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1 Vivian da Silva Lobato O INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PARÁ IEEP NA MEMÓRIA DE ALUNAS E PROFESSORAS (1940-1970) DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2010

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Vivian da Silva Lobato

O INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PARÁ – IEEP NA

MEMÓRIA DE ALUNAS E PROFESSORAS (1940-1970)

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo 2010

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Vivian da Silva Lobato

O INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PARÁ – IEEP NA

MEMÓRIA DE ALUNAS E PROFESSORAS (1940-1970)

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Educação: Psicologia da Educação, sob orientação da Professora Doutora Mitsuko Aparecida Makino Antunes.

São Paulo

2010

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BANCA EXAMINADORA

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Dedico este trabalho às narradoras e co-autoras da pesquisa, pela disponibilidade em tornar visíveis suas lembranças sobre o IEEP por meio de agradáveis entrevistas e empréstimo de materiais.

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AGRADECIMENTOS

A Deus por ter me conduzido e iluminado em todos os momentos dessa árdua

caminhada.

A Nossa Senhora de Nazaré, padroeira de Belém, pela intercessão fiel em

minha vida.

À Professora Doutora Mitsuko Aparecida Makino Antunes pela orientação

competente, por sua inteligência brilhante e por todo o cuidado que teve com o

rigor científico que foram fundamentais para o meu crescimento pessoal e

profissional.

À Professora Doutora Vera Maria Nigro de Souza Placco, minha orientadora de

mestrado, com quem aprendi tantos ensinamentos que levarei para o resto da

vida.

À Professora Doutora Laurinda Ramalho de Almeida, por ter sido a primeira

pessoa a me acolher no PED e por tudo o que aprendi cursando a disciplina

Estudo da Afetividade.

À Professora Doutora Marisa Todescan pelas valiosas contribuições e

comentários por ocasião do exame de qualificação.

À Professora Doutora Sylvia Helena pela disposição com que me recebeu há

seis anos e pelas valiosas “dicas” que me auxiliaram a ingressar no curso de

mestrado, bem como por ter aceitado fazer parte dessa banca.

À Professora Doutora Maria do Carmo Guedes por todas as contribuições

dadas para o trabalho.

Aos meus amados pais Antonio e Maria pelo imprescindível apoio material e

afetivo que me deram ao longo de toda essa trajetória e por estarem sempre

torcendo e rezando para que tudo desse certo.

Às minhas irmãs Cintia e Licia e ao meu cunhado Renato pela constante e

amorosa torcida.

Aos amigos e amigas que perto ou longe fizeram parte desse processo.

Especialmente àqueles com quem foram divididas as dores e, principalmente,

as alegrias: Adelina, Camila, Dena, Karina Pagnez, Léa, Luzia, Risomar e

Teresa Bordalo.

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Aos professores do programa de Educação: Psicologia da Educação da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pelos valores passados e

contribuições para o meu crescimento profissional.

À Capes que pelo auxílio financeiro concedido possibilitou o desenvolvimento

dessa pesquisa.

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RESUMO

LOBATO, Vivian da Silva. O Instituto Estadual de Educação do Pará – IEEP na memória de alunas e professoras (1940-1970). Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010. O presente estudo propõe-se a responder à questão: “como o cotidiano do Instituto de Educação do Estado do Pará – IEEP é revivido a partir da memória de suas protagonistas, professoras e alunas, no período compreendido entre as décadas de 1940 e 1970?”. O referencial teórico-metodológico está assentado nos estudos de Ecléa Bosi (1994; 2003) sobre memória e na teoria sobre memória social de Maurice Halbwachs (1993). Foi realizada, primeiramente, uma pesquisa documental, com a finalidade de ancorar as narrativas dos sujeitos, professoras e alunas do IEEP; em seguida, foram coletados os dados sobre como as professoras se recordam e interpretam o IEEP em seus vários aspectos, a partir de entrevistas semi-estruturadas. No Arquivo do IEEP e no Arquivo Público de Belém foram encontrados: fichas contendo informações burocráticas sobre professores e alunos, planos de disciplinas e alguns currículos do curso. As entrevistas foram, na maioria, individuais e algumas em dupla com ex-alunas e ex-professoras do Instituto. Os dados foram agrupados segundo categorias de significados, e o conteúdo foi analisado segundo o referencial teórico-metodológico adotado para a pesquisa. Os resultados demonstram que o IEEP era um espaço de estudo, que visava garantir rigorosamente a aprendizagem dos conteúdos, mas também era um espaço alegre de convívio, onde se faziam fortes laços de amizade. As narrativas das entrevistadas, espontaneamente, mais se remetem às brincadeiras, lazer e amizades, do que aos conteúdos. As respostas sobre a formação e sobre a psicologia em especial são curtas. O currículo proporcionava uma formação teórica profunda; durante a vigência da Lei 4024/61, a grade curricular era mais propedêutica e enciclopédica; na vigência da Lei n. 5692/71, a formação curricular foi um pouco esvaziada em consequência do regime militar, mas, mesmo assim, ainda proporcionava um sólido conhecimento teórico. Tanto o processo avaliativo, quanto as atitudes docentes são consideradas, respectivamente, tradicionais e rígidas pelas entrevistadas; contudo, é importante destacar que esse era o paradigma da época e a função prescrita para o professor. Entretanto, a rigidez do currículo, da avaliação, das cobranças docentes não é percebida como absolutamente negativas pelas entrevistadas, mas como zelo por sua aprendizagem. É importante destacar que as entrevistadas mostram-se saudosas do clima educacional do IEEP, posto que a escola proporcionou-lhes formação de qualidade, que lhes permitiu ingressar no mercado de trabalho com condições de bem exercê-la, bem como proporcionou conteúdos articulados com a prática, lazer, inserção cultural e amizades, enfim, uma formação completa, tão propalada nas teorias educacionais em voga. Palavras-chave: memória coletiva; memórias de professores e alunos; formação docente no Pará.

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ABSTRACT

This study proposes to answer the question: “how is the daily life in Instituto de Educação do Estado do Pará – IEEP re-lived based on the memory of its protagonists, teachers and pupils, from the period between the 1940’s and 1970’?”. The theretical-methodological reference is based upon the studies by Ecléa Bosi (1994; 2003) on memory and upon the theory on social memory by Maurice Halbwachs (1993). First of all documental research was carried out, so as to anchor IEEP’s subjects’, teachers’ and pupils’ narratives; then, data were collected on how the teachers remember and interpret IEEP in its various aspects, based on semi-structured interviews. In IEEP’s archive and in the Belém Public Archive, record cards were found containing bureaucratic information on teachers and pupils, subject syllabi and some curricula for the course. The interviews were mostly one-to-one, some were conducted in pairs, with former pupils and teachers. The data was grouped according to categories of meaning and the content analyzed according to the theoretical-methodological referential adopted for the research. Results show that IEEP was a space for education which aimed to strictly ensure content learning, but was also a cheerful coexistence space, where strong friendship bonds were established. The respondents’ narratives, spontaneously recreated the games, leisure and friends, more so than content. Responses regarding education and psychology in general are short. The curriculum provided deep theoretical education; while Law 4024/61 was in force, the curricular grid was more propaedeutical and encyclopaedic; under Law No. 5692/71, curricular education was slightly emptied as a consequence of the military regime, but still provided solid theoretical knowledge. Both assessment process and teaching attitudes are considered, respectively, traditional and strict by respondents, yet, it is important to stress that that was the paradigm at the time and the role prescribed for the teacher. However, the strictness of the curriculum, assessment and teachers’ demands are not perceived as absolutely negative by respondents, but rather as care for their learning. It is important to underline that the respondents show a loving longing for the educational mood at IEEP, given the school gave them quality education, which enabled them to enter the job market in good conditions, as well as providing them with information relating to practice, leisure, cultural insertion and friendships, in short, complete education, so publicized by the education theories in vogue today. Keywords: collective memory, memories of teachers and pupils, teachers’ education in Pará.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.............................................................................................11

CAPÍTULO I.......................................................................................................15

1.1 – Referencial Teórico-metodológico............................................................15

1.2 – Caminhos Metodológicos..........................................................................24

CAPÍTULO II......................................................................................................29

2.1 - O Ensino Normal no Brasil.......................................................................29

2.2 - Antecedentes do Instituto Estadual de Educação do Pará (IEEP)...........37

CAPÍTULO III - O IEEP NO OLHAR DE SUAS ALUNAS E PROFESSORAS..61

3.1) Os sujeitos da história: quem são as narradoras.......................................61

3.2) O IEEP no contexto educacional de Belém do Pará..................................66

3.3) O prédio e a estrutura física.......................................................................66

3.4) As pessoas que compunham o IEEP.........................................................68

3.5) O curso de formação de professores.........................................................73

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3.6) A psicologia no curso.................................................................................97

3.7) O curso durante a ditadura.........................................................................99

3.8) O cotidiano da escola e os “bons momentos”..........................................104

3.9) O IEEP hoje ou saudade dos tempos passados......................................113

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................115

BIBLIOGRAFIA................................................................................................119

ANEXOS..........................................................................................................125

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APRESENTAÇÃO

Como pedagoga, sempre estive interessada pela história da educação;

entretanto, não aquela história cronológica, fechada no passado, mas, ao

contrário, uma história que, a partir de um estudo rigoroso do passado, busca

compreender as raízes do presente, além de procurar compreender que a

mudança se faz a partir da ação de pessoas e de lugares concretos.

Quando cursei a disciplina Bases Históricas da Psicologia da Educação,

durante o curso de mestrado, vislumbrei a possibilidade de concretizar um

estudo, em nível de doutorado, que transitasse entre as histórias da educação

e da psicologia.

Penso que a história é uma das condições necessárias para se construir

uma consciência crítica diante das constantes novidades que, em geral, não

são propriamente novidades. Temos consciência de que não somos apenas

produto, mas também produtores de história e, consequentemente, a reflexão

histórica sobre a Educação e a Psicologia da Educação não serve apenas para

informar sobre fatos do passado, mas para elucidar um conjunto de ideias e

experiências que fazem parte do nosso patrimônio profissional e que permite,

criticamente, compreender quem fomos, quem somos e para onde podemos ir.

Diante do exposto, proponho-me a estudar este tema por entender ser

relevante engendrar investigações mais específicas e aprofundadas sobre as

várias nuances da história da formação de professores, neste caso com foco

no Instituto de Educação do Pará, em Belém do Pará, bem como a acolhida

que a referida instituição deu às questões psicológicas. Além disso, justifica-se

o interesse pelo tema na necessidade de registrar e preservar a memória local

e regional, além de organizar e sistematizar informações que traduzem

práticas, sentimentos e atitudes educativas das narradoras entrevistadas.

A formação de educadores no Pará realizada por sua Escola Normal

confunde-se com a própria história do Estado. A antiga Escola Normal do Pará,

Instituto de Educação Estadual do Pará – IEEP*, teve origem na Lei n. 669, de

* Com relação às siglas utilizadas no texto, é importante esclarecer que IEEP é a sigla atual do Instituto Estadual de Educação do Pará e IEP era a sigla anterior que significava

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13 de abril de 1871, e, por mais de um século, permaneceu como a principal

referência para a formação de professores no Estado e até os dias atuais é

uma de suas mais importantes escolas públicas do Estado. O IEEP mudou de

nome diversas vezes; por ocasião de sua criação, assinada pelo então

presidente da província, Joaquim Pires Portela, foi denominada Escola Normal,

denominação alterada em 1947 para Instituto de Educação do Pará, mantido

até recentemente, quando nova legislação (Lei n. 9394/96) mudou a

denominação indicativa do tipo de escola mantida pelo Estado; atualmente

responde pela denominação Instituto de Educação Estadual do Pará – IEEP – e

segue como uma escola estadual de ensino médio.

Nos seus primeiros 60 anos, funcionou em diversos locais; apenas em

1930, por decisão do então governador Dionísio Bentes, o Instituto foi

remanejado para o prédio onde permanece até hoje, na Av. Serzedelo Corrêa,

nas proximidades da Praça da República. O imóvel mistura a arquitetura

portuguesa com o estilo francês art nouveau e é uma construção dos tempos

áureos da borracha. Antes de ser adquirido pelo governo do Estado e doado ao

Instituto, o prédio foi sede do jornal A Província do Pará. Em 3 de setembro de

1979, foi tombado como patrimônio histórico estadual e federal.

No início, o IEEP formava as professoras chamadas “normalistas”, que

equivalia aos quatro anos do antigo ginasial do chamado curso normal.

Posteriormente, o sistema foi ampliado e as antigas normalistas, para terem o

título de professoras primárias, tinham que cursar os três anos seguintes do

chamado curso pedagógico. Embora o acesso não fosse exclusividade das

mulheres, o IEEP nunca teve grande frequência masculina.

Com o advento da Lei n. 9394/96 mudanças significativas alteraram a

identidade do Instituto. A Resolução do Conselho Estadual de Educação n. 271

de 02/05/2000 e o Ofício Circular n. 05/2003 de 18/02/2003, expedidos pela

Diretoria de Ensino da SEDUC, serviram de base para fundamentar o processo

de “desativação gradativa” do curso de magistério. Atualmente, o IEEP se

Instituto de Educação do Pará. Nas entrevistas, as narradoras usam somente o termo IEP, porque é como o Instituto é popularmente conhecido. Na análise dos dados sobre o Instituto, optamos por usar a sigla atual – IEEP, porém, nas falas das entrevistas optamos por manter IEP, tal como as entrevistadas a este se referiam.

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caracteriza como uma escola estadual que oferece as três séries do Ensino

Médio.

Dessa forma, nasceu a proposta de responder à questão “como o

cotidiano do IEEP aqui eu colocaria por extenso é revivido a partir da

memória de suas protagonistas, professoras e alunas, no período

compreendido entre as décadas de 1940 e 1970?”, a partir do depoimento

de ex-alunas e ex-professoras que, com suas experiências, vivências e

atuação estudantil e profissional no Instituto, participaram de sua história, bem

como a história da própria formação docente em seu interior.

Os objetivos que direcionam a pesquisa são:

- Coletar dados sobre o IEEP a partir de pesquisa documental, como

ancoragem para as narrativas dos sujeitos, isto é, professoras e alunas.

- Coletar dados sobre como as professoras se recordam e interpretam o IEEP

em seus vários aspectos.

- Coletar dados sobre como as alunas se recordam e interpretam o IEEP em

seus vários aspectos.

O texto está estruturado em três capítulos. No primeiro deles,

Referencial Teórico-metodológico, são explicitados os pressupostos teórico-

metodológicos que subsidiaram a coleta e a análise dos dados da pesquisa. A

opção pela história oral, tendo como base os estudos de Ecléa Bosi (1994;

2003) e Maurice Halbwachs (1993) significa, no contexto da pesquisa, desvelar

as representações, saberes, práticas e processos de apropriação e

transmissão de conhecimentos que ajudaram a construir a história do IEEP.

No segundo capítulo, ocupamo-nos com a exposição dos Antecedentes

do Instituto Estadual de Educação, ou seja, como eram formados os

professores antes da criação do IEEP. Nossa intenção foi situar o leitor em

relação às discussões que envolveram sua fundação e as que fundamentaram

as modificações ocorridas em seu interior, para que se possa compreender a

concepção de educação vigente naquela instituição.

O terceiro capítulo tem por base o depoimento das entrevistadas que

fizeram parte da história do IEEP, os documentos encontrados e a bibliografia

citada pelas entrevistadas. Apresentamos os resultados que nos permitem

contribuir à história da formação de professores no Estado do Pará, bem como

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fazer uma breve discussão sobre o ensino da Psicologia e da Psicologia da

Educação, a partir da bibliografia sobre Psicologia então utilizada e os

conteúdos dessa disciplina lembrados pelas entrevistadas.

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CAPÍTULO I

1.1 – REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

A narração da própria vida é o testemunho mãos eloquente dos modos que a pessoa tem de lembrar. É a sua memória.

Bosi (2003, p. 68)

O passado não passou. Faz morada no presente. Recria o futuro. As

lembranças permanecem na memória. Neste capítulo, explicitamos como os

autores Bosi (1994; 2003) e Halbwachs (1993) pensam a memória e o ato de

relembrar. Com base nesses autores, objetivamos, a partir das narrativas das

entrevistadas que vivenciaram o curso normal no IEEP, registrar os elementos

lembrados por um determinado grupo, em um determinado contexto cultural e

histórico.

De acordo com Lucas (2009), as pesquisas sobre memória podem

caminhar em duas direções. Uma direção dedica-se ao levantamento

individualizado de fatos, podendo envolver aspectos íntimos; são resgates

autobiográficos, em que o próprio pesquisado é objeto de pesquisa. Outro

caminho preocupa-se com uma abordagem das memórias coletivas, aspectos

apresentados por diversas pessoas ligadas ao mesmo objetivo, isto é, as

biografias socializadas.

No Brasil, muitas das pesquisas que utilizam como abordagem

metodológica a história oral estão, de alguma forma, ligadas aos estudos de

memória desenvolvidos pela Psicologia Social. Muitas pesquisas tiveram como

referência o conceito de contexto e função social da memória, desenvolvido por

Bosi (1994), apoiada em Halbwachs. Para ela, “a memória do indivíduo

depende do seu relacionamento com a família, com a classe, com a escola,

com a igreja, com a profissão; enfim, com os grupos de convívio e os grupos de

referência peculiares a esse indivíduo” (p. 17).

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No livro O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de Psicologia Social (2003),

Bosi volta a encarecer a memória oral como condão precioso para tecer a

crônica do cotidiano. Valoriza a palavra dos velhos, das mulheres, dos

trabalhadores manuais, estes todos excluídos da história ensinada na escola.

Existem os mediadores institucionais: a escola, a igreja, o partido político. A

memória oral, longe das viseiras unilaterais para as quais tendem certas

instituições, faz ver por muitos lados, por lados distintos e até contraditórios: “e

aí se encontra a sua maior riqueza”, escreve Bosi.

Na obra Memória e Sociedade: lembranças de velhos (1994), Bosi traz

para debate as zonas limite entre história e memória, articuladoras da vivência.

As vozes que atuam na recuperação da memória vêm mostrar a interferência

de muitos outros fatores no momento do relato. Um deles refere-se à

relatividade da memória, que envolve não apenas lembranças, mas também

silêncios e esquecimentos. Há um vínculo entre memória, lembrança e

esquecimento. Lembrança e esquecimento constituem uma unidade entre

complementares e opostos. Onde estiver presente um desses elementos,

também estará o outro.

O conteúdo narrado é praticamente uma reconceitualização do passado

a partir do momento presente, da pessoa com quem se está falando e do

objetivo da narrativa. As pessoas não têm em suas memórias uma visão fixa,

estática, cristalizada dos acontecimentos que ocorrem no passado. Pelo

contrário, existem múltiplas possibilidades de se construir uma versão do

passado e transmiti-la de acordo com as necessidades do presente. É nesse

momento, o da narrativa de uma versão do passado, que as lembranças

deixam de ser memórias para se tornarem histórias.

Da mesma forma, no relato oral ou escrito das memórias o sujeito busca

construir uma identidade pessoal que, em alguns casos, não é exatamente a

que ele possuía no passado. Quando as pessoas relatam situações de suas

vidas, elas podem aproveitar para passar a limpo o passado e construir um

todo coerente em que se mesclam situações reais e imaginárias.

A possibilidade de clarear e humanizar o presente pela troca de

experiências é defendida por Bosi (1994). Para ela, é preciso conservar a arte

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de narrar. Trata-se de um processo em que o narrador é o sujeito personagem

da história e o narrar é o registro; a passagem do oral para o escrito faz parte

da história que está sendo construída pelo narrador e pelo historiador/ouvinte.

Dessa maneira, um mundo de vivências, contradições, projetos que não

vingaram pode chegar até nós, não como realmente existiu, mas como foram

experimentados e como, hoje, são vistos.

Além disso, Bosi (1994) afirma que, descrevendo a substância da

memória, a matéria lembrada – o modo de lembrar – é tanto individual quanto

social: o grupo transmite, retém e reforça as lembranças, mas o recordar, ao

trabalhá-las, paulatinamente individualiza a memória comunitária e, no que

lembra e no como lembra, faz com que fique apenas o que signifique.

Ao tratar sobre memória e interação, Bosi (1994) postula que somos de

nossas recordações apenas uma testemunha, que às vezes não crê em seus

próprios olhos e faz apelos constantes ao outro para que confirme a nossa

visão:

“ – Só eu senti, só eu compreendi...” (p. 408) ou “ – Aí está alguém que não me

deixa mentir” (p. 407).

Ao discorrer sobre como o indivíduo é testemunha de seu tempo, Bosi

(1994) observa que a memória coletiva se desenvolve a partir de laços de

convivência familiar, escolares e profissionais, que atam a memória de seus

membros, acrescentam, unificam, diferenciam, corrigem e passam a limpo o

passado. Uma evolução que dependerá da interação do grupo. Por muito que

deva à memória coletiva, é o individuo que recorda. Ele é o memorizador das

camadas do passado que podem reter objetos que são para este, e só para

este, significativos dentro de um tesouro comum. Para a autora, o grupo é o

suporte da memória, tanto que, “quando o grupo é efêmero e logo se dispersa,

como uma classe para o professor, é difícil reter o caráter e a fisionomia de

cada aluno. Para os alunos as lembranças são mais sólidas, pois tais

fisionomias e caracteres são sua convivência de anos a fio” (Bosi, 1994, p.

414).

Sobre o tempo e a memória, Bosi (1994) escreve que uma forte

impressão que esse conjunto de lembranças deixa é a divisão do tempo que

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nelas opera. Para ela, a infância é larga “como um chão que cede a nossos pés

e nos dá a sensação de que nossos passos afundam” (p. 415). Difícil transpor

a infância e chegar à juventude. A juventude já é transposta com o passo mais

desembaraçado. A partir da idade madura, a pobreza dos acontecimentos, a

monótona sucessão das horas pode fazer-nos pensar num remanso da

correnteza, mas é o próprio tempo que gira sobre si mesmo em círculos iguais

e cada vez mais rápidos.

Além disso, a autora chama a atenção para a sucessão de etapas na

memória que é toda dividida por marcos significativos da vida: "mudança de

casa ou de lugar, morte de um parente, formatura, casamento, empregos,

festas. As festas que toda a família participa, como o Natal, são mais

recordadas do que as que têm importância mais individual: formaturas e

aniversários...” (p. 415).

De acordo com a autora, a memória se orienta preferencialmente por

marcos de significação concentrada e não por datas e acontecimentos

estanques, ou seja, o tempo se organiza para o depoente menos

cronologicamente do que por eventos, acontecimentos singulares.

Convém refletir sobre a divisão social do tempo que recobre as horas do relógio e impõe uma duração nova. Um dia inteiro pode dividir-se em antes e depois de uma visita esperada. Rememoramos com vivacidade os pequenos incidentes antes de sua chegada, uma flor colhida às pressas, algum arranjo de última hora na casa. E quando a visita esperada se afasta ficamos estupefatos com a rapidez do desfecho e com o vazio que deixou depois de si. (p. 416)

A partição das lembranças não segue o tempo mensurável do relógio.

Como afirma Bosi (1994), o ciclo temporal é comum a todos: vivemos a noite,

as semanas, os meses... Mas, os períodos da vida, quando lembrados, não

são proporcionais na narrativa ao tempo cronológico. Por exemplo, em

atividades repetitivas e pobres de significação, como no caso da rotina

burocrática, parece-nos levar uma eternidade. Quando nos lembramos desses

momentos, somos breves, a descrição que fazemos delas não é proporcional

ao tempo que tomaram de nós.

A lembrança revela o que foi empobrecedor e o que foi enriquecedor e

revela, sobretudo, aquilo que marcou nossa experiência de vida. Períodos

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marcantes são trazidos com seus pormenores, demandam esforço do

depoente para lembrar-se dos acontecimentos, das pessoas, das datas e dos

lugares. É esse árduo esforço que Bosi (1994) denomina trabalho da memória:

“a memória... é trabalho” (p. 55).

Em sua pesquisa, Bosi (1994) discorre sobre dois temas bastantes

presentes nos depoimentos de seus entrevistados: a memória política e a

memória do trabalho.

Sobre a primeira, a autora alerta, com relação às lembranças de

militantes, para o risco de estereotipia, caindo em um discurso ideológico

majoritário em seu grupo político. Ela também demonstra as formas como o

entrevistado “vai misturando na sua narrativa memorialista a marcação pessoal

dos fatos com a estilização das pessoas e situações, e, aqui e ali, a crítica da

própria ideologia” (p. 459). Tal mistura decorre da maneira como o indivíduo

imprime uma marca pessoal nas lembranças que são fruto de testemunhos de

acontecimentos coletivos: familiares, sociais e políticos. Embora a memória

coletiva se construa por laços sociais, é o indivíduo que lembra e, na sua

história pessoal, busca significados para os acontecimentos que ficaram em

sua memória. Dessa maneira, as histórias de vida imprimem marcas na

participação política, bem como a participação política está imbricada na

história de vida de um militante.

Sobre a memória do trabalho, Bosi (1994) afirma o quanto os

entrevistados, principalmente os que já não trabalham, trazem um laço afetivo

muito forte ao ofício em seus detalhes e segredos, quando o fazer passa a ser

o seu próprio lembrar. Para a autora, o trabalho envolve “os movimentos do

corpo penetrando fundamente a vida psicológica” (p. 471), e ao mesmo tempo

é meio de inserção nas relações sociais.

A memória busca resgatar o passado. Contudo, é impossível resgatá-lo

tal qual ocorreu no passado. Existem lacunas e perdas. Para Bosi (1994, p.55),

“na maioria das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir,

repensar, com imagens, ideias de hoje, as experiências do passado”. A

lembrança é uma imagem construída pelas referências que estão à disposição,

no conjunto de representações que povoam a consciência atual. Sendo assim,

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a memória individual não está isolada, ela toma como referências pontos

externos aos sujeitos.

É a partir do presente que se lembra do passado. O presente é a

referência, pois não há como não ter vivido no intervalo entre o momento em

que aconteceu o fato lembrado e o presente. As lembranças são reconstruídas

no presente, mas retomam fatos do passado com a ajuda de dados

emprestados do presente. A imagem é reconstruída por meio de relatos e

depoimentos, mesmo que o indivíduo não se dê conta de que aquela não é

uma lembrança fiel. Nessa reconstrução de imagens, novamente o outro, a

memória dos componentes dos grupos a que uma pessoa pertence, passa a

ter valor essencial.

Bosi (1994), amparada em Halbwachs, considera que cada indivíduo

carrega suas lembranças pessoais; entretanto, ele está inserido em um

contexto social e cultural, e é nesse contexto que ele consolida suas

lembranças. A memória individual sofre influências das diversas memórias que

nos rodeiam. Dessa forma, a memória do indivíduo está relacionada à classe

social a que pertence, ao relacionamento com a família, a igreja, a escola, a

profissão, os grupos de referência. Essas diversas memórias constituem a

memória coletiva, que dá base à identidade do indivíduo, como pertencente a

um determinado grupo. Podemos, assim, dizer que a memória pessoal está

ligada à memória em grupo que, por sua vez, está amarrada à memória

coletiva de cada sociedade.

Segundo Halbwachs,

A memória individual não está inteiramente isolada, fechada num homem, para evocar seu próprio passado, tem freqüentemente necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros. Ele se reporta a pontos de referência que existem fora dele e que são fixados pela sociedade. Mas ainda, o funcionamento da memória individual não é possível sem esses instrumentos que são as palavras e as idéias, que o indivíduo não inventou e que emprestou de seu meio. (1993, p. 58)

Sociólogo durkheimiano, Halbwachs entendia a memória como

fenômeno social. Para este autor, uma semente de rememoração pode

permanecer como um dado abstrato ou pode formar-se em imagem e como tal

permanecer, ou pode, finalmente, tornar-se lembrança viva. Esses destinos

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dependem da ausência ou presença de outros que se constituem como grupos

de referência. Esse grupo de referência é aquele ao qual o sujeito pertence de

forma enraizada. A memória do sujeito é construída no grupo e muitas vezes

evocada em grupo, apesar de ser o sujeito quem lembra.

É na memória coletiva que as tradições dos grupos encontram sua força.

As imagens, lendas e crenças antigas atualizam-se e são ressignificadas a

cada momento da lembrança. Mas a força coletiva sobre a memória a leva ao

risco da “ideologização”, isto é, a interpretação do grupo sobre um fato do

passado muitas vezes supera a própria interpretação do sujeito que, mesmo

testemunha do acontecimento, pode privilegiar a versão do acontecimento

imposta pelo grupo.

Os caminhos da memória são permeados por aspectos individuais e

sociais, como um tecido formado por fios entrelaçados, podem ser conhecidos

pelas evocações das lembranças e requerem um aparato psíquico. O que

lembramos e como lembramos constroem-se num movimento da demanda

social e interna do sujeito. A inter-relação no meio social alimenta as

lembranças individuais. A memória não é uma, é plural, e vai sendo construída

pelo indivíduo em seu meio social. Ao evocar correlações que sustentavam as

lembranças, elas podem ser modificadas, aí se requer trabalho psíquico.

No dizer de Bosi (1994, p.55), “a memória não é sonho, é trabalho”. Se a

memória é trabalho, ela implica movimentos psíquicos de ligações e re-ligações

numa nova construção. Essa construção se dá a partir de inúmeras marcas

mnêmicas que se formam desde que nascemos e são apreendidas de modo

subjetivo e pessoal. Por exemplo, uma mesma situação vivenciada por duas

pessoas pode ser lembrada de modo distinto (nem por isso é inverdade), posto

que depende do modo como foi percebida em particular por cada pessoa.

As lembranças têm o passado como conteúdo e podem ser

compartilhadas no presente por intermédio da comunicação. Assim, a matéria-

prima – passado – é extensa. A oportunidade de socializar essas narrativas

pode proporcionar a construção de um contexto significativo em que os

narradores sejam valorizados. Bosi (1994) afirma que a memória também pode

nos ajudar a compreender amplamente a sociedade em que estamos e sua

mudança no decorrer do tempo.

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A lembrança acontece quando provocada, quando alguém ou algum fato

nos conduz de volta ao passado. Assim, podemos dizer que:

A memória é um cabedal infinito do qual registramos um fragmento. Frequentemente, as mais vívidas recordações afloram depois da entrevista, na hora do cafezinho, na escada, no jardim, ou na despedida do portão. (...) Continuando a escutar, ouviríamos o outro tanto e ainda mais. Lembrança puxa lembrança e seria preciso escutar o infinito. (BOSI, 1994, p. 39)

Bosi (1994, p. 49) reporta-nos à imagem-lembrança, e “esta nos traz à

tona momentos únicos, singulares, não repetidos, irreversíveis, da vida. (...) A

imagem-lembrança tem data certa: refere-se a uma situação definida,

individualizada”.

Por serem subjetivas, as lembranças produzem emoções e significados

diferenciados em cada um dos espectadores do mesmo fato, que vão modificar

a maneira de perceber suas experiências, afetos, trajetória de vida etc.

Com relação à individualidade das lembranças, Bosi (1994) refere-se

aos depoimentos orais, em que os sujeitos evocam, dão voz, dizem novamente

o conteúdo de suas vivências. Para ela, “enquanto evoca, está vivendo

atualmente e com uma intensidade nova a sua experiência” (p. 44).

Ao falar sobre a memória como dimensão social, Halbwachs (1993)

postula que nossas lembranças permanecem coletivas, porque, na verdade,

nunca estamos sós, o outro se faz presente mesmo na ausência. Nessa

perspectiva, para obter uma lembrança é necessário que:

(...) a reconstrução se opere a partir de dados ou de noções comuns, que se encontram tanto no nosso espírito como nos dos outros, porque elas passam incessantemente desses para aqueles e reciprocamente, o que só é possível se fizerem e continuam a fazer parte de uma mesma sociedade. (p. 34)

(...) a lembrança é, em larga medida, uma reconstrução do passado, com a ajuda de dados emprestados do presente. (p. 71)

Halbwachs (1993) trabalhava a relação entre a memória e o espaço,

entendendo este último como condição fundamental para o equilíbrio mental e

para certa sensação de segurança. Os lugares, no caso desta pesquisa, a

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escola como espaço físico, despertam evocação, das quais brotam histórias de

vida.

De acordo com Halbwachs (1993, p. 13), “não há memória coletiva que

não se desenvolva num quadro especial”, a qual, também se constitui em uma

representação, já que, mesmo sem identificação física, depende da construção

de significados para ser entendida.

A produção da temporalidade é muito importante para a construção de

identidade. Essa temporalidade não é uma herança imutável e só existe

quando contada. As lembranças que rememoramos ou esquecemos deixam-

nos a divisão do tempo em que os fatos acontecem. A nossa memória é

dividida por marcos, por períodos, que têm a ver com nossa história de vida. A

memória mantém-se intacta. Ela sofre a ação do tempo e da experiência vivida.

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1.2 – Caminhos Metodológicos

Para realizar a pesquisa, recorremos a relatos orais de personagens que

fizeram parte da história do Instituto, como também a documentos históricos

que se encontram no Arquivo Público do Pará e na Biblioteca do Instituto de

Educação Estadual do Pará, tais como: currículos do curso, carga horária de

disciplinas, nome de professores, material bibliográfico e trabalhos de alunos.

Optamos por situar nossa pesquisa entre 1940 e 1970, com base em

relatos orais de personagens que fizeram parte desse momento histórico e

documentos referentes à Instituição. Para Bosi (1994), o intuito que nos leva a

trabalhar com registros orais e, através deles, entrever a vida e o pensamento

de seres que já trabalharam por seus contemporâneos e por nós, é que esse

registro alcança uma memória pessoal que é também uma memória social,

familiar e grupal.

Em agosto de 2007, realizei algumas visitas ao arquivo do Instituto de

Educação Estadual do Pará – IEEP, antiga Escola Normal. No IEEP, como em

tantas instituições brasileiras, a situação do arquivo é precária; isso significa

falta de organização, poeira, mofo e, pior de tudo, muitos documentos perdidos

ao longo do tempo. Assim, de 1930 a 1946, existem apenas algumas fichas de

alunas; além disso, essas fichas contêm apenas informações

burocráticas: nome, turma, série, notas e média final. Desse período, também é

possível conseguir o nome dos professores, mas informações sobre obras

utilizadas, autores, diário de classe, trabalhos de alunas, planos de disciplinas,

conceitos e teorias trabalhados em sala de aula, os quais poderiam deixar

entrever as idéias psicológicas, já se perderam com o tempo. Sobre 1960,

temos as fichas individuais dos alunos e os relatórios anuais da escola, porém,

sobre essa década não existem mais os planos de disciplinas, diários de

classe, provas e trabalhos de alunos.

O único período que apresenta a totalidade das fichas individuais das

alunas, contendo as informações citadas acima, é a partir de 1970, pois das

décadas anteriores muitas dessas fichas já se perderam. A partir de 1970

também é possível encontrar os relatórios anuais, contendo os nomes dos

professores, a carga horária das disciplinas e planos de disciplinas; por

exemplo, sobre as décadas de 1970 e 1980 há 69 planos, contendo o registro

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dos conteúdos das disciplinas e bibliografia. Assim, a partir de 1970 podemos

encontrar alguns elementos que apontam indicadores dos aspectos

pedagógicos e de conteúdo. Obviamente, quanto mais próximo da atualidade,

mais informações desse tipo vão aparecendo, ou seja, das décadas de 1980 e

1990 já encontramos alguns diários de classe e alguns trabalhos de alunos.

Voltei ao IEEP e, a partir de alguns contatos com pessoas que trabalham

no Instituto e de pessoas conhecidas, encontrei algumas ex-alunas dispostas a

participar da pesquisa, são elas:

NOME PERÍODO DE FORMAÇÃO

NO IEEP

PERÍODO DE ATUAÇÃO NO IEEP

FORMAÇÃO PROFISSIONAL

FUNÇÃO ATUAL

Ruth 1957 a 1963 1968 a 1986 Pedagogia e Psicologia

Aposentada

Raquel 1966 a 1972 1982 a 2006 Pedagogia Aposentada

Fátima 1961 a 1968 Não trabalhou no IEEP

Pedagogia Aposentada

Iara 1952 a 1960 1967 a 1983 História e Direito Advogada

Maria da Conceição1

1964 a 1970 Não trabalhou no IEEP

Letras e Direito Aposentada

Dada a dificuldade de se obter documentos, como também ex-alunas

dispostas a participar do estudo, optou-se por delimitar o período a ser

pesquisado entre as décadas de 1940 e 1970.

As entrevistas

A entrevista supõe uma conversação continuada entre informante e

pesquisador. O pesquisador dirige a entrevista, e esta pode seguir um roteiro

previamente estabelecido ou operar aparentemente sem roteiro; porém,

desenrola-se conforme uma sistematização de assuntos escolhidos pelo

narrador, isto é, ela implica sempre um colóquio entre pesquisador e

entrevistado.

1 Os nomes atribuídos às entrevistadas são fictícios.

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A entrevista de história oral documenta uma versão do passado, o que

alerta para o cuidado necessário no trabalho de ampliação e generalização. De

qualquer modo, essas experiências e versões particulares, ainda que

consideradas em seus devidos limites, constituem uma fértil possibilidade de

ampliar o conhecimento do passado e de compreender a sociedade através do

indivíduo que nela viveu.

Na primeira parte da coleta de dados, foram realizadas entrevistas

individuais com cinco ex-alunas do IEEP. Hora, local e data de realização

foram combinados de acordo com a conveniência das entrevistadas. No

primeiro contato individual, solicitei permissão para gravar a entrevista, expus o

objetivo do trabalho e informei que os dados a serem coletados serviriam para

a minha tese de doutoramento.

As entrevistas iniciais tiveram um caráter semidiretivo e se desenrolaram

sem um roteiro previamente estruturado, mas, inicialmente, perguntei o ano de

formação no curso normal e ocupação atual. Em seguida, pedi-lhes que

falassem sobre suas memórias do tempo de alunas, isto é, dos professores,

dos colegas, das disciplinas, das obras utilizadas na época e momentos

marcantes do curso normal. A pesquisadora procurou estabelecer um clima de

respeito e tranquilidade que deixasse as entrevistadas à vontade para relatar

as experiências, histórias e lembranças marcantes da Escola Normal. Nesse

sentido, Bosi (2003) alerta que: “Da qualidade do vínculo vai depender a

qualidade da entrevista. Se não fosse assim, a entrevista teria algo semelhante

ao fenômeno da mais-valia, uma apropriação indébita do tempo e do fôlego do

outro” (pp. 60-61).

Assim, durante a entrevista busquei respeitar o entrevistado quanto ao

local, ao tempo da sua realização, às pausas e aos silêncios, desabafos e

emoções, pois a exigência da espontaneidade é inerente à pesquisa oral.

Após o exame de qualificação, houve algumas mudanças no

direcionamento da pesquisa. Nos meses de dezembro de 2008 e janeiro de

2009, retomei o processo de coleta de dados com as ex-alunas do Instituto

entrevistadas anteriormente. Dessa vez, elas foram entrevistadas como ex-

alunas e ex-professoras. O foco da pesquisa havia se ampliado para um estudo

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mais abrangente sobre como o cotidiano do IEEP é revivido a partir da

memória de suas protagonistas, professoras e alunas no período

compreendido entre as décadas de 1940 e 1970, a partir dos documentos e

dos relatos orais dos personagens que fizeram parte dessa história (alunos,

professores, funcionários, serviço técnico e diretores).

Diante de tais mudanças, entrevistei outros personagens que não

haviam participado anteriormente da pesquisa, quais sejam: uma concluinte do

curso pedagógico em 1970, formada em Letras e que ainda leciona a disciplina

de Língua Portuguesa no IEEP, Maria Das Graças; uma concluinte do curso

pedagógico em 1954 e que trabalhou como professora da disciplina de Didática

do Instituto até 1970, Terezinha Pereira; uma ex-professora de Metodologia de

Pesquisa do Instituto (ela não se lembra o período), Coralina Oliveira; e uma

ex-professora de Estatística do Instituto, Maria Ribeiro.

Assim sendo, o quadro final de participantes da pesquisa ficou dessa

forma:

NOME PERÍODO DE FORMAÇÃO

NO IEEP

PERÍODO DE ATUAÇÃO NO IEEP

FORMAÇÃO PROFISSIONAL

FUNÇÃO ATUAL

Ruth 1957 a 1963 1968 a 1986 Pedagogia e Psicologia

Aposentada

Raquel 1966 a 1972 1982 a 2006 Pedagogia Aposentada

Fátima 1961 a 1968 Não trabalhou no IEEP

Pedagogia Aposentada

Iara 1952 a 1960 1967 a 1983 História e Direito Advogada

Maria da Conceição

1964 a 1970 Não trabalhou no IEEP

Letras e Direito Aposentada

Maria Das Graças

1964 a 1970 Aposentou-se em 2009

Letras Docência no IEEP

Maria Ribeiro

Estudou no CPC

1966 a 1971 Estatística Aposentada e colaboradora do

IEEP Terezinha

Pereira 1948 a 1954 Afirmou não

lembrar Pedagogia Aposentada

Coralina Oliveira

Estudou no CPC

Afirmou não lembrar

Perguntar Aposentada

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Nessa segunda parte da coleta de dados, as entrevistas transcorreram

segundo um roteiro previamente estruturado, que continha os seguintes

questionamentos:

Me conte sobre o IEEP. O que você se lembra do IEEP? Quais os professores/diretores/funcionários/colegas marcantes? Por quê? Quais os momentos marcantes? Por quê? Fale sobre um dia comum na Escola (imaginar). Como você sentia o IEEP? O que você sente hoje quando vê: fotos, cadernos, livros, uniforme, professores, funcionários, colegas, jornais da época? Quais os livros usados? Quais os autores e temas marcantes?

O objetivo precípuo das perguntas não foi de mergulhar fundo nos

estudos teóricos sobre memória, mas estabelecer um diálogo em que as

entrevistadas pudessem relatar suas experiências, ideais e marcas deixadas,

as construções e desconstruções ocorridas durante o período vivido, através

da presentificação do passado, para, então, compreender como o cotidiano do

IEEP é revivido a partir da memória de suas protagonistas, professoras e

alunas no período compreendido entre as décadas de 1940 e 1970.

Na análise das múltiplas respostas oferecidas pelas entrevistadas,

pautamo-nos por:

a) Coletar dados sobre o IEEP a partir de pesquisa documental, como

ancoragem para as narrativas dos sujeitos, isto é, professoras e alunas.

b) Coletar dados a partir do que as professoras se recordam e como

interpretam o IEEP em seus vários aspectos, por meio de entrevistas.

c) Coletar dados a partir do que as alunas se recordam e como interpretam

o IEEP em seus vários aspectos, por meio de entrevistas.

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CAPÍTULO II

2.1) O Ensino Normal no Brasil

De acordo com Antunes (2005), o desenvolvimento da Psicologia no

Brasil teve grande impulso com a Educação. As transformações pelas quais

passou a sociedade brasileira levaram a uma maior preocupação com as

questões educacionais, haja vista que a sociedade estava mudando e mudava

também o tipo de demanda pela educação. Dessa maneira, a Psicologia

contribuiu para o desenvolvimento da Pedagogia e, ao mesmo tempo em que a

Psicologia concedeu a sustentação científica (sobre o indivíduo, as diferenças

individuais, o processo de desenvolvimento e aprendizagem, aptidão etc.),

encontrou na Educação o seu mais importante sustentáculo para desenvolver-

se como ciência e prática.

Segundo Antunes (2005), as primeiras décadas do século XX foram

marcadas por um maior desenvolvimento urbano e industrial no Brasil;

consequentemente, surgiram novas exigências para a formação escolar dos

indivíduos, pois, em virtude da almejada industrialização nacional, era

necessário formar cidadãos capazes de ler, escrever e contar.

Nesse contexto, emergiu uma veemente defesa da instrução, que reivindicava a ampliação do número de escolas elementares e o combate ao analfabetismo; posteriormente surgiram os primeiros “profissionais da educação”, ligados principalmente ao ideário escolanovista. (p. 64)

Nesse período, o escolanovismo estabeleceu-se como o principal

movimento pedagógico da época2, e tal movimento estava associado a um

projeto de uma sociedade moderna, cabendo à escola o papel de “moldar”

esse homem segundo as novas necessidades dessa sociedade que começava

a emergir.

2 Antunes (2005) refere-se, nesse período, a dois grandes movimentos educacionais, quais sejam, o movimento pela difusão da educação e o movimento escolanovista, com base no estudo de Jorge Nagle, que identifica o “entusiasmo pela educação” e o “otimismo pedagógico”.

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Nesse panorama, mudanças substantivas ocorreram na organização escolar brasileira, principalmente por meio das reformas estaduais do ensino realizadas na década de 20, em que foi o escolanovismo o principal substrato pedagógico. Surgiram os primeiros profissionais voltados especialmente para a Educação, como Lourenço Filho, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e outros. (ANTUNES, 2005, p. 67)

Assim, ao cuidar do indivíduo, das diferenças individuais (Psicologia

Diferencial e Psicometria), do desenvolvimento psíquico, da aprendizagem, da

dinâmica das relações interpessoais, da personalidade, das vocações, das

aptidões, das motivações, a psicologia foi o principal suporte científico para a

pedagogia de vertente escolanovista.

As Escolas Normais constituíram-se como um dos principais alicerces

para a implementação do escolanovismo e, assim, contribuíram

significativamente para o estabelecimento da Psicologia Científica no Brasil,

tanto teoricamente, quanto na aplicação prática de seus conhecimentos. Além

de terem sido responsáveis pela formação de muitos profissionais da educação

e, mais tarde, também da psicologia, o foram também pela publicação de obras

sobre psicologia (ANTUNES, 2005), entre outras contribuições.

Segundo Villela (1992), as primeiras Escolas Normais brasileiras foram

criadas por iniciativa das Províncias, após a reforma constitucional de 12 de

agosto de 1834. Logo, desde sua criação, as Escolas Normais fizeram parte

dos sistemas provinciais. As Escolas Normais basearam-se no modelo

europeu, mais precisamente no francês. Entretanto, a mesma autora nota que

essa implantação não foi uma mera cópia, mas tinha uma marca peculiar que

correspondia ao projeto político das elites para se manterem no poder.

Somente pela compreensão desse projeto político mais amplo, de direção da sociedade, é que foi possível entender que a criação da Escola Normal da Província do Rio de Janeiro não representou apenas a transplantação de um modelo europeu, mas que pelo seu potencial organizativo e civilizatório, ela se transformava numa das principais instituições destinadas a consolidar e expandir a supremacia daquele segmento da classe senhorial que se encontrava no poder. (VILLELA, 1992, p. 28)

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A nossa primeira Escola Normal foi criada na Província do Rio de

Janeiro pela Lei nº 10 de 1835; porém, ela teve curta duração, até 1849. Na

verdade, as Escolas Normais tiveram uma trajetória incerta e atribulada, sendo

constantemente criadas e extintas, para só conseguirem algum êxito a partir de

1870.

Tanuri (2000) postula algumas características comuns para as primeiras

Escolas Normais desse período:

A organização didática do curso era extremamente simples, apresentando, via de regra, um ou dois professores, o que se ampliou ligeiramente até o final do Império. O currículo era bastante rudimentar, não ultrapassando o nível e o conteúdo dos estudos primários, acrescidos de rudimentar formação pedagógica, esta limitada a uma única disciplina (Pedagogia ou Métodos de Ensino). (p. 65)

A autora também afirma que a frequência às Escolas Normais desse

período foi muito reduzida e, consequentemente, tais escolas eram

constantemente fechadas, não apenas pelas deficientes condições didáticas,

mas também pelo pouco interesse da população da época pela carreira

docente, “acarretada pelos minguados atrativos financeiros que o magistério

primário oferecia e pelo pouco apreço de que gozava” (TANURI, 2000, p. 65).

Entre 1868 e 1870, ocorreram intensas mudanças nos aspectos

políticos, ideológicos e culturais da sociedade brasileira, que repercutiram na

visão de educação e no papel que se esperava da escola: “generalizava-se

entre os homens de diferentes partidos e posições ideológicas e a difusão do

ensino ou das ‘luzes’ era encarada como indispensável ao desenvolvimento

social e econômico da nação” (TANURI, 2000, p. 66). É nesse contexto de

popularização do ensino que as Escolas Normais passaram a ter mais

constância e algum êxito. Paralelamente a esse fato, ocorre o enriquecimento

de seus currículos e sua abertura ao sexo feminino “(...) nos anos finais do

Império; as escolas normais foram sendo abertas às mulheres, nelas

predominando progressivamente a frequência feminina e introduzindo-se em

algumas a co-educação” (idem, ibidem).

Nos anos finais do Império, a maioria das Províncias tinha apenas uma

Escola Normal pública; contudo, algumas Províncias possuíam duas, uma para

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o sexo feminino e outra para o sexo masculino. A formação pedagógica

limitava-se a duas disciplinas de pedagogia ou metodologia e

legislação/administração educacional. Tanuri (2000) mostra um currículo da

Escola Normal de São Paulo, fixado pelo Regulamento de 3 de janeiro de

1887:

1º ano: gramática e língua nacional, aritmética, gramática e língua francesa, doutrina cristã; 2º ano: gramática e língua nacional, geometria física, gramática e língua francesa; 3º ano: geografia e história, pedagogia e metodologia, química. (p. 67)

Apesar da mudança de regime, o advento da República não trouxe

grandes modificações no setor educacional, ou seja, o quadro social, político e

econômico da Primeira República não favoreceu, significativamente, a

expansão do ensino e, apesar de surgirem projetos de lei que previssem a

cooperação da União junto aos Estados e Municípios no desenvolvimento das

Escolas Normais, a participação federal foi pequena. Não obstante, registram-

se alguns avanços qualitativos e quantitativos de algumas Escolas Normais,

como a de São Paulo, que havia se tornado o principal polo econômico do país.

Em 1890, o estado de São Paulo realizou uma reforma, sob a direção de

Caetano de Campos, que ampliou a parte propedêutica do currículo da Escola

Normal, além de introduzir as ideias de Pestalozzi e contratar professoras-

diretoras norte-americanas. A reforma, iniciada na Escola Normal, foi estendida

a todo o ensino público pela Lei n. 88, de 8 de setembro de 1892, alterada pela

Lei n. 169, de 7 de agosto de 1893, as quais consubstanciam as principais

ideias das elites republicanas paulistas para a instrução pública (TANURI,

2000, p. 69).

Segundo Lourenço Filho (1955), nesta época, as escolas normais tinham

por objetivo oferecer simultaneamente o ensino propedêutico e o profissional,

com formação geral e formação técnica. Todavia, o que na prática se efetivou

foi um aprofundamento maior da educação elementar e treinamento de alguns

procedimentos pedagógicos.

A partir de 1920, o país vivenciou um período de mudanças nos setores

econômico, político e social. O processo de industrialização e urbanização

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contribuiu para se rever a questão do ensino e, consequentemente, rever

também a formação do professor primário, ou seja, a escola deveria

proporcionar a aquisição de conhecimentos, atitudes e técnicas que

capacitassem o aluno ao exercício de uma profissão.

No bojo dessas mudanças, podemos notar que, em 1920, o Estado de

São Paulo contava com dez Escolas Normais públicas e havia aumentado o

número de anos para a formação (em 1917 eram dois anos, em 1920 já eram

três anos). Nesse período, estão em efervescência os princípios e fundamentos

do movimento escolanovista. É então que ganha ênfase uma “nova” orientação

do ensino, que primava por conhecimentos sobre o desenvolvimento da

criança, os métodos e técnicas de ensino e os amplos fins do processo

educativos. É nesse ciclo de ideias e de princípios escolanovistas que a

disciplina Psicologia encontra espaço para se desenvolver, haja vista que,

segundo Antunes (2005), o ensino sistemático da Psicologia se originou e

desenvolveu nas escolas normais. “Em 1928, por decreto, a disciplina

Psicologia foi inserida no currículo das Escolas Normais, juntamente com

Pedagogia, História da Educação, Didática, Sociologia, Higiene e Puericultura”

(p. 76).

Tanuri (2005) afirma que o surgimento de escolas normais de iniciativa

privada e municipal também foi muito importante para a expansão desse

segmento do ensino; basta lembrar a capital importância que as escolas

confessionais tiveram para essa expansão.

Em 1931, foi realizada a IV Conferência Nacional de Educação,

momento em que o governo solicitou a colaboração dos educadores ali

reunidos para que se definisse uma política educacional a ser determinada pela

Constituição. Em 1932, na V Conferência Nacional de Educação, foi

apresentado o Manifesto dos Pioneiros, documento no qual os educadores

apresentaram suas opiniões e propostas sobre questões relacionadas à

educação brasileira. Algumas das propostas foram incorporadas à Constituição

de 1937.

É importante destacar a reforma realizada por Anísio Teixeira no Distrito

Federal, em 1932, e a de Fernando de Azevedo em São Paulo, em 1933.

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No Distrito Federal, a reforma transformou a Escola Normal em Instituto

de Educação, abrangendo quatro escolas: Escola de Professores, Escola

Secundária, Escola Primária e Jardim de Infância, e as três últimas

funcionavam como campo para a experimentação e a prática de ensino. Em

1935, a Escola de Professores foi incorporada à Universidade do Distrito

Federal, com o nome de Faculdade de Educação (Tanuri, 2005).

Em São Paulo, a Escola Normal da Capital, denominada Instituto de

Educação “Caetano de Campos”, também passou por uma remodelação e

passou a ministrar em sua Escola de Professores as seguintes disciplinas:

cursos de formação de professores primários, cursos de formação pedagógica

para professores secundários e cursos de especialização para diretores e

inspetores. Assim, como no exemplo anterior, a Escola de Professores do

Instituto de Educação foi incorporada à Universidade de São Paulo em 1934

(TANURI, 2005).

Progressivamente, esse modelo foi adotado por outros estados da

federação, conforme levantamento feito por Tanuri:

A medida adotada inicialmente pelo Distrito Federal e por São Paulo, no sentido de excluir o conteúdo de formação geral das escolas normais, substituindo-o pela exigência do curso secundário fundamental como condição para ingresso, já estava instituída, por volta de 1940, nos estados de: Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Sergipe. (p. 74)

No ano de 1946, foram promulgadas a Lei Orgânica do Ensino Normal e

Lei Orgânica do Ensino Primário, assim sendo, a União assumiu a tarefa de

orientar a política de formação do professor primário centralizando tais

decisões no Governo Federal. O Ensino Normal (ramo do 2º grau) ficou

dividido em dois ciclos: primeiro ciclo, o Curso de Regente do Ensino Primário,

com duração de quatro anos, devendo preferencialmente, estar localizado em

zonas rurais, e o segundo ciclo, o Curso de Formação do Professor Primário,

com duração de três anos.

De acordo com a Lei Orgânica do Ensino Normal, foram criadas três

modalidades de formação do professor primário:

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1) Escola Normal: oferecia o 2º ciclo de ensino normal e o 1º ciclo do

ensino secundário.

2) Curso Normal Regional: oferecia o 1º ciclo do ensino normal.

3) Instituto de Educação: oferecia os cursos da escola normal,

especialização do magistério e cursos de habilitação em administração

escolar do ensino primário.

Aos alunos concluintes do 2º ciclo do curso normal foi reservado o direito

de ingresso automático nas Faculdades de Filosofia.

Segundo a publicação oficial do INEP, de 1951, havia 546 Escolas

Normais (de primeiro e segundo ciclos); destas, 168 eram públicas estaduais e

378 particulares ou municipais (TANURI, 2000).

Em 20 de dezembro de 1961, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional – Lei nº 4.024. Com relação ao curso normal, não houve

grandes alterações curriculares, continuando o ensino normal dividido em dois

ciclos: ginasial e colegial. O primeiro, com quatro anos, habilitava Professores

Regentes, seu currículo era composto de disciplinas obrigatórias do curso

ginasial e outras pedagógicas. O segundo, com duração mínima de três e

máxima de quatro anos, garantia o diploma de Professor Primário.

Após a promulgação da Lei 5.692/71, algumas alterações foram

introduzidas no Ensino Normal. A referida lei criou um sistema de habilitação

para professores das então 1ª a 4ª séries mais flexível. Quanto à questão da

habilitação de magistério em nível do então 2º grau, a lei não previa,

especificamente, Cursos Normais, sua existência estava posta dentro de um

contexto de escola do 2º grau. No Parecer n. 349/72, são explicitados os

objetivos do curso: “oferecer uma educação geral que possibilite a aquisição de

um conteúdo básico ao exercício do magistério e permita estudos posteriores

mais complexos; promover correlação e a convergência de disciplinas;

assegurar o domínio das técnicas pedagógicas, por meio de um trabalho

teórico; despertar interesse pelo auto-aperfeiçoamento”.

Vasconcelos et al. (1992) defendem que a Lei 5692/71, ao instituir a

profissionalização em nível de 2º grau, contribuiu para que o Curso Normal se

tornasse uma habilitação entre as demais, descaracterizando-o como formador

do magistério primário. Várias instituições passaram a ofertar o curso de

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magistério entre suas opções, bem como escolas normais começaram a ofertar

outras habilitações em nível de 2º grau, perdendo, assim, paulatinamente sua

identidade.

Enfim, para a presente pesquisa, é importante destacar que a Psicologia

encontrou nas Escolas Normais e, posteriormente, nos Institutos de Educação

os espaços potenciais para aplicar seus conhecimentos e técnicas utilizados na

época, além de servirem de “ponte” para que a Psicologia se tornasse uma

disciplina ensinada nas universidades. Além disso, os conteúdos da Psicologia

contribuíram para fundamentar a prática pedagógica, o ensino, as publicações

e as pesquisas na área da Educação.

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2.2) Antecedentes do Instituto Estadual de Educação do Pará (IEEP)

Por um lado, estou convencido de que o Professor não deve ser instruído apenas nas matérias que tem de lecionar, precisa ainda saber ensiná-las, e também saber mais do que deve ensinar.

Camillo Henriques Salgado (1871)3

Este capítulo pretende expor os antecedentes do Instituto de Educação

do Pará, isto é, como eram formados os professores em Belém do Pará antes

da criação do Instituto Estadual de Educação do Pará – IEEP.

Período Monárquico 1841-1888

A Constituição do Império, outorgada em 1824, previa a gratuidade e a

obrigatoriedade do ensino primário; entretanto, a criação de escolas de

formação de professores para esse nível de ensino não se constituiu como

uma das prioridades dos governantes do Brasil Imperial.

Segundo Souza (1972), a instrução primária no Brasil Império era

precária; nesse período, a população brasileira estava estimada em

aproximadamente 8 milhões a 300 mil habitantes. Entre as crianças, somente

100 mil recebiam instrução primária. Apesar de a Constituição do Império

estabelecer no seu artigo 179, que a instrução pública deveria atender a todos

os cidadãos, faltavam “boas escolas e bons professores, ou seja, um

magistério habilitado formado pelas Escolas Normais” (SOUZA, 1972, pp. 6-7).

Passaram-se dez anos para que o governo imperial conferisse às

Províncias a incumbência de legislar sobre o ensino primário e secundário. Na

Província do Pará, a preocupação com a formação do professor para a escola

3 Catedrático da Escola Normal paraense, titular da cadeira de Pedagogia, foi um defensor do ideal de “fazer bons professores”. Influenciado pelos ideais da educação europeia, ele introduziu parte desses ideais na estrutura de formação daquela instituição (REGO, 1972).

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primária inicia-se com a inclusão de uma aula de ensino normal no currículo do

Liceu Paraense, criado pela Lei nº 97 de 13 de junho de 1871.

Ainda sobre a precariedade da educação paraense, Souza (1972) afirma

que, por volta de 1860, a Província do Pará contava com 290 mil habitantes, os

quais só tinham escolas precárias à disposição. Nelas, estavam matriculados

5300 alunos, enquanto mais de 36 mil habitantes permaneciam analfabetos.

Se a instrução primária não era boa, a situação da instrução secundária

não era diferente. Havia poucos estabelecimentos dessa modalidade. Dentre

eles, destacavam-se o Colégio de Nossa Senhora de Nazaré, o Colégio Santa

Maria de Belém, o Colégio Santíssimo Coração de Jesus e o Colégio Santa

Maria da Conceição, todos de orientação religiosa. O primeiro tinha, em média,

78 alunos. O segundo possuía cerca de 150 alunos, enquanto o terceiro

contava com cerca de 100 alunos. Sobre o último não há dados disponíveis.

Havia também o Liceu Paraense. Os liceus constituíam-se em escolas públicas

de nível médio, de cunho propedêutico, e tinham como clientela as elites,

principalmente masculinas. O Liceu paraense, fundado em 1841, na década de

1860 matriculou cerca de 140 alunos internos e externos.

Uma tentativa de modificação desse quadro foi iniciada com a fundação

da Escola Normal. Sendo assim, no Brasil Imperial, quando o Pará uma era

Província, foi assinado o Decreto Nº 669 de 13 de abril de 1871 que, pelo artigo

3°, autorizava o Presidente da Província a providenciar uma Escola Normal

destinada ao preparo de professores que exerceriam o magistério nas escolas

primárias. Em algumas províncias4, havia um processo de abertura de escolas

normais, com o objetivo de formar professores para o ensino primário. Assim,

na Província do Grão-Pará, a Escola Normal começou a funcionar

regularmente em 5 de junho de 1871.

As aulas aconteciam de segunda-feira a sábado, com exceção da

quinta-feira, das 7h às 11 h. O artigo 108 do Decreto nº 669 fixava a duração

do curso em três anos, com oito cadeiras, conforme consta no anexo 1.

4 REGO, O. L. M. M. Síntese histórica do Instituto de Educação Estadual do Pará. Belém: FEEP, 1972.1

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Da análise dessa primeira proposta curricular, podemos constatar o

predomínio de disciplinas de formação geral, fato que, de acordo com Tanuri

(1979), é comum na fase inicial da história das Escolas Normais brasileiras.

Assim como na grade curricular do Liceu Paraense, apenas uma disciplina –

dentre as oito – destinava-se às questões pedagógicas e formativas dos futuros

professores, cuja denominação passa de Aula de Ensino Normal para

Pedagogia e Legislação do Ensino.

O primeiro período letivo da Escola Normal ocupou as instalações físicas

do Liceu Paraense e do Colégio Nossa Senhora do Amparo5; no primeiro,

estudavam os alunos, e no segundo, as alunas, cisão esta que perduraria até

1885, quando foram unidos ambos os sexos no mesmo teto escolar (sob

protesto da comunidade), e que na reforma seguinte instituiria a separação,

para reuni-los em definitivo no início do século XX.

A Lei fora cumprida; entretanto, havia a carência de recursos do tesouro

provincial para a construção de prédios novos e adequados ao funcionamento

da Escola. Dessa maneira, sem a devida organização, padecia com o descaso

e com o caos da troca de presidentes de província, muitas vezes pouco

compromissados com o ensino primário.

Segundo Brito (2005), a Escola Normal passa a ocupar um papel

significativo na formação de professores; no entanto, sua implantação foi

marcada por divergências políticas entre os representantes do Partido Liberal e

os do Partido Conservador. Para os conservadores, a formação de professores

traria bons resultados e melhoraria o ensino nas escolas primárias; por outro

lado, para os liberais, o curso normal não conseguiria resolver o problema do

ensino, pois sem a infra-estrutura necessária, a formação dos futuros

professores não seria a desejada.

Dessa maneira, as rivalidades políticas nesse primeiro momento de

existência da Escola Normal acabaram dificultando seu funcionamento. Foi

assim que, em consequência de questões político-partidárias, o então vice-

presidente Barão de Santarém, pela Lei Provincial de Nº 557 de 19 de

5 Asilo criado em 1804 para abrigar crianças órfãs.

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dezembro de 1872, extinguiu a Escola Normal e anexou seu curso ao Lyceu

Paraense.

Até que a Lei Nº 848, de 29 de abril de 1875, instalou novamente a

Escola Normal do Pará; nessa segunda fase, o diretor era o Dr. Joaquim Pedro

Corrêa Freitas, igualmente diretor do Liceu Paraense e Diretor Geral da

Instrução Pública. Com a necessidade de formar futuros mestres para as

escolas da província, acentuou-se a preocupação de reabrir a Escola Normal,

cujo curso abrangia cinco anos, garantindo que, depois desse período, o aluno

estava habilitado para o exercício do magistério.

De acordo com Coelho (2006), para ingressar na referida escola eram

exigidos dos candidatos: documento do pai ou responsável autorizando a

matrícula, atestado de bom comportamento na última escola e garantia de não

possuir doença contagiosa. Para exercer a profissão e trabalhar com as

crianças, o aspirante a professor precisava ajustar-se às condições ordenadas

pelos poderes públicos, quais sejam: não ter sido condenado por crimes

ofensivos à moral ou às leis da província, ter mais de 18 anos, ter sido titulado

pela Escola Normal e apresentar os seguintes documentos: Certidão de

Nascimento, Atestado de Moralidade e de Bom Comportamento, Atestado

Médico.

De fato, havia uma meta de se reformular o ensino e se procuravam

medidas que beneficiassem a educação, porém, eram reformas parciais,

descontínuas e que não satisfaziam as condições precárias do ensino na

província. As opiniões eram equânimes para que se fizesse uma reforma de

base estrutural. Para os professores da época, a reforma de 1875 era

superficial, com problemas na base pedagógica e descaso com a questão

salarial – os docentes pleiteavam equiparação salarial aos professores do

Liceu Paraense. Diante de tais insatisfações, uma comissão formada por

professores propôs sugestões para a alteração da lei 848; assim, dois anos

depois, a Escola passa a ser regida pela Lei 880 de 14 de abril de 1877.

Embora o novo regulamento refletisse algumas aspirações dos

dirigentes intelectuais da Escola, não resolvia questões cruciais de caráter

administrativo e pedagógico. Assim sendo, em 1879, o Diretor Geral da

Instrução Pública, Dr. Joaquim Pedro Corrêa de Freitas, apresentou um

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relatório sobre o ensino local, no qual admitiu a necessidade de reformar o

regimento da escola e elegeu uma comissão de professores para fazê-lo. Esta

comissão foi composta pelos professores: Cônego José Pinto Marques

(Religião), Antonio Manuel Gonçalves Tocantins (Aritmética) e Herculano

Rodrigues Vieira (Professor Substituto de Gramática). Entre as definições do

Regulamento, aprovadas por unanimidade, destaca-se a organização do Curso

Normal, segundo Rego (1972), em: 1° ano (Religião, Gramática Portuguesa,

Geografia, Música), 2° ano (Gramática Portuguesa, Aritmética e Pedagogia), 3°

ano (Noções de Gramática, História do Brasil, Desenho Linear, Exercícios de

Redação, adicionando-se para as alunas Costura e Bordado).

A reforma tratou basicamente da grade curricular (no sentido restrito do

termo, apenas como justaposição de disciplinas). Incorporando várias

sugestões dessa comissão, definiu-se uma nova proposta curricular para o

curso, consoante à Lei n. 1.017 de 30 de abril de 1880 (anexo 2). Comparando

essa grade curricular com a anterior podemos perceber que esta dividiu as

cadeiras anteriores para os três anos, separou Geografia de História, incluiu

Costura e Bordado e excluiu Legislação do Ensino, e a cadeira Pedagogia foi

prevista apenas para o 2º ano.

Ainda sobre a reforma, podemos notar um “afrouxamento” nos critérios

para ingresso no curso, exigindo-se não mais a conclusão do Curso Primário,

mas apenas saber ler, escrever, noções de gramática, dominar princípios

elementares de aritmética, operar com números inteiros e fracionários,

instrução religiosa e comprovação de que sabiam coser e bordar. De acordo

com Vianna (1903), grande parte dessa clientela era constituída por concluintes

do Curso de Primeiras Letras do Colégio Nossa Senhora do Amparo.

Essa reforma durou cinco anos; contudo, persistiam os problemas

administrativos e pedagógicos no interior da Escola. Na tentativa de solucionar

os problemas, ocorreram algumas discussões na Assembléia Legislativa,

julgando mais uma vez que uma mudança poderia alterar o quadro. Em 3 de

dezembro de 1885, foi sancionada a Lei 1.224, que unia novamente o Liceu

Paraense à Escola Normal. Segundo alguns educadores da época, essa fusão

foi um erro e um absurdo. Sobre isso, em relatório sobre a Instrução Pública,

de 1890, José Veríssimo (1903) escreve:

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Ao tempo em que foi tomada essa medida, a escola normal tinha certamente chegado a um lamentável estado. Estava desmoralizada na opinião pública e os seus resultados eram com efeito nenhum. Nesse estado o que aconselhava o patriotismo e simples bom senso era reformá-la ou extingui-la totalmente. Fundi-la como fizeram no Liceu, estabelecimento que se achava em situação pior que a da escola normal e cuja organização e disciplina eram a negação de uma e outra coisa e a melhor escola de degradação de costumes, era não ter a compreensão dos interesses da Província de que deve ser a educação do professor e do fim de uma escola normal.

Os educadores questionavam os fins de cada instituição e, segundo

Vianna (1903, p. 149), comentavam que “a pedagogia que rege um

estabelecimento de preparo para matrícula nos cursos superiores não tem

aplicação nos institutos normais”.

Os problemas haviam se tornado alarmantes, e a Escola Normal estava

em segundo plano no Liceu Paraense, tanto que José Veríssimo (1903) afirma:

“o abuso em 1889 chegou a tal ponto que se dava carta de normalista a alunos

que apenas prestavam exames de certas matérias no Liceu Paraense e,

desses, alguns somente sabiam ler”. Sendo assim, novamente a Escola

Normal volta a ser discutida na Assembléia Legislativa, que em 11 de outubro

de 1889 promulga a Lei 1.408, a qual, “ficou dormindo o sono eterno na

escuridão das gavetas” (VIANNA, p. 150), posto que o Presidente da província

exonerou-se dezessete dias após a promulgação da Lei, em meio a rumores da

proclamação da República que aconteceria dias depois.

Por conseguinte, durante os seus dezoito anos de existência no Período

Imperial, a Escola Normal do Pará atravessou sucessivas reformas,

instabilidade curricular e de espaço físico para sediá-la, excessiva interferência

política e discriminação salarial em relação ao Liceu Paraense e insuficiência

de material bibliográfico. Entretanto, foram justamente as discussões sobre tais

problemas que ensejaram a necessidade de atenção especial para a formação

de professores assumidas, pelo menos no discurso, pelos republicanos.

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O primeiro período republicano (1889-1945)

À época da primeira república, a situação de caos da Escola Normal era

flagrante, conforme descreve Vianna (1903):

Foi nesse estado de morbidez profunda, de desorganização antiga, que o governo republicano encontrou a Escola Normal, se tal nome se podia dar ao curso anexo ao Liceu... era preciso quebrar a cadeia de rotina, extirpar o parasita da indisciplina e atirar por terra vários preconceitos. (p. 151)

Dessa maneira, no espírito reformador da República, após 1889,

consolidado o regime republicano, fazia-se necessário construir símbolos que

representassem a República na cidade de Belém. Nesse período, a Escola

Normal alcança enorme prestígio junto aos republicanos, por apresentar-se

como uma instituição que reúne condições para difundir as ideias de

modernidade em voga no final do século XIX. De acordo com Brito (2005), o

estado assume a responsabilidade de projetar condições para que as utopias

de “ordem e progresso” viessem a se concretizar:

(...) nascem escolas que se firmam como agentes de processo de mudanças e se tornam verdadeiros ícones na seara republicana como: Liceu Paraense, Instituto Lauro Sodré, Instituto Gentil Bittencourt, Escola Normal e mais à frente – 1903, os grupos escolares com destaque para o grupo José Veríssimo. (p. 36)

Tanuri (2000) também destaca a importância do ensino normal para

apoiar o ideário republicano: “com a República caberia a tarefa de desenvolver,

quantitativa e, sobretudo qualitativamente, a escola normal e efetivar a sua

implantação como instituição responsável pelo fornecimento de pessoal

docente para o ensino primário” (p. 43).

Logo nos primeiros anos do novo regime, foram criadas duas Escolas

Normais, pelo Decreto n° 29, de 4 de fevereiro de 1890: uma para homens e

outra para mulheres, ambas funcionariam separadas nos respectivos prédios

do Liceu e do Colégio Nossa Senhora do Amparo. Este Decreto procurou

utilizar, com algumas modificações, o modelo que Rui Barbosa propôs para a

Escola Normal do Rio de Janeiro que, de acordo com o qual, se propunha a

instituir no curso normal os princípios da pedagogia moderna inspirados no

positivismo de Augusto Comte.

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Contudo, as condições econômicas e materiais inviabilizaram a vivência

plena do decreto. Alguns catedráticos fizeram um reexame da questão, dentre

eles, José Veríssimo, na época, Diretor Geral da Instrução Pública. Em

relatório ao governador, ele sugere que fosse feita a unificação das duas

escolas. Ele também destaca a necessidade de implementação de uma grade

curricular que refletisse o modelo de educação almejada pelos republicanos,

bem como as necessárias reformas e higienização dos prédios escolares.

As considerações de José Veríssimo foram incorporadas pela

administração pública, de forma que os dois cursos foram fundidos e passaram

a integrar a Escola Normal do Pará. Além disso, alterou-se o contrato de

trabalho dos professores: não mais vitalícios e agora interinos, bem como

adotou-se uma nova estruturação curricular, em cinco séries e 12 cadeiras,

duas das quais envolvendo cinco campos do conhecimento (anexo 3).

O primeiro período letivo do regime republicano iniciou-se em agosto de

1890, mas houve muitas críticas ao currículo vigente. Assim, no dia 24 de

setembro de 1891, sobreveio outra reforma, pelo Decreto 409, segundo o qual

o curso passava a ter quatro anos de estudos, 27 cadeiras e uma tendência

enciclopedista (anexo 4). De acordo com Vasconcellos et al. (1992), essas

duas últimas reformas curriculares privilegiavam mais a formação de uma dona

de casa intelectual, leitora e artista, do que a formação do professor para a

escola básica.

Em meio a tantas reformas descontínuas, esta última foi uma das mais

duradouras. Foi assim que, no bojo dessas mudanças, em 20 de janeiro de

1894, a Escola Normal do Pará ganhou sua sede própria e a inauguração foi

comemorada junto com as solenidades de colação de grau da primeira turma

de Professores Normalistas no regime republicano. Sobre esse período, relata

Rego:

Nessa primeira fase de sua gloriosa existência, o nosso tradicional estabelecimento de ensino normal teve, militando em seu corpo docente, grandes mestres e eminentes figuras da estirpe de um Domingos Soares Ribeiro Penna, Professor de Geografia, cientista de renome internacional e um dos fundadores do Museu Paraense; Domênico De Angelis, Professor de Desenho, tão falado em nossas crônicas histórico-artísticas, por suas magníficas pinturas na Catedral de Belém, e seus belos e raros quadros, entre os quais o célebre “Últimos

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Momentos de Carlos Gomes”; o Maestro Henrique Eulálio Antunes Gurjão, Professor de Música, diplomado pelo Instituto Musical de Gênova na Itália; Camillo Henrique Salgado, Professor de Pedagogia, formado pela Escola Normal de Versailles na França; Guilherme Francisco da Cruz, Professor de Matemática, formado em engenharia pela Universidade de Gand na Bélgica, e que chegou a ser Presidente da Província do Pará; e muitos dignos e ilustres mestres. (REGO, 1972, p. 9)

Além disso, o período de vigência do Decreto 409 foi marcado pelo

incentivo ao estudo, através de menção honrosa conferida aos alunos mais

estudiosos e a institucionalização do estágio supervisionado, o que significava

o incentivo ao aperfeiçoamento do aluno-mestre pela articulação entre teoria e

prática.

A emergência do regime republicano instituiu o estado laico, para o qual

a formação religiosa era irrelevante. Em seu lugar, foi instituída a “Instrução

Moral e Cívica”, a qual pretendia inculcar os novos valores republicanos.

Em 1900, a Escola Normal funcionava em edifício próprio, localizado na

Rua 28 de Setembro, tendo como diretor Hildebrando Bayona de Miranda,

iniciando as aulas às 7h e terminando às 12h (REGO, 1972).

Ainda em 1900, o governador do Estado, José Paes de Carvalho, adotou

medidas para tentar sanar a situação pela qual o ensino primário passava na

capital, ministrado por professores interinos, muitas vezes sem a devida

habilitação profissional. Assim, instituiu o Decreto n° 809 de 29 de janeiro de

1900 (anexo 5), o qual simplificava o curso, com o objetivo de agilizar a

formação de docentes; continha 191 artigos, dos quais destacam-se: a) Estágio

Supervisionado nas escolas-modelo anexas desde o 1° ano; b) Programas

anuais minuciosos e divididos em lições ou pontos, que servissem a

composições mensais e aos exames anuais; c) Verificação da aprendizagem,

em termos oral, escrito e mesas examinadoras. Outras medidas adotadas pelo

então governador foram: primeiro, autorizou as mulheres, que eram a maioria

dos professores normalistas, a ensinar os alunos do sexo masculino, fato que

era vedado de acordo com as normas da época; segundo, criou grupos

escolares começando pelo Grupo Escolar José Veríssimo.

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Rego (1972) nota que com o passar dos anos o ensino normal no Pará

ficou quase reduzido ao sexo feminino, tanto que, já no ano de 1900, dos 211

alunos matriculados, somente 18 eram do sexo masculino e 193 eram do sexo

feminino. Tal tendência confirmou-se, como pode ser observado pela tabela

abaixo:

ANO TOTAL SEXO

FEMININO

SEXO

MASCULINO

1900 211 193 18

1901 243 212 31

1902 331 283 48

1903 388 340 48

1904 389 344 45

1905 304 277 27

1906 232 211 21

1907 165 153 12

1910 184 168 16

1919 304 300 4

1922 219 215 4

1923 206 203 3

1926 263 257 6

1928 387 382 5

1929 435 433 2

Fonte: Rego, 1972

Entre os anos de 1902 e 1908, o governador Augusto Montenegro,

usando das atribuições da Lei 834, de 24 de outubro de 1902, promulgada pelo

Decreto 1207, de 2 de abril de 1903, mandou proceder a importantes reformas

no prédio da Escola Normal. Sobre a reforma, escreve Rego (1972, p. 12):

No primeiro pavimento, ocupado pela Escola Normal, foi construído o Salão da Congregação ricamente mobiliado com uma bancada estilo Luiz XV em forma de V, e destinada a comportar 12 cadeiras de professores, tendo ao centro a mesa do

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Presidente, rodeada dos respectivos Secretários, e mais cinco compartimentos que ficaram exclusivamente destinados às salas de aula, gabinete de Física, Química e História Natural, Biblioteca, etc.

O autor nota que, nessa época, também aconteceram mudanças

significativas no aspecto curricular, pois foi melhorada a distribuição das

disciplinas para uma formação mais completa dos professores normalistas.

Assim, a grade curricular passou a ser composta de: Instrução Moral,

Geografia, Coreografia, História do Brasil, Língua Portuguesa, Matemática,

Geometria, Química, Física, Pedagogia, Desenho, Ginástica, noções de

floricultura, horticultura e agricultura, e trabalhos de bordado para estudantes

do sexo feminino.

Segundo Rego (1972), o curso de Língua Portuguesa objetivava

estimular a busca pela pureza vernácula e despertar o gosto pelas obras

primas da literatura nacional, através do estudo dos grandes autores nacionais;

a História do Brasil era ensinada no sentido de educação cívica; o

conhecimento das Ciências dava-se por meio das técnicas e processos de

observação, experimentação e demonstração científica; o Desenho tinha por

fim apurar a observação e o gosto artístico; a Geografia era ensinada por meio

de exercícios e desenhos cartográficos de mapas, plantas e cartas; a Instrução

Moral estava muito associada à educação cívica, a fim de cultivar os

sentimentos patrióticos dos alunos.

No ano de 1905, foram tomadas algumas decisões para melhorar o

padrão cultural da Escola; foram instituídas Conferências Pedagógicas

proferidas por alunos do 4° ano. Elas abordavam assuntos pedagógicos que

eram lidos na presença de autoridades educacionais de Belém e,

posteriormente, publicados no Boletim Oficial da Instrução Pública do Estado

do Pará.

Em consequência das discussões em torno da ajuda da União para os

Estados, o Decreto Federal Nº 8.659, de 5 de abril de 1911, promulgou a

autonomia didática e administrativa dos Estados e alterou o ensino superior e

secundário no país. Essas alterações levaram o curso normal do Pará a ser

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desmembrado em duas etapas, totalizando cinco anos, conforme demonstra

Rego:

1º – Curso Geral compreendendo os três primeiros anos, onde o aluno fazia estudos no campo comum das humanidades;

2º – Curso Especial, ministrado no quarto e quinto anos, onde o aluno-mestre encontrava base para a cadeira de Pedagogia e prática de direção das escolas. (REGO, 1972, p. 14)

É nesta proposta curricular que, pela primeira vez, a disciplina Psicologia

configura-se de modo destacado da Pedagogia, até então a Psicologia

aparecia apenas como um dos aspectos abordados. Além disso, houve mais

atenção à formação pedagógica no aspecto curricular.

No dia a dia da Escola, vivenciavam-se as crises econômicas que o

Estado e a União atravessavam até a eclosão da Primeira Guerra Mundial em

1914, período este marcado pela instabilidade administrativa, haja vista que,

em quatro anos de guerra, dez diretores passaram pela direção da Escola. Ao

final da Primeira Guerra Mundial, o prédio da escola normal estava em péssimo

estado e a direção reivindicava melhorias, mas sob a alegação da insuficiência

de recursos, as reivindicações não foram atendidas.

Rego (1972) nota que, entre os anos de 1921 e 1924, a Escola Normal

também sofrera as consequências advindas do estado calamitoso em que se

encontrava, não só o ensino, mas também toda a administração estadual.

Assim, objetivando a redução do gasto com o ensino, foram extintos vários

cargos de diretores, professores, porteiros, serventes etc., fato que,

obviamente, trouxe consequências negativas para o funcionamento da escola.

O autor também afirma que, no ano de 1924, a instituição gozava de prestígio e

crédito (na qual pessoas de todas as classes sociais buscavam a profissão de

educador), porém, conforme já mostrado anteriormente, o curso era

frequentado quase que exclusivamente por alunas.

No ano de 1925, o Decreto 16.782 estabelece que o governo estadual

deveria manter escolas primárias, com a ajuda da União. Mas, isso não

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aconteceu na prática, e o Estado do Pará, como outros da federação,

continuou mantendo esses níveis de ensino com recursos próprios.

Em 1927, ao assumir o governo do Estado, Dionysio Bentes encontrou o

prédio da Escola Normal em más condições, o que o levou a adquirir o edifício

que fora sede do jornal A Província do Pará. Assim, este passou a ser a sede

definitiva da Escola Normal do Pará. Ao terminar essa fase, o curso normal

estava bem organizado e composto por docentes reconhecidos tanto no Pará

quanto em outros estados da Federação (REGO, 1972; SOUZA, 1972).

Em 1929, quem estava na direção da Escola Normal do Pará era o

pedagogo Elias Augusto Tavares Vianna, que procurou manter a organização e

o prestígio que a instituição havia alcançado ao longo dos anos, como mostra a

mensagem apresentada pelo governador Eurico de Freitas Valle (1929, p. 118):

O nosso curso normal, bem organizado e servido por um corpo docente composto de professores de renome, é muito reputado quer no Estado, quer fora dele. Tanto isso é que várias alunas do curso normal do Pará têm sido matriculadas em idênticos cursos mantidos em outros Estados de Federação sem prévio exame ou outra formalidade, que pudesse fazer diminuir os créditos da Escola Normal paraense.

O Ensino Normal e a Revolução de 1930 em Belém

Com a chamada Revolução de 30, o ensino normal teve seu destino

traçado aos moldes do interventor Magalhães Barata. Segundo Souza (1972, p.

56), assim estava o curso normal no final de 1930:

O estabelecimento matriculou 515 alunos, sendo 512 moças e 3 rapazes. E o quadro de matrículas nas diversas séries estava assim discriminado: 1º ano, um homem, 89 mulheres, 2º ano 110 mulheres, 3º ano dois homens, 127 mulheres, 4º ano 105 mulheres, 5º ano, 81 mulheres. Total 515 alunos.

Segundo Souza (1972), em 1930 foi nomeado para diretor da Escola

Normal o Padre José Cupertino Contente, substituindo Elias Vianna; nesse

período, ocorreu uma série de reformas no ensino, incorporando características

da Escola Nova. Além disso, foi instituída a Secretaria de Educação e Saúde

Pública.

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Esse foi um período marcado por uma política revanchista ou

benevolente, conforme a posição partidária dos servidores públicos, bem como

por uma política interna autoritária: reduzia a nota mínima de aprovação,

tornava facultativos os exames para os alunos do 5° ano e dispensava

professores e funcionários.

A Educação foi um dos pilares da postura populista de Magalhães

Barata (1930-1935). Os relatórios da época6 revelam a preocupação em

contribuir para que a população fosse alfabetizada, e quem garantiria isso

seriam os futuros professores da Escola Normal, os quais, de acordo com a

nota, no dia da colocação poderiam ser agraciados com uma nomeação para

assumir o cargo de professor primário. Além disso, os professores começaram

a ser investigados para apurar sua conduta moral.

O discurso de priorização do ensino primário obrigava o governo

estadual a preocupar-se com o Curso Normal. Dessa maneira, foi autorizada

pela primeira vez a criação do Curso Normal mantido por instituição de ensino

particular, em 1931, no Colégio Santo Antônio, dirigido pelas Irmãs Dorotéias.

Uma das medidas ditatoriais que incidiu sobre a Escola Normal foi a

obrigatoriedade da taxa de anuidade escolar, estabelecida pelo Decreto n° 592

de 16 de janeiro de 1932. A justificativa adotada foi a de que apenas o ensino

primário deveria ser gratuito, objetivando o alívio dos cofres públicos para o

atendimento de outras prioridades, fato este que gerou descontentamento no

meio educacional.

Para amenizar esse descontentamento, o Major Barata estabeleceu a

redução da nota final exigida para a aprovação; em vez de 4, a nota mínima

seria 3,5. Tanto professores, quanto alguns alunos do curso normal

manifestaram-se contra, posto que estes acreditavam que diminuindo dessa

maneira as exigências de aprovação, as consequências seriam sentidas na

qualidade dos futuros professores a serem formados. Souza (1972) relata um

acontecimento ocorrido em 1933, quando o Presidente Getúlio Vargas esteve

6 Biblioteca Pública – Mensagem Apresentada à Assembléia Constituinte do Estado, em sessão solene de sua instalação a 4 de abril de 1935, pelo Major do Exército Joaquim Magalhães Barata, Interventor Federal. (Oficinas Gráficas do Instituto Dom Macedo Costa).

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em Belém e uma aluna solicitou a ele que revogasse a cobrança das taxas de

matrícula. Diante disso, o major Magalhães Barata determinou a suspensão

dessa aluna por um ano.

Em 1934, após a reforma do prédio onde funcionava o jornal A Província

do Pará, o governo transfere a Escola Normal para esse local, em frente à

Praça da República, onde permanece até hoje.

De 1930 a 1935, a Escola Normal foi estrategicamente utilizada pelo

governo, pois era grande o interesse das jovens em serem professoras. Logo,

Magalhães Barata passou a investir no ensino normal, reformando, ampliando

e até mesmo proporcionando melhores condições de ensino aos professores.

Dessa maneira, fica evidente a contribuição que a Escola Normal deu às

políticas públicas estabelecidas no Pará de então, sempre reforçando o

patriotismo desde as séries iniciais.

No ano de 1937, Getúlio Vargas institui o Estado Novo. Entre os anos de

1939 e 1945 (período da Segunda Guerra Mundial), no Pará, sob intervenção

do Major Barata, a Escola Normal passa por algumas paralisações

esporádicas. Nessa época, firma-se um rígido sistema de normatização da

Escola, por meio de regulamentos repressivos, impedindo inovações de cunho

pedagógico, com base nas ideias escolanovistas que circulavam em livros e

artigos da época. São da autoria do interventor vários Decretos de exoneração

e de nomeação de servidores da educação.

O intervencionismo de Magalhães Barata deixa a Escola atrelada a

regulamentos inflexíveis, limitando assim possibilidades de iniciativa dos

diretores, professores, alunos e funcionários técnico-administrativos. Sobre

esse período na escola Vasconcellos et al. (1992) escrevem:

Para cada um destes se definia a forma de ingresso – os calendários; a escala hierárquica – inclusive de substituições eventuais; as obrigações detalhadas; o conteúdo e a metodologia de cada matéria – que deveriam ser rigorosamente observados; o ritual das verificações de aprendizagem, onde se definia até que provas assinadas fora do lugar competente teriam nota zero; exigências para a equiparação de escolas particulares – que deveriam seguir o mesmo regulamento da Escola Normal, e vários outros aspectos. (p. 44)

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Da análise desses documentos, percebe-se que a preocupação com a

formação do professor esteve fortemente atrelada ao projeto educacional do

interventor Magalhães Barata, o qual estava atrelado a uma concepção de

formação profissional destinada ao magistério primário, porém esvaziada em

favor de um currículo enciclopedista de cultura geral. Assim, pode-se inferir que

as propostas curriculares da época (anexos 6, 7 e 8) objetivavam a aquisição

de conhecimentos gerais, acrescidos de conteúdos da Psicologia, Pedagogia,

Didática e da prática de estágio supervisionado.

O segundo período republicano (1946- 1988)

Na década de 1940, as ideias dos Pioneiros da Educação ganhavam

força no cenário nacional. O governo central decide investir em uma proposta

educacional movida pelos ideais escolanovistas, mesmo que sem arcar com os

custos desta, pois estes ficariam a cargo dos Estados. Tal proposta já vinha

sendo desenvolvida com êxito em alguns Estados: Rio de Janeiro, São Paulo,

Minas Gerais, Pernambuco, Bahia e Ceará.

Sendo assim, o Governo Federal promulga novo ato regularizando o

ensino normal, o Decreto n. 8.530 de 2 de janeiro de 1946, definindo as

perspectivas de atuação dos Institutos de Educação. De acordo com o decreto,

o ensino normal assumia as finalidades básicas de formação de professores

para as escolas primárias, a habilitação de administradores para estas e a

especialização de professores em educação pré-primária (didática especial do

primário, didática especial do ensino supletivo, didática especial do desenho e

artes, didática especial de música e canto). Além disso, o curso normal foi

divido em dois ciclos: o curso de regente primário com duração de quatro anos

e o curso de formação de professores primários com duração de três anos

(REGO, 1972).

Nesse mesmo ano, o governador do Estado, Otávio Bastos Meira,

assinou o Decreto N° 515, de 28 de agosto de 1946, transformando a Escola

Normal do Pará em Instituto Paraense de Educação, conhecido pela população

da cidade como IEP.

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Em 17 de setembro de 1946, por meio do Decreto nº 617, promulgou-se

o Regimento Interno do Instituto, segundo o qual se exigia que o curso

pedagógico fosse antecedido pelo curso ginasial. Como o Instituto não

mantinha esse nível de escolaridade, mais uma vez ele foi anexado ao antigo

Liceu – o então Colégio Paes de Carvalho. Desse modo, o Diretor do Colégio

Paes de Carvalho assumiu a direção do Instituto Paraense de Educação,

passando a vice-direção para o antigo diretor do Instituto.

Após quinze dias, no dia 24 de janeiro de 1947, por meio do Decreto n°

736, a instituição passou a se chamar Instituto de Educação do Pará (IEP), em

vez de Instituto Paraense de Educação. Nessa mesma data, o Decreto nº 734

aprovou novo regulamento para o Instituto, que dentre outras coisas

restabeleceu a autonomia administrativa deste e, consequentemente, a

desanexação. O novo regulamento estabeleceu as seguintes diretrizes: a)

Curso de Regente do Ensino Primário, 1º ciclo em quatro séries; b) Cursos de

Formação de Professores Primários, 2º ciclo em três séries; c) Cursos de

Especialização; e d) Cursos de Habilitação.

Por meio desse regulamento, foi assegurado aos alunos do curso

ginasial o direito de atuarem como professores regentes no curso primário.

Além disso, o art. 6 da Lei Orgânica do Ensino Normal assegurou aos

concluintes do 2° ciclo o direito ao ingresso nas Faculdades de Filosofia; com

isso, aumentou a procura pelo curso e houve um direcionamento dos

conteúdos para o vestibular. Para Vasconcellos et al. (1992), essa

possibilidade constituiu-se no primeiro passo para a descaracterização do

curso de habilitação ao magistério, pois, ao fazer do ensino normal um dos

modos de educação secundária para o acesso ao ensino superior,

consequentemente o curso normal começou a se pautar mais pelo caráter de

educação preparatória do que pelo de formação vocacional do mestre, já que

os alunos também almejavam novas oportunidades profissionais que a

mudança lhes possibilitava, juntamente com a habilitação para o magistério.

A despeito de uma grande parcela da população ainda permanecer fora

do processo de escolarização, tais princípios ocasionaram um aumento na

oferta de vagas. Uma das repercussões desse aumento do acesso à escola

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constituiu-se na consolidação da presença feminina nos cursos de formação de

professores e do magistério no ensino médio.

Em 1947, o Estado volta ao sistema de governo democrático,

coincidindo com o processo de redemocratização do país e, depois de setenta

e cinco anos da sua fundação, a primeira mulher assumiu a direção do IEEP, a

professora Ambrosina Maia Sampaio, depois substituída pela professora Maria

Antonieta de Serra Freire.

Em 22 de agosto de 1952, é promulgado o Decreto 1.098, que aprova o

Regimento Interno do IEP, que define as cátedras a serem ministradas no

Instituto (anexo 9). Esse regulamento não difere muito dos regulamentos

anteriores, mantém, inclusive, alguns artigos, como os que se referem à

proibição de manifestações políticas e o que proíbe os alunos de “ocupar-se no

estabelecimento com qualquer trabalho que os possam distrair dos seus

estudos regulares (...)” (art. 44).

Nessa época disseminam-se os Cursos Normais em estabelecimentos

de ensino particular por causa da possibilidade de ingresso nas Faculdades de

Educação. Sobre isso, Vasconcellos et al. (1992) escrevem:

(...) alguns estabelecimentos de ensino passam a oferecer esse Curso, como o Instituto Paraense em 1954, o Colégio Santa Rosa em 1957, os Colégios Moderno e Ângelo Cerry em 1966, o Santa Catarina em 1967 e o Paulino de Brito em 1968. O próprio governo do estado também se vê compelido a ampliar sua rede de atendimento e implantar esse curso no Colégio Souza Franco em 1968. (p. 48)

A autorização para o funcionamento desses cursos em escolas

particulares ficava condicionada à observância e ao cumprimento da mesma

legislação vigente para o Instituto de Educação do Pará, sob pena de perda

daquela.

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A Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961

O exame dessa lei pode ser feito por critérios muito diversos, quais

sejam: histórico, sociológico, de direito público, pedagógico e da organização e

administração do ensino no país. O enfoque que convém para o presente

trabalho é o relacionado ao aspecto da formação de professores para o curso

primário, em seu viés pedagógico.

De acordo com a lei, foram reservadas para a União as Leis de

Diretrizes e Bases e, para os Estados, a Legislação Complementar, ou seja, a

aplicação daquelas. Por meio da Lei de Diretrizes e Bases, ampliou-se a ação

das Escolas Normais em todo o Brasil. Assim, além da formação de

professores, as Escolas Normais passaram a oferecer formação de

orientadores, supervisores e administradores escolares para o ensino primário

e para o desenvolvimento de conhecimentos técnicos para o ensino infantil.

Sobre isso, o capítulo IV do Título VII descreve: “a formação de professores,

orientadores, supervisores, e administradores escolares destinados ao ensino

primário, e ao desenvolvimento dos conhecimentos técnicos relativos à

educação da infância” (art. 52).

No artigo 55, a LDB 4024/61 previa que os Institutos de Educação

ministrassem “cursos de especialização, de administradores escolares e de

aperfeiçoamento, aberto aos graduados em escolas normais de grau colegial”.

Além disso, o artigo 59 da referida lei diz o seguinte: “Nos Institutos de

Educação poderão funcionar os cursos de Formação de Professores para o

ensino normal, dentro das normas estabelecidas para os cursos pedagógicos

das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras” (p. 18), fato que naquela época

sinalizava a possibilidade de inclusão de um curso superior nos Institutos de

Educação. Houve um movimento que pretendeu transformar o IEEP em uma

instituição de formação de professores em nível superior, que atenderia tanto a

capital, quanto o interior do Estado, porém o projeto sofreu interrupções por

questões políticas e educacionais.

No Pará, a institucionalização do Conselho Estadual de Educação teve

inicio em 1963, por meio da Lei n. 2840, mas devido ao Golpe Militar, o CEE só

foi efetivamente instalado em meados de 1964. Em 1965, através do Decreto

20, o CEE estabelece normas para a organização dos currículos. De acordo

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com estas, cada estabelecimento de ensino poderia elaborar seus currículos e

em seguida submetê-lo à apreciação e à aprovação do CEE.

Segundo Vasconcellos et al. (1992), durante a vigência da Lei nº 4.024,

a proposta curricular do IEEP mudou três vezes. Nesse período, os alunos do

estabelecimento cursaram as seguintes disciplinas: Biologia, Ciências Físicas e

Biológicas, Desenho, Didática, Educação Física, Filosofia, Matemática,

Português, Psicologia, Sociologia e Recursos Audiovisuais. Logo, foram 11

disciplinas comuns, enquanto outras 16 eram circunstanciais, estas ministradas

de acordo com o contexto escolar ou com as diretrizes do Sistema Nacional da

Educação.

A primeira proposta curricular (anexo 10) apresentam, nas disciplinas

optativas (fixadas pelo próprio IEP), um cunho mais pedagógico. Outro aspecto

proposto especificamente pela Escola, e aprovado pelo CEE, relaciona-se ao

ensino da História e da Geografia que, necessariamente, tinham de ser do

Pará. O Decreto 20, no qual essa primeira proposta se baseava, não

especificava que o ensino da história e da geografia precisavam ser

regionalizados.

A segunda proposta curricular surge a partir da orientação do CEE do

ano de 1967, juntamente com a proposta do IEP; esta viria a ser adotada no

ano de 1968 (anexo 11).

A terceira proposta, adotada no Instituto a partir de 1970, estava no bojo

da terceira fase da vigência da Lei 4024 (anexo 12).

A Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971

No início dos anos 1970, ocorreu a promulgação da Lei n° 5.692, de 11

de agosto de 1971, que fixou diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus.

Sobre o ideal de homem que se pretendia formar, o artigo 1° do capítulo I

postula:

O ensino de 1° e 2° graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação

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para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania.

A Lei 5692/71 dá ênfase a uma educação voltada para a

profissionalização do estudante. O ensino é dividido em 1° grau, que juntou os

antigos Cursos Primário e Ginasial, com duração de oito anos, e o 2° grau, no

lugar do anterior colegial.

Essa lei manteve, no entanto, o ensino público superior fora do alcance

de grande parcela da população estudantil. Assim, houve um aumento

considerável da rede privada de ensino superior, justamente para abarcar

aqueles que ficaram fora da rede pública, seja pela má qualidade do ensino

ofertado nos então denominados 1° e 2º graus, seja pela própria dificuldade de

acesso à educação superior.

Para Freitag (1986), a educação básica implementada pelo Estado,

naquele período, não preparou os estudantes nem para o que se propunha (a

formação técnica e profissionalizante) e nem para adentrarem no ensino

superior.

De acordo com Romanelli (2001), ao longo da década de 1970

acentuaram-se as disparidades socioeconômicas na sociedade brasileira. No

campo educacional, elas se traduziam no reduzido número de crianças que,

tendo iniciado o 1º grau, chegavam a concluí-lo. Em Belém do Pará, esse

quadro era acentuado, por consequência da falta de professores qualificados

para o exercício do magistério no que chamamos hoje de Educação Básica e,

principalmente, Ensino Médio. Para solucionar o problema, o governo paraense

aumentou o número de vagas no Instituto, objetivando habilitar mais

professores para o exercício do magistério.

Todavia, para lidar com o aumento do número de alunos, o IEEP

deparou-se com outro problema: a carência de professores. Naquele período,

muitos dos docentes atuantes do Instituto ainda não haviam concluído a

graduação, embora já atuassem como professores de nível médio. Além disso,

houve uma inflexão teórica na formação oferecida; até então, os futuros

professores eram formados dentro de uma concepção erudita, ou seja, sendo

possuidor de uma vasta cultura geral, ele seria capaz de oferecer uma

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educação adequada aos seus alunos. Assim, em vez de formação de cunho

humanista, o instituto adotou o que acabou por ser conhecido como tecnicismo,

segundo o qual o professor deveria ter domínio de técnicas de ensino, de forma

a se sustentar nelas. Tudo isso estava em acordo com a situação política da

época, pois o regime militar beneficiou-se do tecnicismo, posto que relegava

para segundo plano a análise crítica da conjuntura social e política da

sociedade brasileira.

Assim, sob a vigência da Lei 5692, marcada pela tentativa de ampliação

da escolarização obrigatória, ocorreu o crescimento de profissionais

trabalhando no magistério. No caso do IEEP, reproduziu-se mais uma vez o

fenômeno nacional: intensificando-se a presença das mulheres, cujo percentual

era de quase 100% de professorandas nos anos de 1970 a 1979, e de mais de

95% na década de 1980.

Em 1972, o Conselho Federal de Educação promulgou uma legislação

complementar à Lei 5692/71, os pareceres 76/72 e o 45/72; de acordo com

este último, o curso de 2° grau, em nível de magistério, tem como propósito:

Oferecer uma educação geral que possibilite a aquisição de um conteúdo básico indispensável ao exercício do magistério e permita estudos superiores mais complexos; promover a correlação e a convergência das disciplinas; assegurar o domínio das técnicas pedagógicas, por meio de um trabalho teórico-prático; e despertar o interesse pelo auto-aperfeiçoamento (Parecer 45/72).

De acordo com Vasconcellos et al. (1992), o impacto da Lei 5.692 e suas

legislações complementares sobre a realidade educacional paraense foi

questionável, pois não existia uma infra-estrutura que possibilitasse tal suporte.

Os recursos humanos eram mal preparados, as condições materiais eram

precárias e os recursos financeiros destinados à educação eram insuficientes.

O Parecer 07/83, do Conselho Estadual de Educação, elencou alguns

fatores que dificultavam a implementação da Lei 5.692 na realidade paraense:

“falta de diagnóstico que demonstrasse as reais necessidades do mercado de

trabalho; e perda do direito de opção do alunado, frente à obrigatoriedade da

profissionalização”.

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Diante de tais dificuldades, a Secretaria de Estado de Educação, em

parceria com a Fundação Educacional do Pará (FEP), montou um grupo de

trabalho composto por técnicos e especialistas da educação paraense, do qual

resultou a Resolução 36 de 12 de maio de 1976. Após as discussões sobre o

assunto, a estrutura curricular para o curso de magistério do Instituto de

Educação, em nível de segundo grau, foi definida conforme mostra o anexo 16.

Esse currículo foi substituído em 22 de outubro de 1980 pela resolução

265 do Conselho Estadual de Educação (anexo 14), a que se manteve em

vigor até a edição da Lei 9394/96.

Para além dos muros do Instituto de Educação do Pará, ocorreu um

considerável aumento de cursos normais em escolas particulares conforme

mostra Vasconcellos et al. (1992):

Neste ano (1976) foram autorizados pelo CEE os Colégios Ângelo Cerry, Rui Barbosa, e Grão Pará. Em 1977 o Americano do Sul, Dom Bosco e Paulino de Brito. Em 1978 o Instituto Brasil. Em 1979, o Ciências e Letras. Em 1980 o Anchieta e o Santa Maria de Belém. Em 1981 o Santa Catarina de Sena e Gentil Bittencourt (...) o próprio Governo do Estado foi impulsionado a abrir a habilitação em outros estabelecimentos de ensino para atender à demanda crescente. Abriu a habilitação no Deodoro Mendonça e adquiriu, por compra, o Orlando Bitar, onde manteve o curso. (p. 54)

Coelho (2006) afirma que essa ideia de democratização subjacente às

leis em questão não deve ser entendida ao pé da letra como aumento da

participação política do cidadão, pois, editadas que foram no Regime Militar,

elas pretendiam silenciar a elite intelectual presente nas universidades, por um

lado, e aumentar o número de trabalhadores escolarizados por outro. Tal

política de democratização significou aumento do número de vagas nos

ensinos de 1º e 2º graus. No Estado do Pará, uma das iniciativas tomadas com

vistas a sua execução foi a expansão do curso de formação de professores, de

forma a contemplar os municípios do interior do Estado. A Fundação

Educacional do Pará (FEP), por meio do Instituto de Educação do Estado,

instalou, em dez municípios, o curso de formação de professores para as

quatro primeiras séries do 1º grau, correspondente ao antigo primário.

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A partir dos anos 1980, ocorreu uma modificação no perfil do aluno do

Instituto. O curso não era mais procurado exclusivamente por aqueles que

pretendiam formar-se professores; a cada ano, um número maior de alunos

ingressava no Instituto, com o objetivo de apenas concluir o ensino secundário.

A formação para o magistério não foi vista, desde então, como a única razão

do Instituto. Aliadas a isso, as mudanças político-sociais e educacionais se

alteravam e as concepções de formação de professores submeteram-se a

vários questionamentos.

O atual Instituto Estadual de Educação do Pará (IEEP), antigo Instituto

de Educação do Pará (IEP), seguiu caminho próprio; com o advento da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Brasileira nº 9.394/96, mudanças significativas

alteraram essencialmente sua identidade. A Resolução do Conselho Estadual

de Educação n. 271 de 02/05/2000 e o Ofício Circular n. 05/2003 de

18/02/2003, expedidos pela Diretoria de Ensino da SEDUC, serviram de base

para fundamentar o processo de “desativação gradativa” do curso de

magistério. Assim sendo, atualmente o IEEP não mais se caracteriza como

uma instituição destinada ao preparo de professores, mas como uma escola

estadual que oferta as três séries do Ensino Médio.

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CAPÍTULO III

O IEEP NO OLHAR DE SUAS ALUNAS E PROFESSORAS

“O que é escrito, ordenado, factual nunca é suficiente para abarcar toda a verdade: a vida sempre transborda de qualquer cálice.”

Boris Pasternak

3.1) Os sujeitos da história: quem são as narradoras...

O encontro com as entrevistadas estabeleceu-se como um momento de

escuta, de respeito ao que ia ser dito, às emoções, aos gestos e aos silêncios.

Entre entrevistadora e entrevistadas pôde-se estabelecer um diálogo, com a

finalidade de se compreender o ocorrido nos tempos da narrativa, num esforço

de apreendê-lo no contexto da época.

Quanto à escolha dos sujeitos da pesquisa, fomos norteados pela

concepção de que eram testemunhas, ou seja, não eram somente

entrevistadas, mas tinham experiências de vida a relatar e estavam disponíveis

para partilhar eventos de suas vidas conosco.

O critério para definir a participação dos sujeitos foi o interesse e a

concordância manifestos em participar do estudo e a disponibilidade para

agendamento de uma data para a entrevista.

Dentre as ex-alunas e ex-professoras que participaram da pesquisa,

algumas escolheram o IEEP como local adequado para a realização da

entrevista, outras preferiram sua residência e uma delas preferiu oferecer seu

depoimento em residência de outra pessoa.

Durante os depoimentos, os momentos de emoção foram muito

significativos, com expressa manifestação de sentimentos acompanhados de

riso, às vezes lágrimas, às vezes manifestação de algum sinal físico – como as

feridas que “pipocaram” nas mãos de Raquel no dia seguinte a sua primeira

entrevista. Pareciam ser momentos especiais para uma reflexão sobre o

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passado e o presente, uma saudade permeada pela tristeza ao comparar o

passado do Instituto com sua atual situação.

Após a realização das entrevistas, procedeu-se à transcrição destas. De

posse desse material, passou-se a uma leitura mais analítica, buscando

identificar os dados significativos para a pesquisa. Em seguida, os dados das

entrevistas foram divididos em categorias de análise, definidas a partir das

direções que o discurso apontava.

A seguir, apresentamos algumas informações sobre as entrevistadas,

traçando um breve perfil que permita melhor situá-las e inseri-las no processo

de análise e interpretação dos resultados.

a) Ruth

“Eu preciso te dizer que quando eu assumi aqui

como professora, eu fiz tudo o contrário do que os

meus professores faziam comigo”.

Iniciou seus estudos no Instituto no ano de 1957 e concluiu o curso

pedagógico em 1964. É formada em Pedagogia e Psicologia. No IEEP,

ministrou a disciplina de Psicologia da Educação entre os anos de 1968 a

1986. Foi vice-diretora entre os anos de 1968 a 1970, foi diretora do IEEP entre

os anos de 1983 a 1986. Atualmente está aposentada. A primeira entrevista

com ela deu-se no dia 3 de outubro de 2007, no prédio do IEEP. A entrevistada

foi muito receptiva e mostrou-se contente em colaborar com a pesquisa, tanto

que indicou uma de suas amigas, Iara, para também relatar suas lembranças

do Instituto.

b) Raquel

“São coisas que eu vivi depois como professora e

antes como aluna.”

Iniciou seus estudos no IEEP no ano de 1965 e concluiu o curso

pedagógico no ano de 1972. Formou-se em Pedagogia. Trabalhou como

professora do Instituto de 1982 até 2006, ministrando diversas disciplinas:

Estrutura e Funcionamento do Ensino, Prática de Ensino, História da Educação

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e Metodologia do Ensino de Ciências. Está aposentada desde 2006, quando o

curso de magistério foi extinto do Instituto. A primeira entrevista realizada com

ela aconteceu em 3 de outubro de 2007, no prédio do IEEP. Ela mostrou-se

muito disposta em colaborar com a coleta de dados e indicou sua amiga Fátima

para também partilhar suas lembranças dos tempos de IEEP.

Ela afirmou que precisou fazer terapia por ocasião da extinção do curso

de magistério do IEEP, porque havia uma grande identificação sua com o ofício

de magistério por ela exercido naquela instituição. Segundo ela, “pipocaram”

muitas feridas na sua mão na época da extinção do curso. Dois dias após a

realização dessa entrevista, quando ocorreu a entrevista de sua colega e

vizinha, em sua residência, ela me mostrou sua mão com algumas feridas, no

seu dizer, consequência de relembrar e falar sobre o assunto.

c) Fátima

“Pensa que eu queria ir lá para casa? Eu ficava se

pudesse lá o dia todo.”

Iniciou seus estudos no IEEP em 1961 e concluiu em 1968. A primeira

entrevista com ela foi realizada no dia 5 de outubro de 2007, na residência da

Raquel, sua amiga e vizinha. Ela possui graduação em Pedagogia e trabalhou

como Administradora e Orientadora Educacional da Rede Estadual do Pará.

Ela também se mostrou bastante solícita e receptiva para participar da

pesquisa.

d) Iara

“Eu me metia em tudo que tivesse no colégio, se

tinha uma competição de poesia eu fazia uma, se

tinha exposição de quadros eu fazia, eu era aquela

aluna que o professor diz: ‘um aluno voluntário’, e

eu já respondia que queria. Sempre estive

presente.”

Iniciou seus estudos no IEEP em 1953 e concluiu o curso pedagógico

em 1960. Graduou-se em História e Direito. Trabalhou como professora do

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Instituto entre os anos de 1967 a 1983. Atualmente está aposentada como

professora e trabalha como advogada. A primeira entrevista foi realizada no dia

20 de outubro de 2007, na residência da entrevistada. Ela demonstrou grande

satisfação em participar da pesquisa. A situação da entrevista foi de muita

satisfação e vontade de contribuir.

e) Maria da Conceição

“(...) não tinha quem saísse dali, daquela turma de

terceiro ano, do pedagógico, sem ter uma noção da

vida política da cidade.”

Iniciou seus estudos no IEEP em 1964 e concluiu o curso pedagógico

em 1971. Graduou-se em Letras e Direito e atualmente é funcionária pública

aposentada. Com ela foi realizada apenas uma entrevista no dia 22 de outubro

de 2007, na CODEM (Companhia de Desenvolvimento e Administração da

área metropolitana de Belém), na época seu local de trabalho. A entrevistada

foi bastante receptiva e demonstrou muita satisfação em participar da pesquisa.

Ela fez importantes referências a algumas de suas professoras, à época do

curso normal, que também foram entrevistadas.

f) Maria das Graças

“Dizem ‘ah vocês não podem viver do passado’,

mas aquilo que foi bom precisa ser preservado.”

Iniciou os estudos no IEEP no ano de 1963 a 1970. Possui graduação

em Letras. Exerceu o magistério no IEEP como professora de Língua

Portuguesa até o ano de 2009. Atualmente está aposentada. A entrevistada

demonstrou grande satisfação em colaborar com a pesquisa. A entrevista foi

realizada no IEEP no dia 25 de outubro de 2008.

g) Maria Ribeiro

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“Toda vez que encontro alguém daquela época

falamos: mas como o estudo está! Como o IEP

ficou? Não é mais aquele colégio.”

Não chegou a estudar no IEEP, porque fez o chamado curso científico

no Colégio Paes de Carvalho. Graduou-se em Ciências Sociais e ministrou no

IEEP as disciplinas de Educação Moral e Cívica e Estatística. A entrevista foi

realizada no dia 4 de dezembro de 2008 no IEEP. A entrevistada foi receptiva e

demonstrou interesse em participar da pesquisa. Atualmente ela está

aposentada, mas continua desenvolvendo alguns trabalhos no IEEP na função

de Colaboradora.

h) Coralina Oliveira

“Eu pegava várias informações de revistas de

ensino, a minha aula era muito teórico-prática. Já

naquela época, a minha aula era produto da

pesquisa dos alunos.”

A entrevista foi realizada no dia 4 de fevereiro de 2009, na residência da

entrevistada. Ela não estudou no IEEP, mas trabalhou no Instituto como

professora da disciplina de Metodologia de Pesquisa. A entrevistada não

lembrou exatamente do período em que lá exerceu o magistério. Ela afirmou

não se lembrar de quase nada do tempo em que trabalhou no IEEP, o que

pode ser confirmado na entrevista. Sendo assim, ela indicou o nome de sua

amiga Terezinha Pereira, ressaltando que esta havia vivenciado com mais

intensidade o cotidiano do Instituto. Atualmente está aposentada.

i) Terezinha Pereira

“Eu sinto uma coisa muito boa quando eu lembro do

IEP, aquele convívio era muito bom.”

Iniciou os estudos no IEEP no ano de 1947 e concluiu o curso normal

em 1954. Ela também atuou como professora da disciplina de Didática no

Instituto. Ela também não se lembrava dos anos em que lá trabalhou e relatou

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lembrar-se mais do tempo em que foi aluna, fato que pode ser confirmado na

transcrição da entrevista. A entrevista foi realizada em sua residência no dia 6

de fevereiro de 2009. A entrevistada mostrou-se muito disposta a colaborar

com a pesquisa, apesar da dificuldade de se lembrar sobre o tempo em que

atuou como professora do Instituto. Atualmente está aposentada.

3.2) O IEEP no contexto educacional de Belém do Pará

Como já vimos, o Instituto de Educação Estadual do Pará (IEEP) foi

fundado no dia 13 de abril de 1871, como a primeira escola normal, na gestão

do então governador Joaquim Machado Portela. Como podemos observar, a

conquista da profissionalização iniciada com a Escola Normal significou um

importante avanço da Instituição Pública no Estado do Pará. No final de janeiro

de 1947, a Escola passou a se chamar Instituto de Educação do Pará (IEP),

hoje Instituto Estadual de Educação do Pará (IEEP). Considerando a história,

mais uma vez o Instituto de Educação do Pará entra em um novo período com

o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, quando a

instituição configurou-se como uma escola de ensino médio, perdendo a

característica de, exclusivamente, ofertar o curso normal. Dessa maneira, trata-

se de uma instituição de formação de professores por mais de um século,

criada em 1871, atravessando longos anos como a principal referência para a

formação de professores em nível médio, no Estado do Pará.

3.3) O Prédio e a Estrutura Física

Nos seus primeiros 60 anos, a antiga Escola Normal do Pará funcionou

em diversos locais; apenas em 1930, o prédio onde o Instituto ainda funciona

até hoje foi adquirido para este fim pelo então governador Dionísio Bentes.

Esse prédio antigo no estilo art nouveau é uma construção dos tempos áureos

da borracha.

No primeiro pavimento, logo ao atravessarmos a porta de entrada,

adentramos numa sala bem ampla onde ainda está afixada na parede a placa

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posta em 1971, em comemoração aos 100 anos de fundação da escola. Na

placa estão colocados os nomes dos professores, do diretor, dos funcionários

do corpo técnico e administrativo e dos alunos que estudavam no IEEP

naquele ano. A placa, assim como o prédio, sofre as marcas dos anos de

abandono. À esquerda dessa sala principal um corredor liga algumas salas de

aula que estão desativadas, a biblioteca, o arquivo e a saída para o outro

prédio construído na década de 1980. No segundo pavimento do chamado

“prédio antigo”, deparamo-nos com uma pequena sala de estar, salas onde

funcionavam os laboratórios de Física, Química, Biologia, História e de

Geografia e o salão nobre, hoje desativado.

Segundo os relatos de Iara, no tempo em que lá estudou, no quintal

deste prédio havia um grande caramanchão, cheio de flores e cheio de bancos.

Atrás do prédio, havia um quintal de terra, que era o local onde as alunas

brincavam, como a própria entrevistada descreve:

Onde é aquele prédio novo, que a gente chamava de novo, mas hoje já é prédio velho também, muito mal feito por sinal, então aquele prédio ali tirou o nosso quintal (...) onde o pessoal brincava de “mãe de barra”, de “pira”. Agora só que o número de alunos naquele tempo era muito reduzido. Não tem uma sala lá na entrada que agora não tem nada? Era ali a sala dos professores, e lá atrás onde tem aquele ginásio, aquilo ali era quintal. Onde tem, também, que tem 23 sanitários, ali também não tinha nada, era tudo bem aberto, livre, para a gente correr e brincar. (Iara)

Na década de 1980, foi construído outro prédio para atender a crescente

demanda de alunos do Instituto. Atualmente, é nesse “prédio novo” que

funciona a maior parte das salas de aula do IEEP, bem como a secretaria, sala

dos professores e sala da direção da escola. Sobre as mudanças ocorridas a

partir da construção desse prédio a entrevistada relata:

Esse ginásio, quando foi feito, eu já era professora do IEP, eu já não era mais aluna e tinha uma cantina onde são hoje os banheiros internos, ali era uma cantina. A biblioteca não era como é lá em cima, ela era lá em baixo, se bem que agora parece que já desceu de novo a biblioteca. Então, aquelas salas do IEP não eram ocupadas com nada, porque do lado daquele vão grande era a secretaria, do

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outro lado era a sala dos professores, e aquelas salas todas que estão ocupadas, se tu fores agora tu vais ver com outros olhos, era tudo sala de aula. Onde era a secretaria era sala de aula, onde a [...] fica era sala de aula, eu estudei lá na quarta série, na [sala] 401, era a minha turma, eu estudava nesta sala; onde tem o arquivo era sala de aula, então, embaixo tinham cinco salas de aula e em cima mais cinco salas de aula. Então eram dez de manhã e dez à tarde. Quando eu estudava lá não funcionava à noite. Depois, quando eu já voltei como professora para lá, já tinha o noturno, mas eu saí num ano e entrei no outro para lecionar. (Iara)

Também foi destacado pelas alunas o salão nobre:

Nós tínhamos o salão nobre, era um salão nobre com carteiras, mesas, tudo, hoje já não tem quase nada, tinha piano, hoje já está sucateado mesmo, você pode ver até pelo próprio prédio em que a gente está, sucateado mesmo (Maria Ribeiro).

3.4) As pessoas que compunham o IEEP

Os colegas

As lembranças do grupo de colegas persistem matizadas em cada um

de seus membros e constituem uma memória ao mesmo tempo una e

diferenciada. Dialogando, brincando, confraternizando e estudando juntas, suas

lembranças guardam vínculos difíceis de separar. Os vínculos podem persistir

mesmo quando se desagregou o núcleo no qual sua história teve origem.

Sobre os tempos de escola, Terezinha Pereira relembra que havia uma

carteira individual para cada dois alunos:

O espaço era pequeno e sentávamos de duas a duas em cada carteira. Mas, isso não atrapalhava a gente, pelo menos ninguém se queixava disso (...).

Ao lembrar-se dos colegas de sala daquela época, Ruth faz referência

àqueles que conseguiram sucesso profissional:

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E a minha turma, como diz o caboclo, “está bem na foto”, a Dulcinéa, a Maria Silva que é cardiologista, tem a Ivete, uma outra amiga minha que é odontóloga, a Francisca que fez geografia, a Iara, por exemplo, embora ela tenha sido um ano antes de mim aqui no IEP, a Iara fez mil cursos, fez Enfermagem, depois ela largou, quando ela foi fazer História foi o ano em que eu entrei para a Pedagogia.

De acordo com Ruth, sua classe no Instituto de Educação era

constituída tanto de estudantes da classe alta, como da classe popular da

sociedade belenense da época, pois quem pretendia cursar um bom curso de

magistério necessariamente recorria ao IEEP. Tal fato nos mostra que o curso

oferecido no IEEP era mais que um curso de magistério, pois, além disso, era

um bom curso. Isto é, era uma escola pública que as preparou com uma

formação secundária que lhes garantiu a oportunidade de prestarem o

vestibular para ingressarem na universidade, serem aprovadas e cursarem

mesmo aqueles mais concorridos e posteriormente alcançar o sucesso

profissional.

Conforme Vasconcellos et al. (1992), entre os anos de 1954 e 1968 foi

autorizado o funcionamento dos primeiros cursos normais em outras

instituições além do IEEP. Sobre isso as autoras relatam:

(...) alguns estabelecimentos de ensino passam a oferecer esse Curso, como o Instituto Paraense em 1954, o Colégio Santa Rosa em 1957, os Colégios Moderno e Ângelo Cerry em 1966, o Santa Catarina em 1967 e o Paulino de Brito em 1968. O próprio governo do estado também se vê compelido a ampliar sua rede de atendimento e implantar esse curso no Colégio Souza Franco em 1968. (p. 48)

A disseminação dos cursos normais em Belém, principalmente da rede

particular, pode ser explicada pela possibilidade de ingresso no ensino

superior, conforme estabelecia o art. 6 da Lei Orgânica do Ensino Normal –

promulgada pelo Decreto n. de 2 de janeiro de 1946 – que assegurou aos

concluintes do 2° ciclo o direito ao ingresso nas Faculdades de Filosofia.

Contudo, o IEEP ainda figurava como a mais importante e de destacado

renome dentre as outras instituições que ofereciam o curso normal.

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O Instituto de Educação também era um espaço de convivência, de

brincadeiras próprias desse período de vida. O instituto tornou-se, na vida das

entrevistadas, um espaço quase familiar, de extensão da casa, da rua onde

brincavam, estreitando assim os laços de convivência das alunas para além da

simples convivência em sala de aula, mas em espaço onde amizades eram

feitas, algumas que perduram até hoje na vida delas. Diz Ruth:

Ah, sim, nós éramos divididas entre as alunas “caxias” que não gostavam de brincadeiras e as alunas bagunceiras, eu fazia parte da turma das bagunceiras, ainda tinham as sonsas, mas nós éramos cara de pau mesmo, nós aprontávamos e assumíamos. Então, a [...], por exemplo, apesar de ser uma aluna um ano na minha frente, a gente sempre se deu bem porque a gente vivia de castigo na sala da coordenação. Tinham uns esqueletos na sala de ciências e a gente tirava os dentes do esqueleto; quando a colega era muito fresca, a gente colocava o dente dentro da merenda delas, naquele tempo não tinha cantina e a gente trazia a merenda de casa, a gente pintava as cadeiras.

Algumas entrevistadas apontam as amizades de escola que se

desdobraram em estudos e em amizades posteriores à vivência no Instituto de

Educação:

Tenho duas colegas que estudaram comigo no pedagógico e depois fizemos Pedagogia na UFPA (Universidade Federal do Pará), fazíamos grupo de estudos e até hoje nós temos contato. (Fátima)

Maria da Conceição inclusive acredita que uma das coisas mais

marcantes do seu tempo de escola foi justamente a convivência que havia

entre as colegas:

O que ficou bem marcante, a convivência, perdura até hoje; algumas pessoas faziam grupos de estudo e de trabalhos, era comum que nós nos reuníssemos nos finais de semana, até dormíamos uma na casa da outra para compor trabalhos que os professores pediam.

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Segundo Iara, o estreitamento dos laços de amizade era facilitado tanto

pela reduzida quantidade de alunos na escola, como também pela estrutura

física da mesma:

Era só uma família; e isso era muito importante. E também tem uma coisa, no tempo que eu e a [...] estudávamos, tinham pouquíssimas turmas, não tinha aquele anexo, não tinha aquele ginásio e era só o prédio da frente mesmo. Não tinha aula à noite era só de manhã ou à tarde. Por exemplo, quando eu colei grau, foi só uma turma. Eram 43 alunos.

O relato nos permite compreender que o Instituto era um espaço de

estudo que garantia rigor nos estudos e a garantia do ensino de conteúdos,

porém, também garantia um espaço alegre de convívio, um ambiente de lazer

onde se faziam fortes laços de amizade. Fato este também justificado pelo

próprio tempo de vida que elas vivenciavam.

Para Bosi (1994), o grupo é suporte da memória. Em alguns casos, o

grupo é efêmero e logo se dispersa, como uma classe para o professor, em

que é difícil reter características pessoais e fisionômicas de cada aluno. Para

os alunos, entretanto, as lembranças são mais sólidas. Para as narradoras, tais

fisionomias e caracteres foram sua convivência de anos a fio; para elas, o

grupo de colegas foi, em geral, duradouro, constituindo, pouco a pouco, uma

história e um passado comuns.

Os Professores

Além dos colegas, faziam parte do universo do IEEP os professores.

Iara relata a diferença que havia entre os professores do ginásio e os do

curso pedagógico.

Eu me lembro de muitos professores, tanto os ruins como os bons. Eu tive um professor [...], que já morreu, [e que tinha um] apelido, era professor de [...], esse professor não ensinava absolutamente nada e no dia da prova ele botava um jornal na frente, assim, e quase todo mundo colava se quisesse, um irresponsável. Eu tive uma professora de [...], uma dama, uma mulher finíssima, ela já entrava na sala de aula, então, ela já entrava na sala de aula [e dizia uma

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expressão que queria dizer: rápido...] E ela era uma dama realmente, ela ensinava tudo direitinho, mas tinha outra de [...] que era a professora [...], tudo do ginásio. Essa professora de [...], ao contrário da professora [...], que era uma mulher elegante, bonita e ensinava muito, ela não ensinava nada. Lembro já no curso pedagógico, alguns professores se repetiram, como a [...], a [...]. Tive também o professor [...], que era professor de [...], mas não era lá desses lindos professores, mas era amigo dos alunos; agora para dar aula era só perguntas e respostas “quem fez isso, quem fez aquilo”. (...) a [...] que também era perguntas e respostas, e quando eu fui estudar [...], eu achei que não poderia ser aquele tipo de professor. Psicologia eu dei com a [...], ela ainda lecionava na Universidade até um tempo desses.

Outra professora frequentemente citada pelas alunas como marcante na

formação do curso normal é a que ministrava a disciplina de canto orfeônico:

Nesse tempo, tinha a aula de canto orfeônico e a professora [...] é uma professora marcante para nós. Graças a ela, a gente sabe até hoje o Hino Nacional, o Hino da Bandeira, o Hino do IEP. Nas aulas de canto, ela era um pouco severa com relação à postura da gente, ela não tinha dó não. (Ruth)

Muitos outros relatos referem-se aos professores; entretanto, como

estão diretamente relacionados ao curso, serão tratados no tópico relacionado

ao curso de formação de professores.

As Inspetoras

As Inspetoras de ensino também faziam parte da vivência escolar de

alunos e professores do Instituto de Educação, sendo lembradas em suas

narrativas. Cada turma tinha uma inspetora por esta responsável. Elas eram

responsáveis por conferirem a frequência dos alunos antes mesmo de o

professor entrar em sala para não atrasar o trabalho dessas em sala. Segundo

relatos de professoras e alunas, em consequência da convivência que

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atravessava os anos, professores, alunos e inspetoras construíam laços

afetuosos que até hoje são relembrados.

A gente era assim como se fosse filha delas. (Fátima)

As inspetoras eram responsáveis por algumas turmas e elas cuidavam da gente. (Raquel)

Durante vários anos a gente convivia com a mesma inspetora, tinha aquele respeito pela inspetora, pelo funcionário de apoio. (Maria Ribeiro)

Geralmente inspetores são vistos de forma negativa por causa da função

controladora, disciplinar que exercem; entretanto, nessa escola a maneira

como são lembrados foge completamente dessa característica, o que é

justificado pelos laços afetivos lá construídos.

3.5) O Curso de Formação de Professores

O Currículo

Quando alunas, as entrevistadas estudaram sob a vigência da Lei n.

4024/61. Já quando professoras do Instituto, trabalharam sob a vigência da Lei

n. 5692/71.

Por meio da Lei n. 4024/61, de 20 de dezembro de 1961, ampliou-se a

ação das Escolas Normais no Brasil. Assim, além da formação de professores,

elas passaram a oferecer o curso de formação de orientadores, supervisores e

administradores escolares para o ensino primário e para o desenvolvimento de

conhecimentos técnicos para a educação infantil.

Durante a vigência da Lei n. 4024/61, a proposta curricular do IEEP

mudou três vezes. Assim, os alunos que estudaram nesse período cursaram as

seguintes disciplinas: Biologia, Ciências Físicas e Biológicas, Desenho,

Didática, Educação Física, Filosofia, Matemática, Português, Psicologia,

Sociologia, Recursos Audiovisuais.

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Algumas entrevistadas acreditam que o currículo do curso normal da

época atendia tanto a formação de professores licenciados, bem como

proporcionava um embasamento para aquelas que pretendiam cursar

Pedagogia em nível universitário:

(...) nós tínhamos Desenho, na primeira série nós tínhamos uma disciplina chamada Desenho, em que a gente aprendia como fazer as letras, como fazer um cartaz, tínhamos também Estatística. Então, quando nós chegamos à universidade para dar Estatística Aplicada à Educação nós já tínhamos uma base. (Raquel)

Nessa época, a proposta curricular do IEEP tornou-se basilar, isto é, o

modelo básico para todas as outras propostas curriculares dos cursos de

magistério da época, firmando assim sua identidade de principal instituição

formadora de docentes em nível médio perante a sociedade local.

Sobre essa aproximação entre o currículo do IEEP e o currículo do curso

de Pedagogia da Universidade Federal do Pará, Fátima acredita que o ensino

no curso normal não deixava muito a dever ao ensino da universidade:

pelo menos para mim não era muito diferente, eu estava vendo no curso superior coisas que eu já conhecia, mas existiam matérias, por exemplo, Didática, que a gente já conhecia, mas tinha feito só um apanhado.

Isso que a entrevistada afirmou se repete em outras pesquisas, as que

mostram que os currículos dos cursos normais eram muito consistentes e os

conteúdos trabalhados equivaliam a conteúdos dos cursos superiores, como

verificado, por exemplo, por Mastrobuono (2004), entre outros.

A escola também era rica de recursos e possuía laboratórios de Física,

Química, Biologia, História e Geografia. No horário destinado a essas

disciplinas, os alunos saíam das salas e se dirigiam aos laboratórios destas

para, então, lá assistirem as aulas.

A grade curricular era complementada pela Colégio de Aplicação:

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nós tínhamos o Colégio de Aplicação, onde as alunas iam aprender a dar aula, era anexo ao Instituto e eu também fui diretora do Colégio de Aplicação. (Ruth)

Na primeira série do curso pedagógico os alunos iam para a escola de

aplicação apenas observar; era um estágio de observação. No segundo ano,

eles começavam a participar de algumas atividades desenvolvidas em sala,

como, por exemplo, corrigir junto com a professora o trabalho dos alunos. Por

fim, na terceira série era exercitada a regência de classe, completando o

estágio curricular.

Sobre a Colégio de Aplicação, a entrevistada Maria das Graças relata:

Depois que entramos no pedagógico tivemos esse estágio em sala de aula. Então, o meu magistério vem desde lá, a escola de aplicação era no pedagógico, onde a gente fazia os três tipos de estágio (observação, participação e regência de classe). Então, veja, a escola de aplicação realmente ajudou, hoje você não vê mais isso, na nossa época tinha, era bem aqui embaixo, nós saímos daqui para ir para lá.

O Colégio de Aplicação atendia a comunidade escolar do IEEP. Era

oferecida a Educação Infantil, na época denominada Jardim de Infância,

conforme a Lei nº 4024/61, como também o ensino de 1ª a 4ª séries. Além de

assessorar a professora regente de classe, os alunos faziam um estágio na

Secretaria, na Direção da Escola, objetivando, dessa maneira, apreender o

funcionamento global da escola.

Desde a primeira série os alunos começavam a articular teoria e prática.

O fato de ter uma escola de aplicação ratificava que a articulação teoria e

prática estava na base do currículo; logo, não era por acaso que essa era a

escola modelo de formação de professores. Assim, podemos perceber a

riqueza que foi o IEEP em termos de organização, planejamento e projeto

pedagógico, mas, sobretudo, seu compromisso com a formação de

professores.

Elas tinham uma formação teórica profunda, mas diretamente articulada

a uma prática nascida na realidade da sala de aula. Fato este que influenciava

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diretamente na qualidade do professor a ser formado dentro de uma estrutura

escolar como esta.

Com a Ditadura Militar vieram algumas mudanças no currículo do curso

normal; essas mudanças caracterizaram-se como uma espécie de

“esvaziamento” da formação do professor:

(...) eu senti isso quando eu voltei para ser professora, porque eu reclamava muito do currículo, já era na Lei 5692 (...) Por exemplo, o nosso currículo da Lei 4024 tinha aula de Desenho que era para fazer as letras, como fazer um cartaz, que cor deveríamos usar no cartaz, era mesmo aula de desenho pedagógico, aprendíamos a fazer cartaz para alfabetizar, mural etc. Hoje você vê as letras dos professores as piores possíveis. (Raquel)

Com a ditadura tiveram algumas mudanças no currículo, por exemplo, a gente fazia Didática I e II e depois passamos a fazer apenas Didática I. (Fátima)

Ruth destaca que no currículo do curso era dada importância a

conteúdos relacionados ao desenho e a letra como aspectos instrumentais, isto

é, com o intuito de instrumentalizar os professorandos. Já Fátima atenta para

uma questão mais de “fundo”, que é fundamental, ou seja, passaram a cursar

apenas Didática I, em vez de Didática I e II, esse é um exemplo desse

“esvaziamento” curricular.

Sob a vigência da Lei n. 5692/71, pode-se entender que houve certa

inflexão teórica na formação oferecida; até então, os futuros professores eram

formados dentro de uma concepção que se aproximava mais da erudita, ou

seja, sendo possuidor de uma vasta cultura geral, ele seria capaz de oferecer

uma educação adequada aos seus alunos. Nessa época, porém, o instituto

adotou o que acabou por ser conhecido como tecnicismo, segundo o qual, o

professor deveria ter domínio de técnicas de ensino. Tudo isso estava em

acordo com a situação política da época, pois o Regime Militar beneficiou-se do

tecnicismo, posto que não lhe interessava a análise crítica sobre a conjuntura

social e política da sociedade brasileira.

De acordo com Romanelli (2001), além do esvaziamento do Desenho e

da Didática, a Lei n. 5692/71 conseguiu ser ainda mais deletéria em relação a

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esse esvaziamento curricular porque as disciplinas que permitiam reflexão

foram retiradas dos currículos ou adulteradas; para a autora, o currículo da Lei

n. 4024/61 tinha um cunho mais enciclopedista e propedêutico do que o

currículo da Lei n. 5692/71, mas resultava num currículo que garantia a

profundidade do aspecto teórico.

A Avaliação

Conforme apontam algumas entrevistadas, quando eram alunas, o

processo avaliativo era muito pautado pela técnica da memorização e

reprodução do conteúdo ministrado.

Tinha um professor, que eu não vou citar o nome, a [...] vai logo saber quem era, que ele fazia a gente decorar 102 [itens do conteúdo da disciplina] para depois fazer a prova. Tu já pensastes o que era decorar 102 [idem] e 608 [...] (...) Esse professor fazia a gente decorar dez pontos de [...]. A outra professora de [...], ela também fez eu decorar todas as [...], eu fui obrigada a repetir isso milhões de vezes. (Iara)

Um dos instrumentos de avaliação muito citado pelas entrevistadas é o

sorteio de ponto, no qual o aluno sorteava um dos assuntos trabalhados em

sala e discorria sobre ele diante do professor e da turma inteira.

No meu pensar, as avaliações eram péssimas. Eu tive um professor de [...], ele mandava a gente sortear o ponto. Ele dava dez pontos para você decorar, você tinha que decorar, por exemplo [...]. Isso era um ponto, que no mínimo tinha quarenta linhas, aí você lia aquilo e decorava, os dez, aí tinha um negócio que ele trazia na hora da prova com dez bolinhas lá dentro e ele sacudia e tirava uma bola, aquela bola era o número do ponto. Por exemplo, se saísse o ponto sete, o aluno tinha que começar a falar. (Iara)

As práticas de avaliação indicam como a autoridade do professor era

exercida por meio destas, pois os alunos deveriam apresentar o conteúdo

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apreendido da mesma forma como havia sido ensinado; qualquer alteração não

era considerada.

Só que era uma redação muito tradicional; na verdade, não era uma redação completa porque era só descrição, colocava um quadro lá, eu me lembro que o último era uma menina que vinha correndo e um cachorro correndo atrás dela, aí era para você colocar trinta frases descritivas. Eu, como tinha e até hoje tenho uma capacidade muito grande de não copiar e de ir fugindo já para longe, acontecia que eu não conseguia descrever aquilo, porque eu já inventava uma história, o cachorro já estava correndo de alguma coisa e era só para dizer o que estava lá, e eu sempre me ferrava, porque eu não dizia tudo o que estava lá. Eu lembro uma vez, o professor [...] mandou que a gente descrevesse a nossa rua, então eu criei uma rua ideal, não era a rua que eu morava, criei uma rua arborizada, sem barulho, toda limpa, sem lixo, a minha casa afastada, cheia de árvores, e não criei a rua simplesmente descrevendo, eu contei a estória (sic) da minha rua, como ela foi construída, aconteceu que o professor me deu zero; eu tive que recorrer, brigar; para poder tirar uma nota nessa prova, porque tinha que ser o que o professor queria. (Iara)

Outra entrevistada cita uma metodologia ameaçadora e impositiva usada

por um professor e os sentimentos nela despertados a esse respeito:

O professor [...] era um dos que passavam trabalho e prova, a prova dele tinha só cinco questões, isso porque ele não tinha didática e nem organizava (...) Eu não aprendi muito da [...] com ele, ele [...] dava a prova rápido, correndo, e a prova dele geralmente era assim, ele pegava cinco alunas, prova oral, e fazia perguntas, valia dois pontos e meio cada pergunta, eu com ele nunca tirei dez, era sete, era cinco, porque eu já ficava temerosa, eu torcia para a minha colega errar para eu poder acertar aquela resposta, ele quase não fazia prova escrita, era mais oral e poucos trabalhos. (Fátima)

Outros instrumentos de avaliação também utilizados eram as sabatinas,

os campeonatos de verbos, as olimpíadas de matemática e a atribuição de

pontos aos cadernos que tivessem, de forma organizada e completa, todo o

conteúdo ministrado durante o ano:

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A gente tinha caderno de borrão e caderno de passar a limpo. Os pais da gente já davam para a gente; então, a gente escrevia primeiro no borrão e depois passava a limpo em casa. (Raquel)

Assim, a gente aprendia mais, porque o professor incentivava, dava ponto pelo caderno, não era um ou dois não, era a maioria. Meio ou um ponto, já ajudava na nota final. (Fátima)

Segundo os relatos, as provas escritas também se limitavam

basicamente a avaliar a capacidade de memorização e reprodução dos

assuntos trabalhados em sala de aula:

As provas escritas se prendiam a coisas também muito decoradas, eu te digo, sinceramente, muita coisa ali eu não aprendi não, a gente decorou para fazer a prova. (Iara)

Eu me lembro que [...] a gente continuava até no último ano estudando gramática e redação, só gramática e redação, e a prova era dividida em duas: uma prova objetiva de gramática e fazia redação. Só que era uma redação muito tradicional; na verdade, não era uma redação completa porque era só descrição. (Iara)

Sobre a década de 1970, relatos de ex-alunas apontam algumas

mudanças; em lugar do antigo sorteio de ponto, as avaliações escritas

ganharam relevância. Trabalhos em grupo e muitas provas são o que recordam

algumas alunas daquele período. Os recursos didáticos também modificaram, a

utilização de álbuns seriados e flanelógrafos eram comuns.

As avaliações eram bem tradicionais, prova mesmo, com tempo limitado e era bem rigorosa a hora de entrada e de saída dos professores na sala, durantes as aulas e nos dias de prova, e também muitos trabalhos, eles davam uma importância enorme para o trabalho, acho que o peso maior era do trabalho. (Maria da Conceição) Eu sempre percebi que, pelo menos no meu grupo, existia um interesse de apresentar trabalhos bons, talvez porque existia muita concorrência entre os grupos, e dos professores se notava que eles davam muito valor para o trabalho, na verdade, às vezes a nota do trabalho era muito mais importante do que a nota da prova escrita; em todas

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as disciplinas se tinha trabalho para fazer e os grupos de estudo concorriam entre si. (Maria da Conceição)

Apesar das críticas, há relatos que destacam aspectos positivos no

paradigma de avaliação adotado pelos professores do curso normal. Inclusive

há entrevistadas que acreditam, de um modo geral, terem sido muito formativas

e enriquecedoras algumas metodologias adotadas pelos professores.

Eles tinham um interesse que a gente passasse, mas que a gente fosse aprovado sabendo. Eles criavam várias situações metodológicas para que a gente se apossasse daquele conteúdo que estava faltando. Por exemplo, as sabatinas não eram bem “sabatinas”, eles faziam tipo um campeonato de verbo, se o problema era verbo, se era alguma coisa da matemática, fazia um campeonato em que um perguntava para o outro. (Raquel)

Porque, embora fosse uma escola nos moldes tradicionais que usava a prova escrita e a prova oral, de certa forma nos ajudou a controlar os nervos, porque quando nós chegamos para fazer o concurso público do estado que a gente teve que fazer prova escrita com redação e tudo, nos moldes do vestibular e depois da aula didática para ser admitida como professora do Estado, a gente já vinha treinando isso nos três anos do pedagógico. (Raquel)

Vale ressaltar que esse era o processo avaliativo da época, ou seja, é

algo que não pode ser atribuído exclusivamente ao IEEP, como se esta fosse

uma situação isolada do contexto educacional de então. Entretanto, mais uma

vez o IEEP mostra a sua especificidade, ou seja, o IEEP cumpre a lei, mas

inova, ousa, fato que está exemplificado nos campeonatos de verbo, utilizando

o caderno de borrão e outras situações didáticas que proporcionassem aos não

alunos não apenas serem aprovados, mas dominar os conteúdos.

As atividades docentes

Os relatos das ex-alunas entrevistadas apontam que a relação

professor-aluno no IEEP foi caracterizada pelo autoritarismo e rigidez das

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práticas docentes, mas, apesar disso, elas relatam ter boas lembranças desse

período. Sobre esse autoritarismo e rigidez relatados pelas ex-alunas, vale

ressaltar que são atitudes docentes próprias da época em questão, era isso

que era esperado do professor, era o que ele tinha de fazer, ou seja, para além

de uma crítica descontextualizada, podemos afirmar que esta era a função

prescrita ao professor, que determinava como ele deveria ministrar o conteúdo,

a matéria, exigir que o aluno usasse caderno de borrão, conferir se o aluno

copiou corretamente, passar prova, tudo isso estava prescrito. No entanto,

nisso reside a riqueza do trabalho com a memória, posto que as entrevistadas

não se esquecem dos bons momentos vividos, pois, como exemplifica Raquel,

“A gente foi muito feliz com nossos professores”.

De um modo geral, os professores eram vistos pelas ex-alunas como

austeros e muito compromissados com o ofício que exerciam. Mais uma vez,

para além da prescrição, eles tinham um compromisso com a docência, com o

ensino, com a aprendizagem dos alunos. Então, não era só cumprir o que era

prescrito, era também realizar aquilo para o qual ele ocupava a função de

professor numa escola reconhecida pela qualidade, que visava à formação de

futuros professores.

Vale a pena repetir a fala de Raquel, pois ela também mostra que, para

além do cumprimento, havia professores que se preocupavam em criar

situações efetivas e até lúdicas para a aprendizagem.

Os nossos professores não faltavam, eles tinham um compromisso, a gente ia para a escola e tinha as cinco aulas, as seis aulas daquele dia. (Raquel)

Eu acho que naquele tempo a coisa era mais séria, os professores eram mais interessados, o único professor que dava aula correndo era o professor [...], porque ele era muito ocupado. (Fátima)

Assim, em meio à postura responsável e austera, havia espaço para

atitudes de acolhimento e proximidade na relação professor-aluno. Havia

também preocupação com as alunas, atenção para possíveis problemas, não

havia a queixa e o encaminhamento hoje tão comuns; o professor identificava e

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buscava recursos pedagógicos na sala de aula para resolver os desafios que

aparecessem no cotidiano da sala de aula:

Os nossos professores eram muito acolhedores da gente, eles se preocupavam que a gente aprendesse. Não sei se porque a relação professor-aluno era muito direta, porque nós éramos 40 alunos e eles tinham um interesse que a gente passasse, mas que a gente fosse aprovada sabendo. (Raquel)

Fátima aponta uma das estratégias pedagógicas utilizadas pelos

professores para que ela pudesse vencer a timidez e se entrosar com os outros

colegas, além do seu grupo de amigos habitual:

E era bom que a gente se entrosava, eu era tímida demais, então eles me colocavam num grupinho diferente do meu para que eu pudesse me entrosar com os outros alunos. Já o pessoal que fazia muito barulho, eles tiravam e colocavam separados.

As usuais técnicas de grupo eram realizadas para favorecer uma

interação entre alunos e facilitar a comunicação entre professores e alunos.

Existiam também práticas pedagógicas utilizadas pelos professores que

caracterizavam bem o ensino tradicional, próprio da época, que era prescrito

para o professor e dele esperado o seu cumprimento, em que prevalecia o

medo do professor, fato que as “obrigava” a decorar as lições:

Tinha um professor que nos fazia perguntas, ele colocava assim cinco. Ele não dava quase aula, ele era professor em várias escolas. Então, a aula dele era rapidinha. Aí ele forçava a gente estudar porque ele nos fazia perguntas, era dois e meio cada pergunta respondida (...) a gente não usufruiu bem. (Fátima)

Outra entrevistada, citando as metodologias utilizadas por este mesmo

professor relata o medo que sentia durante suas aulas:

O [...] fazia muito prova oral, primeiro ele chamava pelos voluntários, uma vez eu fui inventar de ser voluntária, mas eu temia, sabe, eu tinha um medo dele. (Maria das Graças)

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Outra forma de “controle” usada por alguns professores era a prática de

atribuir pontos para os cadernos que contivessem todo o conteúdo ministrado

em todas as aulas durante o ano:

O professor [...], para ajudar na nota, ele dava uma nota para o caderno que tivesse toda aquela matéria que ele tinha dado. (Fátima) Assim, a gente aprendia mais, porque o professor incentivava, dava ponto pelo caderno, não era um ou dois não, era a maioria. Meio ou um ponto, já ajudava na nota final. (Fátima)

Essa é uma situação contraditória, sabemos que decorar não leva a

aprendizagem, mas havia uma garantia, havia uma cobrança e uma

preocupação de que esse conteúdo seria apreendido, e nem sempre somente

decorado, os professores usavam outros recursos como sabatinas,

competições etc.

Referindo-se ao período ginasial em que cursou seus estudos no

Instituto de Educação, Ruth descreve o curso como aquele em que só o

professor fala e o aluno fica calado. Segundo a entrevistada, questionar o

professor era considerado até uma falta de respeito para com ele.

Vou te ser honesta, a grande maioria dos professores da minha época... Eu entrei aqui em 1957, portanto, década de 1950 (...) para mim, não passavam de uns papagaios que entravam em sala de aula, repetiam tudo aquilo que eles liam nos livros e aí a gente tinha que decorar tudo aquilo também e de posse disto fazer a prova. Tinham muitos professores que eu os considerava um pouco folclóricos, porque, como havia prova oral e escrita, se sorteava um determinado ponto (...) Você tinha que estudar, por exemplo, dez dissertações de [...], dez de [...] para na hora ser sorteado uma daquelas. Mas, assim mesmo, sempre havia o problema de você não poder perguntar; isso para mim é terrível.

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Para a entrevistada, os alunos eram proibidos de perguntar porque

alguns professores também não sabiam muito além daquilo que estava nos

poucos livros utilizados durante as aulas.

Ruth relata que esses professores mais tradicionais eram relativos ao

curso ginasial, e no curso pedagógico, a dinâmica professoral era um pouco

diferente, principalmente nas disciplinas pedagógicas que, segundo a

entrevistada, eram ministradas por professoras que também já lecionavam na

Universidade Federal do Pará. Contudo, mesmo no curso pedagógico ainda

existiam professores que não tinham formação específica para ministrar as

disciplinas pedagógicas.

Esses folclores todos que eu estou te falando são relativos ao ginásio, mas quando chegava no pedagógico a coisa melhorava um pouquinho mais, porque já eram professores mais conscientes, embora, por exemplo, nessa área de psicologia, higiene e nutrição, a maioria eram médicos, porque ainda não tinha psicologia aqui, poucos iam para fora estudar, mas assim mesmo eu tive bons professores no curso pedagógico. (Ruth)

Segundo relatos da entrevistada, os professores que atuavam no curso

ginasial, em sua maioria, eram formados pelo CADES. Já no curso pedagógico

a formação apresentava uma qualidade melhor, porque o corpo docente já era

constituído de professores formados em nível superior. Porém, as disciplinas

de psicologia, higiene e nutrição ainda eram ministradas por médicos, haja

vista que não havia curso de psicologia em Belém.

A CADES foi criada na gestão de Armando Hildebrand na Diretoria do

Ensino Secundário e no governo de Getúlio Vargas, a pelo Decreto nº 34.638,

de 14 de novembro de 1953. Declarava como sendo seus objetivos difundir e

elevar o nível do ensino secundário, ou seja, tornar a educação secundária

mais ajustada aos interesses e necessidades da época, conferindo ao ensino

eficácia e sentido social, bem como criar possibilidades para que os mais

jovens tivessem acesso à escola secundária. Nas décadas de 1950 e de 1960,

todos os anos acontecia o ‘curso’ CADES de formação para professores, sob

orientação do MEC, e os alunos professores obtinham os registros para

exercerem o magistério. O curso conferia aos aprovados o registro de

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professor do ensino secundário e o direito de lecionar onde não houvesse

disponibilidade de licenciados por faculdade de filosofia. Esses cursos,

geralmente, tinham a duração de um mês (janeiro ou julho) e tinham a

finalidade de suprir as deficiências dos professores, até então leigos, referentes

aos aspectos pedagógicos e aos conteúdos específicos das disciplinas que

iriam lecionar ou que já lecionavam.

O professor era aprovado pela CADES e obtinha o registro para lecionar

no curso secundário. Com a proliferação de cursos de licenciatura, o MEC

extinguiu a CADES. O MEC contratava professores dos grandes centros: Rio e

São Paulo, principalmente. No início de cada ano, em janeiro, em determinadas

cidades, distribuíam cursos para os chamados Exames de Suficiência. Como

havia a necessidade de contratação de professores e não havia professores

formados, a condição para se dar aula no secundário e no ginásio era obter um

registro definitivo através da CADES. Os professores contratados pelo MEC,

durante um mês ou um mês e meio, davam cursos, e os “professores-alunos”

prestavam o Exame de Suficiência ao final do curso. Esses cursos da CADES

tinham o professor de Didática Geral para todos os participantes. E havia o

professor de Didática Especial e de Conteúdo Específico para cada matéria

(...). Em quantidade, a formação de professores era insuficiente. A dificuldade

ocorria também em outras áreas. Por exemplo, para se encontrar professor de

Latim, buscavam-se padres, advogados ou ex-seminaristas.

O relato, quando se refere ao curso pedagógico, mais uma vez nos

mostra a qualidade deste, que não nega o que é prescrito pela lei, mas vai

adiante, cria e ousa, tanto é que muitos deles, no Pará e em várias outras

regiões do país, os professores dos cursos de Pedagogia e mais tarde os de

Psicologia vêm dos cursos normais.

A entrevistada Fátima também destaca como significativo ter tido no

curso pedagógico do IEEP professores que também já lecionavam na

Universidade Federal do Pará.

Alguns professores que tive no IEP foram os meus professores na Universidade, a professora [...] foi do IEP e da Universidade, a professora [...] também foi minha professora no IEP e na universidade (...) o IEP foi uma universidade. A [...] lecionou no IEP e foi também nossa

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professora na UFPA, a [...], a [...] de psicologia, a [...] [...], [...], [...]. O professor [...] e o professor [...] também eram da Universidade e do IEP, então eles davam uma atenção para a gente e, por eles já estarem na Universidade, muita coisa de lá eles já levavam para o IEP.

A relação professor-aluno também era permeada por muita rigidez,

conforme o relato da entrevistada:

Outra coisa, o professor não podia se dirigir ao aluno fora da sala de aula. Nós tínhamos uma colega que era até noiva do professor de [...] e outra que era noiva do professor de [...], mas a professora [...] não admitia que eles se falassem dentro do colégio, mesmo eles sendo noivos de aliança. Nem tirar dúvidas podia. (Ruth)

Mais uma vez o fato estava de acordo com os costumes morais próprios

da época.

Uma das entrevistadas que estudou no curso normal entre o final da

década de 1960 e início de 1970 assim descreve sua experiência como aluna

de duas outras entrevistadas:

Eu lembro muito das aulas da [...], de [...], porque ela tinha uma formação política muito aguçada e ela fazia sempre críticas à situação política da cidade e dos governantes. Isso ainda era muito surpresa para nós. Eram muito críticas as aulas dela, mesmo no período da ditadura, era num tom mesmo educativo, ela era sempre tida como uma professora moderna e atualizada, ela trazia notas de jornal que nós costumávamos ler e debater. As aulas eram muito interativas, então não tinha quem saísse dali, daquela turma de terceiro ano, do pedagógico, sem ter uma noção da vida política da cidade. (Maria da Conceição) A [...] também era muito boa professora, muito inteligente e exigente, os trabalhos tinham que ser muito bem feitos e tinham que surpreender, os trabalhos para ela tinham que surpreender e nós nos dedicávamos muito (...) Até hoje eu me lembro que ela dizia: “A criança que é bem alimentada até os dois anos dificilmente não tinha capacidade de fácil aprendizagem”. Na verdade, ela estava nos alertando para as deficiências das salas, porque a gente estava ali em formação para dar aula de 1ª a 4ª série, ela tinha essa

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preocupação de nos alertar para alguns fatos. Nós não líamos muitos livros não, eram mais textos. (Maria da Conceição)

Os relatos orais nos indicam que havia inegável qualidade do corpo

docente, salvo algumas exceções, talvez por causa do histórico dessa

instituição no papel de formar professores no estado do Pará. De fato é

inegável a qualidade destacada, pelas entrevistadas, da importância que cada

professor em particular desempenhou em sua formação.

Outra professora classuda era a professora [...], também de [...], a velhinha era linda, toda arrumadinha, de salto alto, falava mansinho, uma dama. Tinha também o professor [...], um cavalheiro, ensinava [...], um homem que respeitava todo mundo (Ruth). Ele era muito culto, ele tinha aquela linguagem sarcástica, mas inteligente. Ele ensinava [...]. Ele entendia de cinema como ninguém. Quando passava algum filme especial era o assunto do dia. Ele já era um professor que trazia indícios da educação moderna, ele aproveitava o que estava acontecendo aqui e agora, ele não se prendia a certas regras. (Iara)

Sobre a preocupação específica com a formação de professores no

curso normal, Iara relata:

Tinha o professor de [...], [...], que homem bonito e educado, sabia a disciplina e ensinava aquilo tão bem. Teve umas coisas horrorosas professores, mas tivemos professores avançados já para aquela época, professores já com uma idéia avançada e pensando que nós seríamos futuramente professoras (...) O professor [...] dizia “não pensem que vocês não tem que estudar [...], vocês têm que saber [...] porque vocês são professoras e vocês terão que ensinar [...] para os seus alunos”.

Enfim, os relatos apontam que os professores do Instituto garantiam o

processo de ensino-aprendizagem, mas, é claro, havia aqueles professores

que eram autoritários e que nisso permaneciam, mas não podemos

generalizar, porque ao mesmo tempo existiam professores que eram rígidos,

que cobravam, que mandavam decorar os pontos, mas que também eram

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professores que marcavam a relação professor-aluno por afetividade, por

acolhimento, por preocupação com o desempenho deles, e outros professores

que, inclusive, tinham uma preocupação de conscientização dos alunos

durante a Ditadura Militar e que ajudavam os alunos a pensar, a refletir, a

discutir, a analisar a situação do país naquela época.

A Formação no Instituto

O IEEP, desde sua fundação e durante todo o período por nós

investigado sempre captou para seu interior um grupo de alunos e alunas

estudiosos, em grande parte filhos da elite, que compreendiam a escola como

um espaço necessário para ampliar seus conhecimentos. Às jovens

pertencentes à elite, a entrada na escola normal era um objetivo generalizado,

pois permitia a aquisição de um diploma e uma profissão, ao mesmo tempo

que não as desviavam do casamento e da maternidade, finalidade maior a que

eram destinadas.

Os alunos que se inscreviam para estudar na escola normal tinham que

superar uma triagem que media seus conhecimentos.

O ingresso no IEP, no meu tempo, para eu entrar aqui, eu tive que passar numa prova chamada admissão, fazia-se aquela triagem para ver quem tinha condições de ficar. Tanto que o magistério no IEP era muito solicitado. (Maria das Graças)

Porque era só lá que tinha formação de professores. (Ruth)

De acordo com Ruth, a formação do IEEP, nas décadas de 1950 e 1960,

o professor ministrava uma aula que facilitava o processo de memorização.

Aqui, mais uma vez, vale repetir a fala de Ruth.

Então, o ensino naquele tempo era o famoso ensino “a letra com sangue entra”, o professor só fala e o aluno fica calado, o aluno não podia fazer uma pergunta, porque era considerado desrespeito, tipo: você está atrapalhando. Para mim, não passavam de uns papagaios que entravam em sala de aula, repetiam tudo aquilo que eles liam nos

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livros e aí a gente tinha que decorar tudo aquilo também e de posse disto fazer a prova.

No entanto, aqui a entrevistada se refere a um grupo de professores,

porque ela própria fala de outros professores que exerceram sua função

docente de maneira diferente e, ela também, como professora do Instituto,

procurou trabalhar de maneira diferente.

Para Raquel, a importância do curso normal do IEEP transcende a

formação para o magistério, pois, por mais que os alunos não fossem exercer o

cargo de professores da Educação Infantil ou de 1ª a 4ª série do ensino

fundamental, o contato com disciplinas como Psicologia e Filosofia (e outras)

proporcionavam uma visão mais abrangente do ser humano e,

consequentemente, subsidiavam as mulheres para lidarem com as complexas

questões da infância e adolescência de seus filhos.

Ainda segundo a entrevistada, os laboratórios da escola

complementavam o ensino ministrado em sala de aula:

Nós tínhamos laboratório nessa escola, de Física, Química, Biologia, História e de Geografia, nas nossas aulas nós saíamos da sala e íamos para os laboratórios dessas disciplinas (Raquel).

De acordo com os relatos, os alunos eram formados dentro de uma

estrutura disciplinar. Partindo das serventes, passando pelas inspetoras e

professores, erguia-se uma hierarquia escolar. O alunado era incentivado a

valorizá-la e a reproduzi-la:

A escola tinha outra estrutura, tinha inspetor do ensino, tinha o serviço técnico todinho e tinha a repressão que é o ‘eu te expulso’ (Raquel).

Sobre isso, é fato que havia uma hierarquia e era mantida a disciplina,

mas não de maneira absoluta ou só autoritária. Havia também outra forma de

relação entre professores, inspetores e alunos, além, é claro, da importância

das relações entre alunos em geral, ou seja, havia, sim, hierarquia e exigência

de disciplina, mas elas não eram de uma rigidez inquestionável, tanto que

existia espaço para as brincadeiras. Por outro lado, elas se lembram das duas

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formas de relações que elas vivenciaram no IEEP, contradição esta que é

reflexo da contradição institucional como um todo.

As entrevistadas destacam a Colégio de Aplicação do IEEP como um

dos grandes pilares da formação recebida. Como parte da disciplina Estágio

Supervisionado, as alunas estagiavam no Colégio de Aplicação que atendia a

comunidade. Na vigência da Lei n. 4024, a escola de aplicação ofertava o

Jardim de Infância e o Ensino de 1° a 4° série. O estágio consistia em

assessorar a professora regente de classe, além de estagiar na secretaria da

escola e junto aos técnicos pedagógicos desta.

(...) nós passávamos por todos os ambientes da escola de aplicação e quando a gente chegava no terceiro ano já assumíamos as turmas com a professora, nós tínhamos uma enorme responsabilidade, nós avaliávamos junto com a professora, corrigíamos os trabalhos dos alunos e tudo isso fazia parte da nossa avaliação na disciplina Estágio Supervisionado. (Raquel) Na primeira série a gente tinha observação, nós íamos para a escolhinha de aplicação observar. No segundo ano, nós já íamos participar, aí nós já corrigíamos junto com a professora o trabalho dos alunos. Na terceira série, nós íamos para a regência de classe. (Maria das Graças)

Os relatos indicam que não era comum a utilização de livros no curso

normal, o mais frequente eram os textos que tratavam sobre os assuntos

estudados:

A Ruth trazia textos maravilhosos sobre Psicologia, nós líamos em sala (Maria da Conceição).

Entretanto, a entrevistada queixa-se do pouco contato com livros dos

autores mais importantes, pela própria dificuldade de acesso a esse tipo

bibliografia na época pesquisada, como também para o pouco incentivo dos

professores em relação a esse tipo de pesquisa.

(...) nós tínhamos pouco acesso a livros de autores, eram mais os livros do [...], talvez pela facilidade, porque ele estava lá na escola, quando tinha algum trabalho nós

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pegávamos o livro dele mesmo para trabalhar, mas não lembro de termos atividades em biblioteca, pegar livros emprestados, eu acho que isso é uma falha. (Maria da Conceição)

Falando sobre o seu tempo de aluna no Instituto, Iara diz que seus

formadores de professores haviam sido formados pelo CADES ou por cursos

de idiomas da cidade:

Então, na nossa época, nós não fomos formadas por professores da faculdade de filosofia, nós fomos formadas por professores da CADES. E os professores de línguas, francês e inglês. Esses professores faziam Aliança Francesa etc.

Apesar da trajetória de formar professores no curso normal tanto na

cidade de Belém, quanto no estado do Pará, as entrevistadas lamentam a

perda de qualidade do IEEP ao longo dos anos:

Essa característica se perdeu no tempo, acho que quando o IEP se popularizou, aquela característica de dizer “eu sou aluno do IEP e entrei ali para ser professor”, isso se perdeu com tempo. Quando a gente passou para ser professora, já não era a mesma coisa. (Iara)

A formação de professores teve continuidade após esse período; mais

tarde essas alunas tornaram-se profissionais do IEEP que vieram a dar

continuidade à sua formação, mas, sobretudo, as mudanças que ocorreram ao

longo do tempo no projeto formação de professores do IEEP.

A partir de suas experiências, cada entrevistada produziu o seu próprio

jeito de ser professora, algumas ex-alunas do Instituto, outras não, pelo

entrecruzamento de sua maneira de ser pessoa-professor com o jeito de ser de

seus professores do curso normal e superior. A marca do eu pessoal vem à

tona através das interações estabelecidas no cotidiano das salas de aula, da

escola e das próprias mudanças introduzidas.

Parece-nos, pelo relato das entrevistadas, que a “decoreba” e a

memorização exaustiva tiveram seus anos áureos no período em que foram

alunas do Instituto. Dessa maneira, quando algumas das ex-alunas passaram a

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ser professoras do Instituto, a estrutura daquela instituição já havia sofrido

algumas alterações; por exemplo, uma das entrevistadas, que possuía um

vasto conhecimento no campo docente, grande parte dele adquirido no próprio

instituto, esteve na direção da escola:

Eu sou a primeira diretora eleita daqui do IEP, fui diretora por três anos porque também eu já tinha sido vice-diretora antes, entre vice-direção e direção foram oito anos. (Ruth)

A entrevistada Maria Ribeiro também destaca as modificações vividas

em termos de professorado:

Colegas meus de trabalho... tinha a professora [...], a [...], que até hoje nós nos comunicamos. Outros já morreram. Tinha o professor [...] Tinham alguns professores, que assim que saímos da universidade nós viemos logo lecionar, nós tivemos aqui toda uma renovação em termo de professorado, porque tinham os catedráticos e nós chegamos jovens ainda. Eu era mais próxima da [...] e da [...]. (Maria Ribeiro)

Outra mudança caracterizou-se pela tentativa de abandono das práticas

vistas como tradicionais e pela reação às diretrizes que nortearam a prática

pedagógica na década anterior:

Eu preciso te dizer que quando eu assumi aqui como professora, eu fiz tudo o contrário do que os meus professores faziam comigo. Eu ainda encontrei uns ex-professores meus que ainda estavam na ativa e que ficavam putos comigo. Por exemplo, tinha aquele hábito de quando o professor entrar o aluno levanta, aí eu fui logo acabando com isso eu disse: “Ninguém tem que levantar para mim porque eu não sou Deus, eu também estou aprendendo com vocês e cada um de vocês é único, e outra coisa, aluno que não me fizer pergunta vai se ver comigo, porque eu que vou perguntar para ele”. (Ruth)

Ainda como aluna do Curso Normal, Ruth teve a oportunidade de

vivenciar em sala de aula práticas com as quais não concordava, assim a

postura adotada pela então professora caracteriza uma tentativa de

redimensionamento do papel do professor. Antes referência absoluta na sala

de aula, ele deveria dar lugar ao aluno. Pretendia-se distinguir os professores

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que resistiam às inovações – os tradicionais – dos que as aceitavam – os

inovadores, modernos, atuantes etc.

Entretanto, essas inovações não eram resultado de uma reflexão

conjunta sobre a prática pedagógica. Por mais que a renovação de

professores, ocorrida nos anos anteriores, tivesse introduzido novas posturas

docentes, elas não compunham um projeto institucional. Porém, como todo o

processo histórico, as mudanças ocorrem, mas há uma coexistência entre o

velho e o novo.

De uma maneira geral, os professores daquela instituição viveram

aquela tensão:

Mas, sim, eu entrei em choque com alguns professores mais antigos que ainda tinham sido meus professores. (Ruth)

Eu acho que não tinha um grupo de professores homogêneo, não tinha uma proposta, não tinha aquela coisa de “vamos realizar, vamos encaminhar”, cada uma cuidava de si, não tinha um supervisor, não tinha aqueles grupos de trabalho que tivesse aquela orientação. (Coralina Oliveira).

A concomitância desses dois paradigmas – o tradicional e o moderno –

provocou tensões que nunca foram convertidas em debates, pois cada

professor abordava e defendia a postura que via como a mais apropriada

dentro da sala de aula. O resultado foi que algumas contradições nunca foram

resolvidas, de forma que a ambiguidade tornou-se parte do cotidiano do

Instituto.

Naquela época existiam professores que não mereciam ser chamados assim de “professor” e “formador de professores” (...) algumas vezes acontecia do aluno dizer que não entendeu e o professor dizer: Ah, tu és burro! Isso no nosso tempo de alunas e no nosso tempo de professoras também ainda tinha professores assim. (Iara) Aí com esses a gente comprava briga. (Ruth) Aí tinha briga na sala dos professores. Eles diziam: E o que tu tens com isso? Eu dizia: Eu sou uma educadora. (Iara)

A prática do uso de apostilas se popularizou, sendo mais comum o uso

de fotocópias de partes de livros, do que a leitura deles em si. As provas

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passaram de instruções programadas, que pretendiam verificar o aprendizado

do conteúdo, para instrumentos que tinham como objetivo coletar a opinião do

aluno, isto é, eram provas mais analíticas e reflexivas.

A minha prova era tão legal que eu deixava eles na sala e saia para depois recolher. Eles perguntavam: pode trocar idéia? Eu dizia: Pode. Qual é o problema? Na minha sala eu desmistifiquei esse negócio de cola. (Iara)

Eu passava prova com livro. Eu dizia: Amanhã na prova todo mundo pode trazer o livro.... Aí eles perguntavam na prova: Ah, é de tal página a tal página? Eu falava: Tu te viras. Pega o índice e procura. Não é a resposta, está lá o assunto para você ler, entender e responder. E dizia: Não é para copiar do livro. Dessa forma, dificilmente um aluno meu era reprovado. (Iara)

Dentro da minha disciplina de História acontecia uma coisa curiosa, porque eu trazia para a realidade e fazia a comparação. Eu me lembro que quando eu estava lecionando Estudos Paraenses que era história, geografia e sociologia tudo misturado, era uma bagunça. Aí eu fiz uma pergunta, por exemplo, se fosse lhe dada a Ilha do Marajó para pensar um modelo de desenvolvimento. Aí alguns escreveram: eu ia fazer prédio, isso, aquilo outro... Mas, esses aí foram descartados. Aí, outros escreveram: eu conservaria como ela realmente é, para conservar a natureza peculiar da Ilha. Então, era essa a resposta, não era para fazer prédio, fazer ponte para ligar com Belém, não era nada disso. (Iara)

Alguns colegas nossos ficavam putos com a gente e questionavam isso, mas eu dizia: da minha matéria entendo eu. Eles falavam: vocês fazem assim e a gente fica desmoralizado frente aos alunos. (Ruth)

Os relatos mostram o embate que havia entre práticas de um momento

anterior e as novas práticas pedagógicas, trazidas por professores mais jovens,

aliás, muitas das quais alunas que passaram pela fase anterior.

Seminários, retroprojetores e vídeos tornaram-se frequentes nas salas

de aula, mesmo que tenham encontrado resistência de alguns professores, que

continuavam usando somente o quadro de giz; sobre essas controvérsias:

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Então, eu usava também trabalhos exposições, pedia para desenvolverem um texto a partir do livro. Eu trazia textos diferentes e distribuía para eles. (Iara) Era tipo uma recreação. Passando seminários, passando outras atividades, dificilmente um aluno ficava reprovado (...) Tinham outros que da hora que entravam a hora que saiam era só escrevendo no quadro, outros só ditavam: Ah, tal, tal, tal e vírgula. Se o aluno perguntasse levava uma esculhambação. (Ruth)

No que tangia à relação entre professores e alunos, ocorreram

mudanças: aboliram-se os pronomes de tratamento, o uso de escadas (os

docentes pelo lado direito e os discentes pelo esquerdo) foi alterado, bem

como o hábito de se levantarem quando os professores adentravam nas salas

de aula:

Porque, no nosso tempo de aluna, o professor era autoridade máxima e eles riam de mim porque eu dizia para eles (...). Eles ainda tinham o hábito de levantar quando o professor entrava em sala. Quando eles começavam a se levantar eu dizia pode sentar, porque eu não quero que depois quando eu vire as costas vocês falem mal. (Ruth)

As entrevistadas mostram-se saudosas do clima educacional vivido e

acreditam que o rigor tinha por objetivo a formação de um profissional

qualificado. Nesse sentido, destacam o comportamento do professor, a forma

de ministrar o conteúdo, o linguajar e o vestir condizentes com a condição de

educador.

Os alunos nos respeitavam porque a gente se fazia respeitar e era garantida através da direção da escola essa disciplina, a direção colaborava, se preciso o aluno era chamado, mas eu nunca tive problema com aluno por causa de disciplina. Antigamente, os alunos eram mais compenetrados, respeitavam mais os professores, mas não sei se é porque hoje alguns professores não se fazem respeitar. (Maria Ribeiro)

O Instituto entendia que a formação do professor ultrapassava o domínio

do conteúdo, ou seja, o professor deveria ser reconhecido pelo cuidado

consigo e com a imagem da instituição. Mas, conforme o relato das

entrevistadas houve significativas mudanças, algumas delas relacionadas à

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própria clientela atendida pelo instituto, pois segundo alguns relatos, aqueles

que procuravam o IEEP já não o faziam em função do interesse exclusivo no

magistério. A condição de curso profissionalizante, cuja formação representava

uma garantia relativa de ingresso no mundo do trabalho, fez com que algumas

questões se alterassem:

Essa característica se perdeu no tempo, acho que quando o IEP se popularizou, aquela característica de dizer “eu sou aluno do IEP e entrei ali para ser professor”. Isso se perdeu com tempo. Quando a gente passou para ser professora, já não era a mesma coisa. (Iara) Quando a gente já ia corrigir as provas, a gente já achava muito disparate (...). (Ruth) Por exemplo, a psicologia infantil, algumas acompanhavam com os filhos, sobrinhos, ou netos, então, era mais fácil a gente partir da vida prática para os conceitos. (Ruth)

Algumas entrevistadas relembraram os momentos em que

representaram o curso de formação de professores no interior. O curso de

formação de professores por etapas começou com o IEEP.

Formação de professores no interior. O IEP que era responsável, depois que passou para a Universidade. (Ruth)

E a gente se abalava daqui pelo prazer. Eu ia daqui ensinar o Hino do IEP no interior. A gente fazia no interior uma colação de grau que era imitação da colação de grau daqui. Realmente se participava, era aquela família Iepeana. (Iara)

A Fundação Educacional do Pará (FEP), por meio do Instituto de

Educação do Estado, instalou, em dez municípios, o curso de formação de

professores para as quatro primeiras séries do 1º grau, correspondente ao

antigo primário; essa iniciativa foi tomada com vistas à expansão do curso de

formação de professores, de forma a contemplar os municípios do interior do

Estado.

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Tais cursos correspondiam ao preceito legal estabelecido na Lei n.

5692/71, objetivando que o 2° grau se configurasse em ensino

profissionalizante. Era a primeira transferência do IEEP para o interior, em

regime intensivo. Os cursos eram realizados em parceria com o Ministério da

Educação (MEC), Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC) e a

Fundação Educacional do Pará (FEP).

3.6) A Psicologia no curso

Os relatos das entrevistadas apresentam poucas indicações que nos

permitam entrever os conteúdos da psicologia ensinados nesse período no

IEEP. Com exceção de uma das entrevistadas que foi professora de psicologia

da educação no IEEP, não há nos relatos muitas indicações sobre bibliografia,

autores utilizados, temas, assuntos tratados e trabalhos apresentados que nos

permitam entrever os conteúdos da psicologia então trabalhados.

Segundo Ruth, no tempo em que ela foi aluna do IEEP (1957 a 1963) a

teoria mais estudada era a Escola Nova e os autores mais lidos eram:

Teobaldo de Miranda Santos7, Amaral Fontoura8 e Helena Antipoff9.

Nos anos em que Iara estudou (1953 a 1960), os conteúdos trabalhados

pela Psicologia estavam bem associados a questões de, como ela denomina,

“psicologia do ensino”, isto é, questões como: como ensinar ? O que é o aluno?

O que é o professor? Como se dá a relação professor e aluno? Que problemas

o aluno pode apresentar? Existem tipos de alunos?

7 Autor de livros sobre Didática e Prática de Ensino muito utilizados pelos alunos normalistas.

8 Autor do manual intitulado Fundamentos da Educação: uma introdução geral à Educação Renovada e a Escola Viva. Educador, sociólogo e psicólogo, atuou intensamente na produção de manuais pedagógicos para professores entre os anos de 1950 e 1970.

9 Psicóloga e Pedagoga de origem russa, se fixou no Brasil a partir de 1929, a convite do governo do estado de Minas Gerais, no contexto da operacionalização da reforma de ensino conhecida como Reforma Francisco Campos. Grande pesquisadora sobre a psicologia da criança, foi pioneira na introdução da educação especial no Brasil, entre várias outras realizações.

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Também estudei Psicologia com o professor [...], a psicologia dele era assim, eu me lembro bem, na primeira aula ele disse assim “psique quer dizer alma”, isso eu nunca me esqueci, esse professor de psicologia ensinava, na verdade, psicologia do ensino (...) Era assim que ele apresentava a psicologia, depois eu estudei psicologia particularmente e vi que não era tanto assim, mas ele apresentou isso para a gente, como era o aluno? Existem tipos de alunos? (Iara)

A narrativa acima nos adverte para o fato de que para ensinar é

necessário conhecer os saberes disciplinares.

De acordo com Tardif (1991), os saberes disciplinares são definidos por

cientistas a partir dos saberes produzidos pelas ciências da educação e dos

saberes sociais. Portanto, os saberes disciplinares constituem o corpus de

informações conhecimentos e saberes com que trabalha uma determinada

área ou disciplina. O professor conhecedor dos saberes disciplinares deve

dominar o conteúdo a ser trabalhado, pois, para ensinar, é preciso antes

aprender, conhecer.

Já no período compreendido entre 1968 a 1986, quando a professora

Ruth era titular da cadeira de Psicologia da Educação, a entrevistada relata que

não era comum o acesso a livros originais dos teóricos da Psicologia. O mais

comum era estudar os grandes autores da Psicologia a partir de autores

brasileiros utilizados na época.

Livros eu usava um bocado, eu usava a Iva Bonnov, a Violeta... foi um livro que esgotou, também o Teobaldo e o Amaral, por que não? Ainda não tinha os Skinner da vida como tem hoje. (Ruth)

Raquel lembra que eles estudavam a Psicologia da Infância e da

adolescência segundo Skinner, Rogers e Freud, porém com uma ênfase maior

em Rogers “essa era uma escola rogeriana, a Psicologia cuidava muito do

Rogers”. Segundo a entrevistada, a ênfase estava em questões sobre a

infância e a adolescência que pudessem subsidiar o trabalho das futuras

professoras que estavam sendo formadas para lidar com crianças e

adolescentes. Sobre os conteúdos da Psicologia da Aprendizagem, a

entrevistada lembra ter estudado autores como Gardner e Brunner.

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O relato de Maria da Conceição confirma que a disciplina Psicologia da

Infância e da Adolescência, ao tratar de temas relativos à formação da criança

e suas fases evolutivas, desde o nascimento até a entrada na adolescência,

dentre outras coisas, objetivava preparar os futuros professores de 1ª a 4ª

séries.

Até hoje eu me lembro que ela dizia: “A criança que é bem alimentada até os dois anos dificilmente não tinha capacidade de fácil aprendizagem”. Na verdade, ela estava nos alertando para as deficiências das salas, porque a gente estava ali em formação para dar aula de 1ª a 4ª série, ela tinha essa preocupação de nos alertar para alguns fatos. (Maria da Conceição)

Conforme os relatos, não era comum o uso de livros originais dos

teóricos da Psicologia, além disso, era comum o uso de revistas de circulação

comercial como a revista “Pais e Filhos”, que, apesar de trazer boas

reportagens, não tinha característica de revista acadêmica, de cunho científico

que pudesse ser um autêntico diferencial na formação daquelas alunas do

Instituto. O resultado foi uma discussão da Psicologia sem muito

aprofundamento teórico, bem como a utilização camuflada dos velhos manuais

de didática, sob uma nova roupagem, de acordo com os termos e as teorias

psicológicas em evidência.

3.7) O curso durante a ditadura

Alunas e ditadura

Os relatos apontam que a Ditadura e o regime de exceção por ela

imposto, de certa forma, foi sentido de uma maneira suave pelas alunas da

época.

Com a ditadura tiveram algumas mudanças no currículo, por exemplo, a gente fazia Didática I e II e depois passamos a fazer apenas Didática I, mas não percebi grandes mudanças, desde que eu entrei, em 1959, eu não percebi grandes mudanças. (Fátima)

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Entretanto, o IEEP foi também um dos espaços de reprodução da

autoridade tal qual esta era pensada naquele momento. Alunos, inspetores,

professores e serviço técnico seguiam uma rígida hierarquia escolar.

Devido estar na época da ditadura, a gente já convivia em casa com uma estrutura familiar muito repressora e na escola a gente seguia as regras, por exemplo, terminava o recreio a gente ia para a sala de aula; quando o professor não vinha, a gente podia jogar vôlei, tinha aula de canto, não é como agora. A escola tinha outra estrutura, tinha inspetor do ensino, tinha o serviço técnico todinho e tinha a repressão que é o “eu te expulso”. (Raquel)

Conforme o relato de Maria da Conceição, apesar da repressão imposta

pela ditadura, algumas professoras conseguiam introduzir sutis reflexões sobre

o contexto social vigente, pelo menos discussões acerca das

microproblemáticas sociais e políticas da cidade de Belém:

Eu lembro muito das aulas da [...], de Sociologia, porque ela tinha uma formação política muito aguçada e ela fazia sempre críticas à situação política da cidade e dos governantes. Isso ainda era muito surpresa para nós. Eram muito críticas as aulas dela, mesmo no período da ditadura, era num tom mesmo educativo, ela era sempre tida como uma professora moderna e atualizada, ela trazia notas de jornal que nós costumávamos ler e debater. As aulas eram muito interativas, então não tinha quem saísse dali, daquela turma de terceiro ano, do pedagógico, sem ter uma noção da vida política da cidade. (Maria da Conceição)

Professoras e Ditadura

A conjuntura política – o regime de exceção em que o país vivia –

limitava a reflexão sobre a realidade social e política da sociedade brasileira.

As professoras entrevistadas relatam os conflitos vividos entre o silenciar e o

falar, entre o não questionar e o discutir, conflitos estes presentes em suas

práticas docentes da época:

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Nesta época, foi uma época lamentável para o Brasil inteiro, a época da repressão, 1974, 1978 por aí, com isso entrou uma disciplina Moral e Cívica, a qual, eu ainda lecionei, porque não existia professor de Moral e Cívica, não existia a cadeira, então fizeram umas palestras e qualquer pessoa que tivesse nível superior poderia lecionar, desde que fizesse esse curso. Então, era difícil ministrar essa disciplina, porque, quando chegava na democracia, principalmente a gente que dava aula para o segundo grau, e que o aluno entende bastante o período que ele estava vivendo. Então, eles perguntavam: nosso regime é democrático? Eu, por exemplo, dizia a verdade, porque eu não ia mentir para o aluno, nem omitir a verdade para o aluno. Fazia parte do programa curricular de Moral e Cívica dizer que nós vivíamos numa democracia. Então, foi muito difícil, principalmente para mim, porque eu fazia Ciências Sociais. O ano que eu entrei na faculdade foi o ano que começou a ditadura. Então, eu era uma professora, não era um boneco deles. Então, eu preferi deixar porque eu não queria mentir. Eu ministrei a disciplina, mas como eu achava que deveria ser. Depois, eu cheguei e disse ao diretor: Olha eu não quero mais moral e cívica, porque os alunos perguntaram se no Brasil existia democracia e eu disse a verdade e ainda disse o porquê. Eu acho que não chegou em órgão nenhum, porque talvez eu poderia ter sido banida do magistério naquele momento. (Maria Ribeiro)

Segundo o relato das entrevistadas, as disciplinas consideradas

“perigosas” eram: Educação Moral e Cívica, OSPB, História e Sociologia. Para

os professores do IEEP poderem lecionar no período da Ditadura Militar, eles

precisavam obter uma licença da Polícia Federal renovada anualmente. Além

disso, as professoras conviviam com “olheiros” da Polícia Federal, funcionários

a serviço do governo disfarçados de alunos ou de professores que vigiavam as

conversas na sala dos professores e durante o recreio, bem como

entrevistavam os alunos para saber o que os professores discutiam durante as

aulas.

(...) nós tínhamos dois professores infiltrados dentro do IEP, não lembro o nome deles, era um gordo e o outro magricelo. (Iara)

À noite também tinham alguns alunos infiltrados. Cada turma à noite tinha um aluno infiltrado. Durante o dia tinha

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professor; professor que surgiu tu não sabias de onde, quem mandou. Aluno também que tinha vindo de Goiás. (Ruth)

Iara destaca algumas estratégias por ela usadas para “driblar” a censura

e conseguir inserir comentários críticos, pelo menos, relacionados às

problemáticas locais.

Eu dava aula assim: por exemplo, lá em Castanhal está havendo um problema muito sério relacionado a livros didáticos que estão sendo podados, mas já foi resolvido o problema, foi inaugurada uma praça (risos).

Posto que, não era permitido criticar abertamente os governantes, a então

professora Iara procurava tecer sutis críticas nas entrelinhas de sua prática

docente. Ela relata um episodio, no qual coordenou o ensaio de uma peça

encenada no IEEP que fazia uma alusão ao acontecimento histórico do Brigue

Palhaço10 que trata da adesão do Pará à independência.

A idéia inicial da Peça foi do [...]. Ele pensava que eu ia ser fiel ao texto, mas só que o povo que clamou dentro do navio que estavam morrendo, as frases eram os problemas atuais do Estado do Pará que eles clamavam. Então, era uma peça do Brigue Palhaço, ninguém podia contestar que não fosse. Fui aplaudida de pé pela plateia. Isso foi em plena ditadura militar. A plateia eram os convidados, os alunos, os professores, as famílias. (Iara)

Iara relata que após a encenação da peça foi entrevistada pela polícia

federal na pessoa de seus “olheiros” que estavam lá de plantão.

Ainda sobre esse evento a então professora e colega de trabalho de

Iara, Ruth, relata suas lembranças de quem viveu o momento:

10 Em 1823, 300 homens do 2º regimento da Artilharia de Belém se insurgiram contra a junta governativa. Foram presos no porão de um navio flutuante pelo Capitão Greenfell, oficial da Marinha Inglesa a serviço de D. Pedro I, que estava para assegurar a integração do Pará ao Brasil Independente. Com sede e quase morrendo sufocados, os encarcerados começaram a gritar por socorro e receberam uma nuvem de cal e foram trancafiados no calabouço do navio, morrendo asfixiados. Esse fato foi um dos desencadeadores da Revolta da Cabanagem.

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Os olheiros estavam todos lá. Porque eles iam acintosamente. Alguns eram escondidos, por exemplo, os que estavam infiltrados durante o ano. Mas, quando era assim um evento, eles iam na maior cara de pau.

Iara lembra quando da primeira greve dos professores do estado do

Pará no tempo da Ditadura, momento em que foi presa e levada no camburão

do DOPS, numa passeata iniciada no IEEP que percorreu a cidade e terminou

na Praça do Relógio. Segundo ela, havia por volta de dez mil pessoas

participando, mas pelo menos mil eram policiais disfarçados.

A [...] estava lá também, mas só pegaram a mim porque eu era presidente do sindicato. Eu só me salvei porque eu estava cursando o primeiro ano de Direito e todo o estudante de Direito só pode ser preso com a presença do presidente da OAB. Mas ainda me botaram no camburão e me levaram.

A entrevistada relata que durante todo o regime da Ditadura Militar

esteve trabalhando no Instituto e sobre esse período ela lembra que:

A mão da ditadura esteve lá nos amaldiçoando durante todo o tempo (Iara).

A Ditadura Militar era uma situação que estava em todo o país, mas

havia focos de maior ou menor resistência e, pelos relatos das entrevistadas,

no IEEP houve resistência, principalmente pela ação de algumas professoras,

o que mostra a força do IEEP não só na garantia do ensino de conteúdos

específicos, mas também de uma formação mais ampla e consciente, tendo em

vista a formação de professores sob o foco da ideia de cidadania.

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3.8) O cotidiano da escola e os “bons momentos”

O Canto Orfeônico

As aulas de Canto Orfeônico compunham o currículo do IEEP, as alunas

aprendiam teoria musical e aprendiam a cantar no orfeon.

Nós fazíamos parte do orfeon do colégio, era um orfeon. (Ruth)

Vale ressaltar que todas as alunas entrevistadas fizeram parte do Coral

Orfeônico do Colégio. Porém, nem todos os alunos do Instituto de Educação

participavam do coral, os relatos indicam que havia uma ferrenha seleção para

decidir quem faria parte.

Sobre o coral. A gente ficava nervosa, numa expectativa quando a professora [...] ia dizer quem ia fazer parte do coral, porque não podia ir todo mundo (...) Ela tinha uns critérios. Eram 40 alunos, num universo de 500, 600 alunos. A gente era escolhida. Enquanto ela não dava a relação, a gente não sossegava. (Raquel)

Mas, eu sempre ia. Era porque a gente não faltava. Tinham aqueles alunos que apareciam uma vez ou outra, ela sabia. Ela sabia que a gente marcava e ia mesmo. Às vezes a gente ia cantar no Teatro da Paz. (Fátima)

Penso que as apresentações do Coral do IEEP, assim como as

formaturas e as competições externas, requerem uma análise articulada com

uma discussão a respeito das festas e da representação dos cerimoniais como

forma de propagandear a imagem do Instituto nos meios da sociedade local,

bem como tecer algumas considerações referentes à simbologia da escola

normal para os governantes da época.

As Festas: o meio comemorativo para divulgar o IEEP

A segunda metade do século XX, no Pará, foi profícua na realização de

eventos para promover a educação. O Estado paraense fez da educação um

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grande espetáculo incentivando festas, competições entre escolas estaduais,

desfiles na semana da pátria etc.

Tinha uma concorrência, a grande concorrência entre nós e o Paes de Carvalho era justamente por causa do Orfeônico, porque a nossa professora aqui, ela era meio terrorista, ela não deixava a gente piscar, mas ela era “cobra” por nós e uma grande estimuladora dessa competição com a [...]. Existia também a concorrência em relação ao desfile e aos jogos estudantis na época da semana da pátria. (Ruth)

A escola passa a ser vista como uma das instituições capazes de

transmitir valores culturais e morais que garantiriam o sentimento pátrio. Isso

decorre também da exigência de formação dos professores primários e da

disseminação das escolas normais, da constituição de um sistema de instrução

pública em vários estados brasileiros.

Os governantes da época dispensavam uma atenção especial com os

rituais festivos; assim, as datas marcantes no calendário festivo servem para

mobilizar fatos históricos a serem ressaltados pela então elite local. Desse

modo, o IEEP sobressaía como uma das instituições que reuniam as condições

fundamentais para semear as ideias de modernidade vigentes no século XX.

Podemos identificar tal aspecto quando da formatura dos alunos do

curso normal:

A colação de grau do IEP fechava a rua e a gente atravessava a pé para o Teatro da Paz. (Raquel)

Era parecida com a colação da universidade antes, agora não que também não tem muita coisa. (Fátima)

A cerimônia de formatura era o ponto de apoio de todas as turmas. (Ruth)

A colação de grau do IEP era um dos acontecimentos mais importantes da cidade de Belém. Porque, naquele tempo não era meninas de periferia, era a classe média para a alta. Porque muitas iam para lá só para fazer o curso, mas nem iam usar para nada. (Iara)

Uma comemoração e dedicada festa na colação de grau dos jovens

professores, pois o caminho seguido nos anos de estudos vem coroar o

esforço dos alunos, mas também a vitória do próprio Estado, que, através do

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ensino normal, consegue expor à sociedade paraense o perfil de professor

almejado.

Canto Orfeônico no Teatro da Paz, as pessoas iam assistir, para ti ver o “chiquê” que era... Aí se apresentava o Paes de Carvalho, o IEP e se apresentavam as outras escolas, mas as escolas que se sobressaíam era o IEP e o Paes de Carvalho. (Iara)

Teve também a famosíssima banda feminina, que é a única banda feminina do norte e nordeste, e o IEP mantém essa banda, mas durante muito tempo eu era caixa na banda, eu batia caixa. (Iara)

Tinha a apresentação de ginástica no Clube do Remo, hoje em dia é só o primeiro grau que apresenta, naquele tempo todas as escolas se apresentavam, mas geralmente o que a gente apresentava era uma dança, ou era carimbo, ou era ciriá, ou retumbão, geralmente o pessoal já do pedagógico, já dos três últimos anos, eles se apresentavam com dança e o pessoal do ginásio se unia com as outras escolas que tinham ginásio e faziam só uma dança, ou era calistenia, ou outro tipo, e o efeito de mais de mil alunos era muito bonito, isso era na semana da pátria. (Iara)

Sobre o perfil do professor almejado, podemos citar a Canção de

Despedida, oficializada em 1920 para ser entoada nas cerimônias de colação

de grau do Instituto. Vale ressaltar que até bem poucos anos atrás esses hinos

ainda eram entoados nos cerimoniais do IEEP.

CANÇÃO DE DESPEDIDA Neste albergue de luz nós vos deixamos

Entre flores, cumprindo árdua missão E em busca de outros plainos hoje vamos

Cheios de comoção Continuai vossa tarefa honrosa

Tendo o compêndio e pena por brasão Que a estrada que trilhais é luminosa

Conduz à perfeição! Vós sois as mensageiras da esperança

O futuro da pátria a irradiar Estudai com amor e confiança

Depois ide ensinar Por vós sob este teto, calmo e divino

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Nosso afeto criou fundas raízes Ficai. Nós vamos propagar o ensino

Adeus! Sede Felizes!11 A Canção de Despedida ressalta a importância da tarefa de ensinar e o

compromisso do professor em ampliar e difundir e, por ser uma canção

composta em 1920, reporta-se especificamente ao gênero feminino. Esse hino

evidencia uma concepção idílica da profissão docente, como redentora dos

problemas da nação através do ato de ensinar.

O perfil almejado destacava que o professor precisava possuir

conhecimento técnico para ministrar boa aula, possuir autoridade sobre os

seus alunos, proceder adequadamente com as avaliações escritas e orais e,

além dessas competências, devia apresentar uma postura condizente à sua

função. Essa era a postura esperada do aluno e professor egresso do IEEP.

Desse modo, o campo do simbólico é bastante enfatizado por meio das

festas. Daí o interesse dos dirigentes locais em criar laços afetivos das festas

com a população, principalmente do IEEP, que historicamente ostenta a

representação do ensino destinado a formar bons professores.

O IEEP, juntamente com outras escolas estaduais, emerge nesse

contexto de endeusamento dos monumentos públicos: festas e competições

são organizadas de acordo com a etiqueta da época para sacralizar a imagem

dos normalistas, responsáveis pela educação dos futuros cidadãos paraenses.

O Uniforme

Segundo o relato das entrevistadas, havia uma grande rigidez com o

uniforme. A entrevistada Terezinha Pereira relata que, durante os sete anos em

que estudou na escola, o único dia em que não assistiu à aula foi quando

compareceu à escola com o uniforme incompleto:

Elas tiravam a medida exata das mangas, se não desse a medida exata dois dedos de distância do cotovelo, tinha que voltar para casa. Foi dia 1º de abril e eu estava com uma manga que não chegava até o cotovelo e eu fui barrada.

11 Autores: Eustáquio de Azevedo e Manoel Luís de Paiva (apud Souza, 1972, p. 45).

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As alunas usavam um uniforme diário denominado combinação. As

cores eram branco e azul marinho na parte de cima, e uma bata branca com as

mangas até o cotovelo:

A manga tinha quer ser aqui [idem], para a manga eles mediam dois dedos de distância do cotovelo, era medido na hora que você entrava (Terezinha Pereira).

A gola dessa bata branca era toda fechada e cobria todo o pescoço. Por

baixo da bata branca, as alunas usavam, costurado ao sutiã, um tecido bem

apertado (um espécie de espartilho), que ia até o cós da saia para impedir que

aparecesse a barriga das alunas:

(...) e eles abriam aqui a roupa para ver se estava aparecendo a tua barriga (Iara).

A saia era franzida com pregas estreitas e vestia até o meio da canela.

O sapato tinha que ser de couro e preto, no estilo “sapato de boneca”. A meia

tinha de ser soquete branca e longa, encontrava a barra da saia.

Então, vinha a saia até aqui [faz gesto indicando... até o meio da canela e a meia até aqui {até o joelho}, assim não aparecia nada (Iara).

Quanto aos cabelos, eles não podiam ser presos, com rabo de cavalo,

com “Maria Chiquinha”, ou com fitas. Tinham que ser soltos, sem nenhum

adereço ou enfeite neles.

O uniforme ou combinação só podia ser confeccionado no tecido de

algodão:

Aí, a minha mãe mandou fazer uma vez uma combinação de cetim e não foi aceito porque tinha que ser de algodão (Iara).

Essa rigidez nos detalhes também existia com o uniforme de educação

física. Este era de cor azul. A blusa de algodão era de manga comprida com

elástico no pescoço e no punho. A calça comprida era franzida (com elástico)

na cintura e na canela:

(...) sabe essas roupas tipo de palhaço, era tipo uma calça que ficava folgada (...) era uma coisa horrorosa, ainda bem

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que evoluiu, porque era muito feio. O tênis era uma conga azul. (Iara)

Além disso, o uniforme tinha que estar sempre muito limpo, não podia

estar rasgado e nem furado, mas podia estar remendado. Quem não cumprisse

todos esses critérios era impedido de entrar para assistir aula.

O canto orfeônico, as festas e o uniforme não têm relação direta com a

formação de professores, mas caracterizava o clima da escola, tornava-se uma

representação de escola, como espaço de ensino e aprendizagem, mas

também de encontro, de lazer, de festas, tanto é que esses são os pontos mais

lembrados pela maioria das entrevistadas.

O IEEP x outras escolas paraenses

Até o final da década de 1950, o IEEP e o CPC (Colégio Paes de

Carvalho) eram duas importantes escolas públicas estaduais que ofereciam o

então segundo grau, hoje ensino médio. O IEEP era um colégio referência na

formação de professores, já o Colégio Paes de Carvalho era referência no

chamado curso científico de então. O IEEP formava as professoras chamadas

de “normalistas”, aquelas oriundas do curso normal, estas eram apelidadas de

“piramutadas” nas competições estudantis, como as da semana da pátria,

quando enfrentavam seus rivais apelidados de “xaréis” – alunos do Colégio

Paes de Carvalho. Os apelidos (nomes de peixes da região) ainda servem

como tênues lembranças de tempos em que os dois estabelecimentos de

ensino tinham muito mais pujança do que hoje.

Para quem preferisse o curso clássico ou científico como preparatórios

para cursar Direito, Medicina, Engenharia e outros daquela época, o indicado

era o Colégio Paes de Carvalho, que seguia quase os mesmos critérios de

educação e disciplina do IEEP. Para fazer parte do quadro discente do Colégio

Paes de Carvalho, os jovens precisavam prestar uma ferrenha seleção,

inclusive relatada por algumas das entrevistadas: “Eu estudei muito mais para

passar para a primeira série ginasial (Paes de Carvalho) do que na

Universidade Federal. No CPC (Colégio Paes de Carvalho) eram 50 vagas

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para mais de 2000 alunos, por isso que o CPC era um colégio padrão” (Maria

Ribeiro).

Havia os jogos ginasiais em que o IEEP competia com outras escolas

estaduais paraenses também destacadas no panorama educacional do Estado.

Durante a segunda metade do século XX, as outras importantes escolas

estaduais paraenses eram o IEEP, o Colégio Estadual Paes de Carvalho, o

Colégio Estadual Souza Franco e o Colégio Estadual Magalhães Barata, mas

havia uma disputa entre o IEEP e o Colégio Paes de Carvalho:

(...) eles eram os Xaréis e nós éramos as Piramutabas [peixe da região]. Quando este Paes de Carvalho passava no carro para ir treinar educação física no Souza Franco, que era só quem tinha campo para treinar, eles jogavam tanto coisa em cima da gente, era papel, porcaria, lata, tudo o que eles tinham eles atiravam em cima da gente, mas nós também fazíamos a mesma coisa. Mais tarde essa rixa foi amainando porque aí só tinha mulher no IEP e só tinha mais homem no Paes de Carvalho, já começaram a namorar, aí a coisa já foi ficando menor. (Iara)

O pessoal do Paes de Carvalho eram os Xaréis e o pessoal do IEP eram as Piramutabas. Então, quando a gente ia para o campo ensaiar, por exemplo, para a semana da pátria, eles ficavam gritando Piramutabas, Piramutabas e a gente Xaréu, Xaréu. (Ruth)

Havia também outra rivalidade entre o IEEP e o Colégio Paes de

Carvalho, alimentada pelas professoras de canto das respectivas instituições.

No IEEP, quem ministrava a disciplina de Canto Orfeônico era a professora [...]

e no Colégio Paes de Carvalho era a professora [...]. Porém, não havia

oficialmente uma competição de canto, o que havia era uma concorrência

velada entre as duas professoras e que era “absorvida” pelos respectivos

alunos. Vale a pena ler novamente a fala de Iara:

(...) nós nos apresentávamos todo o dia 3 de setembro... Canto Orfeônico no Teatro da Paz, as pessoas iam assistir, para ti ver o “chiquê” que era... Aí se apresentava o Paes de Carvalho, o IEP e se apresentavam as outras escolas, mas as escolas que se sobressaíam eram o IEP e o Paes de Carvalho e eram quatro vozes e eu agora já não canto mais, mas naquele tempo eu fazia sempre a voz isolada:

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“Eh! macumbaba, Eh! macumbebe, estrela do céu é lua nova cravejada de ouro, macumbebe”... bem alto, e os outros faziam as outras vozes, as quatro vozes; era eu, uma outra que era também chamada Iara, por incrível que pareça, uma outra que era chamada [...], nós três fazíamos as vozes isoladas acompanhadas pelos outros. Essa competição era muito sadia e muito saudável.

Essa ‘saudável competição’, no dizer das alunas, tornou-se, nos dias de

hoje, atos de vandalismo e violência física por parte dos alunos de ambas as

instituições:

Existia uma rixazinha entre Paes de Carvalho e IEP, mas nunca chegou ao ponto que chegou. Existia uma rixa saudável entre ambos, mas eles absorveram isso e acabou se tornando uma coisa negativa. É já um delito, é delituosa essa forma, porque, não pode passar um aluno do Paes de Carvalho aqui que eles dão pancada, rasgam a roupa, chama-se até a polícia. (Maria Ribeiro) No nosso tempo as brigas eram de mintirinha, por competições de jogos e do canto orfeônico, porque lá no Paes de Carvalho tinha a [...] e nós tínhamos a [...]. Então, a briga era assim de vaias, mas sair esfaqueando e matando não. No final ainda namorava Xaréu com Piramutaba. (Ruth)

Sobre a época em que foi professora, Maria Ribeiro destaca mudanças

relativas à quantidade de alunos por turma, cerca 50 por turma ou às vezes até

mais. A entrevistada relata que havia uma infra-estrutura que possibilitava o

suporte ao trabalho do professor. Havia as inspetoras de ensino que faziam a

chamada dos alunos antes dos professores entrarem em sala de aula e depois

repassavam essa frequência para o professor. Cada inspetora ficava

responsável por uma classe; segundo as ex-alunas, elas estavam sempre

atentas aos alunos dentro da escola, não os deixando “matar” aulas, enrolar o

cós da saia para que ficasse um pouquinho mais curta e nem permanecer do

lado de fora na calçada, pois, terminada a aula, os alunos (as) precisavam ir

direto para casa. Sobre isso vale reler as falas:

As inspetoras passavam o ponto para o professor. A gente era assim como se fosse filha delas. (Fátima)

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As inspetoras eram responsáveis por algumas turmas e elas cuidavam da gente. (Raquel) Durante vários anos a gente convivia com a mesma inspetora, tinha aquele respeito pela inspetora, pelo funcionário de apoio. (Maria Ribeiro)

Durante o período em que a entrevistada Maria Ribeiro foi professora, as

comemorações continuaram a ser um dos aspectos de mais visibilidade do

IEEP, era sempre comemorado o aniversário do IEEP, no dia 13 de abril. No

dia 5 de setembro, era comemorado o dia da raça. A banda iepeana também

era um dos grandes símbolos do instituto.

As ex-professoras lembram com saudade e emoção das comemorações

festas e confraternizações do instituto:

As confraternizações aqui eram muito boas, elas reuniam funcionários de apoio, professores, era uma confraternização e sempre eram no sentido mesmo de pedir desculpas agradecer professores e funcionários, que eram funcionários mesmo do estado, porque agora os funcionários daqui são terceirizados, apoio, segurança, tudo é terceirizado. (Maria Ribeiro)

Como a [...] falou nós éramos como uma grande família. Por exemplo, dia do professor não existia. O mês de outubro era o mês do professor, porque todas as turmas queriam nos homenagear. Tu ganhavas presente em todas as turmas, aqui nessa minha vitrine tem inúmeros presentes, são todos de alunos. (Ruth)

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3.9) O IEEP hoje ou saudade dos tempos passados

Quase todas as entrevistadas são unânimes em se afirmarem saudosas

do período lá vivido, seja como alunas, seja como professoras. Saudades estas

dos amigos que lá fizeram, das brincadeiras, dos professores que, apesar de

às vezes serem autoritários e rigorosos, são por elas considerados como

conscientes do ofício de formador de professores que exerciam e que, na

maioria das vezes, respeitavam e eram respeitados pelos alunos. Elas também

expressam saudades das festas, do coral orfeônico, das celebrações festivas,

da beleza e acolhimento da estrutura física da escola de antigamente, dos

jogos ginasiais, da banda iepeana, da saudável concorrência com o Colégio

Paes de Carvalho. Contudo, todo esse saudosismo traz em seu bojo uma

tristeza e certa amargura ao comparar a escola que vivenciaram e o IEEP que

se tem hoje, consequência dos anos de abandono e descaso que as escolas

estaduais vêm enfrentando nas últimas décadas.

Ao comentar o que sente quando relembra seus anos de aluna e

professora do IEEP, Terezinha Pereira afirma que suas lembranças são muito

boas, pois a convivência entre alunos e destes com os professores e

funcionários era muito boa. Entretanto, ela lamenta que o instituto não tenha

conseguido manter o mesmo padrão de ensino, porque, para ela o IEEP era

reconhecidamente a maior referência no Estado em termos de formação de

professores. Ela relata:

A gente até brincava que quando chegava no pedagógico apareciam uma meninas ricas, porque elas podiam ter estudado em outros colégios, mas o pedagógico elas iam fazer no IEEP.

Fátima relata que sente saudades, sobretudo das aulas de canto e do

lazer que a escola lhes proporcionava.

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Pensa que eu queria ir lá para casa? Eu ficava se pudesse lá o dia todo.

Raquel completa dizendo, porém, que a estrutura física da escola de

antigamente proporcionava um conforto e lazer para seus alunos,

diferentemente do que lá hoje se encontra. Para a entrevistada, além da

formação profissional que lhes garantiu condições de exercer bem o ofício de

professoras, o IEEP também significou para elas lazer e cultura:

A Escola foi muito para a gente também um pouco de lazer, porque nós éramos pobres e nós não tínhamos acesso a isso (...) A gente continua amorosa com a nossa escola, porque nos deu uma formação profissional para chegarmos ao mercado de trabalho com condições de exercer.

Iara relata ter muitas lembranças boas. Ao passar em frente ao Colégio,

ela se lembra do clima familiar e amigável que preponderava entre professores,

funcionários, alunos, ou seja, todos que compunham a comunidade iepeana.

Ruth diz sentir-se triste ao ver tanto o IEEP, quanto o Colégio Paes de

Carvalho se tornarem alvo da violência escolar que é hoje a realidade de

muitas escolas.

Sobre esse assunto, Maria Ribeiro defende que existia uma rixa

saudável entre ambas as escolas, mas essa rixa foi atravessando os anos e,

hoje, os alunos de ambas as instituições transformaram isso em algo negativo.

Existia uma rixazinha entre Paes de Carvalho e IEP, mas nunca chegou ao ponto que chegou (...) É já um delito, é delituosa essa forma, porque, não pode passar um aluno do Paes de Carvalho aqui que eles dão pancada, rasgam a roupa, chama-se até a polícia.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não é este um caminho interessante, o de tentar compreender uma trajetória no sentido inverso do que é o ciclo de uma vida, isto é, ter o seu final como ponto de partida.

Suely Kofes

Através das narrativas memorialísticas das entrevistadas pôde-se

relacionar sua história de vida com um recorte temporal da história do IEEP. A

busca de resposta às indagações iniciais deste estudo conduziu a uma

reflexão: Como o cotidiano do IEEP é revivido a partir da memória de suas

protagonistas, professoras e alunas, no período compreendido entre as

décadas de 1940 e 1970?

O presente estudo, por mais que não fosse o seu objetivo precípuo,

acabou captando o entrelaçamento entre a história do IEEP e a história pessoal

das entrevistadas. Assim, o estudo possibilitou-nos apreender algumas

indicações importantes do espaço-tempo da escola, da sala de aula, enfim de

lugares percorridos pelas narradoras e que participam de sua constituição

como ex-alunas e ex-professoras do IEEP.

As entrevistas contam-nos que o Instituto era um espaço de estudo que

garantia o rigor do conteúdo; porém, também garantia um espaço alegre de

convívio, um ambiente de lazer onde se faziam fortes laços de amizade. A

memória das entrevistadas, espontaneamente, mais se remete às brincadeiras,

competições, lazer e amizades, do que aos conteúdos. Mas, é preciso

considerar que elas, quando estudavam, estavam em plena adolescência, isto

é, o tempo da vida em que isso é fundamental. Elas poderiam ter passado por

essa escola sem ter vivido isso que é próprio de uma época de vida, mas elas

viveram, tanto é que essa é a memória mais forte e coletiva.

Ainda que a pesquisadora tenha insistido nas entrevistas para que elas

falassem mais da formação e da psicologia em especial, as respostas eram

curtas, somente uma delas fala mais (a que foi titular da cadeira de Psicologia

da Educação), mas mesmo assim é pouco. Disso, pode-se levantar a hipótese

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de que a disciplina de Psicologia não tenha tido tamanha importância, dado

que não ficou tão gravado e que não é objeto de narrativas, justamente porque

outras coisas se sobrepuseram a esta.

A dimensão afetiva que ligava as alunas, provavelmente, é o que faz

com que essa memória seja resguardada e muito forte; ao longo das

entrevistas. A pesquisadora encontrou muita dificuldade para extrair

lembranças sobre os conteúdos do curso, sobre os livros, porque a ênfase de

praticamente todas as narradoras estava na lembrança dessa convivência

amigável no cotidiano do Instituto. Fato que referenda o que Bosi (1994) diz,

isto é, a memória tem um componente afetivo fundamental e ela passa a ser

coletiva porque todas as entrevistadas lembram desse cotidiano agradável.

Elas até se lembram de coisas diferentes, brincadeiras diferentes e momentos

diferentes, mas todas se referem à saudável convivência que havia no interior

do Instituto.

O currículo proporcionava uma formação teórica profunda. Durante a

vigência da Lei n. 4024/61, a grade curricular era mais propedêutica e

enciclopédica; já durante a vigência da Lei n. 5692/71, a formação curricular foi

um pouco esvaziada em consequência do regime militar, mas, mesmo assim,

ainda proporcionava um sólido conhecimento teórico. Mas, é importante

destacar que tudo isso era articulado com a prática na Escola de Aplicação do

IEEP.

A avaliação do Instituto é considerada como tradicional pelas

entrevistadas, porém é necessário entender que aquele era o paradigma da

época. Contudo, o IEEP mostra a sua especificidade, ou seja, o IEEP não

apenas cumpre o seu papel dentro do paradigma tradicional então adotado,

mas também imprime a sua marca pessoal ao propor, por exemplo,

campeonatos de verbo e outras situações didáticas que proporcionassem aos

não alunos a apreensão significativa do conteúdo.

Sobre as atitudes docentes, os relatos apontam para a rigidez, mas vale

ressaltar que era isso o que era esperado do professor, era o que ele tinha de

fazer, essa era a sua função prescrita: ministrar o conteúdo, cobrar a matéria,

exigir que o aluno usasse caderno de borrão, conferir se o aluno copiou

corretamente, passar prova etc. Entretanto, as entrevistadas não percebem

estas atitudes como essencialmente negativas, mas, sim, como zelo pela sua

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aprendizagem, pois os alunos do Instituto não eram alunos reprimidos, alunos

quietos. É certo que era uma escola que exigia que o aluno cumprisse aquilo

que era a função da escola, mas também dava margem para a ludicidade,

tanto é que o que mais elas lembram são das brincadeiras, das amizades, dos

professores, das bagunças e travessuras que faziam.

Os relatos também ratificam a qualidade do corpo docente, posto que os

professores do Instituto garantiam o processo de ensino-aprendizagem, pois a

formação lá recebida permitiu-lhes exercer com qualidade o ofício docente e

conseguir boa colocação profissional no mercado de trabalho, preparou-as

para ingressar na universidade e, ao cursar o ensino superior, perceberem que

a formação recebida no IEEP não deixava a desejar em relação àquela.

Com o passar dos anos, houve significativas mudanças no IEEP,

algumas delas relacionadas à própria clientela atendida pelo Instituto, pois

segundo alguns relatos, aqueles que procuravam o IEEP já não o faziam em

função do interesse exclusivo no magistério. A condição de curso

profissionalizante, cuja formação representava uma garantia relativa de

ingresso no mundo do trabalho, fez com que algumas questões se alterassem,

isso aliado a alterações na legislação educacional brasileira, bem como

mudanças sociais e políticas pelas quais o estado paraense passava, foram, ao

longo dos anos, alterando a identidade do IEEP.

Por fim, as entrevistadas afirmam sentirem saudade do lazer, da

convivência, dos amigos que lá fizeram, das brincadeiras, dos professores que,

apesar de às vezes serem autoritários e rigorosos, são por elas considerados

como conscientes do ofício de formador de professores que exerciam. Elas

também expressam saudades das festas, do coral orfeônico, das celebrações

festivas, da beleza e acolhimento da estrutura física da escola de antigamente,

dos jogos ginasiais. Saudade expressa também no colorido afetivo-emocional

que permeou as entrevistas, seja pelas feridas que “pipocaram” nas mãos de

Raquel no dia seguinte à entrevista, seja pelas lágrimas de saudade

derramadas por Ruth ao lembrar de uma amiga do IEEP já falecida, seja pela

vibração na voz e gestos de Iara ao relatar sua luta dentro do Instituto durante

a Ditadura Militar, seja pelo respeito expresso na voz e no olhar de Maria da

Conceição ao relembrar de suas antigas professoras também entrevistadas,

seja na pontada de amargura de Maria das Graças e Maria Ribeiro ao

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comparar o IEEP de antigamente com a realidade que lá se encontra hoje, seja

no cuidado de conservação com os livros usados durante o período em que

Fátima lá estudou. Tudo isso são sinais às vezes físicos, às vezes subjetivos

quase imperceptíveis que denotam a importância não só profissional, mas

também afetiva, humana e formativa que o Instituto representou na vida de

todas.

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ANEXOS

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ANEXO 1

Primeira Proposta Curricular da Escola Normal

do Pará Expressa na Portaria S/N de 20.04.1871

1. Instrução Moral e Religiosa. 2. Gramática da Língua Nacional _ Exercícios de leitura de clássicos em

prosa e verso _ Redação _ Exercícios caligráficos. 3. Aritméticas _ Sistema métrico _ Elementos de Geometria. 4. Noções Gerais de Geografia e de História do Brasil, principalmente do

Pará _ Leitura refletida de Constituição do Império. 5. Noções Gerais de Física, Química e Agricultura. 6. Pedagogia e Legislação do Ensino. 7. Desenho Linear. 8. Música.

ANEX0 2 Proposta Curricular da Escola Normal Expressa

Na lei 1.017 de 30.04.1980

1º Ano Religião Gramática Portuguesa Geografia. Música

2º Ano Gramática Portuguesa Aritmética Pedagogia 3º Ano Noções de Gramática História do Brasil Desenho Linear Exercícios de Redação Costura e Bordado

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ANEXO 3 Proposta Curricular da Escola Normal Expressa

Expressa no decreto 165 de 23.07.1890

• Português • Francês • Aritmética, Álgebra e Escrituração Mercantil • Geometria, Trigonometria e Agricultura • Física, Química, História Natural (Botânica, Zoologia, Mineralogia e

Geologia). • Anatomia e Fisiologia Humana, Biologia Geral, Higiene e Higiene

Escolar. • Pedagogia (incluído o método Froebel) • História e Corografia do Brasil • Instrução Moral • Educação Física • Caligrafia • Prendas.

ANEXO 4 Proposta Curricular da Escola Normal Expressa

Expressa no decreto 409 de 24.09.1891 1º Ano

• Português • Francês • Aritmética (estudo completo) • Geografia Geral e Exercícios Cartográficos • Desenho Geral (1ª Cadeira) • Caligrafia • Prendas de Agulha

2º Ano

• Português • Literatura Nacional • Francês • Álgebra (até equação do 2º grau exclusiva) • Geometria plana e do espaço • Corografia do Brasil; Exercícios Caligráficos • Cosmografia • Desenho Linear, de perspectiva e de sombras (1ª cadeira) • Música elementar

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• Prendas de agulha 3º Ano

• Pedagogia Geral • Metodologia • Higiene Escolar • História Universal Antiga e Média • Física e Química • Desenhos armados e flores (2ª cadeira) • Música. Vocalização • Prendas de agulha

4º Ano

• História Universal. Recapitulação da História Antiga e Média, História Moderna, particularmente do Brasil e especialmente do Pará.

• História natural • Instrução moral e cívica. Noções de Direito e de Economia Política.

Estudo da Constituição da União e do Estado. • Música _ Regras de instrumentação e contra-ponto • Desenho de paisagem (2ª cadeira) • Prendas de agulha • Ginástica _ quando os meios materiais da Escola permitirem.

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ANEXO 5

Proposta Curricular da Escola Normal do Pará Expressa no Decreto 809 de 25.01.1900

1° ANO 2° ANO 3° ANO 4° ANO

Disciplina horas Disciplina horas Disciplina horas Disciplina horas

Português (1° card.) Francês Aritmética Geografia Desenho Caligrafia Total Horas

3 3

5 3 2 2

18

Português (1° cad.) Francês Álgebra Geometria Corografia do Brasil Desenho Caligrafia Total Horas

3 3

3 3 2 2 2

18

Português (2° cad.) História Universal Pedagogia Física Cosmografia Educação Cívica Desenho Total Horas

3 3 3 3 1 3 18

Literatura História dos povos americanos e do Brasil Legislação do Ensino Química História Natural Estudo das Constituições Total Horas

3 3 2 3 5 2 18

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ANEXO 6

Proposta Curricular da Escola Normal do Pará Expressa no Decreto 4.490 de 16.01.1929

Curso Geral

• Português (1ª cadeira) • Português (2ª cadeira) • Francês • Matemática Elementar _ Aritmética • Geografia Geral • Corografia do Brasil • Cosmografia • História Geral • Higiene Geral • Caligrafia e Datilografia • Desenho • Escrituração Mercantil • Trabalhos Manuais • Ginástica

Curso Especial

• Português (3ª cadeira) • Literatura • Matemática Elementar _ Álgebra • Matemática Elementar _ Geometria • História da América

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ANEXO 7

Proposta Curricular da Escola Normal do Pará Expressa no Decreto 1.862 de 13.01.1936

Curso Preparatório 1ª Série

• Português • Aritmética • Francês • Corografia • Desenho • Ciências Físicas e Naturais

2ª Série

• Português • Aritmética • Francês • Geografia • Desenho • Ciências Físicas e Naturais • Instrução Moral e Cívica

3ª Série

• Português • Aritmética • Francês • Geografia • Desenho • História Natural (Botânica) • História da Educação • História Universal

Curso Especial 1ª Série

• Português • Álgebra • Física • Psicologia Pedagógica

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• Literatura • História Natural (Zoologia) • Higiene e Puericultura • História Universal • História do Brasil

2ª Série

• Geometria • Química • Literatura • Didática e História da Pedagogia • Higiene • História do Brasil • Trabalhos Manuais, Modelagem e Música (canto orfeônico) _ logo que

seja possível proceder às instalações indispensáveis.

OBS.: Define ainda que “qualquer matéria do curso será lecionada, em três horas semanais”. E, prevê a prática da Educação Física, em capítulo à parte.

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ANEXO 8

Proposta Curricular da Escola Normal do Pará Expressa no Decreto (S.N.) de 25.09.1943

1ª Série

• Português • Aritmética • Francês • Desenho • Ciências Físicas e Naturais • Canto Orfeônico • Educação Física

2ª Série

• Português • Aritmética • Francês • Geografia • Desenho • Ciências Físicas e Naturais • Instrução Moral e Cívica • Canto Orfeônico • Educação Física

3ª Série

• Português • Aritmética • Francês • História Natural (Botânica e Zoologia) • História da Civilização • História da Educação • Canto Orfeônico • Educação Física

4ª Série

• Português • Álgebra • Psicologia Pedagógica • Literatura • História Natural (Mineralogia e Geologia) • Higiene

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• História do Brasil • História da Civilização • Canto Orfeônico • Educação Física.

5ª Série

• Português • Geometria • Química • Literatura • Didática e História da Pedagogia • Higiene • História do Brasil • Canto Orfeônico - Educação Física

OBS.: Qualquer matéria do curso será lecionada em três horas semanais.

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ANEXO 9

Proposta Curricular do Instituto de Educação do Pará, Expressa no Regimento Interno, Decreto 1.098 de 22.08.1952

• Português (1ª, 2ª e 3ª) • Latim • Francês • Inglês • Matemática (1ª e 2ª) • Ciências Naturais • História Geral • História do Brasil • Geografia Geral e do Brasil • Desenho e Artes Aplicadas • Trabalhos Manuais • Economia Doméstica • Educação Física (1ª e 2ª) • Canto Orfeônico • Física e Química • Anatomia e Fisiologia Humana • Biologia Educacional • Higiene e Educação Sanitária • Higiene e Puericultura • Metodologia do Ensino • Psicologia Educacional • Prática de Ensino • História e Filosofia da Educação • Sociologia Educacional

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ANEXO 10

Proposta Curricular do Instituto de Educação do Pará, Curso Colegial Normal, Consoante a Lei de Diretrizes e Bases

(4.024)

DISCIPLINAS ___SÉRIES___

1ª 2ª 3ª

MÍNIMAS OBRIGATÓRIAS

• Português x x x • Matemática x x x • Ciências Físicas e Biológicas x - - • Geografia (do Pará) x -

- • História do Pará x - -

COMPLEMENTARES

• Metodologia e Prática de Ensino Primário (Estágio em 3 séries) x x x

• Sociologia Educacional - x x • Estatística Aplicada à Educação - - x

OPTATIVAS (Adotadas dentre a lista do CEE)

• Desenho Pedagógico x x - • Psicologia Educacional x x x • Didática Geral e Especial x x x • Biologia Educacional x x x • Didática Geral e Especial x x x • Biologia Educacional - x - • História e Filosofia da Educação - x - • Higiene e Puericultura - - x • Técnicas Audio-Visuais - - x

OBS.: Acrescida, em caráter obrigatório, Educação Física.

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ANEXO 11

Proposta Curricular do Instituto de Educação do Pará,

Curso Colegial Normal – Segunda Fase da LDB

I. DISCIPLINAS I II III 1. Cultura Geral

1.Português 4 4 2 2.Matemática 4 3 - 3.Ciências Físicas e Biológicas 4 - - 4.Estudos Paraenses 4 - - 5.Anatomia e Fisiologia Humanas 2 - -

2. Cultura Específica

6.Higiene Escolar, Puericultura e Noções de Enfermagem- - 3 7. Psicologia da Educação - 3 4 8. Administração Escolar - - 2 9. Didática Geral e Especial - 4 7 10. Estatística Educacional - 2 - 11. Filosofia da Educação - - 2 12. Auxílios Audiovisuais - - 2 13. Recreação Infantil - - 2 14. Desenhos e Artes Plásticas 3 - - 15. Sociologia da Educação - 3 - 16. Biologia da Educação - 2 -

II. PRÁTICAS EDUCATIVAS

1. Educação Física 2 2 2 2. Formação Profissional (Ética) 1 1 - TOTAL.................................................................. 24 24 26

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ANEXO 12

Proposta Curricular do Instituto de Educação do Pará,

Curso Colegial Normal, Terceira Fase da LBD

DISCIPLINAS 1ªSérie 2ª Série 3ªSérie CHS CHA CHS CHA CHS CHA

• Português 04 = 120 04 = 120 04 = 120 • Matemática 03 = 90 03 = 90 xx xx • História do Pará 02 = 60 xx xx xx xx • Geografia do Pará 02 = 60 xx xx xx xx • Ciências Físicas e Biológicas 03 = 90 xx xx xx xx • Educação Moral e Cívica 02 = 06 xx xx xx xx • Didática 03 = 90 04 = 120 05 = 150 • Psicologia Educacional 03 = 90 03 = 90 03 = 90 • Biologia Educacional xx xx 02 = 60 xx xx • Sociologia Educacional xx xx 02 = 60 xx xx • Desenho Pedagógico xx xx 02 = 60 xx xx • O.S.P.B. xx xx xx xx 02 = 60 • Administração Escolar xx xx xx xx 02 = 60 • Educ. Fís. Rec. e Jogos xx xx xx xx 02 = 60 • Hist. Fil. da Educação xx xx xx xx 02 = 60 • Educação Física 03 = 90 03 = 90 03 = 90 • Recursos Audiovisuais 01 = 30 01 = 30 01 = 30

C.H. Semana/ Anual 25 750 23 690 24 720

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ANEXO 13

Proposta Curricular do Instituto de Educação do Pará,

Curso de Formação em Nível de 2º Grau, para o Magistério, Oriunda da Resolução 36/CEE de 12.05.1976

DISCIPLINAS 1ªSérie 2ª Série 3ªSérie

CHS CHA CHS CHA CHS CHA • L. Portuguesa Lit. Port. e Brasileira 03 = 90 03 = 90 03 = 90 • Matemática 03 = 90 03 = 90 xx xx • Ciências Físicas e Biológicas 03 = 90 02 = 06 xx xx • Geografia Geral 03 = 90 xx xx xx xx • História Geral 03 = 90 xx xx xx xx • Desenho Básico 02 = 60 xx xx xx xx • Educação Moral e Cívica 01 = 30 xx xx xx • Educação Artística 01 = 30 xx xx xx xx • Língua Estrangeira 03 = 90 xx xx xx xx • O.S.P.B. 01 = 30 xx xx xx xx • Programa Orientação Ocupacional 01 = 30 xx xx xx xx • Educação Física 02 = 60 02 = 60 02 = 60 • Biologia Educacional xx xx 02 = 60 xx xx • Psicologia Educacional xx xx 03 = 90 03 = 90 • Sociologia Educacional xx xx 02 = 60 xx xx • Estrutura e Form. do Ens. De 1° Grau xx xx 03 = 90 xx xx • Didática Geral xx xx 03 = 90 07 = 210 • Prática de Ensino xx xx 02 = 60 06 = 180 • Programa de Saúde xx xx xx xx 01 = 30 • Hist. Fil. da Educação xx xx xx xx 03 = 90

C.H. Semana/ Anual 26 780 25 780 25 790

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ANEXO 14

Proposta Curricular do Instituto de Educação do Pará, Curso de Formação em Nível de 2º Grau, para o Magistério, Oriunda da Resolução 265/CEE, de 22 de outubro de 1980

MATÉRIAS Disciplinas, Áreas de Estudos e Atividades _____SÉRIES_____ TOTAL TOTAL

1ª 2ª 3ª 4ª DE CARGA CRÉDITO HORÁRIA Língua Portuguesa e Literatura Brasileira 3 3 4 - 10 300 COMUNICAÇÃO Língua Estrangeira 3 - - - 03 90 E EXPRESSÃO Educação Artítica 1 - - - 01 30 SOMA 7 3 4 - 14 420 História 3 - - - 03 90 ESTUDOS Geografia 3 - - - 03 90 SOCIAIS O.S.P.B. - - 1 - 01 30 Educação Moral - 1 - - 01 30 SOMA 6 1 1 - 08 240 Matemática 3 3 - - 06 180 Ciências Físicas e Biológicas 3 - - - 03 90 CIÊNCIAS Programa de Saúde - - 1 - 01 30 SOMA 6 3 1 - 10 300 SUBTOTAL 19 7 6 - 32 960

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Desenho Pedagógico 2 - - - 02 60

Estudos Regionais - 2 - - 02 60 Estatídtica Aplicada à Educação - - 2 - 02 60 Recreação e Jogos - 1 1 - 02 60 SOMA 2 3 3 - 08 240 Fundamentos da Educação I 2 2 3 - 07 210 Fundamentos da Educação II - 3 3 - 06 180 Estrut. Func. do Ens. de 1° Grau - 2 - - 02 60 Didática Geral 2 3 - - 05 150 Did. Espacial Com. e Expressão - 3 - - 03 90 Did. Espacial da Matemática - - 3 - 03 90 Did. Espacial de Est. Sociais - 2 - - 02 60 Did. Espacial de C. Naturais - - 2 - 02 60

Prática de Ensino - - 5 - 05 150 SOMA 4 15 17 - 37 1.050

SUBTOTAL 6 18 19 - 45 1.290

Educação Física 2 2 2 - 06 180 Art. 7° Ensino Religioso - - - - - -

SOMA 2 2 2 - 06 180 TOTAL GERAL 27 27 27 - 51 2.430

OBS: A carga horária reservada para o ensino religioso, correspondente a trinta horas, não foi integrada na duração do curso por se tratar de matrícula facultativa ao aluno.

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Foto Prédio do IEEP nos dias atuais

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PROFESSORA E ALUNOS NA AULA DE CANTO ORFEÔNICO

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