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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X VIOLAÇÕES A DIREITOS DAS MULHERES MIGRANTES TRANSNACIONAIS: ESTUDO DE CASO DO PROJETO TODO MIGRANTE TEM DIREITO À INFORMAÇÃO Karina Quintanilha 1 Kimberly Cober 2 Resumo: Em um momento da história marcado pelo aprofundamento da crise do capital que tem nos e nas migrantes em situação de deslocamento forçado a sua expressão mais contemporânea, faz-se urgente ampliar espaços em que seja possível refletir sobre as contradições do pensamento (neo)liberal e sua relação intrínseca com o sistema capitalista, as desigualdades sócio-econômicas e as violações a direitos humanos, incluindo a destruição do meio ambiente. Dentre os inúmeros e crescentes desafios que implicam em imaginar e construir uma agenda política internacional que paute a democratização pela perspectiva do trabalho e dos direitos humanos, este ensaio se propõe a levantar questões sobre a dimensão política que produz sistemáticas violações, do contexto global ao local, no corpo e na vida das mulheres em situação de deslocamento forçado. Mais especificamente, procura-se com este ensaio reunir informações, parte de trabalho das autoras em andamento, no intuito de apurar os olhares sobre a necessidade de uma perspectiva de gênero e de direitos humanos nas políticas migratórias, abordando principalmente a problemática decorrente da falta de informação e da invisibilização das mulheres migrantes transnacionais nas políticas públicas com base em um breve estudo de caso sobre o projeto Todo(a) Migrante Tem Direito à Informação realizado em 2016 pelas autoras em São Paulo com apoio do edital público Agente de Governo Aberto. Palavras-chave: direitos humanos; gênero; migrações Introdução Pensar os deslocamentos forçados de pessoas hoje é pensar como se dá a articulação transnacional dos gestores do capital em torno da segregação territorial com base em categorias de classe, raça, gênero e etnia para além fronteiras, criando um contingente global de trabalhadores disponíveis e precarizados, ora “desejados” para suprir demandas ora “indesejados” conforme as leis do mercado. Segundo o ACNUR (2017), o número de deslocados forçados - que compreende na visão desse órgão os refugiados, requerentes de asilo e deslocados internos chegou ao recorde de 65,6 1 Karina Quintanilha Ferreira, advogada de direitos humanos, bolsista CNPq no mestrado em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, Brasil. 2 Kimberly Joan Cober, graduada em psicologia pela University of Western Ontario, Canadá.

VIOLAÇÕES A DIREITOS DAS MULHERES MIGRANTES ... · Breve panorama das violações aos direitos ... que traz importantes reflexões sobre o tema. 5 Mais detalhes sobre o projeto

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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

VIOLAÇÕES A DIREITOS DAS MULHERES MIGRANTES

TRANSNACIONAIS: ESTUDO DE CASO DO PROJETO TODO MIGRANTE

TEM DIREITO À INFORMAÇÃO

Karina Quintanilha1

Kimberly Cober2

Resumo: Em um momento da história marcado pelo aprofundamento da crise do capital que tem nos e nas migrantes

em situação de deslocamento forçado a sua expressão mais contemporânea, faz-se urgente ampliar espaços em que seja

possível refletir sobre as contradições do pensamento (neo)liberal e sua relação intrínseca com o sistema capitalista, as

desigualdades sócio-econômicas e as violações a direitos humanos, incluindo a destruição do meio ambiente. Dentre os

inúmeros e crescentes desafios que implicam em imaginar e construir uma agenda política internacional que paute a

democratização pela perspectiva do trabalho e dos direitos humanos, este ensaio se propõe a levantar questões sobre a

dimensão política que produz sistemáticas violações, do contexto global ao local, no corpo e na vida das mulheres em

situação de deslocamento forçado. Mais especificamente, procura-se com este ensaio reunir informações, parte de

trabalho das autoras em andamento, no intuito de apurar os olhares sobre a necessidade de uma perspectiva de gênero e

de direitos humanos nas políticas migratórias, abordando principalmente a problemática decorrente da falta de

informação e da invisibilização das mulheres migrantes transnacionais nas políticas públicas com base em um breve

estudo de caso sobre o projeto Todo(a) Migrante Tem Direito à Informação realizado em 2016 pelas autoras em São

Paulo com apoio do edital público Agente de Governo Aberto.

Palavras-chave: direitos humanos; gênero; migrações

Introdução

Pensar os deslocamentos forçados de pessoas hoje é pensar como se dá a articulação

transnacional dos gestores do capital em torno da segregação territorial com base em categorias de

classe, raça, gênero e etnia para além fronteiras, criando um contingente global de trabalhadores

disponíveis e precarizados, ora “desejados” para suprir demandas ora “indesejados” conforme as

leis do mercado.

Segundo o ACNUR (2017), o número de deslocados forçados - que compreende na visão

desse órgão os refugiados, requerentes de asilo e deslocados internos – chegou ao recorde de 65,6

1 Karina Quintanilha Ferreira, advogada de direitos humanos, bolsista CNPq no mestrado em

Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, Brasil.

2 Kimberly Joan Cober, graduada em psicologia pela University of Western Ontario, Canadá.

2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

milhões de pessoas, dentre as quais a maioria são mulheres e crianças. Entre os principais atores

envolvidos na produção das diásporas3 contemporâneas estão:

i) as corporações multinacionais através de seu papel na internacionalização da produção, com o efeito

associado de marginalizar os produtores locais pequenos e estabelecer vínculos entre os países implicados

que recebem ou enviam capitais; ii) os governos através de suas operações militares, que trazem consigo as

remoções de pessoas e fluxos de refugiados e migrantes; iii) as medidas de austeridade do FMI através de

seu impacto na vida de pobres em busca de estratégias desesperadas de sobrevivência que incluem a

migração, seja nacional ou internacional, como uma das opções; e iv) mais recentemente, o papel dos

acordos de livre comércio mediante seu reforço nos fluxos de capital, serviços e informação através das

fronteiras, o que inclui como componente chave a circulação transfronteiriça de trabalhadores profissionais

(SASSEN, 2006, 27).

A dimensão complexa dessas relações reprodutoras da miséria são reveladoras das

contradições históricas do Estado democrático de direito (neo)liberal e da baixa representatividade

que tem marcado o sistema internacional de direitos humanos (Wise, 2013, 437).

Reconhecer as interações entre o pensamento liberal e o atual avanço de um modelo de

sociedade baseado na acumulação por despossessão como parte constituinte da reorganização

econômica e política necessária para a expansão do sistema capitalista financeiro (Sassen, 2014,

212) é o primeiro passo para compreender o fenômeno das diásporas pelo mundo hoje.

Dentre os inúmeros e crescentes desafios que implicam nos estudos das migrações

transnacionais, este ensaio se centra em levantar questões sobre a dimensão política das violações a

direitos humanos, do contexto global ao local, no corpo e na vida das mulheres em situação de

deslocamento forçado. Para tanto será empregada a concepção de Delgado Wise (2013, 435),

segundo o qual o deslocamento forçado acontece quando o ou a migrante se sente compelido/a a se

deslocar pelas condições estruturais que forçam a migração massiva das populações despossuídas,

marginalizadas e excluídas. Tal entendimento permite ampliar o conceito de solicitante de refúgio

estabelecido pelo Estatuto dos Refugiados (Convenção de 1951 e Protocolo 1967), já que existe um

grande contingente de pessoas no que pode ser chamado de “limbo jurídico”, ou seja, que se

3 A pobreza, o subdesenvolvimento, a falta de oportunidades – os legados do Império em toda parte – podem

forçar as pessoas a migrar, o que causa espalhamento – a dispersão. Mas cada disseminação carrega consigo a promessa

do retorno redentor. (…) Essa concepção de diáspora, tornou-se parte do nosso recém-construido senso coletivo do eu,

profundamente inscrita como subtexto em nossas histórias nacionalistas. E modelada na história moderna do povo judeu

(de onde o termo “diáspora” se derivou), cujo destino no Holocausto – um dos poucos episódios mundiais comparáveis

em barbárie com a escravidão moderna – é bem conhecido (HALL, 1999, 28).

3 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

encontram em situação de deslocamento forçado mas que os governos entendem não se enquadrar

nas hipóteses legais de refúgio4.

Mais especificamente, procura-se com este ensaio reunir informações, parte de trabalho

das autoras em andamento, no intuito de apurar os olhares sobre a necessidade de uma perspectiva

de gênero e de direitos humanos nas políticas migratórias (Jolly In Wise, 2013, 437). Parcela dos

dados e relatos reunidos para o presente ensaio são fruto ou desdobramentos do projeto Todo(a)

Migrante Tem Direito à Informação5 realizado em 2016 pelas autoras em São Paulo com apoio do

edital público Agente de Governo Aberto.

Espera-se, com esse ensaio, constituir material que não seja “estrangeiro” à realidade das

mulheres migrantes6 mas que, ao contrário, possa ser socializado pelas perspectivas de luta em

andamento, e pelas que ainda estão por vir, contribuindo em alguma medida para um pensamento

que rompa com a naturalização da exploração de classe, raça, gênero e etnia, bem como outras

formas de opressão, avançando no sentido da construção de políticas públicas emancipatórias.

Breve panorama das violações aos direitos humanos enfrentadas pelas mulheres em

situação de deslocamento forçado: contexto global

A perspectiva histórica-estrutural das ciências sociais permite abrir caminhos para entender

as diásporas contemporâneas como um fenômeno constitutivo da etapa avançada do sistema

capitalista, em que existe uma clara degradação das políticas públicas, das condições de trabalho e

onde se dá o paradoxo pelo qual não existe direito à livre circulação de “pessoas em busca de vida”

(Pappé, 2017), enquanto que o capital e as mercadorias gozam de pleno direito à mobilidade

4 Não haverá espaço no presente trabalho para aprofundar as limitações que tem sido empregadas sobre os

distintos termos criados para classificar a situação jurídica das pessoas que migram. A título de referência, indica-se o

artigo de Pablo Ceriani (2016) que traz importantes reflexões sobre o tema.

5 Mais detalhes sobre o projeto ao longo do texto e no Blog Somos Migrantes -

https://somosmigrantessite.wordpress.com/2016/09/20/especial-para-o-site-migramundo-conheca-o-projeto-todo-

migrante-tem-direito-a-informacao/

6 A Corte Interamericana é clara quando diz que a garantia dos direitos humanos às pessoas migrantes deve se

dar independentemente de sua situação migratória. As definições de nomenclatura contidas nesse texto colocam o termo

“migrante transnacional” como o mais abrangente possível sob a perspectiva dos direitos humanos que estabelece

princípios de não discriminação e de igualdade perante a lei. Tais princípios estão estabelecidos pelo direito

internacional e estão relacionados com a obrigação dos Estados de respeitar e garantir os direitos humanos de todas as

pessoas que estejam sob sua jurisdição sem discriminação e em igualdade perante a lei (ITTC, CRAI, CELS,

CÁRITAS, MISSÃO PAZ, Nota técnica ao PL2516/2015).

4 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

(Sassen, 2006, 30). Tal relação paradoxal não se trata de um fenômeno novo e aleatório, como

depreende-se da análise de Rosa Luxemburgo (In Oliveira, 2004, 75) no início do século XX:

a desestruturação da economia natural (o que implicou no deslocamento de grandes contingentes humanos)

não é uma consequência, mas o próprio fundamento da acumulação de capital. A forma ‘imperialista’ do

capitalismo não seria, portanto, uma modalidade lateral à acumulação capitalista ou à reprodução do capital,

mas uma condição sine qua non de seu desenvolvimento, o que trouxe ao centro do debate marxista o

fenômeno das migrações internacionais.

Mais recentemente, Sassen (2014, 212-222) coincidiu em em alguns aspectos sobre a

análise de Luxemburgo ao advertir que a acumulação do capital tem se dado, inevitavelmente, com

base em ao menos quatro fatores:

maior flexibilização das regulamentações estatais sob justificativa de endividamento externo; crescente

concentração de riqueza e poder; expulsão da população de seus territórios e impacto no meio ambiente

natural; remoção e migração para sobrevivência.

Ter uma compreensão política da totalidade desse processo prescinde em observar que os

fatores estruturais que dão origem às violações de direitos humanos das populações em

deslocamento não impactam todas as pessoas igualmente e, no entanto, afetam a diferentes grupos

sociais de maneira similar (Fontes, 2010, 52). Tais similaridades necessitam ser analisadas a partir

de um recorte de gênero, mas também sob os marcadores de classe, raça e etnia, além de outros

elementos significativos como origem nacional, idade, nível educativo, orientação sexual.

O fato que será destacado a seguir é que as múltiplas singularidades das violações a

direitos humanos, e suas origens, enfrentadas pelas mulheres em situação de deslocamento forçado

tem se repetido ao redor do mundo, como tem sido relatado por mulheres que migram do Sudão do

Sul, Nigéria, Iemen, Somália, República Democrática do Congo, Burundi, Síria, Iraque,

Afeganistão, Palestina, Filipinas, Haiti, México, Colômbia, Venezuela, dentre outros. Segundo o

Alto Comissário da ONU, Zeid Ra’ad Al Hussein (2016):

Os deslocados, sejam refugiados ou migrantes, são especialmente vulneráveis e estão entre as principais

vítimas de violações dos direitos humanos. Mulheres e crianças são alvos preferenciais.

Por que o fato de ser mulher as torna “alvo preferencial” das violações ao longo do trajeto

e na chegada a um país estrangeiro? Inúmeros trabalhos acadêmicos7 tem se debruçado nos últimos

7 A título de exemplo, recomenda-se estudo que trata da prevalência da violência sexual entre mulheres

refugiadas: The Prevalence of Sexual Violence among Female Refugees in Complex Humanitarian Emergencies: a

Systematic Review and Meta-analysis. Alexander Vu, Atif Adam, Andrea Wirtz, Kiemanh Pham, Leonard Rubenstein,

Nancy Glass, Chris Beyrer, and Sonal Singh.

5 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

anos sobre essa questão, o presente tópico, porém, se restringirá apenas a pontuar brevemente os

aspectos mais recorrentes dessas violações que tem sido reportados por organismos internacionais

de direitos humanos8.

De acordo com os dados do relatório “Tendências Globais” do ACNUR, em 2016, 49%

das pessoas consideradas refugiadas pelos governos eram mulheres. No contexto global, tem sido

apontado que a situação de vulnerabilidade das mulheres submetidas a uma forma desumana de

deslocamento entre fronteiras compreende não apenas as razões que as levaram a migrar e pelo

modo em que puderam fazê-lo, mas também por ameaças e abusos que enfrentam ao longo do

caminho (UNLa _ Causas estructurales de la movibilidad internacional, 2017, 11).

Estudos acadêmicos estimam que uma em cada cinco refugiadas – ou mulheres deslocadas

em complexos contextos humanitários – tenham sofrido violência sexual, número ainda

subnotificado. Aquelas que estão desacompanhadas, grávidas ou são idosas estão ainda mais

vulneráveis. Muitas dessas mulheres estão fugindo de conflitos em sua terra natal e sofreram

violências extremas e violações dos direitos humanos, incluindo o assassinato e o desaparecimento

de seus familiares, a violência sexual e de gênero e o acesso restrito a alimentos, água e

eletricidade. Algumas foram repetidamente deslocadas ou foram exploradas ou abusadas em busca

de segurança (ONU Mulheres, 2017). A partir da década de 90, de particular importância é o forte

incremento do tráfico internacional de pessoas para trabalhos análogos à escravidão e para a

indústria do sexo (Sassen, 2006, 22). Dentre as principais violações, seja no trajeto ou após entrar

em um novo país, estão: maus tratos, detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados,

sequestros, extorsões, abusos sexuais, abandono de pessoas, roubos violentos, tráfico de pessoas,

recrutamento forçado e assassinatos (UNLa _ Causas estructurales de la movibilidad internacional,

2017, 14). Milhares morrem todos os anos nas fronteiras antes mesmo de alcançar o país de destino

– apenas no Mar Mediterrâneo em 2016 foram 5.143 mortes (Missing Migrants, 2016).

Atores estatais, como organismos de controle migratório e forças de segurança – polícias,

exército, etc -, assim como atores não-estatais – como o crime organizado, incluindo as redes de

8 Algumas referências de relatórios que foram publicados recentemente: Initial assessment report: Protection

risks for women and girls in the European refugee and migrant crisis (UNHCR, UNFPA, WRC, 2015). Acesso em 10-

6-2017, de: http://www.unhcr.org/569f8f419.pdf; e o relatório do ACNUR “Women on the Run” Disponível em:

http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/Publicaciones/2015/10228. Acesso em:

10-6-2017.

6 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

tráfico – tem sido identificados como agentes, por ação ou omissão, na geração de violência.

Denúncias tem sido feitas inclusive contra agentes militares enviados pelas “Missões de Paz” da

ONU, contabilizando quase duas mil denúncias de estupros em doze anos, sendo que mais de 300

delas envolvem crianças9.

Invisibilização e falta de informação como agravantes das violações aos direitos

humanos das mulheres migrantes transnacionais: estudo de caso

Nos últimos anos, o discurso institucional do “País da Imigração”10 tem sido contrastado

com outras narrativas que permitem uma compreensão mais concreta dos impactos da política

migratória na realidade vivida pela maioria dos migrantes transnacionais no país - que conta com

cerca de 600 mil migrantes indocumentados11 e 1.169.402 migrantes regularizados (Polícia Federal,

2016), sendo apenas 9.689 refugiados reconhecidos pelo governo segundo o CONARE (2016).

Em um complexo horizonte de austeridade e evidente crise de legitimidade da democracia

representativa, os compromissos internacionais de direitos humanos assumidos pelo Estado

brasileiro em matéria de migração e refúgio tem sido objeto de crescente disputa política, como foi

observado durante a recém aprovada - com mais de 20 vetos - Lei de Migração de n.13.445/2017.

Apesar dos esforços da política externa brasileira em caracterizar o país como acolhedor da

migração transnacional, pesquisa de campo realizada pelo Ministério da Justiça (2015), por

exemplo, indicou que 74% dos migrantes participantes revelaram que sentiram-se discriminados no

acesso a serviços públicos pelo fato de serem migrantes e 18% já sofreram violações a direitos

9 Jornal Estadão. Acesso em 10-6-2017, de:http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,soldados-

brasileiros-sao-acusados-de-abusos-sexuais-no-haiti-diz-agencia-de-noticias,70001741751

10 De acordo com Villen (2015): “Esse discurso é bastante nítido em todos os documentos oficiais do atual

governo sobre imigração e refúgio, bem como em iniciativas como a COMIGRAR (São Paulo, 30 de maio a 1o de

junho de 2014). A abertura dessa última conferência, que pode ser considerada um marco da instituição de políticas

públicas sobre o tema, foi recheada de frases do tipo: “voltamos a ser um país de imigração”; “estamos falando de

direitos humanos, não de políticas de segurança”; “imigração é sinônimo de desenvolvimento”; “menores índices de

desempregos permitem o acolhimento de mão-de-obra”; “o Brasil tem uma tradição histórica de acolher os que aqui

vêm morar”; “reconhecimento dos imigrantes como sujeitos de direitos” etc.”.

11 Esse cálculo foi baseado em dados da Pastoral dos Migrantes.

7 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

humanos no Brasil, sendo recorrente as violações no ambiente de trabalho12 e racismo. A forma de

disponibilização desses dados, no entanto, não possibilitam um recorte de gênero.

Tendo em vista o espaço restrito neste ensaio, será dada prioridade no presente tópico para

um breve estudo de caso que trata de dois aspectos sensíveis sob a perspectiva de gênero,

identificados a partir das questões levantadas pelas mulheres migrantes que participaram das

oficinas do projeto Todo Migrante Tem Direito à Informação, quais sejam: a invisibilização das

mulheres migrantes nas políticas públicas e a falta de informação como fatores, interligados, que

potencializam o cenário de violação a direitos humanos na cidade de São Paulo13.

As oficinas desenvolvidas pelas autoras deste ensaio tiveram início após a proposta ter sido

selecionada pelo edital público da SP Aberta, tendo contado com o apoio da Coordenação de

Políticas para Migrantes da Prefeitura de São Paulo e do Centro de Referência no Atendimento ao

Imigrante (CRAI), reunindo ao total 141 participantes em diferentes equipamentos públicos da

cidade entre julho e novembro de 2016. A primeira turma, no auditório da Secretaria Municipal de

Direitos Humanos, foi com os e as migrantes de diversas nacionalidades eleitos conselheiros

municipais das subprefeituras. As oficinas tinham como objetivo que os participantes se

apropriassem do direito à informação como um direito humano, buscando refletir sobre como os

mecanismos do sistema internacional dos direitos humanos e a Lei de Acesso à Informação podem

servir de instrumentos para a mobilização relacionada à política migratória.

Participaram das oficinas 47 mulheres de outros países, como Angola, República

Democrática do Congo, Nigéria, Moçambique, Camarões, Haiti, Bolívia, Colômbia e Chile. Essa

diversidade coincide com os dados publicados pela Polícia Federal desde 2015, em que é possível

observar algumas mudanças nos fluxos migratórios no Brasil recentemente que tem apresentado

maior leva de migração africana e caribenha, antes marcada pela presença majoritária da migração

12 Impressiona, por exemplo, o dado divulgado em maio de 2017 pelo Ministério Público do Trabalho e

Emprego de que 35% das pessoas resgatadas no estado de São Paulo em situação análoga à escravidão são migrantes de

outros países. Fonte - Jornal Brasil de Fato. Acesso em 16-6-2017.

https://somosmigrantessite.wordpress.com/2017/03/31/via-brasil-de-fato-35-dos-resgatados-em-acoes-de-combate-ao-

trabalho-escravo-sao-imigrantes/ .

13 Trata-se de registro etnográfico de alguns relatos compartilhados espontaneamente durante as oficinas. Por

motivos de segurança e sensibilidade das informações compartilhadas, os nomes das participantes ou qualquer forma de

identificação será preservado.

8 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

boliviana e oriental, chamando a atenção para o crescente número de mulheres migrantes

transnacionais que tem chegado a São Paulo14.

A idade média das participantes é estimada em 35 anos, sendo que muitas tem histórico

como representantes de comunidades migrantes ou trabalhavam com algum tipo de mobilização

social em seu país. Infelizmente não será possível exprimir ou compartilhar aqui toda a riqueza de

conhecimentos trocados ao longo dos encontros15.

O primeiro elemento que se busca resgatar das oficinas trata da deficiência de políticas de

acesso à informação, tanto na perspectiva do dever do Estado em produzir informação (coleta e

divulgação de dados e informações com enfoque em direitos; informação à sociedade em formato

acessível) quanto de assegurar o “direito de procurar, receber e transmitir informações e ideias

independentemente de fronteiras”, conforme artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, o que implica também no dever do Estado em “promover el derecho de las diferentes

comunidades de acceder y usar libremente los medios de comunicación y las tecnologías de la

información y comunicación para la producción y la circulación de su propio contenido, así como

para la recepción de contenido producido por otros, a pesar de las fronteras” (Declaraciones

conjuntas ONU y OEA).

Foi recorrente falas em que as mulheres migrantes afirmam não ter o Estado como

referência no acesso a informações e na garantia de seus direitos, o que também foi identificado a

nível nacional pela pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça (2015) em que 72% dos migrantes

entrevistados indicaram não ter conhecimento de iniciativas para o aprimoramento das ações de

atendimento à população migrante. Segundo as participantes das oficinas, o principal meio de obter

informações essenciais de como sobreviver em São Paulo tem sido repassadas pelos próprios

migrantes que estão há mais tempo na cidade ou por redes informais (grupos de whatsapp, rádio,

facebook...), igrejas, organizações não-governamentais (ONG's) e movimentos sociais. Em um dos

encontros foi relatado por uma assistente social que existem coiotes no Aeroporto de Guarulhos que

cobram ao menos cem dólares apenas para fornecer o endereço dos centros de acolhida ao migrante

14 Um outro estudo sobre a situação de migrantes em São Paulo, que destaca o aumento do fluxo de mulheres,

foi realizado pelo Instituto de Políticas Públicas en Derechos Humanos (IPPDH) del MERCOSUR (2016), disponível

em http://www.ippdh.mercosur.int/wp-content/uploads/2017/01/San-Pablo-Final.pdf

15 Para mais detalhes sobre as oficinas, é possível acessar o registro feito pelas autoras no Blog Somos

Migrantes, criado como meio de organizar as demandas que surgem das oficinas e para manter uma forma de circulação

de informação com os participantes.

9 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

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em situação vulnerável, apesar de existir em tese um Posto Humanizado no Aeroporto de Guarulhos

(uma extensão da Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social da Prefeitura de Guarulhos).

Nas oficinas, foi relatado que, por falta de informações sobre seus direitos e de uma

estrutura que garanta proteção, mulheres migrantes deixam de procurar atendimento no hospital e

temem fazer denúncias de violências, abusos e racismo no trabalho, no local de residência, na

escola, dentre outros espaços, com receio de serem deportadas ou criminalizadas, algumas por

estarem sem documentação regular ou por terem os seus documentos retidos pelos próprios

empregadores. Uma das participantes de Angola, mesmo com documentação regular e com a filha

que estuda em escola pública, questionou: “minha filha de 5 anos foi discriminada na sala de aula

porque sua pele é negra, mas eu vou reclamar pra quem? Nunca senti preconceito antes de chegar

ao Brasil, não sabia o que era racismo. No meu país tem amor pelo outro”.

A problemática do acesso à informação, transversal a essas violações, já havia sido

identificada como um dos principais desafios no relatório da 1a Conferência Municipal de Políticas

para Imigrantes16, realizada em 2014 na cidade de São Paulo – como parte da 1a Conferência

Nacional sobre Migrações e Refúgio (COMIGRAR). Dentre as 57 propostas aprovadas na

Conferência, uma delas tratou especificamente do direcionamento sobre políticas para mulheres

migrantes:

Qualificar e sensibilizar os equipamentos públicos para atenção às mulheres imigrantes e refugiadas vítimas

de violência de gênero, doméstica, obstétrica, sexual, econômica, familiar, laboral, entre outras, respeitando

a diversidade cultural, religiosa e sexual, garantindo a aplicação da Lei Maria da Penha para todas as

mulheres migrantes; elaborar material em diversos idiomas com ampla distribuição e assistência jurídica

especializada; garantir acesso a abrigos e moradia para mulheres em situação de risco; incluir parto

humanizado para mulheres migrantes, mediante a criação de casas de parto e divulgação das casas; respeitar

e incentivar a valorização da multiculturalidade e ancestralidade das culturas.

Caberia investigar, em outra oportunidade, quais são os espaços de mobilização e atores

que tem se engajado para acompanhar tais encaminhamentos fruto de um acúmulo na temática.

A partir dos pedidos de informação elaborados pelas mulheres migrantes e das discussões

durante as oficinas, nota-se que falta informação e planejamento de políticas públicas direcionadas a

migrantes principalmente sobre: direitos trabalhistas; direito à moradia; regularização de

documentos para entrada no país dos filhos que ainda se encontram no exterior17; prevenção à

16 Relatório da 1a Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes -

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/migrantes/programas_e_projetos/index.php?p=156229

17 As mulheres angolanas relataram que estão enfrentando tanto a burocracia e autoritarismo da Embaixada de

seu próprio país, que não está mais emitindo documentos como forma de retaliação, quanto a burocracia dos próprios

10 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

xenofobia e racismo; transporte público gratuito; incentivo a projetos culturais e meios comunitários

de comunicação dos próprios migrantes; acesso à creche e saúde.

Tendo em vista essas questões, o segundo elemento identificado a partir dos relatos nas

oficinas se relaciona com as inúmeras formas e consequências da invisibilização das mulheres

migrantes nas políticas públicas.

Em um dos encontros, as participantes problematizaram que o Estado brasileiro não

investe em políticas de prevenção de doenças e atenção à saúde das mulheres migrantes, com

destaque para a histórica reivindicação de parto humanizado pelo movimento de mulheres

migrantes em São Paulo18. Um outro exemplo se refere à inexistência da categoria “nacionalidade”

em grande parte dos sistemas de coleta de informação nas instituições do Estado brasileiro, como é

o caso do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) em que a nacionalidade não

consta entre os marcadores de identificação das mulheres que realizam o parto na rede pública.

Segundo Teixeira e Oliveira (2017, 263), “O Sistema de Saúde parece desconhecer a possibilidade

de que os migrantes venham a sofrer violências”.

A questão da creche também é central, ainda mais para as mulheres migrantes moradoras

dos centros de acolhida, porém parece que o aumento desse tipo de demanda não tem sido

invisibilizado no planejamento do Estado. Uma delas desabafou durante uma das oficinas: “Como

vou conseguir sair para ir atrás de trabalho se não tenho com quem deixar meu filho? Somente

encontro trabalhos que pagam cerca de 900 reais, com isso não dá para pagar nem uma pessoa para

cuidar da criança”.

O transporte público acessível e gratuito foi outra demanda muito presente nos encontros

relacionada ao ciclo de invisibilização. Durante as oficinas, as mulheres relataram que muitas são

obrigadas a morar no local de trabalho com sua família “para que o empregador não tenha que

pagar os custos do transporte”. Além do elevado custo do transporte público, as participantes

denunciaram inúmeros casos de racismo e xenofobia que tem enfrentado ao pegar ônibus e trem em

São Paulo. Segundo uma delas, moradora de um centro de acolhida, “Temos que contar com a sorte

de ter um brasileiro no ponto de ônibus, porque os motoristas não param quando veem que somos

órgãos brasileiros que estão exigindo dos e das migrantes angolanos/as documentos que eles estão impossibilitados de

emitir pela Embaixada. Elas contaram que não estão conseguindo regularizar a situação de seus filhos nascidos em

Angola e que agora residem no Brasil.

18 Migramundo - http://migramundo.com/campanha-pede-uniao-de-mulheres-migrantes-e-nativas-contra-a-

violencia-no-parto/

11 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

nós, além de negras não temos dinheiro para pagar”. Outra mulher migrante compartilhou: “Todos

os dias acordo às cinco da manhã para caminhar de 2 a 3 horas até o centro da cidade (a gente não

tem dinheiro nem para pagar o ônibus, e quando pega ônibus sofre racismo) para entregar currículo

em trabalhos que não existem”.

Também merece uma reflexão profunda, já que não haverá oportunidade nesse ensaio,

sobre a precariedade de políticas de moradia e a situação das mulheres migrantes nos centros de

acolhida – em geral gestionados mediante contratos de parcerias público-privadas. A rigidez

excessiva e denúncias de maus-tratos em alguns desses espaços temporários de moradia também

apareceram como um agravante nos relatos, que tem resultado no aumento da procura em

ocupações e moradia precárias19.

Tendo em vista as questões sucintamente narradas acima, verifica-se que a invisibilização

está relacionada com a falta de informação, e vice-versa, agravando o cenário de violações aos

direitos humanos enfrentado pelas mulheres migrantes transnacionais em São Paulo, cuja violência

sofrida muitas vezes é subnotificada (Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da

Mulher, 2015). Apesar de avanços na institucionalização de algumas diretrizes para garantia dos

direitos dos e das migrantes nas políticas municipais, com destaque para a recém aprovada Lei

Municipal para Migração (Lei 16.478, 2016), é transparente aos olhos daqueles que tem contato

com o cotidiano da maioria dos e das migrantes na cidade o fato de que muitas lacunas na garantia

dos direitos mais básicos e no encaminhamento de demandas seguem latentes20.

19 O filme Era O Hotel Cambridge e a peça de teatro Cantos do Refúgio trazem perspectivas sobre migrantes

transnacionais que são levados a recorrer a ocupações de moradia quando chegam em São Paulo.

20 Como parte da documentação realizada pelo projeto, foram enviados ao todo 14 pedidos com base na Lei de

Acesso à Informação para órgãos responsáveis pela política migratória a nível federal, estadual e municipal. Em 21 de

junho de 2016 foi enviado à Coordenação de Políticas para Migrantes (CPMig) um pedido sobre registros de violações

a direitos humanos nos últimos 3 anos (de 2014, 2015 e 2016) contendo dados discriminados, em formato aberto

quando possível, dos migrantes que denunciaram violações por gênero, nacionalidade e tipo de violação sofrida. No dia

21 de julho, o órgão respondeu que: “Encaminhamos abaixo relatório dos 72 registros no período compreendido entre 13/04/2015 e 28/03/2016.

Nacionalidade dos migrantes: Bolívia: 12 Republica Democrática do Congo: 9 Camarões: 7 Republica do Haiti: 6

Angola: 4 Nigéria: 4 Peru: 4 Argentina: 3 Colômbia: 2 Portugal: 2 Espanha: 2 Guine: 2 Guine Bissau: 2 Bangladesh 1

Bulgária: 1 Cabo Verde: 1 França: 1 Gana: 1 Iraque: 1 Moçambique: 1 Namíbia: 1 Paraguai: 1 Republica da África: 1

Senegal: 1 Tchecoslováquia: 1 Tunísia: 1 Principais tipos de violações relatadas: - Negação dos direitos no atendimento

ou de acesso a serviços em descumprimento da lei - Roubo/assalto - Violações no ambiente de trabalho: não

pagamento; condições indignas de trabalho; racismo; ameaças - Violações no processo de documentação ou decorrentes

deste; - Racismo; - Violência física; - Violações no conector do aeroporto de Guarulhos. Informamos que esses dados foram coletados pelo CRAI, que não há registro da região de ocorrência e que os

registros são encaminhados às autoridades competentes, pois a SMDHC tem apenas a prerrogativa do registro”. Após recurso via LAI, em 04/08/2016, para complementação das informações de acordo com o solicitado

no pedido original, o órgão respondeu que “os dados de atendimento aos imigrantes são coletados pelo CRAI (Centro

de Referência e Atendimento ao Imigrante), que foi criado em Novembro de 2014. Em função disso, a Secretaria de

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A partir do que foi abordado, nota-se ainda que a realidade vivida pelas mulheres em

situação de deslocamento forçado transnacional em São Paulo é reflexo do histórico descaso do

Estado brasileiro na promoção de políticas de gênero, de combate ao racismo e na garantia dos

direitos humanos – o país ocupa o quinto lugar em número de feminicídios no ranking de países

nesse tipo de crime, sendo que a taxa de assassinatos de mulheres negras aumentou 54% em dez

anos e onde dados apontam que a cada 11 minutos uma mulher é estuprada, além da mulher não ter

o direito de decidir sobre a interrupção da gravidez.

Nesse sentido, refletir sobre a política migratória desde uma perspectiva de gênero e de

direitos humanos significa superar a lógica humanitária de viés assistencialista e a ótica da

segurança nacional (De Lucas, 2002), que tem servido ao continuísmo do modelo (neo)liberal,

fortalecendo a luta política, com inclusão e visibilização das mulheres migrantes nas políticas

públicas. Mobilizações de migrantes com diferentes pautas tem se intensificado nos últimos anos

em São Paulo (Leão e Demant, 2016), como é o caso da organização da Frente de Mulheres

Imigrantes e Refugiadas.

Considerações finais

Como mencionado anteriormente, este ensaio trata de organizar algumas reflexões fruto de

pesquisa em andamento, motivo pelo qual suscita perguntas e direcionamentos futuros.

A pesquisa inicial indica, contudo, que uma compreensão política das violações a direitos

humanos enfrentadas pelas mulheres migrantes transnacionais pode abrir caminhos para destruir as

muralhas da relação local-global dominada pelo sistema capitalista, refletindo sobre uma agenda

política internacional que paute a democratização da sociedade pela perspectiva do trabalho e do

humanismo superando as segregações de gênero, raça, classe e etnia, e outras formas de opressão.

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Coordenação de Políticas para Migrantes realizou um esforço de junção dos dados que possuímos. Além disso,

interagiu com o nosso Balcão de Atendimento que também possui alguns dados relativos aos imigrantes que lá

compareceram”.

13 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

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http://www.unhcr.org/569f8f419.pdf

Insights on the political dimension of human rights violations of women in transnational

forced displacement situation

Abstract: At a moment in history marked by the deepening of the capitalism crisis that has in the

migrants in situation of forced displacement its more contemporary expression, it is urgent to

enlarge spaces in which it is possible to reflect on the contradictions of (neo)liberal thought and its

intrinsic relationship with the capitalist system, socio-economic inequalities and human rights

violations, including the destruction of the environment. Among the numerous and growing

challenges involved in imagining and building an international political agenda that guides

democratization through the perspective of work and human rights, this essay focuses on raising

questions about the structural-historical dimension of violations, from global to local context, in the

body and life of women in situations of forced displacement. More specifically, this essay seeks to

gather information, part of the work of the authors in progress, in order to ascertain the need for a

gender and human rights perspective in migration policies, addressing mainly the problem of lack

of information and the invisibilization of transnational migrant women in public policies based on a

brief case study on the project called “All migrants have the right to information” held in 2016 by

the authors in São Paulo with the support of the municipality’s Open Government Agent initiative.

Keywords: Forced displacement of women. Human rights. Capitalism.