Upload
doanduong
View
218
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA
PEQUENOS CIENTISTAS – GRANDES CIDADÃOS:CONSIDERAÇÕES SOBRE UM PROGRAMA DE ATENDIMENTO ESCOLAR NO
MUSEU DE CIÊNCIAS
MARCOS ROCHA
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Tecnologia. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Nilson Marcos Dias Garcia
CURITIBA2007
MARCOS ROCHA
PEQUENOS CIENTISTAS – GRANDES CIDADÃOS:CONSIDERAÇÕES SOBRE UM PROGRAMA DE ATENDIMENTO ESCOLAR NO
MUSEU DE CIÊNCIAS
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Tecnologia. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Nilson Marcos Dias Garcia
CURITIBA2007
À todas as professoras do Ensino Fundamental que atuam nas séries iniciais. Seu espírito guerreiro e sua dedicação fazem com que, mesmo
desvalorizadas por uma boa parcela da sociedade, ocorra a transformação do quase impossível em real; do quase impensável em fato: o letramento e
início do processo de alfabetização científica e tecnológica dessa mesma sociedade. Em especial a minha mãe, a minha esposa, a tia Edithe e a minha
primeira professora, Anna Hellvig de Oliveira.
i
AGRADECIMENTOS
Aos meus colegas do Parque Newton Freire Maia pelo apoio, competência e
espírito de luta por uma educação científica séria e de qualidade. Minha adimiração
pelo trabalho realizado por vocês é imensa e me emociona a cada dia.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Nilson Marcos Dias Garcia, pela oportunidade e
confiança depositadas; pela paciência e motivação constantes; pelos conselhos e
trocas de experiências vividas.
Aos professores convidados para a banca: Prof. Dra. Suely Moraes Ceravolo,
Prof. Dr. Ivo Ojeda Leite Filho e Prof. Dr. Mario Amorin pela disposição e
contribuições que enriqueceram o conteúdo deste estudo.
Aos meus colegas, funcionários e professores do Programa de Pós-
Graduação em Tecnologia (PPGTE) e do Departamento de Educação Básica (DEB)
da SEED, que contribuíram direta e indiretamente para a realização deste trabalho,
em especial a Danislei, Rôni e Tânia, amigos nos momentos bons e também nos
difíceis.
Ao professor Ildeu de Castro Moreira, pela oportunidade de conhecer a
realidade de outros Museus de Ciência e de discutir com outras pessoas
preocupadas com a divulgação e a educação científica no Brasil.
Às professoras que participaram da pesquisa, possibilitando a aquisição de
dados necessários à realização deste estudo, em especial às educadoras de
Campina Grande do Sul, pela confiança no pioneirismo do programa PCGC.
i
Aos meus irmãos Robinson, Rô; minha querida mãe “Dona” Leony; meus
queridos Marcos, Joel, Edithe, Ninha, Paulo, Janice e Jocelia; a todos meu muito
obrigado pelo carinho concedido e meu pedido de desculpas pela longa ausência.
À Jocimara, meu amor, minha esposa e minha vida; que com sua admirável
paciência de “psicóloga” soube como conduzir-me à conclusão deste trabalho; com
seu olhar de educadora me permitiu as devidas reflexões a respeito do
desenvolvimento cognitivo infantil; com sua ajuda como professora, me ensinou a
escrever melhor e com sua dedicação de mãe, me concedeu a segurança
necessária às horas de afastamento da família.
À nossa querida “Lola”, que com suas criações fantásticas oriundas da
máquina de costura me ensinou que a ciência deve ser uma atividade humana de
amor ao próximo; e que a fé na natureza espiritual deve permanecer e se fortalecer
no coração humano e na esperança de um reencontro futuro.
Finalmente, agradeço a todas as crianças que participaram do programa
PCGC, como “Pequenos Cientistas”, em especial a minha linda filha Giulia e meus
filhos “postiços” Giulliano e Giancarlo, pedras preciosas que sustentam minha
existência.
i
Divinizar ou diabolizar a Tecnologia ou a Ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado. De testemunhar aos alunos, às vezes
com ares de quem possui a verdade, um rotundo desacerto. Pensar certo, pelo contrário, demanda profundidade e não superficialidade na compreensão e na
interpretação dos fatos. Supõe a disponibilidade à revisão dos achados, reconhece não apenas a possibilidade de mudar de opção, de apreciação, mas
o direito de fazê-lo. Mas como não há pensar certo à margem de princípios éticos, se mudar é uma possibilidade e um direito, cabe a quem muda - exige o
pensar certo - que assuma a mudança operada. Do ponto de vista do pensar certo não é possível mudar e fazer de conta que não mudou. É que todo pensar
certo é radicalmente coerente.
Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia
v
SUMÁRIO
SUMÁRIO........................................................................................................vi
LISTA DE FIGURAS.......................................................................................ix
LISTA DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS............................................x
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS..........................................................xi
RESUMO........................................................................................................xii
ABSTRACT...................................................................................................xiii
INTRODUÇÃO.................................................................................................1
CAPÍTULO 1 – TÉCNICA, CIÊNCIA E TECNOLOGIA: Refletindo acerca de seus significados e importância para com a divulgação científica ...7
1.1 RELAÇÕES HISTÓRICAS ENTRE CIÊNCIA E TECNOLOGIA............7
1.1.1 Renascença: do desprezo à valorização das artes mecânicas.....8
1.1.2 A busca pelo conhecimento: ciência versus técnica....................10
1.1.3 A Revolução Industrial: influências na ciência e na cultura.........17
1.2 UMA REFLEXÃO A RESPEITO DOS SIGNIFICADOS DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA............................................................................................20
1.2.1 Panorama social...........................................................................21
1.2.2 Cultura, ciência e tecnologia........................................................23
1.2.3 Ciência e tecnologia – uma visão restrita ou elaborada?............25
1.2.4 O conceito de tecnologia..............................................................28
1.2.5 O conceito de ciência...................................................................32
CAPÍTULO 2 – MUSEUS E CENTROS DE CIÊNCIA...................................39
2.1 TRAJETÓRIA HISTÓRICA..................................................................39
2.1.1 Os museus de primeira geração - “As Riquezas de Além Mar”. .41
2.1.2 Os museus de segunda geração – “As Maravilhas Mecânicas”. 45
2.1.3 Os museus de terceira geração – “Interatividade e Influência Ideológica” ............................................................................................51
CAPÍTULO 3 – EDUCAÇÃO EM CENTROS E MUSEUS DE CIÊNCIA......60
3.1 EDUCAÇÃO FORMAL E INFORMAL..................................................60
3.2 A VULGARIZAÇÃO DO SABER..........................................................64
3.3 TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA...............................................................67
3.4 A TRANSPOSIÇÃO MUSEOGRÁFICA...............................................69
3.5 O TRABALHO COM PROJETOS NO MUSEU DE CIÊNCIAS ..........73
v
3.6 O DESENVOLVIMENTO DE CONCEITOS CIENTÍFICOS NA INFÂNCIA 76
CAPÍTULO 4 – ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA ..........82
4.1 O MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO ..................................................84
4.2 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO...................................................85
4.3 O MOVIMENTO CTS E A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA.................86
4.4 TRÊS OLHARES PARA A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA.................88
4.5 ACT – EM BUSCA DE UM REFERENCIAL AMPLIADO.....................90
CAPÍTULO 5 – PEQUENOS CIENTISTAS – GRANDES CIDADÃOS ........95
5.1 BREVE HISTÓRICO DO MUSEU DE CIÊNCIAS – PROFESSOR NEWTON FREIRE MAIA...........................................................................95
5.2 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE MONITORES NO PNFM............102
5.3 PARCERIA MUSEU DE CIÊNCIAS – ESCOLAS..............................105
5.4 O NASCIMENTO DO PROGRAMA PCGC........................................107
CAPÍTULO 6 – ANÁLISE DA METODOLOGIA UTILIZADA NO PCGC....114
6.1 UMA SÍNTESE DOS DEPOIMENTOS DAS PROFESSORAS..........114
6.1.1 Razões da Visita ao Museu no PCGC........................................115
6.1.2 Primeiro Impacto.........................................................................116
6.1.3 Preparação pré – visita...............................................................117
6.1.4 Pós – visita..................................................................................118
6.1.5 Formação continuada das professoras .....................................119
6.1.6 Concepções de ciência e tecnologia das professoras...............119
6.2 UMA SÍNTESE DOS DEPOIMENTOS DOS MONITORES...............121
6.2.1 Comprometimento com o PCGC................................................122
6.2.2 Concepção de ciência ...............................................................122
6.2.3 Educação informal......................................................................123
6.2.4 Diálogo .......................................................................................124
6.2.5 Satisfação em participar do programa PCGC............................125
6.3 O PCGC EM NÚMEROS – Impacto sobre o público no PNFM........126
6.4 ANÁLISE DO TEXTO REFERENTE AO PROJETO DE IMPLANTAÇÃO DO PCGC......................................................................128
6.5 EXEMPLO DE TRATAMENTO DE QUESTÕES PROVINDAS DOS ESTUDANTES NO PROGRAMA PCGC.................................................129
CAPÍTULO 7 – CONSIDERAÇÕES ..........................................................135
7.1 “AULA” OU “PASSEIO”?....................................................................135
7.2 A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA E O PCGC.....137
v
7.3 A INFLUÊNCIA DO PCGC NO PNFM...............................................139
7.4 PALAVRAS FINAIS............................................................................139
REFERÊNCIAS............................................................................................141
APÊNDICES.................................................................................................148
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO DIRIGIDO AOS PROFESSORES.........149
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO DIRIGIDO AOS MONITORES DO PNFM......................................................................................................................151
ANEXO – DOCUMENTO DE RELATO – AVALIAÇÕES DO PCGC EM 2006......................................................................................................................154
v
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – ALBERT EINSTEIN........................................................................ 101
FIGURA 2 – USINA TERMOELÉTRICA DE 1850 – “LOCO MÓVEL”............... 102
FIGURA 3 – METODOLOGIA DE TRABALHO DO PROGRAMA PCGC.......... 116
i
LISTA DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – CENTROS E MUSEUS DE CIÊNCIA NO BRASIL..................... 56
QUADRO 2 – ELEMENTOS DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA......................... 70
QUADRO 3 – RESUMO DAS CATEGORIAS DE INVESTIGAÇÃO DO
APÊNDICE A............................................................................... 118
QUADRO 4 – RESUMO DAS CATEGORIAS DE INVESTIGAÇÃO DO
APÊNDICE B............................................................................... 125
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – RESUMO DAS CATEGORIAS DE RESPOSTAS ÀS RAZÕES
PARA A VISITA AO MUSEU................................................................................
......................................................................................................................119
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 – NÚMERO DE VISITANTES NO PNFM EM 2004....................... 129
GRÁFICO 2 – NÚMERO DE VISITANTES NO PNFM EM 2005....................... 130
GRÁFICO 3 – NÚMERO DE VISITANTES NO PNFM EM 2006....................... 131
x
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACT – Alfabetização Científica e Tecnológica
C&T – Ciência e Tecnologia
CT&S – Ciência, Tecnologia e Sustentabilidade
CTS – Ciência, Tecnologia e Sociedade
GPC – Grupo de Estudos e Pesquisa Científica
PCGC – Pequenos Cientistas – Grandes Cidadãos
PNFM – Parque Newton Freire Maia
SEED – Secretaria de Estado da Educação do Estado do Paraná
SETI – Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná
x
RESUMO
Este estudo teve como objetivo primordial a investigação de um programa de atendimento escolar de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental no interior do Museu de Ciências “Parque Newton Freire Maia” (PNFM), intitulado “Pequenos Cientistas – Grandes Cidadãos” (PCGC). O Museu de Ciências PNFM localiza-se na região metropolitana de Curitiba, no município de Pinhais, e está atualmente sob a responsabilidade da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED). Esta investigação parte de minha experiência profissional como coordenador geral do Programa, de 2004 a 2007, acrescentando-se uma pesquisa qualitativa através de levantamento de dados provindos de profissionais da educação que visitam o museu, sob a orientação do PCGC, bem como dos monitores, profissionais do PNFM, envolvidos no Programa. O pano de fundo teórico sustenta-se no conceito de alfabetização científica ampliada, bem como, nos conceitos de educação informal e aprendizagem em museus e centros de ciência e tecnologia. Ainda como embasamento teórico são abordados, historicamente, os conceitos de ciência e tecnologia, assim como é apresentado um histórico da evolução dos museus de ciência, suas especificidades e influências ideológicas. Também são tratados, neste texto, os saberes científicos, escolares e museográficos, assim como a transposição didática e museográfica e a mediação didática, inerentes às atividades do programa, que se apóia metodologicamente no trabalho com projetos. Os resultados da investigação revelaram ações que se diferenciam desde a recepção dos estudantes no Museu de Ciências, com uma metodologia que aproxima a prática escolar da prática museal, revelando, porém, algumas ressalvas no que concerne à alfabetização científica e tecnológica ampliada dos envolvidos. As análises também mostraram a necessidade de discussão em torno da prática do PCGC que aprofunde o diálogo entre estudantes, professores e mediadores, no sentido da reflexão mais atenta a respeito dos conceitos de ciência e tecnologia vivenciados no museu PNFM, de forma a que se caminhe mais em direção à ACT ampliada, no âmbito de um Programa que já se mostra eficiente na abordagem de conceitos de saberes científicos e tecnológicos.
Palavras-chave: Ciência; Tecnologia; Museu de Ciências, Educação Informal, Divulgação Científica, Alfabetização Científica.
Áreas de conhecimento: Museologia; Ensino de Ciências; História das Ciências; Ensino – Aprendizagem; Tecnologia Educacional; Epistemologia.
x
ABSTRACT
This study had as the primordial objective, the investigation of a 1st to 4th Grade Elementary School Assistance Program in the interior of the Museum of Sciences “Parque Newton Freire Maia” (PNFM), called “Pequenos Cientistas - Grandes Cidadãos”, PCGC (Little Scientists - Great Citizens). The Museum of Sciences PNFM is located in the metropolitan area of Curitiba, district of Pinhais, under the SEED - State Secretary of Education’s responsibility at present. This investigation comes from my professional experience as the general coordinator of the Program, from 2004 to 2007, including a qualitative research through data collecting gathered from professionals of education who visit the museum under the orientation of the PCGC, and the mediators, professionals of PNFM involved in the Program. The theoretical background supports itself in the concept of extended scientific literacy, and also in the concept of informal education and learning in Museums of Sciences and Technology Centers. Indeed, as a theoretical support, the concepts of sciences and technology are historically approached. The history of the museum of sciences’ evolution is also presented, with its specificities and ideological influences. Moreover, this text treats the scientific, schooling and museographic knowledge, the didactics and museographic transposition, and the didactic mediation inherent to the Program activities, which are supported methodologically in the work with projects. The results of the investigation revealed actions that differentiate from the reception of students in the Museum of Sciences to a methodology, which approximates the museological practice, disclosing, nevertheless, some exceptions with respect to the extended scientific and technological literacy of the involved subjects. The analysis also showed the needs for discussions around the practice of the PCGC in which the dialogue among students, teachers and mediators should be deepened. Thus, needs were found for more attentive reflections about the sciences and technology concepts experienced in the Museum of PNFM that should be considered in a way that it is geared into the direction of the extended ATC, in the light of a program which already shows itself efficient in the approach of the concepts of scientific and technological knowledge.
Keywords: Sciences, Technology, Museum of Sciences, Informal Education, Scientific Advertising, Scientific Literacy.
Knowledge Areas: Museologia; Teaching of Sciences; History of the Sciences; Teaching – Apprenticeship; Education Technology; Epistemologia.
x
INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea está inserida em um universo tecnológico
transformador de seu meio natural. Este universo é entendido, neste texto, como o
ambiente criado pelo homem em que os efeitos da tecnologia teriam influência; uma
rede de organização e comunicação social, onde residem os avanços inegáveis da
ciência e da tecnologia e que caminha ao lado de uma realidade onde crescem
populações excluídas, devastações ambientais e conflitos entre povos, como afirma
Lima Filho (2003), nos fazendo lembrar que a ciência e a tecnologia assumem um
papel central a partir do projeto emancipatório de modernidade.
A educação formal escolar tem propostas curriculares bem definidas para o
estudo do conhecimento oriundo da investigação científica e tecnológica, com
características semelhantes e traçadas por políticas educacionais vigentes. Os
currículos escolares, investigados nos últimos anos por vários autores, apontam
para uma preocupação mais acentuada a respeito da educação em ciência.
Infelizmente, na contramão dos avanços verificados ainda encontram-se currículos
que insistem em comparar o estudante a uma folha de papel em branco, onde serão
anotados os conhecimentos científicos a serem adquiridos, tratando-os de maneira
fragmentada. Estas práticas lembram as linhas de produção tayloristas e as bases
positivistas que “professam a neutralidade dos indivíduos e a sublimação da ciência
como verdades absolutas” (BAZZO,1998, p.107).
O mesmo autor afirma que são essas preocupações que têm levado alguns
cientistas e profissionais ligados ao ensino de ciências e tecnologia a desempenhar
um papel ativo na busca de tornar públicas questões que influenciam nossa vida.
Nesse sentido, algumas tendências pedagógicas surgem na educação formal, com
atenção a um contexto histórico e político, como por exemplo os currículos com
base CTS (ciência, tecnologia e sociedade), onde os aspectos sociais do progresso
tecnológico parecem receber uma maior relevância. Essa tendência é destacada
também por Leal e Gouvêa (2000), quando apontam nos Parâmetros Curriculares
Nacionais, elaborados pelo MEC em 1998, que tanto no Ensino Fundamental como
no Ensino Médio, são propostas diretrizes que enfatizam a necessidade de se incluir
no currículo o debate sobre as relações entre ciência, tecnologia e sociedade.
Além das questões curriculares, uma alternativa à construção do
conhecimento em ciência e tecnologia pode ser verificado na educação informal
onde, segundo Gaspar (2002), não há lugar, horários ou currículos. Os
conhecimentos são democratizados em meio a uma interação sociocultural que tem,
como única condição necessária e suficiente, “existir quem saiba e quem queira ou
precise saber.” (GASPAR, 2002, p.173). A troca de idéias entre indivíduos, o rádio, a
televisão, a imprensa e os museus e centros de ciência, são exemplos de ambientes
interativos onde se processa a construção do conhecimento científico e tecnológico
em vários aspectos, desde uma simples curiosidade a respeito de um
comportamento ou fenômeno, até informações a respeito do desenvolvimento de
pesquisa de ponta em tecnologia.
Nesse universo, os museus e centros de divulgação científica destacam-se
como ambientes que buscam interatividade entre público e conhecimento científico,
sem a presença formal de um professor ou sala de aula. São instituições capazes
de disponibilizar os avanços e as questões relacionadas com a ciência e a
tecnologia ao “cidadão comum”. O ambiente do centro de ciências é, normalmente,
de caráter interdisciplinar e envolve muitos profissionais, como comenta a equipe da
Casa da Ciência, uma instituição ligada a Universidade Federal do Rio de Janeiro:
Em geral, os centros de ciência agrupam profissionais de diversas áreas, muitas vezes com práticas e visões bastante diferentes sobre os caminhos que devem ser trilhados pelas instituições. Pesquisadores, teóricos, museólogos, sociólogos designers, jornalistas, profissionais de informática, manutenção, limpeza, segurança, mediação, recepção, produção, captação de recursos, administração – será que não é gente demais para se entender? (...) para um bolo crescer e ficar gostoso é importante que todos os ingredientes da receita estejam lá, juntos, misturados na mesma massa (...) mas que tipo de bolo queremos fazer? (CASA DA CIÊNCIA, 2002, p.165).
Este corpo de profissionais visa promover a aproximação à compreensão
pública da ciência e da tecnologia mediante atividades de popularização e de
experiências educativas informais, apoiadas em enfoques interativos, experimentais
e lúdicos. Mas é um corpo provindo, sem dúvida, da educação formal das escolas e
das universidades, onde a fragmentação do conhecimento se faz presente em sua
concepção.
Assim, os centros de ciência vivem a problemática da herança acadêmica no
sentido da formação dos seus profissionais. Estes, devem receber um público de
maneira informal, sem o caráter escolar, como nos aponta Wagensberg (2005)1,
quando afirma que a missão de um Museu de Ciências não é ensinar, embora
1 Jorge Wagensberb - diretor do Museo de La Ciência – Cosmo Caixa – Barcelona.
2
também possa fazê-lo, mas despertar o interesse pela ciência. O foco do Museu de
Ciências está localizado em suas exposições e no modo como o público interage
com as mesmas. Desta forma, “um Museu de Ciências é um espaço dedicado a
gerar, no visitante, estímulos em favor do conhecimento e do método científicos (...)
e a promover, no cidadão, a opinião científica.” (WAGENSBERG, 2005, p.133).
Os programas de atendimento escolar nesses ambientes têm o desafio de
trabalhar conceitos sem a caracterização de uma “aula”, como ocorre no ambiente
escolar. Assim, procuram adequar a linguagem científica e tecnológica à
compreensão do estudante. Trabalhar as questões de forma crítica, estimular o
debate e não transformar a visita ao museu em mais uma “aula” constituem-se
tarefas extremamente desafiadoras.
Um desses programas de atendimento escolar nos museus de ciências, em
especial, é motivo de atenção nesta dissertação. Trata-se do Programa “Pequenos
Cientistas – Grandes Cidadãos” (PCGC), construído a partir da necessidade de
recepção de crianças de 7 a 10 anos de idade, cursando as primeiras séries do
Ensino Fundamental, no Parque Newton Freire Maia (PNFM), um Museu de
Ciências sob a responsabilidade da Secretaria de Estado da Educação do Paraná
(SEED).
Minha experiência profissional como autor participante do projeto deste
programa e como ex-coordenador do PNFM é um dos principais referenciais deste
trabalho. Esta experiência teve início em 2004, quando recebi um convite a
participar da equipe técnica no PNFM, e que se estendeu pelos anos de 2005, 2006
e início de 2007. Professor da rede estadual desde 1995, com graduação em
Matemática e especialista no ensino de Física, tive uma impressão indescritível ao
conhecer pela primeira vez o PNFM. Ao olhar para um acervo tão grandioso e
diversificado, foi impossível não compará-lo ao ambiente escolar, sempre tão
carente de emoções e recursos, e vislumbrar a amplitude de possibilidades que tal
ambiente poderia proporcionar à prática pedagógica.
A partir dessa experiência, estabeleci como objetivo de pesquisa investigar se
e de que forma o Programa de atendimento PCGC contribui em um processo de
alfabetização científica de estudantes de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental que
visitam o PNFM.
3
A investigação proposta teve como objeto de estudo as diferentes fases de
atuação do programa PCGC, desde o primeiro contato com as professoras e
professores, até o retorno dos estudantes ao seu ambiente escolar. Como deste
processo investigativo participam vários sujeitos, pois trata-se de um programa cuja
proposta é envolver a comunidade escolar no planejamento da visita destes
estudantes ao PNFM, optou-se neste trabalho limitar os sujeitos a serem
investigados aos profissionais ligados diretamente ao desenvolvimento do projeto e
às professoras(res) que acompanham as crianças na visita programada.
Decorrente desse objetivo e dessa opção metodológica, como objetivos
específicos do trabalho, procurar-se-á:
a) Investigar a relação entre o museu e a escola, tendo como base
opiniões dos professores e professoras após a realização das visitas
orientadas pelo programa “Pequenos Cientistas – Grandes Cidadãos”.
b) Analisar as diferentes concepções sobre o conceito de ciência,
vivenciadas pelos professores e professoras do Ensino Fundamental,
dentro de um contexto de aprendizagem informal, procurando relacionar
aprendizagem em ciências com o conceito de ACT (Alfabetização
Científica e Tecnológica) ampliada.
O Capítulo 1 desta dissertação aborda os conceitos de ciência e de
tecnologia, entendendo-se como conceitos de extrema relevância na prática
museal, e que devem fazer parte do aporte teórico dos profissionais envolvidos com
o Museu de Ciências. Este capítulo se propõe a levantar questões e fomentar o
debate a respeito de como o entendimento dos conceitos de ciência e tecnologia
podem influenciar o trabalho de divulgação e popularização da ciência, bem como a
educação em ciências, tanto em programas de educação científica formais como
informais.
Com esta perspectiva, busca-se resgatar a história da evolução da técnica e
da tecnologia, relacionando-as ao nascimento da chamada “ciência moderna”.
Negando que o nascimento da ciência tenha se efetuado exclusivamente na
Europa, mas destacando a sua inegável importância, é feito um recorte histórico do
Renascimento europeu, objetivando uma reflexão sobre a importância das artes
mecânicas para com o desenvolvimento da ciência. Neste sentido, buscam-se no
Renascimento bases teóricas que identificam uma forte influência da técnica e
4
tecnologia dos artesãos, na ciência. Nesse período histórico, destaca-se uma
mudança no pensamento científico de maneira irreversível. Também, a Revolução
Industrial é tratada como um fator histórico de influência importante no que diz
respeito à consolidação da relação entre técnica, ciência e tecnologia.
No Capítulo 2, a história dos museus e centros de ciência é descrita,
procurando-se entender a sua evolução até os dias atuais. Busca-se, assim, nas
origens dos museus de História Hatural, puras coleções e amontoados de objetos, o
entendimento da lógica que rege os museus interativos do presente, mostrando que
essa evolução irá sofrer influências políticas, ideológicas, culturais e sociais ao
longo de uma trajetória de mais de 500 anos. Ainda neste capítulo é apresentada,
de forma sucinta, a história dos Museus e Centros de Ciência no Brasil, sua
trajetória e influências.
O Capítulo 3 aborda a questão da educação em Centros e Museus de
Ciência, buscando respostas a respeito de parcerias entre estas instituições e as
escolas. Os conceitos de educação formal e informal são discutidos, bem como o
entendimento a respeito dos saberes científicos, escolares e museográficos.
Algumas teorias concernentes ao ensino, como a transposição didática, a
transposição museográfica, a mediação didática e o trabalho com projetos são
abordadas, assim como a teoria sócio-interacionista de aprendizagem de Vygotsky,
um importante apoio teórico aos profissionais do ensino de ciências.
O Capítulo 4, por sua vez, trata de questões relacionadas à alfabetização
científica e tecnológica (ACT), haja vista a sua importância como referencial teórico
para a temática. A abordagem procura desmistificar conceitos de ACT que nos
levem a um entendimento equivocado sobre qual alfabetização científica e
tecnológica o programa PCGC almeja. Desta forma, são apresentadas diferentes
abordagens a respeito deste tema, ressaltando que a ACT é bastante comentada
nos dias atuais, porém, nem sempre com um entendimento conceitual equalizado.
No Capítulo 5 faz-se uma descrição a respeito do Parque Newton Freire
Maia e do Programa PCGC, seu planejamento, sua história, a formação dos
profissionais que atuam no mesmo, bem como a metodologia empregada na
recepção das crianças de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental que visitam o
Museu. Ainda neste capítulo, faz-se um relato histórico sobre o PNFM.
5
O Capítulo 6 descreve aspectos metodológicos da investigação realizada a
respeito do PCGC, desenvolvida a partir da análise de dados extraídos de seis
fontes de informação. A primeira, minha própria experiência como participante do
programa; a segunda, um questionário destinado a 54 professoras que participaram
das atividades no PCGC; a terceira, um questionário destinado ao corpo de
monitores do programa; a quarta, um relatório anual de atividades do PNFM que
contempla informações a respeito de como o PCGC influencia no atendimento geral
da instituição; a quinta, o projeto elaborado pela equipe técnica do PNFM relativo ao
PCGC e a sexta, constituída pelos exemplos de produções efetuadas em ambiente
escolar realizadas pelos estudantes que visitaram o Museu de Ciências.
Finalizando o trabalho, no capítulo 7 são apresentadas considerações a
respeito de como o PCGC atua, suas possibilidades de exploração e a questão da
parceria entre Museu de Ciências e escola, com base nos dados relacionados no
Capítulo 6. Considerando a fundamentação teórica descrita nos capítulos
anteriores, faz-se uma reflexão sobre a possibilidade do PCGC contribuir com uma
alfabetização científica e tecnológica dos estudantes envolvidos no programa e de
que os Museus e Centros de Ciência possam constituir-se em mais uma opção de
ambiente de aprendizagem e de facilitação ao acesso do saber científico construído
historicamente.
6
CAPÍTULO 1 – TÉCNICA, CIÊNCIA E TECNOLOGIA: Refletindo acerca de seus
significados e importância para com a divulgação científica
No que concerne à denominada ciência moderna, os veículos de divulgação
científica, como os periódicos impressos, a televisão, os Centros e Museus de
Ciência, objetivam o contato do público em geral com os avanços da ciência e da
tecnologia. Mas a questão primordial a ser atualmente tratada por tais veículos é:
que ciência pretende-se divulgar? “Aquela que tem como compromisso a função
utilitária, ou aquela que busca uma reflexão do mundo natural e tem como
compromisso encontrar uma das inúmeras leituras da natureza?” (LINS DE
BARROS, 2002, p.39).
As questões aqui mencionadas situam-se em um cenário onde os programas
de divulgação científica parecem assumir um novo papel social, como que a permitir
o acesso ao conhecimento a uma pequena elite curiosa, apresentando-se como
alternativa de redução das distâncias entre o saber produzido nos laboratórios e
centros de pesquisa e o saber escolar, atropelados por aquele produzido pelas
indústrias e pela tecnologia.
Nessas condições, assumem vital importância as concepções que se tem de
ciência, de tecnologia, de técnica e o papel que diferentes enfoques, construídos ao
longo do tempo e sob diversas condições de caráter econômico e cultural, por
exemplo, desempenham na organização dos espaços destinados às atividades de
divulgação científica, como nos Museus e Centros de Ciência, os quais passaram
de instituições de conservação das produções da natureza e do espírito humano
(séc. XVIII) a local de comunicação cultural de um público ampliado (séc. XXI).
1.1 RELAÇÕES HISTÓRICAS ENTRE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Sendo o tema central de abordagem dos Centros e Museus de Ciência o
conhecimento científico e a tecnologia, faremos aqui uma abordagem histórica
recortando desta história um período crucial de relações entre ciência e técnica.
Este recorte diz respeito à Renascença, período em que o pensamento científico
partiu para a apropriação de um método tendo como impulso a aliança fundamental
com a técnica.
7
1.1.1 Renascença: do desprezo à valorização das artes mecânicas
A evolução da ciência através da história da humanidade está intimamente
ligada ao desenvolvimento criativo do homem. Suas necessidades e habilidades o
levaram a um domínio sem precedentes sobre a natureza, quando comparado a
outros animais deste planeta. A diferença crucial entre homens e outros animais
está na habilidade de projetar, em sua mente, o futuro de suas ações e realizações.
É do homem a exclusividade do raciocínio, do pensamento lógico e da abstração;
armas poderosas que evoluíram lado a lado ao desenvolvimento da técnica, da
tecnologia, da ciência e das relações de trabalho.
O trabalho, como atividade de interferência do homem sobre a natureza a fim
de lhe proporcionar meios de subsistência, influencia diretamente a produção do
conhecimento científico e tecnológico. No período da Renascença, compreendido
aproximadamente entre os anos de 1400 e 1700, é notória a discussão a respeito
das artes mecânicas na Europa que, segundo Rossi (2001), eram anteriormente
ignoradas em virtude do desprezo relegado aos artesãos. O autor afirma também
que as artes mecânicas assumem um importante papel, na Renascença, em virtude
da necessidade da ciência renascentista em compreender melhor os processos de
fabricação de instrumentos.
O saber encontra aqui um caráter universal no sentido das dificuldades em se
resolver problemas de ordem prática, filosófica e científica. Estas necessidades
construíram uma relação entre ciência e técnica em uma aliança que iria beneficiar
ambos os ramos do conhecimento, com resultados nunca antes vislumbrados pela
humanidade.
Segundo Rossi (1992), estudiosos de assuntos técnicos e filósofos naturais
são unânimes em dizer que o saber tem caráter público e cooperativo e apresenta-
se como uma série de contribuições individuais. Estas são organizadas sob a forma
de um discurso sistemático e oferecidas com vistas a um êxito geral que deve ser
patrimônio de toda a humanidade.
É de extrema importância a compreensão do caráter inferior dado as artes
mecânicas e seus artífices, nesse período histórico, para que possamos entender a
amplitude e profundidade da mudança relativa a sua aceitação. De acordo com
Rossi (2001), este preconceito já era verificado em Aristóteles, que excluíra os
operários mecânicos da classificação dos cidadãos e os diferenciara dos escravos
8
apenas pelo fato de servirem a muitas pessoas ao passo que estes servem a
apenas uma pessoa. “Cálicles, na obra Górgias, de Platão, afirma que o construtor
de máquinas deve ser desprezado, merecendo a alcunha de bánauso 2, em sinal de
menosprezo, acrescentando que ninguém desejaria dar a própria filha em
casamento a um sujeito deste tipo.” (ROSSI, 2001, p. 40).
A “Ciência Moderna”, entendida aqui como resultado da interação entre as
ciências chamadas clássicas, como a filosofia, matemática, astronomia, física,
geologia, entre outras, tem uma longa tradição experimental, baseada na
apropriação das artes mecânicas. No início da Renascença, as ciências clássicas
eram chamadas de artes liberais, isto é, destinadas a homens livres, em oposição a
estreita analogia entre as artes mecânicas e os escravos. As sete artes liberais
faziam parte da Universidade Medieval surgida por volta do ano 12003 e eram
compostas pelo trívio (gramática, retórica, dialética) e do quadrívio (aritimética,
geometria, música e astronomia). O ensino das artes liberais durava de quatorze a
vinte anos e era seguido do bacharelado, com duração de dois anos e
doutoramento, com idade mínima de trinta e cinco anos para um candidato poder
pleitear este grau. Além disso, havia exames semelhantes aos de hoje, como nos
exemplifica Le Goff (2003), dizendo que o candidato era apresentado ao reitor, ao
qual jurava obedecer aos estatutos e não tentar corromper os examinadores. Na
manhã do exame, o candidato comparecia diante de um colegiado de doutores que
lhe entregavam dois trechos de textos para comentar. Após, retirava-se para
preparar a exposição que faria em lugar público, diante de um júri de doutores que
fariam a seleção.
O pensamento das Universidades Medievais e dos escolásticos seguidores
das artes liberais era então hermético e de profundo resgate à figura de Aristóteles.
A questão religiosa presente nas universidades também assume um papel
importante neste cenário, como cita Bacon: “(...) a impiedade da escolástica
manifesta-se numa dupla direção: na construção de uma teologia racional que visa
2 O termo grego banausía diz respeito a arte mecânica e trabalho manual.3 A Universidade de Oxford não tem uma data precisa de fundação, mas há indícios de ensino no local a partir do ano 1096. Quando Henrique II da Inglaterra proibiu alunos ingleses de estudarem na Universidade de Paris em 1167, Oxford começou a crescer rapidamente. A fundação dos primeiros halls de residência, que mais tarde tornaram-se faculdades, datam deste período. Seguido do assassinato de dois estudantes acusados de estupro em 1209,a Universidade foi dissolvida (o que levou à fundação da Universidade de Cambridge). Em 20 de junho de 1214, a Universidade voltou a Oxford com uma carta de aceitação negociada por Nicolás de Romanis, delegado papal. Fonte: University of Oxford – Disponível em http://www.ox.ac.uk/
9
definir e conhecer a essência divina; no abandono do grande livro da natureza e das
obras nas quais Deus manifestou sua potência.” (BACON apud ROSSI, 1992).
Estes fatores, ligados ao pensamento clássico dos intelectuais, somam-se
contra os novos paradigmas, novas descobertas, novas técnicas, como comenta Le
Goff:
Esta limitação teológica e metafísica vem juntar-se a uma certa indiferença ao movimento que me parece, mais que a indiferença ao tempo – embora ambas estejam ligadas, pois, para S. Tomas de Aquino, como para Aristóteles, - o tempo é o número do movimento -, característica da mentalidade medieval. Aquilo que desperta o interesse dos homens na idade média não é o que se move, mas sim o que se mantém estável. O que eles buscam é o repouso (...). Pelo contrário, tudo o que seja inquietação, procura, parece-lhes vão. (LE GOFF, 1983, p.249).
Técnica e ciência vivem um cenário de oposições quando se comparam as
universidades e os artesãos no final da Idade Média e, por conseguinte, durante
muitos anos no Renascimento. A batalha pelo conhecimento assume as formas de
aquisição voltadas para a prática e manufatura, ou para a contemplação da
verdade.
As artes mecânicas são consideradas por muito tempo como formas
importantes, mas inferiores de conhecimento, ligadas à prática e à atividade das
mãos. O ideal do sábio e do homem culto tende a coincidir com a imagem daquele
que dedica a própria vida à reflexão e a meditação, na espera de alcançar a
beatitude da contemplação de Deus (ROSSI, 2001, p.41). Mas este homem tem
consciência da necessidade e do uso dos artefatos produzidos nas oficinas, pelos
mecânicos, muito mais ligados a imagem dos escravos do que a imagem de
homens livres.
1.1.2 A busca pelo conhecimento: ciência versus técnica
A Renascença é um período marcado pelo misticismo, pela alquimia, pela
astrologia4 e pelo saber hermético. O hermetismo separa dois tipos de homens: os
poucos capazes de entender a verdade escondida nos textos e trabalhos
produzidos na Antiguidade, e aqueles capazes de compreender tais textos,
retomados no contexto das universidades. A recuperação de obras clássicas e de
4 No período anterior a Newton, isto é, antes da determinação exata da lei da gravitação universal, foi geralmente aceita e reconhecida outra “lei universal da natureza” – precisamente a astrologia – destinada a ser suplantada e substituída pela descoberta newtoniana. (ROSSI, 1992)
1
escritos esotéricos abriu diferentes tendências no estudo da natureza, como a
magia ou a tentativa de manter e completar as idéias dos antigos. A esse respeito,
Maria Helena Roxo Beltran comenta:
Durante o século XVI, baseados nos estudos renascentistas sobre magia, muitos pensadores enfatizavam a relação macrocosmo / microcosmo em suas concepções, e se voltavam à observação da natureza em busca das virtudes que, acreditavam, estariam ocultas em cada elemento que a constituía. Todas as coisas do universo estariam relacionadas por semelhanças e simpatias, que caberiam aos estudiosos da natureza descobrir (...). Era a partir dessa concepção mágica que o alquimista operava sobre a matéria e, desse modo, acreditava intervir na própria natureza. Por esse motivo, os conhecimentos alquímicos deveriam ser mantidos ocultos em similitudes e alegorias tais como nas imagens alquímicas. (BELTRAN, 2000, p. 14).
A busca pelo conhecimento encontra um obstáculo enorme na tradição
hermética, pois a transmissão de técnicas e do saber mecânico exige uma
linguagem clara e acessível aos homens que assim o desejem. Mas essa
transmissão, como vimos, era encarada como proibida.
O cenário na Europa no início do Renascimento vem exemplificar a
dificuldade na transmissão de conhecimentos acerca do saber popular. Por
exemplo, cerca de vinte e quatro “bruxas” foram queimadas entre 1615 e 1629,
somente na cidade de Leonberg, na Suécia e Wein, um povoado vizinho. Para ser
acusada de bruxa, bastava a uma mulher mostrar hábitos diferentes, receitar chás
para moléstias ou comportar-se de modo estranho5. A mãe do próprio Kepler,
Katherine, teve sobre si a acusação de bruxaria, como narra Arthur Koestler:
A mãe de Kepler era uma velha pequena, medonha, cuja mania de intromissão indevida e língua de prata, unida aos antecedentes suspeitos, a predestinavam como vítima (...). Naquele mesmo ano de 1615, quando Leonberg foi tomada da histeria das bruxas, Katherine brigara com outra velha megera, antes sua melhor amiga, esposa de um vidraceiro. Seria a sua destruição. A esposa do vidraceiro acusou Katherine de lhe ter dado uma poção enfeitiçada que produzira uma doença crônica (na realidade, o mal fora provocado por um aborto). (KOESTLER, 1961, p.266).
A questão magia versus ciência, que ao primeiro olhar pode parecer restrita
aos homens e mulheres do povo, vai muito mais além na sua influência na
divulgação do conhecimento e até mesmo nas conclusões a respeito de temas
profundos. Galileu, por exemplo, era extremamente religioso e devoto da Igreja
Católica. Kepler, apesar de sua brilhante lógica, visualizava um universo perfeito,
5 ROSSI, Paolo – O nascimento da Ciência Moderna na Europa – p.10-12
1
quase pitagórico, e o próprio Newton, dedicava-se a pesquisa alquímica e esperava
encontrar a essência de Deus. Desta forma ...
(...) as leis matemáticas que regem o movimento dos planetas, formuladas por Kepler, e a descrição matemática do movimento exposta por Galileu foram marcos fundamentais do desenvolvimento da ciência moderna. Porém não devemos duvidar que Kepler tentou enquadrar as órbitas planetárias em um esquema baseado nos corpos sólidos regulares e que Galileu nunca deixou de sustentar o movimento circular dos planetas. Ambos os autores levantaram conclusões que estavam influenciadas profundamente por sua crença na perfeição dos céus (...). Os escritos de Newton e Kepler revelam um genuíno interesse na transmutação dos metais e harmonias universais (...) a magia natural e a analogia macro-micro cosmos eram tão importantes como os melhores debates acerca do sistema heliocêntrico ou da circulação do sangue. (DEBUS, 1996, p.35).6
Analisar o exato momento em que ocorre a “Revolução Científica” é uma
tarefa muito difícil ou impossível. Há, por um longo período, uma continuidade de
ações individuais e coletivas referentes ao pensamento científico, mas percebe-se,
nestas ações, uma retomada de tentativas de se encontrar como causa maior uma
divindade, sempre presente no pensamento renascentista.
A defesa a Copérnico, efetuada por vários expoentes aqui já citados, e ao
sistema heliocêntrico, tem um caráter revolucionário em sentidos muito mais amplos
do que se costuma atribuir. Kepler, Galileu, Newton, entre outros, travaram batalhas
importantes que tiveram conseqüências também revolucionárias no campo das
“Artes Mecânicas”. Era necessário à ciência valer-se de fatos em um momento
crucial na história da humanidade. Para Bacon, “folhear com humildade o grande
livro da natureza significava renunciar a construir, sobre bases conceituais e
experimentais demasiado frágeis, inteiros sistemas de filosofia natural.” (ROSSI,
2001, p.61).
Copérnico (1473-1543) publicou sua obra máxima De revolutionibus no ano
de sua morte, em 1543. Newton (1642-1727) publicou os Principia em 1687 e
Optickis em 1704, encerrando um período de aproximadamente 160 anos em que
se cogita a grande mudança no pensamento científico e valorização da técnica.
Continuando com este raciocínio, em 1556 foi publicada uma obra intitulada De re
metallica, uma das obras mais conhecidas da técnica renascentista, de Georg Bauer
(1494-1555), que usava o pesudônimo de Jorge Agrícola, onde encontra-se uma
defesa apaixonada da arte dos metais. Foi acusada de ser indigna e vil em
6 Tradução nossa.
1
comparação com as artes liberais. Na obra Mechanicorum libri, de Guidobaldo del
Monte (1557), “encontra-se essa mesma defesa e o argumento de que Arquimedes
era mecânico.”(ROSSI, 2001, p.41).
O mesmo autor afirma que, em paralelo a estas publicações, surgiram muitas
traduções de textos clássicos voltadas aos artesãos, do latim para línguas locais,
como por exemplo os tratados sobre arquitetura de Vitrúvio (I séc. aC), traduzidos
por Jean Martin em 1547 para o francês e em 1548 para o alemão, por Walter
Rivius7. O acesso a este tipo de literatura promove, em alguns artesãos mais bem
preparados, uma importante interpretação das obras, como por exemplo, de
Euclides, Arquimedes e Herão. ROSSI comenta a esse respeito:
(...) a literatura dos séculos XV e XVI é extraordinariamente rica de tratados de caráter técnico, a ponto de se constituírem, por vezes, verdadeiros e próprios manuais, ao passo que, em outros casos, contém somente reflexões espalhadas sobre o trabalho desenvolvido por artistas ou por “mecânicos”, ou mesmo sobre os procedimentos usados nas várias artes (...). Em face deste universo de obras publicadas é fácil concluir que as universidades e os conventos deixaram de ser os únicos lugares onde se produz e se elabora a cultura. Na verdade, nasce um tipo de saber que tem a ver com o projeto de máquinas, com a construção de instrumentos bélicos de ataque e de defesa, com as fortalezas, os canais, as barragens, a extração de metais de minas. (ROSSI, 2001, p.68).
É importante frisarmos que os autores desses trabalhos não tinham
representação importante nas universidades, isto é, seriam considerados pela
escolástica como não letrados ou não iniciados nas artes liberais. Para se
exemplificar o quão novo era esse procedimento, no ano de 1680 o termo
MÉCANIQUE no Dictionnaire français de Richelet era assim definido: “o termo
mecânico, com referência às artes, significa o que é contrário ao conceito de liberal
e de honrado: tem sentido de baixo, vulgar, pouco digno de uma pessoa honesta.
Alguns representantes ilustres merecem aqui a devida menção, como por
exemplo, Leonardo da Vinci (1452 – 1519), mas com ressalva a especulação de que
teria sido um dos fundadores da ciência moderna. Segundo Paolo Rossi, Leonardo
não tem qualquer interesse pela ciência como método, nem concebe a ciência como
empreendimento público e coletivo8. Pintor e engenheiro, construtor e projetista de
máquinas, homem “sem letras” e filósofo; homem de conhecimentos múltiplos, um
7 ROSSI, Paolo – O nascimento da Ciência Moderna na Europa – p.688 ROSSI, Paolo – A Ciência e a Filosofia dos Modernos – p.54 -55
1
exemplo real de superação da antiga separação entre artes mecânicas e artes
liberais.(ROSSI, 2001, p.72).
Outro representante dessa classe de “não letrados”, um aprendiz de
vidraceiro que obteve sucesso na área da cerâmica chamado Bernard Palissy,
publicou em Paris no ano 1580 uma obra intitulada Admirables. Na introdução do
trabalho, atacava os professores da universidade fazendo a seguinte pergunta: é
possível que um homem possa chegar ao conhecimento dos fenômenos naturais
sem jamais ter lido livros escritos em latim? O ataque visava argumentar a
possibilidade da técnica e da praxe refutarem algumas doutrinas consideradas
como verdades pelos filósofos naturalistas. Dizia ele que o laboratório e o museu de
objetos naturais e artificiais (organizado por ele) pode ensinar mais filosofia do que
se possa aprender, freqüentando a Sorbone9 ou por meio da leitura de antigos
filósofos. (PALISSY, 1880, apud ROSSI, 2001, p.65).
Chamando a atenção para disputa que o período mencionado expressa,
temos que fazer destaque ao fato de que os filósofos naturais das universidades e
profissionais da lógica, como também pesquisadores e matemáticos “letrados”,
levam imensa vantagem em um embate com os representantes desta nova classe
de artesãos. Um exemplo importante é destacado por Paolo Rossi quando cita
Robert Norman (1560 – 1596), marinheiro inglês auto intitulado “matemático não
instruído”, que fez pesquisas na área do magnetismo:
Norman tem o senso exato de uma oposição fundamental entre as suas pesquisas e as pesquisas dos “homens letrados”. Tais indivíduos elaboram conceitos muito sofisticados e gostariam que todos os mecânicos fossem obrigados a entregar a eles todos os próprios conhecimentos. Por sorte, conclui Norman, “neste país existem mecânicos que conhecem com perfeição o uso de suas artes e são capazes de aplicá-las para alcançar os seus objetivos com a mesma eficiência que pretendem ter os que gostariam de condená-los.” (NORMAN, 1581 apud ROSSI, 2001, p.66).
As artes mecânicas tiveram assim seu papel valorizado. O artesão deixava
de ser considerado um homem inferior e indigno. A importância da técnica dentro da
pesquisa científica ocupou um lugar jamais alcançado na história. Mas, se usarmos
o raciocínio de que este lugar ocupado pelos “mecânicos” foi construído apenas por
esses homens talvez estejamos cometendo um erro.
9Estabelecimento de ensino superior localizada no centro de Paris, foi fundada em 1257. http://pt.wikipedia.org/wiki/Sorbonne
1
Um fator determinante na defesa da técnica foi a palavra de muitos homens
considerados como “letrados”. Alguns, servindo de exemplo à sua própria
comunidade, indo até o artesão e o considerando tão importante quanto os textos
consagrados. Outros, tentando usar o conhecimento dos artesãos mas com um
olhar ainda servil, buscando a apropriação daqueles conhecimentos.
De uma forma ou de outra, o lugar ocupado pelos conhecimentos dos
artesãos não seria mais o mesmo, após o período a que nos referimos
anteriormente. A grande mudança na mentalidade talvez tenha ocorrido na maneira
com que o conhecimento é adquirido e transmitido, pois, segundo Rossi (2001),
citando Francis Bacon:
As artes mecânicas se desenvolveram sobre si próprias, quer dizer, ao contrário de todas as outras formas de conhecimento tradicional, elas constituem um saber progressivo, e crescem tão rapidamente “que os desejos dos homens se acabam antes mesmo que elas tenham alcançado a perfeição (...). Nas artes mecânicas, ao contrário do que ocorre nas outras formas de cultura, vigora a colaboração, tornando-se uma forma de saber coletivo; de fato, nelas convergem as capacidades criativas de muitos, ao passo que nas artes liberais os intelectos de muitos se submeteram a uma só pessoa e os adeptos, na maioria das vezes, corromperam tal saber em lugar de fazê-lo progredir. (BACON apud ROSSI, 2001, p.82).
Como exemplos dos representantes da ciência que contribuíram com a
valorização das artes mecânicas poderíamos citar Juan Luis Viles (1492-1540),
Andrea Vesálio (1514-1564) e o próprio Galileu Galilei (1564-1642).
Viles era um filósofo espanhol de vasta cultura que, em algumas de suas
obras, alerta os estudiosos europeus da importância de sua atenção aos assuntos
relativos às máquinas, à tecelagem, à agricultura e a navegação. “Superando seu
menosprezo tradicional, o homem de letras deve visitar as oficinas e as fazendas,
fazer perguntas aos artesãos”.10 Viles falava também ao público dos artesãos,
incentivando a sua ascendência, mas, como nos aponta Debus (1996), com certa
restrição ao aprendizado da matemática:
As matemáticas não teriam muita importância para um homem educado. (...) Viles corrobora plenamente quando, ao impugnar o estudo das matemáticas, argumentava que estas tendiam a desviar a mente dos fins práticos da vida, fazendo-a menos apta para entender as realidades concretas e mundanas. (DEBUS, 1996, p.19).11
10 De tradendis disciplinis (1531) – Obra citada em ROSSI, 2001, p.6711 Tradução nossa.
1
Vesálio foi um médico anatomista francês que estudou os mínimos detalhes
da “máquina” humana, tomando enérgica posição contra a dicotomia que se criou
na profissão do médico: de um lado, o professor que fica cuidadosamente longe do
cadáver a seccionar, e, por outro lado, o seccionador que desconhece qualquer
teoria e é rebaixado à categoria de açougueiro12.
Em 1609, Galileu apontava o telescópio para o céu mostrando uma confiança
absoluta em um instrumento que nascera no ambiente dos mecânicos (artesanato
holandês), aperfeiçoado somente mediante a prática, ignorado ou desprezado pela
ciência oficial. Os fatos observáveis no telescópio são de tamanha importância para
a ciência que culminariam na soma que resultou a chamada revolução científica no
renascimento. O telescópio poderia ser a grande contribuição de Galileu para com
as artes mecânicas, mas, desde o início de sua carreira deu exemplos de fidelidade
e importância aos mecânicos.
Em 1586, Galileu escreve um trabalho intitulado La bilancetta, onde projeta
uma balança hidrostática com base nas indicações de Arquimedes, considerado o
pai dos mecânicos. Segundo Paolo Rossi:
Os interesses pelos problemas da técnica, já presentes na obra La bilancetta, aparecem com evidência também após a sua passagem na cadeira de matemática do Stúdio de Pádua13 (26 de setembro de 1592) (...). Entre 1592 e 1593 escreve a Breve istruzione allárquitettura militare, o Trattato sulle fortificazioni, o estudo sobre as Mecaniche. Dá aula sobre os Elementos de Euclides (...). (ROSSI, 2001, p.148).
Tanto Galileu, quanto Vesálio e Vives, superaram o senso comum entre os
“letrados” de seu tempo. Encontraram nas obras dos mecânicos a saída para suas
angústias e deram, assim como outros tantos aqui não citados, imensa contribuição
às artes mecânicas. Essas, por sua vez, tornaram possíveis novas reflexões e
superação de velhas crenças. Cada um ao seu modo, os representantes das
universidades tiveram que se render ao fascínio da técnica e da experimentação.
Este pacto entre técnica e ciência inevitavelmente irá desenvolver
instrumentos elaborados como resultado, os quais influenciarão a própria técnica e
ciência. O processo, aliado às influências das relações de produção de bens de
consumo se traduzem na tecnologia, que se apresenta como um fenômeno
evolutivo, envolvente e revolucionário.
12 De corporis humani fabrica (1543) – Obra citada em ROSSI, 2001, p.6713 Em 1581 Galileu iniciou seus estudos em medicina no “Studio” de Pisa, uma espécie de universidade da época. Após, decidiu encaminhar-se aos estudos da matemática.
1
1.1.3 A Revolução Industrial: influências na ciência e na cultura
Foi sobretudo com a industrialização na Inglaterra, Holanda e França, entre
os séculos XVIII e XIX, que se desenvolveu uma cultura racionalista. Com a
Revolução Industrial que, segundo Carvalho (1998), se apresenta como um
fenômeno que traz mudanças na sociedade européia que vão desde a base
econômico-social até o nível ideológico, o método científico, racionalmente
empregado, passou a ter a missão de servir aos processos produtivos da indústria,
por meio da tecnologia, fazendo com que a sociedade capitalista surgisse com
características industriais, de cunho técnico e científico.
O capitalismo, que certamente tem um poder de influência incontestável no
mundo moderno tem as suas raízes neste período. A explosão e expansão da
indústria capitalista ocorrida na Europa a partir do século XVIII viriam a se propagar
pelo mundo, mudando radicalmente o comportamento de culturas diversas.
Tentando traçar um paralelo entre o mundo moderno e o cenário pré-
revolução industrial, tem-se que este último possuía um terço da população atual. O
sistema de transporte terrestre era muito arcaico e precário nessa época, fazendo
com que as viagens se tornassem muito dependentes do sistema marítimo, muito
mais desenvolvido. Nações com acesso a portos e com uma indústria naval
eficiente teriam enormes vantagens relativas ao comércio e a colonização de locais
distantes, como comenta Hobsbawm:
Um sistema de vias comerciais marítimas, que crescia rapidamente em volume e capacidade, circundava a terra, trazendo seus lucros às comunidades mercantis européias do Atlântico Norte. Usavam o poderio colonial para roubar dos habitantes das Índias Orientais as mercadorias exportadas dali para a Europa e a África, onde, juntamente com as mercadorias européias, eram usadas na compra de escravos para os sistemas de plantação que cresciam rapidamente nas Américas. (HOBSBAWM, 1977, p.35).
A agricultura predominava como principal fonte de renda líquida na Europa. A
relação entre os que produziam insumos e cultivavam a terra, e os que a possuíam,
era o principal problema rural da época, onde os camponeses típicos eram servos e
dispunham de técnicas agrícolas arcaicas. Os servos submetiam grande parte de
seu trabalho aos senhores, donos das terras, em uma lógica que parece bastante
influenciada pelo sistema feudal, influência essa presente nessas relações em
quase toda a Europa, com raras exceções.
1
A Inglaterra, a mais importante dessas exceções, apresentava um
desenvolvimento agrário diferenciado, mais moderno. A propriedade das terras,
seguindo a tendência da Europa, continuava muito concentrada em poder de
poucos. No entanto, a Inglaterra diferenciava-se apresentando um sistema agrário
em que o agricultor poderia arrendar a terra e estabelecer um empreendimento
comercial médio. Desta forma, surge a figura do fazendeiro, representando uma
classe de empresários agrícolas diferenciada do resto da Europa, juntamente com o
surgimento de um enorme contingente de trabalhadores rurais e um longo período
de expansão demográfica, seguida de urbanização crescente no século XVIII,
encorajando ainda mais a melhoria das técnicas agrícolas, como narra Hobsbawm:
Somente algumas áreas levaram o desenvolvimento agrário mais adiante, rumo a uma agricultura puramente capitalista. A Inglaterra era a principal delas. Lá, a propriedade de terras era extremamente concentrada, mas o agricultor típico era o arrendatário com um empreendimento comercial médio, operado por mão de obra contratada. Uma grande quantidade de pequenos proprietários, aldeões etc. ainda obscurecia este fato. Mas, quando tudo se tornou claro, aproximadamente entre 1760 e 1830, o que apareceu não foi uma agricultura camponesa, mas sim uma classe de empresários agrícolas, os fazendeiros, e um enorme proletariado rural. (HOBSBAWM, 1977, p.35).
Esse excedente demográfico que influenciou os processos agrícolas,
incentivou o surgimento de um sistema doméstico de produção industrial como
forma de expansão comercial de alguns camponeses, os quais destinavam um
tempo extra a esta atividade, juntamente com artesãos que vendiam suas
mercadorias a mercadores (que lhes forneciam matérias-primas).
De acordo com Hobsbawm (1977) o simples crescimento deste comércio
inevitavelmente criou condições rudimentares para um precoce capitalismo
industrial. Desta forma, o artesão que vendia suas mercadorias poderia se
transformar em um pouco mais que um trabalhador pago por artigo produzido e o
camponês poderia vir a ser o tecelão que também tinha um pequeno lote de terra.
Sendo a produção industrial efetivada de forma descentralizada o mercador
assume um papel de ligação comercial, e com isso torna-se mais poderoso, se
comparado aos primeiros industriais. A Inglaterra devia seu poderio a esse
progresso econômico e o desenvolvimento científico também se fez presente, como
afirma Eric Hobsbawm:
1
As Ciências, ainda não divididas pelo academicismo do século XIX em uma Ciência “pura”, superior e uma outra “aplicada” inferior, dedicavam-se à solução de problemas produtivos, sendo que os mais surpreendentes avanços da década de 1780 foram na química, que era por tradição muito intimamente ligada à prática de laboratório e às necessidades da indústria. (HOBSBAWM, 1977, p.36).
A partir da segunda metade do século XVIII, verifica-se um avanço
vertiginoso nos processos de acumulação, de produção em um patamar econômico
jamais visto. Este processo se auto-sustenta baseado no desenvolvimento
tecnológico sem precedentes na história humana, tendo seu início na Inglaterra, a
qual não tinha superioridade tecnológica e científica, se comparada à França, por
exemplo, que estava em vantagem no que diz respeito ao comércio e à produção
per capita.
Com o passar do tempo e o surgimento das indústrias nas cidades, houve
uma migração da população do campo para os grandes centros urbanos,
demandando um aumento de alimentos para o abastecimento do excedente da
população. Algumas mudanças na produção agrícola vieram para dar conta deste
problema.
Ainda segundo Hobsbawm (1977), outro problema que precisou ser
solucionado nesta fase foi a questão da mão-de-obra nas indústrias. Estas, além de
necessitar de um número suficiente de trabalhadores, exigia-lhes qualificações e
habilidades. O ritmo de trabalho exigido pela indústria era muito diferente do ritmo
agrário, sendo mais uma dificuldade a ser enfrentada pelos empregadores que
reclamavam do baixo rendimento dos empregados, os quais muitas vezes
trabalhavam até se contentarem com um salário de subsistência semanal. Uma das
táticas encontradas pelos empregadores foi estabelecer uma rígida disciplina, com
multas para a baixa produtividade e um código de “senhor-escravo” que mobilizava
as leis em favor do empregador. Outra tática era a de, sempre que possível, pagar-
se tão pouco ao operário a fim de obrigar-lhe a trabalhar incansavelmente durante
toda a semana para obter uma renda mínima para sua sobrevivência.
Nota-se que o período é fortemente marcado por um positivismo cientificista,
no sentido de convencer os trabalhadores de sua função técnica, desprovida de
senso crítico, mas importante para sua qualificação. Por outro lado, a exploração do
seu trabalho passou por um processo de evolução capitalista. Levi-Strauss (1970)
comenta que a Revolução Industrial foi condicionada pelo aparecimento de um
1
proletariado e ocasionou o surgimento de formas novas e mais desenvolvidas de
exploração do trabalho humano.
Assim, técnica, ciência e tecnologia apresentam, historicamente, relações de
aproximação. A técnica valorizada a partir da Renascença, o emprego do método
científico e a Revolução Industrial fazem com que a prática do trabalho assuma um
olhar diferenciado em relação à história anterior da humanidade.
Nos dias atuais, a interpretação dos conceitos de ciência e tecnologia sem a
devida atenção a esta história pode levantar aspectos duvidosos a respeito da
educação em ciências, nos seus aspectos formais e informais. Assim, discutir os
conceitos de ciência e tecnologia, além de uma exigência inerente aos programas
de divulgação científica e tecnológica, torna-se uma reflexão fundamental em se
tratando das múltiplas vertentes em que estes conceitos são apresentados nestes
programas.
1.2 UMA REFLEXÃO A RESPEITO DOS SIGNIFICADOS DE CIÊNCIA E
TECNOLOGIA
Em muitas ocasiões em que a divulgação científica é discutida, seja em
fóruns de apoio a esta atividade, seja em grupos políticos ou educacionais, os
conceitos de ciência e tecnologia que rodeiam estas discussões apresentam-se
desfocados dos objetivos ao qual se apóiam os discursos argumentativos presentes.
Os programas de divulgação científica, sejam nos museus de ciência e
tecnologia, sejam no âmbito da educação formal, necessitam de um posicionamento
a respeito de como se entendem a ciência e a tecnologia a fim de que,
inadvertidamente, não se trate esta divulgação de maneira inconsistente com
relação aos seus objetivos e anseios.
Uma reflexão a respeito dos conceitos de ciência e tecnologia, para o
profissional que atua na educação formal ou não formal, é de extrema importância.
Este profissional tem a obrigação de conhecer o debate filosófico, social, político,
cultural e ideológico existente nesta conceituação. Fechar os olhos para este debate
implica no perigo inadvertido de se reproduzir vertentes ideológicas de atendimento
a interesses, muitas vezes, contrários a sua própria concepção de mundo e de
sociedade.
2
Se a técnica influenciou a ciência, e a tecnologia influencia as relações
humanas, estas influências e relações, devidamente discutidas nos programas de
divulgação científica, assumem dimensões que não excluem atividades e
características sociais como o trabalho e a cultura.
1.2.1 Panorama social
De acordo com Engels (1977) “o trabalho começa com a elaboração de
instrumentos, utensílios de caça e de pesca, sendo os primeiros utilizados também
como armas.” Este mesmo autor estabelece uma comparação entre a relação de
produção com a natureza estabelecida pelos animais e pelos homens, ressaltando
que:
Só o que podem fazer os animais é utilizar a natureza e modificá-la pelo mero fato de sua presença nela. O homem, ao contrário, modifica a natureza e a obriga a servir-lhe, domina-a. E aí está, em última análise, a diferença essencial entre os homens e os demais animais, diferença que, mais uma vez, resulta do trabalho. (ENGELS, 1977, p.62).
Discutindo-se mais especificamente sobre a importância dos instrumentos de
trabalho criados pelo homem, pode-se destacar que, ao produzir instrumentos, o
homem planejou ações, obtendo resultados mais satisfatórios do que com recursos
do próprio corpo. Desta forma, percebe-se que o instrumento de trabalho criado
pelo homem serve como um mediador entre ele e a natureza, e que, por meio dele,
o homem transforma a sua história e é transformado por ela. Outro aspecto
destacado por Engels (1977) que caracteriza a distância entre a mão primitiva dos
macacos para a do homem, é que nenhuma mão simiesa teve a capacidade de
construir sua própria ferramenta de trabalho, por mais simples que fosse.
As técnicas de desenvolvimento desse trabalho, os instrumentos
rudimentares construídos, e o planejamento arcaico, mas já notório, davam um
vislumbre de que o homem teria habilidades para otimizar suas ações. As
conquistas técnicas foram surpreendendo à medida que o homem começava a
compreender melhor o seu poder de criação. Somente muito mais tarde é que o
método científico moderno iria surgir, com Galileu, Bacon e Descartes, apenas para
citar alguns dos importantes nomes do pensamento científico racional.
Porém, traços desta organização já haviam se manifestado nos homens
primitivos, de forma não sistematizada. Desta maneira, percebe-se que à medida
2
que o homem cria e aperfeiçoa instrumentos utilizados em seu ofício, criam-se
diferentes relações de produção, permeadas pelo momento histórico vivenciado.
A sociedade contemporânea passa por um processo de adaptação à
velocidade das mudanças ocorridas no mundo do trabalho. Estas mudanças,
segundo Kuenzer (2000), apontam para uma nova forma de relação entre ciência e
trabalho. A autora afirma que as formas de fazer, baseadas em processos técnicos
simples e estáveis, são gradualmente substituídas por processos que envolvem a
ciência e a tecnologia. Segundo Kuenzer (2000) os indivíduos inseridos no mundo
do trabalho necessitam cada vez mais de:
(...) conhecimento científico, capacidades cognitivas superiores e capacidade de intervenção crítica e criativa perante situações não previstas, que exigem soluções rápidas, originais e teoricamente fundamentadas, para responder ao caráter dinâmico, complexo, interdisciplinar e opaco que caracteriza a tecnologia na contemporaneidade. (KUENZER, 2000, p.18).
Esses indivíduos terão acesso ao conhecimento científico e tecnológico, sob
a ótica desta nova realidade, por meio da educação formal, escolar, e também, da
educação informal, na família, na rua, nas praças, nos museus e centros de ciência.
O processo educativo, se pensado com o objetivo de educar para a cidadania e
para o trabalho, com base em uma concepção de “formação humana que, de fato,
tome por princípio a construção da autonomia intelectual e ética” (KUENZER, 2000,
p.19), não deve ter como base a lógica de aquisição de simples formas de fazer.
Segundo a mesma autora, ao contrário, o acesso ao conhecimento, para a vida
social e produtiva, deve ser disponibilizado por meio de várias fontes, como por
exemplo, na mediação das relações que ocorrem no trabalho, o domínio do método
científico, a origem de classe, espaços culturais e assim por diante.
Delors (1998) comenta que o mundo conheceu, durante o último meio século,
um desenvolvimento econômico sem precedentes. Estes avanços se devem à
capacidade dos seres humanos em dominar e organizar o meio ambiente em
função de suas necessidades, utilizando, para tanto, a ciência, a tecnologia e a
educação, motores principais do progresso econômico. Porém, este modelo de
crescimento depara-se com limites evidentes, devido às desigualdades que induz e
aos custos humanos e ecológicos que comporta. De qualquer forma, esses avanços
transformaram as relações de trabalho de forma ampla e a nível planetário.
2
Neste cenário, ciência e tecnologia assumem significados atrelados aos
fenômenos da globalização, pois, segundo Canclini (2003), a internacionalização da
economia, com início nas navegações transoceânicas, e a transnacionalização da
cultura, com organismos desnacionalizados, irá apoiar-se nos meios provenientes
da tecnologia e pesquisa científica. A globalização consolida-se como rede
econômica e cultural a nível mundial apoiada no “desenvolvimento de sistemas de
informação, manufatura e processamento de bens com recursos eletrônicos, o
transporte aéreo, os trens de alta velocidade e os serviços distribuídos em nível
planetário.” (CANCLINI, 2003, p.42).
Uma análise sobre os conceitos de ciência e tecnologia baseados nos
processos de produção e cultura, neste ambiente globalizado, torna-se um
importante veículo para se pensar em como os instrumentos de popularização e
difusão da ciência podem interferir na consciência popular a respeito da influência
destes processos na vida, no meio ambiente e na cultura, em que a educação
tecnológica assume um importante papel.
A educação tecnológica, segundo Bastos (1998), tem como característica
principal o registro, sistematização, compreensão e utilização do conceito de
tecnologia, histórica e socialmente construído, “para dele fazer elemento de ensino,
pesquisa e extensão, numa dimensão que ultrapasse os limites das simples
aplicações técnicas, como instrumento de inovação e transformação das atividades
econômicas em benefício do homem, enquanto trabalhador, e do país.” (BASTOS,
1998, p.32).
1.2.2 Cultura, ciência e tecnologia
A diversidade cultural é um fenômeno bastante notório e, segundo Strauss
(1970), existem muito mais culturas do que povos. Duas culturas que pertencem ao
mesmo povo podem diferir tanto, ou mais, que duas culturas provindas de povos
distintos.
Assim, o papel da ciência dentro de culturas diferentes torna-se também
diverso. Questões de ordem social, religiosa, econômica, tecnológica, política,
bélica, entre outras, são determinantes no desenvolvimento da ciência. O
direcionamento que cada grupo cultural manifesta a respeito de questões científicas
é quase tão variado quanto a própria cultura. Além disso, dependendo do momento
2
histórico de um povo, esse direcionamento pode vir a mudar completamente. Um
bom exemplo seriam as guerras, onde o desenvolvimento científico e tecnológico
parece sofrer uma explosão de avanços e novas descobertas.
Analisar a diversidade cultural e sua relação com a produção científica e
tecnológica deve mostrar que os avanços no campo da ciência podem se efetivar a
partir da observação do novo, do diferente, do inédito. Percebe-se, desta forma, a
importância da aprendizagem na diversidade.
Dentro de uma visão da antropologia:
(...) a verdadeira contribuição das culturas não consiste na lista de suas invenções particulares, mas no afastamento diferencial que elas apresentam entre si. O sentimento de gratidão e de humildade que cada membro de uma determinada cultura pode e deve experimentar com relação a todas as outras só poderia basear-se numa única convicção: a de que as outras culturas são diferentes da sua, da maneira mais variada; e isso, mesmo que a natureza última dessas diferenças lhe escape ou que, não obstante todos os seus esforços, ele chegue a penetrá-la apenas muito imperfeitamente. (LÉVI-STRAUSS, 1970, p.263).
Esse mesmo autor faz mais algumas considerações a respeito da diversidade
nas culturas, relatando que não há e não pode haver uma civilização no sentido
absoluto que freqüentemente se utiliza para esse termo, já que a civilização implica
coexistência de culturas que ofereçam entre si o máximo de diversidade. Desta
forma, aprender com a diversidade cultural não é uma tarefa simples.
Vários autores têm sua contribuição no conceito de cultura e ressaltam que
ela é o modo próprio e específico da existência dos seres humanos. Segundo
Marilena Chauí, “os animais são seres naturais e os homens, seres culturais.”
(CHAUÍ, 2000a, p.50). Esta mesma autora acrescenta que a cultura se realiza
porque os homens são capazes de linguagem, trabalho e relação com o tempo. As
principais formas de manifestações culturais são: a vida social, a criação de obras
de pensamento e de arte, a religião e a vida política.
Segundo GEERTZ (1978), os homens são governados por padrões culturais.
A cultura, seria a totalidade acumulada de tais padrões, não se resumindo a apenas
um ornamento da existência humana, mas uma condição essencial para ela – a
principal base de sua especificidade. Além disso, esse mesmo autor ressalta que:
Quando vista como um conjunto de mecanismos simbólicos para controle do comportamento, fontes de informação extra-somáticas, a cultura fornece o vínculo entre o que os homens são intrinsecamente capazes de se tornar e o que eles
2
realmente se tornam, um por um. Tornar-se humano é tornar-se individual, e nós nos tornamos individuais sob a direção dos padrões culturais, sistemas de significados criados historicamente em termos dos quais damos forma, ordem, objetivo e direção às nossas vidas. (GEERTZ, 1978, p.64).
Convém destacar, na presente análise, que a cultura influencia o
desenvolvimento científico. Ao mesmo tempo, a cultura é influenciada pela ciência
em uma relação mediada por interesses de grupos sociais, que se apropriam da
ciência para exercer seu poder. A esse respeito, Lane (1991) comenta que a ciência,
entendida como produção histórica, também se relativiza como produção humana.
Assim compreendida, a ciência perde sua condição de neutra, assumindo a
condição de resultado de indivíduos ou comunidades, situados social e
historicamente, influenciando e sendo influenciados por necessidades e valores
coletivos, importantes em um determinado momento histórico.
A “neutralidade da ciência” é um dos aspectos que preocupam a
popularização da ciência em uma determinada cultura. A tendência de se tratar a
ciência como uma atividade humana que se destaca das demais por estar “acima”
dos aspectos moral, social e político assume um papel dogmático. Desta forma, a
sua divulgação é essencialmente uma reprodução do conceito de neutralidade.
A visão da ciência através da história, foi sendo construída e evoluiu marcada
por uma ideologia reducionista, a qual supõe a ciência como algo fechado, restrita a
alguns homens iluminados, cercados de equações indecifráveis e máquinas
miraculosas. O senso comum vê o homem de ciência como um personagem mágico
e a ciência desligada da história de seu desenvolvimento. Sendo assim, percebe-se
a ciência como um fato concluído, ahistórico e com a ausência de relações de
poder, deixando-se essas questões de lado no processo de construção do
conhecimento científico interiorizado à cultura, que busca o progresso da
comunidade cultural.
1.2.3 Ciência e tecnologia – uma visão restrita ou elaborada?
Refletimos acerca de como o ser humano constrói continuamente o seu
conhecimento, e que as diversas culturas analisam a construção e produção deste
conhecimento a luz de diferentes interpretações. Vimos, também, que a atividade do
trabalho está intimamente ligada a ação humana e, desta forma, influencia o
universo da ciência e é influenciado por ela. Compreender as mútuas influências
2
entre ciência, tecnologia, cultura e trabalho, necessita do entendimento de uma
linguagem codificada.
Fourez (1995) nos indica que, à luz da filosofia, podemos utilizar duas
maneiras diferentes de interpretação ou de visão de mundo. Seriam os chamados
“código restrito” e “código elaborado”, sendo o primeiro, uma descrição mais
pragmática e que não leva adiante todas as distinções que se poderia fazer para
aprofundar o pensamento a respeito do sujeito ou objeto de descrição. Já, o “código
elaborado” tenta superar o pragmatismo, ultrapassando a experiência cotidiana,
interpretando os acontecimentos e efetuando julgamentos baseados nas relações
sociais com mais reflexão na especificação dos critérios de julgamento.
Alguns representantes da “ciência”, em muitas ocasiões, utilizam o código
restrito para impor conceitos ou interpretações sem uma análise mais aprofundada.
Por exemplo, na afirmação “Albert Einstein cria a teoria da relatividade no ano de
1905”, podemos perceber que a intenção na linguagem é de transmitir a idéia de
ciência que depende da genialidade de indivíduos para ser descoberta; que
acontece em uma linha de tempo contínua e específica (em 1905); e que não
depende da construção histórica do conhecimento prévio, anterior a 1905. A
linguagem de divulgação científica utilizada na frase leva o estudante a acreditar
que a teoria da relatividade restrita foi elaborada em 1905 por Albert Einstein, como
fruto único da sua genialidade.
O cientista é compreendido como detentor de capacidades superiores, com
conhecimento superior; como um ser superior. Assim, o código restrito descreve
fatos ou objetos sem a preocupação com um alcance mais ampliado das
descrições. A teoria da relatividade tem o seu caráter interpretativo e complexo que
exige a linguagem matemática adequada para que não se tenha o perigo da
banalização dos conceitos envolvidos. Mas, a frase citada não entra neste mérito.
Reduz a questão da pesquisa efetuada por Einstein à sua própria razão. O que está
em jogo, aqui, é a interpretação dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa, do contexto
social em voga na época da publicação, dos campos de ciência envolvidos, da
construção de um conhecimento anterior à esta publicação, em suma, a questão de
que, sem as pesquisas de Aristóteles, Galileo, Newton, Piocaré e Plank, talvez não
seria possível a publicação de Einstein.
2
O exemplo citado da teoria da relatividade utilizando-se do código restrito
para a sua divulgação e tratamento traz, a luz do debate, a questão da
temporalidade histórica destacada por Chassot (2003). Esse autor afirma que é
perigoso interpretarmos o que chama de “marco zero” da história. Assim, o ano
1905 para a teoria da relatividade está posto no mesmo sentido de interpretação
que o século XVI para o nascimento da ciência moderna, na Europa, ou o ano 1492
como o início da história da América latina, ou o “marco zero” da história brasileira,
como sendo o ano 1500. Desconsiderar o que havia antes destas datas no que diz
respeito a conhecimento, significa refutar a construção histórica do conhecimento.
Nas palavras de Chassot (2003), “(...) o conhecimento que antecede a Ciência
Moderna é, numa generosa concessão, apenas uma pré-ciência, já que a certidão
de nascimento está no século XVI.” (CHASSOT, 2003, p. 57).
Há, nesta análise, uma aproximação entre o que Fourez (1995) indica a
respeito dos códigos restrito e elaborado e Chassot (2003) chama de análise interna
e externa de adjetivação para a ciência, quando afirma que:
Talvez essa adjetivação de “Ciência Moderna” mereça uma análise em duas dimensões: uma interna e outra externa. Na primeira, devemos olhar o mundo ocidental e sua produção científica pré-copernicana. Assim, talvez valesse a pena considerar uma revolução industrial nos tempos medievos (...) conseqüência dos progressos científicos medievais. Na dimensão externa, poderíamos retornar as considerações que se fizeram, por exemplo, sobre o desenvolvimento da Ciência e da cultura pré-colombiana ou olharmos o mundo oriental e seus feitos em tempos que antecedem em muito as realizações de Copérnico, Galileo ou Newton. (CHASSOT, 2003, p.58).
A questão da temporalidade histórica merece aqui destaque no que diz
respeito a uma tentativa de se analisar a ciência e a tecnologia como processos
históricos. O destaque ao nascimento da ciência moderna, com certidão de
nascimento datada no séc. XVI e localizada na Europa mostra o caráter ocidental
dado ao nascimento da ciência. De forma alguma queremos aqui menosprezar os
acontecimentos da Renascença, mas sim, alertar que a ciência não tem apenas
uma data ou um local para o seu nascimento, que não é um processo individual,
mas sim coletivo; que não é um processo discreto, mas sim, contínuo; que não é um
processo apolítico, mas sim, revolucionário.
2
1.2.4 O conceito de tecnologia
A palavra tecnologia, utilizada neste trabalho, merece uma consideração
importante. “Tecnologia” é geralmente empregada com vários significados e, em
decorrência desse fato, ocorre a polissemia. Em decorrência, é possível que haja
diferentes interpretações desses significados, muitas vezes ambíguos ou até
contraditórios. Sem a pretensão de conceituar o que vem a ser “tecnologia”,
apontaremos algumas abordagens a que está submetida, implicando no
desenvolvimento e compreensão de suas relações para com a ciência.
Uma das maneiras mais comuns de se interpretar o significado de uma
palavra ou de um termo é o estudo da sua semântica. Em alguns casos, pode-se
obter algum sucesso, mas no que se refere a palavra “tecnologia”, esse tratamento
mostra-se ineficaz quando se aprofunda a reflexão necessária.
Vejamos um exemplo de quando se busca a origem da palavra tecnologia,
em português: “do Gr. technologia < téchne, arte + lógos, tratado s. f. Teoria geral e
estudos especializados sobre os procedimentos, instrumentos e objetos próprios de
qualquer técnica, arte ou ofício; técnica moderna e sofisticada; linguagem específica
de uma arte ou ciência”14. Nota-se aqui a dificuldade imediata de uma compreensão
do real significado, pois parece bastante reducionista a tentativa de uma definição
pontual, sem que se acrescente uma interpretação de sua evolução ao longo da
história e do desenvolvimento social.
Buscando-se a mesma compreensão do significado da palavra tecnologia na
língua inglesa, temos uma idéia um pouco diferenciada em relação à língua
portuguesa, como por exemplo nos livros de antropologia, em que a palavra
technology aparece na descrição de culturas pré-históricas na fabricação de
utensílios de pedra e madeira, as quais, em português, de maneira alguma podem
ser chamadas de tecnologias, mas simplesmente técnicas; como comenta Vargas
(1995). Segundo esse autor, a técnica seria uma habilidade humana de fabricar e
utilizar instrumentos, e que provavelmente teriam surgido devido ao acaso ou ao
instinto animal, aliados talvez, ao poder do homem de estabelecer relações
simbólicas e de linguagem.
Gama (1986) nos aponta outras palavras na língua inglesa parecidas com
technology, como por exemplo, technique e technic. A primeira, diz respeito à
14 Dicionário Universal da Língua Portuguesa: disponível em http://www.priberam.pt/dicionarios.aspx
2
habilidade mecânica no trabalho artístico, utilizada principalmente quando se trata
da execução e confecção de peças musicais e da pintura, enquanto a segunda
aproxima-se mais do sentido em português para técnica. No plural (Technics)
aproxima-se do sentido de Technology: a ciência ou o estudo de uma arte ou das
artes, especialmente das artes mecânicas e industriais. (GAMA, 1986).
O positivismo cientificista e a idéia de progresso científico parecem colaborar
para a visão de que a tecnologia é simples fruto da ciência aplicada. As idéias
positivistas caracterizam as ciências como motivadoras do desenvolvimento social
e, o acúmulo do conhecimento científico, um fator de controle social.
A linguagem e a interpretação dos significados relativos a palavra tecnologia
é tratada por Rui Gama pela ótica da ideologia, quando se identifica tecnologia
também como uma ciência. Neste sentido GAMA comenta:
Ao que parece, o domínio dos segredos da linguagem dos artesãos foi a porta pela qual se entrou no domínio dos próprios segredos dos ofícios. Dentre os mistérios dos misteres, a linguagem foi o primeiro a ser desvendado, decifrado e jogado na rua pelas portas e janelas arrombadas das oficinas – numa espécie de ação de despejo – para ser vista por todo mundo. A linguagem era, e é, um importante instrumento de domínio e uma barreira aos estranhos. (GAMA, 1986, p.48).
Discutir diferenças conceituais entre ciência, técnica e tecnologia, do ponto
de vista positivista, parece ser mais simples do que do ponto de vista sociológico
contemporâneo, fundamentando-se no fato de que os significados são históricos,
podem se alterar no decorrer do tempo. Uma reflexão mais apurada em relação aos
efeitos da tecnologia no mundo do trabalho e na educação científica e tecnológica,
pode influenciar em nossa percepção atual, até mesmo no sentido de abandonar as
formas reducionistas de conceituação.
Assim, a idéia da neutralidade da ciência como simples “fábrica” de
tecnologia exige, nos meios de divulgação e ensino de ciências, uma abordagem
cuidadosa. Como afirmam Bastos(1998), Bazzo(1998), Chauí(2000) entre vários
autores, a educação e o mundo do trabalho são fortemente influenciados pela
ideologia cientificista.
Em contraposição a esta ideologia, podemos optar por uma “tecnologia” que
põe em evidência e potencializa o trabalho humano, como aponta Marx:
Antes de tudo o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla
2
seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Quando o trabalhador chega ao mercado para vender sua força de trabalho, é imensa a distância histórica que medeia entre sua condição e a do homem primitivo com a sua forma ainda instintiva de trabalho (...). (MARX in GAMA, 1986, p.181).
O conceito de tecnologia como uma reflexão acerca do trabalho é pouco
abordado, mas poderia ser pensado como a ciência das forças produtivas, como
defende Rui Gama, argumentando que, para um debate relativo a decisões políticas
em geral, e de política tecnológica em particular, o conceito de tecnologia deve
referir-se particularmente ao papel que ela tem na produção e no mundo moderno.
Neste sentido, pondera Ruy Gama:
A Tecnologia moderna é a Ciência do Trabalho Produtivo. Por que moderna? Porque não se confunde com a Tecnologia jônica (...) não se confunde também com a Tecnologia política greco-romana (...). Por que Trabalho Produtivo? Porque, com redundância, a Tecnologia diz respeito ao trabalho em que está envolvido o capital, o que é característico, obviamente, da economia capitalista (...). (GAMA, 1986, p.185).
A história nos aponta grandes invenções e produção de artefatos,
provocando mudanças significativas ou até mesmo revoluções, no que diz respeito
as próprias técnicas e processos, e também na estrutura e organização social e do
trabalho. Porém, as grandes alterações são reveladas historicamente mais pela
ótica das técnicas e da ciência. As mudanças sociais, decorrentes da produção de
artefatos, são ideologicamente deixadas de lado, como se a ciência e a tecnologia
estivessem submetidas a sua própria autonomia e neutralidade, com suas próprias
dinâmicas, separando-se do social pela presença de um envoltório.
Lima Filho e Queluz (2005) consideram dois pressupostos na tentativa de
aproximação dos possíveis conceitos de tecnologia e as relações de educação, a
saber: a relação trabalho e educação e a relação trabalho, ciência e tecnologia.
Com relação ao primeiro, defendem o trabalho como fonte de produção e
apropriação de conhecimento, portanto, como princípio educativo.
O segundo, como desenvolvimento da ciência do trabalho produtivo. Os
mesmos autores alertam para o que chamam de “descontextualização do conceito
de tecnologia” quando, por exemplo, o determinismo tecnológico induz a idéia de
3
que os produtos da tecnologia poderiam substituir profissionais, como educadores
ou trabalhadores da indústria, em uma reificação15 total do trabalhador.
A respeito do conceito de tecnologia usualmente empregado, Lima Filho e
Queluz (2005) apontam para duas matrizes conceituais principais: a matriz
relacional, que entende a tecnologia como construção, aplicação e apropriação de
práticas, saberes e conhecimentos, e a matriz instrumental, que compreende a
tecnologia como técnica, isto é, como aplicação prática de saberes e
conhecimentos. Se reduzirmos uma tentativa de conceituar a tecnologia como a
aplicação de técnicas, estaremos extirpando do raciocínio as relações sociais,
culturais e de produção envolvidas neste conceito. Porém, não podemos nos
esquecer que “o progresso técnico, a ciência e a tecnologia, são necessidades e
produções objetivas tanto para o capital quanto para o trabalho, tanto para o
processo de dominação quanto para a possibilidade de emancipação” (MARCUSE,
1979 apud LIMA FILHO e QUELUZ, 2005, p.27). Assim:
Ciência, tecnologia e trabalho constituem dimensões interdependentes das relações sociais, sendo, portanto, fundamentais para a produção e organização da sociedade. Tendo como referencial essa concepção de interdependência e interação dessas dimensões como relações sociais, em especial, a concepção de tecnologia daí derivada se contrapõe ao determinismo científico e tecnológico fundamentado na concepção instrumental de tecnologia. Ao contrário, a perspectiva de interação entre ciência, tecnologia e trabalho que dá base a concepção relacional da tecnologia situa a tecnologia no conjunto das demais relações sociais e a compreende em suas múltiplas dimensões, considerando a diversidade dos contextos históricos, culturais, sociais, econômicos e políticos em que são desenvolvidas e apropriadas as diversas tecnologias. (LIMA FILHO e QUELUZ, 2005, p. 27).
Esta visão elaborada a respeito do conceito de tecnologia pode influenciar o
trabalho pedagógico em educação formal e não formal. Se tomada como base de
sustentação, irá servir como orientação entre a visão reducionista, que aplica os
termos técnica, ciência e tecnologia sob o ponto de vista do progresso técnico, e
entre a visão elaborada, que defende a discussão a respeito dos impactos
tecnológicos para com os seres humanos e o meio ambiente. Esses efeitos,
mostram-se cada vez mais evidentes a medida que o mundo do trabalho e o capital
produzem bens de consumo, meios de transporte mais eficientes, telecomunicações
e comunicações de dados mais rápidas e poderosas, assim como avanços
significativos na medicina.
15 A palavra “reificação” refere-se aqui ao ato reificar, ou seja, de aceitar como naturais objetos produzidos, ou ações concebidas pela sociedade.
3
O diálogo educativo sob o ponto de vista elaborado, revelando as
desigualdades de acesso aos avanços tecnológicos no mundo contemporâneo e
globalizado, pode ser a saída para um mundo tecnologicamente avançado, mas
com maior igualdade de acesso aos benefícios da tecnologia. Esse mesmo diálogo,
pode influenciar, também, nas decisões sobre políticas de ciência e tecnologia a fim
de se estabelecer um debate coletivo sobre os processos danosos ao ser humano e
o meio ambiente.
1.2.5 O conceito de ciência
No que concerne à denominada ciência moderna, os veículos de divulgação
científica, como os periódicos impressos, a televisão, os Centros e Museus de
Ciência, objetivam o contato do público em geral com os avanços da ciência e da
tecnologia. Mas a questão primordial a ser atualmente tratada por tais veículos é:
que ciência pretende-se divulgar? “Aquela que tem como compromisso a função
utilitária, ou aquela que busca uma reflexão do mundo natural e tem como
compromisso encontrar uma das inúmeras leituras da natureza?” (LINS DE
BARROS, 2002, p.39).
Fourez (1995), ao analisar o significado do termo “ciência”, aponta duas
designações. A primeira, representa a interpretação que se faz do mundo e da
natureza para qualquer tipo de civilização ou cultura e o conhecimento é tratado de
maneira geral. A segunda representa a “Ciência Moderna”, ou seja, a representação
de mundo e de natureza adotada pela civilização ocidental, em que o conhecimento,
é tratado de modo específico sob a ótica desta civilização e pelo método científico.
Retornando a questão de como abordar o nascimento da “Ciência Moderna
na Europa”, que segundo Chassot (2003), merece todo cuidado e reflexão,
bastando para isso citar a evolução das ciências de outras civilizações, como os
Incas, os Árabes, os Chineses e os Hindus, percebe-se que esta “Ciência Moderna”
distingui-se das demais pelo seu viés ideológico. Refletir a respeito dos
acontecimentos na Europa na Idade Média até meados do séc. XVI, sob uma ótica
evolutiva com relação à técnica, à tecnologia e à ciência, pode ajudar em uma
compreensão mais elaborada do conceito de ciência.
George F. Kneller faz uma importante descrição do contexto em que a
“Ciência Moderna” formulou suas bases:
3
(...) a ciência moderna parece ter surgido na Europa em virtude de uma combinação fortuita de condições históricas. A Renascença, por exemplo, promoveu o individualismo e o interesse por este mundo em vez do próximo. A Reforma e a Contra – Reforma debilitaram a autoridade da religião institucional e reduziram a oposição religiosa aos empreendimentos seculares. O capitalismo criou uma classe dotada de grande apetite por novos conhecimentos, de simpatia pela experimentação e de uma robusta crença na exploração da natureza. As viagens de descobertas dilataram o mundo conhecido e revelaram uma profusão de novos fenômenos (...). Uma tradição nativa de experimentação foi iniciada com os artesãos e alquimistas da Idade Média, e ampliada depois pelas guerras do século XVI, as quais estimularam os homens instruídos a dominar as tecnologias da artilharia e da fortificação. (KNELLER, 1980, p.20).
O autor afirma que, embora fossem suficientes para o nascimento da Ciência
Moderna, essas condições não eram essenciais, sendo esta reunião de fatores um
fenômeno que poderia ocorrer também na China, por exemplo, ou na Nova Guiné.
O fato é que a ciência ocidental foi a mais bem sucedida; fato esse que não a define
como única ciência. De qualquer forma, o conceito de ciência que buscamos diz
respeito a Ciência Moderna pelo fato de que a ela estamos sujeitos, sem no entanto
abandonar a existência de outras ciências.
Este conceito, se desprovido de aprofundamento histórico e sócio-cultural,
sofre o perigo de reduzir-se ao entendimento de mera aplicação do método
científico, que é descrito por Fourez (1995), baseando-se no médico Claude
Bernard16, de forma sucinta: “As ciências partem da observação fiel da realidade. Na
seqüência dessa observação, tiram-se leis. Estas são então submetidas a
verificações experimentais e, desse modo, postas à prova. Uma vez testadas são
enfim inseridas em teorias que descrevem a realidade.” (FOUREZ, 1995, p.38).
Assim, a aplicação do método levaria a humanidade ao progresso científico e
tecnológico, em uma interpretação da ciência reduzida a práticas e a produção de
artefatos.
O mesmo autor, ao descrever o método científico faz um alerta a respeito da
não linearidade do processo de construção do conhecimento científico, quando
coloca a questão da observação. Ele argumenta que observar é estruturar um
modelo teórico, e que não há observação passiva da realidade, pois se trata de uma
16 Claude Bernard escreveu, no século XIX, um importante livro intitulado Introdução ao Estudo da Medicina Experimental, onde descreve, “com muita sutileza e nuance, - bem mais do que na maioria dos manuais de ciências atuais, que contudo se servem de seu esquema -, o método científico”. (FOUREZ, 1995, p.38).
3
organização da visão, uma interpretação, uma relação daquilo que se vê com
noções do que já se possuía anteriormente.
Assim, o método científico empregado de maneira linear, com uma seqüência
bem definida de passos, como descritos em Fourez (1995), não corresponde a
investigação científica que considere a observação desprovida de linguagem, seja
verbal ou mental. Desta forma, “os cientistas não são indivíduos observando o
mundo com base em nada; são participantes de um universo cultural e lingüístico no
qual inserem seus projetos individuais e coletivos.” (PRIGOGINE e STENGERS,
1980, apud FOUREZ, 1995, p.44).
A aplicação linear de um método científico único, que busque a explicação da
ordem natural é, para Fourez(1995), uma simplificação, uma restrição ao
entendimento de como a ciência funciona e qual a sua finalidade. Concordando com
esta afirmação, Alice Lopes (1999)17 é contrária a idéia de um “monismo”
metodológico, pois a diversidade cultural exige também uma diversidade
metodológica. Assim:
É interessante constatarmos que concepções filosóficas extremamente díspares, como o cartesianismo, o empirismo e o positivismo, interpretam a ciência dentro de uma perspectiva monista e continuísta. Para o racionalismo cartesiano, era Deus o ser garantidor da verdade. Para o empirismo, mesmo admitindo a supremacia da experiência e da razão humana, havia uma ordem universal que regulava o mundo, fruto da vontade e da inteligência divinas. Para o positivismo, o caráter monista se evidencia no alcance da verdade, tanto quanto possível, pelo espírito positivo. (ALICE LOPES, 1999, p.117).
Esta perspectiva monista e continuísta, segundo a mesma autora, é
percebida, ainda nos dias atuais, no discurso de muitos filósofos, cientistas,
pesquisadores, professores e estudantes, que compreendem a ciência
invariavelmente como um refinamento das qualidades e possibilidades do
conhecimento comum. Esta visão de ciência baseia-se na interpretação de que a
cultura é um processo cumulativo; e o real é um todo único. Assim, deveria haver
um único método de compreensão desse todo e dessa cultura.
Kneler (1980) reforça que a finalidade da ciência em chegar a este
entendimento exato e abrangente da ordem da natureza, o todo único, está fadado
ao insucesso pois, em sendo os elementos que constituem a natureza infinitamente
17 Alice Casemiro Lopes: pesquisadora com importantes contribuições para a área do ensino de Ciências no Brasil.
3
diversos, o entendimento de sua ordem consumirá um período de tempo
extremamente elevado. Assim, para o autor, se quisermos entender o que é ciência,
devemos considerá-la prioritariamente uma sucessão de movimentos dentro do
movimento histórico mais amplo da própria civilização. Se considerarmos que a
civilização é repleta de culturas, podemos considerar diversas ciências e diversos
métodos.
A visão social da ciência moderna, ocidental, é fortemente influenciada pela
visão mitológica atribuída à ciência. O mito da neutralidade científica, por exemplo,
induz a idéia de ciência como pura e desprovida de inter–relações com a sociedade,
favorecendo a ideologia do cientificismo. Esta ideologia restringe a ciência aos
resultados de suas aplicações, materializados em aparatos tecnológicos. Neste
sentido, Chauí (2000a) pondera que a ideologia e a mitologia cientificistas encaram
a ciência não pela ótica da construção do conhecimento, mas sim, pela ótica dos
resultados “espetaculares e miraculosos” e, sobretudo, “como uma forma de poder
social e de controle do pensamento humano (...).” (CHAUÍ, 2000a, p.281).
O pano de fundo desse controle é o progresso técnico e tecnológico,
supostamente gerado pelo avanço científico. Segundo Chauí (2000a), a idéia de
progresso, isto é, de que os seres humanos, as sociedades, as ciências, as artes e
as técnicas melhoram com o passar do tempo e acumulam conhecimentos e
práticas, aperfeiçoando-se cada vez mais, de modo que o presente é melhor e
superior se comparado ao passado, e o futuro será melhor e superior, se
comparado ao presente, é uma visão positivista que surge no século XIX,
principalmente na França com o filósofo Augusto Comte.
As idéias positivistas caracterizam as ciências como motivadoras do
desenvolvimento social e o acúmulo do conhecimento científico um fator de controle
social, descrevendo o desenvolvimento científico com fins profundamente
utilitaristas. Esse discurso e confiança no progresso e na evolução dos
conhecimentos científicos chegam ao ponto de explicar totalmente a realidade e
fundamentam a manipulação técnica sem limites para a ação humana.
Desta forma, mascara-se as possibilidades de entendimento de uma ciência
não utilitarista, em que o seu valor encontra-se na qualidade, no rigor e na exatidão,
na coerência e na verdade de uma teoria, independentemente de sua aplicação
prática. Esse entendimento não utilitarista descreve que a teoria científica é válida
3
por trazer conhecimentos novos sobre fatos desconhecidos, por ampliar o saber
humano sobre a realidade da natureza e não por ser aplicável praticamente.
Contrariando essa idéia, uma das concepções mais aceitas é que a ciência
não está apenas relacionada à tecnologia, mas que dessa relação depende o
desenvolvimento da técnica, apesar da inconsistência histórica verificada e
apontada anteriormente no texto e por Fourez (1995), quando afirma que durante
muito tempo ciência e técnica se desenvolveram em separado e, em muitas
ocasiões, a técnica esteve a frente das compreensões teóricas. Para destacar essas
concepções presentes, citamos alguns exemplos de definições de ciência coletadas
em dicionários:
Ci. ên.ci.a sf 1.Conjunto metódico de conhecimentos obtidos mediante a observação e a experiência. 2. Saber e habilidade que se adquire para o bom desempenho de certas atividades. 3.Informação, conhecimento; notícia ♦ Ciências Biológicas. As que estudam os seres vivos. Ciências exatas. Aquelas (como a física, a química, a astronomia) que descrevem e analisam os fenômenos de modo quantitativo e segundo suas relações matemáticas muito precisas. Ciências humanas. O conjunto de disciplinas que têm por objeto o ser humano, do passado e do presente, e seu comportamento individual ou coletivo. Ciências naturais. Aquelas (como a biologia, a botânica, a zoologia, a mineralogia, etc.) que têm por objeto o estudo da natureza. Téc.ni. ca sf. O conjunto de processos de uma arte ou ciência. Tec.no. lo.gi.a sf. Conjunto de conhecimentos, esp. princípios científicos, que se aplicam a um determinado ramo de atividade.18
Verifica-se nestas definições a usual atribuição de uma ciência que se
restringe a aplicações técnicas e progresso tecnológico. Retira-se todo o viés
histórico e cultural de construção do conhecimento e a possibilidade de, por meio
da ciência, estabelecer-se um diálogo de interpretação e entendimento a respeito
dos impactos tecnológicos que atingem a humanidade.
O discurso racional utilizado na pesquisa científica vai contra a interpretação
da ciência como multi-cultural. O método científico, apropriado por esse discurso é
trabalhado politicamente e socialmente a fim de justificar a ciência neutra e
progressista. Alertar os profissionais de educação formal e não formal para o
aspecto ideológico e racional presente nos “conceitos de ciência” faz-se aqui, de
extrema importância.
Pensadores e filósofos da ciência, como Karl Popper (1902-1994), Thomas
Kuhn (1922-1996), Imre Lakatos (1922-1974) e Paul Fayerabend (1924-1994),
18 Dicionário Aurélio – 6ª edição - 2005
3
colocaram essa temática em evidência na década de 1960 quando estabeleceram
um importante debate filosófico que, dentre outros aspectos, questionou o fato de o
progresso científico ser, ou um fato inquestionável, no sentido de considerar que
teorias mais recentes podem substituir ou complementar teorias, que até então
eram consideradas como suficientes (Popper e Lakatos), ou sustentar que no
desenvolvimento da ciência há lugar para escolhas que, geralmente, impedem uma
avaliação definitiva, levando ao questionamento de que se os resultados práticos de
uma nova teoria revelam um critério suficiente para concluir que novas teorias são
objetivamente melhores do que as anteriores, tais como apresentadas por Kuhn e
Feyerabend.
Outra abordagem para o conceito de ciência, evidentemente importante em
processos de divulgação de popularização científica e tecnológica, é explorada por
Freire-Maia (2000), quando faz uma reflexão sobre a ciência abordando dois
aspectos fundamentais: a “Ciência-Disciplina” e a “Ciência-Processo.”
A ciência enquanto disciplina, ou formalizada, seria aquela trabalhada pelo
professor em um ambiente formal de ensino e aprendizagem. Segundo o autor, esta
interpretação da ciência corre o risco de apresentar aspectos dogmáticos, refletindo
um processo já construído e acabado, com características que visariam ao
conhecimento de uma parcela da realidade por meio da aplicação do método
científico. As “verdades científicas” podem ser tratadas como edifícios já
construídos, mas, a “Ciência-Disciplina”, em essência, é aquela ciência ensinada na
escola.
A ciência como processo seria uma abordagem diferenciada da ciência
enquanto disciplina, visto que perpassa pela pesquisa como primeiro estágio de um
processo, em que há formulação de questões, descrições, interpretações, leis,
teorias, modelos. Em um segundo estágio viria a questão da divulgação dos
resultados assim obtidos. Freire-Maia (2000) destaca a grande diferença entre a
“Ciência-Disciplina” e a “Ciência-Processo”, em que a última assume um caráter
essencialmente provisório devido à natureza do procedimento de investigação
científica; provisoriedade esta que, ao traduzir-se para a educação científica, perde-
se no caminho dogmático apresentado aos estudantes.
No âmbito do ensino de ciências existe um confronto entre os pesquisadores
que consideram que a meta é fazer com que o estudante pense de acordo com as
3
concepções científicas, entendidas como constituintes do conhecimento mais
refinado, e aqueles que sustentam que na aprendizagem das ciências há lugar
legítimo para escolhas e adaptações (VILLANI, 2001). Mas qual ciência deve ser
ensinada?
Assim, uma discussão que procure retratar os conceito de ciência não pode
estar desvinculada das relações entre cultura, trabalho, ciência e tecnologia. Essa
reflexão direciona ao entendimento de que a produção científica e tecnológica sofre
influências das relações de poder existentes no mundo do trabalho e da cultura.
Estas influências apresentam repercussões na produção, reprodução e divulgação
dos conhecimentos científicos e tecnológicos. A atual lógica do capital, inerente a
maioria esmagadora dos processos produtivos mundiais, necessita de alternativas
de imposição que geralmente envolvem a prática de construção de conhecimentos
científicos e tecnológicos. Desta forma, os meios de divulgação científica e
popularização têm uma responsabilidade muito grande no aspecto de como
entender a ciência.
Defende-se aqui, que o conceito de ciência atrela-se ao fator cultural
envolvido nas pesquisas científicas, nos objetivos definidos para essa pesquisa, nas
relações sociais que baseiam a cultura e nas relações de poder que envolvem o
mundo do trabalho pertencente a determinada cultura. Este conceito, que pode
variar no que concerne a valores morais que variam culturalmente, não será e não
terá um aspecto de neutralidade, pois influenciará e será influenciado pela dinâmica
cultural ao qual está inserido.
A reflexão a respeito dos conceitos de ciência e tecnologia, baseados nos
processos de produção e cultura, em um mundo globalizado, tem a intenção de
levantar questões, à luz da produção de saberes em museus e centros de ciência.
Essas questões objetivam estimular o debate a respeito de como as vivências
museológicas podem dar a sua contribuição a uma consciência mais crítica da
influência tecnológica e científica nas relações sociais. A esse respeito, uma
abordagem da história dos museus de ciência pode esclarecer muitas dúvidas com
relação a ideologia presente em suas exposições, programas de recepção pública e
política de parcerias com outras instituições. Esta história será retratada no capítulo
que segue.
3
CAPÍTULO 2 – MUSEUS E CENTROS DE CIÊNCIA
Os museus de história natural e os museus de ciência evoluíram na história a
partir de uma origem remota, segundo Cazzeli et al. (1999), localizada nos
gabinetes de coleções renascentistas europeus, compostos de animais
empalhados, quadros, coleção de moedas, fósseis, etc. Estas coleções marcam o
início de um processo de consolidação que iria desenvolver-se ao longo dos séculos
XVII, XVIII e XIX, revelando alguns dos aspectos básicos das instituições que se
formariam nos dias atuais, porém, apresentados de forma desorganizada e com
disponibilidade voltada para uma pequena parcela da população, considerada apta
a compreender o ambiente museológico.
Atualmente, Centros e Museus de Ciência são instituições afins no que
concerne a função social e educacional, política de atuação e comprometimento
com a socialização do conhecimento. Entretanto, segundo Cury (2001), diferem em
alguns aspectos como na questão do método de trabalho e principalmente na
questão da comunicação dos temas que, no caso dos museus, é efetuada com
base no acervo, enquanto no Centro de Ciências, é efetuada com base na política
científica da instituição.
Não se pretende aqui, marcar na história um ponto de referência do início da
história dos museus e centros de ciência, mas sim, estudar uma maneira dialógica
de se entender esta evolução com base na influência da expansão européia para
com o resto do mundo, sob a ótica da ideologia colonialista.
2.1 TRAJETÓRIA HISTÓRICA
Chassot (2003) nos faz refletir sobre o quanto a história é influenciada por
questões ideológicas. Cita, por exemplo, o ano de 1492 como um marco zero para a
história das Américas, supostamente descobertas por Colombo. Cita, também, o
marco zero da história do Brasil, em 1500, com a chegada de Cabral. O convite de
Chassot à reflexão é sobre a história das Américas e do Brasil anterior aos marcos
estabelecidos pelos colonizadores. A história do surgimento e do desenvolvimento
dos museus, museus de história natural, museus de arte e ciência, os “science
centers” também exige uma reflexão mais aprofundada, principalmente no que diz
3
respeito à influência da ascensão do eurocentrismo no mundo a partir do século
XIV.
Na antigüidade, as grandes coleções estão ligadas aos senhores, reis e
imperadores, aliados ao anseio das mais variadas culturas em transmitir sua
herança, materializada nesse patrimônio. Aurora Leon (1988)19 e Maria Margarete
Lopes (1997)20 nos destacam o “colecionismo” como um fenômeno sociocultural
necessário ao surgimento dos museus. Há, segundo as autoras, a partir da segunda
metade do século XIV, uma aproximação que une o mundo visível, referindo-se a
Europa, e o mundo invisível aos cidadãos europeus, mas que aos poucos iria ser
explorado em jornadas de reconhecimento.
Essa aproximação se dá na aparente diversidade dos objetos adquiridos no
“exterior”, representantes de várias culturas, que iria se consolidar com o que
acontece a partir do séc. XV, com a intensificação das viagens com origem européia
e destino ao “Novo Mundo”. Essas jornadas deslocaram as fronteiras do invisível,
atingindo-se locais até então impensados, recolhendo objetos de valor comercial e
cultural para os gabinetes dos príncipes e sábios. Tecidos, ourivesarias, porcelanas,
fatos de plumas, estátuas, cerâmicas, exemplares da flora e da fauna, conchas, e
outros inúmeros objetos recolhidos em ambientes até então desconhecidos
“constituíam os novos semióforos21; objetos que, retirados de seu contexto e
recolhidos não pelo seu valor de uso, mas por seu significado, perderam utilidade,
passando a representar o invisível: países exóticos, sociedades diferentes, outros
climas.” (M. M. LOPES, 1997, p. 12).
Para McManus (1992) apud Cazelli et. al. (1999), os museus desta época
tinham como característica marcante uma ligação estreita com a academia; a
educação voltada para o público não era sua principal meta, mas sim contribuir para
o crescimento do conhecimento científico por meio da pesquisa. A mesma autora
caracteriza os museus de ciência pelas temáticas que os geraram, a saber: história
natural (primeira geração), ciência e indústria (segunda geração), fenômenos e
conceitos científicos (terceira geração). Ainda segundo McManus, somente no
19 Aurora Leon nos aponta, em seu livro El Museo, que o "colecionismo, apesar de seus problemas, foi um fenômeno sociocultural necessário ao aparecimento da instituição museológica".20 Maria Margarete Lopes, pesquisadora e historiadora, traz grande contribuição a respeito da evolução das ciências naturais e museus brasileiros. 21 Marilena Chauí indica: “que existem alguns objetos, animais, acontecimentos, pessoas e instituições que podemos designar com o termo semióforo. São desse tipo as relíquias e oferendas, os espólios de guerra, as aparições celestes, os meteoros, certos acidentes geográficos, certos animais, os objetos de arte, os objetos antigos, os documentos raros, os heróis e a nação.” (CHAUÍ, 2000, p.11)
4
século XVIII são organizadas coleções mais estruturadas, verificando-se as
primeiras orientações em pesquisa e divulgação de história natural.
Tomando de empréstimo a classificação de McManus, seguindo os passos de
outros autores como Cazelli (1999), Padilha (2001), Gaspar (1993), Marandino
(1999) entre outros, tentaremos retratar a evolução histórica dos museus de ciência.
Serão acrescentadas e esta caracterização, entendida aqui como um processo não
linear, inserções com o intuito de retratar as influências ideológicas de cada período,
com o objetivo de visualizar esta não linearidade classificatória das gerações de
museus utilizada por McManus.
Este esforço resultou em apropriações classificatórias das denominações
“primeira”, “segunda” e “terceira” gerações, associadas a denominações próprias
deste texto, a saber: “As Riquezas de Além Mar”, “As Maravilhas Mecânicas” e
“Interatividade e Influência Ideológica”, respectivamente às anteriores, de McManus.
2.1.1 Os museus de primeira geração - “As Riquezas de Além Mar”
Podemos inferir, com Maria Margarete Lopes (1997), que é possível discutir
duas características marcantes nas coleções anteriores ao séc. XVIII e a partir daí,
sob o ponto de vista da influência colonialista européia. A primeira é a
representação do “invisível” das terras longínquas, não somente uma forma de
contemplação de diferentes culturas, mas também, de futuras aquisições e
apropriações. A outra, marcando o embrião da hegemonia da ciência moderna na
Europa, com a revolução científica exposta nas vitrines desses museus. Mas, é
importante frisar:
Não se trata aqui de procurar um acontecimento ou data para situar o surgimento das Ciências modernas, e entre eles a História Natural, mas sim de buscar compreender o processo prolongado pelo qual as atividades de grupos de indivíduos puderam ir sendo identificadas gradualmente como atividades científicas. Nesse sentido, sem dúvida, o século XVII merece ser considerado como um ponto de inflexão na história do pensamento e das idéias. Mas, como a Ciência é algo mais que pensamentos e idéias, é em essência uma “atividade”, é exatamente nessa atividade que reside uma base para uma forma igualmente válida de se analisar o seu surgimento e desenvolvimento como uma ocupação profissional. E isso não ocorreu no século XVII. É só bem adentrado o século XIX que se pode ver esse fenômeno se consolidando. (M. M. LOPES, 1997, p. 14).
Entende-se aqui, o nascimento dos museus de primeira geração (História
Natural) como fruto de um processo em que os gabinetes e jardins passam a
4
substituir seus antigos mostruários por exposições catalogadas. Estas, na visão
crítica de Foucault, se tornam um modo de introduzir na linguagem sobre o mundo
“uma ordem que é do mesmo tipo que se estabelece entre os vivos” (FOUCAULT,
1967, p.177 apud M. M. LOPES, 1997, p.13). Esta ordem estabelecida, segundo o
autor, constituiria uma nova maneira de se escrever a história da natureza, sob o
olhar minucioso e neutro das descrições sempre fiéis dos documentos
representados pelos locais onde os objetos eram agrupados objetivamente de
acordo com os seus traços comuns.
Os museus de ciência de primeira geração são vistos como santuários de
objetos em uma reserva aberta, ou seja, as peças acumuladas eram mostradas na
sua totalidade a partir de uma classificação e de forma repetida. Maria Margarete
Lopes (1997) defende que esses museus, criados na Europa nos séculos XII, XIII, e
espalhando-se pelo mundo ao longo do século XIX, foram em grande medida, os
responsáveis pela mudança de atitudes e visão sobre o mundo que estão na base
do processo de formação das Ciências Naturais. A autora afirma que a consolidação
da ciência moderna (eurocêntrica) foi influenciada, em parte, pela proliferação dos
museus de História Natural, os quais tornaram-se espaços de reprodução e
disseminação das concepções científicas vigentes. Destaca ainda, o Muséum
d`Historie Naturalle de Paris, importante para a compreensão da evolução das
ciências biológicas do século XIX, na França, bem como os demais museus de
História Natural, revelando-se um meio útil para o estudo a respeito das políticas de
Ciências Naturais no século XIX.
Vale ressaltar que a autora compara os museus que surgiram até os
primeiros anos do século XIX às catedrais da ciência, santuários de contemplação
da ciência. Embora, mantendo sua característica essencial de estabelecer conexões
entre o mundo visível e o invisível, os museus assumem uma posição de canal de
comunicação da sociedade urbanizada, em uma dinâmica semelhante a assumida
pelas igrejas, em que os indivíduos unem-se em celebração do mesmo culto à
ciência.
A história dos museus no Brasil está contida em um universo de influências
muito interessante, reunindo características européias, mais precisamente
portuguesas, considerando a importância dos processos de consolidação colonial
ocorridos no século XVII. Em 1784, foi criada no Brasil, a popularmente denominada
“Casa dos Pássaros”, a “Casa de História Natural”, que, por um período de
4
aproximadamente trinta anos, organizou coleções de produtos naturais na terra
brasileira, bem como adornos e artefatos indígenas. Estas coleções eram
organizadas com o intuito de serem despachadas a Lisboa, configurando uma
relação entre Brasil e Portugal nas últimas décadas dos anos setecentos, destinada
a uma espécie de entreposto colonial. Com a chegada da família real portuguesa no
Rio de Janeiro, não se justificava mais a necessidade de tal entreposto de produtos
naturais. Por questões de contenção de verba o museu foi fechado, e os empregos
extintos. O acervo da casa contava com mais de mil peles de pássaros, muitos
insetos e alguns mamíferos. Esse acervo, guardado em caixões por mais de um
ano, teve boa parte dos seus exemplares perdida. O que sobrou, foi transferido para
o Arsenal de Guerra, juntamente com uma bela coleção mineralógica, chamada
“Coleção Werner22” e alguns instrumentos físicos antes destinados a aulas da
Academia Militar.
O Brasil Colônia recebia a família real em 1808, praticamente expulsa de
Portugal pelos interesses Ingleses e Franceses. A Corte portuguesa em solo
brasileiro iria tomar toda sorte de medidas, tanto de caráter econômico, quanto de
caráter cultural, no intuito de viabilizar a colônia como nova sede da Monarquia. Os
projetos de modernização pensados pelos imperiais europeus, e que incluíam a
fundação de museus e jardins botânicos, vão influenciar a criação do Museu Real
do Rio de Janeiro, por decreto, em 6 de junho de 1818, vindo a substituir a antiga
“Casa dos Pássaros” e constituindo o museu Nacional, que, segundo Maria
Margarete Lopes (1997), quebra com o modelo até então concebido, de depósito
transitório de objetos e coleções. O que continua é o modelo trazido da Europa,
isto é, de um Museu Metropolitano de caráter universal, mas com mudanças nas
particularidades de suas instalações.
Segundo Gaspar (1993), o objetivo inicial do Museu Nacional era
essencialmente prático, destinando-se a propagação das Ciências naturais do reino
do Brasil. O Museu Nacional, seguindo esta orientação utilitarista, se tornaria
consultor do governo Imperial para assuntos de interesse econômico,
22 A bela coleção mineralógica, de fato integrada ao acervo do futuro Museu Nacional quando de sua criação em 1818, é conhecida como “Coleção Werner”. Foi comprada por doze contos de réis de Karl Eugen Pabst von Ohain, assessor de minas da Academia de Minas de Freiberg, Alemanha, provavelmente em 1805, por ordem de Antônio de Araújo de Azevedo – Conde da Barca - , ministro dos Estrangeiros de Guerra, para o museu de História Natural de Lisboa. Seus 3326 exemplares foram classificados por Abraham Gottlob Werner, que publicou em gótico catálogos dessa coleção em 1791 e 1793. (LOPES, 1997, p.28).
4
mineralógicos, agrícolas e industriais. Apesar da expansão do seu acervo o museu
parecia cumprir um papel de depositário das coleções e curiosidades, em
exposições sem qualquer classificação ou delimitação científica, tendo como base
teórica um documento reimpresso em 1819 denominado “Instrução”, como comenta
Maria Margarete Lopes (1997) descrevendo a “Instrução para os viajantes e
empregados nas colônias sobra a maneira de colher, conservar e remeter os
objetos de História Natural”. A referida instrução, segundo o entendimento da
autora, expressa o ideal de funcionamento do Museu Real e depois Imperial e
Nacional do Rio de Janeiro nos seus primeiros vinte e cinco anos de funcionamento,
seguindo o modelo europeu dos museus metropolitanos apoiados em uma rede de
museus provinciais para o abastecimento do museu central. Assim, “(...) se eram
essas as funções do nosso museu – identificar os produtos naturais únicos dessa
parte do mundo, para o proveito das Ciências e das Artes e deles prover os museus
do mundo -, para concretizá-las foram necessárias aquelas minuciosas informações
acerca da mobilidade, estabilidade e combinabilidade do que seria coletado. E a
Instrução exatamente a isso se dedicava.” (M. M. LOPES, 1997, p. 45). Desta
forma, identifica-se essa fase do museu Nacional como um legítimo representante
de museu de primeira geração, que em 24 de outubro de 1821 foi aberto ao público,
restringindo a visita às quintas feiras das dez horas da manhã até a uma hora da
tarde. Essas visitas destinavam-se a pessoas que se fizessem dignas pelos seus
conhecimentos e qualidades e teriam acesso a quatro salas de exposições,
contendo armários com as primeiras doações que o próprio D. João VI fez:
(...) um precioso vaso de prata dourado terminado por um grande coral esculpido que representa a batalha de Constantino contra Maxêncio; algumas antiguidades, como duas chaves romanas, um pé de mármore com alparcata grega, uma arma de fogo marchetada de marfim da Idade Média e imensos quadros de bons autores; duas peças contendo diversos modelos de oficinas, das artes e de ofícios, mandados fazer no tempo da Senhora D. Maria I para a instrução do Príncipe D. José; dois armários octaedros, contendo oitenta modelos de oficinas das profissões mais usadas no fim do século passado. (SILVA MAIA, 1852, p. 82 apud M. M. LOPES, 1997, p. 52).
O Museu Nacional iria assim configurar-se, até o fim do século XIX, quando a
sua característica começa a mudar de forma seguindo a tendência da grande
mudança mundial e estabelecimento da Ciência Moderna. O advento da valorização
das Artes Mecânicas, como descrito no capítulo dois; a explosão tecnológica e a
Revolução Industrial tiveram um papel importante na transição dos museus de
primeira geração para os museus de segunda geração, que irão se valer a
4
consolidar as maravilhas mecânicas e elétricas como uma idéia de hegemonia
mundial, em que todos os povos teriam a salvação social, econômica e cultural no
progresso científico e tecnológico.
2.1.2 Os museus de segunda geração – “As Maravilhas Mecânicas”
O final do século XIX é conhecido como a era da “sciencia”. “Estamos
falando, portanto, de um momento em que uma certa burguesia industrial, orgulhosa
de seu avanço, viu na ciência a possibilidade de expressão de seus mais altos
desejos.” (COSTA e SCHWARCZ , 2000, p.10).
Chassot (1994) nos aponta o século XIX como o período de consolidação da
ciência como atividade marcante nas relações do homem para com a natureza. A
ciência passa a desempenhar um papel de transformadora dessas relações e não
apenas de veículo de compreensão dos fenômenos naturais. Inúmeros avanços
foram verificados nesse sentido dos quais, o mesmo autor destaca vários. Para citar
apenas alguns exemplos, a superação da idéia flogistica e o esclarecimento da
combustão por Lavoisier; avanços significativos nos modelos atômicos; a
universalidade atingida para a linguagem utilizada na química; estabelecimento da
classificação periódica dos elementos; notável desenvolvimento da química
orgânica; surgimento da indústria química; os avanços de Newton e Leibniz a
respeito do Cálculo Diferencial e Integral, abrindo várias possibilidades no campo da
Física; as discussões a respeito da natureza da luz, que remonta a Newton, Hook e
Huygens ressurgiram em A. J. Fresnel (1788 -1827) e T. Young (1788 -1827),
vestindo a teoria com uma roupagem moderna e possibilitando a evolução desses
estudos no século XX com Einstein e De Broglie; as contribuições de Coulomb,
Galvani, Volta, Davy, Ohm, Oersted, Ampère, Henry, Faraday, Maxwell, Kelvin e
Hertz, no campo da eletricidade e do eletromagnetismo, possibilitando ao mundo
contemporâneo a revolução tecnológica que se estabelece. A importância desse
desenvolvimento é de tal amplitude que basta imaginarmos o mundo de hoje na
ausência da eletricidade.
O final do século XIX é conhecido como “belle époque”. O mundo vive uma
atmosfera de fausto e luxo, que tem como representante triunfal a grande exposição
universal de Paris, em 1900, simbolizando um tempo de abundância e desprovida
de revoluções. Era a festa da eletricidade, como comentam Costa e Schwarcz:
4
Dispondo de um orçamento gigantesco (120 milhões de francos contra 11 milhões em 1855), a exibição era inteiramente organizada a partir da perspectiva que previa um futuro onírico e idealizado: um tempo de abundância e sem revolução, de alegria e ilusão. Por isso mesmo a anfitriã - a grande ilusionista – desta festa era a luz. A “festa eletricidade” abria-se com um palácio monumental totalmente iluminado por 12 mil lâmpadas. Além disso, uma gigantesca estrela iluminava todo o “Pavilhão da Eletricidade”, que surgia como emblema da humanidade marcada por inovações tecnológicas (...) de trem ou de barco chegava-se ao mediterrâneo ou a Moscou e Pequim, sem sair, é claro, de Paris. Era mágica também que envolvia o Cinerama, ou uma sessão do cinematógrafo, com projeção em tela gigante (...) na verdade, todo um imenso complexo arquitetônico deu lugar a uma encenação em que cabia o mundo inteiro em um só lugar. Em destaque os personagens diletos – a luz e a velocidade, o progresso e a civilização: um mundo em que as noções de tempo e de espaço começavam a ser abaladas. (COSTA e SCHWARCZ, 2000, p.16).
A primeira grande exposição universal aconteceu em Londres, em 1º de maio
de 1851, quando foi erguido o chamado Palácio de Cristal23, ou Cristal Palace. Seu
construtor, um antigo horticultor/jardineiro, John Paxton, de origem humilde, se
destacou graças a sua genialidade e perseverança, “mostrando ser um símbolo da
capacidade criadora do homem e das potencialidades do trabalho como redentor do
próprio homem.” (PESAVENTO, 1997, p.74).
Refletindo a respeito da influência das grandes exposições universais nos
museus de segunda geração, não se pode deixar de citar um dado relevante no que
diz respeito a ideologia que sustenta esses eventos. Segundo Heloísa Barbuy
(1999) existe uma diferença fundamental entre as exposições do século XIX e as
contemporâneas, onde a sociedade vê no mundo uma realidade de várias faces e
interpretações, enquanto nas primeiras exposições, essa mesma sociedade tinha a
idéia de um mundo que seria unido pelo progresso técnico e científico. Sendo
assim, as exposições não deixam de ser representações ideológicas de um mundo
em constante mutação e, portanto, uma influência política sobre as decisões
coletivas. A autora reflete sobre a exposição de 1851, dizendo que esta nasceu com
caráter de feira industrial, mas que logo após, as exposições que a sucederam
tinham o caráter de representação ideológica de um mundo, que compreendia a
industrialização como a chave mestra para os problemas sociais.
A mentalidade cientificista de que o mundo poderia resolver seus problemas
básicos por meio da ciência e da tecnologia, reforçada pelo movimento positivista de
23 Apresentando uma concepção arrojada que jogava com novos materiais de ferro e vidro, Paxton concebeu uma construção de ferro de grande altura combinada à leveza e transparência do uso do vidro. Com 564 metros de altura por 124 metros de largura, a surpreendente obra de Paxton converteu-se logo no símbolo do progresso da indústria e do desenvolvimento do engenho humano.
4
Augusto Comte, surgem refletidas nas exposições universais do início do século
XIX. Um bom exemplo dessa influência se reflete nos sistemas classificatórios
enciclopédicos que as organizam, como apontado por Rasmussem (1992) apud
Barbuy (1999), na intenção de mostra universal do gênio humano; um problema
além da ordenação de produtos, mas de ordenação de papéis e de criação e
difusão de imagens a eles correspondentes; a imagem de um mundo que se
pretende implantar. A classificação, segundo a autora, tem um papel didático
importante e determinante nas exposições. Assim, vê-se pela primeira vez
estabelecido em Paris, um papel de organização visual com concepção intelectual e
ideológica de exposição, em um projeto podendo ser denominado de museográfico
com o intuito de catalogar-se todas as atividades humanas. Assim, (BARBUY, 1999,
p. 43) defende que a idéia de “uma organização espacial e visual (museografia)
correspondente a uma dada concepção intelectual e ideológica (museologia) possa
ser aplicada ao conjunto das exposições e não somente às partes em que se
obedece ao disposto em uma regulamentação escrita”.
O papel desempenhado pelas colônias nas exposições universais é
comentado por Barbuy em uma importante análise, se ponderarmos a questão da
educação relacionada às grandes exposições universais. Ingleses, franceses e
americanos, isto é, países em expansão territorial e comercial usam o papel
ideológico das exposições para um fim utilitarista em relação às suas colônias. A
esse respeito, a autora ressalta:
(...) a afirmação de poder das exposições de criar imagens estereotípicas (que podem conduzir ao estabelecimento de papéis) de determinados grupos étnicos e de incuti-las nesses mesmos grupos, a ponto de, após sua independência política, eles passarem a usar essas mesmas imagens como símbolos de identidade nacional. Assim, reservam-se a cada nação, colônia ou mesmo continente (geopolítica), e a determinados ramos da atividade humana, certos papéis a cumprir no “concerto das nações”. Esses papéis são concebidos, sobretudo, em função das necessidades da indústria, em escala mundial (ao Brasil, por exemplo, reserva-se o papel de manancial de riquezas naturais). (BARBUY, 1999, p. 44).
Este poder revelado necessita de processos eficazes de reprodução,
encontrando no clima das grandes exposições universais, que mostra uma
preocupação com o mundo do trabalho relacionado aos avanços técnicos, um
ambiente propício. A educação tem um papel de elemento de impulso na
transformação no mundo revelado nas mostras tecnológicas e de produção
industrial, como comentam Valente, Cazelli e Alves (2005), em uma visão de que a
4
educação não iria mais se restringir ao ambiente escolar. O ambiente educativo que
das exposições universais é de caráter normativo e de objetivos voltados ao
progresso técnico. O final do século XIX declarou um otimismo no progresso da
ciência e havia a necessidade de vazão a esse progresso por meio da educação,
atingindo tanto imperialistas como colonizados. Assim, ”a ciência constitui-se, então,
em um mito que resolveria todos os problemas, além de ser considerada o melhor
instrumento para promover uma sociedade civilizada. Uma nova era parecia
predizer a evolução da natureza por meio de leis fundamentais e sob tal premissa a
verdade científica seria definitivamente obtida.” (VALENTE, CAZELLI e ALVES 2005,
p. 186).
Esta educação aparece de maneira mais explícita nos museus de segunda
geração do que nos de 1º geração, com ênfase no mundo do trabalho e avanço
científico. Assim, os museus que contemplavam a tecnologia industrial, seguindo os
passos das grandes exposições universais, teriam uma finalidade de ensino de
atividades industriais, muitas vezes, funcionando como extensão da indústria. O
treinamento técnico a partir de conferências públicas organizadas pelos museus de
segunda geração é um indício desta tendência em que, mais do que a cultura geral,
o museu está preocupado com o mundo do trabalho, refletindo o pensamento de
culto à tecnologia.
Em Cazelli et al. (1999), destacam-se dentre os museus que contemplavam
a tecnologia industrial o Conservatoire des Arts et Métiers (França, 1794) e o
Franklin Institute (EUA, 1824). Vale ressaltar que, segundo Maria Margarete Lopes
(1997), o Muséum d´Histoire Naturelle de Paris e o Conservatoire des Arts et
Métiers foram, e ainda são, duas instituições completamente distintas.
Por outro lado, no Brasil há uma aproximação muito grande entre o Museu
Nacional e a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, até mesmo antes de sua
constituição formal. Mediante exposições públicas de máquinas, que parecem ter-se
conservado pelo menos até a década de 1840, reuniões de membros da sociedade,
cursos voltados para agricultores e artistas do império, aulas de química e física
com a utilização de recursos de laboratório do Museu Nacional, efetivava-se um
intercâmbio importante entre as duas instituições. Podemos compreender com base
na mesma autora que, esta aproximação se deu sob a influência do Conservatoire
des Arts et Métiers e se fez presente no fato de a Sociedade Auxiliadora da Indústria
Nacional e o Museu Nacional conviverem juntos durante anos, em que o museu faz
4
sua parte expondo modelos, ao mesmo tempo que partilha suas salas com a
sociedade. Esta influência pode ser verificada em um trecho de documento oficial do
Museu Nacional:
Enquanto a nação que tira os seus recursos da terra que a sustenta não chega ao estado da indústria que, podemos considerar como o terceiro período do aperfeiçoamento social, e que constitui a verdadeira independência política, é de interesse desta nação introduzir todos os aperfeiçoamentos possíveis nos diferentes ramos da indústria nacional por mais rara que ela seja, e principalmente na prática da agricultura e na preparação dos seus diversos produtos a fim de possuir a vantagem de dar menos e receber mais (...) Dois são os meios de conseguirmos esse fim e estes já se acham em atividade nas grandes nações do antigo mundo; isto é: o estabelecimento de um conservatório de Artes e Ofícios e de uma sociedade protetora da Indústria Nacional. O Conservatório de Artes e Ofícios será especialmente destinado a receber o original de todos os instrumentos ou máquinas inventadas ou aperfeiçoadas e aplicáveis a qualquer gênero de Indústria. É uma espécie de Museu de Indústria onde o cidadão pode ir a qualquer hora examinar e tirar o modelo de qualquer instrumento ou máquina que lhe seja necessária e instruir-se nos melhoramentos que a experiência e os descobrimentos dos artistas têm efetuado. (L.O Mus. Nac. 11/07/1825:19-22 apud M. M. LOPES, 1997. p. 74).
O Museu Nacional manteve ainda outros vínculos além da Sociedade
Auxiliadora da Indústria Nacional, como a Academia de Belas Artes, o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, as escolas Militar e de Medicina, Jardim Botânico
e a Biblioteca Nacional, revelando uma importância muito grande no contexto da
evolução da ciência no Brasil. Além deste fato, a influência do Museu Nacional se
faz presente no ensino formal brasileiro, sendo o Museu, apontado por Maria
Margarete Lopes (1997) como irradiador e de apoio a estas atividades. Segundo a
autora, data de 1822 o primeiro registro que se encontra de sua contribuição ao
ensino regular, em uma colaboração do Museu Nacional com a Academia Militar.
Mas o efervescente clima de progresso técnico influencia o Museu Nacional
de forma muito notória, ao que já não se faz mais interessante a denominação que
demos anteriormente de “legítimo representante dos museus de primeira geração”.
Podemos refletir que o desenvolvimento técnico e a idéia de progresso, refletido na
expressão citada por Maria Margarete Lopes (1997) “olhos na Europa e pés na
América”, largamente utilizada na época, dão ao Museu Nacional agora uma
roupagem de museu de segunda geração. As exposições nacionais e universais
servem de afirmação desta hipótese, sendo o Museu Nacional o primeiro a
organizar uma “Exposição de Indústria” no Rio de Janeiro, em setembro de 1861.
Segundo a mesma autora, esta exposição teria disparado o processo da primeira
4
exposição nacional, preparatória para a Exposição Universal de Londres, em 1862,
com a estréia do Brasil nestes eventos.
O cenário do Movimento dos Museus no Brasil no final do século XIX está
relacionado com o cientificismo brasileiro, com sintomas explícitos de um interesse
crescente pelas Ciências Naturais da mesma época. Assim, entram no cenário
outras instituições com características marcantes deste cientificismo, como por
exemplo, o museu Paraense Emílio Goeldi, fundado em 1871, e o museu
Paranaense, em Curitiba, fundado em 1876. Em São Paulo, foi criada a Associação
Auxiliadora do Progresso da Província em 11 de junho de 1877, com a finalidade de
criar um museu. No Rio de Janeiro, em 1879, iniciaram-se as obras do Museu
Agrícola Industrial do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura e o Museu Escolar
Nacional em 1880. No Amazonas, em 1883 o Museu Botânico do Amazonas e em
1894, foi fundado o Museu do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e no mesmo
ano, será organizado o Museu Paulista (M.M. LOPES, 1997).
Dantes (1980) citada por Maria Margarete Lopes (1997) relaciona essa
multiplicação de espaços institucionais, caracterizada pela valorização das ciências
e extensão do método científico ao estudo dos fenômenos humanos e sociais, ao
cientificismo. Este, segundo o autor, serviu de base de sustentação da renovação
dos espaços citados, assumindo nas análises da sociedade brasileira a essência
classificatória das Ciências naturais e, portanto, dos museus, “popularizada pelas
formas específicas das classificações hierárquicas, das teorias da evolução social,
que correlacionavam a evolução das sociedades à biológica, substituindo os
organismos vivos pelos grupos humanos.” (DANTES, 1980 apud M. M. LOPES,
1997, p. 157).
Assim os museus, aqui considerados de segunda geração, tomando de
empréstimo e definição de McManus, caracterizaram-se pela difusão de um futuro
baseado do progresso científico e tecnológico, onde a solução para os problemas
dos seres humanos estaria na “civilização” dos não civilizados. Lembrando que os
museus atuam direcionados pelo pensamento de seus diretores e profissionais
envolvidos, Maria Margarete Lopes (1997) afirma que os novos parâmetros das
Ciências Naturais foram seguidos por esses profissionais, inaugurando os estudos
experimentais no país e rompendo com a tradição exclusivamente naturalista dos
museus de primeira geração. Ainda, segunda a mesma autora, havia a questão da
antropologia envolvida no estudo da organização de estratégias de “civilização”, por
5
exemplo, na sustentação das teorias raciais craniométricas, apoiadas na frenologia,
associando diretamente evolução e raça “na perspectiva de levar esse país de
mestiços à civilização e ao progresso. Ainda hoje, há o discurso de levar a “alta
cultura da humanidade” aos carentes de conhecimento, como se o conhecimento
verdadeiro estivesse fora do alcance da maioria dos cidadãos. Os museus, dentro
desse pensamento, seriam elementos de “catequização” cultural, contribuindo para
a desobescuridade dos pobres de espírito cultural, tendo no acesso das
informações a respeito das grandes “descobertas científicas” uma chance, uma
oportunidade e um meio para tal desobescuridade.
2.1.3 Os museus de terceira geração – “Interatividade e Influência Ideológica”
Cazelli et al. (1999) observa uma semelhança entre a comunicação que
ocorre nos museus de primeira e de segunda geração e a que ocorre na escola,
enquanto instituição formal de ensino. Essa semelhança, segundo a autora, reflete a
tendência pedagógica tradicional vigente na época e apresenta-se tanto em relação
à forma autoritária da exposição do conhecimento quanto ao papel passivo dos
visitantes. Essa passividade, na relação visitante-museu, é comparada por Cazelli à
tradição enciclopedista do ensino de Ciências que se verificou até meados de 1950.
Enquanto a educação formal tratava os estudantes como receptores de informações
a respeito de fatos objetivos e leis observadas, segundo uma filosofia indutivista-
realista, os museus davam ênfase à contemplação das coleções e objetos
museológicos de valor histórico intrínseco, caracterizando-se nos dois casos a
passividade no processo educativo.
A educação formal possui até hoje, em muitas instituições, características de
reprodução de um método científico baseado na observação fiel da realidade a fim
de se obterem leis que podem ser submetidas a testes, inseridas em teorias que se
prestam a descrever a realidade observada, em uma seqüência de passos rígida,
linear e objetiva. É possível que a influência exercida no contexto educacional dos
museus de ciência de segunda geração tenha base no escolanovismo, que segundo
Ghiraldelli (1991), constitui-se de um movimento educacional a partir dos textos do
norte americano John Dewey (1859-1952) e também de escolanovistas europeus.
Dewey, segundo o mesmo autor, formulou cinco passos para o funcionamento do
raciocínio indutivo: tomada de consciência do problema, análise de elementos e
coleta de informações, sugestões para as soluções do problema – hipóteses,
5
desenvolvimento das sugestões apresentadas e experimentação. Esta seqüência de
passos reproduz o método científico, que dará base de sustentação ao tecnicismo
educacional que surge dentro da pedagogia nova, à sombra do progressivismo.
Os museus de segunda geração que deram apoio a esse progressivismo
reforçam as idéias tecnicistas, influenciam e são influenciados por elas. A evolução
dessas instituições, agora chamadas de museus de ciência e tecnologia, está
relacionada, segundo Santo (2003), com o processo de “alienação do trabalhador”
que recorriam aos museus em busca de conhecimento técnico e, posteriormente, o
próprio profissional dos museus, atingido por essa tendência. Os fenômenos
científicos expostos desta forma no museu se aproximam da tendência
escolanovista, como reforça Cazelli:
Reconhece-se, neste momento, uma coexistência, tanto nas escolas quanto nos museus, de alguns preceitos da abordagem pedagógica proposta pelos defensores da Escola Nova, entre eles a ênfase no papel da ação dos visitantes. Em contraposição à passividade da ênfase anterior. (...) É problemático afirmar que tal tendência foi amplamente incorporada nos museus, apesar de se poder reconhecer claros exemplos de interatividade com passos programados previamente pelos idealizadores, para serem seguidos pelos visitantes. (CAZELLI et al., 1999, p.7).
Os museus de segunda geração, em meados de 1960, começaram a sofrer
um processo de modificação de sua prática museal, ao perceberem que o modelo
até então utilizado já não dava conta das demandas do público. Assim, essas
práticas museais transformaram-se em torno do modelo de união e dinamismo da
comunicação de massa, da comunicação educativa e a difusão cultural. Podemos
falar, então , da terceira geração de museus, que irão incorporar nas suas práticas
museais a interatividade.
O Deutches Museum (Alemanha/1903) é apontado por Cazelli como um
marco importante para uma mudança significativa, pois trazia na sua concepção de
exposições uma série de aparatos manipuláveis pelo público, caracterizando uma
nova forma de comunicação com os visitantes. Outros museus, como o Science
Museum of London (Inglaterra/1927) e o Museum of Science and Industry
(EUA/1933) seguem nesta linha de pensamento, em que o apertar de botões e o
movimentar de manivelas geravam respostas, geralmente mecânicas, prontas e
acabadas, em um programa que reforçava a inabalável linha contínua do método
científico.
5
Ao final da década dos anos 1960 surgem novas concepções de museus de
ciência, denominados “Centros de Ciência”. São exemplos desta concepção de
Museu de Ciências o Exploratorium de San Francisco (EUA) e Ontário Science
Centre (Canadá), ambos inaugurados em 1969. O modelo de abordagem desses
centros interativos, sob os moldes norte americanos, é tratado por Gaspar (1993).
Segundo o autor, o Exploratorium é um espaço que integra ciências,
tecnologia e artes em um contexto multidisciplinar, em uma relação com o público
predominantemente colocada em experimentos participativos, com uma concepção
de museu que se baseava na percepção sensorial humana. O Ontário Science
Centre representa o modelo que predomina entre os atuais centros de ciência, em
que o apoio à educação formal surge como característica marcante. Este modelo
combina entretenimento e sistemas não formais de instrução com uma grande
variedade de atividades e demonstrações de todos os tipos, procurando familiarizar
as pessoas com os conceitos de ciência envolvidos.
Há ainda, segundo Gaspar (1993) apoiando-se em Saunier (1988), um
terceiro modelo ou tendência baseado no Epcot - "Experimental Prototype of the
Community of Tomorrow", na Flórida, inaugurado em 1982. Este museu (Parque de
Diversões) demonstra a tecnologia como um espetáculo e objeto de pura
curiosidade, utilizando-se de formas de abordagem instrumentais e tecnologias
disponíveis para apresentações de espetáculos de ficção e a comunicação de
amanhã, biotecnologia e agricultura do futuro, novas formas de energia, transporte e
conquista do espaço.
Percebe-se que os museus interativos e centros de ciência vem se
disseminando e mostrando-se um importante recurso social para a difusão e
popularização da ciência. Podemos compreender com base em Padilha (2002) que
o conceito de “Centro de Ciências” deriva do conceito de museu, em particular, do
conceito de Museu de Ciências. A grande maioria dos modernos centros de ciência,
apesar de manter em seus acervos elementos meramente expositivos e
demonstrativos, tem como característica de mudança a abordagem de temas
amplos com base em exibições e aparatos interativos. É justamente a busca pela
interatividade que caracteriza a terceira geração de museus de ciência. Estes
abrigam coleções de idéias, de fenômenos naturais e princípios científicos, com
maior ênfase do que objetos. Propiciam a participação ativa dos visitantes em uma
relação entre exibição/exposição e os sujeitos que procuram o museu, utilizando-se
5
de tecnologias modernas e enfoques lúdicos. Padilha (2002) afirma que os centros
de ciência buscam uma experiência “tetradimensional”, em que as
exposições/exibições seriam objetos tridimensionais e, a quarta dimensão, a
interatividade.
A idéia de interatividade é descrita por Wagensberg (2006) como um
processo cognitivo e dialético. Para ele, do ponto de vista da ciência, na museologia
nos interessa fundamentalmente esse processo cognitivo, que ocorre a partir de
estímulos que irão gerar emoções. Assim, se o que vemos é algo que desperta
interesse, focamos o olhar. Se o interesse continua há a possibilidade de interação,
seja manual, seja mental ou seja cultural.
Segundo o mesmo autor, os elementos museográficos são usados,
primeiramente e principalmente, para causar esses estímulos , podendo gerar os
seguintes tipos de interatividade com o visitante:
• Interatividade Manual: conversar com a natureza por meio do tato.
(Hands ON).
• Interatividade Mental: conversar com a natureza por meio de
compreensões e reflexões. A inteligibilidade da emoção. (Minds ON).
• Interatividade Cultural: exercício dialético, troca de idéias entre o
indivíduo e outros interlocutores. A inteligibilidade cultural da emoção.
(Heart ON).
Jorge Wagensberg, ao descrever os tipos de interatividade, afirma que:
A terceira é muito recomendável, a primeira é muito conveniente e a segunda é simplesmente imprescindível. Interatividade significa conversação. Experimentar é conversar com a natureza. Refletir é conversar consigo mesmo. (...) a genuína interatividade manual abre a oportunidade para tal conversação. (...) interatividade mental significa praticar a inteligibilidade da ciência, distinguir o essencial do acessório, ver o que há em comum entre o que é aparentemente diferente. (...) a ciência é universal, mas não a realidade em que ela se manifesta. A interatividade cultural prioriza as identidades coletivas do entorno do museu. (WAGENSBERG, 2005, p.135).
No Brasil, os museus de ciência tiveram uma evolução e caracterizaram-se
como museus de terceira geração a partir das últimas três décadas. Entre os
primeiros museus de ciência criados estão o Centro de Divulgação Científica e
Cultural, de São Carlos, em 1980, o Espaço Ciência Viva, no Rio de Janeiro, em
5
1982, inspirado no Exploratórium de São Francisco e a Estação Ciência, em 1987
(São Paulo), inicialmente criada pelo CNPq e atualmente mantida pela USP. O maior
Museu de Ciências do país é o MCT (Museu de Ciência e Tecnologia) da PUC do
Rio Grande do Sul, que começa a sua história em 1967, tendo a construção do novo
prédio encerrada em 1998.
Atualmente, podemos ter uma idéia da expansão dos museus e centros de
ciência no país por meio do Quadro 1.
QUADRO 1 – CENTROS E MUSEUS DE CIÊNCIA NO BRASIL
InstituiçãoAno de
FundaçãoLocal / Estado Atuação
MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI 1866 BELÉM / PA
O século XIX foi o auge das expedições de naturalistas à Amazônia. É nesse contexto que foi criada a Associação Philomática (amigos da Ciência), em 1866. Quase 120 anos depois, em 1985, consolidou-se como Museu de Ciências naturais. Desde então, produz, através de pesquisas, e difunde, por meio de atividades museológicas educativas e culturais, conhecimentos científicos sobre a sociobiodiversidade da Amazônia.
MUSEU PARANAENSE 1876 CURITIBA / PR
Guardião da história do Paraná, é o museu mais antigo do estado. Inaugurado em 1876 no Largo da Fonte – hoje, Praça Zacarias –, conta com um acervo de 600 peças, entre objetos, artefatos indígenas, moedas, pedras, insetos, pássaros e borboletas.
Realiza projetos e atividades culturais, Possui laboratórios, biblioteca, auditório e salas de exposições permanentes e temporárias.
MUSEU DE ASTRONOMIA E CIÊNCIAS AFINS – MAST.
1920 RIO DE JANEIRO / RJ
Realiza exposições permanentes e temporárias, montadas com diferentes recursos de comunicação visual e interatividade, e conta com uma biblioteca especializada nas áreas de atuação do museu: história da ciência, educação, divulgação científica e preservação do patrimônio. Esses espaços são abertos regularmente, atendendo tanto às demandas da comunidade geral como de pesquisadores. Promove, ainda, programas de divulgação científica que procuram contemplar o debate sobre as questões científicas de interesse do público.
MUSEU DE BIOLOGIAPROFESSOR MELLO LEITÃO
1949 SANTA TERESA / ES
Integrado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desde 1984, é um dos cinco pólos de educação ambiental da Mata Atlântica do Espírito Santo. As programações regularmente oferecidas compreendem visitas orientadas às exposições, encontros, seminários, cursos e outros eventos científico-culturais.
5
InstituiçãoAno de
FundaçãoLocal / Estado Atuação
JARDIM BOTÂNICO DO RECIFE
1960 RECIFE / PE
Desenvolve atividades em educação ambiental, como caminhadas ecológicas, exposição permanente sobre a mata atlântica, exibição de vídeos com temas ambientais e visitas aos viveiros de plantas medicinais e florestais.
MUSEU DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIAPUCRS – MCT
1967 PORTO ALEGRE / RS
A exposição permanente é a grande atração. Em constante atualização, reúne 700 experimentos interativos, distribuídos em 22 áreas de conhecimento. De experimento em experimento, o visitante vai sendo apresentado, de forma inusitada e estimulante, a fenômenos naturais e às relações do homem com o mundo.
FUNDAÇÃO PLANETÁRIO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
1970 RIO DE JANEIRO / RJ
O Planetário do Rio foi criado em 1970. Em 1998, ganhou fôlego e ampliou suas instalações para 12.000m2 de área construída, com a inauguração do Espaço Museu do Universo. Essa conquista deveu-se à necessidade de atendimento a um público crescente, principalmente o escolar.
MUSEU DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DAUNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
1977 SALVADOR / BA
Difusão e Popularização da Ciência; Acessória e feiras de Ciência; Suporte ao ensino, à pesquisa e à extensão universitária.
CENTRO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E CULTURAL – CDCC
1980 SÃO CARLOS / SP
A divulgação cultural é realizada por meio de sessões de cineclube, exposições itinerantes, cursos de fotografias e atividades lúdicas. Através de sua biblioteca, disponibiliza ao público um acervo de livros e periódicos com ênfase maior às ciências e coordena os projetos educacionais de contação de histórias e Incentivo à leitura. Conta, ainda, com um Observatório Astronômico, localizado no campus da USP, aberto ao público.
MUSEU DE CIÊNCIAS MORFOLÓGICAS 1981 BELO HORIZONTE / MG
Em suas exposições didático-científicas, explora diferentes formas de abordar a vida, procurando reformular conceitos sobre saúde, qualidade de vida, patrimônio, educação e preservação.
MUSEU DE CIÊNCIAS NATURAISDA PUC MINAS
1983 BELO HORIZONTE / MG
O museu abriga um acervo rico de zoologia, uma coleção de paleontologia com mamíferos do Pleistoceno da América do Sul e coleções de vertebrados da fauna atual com anfíbios, répteis, aves e mamíferos. Essas peças são as principais atrações das exposições de longa duração.
ESPAÇO CIÊNCIA VIVA 1983 RIO DE JANEIRO / RJ
No Espaço Ciência Viva, a ordem é mexer em tudo. Primeiro museu participativo de ciências do Rio de Janeiro, nasceu em 1983 para divulgar e estimular a experimentação e a descoberta da ciência. Para isso, disponibiliza aos visitantes experimentos simples, interativos e lúdicos.
5
InstituiçãoAno de
FundaçãoLocal / Estado Atuação
ESTAÇÃO CIÊNCIA DA USP 1987 SÃO PAULO / SP
Apresenta exposições permanentes e temporárias em diversas áreas do conhecimento; disponibiliza exposições itinerantes e laboratórios portáteis para aulas; desenvolve programas educativos, como o Mão na Massa e o Projeto Clicar; oferece cursos; comercializa softwares educacionais e livros de divulgação científica; trabalha com a criação, a montagem e a apresentação de peças teatrais com temas científicos e promove eventos e atividades de popularização da ciência.
LABORATÓRIO DE ESTUDO E PESQUISA DAAPRENDIZAGEM CIENTÍFICA – LEPAC
1990 JOÃO PESSOA / PA
Proporcionar maior integração entre a universidade e a comunidade; promover a melhoria da formação inicial e continuada dos profissionais de ensino de Matemática; possibilitar a formação dos alunos/professores para o trabalho com temas transversais, envolvendo várias disciplinas em sala de aula, e estabelecer o fortalecimento das relações de parceria com os sistemas públicos (municipal e estadual) e particulares de ensino, visando a capacitação e a assessor.
USINA CIÊNCIA1991 MACEIÓ / AL
Aperfeiçoamento de Professores de Ciências Naturais de Nível Fundamental e Médio; Popularização e Disseminação das Ciências Naturais; Incentivo à Experimentação em Ciências.
FUNDAÇÃO ZOO BOTÂNICA DE BELO HORIZONTE
1991 BELO HORIZONTE / MG
O Jardim Zoológico possui um plantel de mais de 200 espécies de animais da fauna brasileira e mundial. Concentra coleções, canteiros e estufas temáticas de plantas endêmicas, exóticas e ameaçadas de extinção. Os dois espaços estão localizados numa área de cerrado e floresta estacional semi-decídua, sendo uma parte preservada
LABORATÓRIO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICAILHA DA CIÊNCIA
1992 SÃO LUIS / MA
Palestras de divulgação científica, organização de exposições científicas, orientação para exposições e feiras de Ciências e cursos de formação para professores.
ESPAÇO CIÊNCIAMUSEU INTERATIVO DE CIÊNCIA
1994 OLINDA / PE
Promove eventos, cursos, oficinas, feiras e encontros de Ciências em escolas, shopping centers, universidades, parques, hospitais e até nas ruas, atraindo grande público. A intenção é divulgar a produção científica nas escolas, capacitar professores e envolver comunidades, tratando de assuntos de interesse geral ou de temas atualizados em Ciência, Tecnologia e meio ambiente.
MUSEU DE CIÊNCIAS NATURAIS DA UFPR 1994 CURITIBA / PR
Painéis, balcões, vitrines, modelos, fósseis e peças taxidermizadas são as principais atrações do espaço expositivo do museu.
CASA DA CIÊNCIA CENTRO CULTURAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA UFRJ
1995 RIO DE JANEIRO / RJ
Um espaço onde a troca de experiências se traduz no prazer da descoberta. Exposições, audiovisual, oficinas, artes cênicas, palestras, seminários, cursos, música. Um encontro entre arte, ciência e cultura,
5
InstituiçãoAno de
FundaçãoLocal / Estado Atuação
PARQUE DE CIÊNCIAS 1995 BARBACENA / PA
Museu interativo de Ciência concebido para contribuir, por meio de diversas ações, na a melhoria do ensino de Ciência e da qualidade de vida das comunidades locais.
LABORATÓRIO ABERTO DE CIÊNCIA,TECNOLOGIA E ARTE – LACTEA
1995 BELO HORIZONTE / MG
Um espaço de realização de projetos e trabalhos práticos para alunos dos vários graus de ensino do CEFET de Minas Gerais.
PARQUE BOTÂNICO DO CEARÁ
1996 CAUCAIA / CE Botânica e educação ambiental
NÚCLEO DE CIÊNCIAS 1996 VITÓRIA / ES
O núcleo vem se consolidando como espaço de divulgação científica no cenário estadual e nacional e na realização de projetos nas mais diversas áreas do conhecimento. O objetivo é proporcionar aos professores e alunos a oportunidade de ampliar seus conhecimentos e vivenciar a Ciência de forma atrativa, prazerosa e divertida.
FUNDAÇÃO MUSEU DO HOMEM AMERICANO
1998 SÃO RAIMUNDO NONATO / PI
O Parque Nacional Serra da Capivara, gerido pela fundação, é constituído por cerca de 700 sítios de pinturas rupestres pré-históricas, com até 12.000 anos, gravadas em paredões de rocha. Além de preservar o parque, a fundação, criada em 1998, desenvolve pesquisa sobre a interação dos grupos humanos e o ambiente, desde a pré-história aos dias atuais, e carrega a missão de sensibilizar a população local para a preservação da região. Para isso, promove, regularmente, palestras, encontros e seminários.Rio Grande do Norte, Piauí.
LABORATÓRIO DE DIVULGAÇÃOCIENTÍFICA DA UFMG
1998 BELO HORIZONTE / MG
Entre as atividades, estão exposições interativas, shows de Ciências, oficinas e teatro científico, realizadas tanto no campus da UFMG como em outros espaços públicos – shopping-centers, praças, parques, escolas, entre outros. Produz, ainda, livros e artigos, publicados em revistas nacionais e internacionais, sobre experimentos de baixo custo e novas estratégias de divulgação científica.
MUSEU DA VIDA 1999 RIO DE JANEIRO / RJ
A vida enquanto objeto do conhecimento, saúde como qualidade de vida e a intervenção do homem sobre a vida são os temas centrais das atividades do museu.
SEARA DA CIÊNCIA 1999 FORTALEZA / CE Divulgação Científica e tecnológica; educação informal
PARQUE DA CIÊNCIA DE IPATINGA
2000 IPATINGA / MG
Parte de seu acervo fica em um galpão e, outra parte, ao ar livre. Os visitantes são orientados por monitores – professores da carreira do magistério –, que procuram explicar, com linguagem acessível e de forma lúdica, os processos e os conceitos científicos por trás de cada experimento. Os módulos – todos interativos – abrangem as áreas da física, química, biologia, astronomia e matemática.
5
InstituiçãoAno de
FundaçãoLocal / Estado Atuação
CENTRO DE PESQUISAS MUSEOLÓGICASMUSEU SACACA
2002 MACAPÁ / AP
O museu é também um espaço de divulgação dos trabalhos realizados pelo Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá.Todas as ações que promove – pesquisa, preservação e divulgação – buscam a interação entre o saber científico e o saber popular dos povos amazônicos.
VIAJANDO COM A CIÊNCIA
2003 CÁCERES / MT Divulgação Científica; Educação informal; formação de professores
PARQUE DA CIÊNCIA PROFESSOR NEWTON FREIRE MAIA
2003 PINHAIS / PRDivulgação Científica e Tecnológica; programas de recepção de público escolar; parceria museu – escola.
MUSEU DE CIÊNCIA ETECNOLOGIA DE LONDRINA
2005 LONDRINA / PR
Integrador importante da universidade com instituições de ensino básico e superior e empresas públicas e privadas, pretende, também, agregar pessoas e atividades na consecução de objetivos comuns em ensino, pesquisa e extensão
Quadro elaborado com base em: Centros e Museus de Ciências do Brasil. -- Rio de Janeiro: ABCMC : UFRJ, Casa da Ciência : FIOCRUZ, Museu da Vida, 2005.24
24 Disponível em http://www.abcmc.org.br
5
CAPÍTULO 3 – EDUCAÇÃO EM CENTROS E MUSEUS DE CIÊNCIA
Atualmente, segundo Cazelli et al (1999), os museus e centros de ciência
apresentam-se como ambientes de aprendizagem ativa, despertando a
preocupação de vários profissionais da educação e da museologia a respeito de
que tipo de educação e de aprendizagem se consolida nestes espaços. Mas, se o
conhecimento produzido no ambiente escolar é aqui entendido como conhecimento
de características próprias, o conhecimento produzido no Museu de Ciências,
portanto, conhecimento científico, também deve ser analisado a partir de um
contexto exclusivo e diferenciado do contexto escolar, porém, influenciado por este,
considerando os programas de atendimento escolar desenvolvidos no contexto
museal.
A estruturação e organização de atividades escolares e extra-escolares,
como nas escolas e nos museus de ciência, têm o objetivo de promover a
aprendizagem de conceitos e a aquisição de formas de conhecimento –
conhecimentos científicos, tecnológicos, sociais, matemáticos, literários, artísticos,
filosóficos, religiosos, entre outros. E, adquirir conhecimento é...
(...) aprender a compreender e experimentar o mundo por intermédio dessas formas de conhecimento, sem as quais isso não seria possível. Isso significa que ter uma mente envolve caminhar para ter uma experiência articulada por meio de vários esquemas conceituais. Tais formas de conhecimento vêm sendo progressivamente desenvolvidas pelo homem por mais de um milênio e permanecem abertas para a continuidade desse processo. (Alice LOPES, 1999, p. 163).
Neste sentido, devem-se estabelecer conceitualmente as diferenças mais
significativas no que diz respeito ao processo de aprendizagem que ocorre na
escola e o que ocorre fora dela, buscando-se um referencial teórico para os
conceitos de educação formal e educação informal. Assim, apoiando-se em Gaspar
(2002) e em Alice Lopes (1999) faremos esta discussão a fim de buscar as
principais diferenças entre as duas formas de educação.
3.1 EDUCAÇÃO FORMAL E INFORMAL
Segundo Gaspar (2002), à educação atribui-se processos que ocorrem
primordialmente na escola, com reconhecimento oficial, dividida em cursos com
níveis, graus, programas, currículos e diplomas, apresentando-se em geral, com a
6
característica marcante da organização curricular por disciplinas. Há, nesta
organização, segundo Alice Lopes (1999), o perigo de distribuição desigual de
educação na sociedade quando as disciplinas, sem correlação mútua, promovem a
compartimentação do conhecimento. Assim, “as hierarquizações de conhecimento
válido e a exclusão escolar de conhecimentos deslegitimizados socialmente são
analisadas como fatores de exclusão social.”25
A autora analisa o processo de disciplinarização e o processo de mediação
(transposição) didática, a qual será investigada mais adiante, como constituintes
centrais do conhecimento escolar. Assim, defende a interdisciplinaridade e a
unificação do saber, por meio da mediação didática, como processo de (re)
construção dos conhecimentos. Desta forma, o conhecimento escolar é
substancialmente diferente do conhecimento de sua “ciência de referência”, pois
sofreu um processo de transformação e, nem sempre trabalha em favor de tornar
público o conhecimento científico, pois “a forma como uma sociedade seleciona,
classifica, distribui, transmite e avalia os saberes escolares reflete a distribuição de
poder no interior desta mesma sociedade e os mecanismos que asseguram o
controle social dos comportamentos individuais.” (BERSTAIN, apud ALICE LOPES,
1999, p. 161).
A produção de saberes escolares, vinculada e controlada pelas políticas de
educação historicamente dirigidas e orientadas por intenções de reprodução e
controle, vem sendo efetivada por meio da organização disciplinar dos currículos
utilizados na educação formal. Elizabeth Macedo e Alice Lopes (2002) comentam
que as tentativas de organização curricular que não adotem a divisão do
conhecimento em disciplinas fazem a crítica a esse currículo com base em
argumentos de que a divisão em disciplinas seria incapaz de “integrar saberes, de
permitir uma compreensão global dos conhecimentos ou de gerar maior
aproximação com saberes cotidianos dos estudantes, dessa forma, dificultando a
aprendizagem de conhecimentos significativos.”26
As mesmas autoras reconhecem que as tentativas de organização curricular
não disciplinar, como no caso do currículo transversal, não apresentam ações
capazes de substituir a idéia hegemônica disciplinar. Porém, argumentam que essa
hegemonia não impede que sejam criados diferentes mecanismos de integração,
25 id., ibid., p. 16126 id., ibid., p.74
6
quer pela criação de disciplinas integradas, quer pela articulação de disciplinas
isoladas. Assim:
Em ambos os casos, a matriz disciplinar persiste como instrumento de organização e controle, independentemente do discurso de articulação. Em outras palavras, a administração do currículo, visando cumprir suas funções de controle, acaba por gerar mecanismos que criam novas disciplinas mesmo em processos de integração. Essas disciplinas são usualmente frutos da integração de conteúdos ou disciplinas anteriormente existentes. (MACEDO e ALICE LOPES, 2002, p. 74).
O exemplo da disciplina de Ciências é utilizado por Elizabete Macedo e Alice
Lopes (2002) como uma dessas tentativas de se produzir uma integração pela via
disciplinar. Nesta disciplina, criada para o nível intermediário entre o primário e o
médio, teria como base as ciências de referência, Física, Química e Biologia. As
disciplinas escolares, assim como o exemplo da disciplina de Ciências, são
freqüentemente identificadas com as disciplinas científicas ou com as disciplinas
acadêmicas, ainda que, reduzidas e pedagogizadas a fim de alcançarem seus
objetivos de ensino. Desta forma, o conhecimento escolar está intimamente ligado
aos saberes das disciplinas de referência dos cursos de graduação.
Corroborando com as autoras, entendemos que as disciplinas escolares são
diferentes das disciplinas de referência (científicas ou acadêmicas). A base de
sustentação das disciplinas escolares alicerça-se, também, em uma “seleção
cultural, condicionada por fatores de ordens diversas, socioculturais, político-
econômicos, para além de critérios exclusivamente epistemológicos”27, constituindo
assim o conhecimento escolar, produzido no ambiente escolar.
Retornando a Gaspar (2002), mesmo nas civilizações tidas como
culturalmente avançadas, “a vida cotidiana sempre exigiu muito mais do que o
conhecimento dos saberes apresentados formalmente nas disciplinas escolares”28.
Assim, a educação informal é analisada pelo autor em um contexto onde não se
coloca o currículo, o local ou a avaliação como pressupostos da educação. Na
educação informal, o processo de interação fundamental é o sociocultural, em que
os sujeitos, em muitas ocasiões, não têm consciência de que estão participando de
um processo educativo. Ensino e aprendizagem, na educação informal, ocorrem
espontaneamente, segundo o autor, defendendo que quase todas as iniciativas
27 id., ibid., p.7528 id., ibid., p.172
6
voltadas a uma educação informal institucionalizada são bem vindas, porém, essas
iniciativas trazem algumas dúvidas e inquietações, descrenças e restrições,
principalmente no que diz respeito à aprendizagem em ciências, como apontado:
Não é difícil compreender a razão de tais descrenças e restrições, basta observar atentamente a visita de crianças a um centro de divulgação científica. Elas correm de um lado para o outro, fixam-se alguns instantes aqui e ali, riem, gritam, assustam-se, aborrecem-se, encantam-se, numa atividade incessante e quase sempre desordenada. Mesmo quando acompanhadas dos pais, professores ou em visitas monitoradas, a dispersão tende a ser muito grande, pois os estímulos são muitos, até mesmo onde se procura dar algum ordenamento lógico ou pedagógico às apresentações, o que não é freqüente. (GASPAR, 2002, p.174).
O autor faz um alerta de que, em geral, a discussão da possibilidade de
aprendizagem em ciências nesta abordagem informal é ignorada pelos
responsáveis por instituições de divulgação científica. Este desprezo teria algumas
causas, como por exemplo, o fato de se colocar em xeque a validade destas
instituições. Outros, descartam essas dúvidas a partir de observações pessoais que
reforçam casos isolados de sucesso. Assim, com base nestas observações
fragmentadas, há uma justificativa de que “alguma coisa sempre fica”, que muitos
conceitos são mais bem compreendidos após esta visita ao centro de ciências.
Outros, ainda, preferem fugir ao debate com a afirmação de que o centro de
ciências não tem como missão o ensino, mas sim, o divertimento. Esta afirmação é,
no mínimo, duvidosa, pois ignora as várias pesquisas a respeito de aprendizagem
em Centros e Museus de Ciências.
A questão é que, no museu ou centro de ciências, a educação de caráter
informal visa, “também”, o entretenimento do visitante, mas não necessariamente
apenas este entretenimento. Ao entendermos um Museu de Ciências ou centro de
ciências como um espaço de difusão e divulgação científica e tecnológica, onde se
pretende, por meio da educação científica informal, facilitar o acesso ao
conhecimento científico e tecnológico, deve-se considerar a transformação de
conhecimentos da “Ciência–Processo” em conhecimentos de ensino informal de
ciências. Não se trata, portanto, da tradução, transposição ou vulgarização do saber
produzido pela ciência, em saber da disciplina de ciências, pois os saberes
adquirem características próprias no Museu de Ciências, enquanto a “Ciência-
Disciplina” atua no interior da escola, baseada em políticas de educação que
definem um currículo escolar.
6
É possível inferirmos que as exposições interativas dos museus de terceira
geração estão a serviço dessa transposição e, muitas vezes, “encontram-se diante
da incapacidade de transformar um conceito elaborado em um aparato atraente e
divertido.” (LINS DE BARROS, 2002, p.34). O mesmo ocorre com as exposições
organizadas, textos, objetos e multimídias apresentados ao público visitante. Além
disso, Marandino (2005) nos lembra que a transformação do saber que se processa
no espaço expositivo é também influenciada pelas características regionais do
museu, seus aspectos de tempo, espaço e objeto, além da cultura que envolve os
profissionais que habitam o espaço em questão.
3.2 A VULGARIZAÇÃO DO SABER
Ao expor as diversas facetas de um processo pelo qual a ciência e a
tecnologia podem ser abordadas em um ambiente não especializado, ao qual
Freire-Maia (2000) relacionou de ambiente da “Ciência-Disciplina”, percebe-se as
enormes dificuldades no que concerne à sua divulgação.
A “Ciência-Processo”, enquanto agente de produção de saberes científicos,
não encontra na comunidade científica a necessidade de tradução de linguagem
com fins de divulgação, entretanto, terá que obrigatoriamente sofrer um processo de
tradução, se o objetivo for a inteligibilidade do público não especialista.
Há neste processo de tradução uma essencial necessidade de transposição
do conhecimento científico a fim de buscar uma eficácia na divulgação de saberes
científicos, no sentido de propiciar uma inteligibilidade voltada a integração dos
cidadãos na vida social dos centros urbanos em países tecnologicamente
desenvolvidos, bem como a essencial inserção desses cidadãos nos procedimentos
de decisão política a respeito das novas tecnologias, uso racional dos recursos
naturais e impactos sobre povos e cidadãos com acesso precário a essas
tecnologias. Neste sentido concordamos com Alice Lopes (1999), quando afirma
que a sofisticação e ampliação da complexidade científica tornam a sua
inteligibilidade mais difícil. Este contexto de estranhamento e misto de fascínio e
humilhação, a vulgarização do saber é necessária aos “não iniciados”.
De acordo com Lins de Barros (2002), a idéia de vulgarização do saber
científico sofreu no século XX uma rotulação de atributos negativos devido à idéia
de difusão do conhecimento. O autor comenta que essa vulgarização foi
6
praticamente monopolizada pelos escritores e jornalistas e estava limitada a uma
estreita faixa social, alfabetizada e com recursos financeiros e de tempo para
investir no crescimento de seu patrimônio cultural.
A vulgarização, no sentido pejorativo da palavra, apresenta-se perigosa,
segundo o mesmo autor, quando os programas de popularização da ciência
procuram atingir um número, o mais ampliado possível de pessoas, com as mais
variadas formas de tradução empregadas por veículos de divulgação científica. A
apresentação da ciência ou de alguns aspectos do campo científico de forma
reduzida ou banalizada em detrimento a uma divulgação científica que se preocupe
com a qualidade da tradução vem sendo tema de vários estudos que, infelizmente,
apontam para um “cidadão comum” que nada sabe a respeito do que se passa no
mundo da ciência, a não ser por certas informações “mais ou menos neo-exotéricas
que se divulgam em publicações nas quais encontramos uma mescla de magia,
pseudociência e de charlatanismo.” (ALICE LOPES , 1999, p.108).
Não é incomum encontrarmos na mídia filmes que se auto classificam como
documentários e usam o rótulo de “científicos”, aproveitando-se de conceitos da
física, da química ou outras ciências de referência com a intenção de transmitir
mensagens de auto-ajuda ou de âmbito religioso. A tecnologia, nestes filmes, é
explorada ao limite em efeitos que levam o expectador a crer em viagens no tempo,
onipresença, mudanças de propriedades físico-químicas de objetos por força do
pensamento e outras tantas crenças e mitos. Entrevistas com cientistas, fora do
contexto de sua práxis de pesquisa ou campo de atuação, fazem com que se
construa uma atmosfera de credibilidade que entorpece o público, mascarando os
absurdos e mentiras apresentadas. Este exemplo retorna à discussão a questão da
visão mitológica atribuída à ciência e os perigos que esses mitos impõem aos
processos de difusão e popularização científicas. Mecanismos de banalização como
os do exemplo apresentado são utilizados não só por profissionais da ficção
científica, mas também por profissionais (pelo menos assim se auto classificam) do
ensino de ciência, por motivos os mais variados possíveis, que vão desde a
incompreensão dos conceitos científicos envolvidos até tentativas de impor um
pensamento individual e de cunho metafísico.
Para compreendermos melhor a questão da vulgarização do saber, vamos
recorrer a outro exemplo, agora apresentado por Lins de Barros (2002), quando faz
uma comparação com o processo de tradução em Ciência com a simplificação da
6
obra de Beethoven “Sonata ao Luar”. Esta é reduzida a fim de que um estudante de
segundo ano de piano possa executá-la...
(...) As seções de desenvolvimento em arpejo que aparecem na versão original são sumariamente eliminadas. Os dois movimentos seguintes são suprimidos, e a Sonata Opus 27, n.2 fica reduzida a uma melodia singela e simples. O ouvinte, sem dúvida, reconhece a melodia. Entretanto o espírito original e revolucionário da obra está irremediavelmente perdido. A composição de Beethoven populariza-se (...) mas a proposta e a grandeza da composição se perdem por completo. (...) O leigo, apresentado à versão simplificada do primeiro movimento da Sonata ao Luar pode pensar que a conhece. Terá a imagem de uma obra simples, que se desenvolve naturalmente, e perderá a idéia de que ela é o inicio de um engenhoso trabalho que propunha alterar uma forma estabelecida da música européia do século XVIII. (LINS DE BARROS, 2002, p. 34).
Algo semelhante acontece com o público leigo ao ser apresentado a certos
temas da ciência, quando estes são expostos de maneira fragmentada e por meio
de simplificações que, por falta de uma linguagem adequada ao entendimento, não
é capaz de expor conceitos de forma orgânica. Neste sentido, a Mecânica Quântica,
fruto da pesquisa de uma longa lista de nomes aos quais, para não nos
submetermos ao perigo da omissão não serão citados, pode ser comparada com a
possibilidade de objetos ou pessoas ocuparem lugares espaciais diferentes em um
mesmo instante de tempo.
A divulgação científica, sob esse olhar de tradução da “Ciência-Processo” em
“Ciência-Disciplina”, encontra-se em uma condição delicada de prover uma
transição que evite a banalização dos conceitos científicos. No entanto, se assim o
fizer, deve alertar ao ouvinte que ocorreu tal simplificação, que o conceito envolvido
foi explicado por meio de analogias com apelo didático, porém, sem critérios de
base científica. A verdade a respeito da vulgarização científica deve prevalecer no
âmbito de uma divulgação científica onde o objetivo real é o esclarecimento e não o
trabalho e pesquisa minuciosos a respeito deste ou daquele assunto.
A vulgarização da ciência apresenta-se como uma necessidade diante de
uma divulgação científica que busca manter o público o mais próximo possível da
ciência, criando um estado de receptividade que fortaleça a verdade dos processos
que envolvem a pesquisa científica e o uso da tecnologia. Porém, não devemos
confundir o significado do termo vulgarização, aqui empregado, com processos de
mera simplificação. A transformação do conhecimento científico com fins de ensino
e divulgação pode ser analisada na perspectiva de compreensão de novos saberes
6
produzidos neste processo. Com base no exposto, veremos algumas possibilidades
de embasamento teórico na tentativa de responder ao questionamento de como
ocorre a transformação do conhecimento cientifico, da “Ciência-Processo”, em
conhecimentos com fins de ensino e divulgação, passando pela mediação do
espaço museográfico do centro de ciências e suas possíveis interferências no
processo ensino-aprendizagem.
3.3 TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA
Várias pesquisas na área de educação têm defendido a idéia de que o
conhecimento escolar e o conhecimento científico são instâncias próprias de
conhecimentos e as disciplinas escolares possuem uma constituição epistemológica
e sócio-histórica distinta das disciplinas científicas, como afirma Alice Lopes (1999).
Segundo a mesma autora, a pesquisa em ensino de ciências tem se desenvolvido
fortemente, cunhando conceitos como o da transposição didática. Esse conceito tem
origem em grupos de pesquisa franceses e, segundo a autora, foi enunciado pela
primeira vez por Verret em sua tese Lê temps des études, defendida em 1975, na
França. Baseia-se em tornar os saberes, previamente selecionados, em saberes
transmissíveis e inteligíveis, utilizando-se de um exaustivo trabalho de
reorganização e reestruturação.
A transposição didática considera que o conhecimento escolar diferencia-se
do conhecimento produzido pela Ciência, enquanto processo ou disciplina
acadêmica. O conhecimento escolar assume, desta forma, características cognitivas
tipicamente escolares, capazes de compor uma cultura escolar que ultrapassa os
limites da escola na forma de conhecimento produzido.
Alice Lopes (1999) aponta que a transposição didática foi abordada por
Chevallard na década de 1980 no âmbito do ensino da Matemática, partindo do
conhecimento matemático tal qual é produzido pela academia e analisando sua
penetração no ensino. No processo de transposição didática há uma intenção de
transformação de saberes onde participam vários atores, relacionados aos
processos de educação. Esses atores fazem parte de círculos intermediários entre a
pesquisa e o ensino, entre a Ciência-Processo e a Ciência-Disciplina. Tais círculos,
denominados por Chevallard de Noosfera são integrados ao sistema didático
propriamente dito – professor, aluno, conhecimento escolar – e compõe um sistema
6
didático mais amplo que, segundo Alice Lopes (1999), constituem um fórum onde
ocorrem os conflitos e as transações pelos quais se exprime e se realiza a
articulação entre o sistema e seu ambiente. Segundo a autora, a noosfera se
compõe de vários elementos e sujeitos que pensam os conteúdos de ensino, “que
vão desde o professor que se contenta em assistir às reuniões da Secretaria,
daquele que freqüenta um centro de ciências, passando pelo militante ativo de uma
associação de classe (...) chegando até as sociedades científicas.” (ALICE LOPES,
1999, p.207).
Os saberes, no contexto da transposição didática, são denominados “saber
sábio” e “saber ensinado”. Como já mencionado, a origem do conceito de
transposição didática está na pesquisa em ensino da Matemática, mais
especificamente na noção de distância. Essa noção traduz a idéia de semelhança
entre objetos representados, estendendo-se aos sistemas não-lineares, pois a
menor distância entre dois pontos nem sempre é uma reta, se considerarmos, por
exemplo, uma superfície esférica. A partir do processo de apropriação pelo sistema
escolar, a noção de distância transforma-se em noção de geometria da reta,
perdendo o foco da noção inicial muito mais abrangente. Chevallard (1991) associa
aos pressupostos de geometria não euclidiana, isto é, aos saberes matemáticos
mais abrangentes, a denominação de “saber sábio”. Estes serviriam de referência
para constituição do “saber ensinado”.
Alice Lopes (1999) revela uma análise realizada por Chevallard comparando
a transposição didática no nível da noosfera e no nível interno da escola:
Suas conclusões mostram como um elemento do conhecimento científico, quando deslocado das questões que ele permite resolver e dos conceitos com os quais constitui uma rede relacional, tem sua natureza fortemente modificada. Trata-se de uma despersonalização e de uma descontemporalização dos conceitos, quando se tornam objetos de ensino. O saber ensinado aparece como um saber sem produtor, sem origem, sem lugar, transcendente ao tempo. Não é sem motivos que os livros didáticos, componentes essenciais da noosfera, omitem referências bibliográficas e históricas. (ALICE LOPES, 1999, p. 206).
Marandino (2004) relaciona os elementos que Chevallard (1991) pressupõe
como “deformações” necessárias ao saber sábio para que este esteja apto a ser
ensinado. Relacionamos esses elementos na tabela a seguir:
QUADRO 2 – ELEMENTOS DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA
6
DescontemporalizaçãoO saber ensinado é exilado de sua origem e separado de sua produção histórica na esfera do saber sábio.
NaturalizaçãoO saber ensinado possui o incontestável poder das “coisas naturais”, no sentido de uma natureza dada, sobre a qual a escola agora espera sua jurisdição;
Descontextualização
Existe algo invariante (significante) e algo variável no elemento do saber sábio correspondente ao elemento do saber ensinado e, nesse sentido, procede-se através de uma descontextualização dos significantes, seguida de uma recontextualização em um discurso diferente (até aqui, trata-se de um processo comum e fácil de ser identificado). No entanto, nesse processo, há algo que permanece descontextualizado, já que não se identifica com o texto do saber, com a rede de problemáticas e de problemas no qual o elemento descontextualizado encontrava-se originalmente, modificando dessa forma seu emprego, ou seja, seu sentido original;
Despersonalização
O saber considerado em status nascendi está vinculado a seu produtor e se encarna nele. Ao ser compartilhado na academia, ocorre um certo grau de despersonalização comum ao processo de produção social do conhecimento, que é requisito para sua publicidade. Porém, esse processo é muito mais completo no momento do ensino, pois cumprirá uma função de reprodução e representação do saber sem estar submetido às mesmas exigências da produtividade.
Fonte: MARANDINO, M. Transposição ou recontextualização? Sobre a produção de saberes na educação em museus de ciências. In: Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n.26, p.95 – 108, 2004
Dessa forma, a transposição didática é defendida por Chevallard (1991) em
outra esfera; seria o trabalho de transformação de um objeto de saber a ensinar em
um objeto de ensino. Os sistemas didáticos, compreendidos aqui como noosfera,
são dirigidos e condicionados por uma estrutura social mais ampla. A noosfera
organiza e controla os modelos de transposição didática, logo, esses modelos são
influenciados por essa estrutura social, que irá ditar os rumos políticos e apontar os
objetivos do processo. Assim, o trabalho de transposição não é realizado
exclusivamente pelos profissionais envolvidos na educação, que terão autonomia
apenas relativa nas decisões a respeito de como se efetua a transposição didática.
3.4 A TRANSPOSIÇÃO MUSEOGRÁFICA
Marandino (2004) indica que o conceito de transposição didática tem sido
trabalhado por inúmeros autores, dentre os quais Astolfi e Develay (1990). Estes
autores propõe uma reflexão epistemológica a respeito da transposição didática,
abordando questões capazes de examinar a estrutura do saber ensinado, o aspecto
histórico das ciências, no que diz respeito às rupturas e obstáculos e que promovam
uma relação entre epistemologia e didática.
Concordando com Ramos (2003), este conceito de epistemologia procura
refletir sobre a gênese, o desenvolvimento, a articulação e a estruturação do
6
conhecimento científico, isto é, a epistemologia como discurso sobre a ciência ou
busca de um conhecimento sobre o conhecimento científico. A abordagem
epistemológica a respeito do “saber sábio” traz ao debate questões como a
neutralidade científica, a verdade científica, a idéia de progresso científico e
tecnológico e a possibilidade de que, como nos aponta Kuhn (2006), novas teorias
se sobreponham a teorias que até então respondiam às expectativas científicas, por
intermédio de crises e novas expectativas a respeito do objeto de estudo. Assim:
Os estudiosos da filosofia da ciência demonstraram repetidamente que mais de uma construção teórica pode ser aplicada a um conjunto de dados determinado, qualquer que seja o caso considerado. A história da ciência indica que, sobretudo nos primeiros estágios de desenvolvimento de um novo paradigma, não é muito difícil inventar tais alternativas. Mas essa invenção de alternativas é o que precisamente os cientistas raro empreendem, exceto enquanto o período pré-paradigmático do desenvolvimento de sua ciência e em ocasiões muito especiais de sua evolução subseqüente. (KUHN, 2006, p. 105).
No âmbito da educação formal, a interpretação de que cabe à noosfera,
condicionada por uma estrutura social mais ampla, organizar e controlar os modelos
de transposição didática revela a constituição de uma epistemologia escolar, como
nos aponta Alice Lopes (1999). Assim, podemos inferir que a transposição didática
formulada por Chevallard no âmbito da área de Matemática pode ter interpretações
perigosas quando se pensa em outras áreas do conhecimento. Marandino (2004)
comenta que o cerne do debate a respeito da transposição didática está na
compreensão do que seria considerado “saber sábio” e, ainda, do papel e da
legitimidade das práticas sociais na constituição do saber escolar.
Assim, o que está em discussão é a forma de apropriação do conhecimento
pela escola, não se tratando apenas de uma defasagem entre o que se ensina e o
conhecimento científico do ponto de vista temporal, mas o processo de transposição
didática que retira do conceito sua historicidade e sua problemática. A autora
defende, então, o termo (re)construção de saberes, em contraposição a idéia de
reprodução ou movimento de transportar de um lugar a outro, sem alterações.
Segundo a autora:
Mais coerentemente, devemo-nos referir a um processo de mediação didática. Todavia, não no sentido genérico, ação de relacionar duas ou mais coisas, de servir de intermédio ou “ponte”, de permitir a passagem de uma coisa a outra. Mas no sentido dialético: um processo de constituição de uma realidade a partir de mediações
7
contraditórias, de relações complexas, não imediatas. Um profundo sentido de dialogia. (ALICE LOPES, 1999, p.209).29
Na análise da mediação didática como processo de (re)construção de
conhecimentos, Alice Lopes(1999) reflete sobre o processo de transformação do
conhecimento científico em algo substancialmente diferente da ciência de
referência. Esta transformação, quando aliada a um importante processo de
valorização dos conhecimentos prévios dos estudantes, nem sempre absolutamente
falsos e por vezes úteis em sua vida, é trabalhada no processo de mediação
didática.
Considerando o exposto vamos nos referir a um tipo de saber denominado de
saber educacional. O saber educacional, é constituído não apenas pelo saber
científico, mas também por outros saberes. O saber museal é assim constituído na
elaboração das exposições, onde outros elementos também entram no jogo da
constituição do saber exposto. Nessa perspectiva, os saberes com origem nas
concepções alternativas dos estudantes, mesmo que falsas, não devem ser
destruídas, levando-se em consideração que novos saberes não são aprendidos de
uma só vez, sendo incorporados perante as várias experiências vividas de
educação formal e informal.
Como exemplo, iremos recorrer a uma investigação realizada por Marandino
(2004), onde a perspectiva inicial era analisar as transformações que o
conhecimento biológico sofria ao ser apresentado nas exposições. Esta
investigação revelou a presença de outros saberes, que não apenas o biológico, na
produção do discurso expositivo...
(...) desse modo, na medida em que outros aspectos, relacionados a outros campos do conhecimento e práticas distintas, se faziam presentes e tomavam parte nas decisões sobre o que e como expor, o referencial teórico da transposição museográfica parecia apresentar limites para a compreensão desse processo. Verificou-se, na pesquisa, que elementos como a prática museológica, as características das coleções, a história dos museus de ciências e de cada instituição em particular, a formação profissional da equipe envolvida, entre outros aspectos, também participavam das decisões sobre a elaboração das exposições. Percebeu-se assim que a transformação de signos, dos sinais, da linguagem e dos objetos estava também submetida a outros discursos, que não somente o da ciência. (MARANDINO, 2004, p. 102).
29 Grifo nosso.
7
Relativamente à educação em ciências no contexto dos museus e centros de
ciência, Marandino (2005) comenta que a divulgação científica é uma área que vem
se afirmando, não sem resistências, sendo ainda temerário verificar-se como um
novo campo do conhecimento. É possível identificar-se uma forte presença de
processos educativos desde as mais remotas ações museais, como já discutimos
no capítulo 2 deste trabalho, em que revelam-se intenções ideológicas fortemente
presentes ao longo da história evolutiva dos museus e suas tendências
pedagógicas, no entanto:
Críticas as formas de transposição dos saberes comuns, nas referências feitas à divulgação da ciência – com o uso de termos como “distorção”, “simplificação” etc. – são também oriundas das relações de poder entre antigas e novas instituições de produção de conhecimento científico – como os museus, as universidades e os demais centros de pesquisa -, entre campos do conhecimento antigos e em formação – como os de educação, comunicação, museologia – e entre antigas e recentes profissões, frutos das novas relações de trabalho que se originaram nas sociedades contemporâneas, centradas na informação e no consumo. (MARANDINO, 2005, p.162).
A mesma autora afirma que, ao entendermos o museu como um local de
divulgação e educação, deve-se focar a análise na questão da transposição do
conhecimento nele ocorrida. Assim, nas exposições científicas dos museus, em que
os textos, objetos e multimídias necessitam apresentar-se inteligíveis ao visitante e
propiciar momentos de deleite e contemplação, há um processo de produção de
conhecimento semelhante ao escolar, mas com especificidades quanto a aspectos
de tempo, espaço e objeto. O aspecto disciplinar do currículo escolar pode, em
alguns casos, vislumbrar no campo da educação informal, como nos museus de
ciências, apoiado na questão da tentativa de integração do conhecimento disciplinar.
Porém, as especificidades aqui destacadas irão influenciar aspectos de
transformação do saber acadêmico em saber popular, mais especificamente, em
saberes científicos populares.
A educação museológica, desta forma, está circunscrita pelos saberes
acadêmicos, escolares e do cotidiano, em uma rede de interconexões complexa. As
inter-relações envolvidas nas três áreas do conhecimento estão canalizadas nos
museus e centros de ciência em suas práticas, exposições e programas de
atendimento escolar e não escolar. Essas categorias, por sua vez, estão
intimamente preocupadas com o processo de “vulgarização do saber”, enquanto
7
saber científico, ou acadêmico, passando por processos de adaptação ao saber
popular.
3.5 O TRABALHO COM PROJETOS NO MUSEU DE CIÊNCIAS
A transposição do conhecimento científico em conhecimento museográfico
apresenta-se como um processo que exige investigação metodológica. Muitas são
as maneiras de se planejar uma exposição ou processo de recepção no museu de
ciências.
No que concerne a recepção de estudantes no Museu de Ciências, a
“vulgarização do saber” pode encontrar, no trabalho com projetos, uma opção para
esta metodologia, principalmente e fundamentalmente, em se tratando de um
atendimento escolar no Museu de Ciências. A característica principal do trabalho
com projetos, é a busca de um objetivo compartilhado por todos os envolvidos,
resultando num produto final em função do qual todos colaboram. Essa forma de
organização do trabalho pedagógico tem a vantagem de se dispor o tempo de
maneira flexível, além de permitir o planejamento de suas etapas em conjunto com
sujeitos que irão participar do estudo, pesquisa ou dinâmicas propostas.
O planejamento de atividades assim concebido pode organizar melhor esse
tempo, que é sempre um fator limitante de qualquer atividade em se tratando de um
atendimento a estudantes no museu ou centro de ciências. Dividir e redimensionar
as tarefas e avaliar os resultados em função de um plano inicial são, também,
aspectos facilitados pela metodologia que sustenta o trabalho com projetos.
A utilização de projetos com fins educacionais tem um longo histórico,
iniciando-se com o teórico e filósofo da educação John Dewey (1859-1952). Dewey
defendia uma prática docente baseada não em mecanismos de correção e
ajustamento do indivíduo a estruturas societárias dadas, como afirma Freitag
(1987), mas na liberdade do estudante para elaborar as próprias conclusões e
conhecimentos, em um processo dinamizador.
Uma das confusões e interpretações contemporâneas mal fundamentadas,
em relação à aplicação do trabalho com projetos, na educação formal, está centrada
no possível desprezo ao conteúdo curricular. Sem reduzir a importância do currículo
ou dos conhecimentos sistematizados, Dewey pregava que o educador deve
apresentar os conteúdos na forma de questões ou problemas e jamais fornecer de
7
antemão respostas ou soluções prontas. Em lugar de começar com definições ou
conceitos já elaborados, Dewey defendia o uso de procedimentos de apelo ao
raciocínio do estudante, a fim de elaborar os próprios conceitos para depois
confrontar com o conhecimento sistematizado. A respeito de como pensava Dewey,
Barbara Freitag comenta que:
Ao viver a sua própria vida o indivíduo é forçado a atuar e sua ação se transforma em processo educativo. Isso porque Dewey parte do princípio de que o indivíduo se dispõe para novas ações depois de avaliar e reorganizar suas experiências. O ato educacional consiste, pois, em dar a esse indivíduo os subsídios necessários para que essa reorganização de experiências vividas se dê em linhas mais ou menos ordenadas e sistematizadas. Ora, para que isso se efetive, o meio em que se dá o processo educacional tem que ser organizado e reestruturado para que haja uma seqüência adequada de experiências que possam ser avaliadas e alargadas de forma mais ou menos sistemática. (FREITAG, 1987, p.19).
Ainda a respeito do trabalho com projetos, Hernandez (1998) afirma que os
mesmos contribuem para uma resignificação desses espaços de aprendizagem, de
tal forma que se voltem para a formação de sujeitos ativos, reflexivos, atuantes e
participantes. Já Freire (1997) acrescenta a essa metodologia uma reflexão sobre a
realidade social, orientando os projetos de trabalho para uma reflexão sobre as
condições de vida da comunidade que o grupo faz parte, analisando-as em relação
a um contexto sócio-político maior e elaborando propostas de intervenção que
visem a transformação social.
Neste sentido, uma das etapas fundamentais para a execução de um projeto,
consiste na problematização de um determinado tema (a qual pode partir dos
próprios estudantes ou ser sugerida pelos educadores). Com relação a este aspecto
é interessante destacar que o que caracteriza o trabalho com projetos não é a
origem do tema, mas o tratamento dado a esse tema, no sentido de torná-lo uma
questão do grupo como um todo e não apenas de alguns estudantes, do professor
ou do mediador.
Portanto, os problemas ou temáticas podem surgir de um estudante em
particular, de um grupo de estudantes, da turma, do professor ou da própria
conjuntura. O que se faz necessário garantir é que esse problema passe a ser de
todos.
Essa fase do projeto é de fundamental importância para a continuação de
todo o trabalho, uma vez que o tema e as atividades nele integrantes, necessitam
7
ser significativos, convidando estudantes e educadores ao desafio de participarem
ativamente da construção de seu conhecimento na parceria entre escola e Museu
de Ciências. Dessa forma, um projeto envolve complexidade e resolução de
problemas, passando por diferentes fases: escolha do objetivo central e formulação
de tais problemas, planejamento, execução, avaliação e divulgação dos trabalhos.
A etapa do desenvolvimento do projeto em si, segundo Hernandez (1998), é
o momento em que se criam as estratégias para buscar respostas às questões e
hipóteses levantadas na problematização. Aqui, também, a ação do estudante é
fundamental. Por isso, é necessário que os mesmos se deparem com situações
que os obriguem a comparar pontos de vista, rever suas hipóteses, colocar-se
novas questões, deparar-se com outros elementos postos pela ciência. Nesse
processo, as crianças devem utilizar todo o conhecimento que têm sobre o tema e
se defrontar com conflitos e inquietações que as levarão ao desequilíbrio de suas
hipóteses iniciais.
Finalmente, a fase da síntese consiste no momento em que as convicções
iniciais vão sendo superadas e outras mais complexas vão sendo construídas. As
novas aprendizagens passam a fazer parte dos esquemas de conhecimento dos
estudantes e vão servir de conhecimento prévio para outras situações de
aprendizagem.
Apesar de serem destacadas nesse esquema algumas etapas no
desenvolvimento de um projeto, elas podem ser consideradas processos contínuos
que não podem ser reduzidos a uma lista de objetivos e etapas. Refletem uma
concepção de conhecimento como produção coletiva, onde a experiência vivida e a
produção cultural sistematizada se entrelaçam, dando o significado às
aprendizagens construídas. Por sua vez, estas são utilizadas em outras situações,
mostrando, assim, que os estudantes são capazes de estabelecer relações e utilizar
o conhecimento aprendido, quando necessário.
Com os projetos de trabalho, há uma possibilidade de evitar que os
estudantes entrem em contato com os conteúdos disciplinares no ambiente do
Museu de Ciências a partir de conceitos abstratos e teóricos. Nessa mudança de
perspectiva, os conteúdos deixam de ter um fim em si mesmos e passam
caracterizar-se como meios para ampliar a formação dos estudantes a partir da
parceria entre a escola e o Museu de Ciências, onde os conteúdos escolares
7
passam a ganhar significados diversos, a partir das experiências sociais dos
estudantes envolvidos na visita a este museu.
Pode-se considerar então que a metodologia baseada em projetos pode se
apresentar como uma poderosa ferramenta e uma alternativa para o trabalho de
organização do centro de ciências, onde se busca superar as práticas habituais de
aprendizagem, normalmente caóticas, sem uma orientação pré-estabelecida,
transformando o visitante do museu em “sujeito” na construção do conhecimento no
interior do espaço museográfico e, ao mesmo tempo, permitindo várias leituras de
uma mesma realidade, superando uma visão estática e descontextualizada.
Os projetos de trabalho geram necessidades de aprendizagem de novos
conceitos que poderão ser aprofundados, sistematizados em módulos de
aprendizagem que, por sua vez, irão repercutir sobre as situações e intervenções
dos alunos em outras situações da vida escolar. Para melhor compreendermos
como a mesma pode contribuir para com a aprendizagem de conceitos das ciências
passamos a expor alguns aspectos relevantes da teoria sócio – interacionista de
Vygostky, que se baseia na premissa já descrita no trabalho com projetos, quando
atribui vital importância aos conhecimetos prévios e conceitos espontâneos dos
estudantes.
3.6 O DESENVOLVIMENTO DE CONCEITOS CIENTÍFICOS NA INFÂNCIA
Para se analisar a questão do desenvolvimento de conceitos científicos na
infância, torna-se fundamental buscar-se uma reflexão sobre dois autores: Piaget e
Vygostsky, cujas obras servem como referência ao estudo da construção do
conhecimento infantil.
As crianças, segundo Piaget (1983), constroem o conhecimento do universo
a sua volta na relação com os objetos, que podem ser entendidos como coisas,
pessoas ou eventos do mundo externo, tudo que é externo ao eu, em formas
permanentes, mutantes ou transitórias. Desta maneira, desenvolvem uma
consciência do eu, e do eu no mundo, sendo a infância considerada um período de
desenvolvimento por excelência.
Com relação ao desenvolvimento dos conceitos, Piaget (1983) comenta a
existência do aspecto psicossocial do desenvolvimento por meio da educação, ou
seja, tudo aquilo que a criança recebe do ambiente familiar, extrafamiliar, escolar,
7
não escolar, ou cultural no senso amplo. Existe também, segundo o autor, o
desenvolvimento denominado espontâneo, o qual é identificado como psicológico
propriamente dito, ou inerente à maturação e ao esforço da própria criança para
aprender, resultante de tudo aquilo que uma criança aprende por ela mesma, o que
não lhe foi ensinado, o que ela deve descobrir sozinha.
Vygotsky (1991a), também considera que o conhecimento acontece na
interação entre a criança e o objeto, enfatizando os fatores sociais no
desenvolvimento e afirmando que no processo de ensino e aprendizagem existe
aquele que aprende e aquele que ensina, em uma relação dialética que se
estabelece entre ambos. O autor afirma que a psicologia infantil pode percorrer
duas correntes teóricas para explicar o que acontece na mente da criança com os
conceitos científicos, entendidos por ele como todo conteúdo de qualquer disciplina
formal e não somente os específicos de ciências, e qual a relação entre assimilação
da informação e o desenvolvimento interno de um conceito científico em sua
consciência.
Uma das correntes defende que os conhecimentos científicos não têm
nenhuma história interna e não passam por nenhum processo de desenvolvimento.
Assim, estes conhecimentos são absorvidos já prontos mediante a compreensão e
a assimilação. A outra corrente de pensamento considera a existência de um
processo de desenvolvimento na mente da criança em idade escolar que não difere,
em nenhum aspecto, do desenvolvimento de conceitos não sistematizados,
originários em sua vida cotidiana.
Em relação à primeira corrente de pensamento, Vygotsky (1991a) comenta
que esta não resiste a um estudo mais aprofundado, defendendo que um conceito
é...
(...) mais do que a soma de certas conexões associativas formadas pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato real e complexo de pensamento que não pode ser ensinado por meio de treinamento, só podendo ser realizado quando o próprio desenvolvimento mental da criança já tiver atingido o nível necessário. (VYGOTSKY, 1991a, p.71).
A partir desta concepção, o autor aprofunda o que denomina de zona de
desenvolvimento proximal, que consiste em um ponto de desempenho muito
influenciado pela mediação, isto é, a capacidade de um estudante de solucionar
problemas, desempenhar tarefas e construir conceitos com a ajuda de outras
7
pessoas. Portanto, para Vygotsky (1991b) esta seria a distância entre o nível de
desenvolvimento real, que se estabelece com o resultado de certos ciclos de
desenvolvimento já completados por meio da solução independente de problemas,
e o nível de desenvolvimento potencial, determinado por meio da orientação de
outras pessoas, Desta forma...
(...) o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança. (VYGOTSKY, 1991b, p.101).
Para Vygotsky, o aprendizado das crianças começa muito antes do contato
com a escola. Para ele aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados
desde o primeiro dia de vida da criança e qualquer situação de aprendizado escolar
tem sempre uma história anterior. No entanto, o autor afirma que há uma diferença
entre o aprendizado pré-escolar e o aprendizado escolar a qual está voltada para a
assimilação de fundamentos do conhecimento científico. O aprendizado pré-escolar
seria não sistematizado e o escolar, sistematizado, mas a sistematização não é,
para Vygotsky, o único fator diferencial, defendendo que o aprendizado escolar
produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança.
Assim, a zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que
ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, tornando-se,
segundo o autor, um instrumento que ajudaria os psicólogos a entender o curso
interno do desenvolvimento. Neste sentido, “o nível de desenvolvimento real
caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de
desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente”
(VYGOTSKY, 1991b, p.97). Uma importante análise realizada pelo autor é a de que
a zona de desenvolvimento proximal atual será, no futuro, o nível de
desenvolvimento real, ou seja, aquilo que a criança pode realizar com a ajuda de
mediadores hoje, será capaz de realizar sozinha amanhã. A partir do conceito de
zona de desenvolvimento proximal, pode-se retornar à discussão a respeito da
aquisição de conceitos pela criança.
Segundo Piaget (1923) citado por Vygotsky (1991a) há uma nítida fronteira
entre a percepção da criança acerca da realidade, desenvolvida com uso de seus
próprios esforços mentais, e aquelas que foram decisivamente influenciadas por
7
adultos. Assim, Piaget denomina o primeiro grupo de concepções ou idéias
espontâneas, e o segundo de não-espontâneas, defendendo que, ao formar um
conceito, a criança o marca com características de sua própria mentalidade.
Vygotsky comenta que Piaget foi além e mais fundo do que qualquer outro
estudioso dos conceitos infantis, porém, discorda de Piaget quando tende a aplicar
essa tese apenas aos conceitos espontâneos, adquiridos pela própria criança, ou
seja, seu desenvolvimento psicológico natural. Neste aspecto, Piaget (1983)
classifica como uma segunda categoria do desenvolvimento o psicossocial ou
sociocultural, que não é objeto de seus estudos de psicogênese ou psicologia
genética, referindo-se à origem do conhecimento infantil. Neste sentido, Vygotsky
escreve a respeito de Piaget:
Teoricamente, a socialização do pensamento é vista por Piaget como uma abolição mecânica das características do próprio pensamento da criança, seu enfraquecimento gradual. Tudo o que é novo no desenvolvimento vem do exterior, substituindo os próprios modos de pensamento da criança. Durante toda a infância há um conflito incessante entre as duas formas de pensamento mutuamente antagônicas, com uma série de acomodações em cada nível de desenvolvimento sucessivo, até que o pensamento adulto acabe por predominar. A própria natureza da criança não desempenha nenhum papel construtivo em seu progresso intelectual. (VYGOTSKY, 1991a, p.73).
Vygotsky também estabelece duas ordens ou origens na formação de
conceitos no ser humano: os conceitos espontâneos, formados principalmente na
convivência cotidiana a partir da interação social da criança, e os conceitos não
espontâneos ou científicos, alcançáveis pela criança que vai a escola e se alfabetiza
e está assim apta para absorver a cultura humana, no senso mais amplo.
Entretanto, o autor defende que o desenvolvimento dos conceitos espontâneos e
não-espontâneos relacionam-se e influenciam-se constantemente, fazendo parte de
um processo único: “o desenvolvimento de conceitos, que é afetado por diferentes
condições externas e internas, mas que é essencialmente um processo unitário, e
não um conflito entre formas de intelecção antagônicas e mutuamente exclusivas”
(VYGOTSKY, 1991a, p.73). Assim, uma interação social se efetiva pela linguagem,
não apenas verbal, mas também simbólica, isto é, no sentido mais amplo do termo,
e é sempre assimétrica em relação ao conhecimento partilhado.
Para o autor, o conhecimento é transferido daqueles que o detêm para
aqueles que devem ou querem adquiri-lo por meio da linguagem. A criança quando
está brincando e narrando suas brincadeiras está exteriorizando seus pensamentos,
7
assim, segundo Vygotsky (1991b) é a linguagem que origina o pensamento. Quando
a criança cresce, essa linguagem exterior tende a desaparecer, indicando que seu
cérebro e suas estruturas mentais se desenvolveram até que todo o pensamento
torna-se interiorizado, com a interiorização da linguagem.
Para Vygotsky (1991b) a mente humana cria estruturas cognitivas
necessárias a compreensão de um determinado conceito à medida que o mesmo
está sendo trabalhado no processo ensino-aprendizagem. As estruturas cognitivas
dependem desse processo para evoluírem e, só serão construídas à medida que
novos conceitos são trabalhados. A zona de desenvolvimento proximal delimita a
possibilidade de compreensão no que diz respeito a complexidade dos conceitos,
porém, não é o desenvolvimento cognitivo que possibilita a aprendizagem, mas o
processo ensino-aprendizagem que promove o desenvolvimento cognitivo, sendo
este, também, um processo biológico e, como tal, pode ter tempos de duração
diferenciados em função do desnível cognitivo a ser superado e da complexidade
das estruturas mentais que devem ser construídas para a aquisição deste
conhecimento.
Gaspar (2002) faz uma analogia a esse respeito, alertando para as ressalvas
e limitações inerentes a toda analogia:
A transferência cognitiva de determinado conceito de um professor aos seus alunos pode ser comparada à transferência de um programa de computador para outro. Essa transferência, no entanto, não se faz diretamente, num seqüenciamento ordenado de impulsos eletromagnéticos, como ocorre entre computadores. O meio que a possibilita, ou seja, a forma pela qual um aluno pode apropriar-se do “programa” do professor é a linguagem, a interação verbal e simbólica utilizada nesta transferência. Mas, ao contrário do que ocorre costumeiramente com os computadores, que, ou têm memória suficiente e permitem a instalação imediata do programa, ou não a têm e não o instalam, o cérebro humano constrói a “memória” de que precisa enquanto instala o programa. (GASPAR, 2002, p.178).
Apesar das ressalvas já sinalizadas, esta analogia nos simplifica o processo
denominado por Vygotsky de interação social, que se efetiva pela linguagem, onde
um conhecimento a ser partilhado é compreendido por parceiros que se apropriam
da linguagem de parceiros sociais que detém este conhecimento. Assim, é por meio
do convívio com o outro que o homem se constitui, primeiro socialmente, e após,
individualmente.
Gaspar (2002) comenta que a teoria sociointeracionista de Vygotsky
estabelece relações claras e explícitas entre o ensino informal e o ensino formal,
8
relacionando os conceitos espontâneos com o primeiro, e os conceitos científicos
com o segundo, mas salientando que a aquisição cognitiva de um novo conceito é
sempre um processo de construção gradativo apoiado em conceitos anteriores, uma
pré-concepção a ele relacionada, não necessariamente corretas. Assim, segundo o
autor:
O temor de que a aquisição de idéias errôneas poderia impedir a aquisição de idéias corretas se baseia na falsa concepção do pacote cognitivo, das idéias adquiridas prontas e acabadas. Não há idéias errôneas, porque não há idéias definitivas. Toda idéia é, ou pode ser, provisória, desde que adequadamente trabalhada. Toda criança, quando pequenina, chama cachorro de au-au, mas não há criança que não reformule esse conceito e passe a chamar cachorro de cachorro. (GASPAR, 2002, p. 181).
Assim, a vivência de uma criança em um Museu de Ciências irá depender de
um conjunto de pré-conceitos estabelecidos em outras ocasiões, seja na escola,
seja no lar ou em interações sociais de amizades. Há a possibilidade de que um
conceito, recebido por meio da linguagem expositiva, seja totalmente novo a esta
criança. Pois bem, será a partir deste momento um conceito espontâneo que
participará do processo de ensino-aprendizagem até transformar-se em um conceito
científico.
Esta transformação de conceito espontâneo em científico poderá ocorrer na
educação formal ou no próprio museu, em um espaço de tempo mediado pela
distância entre a complexidade deste conceito em relação à zona de
desenvolvimento proximal. Assim, a linguagem museográfica, com as exposições
interativas, textos, audiovisuais, entre outras formas de interação, mostram-se um
conjunto poderoso de estímulo aos conceitos espontâneos.
Gaspar (2002) reforça que não há razão para um mediador inquietar-se em
demasia quando uma criança não compreende de forma completa um conceito
demonstrado, pois, dependendo da complexidade do conceito, não será com uma
demonstração ou explicação que este conceito será capaz de ser compreendido.
Isto acontecerá com o tempo, à medida que estruturas mentais necessárias para
tanto sejam construídas. Este processo, que depende de uma abordagem contínua
e adequada, se efetivará mais brevemente para quem pode participar de momento
de diálogo no Museu de Ciências, pois neste momento, a construção cognitiva já
teve início.
8
CAPÍTULO 4 – ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
A modernização da sociedade e a redefinição do tempo e do espaço social
operada pelo fenômeno da globalização impõem novas exigências educacionais
que, segundo Cazelli e Franco (2001) trazem repercussões tanto na interface da
educação com o mundo do trabalho, quanto da educação com o exercício da
cidadania. Os recentes avanços da ciência e da tecnologia em setores como o das
telecomunicações e comunicação de dados, engenharia genética, pesquisas
espaciais e muitas outras remetem ao contexto uma população mundial que
necessita um entendimento da ciência e da tecnologia de alcance mais amplo, a fim
de interpretar os fatos de seu próprio cotidiano.
Nesse contexto, segundo Gouvêa e Leal (2003), tende a ganhar força a
algumas décadas, a defesa da tese da alfabetização científica e tecnológica. Esta
defesa encontra-se presente na agenda de debates e decisões de vários países,
principalmente os que detém maior hegemonia na produção científica mundial, mas
que somente em meados dos anos de 1990 se fez presente no Brasil.
Há na atualidade um intenso debate, promovido por organizações
internacionais como a OCDE30, a respeito do termo “alfabetismo”, cuja compreensão
é muito mais ampla do que sua noção histórica de saber ler e escrever. Para Fourez
(1999) o tema alfabetização científica e técnica seria uma espécie de saber,
capacidade ou conhecimento, de “saber-ser” que, no campo da ciência e tecnologia,
toma uma interpretação contrária à alfabetização ocorrida no último século.
Já para Krasilchik (1992), a alfabetização científica apresenta-se como uma
grande linha de investigação no ensino de ciências, revelando-se um movimento
que procura relacionar à mudança dos objetivos do ensino de ciências fatores como
formação geral da cidadania e a importância dos fundamentos técnico – científicos
na tomada de posição desses cidadãos para com as decisões envolvendo a
sociedade. A autora comenta a importância do currículo, no ensino de ciências, em
contemplar tais enfoques. Esta posição é reforçada por Hurd (1998), quando afirma
que o currículo escolar está diretamente ligado à qualidade de alfabetização
científica. Desta forma, atividades de solução de problemas, investigação, e
desenvolvimento de projetos em laboratório são, de acordo com o autor,
30 Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que promove o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA).
8
características embutidas no currículo escolar que facilitam a alfabetização
científica, entendida por ele como o envolvimento da produção e utilização da
ciência na vida do homem, provocando mudanças revolucionárias na ciência com
dimensões na democracia, no progresso social e nas necessidades de adaptação
do ser humano.
A discussão a respeito do conceito de alfabetização científica e tecnológica é
foco de atenção deste capítulo, porém, Guaracira Gouvêa e Maria Cristina Leal
contribuem com uma visão um pouco mais generalista do mesmo:
O conceito de alfabetização científica e tecnológica pressupõe, em linhas gerais, uma discussão que envolve a comunidade científica, educacional e os profissionais da educação sobre o que o cidadão comum sabe e deveria saber a respeito da relação ciência, tecnologia e sociedade. Tendo em vista que o que o cidadão comum sabe ou deveria saber a respeito dessa relação abrange, necessariamente, elementos ligados a sua formação e as informações disponíveis, esta discussão está situada no ensino de ciências disponível nas escolas e museus científicos, na mídia e internet que atuam no campo da divulgação científica. Estas instâncias, dependendo de sua presença maior ou menor na sociedade, são responsáveis por parte da formação da atitude pública sobre ciência e tecnologia. (GOUVÊA e LEAL, 2003, p.224).
Os museus e centros de ciência, em muitos casos, exibem nos seus
programas de educação científica a intenção de contribuir para uma melhor e mais
eficaz alfabetização científica de seu público. Várias pesquisas a respeito do tema
estão apontando a educação informal como instrumento de alfabetização científica
e tecnológica, com avanços comprovados nestas pesquisas a nível quantitativo e
qualitativo, como por exemplo em Gaspar (1998)31, quando afirma que o conceito de
alfabetização em ciências surge como alternativa ao ensino formal de ciências,
indicando que seria mais importante ao homem de hoje a aquisição de noções
básicas em ciências do que a aquisição de conceitos científicos aprofundados.
Contudo, o próprio autor alerta que, “embora conte com o respaldo de inúmeros
pesquisadores e associações científicas, sofrem ainda restrições de alguns
membros dessa mesma comunidade que chegam até a considerar prejudicial esse
tipo de abordagem”.(GASPAR, 1998, p.107).
O contexto social influenciado pela tecnologia sugere uma discussão mais
aprofundada a respeito de uma possível alfabetização científica e tecnológica (ACT)
da população e sobre o que este público deveria saber a respeito de ciência e
31 GASPAR, A. e HAMBURGUER, E. W., Museus e Centros de Ciências – conceituações e propostas de um referencial teórico; in NARDI, R. org. Pesquisas em Ensino de Física – São Paulo: Escrituras Editora, 1998
8
tecnologia para que tenha uma visão de mundo em consonância com as interações
e conseqüências sociais, econômicas e culturais relacionadas aos processos pelos
quais a ciência e a tecnologia transitam. Com essa perspectiva vamos recorrer a um
aprofundamento deste contexto social contemporâneo, objetivando seguir um
caminho para trabalhar as diferentes vertentes verificadas para o significado de
alfabetização científica e tecnológica.
4.1 O MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO
Segundo Pietrocola (2005), o desafio de entendimento a respeito dos
grandes projetos necessários à manutenção das estruturas sociais modernas –
citando como exemplo as formas de produção de energia elétrica, os satélites de
comunicação, os sistemas de tratamento de água, entre outros – está baseado em
conhecimentos de ciência e tecnologia.
O avanço da tecnologia, no entanto, está disponível a apenas uma parcela da
população mundial. Mas, segundo o mesmo autor, é de fundamental importância
para a vida em sociedade o entendimento desse avanço, mesmo das pessoas que
não têm esse acesso, pois, de alguma forma, todos são influenciados.
Mesmo a tomada de decisões em escala individual pode ser melhor gerenciada quando de posse de conhecimentos científicos. A simples decisão quanto a realização ou não de determinado exame, como uma tomografia computadorizada, implica um mínimo conhecimento científico. O mesmo valeria na escolha de tratamentos para um amigo ou familiar doente. A escolha da linha de atuação do médico assim como os tratamentos prescritos revestem-se de terminologia especializada, muitas vezes inacessível aos cidadãos pouco alfabetizados cientificamente. (PIETROCOLA, 2005, p.31).
O autor destaca que esses conhecimentos ocupam um papel de relevante
importância na sociedade atual que, segundo Sevcenko (2001), presenciou no
século XX uma amplitude e densidade de mudanças tecnológicas sem precedentes,
acrescentando que, se somássemos todas as descobertas científicas, invenções e
inovações técnicas realizadas pelos seres humanos desde a origem de nossa
espécie até hoje, chegaríamos a espantosa conclusão de que mais de 80% de
todas elas se deram nos últimos cem anos, principalmente após a segunda guerra
mundial.
8
O impacto social de tal explosão técnico-científica é multidimensional e
acarreta conseqüências de grande repercussão nas pessoas, na maioria das
ocasiões, de forma despercebida ou pouco controlada. A percepção de tempo e
espaço são obscurecidas em termos de referencial devido a aproximação dos povos
e encurtamento de distâncias, fenômenos conseqüentes da revolução nos
transportes, microeletrônica e telecomunicações. Os “técnicos”, impulsionados pela
onda avassaladora, formulam o conceito de globalização, baseados na densa
conectividade de toda a rede, principalmente no tocante ao mundo do trabalho, em
que as multinacionais podem escolher regiões geográficas no globo que mais lhe
favoreçam os lucros, com conseqüentes ondas de desemprego e desrespeito aos
direitos trabalhistas, tendo a facilidade de migração global de suas indústrias e
fábricas.
Chassot (2003) refere-se ao mito do bem estar global atrelado ao
desenvolvimento tecnológico citando como exemplo o acesso à Internet, que nos
dias de hoje parece um fato consumado e de alcance da maioria das pessoas. Esse
autor desmistifica essa afirmação quando lembra que no Brasil, por exemplo, os
ligados à rede representam apenas 0,7 % da população. Esse dado mostra que a
maioria das pessoas é excluída; são os “sem - Internet”, para usar a denominação
do autor. O exemplo da questão de acesso a Internet não é isolado, pois, segundo
Sevcenko (2001), o mundo nunca presenciou tamanha desigualdade social, na
contramão da explosão científico – tecnológica mencionada.
4.2 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
Etimologicamente, o termo alfabetizar-se, ou deixar de ser analfabeto, pode
exibir algumas possíveis interpretações, mas que geralmente levam a um raciocínio
de aquisição dos processos de leitura e escrita. CHASSOT (2003) comenta em
adquirir a tecnologia do ler e escrever e envolver-se nas práticas sociais de leitura e
de escrita. Assim, o indivíduo quando de posse desses processos, ao que o autor
chama de tecnologia da escrita e leitura, ascende a uma condição social em que as
oportunidades serão multiplicadas. Este estado social, cultural, político e econômico
pode ser designado pelo termo literacy, como comenta Magda Soares:
Etimologicamente, a palavra literacy vem do latim littera (letra), com o sufixo -cy, que denota qualidade, condição, estado fato de ser (...). Ou seja, literacy é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever. Implícita nesse conceito
8
está a idéia de que a escrita traz conseqüências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas, lingüísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la. (SOARES, 2001, p.17).
Mas a questão aqui presente vai além da aquisição desta tecnologia de
leitura e escrita. A alfabetização científica e tecnológica, se comparada a este
estado de “letramento”32 toma o significado de aquisição das estruturas lingüísticas
referentes à ciência e a tecnologia. Em outras palavras, o estado ou condição do
qual faz uso um cidadão que compreende a linguagem científica e tecnológica;
estado esse facilitado pela aquisição da tecnologia da leitura e escrita, mas não de
dependência direta desta aquisição.
A linguagem utilizada pela ciência mostra-se como um dos obstáculos ao
sucesso de um processo de divulgação científica e alfabetização científica e
tecnológica (ACT). Os vários níveis de aprofundamento de conceitos concretos e
abstratos, baseados no método científico não são, em geral, de domínio público,
fazendo com que os Centros e Museus de Ciência encontrem um desafio em tornar
esses conceitos mais acessíveis, sem contudo, banalizá-los.
A discussão a respeito da linguagem para compreensão do desenvolvimento
científico e tecnológico por parte do “cidadão comum”, isto é, uma pessoa não
iniciada no ritual acadêmico necessário para ser rotulada de “cientista”, já conta com
algumas décadas. É importante expor aqui um breve contexto histórico do
incremento desses estudos referentes a reflexões sobre ciência e tecnologia.
4.3 O MOVIMENTO CTS E A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA
O movimento CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) é um dos pilares que
sustentam a necessidade de uma alfabetização científica adequada dos cidadãos.
Sob esta relação, estudaremos alguns de seus aspectos.
Segundo LIMA FILHO (2003), nos primeiros anos da década de 1970 o
sistema capitalista apresentava os primeiros sinais de esgotamento, sintoma com
origem em alguns fatos, como por exemplo, as disputas pela supremacia militar e
ideológica entre norte – americanos e soviéticos, a expansão na produção do pós-
guerra e a expansão do emprego e dos direitos sociais dos trabalhadores. Assim,
32 Magda Soares ratifica uma proposição em favor do termo letramento, palavra não dicionarizada, como resultado da tradução do termo inglês literacy significando o estado ou a condição que adquire o grupo social ou indivíduo como conseqüência de ter se apropriado da escrita".
8
“(...) tinha início uma nova crise, ou virada de onda longa do sistema capitalista.”
(LIMA FILHO, 2003, p. 3).
Ainda segundo o autor, é no emergir desse novo ciclo que se organizam
grupos de pesquisa em diversas universidades dos EUA e da Europa, com o
objetivo de pesquisar e refletir a respeito de ciência e tecnologia. Surge, então, o
conceito de CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade), com o intuito de fomentar uma
nova maneira de tratar a ciência e tecnologia e uma nova filosofia da tecnologia.
Assim, os impactos sociais causados pelo desenvolvimento tecnológico são
estudados e o movimento CTS se propõe a buscar a discussão de como minimizar
tais impactos. Porém, uma importante visão a respeito do desenvolvimento científico
e tecnológico não tem uma abordagem qualitativa no berço do movimento CTS -, o
questionamento de “para quê” e “para quem” se destina o progresso científico e
tecnológico. Desta forma:
(...) o movimento CTS busca constituir-se ao mesmo tempo como espaço de crítica – alertando contra os impactos das Tecnologias sobre a sociedade – e como um espaço de intervenção, propondo desde amplas discussões e ações políticas que envolvam a sociedade, até programas educacionais em CTS. (...) ao conceber tais limites, reduzindo a discussão ao nível dos impactos, deixa-se de lado questões centrais, tais como: quem define e produz a Tecnologia que está determinado os impactos? Quem a controla? Os impactos são necessariamente os mesmos em todas as sociedades? Se não, por quê? (LIMA FILHO, 2003, p. 3).
O movimento CTS sugere caminhos e direções para o ensino de ciências que
tendem a aproximar ciência e cotidiano. Para alguns autores, como por exemplo
Ziman (1985) citado por Gouvêa e Leal (2003), a base CTS deveria substituir o
ensino tradicional baseado em disciplinas com vistas a uma construção mais crítica
acerca da ciência. Há na estrutura do movimento CTS um forte apelo ao ensino
interdisciplinar, incentivando tal prática já no Ensino Fundamental.
Mas, como apontado por Lima Filho (2003), os programas educacionais com
base em CTS não discutem as políticas de decisão dos rumos do desenvolvimento
tecnológico, dando ênfase aos impactos ambientais e sociais de tal
desenvolvimento, centrando-se em aspectos quantitativos e em quanto se pode
controlá-los. Para uma melhor compreensão dos objetivos do movimento CTS e sua
tentativa de implantação no Brasil, Auler e Bazzo (2001) enfocam seu surgimento
histórico. Os autores destacam, entre os problemas e desafios encontrados, a
8
formação disciplinar dos professores incompatível com a perspectiva interdisciplinar
presente no movimento CTS:
O enfoque CTS abarca desde a idéia de contemplar interações entre ciência, tecnologia e sociedade apenas como fator de motivação no ensino de ciências, até aquelas que postulam, como fator essencial desse enfoque, a compreensão dessas interações, a qual, levada ao extremo por alguns projetos, faz com que o conhecimento científico desempenhe um papel secundário. (AULER e BAZZO, 2001, p.2)
Para o contexto brasileiro, Auler e Bazzo (2001, p.12), colocam algumas
questões importantes a respeito da possível implantação do ensino baseado no
movimento CTS, entre as quais, a possibilidade de uma educação para uma falsa
cidadania, “considerando que, nos contextos em que emerge o movimento CTS, há
mecanismos de consulta popular, já estabelecidos, para avaliar e influir nas
decisões de C&T, inexistentes em nosso contexto”. Assim, evidencia-se uma
necessidade de conquista do espaço democrático brasileiro que propicie ao cidadão
abertura suficiente para opinar a respeito das decisões em C&T.
Durant (2005) nos aponta o termo “alfabetização científica” como uma
expressão da moda nos círculos educacionais nos Estados Unidos e Inglaterra,
corroborando com Lima Filho (2003) em relação ao movimento CTS em termos de
berço de concepção. Assim, a alfabetização científica designaria uma gama de
conceitos científicos que a população em geral deveria compreender. Durant (2005)
alerta a respeito da preocupação do desempenho das instituições educacionais
destes países, relacionada a grande difusão do termo Alfabetização Científica,
preocupação esta que estaria muito mais ligada a uma visão de futuro do
desenvolvimento tecnológico do que sobre a visão de crítica da população para
com os processos científicos.
4.4 TRÊS OLHARES PARA A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA
Ainda, segundo Durant (2005), é possível discutirmos três abordagens para a
compreensão da alfabetização científica. A primeira, diz respeito ao cidadão estar
familiarizado com os conteúdos da ciência, no sentido da quantidade de conceitos
científicos compreendidos, idéia que alcançaria limites além da educação formal em
ciências. Seria um conhecimento factual com o objetivo de tomada de consciência,
8
por parte do cidadão, e interpretação dos acontecimentos motivados pela ciência
atual.
A segunda abordagem é relacionada à questão de saber como a ciência
funciona, o método e os processos científicos. Assim, a educação científica que
segue esta abordagem defende uma pedagogia do aprender ciência praticando o
método científico, visando o entendimento não apenas de princípios básicos, mas
também os processos pelos quais foram estabelecidos. O mesmo autor revela a
preocupação da pedagogia formal e não formal na questão da resolução de
problemas adotando-se uma atitude científica. Esta, visa uma abrangência de
curiosidade desinteressada, abertura da mente, objetividade e o hábito de fazer
julgamentos com base em fatos. A formulação de hipóteses e sua submissão a
testes críticos na experimentação controlada seria uma forma de vivenciar a ciência
e, assim, buscar a sua compreensão.
Estas duas abordagens, segundo Durant, são inadequadas para o objetivo de
se compreender as questões atuais da ciência, que envolvem, em grande escala,
processos de construção de novos conhecimentos, pois:
Com freqüência, o novo conhecimento é incerto, muitas vezes controverso. Em outras palavras, os especialistas científicos podem estar indecisos a respeito das coisas; eles podem mesmo discordar uns dos outros sobre questões de provas ou interpretações. Neste caso, o público pode ser auxiliado por uma certa quantidade de conhecimento factual básico; mas, em si, esse conhecimento é provavelmente insuficiente para entender o que está acontecendo. Porque o que está acontecendo é o surgimento do novo conhecimento; e, para compreender isso, as pessoas têm de saber alguma coisa sobre a gestação ou a embriologia da ciência. (DURANT, 2005, p.17).
Quanto ao método científico e a atitude científica, tratados na segunda
abordagem, Durant enfatiza que dificilmente um cientista segue a linearidade que
geralmente é atribuída ao método científico, e, tão pouco, que o cientista ao nascer,
seja presenteado com o dom da “atitude científica”. Na verdade, o autor nos alerta
de que, uma ciência que segue a linearidade do método científico e se apropria de
justificativas e afirmações baseadas na atitude científica, têm uma pequena chance
de ser encarada como ciência verdadeira, assumindo muito mais a forma de
pseudociência.
A terceira abordagem sugerida por Durant (2005) seria de uma alfabetização
científica no sentido de se saber como a ciência “realmente funciona”,
8
ultrapassando as fronteiras do entendimento da ciência como puro conhecimento e
como processo idealizado. Assim, saber como a ciência funciona realmente requer a
aceitação de que existe uma comunidade científica sujeita a certas regras,
participando de debates geralmente restritos, e que avalia seus pares
constantemente segundo ideais políticos e partidários próprios desta comunidade.
Significa dizer, que a popularização dos conhecimentos científicos é um
processo de adequação de uma linguagem utilizada pela comunidade científica com
objetivo da inteligibilidade pública. Acontece que, a elaboração desta linguagem é
de extrema complexidade, pois a missão de tornar inteligível o complexo sempre
será uma missão difícil. As conseqüências de uma tradução incompleta podem
assumir como verdades mitos, por exemplo, de que os cientistas, individualmente,
descobrem leis científicas. Uma abordagem de alfabetização científica que se
proponha a uma visão de ciência como construção coletiva e histórica, jamais
poderá afirmar tal equívoco, pois jamais um cientista poderá chegar a conclusões
ou descobertas isoladamente, sem a interferência, análise, aprovação e
contribuições em sua pesquisa.
Outro aspecto tratado na terceira abordagem de Durant (2005) é a questão
da falibilidade da ciência, sempre presente no contexto real dos processos de
pesquisa científica, no entanto, muitas vezes ausente no senso comum das pessoas
que não fazem parte da comunidade científica. Assim, há uma atmosfera de
credibilidade quase sobrenatural nos cientistas, que produziriam conhecimento
indiscutível na visão idealizada. Mais uma vez se faz presente o mito da
infalibilidade da ciência, presente no contexto externo à comunidade científica. Uma
alfabetização científica que pretenda construir uma relação entre os não
especialistas e a comunidade científica, de forma a dar consciência dos processos
científicos, deve levar em consideração os fatos acima mencionados e destacados
por Durant (2005).
4.5 ACT – EM BUSCA DE UM REFERENCIAL AMPLIADO
Fourez (1999), citado por Auler e Delizoicov (2001), referindo-se à ACT, utiliza
as expressões “sentido restrito” e “sentido amplo”, seguindo a análise filosófica já
explorada no capítulo 1 deste texto. Assim, os autores sinalizam duas perspectivas
9
para o entendimento de “alfabetização científica e tecnológica”; a reducionista e a
ampliada.
Em uma perspectiva reducionista, o público seria tratado partindo-se de um
pressuposto de ignorância em relação as questões científicas e tecnológicas,
transferindo a responsabilidade pelo não entendimento destas questões ao público
e não a ciência. Nesta perspectiva, a ciência é considerada neutra e desprovida de
valores. A visão de mundo oferecida pela perspectiva reducionista, considera a
ciência como única e privilegiada, em que o conhecimento científico é traduzido
como infalível e sem contradições. Assim, na perspectiva reducionista, temos uma
grande aproximação com as duas primeiras abordagens descritas por Durant (2005)
que englobam o conhecimento quantitativo e factual e o entendimento do método
científico, já discutidas anteriormente.
A alfabetização científica, idealizada pela perspectiva reducionista, apresenta-
se, então, como um instrumento fundamentalmente ideológico. Neste sentido, para
Habermas:
O método científico que levou à dominação cada vez mais eficaz da natureza passou assim a fornecer tanto os conceitos puros, como os instrumentos para a dominação cada vez mais eficaz do homem pelo próprio homem através da dominação da natureza (...). Hoje a dominação se perpetua e se estende não apenas através da tecnologia, mas enquanto tecnologia, e esta garante a formidável legitimação do poder político em expansão que absorve todas as esferas da cultura. – Nesse universo a tecnologia provê também a formidável racionalização da não-liberdade do homem e demonstra a impossibilidade “técnica” de ser ele autõnomo e de determinar a sua própria vida. Isso porque essa não liberdade aparece, não como irracional ou política, mas antes como uma submissão ao aparato técnico que amplia as comodidades da vida e aumenta a produtividade do trabalho. (HABERMAS, 1975, p.305).
O ensino de ciências, formal ou informal, ao utilizar-se de um discurso
reducionista e inebriante, que pode facilmente ser adotado de forma inadvertida e
até mesmo ingênua por educadores e instituições que buscam, em muitas ocasiões,
um processo educativo progressista, emancipatório e democrático, serviria aos
propósitos do processo de dominação apontado por Habermas (1979). Neste
sentido cabe aqui o alerta:
Cada vez mais, corporifica-se a idéia da democratização da Ciência e Tecnologia como pré-requisito para o exercício da cidadania, da democracia (...) Levantamos a hipótese de que, ao reivindicar a divulgação, popularização de conhecimentos, fatos, informações, conceitos científicos, com honesta justificativa de sua imprescindibilidade para o exercício democrático, pode-se contribuir, de fato, para o
9
estrangulamento do exercício pleno da democracia, reforçando postulações tecnocráticas. (AULER e DELIZOICOV, 2001, p.11).
Em uma perspectiva ampliada, os mesmos autores destacam a busca de
uma real compreensão das interações entre ciência, tecnologia e sociedade, em
uma leitura crítica de mundo onde a desmistificação dos mitos construídos nesta
relação deve tomar uma importância fundamental no papel educativo. A ACT sob o
ponto de vista “ampliado” aproxima-se do referencial que Paulo Freire sustenta na
superação da visão mitológica, em que a educação relaciona-se com o
“conhecimento crítico da realidade”. Freire (1992) afirma que se deve exercer o
controle sobre a tecnologia e pô-la a serviço dos seres humanos. A ACT entendida
sob a perspectiva ampliada considera o conceito de tecnologia no sentido de
negação a visão tecnocrática do determinismo tecnológico apontado por Habermas.
Winner (1987)33, citado por Lima Filho (2003), traz uma importante
contribuição ao evidenciar o caráter inerentemente político de determinadas
tecnologias nas sociedades contemporâneas. Assim:
A “saída” proposta por Winner localiza-se no campo da construção de espaços mais democráticos, nos quais a sociedade civil poderia exercer o controle sobre os destinos do desenvolvimento tecnológico. Para a concretização dessas instâncias seria necessário um processo de “alfabetização tecnológica”. Esse processo consistiria de um novo contrato social, capaz de reorganizar os regimes sócio-técnicos, pela ação de cidadãos conscientes e responsáveis. Pela tese idealizada por Winner, esses cidadãos abandonariam a posição de expectadores passivos, enfim, despertariam do que o autor chama de “sonambulismo tecnológico.” (LIMA FILHO, 2003, p.3).
Bastos (1998) afirma que o mundo tecnológico de hoje não se resume a um
aglomerado de técnicas, mas exige do cidadão, agente e ator, entendimento e
interpretação, à luz das forças libertadoras e na realidade de uma sociedade
manipulada pela racionalidade de estruturas capitalistas, que induzem uma visão
social da ciência moderna fortemente influenciada pela visão mitológica da própria
ciência.
Interagir no mundo onde vivemos – socialmente, politicamente, culturalmente;
este é o objetivo de uma adequada alfabetização científica e tecnológica, que
encontra problemas e desafios. A perspectiva de ACT ampliada nos revela a
necessária ruptura com os mitos referenciados à ciência e a tecnologia, uma
33 Langdon Winner, da “escola” de críticos culturais norte-americanos.
9
exposição destes mitos nos processos educativos formais e não formais, para que
possamos refletir sobre os mesmos.
A ACT ampliada propõe relevar, nos processos educativos, aspectos sociais,
econômicos, culturais e do mundo do trabalho, indissociáveis dos aspectos técnicos
que influenciam as pesquisas em ciência e tecnologia, como propõe LIMA FILHO
(2003), quando diz que é necessário considerar que a educação é apenas uma das
relações sociais envolvidas nesse complexo e, desse modo, tem suas limitações.
Desta forma, as relações de produção e de propriedade também exercem influência
sobre que tipo de informação se disponibiliza e de como o conhecimento é
produzido, gerando assim, um discurso ideológico a respeito da ciência e da
tecnologia.
Fourez (1995) denomina como discurso ideológico uma prática que se faz
conhecer como uma representação do mundo, mas que, na verdade possui mais
um caráter de legitimação de que um caráter descritivo. O autor afirma que a
ciência, apesar de utilizada em inúmeras ocasiões como reforço de legitimação do
discurso ideológico, é um importante instrumento para fazer a crítica às proposições
desse discurso. Assim:
No decorrer dos últimos séculos, a ciência se revelou instrumento poderoso para criticar as ideologias: graças a seus testes pontuais, puseram em questão os abusos de saber, presentes em muitos discursos éticos, religiosos, políticos etc. É desse modo que ela obteve o reconhecimento de sua capacidade de luta contra muitos “obscurantismos”. Não obstante, ela mesma parte de uma evolução sócio – histórica, é incapaz de apresentar uma verdade global e universal em substituição aos discursos ideológicos. Nisto, decepcionaram aqueles que viam nela a fonte de uma luz absoluta. (FOUREZ, 1995, p.183).
O discurso ideológico presente nos processos de “tradução” de conceitos da
ciência para um saber inteligível nem sempre (ou quase nunca) revela-se ao
cidadão. Para Fourez, “as traduções científicas de um enfoque ideológico
permanecem ideológicas na medida em que o ponto de vista (ou seja, a matriz
disciplinar ou o paradigma) utilizado se originou em um contexto bem determinado.”
(FOUREZ, 1995, p.186). Neste sentido, o autor aponta para duas possibilidades de
discurso ideológico. A primeira, designada por “discurso ideológico de primeiro
grau”, surge a medida que se está consciente do caráter histórico, portanto
ideológico, do discurso. Assumem-se os limites desse discurso em uma condição de
9
não ignorância da ideologia inserida no mesmo, onde se constroem os conceitos de
base e se tem consciência das decisões que implica toda prática científica.
A segunda possibilidade designada de “discurso ideológico de segundo grau”,
adquire características ahistóricas e noções com caráter objetivos e eternos, onde a
maior parte dos vestígios de construção são suprimidos e apresenta como naturais
opções que, na realidade, são particulares, em um processo manipulador de
representação de ciência eterna, de respostas objetivas e neutras.
A divulgação científica, sob a perspectiva de um discuso de segundo grau,
geralmente confere ao conhecimento científco um poder inequívoco. Alice Lopes
(1999), concodando com Fourez (1995), nos mostra que o acesso ao conhecimento
científico se traduz em acesso a uma certa dose de “poder” ...
Um poder no sentido negativo do termo, que reforça a razão instrumental, atua de maneira coercitiva sobre os saberes não-científicos, constrói o discurso capaz de deslegitimá-los e, dessa maneira, contribui para a reprodução das relações sociais vigentes na sociedade capitalista. Mas também um poder no sentido positivo, que pode fornecer argumentos para uma atuação contra-hegemônica de grupos sintonizados com interesses populares. (...) o conhecimento dominante, hegemônico, nem sempre se alicerça em um conhecimento científico, mas sim em um senso comum que por vezes que se alicerça em uma racionalidade pseudo-científica. Portanto, o domínio do conhecimento científico é fundamental para auxiliar a desconstrução do discurso dominante, de muitos dos seus mecanismos ideológicos que subsistem em função do desconhecimento geral de noções científicas. (ALICE LOPES, 1999, p.183).
A ACT ampliada deve estar atenta aos discursos ideológicos que fará, uma
vez que, concordando com Fourez (1995) e Alice Lopes (1999), a ciência só é útil
quando, de uma maneira ou de outra, atinge o cotidiano, mascarando a distância
entre a representação ideológica global e o conceito científico particular que a
traduz. Desta forma, a ACT deve considerar o discurso científico como ideológico,
ao menos em primeiro grau.
Os instrumentos de divulgação científica, como os Museus de Ciência, devem
estar atentos para que, inadvertidamente, não assumam um discurso ideológico que
se ponha contrário a suas próprias convicções. Essas instituições podem, desta
forma, assumir um papel social emancipatório de desconstrução do discurso
científico ideológico e valorização do conhecimento científico como forma de poder
popular e democrático.
9
CAPÍTULO 5 – PEQUENOS CIENTISTAS – GRANDES CIDADÃOS
Seria aceitável, dentro de uma perspectiva sócio-interacionista, que uma
criança de sete anos de idade se submetesse a uma aula cujo tema focasse a
origem do universo? Ou ainda, seria razoável, sob o olhar da mesma perspectiva,
que esta criança assistisse a outra aula, desta vez a respeito dos fenômenos
eletromagnéticos? A resposta a estas indagações nos parece muito simples,
seguindo a lógica da educação formal e o peso do currículo inerente à mesma: seria
um enfático “não”.
O programa de recepção de estudantes da faixa etária dos sete aos dez anos
de idade, desenvolvido pela equipe do Museu de Ciências Professor Newton Freire
Maia, trata os assuntos acima mencionados, entre outros tantos que se referem ao
conhecimento científico, sob o ponto de vista da educação informal. Assim, os
estudantes das séries iniciais do Ensino Fundamental têm acesso ao Museu de
Ciências em uma parceria entre a educação formal (escola) e a educação informal
(Museu de Ciências).
Para melhor compreendermos este programa de recepção de estudantes no
museu, iremos descrever o ambiente onde o mesmo se desenvolve, o Museu de
Ciências Professor Newton Freire Maia.
5.1 BREVE HISTÓRICO DO MUSEU DE CIÊNCIAS – PROFESSOR NEWTON
FREIRE MAIA
O Parque Newton Freire Maia (PNFM), localizado no município de Pinhais,
Região Metropolitana de Curitiba, foi assim batizado em justa homenagem ao
importante geneticista cearense falecido em 2003, professor Newton Freire Maia34,
no governo Roberto Requião, neste mesmo ano. O Museu de Ciências, porém, foi
oficialmente inaugurado em data anterior, mais precisamente em 20 de dezembro
de 2002, com o nome de “Parque da Ciência”, no governo Jaime Lerner.
Originalmente, o projeto de implantação do Parque da Ciência previa a
reforma de todos os pavilhões do antigo “Parque Castelo Branco”, tradicional ponto
34 Considerado curitibano devido aos longos anos de residência e atividade profissional na UFPR, Freire-Maia destacou-se como cientista por suas contribuições no estudo pioneiro da genética humana.
9
de encontro de criadores e de grandes feiras e exposições agropecuárias,
desativado em meados de 2001, por ocasião da efetivação da represa do rio Iraí.
Com a nova legislação ambiental, o Parque Castelo Branco localizava-se no interior
da área de preservação ambiental do Iraí, tornando incompatíveis as exposições
agropecuárias com a existência de mananciais na região.
Na sua concepção, o Parque da Ciência estaria distribuído em 80 hectares e
seria dividido em sete espaços: Exploratório, Mundo do Campo, Palco Paraná, Circo
da Ciência, Centro de Referência e Documentação e Centro de Arte Eqüestre. Os
maiores investimentos na construção do parque foram realizados no Exploratório,
um conjunto de quadro pavilhões temáticos divididos nos temas Água, Energia,
Meio Ambiente e Cidades.35. Seriam 40 000 m2 de área construída, na planta
original, para atender um projeto inspirado no modelo do parque francês La Villete.
Após a inauguração, em fins de 2002, o Parque da Ciência recebeu público
até início de 2003, quando fechou suas portas por conta de uma investigação a
respeito de sua construção, permanecendo desativado até início de 2004, quando,
após concluída as investigações e atendendo a um forte movimento da sociedade
organizada, contrária à proposta de seu fechamento, reabriu ao público.
Atualmente, o Exploratório do PNFM é um espaço destinado à divulgação e
popularização da ciência e da tecnologia, constituído fisicamente de pavilhões
temáticos voltados a diversas áreas de conhecimento, tais como : evolução da vida
no planeta, diferentes povos e culturas, História, Geografia, preservação ambiental,
Astronomia, Física, Química e Matemática. Seus visitantes são recebidos em um
ambiente que visa uma interação didático-pedagógica entre este público, constituído
fundamentalmente de estudantes das escolas públicas e particulares do Estado do
Paraná, e o acervo do museu, com apoio e monitoria de professores e estudantes
que compõem um corpo de trabalho na atividade de mediação. A recepção dos
visitantes é dividida em duas categorias bem distintas – o atendimento escolar e o
atendimento não escolar.
Dentro do planejamento do atendimento escolar surgem questões de
linguagem importantes no que se refere a faixa etária dos estudantes. Estes,
divididos por grupos de atendimento mediados pelos profissionais atuantes no
exploratório, são conduzidos em uma visita dialogada em que se dá o contato com
35 Fonte: http://www.aenoticias.pr.gov.br
9
um acervo de objetos reais e simulações áudio visuais que procuram reproduzir
fenômenos naturais e tecnológicos.
Desta forma, o público escolar distribuído em faixas etárias, que compreende
desde as séries iniciais do Ensino Fundamental até à universidade, costuma fazer
indagações as mais diversas. Em especial os estudantes de 1ª a 4ª séries elaboram
questões intrigantes, têm expectativas diferenciadas e uma curiosidade bastante
aguçada. A interlocução entre o acervo do exploratório e o estudante, mediada pelo
monitor, torna-se um desafio de linguagem e de diálogo, tanto no que diz respeito
ao aspecto visual e estético quanto no aspecto do texto ou som.
A minha experiência profissional na coordenação pedagógica do grupo de
monitores que atuam no atendimento ao público do PNFM teve início em março de
2004, quando da reabertura desse espaço após um período de mudanças políticas
governamentais. A transição do governo Lerner para o governo Requião no Estado
do Paraná desencadeou mudanças ao nível administrativo do anteriormente
denominado Parque da Ciência. Essas mudanças se deram com a passagem do
controle da instituição, antes vinculada à Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior do Paraná (SETI), para a Secretaria de Estado da Educação do Estado do
Paraná (SEED), em 2003.
Como geralmente ocorre nas transições, as dificuldades se mostraram
bastante amplas no início. Os quatro pavilhões de exposição do exploratório,
repletos de experimentos demonstrativos e interativos, careciam de manutenção
preventiva e corretiva. Mais do que isso, careciam de uma metodologia de
abordagem. Este trabalho revela, em pesquisa realizada com professoras visitantes
do PNFM, um caráter bastante conflituoso nas possibilidades desta abordagem. Há
nos relatos coletados na pesquisa um sentimento de apologia à tecnologia e a
possibilidade de um entendimento cientificista das exposições. O primeiro impacto
visual de alguns estudantes, ao adentrar ao Exploratório, é relatado pelas
professoras como um vislumbre tecnológico e admiração por símbolos e ícones da
ciência e da tecnologia. A esse respeito iremos tratar com mais detalhes no Capítulo
6.
9
FIGURA 1 – ALBERT EINSTEIN
Fonte – Parque Newton Freire Maia
Para citar um exemplo, os quatro pavilhões temáticos (Introdução, Cidades,
Energia e Água) trazem bustos de personalidades da Ciência, da Filosofia e das
Artes. Porém, o visitante, ao se deparar com o busto de Newton, ou de Einstein
(FIGURA 1), entre tantos outros, pode ter um entendimento de ciência como
atividade individual de homens acima de outros homens, isto é, uma ciência que
depende da genialidade de indivíduos e não um processo coletivo de construção do
conhecimento.
Assim, os três anos que se passaram após este início, a saber, os anos de
2004, 2005 e 2006, destinaram-se ao estudo de possibilidades de abordagem e da
construção de um projeto de atendimento escolar e não escolar que fomentasse a
discussão, o diálogo e a análise crítica da atividade científica construída pela
sociedade, bem como, os impactos sobre esta; suas relações com a tecnologia;
suas conseqüências econômicas, culturais e ambientais.
Nestes três anos foram desenvolvidas atividades importantes, destacando-se
a criação de um grupo de estudos permanente, a fim de debater assuntos variados
e desmistificar facetas da ciência muitas vezes veladas por esoterismos, falsos
argumentos, cientificismo e determinismos; tarefa muito difícil, dada a formação
curricular fragmentada e, em alguns casos até determinista, dos cursos de
graduação que sustentam o corpo pedagógico do PNFM como um todo.
9
Estas atividades evoluíram com o crescimento teórico deste corpo
pedagógico que, na atualidade, acrescentou autores de importante relevância na
questão da museologia científica ao debate a respeito das atividades de um Museu
de Ciências, que considero, segundo a analise teórica discutida no capítulo 2, um
museu de terceira geração, interativo não só diante da presença de aparatos
manipuláveis, mas também, aos processos de mediação presentes em seu discurso
pedagógico.
No entanto, é possível reconhecer, também, traços de museus de segunda
geração no mesmo ambiente no que diz respeito ao acervo, quando por exemplo,
sem o processo de mediação, um objeto histórico expositivo (figura 1), chamado de
“loco móvel”, poderia induzir uma interpretação de maravilha mecânica, como nos
mais variados exemplos das exposições universais.
FIGURA 2 – USINA TERMOELÉTRICA DE 1850 – “LOCO-MÓVEL”
Fonte – Parque Newton Freire Maia
A abordagem deste objeto expositivo é um exemplo propício para a descrição
pretendida aqui em relação às possíveis interpretações museográficas presentes no
contexto. O contato do público com o “loco-móvel” foi observado em várias
situações, algumas sem mediação, e na maioria com a presença de um monitor
fazendo esta mediação.
Esta observação revela que a máquina em si, uma usina de geração de
energia elétrica que utiliza a queima de carvão ou madeira como fonte primária de
energia, pode ter uma interpretação bastante técnica, se explorada apenas pelo seu
9
apelo visual e por informações de texto contidas próximas à montagem. Assim, a
idéia seria a de que o combustível aquece a água contida na caldeira e o vapor
resultante é utilizado em um processo de conversão de energia térmica em
mecânica, nos pistões móveis. O movimento destes pistões converterá esta energia
mecânica em energia elétrica por meio da atuação do gerador eletromagnético
acoplado ao conjunto.
Um observador atento irá perceber as transformações de energia presentes
no funcionamento desta usina termoelétrica, porém, a interpretação desta visão
tecnológica do conjunto mecânico pode levar ao entendimento de que, em um
momento da história da ciência e da tecnologia, o homem foi capaz de “criar” ou
“inventar” esta máquina.
O direcionamento para a questão da técnica envolvida pode levar a outros
questionamentos, como por exemplo, o mistério que envolve o funcionamento do
gerador eletromagnético. Este conceito poderá ser observado em outro local, no
mesmo pavilhão, em que o processo de geração de energia elétrica é simulado em
um gerador em miniatura. Assim, desencadeia-se no visitante uma seqüência de
possibilidades de abordagem da “máquina a vapor que gera energia elétrica”. Estas
possibilidades de abordagem são, sem dúvida alguma, de uma beleza e apelo
extraordinários, se considerarmos o espaço museográfico existente a disposição do
visitante.
Neste percurso de observação, no caso da visita não monitorada, encontram-
se traços de transposição museográfica quando, principalmente nos textos
referentes à exposição, existem explicações simplificadas de como tais “máquinas”
funcionam. Ao mesmo tempo, existe a possibilidade de manipulação de alguns
objetos, como no caso do gerador de energia elétrica, quando se deve girar uma
manivela para que o mesmo exiba suas características de funcionamento. Nota-se a
presença da interação no que diz respeito ao hands-on e minds-on neste processo,
pois o público está sendo convidado a entender o funcionamento desta máquina e
manipular objetos que o ajudam a este entendimento.
No entanto, este processo enquanto mediador entre o conhecimento
científico e o conhecimento museográfico, não rompeu as barreiras do processo
técnico envolvido e, muitas vezes, este mesmo processo também não encontra um
bom entendimento do visitante no tocante a alguns pré-requisitos exigidos. Em
1
outras palavras, o funcionamento da usina termoelétrica nem sempre é
compreendido pelo visitante. Aqueles que levam seus filhos ou amigos,
normalmente fazem inserções particulares pois, em sua vivência, já detém
conhecimentos previamente adquiridos que ajudam a uma linguagem direcionada a
seus companheiros e companheiras visitantes. Não é incomum o Museu de
Ciências receber visitantes engenheiros que, com orgulho, fazem o papel de
monitores de seus próprios filhos ou familiares.
O museu de segunda geração é assim identificado no interior do museu de
terceira geração, pois a maravilha mecânica da usina termoelétrica foi demonstrada
com beleza, atração interativa e inteligibilidade. Porém, as questões relativas ao
processo histórico de evolução da geração de energia elétrica, no caso em que o
visitante fica sem a oportunidade da mediação de um monitor, deixaram de ser
abordados. Outra questão sem abordagem é a história do próprio objeto expositivo.
Esta, em termos de disponibilidade de informação, depende de uma plaqueta de
fabricação e um texto, muito aquém do objeto em si se pensarmos em destaque
visual.
Apenas a mediação pode provocar questões de como esta máquina
realmente faz o seu papel de gerar energia elétrica e em que contexto essa geração
foi importante. Outras questões também surgem no processo de mediação, como
por exemplo, qual a potência útil fornecida pela máquina; qual o seu impacto na
sociedade de sua época; quais as vantagens e desvantagens quando se compara a
geração de energia por meio do processo termoelétrico e do processo hidrelétrico;
qual o impacto ambiental do sistema se comparado a outros sistemas, como o
nuclear e o eólico.
Outro ponto importante a considerar é a demanda dos professores e
professoras que visitam o PNFM juntamente com seus estudantes. Estes
profissionais procuram no centro de ciências, entre outros objetivos, apoio técnico e
pedagógico para sua prática de educação formal. Em contrapartida, a equipe do
PNFM entende, nesta necessidade escolar, um nicho de aplicação de seus
objetivos36, enquanto políticas de atendimento e recepção de público.
36 Missão do PNFM: divulgar ao público em geral os processos científicos e tecnológicos historicamente construídos, estabelecendo um vínculo sócio – cultural a seu respeito, utilizando para isso um contexto interdisciplinar. Causar emoções neste público a fim de despertar-lhe o interesse pelo debate a respeito do caráter humano presente nestas atividades e a importância de uma análise crítica dos impactos sociais, culturais e ambientais do progresso científico e tecnológico é uma meta ambiciosa traçada pela equipe do PNFM. Fonte: www.pnfm.pr.gov.br
1
São questões que tornam o espaço expositivo um espaço de diálogo e
confronto de idéias. Esta mediação faz da visita um momento de reflexão e, longe
de objetivar a reprodução das aulas de educação formal, procura dialogar com o
visitante a fim de que suas pré-concepções a respeito dos temas sejam levadas em
consideração.
5.2 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE MONITORES NO PNFM
A mediação entre público e objetos, imagens, audiovisuais e fenômenos
modelados assume, em conformidade com o exposto no tópico anterior, um
importante papel, se pensarmos em aprendizagem em ciências no contexto
informal do exploratório. Desta forma, o planejamento de visitas orientadas e
mediadas pelos monitores se deu, por parte da equipe técnica, com a preocupação
de que sempre que possível o público estivesse diante da exposição e perto da
mediação. Assim, estratégias como provocação, questionamento, representação,
uso de analogias entre outras, são identificadas na prática de mediação a fim de
fomentar o diálogo entre os participantes.
O grupo de estudos do PNFM, batizado de GPC (Grupo de Estudos e
Pesquisa Científica) colabora com uma parcela significativa na preparação do
discurso dialógico objetivando os atendimentos escolares e não escolares quando,
em seminários internos, são discutidos assuntos referentes aos conhecimentos
científicos apresentados ao público.
Um dos motivos principais desta preocupação é a diversidade de formação
acadêmica presente neste corpo de monitores, oriundos dos cursos de graduação
de Física, Química, Geografia, História, Matemática, Biologia, Filosofia, entre outros.
Os seminários do GPC colaboram, e são direcionados, com o objetivo de se afinar o
discurso dos monitores nestas diversas áreas do conhecimento. O sentimento geral
é de que esta abordagem resignifica o papel de monitoria, antes direcionado a uma
área específica e agora generalizado. Assim, o monitor de formação em Biologia,
por exemplo, passa a atender a demanda de Astronomia, e o monitor com formação
em Física, é capaz de sentir-se seguro ao discursar a respeito da questão ambiental
relacionada a poluição da água no planeta.
Minha experiência de observação da atuação dos monitores no processo de
mediação me faz crer que esta assume um papel de discurso dialógico, quando o
1
monitor responsável pelo grupo torna a visita ao exploratório uma conversa entre
ele mesmo, o público e o acervo do museu. Os seminários efetuados no GPC a
respeito da filosofia da ciência colaboram neste diálogo com resultados excelentes
no que diz respeito ao debate de questões relativas ao conceito de ciência e
tecnologia.
Porém, em outras ocasiões, o discurso mostrou-se unilateral, refletindo uma
mediação de pouco diálogo. O acervo, neste caso, assume o papel de simples
instrumento de transmissão de informações que, por ausência de conversação, leva
o público a “leitura” do mesmo, com poucas atitudes de interação e debate. Uma
das possibilidades de explicação para este comportamento é a de que a mediação
estava sendo efetuada, em muitas ocasiões, por monitores com pouco tempo de
participação nas atividades do GPC.
No caso do atendimento a grupos de estudantes, que no início do trabalho
eram em sua grande maioria de Ensino Médio e Fundamental, a mediação em
muitos aspectos incorpora a característica de “aula de campo”. Observa-se,
também, que este comportamento esteve condicionado a mediação de monitores
com menos tempo de discussão no GPC.
O GPC assume, então, o papel de veículo de formação continuada do corpo
de monitores do PNFM. É o GPC o veículo de aproximação deste corpo técnico com
o conhecimento científico. É o olhar da coletividade de monitores para com as
novidades e metodologias envolvidas na ciência, condizentes com as variadas
áreas de formação acadêmica.
Os seminários do GPC visam, além desta atualização técnica, a discussão da
metodologia de abordagem deste conhecimento científico, quando o público está
diante do acervo e mediado pelo monitor. Esta metodologia objetiva encontrar
possibilidades de transposição didática e museográfica, utilizando a mediação como
principal veículo de tradução e inteligibilidade, com o propósito de tornar a
linguagem museográfica composta de elementos capazes de levar os
conhecimentos científicos e tecnológicos envolvidos na exposição ao entendimento
do público.
Uma das dificuldades observadas neste processo de formação continuada de
monitores está no fato de que estes, em sua maioria, possuem vínculo temporário
com o PNFM. São estudantes que cumprem no ambiente do exploratório seu
1
estágio obrigatório e, em conseqüência, permanecem um período curto de tempo
nesta atividade. Em média, os contratos de estágio são de um ano, prorrogáveis
pelo mesmo período apenas uma vez e com atividade limitada ao término dos
cursos de graduação. A respeito da importância dos monitores em um Museu de
Ciências, enquanto educadores ou mediadores, Faria (2000) comenta:
A figura do educador ou animador de museu é actualmente alvo de discussão quando se questiona a reestruturação das carreiras no quadro profissional dos museus. Trata-se de uma figura por alguns contestada, questão que pode ser vista segundo duas ópticas diferentes: (i) pelo lado da desvalorização ou não reconhecimento da existência de uma especialização nesta área, defendendo-se, pelo contrário o desdobramento e multifuncionalidade dos profissionais dos museus (noutros tempos possível mas hoje impensável); (ii) pelo lado da sobrevalorização atribuindo-lhe características específicas e únicas, e sobretudo pessoais ligadas sobretudo a capacidade de comunicação dos animadores dos museus, sendo como referência figuras que marcam a educação nalguns museus sem para isso terem tido qualquer formação. Os que defendem esta posição temem a estandartização da figura do educador e sobretudo a sua legitimação pelo sistema escolar. (FARIA, 2000, p.14).
Com efeito, um estudante de graduação não será contemplado, em seu curso
de origem, com todas as exigências técnicas e pedagógicas exigidas em um centro
de ciências. Sua especialidade, seja ela qual for, entra em choque com a integração
de conceitos disciplinares e multiculturalidade exibida nas exposições. Por este
motivo, há com certa redundância uma tendência de que esses profissionais
voltem-se para suas áreas de origem ou de domínio, dentro da dinâmica de
recepção de público.
Entretanto, a impossibilidade desta especialização no atendimento do público
logo se mostra difícil, pois não há como, por exemplo, um mediador oriundo do
curso de graduação de Biologia, não tratar os fenômenos eletromagnéticos da
Física. De fato, esses fenômenos estarão integrados em modelos destinados a
reproduzir a natureza no Museu de Ciências, como no exemplo em que uma
descarga atmosférica, fenômeno presente no meio ambiente, é simulada em um
equipamento do PNFM.
É necessária, sem dúvida, uma certa dose de compreensão da atividade
científica específica aliada a um entendimento de que a fragmentação do
conhecimento científico já acontece na educação formal, portanto, não seria
desejada no espaço do Museu de Ciências, onde a natureza está presente em
objetos reais e modelos que certamente integram muitos conceitos.
1
Este fato remete a responsabilidade de formação do mediador dentro do
espaço museológico. Além de ações destinadas a esse fim, a própria prática de
mediação terá um papel fundamental na formação do mediador, formação esta que
depende de um exercício de diálogo entre o acervo do museu, seu conhecimento
específico universitário e a convivência com seus pares na prática de mediação.
A concepção de ciência e tecnologia por parte do monitor é outro aspecto
relevante no que concerne ao debate a respeito do conhecimento científico. Desta
forma, nota-se uma abordagem diferenciada no discurso de cada mediador,
influenciada pelas diferentes concepções de ciência e tecnologia. O discurso, que
parece depender do tempo de atuação deste mediador e seu contato com o grupo
de estudos GPC, terá mais características da orientação teórico-metodológica da
coletividade de profissionais do museu quanto mais tempo e disposição de
participação no grupo de estudos este monitor dispor.
Assim, os monitores do PNFM formam um conjunto de extrema importância
no que diz respeito às expectativas do público que visita o museu. Este público, em
sua grande maioria, é oriundo das escolas públicas da rede estadual do Paraná,
escolas particulares e universidades. Portanto, caberá ao corpo de monitores e a
coordenação da instituição a organização da mediação deste atendimento escolar,
fomentando uma análise e possível parceria entre museu e escolas. Esta
organização é, mais uma vez, de responsabilidade do GPC, que deve agregar a
discussão e as decisões em um fórum participativo e democrático no interior do
PNFM.
5.3 PARCERIA MUSEU DE CIÊNCIAS – ESCOLAS
A íntima relação entre o PNFM e seu público escolar desencadeou ações e
programas de recepção visando uma abordagem pedagógica de qualidade para
com este público. Esta parceria entre museu e público escolar parece não ser
exclusiva do PNFM e, historicamente, já se verificava.
Assim, Koptcke (2003) observa que a relação museu-escola muda de
contexto no decorrer da história e varia conforme o nível de ensino. Segundo a
autora, o ensino universitário beneficiou-se primeiramente desta relação, no início
do século XVII, enquanto os outros níveis de ensino foram sendo incluídos aos
poucos, paralelamente a ideais de democratização do acesso à cultura. Desta
1
forma, o ensino secundário foi o próximo a se entender os museus como espaços
de aprendizagem, ainda no mesmo século XVII, dando origem a um problema de
divisão de competências, antes não caracterizada nas relações entre museu e
ensino superior, pois se tratava de uma relação entre especialistas.
O problema da divisão de competências surge quando o professor do liceu
de então não estava preparado para utilizar o museu, não dominava,
necessariamente, os conteúdos, enquanto o curador encontrava dificuldades em
transmitir seu conhecimento a uma platéia de não especialistas. As relações entre
ensino secundário e os museus fundamentava-se num programa curricular
semelhante e justificou a criação de um serviço educativo no museu para resolver
as dificuldades encontradas por professores e curadores. O primeiro grau e a escola
primária tardaram a sistematizar essa relação museu-escola. Segundo a autora, na
Inglaterra, a partir de 1885, foi criado o Museu das Crianças de Haslemere, em
Surrey, com a preocupação de iniciar a relação escola-museu pelos mais jovens.
No PNFM, esta tendência de direcionamento ao público escolar também se
manifesta, nos projetos específicos voltados a este público, citando o exemplo de
um programa de oficinas destinado a estudantes que, por intermédio de
experiências anteriores no museu, desejam aprofundamento em áreas específicas.
Este programa, intitulado CT&S, (Ciência, Tecnologia e Sustentabilidade) tem
objetivos amplos de discussão de como a ciência e a tecnologia se colocam no
âmbito do desenvolvimento industrial no mundo contemporâneo, buscando uma
análise a respeito da possibilidade dos recursos naturais sustentarem a demanda
de progresso técnico e industrial. Esta análise é efetuada em oficinas temáticas que
abordam os temas Astronomia, Matemática, Química, Geografia e Biologia em
etapas que discutem ciência, tecnologia e sustentabilidade, na perspectiva de uma
análise crítica a respeito de como a sociedade atual baseia a sua lógica de
desenvolvimento.
Estas oficinas têm uma demanda de agendamento bastante disputada pelas
escolas, onde podemos perceber a sua grande aceitação em mais uma forma de
parceria entre escola e museu, porém, trata-se de um projeto destinado a
estudantes a partir da 5ª série do Ensino Fundamental.
1
5.4 O NASCIMENTO DO PROGRAMA PCGC
As questões discutidas anteriormente foram analisadas com profundidade
quando da elaboração de um projeto de recepção de estudantes de 1ª a 4ª séries
do Ensino Fundamental, os quais até o ano de 2005, não tinham acesso ao acervo
do PNFM, seja por intermédio de um atendimento escolar, seja por intermédio de
visitas agendadas com a família.
Entre as ações efetivadas no sentido de sanar essa falha, houve a efetivação
de uma equipe de monitores fixa e destinada exclusivamente a estudar as
características dos estudantes desta faixa etária, com o intuito de se consolidar um
trabalho de pesquisa e reflexão específicas destinadas a crianças de 1ª a 4ª séries.
Esta reflexão revelou que os programas de recepção do público escolar em
museus e centros de ciência merecem uma atenção especial no que se refere às
proximidades, em termos de aprendizagem, ao ensino de ciências. Cazelli,
Marandino e Studart (2003) comentam que, em âmbito nacional, são poucos os
museus de ciência que desenvolvem estudos com base nos resultados de
pesquisas advindas da educação formal e do ensino de ciências. As autoras
defendem que se deve aproveitar os resultados destas pesquisas, mas alertam que
há muito a ser feito no sentido de se levar em consideração as especificidades
desses espaços, desta forma:
(...) com relação ao aspecto da aprendizagem nos museus, o papel da mediação humana deve ser dimensionado. Museus não são escolas e mediadores não são professores. Conhecer como professores utilizam o espaço do museu e como profissionais da área educativa desenvolvem suas atividades de mediação – identificando os saberes que estão presentes nesses processos – se constituem em um campo de investigação necessário. (CAZELLI, MARANDINO e STUDART, 2003, p.101).
Neste sentido, as autoras ratificam a observação de que a formação dos
monitores é fundamental, devendo ser vista como prioritária nos museus e centros
de ciências. Segundo estas mesmas autoras, serão esses profissionais que, em
última instância, irão efetivamente desenvolver ações voltadas para o público,
indicando que a mediação humana na aprendizagem em museus de ciência
assume um papel complexo, pois por um lado, as exposições não podem depender
de monitores para serem compreendidas, mas por outro, talvez a mediação seja
1
uma forma muito eficaz de se obter um aprendizado mais próximo do saber
científico apresentado.
O programa de atendimento monitorado destinado aos estudantes das séries
iniciais foi escrito com base nos avanços que se verificavam no atendimento escolar
de outras faixas etárias, iniciando-se em 2005 com testes de recepção.
Até então, existia um clima de entendimento de que os conceitos tratados no
exploratório seriam de difícil compreensão para essas crianças. Os testes em 2005
revelaram esta dificuldade, identificada principalmente na linguagem dos monitores
e na comunicabilidade do acervo. Entretanto estas questões, entre outras, antes
interpretadas pela equipe como limitações das crianças, após os testes revelaram-
se limitações do museu e sua equipe. Esta mudança de interpretação desencadeou
um estudo mais aprofundado destas limitações.
Por exemplo, em uma ocasião em que a equipe se preparava para iniciar
uma discussão a respeito da origem do universo para alunos de 3ª série do Ensino
Fundamental, uma estudante fez a seguinte pergunta, dirigida ao monitor designado
para o seu grupo: “tio... qual a sua concepção sobre a origem do universo?”
O ambiente em que ocorreu a pergunta era propício – uma exposição
destinada a mostrar ao visitante uma das teorias mais aceitas a esse respeito – a
teoria da grande explosão (Big Bang). Nesta exposição estão disponíveis meios
visuais que mostram como seria a história da evolução do universo, considerando
três escalas – a escala do tempo, a escala da temperatura e a escala de eventos
importantes, tomando como ponto de partida uma bolinha minúscula que simboliza
a singularidade, matéria e energia condensadas em um volume muito pequeno.
Por que a pergunta da menina se tornou emblemática? Porque ela aconteceu
antes mesmo de qualquer ação por parte do mediador, que se preparava para
iniciar seu “discurso” a respeito do tema, deixando clara a sua percepção sobre
esse discurso e também a certeza da confusão que poderia causar com a
indagação. O monitor revelou, mais tarde, ter presenciado uma das maiores
surpresas em seu tempo de mediação: aquela criança, da 3ª série do Ensino
Fundamental, o desafiava a expor a sua verdadeira opinião a respeito do assunto
tratado pela exposição. Ainda mais – tinha a sua própria opinião formada e queria
confrontar com a figura do seu interlocutor “cientista”. E como respondê-la? De que
forma e com que linguagem deveria expor a sua opinião? Como desfazer a
1
impressão de que o mediador, “cientista”, não seria um indivíduo que detém todo o
conhecimento científico?
A questão da linguagem verificada neste exemplo mostra-se bastante
delicada. Assim – dizer que o universo, segundo a teoria do Big-Bang, teria uma
idade aproximada de 15 bilhões de anos é uma afronta à capacidade de percepção
de tempo para a maioria das pessoas. Para a menina que fez a pergunta, essa
linguagem mostra-se ainda mais problemática em função da sua idade e estágio
cognitivo. Tornava-se evidente, para toda a equipe, que um trabalho de atendimento
escolar de alunos de 1ª a 4ª séries deveria ser embasado em uma estrutura de
linguagem muito mais apropriada e inteligível, considerando características de
aprendizagem e estágio cognitivo próprios de sua faixa etária.
Outro ponto de observação nos testes referentes à recepção de estudantes
de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental diz respeito ao espaço físico disponível a
movimentação desses estudantes. A arquitetura do exploratório utiliza-se de uma
estrutura projetada originalmente a outro fim, que não o de recepção pública. Uma
reforma e adaptação desta estrutura original não conseguiram eliminar colunas de
sustentação importantes. Assim, as crianças, que tendem a “libertar-se” perante o
propício ambiente atrativo, sofrem perigos ao correrem para aqui e acolá. A tentativa
de solução para evitar esses perigos foi a previsão de pequenos grupos com a
intenção, por intermédio do diálogo, de manter uma coesão. Este diálogo irá
procurar alternativas de contornar os problemas de locomoção e, ao mesmo tempo,
proporcionar um ambiente informal de educação.
Studart (2005, p.70) comenta que, “em espaços de educação informal, como
os Centros e Museus de Ciência, os indivíduos não têm a “obrigação” de aprender
algo ou seguir alguma dada estrutura de conteúdo, e seus conhecimentos não são
colocados à prova”. Na verdade, os conhecimentos colocados à prova na rotina do
centro de ciências, como no caso citado acima, são os do próprio centro de
ciências, quando usa uma linguagem inacessível ao ouvinte.
As crianças, aguçadas por uma curiosidade fantástica, põe em prova esses
conhecimentos e esperam uma interlocução digna do seu entendimento. Assim, a
respeito de como receber as crianças no ambiente do museu ou centro de ciências
a mesma pesquisadora comenta:
1
A literatura museológica indica que profissionais de museus reconhecem a necessidade da criação de uma abordagem específica no trabalho conceitual de exposições projetadas para crianças e suas famílias, com o objetivo de estimular o entendimento, as interações sociais, situações prazerosas e experiências significativas para esse público. (STUDART, 2005, p. 70).
Esta abordagem específica, conforme a autora, surge como necessidade em
casos como o da menina, citada no exemplo, e outros tantos, aqui omitidos. Mas a
questão da visita escolar tem outro aspecto importante de análise: as professoras e
professores que se esmeram em marcar essas visitas ao centro de ciências
demonstram uma expectativa de complementação em sua rotina escolar; em sua
rotina de educação formal. Em alguns depoimentos de professoras, quando
questionadas das razões pelas quais se motivaram em levar seus alunos ao centro
de ciências, fica evidente o desejo de apoio e de recursos extras que propiciem ao
educando um melhor entendimento de seus objetivos escolares. Esses depoimentos
apontam para a percepção de que a escola vê no centro de ciências uma
oportunidade de incentivar seus educandos a um melhor aproveitamento escolar.
Nesse sentido, a organização do projeto, batizado de PCGC (Pequenos
Cientistas – Grandes Cidadãos), contemplou a participação das professoras e
professores, iniciando a discussão na escola, que escolhe um tema que gostaria de
ver desenvolvido na visita ao museu. A equipe do PNFM / PCGC prepara a
apresentação enquanto os professores preparam a visita com os alunos. Após o
período de preparação tanto da escola quanto do museu, os estudantes são
recebidos pela equipe que apresenta o tema previamente escolhido. Completando o
processo, os estudantes, no retorno à escola, participam de uma discussão e
executam tarefas relacionadas ao tema. Assim:
Partindo-se deste pressuposto, o diálogo entre o professor e a equipe é o primeiro ato a ser contemplado no processo metodológico de implantação do projeto. Deste diálogo devem sair conclusões a respeito do tema a ser desenvolvido, como abordá-lo, que recursos do acervo utilizar, quais os aspectos críticos dentro do tema e a data da visita dos estudantes ao Exploratório. O tema escolhido pode ser uma demanda da escola, uma demanda dos próprios alunos ou uma demanda do trabalho pedagógico efetuado em sala de aula. Uma vez definido o tema, um projeto de atendimento é escrito com base na bibliografia escolar e nos espaços do Exploratório que se mostrarem mais afins. Um período de pesquisa em sala de aula e trabalho escolar é essencial a um bom aproveitamento do tema proposto. Este período deve ser visto como uma provocação ao objeto de estudo, onde o aluno é instigado a fazer perguntas. Muitas perguntas podem ser esclarecidas na fase de pesquisa, mas é interessante ressaltar o caráter benéfico da surpresa, no que diz respeito à visita ao PNFM. Quando o aluno esclarece uma dúvida em sua visita ao Exploratório, originária
1
no trabalho escolar, valoriza este trabalho e a própria visita. (ROCHA, et al., 2006, p.8).
A equipe de atendimento do programa PCGC considera de extrema
importância o diálogo inicial com as professoras e professores que desejam
participar, com seus estudantes, da visita ao Exploratório37. Neste sentido, efetua-se
uma exposição sobre o programa como um todo, agendada anteriormente a esta
visita e efetuada exclusivamente com as professoras e professores interessados em
agendar a visita ao museu.
Nestes encontros a equipe apresenta a sua metodologia, cita exemplos de
atendimentos anteriores, dialoga com estes profissionais da educação a respeito
dos conceitos de ciência e tecnologia e discute as possibilidades de temas a serem
escolhidos. As professoras e professores recebem, também, uma orientação acerca
do acervo do exploratório com o objetivo de, anteriormente aos escolares, tomar
contato com este acervo, assim como, são convidados a incentivarem, junto a seus
estudantes, uma pesquisa prévia a respeito do tema proposto, cativando e trazendo
a luz do debate este tema, porém, sem o aprofundamento necessário a esgotar a
curiosidade dos estudantes.
Desta forma, o acesso a informações cruciais é estabelecido, como por
exemplo, os textos disponíveis no sitio do PCGC / PNFM 38 que descrevem esta
metodologia, a produção científica da equipe referente à pesquisa deste programa,
exemplos de projetos, entre outras informações. Em depoimento a esta pesquisa, a
equipe do PCGC comenta que, após iniciar-se a prática deste diálogo com as
professoras e professores, o processo como um todo foi beneficiado, mostrando um
comprometimento mais acentuado por parte destes profissionais.
Após este diálogo irão efetuar-se os agendamentos propriamente ditos, via
comunicação eletrônica. Este procedimento tem a perspectiva de que a definição
prévia do tema tenha sido feita anteriormente. Ainda via comunicação eletrônica, a
professora ou professor, escola ou secretaria de educação, enviam o projeto escolar
de abordagem do tema proposto. Assim, a equipe fica a par da realidade
pedagógica acerca do tema específico do projeto, quais as atividades já realizadas
no contexto escolar e quais os questionamentos que os estudantes estão
produzindo a esse respeito.
37 Ver apêndice A38 http://www.parquenewtonfreiremaia.pr.gov.br
1
De posse deste material, a equipe irá reunir-se para a elaboração do
procedimento de recepção dos estudantes, elaborando o seu próprio projeto de
atendimento. Este projeto irá contemplar um roteiro a ser seguido dentro do
exploratório. É um recorte, uma opção por um conjunto de recursos, estabelecido
para acervo do exploratório, condizente com as informações anteriormente
coletadas. Assim como o recorte físico, este projeto irá contemplar um discurso
previamente elaborado, tomando como ponto de partida os questionamentos dos
estudantes.
A Figura 3, a seguir, ilustra de maneira esquemática o caminho percorrido
pelo programa PCGC para consolidar a sua metodologia. Um destaque neste
esquema é o diálogo proposto entre a equipe de monitores e as professoras e
professores que almejam a participação no programa; sem dúvida, um ponto forte
de toda a metodologia.
1
FIGURA 3 – METODOLOGIA DE TRABALHO DO PROGRAMA PCGC
Fonte: O
Autor
O
procedimento descrito é fundamentado, segundo o projeto do programa PCGC
(PNFM, 2006) pela teoria da pedagogia de projetos, adaptada ao contexto do
atendimento escolar no centro de ciências. É importante frisar, porém, que a
educação em Museus e Centros de Ciência tem um caráter informal, onde os
“conteúdos” não devem ser tratados como o são na escola. Desta forma, a
pedagogia de projetos pretende ser utilizada pelo museu no que diz respeito a sua
estrutura metodológica. Entretanto, os objetivos de ensino e aprendizagem,
inerentes aos processos formais de educação, não são elementos prioritários de
avaliação no programa PCGC.
Assim, a metodologia de atendimento a escolares do PCGC resume-se a um
caminho que começa na escola, parte para a atividade planejada no PNFM e
retorna à escola, em um ciclo direcionado pela pedagogia de projetos adaptada a
uma perspectiva de divulgação e popularização da ciência ao público infantil.
1
Trabalho de pesquisa
mediado pelo professor (a)
Diálogo entre aequipe do PNFMe a instituição de
ensino
Definição do Tema
Visita ao Exploratório
Produção de trabalhos realizada
na escola
CAPÍTULO 6 – ANÁLISE DA METODOLOGIA UTILIZADA NO PCGC
A investigação empregada nesta dissertação utiliza-se de uma pesquisa
qualitativa com base principal de análise a observação das etapas de construção e
atendimento ao público escolar no programa PCGC. Minha experiência profissional
de dois anos atuando diretamente com a equipe do PCGC, desde a sua elaboração
em janeiro de 2005 até janeiro de 2007, constituirá uma das fontes de informação
desta pesquisa.
A outra fonte de dados provem de dois questionários de entrevista dirigidos
aos profissionais da educação formal e informal que se envolvem na dinâmica do
PCGC, um relatório de avaliação do PCGC referente ao ano de 2006 (ANEXO A) e
um relatório de avaliação geral do PNFM referente aos anos de 2004, 2005 e 2006,
além de exemplos de produções efetuadas por estudantes após a visita ao
exploratório do PNFM.
O primeiro questionário (APÊNDICE A) busca informações referentes às
professoras39 (codificadas por “P”), a respeito de como essas profissionais entendem
a dinâmica do PCGC. Neste caso, essas professoras receberam, por meio de
repasse das secretarias municipais e/ou direção do estabelecimento de ensino, um
questionário (aproximadamente 2 meses após a visita). Foram enviados, via correio
eletrônico, cerca de 100 questionários, dos quais retornaram 54 relatos impressos
ou manuscritos.
O segundo questionário é direcionado aos monitores (codificados por “M”)
responsáveis pelo atendimento e metodologia do PCGC (APÊNDICE B). Desta
forma, 15 (quinze) questões foram elaboradas aos profissionais da educação
formal, e 17 (dezessete) questões aos monitores do PNFM / PCGC.
6.1 UMA SÍNTESE DOS DEPOIMENTOS DAS PROFESSORAS
O questionário que procura investigar o programa por meio de informações
provindas das professoras possui as primeiras 4 questões a respeito das razões
que as levaram a decidir pela visita ao exploratório, a questão de número 5 procura
investigar o impacto inicial quando do início da visita no que concerne ao espaço
museográfico como um todo; as questões de 6 a 9 investigam como se deu a
39 Em grande maioria no ensino de 1ª a 4ª séries em detrimento a presença de professores
1
preparação dos estudantes anteriormente a visita; as questões 10, 11 e 12
investigam o pós – visita, a questão 13 procura investigar se a visita contribuiu na
formação continuada das professoras e, finalmente, as questões 14 e 15 se propõe
a investigar as concepções de ciência e tecnologia dessas professoras, como
resumido na tabela abaixo:
QUADRO 3 – RESUMO DAS CATEGORIAS DE INVESTIGAÇÃO DO APÊNDICE A
Categorias de Investigação Questões1 – Razões da visita 1 a 42 – Impacto visual inicial 53 – Preparação pré – visita 6 a 94 – Pós – visita 10 a 125 – Formação continuada das professoras 136 – Concepções de Ciência e Tecnologia 14 a 15
Fonte: O Autor
6.1.1 Razões da Visita ao Museu no PCGC
Percebe-se, em um universo de 54 relatos, que houve basicamente três
categorias de respostas, no que concerne às razões que levam as professoras com
seus estudantes ao museu no PCGC, descritas a seguir:
a) Reforço teórico de conteúdos trabalhados em sala de aula, considerando a
visita ao museu como aula de campo (em 46,3% dos relatos), como mostra o
exemplo abaixo:
(...) Neste dia as crianças já conscientizadas do que estudariam na aula de campo foram entusiasmadas para a execução da metodologia diferenciada da sala de aula, pois iriam ver de perto o que estudaram na escola (...). (P1).
b) A visita ao museu como principal motivação, isto é, a curiosidade pelo
espaço do museu em si (em 24,1 % dos relatos), como no exemplo abaixo:
Há muito tempo tenho vontade de visitar o exploratório (desde que vi uma reportagem sobre ele na TV). Fiquei muito feliz em poder acompanhar minha turma de 3ª série, pois na época da reportagem, entrei em contato e fui informada que as visitas só eram possíveis a partir da 5ª série. (P2).
1
c) O exercício da investigação como possibilidade de melhoria no processo
de ensino – aprendizagem e a contextualização de temas escolares. (em 29,6% dos
relatos), como o citado abaixo:
O modo pelo qual melhor se aprende um conteúdo é fazendo com que as crianças utilizem os procedimentos próprios do trabalho científico, investiguem e descubram a realidade tal como ela é. Redescobrindo a história e sua importância para nossas vidas é um misto de curiosidade e aprendizagem, é um trabalho coletivo que baseia-se nas experiências do saber do aluno e do poder de investigação. Ao desenvolver esse projeto, hipóteses foram levantadas, conclusões tiradas e teorias acomodadas, assim, propiciando um olhar diferenciado frente às transformações do olhar científico. Por meio desse processo o aluno hoje, repensará a transformação do homem através dos tempos. (P3).
Desta forma, podemos resumir os resultados obtidos a respeito das razões
que levam as professoras a marcarem a visita ao Museu de Ciências no programa
PCGC na tabela abaixo:
TABELA 1 – RESUMO DAS CATEGORIAS DE RESPOSTAS ÀS RAZÕES PARA A VISITA AO MUSEU
Categoria 1 2 3
Descrição Reforço teórico de
conteúdos da
educação formal –
aula de campo
Visita ao museu –
curiosidade pelo
espaço do museu
Exercício de
investigação –
contextualização
Percentual 46,3 % 24,1% 29,6%Fonte: O Autor
6.1.2 Primeiro Impacto
A questão de número 5 procura investigar a impressão que os estudantes
teriam a respeito do exploratório em um primeiro contato. As palavras “eufóricos”,
“maravilhados”, “atônitos”, “admirados”, “curiosos”, “surpresos”, “ansiosos”,
“encantados”, “vibrantes”, “fascinados”, “interessados” ou “deslumbrados”,
encontradas nos relatos revelam o caráter do apelo visual do exploratório, em um
choque inicial, como no exemplo da professora:
1
Eles gostaram de tudo, olhavam ao redor maravilhados, pois em nossa escola há muitas crianças que não têm oportunidades nem mesmo de sair para ir a um parquinho comum e tudo que é diferente chama a atenção. Gostaram principalmente da maquete40, pela riqueza de detalhes ao mostrar a realidade com tanta perfeição. (P4).
Este exemplo é uma síntese da maioria absoluta de relatos, mostrando que o
exploratório realmente traz um caráter bastante apelativo em relação a tecnologia e
a ciência, caráter este já comentado e voltado a possibilidade de se entender o
espaço museográfico como ficção científica, ou como uma apologia às “maravilhas
mecânicas”.
6.1.3 Preparação pré – visita
As questões 6 e 7 procuram investigar se, durante a visita, houve diálogo
entre os estudantes e os monitores. Este diálogo, segundo a metodologia do PCGC,
deve ser incentivado antes da visita, na escola, no trabalho realizado pela
professora. Busca-se assim, com as referidas questões, a investigação do resultado
do processo metodológico do PCGC que visa, por meio da mediação, a
interatividade do estudante com o acervo do Museu de Ciências.
As referidas questões são abertas, buscando aspectos positivos e negativos
verificados pelas professoras, no sentido de não se direcionarem as respostas.
Neste caso, 3 categorias de respostas aparecem nos questionários, sendo a grande
maioria (68,5 %) apontando a presença do diálogo e a comunicação entre os
estudantes e os monitores.
Entretanto, em alguns casos, revela-se o oposto (7,4%). Em 24,1% dos
relatos há um elogio muito forte em relação aos monitores e sua atenção para com
os estudantes, entretanto, são relatos que não revelam informações a respeito do
diálogo entre esses monitores e os estudantes. São exemplos de relatos:
Um ponto positivo foi o questionamento das crianças para o monitor e vice – versa. (P5).
A participação das crianças, o comportamento e a atenção das mesmas. O aproveitamento dos meus alunos. (P6).
A explanação dos monitores foi clara, com uma linguagem acessível aos alunos. O tempo não foi suficiente, ficando um gostinho de quero mais. (P7).
40 A maquete referida pela professora constitui-se de um modelo em concreto do estado do Paraná, em escala reduzida, onde é possível deslocar-se a pé por toda sua extensão.
1
A dedicação dos monitores em explicitarem os conteúdos de forma que os alunos entendessem. (P8).
As questões 8 e 9 procuram investigar se houve uma preparação prévia, por
parte da professora, anterior à visita ao exploratório. Basicamente duas categorias
foram identificadas. Uma delas, aponta para o trabalho prévio em sala de aula (em
77,7 % dos relatos). A outra, mostra respostas mais abertas, não remetendo o
trabalho do tema proposto ao espaço de sala de aula (em 22,3 % dos relatos), como
nos exemplos:
Antes do passeio, já havíamos trabalhado com o tema em sala, portanto, os alunos já estavam preparados para ouvir sobre o tema. E durante a visita foram participativos e atentos. (P9).
Sim, os alunos perceberam o tema proposto, pois com o auxílio de painéis, vídeos e maquetes os monitores deixaram bem claro seus objetivos. (P10).
Não vi os objetivos traçados antes. Só soube do assunto durante a visita (a água soube um dia antes porque perguntei a outra professora que só me disse o tema). (P11).
6.1.4 Pós – visita
As questões 10, 11 e 12, respectivamente, procuram analisar o pós-visita ao
exploratório, investigando o impacto desta visita no dia a dia escolar, as atividades
desenvolvidas a partir da vivência. Nota-se, nas respostas aos questionamentos,
que a atividade escolar foi influenciada no pós visita, quando 92,6 % das
professoras relataram o uso de atividades que ligavam a vivência no PCGC em
suas aulas, bem como, uma participação mais efetiva por parte dos estudantes
nessas aulas, como relatam os exemplos:
Na sala de aula ficou bem mais fácil trabalhar com o livro, produções de textos, poesias, confecções de livrinhos, etc. Este projeto vem de encontro com a nossa proposta pedagógica que enfoca a interdisciplinaridade partindo da realidade da criança com atividades coerentes e linguagem coerente. (P12).
Segundo nossa equipe, acreditamos que esta aula de campo trouxe-nos direcionamentos fundamentais em nossa prática pedagógica buscando uma ação transformadora permitindo-nos que as informações adquiridas no decorrer do processo da aprendizagem se tornem ações diárias para a recriação de uma realidade educacional baseando-se na responsabilidade e na confiança de construirmos um mundo melhor. Estamos certas de que este, foi de suma importância para todos e transformou a aprendizagem já existente em um conhecimento potencializador. (P13).
1
Fomos ao exploratório em junho, e até hoje eles falam da visita. Não descobri ainda em que canal de televisão foi mostrado o Parque, mas eles já viram várias vezes e fizeram comentários a respeito de partes que não visitaram com a escola. Os temas trabalhados durante a visita, ainda são vistos durante as aulas e eles sempre comentam. A visita ao parque foi enriquecedora. (P14).
Percebi que eles tiveram interesse em fazer novamente a visita com seus familiares e comentaram que foi muito divertido poder aprender de uma maneira diferente. Acho um projeto muito interessante, de grande valor para a educação e que deveria ser de fácil acesso a todos. (P15).
6.1.5 Formação continuada das professoras
A questão 13 da visita é direcionada para uma análise de como as
professoras visualizam a visita ao exploratório, com seus estudantes, no que
concerne a sua própria formação continuada. 62,9 % responderam que a vivência
contribui para com a melhora dos seus conhecimentos a respeito do tema proposto
e 37,1 % das entrevistadas não acham que seus conhecimentos tenham sido
influenciados pela visita. São exemplos de relatos:
Sim, pois também como professora apresento uma carência muito grande quanto aos conteúdos, uma coisa é você pesquisar em um livro, a outra é você atualizar seus conhecimentos enquanto aprende. (P16).
Com certeza devemos estar sempre abertos para novos conhecimentos e, ao ouvir muitas coisas no PNFM percebi a importância de saber valorizar meu papel na sociedade, em buscar trabalhar pelo meio ambiente. (P17).
6.1.6 Concepções de ciência e tecnologia das professoras
As questões 14 e 15 procuram investigar as concepções a respeito dos
conceitos de ciência e tecnologia por parte das professoras. Os resultados ao
questionamento sobre o conceito de ciência podem ser sintetizados em dois grupos
de respostas.
O primeiro, registrado em 91% das respostas, aponta para conceitos de
ciência relativos a grandes descobertas, conhecimentos sistematizados,
comprovação de teorias, mostrando um caráter cientificista e ahistórico em que, em
alguns casos, revela uma confusão entre a ciência enquanto processo e a ciência,
enquanto ensino de ciências, como citam os exemplos abaixo:
Conhecimento sistematizado; observação e classificação de fenômenos; tudo com base em verdadeiras informações. (P18).
1
Ciência é sinônimo de conhecimento, instrução. Ela caminha rapidamente para grandes descobertas científicas. É a ciência que desenvolve usos para a tecnologia. (P19).
Ciência é o conhecimento que todo cidadão deve buscar para entender sua realidade, ou seja, para se ter o conhecimento científico é preciso ser analítico, sistemático, buscar novas aplicações na natureza e não ser passivo. Já a tecnologia é utilizada nos diversos ramos da ciência e sociedade. A ciência aliada e tecnologia fazem com que o Parque Newton Freire Maia seja privilegiado na questão de ensinar nossos educandos como os cientistas são importantíssimos em nossas vidas. (P20).
A área de ciências envolve uma multiplicidade de disciplinas. O trabalho na área de ciências pode e deve promover essa aprendizagem, pois pode envolver os alunos em situações concretas de estudo, cuja realização implica a aprendizagem de procedimentos, valores e atitudes característicos do ofício de estudante. (P21).
O segundo conceitua ciência como atividade humana e falível, construída
historicamente com o objetivo de estudo da natureza e das relações sociais. Este
conceito é registrado em 9% das respostas, como nos exemplos abaixo:
A minha concepção de ciência é de algo inacabado, pois está sempre sofrendo modificações que nem mesmo a tecnologia consegue dar conta. (P22).
Ciência é um processo histórico que estabelece novas relações com os fenômenos naturais e socioculturais por meio de novas leituras e interpretação mais elaborada da natureza. (P23).
Com relação ao conceito de tecnologia, pode-se estabelecer também dois
grupos de respostas.
No primeiro grupo, relatado em 98,1% das respostas, a tecnologia é
conceituada como produto da ciência, avanços e benefícios, estudo da técnica,
técnicas modernas, máquinas, modernização. São exemplos:
Conjunto de técnicas, dos conhecimentos, em especial de princípios científicos, que se aplicam aos diversos ramos de atividade, sendo fator fundamental para o desenvolvimento social, humano e econômico. (P24).
Tecnologia é o avanço da ciência desenvolvendo conhecimento que facilite a vida moderna. É a ciência do futuro presente em nosso dia a dia. (P25).
Modernização para melhorar e aperfeiçoar o modo de vida das pessoas e os serviços. (P26).
Fruto da ciência, a tecnologia pode ser entendida como toda a gama de conhecimentos adquiridos pelo homem que favorece um bem-estar e que propicia também uma busca de tudo aquilo que ainda não conhecemos, que ainda não dominamos. (P27).
1
No segundo grupo, relatado em 1,9% das respostas o conceito de tecnologia
é entendido como atividade humana, histórica e social, de caráter processual e nem
sempre sinônimo de benefícios ou modernidade. São exemplos:
Formas criadas pelo ser humano para facilitar e transformar a vida. Segundo Vygotsky “a linguagem entre o homem e o mundo cria ferramentas que são aperfeiçoadas ao longo de sua história, e através delas, o homem domina o mundo e o seu próprio comportamento”. A evolução histórica da tecnologia inicia-se com a própria existência do homem e a utilização de materiais para a sua sobrevivência, com o uso da pedra, do osso, da madeira, etc. Depois surge a agricultura, a pecuária, a tecelagem, enfim, a tecnologia esteve e estará sempre presente na vida humana. (P28).
6.2 UMA SÍNTESE DOS DEPOIMENTOS DOS MONITORES
O questionário que procura investigar o programa, por meio de informações
provindas dos monitores atuantes no mesmo, foi aplicado a todos os monitores que
participam da dinâmica do PCGC, em um total de 5 profissionais, porém, só foi
possível a análise de dois relatos devido ao retorno dos mesmos.
Ele possui as primeiras 5 questões a respeito do grau de comprometimento
destes profissionais com o PCGC, as questões 6, 7 e 8 procuram investigar as
concepções de ciência destes profissionais; as questões 9 e 10 investigam o
sentimento dos monitores sobre a educação informal e as possíveis aproximações
com as práticas escolares; a questão 11 investiga como se processa, na leitura do
mediador, a atividade de mediação no que concerne ao diálogo com os estudantes;
finalmente, as questões de 12 a 16 se propõe a investigar o grau de satisfação dos
monitores para com seu trabalho no PCGC. Abaixo, QUADRO 4 resume as
categorias de investigação deste questionário.
QUADRO 4 – RESUMO DAS CATEGORIAS DE INVESTIGAÇÃO DO APÊNDICE B
Categorias de Investigação Questões1 – Comprometimento com o PCGC 1 a 52 – Concepção de ciência 6 a 83 – Educação informal 9 e 104 – Diálogo 115 – Grau de satisfação 12 a 16
Fonte: O Autor
1
6.2.1 Comprometimento com o PCGC
As respostas aos questionamentos desta categoria revelam, em 100% dos
casos, um alto comprometimento com o programa por parte dos monitores,
revelando, por exemplo, iniciativas próprias de caráter não institucional, de busca
por formação continuada e enriquecimento teórico, bem como, referências ao GPC
como veículo importante de formação continuada destes profissionais, como
mostrado nos exemplos abaixo:
Não tive um treinamento específico quando entrei. Esporadicamente, houve algumas visitas técnicas (Museu da Copel, Usina Parigot de Souza, Estação Boticário e Usina Foz do Areia), que ajudaram a enriquecer o trabalho. Porém, no decorrente ano, estas visitas técnicas não ocorreram. O Grupo de Pesquisa Científica (GPC) que ocorre nas segundas-feiras, com a apresentação de seminários e discussão de textos (durante o ano passado) também é de grande importância para o processo de formação dos monitores. A equipe do PCGC faz diversos treinamentos por conta própria (cursos no Museu Paranaense, encontros pedagógicos junto a Secretaria de Educação de Colombo, Treinamento do Projeto Agrinho, Treinamento Desperdício Zero, curso no Museu Botânico, Visita ao Museu do Lixo, entre outros) o que tem sido fundamental para o desenvolvimento de tal equipe. (M1).
O Programa PCGC é um ótimo programa que visa despertar o interesse pela ciência nos estudantes desde a idade mais tenra. Além disso, dependendo do tema trabalhado, pode ser um bom instrumento para despertar, por exemplo, a consciência ambiental e o senso crítico sobre atitudes realizadas pelas pessoas. Finalmente, acredito que o Programa PCGC desenvolvido no Parque Newton Freire Maia promove a interação entre a escola e o centro de ciências, onde esta interação deve ser um dos objetivos de um centro de ciências. (M2).
6.2.2 Concepção de ciência
As questões 6 a 8 do questionário procuram investigar a concepção de
ciência dos monitores; o impacto da vivência no PNFM sobre esta concepção bem
como sua importância junto ao PCGC. Percebe-se, na análise das respostas, que
uma das fontes de reflexão a respeito do conceito de ciência é o grupo de estudos
GPC. Assim, segundo os relatos dos monitores, o conceito de ciência é debatido
neste grupo de estudos bem como a sua importância nos programas de
atendimento ao público. Todos os relatos afirmam uma mudança conceitual a
respeito do que é a ciência, após estas discussões no GPC, porém, nota-se nesta
nova conceituação a presença de dúvidas em relação a como este conceito possa
afetar o visitante do museu, em especial os estudantes das primeiras séries do
Ensino Fundamental. São exemplos desses relatos:
1
Algo que não tenho como negar é isso. Quando entrei no PNFM minha concepção sobre a ciência era muito imatura, pois eu entendia a ciência como sendo conhecimento. Isso perdurou por mais algum tempo, mesmo sendo já integrante da equipe. Só a partir das discussões realizadas no Grupo de Pesquisa Científica (GPC) e depois de algumas leituras, fui mudando de concepção. E, a cada nova leitura e/ou discussão, percebo que esse tema é um campo minado, onde deve-se ter cuidado ao caminhar. Posso dizer que hoje entendo a ciência como fruto da ação humana, e por isso, é passível de interesses provando que a ciência não é neutra. Além disso, entendo que a ciência é construída ao longo da história, não sendo algo pronto que “cai do céu” nas mãos de alguns privilegiados. Amanhã (futuro) talvez minha opinião mude, mas hoje penso assim. Hoje, através da minha concepção de ciência, posso distinguir o conhecimento nos diferentes níveis de atuação. Com certeza há uma grande disparidade entre o conhecimento científico do cientista e aquele vivenciado na escola. Tanto isso é verdade, que os estudantes das escolas visualizam os cientistas como seres inatingíveis e que a própria ciência é algo distante e para poucos. Em raros momentos é possível perceber uma interação entre os conhecimentos da universidade e da escola, porém ela acontece apenas de forma paliativa. No museu ou centro de ciências, o conhecimento científico aparece de forma mais chamativa, mais prática, mais “bonita” do que aquela vivenciada na escola através de livros. Acredito que isso pode ser uma faca de dois gumes. Por um lado, pode facilitar o interesse dos estudantes pela ciência, além da compreensão de conceitos vistos e, muitas vezes não compreendidos, na escola. Por outro lado, pode contribuir ainda mais para o mito de que a ciência é algo esplêndido, inatingível, feito por poucos e para poucos. Em vista disso, penso que o centro / Museu de Ciências tem uma grande responsabilidade, pois deve pensar sempre nesta questão: apresentar a ciência sem mistificá-la. E isso é um desafio que deve sempre ser buscado. (M1).
Sim, a minha visão de ciência, antes de atuar no PNFM, era a própria mistificação da ciência, onde esta trabalhava de forma sempre positiva na sociedade. Após a leitura de textos e discussão dos mesmos, juntamente com a equipe do PNFM, minha visão foi modificada. Hoje olho para a ciência de forma mais crítica. Eu creio que o conhecimento científico tem níveis diferentes de atuação. O conhecimento vivenciado pelo cientista é de um nível bem mais elevado e complexo que o conhecimento vivenciado pelo estudante. Porém, o processo de formação deste conhecimento é o mesmo. Ele é vivenciado através da metodologia científica nos dois casos, porém o estudante pode ter o professor funcionando como “facilitador” deste processo. Eu creio que o conhecimento científico tem níveis diferentes de atuação. O conhecimento vivenciado pelo cientista é de um nível bem mais elevado e complexo que o conhecimento vivenciado pelo estudante. Porém, o processo de formação deste conhecimento é o mesmo. Ele é vivenciado através da metodologia científica nos dois casos, porém o estudante pode ter o professor funcionando como “facilitador” deste processo. O conhecimento é o mesmo, porém, na escola, ele atua de forma mais “camuflada”, muitas vezes o próprio professor não se dá conta que está fazendo ciência. (M2).
6.2.3 Educação informal
As questões 9 e 10 do referido questionário procuram saber se, na visão dos
monitores, as dinâmicas de atendimento aos estudantes no PCGC têm um caráter
1
de “aula”, com semelhança às aulas formais do espaço escolar ou, se no museu, as
características de educação informal prevalecem nestas dinâmicas.
Segundo os relatos, percebe-se alguma dúvida por parte dos monitores, no
sentido de que, em certas ocasiões, se sentem como expositores de conceitos ou
idéias, em outras ocasiões, narram a atividade de mediação como dialogada e
cooperativa. Seguem-se exemplos destes relatos:
Não. Uma que a minha “bagagem” quando atuei na escola, era bastante inferior a que tenho hoje. Este fato deve-se, principalmente, ao hábito da leitura e discussão de diversos textos, juntamente com a equipe PNFM. A minha forma de trabalho na escola era muito diferente. Sempre muito teórica, hoje, conseguiria trabalhar os mesmos conteúdos de forma mais prática e atrativa, mesmo não tendo muitos recursos. (M1).
Posso estar errado, mas acredito que minha atuação como monitor do PCGC não se parece com uma aula. Primeiramente, pois os estudantes não são sempre os mesmos. Depois, meu objetivo não é passar um conteúdo para posteriormente ser cobrado através de algum tipo de avaliação. O que eu quero durante o desenvolvimento dos projetos do PCGC no PNFM é que os estudantes aprendam determinados conhecimentos científicos, através de uma visão crítica e que eles entendam que eles também são cientistas ao estarem neste processo de aprendizagem. (M2).
6.2.4 Diálogo
Ao analisarmos as questões anteriores a respeito de como os monitores se
sentem ao atender os estudantes no PCGC, percebe-se que, a questão do diálogo
para com os mesmos é essencial como elemento dessa análise. Neste caso, os
exemplos abaixo demonstram que as vivências podem revelar níveis diferenciados
de diálogo entre os estudantes e os monitores. Desta forma, fatores como o tema
escolhido, a preparação anterior em sala de aula, entre outros, podem afetar a
questão do diálogo.
Eu acredito que eles até consideram as duas coisas, mas o que sobressai certamente é a exposição. (M1).
Pela minha pouca experiência, acredito que os estudantes que participam dos projetos do PCGC, consideram a vivência no PCGC como um diálogo. Pelo menos sempre busco isso na minha atuação. Entretanto, confesso que isso é meio relativo. Dependendo da turma, do nível de conhecimento, se o tema do projeto foi desenvolvido antes na escola ou não. Às vezes, infelizmente, a vivência acaba sendo uma exposição. (M2).
1
6.2.5 Satisfação em participar do programa PCGC
As questões 12 a 16 procuram entender o grau de satisfação dos
profissionais que atuam diretamente no PCGC, em função de alguns critérios, como
por exemplo, o sentimento de participação na construção deste programa.
Os relatos revelam que estes profissionais estão muito satisfeitos com o
programa como um todo, mostrando na maioria dos casos um crescimento
profissional significativo a partir do PCGC, um forte sentimento de orgulho quando
mostrado em narrativas de experiências vividas no dia a dia do programa e uma
preocupação com o futuro do mesmo. São exemplos:
Sim, pois quando entrei para a equipe do PCGC, este estava em vias de formação, o que continua acontecendo até o momento. Eu me considero importante na equipe porque já tinha um pouco de experiência pedagógica, apesar de estar voltada para um faixa etária diferente. Acredito que a minha experiência junto ao PNFM será de grande valia para a minha vida profissional futura, já que tenho outra visão da ciência e da própria escola. Acredito que hoje, seria uma professora muito mais dinâmica e flexível do que já fui. A vivência que achei mais tocante aconteceu este ano, durante a apresentação do Projeto Bicho do Paraná, com o município de Colombo, onde eu conversava sobre a cultura indígena. E terminei a fala dizendo que todas as culturas eram importantes, que tinham um papel significativo para o desenvolvimento das sociedades, assim como todas as religiões. Quando terminei de falar, uma estudante de 09 anos, disse que eu tinha razão, pois Deus era pai de todo mundo, então como ele”. poderia”. discriminar uma determinada cultura ou religião? Apesar de estarem embutidos, na fala da menina, os conceitos religiosos que ela tinha aprendido com os pais, achei muito oportuno e profundo o comentário dela. Assim como pude perceber, através da fala dela, que a mensagem que eu tentara passar havia sido captada. (M1).
Eu me considero sim como participante da elaboração do programa PCGC, pois de certa forma, essa elaboração acontece a cada dia. Sempre novas idéias vão surgindo, desafios são apresentados, falhas são cometidas, acertos são buscados, o que vai se integrando e contribuindo ao programa. Assim, como a ciência, esse programa não está pronto e acabado. Com certeza, posso afirmar que cresci muito profissionalmente durante minha atuação no PCGC até o momento. Desde minha postura, minha linguagem, minha metodologia, minha responsabilidade e minha concepção de ciência, mudaram em relação ao atendimento de estudantes de 1.ª a 4.ª séries. Algo que eu até hoje guardo na minha memória foi quando eu perguntei a um estudante se ele se achava um cientista, ele falou que não; perguntei então se ele achava que eu era um cientista e ele respondeu que sim; perguntei por que e ele me disse porque eu estava com um jaleco igual de cientista. Daí, eu tirei o jaleco e perguntei se ainda eu era cientista e ele ficou meio perdido. Conclui então que todos os estudantes presentes ali, participando do projeto, eram cientistas também. Juro que consegui ver seus olhos brilharem, pois ele realmente se sentiu e entendeu que fazia parte da ciência. Isso foi muito recompensador. Peço desculpas, mas não consegui resumir em uma frase somente essa bela experiência. (M2).
1
6.3 O PCGC EM NÚMEROS – Impacto sobre o público no PNFM
No ano de 2004 o PNFM recebeu um total de 8656 visitantes. Se verificarmos
os dados contidos no Gráfico 1, iremos notar que a maior parte deste público é
formada por estudantes (7526) e professores (539), revelando uma tendência de
público essencialmente escolar. Analisando os dados, ainda com referência ao
Gráfico 1, nota-se que apenas 0,89 % do total representam os estudantes das
séries iniciais do Ensino Fundamental.
GRÁFICO 1 – NÚMERO DE VISITANTES NO PNFM EM 2004
Fonte: Parque Newton Freire Maia – Relatório de Atividades 2004
A análise do Gráfico 2, referente ao ano de 2005, revela um acréscimo
significativo de público no PNFM, que, em relação a 2004, está em torno de 347,9%
mais alto, totalizando 30114 visitantes. Mas, os estudantes das séries iniciais, que
em 2004 representavam 0,89% do total, em 2005 representam 4,39 % do total, não
acompanhando a tendência geral de acréscimo de público.
Estes dados estão em consonância com os relatos da equipe pedagógica,
que aponta o ano de 2005 como início de testes de recepção desta faixa etária. Há
neste gráfico um destaque ao número de 1218 estudantes da quarta série do
Ensino Fundamental que, se comparado aos 105 estudantes das outras séries (1, 2
e 3) revela-se bastante superior.
1
O relato da equipe explica esse número, pois é referente ao primeiro teste de
atendimento efetuado em parceria a uma secretaria municipal de educação, neste
caso, do município de Campina Grande do Sul.
GRÁFICO 2 – NÚMERO DE VISITANTES NO PNFM EM 2005
Fonte: Parque Newton Freire Maia – Relatório de Atividades 2005
O Gráfico 3, referente ao ano de 2006, mostra um crescimento menos
acentuado no número total, que foi de 40753 visitantes, 35,33% mais alto que o ano
de 2005.
Esta reflexão a respeito do total anual de visitantes aponta para um primeiro
ano de atuação do PNFM com características de planejamento e projeto, e dois
outros anos de atuação mais eficaz. O programa PCGC influencia o número de
estudantes que visitam o PNFM, em uma escala de importância maior a partir de
2005 e fundamentalmente em 2006, como mostram os dados:
1
GRÁFICO 3 – NÚMERO DE VISITANTES NO PNFM EM 2006
Fonte: Parque Newton Freire Maia – Relatório de Atividades 2005
Ainda em 2006, com base nos dados do Gráfico 3, nota-se esta influência do
programa PCGC como fator de peso no tocante ao número total de visitantes, pois
a fatia percentual que o referencia é agora de 20,07% em relação ao total. Isto
significa que, sem o PCGC, o PNFM teria recebido 31312 visitantes, número muito
parecido com o total de atendimento de 2005, com um crescimento de apenas 4 %.
6.4 ANÁLISE DO TEXTO REFERENTE AO PROJETO DE IMPLANTAÇÃO DO
PCGC
Uma análise do projeto elaborado pela equipe técnica do PNFM revela uma
preocupação com o processo de Alfabetização Científica e Tecnológica desses
estudantes de Ensino Fundamental, bem como com a abordagem do discurso
mediado. Nota-se, também, uma preocupação com questões pertinentes ao
progresso científico e tecnológico, como mostra este trecho, extraído do projeto que
contempla o atendimento escolar de 1ª a 4ª séries:
Defendendo a idéia de que todos os membros de uma sociedade podem e devem se apropriar dos fundamentos tecno-cientifícos desta sociedade, a divulgação científica voltada à faixa etária dos sete aos dez anos de idade deve ser encarada de maneira séria e objetiva, com atividades coerentes e linguagem adequada. Entretanto, podemos nos surpreender com a profundidade de conceitos provindos destes meninos e meninas, relativos aos processos pelos quais a ciência transita. (PARANÁ, 2006, p.2).
1
CHASSOT (2003), a respeito da faixa etária e de como a educação formal
trabalha o ensino de ciências comenta que:
É o Ensino Médio e o Ensino Fundamental o lócus para a realização de uma alfabetização científica. Os estudantes, durante três anos do Ensino Médio, estudam Biologia, Física, Geografia, Química. (...) No Ensino Fundamental, pelo menos durante quatro anos há estudos na área de Ciências. A grande interrogação é para que(m) são úteis todos esses anos de estudos. Como, com os conteúdos estabelecidos historicamente e definidos como importantes, se pode dar aos estudantes uma incipiente alfabetização científica? CHASSOT (2003, p. 45).
A importância do envolvimento da escola e seus professores(as) também é
um destaque no texto deste projeto, revelando que essas características foram
consideradas como premissas na elaboração do mesmo, como neste trecho:
A importância do envolvimento da escola e seus professores (as) neste projeto desde a concepção foi uma premissa da equipe do PNFM. Partindo-se deste pressuposto, o diálogo entre professor (a) e esta equipe é o primeiro ato a ser contemplado no processo metodológico de implantação deste projeto. Deste diálogo devem sair conclusões a respeito do tema a ser desenvolvido, e da data da visita dos alunos ao exploratório. (PARANÁ, SEED/PNFM, p.2).
6.5 EXEMPLO DE TRATAMENTO DE QUESTÕES PROVINDAS DOS
ESTUDANTES NO PROGRAMA PCGC
Um exemplo das perguntas oriundas de uma turma de estudantes de
segunda série do Ensino Fundamental que participaram de uma das vivências em
parceria com o museu, no tema intitulado “Desvendando o Sistema Solar”, é
mostrado abaixo:
• Quantos anos o mundo tem?• Qual é o nome do planeta que vem depois de Plutão?• Um cometa tem quantos quilos?• Por que Saturno tem anéis?• Por que a Terra gira em torno do Sol?• Qual é a distância dos planetas?• Você sabe quantos quilômetros fica a Terra do Sol?• Quantos anos tem o Sol? • O que tem dentro dos planetas?• Quantos metros tem Júpiter?• Qual é a distância do planeta Plutão ao Sol? • Qual é a distância da Terra a Urano?
1
As questões acima mencionadas apontam para concepções alternativas, ou
pré-concepções, presentes nestes estudantes. A posição de interlocução e
mediação entre estes questionamentos e a tentativa de adequação da linguagem
necessária ao trabalho de “resposta”, por parte da equipe do PNFM merece aqui a
reflexão necessária referente às premissas de uma Alfabetização Científica e
Tecnológica Ampliada.
Os questionamentos mencionados determinam uma pesquisa por parte da
equipe do PNFM no sentido de “responder”, dialogicamente, às expectativas
educacionais. A tecnologia disponível no PNFM, o acervo, a equipe, o ambiente,
transformam-se em um sistema focado no objetivo de facilitar a discussão e o
diálogo, que orbita ao redor do tema e se baseia nas perguntas pré-estabelecidas
pelos estudantes e suas respectivas pré-concepções.
Dentro desse tema, ainda podem ser combinadas perguntas que advenham
da equipe, em sua pesquisa de preparação ao atendimento, visando estabelecer um
vínculo com o questionamento filosófico presente na ciência e na tecnologia. Assim,
citando outro exemplo em que o tema proposto tratava das grandes navegações do
século XIV e XV, a equipe sugeriu a seguinte pergunta: “Quem descobriu o Brasil?”
A resposta a essa provocativa gerou um trabalho de aproximadamente trinta
minutos em um ambiente externo específico destinado à cultura indígena, onde
artefatos e habitações indígenas são utilizados. Assim, a simples referência de que
já havia habitantes no Brasil antes da chegada de Cabral torna a visão eurocêntrica
do descobrimento um foco de reflexão.
A cultura indígena passa a ter um novo significado, assim como a questão da
colonização da América Latina. A tecnologia indígena revela um conhecimento rico
de um povo que vive, ou vivia com base em uma lógica diferenciada. Ligando-se
esta atividade e a questão do conhecimento indígena, gera-se outra atividade, desta
vez no Planetário, com a astronomia indígena, onde são tratados vários aspectos do
conhecimento do céu por parte da cultura indígena.
O direcionamento da atividade procura levar em consideração o fato de que
as pré-concepções dos estudantes, referentes aos temas abordados, são ricas e
diversificadas. A utilização deste conhecimento, tanto no trabalho em sala de aula,
quando da preparação na fase de pesquisa, quanto na visita ao PNFM, enfoca o
aspecto da reflexão e do diálogo. A preocupação na utilização desses
1
conhecimentos para elevar o nível da discussão sobre o tema apresenta-se notória,
tanto no texto do projeto, quanto na observação do trabalho como um todo,
seguindo uma linha de raciocínio que poderia ser relacionada com Paulo Freire,
quando comenta que:
Não há como não repetir que ensinar não é a pura transferência mecânica do perfil do conteúdo que o professor faz ao aluno, passivo e dócil. Como não há também como não repetir que, partir do saber que os educandos tenham não significa ficar girando em torno desse saber. Partir significa pôr-se a caminho, ir-se, deslocar-se de um ponto a outro e não ficar, permanecer (...) Partir do “saber de experiência feito” para superá-lo não é ficar nele. (FREIRE, 1992, p. 70).
Quando Paulo Freire refere-se ao “saber de experiência feito”, está
resgatando a importância dos conhecimentos alternativos dos estudantes em uma
pedagogia progressista que se oponha ao ensinar de meras transmissões de
conhecimentos a alunos desprovidos dos mesmos. A Transposição Didática, quando
define a noosfera como conjunto de elementos intermediários entre a pesquisa e o
ensino, “onde ocorrem os conflitos e as transações pelos quais se exprime e se
realiza a articulação entre o sistema e seu ambiente” (ALICE LOPES, 1999, p.207)
nos leva a pensar na hipótese de que as concepções espontâneas e alternativas
fazem parte deste conjunto.
Quando a criança, mediada pelo trabalho realizado em sala de aula, faz a
pergunta “quanto anos tem o mundo?” ela está cercada de informações e teorias
para, por meio da observação deste conjunto de informações, estabelece uma idéia,
ainda que precária, da idade do planeta Terra. A pesquisa científica se coloca a
respeito com possibilidades e defende correntes de teorias, como no exemplo do
Big – Bang. Mas, contrariamente à Transposição Didática, que considera o saber
produzido pela ciência como saber sábio, dentro do contexto dos postulados da
Matemática explicitado por Chevallard (1991), o Big-Bang é uma das possibilidades
de modelos para o entendimento da origem do universo.
A idade do universo, se apoiada na teoria do Big-Bang irá considerar as
observações de Hubblle no que diz respeito ao afastamento das galáxias e a
expansão do universo, a partir de um único momento de criação seguido de uma
rápida expansão. Este modelo evoluiu apoiado nas observações de Hubble e a
partir da relatividade geral de Einstein. Porém, como todo modelo produzido pela
ciência caracterizada por Freire-Maia (2000), como “Ciência-Processo”, o modelo
1
do Big Bang não é definitivo. Com o passar do tempo, as observações
cosmológicas tornam-se mais precisas, apoiadas em um avanço
tecnológico de observação. Esse modelo possivelmente será
aperfeiçoado e modificado, ou mesmo substituído, na busca de melhor
descrever a evolução do Universo, sobretudo no que condiz a seu passado
mais remoto (instantes iniciais) e seu futuro mais longínquo.
A equipe de mediação, composta pelos monitores responsáveis pela
programação das atividades no Museu de Ciências dentro da perspectiva do PCGC,
está atenta, por meio de sua formação continuada pela via do grupo de estudos
GPC, ao que a “Ciência Processo” divulga, em termos de resultados e pesquisas
recentes a respeito de assuntos tratados do exploratório.
No entanto, a grande missão desta equipe está focada na adequação deste
conhecimento no que diz respeito às crianças, público alvo do programa PCGC.
Verificam-se aqui, evidências da Mediação Didática quando, no exemplo da questão
da “idade do mundo”, esta equipe efetivou um planejamento composto de uma
exposição, no Pavilhão Introdução, de um discurso que compara a idade do planeta
Terra (aproximadamente 4,5 bilhões de anos) a de uma pessoa de 45 anos. Assim,
a comparação de tempo e eventos é feita por analogia, como por exemplo, as eras
glaciais e o primeiro engatinhar; o surgimento do homem no planeta e a festa de
formatura de curso superior.
Assim, eventos como o surgimento e desaparecimento dos dinossauros,
movimento dos continentes, surgimento do homem, entre outros, foram comparados
a eventos da vida de uma pessoa de 45 anos de idade, percebendo-se um
propósito nítido de tornar o discurso inteligível à criança. Porém, alguns elementos
do discurso expositivo, presentes nesta prática, aproximam-se da teoria da
transposição didática, quando há um processo de descontemporalização, em que o
“saber sábio” é exilado de sua origem, isto é, quando a teoria do Big – Bang deixa
de ser o carro chefe do discurso expositivo. Há, também, um processo de
naturalização, quando o discurso faz a presença dos acontecimentos da vida na
Terra e da vida do ser humano como naturais.
Este discurso, que continua na presença objeto expositivo que contém a
teoria do Big – Bang, após um entendimento a respeito das analogias aqui referidas,
1
ao retornar ao Big-Bang apresenta-se como mediador entre a teoria e este
entendimento.
O estudante / visitante que, ao perceber a amplitude da questão formulada a
respeito da idade do planeta Terra, apresenta novas inquirições como por exemplo,
“essa teoria está correta?”, ou “o que existia antes do Big – Bang” passa a
relacionar a teoria apresentada com a idade do planeta. Assim, não é a idade do
homem de 45 anos que está em discussão, mas a idade do universo. A mediação
didática está, desta forma, obtendo dos estudantes concepções novas que se
chocam com a as suas anteriores em amplitude, mas não em sentido.
Seguindo a investigação da metodologia, após a atividade no Exploratório a
equipe sugere como importante uma complementação de todo o processo a ser
realizada em sala de aula e prevista no projeto base. Esta atividade de fechamento
tem por objetivo avaliar, de forma qualitativa, toda a atividade.
A produção de textos tem se mostrado bastante interessante nesta fase, pois
tem revelado um significativo acréscimo de interesse dos estudantes a respeito dos
temas abordados, sinalizando que as práticas desenvolvidas no ambiente do centro
de ciências contribuem neste processo.
Alguns textos revelam uma sensibilidade para com os temas que demonstra
uma reconstrução de conceitos, revelando uma compreensão importante a respeito,
conforme já enunciado por Ferreiro e Teberosky:
Dizemos apropriação de conhecimento, e não aprendizagem de uma técnica. Com tudo o que essa apropriação significa, aqui como em qualquer outro domínio da atividade cognitiva: um processo ativo de reconstrução por parte do sujeito que não pode se apropriar verdadeiramente de um conhecimento senão quando compreendeu seu modo de produção, quer dizer, quando o reconstruiu internamente. (FERREIRO e TEBEROSKY, 1986).
Um exemplo de produção de texto é citado abaixo, elaborado em conjunto
por uma turma de 4ª série de escola pública do município de Campina Grande do
Sul, Região Metropolitana de Curitiba:
1
OS ÍNDIOS DO MEU PARANÁ
“Há muito tempo atrás
Os índios moravam no mato
Viviam da caça e da pesca
E faziam artesanato
Hoje não caçam, não pescam
E só tem feijão no prato.
Os índios Kaigang
Não vivem mais no mato
Para se alimentar,
Eles vendem artesanato.
O povo Guarani
Trabalhava de escravo
Há muito tempo atrás com uns brancos muito bravos.
Os Xetás eram um povo unido
Que praticavam agricultura
Hoje em dia estão perdendo
Suas religiões e sua cultura.
Esses três grupos indígenas
Que são paranaenses
Hoje vivem na miséria
Como sofre essa gente.”
Autores: Alunos da 4ª série
Escola Rural de Campina Grande do Sul
Percebe-se no desenvolvimento deste trabalho escolar um importante
amadurecimento a respeito da questão indígena se nos referenciarmos às pré-
concepções reveladas no diálogo quando da vivência no exploratório. Desta forma,
assume-se que a parceria entre o museu e a escola contribuiu nesta reconstrução
conceitual.
1
CAPÍTULO 7 – CONSIDERAÇÕES
O objeto de investigação desta dissertação, o programa PCGC, constitui-se
em um instrumento de organização de atendimento escolar no Museu de Ciências,
especificamente pensado na recepção de estudantes de 1ª e 4ª séries do Ensino
Fundamental.
A análise do projeto do PCGC, elaborado pela equipe do PNFM, mostra a
intenção desta organização, destacando a importância da participação de
professores e professoras na elaboração do planejamento da visita ao museu. Esta
participação, prevista no referido projeto e verificada na investigação aqui realizada,
constitui-se um dos principais diferenciais do programa PCGC. Cada professora que
faz a visita com seus estudantes ao exploratório do PNFM terá, a seu dispor, um
planejamento único, pois sua expectativa educacional é contemplada na
metodologia do PCGC.
O trabalho com projetos, descrito no Capítulo 3, é encarado pelo PCGC como
base de planejamento das atividades a serem contempladas na visita,
proporcionando oportunidades de relacionamento mais efetivo entre o Museu de
Ciências e a escola. Por intermédio desta metodologia, o PCGC procura valorizar as
concepções alternativas dos estudantes, quando incentiva um trabalho anterior à
visita ao Museu de Ciências, com o intuito de estimular a atividade de pesquisa e de
diálogo no interior do mesmo.
7.1 “AULA” OU “PASSEIO”?
A antiga instituição “Museu de Ciências” apresenta uma história recente de
discussão a respeito de como inserir a sociedade atual, influenciada pelos avanços
da tecnologia e da ciência, em suas atividades e programas de recepção. Em geral,
o público que visita um museu deseja encontrar, entre outras expectativas, uma
liberdade de escolhas, de circulação e de reflexão.
Inserido neste conjunto de pessoas encontra-se um público diferenciado,
composto de professores, professoras e estudantes, oriundos da educação formal e
organizados em grupos. A escola propõe esta forma de organização, pois é assim
que entende a sua prática diária e não faria de outra maneira em se tratando de
uma visita ao Museu de Ciências. Agenda-se uma data, contrata-se o transporte,
1
visita-se o museu e retorna-se a escola. Em geral, neste retorno é exigida do
estudante que participou do “passeio” uma forma de avaliação, por exemplo, um
relatório.
Em muitas ocasiões, os estudantes e os professores estarão conhecendo o
ambiente museográfico pela primeira vez. Dependendo do contexto da visita, o
grupo segue o espaço do museu mais ou menos coeso, guiado pelo professor ou
professora ou amparado por um monitor do museu. As possibilidades são inúmeras
e as exposições, projetadas por seus idealizadores para proporcionar experiências
estimulantes e agradáveis, objetivam a aproximação desses estudantes da temática
científica e tecnológica.
Mas, qual a real busca de um profissional da educação ao agendar uma visita
escolar ao Museu de Ciências? Percebe-se que, com base nos dados obtidos no
capítulo anterior, a principal busca no museu por parte das professoras
entrevistadas é a de complementação de conteúdos escolares. Infere-se aqui,
utilizando um termo revelado na pesquisa, que estas professoras encaram a visita
ao museu como uma “aula de campo” e esperam desta “aula” um apoio a suas
práticas escolares.
Entretanto, baseando-se em minha experiência no trabalho com as crianças
e a observação do trabalho e relatos dos monitores, analisados no capítulo anterior,
esta “aula” não se efetiva da mesma maneira que no ambiente escolar. Os
depoimentos das professoras estão, provavelmente, utilizando a designição “aula de
campo” de forma inadequada a respeito da vivência no PCGC.
Baseio-me, para essa afirmação, no fato de que o caminho percorrido entre a
escola e o exploratório valoriza o diálogo, discutindo aspectos do conhecimento
científico em uma atividade diferenciada daquela vivenciada no contexto escolar. As
crianças se empolgam ao discutirem a respeito de suas hipóteses e conhecimentos
anteriores e identificam-se como participantes efetivos no processo de mediação
didática verificado aqui com base na fundamentação teórica do capítulo 3. Existem
diferenças significativas na vivência dos estudantes no PCGC e sua prática escolar.
Essas diferenças podem ou não ser atribuídas a uma “aula”, mas é fato que,
baseando-se nas narrativas das professoras e monitores entrevistados, trata-se de
uma “aula diferente”. Sem dúvida, as diferenças estão intimamente relacionadas ao
ambiente de pesquisa, proporcionado pelo PCGC, e ao ambiente do museu,
1
utilizado pelo PCGC quando da valorização de um processo que se inicia nas
concepções alternativas desses estudantes, na escola, segue-se ao diálogo
buscado na vivência no museu e mediado pelos monitores, e retorna ao ambiente
formal de educação, onde a discussão se enriquece e se valoriza.
7.2 A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA E O PCGC
Embora a proposta desenvolvida na maioria dos centros de ciência seja
voltada para uma educação informal, científica e crítica, e o acesso de estudantes a
essa exposição de experimentos interativos desperte o interesse da maioria pelas
descobertas e curiosidade sobre as evidentes ligações com conteúdos abordados
em sala de aula, as questões referentes a alfabetização científica e tecnológica são
consideradas de extrema relevância nesta investigação.
A ACT, fundamentada e discutida no capítulo 4 e pano de fundo para análise
do PCGC no que se refere à consciência crítica a respeito dos impactos sociais,
econômicos, ambientais e culturais, provenientes dos avanços da ciência e da
tecnologia, foi investigada na análise dos relatos. Considera-se, nesta análise, que
para se almejar um verdadeiro trabalho educacional em alfabetização científica e
tecnológica, os profissionais envolvidos devem conhecer o debate sobre os
conceitos de ciência e tecnologia, discutidos no capítulo 1.
Observando os dados que procuram saber sobre como esses profissionais
encaram o referido debate, percebe-se que há, infelizmente, uma grande confusão
entre o conhecimento científico produzido pelos cientistas e o conhecimento
científico vivenciado na escola. Apenas 9 % das professoras entrevistadas revelam
uma ciência entendida como construção humana, falível e histórica. Em relação ao
conceito de tecnologia, em que a maioria esmagadora das professoras (98,1%)
mostra um entendimento da mesma como produto da ciência, estudo das técnicas
ou simplesmente como avanços técnicos, em detrimento a uma visão de construção
humana histórica e relacionada ao trabalho humano, o quadro é ainda mais
preocupante.
Neste sentido, comenta Henrique Lins de Barros41:
Para o leigo, o aspecto inacabado e parcial da ciência passa ao largo, pois ele não é capaz, por sua formação ou por seus interesses e vocações, de perceber que ela
41 Físico e pesquisador do Museu de Astronomia e Ciências Afins/CNPQ
1
trabalha somente com os fenômenos que consegue circunscrever e definir. A ciência é, dessa forma, parcial e provisória. Assim, a resposta a questionamentos fundamentais da natureza é uma exigência da mente humana, a ciência ou o mito oferecem uma solução satisfatória (...) A chamada alfabetização científica, que cada vez mais está claro tratar-se da própria alfabetização de um indivíduo inserido socialmente, assim como a não-discriminação de nenhum dos indivíduos socialmente ativos tornam-se essenciais para a proposta de uma sociedade democrática com a participação de todos os cidadãos no processo de construção social. (LINS DE BARROS, 2002, p.36)
Considerar as professoras envolvidas no PCGC leigas em relação ao
conhecimento científico seria de extrema arrogância nesta dissertação, porém, os
relatos referentes à formação em ciências dessas profissionais revelam que, em
62,9% dos casos, houve uma melhora conceitual em seus conhecimentos
científicos. As professoras apresentam influência importante no que se refere aos
estudantes da faixa etária dos 7 aos 10 anos de idade, pois, como discutido no
anteriormente, as mesmas encontram em suas professoras a confiança de que seus
conhecimentos, suas atitudes e convicções, são de fato exemplos a serem
seguidos.
Considerando o conceito de alfabetização científica e tecnológica ampliada,
pode-se concluir, com base no exposto, que o PCGC ainda necessita avançar no
aspecto da discussão sobre como a ciência realmente funciona, apesar de revelar-
se um instrumento poderoso no aspecto do diálogo a respeito de conceitos
científicos, do método científico, do uso e conseqüências do avanço da tecnologia.
No entanto, se considerarmos o fato de que ocorrem reuniões com as professoras
antes do atendimento aos estudantes, podemos inferir que este contato é um
importante veículo para reflexão sobre a ACT ampliada.
Assim, percebe-se no PCGC aspectos de alfabetização científica no que
concerne aos dois primeiros olhares citados por Durant (2005), isto é, as crianças
que participam da vivência no PCGC, bem como suas professoras (e raríssimos
professores) mostram, com base na observação das visitas e nos relatos da
pesquisa, que houve grande interação e diálogo entre o museu e a escola,
propiciando um acréscimo de entendimento de conceitos científicos e do
entendimento do procedimento de pesquisa. Porém, assim como o conhecimento
científico assume um caráter transitório de validade, as opiniões a respeito de como
a ciência realmente funciona, por parte das professoras, tem uma possibilidade de
enriquecimento em sua vivência no PCGC.
1
Quanto ao aspecto da investigação de como esta vivência pode influenciar, a
curto ou médio prazo, os conceitos de ciência e tecnologia das crianças que viveram
a experiência no PCGC e seu impacto para com a possibilidade de uma
alfabetização científica e tecnológica ampliada, entende-se que é tema de futuros
trabalhos.
7.3 A INFLUÊNCIA DO PCGC NO PNFM
O programa “Pequenos Cientistas – Grandes Cidadãos” recebeu, em
aproximadamente dois anos, 9477 estudantes de 1ª a 4ª séries do Ensino
Fundamental no PNFM. Atualmente, este projeto atende em média 600 estudantes
por mês e estabeleceu diálogo com aproximadamente 2000 professores de Ensino
Fundamental em encontros de discussão.
Estes estudantes, acompanhados de suas professoras e professores,
participaram de trabalhos com base em temas, como por exemplo: “Sistema Solar”,
“Sentindo o Paraná em Nossos Pés”, “Colombo em Busca da Sustentabilidade”,
“Paraná, Prazer em Conhecer”, entre outros. Sempre que possível, a equipe do
PNFM tem acesso aos textos gerados pelos alunos em ambiente escolar, os quais
fazem menção, entre outros aspectos, à satisfação gerada pela participação nesta
atividade. Percebe-se nos textos uma boa disposição e receptividade, assim como a
intenção de visita ao museu em oportunidade posterior. Em muitos casos, essas
crianças retornam ao Museu de Ciências acompanhadas de seus familiares,
contribuindo assim para uma tendência de acréscimo no público espontâneo do
PNFM.
7.4 PALAVRAS FINAIS
Os impactos sociais desencadeados pelo desenvolvimento científico e
tecnológico serão mais facilmente interpretados por uma sociedade alfabetizada
cientificamente. Essa compreensão gera a possibilidade de reação e de
contraposição a algumas decisões no âmbito da ciência e da tecnologia, muitas
vezes motivadas por políticas que possam ser prejudiciais a sociedade. Assim, a
divulgação científica voltada à faixa etária dos sete aos dez anos de idade deve ser
encarada de maneira séria e objetiva, com atividades coerentes e linguagem
adequada.
1
O conhecimento científico historicamente produzido, objeto de atenção em
todo o desenvolvimento do projeto “Pequenos Cientistas – Grandes Cidadãos”, é
enfatizado textualmente como um processo que busca um entendimento
abrangente da ordem da natureza. Não só o conhecimento científico mas também
as técnicas pelas quais é produzido, “as tradições de pesquisa que o produzem e as
instituições que as apóiam” (KNELLER, 1980, p.13). Mas, contrariamente ao que o
título do programa pode indicar, a intenção do mesmo fica evidente. Formar
“Pequenos Cientistas” não é seu propósito, mas sim, contribuir para uma reflexão
de como a ciência constrói o seu conhecimento, de como podemos nos apropriar
desse conhecimento com base em uma verdadeira cidadania, defendida pela ACT
ampliada.
Na esperança de que esta investigação possa contribuir no programa PCGC
e no atendimento escolar no Parque Newton Freire Maia como um todo, deixo aqui
algumas questões, possíveis objetos de futuras investigações: seria possível o
atendimento escolar do PNFM, como um todo (envolvendo também os estudantes e
professores de 5ª a 8ª séries e Ensino Médio), seguir os passos do PCGC? Seria
possível o PNFM envolver em sua programação cursos de formação continuada
para professoras e professores? O ambiente museográfico do PNFM seria um
facilitador do processo de formação continuada dessas professoras e professores?
Finalizando, registro a minha firme convicção que o programa PCGC, pelo
exposto, mostra-se um importante veículo de divulgação científica, colaborando, de
maneira significativa, para a organização de um ensino de ciências de qualidade e
de uma alfabetização científica ampliada, apresentando-se como um diferencial de
atendimento escolar no Museu de Ciências PNFM e contribuindo para uma melhor
apropriação dos conceitos científicos e tecnológicos por parte de nossa sociedade.
1
REFERÊNCIAS
AULER, D.; BAZZO, W. A. Reflexões para a implantação do movimento CTS no contexto educacional brasileiro. Ciência & Educação, Bauru, v.7, n.1, p.1 – 13, 2001. Disponível em: http://www2.fc.unesp.br/cienciaeeducacao. Acesso em: 21 out 2007
AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para quê? Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.3, n.2, p.1-13, jun/2001. Disponível em: http://www.fae.ufmg.br. Acesso em: 05 ago. 2006
BACON, F. The works of Francis Bacon. edited by J. Spedding, 7 vols, London: Ellis and Heath, (1887-92)
BARBUY, H. A exposição universal de 1889 em Paris. São Paulo: Loyola, 1999
BARROS, H. L. de. A cidade e a ciência. In: MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu de C.; BRITO, Fátima. Ciência e Público: caminhos da educação científica no Brasil.Rio de Janeiro: UFRJ, 2002. p.25 – 41
BASTOS, J. A. S.L.A., O diálogo da educação com a tecnologia. In: BASTOS, J. A. S.L.A (Org.). Tecnologia & Interação. Curitiba: Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná, 1998. p.11 – 30
BAZZO, W. A. Ciência, tecnologia, sociedade: e o contexto da educação tecnológica. Florianópolis: Editora da UFSC,1998
BELTRAN, M. H. R., Imagens de magia e de ciência: entre o simbolismo e os diagramas da razão. São Paulo: EDUC-FAPESP, 2000
CANCLINI, N. G. A globalização imaginada. São Paulo: iluminura, 2003
CARVALHO, M. G. Tecnologia e sociedade. In: BASTOS, João Augusto S.L.A (Org.). Tecnologia & Interação. Curitiba: Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná, 1998. p.89 – 102
CAZELLI, S. et al. Tendências pedagógicas das exposições de um museu de ciência. Rio de Janeiro, 1999. Disponível em http://www.cciencia.ufrj.br Acesso em: 20 jun. 2007
CAZELLI, S.; FRANCO, C. Alfabetismo científico: novos desafios no contexto da globalização. Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.3, n.2, p.145-159, jun/2001
CAZELLI, S.; MARANDINO, M.; STUDART, D. C. Educação e comunicação em museus de ciência: aspectos históricos, pesquisa e prática. In: GOUVÊA, Guaracira; MARANDINO, Martha; LEAL, Maria C. (Org). Educação e Museu: A Construção Social do Caráter Educativo dos Museus de Ciência. Rio de Janeiro: Access, 2003. p. 83 – 106
CHASSOT, A. A ciência através dos tempos. 8. Imp. São Paulo: Moderna (coleção Polêmica), 1994
1
_____.Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. 3. Ed. Ijuí: Unijuí, 2003
CHAUI, M.. Filosofia. São Paulo: Ática, 2000a
_____. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000b
CHEVALLARD, Y. La transposicion didáctica: del saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires: Aique, 1991
CIÊNCIA, Equipe da Casa da. Ciência e cultura emboladas? In: MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu de C.; BRITO, Fátima. Ciência e Público: caminhos da educação científica no Brasil.Rio de Janeiro: UFRJ, 2002. p.165 – 170
COSTA, A. M.; SCHWARCZ, L. K. M. No tempo das certezas: 1890 – 1914. São Paulo: Companhia das letras, 2000
CURY, M. X. Estudo sobre os centros e museus: subsídios para uma política de apoio. In: CRESTANA, S., (coord.), Educação para a Ciência: Curso para Treinamento em Centros e Museus de Ciências. São Paulo: Livraria da Física, 2001, p.93 – 112
DANTES, M. A. M. Institutos de pesquisa cientifica. In: GUIMARAES, M. F.; MOTOYAMA, S. (Org.). Historia das Ciências no Brasil. 1ª ed. Sao Paulo: EDUSP/ EPU, 1980, v. 2º, p. 341 – 380
DEBUS, A. El hombre y la naturaleza en el renacimiento. Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1996
DELORS, J. Educação: Um Tesouro a Descobrir. São Paulo: Cortez, 1998
DURANT, J. O que é alfabetização científica? In: MASSARANI, Luisa; TURNEY, J; MOREIRA, I. C. (Org). Terra Incógnita: a interface entre ciência e público.Rio de Janeiro, UFRJ, 2005. p. 13 – 26
ENGELS, F. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. In: MARX, K. & ENGELS, F. Textos. São Paulo: Edições Sociais, 1977. v.1 p.62 – 74. .
ENGUITA, M. F. A Face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989
FARIA, M. L. Educação-museus-educação: projecto museus e educação. Instituto de Investigação Científica Tropical – IICT, Universidade Católica de Portugal, 2000. Disponível em http://www.dgidc.min-edu.pt. Acesso em: 24 Jun 2007
FERREIRO, E., TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1986
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1970
1
FOUREZ, G. Alfabetización científica y tecnológica. Buenos Aires: Colihue, 1999
_____. A construção das ciências: introdução à filosofia e à ética das ciências. 3. ed. Ujuí: Unijuí, 1995
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992
FREIRE- MAIA, N. A ciência por dentro. Petrópolis:Vozes, 2000
FREITAG, B. R. .Escola, Estado e Sociedade. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1987
FRIGOTO, G. A produtividade da escola improdutiva: um (re) exame das relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1993
GAMA, R. A tecnologia e o trabalho na história. São Paulo: Nobel/Edusp, 1986
GARCIA, N. M, D. Física escolar, ciência e novas tecnologias de produção: o desafio da aproximação. Tese de Doutorado em Educação Junto à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2000.
GASPAR, A.; HAMBURGUER, E. W. Museus e centros de ciências: conceituações e propostas de um referencial teórico. In: NARDI, Roberto (Org.) Pesquisas em Ensino de Física. São Paulo: Escrituras Editora, 1998
_____. A educação formal e a educação informal em ciências. In: MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu de C.; BRITO, Fátima. Ciência e Público: caminhos da educação científica no Brasil.Rio de Janeiro: UFRJ, 2002. p.171 – 183
_____. Museus e centros de ciências: conceituação e proposta de um referencial teórico. São Paulo, 1993. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978
GHIRALDELLI Jr., P. História da educação. São Paulo: Cortez, 1991
GOUVÊA, G.;LEAL, M. C. Alfabetização científica e tecnológica e os museus de ciência. In: GOUVÊA, G.; MARANDINO, M.; LEAL, M. C. (Org). Educação e Museu: A Construção Social do Caráter Educativo dos Museus de Ciência. Rio de Janeiro: Access, 2003. p. 221 – 236
HABERMAS, J. Técnica e ciência enquanto ideologia. São Paulo : Abril Cultural (Os pensadores), 1980.
HERNANDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. São Paulo; ArtMed, 1998
HOBSBAWN, E. A era das revoluções. São Paulo: Paz e Terra, 1977
HURD, P. D. Scientific literacy: new mind for a changing world. In: Science & Education. Stanford, USA, n. 82, p. 407 – 416, 1998
1
KNELLER, G. F. A ciência como atividade humana. Rio de Janeiro, 1980
KOESTLER, A. Os sonâmbulos: história das idéias do homem sobre o universo. São Paulo: Ibrasa, 1961
KÖPTCKE, L. S. A análise da parceria museu-escola como experiência social e espaço de afirmação do sujeito. In: GOUVÊA, G.; MARANDINO, M.; LEAL, M. C. (Org). Educação e Museu: A Construção Social do Caráter Educativo dos Museus de Ciência. Rio de Janeiro: Access, 2003. p. 107 – 128
KRASILCHIK, M. Reformas e realidade: o caso do ensino das ciências. Revista São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 85-93, 2000.
KUENZER, A. Z. O Ensino Médio agora é para a vida: entre pretendido, o dito e o feito. Educação & Sociedade, Campinas, v. 21, n. 70, 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php. Acesso em: 20 Jun 2007.
KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. 9. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006
LANE, S. T. M. Consciência / alienação: a ideologia no nível individual. In: LANE, S. T. M.(Org). Psicologia Social: O Homem em Movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984.
LE GOFF, J. A civilização do ocidente medieval. Lisboa: Estampa, 1986
LEAL, M. C.; GOUVÊA, G. Narrativa, mito, ciência e tecnologia: o ensino de ciências na escola e no museu. Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.2, n.1, p.5-36, março/2000
LEON, A. El museo. Madrid: Ediciones Cátedra, 1988
LÉVI STRAUSS, C. Raça e história. In: Raça e Ciência. São Paulo: Perspectiva, 1970.
LIMA FILHO, D. L.; CAMPOS, R. F. O ‘movimento” ciência, tecnologia e sociedade: considerações sobre as possibilidades e limites de um novo campo disciplinar. Curitiba, 2003. Disponível em http://www.ppgte.cefetpr.br Acesso em: 31 jul. 2006
LIMA FILHO, D. L.; QUELUZ, G. L. A tecnologia e a educação tecnológica: elementos para uma sistematização conceitual. Educação & tecnologia, Belo Horizonte, v. 10, n.1, p. 19-28, jan./jun, 2005.
LINS DE BARROS, H. A cidade e a ciência. In: MASSARANI, L.; MOREIRA, I C.; BRITO, F. Ciência e Público: caminhos da educação científica no Brasil.Rio de Janeiro: UFRJ, 2002. p.25 – 41
LOPES, A. R. C. Conhecimento escolar: ciência e cotidiano. Rio de janeiro: Ed. Uerj, 1999
LOPES, M. M. O Brasil descobre a pesquisa científica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Hucitec, 1997
1
LORENZETI, L.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científica no contexto das séries iniciais. Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.3, n.1, p.1-17, jun/2001
MACEDO, E. F. de ; LOPES, A. C. A estabilidade do currículo disciplinar: o caso das ciências. In: LOPES, A. C; MACEDO, E. (Org.). Disciplinas e integração curricular: história e políticas. 1. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, v. 1, p. 73 – 94
MARANDINO, M. Transposição ou recontextualização? Sobre a produção de saberes na educação em museus de ciências. In: Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n.26, p.95 – 108, 2004
_____. A pesquisa educacional e a produção de saberes nos museus de ciência. História, Ciências, Saúde, Manguinhos, v.12, p.161 – 181, 2005
MARCUSE, H. La angustia de prometeo: (25 tesis sobre técnica y sociedad). In: El Viejo Topo, n. 37. Barcelona, 1979
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Ed. Abril, 1997
McMANUS, P. Topics in museums and science education. Studies in Science Education, 1992. n.20, p. 157 – 182
PADILLA, J. Conceptos de museos y centros interactivos. In: CRESTANA, Silvestre, (coord.), Educação para a Ciência: Curso para Treinamento em Centros e Museus de Ciências. São Paulo: Livraria da Física, 2001, p.113 – 142.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Parque Newton Freire Maia. Projeto de Atendimento a Estudantes de 1 a 4 séries.Curitiba: SEED, 2006
PELIANO, J. C. Acumulação de trabalho e mobilidade do capital. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1990
PESAVENTO, S. J. Exposições universais: espetáculos de modernidade do século XIX. São Paulo: Hucitec, 1997
PIAGET, J. A epistemologia genética. São Paulo, Abril Cultural, Coleção Os Pensadores, 1983
PIETROCOLA, M. Construção e realidade: o papel do conhecimento físico no entendimento do mundo. In: PIETROCOLA, Mauricio (Org). Ensino de Física. 2. ed. Florianópolis: editora da UFSC, 2005. p. 9 – 32
PRIGOGINE, I.; STENGERS, I., Métamorphose de la science. Paris: Gallimard, 1980
RAMOS, M. G. Epistemologia e ensino de ciências: compreensões e perspectivas. In: MORAES, Roque (Org). Construtivismo e Ensino de Ciências: Reflexões Epistemológicas e Metodológicas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. p.13 - 35
1
RASMUSSEN, A. Les fastes du progrès: le guide des expositions universelles 1851-1992. Paris: Falmarion, 1992
ROCHA, M. et al. Pequenos cientistas – grandes cidadãos: considerações a respeito de um trabalho interdisciplinar de alfabetização científica destinado a alunos de 1ª a 4ª séries em um centro de ciências. In: VI Educere. Anais do VI Educere - congresso nacional de educação da Puc-Pr – práxis. Curitiba: Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2006
ROSSI, P. A ciência e a filosofia dos modernos. São Paulo: Unesp, 1992
ROSSI, P. O nascimento da ciência moderna na Europa. Bauru: Edusc, 2001
SALM, C. Escola e trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1980
SANTO, M. Desenvolvimento conceitual dos museus de ciência e o processo de alienação de sua produção intelectual. Revista Museu, São Paulo, 2003. Disponível em: http://www.revistamuseu.com.br/artigos. Acesso em: 24 Jun 2007
SAUNIER, D. Museology and scientific culture. Impact of Science on society, nº 152, 1988, pg. 377-383.
SCHULTZ, T. W. O valor econômico da educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1962
SEVCENKO, N. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001
SILVA MAIA, E. J. da. Esboço histórico do museu nacional. In: Trabalhos da Sociedade Vellosiana. Rio de Janeiro: Biblioteca Guanabarense, 1852, p.90 – 99
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2001
STUDART, D. C. Aparatos interativos e o público infantil em museus: características e abordagens. In: MASSARANI, Luisa, org. O Pequeno Cientista Amador: a divulgação científica e o público infantil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2005. p.65 – 76
VALENTE, M. E.; CAZELLI, S.; ALVES, F. Museus, ciência e educação: novos desafios. História, Ciências, Saúde, Manguinhos, v.12, p.183-203, 2005.
VARGAS, M. História da técnica e da tecnologia no Brasil. São Paulo: UNESP/CEETEPS, 1995.
VILLANI, A. Filosofia da ciência e ensino: uma analogia. In: Ciência & Educação. Bauru, 2001, n.2, p.169 – 181 .
VYGOSTKY, L. S. A Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991
_____. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991
WAGENSBERG, J. The “total” museum, a tool for social change. História, Ciências, Saúde v. 12 (suplemento), p. 309-332, 2005.
1
_____.Princípios fundamentais da museologia científica moderna In: MASSARANI, Luisa; TURNEY, J; MOREIRA, I. C. (Org). Terra Incógnita: a interface entre ciência e público.Rio de Janeiro, UFRJ, 2005. p. 133 – 138
WINNER, L. La balena e el reactor: una búsqueda de los limites en la era de la alta tecnología. Barcelona: Gedisa, 1987
1
APÊNDICES
1
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO DIRIGIDO AOS PROFESSORES
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁSUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
PARQUE NEWTON FREIRE MAIA
PESQUISA Pequenos Cientistas - Grandes Cidadãos
APRESENTAÇÃO
Este instrumento de pesquisa visa atender a demanda de informações a
respeito do Projeto intitulado “Pequenos Cientistas – Grandes Cidadãos”42, em fase
de execução e (re) avaliação por parte da equipe responsável pelo atendimento de
alunos de 1º a 4º séries do Ensino Fundamental no PNFM.
Esta equipe entende que, por se tratar de um projeto ambicioso e de grande
relevância, necessita de constantes ajustes na sua metodologia, visando sempre a
melhora na qualidade do atendimento aqui proposto.
Desta forma, nós da equipe de atendimento do projeto supracitado, pedimos
a colaboração das professoras e professores envolvidos com a educação destes
pequenos cientistas e grandes cidadãos, para que possamos juntos construir um
projeto cada vez mais forte e eficaz no seu objetivo primordial de auxiliar o ambiente
escolar nas discussões a respeito dos processos pelos quais a ciência transita.
A ciência, objeto de discussão nos projetos aqui apresentados, é entendida
como um processo histórico, que busca um entendimento abrangente da ordem da
natureza e sua relação sócio - cultural. Defendendo a idéia de que todos os
membros de uma sociedade podem e devem se apropriar dos fundamentos tecno-
cientifícos desta sociedade, a divulgação científica voltada a faixa etária dos sete
aos dez anos de idade deve ser encarada de maneira séria e objetiva, com
atividades coerentes e linguagem adequada.
42 Buscando atender a uma demanda de alunos das primeiras séries do Ensino Fundamental, a equipe do PNFM, em 2005, fez uma série de testes de atendimentos visando uma adequação do acervo à linguagem necessária para a comunicação com esta faixa etária de estudantes. A opção que se mostrou mais eficaz foi escolhida, baseada na teoria da Pedagogia de Projetos, adaptada a realidade presente. Surge, então, um Projeto Intitulado Pequenos Cientistas – Grandes Cidadãos, que conta com a pedagogia de projetos para ofertar às instituições de Ensino Fundamental o acesso de seus alunos ao acervo do PNFM.
1
Assim, pedimos que respondam a alguns questionamentos, nos colocando a
disposição para esclarecer a quaisquer dúvidas.
Professor(a): pedimos que as questões aqui colocadas sejam objeto de
reflexão no tocante ao objetivo educacional do projeto apresentado. Tenham em
mente a visita e o atendimento que vivenciaram juntamente com os seus alunos no
PNFM. Muito obrigado pela sua colaboração.
1) Quando ficou sabendo do motivo de fazer a visita ao exploratório achou
importante? Pode comentar a sua reação?
2) Os objetivos da visita ficaram claros para você ?
3) Em que tema as suas alunas e seus alunos tiveram a visita ao PNFM
focada?
4) Este tema é de relevância nas suas aulas?
5) Você presenciou a reação das suas alunas e alunos quando estes
adentraram ao exploratório do PNFM? Gostaria de relatar algum detalhe que lhe
tenha chamado a atenção?
6) Você poderia destacar um ponto positivo durante a visita?
7) Você poderia destacar um ponto negativo durante a visita?
8) Você achou que os objetivos traçados antes da visita foram atingidos?
9) Você poderia fazer um breve relato de como os seus alunos e alunas
perceberam o tema proposto durante a visita ?
10) Você poderia fazer um breve relato de como as suas alunas e alunos
perceberam o tema proposto após a visita? Poderia relatar alguns comentários ?
11) Houve algum tipo de atividade trabalhada em classe que possa ter sido
motivada na visita ao exploratório do PNFM?
12) Qual a sua análise em relação ao projeto como um todo?
13) A sua concepção a respeito do tema proposto sofreu algum tipo de
alteração?
14) Qual a sua concepção de ciência?
15) O que você entende como tecnologia?
1
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO DIRIGIDO AOS MONITORES DO PNFM
Universidade Tecnológica Federal do Paraná UTFPR
Entrevista com monitores do programa PCGC (Pequenos Cientistas – Grandes
Cidadãos) – (PNFM) Parque Newton Freire Maia
Caros Monitores do programa PCGC desta instituição!
É com grande admiração que escrevo a vocês na condição de pesquisador
do programa de pós - graduação em tecnologia (PPGTE) da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, tendo como objeto de estudo o Programa Intitulado
PCGC, ao qual os senhores e senhoras estão ligados e atuando.
Tendo em vista algumas pendências em minha dissertação de mestrado,
gostaria de solicitar-lhes, na medida de sua disponibilidade, uma entrevista na forma
de questionário. Este instrumento pretende contribuir fundamentalmente no
esclarecimento de alguns pontos importantes relativos às hipóteses a serem
testadas neste trabalho.
Sendo assim, agradeço imensamente a sua colaboração, dispondo-me ao
esclarecimento verbal ou pessoal de qualquer dúvida.
Muito obrigado
Marcos Rocha
1
1) Qual o seu vínculo institucional com o Parque Newton Freire Maia? Qual a
sua disciplina de graduação?
2) Qual o seu tempo de atuação na instituição?
3) Como se dá o seu processo de formação enquanto monitor do PNFM?
4) Qual o seu tempo de atuação no Programa PCGC?
5) O que você acha, em termos gerais, deste programa?
6) Sua concepção de ciência foi alterada desde que iniciou sua prática
profissional no PNFM?
7) Você distingue o conhecimento científico em diferentes níveis de atuação?
Acha que o conhecimento científico vivenciado pelo cientista é o mesmo que o
conhecimento científico vivenciado na escola?
8) O conhecimento científico vivenciado no Museu de Ciências é diferente do
conhecimento científico vivenciado na escola?
9) Você já atuou como professor na educação formal? Em qual disciplina?
Quanto tempo?
10) Você considera a sua atuação como monitor no PCGC uma atuação
parecida com uma aula? Caso afirmativo, quais as aproximações que poderia
apontar? Caso negativo, quais as diferenças que poderia apontar?
11) Em sua opinião, os estudantes que você atende consideram que a
vivencia no PCGC foi uma exposição ou um diálogo?
12) Você se considera como participante da elaboração do programa PCGC?
Qual a sua importância neste programa?
13) Como você avalia, em termos gerais, seu crescimento profissional após a
experiência do programa PCGC?
14) Se pudesse resumir em uma frase, o que você acha a respeito da
vivência de um estudante que tenha lhe causado boa impressão?
15) Em sua opinião, qual o fator primordial para o sucesso deste programa?
Em sua opinião, qual o fator primordial para o possível insucesso deste
programa?
1
ANEXO
1
ANEXO – DOCUMENTO DE RELATO – AVALIAÇÕES DO PCGC EM 2006
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ
PARQUE NEWTON FREIRE MAIA
EQUIPE DE ATENDIMENTO DE 1.ª A 4.ª SÉRIES
“PEQUENOS CIENTISTAS GRANDES CIDADÃOS”
RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO DOS PROJETOS DESENVOLVIDOS
DURANTE O ANO DE 2006
PINHAIS
JANEIRO – 2007
APRESENTAÇÃO
15
Neste ano foram desenvolvidos oito projetos, sendo três em parceria com os
municípios de Campina Grande do Sul, Colombo e Quatro Barras e outros cinco
desenvolvidos para atender a demanda das escolas públicas e privadas de outros
municípios, na maioria de Curitiba. Ao fim de cada apresentação foi entregue aos
professores que acompanham seus alunos uma ficha de avaliação (exemplo em
anexo) onde os professores puderam expor suas opiniões, sugestões, críticas e
comentários.
Este relatório visa, então, fazer uma análise destas informações a fim de
justificar o trabalho que vem sendo desenvolvido pela equipe de 1.ª a 4.ª séries,
bem como possibilitar à equipe uma orientação para novos planejamentos e
projetos.
AVALIAÇÃO POR PROJETO DESENVOLVIDO
Projeto Sentindo o Paraná em Nossos Pés – Campina Grande do Sul
No desenvolvimento deste projeto, de acordo com as professoras, a visita ao
PNFM contribuiu muito no sentido que os assuntos abordados pelos monitores foi
de encontro aos conteúdos abordados em sala de aula. O preparo dos monitores no
direcionamento do aprendizado, a metodologia diferenciada, e os materiais
concretos aproximaram os alunos da realidade, tornando mais atrativa a
compreensão dos conteúdos de Geografia e História.
Na opinião das professoras nenhum assunto relevante deixou de ser
explicado pelos monitores. Ainda segundo elas, nenhuma dificuldade foi encontrada,
pois os monitores possuíam domínio de conteúdo e de disciplina. A única exceção
apresentada foi a falta de intérprete para portadores de necessidades especiais.
Várias observações, comentários e sugestões foram citadas pelas
professoras: a construção de habitações indígenas paranaenses, mais de uma visita
anual, protótipo do mapa do Paraná para que as professoras possam explorar mais,
conhecimento prévio para as professoras dos conteúdos a serem trabalhados no
PNFM, para uma maior interação entre ela e seus alunos, maior tempo para o
lanche, dinâmicas de grupo e intérpretes para alunos portadores de necessidades
especiais. Além disso, de uma forma geral, as professoras desejam que este projeto
tenha continuidade pois consideram de grande valia para o aprendizado de seus
alunos.
Projeto Colombo em Busca da Sustentabilidade – Colombo
15
De acordo com as professoras que participaram do projeto juntamente com
seus alunos muitas foram as contribuições a partir da visita ao PNFM. Como foram
várias e variadas essas contribuições optou-se em apresentá-las por meio de
tópicos.
Contribuiu:
- Por meio das explicações e na visualização dos alunos dos temas
abordados.
- Com exemplos, onde os alunos compreenderam melhor a
necessidade de economizar a água e preservar o meio ambiente por
meio de atitudes simples.
- Mostrando de forma prática os conteúdos vistos em sala.
- Elevando a auto-estima e reforçando a aprendizagem.
- Alertando sobre atitudes erradas realizadas no dia-a-dia.
- Trazendo novos conhecimentos valorizando a vontade de aprender do
aluno.
- Entendimento mais amplo e científico dos assuntos abordados.
- Favorecendo a tomada de consciência à respeito da sustentabilidade.
- Tornando os conteúdos abordados em sala mais acessíveis, devido
aos experimentos e práticas realizadas com os alunos.
- Unindo a teoria e a prática, o que tornou os alunos mais motivados e
receptivos.
- Fazendo com que os alunos se interessem pela pesquisa e interação
dos assuntos.
- Fornecendo informações importantes ao convívio humano e a
utilização certa de tudo o que usamos.
Em relação a algum assunto que não tenha sido abordado durante a visita,
cerca de 93% das professoras afirmaram que todos os assuntos pertinentes ao
tema sustentabilidade foram abordados de forma simples e significante, sendo
importante para os alunos assimilarem melhor o tema, vindo de encontro com os
objetivos propostos. Algumas professoras citaram alguns assuntos que não foram
vistos durante a visita, devido ao atraso dos ônibus. Entre esses assuntos estão a
água na superfície do planeta, energia nuclear, turbina hidroelétrica, energia a
vapor, solo, rio Iraí e poluição.
15
A respeito das dificuldades encontradas pelas professoras durante a visita a
grande maioria afirmou não terem tido nenhuma. Algumas escreveram que não
tiveram dificuldades, pois os assuntos foram abordados ao nível de entendimento
das crianças, e os monitores deram oportunidade de perguntas e esclarecimentos, o
que prendeu a atenção e o interesse dos alunos. Em contrapartida, houve um
número considerável de professoras que citaram algumas dificuldades, as quais
seguem abaixo:
- O barulho de outras, o que acabou dispersando a atenção de alguns
alunos.
- O excesso de turmas de outras escolas, dificultando a movimentação
das crianças e a apresentação dos monitores em locais muito
próximos, o que atrapalhou a audição e concentração dos alunos.
- A curiosidade devido ao grande espaço e variedade do acervo.
- O pouco tempo.
- Grupos muito grandes, o que dificultou a dispersão de vários alunos.
- A indisciplina de alguns alunos.
- Alguns conteúdos não haviam sido estudados na escola.
- A linguagem muito técnica por parte dos monitores da Sanepar.
- A falta de didática por parte de um monitor da Sanepar.
Finalmente, as professoras apresentaram algumas observações, comentários
e críticas, optando-se apresentá-las em tópicos:
Comentários:
- Ótimos monitores, bem preparados que dominam os conteúdos e
repassam às crianças de uma forma dinâmica, lúdica e acessível.
- Excelente estrutura, método e conteúdos.
- A visita foi de extrema importância para os alunos, vindo de acordo
com os conteúdos trabalhados em sala de aula.
- Espaço acolhedor bem como a recepção, com excelente aula.
- Este trabalho com certeza estimulou a imaginação dos alunos.
- Monitores estão de parabéns pela metodologia, simpatia e
competência.
Críticas:
- Falta de fichas descritivas nos objetos e livros para facilitar a visitação
não orientada.
- Pouco tempo de visitação para tantas informações.
15
- Muito barulho, dificultando ouvir as explicações.
- Monitores falando muito alto.
- O PNFM poderia se organizar melhor para receber a grande
quantidade de alunos.
Sugestões:
- Ter um local e intervalo para o lanche das crianças.
- O PNFM poderia ter uma condução própria para buscar os alunos,
pois os ônibus da prefeitura quase sempre atrasam, prejudicando a
visita.
- Desenvolver projetos para outras séries.
- A visita poderia ser mais longa.
- Visita em pelo menos duas vezes ao ano.
- Desenvolvimento de projetos com outros temas, na área de geografia
e ciências.
- Atividades no final da visita como uma gincana para testar o
conhecimento das crianças, pois neste tipo de atividade, elas brincam
e mostram o que aprenderam.
- Os professores poderiam ter autonomia para escolher o tema e
decidir quando trabalharem este respectivo tema.
Projeto Paraná, Prazer em Conhecer – Quatro Barras
As professoras de Quatro Barras consideraram muito importante o projeto
desenvolvido com seus alunos, pois conceitos de Geografia e História do Paraná
puderam ser observados e vivenciados pelos estudantes. Além disso, serviram
como subsídio e enriquecimento do conteúdo trabalhado em sala de aula. Outro
fator foi a questão lúdica, que facilitou a interação dos alunos que concretizaram e
contextualizaram o aprendizado.
A grande maioria das professoras não citou nenhum assunto que não tenha
sido trabalhado durante as visitas, afirmando que todos os assuntos
corresponderam à expectativa e foram trabalhados de forma clara e coerente.
Apenas uma professora considerou que faltou abordar as questões étnicas e a
pluralidade cultural do Paraná.
Durante a apresentação dos monitores, alguns destacaram a desatenção, a
conversa paralela e a indisciplina de alguns alunos, devido ao fato da curiosidade
15
despertada pela grande variedade do acervo do exploratório. Uma professora
observou ainda que alguns temas foram abordados de forma muito científica para a
idade dos seus alunos.
Finalmente, quanto a observações, críticas e comentários, algumas
professoras elogiaram o projeto, bem como, os espaços, a organização e os
monitores pela metodologia e atenção às crianças. Além dessas foram levantadas
questões de forma isolada, como por exemplo, uma professora sugere um espaço
para o lanche e recreio das crianças. Outra sugere apresentações com dança e
música, sendo mais interativas e lúdicas, não sendo tão teóricas, além da
participação de pedagogos na equipe.
Projeto Curitiba
Para as professoras, este projeto contribuiu na vivência da teoria usada na
sala de aula vista no PNFM na prática. Ainda de acordo com elas, nenhum assunto
relevante deixou de ser abordado pelos monitores. Por sua vez, dificuldades não
foram apresentadas.
Como comentário a respeito do projeto sobre Curitiba, as professoras
afirmaram que foram muito bem abordados e exemplificados todos os itens.
Projeto Paraná
Neste projeto a grande maioria das professoras que trouxeram seus alunos
considerou muito importante a visita ao PNFM, pois os alunos puderam ver na
prática os conteúdos já trabalhados em sala, enriquecendo assim seus
conhecimentos e fixando-os.
De acordo com algumas professoras, dois itens não foram trabalhados com
seus alunos, a pintura rupestre dos índios do Paraná e os rios paranaenses. A
grande parte das professoras considerou que todos os assuntos foram abordados,
atingindo assim seus objetivos.
A grande dificuldade citada pelas professoras foi a mesma encontrada em
sala de aula, a indisciplina de alguns alunos através de conversas paralelas e
dispersão dentro do grupo. Outras dificuldades foram a falta de instruções para os
professores acompanharem os monitores e os grupos, o tempo curto de visita (isso
devido, muitas vezes, a grande distância da escola ao PNFM) e alguns
15
questionamentos por parte dos monitores dentro de conteúdos que ainda não
tinham sido trabalhados em sala.
Finalmente, os comentários, sugestões e observações foram bem variados.
Para algumas professoras, a visita foi extraordinária contribuindo significativamente
para a aprendizagem dos alunos e também dos professores e os monitores bem
treinados com ótima organização. Para uma das professoras, a visita com alunos de
3.ª e 4.ª série não deveria ser a partir de projeto, pois segundo ela, os alunos não
tiveram aproveitamento de algumas áreas do parque. Outras sugestões são o envio
de material de apoio (através de cd-rom) para as escolas, metodologia historiada
para alunos de 1.ª a 4.ª e maior tempo de visita, com dois períodos, manhã e tarde.
Projeto Meio Ambiente
O projeto desenvolvido com os alunos de Colombo, segundo as professoras,
foi muito interessante, pois temas como a questão da água e sustentabilidade em
geral, foram vistos não apenas na teoria, mas na prática conscientizando-os quanto
à importância da preservação do meio ambiente, o que auxilia na vida pessoal e na
comunidade.
Quanto a algum assunto não abordado durante a visita, uma professora citou
a questão de acidentes com navios que contaminam as águas do mar e que
ocorrem no porto de Paranaguá. No mais, a quase totalidade das professoras
considerou que de acordo com o tema escolhido, todos os assuntos foram
colocados de forma clara e de fácil assimilação.
Quanto às dificuldades, apenas uma professora citou a dispersão de alguns
alunos, o que se caracteriza como normal devido à grande variedade do acervo do
PNFM. As demais consideraram que a visita foi realizada sem dificuldades e até
com tranqüilidade, devido ao fato, segundo as professoras, do espaço adequado e a
preparação dos monitores que conseguiram envolver os alunos na visita.
Finalmente, as professoras fizeram considerações a respeito do trabalho
desenvolvido com seus alunos, parabenizando a equipe pelo trabalho desenvolvido
e pelo excelente espaço para a fixação da aprendizagem pela criança, tornando-as
cientes dos problemas do meio ambiente e conseqüentemente desenvolvendo
hábitos e atitudes para minimizar estes problemas. Algumas professoras
observaram que seria muito interessante se pudessem ter mais tempo durante as
visitas. Outra solicitou tornar possível visitas para mais escolas de São José dos
16
Pinhais e uma última citou a importância da divulgação do trabalho desenvolvido
para que todas as crianças possam passar por este aprendizado, pois só assim
poderão ter um mundo melhor e sem poluição.
Projeto Sistema Solar
Neste projeto, as professoras que participaram trazendo seus alunos citaram
que a maior contribuição da visita ao PNFM foi a visualização de materiais
concretos diversos que auxiliaram muito no aprendizado daquilo que muitas vezes é
só visto na teoria em livros. Assim, os alunos puderam entender melhor as questões
referentes ao sistema solar e a composição dos planetas.
De acordo com a maioria das professoras, todos os assuntos foram
abordados de forma satisfatória com clareza, conhecimento e segurança. Uma
professora citou que poderia ser trabalhado por meio de alguma experiência o
aquecimento da Terra e o efeito estufa. Uma outra gostaria de ter visto com seus
alunos o programa Google Earth na sala Milton Santos e uma última gostaria que
fossem abordados assuntos relativos ao uso inadequado da água e problemas de
poluição atmosférica.
Quanto à questão das dificuldades, algumas professoras não encontraram
nenhuma, considerando que os monitores estavam bem preparados e que
utilizaram uma linguagem científica compreensível para as crianças. Outras
professoras citaram como dificuldade a falta de concentração de alguns alunos
durante a apresentação dos assuntos. Duas outras professoras afirmaram que os
grupos estavam grandes e que isso dificultou o aproveitamento. Finalmente, uma
professora comentou a falta de domínio e controle dos alunos no planetário por um
dos monitores que não soube se comunicar de forma adequada.
O grande desejo das professoras é que este e outros projetos continuem
sendo disponibilizados para todas as turmas. Além desse comentário, algumas
professoras lamentaram o pouco tempo que tiveram durante a visita. No mais, as
professoras elogiaram os monitores pela maneira que passaram os conteúdos e
pela atenção dedicada a todos.
Projeto Quem Descobriu o Brasil?
16
A respeito de que forma a visita contribuiu para o aprendizado dos alunos as
professoras afirmaram que complementou o trabalho iniciado em sala de aula, de
forma muito interessante, prática, clara e atrativa para os alunos.
No que se refere a algum assunto relevante que não tenha sido abordado
pelos monitores, não houve reclamação alguma, exceto o fato de os alunos não
terem visitado o espaço indígena, pois neste dia estava chuvoso o tempo.
Entretanto, a explanação foi realizada dentro do exploratório em outro espaço.
Foi explicitada uma dificuldade em relação a dispersão de alguns alunos,
uma vez que estes vieram ao PNFM pela primeira vez, e a grande variedade do
acervo estimulou a curiosidade dos alunos, o que por sua vez, estimulou a
desatenção em alguns momentos.
Como sugestões, comentários ou observações o projeto foi elogiado pela sua
importância para a comunidade escolar, sendo muito bem desenvolvido e
organizado.
AVALIAÇÕES EM NÚMEROS
Para uma análise mais direta, apresenta-se a seguir uma tabela e um gráfico
a respeito do número de avaliações realizadas com as professoras que participaram
de projetos de atendimento de crianças de 1.ª a 4.ª séries. Além disso, são
apresentados gráficos que mostram as porcentagens referentes às opiniões das
professoras quanto à recepção, ao tempo de visita, à estrutura, à metodologia e aos
monitores.
Projeto N.º de Avaliações
Porcentagem
Campina Grande do Sul 17 6,97%Colombo 116 47,54%Curitiba 2 0,82%
Meio Ambiente 36 14,75%Paraná 25 10,25%
Quatro Barras 18 7,38%Quem Descobriu o Brasil? 4 1,64%
Sistema Solar 26 10,66%Total 244 100,00%
16
Tempo de Visita
5%
29%
66%
Muito Bom
Bom
Regular
Monitores
0%3%
97%
Muito Bom
Bom
Regular
Estrutura
1% 0%
99%
Muito Bom
Bom
Regular
Metodologia
96%
4% 0%Muito Bom
Bom
Regular