1
A6 Campo Grande-MS | Domingo/Segunda-feira, 13 e 14 de setembro de 2020 CIDADES Trilhos esquecidos Violência doméstica Prevenção Locais vivem como centros de usuários de drogas e moradores de rua Estações ferroviárias da Capital agonizam à espera do futuro Válido apenas na Capital o projeto “Protetivas On-line” Sesau prepara operação para reduzir riscos de surto de dengue Rotunda: cenário tombado e apodrecendo em plena área central de Campo Grande Nilson Figueiredo Nilson Figueiredo De acordo com dados da Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), de 1º de janeiro a 31 de agosto, a delegacia solicitou três mil medidas. No ano passado, de janeiro a dezembro, foram 4.849 solicitações. Já em relação ao crime de violência doméstica, segundo dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), neste ano, até o dia 9 de setembro, foram registrados 3,5 mil boletins de ocorrência em Mato Grosso do Sul. Medidas protetivas em MS Amanda Amorin A Sesau (Secretária Muni- cipal de Saúde Pública) tem preparado uma série de ações para combater um novo surto de dengue, zika e chikungunya em Campo Grande. A doença é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti e se reproduz na água parada. Para ante- cipar o período de eclosão de larvas, o município estuda re- produzir a operação mosquito zero, realizada nos primeiros meses do ano. Apenas em 2020, foram no- tificados 18,3 mil casos de dengue, 11,5 mil confirmados e sete óbitos. Enquanto a zika e a chikungunya notificaram 113 e 107, respectivamente. De acordo com a superintendente de vigilância de Saúde, Ve- ruska Lahdo, a nova ação será realizada no início do próximo mês, em outubro. “Ainda estamos definindo como serão os moldes dessa ação, mas pode seguir um pouco do que foi realizado no início do ano, em que a po- pulação participou de forma ativa. Com isso, buscamos re- duzir as possibilidades de um novo surto”, destacou. A Operação Mosquito Zero foi realizada entre os meses de janeiro e março deste ano. “Nós esperamos dar início antes que seja registrado o aumento no número de chuvas em Campo Grande”, apontou Lahdo. Histórico Dados da Sesau apontam que fevereiro foi o mês com maior incidência da dengue, foram notificados 6,7 mil casos, seguido pelo mês de março, com 4,1 mil, e janeiro, com 3,9 mil. Juntos foram res- ponsáveis por 80% dos casos registrados oficialmente este ano. No primeiro trimestre, cada mês registrou dois óbitos, e a última morte registrada no município foi em maio. No último mês de agosto foram notificados 200 casos de dengue. Conforme a asses- soria de imprensa do município, ainda esperam os resultados laboratoriais, e o mesmo ocorre com os seis casos registrados em setembro. Rafaela Alves O projeto piloto do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) “Protetivas On- -line” garante que mulheres vítimas de violência doméstica possam solicitar medida pro- tetiva pela internet. O projeto é válido apenas para Campo Grande, e com isso o sistema re- jeitou, automaticamente, 80 soli- citações que foram recebidas de outros estados. Em funcionamento há dois meses, o “Protetivas On-line” recebeu 34 pedidos da Capital. Destes, 28 tiveram a medida protetiva concedida. As vítimas podem acessar o pedido pelo link https://sistemas.tjms.jus.br/ medidaProtetiva/. A juíza e idealizadora da proposta, Jacqueline Machado, da 3ª Vara da Violência Domés- tica e Familiar contra a Mulher de Campo Grande, declarou que a quantidade de solicitações de outros estados surpreendeu. “Da quantidade de medidas solicitadas aqui em Campo Grande está dentro da norma- lidade. Muitas mulheres têm acesso a CMB (Casa da Mulher Brasileira) e preferem ir pre- sencialmente. Mas o número de acesso de outros estados superou”, ponderou. Por se tratar de um projeto piloto, o sistema vai ficar no ar por 180 dias, ou seja, por mais um mês. Segundo a juíza, após o prazo será entregue um relatório para saber se o “Pro- tetivas On-line” vai se tornar uma ferramenta definitiva no site do TJMS. “Vamos estudar também, a partir do relatório, se poderemos expandir para o interior do Estado”, disse. A ideia surgiu para facilitar o acesso à Justiça em meio à pandemia do novo coronavírus. Mas a proposta trouxe agilidade ao pedido de medida protetiva, o processo vai direto para a 3ª Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Campo Grande. Pois, pela lei, a autoridade policial tem 48 horas para remeter ao Judiciário o pedido de medida protetiva e o juiz tem mais 48h para analisar. “Julgar a solicitação on-line não é muito diferente do pe- dido que vem para nós através da delegacia, porque eu não tenho um contato presencial com a vítima nesse momento. O que muda é que agora eu leio o que a vítima, realmente, quer dizer, com detalhes o que ela está vivendo”, assegurou a magistrada. Estação do Trem do Pantanal, que voltou a funcionar em 2009, atualmente está anbandonada mortos jogados em todo o ter- reno. Dentro do prédio, com pedaços do teto já faltando, é necessária mais atenção para não pisar nos pedaços de piso, concreto e vidro espalhados pelo chão. Nos banheiros, já não existem mais pias, vasos sanitários e torneiras. Na plataforma, tomada por pichações, a de- solação é total: até mesmo a antiga estação do Indubrasil foi completamente destruída por um incêndio. “Isso parece cenário de filme de terror”, resumiu a dona de casa Ivani Mendes, 61 anos, vizinha do prédio abandonado. Ela se mudou para o lugar há alguns anos, vinda do interior, e descobriu por que o aluguel era mais barato que em outros locais do bairro, escolhido por ser próximo do trabalho encon- trado por seu marido. “Desde que mudamos já escutamos relatos de tudo: gente usando droga aí dentro, relações sexuais, rituais macabros… De vez em quando aparecem gritos”, completou. Para quem esperava ba- rulhos de locomotivas e via- jantes, o Trem do Pantanal tem um presente sem ex- pectativa de futuro. O úl- timo respiro foi em 2009, quando convênio realizado entre o governo do Estado e a União criou uma linha de passageiros entre Campo Grande e Miranda, passando por Aquidauana, primordial- mente turística, chamada ofi- cialmente Pantanal Express. Estava prometido que iria até Corumbá em 2011, mas isso não aconteceu. A construção da hoje abandonada estação custou R$ 740 mil. O projeto foi inaugurado em 9 de maio de 2009 e contou até com a presença do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva na viagem inaugural. O sonho de reviver o tra- jeto que virou até tema de música, contudo, foi termi- nando pouco a pouco até 2015, deixando a malha fer- roviária à mercê do sucate- amento e a bagunça instau- rada sobre de quem afinal é a responsabilidade por uma eventual recuperação. Fer- roviárias são de responsa- bilidade federal, segundo a Constituição Brasileira. Mas o ramal sul-mato-grossense é de responsabilidade da Rumo Malha Oeste, que adquiriu o trecho em 2016. A empresa não respondeu ao jornal O Estado sobre possível recu- peração da estação do In- dubrasil. E mesmo com os planos das gestões Reinaldo Azambuja (PSDB) e Jair Bol- sonaro (sem partido) de re- cuperar os trens no Estado, por enquanto não passam de projetos, sem qualquer estimativa oficial de recupe- ração, deixando o prédio à mercê da destruição. Na Rotunda, atrás da Feira Central, a situação de abando se repete no local onde os trens faziam manobras Mas o edital nunca saiu do papel. Em 2015, novamente foi elaborado um estudo das condições do espaço. Mas mais uma vez o projeto não virou realidade. Na atual gestão, mais pro- messas. Em 2017, após o Ministério Público Estadual exigir providências, a prefei- tura lançou projeto especial de financiamento privado, a partir de incentivos da Lei Rouanet, para iniciar reformas. A proposta, que tem apoio da Associação da Feira Central e consultoria do Sebrae, foi orçada em R$ 25 milhões, mas não teve retorno até agora. O projeto é transformar o espaço em Centro Cultural que, no fu- turo, abrigaria o Carnaval e o Arraial de Santo Antônio. Ao O Estado, a gestão Mar- quinhos Trad (PSD) disse que o projeto de reforma licitado pelo Iphan naquele ano não foi apresentado ao Poder Mu- nicipal. Por sua vez, o órgão federal disse que não tem co- nhecimentos do que foi feito na gestão federal anterior. Ou seja, assim com o Indubrasil, a Rotunda espera. E nesse caso o tempo pode não ser o suficiente. Desde que os trilhos fer- roviários de Campo Grande foram retirados da região central, em 2004, acabando de vez com qualquer pos- sibilidade de os trens vol- tarem a circular por toda a cidade, o histórico prédio da Rotunda, local para ma- nobrar as locomotivas e que também era usado como oficina, vem sofrendo pelo abandono. A situação no local é mais complicada: desde 2009 é tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional). Além da Capital, apenas o com- plexo ferroviário de São João Del Rei (MG) também é tombado. A área é de 22,3 hectares e tem 135 edifí- cios de alvenaria e madeira, além de parte dos trilhos que não foram retirados do trecho urbano. A pro- priedade dessa estrutura passou para a prefeitura justamente no ano do tom- bamento. Um portão já castigado pelo tempo e sem nenhuma proteção dá acesso ao amplo terreno, que faz fundo com dois pontos turísticos da Capital: a Orla Ferroviária e a Feira Central. Mas está ameaçado: a condição foi agravada depois que um vendaval, ocorrido em no- vembro de 2015, provocou sérios danos, com deste- lhamento e infiltrações. Pe- daços de tijolo e telha são recorrentes no chão, caídos do teto e das paredes, estas completamente. Segurança? Esquece. Moradores das antigas casas de ferroviários que resistem no local e fazem fundo ao terreno temem quando a noite aparece. Mesmo com o risco, a co- bertura atrai moradores de rua, a maioria desalo- jada da rodoviária velha, impulsionando o consumo de bebidas alcoólicas e drogas. “A gente tem medo”, disse um deles, que pre- feriu não se identificar. Um contraste, visto que pela manhã e tarde o espaço é usualmente usado por fotó- grafos para ensaios, sejam sensuais ou casuais, já que mesmo com a degradação, o local responsável por impulsionar o desenvolvi- mento de Campo Grande tem sua beleza vencendo a degradação contínua. Poderia ser diferente. Em dezembro de 2012, a prefeitura anunciou que faria a concessão da área por 30 anos para o inte- ressado em restaurar o espaço, obra orçada em R$ 20 milhões na ocasião. Rafael Ribeiro Sem transportar pas- sageiros desde 1996, a rede ferroviária de Mato Grosso do Sul apodrece. E o retrato mais fiel do abandono sofrido são as duas únicas estações que permanecem de pé em Campo Grande. Pelo menos por enquanto. Sejam tombadas pelo patrimônio histórico, como a área da Rotunda, na região central, ou sim- plesmente uma tentativa de reviver esse meio de transporte, como a parada do Trem do Pantanal, no Indubrasil, região oeste, o abandono é a tônica. E, como o tempo provou, as promessas de reforma acabaram sendo vazias. Uma placa amarelada e enferrujada na BR-262 é o único indício de que uma esburacada e suja rua é o destino para quem busca conhecer os destroços do que seria a parada de Campo Grande do Trem do Pantanal. O termo des- troços não é mera figura de linguagem. Salvo o sim- pático logo que indica o que era para funcionar alí, todo o resto que foi refor- mado ou construído pode considerar condenado. Na chegada, a cabine des- truída, já faltando a chan- cela, dão as boas-vindas ao lado de simpáticos cavalos e até um pônei, soltos por moradores vizinhos para pastarem e, involun- tariamente, evitarem que o cenário se transforme em um matagal. Logo no corredor de acesso à área interna, com cuidado para não encostar no corrimão enferrujado, o “perfume ambiente” é de carniça, fruto dos animais

Violência doméstica Trilhos esquecidos Estações ferroviárias da … · 2020. 9. 13. · condições do espaço. Mas mais uma vez o projeto não virou realidade. Na atual gestão,

  • Upload
    others

  • View
    4

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Violência doméstica Trilhos esquecidos Estações ferroviárias da … · 2020. 9. 13. · condições do espaço. Mas mais uma vez o projeto não virou realidade. Na atual gestão,

A6 Campo Grande-MS | Domingo/Segunda-feira, 13 e 14 de setembro de 2020 cidadES

Trilhos esquecidosViolência doméstica

Prevenção

Locais vivem como centros de usuários de drogas e moradores de rua

Estações ferroviárias da Capital agonizam à espera do futuro

Válido apenas na Capital o projeto “Protetivas On-line”

Sesau prepara operação para reduzir riscos de surto de dengue

Rotunda: cenário tombado e apodrecendo em plena área central de Campo Grande

Nilson Figueiredo

Nilson Figueiredo

De acordo com dados da Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), de 1º de janeiro a 31 de agosto, a delegacia solicitou três mil medidas. No ano passado, de janeiro a dezembro, foram 4.849 solicitações.

Já em relação ao crime de violência doméstica, segundo dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), neste ano, até o dia 9 de setembro, foram registrados 3,5 mil boletins de ocorrência em Mato Grosso do Sul.

Medidas protetivas em MS

Amanda Amorin

A Sesau (Secretária Muni-cipal de Saúde Pública) tem preparado uma série de ações para combater um novo surto de dengue, zika e chikungunya em Campo Grande. A doença é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti e se reproduz na água parada. Para ante-cipar o período de eclosão de larvas, o município estuda re-produzir a operação mosquito zero, realizada nos primeiros meses do ano.

Apenas em 2020, foram no-tificados 18,3 mil casos de dengue, 11,5 mil confirmados e sete óbitos. Enquanto a zika e a chikungunya notificaram 113 e 107, respectivamente. De acordo com a superintendente de vigilância de Saúde, Ve-ruska Lahdo, a nova ação será realizada no início do próximo mês, em outubro.

“Ainda estamos definindo como serão os moldes dessa ação, mas pode seguir um pouco do que foi realizado no início do ano, em que a po-pulação participou de forma

ativa. Com isso, buscamos re-duzir as possibilidades de um novo surto”, destacou.

A Operação Mosquito Zero foi realizada entre os meses de janeiro e março deste ano. “Nós esperamos dar início antes que seja registrado o aumento no número de chuvas em Campo Grande”, apontou Lahdo.

HistóricoDados da Sesau apontam

que fevereiro foi o mês com maior incidência da dengue, foram notificados 6,7 mil casos, seguido pelo mês de março, com 4,1 mil, e janeiro, com 3,9 mil. Juntos foram res-ponsáveis por 80% dos casos registrados oficialmente este ano. No primeiro trimestre, cada mês registrou dois óbitos, e a última morte registrada no município foi em maio.

No último mês de agosto foram notificados 200 casos de dengue. Conforme a asses-soria de imprensa do município, ainda esperam os resultados laboratoriais, e o mesmo ocorre com os seis casos registrados em setembro.

Rafaela Alves

O projeto piloto do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) “Protetivas On--line” garante que mulheres vítimas de violência doméstica possam solicitar medida pro-tetiva pela internet. O projeto é válido apenas para Campo Grande, e com isso o sistema re-jeitou, automaticamente, 80 soli-citações que foram recebidas de outros estados.

Em funcionamento há dois meses, o “Protetivas On-line” recebeu 34 pedidos da Capital. Destes, 28 tiveram a medida protetiva concedida. As vítimas podem acessar o pedido pelo link https://sistemas.tjms.jus.br/medidaProtetiva/.

A juíza e idealizadora da proposta, Jacqueline Machado, da 3ª Vara da Violência Domés-tica e Familiar contra a Mulher de Campo Grande, declarou que a quantidade de solicitações de outros estados surpreendeu.

“Da quantidade de medidas solicitadas aqui em Campo Grande está dentro da norma-lidade. Muitas mulheres têm acesso a CMB (Casa da Mulher Brasileira) e preferem ir pre-sencialmente. Mas o número de acesso de outros estados

superou”, ponderou. Por se tratar de um projeto

piloto, o sistema vai ficar no ar por 180 dias, ou seja, por mais um mês. Segundo a juíza, após o prazo será entregue um relatório para saber se o “Pro-tetivas On-line” vai se tornar uma ferramenta definitiva no site do TJMS. “Vamos estudar também, a partir do relatório, se poderemos expandir para o interior do Estado”, disse.

A ideia surgiu para facilitar o acesso à Justiça em meio à pandemia do novo coronavírus. Mas a proposta trouxe agilidade ao pedido de medida protetiva, o processo vai direto para a 3ª Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Campo Grande. Pois, pela lei, a autoridade policial tem 48 horas para remeter ao Judiciário o pedido de medida protetiva e o juiz tem mais 48h para analisar.

“Julgar a solicitação on-line não é muito diferente do pe-dido que vem para nós através da delegacia, porque eu não tenho um contato presencial com a vítima nesse momento. O que muda é que agora eu leio o que a vítima, realmente, quer dizer, com detalhes o que ela está vivendo”, assegurou a magistrada.

Estação do Trem do Pantanal, que voltou a funcionar em 2009, atualmente está anbandonada

mortos jogados em todo o ter-reno. Dentro do prédio, com pedaços do teto já faltando, é necessária mais atenção para não pisar nos pedaços de piso, concreto e vidro espalhados pelo chão. Nos banheiros, já não existem mais pias, vasos sanitários e torneiras. Na plataforma, tomada por pichações, a de-solação é total: até mesmo a antiga estação do Indubrasil foi completamente destruída por um incêndio.

“Isso parece cenário de filme de terror”, resumiu a dona de casa Ivani Mendes, 61 anos, vizinha do prédio abandonado. Ela se mudou para o lugar há alguns anos, vinda do interior, e descobriu por que o aluguel era mais barato que em outros locais do bairro, escolhido por ser próximo do trabalho encon-trado por seu marido. “Desde que mudamos já escutamos relatos de tudo: gente usando

droga aí dentro, relações sexuais, rituais macabros… De vez em quando aparecem gritos”, completou.

Para quem esperava ba-rulhos de locomotivas e via-jantes, o Trem do Pantanal tem um presente sem ex-pectativa de futuro. O úl-timo respiro foi em 2009, quando convênio realizado entre o governo do Estado e a União criou uma linha de passageiros entre Campo Grande e Miranda, passando por Aquidauana, primordial-mente turística, chamada ofi-cialmente Pantanal Express. Estava prometido que iria até Corumbá em 2011, mas isso não aconteceu. A construção da hoje abandonada estação custou R$ 740 mil. O projeto foi inaugurado em 9 de maio de 2009 e contou até com a presença do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva na viagem inaugural.

O sonho de reviver o tra-

jeto que virou até tema de música, contudo, foi termi-nando pouco a pouco até 2015, deixando a malha fer-roviária à mercê do sucate-amento e a bagunça instau-rada sobre de quem afinal é a responsabilidade por uma eventual recuperação. Fer-roviárias são de responsa-bilidade federal, segundo a Constituição Brasileira. Mas o ramal sul-mato-grossense é de responsabilidade da Rumo Malha Oeste, que adquiriu o trecho em 2016. A empresa não respondeu ao jornal O Estado sobre possível recu-peração da estação do In-dubrasil. E mesmo com os planos das gestões Reinaldo Azambuja (PSDB) e Jair Bol-sonaro (sem partido) de re-cuperar os trens no Estado, por enquanto não passam de projetos, sem qualquer estimativa oficial de recupe-ração, deixando o prédio à mercê da destruição.

Na Rotunda, atrás da Feira Central, a situação de abando se repete no local onde os trens faziam manobras

Mas o edital nunca saiu do papel. Em 2015, novamente foi elaborado um estudo das condições do espaço. Mas mais uma vez o projeto não virou realidade.

Na atual gestão, mais pro-messas. Em 2017, após o Ministério Público Estadual exigir providências, a prefei-tura lançou projeto especial de financiamento privado, a partir de incentivos da Lei Rouanet, para iniciar reformas. A proposta, que tem apoio da Associação da Feira Central e consultoria do Sebrae, foi orçada em R$

25 milhões, mas não teve retorno até agora. O projeto é transformar o espaço em Centro Cultural que, no fu-turo, abrigaria o Carnaval e o Arraial de Santo Antônio.

Ao O Estado, a gestão Mar-quinhos Trad (PSD) disse que o projeto de reforma licitado pelo Iphan naquele ano não foi apresentado ao Poder Mu-nicipal. Por sua vez, o órgão federal disse que não tem co-nhecimentos do que foi feito na gestão federal anterior. Ou seja, assim com o Indubrasil, a Rotunda espera. E nesse caso o tempo pode não ser o suficiente.

Desde que os trilhos fer-roviários de Campo Grande foram retirados da região central, em 2004, acabando de vez com qualquer pos-sibilidade de os trens vol-tarem a circular por toda a cidade, o histórico prédio da Rotunda, local para ma-nobrar as locomotivas e que também era usado como oficina, vem sofrendo pelo abandono.

A situação no local é mais complicada: desde 2009 é tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional). Além da Capital, apenas o com-plexo ferroviário de São João Del Rei (MG) também é tombado. A área é de 22,3 hectares e tem 135 edifí-cios de alvenaria e madeira, além de parte dos trilhos que não foram retirados do trecho urbano. A pro-priedade dessa estrutura passou para a prefeitura justamente no ano do tom-bamento.

Um portão já castigado pelo tempo e sem nenhuma proteção dá acesso ao amplo terreno, que faz fundo com dois pontos turísticos da Capital: a Orla Ferroviária e a Feira Central. Mas está ameaçado: a condição foi agravada depois que um vendaval, ocorrido em no-

vembro de 2015, provocou sérios danos, com deste-lhamento e infiltrações. Pe-daços de tijolo e telha são recorrentes no chão, caídos do teto e das paredes, estas completamente.

Segurança? Esquece. Moradores das antigas casas de ferroviários que resistem no local e fazem fundo ao terreno temem quando a noite aparece. Mesmo com o risco, a co-bertura atrai moradores de rua, a maioria desalo-jada da rodoviária velha, impulsionando o consumo de bebidas alcoólicas e drogas. “A gente tem medo”, disse um deles, que pre-feriu não se identificar. Um contraste, visto que pela manhã e tarde o espaço é usualmente usado por fotó-grafos para ensaios, sejam sensuais ou casuais, já que mesmo com a degradação, o local responsável por impulsionar o desenvolvi-mento de Campo Grande tem sua beleza vencendo a degradação contínua.

Poderia ser diferente. Em dezembro de 2012, a prefeitura anunciou que faria a concessão da área por 30 anos para o inte-ressado em restaurar o espaço, obra orçada em R$ 20 milhões na ocasião.

Rafael Ribeiro

Sem transportar pas-sageiros desde 1996, a rede ferroviária de Mato Grosso do Sul apodrece. E o retrato mais fiel do abandono sofrido são as duas únicas estações que permanecem de pé em Campo Grande. Pelo menos por enquanto.

Sejam tombadas pelo patrimônio histórico, como a área da Rotunda, na região central, ou sim-plesmente uma tentativa de reviver esse meio de transporte, como a parada do Trem do Pantanal, no Indubrasil, região oeste, o abandono é a tônica. E, como o tempo provou, as promessas de reforma acabaram sendo vazias.

Uma placa amarelada e enferrujada na BR-262 é o único indício de que uma esburacada e suja rua é o destino para quem busca conhecer os destroços do que seria a parada de Campo Grande do Trem do Pantanal. O termo des-troços não é mera figura de linguagem. Salvo o sim-pático logo que indica o que era para funcionar alí, todo o resto que foi refor-mado ou construído pode considerar condenado. Na chegada, a cabine des-truída, já faltando a chan-cela, dão as boas-vindas ao lado de simpáticos cavalos e até um pônei, soltos por moradores vizinhos para pastarem e, involun-tariamente, evitarem que o cenário se transforme em um matagal.

Logo no corredor de acesso à área interna, com cuidado para não encostar no corrimão enferrujado, o “perfume ambiente” é de carniça, fruto dos animais