13
Comunicação Pública Vol.9 nº16 | 2014 : Varia Obituário Usos e Abusos da Cultura. Richard Hoggart e a Cultura Vivida da Classe Trabalhadora The Uses and the Abuses of Literacy. Richard Hoggart and the WorkingClass Lived Culture DIOGO SILVA DA CUNHA Texto integral Introdução Richard Hoggart foi, antes de mais, um filho que nunca deixou de amar os pais e um pai que nunca deixou de ser amado pelos filhos. Oriundo de uma família da classe trabalhadora, Hoggart reivindicava para si uma filiação humanística distante da tradição elitista estabelecida. Depois de uma longa e preenchida vida, de 95 anos, Richard Hoggart faleceu no passado dia 10 de Abril de 2014, num ano fatídico para os estudos culturais, depois da perda de Stuart Hall, colega de Hoggart, a 10 de Fevereiro de 2014, e para a família Hoggart, que perdeu Simon Hoggart, filho de Richard, jornalista no The Guardian, no dia 5 de Janeiro do mesmo ano. 1 Apesar de tão grandes perdas, 2014 é o ano em que se comemora o 50.º aniversário da fundação do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS) da Universidade de Birmingham – marca maior do legado de Richard Hoggart, e que permanece como referência fundamental para o estudo da cultura enquanto forma de “ideologia vivida” (lived ideology) e como marca da emergência de um novo modelo de inquirição crítica quanto à relação entre produção e consumo de bens culturais. Embora a importância da sua obra não tenha sido esquecida, sendo recordada neste contexto em obituários internacionais (principalmente ingleses, 2

Usos e Abusos Da Cultura

Embed Size (px)

DESCRIPTION

abusos da cultura

Citation preview

  • 07/04/2015 UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadora

    http://cp.revues.org/861 1/13

    ComunicaoPblicaVol.9n16|2014:VariaObiturio

    UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadoraTheUsesandtheAbusesofLiteracy.RichardHoggartandtheWorkingClassLivedCulture

    DIOGOSILVADACUNHA

    Textointegral

    IntroduoRichardHoggartfoi,antesdemais,umfilhoquenuncadeixoudeamarospais

    eumpaiquenuncadeixoudeseramadopelosfilhos.Oriundodeumafamliadaclasse trabalhadora, Hoggart reivindicava para si uma filiao humansticadistantedatradioelitistaestabelecida.Depoisdeumalongaepreenchidavida,de95anos,RichardHoggartfaleceunopassadodia10deAbrilde2014,numanofatdico para os estudos culturais, depois da perda de Stuart Hall, colega deHoggart,a10deFevereirode2014,eparaafamliaHoggart,queperdeuSimonHoggart, filho deRichard, jornalista noTheGuardian, no dia 5 de Janeiro domesmoano.

    1

    Apesar de to grandes perdas, 2014 o ano em que se comemora o 50.aniversriodafundaodoCentreforContemporaryCulturalStudies(CCCS)daUniversidadedeBirminghammarcamaiordolegadodeRichardHoggart,equepermanececomorefernciafundamentalparaoestudodaculturaenquantoformadeideologiavivida (lived ideology) e comomarcada emergnciadeumnovomodelodeinquiriocrticaquantorelaoentreproduoeconsumodebensculturais. Embora a importncia da sua obra no tenha sido esquecida, sendorecordadanestecontextoemobiturios internacionais (principalmente ingleses,

    2

  • 07/04/2015 UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadora

    http://cp.revues.org/861 2/13

    Umavidapreenchida

    como no The Telegraph e no The Guardian) e nacionais (nos suplementosculturais doPblicoe doExpresso), altamente relevante para os estudos decomunicaoreabilitarassuasideiasnoquadrodasociedadegeneralizadamentemediticadequefazemosparte.

    HoggartnasceunoltimoanodaGrandeGuerra(19141918),noseiodeumafamliapobredaclassetrabalhadora,emPotternewton,nodistritodeChapeltownda cidade britnica de Leeds. Neto de um caldeireiro e filho de um pintor deparedes combatente na Guerra dos Beres (18991902) e na Grande Guerra,perdeucedoosseuspaisopaidevidoabrucelose,ou febredeMalta,quandoHoggarttinhaumano,eamededoenacardaca,quandotinhaoito.

    3

    AmortedospaisconduziuaumaabruptaseparaoentreHoggarteos seusdois irmos, e subsequente diviso das guardas parentais entre vriosfamiliares.Hoggart foicriadoporduas tias,umtio,umaaveumprimomaisvelhoemHunslet,nosuldeLeeds.DepoisdeterfrequentadoaJackLanePrimarySchool,conseguiuentrarnumagrammarschool,aCockburnHighSchool,apesardeterchumbadonoexameelevenplus1.Foiaceitegraasaoapoiodeumdirectorque,acreditandonoseutalento,pediuumareleituradoensaiocomqueojovemingls concorrera a uma bolsa escolar e insistiu para que a Local EducationAuthority(LEA)oaceitasse.

    4

    Mais tarde, o Board of Guardians local prestou ajuda a Hoggart para quecontinuasse a estudar, com vista a obter o seu Higher School Certificate. Noobstante este pequeno sucesso pessoal, no incio de um trajecto demobilidadesocial ascendente as condies gerais da vida deHoggart (orfandade, pobreza,loucuradasuatiaealcoolemiadoseuprimo,longocaminhoatescola,faltadelivros em casa, frio, baixa estatura, ansiedade e incerteza quanto spotencialidades da sua capacidade intelectual) conduziramno a um colapsonervoso,em1932,nofinaldosemestredeVero(Inglis,2014).

    5

    A transiode uma escola pblica frequentadapor filhos do operariadoparaumagrammarschooleraumsinaldemudana,porquesignificaria,desdelogo,queHoggart iriafrequentar,umdia,umauniversidade.Ofuturofinanciamentoatravs de uma bolsa da LEA permitiria que Hoggart viesse a integrar oDepartamentodeInglsnaUniversidadedeLeeds,tornandosealunodeBonamyDobre,amigopessoaldopoetainglsThomasS.Eliot.

    6

    Mas o passado nunca desapareceria. A famlia deixaralhe uma marcaindelvel, como se observa na referncia que toma, precisamente, deEliot paraabriro seu livronotoriamentemaisautobiogrfico,AMeasuredLife: theTimesandPlacesofanOrphanedIntellectual:emcasaquesecomea(EliotapudHoggart,1994a).Comsegurana,alis,sepodeafirmarqueaexperinciafamiliardeclassedeixounojovemHoggartumprofundosentidodecommunis(Bailey&Eagleton,2011,p. 15).Esse sentidocomeouna imersonumavariada redederelaesfamiliaresefindounumlardeidosospertodacasadoseufilhoPaul,comHoggart ea suaesposa,Mary, imaginandooque jningumpoderdescrever.Hoggart morreu de doena prolongada, depois de muitos anos com demnciasenil.

    7

    Dottulo,AMeasuredLife,aoscomentriosderecensesnacontracapa,olivroqueunea trilogiaautobiogrficaomelhordos testemunhosquedocontadecomo a famlia modelou a vida de Hoggart a diversos nveis, comeando naquesto filosfica do sentido da vida e passando pela questo sociolgica dareproduosocial,pelasua imaginaoepela sua formadeestabelecer relaesinterpessoais (Bailey & Eagleton, 2011). A primeira parte da trilogia, A Local

    8

  • 07/04/2015 UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadora

    http://cp.revues.org/861 3/13

    OsUsosdaCultura

    Habitation,descreve a vida deHoggart entre 1918 e 1940 e o seu percurso nocircuitofamiliar,comeandopelasombradamortedasuatianoHospitaldeSt.JameseprosseguindoatsuapartidadeYorkshireparasejuntaraoexrcito.Asegundaparte,A Sort of Clowning, traa, de 1940 a 1959, a sua vida desde avivncia da guerra em Inglaterra at ao incio da sua carreira. Por fim, AnImaginedLifeasecodedicadareflexofinalsobreainfncia,ajuventudeeacarreira,centrandosenosanosde1959a1991.

    Depois de servir na II GuerraMundial, noNorte de frica e em Itlia, ondeensinouossoldadosqueaguardavampeladesmobilizao,HoggartjuntouseaoDepartamento de ExtraMural Studies da Universidade de Hull, ondepermaneceu at 1959, como tutor de educao para adultos. A sua primeiramonografia,Auden An Introductory Essay, publicada em 1951, resultou deumainvestigaosobreaobradopoetaW.H.Auden(19071973).

    9

    Sseisanosdepois,em1957,queasuaopusmagnum,TheUsesofLiteracy.Aspects of WorkingClass Life with Special Reference to Publications andEntertainments, foi publicada. O livro, que, no seu entender, por questeseditoriaisnopdetercomottuloTheAbusesofLiteracy(Hoggart,1994b), foitraduzidoredutoramentepara francs,comoLaCultureduPauvre,em1970,epara portugus, como As Utilizaes da Cultura, em 1973. Obra seminal docampodosestudosculturais,olivroprocuraestudarasinflunciasdaculturademassas,queemergiranopsguerra,nomeadamenteadifundidapelosmeiosdecomunicao,sobreasclassespopulares.

    10

    TheUsesofLiteracydivideseemduaspartes:adeumaordemmaisantigaeadeumaordememqueoantigocedelugaraonovo.Naprimeiraparteasforastradicionais,comoatransmissooral,asvriasfigurasdafamlia,asensaodeprivacidadedo laredobairroouaqualidadedascasashabitadasedasroupasutilizadas,soapresentadascomoprodutorasdeumaordemautntica,desiparasi,edeumaculturaprprianohlugarcomoolar(Hoggart,1957,p.32).Nasegundaparteexpemsedeformacrticaasdiferenasculturaisqueconstituemasatitudesnovas,antagnicasdasforastradicionais.

    11

    Asatitudesnovas traduzema industrializaoeaamericanizaodevriasformasculturais.Tratasedeumacrescente indiferenarelativamenteaoestadodascoisas,baseadanacrenadequealgumindefinidoseragentedemudana.Hoggartdiagnosticatambmumamaiororientaodoquotidianoemfunodohorrio de trabalho, sendo os bares de leite (espcie de cafs suburbanos queserviamdeespaoparaencontrodos jovensdacomunidade local)eoscafsosstios onde os consumos se orientavam para o puro prazer (amusement), noquadro da cultura da jukebox ou cultura dosmilkbars, caracterizada poruma espcie de podrido espiritual seca por entre o odor do leite fervido(Hoggart, 1957, p. 204). A completa desregulao do consumo desses jovensfaziaos gastar todo o seu salrio nas mquinas de discos e nas bebidas maisbaratas(chemvezdeleite,porexemplo).

    12

    Para Hoggart, as atitudes novas esto relacionadas, tambm, com umaconduo da liberdade em direco ao usufruto da pura sensao, e com umamaiorvariedadedeconcepesdedemocracia,intimamenteligadasproduode massas e autonomizao dos processos produtivos. H um maioramolecimento dos receptores, atravs da fragmentao e da personalizaodosprodutos processos responsveis pelamorte causadapela excitao contnuaexercidapeloentretenimento,oqualnoaviltaogosto,mas,sim,oincita.

    13

    Hoggartsublinhatambmumabandonodaescritacomoprocessocriador.Esta14

  • 07/04/2015 UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadora

    http://cp.revues.org/861 4/13

    CulturaeSociedade:daCulturaeCivilizaoaoCulturalismo

    passaaserumameracorrespondnciacomossonhosdospblicos:darlhesoquequerem, eis o novo ethos da escrita dieta de sensao sem compromisso(Hoggart,1957,p.202).ParaHoggarth,ainda,umamaiorcompetioentreosjornaispopulares,conducenteaconstantesmudanasdeestiloedeterioraodaqualidade.Tudomaisrpido,nadanovo,tudotrivial(atosexo).

    Embora a msica popular no mostre, na investigao de Hoggart, tonitidamente o efeito da organizao comercial moderna, este indica que quasetodasasmsicassoamericanasequesopraticamenteconstitudasapenasporvocais. No devemos esquecer que o escopo disponvel para Hoggartrelativamenteindstriamusicalerareduzido(ecabenosaindasublinharque,emboraacomercializaodediscossetenhafeitodesdeoinciodosculoXX,eosestereofnicos tenham surgido em 1955, apenas com o surgimento do discocompacto, na dcada de 80, que se d uma grande mudana no registo e nocomrciomusicais).

    15

    As novas influncias representam uma nova ordem, imposta de cima parabaixo, contrria ao princpio de comunidade e orientada para fins comerciais.Estaordemadosmeiosdemassacapitalistaseadaculturademassacomercialasmodernasinstituiesdocinismo,darecusaedadistribuio(Williams,1960 [1958], p. 353). Embora essas atitudes novas fossem perniciosas, porexplorarem os instintos bsicos da classe trabalhadora, tornandoa passiva edespolitizada,aresistnciaeacapacidadedeadaptaodasforastradicionaispermitiram que alguns aspectos permanecessem sem mudana (Mattelart &Neveu, 2003, p. 36). A aco destas foras permitiu que a massificao daproduo no desvirtuasse completamente os domnios mais amplos da vidaquotidianaportanto,nemaclassesocialfoimortanemodiferencialentrericosepobresfoiesbatido.

    16

    NodevemosignoraraargciadaargumentaodeHoggartaoconceberumaordemantigadeclassetrabalhadorabastantedecente.Areduzidarefernciaaosdomniosdocrimeedapolticarelativamenteaestaclassesobrevalorizaopoderdasatitudesnovase,pelomenosemcertamedida,desresponsabilizaa,comosea sua criminalidade e a sua despolitizao fossem consequncias puras damercantilizaoculturalenohouvessenenhumaopodeescolha(Brantlinger,1990,p.46).

    17

    AatenoqueHoggartdeuclassetrabalhadoranofoiantagnicaperanteasuadesconfianarelativamenteindustrializaodacultura.Odeclnioculturalna classe trabalhadora do psguerra diagnosticado e criticado na sua obracolocao no quadro terico da tradio Cultura e Sociedade, cartografada porRaymondWilliams.Williamselaborouomapadessatradio,de1780a1950,deEdmundBurke aGeorgeOrwell, combasenoprincpio segundoo qual a ideiamodernadeculturasurgiunopensamento inglscomaRevoluoIndustrial,esendo, portanto, classe, cultura, indstria, democracia e arte coordenadasinseparveis(Williams,1960[1958]).SegundoPatrickBrantlinger,Hoggartest,noquadrogeralda tradio CulturaeSociedade,na longa linhaempiristadatradio britnica de observao etnogrfica, onde se incluem Henry Mayhew,Charles Dickens, Benjamin Disraeli, Elizabeth Gaskell e Frederick Engels(Brantlinger,1990,p.45).

    18

    Embora Hoggart partilhasse das preocupaes gerais da tradio Cultura eSociedade, com ele a noo de cultura ganhou umnovo lugar no pensamento

    19

  • 07/04/2015 UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadora

    http://cp.revues.org/861 5/13

    social. Richard Johnson, o ltimo director do CCCS, cunhou o termoCulturalismo,em1979,paradescreveraobradeE.P.Thompson,masomesmotermo serve tambmpara descrever os trabalhos deHoggart, deWilliams e doprprioHall(Storey,1993,p.43).OCulturalismoprovocouumarupturacomavisoestabelecidadatradioCulturaeCivilizao,noquadrogeraldatradioCulturaeSociedade.AdoutrinadaCulturaeCivilizaofoidesenvolvidanarevista de literaturaScrutiny: A Quarterly Review, fundada em 1932 por L.C.KnightseF.R.Leavis.

    Este tipo de crtica literria remonta obra de Matthew Arnold, que, sob otraado de Samuel Taylor Coleridge, estabeleceu a agenda do debate que opscultura a anarquia, o qual permaneceu at 1950. Numa crtica romntica doindustrialismo, para Arnold a anarquia era sinnimo daquilo a que se chamacultura popular (que para ele no era sequer cultura), vista como naturezadisruptiva da cultura vivida da classe trabalhadora, cabendo cultura umafunodevigiasobreapresenadisruptivadaanarquia(Storey,1993,p.22).Acultura,emtermosdearranjoconceptual,correspondecapacidadedeconhecero melhor, ao melhor, aplicao mental e espiritual do que melhor e buscadoquemelhor(Storey,1993,p.22).AprincipalpreocupaodeArnoldnoestnosprodutosculturais,masnaordemsocial.Nessesentido,aanarquia(aculturapopular)correspondeaumadesordempoltica,sendorejeitada,assim,a noo reivindicativa de poltica enquanto protesto e oposio, num apoioelitistaautoridadeestabelecidaeordemdominante(Storey,1993).

    20

    A partir da poltica cultural de Arnold, F. R. Leavis iniciou uma crtica estandardizaoereduodenveldosprodutosculturaisdadcadade30.Naverdade,os sculosXIXeXXsocaracterizadoscomo temposdedesintegraocultural, originados pelas possibilidades comerciais trazidas pela RevoluoIndustrial. A desintegrao seguiuse a uma era de ouro de um passado rural(mtico)decoernciacultural,comooperodoisabelino,noqualsurgiuoteatrodeShakespeare,baseadoemprincpiosautoritriosehierrquicos(Storey,1993).

    21

    EmboraHoggart tivesse emcomumcoma Cultura eCivilizao a visodanatureza disruptiva dos meios de comunicao modernos e da culturamassificada, e, como Leavis, partisse de um padro de crtica literria para aanlisedacultura,asuanoodestaeraamplamentedistinta.Hoggartprocuroulivrarsedaassunotcitadequeosrecursosculturaissolimitadosedequeouniversomoraldosreceptoresdaclassetrabalhadorarestrito(Hall,2008).Estaclasse tem, assim, paraHoggart, a sua prpria cultura, enquanto prticas defazer sentido (Hall, 2008, p. 7). A definio de classe trabalhadora (queempiricamenteestavamuitocentradanooperariadodeLeeds)esquivase,destemodo,atituderomntica,quetemumadefiniogloriosadeclassesenquantoexaltaodopassado(Hoggart,1957,pp.1517).

    22

    Aindaquenolhetenhasidoconferidapelatradioliterria,nemtenhasidounificada,aculturadaclassetrabalhadoratocomplexaericacomoaculturadefendidapeloelitismo,oque implicaqueosefeitosdosmeiosdecomunicaomodernos sobre esta classe no sejam absolutos, como que preenchendorecipientes vazios ansiosos por ficarem completos (Hall, 2008). Na sua lioinauguralemBirmingham,emFevereirode1963,intituladaSchoolsofEnglishandContemporarySociety,Hoggartdeixaraclaroqueaosinvestigadoresfaltavahumildadeparaobservar,defacto,aquiloqueosreceptoresretiravamdosmeios,oquerequeria,aseuver,umacertapaixopelaartepopular(Owen,2008).

    23

    O Culturalismo surge deste modo como uma abordagem que analisa asformastextuaiseasprticasdocumentadasdeumacultura,comnfasesobreoagenciamentohumano,ouseja,sobreaproduoactivadecultura,emvezdoseuconsumopassivo(Storey,1993,p.44).nestesentidoqueseafirmaque,naspalavras deHall, semHoggart nunca teria havido CCCS, e sem oThe Uses of

    24

  • 07/04/2015 UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadora

    http://cp.revues.org/861 6/13

    CentroparaEstudosCulturaisContemporneos

    Literacy no haveria estudos culturais, pois Hoggart o responsvel pelaviragemcultural(culturalturn)nas cincias sociais ehumanas isto ,pelacentralidade discursiva e disciplinar da cultura enquanto mediadora de tudo,comocategoriaprimriaeconstitutivadeanlise(Hall,2008,p.3).Istoimplicaque o foco de observao seja colocado nas prticas locais constitutivas daestruturadoquotidianoeconstitudasnesta(Lewis,2002).

    Em 1964,Hoggart fundou oCCCS, enquanto leccionava InglsModerno.Nasua j referida lio inaugural, estabeleceu o programa do CCCS atravs dacircunscrio de trs grandes reas de investigao. Primeiro, aquela quedenominoureahistricaefilosfica,aqualdizrespeitoaoestudodasideias,dasuamudanaedasua interacoao longodo tempo.Emsegundo lugar,oquedesignou por rea da sociologia da literatura e artes, que indaga sobre asignificao social e artstica dos produtos culturais e sobre as audincias e ainflunciadosmeiosdecomunicaoquantoaestas,atravsdeumaabordagemquecombinacrticaliterria,sociologia,psicologiasocialehistriasocial.Porfim,surge a rea a que deu o nome de crticoavaliativa, a qual, nos mbitos dasociologia e da psicologia social, questiona os significados imaginados, asatitudessociaiseasqualidadesestticaseculturaisdaartedemassaedaarteeculturapopulares,incluindoficopopular,imprensa,cinemaeteleviso,msicaepublicidade(CCCS,1964).

    25

    Emboraa implementaodocentrotenhasido lenta,devidomarginalidadeinstitucional dos seus fundadores, s limitaes financeiras e falta delegitimidadeacadmica(advindadadesconfianadoscolegasinvestigadoresdequestesculturais,demasiadopresos,nomeadamente,visoelitistadecultura),osanosde1964a1980podemserconsideradoscomoaprimaveradosestudosculturais(Mattelart&Neveu,2003,p.47).

    26

    Istonosignifica,porm,queafundaoeoprogramadoCCCStraduzamumaorigemabsolutadosestudosculturaisasuaagendainicialparte,alis,dacrticaliterriaprpriadatradioCulturaeCivilizao(Brantlinger,1990).OstextosfundacionaisdosestudosculturaisbritnicosTheUsesofLiteracy,deHoggart,CultureandSocietyeTheLongRevolution,deWilliams, e, tambm,o jmaistardioMakingoftheEnglishWorkingClass,deThompsoncontinuaramafazerpartedatradioCulturaeSociedade,emborajnofossempartedaCulturaeCivilizao.Oqueestemcausaque,enquantoinstituiochavenoprocessode institucionalizao dessa nova disciplina, o CCCS estabeleceu novasconfiguraes para elementos j existentes, num jogo de continuidades edescontinuidadesentredisciplinas(Turner,1992Hall,2005[1980]Hall,2005[1996]).

    27

    Mas na dcada de 60 Hoggart no esteve apenas mergulhado no trabalhoacadmico, fechado entre quatro paredes. Pelo contrrio: interveio por diversasvezesna esferapoltica.Em 1960, surgiu como testemunhadedefesa frente aoMinistrioPbliconoprocessolevantado,porobscenidade,atravsdoObscencePublications Act de 1959, contra o livro Lady Chatterleys Lover, de D. H.Lawrence, publicadopelaPenguinBooks.OdepoimentoprestadoporHoggart,queduranteojulgamentodefendeuqueotrabalhodeLawrenceerapuritano(emvezdeobsceno, comoargumentavaaacusao)edetentordegrandequalidadeliterria,foireplicadonadramatizaodojulgamentofeitanumasriedaBBCde2006,comDavidTennantnopapeldeHoggart.Aposioqueestemantevefoia

    28

  • 07/04/2015 UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadora

    http://cp.revues.org/861 7/13

    EstudosCulturais

    de que o livro no era seno resultado de um puritanismo noconformistabritnico(Hoggart,1997).Em1961,olivrodeLawrencefoipublicadocomumaintroduoredigidaporHoggart.

    O papel poltico deHoggart era, destemodo, o de servir a cultura na esferapblica.Istotambmbastanteevidentenoperodoentreosanosde1960e1962,emqueHoggartfezpartedoPilkingtonCommitteeonBroadcasting,cujorelatriode 1962 permitiu a criao da BBC2 (Jernimo, 2014).Hoggart defendeu umaconcepoculturaldeserviopblico,atentasdiferenasnoacessoinformaoenacompreensodoselementos radiofundidos, contraaconcepoeconmica,defendida, por exemplo, por Margaret Thatcher, a cujo estilo de polticadogmtica Hoggart se opusera parece, alis, que Thatcher est por detrs dodespedimentodeHoggartdoArtsCouncilofGreatBritain,ondeestevecomovicepresidenteat1981(Bailey,Clarke&Walton,2012).

    29

    Mais tarde, nos incios dos anos 70, Hoggart abandonou o CCCS para serdirectoradjuntodaUNESCO,emParis,ondeexerceuactividadesde1970a1975,dasquaisresultouumlivroquepublicouem1978AnIdeaand itsServants:UNESCO fromWithin. Neste livro, no s descreveu as polticas internas daorganizao como tambm criticou os seus pontos menos fortes, quer no querespeitaaocumprimentodamissoorganizacionalquernoquetemquevercomamquinaburocrtica(Hoggart,1978).

    30

    Quando, em 1976, Hoggart regressou a Inglaterra, para dar aulas noGoldsmithsCollegedeLondrescujoprincipaledifciofoirenomeado,em2006,RichardHoggartBuilding,ondepermaneceuatsuareforma,em1984,estavajdistanciadodosdesenvolvimentosdosestudosculturaisdosanos80.

    31

    Na sua investigao sobre a classe trabalhadora, Hoggart no tinha apenasrompidocomoromantismodatradioCulturaeCivilizao,mastambmcoma tradio marxista. Para Hoggart, nenhuma das duas oferecia uma noo declasse centradana sua culturaparticular. Ja tradio Cultura eCivilizao,segundoHoggart, oferecia umanoo gloriosa de classe enquanto exaltao deum passado a que se deveria retornar Hoggart, 1957, pp. 1517). A tradiomarxista, especialmente atravs da noo de classe mdia, conceptualizava,segundo Hoggart, a classe trabalhadora como unidade explorada, indefesa,socialmente determinada pelo seu estatuto econmico, e, portanto, como umaunidadequedeveriaserprotegidapelasociedade(Hoggart,1957,pp.1517).

    32

    EstedesviodeumapreocupaocomopoderemtermosdeeconomiapolticapodetersidoverdadeiroemHoggart,masosrestantesautoresdoCCCSviriamarecuperar noes marxistas de anlise social, principalmente de inspiraofrancesa.Williams e Thompson defenderiam uma viso de histria social combaseemlutasentreculturaeeconomia,procurando,noentanto,escaparaumanoodeculturaeconomicamentedeterminadapelabasematerialconstituintedasociedade(Mattelart&Neveu,2003).

    33

    Estas vises desenvolveramse no quadro da na altura recmsurgida NovaEsquerda,nadcadade60.Naorigemdestarenovaodopensamentosocialistaesto uma desiluso geral pelas promessas incumpridas domodelo comunista(em particular, destaquese que Williams tenha abandonado o PartidoComunista)eummalestarcultural(nosentidoculturalistadepertencer)sentidopor jovens emmobilidade social ascendente, queno estavampreparadosparaviverem condies de classe distintas das daquelas de que eram originrios(Mattelart&Neveu,2003).Paraarticularonovopensamentoesquerdistasurgeem Inglaterra, em 1960, a revista New Left Review, de que Thompson ,

    34

  • 07/04/2015 UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadora

    http://cp.revues.org/861 8/13

    precisamente, um dos fundadores, e na qual so publicados vrios artigos dosinvestigadoresdoCCCS,inclusivamentedoprprioHoggart.

    Oqueomarxismodosestudosculturaisbritnicospretendefazerumdesvioda teoria marxista mecanicista, economicamente determinada, atravs de ummarxismo crtico ou marxismo sociologizado isto , questionando asmodalidadesconcretasnasquaisaestruturaeconmicaincorporadaenasquaisosreceptoreslheresistem(Mattelart&Neveu,2003,p.6467).

    35

    A partir do momento em que a cultura foi problematizada relativamente aopoder,os culturalistas evidenciaramumanecessidadede repensara teoria.Em1976,Hall apresentar uma investigao que defende a tese de que os estudosculturais britnicos vivem em estreita dependncia do pensamento francs.Assim, sero importadas noes do estruturalismo francs, de Claude LviStrausseRolandBarthes,domarxismoheterodoxoalemo,deWalterBenjamineBerthold Brecht, e do marxismo de vanguarda de lngua francesa de LouisAlthusser(Brantlinger,1990).

    36

    Acultura repensada luzdaproblemticadopoder conduz importaodecinco noes estruturantes para os estudos culturais britnicos. Apresentlasemosdeformasumria,apartirdevriasfontessecundrias(Brantlinger,1990Mattelart&Neveu, 2003Storey, 1993).Aprimeira ade ideologia (noo tocentral que o americano James Carey considerou que esses estudos podiamreceber o nome de estudos de ideologia (Carey apud Storey, 1993, p. 2)),utilizada por Marx enquanto um corpo de ideias, sistemas de valor erepresentaes, que incorpora as relaes de dominao da classe dominantesobre a dominada. usada por Barthes enquanto um mito, ou seja, umalinguagem falsamentenatural, que servede veculo, atravsdeumprocessodeconotao,auma intenoquesenaturalizaeseapresentadisfaradade facto.Althusser utiliza o conceito de ideologiamais virado para prticas ideolgicas,comohbitoserituais,quefazemamanutenodaordemsocial.

    37

    A segundanoo estruturante adehegemonia.Este conceito foi formuladopelotericomarxistaitalianoAntnioGramscinosanos30.Tratasedeosgruposdominantes construirem poder, num processo de controlo intelectual e moral,atravs do consentimento dos dominados relativamente aos valores da ordemsocial.

    38

    Aterceiranooaderesistncia.Oconceitoevidenciaanopassividadedosreceptores.Estesnosovistoscomoidiotasculturais,naexpressoconhecidade Clifford Geertz (Geertz apudMattelart & Neveu, 2003, p. 62). A noo deresistncia era j utilizada por Hoggart contra a ideia de consumo passivo.Articuladacomaideiadeincorporao,sublinhaocarcternegocialdoconsumo,no qual nem as ideias nem as prticas so simbolicamente assimiladasverticalmente (nemde cimaparabaixo,nemdebaixopara cima), sendoo simnumsentidoprprioelocalmentesituado.

    39

    Aquartaequintanoesestruturantesestointimamenteassociadas:trataseda identidade e da representao. Os colectivos (gerao, gnero, etnicidade,sexualidade, etc.) so constitudos por indivduos que constroemintersubjectivamente a sua identidade.A questo aqui a de como que essescolectivos so representados. A ideia de representao, como a de ideologia,apontaparaanaturezapolticadetodaaculturaediscurso(Brantlinger,1990,p.104).

    40

    Assim sendo, os estudos culturais britnicos, que em Hoggart se moveramatravsdametodologiadacrtica literria,ganharamnovoscontornosnosseuscontemporneosenasseguintesgeraesdoCCCS.Acabariamporsecentraremestudos feministas e pscoloniais, tnicos e antropolgicos, comunicacionais emediticos,relegandoparaumplanosecundrioareadequeemergiram,adacrticatextualedeestudosliterrios(AguiareSilva,2008).

    41

  • 07/04/2015 UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadora

    http://cp.revues.org/861 9/13

    Linguagem,mediaesociedade

    Maisdoqueumadisciplinapuraeestabelecida,osestudosculturaisseriamumcampo interdisciplinar com vrias metodologias, como as da etnografia, dasemiologia,dahistriasocial,daanlisedediscursooudosestudosderecepo,audincias e consumo. Na contemporaneidade, as referncias dos estudosculturaissobastantevariadas.

    42

    Seguindo John Storey, as principais referncias viriam de vriosmarxismos,como o da Escola de Frankfurt (com figuras como Theodor Adorno, MaxHorkheimer, Leo Lowenthal e Herbert Marcuse), como o de, Mikhail Bakhtin,LucienGoldmanneGyrgy[Georg]Lukcs,mastambmcomoodosjreferidosAlthusser,Gramsci eBenjamin.As referncias viriam tambmdapsicanlisemaisdoquedeSigmundFreud,deJacquesLacan,LauraMulveyeSlavojiek.Outras referncias viriam do estruturalismo e do psestruturalismo, dos jreferidos LviStrauss e Barthes, mas tambm de Ferdinand de Saussure,WillWright,MichelFoucault,ChristianMetz,JacquesDerridaouJuliaKristeva.Hainda referncias de vrios feminismos e de crtica racial, e esto tambmpresentesosautoresdateoriasocialpsmoderna,comoJeanFranoisLyotard,JeanBaudrillardouFredericJameson.

    43

    Apesardasmudanasdeperspectivadosestudosculturaisbritnicos,Hoggartcontinuariaassuasinvestigaes.Oseupenltimolivro,EverydayLanguage&EverydayLife,resultadapercepodequegrandeporododiscursoquotidianonosearticulaatravsde frases inteirasmasdesaltosentre frases feitas,oqueconduz necessidade de estudar epigramas, adgios, aforismos, apotegmas eoutros ditos inscritos naquilo a que Hoggart chama linguagemcultural(culturallanguage)(Hoggart,2003,p.97).Devemosrecordarquejtinhafeitoumestudoinacabadodasmudanasnasmaneirasdefalar,atravsdaanlisedesotaqueseentoaes,emTheUsesofLiteracy.

    44

    Anoodelinguagemcultural,aindaquenoelaboradateoricamente,remeteparaumaquestojanteriormentetratadaporHoggart:adealinguagemnoserclassless,ouseja,adehaverpadrescaractersticosdosgrupossociaisdequeosujeito enunciador faz parte. A insistncia norteamericana no igualitarismoproduz, segundo Hoggart, uma srie de expresses transmissoras da ideia deausncia de classe, inclusivamente em termos expressivos. Essa ideia serve decintodeseguranasclassesmdias,conquantoseja frgil,comoquefeitodepapelprensado(Hoggart,2003,p.162).

    45

    Numa estrutura conceptual semelhante utilizada emTheUses of Literacy,Hoggart verifica um enfraquecimento das instituies tradicionais,nomeadamentenaquelasquefaziamamanutenodoestiloantigodedivisodeclasses sociais, mas considera que essas foras continuam a ter muito peso,nomeadamentenoquedizrespeitonoodelarenquantolocaldepertena(quersejaoporodeumahabitao,quersejaumafreguesia,olarondenossentimosemcasa).

    46

    Mas novas foras fizeram emergir novas divises estatutrias, e a energiaemocional previamente despendida na manuteno das antigas divises declasses parece ter sido transferida para a manuteno dessas novas divises(Hoggart, 2003, p. 171). Esta emergncia, com uma dimenso expressivaassociada,bemvisvelnossistemasdeeducao,sadeecomunicaosocial.Avulgaridadeeasexualidade,porexemplo,soexpressassemcuidadopelavidaintelectual,semgosto,semusodeeufemismos.Paraoactosexual,estesparecemtersereduzidoaofazersexo,enquantoexpressosbriaparafalardoassuntono entanto, palavres simples podem ser impressos ou expostos em qualquer

    47

  • 07/04/2015 UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadora

    http://cp.revues.org/861 10/13

    meiodecomunicaosocial(Hoggart,2003,p.113).Opoucocuidadotidocomalnguainglesa,noquadrodaconstituiodemaneirasdefalarespecficasatravsdoprocessomassificadodemediatizao, e particularmentedo apagamentodeShakespearedoscurriculabritnicos,obrigaHoggartaconsiderarqueastesesdeArnold,datradioCulturaeCivilizao,aindatmalgumsentido.

    Os media so analisados por Hoggart, portanto, numa perspectiva demassificao,naqualo relativismoa atitudeprevalecente, expressandosenopopulismoenoantiindividualismodegostosedeopinies.NotesequeHoggartjsetinhadedicadoaotemadorelativismonumlivrointituladoTheTyrannyofRelativism:CultureandPoliticsinContemporaryEnglishSociety,publicadoem1995. Para ele, oprincipal idiomado relativismo tema formade soundbites(Hoggart, 2003, p. 176), tendo amaior parte destes resultado da produo deformas prfabricadas de discurso atravs da aco dos meios de massa(Hoggart, 2003,p. 6).Estesquerem ser a vozdeumaaudincia acrtica e semgostopopular:Osentrevistadoresdosprogramasvemseasimesmoscomoavozdohomemcomum,oqueummitoredutoroseuhomemcomummuitasvezesumapessoavulgarinventada(Hoggart,2003,p.173).

    48

    O relativismo acaba por se traduzir na crena paradoxal de que no existecrenanenhuma.Amedidadascoisasdadasemoriginalidade,comausnciadeface(facelessness),eoqueimportaaquilodequesefalaamelhorrespostaperguntaEsttodaagenteafalarsobreisso?Eento?(Hoggart,2003,pp.176177).

    49

    Noseultimolivro,MassMediainaMassSociety,noqualexaminaosmeiosde comunicao de massa enquanto canal de mudana cultural, Hoggart fazequivaler vrias classificaes da sociedade actual: sociedade de massas, decomunicaes,deconsumo,demercadorias,populistae relativista.Nestaobra,procuramostrarcomo,sebemqueosmediatenhamumvalorinestimvel,graassfacilidadeseaosauxliosprticosquenosoferecem,ummitoconsiderarquenos ajudam intrinsecamente a chegar a um entendimento mtuo, visto que oconhecimento (knowledge) a que podemos chegar atravs do suporte, daordenaoedaavaliaoda informaoquenosprovidenciadapeloconsumodosmeios no necessariamente sinnimo de sabedoria (wisdom) (Hoggart,2004,pp.12).

    50

    A realidade contradiz esse mito, porque a sociedade contempornea umasociedadede consumooudemercadoriasdevido conjugaodeuma sriedeprocessosdemudanasuportadospelasensaodeclasse (conquanto,nonvelexpressivo,sejaafirmado,porvezes,ofimdasclasses)epelaexistnciadeumamaioriapopulacionalpoucoinstruda:asecularizaodasfigurasdeautoridadeoaumentodaspossibilidadesdeescolha individualaprosperidadeeconmica,capazdecontrariarasleisdareproduosocialedeampliaraenergiaemocionaldespendida em comprar a ideia de escolha individual que passa atravs dasnovastecnologias,especialmenteasdecomunicaoeumcapitalismodifuso,resultantedavivncianoquadrodeumademocraciacomercial(Hoggart,2004,p.123).

    51

    Nestasociedade,osgrandespersuasoressoosanunciantes,osprofissionaisderelaespblicaseosresponsveispelospatrocnios.Ojornalismoexercidonumasociedadedeste tipo,paraHoggart,perdeuvaloremfunodadefesade ideaisfalsamentedemocrticos,segundoosquaissenosederaopblicoaquiloqueeledesejaseincorrenumexerccioantidemocrtico,oqueconduz,nosnocampojornalsticomas tambmno audiovisual, a um tipo de censura que, em vez debanir, sugeree influencia,atravsdeocultaoou implicaoaquiloaquesechamacensuramoderna.

    52

  • 07/04/2015 UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadora

    http://cp.revues.org/861 11/13

    Concluso

    Bibliografia

    OsDOI(DigitalObjectIdentifier)soagoraacrescentadosautomaticamentesrefernciasbibliogrficasporBilbo,aferramentadeanotaobibliogrficadoOpenEdition.Os utilizadores das instituies que subscrevem um dos programas Freemium doOpenEdition podem descarregar as referncias bibliogrficas para as quais BilboencontrouumDOI.FormatoAPAMLAChicagoEste servio de exportao bibliogrfica est apenas disponvel para as instituies quesubscreveramumdosprogramasFreemiumdoOpenEdition.SedesejaqueasuainstituiosubscrevaumdosprogramasFreemiumdoOpenEditionepasse a beneficiar destes servios, por favor envienos uma mensagem [email protected].

    FormatoAPAMLAChicagoEste servio de exportao bibliogrfica est apenas disponvel para as instituies quesubscreveramumdosprogramasFreemiumdoOpenEdition.SedesejaqueasuainstituiosubscrevaumdosprogramasFreemiumdoOpenEditionepasse a beneficiar destes servios, por favor envienos uma mensagem [email protected].

    Hoggart foi um homem ambivalente, um conservador (relativamente sinstituiestradicionais)contraoelitismo(relativamenteaumaculturapensadanavertical),umamantedaculturapopular(nosseusvalorestradicionais)contraaculturadosjukeboxboys(nasuadespolitizaomoderna).Asuaobradeixavestgios mais do que suficientes para deslocar o cientista social das esferascontemporneastomadaspelasgrandestendncias,comoadafinanceirizaodaeconomia, a da leitura puramente quantificada do social e a do gnosticismotecnolgico, retirandoo desses espaos de alteridade nohumana, em que ohomem surge desumanizado, despolitizado ou mesmo apoltico, num mundopshumano,paraorecolocarnoquadrodeumavisoemqueaculturaumaformade ideologia vivida (lived ideology), transversal nossa experincia domundo, constituinte dos textos e prticas do nosso quotidiano e constitudanestes, e que surge como ferramenta para a sua inquirio crtica, e,consequentemente,comoinstrumentodetransformaosocial.

    53

    Aguiar e Silva, V. (2008) Genealogias, Lgicas e Horizontes dos Estudos Culturais. InGoulart, R., Fraga, M. & Meneses, P. O Trabalho da Teoria. Actas do Colquio emHomenagemaVtorAguiareSilva.PontaDelgada,UniversidadedosAores,pp.243269.

    Bailey,M.Clarke,B.&Walton,J.K.(2012)UnderstandingRichardHoggart:APedagogyofHope.Chichester,WileyBlackwell.DOI:10.1002/9781444346572

    Bailey,M.&Eagleton,M.ed.(2011)RichardHoggart:CultureandCritique.Nottingham,Critical,CulturalandCommunicationsPress.

    Brantlinger,P.(1990)CrusoesFootprints.CulturalStudiesinBritainandAmerica.NovaIorqueeLondres,Routledge.CCCS (1964) Centre for Contemporary Cultural Studies, First Report. Birmingham,UniversityofBirmingham.

    Hall,S.(2008)RichardHoggart,TheUsesofLiteracyandTheCulturalTurn.InOwen,S.ed.RichardHoggartandCulturalStudies.Londres,PalgraveMacmillan,pp.2032.

    Hall,S.(2005[1996])CulturalStudiesandItsTheoreticalLegacies.InMorley,D.&Chen,K.ed.StuartHall.CriticalDialoguesinCulturalStudies.LondreseNovaIorque,Routledge,pp.261274.

  • 07/04/2015 UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadora

    http://cp.revues.org/861 12/13

    FormatoAPAMLAChicagoEste servio de exportao bibliogrfica est apenas disponvel para as instituies quesubscreveramumdosprogramasFreemiumdoOpenEdition.SedesejaqueasuainstituiosubscrevaumdosprogramasFreemiumdoOpenEditionepasse a beneficiar destes servios, por favor envienos uma mensagem [email protected].

    FormatoAPAMLAChicagoEste servio de exportao bibliogrfica est apenas disponvel para as instituies quesubscreveramumdosprogramasFreemiumdoOpenEdition.SedesejaqueasuainstituiosubscrevaumdosprogramasFreemiumdoOpenEditionepasse a beneficiar destes servios, por favor envienos uma mensagem [email protected].

    Hall,S.(2005[1980])CulturalStudiesandtheCentre:someproblematicsandproblems.InHall,S.et.al,ed.Culture,Media,Language.WorkingPapersinCulturalStudies,197279.LondreseNovaIorque,RoutledgeandCentreforContemporaryCulturalStudies.

    Hall,S. (1990)TheEmergenceofCulturalStudiesandtheCrisisof theHumanities.TheHumanitiesasSocialTechnology,Vol.53,October,pp.1123.Hoggart,R.(2004)MassMediainaMassSociety:MythandReality.Londres,Continuum.

    Hoggart, R. (2003) Everyday Language & Everyday Life. New Brunswock e Londres,TransactionBooks.

    Hoggart, R. (1998 [1995]) The Tyranny of Relativism: Culture and Politics inContemporaryEnglishSociety.Londres,ChattoandWindus.Hoggart,R.(1997)Ocrnicomedodaanarquia,inFolhaOnline[Internet]Disponvelem:http://biblioteca.folha.com.br/1/22/1997112303.html[Consult.a23deJulhode2014].

    Hoggart, R. (1994a) AMeasured Life: the times and places of an orphaned intellectual.NewBrunswock,NJ,TransactionBooks.

    Hoggart,R.(1994b)TheAbusesofLiteracy.RSAJournal,Volume142,No.5451,pp.3242.Hoggart,R.(1978)AnIdeaanditsServants:UNESCOfromwithin.NovaIorque,OxfordUniversityPress.

    Hoggart, R. (1957) The Uses of Literacy: Aspects of WorkingClass Life with specialreferencetopublicationsandentertainments.Londres,ChattoandWindus.

    Inglis,F.(2014)RichardHoggart:VirtueandReward.Cambridge,PolityPress.Jernimo,M.B.(2014)RichardHoggart(19182014):contraaculturadoalgododoce,inCulturapsilon. [Internet] Disponvel em:http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/richardhoggart19182014adefesainstransigentedeumaliteraciacritica1632954#/0[Consult.a23deJulhode2014].

    Lewis,J.(2002)CulturalStudies:TheBasics.Londres,Sage.

    Mattelart,A.&Neveu,E.(2003)IntroduccinalosEstudiosCulturales.Barcelona,Paids.Mexia,P.(2014)DecnciaIndecente.Expresso,SuplementoActualde10deMaiode2014,p.3.

    Moran,J.(2006).MilkBars,StarbucksandTheUsesofLiteracy.CulturalStudies,vol.20,Issue6,pp.552573.DOI:10.1080/09502380600973911

    Owen, S. (2008) ReReading Richard Hoggart: Life, Literature, Language, Education.Newcastle,UK,CambridgeScholars.Steele, T. (1997) The Emergence of Cultural Studies, 19451965: Cultural Politics, AdultEducationandtheEnglishQuestion.Londres,Lawrence&Wishart.

    Storey, J. (1993) An Introductory Guide to Cultural Theory and Popular Culture. AnIntroduction.Hertfordshire,UK,HarvesterWheatsheaf.

    Turner,G.(2003)BritishCulturalStudies:AnIntroduction.Londres,Routledge.DOI:10.1016/B0080430767/04314X

    Williams,R.(1960[1958])CultureandSociety17801950.NovaIorque,AnchorBooks.

  • 07/04/2015 UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadora

    http://cp.revues.org/861 13/13

    Notas

    1Os exames elevenplus so instrumentos britnicos de avaliao sumativa externa quetm como objectivo distinguir os examinandos pelas suas competncias acadmicas, emdisciplinascomooinglseamatemtica,demodoapoderemtransitardoensinoprimrioparaumagrammar school. A designao do exame deriva da idade que geralmente osestudantestmquandofazemaavaliaoonzeanos.

    Paracitaresteartigo

    RefernciaeletrnicaDiogoSilvadaCunha,UsoseAbusosdaCultura.RichardHoggarteaCulturaVividadaClasseTrabalhadora,ComunicaoPblica[Online],Vol.9n16|2014,postoonlinenodia15Dezembro2014,consultadoo07Abril2015.URL:http://cp.revues.org/861DOI:10.4000/cp.861

    Autor

    DiogoSilvadaCunhaFaculdadeCincias,UniversidadeLisboa

    [email protected]

    Direitosdeautor

    ESCS