão fora do âmbito de atuação do Ministério da Educação e do Desporto, sendo
mantidas e fiscalizadas por seus respectivos Estados. Isso significa, que a interface desse segmento com os órgãos federais se dá esporadicamente, mediante pleitos de apoio
financeiro adicional (SAMPAIO, BALBACHESKY; PEÑALOZA, 1998, p. 4).
58 É importante estar atento ao fato de que o conceito de internacionalização converge para uma variedade de entendimentos, é um conceito complexo que pode, a depender das condições que se aplica, estar ligado à cooperação ou a dominação (FRANCO et al, 2010). 59Tratamos da relação da UECE com o campo científico nacional, fazendo um recorte das principais instituições que
compõem este no terceiro capítulo.
103
Houve crescimento nas atividades de pós-graduação, a partir dos dados do Relatório de
Gestão (2015). No Quadro anterior, observamos que no ano de 2014 foi programado pela
instituição atingir o número de 1.419 matrículas na pós-graduação, e, este número sido superado.
Na análise do planejado das matrículas com base somente no ano de 2014, é perceptível o
crescimento de 9,7% do número total, superando o estipulado pela instituição. Quando comparado
o número absoluto de matrículas na pós-graduação, entre 2014 e 2015 é perceptível um
crescimento de 7,5%. Embora não tenha atingido o número programado para 2015, que era de
2.064 matrículas, é possível afirmar, que houve crescimento, quando comparamos com o ano
anterior.
2.5 A FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS – FAFIDAM
A Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM) foi estruturada como
autarquia estadual, em janeiro de 1967, pela Lei Nº 8.716, quando passou a gozar de autonomia
financeira, administrativa, disciplinar e pedagógica. Até o ano de 1973, a instituição teve
personalidade jurídica e independência orçamentária, tendo sido incorporada pela Fundação
Educacional do Estado do Ceará, no final do ano de 1973. As atividades na instituição foram
iniciadas no ano de 1968, quando houve a aula inaugural. Os primeiros cinco cursos da instituição
foram: Peadagogia, História, Geografia, Letras e Matemática. Atualmente, a instituição oferece
nove (09) cursos de Licenciatura, tais como: Biologia, Física, Geografia, História, Letras
(Inglês/Português), Matemática, Pedagogia, Química e a Licenciatura em Educação do Campo –
implantada na instituição a partir de 2010 por meio do PROCAMPO que é uma Programa especial
para formação de professores do campo.
Situada na região do Baixo Jaguaribe, a FAFIDAM recebe alunos de dezenove (19)
cidades, tem mil e seis (1006) alunos regularmente matriculados e um corpo docente formado por
cento e dez professores (110). O mapa a seguir mostra as principais regiões de onde os alunos da
instituição são originários:
104
Figura 07: Região do Baixo Jaguaribe
Fonte: Atualização do Plano de Desenvolvimento Regional do Vale do Jaguaribe/2016
*Destaques nossos
Como é possível observar a cidade de Limoeiro do Norte é a “sede cultural” que concentra
a oferta de ensino de graduação pública e gratuita. Desde sua criação, no final dos anos de 1960 a
FAFIDAM oferece somente cursos de Licenciatura, tendo se constituído ao longo de seus
cinquenta anos como referência neste tipo de ensino. A distribuição do número de alunos por
cidade se apresenta da seguinte maneira:
105
Figura 8: Número de alunos por cidade FAFIDAM/UECE
Fonte: Controle Acadêmico da FAFIDAM, ano 2018. Elaboração da autora.
O quadro atual de professores da instituição é de cento e dez (110) profissionais, conforme
já citamos. Dentre efetivos e substitutos. O gráfico abaixo mostra o número de efetivos e
substitutos por curso. A lógica do gráfico é: o número maior corresponde sempre ao número de
docentes efetivos.
3222
506
187225
1241
3046
94174
232
55
Aracati
Ereré
Itaiçaba
Jaguaruana
Morada Nova
Palhano
Potiretama
Russas
Solonópolis
0 50 100 150 200 250
Nº de alunos por cidade FAFIDAM/UECE
Nº de alunos por cidadeFAFIDAM/UECE
106
Figura 9: Professores efetivos e substitutos na FAFIDAM
Fonte: Controle Acadêmico da FAFIDAM, ano 2018. Elaboração da autora.
No conjunto das observações realizadas, considerando as reconfigurações do campo
universitário, identificamos, a partir da consulta aos documentos da instituição, que houve ingresso
de novos docentes a partir de 2016, conforme demonstra o quadro abaixo:
Quadro 13: Ingresso de novos docentes na FAFIDAM a partir de 2016 CURSO DOCENTE EFETIVO
(a partir de 2016)
DOCENTE
SUBSTITUTO
(a partir de 2016)
TOTAL
Ciências
Biológicas
02 05 07
Física 02 03 05
Geografia 01 03 04
História 01 04 05
Letras 02 07 09
Matemática 01 02 03
Pedagogia 03 06 09
Química 01 05 06
TOTAL 13 novos efetivos 35 novos substitutos 48 (efetivos e
substitutos
Fonte: Controle Acadêmico da FAFIDAM. Elaboração da autora.
A FAFIDAM conta com seis (06) Laboratórios cadastrados no sistema da UECE.
Desenvolvemos nossas análises a partir da inserção no LECAMPO. Além dos cursos de graduação
já mencionados e dos Laboratórios descritos a FAFIDAM oferece um Mestrado Acadêmico de
natureza Intercampi.
Ciências Biológicas; 8 Ciências Biológicas;
5Física; 7
Física; 3
Geografia; 9
Geografia; 3
História; 11
História; 4Letras; 13
Letras; 7
Matemática; 9
Matemática; 2
Pedagogia; 11
Pedagogia; 7
Química; 6
Química; 5
Professores efetivos e substitutos na FAFIDAM
107
Quadro 14: Laboratórios da FAFIDAM/UECE
Laboratórios da FAFIDAM*
01 Lab. de Biologia
02 Lab. de Física Luíz Cláudio
03 Lab. de Geografia - LAGEO
04 Lab. de Matemática para Formação do Educador
05 Lab. de Química
06 Lab. Interdisciplinar de Formação do Educador - LECAMPO
07 Programa de Educação Tutorial – PET/História**
*Informações coletadas do PDI (2017-2021). Elaboração da autora.
**Acrescentamos o PET nessa relação dos Laboratórios porque este funnciona como laboratório do curso de
História
A FAFIDAM é uma instituição de pequeno porte, durante muito tempo a instituição
precisou utilizar a estrutura do Colégio Diocesano e da escola Liceu de Artes de Ofícios para
ofertar as disciplinas. Após reformas, ocorridas nos últimos anos, a instituição já possui o número
de salas sufucientes para sua demanda. No ano de 2019 foi inaugurado o Restaurante Universitário,
que, desde sempre, foi um serviço necessário, mas não ofertado. Os estudantes da FAFIDAM, em
sua maioria, não reside na cidade, precisando realizer deslocamentos diários, pois a instituição não
dispõe de residência universitária. O Restaurante Universitário foi construído no local de uma
antiga cantina, que servia como espaço de convivência de alunos e professores. Com a demolição
da cantina para construção do Restaurante, o espaço de convivência ficou mais restrito para
atividades coletivas. O prédio do restaurante foi construído tendo passado um longo tempo sem
funcionar. Em decorrência da demora na finalização da obra do Restaurante Universitário, os
alunos fizeram uma pichação na parede lateral, com a inscrição: “bora funcionar?”. A foto a seguir
é da referida parede.
108
Foto 1: Parede lateral do Restaurante Universitário (2018). Fonte: arquivo pessoal.
Há uma Biblioteca na instituição, que conta com o serviço de empréstimo de livros e
dispõe de um laboratório com computadores para acesso dos alunos para a realização de pesquisas
e de trabalhos acadêmicos. A instituição dispõe de um auditório com duzentos lugares, sala
específica de almoxarifado, Controle Acadêmico, Sala de Direção, uma sala para professores, sala
de Movimento estudantil, Secretaria, salas de aulas e os laboratórios de estudos ou mistos
(pesquisa/extensão). Na ocasião da comemoração dos cinquenta anos da FAFIDAM, na Mesa de
Solenidade, estavam presentes o prefeito da cidade e outras figuras importantes. Na ocasião, o
mesmo doou um prédio que fica localizado na esquina da FAFIDAM. Em decorrência do
funcionamento do Mestrado, a instituição conseguiu recursos para construção de uma Unidade de
Pesquisa, que servirá como espaço de pesquisa científica disponível para a comunidade acadêmica.
A Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos está situada na região do Baixo
Jaguaribe, especificamente, na cidade de Limoeiro do Norte. Os dados do Censo do IBGE
informam que no ano de 2010 a população de Limoeiro do Norte era de 56.264 pessoas e no ano
de 2018, o número estimado é de 59.278 pessoas. Os dados do IBGE explicitam também que
43,8% da população têm o rendimento nominal mensal percapta de até ½ salário mínimo. A media
mensal dos trabalhadores formais é de 1,8 salários mínimos. Os dados de 2010 mostram que a taxa
de escolarização de 06 a 14 anos era de 98%. Neste mesmo ano, Limoeiro contava com 342
docentes de ensino fundamental, 97 docentes do Ensino Médio. A cidade dispõe de 26 escolas de
ensino fundamental e 05 escolas de Ensino Médio.
109
Além da FAFIDAM, em Limoeiro do Norte há mais outras seis (06) instituições de
ensino superior, que ofertam ensino de graduação e pós-graduação, dentre as quais somente duas
são públicas: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE) e a Universidade Aberta
do Brasil (UAB). As outras instituições são privadas: Faculdade Vidal de Limoeiro (FAVILI),
Faculdade Integrada do Vale (FIVALE), Universidade Potiguar (UNP) e Polo de Apoio Presencial
Anhanguera. Destas, apenas a FAVILI dispõe em sua página na internet informações referente à
sua estrutura e organização. Em anexo, no final deste trabalho, encontram-se disponíveis as
informações sobre a oferta de extensão, iniciação científica e monitoria por parte desta instituição.
As instituições de esnino superior privado no Brasil não têm obrigatoriedade legal de ofertar
pesquisa e extensão, pois o ensino é a sua única função.
2.6 Apresentação do Laboratório de Estudos da Educação do Campo e Mestrado Acadêmico
Intercampi
Conforme já citamos, nossa análise privilegia um olhar sobre o Laboratório de Estudos
da Educação do Campo (LECAMPO) vinculado ao curso Pedagogia, e, também, sobre o Mestrado
Acadêmico Intercampi. O Laboratório de Estudos da Educação do Campo foi implementado na
instituição a partir do Edital Nº 003/2006, como um resultado de um projeto submetido à Fundação
de Apoio à Pesquisa (FUNCAP)60. O Laboratório de Estudos da Educação do Campo, doravante
referido por nós de LECAMPO ou Laboratório completou dez anos de atividades relacionadas
direta e indiretamente com a Educação do Campo, Educação de Jovens e Adultos e Educação
Popular, em 2018. A entrada dessas temáticas, no espaço do campo universitário, ao qual a
FAFIDAM encontra-se localizada, se deu a partir dos objetos61 de estudo e pesquisas dos
professores que coordenam o Laboratório desde sua institucionalização, no ano de 2008.
60 É importante frisar que, no ano de 2006, a FAFIDAM também desenvolvia atividades vinculadas ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), tendo este Programa perdurado de 2006 a 2010. Se faz importante destacar esta informação para que se evidencie que a relação do curso de Pedagogia com as disciplinas e temáticas voltadas para Educação do Campo, Educação de Jovens e Adultos, Educação Popular vem se estabelecendo na instituição há longo tempo.
110
Primordialmente a decisão de analisar estes dois espaços e suas relações de um
levantamento que realizamos, mapeando o ingresso de alunos da instituição em Programas de Pós-
Graduação, no período de 1998 a 2019. Fizemos este mapeamento a partir da percepção de uma
possível regularidade quanto ao ingresso de ex-alunos da FAFIDAM na pós-graduação. Esta
percepção desencadeou todo o processo de análise desta pesquisa, no sentido das operações
práticas, das tomadas de decisão em relação aos procedimentos e análises posteriores. O referido
mapeamento foi o primeiro passo no sentido de buscar identificar por qual razão os estudantes da
FAFIDAM logravam êxito nas seleções de mestrado e, posteriormente, doutorado.
Após o levantamento desses dados, observamos que eles corroboravam uma linha
importante da nossa pesquisa, pois evidenciava os cursos que mais projetavam alunos na pós-
graduação. Isto indicou alguns caminhos acerca da elaboração dos critérios para escolha dos
sujeitos que seriam entrevistados, pois seria impossível realizar investigação com todos os
professores e alunos da instituição. Aos poucos, a pesquisa foi sendo construída e, escolhemos
os procedimentos que melhor responderiam às questões iniciais da investigação.
Identificamos que, não era tão alta a taxa de projeção dos alunos nos cursos de pós-
graduação como “imaginávamos” incialmente, mas não era irrelevante. Assim, passamos a
observar a rotina da instituição, procurando “descobrir” o que movimentava o interesse de certos
estudantes, que com frequência estavam próximos a determinados professores. As divisões entre
preferências de alunos por este ou aquele professor, o burburinho dos corredores sempre cheios de
alunos, trazendo para a universidade as questões que saltavam e saltam nas mídias e redes sociais.
As paredes com cartazes de denúncias de “professores assediadores”, misturados à mensagens
religiosas, outras mensagens de apoio à autoestima fixadas nas paredes dos banheiros femininos.
Com uma intuição persistente consideramos que fazia considerar que a FAFIDAM
propiciava cenários de mudança e superação de muitas trajetórias, daqueles que por ela circulavam
e circulam e, por ser uma instituição localizada no interior, recebe alunos de várias outras cidades
de interior – muitas menores que Limoeiro do Norte em termos populacionais. Nesse sentido,
observamos que o perfil da instituição é majoritariamente popular, conforme demonstra o
Relatório do Censo Discente de 2013. A população estudantil da UECE sobrevive em cenários de
pobreza, poia 44,33% sobrevive com renda de 01 a 03 salários mínimos; e 15,91 vive em cenários
de extrema pobreza, com renda de até um salário mínimo.
111
Desta forma, utilizando nosso conhecimento nativo acerca deste espaço fomos
palmilhando o campo da pesquisa, até identificar, que, na instituição havia inúmeras, tais como:
entre professores, entre áreas, posições políticas e, também entre objetos comuns de disputas. Este
fato se estende às divisões entre funcionários: aqueles do primeiro escalão, os “marginalizados”,
os mais antigos e os novatos. Neste cenário, passamos a observar que a instituição tem espaços
nos quais os grupos afins se encontram, compartilham dos mesmos pensamentos, “brigam” pelas
mesmas questões. A estrutura físca da FAFIDAM é pequena e não dispõe de sala de professores.
Há, somente, uma sala grande, na qual os professores podem tomar café, deixar seus materiais,
mas não oferece as condições de “isolamento” e nem mesmo de trabalho individual. Muitos
professores entram e saem na instituição, ministram suas aulas, realizam o trabalho burocrático e
vão embora, o que impede uma melhor convivência entre os docentes.
Na direção oposta a essa, há os professores que estão vinculados à atividades semanais,
que ocorrem em âmbito de laboratório, razão pela qual há um fluxo contínuo de alunos reunidos
semanalmente nestes espaços. A partir desta percepção e por outras, que se apresentarão ao longo
do texto, observamos que alguns professores ocupavam posições estratégicas, que lhes permitiam
implementar uma economia de bens simbólicos significativa, capaz de estabelecer uma
movimentação com problemáticas próprias do campo universitário e com temas da região, na qual
a instituição se encontra localizada. Em geral, tais grupos “pautam” a agenda institucional e
ocupam o espaço da FAFIDAM com seus objetos de estudo.
Além disto, observamos que, essas práticas se dão atreladas ao princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Por se tratar de uma instituição de pequeno
porte, a FAFIDAM possui uma dinâmica de funcionamento em que é possível identificar certas
linhas principais de atividades das quais há envolvimento regular de alunos e professores. Então,
privilegiamos a análise centrada a partir do Laboratório de Estudos do Campo, pois suas atividades
ocorrem de maneira regular, havendo reiteradamente o reforço à ideia de que este Laboratório se
constitui como uma família, marcado por intensas atividades seja de pesquisa ou de extensão, os
alunos e professores utilizam o espaço de maneira ampla, promovendo momentos de café da tarde,
troca de presentes, bazar para aquisição de recursos para viagens acadêmicas – enfim, há uma
logística de funcionamento própria do Laboratório. As análises sobre estes aspectos serão tecidas
ao longo do texto.
112
Foto 2: Finalização do semestre em 2018/Reunião de trabalho LECAMPO
*Captura em 19/12/18
Além do Laboratório, o Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE)
criado na FAFIDAM, no ano de 2011 e iniciadas as atividades em 2013, foi o primeiro Mestrado
Acadêmico do interior do Ceará. O aludido Mestrado tem caráter interdisciplinar,
interdepartamental, interinstitucional e intercampi, por isso realiza suas atividades em parceria
com a Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central (FECLESC) da cidade de
Quixadá/CE. O Mestrado foi criado pela Resolução Nº 3385/2011-CEPE, de 16 de maio de 2011,
Resolução Nº 808– CONSU/UECE, de 27 de junho de 2011, Resolução Nº 879/2012- CONSU,
de 25 de junho de 2012 e aprovado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), em 22 de outubro de 2012. Tem como área de concentração Educação, Escola
e Movimentos Sociais, constituído por duas linhas de pesquisa: 1. Educação, Escola, Ensino e
Formação Docente e 2.Trabalho, Educação e Movimentos Sociais.
Por esta razão, entendemos que somente por meio de análise das práticas seria possível
identificar a economia de bens simbólicos que, muito provavelmente, era o motor responsável por
tal aquisição na instituição, pois as condições materiais da instituição e a sua categoria
administrativa de universidade estadual a posicionam em situação de relativa desvantagem frente
à instituições hegemônicas que compõem, por exemplo, o conjunto de instituições de ensino
superior no Estado do Ceará. Pelas lentes da praxiologia bourdieusiana, entendemos que, a
instituição pesquisada desenvolve uma performance buscando, por meio de variados
investimentos, equiparar-se e legitimar-se como produtora e difusora de conhecimento científico.
113
CAPÍTULO III - O CAMPO CIENTÍFICO NACIONAL: modelos de universidade em discussão
No primeiro capítulo deste trabalho, apresentamos um esboço geral de como se constitui,
a partir da praxiologia bourdieusiana, o campo universitário no Brasil. Neste capítulo,
apresentamos maiores detalhes acerca deste campo, evidenciando melhor suas características, com
ênfase na produção científica que, demarca, atualmente, um ponto fundamental de diferença entre
as instituições de ensino superior públicas e as instituições de ensino superior privadas. Com base
nos dados da pesquisa podemos afirmar, que a universidade pública brasileira é responsável
majoritária pela produção da ciência. Assim, o campo universitário é compreendido como
manifestação do campo científico, razão pela qual utilizamos as duas denominações ao longo do
texto. Como uma espécie de prolegômenos, buscamos evidenciar que as reconfigurações as quais
o campo universitário vem passando se encontram atreladas à questão dos ‘modelos de
universidade’, que a partir das décadas de 1980 e 1990 passam por redefinições em face da reforma
do Estado.
Em seguida, estabelecemos uma análise comparada entre o trabalho de Miranda (2008) e
os dados recentes relativos à produção científica brasileira. Fazemos uma análise do campo
nacional até o campo científico no Ceará. Por último, fazemos um comparativo entre os achados
de Miranda (2008) e as reconfigurações atuais da FAIDAM. Os substratos da pesquisa realizada
pela autora servem de referencial empírico para um panorama e um quadro comparativo, que
demonstram importantes reconfigurações e mudanças na instituição nesta última década.
3.1 MODELOS DE UNIVERSIDADE NO BRASIL
Mediante a discussão até o momento empreendida, é oportuno ressaltar, que, no núcleo
das reconfigurações do campo universitário, se encontra a problemática referente aos modelos de
universidade. Nesses termos, Sguissard (2004) observa que apesar de nunca se ter firmado
formalmente/oficialmente um modelo típico de universidade no Brasil, a cada época, surge um
modelo ideal ou, idealizado desta instituição a partir de características determinadas com ênfase
nos modelos predominantes nos países centrais. Desta forma, Sguissard (2004) considera, que, no
atual contexto, é possível falar de uma superposição de modelos universitários, ao mesmo tempo
114
o trânsito de uma universidade “pública” para uma universidade privada de caráter neoprofissional,
heterônoma e competitiva.
Se na atualidade, é possível discutir os modelos de universidade, é relevante retomar
alguns aspectos históricos sobre sua estruturação desde a Idade Média, evidenciando que nem
sempre a universidade e o ensino superior estiveram organizados da forma como atualmente
conhecemos. Por conseguinte, é necessário falar das características de tais modelos, pois estas são
referenciais para a estruturação do complexo sistema de ensino superior na atualidade. É a partir
desses modelos que as instituições de ensino superior se estruturam no sentido de sua relação, ou
não, com ensino, pesquisa e extensão.
3.2 Origens e desdobramentos dos modelos: napoleônico, humboldtiano e americano
As primeiras universidades, de acordo com Charle e Verger (1996), surgiram na Europa
ocidental no início do século XIII e foram herdeiras de uma longa história, que remete à
Antiguidade cristianizada. As universidades de Bolonha, Paris, Oxford e a universidade de
Medicina de Montpellier foram as primeiras experiências universitárias no Ocidente. Essas
primeiras instituições apresentaram algumas características importantes, tais como: dependência
em relação ao movimento associativo bastante forte no início do século XIII, período em que se
estabeleceram os estatutos próprios; eleição dos representantes entre o movimento associativo;
auxílio mútuo na garantia da proteção ao exercício autônomo da atividade de ensinar.
Como segunda característica destaca-se: ruptura com o estreito quadro diocesano, que
constituía as escolas anteriores. Charle e Verger (1996) sublinham que foi reivindicada uma
autoridade intelectual em escala ocidental. Fatores como o progresso urbano, as novas
necessidades das cidades favoreceram o surgimento dessas novas instituições. Os autores afirmam,
ainda, que as disfunções surgidas nas escolas anteriores aguçaram as necessidades “profissionais”
do ensino, de modo que a solução universitária foi o caminho para tal.
Inicialmente as formas de funcionamento dessas instituições ocorriam de maneira um
tanto “desorganizada”, visto que cada um ensinava à sua maneira, percorrendo superficialmente
as autoridades e misturando disciplinas. Para controlar tal situação, os mestres estabelecidos se
associaram com a finalidade de limitar a proliferação das escolas e impor um regime de estudos
bem definidos. O apoio para esta organização veio do papado (papas, teólogos e canonistas do séc.
115
XIII) e, também dos reis da Inglaterra e França. Tais apoios garantiram a autonomia universitária,
ao mesmo tempo as interferências nos negócios da universidade ocorriam por parte do papado, o
que levou à admissão de ordens mendicantes no interior da universidade (Dominicanos e
Franciscanos). Vale ressaltar que essa ‘autonomia universitária’ se deu nos moldes da época,
portanto, não se deve confundir com o que hoje denominamos de autonomia universitária. É
necessário considerar que os contextos históricos são diferentes evitando-se o ‘presentismo’.
Segundo Charle e Verger (1996) naquele contexto, as universidades eram bastante
móveis, pois não havia barreira alguma à validade universal dos diplomas. Essa mobilidade
favorecia Paris e Bolonha, na percepção dos autores já mencionados. Além disto, afirmam que os
alunos, que frequentavam as universidades eram de “classe média”. O percentual de nobres era
muito baixo nessas instituições, pois esse tipo de ensino não “acrescentava” muito a este grupo
social, porque não conduzia ao tipo de cultura e nem ao tipo de carreira ao qual se dedicavam
preferencialmente.
Apesar dos conflitos e crises, conforme Charle e Verger (1996, p. 30) durante a Idade
Média, as instituições universitárias ofereceram uma “[...] cultura de base muito sólida, um modo
rigoroso de raciocinar, uma arte de analisar minuciosamente os textos e, igualmente, noções gerais,
os elementos de uma visão coerente do mundo”. A cultura de base assumiu grande relevância na
Idade Média e, portanto, houve o reconhecimento da competência adquirida a partir dos estudos,
mesmo que o indivíduo não concluísse sua formação e não obtivesse um diploma. A partir das
escolas e das universidades medievais surgiu no Ocidente, a figura social do “intelectual”.
Perdurou durante a Idade Média, de acordo com Charle e Verger (1996) a percepção da
“Ciência Sagrada”, havendo dificuldades quanto à autonomia em relação aos ensinamentos, posto
que a Exegese Bíblica era praticada desde a Alta Idade Média, tendo se juntado à Teologia. Desta
maneira, havia a ideia de que todo o saber existente era derivado de um número de textos
produzidos por “autoridades” veneráveis, que desde a Antiguidade, eram a fonte de todo o saber.
O progresso do conhecimento, apenas, podia derivar dessas fontes, devendo se constituir em uma
exegese aprofundada desses textos.
Para Charle e Verger (1996) as primeiras universidades não obedeceram a um modelo
único, uma vez que havia dois sistemas. Na região norte da Europa, as universidades eram
116
originariamente associações de mestres, tal como federações de escolas, tendo como disciplinas
principais Artes Liberais e Teologia, com a marca eclesiástica bastante presente. Nas regiões
mediterrâneas as universidades eram originariamente associações de estudantes, e a disciplina
predominante era o Direito, e em segundo plano Medicina. Esse cenário perdurou do século XII
até, pelo menos, o século XV. Os autores relatam que as primeiras escolas de Direito surgiram
também neste período.
Embora as universidades no século XIII tenham alcançado autonomia e se iniciado a
separação entre “sentenças” de cunho dogmático e “questões” debatidas a partir da dialética, havia
submissão à autoridade da Igreja. O método escolástico foi uma das bases do ensino medieval.
Contudo, os limites da escolástica se fizeram presentes, havendo marginalização de disciplinas
vistas pelos escolásticos como de menor importância ou, mesmo sem “valor” erudito. Por exemplo,
eram ignoradas as expressões em língua vulgar, o Direito consuetudinário, as “Ciências Exatas”,
as Artes Mecânicas, claramente uma recusa à quantificação e a ausência de qualquer recurso de
experimentação. Charle e Verger (1996, p. 39) observam que:
O peso da Teologia Escolástica, baseada no recurso universal à dialética, não só
comprometeu, como vimos, a emancipação da Filosofia, mas, na própria Teologia,
impediu a renovação de uma exegese bíblica mais aberta à História e à Filologia ou a
consideração de uma abordagem mais afetiva, até mesmo mística, de Deus, que teria
muitas vezes melhor respondido à expectativa dos fiéis.
A “arrogância dos mestres, o rigor inumano dos canonistas, a aridez e o palavratório
estéril dos teólogos” (CHARLE; VERGER, 1996, p. 39) caracterizou o modus escolástico, pelo
qual a universidade se organizou, em termos de disciplinas e em termos de sua autonomia, em
relação aos poderes eclesiásticos. A partir do século XVI, começam a ocorrer algumas mutações
institucionais, tendo havido uma multiplicação das universidades, pela emergência dos Estados
Nacionais e, também, pelas rupturas causadas pela Reforma – o que levou não apenas protestantes
a dotarem-se de uma rede própria de estabelecimentos como também a Igreja Católica multiplicou
universidades novas, principalmente em áreas de fronteiras, como Áustria, Baviera, Renânia
(CHARLE; VERGER, 1996).
A partir da formação dos Estados Nacionais surgiu um crescente controle exercido pelos
poderes políticos sobre as universidades, sobretudo, pelo fato de que os Estados passaram a tomar,
cada vez mais para si, a responsabilidade dos salários dos regentes, além da construção de prédios.
117
Charle e Verger (1996) consideram que a renovação do saber a partir da Idade Média e sua forte
adesão não são explicadas apenas, pelo desenvolvimento geral do Ocidente, no sentido do
crescimento urbano em si mesmo e da aceleração das trocas, mas pelo fato da Igreja (em menor
escala), os poderes leigos e as classes dirigentes terem sentido a crescente necessidade de apelar
aos letrados para gerir seus negócios públicos e privados.
Nesse sentido, podemos afirmar que o nascimento das primeiras universidades se deu,
não exatamente por um “esgotamento” do modelo anterior das escolas - como algumas correntes
de pensamento costumam conceituar – mas por um processo de reclassificação. Portanto, a partir
dos séculos XVI ao XVIII iniciou-se nova fase, passando a existir novas fundações universitárias.
O ato de fundação passou a ser de iniciativa de autoridades políticas (príncipe), ou mesmo pela
vontade dos cidadãos com chancela do papado.
De acordo com Charle e Verger (1996) nem todos os países foram beneficiados com essas
novas fundações62, os autores afirmam que:
Na América Latina, as mais antigas fundações foram as de São Domingos (1538), a de
Lima (1551) e a do México (1551); instituídas por decreto real com estatutos inspirados
nos de Salamanca e de Alcalá, quase sempre controladas por ordens religiosas
(Dominicanos, Jesuítas) (CHARLE & VERGER, 1996, p. 42).
Houve importante crescimento dessas instituições em diversos países, de modo que a
significação social dos estudos e dos graus começou a ser questionada, razão pela qual se iniciou
uma série de reformas universitárias. Os modelos de universidade alemão/humboldtiano,
francês/napoleônico e o modelo americano foram gestados no transcurso do desenvolvimento das
instituições de ensino superior, predominantemente, nos países centrais.
Vale destacar, que, no bojo da discussão em torno dos modelos, pairam algumas questões,
que, no contexto brasileiro, têm uma dimensão muito significativa, desde o surgimento das
primeiras experiências com a universidade, tendo havido desde então muitas lutas em torno
daquilo que se denomina como a(s) função/funções das universidades. Além das funções, os
62 Houve monopólio de Coimbra e Cracóvia, mas também houve proliferação para países como a Espanha, Itália, França. As fundações surgiram também no norte da Europa e Alemanha e as mais promissoras foram Konigsber (1554), Leyde (1575), Graz (1585), Dublin (Trinity College, 1592), Abo (1640) Halle (1693) Gottingen (1733), Moscou (1755) (CHARLE & VERGER, 1996).
118
modelos de universidade funcionam como base para as concepções, que fundamentam essa
instituição e estabelecem diretrizes para sua organização estrutural.
Sobre os modelos de universidade, Cunha (2007) afirma que de 1812 a 1816, os maiores
filósofos do idealismo escreveram sobre a ideia de universidade e sua realização. Cunha (2007)
destaca cinco autores, que produziram, em poucos anos, talvez uma das mais densas reflexões
sobre a instituição universitária desde sua criação no século XIII. Desta maneira, Hegel, Schelling,
Fichte, Schleiermacher e Humboldt trouxeram contribuições, que, até os dias atuais, reverberam
nas concepções sobre os modelos de universidade. De acordo com Cunha (2007, p. 17):
Os cinco filósofos pensadores da universidade em gestação tinham em comum a
concepção de que se tratava de realizar, na prática, a Universidade, isto é, a ideia de
Universidade. Para uns, essa ideia implicava a manifestação diversa do saber uno; para
outros, a totalização sistemática do saber diverso. Conforme abraçassem uma ou outra
variante da concepção ideal de universidade, as propostas para a universidade real
brotavam com marcas liberais ou autoritárias.
Assim, Schleimacher propunha uma relação tênue entre a universidade e o Estado, quase
totalmente reduzida à sua manutenção econômica. Nessa ótica, não deveria haver a imposição de
programas e métodos aos professores e, os alunos poderiam escolher aqueles professores de sua
preferência, em livre concorrência (CUNHA, 2007). Fichte por sua vez, defendia que cada
professor deveria ter o monopólio de uma matéria e, assim como os estudantes, deveriam estar
sujeitos a um rígido esquema hierárquico e disciplinar. Este esquema disciplinar deveria ser
controlado por instâncias de supervisão (idem).
Especificamente, no Brasil, de acordo com Mazzilli (2011, p. 207):
[...] foram incorporados os modelos que englobam as funções clássicas da universidade,
de conservação e transmissão da cultura, de ensino das profissões e de ampliação e
renovação do conhecimento. Esses modelos, adotados pela França e pela Alemanha,
respectivamente resultaram de movimentos ocorridos na Europa do século XVIII, que
redefiniram o papel social e as funções das universidades, adequando-as às demandas
emergentes naquelas sociedades [...]
De acordo com autora supramencionada, a partir do século XIX, no contexto alemão, com
a Universidade de Berlim foi introduzida a pesquisa científica como uma função da universidade.
A universidade que foi criada, em 1810, por Humboldt, por esta razão, este modelo de universidade
de pesquisa ficou conhecido como modelo humboldtiano. Cunha (2007, p. 18) considera que “[...]
o ensino brasileiro incorporou tanto os produtos da política educacional napoleônica quanto os da
reação alemã à invasão francesa”. Saviani (2010) considera que de 1960 até à promulgação da
119
Constituição Federal de 1988, o modelo de expansão e organização do ensino superior é
napoleônico. De 1990 aos dias atuais, o autor considera que vem prevalecendo o modelo anglo-
saxônico na versão norte-americana.
Convém esclarecer que, na França “[...] o papel da universidade foi redefinido com
características diversas das que marcaram o modelo alemão e inglês”. (MAZZILLI, 2011, p. 207).
A universidade francesa teve o Estado como responsável pela legitimação do pensamento nacional,
razão pela qual “a universidade tinha como meta a preparação profissional de servidores do
Estado” (idem). Mazzilli (2011) observa que, embora recebesse o nome de universidade, o modelo
francês se caracterizou como um aglomerado de faculdades profissionais. O aludido modelo foi
incorporado pelo sistema de universidades da América Latina, só tendo sido alterado a partir do
Movimento de Córdoba em 1918, no contexto argentino, que se estendeu às demais instituições
universitárias da América Latina.
Na percepção de Mazzilli (2011), este Movimento foi o embrião de um novo paradigma
de universidade na América Latina, a partir do qual houve redefinição da identidade das
universidades. A partir do Manifesto de Córdoba, surgiu a proposta de incorporação da extensão
universitária, havendo uma redefinição do para que e para quem a instituição universitária deveria
estar a serviço. A autora afirma que, uma das consequências desse movimento foi a adesão desta
nova concepção consagrada na legislação de quase todos os países do mundo.
No que concerne ao modelo de universidade experimentado nas primeiras instituições de
ensino superior no Brasil, Mazzilli destaca o modelo francês (napoleônico). Baseado na proposta
para a formação a partir das instituições isoladas de ensino, o que repercutiu também na primeira
universidade brasileira, criada em 1920. A contestação a esse modelo só veio ocorrer a partir de
1930, sob a liderança de Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, que propunham o modelo
humboldtiano, segundo o qual a incorporação da pesquisa e extensão deveria ocorrer nas
instituições de ensino superior. De acordo com Mazzilli (2011) o Manifesto dos Pioneiros da
Educação trouxe a proposta da tríplice função da universidade.
Conforme Sguissard (2011) os denominados modelos clássicos de universidade se
constituíram ao longo dos séculos XVII e XIX. Os chamados modelo napoleônico e humboldtiano,
são conceitos que dificilmente se poderia aplicar na realidade. Todavia, servem de parâmetro e de
120
referência há, aproximadamente, dois séculos. Sguissard considera que o modelo francês foi
revolucionário no contexto da França em Revolução, “[…] livrando-se ao máximo de heranças do
antigo regime” (p.276) fato que contribuiu para formar quadros necessários ao Estado.
O modelo humboldtiano, que preconizou a liberdade de pesquisar, aprender, ensinar,
“[…] constituiu-se com produção do saber e a formação livre, reconciliados nos mesmos espaços
e tempo” (SGUISSARD, 2011, p. 276). Nesse sentido, Sguissard (2011, p. 276) afirma que:
[...] pode-se afirmar que o que se tem feito nestas Terras do Novo Mundo são verdadeiros
transplantes ou adaptações autóctones de estruturas universitárias europeias,
principalmente do viés confessional até a Revolução Francesa, e vazadas nos conhecidos
modelos clássicos – no caso do Brasil, primeiro, o francês/napoleônico; depois, alemão
ou humboldtiano (...)
No limiar do século XX surgiu o modelo denominado de massas ou americano, que na
percepção de Sguissard, se subdivide em vários outros, portanto, não há como afirmar, que há um
modelo francês ou alemão, mas muitos modelos americanos, dentre os quais o autor menciona as
Research Universities. Há um fato inquestionável: o atraso de dois ou três séculos do surgimento
da universidade no Brasil. Nesta linha de raciocínio, afirma:
A desigual experiência universitária em países de colonização inglesa, espanhola e
portuguesa alerta para o fato de que esta instituição não possui, para sua implantação e
desenvolvimento, uma relação bastante direta ou estreita apenas com o desenvolvimento
econômico, mas sofre influência de diversos outros fatores, como os políticos, religiosos
e culturais em geral, que caracterizam a seu modo tanto os impérios inglês e espanhol,
quanto o português (SGUISSARD, 2011, p. 277).
A tentativa de adoção do modelo humboldtiano se deu de maneira lenta, tendo se iniciado
mais claramente a partir dos anos de 1930. Assim, para ilustrar, o autor cita a criação de algumas
instâncias ligadas à produção do conhecimento científico, tais como: Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC) criada em 1948, Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) criado em
1951, Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES) criada em 1951,
Fundação de Amparo à Pesquisa (FAPESP) criada em 1962. Estes espaços cumpriram e cumprem
importante tarefa no direcionamento do fazer universitário, no sentido de implementar um modelo
que associa o ensino e a pesquisa.
Desta maneira, sob a ótica dos modelos Sguissard (2011) considera que a Reforma
Universitária de 1968 foi importante, por associar pesquisa e ensino, constituindo uma formulação
genérica, a qual o autor chama de neo-humboldtiana. Nessa perspectiva, o autor considera que a
121
não obrigatoriedade das instituições de associar ensino e pesquisa, e a falta de controle e supervisão
sobre as instituições fariam que, somente, as universidades com sistemas de pós-graduação
seguissem o modelo proposto pela Reforma. O autor cita ainda, que houve muitas reações à
implementação deste modelo na Reforma Universitária, por exemplo, o famigerado Grupo
Executivo de Reformulação do Ensino Superior (GERES) resistiu e reagiu à Reforma, tendo
colaborado para aplicar interpretações liberalizantes sobre o preceito Constitucional do Art. 207
da Constituição Federal de 1988 e em outros documentos e dispositivos voltados para a educação
superior. Na base das reconfigurações do campo universitário no Brasil se encontram as disputas
em torno dos modelos de universidade.
3.3 Estrutura do campo científico nacional: análise comparada
Na propositura deste trabalho de tese, escolhemos analisar as reconfigurações do campo
universitário no Brasil e como estas tocam a realidade da FAFIDAM. Inicialmente, apresentamos
um esboço da teoria dos campos de Pierre Bourdieu, esboçando como se definem os campos e suas
lógicas de funcionamento a partir da praxiologia. Neste tópico em especial demonstramos como
se estrutura o campo universitário, quais instituições se colocam hegemonicamente no topo das
hierarquias. Desta maneira atentamos ao fato de que “[…] é a estrutura das relações objetivas entre
os agentes que determina o que eles podem ou não fazer” (BOURDIEU, 2004, p. 10). Nesse
sentido, a distribuição dos capitais no espaço vai determinar as posições, além de que as relações
objetivas entre agentes formam os princípios do campo.
Desta maneira, a pesquisadora Marly Miranda, no ano de 2008, realizou um estudo na
FAFIDAM e com amparo na teoria dos campos envidou largo esforço em demonstrar a estrutura
e funcionamento do campo científico a nível nacional, no nordeste e no estado do Ceará. Desta
maneira, no âmbito da estrutura do campo científico nacional, Miranda (2008) identificou as seis
mais importantes universidades do país na época, sendo estas: Universidade de São Paulo (USP),
Universidade do Estado de São Paulo (UNESP), Universidade de Campinas (UNICAMP),
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
e a Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Os critérios organizados pela pesquisadora foram vários, tais como número de cursos de
graduação oferecidos, infra-estrutura para acesso à informação expresso em número de bibliotecas,
122
títulos e volumes de livros, número percentual do corpo docente por titulação máxima, conceito
atribuído pela CAPES aos programas de Pós-Graduação Stricto Sensu das IES na avaliação trienal
2001 – 2003. Além disto, Miranda (2008, p.) também considerou a produção de artigos, tendo
observado que:
Uma forte característica da produção científica nacional é que ela ainda é muito
concentrada nas regiões Sudeste e Sul. Por esta razão, atualmente, apenas seis
universidades e as Instituições Federais de Ensino respondem por 60% dos artigos
publicados em periódicos internacionais.
Se considerarmos, apenas, a dimensão da pesquisa científica para realizar uma
comparação entre os achados de Miranda (2008) e um quadro mais atual, veremos que os dados
na plataforma CNPq, na qual consta a súmula estatística da distribuição de grupos de pesquisa por
região, no ano de 2016, revela que as seis instituições com posição dominante no ano de 2008
continuam dominantes em 2016.
Figura 10: Distribuição dos grupos de pesquisa, pesquisadores e doutores por instituição 2016
Fonte: Súmula Estatística CNPq 2016
Um Relatório encomendado pela CAPES no ano de 2018, intitulado “Research in Brazil”
apresenta o desempenho da pesquisa brasileira, por meio dos recursos bibliométricos. Tal relatório
organizado pela Clarivate Analytics63 destaca a posição das vinte universidades brasileiras com
maior produção científica no período de 2011 a 2016. As mesmas instituições identificadas por
Miranda no ano de 2008, como localizadas no centro dinâmico do campo acadêmico continuam
ocupando posição central, tal como demonstra a figura abaixo:
63 De acordo com a Incits a “Clarivate Analytics – antiga Thomson Reuters) é uma ferramenta online de avaliação de pesquisa personalizada e baseada em citações, que permite realizar análises de produtividade científica e comparação de resultados com parceiros no mundo inteiro. Tomando por base o conjunto de registros da Web of Science, o InCites congrega ferramentas de análise e métricas que ensejam quantificar e qualificar os resultados de
pesquisa”.(s.d). Fonte: http://www.sibi.usp.br/apoio-pesquisador/indicadores-pesquisa/incites/.
123
Figura 11: Universidades brasileiras com maior número de publicações
Destacamos, em amarelo, as três universidades do Nordeste, que aparecem entre as vinte
universidades com maior produção científica no Brasil no perído de 2011 a 2016. Essas três
instituições aparecem no ano de 2008, na pesquisa realizada por Miranda, que afirma: “os dados
demonstram a posição periférica das universidades do Nordeste e, particularmente as do Ceará, na
hierarquia do campo acadêmico nacional” (MIRANDA, 2008, p.59). Assim, podemos inferir que,
a Universidade Federal do Ceará (UFC) obteve melhoria uma vez que aparece entre as vinte
maiores produtoras de ciência e, no quadro comparativo elaborado por Miranda (2008) a
instituição ocupava quarto lugar no quadro das instituições nordestinas, estando atrás da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a Universidade Federal da Bahia (UFBA),
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Noutro passo, quando comparada somente com as instituições do Ceará, a Universidade
Federal do Ceará (UFC) apareceu no topo da hierarquia, na pesquisa de Miranda (2008).
Propositalmente realizamos um pequeno desvio em relação às variáveis que foram consideradas
por Miranda (2008) para a análise das instituições - tais como número de cursos de graduação e
alunos matriculados, infra-estrutura para acesso à informação, expresso no número de bibliotecas,
títulos e volumes de livros, número de percentual de docentes por titulação máxima, conceito
atribuído pela CAPES aos programas de Pós-Graduação Stricto Sensu -trazendo para comparar as
posições entre as instituições a partir da produção científica, ou seja, comparamos as instituições
124
a partir de variáveis diferentes e desiguais. Nosso “desvio” se deu no sentido de evidenciar que a
produção científica tem sido desenvolvida pelas instituições universitárias, posto que são elas que
realizam pesquisa. Nesse sentido, outro Relatório organizado pela Science-Metrix64 registra o
Brasil como 13º maior país a publicar artigos científicos entre países, que também publicam.
Desta forma, fica evidenciada que o que denominamos campo universitário no Brasil é
uma manifestação do campo científico. Destarte, tal como afirmam Oliveira e Catani (2012, p.
150):
Estrictamente hablando, solo podriamos hablar de universidades al referirnos a las
instituciones universitarias, y a las otras, como instituciones no universitarias o de
ensenanza superior. [...] adoptaremos la terminologia campo universitario para referirnos
al conjunto de las instituciones que integran la educacion superior, principalmente las
universidades que se dedican mas a la investigacion y al posgrado (maestria y doctorado).
A produção da ciência no campo em tela está diretamente relacionada à prática da
pesquisa, além disto o sistema de pós-graduação Stricto sensu construído no Brasil constitui-se
atualmente como o maior e melhor da América Latina (SOUZA, FILIPPO, CASADO, 2018,
p.126).
3.4 O campo científico no Ceará
No caso do campo científico no Ceará, Miranda (2008) identificou cinco universidades
que se encontravam no centro dinâmico do campo, sendo uma pública federal - no caso a
Universidade Federal do Ceará (UFC), três públicas estaduais, sendo: Universidade Estadual do
Ceará (UECE), Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA), Universidade Regional do
Cariri (URCA) e Universidade de Fortaleza (UNIFOR). As variáveis utilizadas pela pesquisadora
foram as mesmas utilizadas na primeira situação com as instituições nacionais. Neste caso, as duas
instituições melhor posicionadas foram a Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Universidade
Estadual do Ceará (UECE).
Miranda (2008, p. 63) sublinha que:
[...] fica explícito que as instituições e agentes situados nas posições periféricas do campo
acadêmico no Nordeste detêm menos volume de capitais que o necessário para atuar no
âmbito nacional. Por essa razão, são obrigados a submeter-se à imposição das regras e
significados legítimos estabelecidos pelas instituições e agentes posicionados no topo da
hierarquia do campo e pelas agências reguladoras oficiais.
64 Disponível em: http://www.science-metrix.com/sites/default/files/science-metrix/publications/science-metrix_open_access_availability_scientific_publications_report.pdf
125
Apesar disto, a Revista Inglesa Times Higher Education (THE), em 2018, selecionou a
Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Universidade Estadual do Ceará (UECE) no ranking das
melhores universidades da América Latina. Foram Classificadas 129 instituições de dez países
latinoamericanos, de modo que a UFC ficou posicionada na 56ª colocação e a UECE 107ª.
De acordo com informações da Universidade Estadual do Ceará (UECE)65, a instituição
foi identificada pelo periódico, em razão de nos últimos cinco anos ter realizado, pelo menos 200
publicações indexadas pelo Scopus 66– que é o maior banco de dados de resumos e citações da
literatura com revisão por pares, dentre os quais se incluem revistas científicas, livros e publicações
em Congressos. Ainda de acordo com informações prestadas pela aludida instituição, esse
desempenho também é resultado da qualidade dos cursos de pós-graduação e de seus
pesquisadores.
Figura 12: UFC e UECE no ranking internacional
De fato, houve um crescimento da pós-graduação em âmbito de Universidade Estadual
do Ceará (UECE), conforme demonstramos em sua carcaterização. Além do crescimento do
número de matrículas, houve aumento no número de publicações e no número de grupos de
pesquisa cadastrados na Plataforma do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). Por exemplo, no ano de 2015, havia 163 grupos de pesquisa cadastrados na
Plataforma e, em 2017, este número era de 167. No âmbito de tais reconfigurações, é possível
também identificar um investimento da UECE em torno da internacionalização, havendo políticas
internas com a finalidade de obter melhor desempenho nesta área. Os Programas de mobilidade de
65 Disponível no site da instituição. 66 Maior banco de dados de resumos e citações da literatura científica com revisão por pares. A partir deste banco de dados é possível ter um panorama da produção de pesquisas em âmbito mundial nas áreas da ciência, tecnologia, medicina, ciências sociais, artes e humanidades.
126
estudantes e os convênios podem ser considerados como estratégias dos agentes da instituição, que
buscam desenvolver e/ou fortalecer seu senso do jogo.
3.5 O campo científico e sua materialidade na FAFIDAM
A FAFIDAM está numa posição periférica do campo acadêmico, tanto em nível
nacional, quanto regional e estadual. Se considerarmos os indicadores apontados ao
longo do capítulo que serviram para dar visibilidade à estruturação do campo científico
nacional, poderemos facilmente constatar essa condição. A inexistência de bases e
grupos sólidos de pesquisa, o baixo índice de publicações acadêmicas, a debilidade do
acervo da única biblioteca existente, a inexistência de pós-graduação, mesmo em cursos
isolados, dentre outros elementos, põem em evidência essa condição, a qual vai
influenciar fortemente os sentidos e as práticas relativas á Ciência. Caracteriza-se essa
instituição exclusivamente voltada para o ensino e transmissora de conhecimento
(MIRANDA, 2008, p. 64 grifos nossos)
O fragmento de texto acima transcrito evidencia a estrutura da FAFIDAM, no ano de
2008. Neste ano, iniciou-se um processo de formalização de atividades de extensão, tendo sido
criado um laboratório para atividades desta natureza. A criação deste espaço propiciou a
institucionalização progressiva das disciplinas ligadas à educação do campo, educação popular,
educação de jovens e adultos, fomentando um espaço de práticas comuns entre agentes da
FAFIDAM, no âmbito da extensão e, posteriormente ligadas à produção da pesquisa.
Vale dizer que, no ano de 2008, iniciou-se uma experiência significativa com um projeto
denominado “Mais um passo na Educação do campo” ligado ao Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária (PRONERA), cuja execução demandou um estreitamento da relação entre os
professores da universidade e agentes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. O Projeto foi
aprovado pela Câmara de Extensão da UECE e, visava beneficiar 400 educandos jovens e adultos
residentes em área de reforma agrária, organizados em 20 salas de aula situadas em 16 municípios
cearenses (em anexo o Projeto).
A relação de alguns agentes da FAFIDAM com o MST estava sedimentada, desde 2006,
quando o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária iniciou suas atividades na UECE,
contudo, não havia um espaço comum destinado a tais práticas no interior da FAFIDAM, voltadas
para a extensão, nem havia uma relação clara das disciplinas com as práticas extensionistas. No
decorrer destes dez anos, foi se estruturando um campo, que podemos chamar, também, de um
campo disciplinar.
127
Desta maneira, com a reformulação do Projeto Pedagógico de Curso, no âmbito do Curso
de Pedagogia, iniciada no ano de 2009 e com as discussões acerca das reformulações curriculares,
foram introduzidos os projetos de extensão com a finalidade de instituir a prática extensionista
como parte da formação no curso de Pedagogia. No referido Projeto Pedagógico de Curso estão
descritos os projetos, que subsidiaram a atividade extensionista no Curso de Pedagogia em parceria
com Movimentos Sociais. A seguir, o trecho do PPC, no qual consta a descrição:
Figura 13: Projetos de Extensão no PPPC Pedagogia/FAFIDAM
128
Fonte: Projeto Político Pedagógico do Curso de Pedagogia, fluxo 2011.
Isto posto, Silva (2007, p.56) com arrimo em Bourdieu (2004) afirma que:
A institucionalização progressiva das disciplinas no âmbito da universidade, destaca o
autor, é produto das lutas independentes visando impor a existência de novas entidades e
suas fronteiras destinadas a demarcar os seus limites e proteger-lhes.
Desta maneira, na formação de um campo científico, a autora menciona com fundamento
em Gingras (1991) que, em primeiro lugar ocorre a emergência de uma prática de pesquisa, de
maneira que sejam criadas as condições favoráveis à produção do saber e à reprodução do grupo.
De acordo com a perspectiva a qual se filia, afirma que, na formação de um campo deve haver
“[…] a constituição de um grupo reconhecido como socialmente distinto e portador de uma
identidade social seja disciplinar, por meio de associações científicas, seja profissional, por meio
de uma corporação” (SILVA, 2007, p. 54).
129
Na época da pesquisa realizada por Miranda (2008), nenhum destes elementos estava
posto claramente, mas houve um processo de constituição de um espaço de extensão e de pesquisa
que foi se consolidando. Nesse sentido, vale observar que a distribuição dos capitais é fundamental
para a estruturação de um campo e foi necessário o transcorrer de um determinado o qual, a
institucionalização das práticas foi se constituindo a partir de um jogo de disputas no interior do
espaço pesquisado. Na época da pesquisa realizada por Miranda (2008), a FAFIDAM ainda não
tinha sequer o auditório reformado, era o antigo auditório que funcionava desde a fundação da
instituição. Na descrição que a pesquisadora faz do espaço, ainda, existia a antiga cantina, que foi
demolida para construção do Restaurante Universitário. Podemos dizer, que, no período da
pesquisa realizada por Miranda, a FAFIDAM já pretendia ser um campo, contudo, as condições
estruturais eram bastante limitadas.
Nesse sendito, outro elemento contribuiu para a estruturação da FAFIDAM como uma
instituição do campo universitário do Estado do Ceará: foi a participação de dois professores em
estágio de pós-doutorado, na École des Hautes Études en Sciences Sociales- EHESS/Paris, com a
supervisão do Prof. Michel Löwy (2012/2013). Estes dois professores estiveram, diretamente,
envolvidos com a instituição da extensão no espaço da FAFIDAM, não limitada ao Curso de
Pedagogia e, com o uso de seus capitais conseguiram congregar um conjunto de agentes, em torno
da ideia de implantar a pós-graduação na FAFIDAM. Portanto, a emergência de um espaço próprio
para a pesquisa se deu a partir de uma vinculação institucional das práticas de ensino e extensão e,
foram sendo garantidas a partir de recursos científicos acumulados no campo. O capital científico
bem estruturado, de maneira que “[…] a estrutura da distribuição do capital científico está na base
das transformações do campo científico e se manifesta por intermédio das estratégias de
conservação ou subversão da estrura...” (BOURDIEU, 1976, p.13).
Nesses termos, compete destacar em acordo com Bourdieu (2004, p. 24) que, a “[…]
estrutura...determinada pela distribuição do capital científico num dado momento” desta maneira
“os agentes (indivíduos ou instituições) caracterizados pelo volume de seu capital determinam a
estrutura do campo em proporção ao seu peso, que depende do peso de todos os outros agentes”
(BOURDIEU, 2004, p.24). Isto significa que “[…] aquilo que define a estrutura de um campo num
dado momento é a estrutura da distribuição do capital científico entre os diferentes agentes
engajados” (idem).
130
Uma década após a pesquisa realizada por Miranda (2008), é possível afirmar que houve
uma mudança significativa na instituição, constituindo-se uma reconfiguração deste espaço. A
consolidação da pós-graduação na FAFIDAM, instituída a partir de 2011, por um grupo de
professores, que se organizou para pleitear o Mestrado, tendo as aulas iniciadas em 2014,
constituiu a principal reconfiguração deste espaço. Com a pós-graduação, houve um impulso na
pesquisa científica na instituição. No início desta pesquisa, nós realizamos um levantamento
buscando mapear o ingresso de ex-alunos da FAFIDAM em cursos de pós-graduação. Fizemos
um recorte temporal de 1998 a 2019 e, por meio deste mapeamento, identificamos que houve uma
significativa repercussão do ingresso de ex-alunos na FAFIDAM, a partir de 2014, tal como se
pode observar no gráfico abaixo:
Figura 14: Evolução do número de ingressos na Pós-Graduação FAFIDAM/UECE 1998 a 2019
Elaborado pela autora.
É possível observar uma discreta regularidade de ingresso de ex-alunos a partir do ano de
2004, tendo oscilado, maiormente entre 4 e 5 ingressos até 2012. O mapeamento exposto no gráfico
acima foi realizado a partir da busca por nomes dos ex-alunos da FAFIDAM e da localização de
seus Currículos Lattes, bem como de seus trabalhos de dissertação ou tese publicados. É possível
que este levantamento não seja perfeito, porque o fizemos com base no recurso da memória e da
01
0 0
21
5
0
2
4 4
1
4 43
0
910
9 9
7
13
Evolução do Número de ingressos na Pós-Graduação
1998 - 2019
131
colaboração de uma ex-aluna do curso de Geografia67, que, também, por meio de sua memória
indicou alguns nomes para que fosse feita a busca. O levantamento revela a repercussão da pós-
graduação na FAFIDAM, de maneira que o número de ingressos aumentou a partir de 2014,
sobretudo, pela presença da pós-graduação em nível local. Na oportunidade deste mesmo
levantamento, identificamos que, dos ex-alunos ingressantes na pós-graduação, um número
significativo tornou-se professor efetivo em diferentes universidades, principalmente no Nordeste.
Abaixo o gráfico com o quantitativo de ex-alunos da FAFIDAM que se tornou professor efetivo
em universidades:
Figura 15: Alunos egressos da FAFIDAM/UECE efetivos em universidades brasileiras
Elaborado pela autora.
A seguir apresentamos um Quadro onde constam os nomes, as instituições onde os
egressos atuam, suas respectivas titulações e os cursos aos quais se graduaram na Faculdade de
Filosofia Dom Aureliano Matos – FAFIDAM/UECE. O levantamento foi realizado por meio de
busca (por nome) na Plataforma Lattes.
67 A ex-aluna Bernadete Freitas fez uma lista com os nomes de colegas de sua época que ingressaram na pós-graduação (Mestrado e/ou Doutorado) e, nos repassou.
UECE28%
IFCE16%
UFPI8%
UFCA4%
UERN8%
UFERSA4%
IFRN4%
UESPI4%
IFAL4%
IFPA4%
UFC8%
URCA4%
UNILAB4%
Professores efetivos em Universidades
132
Quadro 15: Ex-alunos da FAFIDAM Professores Efetivos em Universidades brasileiras
Número Nome Instituição Titulação FORMADO
EM
01 João Rameres
Regis
Universidade Estadual
do Ceará –
UECE/FAFIDAM
Doutor História
02 Sergiano Araújo Instituto Federal do
Ceará - IFCE
Doutor Geografia
03 Maurilene do
Carmo
Universidade Federal
do Ceará - UFC
Doutora Pedagogia
04 Jovelina da Silva
Santos
Universidade do estado
do Rio Grande do
Norte - UERN
Mestre/Doutoranda História
05 Lenúcia Moura Universidade Estadual
do Ceará - UECE
Doutora História
06 Ana Carmita B.
Sousa
Universidade Federal
do Cariri – UFCA
Doutora Pedagogia
07 Fernanda
Cardoso Nunes
Universidade Estadual
do Ceará –
UECE/FAFIDAM
Mestre/Doutoranda Letras/Inglês
08 Kelson Chaves Instituto Federal de
Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio
Grande do Norte -
IFRN
Pós-Doutor História
09 Bernadete Freitas Universidade Federal
do Piauí - UFPI
Doutora Geografia
10 Leonardo Cabó Universidade Federal
do Piauí - UFPI
Mestre/Doutorando Pedagogia
11 Jamira Lopes Universidade Federal
Rural do Semi-Árido -
UFERSA
Mestre/Doutoranda Pedagogia
12 Emanuela Chaves Universidade do Estado
do Rio Grande do
Norte - UERN
Mestre/Doutoranda Pedagogia
13 Claudemir
Martins Cosme
Instituto Federal de
Alagoas - IFAL
Mestre/Doutorando Geografia
14 Rubson P. Maia Universidade Federal
do Ceará - UFC
Doutor Geografia
15 Maria da
Conceição da
Silva Rodrigues
Instituto Federal do
Pará - IFPA
Mestre História
16 Leiliana
Rebouças Freire
Universidade Estadual
do Piauí - UESPI
Mestre Pedagogia
17 João Paulo
Guerreiro
Almeida
Instituto Federal de
Educação, Ciência e
Tecnologia do Piauí -
IFCE
Mestre Pedagogia
18 Daniela Glícea de
Oliveira da Silva
Instituto Federal de
Educação, Ciência e
Mestre Pedagogia
133
Tecnologia do Piauí -
IFPE
19 Raquel Lima de
Freitas
Universidade Estadual
do Ceará –
UECE/FAFIDAM
Mestre Pedagogia
20 Maria Ozirene
Maia Vidal
Instituto Federal de
Educação, Ciência e
Tecnologia do Piauí -
IFPE
Mestre Pedagogia
21 Maria Auricélia
Gadelha Reges
Universidade Estadual
do Ceará –
UECE/FAFIDAM
Mestre/Doutoranda Pedagogia
22 Cleuton Almeida
da Costa
Instituto Federal de
Educação, Ciência e
Tecnologia do Piauí -
IFPI
Mestre Geografia
23 Maria Danielly
Freire Guerra
Universidade Regional
do Cariri - URCA
Mestre/Doutoranda Geografia
24 Francisco
Antônio da Silva
Universidade Estadual
do Ceará –
UECE/FAFIDAM
Mestre/Doutorando História
25 Luma Nogueira
de Andrade
Universidade da
Integração Luso-
Brasileira - UNILAB
Doutora Geografia
26 Maria Elioneide Instituto Federal de
Educação, Ciência e
Tecnologia - IFCE
Mestre Pedagogia
Elaborado pela autora.
Retomando o estudo de Miranda (2008), que a mesma afirmava inexistir na FAFIDAM
“bases e grupos sólidos de pesquisa” e destacava “o baixo índice de publicações acadêmicas...a
inexistência de pós-graduação”, o que caracterizava a instituição como “uma instituição
exclusivamente voltada para o ensino e transmissora de conhecimento”. O quadro atual está
modificado em relação a este cenário apresentado por Miranda em 2008. O Mestrado Acadêmico
Intercampi conta hoje com seis (06) Grupos de Pesquisa ligados aos partir dos professores:
Quadro 16: Grupos de Pesquisa relacionados ao Mestrado Acadêmico Intercampi/FAFIDAM
01 Pragmática Cultural, Linguagem e Interdisciplinaridade – UECE
Líder: Claudiana Nogueira Alencar
02 Trabalho, Educação, Estética e Sociedade – UECE
Líderes: José Deribaldo Gomes dos Santos
03 Ontologia Marxiana e Educação – UFC
Líderes: Josefa Jackeline Rabelo/ Maria das Dores Mendes Segundo
04 Natureza, Ciência e Sociedade
Líderes: Makarius de Oliveira Tahim eLiliam Mara Trevisam Tavares
05 Grupo de Edição de Textos do Estado do Ceará - UECE
Líder: Expedito Eloísio Ximenes
134
06 História, Memória, Sociedade e Ensino - UECE
Líderes: Isaíde Bandeira da Silva e Fátima Mª Leitão Araújo
Em 2018, o Laboratório de Estudos da Educação do Campo – LECAMPO completou 10
anos de atividades, tendo realizado um Seminário para comemorar esta década de experiências
com a extensão e com a pesquisa. A atividade comemorativa foi intitulada de “LECAMPO (2008
– 2018): Pintando a Universidade de Povo”. A seguir, a figura do folder elaborado para a ocasião:
Figura 16: Folder/Convite comemoração de dez anos do LECAMPO
A partir do conjunto das disciplinas, publicações e práticas instituídas a partir do
LECAMPO, é possível identificar a presença de um habitus coletivo, um enjeux. Na atividade de
comemoração de dez anos do LECAMPO foi organizada uma viagem à cidade de Angicos no Rio
Grande do Norte para os alunos bolsistas conhecerem o Memorial Paulo Freire. Na ocasião, houve
uma roda de conversa com os ex-alunos do Projeto de Alfabetização coordenado por Paulo Freire.
Além desta atividade, foram organizadas mesas temáticas de discussão com a presença de
professores e alunos parceiros do LECAMPO.
A finalização da atividade contou com um café coletivo e comemorativo, é oportuno
destacar que as atividades realizadas pelo Laboratório contam sempre com momentos coletivos,
135
como cafés ou almoços. Na ocasião da finalização das atividades dos dez anos do Laboratório, foi
aberto o momento para as falas dos presentes, tendo sido amplamente ressaltado o caráter coletivo
que o Laboratório imprime em suas atividades. Uma ex-aluna que comparou o Laboratório a um
“quilombo de resistência”. Essa “comunhão de reciprocidades” existente no grupo do Laboratório,
além de constituir-se como ponto de identidades afins, lugar do ‘consensus’, em certa medida,
também, é reforçada pela presença do habitus do interiorano inscrito na ordem de todos os
relacionamentos constituídos no espaço da FAFIDAM, os alunos que vivem e circulam neste lugar
são oriundos, tal como detalha Miranda (2008, p. 74) “[...] nascidos e socializados num espaço no
qual predominam relações sociais primárias (parentesco, vizinhança, amizade), portanto, bem
diferenciadas das relações do anonimato e formalidades dos grandes centros”, razão pela qual a
autora deduz haver um grau menor de individualismo e competição.
136
CAPÍTULO IV
ACHADOS DA PESQUISA
Neste capítulo, realizamos uma inserção nos achados da pesquisa, buscando apresentar
como se estruturam os capitais, para tanto destacamos o trechos de uma das entrevistas realizadas.
4.1 Laboratório de Estudos da Educação do Campo – LECAMPO: identidades e resistências
Desde, 2008, o LECAMPO, dedica-se às atividades de ensino, pesquisa e extensão no
contexto da educação do campo, educação de jovens e adultos e educação popular em nível local
e nacional. O Laboratório é vinculado ao curso de Pedagogia, bem como à Licenciatura em
Educação do Campo (PROCAMPO), que foi incorporada à dinâmica da FAFIDAM no ano de
2010, a partir de projeto específico enviado ao Ministério da Educação e aprovado desde então.
O Laboratório foi criado a partir do Edital Nº003/2006 da Fundação de Apoio à Pesquisa
(FUNCAP) e, sua origem e criação remonta à presença do Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA), instituído nacionalmente a partir de 1998, vinculado ao Encontro
Nacional de Educadores na Reforma Agrária (ENERA) e implementado na FAFIDAM a partir de
2006. Desse modo, observamos e buscamos lastrear as estratégias desenvolvidas pelos agentes
deste espaço para a aquisição dos capitais necessários à existência e à consolidação do Laboratório,
bem como observamos um largo investimento na manutenção de diferentes capitais e na ‘partilha’
de um habitus que parece comum a todos, que adentram às práticas do Laboratório.
Nosso interesse em explorar a existência e atuação do Laboratório se deu a partir das
observações e da constatação de que, por meio deste espaço, há um conjunto de práticas
organizadas de maneira coletiva. Como uma espécie de illusio, pois cada jogador se encontra preso
ao jogo, porque para cada um e de maneira conjunta vale a pena jogar. Observamos que a pronta
adesão às demandas produzidas a partir do Laboratório potencializa um processo de resistência e
assegura a autonomia do campo universitário, no contexto de sua posição no jogo e nas lutas
próprias deste espaço. Bourdieu (2001, p.123-124) afirma que:
A illusio como pronta adesão à necessidade de um campo tem chances tanto
maiores de aflorar à consciência quando ela é posta de algum modo a salvo da
discussão: a título de crença fundamental no valor dos móveis da discussão e nos
pressupostos inscritos no próprio fato de discutir, ela constitui a condição
indiscutida da discussão.
137
Identificamos a existência de uma “rede durável de relações mais ou menos
institucionalizadas” tornou e torna possível a efetivação de laços objetivos e, também, simbólicos
em torno de um projeto comum, que une diferentes agentes no interior do campo. que estamos
analisando. Desta forma, o capital social configura-se como o conjunto de recursos potenciais
adquiridos pelos agentes e partilhados pelo grupo, tornando-o orgânico e sólido, contribuindo para
a realização de objetivos comuns. Na esteira desta reflexão ressaltamos que os professores sujeitos
desta pesquisa, como já afirmamos no tópico da metodologia, são bons jogadores, no sentido de
possuírem o senso do jogo, tal como afirma Bourdieu (2004, p.28)
[..] esse senso do jogo é, de início, um senso da história do jogo, no sentido do futuro do
jogo. Como um bom jogador de rugby sabe para onde vai a bola e se põe lá onde a bola
vai cair, o bom cientista é aquele que, sem ter a necessidade de calcular, de ser cínico, faz
as escolhas que compensam. Aqueles que nasceram no jogo têm o privilégio do
“inatismo”. Eles não têm necessidade de serem cínicos para fazer o que é preciso quando
é preciso ganhar a aposta.
Nesse sentido, os agentes envolvidos com a criação do Laboratório, os envolvidos,
também, com o PRONERA no contexto da FAFIDAM e, posteriormente, com a implementação
do PROCAMPO e do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE) são
oriundos de uma trajetória de vida marcada pela relação com os Movimentos Sociais, pelo
contínuo exercício com a extensão universitária como uma prática internalizada e experienciada
ao longo da profissão, como docentes da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Além disto, é possível identificar, ao longo da trajetória profissional dos agentes, que
estão à frente desses espaços de produção científica, a constituição deste capital social atrelada ao
capital acadêmico e político, vez que participam de Comissões, ocupam posição ativa nos espaços
de deliberação coletiva, por exemplo, CONSU, também do ANDES, FORPRED. Além da
circulação destes em espaços acadêmicos e políticos, transitam nos espaços da universidade e dos
Movimentos Sociais, figurados, principalmente, no acampamento José Maria do Tomé, na
Chapada do Apodi/CE.
Desta forma, esses agentes demonstram domínio acerca do sentido do jogo, de maneira a
travarem disputas e lograrem lucros por meio de um conjunto de capitais bem definidos e
construção de um habitus, que funciona como marcador identitário do grupo. Nesse sentido, é
possível afirmar que, por meio do Laboratório, há uma verdadeira “comunhão de reciprocidades
138
inscritas na aparência do natural...ao agregar sujeitos cuja identidade está fundada na coincidência
dos esquemas de visão e divisão do mundo social” (HEY; KLUGER, 2017, p.180).
Os agentes posicionados nas atividades tanto do Laboratório, do Mestrado Acadêmico
Intercampi em Educação e Ensino (MAIE) e, também, do PROCAMPO gozam de significativo
capital social, razão pela qual é possível perceber uma rede de relações duráveis. De acordo com
Bourdieu (1998, p.67):
O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à
posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de
interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação
a um grupo, como conjunto de agentes que não são dotados de propriedades
comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles
mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis.
Essas relações se estabelecem duradouramente no espaço e no tempo, dessa forma, ainda
que expresse de maneira muito evidente um conjunto de afinidades e semelhanças entre os agentes,
que compõem a rede de relações e os lucros dos quais todos partilham, porém não podemos atribuir
um cálculo racional e consciente na busca destes. Na percepção de Bourdieu (1998), a existência
de uma rede durável de relações não é um dado natural, nem tampouco um ‘dado social’ “mas o
produto do trabalho de instauração e de manutenção que é necessário para produzir e reproduzir
relações duráveis e úteis, aptas a proporcionar lucros materiais ou simbólicos.” (p.68).
Os lucros simbólicos se dão a partir do conjunto de trocas realizada pelo grupo, porque
“a troca transforma as coisas trocadas em signos de reconhecimento e, mediante o reconhecimento
mútuo e o reconhecimento de inclusão no grupo que ela implica, produz o grupo e determina ao
mesmo tempo os seus limites...” (BOURDIEU, 1998, p.68). Segundo o autor, a reprodução do
capital é tributária de todas as instituições, que visam favorecer trocas legítimas e excluir trocas
ilegítimas, além disto, é também tributária do trabalho de sociabilidade “série contínua de trocas
onde se afirma e se reafirma incessantemente o reconhecimento e que supõe, além de uma
competência específica...uma disposição adquirida para obter e manter essa competência.”
(BOURDIEU, 1998, p.68). Podemos dizer que, “[…] esse é um capital coletivamente possuído,
um poder sem relação com sua contribuição pessoal, cada agente deve participar do capital
coletivo...na medida em que suas ações, suas palavras e sua pessoa honrarem o grupo...”
(BOURDIEU, 1998, p.69). A seguir, fotografias da parte interna do LECAMPO.
139
Marcadores identitários do grupo do Laboratório
Estandarte 25 anos MST Carranca
Trabalhador do campo – madeira talhada/envernizada.
Paulo Freire sobre a mesa de reuniões do LECAMPO Materiais em palha (chapéu, cestas) e panela.
140
As fotografias são da parte interna do Laboratório de Estudos da Educação do Campo
(LECAMPO), pois no périplo de nossas observações, percebemos que o espaço utilizado pelos
professores e alunos é permeado por imagens e símbolos, que remetem aos objetos de estudo, que
circundam cada trajetória individual, e parecem constituir um arsenal de materiais identitários, nos
quais capitais (individuais e coletivos) se condensam de maneira objetivada, tal como um conjunto
de propriedades encarnadas no mundo objetivo, que cerca os agentes do Laboratório. Tal como
afirma Bourdieu (1989, p.10):
Os símbolos são instrumento por excelência da “integração social”: enquanto
instrumentos de conhecimento e de comunicação...eles tornam possível o
consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente
para a reprodução da ordem social: a integração “lógica” é a condição da
integração “moral”.
Estes símbolos estão presentes na trajetória dos agentes, que fazem parte do Laboratório,
por conseguinte, tornaram-se uma marca distintiva de suas identidades. Além disso, há uma
relação entre os símbolos, os materiais e mensagens espalhadas pelas paredes do Laboratório e as
disciplinas que são objeto de maior investimento dos professores que circulam por este espaço.
4.2 A distribuição dos capitais
É momento de dar voz aos sujeitos desta pesquisa, já descritos em vários momentos sob
o anonimato das generalizações. Neste tópico, destacamos um trecho da entrevista cedida por uma
das professoras que colaboraram com a pesquisa. Nesse trecho, em especial a docente relata que a
aquisição do Laboratório (já menicnado) foi resultado de um Edital. Na sequência narra parte do
processo de:
AQUISIÇÃO DO LABORATÓRIO
(...)
Quando eu cheguei do doutorado abriu um edital para implantação de laboratórios e o
Hidelbrando68 né, que era o diretor da FAFIDAM eu era a vice né, eu tinha terminado o
doutorado ele veio na nossa casa e disse: “olhe eu quero que vocês apresentem um
projeto pra esse edital” eu disse Hidelbrando nós não temos a menor chance, uma
faculdade do interior, eu recém doutora, sem um grande currículo, vou concorrer com
esses grandes que já tão aí há muito tempo! Aí ele disse: mas a gente vai concorrer! Pelo
68 Ex-diretor da FAFIDAM, atualmente ocupa função de Vice-Reitor da UECE.
141
menos pra gente dizer que concorreu, façam aí o projeto! Ele acreditou, estimulou, aí o
Ernandi e eu fomos trabalhar e eu trazia algumas questões que tinham ficado né como
uma prospectiva de pesquisa do doutorado e eram algumas questões que vinham também
do PRONERA, o PRONERA já estava na FAFIDAM (...)
O PÓS-DOUTORADO
Depois de todas essas experiências, chegou a época do pós-doutorado, isso coincidiu
também com as próprias políticas do ensino superior, é o próprio governo federal
estimulando a internacionalização não só para a pós mas também para a graduação foi
criado o Programa Ciência sem fronteiras né, foi criado, foi assim, foi instituído, maior
equidade na distribuição de bolsas entre sudeste e sul, nordeste, porque as bolsas eram
muito concentradas naquelas universidades que estavam no sudeste....
Então houve também essas políticas de forma que nós achávamos que não tínhamos a
menor chance de fazer um pós-doutorado fora, porque a gente não era de um programa
né, de pós-graduação efetiva, eu já tinha dado duas disciplinas num programa de pós-
graduação mestrado e doutorado da federal, já tinha participado de algumas bancas da
sociologia, da educação, mas eu não era efetivamente de um programa. Então num
encontro em Brasília, nos fomos até à CAPES e fomos procurar assim, conversar com
alguém desse setor, chegamos lá sem conhecer ninguém, a CAPES não sei se você
conhece é um prédio super moderno todo envidraçado embaixo não tem viva alma, só
tem um balcão, então você chega imediatamente você sobe no elevador e quando a gente
chegou no balcão que a recepcionista foi receber e disse “com quem você deseja falar?”
eu não sabia dizer porque a gente queria ir no setor (risos) nós somos muito assim,
atrevidos, porque ir sem conhecer ninguém nem nada, mas a gente falou o que era que a
gente queria informação e ela nos dirigiu e nós tivemos sorte que um funcionário
maravilhoso nos atendeu tanto que ficou pra além do expediente dele e nos encorajou
muito. Então o quê que ele disse “se vocês estão construindo projeto de mestrado
coloquem que o pós-doutorado vai ajudar na qualificação para esse projeto de mestrado,
que vocês já estão elaborando, já estão pensando em fazer e isso não é exigência pra
bolsa ter é estar no programa de pós, mas você pode mostrar a importância de estar, e
aí foi o que nós fizemos...nós fizemos os projetos, a gente fez acho que uma boa
justificativa já falando do nosso projeto de mestrado que seria importante a gente voltar,
o fato também da gente ser recebido na França por um grande professor né, porque
Michel Lovy tem mais de 26 obras, tem muitas línguas, traduzidos em muitas línguas,
então ele é muito respeitado na CAPES no CNPq e se ele disse que vai receber o nosso
projeto e manda uma carta dizendo isso, isso também confere uma...é assim...um aval.
Mas eu senti muito que o projeto de pós-doutorado também é um coroamento duma
carreira porque a gente tem que, tinha o lattes né, quando você escreve sua carta de
intenção, então todos esses projetos que a gente citou o PRONERA, o PROCAMPO, o
Mestrado, relacionado com a região, de como eles foram importantes pra formar
professores pra região, de que agora havia uma demanda que agora a gente tava
propondo um projeto, o primeiro mestrado em educação do interior do estado do Ceará,
então isso tem uma repercussão porque as suas pesquisas que tão no seu lattes, a sua
vida, os projetos que você coordenou não só fortaleceram a instituição mas também a
região onde ela está inserida e isso se deu ao longo de muitos anos, então é também
coroamento né? De um percurso, de uma carreira, de forma que eu senti muito isso
quando eu tava fazendo meu projeto de pós-doc porque a CAPES exigia tudo isso, a
carta, o lattes, uma declaração da universidade de interesse no projeto, e a gente tinha,
quando a gente foi fazer o projeto de pesquisa na minha justificativa tinha todas essas
experiências, então eu não tava construindo aquele projeto, aquele objeto de pesquisa à
toa né? Então isso foi muito importante e assim, os nossos projetos foram aprovados né,
a gente concorreu nacionalmente aos editais, não foi bolsa de um programa de pós, nós
concorremos nacionalmente e eu assim, foi aprovado na CAPES, no CNPq, eu fiquei com
CNPq o Ernandi já tinha sido aprovado o da CAPES, porque o dele tinha sido aprovado
142
no edital da CAPES, o meu foi no edital seguinte e entre o primeiro e o segundo foi
aprovado com CNPq, então eu fiquei com CNPq né, e foi assim muito bom o pós-doc
porque a gente cumpriu nosso plano de trabalho, nós publicamos dois artigos
internacionais e...mas sobretudo a gente construiu parcerias, então no pós-doc a gente
já tinha recebido aqui né, uma colega da Inglaterra, nós conhecemos a professora Joyce
Canaan que é da cidade de Birghman num congresso de sociologia, onde ela tava
apresentando um trabalho sobre o Chiapas né, sobre os zapatistas e nós sobre o MST,
então ela se interessou muito pelo nosso trabalho, me convidou pra um seminário que ela
organizou lá na Inglaterra, eu não pude ir, porque eles garantiam a estadia e a
hospedagem mas a universidade não garantiu as passagens e nós não pudemos ir, mas
veio uma amiga dela pesquisar aqui a inserção das mulheres na política e ela já tinha
feito um doutorado sobre o chile tava pesquisando o Brasil e queria entrevistar a Luiziane
Lins e ela recomendou que a professora Sara...então a professora Sara leu a minha tese,
gostou de mais e me convidou né dessa vez com uma bolsa, com passagem, hospedagem
e alimentação paga para um seminário internacional que ela organizou na Universidade
de .... quando é..quando eu fui fazer o projeto de pós-doc o nosso orientador que nos
recebeu foi o Michel Lovy mas a gente colocou como uma supervisora colaboradora a
professora Sara da Inglaterra, então nós fomos também na Inglaterra, nós tivemos
encontro com ela lá, e nós organizamos um seminário com a presença dela e do Michel
Lovy na França né, com os orientadores que estavam também sendo orientados por ele,
então a partir daí nós já saímos com um plano de trabalho que a gente queria que
continuasse, quando nós chegamos com a aprovação do mestrado, nós tínhamos então a
professora Sara interessada em vir, a professora Joyce né? E é, nós fizemos um projeto,
não imediatamente, mas em 2014 depois que a gente voltou, nós voltamos em 2013, o
Mestrado já estava aberto, porque pra nossa surpresa (risos) quando nós chegamos lá
na França foi aprovado o projeto de Mestrado
Pesquisadora: Vocês tentaram as duas coisas ao mesmo tempo?
Pesquisada: Paralelo, a gente mandou o projeto de mestrado, a gente tava lá aguardando
a resposta, a gente achava que não ia sair imediatamente, fomos para o pós-doc, porque
nós estávamos no plano da universidade de ir pro pós-doc e aí quando a gente chegou
na França tivemos a notícia logo no primeiro semestre que tinha sido aprovado o
mestrado então com o mestrado abria mais possibilidade dos nossos vínculos se
fortalecerem. Quando nós voltamos em 2014 nós fizemos um projeto para a FUNCAP,
um projeto de apoio de fortalecimento da pós-graduação, nesse projeto a gente colocou
como um dos objetivos fortalecer os laços internacionais do Mestrado né, aí nós teríamos
verba pra isso né, e aí nós colocamos as passagens pra trazer professores internacionais,
também pra mandar uma missão nossa, pra Europa, bom, então lá ainda no pós-doc nós
fomos à Lille a e Lyon porque nós tínhamos uma amiga da nossa universidade que tinha
sido professora da FAFIDAM, que tinha trabalhado com a gente né, que é a professora
Kadma que estava também no pós-doc dela na França, na cidade de Lille, então nós nos
encontramos lá, nós fizemos um planejamento de trabalho pra cidade de Lyon pensando
também em fazer o convênio com a França. Então quando a gente chegou a gente ficou
trabalhando no convênio da Inglaterra e a professora Kadma no convênio de Lyon e com
esse dinheiro nós também trouxemos professores da França, no caso Daniel Thin para
esse convênio com a universidade francesa, aí a gente com esse dinheiro...ah bom, nós
fizemos esse projeto em 2014, fevereiro, no carnaval mas leva um tempo até você ter a
resposta, até o dinheiro chegar em conta de forma que dentro do projeto que nós já
tínhamos feito lá, nós fizemos um trabalho para um congresso... (...) Um colóquio Norte-
Sul (...)
Na sequência, a professora explica como ocorreu a proposta do Colóquio Norte-Sul, os
professores envolvidos, destacando-se o Prof. Boaventura de Sousa Santos. O trecho citado abre
143
margem para que possamos observar a estruturação de vários capitais atuantes nas práticas
relatadas pela professora. O capital social configurado pela rede durável de relações começa a se
estabelecer desde a visita do diretor da FAFIDAM à sua residência até o conjunto de relações, que
vão se instituindo e culminam com vários projetos realizados ao longo do tempo. Com base em
uma escuta ativa e metódica, identificamos que a palavra ‘projeto’ estruturou parte da entrevista
cedida pela professora. Desta maneira, utilizando o recurso de localização de palavras no
computador – a partir desta, que chamou nossa atenção – identificamos, que tal palavra foi
utilizada 23 vezes, ao longo do trecho analisado.
O uso reiterado da palavra poderá revelar a estruturação do capital científico possuído
pela entrevistada, que poderá ser um dos capitais de maior peso. Obviamente, não apenas, pelo
simples uso reiterado da palavra, mas pelo que vai se estruturando ao longo da fala. Tratando-se
do capital científico da instituição, que é diferente do capital científico “puro”. Bourdieu (2004, p.
36) afirma que:
[...]o capital científico da instituição se adquire, essencialmente, por estratégias políticas
(específicas) que têm em comum o fato de todas exigirem tempo – participação em
comissões, bancas (de teses, de concursos), colóquios mais ou menos convencionais...
Em relação ao capital científico ́ puro´e o capital científico da instituição Bourdieu (2004,
p. 38) observa ainda que:
[...] as duas formas de poder podem coexistir no seio do mesmo laboratório e para o
melhor, em alguns dos casos, do empreendimento coletivo – tendo, de um lado, o diretor
do laboratório que muito informado do estado da pesquisa, em especial, pela frequência
aos comitês e ás comissões, encarna de alguma forma a “ciência normal” e produz
trabalhos voltados para a generalização, e de outro, tendo também o pesquisador
prestigiado que se dedica á construção de “modelos integrativos” e traz para outros
pesquisadores, seniores e juniores, uma espécie de suplemento de imaginação científica
[...].
Para Bourdieu (2004) a reprodução do capital social é tributária do trabalho de
sociabilidade “série contínua de trocas”, pois este um tipo de capital coletivamente, possuído.
Assim, os grupos instituídos delegam seu capital social a todos os seus membros, mas em
graus muito desiguais (do simples leigo ou papa ou do militante de base ao secretário geral),
podendo todo o capital coletivo ser individualizado num agente singular que o concentra [...]
(BOURDIEU, 1998, p. 69).
É possível também identificar outros capitais a partir da fala da pesquisada. Desta maneira
vale lembrar que os capitais são indicadores do habitus.
144
4.3 Pós-Graduação no contexto de confluências na FAFIDAM: produção da científica a
partir dos campos disciplinares
A presença do Mestrado Acadêmico Intercampi impactou, significativamente, a produção
e circulação de trabalhos científicos a partir do ano de 2014, no que se refere a uma nova dinâmica
institucional e projeção da FAFIDAM nas disputas em torno do jogo, que envolve as lutas próprias
da pós-graduação. Esta produção é oriunda de experiências, que vêm sendo amadurecidas e
vivenciadas pelos agentes, objetivando-se em capitais – científico, social e cultural. Portanto, a
formalização do Mestrado abriu a possibilidade de confluências de interesses, investimentos e
objetos de estudos comuns a vários agentes de campos disciplinares diferentes, destacando-se os
campos disciplinares da Educação e Geografia Agrária. No bojo desse “encontro” é possível
identificar a estruturação de práticas subsidiadas pelo tripé ensino, pesquisa e extensão.
Necessário se faz compreender sob o prisma da praxiologia bourdieusiana que:
A existência de uma rede de relações não é um dado natural, nem mesmo um “dado
social”, constituído de uma vez por todas e para sempre por um ato de instituição...mas o
produto do trabalho de instauração e de manutenção que é necessário para produzir e
reproduzir relações duráveis e úteis, aptas a proporcionar lucros materiais ou simbólicos
(BOURDIEU, 1998, p. 68).
Assim, não podemos considerar sua produção e o seu significativo crescimento como um
reflexo mecânico, provocado pela presença do Mestrado na FAFIDAM. Tampouco devemos se
pode considerar a existência da pós-graduação, em nível local, como mero reflexo do processo de
expansão da macroestrutura do campo universitário. Contudo, é indispensável observar que:
[...] o mundo da ciência, como o mundo econômico, conhece relações de força,
fenômenos de concentração do capital e do poder ou mesmo o monopólio, relações sociais
de dominação que implicam uma apropriação dos meios de produção e reprodução”
(BOURDIEU, 2004, p.34)
A correlação de forças estabelecida entre os agentes da instituição em prol da
consolidação da pós-graduação em uma região interiorana com a agência de fomento para esse
nível de ensino se fez mediada por um complexo de capitais bem estruturados. Por esta razão, a
pós-graduação em nível local, nas cidades de Limoeiro e Quixadá, tem acentuada repercussão nas
reconfigurações do campo universitário, que podemos verificar na realidade da FAFIDAM.
Por meio dos capitais possuídos por um conjunto de agentes, as mediações entre
imperativos externos e os anseios internos ocorrem, materializando-se na existência do primeiro
145
curso de Mestrado Acadêmico do interior do Ceará. Contudo, devemos observar que “todo campo
é um campo de forças” (BOURDIEU, 2004, p. 22), razão pela qual as lutas se dão no sentido de
conservar ou transformar esse campo de forças.
Nesse sentido, no âmbito das lutas próprias do campo científico não é possível
separar/isolar a dimensão puramente ‘política’ e a dimensão puramente ‘intelectual’ ou
‘científica’, posto que os conflitos pela dominação do campo científico se dão a partir de uma
incessante disputa em torno da definição legítima de ciência e sua imposição, pois o campo
científico possui uma dupla natureza: política e científica. O campo científico é o lugar por
excelência da luta política pela dominação científica. Desta feita, entendemos que:
[...] campo científico enquanto espaço objetivo de um jogo onde compromissos
científicos estão engajados resulta que é inútil distinguir entre as determinações
propriamente científicas e as determinações propriamente sociais das práticas
essencialmente sobredeterminadas (BOURDIEU, 1976, p. 3).
O conjunto de disposições adquiridas pelos agentes, somado ao conjunto de lutas
concorrenciais e estratégias de investimento social (consciente ou inconscientemente)
configuraram as vias de acesso à materialização do Mestrado na instituição. Nesse contexto, é
possível afirmar que há uma regularidade da produção científica – que vem sendo produzida com
mais intensidade a partir de 2013.
Especificamente, constatamos que esta regularidade se dá em torno da problemática, que
envolve a questão do agronegócio e a resistência a este modelo na região onde se situa a
FAFIDAM. Tudo isso colabora com o processo fortalecimento da comunidade específica da região
da Chapada/Limoeiro e, também dos pares e agentes com significativo capital científico e social
do campo da Educação e da Geografia Agrária, vinculados à FAFIDAM. Cumpre assinalar que,
É a estrutura das relações objetivas entre os agentes que determina o que eles podem ou
não fazer. Ou, mais precisamente, é a posição que eles ocupam nessa estrutura que
determina ou orienta, pelo menos negativamente, suas tomadas de posição (BOURDIEU,
2004, p. 23 – destaque do autor).
Assim, a escolha dos objetos de estudo no interior do campo científico é orientada a partir
da posição ocupada pelos agentes e que, pois de acordo com sua posição o agente detém o sentido
do jogo, de maneira mais, ou menos ajustada. No caso específico da FAFIDAM, a ‘luta por terra
e água’ constitui um dos sistemas de posições políticas e científicas da instituição, que vêm
146
funcionando como demarcadores da identidade e representação, que envolve tanto a FAFIDAM,
como se estende a uma luta pela definição legítima de região.
O processo de pesquisa, que ora se desenha no Mestrado Acadêmico Intercampi e que se
configura na materialidade de sua produção e circulação nos meios científicos, tem como canal de
confluência as práticas extensionistas desenvolvidas a partir do LECAMPO. Identificamos
também uma economia de bens e trocas simbólicas produzidas a partir dos trabalhos de pesquisa
em campo que são realizados no âmbito da Geografia Agrária, que compõe uma linha de estudos
sobre a região do Baixo Jaguaribe na FAFIDAM. Os estudos sobre agricultura camponesa e, em
especial, sobre o campo geográfico regional de acordo com Freitas (2018, p. 61):
Diversos estudos aportam suas análises acerca da realidade do campo do Baixo Jaguaribe,
não somente na geografia, mas em várias áreas do conhecimento. No âmbito da geografia,
algumas pesquisas ou artigos relacionados ao tema deste trabalho (não necessariamente
com o mesmo viés teórico-metodológico) podem ser destacadas, tais como: Segundo
(1998); Soares (1999; 2000; 2012); Elias (2000; 2002; 2006; 2010) e de seus orientandos;
Cosme (2007; 2015), Araújo (2016), Bezerra (2009), meu estudo de dissertação
(FREITAS, 2010), dentre outros.
Os autores referenciados na citação acima são vinculados à UECE/FAFIDAM, como
alunos e/ou professores, cujos objetos de estudo confluem ou confluíram em uma parte de suas
formações acadêmicas para a região do Baixo Jaguaribe. Na sequência do texto de Freitas (2018),
a autora faz referências a pesquisadores, que foram pioneiros na abordagem sobre a região e
constituem uma síntese para quem deseja estudar a questão agrária do Baixo Jaguaribe. Nesse
contexto é possível afirmar que:
[...] a região é o que está em jogo como objecto de lutas entre os cientistas, não só os
geógrafos é claro, que por terem que ver com o espaço, aspiram ao monopólio da
definição legítima, mas também historiadores, etnólogos e, sobretudo desde que existe
uma política de “regionalização” e movimentos “regionalistas”, economistas e sociólogos
(BOURDIEU, 1989, p. 108).
Assim, a distribuição do capital científico entre os diferentes agentes engajados no interior
do campo científico, que constitui a FAFIDAM e a UECE vem definindo a estrutura desse campo,
de modo a situá-lo numa posição, que lhe confere graus de reconhecimento. No seu trabalho de
tese, Freitas (2018) recorre a nomes ‘importantes’ no sentido da produção científica em torno da
região do Baixo Jaguaribe, cita, por exemplo, a produção de Hidelbrando dos Santos Soares. Para
a autora, os trabalhos posteriores foram influenciados por esta primeira produção, cuja data da
147
publicação, em 1999, é considerada “seminal.” Além de citar os trabalhos produzidos por este
professor, Freitas (2018) destaca sua atuação como professor na FAFIDAM.
Freitas (2018) cita, também, os trabalhos de Denise Elias –professora da UECE –
chamando a atenção para a produção sobre a região do Baixo Jaguaribe, que ganhou mais
visibilidade em face de Denise Elias ser um nome nacionalmente reconhecido nos estudos da
Geografia. É possível identificar a presença do capital científico, neste conjunto de relações
estabelecidas entre diferentes agentes e, segundo Bourdieu (1976), o capital científico pode ser
acumulado, transmitido e até mesmo, em algumas condições, ser reconvertido. Bourdieu afirma
que este processo, envolve o capital científico continua com o acesso aos cargos administrativos
ou comissões governamentais, etc.
No caso do citado Prof. Hidelbrando dos Santos Soares, por exemplo, o mesmo ocupa
atualmente a função de vice-reitor da UECE, estando já no segundo mandato. Antes de chegar a
este posto, o referido professor ocupou a função de diretor da FAFIDAM, também por duas gestões
seguidas. Assim, em conformidade ao que afirma Bourdieu (1976) o pesquisador depende de sua
reputação junto aos colegas, além disto, “[…] o reconhecimento, marcado e garantido socialmente
por todo um conjunto de sinais específicos de consagração que os pares-concorrentes concedem”
(BOURDIEU, 1976, p. 10).
Assim, Bourdieu (1976) considera que o capital da autoridade proporcionado pela
descoberta de determinado objeto original e valioso cientificamente – pode diminuir na medida
em que outros pesquisadores venham se ligar a esta primeira descoberta. No caso da FAFIDAM,
as assinaturas múltiplas em torno do mesmo objeto funcionam como espécie de capital científico
compartilhado, que embora diminua o valor distintivo de cada um dos assinantes, permite a
visibilidade do conjunto de agentes empenhados em adquirir “[…] os lucros mais ou menos
universalmente prometidos às ações que não têm outra determinação aparente senão a do respeito
puro e desinteressado da regra” (BOURDIEU, 1976, p. 12). A ordem em que os nomes dos autores
aparece nos artigos científicos minimiza a perda do valor distintivo imposta pela necessidade de
divisão do trabalho científico. No âmbito das estratégias que permeiam o interior do campo
científico, Bourdieu afirma que:
[...] a visibilidade de um nome numa série é função, em primeiro lugar, de sua visibilidade
relativa, definida pelo grau que ele ocupa na série e, em segundo lugar, de sua visibilidade
148
intrínseca, que resulta do fato de que, já conhecido, ele é mais facilmente reconhecido e
retido (um dos mecanismos que fazem com que, também aqui, o capital leve ao capital)
(idem).
No âmbito dos agentes vinculados à FAFIDAM, a produção científica contribui para
caracterizar esta instituição como um campo/subcampo. Desta maneira, Bourdieu (1976, p. 15)
afirma:
A forma que reveste a luta inseparavelmente científica e política pela legitimidade
depende da estrutura do campo, isto é, da estrutura da distribuição do capital específico
de reconhecimento científico entre os participantes na luta.
O mapeamento organizado por Freitas (2018), evidencia a Geografia Agrária com ênfase
na produção científica em torno da região do Baixo Jaguaribe, sob a orientação da professora
Denise Elias:
Figura 17: Produção científica sobre o Baixo Jaguaribe no campo da Geografia Agrária
Fonte: Freitas (2018). *Grifos nossos: Ex-alunos do curso de Geografia da FAFIDAM.
149
Além desta produção, Freitas também identifica um conjunto de pesquisas realizadas pelo
Núcleo TRAMAS69, voltados para a Geografia Agrária no Baixo Jaguaribe e, em especial, para a
questão do uso indiscriminado de agrotóxicos pelas empresas multinacionais na produção de frutas
na Chapada do Apodi/CE. Resultado deste encontro tem sido a produção científica com pares de
diferentes campos disciplinares.
Segundo Bourdieu (1976, p.12) o “o mercado de bens científicos tem suas leis, que nada
têm a ver com a moral.” Portanto, as estratégias no universo do campo universitário se orientam
segundo a lógica do interesse no desinteresse. Desta forma,
[...] acumular capital é fazer um “nome”, um nome próprio, um nome conhecido e
reconhecido, marca que distingue imediatamente seu portador, arrancando-o como forma
visível do fundo indiferenciado, despercebido, obscuro, no qual se perde o homem
comum (BOURDIEU, 1976, p. 11)
O autor francês menciona a dificuldade, por exemplo, em realizar pesquisas com
intelectuais, cientistas ou artistas, seja nas entrevistas ou, na publicação dos resultados. Considera
que propor anonimato à pessoas que estão ocupadas em fazer um nome, produz um efeito de
supressão do interesse destas em participar. Como já mencionado, as assinaturas múltiplas
reduzem o valor distintivo atribuído aos signatários, contudo, observamos que a relação
estabelecida entre agentes do campo da FAFIDAM com portadores de nomes de maior distinção
tem colaborado para dar visibilidade aos pares com menor visibilidade. Bourdieu (1976, p. 12)
observa que:
[...] a visibilidade de um nome numa série é função, em primeiro lugar, de sua visibilidade
relativa, definida pelo grau que ele ocupa na série e, em segundo lugar, de sua visibilidade
intrínseca, que resulta do fato de que, já conhecido, ele é mais facilmente reconhecido e
retido (um dos mecanismos que fazem com que, também aqui, o capital leve ao capital).
Desta maneira, “a estrutura do campo científico se define, a cada momento, pelo estado
das relações de força entre os protagonistas em luta, agentes ou instituições, isto é, pela estrutura
do capital específico, resultado das lutas anteriores” (BOURDIEU, 1976, p. 12-13). Depreende-se
69 Fazem parte do Núcleo professores e estudantes de graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado em diferentes áreas, como a saúde, o direito, a comunicação, educação, geografia e, nos grupos de pesquisa, temos contado com a enriquecedora participação de lideranças de movimentos sociais ligados ao processo em estudo. Acolhemos prioritariamente demandas de produção de conhecimento advindas de comunidades em conflito ambiental, que disputam seu território com empreendimentos produtivos ou obras de infra-estrutura, para contribuir na defesa da equidade ambiental. (TRAMAS, s.d).
150
que “a estrutura da distribuição do capital científico está na base das transformações do campo
científico e se manifesta por intermédio das estratégias de conservação ou de subversão da
estrutura” (idem).
Ainda, ainda no âmbito do trabalho de tese de Freitas (2018, p. 65) quanto à produção da
ciência sobre o Baixo Jaguaribe, a autora destaca que:
Em outras áreas do conhecimento, destacam-se as pesquisas realizadas e em andamento,
orientadas e coordenadas pela médica Profa Dra Raquel Rigotto (coordenadora do Núcleo
TRAMAS/UFC), tornando-se, mais recentemente, uma das principais referências sobre o
Baixo Jaguaribe, no contexto do pensamento crítico. Embora sua formação na área de
medicina, a mesma possui mestrado em educação e doutorado em sociologia. Seu pós-
doutorado trata, dentre outros, da construção da abordagem da pedagogia do território,
pretendendo subsidiar as pesquisas do núcleo TRAMAS.
Mediante os mapeamentos realizados pela autora supracitada, afirmamos que há uma
convergência de interesses de diferentes pesquisadores sobre um mesmo objeto, que, no caso em
tela, está voltada para a “região do Baixo Jaguaribe”. Nesses termos, considerando-se o campo
científico como um espaço objetivo de um jogo “onde compromissos científicos estão engajados”
Bourdieu (1976, p. 3,4) observa que:
[…] a tendência dos pesquisadores a se concentrar nos problemas considerados como os
mais importantes se explica pelo fato de que uma contribuição ou descoberta concernente
a essas questões traz um lucro simbólico mais importante.
Com base em nossas observações, ressaltamos que as posições ocupadas pelos agentes,
mencionados no trabalho de Freitas (2018), levam aos problemas de pesquisa, que,
indissociavelmente, são políticos e científicos. A escolha de seus objetos é também parte de
estratégias políticas de investimento para a maximização do lucro, propriamente, científico. Isto
ocorre porque num campo como é o campo científico,
[...] um produtor particular só pode esperar o reconhecimento do valor de seus produtos
(“reputação”, “prestígio”, “autoridade”, “competência etc) dos outros produtores que,
sendo também seus concorrentes, são menos inclinados a reconhecê-lo sem discussão ou
exame (BOURDIEU, 1976, p.6).
No Quadro a seguir, apresentamos a produção científica sob a orientação de Raquel
Rigotto, envolvendo a região do Baixo Jaguaribe. Diferentemente, do Quadro anterior, no qual as
temáticas envolviam a questão da região jaguaribana no âmbito da Geografia, os trabalhos
orientados por Raquel Rigotto voltam-se para questões que envolvem problemáticas relacionadas
à saúde, perpassadas pelo viés da educação tal como Freitas (2018) menciona acima. Nesta
151
produção identificamos uma acentuada quantidade de trabalhos, que abordam a Chapada do
Apodi, razão pela qual realizamos todo esforço de demonstrar a produção em detalhes, haja vista
que identificamos a partir desta a confluência de interesses sobre os mesmos objetos, ou objetos
similares situados no espaço geográfico, que envolve a atuação da FAFIDAM e dos agentes por
nós pesquisados.
Figura 18: Pesquisas sobre a região do Baixo Jaguaribe sob orientação de Raquel Rigotto
152
Fonte: Freitas (2018)
O leitor poderá se interrogar por qual razão o interesse dos pesquisadores converge para
a região do Baixo Jaguaribe e por que a Chapada do Apodi aparece como espaço, no qual muitos
trabalhos têm sido desenvolvidos. Reunindo os fios, que caracterizam esta produção, é possível
identificarmos um contexto social, que favoreceu a reunião de múltiplos interesses. Um elemento
também se destaca na construção desse campo: a constituição “[...] de um grupo socialmente
reconhecido e portador de uma identidade social” (SILVA, 2007, p. 49).
Nesses termos, é importante também destacar em acordo com Bezerra (2014) que o
“encontro da pesquisa com a violência” no Baixo Jaguaribe70 teve seu ponto de maior relevância
a partir de 2010, quando ocorreu o assassinato de um trabalhador da região. O assassinato
encomendado por um empresário do agronegócio e que pôs fim à vida do trabalhador José Maria
– conhecido como Zé Maria do Tomé - ganhou repercussão nacional e internacional, envolvendo
diferentes frentes populares e o apoio da universidade no tocante à denúncia e enfrentamento da
questão ambiental na região. Em decorrência deste fato, Bezerra (2014) assinala que,
70 Região do Baixo Jaguaribe, de acordo com Bezerra (2014) é o recorte territorial formado pelos municípios pertencentes à sua microrregião geográfica, quais sejam: Alto Santo, Ibicuitinga, Jaguaruana, Limoeiro do Norte, Morada Nova, Palhano, Quixeré, Russas, São João do Jaguaribe e Tabuleiro do Norte.
153
[...] vários pesquisadores se debruçaram na análise sobre a conformação do Baixo
Jaguaribe na economia globalizada e na nova divisão territorial do trabalho, ressaltando
inúmeros aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais (ELIAS, 2002, 2006a, 2006b;
MUNIZ, 2004; SANTOS, 2004; CHAVES, 2004; GOMES, 2007; BEZERRA, 2008;
FREITAS, 2010; RIGOTTO, 2011).
A formalização do Mestrado instituiu-se, neste contexto local, onde a força e o peso social
da pesquisa científica somaram-se com a força das ações realizadas no âmbito da extensão
universitária e das atividades de campo, que culminaram em trabalhos e diferentes investigações
sobre a região, por diferentes agentes e de campos disciplinares diversos. Contudo, no âmbito da
FAFIDAM destacam-se o campo da Educação e o campo da Geografia.
Neste ponto, é necessário esclarecer ao leitor que a ação extensionista, desenvolvida pelo
Laboratório de Estudos da Educação do Campo, desde 2008 – conforme já ilustramos ao longo do
texto -, dedica-se à temáticas da educação, com o viés da educação do campo e afins. É possível
verificar inúmeras lutas anteriores, que resultaram na “emergência de uma prática de pesquisa que
favorece a produção do saber e a reprodução do grupo” (SILVA, 2007, p. 49).
Desta forma, desde 2013, o Laboratório de Estudos da Educação do Campo vem se
dedicando às questões específicas, que envolvem os conflitos na Chapada do Apodi, havendo uma
confluência entre a dinâmica do Laboratório e a dinâmica do Mestrado Acadêmico Intercampi.
Isto posto, realizamos um mapeamento, no espaço-temporal de 2013 a 2019, de maneira a
demonstrar, que houve uma repercussão significativa, nos últimos anos, em relação à produção de
trabalhos científicos no contexto da FAFIDAM. Consideramos para critério do mapeamento, as
produções realizadas em torno da temática da Chapada do Apodi, posto que esta tem constituído
uma problemática central na dinâmica do Laboratório, se estendendo, também, ao Mestrado, a
partir de objetos afins.
Quadro 17: Produção científica realizada sobre a Chapada do Apodi com diferentes pares vinculados ao LECAMPO e
MAIE 2013 - 2019
Nº Autores Título Tipo de
Trabalho
Ano Meio de
circulação
01 Sandra Gadelha de
Carvalho
Movimento 21:
Aprendizados em
novas formas de
resistência à lógica do
mercado
Artigo
completo
2013 Colóquio
Internacional de
Ciências Sociais
da Educação –
Universidade do
Minho
02 José Ernandi Mendes Educação e sujeitos
sociais: denúncias e
Artigo
completo
2013 Colóquio
Internacional de
154
anúncios no contexto
do agronegócio
Ciências Sociais
da Educação –
Universidade do
Minho
03 Sandra Gadelha de
Carvalho; José Ernandi
Mendes; Célia Brito
Experiência do
programa Nacional de
Educação na Reforma
Agrária na
Universidade Estadual
do Ceará: novas formas
de aprendizagem
Artigo
completo
2013 Colóquio
Internacional de
Ciências Sociais
da Educação –
Universidade do
Minho
04 Sandra Gadelha; José
Ernandi Mendes
Práxis educativa do
Movimento 21 na
resistência ao
agronegócio
Artigo
completo
2014 Revista
Interface: a
jornal for and
about social
movements
05 Sandra Maria Gadelha
de Carvalho
Os desafios e
aprendizados no
processo de construção
da agroecologia no
Acampamento Zé
Maria do
Tomé/Chapada do
Apodi
Artigo
completo
2015 4ª Mostra
Nacional de
Experiências e
Reflexões em
Extensão
Popular - UFPB
06 Maria da Conceição da
Silva Rodrigues;
Jamira Lopes de
Amorim
Mulheres em luta: a
constituição da
condição feminina em
processos de ocupação
territorial
Artigo
completo
2015 Encontro de
Geógrafos da
América Latina
– CUBA
(EGAL)
07 Maria José Alves de
Freitas Oliveira; Sandra
Maria Gadelha de
Carvalho
A globalização,
agricultura familiar
camponesa e as
práticas educativas no
campo
Artigo
completo
2015 Seminário
UFSCAR -
GEPEC
08 Jamira Lopes de
Amorim; Maria da
Conceição Silva
Rodrigues
Representações sociais
de gênero em espaços
de ocupação territorial
Resumo
expandido
2015 Jornada
Internacional de
Representações
Sociais (JIRS)
09 Jamira Lopes de
Amorim; Linconly
Jesus Alencar Pereira;
Katson Fernandes
Diário de campo: uma
aula para entender a
luta campesina e o
projeto d agronegócio
na Chapada do
Apodi/CE
Artigo
completo
2016 Congresso
Nacional de
Educação –
Natal
(CONEDU)
10 Claudiana Nogueira
Alencar; Sandra Maria
Gadelha de Carvalho;
José Ernandi Mendes
Práxis educativa e
discursiva do
movimento 21:
transgressões de
fronteiras e hibridismo
emancipatório
Artigo
completo
2016 Revista
Cadernos de
Linguagem e
Sociedade, v.16,
n.2
155
11 José Ernandi Mendes;
Sandra Maria Gadelha
de Carvalho
O agronegócio na
Chapada do Apodi e a
atuação de resistência
do Movimento 21
Artigo
completo
2016 Livro digital
“Vozes do
Campo:
ressignificando
saberes e
fazeres”
12 Sandra Maria Gadelha
de Carvalho; José
Ernandi Mendes; Maria
das Dores Mendes
Segundo
Os Movimentos
Sociais e processos
educativos no contexto
da crise estrutural do
capital
Artigo
completo
2016 E-book:
Produção de
Conhecimentos
na Pós-
Graduação em
Educação do
Nordeste do
Brasil: realidade
e possibilidades
- UFPI,
Trabalho
encomendado
13 Mila Nayane da Silva;
Sandra Maria Gadelha
de Carvalho
Mulheres,
aprendizados e lutas no
Acampamento José
Maria do Tomé
Artigo
completo
2017 Simpósio
Internacional de
Geografia
Agrária -
Curitiba
(SINGA)
14 Nayara Barreto da
Silva; Lucenir
Jerônimo Chaves;
Cláudio Antônio Vieira
da Silva
Mapeamento dos
territórios e áreas de
conflito por terra e
água no acampamento
José Maria do Tomé na
Chapada do Apodi –
Limoeiro do Norte
(CE)
Artigo
completo
2017 Simpósio
Nacional de
Geografia
Agrária
(SINGA)
15 Sandra Gadelha de
Carvalho; Mila Nayane
da Silva; Jamira Lopes
de Amorim
Mulheres camponeas:
lutas e aprendizados no
Acampamento José
Maria do Tomé –
CE/Brasil
Resumo
expandido
2018 Congresso de la
Associación
Latinoamericana
de Sociologia
Rural
(ALASRU) –
Montevideo,
Uruguay
16 Sandra Gadelha de
Carvalho; Jamira Lopes
de Amorim; Linconly
Jesus A. Pereira;
Emerson Augusto de
Medeiros; José Ernandi
Mendes
Resistência e Práticas
educativas frente ao
avanço do agronegócio
na região do semiárido
brasileiro
Resumo
expandido
2018 Congresso de la
Associación
Latinoamericana
de Sociologia
Rural
(ALASRU) –
Montevideo,
Uruguay
17 Claudiana Nogueira
Alencar; Sandra Maria
Language and Pain in
the Landless worker’s
Artigo
completo
2019
156
Gadelha de Carvalho;
José Ernandi Mendes
Movement (MST) in
Brazil Fonte: elaboração da autora.
Fizemos o mapeamento desta produção a partir de análise dos currículos dos agentes, pela
Plataforma Lattes, além da pesquisa por meio de motores de busca com os nomes dos agentes.
Quadro 18: Produção científica a partir do Mestrado Acadêmico Intercampi envolvendo as categorias: Educação do
campo, Educação de Jovens e Adultos, Educação popular, Escolas Rurais, Práxis, Pedagogia do Oprimido.
Nº Autores Título Orientador/a
Co-
orientador/a
Tipo de
Trabalho
Ano
01 Maria Elioneide de
Sousa Costa
Projovem urbano:
limites e
possibilidades de um
programa da EJA
Sandra
Gadelha
Dissertação 2018
02 Alan Robson da Silva O Fechamento de
Escolas Rurais e a
Expansão das
Relações Capitalistas
de Produção no
município de
Jaguaruana-Ce (2005-
2015).
Sandra
Gadelha
Dissertação 2018
03 Diana Nara Da Silva
Oliveira
A Educação do
Campo Em Escola de
Assentamento de
Reforma Agrária em
Jaguaruana/Ceará
Luís Tavora
Furtado
Ribeiro
Sandra
Gadelha
(co-
orientadora)
Dissertação 2017
04 Elenice Rabelo Costa Pedagogia do Oprimido: Interrelações entre Educação, Formação e Consciência Emancipatória
José
Ernandi
Mendes
Sandra
Gadelha
(co-
orientadora)
Dissertação 2017
05 João Paulo Guerreiro
de Almeida
Movimento Brasileiro
De Alfabetização -
Mobral: Memórias e
Práticas Pedagógicas
No Município De São
João Do Jaguaribe/Ce
(1971-1979)
Sandra
Gadelha
Dissertação 2017
06 Mádja Diógenes
Maia
Educação Do Campo:
Avanços e Desafios
na Construção da
Proposta Pedagógica
Sandra
Gadelha
Dissertação 2017
157
da Escola Padre José
Augusto Regis Alves
07 Maria José Alves de
Freitas Oliveira
Educação, Trabalho e
Resistência da
Agricultura Familiar
Camponesa na
Chapada do Apodí –
Ceará.
Sandra
Gadelha
Dissertação 2016
08 Antônio Oziêlton de
Brito Sousa
Identidades
(des)coloniais nas
práticas de letramento
do Projovem Campo
– Saberes da terra
Claudiana
Alencar
Dissertação 2015
09 Paulo Martins Pio A práxis
em pedagogia do
oprimido: lições
pedagógicas e
políticas
Sandra
Gadelha
Dissertação 2015
Fonte: elaboração da autora.
Quadro 19: Produção científica derivada das pesquisas do Mestrado e do LECAMPO envolvendo as
categorias: Educação do campo, Educação de Jovens e Adultos, Educação popular, Escolas Rurais, Práxis,
Pedagogia do Oprimido.
Nº Autores Título Ano Meio de circulação
01 Sandra Maria
Gadelha de Carvalho;
Paulo Martins Pio
A categoria da Práxis
em Pedagogia do
Oprimido: sentidos e
implicações para a
educação libertadora
2017
Rev. Bras. Estud.
Pedagog. – Brasília,
v. 98, n.249, p.428-
445, maio./ago.
02 Tânia Maria Lima [et
al]
Escola e currículo:
uma análise sobre a
ausência das
vivências e
aprendizagens dos
alunos da classe
popular na Educação
Básica
2018 Revista Instituto de
Políticas Públicas de
Marília – v.4, n.2
03 Nara Lúcia Gomes
Lima
A Educação de
Jovens e Adultos do
campo e a
permanência escolar:
o caso do
Assentamento 25 de
maio, Madalena,
Ceará
2014 Banco de Teses e
Dissertações UFC
158
Dois aspectos que caracterizam a produção deste conhecimento, até sua confluência, a
partir de 2013. No âmbito da Geografia, as produções vêm se desenhando por meio da pesquisa
de campo com diferentes pares, ou seja, os agentes do campo disciplinar da Geografia circulam
em variados espaços. Tem sido profícua a relação com o Núcleo Tramas e com o grupo, que atua
na FAFIDAM através do Laboratório e do MAIE. Tal produção vem ocorrendo de maneira mais
“dispersa”, no sentido de que os pesquisadores têm realizado sua produção de maneira mais
individual. Mas, alguns esforços são realizados, no sentido de agregar os pesquisadores, em um
grupo cadastrado na CAPES, denominado NATERRA. Esse grupo tem caráter interdisciplinar e
reúne professores e alunos do curso de Geografia do CCT/UECE, em Fortaleza; professos dos e
alunos dos cursos de Geografia, História e Pedagogia da FAFIDAM/UECE.
No âmbito da Educação a produção vem se delineando a partir de ações extensionistas -,
que, também, envolvem atividades de campo – contudo, essas ações estão vinculadas a
compromissos específicos do grupo que mantém o Laboratório e a pós-graduação na FAFIDAM.
Esses compromissos estão voltados para a produção do saber e da reprodução do próprio grupo.
No caso da extensão, a divisão do trabalho científico é maior e as publicações podem ser com
maior número de pares. Nesse sentido é importante observar, a pesquisa ocupa um lugar de mais
prestígio do que a extensão, no ambiente acadêmico, se encontrando em posição de maior
reconhecimento. São princípios de visão e divisão diferentes, que norteiam tais práticas, porém,
no mercado das trocas simbólicas na FAFIDAM, a realção pesquisa e extensão tem garantido
relativo sucesso e visibilidade ao grupo, pois os agentes, que lideram essas atividades, gozam de
capitais bem estruturados de longo prazo. Neste caso, identificamos um acumulado de lutas
anteriores objetivadas na instituição e nas disposições dos agentes.
4.4 O crescimento da produção científica por meio da pós-graduação na FAFIDAM
Queremos explicitar sob que prisma estamos denominando, nos tópicos anteriores, a
produção de artigos, dissertações e teses como produção científica. No âmbito das agências
reguladoras, como a Capes e o CNPq, existe estruturada uma política de avaliação desta produção,
que se materializa a partir da classificação qualis. Para o reconhecimento das produções no campo
científico, Frigeri (2012, p. 15) afirma que:
A ideia de que um conhecimento científico só adquire valor a partir do momento em que
é difundido na comunidade e de que é necessário publicar as descobertas das pesquisas a
159
fim de se obter reconhecimento e registro de autoria, tem resultado no crescimento
elevado da quantidade de publicações científicas.
A autora observa que a avaliação das publicações científicas é parte integrante do
processo de construção do conhecimento científico. O processo Qualis/CAPES tem como uma de
suas finalidades indicar os veículos de maior relevância para cada área do conhecimento, o que
envolve pesquisadores, agências financiadoras e órgãos científicos. Frigeri (2012) chama a atenção
ao fato de que não há um consenso de que o qualis seja uma maneira eficaz de medir a qualidade
da produção científica. De acordo com Souza, Filipo e Casado (2018, p. 130):
O tardio aparecimento da universidade no Brasil só ocorreu mais de quatrocentos anos
após a chegada dos colonizadores portugueses, e muito depois das universidades da
América Espanhola. As atividades de pesquisa científica, até o início do século XX, eram
incipientes e representavam o esforço individual do pesquisador ou de pequenos grupos
ligados ao segmento acadêmico.
O Brasil Brasil avançou significativamente no que concerne a produção de trabalhos
científicos. Contudo, é necessário estabelecer algumas reflexões, relativas às metodologias
utilizadas para pontuação e rankeamento das instituições e do desempenho dos pesquisadores. O
campo das publicações acadêmicas segue cada vez mais a lógica das editoras comerciais, havendo
uma ampla indústria da publicação científica, que movimenta elevadas margens de lucros.
Taga (2016) destaca que os periódicos são importantes para o campo da pesquisa pois,
por meio de sua circulação, os agentes envolvidos na produção do conhecimento podem
acompanhar os avanços da ciência, amparando-se na literatura produzida em escala nacional e
internacional. Em outra direção, Souza, Filippo e Casado (2018) observam com base em Bordons,
que algumas bases de dados são reconhecidas como muito boas, porém, várias limitações são
percebidas como inclinação temática, idiomática e a presença pouco representativa de países não
anglófonos.
No contexto das reconfigurações do campo universitário, é possível identificar
repercussões acerca do trabalho acadêmico de uma forma geral, que implicam diversificadas
formas de controle e regulação do trabalho acadêmico-científico. Nesses termos, Bauer (2016)
considera que as reestruturações no campo se vinculam à avaliação e, nesse contexto, a pós-
graduação sofre maiores pressões no âmbito da lógica produtivista. A lógica de produtividade
imposta pelas agências competentes vem se mostrando atrelada à imposições de ordem operacional
160
e gerencialista. A produção em âmbito local, no contexto da FAFIDAM também é tocada por uma
pressão, realizada pelas agências de avaliação.
A produção realizada pelos pares do Laboratório e Mestrado encontra-se em processo de
estruturação, já tendo importante desempenho, haja vista que tem investido em publicações em
revistas, também por meio das parcerias internacionais. É importante não perder de vista que, no
campo científico, os imperialismos cutlturais são instituídos também no campo da produção
científica, Dezalay e Garth71 (2005, s.d) destacam que:
O mercado da avaliação internacional é elitista e protegido. Para acessá-lo, é necessário
dispor de competências culturais e lingüísticas. Antes de serem reforçadas e legitimadas
por cursos escolares internacionais muito dispendiosos, as tendências ao internacional são
privilégio dos herdeiros de linhagens familiares cosmopolitas. Incluindo no meio certas
críticas da globalização, que se inscrevem em redes internacionais muitas vezes marcadas
pela influência norte-americana.
Construir uma agenda científica, que resista aos impositivos externos ao campo
universitário, tem sido um dos grandes e atuais desafios para quem deseja sobreviver no meio
acadêmico, porque tal como sustenta Bourdieu (1976, p. 16) “[…] os dominantes consagram-se às
estratégias de conservação, visando assegurar a perpetuação da ordem científica estabelecida com
a qual compactuam”.
4.5 Internacionalização e trocas simbólicas na FAFIDAM/UECE: diálogos interculturais e
científicos entre Brasil e Reino Unido
Nas observações diretas, percebemos um fluxo razoavelmente regular de trocas realizadas
entre o grupo de agentes, que compõem o Laboratório - tanto com figuras de outras instituições de
ensino brasileiras como é o caso da relação com a Universidade Federal do Ceará – por meio do
grupo que estuda a questão do agronegócio na região do Vale do Jaguaribe. Também observamos
uma relação de trocas simbólicas com um grupo de professores pesquisadores de outros países.
Cumpre também destacar que, as relações internacionais vêm sendo formalizadas
institucionalmente pelo Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino72(MAIE). Há um
Convênio de Cooperação Internacional promovido pelo MAIE/UECE com a University of East
Anglia (UEA) e Birmingham City University (BCU), ambas do Reino Unido. O Convênio foi
71 Disponível em: http://diplo.org.br/imprima1127. Acesso em 22 de dezembro de 2018. 72 O Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE) foi aprovado pela Capes em 2013.
161
assinado em 2015 e se estende até 2019, tendo como finalidade o intercâmbio de docentes, alunos
da graduação e pós-graduação na realização de pesquisas colaborativas, organização de eventos,
cursos, publicações, dentre outras atividades de cunho acadêmico-científico. O Convênio com as
Universidades Inglesas se deu a partir do Projeto Interações efetivado pelo Edital nº 01/2014 da
FUNCAP/CAPES.
O acordo entre as duas instituições foi assinado em outubro de 2015 e, por ocasião da
parceria firmada - duas professoras, vinculadas ao MAIE, estiveram na Inglaterra para assinatura
do acordo, tendo também proferido palestras na University of East Anglia (UEA) no Seminário
“Dialogical Seminar on “Education, culture and politics in Latin America and Europe”. As
palestras proferidas foram: “World Bank, the movement ‘Education for all’ and critical
Marxism73” e “Universities, Social Movements and Social Transformation74”. De acordo com
informações disponibilizadas no site da UECE75:
Participou também dos Seminários o Prof. Dr. Paolo Vittoria, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), com a exposição “The role of popular education based social
movements in Brazil today”, abordando o contexto político brasileiro, a educação popular
e as consequências sócio-políticas do golpe contra o governo da Presidenta Dilma
Roussef. Ainda na UEA, participaram do seminário a Profa. Hazel Marsh (PPLUEA),
com a palestra “Whose Heritage? Cultural Policy and Social Change in Venezuela in the
Chávez Period”, discorrendo sobre as políticas culturais no Governo Chavéz, na
Venezuela, e o Prof. Dr. Tristán Mac Cowell (UCL, IoE), com a palestra “The
'developmental' university: origins, experiences and threats”, abordando as perspectivas
que se colocam para as universidades africanas e latino-americanas na atualidade.
Desta forma, além do Acordo de Intercâmbio firmado entre as instituições, conforme
descrição da atividade no site da UECE objetivou-se um diálogo Norte/Sul, com um olhar crítico
quanto às conjunturas políticas, culturais e educacionais76
Objetivou-se assim um diálogo Norte/Sul, com um olhar crítico acerca das conjunturas
políticas, culturais e educacionais. Os seminários foram organizados pelas Profas. Phd
Joyce Canaan e Amanda French da BCU e pelo Prof. Dr. Spyros Themelis na UEA,
ocorrido de 11 e 13 de maio de 2016, nas duas universidades supracitadas,
respectivamente, nas cidades de Birmingham e Norwich, no Reino Unido (...)
73 Ministrada pela professora Maria das Dores Mendes Segundo. 74 Ministrada pela professora Sandra Maria Gadelha de Carvalho. 75Informações disponíveis em: http://www.uece.br/fafidam/index.php?option=com_content&view=article&id=91132:2016-06-20-19-36-53&catid=3:lista-de-noticias&Itemid=1207. 76 Informações disponíveis em: http://www.uece.br/fafidam/index.php?option=com_content&view=article&id=91132:2016-06-20-19-36-53&catid=3:lista-de-noticias&Itemid=1207
162
No âmbito ainda dos diálogos transfronteiriços, em 2014, houve também a participação
de dois professores do MAIE no Colóquio Epistemologias do Sul, coordenado pelo Prof.
Boaventura de Sousa Santos, na cidade de Lisboa. Os professores estiveram participando do Painel
“Democratizando a democracia”. A presença dos professores se deu em virtude de seus objetos de
pesquisa, vinculados ao Grupo de Pesquisa “Ecologia de Saberes para a promoção da equidade
ambiental e em saúde no trabalho no contexto da expansão do agrohidronegócio nos territórios do
Vale do Jaguaribe – CE”, coordenado por Raquel Rigotto77.
A relação com a Universidade Federal do Ceará (UFC) foi estabelecida, por meio da
parceria do Laboratório e do MAIE com o grupo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde (TRAMAS)
que atua na região do Vale do Jaguaribe, especificamente na Chapada do Apodi, estudando a
questão do agrohidronegócio. Nesta relação interinstitucional, tem havido significativa dinâmica
de atividades por parte dos professores e bolsistas, ocorrendo, também o fluxo, disseminação e
circulação internacional de ideias.
Esboçamos a seguir um quadro com as principais atividades (que conseguimos catalogar
até o presente) do trânsito de professores em atividades no país e fora do país, no espaço-temporal
de 2013 a 2018, considerando-se que o intercâmbio foi formalizado em 2015, contudo já havia
uma rede de relações, que se estabeleceu anteriormente.
Quadro 20: Circulação Internacional de ideias - Brasil, Lisboa, Inglaterra.
ANO ATIVIDADE PAÍS
2014 Colóquio Epistemologias do Sul – Painel “Democratizando a
democracia”
Participação dos professores:
José Ernandi Mendes (UECE);
Sandra Gadelha de Carvalho (UECE);
Claudiana Nogueira (UECE);
Raquel Rigotto (UFC);
Joyce Canaan (Birmingham City University, Reino Unido);
Sara Motta (New Castle University, Australia);
Lisboa
77 Pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC).
163
Grant Banfield ( Flinders University, Australia );
Spirus Alpesh Maisuria (Univeristy of East Anglia, Reino Unido)
2015 Dialogical Seminar on “Education, culture and politics in Latin
America and Europa
Palestras: 1) “Work Bank, the movement ‘Education for all’ and
critical Marxism” (Professora MD3);
2) “Universities, Social Movements and Social transformation”
(Professora SM2).
Inglaterra
A rede durável de relacionamentos estabelecida entre os professores do Laboratório e do
MAIE com o grupo de professores estrangeiros vem se dando com base na troca de experiências,
que se caracteriza na publicação de materiais, artigos científicos, atividades acadêmicas e projetos
desenvolvidos em parceria. Os vínculos estabelecidos entre os agentes vêm se mostrando eficazes
estratégias mediante as diretrizes, que estão sendo pautadas para o ensino superior, havendo nesta
relação o ensaio para a possibilidade de duradoura circulação internacional de ideias. Neste ponto,
consideramos oportuno frisar a importância do senso prático, caracterizado por meio das
estratégias desenvolvidas pelos agentes, no espaço no qual se encontram posicionados os
professores do MAIE/UECE, ou seja, a aproximação entre os agentes, neste caso ocorre não por
um cálculo racional, frio e consciente, mas se dá em face do habitus, tal como destaca Seidl (2017,
p.189) “...princípio que organiza a relação dos agentes com o mundo social, fornecendo-lhes um
sentido prático.”. Seidl (2017, p.189) ainda assinala que:
Assim, embora as estratégias reflitam objetivamente interesses socialmente
orientados – manutenção do patrimônio econômico, reprodução do grupo familiar
-, não são necessariamente objeto de reflexão como cálculo ou intenção
estratégica pelos agentes que as levam a cabo, situando-se, na maioria das vezes,
no nível pré-reflexivo ou infraconsciente.
Nesta rede durável de relacionamentos, estabelecida entre diferentes agentes
posicionados no campo universitário, é possível inferir que, por meio do habitus estruturado dos
que vivem e circulam neste espaço,
A cada classe de posições corresponde uma classe de habitus (ou de gostos)
produzidos pelos condicionamentos sociais associados à condição
correspondente e, pela intermediação desses habitus e de suas capacidades
164
geradoras, um conjunto sistemático de bens e de propriedades, vinculadas entre
si por uma afinidade de estilo. (BOURDIEU, 1996, p. 21)
O conjunto sistemático de bens e de propriedades, conforme Bourdieu (1989), são
vinculados por uma afinidade de estilo, ou seja, a cada parceria e a cada encontro as relações se
estabelecem por uma causalidade provável, garantida pelo conjunto de capitais organizados como
propriedades. Desta forma,
Ao agregar sujeitos cuja identidade está fundada na coincidência dos esquemas
de visão e divisão do mundo social, o “espírito de corpo” pode dar origem a
corpos (profissionais, sociedades, clubes), grupos que são capazes de conferir
identidade, estabelecer vínculos de solidariedade e promover o reforço mútuo de
espécies de capital, sobretudo o social, dos participantes. (HEY; Kluger, 2017,
p.178).
Nesse sentido, conforme citam Pereira e Catani (2002) há uma homologia entre espaço
social e espaço simbólico, porque há uma conjunção entre conjunto de posições mutuamente
exteriores e o conjunto de práticas e preferências construidoras dos “signos distintivos” por meio
dos quais os agentes se reconhecem. No caso da cooperação internacional que, aos poucos vai
sendo instituída na FAFIDAM, observamos o surgimento de um terreno de lutas, uma vez que o
próprio conceito de internacionalização e as regras do campo são permanentemente disputadas.
Segundo Azevedo (2014, p.101) “[…] diferente de um esporte, em que as regras são explícitas e
claramente definidas a priori, o campo social para além das regras aparentes e enunciadas
formalmente, possui normas implícitas, tácitas, fluidas e provisórias”.
Há um amplo movimento de transnacionalização e mundialização da educação superior,
encampado por agências internacionais que concorrem diretamente com o campo universitário. A
transnacionalização nesses moldes é orientada por princípios de homogeneização e
universalização das visões dominantes, portanto, as questões específicas de determinado contexto
passam a circular como problemas universais. Bourdieu (2002) a respeito do imperialismo cultural
destaca o necessário cuidado que se deve ter com as artimanhas da razão imperialista, configuradas
por meio da universalização de particularismos associados a uma tradição histórica singular. O
autor adverte sobre esses lugares-comuns que passam a ocupar a agenda universitária, tendo seus
pressupostos indiscutidos. Bourdieu (2002, p. 15) afirma:
[...] assim também, hoje em dia, numerosos tópicos oriundos diretamente de
confrontos intelectuais associados à particularidade social da sociedade e das
165
universidades americanas impuseram-se, sob formas aparentemente
desistoricizadas, ao planeta inteiro.
Arriscamos afirmar que o processo da transnacionalização do ensino superior vem
ocorrendo acompanhado desses elementos apresentados por Bourdieu, uma vez que a circulação
internacional das ideias, muitas vezes, se dá a partir de uma recepção dos textos de maneira
‘desistoricizada’ como se houvesse uma gênese pura dos conceitos e das teorias, Bourdieu (2002,
p.16) frisa que:
Assim, planetarizados, mundializados, no sentido estritamente geográfico, pelo
desenraizamento, ao mesmo tempo em que desparticularizados pelo efeito de
falso corte que produz a conceitualização, esses lugares-comuns da grande
vulgata planetária transformados, aos poucos, pela insistência midiática em senso
comum universal chegam a fazer esquecer que têm sua origem nas realidades
complexas e controvertidas de uma sociedade histórica particular, constituída
tacitamente como modelo e medida de todas as coisas.
A título de exemplo, menciona o debate impreciso e inconsistente em torno do ‘multiculturalismo’,
um “termo que, na Europa, foi utilizado para designar o pluralismo cultural na esfera cívica,
enquanto, nos Estados Unidos, ele remete às sequelas perenes da exclusão social dos negros e à
crise da mitologia nacional do “sonho americano”...” (BOURDIEU, 2002, p. 16). Contextualiza
ainda a crise encoberta por este vocabulário, denominado ‘multicultural’, vez que:
[…] confinando-a artificial e exclusivamente ao microcosmo universitário e
expressando-a em um registro ostensivamente “étnico” quando, afinal, ela tem
como principal questão, não o reconhecimento das culturas marginalizadas pelos
cânones acadêmicos, mas o acesso aos instrumentos de (re)produção das classes
média e superior – na primeira fila das quais figura a universidade – em um
contexto de descompromisso maciço e multiforme do Estado.
Assim, é possível afirmar que as relações instituídas entre os agentes da FAFIDAM e das
instituições estrangeiras vem se dando no sentido de uma cooperação.
Nesse sentido, Azevedo (2015) explica que há uma diferença entre a internacionalização
do tipo “união” e a do tipo “interseção”. Com base na teoria dos conjuntos, o autor afirma que o
modelo de “união” se baseia no respeito às especificidades, considerando-se os aspectos
interculturais. O autor atribui à internacionalização no modelo de união um caráter mais próximo
dos valores relacionados à solidariedade e Interculturalidade. No caso da internacionalização no
modelo de “interseção” dos campos, Azevedo identifica a transnacionalização vinculada aos
processos de mercadorização da educação superior.
166
No processo da internacionalização e das trocas simbólicas, que procuramos destacar
neste tópico, recorremos a Bourdieu (2002) que, no contexto da circulação internacional de ideias,
chama a atenção para o imperialismo cultural, sobretudo porque há uma falsa impressão de que a
vida intelectual é naturalmente internacional, tal como o autor destaca:
Acredita-se, frequentemente que a vida intelectual é espontaneamente
internacional. Nada mais falso. A vida intelectual é lugar, como todos os outros
espaços sociais, de nacionalismos e imperialismos, e os intelectuais veiculam,
quase quanto os outros, preconceitos, estereótipos, idéias prontas...
(BOURDIEU, 2002, p.16)
Além disto,
[...] as trocas internacionais estão sujeitas a um certo número de fatores estruturais
que são geradores de mal entendidos. Primeiro fator: o fato de os textos
circularem sem seu contexto...eles não trazem com eles o seu campo de
produção...do qual eles são o produto e que os receptores, estando eles mesmos
inseridos em um campo de produção diferente, os reinterpretam em função da
estrutura do campo de recepção... (BOURDIEU, 2002, p. 3).
Por esta razão, ressaltamos, de acordo com Azevedo, Catani e Hey (2017) que não se
deve confundir internacionalização da educação superior com transnacionalização da educação
superior. A transnacionalização, segundo Azevedo (2015) envolve a oferta transfonteiriça de
ensino superior presencial e a distância, mediada por organizações transnacionais de serviços
educacionais com a finalidade de obtenção de lucros. Deste modo, o campo universitário, ou
campo científico como denomina Azevedo (2015) por se tratar de um campo social mais ou menos
autônomo, que possui objetos em disputa e regras de funcionamento tácitas e consentidas, a
internacionalização é inerente ao habitus dos agentes, dotados da illusio em busca do
reconhecimento de seus pares situados em ambientes culturais e científicos diversos.
Na mesma linha de raciocínio, Azevedo (2015, p. 58-59) considera que:
...o campo da educação superior tem estabelecido uma relação com o campo
burocrático de “independência na dependência” ou, alternadamente de
“dependência na independência”, pois as instituições de educação superior
públicas e autônomas necessitam de financiamento de Estado para a manutenção
e desenvolvimento de atividades acadêmicas de maneira “desinteressada” (não
imediatista).
Assim, o autor utiliza a noção de União e Interseção para falar da internacionalização e
transnacionalização da educação superior, posto que há campos sociais que intersectam o campo
167
universitário. Com base no do diagrama de Ven78 que ilustra a “Teoria dos Conjuntos”, Azevedo
(2015) explica que a internacionalização no formato de União, é a própria integração dos campos
de educação superior, pois visa fins comuns, com atenção à Interculturalidade, respeito à
diversidade cultural e promoção de solidariedade entre os povos.
Segundo Azevedo (2015) o conceito de Interculturalidade faz questão de explicar que
este diz respeito à existência de relações baseadas na compreensão mútua e interação entre atores
sociais de grupos culturais diversos, portanto, a Interculturalidade não diz respeito a um simples
apelo à tolerância entre grupos, de modo que Interculturalidade não é a mesma coisa que
multiculturalidade. No caso do formato de internacionalização pela União dos campos e
Interculturalidade, o autor ilustra graficamente da seguinte forma:
Figura 19: União de dois campos da educação superior pela Interculturalidade
Fonte: Azevedo (2015)
Toda a área dos dois campos encontra-se hachurada, havendo complementariedade entre
uma e outra. No tocante à internacionalização no formato de Interseção, Azevedo (2015, p.63)
explica que se trata de “[...] espaços multinacionais ocupados (ou em vias de ocupação) por pares
homólogos, heteronomamente, submetidos a testes de performance, benchmarkings e tábuas de
78 O autor utiliza os diagramas criados pelo matemático John Ven para facilitar a percepção das relações de união, intersecção, diferença e complemento na teoria dos campos que utiliza para falar do campo universitário.
168
rankings e indicadores”. Com base na Teoria dos conjuntos, o autor ilustra a interseção por meio
da figura abaixo:
Figura 20: Interseção de dois campos da educação superior
Fonte: Azevedo (2015).
Como se pode observar, a área hachurada é apenas a área central de interseção entre os
dois campos. Conforme o autor, esse espaço ocupado (hachurado), além de representar a atuação
e presença de agentes e atores, que já se encontram situados no campo, legitimados de alguma
forma, seja por pares homólogos ou heterônomos, indica também que a presença e atuação desses
agentes se dá por meio de pressões de performance. As pressões de performance, conforme e
Azevedo (2015) são pressões ditadas pelas agências de avaliação, não somente e, também, por
organizações internacionais, tais como: OCDE, Banco Mundial, Comissão Europeia e outras. No
interior do campo, ocorre a naturalização dos esquemas do pensamento neoliberal e, de acordo
com Bourdieu (2002), esta naturalização se dá por meio do trabalho duradouro, ao longo das
últimas décadas, dos think thanks. A interseção, portanto, conforme assinala o autor pode ser
compreendida como uma restrita forma de internacionalização da educação superior. Isto porque
os espaços contemplados com a internacionalização são ocupados por aqueles atores que já estão
em comunicação e posição estabelecida. De acordo com Azevedo (2015) esse tipo de
internacionalização é social, econômica e geograficamente situada. Desta forma,
[...] pode-se dizer que o modo restrito de internacionalização (na interseção dos
campos) reúne atores sociais, entre eles os acadêmicos, vinculados
majoritariamente a universidade e laboratórios nacionais, que aceitam as regras
do jogo, algumas delas (heterônomas) provenientes de outros campos sociais, por
169
intermédio de atores individuais ou coletivos, tais como os Estados, organizações
internacionais (BM, OCDE), agências de avaliação, think thanks, autoridades
regionais (Comissão Europeia, Mercosul...), empresas, organizações e
instituições sociais (AZEVEDO, .2015, p.63).
A representação gráfica, utilizada por Azevedo, que se encontra logo abaixo, indica as
várias interseções atuantes no campo universitário, como se pode observar:
Figura 21: Interseção de variados campos sociais
Fonte: Azevedo (2015)
O tipo de internacionalização caracterizado pela interseção, conforme a figura acima, na
percepção de Azevedo (2015) pode prescindir da Interculturalidade e contribuir com a redução da
autonomia dos campos acadêmicos. O autor afirma que a redução da autonomia dos campos
acadêmicos pode influenciar na produção de um “capitalismo acadêmico” uma vez que diferentes
campos passam a impor suas lógicas sobre o campo da educação superior. Assim, este “capitalismo
acadêmico” refere-se a uma espécie de transferência de políticas e de uma agenda globalmente
estruturada para a educação. O reflexo mais notório deste processo é a mudança na natureza do
trabalho acadêmico.
Tal mudança na natureza do trabalho acadêmico vem se dando na forma de incentivos
para determinados aspectos da carreira e a desvalorização de outros aspectos. De forma mais clara,
170
essas mudanças operacionalizadas sobre o trabalho acadêmico vêm se refletindo de maneira a
privilegiar uma lógica de mercado. No contexto da educação superior, Azevedo (2015), com
amparo em outros autores, observa que a imposição desta lógica vem sendo implementada
maiormente por países anglófonos, tais como Estados Unidos da América, Reino Unido e Canadá
– nesses países a oferta de educação superior não é majoritariamente privada, correspondendo,
apenas, a 20%.
No caso do Brasil, a oferta de educação superior vem se dando, majoritariamente de forma
privada, correspondendo a ¾ de oferta, o que favorece um ambiente extremamente propício à
interseção de diferentes agentes sobre o campo universitário. Desta forma, a troca de experiências
e colaboração, que vêm se consolidando entre os professores do Laboratório e professores dos
países da França e Inglaterra, se constitui em um tipo de troca simbólica, marcada pela colaboração
e união, caracterizando um tipo de internacionalização, ainda em fase de maturação.
As trocas simbólicas, com amparo na teoria dos campos, buscando evidenciar que tais
trocas se dão orientadas por princípios opostos aos princípios do economicismo que reduz as trocas
ao cálculo interessado (SAPIRO, 2017). A autora afirma que a partir da economia dos bens
simbólicos de Bourdieu, embora o economicismo tenha se consolidado a partir do século XVIII
como paradigma dominante com o capitalismo triunfante, é apenas uma forma particular da
economia das práticas e das trocas, pois os campos de produção cultural ou, científica se
movimentam e funcionam a partir de princípios da economia pré-capitalista. Em outras palavras,
as lógicas de funcionamento do campo universitário – se dão a partir de trocas simbólicas -, sem
ser possível objetivar a realidade destas trocas, uma vez que funcionam como a negação, censura,
denegação e recalque do interesse econômico, havendo de acordo com Sapiro (2017)
transfiguração dos atos econômicos em atos simbólicos.
Vale explicar, com arrimo na autora, que essa transfiguração não se dá por meio de uma
estratégia cínica de dissimulação por parte dos agentes, mas por um conjunto de disposições e
investimentos. Dessa forma, afirmamos que o grupo de agentes, que movimenta as atividades do
Laboratório e do MAIE, partilha de amplo patrimônio de esquemas de percepção e apreciação,
que são configurados como capital simbólico, com base no habitus.
171
Em relação à internacionalização, afirmamos que, o grupo de professores articula uma
internacionalização no modelo de União. No decorrer desta pesquisa constatamos que é possível
afirmar que a FAFIDAM se constitui como um subcampo do campo universitário em fase de
transformação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos dados e da problemática apresentada por esta pesquisa é possível afirmar que,
há no Brasil um campo universitário/científico que se estruturou muito recentemente. Este campo,
denominado por nós de universitário/científico, caracteriza-se como um espaço de lutas
concorrenciais. Portanto, é um campo de lutas que tal como destaca Bourdieu (1976) produz e
supõe em seu funcionamento uma forma específica de interesse. Sem fazer um transplante
mecânico da teoria de Bourdieu para a realidade brasileira, o estudo demonstra que a produção
científica brasileira é desenvolvida pelas universidades e que estas estruturam-se como “[...]
espaço objetivo de um jogo onde compromissos científicos estão engajados...79”.
O estudo permite afirmar que há um campo do ensino superior – que representa todas as
instituições deste nível de ensino. No entanto, o olhar da pesquisa priorizou o campo universitário,
concebendo este como lócus de lutas concorrenciais e classificatórias, com autonomia relativa,
espaço legítimo e legitimado no que concerne as definições de ciência e verdade, com lógicas
específicas de funcionamento, caracterizado pela distribuição de capitais, com capacidade de
refratar as pressões externas – quanto mais autônomo, mais esse campo social escapa às leis sociais
externas. No caso do campo científico nacional é oportuno frisar que o processo de
reconfigurações/reestrurações iniciadas a partir de 1990 vem evidenciando uma significativa perda
de autonomia, aspecto que se revela por meio da imposição de temas e problemáticas da agenda
política.
As pressões externas se exercem por intermédio das forças específicas do próprio campo.
Nesse sentido, Hey (2008) demonstra que há uma agenda acadêmica em educação superior
estabelecida desde os anos de 1990, imposta por um grupo dominante dentro do campo acadêmico
- representada incialmente pelo Núcleo de Pesquisa de Ensino Superior (NUPES) criado ainda
79 Bourdieu (1976, p.3). BOURDIEU, P. Le champ scientifique. Actes de Ia Recherche en Sciences Sociales, n. 2/3, jun. 1976, p. 88-104. Tradução de Paula Montero.
172
nos anos 80 do século XX e tendo existido ativamente até o ano de 2005. Posteriormente esse
grupo foi transformado em Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) – da Universidade
de São Paulo (USP). Uma vez que o espaço acadêmico se constitui como lócus de disputas que se
exercem tanto para conservar como para transformar, pode-se afirmar que a política de educação
superior desde os anos de 1990 se encontra permeada e orientada por tendências estruturais, dentre
as quais a elaboração de um aparato acadêmico - por parte de agentes do grupo dominante já
mencionado – favoreceu a constituição de uma leitura única sobre o campo científico nacional.
Além destes aspectos, é possível identificar um movimento de regulação transnacional no
campo do ensino superior, Ferreira (2011) destaca a reestruturação das universidades europeias,
com especial atenção ao Processo de Bolonha, no qual a autora identifica semelhanças com a
reforma universitária no Brasil a partir de 1990. Nos dois casos, a autora observa que os
diagnósticos sobre a ineficiência das instituições tendem a ser semelhantes, o que justifica as
reformas como forma de atribuir novos papeis a este nível de ensino. No contexto da reengenharia
do Estado e da consequente reconfiguração do campo universitário brasileiro a expansão e a
privatização são norteadoras deste processo de reestruturação deste nível de ensino.
Nesse lastro, o estudo aponta, por meio da literatura pertinente, que a redefinição do papel
do Estado vem interferindo diretamente nas estruturação do ensino superior brasileiro. Verifica-se
a implementação de um modelo de massificação, que na percepção de autores como Sguissard
(2015) representa um tipo de massificação mercantil, porque se caracteriza como de elite e alta
qualificação para poucos e de baixa qualidade e massificada para muitos. Neste sentido, foram
instituídas políticas focais de curto alcance como o Programa Universidade para Todos (Prouni) e
Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) – tais políticas se caracterizam pela expansão
significativa do setor privado e crescimento moderado do setor público, considerando-se as últimas
duas décadas – apesar das metas traçadas no Plano Nacional de Educação (2014 – 2024). Há que
se destacar que, no Brasil, a rentabilidade das empresas de ensino privado é uma das maiores
quando comparada às congêneres que atuam em países como Estados Unidos, Japão e Coreia do
Sul (KUBOTA & MEIRA, 2016).
173
Com base na teoria dos campos, observa-se que as reconfigurações do campo
universitário se dão em relação a um paralelismo estrutural entre países exportadores e
importadores de conhecimento técnico profissional em nível transnacional. Por meio desse fluxo
de trocas internacionais, as reformas institucionais são garantidas, posto que “exportações
simbólicas tendem a ser mais bem-sucedidas quando há homologias estruturais entre o Sul e o
Norte” (DEZALAY & GARTH, 2000, p. 165).
Na base das reconfigurações do campo universitário no Brasil se encontram as disputas
em torno dos modelos de universidade. Este é o núcleo central do processo das reconfigurações
ocorridas nas últimas décadas. De modo mais detalhado, é necessário frisar que a Reforma
Universitária de 1968 foi fundamental para a estruturação do campo universitário nacional, pois
implantou o modelo de universidade que desenvolve ensino, pesquisa e extensão como referência
para o sistema de educação superior. O modelo humboldtiano de universidade carcaterizado pela
associação entre ensino e pesquisa, iniciado a partir dos anos de 1930, fortalecido a partir de 1968
com a Reforma Universitária e assegurado pela criação de instâncias ligadas à produção do
conhecimento (CAPES, CNPq, SBPC, entre outras) favoreceu a consolidação do campo
universitário/científico nacional. Contudo, o desmonte deste modelo teve início no final dos anos
de 1980 e e ganhou força em 1990 – quando foi instituída a reengenharia do Estado.
Nesses termos, foi inserido na legislação específica da educação (LDB 9.394/96) a
abertura para a criação de instituições de educação superior sem a obrigatoriedade de desenvolver
pesquisa e extensão. Esta abertura favoreceu um processo de diferenciação e diversificação
institucional. Houve um deslocamento e uma alteração do modelo instituído na Reforma de 1968,
caracterizando-se um processo de separação entre universidades de pesquisa e faculdades de
ensino. Nessa direção, pode-se afirmar que há uma superposição de modelos, onde o modelo
americano se sobressai. O modelo americano na percepção de Sguissard (2015) se subdivide em
vários outros, no caso brasileiro não há como afirmar que há um modelo francês ou alemão, mas
muitos modelos americanos no atual contexto.
No que se refere à parte específica da pesquisa, pode-se afirmar que a tese por nós
sustentada revelou que há, de fato, um campo universitário e, a instituição por nós investigada
encontra-se situada como um subcampo – fato que foi possibilitado pelas reconfigurações recentes
do campo em questão. Dentre as principais reconfigurações observadas na instituição pesquisada
174
destaca-se a implementação da pós-graduação na FAFIDAM, sendo o Mestrado Acadêmico
Intercampi o primeiro Mestrado acadêmico da região. A pós-graduação no contexto de uma
universidade do interior, foi possível devido às ações desenvolvidas ao longo das últimas décadas
– onde a ação extensionista foi decisiva para o amadurecimento de um campo de pesquisa e
disciplinar na área de educação e Movimentos Sociais. Além disto, a pesquisa explicita que a
distribuição dos capitais na estrutura da instituição pesquisada foi e é determinando no jogo e nas
lutas que posicionam a FAFIDAM no campo universitário cearense e nacional. Pode-se afirmar
que, os professores que estão melhor posicionados na estutura do campo são bons jogadores e, por
meio de capitais específicos, possuem
Além da implementação da pós-graduação no contexto pesquisado, foi possóvel também
identificar aspectos da internacionalização. Em linhas gerais, pode-se afirmar que, apesar de um
contexto bastante marcado pela heteronomia – onde as pautas externas ao campo universitário e
as imposições oriundas da agenda política estão cada vez mais perceptíveis – o campo universitário
cearense fortaleceu sua posição no cenário nacional. Isto ficou verificado quando utilizamos a
pesquisa de Miranda (2008). Os aspectos evidenciados pela pesquisa, no que concerne às
alterações na estruturação do campo universitário no país, merecem destaque. Embora história da
universidade no Brasil seja recente, a pesquisa também evidenciou que são as instituições
universitárias as responsáveis pela produção da ciência no contexto brasileiro. O Relatório da
Clarivate Analytics informa que a produção da ciência no Brasil (2011 e 2016) é oriunda de
instituições públicas.
Vale destacar, por fim, que 87,9% das instituições de ensino superior no Brasil são
privadas. Ao todo soma-se 2.152 instituições privadas neste nível de ensino. Frente a este número
o Censo da Educação Superior (2017) informa que no Brasil há 296 instituições de ensino superior
públicas, distribuídas em 124 instituições Estaduais, 109 instituições Federais e 63 instituições
Municipais. Ademais, construir uma agenda científica, que resista aos impositivos externos ao
campo universitário, tem sido um dos grandes e atuais desafios para quem deseja sobreviver no
meio acadêmico, porque tal como sustenta Bourdieu (1976, p. 16) “[…] os dominantes consagram-
se às estratégias de conservação, visando assegurar a perpetuação da ordem científica estabelecida
com a qual compactuam”.
175
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181
ANEXOS
182
EXTENSÃO NA FACULDADE VIDAL DE LIMOEIRO DO NORTE/CE
183
*Grifos nossos
184
INICIAÇÃO CIENTÍFICA NA FACULDADE VIDAL DE LIMOEIRO DO NORTE/CE
*Grifos nossos
185
MONITORIA NA FACULDADE VIDAL DE LIMOEIRO DO NORTE/CE
186
Programas e Projetos de extensão FAFIDAM
PROGRAMAS E PROJETOS DE EXTENSÃO FAFIDAM/UECE
Fonte: http://www.uece.br/proex/index.php/programas-projetos-de-extensao/faculdades/fafidam
187
188
189
190
191
192
193
194
195
EX-ALUNOS INGRESSANTES NA PÓS-GRADUAÇÃO
EX-ALUNOS INGRESSANTES NA PÓS-GRADUAÇÃO
ANO CURSO ALUNO/A
1998 1999 -História (01) -Edwilson S. Freire (Mestrado)
2000
2001 2002
-História (01)
-João Rameres Régis (Mestrado)
2003
2004 -Geografia (01)
-Pedagogia (01)
-Maria Lucenir J. Chaves (Mestrado) -Sergiano de L. Araújo (Mestrado)
-Francisca Maurilene do Carmo (Mestrado)
2005 2006 Pedagogia (01) -Maria Lenúciade Moura (Mestrado)
2007 -Pedagogia (01)
-Letras (01)
-História (01)
-Ana Carmita B. de Souza (Mestrado)
-Fernanda C. Nunes (Mestrado) Cleidiane Lima (História)-
2008 -História (01) -João Rameres Régis (Doutorado)
2009 -Geografia (01)
-Química (01)
-Flávia Freitas (irmã de Bernadete) -Priscila Faheina
2010 -História (01)
-Geografia (02)
-Química (01)
-KelsonGérison O. Chaves
(Mestrado)
-Bernadete Maria C. Freitas
(Mestrado) -Marcos de B. Bezerra (Mestrado)
-Thiago F. Chaves (Mestrado)
2011 -Pedagogia (01)
-História (02)
-Ana Carmita B. de Souza
(Doutorado)
-Luzia Leila Velez de Miranda
(Mestrado) -Maria da Conceição da S.
Rodrigues (Mestrado)
2012 -Pedagogia (01)
Geografia (02)
-Leonardo José F. Cabó (Mestrado)
-Rayanne Sara (Mestrado)
-Sergiano de L. Araújo (Doutorado)
2013
196
2014 -Pedagogia (03)
-História (02)
-Química (01)
Nara Lúcia Gomes (Mestrado)
-Jamira L. de Amorim (Mestrado)
-Emanuela Rútila M. Chaves
(Mestrado)
-Cíntya Chaves (Mestrado)
-Carlos Rochester F. de Lima
(Mestrado)
Thiago F. Chaves (Doutorado)
2015 -Pedagogia (04)
-História (04) -Geografia (01)
-Gabrielle N. Lopes (Mestrado)
-Leiliana R. Freitas (Mestrado) -Maria Ozirene M. Vidal (Mestrado)
-Raquel L. de Freitas (Mestrado)| -Maria Edleuza Maia (Mestrado)
-KélsonGérison O. Chaves
(Doutorado) -Rafaela M. de Lima (Mestrado)
-Jucélio R. Costa (Mestrado)
Claudemir M. Cosme (Mestrado)
2016 -Pedagogia (02)
-História (03)
-Geografia (02)
- Aline N. Paiva (Mestrado)
-Maria Lenúcia de Moura
(Doutorado)
-Francisco Edinou B. Maia
(Mestrado)
-José Wellington de O. Machado
(Mestrado)
-Edwilson S. Freire (Doutorado)
-KélbiaGeísa O. Chaves (Mestrado)
-Maria Lucenir J. Chaves
(Doutorado)\
2017 -Pedagogia (04)
-História (01)
-Letras (01)
-Geografia (01)
-Diana Nara Oliveira (Mestrado)
-Elenice R. Costa (Mestrado)
-Janine F. de Lima (Mestrado)
-Mádja D. Maia (Mestrado)
-João Paulo G. de Almeida
(Mestrado)
-Nádja D. Maia (Mestrado)
-Rose A. de Moura (Mestrado)
-Bernadete Maria C. Freitas
(Doutorado)
2018 -História (03) -Pedagogia (03)
-Letras (01)
-Alan Robson da Silva (Mestrado) -Olívia Bruna de L. Nunes
(Mestrado)
-Maria Elioneide de S. Costa (Mestrado)
-Daniela Glícia O. da Silva
(Mestrado) - Luciana Gomes Reges (Doutorado)
Ruan Carlos Mendes (Mestrado)
2019 -Pedagogia (06) -Geografia (01)
-História (03)
-Leonardo José F. Cabó (Doutorado) -Jamira Lopes de Amorim
(Doutorado)
-Emanuela Rútila M. Chaves (Doutorado)
-Aline N. Paiva (Doutorado)
-Claudemir M. Cosme (Doutorado)
197
-Carlos Rochester F. de Lima
(Doutorado)| -Maria Edleuza Silva (Mestrado)
-Maiara Marinho (Mestrado)
-João Joel Neto (Mestrado) -Thaís Brito (Mestrado)
-
Fonte: Elaboração própria. Dados coletados na Plataforma Lattes.