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UNIVERSIDADE TUIUTÍ DO PARANÁ André Alexandre de Lima Niezer A FORÇA NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTÍ DO PARANÁ

André Alexandre de Lima Niezer

A FORÇA NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

CURITIBA

2011

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A FORÇA NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

CURITIBA

2011

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UNIVERSIDADE TUIUTÍ DO PARANÁ

André Alexandre de Lima Niezer

A FORÇA NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Wagner Rocha D´Angelis

CURITIBA

2011

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TERMO DE APROVAÇÃO

André Alexandre de Lima Niezer

A FORÇA NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do Título de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Universidade Tuiutí do Paraná.

Curitiba, de de 2011.

Prof. Fhilip Gil França Coordenador do Curso de Direito da Universidade Tuiutí do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Wagner Rocha D’ Angelis Prof.Dr.: Prof.Dr.:

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RESUMO O objeto deste trabalho é abordar os traços dominantes do conflito de normas entre o Direito Público Internacional e as ordens jurídicas internas dos Estados. Para isto foram estudados as principais correntes doutrinarias acerca da questão bem como a posição hierárquica do tratado nos ordenamentos jurídicos no direito brasileiro e no direito comparado, bem como o comportamento do Supremo Tribunal Federal diante de tão relevante questão, além da matéria de que tratam. Palavras chave: autonomia política, hierarquia das normas e Direitos Humanos.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7

2. OS SUJEITOS INTERNACIONAIS COM CAPACIDADE DECIS ÓRIA . . . . . . . . . . 8

2.1 OS ESTADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2.2 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

3. OS TRATADOS COMO FONTE DO DIREITO INTERNACIONAL . . . . . . . . . . . . . 13

3.1 Natureza jurídica dos Tratados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

3.2 Tratados que marcaram a história no mundo e no Brasil. . . . . . . . . . . . . . . 17

3.2.1 Tratados que marcaram a história no mundo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

3.2.2 Tratados que marcaram a história no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

4. CONSEQUENCIAS JURIDICAS DOS TRATADOS NA ORDEM INTER NA DOS

ESTADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

4.1 O CONFRONTO ENTRE O DIREITO INTERNO E O DIREITO EXTERNO.23

4.1.1 O Monismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

4.1.2 O Dualismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

4.2 POSIÇÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM RELAÇÃO AO

CONFLITO DE NORMAS DE DIREITO INTERNO E NORMAS CONTIDAS

NOS TRATADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

4.3 O PACTO DE SÃO JOSÉ NA COSTA RICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

4.4 O TRATADO DE ASSUNÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .42

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

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1. INTRODUÇÃO

Desde o surgimento das primeiras civilizações houve a necessidade do

estabelecimento de regras de convivência entre os povos visando a compatibilização

de interesses, a manutenção da paz e do diálogo bilateral ou multilateral. Com o

advento da noção de Estado soberano surge a comunidade internacional, sendo a

principal fonte de seu direito os Tratados Internacionais. Diante deste cenário divide-se

o direito em interno (ordenamento pátrio de cada Estado) e direito externo

(normatividade oriunda de acordos internacionais adotados entre Estados e/ou

Organizações Internacionais).

O alcance e a eficácia das normas de direito externo varia de acordo com

alguns aspectos como os sujeitos, que podem ser os Estados, as Organizações

Internacionais como a ONU, a OEA ou a União Européia. As Matérias acordadas, que

podem ser de natureza beligerante (OTAN), mercantil (MERCOSUL), Direitos Humanos

(Pacto de São José na Costa Rica) e questões ambientais, como o Protocolo de Quioto

e por fim, a posição hierárquica dos tratados nos ordenamentos internos de cada

Estado signatário, que pode variar de um Estado para outro, podendo ter força

normativa superior a constitucional, equiparativa ou infra constitucional, dependendo

das formalidades incorporadoras constitucionalmente estabelecidas.

Para melhor entender o mecanismo de incorporação de tais normas também

faz-se necessário o estudo de algumas questões como os principais sujeitos da ordem

internacional, bem como a formação e os aspectos relevantes dos tratados

internacionais, as teorias a respeito do confronto normativo entre Direito interno x

Direito externo, a constitucionalidade de tais normas no direito comparado e no Brasil,

8

juntamente com as posições do Supremo Tribunal Federal, especialmente quando o

conflito se der no campo dos Direitos Humanos.

2. OS SUJEITOS INTERNACIONAIS COM CAPACIDADE DECISÓRI A

Os sujeitos internacionais com capacidade decisória são os Estados e as

Organizações Internacionais. As segundas levadas a existência pela vontade dos

primeiros, uma vez que instrumentalizam a formalização dos acordos entre os Estados,

dado ao empenho do evento diplomático com que são criadas dependendo da matéria

de que tratam podendo ser de caráter econômico, humanitário ou beligerante.

2.1 OS ESTADOS

A percepção de que o Estado é o sujeito de maior atuação na construção do

Direito Internacional Público pode ser vislumbrada sobre dois parâmetros, um subjetivo

e outro objetivo o primeiro reside no fato de que a relação horizontal estabelecida pelo

reconhecimento recíproco da soberania entre os diversos membros da sociedade

internacional permite a estes perceberem sua inclusão na comunidade global, cuja

cooperação mútua é a condição sine qua non do reconhecimento dessa autonomia, ou

seja, segundo ensinamento do ilustre professor Hee Moon Jo (2004, pág.199)1 para

que um estado possa ser considerado soberano ele não pode, de forma alguma,

subordinar-se politicamente a outro, esse raciocínio é perfeitamente compreensível a

partir da análise dos elementos constituintes do mesmo que são população, território e

1 Para Hee Moon Jô essa capacidade reside na possibilidade de participação da produção do direito internacional.

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governo. A influência política estrangeira em qualquer desses elementos

descaracteriza sua existência política efetiva. Nesse sentido é perfeitamente plausível a

percepção de que a autonomia política de um estado é um elemento indispensável à

sua aptidão para figurar como parte nos negócios jurídicos internacionais e

conseqüentemente ter voz ativa no cenário internacional.

Além da vinculação produzida pelo reconhecimento internacional da sua

personalidade jurídica, outros aspectos, dessa vez objetivos, como poder econômico,

capacidade militar, e versatilidade nas negociações internacionais, constituem fatores

determinantes nas possibilidades de um estado ser um ator dinâmico e por conseguinte

atuante, nas relações com os demais sujeitos da comunidade internacional.

2.2 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Em qualquer coletividade é natural que os indivíduos constituintes da mesma

se associem em prol de um determinado interesse comum, na comunidade

internacional, seus sujeitos de direito principais, os Estados, agrupam-se ou acordam

geralmente com diretrizes expressas em um tratado, cujo conteúdo determina a

natureza da matéria que suas regras e princípios regularão. A história tem mostrado

que a simples celebração de um tratado não exaure as condições adversas das

relações internacionais, nem tão pouco, eliminam as possibilidades de surgimento de

controvérsias entre os Estados e conseqüentes conflitos de interesses, uma vez que a

grande deficiência do direito é sua incapacidade de prever todas as situações fatídicas

que o caso concreto apresentará ao longo do andamento e da evolução dos negócios

jurídicos. Em linhas gerais, a horizontalidade das relações internacionais, cada vez

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mais, produziu a necessidade de tornar possível, quando esgotados, os meios

diplomáticos bilaterais de diálogo, o recurso a uma Organização Internacional criada a

partir da necessidade imperiosa de cooperação em torno da matéria que será regulada

que pode variar conforme demonstra o Professor Hee Moon Jo:

“Atualmente, existem mais de 1000 OIs. Essa Proliferação reflete a necessidade crescente de cooperação internacional entre os Estados para solução dos problemas transfronteiriços. Essas Ois podem ser classificadas de varias maneiras: organização universal e regional; organização de cooperação e de integração (2004, pág.323)”.

Segundo sua precisa lição, organização universal ou regional seria aquela de

atuação global como a ONU, pois qualquer Estado independente de sua localização

pode fazer parte. Enquanto as organizações regionais cuidam de regiões específicas

como no caso da OEA cuja atuação se dá no continente americano.

A definição de Organização Internacional é pacificamente construída pela

doutrina com base no tratado internacional instituidor, de acordo com este raciocínio

leciona o professor El-Irian, citado por Geraldo Eulálio do Nascim Silva:

Uma organização internacional é, no dizer de El-Irian, “uma associação de Estados (ou de outras entidades possuindo personalidade internacional), estabelecida por meio de um tratado, possuindo uma constituição e órgãos comuns e tendo uma personalidade legal distinta da dos Estados membros. (Silva, 2002, pág. 207 e 208).

A conseqüência dessa necessidade de filiação foi dotar a organização de

personalidade internacional tornando-a capaz de contribuir para o progresso dos

Estados membros, via novos tratados, como bem ilustra o artigo 35 do Protocolo de

Ouro Preto, um dos tratados instituidores do Mercosul, cujo enunciado diz o seguinte:

(Protocolo de Ouro Preto) Art. 35. O Mercosul poderá, no uso de suas atribuições, praticar todos os atos necessários à realização de seus objetivos, em especial contratar, adquirir ou alienar bens móveis e imóveis, comparecer em juízo conservar fundos e fazer transferências.

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De um modo geral, também abrigam importantes ferramentas de resolução de

controvérsias internacionais tanto no sentido da mediação quanto no campo

jurisdicional, onde o conjunto de representantes dos Estados membros, elaboram o

voto, cujo conteúdo fundamentará a formulação do veredicto final acerca da matéria em

discussão2 conforme exemplifica o artigo 18º, (1), (2) da Carta das Nações Unidas.

(Carta das Nações Unidas) Artigo 18.º

1 - Cada membro da Assembléia Geral terá um voto.

2 - As decisões da Assembléia Geral sobre questões importantes serão tomadas por maioria de dois terços dos membros presentes e votantes. Essas questões compreenderão as recomendações relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais, a eleição dos membros não permanentes do Conselho de Segurança, a eleição dos membros do Conselho Econômico e Social, a eleição dos membros do Conselho de Tutela de acordo com o n.º 1, alínea c), do artigo 86, a admissão de novos membros das Nações Unidas, a suspensão dos direitos e privilégios de membros, a expulsão de membros, as questões referentes ao funcionamento do regime de tutela e questões orçamentais.

Nesse sentido também merece destaque o artigo 54, (a) da Carta da

Organização dos Estados Americanos (OEA), em referência à Assembléia Geral da

respectiva organização que, assim como nos moldes da Assembléia Geral da ONU,

possui amplos poderes de decisão.

(Organização dos Estados Americanos) Art. 54

A Assembléia Geral é o Órgão Supremo da Organização dos Estados Americanos. Tem por principais atribuições, além das outras que lhe confere a Carta, as seguintes:

a) Decidir a ação e a política gerais da Organização, determinar a estrutura e

2 No caso das Nações Unidas, segundo o Art. 7º os principais órgãos decisórios são a Assembléia Geral, o

Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, Conselho de Tutela, o Tribunal Internacional de

Justiça e o Secretariado.

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funções de seus órgãos e considerar qualquer assunto relativo à convivência dos Estados americanos;

Em se tratando de capacidade decisória, outra modalidade de organização

internacional, cujo objetivo dessa vez é a união dos Estados membros com vistas a

integração econômica baseada na similaridade nacional, são as chamadas

comunidades regionais bem representadas pelo Mercosul (Mercado Comum do Sul) e

a União Européia, nessas organizações a entrada de um Estado membro

necessariamente implica em uma substancial flexibilização de sua soberania,

dependendo da matéria que será objeto de regulação pelo tratado instituidor da

organização, uma vez que, nas organizações internacionais de cooperação na área

geral, como é o caso da ONU, o ingresso necessariamente não obriga a alteração das

constituições dos Estados aderentes, o mesmo não se pode dizer das comunidades

regionais, pois o texto contido no tratado pode fazer com que os estatutos dos Estados

membros fiquem submissos juridicamente a ele, nesse sentido preleciona Hee Moon

Jo:

No aspecto formal, a comunidade regional é um tipo de organização internacional, desde que esta esteja estabelecida por um tratado entre os Estados independentes. Entretanto, enquanto a organização internacional procura a cooperação funcional em uma área determinada, mantendo-se o Estatuto do Estado independente, a comunidade regional procura a integração substancial entre os Estados-partes, limitando-se voluntariamente ao próprio estatuto do Estado. [...] Por exemplo, o ingresso às organizações internacionais como FMI (cooperação na área monetária), ONU (cooperação na área geral), OIT (cooperação na área trabalhista), OEA (cooperação na área geral regional etc. (2004, Hee Moon Jô, pág. 269).

Para finalizar conclui-se que as organizações internacionais, principalmente ao

longo deste ultimo século, vem cada vez mais ganhando espaço tanto na influência do

diálogo interestatal quanto na edição e codificação do direito internacional graças a sua

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versatilidade no exercício da negociação e de sua característica de promover a

aproximação e o entendimento entre os Estados, que até então eram considerados os

únicos sujeitos de direito da comunidade global e que agora, mais do que nunca, a

integração parece ser, segundo o aspecto objetivo do cenário internacional atual, um

caminho sem volta já que tendo em vista o progresso econômico e a defesa dos

direitos humanos, os Estados tem permitido a ampliação do número de organizações

internacionais com essas finalidades.

3. OS TRATADOS COMO FONTE DO DIREITO INTERNACIONAL

Diante de seu retrospecto histórico o tratado constitui a fonte do direito

internacional por excelência, pois desde os primórdios quando as primeiras civilizações

começaram a ganhar corpo já haviam esforços no sentido de que os povos

formalizassem acordos através da codificação de normas estabelecidas por

representantes das partes envolvidas, sobre questões religiosas comerciais e bélicas3,

porém a fragmentação política, e as próprias condições geográficas impediam o

fortalecimento dos acordos fazendo com que o desenvolvimento do direito Internacional

fosse lento e gradual ganhando seus primeiros aspectos atuais com o surgimento do

Estado soberano no séculos XV e XVI, e posteriormente com o advento da Paz de

Vestfália, que pôs fim a guerra dos trinta anos, e conseqüentemente consolidou a

divisão política da Europa em Estados através da assinatura de vários tratados. Este

modelo logo espalhou-se pelo mundo em virtude das posteriores colonizações e

relações comerciais que se seguiram a partir das grandes navegações.

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3.1 NATUREZA JURIDICA DOS TRATADOS

Tratado ou Acordo4, é segundo as palavras de Francisco Rezek “todo o acordo

formal concluído entre pessoas jurídicas de direito internacional público, e destinado a

produzir efeitos jurídicos” (2010, pág. 14). Assim como nos contratos comuns pauta-se

pelo princípio pacta sund servanda. De acordo com o referido professor trata-se de um

acordo formal que abriga em seu texto preceitos em que a matéria a ser regrada

encontra-se bem delimitada. Sua descrição também se encontra expressa no artigo 2,

1. (a), da Convenção de Viena assinada em 26 de maio de 1969.

(Convenção de Viena Sobre Direito dos Tratados) 1. Para os fins da presente Convenção:

a) "tratado" significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica;

As partes envolvidas, como já visto, são os sujeitos de direito internacional, ou

seja os Estados soberanos e as Organizações Internacionais, pois além de possuírem

personalidade jurídica internacional são eles os precursores do Direito das Gentes.

De acordo com os ensinamentos de Araújo e Rezek os tratados possuem uma

divisão clássica, embora muito atacada por juristas de peso como Hans Kelsen, em

“tratados-contratos” e “tratados-normativos” os primeiros seriam limitantes do numero

de partes contratantes e tratariam de questões específicas ligadas somente aos

3 Segundo Silva, na Grécia Antiga já se exercitava a pratica da arbitragem e o princípio da necessidade de declaração de guerra. 4 É pacifico o entendimento doutrinário no sentido de que as expressões tratado e convenção são sinônimas.

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interesses dos Estados envolvidos. Já os segundos possuem regramentos de caráter

geral visando o bom andamento da ordem internacional. Essa conclusão encontra-se

descrita na seguinte manifestação:

A diferença entre tratado contrato (vertrag) e o tratado normativo (vereinbarungen, traités-lois) resume-se em que no primeiro se efetiva unicamente o ajuste de dois ou mais Estados que tem em mira objetivos desiguais (tratado de comércio), enquanto no segundo os pactuantes perfilham uma regra geral para nortear os seus comportamentos gerando, por conseguinte, direitos e deveres, [...]. (REZEK, 1995, pág. 35).

Ainda de acordo com o referido autor, assim como nos contratos os tratados

podem ser classificados tanto com base no numero de partes envolvidas, ou seja,

bilaterais ou coletivos, quanto pela matéria de que tratam, que nas palavras do autor

podem variar de culturais a econômicos, sua validade exige algumas condições como

capacidade das partes, somente os Estados soberanos e as Organizações

Internacionais a tem, habilitação dos agentes5 signatários, ou seja, os indivíduos em

missão diplomática deverão necessariamente comprovar a representação mediante

documentação apropriada, deve haver consentimento mútuo, que é um requisito básico

presente em qualquer acordo de vontades, o objeto deve ser lícito, embora o mundo

ainda não tenha uma constituição global os tratados não podem confrontar princípios

basilares da ordem jurídica internacional, principalmente os inseridos na Carta das

Nações Unidas e por fim, a ratificação cujo procedimento varia de Estado para Estado,

dependendo de suas regras próprias, que é o ato jurídico unilateral no qual o Estado

5 No caso dos Chefes de Estado, Chefes de Governo e Ministros das Relações Exteriores (Plenipotenciários) essa exigência è flexibilizada conforme disposição do art. 7, 2, a) da Convenção de Viena de 1969.

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incorpora em sua ordem jurídica interna as normas provenientes do tratado que as

convencionou. No caso dos tratados bilaterais a vigência do tratado verifica-se no

momento em que as partes envolvidas trocam instrumentos de ratificação. Já no caso

dos tratados coletivos a vigência dar-se-á com o depósito do respectivo instrumento.

Nos tratados coletivos nem sempre os Estados-partes são obrigados a

concordar com todo o teor do texto normativo da convenção, podendo, inclusive, opor-

se a algumas delas desde que a generalidade da matéria tratada na convenção não

sofra desvios. Na prática a existência da reserva serve para impedir que os tratados

impliquem em uma modalidade de contrato de adesão, o que inviabilizaria o diálogo

entre os Estados no momento da sua elaboração, tornando-se uma prática

antidemocrática e constituindo um duro golpe na diplomacia mundial. Esse direito

encontra-se expresso no artigo 19, a), B) e c) da Convenção de Viena.

(Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados) Artigo 19 Formulação de Reservas

Um Estado pode, ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, formular uma reserva, a não ser que:

a) a reserva seja proibida pelo tratado;

b) o tratado disponha que só possam ser formuladas determinadas reservas, entre as quais não figure a reserva em questão; ou

c) nos casos não previstos nas alíneas a e b, a reserva seja incompatível com o objeto e a finalidade do tratado.

Segundo o entendimento corrente no direito internacional, dentro do bom

senso, os tratados não podem vincular em seu texto normativo obrigações ou deveres

para terceiros. Segundo Accioly (1995 citado por Araújo, pág. 41) “seria contrário aos

princípios do Direito Internacional correntes e a prática das nações, um tratado criar

obrigações para um Estado que dele não participou” O amparo jurídico internacional

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encontra-se também expresso no artigo 34 do supra, referido texto normativo.

(Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados) Artigo 34

Regra Geral com Relação a Terceiros Estados

Um tratado não cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o seu consentimento.

Para finalizar, segundo o professor Araújo (1995, pág. 41), a extinção dos

tratados ocorre com o cumprimento da obrigação, com o fim do prazo previsto, a

impossibilidade de sua execução, o acordo entre interessados, a renúncia de uma das

partes em relação a seus direitos, a denuncia unilateral onde uma das partes retira-se

do acordo dentro do prazo permitido e também pelo reconhecimento recíproco do

Estado de Guerra entre as partes.

3.2 TRATADOS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NO MUNDO E NO BRASIL

O conhecimento de alguns dos mais importantes tratados internacionais que

conduziram a historia torna-se indispensável para a compreensão das questões

abordadas neste trabalho uma vez que, essa importante fonte do direito internacional

veio ao longo dos últimos séculos moldando diplomaticamente a feição mundial atual.

3.2.1 Tratados que marcaram a história no mundo

O Tratado de Westfália, celebrado em 30 de janeiro de 1648, pôs fim a uma

série de guerras entre católicos e protestantes na Europa e ganhou relevância histórica

internacional por ser considerado o tratado consolidador do modelo de divisão política

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atual. Em 07 de julho de 1807, na cidade de Soviatsk, na Rússia , Napoleão e o Czar

russo assinam o Tratado de Tilsit, que marcou o inicio de uma série de medidas

intimidatórias internacionais promovidas pela França aos demais Estados europeus,

afim de promover o “bloqueio continental”, contra a Inglaterra. No dia 28 de julho de

1919 os paises vencedores da 1ª Guerra Mundial impõem uma serie de sansões contra

a Alemanha (vencida), além de criar uma Organização Internacional (Liga das Nações)

visando assegurar a paz, inicialmente formada por 44 Estados, através da assinatura

do Tratado de Versalhes. Em 25 de outubro de 1936 Alemanha e Itália assinam o

Tratado culminante do Eixo (Berlim – Roma) cujo conteúdo normativo visava fazer

frente aos interesses da Liga das Nações. No dia 04 de abril de 1949, na Bélgica, os

paises vencedores da 2ª Guerra Mundial, em especial, Estados Unidos, França, Reino

Unido, Canadá, Islândia, Itália, Paises Baixos e Portugal assinam o Tratado do

Atlântico Norte (OTAN), consolidando a aliança militar capitalista, em contra partida, a

Ex – União Soviética e leste europeu, formado por paises socialistas, assinam em 14

de maio de 1955, o Pacto de Varsóvia visando constituir um bloco antagônico ao da

OTAN dando inicio a Guerra Fria. Em 26 de julho de 1945, na cidade de São Francisco,

Estados Unidos e 51 governos assinam a Carta das Nações Unidas que

posteriormente daria inicio ao funcionamento da ONU, a mais importante Organização

Internacional criada até então.

3.2.2 Tratados que marcaram a história no Brasil

No Brasil os tratados já produziam efeitos antes mesmo do descobrimento pois

no Século XV entre D. João II, rei de Portugal, e os Reis Católicos, foi celebrado em 7

de junho de 1494 o Tratado de Todesilhas que tinha por objetivo a demarcação das

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terras que viriam a ser descobertas no Novo Mundo. Este tratado estabeleceu as

diretrizes de outros tratados posteriores que culminaram com o estabelecimento de

uma linha divisória na América fazendo-se acreditar que Portugal já teria conhecimento

da existência do Brasil antes mesmo da descoberta de Pedro Álvares Cabral. No dia 1º

de maio de 1865, na capital argentina, sob influência da Inglaterra, é assinado o

Tratado da Tríplice Aliança (Brasil. Uruguai e Argentina), visando a composição de uma

frente militar contra o inimigo comum (Paraguai) liderado pelo ditador Francisco Solano

Lopes. Em 17 de novembro de 1903 os governos do Brasil e da Bolívia assinam o

Tratado de Petrópolis, por meio do qual o Brasil receberia daquele país o território do

Acre em troca de uma serie de vantagens como outras terras e compensação

monetária.

A partir de 1988, com a promulgação da “Constituição Cidadã”, segundo

importantes apontamentos feitos por Flávia Piovesan, o Brasil incorpora em seu

sistema jurídico princípios e regras direcionados a proteção dos direitos Humanos,

além de garantias já consagradas na Constituição Federal. Segundo ela:

[...] a partir da Carta de 1988, importantes tratados de direitos fundamentais foram ratificados pelo Brasil. Dentre eles destaque-se a ratificação: a) da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 28 de julho de 1989; b) da Convenção sobre Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; c) do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 24 de janeiro de 1992; d) do Pacto Internacional dos Direitos Economicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992, e) da Convenção Americana de Direitos Humanos em 25 de setembro de 1992; g) da Convenção Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violência contra a Mulher em 27 de novembro de 1995; h) o Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte, em 13 de agosto de 1996 e i) do Protocolo à Convenção a Convenção Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) em 21 de agosto de 1996. (PIOVESAN, 2002, pág. 258).

E finalmente, em 26 de março de 1991, com a assinatura do Tratado de

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Assunção pelos governos de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai criam, a partir de

1994, o Mercosul (Mercado Comum do Sul)6 visando a integração mercantil da região.

4. CONSEQUENCIAS JURIDICAS DOS TRATADOS NA ORDEM IN TERNA DOS ESTADOS A principio a primeira impressão que se tem é a de que uma vez ratificado um

tratado a decisão política de acolher suas regras não encontra mais obstáculos para

produzir efeitos na ordem juridica interna do Estado signatário, porém um problema

surge no momento em que essas regras entram em conflito com leis internas ou com a

Constituição iniciando-se uma discussão em torno de sua aplicabilidade que ganha

corpo na mesma medida em que ganha espaço a importância do Direito Internacional

no regulamento interno de cada Estado. Essa constatação fica mais nítida na ótica de

Márcio P. P. Garcia:

O tema do conflito entre tratado e lei interna não era objeto de maiores reflexões quando do aparecimento do Direito Internacional público no Século XVI. O assunto não nasceu com o Direito das Gentes. O incremento do relacionamento externo, no entanto, produziu aumento significativo no número de tratados negociados e concluídos. Entre nós, pode-se invocar, a título exemplificativo, o seguinte quadro: durante o Império o Brasil concluiu 183 tratados; na primeira República, 200; no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso foram celebrados 392 atos bilaterais e 143 multilaterais. A questão, desse modo, tem-se tornado, com o passar do tempo, matéria cada vez mais importante não só para operadores do Direito, mas também para toda a sociedade à vista das conseqüências que o assunto impõe. (Menezes, 2004. pág. 55).

Ante-eminente confronto de normas surge a questão. Qual texto normativo

deve prevalecer? Esta e uma questão que para ser respondida devem-se levar em

consideração certos fatores como qual a matéria objeto de regulação pelo tratado cujo

6 hww.mercosul.gov.br/tratados-e-protocolos/tratado-de-assuncao-1

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teor conflita com a norma interna do respectivo Estado parte?, Qual a hierarquia das

regras e princípios do Direito das Gentes na ordem jurídica interna de cada Estado?

Qual o impacto dessa submissão jurídica na soberania dos Estados e, se o

procedimento de celebração do acordo obedeceu as formalidades legais exigidas tanto

no plano interno quanto no plano externo. Mais a mais, segundo Adherbal Meira

Mattos, “cogita-se de uma validade espacial, temporal, pessoal, material e formal”

(Menezes, 2004, pág. 28).

Ao longo da evolução do diálogo internacional e do próprio Direito das Gentes

tenta-se tanto nos próprios Tratados Internacionais de caráter geral como nas casas

legislativas dos Estados criar-se ferramentas jurídicas de gestão, solução e prevenção

de eventuais desconformidades pois é perfeitamente compreensível que a negação

completa da vigências dos preceitos acordados pelos representantes, legalmente

constituídos dos Estados no âmbito internacional, tornaria a convivência global inviável

nos moldes políticos conhecidos e que a sustentabilidade do diálogo internacional

parte, assim como em qualquer comunidade, segundo a doutrina bem representada por

Rezek, dos princípios da boa-fé e do pacta sund servanda.

Em relação a matéria objeto de regulação pelos tratados em geral, a ordem

jurídica internacional vem valorando o peso do direito produzido pelos acordos regidos

por princípios de caráter geral de forma diferenciada exemplo disso é o crescimento da

prevalência de princípios reitores de valores humanos em detrimento dos econômicos.

Essa realidade vem se consolidando uma vez que o capitalismo global, por varias

vezes fracassou na sua missão de promover o bem da humanidade, ou de alguns, e

que ao contrário, além de inúmeras crises, por vezes assombra o mundo com seus

efeitos colaterais, ou seja, a miséria e a guerra. Nesse sentido, o esforço mundial para

22

construção da paz e a preservação da vida pela justiça social vem ganhando contornos

cada vez mais evidentes conforme se extrai da leitura do preâmbulo da Carta das

Nações Unidas.

(Carta das Nações Unidas) Preâmbulo

Nós, os povos das Nações Unidas, decididos: a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade; a reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas; a estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional; a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade;

e para tais fins: a praticar a tolerância e a viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos; a unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais; a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição de métodos, que a força armada não será usada, a não ser no interesse comum; a empregar mecanismos internacionais para promover o progresso económico e social de todos os povos; Resolvemos conjugar os nossos esforços para a consecução desses objectivos.

Essa realidade também verifica-se com os preceitos juridicamente consagrados

no artigo 2 da Carta da Organização dos Estados Americanos que assim estatui:

(Organização dos Estados Americanos) Artigo 2

Para realizar os princípios em que se baseia e para cumprir com suas

obrigações regionais, de acordo com a Carta das Nações Unidas, a

Organização dos Estados Americanos estabelece como propósitos essenciais

os seguintes:

a) Garantir a paz e a segurança continentais;

b) Promover e consolidar a democracia representativa, respeitado o princípio

23

da não-intervenção;

c) Prevenir as possíveis causas de dificuldades e assegurar a solução pacífica

das controvérsias que surjam entre seus membros;

d) Organizar a ação solidária destes em caso de agressão;

e) Procurar a solução dos problemas políticos, jurídicos e econômicos que

surgirem entre os Estados membros;

f) Promover, por meio da ação cooperativa, seu desenvolvimento econômico,

social e cultural;

g) Erradicar a pobreza crítica, que constitui um obstáculo ao pleno

desenvolvimento democrático dos povos do Hemisfério; e

h) Alcançar uma efetiva limitação de armamentos convencionais que permita

dedicar a maior soma de recursos ao desenvolvimento econômico-social dos

Estados membros.

4.1 O CONFRONTO ENTRE O DIREITO INTERNO E O DIREITO EXTERNO

Com relação a hierarquia que as regras e princípios de Direito Interno ocupam

em relação as provenientes do Direito Público Externo a discussão a respeito do

confronto entre essas duas fontes de normas ganha força, pois a posição da regra e do

princípio que teve como fonte o tratado ficará dependendo do grau de submissão

soberana do Estado ratificador, e é na sua Constituição que, geralmente reside este

grau de submissão. Diante deste cenário, duas grandes correntes doutrinarias

completamente opostas dividem a solução da questão. A corrente Monista e a Dualista.

3.2.1 O Monismo

Como aspecto jurídico-relevante nesse ângulo de avaliação da aplicabilidade do

Direito Internacional Público dentro dos limites territoriais dos Estados, de acordo com

os ensinamentos de Márcio P. P. Garcia (Menezes, 2004, pág. 61), a dogmática

24

Monista baseia-se no princípio de um sistema uno em que, nos moldes da pirâmide de

Kelsen produz um ordenamento jurídico que tanto podem prevalecer as leis internas do

Estado (Monistas Nacionalistas /Decenciére- Ferradiére, Wenzel) como as normas

provenientes dos tratados (Monistas Internacionalisatas/Kelsen, Lapacht). De acordo

com Garcia, a segunda vertente, Kelsiana, da corrente ganha força em virtude da

necessidade de o direito buscar fundamentar-se sempre em uma norma superior

pautando-se principalmente nos princípios da boa-fé e do pacta sund servanda. Mirtô

Fraga (1998), ao discorrer sobre essa divisão vai ainda mais longe, chamando atenção

para o fato de que os autores que defendem a primeira vertente o fazem por não

inexistir, pelo menos até o momento, uma autoridade superior internacional capaz de

compelir os Estados a cumprir o que, no plano internacional for pactuado e ao

descrever o Monismo Internacionalista traz apontamentos importantes em desfavor da

primazia do Direito Internacional, sobretudo com base no fato de ter o Estado nascido

antes do Direito Internacional, sendo a teoria incongruente com a concepção de

soberania uma vez que a revogação de uma norma de direito interno feita por uma

disposição alienígena constitui um ato antidemocrático.

3.2.2 O Dualismo

Novamente segundo, Márcio P. P. Garcia (Menezes, 2004, pág. 60), essa

corrente, defendida no passado por Anzillotti e Triepel, resgata a concepção de

soberania dos Estados, pois defende a idéia de que o Direito Interno e o Direito

Internacional Público integram duas ordens jurídicas distintas, pois as fontes de

produção normativa são diferentes uma vez que, diferentes são os legisladores,

25

diferentes são os procedimentos de elaboração e específicas são as questões

abordadas, lembrando que no plano interno a norma produz uma relação de

subordinação (verticalidade), ao mesmo tempo em que no plano internacional essa

relação é de coordenação (horizontalidade). No Dualismo a produção de efeitos pela

norma jurídica oriunda de um tratado dentro dos limites territoriais de um Estado

depende, além da celebração do Pacto, de que este seja efetivamente integrado ao

ordenamento jurídico interno do estado mediante um procedimento que abrange atos

legislativos e executivos, e a consequência é que o tratado antes de ser adotado

plenitudemente pelas partes só produz efeitos externamente conforme se subtrai da

leitura de sua precisa lição:

Para os dualistas, é possível qualificar um acordo concluído com outro Estado como internacional tão-só em relação a seus efeitos externos. No que tange aos efeitos internos, eles ocorrem na medida em que se verifica a incorporação do acordo ao ordenamento jurídico estatal. O Direito Internacional seria “transformado” em Direito Interno mediante ato legislativo (Menezes, 2004. Pág. 61).

No tocante aos procedimentos e a competência de órgãos para a celebração

de tratados inúmeras são as soluções criadas pelos constituintes em todo o mundo, no

sentido de regular o acesso de seu Estado no diálogo convencional internacional. Em

geral, segundo Medeiros (1995, pág. 40), existem Estados que mantém o regulamento

tradicional de divisão da competência entre os três poderes constituídos para esta

finalidade afim de democratizar o ato, uma vez que, negociação e assinatura são na

maior parte das vezes, praticadas por Chefes de Estados ou Diplomatas incumbidos

dessa missão em nome daqueles enquanto a aprovação legislativa geralmente é feita

pelos parlamentos. O autor também ilustra situações em que esse complexo método de

26

incorporação das normas oriundas dos tratados é relativamente flexibilizado, onde

acordos de tratados já existentes ou de natureza executiva são adotados com a

ausência de aprovação legislativa ou até mesmo sem a ratificação, como exemplo

dessa realidade, cita os artigos 50 e 66 da Lei Maior da Áustria de 1º de outubro de

1920, cujos enunciados dizem o seguinte:

(Constituição da Áustria) “Artigo 50 (1). Todos os tratados políticos e os tratados que modifiquem uma lei não são validos antes da ratificação do Conselho Nacional. (...) Artigo 66 (2). O Presidente da Confederação pode validamente autorizar o Governo Federal ou os membros competentes do Governo Federal a concluírem certas categorias de tratados não previstos no artigo 50.”

Outro exemplo interessante trazido por Medeiros reside no artigo 59 da

Constituição da República Federal da Alemanha de 23 de maio de 1949, que reúne nas

mãos do presidente o poder de concluir convenções internacionais, como pode ser

visto na leitura do mesmo:

(Constituição da Alemanha) “Artigo 59 (2). Os tratados que regulam as relações políticas da Federação ou se refiram a matérias de legislação, federal requerem a aprovação ou a intervenção dos respectivos órgãos competentes de legislação federal, sob a forma de uma lei federal. Para acordos administrativos aplicam-se por analogia as disposições relativas à administração federal.”

No caso do Brasil a discussão a respeito de que nem todos os tratados

celebrados pelo Brasil necessitam do aval do Congresso Nacional para produzir efeitos

internamente no país não é recente, e de acordo com Medeiros (1995), teve inicio com

o advento da Constituição de 1946, ocasião em que Hildebrando Accioly defendeu a

possibilidade de o Executivo Federal Praticar atos vinculantes na esfera internacional

sem que pra isso tenha que passar pelo crivo do Congresso Nacional, alegando, pois

27

que a própria Constituição Federal delimitaria as matérias não passiveis de controle

pelo Poder Legislativo, ou seja, assuntos de competência privativa do Executivo. Em

contra partida, Haroldo Valladão rebateu na época, em pareceres jurídicos, que a idéia

levantada pelo doutrinador era de que cabia ao Direito Internacional estabelecer regras

de conclusão de acordos internacionais sempre que a Constituição de um determinado

Estado fosse incapaz de regular a questão.

Ainda segundo Medeiros (1995, pág. 382), com o a Promulgação da

Constituição da República Federativa do Brasil em 5 de Outubro de 1988, persistiram

as divergências doutrinarias, sobretudo em face das incongruências semânticas e

jurídicas, percebidas e comentadas por grandes nomes da doutrina como José Sette

Câmara, Celso Albuquerque Mello, Elcias Ferreira da Costa entre outros, presentes

nos artigos 49, I e 84, VIII, abaixo transcrito:

(Constituição Federal da República Federativa do Brasil) “Artigo 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; (...) Artigo 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;”

Em face dessa divergência expõe a existência de duas correntes doutrinarias

antagônicas. De um lado, os que defendem a presença do Poder Legislativo em todos

os atos do chefe de Estado que impliquem em vinculação jurídica internacional do

Estado brasileiro. E de outro, a manifestação dos que entendem possível a conclusão

de acordos simples pelo Executivo sem o aval do Congresso.

28

3.3 POSIÇÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM RELAÇÃO AO CONFLITO

DE NORMAS DE DIREITO INTERNO E NORMAS CONTIDAS NOS TRATADOS.

Entendendo o valor da questão jurídica em pauta o constituinte de 1988 tratou

desde logo, de encarregar o Supremo Tribunal Federal de ser o responsável pela

palavra final sempre que a decisão em debate tiver o objetivo de solucionar possíveis

conflitos de normas entre tratados internacionais e o ordenamento jurídico pátrio essa

previsão constitucional encontra-se expressa no Artigo 102, III, b) da Constituição

Federal:

(Constituição Federal da República Federativa do Brasil)

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe (...)

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

(...)

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

Segundo o que leciona Mirtô Fraga (1998, pág. 99), a jurisprudência da

Suprema Corte brasileira iniciou sua posição acerca da questão: Direito Interno x

Direito Externo, de forma cambiante, pois decidia de ambos os lados, uma vez que o

Supremo Tribunal Federal procurava evitar o confronto entre as duas fontes

normativas, lembrando que de inicio, não era raro curvar-se ao direito internacional

conforme demonstrado no julgado abaixo narrado por ela, cujo conteúdo narra o

confronto entre tratado firmado pelo Brasil e a Alemanha tendo por objeto o

regulamento da extradição, ocasião em que o choque normativo entre as duas fontes

29

dava-se em torno de questões burocráticas conforme pode-se depreender da leitura do

mesmo.

No Pedido de Extradição nº 7, de 1913, aplicou-se o tratado celebrado com a Alemanha contra a Lei nº 2.416 de 28.06.1911. Em 04.01.1913, o Ministro da justiça remeteu ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, para fins do artigo 9º da Lei nº 2.416/911 o pedido da Legação Alemã. Tal Lei exigia que a documentação fosse autenticada, como reconhecimento, pelo representante diplomático brasileiro, das firmas daqueles que subscrevessem os documentos, bem como de sua qualidade. O Supremo, em 29.01.1913, tendo em vista que tal formalidade não fora cumprida, denegou a extradição. A Lei em seu artigo 10 era expressa ao estabelecer que nenhum pedido de extradição seria concedido, sem prévio pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e precedência. Em 05.01.1914, o Ministro da Justiça levou ao conhecimento do Pretório Excelso que, inadvertidamente fora enviado o pedido feito pela Legação Alemã, quando estava ainda, em vigor, o Tratado firmado pelo Brasil, só denunciado em 14.03.1913. para deixar de produzir seus efeitos no prazo estipulado no seu próprio texto e a informação de que a Legação Alemã solicitara que as extradições requeridas na vigência do tratado, fossem por ela regulados. É que o tratado não exigia a autenticação dos documentos pela representação diplomática brasileira. E, ainda mais, a extradição era concedida sem o pronunciamento do Poder Judiciário. Em 07.01.1914, o Supremo, por unanimidade, declarou insubsistente o acórdão de 29.01.1913, uma vez que, não tinha competência para conhecer da questão. (FRAGA. 1998, Págs. 101 e 102)

Para reforçar essa conclusão também trouxe a tona o caso da LUG (Lei

Uniforme de Genebra), nome dado ao conjunto de regras destinadas a regular a

emissão de cheques, letras de câmbio e notas promissórias, originada de uma série de

convenções assinadas em Genebra no dia 7 de junho de 1930, que após iniciarem a

produção de efeitos no território nacional começaram a entrar em aparente conflito com

normas de direito interno brasileiro, dentre elas o Decreto nº 2. 591/12, cujo artigo 5º

conflitaria com o artigo 40 da LUG. A duvida sucitada era se o portador deveria ou não

respeitar os prazos fixados para fazer jus ao seu direito de promover a execução em

face dos emitentes e avalistas, nessa ocasião, no julgamento do RE nº 82.583, O

Supremo decidiu em favor da lei nacional, conforme abaixo transcrito:

30

“Cheque – Apresentação ao sacado fora dos trinta dias de sua emissão. Não priva o portador de ação cambial, então executiva, contra o emitente e respectivos avalistas. II – Inaplicabilidade do art. 40 da LUG face à reserva introduzida pelo artigo. 20 do Anexo II, ao qual se refere o Decreto nº 57.595/66. Incidência do artigo 5º do Decreto nº 2.591/12. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. III – Recurso Extraordinário conhecido e improvido” (FRAGA. 1998, Pág. 105)

Segundo o que leciona a ilustre professora, apesar de julgar em favor das duas

fontes de acordo com o caso concreto, e baseando-se nas soluções fornecidas pelo

direito comparado, a orientação jurisprudencial brasileira curvou-se no sentido da teoria

monista, ou seja, no caso de confronto material deveria prevalecer a norma de origem

convencional, para ela essa constatação residia no fato de inexistir exigência expressa

ou implícita elaborada pelo Poder Legislativo, em face das matérias de Direito

Internacional por aquele tratadas, posição também percebida por Amélia Regina Mussi

Gabriel (2011) ao expor que: “Até 1977, o posicionamento do STF era no sentido de

dar primazia ao Tratado internacional quando em conflito com norma

infraconstitucional.”

Atualmente o critério de avaliação do peso da norma proveniente de um tratado

internacional, independentemente das teorias já estudadas terem alguma influência

substancial na orientação jurisprudencial, tem sido a classificação do tratado de acordo

com os métodos doutrinariamente consagrados juntamente com a avaliação da

hierarquia da norma proveniente do tratado ocupada perante o ordenamento jurídico

nacional. Nesse sentido, a própria Constituição Federal em seu artigo 5º, § 3º,

acrescido pela Emenda 45/2004, equipara as normas do Direito das Gentes que

regularem questões pertinentes aos Direitos Humanos em normas equivalentes as

constitucionais, desde que sua aprovação seja congruente com o da aprovação das

31

Emendas a Constituição, ou seja, precisam ser aprovadas pelo congresso nacional e

posteriormente promulgadas pelo chefe do Poder Executivo.

Em 1992, durante a Convenção Americana de Direitos Humanos o Brasil

assinou o Pacto de São José na Costa Rica, de acordo com esse tratado internacional,

o Brasil juntamente com os demais Estados signatários, estariam a partir de então,

incumbidos de promover o respeito e a defesa aos direitos e garantias por este

previsto, criando mecanismos jurídicos internos capazes de fazer valer esses direitos,

bem como combater qualquer forma de transgressão os preceitos juridicamente

convencionados. Mas esse compromisso não foi acolhido pela Suprema Corte

brasileira de imediato e a constatação desse fato residia no artigo 5º, LXVII da Lei

Maior, onde talvez existisse o conflito entre Direito Interno e Direito Externo mais

paradigmante de nossa história, pois o referido dispositivo prevê expressamente a

prisão civil por divida no caso do depositário infiel, fato que produziu o conflito com o

Pacto de São José na Costa Rica em seu artigo 7, (7), que não a admite essa

modalidade de prisão. Nesse sentido, constituíram-se dois conflitos normativos um

formal e outro material. O primeiro em virtude de o tratado confrontar a Constituição

formalmente pela ausência das exigências do artigo 5º, § 3º e o segundo pelo fato de o

tratado confrontar o próprio artigo 5º no inciso LXVII, em referencia a prisão civil do

depositário infiel, constituindo elementos ensejadores do repudio do Supremo Tribunal

Federal ao tratado nos moldes da decisão ilustrativa abaixo:

OS TRATADOS INTERNACIONAIS, NECESSARIAMENTE SUBORDINADOS À AUTORIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, NÃO PODEM LEGITIMAR INTERPRETAÇÕES QUE RESTRINJAM A EFICÁCIA JURÍDICA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS.- A possibilidade jurídica de o Congresso Nacional instituir a prisão civil também no caso de infidelidade depositária encontra fundamento na própria Constituição da República (art. 5º, LXVII). A

32

autoridade hierárquico-normativa da Lei Fundamental do Estado,considerada a supremacia absoluta de que se reveste o estatuto político brasileiro, não se expõe, no plano de sua eficácia e aplicabilidade, a restrições ou a mecanismos de limitação fixados em sede de tratados internacionais, como o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos).A ordem constitucional vigente no Brasil - que confere ao Poder Legislativo explícita autorização para disciplinar e instituir a prisão civil relativamente ao depositário infiel (art. 5º, LXVII) -não pode sofrer interpretação que conduza ao reconhecimento de que o Estado brasileiro, mediante tratado ou convenção internacional, ter-se-ia interditado a prerrogativa de exercer, no plano interno, a competência institucional que lhe foi outorgada, expressamente, pela própria Constituição da República.Os tratados e convenções internacionais não podem transgredir a normatividade subordinante da Constituição da República e nem dispõem de força normativa para restringir a eficácia jurídica das cláusulas constitucionais e dos preceitos inscritos no texto da Lei Fundamental.Precedente: ADI nº 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO."Send (RE 254.544-GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO - Segunda Turma) o assim, tendo em consideração os precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal, conheço e dou provimento ao presente recurso extraordinário, para, desconstituindo o acórdão proferido pelo Tribunal de origem, denegar a ordem de habeas corpus impetrada em favor do paciente, ora recorrido, viabilizando, em conseqüência, a execução imediata da sentença proferida pelo magistrado de primeira instância .Pub (Processo nº 9501074080 - 1ª Vara Cível da comarca de Anápolis/GO) lique-se.Brasília, 13 de junho de 2000.Ministro CELSO DE MELLO Relator 9911Constituição HC 72.131-RJ911ConstituiçãoConstituição de 1934CF/67150§ 17ConstituiçãoCarta Federal brasileira Constituição 7ºConstituição Constituição5º§ 2ºCarta PolíticaConstituiçãoConstituiçãoConstituiçãoConstituiçãoConstituiçãoConstituição182Constituição149§ 1ºConstituiçãoConstituiçãoConstituição678911Carta da Republica4º911texto constitucional150§ 17Constituição Federal de 1967153§ 171Constituição de 1967150§ 17Código Civil1287911 RE 206.482-SP911CONSTITUIÇÃO Constituição Constituição Constituição: ADI nº 1.480-DF(274112 GO , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 13/06/2000, Data de Publicação: DJ 23/06/2000 PP-00075, undefined).

Esta posição perduraria até o dia 03.12.2008, ocasião em que por maioria de

votos o Plenário do Supremo Tribunal Federal, arquivou o RE) 349703 e em seguida

negou provimento ao RE 466343, ambos referentes a prisão do depositário infiel, ato

este, que terminou por revogar a sumula 619 do Supremo tribunal Federal que

juntamente com os preceitos constitucionais do artigo 5º, LXVII, servia de fundamento

para justificar a prisão civil por divida não alimentícia e que segundo O Ministro Celso

Melo constituiria um “ranço” da cultura patrimonialistica na qual o Brasil

tradicionalmente esta inserido e que a partir de então deveria retirar-se em favor dos

33

princípios norteadores dos Direitos Humanos, dando ênfase de a fonte normativa

reforçadora das orientações principiológicas contidas na própria Constituição Federal,

em termos de valores Humanos ser de origem convencional qualificando-a como

“importante ato internacional”, conforme percebe-se no trecho extraído de seu voto

anexo a respectiva ementa do julgado7.

“Ocorre, no entanto, Senhora Presidente, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao dispor sobre o estatuto jurídico da liberdade pessoal, prescreve, em seu art. 7º, n. 7, que “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar” (grifei). A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, instituída pelo Pacto de São José da Costa Rica, a que o Brasil aderiu em 25 de setembro de 1992, foi incorporada ao nosso sistema de direito positivo interno pelo Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, e que, editado pelo Presidente da República, formalmente consubstanciou a promulgação desse importante ato internacional.”

PRISÃO CIVIL - PENHOR RURAL - CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA - BENS

- GARANTIA - IMPROPRIEDADE.Ante o ordenamento jurídico pátrio, a prisão

civil somente subsiste no caso de descumprimento inescusável de obrigação

alimentícia, e não no de depositário considerada a cédula rural pignoratícia.

(92566 SP , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 03/12/2008,

Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-

06-2009 EMENT VOL-02363-03 PP-00451, undefined).

Essa decisão consagrou dois grandes entraves jurídicos existentes até então, o

primeiro a respeito da incorporação do Pacto de São josé da Costa Rica na ordem

jurídica interna brasileira, pois apesar de não ter sido avaliado pelo Congresso Nacional

conforme mandamento constitucional, possui em seu texto Princípiologia diretamente

fortalecedora dos Direitos Humanos passando a integrar o ordenamento pátrio com

força de normatividade intermediária, ou seja, estaria abaixo da Constituição Federal,

7 Leia o voto na integra no RE) 349703 julgado pelo STF em 03 de dezembro de 2008.

34

porém acima da legislação infraconstitucional. Esse entendimento encontra-se

perfeitamente visível no dois julgados abaixo:

DIREITO PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. ALTERAÇÃO DE ORIENTAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF. CONCESSÃO DA ORDEM.1. A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in) admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional.2. O julgamento impugnado via o presente habeas corpus encampou orientação jurisprudencial pacificada, inclusive no STF, no sentido da existência de depósito irregular de bens fungíveis, seja por origem voluntária (contratual) ou por fonte judicial (decisão que nomeia depositário de bens penhorados). Esta Corte já considerou que "o depositário de bens penhorados, ainda que fungíveis, responde pela guarda e se sujeita a ação de depósito" (HC nº 73.058/SP, rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, DJ de 10.05.1996). Neste mesmo sentido: HC 71.097/PR, rel. Min. Sydney Sanches, 1ª Turma, DJ 29.03.1996).: HC 71.097/PR3. Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é re servado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normati vo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscri tos pelo Brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com el e conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação.Constit uição (grifo meu). Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5º, § 2º, da Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel.5º§ 2ºCarta Magna5. Habeas corpus concedido. (88240 SP , Relator: ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 07/10/2008, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-01 PP-00199 RSJADV dez., 2008, p. 20-22, undefined) regime dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 3. Diante de tal quadro, conheço do pedido formulado neste agravo, mas a ele nego acolhida. 4. Publiquem. Brasília, 17 de abril de 2009. Ministro MARÇO AURÉLIO Relator.

Por outro lado, segundo o entendimento do STF os demais tratados, que não

35

cuidam de questões referentes aos Direitos Humanos, terminam por ter força normativa

equivalente a da legislação infraconstitucional dependendo da matéria de que tratam e

do caso concreto, essa posição fica bastante nítida no que se extrai da leitura da

próxima decisão:

Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que negou seguimento a recurso extraordinário interposto de acórdão que possui a seguinte "EMBARGOS INFRINGENTES. TRIBUTÁRIO. ICMS. PAÍSES FILIADOS AO GATT. REGIME DE BENEFÍCIOS.Importações provenientes de países signatários ao GATT merecem igualdade de tratamento em relação a produtos similares internos, de modo que, concedida, em âmbito estadual, a redução da base de cálculo a produto nacional, tal benefício há de ser estendido a produto similar que provenha de país signatário do mencionado Acordo de Tarifas. Inteligência do artigo 98 do CTN e Súmulas 575 do STF e 20 do STJ. Precedentes jurisprudenciais" (fl. 51).No RE, fundado no art. 102, III, a, da Constituição, alegou-se ofensa aos arts. 150, II e § 6º, 155, § 2º, XII, g, da mesma Carta.O agravo não merece acolhida. Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que a controvérsia relativa à isenção de ICMS, quando analisada em tema de importação de produto proveniente de país signatário de acordo internacional também celebrado pelo Brasil, não faz instaurar situação configuradora de ofensa direta ao texto da Constituição, o que torna inviável o recurso extraordinário. Nesse sentido, menciono as seguintes decisões, entre outras: AI 336.076-AgR/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, AI 364.375-AgR/SP, Rel. Min. Rel. Min. Ilmar Galvão, AI 349.925-AgR/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira, AI 397.248-AgR/RJ, AI 416.995-AgR, Rel. Min. Celso de Mello e AI 480.176-AgR/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie.Isso posto, nego seguimento ao recurso.Publique-se.Brasília, 6 de março de 2008.Ministro RICARDO LEWANDOWSKI- Relator -98102IIIaConstituiçãoConstituição: AI 336.076- AI 480.176 - (694992 RS , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 06/03/2008, Data de Publicação: DJe-057 DIVULG 31/03/2008 PUBLIC 01/04/2008).

No caso supra, a decisão faz menção ao artigo 98 do Código Tributário

Nacional cujo enunciado é expresso ao afirmar a prevalência do Direito das Gentes nos

casos em que a questão versar sobre questões tributárias.

Diante das decisões estudadas pode-se concluir que o valor jurídico atribuído aos

tratados internacionais leva em consideração a hierarquia ocupada pela normatividade

convencional e que esta hierarquia, por sua vez é determinada pela matéria regulada

no tratado juntamente com a ordem de vigência legislativa conforme melhor finaliza

36

Francisco Rezek (2010, pág. 102): “O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, que

desde que primeiro tratou do assunto até a hora atual, e de modo uniforme, a eficácia

do artigo 98 do CTN e sua qualidade de determinar o que determina”.

3.3 O PACTO DE SÃO JOSÉ NA COSTA RICA

Também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos o Pacto

de São José na Costa Rica, celebrado em 22 de novembro de 1969, pelos Estados

signatários da OEA (Organização dos Estados Americanos), constitui a mais

importante ferramenta jurídica de proteção regional a esses direitos. Assinada durante

o andamento da Conferencia Especializada Interamericana de Direitos Humanos, cuja

vigência iniciou-se em 18 de julho de 1978, estabeleceu a partir de então, aos Estados

signatários, as diretrizes para efetivação da proteção das garantias nela previstas.

Segundo o que se depreende da leitura do artigo 2. da Convenção, o

compromisso firmado entre os Estados partes abrange o binômio político-jurídico:

(Convenção Americana de Direitos Humanos)

“Artigo 2. Dever de adotar disposições de direito interno Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza (grifo meu) que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades. “

Conforme estatui o artigo 35 da Convenção Americana de Direitos Humanos,

esta possui como principal meio de fiscalização a Comissão Interamericana de Direitos

Humanos cuja função, nos termos do artigo 41, é promover a proteção e a observância

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a esses direitos. Segundo ensinamentos de Flávia Piovesan:

O Estado ao se tornar parte da Convenção, aceita automática e obrigatoriamente a competência da Comissão para examinar estas comunicações, não sendo necessário elaborar qualquer declaração expressa e específica para esse fim (PIOVESAN, 2002, pág. 235).

Constatada a transgressão aos direitos e garantias consagrados no texto da

Convenção Americana e vencidas todas as instâncias jurídicas internas e não reparado

o dano pelo Estado, este poderá ser submetido a julgamento pela Corte Interamericana

de Direitos Humanos, Aprovado pela resolução AG/RES. 448 (IX-O/79), adotada pela

Assembléia Geral da OEA, em seu nono período ordinário de sessões, realizado em

La Paz, Bolívia, outubro de 1979 constituindo o Tribunal Internacional de Direitos

Humanos da OEA, cuja jurisdição abrange todos os Estados signatários do Pacto de

São José na Costa Rica. Nesse sentido, ainda de acordo com Piovesan, conforme

estatui o artigo 50 da Convenção Americana vencidas as formalidades exigidas no

texto da Convenção para resolução amigável da questão, será submetido então o caso

para apreciação da referida Corte, porém esse julgamento ainda dependerá de

manifestação expressa do Estado-parte no sentido de reconhecer a jurisdição da

mesma como competente para conhecer da questão. De acordo com essa realidade

preleciona Flávia Piovesan:

As Cortes detêm especial legitimidade e constituem um dos instrumentos mais poderosos no sentido de persuadir os Estados a cumprirem obrigações concernentes aos direitos humanos. Daí a importância de se avançar no processo de criação de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos (D´ANGELIS, 2002, p. 72).

No dia 03 de dezembro de 1998, através do Decreto Legislativo n. 89, o Brasil

reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos

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para conhecer de questões relativas a violações de Direitos Humanos dentro de seus

limites territoriais. Este importante ato político trouxe como conseqüência lógica e

necessária, o fato de que “o Supremo Tribunal Federal deixou de ser, a partir de então,

a ultima instância jurídica no julgamento de questões relativas aos Direitos Humanos.”

3.4 O TRATADODE ASSUNÇÃO

O Tratado de assunção assinado em 26 de março de1991, entre República

Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República

Oriental do Uruguai, com o objetivo principal de formar um mercado comum entre os

Estados-partes criando então, o Mercosul ( Mercado Comum do Sul), cujas bases

institucionais foram prescritas com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto em 16 de

dezembro de 1994, o mais importante Acordo Internacional celebrado pelos Estados-

membros do bloco após o Tratado de Assunção, pois encarregou-se de regular os

objetivos do Mercosul, alem de conferir-lhe personalidade jurídica internacional

tornando-o sujeito de direitos e obrigações nesse plano e diversos outros tratados

como o “Protocolo de Lãs Leñas”, assinado em 27 de junho de 1992, que tinha por

função a simplificação de sistemas processuais em diversas áreas do direito pelos

estados signatários, visando a cooperação jurídica. O Protocolo de Buenos Aires,

celebrado em 05 de agosto de 1994, estabelecedor da jurisdição internacional em

matéria de contratos. O Protocolo de Brasília, assinado em 17 de dezembro de 1991,

que preencheu diversas lacunas não exauridas pelo Tratado de assunção em matéria

de solução de controvérsias no ambiente diplomático do Mercosul, etc.

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Muito embora o Tratado de Assunção tenha em seu conteúdo diretrizes

balizadoras da cooperação internacional em diversos segmentos e a questão levantada

aqui, diz respeito ao fato de que a exigência constitucional para tornar validos os

acordos supervenientes do Tratado de Assunção, na visão de alguns juristas, constitui

um entrave jurídico desnecessário ao desenvolvimento da cooperação almejada.

Nesse sentido, o tratamento da questão por parte do Supremo Tribunal Federal tem

incorporado a letra da Constituição em nada contribuindo para o andamento da

integração conforme leciona Mariângela Ariozi:

Diante desse quadro, verifica-se que a participação do Brasil no Mercosul carece de definição constitucional em dois aspectos: a) prevalência ou primazia dos tratados sobre direito federal infraconstitucional, em razão da ausência de norma de conflito; b) possibilidade de o país submeter-se a uma ordem jurídica supranacional, em razão da explícita submissão do tratado ao controle de constitucionalidade, vale dizer, primazia do direito constitucional interno sobre direito internacional (ARIOZI, 2011).

Ainda de acordo com a professora esta exigência constitucional não discrimina

a hierarquia das matérias tratadas pelas decisões políticas debatidas no ambiente

diplomático dos protocolos posteriores, cujo objetivo implicaria apenas em conferir

densidade normativa aos princípios já assegurados pelo Tratado de Assunção através

da implementação e aperfeiçoamento de ferramentas jurídicas de integração e, desta

vez, de acordo com Menezes (D´Angelis, 2002), o Brasil, atualmente, adota uma

posição constitucionalista, exigindo os procedimentos contidos nos artigos 84,VIII, e 49,

I, da Constituição Federal para todos os Tratados Internacionais. Mandamentos

seguidos a risca pelo Supremo Tribunal Federal conforme ilustra o julgado abaixo:

MERCOSUL - CARTA ROGATÓRIA PASSIVA - DENEGAÇÃO DE EXEQUATUR - PROTOCOLO DE MEDIDAS CAUTELARES (OURO PRET0/MG) - INAPLICABILIDADE, POR RAZÕES DE ORDEM CIRCUNSTANCIAL - ATO INTERNACIONAL CUJO CICLO DE

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INCORPORAÇÃO, AO DIREITO INTERNO DO BRASIL, AINDA NÃO SE ACHAVA CONCLUÍDO À DATA DA DECISÃO DENEGATÓRIA DO EXEQUATUR, PROFERIDA PELO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL, O DIREITO COMUNITÁRIO E O DIREITO NACIONAL DO BRASIL - PRINCÍPIOS DO EFEITO DIRETO E DA APLICABILIDADE IMEDIATA - AUSÊNCIA DE SUA PREVISÃO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO - INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA GERAL DE RECEPÇÃO PLENA E AUTOMÁTICA DE ATOS INTERNACIONAIS, MESMO DAQUELES FUNDADOS EM TRATADOS DE INTEGRAÇÃO - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. A RECEPÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E DOS ACORDOS CELEBRADOS NO ÂMBITO DO MERCOSUL ESTÁ SUJEITA À DISCIPLINA FIXADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICACONSTITUIÇÃO. - A recepção de acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL está sujeita à mesma disciplina constitucional que rege o processo de incorporação, à ordem positiva interna brasileira, dos tratados ou convenções internacionais em geral. É, pois, na Constituição da República, e não em instrumentos normativos de caráter internacional, que reside a definição do iter procedimental pertinente à transposição, para o plano do direito positivo interno do Brasil, dos tratados, convenções ou acordos - inclusive daqueles celebrados no contexto regional do MERCOSUL - concluídos pelo Estado brasileiro. Precedente: ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLOConstituição: ADI 1.480-DF. - Embora desejável a adoção de mecanismos constitucionais diferenciados, cuja instituição privilegie o processo de recepção dos atos, acordos, protocolos ou tratados celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL, esse é um tema que depende, essencialmente, quanto à sua solução, de reforma do texto da Constituição brasileira, reclamando, em conseqüência, modificações de jure constituendo. Enquanto não sobrevier essa necessária reforma constitucional, a questão da vigência doméstica dos acordos celebrados sob a égide do MERCOSUL continuará sujeita ao mesmo tratamento normativo que a Constituição brasileira dispensa aos tratados internacionais em geral. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DE CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E DE TRATADOS DE INTEGRAÇÃO (MERCOSUL). - A recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então - e somente então - a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. O SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO NÃO CONSAGRA O PRINCÍPIO DO EFEITO DIRETO E NEM O POSTULADO DA APLICABILIDADE IMEDIATA DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. - A Constituição brasileira não consagrou, em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata. Isso significa, de jure constituto, que, enquanto não se concluir o ciclo de sua transposição, para o direito interno, os tratados internacionais e os acordos de integração, além de não poderem ser invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e obrigações neles fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado

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brasileiro (postulado da aplicabilidade imediata). - O princípio do efeito direto (aptidão de a norma internacional repercutir, desde logo, em matéria de direitos e obrigações, na esfera jurídica dos particulares) e o postulado da aplicabilidade imediata (que diz respeito à vigência automática da norma internacional na ordem jurídica interna) traduzem diretrizes que não se acham consagradas e nem positivadas no texto da Constituição da República, motivo pelo qual tais princípios não podem ser invocados para legitimar a incidência, no plano do ordenamento doméstico brasileiro, de qualquer convenção internacional, ainda que se cuide de tratado de integração, enquanto não se concluírem os diversos ciclos que compõem o seu processo de incorporação ao sistema de direito interno do Brasil. Magistério da doutrinaConstituição. - Sob a égide do modelo constitucional brasileiro, mesmo cuidando-se de tratados de integração, ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção das convenções internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita no art. 4º, parágrafo único, da Constituição da República, que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL.4ºparágrafo únicoConstituição (8279 AT , Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 16/06/1998, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 10-08-2000 PP-00006 EMENT VOL-01999-01 PP-00042, undefined).

A conclusão é a que, conforme explica Menezes (D´Angelis, 2002, pág. 156), o

Brasil nesse momento, carece de uma ferramenta jurídica capaz de promover a

vigência direta dessas normas e essa ferramenta reside em reformas constitucionais

importantes no sentido de dar celeridade ao processo de viabilidade da força normativa

dos tratados internacionais oriundos do Mercosul dentro da ordem jurídica interna

brasileira, pois a idéia de superioridade hierárquica do direito internacional ainda é

fortemente rechaçada pela pratica jurídica tradicional brasileira que fica bem clara na

critica elaborada pelo Professor Wagner Rocha D´Angelis, que em referência a esta

questão assim preleciona:

[...] não havendo tradição de constitucionalização do tratado, como já o fizeram a Argentina e o Paraguai, o tema fica entregue à via jurisprudencial. E a jurisprudência Brasileira tem ficado assim com as mãos livres para regulamentar o conflito entre a norma interna e a norma internacional. Lamentavelmente, em matérias dessa ordem, os nossos Tribunais Superiores estão na contra mão da grande tendência do Direito contemporâneo que é o de dar primazia ao Direito Internacional, dificultando assim a proposta maior de integração assumida pelo Tratado de Assunção (D’ ANGELIS. 2002, pág. 12).

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo das questões referentes ao conflito de normas (Direito Interno x

Direito Externo) é um tema que não pode esgotar-se na pura e simples analise e

exposição de teorias e posições doutrinarias, uma vez que, cresce cada vez mais,

conforme percebido nos apontamentos supra, a preocupação internacional com

Princípios e Garantias referentes aos Direitos Humanos além da busca pela integração

na forma de diversos tratados internacionais de proteção a esses valores8, e a

conseqüência lógica e necessária desse aperfeiçoamento do tratamento das questões

internacionais é a de que a delimitação política e territorial de um Estado, já não pode

servir de escudo para praticas autoritárias de violação a esses valores. Ou seja, a

conscientização internacional acerca da necessidade do estabelecimento de um Direito

Internacional protetor dos Direitos Humanos dissolve a concepção de soberania

clássica, de que os governos podem abrigar-se perante a comunidade internacional em

seus Estados valendo-se de sua ordem jurídica interna. Para ilustrar essa realidade,

um bom exemplo é a Declaração Universal de Direitos Humanos que elenca uma série

de princípios cujo respeito pelos Estados atualmente constitui verdadeira obrigação na

ordem internacional na busca pelo respeito mútuo é o que se extrai das palavras de

Flavia Piovesan:

Para este estudo, a Declaração Universal de 1948, ainda que não assuma a forma de tratado internacional, apresenta força jurídica obrigatória e vinculante, na medida em que constitui a interpretação autorizada da expressão “Direitos Humanos” constante dos arts 1º, (3) e 55 da Carta das Nações Unidas. Ressalte-se que a luz da Carta, os Estados assumem o compromisso de assegurar o respeito universal e efetivo aos direitos humanos. (PIOVESAN, 2002, pág.154).

8 Flavia Piovesan denomina como Estrutura Normativa do Sistema Global de Proteção aos Direitos Humanos.

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Já a busca pela integração ainda esbarra no complexo e burocratico processo

de flexibilização das soberanias, condição sem a qual, torna-se inviável a composição

de um bloco multilateral de cooperação internacional econômica pois a barreira

constitucional imposta pela vontade jurídica interna de um determinado Estado, como

no caso do Brasil, segundo o que leciona Jorge Fontoura Nogueira, fato este que

impede que o Mercosul alcance os objetivos almejados pelo Tratado de Assunção na

velocidade que seus idealizadores imaginavam a época em que foi celebrado:

A grande dificuldade da construção comunitária reside na adequação e viabilização do convívio jurídico entre as partes que se propõe a construir um todo. As lições européias são nesse sentido luminares. O convívio intergovernamental, onde as decisões são tomadas por consenso e unanimidade, de resto como é convictamente o Mercosul, revela o impasse das assimetrias legais, reflexo muito mais de uma profunda diversidade cultural, do que desencontro normativo (D´ANGELIS. 2002, pág. 114).

Nesse sentido, a evolução dessa cooperação econômica, depende da

receptividade por parte de cada Estado-membro, das normas provenientes dos acordos

firmados e em se tratando de Mercosul, apesar, dos poucos avanços, o Brasil

necessita evoluir no sentido de reconhecer o direito internacional não como ameaça a

sua autonomia política, mas como uma importante ferramenta de condução a

integração.

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