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economia
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YOLANDA VIEIRA DE ABREU
CARLOS ALEXANDRE AIRES BARROS
Vises Sobre a Economia Colonial:
A Contribuio do Negro1
Palmas (TO), Brasil
1Texto retirado e modificado da Monografia (TCC) defendida na Universidade Federal do Tocantins, Curso de Cincias Econmicas, A
participao do negro na economia colonial: anlise comparativa da viso agroexportadora e a teoria marxista, 2008. Texto com ortografia da nova lngua portuguesa e com contedo do texto revisado e modificado.
15
Reviso:
Cintia Vieira Muniz e
Renata Vieira Muniz
Capa:
Weleks Sousa Guimares
EUMED.NET
Consejo Editorial: http://www.eumed.net/libros/consejo.htm
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
A162v Abreu, Yolanda Vieira de. Vises sobre a economia colonial: a contribuio do negro /
Yolanda Vieira de Abreu, Carlos Alexandre Aires Barros. - Mlaga Espanha: Eumed.Net, Universidade de Mlaga, 2009.
66 p.
Referncias adicionais : Espanha/Portugus. Meio de divulgao: Meio digital, Home Page:
http://www.eumed.net/libros/2009d/623/index.htm ISBN-13: 978-84-692-8099-7. N Registro: 09/121989 Biblioteca Nacional de Espanha
1. Economia Colonial. 2. Economia Agroexportadora. 3.
Economia Brasileira I. Barros, Carlos Alexandre Aires. II. Ttulo.
CDD 330.981
16
A
Erivan Barros
17
AGRADECIMENTOS
famlia, aos amigos e aos alunos de
Formao Econmica do Brasil do
Curso de Cincias Econmicas
da Universidade Federal do Tocantins.
Profa. Dra. Yolanda Vieira de Abreu
Carlos Alexandre Aires Barros
Ncleo em interunidades em desenvolvimento
econmico, social e energtico UFT TO.
18
Estamos longe do verdadeiro desenvolvimento,
que s ocorre quando beneficia toda a
sociedade.
Celso Furtado
19
RESUMO
O objetivo deste trabalho analisar o papel do negro no contexto da economia colonial.
Estudo realizado por meio de pesquisa bibliogrfica, utilizando-se de informaes
histricas atravs de fontes secundrias como livros, revistas especializadas, artigos
cientficos e outros. A investigao buscou comparar duas vises distintas a respeito da
economia colonial, especialmente no que se refere ao papel do negro nesse contexto. A
viso agroexportadora apresenta a Colnia apenas como um apndice da metrpole
(Portugal), posto seu papel de fornecer produtos primrios e metais preciosos ao
mercado europeu; recebendo em contrapartida produtos manufaturados oriundos do
velho continente. Por outro lado, apresentam-se estudos da historiografia
contempornea que mostram a outra face da economia colonial. Tais pesquisas revelam
que havia evidncias de integrao endgena e que o negro desempenhou papel
relevante nessas atividades mercantis, seja como escravo e/ou principalmente na
condio de homem livre alguns at conseguiram se tornar proprietrio de escravos. Procura-se, tambm, luz da teoria da mais-valia de Marx, desenvolver o conceito de
mais-valia na Colnia a partir da teoria do capital escravista-mercantil. A discusso da
importncia do negro na economia colonial, sob esses dois pontos de vista, permitiu
desmistificar a ideia do negro na condio exclusiva de escravo, revelando que sua
participao no mercado local foi uma das principais foras propulsoras para
acumulao de capital na Colnia.
Palavras-chave: colnia brasileira, participao do negro, mais-valia; escravido;
economia agroexportadora.
20
SUMRIO
1 INTRODUO............................................................................................................. 20
2 CONTEXTUALIZAO TERICA........................................................................ 22
2.1 Mercantilismo........................................................................................................... 22
2.1.1 Principais ideias mercantilistas............................................................................ 22
2.1.2 O mercantilismo e o sistema colonial... ................................... .......................... 23
2.2 Os clssicos. ............................................................................................................. 25
2.2.1 Os pensadores da Escola Clssica........................................................................ 25
2.2.2 Teoria do valor-trabalho. ..................................................................................... 26
2.2.3 Teoria do comrcio internacional......................................................................... 28
2.3 Ideias marxistas.......................................................................................................... 28
2.3.1 Teoria do valor trabalho e a mais-valia................................................................. 28
2.3.2 Acumulao primitiva de capital.......................................................................... 31
3 POPULAO NEGRA NO BRASIL COLONIAL. ................................................. 35
3.1 Origem e grupos tnicos............................................................................................ 35
3.2 Populao e estrutura familiar. ................................................................................. 37
4 A EVOLUO DO NEGRO NA ECONOMIA COLONIAL.................................. 41
4.1 O negro e a economia agroexportadora. ................................................................... 41
4.1.1 Trfico negreiro: aquisio de mo de obra escrava. .......................................... 41
4.1.2 Estrutura da economia agroexportadora da Colnia............................................ 45
4.1.2.1 Sentido da colonizao. ................................................................................. 45
4.1.2.2 Economia do acar. ...................................................................................... 48
4.1.2.3 O negro na economia mineira: maior mobilidade social................................ 52
4.1.2.4 Ciclo do algodo. ........................................................................................... 53
4.2 A mais-valia na Colnia........................................................................................... 55
4.2.1 A mais-valia do escravo e o capital Escravista-Mercantil................................... 55
4.2.2 O mercado domstico e a mais-valia................................................................... 59
4.3 A importncia do negro nos negcios coloniais. ..................................................... 61
4.3.1 O excedente do cativo. ........................................................................................ 62
4.3.2 O elemento forro: a posse de escravos. .............................................................. 63
4.3.3 O negro nos negcios: conquista da liberdade. .................................................. 66
5 CONCLUSO ............................................................................................................. 74
REFERNCIAS. ............................................................................................................ 76
21
1 INTRODUO
A anlise da economia colonial brasileira, ao longo da histria, tem sido realizada
segundo uma corrente de pensamento econmico que atribui ao Brasil a funo de simples
fornecedor de produtos primrios para as metrpoles europeias Lisboa e Londres. Essa
posio da historiografia tradicional confere Colnia um papel especfico na diviso
internacional do trabalho: fornecer bens primrios ao mercado externo, como acar, algodo,
caf e metais preciosos. Isso implica a ocorrncia de uma economia voltada para a
monocultura de exportao, que estabelece uma relao de fora pra dentro, pois a nfase
que se d em relao produo de bens que atenda ao mercado externo, recebendo em
contrapartida produtos manufaturados.
Essa viso da economia colonial tornou-se, por um longo perodo, hegemnica em
termos de historiografia econmica. Hoje, porm, h outros pesquisadores que procuram
mostrar um modelo alternativo ao de Prado Jnior (2006) principal representante da viso
agroexportadora; a fim de incluir o elemento mercado interno e outras possibilidades de
interpretao da economia colonial.
O modelo interpretativo de Prado Jnior (2006) valoriza a anlise de fora pra dentro,
mostrando que a monocultura agroexportadora possibilitava ao Brasil negociar seus produtos
no mercado internacional; em contrapartida importava manufaturados da metrpole,
ratificando o pacto colonial. Assim, a viso da existncia de um mercado interno fica em
segundo plano, considerada uma atividade subsidiria grande lavoura. As novas pesquisas
procuram apresentar uma anlise da economia colonial de dentro pra fora, a fim de revelar e
resgatar a participao de elementos fundamentais para existncia da economia
agroexportadora, como os pequenos comerciantes, os artesos, os prestadores de servios e
principalmente a figura do negro, tanto o escravo quanto o alforriado.
Torna-se importante, ento, mostrar e valorizar a contribuio do negro na economia
colonial, especialmente no que diz respeito a sua atuao como mo de obra produtora de
mais-valia e, s vezes, como comerciante no mercado local. Para isso, h necessidade de um
estudo exploratrio e comparativo entre a viso agroexportadora de Prado Jnior e a viso dos
novos estudiosos marxistas, que incluem a importncia do mercado interno para a manuteno
da economia agroexportadora.
22
Neste sentido, portanto, buscou-se analisar a importncia do negro na formao da
economia brasileira, bem como sua contribuio ao comrcio interno no perodo colonial.
Alm de, evidentemente, tentar desmistificar a ideia do negro apenas como mo de obra
escrava a servio da economia agroexportadora. Embora se saiba que, no incio, tenha sido
verdade, mas com o tempo essa situao foi se modificando. Durante o perodo colonial, os
negros foram criando suas oportunidades de crescimento e liberdade e tais permitiram que
eles pudessem influenciar a sociedade em todos os nveis.
O dilema que este estudo pretende responder , se no contexto da economia colonial, o
negro teve um papel relevante ou foi apenas mo de obra escrava a servio da grande lavoura
de exportao. O objetivo geral analisar a participao do negro na economia colonial,
comparando sua atuao sob a tica da economia agroexportadora e da teoria marxista. Para
que se possa resolver este dilema, prope-se:.1) Identificar a estrutura da economia
agroexportadora e o desenvolvimento do negro na economia colonial (1500 a 1822); 2)
Apresentar a atuao do negro na economia colonial segundo tica agroexportadora e
viso dos novos marxistas; 3) Observar a presena do negro nos pequenos negcios,
destacando sua contribuio ao comrcio local; 4) Mostrar a acumulao de capital atravs da
mais-valia retirada do escravo.
Utilizou-se como metodologia, neste trabalho, o mtodo da abordagem dedutiva e a
anlise histrica para descrever e comparar informaes referentes ao tema. A anlise das
informaes histricas foi realizada atravs de fontes secundrias e bibliogrficas, tais como
livros, artigos cientficos, revistas de circulao nacional, textos da internet e outros. O uso
dessas fontes se aplicar pela dificuldade de acesso aos dados primrios e, tambm, pela
prpria credibilidade dos autores tomados em referncia e por se tratar de um estudo histrico
do papel do negro na economia colonial entre 1500 a 1822. Iniciou-se comparando dados
obtidos sobre o papel do negro na economia colonial, tomando por base as correntes tericas
que versam sobre este assunto. Entre as teorias que embasam este estudo esto os
pressupostos mercantilistas do comrcio internacional, as teorias clssicas do valor e das
vantagens comparativas, e a teoria marxista da mais-valia. luz dessas teorias, buscou-se
explicar e comparar as ideias da historiografia econmica nacional a respeito do papel do
negro no BrasilColnia. Neste contexto, compara-se a posio de Caio Prado Jnior (2006),
Celso Furtado (1995) e Fernando Novais (1995) com a posio de pesquisadores
contemporneos como Iracy Del Nero Costa (1995), Francisco Luna, Jlio Manoel Pires,
Antnio Barros de Castro, Jacob Gorender dentre outros.
23
2 CONTEXTUALIZAO TERICA
Neste captulo, far-se- a exposio das principais ideias econmicas que
influenciaram os pensadores da economia colonial. Inicialmente, aparecem o pensamento
mercantilista e o clssico e, em seguida, procura-se apresentar as principais ideias marxistas.
2.1 Mercantilismo
2.1.1 Principais ideias mercantilistas
Segundo Feij (2001), o termo mercantilismo foi cunhado pelo Marqus de Mirabeau
(1715-1789) em 1763 para caracterizar o conjunto de doutrinas e prticas econmicas
dominadas pelo nacionalismo e pelo intervencionismo que vigoraram na Europa de meados
do sculo XV at meados do sculo XVIII.
A doutrina mercantilista teve origem ainda na idade mdia quando os reis medievais,
na inteno de proteger o interesse da nobreza, adotavam medidas intervencionistas a fim de
limitar o enriquecimento da classe dos comerciantes que j havia enriquecido bastante com a
atividade mercantil. Na Inglaterra, por exemplo, os reis Eduardo I e II firmaram
regulamentaes econmicas para limitar a concorrncia atravs do estabelecimento de
monoplio e controle de preos e salrios.
O comrcio internacional era visto pelos mercantilistas como principal meio de
aquisio de metais preciosos, logo todas as medidas restritivas que resultassem no acmulo
de ouro e prata na metrpole seriam bem vistas. Isso porque eles acreditavam que quanto mais
metais preciosos um pas possusse, mais rico seria. De acordo com Hugon (1995, p.65), a
ideia de prosperidade dos pases parece estar na razo direta da quantidade de metais
preciosos que possuem. Surge, ento, o pensamento de que o fenmeno da riqueza est
associado a maior quantidade de metais preciosos.
Montchretien, citado por Hugon (1995, p.66), afirma que o ouro e prata suprem as
necessidades de todos os homens. Outro autor mercantilista defende que:
Tudo seu, se tiver dinheiro; o dinheiro um verdadeiro Proteu que se transforma
em tudo quanto se quer, po e vinho, tecido, ser um cavalo, uma casa, uma
24
herdade, uma cidade e uma provncia. (Scipion Grammont, apud, Hugon, 1995,
p.70)
Essa ideia do dinheiro, na forma de ouro e prata, assume o sinnimo de riqueza para os
pensadores mercantilistas. Nessa mesma linha, John Locke defende o dinheiro como amigo
que apesar de passar de mo em mo no corre o risco de ser dissipado ou consumido
(Hugon, 1995, p.66).
O metalismo constituiu-se em uma das formas que o mercantilismo assumiu ao longo
dos trs sculos de sua existncia. Para Hugon (1995), o mercantilismo se divide em cinco
correntes principais: os metalistas ou bulionistas na Espanha, os industrialistas ou colbertistas
na Frana, os comercialistas na Inglaterra, o Cameralismo na Alemanha e a corrente
fiduciria.
Para Feij (2001, p.62), a principal preocupao econmica do mercantilismo era a
busca do pleno emprego. O saldo positivo na balana comercial era a principal maneira de
manter a economia do pleno emprego. Em seguida, ele concluiu que a balana comercial
favorvel asseguraria o fluxo positivo de ouro e prata sem a necessidade de restringir
diretamente a sada de metais (2001, p.62-65). O que para a metrpole no deixava de
representar um ganho significativo em relao colnia.
2.1.2 O mercantilismo e o sistema colonial
A doutrina mercantilista dominou a Europa por quase trs sculos, mas foi nas
colnias que essas ideias e prticas econmicas se impuseram com mais vigor. Os metais
preciosos encontrados no Novo Mundo foram enviados para as metrpoles europeias, com
vistas o aumento do estoque de ouro e prata desses pases.
Conforme Hugon (1995), o pacto colonial firmado entre a metrpole e suas colnias
no passou de uma conveno falsa e enganadora, pois um acordo supe que as partes
aceitam obrigaes recprocas. No entanto, as obrigaes s cabiam colnia que sofria a
imposio de fornecer metais preciosos, matrias-primas e gneros agrcolas para a
metrpole.
Souza (2005) fala das relaes comerciais entre metrpole e colnia, mostrando que
havia dominao metropolitana atravs do monoplio comercial, institudo pelo pacto
colonial:
25
Cada metrpole estabeleceu um pacto colonial com suas colnias. Mediante esse
pacto, todo o comrcio externo das colnias efetuava-se apenas com a metrpole,
que fixava os preos e as quantidades dos produtos industrializados. Os preos das
manufaturas importadas pelas colnias deveriam ser os mais elevados possveis,
enquanto eram fixados em nveis extremamente baixos os preos das matrias-
primas e alimentos adquiridos pela metrpole. Da mesma forma, somente os navios
metropolitanos transportavam os bens comercializados entre as colnias e a
metrpole respectiva. Essa poltica promoveu uma Revoluo Comercial na Europa
(...), mas estabeleceu as razes do subdesenvolvimento contemporneo (Souza,
2005, p.55).
Hugon (1995) considera que as riquezas do Novo Mundo desempenharam importante
papel, a partir do sculo XVI, no processo de desenvolvimento das economias nacionais
europeias e na formao do capitalismo, mas, de outro lado, formaram uma oposio ao
desenvolvimento da economia nacional das colnias, principalmente em funo da poltica
colonial do mercantilismo.
O processo de ocupao, povoamento e valorizao econmica das colnias se
estabeleceu a partir das relaes metrpole-colnia. Para Novais (1995, p.92), esse o projeto
que se constituiu:
Em funo dos mecanismos e ajustamentos dessa fase da formao do capitalismo
moderno (...), gerado nas tenses oriundas na transio para o capitalismo
industrial: acelerar a primitiva acumulao capitalista pois o sentido do
movimento (...) Neste sentido, a produo colonial orienta-se necessariamente para
aqueles produtos que possam preencher a funo do sistema de colonizao no
contexto do capitalismo mercantil (....) os produtos tropicais: acar, tabaco,
algodo, cacau, matrias-primas etc.
Como parte do projeto de colonizao das metrpoles europeias, mais especificamente
Portugal, a ocupao do Brasil se deu por preocupaes polticas e logo se tratou de
desenvolver a produo do acar, a partir do sculo XVI, como forma de inserir a colnia no
contexto do capitalismo mercantil.
Segundo Novais (1995, p.98):
Enquanto na Europa dos sculos XVI, XVII e XVIII transitava-se da servido
feudal para o trabalho assalariado (...), no Ultramar, isto , no cenrio da
europeizao do mundo, o monstro da escravido mais crua reaparecia com uma
intensidade e desenvolvimentos inditos.
Em seguida, Novais (1995, p.98) complementa dizendo que a escravido foi o regime
de trabalho preponderante no Novo Mundo, principalmente na Colnia Portuguesa da
Amrica: o Brasil. O trfico negreiro alimentou um dos setores mais rentveis do comrcio
colonial.
26
O projeto de insero das colnias no capitalismo mercantil favoreceu a adoo das
formas de trabalho compulsrio, uma vez que as colnias da Amrica se enquadravam
como economias pr-capitalistas. A adoo do trabalho assalariado tornava os custos de
produo mais elevados, sendo a aplicao do trabalho escravo uma forma mais rentvel tanto
para os produtores de gneros tropicais quanto para os traficantes de escravos. (Novais, 1995,
p.98).
Em relao rotao do capital, Novais (1995, p.100) afirma que cada vez que o
capital volta a sua forma primitiva, permitindo a reinverso alargada, completa-se uma
rotao. Neste caso, o funcionamento do regime escravista travava essa rotao, pois o
pagamento do fator trabalho era antecipado atravs da compra do escravo, enquanto no
trabalho assalariado a fora de trabalho s paga depois de consumida, sendo remunerada
dentro do prprio processo produtivo, possibilitando a flexibilidade da economia capitalista.
Em estudo relacionado ao tema do trabalho escravo no perodo colonial, Eric Williams
citado por Novais (1995, p.102) considera que a implantao do escravismo colonial, longe
de ter sido uma opo (salariato, escravismo), foi uma imposio das condies histrico-
econmicas. Assim, nas condies histricas em que se processa a colonizao da Amrica,
a implantao das formas compulsrias de trabalho decorria fundamentalmente da necessria
adequao da empresa colonizadora aos mecanismos do Antigo Sistema Colonial (Williams
apud Novais, 1995, p.102).
Desse modo, o sistema colonial mercantilista foi fundamental para a formao da
economia capitalista, principalmente no que se refere acumulao primitiva obtida por
mecanismos intervencionistas que posteriormente seriam contestados pelos economistas
clssicos.
2.2 Os clssicos
2.2.1 Os pensadores da Escola Clssica
No ltimo quarto do sculo XVIII e incio do sculo XIX, surge um grupo de
pensadores que vo dar forma e tratamento cientfico s ideias econmicas. Entre os
principais pensadores aparecem Robert Malthus, John Stuart Mill, David Ricardo e Adam
Smith. Para Hugon (1995, p.101), a Escola Clssica propriamente dita, consiste, portanto,
naquela corrente cientfico-econmica iniciada, em 1776, com Smith, continuada
27
particularmente com Malthus e Ricardo e completada, em 1848, por Stuart Mill e seus
Princpios de Economia Poltica.
2.2.2 Teoria do valor-trabalho
Um dos pilares tericos da Escola Clssica a teoria do valor-trabalho. Segundo Hunt
(1981, p.69), ainda que Adam Smith no tenha apresentado uma teoria do valor com a devida
coerncia, no se pode negar que ele apresentou as bases da teoria do valor-trabalho que
posteriormente fora melhorada por Ricardo e Marx.
Na concepo de Smith (apud Feij, 2001) o valor de uma mercadoria a quantidade
de trabalho que a mesma permite comprar ou comandar. Assim, o trabalho a medida real do
valor de troca de todas as mercadorias. O valor de um bem, segundo Smith, divide-se em
valor de troca e valor de uso. Este est associado ideia de utilidade e aquele corresponde ao
poder de compra que o bem possui no mercado.
Conforme Feij (2001), a viso de Smith sobre o valor se complementa com a ideia de
que o valor de uma mercadoria no regulado somente pelo trabalho, mas por trs
componentes: salrio (w), lucro (l) e renda da terra (r). Supe-se que o preo de uma
mercadoria determinado somente por estes trs componentes numa economia capitalista, j
que os juros se incluem nos lucros, ao passo que a remunerao do capital.
De acordo com Hunt (1981, p.70), Adam Smith conseguiu ver o trabalho como
determinante do valor de troca apenas nas economias pr-capitalistas, porque aps a
apropriao dos meios de produo pelos capitalistas e a monopolizao das terras pelos
proprietrios de terra, o valor de troca, isto , o preo das mercadorias passou a ser
determinado por esses trs componentes: salrio, lucro e renda da terra.
A verso da teoria do valor-trabalho de Ricardo, conforme Hugon (1995, p.130),
uma continuao da teoria de Smith, porm, uma teoria elaborada de forma mais sistemtica.
Inicialmente, Ricardo rejeitou a utilidade como medida de valor, distinguindo os bens em
duas categorias: os bens no suscetveis de reproduo (por exemplo: um quadro de um artista
famoso) e os bens suscetveis de reproduo indefinida, isto , aqueles que podem ser
produzidos em larga escala, ocasionados por um custo de produo.
Para Ricardo, citado por Hugon (1995, p.131), o valor das mercadorias era
determinado pelo trabalho humano: considero o trabalho como a fonte de todo valor e a sua
quantidade relativa medida que regula, quase que exclusivamente, o valor das mercadorias.
O trabalho, neste caso, aparece tanto como fora de trabalho humano quanto quantidade de
28
trabalho incorporado ao capital, mais especificamente as mquinas e equipamentos usados na
produo.
A teoria dos preos da escola clssica baseada nos custos de produo. Smith
estabeleceu uma distino entre preo natural e preo de mercado. O preo de mercado era o
verdadeiro preo da mercadoria, em determinado momento e em determinado mercado. J o
preo natural era o preo ao qual a receita da venda fosse apenas suficiente para dar - aos
capitalistas, trabalhadores e proprietrios de terra lucros, salrios e aluguis equivalentes aos
nveis necessrios de sobrevivncia (Hunt, 1981).
2.2.3 Teoria do comrcio internacional
O livre comrcio entre as naes era uma das necessidades do comrcio internacional
segundo a doutrina do liberalismo econmico. O prprio Smith (apud, Hugon, 1995)
preconizou a liberdade de comrcio externo a partir de sua teoria da psicologia individual, na
qual o interesse individual coincide com o interesse coletivo e que o papel do estado
consiste apenas em garantir a segurana e administrao da justia. Nesse contexto, surge a
teoria das vantagens comparativas do Ingls David Ricardo, no seu livro Princpios de
Economia Poltica e Tributao, publicado em 1777. Essa teoria corresponde a uma
explicao sistemtica de como dois pases podem se beneficiar mutuamente do comrcio
internacional.
Segundo Ricardo, um pas no precisava necessariamente ter vantagens absolutas na
produo de qualquer mercadoria em relao a outro para que o comrcio internacional entre
eles fosse vantajoso (Hunt, 1981). Dois pases poderiam se beneficiar mutuamente tendo
vantagens relativas na produo.
De acordo com Hunt (1981, p.137-138) a vantagem relativa:
(...) significava, simplesmente, que a razo entre o trabalho incorporado s duas
mercadorias diferia entre os dois pases, de modo que cada um deles poderia ter,
pelo menos, uma mercadoria na qual a quantidade relativa de trabalho incorporado seria menor do que a do outro pas.
Em outras palavras, pode-se dizer que dois pases podem se beneficiar mutuamente
atravs do comrcio internacional, considerando que cada um se especialize na produo do
bem que se aplica menor quantidade relativa de trabalho na produo, para posteriormente
realizarem o comrcio bilateral.
29
Ricardo discute ainda outros pontos a respeito do comrcio exterior, como a questo
da taxa de lucro. Ele supe que o comrcio externo no afeta a taxa de lucro, todavia
beneficia o pas pelo aumento no volume de bens obtidos e tambm do nvel de emprego
domstico (Feij, 2001, p.176). Nessa mesma linha, Ricardo v nas restries do comrcio
externo a possibilidade de reduo da soma dos benefcios, evidenciando um ataque direto
contra a lei dos cereais2.
2.3 Ideias marxistas
A principal contribuio de Marx para o melhor conhecimento da economia capitalista
est no seu livro intitulado O Capital, uma obra composta de trs volumes, sendo o primeiro
publicado em 1867 e os outros dois aps sua morte pelo amigo Friederick Engels, em 1885 e
1894. Marx escreveu outros ttulos, mas o que interessa neste trabalho diz respeito
principalmente a essa obra.
Neste estudo, busca-se destacar a parte econmica da obra de Marx, dado os objetivos
da pesquisa. Portanto, faz-se necessrio uma introduo sobre as principais ideias de Marx,
principalmente aquelas que dizem respeito ao processo de explorao da fora de trabalho
(mais-valia), acumulao de capital e a teoria do valor.
2.3.1 Teoria do Valor Trabalho e a Mais-Valia
A parte econmica da doutrina marxista comea com a anlise da teoria do valor-
trabalho. Segundo Hugon (1984, p.214):
Marx aceita as teorias da Escola Clssica na mesma disposio de esprito com que
observa as manifestaes da economia liberal: considera estas teorias e estes fatos a
expresso do sistema capitalista. (....) Assim, pois, a sua teoria do valor-trabalho nada
mais que o prolongamento consciente da teoria do valor-trabalho exposta por Adam
Smith e por Ricardo.
2 Ricardo e Malthus travaram uma disputa em torno da lei dos cereais. Na defesa dos capitalistas, Ricardo se
opunha lei dos cereais, porque proibindo a importao de cereais, o Governo da Inglaterra estava incentivando
o cultivo de terras cada vez menos frteis. Isso possibilitava um aumento da renda fundiria, mas, em
contrapartida, os lucros dos capitalistas diminuam, retardando o progresso econmico. Em posio contrria,
estava Malthus. Esse economista clssico acreditava que somente os proprietrios de terras seriam capazes de
eliminar o problema da insuficincia de demanda agregada, gerada pelo no uso do capital improdutivo dos
capitalistas. O aumento da renda dos fazendeiros elevaria seus gastos na contratao de mais criados e
funcionrios que por sua vez comprariam os produtos dos capitalistas, gerando mais emprego (HUNT, 1981, p.
139).
30
Neste mesmo sentido, a principal diferena entre os clssicos e Marx consistia em
questes de ordem secundria, como por exemplo, enquanto Ricardo dizia que o trabalho era
fonte de todo valor, Marx escreveu que o valor o trabalho cristalizado. Smith distinguira
trabalho fcil de trabalho difcil, enquanto Marx atribuiu uma nova terminologia, traduzindo
em trabalho simples e trabalho qualificado (Hugon, 1995, p.214).
Sandroni (2005, p.35) diz que o valor de uma mercadoria, na concepo de Marx,
determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessrio para produzi-la. O trabalho
humano torna-se indispensvel na constituio do valor da mercadoria. Sem ele, as coisas no
teriam valor. Segundo Sandroni, faz-se necessrio entender melhor a expresso socialmente
necessrio, pois ela revela aspectos importantes da contribuio de Marx teoria do valor-
trabalho. Assim Sandroni (2005, p.36):
O Socialmente devia ser entendido como o tempo de trabalho utilizado em mdia pelos vrios produtores, e que, portanto, cada mercadoria deveria ser um exemplar
mdio de sua espcie. (...) Em termos mais concretos eu j sabia que na era da
mquina as diferenas individuais dos trabalhadores tendiam a se nivelar por cima.
Essa nivelao por cima significa mais explorao do trabalhador, uma vez que ele
ter de acompanhar o ritmo da mquina e dos outros operrios, desrespeitando as diferenas
individuais. Assim, o valor individual de uma mercadoria tende a coincidir com o valor mdio
social, isto , com a quantidade de trabalho mdio aplicado na produo das mercadorias.
Sandroni (2005, p.37) acrescenta que o valor mdio ou social das mercadorias se
manifesta no preo. Assim, pode-se inferir que o valor em si no se apresenta diretamente
aos nossos olhos, mas sim atravs do preo das mercadorias.
Marx (1982, p.24) divide o valor em valor de uso e valor de troca. O primeiro est
associado ideia de satisfao das necessidades humanas. Pois, segundo Marx (1982, p.24):
A mercadoria de incio um objeto externo, uma coisa que satisfaz para seus
proprietrios uma necessidade humana qualquer. Toda coisa til, tal como o ferro, o
papel etc, deve ser considerada sob um duplo aspecto: a qualidade e quantidade.
Cada uma um conjunto de qualidades numerosas e pode ser til s mais diversas
finalidades. a utilidade de uma coisa que lhe d valor de uso. Mas essa utilidade no surge no ar. determinada pelas propriedades fsicas das mercadorias e no
existe sem isso. A mercadoria em si, tal como o ferro, o trigo, o diamante etc,
pois, um valor de uso.
Conforme Feij (2001, p.210), a mercadoria um conceito bsico em Marx e
apresenta duas caractersticas essenciais: valor de uso, por possuir propriedades que
satisfazem s necessidades humanas. Tambm podem ser consideradas qualidades fsicas
31
que geram utilidade. Em seguida, o mesmo autor acrescenta que o valor de troca, outra
caracterstica essencial da mercadoria, a forma de manifestao do valor, isto , o trabalho
socialmente necessrio o nico componente capaz de gerar valor dentro do processo de
produo.
No Capital, Marx (1982, p.24) faz referncia ao valor de troca como a relao
quantitativa pela qual os valores de uso de uma espcie se trocam pelos valores de uso de
outra. Pode-se observar que o valor de uso est intimamente ligado ao valor de troca, aquele
se torna necessrio para realizao deste no mercado.
Postas as mincias de lado, a teoria do valor-trabalho de Marx foi basicamente as de
Ricardo e Smith, alm dos aspectos econmicos tambm deduziu aspectos de ordem social, os
quais, para Hugon (2001), os economistas clssicos viram ou no quiseram ver. Assim, todo
valor seria criado pelo trabalho humano, logo caberia ao homem, isto , ao trabalhador, o
direito de ficar com o produto de seu trabalho. Porm, isso no acontece, no seria por causa
da vontade do patro, mas uma situao decorrente do prprio sistema capitalista, que gera
um acrscimo na produo dada aquisio da fora de trabalho que acaba gerando mais-
valia.
Marx, citado por Hunt (1981, p.233), afirma que:
O valor da fora de trabalho determinado, como no caso de todas as outras
mercadorias, pelo tempo de trabalho socialmente necessrio para a produo e,
consequentemente, tambm para a reproduo deste artigo especial (...). Para o indivduo, a produo da fora de trabalho consiste em.Sua manuteno.
Neste caso, o trabalhador deve obter um salrio igual ou superior sua manuteno. O
salrio deve corresponder a um valor que permita ao trabalhador adquirir certa quantidade
de mercadorias essenciais sua sobrevivncia, a fim de mant-lo vivo para que possa garantir
sua reproduo. Em outras palavras, a manuteno da fora de trabalho corresponde a certa
quantidade de meios de subsistncia para que o trabalhador possa se reproduzir, de modo que
este garanta, posteriormente, a substituio de sua fora de trabalho no mercado atravs dos
filhos. Assim, a mais-valia torna-se um instrumento eficaz de explorao do trabalhador em
favor do capitalista.
Pode-se dividir a apropriao do trabalho excedente como mais-valia absoluta ou
relativa. Sandroni (2005, p.72-73) diz que a mais-valia absoluta uma das formas do
capitalista aumentar a explorao sobre o trabalhador. Acrescenta que a mais-valia absoluta
oferece duas formas de aumentar a explorao. A primeira diz respeito ao aumento da
32
jornada de trabalho e a segunda refere-se intensidade com que o mesmo [trabalho3] se
realiza. Tais formas permitem ao capitalista aumentar a mais-valia retirada da explorao da
fora de trabalho.
A segunda forma de mais-valia a relativa. Ela corresponde ao aumento da
produtividade do trabalho na produo dos meios de vida do trabalhador e, portanto, no
barateamento de sua fora de trabalho (Sandroni, 2005, p.83-84). Com a introduo de
tcnicas mais avanadas na produo, o trabalhador consegue produzir uma quantidade
maior com o mesmo tempo de trabalho necessrio, sem precisar aumentar suas horas de
trabalho (Sandroni, 2005, p.77).
A produtividade do trabalhador crescer com a diminuio do trabalho necessrio para
produzir o valor equivalente sua fora de trabalho, permitindo uma maior produo para o
capitalista, consequentemente h um aumento do trabalho excedente, isto , da mais-valia. Na
produo capitalista, o acmulo ou a crescente explorao da mais-valia que permite o
processo de acumulao de capital.
2.3.2 Acumulao primitiva de capital
As origens histricas da sociedade capitalista, segundo Marx (apud Hunt, 1981,
p.239), no esto em uma sociedade de comportamento econmico frugal e abstmio de uma
elite moral, como se acreditava. Mas na existncia de uma classe operria sem propriedades
e outra classe capitalista rica. A esse processo de formao da sociedade capitalista em duas
classes, a de proprietrios e a de no-proprietrios de meios de produo, Marx (apud Hunt,
1981, p.239) denominou de acumulao primitiva.
Esta acumulao primitiva desempenha, em Economia Poltica, mais ou menos o
mesmo papel que o pecado original desempenhou em Teologia. Ado comeu a
ma e, desde ento, o pecado recaiu sobre a raa humana. Admite-se que a origem
dessa histria seja apenas uma anedota do passado. H muito tempo atrs, havia
duas espcies de pessoas: umas diligentes, inteligentes e, acima de tudo,
formadoras de uma elite frugal; outras eram velhacas, preguiosas, que gastavam
tudo o que tinham levando uma vida devassa... O primeiro tipo de pessoa acumulou
riqueza e o segundo tipo s tinha sua pele para vender. Desse pecado original que
veio a pobreza da grande maioria que, apesar de todo o seu trabalho, at agora continua nada tendo para vender, a no ser ela prpria, bem como a riqueza de uns
poucos, que aumenta sempre .... Na histria concreta, visvel que a conquista, a
escravido, o roubo, o assassinato, em suma, a fora, que entram em cena... Os
mtodos de acumulao primitiva nada tm de poticos.
3 O acrscimo do autor do texto.
33
O processo de acumulao primitiva surgiu com a desestruturao da sociedade
feudal, a qual deu lugar formao da sociedade capitalista. Com a criao da classe operria,
isto , dos no proprietrios de meios de produo, destruiu-se os vnculos sociais feudais
pelos quais a maioria dos trabalhadores garantira seu acesso terra. A transformao da
propriedade feudal na moderna propriedade privada mudou as relaes econmicas na
sociedade. Os trabalhadores foram expulsos das terras que cultivavam e mandados para a
cidade, engrossando a massa de mendigos e desempregados (Hunt, 1981).
Marx (apud Hunt, p.240) relaciona alguns mtodos poticos de acumulao
primitiva adotados pela sociedade pr-capitalista:
A espoliao da propriedade da igreja, a alienao fraudulenta dos domnios do
estado, o roubo de terras comuns, a usurpao da propriedade feudal (...) foram
alguns dos muitos mtodos poticos de acumulao primitiva.
Estes mtodos no foram adotados apenas no continente europeu, mas atingiu tambm
o alm-mar, com vistas acumulao de fortuna para sua transformao em capital industrial.
Tem-se uma descrio interessante sobre este assunto:
A descoberta de ouro e prata na Amrica, a aniquilao, escravizao e o emprego
forado, nas minas, da populao aborgine, o comeo da conquista e da pilhagem
nas ndias Orientais, a transformao da frica num viveiro de caa comercial de
negros assinalaram a aurora cor-de-rosa da era da produo capitalista (Marx apud
Hunt, 1981, p.240).
Espanha, Portugal, Holanda e Inglaterra esto entre os principais pases que
empreenderam a acumulao primitiva. A Inglaterra no fim do sculo XVII, por exemplo,
impe uma poltica externa sistemtica com vistas dominao das colnias da Amrica, por
meio de um sistema moderno de tributao, comrcio de escravos, dvida externa,
protecionismo e ao do estado. Por fim, Marx se refere acumulao primitiva como um
meio de promover o processo de transformao do modo de produo feudal no modo de
produo capitalista (Marx apud 1981, p.241).
Benakouche (1980, p.25) considera que o aparecimento do modo de produo
capitalista comea com a destruio progressiva e permanente do modo de produo feudal e
o aparecimento da manufatura. Neste perodo o que prevalece o capital mercantil ou
comercial, cujo papel foi preparar as bases para a consolidao do novo modo de produo - o
capitalismo.
34
Para Marx (apud Benakouche, p.1980, p.27) as formas dominantes de produo do M.
P. C. (Modo de Produo Capitalista) tm reflexos diretos na sociedade. A mudana da forma
de produo dominante no seio do capitalismo, segundo Benakouche (1980), corresponde aos
estgios: clssico e monopolista.
O estgio clssico corresponde ao capitalismo concorrencial, caracterizando-se pelos
movimentos de mercadorias que deram origem internacionalizao do capital-mercadoria.
Por outro lado, o estgio monopolista diz respeito ao capitalismo monopolista, uma forma
mais avanada do sistema e que se caracteriza pela exportao de capital, realizada pelas
firmas multinacionais.
O ciclo capital-mercadoria o primeiro a se internacionalizar, o movimento de
acumulao de capital sobre a base da internacionalizao do capital-mercadoria contribuiu
para um processo de ampliao da esfera de troca (Benakouche, 1980,). Essa ampliao da
esfera de troca se d com outras regies do mundo moderno, no qual os europeus estabelecem
relaes comerciais ou de dominao econmica, como por exemplo, no caso do Novo
Mundo.
A criao de novos mercados era muito importante para o estgio clssico, isto , de
internacionalizao do capital-mercadoria, principalmente no surgimento de mercados que
pudessem fornecer tanto matrias-primas, metais preciosos como se tornassem consumidores
de seus produtos manufaturados.
A fase de acumulao primitiva conhecida por pilhagem interna (da prpria
populao dos pases centrais) e/ou externa (contribuio da periferia na acumulao
primitiva). O primeiro modelo foi bem explicado4 por Marx, porm o segundo foi
subestimado pelo autor de O Capital.
De acordo com Benakouche (1980, p.40), a pilhagem externa foi de grande importncia
para a consolidao do modo de produo capitalista:
De fato, o comrcio externo de mercadorias e a pilhagem externa desempenharam um
duplo papel na acumulao primitiva de capital: agiram no sentido da ampliao da
esfera de troca pela expanso do capital sob a forma de mercadoria e no sentido da movimentao das relaes de valor, determinando a acumulao de um capital
mercantil atravs do estabelecimento de contatos entre formaes sociais nas quais
prevaleciam condies diferentes de formao do valor.
A atuao do capital comercial na acumulao primitiva inequvoca. Seja no trfico
de negros originrios da frica, seja nas relaes comerciais realizadas entre as colnias e as
4 Benakouche (1980, p.39) comenta que a pilhagem interna foi bem explicada por Marx, mas o mesmo autor no
deu a devida importncia pilhagem externa no seu modelo terico.
35
metrpoles. No fim do sculo XVI, o comrcio de escravos e a sede dos europeus por metais
preciosos proporcionavam grandes lucros. Essa poca foi um perodo de acumulao
acelerada, baseada na alta de preos, de lucros elevados e de salrios muito baixos
(Benakouche, 1980, p.48).
Assim, no sculo XVII o comrcio triangular Europa-frica-Amrica proporcionou
uma grande acumulao primitiva de capital, que estabeleceu as bases de financiamento do
capitalismo industrial nos sculos seguintes.
36
3. POPULAO NEGRA NO BRASIL COLONIAL
3.1 Origem e grupos tnicos
O escravo negro - considerado como mercadoria nos sculos XVI a XIX, fator de
produo indispensvel economia colonial brasileira - no veio de um continente
desorganizado, sem cultura, sem tradies ou sem passado. O cativo africano tem
personalidade e histria. A organizao social na frica constituiu verdadeiros imprios
centralizados, com brilho e autoridades incontestveis, espcie de confederaes tribais,
reinos mais ou menos reconhecidos pelos seus vizinhos, cidades-pousadas com seus ricos
mercados nos caminhos do ouro, das especiarias, do marfim, do sal, dos escravos, e por toda
parte povos guerreiros, pescadores, coletores, pastores, comerciantes e agricultores (Mattoso,
2003).
Entre os sculos XV e XVI, as sociedades africanas compunham-se, em geral, de
comunidades aldes que conheciam uma organizao econmica e social baseada na famlia
e, principalmente, na aldeia. As aldeias eram formadas por uma ou mais famlias ampliadas,
isto , pelo grupo social constitudo pelo patriarca, por suas esposas, descendentes e
agregados. Era comum na frica o homem rico possur vrias esposas, enquanto os jovens e
os pobres apenas uma.
Segundo Maestri (1994, p.39) os patriarcas eram os grandes privilegiados. Suas
esposas, filhos, genros e agregados deviam-lhe respeito, obrigaes e tributos. A mulher e os
agregados constituam as categorias sociais mais exploradas.
A posse da terra coletiva. As aldeias viviam basicamente da agricultura. As famlias
exploravam as terras com base em tcnicas agrcolas extensivas e itinerantes. O principal
instrumento de trabalho conhecido naquele perodo consistia na enxada de ferro.
Outras atividades eram desenvolvidas na aldeia como a caa, a pesca e a coleta. So
atividades que complementavam grande parte das protenas alimentao da aldeia. O
artesanato supria as necessidades da aldeia. O artfice aldeo trabalhava o couro, o ferro, o
marfim, a argila, a madeira e outros.
Para Mattoso (2003, p. 24-25):
37
Muito antes da poca da colonizao, civilizaes possuidoras de tcnicas
relativamente avanadas desenvolveram-se em numerosas regies. Conhecia-se a
agricultura de enxada, extensiva, ou mesmo a intensiva ao redor das choas; a
propriedade fundiria desconhecida, mas o artesanato do ferro, do ouro, do bronze,
do cobre, com seus ferreiros mistos de feiticeiros, um tanto mdicos, seus poteiros mulheres com frequncia seus teceles, e seus lenhadores, alimentam o consumo local e tambm mercados mais distantes.
O excedente negociado nos mercados mais distantes era realizado atravs do escambo.
A prtica do escambo comum entre os povos africanos, com os quais os europeus
estabeleceram relaes comerciais, especialmente na compra de escravos na costa da frica.
A escravido nas sociedades africanas, conforme Mattoso (2003, p.25) quase
patriarcal, que exclui o trfico. No Daom, os filhos de escravos nascem livres e fazem parte
da famlia do senhor. Foi o trfico que introduziu a escravido mercantil entre os povos da
floresta. Em meados do incio do sculo XVI, os europeus tiveram contato com os dois
principais grupos tnicos africanos: os sudaneses e os bantus.
Os sudaneses eram nativos da regio do nordeste da costa da frica, de influncia
muulmana, foram mandados em grande parte para a Bahia. Os bantus, nativos oriundos de
Angola, Congo e Moambique, foram enviados para o Rio de Janeiro, Minas Gerais e para a
zona da mata do Nordeste. Outros grupos tnicos menores vindos da frica so os Yorub,
Fon, Ashanti, Ewe e outros grupos nativos de Gana, Benim e Nigria.
A sociedade tribal africana no conhecia a diviso de classes e ignorava instituies do
estado, tais como polcia, priso etc. Em caso de delito, se no houvesse condenao de
morte, o castigo poderia ser substitudo pela venda do criminoso para o trfico. A perda da
liberdade era muito comum entre as tribos africanas, principalmente a partir da instalao das
feitorias europeias, vidas por lucro, que acabavam incentivando a rivalidade entre as tribos5.
A rivalidade entre as aldeias aumentou a oferta de negros para o trfico de escravo.
Maestri (1994, p.41) afirma que o adltero podia ser entregue ao marido ofendido. E este
podia vender o adltero aos traficantes. Devedores pagavam suas dvidas com a prpria
liberdade. Os crimes de roubo e sangue, quando no eram punidos com a pena de morte,
invariavelmente eram punidos com o cativeiro. Alguns chefes tribais mostravam-se zelosos
por descobrir feiticeiros e adlteros para vend-los como cativos ao trfico. Muitos jovens
inexperientes eram seduzidos pelas esposas de alguns chefes aldees, para se tornar presa
fcil do trfico negreiro.
5 No captulo Como um africano perdia a liberdade, o autor Mrio Maestri expe como os traficantes de
escravos conseguiam as peas para abastecer o continente americano (Maestri, 1994. p. 40-41).
38
3.2 Populao e estrutura familiar
No final do perodo colonial, os negros no Brasil representavam uma parcela
significativa da populao residente. O quadro abaixo demonstra como estava distribuda:
Quadro 1 - Populao livre e escrava no Brasil - 1823
Provncia Livres Escravos Total
Corte ___ ___ ___
Minas Gerais 425 000 215 000 640 000
R. de Janeiro 301 099 150 549 451 648
So Paulo 259 000 21 000 280 000
Esp. Santo 60 000 60 000 120 000
Bahia 434 464 237458 671 922
Pernambuco 330 000 150 000 480 000
Sergipe 88 000 32 000 120 000
Alagoas 90 000 40 000 130 000
Paraba 102 407 20 000 122 407
R. G. Norte 56 677 14 376 71 053
Amazonas ____ ____ ____
Par 88 000 40 000 128 000
Maranho 67 704 97 132 164 836
Piau 80 000 10 000 90 000
Cear 180 000 20 000 200 000
Paran ___ ____ ____
Sta Catarina 47 500 2 500 50 000
R. G. do Sul 142 500 7 500 150 000
Gois 37 000 24 000 61 000
Mato Grosso 24 000 6 000 30 000
Total 2 813 351 1 147 515 3 960 866
Fonte: Mattoso (2003, p.64).
Os dois principais centros populacionais do Brasil no final do perodo colonial
estavam no Nordeste (Bahia e Pernambuco) e na Regio Sudeste, especialmente Minas Gerais
e Rio de Janeiro. Essas duas regies representaram o principal centro econmico da Colnia
nesse perodo, da a ocorrncia em maior nmero de escravos nessas regies.
39
Quadro 2 - Populao escrava brasileira comparada populao global por regio
1819
Regies Populao Total Populao Escrava Porcentagem % da
populao escrava
Norte 143 251 39 040 27,3
Nordeste 1 112 703 367 520 33,0
Leste 1 807 638 508 351 28,1
Sul 433 976 125 283 28,9
Centro-Oeste 100 564 40 980 40,7
TOTAL 3 598 132 1 081 174 30,0
Fonte: Mattoso; Ktia (2003, p.65).
A partir das descobertas do ouro nas Minas no final do sculo XVII, cresceu
rapidamente o nmero de habitantes nessa regio, especialmente daqueles que seriam
utilizados como mo de obra na atividade mineratria: o escravo. V-se pelo quadro 02 que o
resultado dessa migrao interna, em decorrncia da explorao mineratria, provocou o
aumento da populao do sudeste, sobretudo da populao escrava.
A organizao familiar dos escravos brasileiros foi objeto de estudo de vrios
pesquisadores, entre eles Gilberto Freire, Robert Slenes, Ktia Queiroz Mattoso, Caio Prado
Jnior e outros. H um grupo que defende a existncia da famlia escrava no perodo colonial
e outro que nega a existncia dessa famlia.
A obra de Gilberto Freire, Casa-Grande & Senzala, publicada em 1933, constitui um
marco terico na historiografia nacional referente ao estudo da sociedade escravista. De
acordo com essa obra, nas fazendas e nos engenhos vrios escravos chegaram a unir-se pelo
casamento. Alguns senhores estimularam a unio entre escravos, na inteno de aumentar seu
rebanho. Sobre este grupo de escravos, Freyre (1973, p.451) comenta:
Esses negros batizados e constitudos em famlia tomavam em geral o nome de
famlia dos senhores brancos: da muitos Cavalcantis, Albuquerques, Melos,
Mouras (...). No caso dos escravos constitudos cristmente em famlia, sombra das casas-grandes e dos velhos engenhos, ter havido, na adoo dos nomes
fidalgos, menos vaidade tola que natural influncia do patriarcalismo, fazendo dos
pretos e mulatos, em seu esforo de ascenso social, imitarem seus senhores
brancos e adotarem as formas exteriores de superioridade.
A compreenso do termo famlia para Gilberto Freire (1973, p.352) est relacionada
ideia de famlia patriarcal, pois o negro, apesar de ser considerado um bem da fazenda, ele
40
tambm fazia parte da famlia do patriarca. A esposa, os filhos, os demais habitantes da casa-
grande e os escravos esto todos sob o protetorado ou subordinados s ordens do patriarca. O
senhor o chefe da famlia e todos lhe devem obedincia. Assim, a mulher do escravo
subordinada ao esposo-escravo, mas, antes de tudo, ela est sujeita s ordens ou necessidades
do senhor e seus descendentes. natural que a promoo de indivduos da senzala, casa-
grande, para o servio domstico mais fino, se fizesse atendendo a qualidades fsicas e
morais.
A influncia e dominao do senhor branco so percebidas inclusive nas unies entre
escravos. Era costume relacionar o nome do escravo ao nome do senhor, ou seja, como ele
pertencia quela famlia patriarcal, logo se tornava um membro dela, embora numa condio
inferiorizada, isto , na condio de escravo.
A promiscuidade se instalou na sociedade colonial. Embora reconhea o papel do
negro na promiscuidade da sociedade escravista brasileira, observa que a negra no agiu
voluntariamente nesse processo, Freire (1973, p.352):
Se este foi sempre o ponto de vista da casa-grande, como responsabilizar a negra da
senzala pela depravao precoce do menino nos tempos patriarcais? O que a negra da senzala fez foi facilitar a depravao com a sua docilidade de escrava abrindo as
pernas ao primeiro desejo do sinh-moo. Desejo, no: ordem.
Essa promiscuidade sexual na sociedade escravista tornou-se um dos principais
obstculos constituio da famlia, afirma Sereza (2000). Ele acreditava que o sistema
produtivo procurava impedir todas as formas de solidariedade entre os escravos, deixando-
os sem regras para a conduta sexual e sem incentivos para a formao de unidades familiares
estveis.
Seguindo a linha terica dos referidos autores, Prado Jnior (2006, p.351) v nos
costumes sexuais da Colnia um obstculo formao da unidade familiar escrava:
Lanadas nesta base no familiar, outras circunstncias vm reforar as
irregularidades dos costumes sexuais na colnia. A escravido, a instabilidade e
insegurana econmicas....; tudo contribuiria para se opor constituio da famlia,
na sua expresso integral, em bases soldas e estveis.
Na sociedade colonial, grosso modo, os escravos no se casavam. E quando
estabeleciam unies, estas no eram duradouras porque, em muitos casos, a escolha da
companheira do escravo era feita pelo prprio senhor. V-se que a vida sexual do escravo
41
nem sempre era como ele queria e para Mattoso (2003, p.127) essa era a razo pela qual as
escravas tinham poucos filhos.
Alm do mais, alguns senhores tinham pouco interesse em estimular os casamentos
entre escravos para reproduo, uma vez que era mais barato comprar escravos adultos do que
criar filhos de escravos.
Por outro lado, o historiador norte-americano Robert Slenes acredita que houve o que
se pode chamar de famlia escrava, baseada em casamentos estveis. Atravs do censo de
1872, ele mostra que na regio de Campinas-SP havia 61,8% de mulheres cativas
consideradas casadas ou vivas (Sereza, 2000). Ao passo que a existncia dessas famlias
correspondia a uma forma de se organizar para resistir dominao do senhor.
42
4 A EVOLUO DO NEGRO NA ECONOMIA COLONIAL
4.1 O negro e a economia agroexportadora
O papel da populao negra na economia colonial foi fundamental para o
desenvolvimento das atividades empreendidas na colnia. O negro pea fundamental na
estrutura econmica agroexportadora.
4.1.1 Trfico negreiro: aquisio de mo de obra escrava
A escravido africana era uma instituio antiga na Pennsula Ibrica. Em meados de
1450, os portugueses em suas viagens comerciais frica j retornavam com escravos. Por
volta de 1480, os comerciantes lusitanos j haviam estabelecido um comrcio permanente de
escravos em vrios pontos do continente africano, culminando com a explorao e ocupao
da Ilha da Madeira, utilizando-se da mo de obra escrava no cultivo da cana-de-acar
(Szmrecsnyi, 2002).
O regime de trabalho compulsrio tornou-se necessrio a partir da expanso martimo-
comercial implementada a partir do sculo XV pelos pases europeus. A necessidade de
colonizar o Novo Mundo fez com que os europeus buscassem mo de obra na frica para
ocupar e explorar economicamente as novas terras. Nas palavras de Novais (1995, p.102), a
implantao de formas compulsrias de trabalho decorria fundamentalmente da necessria
adequao da empresa colonizadora aos mecanismos do Antigo Sistema Colonial.
O sistema colonial6 que permitiu a explorao das novas terras e apresentou o
trabalho compulsrio como alternativa mais lucrativa. Acredita-se que a opo pelo negro no
Novo Mundo, enquanto mo de obra, foi uma questo de interesse econmico da parte dos
traficantes de escravos, uma vez que os comerciantes que compravam o acar nas colnias
para venderem na Europa eram os mesmos que forneciam a mo de obra escrava aos senhores
de engenho. Ento, havia convenincia de se optar pelo negro, no s pelo lucro resultante do
6 O sistema colonial apresenta-se-nos como o conjunto das relaes entre as metrpoles e suas respectivas
colnias, num dado perodo da histria da colonizao; na poca Moderna, entre Renascimento e a Revoluo
Francesa (Novais, 1995, p.57).
43
comrcio do acar, mas principalmente pelos altos lucros obtidos no comrcio de negros
oriundos da frica.
O comrcio de escravos realizado pelos traficantes e referendado pelas metrpoles
europeias, consistia numa atividade econmica muito lucrativa. O escravo negro era um dos
principais produtos da pauta de importao do Brasil no final sculo XVIII, assim Prado
Jnior (1994, p.116):
O ramo mais importante do comrcio de importao , contudo, o trfico de
escravos que nos vinham da costa de frica: representa ele mais de uma quarta
parte do valor total da importao, ou seja, no perodo 1796-1804, acima de
10.000.000 de cruzados, quando o resto no alcanava 30.000.000.
A especulao no comrcio de escravo permitia aos traficantes altssimas taxas de
lucros. Conforme Prado Jnior (2006, p.232), o preo do escravo no era igual em toda a
Colnia. Na Bahia, por exemplo, o preo de venda oscilava entre 140 a 150$000 ris7, no
Par, entre 130 a 150$000 ris e no Maranho a especulao foi ainda mais expressiva, ao
passo que o preo de venda do escravo oscilou entre 250 a 300$000 ris. Neste perodo, final
do sculo XVIII e incio do XIX, a lucratividade do trfico negreiro permitiu o aumento de
capital de muitos traficantes metropolitanos, sobretudo quando se observa o total de escravos
que desembarcavam na colnia portuguesa: cerca de 40.000 por ano.
Furtado (1995, p.43) afirma que no final do sculo XVI o monte total dos capitais
investidos na etapa da indstria resulta aproximar-se de 1.800.000 libras. E por essa poca
havia 20.000 escravos no Brasil, sendo que trs quartos, desse total, trabalhavam na indstria
aucareira.
Considera-se que nesse perodo o capital empregado na mo de obra escrava deveria
aproximar-se de vinte por cento do capital fixo da empresa (Furtado, 1995, p.43). Tal
inverso de capital na aquisio da mercadoria-escravo propiciava aos comerciantes do trfico
uma renda significativa, ao passo que possibilitava a metrpole conseguir um saldo favorvel
na sua balana comercial, considerando as relaes comerciais estabelecidas com a colnia,
principalmente no que diz respeito ao comrcio de escravos. Para Novais (1995, p.105) a
acumulao gerada no comrcio de escravos, entretanto, flua para a metrpole, realizavam-
na os mercadores metropolitanos, engajados no abastecimento dessa mercadoria.
De acordo com Alencastro (2000), Portugal foi um dos principais traficantes de negros
para as colnias da Amrica, porm no foi o nico que participou desse negcio altamente
7 Ver nota de rodap sobre Martius, In: Prado Jnior (1994, p.232)
44
lucrativo. Pases como Holanda, Inglaterra e principalmente Brasil, tambm tiveram sua
participao no comrcio do Atlntico Sul.
Inicialmente, os lusitanos dominaram o trfico negreiro no Atlntico Sul,
especialmente aps a Unio Ibrica em 1580; no momento em que a coroa espanhola conferiu
aos portugueses o monoplio do fornecimento de escravos, atravs dos contratos de
asiento, para as possesses da Espanha na Amrica (Alencastro, 2000).
A presena do Brasil no trfico de escravos tambm foi marcante. O trfico de
escravos realizados pelos brasileiros, segundo Novais (1994, p.116) j vinha ocorrendo desde
o sculo XVII:
O exemplo da Bahia ainda mais tpico: desde o sculo XVII, vinha se
desenvolvendo e se avolumando o trfico direto com a Costa da Mina, do qual
ficavam praticamente excludos os mercadores metropolitanos; o que se devia (...) ao
fato de que os negociantes da Bahia encontravam na Costa da Mina mercado para o tabaco de terceira qualidade (o refugo), proibido em Portugal, e do qual detinham praticamente a produo; os holandeses, dominadores na regio africana, tinham
excludo os portugueses e s davam entrada aos ofertantes do tabaco que permitiam o
trfico negreiro.
As necessidades da colnia em relao mo de obra escrava acabavam por atacar o
monoplio metropolitano no que se refere ao fornecimento de escravos. Neste contexto, a
cultura do tabaco era incentivada, o que privilegiava a posio dos negociantes da Bahia, que
aos poucos iam se tornando independentes do Reino.
O trfico baiano de escravos dava lugar a um amplo contrabando envolvendo os
ingleses, holandeses e franceses na Costa da frica. Ou seja, como eram os principais
produtores de tabaco, produto preferido no continente africano, os traficantes baianos
negociavam diretamente com os outros mercadores metropolitanos, quebrando o pacto
colonial estabelecido pela metrpole portuguesa.
A princpio, o tabaco no tinha grande expresso enquanto produto de exportao. O
quantitativo que no era exportado para a metrpole (o chamado refugo), os comerciantes
braslicos conseguiram um mercado lucrativo na Costa da frica. Tal fato despertou a cobia
e o interesse dos mercadores lusitanos, uma vez que todo negcio lucrativo na colnia, pelo
pacto colonial, deveria favorecer aos portugueses e no aos colonos. Alm do mais, a
utilizao do tabaco como moeda de troca por escravos estava minando os interesses
portugueses no continente africano. Para eliminar a concorrncia dos americanos, os
metropolitanos cobraram, atravs desta carta ao governador da Bahia, providncias no sentido
45
de lhes conceder privilgios e isenes no comrcio do artigo tabaco, para que efetivamente
pudessem eliminar o contrabando baiano na Costa da frica.
Em consonncia com as ideias mercantilistas, o trecho desta carta apresenta a
definio do trfico de escravos no quadro do colonialismo mercantilista (Novais, 1994,
p.194), no qual se devia formar um ramo do comrcio colonial, neste caso o trfico, que
possibilitasse a acumulao de capital para a metrpole. No entanto, os principais artigos de
troca que se estabeleceram no escambo com a frica, foram o acar e principalmente o
tabaco e a cachaa ou geribita. Inicialmente os portugueses reinaram absolutos no comrcio
negreiro, todavia, posteriormente os comerciantes braslicos praticamente monopolizaram a
produo do tabaco e da cachaa, estabelecendo comrcio direto com a Costa da frica,
trocando esses produtos por negros e os transportando em suas prprias embarcaes.
O trfico de escravos braslico tambm estava minando o exclusivo metropolitano
portugus referente s importaes de produtos manufaturados. O ofcio de Martinho de Melo
e Castro de 1785, atesta a fragilidade do comrcio metropolitano ao confirmar que pelos
nocivos canais da frica os interesses portugueses sofrem um jugo to intolervel e
injurioso por parte de holandeses, ingleses e franceses, referindo-se s relaes comerciais
que esses pases praticavam com comerciantes da Bahia e Rio de Janeiro.
Outro importante produto na pauta de escambo entre Brasil e frica era a aguardente
ou cachaa. Este produto era muito consumido na colnia, mas seu destino principal era a
frica. Prado Jnior (1994, p.38) afirma que alm das destilarias anexas aos engenhos, havia
tambm estabelecimentos produtores de aguardentes mais modestas as chamadas
engenhocas ou molinetes. Toda essa produo seria destinada principalmente para as costas
da frica, onde servia no escambo e aquisio de escravos.
Outra regio que produzia aguardente para escambo na frica era o Rio de Janeiro.
Alis, a produo de aguardente no Rio notvel, ela vem, sobretudo, de Ilha Grande, Angra
dos Reis e Parati. Esta ltima atingiu um padro de qualidade que a aguardente passou a ser
sinnimo de Parati (Prado Jnior, 2006).
Segundo Alencastro (2000), o perodo braslico em Angola se caracterizou pela
entrada da cachaa nos mercados africanos. Em 1679, a coroa Portuguesa proibiu o comrcio
da cachaa em Angola por considerar que havia concorrncia com seu produto nobre: o vinho.
Porm, dez anos depois a Cmara de Luanda, capital de Angola, solicitou ao Conselho
Ultramarino que restabelecesse o comrcio da cachaa por se tratar do principal produto no
resgate de escravos. Em relao a essa proibio, a Cmara de Salvador e alguns
governadores braslicos se posicionaram contra tal medida metropolitana.
46
Em 1795, o comrcio da cachaa em Luanda liberado. Conforme estatsticas de J. C.
Curto, do total de bebida alcolica legalizada que entrou em Luanda no perodo de 1699 a
1703, 78,4% correspondia cachaa. Ainda segundo Curto, a cachaa teria servido para
adquirir 25% dos escravos exportados da frica Central para a Amrica Portuguesa entre
1710 e 1830. Outros estudos, como os realizados por J. Ribeiro Jr., P. Verger e outros,
afirmam que 48% dos 2.027.000 escravos que entraram na Amrica Portuguesa no perodo de
1701 a 1810 foram adquiridos na troca por tabaco ou cachaa (Alencastro, 2000).
A produo interna de artigos destinados ao escambo na frica, teve papel importante
no estabelecimento de circuitos internos dentro da colnia. Em artigo publicado no I
Congresso de Histria Econmica, o economista Ronaldo Marcos dos Santos analisa a
formao de circuitos internos s economias coloniais como consequncia das prprias
contradies do sistema colonial metrpole-colnia, inserindo nesta questo a concorrncia do
trfico negreiro realizado pelos negociantes americanos.
A crescente expanso da rede interna de comrcio colonial promoveu um aumento da
demanda de escravos, favorecendo os traficantes tanto portugueses quanto braslicos. Embora
o trfico de escravos buscasse atender especialmente a grande lavoura no Nordeste e regio
das minas no perodo ureo do ouro, no se pode negar que o trfico impulsionou a
acumulao interna de capital bem como a dinamizao de atividades produtivas e mercantis
na Amrica portuguesa. Assim, pode-se concluir que a escravido no Brasil foi impulsionada
pelos interesses no s da metrpole, mas tambm pelos interesses dos comerciantes e
traficantes da colnia.
4.1.2 Estrutura da economia agroexportadora da Colnia
4.1.2.1 Sentido da colonizao
A viso agroexportadora corresponde posio defendida por alguns autores que
consideram que a produo da economia colonial estava voltada especialmente para o
mercado externo. Entre eles, destaca-se o trabalho de Prado Jnior (2006) que versa sobre o
processo de formao scio-econmica no perodo colonial. Compondo este grupo da viso
agroexportadora, pode-se citar Celso Furtado, Fernando Novais, Gilberto Freire, Roberto
Simonsen e outros.
No livro Formao do Brasil Contemporneo, publicado em 1942, Prado Jnior
apresenta uma argumentao que ter a finalidade de mostrar como a economia do perodo
47
colonial estava vinculada condio de fornecer produtos primrios para o mercado europeu,
ratificando o sentido da colonizao nos trpicos.
A expresso sentido da colonizao, para Gremaud, Saes e Toneto Jnior (1997),
trata-se de uma noo intuitiva, para Prado Jnior a evoluo de um povo dotada de certo
sentido e que a do Brasil esteve marcada pela colonizao, j que esta foi fruto da expanso
ultramarina que levou os europeus a descobrirem a Amrica no sculo XV.
Prado Jnior (2006, p.31) considera que a colonizao no Brasil tomou aspecto de
uma vasta empresa comercial destinada a explorar os recursos naturais (...) em proveito do
comrcio europeu. no papel de fornecedor de matria-prima que o Brasil ser visto no
plano internacional. Mais adiante Prado Jnior (2006, p.31-32) afirma que:
Se vamos essncia da nossa formao, veremos que na realidade nos constitumos
para fornecer acar, tabaco, alguns outros gneros; mais tarde ouro e diamante,
depois, algodo e em seguida caf, para o comrcio europeu. Nada mais que isto.
Assim, o objetivo da explorao da colnia estava voltado exclusivamente para fora
do pas; e no havia outro pensamento seno aquele de produzir bens primrios para fornecer
ao comrcio europeu. este o verdadeiro sentido da colonizao de que o Brasil resultante.
Nessa perspectiva, o sentido da colonizao determina a estrutura econmica da
colnia, baseada na grande propriedade, na monocultura e no trabalho escravo. A
monocultura e a grande propriedade andam juntas, pois o objetivo maximizar o lucro atravs
da produo em larga escala de um nico produto; este voltado para exportao, o qual
necessitava de grande extenso de terra para o sucesso do empreendimento8.
Em suma, Prado Jnior (2006) considera que o Brasil fora uma grande empresa
comercial voltada para a produo de gneros primrios com vistas a abastecer o mercado
externo, baseada na estrutura da grande propriedade, monocultura e do trabalho escravo.
Em concordncia com o sentido da colonizao, Novais, citado por Gremaud, Saes e
Toneto Jr. (1997) aprofunda a ideia de economia voltada para o mercado externo. Segundo
esse autor, a expanso martimo-comercial, em meados dos sculos XV e XVI, constituiu uma
etapa de transio do feudalismo para o capitalismo, porm no significou apenas isso. A
necessidade de formar capital suficiente para alavancar o processo de industrializao, o que
8 Segundo Prado Jnior, a grande propriedade se impe tambm por ordem tcnica, no somente por questes da
distribuio de terras no perodo:h um fator material que determina este tipo de propriedade fundiria. A cultura da cana somente se prestava, economicamente, a grandes plantaes. J para desbravar convenientemente
o terreno ( tarefa custosa neste meio tropical e virgem to hostil ao homem) tornava-se necessrio o esforo
reunido de muitos trabalhadores; no era empresa para pequenos proprietrios isolados. (Prado Jnior apud Gremaud; Saes; Toneto Jnior, p. 14).
48
se evidencia alguns sculos depois, fez com que os pases europeus empreendessem na
Amrica um projeto de colonizao que faria parte do processo de acumulao primitiva de
capital.
A acumulao primitiva de capital ocorria mediante o monoplio colonial,
estabelecido entre a metrpole e a colnia. Esse monoplio, tambm conhecido como
exclusivo metropolitano9, funcionava como principal mecanismo de funcionamento do
sistema colonial, permitindo metrpole absorver os excedentes da colnia atravs da compra
exclusiva dos produtos coloniais.
Em consonncia com Novais, Furtado (1995) considera que a ocupao econmica das
terras americanas foi resultado do processo de expanso martimo-comercial que se iniciou
em meados do sculo XV. A partir desse momento, couberam s potncias ultramarinas
ocupar efetivamente suas possesses, sob ameaa de perd-las para outras naes europeias
interessadas em explorar economicamente o Novo Mundo. Nesse contexto, Portugal decide
explorar economicamente o Brasil como parte integrante do seu comrcio colonial:
(...) a Amrica passa a constituir parte integrante da economia reprodutiva europeia,
cuja tcnica e capitais nela se aplicam para criar de forma permanente um fluxo de
bens destinados ao mercado europeu. (Furtado 1995, p.08).
De acordo com Furtado (1995, p.09), Portugal decidiu pela explorao comercial da
cana-de-acar porque j tinha experincia na produo da especiaria nas ilhas do atlntico. O
conhecimento tcnico na produo do acar favoreceu o empreendimento na colnia
americana, inclusive fez com que Portugal fomentasse sua indstria a produzir equipamentos
necessrios para os engenhos aucareiros. Para a efetiva explorao dessa atividade
econmica em sua colnia, Portugal contou com o financiamento dos holandeses para a
comercializao e a produo de acar nos trpicos:
Parte substancial dos capitais requeridos pela empresa aucareira viera dos Pases-
Baixos. Existem indcios abundantes de que os capitalistas holandeses no se
limitaram a financiar a refinao e comercializao do produto. Tudo indica que
capitais flamengos participaram no financiamento das instalaes produtivas no
Brasil bem como na importao de mo de obra escrava (Furtado, 1995, p.11).
9 O exclusivo metropolitano do comrcio colonial consiste em suma na reserva do mercado das colnias para a
metrpole, isto , para a burguesia metropolitana. Este mecanismo fundamental, gerador de lucros excedentes,
lucros coloniais; atravs dele, a economia colonial metropolitana incorporava o sobreproduto das economias
coloniais ancilares. Efetivamente, detendo a exclusividade de compra dos produtos coloniais, os mercadores da
me-ptria poderiam deprimir na colnia seus preos at o nvel abaixo do qual seria impossvel continuar o
processo produtivo(...). Reversivamente, detentores da exclusividade da oferta dos produtos europeus nos
mercados coloniais, os mercadores metropolitanos, adquirindo-os a preos de mercado na Europa, podiam
revend-los na colnia pelo mais alto preo(...); repetia-se pois aqui o mesmo mecanismo de incentivo da
acumulao primitiva de capital pelos empresrios da me-ptria (Novais, 1995, p.88- 89).
49
Desde o incio o empresrio aucareiro teve, no Brasil, (...) que operar em escala
relativamente grande (Furtado, 1995, p.47). Isso porque as condies da nova terra no
permitiam que se trabalhasse com nmero reduzido de trabalhadores. Para haver efetivamente
um retorno que compensasse a inverso de capital na colnia, era preciso equipamentos e
mo de obra especializados e em grande quantidade. Somente com uma atividade econmica
em larga escala, como a empresa aucareira, a metrpole conseguiria obter lucros excedentes,
capazes de fomentar a ocupao econmica do territrio colonial.
4.1.2.2 Economia do acar
A estrutura dos engenhos de acar se enquadra na definio de Prado Jnior (2006)
sobre a economia colonial: monocultura, trabalho escravo e grande lavoura. O trao essencial
das grandes lavouras a produo em larga escala. Cada unidade produtora, composta de
grandes extenses de terra e numerosos trabalhadores, constitui-se como uma fbrica, com
organizao coletiva de trabalho e especializaes. A estrutura do engenho no Nordeste
colonial era uma verdadeira organizao fabril, com seu conjunto de mquinas e
equipamentos, no qual se fazia a manipulao da cana e o preparo do acar.
De acordo com Prado Jnior (2006, p.146) o engenho uma organizao complexa e
dispendiosa (...) o seu valor, com todo aparelhamento, terras, culturas e benfeitorias, atinge no
litoral, 7 a 8.000 libras esterlinas; e 3 a 5.000 no interior. O engenho compreende numerosas
construes e instalaes, como moenda, caldeira, casa de purgar, alm da casa grande que a
habitao do senhor.
Para Ferlini (apud Szmrecsnyi, 2002, p.23) o engenho foi o plo aglutinador da
sociedade aucareira nos primeiros sculos de colonizao, ordenando a propriedade e o uso
da terra em funo da dinmica do grande comrcio. Ele acrescenta que essa organizao
colonial requisitava capitais de vulto e o empreendimento colonial portugus associou ao
Estado largos recursos e homens para fins de produo em larga escala, capazes de remunerar
altamente os capitais investidos na produo aucareira.
Os custos de produo de um engenho, em meados do sculo XVII, com capacidade
para moer 200 tarefas de cana anualmente (cerca de 10.000 arrobas de acar) ficavam em
torno de 48.000 cruzados10
. Para isso, era necessrio atrair outros pequenos produtores que
10
Estimativa feita por Frderic Mauro, com base em J. Lcio Azevedo e no Padre Estevo Pereira. In:
FRDERIC, Mauro. Portugal, le Brsil et lAtlantique au XVII sicle. Paris: Gulbenkian. 1983, p. 243. Essa
citao consta no artigo de Ferlini apud Szmrecsnyi (2002, p.25).
50
cultivavam a cana-de-acar e eram importantes dentro da organizao colonial. Sobre este
componente da vida colonial se far uma anlise pormenorizada mais adiante.
Ferlini (1994) afirma que os comerciantes europeus adiantavam recursos para os
senhores de engenho e em troca compravam a safra antecipada do acar, chegando a lucrar
na metrpole de 85 a 100% do preo pago na colnia. Esses mercadores, principalmente
holandeses, antecipavam os recursos tendo em vista a garantia da produo do acar, sob
cotaes extremamente baixas, alm de fixarem para os emprstimos taxas de juros de at 4%
ao ms.
O comrcio triangular envolvendo Europa, Brasil e frica, em meados do sculo XVI,
favorecia diretamente os comerciantes europeus. Navios partiam de Lisboa carregados de
produtos manufaturados e bugigangas para a Costa da Guin. Nos portos africanos esses
produtos eram trocados por escravos que eram levados ao Brasil para abastecer os engenhos.
Nos portos brasileiros tais navios embarcavam o acar com destino Europa.
Em princpio do sculo XVIII, Antonil (apud Ferlini, 2006) cristalizou o sentido da
colonizao, ao afirmar que os escravos so as mos e os ps do senhor de engenho, porque
sem eles no Brasil no possvel fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho
corrente.
A captura de negros na frica atendia aos interesses da economia escravista
agroexportadora, com vistas a estabelecer um contingente de mo de obra que possibilitasse
garantir altas taxas de retorno para seus produtores e financiadores. O trabalho do negro era
fundamental para o funcionamento da economia aucareira. Prado Jnior (2006) afirma que o
trabalho na lavoura canavieira era todo escravo, havia apenas um pequeno nmero de
trabalhadores livres nas funes especializadas ou de direo. O nmero de escravos
empregados por engenho era de no mnino 80 e, na poca, quem possusse menos disso era
considerada fraco.
Do ponto de vista econmico, a substituio do assalariado por escravos era vantajosa.
Um plantel, por exemplo, de 100 escravos processava uma tarefa diria de cana, produzindo
cerca de 30 formas de acar, obtendo-se ao final da safra cerca de 4500 arrobas de acar.
Considerando um preo mdio de 1.000 ris a arroba, cada escravo produzia um total de
40.000 ris anuais. Ao se estimar um custo de manuteno da ordem de 4.500 ris por ano, ao
final de oito anos de vida til, cada negro representava um desembolso de 80.000 ris sendo
44.000 pela compra e 36.000 pela manuteno (Ferlini, 2006, p.60-61).
Nesse mesmo perodo, o valor gerado pelo trabalho do escravo ficaria em torno de
320.000 ris. Por outro lado, um trabalhador assalariado, percebendo 40.000 ris anuais,
51
contabilizaria um custo total de 320.000 ris num mesmo perodo, isto , em 8 anos. Em
termos absolutos, o escravo repunha seu valor inicial (de 44.000 ris), aps 14 meses de
trabalho.
As condies de trabalho no engenho, em meados do sculo XVII, eram sofrveis,
chocava a imagem de pesadelo, do trabalho nos engenhos do acar. Fogo, suor, negros,
correntes, rodas, caldeiras ferventes compunham o quadro de labor (...), diuturnamente, nos
meses de safra (Ferlini, 2006, p.45). A jornada de trabalho estendia-se aos limites da
exausto fsica: moendo ininterruptamente, utilizavam dois turnos de trabalhadores. No
perodo da safra o engenho operava at 20 horas por dia, parando apenas quatro horas para
limpeza e manuteno dos equipamentos.
O negro, na viso da economia agroexportadora, surge como um animal racional,
capaz de realizar basicamente tarefas manuais, a fim de suprir a necessidade de mo de obra
que at ento se apresentava. Em anlise sobre o montante de capital investido na colnia, o
economista Furtado (1995, p.43) faz referncia mo de obra do escravo quanto um capital
fixo que, segundo ele, deveria aproximar-se de vinte por cento do capital fixo da empresa.
Nessa mesma perspectiva, referindo-se economia aucareira, Furtado (1995, p. 49)
afirma que a mo de obra escrava pode ser comparada com as instalaes de uma fbrica: a
inverso consiste na compra do escravo, e sua manuteno representa custos fixos. Nesse
sentido, esteja a fbrica (o escravo principalmente), trabalhando ou no, os gastos em
manuteno devem ser efetuados. Em seguida acrescenta:
Demais, uma hora de trabalho do escravo perdida no recupervel, como
ocorreria no caso de uma mquina que tivesse de ser impreterivelmente abandonada
ao final de um dado nmero de anos. natural que no podendo utiliz-la
continuamente em atividades produtivas ligadas diretamente exportao, o
empresrio procurasse ocupar a fora de trabalho escravo em tarefas de outra ordem
(...). Tais tarefas vinham a ser obras de construo, aberturas de novas terras,
melhoramentos locais e etc.
Uma vez realizada a aquisio do escravo, era necessria a utilizao dos seus servios
a fim de se obter o maior retorno possvel, considerando que o escravo era um bem de
consumo, como um automvel atualmente. Furtado (1995) estima que o escravo teve uma
vida til mdia de oitos anos. Nesse perodo, alm do trabalho no engenho, o cativo se
ocupava de outras atividades determinadas pelo senhor de engenho. Uma delas era a produo
de alimentos tanto para consumo prprio como de outros.
A autosuficincia dos engenhos bem como a alta concentrao de renda, gerava
grandes dificuldades para o fluxo de renda monetria na colnia. A renda que se gerava na
52
colnia estava fortemente concentrada em mos da classe de proprietrios de engenho
(Furtado, 1995, p.44). Acrescenta-se a isso que 90% da renda gerada pela economia
aucareira se concentrava nas mos dos senhores de engenho e plantadores de cana.
O investimento feito numa economia agroexportadora-escravista um fenmeno
inteiramente distinto. Uma parte do capital despendida na aquisio de mo de obra e a
outra na compra de equipamentos e materiais de construo, ambos oriundos do exterior.
A colnia teria alcanado no final do sculo XVI, segundo Furtado, uma renda total de
2,5 milhes de libras, sendo que a renda lquida correspondia a 2 milhes de libras esterlinas.
Para se ter uma ideia da concentrao de renda no setor aucareiro, estima-se que, nesse
perodo, a renda bruta dessa economia ficou em cerca de 1,5 milhes de libras esterlinas. Ao
passo que 10% desse valor era gasto em salrio, compra de gado, lenha etc.; e 120.000 na
reposio de fatores importados, contabilizando uma renda lquida em torno de 1,2 milhes de
libras. Subtraindo-se 600 mil libras dos pagamentos realizados na aquisio dos produtos
importados pelos senhores de engenho, restam outros 600 mil que possivelmente
correspondessem remunerao dos juros e pagamento de emprstimos aos comerciantes
metropolitanos.
Quadro 3 Total das exportaes de acar entre 1570- 1760
Data Nmero de
Engenhos
Exportao
em arrobas
Preo em
Lisboa
Valor em
libras
1570 60 180 000 1$400 270.406
1580 118 350 000 - 528.181
1600 200 2 800 000 - -
1610 400 4 000 000 - -
1630 - 1 500 000 - 2.454.140
1640 - 1 800 000 - 3.598.860
1650 - 2 100 000 - 3.765.620
1670 - 2 000 000 - 2.247.920
1710 650 1 600 000 2$400 1.726.230
1760 - 2 500 000 - 2.379.710
Fonte: Ferlini (1994, p.76).
A economia aucareira viveu momentos de apogeu, principalmente antes da expulso
dos holandeses do Nordeste em 1650, atingindo rendimentos em torno de 3,8 milhes de
libras nesse ano. Porm, em 1710, com a concorrncia das Antilhas, o total das exportaes de
acar atingiu apenas 1,8 milhes de libras (ver quadro 3). Mesmo no perodo de declnio o
53
acar foi importante para Portugal. No sentido de mostrar a evoluo da atividade aucareira,
a autora de A civilizao do Acar afirma: Calculada sua contribuio para os cofres
metropolitanos, verifica-se que at o sculo XVIII o acar havia gerado uma renda de cerca
de 300 milhes de libras esterlinas (Ferlini, 1994, p. 76-77).
Todo esse montante foi gerado graas ao trabalho compulsrio do negro nos engenhos
de acar e