VERSÃO FINALÍSSIMA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CINCIAS DA SADE DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM DOUTORADO EM ENFERMAGEM REA DE CONCENTRAO: FILOSOFIA SADE E SOCIEDADE

ROSANI RAMOS MACHADO

O TRABALHO NO CENTRO DE MATERIAL E ESTERILIZAO: INVISIBILIDADE E VALOR SOCIAL

FLORIANPOLIS 2009

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ROSANI RAMOS MACHADO

O TRABALHO NO CENTRO DE MATERIAL E ESTERILIZAO: INVISIBILIDADE E VALOR SOCIAL

Tese apresentada ao Programa de PsGraduao em Enfermagem do Centro de Cincias da Sade da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito para a obteno do Ttulo de Doutora em Enfermagem. Orientadora: Dra. Francine Lima Gelbcke Linha de Pesquisa: Processo de Trabalho em Sade

FLORIANPOLIS 2009

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Dedicatria

Dedico este trabalho:

Aos meus pais, Otvio e Jandira, que me educaram com muito amor. Ao meu marido, Devanir, pelo apoio irrestrito e por compreender minhas ausncias, mesmo na presena. Ao meu filho, Joo Vitor, e nora, Janana, por acompanharem esta trajetria com tanto orgulho e confiana no meu desempenho. minha neta Maria Eduarda, que, antes de me pedir qualquer coisa, pergunta se eu tenho que estudar ou se ela pode ficar comigo. minha neta Maria Vitria, por ter sido to privada de colo de v neste seu primeiro ano de vida.

Agradecimentos

A Nossa Senhora, a quem sempre recorri nos momentos difceis e agradeci pelas vitrias conseguidas. A toda minha famlia, pelo respeito e incentivo constante nesta minha caminhada. Agradecimento especial s amigas Eliani Costa e Rita Flr, que me emprestaram gravador, livros,trocaram ideias e deram opinies sempre. Aos colegas e amigos do Curso de Doutorado, de cada um, uma lembrana boa. Ao diretor Dr. Flvio R. L. Magajewski, por ter facilitado minha vida, flexibilizando horrios e me liberando licenas-prmio para que eu pudesse escrever minha tese. Aos colegas de trabalho, por terem compreendido minhas ausncias. s instituies hospitalares, por disponibilizarem o campo para pesquisa. Aos trabalhadores que participaram da pesquisa, por me permitirem adentrar um pouco no mundo do CME. orientadora Dra. Francine Lima Gelbcke, por sua tranquilidade, coerncia, competncia e confiana em mim. Claudia, sempre presente, disponvel e competente. Aos meus alunos da UNIVALI, por me compreenderem nesse processo de formao.

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MACHADO, Rosani Ramos. O trabalho no Centro de Material e Esterilizao: invisibilidade e valor social. 2009. 176 p. Tese (Doutorado em Enfermagem). Programa de Ps-Graduao em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 2009. Orientadora: Dra. Francine Lima Gelbcke Linha de Pesquisa: Processo de Trabalho em Sade

RESUMO Este estudo, realizado em dois hospitais pblicos estaduais de Santa Catarina, caracteriza-se como uma investigao do tipo exploratrio-descritiva, com uma abordagem qualitativa. A amostra foi composta de trabalhadores do Centro de Material e Esterilizao (CME) e tambm de profissionais de sade de outras unidades dos hospitais, assim como gerentes de enfermagem e diretores das instituies, totalizando 44 trabalhadores. A triangulao foi usada na coleta de dados, incluindo entrevista semiestruturada, observao e anlise documental. A pergunta de pesquisa foi: Que fatores tornam o trabalho no Centro de Material e Esterilizao invisvel e desvalorizado, tanto para os trabalhadores quanto para a instituio?. Alguns elementos tericos provenientes do materialismo histrico-dialtico formaram o referencial terico, de modo a pensar a organizao do trabalho no CME em uma prtica articulada totalidade social. A anlise dos dados revelou duas grandes categorias: a) Organizao do trabalho no CME; e b) Invisibilidade do trabalho no CME. Ficou evidenciado que a invisibilizao do trabalho no CME est ligada s relaes de poder e ao valor dado s atividades executadas pelos trabalhadores, existindo tarefas com maior ou menor status social, e que as tarefas de alta frequncia, desenvolvidas pelos excludos, portanto de menor valor social, so uma das causas desse trabalho ser to desvalorizado,ou seja, a estrutura determina o que deve estar na penumbra e o que deve ser iluminado. Percebe-se, ainda, que o trabalhador de enfermagem espera o reconhecimento externo de seu trabalho, ao mesmo tempo em que ele o desvaloriza por atos ou palavras, e no valoriza o seu trabalho internamente. Neste estudo, os entrevistados diziam que adoravam seu trabalho, dando nfase exagerada na fala, talvez querendo encobrir a desvalorizao do seu fazer ou ocultar do pesquisador, e at de si

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mesmos, o que insuportvel na realidade: a no-aceitao de seu fazer e a ausncia de reconhecimento social. Outra causa est relacionada com a questo de gnero, que explica muito a desvalorizao desse trabalho, inclusive por ser parte do trabalho da enfermagem, portanto, um trabalho majoritariamente feminino e desvalorizado. Assim, compreender o processo de trabalho do CME, luz da teoria do processo de trabalho, respaldada pelo materialismo histrico, possibilitou ampliar o horizonte, no sentido de se buscar alternativas que vislumbrem a visibilidade e valorizao desse servio to importante na prtica diria das instituies de sade. Dessa forma, este estudo foi mais um passo dado em relao compreenso do contedo simblico do trabalho, confirmando a tese de que a dimenso sociohistrica da prtica cotidiana, expressa nas questes de gnero, no valor social do trabalho e nas relaes de poder, articulados entre si, torna o trabalho no CME invisvel e desvalorizado. Palavras-chave: Enfermagem; Servios de Sade; Proviso e Distribuio.

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MACHADO, Rosani Ramos. Work in the materials and sterilization center: invisibility and social value. 2009. 176 f. PhD Dissertation in Nursing. Postgraduate Course in Nursing. Federal University of Santa Catarina, Florianpolis, 2009.

ABSTRACT This exploratory-descriptive study, carried out in two public state hospitals in Santa Catarina, Brazil, is characterized as an investigation in the area of human social interaction with a qualitative approach. The sample consisted of workers form CME and also by health professionals from other units of hospitals and nursing managers and directors of institutions totaling 44 workers. Triangulation was used in data collection, including the semi-structured interview, observation, and documental analysis. The research question was: which factors make work in the Materials and Sterilization Center invisible and undervalued, both for the workers involved and the institution itself? Some theoretical elements from historical-dialectic materialism formed the theoretical reference used, in such a fashion as to consider the organization of CME work in an articulated practice for social totality. Data analysis revealed two large categories: a) The organization of work in the CME and b) Invisibility in CME work. It became evident that the invisibility of CME work is connected to power relationships, having to do with the value assigned to the activities executed by its workers, high frequency tasks developed by outsiders, albeit with lesser social value, are one of the causes of the undervaluing of this work, or rather, the structure determines what should be in the shadows and what should be illuminated. Still the nursing worker hopes for external recognition for his/her work, at the same time in which he/she undervalues it through acts or words, without valuing their work internally. In this study, those interviewed said they love their work, exaggeratingly emphasizing their speech, perhaps desiring to cloak the undervaluing of their actions or hiding such considerations from the researcher, as well as from themselves, which is unbearable in reality: not accepting what one does and the absence of social recognition. Another cause is related to the question of gender, as the majority of these professionals are women, which explains much of the undervaluing of this work, even though it is part of nursing work. Thus, a better comprehension of the CME work process according to the theory of work processes and supported with historical materialism has made it possible to amplify this horizon in the

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sense of seeking alternatives which offer a glimpse into the visibility and value of the work of this all-important service in daily practices for health care institutions. As such, this study was one more step in the direction of better comprehension of the symbolic content of work, confirming the view that the socio-historical practice everyday expressed in gender issues, social value of work and power relations, interconnected, makes working on CME invisible and devalued. Keywords: nursing; health services; supply & distribution

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MACHADO, Rosani Ramos. El trabajo en el Centro de Materiales y Esterilizacin: invisibilidad y valor social. 2009. 176p. Tesis (Doctorado en Enfermera). Programa de Posgrado en Enfermera, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 2009. Orientadora: Dra. Francine Lima Gelbcke Lnea de investigacin: Proceso de Trabajo en Salud.

RESUMEN El presente estudio, realizado en dos hospitales pblicos estatales de Santa Catarina, se caracteriza por ser una investigacin del rea humana y social, del tipo exploratorio descriptivo, con enfoque cualitativo. La muestra se conform con los trabajadores del Centro de Materiales y Esterilizacin (CME), los profesionales de la salud de otras unidades de los hospitales, los gerentes de enfermera y los directores de las instituciones, para un total de 44 trabajadores. Para la recoleccin de los datos se emple la triangulacin, incluyendo la entrevista semiestructurada, la observacin y el anlisis documental. La pregunta de investigacin fue la siguiente: qu factores hacen con que el trabajo en el Centro de Materiales y Esterilizacin sea invisible y desvalorizado para los trabajadores del servicio como para la propia institucin? Algunos elementos tericos del materialismo histrico-dialctico formaron el marco terico, a fin de pensar la organizacin del trabajo en el CME como una prctica vinculada a la totalidad social. El anlisis de los datos revel dos grandes categoras: a) La organizacin del trabajo en el CME, y b) La invisibilidad y el valor social del trabajo en el CME. Se hizo evidente que la invisibilidad del trabajo en el CME est vinculada a relaciones de poder, teniendo que ver con el valor dado a las actividades realizadas por los trabajadores, existiendo tareas con mayor o menor estatus social, y que las tareas de alta frecuencia, desarrolladas por los outsiders, por lo tanto de menos valor social, son una de las causas de que este trabajo sea tan desvalorizado, o sea, la estructura determina lo que debe estar en la penumbra y lo que debe ser iluminado. Los trabajadores de enfermera esperan el reconocimiento externo de su trabajo, sin embargo, lo desvalorizan con actos o palabras, sin valorar su trabajo internamente. En este estudio, los entrevistados dijeron que adoraban su trabajo, dando un exagerado nfasis a su habla, tal vez queriendo ocultar la desvalorizacin de su labor u ocultarla del investigador y hasta de s mismos, pues lo que es insoportable en la

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realidad es la no aceptacin de su trabajo y la ausencia de reconocimiento social. Otra causa est relacionada con la cuestin de gnero, lo que explica mucho de la desvalorizacin de esta labor, por ser parte del trabajo de la enfermera, y por lo tanto, un trabajo mayoritariamente femenino y desvalorizado. As, la comprensin del proceso de trabajo del CME a la luz de la teora del proceso de trabajo y apoyado por el materialismo histrico ha permitido ampliar este horizonte, con el fin de buscar alternativas para percibir la visibilidad y valorizacin del trabajo de este servicio tan importante para la prctica diaria de las instituciones de salud. En ese sentido, el presente estudio fue un paso ms hacia la comprensin del contenido simblico del trabajo, que confirma la tesis de que la dimensin socio-histrica de la prctica cotidiana expresada en las cuestiones de gnero, el valor social del trabajo y las relaciones de poder, interconectadas entre s, hace que el trabajo en el CME sea invisible y desvalorizado. Palabras Clave: distribucin. Enfermera; Servicios de salud; Provisin y

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Representao grfica das categorias emergidas dos discursos dos trabalhadores................................................................... 76 Figura 02: Fluxograma do material no CME. ...................................... 88

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Quantitativo de entrevistados por instituio e tempo de trabalho em CME.................................................................................. 75 Quadro 02: Temas/assuntos/cdigos geradores das categorias deste estudo. ................................................................................................... 77

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SUMRIO

LISTA DE FIGURAS ......................................................................... 13 LISTA DE QUADROS ....................................................................... 14 1 A QUESTO TEMTICA ............................................................. 18 2 OBJETIVO ....................................................................................... 30 3 REFERENCIAL TERICO ........................................................... 31 3.1 O TRABALHO E SUAS TRANSFORMAES ........................... 31 3.2 O PROCESSO DE TRABALHO NO SETOR DE SERVIOS ...... 38 3.2.1 As contribuies de Karl Marx ................................................. 39 3.2.2 As contribuies de Harry Braverman..................................... 41 3.2.3 As contribuies de Claus Offe ................................................. 43 3.3 O PROCESSO DE TRABALHO NOS SERVIOS DE SADE E DE ENFERMAGEM............................................................................. 49 3.3.1 Processo de trabalho no Centro de Material e Esterilizao (CME)................................................................................................... 53 4 O MTODO ..................................................................................... 59 4.1 OPTANDO POR UM MTODO .................................................... 59 4.1.1 O estudo documental.................................................................. 65 4.1.2 A observao............................................................................... 65 4.1.3 A entrevista semiestruturada .................................................... 68 4.2 O LUGAR DA INVESTIGAO................................................... 69 4.2.1 Caractersticas das instituies pesquisadas ............................ 70 4.2.2 Aspectos das instituies pesquisadas....................................... 72 4.3 OS ATORES ENVOLVIDOS ......................................................... 74 4.4 A ANLISE DOS DADOS ............................................................ 75 4.5 ASPECTOS TICOS ...................................................................... 77 5 CENTRO DE MATERIAL E ESTERILIZAO: PAPEL E RELAO INSTITUCIONAL.......................................................... 78 5.1 ASPECTOS DA ORGANIZAO DO TRABALHO................... 78 5.2 ASPECTOS DAS RELAES PESSOAIS ................................... 93 6 A INVISIBILIDADE DO TRABALHO DO CME...................... 101 6.1 O PROCESSO DE TRABALHO NO CME ................................. 101 6.2 INVISIBILIDADE E VALOR SOCIAL DO TRABALHO NO CME .................................................................................................... 114

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7 CONSIDERAES FINAIS ........................................................ 144 REFERNCIAS................................................................................ 148 APNDICES ..................................................................................... 165 ANEXOS............................................................................................ 175

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A Coisa A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita comea a desconfiar que no foi

propriamente dita. Mario Quintana

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1 A QUESTO TEMTICA

O acesso ao conhecimento, juntamente com outras aes, como a capacitao dos tcnicos das vigilncias sanitria e epidemiolgica, promovidas pelo Ministrio da Sade, de forma sistemtica, a utilizao de artigos descartveis e a existncia de eventos especficos para a discusso de infeces hospitalares, associados percepo da populao de que a infeco hospitalar um problema grave, propiciaram visibilidade s infeces hospitalares nas ltimas dcadas. Alm disso, h tambm aspectos relacionados ao receio dos profissionais e das instituies por processos judiciais, bem como a necessidade de atendimento de critrios que possibilitem a acreditao dos hospitais. Todos esses fatores influenciaram na organizao do trabalho do Centro de Material e Esterilizao (CME 1 ) e na necessidade de capacitao dos trabalhadores desse setor. Para Bartolomei (2003), trs aspectos valorizaram o CME nos ltimos 20 anos: a) uma nova modalidade de infeco hospitalar; b) os riscos ocupacionais com o surgimento da AIDS e o aumento das hepatites C e D; e c) uma revoluo tecnolgica dos instrumentos de interveno nos procedimentos invasivos. Silva (1998, p. 175) destaca que:com a realizao de procedimentos cada vez mais delicados e sofisticados, o processamento dos materiais se torna uma atividade complexa, diferente das executadas no passado, que embora fossem artesanais, uma vez aprendidas no ofereciam maiores dificuldades. Atualmente, tm surgido novos materiais, de natureza e "design" os mais variados, assim como novos equipamentos, cujo funcionamento um mistrio a ser revelado, exigindo do trabalhador melhor qualificao, atualizaes frequentes, aliados ao interesse e motivao para o aprendizado constante.

Considerando-se a grande variedade de materiais e equipamentos a serem processados, preconiza-se que os processos de esterilizao de materiais em hospitais sejam realizados de forma centralizada, para facilitar o controle e monitorizao do processo e racionalizar os custos

___________Alguns autores utilizam a sigla CM Centro de Material, ou CE Centro de Esterilizao, porm no estudo utilizarei CME Centro de Material e Esterilizao.1

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com equipamentos, produtos e pessoal. Os processos para limpeza, desinfeco e esterilizao de materiais foram acompanhando a evoluo das aes em sade. Com o aumento da complexidade que envolvia os atos cirrgicos, apareceu a necessidade de se criar mecanismos que evitassem a morte dos usurios por infeco, sendo um deles a centralizao de um espao nas unidades de sade, mais comumente denominado de Centro(al) de Material e Esterilizao (CME), que pode estar localizado dentro do Centro Cirrgico ou como um servio fora desta unidade. O CME possui saberes e prticas especficos no seu processo de trabalho e tem a funo de fornecer os materiais esterilizados ou desinfetados para uso nos estabelecimentos de sade, apoiando tecnicamente os demais setores. uma unidade vital, pois est envolvida com a atividade de todos os outros profissionais que prestam assistncia ao usurio em procedimentos crticos e semicrticos e mesmo em procedimentos bsicos, podendo influenciar no processo sadedoena positiva ou negativamente, devido qualidade do servio prestado. (TAUBE; ZAGONEL; MIER, 2005). Mesmo sendo uma unidade com caractersticas especiais, em minha formao pouca nfase foi dada a esse conhecimento especfico, sendo um local em que os acadmicos ficavam empacotando materiais, sem refletir sobre o fazer e sendo mo-de-obra barata e desqualificada. Esse fato tambm destacado por Bartolomei (2003, p. 19), quando relata quea formao e o preparo para a realizao dessas [...] prticas ocorrem antes no prprio mbito do trabalho do que na academia. Poucos so os rgos formadores em enfermagem que enfatizam um ensino especfico em CM e em outros novos processos de trabalho [...].

Um aspecto que chama a ateno a forma de insero dos trabalhadores nos CMEs, uma vez que h evidncias de que aprenderam o seu fazer com colegas de trabalho, os quais j haviam aprendido com outros. Em minha experincia como enfermeira, percebi que nesses locais so alocados, principalmente, trabalhadores que no se adaptaram assistncia direta ao usurio por problemas de relacionamento interpessoal, assiduidade ou deficincia de conhecimento; trabalhadores em readaptao de funo, que no suportavam mais permanecer de p

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por longas horas, por exemplo; ou atendentes de enfermagem que s 2 esto autorizados a executar as atividades elementares de enfermagem. Essa impresso corroborada por Laus (1998) e por Bartolomei (2003, p. 14), quando afirma queapesar da demanda dos enfermeiros pela melhoria de sua qualidade de operacionalizao, o CM no era valorizado pelas direes dos hospitais, operando em locais inadequados e com recursos insuficientes ou antiquados. No mesmo caminho, o trabalho da enfermagem nesse local no era valorizado no conjunto da prtica social da enfermagem, sendo permeado por um sentido desqualificatrio e pejorativo e para l encaminhados muitos profissionais da enfermagem que apresentavam problemas de relacionamento nas unidades de assistncia direta ao paciente [...].

A presena de trabalhador sem formao especfica para a enfermagem nos CMEs tambm foi identificada por Tipple et al. (2005), que, em estudo realizado em um hospital, mostraram a presena de vrios trabalhadores nessa situao. Em relao procedncia desses trabalhadores, identificaram que atuavam nos servios de higienizao e limpeza hospitalar, servios de portaria, em lavanderia hospitalar e em servios domsticos, antes de serem alocados no CME. Esse um fato importante, levando-se em conta o risco ocupacional a que esse trabalhador est potencialmente submetido, alm do comprometimento da assistncia dada ao reprocessamento de artigos hospitalares. Com a Regulamentao da Lei do Exerccio Profissional (LEP) Lei 7.498/1986, pelo Decreto-Lei n. 94.406/1987, que dispe sobre o exerccio profissional da enfermagem e d outras providncias, ficaram mais bem delimitadas as atribuies dos auxiliares e tcnicos de enfermagem. Entre as atribuies deles esto desinfeco, esterilizao,

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A Resoluo COFEN 186/95 dispe sobre a definio e especificao das atividades elementares de enfermagem executadas pelo pessoal sem formao especfica regulada em lei. Art. 1: So consideradas atividades elementares de Enfermagem aquelas atividades que compreendem aes de fcil execuo e entendimento, baseadas em saberes simples, sem requererem conhecimento cientfico, adquiridas por meio de treinamento e/ou prtica; requerem destreza manual, se restringem a situaes de rotina e de repetio, no envolvem cuidados diretos ao paciente, no colocam em risco a comunidade, o ambiente e/ou sade do executante, mas contribuem para que a assistncia de Enfermagem seja mais eficiente.

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limpeza de equipamentos e das dependncias das unidades, portanto esses so profissionais com perfil adequado para desenvolver as atividades em um CME, pois, entre outras, possuem noes de microbiologia. (MOURA, 2006). Entretanto, os atendentes de enfermagem, que so trabalhadores sem formao especfica para executar tarefas/atividades 3 de enfermagem, com a publicao da LEP, em 1986, foram autorizados a exercer atividades elementares de enfermagem somente at 1996. Devido s circunstncias (falta de escolaridade dos atendentes, pouca capacidade do aparelho formador, falta de vontade dos prprios atendentes para se profissionalizar, entre outras), foi publicada a Lei 8.967, de 28 de dezembro de 1994, que alterou a redao do pargrafo nico do artigo 23 da Lei 7.498/86, assegurando aos atendentes de enfermagem, admitidos antes da vigncia da Lei 8.967, o exerccio das atividades elementares da enfermagem. Nesse processo, muitos desses ocupacionais foram alocados nos CME. Nesse contexto, os trabalhadores lotados em CME possuem pouca capacitao, principalmente quando comparados a outras reas da enfermagem, sendo que, quando fazem capacitao, esta no est vinculada sua rea de atuao. Essas impresses tambm so descritas por Moura (1996). Meu interesse em estudar o CME se deu em virtude de ser docente e ter realizado algumas visitas aos CMEs de hospitais pblicos, quando abordava microbiologia e conceitos como material sujo, limpo, desinfetado, estril, mtodos de esterilizao, entre outros. Nessas oportunidades, observava todo o contexto de um CME, como estrutura fsica, adequaes legislao, atitudes dos trabalhadores e o processo de trabalho, bem como em que condies estavam desenvolvendo o seu fazer. Todo o cenrio observado me deixou bastante inquieta, uma vez que atuo, tambm, em uma Diretoria da Secretaria de Estado da Sade de Santa Catarina (SES/SC) que responsvel pela poltica de capacitao para o Sistema nico de Sade (SUS) e que possui uma 4 Escola Tcnica do SUS , alm de uma Escola de Sade Pblica voltada para cursos lato sensu. Mesmo no tendo uma atuao direta na assistncia de enfermagem, j h algum tempo, a aproximao com essa realidade,

___________Tarefa aqui entendida como o que deve ser feito, sem levar em conta a atividade do trabalhador, e atividade, o que efetivamente realizado. (DEJOURS, 1992). No Brasil, existem 37 Escolas Tcnicas do SUS, tendo como referncia a Escola Politcnica Joaquim Venncio/FIOCRUZ e seguindo as diretrizes do Ministrio da Sade para a formao no SUS. Essas escolas so vinculadas s Secretarias de Sade, tanto no mbito estadual como municipal.4 3

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agora como docente de graduao em enfermagem, ajudou-me a visualizar que essa situao ainda est bastante fragilizada e necessitando de um estudo que possa identificar o que determina as condies vigentes nesse cenrio. Assim sendo, encontrei pertinncia num estudo que auxiliasse na compreenso do processo de trabalho no 5 CME e no saber-fazer-de prudncia desses trabalhadores. Em virtude dessa inquietao em relao ao cenrio que percebia em meus estgios e visando desvendar esse contexto, busquei conhecer melhor a situao dos trabalhadores dos CMEs de hospitais pblicos estaduais, uma vez que seriam dados que tambm me auxiliariam no trabalho que desenvolvo na SES e me propiciariam uma primeira viso do perfil da fora de trabalho em CMEs em hospitais pblicos estaduais. Para tanto, acessei o Sistema Integrado de Recursos Humanos do Centro de Informtica e Automao de Santa Catarina (SIRH/CIASC), uma vez que num primeiro momento poderia me indicar caminhos na compreenso dessa realidade posta. Para tal acesso, solicitei permisso ao diretor do rgo competente, haja vista que os dados no esto acessveis ao pblico de uma maneira geral. Num estudo documental (relatrios extrados do SIRH), observei que os trabalhadores da sade lotados nos Centros de Material e Esterilizao dessas unidades hospitalares no possuem uma capacitao continuada para atuar nessa rea. Analisei, ainda, o Relatrio Consulta Eventos do Servidor, do SIRH, de sete unidades hospitalares estaduais que realizam processamento de artigos hospitalares em todas as suas fases. Tambm, solicitei s gerentes de enfermagem das unidades hospitalares que me encaminhassem as escalas de servio das respectivas unidades de CME, com os respectivos nmeros de matrcula dos servidores e tempo de atuao nas unidades, tendo em vista que o SIRH fornece somente o tempo do servidor como estatutrio. Analisei dados de sete unidades hospitalares, uma vez que trs unidades no me enviaram as escalas de servio, duas utilizam CME de unidades prximas ou anexas, alm de outras duas que no fazem todo o processamento de artigos. A partir desses dados, detectei que esses trabalhadores atuam entre cinco meses e 30 anos em CME e no possuem qualquer curso especfico para essa rea registrado no relatrio do SIRH, tais como:

___________5 Saber-fazer-de-prudncia so procedimentos inventados, desenvolvidos e compartilhados pelos trabalhadores, saberes que no so ensinados em treinamento ou atravs de superviso. (CRU, 1987).

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processamento de artigos e superfcies em hospital, mtodos para limpeza, desinfeco e esterilizao de materiais, fluxo de materiais, entre outros. Tambm encontrei um percentual de 11,5% de trabalhadores que no possuem qualquer curso registrado no sistema. Observei, ainda, que quanto maior o tempo de trabalho do servidor na instituio, h menos cursos registrados em seu cadastro. Esse um fato considervel, pois, alm desses trabalhadores no estarem sendo atualizados para o seu fazer na instituio da qual fazem parte, deixam de conseguir as promoes por titulao, as quais teriam acesso via capacitao, por direito garantido em seu Plano de Cargos e Vencimento. Percebe-se, portanto, essa situao como uma certa fragilidade na execuo da Poltica de Educao Permanente desse rgo pblico. Entretanto, esse parece no ser um fato isolado, pois Souza e Ceribelli (2004, p. 767) apresentaram como resultado de uma pesquisa, que teve como objetivo caracterizar a prtica da educao continuada oferecida aos funcionrios de enfermagem nos CMEs de hospitais da microrregio de So Jos dos Campos, SP, que 64,5% dos funcionrios no foram motivados a participar de educao continuada. No caso dos CMEs da Superintendncia dos Hospitais Pblicos Estaduais, parece que a instituio no inclui espaos de discusso que propiciem a capacitao de seus servidores, fato este que tambm necessita de investigao. Outro aspecto observado, alm da predominncia de mulheres nessas unidades hospitalares , foi a presena de trabalhadores idosos nos CMEs. Justamente os idosos, que so os mais susceptveis em seus sistemas imunolgicos, expostos a um ambiente to propcio a infeces, pois essa unidade possui alta carga de micro-organismos, temperatura ambiente elevada e produtos altamente txicos. Aliado a esses fatores, os trabalhadores desse servio tm que preparar caixas de instrumentais, carregar materiais de uma rea outra do CME, quando no tm que recolher esses instrumentais, percorrendo as demais unidades do hospital, vrias vezes ao dia, o que tambm gera um grande desgaste fsico. Observei, tambm, que grande parte desses trabalhadores atua h muito tempo no servio pblico, portanto, prximo aposentadoria, fator este que poder influenciar no desenvolvimento das aes devido faixa etria dos trabalhadores, pois todo esse trabalho ocasiona problemas de postura e fadiga, principalmente nas mulheres, podendo ser um fator de absentesmo. A propsito desta questo, a Resoluo 293/2004/COFEN, que fixa e estabelece parmetros para o

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Dimensionamento do Quadro de Profissionais de Enfermagem nas Unidades Assistenciais das Instituies de Sade e Assemelhadas, em seu artigo nono, clara, quando diz que o quadro de profissionais de enfermagem da unidade de internao composto por 60% ou mais de pessoas com idade superior a 50 anos deve ser acrescido de 10% ao ndice de segurana tcnica, o que pressupe, pelo mesmo princpio, cobrir a situao idntica quando em CME. Koerich e Machado (2002) realizaram um estudo para analisar a realidade dos locais e procedimentos relacionados ao processo de esterilizao de materiais nos Centros de Sade vinculados Secretaria Municipal de Sade de um municpio de Santa Catarina. Entre as consideraes destacaram: inadequao de um processo de educao permanente, associada utilizao de processos e mtodos embasados em conhecimentos fragmentados; ausncia de uma rotina para o processamento de artigos; relao entre tica da responsabilidade, competncia tcnica e corpo de conhecimento adequados formao. Achados dessa natureza no parecem distantes, num primeiro olhar genrico, das unidades de CME em pauta neste trabalho, como lcus do estudo proposto. Identifica-se nas escalas de servio que existe um percentual, mesmo que pequeno, de trabalhadores sem formao especfica, com possveis antecedentes como agentes de servios gerais, artfices e atendentes. Entretanto, na SES no incomum que alguns trabalhadores possuam a formao de auxiliar de enfermagem e/ou tcnico de enfermagem e no tenham mudado de cargo, devido ao acesso ser por concurso pblico, por isso possvel que boa parte desses trabalhadores j possua formao em enfermagem. Minhas inquietaes foram aumentando medida que percebia, mesmo que de forma preliminar, o que estava se mostrando em relao dinmica de um CME, nos hospitais pblicos estaduais. O fenmeno que se mostrava era de um setor que no tinha, perante os administradores e at mesmo aos trabalhadores, a importncia e a visibilidade que deveria ter, haja vista que nesse campo h um significativo aprimoramento tecnolgico e cientfico. Alm disso, uma rea que influi diretamente na qualidade da assistncia prestada, considerando-se que estamos diante de um modelo mdico curativista e intervencionista, portanto, expondo os usurios a grandes riscos de contrair infeces hospitalares e os trabalhadores de ficarem expostos a riscos ocupacionais graves. Mesmo assim, at a coordenao dessa unidade por enfermeira questionada, como nos mostra Bartolomei

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(2003, p. 18):o questionamento da coordenao desse trabalho pelo enfermeiro frequente pelo fato dele lidar com material e no diretamente com o paciente, como valorizam algumas correntes de pensamento da enfermagem sobre a prtica do processo de cuidar atual.

Ainda, no cotidiano, parece que essa unidade no percebida pelos administradores, pelos trabalhadores da instituio e, at mesmo, pelos trabalhadores que l atuam, como um local de status e de importncia vital no processo de trabalho da instituio. Bartolomei e Lacerda (2006), quando investigaram as enfermeiras do Centro de Material e Esterilizao e a percepo do seu papel social, identificaram que estas reconhecem e valorizam positivamente seu trabalho, porm expressam sua percepo acerca do valor negativo dado a esse trabalho por outrem, preocupando-se com a representao social desse trabalho e, consequentemente, com seu papel social. Mesmo assim, no mesmo estudo, as autoras destacam que as enfermeiras, ao expressarem uma percepo do valor negativo do trabalho no CME, concomitantemente, reagem a essa percepo, valorizando positiva e enfaticamente seu prprio papel. Todavia, no fica claro se antes utilizam essa valorizao como um esforo a uma percepo de no valor externo ou se realmente valorizam por ele mesmo, ou seja, as autoras no conseguiram identificar se as enfermeiras realmente valorizam seu trabalho pelo seu valor prprio ou se reafirmam essa valorizao em pblico devido heterovalorao negativa que lhe atribuda. (BARTOLOMEI; LACERDA, 2006, p. 262). Uma das possibilidades para esse no reconhecimento do trabalho em CME pode ser a complexa relao existente entre as aes ou dimenses de enfermagem de cuidar, gerenciar e educar. (LEOPARDI; GELBCKE; RAMOS, 2001, p. 37). Neste estudo, considero o cuidado como objeto epistemolgico da enfermagem, o trabalho que a identifica e que realizado com base nas necessidades de sade do sujeito a ser atendido, isto , uma ao humana sobre um objeto de trabalho humano. (LEOPARDI; GELBCKE; RAMOS, 2001, p. 47). Contudo, esse cenrio pode se modificar com o aparecimento de novos modos de produo da assistncia sade, que demandam outros processos de trabalho, que no esto relacionados com o processo de

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cuidado ao usurio, e que a enfermeira pode coordenar. Nesse contexto, a enfermeira atua na dimenso gerenciar, tendo como finalidade de seu trabalho a organizao do espao teraputico e como objeto a organizao em si, contribuindo para a assistncia multiprofissional do cuidado teraputico. ((LEOPARDI; GELBCKE; RAMOS, 2001, p. 39). Esse acesso a novos processos de trabalho pode propiciar um aumento nas reas de atuao para a enfermagem, tais como: controle de infeco hospitalar, controle de qualidade hospitalar, captao de rgos e at mesmo a higienizao hospitalar. (BARTOLOMEI, 2003). Considero, tambm, que as enfermeiras ainda no perceberam que esse setor, tradicionalmente gerenciado pela enfermagem, pode estar sendo visto como um campo potencial de trabalho para outros profissionais da sade, como bilogos, farmacuticos, biomdicos, entre outros, que buscam expandir suas reas de atuao. As enfermeiras, que j perderam algumas atividades antes executadas por elas, como fisioterapias respiratrias, preparo de nutrio parenteral e enteral, entre outras, podem se dar conta tardiamente de que o CME um excelente campo de trabalho para a enfermagem. Alis, Bartolomei (2003, p. 134) afirma quemesmo sendo prtica especfica e tradicional do enfermeiro, ela se d como instrumento no apenas do cuidado pelo enfermeiro, mas tambm pelo de outros profissionais, principalmente o mdico. Desse modo, o trabalho do enfermeiro em CM no se reveste de um carter identificador da enfermagem, no sentido da prtica especfica da enfermagem, que a caracteriza. Em outras palavras, o trabalho em CM est tradicionalmente identificado como uma prtica especfica do enfermeiro, mas no identifica o cuidar especfico pelo enfermeiro.

Cabe destacar, tambm, que a enfermeira, mesmo sem se dar conta, atende s exigncias do modo de produo capitalista, afastandose de suas reais atribuies e atuando como fiscalizadora e elaboradora de plantas fsicas de hospitais, fiscalizando lavanderias e at copas, fazendo estatsticas diversas e deixando o pessoal de nvel mdio fazer e gerenciar o cuidado, o que pode ser um ato que propicie a invisibilidade da enfermagem de um modo geral e do CME de um modo particular. (TAUBE, 2006).

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Associados aos fatores que me levam a afirmar que h uma invisibilidade do trabalho no CME, tambm os estudos nessa rea apontam na mesma direo, indicando uma lacuna nessa rea do conhecimento. O levantamento bibliogrfico que fundamenta esta reviso de literatura foi realizado nas bases de dados LILACS, MEDLINE, SCIELO, COCHRAINE, portal de teses da CAPES, catlogo de publicaes da ABEn, perodo 1979-2004, portal Google, alm de pesquisas de forma no to sistemtica em livros e peridicos online . Os estudos que encontrei identificam como acontece a educao permanente (SOUZA, 2001; SOUZA; CERIBELLI, 2004); caracterizam o processo de insero de trabalhadores sem formao em CME (TIPPLE et al., 2005); repensam a formao do gerente do processo de trabalho do Centro Cirrgico (CC) e do CME (TRAMONTINI et al., 2002); relacionam a satisfao no trabalho com o perfil dos trabalhadores de CME (SOBECC, 2001); identificam a satisfao dos usurios e funcionrios de CME (IMAI, 2003); apontam a valorizao da equipe do CME (MOSSON, 1999); abordam o processo de trabalho da enfermeira no CME e seu lugar no processo de cuidar pela enfermagem (BARTOLOMEI, 2003); e avaliam a qualidade nos CMEs. (ROMAN, 2005). Outros abordam os aspectos ergonmicos e posturais em CME com o objetivo de desenvolver uma crtica a respeito dos efeitos do local de trabalho sobre a sade dos trabalhadores (ALEXANDRE, 1992); analisam o estresse ocupacional de enfermeiras de CME caracterizando as atividades que desenvolvem e que consideram geradoras de estresse (SILVA, 1992); como tambm analisam os acidentes de trabalho em CME (SILVA, 1996, 1999; RIBEIRO, 2004); e fazem abordagem ergonmica do trabalho em CME. (BRONZATTI, 2002). Encontrei, ainda, estudos que relacionam o processo de trabalho da enfermeira no CME com seu lugar no processo de cuidar pela enfermagem, alm de alguns aspectos da organizao do trabalho no CME (MANDELBAUM, 1980; DELGADO, 2000; CRUZ, 2003; BARTOLOMEI, 2003; SILVA, 1998), e outros que refletem sobre a gesto no CME. (TONELLI; LACERDA, 2005). Alguns ainda relacionam o centro cirrgico com o centro de material (CANELLAS et al., 1988; TAHIRA; BERGO, 1988); analisam o advento de novas tecnologias em CC e CME (CRUZ, 1995); abordam a percepo dos trabalhadores em relao centralizao dos materiais para esterilizao (BARROS, 1997); ou analisam condies de trabalho, parmetros de produtividade e informatizao. (SILVA, 2001;

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SANCINETTI, 2002; BRONZATTI, 2002). Um trabalho mostrou as atividades das enfermeiras de seis CMEs e suas expectativas em relao ao ensino da enfermagem nessa rea (SALZANO, 1985), alm de outro que aborda um marco conceitual no trabalho da enfermagem no CME. (TAUBE; ZAGONEL; MEIER, 2005). Vrios discorrem sobre tcnicas de processamento de materiais e validaes de processos, estes representando a maioria da bibliografia encontrada quando se busca o tema CME. Schmidt e Dantas (2006), em estudo que analisou, sob a tica da satisfao, a qualidade de vida no trabalho de profissionais de enfermagem, atuantes em unidades do bloco cirrgico, identificaram que os profissionais de enfermagem reconhecem a importncia de sua profisso, porm ainda precisam provar que seu papel essencial e que merece respeito das demais profisses. West e Lisboa (2001) avaliaram a satisfao de funcionrios no trabalho, exclusivamente em CME, encontrando um percentual de 57% de insatisfeitos com sua rotina profissional em razo de cobrana excessiva de tarefas, mas que conferem importncia mxima a essa rotina profissional. Percebe-se, contudo, que de uma forma geral so poucos, ainda, os estudos acerca do CME, principalmente relacionados ao processo de trabalho nesse servio, evidenciando que h uma lacuna na produo de tal conhecimento, especialmente a partir da tica dos prprios trabalhadores. Alm dessa lacuna, muitas so as questes que se agregam ao aprofundamento deste estudo, destacando: Esses trabalhadores consideram seu fazer um ato do processo de cuidar? Ser que a dimenso gerenciar menos valorizada em relao dimenso cuidar? Quais os fatores no trabalho do CME que interferem na visibilidade dele? O que faz com que o trabalho no CME seja invisvel, tanto para o trabalhador desse servio quanto para a instituio? Ser que essa invisibilidade tem relao com o trabalho no CME, que um local onde se lida com o expurgo, com a sujeira (sangue, secrees, dejetos, entre outros), ou ela existe em virtude da dimenso sociohistrica da prtica cotidiana em CME? Ser que essa invisibilidade do CME tem alguma relao com o modo de insero desses trabalhadores no CME e sua pouca capacitao formal para o trabalho?. Com base em questionamentos como esses, a centralidade deste estudo se situa em compreender porque o trabalho no CME invisvel para o trabalhador desse servio e para a instituio, identificando quais

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aspectos da organizao do trabalho esto relacionados com essa invisibilidade. Nesse contexto, assumo como tese que a dimenso sociohistrica da prtica cotidiana, expressa nas questes de gnero, no valor social do trabalho e nas relaes de poder, articulados entre si, torna o trabalho no CME invisvel e desvalorizado. Esta tese apresentada como resposta seguinte questo de pesquisa: Que fatores tornam o trabalho no Centro de Material e Esterilizao invisvel e desvalorizado, tanto para os trabalhadores quanto para a instituio?.

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2 OBJETIVO

Este estudo tem como objetivo analisar o processo de trabalho no CME e sua relao com o trabalho assistencial hospitalar em dois hospitais da esfera estadual, localizados na Grande Florianpolis (SC), identificando que aspectos do processo de trabalho do CME favorecem a invisibilidade e desvalorizao desse trabalho, a partir da percepo dos trabalhadores do CME e da instituio. Propiciar a reflexo sobre o que est sendo feito ou deixou de ser feito pela enfermagem em Centro de Material e Esterilizao vai desvendar um pouco mais o processo de trabalho em sade, de uma forma geral, pois o processo de trabalho em CME interdependente e est contido no processo de trabalho em sade, sendo uma forma particular e complementar deste. Considerei que a compreenso do processo de trabalho do CME poderia implicar a melhoria da qualidade de cuidado prestado ao usurio, uma vez que esse processo tem uma interface significativa com o controle da infeco hospitalar e as demais unidades consumidoras do setor. (TAUBE, 2006). Kirchhof (2003, p. 12) salienta que a teoria sobre o processo de trabalho fundamental a qualquer profissional que deseje fazer da sua atuao prtica uma ao consequente, pertinente s necessidades das pessoas para as quais seu trabalho est voltado. Com esse olhar, este estudo propiciou reflexes e discusses que podem contribuir para a construo de outras formas de organizao do trabalho em CME.

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3 REFERENCIAL TERICO

3.1 O TRABALHO E SUAS TRANSFORMAES

O mundo do trabalho mostra indcios de sua organizao desde as civilizaes antigas. Pode-se inferir que essas civilizaes teriam um mnimo de organizao no trabalho para terem conseguido construir obras de to grande porte, tal como os sistemas de irrigao ou os sistemas de bibliotecas, na Assria. A civilizao chinesa pode ser outro exemplo, no processo de construo de sua muralha. O princpio da especializao do trabalho e a rotao da mo-de-obra no trabalho j eram aplicados, desde 1650 a.C e 400 a.C, respectivamente. (MEGGINSON; MOSLEY; PIETRI JR, 1998). Os sculos XIV e XV foram perodos difceis, permeados por guerras, por crises econmico-financeiras, pestes, fome, propiciando o surgimento de um novo cenrio que modificou a economia europeia. Foi surgindo, de forma incipiente, uma burguesia comercial, iniciaram-se os descobrimentos de novas terras por portugueses e espanhis. Amrica, frica e sia surgem como produtoras de matria-prima, incorporandose ao circuito da economia europeia. (FARIA, 1986, p. 57). Na Europa Ocidental, at o sculo XVI, havia uma predominncia de produo de mercadorias por mestres artesos. Estes produziam, em suas casas, produtos que seriam vendidos diretamente ao consumidor, sendo auxiliados por aprendizes. Nessa modalidade de trabalho havia grandes possibilidades de mobilidade social, tendo os aprendizes chances amplas de se tornarem artesos, alcanando o status de mestre. (PIRES, 1998; COSTA; COSTA, 2000). O modo de produo feudal foi diminuindo por vrias razes, tais como: o aumento progressivo da populao e do nmero de artesos sem aumento de mercado; a concorrncia entre as cidades; o aumento do protecionismo em cada cidade e de restries para acesso de novos artesos nas corporaes de ofcios, alm das dificuldades impostas aos aprendizes para acesso categoria de mestre. Acrescida a essas razes, houve a necessidade de os artesos terem que se deslocar para outros mercados para venderem seus produtos, fato este que interrompia o processo de produo, havendo a retomada somente quando o arteso voltava sua cidade. Essa situao levou os artesos mais ricos a contratarem pessoas domiciliarmente para fabricarem seus produtos, enquanto eles os comercializavam. (COSTA; COSTA, 2000). A etapa

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seguinte deu-se com a submisso dos artesos aos comerciantes, para comprar a matria-prima, alm de terem que vender seus produtos a estes. De uma simples produo voltada para as necessidades de um mercado interno e restrito, passa-se a produo de excedentes para atender aos novos mercados incorporados. Modificaes profundas acontecem na economia: acelera-se o processo de dissoluo das estruturas objetivas do mundo feudal; modifica-se a organizao da produo; desaparece o trabalho artesanal e generaliza-se o trabalho manufatureiro. Com este, generaliza-se tambm o regime de trabalho assalariado. (FARIA, 1986). Para Marx (1982), no processo de industrializao, identificaramse trs fases: cooperao, manufatura e grande indstria. Refere que, no caso da manufatura, o processo de trabalho no diferia muito do artesanato, porm o fato de muitos trabalharem juntos em um mesmo espao, utilizando-se dos mesmos instrumentos de trabalho, instalaes e depsitos, possibilitou a reduo dos custos de forma significativa, devido ao uso coletivo dos meios de produo. Costa e Costa (2000, p. 233) referem queoutra vantagem decorrente da reunio de trabalhadores em um mesmo local [...] a combinao da fora de trabalho coletiva que amplia a possibilidade de mercadorias produzidas, diminuindo o tempo de trabalho necessrio produo de um determinado bem. Assim, a cooperao resulta na elevao da produtividade no trabalho.

Entretanto, isso s foi possvel porque havia pessoas que conseguiram acumular capital suficiente para adquirir os meios de trabalho e pagar a fora de trabalho disponvel, alm de comercializar os produtos desse trabalho. Na manufatura, o desenvolvimento do trabalho acontece de forma manual, dependendo da destreza manual, da habilidade e ritmo do trabalhador, da mesma forma que no artesanato. Todavia, o que ocorreu nesse modo de produo foi uma intensa transformao na utilizao da fora de trabalho (PIRES, 1998), transformando o arteso em trabalhador assalariado. (COSTA; COSTA, 2000, p. 234). O perodo manufatureiro foi importante para o aperfeioamento das tcnicas e dos instrumentos de trabalho devido a sua simplificao

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e adaptao s atividades especializadas dos trabalhadores parciais. (COSTA; COSTA, 2000, p. 234). Segundo Marx (1982, p. 41),com a ferramenta de trabalho transfere-se, tambm, a virtuosidade, em seu manejo, do trabalhador para a mquina. A eficcia da ferramenta emancipada das limitaes pessoais da fora de trabalho humano. Com isso, supera-se o fundamento tcnico sobre o qual repousa a diviso do trabalho na manufatura. No lugar da hierarquia de operrios especializados que caracteriza a manufatura, surge, por isso, na fbrica automtica, a tendncia igualao ou nivelao dos trabalhos, que os auxiliares da maquinaria precisam executar; no lugar das diferenas artificialmente criadas entre os trabalhadores parciais, surgem, de modo preponderante, as diferenas naturais de idade e sexo.

Na manufatura, as instalaes so agora utilizadas de forma coletiva, visando ao desenvolvimento de um processo de trabalho parcial e fragmentado, como condio social de produo. Essa forma de organizao do trabalho propiciou a sua diviso em trabalho manual e intelectual de forma mais expressiva, pois as mquinas incorporam um conhecimento que os trabalhadores no tm acesso, ou seja, h todo um trabalho morto incorporado nessas mquinas. No entanto, os trabalhadores ainda utilizavam suas habilidades para pr a mquina em funcionamento, controlando ainda o modo e o tempo de produo. (MARX, 1982; COSTA; COSTA, 2000). O modo de produo fabril aumentou a produtividade dos trabalhadores, mas trouxe, de forma simultnea, a desqualificao e desvalorizao deles. Segundo Moraes Neto (2002, p. 72),o primeiro passo no processo de desqualificao veio com a diviso manufatureira do trabalho, no para um conjunto de trabalhadores, dada a forte hierarquia no trabalho tpico da manufatura, mas para aqueles que Marx chamou de pees, os que tinham como especialidade a ausncia de qualquer formao.

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No final do sculo XVIII, ocorre a Revoluo Industrial, decorrente de tecnologias aplicadas organizao do trabalho nas fbricas com um impacto significativo no processo produtivo, surgindo uma nova relao entre capital e trabalho. No ltimo tero do sculo XIX, Taylor iniciou seus estudos sobre a gerncia cientfica, buscando a racionalizao no trabalho.A gerncia, j caracterizada como um elemento fundamental de coordenao do trabalho coletivo, na manufatura assume a funo de expropriadora da concepo do trabalho dos trabalhadores [...] aparecendo como uma forma de garantir a produtividade e melhorar a forma de trabalhar. (PIRES, 1998, p. 32).

Frederick Taylor buscava o aumento da produo melhorando a eficincia do nvel operacional. Para isso, recomendava a diviso do trabalho, a especializao dos trabalhadores e a padronizao das tarefas. Nesse tipo de abordagem, a superviso e o controle dos trabalhadores desempenham um papel fundamental, uma vez que com a especializao das tarefas o trabalhador perde a noo do todo. Nesse contexto, o supervisor quem consegue conciliar as partes na construo do todo, pois o nico que consegue visualizar o produto do trabalho coletivo. O processo de produo apoiava-se no controle do tempo, produo intensiva com atividades parceladas e fragmentadas, passando a ser uma atividade essencialmente fsica, repetitiva e especializada numa fbrica em que se encontram muitos trabalhadores sob um funcionamento (ordem e controle) bem centralizado e hierarquizado. (VERARDO, 2004, p. 9). A centralizao da produo nas fbricas produz o parcelamento das tarefas, o carter desptico da direo, a incorporao do saber tcnico no maquinismo (CORIAT, 1976), a desqualificao do trabalhador, sendo uma teoria que nada mais que a explcita verbalizao do modo capitalista de produo. (BRAVERMAN, 1981, p. 83). Na mesma lgica de Taylor, Henry Ford, em 1909, introduziu a linha de montagem com uma esteira que transportava a produo de automveis na fbrica. Com a fixao do trabalhador ao seu posto de trabalho, aperfeioou o processo de produo, reduzindo o deslocamento do trabalhador, pois o objeto de trabalho chegava aonde estava o

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trabalhador. Segundo Lipietz apud Costa e Costa (2000, p. 234), a caracterstica principal do fordismo, sob a tica do processo de trabalho, a segmentao das atividades produtivas em trs nveis, quais sejam: a) a concepo, a organizao de mtodos e a engenharia, tornadas autnomas; b) a fabricao qualificada exigindo mo-de-obra adequada; e c) a execuo e a montagem desqualificadas, no exigindo em princpio nenhuma qualificao. O fordismo uma forma de produo semiautomtica, por meio de uma linha de montagem, em que o objeto de trabalho vem at o trabalhador atravs da esteira, com rotinas padronizadas visando produo de grandes volumes. Essa reestruturao do modo de produo e a incorporao de novas tecnologias na indstria incrementaram a produtividade e com isso surgiu a necessidade de criao de mercados de massa. Dessa forma, o fordismo propiciou um novo modelo de consumo e uma transformao do estilo de vida. (COSTA; COSTA, 2000, p. 238). Contudo, Moraes Neto (2002, p. 86) refere que a linha de montagem possua um campo limitado de aplicao, tendo maior utilidade na produo de bens durveis complexos, tais como automveis e produtos eletroeletrnicos. Outras indstrias, como siderrgica e qumica, indstrias de processo e intensivas em capital, traaram um caminho prprio antes e depois de Ford. Salienta que as inovaes fordistas foram importantes, mas dificilmente podem se responsabilizar por toda a trajetria de desenvolvimento das economias avanadas. O mundo do trabalho, a partir de ento, sofre inmeras transformaes, pois o modelo econmico propiciou a produo em massa, alm de possibilitar benefcios sociais aos trabalhadores, nos pases centrais de economia capitalista. Esse modelo de produo industrial, a partir do final dos anos 60, do sculo XX, tem as taxas de lucratividade do capital ameaadas pela diminuio dos ganhos de produtividade, em virtude da reduo do poder de compra do mercado, elitizao do consumo e do aumento da competio intercapitalista mundial. (PIRES, 1998, p. 45). No final da dcada de 1970, o mundo do trabalho entra em forte crise, experimenta novas formas de produo, uma vez que tanto empresas como governo percebem sua incapacidade para estabilizar as economias nacionais. Assim sendo, nos ltimos trinta anos do sculo XX, observa-se um processo de reestruturao do capital, queinclui uma srie de ajustes macroeconmicos e

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grandes transformaes no modelo de produo industrial, com a introduo de grandes inovaes tecnolgicas, incluindo os novos equipamentos e materiais e novas modalidades de organizao do trabalho. (PIRES, 1998, p. 45).

Segundo Costa e Costa (2000, p. 239), essa crise considerada de natureza estrutural, no entanto, h divergncias em relao aos fatores que a originaram. Essa crise foi resultado dos problemas enfrentados pela estrutura produtiva, que tinha esgotado seu limite de produtividade. Fundamentando-se em Pierre e Sabel, os mesmos autores referem que veem a crise como consequncia mudana nos hbitos de consumo e inadequao da produo em massa de moldes fordistas, em atender uma demanda que se tornou instvel e fragmentada. Com a expanso do neoliberalismo, no final de 1970 e, por isso mesmo, com a crise do Welfare State, a social-democracia se aproxima sobremaneira da agenda neoliberal. Dessa forma, o projeto neoliberalpassa a ditar o iderio e o programa a serem implementados pelos pases capitalistas, inicialmente no centro e logo depois nos pases subordinados, contemplando reestruturao produtiva, privatizao acelerada, enxugamento do estado, polticas fiscais e monetrias sintonizadas com os organismos mundiais de hegemonia do capital, como FMI e BIRD, desmontagem dos direitos sociais dos trabalhadores, combate cerrado ao sindicalismo classista, propagao de um subjetivismo e de um individualismo exacerbados. (ANTUNES, 2007, p. 2).

Em resposta crise estrutural estabelecida, vrias reestruturaes produtivas vm ocorrendo, por meio de avano tecnolgico, implantao de modelos alternativos ao taylorismo/fordismo, destacando-se neste campo o toyotismo. Essas transformaes, na viso de Antunes (2007, p. 2), ocorreram em virtude da prpria concorrncia intercapitalista e, tambm, pela necessidade de controlar o movimento operrio e a luta de classes. Antunes (2007, p. 3) destaca algumas consequncias importantes dessas transformaes no modo de produo, tais como:

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a) diminuio do operariado manual, fabril, concentrado, tpico do fordismo e da fase de expanso que se chamou de regulao socialdemocrtica; b) aumento acentuado das inmeras formas de subproletarizao do trabalho parcial (...); c) aumento expressivo do trabalho feminino no interior da classe trabalhadora, em escala mundial (...); d) enorme expanso dos assalariados mdios, especialmente no setor de servios, que inicialmente aumentaram em grande escala, mas que vm presenciando, tambm, nveis de desemprego tecnolgico; e) excluso dos trabalhadores jovens e dos trabalhadores velhos (em torno de 45 anos) do mercado de trabalho dos pases centrais; f) intensificao e superexplorao do trabalho, com a utilizao brutalizada do trabalho dos imigrantes, e expanso dos nveis de trabalho infantil, sob condies criminosas (...); g) h (...) um processo de desemprego estrutural que, junto com o trabalho precarizado, atinge cerca de um bilho de trabalhadores.

Para ele, neste sculo, a classe-que-vive-do-trabalho e os sindicatos tm o papel de soldar os laos de pertencimento de classe existentes entre os diversos segmentos do mundo do trabalho, objetivando uma articulao entre os segmentos que tm papel central na criao de valores de troca at os segmentos que esto margem dos processos produtivos. (ANTUNES, 2003, 2007). Nesse sentido, a classe trabalhadora que hoje compreende a totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua fora de trabalho e que so despossudos dos meios de produo (ANTUNES, 2003), deve estar articulada por meio de suas associaes e sindicatos visando busca de um sentimento de pertena. Entretanto, a reestruturao toyotista enfraqueceu sobremaneira os movimentos sindicais na dcada de setenta do sculo passado. (VERARDO, 2004, p. 9). Com a Terceira Revoluo Industrial (aps a Segunda Guerra Mundial), pautada no conhecimento e na pesquisa, buscou-se combinar as vantagens das produes artesanal e industrial, minimizando o alto custo e a inflexibilidade das duas ltimas revolues industriais. Esta Revoluo influenciou sobremaneira desde as artes e os costumes (ps-

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modernismo) at a poltica e a economia (neoliberalismo e a globalizao). (MEDEIROS; ROCHA, 2004). Atualmente adentramos na Quarta Revoluo Industrial, com o desenvolvimento da nanocincia. (ALMEIDA, 2005). Enfim, todas essas revolues industriais constituram-se em um processo longo com repercusses em todos os setores da sociedade. O sculo XXI, ento, nasce num mundo globalizado, numa sociedade dita do conhecimento, em que a informao desempenha um papel importante.O mundo globalizado da sociedade do conhecimento trouxe mudanas significativas ao mundo do trabalho. O conceito de emprego est sendo substitudo pelo de trabalho. A atividade produtiva passa a depender de conhecimentos, e o trabalhador dever ser um sujeito criativo, crtico e pensante, preparado para agir e se adaptar rapidamente s mudanas dessa nova sociedade. (SILVA; CUNHA, 2002, p. 77).

Esta contextualizao fundamental para o entendimento do que se passa no mundo do trabalho e para apreender as vrias interfaces que este modelo econmico apresenta e suas consequncias para os trabalhadores, inclusive no setor de servios, no qual se encontra a rea da sade.

3.2 O PROCESSO DE TRABALHO NO SETOR DE SERVIOS

Para abordar o processo de trabalho no setor de servios, parti das contribuies de Karl Marx, compreendendo que suas formulaes se davam no contexto da Revoluo Industrial e que o trabalho no setor de servios, na poca, acontecia de forma inexpressiva e individualizada. Mesmo levando-se em conta esse aspecto, ainda esse autor referncia em praticamente todos os textos que abordam o setor de servios. Tambm me reportei aos estudos de Harry Braverman e Claus Offe, autores contemporneos que discutem o setor de servios, e visando uma melhor compreenso desses autores me reportei a Pires (1994).

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3.2.1 As contribuies de Karl Marx

Marx considerava que para entender a sociedade capitalista de sua poca era necessrio compreender o trabalho industrial e os fenmenos que estavam ocorrendo no processo de produo material. Talvez, em virtude disso, no tenha tratado de forma sistematizada o trabalho no setor de servios. Entretanto, podem-se destacar reflexes do autor a respeito da produo capitalista, das caractersticas do trabalho produtivo e improdutivo e do trabalho no-material, entre outras. Esses aspectos possibilitam a reflexo sobre o setor servios e em especial o setor sade. Para ele, servio nada mais que o efeito til de um valor-de-uso, mercadoria ou trabalho. (MARX, 2007, seo 1). Em relao ao processo de produo capitalista, Marx entendia que, apesar de nesse processo todos os produtos tornarem-se mercadorias, este no era apenas um processo de produo de mercadorias. Considerava que a mercadoria, na forma capitalista de produo, apresentava valor de uso e valor de troca, sendo que nesse processo importava o seu valor de troca, independentemente de seu valor de uso (utilidade). (MARX, 1969). Entendia como mercadoria um objeto exterior, uma coisa que, pelas suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espcie. (MARX, 2007). No sistema capitalista de produo, o capitalista troca o seu dinheiro por mercadorias que sero consumidas como meios de produo, que aumentaro o seu capital. Alm da compra de mercadorias, tambm comprado trabalho vivo (fora de trabalho), sendo esta uma parte varivel de seu capital. A reproduo do capital e a produo da mais-valia o aspecto mais importante na relao capitalista de produo e no propriamente o valor de uso ou o contedo das mercadorias envolvidas. (MARX, 1969). Nessa relao de compra da fora de trabalho pelo capitalista, acontece a incorporao do trabalho, fermento vivo, aos elementos mortos constitutivos do produto, que tambm pertencem ao capitalista. (MARX, 2007, p. 5). A mais-valia a produo de um valor excedente em relao ao valor gasto na produo dos bens de uso, sendo subdividida por Marx (1982) como mais-valia absoluta, aquela que produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho com salrios aviltantes, e a maisvalia relativa, que aquela conseguida por inovaes tcnicas e sociais no processo de trabalho que reduzem o quantitativo da fora de trabalho. Portanto, mais-valia um sobreproduto, uma produo excedente de

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mercadoria para o proprietrio dos meios de produo, que o capitalista. trabalho no pago. Para o autor, os elementos do processo de produo so: objeto de trabalho, matria-prima e meios de trabalho ou instrumentos de trabalho, alm da fora de trabalho. Como objeto de trabalho, Marx compreende a matria sobre a qual se trabalha, sobre o que se realiza a atividade, sendo o objeto de trabalho uma parte da natureza integrada ao processo de produo. J matria-prima um objeto que sofreu um trabalho anterior, sendo modificado pelo trabalho humano. Por meios de trabalho ou instrumentos de trabalho, compreende que so os objetos que o trabalhador coloca entre ele e o objeto de seu trabalho e que lhe ajudam a conduzir sua atividade sobre esse objeto. (MARX, 1983). Marx (1969, p. 45) define a fora de trabalho comoa prpria capacidade viva de trabalho, mas uma capacidade de trabalho de especificidade determinada, correspondente ao particular valor de uso dos meios de produo, uma capacidade de trabalho impulsora, uma fora de trabalho que, ao manifestar-se, se orienta para um fim, que converte os meios de produo em momentos objetivos da sua atividade, fazendo-os passar por conseguinte da forma original do seu valor de uso para a nova forma do produto.

Em suas obras, Marx prioriza o trabalho na indstria, mas nem por isso deixa de reconhecer a existncia de outras formas de trabalho na sociedade, sem, contudo, aprofundar-se nelas. Ao abordar aspectos do trabalho produtivo e do improdutivo refere que s produtivo o trabalho que produz valor excedente, ou seja, mais-valia. O que pode variar a forma de trabalho, pois considera quetodo trabalhador produtivo um trabalhador assalariado, mas que nem todo assalariado um trabalhador produtivo. Quando se compra trabalho para consumir como valor de uso, como servio, no para colocar como fator vivo no lugar do valor do capital varivel e o incorporar ao processo capitalista de produo, o trabalho no produtivo e o trabalhador assalariado no produtivo. (MARX, 1969, p. 111).

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Em relao ao trabalho produtivo, Marx d alguns exemplos que reforam sua teoria de que o contedo ou a utilidade de valor de uso de um trabalho no o que o classifica de trabalho produtivo. Cita o trabalho de um escritor como improdutivo, entretanto, se ele produz sob encomenda de um editor em troca de salrio, torna-se trabalho produtivo. Outro exemplo dado o caso de uma cantora que vende o seu canto, podendo ser comerciante se vender diretamente o produto ou podendo tornar-se trabalhadora produtiva se for contratada por um empresrio. (MARX, 1969, p. 115). No entanto, considera que essas so formas de transio de submisso ao capital, pois esses trabalhadores ainda detm o conhecimento de seu trabalho. Ressalta que os servios no produzem produtos separados dos seus trabalhadores, isto , uma mercadoria que seja autnoma, mas que podem ser explorados pelo capitalista. Devido ao contexto insignificante no processo de produo capitalista daquela poca, tratou os servios simplesmente como trabalho assalariado. Encontra-se, ainda, a sua posio de que servio no mais que uma expresso para o valor de uso particular do trabalho, na medida em que este no til como coisa, mas como atividade. (MARX, 1969, p. 118). No caso de produo no-material, destaca: seu resultado so mercadorias que no existem separadamente do produtor, ou seja, no podem circular como mercadorias no intervalo entre a produo e o consumo: por exemplo, livros, quadros e o produto no separvel do ato da produo. Tambm aqui o modo capitalista de produo s tem lugar de maneira limitada (...), preciso do mdico e no do menino de recados, pois o mdico ainda detm controle sobre o seu saber. (MARX, 1969, p. 119-120). Portanto, partindo dessas formulaes de Marx e incluindo contribuies de outros autores, refleti sobre o processo de trabalho nos servios de sade e enfermagem, especificamente na unidade de Centro de Material e Esterilizao.

3.2.2 As contribuies de Harry Braverman

Braverman (1981), autor de linha marxista, aborda as caractersticas da sociedade ps-Segunda Guerra Mundial, referindo que apesar do grande crescimento dos setores no envolvidos diretamente com a produo material, a tendncia no de ampliao de uma

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racionalidade diferente da encontrada no trabalho industrial. Segundo ele, apesar de os trabalhadores desses setores apresentarem certa diferenciao salarial, continuam sendo dependentes, tanto econmica quanto ocupacionalmente, so empregados pelo capital e afiliados, no tm acesso aos meios de produo quando no esto no emprego e dependem desse trabalho para sua subsistncia. Ao analisar os trabalhadores de escritrio, conclui que a diviso do trabalho atinge cada vez mais os trabalhadores das reas administrativas, pois, como os trabalhadores das fbricas, eles tambm foram expropriados do processo de trabalho, sendo submetidos a rgidos mecanismos de controle e a mtodos de racionalizao que lhes limitam a ao. (BRAVERMAN, 1981, p. 267). Esse processo acontece, nas palavras de Braverman (1981, p. 304), quando o trabalhador no oferece esse trabalho diretamente ao usurio de seus efeitos, mas, ao invs, vende-o ao capitalista, que o revende no mercado de bens, temos ento o modo de produo capitalista no setor de servios. Salienta, ainda queo que vale para ele (o capitalista) no determinada forma de trabalho, mas se (o trabalho) foi obtido na rede de relaes sociais capitalistas, se o trabalhador que o executa foi transformado em homem pago e se o trabalho assim feito foi transformado em trabalho produtivo isto , trabalho que produz lucro para o capital (mais-valia). (BRAVERMAN, 1981, p. 305).

Dessa forma, a atuao desses trabalhadores faz crescer o capital e, embora predomine uma relao de subordinao autoridade e submisso explorao, esses trabalhadores so diferenciados, tendo algumas prerrogativas e privilgios do capital, concomitantemente possuindo ainda caractersticas de uma condio proletria. Para ele, essas "camadas mdias de emprego" so formadas por trabalhadores especializados, como engenheiros, enfermeiras, tcnicos, empregados de vendas, da administrao financeira e organizacional e assemelhados, entre outros. Devido s variadas condies de trabalho existentes, bem como ao excedente de mo-de-obra, esse segmento de trabalhadores est sujeito diminuio dos salrios e a uma piora das condies de trabalho. Braverman refere que o crescimento dos servios no sculo XX ocorreu por causa das transformaes ocorridas com as

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antigas formas de cooperao, mtua, social, comunitria e familiar, em atividades que comearam a ser comercializveis. Exemplifica com os servios considerados domsticos, como arrumao da casa, limpeza de cho, cuidar das crianas e dos doentes, que s se tornaram comercializveis quando o capitalista percebeu que podia lucrar com essas atividades. (BRAVERMAN, 1981, p. 306). Braverman reflete sobre o setor servios no processo produtivo de uma forma geral, sendo que transpus sua contribuio para o setor sade.

3.2.3 As contribuies de Claus Offe

As anlises de Offe a respeito do trabalho em servios foram selecionadas por consider-las relevantes em relao s transformaes do mundo do trabalho, mesmo ele compreendendo que o trabalho no setor de servios seja um dos exemplos significativos da nocentralidade do trabalho na anlise sociolgica da sociedade contempornea. Entretanto, Offe discorre sobre o setor de servios de uma forma interessante, dando a esse setor uma posio privilegiada em relao definio do valor do trabalho, complementando, dessa forma, o pensamento de Braverman. Para Offe, vrias foram as tentativas para se conceituar o setor de servios, contudo pondera que no se tem ido alm de definies negativas, quanto s caractersticas socioestruturais dos servios, sendo normalmente conceituados atravs do que eles no so. Sendo assim, so compreendidos como aquelas atividades econmicas que no podem ser atribudas nem ao setor primrio (agricultura, minerao), nem ao setor secundrio (indstria). (OFFE, 1991, p. 12-13). Considera que uma das caractersticas usualmente aplicadas para caracterizar o setor de servios a sua no-materialidade, por no apresentar um produto fsico que possa ser transferido no tempo e no espao, portanto, nem transportado ou estocado. Ressalta que essa viso pouco auxilia numa identificao positiva das caractersticas que poderiam ser comuns entre as funes, identificando vrios servios, como os de mdico, fiscal de impostos, porteiro e cantor, mesmo sabendo que no senso comum todos sejam prestadores de servios. Destaca, entretanto, que essa distino entre materialidade e nomaterialidade no se aplica no caso do alfaiate, do supervisor na produo ou de artistas plsticos, que, apesar de estarem prestando um

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servio, apresentam um produto concreto de seus trabalhos. Offe (1991) afirma que a determinao de caractersticas positivas para o setor de servios tem se mostrado ineficaz e vrias tentativas tm se apresentado para defini-lo, sem, contudo, conseguir abranger toda a complexidade desse setor. Frente s dificuldades apresentadas em relao conceituao do setor de servios, as reas de administrao e economia, ainda segundo Offe, optam frequentemente por definies enumerativas das profisses e das organizaes includas no setor de servios, como bancos, comrcio, seguros, sistemas de sade, entre outras, sendo ineficazes por no se poderem enumerar todas as profisses. Na busca da definio e da caracterizao do setor de servios, Offe (1991, p. 15) opta por uma definio funcional do setor. Considera que a estrutura social possui duas funes: de satisfao social das condies fsicas de sobrevivncia, desempenhada pelas atividades econmico-produtivas, e atividades que servem a manuteno ou modificao das formas de preenchimento da funo inicialmente mencionada, ou seja, manuteno ou modificao da forma das atividades anteriores. Nesse contexto, o setor de servios pertence segunda funo, abrangendo as atividades que esto voltadas para a reproduo das estruturas formais, das formas de circulao e das condies culturais paramtricas, dentro das quais se realiza a reproduo material da sociedade. O autor considera quea reproduo das estruturas formais, enquanto instrumento para a determinao sociolgica de atividades do setor de servios, entendido de modo conscientemente amplo: ele compreende a manuteno das condies fsicas da vida social, dos sistemas de normas culturais e legais, a transmisso e o desenvolvimento de acervo de conhecimento de uma sociedade, seus sistemas de informao e circulao. (OFFE, 1991, p. 15).

Assim, a ideia de reproduo extremamente dinmica, permitindo inovaes e transformaes nos cenrios. Offe (1991, p. 17) v os servios como meta-trabalho, ou seja, um trabalho referido ao trabalho social (...) trabalho reflexivo com funo de proteo e resguardo. Salienta, ainda, que entender o setor de servios como meta-trabalho pode levar ao equvoco de consider-lo hierarquicamente superior e que esse estaria no topo das organizaes

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sociais. No entanto, o que acontece uma relao de dependncia recproca entre produo e certificao e no de superioridade/subordinao. Em suas palavras, da mesma forma que os produtores precisam do ordenamento formal e de sua proteo, essas mesmas funes organizativas necessitam, por seu lado, de recursos materiais para a sua reproduo. (OFFE, 1991, p. 17). O autor coloca o setor de servios em uma posio privilegiada em relao definio do valor do trabalho. Exemplifica que na produo material uma mesa tem um valor independentemente de ter sido vendida ou no. Todavia, questiona qual seria o trabalho de um vendedor disponvel numa loja que no tem nada para vender ou de um mdico de planto descansando na cama. Com esses exemplos, quer demonstrar a caracterstica de disposio prestao de servios, no sendo possvel atribuir um valor econmico por si mesmo, alm da impossibilidade de planejamento com dados precisos quanto produo material. O setor de servios classificado por ele num esquema de decomposio que capaz de caracteriz-lo pelo grau de seu distanciamento estrutural do trabalho produtivo, isto , de produo de mercadorias. Dessa forma, estabeleceu a diferenciao da organizao de prestao dos servios tendo em conta as especificidades socioestruturais na produo de servios, mas desconsiderando as caractersticas de contedo material dos diferentes servios, quais sejam: S1 Servios comerciais; S2 Servios internos organizao; e S3 Servios pblicos e estatais. S1 - Servios comerciais: caracterizados como empresas autnomas que vendem servios comercialmente, considerando que esses servios possuem valor somente quando surge um usurio, citando o exemplo da educao e da sade especificamente, porque esse servio necessita da colaborao ativa do consumidor. Nesse caso, ainda segundo Offe (1991, p. 27), o consumidor ocupa um papel imprescindvel no ato da realizao do servio, pois ele quem decide sobre o tipo, o momento e sobre o local de sua concretizao. Os servios do tipo comercial so gerados somente enquanto produzirem lucro, isto , os custos globais so menores que as receitas obtidas. S2 - Servios internos organizao: uma categoria do setor de servios que abrange o conjunto daquelas atividades de trabalho realizadas no bojo e como parte das organizaes produtivas (empresas), e que no sejam diretamente produtivas, mas tenham uma funo de acompanhamento do processo de produo. (OFFE, 1991, p. 28). Nesta categoria, incluem-se: o pessoal tcnico-gerencial nas empresas;

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as funes mais ou menos diferenciadas de direo; os servios diretamente referidos produo (estoque, manuteno, reparos, limpeza, administrao de pessoal); e as funes de polcia interna (vigias, porteiros). Importa destacar que nesta categoria o aspecto comum a todas as atividades includas que seus resultados (vistos sob o ngulo negativo da no-materialidade) no surgem no mercado como mercadoria, mas ocupam um papel fiscalizador e regulador com respeito produo de mercadorias, que eles mantm e controlam, portanto, a funo reside na manuteno e no apoio realizao do processo de valorizao do capital. Entretanto, assinala que h uma diferena significativa entre os servios de tipo S1 e de S2, pois o volume dos servios gerados no S1 definido a partir dos critrios de custo e rendimento, e nos servios considerados do tipo S2 o rendimento no pode ser base de clculo, j que os resultados deste servio no esto voltados para a venda. (OFFE, 1991, p. 28). Neste caso, esses servios s existem para preencher determinadas funes necessrias, mantendo-se enquanto sejam viveis em termos de custos. S3 Servios pblicos e estatais: da mesma forma que o setor S2, estes servios no so alocados por meio de preos (s vezes, por meio de taxas), sendo avaliados por seu valor de uso, excluindo-se o critrio de rentabilidade como indicador da composio e do volume do trabalho em servios organizados estatalmente. (OFFE, 1991, p. 30). Ao analisar o custo-benefcio quando da implantao de programas estatais de prestao de servios, Offe (1991, p. 30) refere que, necessariamente, no quer dizer que a esfera pblica possa limitar a sua oferta de servios estritamente aos servios mais rentveis. Difere da forma anteriormente citada (S2) de prestao de servios por no se poder localizar um valor-limite operacionalmente significativo e que pudesse definir, pelo menos negativamente, o volume da atividade a ser empregado na prestao de servios. Neste tipo de servio, os mtodos para deciso e alocao derivados da racionalidade de mercado foram definitivamente substitudos por processos polticodescricionrios de deciso. (OFFE, 1991, p. 30). Assim sendo, os critrios polticos so decisivos nessa forma. O autor assinala que necessrio analisar a distribuio dos servios nas trs formas denominadas por ele de S1, S2 e S3, ressaltando, ainda, que se essas funes preventivas ultrapassarem determinados limites, com sobrecarga financeira, de forma que possam

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ameaar a lucratividade, acontece a reorganizao estrutural no processo de trabalho, visando reduo de custos. Para a racionalizao do processo de trabalho, Offe (1991, p. 35) descreve trs estratgias: Mecanizao um processo que visa substituio do trabalho humano por mquinas e aparelhos para elevar o rendimento do trabalho em servio ou por meio de transformaes tcnicas em bens de consumo ou de investimento. Racionalizao organizacional objetiva a utilizao de estratgias econmicas com o intuito de utilizar a mxima capacidade existente de trabalho em servios. Tendo em vista a impossibilidade de estocagem, armazenamento e transporte dos servios e, ainda, por causa de sua funo social de absoro de incerteza, nas palavras de Offe, os servios tm que ser produzidos quando e onde forem demandados (...), da a necessidade estrutural da manuteno do superdimensionamento na produo de servios. (OFFE, 1991, p. 36). Externalizao tem como princpio a transferncia de servios para outros agentes, diminuindo custos e estruturas. No processo de racionalizao do trabalho, Offe destaca a existncia de consequncias para os usurios, para a fora de trabalho e para a estrutura global e conflitos polticos, da seguinte forma: Para os clientes Os servios so atividades de manuteno das estruturas sociais formais, que podem apresentar defasagens inevitveis de produtividade e que no podem ser suspensos por falta de rentabilidade, da mesma forma que na produo de mercadorias. Portanto, acontecem consequncias para os usurios, tais como a necessidade de repasse de custos e formas alternativas de organizao como a externalizao parcial. (OFFE, 1991, p. 41). Como resultado dessas estratgias, aponta a onerao do consumidor, o aumento das formas de autosservio e transferncia para os clientes, como medidas de autosservio que acabam gerando aumento do controle social sobre os indivduos. (OFFE, 1991, p. 41). Para a fora de trabalho No que tange identificao dos efeitos desses fatores de mudanas no setor de servios nos aspectos quantitativos (volume do emprego e respectivas tendncias ao longo do tempo), o autor identifica uma rpida expanso do trabalho nos servios, principalmente dos que exigem maior qualificao, em virtude da maior absoro, pelas sociedades industriais desenvolvidas, de pessoas que atuem com direo e com manuteno dessa forma de sociedade. Assinala, ainda, como fator quantitativo, as exigncias de racionalizao econmica, em consequncia do menor crescimento do setor de servios

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e, por ltimo, que o aumento do volume de empregos no setor desejvel em termos de poltica estrutural de empregos, surgindo como uma alternativa para tratar o problema de mercado de trabalho da classe mdia. (OFFE, 1991, p. 44). Em relao aos aspectos qualitativos da fora de trabalho em servios, o autor apresenta quatro hipteses: i) a racionalizao tcnica submete o trabalho em servios s mesmas mudanas que so observadas na produo industrial e conceituadas como desqualificao ou intensificao, podendo ter variao em relao ao tempo; ii) a complexidade estrutural das sociedades industriais, bem como as condies e riscos de vida da derivados, aumentam a demanda por trabalho reflexivo, tanto no setor pblico quanto no privado, conduzindo a profissionalizao e qualificao, tendo em vista a demanda por execuo de tarefas mais complexas e no rotinizveis nos servios; iii) uma terceira hiptese seria uma juno das duas anteriores, pois sustenta tendncias de desqualificao e crescente qualificao nas diversas reas do setor de servios. Por ltimo, refere tendncia desse setor em absorver os trabalhadores que possuem menos chances no mercado de trabalho e que aceitam salrios abaixo da mdia, exemplificando a crescente feminilizao das profisses de ensino, expanso do trabalho feminino em tempo parcial no comrcio e de forma crescente no servio pblico, ainda salientando a importncia do estagirio em algumas atividades de servios, bem como de idosos e deficientes em diversas funes de vigilncia. (OFFE, 1991, p. 45). O autor ainda faz consideraes a respeito das dificuldades de se exercer formas de controle e de fiscalizao no trabalho do setor de servios, pois eles no se ajustam a controles verticais e regras abstratas. Consequncias para a estrutura global e conflitos polticos Tendo em vista a hiptese de que os servios podem ser descritos, segundo Offe (1991, p. 41),como atividades de manuteno das estruturas sociais formais, de que eles apresentam defasagens inevitveis de produtividade e, [...] que sua produo no pode ser simplesmente encerrada na falta de rentabilidade empresarial [...] acarretando sua transferncia a formas alternativas de organizao,

considera-se que h a ocorrncia de conflitos polticos levando a um movimento em ondas de estatizao e reprivatizao dos servios,

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uma vez que a produo estatal deles afeta tanto os empregados e usurios dos servios como os cidados como pagadores de impostos. Ainda sobre o conceito do trabalho em servios, Offe (1991, p. 57) diz que a referncia estratgica e a racionalidade especfica do trabalho na produo so a apropriao e a transformao da natureza externa, com o objetivo da gerao da riqueza social, enquanto a referncia estratgica do trabalho em servios [...] a garantia do ordenamento institucional e das demais condies funcionais para o andamento do trabalho na produo. Nesse sentido, Offe apresenta algumas reflexes sobre a diferenciao entre trabalho na produo e trabalho nos servios. Descreve que essas referncias estratgicas diferentes para os dois tipos de trabalho (produo e servios) tambm correspondem a dois estilos de racionalidades, limitando-as com os conceitos de eficincia e eficcia. Considera que o trabalho na produo mais bem desenvolvido, na medida em que for organizado de forma mais regular, padronizado, constante e com menor custo, portanto, de forma mais eficiente. Ao passo que o trabalho em servios determinado no sentido da garantia, da orientao estratgica a partir dos riscos, das perturbaes, irregularidades, incertezas, imponderabilidades do ambiente natural, tcnico e social que ele deve absorver e processar, predominando os critrios da eficcia na preveno dos efeitos perturbadores do processo produtivo. (OFFE, 1991, p. 58).

Assinala, ainda, a dificuldade de separar as funes de servios no trabalho de produo e que esse tipo de trabalho tambm est submetido aos critrios estratgicos de elevao da eficincia.

3.3 O PROCESSO DE TRABALHO NOS SERVIOS DE SADE E DE ENFERMAGEM

O setor de servios envolve uma grande diversidade de atividades, dentre as quais as variadas formas de assistncia sade. Um processo de trabalho se caracteriza por ser um conjunto de atividades, determinado por uma finalidade, em que o ser humano

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transforma um objeto em um produto, utilizando instrumentos de trabalho nesse processo. No caso dos servios de sade, o objeto de trabalho o ser humano, que traz consigo as emoes, necessidades, vontades que gostaria que fossem atendidas pelo trabalhador da sade. Entretanto, existe uma outra corrente que afirma que o objeto de trabalho da enfermagem o cuidado, defendida pelos pesquisadores do Ncleo de Estudos sobre Sade e Trabalho da Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto/Universidade de So Paulo (NUESAT). Neste estudo, como explicado anteriormente, entende-se que o cuidado o prprio trabalho da enfermagem e no o nosso objeto de atuao. Como integrante do Grupo de Pesquisa Prxis Ncleo de Estudos sobre Trabalho, Cidadania, Sade e Enfermagem, partilho que o cuidado o objeto epistemolgico da enfermagem. Segundo Leopardi (1999, p. 73), o cuidado na sade aparece como resultado de um processo de trabalho coletivo em que os profissionais pem em prtica um corpo de conhecimento transformado em tcnica, para interferir no processo de sade dos indivduos. Nesse contexto, os servios de sade cumprem uma finalidade til sociedade e o trabalho assistencial em sade apresenta uma caracterstica semelhante encontrada em outros servios, nos quais os resultados do trabalho no so produtos independentes do processo de produo a serem comercializados no mercado. O produto a prpria realizao da atividade. (PIRES, 1998). A finalidade dos servios de sade a ateno a indivduos/coletividade que necessitam de cuidados especializados relativos ao processo sade-doena, sendo que esses servios organizam-se com diferentes lgicas estruturais, de acordo com a sua natureza, lucrativa ou no-lucrativa. (SOUZA et al., 1991). Capella e Leopardi (1999, p. 145) definem processo de trabalho em sade como:um processo de trabalho coletivo, no qual reas tcnicas especficas, como medicina, farmcia, odontologia, nutrio, servio social, enfermagem, entre outras, compem o todo. Este processo institucionalizado tem como finalidade atender o ser humano que, em algum momento de sua vida, submete-se interveno de profissionais de sade, cabendo, a cada rea especfica, uma parcela deste atendimento. A delimitao dessa parcela, bem como a organizao desses trabalhos, foi-se dando no percurso histrico, com o desenvolvimento da cincia e em decorrncia da diviso social do trabalho na rea da sade,

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principalmente a partir de tarefas delegadas pela rea mdica.

Segundo Pires (1998), o trabalho em sade hoje se desenvolve, na grande maioria, em servios institucionalizados, os quais contam com regimes organizacionais prprios, bem como se situam dentro do cenrio estabelecido pelo arcabouo jurdico legal na sociedade atual. A assistncia de sade envolve vrios trabalhadores que possuem conhecimentos especficos e com nveis de complexidade dos mais diversos, bem como envolve caractersticas do trabalho profissional e do trabalho parcelado. A mesma autora diz que diversos grupos profissionais participam do trabalho coletivo em sade, sendo que a maior parte das instituies de sade no aproveita esse fato de modo positivo. No utiliza, por exemplo, os diversos saberes no planejamento institucional, nem no mbito macro, nem no cotidiano do planejar e fazer assistncia.No existe uma coordenao da assistncia prestada pelos diversos grupos de profissionais de sade (...) o trabalho compartimentalizado, cada grupo profissional se organiza e presta parte da assistncia de sade separado dos demais, muitas vezes duplicando esforos e at tomando atitudes contraditrias. (PIRES, 1999, p. 34-35).

A organizao do trabalho em sade fundamenta-se no mtodo cientfico cartesiano em relao sua tecnicidade, que acompanha a reestruturao do processo de trabalho no modo de p