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7/25/2019 Verso_digital_tese_Lucas_Victor_Silva.pdf
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SERVIO PBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
DEPARTAMENTO DE HISTRIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
DOUTORADO EM HISTRIA
LUCAS VICTOR SILVA
O CARNAVAL NA CADNCIA DOS SENTIDOS:
UMA HISTRIA SOBRE AS REPRESENTAES DAS FOLIAS DO RECIFE ENTRE
1910 E 1940
RECIFE
DEZEMBRO / 2009
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SERVIO PBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
DEPARTAMENTO DE HISTRIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
DOUTORADO EM HISTRIA
LUCAS VICTOR SILVA
O CARNAVAL NA CADNCIA DOS SENTIDOS:
UMA HISTRIA SOBRE AS REPRESENTAES DAS FOLIAS DO RECIFE ENTRE
1910 E 1940
Tese apresentada ao Departamento de Histria
da Universidade Federal de Pernambuco,
como exigncia parcial para obteno do ttulo
de Doutor em Histria.
Orientador: Prof. Dr. Durval Muniz de Albuquerque Jnior
RECIFE
DEZEMBRO / 2009
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Silva, Lucas VictorO carnaval na cadncia dos sentidos : uma histria sobre as
representaes das folias do Recife entre 1910 e 1940 / Lucas VictorSilva. Recife : O Autor, 2009.381 folhas: il. Foto.
Tese (doutorado) Universidade Federal de Pernambuco. CFCH.Histria, 2009.
Inclui: bibliografia.
1. Histria. 2. Carnaval. 3. Cultura popular. 4. Nacionalidade. I.
Ttulo.
930.85981
CDU (2. ed.)CDD (22. ed.)
UFPEBCFCH2010/09
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Dani, meu eterno amor de carnaval
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AGRADECIMENTOS
A realizao deste trabalho dependeu do apoio de muitas pessoas queridas. Tudo
seria muito mais difcil, seno impossvel, sem o apoio de minha esposa Daniela; minha
me Graa; meu pai Gerson; minha madrasta Gerusa; meus irmos Saulo, Luisa e Dora;
minha sobrinha Clara; minha afilhada Maria; minha madrinha Sevi Madureira; minhas
tias, tios (em especial meu tio Manuel Victor), primas, primos (da famlia Victor e da
famlia Guerra); e minha nova famlia (Rossini, Wannuza, Patrcia, Eduardo, Giovana e
todos os Madruga).
Preciso agradecer tambm a Alexandro Silva de Jesus, Amilcar Bezerra, Ricardo
Matias, Malaquias Batista, Pedro Buarque, Rita Sales, Gabriela Gis, Evandro Duarte de
S, Daniele Cunha, Telmo Berenguer, Pedro Chaves e Gensio Gomes, em nome de quem
agradeo a todos os meus amigos e colegas. fundamental registrar ainda minha gratido
aos colaboradores que voluntariamente ajudaram na coleta documental como Manoel
Victor Silva Filho, Fernando Gomes, Antnio Cebolo, Priscilla Pontes e Maria LuisaAlmeida. Agradeo tambm a Frederico Jayme Katz que me cedeu o depoimento sobre
sua histria familiar.
No posso deixar de agradecer aos professores , alunos e funcionrios do Programa
de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal de Pernambuco. Muito obrigado
Antonio Paulo Rezende, Antonio Montenegro, Silvia Cortez, Lourival Holanda, Socorro
Ferraz, Tnia Brando, Marcus Carvalho e Marc Hoffnagel em nome de quem
cumprimento todos os que fazem este importante centro de formao de historiadores.
Obrigado tambm Carmem, Sandra e Aloizio cujo apoio foi fundamental para mim e
meus colegas do programa.
Sou muito grato tambm a Evandro Rabello. Nossa amizade mudou minha trajetria
de pesquisador. A realizao da presente pesquisa deve bastante a generosidade deste
historiador que nos disponibilizou seus arquivos e transcries documentais de suas pesquisas
sobre o carnaval de Pernambuco entre 1822 e 1925. Inclusive, Evandro nos convidou para
organizarmos e publicarmos parte de seu arquivo documental no livro intitulado Memrias
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da folia: o carnaval do Recife pelos olhos da imprensa (RABELLO, 2004). Seu trabalho
abnegado nas hemerotecas do Estado foi fonte de inspirao para o autor desta tese, bem
como possibilitou o nosso despertar para a pertinncia do tema. Este trabalho seria impossvel
tambm sem seus conselhos e livros emprestados, entre eles o valioso exemplar do Anurio
do Carnaval Pernambucano. Esta pesquisa significa tambm um tributo e uma tentativa de
continuao do trabalho deste homenageado folio-pesquisador pernambucano.
Tambm preciso reconhecer a importncia das instituies e seus colaboradores
que guardam e disponibilizam os documentos e livros por mim consultados durante os
anos de confeco desta tese. Obrigado Fundao Joaquim Nabuco, ao Arquivo Pblico
Estadual Jordo Emerenciano e s Bibliotecas do Centro de Filosofia e Cincias Humanas,
do Programa de Ps-Graduao em Histria e Central da Universidade Federal dePernambuco.
Agradeo CAPES pelo apoio que possibilitou a realizao deste trabalho.
E, finalmente, agradeo ao professor Durval, um educador compromissado, um
docente exemplar, um orientador exigente, atento, paciente com minhas falhas e
incentivador dos meus avanos. Obrigado por me ajudar a transformar meu sonho em
realidade.
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Hino do Carnaval de Pernambuco
Folies viva o prazer!Viva o frevo original!
O ideal sorrir
e ao passo aderiraderindo ao Carnaval!
Evoh! Evoh!O carnaval de Pernambuco
vibrao, gozo,
o suco,graas ao frevo e Federao!
(...)Todo aquele que negar
o prazer que anda a,faa o passo e ver
que no mundo no hCarnaval como o daqui!1
A Felicidade
A felicidade do pobre pareceA grande iluso do carnaval
A gente trabalha o ano inteiroPor um momento de sonho
Pra fazer a fantasiaDe rei ou de pirata ou jardineirae tudo se acabar na quarta feira
Tristeza no tem fimFelicidade sim2
1
Trecho da letra do Hino do Carnaval de Pernambuco, de autoria de Jos Mariano Barbosa (Maramb) eAnbal Portela e vencedor do concurso de msica da Federao Carnavalesca em 1937.2Trecho da letra da msica A Felicidade composta em 1959 por Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes.
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RESUMO
Ao analisar o perodo compreendido entre a realizao do Primeiro Congresso Carnavalesco
em 1910 e a publicao do Anurio do Carnaval Pernambucano pela Federao Carnavalesca
do Recife em 1938, esta pesquisa abordou a emergncia de uma nova representao do
carnaval do Recife e suas manifestaes. Nesta tese, optamos por realizar um inventrio sobre
as imagens da folia recifense em diversos registros documentais da poca: a literatura (real-
naturalista, modernista e regionalista e romance de trinta), a imprensa (Dirio de Pernambuco,
Jornal Pequeno, Jornal do Recife, A Provncia, Jornal do Commrcio e Dirio da Manh), ofolclore (Pereira da Costa), a sociologia (Gilberto Freyre), o discurso da Federao
Carnavalesca e a msica carnavalesca pernambucana. A consulta a este acervo documental
permitiu que investigssemos a festa urbana enquanto instrumento das tentativas de
instituio de uma nova governamentalidade e de uma nova representao da nacionalidade
na ordem republicana e no regime ps-trinta. Neste trabalho, sejam entendidas como folk-lore
no final do sculo XIX, ou como cultura popular a partir da dcada de 1920, as manifestaes
populares so tomadas como invenes de eruditos, sujeitos do dispositivo da nacionalidade.Nesta poca, o estudo e o registro do carnaval implicaram na idealizao de uma certa
imagem do povo divulgada como o objetivo de procurar silenciar as reivindicaes polticas
e controlar a resistncia dos grupos urbanos menos abastados do Brasil Republicano. A
imagem carnavalizada do pas serviu, portanto, a busca da naturalizao das hierarquias
sociais e da demonstrao da coeso nacional e da unidade do repertrio cultural do pas e do
Recife.
Palavras-chave: Carnaval, nacionalidade, cultura popular
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RSUM
Cette recherche met l'accent sur l'mergence d'une nouvelle reprsentation du carnaval deRecife et ses manifestations entre la fin du premier congrs du carnaval en 1910 et la
publication de l'Annuaire de la Fdration du Carnaval de Pernambuco en 1938. Dans cette
thse, nous avons dcid de faire un inventaire des images du Carnaval Recife dans
plusieurs documents de l'poque: la littrature (real-naturaliste, moderniste, rgionalistes et le
romance de trinta), les mdias (Dirio de Pernambuco, Jornal Pequeno, Jornal do Recife , A
provncia, Jornal do Commercio, Dirio da Manh), le folklore (Pereira da Costa), la
sociologie (Gilberto Freyre), le discours de la Fdration du Carnaval et la musique decarnaval de Pernambuco. La consultation de ce recueil de documents nous a permis
dinvestiguer la fte urbaine comme un instrument pour l'institution dun nouveau
gouvernementalit et une nouvelle reprsentation de la nationalit dans la republique aprs les
anns trente. Dans ce travail, les expressions culturelles populaires sont considrs comme
une invention d'intellectuels que soccupent de construire um discours sur la nationalit. ce
moment, les tudes et les recherches sur le carnaval sont motivs par l'idalisation d'une
certaine image du peuple convenable au contrle des revendications politiques et de la
rsistance des groupes populaires urbains du Brsil rpublicain. L'image du pays carnivaliz a
contribu pour la naturalisation des hirarchies sociales et pour dmontrer la cohsion
nationale et l'unit du rpertoire culturel du pays et de la ville de Recife.
Mots-cls: Carnaval, nationalit, culture populaire
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 - Caricaturas publicadas nos jornais do Recife durante o perodo carnavalesco nadcada de 1910. (Acervo FUNDAJ) ........................................................................................ 88
Figura 2 - Desenho publicado na imprensa do Recife para o carnaval de 1917. (Acervo
FUNDAJ) ................................................................................................................................. 88
Figura 3 - Primeira pgina do Jornal A Provncia de 6 de maro de 1916. (Acervo FUNDAJ)
.................................................................................................................................................. 89
Figura 4 - Primeira pgina do Jornal Pequeno de 25 de fevereiro de 1911. (Acervo FUNDAJ)
.................................................................................................................................................. 89
Figura 5 - Caricatura de Raul Moraes publicada em 1 de maro de 1924 no Jornal do
Commercio. (Acervo FUNDAJ) ............................................................................................ 134
Figura 6Gravura publicada no Dirio de Pernambuco em 1921. (Acervo FUNDAJ) ....... 142
Figura 7Desenhos e gravuras publicadas na imprensa do Recife durante a dcada de 1920.
(Acervo FUNDAJ) ................................................................................................................. 158
Figura 8 - Capa da brochura "Fantasias para o Carnaval de 1937", publicada pela Federao
Carnavalesca Pernambucana. (Acervo Pessoal) ..................................................................... 274
Figura 9 - Desenhos de fantasia premiadas em primeiro lugar no concurso realizado pela
Federao Carnavalesca Pernambucana em 1937. Publicados na brochura "Fantasias para o
carnaval de 1937".(Acervo Pessoal)....................................................................................... 274
Figura 10 - Desenhos de fantasias que concorreram no concurso realizado pela Federao
Carnavalesca Pernambucana em 1937. Publicados na brochura "Fantasias para o carnaval de
1937". (Acervo Pessoal) ......................................................................................................... 275
Figura 11 - Desenhos de fantasias premiadas em segundo lugar no concurso realizado pela
Federao Carnavalesca Pernambucana em 1937. Publicados na brochura "Fantasias para o
carnaval de 1937". (Acervo Pessoal)...................................................................................... 275
Figura 12 - Artigo e fotografias publicados no Anurio do Carnaval Pernambucano (1938)
registrando a distribuio de donativos pela Federao Carnavalesca a vrias associaes de
caridade, entre elas a Companhia da Caridade presidida pelo Padre Venncio. (Acervo
Pessoal) ................................................................................................................................... 291
Figura 13 - Fotografia de Eros Volsia publicada no Anurio do Carnaval Pernambucano.
1938. (Acervo Pessoal) .......................................................................................................... 296
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Figura 14 - Fotografias e biografias dos dirigentes da Federao Carnavalesca Joseph Prior
Fish (presidente) e Arlindo Luz (primeiro vice-presidente). Anurio do Carnaval
Pernambucano (1938). (Acervo Pessoal) ............................................................................... 298
Figura 15 Fotografia e artigo ressaltando a modernidade e eficincia tcnica da fbrica de
biscoitos Pilar Publicado no Anurio do Carnaval Pernambucano. (Acervo Pessoal) .......... 302
Figura 16 - Fantasia Goiabada Peixe. Desenho de Manoel Bandeira publicado no Anurio
do Carnaval Pernambucano de 1938. (Acervo Pessoal) ........................................................ 306
Figura 17 - Fantasia Cana. Desenho de Manoel Bandeira publicado no Anurio do Carnaval
Pernambucano de 1938. (Acervo Pessoal) ............................................................................. 306
Figura 18 - Fantasia Lagosta. Desenho de Manoel Bandeira publicado no Anurio do
Carnaval Pernambucano de 1938. (Acervo Pessoal) ............................................................. 306
Figura 19 -- Fantasia Macacheira. Desenho de Manoel Bandeira publicado no Anurio do
Carnaval Pernambucano de 1938. (Acervo Pessoal) ............................................................. 306
Figura 20 - Fotografia e texto biogrfico sobre Valdemar de Oliveira. Publicado no Anurio
do Carnaval Pernambucano (1938). (Acervo Pessoal) ........................................................... 313
Figura 21 - O Anurio publicou fotografia e dedicou uma pgina inteira para registrar a
trajetria intelectual do seu primeiro secretrio, o historiador Mrio Melo. Anurio do
Carnaval Pernambucano (1938). (Acervo Pessoal) ................................................................ 314
Figura 22 - Fotografia dos Irmos Valena (Raul e Joo). Anurio do Carnaval Pernambucano
(1938). (Acervo Pessoal) ........................................................................................................ 328
Figura 23 - Fotografia e nota biogrfica de Jos Mariano Barbosa (Maramb). Anurio do
Carnaval Pernambucano (1938). (Acervo Pessoal) ................................................................ 328
Figura 24 - Partitura do "Hino do Carnaval Pernambucano" publicada no Anurio do Carnaval
Pernambucano (1938). (Acervo Pessoal) ............................................................................... 331
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SUMRIO
1. INTRODUO ............................................................................................................... 14
1.1. A abordagem da histria cultural ........................................................................... 21
1.2. O carnaval nas redes da governamentalidade e da nacionalidade ......................... 23
1.3. O povo e o popular em questo .............................................................................. 26
1.4. O recorte temporal e o corpus documental ............................................................ 35
1.5. Diviso da pesquisa ................................................................................................ 37
2. DO IMPRIO REPBLICA: AS FOLIAS MOMESCAS DE UM RECIFE
REPUBLICANO, POPULAR E MODERNO. .................................................................... 40
2.1. O carnaval que separa e hierarquiza: o reinado de Momo no Recife imperial. ............ 43
2.2. O carnaval regenerado do Recife republicano: a consagrao das elites modernas ..... 54
2.3. O carnaval do Recife no Folk-lore e na literatura real-naturalista ............................... 69
2.3.1. O carnaval em Pereira da Costa ......................................................................... 69
2.3.2. O carnaval passionrio de Theotnio Freire ...................................................... 78
2.4. Imprensa e poder no Recife da Belle poque: o lugar das representaes .................. 86
2.5. A inveno da verdadeira alma do povo: o discurso mistura o que a prtica segrega 107
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3. O CARNAVAL NOS ANOS VINTE: TECENDO A MISTURA HOMOGNEA E
BRASILEIRA DAS GENTES. ............................................................................................ 123
3.1. O carnaval entre a tradio e o moderno na imprensa do Recife da dcada de vinte. 127
3.1.1. Entre a adeso e a resistncia ao novo, a cidade brinca o carnaval .................... 127
3.1.2. Os blocos do Recife: o novo carnaval tradicional e popular das elites
modernas. .................................................................................................................. 145
3.1.3. A imprensa do Recife na dcada de 1920: o lugar das representaes que unem e
carnavalizam as gentes. ................................................................................................. 156
3.2. O carnaval segundo o Regionalismo e o Modernismo: o Recife entre a tradio e o
moderno na literatura dos anos vinte. ................................................................................ 166
3.2.1. Identidade, tradio e carnaval segundo o modernismo ..................................... 167
3.2.2. Identidade, tradio e carnaval segundo o regionalismo .................................... 176
3.2.3. O carnaval regionalista de Ascenso Ferreira ...................................................... 190
3.2.4. Austro-Costa e o carnaval modernista do Recife ................................................ 199
3.3. O intelectual nacional-popular: carnaval e nacionalidade em discursos e prticas que
escondem faces indesejadas das gentes. ............................................................................ 210
4. REPRESENTAES DO CARNAVAL DO RECIFE NA DCADA DE 1930:
ENTRE O FREVO, A FEDERAO CARNAVALESCA, A SOCIOLOGIA
FREYRIANA E O ROMANCE DE TRINTA. .................................................................. 215
4.1. Imprensa, literatura e carnaval do Recife nos anos trinta ........................................... 2154.1.1. Cidade moderna ou capital dos mocambos? ....................................................... 216
4.1.2. Identidade, carnaval e mestiagem em Casa Grande & Senzala e Sobrados e
mucambos. .................................................................................................................... 226
4.1.3. O romance de trinta e a representao do carnaval ............................................ 235
4.1.3.1. O pas do carnaval segundo Jorge Amado .................................................. 237
4.1.3.2. O carnaval do Recife segundo Mrio Sette ................................................. 240
4.1.3.3. O Recife do carnaval em Jos Lins do Rego .............................................. 251
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4.2. A Federao Carnavalesca Pernambucana ................................................................. 263
4.2.1. Da fundao e dos fins ........................................................................................ 266
4.2.2. Do funcionamento e do reconhecimento como associao de utilidade pblica 279
4.2.3. O Anurio do Carnaval Pernambucano: um olhar sobre seus efeitos de sentido
...................................................................................................................................... 290
4.2.3.1. A Federao entre a Igreja e o novo regime: da caridade conservao da
cultura ....................................................................................................................... 290
4.2.3.2. O carnaval e seus dirigentes: a Federao e suas figuras de destaque.... 297
4.2.3.2.1. O carnaval trabalhista: a Federao entre o bom burgus e o bom operrio.
.................................................................................................................................. 299
4.2.3.2.2. A Federao entre o intelectual e o povo ................................................. 308
4.2.4. A msica carnavalesca pernambucana: a trilha sonora da Federao e seu projeto
de carnaval. ................................................................................................................... 320
4.2.5. Identidade, carnaval e mestiagem segundo a Federao Carnavalesca
Pernambucana ............................................................................................................... 335
4.3. Raa, mestiagem e identidade nos anos trinta: o que esconde o corpo carnavalizado
da nao ............................................................................................................................. 340
5. CONSIDERAES FINAIS .......................................................................................... 348
REFERNCIAS ................................................................................................................... 362
a) Imprensa .......................................................................................................................... 362
b) Literatura ......................................................................................................................... 363
c) Folclore ........................................................................................................................... 364d) Gilberto Freyre ................................................................................................................ 364
e) Federao Carnavalesca .................................................................................................. 365
f) Partituras ......................................................................................................................... 365
g) Bibliografia ..................................................................................................................... 366
h) Hemerotecas consultadas ................................................................................................ 381
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1. INTRODUO
il novecentos e quarenta. O casal Zygmunt e Mariem Katz havia deixado
Lvov. A cidade, que abrigou vrias geraes de suas famlias judias, sofria
mais uma transformao poltica. Desde 1815, quando a Polnia foi dividida
entre os pases que derrotaram a Frana napolenica, a regio se tornou a provncia mais
oriental do Imprio Austraco. Ao final da Primeira Grande Guerra, o Congresso de
Versalhes, em 1919, promoveu a emancipao da Polnia que incorporou novamente Lvov.
Vinte anos depois o cenrio geopoltico seria alterado outra vez. A cidade, a partir de
setembro de 1939, ficou sob o domnio sovitico em funo do inusitado acordo Ribentrop-
Molotov que proporcionou a diviso do pas entre a Alemanha nazista e a URSS stalinista.
Como homem de posses e prspero negociante, Zygmunt sentia-se incomodado com a
desconfiana dos comunistas. Enquanto o marido de sua cunhada Eva alistou-se no exrcito
vermelho, Katz se viu forado a procurar outro lar.3
Nem conseguiu vender o que possua. Tudo o que reunira ao longo da vida como
prspero homem de negcios estava perdido. Ou melhor, quase tudo. Katz havia acumulado
significativa riqueza como negociante de madeira, industrial, fabricante de artefatos de
concreto e fornecedor do exrcito polons. As transformaes polticas dos anos trinta
exigiam a prudncia que o fez, inclusive, depositar cinco mil dlares em uma conta do
Citibank em Nova York, uma quantia expressiva na poca, porm de pouco significado dentro
do conjunto de seus bens.
Em 1940, seu plano era viver longe da terra natal, a salvo da escalada antissemita e do
domnio comunista. Resolveu viajar sozinho Romnia para tentar conseguir um novo
passaporte no consulado polons de Bucareste e um visto permanente de algum pas que os
aceitasse. Tempos depois, Mariem iria encontr-lo de posse de documentos falsos que os
designavam como cristos. O passaporte do casal registra um visto permanente do Brasil
conseguido em Bucareste e autorizado pelo despacho no. 40, de 9 de outubro de 1939, do
governo Vargas. Em retribuio, o patriarca batizou seu primeiro filho de Getlio Katz.
3Atualmente a cidade responde pelo nome de Lviv e est localizada em territrio ucraniano.
M
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A viagem para o novo lar iniciou-se em 1 de novembro de 1940. O casal passaria por
Istambul, Palestina e Kantara. A bordo do navio egpcio Zamzam atravessaram o canal de
Suez em 27 de janeiro de 1940. O casal viajava com destino ao porto de Santos, em So
Paulo. Antes de chegar ao destino final, o navio fez uma parada no porto de uma cidade
brasileira desconhecida, em 6 de fevereiro de 1941. Aquela que seria uma rpida estada no
Recife marcaria para sempre suas vidas. Katz subitamente interrompeu a viagem e resolveu
ficar naquela cidade que tanto lhe chamou a ateno. Haviam encontrado um lugar colorido e
alegre. Ao som do frevo, as pessoas nas ruas brincavam como se no houvesse amanh. A
felicidade parecia perfumar o Recife povoado por clubes e maracatus. Que lugar melhor
existiria para recomear a vida? O casal desembarcou no porto do Recife durante o perodo
carnavalesco. Parecia uma cidade onde todos eram felizes, ao contrrio da Europa Oriental,que logo cairia sob o poder dos nazistas. Inclusive Lvov, que sofreu o terror dos campos de
concentrao aps a invaso alem em 1941.
o que narrou o segundo filho do casal, o economista e professor universitrio
Frederico Jayme Katz sobre a difcil mudana dos pais para a cidade onde viria a nascer4.
Inicialmente, o casal vendeu as joias trazidas escondidas nas roupas por Mariem e arrendou
um pequeno bar no bairro de Santo Antonio. Posteriormente, resgataram o depsito no
Citibank e abriram um armazm de material de construo, que significou para ele a retomada
dos negcios como madeireiro. Zygmunt Katz aproveitou intensamente a nova oportunidade
prosperou, sobretudo, no ramo da madeira, operando um pouco tambm na construo civil
em Pernambuco.
No deixa de ser significativo o fato da alegria carnavalesca do Recife ter sido
determinante para a deciso de se interromper a viagem para aqui fixarem residncia. Porm,
podemos questionar outros possveis motivos para permanncia do casal na cidade. Ser que aviagem estava desconfortvel ou perigosa o suficiente ao ponto de precisar ser interrompida?
Por algum motivo, Zygmunt Katz se convenceu durante a viagem de que a vida no Recife
seria melhor do que em Santos ou So Paulo? O carnaval que presenciara seria apenas uma
coincidncia? Ser que a memria coletiva que consagrou a cidade como palco do melhor
carnaval do mundo interferiu na criao desta narrativa? Esta histria no poderia ser
expresso justamente desta identidade contempornea da cidade relacionada festa de momo?
Talvez sim, talvez no.
4Depoimento oral dado ao autor em 25 de outubro de 2009.
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Nesta mesma poca, um outro viajante tambm demonstraria encanto pelo Brasil. Em
1941, o famoso escritor judeu austraco Stefan Zweig publicou um entusiasmado retrato do
pas que aprendera a admirar desde sua primeira visita em 1936. Zweig gozou de significativo
sucesso entre as dcadas de vinte e trinta, sendo ficcionista e bigrafo de prestgio e um dos
autores mais traduzidos no mundo de sua poca. Uma prova disto foram as diversas edies
em portugus, ingls, alemo, sueco, francs e espanhol publicadas quase simultaneamente de
Brasil, um pas do futuro.
O livro fora resultado de suas pesquisas e observaes coletadas durante os cinco meses
em que viajou pelo pas em 1940. Zweig visitou, inclusive, a cidade do Recife, sobre a qual
destacou as reformas urbanas empreendidas por Agamenon Magalhes, que prometiam acabar
com os mocambos aquelas choas de negros que achamos to romnticas e erguer uma
moderna cidade-modelo (2006, p.244).
Durante sua viagem, trs caractersticas principais do pas lhe chamaram a ateno: a
beleza natural, as potencialidades econmicas e, principalmente, o que chamou de ausncia
de preconceito entre as raas. Zweig descreve o pas como um contraponto Europa abalada
pela loucura nacionalista e racista (2006, p.18). Para o escritor, o suposto princpio
destrutivo da mistura, esse horror, esse pecado contra o sangue dos nossos fanticos tericosracistas, , aqui, o cimento de uma civilizao nacional conscientemente utilizado (2006,
p.19).
Neste discurso, o Brasil foi formado a partir da
negao completa e consciente de qualquer diferena de cor e de raa, em seu xitovisvel trouxe uma importante contribuio no sentido de eliminar um desvario quegerou mais discrdia e desgraa para o nosso mundo do que qualquer outro(ZWEIG, 2006, p.20).
No por acaso que Zweig fixou residncia em Petrpolis em 1941. A histria do pas,
para o escritor, emergia como um espelho de tolerncia e pacifismo que deveria ser tomado
como exemplo em um mundo devastado pelo dio e pelaloucura (2006, p.23).
Porm, as sucessivas vitrias nazistas na Europa, o enfraquecimento e isolamento da
Inglaterra no combate, o ataque japons a Pearl Harbor e a entrada do Brasil na guerra aps o
afundamento do navio brasileiro Buarque por submarinos alemes contriburam para o
aprofundamento da depresso que acometia Stefan Zweig. Ele tambm no recebera bem ascrticas que o acusavam de ter escrito Brasil, um pas do futurosob a encomenda da ditadura
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varguista. Talvez o prprio Zweig tenha contribudo para isso ao registrar no livro que mesmo
sob a dominao de uma ditadura, naquele momento, o Brasil conhece mais liberdades
individuais e contentamento do que a maioria dos nossos pases europeus (2006, p.23).
Em 1942, entre 22 e 23 de fevereiro, Zweig e sua esposa Lotte cometeram suicdio. O
casal havia retornado prematuramente do Rio de Janeiro antes que a festa colorida que foram
presenciar terminasse na quarta-feira de cinzas. Impressionado com as ltimas notcias que
encaminhavam tambm o Brasil rumo guerra e incomodado, talvez, com a alegria que
tomava conta da cidade, o escritor retorna a sua residncia em Petrpolis. E pe fim a sua
existncia.
O contato com o carnaval nestas duas situaes narradas acima provocou atitudes
contrrias. Enquanto os Katz vislumbraram esperana, o casal Zweig sentiu abatimento e
desconforto. A situao internacional pareceu-lhes incompatvel com a alegria carnavalesca.
A motivao para a realizao desta pesquisa partiu justamente destes sentimentos ambguos.
No passado e no presente, o pas destaca-se pelas significativas desigualdades sociais e pelas
dificuldades de consolidao da democracia representativa, a despeito de todos os avanos
construdos nas ltimas dcadas. A alegria carnavalesca contrastava e ainda contrasta com a
difcil (para no dizer triste) situao social da maioria da populao brasileira. Fazemos certoao brincarmos o carnaval em uma poca de grandes problemas sociais? No devamos nos
mobilizar politicamente para transformar este pas? Conseguiramos realizar uma
manifestao de cunho poltico com tantos adeptos quanto o gigantesco Clube de Mscaras
Galo da Madrugada do Recife? Esta alegria fugaz, esta ofegante epidemia que se chamava
carnaval5 contribua e contribui para o arrefecimento do potencial contestatrio dos
habitantes deste pas? Ou o combustvel necessrio para que continuemos sonhando
pacientemente com a substituio final do pas do carnaval pelo pas do futuro (se carnaval forincompatvel com o futuro)?
Ao invs de definirmos a priori a contribuio do carnaval para a reproduo ou
transformao da ordem social e poltica, precisamos refletir sobre como os atores do drama
carnavalesco representam e praticam a folia. Para descobrir os sentidos do carnaval devemos
procurar os significados da festa a partir das prprias prticas sociais. Ao invs de procurar a
continuidade entre os festejos carnavalescos e suas origens que remontam antiguidade
5Trecho do samba Vai passar de Chico Buarque e Francis Hime.
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clssica ou poca colonial, os dias gordos devem ser abordados como uma manifestao
fruto de contextos especficos. As maneiras de entender e de brincar o carnaval so mutveis
apesar da aparente permanncia que decorre da prpria repetio anual do Reinado de Momo
antes da Quaresma.
Como colocou o historiador Jacques Heers,
certo que as tradies orais, a memria coletiva guardam por muito tempo, talvezmais que os prprios livros, a recordao de prticas e de manifestaes antiqssimas.Mas fazem-no muitas vezes duma maneira superficial, conservando apenas o gesto e ocenrio, no seu significado(1987, p.222).
Os brincantes vo recriando o espao pblico e privado, redesenhando as ruas e
(re)fabricando suas formas de divertimento e (re)construindo a sua brincadeira a partir de
escolhas feitas dentro de circunstncias temporais. Neste trabalho, procuramos refletir sobre
os usos do carnaval durante a primeira metade do sculo XX pelas elites intelectuais do
Recife atravs de suas produes literrias, musicais e jornalsticas. As folias momescas
foram agenciadas como instrumento de naturalizao das hierarquias sociais e da identidade
nacional e conservador da prpria ordem poltica republicana.
O historiador do carnaval tem a tarefa de procurar os significados da festa em registros
que na maioria das vezes no foram produzidos por quem brincou o carnaval. Os registros das
brincadeiras carnavalescas do pas no sculo XIX e na primeira metade do sculo XX so
produzidos pela literatura, pelas artes plsticas, pela imprensa e pela indstria fonogrfica.
Esta memria documental expressa representaes das autoridades pblicas, artistas e
intelectuais comprometidas com a construo das ordens imperial e republicana. Assim, o
historiador tem apenas acesso s representaes oficiais do carnaval para procurar como
estas imagens so produtos dos conflitos e tentativas de organizao do mundo em
representaes e relaes de poder.
A memria documental jornalstica do Recife do sculo XIX emite signos que
condenavam o Entrudo e manifestaes festivas como os maracatus, batuques e clubes
pedestres (agremiaes hoje chamadas de troas ou clubes carnavalescos). Eram
representados como fonte de males, desordens e conflitos. Segundo jornais de poca, eram
manifestaes da falta de civilizao e da moralidade crist e, para muitos, assunto de polcia.
A partir da primeira metade do sculo XX, intelectuais e autoridades passaram a
representar as manifestaes populares de outra forma. A partir dos anos 1910, a
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representao dos maracatus e clubes pedestres enfatizaria, sobretudo, sua dimenso ldica e
ordeira: a animao era inofensiva e a alegria simples.Neste sentido, nossa investigao
procurou abordar estas novas representaes em busca dos efeitos de sentido e das novas
relaes de fora por elas estabelecidos. Buscamos as implicaes sociais desta valorizao
do popular que emergia nas dcadas de 1920 e 1930.
Portanto, nestes escritos vamos abordar as representaes tecidas pela imprensa e pela
literatura sobre o carnaval e os interesses e lugares de produo que permitiram tais
representaes. Procuramos fugir da tentao de explicar as prticas culturais populares
como determinadas em ltima instncia pela macro-estrutura social ou pela
conscincia de classe ou rebeldia proto-revolucionria do povo. Tomamos as
manifestaes populares como objetos de discurso da memria documental consultada,
como representaes construdas pelas redes de saber e poder da primeira metade do
sculo XX.6
As narrativas da imprensa, da msica e da literatura sobre o carnaval e, por fim, o
prprio documento histrico, so entendidos, neste trabalho, como acontecimentos7. E como
tal, precisam ser reconstitudos dentro das redes de poder (relaes sociais, identidades,
espaos e temporalidades) que tornaram possvel sua existncia. Cada vez que um documentorepresenta o carnaval e suas prticaso entrudo, os maracatus, o frevo, os clubes, os folies,
6 Neste trabalho, procuramos no tomar as representaes documentais como indcios ou rastros mais oumenos verdadeiros do passado. Uma representao no em si mesma nem mais, nem menos correta ou fiel doque outra. No existem representaes mais ou menos realistas do que outras. Entendemos que o trabalhodocumental se faz com representaes que criam leituras sobre o vivido e que revelam as posies e osinteresses dos grupos sociais que as produziram. Os documentos so tentativas de representar o real que foivivido e organizar o presente onde escrito. Representao , ao mesmo tempo, (re)apresentao, (re)presena e(re)presentificao, e adquire mais ou menos autoridade de acordo com as redes de poder-saber de umasociedade. No existe o evento de um lado e sua representao de outro, uma vez que os eventos e seus relatos se
articulam intimamente.O evento possui uma materialidade e produto de um movimento no tempo, de uma dobra do cotidiano, de umaquebra da repetio ou da permanncia, sendo constitudo por variveis naturais. O acontecimento produto derelaes sociais, de encontros e desencontros entre indivduos e grupos sociais em uma dada circunstncia. Noentanto, o evento precisa ser intercambivel para possa transcender a afasia provocada pelo estranhamento inicialde quem dele participa. Todo evento necessita de uma linguagem para que faa sentido e interfira nas relaesentre os homens e mulheres. Neste sentido, a representao tambm o acontecimento na medida em que elenecessita ser narrado para que sua materialidade se conecte cultura. A irrupo natural ou material funda oacontecimento que tambm fundado pelo relato que o comunica, que o representa (ALBUQUERQUEJNIOR, 2007).7A escrita de um documento, de um romance, de uma autobiografia, de um artigo jornalstico, de uma carta, deum relatrio policial, de um relato oral uma tentativa de organizar a realidade, de conferir sentido ao mundo, deinstituir imagens da sociedade, de representar / performar o mundo. Portanto, tambm um acontecimento. O
trabalho do historiador implica na busca dos efeitos de sentido dos documentos, que se completam ou se repelemno debate histrico da definio do que foi e de como aquilo deve ser lembrado. O historiador deve, ento,evidenciar este debate em torno da verdade no passado.
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o Recife carnavalizado, enfim, o mundo social um acontecimento que surge ou que se
repete a cada novo documento consultado. Assim, uma vez percebidas diferentes
representaes sobre os festejos de Momo no Imprio e na Repblica, especialmente nas
dcadas de 1910, 1920 e 1930, nossa funo a de determinar as regras dessa repetio ou o
porqu da no repetio da imagem ou esteretipo construdo sobre a sociedade e sobre o
carnaval e suas manifestaes.
Apesar de no existirem instituies ou grupos sociais enquanto donos da representao
verdadeira do mundo social, existem representaes com mais ou menos fora e que
dependem de instituies e redes de poder para se legitimarem como hegemnicas. Este
trabalho aborda as representaes hegemnicas sobre o carnaval, at porque a documentao
disponvel a memria das elites na imprensa e na literatura. Vale ressaltar que existiram as
tticas e estratgias de resistncia s relaes de poder hegemnicas, mas que, porm, s
pudemos apreend-las a partir da documentao oficial.
Lembremos que o historiador no tem o poder de contar a histria tal como aconteceu,
pois o que ele faz tambm construir uma verdade autorizada por instituies e
procedimentos analticos. Sua verso autorizada sobre os debates em torno das verdades
sobre o passado que estruturam a identidade do presente. Assim, a histria um saber dopresente, da representao do presente. Este texto, neste sentido, um ponto de encontro entre
o carnaval do passado visto por Mariem e Zygmunt Katz, o carnaval dos registros
documentais arquivados pelo Estado e consultados durante a pesquisa e, por fim, o cotidiano
presente (social, acadmico e carnavalesco) do autor.
Entendemos tambm que esta pesquisa pode contribuir para o presente por preencher
uma lacuna sobre a histria do carnaval do Recife neste perodo, bem como por
problematizar o papel do intelectual defensor da cultura popular tal como estamos
acostumados a ver, muitas vezes, ocupando posies em instncias governamentais. Este
trabalho pode contribuir tambm para o questionamento dos mecanismos de produo das
identidades dos espaos e dos sujeitos existentes em uma sociedade burguesa e
republicana e dos usos das festas pblicas como instrumentos de controle social.
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1.1. A abordagem da histria cultural
Estas discusses tericas reafirmam o compromisso desta pesquisa com a abordagem
que foi definida por Roger Chartier (1990, p.17) como histria cultural do social, cujo
objeto seria
a compreenso das formas e dos motivos ou, por outras palavras, dasrepresentaes do mundo social que, revelia dos actores sociais, traduzemas suas posies e interesses objectivamente confrontados.
O que significa que as representaes descrevem a sociedade tal como pensam que
ela , ou como gostariam que fosse.
Durante a consulta ao acervo documental e a reflexo sobre as representaes em
torno do carnaval e suas prticas, procurou-se questionar as classificaes, divises e
delimitaes que organizam a apreenso do mundo como categorias fundamentais de
percepo do real e de instituio de hierarquias sociais e identidades. Ento, nesta
perspectiva, cultura e poltica so indissociveis, pois pensar representao significa
inseri-las dentro das estratgias que determinam as posies e relaes de poder que
estabelecem as diferentes identidades na sociedade no perodo entre as dcadas de 1910 e
1940 em estudo.
Procuramos, portanto, abordar as relaes de poder definidas pela sua positividade, pela
produtividade deste mesmo poder, j que ele cria saberes, instituies, indivduos e produz
coisas, induz ao prazer e produz discurso. Neste sentido, evocamos o olhar foucauldiano sobre
o conceito de poder enquanto relao social, enquanto tticas e estratgias produtoras de
subjetividade, saberes e verdades.
O esforo de compreender o mundo enquanto representao implica em
desnaturalizar imagens legitimadas socialmente e enfrentar esteretipos com o objetivo de
questionar os discursos que se colocam como reveladores de uma verdade sobre a
realidade social e suas diferenas e hierarquias.8
8Aqui tomamos emprestada a noo de discurso desenvolvida por Michel F oucault em Arqueologia do Saber.
O discurso entendido como prtica que se dirige a um certo campo de objetos, que se encontra nas mos deum certo nmero de indivduos estatutariamente designados, que tem, enfim, que exercer certas funes nasociedade, se articula em prticas que lhe so exteriores e que no so de natureza discursiva (FOUCAULT,2000, p.188). Todo discurso veicula e produz poder. Como prtica social, o discurso deve ser mergulhado nas
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O discurso seria o que cada poca pode dizer ou articular significativamente, o
discurso o pensamento, algo que nos move e confere os sentidos que precisamos para
viver e agir socialmente. Questionar os discursos indagar pela construo do estatuto dos
indivduos que podem emiti-los e de seus lugares institucionais de fala. No lugar de
produo transparecem os limites e as possibilidades que as relaes de poder conferem
aos saberes. O lugar se refere aos espaos hierarquizados de fala em uma sociedade, so
instncias onde os enunciados se justificam, se encadeiam e so pronunciados. Entendidas
como lugares de produo, as instituies funcionam como receptculos de uma
comunidade de saber, de um crculo de sociabilidade e exerccio de trabalho intelectual,
neste caso, para escritores, jornalistas, historiadores e poetas que tomaram o carnaval
como objeto de suas produes.9
Neste texto procuramos descrever como as prticas discursivas da imprensa e da
literatura significaram o carnaval, como o discurso real-naturalista e o discurso nacional-
popular atravessaram estas prticas discursivas, como os lugares de fala possibilitaram a
emergncia dos sentidos, como surgem os sujeitos do discurso (escritores, historiadores,
jornalistas, artistas, msicos e intelectuais defensores do popular), ou melhor, os
relaes de poder que o tornaram possvel. Todo lugar de formao de saberes configura-se como ponto deexerccio do poder. Pesquisar discursos recoloc-los dentro do regime de verdade de seu tempo e imergi-lo noscombates em torno da verdade e pela verdade (FOUCAULT, 2001a).9Estas relaes de lugar correspondem ao que Michel Foucault chamou de modalidades enunciativas, definidascomo instncias onde os enunciados se justificam, se encadeiam e so pronunciados. As modalidadesenunciativas definem onde os enunciados desfilam, nas posies de sujeito da formao discursiva em questo.Foucault divide-as em trs dimenses. Uma primeira modalidade seria o status dos indivduos que tm eapenas eles o direito regulamentar ou tradicional, juridicamente definido ou espontaneamente aceito, de
proferir semelhante discurso. (FOUCAULT, 2000, p. 57) O status compreende tambm um certo nmero detraos que definem seu funcionamento em relao ao conjunto da sociedade. O status de cada subjetivao
interdita de forma diferenciada o sujeito. Cadastatuspossui atribuies, subordinaes hierrquicas e funcionamdiferentemente nas situaes discursivas. Em nossa pesquisa trabalhamos com historiadores, intelectuais,escritores, jornalistas, msicos que exercemstatusdiversos nas situaes discursivas estudadas.Uma segunda modalidade enunciativa seria o lugar institucional que a subjetivao ocupa, o lugar onde ossujeitos encontram sua origem legitima e tambm seu ponto de aplicao. O lugar institucional justifica e aomesmo tempo objetivado, ou significado, pela formao discursiva. Neste caso, tratamos de lugares de falacomo a Imprensa, o Instituto Arqueolgico e Geogrfico Pernambucano, o Centro Regionalista e a FederaoCarnavalesca.A terceira modalidade enunciativa seria a posio que o sujeito ocupa na rede de informaes. Trata-se damodalidade que revela a situao que a posio de sujeito pode ocupar em relao aos domnios e grupos deobjetivaes de sua formao discursiva. Neste caso, trata-se do cronista de momo, poetas e escritoresregionalistas, autoridades pblicas, compositores e outras figuras que possuem mais ou menos destaque, exercemmais ou menos autoridade nos discursos sobre o carnaval.
Segundo Foucault, as diversas modalidades enunciativas remetem a disperso do sujeito. Um indivduo podeocupar diversas posies de sujeito nos diversos status, nos diversos lugares institucionais, e nas posies narede de informaes. Michel Foucault ento estabeleceu um duplo descentramento do sujeito, este no maisdono da fala e pode ocupar vrias posies numa mesma formao discursiva.
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indivduos estatutariamente designados a falar nestes lugares e instituies10, e, por fim,
como as prticas de natureza no-discursiva se articulam com as prticas discursivasaquelas
quase sempre negando o que estas enunciam.
Assim como o tempo, os espaos so tambm construes narrativas. No existe espao
objetivamente determinado do exterior a partir de onde os discursos se enunciam.
Trabalhamos com a perspectiva de que so os prprios discursos que inscrevem seus espaos,
que os produzem e os pressupem para se legitimarem. O Recife, enquanto espacialidade,
tambm institudo nos discursos que representam o carnaval. Os espaos so no apenas
recortes naturais, polticos, econmicos, mas invenes culturais, construes imagtico-
discursivas frutos da regularidade de certos temas, imagens, falas, que se repetem em
diferentes discursos (ALBUQUERQUE JNIOR, 1999).
1.2. O carnaval nas redes da governamentalidade e da nacionalidade
O leitor encontrar neste texto a busca do estabelecimento de relaes entre a maneira
como o carnaval e suas prticas significavam e a maneira como as elites polticas republicanas
representavam o mundo social, o pas e a cidade do Recife. Esta pesquisa pretende discutir,
portanto, como as prticas carnavalescas e as discusses acerca do carnaval relacionavam-se
com as transformaes sociais pelas quais passaram o pas, o Estado de Pernambuco e a cidade
10Vale ressaltar que a produo do sujeito do discurso (posies de sujeito ou subjetivaes) relacionada aosprocessos de interpelao e identificao. Em uma dada situao discursiva, o indivduo interpelado a tornar-sesujeito de uma dada formao discursiva. A interpelao funciona com um chamamento, como uma
oportunidade do individuo assujeitar-se daquele discurso. Em nossa pesquisa, perscrutamos pelas estratgias deinterpelao de indivduos como povo no Recife nas primeiras dcadas republicanas atravs dasrepresentaes do carnaval. As formaes discursivas real-naturalista e a nacional-popular interpelavam ossujeitos que se identificavam ou no com o lugar que estas lhe conferem. s vezes, a interpelao falha, e aformao discursiva no atrai suficientemente o indivduo que no assume aquele assujeitamento e quandoalgo na interpelao no funciona, a identificao pode no acontecer.O lugar que a interpelao-identificao confere ao sujeito do discurso definido pela formao discursiva,
porque ela quem define no s o que deve, ou o que pode ser falado, ou quem pode falar o que, mas deonde se pode falar o que pode ou deve ser dito em dada situao. O sujeito no mais origem ou senhor deseus sentidos. Ao assumir o local de sujeito do discurso, o indivduo assume tambm as regras de sua formaodiscursiva. E aquilo que ele enuncia s ter sentido em funo da formao discursiva que o envolve. Longe deser a origem do sentido, o sujeito apenas passagem dos enunciados e sentidos das formaes discursivas, efala o que pode ser dito diante das regras de produo de onde este seu dizer se refere, e o seu dito fruto das
negociaes que faz com estas regras que interditam este dizer. Os enunciados adquirem significado emreferncia aos outros enunciados que com ele compem uma formao discursiva. Sem que o indivduo tenhaconscincia, e mesmo que pensemos que somos senhores de nossas significaes, a interpelao nos leva aocuparmos um lugar em uma formao discursiva que controla nossa produo de sentidos atravs das suas
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do Recife na primeira metade do sculo XX. A produo cultural seria profundamente marcada
pelas tenses advindas dos processos especficos de modernizao, urbanizao e
industrializao brasileiros e insero perifrica do pas nas relaes capitalistas internacionais
da poca.
Procuramos perceber a emergncia do carnaval como resultado de relaes
estabelecidas entre instituies (Federao Carnavalesca, Estado, Centro Regionalista,
instituies policiais e imprensa), processos econmicos (diviso internacional e regional
do trabalho, criao de uma rede de negcios em torno da comercializao de produtos
ligados ao carnaval em escala internacional, nacional e regional) e sociais
(internacionalizao cultural e econmica, crise do paradigma real-naturalista, incio da
formao da sociedade de massas, unificao do espao nacional a partir do Sul,
institucionalizao da regio Nordeste, modernizao da sociedade brasileira e
rompimento de padres sociais de sociabilidade, aparecimento de movimentos artsticos
como o modernista e o regionalista, modernizao urbana do Recife), formas de
comportamento e sistemas de normas (jurdicas e policiais).
O perodo em estudo palco das tentativas de instituio de uma nova
governamentalidade, das tentativas de instituio de um Recife disciplinado e de um o novocorpo social do pas na recente ordem republicana. O dispositivo da governamentalidade diz
respeito ao conjunto de instituies, procedimentos, anlises e reflexes, clculos e tticas
[do regime republicano brasileiro] que permitem exercer esta forma bastante especfica e
complexa de poder, que tem por alvo a populao [entidade visvel no Brasil aps a abolio
da escravatura e proclamao da Repblica], por forma principal de saber a economia poltica
e por instrumentos tcnicos essenciais os dispositivos de segurana(FOUCAULT, 2001a, p.
291-292).
Se nas primeiras dcadas republicanas, procura-se instituir a nova governamentalidade a
partir do discurso real-naturalista, nos anos 1920, o discurso nacional-popular transformar as
representaes a cerca da populao e, por conseguinte, sua relao com a nao e o
governo. Como a governamentalidade institui o Estado com as funes de gerir a populao,
um sujeito de necessidades, de aspiraes, mas tambm como objeto nas mos do governo
(FOUCAULT, 2001a, p.289), o discurso nacional-popular transforma a representao
regras deproduo, que definem o repertrio de enunciados e imagens que podem ser relacionados aos objetosdo discurso.
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hegemnica sobre o povo enquanto sujeito e objeto do Estado, conforme discorreremos
neste texto.
Se o dispositivo da governamentalidade dirige as relaes entre o Estado e a populao,o dispositivo da nacionalidade governa as relaes simblicas entre os diversos grupos sociais
com eles mesmos, entre os intelectuais e o povo e tambm entre o povo e a nao.
O dispositivo da nacionalidade definido, segundo Albuquerque Jnior (1994, p.2),
como
uma rede tecida [que envolve o homem ocidental desde o sculo XVIII] entrediscursos, instituies, organizaes administrativas, decises regulamentares, leis,
enunciados cientficos, proposies filosficas, morais, filantrpicas, ou seja, entre odito e o no-dito, que tm como preocupao central o princpio da nacionalidade.
O trabalho com os discursos da nacionalidade que tomavam por objeto o carnaval do
Recife permitiu que analisssemos os mecanismos de produo de territrios homogneos:
como a nao, a cultura nacional, a poltica nacional, a economia nacional, o trabalhador
nacional, o movimento trabalhista nacional (ALBUQUERQUE JNIOR, 1994, p.2), e asfestas nacionais que caracterizam o funcionamento deste dispositivo.
Conforme colocou Stuart Hall, "a nao no apenas uma entidade poltica, mas algoque produz sentidos um sistema de representao cultural" (2001, p.49). Assim, a
nacionalidade pode ser caracterizada como
um dispositivo sutil de homogeneizao das diversas relaes sociais e de suacentralizao no mbito da soberania e da dominao. A multiplicidade dalinguagem, das prticas, das imagens no social, so centralizadas atravs destemecanismo de produo de sentido que a nacionalidade. Ela passa a ser a chaveatribuidora de sentido ao visvel e ao dizvel. Com ela abrem-se as mltiplasrelaes sociais e se acha sempre o mesmo, a nao, sua soberania e, com elas, areproduo da dominao que as instituiu(ALBUQUERQUE JNIOR, 1994, p.2).
A nao narrada como uma comunidade imaginada que supera as divises e
diferenas internas, os conflitos e diferenas sociais. O discurso nacional procura representar
a diferena como unidade ou identidade no exerccio da criao da coeso social e da
manuteno da estrutura de dominao dos Estados Modernos.
O dispositivo das nacionalidades criava tambm o cidado, indivduo
disciplinado pela sujeioe subjetivao dos cdigos de civismo e patriotismo [...]O homem das nacionalidades tambm uma inveno dos sculos XVIII e XIX,filho da modernidade burguesa. Tornar-se membro de uma nao soberana requer,desde uma disciplinarizao dos corpos, at uma disciplinarizao do esprito,
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eliminando ou gerindo as foras, os movimentos, os desejos que sejam discrepantesda nao (ALBUQUERQUE JNIOR, 1994, p.4-5).
1.3. O povo e o popular em questo
Para Homi Bhabha, a construo da nao est intimamente ligada ao ato de narrar.
Quem narra inventa tempos histricos, identidades e futuros. A idia de nao passa pela
discursividade, pelo entendimento de nao como narrativa (2005, p. 198 ss.). Porm, a
construo da nao no campo narrativo institui uma dupla temporalidade. Para Bhabha,
o povo tem de ser pensado num tempo-duplo; o povo consiste em objetoshistricos de uma pedagogia nacionalista, que atribui ao discurso uma autoridadeque se baseia no preestabelecido ou na origem histrica constituda no passado; o
povo consiste tambm em sujeitos de um processo de significao que deveobliterar qualquer presena anterior ou originria do povo-nao para demonstrar os
princpios vivos prodigiosos, vivos do povo como contemporaneidade, como aquelesigno do presente atravs do qual a vida nacional redimida como um processoreprodutivo. (2005, p.206-207).
Portanto, se de um lado o povo tomado como presena histrica a priori, sendo
portanto um objeto pedaggico, por outro, o povo uma construo narrativa que deve ser
reatualizada atravs da repetio cotidiana do signo nacional que articule permanentemente a
heterogeneidade de sua populao. A nao construda por narrativas que procuram
conciliar a necessidade de construir a essncia imutvel da nao (que tomam o povo como
objeto pedaggico) e com o imperativo de controlar sua disperso nas lides cotidianas para a
reproduo dos sujeitos nacionais (o que termina por tomar o povo como sujeitos
performativos). Esta reatualizao dos sujeitos nacionais, que inevitvel em funo das
transformaes histricas cotidianas, termina por desestabilizar a imagem tradicional do povoem nome de novas representaes adaptadas s configuraes histricas de cada
contemporaneidade. Assim, o dispositivo da nacionalidade se transforma com as mudanas
polticas, sociais e culturais e a idia de nao persiste como pea discursiva fundamental na
construo das relaes de dominao e de diferenciaes internas e externas (cidados x
estrangeiros, colonos x colonizados, elites x povo).
A produo das narrativas nacionais, portanto, produz diferenas internas e naturaliza
hierarquias. O conceito de povo instrumento fundamental nas narrativas nacionais. No
contexto do Antigo Regime, povo designava tanto populao, quanto o terceiro estado da
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sociedade de ordens. O sculo XIX disseminar o conceito de povo enquanto conjunto de
cidados constituinte do corpo da nao, legtimos depositrios da soberania nacional.
No Brasil, ao lado destes usos, emergia uma outra leitura do conceito de povo queexpressa uma ambigidade causada justamente pela necessidade de conciliar o povo como
objeto pedaggico e como sujeito performativo. Em diversas situaes discursivas, o conceito
de povo utilizado para designar a ral ou o populacho. Trata-se das hordas de
escravosno Imprio, ou da turba das ruasna Repblica. Na verdade, interesses polticos
em determinadas situaes discursivas determinam quando o conceito de povo inclui (dentro
da comunidade nacional) e quando ele exclui (FALCON, 2000, p. 30 ss.).
Nesta perspectiva, as manifestaes populares designadas como folk-lore no final do
sculo XIX e cultura popular, a partir da dcada de 1920, precisam ser entendidas nesta
ambigidade. Se a noo de folk-lore, tal como utilizada em Pereira da Costa, e a noo de
cultura popular, tal como utilizada no regionalismo, so diferentes por serem objetos de
diferentes discursos, o real-naturalista e o nacional-popular, respectivamente, estes conceitos
representam o que Michel de Certeau definiu como uma ao no-confessadade eliminao
do perigo poltico que estas manifestaes trazem quando no domesticadas nestes saberes
eruditos. Uma vez diagnosticadas, as manifestaes populares so invenes de eruditos,sujeitos do dispositivo da nacionalidade, que as retiram do povo sob o pretexto de preserv-las
ou salv-las da extino. Esta tomada de assalto implica na escolha de dadas manifestaes
e silenciamento de outras, inclusive do recalque da periculosidade do povo: a cultura popular
tanto mais curiosa quanto menos temveis so os seus sujeitos (CERTEAU, 2003, p.57).
Os estudos do folk-lore ou da cultura popular, entre suas manifestaes, o carnaval,
procedem a uma idealizao do povo, cuja primeira conseqncia o seu silenciamento para
ser melhor domesticado. Os eruditos recalcam as prticas (dia)blicas diferenciadoras,
divergentes e criam representaes e promovem a adoo de prticas (sim)blicas
agregadoras, convergentes. Nestas produes aparece a face primitiva, extica (bom
selvagem), ingnua, infantil e pura do povo que precisa ser preservada de influncias
perniciosas, desagregadoras, violentas, contestadoras. Os folcloristas e intelectuais cuidam da
disseminao por todo o territrio nacional das prticas que so institudas como tpicasda
verdadeira alma do povo, para com isso construir a coeso nacional e demonstrar a unidade
do repertrio cultural do pas.
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Os usos do folk-lore ou da cultura popular supem tambm uma nova aliana entre elite
e povo. Os eruditos, responsveis por esta mediao, buscam a purezae a autenticidade
perdidasna alta-cultura, que ainda estariam presentes nas manifestaes populares, ainda
que sob o perigo da extino causada pela urbanizao e modernizao das cidades. o que o
historiador Michel de Certeau (2003) chamou de atitude populista, uma vez que uma ao
reativa ao perigo das classes populares e operrias nas grandes cidades burguesas da era
industrial. Assim, a condio de possibilidade do objeto cultura popular a eliminao da
ameaa popular.
As produes jornalsticas, histricas e artsticas exercem a funo que Certeau definiu
como pastoral: so representaes inflexveis e impostas do alto, cujo objetivo promover
atravs da violncia simblica a interpelao de indivduos como povo. Trata-se de um olhar
lanado pelo outro para uma sociedade que se constri sobre o silncio e a excluso do outro
(2003, p.73). A instituio da cultura popular implica no apagamento da violncia e sua
converso em manifestao civilizada e espelho de virtudes (2003, p.76).
A produo folclrica tambm recorta o popular para transform-lo em produto para as
elites intelectuais e urbanas. A produo de historiadores como Pereira da Costa ou de poetas
como Ascenso Ferreira representam exemplos de como a linguagem e as prticas popularestransformam-se em alta literatura, pois so destinadas a circular apenas entre as elites da
cidade.
Assim, nesta perspectiva, procuramos reler criticamente a produo de diversos
pesquisadores do carnaval do Recife que reproduziram este olhar ao longo do sculo XX tais
como Waldemar de Oliveira, Ruy Duarte, Katarina Real, Mrio Souto Maior, Evandro
Rabello e Leonardo Dantas Silva e que exerceram a funo de cronistas ou folcloristas. A
produo destes divulgou, a partir da publicao de livros e artigos jornalsticos ao longo do
ltimo sculo, a representao sobre o carnaval do Recife instituda nos anos 1920 e que aqui
desejamos desnaturalizar.
Nesta pesquisa, entendemos o carnaval como prtica agenciada pelo dispositivo das
nacionalidades na primeira metade do sculo XX. A proclamao da Repblica deflagrou a
produo de novas narrativas que procuravam definir a face do pas no final do sculo XIX. A
construo de uma identidade republicana implicava na condenao da monarquia e naprocura de estratgias para superar as heranas do passado colonial e imperial. A
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sensibilidade real-naturalista colocava em dvida a possibilidade de constituio do pas
enquanto nao, uma vez que o passado colonial e a miscigenao pareciam inviabilizar o
progresso nacional na Era dos Imprios.
Os homens de cincias e letras e as elites polticas republicanas assumiram ento a
responsabilidade de construir a nao atravs do estabelecimento de estratgias para o
controle dos sertes e confins do territrio nacional e de controle das populaes rurais e
urbanas. Estes eram os sujeitos nacionais responsveispor construir o espao e a identidade
nacional que pressupunham existir (ALBUQUERQUE JNIOR, 1994, p.6).
Vale ressaltar que a nacionalidade, enquanto um dispositivo reativo, procura agregar
aquilo que se dispersava em funo da chegada de milhares de imigrantes europeus, da
integrao perifrica do pas nas redes internacionais de trocas econmicas, culturais e
tecnolgicas, da transformao das sensibilidades e prticas culturais com a crescente
modernizao e urbanizao do pas, da busca do lugar do pas na poca imperialista ou da
sua originalidade aps a Grande Guerra e dos regionalismos que reagiam s tentativas de
unificao cultural.
Neste caso, vemos como o funcionamento do dispositivo das nacionalidades implica na
existncia de discursos regionais reativos que resistem instituio de uma narrativa nacional
proposta por instituies como o Instituto Histrico Geogrfico Brasileiro, ou movimentos
culturais como o modernista sediados nos centros decisrios da poltica nacional. Instituies
como a Academia Pernambucana de Letras, o Instituto Arqueolgico Geogrfico
Pernambucano, o Movimento Regionalista e a Federao Carnavalesca, em diferentes pocas,
instituram narrativas regionais sobre o pas como estratgia de resistncia a nova geo-poltica
republicana que constitua o Sul como centro poltico e decisrio do pas.11
Deste modo, nossa pesquisa tambm partilha do esforo de desnaturalizar o nacional
enquanto lugar de produo do discurso histrico e, portanto, procura se afastar de
perspectivas como a de Roberto DaMatta, em Carnavais, malandros e heris,publicado em
1978, que representou a festa como ritual de manuteno de nossa prpria continuidade
enquanto grupo nacional. A principal crtica ao trabalho de DaMatta tem sido justamente a
naturalizao com a qual ele representa a identidade brasileira. Ao imaginar a identidade
como algo pronto e acabado e partilhado por todos os grupos sociais, o antroplogo termina
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por se constituir como mais um intelectual nacional enredado na rede de fora do
dispositivo da nacionalidade, utilizando a nacionalidade como a prioride sua reflexo.
Tambm procuramos nos afastar do entendimento do carnaval como rito de inverso,ou como momento de vivncia do sagrado, noes tomadas de emprstimo do antroplogo
Victor Turner, por DaMatta e Renato Ortiz (1980) em A conscincia fragmentada.
Entendemos que apropriao do instrumental terico utilizado para a anlise das sociedades
africanas e sua aplicao na reflexo sobre o carnaval termina por represent-lo como
manifestao primitiva da sociedade brasileira, reeditando um olhar que representa o
extico e o primitivo como caractersticas das manifestaes populares. Por mais que estes
autores faam a diferenciao entre as sociedades primitivas objeto de anlise de Turner e
as sociedades modernas por eles analisadas, este olhar tambm termina por reproduzir a face
primitiva, extica, ingnua, infantil e pura do povo ao invs de procurar e questionar as
diferentes leituras do fenmeno carnavalesco presentes nas prticas dos diversos grupos
sociais.
Em Carnaval brasileiro: o vivido e o mito,Maria Izaura Pereira de Queiroz (1992)
analisou os festejos carnavalescos no Brasil a partir do princpio de que poderiam responder
s mesmas caractersticas com poucas variaes regionais. Neste sentido, a autora termina porrepresentar a festa como dotada de um sentido nico para todos os seus participantes. Assim,
tambm buscamos nos diferenciar de perspectivas como a da sociloga que recalcam os
vrios sentidos e temporalidades em jogo e que respondem a regras, sobretudo, locais,
pontuais e especficas de cada contexto imediato.
Do mesmo modo, procuramos nos afastar da perspectiva bakhtiniana que naturaliza a
festa popular como o lugar da utopia, como prtica marcante de toda a civilizao
humanavinculada ao que ele chama de fins superiores da existncia, da vida, ao mundo
dos ideais. Para Bakhtin, o carnaval a festa por excelncia da igualdade, da felicidade.
No carnaval, a utopia da igualdade se realizaria plenamente: durante o trduo momesco o povo
adentra transitoriamente no reino utpico da universalidade, liberdade e abundncia.
Temporariamente o povo liberta-se da verdade dominante e do regime vigente, abolindo-se
provisoriamente todas as relaes hierrquicas, regras e tabus. Vira-se o mundo de ponta
cabea. Novas relaes verdadeiramente humanas emergem e fecundam os mais diversos
11A discusso sobre a instituio dos novos recortes espaciais do pas no sculo XX pode ser conferida em Ainveno do Nordeste e outras artes(ALBUQUERQUE JNIOR, 1999).
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domnios da vida que se renova a cada carnaval. A comicidade tornou-se essencial nestas
festividades, pois o cmico vai representar a liberdade dos dogmas eclesisticos religiosos e
da hierarquia social no carnaval da Idade Mdia (BAKHTIN, 1987, p.6). Atravs das
pardias do cotidiano, enquanto duram as festividades, o ideal da sociedade igualitria vai
existir no concreto das fantasias e brincadeiras populares.
No artigo Los marcos de la libertad cmica, o semilogo Umberto Eco (1989, p.9 ss)
reflete sobre o carnaval tomando o caminho contrrio ao de Bakhtin. O autor evidencia o carter
conservador da comdia uma vez que o heri cmico, representado como animalizado e
inferior, quebra alguma regra e produz reflexo sobre algum aspecto condenvel no presente
com o objetivo de corrigir para manter a ordem. A quebra da regra, que tambm se opera na
comdia, implica na sua aceitao implcita. Eco recusa a perspectiva que representa a
carnavalizao como liberao global para afirmar o carnavalesco e o cmico como ferramentas
de controle social ao longo do tempo. Ento, um pr-requisito de um bom carnaval que a
norma quebrada deve estar naturalizada na sociedade e que o perodo carnavalesco deve ser
breve para que a norma retorne reforada. O carnaval s pode existir como transgresso
autorizada por ser um momento de transgresso de alguma norma observada e praticada o ano
inteiro. O carnaval e o cmico reforam a lei por lembrar-nos que ela existe. Assim, o carnaval
moderno limitado a espaos e perodos de tempo curtos, pois o carnaval s se constitui como
um perigo real quando inesperado e no-autorizado. Quando a carnavalizao emerge
inesperadamente desautorizada, o carnaval torna-se revoluo, que por sua vez estabelece novas
regras.
Porm, a obra de Bakhtin destaca-se pelo pioneirismo no que diz respeito a reflexo
acadmica sobre o objeto carnaval. Todavia, podemos dizer que so as trilhas demarcadas
pela chamada histria cultural que contriburam decisivamente para que os caminhos depesquisa histria se abrissem para a investigao do carnaval. Antes dos anos 1970, temticas
ligadas cultura como festas populares eram legadas a segundo plano, desvalorizadas,
consideradas perifricas em relao aos grandes temas da histria scio-econmica
quantitativista12. Como bem ressaltou a historiadora Raquel Soihet,
12 No Brasil, desde a dcada de 1990, diversas publicaes de historiadores profissionais tm aberto novas
perspectivas para a leitura do carnaval e das festas enquanto objetos de pesquisa historiogrfica. Neste sentido,destacam-se os trabalhos sobre a festa carnavalesca de Leonardo Affonso de Miranda Pereira (2004), Rita deCssia Barbosa Arajo (1996), Raquel Soihet (1998), Maria Clementina Pereira da Cunha (2001) e Flvia de SPedreira (2004).
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A maioria dos historiadores no conseguia perceber a complexidade dessa forma deexpresso, de grande riqueza para o descortnio das atitudes, valores ecomportamentos dos diversos grupos sociais. (...) Alguns historiadores, porm,ousaram ultrapassar tais preconceitos, dentre eles, Julio Caro Baroja, em obradatada de 1965. Igualmente, Ladurie e o renomado lingista Bakhtin enveredaram
por esta senda, fornecendo importantes contribuies(1999, p.9).
Publicado em 1979, O carnaval de Romans, de Emmanuel Le Roy Ladurie, uma
importante re