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vida em família 64 vida natural C Contar que alguém está doente não é fácil. E se a situação envolve uma crian- ça, as coisas ficam ainda mais difíceis. Por mais complicado que seja, todos es- tamos sujeitos a passar por uma situação dessas, e saber como agir é fundamental. É claro que sempre passa pela cabe- ça a ideia de não contar a verdade para a criança. Na intenção de “proteger” os pequenos de notícias difíceis, muitas vezes consideramos omitir os fatos, para poupá-los da dor emocional. No entan- to, essa está longe de ser a melhor saída. Ao fazer isso, os pais perdem a chance de ajudar as crianças na tarefa de elabo- rar os sentimentos de tristeza de maneira saudável. O ideal, para um melhor ama- durecimento emocional da criança, é sempre falar a verdade, acolhendo-a e dando o suporte emocional necessário. “O importante é nunca frustrar as in- dagações da criança e jamais, em hipó- tese alguma, mentir. A linguagem deve Elas são espertas e sempre percebem que algo estranho está acontecendo. Mas quando há um caso de doença – com ela, com um parente próximo ou um amigo –, é preciso, sim, falar com a criança sobre o que está acontecendo e estar pronto para responder suas perguntas Por Tabata Pitol DOENÇAS com as crianças ser apropriada à fase da vida. É claro que algumas informações de caráter técnico devem ou podem ser evitadas, mas a orientação deve sempre ser fornecida”, garante o oncologista e especialista em câncer infantil Vicente Odone. Para a psico-oncologista Maria Le- tícia, coordenadora do setor de psico- logia da AACC (Associação de Apoio à Criança com Câncer), a sinceridade é importante para criar um vínculo de confiança, fundamental ao tratamento. “A criança precisa acreditar nas pesso- as que estão cuidando dela. Se os pais ou médicos dizem uma coisa e aconte- ce outra, ela percebe e deixa de confiar. Se ela não confia na equipe que cuida dela, o tratamento é prejudicadoe pode ficar comprometido”, afirma. Odone garante que as crianças preci- sam saber a verdade, não importa se é a mamãe, o papai ou a vovó que estão doentes. E muito menos se são elas pró- como falar de prias. Nesse momento, não mentir, não subestimar a capacidade infantil de ela- borar momentos difíceis do cotidiano e usar uma linguagem apropriada para cada faixa etária é essencial. Quando ela está doente Assim, merecem atenção extra as doen- ças de maior impacto, que trarão limi- tações para a vida da criança, como a redução de atividades físicas e brincadei- ras. “A criança deve entender que tem uma doença diferente daquelas que já teve anteriormente e daquelas que seus amiguinhos costumam desenvolver. Ela deve estar ciente de que o momento vai exigir muito dos médicos, de seus pais e, sobretudo, dela”, completa Odone. Nesses casos, é muito importante que ela compreenda que aquele momento é temporário e que, passada essa fase mais difícil, será possível retomar sua rotina. Essa compreensão fará com

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CContar que alguém está doente não é fácil. E se a situação envolve uma crian-ça, as coisas � cam ainda mais difíceis. Por mais complicado que seja, todos es-tamos sujeitos a passar por uma situação dessas, e saber como agir é fundamental.

É claro que sempre passa pela cabe-ça a ideia de não contar a verdade para a criança. Na intenção de “proteger” os pequenos de notícias difíceis, muitas vezes consideramos omitir os fatos, para poupá-los da dor emocional. No entan-to, essa está longe de ser a melhor saída. Ao fazer isso, os pais perdem a chance de ajudar as crianças na tarefa de elabo-rar os sentimentos de tristeza de maneira saudável. O ideal, para um melhor ama-durecimento emocional da criança, é sempre falar a verdade, acolhendo-a e dando o suporte emocional necessário.

“O importante é nunca frustrar as in-dagações da criança e jamais, em hipó-tese alguma, mentir. A linguagem deve

Elas são espertas e sempre percebem que algo estranho está acontecendo. Mas quando há um caso de doença – com ela, com um parente próximo ou um amigo –, é preciso, sim, falar com a criança sobre o

que está acontecendo e estar pronto para responder suas perguntas Por tabata Pitol

DOENÇAScom as

crianças

ser apropriada à fase da vida. É claro que algumas informações de caráter técnico devem ou podem ser evitadas, mas a orientação deve sempre ser fornecida”, garante o oncologista e especialista em câncer infantil Vicente Odone.

Para a psico-oncologista Maria Le-tícia, coordenadora do setor de psico-logia da AACC (Associação de Apoio à Criança com Câncer), a sinceridade é importante para criar um vínculo de con� ança, fundamental ao tratamento. “A criança precisa acreditar nas pesso-as que estão cuidando dela. Se os pais ou médicos dizem uma coisa e aconte-ce outra, ela percebe e deixa de con� ar. Se ela não con� a na equipe que cuida dela, o tratamento é prejudicadoe pode � car comprometido”, a� rma.Odone garante que as crianças preci-sam saber a verdade, não importa se é a mamãe, o papai ou a vovó que estão doentes. E muito menos se são elas pró-

como falar de

prias. Nesse momento, não mentir, não subestimar a capacidade infantil de ela-borar momentos difíceis do cotidiano e usar uma linguagem apropriada para cada faixa etária é essencial.

Quando ela está doenteAssim, merecem atenção extra as doen-ças de maior impacto, que trarão limi-tações para a vida da criança, como a redução de atividades físicas e brincadei-ras. “A criança deve entender que tem uma doença diferente daquelas que já teve anteriormente e daquelas que seus amiguinhos costumam desenvolver. Ela deve estar ciente de que o momento vai exigir muito dos médicos, de seus pais e, sobretudo, dela”, completa Odone.

Nesses casos, é muito importante que ela compreenda que aquele momento é temporário e que, passada essa fase mais difícil, será possível retomar sua rotina. Essa compreensão fará com

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Dica Natural:nunca minta!

a criança tem que ter confiança nos pais e na equipe médica

para aceitar o tratamento

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ajudam no processo de cura. Sempre fui sincera ao responder as questões dele, mas nunca falei mais do que ele queria saber. Muitas vezes as pessoas rotulam a doença o tratamento e as chances de cura. Eu dei ao meu � lho a chance de lutar, de ir conversando com o corpo dele, o organismo dele, para que, junto com o tratamento, ele pudesse derrotar a doença”, � naliza.

importantes com o próprio corpo, mes-mo quando não estão doentes.

“Conhecendo o maravilhoso traba-lho realizado por seu corpo, as crianças serão despertadas para atitudes mais positivas, que lhes permitirão ter uma vida saudável e feliz. Quando meu � lho estava doente, eu o estimulava muito a conversar com o próprio corpo. Não há como negar que nossos pensamentos

que ela acate as orientações médicas com mais facilidade. Ainda de acordo com o especialista, em geral, a reação da criança frente à doença está bastan-te relacionada à forma como os pais e outros parentes abordam essa questão com ela após o diagnóstico. Quando o adulto oculta a verdade sobre a situação, pode deixá-la confusa e desamparada, pois possivelmente perceberá que algo aconteceu e que todos estão agindo de forma diferente. A criança deve � car à vontade para exprimir seus sentimentos. E, nesse contexto, o papel dos pais é fun-damental. Eles devem conhecer tudo o que está sendo feito pelos médicos e estabelecer uma parceria com a equipe.

Falando sobre issoMesmo quando não há casos de doen-ças na família, falar com as crianças so-bre cuidados com a saúde é fundamen-tal para que elas percebam o quanto esse aspecto está presente na vida de todos. Além disso, saber que doenças existem e que todos estamos sujeitos a elas traz à criança uma melhor consciência do seu papel social, já que ela pode apoiar algum amiguinho doente, por exemplo, ajudar nos cuidados com o vovô e, prin-cipalmente, compreender sua própria suscetibilidade diante das doenças e ado-tar cuidados preventivos para construir uma rotina saudável ao longo da vida.

A publicitária e designer Dulce Rangel de Montrigaud sabe bem disso. Há pou-co mais de dez anos, viu seu � lho sofrer com uma grave leucemia. Agora que está curado, ela decidiu ajudar as crianças a entenderem melhor seu corpo e a lidar melhor com as doenças. Em agosto des-te ano, lançou uma coleção de livros cha-mada Eu e a Célula, que tem o objetivo de abordar esse universo de forma lúdica e estimular as crianças a adotar cuidados

Como responder?As respostas aos seus questionamentos devem ser as mais francas possíveis, sempre em uma linguagem apropriada e sem precisar falar mais que o necessário. A psico-oncologista Maria Letícia orienta sobre a melhor forma de responder as principais dúvidas das crianças.

VAI DOER? A criança tem que con� ar em seus pais e médicos, por isso, se vai doer, se vai ser incômodo, ela precisa saber. É importante, no entanto, ressaltar que a dor ou o incômodo são fundamentais para a cura. Assim, vale dizer: vai doer um pouco, sim, vai arder, vai ser chatinho, mas isso vai te ajudar a melhorar mais rápido!

É MINHA CULPA? POR QUE ESTOU DOENTE? As crianças fantasiam muito, e podem achar que estão doentes porque desobedeceram em determinada situação, ou porque brigaram com o amiguinho. É importante explicar que ninguém tem culpa de � car doente. Doença é acaso, e não castigo, e pode acontecer com todo mundo. Também é importante ter essa conversa com os irmãos da criança; eles podem achar que, por terem desejado que o irmão � casse doente em um momento de briga, isso aconteceu. Nesse quesito, é muito importante afastar a imaginação e as fantasias infantis.

EU VOU MORRER? Considerando uma criança em início do tratamento, é importante dar esperança, dizer que ela está sendo tratada para � car boa. Vale dizer que toda a equipe médica e os pais acreditam que logo, logo ela estará curada, pronta para voltar para casa e para sua rotina.

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OS LIVROS PODEM AJUDAR!Os livros são grandes aliados na hora de falar com as crianças sobre doença e podem ser parte fundamental do tratamento. conheça uma seleção que pode ajudar você e seus pequenos a passar por momentos difíceis.

Eu e a célula (patrocínio P� zer e apoio Viva e Deixe Viver) – uma coleção com

dez títulos que ajudam a criança a entender os momentos de cuidado, prevenção e internação. São eles Hora do Remédio, Nossa Digestão, Cuidados com os Dentes, Nossa Pele, Eu, a célula, Nosso Cérebro, Hora do Banho, Nosso Coração, No Hospital e Nosso Esqueleto. Vendidos a r$ 30, apenas na Livraria da Vila.

Ararinha do bico torto (Editora Ática) – para ajudar

crianças com de� ciências físicas, o livro conta a história de uma ararinha que nasce com o bico torto e é rejeitada por seus pais e seus irmãos. Encontrada por Pedro, fotógrafo de natureza, e seu � lho, Mário, ela ganha uma família que a ama de verdade. Adulta, é levada para o viveiro de uma escola, onde vira sensação. Encontra um

companheiro e tem dois � lhotes. Quando Mário vai visitá-la, � ca tão orgulhoso dela que não pode deixar de sorrir. À venda por r$ 35.

O pequeno elefante Memo (Alzheimer Portugal) – este

livro infantil bilíngue pretende informar, alertar as crianças sobre a importância do apoio aos seus avós com doença de Alzheimer. De acordo com Paula Guimarães, autora do livro, a obra é sobre uma família de elefantes cujo drama se desenrola em torno de duas personagens: o pequeno Memo e a avó Kelembra. Retrata a importância da compreensão e do amor no relacionamento entre família e pessoas com Alzheimer. Pode ser encomendado pelo site www.alzheimerportugal.org. À venda por 12,90 euros.

A operação de Lili (Editora Paulus) – o livro de Rubem Alves é indicado para crianças que terão de passar

por intervenções cirúrgicas. Na trama, a elefantinha Lili vai fazer uma operação para tirar Gregório, um sapo que foi parar em sua tromba após uma brincadeira. Ela estava com medo, mas a Fada da Floresta a ajudou a superá-lo. À venda por r$ 16.

O cachecol que sempre � cava mais comprido (Editora Scipione) – um garotinho conta a luta de seu pai para se

livrar do alcoolismo, simbolizado por um cachecol. O problema é apresentado de forma metafórica – compatível com o nível de cognição infantil –, mostrando tanto a perspectiva do dependente como a da família durante o processo de abstinência. À venda por r$ 30,50.

Hospital não é mole! (Editora Salamandra) – ser internado em um hospital não é uma

situação tranquila para nenhuma criança (nem para um adulto!). Este livro procura ajudar crianças nessa situação a entender e elaborar seus medos, inseguranças e ansiedades, e a extravasar suas angústias e chateações. À venda por r$ 34.

Calma, Vítor Hugo! (Editora Mundo Mirim) – nesta obra a autora Flávia Savary, que já teve livros com o selo

“Altamente Recomendável para a Criança” da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, pretende ajudar as crianças que têm medo de ir ao dentista, sempre com uma linguagem infantil e descolada, em uma narrativa em primeira pessoa. À venda por r$ 34,90.

dez títulos que ajudam a criança a

situação tranquila para nenhuma