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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
AGUINALDO CESAR FRATUCCI
A DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS DE TURISMO: AS POSSIBILIDADES DAS REDES
REGIONAIS DE TURISMO
Orientador: Prof. Dr. ROGÉRIO HAESBAERT DA COSTA
Niterói, 2008
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AGUINALDO CESAR FRATUCCI
A DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEI RAS DE TURISMO: AS POSSIBILIDADES DAS REDES REGIONAIS DE T URISMO
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor. Área de Concentração: Ordenamento Territorial.
Orientador: Prof. Dr. ROGÉRIO HAESBAERT DA COSTA
Niterói 2008
F844 Fratucci, Aguinaldo Cesar A dimensão espacial nas políticas públicas brasileiras de turismo: as possibilidades das redes regionais de turismo / Aguinaldo Cesar Fratucci. – Niterói : [s.n.], 2008.
308 f.
Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal Fluminense, 2008.
1.Turismo. 2.Espaço turístico. 3.Território-rede. I.Título.
CDD 338.4791
AGUINALDO CESAR FRATUCCI
A DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEI RAS DE TURISMO: AS POSSIBILIDADES DAS REDES REGIONAIS DE T URISMO
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor. Área de Concentração: Ordenamento Territorial.
Aprovada em 20 de novembro de 2008
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________ Prof. Dr. Rogério Haesbaert da Costa - Orientador
Universidade Federal Fluminense - UFF
___________________________________________ Prof. Drª Miriam Rejowski
Universidade de São Paulo - USP
___________________________________________ Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas de Jesus
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
___________________________________________ Prof. Dr. Márcio Piñon de Oliveira
Universidade Federal Fluminense - UFF
___________________________________________ Prof. Dr. Ivaldo Gonçalves de Lima
Universidade Federal Fluminense - UFF
4
Aos amigos e companheiros da longa viagem em direção
ao conhecimento da complexidade do fenômeno turístico.
Obrigado pelas conversas, dicas e sugestões.
Avançamos muito, mas ainda há muito a fazer!
5
AGRADECIMENTOS Ao professor Rogério Haesbaert, pela orientação segura e tranqüila. Assim
como no processo da dissertação de mestrado, o período de elaboração da
tese também foi muito produtivo, quando tivemos a oportunidade compartilhar
muitas idéias em conversas sempre agradáveis e instigadoras. Sua visão de
mundo com certeza influenciou por demais minhas investigações e estão
presentes nesse trabalho.
Aos professores Márcio Piñon de Oliveira, Ivaldo Gonçalves de Lima e Jorge
Luiz Barbosa, do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFF que, em
diferentes momentos do processo de minha qualificação, oportunizaram tantas
contribuições e sugestões para esse trabalho.
Á professora Miriam Rejowsky, por ter aceito prontamente meu convite para
participação na banca de avaliação.
Ao professor Gilmar Mascarenhas de Jesus, amigo de tantos eventos e
encontros de geografia e turismo, pelas palavras de estimulo e também, por ter
aceito participar da banca de avaliação.
Á Roberta Dias de Oliveira, diretora executiva do CONRETUR e amiga de
longa data, pela sua colaboração nas pesquisas de campo na região das
Agulhas Negras. Obrigado por sua disponibilidade, mesmo nos momentos da
chegada da Ana Júlia, para atender minhas solicitações e esclarecer minhas
dúvidas sobre o processo de constituição daquele Conselho.
Aos amigos Jorge Faria e Cariojado pelas iluminações nos momentos de pouca
inspiração.
À Profª Erly Maria de Carvalho e Silva, docente e amiga do Departamento de
Turismo da UFF, pela paciente revisão de texto, pelas sempre oportunas
sugestões e pelas conversas “sem pressa” que me acalmaram nos momentos
mais tensos.
Aos professores e alunos do curso de Turismo da UFF, pelas palavras e gestos
de incentivo e carinho durante todo o período do doutorado e, principalmente,
por compreenderem meus momentos de afastamento, tão necessários para a
elaboração desse trabalho.
Ao Álvaro, pela companhia fiel e solidária.
6
“O desafio é amplo e premente: a necessidade de um pensamento que reúna é cada vez maior porque os problemas são cada
vez mais interdependentes e cada vez mais globais, e ao mesmo tempo porque sofremos
cada vez mais do excesso de parcelarização e de compartimentação dos saberes.”
Edgar Morin, 2000.
7
LISTA DE FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Tabela 1 Evolução do total de chegadas internacionais 1950 – 2005
55
Figura 1 Distribuição dos fluxos e das áreas turísticas 57
Figura 2 Curva do perfil psicográfico dos turistas de Stanley Plog 77
Figura 3 Modelo referencial do Sistema Turístico – SISTUR de Beni
83
Figura 4 Representação básica do sistema turístico 97
Figura 5 Modelo de Campbell de viagem recreativa e excursionista
99
Figura 6 Modelo de desenvolvimento turístico de Miossec 101
Figura 7 Modelo de espaço turístico de Boullón 104
Figuras 8 Componentes do espaço turístico proposto por Roberto Boullón
105
Figura 9 Regiões Turísticas do Estado do Rio de Janeiro 2005 116
Figura 10 Previsão de chegadas internacionais por região 137
Figura 11 Políticas internacionais de turismo a partir de 1945 139
Figura 12 Abordagens metodológicas do Planejamento Turístico 140
Figura 13 Evolução das instâncias de gestão do turismo no Brasil 143
Tabela 2 Oficinas do PNMT realizadas entre 1995 e 2001 165
Figura 14 Supra-estrutura do turismo brasileiro 170
Figura 15 Localização dos 65 destinos indutores de desenvolvimento
176
Figura 16 Áreas especiais de interesse turísticos do estado do Rio de Janeiro
188
Tabela 3 Oficinas do PNMT no estado do Rio de Janeiro 193
Figura 17 Regionalização Turística – Plano Diretor de Turismo – 2001
197
Figura 18 Regiões turísticas do estado do Rio de janeiro priorizadas para o PRT
201
8 Figura 19 Localização da Região Turística das Agulhas Negras 206
Figura 20 Parque Nacional do Itatiaia e arredores 209
Tabela 4 Oferta de meios de hospedagem na Região das Agulhas Negras – RJ
210
Tabela 5 População empregada no Setor do Turismo na Região das Agulhas Negras - RJ
213
Figura 21 Espaços apropriados para o turismo na Região das Agulhas Negras – década de 1930
217
Figura 22 Espaços apropriados para o turismo na Região das Agulhas Negras – década de 1970
218
Figura 23 Espaços apropriados para o turismo na Região das Agulhas Negras – décadas de 1980 - 1990
220
Figura 24 Espaços apropriados para o turismo na Região das Agulhas Negras – década de 2000
221
Figura 25 Agentes sociais produtores do turismo: lógica de apropriação dos espaços
242
Figura 26 Esquema de território-rede do turismo – escala local 259
Figura 27 Esquema de Território-rede de Turismo – escala regional
263
Figura 28 Território-rede do turismo da Região das Agulhas Negras – 2008
269
9
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABAV Associação Brasileira de Agentes de Viagens
ADE Áreas de desenvolvimento estratégico
AD-Rio Agência de Desenvolvimento Econômico do Estado do Rio de Janeiro
CICATUR Centro de Capacitação Turística - OEA
CNTur Conselho Nacional de Turismo
CONRETUR Conselho Regional de Turismo das Agulhas
EMBRATUR Instituto Brasileiro do Turismo
FUNDREM Fundação de Desenvolvimento Metropolitano da Cidade do Rio de Janeiro
FUNGETUR Fundo Geral de Turismo
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MTur Ministério do Turismo
OMT Organização Mundial do Turismo
PLANTUR Plano Nacional de Turismo
PNMT Programa Nacional de Municipalização do Turismo
PNT Plano Nacional de Turismo
PRODETUR Programa de Desenvolvimento do Turismo
PRT Programa de Regionalização do Turismo
RINTUR Roteiro de Informações Turísticas
SEBRAE-RJ Serviço de Brasileiro de Apoio a Pequena e Média Empresa
SECPLAN Secretaria de Planejamento do Estado do Rio de Janeiro
SEPDET Secretaria de Estado de Planejamento, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado do Rio de Janeiro
SISTUR Sistema turístico
TurisRio Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro
UnB Universidade de Brasília
10
RESUMO
Com o intuito de investigar o descaso para com a dimensão espacial das políticas nacionais e as possibilidades de construção de novas estruturas de governança para os espaços apropriados para o turismo a partir de redes regionais, este trabalho apresenta os resultados da pesquisa desenvolvida nos últimos quinze anos, a partir da observação participante do autor no contexto do estado do Rio de Janeiro, em especial da região turística das Agulhas Negras. Partindo do entendimento do turismo como fenômeno socioespacial marcante da contemporaneidade, propõe que seu estudo ocorra por diversos meta-pontos de vista que possam incluir e ampliar o complexo jogo de ações, retroações e inter-relações estabelecido pelos os seus diversos agentes sociais: turistas, empresários, poder público, trabalhadores diretos e indiretos e população residente nos destinos turísticos. Após discorrer sobre a dialógica existente entre o fenômeno socioespacial e a atividade econômica gerada pelo turismo, apresenta uma revisão das bases teóricas necessárias para a análise e discussão dos processos de turistificação de trechos do espaço, tendo como referência que o turismo não é sujeito desses processos, mas sim resultado das ações e das interações dos diversos agentes sociais que o produzem. A seguir, apresenta uma revisão da evolução das políticas públicas de turismo implementadas no Brasil a partir de 1966, buscando identificar o modo como a espacialidade do fenômeno vem sendo tratada por cada uma delas. Tendo como objeto de observação o processo de construção da região turística das Agulhas Negras, propõe a adoção da categoria geográfica do território-rede como a mais adequada para análise e estudo dos espaços turísticos e aponta para a tendência de ampliação dos territórios-redes do turismo para a escala micro-regional e formação de redes regionais de turismo, consideradas como uma oportunidade para adoção de uma nova estrutura organizacional de governança público-privada, mais democrática e participativa para a gestão do desenvolvimento a nível nacional.
Palavras chaves: Políticas públicas de turismo; Espaço turístico; Território-rede; Redes regionais de turismo; Região turística das Agulhas Negras – RJ; Brasil.
11
ABSTRACT
Aiming at investigating the carelessness towards national politics of spatial dimension as well as possibilities of new governance structures building to appropriate spaces for the tourism from regional networks, this work presents the results of a research developed over the last fifteen years, from the participant's observation of the author within the context of Rio de Janeiro state, specially Agulhas Negras touristic region. Understanding tourism as an outstanding social-spatial phenomenon of contemporariness, it proposes that its study be unfolded through several meta-points-of-view that may include and amplify the complex game of actions, feedbacks and inter-relations established by its many social agents: tourists, businessmen, public power, direct and indirect workers as well as the population who lives in touristic destinies. After discussing about the logic which exists between the social-spatial phenomenon and the economic activity generated by tourism, it presents a review of theoretical foundations necessary to analysis and discussion of touristification processes of spatial stretches, having as reference that tourism is not subjected to these processes, but is the result of actions and interactions of several social agents which produce them. After that, it presents a review of public politics of tourism evolution implemented in Brazil from 1966 on, searching to identify the way spatiality of phenomenon has been dealt by each one of them. Having as observation object the process of touristic area of Agulhas Negras construction, it proposes the adoption of geographical category of net-territory as the most adequate for analysis and study of touristic spaces and points to the tendency of tourism net-territories broadening to the scale of micro-regional and formation of regional tourism networks considered as an opportunity of adopting a new organizational structure of public-private governance, more democratic and participating for development management at a national level. Key-Words: Public politics of tourism; Touristic Space; Network-territory;
Regional networks of tourism; touristic region of Agulhas Negras – RJ; Brazil.
12
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 14
2 DO FENÔMENO SOCIOESPACIAL À ATIVIDADE ECONÔMICA DO TURISMO
24
2.1 DA “GRAND TOUR” DA ARISTOCRACIA BURGUESA DO SÉCULO XVI AOS PACOTES POPULARES DO SÉCULO XXI
28
2.2 RELAÇÕES DO TURISMO COM AS MANIFESTAÇÕES DO CAPITAL CONTEMPORÂNEO: ÓCIO, LAZER E TEMPO LIVRE
45
2.3 DIALÓGICA DO TURISMO: FENÔMENO SOCIOESPACIAL E ATIVIDADE ECONÔMICA
51
3 BASES TEÓRICAS PARA ANÁLISE DOS PROCESSOS DE TURISTIFICAÇÃO DO ESPAÇO
62
3.1 TURISTIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS PARA O TURISMO 66
3.1.1 Agentes do Turismo e Suas Lógicas de Apropriação dos Espaços
74
3.1.2 Teorias e Modelos de Estudos do Espaço Turístico 97
3.2 REGIONALIZAÇÃO COMO MÉTODO PARA GERENCIAMENTO DOS PROCESSOS DE TURISTIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS
104
3.2.1 Tradição do Uso da Regionalização nas Políticas Públicas de Turismo
111
3.2.2 Descontinuidade Territorial do Espaço Turístico 117
3.3 COMBINAÇÃO DAS DIVERSAS LÓGICAS DE APROPRIAÇÃO DOS ESPAÇOS PARA O TURISMO
119
3.4 INCERTEZAS E CONFLITOS NOS PROCESSOS DE TURISTIFICAÇÃO DO ESPAÇO
127
4 A DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO TURISMO NO BRASIL
134
4.1 TENDÊNCIAS NOS PROCESSOS DE GERENCIAMENTO DOS ESPAÇOS TURÍSTICOS
138
4.2 INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO NO BRASIL 142
4.2.1 Dimensão Espacial nas Políticas Públicas de Turismo - 1966 a 1994
149
13 4.2.2 Município como Base Político-Territorial da Política de
Turismo do Governo FHC 164
4.2.3 Governo Lula - 2003-2010: o Foco na Regionalização do Turismo
168
5 REGIÃO DAS AGULHAS NEGRAS, RJ: UMA REDE REGIONAL DE TURISMO EM CONSTRUÇÃO
182
5.1 CONTEXTO INSTITUCIONAL DO TURISMO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
185
5.1.1 Reorganização do Mapa Turístico do Estado do Rio de Janeiro a Partir de 1990
191
5.2 PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA REGIÃO TURÍSTICA DAS AGULHAS NEGRAS: À CAMINHO DE UMA REDE-REGIONAL DE TURISMO
205
5.2.1 Aspectos turísticos da região das Agulhas Negras 207
5.2.2 Processo de Articulação da Região Turística das Agulhas Negras
215
5.2.3 Na Direção de Uma Rede Regional de Turismo 223
6 INSERÇÃO DA DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE TURISMO: POSSIBILIDADES DAS REDES REGIONAIS
236
6.1 ESPACIALIDADES DISTINTAS DOS AGENTES SOCIAIS PRODUTORES DO TURISMO
241
6.2 AMPLIAÇÃO DO TERRITÓRIO-REDE DO TURISMO: ENTRE AS ESCALAS LOCAL E REGIONAL
260
6.3 POSSIBILIDADES DAS REDES REGIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE TURISMO
270
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 277
REFERÊNCIAS 292
ANEXOS 301
1 INTRODUÇÃO La disociación creciente entre la lógica del trabajo y la lógica del ocio se refuerza con prácticas sociales y de consumo específicas que implican prácticas espaciales distintas. De esta manera, más que una actividad económica, el turismo debe catalogarse como una práctica social generadora de un tipo de actividad que requiere del fundamento espacial para su desarrollo. (VERA, 1997, p.200)
O descuido para com a dimensão espacial do turismo, tão cara
para todos aqueles que, como nós, entendem o turismo a partir da
complexidade de um fenômeno socioespacial e não se limitam a estudá-lo pelo
viés economicista, tornou-se o leimotiv das nossas reflexões e de nossas
pesquisas nos últimos anos. Sabedores que o turismo não é o sujeito dos
processos de turistificação, mas sim o resultado das ações e das interações
dos diversos agentes sociais que o produzem, passamos a observar o quanto a
dimensão espacial desses processos é fundamental para o estabelecimento de
políticas, públicas ou privadas, que realmente almejem instalar ou incrementar
processos de desenvolvimento humano sustentáveis e duradouros para as
comunidades residentes nos destinos turísticos. O desenvolvimento humano,
como bem nos coloca Edgar Morin, “deve tornar-se multidimensional,
ultrapassar ou romper os esquemas não apenas econômicos, mas também
civilizacionais e culturais ocidentais que pretende fixar seu sentido e suas
normas” (MORIN, 2003, p.102). Assim, buscamos aprofundar nossos estudos
considerando a espacialidade do turismo como uma das suas dimensões
15 básicas que deve ser contemplada por todas as ações e políticas direcionadas
para o seu desenvolvimento.
A complexidade do fenômeno socioespacial do turismo exige que
adotemos uma visão mais ampliada das suas diversas dimensões e das ações
dos seus vários agentes produtores. Esses agentes produtores, aparentemente
a partir da desordem inicial de encontros aleatórios, estabelecem uma
conjunção densa e intrincada de relações, interações e retroações que se
concretizam nos destinos turísticos e que podem ser analisadas a partir de um
modelo de organização ou sistema aberto (MORIN, 1999). Como entendemos
sistema um conjunto de partes distintas, organizadas e unidas em torno de um
objetivo comum, podemos indicar que ele é capaz de produzir qualidades e
propriedades que não existem em nenhuma de suas partes. Desse modo,
podemos afirmar com base no princípio gestáltico, que o sistema como um
todo é mais do que a simples soma de suas partes e que cada uma de suas
partes tem características e propriedades específicas, ou seja, tem a sua
individualidade.
Entretanto, para compreendermos fenômenos complexos como o
turismo, não basta assumirmos o seu caráter “hologramático” que nos leva a
dizer que “a parte está dentro do todo, mas que o todo está no interior das
partes” (MORIN, 2002, p.15); precisamos também incluir o entendimento de
que é necessário juntar a noção de que as relações, ações e retroações dos
agentes sociais do fenômeno são ao mesmo tempo antagônicas e
complementares, portanto mantém entre si um jogo dialógico permanente.
(ibidem). Nesse sentido, a preocupação com a espacialidade do turismo deve
ser vista e analisada não apenas pelo estudo das diversas variáveis dos
espaços apropriados para o turismo. A turistificação de trechos do espaço
exige que ampliemos nossos meta-pontos de observação, incluindo variáveis
que permitam o entendimento do fenômeno e não apenas da atividade turística
sobre aqueles processos de territorialização. Ou seja, o espaço do turista é
menor que o espaço do turismo; não basta analisarmos os espaços
apropriados pelos turistas e pelos agentes de mercado para entendermos a
dimensão espacial do fenômeno turístico.
16
Os resultados aqui apresentados são fruto de pesquisas de
observação participante, inicialmente assistemáticas e, posteriormente,
sistemáticas, iniciadas nos primeiros anos da década de 1980, quando fomos
contratados como técnico da Diretoria de Planejamento e Projetos da
Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro (TurisRio). Durante os
anos 80, participamos de diversos projetos e ações daquele órgão direcionados
para a gestão e o planejamento da atividade turística do estado, o que nos
aguçou os sentidos para a importância e a complexidade desse setor. Alguns
desses projetos, mais diretamente relacionados com a questão da
espacialidade e do ordenamento territorial do turismo estão detalhados no
capítulo cinco desse trabalho.
Na década de 1990, mas especificamente em 1992, assumimos
também a atividade de docente em cursos de pós-graduação lato sensu e de
graduação em turismo, inicialmente no Centro Universitário Plínio Leite, de
Niterói, depois em diversas outras instituições. Esta nova atividade nos
aproximou ainda mais dos estudos acadêmicos e nos levou a cursar o
mestrado em Geografia do Programa de Pós Graduação em Geografia da
Universidade Federal Fluminense. Naquele momento, sob a égide do modelo
neoliberal em ascensão no país, as políticas públicas de turismo estavam
focadas na municipalização da gestão do turismo apoiada pelo Programa
Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT). Depois de muitos anos sem
uma política pública clara para o setor, o governo federal, por meio do Instituto
Brasileiro do Turismo (EMBRATUR) e do Ministério dos Esportes e do Turismo,
instituiu um instrumento legal para direcionar as ações dos diversos agentes,
públicos e privados, envolvidos no desenvolvimento turístico brasileiro,
sintetizado no documento Política Nacional de Turismo 1996-1999 (MICT,
1996).
O PNMT propiciou o inicio de uma mudança significativa nos
processos de gestão do turismo, invertendo, pelo menos parcialmente, o
sentido das decisões, valorizando a gestão na escala dos municípios.
Pessoalmente, nos envolvemos diretamente com todas as ações daquele
17 Programa no estado, tanto no papel de multiplicador estadual1 como no de
facilitador de oficinas2. Dessa maneira, participamos tanto das oficinas
nacionais de planejamento das ações do PNMT, como representante da
TurisRio, como das oficinas desenvolvidas nas diversas regiões e municípios
do estado no período de 1997 a 2002, detalhadas na primeira parte do capítulo
cinco.
Foi naquele momento que decidimos pelo desenvolvimento de
uma pesquisa baseada na técnica da observação participante sistemática,
objetivando acompanhar a evolução da gestão pública do turismo brasileiro,
especialmente nas questões relacionadas com os processos de apropriação do
espaço para o turismo. A cada oficina ou evento, participávamos dos
processos, coletando informações sobre eles e sobre a atuação dos diversos
agentes sociais produtores do turismo, as quais foram nos instigando para a
pesquisa que agora apresentamos.
Desde o início de nossa atuação profissional observamos que a
atividade turística era vista e defendida pelos responsáveis pela sua gestão
pública apenas como uma atividade econômica e que as suas outras
dimensões – social, espacial, cultural e mesmo política, não eram motivos de
interesse ou atenção. Sem apoio de estudos teóricos e acadêmicos
consistentes sobre a situação real do turismo no país, os dirigentes agiam de
forma totalmente empírica e pragmática, baseados apenas nos discursos das
grandes vantagens econômicas que o setor turístico poderia trazer para os
municípios e para o país. A leitura era simplificada e indicava o turismo como a
solução de todos os problemas dos municípios brasileiros, quase uma
panacéia.
Tal situação começou a ser alterada, mesmo que timidamente, a
partir do governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), que promoveu a
aproximação da academia com a EMBRATUR e com os demais órgãos 1 Denominação dos representantes dos órgãos estaduais de turismo que participavam
diretamente das oficinas e reuniões do Comitê Nacional do PNMT, direcionadas tanto para o planejamento como para a revisão e avaliação dos resultados do Programa.
2 Responsável pela condução de oficinas voltadas para a organização de conselhos municipais de turismo e de setores específicos das comunidades, tais como artesãos, taxistas, hoteleiros, guias de turismo, no intuito de estimular suas articulações em associações de classe.
18 estaduais e municipais de turismo. Essa aproximação foi provocada,
principalmente pelas discussões e críticas à nova Política Nacional de Turismo
e, em especial, ao PNMT, ocorridas em eventos científicos como o Seminário
“Sol e Território” realizado pelo Departamento de Geografia da USP em 1995 e
nos Encontros Nacionais de Turismo de Base Local de 1996 e 1997, todos sob
a coordenação da geógrafa Adyr Balastreri Rodrigues, da USP.
Partindo dessa problemática constituída pelo descaso das
políticas públicas de turismo para a multidimensionalidade do fenômeno
turístico, onde apenas seu caráter econômico imediato vem sendo privilegiado,
construímos nossos objetivos de pesquisa. O primeiro, e mais amplo, foi o de
comprovar que o fenômeno socioespacial do turismo contemporâneo tende
para uma espacialização na escala regional, a partir da estruturação de
territórios-rede regionais e não de regiões turísticas como a maioria das
políticas existente pregam. A seguir, buscamos investigar as possibilidades de
constituições de redes sociais de turismo a partir daqueles territórios-rede e as
potencialidades dessas redes regionais assumirem o papel de novas estruturas
organizacionais para a gestão do desenvolvimento turístico, consolidando-se
em uma nova instância de governança público-privada.
Para contextualizar nossas reflexões apresentamos, no capítulo
dois, uma revisão teórica sobre o que estamos denominando como a dialógica
do turismo, abordando as relações e as interações entre o fenômeno social-
espacial e a atividade econômica gerada por ele. Nosso propósito com essa
revisão foi buscar as origens e as causas dos atuais processos de turistificação
do espaço, centrados inicialmente na ação subjetiva dos turistas. A partir do
século XIX, o uso do tempo livre liberado do trabalho, após ser apropriado pelo
capital como mercadoria, torna-se mais complexo e passa a incluir a ação de
outros agentes sociais naqueles processos de apropriação de trechos do
espaço para a sua consecução. Nesse sentido, apresentamos uma releitura da
linha evolutiva do turismo, a partir do olhar do turista, indo desde as viagens da
aristocracia burguesa dos séculos XVI, XVII e XVIII até o turismo
contemporâneo, caracterizado pela segmentação e pela especialização de
todos os seus agentes sociais produtores. As relações do turismo com as
19 diversas formas de manifestação do capital e as discussões sobre as
categorias de ócio, lazer e tempo livre são também abordadas, tendo em vista
serem fundamentais para nosso pressuposto teórico do turismo como
fenômeno complexo, responsável pela refuncionalização de trechos do espaço
e pela criação de territorialidades distintas.
No capítulo três, avançamos para o estudo dos processos de
turistificação do espaço, analisando e revisando as diversas teorias e modelos
existentes para o estudo do espaço apropriado para o turismo, ressaltando o
papel e a lógica de cada um dos agentes sociais produtores – turistas, agentes
de mercado, poder público, trabalhadores e população dos destinos turísticos -
daqueles processos de apropriação do espaço. Na segunda parte do capítulo,
desenvolvemos as questões relacionadas com o uso da regionalização como
instrumento analítico das políticas públicas de turismo e à descontinuidade que
caracteriza os espaços apropriados para o turismo. A seguir, analisamos as
diversas lógicas de territorialização de cada um dos agentes sociais produtores
do turismo que realizam um jogo dialógico entre si e com outras
territorialidades sincrônicas a elas. A partir dessa abordagem propomos a
adoção da categoria do território-rede como a mais adequada para o estudo e
o ordenamento daqueles espaços turistificados. Para tanto, assumimos que
nos espaços apropriados para o turismo convivem a lógica reticular e a lógica
zonal, em movimentos complementares, concorrentes e antagônicos
resultantes das ações e interações de todos os agentes produtores e das redes
de relações que são estabelecidas entre eles. A combinação dessas lógicas
distintas de territorialização vai revelar-se em um elemento fundamental do
reordenamento dos espaços turistificados que podem ser melhor apreendidos
se adotarmos a sua leitura como um território-rede, ora mais denso, ora mais
esgarçado, mas sempre dinâmico e fluído, resultado do mosaico composto
pelas territorialidades de cada um dos agentes sociais do turismo.
Após essa contextualização teórica, iniciamos nossa discussão
sobre as incertezas e os conflitos existentes nos atuais processos de
turistificação de certos trechos do espaço. A partir da leitura do jogo dialógico
que os agentes sociais do turismo estabelecem entre si e com os agentes de
20 outros setores, identificamos uma realidade bastante densa, complexa e fluída,
que precisa ser incorporada nas análises e nas ações voltadas para o
ordenamento dos espaços apropriados para o turismo. No entanto, destacamos
o fato de as políticas públicas, produzidas e implementadas pelos órgãos
públicos federais, estaduais e municipais, apesar dos discursos aparentemente
calcados no paradigma do desenvolvimento sustentável, estarem longe de
propor ações e projetos que realmente contemplem todos os agentes sociais
envolvidos com o turismo. A prática daqueles agentes públicos mostra-se mais
direcionada para atender às demandas do mercado em busca de maior
lucratividade e facilidades para a reprodução do capital, deixando de lado os
interesses dos demais agentes sociais envolvidos e contemplando o espaço
apenas como suporte ou “palco” para a atividade econômica.
Seguindo essa linha de reflexão, no capítulo quatro aprofundamos
nossa discussão quanto à presença da dimensão espacial nas políticas
públicas de turismo no Brasil. Após uma revisão sobre as tendências atuais nos
processos de gerenciamento dos espaços apropriados para o turismo,
apresentamos uma análise das políticas publicas de turismo já estabelecidas
no país, tendo como recorte espacial o período de 1966 até os dias atuais.
Essa análise está norteada pela busca dos indícios de preocupação com a
espacialidade do turismo naquelas políticas e das suas possíveis implicações
para o ordenamento do desenvolvimento turístico no país. Constatamos que,
apesar do espaço – quase sempre visto apenas como território-zona,
estabelecido pelos limites político-administrativos – ser citado em diversos
instrumentos políticos e projetos, não é possível identificarmos claramente a
preocupação com a dimensão espacial do fenômeno turístico no escopo das
políticas públicas já implementadas. Como há uma nítida tendência dessas
políticas para atender às solicitações dos agentes do mercado, as
preocupações para com a questão da espacialidade do fenômeno turístico
restringem-se às questões de ordenamento do uso do solo e, mais grave,
quase sempre em escalas bastante pontuais.
No quinto capítulo, aprofundamos o debate tomando como base
empírica uma área mais especifica - a região turística de Agulhas Negras - para
21 desenvolver, ao final, nossa tese de que as políticas públicas e privadas
voltadas para o turismo, entendido como fenômeno complexo, devem enfatizar
como um de seus fundamentos - inclusive de gestão e de governança - a
dimensão espacial, especialmente por meio do que estamos denominando,
aqui, territórios-rede estruturados/estruturadores em/de redes regionais do
turismo.
Apresentamos, para tanto, o processo de formação do território-
rede de turismo na região das Agulhas Negras, iniciando por uma
contextualização da institucionalização do turismo no nível do governo do
estado do Rio de Janeiro, partindo da década de 1970 até os dias atuais.
Optamos por essa contextualização por entendermos que o processo em curso
na região das Agulhas Negras está diretamente relacionado tanto com a
implementação das políticas nacionais de turismo, quanto com as diversas
ações e projetos desenvolvidos pelo governo estadual nas últimas três décadas
sem, entretanto, deixar de considerar o próprio processo de formação histórica
das localidades e dos municípios que compõem aquela parte do território
estadual. Após uma breve apresentação dos aspectos turísticos atuais da
região, detalhamos o processo de articulação do território-rede do turismo
regional, a partir da constituição do Conselho Regional de Turismo das Agulhas
(CONRETUR), em 1997, indicando o inicio da formação de uma nova estrutura
de governança do turismo regional.
A escolha por essa região foi motivada pela nossa atuação efetiva
no processo de desenvolvimento turístico do estado do Rio de Janeiro nos
últimos anos e no nosso entendimento de que, se é possível o estabelecimento
de uma rede regional de turismo como instância de governança no estado, ele
tem mais chances de ocorrer naquela região. Além disso, no contexto do
estado do Rio de Janeiro, a região das Agulhas Negras apresenta
características bastante singulares, tanto do ponto de vista da sua localização
entre os principais centros emissores de demandas turísticas do país, como da
sua constituição político-administrativa e das suas características de formação
histórica. Os agentes sociais do turismo da região já apresentavam uma
tendência para a articulação em fóruns e associações desde a década de
22 1980, quando colaboraram para a emancipação do distrito de Itatiaia para a
categoria de município. O entendimento, mesmo que empírico, da possibilidade
de um desenvolvimento turístico a partir de uma base territorial em torno de
lógicas reticulares na escala micro-regional e da complementaridade dos
produtos turísticos de cada localidade do entorno do Parque Nacional, parece-
nos fundamental para o processo que ora observamos ali. Mesmo que alguns
agentes sociais ainda não estejam participando diretamente da rede regional
de turismo, lentamente, nota-se uma ampliação dessa rede com a inclusão de
novos agentes sociais, como foi o caso recente da Federação das Associações
de Moradores de Itatiaia.
No sexto capítulo desenvolvemos, com detalhamento teórico,
nossa tese sobre as possibilidades e as perspectivas das redes regionais de
turismo como nova estrutura organizacional de governança para o
desenvolvimento sustentável dos destinos turísticos brasileiros. Retomando a
discussão teórica sobre a espacialidade existente na lógica dos agentes sociais
produtores do turismo, nas possíveis combinações que podem ocorrer entre
eles e nos territórios-rede que cada um deles estabelece nos espaços
turistificados, apontamos para a tendência de ampliação daqueles territórios
para a escala regional. Concluímos o capítulo apresentando nossa proposta
sobre as perspectivas e possibilidades das redes regionais como fórum de
articulação de todos os agentes sociais envolvidos com a produção dos
espaços turistificados. Avançamos propondo a rede regional como uma nova
possibilidade de instância de governança para o estabelecimento e para a
implantação das políticas de desenvolvimento turístico, tendo o processo em
andamento na região das Agulhas Negras como um exemplo a ser observado
e considerado com a devida atenção.
Por fim, nas nossas considerações finais, sintetizando o debate e
retomando as considerações dos capítulos iniciais, tecemos uma crítica aos
processos recentes de estabelecimento de políticas públicas direcionadas para
o ordenamento do desenvolvimento turístico no país, apontando o descaso
quase que total para com as outras dimensões do fenômeno turístico,
principalmente com a sua dimensão espacial. Apoiados na nossa proposta de
23 que os espaços apropriados para o turismo são sempre marcados pela
descontinuidade territorial, indicamos a categoria do território-rede para a sua
análise, tanto no nível da escala local como micro-regional. Tendo em vista que
os agentes produtores daqueles espaços turistificados têm lógicas de
territorialização distintas, ora zonais ora reticulares e que não se prendem aos
limites político-administrativos dos municípios ou estados, indicamos que os
territórios-rede do turismo tendem, na atualidade, para a escala micro-regional.
Entendemos que, a partir dessa ampliação para a escala micro-regional, são
estabelecidas redes econômicas, sociais, políticas e culturais, que podem se
tornar uma nova estrutura organizacional de governança público-privada, mais
democrática e participativa para a gestão do desenvolvimento a nível nacional.
Concluímos, considerando que essa possibilidade de composição
de uma nova estrutura organizacional de governança a partir das redes
regionais de turismo, está fortemente apoiada na dimensão espacial do
fenômeno turístico, que precisa ser incorporada às políticas públicas. Para
tanto, urge que tais políticas contemplem explicitamente as territorialidades
estabelecidas nos espaços apropriados para o turismo por cada um dos seus
agentes sociais produtores.
2 DO FENÔMENO SOCIOESPACIAL À ATIVIDADE ECONÔMICA D O TURISMO
Será o turismo um novo mal do século XXI, ou um elemento vital para a integração e o respeito entre os povos? Poderá trazer realmente benefícios aos residentes e real satisfação aos turistas e viajantes, ao lado de contemplar os interesses de todos os seus agentes? Poderá contribuir para a sustentabilidade em seu sentido amplo na prática? (REJOWSKI; SOLHA, 2002, p.112)
As características complexas do fenômeno turístico vêm sendo
motivos de observação e análises críticas desde o inicio do século XX.
Entretanto, por suas peculiaridades e por estar muito diretamente relacionado
com o movimento reprodutivo do capital, percebe-se nessa discussão certo
distanciamento da Academia. O aumento da produção bibliográfica e o
crescente número de encontros, congressos e eventos científicos, a partir da
década de 1980, não podem ser vistos como indicadores decisivos de um
aprofundamento dos estudos teóricos sobre o fenômeno do turismo. Somente
há poucos anos, os estudos e a reflexão sobre o campo do turismo vêm
merecendo alguma atenção dos acadêmicos, apesar de serem perceptíveis,
ainda, certas resistências quanto à validade desses estudos, principalmente no
campo das ciências sociais.
As primeiras investidas no estudo do turismo foram motivadas por
interesses econômicos e empresariais e tiveram na Alemanha, mas
especificamente em Berlim, seu local principal de ocorrência. Um dos primeiros
autores a se preocupar com esse estudo foi o austríaco Hermann von Schullern
25 zu Schattenhofen que, em 1911, publicou a obra Turismo e Economia
Nacional. Em 1929, foi instalado na Faculdade de Economia da Universidade
de Berlim o Centro de Pesquisas Turísticas, cuja produção teórica passou a ser
denominada como corpo de doutrina da Escola de Berlim. Entre os autores
daquela Escola podemos destacar Robert Glücksmann, Wille Benscheidt,
Schrwink, Bormann, dentre outros. Apesar de seus conceitos limitados aos
aspectos econômicos do fenômeno turístico, a Escola de Berlim pode ser
considerada o ponto de partida para os estudos que contribuíram para a
formatação do referencial que hoje estrutura a teoria do turismo (FRATUCCI,
2000a).
Daquele momento até os dias atuais, as investigações sobre o
turismo avançaram de maneira significativa, mas ainda não o suficiente para a
estruturação de um corpo teórico consistente, ou de um paradigma aceito pelos
os acadêmicos envolvidos com o tema. A compartimentalização e o isolamento
dos estudos existentes, que dificilmente avançam para uma discussão
multidisciplinar, geram a compreensão fragmentada de um fenômeno
naturalmente complexo. Apesar dos diversos discursos que pregam a multi e a
transdisciplinaridade como métodos necessários, poucos são os estudos que
conseguem ir além dos limites das disciplinas isoladas, não contribuindo para a
formulação de uma teoria própria do turismo, como bem nos aponta C. Michael
Hall (20013):
A maioria das pesquisas nos periódicos de turismo implicitamente adota uma filosofia empírica-positivista [sic], particularmente na economia, gerenciamento, marketing e psicologia; dessa forma, a construção da teoria é pobremente formulada. (apud PANOSSO NETTO, 2005, p. 32).
O turismo é, por natureza, um fenômeno socioespacial que gera
experiências para o turista. Essas experiências (vivências) são frutos de uma
prática humana, onde o homem, por motivações as mais variadas, decide
afastar-se do seu local de residência habitual e, temporariamente, percorrer
3 HALL, C.M. Theory. In: JAFARI, J. (Ed.). Encyclopedia of tourism. Londres/Nova York: Routledge, 2000.
26 outros trechos do espaço para depois retornar ao seu ponto de origem. Durante
seus deslocamentos, ele tem a oportunidade de vivenciar e experimentar
momentos únicos que vão ser incorporados ao seu ser histórico (PANOSSO
NETTO, 2005).
Ao considerarmos o turismo como um fenômeno complexo,
estamos propondo entendê-lo como jogo dialógico entre elementos, ações e
indivíduos que se complementam, concorrem e apresentam antagonismos
entre si (MORIN, 1987?). Tal jogo estabelece uma teia de ações, interações,
inter-relações e retroações que vão compor um sistema aberto. A partir de
encontros aleatórios (intencionais ou não) entre diversos agentes sociais surge
o fenômeno turístico. Essa desordem inicial vai ser transformada pelas
interações, entendidas como “ações recíprocas que modificam o
comportamento ou a natureza dos elementos, corpos, objetos ou fenômenos
que estão presentes ou se influenciam” (MORIN, 1987?, p.53). Tais interações
podem transformar-se em inter-relações que irão proporcionar o surgimento de
uma organização ou sistema, que pode ser considerado como uno e
homogêneo se analisado em toda sua amplitude, ou diverso e heterogêneo,
quando observado do ponto de vista de cada um dos seus constituintes.
(MORIN, 1987?, 1999a). Deve ser visto ainda como um “conceito não totalitário
e não hierárquico do todo, mas, ao contrário, um conceito complexo da unitas
multiplex, aberto às politotalidades”. (ibidem, p.264).
Nossa tentativa de apreensão da unidade global/complexa do
turismo somente é possível a partir do estabelecimento de múltiplos pontos de
vista que nos permitam observar e analisar o fenômeno de maneira mais
complexa. Cada ponto de vista (ou meta-ponto como nos indica MORIN,
1999b) pode nos levar a um viés do conhecimento do turismo, possibilitando a
compreensão de parte das suas variáveis, de suas inter-relações e de suas
implicações para a sociedade contemporânea. O somatório dos resultados das
análises de cada apreensão pode nos permitir uma visão mais ampliada do
fenômeno sem, entretanto, abarcar toda extensão de suas dimensões.
Nesse sentido, quando se opta por analisar e estudar o turismo
sob a ótica de um dos seus constituintes, a sua dimensão econômica,
27 privilegia-se o caminho que leva ao entendimento de uma parcela reduzida da
sua unitas multiplex. Ainda hoje, os estudos predominantes sobre o turismo
baseiam-se nessa vertente metodológica empírico-positivista, indicada por Hall
(2001), o que nos parece plenamente compreensível, dada a importância da
atividade econômica gerada pelo turismo no mundo contemporâneo.
Para o sistema de produção hegemônico atual, estruturado no modelo do capitalismo pós-fordista de linhas neoliberais, o turismo revela-se uma ferramenta adequada para garantir a reprodução do capital e o aumento contínuo na geração de lucros financeiros. Entretanto, não é possível concordar com a leitura do turismo apenas pelo viés econômico que atende às necessidades prementes dos principais agentes sociais diretamente envolvidos (empresários, trabalhadores e governos), uma vez que essa é uma visão reducionista que deixa escapar implicações e consequências importantes para todos os envolvidos com o fenomeno turistico.
O turismo tem sido apontado como um dos indicadores mais
significativos para o entendimento dos movimentos sociais contemporâneos e
do fenômeno da globalização pelo qual o planeta passa na atualidade. Para
VERA et al., ele é parte importante nos processos de “globalização econômica
e de mundialização territorial” (1997, p.11), devendo ser entendido também,
como fator responsável pela construção de novos espaços regionais e de redes
de relacionamentos densas, gerador de impactos nas sociedades e nos
territórios do início do século XXI. Assim,
o turismo é um fenômeno e não uma indústria [como querem os defensores da sua vertente econômica]. Uma indústria pressupõe transformação de bens e nesse caso não se aplica ao turismo. A melhor forma de definir o turismo é utilizando o termo fenômeno, que significa a ação objetiva e intersubjetiva que se manifesta em si mesma, que pode ser apreendida pela consciência e que possui uma essência em si (PANOSSO NETTO, 2005, p.144).
A essa proposição de Panosso Netto podemos acrescentar a
idéia de que o turismo deve ser entendido e compreendido como fenômeno
fruto de uma prática social com fortes imbricações espaciais. Fenômeno social,
28 pois sempre envolve pessoas (individualmente ou em grupos), e espacial, por
envolver sempre os deslocamentos e as ações daquelas pessoas pelo espaço
percorrido e visitado.
O turismo, visto como atividade econômica inserida no sistema
capitalista atual, revela-se prática bastante recente considerada por muitos, um
fenômeno típico da sociedade contemporânea, fruto da Revolução Industrial e
do processo crescente de urbanização do planeta. Podemos afirmar que, como
atividade econômica, o turismo tem suas origens nos séculos XVIII e XIX no
continente europeu, mais especificamente na sua parte mais ocidental
(Inglaterra e França). Entretanto, como fenômeno socioespacial, suas origens
são bem mais remotas na história da humanidade e envolvem questões
bastante diversas, tais como: a) a relação dialética tempo livre – tempo de
trabalho; b) os fatores motivadores dos deslocamentos temporários de
indivíduos ou de grupos humanos; c) o modo como esse viajante temporário
percebe e apreende as paisagens pelas quais circula; além de outras como
aquela que inclui a transformação das viagens temporárias dos turistas em
mercadoria, pelo capital, principalmente após o término da Segunda Guerra
Mundial, em 1945.
2.1 DA “GRAND TOUR” DA ARISTOCRACIA BURGUESA DO SÉCULO XVI AOS PACOTES POPULARES DO SÉCULO XXI
O hábito dos deslocamentos espaciais pode ser observado em
diversos momentos da história da humanidade, especialmente no hemisfério
ocidental do planeta. Na sua caminhada evolutiva, o ser humano começa como
nômade errante e, à medida que acumula conhecimentos sobre a natureza e
sobre ele mesmo, vai ganhando condições para se sedentarizar em alguns
pontos mais propícios para a sua sobrevivência. Inicialmente, sua luta volta-se
para a busca de alimentos e abrigo; depois, vai incorporando outros elementos
a essas necessidades básicas: o abrigo natural (grutas, cavernas) é
abandonado quando aprende a construir o seu próprio abrigo; o alimento cru,
29 colhido diretamente da natureza, passa a ser transformado quando aprende a
cozinhá-los a partir da descoberta do fogo.
Esse ser nômade, em um lento processo de descobertas e
aprendizado, transforma-se no homem sedentário característico da nossa
sociedade atual, quando é possível vivermos sem sequer sair de nossas casas;
basta estar “linkado” às diversas formas de comunicação e tudo chega até nós,
física ou virtualmente. O processo civilizatório vai acrescentando mais e mais
necessidades à sobrevivência humana na terra. Cada nova descoberta, ou
nova invenção, traz com ela ansiedades, possibilidades e desejos de consumo
e de posse.
Nesse processo, os deslocamentos espaciais merecem ser
destacados, pois o homem nunca deixou de viajar, de percorrer territórios,
conhecidos ou desconhecidos, confirmando a importância da dimensão
espacial para a complexidade do fenômeno. Para Tuan,
El ser humano ha sido y continúa siendo profundamente inquieto. Por una razón u otra no se contenta nunca con el lugar en el que está. Se mueve [...]. Reflejan un sentimiento de descontento con el estado de cosas, el deseo de escapar. (2003, p.26).
A curiosidade e o instinto humano sempre incitaram a busca por
outros lugares diferentes, próximos ou distantes. A necessidade de saber o que
existe para além de uma simples montanha ou do outro lado de uma grande
massa de água, parece levar o homem a arriscar-se, afastando-se do seu
habitat natural para descobrir novos lugares.
O homem, desde que concluiu que gostava ou carecia de ampliar seu campo de ação, através de deslocamentos em busca de víveres, de aumento de território tribal ou reduto familiar, ou mesmo para saciar sua curiosidade a respeito do que o pudesse impertigar por causa da possibilidade de alguma nova existência além do horizonte conhecido, aprendeu a viajar. (FRATUCCI, 2000a, p.28).
30
No entanto, o olhar do viajante para esses novos lugares
apresenta características diferenciadas nos diversos momentos da história. Ora
ele se revela como um olhar curioso e ansioso por novos conhecimentos, ora
indica o desejo de conquista e de posse de novos territórios, ora ele apenas
aponta para a vontade de “mudar de paisagem”; ou, como é comum
atualmente, indica o desejo de consumir, de ter. Segundo o sociólogo inglês
John Urry (1996), o viajante temporário possui um olhar próprio que ele
classifica como o “olhar do turista”. Entender como esse olhar se comporta e se
modifica, é fundamental para o aprofundamento dos estudos e das ações de
ordenamento dos espaços apropriados para o turismo, objeto central da nossa
pesquisa.
O turismo é de certa forma, conseqüência desses olhares
lançados pelos visitantes4 que, motivados por diversas razões e estímulos,
viajam apenas para desfrutar de novos lugares, sem um intuito financeiro ou
lucrativo.
Não existe um único olhar do turista enquanto tal. Ele varia de acordo com a sociedade, o grupo social e o período histórico. Tais olhares são construídos por meio da diferença. Com isso quero dizer que não existe apenas uma experiência universal verdadeira para todos os turistas, em todas as épocas. Na verdade, o olhar do turista, em qualquer período histórico, é construído em relacionamentos com seu oposto, com formas não-turísticas de experiências e de consciência social. [...] Esse olhar pressupõe, portanto, um sistema de atividades e signos sociais que localizam determinadas práticas turísticas, em termos de algumas características intrínsecas, mas através dos contrastes implicados com práticas sociais não-turísticas, sobretudo aquelas baseadas no lar e no trabalho remunerado (URRY, 1996, p.16).
A partir do proposto por Urry (1996), podemos reconstituir a linha
evolutiva do turismo pelos períodos históricos e mapear os diversos momentos
4 Para a OMT, viajante é “qualquer pessoa que viaje entre dois ou mais países ou entre duas
ou mais localidades em seu país de residência habitual”, enquanto os visitantes são “todos os tipos de viajantes relacionados ao turismo”, podendo ser classificados como turistas (aqueles que pernoitam pelo menos uma noite no local visitado) ou, excursionistas (aqueles que permanecem apenas por algumas horas no local visitado, sem pernoitar no mesmo). (OMT, 2001).
31 do seu processo de apropriação dos espaços, sempre destacando as
imbricações territoriais que ele implica e resulta.
O homem, inicialmente nômade, lentamente foi levado a se
preocupar com os seus deslocamentos, prevendo seu tempo de duração, o
roteiro mais seguro e as maneiras como suprir suas necessidades básicas
durante a viagem. Acerenza (1991), Cunha (1997) e Padilla (1997), dentre
outros, enumeram uma série de evidências quanto à existência de viagens já
na Antigüidade. Para esses autores, as obras escritas por Homero, mostram
claramente o hábito dos gregos de viajar entre suas cidades, motivados por
suas práticas religiosas, por ocasião dos jogos devotados aos deuses, com
destaque para os Jogos Olímpicos. Outras comprovações da ocorrência de
viagens podem ser obtidas em diversos relatos de viagens remanescentes
daquele período histórico, especialmente nos escritos de Heródoto. Entre 160 e
180 a.C. o sofista Pausânias, como fruto de suas viagens, fez uma descrição
pormenorizada dos mais importantes sítios e monumentos da Grécia,
consolidados em dez livros sob a denominação “Descrição da Grécia”
(Periegesis Hellados). (GOELDNER et al, 2002).
Os Romanos, além de realizarem extensas viagens pelo território
do seu império, desenvolveram o hábito dos banhos termais e da construção
de villas em localidades próximas ao litoral ou de fontes hidrotermais. Eles
demonstravam, inclusive, preocupação com alguns elementos básicos para a
concretização das viagens de lazer e descanso: estradas calçadas, sistema de
comunicação e segurança e tinham consciência da existência de períodos de
tempo livre (o tempo do ótium, como veremos adiante) para alguns súditos do
Império, que precisavam ser “preenchidos” com atividades saudáveis e
prazerosas (ACERENZA, 1991). Sêneca já apontava que “os homens viajam
muito para diferentes espécies de lugar à procura de diferentes distrações por
serem volúveis, cansados de uma vida mansa, e por estarem sempre à procura
de algo que os iluda”. (apud URRY, 1996, p. 19).
Com a queda do Império Romano Ocidental no ano de 476 d. C.,
a insegurança gerada pelas invasões bárbaras no continente europeu levou a
uma retração no hábito das viagens, somente retomado séculos mais tarde
32 pelos peregrinos, a partir dos seus deslocamentos em grupos, para os locais
sagrados como Canterbury, Santiago de Compostela, Jerusalém e Roma, sede
da igreja católica.
Ainda no período da Idade Média, o movimento das Cruzadas fez
ressurgir, no território europeu e no Oriente Médio, as viagens, contribuindo
para a revitalização do comércio e para o surgimento da atividade comercial da
hospedagem. Inicialmente, os viajantes eram recebidos nos mosteiros e nas
casas dos moradores dos locais de parada. Os ensinamentos cristãos
estimulavam a prática de receber o viajante cansado do seu percurso diurno
como um direito e um dever sagrado, que devia ser exercido sem nenhum tipo
de retorno ou interesse monetário. Já no século IV, há registros das primeiras
casas de refúgios e asilos denominados de xenodochias e hospitia, dentre os
quais. o mais famoso foi o Hospice du Grand-Saint-Bernard, construído em
962, nos Alpes franceses, na estrada que liga a Suíça (Valais) à Itália (Vale de
Aosta), local de origem dos famosos cães da raça São Bernardo, treinados
para localizar viajantes em dificuldades com a neve (CUNHA, 1997).
Contudo, o aumento do número de viajantes tornou difícil e caro,
tanto para os mosteiros quanto para os moradores, acomodar a todos. Para
atender ao crescimento da demanda por hospedagem, as tavernas começaram
a oferecer também esse tipo de serviço em troca de pagamento em moeda. O
novo negócio da hospedagem progrediu consideravelmente por toda a Europa,
especialmente na península italiana e na região montanhosa dos Alpes Suíços.
No ano de 1282, registra-se na cidade de Florença, a constituição da primeira
associação de estalajadeiros, com o objetivo de tornar o serviço de
hospedagem uma atividade comercial institucionalizada. No ano de 1290,
aquela cidade já contava com 86 pousadas licenciadas. (ACERENZA, 1991).
Seguindo o exemplo de Florença, Roma e Veneza também regulamentaram o
negócio de hospedagem na mesma época.
A partir do século XV, podemos perceber o surgimento de viagens
com motivações diferentes daquela dos peregrinos. Para Miguel Acerenza “no
período que se inicia no século XVI e que vai até quase meados do século XIX,
se estabelecem as bases do turismo moderno” (1991, v.1, p.56). Foi naquele
33 período da história humana que teve início o hábito da grand tour, desenvolvido
para atender às demandas da aristocracia e da fidalguia inglesa para quem a
educação dos filhos deveria ser coroada com uma viagem por todos os lugares
cultos e importantes da Europa.
Segundo John Urry, “havia uma visualização da experiência da
viagem ou o desenvolvimento do ‘olhar’, ajudado e assistido pelo crescimento
de livros de orientação para turistas, que promoviam novos modos de ver”
(1996 p.19). Nessa fase, a viagem exercia papel fundamental para o acúmulo
de conhecimento dos jovens e no desenvolvimento de sua percepção de
mundo, semelhante ao que hoje conhecemos como viagens de intercâmbio,
bastante comuns entre os jovens de classe média e alta.
Inicialmente, a denominada grand tour clássica tinha uma duração
média de três anos e seu itinerário incluía uma demorada estada na França,
especialmente em Paris, seguida de visitas a Genova, Florença, Roma e
Veneza. O retorno era feito através da Alemanha e dos Países Baixos, via
Suíça. Com as descobertas de novas terras, os mais abastados passaram a
incluir nas suas grand tours, viagens às Américas, às Índias Orientais, ao
Extremo Orientem, ao Brasil, mais especificamente ao Rio de Janeiro e ao sul
da África. De um modo geral, a grand tour sempre era uma viagem individual e
personalizada (ACERENZA, 1991; URRY, 1996).
Para muitos autores e estudiosos, (FUSTER, 1974; ACERENZA,
1991; BENI, 2004; URRY, 1996; dentre outros) o inicio do turismo moderno
pode ser definido a partir do incremento do hábito da grand tour e,
principalmente, pelo surgimento do emprego do termo turista para designar os
viajantes temporários. O vocábulo inglês tour teria sido usado pela primeira vez
na Inglaterra, em 1760, conforme registro da edição de 1850 do The short
Oxford English dictionary.
O que observamos naquele momento da história, foi o surgimento
da percepção da viagem como momento de aprendizado, de prazer e de
descanso, de certa forma retomando o sentido do lazer clássico (shkolé) dos
gregos. Até então, as viagens tinham motivações bem específicas, centradas
nas necessidades de trocas comerciais e da peregrinação. O olhar do viajante
34 estava limitado pelas dificuldades da viagem. A partir da prática da grand tour,
aquele olhar ganhou outras dimensões passando a demandar diferentes
necessidades, além da simples hospedagem e da alimentação. Os viajantes
eram filhos de nobres acompanhados por seus preceptores, motivados pelo
olhar da busca da confirmação e do aprofundamento do que havia sido
aprendido nos livros. Buscavam os museus, as galerias de arte, os
monumentos arquitetônicos da antiguidade clássica, mas também buscavam
os prazeres das tavernas e dos bordéis.
Paralelamente, no século XVI, verificou-se o renascimento do
hábito curativo e social dos banhos termais, já conhecidos e bastante
difundidos na Grécia Antiga e no Império Romano. Os médicos da época
passaram a recomendar os banhos termais para o tratamento de diversas
moléstias. Urry (1996) aponta para o fato de naquele século, terem surgidos
diversos balneários com objetivos medicinais. Segundo esse mesmo autor, o
mais antigo foi o de Scarborough, na Grã-Bretanha, cujas origens remontam a
1626, “quando uma certa senhora Farrouw notou uma fonte na praia” (URRY,
1996, p.34). Já Acerenza relata que “na primeira metade do século XVIII, Bath
e muitos outros centros termais contavam com uma boa atividade social e
atraíam as pessoas mais importantes da época. [...] Em meados do século
XVIII foram publicadas algumas teses sobre o uso da água do mar e isso
generalizou uma nova moda nas viagens” (1991, v.1, p.58), fazendo surgir os
balneários litorâneos da Inglaterra e da França.
É oportuno destacar que os balneários termais ou marítimos
contribuíram sobremaneira para uma mudança na forma de percepção dos
viajantes para os locais visitados. Além disso, a retomada do hábito do banho
de mar vai re-funcionalizar diversos trechos do litoral europeu, principalmente
da Inglaterra e do sul da França, a partir de um dos mais antigos processos de
turistificação do mundo ocidental. Naquele momento, o olhar do turista torna-se
mais ampliado e voltado para buscar objetos e sensações diferentes daquelas
que vivenciava na sua vida cotidiana. A convivência nos espaços dos
balneários oferecia oportunidade de novas experiências urbanas, pois além dos
banhos medicinais, os visitantes eram brindados com bailes, passeios,
35 bibliotecas, jogos e festas que lhes proporcionavam prazeres e entretenimentos
diferenciados. O balneário tornou-se o ponto de encontro da sociedade
moderna instalando um novo modo de olhar o mundo.
As transformações econômicas e espaciais provocadas pela
Revolução Industrial, no século XIX, deram origem a uma classe proletariada
que, por meio de lutas sociais, foi se organizando e adquirindo algumas
vantagens e alguns direitos sociais, tais como: diminuição da jornada diária de
trabalho, férias e fins de semana remunerados. É o momento do tempo livre,
liberado das obrigações do trabalho, se expandir e das atividades de recreação
se multiplicarem. Para Rodrigues (1997, p.38), “as razões dessa expansão são
complexas e derivam de fatores que atuam não de forma linear, mas de
maneira interativa no processo global, situando-se nos campos econômico,
social, psicológico, político, cultural, ideológico, além de outros”.
Essa nova classe média, com novos gostos e necessidades,
especialmente no que se referia às férias, favorecidas pelos rápidos progressos
ocorridos nos transportes, gerou um aumento considerável no número de
pessoas que viajavam buscando o descanso e o prazer. O viajante individual
característico de até então, foi sendo substituído pelo turista da sociedade de
consumo emergente, que passou a viajar em grupos e para locais onde podia
desfrutar da companhia de outras pessoas do mesmo nível social. Os
balneários vão se expandindo e ganhando feições mais complexas, tanto em
temos de infra-estrutura como em relação aos serviços oferecidos aos
visitantes. Conseqüência dessa tendência, em 1824, funda-se nos Estados
Unidos, Atlantic City, primeiro centro turístico de férias e praia das Américas,
situada próxima a Nova York e ponto terminal da Companhia Camden and
Atlantic Railroad. (ACERENZA, 1991).
Levadas pelo ritmo rápido e estressante das suas rotinas urbanas
diárias, as pessoas buscavam romper o ciclo vicioso viajando,
temporariamente, para fora do seu lugar cotidiano. Segundo Urry, “tais práticas
envolvem o conceito de ‘afastamento’, de uma ruptura limitada com rotinas e
práticas bem estabelecidas da vida de todos os dias, permitindo que nossos
sentidos se abram para um conjunto de estímulos que contrastam com o
36 cotidiano e o mundano” (1996, p.17), conceito bastante próximo daquele de
escapismo, proposto por Yi-Fu Tuan (2003).
O aumento do tempo livre, aliado aos grandes avanços
tecnológicos dos sistemas de comunicação e de transportes, deu origem ao
que chamamos de turismo de massa, expressão mais marcante do turismo
moderno. A viagem deixa de ser privilégio da classe mais abastada para tornar-
se mais acessível a um número crescente de pessoas:
Antes [...] do século XIX, poucas pessoas que não as das classes superiores realizavam viagens para verem objetos, motivadas por razões que não dissessem respeito ao trabalho ou aos negócios. É isso que constitui a característica principal do turismo de massa das sociedades modernas, isto é, boa parte da população, a maior parte do tempo, viajará para algum lugar com a finalidade de contemplar e ali permanecer por motivos que, basicamente, não têm ligações com seu trabalho. [...] A viagem é a marca do status. É um elemento crucial, na vida moderna, sentir que a viagem e as férias são necessárias (URRY, 1996, p.20).
Para Jost Krippendorf, as características do cotidiano da
sociedade moderna – trabalho cada vez mais mecanizado, fragmentado e
determinado fora da esfera da vontade do indivíduo – criam uma sensação de
monotonia, de repressão dos sentimentos, de isolamento e, “geram o stress, o
esgotamento físico e psíquico, o vazio interior e o tédio [...]. Para encontrarmos
uma compensação a tudo que nos falta no cotidiano [...] viajamos [...]. Com
efeito, viajamos para viver, para sobreviver” (1989, p.17). Para o citado autor, o
grande êxodo das massas que caracteriza a contemporaneidade é resultado
das condições geradas pelo desenvolvimento da sociedade industrial.
As transformações nos espaços urbanos da Europa no século
XIX, provocadas pelo rápido crescimento das cidades, contribuíram para um
processo de segregação social. A pouca oferta de espaços públicos como
praças e parques e de raras oportunidades para recreação e lazer, obrigaram
as comunidades de classes trabalhadoras a buscar alternativas para a
ocupação do seu tempo liberado do trabalho, especialmente nas áreas rurais
situadas nos arredores dos centros urbanos. Além disso, o espírito romântico
37 dos séculos XVIII e XIX estimulou uma reavaliação nos valores sociais e fez
surgir uma nova maneira de olhar para o mundo. O estímulo às emoções e às
sensações levou a uma valorização das paisagens naturais, só possíveis de
serem contempladas fora das cidades, conduzindo ao desenvolvimento do
“turismo de paisagem” (URRY, 1996), tão caro aos românticos e aos
parnasianos.
O surgimento e o crescimento do turismo de massa tiveram como
pré-condição a grande melhoria dos meios de transportes, especialmente do
transporte ferroviário. O ano de 1841 é considerado por muitos como o marco
inicial do turismo moderno: naquele ano, Thomas Cook realizou a primeira
excursão em grupo organizada e, anos depois fundou, na Inglaterra, a primeira
agência de viagens do mundo, a Thomas Cook and Sons, enquanto Henry
Wells criava a American Express Company, nos Estados Unidos. Na mesma
época, surgiu na cidade do Porto (Portugal), a agência de viagens Abreu.
Essas três instituições, dentre outras, continuam em operação, tendo sido
responsáveis pela implantação de muitos dos aspectos operacionais da
atividade turística, como os vouchers e as reservas antecipadas.
As diferenças nas facilidades de deslocamento e o tempo de
viagens entre as cidades industriais e os balneários, proporcionados pela nova
malha ferroviária da Europa e, em especial, da Inglaterra, contribuíram para um
processo de diferenciação social desses balneários. Aqueles situados mais
próximos às cidades industriais, portanto, mais facilmente acessíveis,
ganharam um certo tom popular (como Brighton e Southend), enquanto outros,
localizados a mais de um dia de viagem, receberam um ar mais aristocrático e
reservado. Na realidade, a diferenciação social percebida nos lugares turísticos
de massa, surgidos a partir do século XIX, não foi definida somente pela
questão da facilidade de transporte e de acesso. Porém, temos que concordar
que a acessibilidade foi e ainda continua sendo, um dos fatores mais decisivos
para a diferenciação e segmentação dos destinos turísticos, aliada à
composição fundiária das áreas turísticas. Nas áreas onde predominam as
grandes propriedades tende-se à implantação de grandes empreendimentos de
38 luxo, enquanto naquelas onde a posse da terra é mais fragmentada, há uma
tendência para estabelecimentos menores e mais populares (URRY, 1996).
Podemos observar tal diferenciação ao analisarmos as
características de ocupação turística do litoral do estado do Rio de Janeiro. No
litoral sul, onde predominam as grandes propriedades privadas, desenvolve-se
um turismo mais elitizado, concentrado em mega-resorts, bastante estimulado
pelo primeiro plano de desenvolvimento turístico ocorrido no país, na década
de 1970 (Projeto Turis). Já no litoral norte, conhecido como Costa do Sol (ou
região dos Lagos), onde a divisão fundiária foi bastante intensificada depois da
construção da ponte Rio-Niterói, observa-se um turismo mais popular,
estruturado na prática da segunda residência (veraneio), em pequenas
pousadas e hotéis mais simples.
Paralelamente ao crescimento dos balneários, no século XIX,
verificou-se um crescimento acelerado do fluxo de grupos de turistas ingleses
para viagens pelo continente europeu. Esse movimento, que pode ser
entendido como uma popularização das viagens do grand tour, fez surgir os
primeiros hotéis com características atuais (quartos privados, banheiros
individuais, etc.), especialmente na Suíça: Baden, Interlaken, St. Moritz
(CUNHA, 1997), que rapidamente ganharam reputação de pontos de encontros
internacionais. São dessa época algumas das cadeias internacionais de hotéis
mais tradicionais, como a Pullman e a Ritz.
Na virada do século XIX para o século XX, as dimensões
econômicas do turismo já eram significativas e suas receitas beneficiavam as
balanças de pagamentos de alguns países como a Itália. Segundo o estudioso
português, Licínio Cunha, “em 1912, as receitas turísticas italianas cobriam já
mais de 54% do défice da balança comercial e, no ano seguinte, a França
financiava em cerca de 49%, também o défice da sua balança comercial com
as receitas turísticas” (1997, p.66).
As primeiras décadas do século XX, conhecidas como Belle
Époque, provocaram profundas alterações no cenário econômico, social e
político mundial. As grandes descobertas como o telégrafo e o telefone, a
expansão da rede de rodovias e ferrovias e o desenvolvimento industrial dos
39 Estados Unidos trouxeram consigo novos conceitos de vida e uma maior
liberalização das sociedades.
Os principais destinos turísticos concentravam-se nas estâncias
termais (os já famosos balneários), nas estâncias climáticas de montanha
(Suíça) e nos balneários marítimos que, graças ao lançamento da helioterapia,
ganharam força e se desenvolveram principalmente, no litoral do Mar
Mediterrâneo (Biarritz, Riviera Francesa, Riviera Italiana). O desenvolvimento
da aviação comercial (em 1918 surgiu a Deutsche Lufthansa na Alemanha e,
em 1926, a Varney Airlines, nos Estados Unidos) e da indústria automobilística,
sinalizava para um crescimento acentuado dos fluxos de viagens internacionais
que, entretanto, foi interrompido pela eclosão da II Guerra Mundial.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os países europeus
buscaram novas formas de financiar as suas reconstruções e o turismo ganhou
lugar de destaque como estratégia de desenvolvimento rápido e estimulador de
entrada de moedas estrangeiras. Licínio Cunha, reconhecendo a importância
do turismo para a economia mundial a partir do final da Segunda Guerra,
propõe dividi-lo em três períodos pós-guerra: entre 1945 e 1973, 1973 a 1990 e
depois de 1990 (CUNHA, 1997).
Com a entrada em vigor, em 1944, dos artigos 5º e 6º da
Convenção de Chicago sobre os diretos de vôos nos serviços internacionais
regulares e não regulares, e com o Acordo Multilateral sobre Direitos
Comerciais dos Serviços Aéreos não Regulares na Europa, em 1956, a aviação
internacional adquiriu um patamar de regulamentação que permitiu seu
crescimento seguro e acelerado e o surgimento das viagens do tipo “tudo
incluso”, organizadas pelas operadoras de turismo. (ACERENZA, 1991).
No plano econômico, no primeiro período, compreendido entre
1945 e 1973, verificou-se um desenvolvimento inédito, com o alargamento da
divisão internacional do trabalho, o crescimento acelerado das trocas
internacionais e a emergências das grandes empresas multinacionais.
Politicamente, a Europa foi dividida em dois blocos bastante distintos: a Europa
Ocidental e a Europa do Leste.
40
Por sua vez, no âmbito do turismo, iniciou-se a fase da oferta de
produtos de massa, estruturados em torno do avião fretado (charter) e das
grandes cadeias de hotéis. É a fase do turismo do sol e mar, caracterizado
pelos três S: sun, sea and sand, que, posteriormente, foi acrescido de um outro
S, de sex. Os grandes destinos turísticos concentravam-se especialmente na
Europa, mais especificamente no litoral do Mediterrâneo e na América do Norte
(Miami, Acapulco, Atlantic City etc.).
Importante destacar que no primeiro período, o turismo era
compreendido pelas grandes organizações internacionais como aquele que
ocorria entre os países. O turismo interno (também conhecido como turismo
doméstico), compreendido pelos fluxos gerados pelas viagens realizadas
dentro dos países era visto como um subproduto do turismo internacional e
sem grande importância tendo em vista que não gerava entrada de divisas
estrangeiras (CUNHA, 1997).
O turista daquela época tinha um olhar que buscava
essencialmente a oportunidade de isolar-se em um lugar paradisíaco,
distanciado de qualquer contato com as culturais locais. Foi o momento dos
hotéis fechados, tão bem exemplificados pelo modelo proposto pela cadeia
francesa Club Med, com serviços padronizados e características construtivas
que evocam aquelas dos chalés das distantes ilhas do Pacífico (Taiti, em
especial). O turista adquiria um pacote fechado, que lhe dava direito a uma
temporada em uma ilha tropical qualquer, onde teria sol e praia à vontade.
Apesar de ser menos elitizado que o turismo do século XIX, ainda era restrito
àquela porção da sociedade com poder aquisitivo mais alto e a uma pequena
parcela ascendente da classe média dos países centrais. O processo de
apropriação do espaço para o turismo caracterizava-se pelo surgimento dos
chamados “espaços de exclusão” ou “não-lugares”, onde o turista não tinha
nenhum contato direto com as populações permanentes locais.
Com a crise econômica da década de 1970, conhecida como a
“crise do petróleo”, o crescimento econômico mundial desacelerou-se
rapidamente e as tensões políticas internacionais diminuíram as taxas de
crescimento do turismo mundial. O endividamento externo da maioria dos
41 países abalou os fundamentos do sistema financeiro mundial (CUNHA, 1997).
Por outro lado, o movimento ambientalista trouxe à tona a questão sobre o
modelo de crescimento adotado pelos países mais desenvolvidos e seus
reflexos para o meio ambiente do planeta. Segundo aquele movimento, o
excesso de consumo estava levando a um rápido esgotamento dos recursos
naturais, devendo ser incluído nas grandes discussões políticas internacionais.
Nesse cenário de crise, o turismo passou por uma alteração
estrutural significativa e por uma redução no seu ritmo de crescimento,
entrando no segundo período indicado por Cunha (1997), que abrange o
interstício entre 1973 e 1990. As viagens tenderam a ficar mais curtas, tanto
temporal como espacialmente e os modelos de alojamentos buscaram fórmulas
mais econômicas. O turista tornou-se mais exigente e passou a buscar contato
mais direto com as comunidades visitadas, não querendo mais, tão somente, o
isolamento nos resorts luxuosos. Houve um desenvolvimento acelerado nos
equipamentos desportivos e de entretenimentos (parques temáticos,
especialmente) e no hábito do retorno constante aos mesmos lugares,
caracterizado pela residência de veraneio e pelos alojamentos do tipo time
sharing (tempo compartilhado), especialmente nas áreas turísticas localizadas
ao redor das grandes e médias concentrações urbanas.
Tais alterações estruturais valorizaram o turismo interno, que
passou a merecer a atenção tanto dos empresários como dos governos e que,
em alguns países, superou os fluxos internacionais. Atualmente, as estatísticas
da Organização Mundial do Turismo (OMT) indicam que para cada viagem
internacional ocorrem dez viagens domésticas. Os governos começam a dar
ênfase a planos e políticas de desenvolvimento mais direcionadas para atender
às demandas das viagens internas, apoiados na afirmação de que esse
movimento interno pode ser um grande estimulador da redistribuição da renda
e da diminuição das desigualdades sociais entre as áreas mais ricas e as áreas
mais pobres.
Academicamente, o turismo deixa de ser visto como um
fenômeno estritamente econômico passando a ser incluído como tema de
42 estudo de outras disciplinas como a geografia, a sociologia, a antropologia e a
psicologia.
A nível (sic.) conceptual, passou a enfatizar-se menos o papel econômico do turismo no qual se tinha, até então, insistido em excesso para, igualmente, se atribuir importância ao seu papel social, político, ecológico, cultural e educativo o que levou a passar a considerá-lo como uma das componentes essenciais da vida do homem. Deixou de ser unidimensional para passar a ser multidimensional, na medida em que responde a uma multiplicidade de necessidades humanas e não apenas à melhoria do bem-estar material (CUNHA, 1997, p.70).
Como resultado da Conferência Mundial de Turismo, ocorrida nas
Filipinas em 1990, tem-se a divulgação da Declaração de Manilha que
recomendou aos países membros da OMT a adoção de modelos mais
coerentes com as tendências de desenvolvimento mundial. Tais modelos
pregavam a observância das questões ambientais, o respeito às diferenças dos
povos e nações, a criação de produtos segmentados e diferenciados e a
integração das comunidades locais em todo o processo de desenvolvimento
turístico. Aquela Declaração pode ser considerada o marco referencial do início
do terceiro período do turismo pós Segunda Guerra Mundial, proposto por
Cunha (1997).
Ao mesmo tempo, observa-se uma clara tendência por parte dos
turistas, para a procura de programas de férias que aliem atividades culturais e
desportivas que possam contribuir para o desenvolvimento humano e para o
alargamento do conhecimento. De certa forma, podemos dizer que é uma
retomada do conceito das viagens da grand tour, praticadas pelos jovens da
nobreza dos séculos XVI e XVII, que tinham nelas uma forma de
aprimoramento da sua formação cultural e educativa.
A partir de 1990, o turismo mundial vê-se afetado pelas mudanças
econômicas generalizadas por todo o planeta. Os altos índices de desemprego
provocados pela flexibilização da produção e do trabalho, as altas taxas de
inflação e a internacionalização do capital financeiro constroem um novo
cenário, no qual a atividade econômica do turismo deve-se encaixar.
43
O fim do bloco de países de economias centralizadas e a abertura
da China para a entrada de visitantes abrem um novo e amplo mercado para o
turismo internacional, gerando uma profunda alteração na direção dos
principais fluxos internacionais de turistas. Antes concentrados para a Europa,
EUA, Caribe e Ilhas do Pacífico, os fluxos de visitantes dos últimos anos
voltam-se para os países do extremo oriente, com destaque para China, Índia,
Vietnã, Tailândia, Indonésia e os países do Leste Europeu, onde Polônia,
Hungria e República Tcheca têm atraído números crescentes e expressivos de
demanda internacional nos últimos anos, mantendo taxas de crescimento
superiores à média mundial (OMT, 2007).
Do ponto de vista da oferta, consolidou-se a prática das viagens
de menor duração direcionadas para pequenos grupos e com tratamento
personalizado. A segmentação das motivações atingiu alta sofisticação e cada
vez mais o mercado vem buscando criar condições para atender às exigências
mais específicas dos turistas. As pequenas agências de viagens estão
assumindo a função de operadoras e passando a oferecer um atendimento
individualizado, oportunizando pacotes de viagens únicos, adequados ao perfil
de cada turista potencial. Também os pequenos empreendimentos hoteleiros
ganham espaço, principalmente para os mercados internos e o movimento
alberguista retoma com força seu papel no cenário mundial. O olhar do turista
atual é aquele voltado para a fuga do cotidiano, para “escapar” da rotina
entediante ou massacrante imposta pelo trabalho, nem que seja por algumas
horas, como é o caso dos excursionistas. Como bem nos coloca Tuan (2003,
p.46): “La gente dice: estoy harto de este tiempo horroroso y de los agobios de
mi trabajo… me voy a Hawai”. O turista contemporâneo viaja com um olhar
que, de certa forma, busca uma volta à natureza, mas igualmente porque
deseja se destacar dentro do seu grupo social.
Os fortes apelos da mídia e os modismos criados por ela, as
facilidades de crédito, a elevação dos rendimentos de uma parcela maior da
população das cidades, tornaram o hábito de viajar quase que uma obrigação
social. A cada final de semana, feriado prolongado e nos períodos de férias
escolares, um número sempre crescente de pessoas saem para viajar. Nas
44 áreas circunvizinhas das grandes concentrações metropolitanas, proliferam
oportunidades de hospedagem e entretenimento em áreas dotadas de algum
tipo de atrativo (praia, cachoeira, fazendas, montanhas), que atraem um fluxo
constante de visitantes, ávidos pelo lazer e descanso. O olhar do turista se
confunde com o olhar do consumidor; a qualidade da experiência é importante,
mas preponderantemente, a quantidade tem mais peso na hora da escolha.
Aonde ir, gastando menos e consumindo mais, parece ser o lema do viajante
atual.
Essas práticas, entretanto, não diminuíram o crescimento do
turismo de sol e praia, ainda responsável por pouco mais da metade das
viagens internacionais (OMT, 2007). Os resorts continuam se expandindo,
principalmente nos países em desenvolvimento da região tropical do planeta,
exigindo dos seus governos planos de desenvolvimento de infra-estrutura para
atrair o capital estrangeiro, como é o caso do Programa de Desenvolvimento do
Turismo (PRODETUR-NE), em implantação desde o início da década de 1990,
no litoral do Nordeste brasileiro. Por outro lado, atualmente é possível
identificarmos diversos tipos de resorts, voltados para o atendimento da
demanda de grupos oriundos de classes sociais distintas. Ou seja, há uma
tendência de popularização do turismo de sol e praia. A elite continua
freqüentando os seus resorts sofisticados e isolados em ilhas e penínsulas
paradisíacas, mas a classe média5 também pode usufruir desse tipo de produto
turístico, pagando menos e de forma facilitada, pelas suas viagens.
Dessa maneira é possível identificarmos pacotes turísticos de sol
e praia bastante elitizados, com preços não acessíveis à classe média, (caso
de Costa do Sauípe, na Bahia e de algumas ilhas da Micronésia e do Caribe), e
outros mais baratos e viáveis para a classe média. Os pacotes mais comuns
oferecidos para Cancun, no México, podem custar menos que alguns
oferecidos para determinados resorts brasileiros. É possível viajar para Bali
como turista “mochileiro”, a um custo accessível aos jovens da classe média
brasileira, ou como um turista vip e ficar isolado em um chalé construído sobre 5 Aqui entendemos classe média como aquela parte da população atual que, pelo aumento de
sua renda mensal, vem conseguindo ampliar seu poder de consumo. Seguindo as indicações das estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), seriam os componentes das classes B e C, com rendimentos superiores a quatro salários mínimos.
45 as águas do oceano Pacífico, dentro dos limites de algum resort de uma das
grandes cadeias hoteleiras internacionais.
O aprofundamento no entendimento das mudanças nos diversos
olhares que o turista assume nas suas viagens, indica a necessidade de
avançarmos no estudo das relações que o turismo, como fenômeno
socioespacial e atividade econômica de destaque na contemporaneidade,
mantém com as manifestações do capital.
2.2 RELAÇÕES DO TURISMO COM AS MANIFESTAÇÕES DO CAPITAL CONTEMPORÂNEO: ÓCIO, LAZER E TEMPO LIVRE
O estudo do turismo contemporâneo está diretamente vinculado
ao estudo das manifestações do sistema do capital. Apoiados na premissa de o
turismo ter se tornado uma atividade econômica dinâmica, portanto uma
ramificação dentro do modo de produção capitalista, a partir das
transformações geradas pela Revolução Industrial, devemos buscar no
entendimento das inter-relações constituídas entre o fenômeno e a atividade os
elementos que nos permitirão compreender os seus processos de apropriação
dos espaços. Os processos de turistificação dos espaços são parte do
processo de reprodução do capital; sendo assim, as tentativas para
compreendê-los e de estabelecer algum tipo de (re) ordenamento para os
espaços turistificados devem, também, incorporar as dimensões e categorias
criadas e impostas pelo capital.
Essas dimensões do capital incorporadas pelo turismo podem ser
analisadas a partir do jogo dialógico estabelecido entre o tempo livre e do
tempo de trabalho, composto por um feixe de ações e interesses que se
complementam, se contradizem, ou simplesmente, concorrem num acontecer
simultâneo. Visto de modo simplista, no seu eterno movimento de reprodução,
o capital se apropria do tempo livre conquistado pelos trabalhadores, e o
transforma em tempo de consumo. A recreação, o lazer e a viagem passam a
ser vistos como necessidades essenciais do homem para a “auto-preservação
46 e para o reconhecimento e admiração do grupo social no qual está inserido”
(RODRIGUES, 1997, p.39).
Analisada por esse ponto de vista, a lógica capitalista se reproduz
mais uma vez por meio do turismo: o turista viaja para recuperar energias, para
poder retornar ao seu cotidiano e continuar vendendo sua força de trabalho. E
mais, enquanto viaja consome os elementos disponibilizados para satisfazê-lo:
a paisagem, o clima, a cultura. Tão logo retorna ao seu dia-a-dia, o turista vê
ressurgir o desejo de viajar. Estabelece-se o ciclo vicioso característico da
sociedade moderna pós-fordista: trabalho-viagem-trabalho-viagem.
Trabalhamos, sobretudo, para podermos sair de férias e temos necessidade
das férias para podermos retomar nosso trabalho. Temos então, o “turismo
como terapia da sociedade, como válvula que faz manter o funcionamento do
mundo de todos os dias” (KRIPPENDORF, 1989, p.18).
Essa visão reduzida pode ser ampliada pelo estabelecimento de
outros pontos de observação do fenômeno turístico e das manifestações do
modo de produção, levando-nos a construir um corpo de conhecimento mais
denso e profundo a respeito do atual estágio de desenvolvimento do turismo e
das implicações nas áreas para ele apropriadas, portanto, turistificadas.
A discussão acerca do tempo livre e do tempo de trabalho vem
sendo objeto de estudos sociológicos bastantes intensos nas últimas décadas
e, segundo alguns autores (SONEIRO, 1991; PADILHA, 2000;
MASCARENHAS, 2006; dentre outros) existem diversas tendências
metodológicas e epistemológicas de abordagem do tema. O modo de produção
capitalista, desde a sua origem, alterou sobremaneira o significado da categoria
tempo, dividindo-o em duas categorias distintas: tempo dedicado ao trabalho e
tempo liberado do trabalho. As sociedades pré-industriais, estruturadas em
torno das atividades agrícolas, conviviam com uma noção de tempo natural
marcada pelas características do ciclo solar e das estações climáticas. O
tempo de ócio era determinado pela impossibilidade de tratar da terra, de
plantar ou de colher. A relação tempo e trabalho não era decidida pelo homem,
mas imposta pela natureza (SONEIRO, 1991). Já a sociedade surgida a partir
da Revolução Industrial, estabelece um tempo permanente de trabalho,
47 ordenado pelo tempo do relógio, desarticulado do tempo natural. O trabalho é
cronometrado e remunerado pelo número de horas trabalhadas, marcadas pelo
“relógio de ponto”, transformando-se em valor central no novo sistema de
produção, apoiado pelo discurso construído a partir da ética protestante de
Weber, que previa “o trabalho como uma necessidade e um dever moral do
indivíduo para garantir o desenvolvimento harmônico da sociedade, estruturado
no princípio da acumulação” (ibidem, p.15).
Dessa forma, o entendimento ampliado do turismo, hoje, passa
pela compreensão desse jogo dialógico, estabelecido entre tempo livre e de
trabalho. Compreender o real sentido das categorias tempo livre, ócio e lazer
no contexto da sociedade contemporânea, revela-se tarefa obrigatória para tal
empreitada. Um dos primeiros autores a abordar essa temática foi Tornstein
Veblen que, em seus estudos sobre o comportamento da sociedade norte-
americana do século XIX, já enfatizava a importância da vida ociosa para o ser
humano:
Desde os tempos dos filósofos gregos até hoje, reconheceram os homens ponderados, como requisito de uma vida digna, bela ou mesmo virtuosa, que é preciso ter um certo ócio e estar livre de contato com certos processos industriais ligados às necessidades cotidianas da vida humana. A vida ociosa, por si mesma e nas conseqüências é linda e nobre aos olhos de todos os homens civilizados (VEBLEN, 1980, p.33)
É possível perceber que existe um ponto de consenso das
ciências sociais no entendimento de que vida, tempo e espaço mantêm entre si
um jogo imbricado e denso. Mede-se a vida pelo tempo, por diversas maneiras:
dias, horas, estações, fases (infância, adolescência, velhice). Para isso, foram
estabelecidos instrumentos diversificados e indicadores (relógios, ampulhetas,
faixas etárias). A vida, dividida em tempos, realiza-se necessariamente no
espaço e, dependendo do seu momento, ocupa partes desse espaço. Portanto,
de acordo com as etapas temporais da vida, o espaço é apropriado e dividido
pelo homem de modos específicos. O espaço do adulto é diferente do espaço
da criança, que por sua vez é diferente do espaço apropriado pelo adolescente
(PADILHA, 2000).
48
No modo de produção capitalista, o tempo e o espaço são
apropriados pelo capital, que os divide de acordo com as suas necessidades
de acumulação e reprodução. Com exceção de algumas modalidades do tele-
trabalho, essa divisão do tempo é demarcada no espaço: o território do tempo
de trabalho é distinto do território do tempo livre. Cada um tem características e
regras de ordenamento diferenciadas, pelo menos em tese. Entretanto, no
atual estágio de flexibilização do modo de produção, há uma tendência para
que o território e o tempo do trabalho se superponham ao território e ao tempo
livre do trabalhador, invadindo até mesmo seu espaço doméstico. No
ordenamento dos espaços, esses territórios aparecem dialogicamente
misturados e são de difícil diferenciação. No caso dos espaços turistificados,
para alguns - os turistas - é o território do lazer, das atividades liberadas das
obrigações do trabalho. Para outros – empresários e trabalhadores – é o
território da produção e do trabalho. Nos territórios do turismo, produção e
consumo se misturam, no tempo e no espaço.
É possível identificarmos em diversos estudos sobre o turismo,
uma certa confusão entre as categorias lazer, ócio, tempo livre e tempo
liberado do trabalho. Muitos consideram como ócio todo o tempo não produtivo,
partindo de uma leitura estritamente produtivista. É importante que não se
misture o otium clássico dos romanos, que tinha sua antítese no nec-otium,
com o que hoje, classificamos de tempo livre ou lazer.
A idéia de skholé (lazer) dos gregos, em essência significava atos
de parar ou cessar ou ainda, “uma condição ou estado de isenção da atividade
produtiva ou, especificamente, ter tempo para si mesmo” (MASCARENHAS,
2006, p.77). O ócio clássico, sinônimo de lazer, estava diretamente relacionado
com a liberação de qualquer tipo de obrigação e com a dedicação ao
desenvolvimento físico e intelectual do homem, norteada pela idéia de
liberdade, de cultivo à beleza, à sabedoria e de outras virtudes. Ou seja, o lazer
não era o oposto de atividade, ele era o oposto de ocupação e trabalho,
entendidos como atividades desenvolvidas para se obter e/ou produzir alguma
coisa fora de si (COELHO, 2000). O lazer era o tempo social do não trabalho,
privilégio de poucos cidadãos da polis. Posteriormente, o ideal de skholé
49 direcionou-se para schola, uma vez que o ócio era também o tempo da
formação do homem grego (MASCARENHAS, 2006).
Para os romanos o otium (ócio) era o oposto do nec-otium
(negócio). Enquanto este era o tempo do comércio, do exército e do governo, o
primeiro era o tempo de descanso do corpo e da recreação do espírito.
Importante lembrar que, naquele momento, o trabalho não era taxado como
algum ruim, punitivo ou desonroso. O ócio, visto como tempo de não trabalho,
serviu também para a imposição de uma política de controle da maioria da
população pelo imperador. Através da política do pannis et circens, que
oferecia às massas recreação na medida certa, os governantes despolitizavam
e afastavam os indivíduos das questões críticas, dando para eles mais controle
da situação (MASCARENHAS, 2006).
Na Idade Média, o ócio torna-se o ideal da nobreza, visto como o
tempo de nada fazer de produtivo. O trabalho era considerado indigno para os
nobres e motivo de repulsa e desinteresse, como bem nos mostra Tornstein
Veblen (1980) no desenvolvimento da sua teoria da classe ociosa, proposta no
final do século XIX. O ócio tornou-se o momento e a oportunidade de
demonstração das posses e das riquezas vistas como fatores que permitiam a
ociosidade. Paralelamente a esse ócio nobre, o ócio popular manifestava-se
como o momento do descanso, das comemorações e das festas religiosas,
sempre sob o controle rígido das regras da Igreja Católica.
Esse modo de ver o ócio sofre profundas transformações na idade
moderna: a reforma protestante passa a considerar o trabalho um fator
altamente positivo e o único caminho para se obter a liberdade. Sendo o
trabalho um esforço pessoal para o acúmulo de riqueza, conseqüentemente, o
ócio torna-se pecaminoso e motivo de críticas. Politicamente, a postura do
trabalho como algo digno e virtuoso trouxe consigo a justificativa para a
ascensão e reconhecimento da burguesia como nova classe social, cuja
riqueza fora acumulada a partir do trabalho, materializado no comércio.
No contexto da sociedade contemporânea, pós Revolução
Industrial, em que estamos inseridos, outros elementos foram incorporados ao
entendimento do ócio e do lazer. O ócio burguês gerado pelo aumento do
50 tempo livre, entendido como o tempo liberado das obrigações do trabalho, foi
incorporado pelo sistema produtivo como uma espécie de estratégia de
controle dos trabalhadores, indicando a melhor e mais adequada maneira de
utilização do tempo de não trabalho. O tempo livre deve ser utilizado para a
recuperação das forças de produção, de modo a garantir a produtividade no
tempo de trabalho. Por isso, são recomendadas atividades que valorizem o
homem e que o afastem dos vícios, criando um “modo de vida burguês”
(MASCARENHAS, 2006).
Simultaneamente, o capital transforma esse mesmo tempo livre
em tempo de consumo, pela mercantilização do lazer. As atividades
desenvolvidas nos momentos de tempo liberado do trabalho são transformadas
em mercadorias que, para ser consumidas, precisam ser adquiridas com
dinheiro: a lógica capitalista incorpora o lazer (em todas as suas vertentes) sob
a forma de mercadoria. A filosofia desenvolvida por Henry Ford – fordismo – no
início do século XX, no interior dos Estados Unidos (Michigan), ao propor o dia
de trabalho de oito horas, remunerado a um valor de US$ 5 por hora, não
visava apenas a estimular a disciplina do trabalhador necessária para a
operação do sistema de linha de montagem de alta produtividade. Ela também
buscava:
dar aos trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que consumissem os produtos produzidos em massa que as corporações estavam por fabricar em quantidades cada vez maiores. Mas isso presumia que os trabalhadores soubessem como gastar o dinheiro adequadamente (HARVEY, 1992, p.122).
Ford presumia que a regulamentação da economia traria consigo
a construção de um novo sistema social com valores morais diferenciados,
estruturados a partir da nova ética proposta pelo capitalismo.
As características do lazer e do ócio mostram-se plenamente
vinculadas com os diversos momentos da evolução humana, trazendo consigo
todas as contradições e condições de cada época e de cada momento, como
observa Mascarenhas:
51
O ócio foi adquirindo novos e diferentes sentidos, conservando antigas significações e abandonando outras, até ter sua configuração radicalmente transformada, desdobrando-se no lazer. Ocorre que se o lazer, numa relação de ruptura e continuidade, nega e em certa medida incorpora o ócio, como a forma mais desenvolvida e atualmente dominante é, também, a mais complexa (2006, p. 93).
É importante reforçarmos a posição do afastamento do sentido
atual dado à categoria do lazer daquele dos tempos da Grécia Clássica. Se,
naquele momento histórico da humanidade, o termo skholé, estava relacionado
com o momento de crescimento e evolução do ser humano cultural e
socialmente, atualmente o lazer está mais relacionado com os momentos
liberados do tempo de trabalho que devem, e podem ser ocupados por uma
série de atividades, nem sempre relacionadas com a satisfação das
necessidades humanas e sociais ou com a emancipação dos indivíduos dentro
dos seus grupos sociais. O tempo do lazer traveste-se de tempo de consumo e,
como tal, passa a ser regulado pelas regras do sistema produtivo vigente.
Como ressalta Robert Kurz, o aumento do tempo livre “foi imediatamente
ocupado pela finalidade própria do capital: a indústria da cultura e indústria do
lazer [incluído aí o turismo] passaram a ocupar e a colonizar o tempo
penosamente conquistado e concebido fora do espaço funcional abstrato da
produção” (2000, p.42). Em outras palavras, como atividade que preenche
parcialmente o tempo liberado do tempo de trabalho, o lazer torna-se mais uma
mercadoria produzida pelo capital, incluída no rol das necessidades por ele
criadas para o homem contemporâneo.
2.3 DIALÓGICA DO TURISMO: FENÔMENO SOCIOESPACIAL E ATIVIDADE ECONÔMICA
O processo de apropriação do tempo livre pelo capital como
mercadoria na forma de lazer, traz embutido a transformação do turismo em
uma atividade econômica, geradora de produtos postos à venda. O turismo,
como fenômeno socioespacial sempre esteve relacionado com o tempo do ócio
52 e do lazer. Portanto, composto por atividades não relacionadas com
remuneração, ele sempre ocorre nos momentos de tempo liberados do trabalho
e em espaços específicos, apropriados pelos seus diversos agentes sociais.
O hábito dos deslocamentos temporários do homem, motivados
por razões relacionadas às necessidades religiosas, ao desenvolvimento
sociocultural ou ao tratamento de saúde, tornou-se objeto de atenção dos
controladores do sistema de produção implantado a partir do século XIX e,
rapidamente, passou a ser mais uma forma de produção do espaço. As
necessidades de hospedagem, transportes, alimentação e entretenimento,
demandadas pelos visitantes durante as suas viagens, foram transformadas
em serviços que devem ser produzidos dentro das regras do sistema de
produção e remunerados como qualquer outro. Do fenômeno socioespacial
surge a atividade econômica, por muitos classificada como “indústria do
turismo”.
Neste ponto, podemos indicar um dos pressupostos básicos do
presente trabalho: o turismo contemporâneo é resultado da apropriação, pelo
capital, dos elementos constitutivos do fenômeno socioespacial das viagens
temporárias, que caracteriza o próprio modo de ser do homem. Esse processo
de apropriação do fenômeno fez surgir uma atividade econômica, imposta
como prática social e cultural essencial pelo paradigma do sistema social
vigente, que tornou o turismo em uma das manifestações mais visíveis da
sociedade de consumo atual, responsável pela diferenciação dos indivíduos
dentro dos seus grupos sociais. O ato de consumir turismo não é apenas
importante como atividade econômica, ele traz consigo uma simbologia de
aquisição de status dentro dos grupos sociais onde o turista se insere. No dizer
de Dias e Frutos:
El turismo como manifestación de nuestros hábitos del consumo, es uno de los mayores exponentes de la importancia social [...] del consumo. Las modas de donde se viaja y a donde no se viaja, que hacemos y que no hacemos durante nuestras vacaciones ha pasado a ser elementos básicos y estereotipos en los hábitos turísticos (DIAS; FRUTOS, 2003, p.28)
53
Essa atividade econômica dinâmica e vital para muitos países,
estados ou províncias e municípios, sobrevive do consumo de trechos
privilegiados do espaço, os quais são apropriados pelos seus agentes sociais
dentro do que estamos classificando como processo de turistificação. O
processo de turistificação dos espaços, defendidos por autores como Knafou,
(1996) e Nicolàs (1989), dentre outros, compreende tanto o processo de
apropriação simbólica de trechos do espaço pelo turista (a partir de “olhares”
diferenciados social, política e culturalmente), como o processo de dominação
pelos agentes econômicos e pelos agentes de governo. Como veremos mais à
frente, para Knafou (1996), existem três possíveis agentes de turistificação dos
espaços: os turistas, o mercado (agentes de mercado) e os planejadores
(agentes do poder público).
Os espaços turistificados apresentam características de
ordenamento bastante específicas e vêm se tornando objeto de interesse e de
análise dos governantes que, em uma visão imediatista, estabelecem políticas
para a sua gestão visando exclusivamente ao aumento dos resultados
econômicos possíveis com a atividade, ignorando toda a complexidade do
fenômeno socioespacial que a determina. Tais políticas acabam por criar, no
médio e no longo prazo, distorções e impactos negativos, tanto para os turistas,
como para os próprios empresários e para as populações residentes naqueles
espaços, gerando a sua desvalorização e, na maioria das vezes, o seu
abandono gradual pelo mercado do turismo.
Como visto na primeira parte deste capítulo, a maneira como o
visitante olha para as paisagens e para os lugares visitados vem mudando ao
longo do tempo, conforme as características socioculturais de cada momento
histórico. Até meados do século XIX, era uma prática social restrita a uma
parcela bastante reduzida da população que conseguia reunir as três
características básicas para ser turista: tempo livre, poupança excedente e
desejo de viajar. Transformações socioculturais, econômicas e tecnológicas
como a implantação do trabalho assalariado, do tempo liberado do trabalho
remunerado (férias, finais de semana), o desenvolvimento tecnológico dos
meios de telecomunicações e de transportes, a mecanização dos processos de
54 produção, a conseqüente diminuição nas jornadas de trabalho e o aumento do
tempo livre, além do grande apelo para consumo exacerbado, transformaram o
fenômeno turístico em uma importante atividade econômica para a sociedade
contemporânea; o hábito das viagens temporárias popularizou-se rapidamente,
até atingir o nível de uma prática de consumo de massa, que caracteriza nossa
sociedade atual.
O olhar do peregrino da Grécia Clássica e da Idade Média, que se
arriscava, viajando para satisfazer suas necessidades de fé, vai ser
transformado até atingir o olhar do turista consumidor atual, que deseja apenas
acumular produtos e símbolos para se destacar dentro do seu grupo social. O
consumo dos produtos turísticos traz consigo mais do que uma aquisição de
valor econômico; ele carrega o fato de ter se tornado “más una manifestación
del sistema de valores, de los patrones culturales de una colectividad” (DIAS;
FRUTOS, 2003, p.30).
O olhar do turista de nosso tempo busca mais que satisfazer suas
necessidades de consumo imediatas. Ele quer adquirir com as viagens signos
que vão diferenciá-lo socialmente, dando-lhe uma posição mais destacada
dentre seus pares. É a aquisição do valor simbólico dos lugares visitados que o
turista busca, mais do que a sua satisfação pessoal de descanso e lazer.
Tiram-se férias para descansar e recuperar as energias, mas no fundo o que se
busca é a aquisição de elementos carregados de simbologia, que elevem seu
status social. Muitas vezes, após as férias, o turista encontra-se mais cansado
fisicamente do que antes. Exemplo dessa busca pelos símbolos e signos
socialmente valorizados, são as intermináveis filas de congestionamentos de
veículos nas rodovias de acesso aos destinos turísticos definidos como “points
da moda”, a cada final de semana ou feriado prolongado. O desgaste físico e
psicológico gerado pelas horas de congestionamento nas viagens de ida e de
volta, justificam-se pelas horas de convívio com outros indivíduos do mesmo
nível social e com as mesmas ansiedades, no destino turístico procurado. O
turismo torna-se, na sociedade de consumo contemporânea, uma prática
social, econômica e cultural que colabora mais para o processo de
diferenciação social entre os elementos do mesmo grupo e entre diversos
55 grupos sociais, que para a satisfação das suas necessidades de descanso e
recreação, afastando-se totalmente do conceito de lazer clássico.
A transformação do turismo, de prática social relacionada com o
lazer, o descanso, em oportunidade de aprender com o outro, para atividade
econômica de massa pode ser localizada no período do pós Segunda Guerra
Mundial. Apesar das indicações das primeiras concessões de férias
remuneradas remontarem ao final do século XIX, os trabalhadores não foram
imediatamente contemplados com ações voltadas para a operacionalização e
comercialização das viagens em escala ampliada. O turismo, até o período da
Segunda Guerra Mundial continuou sendo uma atividade típica da elite
burguesa, restrita a uma parcela minoritária da população mundial.
Somente nas décadas de 1950 e 1960, quando o mundo
presencia uma fase de grande crescimento econômico, especialmente na
Europa e nos Estados Unidos, com o desenvolvimento dos aviões com motor a
jato, foi possível aumentar consideravelmente o volume das viagens
internacionais, como se pode observar nos dados estatísticos disponíveis
(Tabela 1).
Tabela 1 – Evolução do total de chegadas internacio nais 1950 – 2005
Ano Total de chegadas de visitantes (milhões)
Aumento percentual médio anual
1950 25,2 --- 1960 69,3 10,6 1970 165,8 9,1 1980 286,2 5,6 1990 459,2 4,8 2000 689,2 6,0 2001 688,5 - 0,1 2002 2003
708,9 696,6
2,9 - 1,9
2004 765,5 9,9 2005 808,4 5,6 2006 842,0 4,5
2020(*) 1.604,0 --- Fonte: OMT e Embratur, 2007. (*) Previsão a partir de uma taxa anual de crescimento de 4% ao ano
56
Esse crescimento acelerado do turismo mundial gerou uma nova
configuração geográfica para o mapa dos fluxos de viagens (Figura 2), onde
las áreas con mayor nivel de renta, una moneda más fuerte en su tipo de cambio y las necesidades de ocio, por ejemplo, relacionadas con sus condiciones climáticas (la búsqueda de litoral y sol), se convierten como decimos en emisoras de turistas y los espacios con características complementares, en receptoras. Especialmente los tres grandes “mediterráneos turísticos”: el Mediterráneo propiamente dicho, el Caribe y el sudeste asiático (VERA et al., 1997, p.8).
O processo de divisão internacional do trabalho, iniciado a partir
da Revolução Industrial, gerou um mapa desigual de distribuição das riquezas
produzidas, criando blocos econômicos bastante diferenciados apesar de todo
o discurso da globalização econômica e de mundialização territorial. O turismo,
na opinião dos geógrafos espanhóis articulados por J. Fernando Vera Rebollo,
participa “como conector en esta dinámica, agente de la globalización, y como
fenómeno relacionado en si mismo con el ‘achicamiento’ del mundo por los
flujos de personas que se mueven por motivos de ocio y negocios entre
ámbitos territoriales diferentes” (ibidem, p.9).
O negócio turístico, gerado pelo aumento expressivo dos fluxos
mundiais de viagens, cresce e complexifica o processo de produção de
serviços e instalações destinados a atender às necessidades dessa massa
crescente de visitantes. Esse crescimento quantitativo gera uma alteração
qualitativa na estrutura das viagens e dos destinos turísticos, transformando o
turismo em um dos setores econômicos mais dinâmicos e lucrativos da
atualidade, atraindo a atenção do grande capital internacional.
No final do século XX, a composição do mapa de fluxos de
viagens e de lazer ganha outra configuração, com a entrada de outras áreas
emissivas (países do Leste Europeu, Brasil, China, Austrália) e, principalmente
de novas áreas receptoras (Polônia, Hungria, China), ávidas por atrair parte
daqueles fluxos. No cenário do mundo globalizado, o turismo é visto por alguns
como um mecanismo possível para a redistribuição de renda entre os países e
áreas ricas e os países e áreas menos privilegiadas, na medida em que os
57
Figura 1 –Distribuição dos fluxos e das principais áreas turísticas mundiais Fonte: elaboração própria, 2007
58 turistas oriundos, na sua grande maioria, das primeiras levariam parte das suas
poupanças acumuladas, para consumir nas segundas.
Evidentemente, esse discurso não se sustenta na maioria dos casos
e somente serve para justificar as estratégias políticas de alguns lideres
interessados em aderir ao pacto neoliberal do sistema vigente. Na medida em que
o fluxo de capital está bastante internacionalizado e que a maioria das grandes
corporações está sediada nos países ricos, o dinheiro gasto pelo turista
praticamente não chega aos destinos turísticos, uma vez que o hotel pertence a
uma grande cadeia européia, a empresa aérea é americana, a operadora é
inglesa, e assim por diante. A maior parte do valor pago pelo pacote turístico
mantém-se nos limites dos sistemas financeiros das próprias áreas emissoras e
apenas uma pequena parcela é transferida para as áreas receptoras.
No jogo contraditório do negócio turístico atual, quem realmente
centraliza a lucratividade do setor são as suas mega-empresas transnacionais,
enquanto para as populações e o pequeno capital das áreas receptoras, restam
os pequenos negócios periféricos, em sua maioria, restritos à economia informal
(artesanato, gastronomia) e os empregos menos remunerados. Segundo o próprio
Ministério do Turismo, em seu relatório “Turismo no Brasil: 2007-2010”, com base
em estudos da Universidade de Brasília (UnB), para cada emprego formal no
setor turístico brasileiro correspondem outros três empregos na economia
informal.
O jogo dialógico existente entre o fenômeno turístico e a atividade
turística contemporâneos centraliza-se no estímulo ao consumo desenfreado
promovido pelo modo de produção e consumo atual. O turista já não viaja apenas
buscando conhecer lugares diferentes, onde possa descansar, relaxar e recuperar
suas energias. Ele ainda tem consigo aquele desejo de conhecer o novo, mas a
esse desejo ele acrescenta outro, criado e quase imposto pelo capital: o desejo
de adquirir mais status perante o seu grupo social. Seu olhar busca novas
paisagens, novas culturas, desde que elas possam lhe acrescentar um valor
simbólico maior. Ele precisa ver e, mas mais do que isto, ser visto pelos outros;
59 precisa se mostrar, se expor e demonstrar que está consumindo o que há de mais
valioso para a cultura de consumo naquele momento.
Essas novas regras de consumo são as responsáveis pelo
surgimento daquilo que Milton Santos (1996) e Michael C. Hall (2001), dentre
outros autores, classificam como a “guerra dos lugares” do mundo
contemporâneo, promovida e estimulada pelas ações dos especialistas de
marketing, interessados em criar novas necessidades que justifiquem o consumo
de novos produtos. As cidades e os lugares passam a ser tratados como produtos
dentro da teoria conhecida como city marketing ou marketing place6 desenvolvida
inicialmente pelo especialista americano Philipp Kotler, segundo a qual “o
marketing de lugares significa projetar um lugar que satisfaça as necessidades de
seus mercados-alvo. Ele atinge seu objetivo quando cidadãos e empresas estão
satisfeitos com suas comunidades e atendem às expectativas de visitantes e
investidores” (KOTLLER et al., 1993, p.99).
Os destinos turísticos buscam oferecer sempre algo que os
destaquem e os diferenciem no contexto do mercado turístico:
El escenario de globalización actual nos ofrece una nueva geografía turística, donde hay más destinos compitiendo con productos similares y donde se tiende a buscar la diferencia entre espacios receptores por medio de la especialización de mayor valor agregado: turismos específicos y temáticos, relacionados fundamentalmente con la cultura, la naturaleza y el deporte, ya sea en ámbitos urbanos, de interior o litorales (VERA et al., 1997, p.9).
Essa busca pelo novo e diferente reordena seus espaços e
territórios, a partir de processos de turistificação constantes, que superpõem em
intervalos temporais cada vez menores, novos objetos ou novas funções para os
já existentes. A paisagem vista como resultado do acúmulo de tempos ganha um
dinamismo desenfreado que não permite a sua cristalização e,
conseqüentemente, o seu reconhecimento por parte dos seus habitantes
6 Expressões que vêm sendo traduzidas para a língua portuguesa como “marketing de lugares”
e “marketing de cidades”.
60 permanentes. As paisagens transformam-se em produtos que mudam de acordo
com o desejo e a competição do mercado turístico internacional.
A atividade turística gerada por essa competição entre lugares e
cidades acelera o processo de (re) ordenamento dos espaços onde se instala a
partir da lógica de acumulação do capital (quase sempre externo), com o apoio
dos governantes locais, por meio de planos e políticas de gestão do
desenvolvimento, ironicamente encomendadas aos representantes daquele
mesmo capital. Esses planos e políticas, apesar de prometerem o
desenvolvimento turístico sustentável, quase sempre estão focados tão somente
em facilitar o jogo do sistema produtivo do capital, deixando de lado os outros
agentes sociais envolvidos no e pelo processo de turistificação de trechos do
espaço.
Desse contexto, surgem algumas questões para as quais estamos
buscando respostas nesse trabalho. Seria a atividade turística uma prática do
capital necessariamente perversa para com as comunidades das áreas
receptoras? O modelo de desenvolvimento turístico atual sempre é ruim para os
moradores dos destinos turísticos? Ou será possível, a partir da implantação de
práticas de gestão participativa da atividade turística que envolvam todos os
agentes sociais interessados no setor, instalar-se um processo de
desenvolvimento que realmente garanta o atendimento das necessidades de
todos eles, assegurando suas emancipações como indivíduos e grupos sociais ?
Caso a resposta desta ultima questão seja positiva, qual seria o melhor recorte
espacial para o seu ordenamento e gestão? E, principalmente, até que ponto a
dimensão espacial do fenômeno turístico vem sendo considerada pelas políticas
públicas e privada direcionadas para a gestão e o ordenamento do
desenvolvimento do setor?
Para tal empreitada, iniciamos nossas pesquisas pelo estudo dos
processos de turistificação do espaço, buscando as suas incongruências, suas
formas e suas categorias de análise, com ênfase no método bastante utilizado até
agora estruturado no binômio região-regionalização. Sem nos afastarmos da
objetividade crítica, pretendemos demonstrar que o turismo é um dos setores
61 mais significativos do atual momento da sociedade humana, tanto do ponto de
vista econômico como do ponto de vista social e cultural, sendo um dos
responsáveis pela sua transformação e, especialmente, dos seus territórios.
Entendemos que, qualquer que seja a proposta de desenvolvimento
estruturada a partir das possibilidades da atividade turística contemporânea, a
dimensão espacial que norteia o fenômeno turístico precisa ser considerada e
contemplada. O turismo, como orienta Morin, deve ser observado como uma
“unidade complexa” num processo em que “não podemos reduzir nem o todo às
partes nem as partes ao todo, nem o uno ao múltiplo nem o múltiplo ao uno”. Ele
precisa ser apreendido pelo conjunto, simultaneamente de forma complementar e
antagônica, onde as relações entre as partes e o todo são fundamentais, pois é a
partir delas que poderemos captar “as qualidades e as propriedades de novas
emergências da organização e da unidade complexa” (MORIN, 1987?, p. 103).
É a partir da dimensão espacial do fenômeno turístico que nos
parece possível a inclusão das diversas lógicas de cada agente social do turismo
nas políticas públicas e privadas direcionadas para o ordenamento do
crescimento do setor, de modo a garantir o atendimento das necessidades,
ansiedades e desejos de cada um daqueles agentes.
3 BASES TEÓRICAS PARA A REFLEXÃO DOS PROCESSOS DE TURISTIFICAÇÃO DO ESPAÇO
Num mundo globalizado o turismo apresenta-se em inúmeras modalidades, sob diversas fases evolutivas, que podem ocorrer sincronicamente num mesmo país, em escalas regionais ou locais. Expande-se em nível planetário, não poupando nenhum território [...]. É certamente um fenômeno complexo, designado por distintas expressões: uma instituição social, uma prática social, uma frente pioneira, um processo civilizatório, um sistema de valores, um estilo de vida – um produtor, consumidor e organizador de espaços – uma “indústria”, um comércio, uma rede imbricada e aprimorada de serviços. (RODRIGUES, 1996, p.17-8).
Entendido como fenômeno socioespacial contemporâneo gerador
de uma atividade econômica dinâmica, o turismo provoca transformações
significativas nas estruturas ocupacionais das populações residentes nas áreas
onde ele se manifesta, desde o abandono das atividades primárias (pesca,
agricultura e pecuária), substituídas por aquelas do setor de prestação de
serviços, até a migração de trabalhadores de outras áreas e a construção de
empreendimentos direcionados para as funções de lazer e recreação. No dizer
de Nicolas (1989), o processo de turistificação dos espaços implica na
substituição da lógica da produção (esfera do trabalho) pela lógica do lazer
(esfera do lazer); para nós não há uma substiuição e sim, um amálgamação
das duas lógicas
Todas essas transformações afetam sobremaneira o
ordenamento dos espaços apropriados pelo turismo, podendo gerar
conseqüências negativas como o crescimento urbano caótico, a eliminação das
63
paisagens naturais, a construção de paisagens artificiais destacadas dos
valores, símbolos e mitos locais7. Além disso, pode ocasionar o aparecimento
de conflitos internos nos grupos sociais locais e, também, nas suas relações
com os visitantes e com os agentes do mercado que ali se instalam para operar
a atividade econômica gerada. Contraditoriamente, para a própria continuidade
da atividade turística, essas conseqüências negativas não são bem-vindas, na
medida em que ajudam a afastar os visitantes, o que diminui a produtividade do
setor, o número de empregos gerados e a arrecadação de impostos.
A atividade turística compõe um setor econômico que vem
apresentando taxas de crescimento bastante significativas nos últimos anos,
em especial naqueles países classificados como emergentes, periféricos ou em
desenvolvimento, incluindo o Brasil. Por tal vigor econômico, tem merecido
lugar de destaque nas políticas nacionais de muitos países, graças aos efeitos
multiplicadores positivos possíveis para suas economias, principalmente no
que concerne ao equilíbrio das contas de suas balanças de pagamentos, dado
funcionar como um setor de exportação bastante ágil e flexível.
With 842 million arrivals and a 4.5% growth rate, 2006 exceeded expectations as the tourism sector continued to enjoy above average results, making it a new record year for the industry. The latest UNWTO World Tourism Barometer figures suggest that 2007 will consolidate this performance and turn into the fourth year of sustained growth. […]One of the features of 2006 has been the continued positive results of emerging destinations, underscoring the links to economic progress. As one of the most dynamic economic sectors, Tourism has a key role among the instruments to fight against poverty, thus becoming a primary tool for sustainable development […] Africa has outpaced all other regions with almost twice the rate of global growth reaching 8.1% in 2006, following an already strong 2005. This star performance was led by Sub-Saharan Africa (+9.4%), while North Africa (+5.8%) also ended the year above average. Major destinations such as South Africa, Kenya and Morocco all continued to post excellent results.
7 É comum observar nas áreas turísticas a criação de estilos arquitetônicos que parecem
remeter às características construtivas de um passado local que nunca existiu. A arquitetura no estilo enxaimel de Blumenau foi “inventada” durante o processo de reconstrução da cidade após uma grande enchente no inicio da década de 1970. As autoridades municipais, a partir de uma estratégia de desenvolvimento baseada no turismo, deram diversos incentivos fiscais para que a população adotasse aquele estilo nas suas fachadas, de modo a criar uma paisagem que atraísse e deslumbrasse os visitantes.
64
Asia and the Pacific (+7.6%) was able to maintain its extraordinary growth level, both due to the recovery of Thailand and the Maldives from the impact of the December 2004 tsunami, as well as remarkable performances from emerging destinations in the region – international tourist arrivals in South Asia grew by 10%, boosted by India, the destination responsible for half the arrivals to the sub-region. Europe performed on target last year (+4%). Germany took advantage of the Football World Cup 2006, while Italy had a strong comeback. Spain 's solid results also contributed to the generally positive outcome. In the Middle East, international tourist arrivals are estimated to have risen by 4% in 2006, after the bumper years of 2004 and 2005, and in spite of the overall geopolitical situation, the Israel-Lebanon crisis in particular. Although the Americas 2% growth might seem disappointing at first, regional results vary considerably. The rise in the USA was not sufficient to compensate for the weak development in Canada and Mexico. On the other hand, the results from Central (+6.1%) and South America (+7.2%) show how Latin America is on track to consolidating the positive outcome of recent years: Chile, Colombia, Guatemala, Paraguay and Peru all grew at double-digit-rates (OMT, 2007).
A entrada de moeda forte e a geração de empregos em prazos
menores vêm sendo utilizados como justificativa para investimentos cada vez
maiores em ações de marketing e de fomento por parte de governantes, que
têm elegido o desenvolvimento turístico como uma alternativa estratégica
prioritária nos seus planos de governo. Ao poder público, como agente
articulador e normatizador dos processos de ocupação e (re)ordenamento dos
seus territórios, caberia estabelecer políticas públicas que definissem as
diretrizes para tais processos, preferencialmente ouvindo os demais agentes do
turismo, incluindo as representações das populações residentes nas áreas
receptoras.
De um modo geral, as políticas públicas de gestão do turismo
editadas pelas diversas instâncias governamentais brasileiras nos últimos
anos, seguindo o paradigma da teoria do marketing de lugares de Kotler
(1993), têm se norteado apenas pelas dimensões econômicas e
mercadológicas do setor, deixando de fora dos seus estudos e estratégias
outras dimensões dessa prática social que repercutem, sobremaneira, no
cotidiano das áreas receptoras e das áreas emissoras. Entre as dimensões do
65
turismo não observadas está aquela relacionada com a sua espacialidade.
Como visto no capítulo anterior, na sua essência, o turismo constitui-se no
deslocamento de indivíduos pelo território, sozinhos ou acompanhados, sempre
em movimentos de ida e volta, portanto temporários. É essa mobilidade
espacial que mais o caracteriza e que o torna um dos fenômenos mais
marcantes das sociedades atuais.
Confirmamos aqui uma incoerência nas políticas públicas
direcionadas para o turismo. Os gestores públicos vêm se apropriando apenas
do turismo como atividade econômica, deixando de lado, total ou parcialmente,
as outras dimensões do fenômeno socioespacial. Conseqüentemente, os
estudos e as diretrizes políticas (públicas e privadas) resultantes abrangem
unicamente as variáveis econômicas da atividade, não contemplando suas
variáveis espaciais, culturais e sociais. O espaço é compreendido e citado
apenas como suporte e matéria prima para a atividade econômica, tornando-se
bastante visível a priorização, nas políticas do setor, dos interesses de apenas
um dos agentes do turismo, os empresários. Os demais agentes (turista, poder
público, trabalhadores e comunidade receptora) não vêem seus interesses e
necessidades contemplados diretamente, mesmo quando os discursos
apontam para isso.
Para a construção de um referencial teórico que nos apóie em tais
afirmações, optamos por iniciar pela recuperação de diversos enfoques que
vêm sendo adotados nos estudos acadêmicos voltados para questão da
apropriação do espaço para o turismo. Pesquisas bibliográficas e experiências
profissionais pessoais nos permitem mapear os principais estudos
desenvolvidos nas últimas décadas e, a partir da sua análise, confirmar o ponto
central da nossa tese: a dimensão espacial do turismo vem sendo
sistematicamente relegada ao segundo plano na construção das políticas
públicas brasileiras recentes, o que tem impedido o aproveitamento de diversas
oportunidades e possibilidades que o desenvolvimento do setor poderia trazer
para o país.
66
3.1 TURISTIFICAÇÃO8 DOS ESPAÇOS PARA O TURISMO
A turistificação intencional e ordenada de trechos do espaço teve
grande impulso a partir do final da Segunda Guerra mundial, quando dirigentes
de diversos países, inicialmente europeus, perceberam a oportunidade de
melhorar suas balanças de pagamentos proporcionada pela entrada de um
número maior de turistas estrangeiros. Para estimular o crescimento dos fluxos
de visitantes, começaram a desenvolver projetos urbanísticos de grandes
proporções, preparando determinadas áreas para exercer a função de centros
turísticos, com infra-estrutura urbana, hoteleira e de entretenimento
condizentes com as demandas dos visitantes, conforme veremos no capítulo
seguinte.
Os estudos sobre esses processos de apropriação do espaço
para o turismo vêm merecendo a atenção de muitos estudiosos desde a
primeira metade do século XX, destacando-se entre eles Christaller (1955),
Miossec (1969), Knafou (1969), Nicolas (1996), Pearce (1987), Boullón (1985)
e Vera (1997). Enquanto os três primeiros e Vera desenvolveram suas
pesquisas tendo como objeto empírico de análise o turismo no continente
europeu (Alemanha, França e Espanha), Nicolas elaborou suas ponderações
sobre a turistificação dos espaços com base na observação e na análise do
desenvolvimento do turismo no México, em especial na área de Cancún.
Pearce, por sua vez, fixou seus estudos na área da Nova Zelândia, enquanto
Boullón dedicou-se à construção de sua teoria do espaço turístico tendo como
base empírica de referência a sua atuação em diversos países latino-
americanos.
Um dos pioneiros nos estudos da espacialidade do turismo no
âmbito da Geografia, Walter Christaller (1889-1969), partiu da sua teoria
neopositivista de lugares centrais para buscar explicações para a formação de
8 O termo turistificação vem sendo adotado entre os estudiosos do turismo para designar o
processo de apropriação de trechos do espaço pelos agentes do turismo para a implantação da atividade turística, pela inclusão de novos fixos e/ou da re-funcionalização de outros já existentes e de novos fluxos e relações que caracterizam o turismo como fenômeno socioespacial contemporâneo. Um dos autores mais citados como referência para o termo é o geógrafo francês Jean Remy Knafou (1996).
67
uma “zona de periferia”, onde a única atividade econômica consistente seria o
comércio turístico. Christaller entendia
o turismo como um comércio do repouso e do recreio e de viagens de férias - cujos fatores de localização se constituem em atrações climáticas e paisagísticas, possibilidades de práticas de esportes, fontes de águas terapêuticas, preciosidades artísticas e da antiguidade, locais de interesse histórico, folclórico e cultural e locais de atividades econômicas especializadas e peculiares (19559, apud EUFRÁSIO, 1996, p. 291).
A partir de 1930 o turismo assume, segundo as observações de
Christaller, uma “busca pela periferia” como forma predominante de
apropriação dos espaços. Naquele momento, o que se percebia era a procura
constante por lugares novos, diferentes, que em movimentos sucessivos iam
sendo turistificados: primeiro vinham os pioneiros (artistas, poetas, pintores,
etc.) que transformavam o lugar em um ponto de encontro da moda. Logo, os
chalés e cabanas dos pioneiros iam se transformando em pensões para abrigar
novos visitantes, seguidos pelo surgimento de hotéis trazidos por empresários
externos ao lugar. Lentamente os pioneiros afastavam-se do lugar em busca de
novos lugares e iam sendo substituídos por turistas, cada vez em maiores
quantidades.
As origens dos turistas “pioneiros” ou “andarilhos” podem ser
encontradas nos séculos XVI, XVII e XVIII, entre os viajantes humanistas e os
escritores românticos que (re) descobriram e (re) valorizaram o mar, as
montanhas, o campo, o uso das águas termais de modo mundano, o prazer de
ver e subir as geleiras (Mont Blanc é o marco do início do alpinismo).
Montaigne, ao escrever o seu Journal de Voyage relatando sua viagem pela
Itália em 1581, transformou-a no grande destino cultural da Europa, qualidade
que perdura até os dias atuais. Outros escritores o seguiram no hábito de
relatar suas viagens, contribuindo significativamente para o início da
turistificação de pontos espalhados do continente europeu: Charmettes e
9 CHRISTALLER, W. Beiträge zu einer Geographie des Freendenverkehrs. Erdkunde, 9 (1), p. 1 -19, fevereiro, 1995.
68
Lèman (Rousseau, 1776); Ilha de Córsega (D. de Foë, Bernardin de Saint-
Pierre e Sénancour, segunda metade do século XVIII); Suíça (Coxe, 1776);
Chamonix (Ruskin, 1740), dentre muitos (BOYER, 2003).
Os estudos de Christaller feitos na década de 1950 identificaram a
existência de áreas de recreação num raio de 50 a 100 km ao redor das
grandes cidades industriais da Itália e da Alemanha. Buscando fugir da sua
rotina diária, os moradores daquelas cidades passaram a viajar cada vez com
mais freqüência, para lugares onde o clima, a tranqüilidade e a amplitude dos
horizontes pudessem se contrapor à paisagem hostil e fria das suas cidades; o
motivo principal das viagens era a mudança de paisagem. Viajava-se para se
recuperar da rotina “inatural” das áreas urbanas.
Para Remy Knafou, a palavra turismo é “particularmente
polissêmica, evocando ao mesmo tempo uma atividade humana e social, hoje
convertida em fundamental, e todo aparelho econômico – igualmente muito
importante – que a rejunta” (1996, p.63). O turista, na visão de Knafou, apesar
de sempre muito criticado, é sempre explorado e, portanto, necessário. Ele
incomoda por sua mobilidade que retoma a territorialidade nômade que um dia
caracterizou a raça humana. Esse conflito de territorialidades é característico
dos trechos do espaço onde o turismo se manifesta:
[...] há diferentes tipos de territorialidades que se confrontam nos lugares turísticos10: a territorialidade sedentária dos que aí vivem freqüentemente e a territorialidade nômade dos que só passam, mas que não têm menos necessidade de se apropriar, mesmo fugidiamente, dos territórios que freqüentam. Um bom número de conflitos nos lugares turísticos é oriundo das diferenças de territorialidades (KNAFOU, 1996, p.64).
Em seus estudos sobre a relação entre turismo e território, Knafou
propõe considerar três fontes possíveis de turistificação dos lugares e dos
espaços: os turistas, o mercado e os planejadores. No primeiro caso, são as
práticas sociais de deslocamentos temporários de pessoas que fazem surgir os
espaços turísticos. É o turista que, na busca de novas paisagens mais
10 Para Knafou, “lugar turístico são lugares em que há turistas, onde fomos precedidos e onde
seremos seguidos de muitos outros” (1996, p. 64).
69
agradáveis e salutares, diferentes daquelas do seu dia a dia, se apropria de
alguns trechos privilegiados do espaço. No entender daquele autor, foi assim
que a Cote d’Azur, a Riviera del Fiori, Chamonix e outros destinos turísticos
surgiram. Fazendo um paralelo, podemos indicar que esses destinos teriam
surgido pela ação dos turistas pioneiros apontados pelos estudos feitos por
Christaller.
O segundo agente de turistificação de espaços, proposto por
Knafou é o mercado. Para o autor, é pela ação do mercado e não mais, a partir
das práticas turísticas em si, que os espaços atualmente, são turistificados. De
acordo com as tendências e modismo, novos destinos e produtos turísticos são
criados e colocados à venda para o consumidor, em uma relação estritamente
econômica. Muitas vezes, comete-se o equívoco de não se observar a
evolução das práticas turísticas, criando destinos e produtos não aceitos pelo
mercado consumidor, como o exemplo recente do mega-empreendimento
turístico implantando na Costa do Sauípe, litoral norte do estado da Bahia.
Apesar de suas características singulares e da sua localização, aquele
empreendimento passou por uma reestruturação logo no seu segundo ano de
funcionamento, uma vez que o mercado consumidor não se mostrou disposto a
consumi-lo, pois pelo preço estipulado era possível adquirir produtos similares
em diversas ilhas que compõem a grande área turística de sol e praia do mar
do Caribe. O consumidor brasileiro em condições de pagar pelo produto
oferecido, prefere optar por uma viagem para o exterior visto que a mesma lhe
traz mais reconhecimento dentro dos seus grupos sociais, quesito fundamental
na nossa sociedade de consumo atual. Por outro lado, para o consumidor
estrangeiro que vem para o Brasil, não há motivação para isolar-se em um
resort; o foco maior de interesse dos nossos visitantes estrangeiros é o contato
direto com a cultura e com a população brasileira, praticamente impossível
dentro daquele tipo de empreendimento turístico.
Completando sua relação de agentes de turistificação de espaços,
Knafou (1996) inclui os planejadores e promotores “territoriais”. Diferentemente
dos dois primeiros agentes que, em sua grande maioria, são externos aos
espaços que turistificam, esses agentes são sempre ligados ao lugar. A partir
70
da ideologia do desenvolvimento local endógeno, muito comum nos discursos
dos gestores públicos do turismo, formulam-se planos estratégicos para atrair
turistas e empreendedores que, nem sempre, observam as tendências do
mercado e das práticas turísticas, criando destinos turísticos que não
conseguem se inserir no mercado. Nesses casos, é comum identificar-se por
trás do plano estratégico, o interesse de líderes locais que, por
desconhecimento das características do fenômeno turístico ou por
apresentarem intenções políticas específicas, apresentam o turismo como a
solução (uma verdadeira panacéia!) de todos os problemas locais.
Seguindo essa proposição de turistificação dos espaços, Knafou
nos aponta para as três possibilidades de relações entre turismo e território:
territórios sem turismo, turismo sem territórios e “territórios turísticos”. O
território sem turismo seria aquele ainda não apropriado pelo turista, onde a
turistificação ainda não ocorreu, quer seja por falta de interesse do turista, quer
seja por problemas de acessibilidade (física, cultural, política e legal) ou falta de
atratividade. O turismo sem território seria aquela prática pela qual o turista não
pára no lugar, apenas passa, observa a paisagem exterior passivamente e vai
embora, sem manter nenhuma relação mais direta com a comunidade local. É
o caso dos pacotes turísticos massificados e dos enclaves produzidos pelos
grandes empreendimentos hoteleiros que oferecem tudo o que o turista
necessita dentro dos seus limites, isolando-o da realidade cotidiana do lugar.
Para alguns, podem ser chamados de “não-lugares”, seguindo o conceito
proposto por Marc Augé11 (1994); para outros, são os espaços da segregação
social, ou enclaves, que permitem o acesso apenas de parte privilegiada da
população, dotada de recursos financeiros excedentes para o seu consumo.
Por fim, os territórios turísticos seriam aqueles “inventados e produzidos pelos
turistas, mais ou menos retomados pelos operadores turísticos e pelos
planejadores.” (KNAFOU, 1996. p.73).
Os “territórios turísticos”, no dizer de Knafou, compõem-se dos
trechos do espaço “descobertos” pelos turistas e, posteriormente, apropriados
11 AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas-
SP: Papirus, 1994.
71
pelos agentes do mercado (hoteleiros, operadores, etc.) e pelo poder público
por meio de suas ações de reordenamento e de regulação do uso do solo.
Por sua vez, Nicolás (1989) observa que o espaço é utilizado para
o turismo tanto pelo seu valor paisagístico quanto pelas suas condições
ambientais (clima, vegetação, hidrologia, etc.). De acordo com o autor, a
turistificação de determinados trechos do espaço está condicionada
“profundamente pelos elementos super-estruturais” (p.58), onde os
componentes culturais praticamente decidem a atratividade de um lugar ou
destino.
Segundo a linha mais conservadora de análise, a apropriação do
espaço para o turismo dá-se apenas naqueles trechos em que existem
elementos – naturais ou culturais – capazes de gerar fluxos de visitantes
temporários, os quais proporcionam o surgimento da atividade turística, com
todas as suas implicações econômicas. Tendo a realidade do turismo no
México, em especial da região de Cancun, como objeto empírico de análise,
Nicolas aponta que
[...] tanto las características ambientales como la existencia de “trazas” de sociedades anteriores son factores locacionales importantes para el turismo, mas también lo es la existencia o permanencia de ciertos rasgos superestructurales religiosos o culturales, en la época actual. (1989, p. 58)
Em outras palavras, para o citado autor, o turismo como prática
socioespacial se apropria de trechos do espaço onde vislumbra a existência de
um conjunto de recursos naturais e culturais que, graças às suas
características intrínsecas próprias, é capaz de “atrair” a atenção de pessoas
de outros locais, incitando o seu deslocamento temporário até ele.
Nicolás (1989) propõe que observemos os espaços apropriados
para o turismo a partir de uma lógica diferente daquela que utilizamos nas
análises dos espaços de produção (do trabalho). Segundo ele, os destinos
turísticos obedecem à lógica do “mundo do ócio” e, a produção turística “no
obedece a las leyes de la producción económica tradicional: el espacio turístico
se crea y recrea como valor de uso (y también de cambio), sin que su
72
destrucción ocurra” (1996, p.44). Como já ressaltamos anteriormente, no nosso
entendimento, nos lugares turísticos há uma amalgamação entre as lógicas do
ócio e do trabalho e, conseqüentemente, seu estudo deve ocorrer de modo a
contemplar o jogo dialógico e, em alguns casos, dialético que ali se estabelece.
Para Nicolás (1996), não há apropriação definitiva ou consumo
consumptivo dos fatores de atração por parte dos visitantes; os elementos
naturais e culturais apenas são utilizados temporariamente e permanecem ali
para novos usos. Somente quando ocorre a mercantilização do tempo livre pelo
capital, é que se observa a transformação do valor de uso dos fatores de
atração em valor de troca e a conseqüente diferenciação do espaço a partir do
seu ordenamento específico dado pelo uso turístico. Ou seja, no espaço
apropriado para o turismo devemos ter em conta que convivem,
sincronicamente, as lógicas da produção (do trabalho) e do ócio (do tempo
livre).
Além da ocorrência dos fatores de atração – atrativos turísticos –
Nicolás (1989) nos indica outro ponto de fundamental importância para que
ocorra a turistificação de um determinado espaço: a acessibilidade dos turistas.
Trata-se não apenas da acessibilidade física (possibilitada pela disponibilização
de infra-estrutura de acessos e transportes), mas também das acessibilidades
econômica, cultural12, política e, principalmente, da acessibilidade legal.
Somente aqueles espaços que permitam a livre circulação dos visitantes e que
ofereçam uma utilidade condizente com os preços cobrados aos turistas, é que
são passíveis de serem turistificados. Devemos sempre considerar a
subjetividade da questão da utilidade do turismo na composição do status
social do turista que, de uma maneira geral, vê nas viagens uma forma de se
destacar dentro do seu grupo social.
Tal fato nos leva a reconhecer a necessidade de termos sempre
em consideração o papel do turista nos processos de turistificação dos
espaços. É ele que, em primeira instância, com as avaliações subjetivas das
suas próprias necessidades, acaba por definir quais partes do espaço serão
12 Somente serão atrativos para os turistas aqueles lugares onde ele consiga decodificar os
símbolos da cultura local e onde ele consiga se sentir apto a circular pelo espaço sem se sentir agredido ou estranho.
73
turísticas. Como nos lembra Knafou (1996), não existem lugares turísticos sem
turistas. Portanto, a compreensão dos processos de turistificação dos espaços
e a construção dos territórios do turismo passam também, pelo entendimento
dos processos subjetivos e pessoais que motivam os turistas a optarem por
determinados destinos em detrimento de outros.
A simples existência de belas praias, clima ameno, florestas
preservadas ou de patrimônios arquitetônicos de reconhecido valor, não é
garantia para a turistificação de um determinado trecho do espaço. Soneiro
(1991) nos lembra que nem todo espaço potencialmente turístico é turistificado.
Para ele, o meio físico (natural e cultural) não pode ser deixado de lado, “pero
el espacio turístico, lejos de cualquier determinismo natural, no es uma realidad
hasta que los agentes económico-sociales decidan su ‘apuesta en escena’ para
el consumo turístico” (SONEIRO, 1991, p. 64).
Pessoalmente, acreditamos que as especificidades (naturais e
culturais) dos lugares são fatores que devem ser avaliados com cuidado nos
estudos dos processos de turistificação dos espaços, pois podem contribuir
para agregar mais valor à paisagem, dando-lhes um caráter singular, muitas
vezes único. É esse valor intrínseco que é capaz de despertar o interesse
inicial do turista e que contribui para a construção da imagem (marca) dos
destinos turísticos. Assim, o Cristo Redentor no alto do pico do Corcovado é
uma especificidade da cidade do Rio de Janeiro que, dada a sua singularidade,
foi transformado no seu símbolo, sua marca principal.
Entretanto, entendemos que outros fatores, entre eles a decisão
subjetiva do turista, interferem no processo, exigindo uma análise mais
ampliada da questão. Essa análise deve abranger tanto os agentes do mundo
do trabalho como aqueles do mundo do ócio. A “unidade complexa” do turismo
é constituída por diversos agentes sociais (elementos) independentes e
interdependentes que, movidos por intenções e ações particulares,
estabelecem um feixe de interações responsáveis pelo surgimento de uma
organização dinâmica, flexível e, na maioria das vezes, sazonal. Entre esses
agentes sociais constituintes do turismo, ocorre um jogo dialógico, em que
podem ser identificados complementaridades, antagonismos e concorrências.
74
A lógica diferenciada de cada um deles é decisiva para a análise dos espaços
do turismo, como apresentamos a seguir.
3.1.1 Agentes do Turismo e Suas Lógicas de Apropriação dos Espaços
Assumindo o entendimento do agente como fator capaz de
produzir um efeito sobre determinado fato ou atividade, os agentes sociais
produtores do turismo compõem-se de pessoas, grupos sociais,
empresas/firmas e instituições com poder de gerar um efeito sobre o fenômeno
e/ou sobre a atividade turística, ou seja, com capacidade de intervir, modificar
ou influenciar o seu curso.
Apesar de diversos autores clássicos apontarem como sujeito do
turismo o homem, com suas necessidades e desejos subjetivos, entendemos
não ser possível compreender a lógica espacial do turismo a partir dessa
separação cartesiana sujeito-objeto, por ser praticamente impossível identificá-
los ou isolá-los. Os agentes sociais produtores desse fenômeno e da atividade
por ele gerada são, ao mesmo tempo, ativos e passivos, e estabelecem uma
trama reticular complexa de relações. Essa rede complexa é fortemente
espacializada, sendo composta de pontos emissores, pontos receptores e
linhas de conexões (físicas e imateriais), que se superpõem a outras redes de
relacionamentos, sincronicamente, densificando e turistificando o espaço
regional onde se manifesta.
Essas redes ou, mais especificamente, territórios-rede do turismo
como veremos adiante, apresentam como característica fundamental sua
sazonalidade, visto serem dependentes da temporalidade e da constância dos
fluxos de turistas, bastante irregulares, dado estarem vinculadas a diversos
fatores que caracterizam o consumo do produto turístico: tempo livre,
condições climáticas, férias escolares, disponibilidade de recursos (poupança),
aspectos motivacionais, ações de marketing, modismo, etc.
75
Os poucos estudos epistemológicos envolvendo o fenômeno
turístico, em sua quase totalidade, fundamentam-se na corrente estruturalista
empírico-positivista, na qual a teoria de sistema aparece como principal
ferramenta metodológica. Tal fato faz com que a construção de uma teoria do
turismo (turismologia, como querem os mais radicais) não consiga criar as
bases que lhe permita definir com clareza qual é o seu campo de estudo.
No paradigma estruturalista que vem predominando na maioria
dos estudos do turismo, a categoria de sistema turístico apóia praticamente
todos os estudos teóricos e empíricos (CUERVO, 1967; ACERENZA,1991;
BOULLÓN, 1990a OMT, 2001; BENI, 2001; TRIBE, 2003; entre outros
autores). Entretanto, se nos afastarmos dela, poderemos encontrar outra
possibilidade para a compreensão da lógica territorial do turismo
contemporâneo: o turismo visto como um conjunto de agentes inter-
relacionados no tempo e no espaço, que compõem redes territoriais e de
relacionamentos, sazonais, flexíveis e fluídas, onde ocorrem os encontros de
alteridades distintas (do turista, do trabalhador, do anfitrião, do poder público e
do capital), apoiadas tanto pela lógica da produção como do consumo.
Para o antropólogo brasileiro Álvaro Banducci Júnior, “o turismo é
um fenômeno extremamente complexo, mutável, que opera de múltiplas formas
e nas mais diversas circunstâncias, sendo difícil apreendê-lo, em sua
totalidade, por meio de uma única perspectiva teórica ou mesmo de uma única
ciência”. (2001, p.23). Apoiados nessa afirmação, entendemos que a
complexidade das variáveis e dos elementos que compõem o turismo impõe
uma postura mais dinâmica, preferencialmente multidisciplinar e dialógica, para
o seu estudo e sua compreensão.
Seguindo essa tendência, a busca da compreensão do processo
de turistificação do espaço nos leva a ampliar nossos meta-pontos de
observação (MORIN, 1999) para apreendê-lo como um fenômeno
socioespacial contemporâneo que tem no seu bojo não apenas um agente
social gerador, mas sim diversos agentes que, cada um dentro das suas
características, expectativas e necessidades, colaboram para a construção do
fenômeno e da atividade. Contrariamente ao que propõem os autores mais
76
clássicos, para quem o único agente do turismo é o turista, entendemos que
precisamos iniciar nossas investigações dando tal estatuto também, para
outros agentes sociais que agem e interagem sincronicamente no acontecer do
turismo, trabalhando para a constituição da sua “unidade complexa”: os
representantes do capital, portanto do mercado, conhecidos vulgarmente como
trade turístico, o Estado, em seus diversos níveis, e as comunidades das áreas
receptoras, representadas pelos trabalhadores empregados pelo setor e pela
população em geral.
Turistas
Agente produtor central do fenômeno turístico, também o mais
conhecido, o turista é responsável pelo momento inicial e mais subjetivo do
fenômeno, na medida em que, levado por motivações as mais diversas e quase
sempre pessoais, se desterritorializa temporariamente, afastando-se do seu
entorno habitual de vida. Para atingir tal intento, desloca-se para outros pontos
do espaço em busca de oportunidades ímpares, que lhe permitam fugir do
stress do seu dia a dia e, de alguma maneira, recompor suas energias para
retornar ao seu tempo de trabalho; ao fazê-lo, esses agentes produzem um
território mais fluído e sazonal, estruturado, a princípio, a partir da lógica do
tempo do ócio. Nas palavras do sociólogo espanhol Gregório Mendez Muela,
Un turista es un viajero temporal que posee una plaza fija de permanencia, con dirección permanente incluso durante su viaje. Estas circunstancias le diferencian del nómada, el errante, el vagabundo y otros tipos de viajeros permanentes. Así, para el turista, el viaje es algo excepcional, un estado inusual, un rol que torna sólo ocasionalmente o con poco frecuencia (2003, p.52).
A sociedade moderna, desde o princípio da mundialização dos
territórios e da cultura no século XV, tem na sua mobilidade uma de suas
características mais marcantes. Mas, o que levaria uma pessoa a deslocar-se
temporariamente e tornar-se um turista? Por que ela escolhe determinado lugar
ou região em detrimento de outros? Os fatores motivacionais que sustentam as
77
escolhas dos turistas fazem parte de um processo psicossocial bastante
subjetivo, que vem merecendo a atenção de estudiosos da psicologia social, na
busca de teorias que o elucidem. O estudo mais citado é aquele desenvolvido
por Stanley Plog13, ainda na década de 1970 que, a partir do estudo do
comportamento dos turistas americanos, propôs um modelo com dois perfis
psicográficos ideais: os turistas alocêntricos e os turistas psicocêntricos. Entre
os dois podem ser identificadas combinações gradativas, conforme indicado na
Figura 2, além do achatamento da curva nas décadas mais recentes (COOPER
et al, 2001).
Figura 2 – Curva do perfil psicográfico dos turista s de Stanley Plog
Fonte: CUNHA, 1997
O turista, com características alocêntricas, aproxima-se daquele
turista pioneiro apontado por Walter Christaller. É o descobridor de novos
destinos turísticos; que busca se afastar do seu cotidiano em lugares
radicalmente opostos ao seu lugar de vida. Para alcançar esses lugares ainda
não “descobertos” pela mídia não se incomoda com longos deslocamentos,
muitas vezes utilizando-se de meios de transportes precários e
13 S.C. Plog. Why destination areas rise and falt in popularity. IN: Tourism destination. Nova
York: The Cornoel H.R. A. Quartely, 1974.
78
desconfortáveis. O importante para ele é desfrutar de lugares e paisagens
ímpares e pouco conhecidos, onde possa entrar em contato com um ambiente
natural e cultural que lhe possibilite, mesmo que temporariamente, vivenciar a
experiência de “estar no paraíso”. Em geral são pessoas extrovertidas, ativas e
dispostas a correrem certos riscos (mesmo que previamente calculados),
abertas para trocar experiências com os moradores das comunidades visitadas
e por experimentar sensações diferentes: comidas, bebidas, jogos, danças, etc.
Um exemplo característico desse tipo de turista são os conhecidos
“mochileiros”, viajantes que planejam suas viagens por conta própria, evitam os
pacotes turísticos convencionais, utilizam-se de meios de transportes regulares
(trens, ônibus, etc.) e se hospedam em albergues, pensões e até mesmo, na
casa dos moradores locais. Seus roteiros não são rígidos e permitem a
inclusão de novos lugares, descobertos durante a própria viagem. Tão logo o
lugar torne-se conhecido ele se afasta em busca de outros.
Por sua vez, o turista com características psicocêntricas tende a
ser introvertido, inseguro e, portanto, não gosta de correr riscos. Suas viagens
são planejadas com cuidado e antecedência, em sua maioria direcionadas para
destinos turísticos conhecidos, próximos de sua residência, já consolidados no
mercado, que possibilitem certa sensação de isolamento do cotidiano local.
Não há interesse do turista em manter contato com os moradores locais, pouco
se interessando por conhecer a cultura local. Quando muito, satisfaze-se em
conhecê-la através de shows folclóricos especialmente preparados para ele.
Esse tipo de turista tende a repetir suas viagens; prefere retornar ao mesmo
hotel, ao mesmo restaurante, pois isso lhe transmite uma sensação de
segurança e de rotina.
O ponto extremo desse perfil de turista é aquele consumidor dos
enclaves turísticos (resorts), que busca apenas fugir do seu stress diário sem
nenhuma outra preocupação além do descanso. Para isso, basta uma boa
praia, com mar de águas mornas, límpidas e calmas e um alto índice de
insolação. Nada que lhe fuja do controle: comidas e bebidas internacionais,
guias e prestadores de serviços discretos, eficientes e prontos a servi-los. O
exótico do lugar é previamente preparado para ele: a comida típica tem sua
79
composição original alterada para não gerar problemas de saúde, os shows
folclóricos são espetacularizados seguindo os modelos hollywoodianos, de
modo a não se tornarem monótonos ou mesmo incompreensíveis para eles.
Entre esses dois perfis psicográficos tão extremos, podemos
identificar uma graduação bastante rica de variações no comportamento dos
turistas contemporâneos. O ponto intermediário entre eles é o perfil que mais
se aproxima das características da grande maioria dos turistas atuais,
recebendo a denominação de mesocêntrico. É o turista consumidor que tem na
viagem uma maneira de adquirir status e de se diferenciar dentro do seu grupo
social. O olhar do turista mesocêntrico é o olhar da sociedade de consumo e
não mais o olhar romântico ou curioso do turista tradicional que desejava
apenas fugir do seu cotidiano e recompor suas energias para o trabalho.
Atualmente, os turistas com características mesocêntricas
representam a maioria nas estatísticas dos fluxos de viagens e podem ser
assumidos como o típico turista da pós-modernidade e do modo de produção
flexível: busca do prazer, sensualidade, diversão, clima (sol e praia), compras e
recordações e, principalmente, exposição (ou seria melhor exibição?) social,
tanto durante a viagem com no seu retorno. Para ele, mostrar suas fotografias,
filmes e souvenires ou relatar suas experiências é tão ou mais importante
quanto a própria viagem.
Com as mudanças no comportamento e no modo de vida do
homem contemporâneo e, principalmente, pela intervenção do capital no modo
de consumo do tempo livre, as motivações dos turistas estão sofrendo
alterações, apontando para mais dois tipos intermediários de perfis
psicográficos: os semi-alocêntricos e os semi-psicocêntricos. A análise das
curvas da Figura 2 mostra claramente o deslocamento do perfil mesocêntrico
para esses dois perfis intermediários, principalmente para o semi-alocêntrico,
confirmando a tendência mundial de mudanças no comportamento do
consumidor do produto turístico, a partir da década de 1980.
O perfil semi-psicocêntrico comporta os turistas que tendem a
buscar por destinos turísticos muito freqüentados e valorizados pela mídia, mas
que oferecem conforto, segurança e um mínimo de privacidade. Ou seja,
80
apesar de não gostarem de correr riscos durante seus deslocamentos, eles
também almejam se exibir e adquirir algum destaque perante seus grupos
sociais, viajando para destinos turísticos freqüentados por pessoas famosos ou
de classe social igual ou superior a deles. Como exemplos podemos citar os
casos de Cancún-MEX, Armação dos Búzios e Miami-USA.
Já os turistas com perfil semi-alocêntrico dão preferência para as
viagens que lhe possibilitem o desenvolvimento de atividades desportivas,
culturais e de desenvolvimento pessoal (congressos, eventos, espetáculos
culturais, etc.) em destinos turísticos ainda não muitos expostos pela mídia.
Também buscam a oportunidade de enfrentar alguns desafios e aventuras,
realizando atividades esportivas mais arriscadas (escaladas, rafting, mergulho,
etc.) ou longas caminhadas de peregrinação, onde o caminhar é o próprio
objetivo da viagem. Diferentemente dos alocêntricos, procuram planejar suas
viagens, quase sempre com o apoio de profissionais das áreas e exigem
conforto e segurança durante todo o tempo da experiência. Temos como
exemplos de destinos turísticos procurados pelos turistas psicocêntricos:
Aspen-EUA, Bariloche-ARG, Fernando de Noronha, Bonito).
É importante ressaltar que esses perfis psicográficos propostos
por Plog (1974) não são rígidos e nem permanentes. O mesmo turista pode
apresentar características de tipos diferentes em uma mesma viagem ou, como
é mais comum, comportar-se de maneira diferente a cada nova viagem. Um
morador de uma grande cidade como São Paulo pode, por questões diversas,
mas principalmente por motivos econômicos, comportar-se como um turista
psicocêntrico durante suas viagens de fins de semana ou de feriados
prolongados e, nas suas férias anuais, optar por um comportamento mais
alocêntrico ou semi-alocêntrico, viajando para lugares mais distantes, menos
conhecidos do grande público, onde possa ter experiências mais excitantes ou
inusitadas.
Em síntese, o turista é o agente social gerador do fenômeno
turístico e, por conseqüência, de todo o jogo de relações complementares,
concorrentes e antagônicas que constituem a cadeia econômica que surge
para atender as suas necessidades durante os seus deslocamentos
81
temporários (hospedagem, alimentação, entretenimento, segurança etc.).
Dependendo do seu comportamento durante seus deslocamentos, ele irá se
territorializar temporariamente com menos ou mais intensidade, estabelecendo
redes de relacionamentos mais ou menos fluidas. O turista com um
comportamento mais próximo do perfil psicocêntrico tende a ter uma lógica
reticular de apropriação dos espaços visitados, porém mais estática, pois tende
a se movimentar menos e a estabelecer menos contatos com a população
local. Por outro lado, o turista que se aproxima do tipo alocêntrico tende a ter
uma lógica reticular de apropriação dos espaços, porém, mais dinâmica e
fluída; já que circula mais e se relaciona mais com outros agentes sociais,
principalmente, com a população dos locais visitados.
Como apontam muitos autores, sem turista não há turismo, o que
sinaliza para a sua importância dentro dos estudos dos processos de
turistificação dos lugares. Ele é o principal responsável pela dinâmica do setor
turístico atual e é por meio dele que o capital busca aumentar a sua
capacidade de acumulação, criando e inventando novas necessidades e novos
destinos turísticos para serem consumidos.
Agentes do mercado
O segundo agente social produtor do turismo por nós indicado
está diretamente relacionado com a atividade econômica que surge a partir do
fenômeno turístico e com o processo de apropriação do tempo livre pelo
capital. No jogo das lógicas trabalho-ócio e tempo de trabalho-tempo livre, o
capital encontrou uma excelente oportunidade para se reproduzir e se
fortalecer. Apoderando-se do discurso que propõe a necessidade do lazer para
a recuperação das energias necessárias para a continuidade do trabalho,
transformou o tempo livre em tempo de consumo e o lazer em mais um produto
a ser consumido.
Tais agentes do mercado, conhecidos tecnicamente pela
denominação de trade turístico, são os agentes produtores da atividade
turística. A partir das necessidades geradas pelos deslocamentos temporários
82
do homem o capital, por meio dos seus representantes – empresários –
mercantilizou o fenômeno e o transformou em mais uma atividade econômica
típica da atual sociedade de consumo. De acordo com Norma M. Moesch essa
transformação ocorreu a partir da metade do século XIX, quando
um atento observador inglês preocupou-se em identificar os elementos necessários à viagem turística, ao deslocamento humano praticado por lazer. Thomas Cook é o seu nome e, tudo leva a crer que ao dimensionar o âmbito das necessidades biopsicossociais do homem viajante, o pastor anglicano de Leicester tenha alavancado os primeiros passos da fantástica indústria do turismo, a revolução silenciosa do século XX, e formato o primeiro produto turístico do mundo (2003, p.38).
Sem entrar na discussão epistemológica da expressão “indústria
do turismo14”, visto não ser parte essencial para nosso estudo, podemos
detalhar a estrutura e as características dos agentes produtivos do turismo
partindo dos parâmetros do modelo referencial de sistema turístico (SISTUR)
(Figura 3), proposto pelo professor Mário Beni (2001), mesmo cientes das suas
limitações (extremamente estruturalista) para um estudo mais ampliado do
fenômeno turístico. Para nós, o modelo de Beni não é suficiente para
representar todo o jogo dialógico que constitui o fenômeno socioespacial do
turismo. Entretanto, ele se revela útil para o estudo da estrutura do
sistema/organização turístico e para o entendimento da ação dos seus agentes
de mercado.
Para se concretizar a atividade turística estrutura-se em um
sistema de produção, complexo, dinâmico e ágil, instalado tanto nos centros
emissores como nos centros receptores e nos corredores de ligação entre eles,
oferecendo equipamentos e serviços que tornam a viagem mais segura,
confortável e atraente. No modelo de SISTUR de Beni, o turismo é apresentado
como um sistema aberto, tendo como referência a conceituação de sistema
como “um conjunto de procedimentos, doutrinas, idéias ou princípios
14 Diversos especialistas, dentre eles o economista Leandro Lemos (2005), argumentam que é
errôneo classificar o turismo como indústria tendo em vista que a indústria pressupõe transformação de matéria-prima em um outro bem e para o turismo os recursos (naturais e culturais) precisam se manter inalterados para garantir a sua continuidade.
83
logicamente ordenados e coesos, com a intenção de descrever, explicar ou
dirigir o funcionamento de um todo” (BENI, 2001, p. 44).
Figura 3 – Modelo referencial do Sistema Turístico – SISTUR de Beni Fonte: Beni, 2001
Esse sistema é composto por três conjuntos mais abrangentes
(relações ambientais, organização estrutural e ações operacionais) que
abarcam elementos e funções específicas. No conjunto das ações operacionais
identificamos os componentes da atividade turística, todas as relações de
produção e consumo decorrentes do turismo e os seus agentes produtivos.
Tendo por base o atendimento das necessidades biopsicossociais
do turista durante seus deslocamentos, é possível agruparmos esses agentes
produtivos do turismo em dois conjuntos distintos, mas inter-relacionados: o
conjunto composto pelos agentes produtivos que atendem diretamente às
necessidades do turista (hospedagem, alimentação, transporte,
entretenimentos, informações) e outro, composto pelos agentes que
indiretamente atendem às necessidades do turista dando suporte àqueles que
84
o fazem diretamente (serviços de comunicação, segurança, fornecimento de
insumos, etc.).
Na realidade, o assim chamado “produto do turismo” é, em
realidade, um agregado de produtos e serviços oriundos de diversos setores
que, graças às ações das operadoras e das agências de viagens, são
consolidados em um produto único (do ponto de vista do turista). Para tal,
estrutura-se toda uma cadeia produtiva densa onde, nem sempre seus
componentes se percebem participantes dela. Parece ser difícil para um
produtor de hortaliças que abastece os hotéis e restaurantes de um
determinado destino turístico perceber que ele, indiretamente, participa do
produto turístico oferecido ao visitante. O mesmo ocorre com relação às
imobiliárias de aluguel por temporada que, apesar de terem a grande maioria
dos seus clientes composta por pessoas de outros municípios (portanto,
visitantes), se recusam a participar das ações de gerenciamento propostas pelo
conselho municipal de turismo, por não se perceberem parte do contexto
turístico local.
Durante a implantação da segunda fase do PNMT, quando o
objetivo era a articulação dos conselhos municipais de turismo, ocorreram
muitos fatos que comprovam essa falta de consciência dos membros das
cadeiras produtivas do turismo local. Orientados pelos gestores do programa,
os monitores municipais tinham a missão de convidar e estimular a participação
dos agentes produtivos locais na estruturação do conselho de turismo e, era
comum ouvirem respostas do tipo “sou taxista e não tenho nada com o turismo”
ou “meu filho, eu só vendo sanduíche na praia, não tem porque participar
dessa coisa ai!”. Por outro lado, a falta de entendimento da cadeia produtiva
levava um hoteleiro, por exemplo, a indagar: “por que esse cara está aqui? Ele
é só um artesão e não tem nada a ver com o turismo!”.
Com base na teoria do ciclo de vida das destinações turísticas
(BUTTLER, 1980)15, podemos observar níveis diferenciados de atuação dos
agentes de mercado nos seus processos de turistificação. Levando-se em
15 BUTLER, R.W. The concept of a tourist área cycle of evolution, implications to management
of resources. Canadian Geographer, v.24, n.1, p. 5-12, 1980.
85
consideração apenas aquelas destinações que surgem mais ou menos
espontaneamente (caso da maioria dos destinos turísticos brasileiros),
podemos sintetizar a ação do trade turístico da seguinte forma:
a) Nas fases iniciais do ciclo de vida, a produção dos bens e serviços
turísticos fica a cargo de agentes de mercado locais, membros da
população residente com alguma reserva de capital para “se
arriscar” no novo negócio, abrindo pequenas pousadas e
restaurantes, oferecendo serviços e instalações mais simples e, em
alguns casos, quase improvisados, objetivando atender as
necessidades e demandas dos visitantes;
b) Com a divulgação do destino pela mídia, observa-se uma etapa de
crescimento mais acelerado dos fluxos de demanda turística.
Agentes de mercado endógenos começam a chegar e substituem os
agentes de mercado local (tanto pela compra dos seus
empreendimentos como pela concorrência), impondo uma lógica de
produção mais profissional, em que o objetivo passa a ser o máximo
de produtividade para o capital investido, pela oferta de produtos e
serviços mais sofisticados e diversificados para os visitantes;
c) Com a maturidade e a saturação do destino, observa-se uma
paralisação da entrada de novos investidores externos, seguida pela
retirada daqueles originalmente endógenos que, não satisfeitos com
o nível de rentabilidade obtido no local, identificam novas
oportunidades em outros destinos turísticos mais novos.
A duração desse ciclo de vida varia significativamente,
dificultando a indicação de parâmetros médios para comparação e
acompanhamento. Entretanto, a forma de atuação dos agentes de mercado é
praticamente igual em todos os casos, exceto naquelas destinações turísticas
planejadas, que já surgem como destinos turísticos consolidados, totalmente
dependentes de investidores endógenos e voltadas para segmentos bastante
específicos do mercado, como exemplo podemos citar os casos de Cancún-
MEX e Costa do Sauípe-BA.
86
Na atualidade, a força de atuação dos agentes do mercado no
turismo vem assumindo proporções mais específicas e complexas graças “a
progressiva implantação da filosofia do liberalismo econômico, segundo a qual
o setor privado deve protagonizar a atividade no mercado” (OMT, 2001, p.109),
ocupando o espaço de outro agente social básico do turismo, o Estado. Os
exemplos das recém criadas parcerias público-privadas, propostas pelo
Ministério do Turismo, comprovam tal situação. O agente privado vem
assumindo o fornecimento de diversos serviços públicos, principalmente, nas
áreas dos transportes e das comunicações.
Estado
Partindo do entendimento de ser possível utilizar o turismo como
uma ferramenta para implementação de processos de desenvolvimento,
especialmente aqueles que objetivam diminuir as desigualdades regionais, o
Estado16, por meio de suas diversas instâncias de poder público, procura
estabelecer regras e normas para o sistema turístico sob sua área de atuação.
Tal postura objetiva regular e normalizar o sistema turístico dentro daquilo que
parece ser a melhor forma para o atendimento das necessidades das
populações residentes sem, entretanto, esquecer ou desprezar a lógica do
capital;
Nas últimas décadas, como já indicamos anteriormente, o fato
econômico gerado pelo turismo tornou-se parte integrante da estrutura
governamental de muitos países, estados e municípios. Mesmo com a
explosão dos governos alinhados pelas diretrizes neoliberais do mercado,
responsável por “um crescente ceticismo quanto à eficiência do governo,
especialmente o governo central” (HALL, 2001, p. 27) e por uma diretriz de
menor intervenção estatal, as falhas e imperfeições do mercado ainda
justificam e dão fundamentos lógicos para a atuação mais ativa do Estado na
gestão e no funcionamento dos sistemas turísticos.
16 Estado aqui é entendido como a primeira pessoa jurídica, com direitos e deveres, composta
por três elementos fundamentais: povo, território e poder (ACERENZA, 1991), que concentra em si o monopólio da produção das leis e normas.
87
A ação do agente público no turismo pode ocorrer de maneira
bastante diferenciada nos diversos níveis de governo. Desde o nível nacional
até o nível local, a importância da sua atuação vem se revelando fundamental e
sendo solicitada até mesmo pelo próprio agente produtivo, o mercado.
Para Mário Carlos Beni, a ação do Estado deve ser exercida por
meio de uma política setorial, entendida “como um curso de ação calculado
para alcançar objetivos” (2001, p.109), a qual deve ser detalhada pelos
programas constantes dos processos de planejamento estratégico. Para Beni,
o Estado “desempenha um papel controlador” do turismo.
De acordo com Colin Michael Hall, a intervenção do poder público
no turismo pode ser direcionada para: a) buscar a melhoria da sua
competitividade econômica; b) corrigir e organizar os direitos de propriedade da
terra; c) permitir uma visão integral do setor que observe e incorpore as suas
externalidades; d) reduzir custos e incertezas; e) apoiar projetos com elevados
custos de capital e que envolvam novas tecnologias; f) educar e informar
(HALL, 2001). Essa visão do papel do Estado aparentemente está
comprometida com o modelo de desenvolvimento turístico que prega a busca
da sustentabilidade do setor, mas nela percebe-se claramente a influência da
filosofia neoliberal atual, principalmente no tocante à busca da melhoria da
competitividade econômica e da ação do Estado em projetos que exigem maior
investimento e que, portanto, apresentam maior risco para o capital privado.
Para outros autores, o papel do Estado atualmente é menos o de
investidor e mais o de articulador dos diversos agentes que intervêm no
turismo. A complexidade da atividade turística e as suas repercussões e seus
efeitos multiplicadores para as economias nacionais e locais exigem uma
atuação mais verdadeiramente política do poder público, principalmente no
estabelecimento das macro-estratégias de longo prazo, que devem deixar
claras as diretrizes gerais para a atuação dos demais agentes envolvidos com
o setor. Hall (2001) observa que o papel do Estado deve estar diretamente
vinculado ao estímulo e ao gerenciamento da sustentabilidade das redes de
relacionamento que estruturam o turismo atual.
88
Entretanto, não cremos que esse discurso esteja funcionando
plenamente, mesmo naqueles países mais desenvolvidos onde o agente do
mercado apresenta maior poder de intervenção. Como iremos abordar no
capítulo seguinte, a dimensão da atuação do Estado no desenvolvimento
turístico vem sofrendo transformações desde a década de 1950, quando o
turismo passou a ser encarado como uma possibilidade de desenvolvimento
econômico, de aumento da arrecadação pública e para o equilíbrio da balança
de pagamentos de alguns países. Inicialmente, cabiam ao Estado os
investimentos pesados no fornecimento de infra-estrutura, nas ações de
marketing e até mesmo no fornecimento de determinados equipamentos e
serviços turísticos, tipicamente de características privadas. Hoje, o Estado vem
se distanciando daquela postura e tornando-se mais um coordenador do
processo de desenvolvimento; pelo menos é o que indicam os discursos dos
governantes, impressos nos seus planos de desenvolvimento turístico.
As recomendações dadas pela OMT para seus países membros
indicam que o grande objetivo das políticas públicas de turismo deve ser
“compatibilizar o princípio de liberdade de mercado e de empresa com a
preservação das vantagens estruturais que assegurem a continuidade da
atividade em condições adequadas” (OMT, 2001, p.154). Para aquela agência
de desenvolvimento ligada à ONU, é cada vez mais evidente que o “Estado
deve exercer um papel central na fixação de critérios de desenvolvimento e na
coordenação das atuações dos agentes privados que nele interagem” (ibidem,
p. 155), de modo a “criar e manter as condições adequadas para aquecer a
competitividade das empresas e das regiões turísticas” (ibidem, p.159).
Para nós, há uma clara inconsistência entre o que é divulgado nos
discursos do poder público, nas manifestações oficiais dos agentes produtivos
do mercado e o que realmente é praticado na gestão das áreas turísticas. Os
discursos pregam o afastamento do Estado, mas a prática mostra que os
próprios agentes do mercado se articulam e pressionam o Estado para que
invista no fornecimento de toda a infra-estrutura necessária, para que eles se
instalem sem riscos de perda ou prejuízo além de, também, articular para que
esse mesmo Estado financie seus investimentos de maneira que lhes seja
89
vantajosa. Podemos ver isso claramente na análise dos programas de
desenvolvimento do turismo (PRODETUR), que o governo brasileiro vem
implantando em algumas regiões do país, particularmente na região Nordeste,
desde o início da década de 1990.
Concordamos com Mário C. Beni quando, analisando o papel
atual do Estado na gestão do turismo, afirma que “é ficção pensar que o
governo não tem papel algum a desempenhar no Turismo. Pelo contrário, ele é
e continuará sendo a ‘mão oculta’ que dirige a política da área, ao mesmo
tempo em que assegura que os serviços turísticos que mais satisfazem os
visitantes estrangeiros sejam oferecidos pelos mais capacitados a fornecê-los”
(2001, p.125). Para o mesmo autor, entretanto, o Estado tem se preocupado
demais com as questões relacionadas com a dimensão econômica do turismo
e relegado a um plano bastante inferior àquelas relacionadas com os impactos
e benefícios sócio-ambientais que o fenômeno contempla.
Comunidades das áreas receptoras
Na perspectiva de mapear os agentes sociais que, direta e
indiretamente, intervêm no turismo, identificamos na população residente nas
áreas turísticas mais um deles. Entretanto, não podemos tratá-la com um
agente social homogêneo, tendo em vista as diferentes posições e
relacionamentos que ela mantém com o sistema turístico.
O sociólogo Jost Krippendorf (1989) faz uma interessante
abordagem sobre o papel da população autóctone dos destinos turísticos, a
quem ele denomina de “viajados” (aqueles que são visitados), em
contraposição aos “viajantes” (os que visitam). Apontando para o fato da quase
inexistência de pesquisas sobre esse agente social do turismo, o autor nos fala
que “o advento do turismo transformou a bela virtude humana da hospitalidade
espontânea e gratuita, num ganha pão e numa profissão” e que “nesta grande
indústria que é o turismo, é evidentemente a escala de valores dos viajantes e
dos promotores que prima” (1989, p.89). Não há espaço para a opinião do
viajado: o “nativo está mudo” e sua voz é praticamente inaudível.
90
Quem é esse agente social, o “viajado”? Classificar toda a
população local como um agente único frente ao turismo é incorrer no risco de
tentar homogeneizar um grupo de agentes sociais diversificados e, até mesmo,
antagônicos para algumas questões. Nos seus estudos sociológicos do
turismo, Krippendorf propôs dividir os “viajados” em cinco categorias: aqueles
que estão em contato direto com os turistas (os trabalhadores do setor); os
empresários de empresas turísticas locais e de outras empresas que
indiretamente dependem do turismo; os habitantes que, mesmo mantendo
contatos diretos com os turistas, não dependem totalmente deles para obterem
seus ganhos; os habitantes que não mantêm nenhum contato com os turistas;
e os políticos e governantes que vêem no turismo a oportunidade de elevação
do nível de vida, deles e da população local.
Importante ressaltarmos que essas cinco categorias estão
permeadas pela questão das diferenças das classes sociais, as quais devem
ser consideradas na análise da atuação dos agentes sociais do turismo. Assim,
na categoria dos trabalhadores diretamente envolvidos na atividade turística,
estão incluídos desde aqueles de classes menos privilegiadas (jardineiros,
camareiras, carregadores de malas, etc.) até os de classes sociais mais
elevadas (gerentes, maitres, chefes de cozinhas, especialistas em marketing,
etc.), assim como entre os empresários estão incluídos desde o pequeno e
micro empresário, muitos na economia informal, até os mega-empresários
transnacionais.
Essas diferenças de classe sociais interferem diretamente na
forma de atuação de cada agente, principalmente na sua lógica de
territorialização dentro do espaço dos destinos turísticos. Enquanto os
empresários - agentes do mercado – e os trabalhadores melhor qualificados
(e, portanto, melhor remunerados) se territorializam nos bairros e áreas mais
nobres dos destinos turísticos, os trabalhadores menos qualificados ocupam as
suas periferias, longe do espaço turistificado.
Mascarenhas (2005) nos oferece um interessante estudo sobre
essas diferentes lógicas de territorialização dos agentes sociais dos destinos
turísticos, quando aborda o processo de urbanização turística da localidade de
91
Penedo (RJ). Para aquele autor “a organização do espaço urbano em Penedo
configura a existência de dois circuitos da economia local, cada um com sua
espacialização própria, claramente demarcada” (2005, p.128), que revelam
“duas Penedos”: a dos “turistas e indivíduos de médio/alto poder aquisitivo com
boa infra-estrutura e oferta de bens e serviços mais sofisticados” (ibidem); e a
destinada “aos pobres do lugar, caracterizada por preços baixos, organização
espacial informal ou rudimentar (idem, p. 129). A primeira com baixa densidade
populacional, ruas largas e valorizadas; a segunda densamente povoada e
ironicamente denominada “bairro Formigueiro” que é cercado de áreas de
ocupação precária nominadas com África 1 e África 2.
Para nós, a segunda e a quinta categoria apontadas por
Krippendorf têm uma ingerência bastante diferenciada e significativa no
turismo, por isso optamos por destacá-los como agentes específicos. Os
empresários locais, mesmo que de pequeno porte, têm sua lógica de ação
ditada pela lucratividade e, por isso, enquadram-se dentro do universo dos
agentes produtivos do mercado (trade turístico). Os políticos e governantes por
sua vez, atuam como poder público e, portanto, devem ser analisados a partir
de uma outra lógica de atuação, da regulação e da normatização.
Restam ser analisados os trabalhadores diretos do setor turístico,
os habitantes que obtêm parcialmente seus rendimentos no turismo e a
população em geral que, a princípio, não se vê dependente ou comprometida
com a atividade turística local.
Trabalhadores diretos do turismo
É o grupo de agentes sociais do turismo composto pela parte da
população residente nas áreas receptoras ou nas suas cercanias, autóctones
ou migrantes, que se emprega nas diversas empresas ou atividades geradas
pelo processo de turistificação e tem no turismo o meio principal de obtenção
de renda para sua sobrevivência. Na sua grande maioria é oriunda de outros
setores econômicos e depende diretamente dos fluxos de visitantes para obter
seus ganhos e manter seus empregos. Aumentando o número de turistas,
92
aumentam não só o número de empregos e ocupações, como também o ganho
médio de cada um, já que o setor é extremamente vinculado ao hábito das
gratificações (gorjetas). Se os fluxos de turistas diminuem, diminuem os
empregos, as ocupações e o ganho médio
Na hotelaria brasileira é praticado, com anuência dos sindicatos
da categoria, o sistema de remuneração composto pelo salário fixo
(normalmente muito baixo) e pelos “pontos”. Cada cargo recebe um número de
pontos de acordo com a sua maior ou menor proximidade com o turista e com
a complexidade do serviço compreendido (a princípio, um recepcionista tem um
número maior de pontos que um empregado responsável pelo estoque de
roupas limpas). O total arrecadado com a taxa de serviço cobrada do hóspede
(os já famosos 10%) é rateado proporcionalmente entre todos os empregados
do hotel, conforme o número de pontos de cada cargo ou função. Na alta
estação o ganho com os pontos supera em muito o valor do salário, mas esse
valor extra não é considerado quando dos cálculos dos benefícios sociais do
trabalhador, como o fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), férias
remuneradas e contribuição previdenciária.
Dentro da estrutura do sistema econômico do turismo, os
trabalhadores diretos têm uma importância muito destacada, uma vez que da
sua atuação individual depende a qualidade do produto turístico oferecido.
Alguns economistas chegam a afirmar que entre 60 e 70% do produto turístico
compõe-se de prestação de serviços que depende diretamente do
desempenho da mão-de-obra empregada. Essa importância do trabalhador na
composição e no funcionamento da atividade turística, entretanto, não é
devidamente reconhecida pelo agente produtivo, detentor do capital,
constituindo-se em uma das muitas contradições do turismo. Os empresários
se aproveitam da extrema fragmentação da cadeia produtiva do setor para
evitar que surjam entidades e associações de classe fortes e representativas. A
proliferação de sindicatos para cada tipo de função é uma artimanha
estimulada pelos empregadores para diminuir o poder de pressão dos
trabalhadores nos processos de negociações das relações do trabalho.
93
Outra questão que exemplifica essa ação dos agentes do
mercado no sentido de esvaziar o poder de negociação dos trabalhadores do
setor é aquela relacionada com a regulamentação da profissão do bacharel em
turismo – o turismólogo. Todas as tentativas feitas pelos profissionais até o
momento, por meio de diversos projetos de lei apresentados no Congresso
Nacional, fracassaram graças ao lobby dos empresários do setor que não
querem a regulamentação da profissão, temendo que isto aumente os seus
custos com a mão-de-obra, diminuindo suas margens de lucros.
Apesar de tudo isso, é importante assumirmos o papel do
trabalhador como um dos agentes dos processos de turistificação dos espaços.
A favelização das periferias dos destinos turísticos é um forte argumento para
comprovar esta nossa posição. Sem preparo específico para atuar nos serviços
turísticos e por conta disso, explorados pelo trade turístico, que lhe oferece
salários baixos e poucas oportunidades de ascensão social pelo do seu
trabalho, ele faz dessas periferias seu lugar de vida, deslocando-se diariamente
para os espaços turísticos para trabalhar. Tal atitude contribui para a formação
dos espaços segregados dos destinos turísticos, onde é possível mapearmos
facilmente os trechos destinados aos visitantes, mais dotados de infra-estrutura
e de segurança e os trechos ocupados pela população local, mais afastados e
com menos opções de infra-estrutura urbana, como bem nos aponta
Mascarenhas (2005).
É preciso destacar que uma parte desses trabalhadores diretos
ocupantes de cargos e funções melhor remunerados consegue se territorializar
nos bairros e áreas turísticas e usufruir de toda a infra-estrutura montada para
atender aos turistas. Entretanto, essa parcela de trabalhadores é muito
pequena e formada, na sua grande maioria, por migrantes mais qualificados,
atraídos pelas oportunidades de trabalho locais.
Trabalhadores indiretos do turismo
Graças à complexidade da cadeia produtiva do turismo os seus
efeitos multiplicadores são bastante acentuados, gerando um número
94
expressivo de empregos indiretos e, também, um número elevado de
ocupações indiretamente vinculadas a ela. Segundo estudos da OMT feito a
pedido da EMBRATUR na década de 1990, o turismo impacta diretamente 53
setores da economia nacional, indo desde a agricultura e pecuária à indústria
de informática e ao setor de serviços, gerando um em cada dez empregos
existentes no país. No setor hoteleiro é comum nos depararmos com o
seguinte discurso: cada leito instalado gera pelo menos um emprego direto e,
para cada emprego direto de um hotel são gerados outros cinco empregos
indiretos. Esses valores são relativos e variam conforme a categoria e o tipo do
meio de hospedagem, além de não serem apoiados por pesquisas mais
atualizadas e metodologicamente estruturadas.
Apesar de toda fragilidade desses dados estatísticos, não
podemos ignorar o fato de a atividade turística ser uma grande geradora de
empregos e de ocupações indiretas na atualidade. O motorista de táxi de um
destino turístico qualquer, não obtém todo o seu ganho apenas com o
transporte de turistas, mas certamente, eles representam um percentual
expressivo no total daqueles rendimentos. O mesmo ocorre com os
trabalhadores de um cybercafé que na alta estação se vêem envolvidos com o
atendimento de um número elevado de não-residentes (turistas), apesar de
terem na população local a maioria dos seus clientes cotidianos.
Assim como os trabalhadores diretos, também os indiretos têm
uma grande relevância na composição da qualidade do serviço oferecido ao
turista. Porém, temos aqui um agravante: o trabalhador indireto, por não
depender exclusivamente do ganho com o turismo, nem sempre percebe a
importância da sua participação, com seu trabalho, para o sucesso da
produtividade do sistema turístico local. Esse baixo nível de conscientização e
de envolvimento desses trabalhadores indiretos tem dificultado o processo de
desenvolvimento de muitos destinos turísticos, revelando outro ponto de
conflito do turismo. Além disso, assim como a maioria dos trabalhadores diretos
no turismo, também eles não obtêm rendimento suficiente para ocupar os
trechos dos espaços destinados aos turistas e acabam aumentando a
população das periferias e das áreas menos privilegiadas dos destinos
95
turísticos, por meio de um processo de ocupação precária e informal das
mesmas.
Apesar disso, o que observamos nos processos de
desenvolvimento turístico recentes, é que esses agentes sociais praticamente
não são considerados. O discurso e o conteúdo das políticas e planos
propostos ignoram o fato de que os problemas daquelas periferias são
conseqüências dos processos de turistificação dos lugares e que, em virtude
disso, deveriam fazer partes dos escopos dos seus diagnósticos e de suas
proposições. A densificação acentuada do bairro Formigueiro em Penedo (RJ),
as favelas nas encostas da Serra do Mar em Angra dos Reis (morro Santo
Antônio, Vila do Frade, dentre outras), o crescimento acelerado das favelas da
zona sul da cidade do Rio de Janeiro (Cantagalo, Rocinha e Vidigal,
especialmente) têm no turismo um importante acelerador dos seus processos,
senão, o mais importante de todos.
População residente não envolvida com o turismo
É o agente social menos reconhecido pelo sistema turístico, mas
de importância estratégica para o seu funcionamento. Ao ceder o direito de uso
do seu espaço de vida para o desfrute temporário dos turistas, concorda em
vivenciar um encontro de duas alteridades – a sua e a do turista – o que gera
uma série de relações e interações entre os diversos agentes sociais aqui
indicados, em uma rede socioespacial extremamente complexa.
Apesar de não manter contato mais direto com os turistas, a
população residente dos destinos turísticos pode, a partir do seu
comportamento e das suas ações, estimular ou dificultar o funcionamento do
sistema turístico local, tornando o destino turístico mais ou menos atraente
para o turista. É comum ouvirmos comentários como: “Paris é linda, mas os
parisienses são mal-educados e mal-humorados”. Ou então: “o jeito de ser do
brasileiro, descontraído e bem-humorado, torna nosso povo um dos mais
hospitaleiros aos olhos dos turistas estrangeiros”. Tais afirmações, mesmo que
não comprovadas por pesquisas, contribuem positiva ou negativamente, para o
96
sucesso da imagem dos destinos turísticos, reforçando o papel indireto
daqueles agentes sociais.
Além disso, tais agentes têm em suas mãos dois elementos vitais
para a atividade turística sem, infelizmente, ter consciência do valor e da
importância deles: a posse da terra e da força de trabalho. Esses dois
elementos são fundamentais para o desenvolvimento dos destinos turísticos e,
se forem utilizados conscientemente pelos habitantes locais, podem funcionar
como uma ferramenta de equilíbrio na relação com o capital externo, que
chega sempre que um lugar é “descoberto” pelo mercado turístico. Certamente
estamos falando em tese, pois a prática atual é exatamente inversa, com o
capital comprando (ou tomando) a terra dos autóctones por preços irrisórios,
para depois expulsá-los para longe, oferecendo empregos precários com
salários indignos, expropriando a sua força de trabalho.
Como já visto, de acordo com o modelo de ciclo de vida dos
destinos turísticos (BUTLER, 198017), logo depois que o destino é descoberto
pelo mercado e seu produto aceito, empresários e oportunistas exógenos ali se
instalam e vão ocupando o lugar dos fornecedores e das empresas locais. Sem
capital de giro e tecnologia suficientes para concorrer com eles, as pequenas
empresas e empreendimentos terminam por deixar de funcionar, ou então, são
compradas a preços nem sempre justos pelos agentes externos do capital.
Esse processo de substituição da propriedade dá-se em relação
às empresas e serviços turísticos e com a posse da terra das áreas próximas
aos atrativos turísticos. Os residentes autóctones são convencidos a vender
suas terras e com o dinheiro arrecadado só conseguem se instalar em áreas
afastadas do núcleo turístico, mais precisamente naquilo que estamos
chamando de periferias dos destinos turísticos, contribuindo para a
densificação desorganizada dessas áreas. Um dos exemplos mais expressivos
desse processo no estado do Rio de Janeiro é aquele do bairro Cem Braças,
na cidade de Armação dos Búzios, surgido a partir da expropriação das terras
próximas ao mar dos pescadores locais iniciada da década de 1950 que, sem
opção, foram ocupar aquela área mais afastada do mar.
17 Cf. ref. p. 70
97
É importante ressaltar que a população residente dos destinos
turísticos, independentemente do tipo de relações que estabelece com o
sistema turístico local, é a verdadeira “dona do lugar”, visto como seu território
de vida e, apenas por isso, merece o status de agente social do processo de
turistificação dos espaços. Não reconhecê-la como tal, é propor um modelo de
desenvolvimento turístico arbitrário, desigual e principalmente desumano.
3.1.2 Teorias e Modelos de Estudos do Espaço Turístico
Após a reflexão sobre o papel dos diferentes agentes sociais do
turismo no processo de turistificação dos espaços, cremos ser relevante a
recuperação de alguns dos estudos realizados, direcionados para a
compreensão do fenômeno socioespacial do turismo. Mesmo partindo do
pressuposto de que os modelos são representações abstratas que tendem à
homogeneização das leituras do espaço, entendemos que os mesmos são
importantes para a definição de elementos que poderão contemplar as
diversas dimensões do turismo na elaboração de estratégias e diretrizes para o
ordenamento e desenvolvimento integral e integrado do setor.
Primariamente, a dimensão espacial do turismo pode ser
apreendida pela representação clássica do fenômeno, proposta por Neil Leiper
(1981) que interpõe as áreas emissoras e as áreas receptoras, a partir das
linhas de deslocamentos espaciais realizados pelos turistas (Figura 4).
Figura 4 - Representação básica do sistema turístic o Fonte: Adaptado de Leiper (1981)18
18 LEIPER, Neil. Towards a cohesive curriculum in tourism: the case for a distinct discipline.
Annals of Tourism Research, v.VIII, n. 1, 1981, p. 75
Área emisso
ra
Área recept
ora Deslocamentos
98
Nesse modelo, o espaço do turismo se compõe das áreas
emissoras- (lugar de vida do turista e território de parte dos agentes do
mercado do turismo -, áreas receptoras - lugar onde o turismo se manifesta
concretamente por meio da produção e do consumo turístico e do encontro dos
turistas com a comunidade anfitriã - e pelos corredores de deslocamentos,
onde o turista consome serviços (transportes, comunicações, etc.) e infra-
estrutura (rodovias, aeroportos, etc.) para realizar sua viagem.
Ampliando as variáveis dessa representação espacial do turismo,
podemos incluir outros pontos (lugares) de parada do turista. Quase sempre, o
turista opta por um deslocamento (viagem) fracionado em trechos intercalados
com paradas temporárias (horas ou dias), quando desenvolve atividades
recreativas e de lazer para depois seguir sua viagem (MARIOT, 196919, apud
PEARCE, 2003). Nessa representação espacial fica implícita a idéia da viagem
do tipo excursão, em que a proposta do turista é visitar diversos lugares
durante o percurso do seu deslocamento; e a motivação inclui a observação e
consumo do percurso e não apenas do destino final.
De acordo com o modelo proposto por Campbell (197620, apud
PEARCE, 2003), podemos diferenciar o turista que tem como objeto principal a
atividade recreativa deslocando-se diretamente até um destino turístico
específico onde poderá concretizá-las, daquele que faz do deslocamento a
própria razão da sua viagem, parando em diversos pontos do percurso (Figura
5). Campbell acrescenta ainda, uma terceira opção para a representação
espacial das viagens, composta por uma combinação da viagem do tipo
recreativa e da viagem do tipo excursão. Nesse caso o turista se deslocaria
para um determinado destino turístico específico e, a partir dele, visitaria outros
lugares próximos, em movimentos circulares de ida e volta.
19 MARIOT, P. Priestorové aspekty cestovnélio rechu a otázky gravitacného sázemia
návstevnych miest. Geografick’y Casopis. 1969, v. 21, n. 4, p. 287-312. 20 CAMPBELL, C.K. An approach to research in recreational geography. B.C. Occasional
Papers. 1967, n. 7, p.85-90. Depto. Of Geography, University of British Columbia, Vancouver.
99
Centro emissor
Centro recreativo
Lugares recreativos
Rota recreativa
Rota Excursionismo recreativo
Excursionista
Esses três modelos iniciais abordam o turismo a partir do modo
como o turista se desloca, procurando estabelecer uma tipologia com base nas
atividades que ocorrem, ou não, durante os deslocamentos. Além de indicar a
espacialidade do turismo nas áreas emissoras e, principalmente, nas
receptoras, os autores se preocupam em incluir o percurso como parte da
viagem turística.
Figura 5 - Modelo de Campbell de viagem recreativa e excursionista Fonte: Pearce, 2003
Seguindo a tradição da geografia neopositivista, Miossec (1976,
197721) desenvolveu um modelo que busca demonstrar a evolução nas
estruturas das regiões turísticas no tempo e no espaço (PEARCE, 2003). Seu
objetivo foi estabelecer um modelo hipotético-dedutivo que explicasse a
configuração espacial dos processos de consumo do turismo. Segundo Vera et
al, o modelo de Miossec configura-se como “uno de los intentos más complejos
de comprensión teórica de la formación de espacios turísticos u de su
evolución” (1997, p. 235).
Tendo como fundamento o estudo das articulações econômicas e
espaciais existentes entre as áreas emissoras e as áreas receptoras de
visitantes, Miossec analisa o processo evolutivo dos destinos turísticos, dentro 21 MIOSSEC, J.M. Un modèle de l’espace touristique. L’Espace Géographique, 1977, v.6, n.1,
p.41-48. ____. Elèments pour une Theorie de l ‘Espace Touristique. Les Cahiers du Tourisme, C-36, 1976, CHET, aix-en-Provence.
100
de um recorte escalar regional, estabelecendo quatro focos de observação: do
próprio destino turístico (resort), da rede de transportes, do comportamento do
turista e das atitudes das empresas e da população das áreas receptoras
(Figura 6).
Segundo aquele autor, os destinos turísticos obedecem a um ciclo
similar àquele proposto por Butler (1980) que se inicia com a sua descoberta
pelos turistas e evoluem, quantitativa e qualitativamente, em ritmos variáveis e
independentes, de acordo com os pontos de observação propostos. A medida
que evoluem, aumenta a complexidade das relações e das inter-relações no
destino.
Para Pearce (2003), o modelo de Miossec enfatiza os aspectos de
mudanças no comportamento do turista durante o ciclo evolutivo dos destinos
turísticos, paralelamente às mudanças na percepção dos moradores locais nas
possibilidades do turismo.
Vale a pena ressaltar que, dentre os diversos modelos aqui
demonstrados, apenas no proposto por Miossec é possível observarmos certo
cuidado com o estudo dos pontos de vista dos diversos agentes sociais do
turismo. O foco principal está sempre no deslocamento e no centro receptor, a
partir da ótica do mercado, mas Miossec avança incorporando ao seu modelo a
visão do turista e o comportamento da população da região receptora.
Teoria de espaço turístico de Roberto Boullón
No processo histórico recente do desenvolvimento turístico da
América Latina a revisão teórica das propostas e teorias do arquiteto argentino
Roberto C. Boullón revela-se oportuno e necessário. Graças à sua participação
em diversos planos de desenvolvimento turístico Boullón foi convidado pela
Organização dos Estados Americanos (OEA) para coordenar o Centro de
Capacitação Turística (CICATUR), no período de 1974 a 1979 (FRATUCCI,
2000a).
101
Figura 6 – Modelo de desenvolvimento turístico de M iossec Fonte: Pearce, 2003
102
Aquele centro de estudos gerou um grande referencial teórico
sobre os estudos dos espaços turísticos latino-americanos que, ainda hoje,
continua influenciando a elaboração de políticas públicas de turismo no
continente, inclusive as brasileiras. No conjunto daquela produção bibliográfica
as obras de Boullón tornaram-se referências obrigatórias para todos os
especialistas na área do planejamento e ordenamento do turismo22.
Seguindo a linha funcionalista de análise do fenômeno turístico,
Boullón propôs um modelo de sistema turístico baseado na relação oferta-
demanda, claramente direcionado pela perspectiva do mercado. De acordo
com tal modelo, os destinos turísticos estruturam-se pelo conjunto de atrativos
turísticos, equipamentos e serviços turísticos e infra-estrutura de apoio,
gerenciado pela superestrutura do sistema, tendo a questão da acessibilidade
física como ponto essencial para definição e análise.
Partindo de um conceito empírico-positivista de espaço físico –
tangível e composto de quatro dimensões: comprimento, largura, altura e
tempo – o autor elaborou uma detalhada teoria para explicar a espacialidade
do fenômeno turístico e apoiar as ações de ordenamento dos espaços
turistificados. Segundo ele,
El espacio turístico es la consecuencia de la presencia y distribución territorial de los atractivos turísticos que, no debemos olvidar, son la materia prima del turismo. Este elemento del patrimonio turístico, más la planta turística, es suficiente para definir o espacio turístico de cualquier país. (1990a, p.65)
Levando em consideração que a distribuição dos atrativos
turísticos pelo espaço é aleatória, ele afirma que o espaço turístico é
descontínuo (1990a, 2002), uma vez que entre um atrativo e outro, ocorrem no
espaço outros tipos de objetos e funções sem relações com o turismo. Esta
descontinuidade nos espaços turistificáveis levou Boullón a afirmar que:
22 Os títulos mais importantes de Roberto C. Boulón são: Planificación del espacio turístico
(1985), Los municípios turísticos (1990) e Las actividades turísticas y recreacionales: el hombre como protagonista (1983), todos publicados pela editora mexicana Editorial Trillas, na sua coleção Trillas Turismo. Entretanto, apenas o primeiro título está disponível em português, em edição de 2002, da editora EDUSC.
103
Visto que el espacio turístico es entrecortado, no se puede recurrir a las técnicas de regionalización para pro ceder a su delimitación por que, de acuerdo a las mismas, habría que abarcar toda la superficie del país o de la provincia en estudio y si se hiciera esto se cometería el error de hacer figurar como turísticas grandes superficies que no lo son. Esto quiere decir que las regiones turísticas non existen (1990a, p.65-66) (grifo nosso).
Cabe ressaltar que Boullón considera região como uma área com
propriedades similares que lhe confere uma determinada identidade, dando-
lhe certa homogeneidade e continuidade (2002). Ou seja, na sua análise utiliza
o conceito de região empregado nos sistemas de planejamento de governos,
em que a superfície territorial do país ou estado, é subdividida em regiões
contínuas e com características similares definidas a partir de uma série de
indicadores previamente estabelecidos, conforme os objetivos e interesses dos
governantes (econômicos, populacionais, culturais, etc.).
Para o desenvolvimento da sua teoria, Boullón propõe a utilização
de um método empírico para a definição do espaço turístico, estruturado a
partir da regularidade da distribuição dos atrativos turísticos e dos
equipamentos e serviços turísticos existentes e na identificação visual das suas
concentrações ou agrupamentos. Num segundo momento, de forma bastante
sistemática e estruturalista, organiza aquelas concentrações, classificando-as
nos seguintes componentes, organizados em escala descendente: zona
turística, área turística, complexo turístico, centro turístico, unidade turística,
núcleo turístico, conjunto turístico e corredor turístico (Figura 7).
Aqui nos parece ser possível detectar uma contradição nas
propostas de Boullón. Apesar de sua negação explícita da existência de
regiões turísticas, toda a sua teoria fundamenta-se nos pressupostos do
conceito das regiões funcionais da geografia: existências de nós/pólos, lógica
reticular, possibilidades de sobreposições de alguns limites, supervalorização
dos fenômenos pontuais (no caso, os atrativos turísticos), relações de
organização do tipo dominação e/ou complementaridade, etc.
104
Figura 7 – Modelo de espaço turístico de Boullón Fonte: adaptado de Boullón, 2002
Tendo como referência a teoria de pólos regionais de
desenvolvimento, Boullón estabelece uma complexa rede de relacionamentos
entre os componentes do espaço turístico, partindo da existência e da
distribuição dos atrativos turísticos, as redes de comunicação entre eles
(rodovias, ferrovias, portos) e a ocorrência ou não de equipamentos e serviços
turísticos (hospedagem, restaurantes, entretenimentos, informações turísticas
etc.) (Figura 8).
De acordo com tal proposta, o espaço turístico pode ser
delimitado com bastante precisão, deixando de fora das intervenções de
ordenamento sugeridas, aqueles trechos não turísticos ou não turistificáveis. As
categorias espaciais propostas por Boullón permitem a visualização e a
conseqüente compreensão dos espaços apropriados pelo turismo. A partir
delas, é possível a realização de um diagnóstico da situação atual e o
estabelecimento de propostas de intervenção que permitiriam a concentração e
otimização dos recursos destinados ao incremento do desenvolvimento
turístico.
105
Componente Requisitos mínimos Observações
Zona turística
10 atrativos turísticos 2 centros turísticos Equipamentos e serviços turísticos Infra-estrutura de transportes e comunicação
É a maior unidade de análise do espaço turístico; Para ser subdividida em áreas turísticas necessita ter mais de 20 atrativos turísticos.
Área turística
1 centro turístico 10 atrativos turísticos Equipamentos e serviços turísticos Infra-estrutura de transportes e comunicação
São as partes em que uma zona turística pode ser subdividida.
Centro turístico
Atrativos turísticos no seu raio de influências Equipamentos e serviços turísticos Infra-estrutura de transporte interno e conexões com as áreas emissoras
Centro urbano que polariza a atividade turística de uma área ou zona turística. Pode ser de distribuição, de estada, de escala ou de excursão.
Complexo turístico Atrativos turísticos com grande poder de atratividade 1 centro turístico
Agrupamento maior que um centro turístico menor que uma zona turística
Unidade turística
1 ou mais atrativos turísticos singulares e concentrados Hospedagem Alimentação Entretenimento
Menor que um centro turístico
Núcleo turístico Até 9 atrativos turísticos Isolado, com pouca ou nenhuma infra-estrutura de acesso.
Conjunto turístico Até 9 atrativos turísticos Infra-estrutura de transportes
São os núcleos turísticos após a sua integração ao sistema turístico
Corredores turísticos
Vias de conexão entre os diversos componentes do espaço turístico. Podem ser de translado ou de estada.
Figuras 8 – Componentes do espaço turístico propost o por Roberto Boullón Fonte: Elaboração própria a partir de Boullón, 1990a
Para Boullón, “a teoria do espaço turístico é a base para organizar
todas as ações do setor, uma vez que permite a elaboração de políticas
promocionais que, partindo da realidade do patrimônio [turístico], trabalhem
com base em produtos claramente definidos” (2002, p. 108). Trata-se, portanto,
de um instrumento metodológico para “orientar a análise e o diagnóstico do
setor” (ibidem, p. 109).
A teoria do espaço turístico desenvolvida por Roberto Boullón
vem sendo aplicada na América Latina com bastante freqüência, inclusive no
Brasil. No início da década de 1980, a EMBRATUR desenvolveu um ambicioso
106
projeto denominado “Identificação do turístico brasileiro”23 que objetivava
estabelecer as áreas prioritárias para o desenvolvimento turístico do país
(FRATUCCI, 2000a e 2006). Também nos planos nacionais de turismo de
2003-2007 e 2007-2010 é claramente observável o uso dessa mesma
metodologia no Programa de Regionalização do Turismo (PRT).
Essa utilização quase pragmática da teoria de Boullón no PRT
nos permite apontar para outro paradoxo da atual política de gestão do turismo
brasileiro: enquanto a teoria de Boullón nega veementemente a possibilidade
de existência de regiões turísticas e o uso das técnicas de regionalização, o
PRT propõe a definição de uma série de regiões turísticas para ordenar os
investimentos e as ações do governo no setor turístico nacional. A tradição do
uso da categoria de região nos planos de turismo é bastante forte, como
veremos mais adiante, porém, quase sempre utilizado de maneira dissonante
com as diversas conceituações adotadas pela geografia.
A revisão e o estudo desses diversos modelos e teorias de estudo
para entender os processos de turistificação do espaço, permitem-nos alguns
questionamentos quanto à abrangência de cada um e a sua aplicabilidade
prática. Em sua maioria, esses modelos tentam compreender como trechos do
espaço são apropriados pelo turismo a partir da constatação de uma situação
empírica já estabelecida e não propõem indicadores ou ferramentas para seu
(re) ordenamento, com exceção da teoria do espaço turístico de Roberto
Boullón que indica algumas possibilidades para o planejamento dos destinos
turísticos. Isto nos leva a reconhecer a necessidade de busca de outras
possibilidades para a leitura e entendimento dos processos de turistificação do
espaço.
23Apresentado com mais detalhes no capítulo 4 deste trabalho.
107
3.2 REGIONALIZAÇÃO COMO MÉTODO PARA GERENCIAMENTO DOS PROCESSOS DE TURISTIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS
Considerando nossa proposição de entender o turismo como um
fenômeno socioespacial complexo e não apenas como uma atividade
econômica, a dimensão espacial, portanto geográfica, adquire papel
fundamental para a análise das políticas públicas direcionadas para o
ordenamento do desenvolvimento turístico e para a elaboração de futuras
propostas metodológicas.
Tal dimensão espacial do fenômeno turístico deve ser observada
pelo olhar complementar, concorrente e antagônico dos processos de
apropriação e dominação do espaço pelos seus diversos agentes
(HAESBAERT, 2004). Para isso, partimos do entendimento do espaço como
uma realidade relacional, “considerado como um conjunto indissociável de que
participam de um lado, certos arranjos de objetos geográficos, objetos naturais
e objetos sociais e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a
sociedade em movimento.” (SANTOS, 1997, p. 26). Esse conceito pode ser
complementado pelo proposto por Doreen Massen (2004), para quem o espaço
deve ser visto como uma produção da vida cotidiana, da multiplicidade da
dimensão social contemporânea; ele está em permanente construção e reflete
toda uma simultaneidade de históricas inacabadas, ainda em andamento. Ou
seja, o espaço é o resultado das relações sociais e, também, da ausência
delas.
O atual estágio de globalização econômica do nosso planeta nos
coloca muitas interrogações quando buscamos definir a escala que poderá
melhor nortear as ações de gestão e ordenamento do desenvolvimento
turístico, visto que, pelas suas próprias características intrínsecas, o turismo
deve ser encarado como uma das faces daquele processo de globalização
(VERA et al., 1997). O desenvolvimento técnico-informacional pelo qual temos
passado nas últimas décadas contribuiu para a expansão das viagens
temporárias motivadas pela busca do lazer, do descanso e das descobertas de
novos lugares e novas culturas, fato que estimulou o crescimento de todos os
108
segmentos produtivos que contribuem para a atividade turística. Esta atividade
econômica para se mostrar lucrativa, conforme os ditames do modelo
capitalista vigente, necessita da interligação de diversos pontos do planeta em
redes densa e dinâmicas, ao mesmo tempo fluídas e sazonais.
Tais interligações revelam-se simultaneamente em
horizontalidades e em verticalidades. De acordo com as necessidades e
ansiedades de cada agente social que faz acontecer a atividade turística,
podemos verificar processos de territorializações orientados pela lógica zonal
(trabalhadores, Estado e sociedade local), nos quais as relações de
proximidade e de pertencimento enfatizam a força do local como contraponto
da lógica global. Porém, também verificamos processos de territorializações
mais fluídos e esgarçados, em que apenas alguns pontos (nós) são
apropriados efetivamente pelos agentes sociais (turistas, agentes do mercado
e, em alguns casos, os próprios trabalhadores) e interligados a partir da lógica
reticular do processo de globalização dos mercados. O pequeno hotel
localizado no interior do pantanal mato-grossense interliga-se diretamente com
os operadores de turismo de Londres, por exemplo, que lhe determinam sua
forma de atuação, desde o tipo de serviços e instalações de receptivo a serem
oferecidos até seus preços, estabelecendo linhas de comando que extrapolam
as fronteiras nacionais, superpondo-se às lógicas e normas do local.
Os agentes do mercado buscam homogeneizar a organização da
produção nos destinos turísticos, pela imposição de suas técnicas e de suas
“regras e normas egoísticas” (SANTOS, 1996, p.207), enquanto os grupos
sociais locais procuram manter as características singulares e específicas que
são a base do seu cotidiano, regidos por suas regras e normas próprias. A
complexidade que essas relações verticais e horizontais estabelecem nos e
entre os espaços turistificados, devem ser observadas e analisadas num
processo dialógico que contemple tanto os arranjos espaciais contínuos e
contíguos das horizontalidades, como os arranjos descontínuos gerados pelas
verticalidades que garantem o funcionamento do atual sistema econômico
global.
109
Como componente do processo de globalização econômica, o
turismo vem contribuindo para a mundialização do espaço geográfico,
diminuindo as distâncias entre seus pontos e reorganizando as funções em
determinados trechos privilegiados, que são apropriados e turistificados pelos
seus agentes, de acordo com suas necessidades e demandas. Esses trechos
turistificados apresentam a conformação de territórios-redes articulados por
redes sociais de diversas escalas e densidades, como detalharemos adiante.
O processo produtivo do turismo valoriza esses trechos
específicos do espaço e os interligam através das relações verticais e/ou
horizontais indicadas anteriormente. Tal processo de turistificação dos espaços
constitui-se em um processo de diferenciação geográfica (SANTOS, 1997), que
(re) valoriza os destinos turísticos, dando-lhes novas funções, incorporando
novos fixos e refuncionalizando outros já existentes, estabelecendo novas
interações internas e externas e, de certa maneira, inserindo-os no sistema
global. Ou seja, a apropriação dos trechos do espaço para o turismo ocorre na
escala local, ao mesmo tempo em que o insere no processo de globalização.
Pelo fenômeno turístico, o global e o local interagem dialogicamente,
compondo uma nova realidade espacial em que a continuidade da lógica zonal
das relações horizontais convive com a descontinuidade reticular das suas
verticalidades.
Desta forma, a turistificação do espaço não pode ser analisada
apenas pelo par escalar local-global. A produção e o consumo do produto
turístico caracterizam-se por ocorrer em trechos descontínuos do espaço que,
na maioria dos casos, ultrapassam a escala local expandindo-se para a escala
regional, compondo espaços turistificados mais ampliados.
A partir do momento em que a civilização ocidental passou a ver o
turismo como um possível vetor de crescimento econômico e mais, como um
fator contribuinte para a diminuição das desigualdades regionais, os
responsáveis pelos governos de muitos países passaram a investir na
elaboração e implantação de políticas nacionais de desenvolvimento para o
setor turístico, com o intuito de se aproveitar dos efeitos multiplicadores da
110
atividade econômica resultante dele. Tal fato deu-se logo após o término da
Segunda Guerra mundial, como nos confirma Miguel Angel Acerenza:
Los antecedentes de que se dispone respecto de la planificación del turismo por parte del Estado indican que esta actividad empezó con la elaboración del Primer Plan Quinquenal del Equipamiento Turístico francés, para el período 1948-1952. (1991, v.2, p.39).
Tal afirmação é corroborada por Petrocchi (2001) e por Beni
(2001), que apontam para o fato do planejamento formal do turismo ter surgido
na França não por obra do acaso. Segundo Beni “não foi mera casualidade,
pois na França iniciou-se o planejamento central aplicável a países com
economias de mercado. Portanto, ainda que não fosse um plano integral,
constituiu, de fato, o princípio do planejamento formal do turismo por parte do
Estado.” (2001, p. 111).
Os primeiros planos tinham abrangência nacional e objetivavam
definir políticas de desenvolvimento do setor integradas às políticas mais
amplas de cada governo. Entretanto, logo começaram a surgir os planos de
desenvolvimento turístico voltados para a escala regional. Para Acerenza,
assim como o planejamento integral implica e necessita dos planos setoriais
para atingir os objetivos e metas estabelecidos, “la planificación nacional
requiere de una expresión detallada en el nivel de región o zona geográfica
dentro del territorio nacional.” (1991, v.1, p.142).
Para os principais autores especializados nos estudos sobre o
planejamento direcionado para o turismo (BENI, 2001; ACERENZA, 1991;
PETROCCHI, 2001; HALL, 2001; dentre outros), é possível identificarmos
algumas orientações específicas nos enfoques metodológicos adotados pelos
gestores e planejadores do desenvolvimento turístico, sendo os mais utilizados
o enfoque urbanístico, o enfoque econômico ou mercadológico (city marketing)
e o enfoque regional.
No nosso entender, na atualidade é possível apontarmos uma
busca de combinação dessas tendências metodológicas, com o predomínio do
enfoque mercadológico. A explicação para tal tendência parece estar no
111
modelo de produção adotado pela maioria dos países, que prega a priorização
das demandas do mercado e o aumento da lucratividade dos empresários.
Entretanto, mesmo sobre essa orientação neoliberal que faz
predominar as políticas centradas no interesse do mercado e, principalmente,
nas necessidades de reprodução do capital, o uso do modelo regional como
base para a definição das estratégias de desenvolvimento turístico continua
bastante expressivo. A análise dos documentos que registram os processos de
planejamento, denominados planos, confirma essa tradição do uso da escala
regional desde os idos da década de 1950, como exporemos a seguir.
3.2.1 Tradição do Uso da Regionalização nas Políticas Públicas de Turismo
As primeiras iniciativas públicas para a definição de políticas para
a gestão dos processos de apropriação dos espaços para o turismo, como já
apontamos, remontam ao pós-guerra, principalmente nos países europeus.
Antes disso, a turistificação dos espaços ocorria de forma bastante espontânea
e as intervenções governamentais somente se materializavam em momentos
mais críticos, quase sempre de maneira empírica e pontual.
O caso mais antigo em que se pode observar a ação de
planificação voltada exclusivamente para atender às demandas dos visitantes é
o de Atlantic City, fundada em 1824 na costa leste dos Estados Unidos,
próximo à cidade de Nova York, com a função de centro de férias e praia.
Inicialmente foi uma iniciativa privada do engenheiro Richard N. Osborne, mas
seu crescimento acelerado levou à sua incorporação pela administração
pública (ACERENZA, 1991).
Nos anos seguintes ao final da Segunda Guerra mundial,
observa-se a adoção da prática do planejamento econômico integral pelos
países capitalistas24, até então exclusiva dos países de economias
centralizadas (URSS, principalmente). Inicialmente, aqueles planos de governo 24 Em 1946 a França tornou-se o primeiro país de economia de mercado a lançar um plano de
governo, denominado Plano Monet, centrado no planejamento integral da economia do país.
112
tendiam para o planejamento integral das economias nacionais atrelado a uma
taxa de crescimento econômico pré-determinada. Na seqüência, foi-se
desenvolvendo a prática do planejamento setorial direcionada para setores
econômicos específicos como agricultura, indústria, etc. (ACERENZA, 1991).
Mesmo tendo sua base na economia, os planos de
desenvolvimento integrais e setoriais revelaram a necessidade de observação
de uma dimensão espacial que definisse claramente o seu âmbito de atuação
territorial. Em conseqüência, surgiram os recortes nacionais, regionais e locais
ou urbanos. Enquanto os planos nacionais abarcavam todo o território de um
país, os regionais limitavam-se ao espaço de uma região específica e os locais
aos limites dos centros urbanos ou dos municípios.
A expansão do capitalismo iniciada em 1945, ocorrida no cenário
do processo de recuperação da Europa, gerou uma maior concentração do
capital e o fortalecimento das grandes corporações. Foi uma expansão que não
se limitou à dimensão territorial, tendo atingido também a dimensão social por
uma nova divisão territorial e social do trabalho (CORRÊA, 1995; 1997).
Os limites regionais até então existentes não conseguiam mais
explicar a nova organização espacial gerada pelo crescente desenvolvimento
tecnológico, da acelerada industrialização de algumas frações do espaço e do
crescimento das áreas urbanas. A expansão do capital trouxe consigo um
processo de re-ordenamento dos espaços, que estabeleceu uma nova ordem
social para todo o planeta, exigindo um novo método geográfico para sua
análise. Foi o período de domínio do método do positivismo lógico, do emprego
das diversas técnicas da estatística e do desenvolvimento do “conceito de
organização espacial entendido como padrão espacial resultante de decisões
locacionais, privilegiando as formas e os movimentos sobre a superfície da
terra” (CORRÊA, 1995, p. 19).
Segundo esse paradigma, a região é entendida como uma criação
intelectual do cientista, sem a priori, destinada a comportar seus propósitos de
estudos (idem, 1997). Na opinião de Haesbaert (2002), o conceito de região
surgida como recorte espacial produzido por esse método de regionalização
foi, posteriormente, adotado por outras linhas teóricas da geografia.
113
As ações de gestão do território do turismo se originaram no
contexto de desenvolvimento das diversas teorias sobre as desigualdades
regionais. A observação das estruturas econômicas e sociais de um país
indicava a não uniformidade do seu território. O modo de produção capitalista e
a divisão territorial do trabalho provocavam a concentração de riquezas em
determinadas áreas, em detrimento de outras, criando uma série de
desigualdades no território, seja do ponto de vista econômico, seja do ponto de
vista sociocultural. Na medida em que o turismo passou a ser tratado como
uma alternativa eficaz de desenvolvimento econômico nos planos de governo
de alguns países, começaram a surgir os planos setoriais de turismo e, mais
especificamente, os planos regionais de desenvolvimento para áreas e zonas
geográficas específicas consideradas potencialmente turísticas.
A adoção dos processos de planificação formal para o setor do
turismo foi norteada pelo paradigma neopositivista da nova geografia e da
economia espacial. Partindo de teorias locacionais que visavam à eficiência
máxima para a reprodução do capital, as ações de ordenamento dos espaços a
serem turistificados entendiam a região como uma classe de área, isto é “um
conjunto de unidades de área, como os municípios, que apresenta grande
uniformidade interna e grande diferença face a outros conjuntos (CORRÊA,
1997, p.186).
É interessante observarmos que na literatura pesquisada, há certa
constância dos autores no uso dos termos “região” ou “zona” para classificar as
frações do espaço passíveis de turistificação. No modelo de estudo do espaço
turístico desenvolvido por Roberto Boullón (1990a), a categoria mais ampla de
divisão daquele espaço é denominada de “zona turística”25. Miguel Acerenza,
por sua vez, quando aborda a questão da coordenação dentre os planos
nacionais e regionais, indica que os primeiros para terem seus objetivos e
metas atingidos “requiere de una expresión detallada en el nivel de región o
zona geográfica” (1991 v.1, p. 142).
25 Talvez Boullón tenha optado pelo uso da categoria de “zona turística” em razão da sua
recusa em aceitar a existência da região turística, tendo em vista seu entendimento de o espaço turístico ser sempre descontínuo e a região, necessariamente, ser contínua.
114
Nessa linha, a prática de elaboração de planos de
desenvolvimento turístico praticamente instituiu a regionalização como método
mais adequado para comportar a dimensão espacial do turismo, tanto do ponto
de vista do diagnóstico dos seus impactos sobre os espaços turistificados,
quanto das intervenções propostas para o seu ordenamento futuro.
Partindo do conceito de região como “unidade agregada de áreas,
descrita pela invariabilidade (estatisticamente considerada) de características
analisadas, sem movimento no tempo e no espaço” (CORRÊA, 1995, p. 34), os
responsáveis pela definição das ações de planejamento do turismo
estabelecem um sistema turístico regional, utilizando ora a divisão lógica ora a
divisão por agrupamento. Enquanto na primeira o processo é dedutivo, partindo
da divisão sucessiva do todo em parte, na segundo, é indutivo, indo das partes
para o todo (ibidem).
Tanto no processo dedutivo como no indutivo, observa-se nas
regionalizações do turismo o uso quase sistemático da paisagem como recurso
para diferenciação. A identificação e caracterização de cada região quase
sempre se iniciam pelo estudo dos seus aspectos naturais e culturais,
buscando os elementos que possam justificar a sua unidade enquanto região e,
até mesmo, definir suas designações (região dos Lagos, região das Agulhas
Negras, região da Costa do Cacau, são bons exemplos disso).
Esse método vem sendo sistematicamente empregado nos planos
de desenvolvimento turístico, especialmente no Brasil. Mesmo tendo
consciência do fato de que nem todo trecho do espaço é turistificável, as
políticas públicas brasileiras optam pela utilização da regionalização funcional
como estratégia para cuidar da dimensão espacial do setor. Isto tem gerado
muitos equívocos na distribuição dos recursos orçamentários e nos momentos
de priorização das intervenções que culminam no desperdício daqueles
recursos ou na implantação de infra-estruturas e mesmo de empreendimentos
privados, em trechos do espaço pouco propícios para a atividade turística.
A observação da atual regionalização turística do território do
estado do Rio de Janeiro (Figura 9) ilustra bem o que acabamos de colocar.
Utilizando inicialmente o método da divisão lógica (dedutivo), localizaram-se no
115
território estadual os elementos identificadores da função turística, tendo o
município como unidade inicial. Assim, o contexto histórico do ciclo do café é o
elemento que identifica e denomina a área do estado composto pelos
municípios de Volta Redonda, Barra Mansa, Pinheiral, Barra do Piraí, Pirai,
Valença, Vassouras, Rio das Flores, Paraíba do Sul, Miguel Pereira, Paty do
Alferes, Mendes, Paracambi e Engenheiro Paulo de Frontin, como a região
turística do Vale do Café. Por sua vez, é a paisagem natural fortemente
marcada pelo mar, pelas encostas da Serra do Mar e pelos remanescentes de
florestas de mata atlântica que caracteriza a região que compreende os
municípios de Paraty, Angra dos Reis, Rio Claro e Itaguaí, denominada de
Costa Verde.
Como nem todos os municípios apresentam elementos que os
caracterizem como turísticos, concluiu-se o processo de regionalização do
estado, com o emprego do método indutivo do agrupamento, tendo como
finalidade garantir que a totalidade do território estadual esteja contemplada
pelas regiões turísticas. Nesse exercício, municípios como Magé e Guapimirim
foram incorporados à região da Serra Verde Imperial, em função de parte dos
seus territórios estarem incluídos no conjunto geográfico da serra dos Órgãos.
Do mesmo modo, outros municípios sem um claro potencial turístico definido,
foram agrupados em regiões agregadas àquelas identificadas a partir do
estudo dedutivo, apenas para que não ocorressem “buracos” no mapa estadual
(caso das regiões turísticas da Baixada Fluminense e dos Caminhos da Mata).
Por esse processo todo o território estadual é considerado como
turístico e, mesmo aquelas áreas onde não há perspectivas de médio e curto
prazo para o desenvolvimento do turismo, são classificadas como uma região
turística como, por exemplo, a área dos municípios da Baixada Fluminense.
116
CordeiroMacuco
Trajano de Morais Conceiçãode Macabu
Carapebus
Quissamã
Campos dos Goytacazes
São Joãoda Barra
São Franciscode Itabapoana
São Fidélis
Cardoso Moreira
Italva
Cambuci
Sumidouro
Duas Barras
CarmoCantagalo
Itaocara
Aperibé
Santo Antôniode Pádua
São Joséde Ubá
Itaperuna
Natividade
Porciúncula
Varre-Sai
Bom Jesusdo ItabapoanaLaje do
Muriaé
Santa Maria Madalena
São Sebastiãodo Alto
Bom Jardim
IguabaGrande
S.Pedroda Aldeia
Cabo Frio
S. José do Valedo Rio Preto
Três Rios
Sapucaia
Cachoeirasde Macacu
São GonçaloSaquarema
Rio BonitoAraruama
Silva Jardim
Casimiro de Abreu
Rio das Ostras
MacaéNova Friburgo
Paraíba do Sul
PortoReal
Resende
Rio Claro
Itaguaí
Seropédica
JaperiDuquede Caxias
Engº Paulode Frontin
Paracambi
Miguel Pereira
Valença
Rio das Flores
Vassouras
Paty do Alferes
Petrópolis
Magé
Teresópolis
Guapimirim
Itaboraí Tanguá
Barra do Piraí
NovaIguaçu
Nilópolis
S. Joãode Meriti
BelfordRoxo
Itatiaia
Quatis
VoltaRedonda
Pinheiral
Piraí
Armação dos Búzios
Areal
Paraty
Angra dos Reis Mangaratiba
Mendes
Rio de JaneiroMaricá
Arraial do Cabo
Fonte: Plano Diretor de Turismo do Estado do Rio de Janeiro - 2001 0 10 30 50 Km
Com. LevyGasparian
Região Turística - Agulhas NegrasRegião Turística - Costa Verde
Região Turística - Vale do CaféRegião Turística - Baixada Fluminense
Região Turística - Serra Verde Imperial
Região Turística - Região dos Lagos - Costa do Sol
9
Região Turística - Serra Norte
Região Turística - Metropolitana
Região Turística - Caminhos da Mata
Região Turística - Costa DoceRegião Turística - Noroeste das Águas
Barra Mansa
Me asquit
Figura 9 – Regiões Turísticas do Estado do Rio de J aneiro - 2005 Fonte: TurisRio, 2006.
117
Entretanto, a tradição do uso do método regionalização nos
estudos da dimensão espacial do turismo contradiz praticamente todos os
modelos e teorias de estudos do espaço turístico que apontam unanimemente
para a descontinuidade daquele espaço, como veremos a seguir.
3.2.2 Descontinuidade Territorial do Espaço Turístico
Para o grupo de geógrafos espanhóis26 coordenados por J.
Fernando Vera Rebollo (1997), o turismo é uma prática espacial coletiva que
projeta no espaço tempo de estada e tempo de movimento (deslocamento). A
variável tempo revela-se fundamental para a apreensão da espacialidade do
fenômeno turístico e está diretamente relacionada aos fatores motivacionais
dos deslocamentos turísticos. De acordo com as motivações e a
temporalidade dos deslocamentos, a organização dos espaços turistificados
varia e assume características específicas.
Como já abordamos anteriormente, a base de referência para a
ocorrência do fenômeno turístico concentra-se nos recursos capazes de atrair
a atenção dos turistas e, conseqüentemente, de provocar os seus
deslocamentos espaciais. Nos diversos modelos revisados (MIOSSEC,1967;
BOULLÓN, 1990a, dentre outros) observamos que os espaços turistificados
ou turistificáveis não são necessariamente contínuos ou exclusivos. Em um
mesmo trecho do espaço é possível a superposição de territórios e
territorialidades distintas (FRATUCCI, 2000b). Como apontam Souza (1995) e,
mais especificamente, Haesbaert (2004), os processos de territorialização,
entendidos como “relações de domínio e apropriação do espaço, ou seja,
nossas mediações espaciais do poder, poder em sentido amplo, que se
estende do concreto ao mais simbólico” (HAESBAERT, 2004, p. 339), são
múltiplos e complexos, admitindo flexibilidade, sobreposição e intercalação de
territórios, de forma complementar, concorrente ou, em casos mais
26 É importante destacar que a Espanha é um dos países pioneiros e com mais tradição no
desenvolvimento de ações de planejamento e ordenamento do desenvolvimento turístico.
118
específicos, antagônica. No cenário atual, o espaço turístico puro e exclusivo
talvez, somente seja possível ocorrer nos enclaves turísticos dos resorts ou
dos grandes parques temáticos.
Roberto Boullón, como já ressaltamos, é categórico na sua teoria
para o estudo do espaço turístico quanto à questão da sua descontinuidade.
Para aquele autor, o espaço turístico sempre se revela entrecortado,
descontínuo. Esta descontinuidade vai ficar mais ou menos clara conforme o
recorte escalar que estivermos adotando para nossos estudos e observações.
Na escala do país, ela pode ser estabelecida pela descontinuidade existente
entre os destinos turísticos. Por sua vez, no recorte estadual podemos
abranger mais detalhes e os espaços vazios de turismo revelam-se de forma
mais perceptível. Na escala local temos a possibilidade de precisão bastante
elevada para distinguir os espaços do turismo dos demais.
Agregando outros elementos para a caracterização dos espaços
turísticos além dos atrativos, através da incorporação dos outros objetos
sociais necessários à concretização do turismo (hotéis, serviços, infra-
estrutura, etc.) vamos perceber que a descontinuidade mantém-se presente e
revela-se mais marcante, assumindo o caráter de rede. Mesmo na escala
urbana dos destinos turísticos podemos observar trechos do espaço não
apropriados diretamente para o turismo e trechos onde o turismo se superpõe
a outras atividades como a comercial, a residencial, etc., compondo espaços
de multiterritorialidades (HAESBAERT, 2004) concorrentes, complementares
e, em certos casos, antagônicas.
No caso do município do Rio de Janeiro, destino turístico de
escala internacional, a distinção das áreas turísticas em relação às outras
áreas da cidade é de fácil percepção. O espaço turistificado do município
concentra-se na pequena fração do seu território localizada entre o centro e a
área litorânea das zonas sul e oeste, onde é facilmente possível identificarmos
pontos específicos de concretização do turismo, intercalados com áreas
urbanas com outras funções específicas.
Assumir essa descontinuidade territorial dos espaços turísticos
parece-nos essencial para o estabelecimento das políticas públicas para a
119
gestão do turismo. Entretanto, cabe lembrar que tais políticas devem atender
às necessidades de todos os agentes sociais envolvidos com o fenômeno
turístico e não apenas aos turistas e aos empresários do setor. Isto exige uma
compreensão mais acurada do espaço apropriado para o turismo: seus limites
vão além daqueles por onde os visitantes circulam e onde se concentram
seus fixos (atrativos, equipamentos hoteleiros, parques de diversões, etc.),
abrangendo os espaços superpostos, intercalados ou periféricos, que mantêm
ligações indiretas com o turismo, pela atuação e da ação dos demais agentes
do fenômeno: trabalhadores do setor, empresas e serviços que apóiam o
trade turístico. Como veremos com mais detalhes adiante, esse espaço
entrecortado, descontínuo, flexível e sazonal, pode ser visto e classificado
como um território-rede, tanto na escala local dos destinos turísticos como na
escala regional, resultado da combinação das lógicas de apropriação dos
espaços de cada um dos agentes produtores do turismo.
3.3 COMBINAÇÃO DAS DIVERSAS LÓGICAS DE APROPRIAÇÃO DOS ESPAÇOS PARA O TURISMO
Cada um dos agentes sociais responsáveis pela produção dos
territórios descontínuos, sazonais e flexíveis do turismo - turistas, agentes do
mercado, Estado, trabalhadores e população local - age segundo lógicas de
territorialização próprias, que variam em diferentes combinações entre a lógica
zonal e a lógica reticular. De acordo com Haesbaert (2004), a lógica zonal
está relacionada com o controle de áreas ou limites, enquanto a lógica
reticular concentra-se no controle dos fluxos e dos pólos de conexões,
portanto, das redes. Enquanto a primeira parte de uma concepção espacial de
território como superfície contínua, mais ou menos homogênea e até certo
ponto estática, segundo a concepção bidimensional do espaço euclidiano, a
lógica reticular incorpora o movimento como ponto importante na constituição
dos territórios e das territorialidades (ibidem).
120
As ações e as práticas de cada um daqueles agentes sociais
compõem um complexo feixe de relações que se refletem nos espaços
turísticos, dando-lhes uma dimensão espacial marcada, como já discutido,
pela descontinuidade territorial e pela intensa mobilidade. Na
contemporaneidade a turistificação dos espaços revela-se importante fator de
reordenamento daqueles espaços, a partir da refuncionalização dos seus fixos
e da produção de territórios “esgarçados”, estruturados em malhas de pontos
e linhas, mais ou menos densas. Enquanto a lógica de apropriação dos
espaços do turista é essencialmente reticular e marcada pela mobilidade27,
para o poder público e para a comunidade local ela é predominantemente
zonal; já para os agentes de mercado e para os trabalhadores do setor ora ela
se apresenta como zonal ora como reticular. A combinação dessas diferentes
lógicas dos agentes sociais produtores do turismo, apontam para a
constituição de um espaço do turismo ora contínuo (zonal) ora entrecortado
(reticular), constituindo-se em um território-rede, trazendo assim implicações
distintas para as políticas de planejamento e ordenamento de turismo.
Tais espaços apropriados para o turismo revelam a organização
de um território que deve ser visto e analisado “através de uma perspectiva
integradora entre as diferentes dimensões sociais” (HAESBAERT, 2004, p. 74)
de cada um dos seus agentes. Esta perspectiva integradora, portanto
complexa, nos leva a assumir, seguindo as proposições de Haesbaert, o
território do turismo e os processos de territorialização dos seus diversos
agentes,
como fruto da interação entre relações sociais e controle do/pelo espaço, relações de poder em sentido amplo, ao mesmo tempo de forma mais concreta (dominação) [especialmente pelo Estado e pelos agentes do mercado] e mais simbólica (um tipo de apropriação) [processo mais visível na atuação distintas dos turistas e da população local]” (ibidem, p. 235).
27 Adotamos aqui a concepção proposta por Jacques Levy (2001, p.1), para quem a
mobilidade é “a relação social ligada à mudança de lugar, isto é, como o conjunto de modalidades pelas quais os membros de uma sociedade tratam a possibilidade de eles próprios ou outros ocuparem sucessivamente vários lugares.”
121
A sociedade contemporânea, para alguns, dita pós-moderna,
experiencia o “viver em redes”, em que os territórios e as territorialidades
passam a ser concebidos e caracterizados pelo movimento, pela fluidez e
pelas interconexões, portanto, pelas redes (idem, 2002, 2004). Assim como
outras atividades econômicas contemporâneas, o turismo concretiza-se pela
ação, pela articulação e pela interconexão dos seus diversos agentes
produtores no tempo e no espaço. Isto nos abre a possibilidade de
considerarmos o turismo e, em especial, a sua dimensão espacial a partir da
perspectiva das redes e dos territórios-rede, descontínuos e sobrepostos.
O conceito de rede, presente em diversas formas de
representação do mundo proposta pelo homem desde a Antiguidade, adquiriu
na contemporaneidade uma posição de destaque enquanto recurso de análise
de diversas disciplinas das ciências humanas, inclusive da geografia (DIAS,
2007). A ênfase imposta pelo regime de acumulação flexível, que caracteriza
o atual estágio do capitalismo, nos fluxos de capital, mercadorias e de
informações, nos leva a incluir as redes como um recurso metodológico e
analítico apropriado para a compreensão da organização espacial dos
territórios apropriados para o turismo.
Para Pierre Musso (2003a; 2003b), a percepção da idéia de rede
remonta à antiguidade grega, onde vamos encontrá-la associada tanto às
representações da tecelagem e do labirinto como às “representações
hipocráticas do corpo humano e dos seus fluxos internos28” (2003a, p. 18).
Essa associação entre o conceito de rede e o corpo humano só ganhou
acréscimos consideráveis a partir do século XVIII, quando surgiram, no âmbito
da cartografia, as representações do território baseadas em uma visão
geométrica e matemática do espaço, o que introduziu uma objetivação da
rede como uma “matriz técnica” (DIAS, 2007).
Já no século XIX, Claude-Henri de Rouvroy, ou Conde de Saint-
Simon, desenvolveu o conceito moderno para as redes a partir de uma
proposta de reformulação do sistema feudal do Estado (no caso, a França)
para um sistema industrial, visto como uma “obra divina” dentro do “Nouveau
28 Todas as citações diretas feitas de Musso 2003a e 2003b, foram traduzidas pelo autor.
122
Christianisme” proposto por ele. Segundo ele, o território deveria ser coberto
por redes de comunicação, de conhecimento e de crédito, ou seja, “redes
artificiais para assegurar a circulação de todos os fluxos dentro da sociedade”
(MUSSO, 2003a, p. 32).
Para Saint-Simon “a rede simboliza definitivamente – na ação e
na representação – o laço selado entre os três elementos da sua religião: a
associação, a comunicação e a comunhão” (ibidem, p.32). Ou seja, as redes
eram intermediadoras de uma mudança social e não produtoras de relações
sociais, como propuseram posteriormente, alguns dos seus seguidores como
Michael Chevalier (DIAS, 2007).
Ainda de acordo com Musso, com o desenvolvimento dos
computadores e das redes de tele-informáticas, notadamente a Internet,
ocorreu uma nova extensão da representação das redes para toda a
sociedade (2003a, p.34), por ele denominada de “tecno-utopia reticular” que
articulava dois pontos centrais do seu conceito de rede: a antiga narrativa
envolvendo corpo e técnica, colocando o corpo, mais especificamente, o
cérebro frente á frente com a rede, e a narrativa moderna de Saint-simon que
tem a rede técnica como uma propulsora política de mudanças sociais.
(MUSSO, 2003b).
Como bem nos lembra Milton Santos, “a rede é também social e
política, pelas pessoas, mensagens, valores que a freqüentam” (1996, p.209),
nunca são uniformes e são inseparáveis da questão do poder, entendido
como a capacidade de qualquer sistema para organizar e controlar os
recursos necessários para o seu funcionamento (ibidem).
Segundo Dias (2007), o conceito de rede vem sendo aplicado
como forma de organização social, urbana, econômica, política e técnica.
Para a autora, a rede técnica é a que mais chama a atenção e merece
destaque, sendo “objeto de muitas representações, freqüentemente marcadas
por discursos prospectivos, segundo o pressuposto da casualidade linear
entre o desenvolvimento técnico e as mudanças sociais e espaciais (ibidem,
p. 12).
123
No entanto, Dias (2007) também nos alerta para o fato da
articulação das redes com o desenvolvimento técnico acelerado característico
do século XX, envolver um debate “fortemente marcado por um viés
determinista”. Tal postura pode nos levar a entender as redes como o “sujeito
capaz de criar condições sociais inéditas e de estruturar territórios” (ibidem, p.
13), superestimando o poder das mudanças técnicas. Citando Jean-Marc
Offner (200029), a autora nos chama a atenção para a necessidade de
cuidarmos para não nos redermos àquele determinismo tecnológico atual,
como ocorreu com Manuel Castell na sua obra Sociedade em Rede (1999).
Para tanto, ela nos orienta a pensar as redes como resultado das ações dos
agentes sociais e não como sujeitos daquelas ações, tirando o foco das redes
técnicas e levando-o para o conjunto das ações dos agentes sociais que
engendram aquelas redes:
Instável no tempo, móvel e inacabada como já apontou Raffestin (1980), a idéia da rede certamente ilumina um aspecto importante da realidade – chama a atenção para a complexidade das interações espaciais, resultantes dos conjuntos de ações desencadeadas em lugares mais ou menos longínquos. Assim, a rede representa um dos recortes espaciais possíveis para compreender a organização do espaço contemporâneo. (DIAS, 2007, p. 23).
Na visão de Milton Santos (1996), as redes devem ser vistas
como um composto de ações técnicas e ações sociais, tendo materialidade e
fluidez. São reais e virtuais, não prescindindo dos fixos – sua base técnica – e
dos fluxos, que as animam. Para ele, “as redes são estáveis e, ao mesmo
tempo, dinâmicas. Fixos e fluxos são intercorrentes, interdependentes. Ativas
e passivas, as redes não têm em si mesmo seu princípio dinâmico, que é o
movimento social.” (ibidem, p. 221). Ou seja, como já nos apontara Dias
(2007), elas não são o sujeito das ações e dos fenômenos; são apenas
instrumentos analíticos para o aprofundamento da compreensão de
fenômenos complexos como é o caso do turismo, especialmente quando o
analisarmos pelo ponto de vista da sua dimensão espacial.
29 OFFNER, J.M. ‘Territorial deregulation’: local authorities at risk from technical networks.
International Journal of urban and regional research. Volume 24.1, p.165-182, march 2000.
124
Por outro lado, para Raffestin (1980), “toda prática espacial,
mesmo embrionária, induzida por um sistema de ações ou de comportamento
se traduz por uma produção territorial que faz intervir tessitura, nó e rede”
(1993, p.150). Os deslocamentos espaço-temporais dos turistas estabelecem
um feixe de relações e de interações entre locais, firmas, instituições e
indivíduos, que pode ser representado pelo que ele classifica como um
“sistema de malhas, nós e redes”, ou pelo que Souza (1995) propõe como
sendo um “território descontínuo ou território-rede”. Com base no
comportamento e nas ações dos diversos agentes produtores do turismo, o
espaço turistificado organiza-se a partir de pontos/nós (destinos turísticos)
articulados e interligados entre si e com outros pontos/nós (centros
emissores), estabelecendo tessituras, que variam de intensidade e de escala,
de acordo com o tipo e o modo do turismo estabelecido.
Em outras palavras, podemos afirmar que, sob a ótica do seu
processo e da sua organização, o turismo estabelece uma rede composta por
destinos turísticos e por centros emissores (nós), localizados em pontos
diferentes do espaço que, por suas características funcionais, mantêm entre si
certas ligações de comando. Existe, pois, uma organização que mantém um
nível de gerenciamento (por extensão, de poder) sobre eles, interligando-os
por meio de objetivos comuns. O ponto/nó emissor precisa do ponto/nó
receptor (destino turístico) para satisfazer as demandas dos turistas e para
informá-los e transportá-los são necessários os “dutos” (materiais e imateriais)
que os unem, formando uma rede complexa (FRATUCCI, 2000b), que em
alguns casos pode avançar para a escala regional.
Fazendo um paralelo com os territórios-rede propostos por
Souza, podemos propor que os agentes produtores do turismo ao se
territorializarem produzem “uma rede complexa, unindo nós irmanados pelo
pertencimento a um mesmo comando” (1995, p.92). Entretanto, assim como
no caso do tráfico de drogas, nos vazios existentes entre os destinos
turísticos, ou mesmo superpostos a eles, existem outras redes e outras
territorialidades, com objetivos distintos.
125
Por outro lado, “cada nó de um território descontinuo é [...] ele
mesmo um território” e “cada território descontínuo é, na realidade, uma rede
a articular dois ou mais territórios contínuos” (idem, 1995, p.93-4). Se fizermos
o caminho oposto pelos níveis escalares de análise, iremos perceber que,
dentro do conceito mais tradicional de território, o destino turístico (nó
receptor) apresenta-se como o território mais concreto, quase sempre
contínuo e relativamente homogêneo, do turismo. A produção e o consumo do
produto turístico pelo turista sempre acontece na escala local; ou seja, é nos
“núcleos receptores que se dá, de maneira mais explícita, o consumo do
espaço” (RODRIGUES, 1997a, p.62).
O destino turístico30, como espaço vivido apresenta-se, portanto,
como
o território onde o turismo se realiza e onde há a ocorrência de interações e inter-relações temporárias entre o anfitrião e o turista [hoje acrescentamos os agentes de mercado, os trabalhadores e o Estado], aos quais irão permitir um contato direto, sem barreiras (físicas ou simbólicas) entre eles e o reconhecimento da existência do outro, recíproca e simultaneamente. (FRATUCCI, 2000a, p.65).
Importante salientar que a lógica reticular dos territórios-rede não
é exclusiva e não deve ser identificada de forma isolada; ela ocorre de forma
ao mesmo tempo complementar e concorrente à lógica zonal dos territórios
tradicionais. Na realidade, como aponta Haesbaert, a lógica zonal do território
tradicional (território-zona) “não estabelece em momento algum um relação
dicotômica ou dual“ (2004, p. 286) com a lógica reticular dos territórios-rede;
“território-zona e território-rede, como espécies de ‘tipos ideais’, de fato nunca
se manifestam de forma completamente distinta” (idem, p.290).
Essa lógica complexa de apropriação do espaço, ora mais zonal
ora mais reticular deve ser de alguma maneira, observada e incorporada pelas
políticas públicas orientadoras da gestão do desenvolvimento turístico. O
30 Em trabalho anterior, propusemos o termo lugar turístico para definir os centros receptores.
Entretanto, para a presente discussão entendemos ser mais oportuno denominá-los como destinos turísticos, tendo em vista que nem sempre o centro receptor se revela como um lugar no sentido dado pelas concepções teóricas da geografia humana e da antropologia.
126
descaso para com esse componente do fenômeno turístico como abordado
anteriormente, tem originado uma série de equívocos responsáveis por muitas
perdas de oportunidades e por muitos conflitos e impactos socioculturais e
ambientais no país.
Como afirmamos antes, há uma certa tradição do uso da região
e de diferentes métodos de regionalização nos processos de planejamento
dos espaços turistificados, levando a que considerem apenas a lógica zonal
de apropriação dos espaços para o turismo nas suas propostas de
intervenção. Entretanto, como também já apontamos, parece-nos que a região
não seja a categoria mais apropriada para o estudo e para a gestão daqueles
espaços, dada as características muito específicas do fenômeno turístico.
Desse modo, a categoria território-rede revela-se mais adequada
para avançarmos nos estudos do sistema articulado pelo turismo, de modo
complexo, incluindo todos os seus elementos constituintes, suas ações,
interações e inter-relações, sejam elas complementares, concorrentes ou
antagônicas. A lógica reticular do território-rede nos permite captar a
mobilidade e a transformação dos agentes sociais produtores do turismo.
Como bem nos coloca Haesbaert (2004, p. 286) a adoção da lógica reticular
nos permite captar “a dimensão temporal-móvel do território” e a sua
combinação com a lógica zonal nos leva a perceber mais nitidamente o
dinamismo, o movimento, as possíveis conexões e a profundidade do espaço
apropriado pelo turismo (ibidem).
Esse procedimento contribui para nos afastarmos da leitura
bidimensional e estática do espaço do turismo, incorporando às nossas
observações também a multiplicidade de tempos de cada um dos seus
agentes sociais e diminuindo as incertezas que ainda é possível observamos
nos processos de apropriação do espaço para o turismo.
Ao analisarmos o espaço do turismo na região das Agulhas
Negras (capítulo 5), observamos que a combinação das lógicas de
territorialização de cada um dos agentes sociais envolvidos, tende a ampliar
os territórios-rede do turismo para a escala micro-regional, envolvendo os
territórios e articulando localidades de mais de um município. Desse modo,
127
identificamos a formação de redes regionais compostas por aqueles agentes
produtores, em especial, pelos agentes de mercado e pelos turistas.
3.4 INCERTEZAS E CONFLITOS NOS PROCESSOS DE TURISTIFICAÇÃO DO ESPAÇO CONTEMPORÃNEOS
O estudo e a análise recentes dos processos de turistificação de
espaços na contemporaneidade apontam para uma realidade complexa e
ainda bastante longe de uma organização. O jogo dialógico que os agentes
produtores do turismo estabelecem entre si, com os outros setores da
sociedade contemporânea e, mais especialmente, com as comunidades das
áreas receptoras, promove uma realidade bastante densa e complexa. Nela
convivem sincronicamente muitas lógicas espaciais, além de interesses e
visões de mundo específicas, que precisam ser observadas e contempladas,
mesmo que de maneira indireta, nas análises e no estudo daquele fenômeno.
O turismo, visto como fenômeno socioespacial ou como
atividade econômica, faz parte de uma realidade mais ampla e suas políticas
públicas de gestão devem ter essa referência. Todas as ações e políticas
propostas para o turismo deveriam contemplar esse jogo dialógico complexo
que envolve dois níveis de organização: um nível mais específico, que
contempla a organização/sistema do turismo especificamente e outro, mais
abrangente, que abarca uma organização/sistema maior, como um meta-
sistema, no qual o turismo se insere e se articula. O conjunto das relações
ambientais proposto por Beni (2001) no seu modelo de sistema turístico busca
justamente considerar esse jogo contraditório, mas ao mesmo tempo
complementar e concorrente, com o qual o turismo convive. Não é possível
estabelecer políticas, programas e ações para o desenvolvimento do turismo,
seja qual for a estratégia adotada, sem que seu ambiente externo esteja
envolvido e articulado com ele. Essa interdependência do sistema turístico
com o meta-sistema no qual se insere, pode ser considerada como um dos
pontos nevrálgicos para a sua gestão e ordenamento, já que incorpora ao
128
problema um conjunto de variáveis externas extremamente complexas e,
aparentemente, desarticuladas.
O grau de permeabilidade do sistema turístico com o seu
ambiente externo torna a sua gestão uma ação que requer muita agilidade no
seu monitoramento e na sua retro-alimentação. Não é possível pensar o
turismo a partir de metodologias de planejamento rígidas e estáticas; urge a
utilização de métodos e técnicas que possibilitem a constante atualização das
variáveis do jogo e a permanente revisão dos programas, projetos e ações
propostos. Diante dessa complexidade do fenômeno, não é possível
desconsiderar os cortes que as articulações entre as disciplinas, entre as
categorias cognitivas e entre os tipos de conhecimento, propostos pelo
paradigma atual (da simplificação) têm nos imposto (MORIN, 1999a). Pensar
e agir complexamente diante do fenômeno turístico é buscar incluir as outras
dimensões que o turismo comporta, além da dimensão econômica. “Não
devemos esquecer que o homem é um ser biológico-sociocultural, e que os
fenômenos sociais são, ao mesmo tempo, econômicos, culturais, psicológicos,
etc.” (Ibidem, p. 177).
Voltando à questão das incertezas e dos conflitos com os quais o
turismo convive, podemos iniciar nossa análise pelo conflito básico do
fenômeno: enquanto o comportamento da demanda turística tende para a
globalização e para a internacionalização, a estruturação da oferta turística
cada vez mais se volta para a valorização das características locais. Ao
mesmo tempo em que o perfil do turista atual tende para um comportamento
mais ou menos internacionalizado (talvez, melhor seria dizer estandardizado)
e que os agentes do mercado trabalham para uma padronização dos serviços
oferecidos, os destinos turísticos, na luta pela competitividade com outros
destinos, buscam se diferenciar dos demais, incorporando e salientando as
suas características locais, por meio de uma revalorização das suas
identidades culturais. A própria proposta da corrente do city marketing, tão
difundida atualmente no mundo do negócio turístico, salienta que para um
destino turístico se destacar no universo do turismo atual, ele deve valorizar
as suas peculiaridades locais. Essa aparente contradição entre o local e o
129
global reforça a complementaridade dos diversos constituintes do turismo,
indicando que o seu jogo de interações caminha da desordem para a ordem,
ciclicamente, se retroalimentando mutuamente.
Senão vejamos: um turista europeu que vem ao Brasil e compra
um final de semana em Paraty, com certeza foi motivado para tal escolha
pelas características daquela cidade histórica, especialmente por sua
arquitetura tipicamente brasileira e pelas suas festas e atividades populares.
Portanto, o que o atraiu foram as características peculiares e específicas da
oferta local em relação a outras cidades históricas do Brasil. Entretanto, ele irá
demandar por uma série de serviços (transportes, alimentação, hospedagem
etc.) dos quais irá esperar um nível de qualidade de padrão internacional, em
que conforto, segurança e higiene deverão estar presentes. Para atender a
essa característica da demanda, as pousadas de Paraty, sem alterar as
características históricas e arquitetônicas dos seus prédios, disponibilizam
quartos com ar condicionado, banheiros com sistema de aquecimento de
água central e no café da manhã oferecem os alimentos que qualquer hotel
brasileiro de categoria similar oferece: sucos e frutas tropicais, presunto,
queijos, pães e biscoitos, chá, café, etc. Cabe aos responsáveis pela
administração e gestão do sistema turístico local encontrar um caminho que
possibilite aos atributos locais continuarem tendo seu papel como seu
constituinte diferencial, complementarmente às demandas e necessidades de
serviços e estruturas mais internacionalizadas dos seus visitantes. A
organização deve contemplar a unidade e a multiplicidade, o uno e o múltiplo
(MORIN, 1999a).
Para o especialista em turismo Peter Keller, o jogo contraditório
existente entre a abertura dos mercados provocados pela globalização e a
volta às origens pregada pela valorização do local, se revela extremamente
forte na atividade turística:
A grande rede de contatos criada pela tecnologia da informação deu condições para o surgimento de uma cultura global de lazer. A posição do consumidor foi aperfeiçoada nesse mundo globalizado. [...] Os novos sistemas de distribuição estão melhorando a transparência nos negócios
130
tanto em termos de serviços como de preços. Essas melhorias também significam que as pessoas, em todo o mundo, passaram a adotar padrões similares relativos à expectativa do conforto e da qualidade de serviços. O conforto e o padrão de qualidade de hoje são verdadeiramente internacionais (KELLER, 2005, p.5)
Para nós, esse jogo contraditório deve ser ampliado e visto como
dialógico entre os valores propostos pelo processo de globalização e aqueles
ditados pelos processos de resistência dos locais, representando uma das
variáveis mais significativas para entendimento dos processos de turistificação
dos espaços. Ao tentar se diferenciar no mercado turístico, os destinos
turísticos recuperam, (re)criam ou (re)inventam valores locais na ânsia de
conquistar mais visitantes. Nessa tentativa, ao mesmo tempo em que o
turismo pode contribuir para a valorização e o fortalecimento dos laços
culturais das populações das áreas receptoras, também pode levar à
espectacularização da sua cultura. Para alguns antropólogos brasileiros, a
relação dialética do turismo com a cultura se revela com a encenação da
cultura para o turista ao mesmo tempo em que essa encenação provoca o
resgate da cultura; a cultura “produto” inventada pelo e para o turismo, ajuda a
reinventar as identidades locais a partir da recuperação de valores culturais
esquecidos ou mesmo perdidos. (BANDUCCI JR; BARRETTO, 2001). No
nosso entender, devemos ver esse processo como parte de um circuito
relacional em que os elementos se influenciam e se retroalimentam
recorrentemente, em um movimento constante e cíclico, característico dos
fenômenos sociais complexos.
Continuando na esteira dos conflitos e das incertezas do turismo
contemporâneo nos deparamos com aquela relacionada diretamente com a
ação do agente público, ou seja, do Estado na gestão do turismo. Enquanto
os discursos dos governantes vêm sendo marcados fortemente pelo
paradigma do desenvolvimento sustentável, a prática resultante das suas
ações e interações com os outros agentes do turismo não corresponde a ele.
Há um distanciamento significativo entre discurso e ação, revelando conflitos
e desequilíbrios entre os interesses dos diversos agentes do turismo. Se o
poder público, como agente articulador de todos os agentes envolvidos
131
apresenta um discurso conflituoso com suas práticas, todo o
sistema/organização turístico gerenciado por ele torna-se conflituoso e incerto.
Considerando o paradigma do desenvolvimento sustentável que
estabelece a sustentabilidade alicerçada em três pilares centrais –
sustentabilidade econômica, sustentabilidade ambiental e sustentabilidade
sociocultural – ficam evidentes as ambigüidades existentes entre o que as
políticas públicas de turismo vêm propondo nos últimos anos e o que vem
sendo efetivamente construído nos destinos turísticos brasileiros. Enquanto o
discurso prega a lógica da sustentabilidade, a prática segue a lógica do
mercado que está voltada especificamente para a busca de maior
produtividade e geração de mais lucros para o capital investido. As outras
dimensões do fenômeno são praticamente ignoradas. A dimensão espacial do
turismo, em especial, é totalmente relegada ao papel de suporte, quase
cenário, para a atividade econômica, somente aparecendo nos momentos em
que é necessário definir a localização dos investimentos públicos e privados.
Literalmente, são desconsideradas as lógicas de apropriação dos espaços de
alguns dos seus agentes sociais, especificamente dos trabalhadores do setor
e das populações residentes nos destinos turísticos.
Podemos exemplificar esse fato, analisando o PRODETUR-NE,
que desde o início da década de 1990, vem preparando praticamente todo o
litoral daquela região para os grandes empreendimentos turísticos
internacionais, implantando toda a infra-estrutura exigida por aqueles
investidores. Assim, um número expressivo de aeroportos foi construído ou
ampliado para poder receber os tão conhecidos “vôos charters” (São Luiz,
Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, João Pessoa, etc.); muitos quilômetros de
rodovias foram abertos, asfaltados ou recapeados ligando as localidades da
faixa litorâneas às capitais e, portanto, aos seus aeroportos; redes de
abastecimento de água, energia e comunicação e sistemas de tratamento de
esgotos foram disponibilizados em pontos privilegiados do litoral para onde
estavam reservadas as áreas para a implantação de resorts.
Entretanto, muito pouco ou quase nada foi investido para a
preparação das populações das áreas envolvidas, de maneira a permitir sua
132
inserção no novo (para eles) negócio do turismo. Não houve capacitação,
treinamento e muito menos, investimentos na área da educação fundamental.
Também, pouco está se investindo para a preservação ou recuperação de
áreas naturais importantes. Os investimentos ocorridos nesse sentido estão
diretamente vinculados à implantação de empreendimentos do tipo resorts
que se utilizam deles apenas para exibirem o rótulo de ambientalmente
corretos.
Outro fator de incerteza nos processos de turistificação dos
espaços está no comportamento da população autóctone dos destinos
turísticos. Mesmo percebendo no turismo uma possibilidade de melhoria da
qualidade de vida local, pelos investimentos gerados e pelo aumento da oferta
de empregos e ocupações, há certa resistência à entrada de visitantes
representada por certa hostilidade a eles. Ao mesmo tempo em que o turismo
é visto como algo bom do ponto de vista econômico, também é criticado pelos
seus impactos ambientais e pelas influências negativas que provoca,
principalmente, na faixa mais jovem da população, que se deixa levar pelo uso
das drogas, pela prostituição e pela incorporação de hábitos estranhos ao seu
cotidiano.
A resistência de alguns esbarra no otimismo de outros, criando
um impasse nas relações sociais locais, levando a crises de convivência e de
perda de interesse pelo lugar. Muitos optam por se afastarem do local, indo
morar em outros lugares ou mesmo nas áreas periféricas dos centros
turísticos, buscando isolar-se da situação, enquanto outros se articulam para
tirar proveito da nova atividade econômica, investindo em negócios nem
sempre bem estruturados para atender à demanda dos visitantes, partindo do
pensamento equivocado que o turista está ali para ser explorado sempre.
Como toda prática espacial, o turismo gera alterações nos
espaços onde seus agentes produtores se instalam, refuncionalizando alguns
dos seus objetos fixos, eliminando outros que impedem o seu crescimento e
constituindo uma nova rede de relações sociais, políticas, culturais e
econômicas, que tornam o espaço turistificado um campo de novas interações
e inter-relações convergentes, concorrentes e opostas, cheio de conflitos e
133
incertezas para os seus agentes promotores. Caberia às políticas públicas
responsáveis pelo ordenamento do setor, captar esses conflitos e demandas e
encontrar o ponto de estabilidade entre eles, mesmo que temporário, de modo
que, senão todos, pelo menos a maioria dos seus agentes tenham as suas
ansiedades e necessidades atendidas de forma plena e duradoura.
Entretanto, parece que essa tarefa não vem sendo realizada pelos
responsáveis pela gestão do setor no nosso país e, com isso, muitas
oportunidades têm sido perdidas, tanto na dimensão espacial do fenômeno,
como na social e na econômica, como veremos no capítulo seguinte.
4 A DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO TUR ISMO NO
BRASIL A análise das políticas públicas federais de turismo no Brasil mostra, claramente, a total ignorância daqueles que as elaboraram relativamente ao significado do espaço para a vida e, conseqüentemente, para o turismo. Reduzido a ‘atrativos naturais e culturais’, o espaço foi e continua sendo compreendido pelas administrações públicas – ao menos no que diz respeito ao turismo – como um puro e simples receptáculo de suas ações às quais devem somar-se as ações dos agentes de mercado. (CRUZ, 2006, p. 349)
Finda a Segunda Guerra Mundial, em 1945, o cenário mundial
exigiu uma retomada estratégica para viabilizar a reconstrução de todos os
países atingidos pela guerra. O processo de recuperação da Europa levou
muitos governos a buscarem saídas rápidas para o fortalecimento de suas
economias e principalmente, para a criação de empregos em quantidade
suficiente para atender à demanda por eles. Foi quando os países de economia
de mercado aderiram ao uso das ferramentas do planejamento racional, até
então característica quase exclusiva dos países de economia centralizada
(ACERENZA, 1991). Os recursos disponíveis para a reconstrução não eram
suficientes impondo a necessidade de priorização das ações, para o
estabelecimento de uma hierarquização entre o que era mais urgente (curto
prazo) e o que podia ser deixado para o futuro próximo (médio e longo prazo).
Dentre as diversas possibilidades identificadas para atingir
aqueles objetivos, identificou-se o turismo como um setor econômico bastante
fértil, tendo em vista seu potencial para geração de empregos e,
principalmente, para o aumento na entrada de moedas estrangeiras para os
135
países. Ajudados pela rápida evolução dos meios de transportes e de
comunicação31, os governos passaram a investir intensamente no
desenvolvimento do turismo, principalmente nas áreas litorâneas do mar
Mediterrâneo, onde era possível a combinação de uma série de variáveis
positivas para o incremento do turismo de sol e praia como alto índice de
insolação, mar de águas mornas e limpas, temperaturas agradáveis e extensas
áreas de praias. Foi o início dos processos de turistificação intencionais
(planejado) de determinados trechos do espaço a partir de uma série de
medidas tomadas pelos organismos nacionais de turismo, que foram se
modificando e se adaptando ao processo de evolução do modelo de economia
de mercado predominante na maioria dos países europeus e americanos.
Podemos afirmar que o Mediterrâneo foi a primeira região turística
planejada do mundo. Desenvolvida sistematicamente a partir de 1961, nela é
possível observarmos as primeiras intervenções de planejamento em
localidades turísticas de que se tem notícias. Apesar da realização dos estudos
para o ordenamento turístico da Costa do Sol da Espanha datar de 1955, o
primeiro plano de desenvolvimento turístico reconhecido como tal, foi aquele
realizado no extremo ocidental do litoral mediterrâneo francês, próximo à
fronteira com a Espanha, conhecido como Languedoc e Roussilón, no atual
departamento de Hérault (ACERENZA, 1991; PEARCE, 2003).
Tratava-se de um plano de desenvolvimento centrado na questão
espacial, que criou um modelo para destinos turísticos direcionados para o
consumo do produto “sol e praia”. O governo francês adquiriu mais de 1.500
hectares ao longo de 180 km de praias, por meio de uma comissão
interministerial ligada diretamente a Autoridade Nacional de Planejamento,
onde implementou um amplo projeto de desenvolvimento regional estruturado
na atividade turística, sob a coordenação do arquiteto George Candilis,
discípulo de Le Corbusier (ACERENZA, 1991).
31 A rápida evolução da tecnologia no setor da aviação comercial e a expansão dos transportes
aéreos intercontinentais foram decisivas para o surgimento do turismo de massa e das viagens de férias para os destinos tropicais do Mediterrâneo e do Caribe.
136
Así, 180 km de costa escasamente antropizada, donde sólo aparecía algún pequeño centro turístico en relación con las ciudades del traspaís, con recursos no utilizados (playas vírgenes, marismas, patrimonio cultural en el interior) se convierten en escenario privilegiado de una ordenación cuyo objetivo es crear una gran región turística en un contexto económico centrado en la viticultura (VERA et al, 1997, p.278).
Devido ao sucesso obtido, aquele modelo passou a ser
reproduzido em diversos recantos do litoral do Mar Mediterrâneo, num
processo de expansão que transpassou as décadas de 1960 e 1970, apenas
interrompido pela instabilidade política dos países do norte da África. Após
terem ocupado com o citado modelo os espaços disponíveis do litoral sul
francês (Cote d’Azul), do litoral norte ocidental da Itália, da costa da ilha da
Sardenha, do litoral da antiga Iugoslávia no mar Adriático, os investimentos
chegaram ao litoral da Tunísia, Turquia, Líbano e Israel. A seqüência lógica de
expansão do modelo seria o litoral norte do continente africano (Egito, Argélia,
Marrocos e Líbia) o que foi, de certa forma, reprimido pela instabilidade política
daqueles países.
Ávidos por ampliar seus espaços de reprodução, os agentes do
capital buscaram novas áreas com características similares às do Mediterrâneo
(temperaturas amenas e estáveis, águas cálidas, alto índice de insolação e
praias de grande extensão) e descobriram-nas no Mar do Caribe para onde se
deslocaram, iniciando um novo processo de turistificação a partir da década de
1970. Ainda na década de 1960, alguns governos latino-americanos
começaram a vislumbrar a possibilidade de ter o turismo como um vetor de
desenvolvimento, fato que justificou a elaboração de diversos planos de
desenvolvimento turístico nacionais (México, 1968; Argentina, 1968; Peru,
1969) (ACERENZA, 1991).
Apoiados pelo processo de globalização do mercado financeiro
essa expansão territorial do turismo iniciada na década de 1990, atinge
praticamente todos os continentes. Os dados da OMT (Figura 10) corroboram
com esta afirmação, sinalizando para o que podemos chamar de mundialização
do turismo como setor econômico de importância para a balança de
137
pagamentos de muitos países, especialmente aqueles com processos de
desenvolvimento menos acelerado.
È interessante observar que desde 1995, tanto a Europa como o
continente americano vêm apresentando uma tendência de crescimento abaixo
da média mundial, enquanto que para os países asiáticos (Oriente Médio, Sul
da Ásia e Extremo Oriente) e da África, as previsões apontam para um
crescimento superior àquela mesma média, indicando um deslocamento das
correntes turísticas internacionais para aquelas regiões do planeta. Desse
modo, em um ritmo constante, o turismo está se expandindo por todos os
continentes e ocupando seus territórios, num processo de turistificação
constante e incisivo.
Figura 10 – Previsão de chegadas internacionais po r região (em milhões) Fonte: OMT, 2007
138
4.1 TENDÊNCIAS NOS PROCESSOS DE GERENCIAMENTO DOS ESPAÇOS TURÍSTICOS
O processo evolutivo e os diversos métodos utilizados nos
processos de planejamento de destinos turísticos vêm sendo objeto de estudos
de inúmeros autores como Acerenza (1991), Boullón (1990a), Beni (2001),
Petrocchi (2001), Hall (2001), dentre outros. Com exceção do último autor, os
demais elaboraram suas análises no intuito de identificar um modelo de
planejamento mais adequado para o desenvolvimento de planos turísticos,
sempre direcionados para a questão do ordenamento da atividade turística,
com pouca ou nenhuma referência às questões espaciais e socioculturais do
turismo. O espaço é visto, de um modo geral, apenas como suporte e recurso
para o turismo, sendo muitas vezes denominado como “matéria prima”
essencial.
De acordo com os estudos de Hall (2001)32, podemos identificar
um processo evolutivo nas dimensões e métodos pelos quais o
desenvolvimento turístico vem sendo gestado e implantado na maioria dos
países, a partir da sua expansão pós Segunda Guerra Mundial. Essas
dimensões estão diretamente relacionadas com as características das políticas
públicas direcionadas para a gestão do setor turístico (Figura 11).
Num primeiro momento os governos nacionais procuraram
estruturar e regular a entrada e saída de visitantes, visando principalmente ao
controle cambial e à prevenção da difusão de problemas de saúde pública. A
seguir, passaram a se concentrar na divulgação dos seus países nos possíveis
mercados emissores e no fornecimento de infra-estrutura básica para a
expansão da atividade turística, tais como, redes de transportes, comunicação,
serviços urbanos, no intuito de atrair mais visitantes e aumentar a entrada de
moedas fortes para suas contas nacionais (HALL, 2001).
32 Colin Michael Hall é geógrafo, professor e pesquisador do Centro para o Turismo, da
Universidade de Otago, Dunedin, Nova Zelândia, especializado nas temáticas do planejamento e desenvolvimento do turismo, com enfoque nas questões de desenvolvimento regional e políticas públicas.
139
Fase Características
1945 – 1955
Desagregação e racionalização da política, da moeda e de regulamentações referentes à saúde adotadas após o final da Segunda Guerra Mundial.
1955 – 1970 Maior envolvimento do governo no marketing turístico a fim de aumentar o potencial de ganhos do setor
1970 – 1985 Envolvimento do governo no fortalecimento de infra-estrutura turística e no uso do turismo como instrumento de desenvolvimento regional
A partir de 1985
Uso continuado do turismo como instrumento de desenvolvimento regional, maior foco em questões ambientais, menor envolvimento do governo no fornecimento de infra-estrutura turística, maior ênfase no desenvolvimento de parcerias público-privadas e auto-regulamentação do setor
Figura 11 – Políticas internacionais de turismo a p artir de 1945 Fonte: Hall, 2001
A adoção do modelo neoliberal na gestão pública pela maioria dos
países ocidentais, incrementada a partir da década de 1980 por Margareth
Thatcher no Reino Unido e por Ronald Reagan nos Estados Unidos, levou a
uma revisão no papel do Estado na economia e a um amplo processo de
desregulamentação do mercado. Aquele modelo enfatizava, e ainda enfatiza, o
Estado mínimo com pouca intervenção dos governos centrais, partindo do
princípio de o mercado ter condições de auto-regular suas atividades. Nessa
linha, os governos passaram a se concentrar mais nas ações de marketing e
divulgação do turismo e no estabelecimento de parcerias público-privadas para
o desenvolvimento do setor turístico.
Entendendo o planejamento como um processo político de
tomada de decisões, que sempre envolve jogos de interesses, que precisam
ser administrados pelas políticas públicas de turismo, Hall (2001), com bases
em estudos de diversos pesquisadores, aponta cinco abordagens
metodológicas possíveis no processo evolutivo do planejamento turístico.
Essas abordagens são diferenciadas, mas não excludentes e podem ser
compreendidas como uma seqüência cíclica evolutiva, uma vez que é possível
identificarmos características de todas elas combinadas no mesmo processo
de planejamento (Figura 12). Hall (2001) sistematiza as diversas abordagens
metodológicas, usando como ponto de partida a identificação dos seus
140
Abordagem Metodológica Pressupostos Problema do Planejamento
Ferramentas principais
Fomento
o Turismo sempre é bom para os centros receptores e devem ser desenvolvidos;
o Turismo não gera impactos negativos;
o Recursos naturais e culturais devem sempre ser explorados.
PROBLEMA: Como receber e alojar mais turistas? FERRAMENTAS: divulgação, propaganda, relações públicas estabelecimento de metas de crescimento.
Econômico
o Turismo é visto apenas como mais um setor da economia, capaz de gerar; empregos, renda e estimular o desenvolvimento regional;
o O planejador torna-se um especialista;
o Desenvolvimento econômico baseado na satisfação do mercado.
PROBLEMA: O turismo pode ser usado como um vetor de crescimento econômico? FERRAMENTAS: Análises oferta X procura; Análises custo X benefícios; Adequação do produto ao mercado; Marketing = segmentação de mercado; Desenvolvimento de incentivos
Físico-espacial
o Turismo é um fenômeno espacial e regional, capaz de auxiliar na conservação ambiental;
o Turismo como usuário dos recursos naturais;
o Os destinos turísticos apresentam ciclos de vida como qualquer produto
o Desenvolvimento definido a partir dos limites ambientais e ecológicos.
PROBLEMA: Como manipular os fluxos de visitantes através de parâmetros de controle da saturação física dos ambientes naturais? FERRAMENTAS: Planejamento regional; Estudos de impactos ambientais; Estudos de capacidade de carga; Leis de uso do solo.
Participativo
(comunitário)
o Turismo visto como gerador de impactos positivos e negativos;
o Busca do desenvolvimento equilibrado, com controle das comunidades locais;
o Planejador assumindo o papel de facilitador do processo de decisão.
PROBLEMA: Como desenvolver o turismo, garantindo o seu controle pela comunidade receptora? FERRAMENTAS: Conscientização e educação dos sujeitos do fenômeno: turista, empresário e comunidade; Desenvolvimento local; Avaliação dos impactos socioculturais; Desenvolvimento NA e não DA comunidade.
Sustentável
o Integração dos valores econômicos, ambientais e socioculturais;
o Planejamento turístico integrado ao processo de planejamento de outros setores;
o Eqüidade inter e intra-geracional; o Planejamento como processo
político de tomada de decisões; o Busca de melhor equilíbrio, justiça e
oportunidades entre nações, regiões e lugares.
PROBLEMA: como planejar o turismo a partir dos princípios da sustentabilidade? FERRAMENTAS: Planejamento estratégico; Elevação da consciência do consumidor, do produtor e da comunidade; Visão sistêmica do setor turístico Planejamento participativo.
Figura 12 – Abordagens metodológicas do Planejament o Turístico Fonte: Adaptado de Hall,2001.
141
pressupostos teóricos, os problemas centrais impostos para as equipes de
planejamento e os métodos e ferramentas adotados por cada uma das
abordagens.
Atualmente, na busca de um modelo de desenvolvimento turístico
sustentável e duradouro, portanto, potencialmente sustentável, tem-se chegado
à constatação de que o mesmo somente pode ser atingido se estiver orientado
por uma visão sistêmica do turismo, em que as políticas e as ações
contemplem tanto o interior do sistema em estudo quanto o seu ambiente
exterior.
É necessário pensar no longo prazo, de maneira estratégica e
integrada, uma vez que o sistema turístico é extremamente complexo e
dependente do seu ambiente, estando permanentemente em contato com
outros sistemas sociais, econômicos, culturais e políticos que o rodeiam.
O turismo, como propomos aqui, por natureza é um fenômeno
socioespacial que concretiza uma atividade econômica multifacetada, gerando
um sistema/organização complexo extremamente permeável e,
conseqüentemente, dependente do meio ambiente externo onde se insere.
Para estabelecermos um processo de desenvolvimento sustentável em
qualquer destino turístico é necessária a adoção da prática do planejamento
contínuo, que contemple todos os níveis de gestão: o estratégico, o tático e o
operacional (HALL, 2001; PETROCCHI, 2001).
Entretanto, não constatamos essa preocupação nas diversas
políticas públicas direcionadas para o desenvolvimento do turismo no país.
Como já apontamos, apesar de alguns discursos contemplarem a necessidade
da visão sistêmica e estratégica nos processos propostos, a prática tem
revelado o oposto. O que observamos é a existência de conjuntos de
programas e projetos agrupados sob a denominação de política, abrangendo
horizontes temporais de médio e curto prazo. Na realidade não são fruto de um
processo de planejamento contínuo e democrático; são mais resultados de
consolidação de projetos políticos de grupos específicos que, ao assumirem
determinados cargos públicos, procuram implementá-los dando-lhe feição de
planos e políticas setoriais.
142
Não observamos no conjunto de normas, instrumentos legais e
políticas públicas direcionados para o gerenciamento do turismo brasileiro
nenhuma aproximação, por mínima que seja, de uma visão complexa do
fenômeno. A leitura e análise são sempre míopes, quase sempre feitas do
ponto de vista exclusivo da sua dimensão econômica. As decisões, os projetos
e as ações privilegiam apenas os agentes de mercado (diretamente) e os
turistas e o Estado (indiretamente).
Apenas na última década, as ações governamentais brasileiras
vêm tentando adotar uma visão de longo prazo para o desenvolvimento do
turismo no país. Mesmo assim, ainda é possível, a partir de uma leitura mais
aprofundada dos documentos e da análise dos seus resultados, percebermos
uma preocupação maior com o curto e o médio prazo, uma vez que são nesses
recortes temporais que se realizam os projetos pessoais dos nossos
governantes.
4. 2 INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO NO BRASIL
No Brasil, a evolução do setor turístico vem ocorrendo de forma
mais lenta e menos contínua se comparada com a de outras áreas turísticas do
mundo. O contexto histórico da América Latina e a distância entre nosso país e
os grandes centros emissores de turistas – Europa e América do Norte –
tornam o produto turístico nacional pouco competitivo (do ponto de vista do
mercado) em relação a produtos similares oferecidos por países como México,
Aruba e as demais ilhas do Caribe, por exemplo. Além disso, o longo período
de instabilidade política e econômica, ocorrido na história recente do país, mais
precisamente nas décadas de 1970 e 1980, ajudou a criar uma imagem pouco
favorável para o nosso produto turístico.
A partir de 1994, o governo federal passou a demonstrar um
interesse mais efetivo pelo turismo, propondo e desenvolvendo uma série de
políticas, programas, projetos e ações destinadas a mudar esse quadro
desfavorável e acelerar o crescimento do setor turístico nacional. Essa
143
mudança de postura em relação à importância do turismo também vem
ocorrendo, em ritmo e processos diferenciados, nos principais estados e
municípios do país.
Segundo a geógrafa Rita de Cássia Cruz, a primeira política
nacional de turismo do Brasil foi instituída em 1966, pelo decreto-lei nº 55.
Antes disso, a gestão pública do turismo ocorreu de forma fragmentada e
esporádica, por meio de instrumentos legais e instâncias de governo bastante
diversificadas (Figura 13). Em seus estudos, a autora divide as políticas
nacionais de turismo em três fases: aquela que ela denomina de “pré-história
juridico-institucional” que vai de 1938 a 1966, a fase compreendida entre 1966
e 1991 e a fase posterior a 1991 (CRUZ, 2000).
Período Instâncias do Turismo
1939 - 1945
Divisão de Turismo, do Departamento de Imprensa e Propaganda, vinculado à Presidência da República
1945 - 1946 Departamento Nacional de Informação, do Ministério da Justiça e Negócios Interiores
1951 - 1958 Departamento Nacional de Imigração (posterior Instituto Nacional de Imigração e Colonização) do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
1958 - 1962 Comissão Brasileira de Turismo – Combratur, vinculada à Presidência da República
1961 - 1966 Divisão de Turismo e Certames, do Departamento Nacional do Comércio do Ministério da Indústria e do Comércio
1966 - 1990
Ministério da Indústria e do Comércio (diversos órgãos internos)
EMBRATUR – Empresa Brasileira de Turismo Conselho Nacional de Turismo – CNTUR
1990 - 1992 Secretaria de Desenvolvimento Regional da Presidência da República EMBRATUR
1992 - 1996 Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo EMBRATUR
1996 - 2002 Ministério de Esportes e do Turismo EMBRATUR
2003 - 2007 Ministério do Turismo Conselho Nacional de Turismo
Figura 13 – Evolução das instâncias de gestão do t urismo no Brasil Fonte: Fratucci, 2006.
144
Antes de 1966, o que podemos observar é a promulgação de
diversos diplomas legais isolados, direcionados para questões específicas do
turismo brasileiro. Apesar de isolados e direcionados, os diversos instrumentos
legais compunham o arcabouço das diretrizes governamentais para o setor
turístico, revelando a sua inoperância dentro do cenário nacional. O primeiro
diploma legal que abordou o turismo foi o decreto-lei 406, de 1938,
regulamentado pelo decreto 3.010 do mesmo ano, tendo como foco a
normatização da venda de passagens marítimas, aéreas e rodoviárias, o
funcionamento das agências de viagens e a emissão de vistos consulares
(CRUZ, 2000).
Em 1939, foi criada a Divisão de Turismo, primeiro órgão
administrativo de turismo no país, vinculada ao Departamento de Imprensa e
Propaganda, com a finalidade de gerenciar, organizar e fiscalizar o turismo
interno e externo (decreto-lei 1.915/39). A partir daí, o turismo passa a ser
tratado, na esfera do governo federal, em diversos órgãos e níveis (Figura 13),
conforme as necessidades pontuais que se impunham a cada momento.
Segundo Cruz, “essa circulação da atividade turística por tão diversas esferas
da administração pública, conduz a diferentes interpretações” (2000, p.45),
sendo a mais freqüente aquela que aponta para a não priorização do turismo
pelas políticas federais, o que o deixava sempre à mercê dos interesses de
grupos específicos relacionados a ele.
O período compreendido entre 1966 e 1990 pode ser considerado
como aquele em que o governo se fez presente na estruturação e
regulamentação do setor turístico nacional. Com a instalação do Conselho
Nacional de Turismo (CNTur), de caráter normativo e da Empresa Brasileira de
Turismo (EMBRATUR), órgão executor da política nacional de turismo
(decreto-lei 55/66), o governo federal passa a reconhecer institucionalmente o
turismo como uma atividade capaz de contribuir para o desenvolvimento
regional, principalmente das áreas menos privilegiadas, equiparando o setor
turístico à indústria.
145
Durante aquele período o governo federal estabeleceu um
sistema nacional de incentivos fiscais e financeiros para estimular o
desenvolvimento turístico no país, principalmente pela ampliação e melhoria da
oferta de meios de hospedagem. Tais ações provocavam um intenso
reordenamento no território brasileiro, tendo por base o seu uso pelo turismo. A
resolução CNTur nº 31/1968 estabelecia claramente o plano de priorização de
localização de hotéis de turismo no território nacional, contemplando como
áreas prioritárias:
I - Capital federal e as capitais dos estados e dos territórios; II – estâncias hidrominerais, estações climáticas e balneárias, e cidades históricas; III – adjacências dos aeroportos internacionais e eixos viários de interesse turístico; IV – Parques Nacionais e áreas onde haja ocorrências naturais com caráter de excepcionalidade e interesse turístico; V – outras localidades de comprovado interesse turístico, a critério deste Conselho (BRASIL, 1968).
Além dessa priorização territorial de caráter subjetivo e difuso,
foram priorizados os investimentos destinados a atender à demanda
internacional, caracterizados pela construção de empreendimentos hoteleiros
de categoria luxo (os famosos 5 estrelas), em detrimento daqueles voltados
para as necessidades do mercado interno. Tal direcionamento contribuiu para a
turistificação concentrada de trechos do território nacional, principalmente
aqueles próximos ao litoral.
Essa tentativa de ordenar e estimular a turistificação de certos
trechos do território nacional estruturava-se apenas pelos interesses dos
agentes do mercado e por algumas prioridades estratégicas do governo militar
que dirigia o país. Não havia cuidado ou qualquer consideração para com a
dimensão espacial do turismo e com suas interações com as populações dos
locais escolhidos para serem turistificados.
Para viabilizar as diretrizes daquela resolução normativa e atrair
investidores, em 1971 foi criado o Fundo Geral de Turismo (FUNGETUR), pelo
decreto-lei 1.191,com o objetivo de
146
financiar empreendimentos, obras e serviços de finalidades ou interesse turístico, assim declarados pela EMBRATUR e enquadrados em programas estaduais ou municipais de desenvolvimento turístico, desde que situados em cidades cujo mercado revele a necessidade de sua implantação. (FERRAZ, 1992, p.70).
Segundo Beni (2006), o direcionamento dado pela EMBRATUR
para a atração de investidores para o setor turístico foi equivocado e, apesar
dos alertas dados pelos profissionais e pesquisadores, priorizou os fluxos
internacionais em detrimento dos fluxos internos33. Os recursos incentivados
pelo governo foram alocados em projetos de empreendimentos de alto luxo
(com custo de 250 mil dólares por unidade habitacional) que, na maioria das
vezes, não levaram “em consideração os estudos de localização, de viabilidade
econômico-financeira, de formação de recursos humanos e de inclusão social”
(BENI, 2006, p. 25), revelando-se incompatíveis com as características do
mercado interno e, até mesmo, do mercado internacional da época.
Também naquele período, foi desenvolvido todo um conjunto de
instrumentos legais para regulamentação da atividade turística, representada
por deliberações normativas editadas pela EMBRATUR e por resoluções
normativas do CNTur. Tal regulamentação abrangia desde a obrigatoriedade
do cadastro de empresas e empreendimentos turísticos até a classificação dos
meios de hospedagem. Esse sistema de regulação do turismo no país foi
praticamente extinto pelo decreto-lei 2.294 de 21 de novembro de 1986,
assinado pelo presidente José Sarney que, de maneira direta, declarou livre a
atividade turística no país, adotando a tendência internacional da época de
desregulamentação da economia, imposta pelo neoliberalismo econômico
dominante com respaldo das orientações da OMT.
Por outro lado, apesar da resolução CNTur 71/1969 detalhar as
diretrizes, objetivos e metodologias para a elaboração do Plano Nacional de
Turismo (PLANTUR), instrumento básico da política nacional de turismo, este
nunca chegou a ser implementado. Tal fato fez com que as diretrizes, projetos
33 Para alguns críticos, o governo militar utilizou os investimentos no turismo internacional como
estratégia para ocultar da comunidade internacional, alguns fatos e ações autoritárias que estavam ocorrendo no país.
147
e ações voltados para o ordenamento do desenvolvimento turístico no país não
obedecessem a um norte estratégico, ficando à mercê dos interesses dos
grupos políticos dominantes de cada governo, quase sempre interessados em
atender aos interesses dos grupos empresariais nacionais e internacionais.
No período do governo Collor (1990-92), o sistema turístico
nacional passou por transformações estruturais e ideológicas. O CNTur foi
extinto e a EMBRATUR reformulada (lei 8.191/91), passando a ser denominada
Instituto Brasileiro de Turismo34 com a função de formular, coordenar e fazer
executar a política nacional de turismo. A sede do órgão foi transferida para
Brasília, gerando um esvaziamento no seu corpo técnico, tendo em vista que a
maioria optou por não se deslocar para a capital federal.
Ainda no governo Collor, foi editado o decreto 448 de 14 de
fevereiro de 1992, regulamentando a lei 8.181/91, dispondo sobre a Política
Nacional de Turismo. Nele o turismo é posto como um aliado para o aumento
da renda nacional e “instrumento de desenvolvimento regional, de forma a
reduzir o desequilíbrio existente entre as distintas regiões do País” (artigo 4º).
No seu artigo 6º decreta-se a equiparação dos investimentos do turismo com
os da indústria para efeitos de acesso a financiamentos públicos e obtenção de
incentivos do Estado. Além disso, aquele instrumento jurídico previa no seu
artigo segundo as seguintes diretrizes para o seu planejamento:
I - a prática do Turismo como forma de valorização e preservação do patrimônio natural e cultural do País; II - a valorização do homem como destinatário final do desenvolvimento turístico. (BRASIL, 1992).
Com o processo de impeachment que destituiu o presidente
Fernando Collor de Mello em 1992, a referida Política Nacional de Turismo não
foi efetivamente aplicada, apesar da publicação do Plano Nacional de Turismo -
PLANTUR - 1992-1994 em julho de 1992. Com a posse do presidente Itamar
Franco, a gestão pública do turismo brasileiro foi reestruturada mais uma vez,
34 Apesar da mudança da figura jurídica daquele órgão de empresa pública para instituto,
optou-se pela manutenção da marca EMBRATUR, tendo em vista o seu reconhecimento tanto no mercado interno como no externo.
148
tendo como ponto de partida o trabalho da Secretaria Nacional de Turismo e
Serviços do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, que consolidou
PLANTUR. O plano apresentava suas diretrizes centrais focadas na
preservação e valorização do meio ambiente e seus recursos, na eficiência
administrativa e na interação e no trabalho cooperativo com outras esferas e
estâncias governamentais e privadas (CRUZ, 2000). A principal ação gerada
por essas novas diretrizes políticas foi a formatação do Programa Nacional de
Municipalização do Turismo (PNMT) que somente seria plenamente implantado
no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Nos governos subseqüentes (Fernando Henrique Cardoso e Luiz
Inácio Lula da Silva), assiste-se a uma definição mais clara e objetiva da
prioridade do turismo dentro dos programas de governos, que resultou em uma
reformulação significativa não somente na estrutura governamental como
também, nas políticas públicas direcionadas para o setor. É importante
ressaltar que em todas as políticas direcionadas para o turismo no nível
federal, o viés econômico é claramente o foco predominante. Tanto na
definição de estratégias como na de objetivos, as ações e projetos voltam-se
para a geração de renda e empregos e para o equilíbrio da balança comercial
do país, passando pelo discurso da diminuição das desigualdades regionais
existentes no país.
Como exposto anteriormente, não há tentativa de aproximação de
uma visão mais ampliada do turismo e da complexidade que este fenômeno
apresenta. Mesmo com o fato de alguns acadêmicos ocuparem alguns cargos
e funções nos órgãos do governo federal (MTur e EMBRATUR,
especialmente), não houve abertura para uma discussão mais ampliada que,
caso ocorresse, poderia provocar uma reviravolta na construção e na aplicação
das políticas públicas direcionadas para o desenvolvimento do turismo no país.
Optou-se por continuar seguindo o modelo economicista neoliberal vigente.
149
4.2.1 Dimensão Espacial nas Políticas Públicas de Turismo - 1966 a 1994
Com a instituição do CNTur e da EMBRATUR em 1966, o turismo
adquiriu, pelo menos em tese, um lugar definido dentro da estrutura
administrativa do governo federal brasileiro, em consonância com as diretrizes
do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG – 1964-1966) que tinha
dentre os seus principais objetivos desenvolver ações voltadas para a
atenuação das desigualdades regionais e das tensões oriundas dos
desequilíbrios sociais existentes naquele momento histórico do país (CRUZ,
2000). Entretanto, em todos os planos e programas do período de governos
militares (Plano Decenal (1967-1976), Programa Estratégico de
Desenvolvimento (PED – 1968-1970), Metas e Bases para a Ação do Governo
(1970), I e II Plano Nacional de Desenvolvimento) o turismo não foi tratado
como atividade estratégica para o processo de desenvolvimento econômico
nacional.
Mesmo com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o
turismo continuou sendo tratado apenas do ponto de vista da atividade
econômica, com ações e diretrizes quase sempre voltadas para a promoção ou
para o incentivo financeiro e fiscal do setor privado. O artigo 180 da atual
Constituição prega que a “União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e
econômico” (BRASIL, 1998). Ressalta-se que o referido artigo encontra-se
incluído no Titulo VII da Constituição, que trata da Ordem Econômica,
indicando explicitamente, o entendimento do turismo como pertencente à
esfera econômica do governo, devendo ser tratado de forma “equilibrada e
articulada” pelos três níveis de governo – federal, estadual e municipal –
antecipando um modelo de gestão descentralizada do setor.
Durante aquele período alguns projetos e ações direcionados
para o ordenamento e gestão do território turístico brasileiro foram
desenvolvidos pela EMBRATUR, seguindo orientação do CNTur. Em sua
grande maioria foram pontuais e tiveram seus processos abandonados ou
interrompidos em virtude de conjunturas econômicas e políticas da época. São
150
ainda desse período alguns instrumentos legais (leis, decretos e decretos-lei)
que, direta ou indiretamente, buscaram propor algum tipo de classificação e
ordenamento dos espaços turísticos do país.
O primeiro projeto de ordenamento territorial desenvolvido pela
EMBRATUR, em cumprimento a uma Resolução do CNTur foi denominado
Projeto Turis:
Preocupado com a preservação desse potencial, o Conselho Nacional de Turismo, com base no decreto n.º 71.791/73, editou a resolução CNTur n.º 413 de 13 de fevereiro de 1973, declarando como Zona Prioritária de Interesse Turístico, “a faixa litorânea compreendida entre o mar e uma linha imaginária, medida horizontalmente, para a parte da terra, até 1 (hum) km após o eixo da rodovia BR-101, no trecho situado entre as localidades de Mangaratiba (RJ) e Bertioga (SP)” (artigo 1º da resolução CNTur 413/73). Estrategicamente foram excluídos a ilha de Guaíba (RJ), as praias de Itaorna e Jacuacanga (RJ) e os perímetros urbanos das sedes municipais daquela área (FRATUCCI, 2000a, p.77).
O referido projeto objetivava simultaneamente, ordenar o território
do litoral Rio-Santos e capacitar os técnicos brasileiros nas metodologias mais
modernas de planejamento turístico praticadas principalmente na Europa. Com
ele, “a EMBRATUR logrou nivelar sua tecnologia à dos centros mais
especializados na matéria, ao permitir à sua equipe a adaptação de sistemas à
realidade brasileira, ao capacitá-la à elaboração de futuros planos de
aproveitamento turístico” (EMBRATUR, 1975a, p. 2).
Para desenvolver o projeto foi contratada a empresa de
consultoria italiana SCET – Internacional que, através da análise de “três
experiências alienígenas: a Côte d’Azur, o Languedoc-Roussillon e a Côte
d’Aquitaine” (ibidem, p.,17), propôs para a região a adoção do modelo de
turismo de “sol e praia”, tendo como ponto de referência o estudo da
“densificação ocupacional das localidades consideradas de interesse turístico,
sempre dentro dos padrões ditados pela Natureza e pela Realidade Nacional”
(EMBRATUR, 1975b, p.1), e o “fato de ser a PRAIA o mais importante
elemento catalisador das duas molas mestras: as FÉRIAS e a conseqüente
demanda de LAZER” (ibidem, p.1).
151
Apesar de o projeto apresentar certa preocupação com a questão
relacionada à capacidade de absorção dos locais e áreas turísticas35, a
metodologia proposta entendia o território apenas como suporte físico para a
ocupação humana, devendo por isso ser “corrigido” na medida das
necessidades básicas de salubridade e conforto. Esta postura conceitual fica
explícita quando são feitas referências às planícies litorâneas de manguezais,
(erroneamente classificadas nos documentos do projeto como pantanais), tidas
como empecilhos à atividade turística, exigindo por isso “saneamento geral da
parte plana e de correção dos cursos fluviais, para contornar os riscos de
inundação e de poluição das praias” (EMBRATUR, 1975a, p.4).
O projeto elencou 250 locais no continente e 60 nas ilhas maiores,
os quais foram minuciosamente estudados e classificados, por suas
capacidades turísticas teóricas, posteriormente, agrupados em 23 zonas
homogêneas. Cada local selecionado foi classificado com base nos seguintes
critérios:
Categoria A: ocupação proposta: turismo de alto nível, com baixa densidade (15m2/banhista); Categoria B: ocupação proposta: turismo de nível médio, densidade entre 6 e 15m2/banhista; Categoria C: ocupação proposta: turismo econômico, com alta densidade (5m2/banhista). (EMBRATUR, 1975b, p.2).
Como resultado do projeto verificou-se que “as possibilidades
reais, em níveis ótimos, do litoral Rio-Santos, se estabelecem em torno de
775.000 leitos, dos quais 42% devem corresponder aos lazeres e ao turismo
econômico, 42% a um turismo de tipo médio e, finalmente, 16% a um turismo
de qualidade” (EMBRATUR, 1975a, p.28). Esses números deveriam ser
atingidos no ano de 1995.
Dado às divergências jurídicas e às descontinuidades políticas
características das administrações públicas do nosso país, o Projeto Turis não
35 Segundo o texto do projeto, “Ocupar adequadamente uma região não significa instalar, em
suma, o contingente, máximo de pessoas que ela comporta. Significa, sim, equilibrar número de residentes e número de visitantes, de modo que o total dessa justaposição não venha nunca comprometer em definitivo as condições naturais e ecológicas da região” (EMBRATUR, 1975b, p.1).
152
foi totalmente implantado. Apesar de o projeto ter gerado as Normas de
Ocupação do Território, aprovadas pela Resolução CNTur nº 413, de 13 de
fevereiro de 1973, as mesmas não foram implementadas tendo em vista que os
convênios entre a EMBRATUR e os municípios envolvidos não foram
assinados, criando uma espécie de vácuo jurídico que impediu a sua
concretização. Importante salientar que as referidas Normas pretendiam definir
padrões aplicáveis a outras faixas litorâneas brasileiras (FERRAZ, 1992).
Apesar disso, as marcas do Projeto Turis continuam visíveis até
hoje na configuração do território turístico do litoral dos municípios de Angra
dos Reis e de Mangaratiba, que se caracterizam pela concentração de grandes
empreendimentos turísticos do tipo resort de sol e praia, frutos das estratégias
de desenvolvimento previstas por aquele plano. Os agentes do mercado se
anteciparam adquirindo terras nas áreas indicadas no projeto como prioritárias
para a implantação daquele tipo de empreendimentos turísticos, antes que
seus proprietários originais inflacionassem seus preços, formando uma reserva
de solo para o futuro. Ainda hoje essas reservas de terra não estão totalmente
esgotadas e, regularmente um novo resort é lançado na região. O último,
inaugurando no início desta década, foi o Blue Tree, no litoral do município de
Angra dos Reis.
Como primeiro exercício de planejamento turístico no país, o
Projeto Turis pode ser enquadrado na abordagem físico-territorial indicada por
Hall (2001). Na sua essência, tendo o território apenas como suporte para a
atividade humana, as suas propostas estabeleciam o tipo e a densidade de
turismo para cada trecho turistificável do litoral, constituindo-se apenas, em um
grande plano de zoneamento do uso do solo baseado no desenvolvimento da
atividade turística, seguindo o modelo praticado no litoral do Mediterrâneo.
Na segunda metade da década de 1970, a EMBRATUR iniciou
uma série de tentativas para definir os possíveis espaços prioritários para o
desenvolvimento turístico, baseada na percepção de que determinados centros
urbanos estavam assumindo um caráter polarizador graças à sua atratividade,
localização privilegiada e concentração de serviços turísticos. Em 1976, no
Informativo nº 01, aquele órgão deixava explicita a sua preocupação com “as
153
áreas que, pela beleza paisagística, importância histórica, ou condições
notáveis para a prática do turismo, constituem o patrimônio turístico nacional”
(apud FERRAZ, 1992, p. 49).
Também segundo Ferraz (1992), em documentos internos e
preliminares de 1977, a EMBRATUR indicava suas intenções de estabelecer
normas de proteção para aquele patrimônio turístico nacional a partir da
organização e manutenção de um inventário dos bens de valor natural ou
cultural de interesse turístico. Esse inventário seria a base para a identificação
e declaração das áreas e locais especiais de interesse turístico, com a
finalidade de promover o desenvolvimento turístico e estimular a “preservação
e a valorização do patrimônio natural e cultural e o estabelecimento de normas
de uso racional do solo” (ibidem, p. 50).
Com o objetivo de evitar problemas futuros gerados pela
ocupação desordenada do espaço, a EMBRATUR pretendia
selecionar espaços turísticos imprescindíveis a uma política de descentralização, estabelecendo-se novos núcleos de apoio à expansão turística, bem como disciplinar a ocupação territorial, visando à preservação e valorização do Patrimônio Turístico Nacional (EMBRATUR, 1979, p.3).
Nesse sentido, entendendo que o conhecimento do território era
fator básico para o planejamento, a EMBRATUR elaborou uma metodologia
para definição do espaço considerado prioritário para o desenvolvimento
turístico do país. Seu objetivo era selecionar os espaços que deveriam ser
tratados de forma diferenciada pelas ações da EMBRATUR e de outros órgãos
de desenvolvimento setorial, permitindo o direcionamento da natureza dos
investimentos necessários, além da identificação das necessidades de
limitação da expansão turística e dos recursos naturais a serem protegidos e
preservados (EMBRATUR, 1979).
A metodologia do projeto baseava-se, mais uma vez, em outras
experiências internacionais, principalmente aquelas desenvolvidas pelo grupo
de especialistas em planejamento turístico, reunidos no Centro de Capacitação
Turística – CICATUR ligado a OEA, sediado na cidade do México. Em linhas
154
gerais propunha o zoneamento turístico do território nacional, estabelecendo
zonas e centros com vocação turística, os quais, em uma segunda etapa,
teriam hierarquizados de modo a permitir uma tipologia de tratamento e a
definição do grau de prioridade de cada um.36
Para definição do zoneamento turístico nacional foram
estabelecidas as seguintes categorias espaciais: zona turística efetiva, zona
turística potencial, centro turístico, centro de apoio, área turística, núcleo
turístico, centros de apoio, portão de entrada e corredor turístico, tendo como
base territorial os limites municipais.
Os municípios eram identificados como efetivamente turístico com
base no levantamento dos seus atrativos turísticos (naturais e culturais), da
infra-estrutura de acesso, dos meios de hospedagens da infra-estrutura urbana
de apoio ao turismo, das condições socioeconômicas e das tendências de
fluxos, sendo os três primeiros itens considerados básicos e os demais,
complementares (EMBRATUR, 1979).
Os trabalhos de pesquisas foram executados pelos órgãos
estaduais de turismo, sob coordenação da EMBRATUR. Cada estado
estabeleceu o seu zoneamento turístico, o qual serviu de base para aquele
órgão federal estabelecer o zoneamento turístico do país. Cabe ressaltar que
alguns municípios foram incluídos nos zoneamentos turísticos estaduais,
mesmo não atendendo aos requisitos mínimos estabelecidos pela metodologia,
principalmente àquele relacionado ao número mínimo de leitos disponíveis em
meios de hospedagens (250 leitos por município). Tal decisão deveu-se
exclusivamente a interesses políticos dos governantes da época, sem nenhum
critério técnico como apoio.
Exemplo disso foi a inclusão dos municípios de Maricá, São João
da Barra, Santa Maria Madalena, São Fidélis, Itaocara e Santo Antônio de
Pádua no espaço turístico do estado do Rio de Janeiro. Para burlar as
36 Roberto Boullón foi um dos principais articuladores do CICATUR tendo sido, inclusive, seu
diretor por vários anos. No projeto de identificação do espaço turístico nacional é bastante explícita a influência da teoria do espaço turístico desenvolvida por Boullón, apresentada no capítulo anterior.
155
exigências dos critérios metodológicos da EMBRATUR, aqueles municípios
foram incluídos como municípios com potencial turístico37 (FRATUCCI, 2006).
Essa primeira tentativa de definição e de ordenamento do espaço
turístico nacional não conseguiu ganhar efetividade em razão da inexistência
de suporte jurídico que estabelecesse penalidades para os infratores das
normas propostas (FERRAZ, 1992). Na tentativa de sanar essa falha, a
EMBRATUR elaborou o projeto de lei que resultou na lei nº 6.513 de 20 de
dezembro de 1977, dispondo sobre as áreas especiais e os locais de interesse
turístico, posteriormente regulamentada pelo decreto nº 86.176 de 06 de julho
de 1981. Essa ação foi resultado do trabalho conjunto daquele órgão com a
Secretaria de Planejamento da Presidência da República, da Secretaria do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) do Ministério da Educação e
da Cultura, do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), da
Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, da Secretaria Especial do
Meio Ambiente e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano.
Com um discurso cuidadoso, que buscava mostrar a necessidade
da compatibilização dos usos locais da atividade turística com a preservação
do patrimônio turístico, a lei foi publicada em forma de brochura pela
EMBRATUR, sendo apresentada pelo seu então diretor de planejamento,
Lauro Pereira Guimarães, como
37 O espaço turístico estadual definido pelo projeto ficou composto de seis zonas turísticas
efetivas e três zonas turísticas potenciais: Zonas Turísticas Efetivas:
1. Rio de Janeiro e Niterói 2. Mangaratiba, Parati e Angra dos Reis 3. Resende, Barra Mansa, Valença, Vassouras, Paraíba do Sul e Miguel Pereira 4. Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo 5. Macaé, Casimiro de Abreu, Campos e Itaperuna 6. Saquarema, Araruama, São Pedro da Aldeia e Cabo Frio Zonas Turísticas Potenciais: 1. São João da Barra 2. Santa Maria Madalena, São Fidélis, Itaocara e Santo Antônio de Pádua 3. Maricá Os municípios identificados como centros turísticos nacionais pela EMBRATUR no estado do Rio de Janeiro, foram: Rio de Janeiro, Petrópolis, Angra dos Reis e Cabo Frio (incluindo os distritos de Arraial do Cabo e Armação dos Búzios, ainda não emancipados àquela época). Esse zoneamento serviu de base técnica para alguns projetos, mas caiu em desuso e no esquecimento, em virtude das alterações na orientação político-administrativa tanto no governo federal como nos estaduais. Entretanto, podemos afirmar que, por ter sido a primeira ação de ordenamento abrangendo todo o território do país sob a ótica do turismo, tornou-se uma referência técnica para compreender-se a evolução da atividade turística.
156
a mais completa e moderna reunião de dispositivos, racionalmente estabelecidos para o justo equilíbrio entre a necessidade de facilitar - e, mesmo de estimular – a prática do lazer e do turismo, como instrumentos de paz social e de alívio das tensões próprias da vida urbana, e a conveniência de preservar as manifestações culturais, as belezas naturais, a flora, a fauna e os demais recursos naturais renováveis, para uso das futuras gerações [...] a lei 6.513 e seu regulamento significam a verdadeira Carta Magna do solo brasileiro, isto é, seu mais eficiente estatuto jurídico de defesa. (EMBRATUR, 1982, p.3)
Pelo texto daqueles instrumentos legais, as áreas especiais de
interesse turístico são definidas pelos “trechos contínuos do território nacional,
inclusive suas águas territoriais, a serem preservados e protegidos, no sentido
cultural e natural, destinados à realização de planos e projetos de
desenvolvimento turístico” (artigo 3º, lei 6.513). Por sua vez, os locais de
interesse turístico são trechos do território nacional, compreendidos ou não em
áreas especiais de interesse turístico, destinados por sua adequação ao
desenvolvimento de atividades turísticas, e à realização de projetos específicos
(artigo 4º, lei 6.513). Evidencia-se que, por esses conceitos, o espaço é
encarado apenas como suporte para o desenvolvimento do turismo e, somente
por isso, precisa ter seus trechos com maior potencialidade preservados
Tal legislação objetivava de certa maneira, ordenar o
desenvolvimento turístico do país pela preservação e valorização do patrimônio
natural e cultural, do estabelecimento de normas de uso do solo e da
orientação da alocação de recursos e incentivos necessários. Sem prejuízo do
direito de propriedade privada, a declaração de área ou local de interesse
turístico, obrigava os proprietários a respeitarem as normas e usos
estabelecidos pelos seus planos diretores.
Com a promulgação da Constituição Nacional de 1988, como
apontado anteriormente, o turismo foi contemplado como atividade econômica
e passou a ser regido pelos princípios da ordem econômica. No período
subseqüente a 1988, constata-se a busca de atualização e conciliação dos
diversos instrumentos legais do país como todo e, em especial, daqueles
relativos ao turismo. Cabe lembrar que a promulgação do decreto-lei 2.294/86
157
gerou um vácuo na legislação turística brasileira, motivo de muitas discussões
jurídicas sobre o que havia e o que não havia sido revogado por aquele ato
legal. Com a eleição do presidente Collor de Mello, o sistema turístico nacional
foi reformulado profundamente e as competências conferidas à EMBRATUR
foram redefinidas pela lei 8.181/91 e, posteriormente, alteradas pela lei
10.683/03. Dentre aquelas atribuições, previstas no seu artigo 3º, incluiu-se
uma diretamente relacionada com a questão do ordenamento e gestão do
território turístico, reafirmando as orientações da lei 6.513/77:
VIII – inventariar, hierarquizar e ordenar o uso e a ocupação de áreas e locais de interesse turístico e estimular o aproveitamento turístico dos recursos naturais e culturais que integram o patrimônio turístico, com vistas à sua preservação, de acordo com a Lei n.º 6.513, de 20 de dezembro de 1977 (grifo nosso).
Tendo como base essa atribuição, por meio da deliberação
normativa nº 290, de 03 de junho de 1991, a EMBRATUR, já na figura jurídica
de Instituto Brasileiro de Turismo, decidiu “definir e estabelecer [...] no Espaço
do Território Nacional, Pólos Turísticos Consolidados, em Desenvolvimento e
Potenciais, prioritários para o desenvolvimento do setor”(EMBRATUR, 1991).
No texto da Nota Técnica (Anexo Ia da Deliberação Normativa
290/91) que apresenta todo o processo de definição dos pólos turísticos, nota-
se a repetição dos mesmos discursos anteriores:
Diante do fato, visando preservar e valorizar o Patrimônio Turístico Nacional, além de evitar problemas futuros gerados pela ocupação desordenada do espaço, pretende-se definir pólos turísticos imprescindíveis a uma política de priorização na alocação dos recursos necessários para cada área. (Anexo Ia, Deliberação Normativa 290/91).
Porém, pela primeira vez foi decidida a inclusão da necessidade
de priorização de determinados trechos (pólos) do território nacional para as
ações e intervenções das políticas nacionais de turismo. Podemos entender
esse fato como um avanço considerável, na medida em que a compreensão de
que nem todo trecho do espaço é turistificável passou a fazer parte do discurso
158
das políticas voltadas para o desenvolvimento turístico no país. É claro que a
compreensão da descontinuidade do espaço turístico deu-se pelo viés do
interesse dos agentes do mercado e, de modo algum, deve ser entendida como
um indício da ampliação dos pontos de vistas de análise do fenômeno turístico.
A questão que volta à tona é aquela relacionada com a
metodologia a ser adotada para identificar, definir, delimitar e classificar os
referidos pólos. No nosso entender tal questão continua sem resposta. As
diversas tentativas implementadas revelaram-se pouco eficientes e, como de
costume, foram deixadas de lado diante da complexidade do problema.
O texto da referida Nota Técnica da Deliberação 290/91 é pouco
esclarecedor ao afirmar que “a metodologia com vista à definição do espaço
considerado prioritário para o desenvolvimento do setor” estava ainda sendo
elaborada e seria “amparada em critérios objetivos” que deveriam possibilitar a
classificação dos pólos turísticos de acordo com os seus estágios de evolução:
pólos consolidados, pólos em desenvolvimento e pólos potenciais.
Merece ser destacado ainda o fato de, pela primeira vez, a
possibilidade do recorte regional ter sido indicada nos instrumentos legais de
políticas públicas de turismo:
Podem ser considerados Pólos Turísticos, municípios, localidades e trechos do território nacional, bem como ilhas, situadas nos limites das águas territoriais brasileiras, que por suas características físico-geográficas, climáticas e histórico-culturais, abriguem um conjunto de equipamentos capazes de gerar demanda e motivar a permanência, por tempo determinado, de fluxos turísticos (Anexo I da Deliberação Normativa 290/91) (grifos nosso).
A possibilidade do recorte regional na definição dos trechos
prioritários do espaço nacional para o desenvolvimento turístico pode ser
compreendida um avança metodológico, mesmo que não tenha sido
claramente explicitado como seria a sua delimitação. Também não fica explicito
no texto da citada deliberação, nem mesmo na sua nota técnica, os critérios
pelos quais a EMBRATUR, passou a definir os pólos turísticos do país. A
primeira listagem dos pólos prioritários já estava incluída no Anexo Ib da
159
deliberação normativa 290/91, tendo sido atualizada pela deliberação
normativa nº 303/92 e suas subseqüentes38.
Em julho de 1992 o governo federal tornou público o Plano
Nacional de Turismo 1992-1997 (PLANTUR) que, dentre outras medidas,
incorporou a estratégia de definição dos pólos turísticos prioritários previstos na
Deliberação Normativa 290/91, pelo Programa de Pólos Turísticos ao
estabelecer que
O fomento e o incentivo à atividade turística se dará através de programas e subprogramas voltados à ampliação e diversificação da capacidade instalada em áreas pré-selecionadas como pólos turísticos. (EMBRATUR, 1992, p. 13) (grifo nosso)
Entretanto, na opinião de Rodrigues (1996), o “PLANTUR não
expressa uma política objetiva, clara e consistente” sendo facilmente
observável nele “uma nítida falta de coerência e de articulação tanto intra como
intersetorial” (1996, p.151). Para a autora seu ponto mais crítico “é o descaso
com o planejamento territorial, ignorando-se as especificidades regionais”
(ibidem, p.151).
Apesar de considerar o turismo como uma possibilidade para o
desenvolvimento regional, a definição dos pólos turísticos contemplava
explicitamente os pólos localizados na região costeira do país. Orientado pelo
modelo neoliberal imposto pelos agentes financeiros internacionais - BIRD, BID
e FMI -, a identificação dos pólos turísticos visava explicitamente orientar “de
forma integrada e sem dispersão de recursos” (EMBRATUR, 1992, p.14) a
alocação dos investimentos públicos e privados. Nessa linha, o PLANTUR
previa a “implantação de pólos turísticos, cuja modalidade preferencial em
termos de meios de hospedagem [era] o ‘hotel âncora’ do tipo ‘resort’, de
padrão internacional (ibidem, p.15).
38 As atualizações feitas nas relações dos municípios classificados como pólos prioritários deram-se de forma irregular nas seguintes deliberações da EMBRATUR: 329/94, 337/94, 345/95, 348/95, 357/96, 366/96, 371/96, 385/97, 405/98, 408/99, 417/00 e 432/02. Está última deliberação continua em vigor.
160
Mesmo concordando com Rodrigues (1996) no que se refere à
desarticulação entre os diversos programas e subprogramas previstos no
PLANTUR, em uma leitura mais detalhada daquele documento, percebemos
uma intenção pré-determinada de priorização das ações nos ditos “pólos
turísticos” por todo ele. Certamente, aquela desarticulação apontada por
Rodrigues (1996) tornava praticamente impossível concretizar o desejo de
priorização.
Na década de 1990, com base na deliberação normativa da
EMBRATUR nº 324/93, os municípios brasileiros foram orientados a
anualmente preencherem e encaminharem para a EMBRATUR o Roteiro de
Informações Turísticas (RINTUR), que abrangia um amplo espectro de
informações sobre o turismo municipal, indo desde aquelas ligadas aos
aspectos político-administrativos até as relacionadas aos fluxos efetivos de
demanda turística existentes. O objetivo desse procedimento era permitir a
identificação dos municípios prioritários para o desenvolvimento do turismo no
país para, no curto prazo, priorizar municípios para fins de alocação estratégica
de recursos públicos no financiamento de empreendimentos turísticos e, no
médio e longo prazos, nortear as atividades de planejamento, voltadas ao
desenvolvimento turístico municipal. Os critérios utilizados para a análise das
informações oferecidas nunca foram plenamente divulgados pela EMBRATUR
e, a simples remessa do RINTUR assegurava a inclusão dos municípios na
relação dos pólos turísticos, após serem classificados em duas categorias:
Municípios Turísticos (MT): são aqueles consolidados, determinantes de um turismo efetivo, capaz de gerar deslocamentos e estadas de fluxo permanente; Municípios com Potencial Turístico (MPT): são aqueles possuidores de recursos naturais e culturais expressivos, encontrando no turismo diretrizes para o desenvolvimento sócio-econômico do município. (Deliberação Normativa EMBRATUR nº 363/96)
Obrigatoriamente, o RINTUR devia ser assinado pelo prefeito
municipal e, por suas informações, a EMBRATUR promovia a atualização da
listagem dos municípios incluídos como pólos turísticos. Como os referidos
relatórios eram encaminhados diretamente para os prefeitos, muitas vezes
161
acabavam sendo esquecidos ou perdidos dentro da burocracia local e,
conseqüentemente, não eram devolvidos preenchidos no prazo correto,
acarretando a exclusão de muitos municípios daquela lista de pólos turísticos39.
Ainda durante o governo do presidente Collor de Mello,
paralelamente ao PLANTUR e a implantação dos pólos turísticos prioritários, foi
gestado, por iniciativa conjunta da SUDENE e da EMBRATUR40 o
PRODETUR-NE, com o objetivo de melhorar a oferta de infra-estrutura básica
e de serviços públicos de áreas com potencialidade para crescimento do
turismo (CRUZ, 2000). Reflexo da adoção do modelo neoliberal, o
PRODETUR-NE, concebido no governo Collor, teve sua implantação iniciada
no período do presidente Itamar Franco e ganhou força no governo de
Fernando Henrique Cardoso, sendo incorporado pela Política Nacional de
Turismo, dentro dos Programas de Infra-estruturas básica e turísticas,
desmembrado em PRODETUR-NE, Prodetur Amazônia Lega l- Centro-Oeste e
Prodetur-Sul.
O aparente sucesso dos resultados do PRODETUR-NE o tornou
um programa quase estruturante das políticas de desenvolvimento turístico do
país, o que levou a sua inclusão nos planos nacionais de turismo 2003-2007 e
2007-2010, editados pelo atual governo Lula.
Como nos apontam Benevides (1998) e Cruz (2000), o
PRODETUR-NE, pelas características de suas propostas e ações, chega a
fazer as vezes de uma política urbana, dado que para atingir seu objetivo
central de indução de investimentos em infra-estrutura turística, adota a
estratégia de “provimento de infra-estrutura básica e de serviços para áreas em
expansão turística, onde a capacidade do estado não acompanhou a demanda
por tais serviços” (BNB, 1995, apud CRUZ, 2000, p. 111). Tais áreas são
direcionadas para se consolidarem como pólos turísticos de nível internacional,
gerando todo um re-ordenamento do espaço turístico das regiões onde o
39 No caso específico do estado do Rio de Janeiro, em diversas atualizações na relação dos
municípios prioritários, municípios como Cabo Frio, Armação dos Búzios, dentro outros, não forma incluídos exclusivamente pelo fato dos seus prefeitos, por descaso ou desconhecimento, não terem remetidos os formulários do RINTUR preenchidos e assinados.
40 Portarias Conjuntas nº 01 (29 de novembro de 1991) e nº 02 (16 de abril de 1993).
162
programa continua sendo implantado sem, no entanto, propiciar um processo
de desenvolvimento sustentável para as populações das áreas envolvidas.
Restringindo nossa análise aos limites da dimensão espacial do
turismo, é possível identificarmos, nesse período, alguns pontos críticos que
merecem ser nossa atenção:
a. A não existência de uma política nacional clara para o setor turístico
propiciou o desenvolvimento de diversos projetos simultâneos e
desarticulados, tanto do ponto de vista do interior do sistema
turístico (praticamente restrito à EMBRATUR e ao CNTur naquele
momento) como em relação aos outros setores da vida nacional,
especialmente aqueles responsáveis pelas políticas de gestão
ambiental e de gestão do patrimônio histórico nacional, essenciais
para o desenvolvimento turístico;
b. A opção pelo governo centralizado em Brasília “esvaziou” a
capacidade e as competências dos estados e municípios na gestão
do ordenamento do desenvolvimento turístico no país. Esta
estratégia acabou inviabilizando diversos projetos da EMBRATUR
do ponto de vista político-institucional. Entre eles, um dos mais
afetados foi o projeto Turis que não pode ser implementado em
virtude da não concretização dos convênios necessários entre a
EMBRATUR e os municípios envolvidos. Como grande parte das
propostas daquele projeto estavam vinculadas ao controle e a
normatização do uso do solo, a sua efetivação passava pela criação
e/ou alteração nas legislações municipais, o que demandava uma
negociação política entre a EMBRATUR e cada município, fato que
não chegou a se concretizar41;
c. Ainda por conta da centralização da gestão do turismo na
EMBRATUR/CNTur, durante aquele período foram comuns “ações
41 O mesmo tipo de desarticulação político-institucional foi responsável pela não efetivação do
Projeto Indutor de Desenvolvimento Turístico da Região dos Lagos, desenvolvido por uma consultoria espanhola a pedido do governo do estado do Rio de Janeiro, na década de 1980. Como o projeto necessitava de aprovação dos poderes legislativos dos municípios daquela região, o governo estadual não deu continuidade ao processo por entender que tal articulação seria impossível naquele momento.
163
isoladas de resistência” por parte dos governos estaduais e
municipais e dos empresários do setor, que recebiam as
determinações do sistema nacional já com criticas e muitas
ressalvas. Como não havia diálogo entre os diversos níveis de
governo, especialmente nas discussões técnicas, as deliberações e
resoluções normativas do CNTur/EMBRATUR eram mal recebidas,
principalmente pelos agentes produtivos do setor turístico
(hoteleiros, agentes de viagens e empresas transportadoras),
levando à criação de um ambiente de quase hostilidade entre os
participantes do sistema turístico nacional. A forma autoritária,
característica básica das políticas dos diversos governos do período
militar, de atuação da EMBRATUR e do CNTur dificultaram a
implantação dos diversos programas e projetos propostos, levando
ao desperdício de recursos, de oportunidades e, mais grave, à
opção por algumas experiências nada positivas para o
desenvolvimento do turismo no país.
d. Também por conta da opção pela gestão centralizada no nível
federal e pela não existência de diálogo e participação dos estados e
municípios nas decisões da EMBRATUR e CNTur, as políticas de
ordenamento do desenvolvimento turístico propostas não
contemplavam e muito menos incluíam as particularidades locais,
essenciais no caso do turismo. As decisões autoritárias e
verticalizadas, de cima para baixo, entendiam todo o território
nacional como uma totalidade homogênea; o que era proposto valia
tanto para o desenvolvimento turístico do Rio de Janeiro como para
a área do Pantanal mato-grossense ou para as praias da região
Nordeste.
164
4.2.2 Município Como Base Político-territorial da Política Nacional de Turismo do Governo FHC
Após o período de instabilidade política bastante acentuada que
marcou os governos de Fernando Collor de Mello e de Itamar Franco (1990-
94), no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-98) foi
instituída a política nacional de turismo prevista pelo decreto 448/92 que,
segundo Cruz “é o mais completo e detalhado documento oficial na história das
políticas federais para atividade, a tratar do setor turismo” (2000, p.62). Como
ação estrutural mais significativa foi criado o Ministério dos Esportes e do
Turismo, ao qual a EMBRATUR passou a ser subordinada. Pela primeira vez o
turismo ganhou o status de ministério na estrutura administrativa do executivo
nacional.
Estrategicamente a Política Nacional de Turismo estava orientada
por quatro macro-estratégias: a primeira voltada para o ordenamento,
desenvolvimento e promoção da atividade pela articulação entre o governo e a
iniciativa privada; a segunda destinava-se a implantação de infra-estrutura
básica e infra-estrutura turística adequada às potencialidades regionais; a
terceira previa a qualificação dos recursos humanos envolvidos no setor e a
quarta macro-estratégia compunha-se pela descentralização da gestão turística
por intermédio do fortalecimento dos órgãos delegados estaduais,
municipalização do turismo e terceirização de atividades para o setor privado
(MICT, 1996).
Uma das ações propostas, com forte viés territorial, estava
direcionada para a consolidação de um novo modelo de gestão descentralizada
do turismo nacional, tendo sido implementada através PNMT. Oficialmente
criado pela portaria nº 130 do MICT, de 30 de março de 1994, o PNMT
estruturava-se a partir de cinco princípios norteadores para as suas ações
estratégicas – descentralização, sustentabilidade, parcerias, mobilização e
capacitação – tendo sido lançado com o objetivo de fomentar o
desenvolvimento turístico dos municípios brasileiros com base na
sustentabilidade econômica, social, ambiental, cultural e política, numa ação
165
que se propunha a auxiliar as comunidades locais a verem-se como diferentes,
compreenderem suas qualidades, entenderem seus defeitos, produzirem esse
entendimento e agirem para realçar o bom, corrigirem o errado e orgulharem-
se do resultado (FRATUCCI, 2005a).
O PNMT caracterizou-se como um programa de descentralização
da gestão do turismo sem repasse financeiro direto. Os municípios não eram
obrigados a aderirem ao programa e quando o faziam, recebiam apenas, o
repasse de tecnologia e de informações, com uma série de oficinas de
planejamento participativo, baseadas em técnicas de dinâmica de grupo que
misturavam diversos métodos, entre eles o método Metaplan e o ZOPP42.
Até o ano de 2001, o PNMT havia capacitado 27.483 pessoas em
todo o país, por meio de 1.107 oficinas de diversos níveis (Tabela 2), tendo
disseminando sua filosofia para 1.080 municípios brasileiros (EMBRATUR,
2002).
Tabela 2 – Oficinas do PNMT realizadas entre 1995 e 2001
Oficinas 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Total
1ª Fase 28 46 42 39 53 47 34 289
2ª fase - 27 30 36 49 38 36 216
3ª Fase - - 03 06 42 46 72 169
Comunidade - 01 11 27 39 47 59 184
Núcleos de Artesanato - - - 02 05 09 13 29
Aldeias Indígenas - - - 01 03 - 01 05 Conscientização ambiental - - - 01 14 06 07 28
Melhor Idade - - - - 02 05 06 13 Coordenação e Planejamento 05 02 07 06 05 05 08 38
Parceiros - - - 12 11 07 09 39
Universidades - 01 - 01 05 09 28 44
Outras - - - 08 - 17 28 53
Total 33 77 93 139 228 236 301 1.107
Pessoas capacitadas 970 1.540 2.325 3.525 5.700 5.900 7.523 27.483
Fonte: EMBRATUR, 2002, p. 111
42 ZOOP = Planejamento de projetos orientados por objetivos (Zrelorientiert Projekplanung, em
alemão), métodos desenvolvidos pela agência de desenvolvimento do governo alemão.
166
Paralelamente às outras ações desenvolvidas pelo Ministério dos
Esportes e do Turismo e pela EMBRATUR, podemos afirmar que no período de
1994-2002 promoveu-se, ainda que com algumas imperfeições, uma profunda
mudança no modo como o setor do turismo vinha sendo gerenciado pelas
diversas esferas do poder público. A busca da articulação de uma visão
sistêmica do setor, trazendo a iniciativa privada, as organizações civis e a
própria comunidade para participar das discussões estratégicas do setor, pela
implantação de conselhos municipais de turismo, pode ser entendida como
uma mudança estrutural de rumo profunda. No nosso entender, tratou-se de
uma mudança processual e não pragmática que incutiu novas posturas nos
gestores públicos e privados do turismo brasileiro, na medida em que os levou
a pensar o turismo como um setor estratégico que exigia gestão profissional e
o reconhecimento da necessidade de envolvimento dos outros agentes sociais,
especialmente a população dos destinos turísticos (FRATUCCI, 2006).
Certamente, a questão do nível de participação que o PNMT
pregava e estimulava pode ser questionado. Os agentes sociais dos municípios
envolvidos historicamente não tinham o hábito de participar da gestão das suas
localidades e, quase sempre, de alguma forma eram induzidos pelas lideranças
locais, muitas delas ligadas a partidos e políticos locais, mais interessados nos
seus projetos pessoais que no desenvolvimento do município. Entretanto, é
preciso lançar um olhar mais atento ao processo do que aos resultados. A
descentralização da gestão do turismo, proposta pelo programa, levou a
discussão do turismo para a escala local dos municípios, envolveu e deu voz
às comunidades, assumindo explicitamente o turismo como prática social que
acontece “na escala e na efervescência da vida nos lugares” (CRUZ, 2006, p.
338).
Se em alguns municípios o processo foi desviado e até mesmo
manipulado por lideranças inescrupulosas, em outros fez surgir um movimento
de questionamentos e de organização de grupos sociais em associações e
entidades mais comprometidas com os interesses coletivos locais.
Institucionalmente, a proposição de conselhos municipais de turismo paritários,
participativos e de caráter deliberativo, pode ser considerada como um avanço
significativo na gestão pública do turismo brasileiro.
167
Um dos principais obstáculos para continuidade do processo de
municipalização da gestão do turismo, que de certa forma foi desconsiderado
pelos gestores federais do programa, relacionava-se com a sua escala de
atuação. O PNMT impunha a escala municipal para as suas ações,
considerando que os limites político-administrativos dos municípios brasileiros
seriam o recorte mais adequado para a definição e implantação das políticas
de desenvolvimento do setor. Tal decisão revelou-se, no decorrer do processo,
equivocada na medida em que o turismo, tanto do ponto de vista do fenômeno
socioespacial quanto da atividade econômica, não se restringe às fronteiras
municipais. São poucos os municípios brasileiros com capacidade e autonomia
de implantação de um processo de desenvolvimento turístico eminentemente
local, desarticulado do seu entorno. Mesmo o município do Rio de Janeiro, pólo
turístico internacional consolidado, não abre mão dos recursos localizados nos
seus municípios limítrofes para compor seu produto turístico, como podemos
comprovar nas peças promocionais e pacotes turísticos oferecidos aos
visitantes que incluem Niterói, Petrópolis, Búzios, Paraty e as Ilhas Tropicais da
baía de Sepetiba.
Contraditoriamente, o próprio processo de implantação PNMT
despertou nos gestores municipais a percepção de que precisavam trabalhar
em conjunto com seus municípios vizinhos, se tinham intenção de
estruturarem-se como destinos turísticos de destaque no cenário nacional e
mundial. Assim, foram surgindo os primeiros movimentos direcionados para a
construção de conselhos e consórcios regionais de turismo, como foram os
casos dos municípios da Serra Gaúcha e da região das Agulhas Negras
(Itatiaia, Resende, Porto Real e Quatis), dentro outros; movimentos absorvidos
pelo governo seguinte, por meio do Programa de Regionalização do Turismo
(PRT).
168
4.2.3 Governo Lula - 2003-2010: o Foco na Regionalização do Turismo
Com a vitória do Partido dos Trabalhadores nas eleições
presidenciais de 2002, o novo governo federal empossado em janeiro de 2003
interrompeu institucionalmente o PNMT sob o argumento de que toda a
estrutura governamental de gestão do setor turístico deveria ser revista e
recomposta, visando atender às novas diretrizes governamentais e aos
objetivos e metas do novo Plano Nacional de Turismo 2003-2007.
Com a criação do Ministério do Turismo (MTur), a EMBRATUR
teve suas competências limitadas à promoção, divulgação e ao apoio da
comercialização dos produtos e serviços turísticos brasileiros no exterior.
Todas as demais competências foram transferidas para o novo ministério. No
caso específico do PNMT, o mesmo foi desativado como programa e
incorporado como projeto ao Programa Roteiros Integrados do Brasil, no
Macro-Programa de Estruturação e Diversificação da Oferta Turística do Plano
Nacional do Turismo.
Plano Nacional do Turismo 2003-2007
A questão da diminuição das desigualdades regionais foi
considerada como um dos maiores desafios do atual governo federal e o setor
turístico foi indicado como uma das dez prioridades do plano de governo para
enfrentá-la. Com esse foco, todo o Plano Nacional de Turismo 2003-2007
(PNT) foi desenvolvido para contribuir na solução daquele desafio. Nessa linha
estratégica, na mensagem de apresentação do PNT, o Ministro Mares Guia
ressaltou que a criação do Ministério do Turismo demonstrava o compromisso
do governo “de priorizar o turismo como elemento propulsor do
desenvolvimento socioeconômico do país” (MTur, 2003, p. 7), além de enfatizar
que o PNT “constitui-se em um processo dinâmico de construção permanente.
Traduz uma concepção de desenvolvimento que, além do crescimento, busca a
169
desconcentração de renda por meio da regionalização, interiorização e
segmentação da atividade turística” (ibidem, p.7).
No diagnóstico do turismo brasileiro elaborado para subsidiar a
elaboração do PNT, foram identificados como problemas a serem solucionados
ou, pelo menos, abrandados: a baixa qualidade e a pequena oferta de produtos
turísticos; a insuficiência de créditos para o setor; a promoção equivocada; a
insuficiência de infra-estrutura básica e turística nos destinos turísticos; a
existência de conflitos e superposições nos instrumentos de legislação e
normatização do setor; a pouca qualificação dos recursos humanos; a falta de
um sistema de monitoramento e avaliação dos resultados das ações (Ibidem).
Partindo desse cenário, o PNT propôs uma visão de futuro que
previa o turismo no Brasil estruturado de forma diversificada tanto cultural como
geograficamente. Esta visão tinha como vetores orientadores a redução das
desigualdades regionais, a geração e distribuição de renda, a geração de
emprego e ocupação e o equilíbrio no balanço de pagamentos (ibidem).
Para dar cumprimento àquela visão e aos objetivos estabelecidos,
o PNT propôs um novo modelo de desenvolvimento para o turismo brasileiro,
calcado em dois pontos estruturantes: parcerias e gestão descentralizada. A
gestão descentralizada foi proposta na nova configuração da supra-estrutura
do turismo nacional (Figura 14) que, no nível estratégico - federal - tem o
Ministério do Turismo como órgão aglutinador, assessorado pelo Conselho
Nacional de Turismo (apoiado por dez câmaras temáticas) e pelo Fórum de
Secretários Estaduais de Turismo. No nível intermediário - estados - as
parcerias com os órgãos estaduais e com os representantes de todos os
setores do turismo se materializam nos fóruns e conselhos estaduais de
turismo cuja missão é de identificar problemas e elaborar propostas e
sugestões para o desenvolvimento do setor, com as demandas oriundas dos
consórcios regionais de municípios e dos conselhos/comitês municipais de
turismo.
170
Figura 14 – Supra-estrutura do turismo brasileiro 2 003-2006 Fonte: Ministério do Turismo, 2006.
171
Esse modelo de gestão descentralizada refletia-se na última meta
estabelecida pelo PNT de “ampliar a oferta turística brasileira, desenvolvendo
no mínimo três produtos de qualidade em cada estada da federação e distrito
federal” (MTur, 2003, p. 17). Essa meta foi taticamente desenvolvida no macro-
programa de Infra-estrutura, pelo Programa de Desenvolvimento Regional do
Turismo e no macro-programa da Oferta Turística, no Programa de
Desenvolvimento de Roteiros Integrados de Turismo (PRT). Ambos os
programas tinham o seu recorte territorial baseado no conceito de região como
espaço geográfico que apresenta características e potencialidades similares,
trabalhando de forma integrada (BRASIL, 2004b) e buscavam, pela
estruturação e otimização das cadeias produtivas regionais, estimular a criação
de novos produtos turísticos diversificados, calcados nas características
culturais locais e em outros fatores motivadores de demanda, além do
tradicional “sol e praia”.
Em razão disso foi instituída a meta de ampliação da oferta
turística nacional com, pelo menos, três novos produtos turísticos por unidade
da federação até 2006, com condições de qualidade e competitividade, tanto
no mercado internacional como no mercado doméstico.
A estratégia da regionalização, nas bases de sua proposta atual, sugere a otimização de esforços, o aumento da competitividade dos produtos e roteiros turísticos, e a dinamização das redes de comercialização. Ao final, os objetivos são os de promover o aumento dos fluxos de turistas, tanto para a capital, quanto para o interior, através do incremento do tempo de permanência e do gasto médio direto e indireto com o turismo, uma vez que se diversifica e se qualifica em excelência a oferta de produtos, assegurando, com isso, o aumento dos níveis de competitividade no mercado. (LIMA, 2004, p.55)
Apesar de, inicialmente, ter sido previsto como um programa do
Macro-programa 4 – Estruturação e diversificação da oferta turística, o PRT
acabou extrapolando essa posição e tornando-se um programa transversal a
todos os macro-programas do PNT.
172
Partindo do pressuposto de que a regionalização é um novo
modelo de gestão de política pública descentralizada, coordenada e integrada,
o PRT entende que “regionalizar o turismo é transformar a ação na unidade
municipal para uma política pública mobilizadora de planejamento e
coordenação para o desenvolvimento turístico local e regional, estadual e
nacional, de forma articulada” (BRASIL, 2004b, p.11).
Para tanto, a base conceitual do programa assume o território
como “espaço e lugar de integração do homem com o ambiente, dando origem
a diversas formas de se organizar e se relacionar com a natureza, a cultura e
com os recursos disponíveis” (ibidem, p.11). Entende-se que, a partir desse
conceito, é possível superar a visão estritamente setorial do desenvolvimento
turístico, na medida em que ele “propõe uma coordenação entre organizações
sociais, agentes econômicos e representantes políticos” (ibidem).
O PRT teve sua proposta estabelecida pelas ações
descentralizadas, focadas em parceiras, nas quais os municípios, os estados e
a sociedade civil organizada têm papel fundamental no desenvolvimento em
suas etapas. Estrategicamente o programa está estruturado a partir de três
diretrizes políticas específicas: gestão coordenada, planejamento integrado e
participativo e promoção e apoio à comercialização (MTur, 2004b).
Inicialmente, no mapeamento feito em 2004, foram identificadas
219 regiões turísticas envolvendo 3.203 municípios. Em 2006, após um
trabalho de revisão chegou-se a 200 regiões turísticas, contemplando 3.819
municípios, indicando 396 roteiros turísticos para o mercado nacional (149
regiões e 1.027 municípios), dos quais apenas 87 destinavam-se a ser
estruturados para atingirem o padrão de qualidade exigido pelo mercado
internacional, envolvendo 116 regiões turísticas, compostas por 474
municípios. (BRASIL, 2007d)
Esses resultados foram amplamente divulgados para o público em
dois eventos de marketing, realizados nos anos de 2005 e 2006 na cidade de
São Paulo, denominados Salão Nacional de Turismo. Os eventos tinham como
objetivo apresentar, promover e incentivar a organização e comercialização dos
roteiros turísticos do Brasil. No ano de 2006, o evento apresentou 451
173
produtos/roteiros turísticos, envolvendo 959 municípios de 134 regiões
turísticas selecionadas pelas cinco macrorregiões brasileiras. Em 2006, foram
apresentados ao público os 396 roteiros (de 149 regiões turísticas e 1.027
municípios) selecionados incluindo aqueles 87 roteiros (474 municípios) a
serem trabalhados para obtenção do padrão de qualidade internacional
previsto no PNT.
Apesar de suas propostas serem direcionadas à criação de
produtos turísticos regionais e sugerirem o envolvimento de praticamente todos
os agentes sociais envolvidos com o turismo, o PRT não conseguiu, até o
momento, resultados efetivos como esperados, sinalizando que a falta de
interação entre aqueles agentes ainda é significativa. Os produtos regionais
devem ser resultados da organização dos agentes envolvidos; para tanto,
torna-se necessário que essas interações evoluam para inter-relações
dinâmicas e complementares, que irão compor a organização/sistema turístico
de cada região envolvida.
A dificuldade de articulação dessa organização regional dos
agentes sociais envolvidos mostrou-se um dos pontos mais críticos para o
sucesso da implantação efetiva das metas do PRT no país, o que exigiu da
equipe do MTur uma revisão das suas metodologias e uma nova investida nas
ações de articulações e de sensibilização dos agentes sociais das regiões
classificadas como turísticas.
Plano Nacional do Turismo 2007-2010
Com a continuidade político-administrativa no governo federal,
mesmo com a substituição do ministro Mares Guias por Marta Suplicy em
março de 2007, as diretrizes e ações estratégicas do turismo mantiveram seu
curso com a publicação do Plano Nacional de Turismo 2007/2010, apesar de
uma aparente priorização para a questão da inclusão social a partir do
desenvolvimento turístico no interior do país:
174
O desafio da Política Econômica de 2007 a 2010 é aproveitar o momento histórico favorável para estimular o crescimento do PIB e do emprego, intensificando ainda mais a inclusão social e a melhoria na distribuição de renda no Brasil (BRASIL, 2007a, p.47).
Baseado em relatórios técnicos que apontam para os resultados
positivos do turismo nos últimos quatro anos (BRASIL, 2006; BRASIL, 2007a),
o novo plano mantém o modelo de gestão descentralizada (Figura 14)
indicando a amplitude de participação dos diversos agentes do setor turístico
nacional. Segundo aqueles documentos, em 2006 o Conselho Nacional de
Turismo abrigava 1.358 representantes diretos de instituições públicas (702) e
privadas (656) e cerca de 12.000 representantes indiretos, vinculados a
entidades privadas e a instituições públicas relacionados ao turismo em todo o
país.
Assim constituído, o modelo de gestão descentralizada do turismo viabiliza os canais de interlocução entre as diversas esferas da gestão pública e as diferentes escalas de representação da iniciativa privada e do terceiro setor, possibilitando a implementação dos programas e ações propostos pelo Plano Nacional de Turismo, de forma articulada com o planejamento e a implementação dos programas e ações relacionados à gestão do turismo no âmbito das Unidades da Federação, das macroregiões, das regiões turísticas e dos municípios do País (BRASIL, 2007a, p.45).
Com relação à dimensão espacial do desenvolvimento turístico,
foco desse nosso trabalho, o PNT 2007/2010 confirmou a estratégia de
regionalização proposta no período anterior, porém com uma alteração nas
suas propostas conceituais, na medida em que propõe.
focar destinos turísticos selecionados, de modo a se constituírem em indutores do desenvolvimento do turismo regional e da roteirização turística, gerando modelos e referências para os demais destinos turísticos no Brasil, conforme o mapeamento apresentado pelo Programa de Regionalização do Turismo – Roteiros do Brasil (Ibidem, p. 47)
175
A estratégia de regionalização introduziu no país uma perspectiva
diferenciada para o turismo brasileiro, dentro da proposta de gestão
participativa dos processos de estruturação, promoção e comercialização de
roteiros turísticos, como percebe-se nas palavras da ministra Marta Suplicy, no
texto de abertura dos cadernos técnicos do PRT:
Regionalizar não é apenas o ato de agrupar municípios com relativa proximidade e similaridades. É construir um ambiente democrático, harmônico e participativo entre poder público, iniciativa privada, terceiro setor e comunidade. É promover a integração e cooperação intersetorial, com vistas à sinergia na atuação conjunta entre todos os envolvidos direta e indiretamente na atividade turística de uma determinada localidade (MTur, 2007b)
Um dos objetivos do PRT vem sendo a desconcentração da oferta
turística brasileira, atualmente localizada predominantemente no litoral,
estimulando a interiorização da atividade e a inclusão de novos destinos nos
roteiros já comercializados. Nessa nova ótica voltada, principalmente, para as
metas econômicas do plano, foram selecionados pelo Ministério do Turismo,
em conjunto com os órgãos e conselhos estaduais de turismo, 65 destinos com
capacidade de induzir o desenvolvimento regional, para serem trabalhados
prioritariamente até 2010. O objetivo dessa estratégia é dotá-los de condições
modelares para as demandas do mercado externo. Segundo o MTur, os
destinos indutores de desenvolvimento são:
aqueles que possuem infra-estrutura básica e turística e atrativos qualificados, que se caracterizam como núcleo receptor e/ou distribuidor de fluxos turísticos, isto é, são aqueles capazes de atrair e/ou distribuir significativo número de turistas para seu entorno e dinamizar a economia do território em que está inserido (BRASIL, 2007b, p.3)
No universo dos 87 roteiros turísticos selecionados anteriormente,
esses 65 destinos (leia-se municípios) (Figura 15) foram escolhidos por
critérios de “avaliações e valorações do Plano de Marketing Turístico
Internacional – Plano Aquarela, do Plano de Marketing Turístico Nacional –
176
Figura 15: Localização dos 65 destinos indutores de desenvolvimento Fonte: Ministério do Turismo, 2007.
177
Plano Cores do Brasil, além de outros estudos e investigações sobre
investimentos do governo federal e sobre as potencialidades desses destinos”
(Ibidem, p.52) em sua grande maioria, elaborados pelo Observatório de
Inovação do Turismo da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro (BRASIL,
2008).
A meta 3 do PNT 2007/2010 indica que até 2008, 15 desses 65
destinos deverão estar estruturados dentro dos modelos de qualidade de
padrão internacional estabelecidos pelo MTur, respeitando o princípio da
sustentabilidade ambiental, sociocultural e econômica e sempre trabalhando
“de forma participativa, descentralizada e sistêmica, estimulando a integração e
a conseqüente organização e ampliação da oferta turística” (idem, 2007d, p.
52).
Ainda de acordo com a referida meta esses destinos turísticos
priorizados deverão assumir a função de “modelos indutores para o
desenvolvimento turístico-regional. Suas experiências e práticas exitosas
devem ser multiplicadas para outros destinos que integram as regiões turísticas
do País” (ibidem, p. 52).
Paralelamente ao desenvolvimento e estruturação dos destinos
turísticos priorizados, as 116 regiões turísticas selecionadas deverão estar,
gradativamente, se preparando e se organizando institucionalmente para
incorporarem aqueles modelos de padrão de qualidade propostos pelo MTur.
Cabe destacar que no texto divulgado oficialmente, percebe-se algumas
contradições entre os conceitos de região, destino e produto turístico, o que
dificultam a análise mais detalhada dos números propostos.
A meta 3 aponta para a estruturação de 65 destinos turísticos com
padrão internacional (15 em 2008, 20 em 2009 e 30 em 2010), que servirão de
“produtos-modelo” para as regiões turísticas a serem organizadas
institucionalmente até 2010. Entretanto, o texto não esclarece se as condições
necessárias indicadas para o cumprimento da referida meta (investimentos de
infra-estrutura, pessoas qualificadas, profissionais e empreendimentos
certificados) referem-se aos 65 destinos priorizados ou às 116 regiões
turísticas selecionadas (BRASIL, 2007d).
178
No intuito de facilitar e estimular a implantação do modelo
proposto pelo PRT, o MTur desenvolveu uma coleção de 13 cadernos técnicos,
cada um abordando um dos pontos teóricos e operacionais do programa:
Os Cadernos de Turismo apresentam os passos para que os municípios das regiões turísticas brasileiras se organizem com base nos princípios da sustentabilidade ambiental, econômica, sociocultural e político-institucional e destaca os benefícios que a regionalização e a consolidação de roteiros turísticos oferecem ao turismo brasileiro (MTur, 2007b, p.10)
Nota-se claramente, a preocupação do Ministério com a questão
da articulação dos diversos agentes sociais do turismo na escala dos
municípios, reforçando nossa proposição de que as ações voltadas para a
consolidação de regiões ou de roteiros turísticos regionais passam
necessariamente pela escala do município, nossa menor célula político-
administrativa. Nessa mesma direção e visando estimular as articulações locais
e regionais, as ações do MTur têm se voltado para o apoio e o incentivo para a
formação de novas estruturas organizacionais de gestão do desenvolvimento
turístico local e regional. O caderno técnico III, especificamente, destina-se a
orientar os agentes sociais para a institucionalização de instâncias de
governanças regionais, no formato de consórcios ou conselhos regionais de
turismo (MTur, 2007c)
Aprofundando a questão, outro dos cadernos técnicos citados, o
de número XII, é dedicado ao tema da formação de redes e “apresenta alguns
dos princípios e modos de funcionamento das Redes para que os diversos
atores espalhados pelas regiões turísticas possam, na medida de suas
necessidades e desejos, desenvolver projetos ou processos de Redes de
forma descentralizada e autônoma” (ibidem, p.10).
Uma das conferencistas da terceira edição do Salão de Turismo,
ocorrido em junho de 2008, na cidade de São Paulo, no espaço Núcleo do
Conhecimento, destinado às discussões, debates e intercâmbios de propostas
e idéias, a socióloga Tânia Zapata abordou o tema “Instâncias de
Representação da Sociedade Civil e Gestão Pública”. Na sua exposição, ela
179
buscou fundamentar teoricamente, a opção pela constituição de um novo tipo
de governança de escala micro-regional para que os destinos indutores e suas
regiões consigam estabelecer um processo de desenvolvimento territorial
endógeno e competitivo. Segundo ela, esse modelo de desenvolvimento surge
como uma “estratégia construída pelos atores locais, a partir de uma
identidade” através de um “processo intencional de provocar mudanças
buscando o desenvolvimento do território com mais equidade, participação e
sustentabilidade”, tendo como eixo central o ser humano. (ZAPATA, 2008).
É interessante ressaltar que, nos documentos oficiais do PRT, o
termo governança é entendido como “a capacidade de administrar ou, mais
especificamente, como a capacidade que os governos têm de criar condições e
de responder às demandas da sociedade.” (BRASIL, 2007c, p.16), o que, de
certa forma, mantém a gestão centralizada no poder público, mesmo quando
“essa capacidade de governar pressupõe uma administração participativa que
envolve as populações locais na elaboração, monitoramento e, em alguns
casos, na execução de políticas públicas” (ibidem). Especificamente para o
PRT, “a Instância de Governança Regional é uma organização com
participação do poder público e dos atores privados dos municípios
componentes das regiões turísticas, com o papel de coordenar o Programa em
âmbito regional” (ibidem).
No contexto atual, de amplo domínio do discurso neoliberal, as
políticas públicas de turismo voltam-se apenas para contemplar os interesses
dos agentes do mercado. Nem mesmo os interesses dos agentes públicos
(governos) são observados, uma vez que, para facilitar a captação de novos
investimentos, o Estado abre mão dos seus direitos de arrecadação,
fiscalização e de regulação, pela concessão de uma série de incentivos e da
liberação de diversas facilidades de crédito. Para os demais agentes sociais
envolvidos pelo turismo resta apenas um papel secundário, quase marginal, e
os impactos quase sempre negativos que a atividade turística gera onde se
instala.
A fragmentação dos territórios em regiões funcionais, propostas
em muitas políticas públicas de turismo, visa permitir apenas uma
180
administração mais conservadora e cartesiana das ações estratégicas de
gestão e planejamento público. Elas precisam incorporar, nas suas discussões,
os processos endógenos de consolidação de regiões turísticas. Mesmo sendo
uma decisão política que sinaliza para as diretrizes e prioridades do grupo
governante, é importante que as políticas públicas observem como as
localidades e municípios se aglutinam dialogicamente para compor produtos
turísticos regionais, incorporando esses movimentos às suas decisões.
Com base na análise aqui desenvolvida, podemos apontar os
pontos centrais desse novo momento da gestão pública do turismo nacional
agrupando-os da seguinte forma:
a. Aceitação do turismo como uma atividade econômica de cunho
acentuadamente local e, portanto, merecedora de ações de
ordenamento e gestão diferenciadas de acordo com as
peculiaridades de cada local;
b. Compreensão da complexidade da cadeia produtiva do setor e da
expressividade dos componentes locais, de pequeno e médio porte,
dentro dessa cadeia;
c. “Descoberta” da incompatibilidade do uso da escala político-
administrativa municipal para a definição das ações de
desenvolvimento do setor. O turismo não pode ser contido e/ou
restrito à escala dos municípios, devendo ser gestado e gerenciado
a partir da escala regional;
d. Percepção da necessidade de estabelecimento de novas instâncias
de gestão do setor, em sua grande maioria envolvendo diversos
municípios, o que exige um esforço de regionalização no
ordenamento dos espaços turísticos ou ainda turistificáveis;
Esta revisão da gestão pública do turismo no Brasil serve-nos
para confirmar o descaso das políticas públicas para com as diversas
dimensões do turismo, em especial para com a sua dimensão espacial. Em
todos os momentos em que a questão da espacialidade do turismo aparece
nos discursos e nas práticas dos órgãos de turismo, o espaço é tratado como
mero suporte para o desenvolvimento econômico do setor e o seu
181
ordenamento e preservação só ocorrem quando direcionados para a facilitação
da reprodução do capital, por meio dos grandes empreendimentos turísticos.
A articulação em novos recortes espaciais – os territórios-redes
que estamos propondo - e em novas estruturas de gestão – redes regionais de
turismo – como aquele que vem ocorrendo espontaneamente na região
turística das Agulhas Negras, no estado do Rio de Janeiro, mostra-se como
uma opção menos excludente, possibilitando que todos os agentes sociais
envolvidos com e pelo fenômeno turístico possam ter voz e se beneficiar dos
seus impactos e efeitos multiplicadores. A consolidação de novas instâncias
público-privadas micro-regionais de gestão e planejamento, democráticas e
participativas, parece ser o caminho para uma reversão desse atual quadro de
desequilíbrio nas formas de gestão do turismo brasileiro.
5 REGIÃO DAS AGULHAS NEGRAS, RJ: UMA REDE REGIONAL DE TURISMO EM CONSTRUÇÃO
As redes como estratégia de comunicação e de empoderamento da sociedade civil são as formas mais expressivas das articulações políticas contemporâneas [...] (SCHERER-WARREN, 2007, p.42)
Neste capítulo analisamos o processo de turistificação da região
das Agulhas Negras buscando articulá-los com nossas discussões e propostas
teóricas, objetivando demonstrar que a dimensão espacial do turismo se revela
mais claramente na escala micro-regional e que o seu ordenamento e gestão
pode ser assumido por um novo modelo de estrutura organizacional de
governança representado pelas redes regionais de turismo, compostas pelos
diversos agentes sociais produtores daquele processo. Essa articulação entre
nossas discussões teóricas e os fatos observados naquela parte do território
estadual resulta de um exercício dialógico contínuo que vimos desenvolvendo
nos últimos anos, onde procuramos ampliar nossos pontos de observação dos
processos de turistificação do espaço.
A implementação das diversas políticas públicas direcionadas
para o turismo, revistas no capítulo anterior, constituiu-se em relevante fator de
reorganização do território no contexto do estado do Rio de Janeiro,
especialmente nos últimos quinze anos, quando o governo federal sinalizou
para a priorização do setor como possível vetor de desenvolvimento regional
para o país. O estado do Rio de Janeiro, pelas suas características sociais,
ambientais e culturais, além do seu processo de formação histórica, desde
183
meados do século XIX vem despertando o interesse e a atenção tanto dos
visitantes como dos empresários do setor turístico nacional e internacional.
Para muitos estudiosos, a cidade do Rio de Janeiro foi o palco do
início da atividade turística contemporânea no país (LAGE; MILONE, 1991).
Para Tomé Machado (2005), a reforma urbana promovida pelo prefeito Pereira
Passos, nos primeiros anos do século XX, pode ser considerada como um dos
principais fatores que vieram contribuir para o inicio da atividade turística na
cidade do Rio de Janeiro. De acordo com aquele autor, a inauguração do porto
do Rio de Janeiro, em novembro de 1906, foi fundamental para o
desenvolvimento do turismo no país. Tal fato pode ser comprovado “com a
chegada do primeiro grupo organizado de turistas ao Rio de Janeiro em 27 de
junho de 1907, a bordo do navio a vapor Byron, em uma excursão organizada
pela agência inglesa ‘Cook and Son’.” (TOMÉ MACHADO, 2005, p.72). Foi
naquela época que surgiu a expressão “cidade maravilhosa criada em 1908 por
Coelho Neto e, posteriormente popularizada por André Filho (1934), através da
marcha do mesmo nome” (TURISRIO, 1999, p.127).
Os eventos desenvolvidos para a comemoração do
cinqüentenário da independência brasileira, durante o ano de 1922 fizeram
surgir “os primeiros hotéis no Rio de Janeiro e foi criada a Sociedade Brasileira
de Turismo, posteriormente chamada de Touring Club do Brasil” (LAGE;
MILONE,1991, p.21), instalando as premissas básicas para a sua consolidação
como centro turístico internacional: liberação do jogo, construção de hotéis de
luxo como o Copacabana Palace, o Hotel Glória e o Hotel Palace, esse já
demolido, e “a divulgação da imagem de um carioca alegre, descontraído e de
espírito universalista, sempre aberto a novas idéias e modas” (TURISRIO,
1999, p.128).
Entretanto, até a década de 1970, o turismo ficou praticamente
concentrado na cidade do Rio de Janeiro. Com relação ao interior do estado,
com exceção das citações feitas a Petrópolis como cidade de veraneio da
família imperial e, posteriormente, da sociedade carioca, são encontradas
algumas referências ao Parque Nacional de Itatiaia, a Cabo Frio e Búzios
184
(depois do advento de Brigitte Bardot, no início da década de 1960) e ao Pico
Dedo de Deus, em Teresópolis (TURISRIO, 1999).
Especificamente no caso da região das Agulhas Negras, as
poucas informações disponíveis nos apontam que em 1918 foi inaugurado o
Hotel Fazenda Villa Forte, às margens da estrada de ferro que ligava o Rio de
Janeiro a São Paulo, na atual localidade de Engenheiro Passos. Com a criação
do primeiro parque nacional no maciço do Itatiaia, em 1937, outros meios de
hospedagem surgiram dentro dos limites do parque e nas localidades de
Visconde Mauá e Penedo. Esta última, segundo Mascarenhas (2005), teve seu
processo de turistificação iniciado com a chegada dos colonos finlandeses,
liderados pelo utopista Toivo Uuskallio no final da década de 1920. Já na
região da vila de Visconde de Mauá, cuja colonização iniciou-se em 1908 com
um núcleo de colonos alemães trazidos pelo governo brasileiro, “as famílias
Bühler e Büttner iniciaram um empreendimento de recepção rústica” para
atender a um esporádico, porém crescente fluxo de ‘hóspedes pagantes’,
composto por professores e alunos da Escola Alemã do Rio de Janeiro”
(MASCARENHAS, 2005, p. 116), que passaram a veranear na região, atraídos
pelas características climáticas e paisagísticas da região e pela curiosidade em
conhecer a história e a situação dos colonos patrícios.
Somente após a inauguração da Rodovia Rio-Santos e da Ponte
Rio - Niterói (na primeira metade da década de 1970), a população carioca
passou a buscar mais regularmente o litoral das regiões turísticas da Costa
Verde e da Costa do Sol, mais conhecida como região dos Lagos. Esses fluxos
de turistas, concentrados principalmente durante o período de verão e nos
feriados prolongados provocaram um intenso processo de urbanização
daquelas áreas, a partir da construção acelerada de condomínios de segundas
residências voltadas para o veraneio.
185
5.1 CONTEXTO INSTITUCIONAL DO TURISMO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Institucionalmente, a preocupação com a atividade turística no
estado do Rio de Janeiro teve início no ano de 1960 com a criação da
Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro – Flumitur (Lei n.º 4.221
de 12 de abril de 1960), com sede na capital Niterói, e da Riotur S/A pelo
governo do antigo Estado da Guanabara (abril de 1960). Na mesma década, no
nível nacional, foi criada a Empresa Brasileira de Turismo – EMBRATUR,
através decreto-lei n.º 55 de 18 de novembro de 1966, também com sede na
cidade do Rio de Janeiro (FRATUCCI, 2006).
A primeira tentativa institucional de interiorização mais sistemática
da atividade turística deu-se com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio
de Janeiro, no ano de 1974 (Lei Complementar n.º 20 de 01/07/1974). A
Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro – Flumitur43 foi transferida
de Niterói para o Rio de Janeiro passando a desenvolver ações voltadas,
principalmente, para o interior do estado, deixando explícito que o seu território
de atuação era o interior. Paralelamente, o turismo no município do Rio de
Janeiro foi deixado a cargo da Riotur S/A, empresa de economia mista ligada à
estrutura administrativa municipal a partir da fusão, conforme nos aponta Lima:
Há que se dizer que os órgãos de turismo criados em 1960 passaram a ser sediados, com a fusão, na capital do “novo” estado, havendo igualmente uma diferenciação entre os âmbitos de suas atuações: a Riotur dedicando-se ao turismo da cidade do Rio de Janeiro, e a TurisRio voltada ao turismo do estado como um todo (2004, p..41).
O Plano de Desenvolvimento Econômico e Social, estabelecido
para o quadriênio 1979-82 (Governo Chagas Freitas), instituiu a divisão do
território estadual em sete regiões turísticas: Metropolitana, Costa do Sol,
Costa Verde, Norte, Serrana A, Serrana B e Serramar, delimitadas a partir das
43 A marca fantasia Flumitur foi alterada em 1988, para TurisRio, como parte da estratégia de
marketing proposta pela campanha “cidades maravilhosas do Estado do Rio de Janeiro”.
186
características e recursos do setor turístico, observando a homogeneidade e
complementaridade de ofertas, objetivando facilitar, sobretudo, o estudo micro-
regional (FRATUCCI, 2000a).
A partir dessa primeira regionalização oficial do espaço turístico
do estado, o poder público estadual, através de projetos coordenados,
principalmente pela TurisRio, promoveu uma série de ações que contribuíram
para a construção do atual território do turismo estadual. Entretanto, a prática
de gestão e ordenamento do território fluminense foi marcada por experiências
pontuais e assistemáticas, o que dificulta uma análise mais profunda dos seus
resultados, principalmente pela não continuidade nos processos de suas
implantações. No período entre 1960 e 1988, identificamos algumas dessas
tentativas, em sua grande maioria realizada sob o comando da TurisRio a partir
de projetos propostos pela EMBRATUR, com destaque para o Projeto Turis
(1973) e a Identificação do Espaço Turístico Estadual (1979).
Com base na lei federal 6.766, promulgada no ano de 1979,
estabelecendo que todo o parcelamento de solo em áreas determinadas como
de interesse especial, deveriam merecer a anuência prévia dos governos
estaduais, o governo do estado do Rio de Janeiro, determinou que a Secretaria
de Planejamento (SECPLAN) e a Fundação de Desenvolvimento Metropolitano
da Cidade do Rio de Janeiro (FUNDREM) (extinta na década de 1980),
realizassem a definição das áreas de interesse especial do estado. Foram
definidos grupos de trabalho setoriais para tal fim, cabendo à Flumitur, atual
TurisRio, a definição das áreas especiais de interesse turístico.
Esse processo de identificação de áreas de interesse especial
objetivava normatizar o uso e o parcelamento do solo naquelas áreas do
estado com alguma característica própria que lhe inferisse um valor
diferenciado em relação às demais. Para tal fim, estabeleceu-se que seriam
classificadas como “áreas de interesse turístico as superfícies territoriais do
continente e de todas as ilhas marítimas, lacustres e fluviais que concentrem
recursos turísticos que possam ser explorados turisticamente e cuja proteção é
de fundamental importância para a conservação das suas qualidades
187
ecológicas como para a perpetuação de atividades de recreação e lazer
decorrentes do turismo” (TURISRIO, 1985)
A regulamentação das Áreas de Interesse Especial previstas na
lei 6.766/79 sofreu um processo peculiar no caso do estado do Rio de Janeiro.
Em razão da divisão de responsabilidades sobre a gestão do território estadual
entre a SECPLAN e a FUNDREM, os trabalhos foram desenvolvidos de forma
distinta e em ritmos diferentes nos dois recortes territoriais. Disso resultou que
o território sob responsabilidade da SECPLAN (interior do estado), teve seus
estudos concluídos e devidamente regulamentados pela lei estadual 1.130/87,
enquanto nos municípios da região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro
o processo foi interrompido, restando apenas uma minuta de projeto de lei
como resultado final. (Figura 16).
No caso específico das áreas especiais de interesse turístico,
foram identificadas aquelas que comportavam recursos turísticos (efetivos ou
potenciais) localizados “na faixa de orla marítima e ilhas marítimas, nas áreas
de montanha e serra, na faixa de entorno de lagos, lagoas e ilhas lacustres e
nas estâncias hidrominerais e/ou terapêuticas” (SEPDET, 2001). Na área da
região das Agulhas Negras, toda área do Parque Nacional do Itatiaia acrescida
de uma grande área de entorno, principalmente nos seus limites oeste
(Engenheiro Passos) e nordeste (Visconde de Mauá) foram incluídas como de
interesse turístico.
Importante ressaltar que esta foi a primeira ação do governo
estadual que tratava o território do turismo de forma não contínua, indicando
quais as áreas prioritárias para o desenvolvimento do setor, com forte
influência do modelo de espaço turístico proposto por Boullón (1990a).
Entretanto, assim como as demais tentativas de ordenamento do
território turístico estadual, esse trabalho também não foi implementado, apesar
da lei 1.130/87 ter sido regulamentada por decreto e continuar em vigor até os
dias de hoje. O Plano Diretor de Turismo do Estado – 2002 retomou esse
trabalho, indicando-o como um dos seus principais referenciais orientador para
as ações do governo estadual.
188
0 10 30 50 Km
Figura 16 – Áreas especiais de interesse turísticos do estado do Rio de Janeiro Fonte: SEPDET, 2001
189
Com a posse do governador Moreira Franco (1987), a Companhia
de Turismo do Estado do Rio de Janeiro, a partir de um projeto de
modernização administrativa, foi totalmente reestruturada, com a redefinição da
suas atribuições e da sua missão, além da alteração da sua marca de Flumitur
para TurisRio. Nesse processo de mudança incluiu-se o desenvolvimento de
uma campanha de marketing mais agressiva, voltada para o mercado interno,
baseada na idéia-força de agregar-se à marca “Cidade Maravilhosa” o produto
de outras cidades próximas (FRATUCCI, 2000a).
Sem qualquer rigor metodológico e com base em dados empíricos
e na experiência pessoal dos diretores da empresa, foram selecionadas sete
localidades consideradas em condições para funcionar como centros
receptivos de fluxos de demanda interestadual e internacional, de forma
complementar ao produto turístico da cidade do Rio de Janeiro: Angra dos
Reis, Paraty, Visconde de Mauá, Itatiaia, Armação dos Búzios, Nova Friburgo e
Petrópolis. Vale destacar que duas localidades da região das Agulhas Negras
(àquela época denominada Serrana A) foram selecionadas – Itatiaia e
Visconde de Mauá – por estarem localizadas próximas à cidade de São Paulo
e das cidades de porte médio do vale do Rio Paraíba paulista, tradicionais
emissores de visitantes para aquela região.
Apesar de ter sido apenas uma campanha de marketing, essa
ação induziu certo reordenamento no território turístico do estado do Rio de
Janeiro. Primeiro, por ter induzido a concentração dos fluxos turísticos para as
áreas escolhidas como “cidades maravilhosas”, em detrimento das demais
áreas do estado, numa primeira tentativa de adoção da lógica reticular para o
ordenamento do território do turismo no estado. Segundo, por despertar nas
localidades deixadas fora do processo, um desejo de se tornarem também uma
“cidade maravilhosa”. Entre críticas e reclamações, alguns municípios
souberam aproveitar-se do momento e passaram a trabalhar para o
desenvolvimento turístico local (FRATUCCI, 2000a)
Simultaneamente, em janeiro de 1989, foi assinado um convênio
de cooperação técnica entre os governos do Estado do Rio de Janeiro e da
Catalunha – Espanha, “para desenvolvimento de um trabalho conjunto de
190
planejamento, visando transferir o qualificado know-how turístico adquirido pela
Catalunha para o Rio de Janeiro” (AD-RIO, 1989, p.1). Denominado Plano
Indutor de Desenvolvimento Turístico para a Região dos Lagos, oficialmente
denominada como Costa do Sol44, foi desenvolvido pela Agência de
Desenvolvimento Econômico do Estado do Rio de Janeiro (AD-Rio), com apoio
da TurisRio45, objetivando estabelecer “indicações preciosas para o investidor
privado como também fornecer diretrizes para a atuação correta das
administrações municipais e estaduais na execução de obras de infra-estrutura
e de projetos turísticos para a região” (ibidem, p.1).
A justificativa para aquele plano estava calcada em um
diagnóstico do turismo brasileiro da época, que assinalava para o fato de
apesar da forte demanda potencial existente, tanto do mercado nacional como
do internacional, o Rio de Janeiro não oferecia um produto turístico coerente e
compatível com as exigências do mercado. Segundo relatórios da época, esse
desajuste era causado pela ausência de uma política de turismo específica
para um segmento de mercado, o que demonstrava a ausência de um produto
turístico altamente qualificado e competitivo internacionalmente.
A escolha da Região dos Lagos do Rio de Janeiro foi baseada em
alguns poucos critérios de interesse, principalmente dos empresários
espanhóis interessados em investir no Brasil: a) proximidade com a cidade do
Rio de Janeiro e com o aeroporto internacional Antonio Carlos Jobin (média de
60 km); b) características fisiográficas locais: grande extensão do litoral, clima
tropical, baixo índice pluviométrico e inverno com temperaturas médias em
torno de 20º C; c) topografia ideal para implantação de campos de golfe; d)
características culturais dos centros urbanos.
O referido Plano Indutor pretendia estimular o desenvolvimento da
região tendo o turismo como atividade econômica central, balizado por ações
de reordenamento do uso do solo, preservação do meio ambiente, recuperação
da paisagem regional e melhoria dos sistemas de infra-estrutura, premissas
básicas para todo o processo. Nota-se que, apesar da aparente priorização de
44 Trecho do litoral fluminense que, originalmente, se estendia do município de Maricá até o
município de Rio das Ostras. 45 Para maiores detalhes, ver FRATUCCI, 2006.
191
um trecho do território estadual, a lógica zonal predomina no modelo de
desenvolvimento proposto, uma vez que na escala da região, todo o espaço é
tratado como de interesse turístico.
A segunda metade da década de 1980, sob a coordenação do
governador Moreira Franco, representou uma tentativa de implantação de um
modelo neoliberal bastante agudo na gestão do turismo no estado do Rio de
Janeiro. Com o foco na privatização e na desregulamentação do setor,
seguindo a tendência da esfera federal, a gestão pública do turismo,
coordenada pela TurisRio, buscou desenvolver planos e projetos que
estimulassem o desenvolvimento econômico do turismo sob a égide do capital
privado, com o Estado apenas fornecendo a infra-estrutura básica e,
esporadicamente, subsídios para estimular os investimentos. O Plano Indutor
de Investimentos Turísticos na Região dos Lagos é o melhor exemplo desse
processo que, por razões de descontinuidade política, tanto no governo
estadual quanto no federal, acabou por não ser levado a cabo. Nos anos
seguintes, orientados pela mudança na gestão do turismo na esfera federal, o
governo estadual tende a rever essa postura, entretanto, sem muito sucesso.
5.1.1 Reorganização do Mapa Turístico do Estado do Rio de Janeiro a Partir de 1990
Para o estado do Rio de Janeiro as mudanças de rumo nas
políticas públicas do turismo brasileiro foram bastante representativas,
especialmente sob o viés político. A perda da sede da EMBRATUR para
Brasília, um dos últimos atos do processo de mudança da capital federal do
país, parece representar mais um duro golpe para o processo socioeconômico
do estado. Como uma forma de reação política, ocorreu certo afastamento das
ações do governo estadual para o setor do turismo daquelas propostas pelo
governo federal.
Tal afastamento político entre o órgão de turismo estadual e a
EMBRATUR fez com que o processo de municipalização do turismo ocorresse
192
de forma diferenciada no estado, se comparado as demais unidades da
Federação. Enquanto na maioria delas, as oficinas do PNMT começaram a ser
realizadas ainda no ano de 1995, no Rio de Janeiro a implantação do
Programa só ocorreu efetivamente a partir do segundo semestre de 1998.
Apesar de terem sido realizadas uma oficina no município de
Petrópolis em dezembro de 1995 e outra, em agosto de 1996, no município de
Itatiaia (ambas da 1ª Fase), oficialmente o governo estadual não se engajou no
Programa. Nesse período (1996-1998), a TurisRio desenvolvia um projeto
próprio de municipalização denominado Programa de Apoio ao
Desenvolvimento Turístico Municipal, que consistia-se basicamente de uma
visita aos municípios, com dois ou três dias de duração, durante a qual, um
grupo de técnicos e professores proferiam palestras e cursos de curta duração,
com o objetivo de capacitar e profissionalizar os órgãos municipais de turismo.
Não havia uma priorização estratégica por parte da TurisRio na definição de
qual município deveria ser atendido primeiro; os mesmos eram atendidos na
medida em que oficializavam suas solicitações junto à Chefia de Gabinete da
empresa e garantiam os recursos financeiros necessários para a sua
realização. (FRATUCCI, 2005).
No segundo semestre de 1998, os representantes dos municípios
componentes da região turística da Costa do Sol, sabedores do sucesso do
PNMT em outros estados, organizaram-se e pressionaram a TurisRio para a
realização de uma oficina de 1ª Fase na região. Essa iniciativa, aliada à
mudança do governo estadual em janeiro de 1999 e, conseqüentemente, de
toda a estrutura diretiva da empresa, levou ao estabelecimento de um acordo
informal com o Comitê Executivo Nacional do PNMT para o desenvolvimento
de um processo de recuperação da defasagem do Programa no Estado.
A partir dos dados consolidados na Tabela 3, percebe-se que o
desenvolvimento do Programa no estado concentrou-se nos anos de 1999 a
2002. Até 2003, o PNMT havia sido implantado em 72 municípios do estado,
dos quais 11 atingiram a 3ª fase do Programa, 57 a 2ª fase e, apenas 2
estacionaram na 1ª fase. A partir de nossa vivência pessoal como multiplicador
estadual do PNMT e técnico da TurisRio, podemos afirmar que a causa de um
193
número elevado de municípios não ter ultrapassado a segunda fase do
programa, está diretamente relacionada com as dificuldades encontradas para
a articulação e formação dos conselhos municipais de turismo dentro dos
princípios propostos, principalmente aqueles que orientavam para que os
mesmos fossem paritários entre o poder público e a sociedade civil e,
instituídos por lei municipal específica.
Vale destacar que, graças ao PNMT, os principais agentes sociais
do turismo dos municípios do interior do estado, em especial, da região das
Agulhas Negras (denominação criada em 1998), começaram a se articular e a
organizar a criação de conselhos regionais de turismo. O turismo como
atividade econômica já era significativo para diversas localidades dos
municípios da região - Visconde Mauá, Engenheiro Passos, Penedo e Itatiaia -,
mas tratado de forma isolada por cada uma delas que, em determinados
momentos, se viam como concorrentes no mercado. Não havia, até então, uma
visão complexa do fenômeno que permitisse o entendimento de que todos os
agentes sociais envolvidos com o turismo regional eram interdependentes e
complementares.
Tabela 3 – Oficinas do PNMT no estado do Rio de Janeiro Oficinas 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
1ª Fase 1 1 0 1 4 0 2 1 0 2ª Fase 0 0 0 1 4 0 1 2 0
3º Fase Passo 1 0 0 0 0 1 2 0 0 0 Passo 2 0 0 0 0 0 1 1 0 0 Passo 3 0 0 0 0 0 0 0 7 4 Comunidades 0 0 0 0 0 4 0 0 0 Docente 0 0 0 0 10 0 0 0 0 Nivelamento (1ª/ 2ª Fases) 0 0 0 0 0 0 0 7 3 Turismo rural 0 0 0 0 0 0 1 0 0 Planejamento Nacional 0 0 0 0 1 2 1 0 0 Encontros Nacionais 0 0 0 0 1 1 1 0 0 Encontro Estadual 0 0 0 0 0 0 0 1 1 Fonte: Fratucci, 2005
Apesar do previsto no artigo 227 da Constituição Estadual de
1989 que determina que o ”Estado definirá a política estadual de turismo
194
buscando proporcionar as condições necessárias para o pleno
desenvolvimento dessa atividade” e que o instrumento básico de intervenção
do Estado no setor deveria ser o plano diretor de turismo, somente a partir de
1997, a TurisRio, em conjunto com a SECPLAN46, iniciou a elaboração do
citado plano, com o objetivo de torná-lo o “pressuposto fundamental e
dispositivo privilegiado ao pleno desenvolvimento da atividade turística no
território estadual” (TURISRIO, 1999).
O desenvolvimento do plano procurou contar com a participação
de representantes de todos os segmentos da sociedade organizada e dos
governos municipais do estado. Os diagnósticos regionais preliminares foram
objetos de discussão em 14 oficinas regionais47, contando com a participação
dos diversos segmentos públicos e privados de todos os municípios, envolvidos
com o setor. Dessas oficinas extraiu-se o diagnóstico final e as proposições,
que foram materializadas em programas e projetos que deveriam nortear a
política estadual proposta para o desenvolvimento turístico.
Na reunião realizada no município de Itatiaia estiveram
representantes dos governos dos municípios de Resende, Itatiaia, Quatis,
Barra Mansa, Volta Redonda e de diversas associações empresarias ligadas
ao turismo da região. Naquele momento, conforme registrado no relatório da
oficina, já existia o Conselho de Turismo da Região das Agulhas Negras
(CONRETUR) e os participantes já destacavam como ponto positivo do
processo de desenvolvimento regional a integração dos membros daquele
conselho. Além disso, também indicavam como ação prioritária para o Plano
Diretor a consolidação dos conselhos municipais e regionais de turismo.
(TURISRIO, 1999).
46 Com a posse do novo governador em 1998, a SECPLAN foi transformada em Secretaria de
Estado de Planejamento, Desenvolvimento Econômico e Turismo (SEPDET). 47 O primeiro relatório elaborado consolidou o Diagnóstico do Plano Diretor de Turismo do
Estado, que foi apresentado também de forma sintetizada em Relatórios Executivos para cada uma das Regiões Turísticas do Estado. Esses diagnósticos preliminares foram então, objetos de discussão em quatorze oficinas regionais (Niterói, Angra dos Reis, Arraial do Cabo, Paracambi, Araruama, Piraí, Itatiaia, Comendador Levy Gaspariam, Petrópolis, Cachoeiras de Macacu, Macaé, Cantagalo, Itaperuna e Campo dos Goytacazes) com a participação dos diversos segmentos públicos e privados de todos os municípios, envolvidos com o setor.
195
Importante salientar que no decorrer do processo de elaboração
do Plano Diretor, o governo estadual incorporou a participação de uma
consultoria internacional paga pelo Banco Interamericano – BID. Esta decisão
foi tomada pelo governador e pelo Secretário de Planejamento e
Desenvolvimento Econômico do Estado, sem ouvir os diretores e o corpo
técnico da TurisRio. Os consultores contratados deveriam, a princípio,
desenvolver um plano estratégico para o desenvolvimento turístico, mas ao
tomarem contato com o trabalho em desenvolvimento pelos técnicos da
TurisRio e da Secretaria de Estado de Planejamento, Desenvolvimento
Econômico e Turismo (SEPDET), concordaram em concentrar-se no
desenvolvimento dos tópicos referentes à questão de formação dos recursos
humanos e ao marketing voltados para o mercado externo.
Podemos afirmar que a maior contribuição daquela consultoria
internacional para o Plano Diretor de Turismo foi a proposição de instituições
das áreas de desenvolvimento estratégico (ADE), que podem ser melhor
compreendidas a partir da seguinte colocação de Valéria Maria de Souza Lima,
diretora de planejamento da TurisRio:
as ADEs foram concebidas para criar facilidades relativas às ações de promoção e marketing, mas começam a ser pensadas também sob o ponto de vista do planejamento e da gestão. Reúnem, em um mesmo grupo, uma ou mais regiões turísticas, mas que, em virtude de sua finalidade original, separam-se por linhas flexíveis que permitem a existência de espaços comuns. (LIMA, 2004, p. 47).
Na proposta original as ADE foram delimitadas a partir da análise
das potencialidades de produtos em termos das motivações e preferências dos
consumidores e da identificação de conjuntos de atrativos e serviços, que
compunham a diversidade da oferta do território estadual e que poderiam ser
ancorados em determinados produtos turísticos regionais, ficando assim
organizadas:
196
� ADE I: Região da Costa Verde � ADE II: Região do Vale do Paraíba e Região das Agulhas Negras � ADE III: Região do vale do Café � ADE IV: Região Metropolitana e Baixada Fluminense � ADE V: Região Serra Tropical e Região da Serra Norte � ADE VI: Região da Costa do Sol e Região da baixada Litorânea � ADE VII: Região da Costa Doce e Região Noroeste das Águas
Por outro lado, atendendo a uma necessidade estratégica de
atualização do recorte regional do turismo no estado, o Plano Diretor de
Turismo apresentou uma atualização para configuração da regionalização
turística, buscando incorporar a nova realidade sociocultural e econômica
estadual. A regionalização anterior era datada do início da década de 1980,
quando o estado ainda era composto por 64 municípios e não apresentava o
setor turístico significativamente desenvolvido nos municípios do interior.
Partindo do entendimento da região turística como um
instrumento primordial para a organização territorial e para a gestão da
atividade turística, enquanto instância intermediária de articulação entre o
estado e os municípios, o Plano Diretor de Turismo propôs um novo recorte
regional (Figura 17) composto por 13 regiões. De acordo com aquele
documento, essas regiões “guardam, internamente, um sentido de
homogeneidade e complementaridade, que traduzem sua identidade
geográfica, paisagística, territorial e da oferta de infra-estrutura e serviços”
(SEPDET, 2001, p.98).
Na realidade, o Plano Diretor de Turismo tornou-se mais um
documento de referência para algumas ações da Secretaria Estadual de
Turismo, criada em janeiro de 2004, e da TurisRio que o documento norteador
da política estadual de turismo. No nosso entender, tal política ainda não
existe, tendo em vista o setor não ser prioridade do governo estadual, conforme
podemos comprovar a partir da observação dos valores orçamentários para
investimentos destinados tanto à TurisRio quanto à própria Secretaria, nos
últimos anos.
197
Figura 17 – Regionalização Turística – Plano Direto r de Turismo – 2001 Fonte: SEPDET, 2001.
198
A criação da Secretaria Estadual de Turismo e a reativação e
reformulação do Conselho Estadual de Turismo, através dos decretos 33.334
de 05 de junho de 2003 e 33.461 de 25 de junho de 2003, não nos parecem
suficientes para indicar que o turismo tenha obtido o status de setor prioritário
no contexto do poder executivo estadual. As ações, projetos e a atividades
continuam acontecendo sem que seja seguido um rumo definido por um
planejamento estratégico de longo prazo.
Em 2006, com a posse do governador Sérgio Cabral, a Secretaria
de Turismo e a Secretaria de Esportes foram aglutinadas na Secretaria de
Esporte e Turismo, caracterizando, mais uma vez, a não definição do setor
turístico como estratégico dentro da estrutura governamental. Desde a sua
criação, ora a TurisRio esteve ligada à secretarias da esfera econômica, ora à
secretarias mais voltadas para questões sociais e culturais, indicando a falta de
definição do seu papel e da sua importância dentro da estrutura administrativa
estadual.
Desde a implantação do PNMT na grande maioria dos municípios
do estado, iniciou-se um profundo processo de mudanças nos diversos
segmentos do turismo que colaborou para uma reformulação do território
turístico estadual. A partir dele, os municípios começaram a se perceber parte
de um contexto mais amplo, onde só poderiam ter competitividade a partir da
estruturação de produtos turísticos diversificados e diferenciados. Para tanto,
constataram a necessidade de se organizar em grupos regionais, gerando um
processo descentralizado de reestruturação das regiões turísticas do estado.
Esses movimentos descentralizados e, em sua grande maioria,
endógenos, foram incorporados no processo de redefinição da regionalização
turística estadual desenvolvida no âmbito do Plano Diretor de Turismo
(SEPDET, 2001). Entretanto, como em todo processo democrático de tomada
de decisões, houve algumas divergências e discordâncias com aquela
proposta, o que levou o Fórum Estadual de Secretários de Turismo – RJ a
promover uma ampla discussão com seus membros sobre o assunto.
Aquele Fórum “foi criado em 1997 por um grupo de Secretários
preocupados com o fortalecimento da atividade turística no estado do Rio de
199
Janeiro” (OLIVEIRA, 2004, p.79), fruto das oficinas e reuniões de
conscientização e capacitação promovidas pelo PNMT no estado. Seu primeiro
presidente foi o então presidente da Empresa de Turismo do Município de
Macaé (Macaetur), Glauco Lopes. Em janeiro de 2002, assumiu a sua
presidência a então secretária de turismo do município de Itatiaia, Roberta Dias
de Oliveira.
Durante o mandato da senhora Roberta foram realizadas diversas
reuniões regionais com o objetivo de definir os nomes das regiões turísticas,
dado que o Plano Diretor de Turismo definiu-as apenas por um número
seqüencial. Também objetivam discutir a composição de cada uma das 13
regiões turísticas estabelecidas, no intuito de contemplar algumas
reivindicações de municípios que não concordavam com os limites propostos.
A partir dos resultados dessas diversas reuniões regionais, o
Fórum Estadual de Secretários de Turismo apresentou uma proposta para o
novo recorte regional do território turístico estadual, já definindo os nomes de
cada um deles, o que, em alguns casos, alterou significativamente a proposta
original. Essas alterações foram: a) o desmembramento da Região Turística 3
em duas, fazendo surgir a Região Vale do Paraíba composta pelos municípios
de Barra Mansa, Volta Redonda e Pinheiral; b) a incorporação de toda a
Região Turística 11 (Macaé, Quissamã e Carapebus) à Região 9, aumentando
consideravelmente o território da região dos Lagos, c) a incorporação dos
municípios de São Fidélis e Cardoso Moreira à Região da Costa Doce e a sua
desincorporação da Região Turística 13 e, d) a transferência do município de
São Gonçalo da Região Turística 5 para a Região 10 – Rota do Sol
(FRATUCCI, 2005a).
Essas alterações foram motivadas mais por motivos políticos
regionais que por questões técnicas relacionadas com o desenvolvimento
turístico dos municípios. Apenas no caso da Região das Agulhas Negras, o
novo limite proposto surgiu de um planejamento estratégico, desenvolvido sob
a coordenação do SEBRAE-RJ, envolvendo os municípios de Itatiaia, Resende,
Porto Real e Quatis, como veremos mais adiante. Todas as demais foram
200
conseqüências de articulações de líderes políticos regionais, sem nenhum
respaldo técnico.
Por fim, depois de várias alterações e estudos, já sob a orientação
do PRT do Ministério do Turismo, em 2005 foi estabelecida pela Secretaria
Estadual de Turismo uma versão final para o recorte regional do território
turístico do estado do Rio de Janeiro, composto por onze regiões turísticas
(Figura 9, p. 106).
Analisando esta nova proposta podemos perceber uma mudança
bastante significativa nos recortes das regiões turísticas localizadas na área da
Serra dos Órgãos e do vale do rio Paraíba do Sul, no seu trecho entre o
município de Valença e Cantagalo. Nas regiões localizadas no litoral manteve-
se o recorte proposto pelo Fórum Estadual de Secretários de Turismo. Já na
parte interior, percebemos um grande acréscimo territorial na região do Vale do
Café e a extinção da região anteriormente denominada de Serra Tropical.
A implantação do PRT no estado do Rio de Janeiro encontrou um
ambiente propício, tendo em vista que o desenvolvimento do Plano Diretor de
Turismo - 2002 já havia provocado uma revisão na divisão do território estadual
em regiões turísticas. Por ocasião das oficinas realizadas no Rio de Janeiro,
foram selecionadas, como estratégicas, seis das treze regiões turísticas,
considerando a perspectiva do curto prazo para a consolidação de produtos
voltados à comercialização no mercado internacional e nacional. Foram
priorizadas as regiões Rio-Niterói, Vale do Café, Costa Verde, Costa do Sol,
Agulhas Negras e Serra Verde Imperial, consideradas como aquelas com
maiores possibilidades de inserção mercadológica no curto e médio prazo
(Figura 18).
Segundo a diretora de planejamento da TurisRio, esta priorização
atende apenas aos objetivos do PRT; para as demais ações do estado,
continuam sendo contempladas todas as demais regiões turísticas:
201
CordeiroMac uco
Trajano de Morais Conce içãode Macabu
Carapebus
Quissamã
Campos dos Goytac azes
São Joãoda Barra
São Franciscode Itabapoana
São Fidélis
Cardoso Moreira
Italva
Cambuci
Sumidouro
Duas Barras
Carmo Cantagalo
Itaocara
Aperibé
Santo Antôn iode Pádua
São Joséde Ubá
Itaperuna
Natividade
Porc iúnc ula
Varre-Sai
Bom Jesusdo Itabapoana
Miracem a
Laje doMuriaé
Santa Maria Madalena
São Sebastiãodo Alto
Bom Jardim
IguabaGrande
S.Pedroda Aldeia
Cabo Frio
S. José do Valedo Rio Preto
Três Rios
Sapucaia
Cachoeirasde Macacu
São Gonç aloSaquarem a
Rio Bon itoAraruam a
Silva Jardim
Casimiro de Abreu
Rio das Ostras
Mac aéNova Friburgo
Paraíba do Sul
PortoReal
Resende
Rio Claro
Itaguaí
Seropédic a
Queimados
JaperiDuquede Caxias
Engº Paulode Frontin
Parac ambi
Migue l Pereira
Valença
Rio das Flores
Vassouras
Paty do Alferes
Petrópolis
Magé
Teresópo lis
Guapimirim
Itaboraí Tanguá
Barra do Piraí
NovaIguaç u
Nilópolis
S. Joãode Meriti
BelfordRoxo
Itatiaia
Quatis
Barra Mansa
VoltaRedonda
Pinhei ral
Piraí
Armação dos Búzios
Areal
Parati
Angra dos Reis Mangaratiba
Mendes
Rio de JaneiroNiterói
Maricá
Arra ial do Cabo
0 10 30 50 Km
Com. LevyGasparian
Região Costa VerdeRegião das Agulhas NegrasRegião do Vale do CaféRegião MetropolitanaRegião Serra ImperialRegião Costa do Sol
Figura 18 – Regiões turísticas do estado do Rio de janeiro priorizadas para o PRT Fonte: TurisRio, 2005.
202
No caso do estado do Rio de Janeiro, a definição das regiões estratégicas tem objetivo claro e não desmerece a atenção das demais localidades fluminenses que, evidentemente, permanecem no escopo das ações de desenvolvimento da atividade turística em todo o estado, levando-se em conta os seus diferentes estágios, necessidades e particularidades. (LIMA, 2004, p.50)
Durante o 2º Salão do Turismo, realizado em São Paulo, em
junho de 2006, “como resultado do Programa de Regionalização foram
apresentados no Salão do Turismo — Roteiros do Brasil, 396 roteiros turísticos,
envolvendo 149 regiões turísticas e 1.207 municípios de todas as unidades da
Federação” (MTur, 2008, p.3).
No contexto do estado do Rio de Janeiro, foram apresentados três
roteiros regionais envolvendo as seis regiões turísticas do estado priorizadas:
Roteiro Serra e Mar/Sol, Gastronomia e Cultura . Dividido em Serra Verde Imperial (Serramar I), abrange atrações de Petrópolis, Teresópolis, Guapimirim (Parque Nacional da Serra dos Órgãos), Cachoeiras de Macacu, Nova Friburgo; e Mar, com os municípios da Costa do Sol , que inclui Casimiro de Abreu, Quissamã, Macaé,Rio das Ostras, Armação dos Búzios, Cabo Frio, Arraial do Cabo Esse roteiro integra os atrativos da serra fluminense, reunidos na região da Serra Verde Imperial, com os da Costa do Sol, também conhecida como Região dos Lagos, no Litoral Sul do Estado, através da nova rodovia que liga a serra ao litoral. História, marcas da colonização européia, natureza exuberante marcada pelo clima de montanha, prazeres da boa mesa, rico patrimônio cultural e ecológico, e o charme da antiga Cidade Imperial formam este atraente roteiro da Serra Verde Imperial. Descendo pelo Litoral Sul do Estado, fica a Costa do Sol, com dezenas de praias propícias aos esportes náuticos, e onde Búzios desponta não apenas por suas praias povoadas de gente bonita de todo o mundo, mas principalmente por sua gastronomia e a intensa vida noturna.
Roteiro Floresta e Mar , com a temática História, Natureza e Aventura, inclui os municípios da Costa Verde, Agulhas Negras e Vale do Café: Mangaratiba, Angra dos Reis (Ilha Grande), Paraty, Rio Claro, Itatiaia (Parque Nacional do Itatiaia e Penedo), Resende (Visconde Mauá), Porto Real, Barra Mansa, Volta Redonda, Barra do Piraí, Vassouras, Valença (Conservatória), Rio das Flores Paraíso do turismo ecológico, da aventura, dos esportes radicais e do turismo rural, as Agulhas Negras, com o Parque Nacional de Itatiaia, e o Vale do Café são também o destino
203
eleito dos que procuram o turismo de lazer. Pródigas em formações da Mata Atlântica, cortada de rios, cachoeiras e corredeiras, com o santuário da Ilha Grande dominando o perfil da Baía de Angra dos Reis, as duas regiões completam um roteiro que pode começar no Litoral Norte, onde a Cidade Histórica de Paraty, Patrimônio Nacional, se destaca pelo seu harmonioso conjunto arquitetônico colonial, e terminar no Vale do Café, onde o visitante é brindado com o clima bucólico das fazendas históricas, seus saraus e sinhazinhas contando histórias do tempo dos barões, além das serestas de Conservatória. (TURISRIO, 2006).
Observa-se que os citados roteiros foram definidos a partir do
conjunto dos atrativos turísticos de cada região e, indiretamente, pela rede
rodoviária existente, além de buscarem incorporar alguns elementos que
pudessem estabelecer uma possível identidade regional. Isto fica bastante
visível no terceiro roteiro que envolve as regiões da Costa Verde, do Vale do
Café e das Agulhas Negras. Tendo em vista que o MTur havia estabelecido
que fossem priorizados apenas três roteiros por estado da federação, a
TurisRio tratou de defini-los de modo a contemplar as seis regiões
anteriormente definidas como prioritárias revelando, mais uma vez, a
indefinição nas políticas públicas na escolha dos espaços prioritários para o
desenvolvimento turístico estadual.
Dentre aqueles roteiros selecionados pelo PRT, foram priorizados
por cada estado da Federação, 87 roteiros, considerados aptos para a
“obtenção de padrão de qualidade internacional e, conseqüentemente,
promoção do alcance das metas do PNT” (MTur, 2008, p.3).
Assim, o foco de atuação do Ministério do Turismo, em especial do Programa de Regionalização do Turismo e suas entidades parceiras em âmbitos nacional, estadual, regional e municipal são os 87 roteiros que contemplam 474 municípios de 116 regiões turísticas (ibidem, p.3)
Já em 2007, o MTur, através das novas diretrizes e metas
propostas pelo PNT 2007/2010, definiu dentre aqueles 474 municípios
contemplados, os 65 “destinos indutores de desenvolvimento turístico regional”
prioritários para o desenvolvimento turístico, com capacidade de induzir o
204
desenvolvimento regional dentro daqueles 87 roteiros priorizados, funcionando
como exemplos exitosos para os demais destinos turísticos que integram
aqueles roteiros. Para tanto, “esses destinos serão priorizados para receber
investimentos técnicos e financeiros do MTur e serão foco de articulações e
busca de parcerias com outros ministérios e instituições” (ibidem, p. 4).
Importante destacar o uso de critérios distintos para a definição,
tanto dos roteiros como dos destinos indutores. De um lado, estabelece-se o
critério de escolha daqueles roteiros e destinos capazes de induzir o
desenvolvimento regional com padrão internacional, indicando uma priorização
do mercado externo e, por outro lado, define-se que todas as unidades da
federação deverão ter três roteiros turísticos priorizados e entre um e cinco
destinos indutores selecionados. Enquanto o primeiro pauta-se por critérios
técnicos, o segundo indica uma priorização política, já que nem todas as
unidades da federação têm condições de inserir algum destino turístico no
mercado internacional no horizonte de tempo pré-determinado.
No contexto do estado do Rio de Janeiro foram definidos como
destinos indutores de desenvolvimento turístico regional, os municípios do Rio
de Janeiro, Armação dos Búzios, Paraty, Angra dos Reis e Petrópolis por já
apresentarem infra-estrutura básica e turística e atrativos qualificados, serem
núcleos receptores e distribuidores de fluxos turísticos, o que os tornam
“capazes de atrair e/ou distribuir significativo número de turistas para seu
entorno e dinamizar a economia do território em que estão inseridos” (ibidem,
p. 4).
Como já dito, de acordo com os critérios divulgados pelo MTur,
foram selecionados apenas aqueles destinos já preparados para serem
comercializados no mercado internacional no curto prazo. Ainda de acordo com
aquele órgão, os destinos selecionados irão concentrar os investimentos
destinados ao desenvolvimento turístico pela esfera federal até 2010. Os
demais destinos turísticos incluídos naqueles 87 roteiros selecionados – casos
dos municípios da região turística das Agulhas Negras - deverão continuar
seus processos de desenvolvimento regional conforme proposto as diretrizes
do PRT, sem contar com recursos financeiros do Ministério Federal.
205
Apesar do governo federal, através do Plano Nacional de Turismo
aparentemente indicar para o desenvolvimento do turismo a partir das regiões
turísticas, os resultados apresentados no relatório recente onde são expostos
os critérios para a definição dos 65 destinos indutores do desenvolvimento
turístico, apontam para a priorização de municípios capazes de exercerem a
função de pólos indutores regionais. Entendemos que a proposta inicial de
identificação e fortalecimento de produtos e roteiros turísticos regionais,
defendidos nos documentos anteriores do Ministério do Turismo (BRASIL,
2004a, 2004b; MTur, 2006), teve de ser revista e reformulada diante das
especificidades encontradas na realidade da maioria das regiões turísticas do
país, como no caso da região turística das Agulhas Negras, como veremos a
seguir.
5.2 PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA REGIÃO TURÍSTICA DAS AGULHAS NEGRAS
Apresentamos aqui uma análise do processo em andamento na
região turística das Agulhas Negras-RJ. A opção por essa região deveu-se ao
fato do processo de articulação dos agentes produtores do turismo naqueles
municípios ter se iniciado ainda na década de 1990, portanto, anteriormente à
implantação do PRT pelo governo federal e por termos tido a oportunidade de
acompanhá-lo com regularidade, primeiro ainda como técnico da TurisRio (até
2002), depois como docente e acadêmico interessado na dimensão espacial do
fenômeno turístico e seus reflexos sobre os territórios construídos pelos seus
diversos agentes sociais. Entendemos que esta análise pode nos ajudar na
construção de uma proposta voltada para a constituição de instâncias regionais
de gestão do desenvolvimento turístico, definidas e definidoras dos territórios-
rede do turismo, que atuem a partir do fenômeno turístico e não apenas da
atividade econômica por ele gerada, incorporando todos os seus agentes
sociais nos processos decisórios.
206
Localizada no médio vale do rio Paraíba do Sul, estado do Rio de
Janeiro, a região turística das Agulhas Negras encontra-se a uma distância
intermediária dos três maiores centros urbanos e econômicos do país – São
Paulo (250km), Rio de Janeiro (170km) e Belo Horizonte (450km) - sendo
composta pelos municípios de Itatiaia, Porto Real, Quatis e Resende (Figura
19).
Figura 19 – Localização da Região Turística das Agu lhas Negras Fonte: CIDE, 2006.
A região insere-se na Serra da Mantiqueira, no conjunto do
planalto do Itatiaia classificado como um maciço alcalino que apresenta
altitudes elevadas (o pico culminante é o das Agulhas Negras com 2.791m),
que decrescem em direção do vale do rio Paraíba do Sul em forma de
escarpas com vales profundos e escalonados e, presença de grandes blocos
rochosos (CIDE, 1987). Na vertente norte, o maciço avança pelo território de
Minas Gerais, abrangendo os municípios de Itamonte, Alagoa e Bocaina de
Minas, dividindo-se em espigões separados pelos vales do rio Preto e do rio
Aiuruoca, este formador do rio Grande.
207
O clima da região varia de úmido para superúmido, com
temperaturas médias brandas e baixas nas áreas elevadas do planalto,
chegando a atingir índices negativos durante os meses de inverno, com casos
esporádicos de precipitação de neve. A cobertura vegetal predominante é
composta pela floresta pluvial tropical (mata Atlântica). Na parte mais alta do
planalto, (acima da cota 1500), a vegetação é classificada como de refúgio
ecológico, “representado por pequenas áreas rupestres [...] apresentando-se
como uma cobertura graminóide, intercalada por pequenos arbustos” (CIDE,
1987, p.52), com ocorrência de orquídeas, bromélias e cactáceas. É
interessante observar como a vegetação sofreu adaptações para suportar os
períodos mais frios do inverno, como densa pilosidade e folhas coriáceas
(semelhantes ao couro), estando algumas espécies já possivelmente
preparadas para se protegerem dos incêndios comuns no planalto.
Segundo dados do Censo do IBGE – 2000, a população dos
municípios era a seguinte: Itatiaia – 24.739 habitantes (120,3hab/km²); Porto
Real – 12.101 habitantes (284,9 hab/km²); Quatis – 10.727 habitantes (41,7
hab/km²); Resende – 104.550 habitantes (107,7 hab/km²). (CIDE, 2006). Com
relação ao índice de desenvolvimento humano municipal – IDH-M, no ano de
2000, o município de Resende apresenta o quinto melhor índice do estado
(0,804), enquanto o município de Itatiaia ocupa a oitava posição (0,800), o de
Quatis, a décima segunda posição (0,791) e o município de Porto Real situa-se
em 58º lugar, com IDH-M de 0,745. (CIDE, 2006). Segundo as pesquisas da
Fundação CIDE, no ano de 2000, a renda per capita mensal nos municípios da
região variava entre R$ 365,45 (município de Resende) e R$ 212,55 (município
de Porto Real) e a expectativa de vida regional estava em torno de 70,73 anos.
(ibidem).
5.2.1 Aspectos Turísticos da Região das Agulhas Negras
A região turística das Agulhas Negras pode ser considerada como
uma das áreas pioneiras do desenvolvimento turístico do estado do Rio de
208
Janeiro. Segundo Mascarenhas (2005), o processo de turistificação da região
pode ser estabelecido a partir de 1922, quando se iniciaram os primeiros fluxos
de veranistas cariocas direção do núcleo de colonização de imigrantes alemães
nas terras da vila de Visconde de Mauá. Da década de 1930 em diante, com o
inicio dos fluxos de visitantes para a colônia finlandesa de Penedo e para o
Parque Nacional do Itatiaia, implantado em junho de 1937, a prática da
atividade turística na região foi incrementada, consolidando pequenas
povoações já existentes e fazendo surgir outras. O processo acelerou-se com a
inauguração da rodovia Presidente Dutra em 1951 e o desenvolvimento da
indústria automobilística no país, fatos que contribuíram para a difusão do
hábito das viagens de férias e de final de semana entre a sociedade brasileira,
especialmente a carioca, então capital federal do país.
Atualmente, ao redor do Parque Nacional do Itatiaia (Figura 20)
encontramos as localidades de Engenheiro Passos, Penedo, Visconde Mauá,
Capelinha, Serrinha do Alambari, Itatiaia, Maromba, Maringá e, um pouco mais
afastadas, as cidades de Resende, Quatis e Porto Real. Importante destacar
que parte do espaço turistificado da região fica no território de Minas Gerais,
mais especificamente nos municípios de Bocaina de Minas, Alagoa e Itamonte.
Entretanto, para os visitantes isto não parece ser significativo, como nos aponta
a matéria recentemente publicada pelo Caderno Boa Viagem do jornal O
Globo. Segundo o jornalista André Coelho, na matéria de capa da edição do
dia 24 de julho de 2008, “Nem tudo o que se vê é Mauá”, em referência ao
conjunto de 14 vilas que compõem a região conhecida apenas como Mauá.
Separadas pelo rio Preto as vilas se espalham por ambas as margens e pelos
diversos vales que compõem a paisagem local (COELHO, 2008).
No que se refere à oferta diferencial que compõe o potencial
turístico da região podemos afirmar que, apesar da existência de alguns
elementos baseados no patrimônio histórico-cultural, o grande fator motivador
das correntes de visitantes é o seu patrimônio natural, com destaque para o
conjunto do Parque Nacional do Itatiaia. As características da oferta diferencial
da região estimulam diversos tipos e modalidades específicas de práticas
turísticas, quase todas direcionadas para atividades de contato com a natureza;
209
caminhadas, montanhismo, repouso, observação de flora e fauna, treccking,
estão entre as mais praticadas. Entretanto, vale ressaltar as características
específicas da localidade turística de Penedo, que disponibiliza uma variada
oferta de entretenimentos noturnos, dando-lhe destaque no contexto turístico
regional.
Itatiaia
Eng. Passos
Penedo
Serrinha
MarombaMaringa
Visc. Mauá
Agulhas NegrasSP
MG
RJParque Nac. Itatiaia
Figura 20 – Parque Nacional do Itatiaia e arredores Fonte: Elaboração própria sobre imagem do Google Earth
Com relação à oferta técnica, a região turística das Agulhas
Negras pode ser dividida em duas partes bastante distintas. No interior e nos
arredores do Parque Nacional do Itatiaia temos uma concentração bastante
expressiva de equipamentos e serviços turísticos, já consolidados no mercado
turístico nacional. No restante da região, que compreende Porto Real, Quatis e
parte do município de Resende, a oferta técnica é bastante limitada e
direcionada para o atendimento do segmento do turismo de negócio,
especialmente na cidade de Resende.
210
No seu conjunto, a região apresenta uma das mais expressivas
ofertas de meios de hospedagem do estado do Rio de Janeiro (Tabela 4), que
compreendem desde pequenas pousadas, com serviços bastante
particularizados até hotéis-fazendas e hotéis localizados dentro do Parque
Nacional do Itatiaia. Esta oferta diversificada de tipos de meios de
hospedagem, tanto com relação à qualidade como às dimensões, possibilita a
formatação de produtos turísticos diferenciados voltados para diversos
segmentos do mercado turístico, tanto no tocante às motivações quanto aos
preços.
Tabela 4 - Oferta de meios de hospedagem na região das Agulhas Negras – RJ
Localidades Turísticas Internet (1)
Telelista (2)
Guia 4 Rodas RAIS 2001(3)
2006 2008 Engenheiros Passos 3 3 3 2 Itatiaia, incluindo PN Itatiaia 24 14 10 7 85 Penedo 69 57 31 22 Porto Real 1 2 1 0 3 Quatis 1 0 1 0 4 Resende 13 14 10 5 25 Serrinha do Alambari 6 1 0 0 Visconde de Mauá; Maringá e Maromba 119 43 32 29
TOTAL 236 134 88 65 117
(1): Dados consolidados em junho de 2008 pelo autor, a partir das informações colhidas nos sites oficiais das prefeituras dos 4 municípios, no site <www.visiteagulhasnegras.com.br> (SEBRAE-RJ) e em diversos outros sites de busca
(2): Dados obtidos em <http://www.telelistas.net/guias/turismo/index.aspx> acessado em jun/2008. (3): Dados do Ministério do Trabalho, disponíveis apenas por município.
As diferenças nos números encontrados entre as diversas fontes
de pesquisa remetem às considerações necessárias para o entendimento do
turismo regional. Para o Guia 4 Rodas apenas merecem indicação aqueles
meios de hospedagem que preenchem os requisitos de conforto, higiene e
atendimento esperados pelos turistas de melhor poder aquisitivo que têm
naquele guia a principal fonte de informação para suas viagens. Para tanto, são
utilizados critérios de avaliações específicos e não disponibilizados para o
público.
Quanto aos dados consolidados a partir da coleta de informações
em diversos sites da rede mundial de computadores, o elevado número de
211
estabelecimentos pode ser indicativo da existência de muitos meios de
hospedagem que ainda operam na informalidade, como casas de famílias que
recebem “hóspedes pagantes”, como aqueles que já ocorriam na região no
início do século XX. Este fato é bem mais significativo nas vilas de Visconde de
Mauá, onde predominam meios de hospedagem menores e mais simples do
ponto de vista das suas instalações e serviços disponibilizados aos hóspedes.
A consolidação dos dados foi estruturada a partir do cruzamento das
informações dos diversos sites consultados, inclusive aqueles oficiais dos
municípios e do CONRETUR, tendo como variáveis de estudo: nome,
endereços, telefones e endereços eletrônicos. Além disso, valemo-nos também
do conhecimento pessoal que temos da região, que freqüentamos desde a
década de 1980. No caso específico dos números muito diferentes os
indicados para as localidades de Visconde de Mauá, Maromba e Maringá pelo
site Telelista e pelos demais sites pesquisados, deve-se à baixa oferta de
serviços de telefonia fixa para a região. Isto pode ser comprovado pela
indicação bastante comum, nos sites dos meios de hospedagem, de números
de telefones móveis para contato e reservas. Os dados indicados pela RAIS,
além de desatualizados também indicam, como já apontamos, a existência de
muitos meios de hospedagem que operam na informalidade.
As localidades de Visconde Mauá, Maromba, Maringá e Penedo
possuem uma oferta bastante expressiva de restaurantes estruturados a partir
de uma gastronomia diversificada e mais especializada. Nos hotéis fazenda de
Engenheiro Passos e de Itatiaia predominam os restaurantes com comida
brasileira (tipo mineira), caracterizada pela multiplicidade de opções de pratos e
pelos temperos regionais.
A região ainda oferece uma rede de espaços para realização de
pequenos eventos localizados dentro dos seus meios de hospedagem e na
Academia Militar das Agulhas Negras. São auditórios, salas de reuniões e
pequenos centros de convenções que possibilitam a realização de pequenos
eventos empresariais, que garantem uma ocupação menos sazonal para
aquela região turística.
212
Confirmando a realidade da maioria dos destinos turísticos do
interior do país, é inexpressiva a oferta de serviços de receptivo48 nas
localidades da região. Atualmente, operam na região nove agências de viagens
e turismo, mas apenas quatro oferecem regularmente serviços de receptivo,
todas localizadas na cidade de Resende. Tal fato dificulta a criação e a
conseqüente oferta de produtos turísticos locais e regionais que estimulem a
vinda e o aumento da permanência média dos visitantes na região.
Com relação aos empregos gerados pelo turismo, os dados
obtidos por meio das estatísticas da Fundação CIDE-RJ (Tabela 5) para o ano
de 2005, apontam para uma expressiva importância do setor na região.
Enquanto a relação entre população empregada pelo turismo e população total
empregada gira em torno de 3,34% na escala estadual, na região das Agulhas
Negras ela se mostra superior a media estadual, atingindo 3,8%. Vale destacar
que, no caso específico do município de Itatiaia, essa relação é muito superior
a média do estado, chegando a 8,43%, reforçando a importância do setor para
a economia regional. Por sua vez, fica também clara a participação ínfima do
setor na geração de empregos nos municípios de Porto Real e de Quatis, com
1,33% e 0,39% respectivamente, demonstrando que o turismo ainda não se
apresenta consolidado naqueles municípios.
Convém destacar que o número de empregos apontados para o
setor de transporte não deve ser considerado na sua totalidade, pois nele estão
incluídos os empregos gerados por todas as empresas de transportes
coletivos, incluindo aquelas que atendem aos fluxos urbanos regulares e que
não necessariamente são gerados pelo turismo. Infelizmente, os dados
disponibilizados não são desagregados de modo a permitir uma leitura mais
exata do quanto o setor de transporte é impactado, do ponto de vista dos
empregados demandados, pelo movimento de turistas.
48 Aqueles especializados em receber e atender o visitante durante a sua estada no destino
turístico.
213
Tabela 5 – População empregada no setor do turismo na região das Agulhas Negras - RJ
População
Total
População Empregada
População empregada no Turismo
Pop
. Em
preg
ada
no
Tur
ism
o / T
otal
da
Pop
ulaç
ão E
mpr
egad
a
Total
Est
abel
ecim
ento
s H
otel
eiro
s(1)
%
Res
taur
ante
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ção
%
Age
ncia
s de
vi
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s
%
Loca
dora
s de
V
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los
%
Tra
nspo
rtes
(2)
%
Itatiaia 30.008 12.396 1.045 455 43,5 386 36,9 1 0,1 0 0 203 19,4 8,43
Porto Real 14.386 5.565 74 22 29,7 19 25,7 0 0 0 0 33 44,6 1,33
Quatis 11.905 5.111 20 14 70,0 6 30,0 0 0 0 0 0 0 0,39
Resende 117.391 51.120 1.675 335 20,0 772 46,1 6 0,3 23 1,4 539 32,2 3,28
Região Agulhas Negras
173.690 74.192 2.814 826 29,3 1.183 42,0 7 0,2 23 0,8 775 27,5 3,80
Estado RJ 15.354.166 6.703.759 224.223 30.330 13,5 59.220 26,4 6.313 2,8 3.134 1,4 125.496 56,0 3,34
(1): Inclui estabelecimentos hoteleiros e outros tipos de alojamentos (2): Inclui todos os tipos de meios de transportes e as atividades auxiliares a eles FONTE: Elaboração própria a partir do banco de dados da Fundação CIDE--RJ, 2005
214
É importante ressaltar que, além dos empregos gerados
diretamente pelo setor do turismo, muitos outros setores ampliam sua oferta de
empregos para atender às necessidades das empresas do setor. Não existem
pesquisas e dados sistemáticos sobre esses empregos indiretos produzidos
pelo crescimento do setor turístico, mas alguns autores e a própria OMT
trabalham com a relação de cinco empregos indiretos para cada emprego
direto gerado nos meios de hospedagem. Se levarmos em consideração esse
indicador, poderíamos afirmar que na região das Agulhas Negras, além dos
826 empregos diretos gerados pelos meios de hospedagem, outros 4.130 são
gerados nas empresas fornecedoras de insumos e serviços para o setor.
Certamente deve-se ter cuidado com esses números, mas mesmo com essa
ponderação, eles podem indicar uma importância maior do turismo para a
economia regional.
O setor do turismo também é responsável por um número
expressivo de ocupações sazonais e temporárias nos destinos turísticos,
especialmente durante os períodos considerados de alta estação. No caso da
região das Agulhas Negras os períodos de alta são compreendidos pelos
meses de dezembro, janeiro, fevereiro e julho.
Além disso, especialmente nos pequenos empreendimentos de
hospedagem e alimentação, é comum a ocupação dos próprios familiares para
a operação diária do negócio, números que normalmente não aparecem nas
estatísticas. A existência de nove agências de viagens e turismo na região que
geram apenas sete empregos diretos pode ser um indicador desse fato.
Por outro lado, como indicamos que a região possui 236 meios de
hospedagem e que o setor gera 826 empregos diretos, chegamos a uma
relação de 3,5 empregos por meio de hospedagem. Levando-se em
consideração que, segundo a OMT, a média de empregos geradas nos meios
de hospedagem gira entre 0,7 e 1 emprego para cada unidade habitacional
(UH), podemos deduzir que os meios de hospedagem da região são muito
pequenos, com média entre 3 e 4 UH cada um. Apesar de não
disponibilizarmos de dados precisos sobre o total de unidades habitacionais
oferecidas na região, sabemos que essa média não retrata a realidade, o que
215
nos leva a subentender que o número de pessoas ocupadas pelos meios de
hospedagem é superior àquele indicado pelas estatísticas oficiais.
Independentemente dessas considerações e extrapolações de
dados podemos perceber que o setor de turismo tem um lugar de destaque na
geração de ocupações e de renda na região das Agulhas Negras,
especialmente para aquelas localidades localizadas no perímetro externo do
Parque Nacional do Itatiaia.
5.2.2 Processo de Formação da Região Turística das Agulhas Negras
Como já apontamos, a atividade turística regional está ancorada
na existência do Parque Nacional de Itatiaia e desenvolve-se de forma reticular
ao seu redor. Como nós dessa rede encontramos as localidades de Itatiaia,
Penedo, Engenheiro Passos, Serrinha do Alambari, Maringá (MG), Maringá-RJ,
Mirantão (MG), Santo Antônio (MG) Maromba, Visconde Mauá e, um pouco
mais afastadas do Parque, Resende, Agulhas Negras, Porto Real e Quatis.
Apesar de todas terem, direta ou indiretamente, o Parque Nacional como
principal atrativo, cada localidade apresenta características turísticas próprias.
Enquanto Itatiaia, sede do município de mesmo nome, assume o
papel de porta de entrada do Parque, Penedo tem na história da sua
colonização finlandesa a grande singularidade. Já as localidades situadas no
alto vale do rio Preto, como Visconde de Mauá, Maromba e Maringá,
aproveitam-se da sua localização privilegiada, do seu clima mais ameno, da
sua história de colonização alemã e, mais recentemente, de ponto de encontro
de comunidades alternativas (hippies, esotéricos) para estruturarem seus
produtos turísticos. Por outro lado, Porto Real e Resende, graças as suas
localizações às margens da rodovia Presidente Dutra e dos seus parques
industriais, desenvolvem o turismo de negócios. Quatis e Engenheiro Passos,
por suas características rurais e a presença de um grande número de fazendas
216
tradicionais, têm no turismo rural sua base de diferenciação turística, mesmo
que ainda de forma incipiente como é o caso de Quatis.
Levando-se em consideração a distância média da região dos
principais centros emissores, podemos afirmar que o turismo regional é aquele
que envolve, para a maioria dos visitantes, pelo menos um pernoite em um dos
meios de hospedagens de suas localidades. Dessa maneira, a partir das datas
de inauguração dos principais meios de hospedagem é possível elaborarmos
um esquema da evolução do processo de turistificação ocorrido na região.
O primeiro meio de hospedagem instalado na região foi na área
de Engenheiros Passos, onde três fazendas seculares foram transformadas em
hotéis-fazenda ainda na primeira metade do século XX: Fazenda Villa Forte,
Fazenda Três Pinheiros e Fazenda Palmital. O mais antigo é o hotel-fazenda
Villa-Forte, onde o hábito de hospedar convidados iniciou-se ainda na época do
Império. Em 1918, por conta do alto custo dessa hospedagem, a família optou
por instituir uma taxa para cobrir esses custos. Com a decadência da atividade
rural na região, em 1932 a fazenda foi registrada na Junta Comercial como
“Pensão Familiar”, oficializando a atividade hoteleira na fazenda.
Durante a década de 1930 instalaram-se na região, além do Hotel
Fazenda Villa-Forte, os seguintes meios de hospedagem: Hotel Fazenda 3
Pinheiros (1938) em Engenheiro Passos; Hotel Repouso do Itatiaia, hoje Hotel
Donati (1931) no interior do Parque Nacional do Itatiaia e o Hotel Bühler (1931),
em Visconde de Mauá. Cabe destacar que, assim como na região de Visconde
de Mauá, onde os visitantes se hospedavam nas casas dos colonos alemães,
no sistema de “hóspedes pagantes” apontados por Mascarenhas (2005), na
região de Penedo, inicialmente os visitantes também se hospedavam nas
casas dos colonos finlandeses, principalmente na sede da Fazenda Penedo,
que era denominada por eles de “Casa Grande ou Casarão” (ibidem, p. 114).
Com base nessas informações podemos indicar a existência,
durante a década de 1930, de quatro pontos de ocorrência de algum tipo de
atividade turística na região: Engenheiro Passos, com seus dois hotéis-
fazenda; o Parque Nacional de Itatiaia, com o Hotel Repouso do Itatiaia; a Vila
de Visconde de Mauá com o sistema de hospedagem familiar, onde se
217
destacava o hotel Bühler; e a Fazenda do Penedo, também com o sistema de
hospedagem em casas dos colonos, especialmente no “Casarão” e com o
hábito da sauna sendo difundido entre os brasileiros. (Figura 21).
Figura 21 – Espaços apropriados para o turismo na R egião das Agulhas Negras – década de 1930
Fonte: Elaboração própria sobre imagem do Google Earth
Vale ressaltar que o acesso à região era feito basicamente por
trem e pela antiga rodovia que ligava a cidade do Rio de Janeiro a São Paulo, o
que dificultava sobremaneira os deslocamentos e justificava os períodos longos
de permanências nos visitantes. Segundo Mascarenhas (2005), “a forma
rudimentar de hospedagem informal e caseira, o teor campestre e exótico da
visita, e a permanência mínima de duas semanas caracterizavam aquela fase
inicial da turistificação de Penedo” (ibidem, p.117). Segundo o mesmo autor, o
período de permanência dos primeiros visitantes de Visconde Mauá era de dois
meses, sempre no período das férias de verão.
A construção de diversas rodovias, como a Presidente Dutra, em
1951, aliado à chegada da indústria automobilística no país, propiciou uma
218
mudança de hábitos em parte da população de melhor poder aquisitivo. Entre
os novos hábitos incluía-se aquele das viagens de final de semana, inclusive
para a região do Parque Nacional do Itatiaia que sofreu um novo ciclo de
crescimento de meios de hospedagem. Nas décadas de 1960 e de 1970 novos
meios de hospedagem surgiram na região, dentre os quais se incluem o Hotel
Repouso de Maringá, (1960), a Pousada Cantinho de Férias (1967), ambos na
vila de Maringá-MG, o Hotel Simon (1969), no interior do Parque Nacional do
Itatiaia, o Hotel Vale das Hortênsias, na localidade de Maringá-MG (1971), o
Hotel Cabanas do Itatiaia, também no interior do Parque Nacional do Itatiaia
(1976), o Hotel da Cachoeira (1976) e o Hotel Moradas do Penedo(1978),
ambos em Penedo e o Hotel do Ype, no interior do Parque Nacional do Itatiaia
(1979) (CAMPOS, 2006). (Figura 22). As localizações desses novos meios de
hospedagem confirmaram as localidades anteriormente identificadas como de
concentração da atividade turística na região.
Figura 22 – Espaços apropriados para o turismo na R egião das Agulhas Negras
– década de 1970 Fonte: Elaboração própria sobre imagem do Google Earth
219
Na década seguinte (1980), verifica-se a intensificação dos fluxos
de visitantes para todas as localidades do entorno do Parque Nacional do
Itatiaia, com uma crescente expansão no número de meios de hospedagem, de
restaurantes e outros equipamentos de lazer e entretenimento para atender
aquela demanda. Tanto na área de Penedo como nas vilas da região de
Visconde de Mauá observou-se um tipo de ocupação não urbana dada a
ausência de infra-estrutura básica, como abastecimento de água, coleta e
tratamento de lixo e esgoto e, no caso de Mauá, precariedade dos meios de
acessibilidade.
Segundo Mascarenhas (2005), a melhoria da acessibilidade com
o asfaltamento da estrada que liga a localidade à via Dutra e a implantação da
telefonia no final da década de 1970 foram os principais responsáveis pelo
“take off do turismo de Penedo” nos anos oitenta. Na área da vila de Visconde
de Mauá, mesmo com a precariedade do acesso, a turistificação começa a
avançar na direção oeste do vale do rio Preto, fazendo surgir as vilas de
Maringá e de Maromba no lado fluminense e consolidando-se na Vila de
Maringá, do lado do estado de Minas Gerais.
Durante esse período, ainda de forma não ordenada, os agentes
produtores do turismo regional se concentram em três áreas específicas, como
se pode observar na Figura 23. Na área do Parque Nacional, conhecida como
parte baixa, os empreendimentos turísticos, impedidos pela legislação de se
instalarem no interior do parque, avançam para fora dos seus limites, em
direção da cidade de Itatiaia, nas margens da estrada de acesso ao mesmo.
A expansão industrial estimulada pelo governo do estado nos
anos oitenta leva para toda a região do vale do Paraíba fluminense um surto de
crescimento urbano e populacional para cidades como Resende, Porto Real,
Volta Redonda e Barra Mansa. Esta expansão, de certa forma, acaba por
beneficiar o turismo na localidade de Penedo que, favorecida pela sua
proximidade principalmente de Resende, torna-se uma opção para a realização
de eventos de negócios e para a hospedagem dos profissionais das grandes
empresas multinacionais instaladas às margens da via Dutra.
220
Figura 23 – Espaços apropriados para o turismo na R egião das Agulhas Negras – décadas de 1980 - 1990
Fonte: Elaboração própria sobre imagem do Google Earth
O processo de turistificação do bairro de Penedo e das
localidades da parte alta do vale do rio Preto se intensifica e passa a chamar a
atenção dos órgãos públicos estaduais e municipais que, timidamente, voltam-
se para a questão buscando orientar e estimular aquele crescimento. A
emancipação do município de Itatiaia em 1989 e o processo de sensibilização e
conscientização do PNMT, iniciado na região em 1996, também despertaram a
atenção dos empresários e dos demais agentes sociais ligados à atividade
turística
Atualmente, o espaço apropriado pelo turismo na região (Figura
24) confirma-se nas três áreas já indicadas e amplia-se para o território do
estado de Minas Gerais, na região do vale do Rio Preto e na área do bairro de
Penedo. Como resultado do processo iniciado pelo CONRETUR em 1997,
outras municípios da região como Quatis e Porto Real vem procurando
221
Serrinha
Visc. de MauáMaromba
Maringá-MG
Maringá
Mirantão
Santo Antonio
Penedo
Agulhas Negras
Fumaça
Eng. Passos
Parque Nac. Itatiaia
Itatiaia
Figura 24 – Espaços apropriados para o turismo na r egião das Agulhas Negras – década de 2000 Fonte: Elaboração própria sobre imagem do Google Earth
222
estimular o desenvolvimento do turismo, embora não de maneira prioritária em
relação a outros setores.
A leitura desse espaço apropriado pelo turismo na região
demonstra claramente como a descontinuidade espacial, apontada em diversos
modelos revistos no capítulo 3, é característica básica do fenômeno turístico. O
território-rede apropriado para o turismo convive com outras territorialidades,
dividindo e competindo pelo mesmo espaço. Entre elas destaca-se aquela
produzida pela preservação do ecossistema do maciço do Itatiaia, instituída
legalmente e que limita o uso turístico de grande parte daquele maciço. Outra
territorialidade com que o turismo é obrigado a conviver na região é a de
função industrial, fortemente presente no corredor instituído pela rodovia
Presidente Dutra e nos diversos distritos industriais criados nas décadas de
1980 e 1990, com grandes incentivos fiscais dos governos municipais e
estaduais. E, mesmo que em processo de decadência, as funções
agropecuárias ainda coexistem em parte da região, principalmente nos
municípios de Resende e de Quatis.
Outro ponto que um estudo a partir da ótica de um território-rede
do turismo na região das Agulhas Negras nos confirma é aquele relacionado
com a não observância pelos agentes produtores do turismo dos limites
político-administrativos existentes. Na região localizada no alto vale do rio
Preto, a territorialidade do turismo se espraia para além de limites municipais e
estaduais, fato destacado inclusive pela própria imprensa especializada em
turismo. Ali os agentes produtores do turismo circulam pelos territórios de três
municípios – Itatiaia, Resende e Bocaina de Minas – e de dois estados – Rio de
Janeiro e Minas Gerais.
Podemos afirmar ainda, que essa expansão territorial só não é
maior pelas dificuldades de acessibilidade que a região enfrenta. A parte
noroeste do parque, onde se localiza o município de Itamonte-MG, importante
núcleo turístico, não possui ligação rodoviária regular com as vilas da área de
Visconde de Mauá, impedindo a ocorrência de um circuito completo ao redor
dos limites do Parque Nacional do Itatiaia, fator limitante nos deslocamentos
dos visitantes da região.
223
A apropriação do espaço da região do entorno do Parque
Nacional do Itatiaia revela-nos, pro sua vez, um processo bastante espontâneo,
com pouca influência de políticas públicas direcionadas para o
desenvolvimento turístico, pelo menos até a década de 1990. Atos isolados
como a criação do Parque Nacional do Itatiaia, em 1937, a abertura da rodovia
Presidente Dutra em 1951, as ações para a criação do pólo de indústria
automotiva nos municípios de Resende e Porto Real, estimularam os fluxos de
visitantes para a região, mas o fizeram indiretamente e não podem ser
assumidos como políticas públicas direcionadas para o desenvolvimento
turístico regional.
A partir da segunda metade dos anos 90, alguns dos agentes de
mercado da região, envolvidos diretamente com a atividade turística, apoiados
por técnicos das prefeituras dos municípios, da TurisRio e do SEBRAE-RJ
iniciaram um processo de articulação para a constituição de uma “região
turística” competitiva, como veremos a seguir. Porém, é importante reforçar que
esse processo foi provocado e vem sendo mantido, muito mais graças às
ações individuais de alguns representantes de entidades e de órgãos públicos,
que de estratégias e políticas públicas.
Convém por fim, salientar que a dimensão espacial do fenômeno
não esteve e ainda não está incluída de forma clara nesse processo. Pela
própria predominância dos agentes de mercado no CONRETUR, a rede que
está sendo estabelecida e que vem sendo reforçada a cada processo de
planejamento estratégico é ainda, essencialmente de cunho econômico, pouco
avançando nas dimensões espaciais e sociais que necessariamente o
fenômeno turístico envolve.
5.2.3 Na Direção de Uma Rede Regional de Turismo
A análise do processo histórico recente do desenvolvimento
turístico da região nos indica que até a metade da década de 1990, não havia
uma articulação consistente entre aquelas localidades, tanto do ponto de vista
224
dos seus diversos órgãos públicos como dos outros agentes sociais. Ou seja,
os agentes de cada uma buscavam atrair visitantes de forma isolada e
independente, sendo que algumas delas sequer apareciam como destinos
turísticos, caso de Serrinha, Agulhas Negras, Porto Real e Quatis. Outro fator
que dificultava a circulação dos visitantes entre aquelas localidades era a
precariedade das rodovias e estradas vicinais e das suas redes de
telecomunicação que supriam apenas as demandas locais.
A década de 1980 pode ser considerada o início do processo de
profissionalização do turismo regional. As primeiras associações de hoteleiros
foram criadas visando fortalecer os diversos destinos turísticos: Associação de
Hotéis do Parque Nacional, Associação dos Hoteleiros de Visconde de Mauá,
Associação de Hotéis de Penedo, dentre outras. Naquele momento inicial, elas
atuaram de forma independente e até mesmo isolada, não percebendo o apelo
regional do produto turístico que as justificavam.
A partir de 1996, com a realização da primeira oficina do PNMT
na região, teve início o processo em que tanto as entidades públicas – órgãos
municipais de turismo, IBAMA – como as associações civis e diversos
empresários ligados ao setor turístico, começaram a se articular para criar uma
estratégia de desenvolvimento regional única, englobando todas as localidades
da região a partir do atrativo comum a todas: o Parque Nacional do Itatiaia.
Desse movimento surgiu o Conselho Regional de Turismo – Região das
Agulhas Negras (CONRETUR), como uma instância regional público-privada
direcionada para ordenar e estimular o desenvolvimento turístico regional.
Observando esse movimento dos agentes sociais do turismo da
região, podemos perceber o início de um processo de articulação baseado,
mesmo que forma ainda tímida, na possibilidade de estabelecimento de uma
rede social estruturada em um tipo de contrato social mais flexível e não
apenas em contratos legais, onde a colaboração e a confiança tornam-se
pontos fundamentais (SCOTT et al, 2008). Inicialmente, aquela tentativa de
estabelecimento de uma rede de turismo regional pode ter sido provocada
pelas ações interindividuais dos diversos agentes sociais envolvidos, mas aos
poucos, está se dirigindo para o que Scherer-Warrem (2007) classifica como
225
“rede de relações sociais”, onde predominam as ações coletivas estabelecidas
a partir de intenções políticas bem definidas e comuns a todos os envolvidos.
Conforme as informações da diretora executiva do CONRETUR,
Sra. Roberta Dias de Oliveira49, o processo de formação daquele Conselho
iniciou-se “em 1997, quando um grupo de empresários, por meio da Câmera de
Dirigentes Lojistas de Resende e algumas lideranças políticas tiveram a idéia
de criar um Conselho Regional de Turismo que pudesse elaborar propostas de
desenvolvimento do turismo regional”. Os membros foram empossados no dia
23 de outubro de 1997, em cerimônia que contou com a presença do Ministro
da Indústria, Comércio e Turismo, do Secretário de Estado da Indústria,
Comércio e Turismo, do superintendente do SEBRAE/RJ, e dos prefeitos dos
quatro municípios da região, ratificando a relevância do acontecimento para o
contexto socioeconômico daqueles municípios.
Apesar da diretora do CONRETUR, ter declarado em sua
entrevista que o processo de formação do Conselho não sofreu influência
direta do PNMT, pessoalmente sentimo-nos à vontade para contradizê-la. As
oficinas de sensibilização e de conscientização do PNMT provocaram, mesmo
que de forma indireta, uma mudança na maneira como os representantes, tanto
do poder público quanto da iniciativa privada da região, viam e percebiam o
turismo. Entretanto, essa mudança não se fez visível de imediato e apenas
alguns anos depois é que foi possível percebermos seus efeitos nos agentes
sociais envolvidos. Aquelas oficinas estimularam os agentes do turismo da
região para a necessidade de articulação para atingir melhores resultados em
seus negócios, principalmente pelo entendimento que o turista que visita a
região circula pelas suas diversas localidades indistintamente, buscando obter
uma experiência turística mais completa durante suas estadas.
Ainda segundo Roberta Dias de Oliveira, inicialmente o
CONRETUR estava composto pelos representantes dos quatro municípios da
região e das seguintes entidades e associações: Associação de Hotéis,
Restaurantes e Similares de Itatiaia, Associação de Hoteleiros e Similares do
Penedo; Delegacia Regional da Associação Brasileira de Agentes de viagens –
49 Entrevistas realizadas, por meio eletrônico, em maio de 2006 e junho de 2008.
226
(ABAV) e Associação Brasileira da Indústria Hoteleira (ABIH/RJ), Parque
Nacional do Itatiaia, Associação Comercial de Visconde de Mauá, Associação
Comercial e Turística da Região de Visconde de Mauá, Associação Comercial
e de Empresários da Serrinha do Alambari, Câmara de Dirigentes Lojistas de
Resende, SEBRAE-RJ e Associação Brasileira de Jornalistas Escritores de
Turismo (ABRAJET). O primeiro presidente foi o senhor Dino Lopes de Oliveira,
representante da Associação Comercial e de Empresários da Serrinha do
Alambari.
Inicialmente, nas primeiras reuniões do CONRETUR, chegou-se a
discutir a possibilidade de agregar a ele os representantes públicos e privados
dos municípios mineiros de Itamonte, Alagoa e Bocaina de Minas, uma vez que
eles fazem parte da área do entorno do Parque Nacional do Itatiaia. Entretanto,
a idéia não prosperou devido à dificuldade de comunicação, acessibilidade e
entraves administrativos na articulação com municípios de outro estado.
Apesar das vilas de Mirantão Santo Antonio e Maringá comporem a área
apropriada pelo turismo de Visconde de Mauá, a sede municipal de Bocaina de
Minas encontra-se mais afastada e com acesso precário. Já os municípios de
Itamonte e Alagoa encontram-se no lado noroeste do Parque e para acessá-los
há a necessidade de contorná-lo pela via Dutra, o que dificulta o contato mais
direto com as localidades do lado fluminense. Ainda em 1998 foi realizado o
primeiro planejamento estratégico para definir as ações do CONRETUR, o qual
foi revisto e atualizado em 2002.
Atualmente o CONRETUR, depois de um período de inatividade
(2003 a 2005), apresenta na sua composição, além das entidades fundadoras,
representantes das seguintes entidades: Associação de Guias de Turismo da
Região das Agulhas Negras, Agulhas Negras Convention and Visitors Bureau,
Sindicato de Hotéis Restaurantes, Bares e Similares e Associação Empresarial
Pró-Penedo (Anexo A). De acordo com as informações da secretária executiva
do Conselho, tanto o Parque Nacional do Itatiaia quanto a ABRAJET não vem
participando regularmente das reuniões do CONRETUR.
Nas entrevistas concedidas, a Sra. Roberta destacou a
importância da participação de determinadas pessoas na formação e no
227
funcionamento do CONRETUR. Cita o exemplo da representante do SEBRAE-
RJ, Laura Knoch que, num primeiro momento, respondeu pela secretaria
executiva do Conselho, imprimindo um ritmo bastante intenso no processo,
graças ao seu entusiasmo pessoal. Com o seu afastamento do SEBRAE-RJ,
em 2002, o Conselho ficou paralisado temporariamente, demonstrando a
relevância do papel dos agentes sociais enquanto indivíduos nos processos de
articulação e integração de coletividades. Os fóruns e conselhos que surgem
para permitir a interlocução entre os diversos agentes sociais produtores do
turismo, em qualquer escala, sempre são compostos por associações, grupos
de empresários, órgãos públicos e organizações não governamentais.
Entretanto, essas entidades são representadas por dirigentes, técnicos ou
conselheiros que, antes de tudo, têm a sua subjetividade e as suas
expectativas pessoais. Assim, é comum que o entusiasmo de um representante
ou a apatia de outro acelere ou dificulte os processos daqueles conselhos e
fóruns.
Outro caso de pessoa física determinando o ritmo da participação
de uma entidade no processo do CONRETUR foi o do Parque Nacional do
Itatiaia. Enquanto o Chefe do Parque foi o senhor Carlos Eduardo Zikan,
aquela entidade teve participação efetiva nas ações do CONRETUR. Seu
sucessor manteve o modo de participação e “também participou ativamente
dos trabalhos, em parceria com a Associação de Hotéis de Itatiaia, realizou
vários eventos no PNI para o Festival de Inverno, estimulou a visitação de
turistas no Parque e abriu o Parque para a divulgação através da mídia50”.
Entretanto, o atual Chefe do Parque, empossado logo após o início do governo
Lula, seguindo orientações do Ministério do Meio Ambiente, tem voltado sua
atuação mais para as questões ambientais e se afastado daquelas
relacionadas com o uso turístico da unidade de conservação. Uma das suas
primeiras atitudes que afastou o Parque Nacional do CONRETUR foi a decisão
de retomar o processo de desapropriação dos hotéis localizados dentro dos
limites do Parque. Segundo a diretora executiva do CONRETUR, isso foi
recebido por todos da “pior maneira possível”, desviando o foco das ações do
50 Palavras textuais da Sra. Roberta durante uma das entrevistas concedidas ao autor.
228
Conselho, que teve que se preocupar em impedir o andamento de tal processo.
Segundo ela “o IBAMA está revendo suas colocações a respeito desta
regularização fundiária e acreditamos que isto não irá acontecer tão cedo”. Nas
entrevistas recentes com alguns dos conselheiros do CONRETUR detectamos
que, para a maioria deles, a atuação dos representantes do Parque tem sido
regular ou fraca, confirmando o anteriormente exposto.
Após a criação do CONRETUR, praticamente todas as ações de
gestão do turismo passaram a ser desenvolvidas na escala regional sem, no
entanto, ferir a individualidade de cada município ou localidade. As ações do
CONRETUR vêm sendo trabalhadas com base nos processos de planejamento
estratégicos regulares. De acordo com a Sra. Roberta as diversas associações
empresariais da área do turismo da região vêm se articulando em torno do
CONRETUR e já trabalham com a uma perspectiva da importância do
fortalecimento de cada destino turístico da região, pois todos são
complementares e não concorrentes entre si. Entretanto, uma parcela dos
empresários e representantes locais ainda não pactua com essa proposta, o
que de alguma maneira enfraquece as associações e, indiretamente, dificulta
as ações do CONRETUR. Em entrevistas informais durante visita de campo
que realizamos nas localidades da região no mês de julho de 2008,
percebemos que a maioria dos empresários da região diz conhecer, mas não
participar das reuniões e das ações do CONRETUR. Isto parece indicar que,
para eles, o trabalho em conjunto e articulado não é prioridade ou necessário.
Em 2005, com a reativação do CONRETUR, foi desenvolvido um
novo processo de planejamento regional coordenado pelo SEBRAE-RJ, com a
utilização da metodologia denominada Gestão Estratégica Orientada para
Resultados (GEOR). Desse segundo processo resultou o Acordo de
Resultados do Projeto Caminhos Singulares do Turismo e do Artesanato da
Região das Agulhas Negras51, assinado em 28 de março de 2005, “com o
objetivo de formalizar sua conjugação de esforços para o alcance dos
resultados finalísticos e intermediários previstos no Projeto” (SEBRAE, 2005, 51 Metodologia de planejamento participativo em que todos os agentes sociais envolvidos são
levados a avaliar as condições atuais da situação em estudo e, em conjunto, definir e elaborar as linhas de ação estratégica a serem desenvolvidas no horizonte temporal estabelecido de comum acordo pelo grupo.
229
p.2). Pelo acordo, seus signatários se comprometem a apoiar "as ações e
demais iniciativas necessárias à obtenção dos resultados previstos no Projeto e
de prover os meios para a sua execução” inclusive no tocante as
“responsabilidades pela viabilização financeira, pela execução das ações ou
pelo apoio técnico” (ibidem, p.3). O horizonte temporal do planejamento
proposto era até dezembro de 2007. Convém ressaltar que esse tipo de acordo
é espontâneo e voluntário, não prevendo nenhum tipo de penalidade ou de
ação caso algum dos seus signatários não cumpra com o que foi acordado
entre as partes.
Dentre os pontos mais marcantes daquelas primeiras ações
estratégicas está a decisão de estruturação de todas as ações de promoção a
partir da marca “Região das Agulhas Negras”, com o material promocional
contemplando todos os municípios da região. Também o calendário de eventos
turísticos permanentes passou a ser pensado e executado de forma regional, a
fim de evitarem-se sobreposições de datas e estimular o aumento da
permanência e a circulação dos visitantes dentro da região.
Importante observarmos que em todo esse movimento para a
articulação das diversas localidades turísticas da região, procura-se instituir de
forma bem definida uma possível “identidade regional” que atenda a todos os
interesses, revelando a adoção, mesmo que inconsciente, de uma lógica zonal.
A dimensão espacial do turismo não é percebida dentro da lógica reticular e,
podemos afirmar, que ela nem mesmo aparece claramente nas diversas
decisões propostas pelos relatórios de planejamento estratégico do
CONRETUR. O espaço ainda é visto apenas como suporte para a atividade
econômica, um recurso a ser explorado e como elemento capaz de articular a
identidade regional.
Esta estratégia implicou na consolidação do Festival de Inverno
das Agulhas Negras como o principal evento regional. Composto por uma série
de eventos que ocorrem em todas as localidades turísticas da região, durante
os meses de inverno, quando as baixas temperaturas estimulam os festivais
gastronômicos (chocolate em Mauá, trutas na Serrinha e em Penedo) e a
realização de atividades esportivas como caminhadas e outros esportes de
230
aventura típicos de locais montanhosos e frios. Também foram criados o
Festival de Natal e o Festival da Primavera e, após a elaboração de uma
folheteria regional52, estruturou-se a participação do CONRETUR nos principais
eventos de turismo do país, com destaque para as feiras da ABAV e o Salão de
Turismo do Ministério do Turismo.
Tais ações práticas de articulação do turismo envolvendo todas as
localidades do entorno do Parque Nacional do Itatiaia, na sua parte fluminense,
nos leva a vislumbrar a possibilidade de considerarmos o CONRETUR como
um embrião de uma rede social que abrange a escala regional. Essa rede
regional de turismo pode ser presencial e virtual, resultante da combinação
articulada pelos diversos territórios-rede que os agentes sociais produtores do
turismo constituem com seus movimentos, ações e interações. Dessa forma, o
CONRETUR visto como uma rede regional capaz de articular todos os agentes
sociais envolvidos, passa a ser um fórum em condições de contemplar toda a
complexidade inerente ao fenômeno turístico que ocorre na região. Através
dele torna-se possível tanto a articulação de redes técnicas e funcionais do
turismo, como também de redes sociais de cooperação, o que pode permitir
tanto a coordenação das ações coletivas necessárias para a consolidação do
setor econômico, como também, o desenvolvimento de estratégias para o
fortalecimento dos agentes sociais envolvidos.
Desde o início do Programa de Regionalização do Turismo no
estado do Rio de Janeiro, o processo de fortalecimento do CONRETUR parece
estar ocorrendo em um ritmo continuo, mesmo que não acelerado. Foram
realizadas algumas oficinas do PRT na região e a participação da região no
Salão de Turismo do Ministério do Turismo de 2005, 2006 e 2008 foi bastante
destacada. De todas as regiões turísticas do estado presentes naqueles
eventos, a região das Agulhas Negras foi a que se apresentou mais estruturada
e mais preparada para o processo de fortalecimento de produtos turísticos
regionais propostos pela atual política nacional de turismo. Entretanto, para as
estratégias do Ministério do Turismo isso não foi o suficiente para que pelo
menos um dos seus destinos fosse incluído no rol daqueles considerados como 52 Peças promocionais para divulgação do produto turístico da região em substituição das
diversos folhetos individuais de cada localidade turística.
231
“destinos indutores de desenvolvimento turístico regional”, pelo fato daquelas
estratégias priorizarem o mercado internacional, o que não é o caso da região
das Agulhas Negras.
No final do ano de 2007 iniciou-se o segundo ciclo do processo de
planejamento estratégico do CONRETUR, também coordenado pelo SEBRAE-
RJ e mantendo a aplicação da metodologia GEOR. Os resultados desse
segundo planejamento estão sendo consolidados no documento “Projeto de
Turismo da Região das Agulhas Negras 2008-201053”, previsto para ser
assinado por todos os partícipes. No documento os participantes das reuniões
avaliaram que as ações previstas no planejamento de 2005-2007, apesar de
parcialmente realizadas, reforçaram a importância dos trabalhos e esforços
conjuntos. Destacaram, também, as dificuldades de comprometimento e a
pouca integração e comunicação entre todos os agentes envolvidos no
processo, o que de certa maneira indica “a falta de interesse e o
desconhecimento da importância do turismo para a economia tanto do
empresariado, como de prefeituras e entidades em geral” da região. (SEBRAE-
RJ, 2007, p.11).
Apesar do caráter preliminar daquele relatório, é importante
ressaltar que dentre as 13 ações detalhadas para execução no biênio 2008-
2010 (Anexo B), nenhuma delas contempla a questão espacial do turismo na
região. Reforçando nossa leitura de que o CONRETUR ainda esta limitado a
uma rede regional dos agentes de mercado, com pouca participação dos outros
agentes sociais envolvidos com o fenômeno na região. Aquelas ações
direcionam-se basicamente na melhoraria da qualidade do produto turístico
regional, quer seja através da capacitação (leia-se treinamento) dos
funcionários já empregados pelas empresas turísticas ou dos próprios
empresários em questões específicas de seus negócios.
Observa-se também uma priorização da divulgação da “marca
regional”, tanto para os próprios agentes sociais da região como para os
turistas e para o trade turístico em geral. Como foi apontado por vários
53 Obtido por correio eletrônico, datado de 20 de junho de 2008, cópia digital do relatório
preliminar do referido projeto, ainda em fase de conclusão, principalmente no que se refere às contrapartidas financeiras dos participantes.
232
conselheiros em nossos contatos recentes, há uma preocupação daqueles que
estão participando com relação à falta de conscientização e de interesse nos
trabalhos e nas ações do CONRETUR. Uma das conselheiras mais atuantes,
guia de turismo regional, chegou a nos indicar que percebe muitas dificuldades
para fazer as informações chegarem “as pontas dos processos”, o que pode
indicar que as representações dos diversos segmentos participantes do
Conselho não estão cumprindo a sua função de repassadores e multiplicadores
das informações.
A observação do processo de desenvolvimento turístico da
Região Turística das Agulhas Negras ocorrido nos últimos quinze anos,
contextualizado pelas diversas tentativas de implementação de políticas –
talvez melhor classificadas como projetos – públicas dos governos federal e
estadual, nos permite, sem sombra de dúvida, visualizar ali um processo
peculiar e praticamente único no estado do Rio de Janeiro.
Apesar de possuir, desde a década de 1980, uma das mais
consistentes ofertas de equipamentos turísticos do estado, a região do Parque
Nacional do Itatiaia nunca foi entendida como uma região prioritária nos
escopos dos projetos e das tentativas daquelas políticas públicas de turismo,
tanto do governo estadual como do federal. Mesmo estando localizada
estrategicamente entre os três principais mercados emissores de visitantes do
país – Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais – a região nunca foi priorizada
nas campanhas de marketing, principalmente do governo estadual, talvez por
apresentar sua oferta turística diferenciada em relação àquela que,
sistematicamente, é dada como a mais representativa do potencial turístico do
estado, composta pelo trinômio “sol-praia-mar”.
Sem se preocupar em captar tantos visitantes do mercado
externo, os agentes de mercado e públicos da região foram desenvolvendo
estratégias próprias para conquistar o mercado interno, especialmente o do
estado de São Paulo – capital e interior. A princípio atuaram de forma intuitiva e
individualizada e, posteriormente, foram visualizando possibilidades mais
ousadas a partir de articulações entre as empresas e os municípios da região.
233
A implantação de uma política efetiva de turismo pelo governo
federal, na primeira metade da década de 1990, encontrou na região um
terreno fértil e provocou a aceleração daquele processo endógeno de
articulação regional. As redes econômicas locais estruturadas pelos
empresários, por meio das diversas associações de classe, podem ser
consideradas como marco inicial desse processo. Com as ações de
conscientização e de capacitação propostas pelas oficinas do PNMT aliadas ao
cenário de desenvolvimento econômico da segunda metade da década de
1990, aqueles agentes produtivos ganharam a adesão de outros agentes
sociais que os levaram na direção da formação de um fórum regional de
desenvolvimento turístico. Entretanto, dado o viés econômico da maioria dos
seus participantes, o CONRETUR ainda não conseguiu envolver em suas
articulações e propostas todos os agentes sociais que deveriam ser envolvidos.
Na sua composição não encontramos a participação das associações de
moradores ou de trabalhadores no setor, com exceção da Associação de Guias
de Turismo, Monitores e Condutores da Região das Agulhas Negras e da
Federação das Associações de Moradores de Itatiaia, que participou do ultimo
planejamento estratégico como convidada e que, possivelmente, será
convidada a integrar oficialmente o CONRETUR.
Entretanto, mesmo com o predomínio dos agentes representantes
do capital privado, é possível notarmos que as ações e projetos propostos
pelos seus planejamentos estratégicos já incluem questões ligadas à
preservação do meio ambiente natural – maior atrativo turístico da região – e à
capacitação e inclusão da mão de obra e da comunidade em geral, mesmo que
por meio de ações tímidas como a capacitação daqueles já empregados no
setor e a proposta de implantação de cartilhas sobre a importância do turismo
nas escolas de ensino fundamental dos seus municípios.
Atualmente, verifica-se que os trabalhadores direta ou
indiretamente empregados pelo setor turístico da região são basicamente
oriundos dos quatro municípios que a compõem. Segundo informações
recentes, obtidas diretamente com empresários das diversas localidades em
conversas informais, constatamos que, com exceção de Penedo e do Parque
234
Nacional do Itatiaia, nas demais localidades turísticas a grande maioria da
mão-de-obra contratada reside próxima aos seus locais de trabalho. No caso
de Penedo, uma parcela dos funcionários é oriunda de Resende, mais
especificamente do bairro São Caetano, localizado a poucos quilômetros e com
fácil acesso pela via Dutra. Mascarenhas (2005) em seu artigo sobre
urbanização turística de Penedo já apontava para a existência de um bairro
específico dos trabalhadores do turismo em Penedo, denominado Formigueiro,
de fácil acesso para seus empregos, mas não muito visível para os visitantes.
Salienta também que uma parte deles, entretanto, residia em bairros modestos
de Itatiaia e Resende (ibidem). Já os empregados nos meios de hospedagem
localizados dentro dos limites do Parque Nacional residem, em sua grande
maioria, na área urbana da cidade de Itatiaia.
Os empresários do setor turístico da região, por sua vez, iniciam a
formação de uma rede regional de fornecedores de insumos e de serviços,
fortalecendo outros setores econômicos e contribuindo para a dinamização da
economia regional. Também segundo as informações colhidas junto aos
membros do CONRETUR durante o mês de julho, quando indagamos sobre a
origem dos produtos e serviços utilizados nos empreendimentos turísticos, a
grande maioria nos relatou que seus fornecedores são da própria localidade ou
da região das Agulhas Negras. O único insumo que a maioria informou comprar
fora da região, foram os componentes dos enxovais dos meios de hospedagem
(lençóis, tolhas de banho e de mesa) que, por serem adquiridos em maiores
quantidade e terem maior vida útil, são preferencialmente comprados
diretamente dos fabricantes ou de atacadistas, de São Paulo ou do Paraná.
Essa rede econômica regional de turismo das Agulhas Negras
ainda apresenta-se esgarçada, frágil e incompleta, mas se o processo não for
interrompido, a tendência é que se consolide e se amplie para as dimensões
sociais e políticas. A decisão estratégica atual de trabalhar um produto turístico
regional único, articulado, complementar e mais competitivo, tem estimulado a
circulação dos visitantes por diversas localidades da região, contribuindo para o
aumento da taxa de permanência média e, conseqüentemente, do gasto médio
per capita.
235
Em um horizonte temporal de menos de dez anos, as estratégias
de marketing do produto turístico regional alteraram-se profundamente. Criou-
se a marca “Região das Agulhas Negras” e estruturou-se um calendário de
eventos permanentes de caráter regional, que busca evitar sobreposição de
datas e de eventos isolados. Apesar de alguns problemas de continuidade
nesse período, em que o mais significativo foi a mudança na direção do Parque
Nacional do Itatiaia e da postura pouco receptiva da nova direção em relação
ao turismo, podemos afirmar que os municípios da região conseguiram
instaurar um processo de desenvolvimento turístico mais estratégico voltado
para resultados de longo prazo, calcado na visão sistêmica do produto turístico
regional.
Sem sacrificar as individualidades e os diferenciais de cada
localidade, chegou-se a uma proposta bastante integradora para o turismo
regional, que já está trazendo um desenvolvimento menos concentrado e mais
equilibrado. A exposição freqüente da região na mídia e o crescimento dos
fluxos de visitantes para a região indicam que essas estratégias podem
estabelecer na região um processo de desenvolvimento turístico regional,
estruturado a partir da participação direta de todos os agentes sociais
interessados. Para tanto, o território-rede do turismo regional precisa ser
estruturado por uma rede regional de agentes sociais que, atuando como uma
nova instância público-privada de gestão, poderá ter mais controle e ingerência
sobre o processo de desenvolvimento turístico regional. O CONRETUR, como
indicamos anteriormente, vem buscando compor essa rede regional de turismo,
mesmo que com viés fortemente econômico, mas que começa a mostrar seus
primeiros nós e seus primeiros dutos e que pode ser ampliada para comportar
todos os demais agentes sociais envolvidos com o turismo regional.
6 INSERÇÃO DA DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBL ICAS DE
TURISMO: POSSIBILIDADES DAS REDES REGIONAIS Las redes de múltiples actores, interdependientes, con relaciones más o menos conflictivas o de consenso y con distribuciones más o menos asimétricas de poder, se convierten en los nuevos espacios predominantes de regulación social, de governance. En ellos, las opciones políticas de fondo vendrán a determinar los roles que deberá jugar cada uno. (BURGUÉ; GOMÀ; SUBIRATS, 2002, p.299)
Os processos de apropriação dos espaços para o turismo trazem
implícito um complexo jogo de variáveis originado a partir da lógica de
territorialização de cada um dos seus agentes produtores, apresentadas no
capítulo três, e das combinações entre aquelas lógicas. Visto dessa maneira, a
busca da compreensão e do ordenamento desses espaços deve,
necessariamente, contemplar as variáveis oriundas da ação dos turistas, dos
agentes do mercado, do poder público (nos seus diversos níveis), dos
trabalhadores no setor (diretos e indiretos) e da comunidade receptora em
geral. Além disso, devem incluir também, as interações estabelecidas entre
cada um daqueles agentes e deles com os agentes sociais de outros sistemas
que formam o meta-sistema onde se inserem.
Cada um dos agentes sociais produtores dos espaços
turistificados age e reage de forma específica e particular, assumindo posições
e papéis diferenciados, contribuindo para a complexidade e para o dinamismo
daqueles espaços. As ações e reações de todos os agentes compõem o jogo
dialógico do turismo contemporâneo cuja territorialidade é mais facilmente
237
perceptível nas escalas local e micro-regional, a partir da combinação dos
diversos territórios-rede que cada um dos seus agentes constrói e reconstrói,
sincrônica e diacronicamente no tempo e no espaço.
Entretanto, a revisão feita nos capítulos anteriores revela que esta
complexidade do fenômeno turístico não vem sendo considerada pelas
diversas políticas públicas de turismo já implantadas ou em implantação no
país. Mesmo aquelas que oferecem um discurso mais democrático e sinalizam
para uma maior participação de todos os envolvidos nos processos de
decisões, pecam por priorizar em suas diretrizes e propostas de ações os
agentes de mercado. Nota-se, até com certa facilidade, que as características
específicas dos demais agentes produtores não vêm sendo contempladas no
bojo das políticas e das ações direcionadas para o incremento e o
ordenamento do desenvolvimento turístico brasileiro. Também do ponto de
vista dos movimentos endógenos direcionados para o ordenamento do turismo
nas escalas regionais e locais, como é o caso da região turística das Agulhas
Negras – RJ, percebe-se o predomínio dos agentes econômicos com uma
participação nem sempre muito ativa dos agentes públicos e a ausência quase
absoluta dos outros agentes sociais responsáveis pelo acontecer do fenômeno
turístico.
Em outros termos, as políticas públicas direcionadas para o (re)
ordenamento dos espaços turistificados deveriam, mas não o fazem, observar
e atender as necessidades e as demandas de cada um dos seus agentes
produtores caso pretendessem realmente, estimular um processo de
desenvolvimento humano sustentável e duradouro para os destinos turísticos.
Nesse sentido, faz-se necessário um esforço mais ampliado para o
entendimento das combinações existentes e possíveis entre as diversas
lógicas de apropriação dos espaços pelos agentes produtores do turismo
contemporâneo. Seguindo essa linha, é possível indicarmos a emergência de
revisão nas escalas de atuação daquelas políticas e da constituição de novas
instâncias de governança, mais amplas e ao mesmo tempo mais próximas das
características dos agentes produtores dos territórios-rede do turismo. As
escalas político-administrativas atuais – nacional, estadual e municipal – não
238
são mais suficientes para atender às demandas e incorporar as oportunidades
geradas pelo turismo a partir da ação dos seus agentes produtores, individual
ou coletivamente.
O desenvolvimento sustentável vai além do simples crescimento.
Ele implica em mudanças políticas mais ou menos profundas, com a definição
de novos padrões de organização da sociedade, exigindo maior interação e
articulação entre os diversos agentes sociais, a descentralização da gestão e o
aumento do poder local sobre o território e sobre as localidades (ZAPATA,
2008). Para atingi-lo é necessário que os agentes sociais locais tornem-se
protagonistas dos seus próprios territórios, deixando de ser meros atores
passivos. Por essa proposta, eles devem assumir a responsabilidade de serem
pró-ativos e participantes de todos os momentos dos processos.
Estruturado a partir de um atrativo turístico único – o maciço das
Agulhas Negras – o território-rede do turismo das Agulhas Negras vem
revelando-se excelente laboratório para aprofundarmos nossas reflexões
teóricas aqui propostas. O turismo gerado pela ação dos seus diversos agentes
produtores vêm compondo uma rede de localidades peculiares, relativamente
próximas, com características específicas, diferenciadas, mas ao mesmo
tempo complementares do ponto de vista do mercado turístico e dos turistas.
Essa rede de localidades, envolvendo sedes municipais – Resende, Itatiaia,
Porto Real e Quatis, sedes distritais – Visconde Mauá, Engenheiro Passos,
algumas vilas – Maringá, Maromba, Serrinha do Alambari, Capelinha e bairros
– Penedo, vem articulando-se em um território-rede do turismo visto como um
destino turístico unificado, com identidade própria, estabelecida
conscientemente pelos membros do CONRETUR a partir do seu principal
símbolo, o pico das Agulhas Negras.
Estimulados pelas recentes políticas públicas de turismo do
governo federal, concretizadas pelo PNMT e pelo PRT, os agentes sociais
daquela região turística, lentamente estão se articulando buscando estabelecer
um processo de desenvolvimento turístico potencialmente duradouro e
benéfico para todos. A conscientização da importância e das possibilidades
que podem vir do desenvolvimento turístico sustentável, propostas pelas
239
oficinas e ações do PNMT e estimuladas pelo PRT, aproximaram aqueles
agentes sociais dando inicio a um processo de constituição de uma nova
estrutura para a gestão do turismo regional, na forma do CONRETUR.
Certamente, as ações do PNMT e, posteriormente, do PRT encontraram um
cenário mais propício naqueles municípios, dado pelo seu processo de
formação histórica aliado às suas características geográficas, demográficas,
econômicas e socioculturais, o que de certa maneira, facilitou o
desenvolvimento do processo que estamos ora analisando.
A proposta de descentralização da gestão do turismo iniciada e
estimulada pelo PNMT, no período entre 1994 e 2002, demonstrou que a
escala local e, mais precisamente, a escala municipal (e, em certa medida, até
intra-municipal), deve ser o ponto de partida para a elaboração das diretrizes e
estratégias para o desenvolvimento turístico. Entretanto, antes mesmo que o
PRT fosse oficialmente instituído em 2003, a tendência e a necessidade de
uma ampliação daquela escala para o nível micro-regional revelou-se em
diversos pontos do território nacional, como bem demonstram os diversos
conselhos regionais de turismo surgidos antes daquele programa ser instituído,
incluindo o CONRETUR.
À medida que o turismo era organizado e estruturado nos
municípios foi-se descortinando o fato de que, para o turista, não existem
fronteiras ou limites administrativos a serem obedecidos. A circulação do
agente produtor central do fenômeno não observa aqueles limites e
delimitações, pelo menos no que se refere aos limites municipais e estaduais,
onde não há nenhum tipo de controle do ir e vir do cidadão. No caso da região
das Agulhas Negras isto fica bastante visível no conjunto das vilas do alto vale
do rio Preto, onde os visitantes circulam pelo território de dois estados – Rio de
Janeiro e Minas Gerais - e três municípios – Resende, Itatiaia e Bocaina de
Minas, sem sequer dar-se conta do fato. O turista se apropria e circula pelo
espaço motivado por outros fatores como a localização dos atrativos, a
facilidade de acessos, a oferta de serviços de transportes, os “reclames” da
mídia, os preços e a localização dos equipamentos e serviços turísticos, dentre
outros.
240
Também para outros agentes sociais envolvidos com o turismo os
limites municipais não são fatores de restrição ou de impedimento de seus
movimentos e de suas ações. Apenas os órgãos públicos municipais vêem-se
limitados pelas fronteiras político-administrativas existentes, o que de certa
forma pode ser visto como um empecilho para o processo. É a combinação das
diversas lógicas de apropriação dos espaços que define o que estamos
propondo como território-rede do turismo que, quase sempre, não acompanha
ou não se restringe aos territórios político-administrativos dos municípios,
estados ou nações. Certamente, no caso dos territórios-rede do turismo que
envolvam fronteiras internacionais, a circulação e atuação dos diversos
agentes sociais passam a ter algumas restrições – alfandegárias e leis de
imigração, por exemplo – acrescentando outras variáveis ao processo, que
podem ser controladas a partir de decisões dos órgãos federais dos país
envolvidos, como é o caso do território-rede de Foz do Iguaçu (Brasil), Puerto
Iguaçu (Argentina) e Ciudad del Leste (Paraguai)54.
Dessa maneira, se os territórios apropriados para o turismo não
coincidem com aqueles limites político-administrativos, as políticas
direcionadas para o seu ordenamento não podem ser definidas e/ou ficar
circunscritas por eles. Elas carecem de outra escala de observação e de
atuação, que permita a flexibilidade necessária para a apreensão de toda a
complexidade do fenômeno e da ação e interação dos diversos agentes sociais
envolvidos. Para nós, a escala que vem se mostrando mais adequada para tal
tarefa é a micro-regional, abrangendo os territórios de dois ou mais municípios
ou mesmo, em alguns casos específicos, de dois ou mais estados da
federação, como ocorre na região das Agulhas Negras.
Adotando a escala micro-regional como a mais apropriada para a
definição das políticas públicas de turismo, somos levados a refletir sobre a
necessidade de um novo tipo de estrutura organizacional para assumir a
54 No 3º Salão de Turismo 2008, um dos estudos de caso apresentados foi o do roteiro turístico
Iguassu – Misiones, que envolve localidades turísticas de duas províncias argentinas (Misiones e Corrientes) três departamentos paraguaios (Itapúa, Misiones e Alto Paraná) e dois estados brasileiros (Paraná e Rio Grande do Sul), que têm em comum os nove patrimônios da Humanidade, reconhecidos pela UNESCO. Atualmente, todos os agentes envolvidos estão institucionalizando uma instância de governança para gerenciar o roteiro.
241
gestão do território-rede regional constituído pelos agentes sociais do turismo.
Essa nova instância de governança, entendida como um espaço de
negociação, de gestão de conflitos e de interesses e de construção de
consensos e de projetos de interesse comum a todos, poderá ser o que
estamos propondo como redes regionais de turismo. Para tanto, precisamos
avançar no conhecimento das diversas lógicas de apropriação dos espaços de
cada um dos agentes sociais produtores do turismo.
6.1 ESPACIALIDADES DISTINTAS DOS AGENTES SOCIAIS PRODUTORES DO TURISMO
A partir das diferentes lógicas de apropriação dos espaços
estabelecidas pelos comportamentos dos diversos agentes sociais produtores
do turismo (seção 3.1.1), e da observação dos processos em desenvolvimento
na região das Agulhas Negras, elaboramos o quadro a seguir (Figura 25), onde
sintetizamos as principais características de cada um deles. Nosso intento foi
compor uma visão mais ampliada dos processos de turistificação dos espaços
na contemporaneidade a partir das características de cada um daqueles
agentes sociais. A análise da combinação dessas lógicas e características,
além de nos oferecer um entendimento mais ampliado e oportuno da dimensão
espacial do turismo, indica a escala micro-regional como a mais apropriada
para tal empreitada. Também nos mostra que, no caso da região das Agulhas
Negras apenas os agentes de mercado e do poder público, além dos turistas já
são possíveis de identificação e estudos.
O não envolvimento das representações dos trabalhadores e da
população residente nas diversas localidades turísticas que ocorre até o
momento, ainda dificulta uma análise mais apurada das características e das
lógicas daqueles agentes sociais.
Revendo a evolução das formas de apropriação dos espaços
pelos turistas, podemos constatar uma transformação intensa no seu
comportamento recente, ocasionado pela rápida evolução dos meios de
242
Agentes sociais produtores do turismo
Lógica de apropriação dos espaços
Expectativas e tendências Características Tipos Subtipos
Turistas (visitantes)
Turista
Predominantemente Reticular
Oportunidade de afastamento do cotidiano e da rotina de trabalho; tempo de lazer e descanso; busca ver e ser visto; mais exigente e interessado em manter contato com a cultura dos locais visitados.
Territorialidade flexível, sazonal; apropriação dos valores materiais e imateriais dos destinos turísticos; comportamentos e hábitos diferenciados conforme nível de renda e classe social; viagens mais curtas do tipo excursionista-recreativa.
Excursionista
Veranista
Poder Público
Federal
Predominantemente Zonal
Oportunidade de equilíbrio na balança de pagamentos; aumento da arrecadação; tentativa de redistribuição de renda entre as regiões do país; turismo visto como possível vetor de diminuição das desigualdades regionais.
Visualizam no turismo a oportunidade de desenvolver projetos voltados para a melhoria da qualidade de vida das populações de áreas menos favorecidas; acreditam no retorno mais rápido com o estímulo ao desenvolvimento do setor turístico; priorizam os grandes empreendimentos e o capital externo;
Estadual
Municipal
Atração de investimentos para novos negócios; aumento na arrecadação; criação de empregos e ocupação; busca de articulação com os municípios vizinhos para oferta de produtos mais competitivos.
Têm dificuldades em assimilar a complexidade do turismo; operam de forma não planejada e com visão de curto prazo; tendem a valorizar mais os investidores externos; o jogo político local dificulta a estruturação de fóruns gestores do turismo nessa escala.
Figura 25 – Agentes sociais produtores do turismo: lógica de apropriação dos espaços (1ª parte) Fonte: Elaboração própria
243
Cont.
Agentes sociais produtores do turismo
Lógica de apropriação dos espaços
Expectativas e tendências Características Tipos Subtipos
Agentes de Mercado
Grandes empresas/ cadeias internacionais
Zonal e reticular (mais instável)
Aumento das oportunidades de acumulação e reprodução do capital; lucro; articulados em grandes redes internacionais; operam com grandes volumes de negócios o que lhes permitem oferecer preços e condições mais competitivos.
Demandam do Estado a implantação de infra-estrutura urbana e o fornecimento de linhas de crédito e de incentivos mais vantajosos; no caso de diminuição da lucratividade nos negócios, mudam-se para outros destinos; grandes empreendimentos; padronização das instalações e dos serviços; utilização mão-de-obra mais capacitada e, predominantemente, externa ao destino turístico.
Empresários locais Reticular (mais estável) e zonal
Possibilidade de expansão dos negócios; aumento na lucratividade; têm dificuldades de se articularem com as grandes operadoras internacionais; operam volumes menores de negócios, o que os leva a manter preços e condições menos competitivos
Auto-empreendedores; permanecem nos destinos turísticos mesmo quando eles entram na fase de saturação e de declínio; pequenos e médios negócios, com serviços pouco padronizados, mas diferenciados; utilizam a mão-de-obra local ou do seu entorno regional, quase sempre não qualificada para o turismo
Fornecedores de serviços e matérias primas
Zonal e reticular
Instalam-se nos destinos turísticos, em especial nas suas áreas periféricas; em sua grande maioria não são fornecedores exclusivos do turismo;
Sofrem os efeitos da sazonalidade do turismo mais diretamente; quase sempre não se reconhecem como parte da cadeia produtiva do turismo.
Figura 25 – Agentes sociais produtores do turismo: lógica de apropriação dos espaços (2ª parte) Fonte: Elaboração própria
244
Cont.
Agentes sociais produtores do turismo
Lógica de apropriação dos espaços
Expectativas e tendências Características Tipos Subtipos
Trabalhadores diretos
Formais Zonal e reticular (mais permanente)
Oportunidade de trabalho e renda fixa (salário); mais capacitados; migram para os locais onde podem ter mais chances de ocupações mais bem remuneradas; nesses casos podem gerar pressão sobre as questões locais de custo de vida e de moradia.
Buscam atender às exigências de formação impostas pelo setor; mantêm contato pessoal com os turistas; quando migrantes, podem não se relacionar com a população autóctone.
Informais Zonal e reticular (sazonal)
Oportunidade de obtenção de alguma renda e/ou de ganhos extras; pouco capacitados e sem condições de buscar melhores ocupações.
Convivem marginalmente com o setor turístico; seus ganhos são sempre inferiores e sazonais; mantém contato pessoal com os visitantes; sofrem mais diretamente os efeitos da sazonalidade do turismo
Trabalhadores indiretos
Formais Zonal e reticular (mais permanente)
Oportunidade de trabalho e renda fixa (salário)
Não têm percepção clara da sua participação no setor turístico; quase não têm contato direto com os turistas; não se percebe como parte da cadeia produtiva do turista
Informais Zonal e reticular (sazonal)
Oportunidade de obtenção de alguma renda e/ou de ganhos extras
Convivem marginalmente com o setor turístico; seus ganhos são sempre inferiores e sazonais.
População residente
Envolvida diretamente com o turismo Predominantemente
Zonal
Busca obter algum tipo de vantagem com o setor turístico sem se envolver diretamente com ele.
Vê no turismo uma possibilidade para o desenvolvimento local; mantém contatos esporádicos com os visitantes;
Sem envolvimento direto com o turismo
Indiferente ao processo de desenvolvimento turístico
Procura afastar-se das áreas de concentração de turistas; evita contato com os “forasteiros”;
Figura 25 – Agentes sociais produtores do turismo: lógica de apropriação dos espaços (3ª parte) Fonte: Elaboração própria
245
transportes e de comunicação e, mais essencialmente, pelas profundas
alterações nos hábitos de consumo do homem contemporâneo (REJOWSKI,
2002). As alterações trazidas pela flexibilização nos contratos de trabalho e
as facilidades de comunicação e de informações induzem o turista atual a
segmentar mais seus momentos de tempo livre e, conseqüentemente, suas
viagens.
Das longas viagens características da grand tour dos aristocratas
dos séculos XVI, XVII e XVIII, o turismo evoluiu para as viagens atuais, em que
predominam as viagens mais curtas tanto no tempo como no espaço
(SWARBROOKE; HORNER, 2002). O turista de hoje tende a optar pelo
fracionamento das suas férias anuais em diversos períodos menores,
distribuídos ao longo do ano e por viagens para lugares mais próximos dos
seus locais de entorno habitual. De acordo com a OMT, “as estatísticas do
turismo mundial mostram o predomínio do tráfego intra-regional e doméstico”
(2003, p.32), registrando uma forte tendência para as viagens de curta
distância. Essas alterações no hábito e no comportamento dos turistas estão
alterando o ordenamento dos espaços apropriados para o turismo, dando-lhes
outras feições e outras dimensões. Observa-se uma expansão das áreas de
influência dos destinos turísticos e a articulação deles em redes que se
ampliam para a escala regional.
O turista contemporâneo tende a organizar melhor e
antecipadamente seus deslocamentos, o que é facilitado pela disponibilidade
relativamente farta e fácil de informações sobre os destinos turísticos. Durante
seus deslocamentos ele se apropria de pontos específicos dos espaços,
representados pelos atrativos turísticos, pelos meios de hospedagem, por
alguns equipamentos de apoio (transportes e comunicação) e pelos locais de
entretenimentos e lazer, circulando entre eles quase sempre sem notar ou
observar o que ocorre nesses percursos mais curtos.
De acordo com Boullón, “ao percorrer uma cidade, o turista o faz
entre pontos que atraem seu interesse e motivam sua presença obrigatória”
(2002, p. 248); para aquele autor esses pontos constituem o que ele denomina
de áreas gravitacionais do turismo. A imagem final do lugar visitado que o
246
turista terá retido na sua memória ao retornar para seu lugar de residência
habitual, será composta por um conjunto de imagens pontuais, agrupadas de
maneira aleatória e sem compromisso com a realidade. Dessa forma, o atrativo
“A” pode parecer-lhe próximo do hotel “X” já que, durante a sua estada, ele se
deslocou de um para o outro rapidamente, numa fração de tempo
insignificante, sem perceber que entre eles existia um maciço rochoso
ultrapassado por um túnel. Exemplo disso é o caso de um turista hospedado na
Zona Sul do Rio de Janeiro que visita o complexo do Maracanã, fazendo seu
deslocamento através do túnel Rebouças. Apesar da distância e das
montanhas, para ele o tempo que separam os dois pontos é de pouco mais de
meia hora. O trecho da cidade que fica entre eles não é registrado na sua
memória já que grande parte do percurso é feita através do túnel, em veículo
climatizado que o isola temporariamente do ambiente externo. Nesse tipo de
mobilidade, o turista vai tecendo uma rede com os pontos que lhe interessam,
entre os quais circula e onde permanece temporariamente, sem se importar
com os interstícios que ocorrem entre eles.
Analisando o comportamento dos visitantes da região das
Agulhas Negras, a partir das informações colhidas com os conselheiros do
CONRETUR e outros agentes sociais atuantes na região, podemos indicar
para um perfil essencialmente voltado para o lazer, o descanso e a prática de
esportes vinculados à natureza, que busca conhecer as diversas localidades
turísticas da região. A falta de pesquisas sistemáticas nos impede de traçar um
perfil mais detalhado; no entanto é consenso, principalmente entre os
responsáveis pelos meios de hospedagem, que a grande maioria é proveniente
dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo que buscam a região pelas suas
características climáticas e culturais para “fugir do estresse urbano” e
reabastecer suas baterias para mais um período de trabalho (KRIPPENDORF,
1989). A presença de turistas estrangeiros é, quantitativamente, pequena e
direcionada basicamente para o interior do Parque Nacional do Itatiaia.
Retomando os modelos de viagens propostos por Campbell
(1967, apud PEARCE, 2003), - excursionista, excursionista-recreativa e
recreativa – (Figura 5), podemos afirmar que se verifica, atualmente, um
247
aumento na demanda para os dois últimos modelos. Esse incremento ocorre
principalmente nas viagens classificadas como excursionista-recreativas, onde
o turista escolhe uma base regional, equivalente ao centro turístico de apoio
proposto por Boullón (1990) e, a partir dele, realiza uma série de viagens
curtas. Essas viagens, limitadas por uma distância-tempo média de duas
horas55, estimulam a articulação de uma rede de destinos turísticos,
normalmente ancorados em torno de um centro turístico consolidado no
mercado ou de um atrativo turístico de expressivo poder de atratividade, como
um parque nacional, uma queda d’água de grande expressão ou um conjunto
de praias.
Na atualidade, o turista procura ampliar o leque de lugares
visitados durante cada uma das suas viagens, movimentando-se mais dentro
daquele raio de ação possível. Até os anos 80, o turista estrangeiro ou oriundo
de outros estados, que visitava o Rio de Janeiro permanecia nos limites da
zona sul, pouco se aventurando para outras áreas da cidade. Decorridos pouco
mais de 20 anos, os turistas que aqui chegam quase sempre incluem na sua
estada visitas às cidades de Niterói, Petrópolis, Itacuruçá (Ilhas Tropicais da
baía de Sepetiba), Búzios e, em alguns raros casos chegam a Paraty.
No caso da região turística das Agulhas Negras, os turistas
tendem a dividir seu tempo de permanência entre algumas das diversas
localidades turísticas que compõem a região. Nota-se uma grande
concentração de fluxos de visitantes entre as localidades de Penedo, Itatiaia e
o Parque Nacional, na sua parte baixa. Já aqueles que optam por Visconde
Mauá circulam pelas diversas vilas como Maromba, Maringá, Mirantão, Santo
Antônio, sem perceber sequer que circulam pelo território de dois estados,
Minas Gerais e Rio de Janeiro, separados pelo rio Preto. Este tipo de
comportamento é fruto de uma combinação de fatores que incluem a melhoria
nas facilidades de transportes e de comunicação e os desejos do turista em
aproveitar sua viagem para conhecer outros lugares, incentivado pelos
55 De acordo com Boullón (1990a), essa relação é uma medida que estabelece a extensão do
caminho que, nessa unidade de tempo, um ônibus ou outro meio de transporte turístico pode percorrer, de maneira confortável para o turista, permitindo a viagem de ida e volta no mesmo dia.
248
estímulos da mídia, pelas promoções oferecidas pelas operadoras de turismo e
pela diminuição dos custos das viagens.
Pelo lado dos agentes de mercado a lógica de apropriação dos
espaços pode ser vista a partir de duas situações específicas: aquela na qual
os destinos turísticos são “inventados” e implantados pelos representantes do
capital a partir de grandes investimentos e aquela em que os destinos turísticos
“descobertos” pelos turistas são apropriados por aqueles agentes de mercado
depois de já estarem relativamente conhecidos pelo grande público.
Em ambos os casos, as políticas públicas de desenvolvimento
turístico estabelecidas são fundamentais para a tomada de decisão dos
agentes de mercado. Na prática eles agem diretamente na definição daquelas
políticas, através de suas representações de classes (ABAV, ABIH, dentre
outras) ou individualmente, através de lobistas que atuam junto aos
representantes dos poderes executivos e legislativos. Como já colocamos
anteriormente, atualmente as políticas públicas voltadas para o ordenamento e
a gestão do turismo brasileiro, apesar dos discursos aparentes de
sustentabilidade e processos participativos, voltam-se para o atendimento das
demandas e sinalizações que os grandes agentes do mercado apontam,
adotando um viés economicista, redutor da complexidade dos processos de
turistificação. Os demais agentes sociais envolvidos no fenômeno e na
atividade turística ficam à margem naquelas políticas e suas demandas e
necessidades, quando atendidas, o são em função das conseqüências das
variáveis econômicas do processo. Raramente eles têm participação efetiva
nos processos decisórios das políticas públicas; em grande parte dos casos
suas participações se resumem a algumas pesquisas, a oficinas de
conscientização e capacitação e a fóruns de lançamento de novos programas e
produtos turísticos.
No primeiro caso, quando os destinos são “inventados”, os
agentes do mercado com base em sondagens e estudos técnicos detalhados,
visualizam a potencialidade para implantação de mega-empreendimentos em
áreas próximas a atrativos turísticos ainda não muito divulgados e pouco
valorizados pelo mercado imobiliário, porém capazes de atrair a atenção de
249
futuros fluxos de demanda. Com o apoio e o incentivo dos órgãos
governamentais que assumem principalmente, os investimentos necessários
para a implantação da infra-estrutura básica de acessos, redes de
abastecimento de água, energia e de comunicações, surgem destinos turísticos
como Costa do Sauípe (BA), Cancun (Mex), Beto Carrero World (SC),
Disneyworld (EUA)56, direcionados para segmentos específicos de
consumidores, quase sempre de alto poder aquisitivo.
Na segunda situação, os agentes de mercado aproveitam-se do
sucesso de destinos turísticos surgidos de maneira espontânea pela ação dos
turistas do tipo alocêntricos ou pela ação dos representantes da mídia, onde se
instalam ocupando os espaços dos empreendimentos pioneiros, construindo
novos hotéis, locais de entretenimento, oferecendo serviços mais
especializados. Comprovando o proposto pelo ciclo de vida das destinações
turísticas (BUTLER, 1980; 2006), na fase de desenvolvimento os destinos já
são relativamente conhecidos pelos consumidores e o risco dos investimentos
diminui, atraindo aqueles agentes de mercados exógenos que não querem
arriscar por demais seu capital financeiro.
Para esses agentes do turismo, os espaços são apropriados em
razão da garantia do retorno financeiro a partir dos lucros possíveis. Na escala
local, sua espacialidade é sempre pontual (zonal) e depende da localização e
da proximidade dos atrativos turísticos capazes de atrair e manter os turistas e
da disponibilidade de infra-estrutura de acesso e urbana. Sua localização
contribui significativamente para a definição das áreas gravitacionais
(BOULLÓN, 1990a) por onde os turistas irão circular com mais intensidade,
caracterizando o espaço do turismo mais concreto. É comum, nas áreas
próximas e/ou periféricas a esses grandes empreendimentos o surgimento de
áreas residenciais mais ou menos precárias, onde os seus trabalhadores
56 A Disneyworld, localizada no estado americano da Flórida e os resorts da cadeia Club
Mediterranée podem ser considerados os precursores desse tipo de apropriação de espaços em larga escala pelos agentes de mercado, típica da segunda metade do século XX.
250
buscam se fixar57 para evitar grandes deslocamentos diários entre o local de
trabalho e sua residência.
Por outro lado, quase sempre esses agentes de mercado são de
grande e médio porte e exógenos ao destino turístico e, por isso, também
seguem uma lógica reticular ao estabelecer ligações verticais com suas
matrizes e com seus fornecedores, especialmente os grandes operadores de
turismo. Graças às articulações diretas com os principais mercados emissores,
podem trabalhar com grandes volumes de negócios, o que lhes permite operar
com preços mais reduzidos e competitivos.
Importante ressaltar que a classificação em grande e médio porte
não necessariamente implica que seus negócios nos destinos turísticos se
materializem em grandes empreendimentos turísticos. A dimensão está
relacionada ao volume e à densidade da rede comercial em que o agente de
mercado se movimenta e se insere. A dimensão física do empreendimento nem
sempre revela a dimensão financeira dos seus agentes. Em alguns casos
podemos identificar “pequenas pousadas”, por exemplo, que estão inseridas
nas grandes redes mundiais, através de diversos artifícios financeiros e
comerciais (franchising, cadeias internacionais, etc.).
Paralelamente, encontramos nos destinos turísticos a presença
dos pequenos empresários locais que, desde a fase inicial do ciclo de vida do
destino, visualizam a possibilidade de investimento das suas pequenas
reservas financeiras e arriscam em negócios voltados para atender a demanda
dos turistas que chegam: pequenas pousadas e restaurantes, serviços de
guiamento, pequenos negócios de entretenimento e lazer. Por já pertencerem à
comunidade dos destinos turísticos, suas formas de apropriação do espaço
para o turismo são basicamente pontuais e zonais. Pelo menos no inicio dos
seus negócios têm dificuldades de “entrar no mercado” e se articular com os
grandes operadores nacionais e internacionais, o que não lhes permite operar
com grandes volumes de negócios, gerando dificuldades para oferecer preços
57 É o caso da comunidade do Vidigal na zona sul do Rio de Janeiro, que cresceu
acentuadamente após a instalação do Hotel Sheraton e da Vila do Frade, em Angra dos Reis, que surgiu com a construção do resort denominado Hotel do Frade, ambos na década de 1970.
251
mais competitivos. É comum optarem pela contratação de trabalhadores
residentes na própria área do destino turístico, contribuindo para o não
surgimento de pressões nas áreas habitacionais locais, comuns nos casos dos
grandes empreendimentos que, em sua grande maioria, optam por trazer seus
trabalhadores de outros centros, provocando pequenas correntes migratórias.
Com relação aos agentes de mercado da região das Agulhas
Negras, encontramos um perfil bastante característico. Em sua grande parte os
empreendimentos turísticos da região são de pequeno porte, com
características de empresas familiares, o que faz dos agentes de mercado
empresários do tipo pioneiros que operam há bastante tempo na região. Ao
contrário do que ocorre na região da Costa do Sol do estado do Rio de Janeiro,
onde a cada temporada de verão surgem novos empreendimentos nos lugares
de outros que fecharam, o ciclo de vida dos empreendimentos da região das
Agulhas Negra tende a ser longo, como bem comprovamos no capítulo
anterior, quando elaboramos a evolução do território-rede do turismo a partir da
data de inauguração dos seus meios de hospedagem. Essa característica
contribuiu para o surgimento das associações de turismo de cada localidade
ainda na década de 1980, formada basicamente pelos empresários locais. Não
existe na região nenhum representante das grandes cadeias internacionais de
hotéis ou das grandes operadoras de turismo. Apesar disso, uma parte
considerável dos agentes de mercados da região já se insere nas cadeias
nacionais do turismo e, apesar de trabalharem com pequenos volumes de
negócios, conseguem diminuir os efeitos da sazonalidade nos períodos de
baixa estação.
Outra parte dos agentes de mercado produtores do turismo são
os fornecedores de insumos e serviços para os empreendimentos e empresas
turísticas. Em determinadas situações, na tentativa de otimizar seus custos
operacionais, eles optam por se instalar em áreas periféricas ou próximas às
áreas gravitacionais do turismo, como estratégia para poder continuar
fornecendo seus produtos e serviços sem incorporar os altos custos comuns
aos destinos turísticos, como o preço do solo e os impostos municipais. Esse
comportamento amplia a área sob influência do turismo que tende a se
252
estender para além daqueles trechos do espaço por onde circulam os
visitantes, fazendo surgir ou densificando uma área periférica aos espaços do
turismo que, embora não consumida diretamente pelo turista, sofrem
influências diretas de suas ações e reações que se refletem no seu
ordenamento territorial e na sua sustentabilidade.
Para o poder público, a apropriação dos espaços fica limitada
pelos seus limites político-administrativos de atuação e aos interesses dos
projetos políticos dos seus líderes e representantes. Sua intervenção pode ser
indutiva e/ou reguladora, sintetizada pelas políticas públicas de
desenvolvimento turístico. É indutiva quando identificam nos seus territórios
atrativos turísticos que julgam capazes de gerar grandes fluxos de demanda e,
a partir dessa premissa, realizam os investimentos preliminares em infra-
estrutura e divulgação, visando chamar a atenção dos agentes de mercado
para as suas potencialidades. Nesse caso, a ação do poder público pode ser
induzida diretamente pelos agentes do mercado, como colocamos antes, que
são aqueles que realmente identificam os atrativos a serem desenvolvidos e
colocados à disposição do consumo e do mercado.
Esse procedimento indutivo das políticas públicas, conforme
descrito por Hall (2001), vem ocorrendo sistematicamente desde a década de
1950 e variando de intervenções mais contundentes, com grandes
investimentos em obras de infra-estrutura - Languedoc-Roussilon e Cancún,
por exemplo - a liberação de linhas de incentivos fiscais para o capital privado,
passando por ações mais direcionadas à promoção dos seus destinos
turísticos nos mercados emissores.
A espacialidade dessas ações do poder público é nitidamente
zonal, pois raramente ocorre uma seleção ou priorização dos trechos a serem
turistificados, já que optam por tratar como tal todo o seu território de atuação.
Politicamente é muito difícil o estabelecimento de áreas prioritárias para o
desenvolvimento turístico, uma vez que, quase sempre é inviável para os
representantes eleitos pela população, justificar o porquê da priorização dos
investimentos em turismo para determinadas áreas em detrimento de outras.
253
No momento atual, o governo brasileiro, por meio do PRT busca
assumir tal postura, mas vem encontrando resistência principalmente no meio
dos parlamentares do Congresso Nacional. Observa-se uma tentativa de
combinação das lógicas zonal e reticular no nível das ações do governo
federal, que ainda podemos classificar como bastante tímida. Ao priorizar 65
destinos turísticos para a ação do Ministério do Turismo para suas ações até
2010, o governo federal assumiu uma lógica de atuação zonal descontínua,
criando um foco de divergências com todos os outros municípios brasileiros
que se sentiram preteridos pelo processo de desenvolvimento turístico do país.
Certamente irão ocorrer pressões por parte dos parlamentares representantes
daqueles municípios, no sentido de obter investimentos do Ministério através
de ementas parlamentares ao orçamento federal.
O mesmo ocorreu no estado do Rio de Janeiro, durante o governo
Moreira Franco (1984-1988), quando a TurisRio criou a campanha “Cidades
maravilhosas do estado do Rio de Janeiro”. Independentemente dos critérios
utilizados para a escolha das tais “cidades maravilhosas”, houve muito protesto
por parte de prefeitos e deputados estaduais e de empresários do setor não
incluídos na área de ação daquele projeto de marketing. A opção política pela
não definição dos espaços prioritários para o desenvolvimento turístico,
principalmente no recorte de atuação dos governos estaduais, explica
parcialmente o uso das técnicas de regionalização que predominam nas
políticas públicas direcionadas para o turismo. Por essa técnica, todo o
território do estado fica classificado como turístico, incluindo mesmo aqueles
municípios sem nenhuma potencialidade para o desenvolvimento turístico, pelo
menos nos horizontes temporais de curto e médio prazo.
Quanto aos trabalhadores diretos e indiretos do setor turístico,
suas lógicas de apropriação dos espaços, portanto de territorialização, são
norteadas por suas necessidades imediatas de obtenção de trabalho, renda e
de moradia. O trabalho e a renda são encontrados nos empreendimentos e nas
empresas turísticas (empregos diretos), localizados no destino turístico ou nas
empresas fornecedoras de insumos para as empresas turísticas, localizadas
tanto no centro como nas zonas periféricas ao destino turístico. Além disso,
254
devemos destacar a importância das ocupações na economia informal,
bastante comuns e intensas na grande maioria dos destinos turísticos.
Já a necessidade de moradia quase sempre é suprida nas áreas
periféricas ou em áreas menos valorizadas dos destinos turísticos. No primeiro
caso o trabalhador vê-se obrigado a deslocamentos diários entre seu local de
moradia e de trabalho. Já no segundo caso, ele se sujeita a ocupação de áreas
urbanas próximas ao seu local de trabalho, com baixas condições de moradia,
tanto no que diz respeito à qualidade da moradia em si, como a falta ou baixa
oferta dos serviços urbanos básicos como água potável, coleta e tratamento do
esgoto domiciliar e do lixo, educação e serviços de saúde. Em ambos os casos
constata-se a ampliação dos limites do espaço apropriado para o turismo,
quase sempre ignorada pelas políticas públicas de turismo propostas, assim
como pelos agentes de mercado que indiretamente afetam o turismo.
No caso da região das Agulhas Negras a maioria dos
trabalhadores do turismo reside nas próprias localidades dos empreendimentos
turísticos. Além disso, o predomínio de pequenas empresas faz com que a
mão-de-obra utilizada seja composta pelos próprios familiares, impedindo que
se verifiquem os problemas de ocupações irregulares gerados pela oferta de
empregos no setor, responsáveis pela atração de correntes migratórias
significativas. Apenas na localidade de Penedo observa-se um processo de
urbanização mais precário no bairro Formigueiro, por conta do crescimento
recente do número de meios de hospedagem e restaurantes de turismo
(MASCARENHAS, 2005).
Por fim, a territorialidade da população residente nos destinos
turísticos obedece a outras lógicas específicas, nem sempre relacionados ou
dependentes do turismo. Entretanto, por conta da atividade turística, ela tende
a redefinir seus espaços cotidianos de vida, de circulação e até mesmo de
lazer, muitas vezes isolando ou reservando alguns trechos desse espaço para
os turistas. Na tentativa de afastar-se do incômodo de conviver com o estranho,
o forasteiro, ela se desapega de alguns pontos do seu espaço, tirando-os do
seu entorno e da sua rotina habitual.
255
Exemplos disso são alguns pontos ou áreas considerados
turísticos da cidade do Rio de Janeiro e de outras cidades, onde o morador
quase não aparece ou freqüenta, a não ser na função de trabalhador, de
fornecedor de mão-de-obra: Pão de Açúcar, Corcovado, MAC em Niterói, as
praias de Búzios, o centro histórico de Paraty, são alguns exemplos bastante
representativo. Também alguns serviços e instalações específicas podem ficar
restritos ao uso do turista, seja pelos preços praticados seja pelo
distanciamento que mantém com o modo de vida da população local. É comum
identificarmos nos destinos turísticos lojas, centros comerciais, casas noturnas
ou restaurantes onde o morador praticamente não entra e não consome, como
é o caso das lojas de jóias e pedras preciosas da zona sul do Rio de Janeiro e
de alguns restaurantes mais sofisticados, tanto do ponto de vista das suas
instalações como da composição dos seus cardápios.
A partir da chegada do turista e do turismo, os residentes
permanentes redefinem seus espaços de estar e de circular, observando o
estar e o circular do turista. Ora se misturam com eles ora se esquivam e se
afastam, deixando determinados espaços quase exclusivos para os visitantes.
Além disso, para suprir suas necessidades de lazer, estar e viver, acabam por
buscar outras áreas próximas, ampliando seu espaço de vida para as áreas
periféricas ou próximas, criando um espaço de vida paralelo ao espaço do
turismo. Esse fenômeno ainda não é passível de ser observado nas localidades
da região das Agulhas Negras, dado todas serem áreas urbanas de pequeno
porte.
Os processos de apropriação dos espaços gerados por cada um
desses agentes sociais produtores do turismo fazem surgir recortes espaciais
distintos que, ao serem analisados conjuntamente nos possibilitam identificar o
espaço apropriado pelo turismo de maneira mais abrangente. Tais processos
apresentam características e especificidades próprias, mas devem ser
observados e estudados como processos dialógicos, ao mesmo tempo
complementares, concorrentes e antagônicos. O território-rede que resulta da
combinação desses processos específicos de apropriação do espaço contém e
é contido na e pela complexidade do fenômeno turístico contemporâneo,
256
entendido como um “exponente del proceso de reorganización espacial de la
producción y el consumo propios del sistema capitalista global” (IVARS, 2003,
p. 19).
O território-rede estabelecido pelos agentes produtores do turismo
na escala local dos destinos turísticos resultante da combinação das relações
estruturais e funcionais com que cada um deles atua, ultrapassa os limites do
território apropriado pelo turista e apresenta especificidades oriundas das
próprias características do fenômeno turístico: descontinuidade espacial,
sazonalidade e flexibilidade. Tal constatação nos leva a admitir que o espaço
apropriado para o turismo seja muito mais extenso que aquele apropriado pelo
turista, fato que não vem sendo levado em consideração pelos gestores de
políticas públicas de turismo.
As concepções clássicas que restringem o entendimento do
espaço turístico aos trechos do espaço onde se concentram os turistas, os
atrativos turísticos e os equipamentos turísticos (MIOSSEC, 1976; BOULLÓN,
1990a; LOZATO, 1990; OMT, 2003), já não são suficientes para explicar a
dimensão espacial do fenômeno turístico atual, que impõe novas relações
sociais e funcionais que reorganizam os territórios dos destinos turísticos, no
bojo das transformações mais amplas do próprio capitalismo global, como
indicamos no capítulo dois. Essa reorganização territorial abrange desde as
novas redes de comunicações que garantem a acessibilidade dos centros
emissores e os novos usos dados ao solo para atender às funções turísticas,
até as relações de concorrência e complementaridade com outros setores e
atividades ali existentes, como bem nos coloca o pesquisador espanhol Josep
A. Ivars:
La necesidad de ampliar el perímetro del área turística desde el punto de vista del análisis espacial encuentra una clara justificación atendiendo a que los efectos territoriales del turismo no se localizan exclusivamente en el área que concentra los establecimientos de acogida y los principales recursos turísticos, sino que afectan a la estructura territorial de un espacio mas vasto que el percibido comúnmente como turístico. (IVARS, 2003, P. 45).
257
Entretanto, os estudos, observações e ordenamentos dos
espaços apropriados pelo turismo tendem a considerar como objeto de sua
atenção apenas os trechos do espaço onde o turismo se manifesta
concretamente. Ou seja, apenas onde o turista é visível e atuante. Os modelos
e teorias de espaço turístico apresentados na seção 3.1.2 deste trabalho,
confirmam isto. Tanto o modelo de Miosec (1977) como o de Boullón (1990a),
limita-se a entender o espaço turístico a partir das ações dos agentes do
mercado e dos turistas. Nenhum dos dois inclui explicitamente nas suas
propostas as ações dos demais agentes do fenômeno.
O modelo de Miosec (Figura 6, p.79) estrutura a evolução do
desenvolvimento dos espaços, por ele denominados resorts turísticos, baseado
nas variáveis de transportes e comportamento dos turistas. Apesar de incluir
uma avaliação do comportamento dos indivíduos com poder de decisão e da
população em geral, aquele autor não avança muito na articulação desses
agentes sociais na formação do espaço do turismo.
Boullón (1990a), por sua vez, com uma visão bastante
estruturalista direcionada para o mercado, define o espaço turístico a partir da
localização dos atrativos, dos empreendimentos turísticos e das redes de
acesso estabelecidas entre eles, os centros urbanos de apoio e as áreas
emissoras. Em nenhum momento o autor cita ou inclui explicitamente, os
trabalhadores e a comunidade nas suas discussões.
Entretanto, no nosso entendimento, para a atividade turística
acontecer, diversas ações e reações de outros agentes sociais, além dos
turistas e os agentes de mercado, são necessárias e acontecem em outras
áreas às quais o turista não tem acesso direto ou sequer toma conhecimento
da sua existência. O território-rede funcional estabelecido pelos agentes do
turismo avança para além dos espaços do turista, ampliando sua influência
para uma área periférica, contígua ou não, através de articulações com outras
funções urbanas como a residencial e a comercial.
Isto nos leva a considerar a necessidade de ampliação dos limites dos
territórios-rede do turismo, com a inclusão daquela área periférica responsável
pelo fornecimento de insumos e, principalmente, de mão-de-obra para as
258
empresas produtoras e fornecedoras de serviços turísticos. Desenvolvendo
esta proposta, teríamos o território-rede do turismo composto por uma área
turística propriamente dita – core turisticus - e por uma área circundante – zona
periférica - nem sempre claramente definida e, muito raramente, contemplada
pelas políticas públicas de gestão do desenvolvimento turístico (Figura 26).
No interior do core turisticus verificamos a presença e a ação de
todos os agentes sociais produtores e dos elementos constituintes - atrativos
turísticos, equipamentos de recreação e lazer, meios de hospedagem - da
atividade turística. Nele as diversas territorialidades dos agentes sociais
produtores do turismo se superpõem, entre si e com outras territorialidades de
outros agentes de outros setores, densificando aquele espaço com seus fixos e
seus fluxos. Já na zona periférica, composta por áreas urbanas com funções e
usos mistos e por áreas residenciais – contiguas ou não - vamos encontrar a
presença de outros agentes de mercado indiretamente ligados à cadeia
produtiva do setor, da população residente e, principalmente, dos trabalhadores
diretos e indiretos do setor.
Por outro lado, as ações daqueles mesmos agentes produtores
também se voltam para outros destinos turísticos próximos, conforme as suas
demandas ou necessidades. O território-rede funcional conformado nos e pelos
destinos turísticos na escala local, tende a se complexificar e a se ampliar,
aglutinando-se ou sendo absorvido por outros territórios-rede localizados nas
suas proximidades, num processo que nos direciona para a escala regional nos
estudos do turismo contemporâneo. Além disso, o território-rede estabelecido
nos e entre os destinos turísticos mantém também relações com as áreas de
origem dos turistas – áreas emissoras – onde, além deles, encontramos
aqueles agentes de mercado que trabalham diretamente para incentivar e
direcionar os fluxos de demandas para os destinos turísticos.
259
Área urbana mista
Core Turisticus
Área urbana residencial periférica
Atrativo turístico
Centros emissores
Meio de hospedagem
Equipamento de entretenimento
Eixo de circulação principal
Eixo de circulação secundário
Aeroporto
Figura 26 – Esquema de território-rede do turismo – escala local Fonte: elaboração própria
260
6.2 AMPLIAÇÃO DO TERRITÓRIO-REDE DO TURISMO: ENTRE A ESCALA LOCAL E MICRO-REGIONAL
Apesar de envolver grande parte do mundo atual, o turismo tem o
seu acontecer no espaço local dos destinos turísticos. O turista realiza a sua
experiência no destino visitado onde, simultaneamente, os agentes sociais
locais produzem os serviços que ele consome. É no destino turístico que o
fenômeno turístico se materializa e sobrepõe suas formas fixas e, é sobretudo
ali, que se realizam a produção e o consumo, quase simultâneos, do produto
turístico (FRATUCCI, 2000b), onde é possível verificarmos as interações e
inter-relações entre os seus diversos agentes sociais, em um contato direto,
“face-a-face”, compondo o território-rede onde o turismo se manifesta.
Entretanto, este território-rede do turismo, resultado da
combinação daquele feixe de ações e reações de cada agente social envolvido,
tende a se ampliar e a abranger uma dimensão espacial maior. Na medida em
que os seus agentes sociais passam a buscar e a constituir articulações com
outros destinos turísticos geograficamente próximos, envolvendo outras
localidades circunvizinhas, articuladas pelas suas redes de acessibilidade, de
comunicações, de transportes e econômicas, ampliam aquele território-rede
para a escala micro-regional.
O aumento do número de visitantes provoca a ampliação do
número de agentes de mercado e de trabalhadores, tanto no destino turístico
em si como nos seus arredores e nas áreas emissoras. Novos negócios,
atividades e serviços vão surgindo para atender as necessidades dos turistas
ou para incrementar o consumo de produtos locais como artesanatos,
souvenirs e outros produtos “típicos”. Essa expansão, tanto do número dos
visitantes como dos agentes de mercado, induz à ampliação do espaço
turistificado originalmente. O turista é estimulado, seja por motivações próprias
ou por estímulos externos, a circular mais pelos arredores do destino turístico,
buscando outros atrativos desconhecidos ou diferenciados, enquanto os
agentes de mercado vão buscando oferecer novos motivos para que eles
permaneçam mais tempo e aumentem seu consumo.
261
Exemplo recente desse movimento expansionista da turistificação
dos espaços pode ser observado na incorporação da cidade de Guaratinguetá
(SP) ao espaço turístico de Aparecida (SP). A santificação do beato Frei
Galvão e a divulgação de que ele havia estado e vivido durante um período de
tempo em um mosteiro daquela localidade, motivaram o surgimento de um
novo fluxo de turistas que, por já estarem em Aparecida, aproveitam para
visitar aquele local na cidade vizinha, ampliando seu espaço de peregrinação.
Tal acontecimento vem levando os agentes de mercado locais a
se adaptarem rapidamente à nova situação, através da oferta de novos
serviços e produtos para atender à nova demanda, o que gerou o surgimento
de novos empregos e de novas ocupações e a ampliação do território-rede do
turismo em Aparecida (SP). A comunidade de Guaratinguetá (SP) também está
tendo de se adaptar aos novos visitantes e o poder público local, lentamente,
começa a se movimentar para agir e ordenar a nova atividade.
Outro exemplo, também marcante, dessa articulação regional de
destinos turísticos pode ser verificado na região turística da Costa do Sol do
estado do Rio de Janeiro. Até o final da década de 1980, o turista que viajava
para Armação dos Búzios, permanecia durante toda a sua estada naquela
localidade, raramente saindo de lá para visitar outros pontos da região de
entorno.
Atualmente, principalmente através da ação dos agentes de
mercado com apoio da mídia, os turistas são estimulados a visitar a localidade
de Barra de São João e fazer o passeio pelo rio de mesmo nome, assim como
ir até Cabo Frio para compras na famosa rua dos Biquínis, ou a Arraial do
Cabo, onde podem encontrar excelentes pontos para mergulho. Observa-se
nesse caso, uma clara sobreposição dos territórios-rede de cada uma daqueles
destinos turísticos e o surgimento de um território-rede ampliado para a escala
micro-regional. Não apenas ocorrem fluxos de turistas de Armação dos Búzios
para Cabo Frio, Barra de São João e Arraial de Cabo, como também ocorrem
fluxos no sentido inverso, daqueles destinos turísticos para Armação dos
Búzios
262
Nessas situações, os destinos turísticos localizam-se próximos o
suficiente para permitir que os turistas circulem entre eles durante as suas
estadas. Desse movimento centrífugo nos deslocamentos dos turistas e nas
ações dos outros agentes produtores do turismo, surgem articulações que
extrapolam os limites locais e avançam para outros destinos, localizados numa
mesma região, ampliando a escala do território-rede do turismo do local para o
micro-regional. Mesmo sem constituir uma região propriamente dita, uma vez
que não apresenta a continuidade territorial que as caracteriza (HAESBAERT,
1997), a articulação desses territórios-rede locais possibilitam a adoção de uma
certa identidade regional, pelo menos do ponto de vista do produto turístico
que, se devidamente estimulados pelas políticas públicas, podem se consolidar
em territórios-rede regionais.
Dessas articulações entre destinos turísticos, territórios-rede
locais de turismo, pode surgir um complexo de relações e articulações
regionais entre seus diversos agentes produtores, constituindo um território-
rede regional (Figura 27). Os fluxos de pessoas (turistas, trabalhadores e
agentes de mercado), de informações e financeiros contribuem para interligar
os destinos turísticos aos centros de apoio (CA), aos centros emissores e a
outras áreas periféricas fornecedoras de insumos, serviços e mão-de-obra para
o turismo, estruturando um território-rede regional de turismo limitado, quase
sempre, pela distância-tempo que define os movimentos de ir e vir diário do
turista (para Boullón (1990a), estabelecido em 2 horas de viagens).
Retomando o referencial do ciclo de vida das destinações
(BUTLER, 1980, 2006), podemos apontar para o fato de que uma das
principais estratégias dos agentes de mercado direcionadas para manter seus
negócios, tem sido a da ampliação das suas áreas de atuação pela
incorporação de novos atrativos turísticos localizados nos arredores do destino
turístico onde estão instalados. Pelo lado dos turistas também é possível
verificarmos uma tentativa de incluir no período de uma mesma viagem, a visita
de vários lugares próximos, o que amplia o espaço apropriado por eles.
263
DT1
DT2
DT3
CA
AT
AT
AT
ATAT
Figura 27 – Esquema de Território-rede de Turismo – escala regional Fonte: elaboração própria
Centros Emissor
es
Centros Emissor
es
Centros Emissor
es
Fluxos de turistas Fluxos de trabalhadores
CA – Centro de apoio DT – Destino turístico AT – Atrativo turístico
264
Por outro lado, parte das populações residentes tanto nos
destinos turísticos como nos seus arredores, identificam nos turistas e, mais
especificamente nos empreendimentos e negócios destinados a atendê-los
durante seus deslocamentos e estada, a oportunidade de emprego ou algum
outro tipo de ocupação que lhes garanta uma renda. Estimulados pelas
facilidades oferecidas pelos sistemas de transportes e de comunicação
existentes, se predispõem a realizar deslocamentos diários para chegar aos
seus locais de trabalho, contribuindo para o surgimento de fluxos diários de
trabalhadores entre os diversos destinos turísticos de uma região e também,
com suas áreas periféricas.
A combinação desses diversos fluxos materiais e imateriais
estabelecidos entre os diversos destinos turísticos e suas áreas periféricas dá
consistência e densidade a um território-rede de turismo regional, que se
mostra mais denso e intenso durante os períodos de alta estação turística e
mais rarefeito, ou mesmo desfeito, nos períodos de baixa estação, exigindo dos
gestores das políticas públicas uma intervenção mais atenta e dinâmica.
O desenvolvimento dos territórios-rede regionais de turismo, de
um modo geral, como pudemos observar no caso da região das Agulhas
Negras, vem acompanhado do surgimento de redes direcionadas para o
melhor aproveitamento dos efeitos multiplicadores da atividade turística – redes
econômicas – ou como forma de resistência das comunidades locais – redes
sociais e políticas –, compondo o que estamos propondo denominar como
redes regionais do turismo.
Observando o que diz Castells (2000, p.498), para quem as redes
eram “estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando
novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde
que compartilhem os mesmos códigos de comunicação”, somos levados a
considerar como característica básica das redes o seu tamanho. O poder
aparentemente ilimitado de expansão das redes indicado por Castells (2000),
na realidade não é infinito uma vez que o próprio autor o vincula à capacidade
de comunicação entre os componentes e ao compartilhamento dos seus
códigos. Desse modo, no caso das redes regionais de turismo os seus limites
265
estão diretamente relacionados com a oferta de infra-estrutura de acesso e de
transportes, uma vez que são limitantes para a principal variável do fenômeno
turístico que é o deslocamento dos turistas entre e pelos destinos turísticos.
Do ponto de vista social tais redes se constituem em conjuntos de
pessoas engajadas na condução de uma ação, ou seja, relacionamentos
sociais com predominância e repetição de certos padrões, durante certo
período de tempo (GARRIDO, 2002). Para Castells a estrutura social em rede
deve ser entendida como “um sistema aberto, altamente dinâmico suscetível de
inovação sem ameaças ao seu equilíbrio” (2000, p. 498).
Por outro lado, Lima (2003) em suas reflexões sobre a
problemática das redes, nos alerta para o fato de ter se tornado comum a
associação entre os termos rede e ordem. Para o autor, as redes mantêm uma
“estrita proximidade com o movimento dialógico que anima a ordem e a
desordem” (ibidem, p. 51), comportando relações dinâmicas que concorrem, se
complementam e, ao mesmo tempo, são antagônicas entre si.
Em suas recentes análises sobre as redes e o turismo, Scottt;
Baggio e Cooper (2008) nos chamam a atenção para o fato do turismo, de um
modo geral, ter sido visto ora como um setor econômico interdependente, ora
como um setor fragmentado e geograficamente disperso, consistindo em
pequenos negocio independentes, com uma alta rotatividade de mão de obra e
operando em um ambiente de negócios bastante instável (ibidem). Nessa
perspectiva, aqueles autores nos alertam para que o desenvolvimento do setor
depende parcialmente de ações e projetos coletivos, indicando as redes como
uma possibilidade para cumprir esse papel. Para eles, uma das razões
primeiras para a ação articulada dos agentes sociais do turismo está no fato de
que muitos dos principais recursos de um destino turístico utilizados para atrair
turistas são de uso comum de toda a (ibidem), o que exige que as decisões
relativas à sua gestão sejam assumidas por todos eles e não apenas pelo
poder público.
Retomando nosso objeto de estudo, os processos de apropriação
do espaço para o turismo, podemos indicar que as características do fenômeno
socioespacial e da atividade econômica gerada por ele, podem ser
266
espacialmente visualizadas em territórios-rede na escala local dos destinos
que, avançando para a escala micro-regional, compõem territórios-rede
regionais, a partir dos quais se configuram redes regionais - econômicas,
sociais e políticas - de fluxos e relacionamentos baseadas nos elementos, nos
agentes e nos efeitos do fenômeno turístico. Tais redes, compostas pela ação
e reação de diferentes agentes sociais, podem revelar-se como novas
dimensões de governança possíveis para a gestão e o gerenciamento do
desenvolvimento ou crescimento do turismo, corroborando o proposto por Dias,
que nos orienta que
à tradicional combinação de escalas da organização espacial, segundo o modelo da boneca russa – do apartamento ao prédio, do prédio ao quarteirão, do quarteirão ao bairro, do bairro à cidade, da cidade à região, da região à nação – somam-se novos arranjos institucionais e espaciais que nos desafiam a redefinir as categorias analíticas que utilizamos para representar o mundo (DIAS, 2007, p. 21)
Contudo, convém reforçar que o território-rede do turismo na
escala micro-regional continua sendo marcado pela flexibilidade, sazonalidade
e fluidez dos seus agentes produtores. Ou seja, também nessa escala as
territorialidades compostas pelos diversos agentes produtores do turismo
revelam-se ora reticulares ora zonais, essencialmente descontínuas, compondo
redes de fixos e de fluxos dinâmicas, complexas e principalmente, sazonais.
De acordo com o modelo proposto na Figura 27, o território-rede
regional do turismo estrutura-se e delimita-se pelas redes físicas de acessos,
essenciais para os deslocamentos dos diversos agentes produtores do turismo,
principalmente dos turistas e dos trabalhadores do setor. É a partir da
existência das redes de acesso e do tipo de meios de transportes
disponibilizados que os destinos turísticos se articulam regionalmente e
definem suas densidades e dimensões.
Enquanto os turistas tendem a se deslocar e a circular entre os
diversos destinos (DT) e atrativos turísticos (AT), em busca de atrativos que
lhes propiciem algum tipo de atividade ou experiência peculiar, os
trabalhadores do setor tendem a se deslocar pelos diversos pontos da rede
267
regional em busca de novas ou melhores oportunidades de emprego ou
ocupação.
Atualmente, são cada vez mais comuns os deslocamentos diários
dos trabalhadores diretos do setor, entre localidades diferentes, na tentativa de
melhorar sua renda e sua qualidade de vida. Também a valorização do solo
nas áreas turistificadas e a melhoria das facilidades de acesso e de
transportes, contribuem para que os trabalhadores do setor busquem as suas
periferias para instalar suas moradias. Ou seja, a expansão e aglomeração dos
territórios-rede do turismo estimulam o crescimento desses fluxos diários de
trabalhadores entre os destinos turísticos de uma região, assim como também,
ampliam o processo de crescimento e o inchaço das suas áreas urbanas
periféricas.
Também é importante ressaltar o aumento dos movimentos
migratórios de pessoas de outras áreas para os destinos turísticos em
crescimento, em busca de oportunidades de trabalho. Nem todas são
absorvidas pelo mercado local, mas optam por ali permanecer, na esperança
de conseguir um emprego ou uma ocupação, contribuindo para a expansão
das áreas periféricas daqueles destinos turísticos. Esse fenômeno pode ser
observado na periferia da cidade do Rio de Janeiro, mas também é mais visível
nas áreas periféricas de destinos turísticos como Armação dos Búzios, Porto
Seguro, Penedo, Angra dos Reis, para citar apenas alguns mais conhecidos.
Os agentes de mercado, por sua vez, apesar da aparente fixidez
dos seus empreendimentos, ao perceberem as possibilidades de incorporação
de novos atrativos aos seus produtos, logo iniciam o estabelecimento de
contatos com outros agentes de mercado no intuito de ampliar suas margens
de lucro. Esses contatos vão permitir o estabelecimento de redes regionais de
negócios, conhecidas na literatura econômica como clusters ou arranjos
produtivos, estruturadas a partir de objetivos e objetos econômicos comuns a
todos os agentes da atividade turística. Em virtude da sua maior agilidade de
ação, os agentes de mercado sempre se antecipam às ações dos demais
agentes do turismo, impondo sua lógica de apropriação dos espaços e dos
demais recursos. Portanto, a ampliação dos territórios-rede do turismo tem nos
268
agentes de mercado seu indutor primário e mais ativo que, na busca por novas
oportunidades de ampliação da sua lucratividade, incorporam novas áreas e
atrativos ao seu negócio. Os turistas, por sua vez, também induzem a
ampliação dos espaços apropriados para o turismo na medida em que sempre
querem acrescentar algo novo às suas experiências vividas durante seus
deslocamentos e permanências fora dos seus locais de residência habitual.
A partir da análise da nossa área de estudo, a região turística das
Agulhas Negras, podemos indicar que o território-rede regional estabelecido
pelos diversos agentes produtores do turismo mostra-se ainda em formação,
tendo em vista que a intensidade e a articulação entre alguns deles ainda são
quase efêmeras e pouco visíveis. Entretanto, tanto os turistas como os agentes
de mercado já têm suas territorialidades regionais bastante visíveis e marcadas
naquela região, permitindo-nos mapear, ainda que de forma inicial seus fluxos
e seus fixos (Figura 28).
Por esse esquema preliminar, fica bastante caracterizado que os
espaços apropriados pelo turismo concentram-se em três áreas contíguas ao
Parque Nacional do Itatiaia e, quando permitido pelo plano de manejo do
mesmo, superpõem-se a ele. Essas três áreas – Visconde Mauá, Penedo e
sede do Parque Nacional – graças às relativas facilidades de acessos entre
elas, convivem com um fluxo expressivo de turistas que circulam entre elas,
porém, ainda sofrem com a carência de elementos básicos de infra-estrutura,
como a pouca oferta de serviços bancários (fixos ou do tipo 24 horas), na
maioria das localidades, concentrando os fluxos financeiros na cidade de
Resende. A presença da rodovia Presidente Dutra margeando
longitudinalmente toda a região, possibilita a comunicação com os principais
centros emissores do país, mas também trás a disputa do espaço com a
atividade industrial, bastante presente ao longo de toda rodovia e nas cidades
de Resende e Porto Real.
O CONRETUR, depois de dez anos de atuação vem se abrindo
para novos parceiros, como é o caso da Federação das Associações de
Moradores de Itatiaia. Isto parece indicar uma decisão de inclusão no
Conselho, de outros agentes sociais, além dos agentes de mercado e do poder
269
Serrinha
Visc. de MauáMaromba
Maringá-MG
Maringá
Mirantão
Santo Antonio
Penedo
Agulhas Negras
Fumaça
Eng. Passos
Parque Nac. Itatiaia
Resende
Itatiaia
Porto Real
Quatis
Bairro São Geraldo
Fluxos de turistas Fluxos de trabalhadores Fluxos financeiros
Figura 28 – Território-rede da Região das Agulhas Negras – 2008 – esquema preliminar Fonte: Elaboração própria
Centros Emissores SP
Centros Emissores Rio de Janeiro
270
público, o que pode vir a fortalecer as redes sociais, políticas e econômicas que
começam a se estruturar a partir do fenômeno turístico regional.
O fortalecimento dessas redes parece sinalizar para a
necessidade de uma mudança nas estruturas organizacionais responsáveis
pela gestão do turismo regional, uma vez que as políticas públicas atuais,
quase sempre centralizadas e de cima para baixo, vêm se mostrando
ineficazes ou, na melhor das hipóteses, parciais para o ordenamento e a
gestão de um setor tão ativo e complexo como é o do turismo atualmente
ocorrente naquela região turística.
6.3 POTENCIALIDADES DAS REDES REGIONAIS PARA AS POLÍTICAS
PUBLICAS DE TURISMO
A crise do capitalismo na década de 1970 provocou uma
alteração no regime de acumulação fordista (caracterizado pela oferta massiva
de produtos, economia de escala e aumento crescente da produtividade) para
outra forma classificada como pós-fordista onde predomina a acumulação
flexível, economia de escopo e aprofundamento dos processos de circulação
do capital, das informações e das mercadorias. Nesse novo cenário, a
utilização do conceito de “economia de rede” indica um caminho mais
apropriado para a compreensão dos processos dos sistemas da maioria dos
setores econômicos (SILVEIRA, 2007). As redes, entendidas como
instrumentos de análise das novas articulações e conexões que os agentes
sociais estabelecem entre si e com outros setores, caracterizam-se pelas
complementaridades, os antagonismos e as concorrências dinâmicas geradas
pelas ações de cada um deles e também pelas ações e decisões tomadas
coletivamente, por todos ou por parte deles.
Como vimos anteriormente, diante da complexidade das relações,
dos fluxos e das ações dos agentes sociais do turismo, o estudo e a análise
dos territórios-rede por eles produzidos ganham mais consistência quando
observadas na escala regional. Hall (2001) nos lembra que a análise
271
concentrada no destino turístico – centrada na escala local – não pode estar
descolada das questões relacionadas com “processos que ocorrem em outras
meta e micro escalas e relacionamentos com coisas alheias ao destino embora
na mesma escala de análise” (2001, p. 137). Isto nos aponta que os destinos
não podem ser vistos ou analisados isoladamente, tendo em vista que “estão
inseridos em uma complexa rede de relacionamentos socioculturais,
econômicos, políticos e ambientais (ibidem, p. 137).
Para muitos autores, dentre eles Ivars (2003), é necessário
diferenciarmos a gestão dos espaços turísticos da gestão dos municípios.
Sobre o espaço turístico incidem as decisões de outros agentes sociais além
do poder público e, portanto, este último não deve agir sozinho nas decisões de
gestão daqueles espaços. A gestão municipal está apoiada no marco
institucional e legal da organização territorial da Constituição Federal vigente,
enquanto a gestão dos espaços turísticos está vinculada ao feixe de decisões e
de ações de seus diversos agentes sociais para quem os limites municipais
não são, ou necessitam ser, observados ou respeitados.
Além disso, é essencial e urgente fugir da dicotomia global↔local
que predomina nas discussões atuais relativas às formas e escalas de gestão
dos processos políticos e de desenvolvimento turístico. Como nos propõe
Boaventura de Souza Santos, precisamos reconstruir ou reinventar “um
espaço-tempo que favoreça e promova a deliberação democrática” (1999,
p.58), onde seja possível caminhar para um processo de regulação e
ordenamento dos espaços turistificados que garanta a participação e
emancipação plena de todos os agentes sociais neles envolvidos.
Segundo aquele autor, o novo contrato social “não pode confinar-
se ao espaço-tempo nacional estatal e deve incluir igualmente os espaços-
tempo local, regional e global” (ibidem, p.60), o que confirma nossa tese de que
as políticas públicas de turismo não podem mais ser definidas, implementadas
ou impostas apenas a partir das lógicas dos nossos diversos níveis político-
administrativos atuais (federal estadual e municipal). A complexidade das
relações e das interações do fenômeno turístico contemporâneo exige a
definição de novos recortes espaciais para a sua regulação. As articulações
272
cada vez mais intensas entre os territórios-rede do turismo apontam para as
redes regionais de relações e inter-relações constituídas pelos e entre seus
agentes sociais, indicando para uma nova dimensão espaço-tempo complexa
de governança do setor.
Essa nova dimensão espaço-tempo, delimitada e definida pelos
territórios-rede dos diversos agentes sociais do turismo, constitui-se em novas
estruturas organizacionais público-privadas voltadas para a gestão do interesse
coletivo daqueles agentes, funcionando como fóruns de negociação e de
produção de políticas e projetos pensados estrategicamente a partir da região e
não dos interesses específicos de um grupo dominante.
Nas palavras da socióloga Tânia Zapata (2008)
a governança democrática torna-se fator de competitividade do território [no nosso caso, do território-rede] porque a gestão de conflitos, a construção de consensos e o ambiente de confiança entre os atores [para nós agentes sociais] facilitam a cultura empreendedora, a inovação e a construção de uma agenda pactuada de mudanças, de pró-atividade dos sujeitos sociais através de idéias inovadoras, projetos coletivos, novos negócios e empreendedorismo social.
As políticas são sempre resultado de decisões deliberadas a partir
de um conjunto de alternativas propostas para solução de determinados
dilemas ou questões de comunidades específicas. Assim, elas incluem as
ações, as inações, as decisões e as não decisões (HALL, 2001) dos governos
e dos governantes. Para tornarem-se públicas devem ser fruto de um amplo
processo, aberto, democrático e inclusivo que observe e respeite as práticas
sociais existentes nas comunidades onde serão implementadas. Políticas
decididas nos ambientes fechados de gabinetes de autoridades do governo
não podem ter e não ganham o status de políticas públicas, limitando-se a
serem políticas de governo. Além disso, as políticas públicas devem comportar
princípios articulados com uma visão de longo prazo e não apenas
constituírem-se de um somatório de programas e projetos arranjados de acordo
com os interesses de curto e médio prazo dos governantes.
273
No âmbito das políticas específicas para o turismo podemos
observar que, no Brasil, elas somente se tornaram suficientemente coerentes,
coordenadas e exeqüíveis a partir de 1992, quando o governo federal decidiu
assumir, pelo menos do ponto de visto da economia, o caráter estratégico do
setor turístico. Entretanto, é preciso destacar o caráter essencialmente
governamental dessas políticas, todas resultado dos projetos políticos de cada
grupo de governo e, portanto, direcionadas pelos objetivos e interesses dos
seus representantes. Em suma, antes de serem políticas públicas, são políticas
de governo e como tal, ficam mais sujeitas às descontinuidades marcadas por
cada ciclo governamental.
Como vimos no capítulo quatro, a descentralização da gestão do
turismo no nosso país, iniciada com a implantação do PNMT no período do
governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), de certa maneira continua
se constituindo no eixo central das políticas federais do setor até o momento
atual. A aparente ruptura proposta em 2003, pelo Plano Nacional de Turismo
do primeiro ciclo de governo do presidente Lula, representada pela extinção do
PNMT e instituição do PRT, apenas confirmou a opção política do governo
federal pela descentralização.
Porém, é importante ressaltar que essa aparente descentralização
trouxe embutida a manutenção do predomínio do poder central. Apesar dos
dois programas citados incluírem propostas de estímulo à formação de redes
locais e regionais para a gestão participativa do desenvolvimento do setor,
ambos continuam baseados na “relação centro-periferia, onde o centro é o
elemento ativo ou sujeito da relação” (ENDRES, 2003, p. 235), o que mantém o
poder do governo federal sobre todo o processo.
Ambos os programas, PNMT e PRT, têm seu foco estratégico no
estímulo ao desenvolvimento turístico a partir da escala local. Enquanto o
PNMT buscava agir nos processos de articulação e organização dos diversos
setores locais, públicos e privados, envolvidos com a atividade turística, o PRT
volta-se mais para a estruturação e formatação de produtos turísticos regionais
com qualidade suficiente para competirem nos mercados atuais.
274
Dito de outra forma, o processo de municipalização do turismo
preocupava-se mais com a organização dos diferentes nichos do setor –
associações, fóruns, conselhos - enquanto o PRT voltou-se mais para a
organização da cadeia produtiva do setor nos espaços regionais. O primeiro
objetivava mais a organização institucional e administrativa do setor na escala
dos municípios; o segundo interessa-se pela organização competitiva do setor
na escala regional.
Pessoalmente acreditamos mais na complementaridade e na
continuidade daqueles processos do que na incompatibilidade entre as duas
propostas. As propostas do PNMT, se tivessem tido continuidade e sido
atualizadas a partir de avaliações regulares e consistentes, certamente teriam
avançado da escala municipal para a regional. Tão logo estruturada e
organizada a célula político-administrativa dos municípios, através de seus
conselhos e fundos municipais de turismo, a demanda pela necessidade de
articulação com seus municípios vizinhos iria vir à tona, pois como já
afirmamos o turismo e especialmente o turista, não se preocupa ou respeita os
limites, quase sempre imperceptíveis e simbólicos, das fronteiras municipais. O
caso do CONRETUR da região turística das Agulhas Negras ilustra bem o que
estamos colocando aqui.
Talvez, a maior falha da descontinuidade política ocorrida entre o
PNMT e o PRT esteja no fato dos criadores e executores do segundo terem
demorado a perceber o quanto os resultados do primeiro lhes eram essenciais.
A articulação de dois ou mais municípios circunvizinhos em uma região turística
só é possível de ocorrer de forma consistente e sustentável, se todos eles já
estiverem com suas estruturas locais minimamente organizadas. Um conselho
ou consórcio regional de turismo só terá condições para se consolidar se
estiver baseado em conselhos ou fóruns municipais fortes e atuantes.
A articulação regional necessita ser precedida por um processo
de articulação municipal, segundo um processo endógeno iniciado na escala
local. A não observância desse ponto está diretamente relacionada com a
continuidade do poder de decisão do centro, ou seja, a descentralização ocorre
275
gerenciada pelo Estado e não como fruto de processos participativos
endógenos consistentes e duradouros.
O surgimento e o desenvolvimento de tais processos
participativos endógenos culminam no desenvolvimento de redes locais e
regionais de relacionamentos, estruturadas nos pilares básicos da
solidariedade e da confiança entre seus participantes (HALL, 2001). Tais redes
regionais poderão contribuir para a governança do desenvolvimento turístico no
caso de serem fruto de processos democráticos, participativos e inclusivos,
dentro daquilo que Souza Santos (1999) classifica como um “espaço-tempo”
favorável à promoção das deliberações democráticas.
Nesse contexto de revisão do papel de cada agente social do
turismo nos processos de apropriação dos espaços para o turismo, as redes
regionais estabelecidas por eles e entre eles podem propiciar uma nova
instância de governança para o desenvolvimento do setor. A organização,
formal ou informal, dessas redes em conselhos, consórcios ou outro tipo de
fórum de agentes sociais, pode possibilitar o desenvolvimento de política
públicas mais específicas e mais diretamente articuladas com as necessidades
e características do setor turístico.
Esses novos fóruns regionais de discussão e deliberação sobre
os processos de desenvolvimento turístico podem possibilitar a gestão mais
equilibrada dos interesses e necessidades de todos os agentes sociais
envolvidos e interessados, na medida em que abrangem os limites dos
territórios-rede definidos por eles e não ficam restritos aos limites político-
administrativos dos municípios. Assumindo o papel de uma nova estrutura
organizacional de governança público-privada, as redes regionais poderão
aumentar o ganho de produtividade e de competitividade dos destinos turísticos
envolvidos a partir da melhor gestão do uso dos recursos comuns a todos os
agentes sociais envolvidos. Além disso, através de suas ações e projetos
coletivos será possível um melhor monitoramento dos impactos ambientais,
sociais e culturais gerados pelo fenômeno e pela atividade turística e contribuir
para uma melhor redistribuição desses impactos entre todos os agentes sociais
envolvidos.
276
No caso do CONRETUR, no momento atual o que presenciamos
ainda é a construção de uma rede técnico-econômica, coordenada pelos
agentes de mercado da região das Agulhas Negras, com o apoio e o incentivo
dos agentes representantes dos diversos níveis do poder público. Ainda não
pode ser assumida como uma rede regional de turismo capaz de cumprir com a
função de efetiva instância de governança público-privada do turismo regional.
Para que isto seja possível, torna-se necessário que aquele fórum se abra para
a participação dos demais agentes sociais interessados no desenvolvimento
turístico regional e inclua as demais dimensões do fenômeno turístico em suas
estratégias e projetos, principalmente, a dimensão espacial, a partir da
incorporação das territorialidades de todos aqueles agentes sociais envolvidos.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Destinos são lugares nos quais as pessoas vivem, trabalham e se divertem. Se temos intenções sérias de tornar esses lugares sustentáveis, devemos tratá-los como um conjunto completo de relacionamentos e redes que são. (HALL, 2001, p. 216).
Partimos do entendimento de que o turismo contemporâneo é um
fenômeno socioespacial complexo, gerador de um dos setores econômicos
mais dinâmicos da atualidade e impulsionador dos processos de globalização,
para analisar como as políticas – públicas e privadas – dos seus agentes
sociais produtores vêm sendo articuladas e implementadas, ou não, pelos
diversos processos de gestão dos territórios apropriados para o turismo. No
jogo dialógico que se estabelece no acontecer tanto do fenômeno como da
atividade turística, observamos um leque de relações antagônicas, mas ao
mesmo tempo complementares e conjugadas. Como apontamos no capítulo
segundo, o fenômeno turístico surge de encontros aleatórios – intencionais ou
não - entre diversos agentes sociais que, dentro de uma aparente desordem
inicial, articulam um feixe de ações, relações e interações modificadoras do
comportamento ou a natureza dos elementos, corpos, objetos ou territórios
envolvidos.
Não é possível, portanto, limitar a análise e o estudo do turismo
contemporâneo à sua dimensão econômica. É necessário ampliarmos os
pontos de vista desse estudo, incluindo outras questões bastante diversas
como a relação dialética tempo livre – tempo de trabalho; os fatores
motivadores dos deslocamentos temporários de indivíduos ou de grupos
278
humanos; o modo como esse viajante temporário percebe e apreende as
paisagens pelas quais circula e, conseqüentemente, se territorializa
temporariamente; além daquela que inclui a transformação das viagens dos
turistas em mercadoria, pelo capital.
Visto como uma prática social que remonta ao início da civilização
ocidental, o turismo comporta possibilidades de encontros de alteridades
distintas, a partir dos deslocamentos espaciais de pessoas (individualmente ou
em grupos) para outros locais fora das suas áreas de atuação cotidiana.
Entretanto, nem sempre esses encontros ocorrem plenamente; o visitante, na
grande maioria das oportunidades, ainda prefere não se relacionar com o grupo
visitado, optando por apenas “olhar” passivamente o lugar visitado, como se
este fosse o cenário de um espetáculo. Para ele, não há desejo de
envolvimento e de participação com o cotidiano do lugar visitado.
Por outro lado, nas últimas décadas do século XX observa-se
uma mudança comportamental nos turistas durante suas viagens e estadas
nos destinos turísticos visitados. Parte daqueles que compõem os crescentes
fluxos de turistas nacionais e internacionais, começa a revelar interesse em
trocar informações com os visitados. Inicialmente de forma tímida, apoiados
principalmente pelas orientações e pelos novos paradigmas do movimento
ambientalista, os turistas passam a “exigir” dos operadores de viagens e dos
demais agentes produtores da atividade turística, oportunidades de contato ou
mesmo de envolvimento mais direto com a realidade cotidiana dos destinos
turísticos. Pela ótica dos agentes de mercado, o cliente – o turista – torna-se
conhecedor dos seus direitos de consumidor, passando a optar por produtos
turísticos que incluam, além da qualidade dos equipamentos e serviços,
cuidados com a sustentabilidade dos recursos utilizados e, principalmente, com
o respeito às populações permanentes dos destinos turísticos. Ou seja, uma
parte cada vez mais significativa dos turistas atuais não aceita consumir
passivamente pacotes turísticos pasteurizados e homogeneizados, nos quais o
imprevisto é eliminado completamente. Mesmo sem desejar correr grandes
riscos, esse novo turista contemporâneo, mais articulado política e socialmente,
ansia pelo inesperado e pelo novo, que lhe propicie a concretização de uma
279
experiência e de uma vivência de momentos únicos, ímpares e, se possível,
inesquecíveis para a sua história pessoal de vida.
Nesse contexto, o desejo de aprofundar o entendimento dos
processos de apropriação do espaço pelos agentes sociais produtores do
turismo, por meio da sua turistificação sinaliza para a necessidade de
avançarmos no estudo das relações que o turismo, como fenômeno
socioespacial e atividade econômica de destaque na contemporaneidade,
mantém com as manifestações do capital. As dimensões do capital
incorporadas pelo turismo podem ser analisadas a partir do jogo dialógico
estabelecido entre o tempo livre e o tempo de trabalho, em que diversas ações
e interesses se complementam, se contradizem ou, simplesmente, concorrem
num acontecer simultâneo. O capital, na sua ânsia constante de reprodução, se
apropriou do tempo livre conquistado pelos trabalhadores e o transformou em
tempo de consumo, transformando a recreação, o lazer e a viagem em
necessidades básicas do homem para a sua auto-preservação.
O turismo na sociedade de consumo contemporânea transformou-
se, então, em uma prática social, econômica e cultural que vem contribuindo
para os processos de diferenciação social entre os elementos do mesmo grupo
e entre os diversos grupos sociais, afastando-se totalmente do conceito de
lazer clássico. Para acontecer, essa prática social consome trechos do espaço
que pela ação dos seus diversos agentes sociais, passam a ser turistificados.
O processo de turistificação dos espaços, defendidos por autores como Knafou
(1996) e Nicolàs (1989) compreendem, portanto, tanto o processo de
apropriação pelo turista como o de dominação pelos agentes econômicos e
pelos agentes de governo de certos trechos do espaço.
Para nós, tal processo produz um amálgama entre a lógica da
produção imposta pelos agentes econômicos e a lógica do lazer dada pelo
turista. Tudo isto ocasiona o reordenamento dos espaços turistificados,
podendo trazer conseqüências negativas como o crescimento urbano caótico e
o aparecimento de conflitos internos nos grupos sociais locais e nas suas
relações com os visitantes e com os agentes do mercado que ali se instalam.
Contraditoriamente, essas conseqüências negativas não são bem-vindas para
280
nenhum dos agentes sociais envolvidos, na medida em que ajudam a afastar
os visitantes, diminuindo a produtividade do setor, o número de empregos
gerados, a arrecadação de impostos e minimizando os tão destacados efeitos
multiplicadores do turismo.
A princípio, a regulação e normatização dos processos de
ocupação e (re)ordenamento dos territórios apropriados para o turismo
competem ao poder público, a partir do estabelecimento de políticas públicas
que definam as diretrizes para tais processos, preferencialmente ouvindo os
demais agentes sociais envolvidos, incluindo as representações das
populações residentes nas áreas receptoras. Entretanto, o acompanhamento
do processo de turistificação da região turística das Agulhas Negras, nos
mostrou que raramente aquelas políticas públicas conseguem cumprir essa
tarefa, por não incluírem no seu bojo, as ações e reações de todos os agentes
sociais produtores dos espaços turísticos. A turistificação dos espaços no Brasil
tem ocorrido, quase sempre, de forma espontânea e sob a coordenação dos
agentes de mercado que, identificando novas oportunidades de investimentos,
se antecipam e impõem a sua lógica para todos os demais agentes sociais
envolvidos.
Nos últimos 30 anos, apoiados no modelo neoliberal hegemônico
reinante na maioria dos Estados, os governos têm se apropriado do turismo
apenas pela sua dimensão econômica, privilegiando os agentes do mercado
em detrimento dos demais. De um modo geral, as políticas públicas
direcionadas para a gestão do turismo vêm sendo norteadas apenas pelas
dimensões econômica e mercadológica do setor, não contemplando outras
dimensões relevantes para o cotidiano das áreas receptoras e das áreas
emissoras, como aquela relacionada com a espacialidade do turismo. O
espaço é tido apenas como suporte e “matéria prima” para a atividade
econômica, deixando bem visível a priorização dos interesses dos empresários.
Os demais agentes sociais não têm seus interesses e necessidades
contemplados pela maioria daquelas políticas públicas, mesmo quando os
discursos, aparentemente, apontam para isso.
281
É oportuno recuperar aqui nossa proposta, desenvolvida no
capítulo terceiro e concluída no capítulo sexto, relacionada aos agentes sociais
produtores do turismo contemporâneo. Contrariando alguns autores,
entendemos ser preciso nos afastar da separação cartesiana entre sujeito e
objeto, para apreender o turismo como um fenômeno socioespacial que tem no
seu cerne não apenas um agente social gerador, mas sim diversos agentes
sociais que colaboram para a sua construção e seu acontecer. Para nós, tais
agentes sociais são, ao mesmo tempo, ativos e passivos; suas ações e
reações estabelecem uma trama reticular complexa fortemente espacializada,
composta pelos pontos emissores, pelos pontos receptores e pelas suas linhas
de conexões, que se superpõem às outras redes de relacionamentos,
sincronicamente, densificando e turistificando o espaço onde ocorrem.
A revisão da história recente das políticas públicas de turismo
brasileiras desenvolvida no capítulo quarto deste trabalho, com especial
atenção para a dimensão espacial do turismo, nos estimulou a uma análise das
diferentes formas e propostas de compreensão e ordenamento territorial do
turismo contido nelas. Tal reflexão nos permitiu identificar diversas
convergências e divergências existentes entre aquelas políticas e elencar uma
série de indagações sobre o atual estado da arte da gestão pública de turismo
no Brasil, a partir da nossa participação direta, durante mais de vinte anos, na
aplicação de muitas delas no território do estado do Rio de Janeiro.
Tendo como base de análise as políticas públicas de turismo
estabelecidas a partir de 196658, entendemos ser possível definirmos dois
períodos distintos nos processos de institucionalização do turismo no país: o
primeiro de 1966 a 1986 e o segundo, de 1994 até o momento atual, separados
por um momento que pode ser considerado de transição entre 1986 e 1994.
Esta periodização tem o único intuito de possibilitar a análise de maneira mais
objetiva e não pode, nem deve, ser confundida com uma tentativa de divisão
rigorosa do processo histórico recente do desenvolvimento do turismo no país.
58 Este recorte temporal estabeleceu-se com base em nosso entendimento de que a primeira
política pública específica para o turismo foi editada naquele ano, com a criação do CNTur e da EMBRATUR.
282
A separação em períodos propiciou-nos apenas reunir acordos e desacordos
entre aquelas políticas objetos do nosso presente estudo.
Durante o primeiro período proposto (1966-1986) observamos a
falta de articulação política entre os diversos projetos e programas
estabelecidos pelo CNTur e desenvolvidos pela EMBRATUR. Na realidade tal
desarticulação já pode ser percebida na superposição e nos conflitos entre as
competências e as atuações daqueles dois organismos federais. Em certos
momentos foi a EMBRATUR quem elaborou e propôs as normas para o
turismo brasileiro, deixando para o CNTur o simples papel, quase burocrático,
de aprovar e editar aquelas normas, na forma de resoluções normativas. O
modelo governamental imposto pelo regime militar propiciava a relação
conflituosa entre diversos níveis do poder executivo federal que, sem o
acompanhamento e controle do legislativo, agiam de maneira isolada e
desarticulada.
O período entre 1986 e 1994 pode ser considerado, do ponto de
vista da gestão do desenvolvimento turístico brasileiro, como de transição.
Entretanto, deve-se cuidar para não minimizar sua importância e relevância
para a compreensão do período subseqüente. A ruptura com a centralização e
o autoritarismo do período do regime militar não foi brusca; pelo contrário, deu-
se de forma bastante lenta. Ainda hoje, é possível observarmos alguns hábitos
(ranços?) daquele regime nos procedimentos de certos órgãos públicos e entre
determinados políticos atuais.
Durante esse período, o ponto crítico central nas definições das
políticas públicas brasileiras foi a opção pelo modelo neoliberal, defendido e
recomendado pela OMT como o mais adequado para o desenvolvimento do
setor turístico mundial. Tal modelo apresentava, naquele momento histórico,
como ponto fundamental, a ampla desregulamentação do setor turístico, com o
fim da ingerência do setor público e a entrega das decisões para os agentes de
mercado (HALL, 2001; BENI, 2006).
No caso brasileiro isto ocorreu de forma bastante incisiva, talvez
possamos dizer até dramática. A assinatura do Decreto-lei nº 2294, de 21 de
dezembro de 1986, tornou livre a atividade turística no país,
283
independentemente de qualquer autorização prévia. Esta posição foi reforçada
pelo artigo 170 da Constituição Federal de 1988 que “assegura a todos o livre
exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de
órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” (FERRAZ, 1992, p.25).
A desregulamentação instituída pelo citado decreto-lei foi recebida
pelo mercado com euforia, como podemos verificar nos anais dos congressos
da ABAV de 1987 e 1988. Entretanto, pouco tempo depois, os mesmos
empresários que haviam trabalhado e apoiado a desregulamentação do setor,
viram-se obrigados a solicitar a intervenção estatal para controlar o surgimento
de forma quase exponencial, de empresas e negócios turísticos59.
Nos dois anos do governo Fernando Collor, o Estado voltou a
intervir no setor turístico, não mais como agente regulador e fiscalizador, mas
como fomentador do turismo pela implantação de projetos indutores de
desenvolvimento denominados de pólos de desenvolvimento ou PRODETUR.
Nessa ação específica, o governo federal atuou fortemente no (re)ordenamento
do espaço turístico nacional, a partir da priorização dos investimentos na infra-
estrutura de apoio em trechos do litoral nordestino, visando induzir o
deslocamento dos fluxos de investimentos privados para a região Nordeste do
país. Desta forma, o papel do Estado no turismo ganhou outra roupagem e
dimensão, demonstrando claramente sua dependência e/ou subserviência aos
agentes de mercado, especialmente àqueles vinculados ao capital
internacional. As políticas públicas passaram a priorizar as “necessidades” do
mercado, em detrimento de um projeto de desenvolvimento mais abrangente e
duradouro. Para conseguir atrair os investimentos privados, o Estado fornecia a
infra-estrutura básica para viabilizá-los, abrindo mão de parte das suas
competências e atribuições para privilegiar aqueles agentes específicos.
Com a posse de Fernando Henrique Cardoso a gestão do turismo
nacional ganhou novos rumos e novos projetos. A primeira grande alteração
59 Exemplo disso foi o caso das agências de viagens existentes no estado do Rio de Janeiro:
antes do decreto-lei 2294/86 não chegava a 2000 o total de agências em operação no estado; dois anos depois esse número havia ultrapassado a marca de 10.000 agências, em sua grande maioria de pequeno porte, popularmente conhecidas como “Maria’s tour”, em razão de terem sido originadas pela formalização do trabalho desenvolvido pelas guias de turismo do sexo feminino.
284
institucional foi a elevação da gestão do setor para o nível ministerial, com a
criação do Ministério dos Esportes e do Turismo. Independentemente da
aparente contradição entre esses dois setores, pela primeira vez o país passou
a ter uma política nacional de turismo definida, objetiva e amplamente
divulgada.
Além disso, concretizou-se uma alteração bastante significativa na
gestão política do setor com a implantação do PNMT e do processo de
descentralização daquela gestão. Em 2003, o turismo ganhou o status de
ministério exclusivo e a política nacional do setor passou a ser norteada pela
estratégia central de desenvolvimento de “produtos regionais” dentro de um
amplo processo de regionalização, orientada pelo PRT. Em 2007, o PRT
definiu as regiões consideradas prioritárias para o turismo nacional e, em 2008,
indicou os 65 destinos priorizados até 2010 para assumirem a função de
modelos indutores para o desenvolvimento turístico regional.
Em uma leitura transversal de todas as políticas, programas e
projetos direcionados para o desenvolvimento turístico nas últimas quatro
décadas, foi possível identificarmos alguns pontos e/ou focos que vêm sendo
mantidos, mesmo que não de forma intencional, explícita ou sistemática:
a. Desde a instituição da área do litoral Rio-Santos como “Zona
Prioritária de Interesse Turística”, (resolução CNTur nº 413/73) e o
desenvolvimento do Projeto Turis (1974), as diretrizes do governo
federal vêm sinalizando para a importância e a necessidade do
ordenamento dos espaços apropriados ou apropriáveis para o
turismo, sem contudo implantar ações efetivas para tanto;
b. Dadas as dimensões e as características do país, em diversos
momentos, por meio de vários projetos, deixou-se clara a
necessidade da identificação e do ordenamento dos trechos
prioritários do território nacional para o desenvolvimento turístico:
projeto Turis (1974); identificação do espaço turístico nacional
(1979); pólos de desenvolvimento turístico (década de 1990);
municípios prioritários para o desenvolvimento turístico; regiões
285
turísticas prioritárias (2003); e pólos indutores do desenvolvimento
regional (2007);
c. A concordância de que para a definição dos espaços prioritários do
turismo é fundamental a realização do inventário da oferta turística
do país, projeto iniciado em 1983 e, até hoje, não implantado
plenamente, por conta de uma série de razões de ordem técnica e
política.
Contudo, entendemos que a dimensão espacial tão cara para o
turismo e, principalmente, para o ordenamento dos espaços apropriados pelos
seus agentes sociais, ainda não foi contemplada como deveria por aquelas
políticas, que continuam não levando em consideração a complexidade do
fenômeno. Mesmo quando oferecem um discurso mais democrático e sinalizam
para uma maior participação de todos os agentes sociais envolvidos nos
processos de decisões, elas pecam por priorizar, em suas diretrizes e
propostas de ações, os agentes de mercado.
Cada um dos agentes sociais envolvidos com o fenômeno
turístico, de acordo com suas necessidades e ansiedades, se apropria dos
espaços dentro de lógicas específicas e a combinação dessas diversas lógicas
compõe territórios-redes bastante diversificados e específicos. Como
apontamos nos capítulos cinco e seis, esses territórios-redes avançam da
escala local para a escala micro-regional, ultrapassando os tradicionais limites
político-administrativos dos municípios, exigindo novas estruturas
organizacionais para sua gestão e ordenamento, que encontramos em
formação durantes nossas observações e estudos do processo de turistificação
da região das Agulhas Negras.
Uma das grandes dificuldades das políticas públicas mais
recentes, por nós indicada, está no não reconhecimento do fato de não haver
para o turista, fronteiras ou limites político-administrativos a serem obedecidos.
Os seus deslocamentos espaciais não obedecem àqueles limites e
delimitações, principalmente no que se refere aos limites municipais. O turista
se apropria e circula pelo espaço seguindo outros fatores - localização dos
atrativos, facilidade de acessos, oferta de serviços de transportes, “reclames”
286
da mídia, preços e localização dos equipamentos e serviços turísticos – que na
sua grande maioria apresentam um alto grau de subjetividade. È perceptível
que, se o turista não se restringe àqueles limites, os demais agentes
produtores do turismo também tendem a não fazê-lo, uma vez que suas lógicas
de apropriação dos espaços estão diretamente ligadas com a lógica dos
turistas.
Dessa forma, se os territórios apropriados pelo turista e para o
turismo não coincidem com aqueles limites político-administrativos, as políticas
direcionadas para o seu ordenamento, quer sejam públicas ou privadas, não
podem ser circunscritas por eles. Verifica-se uma clara necessidade de
definição de outra escala de atuação que contemple a flexibilidade necessária
para a apreensão de toda a complexidade do fenômeno.
A turistificação de trechos do espaço produz, na atualidade,
territórios “esgarçados”, que são reordenados a partir da refuncionalização dos
seus fixos e estruturados em malhas de pontos e linhas, mais ou menos
densas, definidas pela combinação das diversos modos de apropriação de
cada um dos agentes sociais envolvidos. A forma de apropriação dos espaços
do turista é predominantemente reticular e flexível, enquanto a do poder público
e da comunidade local são mais fortemente zonal; já para os agentes de
mercado e para os trabalhadores do setor ora ela é zonal ora é reticular. A
combinação dessas diferentes lógicas aponta para a constituição de um
espaço do turismo ora contínuo (zonal) ora entrecortado (reticular), constituindo
o que denominamos de território-rede.
Nesses territórios-rede do turismo, tanto na escala local dos
destinos turísticos, como na escala micro-regional onde alguns destinos
turísticos se articulam buscando constituir produtos mais competitivos para o
mercado turístico, é possível observamos a circulação de pessoas (turistas,
trabalhadores do setor, agentes de mercado, fornecedores), de insumos, de
informações e de capitais financeiros, em ritmos e tempos diferenciados, que
ampliam a complexidade das variáveis envolvidas nesses processos.
Essa complexidade das lógicas de apropriação do espaço, ora
mais zonal ora mais reticular precisa ser incorporada pelas políticas
287
orientadoras da gestão do desenvolvimento turístico, sob pena de provocar
uma série de equívocos geradores de muitas perdas de oportunidades e de
muitos conflitos e impactos socioculturais e ambientais no país. Nesse sentido,
propomos a adoção da categoria de território-rede como a mais adequada para
o desenvolvimento de políticas direcionadas para o ordenamento dos espaços
apropriados pelo turismo, por possibilitar a inclusão de todos os seus
elementos constituintes, suas ações, interações e inter-relações, sejam elas
complementares, concorrentes ou mesmo antagônicas. A lógica reticular do
território-rede nos permite captar a mobilidade dos seus agentes sociais
produtores e sua combinação com a lógica zonal nos leva a perceber mais
nitidamente o dinamismo, o movimento, as possíveis conexões e a
profundidade do espaço apropriado; tal procedimento nos afasta do risco de
uma leitura bidimensional e estática, uma vez que incorpora a multiplicidade de
tempos de cada um daqueles agentes sociais.
Mesmo concordando com o fato de o turismo ter o seu acontecer
no espaço local dos destinos turísticos, onde sobrepõe suas formas fixas e
onde ocorrem a produção e o consumo, quase simultâneos, do produto
turístico, indicamos que esse território tende a se ampliar e a abranger um nível
escalar maior. Na medida em que os seus agentes sociais constituem
articulações com outros destinos turísticos geograficamente próximos,
envolvendo outras localidades circunvizinhas, interligadas pelas suas redes de
acessibilidade, de comunicações, de transportes e econômicas, ampliam
aquele território-rede para a escala micro-regional.
Vimos acompanhando o processo de formação do espaço do
turismo na região turística das Agulhas Negras, localizada no sul fluminense
desde a década de 1980, participando diretamente de diversas ações e
projetos propostos tanto pelo governo estadual como o federal e mantendo
contato pessoal com os agentes sociais envolvidos com o turismo regional. Isto
nos permitiu observar a expansão para a escala micro-regional do território-
rede do turismo ali ocorrente, contribuindo para a construção da proposta que
ora apresentamos.
288
Iniciado nas primeiras décadas do século XX, o processo de
turistificação da área de entorno do Parque Nacional do Itatiaia, originalmente
restrito às localidades de Penedo, Visconde de Mauá e Engenheiro Passos,
ampliou-se para um território-rede que atualmente congrega um número
expressivo de destinos turísticos articulados em torno de três pontos focais:
Visconde de Mauá, Penedo e Parque Nacional do Itatiaia. Na configuração
atual, esse território-rede abrange dois municípios do estado do Rio de Janeiro
(Resende e Itatiaia) e um de Minas Gerais (Bocaina de Minas), com indicação
de envolvimento de, pelo menos, mais dois municípios fluminenses (Porto Real
e Quatis) e de outros dois municípios mineiros nos próximos anos (Itamonte e
Alagoa). Essa expansão deverá ser de certa maneira, limitada por dois
condicionantes básicos para o desenvolvimento turístico. O primeiro está
relacionado com a melhoria da rede de acessos entre as diversas localidades
da região que, atualmente impede a realização de um circuito completo ao
redor do Parque Nacional do Itatiaia. O segundo vincula-se às dificuldades de
articulação dos agentes sociais públicos envolvidos, tendo em vista que exigirá
a necessidade de envolvimento dos representantes de diversos municípios e
de dois estados da federação.
O território-rede regional das Agulhas Negras vem ganhando
consistência com a intensificação dos fluxos materiais e imateriais
estabelecidos entre os seus diversos destinos turísticos e suas áreas
periféricas, revelando-se mais denso e intenso - na alta estação turística - e
mais rarefeito, ou mesmo desfeitos - na baixa estação – indicando a
necessidade de políticas mais atentas e dinâmicas. A intensa mobilidade dos
agentes sociais do turismo e o crescimento bastante significativo dos agentes
de mercado em novos destinos turísticos têm levado ao surgimento de um
número elevado de redes de destinos e de relacionamentos estruturados com
base na atividade turística.
O desenvolvimento de territórios-rede regionais de turismo, de um
modo geral, tem sido acompanhado pelo surgimento de redes econômicas
direcionadas para o melhor aproveitamento dos efeitos multiplicadores da
atividade turística ou de redes sociais e políticas de resistência das
289
comunidades locais, compondo o que estamos denominando redes regionais
do turismo. Essas redes regionais compostas pela ação e reação de diferentes
agentes sociais, sinalizam para a possibilidade de uma mudança nas estruturas
de governança responsáveis pela gestão do turismo, uma vez que elas
permitem contemplar as territorialidades de cada um daqueles agentes sociais
envolvidos com o desenvolvimento turístico, em uma dimensão espaço-tempo
mais flexível, ampla e democrática.
As redes regionais do turismo, como novas estruturas
organizacionais para a gestão e para o ordenamento dos espaços
turistificados, podem possibilitar aos seus agentes sociais a constituição de
uma série de articulações e conectividades, entre eles e com outros agentes
sociais externos ao turismo, tanto do ponto de vista econômico, como cultural e
político. A individualidade de cada localidade pode ser preservada ao mesmo
tempo em que é articulada com as individualidades das demais localidades da
rede, compondo um território-rede regional do turismo complexo. Esse
território-rede é marcado pela superposição de territorialidades distintas no
tempo e no espaço, aparentemente antagônicas, mas também
complementares e que podem ser conjugadas, fortalecendo a todas as
localidades e destinos envolvidos.
No caso da região das Agulhas Negras estabeleceu-se, a partir de
1997, um embrião de uma rede regional de turismo com a constituição do
CONRETUR. Mesmo ainda apresentando um viés predominantemente
econômico, aquele conselho vem possibilitando o diálogo e a articulação entre
os diversos agentes sociais envolvidos com o turismo naquela região e
ampliando as possibilidades de articulação e de inserção daquelas localidades
turísticas em outras redes mais ampliadas do turismo atual. A rede econômica
que já estabelecida deverá continuar se expandindo e incluindo novos agentes
sociais, como foi o caso recente da Federação das Associações de Moradores
de Itatiaia, ampliando os espaços de discussões e complexificando as relações
e as interações entre seus diversos agentes sociais, num jogo permanente
entre o local e o micro-regional, entre a racionalidade econômico-funcional dos
agentes de mercado e a apropriação simbólica dos espaços pelos turistas e
290
pelas populações locais, entre as territorialidades zonais mais contínuas de
alguns e as territorialidades mais reticulares e efêmeras de outros.
Como observamos no capítulo sexto, os destinos turísticos não
podem ser vistos ou geridos isoladamente, tendo em vista que fazem parte de
uma complexa rede de relacionamentos socioculturais, econômicos, políticos e
ambientais. Sobre o espaço apropriado para o turismo incidem as decisões de
outros agentes sociais além dos agentes de mercado e do poder público;
portanto, este último não deve agir sozinho nas decisões de gestão daqueles
espaços.
Devemos ter presente que, apesar da gestão dos municípios
brasileiros estar apoiada no marco institucional e legal da organização territorial
da Constituição Federal vigente, a gestão dos espaços turísticos depende de
um conjunto de decisões e de ações de diversos agentes sociais, para quem
os limites municipais não são necessariamente definidores para suas atuações.
Como também apontamos, é essencial e urgente fugir da dicotomia excludente,
estabelecida entre o global e o local, que predomina em grande parte das
discussões atuais relativas às formas e escalas de gestão dos processos
políticos e de desenvolvimento turístico.
A opção pelo desenvolvimento do setor turístico como indutor do
processo de desenvolvimento humano naquelas áreas consideradas prioritárias
pelas atuais políticas públicas, necessariamente precisa incorporar a dimensão
espacial do fenômeno turístico e buscar novos “espaços-tempo” que
possibilitem a sua gestão mais participativa e democrática, com o envolvimento
de todos os agentes sociais nos processos. A partir de ações e projetos de
regulação e ordenamento dos espaços turistificados que garantam a
participação e emancipação plena de todos os agentes sociais neles
envolvidos, poderá ser possível caminhar-se para um estágio de governança
mais democrático e ampliado para os territórios-rede regionais do turismo
brasileiro.
A consolidação das redes regionais de turismo como novas
estruturas organizacionais de governança público-privadas dos territórios-rede
regionais constituídos pela combinação das lógicas de territorialização de cada
291
um dos seus agentes produtores, parece-nos uma perspectiva viável para um
espaço-tempo de gestão mais democrática e participativa do desenvolvimento
turístico. Nelas, e por meio delas, parece-nos possível a convivência e a
articulação dos agentes sociais do turismo, na busca de projetos coletivos
construídos a partir da gestão dos seus conflitos, num exercício novo de
cidadania. O jogo dialógico existente entre eles, fruto da complexidade do
fenômeno do turismo, será permanente e exigirá o exercício diário de busca de
equilíbrio entre os interesses de todos, sempre de forma complementar e
conjugada. Esse exercício poderá facilitar o estabelecimento de uma agenda
pactuada por todos, incluindo as mudanças necessárias e o fortalecimento dos
agentes sociais envolvidos nos processos de desenvolvimento regional
propiciado pelo turismo.
Por fim, para que as redes regionais de turismo ganhem
consistência e efetividade, as políticas – públicas ou não – direcionadas para o
gerenciamento e o ordenamento do desenvolvimento turístico no país,
precisam incorporar efetivamente a ação de cada um dos agentes sociais
produtores envolvidos, tendo como ponto de partida o entendimento da
territorialidade que cada um deles estabelece nos espaços turistificados e da
incorporação de outras dimensões sociais, políticas e culturais do fenômeno. O
espaço apropriado para o turismo não deve ser visto apenas como cenário e
suporte para uma atividade econômica cada vez mais marcante da sociedade
contemporânea. Ele precisa ser incorporado como resultado das ações de
cada um dos seus agentes sociais tornando-se, ao mesmo tempo, conteúdo e
continente do turismo.
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301
ANEXO A
CONRETUR CONSELHO REGIONAL DE TURISMO – REGIÃO DAS AGULHAS NEGRAS
Resende, Itatiaia, Quatis, Porto Real, CDL, SEBRAE/RJ, Parque Nacional do Itatiaia, ABRAJET, ABAV, ABIH,
TurisRio e as Associações de Hotéis de Itatiaia, Penedo, Visconde de Mauá e Serrinha do Alambari
DIRETORIA EXECUTIVA DO CONRETUR
Presidente: Marcelo Andres Carrasco Jimenez (Pró-Penedo) Vice-Presidente: Mônica Rangel (ART-VM) Diretora Técnica: Paola Pereira Tenchinni da Silva (Sebrae) Secretária Executiva: Roberta Dias de Oliveira (PMR) Tesoureira: Nilda Ratinetz (ANC&VB) Relações Públicas: Vago (a Conselheira Malu Santa Rita que ocupava este cargo não faz parte mais do CONRETUR)
RELAÇÃO DAS ENTIDADES DO CONRETUR (FUNDADORAS E CONVIDADAS)
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Inovação de Resende Roberta Dias de Oliveira – Titular Telefax: 3354-7051 E-mail: [email protected] / [email protected] Ricardo Abbud de Azevedo – Suplente Telefax: 3354-7051 E-mail: [email protected] Secretaria Municipal de Turismo de Itatiaia Roxane Alexandre – Titular Telefax: 3352-6777 – ramal: 313 E-mail: [email protected]/[email protected]. Coordenadoria de Desenvolvimento Municipal Rosangela Aparecida da Silva – Titular – 9984-4550 Telefax: 3353-5983/3353-2918/3353-3509 E-mail: [email protected] / [email protected] Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento de Porto Real Carlos César de Oliveira - Titular Telefax:3353-8200/3353-1812/3353-1791/3353-4929/9902-0181 E-mail: [email protected] / [email protected] Av. H, nº 365 – Nova Colônia – Porto Real/RJ Luis Carlos de Souza Cardoso - Suplente Telefax: 3353-8200/3353-1812/3353-4929/9831-4781 E-mail: [email protected]
302
Juliana de Carvalho Pederassi – Estagiária (participa das reuniões acompanhando o César) Telefone: 9911-4436 E-mail: [email protected] CDL – Câmara de Dirigentes Lojistas Mario Augusto Barbosa – Titular Rua: Cadete Caldas, 35 – Montese – 27.541-080 Telefax: (24) 3354-1982 E-mail: [email protected] / [email protected] Site: www.voubem.com.br Nilda Ratinetz – Suplente Telefax: 3355-1108 E-mail: [email protected] Site: www.agulhasnegrasconvention.com.br SEBRAE – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Paola Pereira Tenchini da Silva – Gestora do Projeto de Turismo GEOR – Titular Telefax: 3347-3481/3347-5846/3323-7127/3323-5782/9811-8942 E-mail: [email protected] Jayme Souza – Técnico – Suplente Telefax: 3354-3171/3355-1647/9957-0844 E-mail: [email protected] Ana Cláudia Melo Vieira – Sebrae/RJ – Convidada Comitê Gestor Telefax: (21) 2212-7951/9889-5561 E-mail: [email protected] PNI – Parque Nacional do Itatiaia Daniel Di Giorgi Tofolli – Titular Telefax: 3352-1461/3352-7001 E-mail: [email protected] / [email protected] / [email protected] Luiz Sérgio Pereira Sarahyba – Suplente Telefax: 3352-1461/3352-7001 E-mail: [email protected] /[email protected] ABAV – Delegacia Regional da Associação Brasileira das Agências de Viagens e João Pires da Costa – Vou Bem Viagens e Turismo – Titular Rua Cadete Caldas, 35 – Montese – Resende/RJ – 27.541-080 Telefax: (24) 3354-1982 E-mail: [email protected] Ana Amélia de Melo Lambert Araújo – Suplente Telefax: 3355-1824 E-mail: [email protected] Valdir de Oliveira – Convidado Oasis Viagens, Turismo e Seguros Av. Nova Resende, nº 57 – Campos Elíseos Telefax: (24) 3355-4170 E-mail: [email protected]
303
ABIH – Delegacia Regional da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis TURISRIO – Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro Nilo Sérgio Félix – Titular Telefax: (21) 2215-0011 E-mail: [email protected] Valéria Maria de Souza Lima – Suplente Telefax: (21) 2544-7121/ 2215-0011 E-mail: [email protected] AHRSI – Associação de Hotéis, Restaurantes e Similares de Itatiaia Luis Carlos Ferreira Bastos – Titular Telefax: 3352-1453/9999-2655 E-mail: [email protected] Adriana Fontes – Suplente Telefax: 3352-1453 / 9228-0547 / 3352-5748 E-mail: [email protected] / [email protected] ART-VM – Associação da Região Turística de Visconde de Mauá Mônica Rangel – Titular Telefax: 3387-1108/3387-1382/9998-9093 E-mail: [email protected] / [email protected] Jussara Nunes – Suplente Telefax: 3387-1308/3387-2348/3360-5425/9829-8424 E-mail: [email protected] / [email protected] ACESA – Associação Comercial e de Empresários da Serrinha do Alambari Guilherme Caram – Titular Telefax: 3381-7226 E-mail: [email protected] Eliel de Assis Queiroz – Suplente Telefone: 3381-7180 E-mail:
Associação Empresarial PRÓ-PENEDO Marcelo Andrés Carrasco Jimenez – Titular Telefax: 3351-1183/9212-2552 E-mail: [email protected] Av. das Mangueiras, 1457 Cidnei Celso Trevisan – Suplente Rua das Velas, 76 – Penedo – Itatiaia/RJ Telefone: 3351-2495 E-mail: - Andréa Madaras – Convidada Telefax: 3351-1030 / 3351-1036 E-mail: [email protected] / [email protected]
304
AGUIMAN – Assoc. de Guias de Turismo, Monitores e Condutores da Região das Agulhas Negras Ralph Salgueiro – Titular Telefax: 3351-1823/9952-5962 E-mail: [email protected] Danielle Muniz – Suplente Telefax: 3351-1823/9974-9974 E-mail: [email protected] Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Barra Mansa – SHRBS Alexandre Magno Vieira – Titular Telefax: 3323-3750/3323-2779 / (21) 8116-8796 E-mail: [email protected] / [email protected] Antelmo Pires – Suplente Telefax: 3323-3750/3323-2779 E-mail: [email protected] Rua Dr. Mário Ramos, 184 – sala 402 – Centro – Barra Mansa
305
RELAÇÃO DAS ENTIDADES DO COMITÊ GESTOR PROJETO DE
TURISMO GEOR SENAC Francisco Lopes / Renata Leite Telefax: 3354-3188 E-mail: [email protected] / [email protected] ACIAR Marco Túlio Ramos da Silva – Presidente Marcy Giffoni Menandro 3383-1344 / 9998-6813 / 3351-1541 Telefax: 3354-6192 E-mail: [email protected] / [email protected] CEF – Caixa Econômica Federal Marcus Cezar Paiva Telefax: 3355-3811 E-mail: [email protected] SENAI Jaqueline Marques Benedito Telefax: 3354-9998 Telefone: 3354-9950 E-mail: [email protected] UBM Danielle Fidelis e Silva Resende Telefax: 3325-0220 E-mail: [email protected] / [email protected] TV RIO SUL Leonardo Aquino Telefax: 3355-9814 Telefone: 3355-9808 E-mail: [email protected] Deise Lacerda Telefax: 3355-9814 Telefone: 3355-9800 E-mail: [email protected] SESC Beatriz Esperança Telefax: 3323-1145 Telefone: 3322-1352 E-mail: [email protected]
306
RELAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA OFICINA DE PLANEJAMENT O TURÍSTICO REGIONAL – PROJETO DE TURISMO GEOR 2008-2010 (AQUELES QUE AINDA NÃO FAZEM PARTE DO CONRETUR E DO
COMITÊ GESTOR DO GEOR) Parque Nacional do Itatiaia Magaly Dolsan de Almeida Telefax: 3352-1461 / 3352-7001 E-mail: - Pousada Por do Sol (Quatis) e Hotel Colonial (Porto Real) Juliana Soares Fagundes Telefone: 3353-2161/3353-3524 E-mail: [email protected] Conselho de Cultura, Turismo e de Preservação do Patrimônio de Quatis e Livraria Prosa e Verso Helena Fabiano T. Leite Telefone: 3353-3578 E-mail: [email protected] Conselho de Cultura, Turismo e de Preservação do Patrimônio de Quatis Perpetua do Socorro Alves Telefone: 3353-2116 E-mail: [email protected] ACESA – Associação Comercial e de Empresários da Serrinha do Alambari Eliel Queiroz e Leandro da Silva Telefone: 3381-7180 / 9816-6980 E-mail: - / [email protected]; [email protected]; ACIATI – Associação Comercial Industrial Agropecuária e Turística de Itatiaia Nilson Rodrigues Neves e Itaiacy Chaves Neves Telefone: 9999-0515 E-mail: - Pé No Ar Esportes e Aventuras André Bruckner Telefone: 3351-1051 / 8114-7940 E-mail: [email protected] Fundação Porto Real Josiane Teixeira Ramos Telefone: 3353-2407 E-mail: [email protected] CEF – Caixa Econômica Federal Sylvio Leonel Telefone: 3355-3811
307
E-mail: [email protected] SEBRAE/RJ - Consultora Perola Akerman Telefone: (21) 9325-1942 E-mail: [email protected] SEBRAE/RJ Sérgio Junior Telefone: (21) 2212-7775 E-mail: TURISRIO – Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro Alexandre Ramos Telefone: (21) 2215-0011 E-mail: – [email protected] PMI – Prefeitura Municipal de Itatiaia – Secretaria Municipal de Turismo Nilda Camargo Telefone: 3352-6777 E-mail: [email protected] / [email protected] AGUIMAN – Associação de Guias de turismo da Região das Agulhas Negras Moacir Rodrigues Telefone: 3351-1553 E-mail: [email protected] PMQ – Prefeitura Municipal de Quatis - Secretaria Municipal de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo Luiz Henrique Telefone: 9961-9570 E-mail: [email protected] PMI – Prefeitura Municipal de Itatiaia – Departamento de Cultura Jorge Correa Telefone: 8128-1580 E-mail: - FAMEI – Federação das Associações de Moradores de Itatiaia Alfredo Raimundo da Silva Telefone: 9811-4728 E-mail: -
308
ANEXO B – SÍNTESE DAS AÇÕES PREVISTAS PARA O PERÍOD O 2008-2010.
PROJETO DE TURISMO DA REGIÃO DAS AGULHAS NEGRAS – R J
AÇÃO DESCRIÇÃO METAS Capacitação dos funcionários Capacitar funcionários das
empresas turísticas objetivando a excelência da qualidade nos serviços previstos
3 turmas treinadas: Itatiaia, Resende e Porto Real/Quatis
Capacitação dos Empresários Programas direcionados para a melhoria da qualidade dos empreendimentos
Implantação de 4 programas: qualidade total nos meios de hospedagem; produção mais limpa; alimentos seguros / qualidade total para bares e restaurantes.
Desenvolvimento tecnológico para restaurantes e meios de hospedagem
Adequação para o uso eficiente e racional de energia e água
Palestras e programa de consultorias
Participação em feiras e eventos técnicos e promocionais
Divulgar a Região em feiras e congressos, conforme o novo recorte de público alvo estabelecido
Participação em 5 feiras por ano e em um congresso.
Elaboração de Material promocional
Padronização da folheteria dos municípios; atualização da folheteria regional; produção do catálogo da região e criação do site
Impressão de 20.000 folders; 50.000 folders para empresas e prefeituras; 10.000 catálogos regional.
Elaboração de roteiros Elaboração de roteiros integrados entre os quatro municípios da região
4 roteiros
Fampress/Famtour Receptivo de veículos de comunicação especializados do Rio e de São Paulo
2 fampress e 1 famtour
Comunicação interna Divulgação das ações realizadas na própria região
Veiculação de matérias nos jornais regionais; impressão de 10.000 informativos; realização de evento de integração regional
Elaboração de projeto de sinalização turística integradas na RAN
Padronizar e estimular o uso da marca da região das Agulhas Negras, visando o fortalecimento do senso regional na comunidade e nos turistas
Desenvolvimento do projeto e implantação de placas de sinalização padronizadas
Estudo de viabilidade de centro de convenções
Elaboração de projeto de viabilidade econômico-financeira
Elaborar o projeto
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AÇÃO DESCRIÇÃO METAS
Incentivo à preservação ambiental
Promoção de campanhas para sensibilização para coleta seletiva e preservação ambiental
Ações e campanhas de sensibilização dos agentes envolvidos.
Políticas públicas Ações para o fortalecimento do setor junto à esfera pública municipal; articulação para um plano diretor regional; integração das secretarias de turismo
Ações para sensibilizar e aumentar a arrecadação de impostos municipais pelas empresas turísticas; elaboração de um plano diretor regional; definição de um termo de cooperação técnica entre os municípios.
Sensibilização para o turismo Ação nas escolas dos municípios e junto aos turistas
Trabalhar projetos de cartilhas sobre o turismo junto com as secretarias municipais de educação; 50.000 cartilhas impressas.
Fonte: SEBRAE-RJ. Projeto de Turismo da Região das Agulhas Negras, 2007. Relatório preliminar; disponibilizado em meio digital.
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