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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Thaís Helena Affonso Verdolini ASPECTOS DA TRADUÇÃO E DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA OBRA CAPTAIN UNDERPANTS (CAPITÃO CUECA) São Paulo 2011

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Thaís Helena Affonso Verdolini

ASPECTOS DA TRADUÇÃO E DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA OBRA

CAPTAIN UNDERPANTS (CAPITÃO CUECA)

São Paulo 2011

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THAÍS HELENA AFFONSO VERDOLINI

ASPECTOS DA TRADUÇÃO E DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA OBRA

CAPTAIN UNDERPANTS (CAPITÃO CUECA)

Tese apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Letras.

Orientadora: Prof.ª Dra. Regina Helena Pires de Brito

São Paulo 2011

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V486a Verdolini, Thaís Helena Affonso Aspectos da tradução e da variação linguística na obra Captain Underpants (Capitão Cueca) / Thaís Helena Affonso Verdolini – São Paulo, 2011 190 f. ; 30 cm Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2011. Referências bibliográficas: f. 181-190.

1. Tradução. 2. Sociolinguística. 3. Variação linguística. 4. Literatura infantojuvenil. I. Título.

CDD 418.02

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THAÍS HELENA AFFONSO VERDOLINI

ASPECTOS DA TRADUÇÃO E DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA OBRA

CAPTAIN UNDERPANTS (CAPITÃO CUECA)

Tese apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Letras.

Aprovada em 09 de junho de 2011.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________ Prof.ª Dra. Regina Helena Pires de Brito Universidade Presbiteriana Mackenzie

_________________________________________________________________

Prof.ª Dra. Nancy dos Santos Casagrande Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

_________________________________________________________________

Prof.ª Dra. Maria Fachin Soares Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

_________________________________________________________________

Prof.ª Dra. Vera Lúcia Harabagi Hanna Universidade Presbiteriana Mackenzie

_________________________________________________________________

Prof.ª Dra. Lilian Cristina Correa Universidade Presbiteriana Mackenzie

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A todos os tradutores e intérpretes, que se esmeram em desvendar o desconhecido para aqueles que, por motivos diversos, não o sabem ou querem fazê-lo.

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Agradeço, primeiramente, a Deus, pela força e coragem que não me deixaram

desistir;

Agradeço a minha querida orientadora e amiga Regina Helena Pires de Brito, a

adorada Regininha, por seu apoio incondicional, seu carinho, sua presteza e suas

ideias brilhantes;

Agradeço ao meu marido maravilhoso, Junior, pela companhia, paciência, apoio e

pelas constantes palavras de incentivo e conforto;

Agradeço aos meus pais, Neusa e Aldo, pela vida, pelo amor incomensurável, pelo

apego aos livros e pela companhia sempre presente;

Agradeço a minha amada e extraordinária irmã, Tânia, pelo imensurável apoio

técnico, por tantos livros emprestados, por partilhar de meus ideais e pelo carinho de

sempre. Agradeço ao seu marido, Elcio, pelo incentivo e por cuidar dos nossos

pequenos amores enquanto trabalhávamos;

Agradeço aos meus sogros, Elze e Wanderley, por serem meus segundos pais e por

sempre respeitarem meus estudos;

Agradeço às famílias Affonso e Verdolini, por compreenderem meus tantos

momentos de ausência;

Agradeço a meu irmão Aldo e sua esposa Fabiana que, mesmo longe, oraram e

torceram por mim;

Agradeço à sábia tia Nilce, pelo apoio e conforto constantes;

Agradeço a minha doce amiga Raquel Botelho, pelo carinho, apoio e por tantas

ideias e conceitos partilhados;

Agradeço a todos os meus amigos de trabalho, em especial à Viviane, ao Gui e à

Rosana, que partilham comigo cada momento vivido;

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Agradeço à estimada professora Vera Hanna que, além de me auxiliar com

inestimáveis sugestões durante e após a qualificação, é sempre uma ótima

companhia, uma grande inspiração e um modelo de profissional a seguir;

Agradeço à cara professora Nancy Casagrande, por aceitar ler minha produção mais

uma vez, pelas preciosas considerações durante a qualificação e por ser sempre tão

doce e atenciosa;

Agradeço à prezada professora e amiga Lilian Corrêa, por aceitar meu convite e por

fazer parte desse importante momento da minha vida;

Agradeço à ilustre professora Maria Fachin Soares, por gentilmente aceitar o convite

de participar de minha banca;

Agradeço à dileta professora Neusa Bastos, pelos tantos favores, pelo carinho e

pelas sempre sábias palavras;

Agradeço ao meu caro colega de trabalho, Carlos Sandano, por aceitar rever meu

trabalho e pelas excelentes indicações;

Agradeço à amiga Maria Cristina, pelos conselhos maternais e pela ajuda com um

idioma que não domino;

Agradeço ao Instituto Presbiteriano Mackenzie, pela bolsa de estudos concedida;

Agradeço ao fundo Mackenzie de Pesquisa (Mackpesquisa), pela importante reserva

técnica;

Agradeço a todos os professores da Graduação e da Pós-Graduação em Letras da

Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela excelente formação que recebi;

Agradeço a todos aqueles cujos nomes não couberam em pouco espaço, mas que

de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho.

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A literatura dos povos constitui-se o maior tesouro da humanidade e o povo rico em tradutores faz-se realmente opulento, porque acresce a riqueza de origem local com a riqueza importada. Por que não possuir tradutores torna o povo fechado, pobre, indigente, visto como só poder contar com a produção literária local.

(Monteiro Lobato, 1950)

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Resumo

Um campo pouco explorado nas discussões em torno do ato tradutório é o que

descreve e analisa a aplicação dos níveis sociolinguísticos na tradução. Outro

assunto cujos estudos ainda são escassos no Brasil é o da tradução de obras

infantojuvenis atuais. A presente pesquisa busca verificar de que maneira se

organizam as variedades linguísticas – em especial a diastrática – dentro do

processo tradutório de uma obra literária infantil. O corpus é uma obra

contemporânea, a série de livros The Adventures of Captain Underpants (1997) de

Dav Pilkey (no Brasil, As aventuras do Capitão Cueca, 2001). Por meio desse

estudo particular, procura-se compreender como as variações linguísticas,

principalmente a variação diastrática no que tange à variedade da criança, ocorrem

no processo de tradução. Analisam-se as obras original e a traduzida, contrastando-

as e observando alguns volumes da série para verificar coerência de recursos e

termos – focalizando a gíria e a modalidade infantil utilizadas –, uma vez que

diferentes números foram trabalhados por diferentes tradutores. O embasamento

teórico partirá de fundamentos da tradutologia, da pesquisa sociolinguística e de

estudos sobre alfabetização.

Palavras-chave: Tradução. Sociolinguística. Variação Linguística. Literatura

Infantojuvenil.

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Abstract

There are few studies concerning the description and analysis of the sociolinguistic

levels in translation. Another field of study which lacks further research is the

translation of contemporary children’s literature in Brazil. The present work intends to

analyze how the linguistic variations are organized in the translation of a children’s

book. The corpus is the contemporary book series The Adventures of Captain

Underpants (1997) (in Brazil, As aventuras do Capitão Cueca, 2001). The study of

this book series targets to understand how linguistic variations take place in the

translation process, especially the diastratic variation focusing on child language. The

original and the translated books are analyzed and compared so that the coherence

of terms and resources can be observed – with emphasis on slang and child

language –, as different books from the series were translated by different

translators. The theoretical principles come from Translation Studies, Sociolinguistics

and Literacy.

Key-words: Translation. Sociolinguistics. Linguistic Variation. Children’s Literature.

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Resumen

Un campo poco explorado en las discusiones en torno al acto de traducir es el que

describe y analiza la aplicación de los niveles sociolingüísticos en la traducción.

Otro asunto cuyos estudios todavía son escasos en Brasil es el de la traducción de

obras infantiles y juveniles actuales. La presente investigación busca verificar de qué

manera se organizan las variaciones lingüísticas – en especial la diastrática – dentro

del proceso de traducción de una obra literaria infantil. El corpus es una obra

contemporánea, la serie de libros The Adventures of Captain Underpants (1997) de

Dav Pilkey (en Brasil, As aventuras do Capitão Cueca, 2001). Mediante este estudio

particular, se procura comprender cómo las variaciones lingüísticas, en especial la

variación diastrática del niño, ocurren en el proceso de traducción. Se analiza la

obra original y la traducida, contrastándolas y observando algunos volúmenes de la

serie para verificar la coherencia de los recursos y términos – enfocando la jerga y el

lenguaje infantil utilizados –, una vez que diferentes números fueron trabajados por

diferentes traductores. La base teórica partirá de los fundamentos de la

traductología, de la investigación sociolingüística y de estudios sobre el lenguaje de

los niños.

Palabras-clave: Traducción. Sociolingüística. Variación Lingüística. Literatura Infantil

y Juvenil.

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LISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Capa do livro O Jardim Secreto.......................................................... 71

Figura 2 – Capa do livro O Pequeno Lorde......................................................... 72

Figura 3 – Capa do livro Alice no País das Maravilhas....................................... 72

Figura 4 – Capa do livro Cyrano de Bergerac.................................................... 73

Figura 5 – Capa do livro Robinson Crusoé........................................................ 73

Figura 6 – Capa do livro O Elevador Ersatz........................................................ 75

Figura 7 – Capa do livro Harry Potter e as Relíquias da Morte.......................... 76

Figura 8 – Capa do livro Querido Diário Otário.................................................... 77

Figura 9 – Capa do livro Amanhã: quando a guerra começou............................ 77

Figura 10 – Imagem do sítio da editora Cosac Naify........................................... 79

Figura 11 – Imagem do sítio da editora Cosac Naify........................................... 80

Figura 12 – Imagem do sítio da editora Cosac Naify........................................... 80

Figura 13 – Páginas dos livros da coleção Charlie e Lola................................... 93

Figura 14 – Página do livro Macacote e Porco Pança......................................... 94

Figura 15 – Capa e contracapa do livro Peter Rabbit: a pop-up adventure......... 95

Figura 16 – Páginas do livro A vida do elefante Basílio....................................... 96

Figura 17 – Páginas do livro Griffin e Sabine...................................................... 97

Figura 18 – Página do livro As cartas de Ronroso.............................................. 98

Figura 19 – Quadro do Common Core State Standards for English Language

Arts & Literacy in History/Social Studies, Science, and Technical Subjects........ 114

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Figura 20 – Página do livro um de Captain Underpants……............................... 119

Figura 21 – Capa do volume três de Captain Underpants................................... 121

Figura 22 – Capa do volume três de Capitão Cueca........................................... 121

Figura 23 – Página de Captain Underpants com flip-o-rama...............................

Figura 24 – Página de Captain Underpants.........................................................

122

128

Figura 25 – HQ dentro de Captain Underpants................................................... 129

Figura 26 – Capítulo de Captain Underpants com uma só frase......................... 130

Figura 27 – Vários verbos em um só parágrafo em Captain Underpants............ 131

Figura 28 – “Wedgie” em Captain Underpants.................................................... 148

Figura 29 – “Wedgie” em Captain Underpants.................................................... 148

Figura 30 - “Wedgie” em Captain Underpants.................................................... 149

Figura 31 – “Wedgie” em Dilbert.......................................................................... 149

Figura 32 – “Wedgie” em Dilbert.......................................................................... 149

Figura 33 – “Wedgie” no desenho do Simpsons..................................................

Figura 34 – “Wedgie” no desenho dos Simpsons................................................

150

150

Figura 35 – “Wedgie” no desenho Billy & Mandy................................................. 150

Figura 36 – “Wedgie” no desenho The Fairly Odd Parents………………………. 150

Figura 37 – Páginas do livro um de Captain Underpants e Capitão Cueca........ 152

Figura 38 – Páginas do livro cinco de Captain Underpants e Capitão Cueca.....

Figura 39 - Páginas do livro cinco de Captain Underpants e Capitão Cueca......

Figura 40 – Páginas do livro oito de Captain Underpants e Capitão Cueca........

153

153

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LISTA DE QUADROSLISTA DE QUADROSLISTA DE QUADROSLISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Tradutores de Captain Underpants no Brasil.................................... 125

Quadro 2 – Títulos de Captain Underpants e Capitão Cueca............................. 132

Quadro 3 – Seleção da tradução de alguns elementos recorrentes.................... 134

Quadro 4 – Livro 1. Levantamento de traduções que não respeitaram a

variedade linguística pretendida ou apresentam erros....................................... 139

Quadro 5 – Livro 4. Levantamento de traduções que não respeitaram a

variedade linguística pretendida ou apresentam erros........................................ 140

Quadro 6 – Livro 5. Levantamento de traduções que não respeitaram a

variedade linguística pretendida ou apresentam erros........................................ 141

Quadro 7 – Livro 8. Levantamento de traduções que não respeitaram a

variedade linguística pretendida ou apresentam erros........................................ 146

Quadro 8 – Livros 1, 4 e 8: escolhas apropriadas e adequadas à variedade

linguística do público infantil................................................................................ 154

Quadro 9 – Alguns desvios propositais na língua inglesa................................... 160

Quadro 10 – Alguns desvios propositais na língua portuguesa........................... 161

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SUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIO

Considerações Iniciais...................................................................................... 16

Capítulo 1 Noções de Tradução....................................................................... 25

1.1 Tradução e estudos tradutórios..................................................... 26

1.2 O papel do tradutor........................................................................ 39

1.3 Tradução no Brasil......................................................................... 43

1.4 Tradução de obras infantojuvenis no Brasil.................................. 50

1.5 Mercado Editorial de Traduções de Infantojuvenis no Brasil....... 61

Capítulo 2 Variação linguística na tradução................................................... 82

2.1 Sociolinguística e variação linguística........................................... 83

2.2 Sociolinguística e tradução............................................................ 99

2.3 Estudos sobre a gíria..................................................................... 105

2.4 Estudos sobre a linguagem das crianças...................................... 110

Capítulo 3 Captain Underpants e Capitão Cueca em análise............................ 116

3.1 Captain Underpants....................................................................... 117

3.2 Análise das traduções................................................................... 127

Considerações Finais...................................................................................... 165

Referências das figuras.................................................................................... 178

Referências Bibliográficas................................................................................ 181

Bibliografia de apoio......................................................................................... 189

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CONSIDERAÇÕES CONSIDERAÇÕES CONSIDERAÇÕES CONSIDERAÇÕES INICIAISINICIAISINICIAISINICIAIS

A tradução é necessária em razão de os seres humanos falarem diferentes línguas. Esse truísmo se sustenta numa situação que pode ser considerada enigmática e capaz de levantar problemas de extrema dificuldade psicológica e sócio histórica.

(George Steiner, 2005)

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Para o senso comum, definir tradução (cf. Houaiss: s.f. transposição de uma língua

para outra) ou criticá-la (como a famosa máxima italiana traduttore, traditore:

“tradutor, traidor”) parece ser muito mais simples do que determinar a tarefa do

tradutor. Mesmo conceituações de teóricos parecem não dar a dimensão real dessa

atividade:

Translation is a process by which the chain of signifiers that constitutes the source-language text is replaced by a chain of signifiers in the target language which the translator provides on the strength of an interpretation.1 (VENUTI, 1995, p.17).

Translation may be defined as follows: the replacement of textual material in one language by equivalent textual material in another language.2 (CATFORD, 1965, p.20).

Há séculos se estendem as discussões em torno da complexidade do ato tradutório

e da busca de regras que orientem as traduções, principalmente a de textos

literários – desde Horácio e Cícero, na Antiguidade, passando por Wycliffe, teólogo

da Oxford Medieval, até estudiosos modernos como Catford (1965), Nida (1974), e

Newmark (1988) e contemporâneos como Nord (1997), Robinson (2002), Bassnet

(2003) e Gentzler (2009), só para citar alguns.

Desde o início dos estudos acadêmicos acerca da temática “tradução”, diversas

obras são publicadas anualmente, e inúmeros são os congressos, encontros e

discussões fervorosas de tradutores e tradutólogos a teorizar sobre o assunto, a fim

de se compreender e nortear a tarefa e, mais recentemente, de se buscar pontos de

1 “Tradução é um processo pelo qual uma cadeia de significantes que constituem a língua-fonte é substituída por uma cadeia de significantes na língua-alvo, a qual o tradutor estabelece com a força de uma interpretação.” (Constarão nas notas de rodapé traduções nossas, quando a obra citada for estrangeira). 2 “A tradução pode ser definida da seguinte maneira: a substituição de material textual de uma língua por material textual equivalente em outra.”

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convergência entre as muitas áreas de conhecimento envolvidas no processo de

tradução.

Considerando a importância e a onipresença da tradução, não é nada fortuito o fato

de haver estudos de diversas áreas que, de alguma maneira, procuram contribuir

com os estudos da tradução, apontando novas perspectivas e abordagens. Hoje, a

tradução pode ser considerada uma área multidisciplinar, de grande profundidade e

amplitude, que busca subsídios nas mais variadas disciplinas: Linguística, Literatura,

História, Antropologia, Psicologia, Estudos Culturais e Economia, dentre outras,

conforme aponta Lefevere (2007).

Todos os setores da vida cotidiana são atingidos, de alguma maneira, pela tradução:

das obras literárias aos filmes; dos artigos científicos aos jogos eletrônicos; dos

livros técnicos aos manuais de produtos. Muito nos chega de maneira reconhecível e

familiar por conta da tradução, inegavelmente um recurso extremamente útil e

poderoso.

Nas últimas quatro décadas, muito se discorreu sobre tradução, e diferentes

enfoques foram surgindo acerca de seu significado, seus objetivos, sua postura, sua

relação com outras ciências e seu futuro. Nesse quadro, o que parece nunca ter

ficado à margem desses debates é a necessidade da tradução. Desse modo,

naturalmente, a tradução suscita interesse neste nosso mundo em rápida

transformação:

Nos últimos anos, houve uma verdadeira explosão de teorias na área de tradução – uma abundância de teorias de estudos culturais, teorias feministas, novas teorias linguísticas, teorias pós-coloniais e desconstrutivistas. Na verdade, existem hoje tantas teorias que nenhum teórico ou livro é capaz de acompanhar ou abordar todas elas. (GENTZLER, 2009, p.15).

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Graças à tradução, podemos trocar informações e conhecimentos em todos os

campos do saber. A tradução existe como uma das possibilidades de compreender o

mundo circundante, o universo cultural e as diferentes políticas, além de a

globalização ter demonstrado que as culturas precisam umas das outras para o seu

desenvolvimento político, econômico e social, conforme comenta Bassnet (2003):

A explosão dos meios eletrônicos de comunicação nos anos noventa e as suas implicações nos processos de globalização deram particular visibilidade às questões ligadas à comunicação intercultural. Tornou-se, portanto, necessário saber mais sobre o nosso próprio ponto de partida. No entanto, a globalização tem a sua antítese nas origens culturais e na exploração das questões de identidade. A tradução tem papel crucial a desempenhar ao contribuir para melhorar a compreensão de um mundo cada vez mais fragmentado. (BASSNET, 2003, p.2).

Bell (1993) também corrobora a importância da tradução:

From a practical point of view, we recognize that in a rapidly changing world in which knowledge is expanding at an unprecedented rate, information transfer is coming to depend more and more on efficient and effective translation. 3 (BELL, 1993, s/p).

Nesse contexto em que a tradução é atividade essencial e no qual os estudos

tradutórios se voltam para os mais variados setores do conhecimento – como as

dificuldades de se traduzir um poema, os aspectos psicanalíticos da tradução e a

visibilidade do tradutor, entre outros – um campo ainda a explorar é o que descreve

e analisa a aplicação dos níveis sociolinguísticos na tradução. Há poucas

publicações referentes ao tratamento dado à variedade linguística no processo

tradutório.

3 “De um ponto de vista prático, reconhecemos que em um mundo em rápida transformação no qual o conhecimento se expande a um ritmo sem precedentes, a transferência de informações irá depender cada vez mais de traduções eficientes e efetivas.”

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Em pesquisa realizada na vasta bibliografia acerca de tradução, encontramos

somente dois artigos publicados com esse tema específico – Tarallo (1984) e

Ricardo (1981) – e algumas menções no livro de Bell (1993) – fato que arrazoa a

relevância desta pesquisa.

Outro aspecto cujos estudos ainda são escassos no Brasil é o da tradução de obras

infantojuvenis atuais. Primeiramente, grande parte das pesquisas acerca da

literatura infantil em geral encerra-se nos anos 80; depois, a maioria trata do gênero

por épocas, mencionando o que havia de mais significativo nas mesmas, mas se

ocupa muito pouco do processo tradutório das obras que aqui chegavam. Por fim,

muitos desses estudos buscam retratar mais profundamente a formação da literatura

nacional, dando pouca ou nenhuma ênfase ao mercado de livros traduzidos, como

lembram, por exemplo, Lajolo e Zilberman (2007, p.12): “deixamos de levar em

conta os textos traduzidos que, majoritários na década de 70, são absolutamente

fundamentais para a história da leitura infantil brasileira” – embora as autoras não

avancem na questão.

Não obstante em outros países existam alguns estudos, também não o são muitos,

como aponta Lathey (2006, p.5): “raramente se encontram estudos interessantes

sobre o assunto. A tradução de literatura infantil dentro dos Estudos de Tradução

permanece ignorada por teorizadores, editores e instituições acadêmicas”.4

Ressaltamos, ainda, que nenhuma das obras a respeito do assunto mencionadas

pela autora tem edição brasileira.

4 Optamos por traduzir as citações de obras estrangeiras feitas no corpo do texto para maior fluidez na leitura.

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Desse modo, a escassez de estudos nessas áreas justifica, pois, a oportunidade de

uma pesquisa que aborde o tratamento dado às variedades linguísticas na tradução

de obras infantojuvenis.

Outro fator que confere pertinência à presente pesquisa é a carência de informação

objetiva disponível a respeito do mercado de tradução de infantojuvenis na

contemporaneidade. Perguntas como as que se seguem ficam, normalmente,

aguardando resposta: Qual o perfil dos tradutores em atuação no mercado? Como

as editoras têm lidado com a demanda desse tipo de trabalho na área?

Pereira (1996) aponta a falta de estudos na área de obras traduzidas no âmbito do

mercado editorial:

Um rápido exame da bibliografia sobre tradução e editoração revela o quanto tradutor e editor encontram-se dissociados, pelo menos no campo da pesquisa teórica. (...). Vem-se ampliando a bibliografia sobre tradução (...); sobre editoração, também existe uma bibliografia considerável (...). Mas não é comum encontrar-se o tema “tradução” em relevo nos livros sobre editoração, nem tampouco há destaque para o tema “editoração” na bibliografia sobre tradução. Quando alguma obra estabelece relação entre os dois temas, estas não atingem o aprofundamento compatível com a sua importância nos aspectos práticos da produção do livro. (PEREIRA, 1996, p.131).

Assim, esta investigação busca verificar de que maneira se organizam as variedades

linguísticas dentro do processo tradutório de uma obra literária infantojuvenil. Para

tanto, escolhemos como corpus uma obra contemporânea, The Adventures of

Captain Underpants (1997) de Dav Pilkey (no Brasil, As Aventuras do Capitão

Cueca, 2000), que recorre a um linguajar informal e moderno e contém o dinamismo

das histórias em quadrinhos em sua narrativa. Nesse sentido, nosso objetivo geral é

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verificar em que medida as variedades linguísticas – em especial a diastrática5 – são

respeitadas no processo de tradução do inglês para o português do Brasil na obra

selecionada.

Essa coleção infantojuvenil, grande fenômeno de vendas nos Estados Unidos6 e nos

países para os quais foi traduzida7, registra a variedade linguística da criança e é

repleta de gírias e expressões idiomáticas peculiares. Apresenta-nos ser, por isso,

uma obra que oferece diversas possibilidades de estudo no campo da tradução da

variação diastrática, em especial no tocante às questões envolvendo uso da gíria e

do registro escrito de crianças em fase de alfabetização.

Ademais, os livros da série Captain Underpants, traduzidos para o português do

Brasil por diferentes profissionais, em sua maioria desconhecidos, revelam uma

tendência no ramo da tradução, no qual há espaço para diversas modalidades de

tradução e tradutores distintos. Nesse ponto, este trabalho tenciona mostrar algumas

dessas tendências atuais da dinâmica do mercado tradutológico.

5 Conceito explicado na página 85 deste trabalho. 6 26 milhões de cópias vendidas nos EUA entre 1997 e 2009, de acordo com http://en.wikipedia.org/ wiki/ List_of_best-selling_books#cite_note-177. 7 “The award-winning Captain Underpants books have received rave reviews across the nation and have been translated into numerous languages, including Spanish, Italian, Portuguese, Korean, Greek, Norwegian, Dutch, German, and Hebrew.” http://astore.amazon.com/kidsourceonline/ detail/0439698626. (Os livros vencedores de prêmios da série Capitão Cueca receberam críticas elogiosas em seu país e foram traduzidos para diversas línguas, incluindo espanhol, italiano, português, coreano, grego, norueguês, holandês, alemão e hebraico). Foram 45 milhões de cópias totais vendidas nos países onde a coleção foi publicada até 2011, conforme http://www.scholastic.com/captainunderpants. “Lançado em 1997, o Capitão Cueca é um fenômeno editorial. O mais recente deles ocupa as primeiras posições da lista de best-sellers infantis do jornal The New York Times. A moda também está pegando no Brasil, na mesma faixa de público: os meninos de 7 a 12 anos.” http://veja.abril.com.br/141101/p_152.html.

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Nesse escopo, esta pesquisa tem como objetivos específicos:

- traçar, brevemente, o percurso dos estudos de tradutologia;

- apresentar o panorama da tradução no Brasil, com ênfase na tradução de

obras para o público infantojuvenil;

- levantar estudos que relacionem variações linguísticas e tradução;

- identificar aspectos da variação linguística privilegiados no processo de

tradução;

- caracterizar a tradução da obra Captain Underpants, nosso objeto de

estudo;

- analisar contrastivamente a obra original e a traduzida, levantando aspectos

identificadores da linguagem da criança e as escolhas semânticas e gramaticais em

quatro volumes da série a fim de verificar a coerência dos recursos e termos

linguísticos – uma vez que diferentes números foram trabalhados por diferentes

tradutores;

- apontar possíveis mudanças no mercado editorial de publicações traduzidas

em função de interesses econômicos, cotejando as traduções de Capitão Cueca

com traduções de outras obras do gênero;

- levantar e comparar, nos originais em inglês e nas traduções para o

português do Brasil: expressões idiomáticas, pronomes de tratamento, gírias,

representação escrita da oralidade e registros da escrita da criança em fase de

alfabetização.

Para tanto, no primeiro capítulo, retomamos alguns dos principais estudos acerca da

tradução, traçando um panorama de teorias diversas sobre o tema. Não nos cabe

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aqui organizar um arcabouço teórico completo sobre tradução, nem tampouco há um

consenso entre as diferentes abordagens propostas, por isso atentamos para as

formulações teóricas de Catford (1965), Nida (1974), Mounin (1975), Vinay e

Darbelnet (1975), Newmark (1982, 1988), Barbosa (1990), Bell (1993), Venuti

(1995), Bassnet (2003), Ottoni (2005) e Gentzler (2009). Discutiremos, ainda nessa

primeira parte, como o tradutor é visto nas diversas teorias. Segue-se breve histórico

da tradução no Brasil e a contextualização da tradução de obras literárias

infantojuvenis no país. Por fim, buscaremos delinear a realidade atual do mercado

editorial de livros infantojuvenis traduzidos no país.

No capítulo dois, com base em Preti (1983, 1984, 1998, 2003), Ricardo (1981),

Tarallo (1984, 1994), Bell (1993), Calvet (2002) e Bagno (2007, 2009), o foco de

atenção passa para a pesquisa sociolinguística e aspectos relativos à presença da

variação linguística na literatura e, em particular, no âmbito dos estudos de tradução.

Abordamos, também, o uso da gíria e o registro da variedade da criança em fase de

alfabetização.

O capítulo três consiste na contextualização da obra Captain Underpants e sua

tradução, Capitão Cueca, e na análise propriamente dita, com base primordialmente

nos preceitos explicados por Bell (1993). O último capítulo trará as considerações

finais.

As considerações finais discorrem acerca das conclusões obtidas a partir da

investigação desse material e oferece possíveis campos de estudo para futuras

pesquisas que possam contribuir mais para os estudos na área da tradução.

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CCCCAPÍTULO 1 APÍTULO 1 APÍTULO 1 APÍTULO 1

NOÇÕESNOÇÕESNOÇÕESNOÇÕES DDDDEEEE TRADUÇÃO TRADUÇÃO TRADUÇÃO TRADUÇÃO

Translating is far more than a science. It is also a skill, and in the ultimate analysis fully satisfactory translation is always an art.8

(Eugene Nida e Charles Taber, 1974)

8 “Traduzir é muito mais do que uma ciência. É também uma habilidade e, em última análise, a tradução totalmente satisfatória é sempre uma arte.”

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Neste capítulo, exploramos alguns dos aportes teóricos básicos desta pesquisa,

abordando as diferentes perspectivas perante a tradução e enfocando as teorias

mais relevantes para nossa análise.

1.1 TRADUÇÃO E ESTUDOS TRADUTÓRIOS

With the increasing number of translator and reviser teams for documents and glossaries, the formulation of some translation theory becomes necessary.9 (Peter Newmark, 1982)

Poderia haver uma simples e consoladora resposta ao que é traduzir: dizer o mesmo

em outra língua. Nos dias atuais, contudo, sabe-se que essa simplicidade não existe

– pelo menos o sabem estudiosos do campo da linguagem; a maioria dos leitores

desconhece os percalços da tradução e dos estudos a seu respeito.

De acordo com Laranjeira (1993), o termo traduzir significa, etimologicamente, “levar

através de” (do latim trans + ducere), o que gera muitas questões: o que é que se

leva? Como se leva? De onde e para onde se leva? Diversos estudiosos, das mais

distintas áreas da linguagem, têm buscado respostas para essas perguntas.

A problemática da tradução é tão antiga quanto a diversidade das línguas, e sua

origem se perde nos tempos, chegando-se até o mito da Torre de Babel. Como a

punição da história bíblica, o problema da tradução continua a ser proposto e revisto,

sem ainda ser completamente resolvido.

9 “Com o crescente número de equipes de tradutores e revisores para documentos e glossários, a formulação de uma teoria de tradução se faz necessária.”

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Segundo Barbosa (1990), os escritos a respeito da tradução também são

centenários, podendo-se mencionar, dentre outros, Cícero, na Antiguidade, e São

Jerônimo, tradutor-revisor do Novo Testamento. Esses estudos, no entanto,

restringiam-se ao relato de experiências e impressões pessoais a respeito das

próprias traduções, de modo isolado, sem um corpo teórico. Para a autora, os

trabalhos acerca da tradução tomaram impulso somente a partir de 1950, com o fim

da Segunda Guerra Mundial e os novos esforços em prol da união entre os povos,

resultantes na formação de organismos internacionais como a ONU e o consequente

aumento da necessidade de tradução. Com as viagens crescentes, foi também

nessa época que se iniciaram as pesquisas sobre ensino de línguas para a

comunicação, fato que contribuiu para estudos mais aprofundados a respeito das

semelhanças e diferenças entre idiomas.

Desde então, esse campo de estudos voltado à tradução vem ampliando horizontes

e favorecendo o surgimento de novos paradigmas. Aos poucos, foram sendo

identificados fatores sociais, culturais e históricos no processo tradutório, e

compreendeu-se que fatores extralinguísticos também condicionam a tradução em

um dado momento histórico. No entanto, as principais áreas de tensão nas reflexões

sobre a tradução giram em torno da possibilidade ou impossibilidade da mesma; da

divergência entre tradução livre e tradução literal e do posicionamento entre

tradução técnica e tradução literária.

Desse modo, a Ciência da Tradução, também chamada de Tradutologia ou Estudos

da Tradução, é uma das mais jovens ciências legitimadas e com crescente

respeitabilidade no meio acadêmico.

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A bibliografia sobre o assunto é extensa, e as abordagens, numerosas. Neste

subitem, traçamos um breve percurso da pesquisa tradutológica e apresentamos

algumas das vertentes mais difundidas. Não obstante muitos estudiosos tenham se

ocupado da tradutologia, privilegiamos alguns teóricos cujos preceitos consideramos

essenciais para o desenvolvimento deste trabalho10.

Ao que parece, não há registro de muitas obras sobre tradução anteriores aos anos

60. Em geral, somente são identificados os estudos formais a partir dessa década.

Dentre os linguistas, os primeiros a estudar a tradução foram Mounin, Nida e

Catford, cujos estudos iniciais foram publicados respectivamente em 1963, 1964 e

1965. A grande “explosão” dos estudos sobre tradução, contudo, viria nos anos 80,

conforme aponta Lefevere (1992, s/p): “O crescimento dos Estudos de Tradução

como disciplina independente é uma história de sucesso da década de 80”.

Mesmo os estudiosos modernos não deixam de aludir a Roman Jakobson, um dos

mais eminentes linguistas do século XX. Em seu mais conhecido ensaio sobre

tradução, Jakobson (1959, trad. 2008) aponta três tipos de tradução, classificação

difundida e citada até hoje:

1) a tradução intralingual ou reformulação (rewording) consiste na interpretação dos signos verbais por meio de outros signos da mesma língua; 2) a tradução interlingual ou tradução propriamente dita consiste na interpretação dos signos verbais por meio de alguma outra língua; 3) a tradução intersemiótica ou transmutação consiste na interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não-verbais. (JAKOBSON, 1959, trad. 2008, p.64-65).

10 Primeiramente, esclareçamos a nomenclatura. Há várias denominações sinônimas para designar o “texto original” e o “texto traduzido”, tais como “texto-fonte” e “texto-alvo”, “texto de partida” e “texto de chegada” etc. Faremos uso delas de maneira aleatória, pois, para a presente pesquisa, a especificidade semântica desses termos não gera discordância.

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A segunda espécie de tradução refere-se à tradução de que tratamos neste trabalho,

envolvendo dois idiomas diferentes.

Mounin (1975), linguista francês, foi um dos primeiros a instar a tradução como

objeto distinto de estudo teórico. Mounin entende a tradução como uma série de

operações das quais o ponto de partida e o produto final são significações e

funcionam dentro de uma dada cultura. Muitas vezes, a língua de chegada não tem

o termo exato ao da língua de partida, ou o tem, mas ele não desempenha o mesmo

efeito de sentido, então o tradutor precisa recorrer a uma combinação de termos

para uma equivalência aproximada:

Cada língua estrutura a realidade à sua própria maneira e, por isso mesmo, estabelece os elementos da realidade que são peculiares a esta determinada língua. Os elementos de realidade da linguagem numa língua determinada nunca reaparecem exatamente sob a mesma forma numa outra língua e nem constituem uma cópia direta da realidade (MOUNIN, 1975, p.51).

Nida (1974) trata do novo enfoque dos estudos tradutórios da época: a mensagem e

a resposta do receptor são mais importantes que a forma. O notório estudioso das

traduções da Bíblia afirma que cada língua tem seu “gênio” próprio, suas

características únicas, as quais devem ser respeitadas na tradução: “o tradutor deve

respeitar os recursos da língua do receptor e explorar as potencialidades da língua

ao máximo possível” (NIDA, 1974, p.4).

Esses princípios levaram à formulação da famosa teoria da “equivalência dinâmica”

e “correspondência formal”, mais tarde reformulada e renomeada por vários outros

estudiosos. No primeiro caso, busca-se transmitir a ideia expressa no texto-fonte,

mesmo que isso afete a ordem das palavras, a literalidade, a forma etc. No segundo,

enfoca-se a tradução palavra por palavra, à custa de perdas da naturalidade e da

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legibilidade do texto-alvo. Para o autor, reproduzir a mensagem deve ser o foco

principal da tarefa do tradutor, pois “a melhor tradução não soa como uma tradução”.

Isso não significa que ela deva ser menos fiel ou que possa ignorar a questão do

estilo, mas sim que priorize o sentido, ou seja, a equivalência dinâmica deve ser

priorizada à correspondência formal.

Com base nessa crença, e por meio de centenas de exemplos de variadas

traduções para a Bíblia, Nida desenvolve sua tese a respeito do que seria uma

tradução eficiente. Muitas de suas teorias, inovadoras na ocasião, são seguidas até

hoje.

Conforme mencionamos, para Catford (1965, p.20) a tradução constitui-se como “a

substituição de material textual de uma língua por material textual equivalente em

outra”. O autor afirma que qualquer teoria sobre tradução deve vir de uma teoria

sobre a linguagem; daí a importância da linguística para os estudos tradutórios.

Catford também utiliza os conceitos de equivalência textual e correspondência

formal para explicar o processo tradutório. Para ele, a tarefa central de uma teoria da

tradução está em definir a natureza e as condições da equivalência tradutória.

Catford aborda, ainda, a intraduzibilidade, que pode ser linguística ou cultural. A

primeira ocorre quando não existe, na língua de chegada, um substituto no

vocabulário ou na sintaxe para um determinado item da língua de partida. A segunda

ocorre quando não há, na língua-alvo, aquele traço cultural relevante descrito no

texto da língua de origem. O debate sobre os conceitos-chave de seus estudos

avançou bastante desde a publicação de seu livro, tendo sido criticado por inserir a

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tradução na teoria da linguística geral, sem reconhecê-la como um estudo

autônomo.

Os canadenses Vinay e Darbelnet (1977) basearam-se nos preceitos da linguística

saussureana para tratar da tradução. De acordo com os autores, a tradução é uma

ciência exata com seus métodos e problemas particulares e seria um desserviço à

tradução considerá-la uma arte, pois isso negaria à mesma uma de suas

propriedades intrínsecas, que é seu lugar dentro do sistema linguístico. Acreditavam

que o objetivo da tradução era o de produzir um texto natural ao falante da língua de

chegada. Segundo eles, a tradução pode ser segmentada em dois eixos: tradução

direta e tradução oblíqua. A direta mantém maior semelhança com a língua original,

sendo tanto mais possível quanto maior a proximidade entre as línguas. A tradução

oblíqua, por sua vez, é menos literal, e necessária quando a literalidade traz

problemas para a compreensão do texto, quando é estruturalmente inviável e/ou

quando não há correspondência na cultura do texto-alvo.

Vinay e Darbelnet foram pioneiros ao enumerar sete procedimentos11 para a

tradução: dentro da tradução direta, tem-se o empréstimo, o decalque e a tradução

literal; na tradução oblíqua, são possíveis a transposição, a modulação, a

equivalência e a adaptação. Mais de um procedimento pode vir a ser usado em uma

tradução, e algumas delas podem resultar de uma mistura de procedimentos, de

acordo com a necessidade e a dificuldade do texto de partida.

11 De acordo com Peter Newmark (1988, p.81), métodos de tradução referem-se ao texto todo, ou seja, à maneira como o tradutor lida com o texto globalmente, de acordo com suas intenções. Procedimentos de tradução dizem respeito às unidades menores da língua, quer dizer, a estratégias utilizadas pelos tradutores enquanto formulam equivalências para transferir os elementos de uma língua para outra.

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Newmark (1988) retoma estudiosos dos anos 70 e 80, focalizando a grande tensão

entre a tradução livre e a tradução literal e entre a ênfase dada ao autor ou ao leitor.

Propõe uma obra mais pragmática e dirige-se diretamente ao tradutor ou ao

estudante de tradução, para quem cria uma espécie de “manual”. Newmark aborda

uma grande variedade de assuntos, de gêneros textuais, metáforas, neologismos e

funções da linguagem até os procedimentos de tradução – emprestados de Vinay e

Darbelnet (1977) e reformulados.

O que se destaca nos estudos de Newmark é a questão dos dois polos existentes na

tradução: um denominado “tradução semântica” e o outro “tradução comunicativa”.

Segundo ele, alguns tipos de texto podem ter tradução semântica, cujo foco está no

texto-fonte e seu valor estético; outros recebem a tradução comunicativa, que

enfatiza o texto-alvo e o público leitor do novo texto:

Semantic translation (...) must take more account of the aesthetic value of the SL text (...) further, it may translate less important cultural words by culturally neutral third or functional terms but not by cultural equivalents. (…) Communicative translation attempts to render the exact contextual meaning of the original in such a way that both content and language are readily accepted and comprehensible to the readership.12 (NEWMARK, 1988, p.46-47).

Barbosa (1990) apresenta proposta ampliada para os procedimentos técnicos da

tradução, com base em Vinay e Darbelnet, uma vez que, para a autora, o modelo

descrito pelos estudiosos canadenses não abarcava todos os modos de traduzir.

12 “A tradução semântica deve levar mais em conta o valor estético do texto da língua-fonte (...). Além disso, pode vir a traduzir palavras culturais menos importantes por termos culturalmente neutros ou funcionais, mas não por equivalentes culturais (...). A tradução comunicativa tenta reproduzir o sentido contextual exato do original, de maneira que ambos, conteúdo e língua, sejam rapidamente aceitos e compreensíveis à comunidade de leitores.”

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Sugere, então, treze procedimentos13, os quais tentam explicitar as condutas do

tradutor perante o texto durante seu trabalho – muitas vezes tomadas de forma

inconsciente.

A autora não deixa de lado a questão da consagrada dicotomia em torno da

tradução: a literal e a não literal, mas aponta que o binômio já não existe no

pensamento atual. Dependendo da necessidade do leitor, da natureza da

mensagem ou da finalidade da tradução, o foco pode recair mais sobre o conteúdo

ou mais sobre a forma, sem que nisso haja obrigatoriamente um problema, “pois

todos os procedimentos são igualmente válidos, (...) já que não seriam escolhidos

arbitrariamente” (BARBOSA, 1990, p.111).

Não obstante os modelos utilizados pela autora tenham enfoque estrutural, uma vez

que se calcam nas oposições linguísticas presentes nos resultados das traduções,

seu trabalho, pioneiro e notável pela revisão bibliográfica dos estudos tradutórios até

os anos 80, aponta para a necessidade de teorias que deem conta do processo

comunicativo com o leitor e dos objetivos pragmáticos do texto.

Outra vertente que teve bastante repercussão é a Teoria do Escopo, descrita pelos

estudiosos alemães Reiss e Vermeer em 1978, e mais recentemente reformulada

por Nord em 1997, que a denomina Teoria Funcionalista. Segundo Schäffner (In:

Baker, 2001), essa teoria reflete uma mudança dos estudos linguísticos estruturais

para uma abordagem mais funcional e sociocultural, postulando que o texto

traduzido deve ser adequado ao leitor e à sua cultura. Como qualquer tarefa

humana, a tradução tem um propósito, uma meta, portanto o objetivo da mesma

13 Segundo a autora, os procedimentos são: tradução palavra-por-palavra, tradução literal, transposição, modulação, equivalência, omissão e explicitação, compensação, melhorias, transferência, explicação, decalque, adaptação e reconstrução de períodos.

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deve ser definido antes de o processo ser iniciado. Desse modo, a Teoria do Escopo

adota uma atitude prospectiva em relação à tradução, opondo-se a outras que se

focam em descrições derivadas do texto-fonte.

Gentzler (2009) explica que os teóricos funcionalistas concebem a tradução como

uma ação com objetivo específico e, portanto, a cultura-alvo adquire importância

crucial. Sem insistir em uma tradução perfeita, os funcionalistas acreditam que o

tradutor deve empenhar-se ao máximo para obter a melhor solução dentro das

condições reais existentes. O tradutor pode optar por ser fiel ao texto-fonte ou pode

escolher fazer modificações dependendo das condições culturais e das

necessidades do público consumidor. É uma abordagem que “vê o tradutor como um

profissional intercultural, não como um escriba mecânico” (GENTZLER, 2009,

p.101).

Essa teoria recebeu críticas por simplificar a relação entre texto-fonte e texto de

chegada. Além disso, embora a tradução nesse método cumpra seu papel

perfeitamente, ela pode recair na simplificação excessiva e pecar em termos lexicais,

sintáticos e estilísticos preciosos existentes no texto de origem.

Sob a perspectiva da literatura infantil, a teoria funcionalista é bastante pertinente,

uma vez que o conhecimento de mundo da criança é normalmente mais limitado do

que o do adulto e é preciso fazer concessões na tradução para que o texto de

chegada lhes fique inteligível, conforme salienta Lathey (2006):

Young readers cannot be expected to have acquired the breadth of understanding of other cultures, languages and geographies that are taken for granted in an adult readership. Since translators’ footnotes are an unsatisfactory solution to this problem, ‘domestication’ is a

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frequently used but contentious tactic in children’s texts.14 (LATHEY, 2006, p.8).

A adaptação, para a autora, baseia-se na pressuposição de que as crianças terão

dificuldade de compreender a cultura desconhecida – como nomes e localidades

estrangeiros, neologismos e comidas típicas –, o que poderia levar à rejeição da

obra traduzida. Contudo, Lathey (2006) também pontua, com base em outros

estudiosos, que essa adaptação deve ser ponderada, cuidadosa, para afetar o

mínimo possível o estilo e a intenção do autor do texto original e para manter a

curiosidade das crianças em novos aprendizados:

Göte Klingberg recommends that adaptation should be restricted to details and the source text manipulated as little as possible. Award-winning English translator Anthea Bell [...] argues that a translator has to gauge the precise degree of foreignness, and how far it is acceptable and can be preserved. There is certainly good reason to translate names […] but children can and do take delight in the sound and shape of unfamiliar names […] and they will certainly never be intrigued and attracted by difference if it is kept from them.15 (LATHEY, 2006, p.8-9).

Rosas (2002) também aponta que a vertente funcionalista da tradução é

normalmente a mais adequada ao se traduzir o humor, cujo objetivo principal é

provocar o riso do receptor.

Nos anos 90, uma linha de discussões que surgiu foi a respeito da (in)visibilidade do

tradutor. Pesquisadores como Venuti (1995) e Aubert (1994) tratam da criatividade e

14 “Não se pode esperar dos leitores jovens que tenham adquirido a amplitude da compreensão de outras culturas, línguas e geografias que são presumidos pelos leitores adultos. Já que notas de rodapé são uma solução insatisfatória para esse problema, a ‘domesticação’ é a tática mais usada, porém controversa, em textos para crianças.” 15 “Göte Klingberg recomenda que a adaptação deva se restringir a detalhes e que o texto-fonte deva ser manipulado o mínimo possível. A premiada tradutora inglesa Anthea Bell […] argumenta que o tradutor precisa calcular o grau exato de estrangeirismo e o quanto é aceitável e deve ser preservado. Há vantagens em se traduzir nomes [...], mas as crianças podem se encantar e de fato o fazem com o som e a forma de nomes não familiares [...] e elas certamente nunca irão se sentir intrigadas e atraídas pelo diferente se este nunca lhes for mostrado.”

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visibilidade do trabalho do tradutor. Nesse aspecto, Aubert (1994) questiona as

“servidões” às quais o tradutor fica submetido:

Em uma visão bastante difundida da tradução e do traduzir, o seu agente, o tradutor, tende a ser visto como submetido a diversas ‘servidões’. Escravo do texto e/ou do autor do original e atrelado às restrições impostas pelas diversidades linguísticas e culturais o tradutor deveria, na medida do possível e do impossível, abstrair o seu próprio ser (...). É cabível exigir do tradutor o seu próprio apagamento? (AUBERT, 1994, p.7-8).

Já Venuti explica como acaba sendo, na maioria das vezes, a ideia corrente de

tradução “ideal”, e opõe-se a esse desejado papel de anulação do tradutor, situação

que nega o próprio ato tradutório em si e reforça o desprestígio que a sociedade

atribui a esse profissional:

A fluent translation is immediately recognizable and intelligible, ‘familiarised’, domesticated, no ‘disconcerting[ly]’ foreign, capable of giving the reader unobstructed ‘access to great thoughts’, to what is ‘present’ in the original. Under the regime of fluent translating, the translator works to make his or her work ‘invisible’, producing the illusory effect of transparency that simultaneously masks its status as an illusion: the translated text seems ‘natural’, i.e., not translated.16 (VENUTI, 1995, p.5).

The translator’s invisibility is thus a weird self-annihilation, a way of conceiving and practicing translation that undoubtedly reinforces its marginal status in Anglo-American culture.17 (VENUTI, 1995, p.8).

O estudioso sugere reverter essa invisibilidade propondo uma técnica na qual o

tradutor deva respeitar a especificidade do texto traduzido, inserindo-o no contexto

de sua produção, podendo até violar regras da língua de chegada para que o leitor

16 “Uma tradução fluente é imediatamente reconhecível e inteligível, ‘familiarizada’, domesticada, não é estrangeira de ‘maneira desconcertante’, é capaz de proporcionar ao leitor, sem obstruções, acesso aos ‘grandes pensamentos’ e àquilo que está ‘presente’ no original. Sob o regime de traduzir fluentemente, o tradutor trabalha para fazer seu trabalho ‘invisível’, produzindo um efeito ilusório de transparência que mascara simultaneamente seu status como ilusão: o texto traduzido parece ‘natural’, ou seja, não traduzido.” 17 “A invisibilidade do tradutor é, portanto, uma auto-anulação estranha, uma maneira de conceber e praticar a tradução que, sem sombra de dúvida, reforça seu status marginal na cultura anglo-americana.”

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desta possa perceber a presença do tradutor. Essa postura, embora pertinente para

o reconhecimento do trabalho do tradutor, é bastante polêmica, pois a visibilidade

não pode ser tão marcante a ponto de dificultar a leitura do texto-alvo.

Outra teoria com grande disseminação, que contraria de maneira radical não só as

que seguem a linha da linguística, mas todas as outras consideradas “estruturais”, é

a do Desconstrutivismo, vinculada à tradução por Jacques Derrida nos anos 80.

Segundo Gentzler (2009), a desconstrução, vertente polêmica e complexa, desafia

os limites da própria língua, da escrita e da leitura, ampliando a estrutura conceitual

sobre tradução e propondo um repensar mais filosófico para a tarefa. No Brasil, o

grande seguidor de Derrida é Ottoni, que observa:

Numa abordagem pós-estruturalista da linguagem, podemos afirmar que ‘compreender é interpretar’, que não há compreensão de um texto sem interpretação, sem a intervenção de um sujeito, do humano. (...) A dissimetria leitor-tradutor e texto revela uma significação que não é fixa nem estável. É através do excesso de enunciação que podemos interpretar e significar. (OTTONI, 2005, p.43).

O autor, contudo, destaca a dificuldade de criar uma linha divisória entre os

diferentes postulados18 e a necessidade de ponderarmos com atenção as

contribuições de todos eles:

Descartada a abordagem estrutural e formal de base linguística, não é fácil traçar uma linha divisória e simplesmente passarmos a considerar tudo o que se faz atualmente a partir das concepções pós-estruturalistas da linguagem, em oposição ao que se fazia anteriormente, como possíveis soluções às questões que a tradução traz. (...) As reflexões de base linguística sobre a tradução têm pressupostos teóricos que diferem muito daqueles das abordagens pós-estruturalistas, mas nem por isso essas reflexões devem ser deixadas de lado de maneira radical. (OTTONI, 2005, p.48).

18 Utilizamos os termos “vertente”, “postulado”, teoria e “método” de tradução como sinônimos neste trabalho.

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Bassnet (2003) também afirma que essa aparente divisão entre as abordagens

cultural e linguística da tradução, surgida quando os primeiros estudos opunham-se

uns aos outros, está desaparecendo: “o importante trabalho de estudiosos [...]

contribuiu muito para derrubar barreiras que separavam as disciplinas e para

empurrar os estudos de tradução para longe de uma posição de possível confronto”

(BASSNET, 2003, p.5). A autora sugere, então, que as abordagens, se excludentes,

acabam empobrecendo os estudos tradutórios. Assim, abordagens que privilegiam o

texto traduzido desconsideram, de certa maneira, o texto original e seu contexto

cultural, histórico e literário; já estudos que realçam somente o texto-fonte também

anulam tudo que envolve a recepção do texto de chegada enquanto pesquisas que

enfocam apenas as equivalências semânticas e estruturais deixam de lado, muitas

vezes, aspectos extralinguísticos.

Muitos estudos foram, e continuam sendo, preciosas tentativas de normatizar e

refletir acerca da tradução. É preciso observar que nenhuma abordagem consegue,

sozinha, recobrir todos os problemas relacionados à difícil tarefa de traduzir. Juntas,

porém, elaboram uma teoria compósita que nos dá condições de compreender

melhor o processo tradutório. Afinal, conforme aponta Newmark (1982), as teorias a

respeito de tradução devem ser destinadas a “determinar os métodos apropriados

para a mais ampla variedade possível de textos ou categorias de textos”

(NEWMARK, 1982, p.19).

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1.2 O PAPEL DO TRADUTOR

Os tradutores, “intermediários”, não escrevem literatura, mas a reescrevem. Isso é importante porque eles são, no presente, corresponsáveis, em igual ou maior proporção que os escritores, pela recepção geral e pela sobrevivência de obras literárias entre leitores não profissionais, que constituem a grande maioria dos leitores em nossa cultura globalizada.

(Andre Lefevere, 2007)

Conforme Robinson (2002, p.34) prudentemente apontou: “a tradução ideal seria

totalmente fidedigna, imediatamente disponível e gratuita. Assim como a maioria dos

ideais, esse é impossível. Nada é totalmente fidedigno, tudo leva tempo, e ninguém

faz nada de graça”.

Uma vez que envolve um trabalho humano com a linguagem, a tradução abarca

todas as suas peculiaridades. O tradutor possui seu conhecimento próprio, suas

idiossincrasias, sua criatividade e suas limitações. Cada um utiliza a linguagem de

um modo único e cria seu aprendizado e prática da tradução de maneira singular:

Não aprendemos completamente uma língua estrangeira, não traduzimos completamente, assim como não sabemos completamente sobre nossa língua materna. A linguagem humana não é mensurável como outras ciências positivas. A relação que um aprendiz estabelece entre língua materna e língua estrangeira é sempre individual. Por isso é complexo – difícil e fácil ao mesmo tempo – ensinar uma língua estrangeira, como também é complexo ensinar a traduzir. Esses ensinos trabalham com a linguagem em funcionamento e não são passíveis de domesticação. (OTTONI, 2005, p.33, grifo nosso).

Por conta dessa característica distinta, somando-se ao fato de que os tradutores

precisam do trabalho para viver, a tradução é muitas vezes uma profissão

desacreditada, criticada, incompreendida. Os leitores raramente têm ideia da

dimensão do trabalho. Os críticos ignoram o nome do tradutor em um bom trabalho,

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mas fazem questão de destacá-lo quando abundam as falhas. As editoras, não

obstante precisem do tradutor, muitas vezes omitem propositadamente seu nome.

O que é necessário para ser tradutor ou intérprete? Que espécie de pessoa iria querer, muito menos conseguir, sentar-se ao computador ou num fórum dia após dia transformando palavras e frases de uma língua em palavras e frases de outra? Não é uma profissão terrivelmente entediante e ingrata? (ROBINSON, 2002, p.42).

Cada teoria tradutória defende que o tradutor deve representar seu papel de

maneiras diferentes: sendo fiel ao texto original, “domesticando-o”, deixando sua

marca própria ou tentando ao máximo apagá-la. Ottoni (2005) observa que as

propostas mais recentes em torno da tradução comprometem-se mais com as

relações entre sujeito e linguagem do que as anteriores, possibilitando uma

reviravolta na reflexão sobre o papel exercido pelo tradutor. O tradutor é um sujeito

que interfere na língua transformando e produzindo significados; um sujeito que

intervém nas línguas envolvidas na tradução.

No mundo da prática, porém, o que determina o posicionamento do tradutor

profissional (aquele que tem na profissão o seu sustento) são as regras do cliente e

do mercado editorial, como afirma Robinson (2002, p.23): “o duro fato é que os

tradutores raramente podem dar-se o luxo de ignorar as perspectivas externas de

quem não é tradutor, mas é, afinal, sua fonte de renda”.

Exige-se dos tradutores que consigam processar materiais linguísticos com rapidez

e eficácia; que reconheçam áreas problemáticas e as resolvam de maneira analítica

e eficiente; que saibam reconhecer e passar de um método para outro quando

necessário. Por melhor que faça seu trabalho, o tradutor normalmente recebe

críticas:

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Pick the literal translation and the translator is criticized for the ‘ugliness’ of a ‘faithful’ translation; pick the free translation and there is criticism of the ‘inaccuracy’ of a ‘beautiful’ translation. Either way it seems, the translator cannot win, even though we recognize that the crucial variable is the purpose for which the translation is being made, not some inherent characteristic of the text itself.19 (BELL, 1993, p.7).

Robinson (2002) também aponta que uma das reclamações mais comuns feitas

pelos tradutores é com relação à pontualidade, uma vez que frequentemente os

clientes têm pressa e ignoram o tempo consumido no trabalho de tradução. No

entanto, por mais insensível que pareça pedir ao tradutor que trabalhe durante horas

em tarefas nada inspiradoras, eles não são os únicos; é bem provável que as

pessoas que solicitaram a tradução também estejam trabalhando exaustivamente. A

realidade do mundo empresarial exige uma quantidade enorme de trabalho,

realizado em um tempo mínimo.

Por conta disso, portanto, acreditamos que há pouco espaço para reflexão teórica no

trabalho cotidiano do tradutor profissional. Traduzir acaba sendo muito mais do que

debruçar-se sobre o texto de origem para encontrar equivalentes na língua de

destino; envolve, principalmente, lidar com clientes, agências, redes de contato,

pesquisas, uso de tecnologias, além da conscientização dos papéis da tradução na

sociedade e da sociedade na tradução.

Paes (1990) destaca a distância entre teoria e prática:

O enfoque teórico, por mais importante que seja, não deve fazer esquecer que a prática da tradução pouco lhe deve. Os que mais competentemente a exercem não são tradutólogos, mas escritores que optaram por dividir seu tempo entre a criação propriamente dita e a recriação tradutória. (PAES, 1990, p.31).

19 “Se escolher a tradução ‘literal’, o tradutor é criticado pela ‘feiura’ de uma tradução ‘fiel’; se escolher a ‘tradução livre’, há críticas da ‘imprecisão’ de uma tradução ‘bela’. O que parece é que, de qualquer maneira, o tradutor não consegue vencer, embora reconheçamos que a variável crucial é o propósito para o qual a tradução está sendo feita, e não alguma característica inerente do texto em si.”

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O tradutor realiza, pois, uma atividade consciente, analítica e inteligente que requer,

muito além do conhecimento da teoria, criatividade na resolução de problemas em

novas situações textuais, sociais e culturais.

No caso de traduções para obras infantojuvenis, Lathey (2006) afirma que os

tradutores que vertem esse gênero precisam adotar estratégias que se adequem

aos desafios das estruturas contemporâneas da infância, uma vez que a mesma é

um conceito volátil. A autora também indigita para a questão de que além da

didática e da ponderação do que é adequado para as crianças, a tradução para elas

requer outras considerações:

It is essential for a translator of children’s literature to keep in mind the intrinsic qualities of successful writing for children and of childhood reading. One of the most demanding, and at the same time inspiring, aspects of translating for children is the potential for a creativity that characterises the ‘childness’ of children’s texts: the quality of being a child – dynamic, imaginative, experimental, interactive and unstable.20 (LATHEY, 2006, p.9).

O tradutor de literatura infantojuvenil precisa, portanto, atentar para esse caráter

interativo e criativo presente na essência dessas obras e para o dinamismo da

linguagem que elas utilizam.

20 “É essencial para um tradutor de literatura infantil ter em mente as qualidades intrínsecas de uma obra para crianças bem sucedida e de uma leitura infantil. Um dos aspectos mais exigentes, e ao mesmo tempo inspiradores, de traduzir para crianças é o potencial para uma criatividade que caracteriza a ‘infantilidade’ do texto infantil: a natureza de ser uma criança – dinâmica, imaginativa, experimental, interativa e instável.”

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1.3 TRADUÇÃO NO BRASIL

O ponto nevrálgico de toda teoria da tradução parece ser a tradução dos textos que chamamos de “literários”, questão geralmente adiada ou excluída tanto dos estudos sobre tradução quanto dos estudos literários.

(Rosemary Arrojo, 2007)

Segundo Milton (2002a), há muito pouca historiografia sobre tradução e adaptação

de livros no Brasil. Lefevere (2007) assinala para a falta de espaço, no âmbito da

história da literatura mundial, para as traduções:

Histórias da literatura, como foram escritas até há pouco tempo, têm tido pouco ou nenhum tempo para traduções, uma vez que, para o historiador da literatura, a tradução se relacionava apenas com a ‘língua’, não com literatura. (LEFEVERE, 2007, p.68).

Destaca-se nesse campo restrito a obra “Línguas, poetas e bacharéis – uma crônica

da tradução no Brasil”, publicada em 2003, da reconhecida tradutora da série “Harry

Potter” no Brasil, Lia Wyler, com base em sua dissertação de Mestrado de 1995.

Sobrelevamos também o livro de José Paulo Paes (1990), estudioso e tradutor

brasileiro que tem em sua obra sobre tradução um breve capítulo a respeito da

profissão no Brasil. Essas obras nos servirão de mote para traçarmos um breve

panorama desse ofício e compreender a atual situação editorial de material

traduzido no Brasil.

Para Wyler (2003), a publicação formal de livros traduzidos no Brasil começou

somente em 1930. Essa situação se deve, de acordo com a autora, à consolidação

tardia do português como língua nacional (que aconteceu somente em 1823) e das

políticas portuguesas em relação à educação e à imprensa. O Brasil-colônia foi

proibido de imprimir até 1808, pois a metrópole portuguesa fez questão de manter o

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analfabetismo em massa e o “estrangeiramento” do ensino da elite. Os que tinham

acesso ao estudo sofreram forte influência francesa, o que se refletiria na visão de

tradução do país. A Constituinte de 1823 buscaria, depois, abarcar o problema do

analfabetismo, estendendo a educação para todos, mas sabemos que os resultados

estão longe dos ideais até hoje. Paes (1990) também comenta a falta de vida

intelectual no país nessa época:

Durante os três séculos em que esteve sob a tutela sufocante do absolutismo português, a vida intelectual do país foi mofina. (...) Portugal fez o quanto pôde para manter a sua colônia transatlântica em estado de inferioridade mental. Não só proibiu a instalação no Brasil de uma universidade e de tipografias (...) como também cuidou de impedir a circulação de perigosas ‘ideias estrangeiras’ [que chegariam pela tradução]. (PAES, 1990, p.11).

Com a vinda da corte em 1808, veio o desenvolvimento da produção e da tradução

escritas, juntamente com tantos outros avanços:

Entre as muitas novidades trazidas pelos reinóis, incluíam-se a feitura e a leitura de traduções do francês e do inglês, que logo se incorporaram ao quotidiano dos habitantes da colônia temporariamente impedidos pela guerra de importar os livros em voga na Europa. (WYLER, 2003, p.79).

Lajolo e Zilberman (2003) também apontam a notável mudança:

A chegada de D. João ao Brasil em 1808 rompe com o obscurantismo em que a política portuguesa mantinha a colônia de além-mar. Se a Impressão Régia emblematiza umas dessas rupturas, outra coincide com a fundação da Biblioteca Real, estimulada por D. João em 1814, a partir dos livros que a Corte portuguesa trouxe consigo. (LAJOLO e ZILBERMAN, 2003, p.175).

O que assegurou, porém, o desenvolvimento da tradução no século XIX, ainda

segundo Wyler (2003), foram o romance-folhetim e o teatro. Introduzidos no Brasil

em 1839, seu sucesso foi tanto que a tradução acontecia em ritmo acelerado para

atender à demanda dos leitores. Ainda assim, era uma atividade depreciada e

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anônima. Os entraves para a impressão e o alto custo dos livros favoreciam a

importação dos mesmos após o fim da guerra.

Embora muitos tenham feito traduções por conta própria, Paes (1990) cita o escritor

baiano Caetano Lopes de Moura como o nosso primeiro tradutor realmente

profissional, tendo feito da tradução um meio para sua subsistência. Lopes de Moura

traduziu mais de vinte romances para o editor Ailland entre 1830 e 1840.

Conforme assinala Hallewell (2005), no final do século XIX e início do século XX,

editoras como a Garnier e a Laemmert destacaram-se publicando livros técnicos,

didáticos e de ficção, grande parte deles traduzidos principalmente do francês:

“naquela época, como ainda hoje, as traduções constituíam parte considerável do

catálogo de qualquer editora brasileira” (HALLEWELL, 2005, p.241).

Apenas em 1930 apareceria a tradução como atividade legal, na era Getúlio Vargas.

Relatórios solicitados pelo novo Presidente mostravam a deficiência da indústria

livreira no Brasil e a exorbitância do preço dos livros traduzidos, além da dificuldade

inequívoca: a falta de leitores, consequência da massa de analfabetos.

Durante a censura estado novista, os editores concentraram suas publicações em

livros de ciência, historiografia, didáticos, infantis e traduções de ficção estrangeira.

Muitas obras de ficção e técnicas eram traduzidas para “atender plenamente às

necessidades de entretenimento e aprendizado do público brasileiro. Com isso

crescia o número de tradutores no mercado” (WYLER, 2003, p.115).

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A Era Vargas foi, portanto, decisiva para o progresso da indústria livreira e da

indústria de traduções nacionais, a qual passou da influência francesa para a

americana no século XX. Não obstante a tradução continuasse a ser uma atividade

alternativa, ao invés de uma profissão única, os tradutores agora eram escritores

consagrados em ascensão, como Monteiro Lobato, Cecília Meireles e Raquel de

Queirós, entre outros.

No entanto, a rapidez com que traduziam logo apresentou efeitos colaterais, e

muitas traduções foram fortemente criticadas – não por apresentarem erros de

gramática normativa, uma vez que os escritores-tradutores eram a garantia de sua

ausência e, por isso, a maior propaganda das editoras – mas por trazerem textos

sem estilo, sem naturalidade.

As críticas levaram Érico Veríssimo a criar, junto ao conselho literário da Editora

Globo, um novo modelo de produção para a tradução:

Uma vez escolhido, o livro era entregue a um tradutor de comprovada competência nas línguas fonte e alvo, que trabalhava sem prazo nem horário determinados, na sede da empresa. Quando concluía o trabalho, original e tradução eram entregues a outro especialista nas duas línguas que os cotejava para verificar a fidelidade da recriação. Em uma terceira etapa, outro especialista examinava o estilo do livro com o tradutor, cujo nome aparecia sozinho no pórtico do volume. (VERÍSSIMO, apud WYLER, 2003, p.127).

Essa metodologia deu início ao que se chamou de “Idade de Ouro da Tradução”

(WYLER, 2003, p.129). Em praticamente dez anos, de 1930 a 1940, Érico Veríssimo

conquistou a indústria do livro, o mercado consumidor e ajudou a constituir um novo

papel para o campo da tradução.

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Hallewell (2005) é outro estudioso que menciona o embate da Editora Globo com as

traduções malfeitas e enfatiza a irrelevância que sempre foi atribuída à tradução:

Um programa dessa monta obrigou a Livraria Globo a enfrentar o estado insatisfatório da tradução no Brasil. O padrão sempre fora muito baixo. Antes de 1940, o reduzido mercado livreiro limitava os orçamentos das editoras, o que acabou por estabelecer uma tradição, que perdura até hoje, de que a tradução é um trabalho subalterno e mal remunerado. (HALLEWELL, 2005, p.402).

Nas décadas de 40 e 50, segundo Paes (1990), houve um grande volume de obras

literárias traduzidas no Brasil, o que assegurou a consolidação da indústria editorial.

O fim da Era Vargas trouxe novas dificuldades políticas e econômicas, mas estas

não refletiram no crescimento de profissionais da tradução. O programa de metas de

Kubitschek, eleito em 1956 à Presidência da República, demandava tradutores para

a compreensão da tecnologia estrangeira e a formação de novos especialistas. Por

conta disso também, o mercado universitário de livros começou a crescer

vertiginosamente.

Nos anos 60, um programa americano para publicar seus livros no Brasil igualmente

trouxe incentivo ao mercado tradutório. Logo surgiram cursos para formar tradutores

em São Paulo e no Rio de Janeiro.

De acordo com Wyler e Barbosa (In: Baker, 2001) a mudança do papel brasileiro de

importador para exportador de celulose no final dos anos 70 contribuiu para o

avanço significativo da indústria gráfica e, consequentemente, de publicações

nacionais e traduzidas.

A reflexão acerca do processo tradutório somente apareceria mais marcadamente a

partir dos anos 70, com iniciativas de estudiosos como Paulo Rónai, José Paulo

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Paes e os irmãos Augusto de Campos e Haroldo de Campos. Quanto a isso não

ficamos muito ultrapassados; apesar de estudiosos reconhecidos mundialmente nos

anos 60 e 70 (como Catford, Mounin e Nida, entre outros), os estudos tradutórios

somente começaram a ganhar um novo e intenso fôlego na comunidade acadêmica

mundial nos anos 80, conforme salienta Bassnet (2003):

Os anos oitenta foram uma década de consolidação para a novíssima disciplina conhecida como Estudos de Tradução. Tendo feito sua aparição nos finais dos anos setenta, começou a ser levada a sério e deixou de ser olhada como uma área de pesquisa de importância secundária e sem valor científico (...) e nos anos noventa (...) tornaram-se finalmente numa disciplina de direito próprio, na década que testemunhou a sua globalização. (BASSNET, 2003, p.1).

Wyler e Barbosa (In: Baker, 2003) apontam Rónai como pioneiro dos estudos

tradutórios brasileiros. Sua primeira obra, publicada em 1952, surgiu em uma época

na qual as pesquisas na área ainda engatinhavam. As reflexões teóricas de Augusto

e Haroldo de Campos acerca de suas próprias práticas tradutórias, por sua vez, são

o mais próximo que temos de uma teoria de tradução no Brasil. A visão deles

privilegia a forma em detrimento do conteúdo e favorece a inserção de novas formas

na língua de chegada. Tal proposta, baseada no “canibalismo” do Movimento

Modernista de 1922, é uma das poucas contribuições conhecidas fora do país.

Muito embora a tradução continuasse a se expandir, o reconhecimento da profissão

de tradutor no Brasil só viria em 1988, conforme mostram Wyler e Barbosa (In:

Baker, 2001, p.331): “a profissão de tradutor em geral, incluindo tradutores literários,

técnicos, de teatro, cinema e televisão (...) foi reconhecida pelo Ministério do

Trabalho em 1988”. Regulamentações mais específicas para a profissão, porém,

não existem até hoje.

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Segundo Wyler (2003), embora cerca de quatrocentos novos livros literários escritos

em português fossem publicados no Brasil todo ano, em 1995, 80% dos livros em

circulação eram traduzidos21. Em pesquisas à bibliografia e a sítios eletrônicos de

busca, de editoras, instituições privadas e do governo22, encontramos poucas

informações sobre esse número nos dias atuais. Os dados mais recentes com os

quais nos deparamos, curiosamente, estavam em sítios estrangeiros a respeito do

nosso país.

Na publicação canadense The Book Publishing Market in Brazil 23, Mota (2005) cita

que, em 2003, o mercado de publicações no Brasil somou 3.2 milhões de reais, e a

produção foi de 35.590 novos títulos. Destes, 11% foram de obras traduzidas, sendo

65% traduzidos do inglês.

A jornalista Felicity Claire, do sítio eletrônico The Book Seller24, relata sua visita à

Bienal do Livro no Rio de Janeiro em 2009, e afirma que em 2008 o número de

obras traduzidas foi de 12% da quantidade total de livros publicados no Brasil (6.226

títulos de um total de 51.129). A jornalista comenta que, contrastivamente, o número

de obras brasileiras traduzidas para outras línguas é pequeno – porém não aponta

valores.

Apesar da presença maciça de obras traduzidas no país, o trabalho do tradutor

permanece muitas vezes invisível, incógnito, desprestigiado para a maior parte das

pessoas. Enquanto a necessidade de tradução para obras tidas como notáveis 21 Não conseguimos verificar a veracidade desse dado em outras fontes, porém surpreendeu-nos um número tão alto para a data. 22 Como www.fnlij.org.br, www.amigosdolivro.com.br, www.cbl.org.br e http://www.prolivro.org.br. 23 Disponível em http://dsp-psd.pwgsc.gc.ca/Collection/CH4-102-2005E.pdf 24 Disponível em http://www.thebookseller.com/in-depth/feature/98666-market-snapshot-brazil.html

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busca tradutores e escritores reconhecidos, obras consideradas “menores” contam

com o trabalho de profissionais – ou de simples conhecedores de línguas – mal

remunerados e ignorados.

1.4 TRADUÇÃO DE OBRAS INFANTOJUVENIS NO BRASIL

Como se a menoridade de seu público a contagiasse, a literatura infantil costuma ser encarada como produção cultural inferior. (Marisa Lajolo e Regina Zilberman, 2007)

O conceito de infância, como tantos outros do contexto histórico-cultural, não é

estável. A ideia de infância que levou à criação de livros direcionados ao público

infantil é relativamente recente. Foi a partir do final do século XIX que a sociedade

começou a olhar para as crianças de forma diferente e a distingui-las dos adultos, e

que a literatura passou a ter um caráter mais lúdico. Até essa data, os autores

buscavam apenas incutir valores de fundo moral e pedagógico nas crianças.

Uma vez que os livros começaram a ser adequados à faixa etária, no tocante à

temática, ao enredo e à linguagem, era esperado que obras infantis fossem

traduzidas com uma orientação para a cultura de chegada, ajustando-se para que o

destinatário, a criança, pudesse ler e compreender a história.

Não há um estudo específico sobre a tradução de literatura infantil no Brasil. Como

era de se esperar, as pesquisas a respeito de literatura infantil brasileira centram-se,

em grande parte, nos textos de autores nacionais. Sabemos o que chegava

traduzido ao Brasil, mas não a qualidade nem os moldes da tradução.

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Além disso, são raros os estudos do momento contemporâneo, ou algum material

que trate do gênero nos anos 90 e 2000. Os maiores pesquisadores do assunto,

Leonardo Arroyo, Nelly Novaes Coelho25, Marisa Lajolo, Regina Zilberman, Lígia

Cademartori e Sonia Salomão Khéde26 têm suas obras publicadas até, no máximo,

final dos anos 80, e como já citado, concentram-se na publicação nacional. Mesmo

as edições recentes são carentes de atualização.

Uma obra mais atual que encontramos é da pesquisadora Glória Pimentel de Souza,

A literatura infantojuvenil brasileira vai muito bem, obrigada!, publicada em 2006, que

traz algumas informações dos anos 90, mas que também não trata das obras

traduzidas.

A ausência de bibliografia que trate do papel e dos moldes da tradução em literatura

infantil parece ocorrer também em outros países. Lathey (2010) destaca que, apesar

da tradução de literatura infantil para a língua inglesa datar do período medieval e do

atual crescente interesse em literatura infantil traduzida, não há uma história

extensiva sobre esse significativo aspecto da literatura. A autora cita como únicas

fontes um breve verbete no Oxford Guide to Literature in English Translation e pouco

mais de dez páginas na obra The Oxford History of Literary Translation in English.

Lathey (2010) aponta o sueco Göte Klingberg como o pioneiro nos estudos

acadêmicos sobre os processos linguísticos, ideológicos e econômicos da tradução

do gênero infantojuvenil.

25 A autora publicou, em 2010, uma edição atualizada de sua obra Panorama Histórico da Literatura Infantil/Juvenil; porém não aborda a literatura contemporânea traduzida; enfocando somente a produção nacional. 26 Algumas das principais obras desses autores a respeito de literatura infantojuvenil constam na bibliografia de apoio deste trabalho.

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Segundo Lajolo e Zilberman (2007) aparentemente só circulavam no Brasil até 1880

as obras europeias traduzidas do Cônego Christoph Von Schmid: O Canário (1856),

A Cestinha de Flores (1858) e Os Ovos de Páscoa (1860). Após esse período,

fortaleceu-se um mercado de livros infantis traduzidos:

Carlos Jansen e Figueiredo Pimentel são os que se encarregam, respectivamente, da tradução e adaptação de obras estrangeiras para crianças. Graças a eles, circulam, no Brasil, Contos seletos das mil e uma noites (1882), Robinson Crusoé (1885), Viagens de Gulliver (1888) (...) clássicos de Grimm, Perrault e Andersen são divulgados nos Contos da Carochinha (1894), nas Histórias da avozinha (1896). (...) merecem destaque, ainda, entre as traduções, a que João Ribeiro fez, em 1891, do livro italiano Cuore e, a partir de 1915, as traduções e adaptações que, coordenadas por Arnaldo de Oliveira Barreto, constituíram a Biblioteca Infantil Melhoramentos. (LAJOLO e ZILBERMAN, 2007, p.29).

Arroyo (1988) também ressalta o trabalho do professor e tradutor Carlos Jansen,

que traduziu e adaptou, entre outras obras, Viagens de Gulliver, Dom Quixote de La

Mancha e As Mil e Uma Noites:

Carlos Jansen foi de uma atividade incansável no que respeita à difusão da literatura para a infância, quer traduzindo, quer adaptando obras imortais para os leitores brasileiros de transição entre o século XIX e o século XX. (ARROYO, 1988, p.174).

Hallewell (2005, p.242) é outro estudioso que destaca as traduções de Carlos

Jansen: “Carlos Jansen Müller, professor de alemão do Colégio Pedro II, fez

inúmeras traduções para Lammert27, sempre com o cuidado de omitir passagens

julgadas inadequadas para a juventude”.

Carvalho (1982) menciona, ainda, Arnaldo de Oliveira Barreto, que adaptou diversas

obras da Mitologia Grega, dos contos orientais e mesmo da epopeia camoniana.

Para a autora, foi “o mais notável e pródigo tradutor dos autores de todo o mundo,

para a literatura infantil do Brasil” (CARVALHO, 1982, p.129). 27 Uma das principais casas editoras brasileiras do final do século XIX e início do século XX.

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Segundo Coelho (1985), um dos grandes marcos na literatura para crianças foi a

revista Tico-Tico, jornal em quadrinhos lançado em 1905. A publicação, que durou

até 1958, trazia no início ilustrações e histórias americanas traduzidas, além de

adaptações de textos clássicos da Literatura Infantil mundial como Perrault, Grimm e

Andersen. A nacionalização das personagens e historinhas só ocorreu em 1914,

devido às dificuldades de importação que vieram com a guerra.

No início do século XX, havia pouco material brasileiro, e muitas traduções eram de

edições portuguesas, o que dificultava a leitura pelo nosso público infantil, conforme

aponta Wyler (2003):

Monteiro Lobato inovou introduzindo o uso da linguagem coloquial e dando início à fase nacional da literatura para jovens, até então condenados a ler originais e traduções portuguesas por vezes ininteligíveis, dadas as diferenças entre o português falado aqui e na Europa. (WYLER, 2003, p.118).

Hallewell (2005) também menciona os entraves da leitura, pelas crianças, das obras

que chegavam ao Brasil:

Na época, a maior parte da literatura infantil e praticamente todos os livros para as crianças menores vinham de Portugal; e mesmo a pequena parte produzida no Brasil ainda seguia, na linguagem, os usos da pátria-mãe. A criança não apenas se confundia com as palavras e o estilo grotesco desses livros como, frequentemente, tinha dificuldade até mesmo de compreendê-los. (HALLEWELL, 2005, p.274).

Nos anos 30, apesar da disseminação de obras brasileiras, os livros traduzidos ou

adaptados (simplificados, encurtados) permaneceram em grande número. Nessa

época, conforme assinalam Lajolo e Zilberman (2003, p.106), “ser tradutor, de todo

modo, constituía uma concreta alternativa de trabalho”. Como destaque nessa

década tem-se o lançamento do Suplemento Juvenil, de Adolfo Aizen e O Globo

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Juvenil, de Roberto Marinho, ambos trazendo histórias de séries americanas

(especialmente comic books) traduzidas.

Sem dúvida, os estudos acerca de literatura infantil e juvenil apontam Monteiro

Lobato como o responsável pela mudança nas obras destinadas à infância no início

do século XX, tanto por suas obras nacionais quanto por suas traduções. Paes

(1990) ressalta que o fecundo trabalho de tradutor de Lobato tornou acessíveis aos

leitores brasileiros inúmeras obras mundiais importantes:

Ao regressar dos Estados Unidos em 1931 [Lobato] resolveu, à falta de outra profissão de que tirar a subsistência, dedicar-se à tradução, ofício que exerceu até quase o fim de seus dias. Era um trabalhador incansável: produzia uma média de vinte páginas por dia, de dois a três livros por mês. Verteu mais de uma centena de obras. (PAES, 1990, p.26).

Milton (2002b)28 também reconhece o papel fundamental de Lobato para o

crescimento da indústria livreira no Brasil, com suas obras próprias e suas

traduções:

Monteiro Lobato was probably the central figure in the growth of the book industry in Brazil and the first publisher in Brazil to attempt to develop a mass market for books and to develop the book industry as a consumer industry. […] Lobato stressed the importance that Brazil should give to its own culture […] He wanted to open Brazil out to German, Russian, Scandinavian and Anglo-American literatures, and he translated such works as Peter Pan, Alice in Wonderland, Robinson Crusoe, Tom Sawyer, Huckleberry Finn and Gulliver’s Travels. 29 (MILTON, 2002b, p.122-123).

28 Disponível em http://www.scielo.br/pdf/delta/v19nspe/08.pdf. 29 “Monteiro Lobato foi provavelmente a figura central no crescimento da indústria livreira no Brasil, e o primeiro editor no Brasil que tentou desenvolver um mercado de massas e uma indústria de consumo para os livros [...] Lobato frisou a importância que o Brasil deveria dar a sua própria cultura [...] Ele queria mostrar ao Brasil as literaturas alemã, russa, escandinava e anglo-americana e para tanto traduziu obras como Peter Pan, Alice no País das Maravilhas, Robinson Crusoé, Tom Sawyer, Huckleberry Finn e As viagens de Guliver.”

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Lobato acreditava no desenvolvimento de uma língua brasileira separada da

portuguesa, após quatrocentos anos de subserviência a Portugal. Em prol desse

ideal, escrevia suas obras infantis com coloquialismos um tanto quanto audaciosos

para a época, e para as traduções “usava a técnica da adaptação, usando uma

língua mais simplificada, que pudesse ser imediatamente compreendida pelas

crianças, seu público alvo”. (MILTON, 2002b, p.125).

Nos anos 40, com a expansão das histórias em quadrinhos, proliferaram as

traduções de obras americanas. Pouco se sabe sobre os moldes dessas traduções,

principalmente no que concerne ao aspecto da oralidade presente no gênero.

Ainda nessa década, por conta do regime estado novista:

Traduzir e publicar livros infantis foram alternativas a que se dedicaram muitos escritores da época, seja para complementar o orçamento, seja para manter os vínculos com o seu público leitor e seus editores, sem se indispor com órgãos encarregados de zelar pela ordem política e social do país. (WYLER, 2003, p.112).

Nos anos 50, tivemos a chegada de traduções importantes, como a revista em

quadrinhos do Pato Donald, de Walt Disney. Nos mesmos anos 50, aliás, houve um

avanço ainda maior da literatura dos quadrinhos, principalmente nacionais, para

desespero de pais e educadores, que a consideravam antipedagógica. Segundo

Coelho (1985), esse tipo de leitura chegou a ser proibido em bibliotecas municipais e

nas escolas em 1956 e eram banidas na maioria das casas também.

Vale ressaltar que as obras de Monteiro lobato também foram proibidas nessa época

por serem consideradas socialistas e subversivas – e suas personagens,

anarquistas e malcriadas.

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No entanto, mesmo combatidas, as histórias em quadrinhos continuaram crescendo

em importância como “produto dos mais lucrativos na área da imprensa” (COELHO,

1985, p.208). Souza (2006) também aponta a propagação dos quadrinhos:

Nos anos 1940, ocorre também a expansão das histórias em quadrinhos, iniciadas com a criação dos super-heróis, mas, somente na década de 1960 o jornalista Mauricio de Sousa criará uma variada gama de personagens criativas, inteligentes e caracteristicamente brasileiras. (SOUZA, 2006, p.89).

Nos anos 60, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com a proposta de

democratização do ensino e a ênfase do mesmo nas habilidades de leitura e

compreensão de texto, suscitou uma crescente demanda de livros literários. Essa

demanda se acelerou de fato nos anos 70: “nesse período multiplicam-se as

traduções e as adaptações juvenis, de livros consagrados na literatura mundial [...],

multiplica-se, também, a produção da literatura quadrinizada, predominantemente a

importada” (COELHO, 1985, p.212).

Nas décadas de 70 e 80, surgiram novos escritores nacionais junto a uma explosão

de criatividade com a linguagem, a estrutura narrativa e o visual do texto; era o início

de uma literatura inquieta, questionadora, que começava a preocupar-se em

acompanhar a evolução da infância, como registra Souza (2006, p.14): “na década

de 1970, alguns autores surpreendem (e não são poucos!) pela organização

ficcional, pela estrutura narrativa, pela linguagem, pela variedade temática, pelo

vigor e renovação”. Earp e Kornis (2005) corroboram essa constatação:

A década de 1980 representa um marco na produção de livros no Brasil, pois nesse momento eles passaram a ser mais elaborados gráfica e editorialmente, o que modificou consideravelmente o padrão de oferta e provocou uma revolução tecnológica na atividade gráfico-editorial do país. (EARP e KORNIS, 2005, p.37).

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Nessa época, percebia-se a inserção de novos artifícios para chamar a atenção dos

leitores mais jovens, como a inclusão de disquinhos junto às historinhas de Walt

Disney e kits para reproduzir os experimentos que acompanhavam a revista Os

Cientistas, como cita Hallewell (2005, p.678). Evidentemente, tais recursos e

inovações precisariam estar presentes também na tradução. O uso de diferentes

recursos, contudo, já vem desde o final do século XIX com intuito de atrair os

leitores, segundo El Far (2006):

Por ser a corte e, mais tarde, a capital federal do país, o Rio de Janeiro tornou-se o ponto de partida do nosso mercado editorial [...]. Sempre atento aos interesses dos leitores, pouco a pouco os comerciantes [dessa cidade] transformaram o livro em um produto acessível e lucrativo. Criaram coleções, novos formatos e capas atraentes, com a pretensão de atingir os mais diferentes interesses da população leitora brasileira. (EL FAR, 2006, p. 38-39).

Para Wyler e Barbosa (In: Baker, 2001), o total de livros infantis traduzidos no Brasil

somava 49.5% em 1979. Se encontrar dados atuais a respeito da literatura traduzida

em geral30 já se mostrou ínvio, mais espinhoso é conseguir informações específicas

sobre a literatura infantojuvenil traduzida.

Segundo Coelho (1985), o grande medo dos anos 80, no entanto, era de que o

avanço da tecnologia, especialmente do computador, pudesse excluir a literatura e

criar jovens sem formação humanística. Iniciava-se uma busca constante para

envolver as crianças e jovens com livros de qualidade. Mal sabiam os educadores os

desafios que a tecnologia e a visão de mundo dos anos 2000 trariam para a sala de

aula e para a educação global.

De toda forma, diferentes estilos e linguagens foram surgindo para criar histórias

atraentes, bem humoradas e críticas, e essas inovações não param; tentam

30 Ver dados no item 1.5 desta pesquisa.

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acompanhar a dinâmica mutante das crianças e jovens. Coelho (1985) faz uma

afirmação que é bastante pertinente ainda hoje: percebeu-se que a literatura “ideal”

é aquela que corresponde “a uma necessidade profunda do tipo de leitor a que ela

se destina, em consonância com a época que ele está vivendo” (COELHO, 1985,

p.219).

É comum ouvir discursos como: “antigamente as crianças tinham mais cultura” ou

“no meu tempo era tudo muito melhor”. Reconhecemos que pensar a criança hoje

exige um olhar crítico muito diferente de décadas passadas. Entretanto, não

podemos ser imperativos quanto ao momento atual ser melhor ou pior do que o

passado. As alterações no estilo de vida, nos relacionamentos interpessoais, nas

formas de produção e nos meios de expressão ainda não estão devidamente

compreendidas. Devemos, portanto, manter uma postura investigativa e aberta a

novas sistemáticas e conceitos.

Inevitavelmente, as mudanças econômicas, tecnológicas e socioculturais

vivenciadas pelo mundo atual não exercem influência apenas na população adulta; o

sentimento de inquietação e velocidade chega ao universo infantil. Dentro do

disperso cenário contemporâneo, a produção cultural dirigida à criança precisa

modernizar-se e manter-se atualizada. E a literatura não tem como esquivar-se

disso.

A literatura infantil, como importante parte da produção cultural, encontra-se hoje em

uma situação desafiadora frente aos múltiplos e variados meios com os quais divide

espaço. A própria configuração da infância parece estar alterada, devido às

modificações no estilo de vida e nas relações humanas do contexto atual em que

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vivemos. Souza (2006, p.44) reforça que “atualmente a literatura é vista como uma

categoria instável, subjetiva, temporária e intrinsecamente ligada às tendências

sociais e culturais de cada época”.

Nesse sentido, a globalização e a rapidez da informação exigem uma literatura cada

vez mais dinâmica e ágil. Quase todas as crianças e jovens têm acesso a tudo, o

tempo todo.

A leitura na internet, segundo alguns uma das grandes “concorrentes” dos livros

impressos – e que já chegou à literatura infantil31 –, aponta para mudanças de

magnitude até maiores que a da imprensa de Gutenberg, pois modifica não só a

maneira de se produzir o texto, mas também as estruturas e as formas de

comunicação. A materialidade e a concretude do livro são substituídas pela

imaterialidade, a não linearidade e a multissequencialidade da informação, como

aponta Chartier (1998):

O fluxo sequencial do texto na tela, a continuidade que lhe é dada, o fato de que suas fronteiras não são mais tão radicalmente visíveis, como no livro que encerra, no interior de sua encadernação ou de sua capa, o texto que ele carrega, a possibilidade para o leitor de embaralhar, de entrecruzar, de reunir textos que são inscritos na mesma memória eletrônica: todos esses traços indicam que a revolução do livro eletrônico é uma revolução nas estruturas do suporte material do escrito assim como nas maneiras de ler. (CHARTIER, 1998, p.13).

31 Como, por exemplo, os sítios http://www.tikatok.com, http://www.kidleitura.com, http://www.1papacaio.com.br, http://www.nextweb.com.br/castelo/entrada.html http://www.divertudo.com.br/historias.htm#flash, http://www.divertudo.com.br/historias.htm#flash, http://storybird.com/books, http://storybird.com/books, e http://www.storyplace.org, voltados para a literatura infantil na web. São sítios nos quais a criança pode montar seu próprio livro, ser personagem de uma história, ler um livro como se folheasse as páginas de uma obra impressa, ou fazer a leitura de uma história com animação, sons e interatividade. Muitas editoras e/ou autores criam também sítios eletrônicos com outras leituras, jogos, atividades e charadas para complementar os livros impressos e atrair os jovens leitores “conectados” – caso, por exemplo, do próprio Capitão Cueca, como será visto adiante e das autoras brasileiras Ângela Lago (http://www.angela-lago.com.br) e Ruth Rocha (http://www2.uol.com.br/ruthrocha/home.htm). Até o clássico Sítio do Pica Pau Amarelo já tem sua página web em construção: http://www.mundodositio.com.br/blog/.

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Enquanto os livros oferecem linearidade, os hipertextos não têm sequência exata

nem limites, características que se moldam perfeitamente à sociedade e à juventude

atuais. Todas as possibilidades ao alcance dessa nova geração tornam os livros

tradicionais menos atraentes, como ressalta recente artigo publicado na mídia:32

No bolso do jeans, um BlackBerry. Na escrivaninha do quarto, um laptop. Dentro da mochila da escola, um iPod Touch com conexão wireless. Tudo ao redor dos jovens de hoje oferece conexão 24 horas por dia nas mais diversas redes sociais. Como deixar de lado todas as infinitas possibilidades que o mundo digital oferece e se dedicar à leitura de um livro, com suas centenas de páginas, cheias de palavras e letras inertes, exigindo concentração para serem decifradas? (...) O texto existe, só que de outras formas, e agora oferece acesso amplo e irrestrito. A leitura digital é mais lúdica e interessante porque não é linear e permite uma liberdade multimidiática. (MANDELLI, 2010).

Chartier (1998) comenta, a respeito do discurso segundo o qual os jovens estão se

afastando da leitura, que essa afirmação pode ser verdadeira se considerarmos

como leitura somente os cânones escolares. No entanto, se examinarmos outras

situações de leitura, perceberemos que os jovens hoje leem até mais. Para o autor,

a escola precisa mudar sua visão em relação a esse outro tipo de leitura para melhor

conduzir os pequenos:

É preciso utilizar aquilo que a norma escolar rejeita como suporte para dar acesso à leitura na sua plenitude, isto é, ao encontro de textos densos e mais capazes de transformar a visão do mundo, as maneiras de sentir e de pensar. (CHARTIER, 1998, p.104).

A produção literária infantojuvenil necessita ser sempre renovada, visto que, como

citado, o conceito de infância, e mesmo de juventude, muda frequentemente. A

leitura deve ser estimulada como um hábito prazeroso, pois isso pode contribuir para

a adesão de seus leitores ao mundo das letras dos adultos.

32 Artigo Jovens trocam livros por 'leitura digital', disponível em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101212/not_imp652713,0.php

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A divulgação veloz dos produtos e sua aparição na mídia exigem do mercado

editorial novos títulos e traduções ligeiras para a vantajosa produção se estender a

outros países. Essas traduções, no entanto, precisam ser criteriosas, como aponta

Lathey (2010):

Translating for children differs from translating for adults in two fundamental respects. Firstly, there is the social position of children and the resulting status of literature written for them, and, secondly, the developmental aspects of childhood that determine the unique qualities of successful writing for children and that make translating for them an imaginative, challenging and frequently underestimated task.33 (LATHEY, 2010, p.2).

Não obstante, como arte, a literatura, nacional ou traduzida, será sempre

indispensável. Destarte, sua produção, tradução e distribuição merecem todo o

cuidado possível.

1.5 MERCADO EDITORIAL DE TRADUÇÕES DE INFANTOJUVENIS NO BRASIL

A tradução, como reescritura de um texto original, reflete uma certa ideologia e uma poética e, como tal, manipula a literatura para que ela funcione dentro de uma sociedade determinada e de uma forma determinada.

(André Lefevere, 2007)

A partir da década de 80, entremostram-se alterações nas relações humanas, sejam

elas sociais, políticas, econômicas ou familiares. Novos parâmetros para a produção

cultural surgem a todo o momento, uma vez que as preferências musicais, artísticas

e literárias parecem modificar-se constantemente e a tecnologia não cessa em

apresentar novidades.

33 “Traduzir para crianças difere de traduzir para adultos em dois aspectos fundamentais. Primeiro, há a posição social das crianças e seu status resultante na literatura escrita para elas. Segundo, há os aspectos de desenvolvimento da infância que determinam as qualidades ímpares de obras faustas para crianças e que fazem da tradução delas uma tarefa imaginativa, desafiadora e frequentemente subestimada.”

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Vivemos em um mundo de eletrônicos, realidades virtuais e rapidez de informação,

consequências de uma fantástica revolução tecnológica e de linguagens na qual nos

engendramos. A literatura, como integrante da produção cultural, também

vislumbrou muitas mudanças, não só em sua essência, dada a urgência da

disseminação de novas ideias e informações para atender novos interesses, mas

também, e principalmente, em sua forma de lidar com a tradução, a editoração e a

distribuição:

A mudança em um sistema literário está também ligada ao mecenato34. A mudança ocorre devido a uma necessidade sentida no ambiente de um sistema literário, no sentido de que para permanecer funcional é preciso mudar. Em outras palavras, o sistema literário deve ter um impacto sobre o ambiente por meio das obras que ele produz, ou de suas reescrituras. Se essas expectativas não são satisfeitas, ou são constantemente frustradas, os mecenas poderão exigir ou, pelo menos, encorajarão ativamente a produção de obras literárias que tenham mais chances de satisfazer suas expectativas. (LEFEVERE, 2007, p. 45).

A pressa do mundo contemporâneo chegou aos livros. Cada vez mais é preciso

lançar novos títulos e fazer com que obras de boa vendagem no exterior cheguem

rapidamente à nossa língua. Além disso, o livro não é mais a única fonte de cultura,

conhecimento e lazer, tendo surgido um novo tipo de leitor, interativo, acomodado e,

ao mesmo tempo, ávido, que lê procurando “links” para novas leituras.

A sociedade, no papel de leitora, assume uma importante função na economia: “ser

leitor, papel que, enquanto pessoa física, exercemos, é função social, para a qual se

canalizam ações individuais, esforços coletivos e necessidades econômicas”

(LAJOLO e ZILBERMAN, 2003, p.14).

34 Hallewell (2005, p.681) também argumenta que o problema fundamental da indústria do livro no mundo é o fato de os livros venderem bem no seio de pequenas elites que se mantêm em estreito contato social e intelectual. Fora desses grupos, a venda de livros é mínima.

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O livro, por sua vez, é parte importante da economia, conforme destacam as

autoras:

O livro [...] é parte integrante, até essencial, dos mecanismos econômicos próprios ao capitalismo. Assume marcas da sociedade burguesa ao se transformar em propriedade privada; neste caso, contratos de edição e impressão, meios de distribuição e venda, regras de tradução e condensação constituem operações que visibilizam a dimensão econômica do processo inteiro que se abre com um original e desemboca num livro. (LAJOLO e ZILBERMAN, 2003, p.60).

Não há como ser diferente no mundo de hoje (e na verdade, sempre o foi): tudo gira

em torno, principalmente, de interesses financeiros. A indústria do livro, no entanto,

além de incorporada à economia do país, também pertence ao setor cultural e está

sujeita às mudanças das preferências das pessoas que dele se utilizam:

Sobra, portanto, pouco tempo para a leitura por lazer. Cada um dos leitores vai buscar, dentre os títulos que estejam facilmente ao seu alcance (pois não se pode perder muito tempo procurando), aqueles que mais lhe interessam, e, dentre estes, aqueles de menor custo, tanto em dinheiro como em tempo. [...] O principal obstáculo do livro não é o preço, mas os diferentes interesses do autor e do leitor, as características do texto e as dificuldades da leitura e da escrita [...]. Pode-se ter o dinheiro para comprar um livro, mas não o interesse ou o treinamento para aprender seu conteúdo. (EARP e KORNIS, 2005, p.16).

De acordo com Gorini e Castello Branco (2000), estima-se que o Brasil tivesse, em

2000, cerca de 10 milhões de leitores regulares, número bastante inexpressivo

diante da população de 165 milhões de brasileiros da época, e dos 32 milhões de

estudantes matriculados no Ensino Básico. Entre os fatores críticos no

estabelecimento do hábito de leitura, os autores destacam aqueles relacionados à

estrutura familiar e de ensino escolar– no que diz respeito à forma inadequada de

valorização da leitura –, além daqueles relacionados ao acesso ao livro e ao seu

preço. Além disso, conforme já mencionado, várias outras formas de entretenimento

concorrem com a leitura.

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A maior parte do mercado nacional (54%) refere-se aos livros didáticos, dado que

tristemente comprova o fato de que grande parte da população não terá outro

contato com os livros a não ser os obrigatórios da escola. O Brasil, em comparação

ao resto do mundo, aparece como o país cujo governo é o maior consumidor dos

livros produzidos, justamente por conta dos didáticos, que são distribuídos para as

escolas públicas. (HALLEWELL, 2005, p 744-745). O número de vendas de

infantojuvenis vem logo após os didáticos e os religiosos, ou seja, publicar para

crianças e jovens não deixa de ser um grande filão para as editoras.

Um documento da “Exposições e Feiras da Associação do Comércio Livreiro Alemão

Ltda”,35 publicado na página de internet da famosa feira de Frankfurt36 (Frankfurter

Buchmesse) descreve que, em 2007, foram publicados 18.356 novos títulos

nacionais no Brasil, sendo entre eles 5.202 livros infantojuvenis. As cinco línguas

mais traduzidas para o português do Brasil foram, nesta ordem: inglês, espanhol,

italiano, francês e alemão. No mesmo ano, foram lançados 5.586 livros traduzidos –

só do inglês foram 3.430 títulos. Não há, porém, informações sobre as obras de

literatura infantojuvenil traduzidas.

De acordo com relatório37 feito pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas

(FIPE) para o Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL) sobre produção e

vendas do setor editorial brasileiro em 2009, dos 22.022 títulos novos (publicados

em primeira edição), 9.523 foram do gênero infantil e juvenil. Títulos traduzidos

35 Ausstellungs - Und Messe Gmbh Des Börsenvereins Des Deutschen Buchhandels 36 Disponível em http://www.buchmesse.de/imperia/celum/documents/Buchmarkt%20Brasilien%20engl.%202010.pdf 37 Disponível em http://www.snel.org.br/files/pesquisaMercado/relatorioAnual/relatorio_anual_2009.pdf

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somaram 5.807, mas não há separação no relatório sobre os gêneros das obras

traduzidas.

Conforme Earp e Kornis (2005), a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o SNEL

fornecem periodicamente, desde 1992, uma pesquisa sobre a produção e as vendas

do setor editorial brasileiro, reunindo informações colhidas junto a editores e

retratando suas vendas para o primeiro cliente – seja este o consumidor final, o

Governo, uma livraria ou o distribuidor atacadista. Para os autores, porém, esses

dados devem ser vistos com cuidado, pois as editoras em má situação costumam

esconder seus problemas. Apesar de alguns dos números das pesquisas serem

animadores, os estudiosos apontam que o faturamento do conjunto das editoras

caiu.

O problema básico que leva a economia do livro à crise no Brasil – apesar do grande

número de novos títulos lançados anualmente, conforme já mencionado – é o

descompasso entre a imensa oferta global e a limitada capacidade de absorção do

consumidor individual38. “As editoras produzem mais livros, porém com menores

tiragens. Ocorreu uma queda no período de 1999 a 2003 – 11% em títulos e 13%

em exemplares” (EARP E KORNIS, 2005, p.29).

Para as editoras, que pagam impostos, necessitam de tempo para publicar e têm de

manter a qualidade de seus livros para preservar e angariar leitores restou a

competição com a internet, onde quase tudo é gratuito e obviamente instantâneo,

onde uma miríade de artigos jornalísticos, ensaios literários e estudos acadêmicos

encontram espaço para publicação a todo o momento. Nessa nova conjuntura,

38 Lindsay Waters (2006), em “Inimigos da esperança: publicar, perecer e o eclipse da erudição”, discute um problema parecido que afeta os EUA: publicações demais e pouca demanda.

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muitas vezes sem alternativa, algum elemento acaba por ser deixado de lado. Não é

preciso ir muito além para perceber que a qualidade sofre as consequências.

A crise leva também as editoras à busca de autores com público próprio, com títulos

capazes de vender milhões de exemplares, recorrendo ao chamado “economia do

estrelato” ou “star system” (EARP E KORNIS, 2005, p.21). Um só sucesso pode

pagar por centenas de fracassos, por isso muitos editores recorrem a esse artifício,

da mesma maneira que atores, diretores, cantores, músicos e compositores já

consagrados são disputados por produtores no mecanismo da indústria cultural.

Lefevere (2007) também fala da preferência dos editores por escritores já

renomados:

Candidatos à canonização, para não mencionar os próprios autores canonizados, serão muito mais facilmente publicados por editoras influentes, enquanto obras literárias que diferem de forma mais ou menos aguda da ideologia e/ou poética dominante da época terão de se contentar com a publicação em outro sistema literário. (LEFEVERE, 2007, p.43).

O grande problema é que nunca se sabe qual será a reação do consumidor diante

de um produto; tanto no caso do livro quanto do disco e do cinema,

aproximadamente 10% das obras dão lucro, 20% se pagam e 70% dão prejuízo.

Mesmo os grandes autores não estão livres de um fracasso – Earp e Kornis (2005,

p.74) citam, por exemplo, que o último livro da série Harry Potter teve vendas

menores que o esperado no Brasil.

Nesse cenário, livros traduzidos tornam-se um grande filão para a redução nos

custos das editoras, apesar dos direitos autorais que precisam ser pagos ao autor do

original. Não é preciso investir em muita publicidade, uma vez que o mercado

internacional já se encarrega dela. Muitas vezes filmes, desenhos animados e

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produtos de natureza diversa também contribuem para a divulgação. A tradução

pode ser barateada, utilizando-se de profissionais autônomos de menos renome ou

contratando grupos de tradutores – já que escritores famosos são mais onerosos

para traduzir e ceder seu nome a um trabalho.

Embora grandes editoras, com o intuito de manterem-se prestigiadas, normalmente

tenham suas listas de contatos com bons tradutores, muitas vezes a falta de tempo

ou de revisão leva a traduções desastrosas ou, no mínimo, “pobres”. Lathey (2010)

fala de resultados “variados” e também ressalta a importância de um bom tradutor

para a manutenção da qualidade das obras:

Although they are not the original creators of texts, translators are writers, and the quality of translation, like that of all writing, is varied. A degree of stylistic and semantic creativity is essential to the successful translation of texts for adults and children.39 (LATHEY, 2010, p.6).

Esse mecanismo tornou-se um grande negócio para algumas editoras que, por

vezes, não discutem a qualidade, mas sim o lucro obtido na venda de obras

traduzidas. Ao que parece, é uma tendência crescente a tradução – ao menos para

o setor de infantojuvenis, pelo que observamos – ser feita por profissionais

incógnitos, cujos nomes, normalmente, nem são referendados. Quando há essa

menção, a mesma aparece discretamente numa das páginas iniciais, em letras de

fonte reduzida ou somente na catalogação da obra. Somente tradutores-escritores

têm seus nomes estampados na capa, criando-se uma imagem pré-venda de que o

livro é de qualidade e foi traduzido por personalidade reconhecida.

39 “Embora eles não sejam os criadores originais dos textos, os tradutores são escritores, e a qualidade da tradução, como de qualquer tipo de escrita, é variada. Um certo grau de criatividade estilística e semântica é essencial para o sucesso de traduções de textos tanto para adultos quanto para crianças.”

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Isso parece não ser exclusividade no Brasil, conforme observamos em afirmação de

Venuti (1995), a respeito do contexto de obras traduzidas para o inglês:

The translator’s shadowy existence in Anglo-American culture is further registered, and maintained, in the ambiguous and unfavorable legal status of translation, both in copyright law and in actual contractual arrangements. British and American laws define translation as an “adaptation” (…) whose copyright (…) is vested in the author. (…) The translator’s authorship is never given full legal recognition. 40 (VENUTI, 1995, p.8).

Nos principais sítios de vendas de livros41, é muito raro apresentar-se nas

especificações do livro o nome do tradutor. Essa informação pode ser encontrada –

mas nem sempre – nos sítios próprios das editoras, que às vezes trazem uma

conexão direta para uma pequena biografia dos autores e tradutores42.

Lathey (2010) cita o ponto de vista da premiada tradutora de literatura infantil e

adulta para o inglês, Anthea Bell, a qual discute que os tradutores devem ficar em

segundo plano, uma vez que o crédito pela criação não pode ser deles – mas

também afirma que gostaria de ver reconhecidos os tradutores em publicações

traduzidas e ela própria, em seu papel como leitora de manuscritos em língua

estrangeira para diversas editoras, exercita o direito de escolha de como e quais

textos serão traduzidos e publicados.

Conforme mencionado, o tradutor não tem uma profissão precisamente

regulamentada no Brasil, e ainda há muito desdém com a tarefa, que é em geral mal

40 “A existência sombria do tradutor na cultura anglo-americana é ulteriormente registrada, e mantida, no status legal ambíguo e desfavorável da tradução, tanto na lei de direitos quando nos acordos contratuais efetivos. As leis americanas e britânicas definem a tradução como uma “adaptação”, cujos direitos cabem ao autor. A autoria do tradutor nunca recebe reconhecimento legal por completo.” 41 Pesquisamos inúmeras obras, principalmente do gênero infantojuvenil, nos sítios: www.submarino.com.br, www.fnac.com.br, www.livrariasaraiva.com.br, www.livrariacultura.com.br. 42 Como no caso da editora Companhia das Letras e seus segmentos: www.companhiadasletras.com.br

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paga e pressionada com prazos curtíssimos. Alguns lutam para trabalhar na área e

conseguir um bom mercado de trabalho, outros têm um segundo emprego para

sustentar-se e fazem da tradução um “extra”, não sendo, muitas vezes, nem

profissionais formados.

Talvez seja esse um dos fatores que faz, muitas vezes, com que a qualidade da

tradução fique comprometida, principalmente nos casos em que a obra a ser

trabalhada contém elementos árduos, que constituem dificuldades tradutórias, como

gírias, jargões, jogos de palavras, expressões idiomáticas, dialetos etc.

Milton (2002a) ressalta a falta de motivação dos tradutores brasileiros para buscar a

qualidade em obras mais árduas e inovações para aquelas que contêm algum

elemento linguístico especial:

Apenas raramente, e quase nunca no Brasil, os tradutores recebem mais por um trabalho mais “difícil”. Se um tradutor recebe entre R$8 e R$10 por página, ele não tem tempo de preocupar-se com precisão estilística, ou de buscar o melhor dialeto, equivalente ou analógico, para representar o dialeto estrangeiro que está traduzindo. (MILTON, 2002a, p.61).

O processo de tradução de obras infantojuvenis, muitas das quais permeadas por

gírias, neologismos e termos recentes do mundo virtual, não foge muito do ciclo

capitalista da pressa e da qualidade do trabalho final baseado nos ganhos.

Entretanto, não podemos ser arbitrários em afirmar que esse fator afeta todas as

traduções e que tradutores não especializados sempre fazem um trabalho

ineficiente. Muitos tradutores mais experientes e bem pagos – como apontaremos

em nossa análise – também podem cometer lapsos, assim como jovens profissionais

podem produzir resultados eficientes. Temos nos deparado com diversas traduções

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de má qualidade nos últimos tempos, mas nem sempre por culpa do tradutor. Há

muitas artimanhas por detrás do mercado da tradução e da vendagem de livros:

Há contratos que impõem ao editor a manutenção de nomes próprios originais, privando o leitor infantil brasileiro da compreensão do humor que eles encerram. Ou impõem na área de tradução para filmes um index de palavras, um forma velada de censura a produtos culturais ditadas por noções de ‘política, religião e moralmente correto’. (WYLER, 2003, p.15).

Tradutores que trabalham nas várias línguas da União Europeia devem trabalhar coletivamente. O resultado é que nenhuma tradução leva a marca de um tradutor individual. Mas embora os tradutores trabalhem juntos, eles não têm nenhuma espécie de contato com os autores dos documentos, ou com o controle de qualidade, e podem mesmo serem solicitados para traduzir fragmentos desconexos. (MILTON, 2002a, p.89).

Milton (2002a) trata ainda da “tradução de fábrica”, traduções produzidas à pressa

com o objetivo de atender um mercado de massa, e da “tradução aristocrática”, fora

do circuito comercial, à qual o tradutor dedica grande parte do tempo e energia. Fica

claro que as traduções em ritmo industrial não combinam com o cuidado que a

tarefa exige. Aubert (1994) também relata uma negociação que presenciou:

Como certa vez foi explicitado por um cliente: “Sei que o prazo é muito limitado; mas, se você puder me assegurar um nível de qualidade de 85%, podemos fechar o negócio”. Esse índice, evidentemente, não se refere a uma mediação precisa, quantificada, da qualidade em si e sim uma distinção entre o “bastante satisfatório” e o “ideal”. (AUBERT, 1994, p.20).

Venuti (1995), por sua vez, aponta as mudanças ocorridas no mercado de tradução

no eixo Reino Unido-Estados Unidos:

Translation contracts in the postwar period have in fact varied widely [...] because of factors like changing book markets, a particular translator’s level of expertise, and the difficulty of a particular translation project. Nonetheless, general trends can be detected over the course of several decades, and they reveal publishers excluding the translator from any rights in the translation.43 (VENUTI, 1995, p.10).

43 “Os contratos de tradução no período pós-guerra têm, de fato, mudado muito (...) devido a fatores como o variável mercado livreiro, o nível de excelência de um determinado tradutor e a dificuldade de um projeto de tradução específico. No entanto, tendências gerais podem ser detectadas ao longo de várias décadas, e elas revelam editoras excluindo o tradutor de quaisquer direitos sobre a tradução.”

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Para que compreendamos melhor o mercado de obras infantojuvenis traduzidas

hoje, observaremos os casos de alguns livros do gênero que circulam atualmente no

Brasil para termos parâmetros de comparação.

O clássico da literatura infantil americana do século XX, O Jardim Secreto (The

Secret Garden, 1911), da escritora britânico-americana Frances Hodgson Burnett, é

livro paradidático obrigatório atualmente nos Estados Unidos. No Brasil, a obra foi

traduzida em 1993 por Ana Maria Machado, notória tradutora e famosa escritora de

literatura do gênero no Brasil. Por ser uma obra clássica, teve a tradução de uma

escritora, cujo nome aparece em destaque na capa do livro. A autora brasileira

manteve a qualidade da obra e os recursos estilísticos, como termos mais obsoletos

e a recriação do dialeto de algumas personagens na tradução. Como podemos

observar na ilustração que segue, a editora prima por anunciar na capa do livro de

quem é a tradução:

Figura 1 – Capa do livro O Jardim Secreto.

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Ana Maria Machado também traduziu e adaptou títulos como Robinson Crusoé, Dom

Quixote, Alice no País das Maravilhas e As Aventuras de Tom Sawyer, dentre tantos

outros clássicos da literatura mundial.

Outras obras literárias infantojuvenis clássicas foram traduzidas pelas também

decantadas escritoras Christine Röhrig, Marcia Kupstas, Lia Wyler, Heloisa Jahn e

Tatiana Belinky, só para mencionar alguns profissionais44. Os nomes dos tradutores,

nesses casos, normalmente aparecem na capa. Nas ilustrações seguintes, notamos

a importância de se chamar a atenção para os nomes dos tradutores e para o fato

da obra em língua portuguesa ser uma tradução do texto integral ou uma adaptação.

Vemos que estas obras clássicas de editoras renomadas recebem na capa o nome

do tradutor ou adaptador. Em todos os casos, são insignes como Tatiana Belinky,

Nílson José Machado, Rubem Braga e Márcia Kupstas:

Figuras 2 e 3 – Capas de clássicos estrangeiros traduzidos ou adaptados.

44 http://www.dicionariodetradutores.ufsc.br

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Figuras 4 e 5 – Capas de clássicos estrangeiros traduzidos ou adaptados.

Conforme apontamos no item 1.4, com a “invasão” da internet, a constante

modificação da linguagem, o surgimento de outros meios de entretenimento e a

mudança no comportamento da sociedade nos dias de hoje, são raras as crianças e

jovens que procuram por esse tipo de literatura, ou que são estimulados para fazê-

lo. Em geral, as obras clássicas, taxadas como “chatas”, ficam reservadas para a

leitura escolar obrigatória.

Para lazer, o público infantojuvenil busca uma literatura mais dinâmica, que

apresente um universo mais próximo ao delas ou um mundo imaginário muito

atraente. A leitura digital ganhou mais espaço. Os livros mais “antigos” são

preteridos por aqueles mais “atuais”, que parecem entender melhor as vontades e

angústias dos pequenos. A não ser que recebam nova roupagem, os livros acabam

ficando na prateleira, como mostra artigo publicado no Estado de São Paulo online:45

45 Disponível em http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101212/not_imp652713,0.php.

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Dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) divulgados nesta semana afirmam que a leitura não está entre as prioridades dos jovens de 15 anos. Nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 46% dos estudantes afirmam que leem apenas para obter as informações que precisam; 41% só leem se forem obrigados; e 24% acham que ler é um desperdício de tempo. (...) O que perdeu espaço na vida dos jovens não é o hábito de ler, mas a leitura formal que os livros, por exemplo, oferecem. (MANDELLI, 2010).

Em relação às obras traduzidas, ao que se percebe circulando no setor de

infantojuvenis em livrarias no Brasil, os livros mais atuais normalmente são

trabalhados por tradutores menos conhecidos e/ou menos experientes, os quais são

também mais jovens (mais próximos da faixa etária do público leitor) e têm a

agilidade para a pressa das editoras. Quando o livro já é um campeão de vendas em

seu país de origem e pelo mundo, no entanto, às vezes compensa para a editora ter

a “certificação” de um tradutor experiente para garantir o sucesso da publicação aqui

e evitar críticas – obras de grande destaque ficam muito expostas à mídia.

Um exemplo disso é o fenômeno editorial Desventuras em Série (A Series of

Unfortunate Events, 1999), de Lemony Snicket, pseudônimo do escritor americano

Daniel Handler. Para a publicação da série de livros no Brasil, o selo Companhia das

Letrinhas, da editora Companhia das Letras, escolheu tradutores experientes como

Ricardo Gouveia e Carlos Sussekind46. Seus nomes, porém, não aparecem na capa:

46 Ricardo Gouveia é escritor, jornalista e tradutor paulista, nascido em 1942. Já publicou dezessete obras de literatura infantojuvenil e traduziu mais de uma centena de obras. Carlos Sussekind nasceu em 1933 no Rio de Janeiro; é tradutor experiente e desenhista.

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Figura 6 – Capa do livro O Elevador Ersatz, o sexto da coleção Desventuras em Série (2001).

A editora, aliás, preza pela qualidade na escolha de seus tradutores, como menciona

Hallewell (2005, p.663): “a Companhia das Letras destaca-se pela qualidade dos

textos que escolhe, pelo cuidado que dedica à tradução, pelo bom gosto de suas

capas e pela atenção que empresta à apresentação gráfica e artística”.

Outro destaque que dispensa apresentações, tamanha a sua popularidade, é Harry

Potter, da escritora britânica J. K. Rowling, o qual teve sua coleção de sete volumes

traduzidos pela experiente Lia Wyler. Apesar do excelente e reconhecido trabalho da

tradutora, vale ressaltar, no entanto, que seu nome não é mencionado na capa, pois

esta é elaborada com o intuito de vender e, no caso dessa série, só o nome da obra

já é o bastante, como podemos ver na figura seguinte:

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Figura 7 – Capa do volume sete de Harry Potter (2007).

Já outra série de livros que agrada aos pequenos jovens – curiosamente, os

adolescentes também postam comentários sobre suas leituras em blogs47 –, Querido

Diário Otário, do norte-americano Jim Benton, lançado no Brasil pela editora

Fundamento, vem marcada na catalogação como “tradução da editora”. No sítio da

47 Abaixo, um trechinho do blog da “Ju”, disponível em http://juuhoney.blogspot.com/2010/10/eu-li-querido-diario-otario-8-jim.html e outro da “Paula”, disponível em http://flokis43bookmania.blogspot.com/2009/05/book-mania.html

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editora48, a descrição das obras traduzidas não recebe o nome do tradutor, caso de

outra famosa coleção, chamada Amanhã, do autor australiano John Marsden.

Conforme podemos perceber na reprodução das capas de livros abaixo, o nome do

tradutor permanece ignorado:

Figuras 8 e 9 – livros cuja contracapa aponta que foram traduzidos “pela editora”.

Isso nos leva a imaginar que, além da fama e da potencial vendagem dos livros, a

escolha da forma de tradução também tem relação com a capacidade econômica da

editora. Editoras menores ou que estejam passando por tempos difíceis precisam

arriscar contratar novos tradutores, os quais normalmente têm maior disponibilidade

e cobram menos por seu trabalho.

É o que parece ter acontecido com a editora que particularmente nos interessa, a

Cosac Naify, detentora do direito de publicar no Brasil o Capitão Cueca.

48 www.editorafundamento.com.br

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Fundada em 1996 pelo milionário Charles Cosac e seu cunhado, o magnata

americano Michael Naify, a editora Cosac Naify surgiu como o intuito de publicar

livros de arte de luxo, em obras ilustradas, de capa dura e com papéis de altíssima

qualidade. No entanto, esses custos começaram a pesar no orçamento da empresa,

que em 2003 chegou a acumular um prejuízo de R$ 4,5 milhões. Os planos iniciais

mostraram-se inviáveis. Após anos de prejuízo e um ideal desmoronado, começou a

investir em novas publicações e adotou outras posturas editoriais. Abarcou também

a literatura infantojuvenil e hoje publica obras de variados setores. A reestruturação

teve resultados positivos. “Entre 2003 e 2006, a editora cresceu 30% e, nos últimos

dois anos, fechou no azul - algo que nunca tinha acontecido antes.”49

Atualmente, a literatura infantil é a “menina dos olhos”50 da editora, que também

publica sobre arte, arquitetura, literatura nacional e estrangeira, mantendo um

catálogo “heterodoxo e único”51. Figuram entre suas publicações atuais diversas

traduções feitas por desconhecidos, dentre elas a série do Capitão Cueca, a qual

abordaremos detalhadamente no capítulo três.

Como tem mostrado a tendência, entretanto, a Cosac Naify lançou em janeiro de

2010 o livro Onde vivem os monstros, de Maurice Sendak – aclamado pela crítica,

ganhador de diversos prêmios nos Estados Unidos e adaptado para o cinema no

49 Fonte: Valor Econômico - 3/7/2007, citado por http://www.amigosdolivro.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=4496 50 Conforme o próprio sítio eletrônico da editora afirma. Disponível em http://editora.cosacnaify.com.br/EditoraHistoria/1/Editora.aspx 51 Conforme o sítio eletrônico da editora. Disponível em http://editora.cosacnaify.com.br/EditoraHistoria/1/Editora.aspx

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mesmo ano –, evidenciando na ficha informativa do livro a tradução feita pela

conspícua tradutora Heloisa Jahn:52

Figura 10 – Imagem do sítio da Editora Cosac Naify.

Uma edição da publicadora para Alice no País das Maravilhas (2009) também

recebe destaque para o nome de quem traduziu o livro de forma “impecável”,

Nicolau Sevcenko53, provavelmente projetando que esse fator auxiliaria nas vendas:

52 Heloisa Jahn nasceu em 1947 e possui uma enorme obra traduzida: cerca de 100 títulos levam a sua assinatura até a presente data. Mais da metade dessa obra é do segmento infantil e infantojuvenil. A maior parte dos títulos é de literatura: cinquenta e um são de contos, cinco romances, seis educativos e os demais, variados. Em outros segmentos traduziu treze romances, doze livros de ensaios, três livros de contos, dois de memórias, duas biografias e também traduziu diário, poesia e uma entrevista ficcional. Como obra própria, publicou um livro de poemas e um sobre artes gráficas. 53 Nicolau Sevcenko nasceu em São Paulo, em 1952, é um notório historiador social, e atualmente professor titular da Universidade de São Paulo. É membro do Centre for Latin American Cultural Studies (Londres), editor-associado do The Journal of Latin-American Cultural Studies (Cambridge), e membro de corpo editorial da Brasil Brazil.

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Figura 11 – Imagem do sítio da Editora Cosac Naify.

O livro Morango Sardento (2010), da conhecida atriz Julianne Moore, igualmente

recebe enfoque em quem o traduziu – inclusive na capa –, a também famosa atriz

brasileira Fernanda Torres, conforme podemos contemplar na imagem abaixo:

Figura 12 – Imagem do sítio da Editora Cosac Naify.

Enviamos diversos e-mails às editoras perguntando sobre os procedimentos para

obras traduzidas atualmente, mas não obtivemos sucesso. Não conseguimos

respostas quanto ao por que obras de maior destaque publicitário têm a tradução

feita por renomados profissionais ou artistas com seus respectivos nomes

amplamente divulgados, enquanto outras nem citam os nomes dos tradutores.

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O curioso é que as editoras parecem preocupadas em dissimular, como se fosse

algo indecoroso, a presença do tradutor nas obras oferecidas em tradução ao

público. Ou talvez seja um artifício para não indicar a questão de a obra ser

traduzida, com o intuito de criar um efeito psicológico nacionalista no leitor. Ou,

ainda porque estejam, muitas vezes, interessadas somente na capa atraente e como

estas podem aumentar suas vendas, sem procurar destacar, se for o caso, os

profissionais que contribuíram para isso. No entanto, é a presença deles que tornou

e continua tornando possível não somente a edição, mas também a leitura de obras

que, no original, não atenderiam a um público majoritariamente monoglota. A

tradução continua sendo, muitas vezes, o único mecanismo de comunicação de uma

mensagem cultural de um povo para outro.

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CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO 2222

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NANANANA TRADUÇÃO TRADUÇÃO TRADUÇÃO TRADUÇÃO

Nas grandes civilizações, a língua é o suporte de uma dinâmica social que compreende não só as relações diárias entre os membros da comunidade como também uma atividade intelectual que vai desde o fluxo informativo dos meios de comunicação de massa até a vida cultural, científica ou literária. A língua funciona como um elemento de interação entre o indivíduo e a sociedade que ele atua.

(Dino Preti, 2003)

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Para analisar a tradução sob a ótica da variação linguística, precisamos,

primeiramente, compreender essas variedades e a disciplina que delas se ocupa, a

Sociolinguística. Para tanto, recorremos aos estudos de Preti54 (1983, 1984, 1998 e

2003), precursor dos estudos da área no Brasil. Calcado em suas pesquisas, o

capítulo traz, ainda, algumas questões sobre a variação linguística na literatura

nacional e sobre a gíria, o que consideramos pertinente para nos ajudar a conduzir,

mais adiante, a análise.

2.1 – SOCIOLINGUÍSTICA E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

As melhores traduções são feitas, quase sempre, por tradutores que conhecem a obra, o ambiente e a personalidade literária do autor, tal como esta se reflete em seus livros. São feitas por tradutores que conhecem a história, a literatura e as tendências literárias, sociais, econômicas e filosóficas da época e do país em que viveu o autor.

(Brenno Silveira, 2004)

De acordo com Preti (2003), os estudos sociolinguísticos tiveram grande

desenvolvimento nas décadas de 50 e 60, nos Estados Unidos. A sociolinguística é

uma vertente da linguística que estuda as relações entre as variações linguísticas e

as variações sociológicas e procura analisar a fala em situação de uso. O objetivo

central da sociolinguística é relacionar a heterogeneidade linguística com a

heterogeneidade social.

54 Dino Preti nasceu em São Paulo em 1930. É um dos pioneiros no Brasil nos estudos de Sociolinguística e sobre Oralidade e Análise da Conversação. Graduado em Letras Clássicas (1954), é mestre (1969) e doutor (1972) em Filologia e Língua Portuguesa pela FFLCH/USP, onde também obteve o título de Livre-Docente no ano de 1982, trabalhando com Sociolinguística e Dialetologia. Dino Preti foi professor do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, entre 1967 e 1995. Desde 1995 leciona na PUC-SP. É coordenador do Projeto NURC/SP (Norma Urbana Culta do Estado de São Paulo) e organizador da série "Projetos Paralelos”.

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Segundo Tarallo (1994, p.7), o grande fomentador das ideias sociolinguistas foi

Willian Labov, quem “mais veementemente voltou a insistir na relação entre língua e

sociedade e na possibilidade de se sistematizar a variação existente e própria da

língua falada”. Labov (2008) criou um modelo de análise para estudar as variedades

da fala de comunidades americanas, mas seu método de trabalho, quantitativo e

relacionado aos dialetos norte-americanos, não será abordado neste trabalho.

Preti explica (2003, p.17) que, na perspectiva da sociolinguística francesa, as

variações extralinguísticas possíveis em um diálogo podem ser de três tipos:

geográficas, que envolvem variações regionais; sociológicas, as quais

compreendem as variações provenientes de idade, sexo, profissão, nível cultural,

classe social, religião; e contextuais, que constam de tudo aquilo que pode

determinar diferenças na fala do locutor, como, por exemplo, o assunto, o ouvinte, o

lugar, a situação da conversa.

De acordo com o autor, o linguista português Herculano de Carvalho também divide

as variedades da língua em dois grupos: variedades sincrônicas (que ocorrem no

mesmo plano temporal), abarcando fatores geográficos, socioculturais e estilísticos;

e variedades diacrônicas, que compreendem o desenvolvimento ao longo da linha

temporal.

Mesmo com a classificação, dentro de um mesmo grupo não existe homogeneidade;

não há duas pessoas que se expressem exatamente da mesma forma. Nem sempre

é possível precisar a origem, a posição social, a idade etc. por meio da fala do

indivíduo. Entretanto, essa limitação não deve servir para desestimular os estudos

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na área, os quais são importantíssimos para compreender melhor o fenômeno das

variações linguísticas.

Considerando as variedades geográficas, também chamadas de diatópicas, existe

uma oposição fundamental: a linguagem urbana contraposta à linguagem rural;

dentro delas, podem ocorrer outras variações, chamadas socioculturais ou

diastráticas.

As variantes diastráticas podem ser influenciadas por fatores como local de origem,

idade, sexo, raça, profissão, posição social, grau de escolaridade, local de

residência e função.

Da variedade de faixa etária vêm questões como a linguagem da criança, o linguajar

do jovem, a fala dos idosos. O nível infantil – que pressupõe dificuldades de

articulação e léxico restrito –, e o uso da gíria, tida como linguajar jovem, interessam

particularmente a este estudo.

A oposição homem/mulher também determina diferenças linguísticas, principalmente

no campo vocabular. Embora a oposição tenha perdido campo principalmente nas

grandes cidades, onde os padrões morais e costumes modificaram-se bastante,

ainda há a questão da linguagem obscena, considerada quase que exclusivamente

masculina.

A raça compreende variações ligadas a fatores etnológicos, como, por exemplo, as

diferentes nacionalidades que convivem no Brasil. A profissão atua no campo da

linguagem técnica, condizente com o ramo de atuação. A localidade da moradia, não

colocando em contraste rural e urbano, mas os próprios bairros, também exerce

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ação sobre a fala do grupo. A posição social, por sua vez, tem a ver com o nível de

linguagem do indivíduo de acordo com sua estratificação na sociedade. Contudo,

esse nível também vai variar de acordo com o grau de instrução, o sexo e a idade.

Isso mostra que todos os fatores estão interligados e juntos influenciam a maneira

como o indivíduo utiliza seu idioma.

A função está ligada à utilização da língua falada para determinado propósito, ou

seja, se é para uma aula, um discurso, uma conversa informal entre amigos etc.

Dentro de uma área geográfica, é possível identificar um sistema de variedades da

linguagem, que se denominam dialetos55 sociais. Para Preti (2003), podemos

distinguir a linguagem culta ou padrão e a linguagem popular ou subpadrão. O

dialeto culto é considerado pela própria comunidade como o de maior prestígio, um

“índice de cultura a que todos pretendem chegar” (PRETI, 2003, p.31). É quase

sempre utilizado pela literatura e outras espécies escritas formais. É ele que serve

para as intenções de ensino, no sentido de padronizar a língua.

A posição de que somente o dialeto culto é correto, e qualquer variedade é uma

deturpação dele, não é aceita pela sociolinguística, pois ambos os dialetos sociais

são resultado de um processo natural de variação linguística que deve ser

respeitado. Na maior parte das vezes, não o é, conforme aponta Bagno (2009):

A língua é um enorme iceberg flutuando no mar do tempo, e a gramática normativa é a tentativa de descrever apenas uma parcela mais visível dele, a chamada norma culta. Essa descrição, é claro, tem seu valor e seus méritos, mas é parcial (no sentido literal e figurado do termo) e não pode ser autoritariamente aplicada a todo o resto da língua — afinal, a ponta do iceberg que emerge representa apenas um quinto do seu volume total. Mas é essa aplicação

55 Neste trabalho, dialeto e socioleto são utilizados como sinônimos de “variedade”.

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autoritária, intolerante e repressiva que impera na ideologia geradora do preconceito linguístico. (BAGNO, 2009, p.9-10).

Sob o enfoque do uso que um mesmo falante faz da língua, temos as variedades

provenientes da situação, ou seja, o contexto que determina o tipo de linguagem que

será utilizado. O tema, os ouvintes, o ambiente e os elementos emocionais, dentre

outros, influenciarão nas escolhas feitas pelo falante. Essas variações no uso da

língua são chamadas de “níveis ou registros de fala” (Preti, 2003, p.50). O registro

formal, encontrado em situações de formalidade, tem predominância da linguagem

culta, ao passo que o registro coloquial, utilizado em situações familiares e

descontraídas, vai abundar em linguagem popular, gíria e expressões afetivas ou

obscenas.

Conforme aponta Preti (2003), a sociolinguística, apesar de se ocupar

principalmente das variações de linguagem oral, também não ignora o papel da

língua escrita. A literatura também está no campo de interesse dessa ciência.

Entretanto, ainda segundo Preti (1983), os sociolinguistas não têm trabalhado

regularmente com textos literários; os estudos em geral se servem do método de

pesquisa direta com o falante. O autor ressalta a importância de se atingir campos

paralelos de estudo e indigita a possibilidade de se estudar a linguagem literária

como uma documentação, um corpus linguístico para uma rica visão da língua

falada de determinada época. Embora já tenham se passado mais de vinte anos

dessa afirmação, os estudos sociolinguísticos até hoje centram-se mais na gravação

direta e estudo da linguagem dos falantes em situações variadas de intercâmbio

linguístico.

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Preti (2003) analisa algumas personagens literárias e o esforço de muitos autores,

da literatura clássica até a moderna, em representar a fala das mesmas de

diferentes maneiras a fim de caracterizá-las de maneira mais convincente:

Há um interesse evidente em apresentar suas personagens como seres vivos, com relações diretas com o ambiente em que atuam, muito embora reconheçamos que tal processo nem por isso deixe de continuar sendo ficção, mera mimese seletiva da realidade. (PRETI, 2003, p.71).

O estudioso faz uma descrição de diversos romances de variadas escolas literárias

e sua relação com a língua oral. Por exemplo, analisa a obra A Moreninha, de

Joaquim Manuel de Macedo, em que há um diálogo infantil com estruturas

completamente ausentes na linguagem da criança, com características de linguajar

adulto. Há um tratamento desigual para os níveis da fala nos romances do escritor,

que sempre nivelava a linguagem de suas personagens pela norma culta,

empregando gírias e metáforas populares com muita cautela. Parece, pois, ser

recente a representação oral da língua utilizada pela criança.

José de Alencar, por sua vez, recebeu ferrenhas críticas por denegrir o vernáculo ao

experimentar com a língua e por vezes afastar-se dos padrões cultos da língua –

únicos indicados para o processo literário – em suas obras. Na verdade, segundo

Preti, o escritor encontrou, em várias obras, “soluções convenientes para distinguir

os níveis de fala e os dialetos sociais de suas personagens” (PRETI, 2003, p.88),

mas nunca deixou de “se cingir ao uso culto, utilizando com propriedade verbos e

pronomes” (PRETI, 2003, p.92).

Assinala, ainda Preti (2003), que Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel

Antônio de Almeida, foi o primeiro romance a desligar-se do “artificialismo oratório”,

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apresentando espontaneidade e humor no registro das falas das personagens.

Ainda assim, há raríssimas inserções em desacordo com a norma escrita culta

(como, por exemplo, uma próclise iniciando um período).

Visconde de Taunay, em Inocência, buscou transcrever a língua regional de uma

pequena comunidade e, de fato, usou com abundância termos locais, estruturas

sintáticas típicas e deformações de pronúncia. Porém, recheou o livro de notas de

rodapé explicando o uso da linguagem rural nos diálogos, temendo que sua obra

fosse incompreendida. Inocência é uma das primeiras obras em nossa literatura que

tentou reproduzir o ato da fala. O romance demonstra que Taunay tinha

“conhecimento linguístico apreciável, noção correta dos problemas dos níveis de

fala, da dinâmica da língua oral e das estreitas relações que ligam a cultura e a

personalidade do indivíduo ao seu dialeto social” (PRETI, 2003, p.125).

Percebe-se, pois, que o uso de um linguajar menos acadêmico, de formas de

tratamento mais próximas do real e expressões familiares da fala é “permitido” pela

literatura, mas não o são desvios gramaticais e/ou ortográficos, ainda que

representativos da linguagem de uma determinada região ou classe.

Dentre os escritos do Realismo, não houve nada significativo em relação à

linguagem, mantendo-se a fidelidade à norma culta. O Naturalismo, no entanto,

traria um aspecto documental muito mais forte da realidade linguística, utilizando-se

do dialeto social popular e até vulgar, com gírias e palavras de baixo calão. O estilo

naturalista foi muitas vezes contestado, porque “colocou em jogo valores tradicionais

da língua, abrindo caminho para uma escolha bem mais livre na prosa do século

seguinte” (PRETI, 2003, p.127).

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Preti (2003) aponta que os escritores, no entanto, utilizavam as marcas de

variedades linguísticas na fala das personagens, mas que o narrador quase sempre

se mantinha na norma culta, sem se aproximar do leitor pela oralidade, até mesmo

em Aluísio Azevedo, notável representante do realismo-naturalismo brasileiro. O

linguista cita os escritos de Simões Lopes Neto, vinculados ao regionalismo pré-

modernista, como originais em sua maneira de registrar o estilo popular e regional

não só nas falas das personagens, mas, sobretudo, na fala do narrador.

Com a chegada do Modernismo, embora houvesse discordância com relação ao uso

da linguagem, surgiram também soluções inovadoras para a escrita, que se

intensificariam ao longo do tempo:

Procurou-se uma anotação das realidades fonéticas típicas, do alongamento das sílabas, da altura da voz nos momentos emotivos do diálogo. Para isso, utilizaram-se recursos, como maiúsculas, espaços, diacríticos, negritos, grifos (...) abusou-se da ortografia fonética individual, para encontrar um caminho mais fácil de transcrever a realidade da língua falada (...) a gíria figurou como um dos índices da linguagem das classes populares (...) as línguas estrangeiras surgiram na linguagem falada dos imigrantes (...) a simultaneidade das falas também foi observada pelos escritores. (PRETI, 2003, p.172).

As grandes conquistas modernas no plano literário têm procurado aproximar a língua literária da língua falada, no sentido de descobrir-lhe valores expressivos e originais. Essa atitude encontra em geral boa receptividade do leitor moderno. (PRETI, 2003, p.53).

Preti (1983) ressalta que esses recursos se estenderiam à literatura contemporânea:

Esse interesse pela realidade linguística ocorreu em todas as épocas literárias, embora se tenha tornado mais vivo a partir do Romantismo [...] e muito mais, ainda, na literatura contemporânea, com a incorporação da linguagem coloquial ao nível do narrador. (PRETI, 1983, p.9).

Outras pesquisas também demonstram que essa tendência modernista se faria cada

vez mais presente. Para Brait (In: Urbano, 2001), obras de autores como Rubem

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Fonseca permitem, por meio da fala das personagens – e muitas vezes até do

próprio narrador –, a recuperação dos distintos níveis de expressão de diferentes

registros linguísticos. A habilidade de Rubem Fonseca revela, na literatura, o jogo

entrelaçado dos níveis linguísticos e sociais existentes na sociedade.

Preti (1983) também menciona Dalton Trevisan, Fernando Sabino e José Louzeiro,

cujas obras trazem diferentes realidades linguísticas existentes em nosso país por

meio de diálogos vivos. Enquanto as obras clássicas não trazem a real

caracterização da língua falada – ainda que algumas buscassem representá-la –,

por conta do distanciamento temporal, o estudo das obras atuais colabora para um

levantamento de registros, vocabulário gírio etc.:

Essa análise da realidade linguística oferece maiores dificuldades em romances de épocas passadas. Assim, por exemplo, é difícil dizer o quanto há de artificialismo e o quanto há de realidade em diálogos de alguns livros de Joaquim Manoel de Macedo [...]. Falariam assim as moças de dezesseis anos, frequentadoras dos saraus e festas da sociedade carioca do tempo? Cremos que não (...). No romance contemporâneo, no entanto, a própria experiência linguística do pesquisador, como falante nativo, poderá servir para obter-se uma resposta mais imediata para tais problemas. (PRETI, 1983, p. 15-16).

Talvez a literatura contemporânea seja a que apresenta o maior número de

exemplos da influência da fala na escrita, conforme descreve Preti (2008)56. Essa

oralidade representada no texto literário demonstra a progressiva perda do

preconceito contra a língua falada, que aparece nos diálogos das personagens e até

mesmo na voz narrativa. O autor salienta, no entanto, que nenhum autor escreve

para passar a ideia de uma fala transcrita, mas sim para levar ao leitor a ilusão de

uma realidade falada, conhecida.

56 Disponível em http://www.pucsp.br/revistafronteiraz/numeros_anteriores/n2/download/linguagem_literaria_contemporanea_brasil.pdf

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Em relação à representação das variedades linguísticas e da oralidade na literatura

infantil, encontramos somente poucas referências sobre o início do século XX.

Monteiro Lobato, por exemplo, sempre fora um inovador; desse modo, para resgatar

a tendência das histórias orais das matrizes europeias e orientais, o escritor coloca

em obras suas como Reinações de Narizinho57 a personagem Dona Benta contando

histórias em voz alta:

O empenho em reconstituir a origem oral e coletiva da narrativa popular se completa através da adoção de um estilo coloquial, de que estão ausentes a erudição e a preocupação com a norma gramatical. [...] Tal procedimento coincide com uma conquista do Modernismo – a introdução da oralidade e do coloquial no texto literário. (LAJOLO e ZILBERMAN, 2007, p.70).

Outros escritores ajudariam a consagrar essa tendência:

Também a linguagem foi bem criadora, pois, aproveitando bem a lição modernista, autores como Lobato, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Menotti del Picchia, sobretudo os primeiros, romperam os laços de dependência à norma escrita ao padrão culto, procurando incorporar a oralidade sem infantilidade [...] não significou apenas desrespeitar regras relativas à colocação de pronomes ou ajustar a ortografia à pronúncia brasileira. Tratou-se principalmente de

57 Alguns trechos retirados do livro Reinações de Narizinho, publicado pela primeira vez em 1921, ilustram a adoção de termos populares, onomatopeias e de um estilo mais coloquial para a época: “Criança de hoje, sinhá, já nasce sabendo. No meu tempo, menina assim desse porte andava no braço da ama, de chupeta na boca. Hoje?... Credo! Nem é bom falar...” “Não se trata mais disso, idiota! Está aí à procura duma tal condessa a criada duma tal rainha. Vamos! Acorde duma vez!” “Que ideia, condessa! Uma rainha lá pode ser cozinheira?” “Guloso! Pois olhe que vai fazer um casamentão! Emília é feia, não nego, mas muito boa dona de casa.” “Ufa! — exclamou. — Escapamos de boa!” “Coitado nada! Rabicó precisa levar uma boa esfrega.” “Caminha, estupor! Caminha depressa, se não te pico de espora até a alma! — gritava ele.” “Coin! coin! coin! — berrava o pobre marquês.” “Espora nele, jabuti! — gritava a boneca. — Espora nesse guloso que me comeu os croquetes!” “Pois apareceu por lá uma velha coroca, de porrete na mão e cesta no braço. ‘Menino’, disse-me ela, ‘é aqui a casa onde moram duas velhas dugudeias em companhia duma menina de nariz arrebitado, muito malcriada?’ Furioso com a pergunta, respondi: ‘Não é da sua conta. Siga seu caminho que é o melhor’. ‘Ah, é assim?’ exclamou ela. ‘Espere que te curo!’ E virou a mim em passarinho, virou vovó em tartaruga e tia Nastácia em galinha preta...”

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reproduzir a circunstância fundamental de transmissão de mensagens: o prazer de se comunicar e de ouvir histórias, a troca de ideias, a naturalidade da narração em serões domésticos. (LAJOLO e ZILBERMAN, 2007, p.83).

Esse recurso de incorporar a oralidade tornar-se-ia cada vez mais presente ao longo

da história da literatura infantil e juvenil – uma característica que seria amplamente

explorada nas obras modernas e pós-modernas do gênero. Juntamente com os

expedientes das diferentes tipografias, tipos de papel, layouts, imagens e cores

abundantes, a linguagem foi se modificando para adequar-se ao gosto dos

pequenos leitores contemporâneos.

Observando-se alguns livros atuais, percebemos a riqueza de efeitos e o trabalho

diferenciado com a linguagem. Em dois livros da série Charlie e Lola – escritos por

Lauren Child e traduzidos no Brasil por Lavínia Fávero –, por exemplo, podemos

notar o uso do registro da fala infantil e a modificação da tipografia para representar

o conteúdo do texto:

Figura 13 – Páginas dos livros Charlie e Lola. Registro da palavra “hipipótimo” e concretismo nas

palavras “grande” e “pequena”.

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No livro Macacote e Porco Pança, da escritora brasileira Ruth Rocha, podemos ver o

uso de linguagem mais próxima da fala (“Ah, agora não!”) e o posicionamento do

discurso direto das personagens sobre as mesmas, como se fosse uma história em

quadrinhos:

Figura 14 – Página do livro Macacote e Porco Pança, com as falas dispostas como em uma HQ.

Obras antigas também recebem novas edições, por vezes com adequação da

linguagem, por outras com a inserção de recursos para deixar o livro mais interativo.

É o que observamos nesta edição do clássico Peter Rabbit, da autora inglesa

Beatrix Potter, que ganhou “acessórios” táteis, como as dobraduras que “saltam” do

livro (as chamadas “pop-up”58) e as linguetas para a criança puxar ou empurrar,

criando movimentos nas imagens. A contracapa descreve os efeitos presentes no

livro:

58 O nome em inglês é usado no Brasil para indicar livros desse tipo.

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Figura 15 – Clássico Peter Rabbit ganha versão “pop-up”.

Outros livros, em contrapartida, mantêm-se tradicionais na linguagem e na

formatação ao serem reeditados, como podemos notar em A vida do Elefante

Basílio, de Érico Veríssimo. A primeira publicação data de 1939 e a mais recente de

2002, lançada pela Companhia das Letrinhas e ilustrada por Eva Furnari:

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Figura 16 – Livro A vida do Elefante Basílio, tradicional no layout e na linguagem.

A interatividade com o leitor e a metalinguagem são outras características das obras

contemporâneas. A trilogia para jovens Griffin e Sabine: uma correspondência

extraordinária59, de Nick Bantock, publicada pela primeira vez em 1991 nos EUA,

trazia uma riqueza de imagens e um relacionamento direto com o leitor, com cartinhas

para abrir, perguntas para refletir etc..

59 Chamou-nos a atenção o fato de que cada volume da trilogia foi traduzido por diferentes profissionais no Brasil, já possivelmente demonstrando uma tendência crescente no mercado editorial, que escolhe tradutores diversos até mesmo para uma coleção sequencial de livros.

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Figura 17 – Páginas do livro Griffin e Sabine, que busca a participação do leitor e o atrai com recursos

táteis e visuais.

Em outro livro infantojuvenil, As cartas de Ronroroso: minha bruxa que não quer ser

bruxa, de Hiawyn Oram e traduzido no Brasil por Áurea Akemi Arata, até a ficha

catalográfica veio repleta de piadinhas e metalinguagem, como é possível observar na

figura seguinte:

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Figura 18 – Última página do livro As cartas de Ronroroso.

Não obstante os recursos e o uso da linguagem tenham se modificado tanto ao

longo da história da literatura infantojuvenil (e da considerada adulta também), há

poucos estudos a respeito dos mesmos, como pontua Paim (2011):

Deixemos o livro digital de lado! Há outra mudança de que pouco se fala. Trata-se da reinvenção das narrativas no livro impresso, talvez provocada justamente pelo advento dessas novas tecnologias. No mundo inteiro, um sem-número de autores tem explorado novas possibilidades literárias usando ferramentas da internet, como o hipertexto. (PAIM, 2011, p.37, grifo nosso).

Aborda-se muito, portanto, a questão dos livros digitais e o debate sobre o possível

fim dos livros de papel, enquanto os novos artifícios presentes nestes – relevantes

na conquista e manutenção de leitores – recebem pouca atenção.

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2.2 – VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E TRADUÇÃO

A language, any language, is a map, a cartography, a representation of reality and an evolutionary device which has made the cultural identity of peoples possible with the best of its artistic and social expressions.60

(Micaela Muñoz-Calvo, 2008)

Como mencionado nas Considerações Iniciais, poucos são os estudos específicos a

respeito da influência sociolinguística nos estudos tradutórios. Não obstante existam

pesquisas e teorias que buscam relacionar a tradução às mais variadas áreas do

conhecimento, a sociolinguística tem pouco destaque. Encontramos escassos

artigos em revistas ou outras publicações especializadas e em anais de congresso.

Mesmo na internet, só nos deparamos com ensaios ou trabalhos acadêmicos que

trazem, mormente, estudos de casos de tradução das variações linguísticas

diatópicas – em especial os dialetos – em obras notórias. Na bibliografia desses

trabalhos, não havia obras sobre o assunto nas quais pudéssemos pesquisar.

Nida (1974) já falava sobre a importância de ser levar em consideração, na

tradução, aspectos sociolinguísticos como a variação etária, as diferentes situações,

os dialetos geográficos e os tipos de discurso. O autor, porém, não aprofundou seus

estudos nessa temática.

Um dos poucos artigos que encontramos é de Tarallo (1984), um curto ensaio sobre

a relevância da sociolinguística para o processo tradutório. Ainda assim, o autor

menciona com mais profundidade a tradução intralingual61 e estudos acerca do uso

60 “Uma língua, qualquer língua, é um mapa, uma cartografia, uma representação da realidade e um dispositivo evolucionário que tornou possível a identidade cultural dos povos com o melhor de suas expressões artísticas e sociais.” 61 Ver página 28 deste trabalho.

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dos dialetos sociais culto e popular, e muito pouco a questão da tradução

interlingual.62

O processo tradutório, por ser um confronto entre duas línguas, envolve os

condicionantes sociais que abarcam as mesmas, o que atribui relevância da

sociolinguística para a teoria da tradução.

O tradutor precisa fazer equivaler dois sistemas linguísticos diferentes de modo que

ocorra o mínimo de perdas de informações possível. Essa equivalência se manifesta

de maneira variável, o que evidencia a presença da sociolinguística na

sistematicidade da heterogeneidade linguística. Além disso, cada tradutor é único,

cada idioma tem suas peculiaridades e cada texto é singular, mas a língua é sempre

um fenômeno social, e é refletindo sobre essa condição básica que Tarallo (1984)

desenvolve sua teoria.

Para Tarallo (1984), os elementos contextuais e cotextuais63 são essenciais para a

percepção do texto da língua de partida e a remontagem deles para a língua de

chegada. Elementos como as variedades gramaticais e lexicais não podem passar

despercebidos:

No momento do transporte de um sistema linguístico para outro, este entendimento, da PROdução do texto é analisado através da PERcepção do tradutor, a fim de que a MONtagem e DESmontagem

62 Ver página 28 deste trabalho. 63 De acordo com o Dicionário de Análise do Discurso (CHARAUDEAU e MAINGUENAU, 2004), o contexto de um elemento é tudo o que o cerca. Quando o elemento é uma unidade linguística, o seu entorno é de natureza linguística e não linguística. Alguns autores chamam de cotexto o contexto linguístico, ou seja, o ambiente verbal da unidade, e de contexto o ambiente situacional. Outros artigos a respeito de lexicologia e terminologia explicam os termos da mesma maneira. Tarallo, porém, os explica justamente da maneira oposta – denominando os marcadores linguísticos como contextuais e os marcadores mais amplos do discurso como cotextuais.

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do texto da língua de partida acarretem uma REmontagem fiel na língua de chegada, tal qual pretende a teoria da tradução das equivalências, das probabilidades. (TARALLO, 1984, p.103, grifos do autor).

Tarallo (1984) argumenta que o tradutor, em sua prática, logo percebe que certos

registros linguísticos são mais difíceis de converter do que outros. Limita-se a essa

ótica o texto de Tarallo, não havendo menção ao tratamento das variações

linguísticas na tradução.

Em outro artigo, Ricardo (1981) aborda a necessidade do sociolinguista para a

tradutologia. Para a autora, a linguística moderna deu prioridade à língua falada e

pesquisou “com igual interesse a variedade padrão e variedades populares”

(RICARDO, 1981, p.51).

A autora argumenta que as estruturas linguísticas de cada idioma são condicionadas

por normas sociais. A sociolinguística, por estudar a língua em seu contexto social,

estuda-a dentro da comunidade que a usa. O processo de tradução, sendo por

excelência um confronto entre duas línguas, pode se valer, por conseguinte, da

contribuição da sociolinguística. Nesse aspecto, Ricardo (1981) cita alguns óbices

da tradução exemplificando diferenças culturais no uso da língua entre a língua

portuguesa e a língua inglesa. Menciona também a questão dos pronomes de

tratamento em diversas línguas, tão peculiares a cada uma delas. A pesquisadora

salienta, ainda, a questão dos dialetos nas falas de personagens literárias – como

em um romance de D.H. Lawrence – e dos entraves da tradução deles, pois o

significado social das variantes é muito mutável de um país para outro.

A utilidade da sociolinguística para a tradutologia é ainda mais relevante no estudo

comparativo do léxico, pois este também reflete o ambiente físico e social dos

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falantes. Ricardo (1981) aponta que o vocabulário de uma língua não possui

palavras referentes a objetos ou conceitos inexistentes na cultura em que ela opera.

Em sociedades onde a tecnologia ainda é precária, por exemplo, haverá lacunas

vocabulares sobre o tema em sua língua. Para a autora, portanto, a sociolinguística

pode prestar uma grande contribuição a atividades que implicam confronto entre as

línguas, como é o caso da tradução.

Bell (1993) é outro autor em cuja obra encontramos algumas pertinentes referências

à questão sociolinguística na tradução. Esse pesquisador (1993, p.20) aponta que

uma “explicação sociolinguística da tradução foca mais nos participantes, na

natureza da mensagem e nas maneiras pelas quais os recursos do código são

utilizados pelos usuários para criar signos significativos”. Para ele, é importante

observar vários fatores diante um texto a traduzir: o quê (qual é a mensagem contida

no texto); por quê (quais foram as intenções do autor, normalmente múltiplas);

quando (qual a época da comunicação do texto e seu contexto histórico); como

(envolve tanto o teor do discurso – sério, irônico etc. – quanto o canal de

comunicação – verbal, escrito etc.); onde (o local no qual a comunicação ocorreu) e

quem (refere-se aos participantes envolvidos na comunicação, ou seja, o emissor e

o receptor).

Bell (1993) considera, também, axiomático o fato de que a língua é um código que

possui características fonológicas, grafológicas (se escrita), sintáticas, lexicais e

semânticas e que o uso da mesma com o propósito de criar textos para a

comunicação de significados só é possível por meio da seleção dessas

propriedades. Essas escolhas funcionam como indicadores de época, local e

procedência social do emissor, ao que o autor nomeia características dialetais. Os

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marcadores do uso para o qual a língua está sendo usada em determinada situação

são chamados por ele de características de registro. Em sua perspectiva, tanto as

propriedades dialetais quanto as de registro são de extrema importância para o

tradutor, sendo que os parâmetros de registro o são ainda mais. Embora a variação

de registro seja mais fácil de identificar do que de resolver, o tradutor precisa buscar

reconhecer as variáveis sociológicas presentes no relacionamento entre emissor e

receptor, o canal selecionado para a transmissão e a função do discurso.

Nesse sentido, Bell (1993) indica três parâmetros de registro que merecem a

atenção do tradutor: teor, modo e campo do discurso.

O teor consiste no tom utilizado pelo emissor da mensagem, envolvendo

formalidade, cordialidade, impessoalidade e acessibilidade. Na língua inglesa, em

especial, isso se faz primordialmente por meio de escolhas sintáticas. O grau de

formalidade escolhido pelo autor do texto pode ser observado por meio de escolhas

lexicais e estruturas sintáticas. Bell (1993) comenta que no uso da língua inglesa,

palavras de origem românica ou grega denotam um teor mais formal do que seus

correspondentes germânicos. A cordialidade reflete o distanciamento social entre

emissor e receptor. Em muitas línguas, como o francês e o italiano, o respeito é

demonstrado também no uso dos pronomes. No caso do inglês, em que só há o

“you”, outros marcadores podem ser utilizados, como o uso de frases condicionais e

verbos modais. A impessoalidade diz respeito ao quanto o produtor do texto refere-

se a si mesmo e ao quanto ele se dirige ao leitor diretamente. Para ser impessoal, o

autor pode se utilizar de voz passiva e de referências a si próprio como “o presente

escritor” ao invés de “eu”, por exemplo. A acessibilidade relaciona-se à suposição

que o escritor faz em relação ao conhecimento partilhado com o leitor. Se o escritor

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presumir que seu leitor compreende determinados conceitos, não verá necessidade

em explicitá-los em seu discurso, tornando o texto inacessível para aqueles que não

dominem o assunto.

O modo examina as características que sinalizam a escolha do canal que transmite

a mensagem. Dentro dessa categoria, encontram-se: limitação do canal,

espontaneidade, participação e caráter privado. Enquanto a comunicação oral

dispõe de diversos canais – como os tons da fala, os olhares e a gestualidade –, os

textos escritos têm uma limitação de canal, sendo somente visuais. Isso força,

portanto, o escritor a sinalizar como quer que seu texto seja lido, incluindo advérbios,

usando tipografia diferente etc. A espontaneidade tem a ver com o continuum falado

e escrito. O texto falado é tipicamente produzido no momento da elocução, sem

planejamento, ao passo que o texto escrito pode ser preconcebido, revisto, reescrito.

Na escrita, o autor faz escolhas conscientes e pode evitar, se esse for o efeito

desejado, a repetição. Quanto à participação, Bell (1993) aponta as diferenças entre

o texto falado, que permite o retorno imediato do ouvinte, e o texto escrito, para o

qual não há devolutiva, ou há, porém tempos depois em forma de carta ao autor ou

resenha de sua obra. O discurso64 escrito, no entanto, pode conter elementos que

simulem a participação do leitor, ou recursos que prevejam as dúvidas do mesmo. O

caráter privado refere-se ao número de destinatários pretendido para um

determinado texto; quanto mais receptores, menos privativo será o discurso.

O campo (ou esfera) do discurso é revelado pelas escolhas das características do

código que indica o papel que o texto exerce em determinada atividade do qual faz

parte. Está conectado à função da linguagem, ou seja, se ela pretende informar,

64 Não fazemos distinção entre texto e discurso nesta pesquisa.

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persuadir etc. Nesse aspecto, Bell retoma as funções da linguagem de Jakobson65

para substanciar a relevância de apreender as esferas do discurso para uma

tradução eficaz.

Como vimos, ao explicitar características de registro presentes nos textos, Bell

(1993) oferece-nos um enriquecedor entendimento das variedades linguísticas que o

tradutor não pode ignorar em seu trabalho.

2.3 – ESTUDOS SOBRE A GÍRIA

O léxico é o que melhor se presta a mostrar as transformações sociais de uma comunidade e se constitui na parte menos conservadora de uma língua. Vocábulos que surgem e desaparecem, num processo contínuo e natural de neologia e obsolescência, são o reflexo mais perfeito das mudanças sociais.

(Dino Preti, 1998)

A temática da gíria é bastante pertinente para nosso estudo, uma vez que a

tradução dela na obra em estudo apareceu em todos os volumes.

Não obstante quase todas as pessoas utilizem gírias na sua comunicação diária,

poucas conseguem estabelecer uma definição suficientemente precisa sobre o que

é gíria e como ela se estrutura, e como opera nos diferentes níveis sociais e nos

contextos de fala em que é utilizada. No mundo acadêmico, não se encontra uma

65 As seis funções da linguagem definidas por Jakobson (2008) são: referencial (conteúdo denotativo; intenciona transmitir uma informação do ‘mundo real’); emotiva (foco no emissor; significados conotativos, referências a sentimentos, estados da mente e da saúde); conotativa (pretende influenciar os outros); vocativos (textos persuasivos explícitos e sutis); fática (o papel dessa função é demonstrar, na comunicação, se estamos dispostos ou não a continuar uma conversa, ou simplesmente sinalizar que estamos acompanhando nosso interlocutor); poética (direcionada à mensagem, à seleção de estruturas e padrões incomuns para quebrar com a expectativa da linguagem; está presente em poemas, rimas infantis etc.) e metalinguística (linguagem utilizada para falar da própria linguagem, como dicionários e gramáticas).

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ampla bibliografia que forneça subsídios capazes de dar conta desse fenômeno tão

complexo.

Novamente, recorremos, sobretudo, aos estudos de Preti para compreender melhor

esse fenômeno. Para ele (1984), a gíria é uma decorrência da dinâmica social e

linguística e se caracteriza como um vocabulário especial. Surge inicialmente como

um signo de grupo, a princípio restrito – muitas vezes até secreto – a uma

determinada comunidade social, para a qual servirá como um elemento

diferenciador e um meio de autoafirmação. O que ocorre com muitas gírias, porém, é

a vulgarização, ou seja, o uso pela grande comunidade. Nesse caso, o vocabulário

“perde-se dentro dos amplos limites de um dialeto social popular, deixando, desde

então, de ser signo grupal.” (PRETI, 1984, p.3).

Por conta disso, muitas gírias perdem esse estatuto e passam a fazer parte da

linguagem popular:

Depois, quando a gíria se espalha, sai do grupo e vai para a sociedade, pode até ser contestada, pode deixar de ser vista como gíria e passa a fazer parte da linguagem popular. Mas a gíria é, de fato, vocabulário de grupo. Prefiro usar o termo gíria de grupo específico. Gíria comum já é, de certa maneira, uma negação da própria gíria, porque esta é, por natureza, uma linguagem secreta fechada.66

Muito da chamada gíria da juventude, por exemplo, que fazia parte de um grupo

restrito, espalhou-se por outras faixas etárias e tomou conta da linguagem, enquanto

alguns termos continuam definindo o grupo e refletindo o conflito de gerações.

Preti (1984) aponta para um fato curioso: a gíria, normalmente, forma-se

simplesmente com mera alteração de significados de palavras já existentes, ou com

66 Entrevista com Dino Preti, disponível em http://www.letramagna.com/dinoentre.htm.

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a deformação dos significantes de vocábulos usuais; raramente provém de novos

termos. Nos centros urbanos, a pressa da comunicação faz com que muitas gírias

também surjam com a economia nas sílabas.

Calvet (2002), sociolinguista francês, ao abordar a temática da gíria, assinala que

não existe razão linguística alguma para considerá-la como uma forma separada da

língua e lembra que as diferenças lexicais que geram as gírias baseiam-se em

princípios produtivos estritamente linguísticos. Para o autor, a maioria das palavras a

que chamamos gíria é, na verdade, um conjunto de práticas recorrentes que

envolvem: mudanças de traços sintáticos, corrupção da fonética da palavra ou

inversão da ordem das sílabas.

Outra característica relevante da gíria é a efemeridade. Seu uso populariza-se,

desgasta-se, degenera-se e acaba desaparecendo – ou virando “gírias de vovó”:

A gíria é muito renovável, permanece por um tempo; a partir do momento em que fica muito conhecida, muda. Os grupos querem a exclusividade dela, se todos conhecem ou usam é hora de mudar. Esgota-se como efeito expressivo e desaparece rapidamente, às vezes em meses. As que duram mais, como legal, podem durar 20 ou 30 anos, mas como palavra essa duração ainda é muito curta. A gíria também identifica as pessoas quanto à idade. Se empregarmos uma gíria em desuso, identificamos nossa idade. Isso demonstra a transformação constante no tempo e no espaço a que está sujeito esse vocabulário.67

A gíria mais afamada é a pertencente ao grupo dos jovens, os quais hoje têm, por

sua vez, gírias particulares de acordo com sua “tribo”, ou seja, consoante gostos

pessoais partilhados por grupos menores (“skatistas”, “emos”, “roqueiros”,

67 Entrevista com Dino Preti, disponível em http://www.letramagna.com/dinoentre.htm.

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mauricinhos” etc.). No entanto, o fato de a gíria ser mecanismo de diferenciação de

adolescentes e jovens não é algo novo, conforme observamos em Nida (1974):

Young people in almost all societies tend to speak differently from their elders, and this difference contributes greatly to the ‘generation gap’ about which so much is said these days. Young people tend readily to adopt new forms of speech, including slang, which is almost a badge of belonging to their age group; they tend to reject anything which sounds linguistically ‘old fashioned’. (NIDA, 1974, p.127).68

As gírias jovens também contribuem para as mudanças linguísticas, consoante

aponta Bagno (2007):

As pesquisas sociolinguísticas feitas em diversos países, inclusive no Brasil, têm demonstrado que a mudança linguística é impulsionada por dois grupos sociais: as faixas etárias mais jovens e as camadas médias-baixas [sic] da população. De fato, na língua falada pelas gerações mais jovens, podemos detectar sinais bem claros de mudança linguística. E é também justamente por isso que as pessoas mais velhas costumam julgar negativamente a fala dos mais jovens. (BAGNO, 2007, p.175).

Segundo Preti (1984, p.11) a gíria é “um problema diretamente ligado ao fenômeno

da variedade linguística, campo sociolinguístico passível de ampla e controvertida

análise”. O estudo da gíria é problemático por diversas razões: primeiro, porque nem

sempre é possível determinar o uso culto ou popular de um registro; segundo,

porque alguns vocábulos ficam em posição intermediária entre o coloquial e o formal

e, por último, mas não por fim, porque o registro linguístico não dá conta de

relacionar os termos de uma sociedade em constante mudança. A análise das gírias

também apresenta diferentes perspectivas de acordo com as línguas, que as

enxergam de maneiras distintas.

68 “Os jovens em quase todas as sociedades tendem a falar de maneira diferente dos seus idosos, e essa diferença contribui imensamente para o ‘abismo entre gerações’ sobre o qual muito se fala hoje em dia. Os jovens tendem a adotar prontamente novas formas de falar, incluindo a gíria, que é quase um emblema ao seu grupo etário; eles tendem a rejeitar qualquer coisa que pareça linguisticamente ‘fora de moda’.”

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João Bosco Serra e Gurgel69, estudioso de gírias em língua portuguesa do Brasil,

afirma que a gíria não empobrece a língua, faz parte do vocabulário atual, não sendo

mais o linguajar dos malandros, marginais ou pobres. Segundo ele, mesmo pessoas

com alto grau de instrução utilizam-se delas. Para o autor, a gíria é “a linguagem dos

brasileiros de todas as cores, raças, etnias, sexo, níveis, instrução, educação,

cultura, classes sociais, posse de bens etc.".70 De acordo com o autor, o acervo gírio

na língua portuguesa pode chegar a cinquenta mil verbetes. Muitas gírias estão

dicionarizadas como língua padrão, ao passo que outras continuam condenadas

pela língua culta ou oficial.

De modo geral, os estudos sociolinguísticos mostram que a maior aceitação da gíria

e seu uso ampliado a todos os falantes provêm do dinamismo por que passa a

sociedade moderna, da velocidade das mudanças e do abandono das tradições.

A gíria, normalmente relacionada somente a classes “pouco cultas” e a “grupos

marginalizados”, sempre fora cercada por preconceito linguístico, advindo do pouco

prestígio social de que gozam seus supostos falantes (marginais, homossexuais,

pessoas iletradas etc.). Entretanto, ainda que o vocábulo gírio surja dentro de um

grupo social restrito antes de vulgarizar-se na linguagem falada por toda a

comunidade, sem dúvida, as gírias estão tomando cada vez mais lugar em todos os

seus níveis sociais, etários, econômicos e culturais – não devendo ser considerada,

portanto, uma variedade estigmatizada:

69 Lexicografista cearense e autor do livro em 8ª edição Dicionário de gíria: modismo linguístico, o equipamento falado do brasileiro. Brasília: JB Serra e Gurgel, 2008. 70 http://www.nosrevista.com.br/2009/09/04/a-giria-dos-paises-de-lingua-portuguesa-invade-o-primeiro-mundo/

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De certa forma, poderíamos afirmar que a época contemporânea revela um acentuado processo de uniformização cultural, cuja responsabilidade mais direta advém da mídia [...]. A ‘norma linguística da mídia’ mistura os hábitos linguísticos orais e escritos e está muito mais voltada para a linguagem popular que, assim, ganha inesperado prestígio social. (PRETI, 1998, p.120-121).

Embora a utilização de gírias, no Brasil, venha desde Gregório de Matos – segundo

Roncari (1995) –, a presença de gírias na literatura – também, e principalmente, na

infantojuvenil – seria cada vez mais constante.

2.4 – ESTUDOS SOBRE A LINGUAGEM DAS CRIANÇAS

As tentativas de regularização ortográfica são extremamente frequentes. As crianças gostariam que a ortografia fosse o que deveria ser: para diferenças sonoras, diferenças de letras; para semelhanças sonoras, semelhanças de letras.

(Emília Ferreiro, 1997)

A série Captain Underpants, de Dav Pilkey (1997) traz histórias em quadrinhos

inseridas em sua narrativa, frutos da criação das personagens centrais, conforme

veremos no próximo capítulo. Feitas a mão pelo autor, as historinhas contêm

desvios propositais de gramática e ortografia, típicos das crianças em fase de

alfabetização.

Pretendemos, neste item, descrever o processo da escrita da criança em fase de

alfabetização. Fortemente marcada pela oralidade, a redação da criança, tanto no

inglês quanto no português, em geral, apresenta “erros” cristalizados, previsíveis:

O nível infantil pressupõe sérias deficiências na primeira e segunda articulações, além de um conhecimento vocabular muito restrito. É difícil marcar o limite entre as duas fases da linguagem, influindo bastante não só a vivência, mas também o grau de escolaridade. (PRETI, 2003, p. 24).

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Cagliari (1997) assevera que não podemos corrigir demais as crianças; devemos dar

tempo para que aprendam e incentivar a autocorreção e a autocrítica. Para ele, em

muitos casos, a criança revela um apego às formas fonéticas da língua, em lugar

das formas ortográficas. Dentro dessa possibilidade, o autor aponta os principais

“erros” cometidos pelas crianças em língua portuguesa no Brasil:

- Usar “i” em vez de ‘e” (tristi, qui = triste, que);

- Usar “u” em vez de “o” (tudu, mininu = tudo, menino);

- Escrever duas vogais ao invés de uma (rapais, feis = rapaz, fez);

- Grafar uma vogal ao invés de duas (pergunto, ligo = perguntou, ligou);

- Não escrever o “r”, se o fizer quando falar (mulhe, lava = mulher, lavar);

- Escrever “u” no lugar do “l” (sou, sauva = sol, salvar);

- Não grafar o “s” quando não houver este som em sua fala (vamu, sabemu =

vamos, sabemos);

- Escrever “li” em vez de “lh” (coelio, armadilia = coelho, armadilha);

- Transcrever sua pronúncia de juntura vocabular (vaibora, aínsima = vai

embora, aí em cima).

Outro tipo de desvio apontado por Cagliari (1997) reside no uso indevido de letras

que podem representar sons iguais, como trocar “z” por “s”, “ss” por “ç”, “s” por “c”,

“j” por “g” etc. Esse é possivelmente o “erro” que mais encontramos na escrita,

mesmo das crianças mais velhas e adolescentes, e até mesmo dos adultos.

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A hipercorreção é também um procedimento comum às crianças que já conhecem a

forma ortográfica de muitas palavras e tentam aplicar esse conhecimento na hora de

escrever. Como exemplo, Cagliari (1997) cita que, como lhes foi ensinado que

muitas vezes o “i” que ouvimos no final das palavras na verdade se grafa com “e”,

muitas começam a escrever “lapes” no lugar de “lápis”, “tenes” em vez de “tênis”.

Cagliari (1997) menciona, ainda, a falta de familiaridade dos pequenos com a

acentuação, com os sinais de pontuação, com o uso de letras maiúsculas e

minúsculas e com as concordâncias verbal e nominal. Os outros tipos de desvios

apontados pelo autor dizem respeito às variedades regionais e não têm relação

direta com o propósito de nosso estudo.

Bagno (2007) cita, também, algumas construções que foram modificadas da

linguagem oral informal da grande maioria dos brasileiros, não só na fala das

crianças e jovens, mas também dos adultos:

- o uso do imperativo não segue as regras previstas pela norma-padrão;

- o desaparecimento do subjuntivo em determinadas orações (você quer que

eu te ajudo? / talvez eu vou = você quer que eu o ajude? / talvez eu vá).

O importante é que não tolhamos as crianças de aprimorar por meio de erro e

acerto, consoante afirma Ferreiro (1997):

As crianças procuram ir sistematizando o que aprendem, põem à prova a organização conseguida através de atos efetivos de utilização do conhecimento adquirido, e reestruturam quando descobrem que a organização anterior é incompatível com os dados da experiência. (...) O que dificulta a aprendizagem é impedir esses processos de organização da informação. (FERREIRO, 1997, p.31).

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Na língua inglesa, as crianças também enfrentam diversos obstáculos até ter

domínio completo (ou quase) da escrita. Com base em O’Conner (2007) e Pinker

(1999), citamos:

- Uso incorreto dos pronomes diretos, oblíquos e possessivos (I-me-my, they-

them-their etc.);

- Confusão em palavras homófonas (principal-principle, they’re-there, it’s-its,

hear-here);

- Uso de plurais irregulares como se fossem regulares (knifes, mouses =

knives, mice);

- Uso de verbos irregulares como se fossem regulares (taked, drawed = took,

drew);

- Troca no uso dos pronomes demonstrativos “this”, “these”, “that”, “those”;

- Troca de letras que produzem o mesmo som (nise, feild, tern = nice, field,

turn);

- Ausência de letras não pronunciadas (sombody, thout = somebody, thought);

- Ausência de letras duplas (finaly, atacked = finally, attacked);

O’Conner (2007) menciona ainda as dificuldades das crianças com a utilização das

letras maiúsculas, o uso dos artigos indefinidos e da pontuação, o emprego

exagerado da palavra “like” (“tipo”) e a utilização do apóstrofo.

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O seguinte quadro, retirado do “Common Core State Standards for English

Language Arts & Literacy in History/Social Studies,Science, and Technical

Subjects”71 mostra o que é esperado dos alunos em termos de produção textual para

cada série escolar. Observa-se que para a quarta série (ano escolar em que

estudam os protagonistas de Captain Underpants, como abordaremos adiante) não

são exigidos: pontuação perfeita, reconhecimento e correção de concordância verbal

e nominal, identificação das variedades do inglês padrão, consistência em estilo e

essência e uso correto de orações subordinadas, dentre outros.

Figura 19 – Common Core State Standards for English Language Arts & Literacy in History/Social

Studies,Science, and Technical Subjects

71 O documento é elaborado nos Estados Unidos pelo Conselho de Escolas Públicas (Council of Chief State School Officers - CCSSO) e a Associação Nacional de Governadores (National Governors Association – NGA) com o intuito de criar uma uniformização nas escolas a fim de manter a qualidade no ensino. Esta edição é de junho de 2010.

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Corroborando Ferreiro, citada na página 112, Pinker (1999) menciona a forma como

as crianças constroem seus conhecimentos linguísticos:

Grammatical errors like bleeded and singed have long epitomized the innocence and freshness of children’s minds. The errors are acts of creation, in which children lift a pattern from their brief experience and apply it with impeccable logic to new words, unaware that the adult world treats them as arbitrary exceptions. 72 (PINKER, 1999, p.189).

Ferreiro (1997) reforça que na língua oral permitimos à criança que se engane ao

produzir e ao interpretar, e que aprenda por meio de suas tentativas, mas que na

língua escrita penalizamos continuamente o erro, supondo que ela só aprende pela

reprodução correta, e que é melhor não tentar escrever, nem ler, se não estiver em

condições de evitar o erro: “A correção ortográfica não pode ser exigida nas

primeiras etapas da alfabetização” (FERREIRO, 1997, p.31).

Destarte, é importante aceitar e respeitar a variedade da língua utilizada pela

criança, incentivando-a escrever, ainda que com desvios da norma padrão nos

primeiros momentos, para que evolua cada vez mais em seu aprendizado.

72 “Erros gramaticais como “eu fazi” e “eu pido” (exemplos adaptados) há tempos resumem a inocência e o frescor da mente das crianças. Os erros são atos de criação, nos quais as crianças criam um padrão com base em sua pouca experiência e o aplicam com lógica impecável a novas palavras, inconscientes de que o mundo adulto as considera como exceções arbitrárias.”

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CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO 3333

CAPTAIN UNDERPANTSCAPTAIN UNDERPANTSCAPTAIN UNDERPANTSCAPTAIN UNDERPANTS E E E E CAPITÃO CUECACAPITÃO CUECACAPITÃO CUECACAPITÃO CUECA EM ANÁLISEEM ANÁLISEEM ANÁLISEEM ANÁLISE

Ah! Tu, livro despretensioso, que, na sombra de uma prateleira, uma criança livremente descobriu, pelo qual se encantou, esqueceu as horas, os companheiros, a merenda... tu, sim, és livro infantil, e o teu prestígio será, na verdade, imortal.

(Cecília Meireles, 1984)

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Neste capítulo, contextualizaremos a obra Captain Underpants e sua versão

brasileira Capitão Cueca, analisando elementos que se destacam no âmbito da

variação linguística no processo de tradução.

3.1 CAPTAIN UNDERPANTS

There are, I think, four reasons why these books should be read by grown-ups to kids. First, okay, it's really stupid humor -- but it's funny. Pilkey has also loaded these books with a lot of jokes that are really aimed at a much older crowd. For all the silly, little-kid fun, there are a lot of very dry, tongue-in-cheek comments that older kids or parents would appreciate. Second -- and it seems that Pilkey probably had a lot of fun with this -- the comic works of George and Harold are included in the books. Third, Pilkey is a great writer. Kids will pick up a lot of fun new words from his books. He also does a fantastic job of leading the plot. The fourth (and last) reason: reading them to your child is a great excuse for getting to read them yourself.73 (P. J. Rooks, 2007)74

The Adventures of Captain Underpants (As Aventuras do Capitão Cueca) é uma

série de livros criada pelo escritor norte-americano Dav Pilkey. Lançada nos Estados

Unidos em 1997, a série contou até março de 2011 com oito livros, todos traduzidos

no Brasil, datando a tradução do primeiro volume de 2001.

Com leitores assíduos em vários países, a coleção consagrou Pilkey como um dos

mais aclamados escritores de livros infantis da literatura contemporânea, tendo sido

contemplada com o Prêmio “Escolha da Criança de 2007” da revista americana

73 Existem, eu acredito, quatro razões pelas quais estes livros devem ser lidos por um adulto para as crianças. Primeiro, convenhamos, é um humor realmente ridículo, mas é engraçado. Pilkey também recheou os livros com muitas piadas que são na verdade voltadas para o público mais velho. Para cada tirada de humor bobo e infantil, há diversos comentários irônicos e jocosos que crianças mais velhas e adultos apreciariam. Segundo – e parece que Pilkey divertiu-se muito com isso – os quadrinhos feitos por Jorge e Haroldo são incluídos nos livros. Terceiro, Pilkey é um grande escritor. As crianças aprendem muitas palavras novas e divertidas com seus livros. Ele também faz um trabalho fantástico na condução do enredo. A quarta (e última) razão: ler os livros para seus filhos é uma ótima desculpa para lê-los você também. 74 Disponível em http://www.best-childrens-books.com/captain-underpants.html

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Disney Adventures75. Os livros também foram escolhidos para compor a lista da

American Bookseller e para o prêmio Cuffie na categoria de “livro mais divertido do

ano” da Publishers Weekly.76

Os livros da coleção foram publicados nos Estados Unidos pela Scholastic, única

grande editora do país voltada exclusivamente para o segmento infantil e líder em

vendas tanto na internet quanto nas livrarias com lojas físicas. Contando com mais

de 5500 títulos, é detentora dos direitos dos principais best-sellers infantis dos

últimos anos, como Harry Potter, Clifford the Big Red Dog e Captain Underpants,

segundo Earp e Kornis (2005, p.84-85). No Brasil, a coleção foi publicada pela

Cosac Naify (conforme item 1.5 deste trabalho).

Seguindo a tendência atual para a literatura infantil, o autor mantém um sítio

eletrônico77 bem dinâmico, com jogos, vídeos, trechos de seus livros, cruzadinhas,

brincadeiras com as personagens e dicas para desenhar, entre tantos outros

recursos. No Brasil, a Cosac Naify criou um sítio semelhante na internet78 para a

série do Capitão Cueca, também com jogos e atividades para as crianças e

informações aos pais sobre os livros.

Além do título “Captain Underpants”, que já revela o tom humorístico da coleção, as

histórias são repletas de episódios divertidos e com fatos inverossímeis (professores

que se transformam em monstros, invenções malucas e privadas falantes, só para

75 Disney Adventures era uma publicação educativa e de entretenimento voltada às crianças. Trazia conteúdo educativo, jogos, quadrinhos e notícias sobre livros, cinema e televisão. A revista foi publicada de 1990 até 2007. 76 De acordo com a editora Scholastic no sítio http://www.scholastic.com/captainunderpants/books/author.htm 77 www.pilkey.com 78 www.capitaocueca.com.br

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citar alguns), e são escritas em linguagem coloquial, em que se sobressai a fala das

personagens, principalmente as das crianças, que apresentam inúmeras gírias e

expressões típicas da modalidade oral.

Jorge e Haroldo (George and Harold), os protagonistas, são dois meninos arteiros,

que frequentam a quarta série da escola básica Jerome Horwitz. De acordo com a

história, Jorge tem nove anos e “três quartos” e Haroldo tem dez anos de idade.

Estão sempre provocando situações engraçadas e, muitas vezes constrangedoras,

com todos – alunos, professores, funcionários – e levando o caos à escola. Depois

da aula, eles se reúnem em uma casinha em cima de uma árvore, onde brincam e

criam histórias em quadrinhos, as quais vendem para os colegas na hora do recreio.

A “editora” chama-se “Quadrinhos Casa na Árvore S/A”. Donos de uma imaginação

muito fértil, criam um novo super-herói, o “Capitão Cueca”, protagonista de todos os

quadrinhos. As HQ aparecem algumas vezes no interior da narrativa, como é

possível observar na ilustração seguinte:

Figura 20 – Página de The Adventures of Captain Underpants – volume 1.

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Dav Pilkey conta79 que baseou o livro no super-herói que ele mesmo criou em suas

primeiras histórias em quadrinhos, quando ainda estava na segunda série do Ensino

Fundamental, em 1973. Pilkey era um aluno disperso, que apresentava distúrbios de

aprendizagem e muita dificuldade com a leitura. Textos compridos, com letras

pequenas e capítulos imensos eram um suplício para ele.

O objetivo do autor com The Adventures of Captain Underpants foi o de criar um

estilo que atraísse as crianças que, assim como ele quando pequeno, não se

sentissem à vontade com o ato de ler. Produziu, então, um livro de figuras, mas em

formato de romance, com uma média de cento e trinta páginas. Os capítulos são

curtos e as páginas, sempre em preto e branco, usualmente apresentam mais

imagens do que palavras e uma linguagem leve e próxima da oralidade. Dentro de

cada história, duas ou três HQ são inseridas. A fala e o modo de agir das

personagens de Captain Underpants são feitos para a criança identificar-se, sentir-

se pertencente à história. Qualquer menino – ou por que não, menina – travesso

pode ser um Jorge ou um Haroldo. Os livros têm a capa colorida e vêm com

subtítulo classificatório de “romance épico” (epic novel), conforme notamos nas

imagens seguintes:

79 No sítio eletrônico oficial do autor: http://www.pilkey.com

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Figuras 21 e 22 – Livros intitulados como “Epic Novel” (Romance Épico).

Quando Pilkey começou sua produção de livros infantis, em 1986, ele já queria

publicar um livro sobre o Capitão Cueca, e escreveu diversas versões de histórias

com a personagem, mas todos os editores a quem mostrou as recusaram. Quando o

livro foi finalmente aceito em 1995, foi “como um sonho virando realidade”.80

Pilkey possui outros livros publicados, todos para crianças, alguns deles já

traduzidos no Brasil, como: Ricky Ricotta's Mighty Robo (Ricky Ricota e seu super

robô) e The Adventures of Super Diaper Baby (As Aventuras do Superbebê

Fraldinha). Alguns outros títulos são inéditos no Brasil: Dumb Bunnies, Big Dog &

Little Dog, Dragon.

Segundo o escritor, muitas das aventuras do livro são inspiradas em sua própria

infância: as piadinhas, algumas pegadinhas, as histórias em quadrinhos, até mesmo

80 http://www.pilkey.com

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a técnica bem tola (segundo as próprias personagens) do “vire-o-game” (tradução

proposta no Brasil para “flip-o-rama” 81), um jogo de imagens que “se movem” à

medida que as páginas são viradas rapidamente:

Figura 23 – “Flip-o-Rama”.

O autor soube, de fato, utilizar sua experiência pessoal e elementos aparentemente

apreciados pelas crianças do mundo todo para criar uma coleção de sucesso:

Na infância, o americano Dav Pilkey encabeçava a lista de maus elementos de seu colégio. Era um menino incontrolável, frequentador assíduo da sala do diretor. Mas ele soube tirar bom proveito dessa fase. Hoje assina uma das séries de livros mais populares entre as crianças americanas: a do Capitão Cueca, um super-herói rechonchudo que traja apenas uma capa e a roupa de baixo. Pilkey

81 É notável, no entanto, que a “tradução” não foi completa, pois a palavra “game” é em língua inglesa, porém provavelmente familiar a todas as crianças brasileiras.

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narra peripécias com vilões absurdos e um bom toque de anarquia. Seu tema, no fundo, é a maneira como as crianças lidam com a questão da autoridade. Na ficção criada por Pilkey, o Capitão Cueca é invenção de dois garotos, Jorge e Haroldo. Agitadíssimos, quase beirando a hiperatividade, eles irritam seus professores ao bolar um gibi cheio de erros de gramática e ortografia com as aventuras do personagem. (MARTHE, 2001).82

A popularidade apresenta-se, entre outras coisas, nos números de vendas. Tanto

nos Estados Unidos quanto no Brasil, diversos volumes da série já foram

reimpressos. Segundo a contracapa do oitavo livro da série em inglês, são 38

milhões de cópias impressas. No entanto, por acharem as histórias vulgares,

encorajadoras de maus comportamentos e inapropriadas ao grupo etário a que se

destinam, algumas escolas americanas baniram o Capitão Cueca de suas

bibliotecas83, fato comentado até pelos jornais locais84. Muitos educadores, no

entanto, veem a série com bons olhos, inclusive no Brasil. Tanto que o governo

paulista investiu 35.000 reais na compra dos livros da série, que serão distribuídos

em mais de 3.000 escolas85. Hubert Alqueres, secretário adjunto de Educação do

Estado de São Paulo, justifica a escolha afirmando que as histórias são um bom

pretexto para debater a relação entre alunos e professores na sala de aula.86

Além dos enredos disparatados e inusitados, inseridos em momentos de

“tranquilidade”, em que os meninos vivem o cotidiano escolar, sempre aprontando

82 http://veja.abril.com.br/141101/p_152.html 83 http://www.marshall.edu/library/bannedbooks/books/captainunderpants.asp 84 Como The Sun http://www.nysun.com/parenting/is-captain-underpants-a-threat/38721 e CNN http://articles.cnn.com/2000-07-11/entertainment/captain.underpants_1_comic-books-captain-underpants-george-and-harold?_s=PM:books 85 Segundo reportagem da revista Veja, disponível em http://veja.abril.com.br/141101/p_152.html 86 Segundo reportagem da revista Veja, disponível em http://veja.abril.com.br/141101/p_152.html

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alguma “arte”, os livros da coleção Capitão Cueca têm várias inserções intertextuais

e jogos de palavras que remetem a elementos do mundo real.

O nome da escola, por exemplo, Jerome Horwitz, foi emprestado do nome do ator

estadunidense que representava Curly em “Os Três Patetas”, comédia americana da

década de 20. O ator, que viveu entre 1903 e 1952, é considerado o mais popular

dos “Patetas”, sendo reconhecido por seus improvisos, expressões vocais e

comédia física inventiva.

Pilkey diz que colocou as personagens para morar em Piqua, no estado de Ohio,

propositadamente, pois nessa cidade há o “Festival da Roupa Íntima” (Underwear

Festival) todos os anos.

O humor também se faz presente na escolha dos nomes das personagens, como

comentaremos adiante.

Burke (2009), em coluna da Folha de São Paulo87, escreve sobre personagens dos

livros infantis, suas histórias e crianças “pós-modernas”, utilizando os livros do

Capitão Cueca como exemplo:

Os personagens principais, George Beard e Harold Hutchens, que vivem e estudam numa cidadezinha de Ohio, são travessos e também simpáticos. O vocabulário empregado pelas duas crianças ("cool", "nerd", "zap", "aí, cara!") é tão atual quanto o corte de cabelo reto de George, mas os truques com os quais se divertem, como trocar as letras no cardápio do almoço na cantina da escola, devem ser tão velhos quanto as próprias cantinas das escolas. Sob outros aspectos, entretanto, as histórias não são nem um pouco tradicionais. Podem até ser descritas como pós-modernas, graças não apenas às referências recorrentes a universos alternativos, mas também, especialmente, ao amor do autor pela paródia e especialmente pelas autorreferências. O herói, Capitão Cueca, é uma paródia de Super-Homem – um sujeito mais gorducho do que

87 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2203200909.htm

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atlético, que canta loas às cuecas de algodão enquanto voa em suas missões para submeter os vilões à justiça. De maneira realmente pós-moderna, a divisão entre ficção e realidade vai perdendo nitidez à medida que as histórias se desenrolam. (BURKE, 2009).

O autor pondera se as crianças percebem e compreendem as paródias e a

metalinguagem presentes em Capitão Cueca e tantos outros livros, e conclui, com

base em sua própria experiência familiar (o escritor tem dois netos, leitores de

Captain Underpants), que elas de fato o fazem, e que isso lhes agrada.

Um aspecto que chamou bastante a atenção na publicação da série no Brasil é o

fato de a coleção ter sido traduzida por pessoas diferentes, quase todas

desconhecidas, sendo que os três últimos volumes foram trabalhados pelo mesmo

tradutor. Apenas um volume foi traduzido pela conhecida escritora e tradutora

Cristine Röhrig88 e pelo dono da editora, Charles Cosac89.

Volume 1 – Clara Lacerda

Volume 2, 3 e 4 – Galiana Lindoso

Volume 5 – Cristine Röhrig e Charles Cosac

Volumes 6, 7 e 8 – Daniel Lembo Schiller

Quadro 1 - Tradutores de Captain Underpants no Brasil.

88 Cristine Röhrig nasceu em São Paulo e é formada em jornalismo. Trabalhou como editora nas editoras Paz e Terra, UNESP e Cosac Naify. Traduziu diversas peças de autores do teatro contemporâneo alemão. É autora de peças teatrais e roteirista do curta vencedor do festival da Cultura Inglesa “Quero ser Jack White”. Fonte: http://www.dicionariodetradutores.ufsc.br/pt/ChristineRohrig.htm 89 Charles Cosac é um magnata considerado excêntrico. Prima por manter, publicados por sua editora, sofisticadas edições de títulos de arte brasileira e literatura. Ele próprio tem uma impressionante coleção de obras de arte brasileiras. Foi vice-presidente do Instituto de Arte Contemporânea, em São Paulo, e foi convidado a ser o curador do Brasil na Bienal do Mercosul. Recebeu o prêmio "Gente que faz" do jornal O Globo e foi considerado a Personalidade Cultural do ano, pela Editora Abril. É graduado pela Universidade de Essex, na Inglaterra, e realizou seu doutorado na Rússia, na área de teoria e história da arte. Fonte: “O dândi de Higienópolis”. Disponível em http://veja.abril.com.br/vejasp/301105/perfil.html

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Pesquisamos sobre as tradutoras Clara Lacerda e Galiana Lindoso no sítio da

editora Cosac Naify, na plataforma Lattes e no grande sítio de busca Google, mas

não encontramos quaisquer referências sobre elas. Sobre Daniel Schiller,

encontramos algumas informações: embora não seja um profissional formado e

renomado, Schiller se destaca por ser um tradutor “mirim”. Em 2004, com apenas

doze anos, traduziu o sexto volume da série. Depois, traduziu os dois volumes

subsequentes e também de Dav Pilkey os livros Ricky Ricota e Superbebê

Fraldinha. Atualmente, aos 17 anos, já tem em sua jovem carreira a tradução de

mais dois títulos: The Originals: sangue nas ruas90, da editora Conrad; e De frente

para o sol: como superar o terror da morte91 (Staring at the Sun), da editora Agir.

Naturalmente, o tratamento dado à tradução de uma obra depende de fatores

diversos: da tipologia do texto, do autor, da época da publicação no país de origem e

no país onde foi traduzida – e da distância temporal que os separa –, da ideologia do

texto e do autor, das diferenças entre a língua de partida e a língua de chegada, dos

objetivos da tradução, do conhecimento e formação do tradutor, dos interesses e

exigências da editora, dentre outros. Por isso, cada tradução engloba elementos

diferentes que vão desde o procedimento escolhido até interesses econômicos.

A realização da presente pesquisa se justifica, pois, ao buscar detectar o enfoque,

as qualidades e/ou ineficiências na tradução do livro Captain Underpants. Nesse

sentido, os aspectos teóricos apresentados nos capítulos um e dois revestem-se de

total relevância, uma vez que sustentarão a avaliação feita na análise que se segue.

90 Versão de Dave Gibbons para as famosas brigas entre mods e rockers na Inglaterra dos anos 50 e 60, a obra foi premiada como melhor álbum de 2005 pelo Eisner Awards. 91 Do autor americano Irvin Yalom, o livro propõe aos leitores uma reflexão mais aprofundada sobre os mistérios do futuro, da morte e do destino.

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3.2 ANÁLISE DAS TRADUÇÕES

Um texto de uma revista em quadrinhos pode até ser mais valioso do que um trabalho literário de autor consagrado, dependendo dos objetivos a que nos propomos na pesquisa sociolinguística.

(Dino Preti, 1983)

Nesta análise, deixaremos de lado as tão debatidas questões sobre os limites da

tradução e sobre a aceitabilidade ou a legitimidade da noção de fidelidade.

Pretendemos apontar, sem menosprezar o trabalho dos tradutores (os quais,

conforme abordamos anteriormente, passam por todo o tipo de “intempéries”),

soluções que poderiam ter trazido mais fluidez, naturalidade ou comicidade ao texto.

Desse modo, tencionamos verificar em que medida a tradução manteve, adaptou ou

transgrediu aspectos da natureza sociolinguística importantes para a manutenção da

intencionalidade do texto original na passagem da obra para a Língua Portuguesa.

Além disso, por meio do cotejo entre diversos volumes nas duas línguas,

procuraremos elementos para averiguar qual/quais tradutor/es conseguiu/guiram

atingir o efeito cômico e da variedade diastrática do texto original de maneira mais

efetiva, uma vez que esses são os grandes motes do livro em inglês.

Lajolo e Zilberman (2003) assim se referem ao árduo trabalho do escritor para

conquistar seu público, argúcia que o tradutor também deve possuir para ter

sucesso entre os leitores do país para qual traduz:

A noção de leitor, indivíduo habilitado à leitura, com preferências demarcadas, figura que o escritor busca seduzir, lançando mão de técnicas e artifícios contabilizados pela crítica e história da literatura. (LAJOLO e ZILBERMAN, 2003, p.9).

A série Captain Underpants apresenta uma variedade que pode ser classificada

como dialeto social urbano, situando-se em uma posição intermediária no continuum

oralidade e escrita e aproximando-se da linguagem falada (mais coloquial),

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principalmente na expressão das personagens, porém não se chocando com as

tradições escritas (obediência à ortografia e gramática) – exceto na HQ inserida na

trama, como podemos notar em uma página do primeiro livro:

Figura 24 – Respeito às normas gramaticais e ortográficas no discurso do narrador e proximidade

com a linguagem oral nos diálogos.

A representação da oralidade no livro fica por conta do uso corrente de linguagem

mais coloquial do texto e de construções repetitivas e pouco complexas das HQ

inventadas pelas personagens. No entanto, no que concerne aos “erros”

ortográficos, existe simplesmente uma representação dos desvios comuns das

crianças em fase de alfabetização, conforme vemos na figura seguinte:

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Figura 25 – HQ feita pelas personagens: frases curtas, sintaxe simples e desvios ortográficos comuns

para as idades dos protagonistas.

Marcuschi (2003) descreve como típicas da conversação palavras mais curtas,

vocabulário menos variado e menos adjetivação. Aquino (2000, p.45) assinala que

os marcadores conversacionais mais presentes no texto escrito são: agora, então,

aí, claro, quer dizer, daí, bom, né, e a hesitação marcada por reticências.

A presença constante de frases e períodos curtos confere dinamismo ao texto e

transforma o que supostamente seria formal – já que intitulado “romance épico” – em

linguagem semelhante à oral. A grande quantidade de verbos em cada parágrafo faz

com que as ações se sobressaiam, indo ao encontro da expectativa dos leitores

mirins: aventura e ilustrações abundantes, uma leitura prazerosa com vocabulário

conhecido e próximo de suas vivências. Nas ilustrações a seguir, o “capítulo 18” e

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uma página com seis verbos de ação em um só parágrafo, ambos os exemplos do

livro um:

Figura 26 – Um capítulo inteiro do “romance épico” tem somente uma frase.

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Figura 27 – Os verbos “zoomed, weaving, skated, knocked, caught, skated” no mesmo parágrafo.

Os livros da coleção também são abundantes em referências metalinguísticas,

especialmente o último livro, do qual observamos os próximos excertos92:

“No way,” said Harold. “That kind of thing only happens in poorly written children’s stories whose authors have clearly begun running out of ideas!” (“Sem chance”, disse Haroldo. “Esse tipo de coisa só acontece em histórias mal escritas cujos autores começaram claramente a ficar sem novas ideias!”). (PILKEY, 2006, p.43).

“The artwork is really bad, and I’m pretty sure they misspelled some words.” (“Os desenhos são horríveis e eu estou certo de que eles erraram a escrita de algumas palavras.”). (PILKEY, 2006, p.59).

“And how come all of our pronouns are getting italicized?” asked George. (“E por que raios todos os nossos pronomes estão em itálico?”, perguntou Jorge.). (PILKEY, 2006, p.66).

.

92 As traduções citadas são as oficiais.

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Em geral, nos oito volumes traduzidos, manteve-se a qualidade técnica do texto

original, mas, em muitos momentos, e especialmente no volume cinco, perdeu-se

muito do efeito humorístico conseguido por Pilkey na escolha criativa de expressões

idiomáticas, trocadilhos, gírias, intertextos e frases de efeito repetitivas. Esses

recursos não poderiam ter sido trabalhados de forma ineficiente na tradução,

conforme salienta Aubert (1994):

A natureza do bloqueio comunicativo que gera uma situação tradutória prende-se à variação linguística. Entenda-se tal variação no seu sentido mais amplo: abarca desde as variações que se apresentam em uma (cor)relação geográfica (línguas, dialetos, falares regionais), passando pelas variações temporais (dialetos diacrônicos), sociais (socioletos), individuais (idioletos), de canal (escrita/fala) e até circunstanciais (condições de produção da mensagem de uma determinada situação). Assim, um sotaque, um arcaísmo, um jargão, um cacoete de expressão; o analfabetismo absoluto ou funcional de um dos participantes da relação Emissor/Receptor; um pronunciado diferencial de motivação entre tais participantes; uma efetiva diferença de conhecimento ou de ponto de vista sobre o referente; uma marcada discrepância de domínio do código empregado; qualquer um desses fatores, isoladamente ou em cumulações e intensidades variadas, pode levar a uma ruptura do elo comunicativo, em que a decodificação da mensagem deixa de se produzir de maneira adequada às respectivas intenções dos referidos participantes. (AUBERT, 1994, p.11, grifo nosso).

No quadro dois, apresentamos os títulos originais na coluna da esquerda e os títulos

da tradução na edição brasileira na da direita, com as respectivas datas de

publicação nos EUA e no Brasil.

The Adventures of Captain Underpants (1997) As Aventuras do Capitão Cueca (2001)

Captain Underpants and the Attack of the Talking Toilets (1999)

Capitão Cueca e o ataque das privadas falantes (2001)

Captain Underpants and the Invasion of the Incredibly Naughty Cafeteria Ladies from Outer Space (and the Subsequent Assault of the Equally Evil Lunchroom Zombie Nerds)

(1999)

Capitão Cueca e a invasão das incrivelmente malvadas garotas da cantina (e o ataque subsequente dos igualmente perversos zumbis nerds)

(2001)

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Captain Underpants and Perilous Plot of Professor Poopypants (2000)

Capitão Cueca e o perigoso plano secreto do professor Fraldinha Suja.

(2002)

Captain Underpants and the Wrath of the Wicked Wedgie Woman (2001)

Capitão Cueca e a fúria da facinorosa Mulher Tentacular (2003)

Captain Underpants and the Big, Bad Battle of the Bionic Booger Boy. Part 1: The Night of the

Nasty Nostril Nuggets. (2003)

Capitão Cueca e a grande e desagradável batalha do Menino

Biônico Meleca Seca. Parte 1: a noite das repugnantes melecas de narina.

(2004)

Captain Underpants and the Big, Bad Battle of the Bionic Booger Boy. Part 2: The Revenge of

the Ridiculous Robo-Boogers (2003)

Capitão Cueca e a grande e desagradável batalha do Menino Biônico Meleca Seca. Parte 2: a revanche dos Robôs Melequentos

Ridículos (2004)

Captain Underpants and the Preposterous Plight of the Purple Potty People (2006)

Capitão Cueca e a sina ridícula do povo do Penico Roxo (2006)

Quadro 2 – Títulos originais americanos e traduzidos em português no Brasil.

Observamos que o fato de haver diferentes tradutores acaba por levar a escolhas

distintas na hora da tradução. Há uma inconsistência de alguns termos recorrentes e

até mesmo no critério do que traduzir – os nomes de algumas personagens, por

exemplo, são traduzidos em alguns volumes e não em outros. Em não havendo um

glossário, ou uma diretriz da editora (que não nos respondeu se os há) esse

resultado não poderia ser diferente:

Como todo acontecimento, qualquer uso da língua se individualiza por idiossincrasias do locutor e/ou de seu interlocutor (...) Assim, cada uso da língua envolve um conteúdo e uma forma próprios, produzindo efeitos de forma e de sentido (como os efeitos estilísticos). (RANGEL. In: BAGNO, 2007, p.13).

Encontramos, também, uma inconstância no uso de certos termos. Em alguns

casos, não há implicações para a escolha lexical (maluco por doido, menino por

garoto, “pô, cara” ou “ah, cara”), mas, algumas vezes, o procedimento pode extrair o

humor, trazer problemas para a compreensão, para o grau de informalidade do

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texto, ou ainda para a identificação de uma personagem, cujo nome ocasionalmente

varia. No quadro que segue, selecionamos expressões com alta incidência nos livros

e nomes de personagens constantes que tiveram seus nomes traduzidos somente

em um ou outro volume. Na coluna da esquerda, colocamos os termos encontrados

nos livros originais em língua inglesa; nas demais, apontamos as traduções distintas

em cada volume em que apareceram:

Termo ou frase em inglês

Tradução para o português do Brasil

We rule! Livro 4

Animal!

Livro 6

Nós arrasamos!

Livro 8

Nós detonamos!

Rats! Livros 2 e 3

Sacanagem!

Livro 4

Ratos!

Livro 8

Raios!

Aw, man! Livro 2

Que droga, cara!

Livro 4

Pô, cara!

Livro 8

Ah, cara!

detention room Livro 2

sala de castigo

Livro 5

sala da detenção

Livro 6

sala do castigo

Ms. Anthrope (school secretary)

Livro 5

Sra. Castália (único volume em que o nome foi traduzido)

Demais livros

Sra. Anthrope

Mr. Rected (counselor)

Livro 4

Sr. Justo (único volume em que o nome foi traduzido)

Demais livros

Sr. Rected

Melvin Sneedly (boy in 4th grade)

Livro 2

Melvin Kapaz (único volume em que o nome foi traduzido)

Demais livros

Melvin Sneedly

Ingrid Ashley (reporter)

Livro 4

Ingrid Souza (único volume em que o nome foi traduzido)

Demais livros

Ingrid Ashley

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Ms. Ribble (George and Harold’s

teacher)

Livro 4

Sra Carranca (único volume em que o nome foi traduzido)

Demais livros

Sra. Ribble

mean old “principle”

Livro 5

diretor pé no saco

Nos outros livros

Diretor mau, diretor “véio” e “xato”, diretor malvado.

Super Power Juice (Faz parte dos

“artefatos” constantes do Capitão Cueca).

Livro 5

Suco de Superpoderes Extraforte

Livro 6

Supersuco

Livro 8

Suco Superpoderoso Extraforte

Goosy-Grow 4000

Livro 4

Desenvolvedor de Ganso 4000 / Ganso Desenvolvedor 4000

Livro 8

Ganso-que-Faz Crescer 4000

“Faster than a waistband, more powerful than boxer shorts and able to leap tall buildings without getting a

wedgie.”

(Trecho da HQ sempre constante quando Captain Underpants surge. É um chavão que traz humor e recorrência. Traduzi-lo de diferentes maneiras retirou a intencionalidade do autor de criar um clichê como o do Super-Homem).

Livro 1

“Era mais rápido que um elástico solto depois de esticado, mais poderoso que uma cueca samba canção, e conseguia pular sobre arranha-céus sem a cueca apertar suas pernas.”

Livro 2

“Era mais rápido do que uma cueca esticada, mais poderoso do que um calção de boxeador, e capaz de saltar vários prédios sem fazer esforço.”

Livro 3

“Era mais veloz que um elástico solto depois de esticado, mais poderoso do que um calção de boxeador, e capaz de pular prédios altíssimos sem perder a cueca.”

Livro 4

“Era mais rápido do que uma cueca lançada, mais poderoso do que um calção de boxeador, e capaz de pular altos edifícios sem fazer o menor esforço.”

Livro 5

“Agiu mais rápido do que um avião, talvez até mais rápido que a velocidade da luz, capaz de voar até o teto dos edifícios mais altos e saltar de um para o outro sem o menor problema.”

Livro 6

“Mas o Capitão Cueca era mais rápido que um elástico solto, mais poderoso que uma cueca samba-canção e capás de pular prédios altíssimos sem usar havaianas.”

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Remember that now. (Aparece na apresentação dos protagonistas, é igual em todos os livros).

Livros 1, 2, 3 e 4

Não esqueça quem é quem.

Livros 5, 6, 7 e 8

Lembre-se disso.

Quadro 3 – Seleção da tradução de alguns elementos recorrentes.

Deixar alguns elementos sem traduzir, principalmente nomes próprios, não deve ser

visto como um problema; muito pelo contrário, às vezes isso enriquece o texto e

chama a atenção das crianças, tão conectadas ao mundo global com hegemonia da

língua inglesa e acostumadas à leitura de termos estrangeiros em produtos, games

e eletrônicos. Catford (1965) contempla esse expediente da tradução em sua obra,

apontando que o mesmo pode ser intencional:

In a partial translation, some parts of the SL text are left untranslated: they are simply transferred to and incorporated in the TL text […] either because they are regarded as ‘unstranslatable’ or for the deliberate purpose of introducing ‘local colour’ into the TL text.93 (CATFORD, 1965, p.21).

Entretanto, no caso de uma coleção como essa, o procedimento deveria ser

regrado, mantendo-se recorrente e homogêneo, ou o reconhecimento das

personagens pode ficar confuso para as crianças. Ademais, alguns itens lexicais

fogem da naturalidade na língua-alvo, pois não temos uma gíria como “Ratos!” para

designar insatisfação ou surpresa, bem como as escolas não têm uma sala de

detenção, vocábulo com outro sentido no português usual. A palavra “sacanagem”

também não tem a conotação mais apropriada para ser utilizada em um livro infantil.

Na maior parte dos livros, os tradutores escolheram por não traduzir os nomes de

algumas personagens. Embora não haja grandes implicações para o entendimento e

fluidez da história – exceto nos casos em que essa escolha varia de um volume para 93 “Em uma tradução parcial, algumas partes do texto-fonte são deixadas sem traduzir: elas são simplesmente transferidas e incorporadas ao texto-alvo [...] ou porque são consideradas “intraduzíveis” ou pelo deliberado propósito de introduzir uma “cor regional” no texto-alvo.”

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outro, conforme apontamos –, em muitos casos o leitor fica privado do humor sutil

pretendido pelo autor nos jogos de palavras. Citemos alguns exemplos:

- o professor de ciências chama-se Mr. Morty Fyde: “Mr. Fyde” rima com

“mystified” (perplexo, confuso) e seu nome completo rima com “mortified”

(humilhado, mortificado).

- o nome da secretária da escola é Ms. Edith Anthrope: “Ms. Anthrope”

assemelha-se à "misanthrope" (misantropo), enquanto “Edith Anthrope” parece "Eat

it and throw up" (coma e vomite).

- a alcunha do professor de educação física, Mr. Meaner, é uma referência à

palavra "misdemeanor" (infração, violação). Já seu nome sem o “Mr.” lembra a

palavra “mean” (sovina, maldoso).

- Ms. Tara Ribble, a professora dos protagonistas, tem em seu nome uma

paronomásia de "terrible" (terrível) e “Ms. Ribble”, uma de "miserable" (infeliz,

deprimido).

- o orientador educacional chama-se Mr. Rected, formando um trocadilho

como "misdirected" (mal direcionado, mal instruído).

- o diretor da escola chama-se Mr. Krupp, referência a “crap” (cocô).

- a bibliotecária chama-se Miss Singerbrains, brincadeira com “missing her

brains” (sem cérebro).

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- Melvin94, o garoto de quem os protagonistas não gostam, é um sinônimo

para “wedgie”, ou seja, “cuecão”.

Fernandes (2006)95 alude à questão da tradução de nomes próprios na literatura

infantil:

In semantic terms, names have a prominent role in children’s literature where they usually have their meaning potential activated in order to describe a certain quality of a particular narrative element and/or create some comic effects [...] In fact, personal names have been frequently used in literary narratives as dense signifiers in the sense that they may contain in themselves clues about the destiny of a character or indications of the way the storyline might develop.[...] Names in children’s literature rely on many disparate techniques for their humour, but much of their comic effects derive particularly from pun and double entendres.96 (FERNANDES, 2006, p.46).

O processo tradutório, porém, vai muito além da opção de criar um novo jogo de

palavras na língua-alvo ou mantê-lo na língua original, privando o leitor da

comicidade. Uma tradução imperfeita pode complicar a compreensão do leitor e

empobrecer a intenção da obra original se não atentar a fatores importantes, como

as questões da formalidade, da acessibilidade e a das esferas do discurso de que

trata Bell (1993). Por diversas vezes, as escolhas feitas pelos tradutores de Captain

94 A perspicácia de Pilkey vai além: segundo o dicionário Slang American Style, melvin significa “studious or unattractive male; a situation where one’s underpants ride up high between the buttocks, named for a person so stupid and unaware that he is comfortable with this arrangement” (um homem estudioso ou feio e o nome dado a uma pessoa tão estúpida que se sente confortável em andar com a roupa de baixo entre as nádegas). De acordo com http://en.wikipedia.org/wiki/Wedgie, melvin também é “a variant of a wedgie where the victim's underwear is pulled up from the front” (uma variante do cuecão na qual a roupa de baixo é puxada pela frente). 95 Disponível em http://www.iatis.org/newvoices/issues/2006/fernandes-paper-2006.pdf 96 “Em termos semânticos, nomes têm um papel proeminente na literatura infantil, na qual eles normalmente têm seu significado em potencial ativado para descrever certa característica de um elemento narrativo em especial e/ou para criar algum efeito cômico. [...] Na verdade, nomes próprios têm sido frequentemente usados em narrativas literárias como densos significantes no senso de que eles podem conter em si dicas sobre o destino de uma personagem ou indicações da maneira como a história pode se desenrolar [...] Nomes em literatura infantil dependem de muitas técnicas diferentes para criar humor, mas muito de seus efeitos cômicos derivam principalmente de trocadilhos e duplo sentido.”

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Underpants transgrediram esses parâmetros de registro e limitaram os leitores à sua

ótica pessoal.

Nos quatro quadros a seguir, apresentamos alguns exemplos de escolhas

inapropriadas e para tanto, escolhemos um volume de cada tradutor: o primeiro, o

quarto, o quinto e o oitavo. Na coluna da esquerda, constam os trechos dos livros

originais; na central, a tradução desses trechos nas edições brasileiras; na coluna da

direita, trazemos nossa proposta de tradução e o porquê das modificações. O

quadro logo adiante mostra exemplos do primeiro volume:

Original Tradução Tradução sugerida (motivo)

p.10 “Bad guys had taken over the streets.”

“Captain Underpants watched over the city.”

p.14 “Vilões haviam tomado conta das ruas”

“O Capitão Cueca zelava pela cidade”

“Vilões tinham tomado conta das ruas.” “O Capitão Cueca cuidava da cidade.” (Trecho consta na HQ; os vocábulos escolhidos não condizem com a variedade da criança).

p.23 “Somebody sprinkled black pepper into the

cheerleaders’ pom-poms!”

p.27 “Alguém pôs rapé nos pompons das animadoras.”

“Alguém pôs pimenta-do-reino nos pompons das líderes de torcida.” (Rapé é uma palavra pouco utilizada nos dias de hoje, a maioria das crianças não a conhece, ou seja, a tradução interferiu na acessibilidade do texto).

p.32 “pre-game show” p.36 “preliminar antes do

jogo”

“show antes do jogo” (A escolha do tradutor configura um pleonasmo na língua portuguesa, pois “preliminar” já significa “antes”).

p.52 “lunch time” p.56 “hora do lanche”

“Hora do almoço” (A tradução está incorreta, pois lunch é um falso cognato e significa almoço).

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p.46 “It better work.”

(Fala de George)

p.50 “É melhor que funcione.”

“É melhor funcionar” (A estrutura sintática escolhida não é própria da criança; em inglês, inclusive, a estrutura reproduz a oralidade).

Quadro 4 – Livro 1. Levantamento de traduções que não respeitaram a variedade linguística pretendida ou apresentam erros.

No quadro que segue, apresentamos alguns exemplos selecionados do livro quatro:

Original Tradução (as páginas são correspondentes)

Tradução sugerida (motivo)

p.14 “Mr. Rected thought the boys suffered from A.D.D. The school

psychologist, Miss Labler, diagnosed them with

A.D.H.D.”

“O Sr. Justo acha que os garotos sofrem de A.D.D. A psicóloga da escola, Sra. Rótula, diagnosticou

A.D.H.D.”

“O sr. Desguia acha que os garotos sofrem de T.D.A. A psicóloga da escola, sra. Rotula, diagnosticou T.D.A.H.” (Essas são as siglas corretas para os distúrbios em português. Uma vez que a opção foi traduzir os nomes das personagens, teria sido necessário manter a ideia original. Ademais, o termo escolhido “rótula” tem outro significado).

p.67 “of corse” “mas é craro”

“Mas é claru!” (A variedade escolhida pelo tradutor é regional e social, não de faixa etária).

p.71 “Look! Professor Poopypants was controling

them with this.”

“Olhem, o professor Fraldinha Suja os controlava com isto.”

“Olha! O professor Fraldinha Suja controlava eles com isto.” (Por estar dentro da HQ, a estrutura sintática usada não é típica da criança, e não houve tentativa de recriar o “erro” do original).

p.110 “We’re gonna get streamroller thingied to

death!”

“Nós vamos morrer compressados!”

“Nós vamos morrer amassados por este coiso.” (A palavra compressados não existe, e perdeu-se o efeito gírio de “thingy”).

Quadro 5 – Livro 4. Levantamento de traduções que não respeitaram a variedade linguística pretendida ou apresentam erros.

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Deparamo-nos também com trechos inteiros modificados. Curiosamente, o quinto

livro da série, traduzido por uma escritora e um intelectual, foi o que mais apresentou

acréscimos, omissões e termos da variedade culta não condizentes com a

característica da obra. Comparando todos os volumes traduzidos, consta-nos que

este é o que se afasta mais do estilo “Pilkey”. Ao que parece, o tradutor-escritor

muitas vezes acaba por traduzir mais livremente uma obra e, consciente ou

inconscientemente, tende a aplicar seu estilo no texto de chegada. Tatiana Belinky

(2004) alerta para essa propensão:

Também não se deve desprezar o perigo que ronda o tradutor quando ele próprio é um escritor. Normalmente isso é bom, mas nem sempre: até nesse caso existem exceções – como quando, por exemplo, falta ao tradutor-escritor certa dose de saudável humildade pessoal e profissional, para não cair nessa outra tentação – a de impor ao leitor o seu próprio ‘estilo’, em vez do estilo do autor original. E quando o mesmo escritor traduz vários autores de livros diversos, o resultado é que se perdem a ‘voz’ e o ‘jeito’ do autor original, em ‘benefício’ da ‘voz’ do tradutor. (BELINKY. In: SILVEIRA, 2004, p.10).

Assim como acontecia no início do século XX – conforme citado na página 46 desta

pesquisa –, até hoje a escolha por um tradutor-escritor pode trazer a garantia de um

texto impecável dentro das regras da gramática normativa, mas não

necessariamente uma tradução fluente e fiel ao estilo do texto-fonte.

O quadro abaixo aponta os diversos exemplos retirados do quinto volume:

Original Tradução (as páginas são correspondentes)

Tradução sugerida (motivo)

p.6 “Read this comic book to fill yourself in on the

story”

“Leia este livro e escolha um personagem com

quem você se identifique”

Leia este gibi para ficar a par da história (Tradução está imprecisa).

p.9 “If you see Captain Underpants…”

“Em contrapartida, caso você encontre o Capitão

Cueca...”

“Se você encontrar o Capitão Cueca...” (Trecho está no gibi dos meninos; “em contrapartida” é incompatível com a linguagem infantil).

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p.15 “The staff is throwing a retirement party for me today... during recess”.

“Fiquei sabendo que a escola vai fazer uma festa de despedida para mim (...) só que a festa será nas férias de vocês.”

Só que a festa será durante o intervalo de vocês (O termo recess, neste caso, refere-se a recreio, intervalo, e não a férias. Esse erro compromete o entendimento da página 39, em evento que ocorre no mesmo dia “Jorge e Haroldo voltaram para a sala de aula a tempo de pegar a festa de despedida da Sra. Ribble”).

p.17 “Sob os protestos dos alunos que alegavam não saber o que escrever, a Sra. Ribble, como de costume, definiu os sentimentos de todos.” “Quero também que todos desenhem uma borboleta amarela no formato dos meus óculos no canto superior direito da folha”

Acréscimo – não há essas frases no original. Isso acontece novamente em

outros momentos na tradução da história.

p.17 “Roses are red, violets are blue. You are retiring, and we’ll miss

you.”

“Rosas são vermelhas, violetas azuis. A

professora está saindo. Sentiremos sua falta.”

“Batatinha quando nasce, esparrama pelo chão. A professora vai embora, e vai doer meu coração.” (O poema é muito conhecido na língua inglesa e seu primeiro verso é utilizado com diversas sequências rimadas, em diferentes contextos. A tradução do poema não é usual no Brasil, além de ter havido perda da rima na proposta dada pelos tradutores. No caso, teria sido necessário adaptar para versos conhecidos no Brasil).

p.18 “ ‘Can we make our own poems?’ asked Melvin Sneedly. ‘No!’ snapped Ms. Ribble.”

“ ‘Não podemos escrever nosso próprio poema?’, perguntou Maria. ‘Não,

porque você é muito burra para escrever poemas’, respondeu a Sra. Ribble.”

‘Não podemos escrever nossos próprios poemas?’, perguntou Melvin Sneedly. ‘Não, retrucou a Sra. Ribble’. (A personagem Melvin, um menino, aparece em várias histórias; não há porque trocá-la. Ademais, não existe a ofensa da professora no texto-fonte; isso não acontece em nenhum volume da série e é dispensável).

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p. 19 “ ‘NO!’ screamed Ms. Ribble. ‘Butterflies are yellow! Everyone knows

that!’ .”

“ ‘Não, você não sabe que todas as borboletas do mundo são amarelas, seu idiota?’, respondeu a professora irada.”

‘Não’, gritou a Sra. Ribble. ‘As borboletas são amarelas! Todo mundo sabe disso’. (Não existe a ofensa da professora no texto-fonte).

p.22 “She gave us lots of homework and yelled at us

all the time”

“Ela passava páginas e páginas de lição e não parava de cagar regras nos ouvidos dos alunos.”

Ela dava um monte de lição de casa e gritava com a gente o tempo todo (O termo “cagar” não existe no original, é desnecessário, e é a primeira vez que aparece uma palavra mais “indecorosa”. Em nenhum livro na língua original aparecem termos mais “apelativos” para a criança. Nas demais traduções também não).

p.24 “ ‘She just drank all the coffee and now shes giving the gym teacher a killer-wedgie.’ ‘Oh, the

horror!! She better make a fresh pot.’ ”

“ ‘Ela já comeu tudo que tinha lá e agora está

esbofeteando o professor de ginástica.’ ‘Que horror,

é melhor que ela se acalme.’ ”

“ ‘Ela bebeu todo o café e agora está dando um super cuecão no professor de ginástica.’ ‘Que horror! É melhor ela fazer outro café.’ ” (O humor, que está no fato do diretor não se preocupar com o professor e sim com o café, perdeu-se na tradução).

p.25 “she tried to give him a wedgie”

“tentou acertá-lo com sua cobra mecânica”

“Tentou dar um cuecão nele” (Trecho retirado da HQ: “acertá-lo” não seria usado por uma criança; a questão do termo “cuecão” será tratada com mais detalhes adiante).

p.25 “Faster than a waistband, more powerful than boxer shorts and able

to leap tall buildings without getting a wedgie.”

(Frase recorrente sempre que o Capitão Cueca

aparece)

“Agiu mais rápido do que um avião, talvez até mais rápido que a velocidade da luz, capaz de voar até o teto dos edifícios mais altos e saltar de um para o outro sem o menor

problema.”

“Mais rápido que um elástico frouxo, mais poderoso do que uma samba-canção e capaz de pular altos prédios sem ganhar um cuecão.” (A tradução não faz referência à cueca e não tem nenhuma semelhança com as traduções dos volumes anteriores, o que retira o efeito cômico do trecho).

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p.26 “So Wedgie Woman went to the store to buy some spray starch.”

“Nesse meio tempo, a Sra. Ribble saiu para

comprar um tubo de goma em spray.”

“Daí a Mulher Cuecão foi comprar goma em spray” (Tendo o excerto sido retirado da HQ, “nesse meio tempo” não é linguagem de criança, e o nome da personagem foi trocado).

p.26 “My underpants is all stiff and uncomfertable!”

(Frase dentro da HQ)

“Minha cueca está toda melada e enrijecida, é tão

desconfortável.”

“Minha cueca está dura e disconfortavel!” (Enrijecida não é palavra de crianças, e o vocábulo desconfortável, assim como no inglês uncomfortable, é de difícil ortografia para elas).

p.33 “Cheerleader tryouts today”

“Seleção de palhaços”

“Seleção de líderes de torcida” (É comum o conceito para as crianças atuais, e palhaço não condiz com a ilustração que seguirá).

p.33 “Football practice re-scheduled. All football player report to teachers lounge for early practice. Food fight @ 12:15 in the lunchroom. Yearbook photos taken today.

Please wear Bumblebee costumes.”

(Circular da escola modificada em uma das traquinagens de George e

Harold)

“Jogo de bola remarcado. Neste dia, todos os jogadores serão

premiados com mais um dia sem aula. Foto de fim

de ano. Venham fantasiados.”

“Jogo de bola remarcado. Todos os jogadores devem ir à sala dos professores para treinar. Guerra de comida no refeitório às 12h15. Foto de fim de ano. Venham fantasiados de abelha.” (A tradução está muito distante do texto de partida e acarretará na dificuldade de compreensão das páginas 52 e 53, totalmente gráficas com os elementos descritos na circular – os alunos estão na escola; há jogadores amontoados dentro da sala dos professores e diversas crianças fazendo guerra de comida. Na página 53, também não condizente com a ilustração, os tradutores colocam que “todos apareceram na escola fantasiados de extra- -terrestres”).

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p.40 “What do you kids think you are doing?”

“That’s what you think, smart guy.”

“O que estão fazendo, seus ratos?”

“Isto é o que vocês pensam, seus

delinquentes juvenis.”

“Não se preocupem, ratos!”

“O que vocês estão fazendo?”

“Isso é o que você pensa, espertinho.”

(Como já mencionado, é dispensável o acréscimo de ofensas e de frases que nem estão no texto original).

p.57 “You’re a mean, cruel and vicious man.”

“Você é maníaco, demente e viciado.”

“Você é um homem malvado, cruel e ruim.” (Além da tradução ser imprecisa, maníaco e viciado são palavras fortes, com conotações na língua portuguesa inadequadas para um livro infantil).

p.61 “They heard loud thumps of cleated wedding boots clomping down the aisle toward them.”

“Escutaram um estrondoso barulho de pesadas botas de andar na neve vindo em direção

a eles.”

“Escutaram um barulho estrondoso do coturno de noiva no corredor vindo em direção a eles.” (O fato de ser uma bota grosseira em uma noiva é o que provoca o humor, perdido na tradução).

p.171 “I guess hypnosis is a pretty cool thing sometimes!”

“Acho que a hipnose às vezes pode ser uma

transa muito das incríveis, cara!”

“Acho que a hipnose é uma parada legal, às vezes.” (A palavra utilizada tem conotação sexual em língua portuguesa).

Quadro 6 – Livro 5: levantamento de traduções que não respeitaram a variedade linguística pretendida ou apresentam erros.

É considerável reforçar que somente no volume cinco foram acrescentadas ofensas

na tradução de algumas falas de personagens adultas ao se dirigirem às crianças.

Conduta inaceitável nas escolas, os xingamentos não existem em nenhum texto

original e não encontramos razão para inclui-los no texto-alvo.

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Adiante, o quadro com exemplos do oitavo volume da coleção:

Original Tradução (as páginas são correspondentes)

Tradução sugerida (motivo)

p.48 “Getting outta town” (Título do capítulo)

“Saindo da cidade”

“Caindo fora” ou “Vazando da cidade”. (A escolha lexical em inglês é de um termo gírio, que representa também a fala).

p.63 “Get’em!”

p.130 “Get’em!”

(Falas das crianças)

“Peguem-nos!”

“Vamos pegá-los!”

“Peguem eles!” (Ao menos na fala, não fazem parte da variedade das crianças os pronomes oblíquos utilizados na tradução. O texto original representa, inclusive, a oralidade. Quebrou-se, dessa forma, a espontaneidade da fala).

p.77 “We better take the rest of this Extra-Strength Super Power Juice, just in

case.”

“É melhor que a gente leve o que sobrou desse suco Superpoderoso

Extraforte, para o caso de precisarmos.”

“É melhor a gente levar o que sobrou do Suco Superpoderoso Extraforte, vai que a gente precisa.”

(A construção sintática complexa optada pela tradução não condiz com o teor do texto original ou com a linguagem oral das crianças).

p.125 “Didja think we wouldn’t remember…?”

“Vocês pensaram que não nos lembraríamos de

como...?”

“ ‘Ces pensaram que a gente não ia lembrar...?”

(A construção ortográfica utilizada em inglês é parte da oralidade e considerada uma corruptela da norma gramatical; algo que não só não foi mantido em português, como ficou ainda mais formal).

p.126 “Y’know, you really shouldn’t say things like

that.”

“Sabe, você não deveria dizer este tipo de coisa.”

“Tipo, vocês não deviam falar essas coisas.” (“Tipo” é a gíria para preenchimento de pausa mais comum no discurso das crianças).

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p.134 “Nobody messes with our grandbabies!”

“Ninguém mexe com nossos netos!”

“Ninguém mexe com nossos bebezinhos!” (O humor da vergonha que Jorge e Haroldo sentiram ao serem chamados assim pelos avós se perdeu).

p.140 “A couple of curtains”

“Um par de cortinas”

“Algumas cortinas.” (É um erro comum nas traduções “a couple of” ser vertida como “dois” ou “par”).

p.159 “Happy Spanksgiving”

“Feliz dia dos tapas”

“Feliz Natapa” (O trocadilho se fez com o nome de um feriado típico americano, Thanksgiving, então seria necessário adaptá-lo para um feriado mais comum no Brasil).

p.167 “They won’t be able to bother us ever again.”

“Nunca mais serão capazes de nos perturbar.”

“Não conseguirão mais encher a gente.” (Novamente, a escolha sintática e vocabular não condiz com a fala de crianças).

Quadro 7 – Livro 8: levantamento de traduções que não respeitaram a variedade linguística pretendida ou apresentam erros.

O termo “wedgie”, que aparece diversas vezes em todos os volumes de Captain

Underpants – e é frequentemente a “arma” do Capitão Cueca –, não foi traduzido em

nenhum volume pelo seu correspondente em língua portuguesa, “cuecão”. A palavra

refere-se a uma brincadeira comum nos Estados Unidos – principalmente entre os

meninos – que consiste em puxar para cima, em um movimento rápido, a roupa

íntima que a outra pessoa está usando. Há muitas “variações” da brincadeira e

diferentes nomes para cada uma:97

A wedgie is a schoolyard prank in which one person grabs the back of the waistband of another person's underwear, while he or she is still wearing them, and pulls them up. This wedges their underwear between their butt cheeks. In the schoolyard, wedgies are most often

97 De acordo com http://www.urbandictionary.com/define.php?term=Wedgie&defid=1439289

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performed on uncool male children who wear briefs or tigthy whities by cool male children who wear boxers. However, wedgies can also be performed on women, too. A wedgie can also refer to underwear riding up on its own. There are many different types of wedgies. A wedgie from the front is called a melvin. A wedgie from both sides, often performed by two people, is called a mervin. A wedgie in which the victim's underwear is hung on a doorknob or something high up is called a hanging wedgie.98

Adiante, alguns exemplos de “wedgie” em Captain Underpants:

Figura 28 – O Capitão Cueca “dá um cuecão” no monstro.

Figura 29 – A secretária da escola pendura Melvin pela cueca.

98 Um “cuecão” é uma travessura escolar na qual uma pessoa segura no elástico de trás da roupa íntima que outra pessoa está vestindo e o puxa para cima. Isso faz com que a roupa íntima fique entre as nádegas. No pátio da escola, os cuecões são normalmente dados em meninos “chatos”, que usam cuecas grandes ou apertadas, por meninos “legais”, que usam cuecas tipo boxer. No entanto, cuecões também podem ser feitos em meninas (chamados, nesse caso, de “calcinhões” no Brasil). “Wedgie” também pode se referir à roupa de baixo que sobe sozinha. Há vários tipos de “cuecão”: feito na frente, chama-se “melvin”; feito tanto na frente quanto atrás, por duas pessoas ao mesmo tempo, é chamado de “mervin”; quando penduram a vítima por sua roupa de baixo em uma maçaneta ou lugar mais alto tem o nome de “hanging wedgie”.

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Figura 30 – Chavão do Capitão Cueca, que consegue “pular os altos prédios sem levar um cuecão”.

Os “cuecões” aparecem com frequência em comédias tipo pastelão e estão

presentes em desenhos animados e quadrinhos, como observamos nas imagens

que seguem:

Figura 31 – Tira dos quadrinhos Dilbert, de Scott Adams.

Figura 32 – Tira dos quadrinhos Dilbert, de Scott Adams.

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Figuras 33 e 34 – Cenas do desenho animado The Simpsons.

Figura 35 e 36 – Cenas dos desenhos animados Billy & Mandi e The Fairly Odd Parents.

A traquinice, no entanto, pode ficar agressiva e se transformar em uma forma de

bullying – termo em inglês vindo de “bully” (valentão), utilizado também no Brasil

para descrever atos repetitivos de violência física ou psicológica, praticados por um

ou mais indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa normalmente

incapaz de se defender. O bullying vai de comentários depreciativos sobre a família,

aparência, orientação sexual, religião e etnia, dentre outros, a ataques físicos

graves. Nesses casos, o “cuecão” é feito para machucar e humilhar.

Enquanto para os norte-americanos o “wedgie” é em geral uma travessura tola e

prática comum, especialmente entre os garotos (embora também possa se converter

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em bullying ou ter motivações sexuais), no Brasil, o “cuecão” é de fato considerado

de mau gosto e raramente uma brincadeira sem malícia, ainda que igualmente

bastante comum entre crianças e adolescentes do sexo masculino. Possivelmente,

por essa razão, os tradutores tenham optado (ou sido orientados pela editora) por

não traduzir o termo para a língua portuguesa, uma postura compreensível, porém

que deixou de resgatar o tom cômico em vários momentos das histórias do Capitão

Cueca, afetando o grau de cordialidade do texto. Pela maneira como o vocábulo é

utilizado nas histórias, e tendo em vista a faixa etária que constitui o público-alvo de

Capitão Cueca, os leitores provavelmente não entenderiam “cuecão” como

agressivo; as traduções, contudo, foram mantidas mais conservadoras por zelo

cultural.

Essa postura que busca moralizar o texto não ocorre somente entre diferentes

culturas; ela é adotada também em casos de adaptações de obras mais antigas,

pois os conceitos sociais e culturais estão em constante mudança. É o caso, por

exemplo, da nova versão do clássico de Monteiro Lobato Sítio do Pica-pau Amarelo

para um desenho animado que tem a estreia programada para 2012, na Rede

Globo. Segundo Jimenez (2011), a nova versão retirou as referências escravocatas

à Tia Nastácia e o pó de pirlimpimpim, para fugir de polêmicas e eliminar qualquer

ligação com substâncias alucinógenas. Os produtores da animação relatam à

jornalista Jimenez que, como a obra foi escrita em outra época, foi preciso adequar

os valores às conotações que certos termos têm hoje.

Lathey (2006) denomina esse procedimento tradutório de “purificação”:

The view of what ought to be adapted may have changed over time. To a greater extent something similar is true with regard to purification, since the taboos prevalent in society may change rapidly.

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[…] Today taboos concerning discrimination of people with handicap, from foreign cultures etc. are much stronger. Obviously there are also divergent opinions in different parts of the world as to what has to be purified. 99 (LATHEY, 2006, p.4). (grifo nosso).

A autora (2006) também aponta que as modificações podem acontecer quando se

quer adequar um livro adulto para as crianças, como em Viagens de Gulliver e

Robinson Crusoé.

Como previamente citado, os livros da série Captain Underpants são repletos de

ilustrações, que sobrepassam o texto escrito. Em algumas delas, não houve desvelo

do tradutor e o humor se esvaiu por conta da tradução inadequada, como podemos

observar nas imagens seguintes:

Figura 37 – Página do livro um

99 “A visão do que deve ser adaptado talvez tenha se modificado ao longo do tempo. Em grande parte algo similar é verdadeiro em relação à purificação, já que os tabus predominantes na sociedade podem mudar rapidamente. [...] Hoje em dia, tabus relacionados a pessoas com deficiências, a culturas estrangeiras etc. são muito mais intensos. Obviamente também há opiniões divergentes quanto ao que deve ser purificado em diferentes partes do mundo.” (grifo nosso).

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Figura 38 – Páginas do livro cinco.

Figura 39 – Páginas do livro cinco.

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Figura 40 – Páginas do livro oito.

Certamente, em muitos outros momentos, os tradutores, experientes ou não,

conseguiram atingir o efeito pretendido no original com eficiência. Principalmente no

que tange às gírias, às representações da oralidade, à comicidade e às referências

culturais, houve por vezes opções muito pertinentes. Apontamos no quadro a seguir

soluções que consideramos como escolhas apropriadas e adequadas à variedade

linguística do público infantil brasileiro:

Original Tradução Comentário

Livro 1

p.10 “extra-strength” “vitaminado” Vocábulo gírio bem escolhido.

p.10 “It’s a egg-salad sandwich.”

“É um x-salada.”

Adaptação ficou ótima para o universo brasileiro, já que “egg-salad” é típico norte-

americano.

p. 39 “Crime and Punishment”

“Crime e Castigo” O intertexto foi mantido.

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“Weird Al’Yankovic”

“A gente somos inútil”

O álbum referido em inglês é do músico americano de

mesmo nome, conhecido por suas músicas satíricas e

paródias da cultura popular. Na tradução, a escolha pelo nome de uma música divertida e com erros de

português foi muito oportuna.

Livro 4

p.72 “Cher” “Landy & Vunior”

O texto original refere-se à cantora Cher como um suplício para se ouvir, e a

tradução parodiou o nome de uma dupla de cantores

brasileiros (Sandy e Júnior).

p.68 “What seems to be the problem?”

Onde é que está pegando?

A escolha lexical e gramatical foi perfeita para a expressão da personagem Jorge.

p.117 “Cheeseball was going to have an awful

hard time picking his nose with his right hand from

now on.”

Polenguinho passaria a ter enormes dificuldades se quisesse tirar um tatu de seu nariz com a mão

direita.

O tradutor criou um bom efeito de humor ao se utilizar de um produto conhecido das crianças (Polenguinho) e do vocábulo engraçado “tatu”.

Livro 8

“Wer’e hep to the jive.” “Somos da pesada.” A gíria foi adequada.

p.29 “Purple Pottyville” “Penicorroxolândia”

A tradução do nome da “cidade” foi criativa e manteve

a ideia de “ville” como “lândia”.

p.48 “Let’s grab Crackers and Sulu and get out of this crazy place.”

“Vamos pegar Bolacha e Sulu e dar o fora desse

lugar maluco.”

O uso de “dar o fora” é apropriado como expressão da oralidade e característico

dos jovens.

p. 49 “I dunno.” “Sei lá” O uso de “sei lá” é uma boa equivalência ao “dunno” do

americano.

p.54 “Soda” “Refri”

Neste caso, a gíria “refri” foi uma ótima solução para caber

no pequeno espaço da ilustração onde se lia “soda”

no texto-fonte.

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p.81 “Beats me.” “Me pegou.” A expressão gíria usada é

pertinente.

p.86 “Why did the Silly-Willy throw his clock in the

air?”

“Por que o Joãozinho jogou seu relógio para

cima?”

A escolha de “Joãozinho” foi excelente, pois provavelmente toda criança conhece as piadinhas com o menino

levado da classe.

p. 132 “thingy” “coiso” A gíria utilizada é adequada.

p. 160 “bozos” “babacas” O tradutor fez uma opção de

gíria apropriada.

p. 155 “Gee, thanks!” “Puxa, valeu!”

As expressões utilizadas refletem bem a linguagem oral e mantêm o teor do texto

original. Quadro 8 – Livros 1, 4 e 8: escolhas apropriadas e adequadas à variedade linguística do

público infantil.

Além da temática dos livrinhos causar celeuma entre alguns pais e professores,

conforme apontado, a questão dos desvios gramaticais e ortográficos propositais

nas HQ dos protagonistas é outro ponto sempre muito debatido. O “spelling”

(ortografia), tema recorrente em competições e programas de televisão famosos, é

tratado como assunto escolar de extrema importância – e sabidamente de grande

dificuldade para as crianças – e uma constante preocupação para pais e professores

norte-americanos. Enquanto alguns pais e educadores alegam que os “erros”

presente nos livros do Captain Underpants são prejudiciais ao aprendizado das

crianças, outros afirmam que os mesmos ajudam-nas a corrigir suas próprias

impropriedades. Nesse sentido, vale ressaltar que no sítio da editora Scholastic há

um guia para professores100 com sugestões de como trabalhar com as HQ da série

em sala de aula:

100 http://www.scholastic.com/captainunderpants/grownups/Ook_and_Gluk_Teaching_Guide.pdf

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While George and Harold are clearly creative, they could certainly use some help with their spelling. Borrow time from formal spelling instruction by integrating spelling training with writing. Challenge your students to use their weekly spelling lists to find and correct the errors found in George and Harold’s comics.101

Dav Pilkey102 também comenta a questão da censura de alguns em relação aos

desvios na ortografia, reforçando que seu objetivo é estimular as crianças a serem

criativas, sem se preocupar com a exatidão da correção gramatical, de aspectos

ortográficos ou da qualidade dos desenhos:

I've heard from some adults who were not happy about the misspellings, but I think they're missing the point. Adults often do that (they're not always as clever as kids). The point of all the mistakes in George and Harold's comics is: it doesn't matter. The comics are still good... and funny... and worthwhile. Even with all the errors. I think some kids get too caught up in trying to be "perfect". So much so, that they're afraid to be creative because they might make a mistake. It's my hope that these kids will read George and Harold's comics, notice the mistakes, and realize that creativity doesn't depend on proper spelling, grammar, or even perfect artwork (Harold's drawings aren't much more than stick figures). I'm hoping these "less than perfect" comics will encourage kids to try being creative on their own, without the often paralyzing fear of "messing up.103

101 “Ao mesmo tempo em que Jorge e Haroldo são notavelmente criativos, eles certamente precisariam de ajuda com a ortografia. Separe um tempo do ensino formal de ortografia e integre um treinamento com a escrita. Desafie seus alunos a usarem suas listas semanais de ortografia para procurar e corrigir os erros encontrados nos gibis de Jorge e Haroldo.” 102 Disponível em http://www.pilkey.com/int2.php 103 “Ouvi dizer que alguns adultos não estavam contentes com os erros ortográficos, mas acho que eles não pegaram o espírito da coisa. Os adultos normalmente fazem isso (eles não são tão espertos quanto as crianças). A questão dos erros nos gibis de Jorge e Haroldo é: eles não importam. Os gibis continuam sendo bons... e engraçados... e... eles valem a pena. Mesmo com todos os erros. Eu acho que algumas crianças se preocupam demais em tentar ser “perfeitas”. Tentam tanto, que têm medo de ser criativas porque elas podem vir a cometer um erro. Tenho esperança que essas crianças leiam os gibis de Jorge e Haroldo, percebam os erros e se deem conta de que a criatividade não depende de gramática ou ortografia impecáveis ou mesmo de desenhos perfeitos (os desenhos de Haroldo não passam de figuras de palitinho). Espero que esses gibis “menos que perfeitos” encorajem as crianças a tentar ser criativas por elas próprias, sem o medo paralisante de “estragar” tudo.”

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Alguns pais104 igualmente comentam que os “erros” podem ser de grande uso

didático com seus filhos, e que a correção excessiva não é mais amplamente

utilizada nas escolas:

I shared the concern of a previous reviewer about the multitude of misspellings in the Captain Underpants books. However, instead of forbidding my 9-year-old son from reading the books (which he loves), I turned the Captain Underpants books into a spelling lesson. I have my son mark the misspelled words and then write them correctly. If he's not sure of the spelling, he looks it up in the dictionary.105

At my son's school they no longer correct the spelling on the English work. Maybe it's just me, but I was pretty sure spelling correctly was a big part of learning the English language. Apparently, it stifles the children's fragile egos & creativity to correct them too much.106

Nas traduções para o português, observamos que a quantidade de “erros”

propositais colocada nas HQ Jorge e Haroldo é bem menor que nos originais em

língua inglesa. É possível notar essa característica ainda mais forte no quinto

volume, no qual há um mínimo de desvios e no qual se observa um vocabulário mais

adulto ou de difícil ortografia como “voou, desconfortável, enrijecida, voo rampante,

sempre às ordens, arrependerão, suspendeu às alturas, a cadeia lhe espera” sem

nenhuma falha na escrita. Apresentar vocábulos mais sofisticados para ampliar o

repertório léxico das crianças faz parte das muitas tarefas da literatura infantil, mas

104 Nas críticas sob o título “Captain Underpants books contain free spelling lessons!” (Os livros do Capitão Cueca contêm aulas gratuitas de ortografia!), postadas no grande sítio de vendas online Amazon, disponível em: http://www.amazon.com/review/R26EZCH2MN8TSA/ref=cm_cr_pr_viewpnt#R26EZCH2MN8TSA 105 “Eu partilhava da preocupação de outro avaliador sobre a abundância de erros ortográficos nos livros do Capitão Cueca. No entanto, ao invés de proibir meu filho de nove anos de ler os livros (que ele adora), eu transformei os livros do Capitão Cueca em aulas de ortografia. Eu peço a meu filho para marcar as palavras com erros e depois escrevê-las corretamente. Se ele não tem certeza da ortografia, ele procura no dicionário.” 106 “Na escola do meu filho eles não corrigem mais a ortografia nos trabalhos de inglês. Talvez seja algo particular meu, mas eu tinha certeza de que a ortografia correta era uma grande parte do aprendizado da língua inglesa. Aparentemente, corrigir demais as crianças reprime seus egos e criatividade frágeis.”

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no caso de Capitão Cueca, os mesmos não poderiam ter sido utilizados

aleatoriamente dentro das HQ, pois isso levou à descaracterização da variedade

linguística etária pretendida por Pilkey.

É possível que a editora tenha solicitado a suavização dos erros, como normalmente

acontece segundo relatos de tradutores. Como a editora não nos passou essa

informação, podemos pensar também que, sem uma diretriz, cada tradutor tinha a

liberdade de fazer opções a seu modo.

Na página de internet para o Capitão Cueca da Cosac Naify107 há uma breve

explicação para os pais e professores a respeito dos erros, justificando-os e quase

que “se desculpando” por eles aparecerem nos livros:

As falhas gramaticais presentes nos quadrinhos da coleção são propositais, fazem parte da estrutura cômica das histórias e revelam, ainda, uma das temáticas centrais dos livros: os artifícios utilizados pelas crianças para questionar os limites da autoridade. [...] Trata-se de uma tentativa de aproximar, de forma divertida, os quadrinhos – como recurso interno de texto – às ações das crianças. O que, à primeira vista, pode parecer um empecilho à aprendizagem, revela-se uma forma eficiente de fixação da ortografia padrão. Sugerimos a vocês, pais e professores, que estimulem nas crianças a percepção dos desvios gramaticais. [...] A Cosac Naify tem plena consciência de que é preciso respeitar os padrões formais da Língua Portuguesa. Mas, ainda assim, aposta em uma obra que brinca com essas oscilações por acreditar que está contribuindo para a formação de novos leitores. Não há dúvida de que As aventuras do Capitão Cueca despertam o hábito da leitura em crianças, sobretudo com idade entre nove e doze anos. Todos os volumes têm mais de 140 páginas, e o caráter de coleção faz das crianças leitores assíduos e fiéis. [...] Prova de que o nosso herói está cumprindo sua principal missão: motivar as crianças a ler. Os erros fazem parte do processo pedagógico e as regras gramaticais serão incorporadas com o tempo no repertório de seus filhos e alunos.

107 http://www.capitaocueca.com.br/cc/erros.asp

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Obviamente, por conta peculiaridades gramaticais entre os dois idiomas envolvidos

e das diferentes dificuldades apresentadas pelas crianças em fase de alfabetização

em cada língua, muitas vezes o desvio escolhido por Pilkey não tem como ser

transposto da mesma maneira para o português. No entanto, há outras opções para

o tradutor, quando este pesquisa sobre o assunto. Ter noções sobre o processo de

alfabetização das crianças deveria ter sido requisito imprescindível para traduzir

adequadamente a variedade utilizada nas HQ do Capitão Cueca. Na maioria das

vezes, os tradutores trazem escolhas adequadas para as palavras que ficariam

“erradas”, mas outras vezes o desvio proposto não é compatível com os deslizes

comuns para crianças na idade de Jorge e Haroldo. Coletamos alguns exemplos dos

desvios utilizados nas duas línguas ao longo dos oito livros da coleção. O quadro

logo a seguir traz exemplificações da língua inglesa:

“Erros” na língua inglesa

Desvios por conta da semelhança sonora

exsiting (exciting)

nise (nice)

principel (principal)

herd (heard)

onse (once)

sciense (science)

justise (justice)

dispare (despair)

laffed (laughed)

cotten (cotton)

shure (sure)

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facktory (factory)

axidentelly (accidentally)

feild (field)

Omissão de letras na escrita de fonemas não pronunciados

bilt (built)

somthing (something)

coght (caught)

thout (thought)

finaly (finally)

sudenly (suddenly)

Dificuldades morfossintáticas

a idea (an idea)

ther’se (there is)

theyr’e (they’re)

drawed (drew)

were (we’re)

Quadro 9 – Alguns desvios propositais na língua inglesa.

O quadro adiante apresenta exemplificações da língua portuguesa:

“Erros” na língua portuguesa

Substituição de letras na escrita por sons usados na fala

discarga (descarga)

quiria (queria)

véio (velho)

erru (erro)

derrepenti (de repente)

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prédiu (prédio)

muitus (muitos)

Omissão de letras na escrita de fonemas não pronunciados

robô (roubou)

idéa (ideia)

Inserção de letras representando fonemas acrescidos na fala

veiz (vez)

parabéinz (parabéns)

feiz (fez)

muinto (muito)

resouveu (revolveu)

Dificuldades ortográficas com o uso de ss, ç, s, z, x, xc

engrassado (engraçado)

fisessem (fizessem)

exseto (exceto)

obedesser (obedecer)

justisa (justiça)

hipnotisar (hipnotizar)

profeçor (professor)

çurra (surra)

mizéria (miséria)

Hiper correção

desembêstada (desembestada)

troucariam (trocariam)

Dificuldades morfossintáticas

teje preso (esteja preso)

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quem manda aqui é nós (quem manda aqui somos nós)

Escolha inapropriada do tradutor

craro (variedade regional e social, não etária)

livris (talvez a criança escrevesse “livrus”, mas não “livris”, dado que alteração fonética ocorre com a redução de o>u).

tudus (talvez a criança escrevesse “todus”, mas não “tudus”)

Quadro 10 – Alguns desvios propositais na língua portuguesa.

Comparando as edições brasileiras e americanas, outras duas características nos

chamaram a atenção. Uma é o fato de o texto em português normalmente ocupar

mais espaço, tanto que os livros das edições brasileiras têm dimensões maiores,

pois a língua portuguesa é menos concisa que a inglesa. Balland (apud Laranjeira,

1993, p.20) denomina esse fator de “diferença de concentração” entre as línguas,

referindo, por exemplo, que a concentração em inglês é 10% maior do que em

francês, o que provoca uma diferença de tamanho entre o texto de chegada e o

texto de partida. No caso da tradução de Capitão Cueca, foram necessárias algumas

adaptações, principalmente nas HQ que integram a obra, para que os textos

coubessem dentro dos balões da figura original.

Outro elemento que diferencia as edições de cada país é a qualidade do papel e a

arte-final dos quadrinhos: o tipo de papel das edições brasileiras é superior; as

edições americanas são feitas em papel “jornal”, o que é comum nos EUA, mas não

tão bem aceito pelo público no Brasil. Em contrapartida, a tipografia dentro dos

balões das HQ é menos caracterizada nas nossas edições nacionais: as letras

aparentam ser (e provavelmente o são) computadorizadas; assim, mesmo com a

escolha de uma fonte que se assemelhe à escrita manual, é sempre perceptível que

o texto foi “encaixado” dentro dos balões de fala, causando certa artificialidade. Os

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balões do texto original foram feitos pelo próprio Pilkey, e parecem preenchidos

realmente por uma criança, conferindo uma sensação de proximidade com o leitor.

Para manter essa peculiaridade, a editora teria que contratar artistas

especificamente para isso, o que seria, obviamente, oneroso.

Observamos, em diversos momentos – devido à ausência de familiaridade do

tradutor com a obra, ou sua inexperiência, ou ainda por conta de uma possível falta

de revisão – que a tradução da coleção Capitão Cueca mostrou-se negligenciada

quanto a aspectos da variedade diastrática de faixa etária e/ou quanto ao uso de

registro informal da língua, fugindo do espírito da obra original e, por repetidas

vezes, causando obstáculos na compreensão do leitor. Rónai já apontava para tal

problemática em meados dos anos 70108:

Em princípio, seria de supor que as editoras escolhessem indivíduos particularmente capazes de executar [a tarefa] após haverem-lhe verificado a idoneidade; e que só se dedicassem a traduções literárias pessoas especialmente interessadas em literatura, dotadas de sensibilidade artística, e com profundo conhecimento de ambas as línguas. O que, porém, acontece na realidade é algo diferente. As editoras – salvo exceções respeitáveis – estão interessadas em contratar tarefeiros que executem determinada tradução dentro do menor prazo possível e pelo menor preço possível. Quanto aos candidatos a tradutor, em geral procuram essa espécie de ocupação não por uma simpatia especial, mas por se tratar de um bico [...] que assegura uma rendazinha suplementar. (RÓNAI, 1981 p.25-26).

Pensamos na tradução como uma tarefa que exige uma pesquisa aprofundada e

amplo conhecimento da obra e de seu autor. No entanto, pareceu-nos, com base

nos elementos analisados, que a tradução e a distribuição da coleção Capitão

Cueca foram feitas somente visando a lucros imediatos sem focar, necessariamente,

na qualidade.

108 A primeira edição da obra data de 1975.

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CONSIDERAÇÕES CONSIDERAÇÕES CONSIDERAÇÕES CONSIDERAÇÕES FINAISFINAISFINAISFINAIS

Crackers did not understand what was going on, but the plucky pterodactyl knew that something needed to be done… and quickly.109

(Dav Pilkey, 2006)

109 Bolacha não entendia o que estava acontecendo, mas o corajoso pterodátilo sabia que algo precisava ser feito... e rápido.

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Ao delinear brevemente alguns dos estudos tradutórios mais influentes desde o

início das pesquisas formais sobre a tradução, verificamos que, apesar da divisão de

pontos de vista entre os teóricos ao longo da história, estudos recentes apontam

para a necessidade de se encontrar uma convergência entre eles. Para uma

tradução eficiente, não basta ser adepto de uma ou outra teoria, mas sim ter uma

visão crítica de todas elas a fim de se escolher qual – ou quais – delas é (são) mais

apropriada(s) para cada tarefa tradutória.

Enquanto as doutrinas tradicionais buscavam respostas à tradução no escopo da

linguística aplicada somente aos textos em si, as pós-estruturalistas veem a

atividade como cultural e social. Embora distintas no que preconizam, essas

diversas teorias revisadas na primeira parte deste estudo apontam para o fato de

que a boa tradução buscará resgatar o espírito, as ideias e os recursos retóricos

usados no texto original, sem deixar de levar em conta a cultura de origem e a

cultura-alvo. Somente com o profundo conhecimento dos dois idiomas em questão e

das culturas envolvidas no trabalho de tradução é que o tradutor conseguirá realizar

seu trabalho com destreza. Ao analisar as opções que cada teoria oferece,

confirmamos que o conceito de fidelidade é contraditório e parece não apresentar

uma solução definitiva. Milton (2002b) corrobora nossa afirmação:

Translators should be ingenious and varied in their approach to translation. No single translation approach or strategy is likely to suffice – whether it is literal or free, ‘domesticating’ or ‘foreignizing’. Multiple strategies should be deployed and maximum tactical flexibility maintaned, so as to respond to the immediate cultural context most effectively.110 (MILTON, 2002b, p.130).

110 “Os tradutores devem ser hábeis e variados em suas condutas com relação à tradução. Nenhuma abordagem ou estratégia tradutória sozinha provavelmente será suficiente – quer ela seja literal ou livre, “domesticadora” ou “entrangeirizadora”. Múltiplas estratégias devem ser aplicadas e o máximo de flexibilidade tática mantida para se conseguir uma resposta mais efetiva ao contexto cultural direto.”

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Conseguimos observar ao longo da pesquisa que, não obstante as tentativas de

sistematização do ato tradutório venham de longínqua data, ainda não há uma

compreensão ou pensamento único sobre ele, como bem pontuou Bell (1993):

Since documentary evidence of translation can be traced back for at least two millennia and present-day international communication depends heavily on it, it is surely paradoxical that a phenomenon as widespread in time and in space as translation is should be so ill-understood.111 (BELL, 1993, p.3).

Quando esboçamos o papel do tradutor, tivemos a oportunidade de repensar o

profissional de tão árdua tarefa e nos aproximar da realidade desse ofício. Pudemos

confirmar que cada obra a ser vertida e cada sociedade a qual se destinam os livros

traduzidos exigem diferentes posturas do tradutor perante seu trabalho e que a

literatura infantojuvenil demanda cuidados especiais. O estudo nos permitiu também

conjeturar que a maioria dos atuantes na área pouco sabe sobre Tradutologia.

A literatura traduzida para o Brasil, em especial a de infantojuvenis, conquanto

material bastante presente no país, ainda não se sortiu de estudos aprofundados

quanto aos moldes, diretrizes e atores relacionados à sua tradução. Nossa pesquisa

pôde observar um pouco dessa trajetória que, certamente, mereceria vasta análise

da crítica especializada.

Pudemos constatar que, ao longo da história da tradução no Brasil, o trabalho dos

tradutores foi comumente desdenhado, considerado como uma segunda opção

profissional, ou uma alternativa aos autores para manter um vínculo com seus

leitores, enquanto não podiam escrever livremente durante a ditadura, por exemplo.

111 “Uma vez que evidências documentais sobre tradução possam ser encontradas em pelo menos dois milênios atrás e que a comunicação internacional dos dias de hoje dependa profundamente dela, é certamente paradoxal que um fenômeno tão difundido no tempo e no espaço como a tradução seja tão mal compreendido.”

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Observamos que a tradução de infantojuvenis não era feita com desvelo, já que a

infância não era tida como público relevante dentro da sociedade. O exímio Monteiro

Lobato, por exemplo, foi pioneiro em buscar aprimorar as traduções nebulosas; a

visão a respeito das crianças foi se modificando com o passar das décadas, mas

parece que a seriedade da tradução para elas não seguiu, necessariamente, o

mesmo rumo. Traduções imperfeitas e provável indiligência das editoras quanto à

seleção de tradutores e/ou à revisão das obras traduzidas publicadas mostraram-se

frequentes na pesquisa que realizamos.

A literatura infantojuvenil está inserida em um sistema cultural como qualquer outro

tipo de literatura e o tradutor que se dedica a ela deve conhecer com maestria o

gênero, seus leitores, sua linguagem, suas idiossincrasias. Lajolo e Zilberman (2007,

p.11) bem apontaram que “infantil define a destinação da obra, não pode interferir no

literário do texto”, e o mesmo deve se aplicar à tradução desse tipo de literatura.

Concordamos com Santos (1997)112, estudiosa portuguesa que assinala o fato de

que a literatura infantil, apesar de normalmente apresentar uma linguagem mais

simples e sucinta, é possivelmente “uma das mais difíceis de passar

adequadamente para outra língua” (p.4). Ao fazer uso abundante de idiotismos, de

linguagem familiar que denota o espaço cultural em que a criança está inserida e de

expressões orais naturalmente concisas, a literatura infantil demonstra-se árdua de

traduzir.

Discutimos ainda que, atualmente, crianças e adolescentes fazem suas leituras de

maneira diferenciada, pois são parte de uma geração que vive em um mundo

112 Disponível em http://www.linguateca.pt/Diana/download/SantosAPL97.pdf.

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globalizado, inserido na era digital, e que convive com a linguagem interativa – e

muitas vezes distante da ordem linear do livro impresso – das novas mídias e da

internet. A rapidez e o imediatismo das informações transformaram a maioria dos

jovens de hoje em leitores impacientes, que exigem textos objetivos, focados

diretamente nas informações buscadas. São também, em geral, leitores ativos, que

esperam dinamismo e ludicidade dos textos, fato que influencia – ou deveria

influenciar – a literatura destinada a esse público. A pós-modernidade trouxe

mudanças para a educação, para o meio cultural e também para o relacionamento

com a leitura dos livros.

O jovem leitor apresenta, muitas vezes, dificuldades para adquirir hábitos de leitura;

nesse caso, quadrinhos e obras simplificadas podem ser bons instrumentos para

iniciá-los na habilidade e no gosto de ler e interpretar, nunca abdicando, obviamente,

de seguir depois para leituras mais complexas. Não adianta compelir crianças e

jovens a uma literatura a contragosto, pois, cada vez mais alheios ao mundo da

leitura tradicional, eles precisam de estímulo para aderir ao mundo das letras.

Machado (2002) invoca uma primorosa comparação a esse respeito:

Ninguém tem que ser obrigado a ler nada. Ler é um direito de cada cidadão, não um dever. É um alimento do espírito. Igualzinho à comida. Todo mundo precisa, todo mundo dever ter à sua disposição – de boa qualidade, variada, em quantidades que saciem a fome. Mas é um absurdo impingir um prato cheio de comida pela goela abaixo de qualquer pessoa. Mesmo que se ache que o que enche aquele prato é a iguaria mais deliciosa do mundo. (MACHADO, 2002, p.15).

No item sobre mercado editorial de infantojuvenis traduzidos no Brasil, ficou-nos

claro que há muitos ardis por trás da venda de obras trasladadas para a língua

portuguesa – e não somente delas, nota-se. Os editores, em sua maioria

preocupados somente com o lucro – o qual é evidentemente importante e

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necessário, mas não deveria ser o único mote em se tratando de literatura –,

negligenciam diversos outros aspectos importantes. Tristemente percebemos que,

em geral, a tradução não é vista pelas editoras como parte da criação e produção

cultural, e sim como apenas mais uma etapa técnica, como a diagramação e a

gramatura do papel para impressão. Pereira (1996) aborda o embate entre as

editoras e seus colaboradores (tradutores, revisores, adaptadores, editores etc.):

Como se insere num mercado, investe capital e visa lucro, o editor defende exatamente isso: seu capital e seu lucro. Solidamente fincado em sua defesa, o editor ataca. Joga com preços e prazos, e seu sucesso depende não só de sua capacidade de convencer – ou pressionar –, como da infraestrutura de que dispõe. Seu objetivo será, evidentemente, conseguir o melhor resultado com os custos mais baixos e no prazo mais conveniente. [...]. Tradutor e editor jogam no mesmo time porque seu trabalho conjunto leva à produção do livro. São adversários porque têm interesses conflitantes, um tentando dispender o mínimo necessário para garantir um produto de qualidade, o outro tentando obter uma remuneração digna que lhe permita dedicar-se com todo empenho ao trabalho. (PEREIRA, 1996, p.134-135).

A questão da contratação de profissionais de renome para a tradução de algumas

obras de literatura infantojuvenil e de incógnitos para outras também se sobressaiu

em nossa pesquisa. Opção feita quase que exclusivamente com enfoque na

estratégia de vendas, muitas editoras valem-se ou do trabalho de escritores

consagrados para verter obras clássicas e de destaque, ou de bons tradutores sem

ao menos mencionar seus nomes, ou ainda de profissionais talvez não tão

profissionais assim. Depois de concluído nosso trabalho, deparamo-nos com várias

outras obras infantojuvenis estrangeiras assinaladas como “tradução da editora” e

outras tantas traduzidas por escritores conhecidos. A escolha por autores

renomados, porém, pode não ser sempre a mais sensata, como observamos em

trecho da página 46 deste estudo, em nossa própria análise e nesta afirmação de

Rónai (1981):

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Na maioria das vezes a tradução é feita por escritores, pessoas que os editores têm mais à mão, quando não pelas primas pobres [...] destes mesmos escritores. Mais de uma vez o escritor empresta apenas o nome à tradução sem deitar-lhe sequer uma olhada. Mas ainda que seja ele mesmo o autor do trabalho, nem sempre a qualidade de escritor constitui uma garantia. (RÓNAI, 1981, p.26).

A revisão de algumas obras acerca da sociolinguística nos permitiu vislumbrar o

amplo campo de estudos dessa ciência e sua considerável relevância para os

estudos literários. A pesquisa pioneira de Preti quanto à utilização de variedades

linguísticas e da oralidade na literatura brasileira revelou-nos uma encantadora,

porém pouco explorada, perspectiva de estudos. As análises do renomado

sociolinguista e de outros pesquisadores nos mostraram a evolução no uso de uma

linguagem mais próxima da realidade dentro da literatura, incluindo a infantojuvenil,

a qual se revestiu de novos recursos não só linguísticos, mas também visuais e

sensoriais.

A temática da gíria, explicitada primordialmente por Preti, elucidou a questão do uso

desse vocabulário de modo amplo, por várias camadas da sociedade, diversas

faixas etárias e em variados contextos – até mesmo na literatura –, não somente no

âmbito de termo marginal ou característico de determinado grupo. Presente em

grande parte das obras de literatura infantojuvenil, especialmente as mais atuais, a

gíria estabeleceu-se dentro da linguagem oral e sua representação escrita precisa

ser atentamente estudada também no âmbito da tradução.

Os poucos trabalhos encontrados que coadunam sociolinguística e tradução

auxiliaram-nos a depreender os aspectos mais relevantes das variedades

linguísticas a serem mantidos na tarefa tradutória. As questões explicadas sobretudo

por Bell (1993) a respeito dos parâmetros de registro colaboraram na metodologia

de nossa análise.

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Investigar, ainda que superficialmente, a linguagem escrita das crianças em fase de

alfabetização nos proporcionou uma melhor compreensão dos desvios por elas

cometidos tanto em língua portuguesa quanto em língua inglesa, o que nos auxiliou

para o estudo do corpus.

Escolhemos como corpus a série de livros infantojuvenis Captain Underpants e sua

respectiva versão no Brasil uma vez que a obra e sua tradução engendram diversos

aspectos relevantes em torno da discussão da tradução da literatura desse gênero.

Pelo fato de conter gírias, expressões da oralidade típicas da faixa etária, desvios

ortográficos e gramaticais e variados recursos linguísticos e visuais para atrair os

pequenos em sua contemporaneidade, a coleção provou-se rico objeto de estudo

dentro de uma visão sociolinguística da tradução, independentemente do julgamento

estético que se faça da obra.

A crítica de muitos pais e educadores que consideram os livros do Capitão Cueca

“malcriados”, com humor “apelativo”, não impediu uma leitura atenta de milhares de

crianças em todo o mundo, que se identificam com os protagonistas da história e se

deliciam com a simplicidade da linguagem e dos elementos gráficos e cômicos da

obra. A esses críticos, questionamos: combateremos também os travessos Tom

Sawyer (Mark Twain), Menino Maluquinho (Ziraldo) e Cebolinha (Mauricio de Sousa)

– para nos limitarmos a citar só três?

Uma vez que mencionamos a personagem Cebolinha, conhecido protagonista de

quadrinho brasileiro que troca os “erres” pelos “eles” em sua fala, retomemos a

questão dos erros ortográficos presentes nas HQ que fazem parte dos livros do

Capitão Cueca. Outro ponto também alvo de crítica em alguns países, os erros

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foram reduzidos e suavizados nas edições brasileiras – quando não o foram

erroneamente transpostos, transgredindo a variedade linguística infantil –, cautela

desnecessária a nosso ver. Um artigo da revista Educação113 aborda essa temática:

Capitão Cueca pode ter o mesmo impacto - ou seja, nenhum - que, nos anos 70, tiveram os personagens de Maurício de Souza, que falavam de forma deliberadamente trôpega, como Cebolinha e o caipira Chico Bento. Na prática, não estimulam equívocos e fazem muita gente prestar atenção à grafia das palavras. São erros básicos, colocados para causar efeito humorístico. O aprendizado a partir dos erros pode ser oportunidade para mostrar que a língua é um fenômeno vivo e está em constante mudança. O foco deve ser mostrar variações em relação à norma culta, com cuidado para não ser purista. (BARROS, s/d.).

Outra avaliação que fizemos ao perscrutar nosso objeto de análise é a de que as

traduções de variados trechos em todos os volumes – alguns mais, outros menos –,

transgrediram essa intenção de naturalidade linguística, proximidade com o leitor e

humor ingênuo pretendida por Pilkey. Negligência, inabilidade, pressa ou falta de

intimidade com a obra por parte do tradutor? Todos esses empecilhos juntos? Não

obtivemos resposta da editora Cosac Naify quanto ao critério de escolha dos

tradutores – e por que foram vários para uma mesma coleção – ou quanto às causas

das ineficiências que aparecem nas traduções. Contudo, pudemos apreender, com a

análise, vários elementos que contribuíram para as falhas.

A questão da diferença de tempo entre a escrita do original e a tradução não pode

ser considerado um deles. Aubert (1993, p.17) aponta que “quanto maior o intervalo

de tempo entre esses dois atos, maior a probabilidade de discrepâncias se

manifestarem ou, maior o esforço a ser dispendido na execução do ato tradutório

caso se pretenda evitar ou mitigar essas discrepâncias”. Como os livros foram

traduzidos logo na sequência de sua publicação nos EUA, no máximo quatro anos

113 http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11302

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depois, os tradutores de Capitão Cueca não devem ter encontrado dificuldades

linguísticas e/ou culturais marcadas de época que justificassem os deslizes.

Já a imperícia na transcriação do humor constituiu, claramente, um fator de entrave

à fluência da tradução. Rosas (2002) assinala que algo engraçado para um grupo ou

para um falante pode não o ser para outros. No caso da criança, contudo, o humor é

praticamente universal, haja vista as tantas obras de literatura com viés cômico e

desenhos animados famosos no mundo todo, independentemente do idioma para o

qual são traduzidos. Ou seja, as situações, chistes e ilustrações escolhidos por

Pilkey possivelmente provocam riso em todas as crianças do público-alvo da obra.

Entretanto, observamos nos exemplos analisados que o que se perdeu em

comicidade várias vezes na tradução de Capitão Cueca para o Brasil ocorreu:

- em jogos de palavras, que mereciam ter sido adaptados;

- em referências intertextuais, muitas delas voltadas aos adultos, que

poderiam ter sido mantidas ou adaptadas ao público brasileiro;

- por modificação total ou parcial de trechos, procedimento desnecessário;

- pela escrita não condizente com a ilustração, detalhe que poderia ter

recebido atenção mais criteriosa;

- por purificação vocabular, como aconteceu com a palavra “wedgie”.

As outras digressões que levaram à incompreensão da história, ao estranhamento

ou ao desvio do estilo do texto-fonte – já originalmente adaptado às crianças – em

diversos outros trechos dos oito volumes de Capitão Cueca se deram:

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- por desrespeito ao registro linguístico utilizado no original; o que poderia ter

sido evitado com pesquisa aprofundada do tradutor sobre a linguagem oral, o

vocabulário gírio e as construções sintáticas usadas pelas crianças;

- por modificação de trechos que dificultaram o entendimento de ilustrações

subsequentes, fator que poderia ter recebido mais cuidado;

- por desconhecimento ou falta de atenção à polissemia de palavras em

língua inglesa; algo que provavelmente seria observado em processo de revisão;

- pelo uso de palavras não condizentes com o universo infantil dentro das HQ

de Jorge e Haroldo, também por desconsiderar a variedade etária.

A identificação do tradutor com a obra e sua linguagem certamente auxilia na

fluência no texto da língua de chegada. Por esse motivo, talvez os livros traduzidos

pelo jovem Daniel Schiller sejam os que melhor preservaram a variedade da

linguagem da criança e do humor do texto. Com apenas doze anos quando fez sua

estreia no mercado de tradução ao verter o sexto volume da série, Schiller estava

muito próximo do público-alvo da coleção Capitão Cueca, o que pode ter facilitado

sua escolha das gírias e construções morfossintáticas em língua portuguesa.

O quinto volume da série em língua portuguesa, todavia, mostrou-se pela análise ser

o mais distante do estilo pretendido no texto de partida, possivelmente por ter sido

traduzido por dois adultos mais velhos, mais acadêmicos, que não conseguiram

resgatar o espírito brincalhão e informal de Pilkey.

As questões que levantamos, destarte, são a importância da escolha do tradutor

mais adequado para cada obra e uma pesquisa e revisão eficazes, e não a opção

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por um tradutor de renome simplesmente porque o é. Além disso, é preciso que as

editoras percebam a importância de novos autores e de obras contemporâneas para

o estímulo à leitura em crianças e adolescentes, para que não desmereçam sua

tradução e publicação. Em um país onde a maioria das pessoas, por razões sociais,

culturais e familiares, está próxima da cultura popular e da oralidade, preservar e

valorizar as construções e o léxico marcados por elas pode ser de extrema

importância no mundo da leitura.

Por que, então, reservar os melhores tradutores somente para os clássicos e os

autores renomados há tantas décadas – e até séculos? Por que ignorar a qualidade

de novos escritores, que se esmeram em criar uma literatura atraente para iniciar os

pequenos na leitura? Acreditamos que as crianças devem ser apresentadas à

literatura mais tradicional, aos clássicos que há séculos vêm encantando gerações.

No entanto, principalmente em se pensando nas crianças “pós-modernas” que

temos em casa e nas escolas, acreditamos que o incentivo à leitura possa começar

com obras que apresentem um vocabulário mais próximo de suas realidades

cotidianas. A qualidade na tradução não pode ser negligenciada pelo fato de o livro

ser considerado, por vezes, uma obra “menor”. Sem preconceitos, o cuidado com a

tradução deve ser sempre o mesmo, quer tratando-se de Lewis Carol ou de Dav

Pilkey, uma vez que seu público, a criança, merece todo o capricho e atenção nas

obras.

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Azevedo (2000)114 belamente expressou a relevância da literatura para a criança:

Crianças são artífices do novo, das ideias que ainda ninguém teve, das concepções que vão suplantar as que temos atualmente. Para tanto elas precisam ter uma formação livre e criativa, precisam saber lidar com a ambiguidade, precisam aprender a se expressar [...]. Nesse aspecto, a literatura pode dar uma grande e insubstituível contribuição. (AZEVEDO, 2000).

A análise do corpus e a observância de outras obras semelhantes levaram-nos a

elucubrar sobre a falta de revisão e/ou do envolvimento do tradutor com seu

trabalho. Ao que parece, faltam, por vezes, incentivos morais e financeiros, mas

também por outras carecem comprometimento, proficiência e responsabilidade dos

profissionais. Talvez uma forma de se exigir mais qualidade fosse creditar de forma

apropriada as traduções a seus tradutores, o que levaria ao mercado a possibilidade

de saber de quem exigir e colaboraria para eliminar o aspecto amador que as

traduções muitas vezes têm.

Os resultados obtidos nesta pesquisa, portanto, permitem que se faça um

questionamento crítico em relação à tradução de obras infantojuvenis atualmente.

Admite também a abertura de um leque de opções para pesquisas futuras

envolvendo níveis sociolinguísticos e tradução.

114 Palestra feita no I Salão do Livro - Encontro Internacional de Literaturas em Língua Portuguesa das Secretarias de Cultura do Município e do Estado de Minas Gerais Belo Horizonte - 15 de Agosto de 2000. Mesa Redonda sobre Literatura Infantil. Publicada na Revista Releitura. Nº 15. Belo Horizonte. Biblioteca Infantil de Belo Horizonte. Abril de 2001, s/ ISBN. Disponível em www.ricardoazevedo.com.br/11aspectos.doc

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REFERÊNCIA REFERÊNCIA REFERÊNCIA REFERÊNCIA DAS FIGURASDAS FIGURASDAS FIGURASDAS FIGURAS

Figura 1 – BURNETT, Frances H. O Jardim Secreto. Trad. Ana Maria Machado. São Paulo: Editora 34, 1999. Figura 2 – BURNETT, Frances H. O Pequeno Lorde. Trad. Tatiana Belinky. São Paulo: Editora 34, 2002. Figura 3 – CARROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Adaptação de Nílson José Machado. São Paulo: Scipione, 2004. Figura 4 – ROSTAND, Edmond. Cyrano de Bergerac. Adaptação de Rubem Braga. São Paulo: Scipione, 1988. Figura 5 – DEFOE, Daniel. Robinson Crusoé. Adaptação de Márcia Kupstas. São Paulo: FTD, 2003. Figura 6– SNICKET, Lemory. Desventuras em Série: O Elevador Ersatz. Trad. Ricardo Gouveia. São Paulo: Cia das Letras, 2003. Figura 7 – ROWLING, Joanne. Harry Potter e as relíquias da morte. Trad. Lia Wyler. São Paulo: Rocco, 2007. Figura 8 – BENTON, Jim. Querido Diário Otário. São Paulo: Fundamento, 2007. Figura 9 – MARSDEN, John. Amanhã: quando a guerra começou. São Paulo: Fundamento, 2008. Figura 10 – Sítio da editora Cosac Naify. www.cosacnaify.com.br. Acesso em 06/06/2010. Figura 11– Sítio da editora Cosac Naify. www.cosacnaify.com.br. Acesso em 15/07/2010. Figura 12 – Sítio da editora Cosac Naify. www.cosacnaify.com.br. Acesso em 11/01/2011. Figura 13 – CHILD, Lauren. Charlie e Lola. Eu nunca vou comer um tomate. Trad. Lavínia Fávero. São Paulo: Ática, 2007 e CHILD, Lauren. Charlie e Lola. Eu sou muito pequena para a escola. Trad. Lavínia Fávero. São Paulo: Ática, 2007. Figura 14 – ROCHA, Ruth (texto) e ALPHEN, Jean-Claude R. (ilustrações). Macacote e Porco Pança. São Paulo: Salamandra, 2009. Figura 15 – POTTER, Beatrix. The Tales of Peter Rabbit: a Pop-Up Adventure. London: Frederick Warne & Co, 2005.

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Figura 16 – VERÍSSIMO, Érico (texto) e FUNARI, Eva (ilustrações). A vida do Elefante Basílio. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002. Figura 17 – BANTOCK, Nick. Griffin e Sabine: uma correspondência extraordinária. Trad. Wanda Caldeira Brant. São Paulo: Marco Zero, 1994. Figura 18 – ORAM, Hiawyn (texto) e WARBURTON, Sarah (ilustrações). As cartas de Ronroroso: minha bruxa que não quer ser bruxa. Trad. Áurea Akemi Arata. São Paulo: Moderna, 2008. Figura 19 – Common Core State Standards for English Language Arts & Literacy in History/Social Studies,Science, and Technical Subjects. Council of Chief State School Officers (CCSSO) and the National Governors Association (NGA). June 2010. Figura 20 – PILKEY, Dav. The Adventures of Captain Underpants. The first epic novel. New York: Scholastic, 1997, p. 8-9. Figura 21 – PILKEY, Dav. Captain Underpants and the Invasion of the Incredibly Naughty Cafeteria Ladies from Outer Space (and the Subsequent Assault of the Equally Evil Lunchroom Zombie Nerds). New York: Scholastic, 1999. Figura 22 – PILKEY, Dav. Capitão Cueca e a invasão das incrivelmente malvadas garotas da cantina (e o ataque subsequente dos igualmente perversos zumbis nerds). Trad. Galiana Lindoso. São Paulo: Cosac Naify, 2001. Figura 23 – PILKEY, Dav. The Adventures of Captain Underpants, New York: Scholastic, 1997, p. 80-81. Figura 24 – PILKEY, Dav. The Adventures of Captain Underpants, New York: Scholastic, 1997, p. 24. Figura 25 – PILKEY, Dav. The Adventures of Captain Underpants, New York: Scholastic, 1997, p. 14. Figura 26 – PILKEY, Dav. The Adventures of Captain Underpants, New York: Scholastic, 1997, p. 107. Figura 27 - PILKEY, Dav. The Adventures of Captain Underpants, New York: Scholastic, 1997, p. 66. Figura 28 – PILKEY, Dav. Captain Underpants and the Attack of the Talking Toilets. New York: Scholastic, 1999, p. 52. Figura 29 – PILKEY, Dav. Captain Underpants and the Big, Bad Battle of the Bionic Booger Boy Part 2: The Revenge of the Ridiculous Robo-Boogers. New York: Scholastic, 2003, p. 32. Figura 30 – PILKEY, Dav. Captain Underpants and the Invasion of the Incredibly Naughty Cafeteria Ladies from Outer Space (and the Subsequent Assault of the Equally Evil Lunchroom Zombie Nerds). New York: Scholastic, 1999, p. 43.

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