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Sob o avental das cozinheiras, outros saberes em torno da merenda escolar: oralidade e imagem
na interpretação de experiências de mulheres em escolas rurais – Paranoá/Distrito Federal
VIRGINIA LITWINCZIK
O “XIII Encontro Nacional de História Oral – História Oral, práticas educativas e
interdisciplinaridade”, realizado em 2016, na cidade de Porto Alegre, propôs reunir
pesquisadores interessados em compreender a dimensão da história oral em suas áreas de
trabalho e conhecimento, abordando questões sobre práticas de educação formais e informais.
O problema em questão abre espaço para as minhas reflexões, teóricas e metodológicas, tecidas
ao interpretar memórias de experiências de mulheres na elaboração da merenda escolar, em
duas escolas rurais do Distrito Federal. Desse modo, pretendo indicar caminhos para
compreendermos as práticas destinadas para elaboração de alimentos e merendas na escola
como dimensões de ensino e aprendizado informais, por meio de expressões e significados que
se constroem na relação entre sujeitos.
O presente artigo está calcado em dados e interpretações realizadas a partir de pesquisa
e dissertação destinada à obtenção do título de Mestre em História, no âmbito do Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília, no período entre 2011 e 2013. A
pesquisa se deu junto a quatro mulheres que trabalham como merendeiras em duas escolas
situadas nas localidades rurais chamadas Cariru e Buriti Vermelho, do Distrito Federal: Joana
Batista de Oliveira, Leonor Neves Viana, Maria Lúcia de Souza e Luzinete Aparecida Lourenço
(LITWINCZIK, 2013).
Minha aproximação com o tema alimentação escolar se deu a partir de estudos
preliminares realizados com o intuito de avaliar os critérios que delineiam o acesso à
alimentação escolar no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. A partir
disso, temas afins que redimensionam a discussão sobre as políticas púbicas voltadas para
alimentação foram esquadrinhados, entre segurança alimentar nutricional, produção e
transporte de alimentos, políticas participativas, preservação de saberes e práticas alimentares
tradicionais, entre outros temas em áreas de conhecimento como Serviço Social, Educação,
Economia, Política e Gestão Ambiental.
Servidora pública federal na Fundação Nacional do Índio – Funai, membro do Grupo de Pesquisa MEMOIC -
Memória, Cultura, Oralidade e Imagem/CNPq e membro individual na Associação Brasileira de História Oral –
ABHO. É Mestre em História pela Universidade de Brasília.
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A alimentação escolar encontra lastro em políticas públicas de governos anteriores, as
quais, em alguns casos, deixaram marcas nas memórias de merendeiras mais velhas, como é o
caso dos alimentos processados – leite em pó e farináceos de cereais e leguminosas –, que foram
introduzidos no Brasil como medida humanitária, por meio de agências financiadoras
internacionais, mas também em atenção a interesses da indústria de alimentos formulados,
especialmente durante o Governo de João Goulart (1961-1964). De outro modo, o tema da
alimentação surgiu associado aos direitos humanos, assim concebido entre as décadas de 1970
e 1980. Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a garantia da alimentação na
escola passa a constituir outras políticas públicas, que se consolidam pela construção de espaços
públicos específicos, de elaboração democrática de políticas públicas e tomada de decisão no
âmbito de projetos participativos (AVRIZTER e PEREIRA, 2009).
No plano da segurança alimentar nutricional, um amplo espectro de demandas se
articulam, a partir desse tema, a exemplo das pautas das mulheres indígenas, que se destacam
por reivindicarem a valorização da presença feminina da definição de políticas públicas, pela
criação de organizações, mas também pelo reconhecimento da complexidade desse tema, que
entrelaça as atividades comumente realizadas por mulheres e atividades de natureza coletiva,
entre os povos tradicionais (VERDUM, 2008).
Desse amplo campo de possibilidades de pesquisa, debrucei-me sobre uma das diretrizes
do PNAE, que indica a necessidade interação entre escola e sociedade como necessária para a
elaboração de merendas escolares adequadas às realidades das pessoas que dela usufruem
(BRASIL, 2009). Castro (1983), na década de 1940, já apontava para esse relevante diálogo
entre instituições e a sociedade. Ao discutir a pobreza em áreas periféricas, alertava que fome
e desnutrição são decorrência de visões de desenvolvimento que desconsideram as
potencialidades regionais, por conseguinte, as culturas e os saberes de homens e mulheres sobre
os usos dos recursos naturais disponíveis.
Frente a elementos norteadores, considerei a relevância de um estudo que desdobrasse
as reflexões sobre a relação entre Memória e História, visando ampliar o escopo das discussões
que subjazem essas questões, a partir de outras temáticas e vozes, para além daquelas que
representam um posicionamento hegemônico ou que compartilham posições em comum com o
próprio historiador (THOMPSON, 1992).
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Lançar mão das fontes oral e visual contribui para ampliação o campo da pesquisa em
História, ao mesmo tempo em que indica a necessidade de se desconstruir o fazer do historiador
como objetivo e imparcial, calcado em atos classificatórios pelos quais ele agrupa fatos
passados (LE GOFF, 1992). O diálogo crítico com múltiplas fontes, não apenas a escrita,
permitiu-me fazer aproximações e interpretações de documentos, registros escolares e textos
escritos, sem priorizar esse tipo de fonte. Por outro lado, as fontes oral e visual não foram
encaradas como suporte para preencher lacunas deixadas pela escrita; e por isso também,
descarto as expressões “depoimentos” e “informante” para referenciar as mulheres com quem
trabalhei.
Compartilho de outras perspectivas em História e entendo que o historiador e os sujeitos
de sua pesquisa narram, lembram, entram em conflito, interpretam o passado e o presente, sendo
percebidos, nesse processo, ambos, como “pensadores” (MAGALHÃES, 2001a: 106), que
trazem consigo saberes pautados em visões de mundo complexas, com raízes em
conhecimentos populares e nas experiências construídas em diferentes meios.
Silva (1992) aprofunda a reflexão sobre a crítica às fontes e a ampliação do campo da
História, tratando da relação entre esse campo e o da Arte, para destacar o visual (pintura,
cinema, fotografia) como objeto também do historiador, não apenas do profissional especialista.
Desse modo, a imagem pode ser interpretada para além de um status simplificador que a resume
a “ilustração”; como dimensão de historicidade, por meio dela o social também é
problematizado e, nessa via, transitamos do estatuto da visibilidade para o da legibilidade.
A experiência do olhar frente à obra de arte abre caminhos para esse necessário diálogo
multidisciplinar. Nas narrativas fílmicas, som e imagem se aliam a partir de um arcabouço
técnico, numa linguagem própria; é um campo pleno de possibilidades para narrativas sobre
pessoas, coisas, lugares, eventos, na qual podemos encontrar outros modos de representar a
realidade, para além da tradição de representação linear (o tempo em progresso para o futuro).
Nessa via, a imagem escapa à função a que foi relegada na modernidade, na condição de
reprodução fiel das coisas; pela metáfora, por exemplo, é possível a imagem se tornar permeável
à “intervenção do acaso” (PEIXOTO, 1996). Assim, ao invés da ênfase no traço ou na
representação da “intriga”, ressalta-se a presença de algo que não é capturado nem mesmo pelas
palavras.
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Nesse ponto, o campo da imagem se aproxima das reflexões sobre o flaneur, que,
caminhando à deriva e observando o corpo tatuado da grande metrópole, decodifica por meio
de um saber oculto os hieróglifos representativos da tradição de outrora (MATOS, 2001). O
observador da imagem criada na perspectiva de um projeto não linear é convidado a acionar
outros símbolos e significados, pertencentes à experiência comum coletiva, mas deslocados do
conjunto de significados acionados pelo olhar da retina. Essa interpretação vai para além da
superfície e do clichê, para decifrar o “inapresentável”, o “indizível”, o “inenarrável”,
“presenças” e imagens “fugidias” e “anônimas”, assim como “múltiplas camadas de sentido”
e “enigmas” aos quais o olhar “adere a ponto de sair de si mesmo”, numa relação de “empatia”
(XAVIER, 1994, 1996; CAÑIZAL, 1996; PEIXOTO, 1996; RAMOS, 2009).
Compartilho de uma perspectiva teórico metodológica pela qual a atividade de narrar,
pelo historiador, configura-se em sua intencionalidade como fazer humano (VEYNE, 2014).
Para Magalhães (2004: 15), ela figura junto com “as artes de composição, processo ativo de
imitar ou representar, produzir a representação, no sentido de transposição em obras
representativas, disposição dos fatos pela tessitura da trama”.
Nessa via podem ser criticadas concepções sobre memória e passado como deformados,
anacrônicos ou mortos. Matos (2001: 20), chama atenção para as lógicas pelas quais os sentidos
de tradição e coletividade seriam reatados, como a de uma história linear ou progressista, em
que esses sentidos são pautados pelo “devir vazio da História”, em que situações complexas
são reduzidas a conceitos. Numa outra direção, em consonância com as referências já citadas,
opto por fazer o esforço para interpretar os contextos históricos e culturais das mulheres
merendeiras a partir das relações construídas entre presente-passado-futuro, na experiência
humana.
Assim, ao lembrarem o passado, no sentido de rememorar, essas mulheres não somente
se limitam ao exercício de suas capacidades psíquicas, nem reduzem esse exercício de memória
a um processo pelo qual se estabelecem nexos causais entre momentos da história, como as
contas de um rosário, pois dão condições para uma interpretação que leve a compreensão para
além do que está à superfície (da vista da retina). As narrativas orais e fílmicas podem
descortinar projetos de representação das coisas e do mundo, projetos de imaginação, que visam
à transformação da sensibilidade e da consciência, ou, conforme Matos (2001), que visam à
liberdade.
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As reflexões de Walter Benjamin sobre a narração como transmissão de saberes que se
aproxima de um fazer artesanal permitem lançar outra luz às narrativas das merendeiras com
quem trabalhei; elas ensejam a transmissão de saberes, na arte e no prazer de contar sobre si
mesmas, os outros e as coisas que dão sentido ao mundo, como o narrador que mergulha o
objeto da história em sua experiência.
Nesse modo de comunicação, a narrativa “não está interessada em transmitir o ‘puro
em si’ da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida
do narrador para em seguida retirá-la dele” (BENJAMIN, 1993: 205). E não obstante essa
comunicação ser cada vez mais sobrepujada por outra que busca a informação instantânea,
outras formas de narrativas orais permanecem, como as que se dão nos processos clínicos
terapêuticos – pautados pela busca do esclarecimento sobre o trauma, da “compreensão clara
e racional” (GAGNEBIN, 2006: 101); elas indicam a necessidade do não esquecimento da
experiência vivida, pois é preciso lembrar para melhor esclarecer o presente.
Como o historiador que desenvolve a habilidade de ler os sentidos a partir dos
hieróglifos esparramados pela modernidade, é por essa via que se reconstituem memórias e
expectativas que se pensavam extintas, as quais não devem ficar apenas no campo das
possibilidades. Conforme Gagnebin (1982: 63), sobre a Teoria da História, em Walter
Benjamin:
O passado pode ser salvo, mas pode também ser novamente perdido. A exigência do
passado é, entretanto, duplamente atual; porque alude a nosso presente e porque quer
tornar-se ato, abandonar o domínio do possível. Não se trata, simplesmente, de
impedir que a história dos vencidos se passe no silêncio; é necessário, ainda, atender
a suas reivindicações, preencher uma esperança que não pôde cumprir-se.
As narrativas de Joana, Lúcia, Leonor e Luzinete sobre a merenda escolar descortinam
memórias e histórias sobre experiências de vida, suas e de mulheres que as antecederam, sobre
a natureza, as roças, a criação dos filhos, a busca por melhores oportunidades de vida, o
aprendizado das lides domésticas e culinárias, migrações, os convívios entre elas, umas com as
outras, e com os alunos, professores e outros profissionais, dentro e fora das escolas.1
1 As memórias materializadas nas narrativas orais dessas mulheres surgem articuladas também a outras
experiências e memórias em/de diferentes lugares, nos Estados do Piauí, Paraíba e Minas Gerais, nas cidades onde
nasceram e perambularam em busca de trabalho, entre lutas pela criação dos filhos e realização pessoal e familiar,
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Ao lembrarem e narrarem, elas interpretaram, no presente, em diálogo comigo, essas
memórias, extrapolando o conjunto de ações que caracterizam o processo de manuseio de
alimentos e execução de cardápios escolares, ampliando a compreensão sobre a merenda
escolar a partir desses significados, por elas burilados ao realizarem a merenda como uma
comida nutritiva. Interpreto essas memórias como contribuintes na construção de significados
sobre a merenda escolar e das identidades dessas merendeiras, considerando que, ao realizarem
a merenda escolar, elas não se despem de referências construídas ao longo de suas trajetórias
de vida.
Das narrativas que registrei, destaco aqui alguns trechos em que elas contam como
aprenderam a cozinhar, a diferenciar alimentos saborosos e nutritivos, as dificuldades no
enfrentamento do trabalho na escola e nos aprendizados com a merenda escolar, modos de lidar
com os gostos dos alunos.2 Nessa perspectiva, esse fazer contribui para tornarem mais densas
as reflexões sobre a escola como lugar de múltiplos saberes, como indica Tassinari (2001), para
quem a escola é também lugar de transição, liminar, de intercâmbios de conhecimentos que
borram as fronteiras, e Brandão (1996), que reflete sobre a escola como lugar onde se constroem
as tramas de cultura, entre equivalências e cumplicidades, por meio de interações.
Joana Batista de Oliveira, nascida na zona rural do município de Curimatá, Estado do
Piauí, em 1944, migrou para o Distrito Federal em 1974, para se juntar aos irmãos que já
moravam aqui. No Buriti Vermelho, onde passou a morar, Joana iniciou seu trabalho de
merendeira num contexto em que as escolas existentes, surgidas a partir das iniciativas de pais
ou professores, passaram a constituir parte da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal. A
iniciativa de Joana, de inserir sucos de frutas e legumes, “com muita vitamina”, na merenda dos
alunos, é narrada por ela a partir de um encadeamento de ideias que a ajudou a iniciar sua
narrativa. As memórias sobre alimentos aquosos e aproveitamentos surgem entrelaçadas às
lembranças dos fazeres e aprimoramentos de culinária experimentados em sua juventude,
e onde hoje moram e trabalham, o Cariru e o Buriti Vermelho, núcleos rurais do Distrito Federal onde se situam
as escolas, e ainda a cidades próximas, como Planaltina, também situada dentro do Distrito Federal. 2 As narrativas orais por mim registradas constam integralmente em minha dissertação de mestrado, e por isso
todas a referência para os trechos citados são “(LITWINCZIK, 2013)”. No presente artigo, optei pela citação de
trechos dessas narrativas, com aproximação de falas, que foram editadas com indicação de reticências entre
parênteses. Além disso, fiz pequenas correções na conjugação verbal dessas falas, sem que isso acarretasse perdas
à característica oral dessas narrativas transcritas, mantendo as contrações “pras” e “pros”. Para referências
desconhecidas do leitor, especialmente de localização, inseri informação dentro de colchetes, sem itálico.
7
quando entrou em contato com outro padrão culinário, na cidade, diferente de como era na sua
casa. Conforme conta Joana (LITWINCZIK, 2013):
Eu, toda a minha vida, tive influência de costurar. Aí minha mãe falou pra mim ir pra
casa da comadre dela, em Mansidão, na Bahia, achou que era uma casa de confiança,
que eu podia ir, porque tinha um filho dela que era alfaiate. Como eu ajudava a mãe
a cozinhar em casa, com meus irmãos, aí eu fui me entrosando com o pessoal, lá, e aí
eu cozinhava (...) Nessa casa eu fiquei um ano e fui vendo umas comidas mais
diferentes do que fazia na casa da minha mãe. Ali mais evoluído, tinha muita mistura,
verdura, porque já era uma cidade. E eu me interessava mais pra aprender, pra
ajudar. Lá no Piauí, tinha abóbora, cozinhava uns pedaços, fazia o feijão, fazia o
arroz dentro da abóbora, e nessa casa, já era diferente, picava abóbora com a
carninha de sol e fazia o molho. Lá em Mansidão tinha muita água e tem até hoje, só
que água salgada, mas todo mundo tinha as roças de horta, eles falam “as vazantes”,
e não faltava o cheiro verde, o chuchu, a abóbora (...) Essa comadre não estava uma
senhora de idade, mas ela se cuidava e eu aprendi como ela fazia comida, fazia com
menos sal, o arroz, menos arroz, com pouca gordura. Isso serviu muito pra mim.
Quando eu vim pra aqui, eu já tinha essa noção (...) E pra cá já tem que ter a verdura,
os legumes. A diferença daqui é essa. Aqui os meninos, eu fui descobrindo o que que
eles gostavam mais, então eu ia fazer aquilo que era mais aceito pelas crianças. Fazia
e ia observando (...) Eu cheguei, em 1974, e comecei a trabalhar com a merenda, em
1975. Fiquei trabalhando sozinha toda vida, era eu na merenda e outra senhora na
limpeza. Depois que eu saí de lá é que começou esse negócio de firmas. No Buriti
Vermelho, tinha uma escolinha velha, uma casinha, ela era tão velhinha que, em
1974, as paredes estava tudo ruim. Suspenderam as aulas, ela foi derrubada e
começou a construir outra. Eu vi construir essa, só que eu não dei palpite, porque eu
não sabia se eu ia trabalhar. No mês de setembro de 1975 já começou a funcionar,
comigo dentro (...) Eu aprendi várias receitas de aproveitamento com alimento, num
treinamento pras merendeiras das escolas rurais e da cidade. Uma coisa que eu achei
que podia aproveitar na escola era aproveitamento e suco, por causa das frutas, com
muita vitamina, pra aproveitar pros meninos. A gente aprendeu a fazer o suco de
pepino com laranja, suco de beterraba com laranja, com limão, e suco da cenoura.
Então eu achei bom pra tomar e eu trabalhei com eles, pra ver se eles aceitavam, fui
aos poucos. Não teve boa aceitação não, mas eu fiz.
Maria Lúcia de Souza, migrou para o Distrito Federal em 1987, vinda da cidade de
Souza, Estado da Paraíba, e começou a trabalhar como merendeira na escola do Buriti
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Vermelho, em 2008. Desde sua chegada a essa localidade, ela trabalha no cultivo do limão, que
foi, durante muito tempo, a única fonte de renda da família. Ali seus filhos nasceram, cresceram
e estudaram na escola onde hoje trabalha. Quando contou sobre a elaboração da merenda,
ficaram ressaltados os afazeres da casa, a necessidade de dividir esse tempo com o do trabalho
fora e o da roça e, ainda, os impactos em se trabalhar com pessoas diferentes que não os seus
familiares. Esse convívio indica as múltiplas interfaces que interligam casa e trabalho, para
além da relação de sustento financeiro, para as quais ela chama atenção pois são experimentas
em conjunto, com as pessoas da escola, pois que “trabalhar com pessoas de fora não é como a
gente estar sozinho em casa” (LITWINCZIK, 2012).
Eu tenho treze irmãos espalhados no Juazeiro do Norte, na Paraíba, em Pernambuco,
mas também aqui, no Jardim II, no São José e em Planaltina. Quando eu vim pro Rio
Preto [localidade rural situada dentro do Distrito Federal], vim morar com um irmão
e fiquei trabalhando com outro. Não achei difícil, porque sempre na casa deles
também foi igual lá em casa. A gente, eles, as mulheres, tudo é da Paraíba, fazia as
mesmas coisas (...) Quando eu comecei a trabalhar na escola, eu vinha pra escola,
chegava em casa e ia pra roça. De noite eu fazia as coisas de casa tudo, não perdia
tempo não (risada). Na roça, até quando estava claro, eu ainda estava cuidando. As
meninas me ajudavam, elas chegavam da escola, cuidava mais ou menos de casa,
limpava chão. Tem minha irmã também, que ela me ajudou. Quando foi pra vim pra
cá [a escola] eu falei: ‘Olha, eu vou trabalhar mas eu quero ajuda de todo mundo!’.
Eu sozinha não dava conta, né? (...) A gente tem que capinar, molhar e tinha um rapaz
que pulverizava agrotóxico. Eu colhia o limão, sozinha (...) Trabalhar com a merenda
acrescentou muita coisa, pois eu achava comigo que eu nunca ia trabalhar fora, só
em casa, da casa pra roça, né?.
Vale destacar também as memórias de Lúcia sobre seu tempo de escola, na infância em
Souza, pois elas agregam elementos sobre um tempo em que as escolas funcionavam com
poucos recursos, o que permite que ela lance um olhar crítico sobre a merenda escolar ofertada,
hoje.
Era uma sala só de alunos, era um grupo, lá a gente chamava assim, grupo (...) A
diretora da escola repartia um pouco pra cada um, dividia o leite, a massa. A gente
chegava em casa e fazia uns bolinhos, numa frigideira, na gordura. Tinha que bater,
do jeito que a gente faz o bolo e no outro dia levava pra comer na escola (...) Era
pouca coisa, não é igual hoje. A merenda de hoje é muito boa, o aluno não come se
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não quiser. Aqui é lanche nove horas, faz café com pão ou biscoito, é leite, é suco,
mais tarde é almoço com tudo, vem verdura, carne, frango, peixe, é bem reforçado.
Vem fruta também. Pra vista daquela época, é muita coisa.
Leonor Neves Viana é nascida em 1962, na região do Ribeirão Cariru, onde cresceu e
se casou. Durante 28 anos, ela trabalhou sozinha como a única merendeira da Escola do Cariru.
A entrada de Leonor na escola marca a saída da merendeira antiga, Iracema, e as memórias
sobre essa presença se relacionam com as transformações dentro da escola, pela substituição de
antigos mobiliários de cozinha, por outros, modernos e industriais. Em 2010, novas merendeiras
foram contratadas para trabalharem nas escolas da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal;
duas novas cozinheiras passaram a auxiliar Leonor na preparação da merenda, uma delas,
Luzinete Aparecida Lourenço, que também participou da pesquisa.
E eu já tinha um pouquinho de experiência, porque como eu fui criada na roça com
meu pai, eu sabia fazer muita comida. Não tinha experiência daquelas panelonas,
mas aí como eu ia ajudar as meninas, eu fui pegando aquela experiência assim
pouquinha (...) Eu entrei lá na Secretaria de Educação em 1982, eu ainda era solteira.
Aí foi em 1984 que eu casei e tive meus dois filhos. E já trabalhava lá. Eles estudaram
lá, comigo (...) Dona Iracema foi a primeira merendeira, né? Quando ela entrou lá,
ela cozinhava no fogão de lenha, não tinha fogão a gás. Ela cozinhava no fogão de
lenha, lá de fora, debaixo de uma árvore. Já era nessa escola de hoje. Quando eu
entrei, ainda tinha um fogão dentro da cantina, só que eu não cheguei a usar. Esse
ela usava também, mas já era de cimento. Depois veio o outro fogão industrial, a gás.
Mas quando começou a escola naquele local, ela cozinhava debaixo de uma árvore,
no fogão de barro (...) Nem merenda do governo não tinha na escola, era salada de
fruta, aquele mingau de aveia. Esses lanches de hoje, arroz, feijão, isso não existia ...
[hoje] Quando faz a comida, se ver que eles estão comendo bem, então, até quando
eles estiverem aceitando, você está fazendo. Quando vê que já estão enjoando de
comer só daquele jeito, a gente faz o arroz com a carne, o feijão separado, ou às vezes
faz só o arroz com carne. Você está ali pra fazer a merenda, mas às vezes tem que
trocar um pouquinho, porque tem que ver o que a criança gosta.
Já Luzinete Aparecida Lourenço nasceu em 1986, na cidade de Buritis, Estado de Minas
Gerais, “às margens do Rio Urucuia” (LITWINCZIK, 2013). Ela veio morar no Cariru, Distrito
Federal, com sua avó, Elisa, aproximadamente em 1992, para aproveitar a oportunidade de
10
estudo. A narrativa dessa merendeira é permeada por memórias relacionadas à trajetória de sua
mãe, que agregam experiências em diversas migrações e na lavra da terra. Por outro lado, as
histórias da família indicam processos recentes de ocupação e loteamento de áreas situadas no
campo, no Distrito Federal, que imprimem outras dinâmicas de moradia. O trabalho doméstico
deu condições a Luzinete para o aprendizado culinário, assim como o convívio com a avó e a
mãe também, que também ensinaram modos de cuidar e dividir os cuidados na criação de sua
filha, Daniele, hoje com 10 anos de idade. Em 2010, ela passou a exercer a profissão de
merendeira na escola onde estudou, onde hoje vislumbra possibilidades para a realização de
projetos de vida, nesse lugar onde trabalha e habita.
Eu não me lembro quando eu vim para o Cariru, a vizinhança, mas eu lembro quando
eu vim morar aqui. A casinha da minha avó era até de tábua, na época, não era assim.
Antes de começar a trabalhar na escola, eu morava em Cristalina [cidade do Estado
de Goiás], era casada e me separei. Voltei pra cá e quando eu cheguei aqui, eu estava
procurando serviço (...) Eu chego na escola às sete horas e os meninos entram meia
hora depois. Faço o café da manhã deles e cada dia é uma coisa, porque tem o
cardápio. Um dia é leite com café e biscoito, outro dia é sucrilhos, vai diferenciando.
Passado de cinco a dez minutos, eu vou e levo o lanche. Aí a gente começa a preparar
o almoço. Quando é carne ou frango, tem que começar já de cedo, porque até que
corta tudo e limpa, então já vai fazendo. Dez e meia tem o recreio e onze e meia a
gente serve o almoço. Quando deu meio dia e meia eles vão embora. Em seguida a
gente começa a preparar o lanche para os alunos do período da tarde.
As memórias das lides com os alimentos fornecidos pela escola e na elaboração da
merenda trazem à tona elementos que permitem interpretar o trabalho da merendeira como um
fazer que dá forma ao alimento, desconhecido ou não, uma forma que interpreto estar menos
associado a uma prática culinária e alimentar específica de um local, como típica, e mais uma
forma por meio da qual se busca deixar a comida mais semelhante ao que se conhece, em
tentativas, acertos e erros.
O trabalho de fazer a merenda, relacionado, entre outras, à aceitação da comida,
adaptações nos modos de fazer, entre cozimentos, fervuras, dessalinização, misturas
combinadas entre carnes e verduras, substituição de itens para se evitar a repetição das comidas,
mas também realização de diferentes receitas com o mesmo alimento (considerando a
disponibilidade de itens na dispensa da escola). Por meio desse fazer, elas entram em contato e
burilam o que é diferente, a partir de percepções sensíveis sobre o outro, que se personifica de
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maneira múltipla, nos muitos alunos das escolas. Trata-se de um fazer sensível e artesanal, que
se materializa em suas narrativas, também tecidas artesanalmente como a arte do oleiro, em
cujas mãos o barro toma a forma do vaso (Benjamin, 1993).
Assim, destaco um trecho da narrativa de Leonor (LITWINCZIK, 2013):
O aluno fala assim: ‘tia, eu quero pouco’, ‘ah tia, eu não quero isso’, ‘eu não quero
pouco’, ‘eu quero isso’, e você vai tentando. Arroz com frango, tem menino que fala:
‘eu não queria frango, tia’, porque quando é o frango desfiado, não tem como
separar, pois quando é pedaço você ainda separa. ‘Eu não quero arroz com isso não’,
e você vai tentar tirar pra não ficar sem comer. Se não quer de um jeito, você tem que
ver de um jeito que come, pelo menos um pouquinho, pra não deixar com fome.
A busca por compreender jeitos e gostos dos alunos, para lidar com o que se quer, o que
não se sabe se gosta, o que não se quer, por ser interpretada como um esforço cotidiano para
“trabalhar” o alimento e torná-lo reconhecível, para ser aceito e gostado pelos alunos. Interpreto
essa busca como um fazer pautado por percepções sensíveis articuladas num jogo de decifração,
a partir das quais elas apresentam soluções diferenciadas e de inovação dos cardápios propostos.
Nessas aproximações, elas interpretam sentidos sobre o paladar, sem que isso determine um rol
dos hábitos dessas crianças, que variam; nessa decifração, elas apenas bordejam esse universo,
sem descobri-lo de todo.
Assim, o que se materializa nas narrativas orais dessas merendeiras são saberes sobre
fazer gostar e fazer comer, calcados em memórias de experiências construídas nos meios sociais
onde circularam e circulam, onde interagiram e interagem, que as ajudam interpretar os desafios
propostos a cada refeição. E por meio dos trechos transcritos nesse ártico, interpreto que essa
decifração do outro por meio de empatia, quando as merendeiras se aproximam dos alunos, a
ponto de sair de si mesmas, alcançando alguma compreensão por meio de outras sensibilidades.
Essa perspectiva encontra ressonância na narrativa fílmica sobre as experiências
cozinheira francesa Babete num povoado nórdico distante, pela qual podemos apreender o
diálogo sutil em mundos diferentes – uma comunidade estruturada em costumes e práticas
austeras de vida e Babete, deslocada de seu meio social em função da guerra civil na França. O
jantar realizado por ela enseja reflexões sobre a relação entre passado e presente, por meio da
memória, a partir do gostar a comida que se come.
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E esse processo se dá numa via de mão dupla, pois pela linguagem da arte culinária a
cozinheira redime seu passado de perda e isolamento, como membro da resistência civil contra
as tropas de grandes generais franceses, pois sua comida supera inclusive os limites que a
separam de seus inimigos de guerra. Por outro lado, é por meio dessa outra sensibilidade que
os membros da irmandade religiosa com os quais a cozinheira convive são retirados, como ela,
para fora de um processo de mortificação do passado. O passado então passa a ser (re)
significado por essas pessoas, que então narram suas histórias com outra perspectiva, pelo
rompimento com o estado de morte, no presente, que os despertam para a vida como
possibilidades em aberto.
Retomo Benjamin (1993; 224), para sublinhar na importância do processo de
rememoração como via para se promover rupturas em sentidos e narrativas já cristalizados na
História:
Articular historicamente o passado não significa conhece-lo ‘como ele de fato foi’.
Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de
um perigo. Cabe ao materialismo histórico fixar uma imagem do passado, como ela
se apresenta, no momento do perigo, ao sujeito histórico, sem que ele tenha
consciência disso. O perigo ameaça tanto a existência da tradição como os que a
recebem. O perigo ameaça tanto a existência da tradição como os que a recebem.
Para ambos, o perigo é o mesmo: entregar-se às classes dominantes, como seu
instrumento. Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer
apoderar-se dela.
Assim, pela junção, separação ou fusão de imagens, em que as memórias e histórias são
expressas “não pela exatidão, mas em criações de sentido, pela mimese da ficção” (Magalhães,
2004: 25), que implica o fazer humano, em tramas, pelo historiador, torna-se então possível
alcançar o que não está visível, o silenciado, sob a lacuna da fonte escrita. Nessa via, fratura-se
da linearidade da história que progride incessante para o futuro, quando o historiador, na leitura
dos textos de cultura, desperta para os projetos dos vencidos, que podem ser redimidos no
presente (Gagnebin, 1982).
Os fazeres das merendeiras indicam haver possibilidades de outros sentidos em
construção na escola, que não permanecem apenas como possíveis, mas que se concretizam dia
após dia, pela rememoração da experiência no cotidiano das lides, entre elas e junto às crianças.
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Por meio dessa trama, que teço a partir de rupturas e descontinuidades, acolho as
memórias de experiências das merendeiras das escolas rurais do Distrito Federal e suas
narrativas de histórias como via fundamental para se pensar as políticas públicas que tratam da
alimentação escolar, para que gestores públicos e agentes de decisão política se aproximem das
realidades que buscam impactar, sem que isso se dê por meio de relações que cristalizem ou
determinem os saberes em torno da merenda escolar. Nesse diapasão, essas mulheres narradoras
trazem à tona outras lógicas e sensibilidades, levadas sob seus aventais3, saberes sobre a
merenda escolar, que as incluem como sujeitos de histórias e da História.
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3 Agradeço à Profa. Ellen Fensterseifer Woortmann, que foi membra da banca de defesa de dissertação presidida
pela minha orientadora Profa. Nancy Alessio Magalhães, realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em
História – PPGHIS, Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília, em março de 2013. A imagem das
merendeiras que levam alimentos sob o avental foi construída por ela a partir da leitura da minha dissertação,
imagem a qual incorporo agora às minhas reflexões sobre memória, oralidade e imagem.
14
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