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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS HUMANAS,
SOCIAIS E DA NATUREZA – PPGEN SIRLENE FELISBERTO RODRIGUES
VIVÊNCIAS INTERARTES: ENCONTROS AFETIVOS ENTRE
ARTE E LITERATURA NO ENSINO FUNDAMENTAL
DISSERTAÇÃO
Londrina
2019
SIRLENE FELISBERTO RODRIGUES
VIVÊNCIAS INTERARTES: ENCONTROS AFETIVOS ENTRE
ARTE E LITERATURA NO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ensino do Programa de Mestrado em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
Área de Concentração: Ciências Humanas
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marilu Martens Oliveira
Londrina
2019
TERMO DE LICENCIAMENTO
Esta Dissertação está licenciada sob uma Licença Creative Commons atribuição uso não-
comercial/compartilhamento sob a mesma licença 4.0 Brasil. Para ver uma cópia desta licença, visite
o endereço http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/ ou envie uma carta para Creative
Commons, 171 Second Street, Suite 300, San Francisco, Califórnia 94105, USA.
TERMO DE APROVAÇÃO
VIVÊNCIAS INTERARTES: ENCONTROS AFETIVOS ENTRE ARTE E LITERATURA
NO ENSINO FUNDAMENTAL
por
SIRLENE FELISBERTO RODRIGUES
Dissertação de Mestrado apresentada no dia 6 de dezembro de 2019 como requisito
parcial para a obtenção do título de MESTRE EM ENSINO DE CIÊNCIAS HUMANAS,
SOCIAIS E DA NATUREZA pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências
Humanas, Sociais e da Natureza – PPGEN, Campus Londrina, Universidade
Tecnológica Federal do Paraná. A candidata foi arguida pela Banca Examinadora
composta pelos professores abaixo assinados. Após deliberação, a Banca
Examinadora considerou o trabalho Aprovado.
COMISSÃO EXAMINADORA
_________________________________Orientadora- Prof.ª Dr.ª Marilu Martens Oliveira
Universidade Tecnológica Federal do Paraná
__________________________________
Prof. Dr. Danillo Gimenes Villa Universidade Estadual de Londrina
__________________________________
Prof. Dr. Maurício Cesar Menon Universidade Tecnológica Federal do Paraná
_________________________________
Profª. Drª. Sheila Oliveira Lima
Universidade Estadual de Londrina
Londrina, de 2019.
A Folha de Aprovação assinada encontra-se na Coordenação do Programa de Mestrado em
Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza.
A arte ensina justamente a desaprender os princípio das
obviedades que estão atribuídos aos objetos, às coisas.
Katia Canton.
AGRADECIMENTOS
Algumas pessoas são exemplo e espelho para nós. Devemos, pois, agradecer pela
sua presença inspiradora.
Sou grata à minha orientadora, Dra. Marilu Martens Oliveira, pelo seu amor
contagiante pelas artes e pela oportunidade que me deu de cumprir essa etapa da
minha formação, compartilhando ideais, conhecimentos e a sua forma especial de
saber docente, que certamente me servirá de modelo para a vida.
Agradeço à Universidade Tecnológica Federal do Paraná Câmpus Londrina e aos
professores, pela sua excelência e ensinamentos que contribuíram muito para a
constituição desta pesquisa.
Aos membros da banca examinadora Danillo Gimenes Villa, Maurício César Menon
e Sheila Oliveira Lima pelas reflexões instigantes e apontamentos pertinentes, a
minha gratidão.
Agradeço também à minha mãe, o mais importante exemplo positivo e inspirador da
minha vida, e ao meu companheiro, pelo apoio e colaboração.
RODRIGUES, Sirlene Felisberto. Vivências Interartes: encontros afetivos entre arte e literatura no Ensino FundamentaL 2019. 157 fls. Dissertação – Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza. Universidade Tecnológica Federal do Paraná Câmpus Londrina. Londrina, 2019
RESUMO
Em que medida um ensino interartes, com enfoque nas linguagens contemporâneas das artes visuais, das artes cênicas, bem como a multimodalidade dos próprios meios de comunicação e na literatura infantojuvenil, pode contribuir para que estudantes do Ensino Fundamental se tornem aptos a compreender e se apropriar ativa e criativamente dos atuais códigos híbridos da leitura? Esse foi o questionamento principal que suscitou esta pesquisa, objetivando a compreensão das possibilidades oferecidas por um ensino que estabelecesse o multiletramento, a intertextualidade entre múltiplas linguagens artísticas e a literatura, posto que tal foco é minimamente explorado nas escolas. Para verificar as possíveis respostas à indagação, foram planejadas cinco situações pedagógicas nas quais houve a ligação interdisciplinar de linguagens artísticas – como o desenho, a poesia, o teatro, a performance, a arte conceitual, a ilustração, a expressão tridimensional e sonora, entre outras – com a leitura literária, abordando livros específicos destinados ao público infantojuvenil. Optou-se, então, pela seleção de obras de caráter híbrido, em suas linguagens, e com possibilidades para dialogar com diversas formas de expressão artística. Metodologicamente, a pesquisa foi desenvolvida alicerçada na perspectiva qualitativa, com Tozoni-Reis e recorrendo-se à bibliografia específica, analítica e aplicada, de acordo com Gil e Bardin. Ela foi sintetizada nesta dissertação, dividida em quatro capítulos, incluindo também um apêndice: o Produto Educacional, publicação digital para professores. Devido à abordagem de temas variados e complexos, buscou-se apoio teórico em autores relacionados ao campo do ensino das artes e da literatura, em especial Barbosa, Hernández, Rojo, Bakhtin, Vygotsky, Candido, Clüver, Kristeva, Koch, Samoyault, Marcuschi, Merleau-Ponty, Rossi e Fischer, que foram consultados em várias fases do estudo. Ao final, a investigação permitiu observar que o ensino interartes pode oferecer ferramentas para desenvolver o potencial criativo e a leitura de mundo dos estudantes, o que pode ser verificado com base no registro de suas produções analisadas sob a ótica dos teóricos mencionados.
Palavras -chave: Leitura. Ensino e Literatura. Multiletramento. Diálogo Interartes. Ensino Fundamental.
RODRIGUES, Sirlene Felisberto. Intervention living: affective encounters between art and literature in Fundamental Teaching. 2019. 157 fls. Dissertation – Professional Masters Program in Teaching Human, Social and Nature Sciences. Federal Thechnológical University of Paraná Campus Londrina. Londrina, 2019
ABSTRACT To what extent does interartes education, with a focus on contemporary communication, contemporary languages of the Visual Arts, the Performing Arts, as well as the multimodality of the media themselves and children's literature, contribute to become able students of Elementary School who are able to understand and appropriate actively and creatively the hybrid codes of reading today? This was the main question raised by this research, aiming to understand the possibilities offered by a teaching that established multilearning, intertextuality between multiple artistic languages and children's literature, since such a focus is minimally explored in schools. In order to verify the possible answers to the question, five pedagogical situations were planned in which there was an interdisciplinary connection of artistic languages such as drawing, poetry, theater, performance, conceptual art, illustration, three-dimensional and sonic expression others - with the literary reading approaching specific books intended for children. The selection of works of a hybrid character, in their languages, and with possibilities to dialogue with various forms of artistic expression was chosen. The research was synthesized in this dissertation, divided in four chapters, also including an appendix: the Educational Product, a digital publication for teachers. Due to the approach of varied and complex themes, theoretical support was sought in authors related to the field of teaching of the arts and literature, especially Barbosa, Hernández, Rojo, Bakhtin, Vygotsky, Candido, Clüver, Kristeva, Koch, Samoyault, Marcuschi, Merleau-Ponty, Rossi and Fischer, who were consulted at various stages of the study. Methodologically, the research was developed based on the qualitative perspective, with Tozoni-Reis and resorting to specific bibliography, analytical and applied, according to Gil and Bardin. In the end, the investigation showed that the interarting teaching can offer tools to develop students' creative potential and world reading, which can be verified based on the record of their productions, analyzed from the perspective of the mentioned theorists.Keywords: Art Teaching. Literature teaching. Interartes Dialogue. Intertextuality.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Marcel Duchamp – Roda de bicicleta, 1913.................................................. 32
Figura 2: Versão da ilustração da personagem Ernesto 1........................................... 52
Figura 3: Versão da ilustração da personagem Ernesto 2........................................... 53
Figura 4: Versão da ilustração da personagem Ernesto 3........................................... 53
Figura 5: Versão da ilustração da personagem Ernesto 4........................................... 54
Figura 6: Versão da ilustração da personagem Ernesto 5........................................... 54
Figura 7: Bonecos feitos por alunos – livro Ernesto ................................................... 56
Figura 8: Dedoche feito por aluno – livro Ernesto ...................................................... 56
Figura 9: Boneca de palito confeccionada por aluna– livro Ernesto ........................... 57
Figura 10: Boneco de palito feito por aluno – livro Ernesto ........................................ 57
Figura 11: Jogos teatrais: espelho, espelho meu......................................................... 58
Figura 12: Ilustração de história criada por aluna – livro Ernesto................................ 59
Figura 13: Apresentação de teatro com bonecos......................................................... 60
Figura 14: Exercício de expressão sonora................................................................... 63
Figura 15: Esculturas em papel –Lygia Clark............................................................... 66
Figura 16: Vivência sensorial – Lygia Clark.................................................................. 67
Figura 17: Exercício de contação de histórias e expressão sonora............................. 68
Figura 18: Ilustração de aluna – leitura e criação de histórias 1 ................................. 73
Figura 19: Ilustração de aluna – leitura e criação de histórias 2 ................................. 73
Figura 20: Ilustração feita por aluno – recriação de Ernesto 1.................................... 76
Figura 21: Ilustração feita por aluno – recriação de Ernesto 2.................................... 76
Figura 22: Ilustração feita por aluno – recriação de Ernesto 3.................................... 79
Figura 23: Escultura sem título, de Frans Krajcberg,1980........................................... 78
Figura 24: Leitura de imagens de Eduardo Srur........................................................... 80
Figura 25: Foto de intervenção urbana PETS, de Eduardo Srur.................................. 81
Figura 26: Marcel Duchamp – Fonte 1917................................................................... 84
Figura 27: A caixa do livro – Isabel de Sá 2013........................................................... 86
Figura 28: Página do livro Cada Coisa, Eucanaã Ferraz............................................. 87
Figura 29: Imagem do poema Faca, de Eucanaã Ferraz............................................. 88
Figura 30: Foto do processo de criação de poesias com objetos do cotidiano............ 89
Figura 31: Alunos realizando ações cênicas – performance........................................ 95
Figura 32: Construção coletiva da cidade dos afetos................................................... 98
Figura 33: Criação tridimensional e criação de histórias.............................................. 99
Figura 34: imagem do livro digital em teste no telefone celular....................................
Figura 35: imagem do livro digital em processo de construção 1.................................
Figura 36: imagem do livro digital em processo de construção 2.................................
106
107
107
LISTA DE SIGLAS
BNCC – Base Nacional Comum Curricular
DCEs – Diretrizes Curriculares Estaduais (Paraná)
IBA – Investigação Baseada em Artes
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC – Ministério da Educação e Cultura
OA – Objetos de aprendizagem
OAP – Objetos de aprendizagem poéticos
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais
PPGEN – Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza. TICs – Tecnologias de Informação de Educação
UTFPR – Universidade Técnológica Federal do Paraná
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................... . 13
1 RAZÕES PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO INTERARTES...................................... 21
1.1 As manifestações artísticas e a comunicação na contemporaneidade:
desdobramentos intertextuais........................................................................................
26
2 A LINGUAGEM ARTÍSTICA E A AMPLIAÇÃO DA LEITURA DE MUNDO................. 31
2.1 Desafios de uma comunicação híbrida no contexto escolar.................................... 36
2.2 As linguagens híbridas na escola: a abordagem triangular como possibilidade...... 39
3. CONSTRUINDO LEITURAS: ANÁLISE DE UM PROJETO INTERARTES............. 42
3.1 Expressão teatral: vivências para a sala de aula..................................................... 49
3.2 Percepção fenomenológica da obra de arte: vivências sensoriais.............................. 61
3.3 Sem fim: as esculturas de Franz Krajcberg, a arte de Eduardo Srur e o
hibridismo na Arte Contemporânea................................................................................
71
3.4 Cada coisa: palavras e imagens na mídia e nas obras da artista Isabel de Sá e
produção de textos multimodais.....................................................................................
82
3.5 Isso eu posso fazer: algumas aproximações entre performance e fabulações...... 91
4 PRODUTO EDUCACIONAL............................................................................... 101
4.1 Livro digital para professores.................................................................................... 103
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................
109
REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 116
APÊNDICES................................................................................................................... 123
APÊNDICE A: Planos de aula para estágio de docência.............................................. 124
APÊNDICE B. Imagens: Expressão teatral, vivências para a sala de aula................. 134
APÊNDICE C. Imagens: Percepção fenomenológica da obra de arte.......................... 139
APÊNDICE D. Imagens: Hibridismo de linguagens na Arte Contemporânea................ 144
APÊNDICE E. Imagens: Imagem, palavra, gestos: o que são textos multimodais?...... 149
APÊNDICE F. Imagens: Conhecendo a linguagem da performance............................ 154
13
INTRODUÇÃO
A arte acompanhou as manifestações humanas e a discussão sobre até que
ponto ela é ou não necessária perpassa por muitos autores, com ideias e
proposições diferentes. Assim, a arte de uma época pode ser considerada como
uma síntese ou retrato da sociedade que a produziu, mesmo sendo o artista um
único indivíduo, que, solitariamente, em muitos casos, elabora-a via escrita,
desenho, pintura, ou usa, ainda, outras formas para expressar suas inquietações
pessoais, seus sentimentos mais íntimos, que, no entanto, podem espelhar e
dialogar com os conteúdos, por vezes atemporais, dos demais integrantes da
humanidade.
A importância das reflexões aqui apresentadas, a respeito das possibilidades
oferecidas por um ensino interartes e sua colaboração para a formação global dos
estudantes, torna-se evidente quando analisadas as formas de contato com
imagens e textos nos modos atuais de comunicação. Observa-se, pois, que as
formas de construir e de representar significados estão cada vez mais distantes
daquelas previstas nas práticas de ensino e de aprendizagem de letramentos
convencionais. Logo, a proposta aqui apresentada busca incorporar o que Roxane
Rojo (2002) denominou multiletramentos: significados contidos em textos
constituídos por mais de uma modalidade de linguagem.
O trabalho justifica-se diante da necessidade de se refletir sobre novas
formas de letramento que sejam mais adequadas para construir ou interpretar os
conteúdos comunicativos e leituras com os quais os estudantes têm contato hoje.
Assim sendo, as atividades foram desenvolvidas levando em consideração o
conceito de multiletramentos e também a leitura de obras literárias e obras de arte
como fontes de humanização, por meio das quais o sujeito torna-se consciente da
sua existência individual e social. Embora a literatura, as artes visuais, as artes
cênicas e as expressões sonoras e musicais façam parte de um mesmo e único
campo – o da Arte –, no decorrer da dissertação por vezes aparecerá o termo
Literatura (arte da palavra) em destaque e, por vezes, em associação a outras
formas de arte. Isso para revelar a novidade da experiência para a autora, que, pela
primeira vez, mesmo já sendo fruidora e admiradora dessa modalidade artística,
compartilhou as novas vivências com alunos do Ensino Fundamental.
14
Do ponto de vista interdisciplinar, o produto educacional originado da
pesquisa – uma publicação digital para professores – justifica-se ao difundir
experiências de associação entre as disciplinas de Arte e Língua Portuguesa,
apresentando potencialidades de construção de um ensino integrador, posto que
seus conteúdos estabelecem naturalmente diálogos diretos com os contextos sócio-
históricos, filosóficos, literários e outros. Nesse sentido, a relevância da pesquisa e
do material produzido para professores está em oferecer aos estudantes, via
docentes que tiverem contato com as reflexões contidas no material, oportunidades
para desenvolver a sua sensibilidade ao lidar com diversas fontes da expressão
humana, aproximando-os também do universo da literatura.
A diversidade de fontes interpretativas, trabalhadas no decorrer do
desenvolvimento da proposta, pretendeu o alcance, pelos educandos, de uma
leitura multimodal, isto é, uma leitura na qual os significados não são apenas
depreendidos unicamente de fontes verbais, mas imagéticas, sonoras ou
multissensoriais.
Como objetivo geral, buscou-se compreender as possibilidades oferecidas
por um ensino interartes que estabelecesse um diálogo entre múltiplas linguagens
artísticas e a literatura (também uma arte), nesse caso específico, a infantojuvenil.
Como objetivos específicos, dentro desse universo, estão dominar a leitura de
imagens (artísticas ou não), de acordo com a abordagem triangular de Barbosa
(1991), e compreender que a leitura envolve muito mais do que o simples decifrar
das sílabas e palavras, pois busca, além da humanização do leitor, desenvolver seu
protagonismo social
Assim, a fruição contextualizada e a produção de expressões interartes,
conceito que propõe modos de ler e produzir sentidos, na rede de inter-relações que
os textos e obras de arte apresentam (CLÜVER, 1997) nesse projeto, são tomadas
como fontes de humanização capazes de levar os sujeitos a tornarem-se aptos a
compreender melhor o seu entorno. A liberdade criativa das experimentações
propostas objetivou levar também o estudante à desconstrução dos princípios do
senso comum para obter mais proveito dos conhecimentos em que está imerso,
sejam do contexto escolar ou não, atribuindo significações mais profundas às suas
leituras e aos objetos e conceitos à sua volta. Para Maria Helena Wagner Rossi
(2003), a fruição da arte só pode ocorrer se houver criação também na recepção,
15
caracterizando uma troca intersubjetiva, mediada por significados poéticos, na qual
o leitor/ fruidor interage com as proposições do artista.
Por que educar com arte? Por que o artista proporciona, com os objetos que cria e disponibiliza para o outro, um desfrute que só é concretizado se há a criação na recepção pelo outro, uma troca entre sujeitos, mediada por significados poéticos. Quem recebe a obra conecta seus sentidos com os do objeto criado e interage com as proposições poéticas dos artistas, em um momento de vertigem e trabalho intenso, de natureza análoga ao trabalho de criação dos artistas (ROSSI, 2003 p. 77).
O questionamento principal que suscitou os estudos desta pesquisa foi a
busca pela compreensão das possibilidades oferecidas por um ensino que
estabelecesse a intertextualidade entre múltiplas linguagens artísticas e a literatura
infantojuvenil, ou seja, um ensino interartes. Assim sendo, foram planejadas cinco
situações pedagógicas, havendo a ligação interdisciplinar de linguagens artísticas –
como o desenho, a poesia, o teatro, a performance, a arte conceitual, a ilustração,
as expressões tridimensional e sonora, entre outras – com a leitura literária, de
livros destinado a crianças.
Com base na seleção de obras de caráter híbrido em suas linguagens, e
com possibilidades para dialogar intertextualmente com diversas formas de
expressão artística, desenvolveu-se a análise qualitativa dos dados coletados para
se verificar até que ponto os estudantes seriam capazes de produzir aprendizado
significativo em arte e literatura, podendo se expressar e aumentar o seu alcance de
leitura com suporte nas ações criativas e reflexivas desenvolvidas ao longo de um
trimestre de interações.
Metodologicamente, a pesquisa foi alicerçada na perspectiva qualitativa,
conforme Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis (2007). Após a identificação do
problema, recorreu-se à bibliografia específica, analítica, de acordo com Antonio
Carlos Gil (2010) e Laurence Bardin (2011). Iniciou-se a investigação em forma de
pesquisa de campo, com avaliações diagnósticas sobre os conhecimentos dos
estudantes, por meio das quais foi possível extrair informações diretamente a
respeito da realidade do objeto de estudo, no caso as possibilidades do ensino
interartes a ser aplicado em forma de projeto educacional. Ao final, a investigação
permitiu verificar que o ensino interartes pode oferecer ferramentas para
desenvolver o potencial criativo e a leitura de mundo dos estudantes, o que pode
ser constatado no registro das suas produções, analisadas sob a ótica dos teóricos
mencionados.
16
A dissertação obedece às seguintes etapas, para melhor explicitação do
trabalho realizado: no primeiro capítulo, são discutidas as razões para defender a
presença de um ensino interartes no contexto escolar, inicialmente esclarecendo-se
esse conceito com apoio em Vera Casa Nova, Márcia Arbex e Márcio Venício
Barbosa (2010) e também Claus Clüver (1997); depois, tecendo-se algumas
ponderações sobre a importância da mediação das linguagens artísticas na escola,
conforme a abordagem triangular de Ana Mae Barbosa (1991,1995), e as
exposições sobre arte e ensino de Maria Helena Wagner Rossi (2003). Ainda nessa
abordagem, foram expostas algumas razões para se levar em consideração as
manifestações da Arte Contemporânea, sua característica interdisciplinar e
contiguidade com as comunicações contemporâneas, com base nos estudos de
Michael Archer (2001) a respeito da vivência da arte. Considerando a arte e a
literatura, em sua potencialidade humanizadora e seu caráter de produto das
interações sócio- históricas, foram incluídas as reflexões de Mikhail Bakhtin (1992),
Lev Vygotsky (1999), Antonio Candido (2004) e Dermeval Saviani (2008).
A leitura intertextual e seus desdobramentos criativos são o foco da segunda
seção do primeiro capítulo. Com base nas ideias de Julia Kristeva (1969), Ingedore
Koch (2004) e Tiphaine Samoyault (2008) sobre intertextualidade, é situada a
proposta de estudo da contribuição da associação entre a prática artística em suas
diversas modalidades e o diálogo com a arte literária como forma de inserir os
estudantes em um universo que se abre para inúmeras linguagens. Assim, por meio
destas, podem ser estabelecidas relações, análises e reflexões que permitam aos
jovens construir conceitos relevantes, bem como ressignificar o seu entorno. A
intertextualidade, portanto, será entendida como potencializadora da ampliação da
capacidade de leitura em diversos meios, evidenciando-se, via escritos de Eliana
Yunes (1984) e Ernst Fischer (1979), que esses desdobramentos da associação
entre artes de diversas linguagens, incluindo a literatura, podem influenciar
positivamente no desenvolvimento da pessoa crítica, capaz de se relacionar
positivamente com a produção cultural e científica da humanidade.
No segundo capítulo, apoiada em Giulio Carlo Argan (1992), Renato Cohen
(1998), Michael Archer (2001) e Arnaldo Valente Germano (2010), é feita uma breve
recuperação histórica para que o leitor possa compreender melhor a potencialidade
da Arte Contemporânea de abarcar intertextualmente diversas linguagens, formando
um único contexto, e contribuindo para a ampliação da leitura de mundo. Concluindo
17
essa argumentação, focam-se as possibilidades intertextuais da Arte
Contemporânea pela ótica da fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty (2004). A
respeito da multiplicidade de canais interpretativos oferecidos por esta, são também
apresentadas as ideias de Fernando Hernández (2007), que aponta a relação do
hibridismo presente na Arte e também nas comunicações hodiernas. Por
conseguinte, há a necessidade de uma educação escolar que se preocupe com as
interferências de tais processos no cotidiano.
No segundo capítulo, ainda são discutidos os desafios de uma comunicação
híbrida para o contexto escolar, apresentando-se o conceito de cultura visual, de
Hernández (2000), e o de multiletramentos, de Rojo (2002).
Também é aprofundada a teoria de Barbosa (1991), criada para o ensino das
artes visuais com o enfoque no tríplice pilar: fruição, leitura contextualizada e
trabalho criativo com suporte nas obras de arte. Tendo como base tais premissas, é
apresentado um paralelo das ideias da autora com as propostas de ensino da
literatura e multiletramentos. Retomando autores como Hernández (2000), Rojo
(2009), Luiz Antônio Marcuschi (2018) e também o sóciointeracionismo de
Vygotsky(1999), são aprofundados alguns paralelos entre o ensino de leitura e os
multiletramentos na escola, além da proposição de Barbosa para o ensino da arte.
No terceiro capítulo, analisam-se as cinco etapas de um projeto envolvendo a
associação entre leitura de textos literários e fruição de obras artísticas modernas e
contemporâneas, em foco intertextual, objetivando verificar se a abordagem
interartes, aprofundada com fundamento em considerações de Clüver (1997),
colaboraria na ampliação da construção do sentido e interpretação dessas obras.
Assim a metodologia de trabalho em sala de aula, com base na abordagem
triangular já referida, ainda incluiu a produção artístico-literária como exercício
criativo ao longo de cada projeto, além da interação com outras metodologias
relacionadas ao ensino do teatro (encenação).
Dessa forma, no conteúdo do terceiro capítulo e na publicação digital, são
discutidas propostas interartes sob o enfoque da expressão teatral, relacionando-se
às reflexões direcionadas pelos autores já mencionados com as ideias de Augusto
Boal (1991), Viola Spolin (2005, 2007) e Olga Reverbel (1996), teóricos da
metodologia do ensino do fazer teatral.
Abordam-se ainda atividades práticas realizadas com o livro O menino mais
bonito do mundo, de Ziraldo Alves Pinto (1983), em associação com a obra da
18
artista brasileira Lygia Clark (1980) e o conceito de paisagem sonora, de Murray
Shaffer (1991). Antes da descrição do projeto, são tecidas, em forma de um texto
introdutório, a opção da abordagem da fenomenologia de Merleau-Ponty (1999)
para a leitura de obras artísticas contemporâneas, representadas em Clark e
levadas para sala de aula em forma de imagens e vivências sensoriais.
Também são enfocadas atividades desenvolvidas e alicerçadas no diálogo
entre a leitura do livro Sem Fim, da artista plástica Marilda Castanha (2016), e a
obra dos artistas plásticos Franz Krajcberg (1980) e Eduardo Srur (2008), tendo
como fio condutor, ligando as três perspectivas, a questão ambiental.
Para discorrer sobre o conceito de livro de imagens, no qual se enquadra a
obra literária selecionada, estão presentes reflexões de Nelly Novaes Coelho
(2000), Eva Furnari (2003) e Marilda Castanha (2008), abrindo-se uma ponderação
sobre o conceito de alfabetismo visual calcado no pensamento de Graça Lima
(2009). Outro aspecto abordado, é o uso de textos multimodais, com base na leitura
de poemas do brasileiro Eucanaã Ferraz (2016), sob o título Cada Coisa, nos quais
objetos do cotidiano se tornam motivo de poesia. O processo operativo de Ferraz
está associado ao projeto educacional descrito na pesquisa, com leituras
contextualizadas da obra de Marcel Duchamp (1917) e Isabel de Sá (2013). As
discussões sobre as obras estão fundamentadas nos pensamentos dos
pesquisadores Lourdes Castro (2003) e Douglas Crimp (2005).
Por fim, em Conhecendo a linguagem da performance, são descritas ações
desenvolvidas com base na associação entre a leitura de imagens de registros de
uma performance da brasileira Beth Moysés e da criação de histórias, com suporte
no trabalho com o livro Isso eu posso fazer, da autora e ilustradora japonesa Satoe
Tone (2005). Nesse conjunto de atividades, tecem-se considerações apoiadas no
conceito de fabulação, de Candido (2004), bem como a respeito da importância da
diversificação de linguagens no ensino da arte de Maria Felisminda Fusari e Maria
Heloisa Ferraz (2001), Rosa Iavelberg (2003) e Rossi (2003).
No quarto capítulo, de forma sucinta, aparece exposto o produto educacional
desenvolvido com suporte nesta pesquisa: uma publicação digital visando a orientar
professores que se interessem em desenvolver propostas de ensino interartes. Vale
ressaltar que os relatos de atividades e tópicos de reflexão contidos nesse material
não visam a esgotar o assunto, nem do ensino interartes nem das linguagens
artísticas mencionadas ou do ensino de literatura, mas desvelar possibilidades de
19
trabalho para que o leitor/professor possa desenvolver sua própria metodologia de
trabalho.
Na conclusão, estão algumas reflexões a respeito da hipótese dessas
interações serem ferramentas para o desenvolvimento de uma visão de mundo mais
ampla, com base nas atividades aqui relatadas e planejadas para propiciar a
expansão dos sentidos e o despertar para o espírito crítico.
Se consideradas suas potencialidades humanizadoras, arte e literatura
podem assumir grande importância no contexto do desenvolvimento da autonomia
pessoal. Na transformação daquilo que o cerca, o ser humano se vê imerso em sua
sensibilidade pensante e atuante, presente na simultaneidade de informações e
conhecimentos do mundo (OSTROWER,1987). Ressalte-se ainda que Vincent
Jouve (2012) teoriza sobre a importância da literatura no processo de construção da
consciência daquilo que se é, contribuindo justamente para a aquisição da
criticidade, elemento motor de toda evolução cultural.
Importa esclarecer que, nas reflexões interartes, as linguagens estão em
fusão, em uma rede de inter-relações, das quais emerge o sentido da vivência.
Desse modo, tanto as artes visuais e cênicas quanto a literatura não são vistas,
neste trabalho, como pretextos para o estudo (umas das outras), mas como
vivências integrais, complementares, mediadas pelo conjunto das percepções.
Logo, o texto (aquilo que pode ser lido) não é o pretexto, mas é o contexto
principal e também leitmotiv das propostas metodológicas apresentadas na
construção da publicação digital, compartilhada com educadores interessados.
Desse modo, o conceito de leitura está inexoravelmente ligado ao de afeto, que se
define no dicionário (ROCHA; PIRES, 2003, p.30) como: “a. Denominação atribuída
a sentimento de carinho e ternura; estima ou afeição; b. Amizade, amor ou apego;
simpatia ou ternura; c. Tendência ou inclinação por alguém ou algo”.
Assim, as vivências interartes objetivaram desenvolver junto aos estudantes e
no espaço da escola a possibilidade de serem afetados pela leitura, a literária e a de
obras artísticas. Vale, portanto, lembrar o que diz Maria Helena Martins (2012, p. 30,
grifos da autora) ao ampliar o conceito de leitura: “[...] um processo de compreensão
de expressões formais e simbólicas, não importando por meio de que linguagem”. E
ela explicita: “[...] a leitura se realiza a partir do diálogo do leitor com o objeto lido –
seja escrito, sonoro, seja um gesto, uma imagem, um acontecimento” (MARTINS,
2012, p. 30, grifo da autora).
20
Sobre o tema, Annie Rouxel (2013) coloca, ainda, que o aspecto de
compartilhar leituras faz parte do modo como os indivíduos se relacionam
afetivamente com a literatura. As atividades criativas desenvolvidas pelos
estudantes, com os quais o projeto foi desenvolvido, desse modo permitiram que
contassem e ouvissem os “segredos” de como foram afetados por aquilo que leram.
Consequentemente, ler - obras de arte ou obras literárias - aqui é visto como
movimento da intimidade para a coletividade e também da coletividade retornando
para a intimidade. Desse modo, o ato da leitura, em diversos momentos foi
compartilhado, pois o leitor impregnou a leitura com suas próprias referências, e
conseguiu compreendê-la melhor, na relação com o seu entorno (as produções e
vivências artísticas).
Como conhecimento essencialmente interdisciplinar, a arte possibilita o
desenvolvimento de ensino integrador entre diversas áreas do conhecimento
humano. Seus conteúdos, necessariamente, estabelecem diálogos diretos com o
contexto sócio-histórico, e diversas outras áreas do saber humano, incluindo, nesse
entrecruzamento, o texto literário.
21
1 RAZÕES PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO INTERARTES
O artista é aquele que fixa e torna acessível aos demais humanos o espetáculo de que participam sem perceber.
(Merleau Ponty)
A autora desta dissertação, ao longo de sua vivência como docente em arte,
tem produzido alguns trabalhos que conjugam a criação em artes visuais, teatro e
expressão sonora com a escrita e a leitura de textos. Foi possível verificar que a
produção de textos, como expressão criativa, pode ajudar o aluno a encontrar
razões para se aprofundar tanto em seu universo íntimo quanto nos conhecimentos
sobre a arte em si. Dessas vivências enriquecedoras, surgiu a ideia de construir um
material digital, para compartilhar com educadores interessados nas possibilidades
de trabalho proporcionadas por um olhar integrador entre linguagens artísticas.
Ressalte-se que a Arte Contemporânea derrubou, de forma mais incisiva que
até então, as barreiras entre linguagens. Em suas raízes, no início dos anos
sessenta do século XX, as certezas sobre a classificação purista das expressões
artísticas caem por terra quando alguns artistas acabam expandindo suas atividades
para além do que podia ser abarcado pelas definições existentes. Deste modo
surgem manifestações híbridas, nas quais a ação e a identidade do autor estão
cada vez mais presentes: o texto autobiográfico, a escrita e a presença do próprio
artista exprimindo seu universo interno, seus questionamentos e conflitos se
tornando cada vez mais comuns (ARCHER, 2001).
Esse processo pode ser identificado com o termo interartes (CASA NOVA ;
ARBEX e BARBOSA, 2010; CLÜVER,1997) – contexto no qual se observa um
imaginário que alimenta a interação entre as suas linguagens da arte – o que se
pode também denominar poética das correspondências. Esse diálogo já aparecia,
por exemplo nas obras de Marcel Duchamp (1887-1968), que aqui será recuperado
devido ao fato de sua obra apresentar os princípios da arte da contemporaneidade
(ARCHER, 2001). Nas obras do artista dadaísta, nas quais as legendas dialogavam
diretamente com as obras, que não seriam completas sem as propostas abertas
pelas provocações que as intitulavam.
Logo, depreende-se que a produção artística da contemporaneidade se
22
enquadra no conceito de hipertexto (um texto que evoca outro texto para sua
compreensão ou para a completude da experiência estética). Essa correspondência
entre textos é há muito tempo estudada na literatura, havendo assim uma conexão
de vozes. Consequentemente, estabelece-se a poética das correspondências da
literatura com a pintura, da poesia com a música, do vídeo com a performance, a
conexão com os sentidos por meio dos aromas, da percepção sensorial, do toque.
São as múltiplas experimentações da Arte Contemporânea.
No que diz respeito à mediação da produção artística contemporânea ou de
outros períodos históricos, a pedagogia histórico-crítica postula que é uma tarefa
atribuída à escola oferecer ferramentas cognitivas e interpretativas aos estudantes
para que possam acessar também, como indivíduos independentes, o saber
cientificamente constituído e o domínio dos elementos desse conhecimento
(SAVIANI, 2008, p. 15). Destarte, o currículo escolar deve estar voltado:
[...] de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo (SAVIANI, 2008, p. 13).
Depreende-se, por conseguinte, que a cultura, diz respeito aos produtos do
trabalho humano e dos conhecimentos hauridos no processo de produção deste
trabalho. No cotidiano do indivíduo, o contato com os conhecimentos que tecem a
experiência humana como a ciência, a filosofia e a arte (nela incluída a literatura)
pode acontecer concomitantemente aos fatos mais corriqueiros, e, por isso, torna-se
para ele invisível. A escola é um espaço propício para tais conhecimentos serem
revelados, ressignificados, mediados e serem apropriados pelos estudantes.
Cabe à instituição do ensino, então, romper os limites da vivência cotidiana
do aluno, trazendo o novo. Assim é que, na pedagogia histórico-crítica, a formação
do currículo abrange várias áreas do conhecimento humano, porém a prática da
interdisciplinaridade ainda não é tão usual quanto poderia ser. Mesmo em áreas
afins, como o ensino da arte e da literatura, há poucos movimentos que propõem
práticas integrativas entre as especificidades de cada uma delas.
De acordo com Hilton Japiassu (1976), a interdisciplinaridade ocorre em
consequência da intercomunicação entre as disciplinas, formando-se um diálogo
compreensível. As propostas interdisciplinares estão sendo calcadas no
pressuposto de que o próprio conhecimento do mundo não se divide em disciplinas
separadas umas das outras. Portanto, a interdisciplinaridade busca um
23
conhecimento de caráter universal, não partido em vários campos, ou seja, mais
próximo da vivência do mundo. Sendo assim, a colaboração entre disciplinas
diversas seria enriquecida pelas interseções interdisciplinares, formando um
sinergismo.
A sensibilização dos alunos em relação ao trabalho com imagens de obras de
arte propicia que tenham uma forma diferente de contato com elas em seu
cotidiano. É necessário lembrar que a vida das crianças e jovens na atualidade,
devido aos meios de comunicação, é povoada por imagens diversas que falam de
valores, ideias e sentimentos provenientes de variados tempos.
Diuturnamente, a criança e o adolescente são bombardeados por imagens,
em diversos meios de comunicação, nem sempre estando aptos a fazer criticamente
a leitura das mesmas. No que tange à leitura literária, também em geral, poucas são
as ofertas e as situações de contato cotidiano deles com os livros. Logo, não se
pode negar o papel da escola nesse processo, como uma das principais
oportunidades de acesso de muitos à leitura de uma forma mais ampla, que possa ir
além dos signos, para se tornar capacidade de ler e compreender o meio
circundante com todas as suas inferências. Seria interessante lembrar de Bajard,
sobre a importância do encontro da criança com os livros, de preferência desde a
mais tenra idade.
O encontro da criança com os livros abre o mundo da língua escrita, ou seja, de uma outra linguagem. À riqueza da língua oral se acrescenta a da língua escrita que, por sua vez, vai participar da educação da pessoa em todas as suas dimensões, imaginária, científica, espiritual, cívica, mas também linguagem cognitiva. (BAJARD, 2007, p. 41).
Reforce-se que talvez a instituição escolar seja uma das principais
oportunidades de o aluno ter esse contato com o livro, além de poder externar seus
pensamentos a respeito do lido, enfim havendo, a interação entre ele, colegas e
professores. E essa socialização do saber é fundamental na sua formação leitora.
Barbosa (1995) também afirma que a leitura de imagens na escola prepararia
os alunos para a compreensão da gramática visual de qualquer imagem, artística ou
não, na aula de Arte ou no cotidiano, o que poderia torná-los conscientes da
produção humana de alta qualidade, e seria ainda uma forma de prepará-los para
compreender e avaliar todo o tipo de imagens. Transpondo assim a proposta da
autora, o primeiro movimento em direção à literatura seria o ato da recepção, ou
seja, o ato da leitura e, subsequentemente, o estímulo à produção escrita deve ser
24
oportunizado. É imprescindível, desde as primeiras incursões, convidar a criança a
escrever.
É apenas através da produção de textos que se realiza plenamente a apropriação da língua escrita. Saber ler é uma riqueza, saber escrever é um poder. A necessidade de escrever é um ato de apropriação da cultura em geral e da língua escrita em particular, pelo qual a criança reinveste suas descobertas. (BAJARD, 2007, p. 105).
Hoje os jovens estão imersos em um universo de formas de comunicação
variadas. A apropriação dessa multiplicidade de linguagens se faz necessária para
que eles possam ser hábeis em ler e compreender as múltiplas e simultâneas
mensagens do meio social em que estão inseridos.
Dessa forma, o desenvolvimento das capacidades criativas se justificam
educacionalmente, na medida em que proporcionam a vivência das experiências
significativas e elevam o sentimento cotidiano a outra esfera. A fruição e a criação
artística permitem ao indivíduo desconstruir os conceitos e sentimentos,
ressignificando-os em seu contexto pessoal.
De acordo com Jorge Larossa (2016), a experiência em situação educacional
caracteriza-se por uma abertura ao imprevisível, em que é possível suspender o
automatismo da ação. Para o autor, ela é a interface que faz a mediação entre o
conhecimento e a vida humana, uma forma singular de estar no mundo que é por
sua vez ética (um modo de conduzir-se) e estética (um modo um estilo), um cultivo
da arte do encontro. A experiência é singular, irrepetível, produz diferença,
heterogeneidade e pluralidade, assim como uma abertura para o desconhecido, que
não se pode antecipar nem “pré-ver” nem "pré-dizer” ( LAROSSA, 2016 , p. 34).
Embora a arte e as obras literárias estejam hoje ao alcance dos jovens,
devido aos meios de comunicação, o excesso de ofertas de todo tipo de conteúdo,
cria um cenário labiríntico, onde eles muitas vezes se perdem. E a real fruição
dessas obras necessita uma mediação. Tendo em vista isso, a escola e, mais
especificamente, o professor têm um papel importante. Nesse sentido, observa-se
na atualidade uma saturação de informações, mas que não necessariamente se
traduz em vivências efetivas da arte, ou o que Larossa (2016, p. 26) chama de
experiência: um encontro (subjetivo) ou uma relação com algo que se experimenta,
que se prova.
Por vezes, o conteúdo e a forma da obra de arte não se integram de maneira
harmônica: há um estranhamento que, com apoio do trabalho do professor, deve ser
25
elaborado em forma de entendimento para que possa ser vivenciado esteticamente.
A compreensão e a fruição de uma obra de arte são um percurso a ser percorrido
por aluno e professor na criação de um olhar extracotidiano, uma expansão do
entendimento dos fenômenos concretos.
A arte, em todas as suas modalidades, pode ser considerada como um
conteúdo fundamental para a construção contínua da autonomia do indivíduo e de
grande relevância no contexto escolar. No entanto, nem sempre é reconhecida e
valorizada nesse espaço. No caso da literatura, é possível afirmar que a ficção ou a
fabulação são elementos intrínsecos à construção da personalidade do indivíduo,
pois não é uma fuga do mundo real, como pensariam alguns, mas um elemento
reorganizador do mesmo. Assim, a coerência interna criada pela criação/fruição
ficcional propõe significado ao caos, no mundo real (BAJARD, 2007 p.27).
A literatura é a arte da palavra e, para ser fruída e produzida de maneira
transformadora é necessário que o indivíduo desenvolva a sua sensibilidade e
criticidade, além de um olhar para o mundo que supere o senso comum,
aprofundando seus questionamentos sobre a realidade, passando de leitor ingênuo
(da realidade) a leitor consciente, reflexivo, que saiba opinar e argumentar. Tal olhar
se desenvolve a partir do contato com a literatura, com as obras de arte e também,
sem dúvida, se forma no todo das experiências cotidianas. Se o contato com as
formas de produção artística for mediado por um professor, que seja também fruidor
ou até mesmo produtor de textos e também de arte, certamente será muito mais
profunda e significativa a experiência, posto que o conhecimento se dá na
intersubjetividade, na troca de experiências entre um e outro.
Concordando-se com Bakhtin (1992) e também com Vygotsky (1999), quando
apontam que a arte de uma época (literatura, artes visuais, dramaturgia, cinema e
outras formas) sempre é produto de seu período histórico, o contato com a
linguagem artística poderia proporcionar ao indivíduo a apropriação e a
reelaboração, via produção artística, desses conhecimentos historicamente
construídos.
Desse modo, a publicação digital apresentada como síntese dessa pesquisa
tem como enfoque principal a possibilidade de que o estudo interdisciplinar da Arte,
em suas diversas manifestações, associada ao estudo da Literatura poderia, então,
ampliar a visão de mundo do aluno, enriquecendo seu vocabulário estético e
possibilitando-lhe a leitura de imagens. Essas capacidades, sobretudo a de leitura
26
de textos verbais e não verbais, disponíveis no cotidiano, tornam-se valiosas numa
sociedade excessivamente visual e também povoada pela multimodalidade dos
textos em quase todos os contextos sociais, desde os outdoors nas ruas até os
anúncios da televisão. É possível afirmar que quem não compartilha dessas leituras
tende a estar limitado em suas possibilidades de desenvolvimento. Diante do que foi
exposto, justifica-se a produção do material em suporte digital destinado à
distribuição de forma gratuita aos educadores, podendo inclusive ser acessado via
aparelhos móveis de comunicação, como telefones celulares e tablets, com o
objetivo de tornar mais prático o alcance e o acesso às ideias nele contidas.
1.1 As manifestações artísticas e a comunicação na contemporaneidade:
desdobramentos intertextuais
Nos anos de 1960, a crítica literária Julia Kristeva (1969) desenvolveu
pesquisas sobre a intertextualidade, enfocando o texto como um elemento
constituído de uma intercessão de outros já escritos ou que ainda surgirão
futuramente, ou seja, um intertexto.
Em vista do pressuposto de que tanto a produção quanto a recepção de
textos recorrem ao conhecimento prévio de outros textos, a intertextualidade entre
textos verbais ou não verbais, pode contribuir para a criação de um repertório mais
rico, abrindo possibilidades de criação em múltiplas linguagens e também ampliando
a capacidade de leitura em diversos meios.
Todo texto é um objeto heterogêneo, que revela uma relação radical de seu interior com seu exterior; e, desse exterior, evidentemente, fazem parte outros textos, que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a que alude, ou a que se opõe (KOCH, 2004, p. 46).
Dessa forma, o conhecimento que se adquire a partir de leituras variadas
contribuirá para a elaboração da compreensão de um novo texto. Logo, cada nova
leitura, que faça sentido ao leitor, que o transforme, que o inquiete, ampliará o
alcance e a profundidade da sua capacidade de ler o mundo e o inclinará/motivará a
novas leituras. Para tanto recomenda-se que haja um mediador que terá a função
de indicar novas obras, em um crescendo de complexidade, assim como ajudará
esse leitor iniciante a trilhar os caminhos da leitura. Quantidade não leva à
qualidade, mas leitor de um só livro terá apenas a ele como parâmetro comparativo.
27
Retomando, ainda que de forma inconsciente, ao produzir um texto o
indivíduo recorre a referências previamente adquiridas e nele imprime suas
experiências de vida. Assim como na proposta de Barbosa, na mediação do
trabalho de leitura e criação de textos, quanto maior a quantidade de contato
contextualizado com obras literárias, melhor será a capacidade criadora do indivíduo
também para textos verbais. Então, sobre tal tipo de interação:
[...] o imaginário se acende nas lembranças circulares de outros textos e outras leituras que ocorrem se juntam e penetram pelas invisíveis ranhuras do texto, sempre presentes e ativas, e então seguem desenhos irregulares a partir de suas frestas, brincam com a língua, provocam a inteligência. (MACHADO, 2008, p.60).
A intertextualidade tem sido, pois, objeto de estudo em consequência da
admissão de que não parece haver a possibilidade de encontrar um texto que não
dialogue com outro ou outros que o tenham antecedido ou com o tempo e o espaço
de sua produção. Os textos produzidos por uma época, assim como as obras de
arte, podem dizer muito a respeito do contexto social que os produziu. Para
Tiphaine Samoyault (2008), fazer a leitura de um texto não se trata apenas de ler
palavras: ler é também ler a sociedade na qual esse texto foi produzido. Assim
sendo, a linguagem literária se multiplica em significado ao dialogar com outros
textos e com o contexto histórico.
As palavras abrem-se assim às palavras do outro, o outro podendo corresponder ao conjunto da literatura existente: os textos literários abrem sem cessar o diálogo da literatura com sua própria historicidade, e a noção tem todo o interesse em tornar a crítica sensível à consideração da complexa relação que a literatura estabelece entre si e o outro, entre o gênio individual singular e o aporte intertextual e não puramente psicológico do outro (SAMOYAULT, 2008. p. 21).
A autora ressalta que a literatura surge de uma relação com o mundo, mas
sobretudo com a própria história da literatura e suas origens. À vista disso, no que
diz respeito ao processo de criação de textos, a intertextualidade, ligação entre um
texto que está sendo escrito e outro que ele evoca, pode ocorrer de forma aleatória
ou consentida, em decorrência de uma vaga lembrança do autor ou uma
homenagem explícita (SAMOYAULT, 2008, p. 9).
Nas ações didáticas interartes, que compõem a publicação digital que motiva
esta pesquisa, o recurso para a leitura é a leitura cursiva, termo que aparece
originalmente em Annie Rouxel (2013) para descrever o processo no qual o leitor se
relaciona sem intermediários com o texto, imprimindo nele a sua forma singular de
pensar e sentir. Nessa primeira apreensão, não se faz uma análise formal e objetiva
28
dos elementos constitutivos do texto, mas presentificam-se os sentimentos, e o
diálogo com as referências pessoais de quem lê.
Nesse sentido, o enfoque principal dessa opção de modo de ler está na
subjetividade do leitor, e nas maneiras como este pode, a partir do seu íntimo,
construir relações com o texto, convidando-o a criar formas de expressar o seu
prazer ou desprazer em relação à leitura com liberdade. A opção metodológica aqui
empregada não nega abordagens analíticas quanto ao texto, mas apenas se
enquadra melhor aos objetivos da pesquisa.
Se no processo de escrita surgem diversas influências que coparticipam da
tessitura do conteúdo, no que diz respeito à leitura do texto, um novo
entrecruzamento de referenciais surge, tornando ainda mais intrincada a rede de
significações possíveis no ato da leitura:
O texto refere-se diretamente a textos anteriores, segundo modos de integração bem visíveis. É a proposição mais simples da literatura em segundo grau, em que o termo intertextualidade adquire todo o seu sentido: não mais, como no caso do dialogismo, pela abertura direta sobre o mundo, mas uma estrita relação dos textos entre si. [...] fenômenos de co-presença e de derivação a partir do leitor. Ora o texto assinala explicitamente suas referências ao conjunto da literatura – e o intertexto obrigatório, que o leitor não pode deixar de localizar – ora é o leitor que cria suas próprias associações. (SAMOYAULT, 2008, p. 44).
Em seu cotidiano, hoje as crianças e os jovens estão imersos em um meio
marcado por diferentes linguagens que podem ser verbais, gestuais, escritas,
imagéticas. É necessário que haja uma preparação do sujeito para que ele seja
capaz de transitar por essa multiplicidade de formas de expressão. As artes, de uma
maneira geral, em especial a literária, podem ser meios de inserir os estudantes em
um universo que se abre para inúmeras linguagens e de forma que se possa
estabelecer com elas relações, análises e reflexões que permitam a construção de
conceitos para significar e ressignificar o seu entorno.
Há um exemplo dessa transformação na obra cinematográfica Balzac e a
Costureirinha Chinesa (Balzac et la petite tailleuse chinoise), dirigida por Daí Sijie
(2001) e calcada em sua obra homônima, na qual o personagem Luo, um estudante
de música, é preso e encaminhado a um "campo de reeducação" em uma vila
isolada no Tibet, por ser considerado inimigo do regime de Mao Tsé-Tung. Fazia
parte da penalidade imposta ao jovem realizar trabalhos forçados que incluíam o
transporte de esterco líquido em pesados baldes, perigosas atividades em uma
mina e a proibição de contato com quaisquer elementos da cultura ocidental. Após
29
ter passado a noite em claro, na leitura de um romance de Balzac (furtado de um
dos integrantes da aldeia, que mantinha uma mala de livros escondida, devido à
proibição) afirma: “Incrível, sinto como se o mundo tivesse mudado: o céu, as
estrelas, os sons, a luz, inclusive o mau cheiro do esterco, nada é o mesmo...”
(SIJIE, Balzac et la petite tailleuse chinoise, 2001). Da mesma forma, a cada contato
vivido e transformado em compreensão íntima com obras de arte produzidas ao
longo da história, o mundo do indivíduo se transforma, se humaniza e se reorganiza,
não sendo mais o mesmo.
A relação entre a literatura e o desenvolvimento do indivíduo, que se pode
considerar uma ideia-chave nesta proposição, estabelece um discurso entre dois
sujeitos (autor e leitor), sendo uma forma de expressão do conhecimento do mundo.
Também a obra de arte em linguagem não literária, faz-se necessário lembrar, é
uma forma de transpor o interior para o exterior para que este se renove em sentido
e se multiplique em significações por meio do contato com o outro.
A relação entre o homem e o mundo se dá pela mediatização da linguagem. Esta não funciona como um espelho que reproduza fielmente as imagens do real (que real?); apenas opera um recorte antropocultural do universo que permite a diferença entre as visões de mundo manifestas nas estruturas semânticas das línguas naturais. A língua já é em si uma leitura de mundo, organizada em sistema convencional de comunicação: ela é, pois modelizadora e traz, enquanto langue, um compromisso tácito do grupo social que emana, quanto ao seu funcionamento. (YUNES,1984).
Muitos defendem a ideia de que a arte tem o poder de colocar o homem em
equilíbrio com o seu meio, ideia que poderia elevá-la ao status de necessidade
humana (FISCHER, 1979). Desta forma, em suas múltiplas linguagens, ela pode
desempenhar o papel de satisfazer o anseio humano de absorver o meio
circundante além da experiência individual, um desejo de desenvolvimento e
completude que o integra à humanidade de todos os tempos. Segundo Ernest
Fischer (1979) em seu livro A necessidade da arte, é esse desejo de união do
indivíduo com o todo da coletividade que faz da experiência artística um conteúdo
não só intrínseco, mas também necessário, refletindo a infinita capacidade de
circulação e associação de experiências e ideias dos indivíduos.
Nicolas Bourriaud (2009), quando discorre sobre a estética relacional,
princípio presente na arte da contemporaneidade, que é produto de uma cultura
urbana mundial, apresenta um horizonte teórico e a esfera das interações humanas,
na qual:
30
Já não se pode considerar a obra contemporânea como um espaço a ser percorrido (a `volta pela casa´ do proprietário é semelhante à do colecionador). Agora ela se apresenta como uma duração a ser experimentada, como abertura para uma discussão e ilimitada" (BOURRIAUD, 2009, p. 20).
O autor afirma que esse regime de encontro casual intensivo, proporcionado
pela obra de arte, acabou criando práticas artísticas correspondentes, isto é, uma
forma de arte cujo substrato é dado pela intersubjetividade.
No contexto escolar, as práticas que têm como enfoque o conhecimento e a
criação artística como forma de relação intersubjetiva e aprendizado significativo,
propõem que o contato com as obras de arte e as obras literárias seja feito de
maneira contextualizada, dialogando intertextualmente com os conhecimentos
historicamente construídos pela humanidade. Esse processo de aprendizagem pode
ter início com os seus elementos constitutivos (formas, cores, sons, letras,
símbolos), mas necessita aprofundar também seus contextos produtivos e
históricos, conferindo-lhes uma perspectiva humanizadora, para que, por fim, a
apropriação desses conceitos torne possível propor a etapa da criação como
materialização da compreensão da arte como possibilidade de intervenção e de
transformação da realidade, como postula a pedagogia histórico-crítica.
31
2 A LINGUAGEM ARTÍSTICA E A AMPLIAÇÃO DA LEITURA DE MUNDO
O olhar estético tem natureza e função diferentes do olhar banal, cotidiano.
(Maria Helena Wagner Rossi)
Neste capítulo serão discutidos os pressupostos teóricos e metodológicos
que foram utilizados na criação do produto educacional que motiva esta pesquisa.
Desse modo, pretende-se expor quais foram as bases conceituais que orientam os
cinco projetos interartes que compõem o material descrito no capítulo quatro.
A arte, atualmente, tem como uma de suas características mais marcantes o
diálogo instituído entre múltiplas linguagens e meios comunicativos. Uma ideia
importante para compreender esse tipo de uso dos códigos comunicativos tem
ligação com colagem, bricolagem ou junção de vários contextos comunicantes entre
si, porém de origens totalmente díspares: o conceito de assemblagem. Dessa
forma, em uma mesma obra de arte podem estar difusamente presentes, ou como
referências, a literatura, as artes visuais, os sons, a música, a dança ou o teatro,
tanto do presente quanto do passado. Tais linguagens, longe de serem acessórias a
uma linguagem mestra – ou principal, fundem-se e confundem-se na leitura da obra.
A palavra assemblage foi utilizada inicialmente no contexto do Surrealismo,
para definir a apropriação artística de um objeto do cotidiano, de forma a
descontextualizá-lo, sem, contudo, anular completamente o seu vínculo com a
realidade. A instauração do uso dessa técnica na arte, a partir dos anos sessenta,
do século XX, abre caminho para o uso de uma vasta gama de materiais (“citações”
retiradas de diversos contextos): o mundo passa a ser ressignificado pelo processo
artístico.
Observar a arte não significa “consumi-la” passivamente, mas tornar-se parte de um mundo ao qual pertencem essa arte e esse espectador. Olhar não é um ato passivo; ele não faz que as coisas permaneçam imutáveis. [...] A arte é um encontro contínuo e reflexivo com o mundo em que a obra de arte, longe de ser o ponto final desse processo, age como iniciador e ponto central da subsequente investigação do significado (ARCHER, 2001, p. 236).
Uma personalidade bastante revisitada é Marcel Duchamp, precursor da Arte
Contemporânea, que criou o termo ready made para descrever os objetos
fabricados em série que ele escolhia, comprava e, a seguir, designava como obras
de arte.
32
Figura 1: Marcel Duchamp, Roda de bicicleta, 1913.
Fonte: https://educador.brasilescola.uol.com.br
O primeiro foi Roda de bicicleta, 1913, uma roda de bicicleta montada sobre
um banco. O mais escandaloso, Fonte, (1917), era um vaso sanitário masculino,
levado à exposição em um museu sob a assinatura do pseudônimo “R. Mut”:
Com os ready mades, Duchamp pedia que o observador pensasse sobre o que definia a singularidade da obra de arte em meio à multiplicidade de todos os objetos. Seria alguma coisa a ser achada na própria obra de arte ou nas atividades do artista ao redor do objeto? Tais perguntas reverberaram por toda arte dos anos 60 e além deles (ARCHER. 2001 p. 3).
As potencialidades intertextuais das obras de Arte Contemporânea ficam
mais evidentes se interpretadas com fundamento na ótica da fenomenologia
proposta pelo Filósofo Merleau-Ponty. Neste contexto, seria interessante também
destacar uma fala do filósofo em O Visível e o Invisível na qual se denota o jogo de
interrelações envolvidas no ato da percepção, também presentes na recepção de
uma obra de arte : “Um corpo humano está aí quando, entre o vidente e o visível, o
tocante e o tocado, entre um olho e o outro, entre a mão e a mão se produz uma
espécie de recruzamento, quando se acende a faixa do senciente-sensível
(MERLEAU-PONTY, 2004 p. 12).”
.
Com fundamento nas palavras de Merleau Ponty, pode-se inferir que a
produção de sentido tem como sua porta de entrada o próprio ato da percepção, e
que esta recepção é única para cada indivíduo. Tal afirmação interessa sobretudo
33
porque pode explicar a multiplicidade de interpretações possíveis a uma obra de
Arte Contemporânea, levando-se em conta que a percepção assume crescente
importância, sendo ela não só visual, mas muitas vezes táctil, olfativa, auditiva,
intelectiva etc.
Renato Cohen, em Work in progress na cena contemporânea, refere-se ao
tipo de arte que propõe uma interfusão de sentidos:
A fala disforme, o gesto avesso, a cena assimétrica e disjuntiva, a colagem estranha talvez componham as vicissitudes necessárias de uma arte que recusa a forma acabada e faz sua ontologia no território obscuro da subjetividade (COHEN, 1998, p. XVII).
O sujeito não consegue fruir uma obra de arte dessa natureza se assumir
uma atitude passiva ou contemplativa, pois a obra somente se completa na
interação com o público em diversas esferas do agir humano, exigindo de seu
espectador a coautoria.
O pensamento ancorado na lógica do binômio produção/recepção dificulta a percepção adequada dos processos autorais contemporâneos, pois mantém o espectador refém no âmbito da recepção. Como medida preliminar básica, proponho substituir o binômio produção/recepção pelo trinômio produção/recepção/produção, condição sine qua non para compreender os processos criativos que se desenvolvem a partir de poéticas de aberturas autorais que inserem na recepção procedimentos de produção (GERMANO, 2010, p. 357-358).
Em sua diversidade de temas e formas, a abordagem contemporânea não se
encerra na linguagem puramente plástica, podendo estabelecer relações
conceituais com tudo o que forma o imenso caldeirão de manifestações culturais
assim de forma crítica e reflexiva, evocando intertextualmente saberes extra-
artísticos ou extra-plásticos. Segundo Hernández (2007), esses conteúdos ou
saberes que tecem a obra de arte, se desvelados pela educação escolar com a
criticidade necessária, podem auxiliar o indivíduo a compreender melhor as
estratégias de comunicação e manipulação ao seu entorno.
Trazendo a discussão para o campo das comunicações na
contemporaneidade, será observável que a hibridização da linguagem está cada vez
mais presente nos meios que a compõem. Assim, guarda semelhanças com o que
foi explanado sobre as características da Arte Contemporânea. Também Roland
Barthes, de maneira muito poética, aproxima-se em seus escritos do que representa
a nova forma de compreensão exigida do leitor contemporâneo:
34
Texto quer dizer Tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, por um véu acabado, por detrás do qual se conserva, mais ou menos escondido, o sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no tecido, a ideia generativa de que o texto se faz, se trabalha, através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nessa textura – o sujeito desfaz-se, como um aranha que se dissolve a si própria nas secreções construtivas da sua teia. Se gostássemos de neologismos, poderíamos definir a teoria do texto como uma hifologia (hyphos é o tecido e a teia de aranha) (BARTHES, 1988 p.112).
Nas telas dos computadores, nos celulares, na TV, no cinema, nas obras
literárias e na comunicação cotidiana presenciamos diversas linguagens que se
entrelaçam em um jogo fenomenológico entre palavras, imagens, cores, evocações
sensoriais e referências prévias. Dessa forma, autores como Marcuschi (2002,
2006) e Bakhtin (1992), cada um em sua perspectiva, propuseram-se ao estudo
sobre a multiplicação e o entrecruzamento das linguagens. Esse movimento aponta
para a exigência da formação leitor que seja também fluente nessas linguagens.
Diante do cenário descrito, aqueles que trabalham com o ensino da Língua
Portuguesa, enquanto pré-requisito para a apropriação das demais linguagens e
áreas do conhecimento, mais especificamente da leitura, enfrentam grandes
desafios, mas também têm em perspectiva uma série de possibilidades apontadas
pelos teóricos acima mencionados. Em uma perspectiva interdisciplinar, arte e
língua portuguesa são áreas do saber humano que podem oferecer aos estudantes
ferramentas eficazes para empreender a leitura em sua forma mais ampla e
profunda, em um mundo cada vez mais visual e cada vez mais intertextual.
A perspectiva sociointeracionista favorece uma prática que poderia atender
aos questionamentos que as novas linguagens híbridas propõem aos estudantes.
Destarte, habilitar um indivíduo para a leitura seria mais do que alfabetizar com a
proposição de cópias e decoração de regras da língua materna, o processo de
letramento, por conseguinte, passaria pelo conhecimento e prática dos gêneros
textuais em uso na sociedade, incorporando, além dos códigos da língua, as
práticas sociais que as demandam (BORTONE, MARTINS, 2008). O letrado, por
sua vez, seria aquele que se envolve nas práticas sociais de leitura e escrita.
Entendemos que o indivíduo letrado envolve-se cotidianamente nas práticas sociais de leitura e escrita, o que, obviamente, altera sua condição do ponto de vista sociocultural, político, linguístico e econômico, possibilitado pela participação social. É por meio da leitura (no seu sentido mais amplo) que o homem tem acesso à informação, defende seus pontos de vista e partilha bens culturais como legítimos, podendo assim exercer a cidadania (BORTONE, MARTINS, 2008, p.7).
35
Assim, em semelhança com o que foi dito sobre a Arte Contemporânea e
suas possibilidades de compreensão, a leitura ou a composição de textos requer um
jogo de inferências intertextuais formada de elementos concretos e conceituais
diversos, evocados pelo indivíduo para formar o sentido daquilo que leu ou
escreveu.
As teorias sociointeracionistas reconhecem a existência de um sujeito planejador/organizador que, em sua inter-relação com outros sujeitos, vai construir um texto, sob a influência de uma complexa rede de fatores, entre as quais a especificidade da situação, o jogo de imagens recíprocas, as crenças, atitudes dos interactantes, os conhecimentos (supostamente) partilhados, as expectativas mútuas, as normas e convenções socioculturais. Isso significa que a construção do texto exige a realização de uma série de atividades cognitivas discursivas que vão dotá-lo de certos elementos, propriedades ou marcas, os que em seu inter-relacionamento, serão responsáveis pela produção de sentidos (KOCH, 2001, p.7).
No contexto evidenciado nesta pesquisa, verificar-se-á que hibridismo,
intrínseco às manifestações da Arte Contemporânea, é também uma das
características mais marcantes das formas comunicacionais e manifestações sociais
dos dias atuais que, por conseguinte, são formadas por uma grande diversidade de
gêneros. Mikhail Bakhtin (1992) já havia apontado isso em estudos, redescobertos e
difundidos principalmente na década de 1960: a “transmutação” dos gêneros
textuais e a mescla de linguagens nos meios de comunicação.
Marcuschi (2006 p. 19) afirma que a característica da hibridização dos
gêneros é um dos fatos mais corriqueiros na fala e escrita dos indivíduos comuns.
Para as pesquisadoras Koch e Elias (2006 p. 114), esse fenômeno pressupõe que
um gênero possa inclusive assumir a forma de outro, tendo em vista o propósito da
comunicação.
Esses gêneros que emergiram no último século no contexto das mais diversas mídias criam formas comunicativas próprias com um certo hibridismo que desafia as relações entre oralidade e escrita e inviabiliza de forma definitiva a velha visão dicotômica ainda presente em muitos manuais de ensino da língua. Esses gêneros também permitem observar a maior integração entre os vários tipos de semioses: signos verbais, sons, imagens e formas em movimentos (MARCUSCHI, 2002 p.19).
A composição de qualquer texto envolve uma cadeia de eventos e
intelecções. O momento da leitura vem completar a tessitura que o compõe por
meio das diversas interpretações possíveis entre as referências nele implícitas e a
experiência do leitor. Como produto de uma cultura, ele passa a integrar a cultura
que o produziu. Os gêneros textuais, na visão de Bakhtin (1992), Marcuschi (2002)
36
e outros autores, são processos construídos socialmente como consequência da
interação entre os indivíduos.
Dessa forma, seria possível conjecturar que o entendimento mais profundo
de um texto, assim como a compreensão de uma obra de arte, que também é objeto
textual, só pode ser completa com a apropriação dos elementos que formam suas
tessituras. Um texto híbrido, por exemplo, será apreendido calcado no
conhecimento sobre os elementos que dão suporte aos diferentes gêneros que o
compõem. Logo, o conhecimento das linguagens visuais, musicais, sonoras, e
outras com caráter híbrido pode potencializar o processo de aquisição da língua e
seu domínio.
2.1 Desafios de uma comunicação híbrida para o contexto escolar
No que diz respeito ao ensino de Artes Visuais na escola, seria interessante
examinar o pensamento do educador espanhol Fernando Hernández (2000) que
reflete as relações do indivíduo na cultura excessivamente visual da atualidade e de
que forma ela produz olhares sobre o mundo. O autor propõe que essas questões
sejam problematizadas e contempladas em projetos de trabalho e de investigação.
A cultura visual, como foi definida por Hernández, é capaz de, com seus recursos
expressivos, fazer convergir pensamentos religiosos, éticos, sociais e políticos,
mantendo conexões inegáveis com o processo histórico.
Vale lembrar que um dos objetivos da produção de uma publicação digital
seria não somente aproximar os docentes interessados nas interações entre as
linguagens artísticas, mas também levá-los a se inteirar de forma mais pragmática
sobre os meios digitais, com o seu uso voltado para o trabalho em sala de aula.
Ressalte-se que, funcionando dessa forma, é uma contribuição, mesmo que em
forma de incentivo, à sua formação continuada no que diz respeito à integração das
novas linguagens em seu fazer pedagógico.
Hernández (2000) afirma que a produção artística pode ser considerada
como uma “exteriorização da existência”, uma forma de ação que pode determinar a
maneira do indivíduo sentir e pensar o mundo, capaz de proporcionar uma
descoberta de valores éticos, sociais e políticos, propiciando a possibilidade de uma
visão mais íntegra da realidade.
37
Seria coerente, com base nessas informações, questionar quais seriam as
consequências da imersão nessa cultura excessivamente visual para a formação
das crianças e jovens, visto que ela é extremamente persuasiva e que nem sempre
as pessoas possuem domínio sobre os códigos interpretativos para realizar uma
leitura crítica dessas formas de comunicação. No panorama atual, é possível
concordar com o educador quando diz que uma reeducação pelas imagens e pela
sensibilidade artística pode reverberar em uma revisão da cultura consumista
acrítica que atinge fortemente os mais jovens.
O potencial narrativo das imagens visuais e sua exploração negativa pela mídia contemporânea são elementos que justificam a prioridade de formação de indivíduos capazes de decodificarem os códigos da nova pragmática da imagem virtual. A manipulação de grande parte da opinião pública torna necessário mobilizar todos os meios formativos, que possam contribuir no crescimento do desejo criativo, no desenvolvimento do senso crítico e no discernimento cultural do indivíduo (HERNÁNDEZ, 2000, p. 39).
Por conseguinte, um ensino com fortes vínculos, em relação ao
conhecimento artístico, seria capaz de promover estímulos além da habilidade
manual, capazes de desenvolver os sentidos, a mente e a identidade, ampliando as
capacidades de discernir, valorizar, interpretar, compreender, representar e
imaginar. De acordo com Hernández, além de decifrar códigos verbais pela escrita,
o indivíduo contemporâneo necessita estar apto à leitura e interpretação de "outros
textos" como os visuais, os auditivos, os corporais e aqueles que utilizam múltiplas
mídias (HERNÁNDEZ, 2007, p. 24).
É possível, então, depreender que a Arte-Educação deve ser objetivada na
sua potencialidade formadora. Logo, as novas manifestações do pensamento visual
devem estar presentes na sala de aula, contribuindo para reforçar o caráter
interdisciplinar do conhecimento artístico, visto que a sociedade contemporânea,
extremamente orientada pelos meios audiovisuais, é caoticamente refletida por eles.
Historicamente as tecnologias dos meios de comunicação em massa e as
mídias atuais têm representações quase insignificantes nos processos de ensino de
leitura na escola, onde as práticas se atêm somente ao escrito e ao impresso, da
maneira mais tradicional. Para Rojo (2002), o desenvolvimento da capacidade de
produção textual (criação) está intimamente ligado ao ato de ler, que, por sua vez,
envolve diversos procedimentos e habilidades ligadas à percepção. Logo, capacitar
o aluno para ler criticamente as propostas constantes da cultura visual implica que
38
se trabalhe na escola um conceito ampliado de leitura que inclua as novas formas
de interação leitor/autor trazidas pelos meios de comunicação da atualidade.
Rojo (2002), assim como Hernández, alerta sobre a ineficiência da escola no
que diz respeito a lidar com as práticas sociais significativas e coerentes com as
formas de comunicação as quais estão expostos os jovens na atualidade. Segundo
ela, o letramento escolar traz práticas didáticas de leitura que somente desenvolvem
uma parcela pequena das capacidades envolvidas nas práticas de leitura hodiernas.
Para cumprir o currículo, as práticas escolares são repetitivas e abrangem poucas
linguagens, o que, parafraseando a autora, seria o mesmo que repetir falas e textos
de autores que são colocados como elementos centrais do processo.
A estudiosa propõe também o conceito de multiletramentos, que consiste no
trato com textos multimodais que carregam em si diversas linguagens como textos,
imagens e conteúdo audiovisual. Esses textos são majoritariamente digitais, mas
também podem ser impressos, exigindo capacidades que vão muito além do
decifrar de códigos e evocando outras referências, por vezes, até interações físicas
do leitor. Portanto, há a necessidade do multiletramento na escola, trazendo uma
outra prática das formas de ler e ver o mundo na contemporaneidade, com uma
priorização da interatividade.
Destaque-se que na perspectiva dos multiletramentos, o ato de ler envolve a
articulação de diferentes modalidades de linguagem, além da escrita, como a
imagem (estática e em movimento), a fala e a música. Consequentemente, o
trabalho de leitura e criação em linguagens híbridas pode ser um dos recursos
utilizados na mediação da aquisição da língua, trazendo para o ensino referências
que já estão presentes no cotidiano do aluno.
Uma das premissas do multiletramento proposto por Rojo (2009), então,
aborda o desenvolvimento da capacidade da leitura de textos não verbais para
atender às várias exigências da sociedade contemporânea. Em consonância com o
que diz Hernández (2000), a autora aponta a importância de um domínio maior no
que concerne aos códigos visuais, embora sua perspectiva perpasse outras esferas
que não somente a chamada cultura visual. No entanto, é inegável que na
atualidade os textos com que os indivíduos mais têm contato em seu dia a dia
possuam fortemente a característica da visualidade. Nesse sentido, o próprio
material produzido em decorrência da investigação realizada em – publicação digital
– busca diminuir esse hiato encontrado no contexto das práticas escolares, visto
39
que, como publicação digital, ele apresenta uma linguagem inerentemente
multimodal, na qual imagens, cores, textos e visualidades se fundem para a
formação do sentido.
2.2 As linguagens híbridas na escola: a abordagem triangular como possibilidade
A abordagem triangular de Ana Mae Barbosa (1991), surgida nos anos 90 do
século XX, enuncia um trabalho mais profundo com imagens na escola, propondo
que essas sejam passíveis de leitura. A pesquisadora propõe a mediação de
imagens de obras de arte com atividades que permitam uma contextualização
sociocultural, em uma abordagem que transita além das formas e cores, chegando a
uma síntese que une a obra ou a imagem lida ao seu contexto mais amplo,
aumentado a capacidade de compreensão da mesma pelo estudante, ou seja,
propiciando a leitura de imagens.
Esse processo é formado por três momentos complementares a serem
desenvolvidos por professor e alunos na mediação da obra de arte: uma primeira
apreensão e olhar para a obra de arte, momento em que se destacam os seus
elementos formais, suas características composicionais, nuances e detalhes
marcantes para onde a atenção é chamada em primeiro contato. A
contextualização, quando são levados em consideração os aspectos históricos,
sociais e poéticos envolvidos no processo de produção; e por fim, a produção
artística, vem como apropriação e uso da linguagem da obra e do artista.
Ressalte-se que, embora esses três momentos tenham sido expostos aqui
em sequência, não necessariamente precisam ocorrer assim em sala de aula,
podendo o docente rearticular a abordagem triangular conforme for mais proveitoso
para o momento pedagógico, não sendo intenção da referida autora apresentar uma
regra rígida ou sequência imutável.
Barbosa enfatiza que o aprendizado desenvolvido por meio da leitura de
obras de arte não se estende somente para o domínio do fazer ou do conhecimento
artístico, mas para uma potencialização da leitura de mundo de uma maneira mais
ampla, para as imagens e símbolos com os quais se tem contato no cotidiano.
Como Hernández (2000) e Rojo (2009), já na década de 1980, Barbosa (1991)
defendia a ideia de uma arte-educação que pudesse capacitar o indivíduo para
40
compreender a torrente de imagens proveniente das mídias, posicionando-se de
forma crítica a respeito desse contexto imagético.
O fazer artístico, outro viés fundamental no tripé proposto por Barbosa, surge
da intertextualidade entre a mediação da obra de arte e as referências próprias do
estudante. O estímulo à criação, dessa forma, também é um caminho para
apropriação mais profunda da linguagem, quando se utilizam os códigos contidos na
obra de arte, com base no crivo da experiência individual. Assim, retomando
algumas premissas do pensamento de Vygotsky, a arte poderia ser caminho para se
ter contato com sentimentos que vão da esfera individual à esfera social.
As inquietações das quais surgem as obras de arte possuem caráter social,
de maneira que a fruição dessas é uma das formas pelas quais se formam os
sentidos e os sentimentos do indivíduo. Portanto, em uma via de mão dupla, como
afirma Vygotsky (1999, p. 315), o sentimento surgido no contexto social torna-se
pessoal quando o indivíduo se apropria da obra de arte. Por outro lado, o
movimento oposto, da esfera individual para a social também ocorre, criando um
sentimento partilhado entre os indivíduos.
O pensamento humano, para Vygotsky (1999), tem natureza intrinsecamente
social. Dessa forma, o desenvolvimento humano não se dá de outra maneira senão
pela interação entre os sujeitos, em um espaço intercomunicante entre o interno e o
externo, do interpsíquico para o intrapsíquico, ou seja, da dimensão social para a
individual (MARTINS, 1997).
Segundo o linguista russo, então, tendo em vista o contexto social, a arte
seria um caminho para elevar os sentimentos humanos a um nível mais sublime, um
compartilhamento intersubjetivo de experiências. Propõe que ela possa exercer o
poder de transformar o indivíduo. Assim, o contato com obras de arte de diversas
naturezas e linguagens tem um caráter formador na maneira de o indivíduo ver,
pensar e expressar o seu entorno.
Nesse processo de apropriação dos códigos visuais e socioculturais,
desvendados com a leitura de obras de arte, os estudantes irão selecionar, recortar,
reelaborar e modificar o ponto de partida (a obra de arte em si), de acordo com os
seus conhecimentos prévios na criação de novas imagens e novos signos.
Para Barbosa (1991), o olhar criativo permite maior compreensão do mundo
cotidiano. Isto posto, haveria evidências para a suposição de que processos de
criação que envolvam o exercício da palavra possam propiciar uma melhor
41
apreensão da língua por meio do seu uso (BAJARD, 2007, p. 10). Em sentido mais
amplo, a conjugação interdisciplinar entre a leitura contextualizada de obras
literárias e de arte potencializa-se como ferramenta para que o estudante
compreenda de forma melhor a complexidade dos meios comunicativos da
atualidade.
O modus operandi da abordagem triangular, surgida no contexto da arte-
educação em uma perspectiva interdisciplinar, apresenta possibilidades de
adaptação para o contexto da leitura de hipertextos (textos dentro de outros textos,
formando uma rede de informações interativa, inclusive por meio de links,
provocando uma leitura não-linear), textos multimodais, e até mesmo de textos de
linguagem puramente verbal. Nas propostas educacionais desenvolvidas nesta
pesquisa, a apreciação contextualizada de textos do cotidiano e a fruição de textos
literários, associadas a propostas de criação textual, plástica e cênica, foram
exploradas interdisciplinarmente e os resultados podem corroborar que a
associação de linguagens potencializa a compreensão via múltiplas fontes.
42
3. CONSTRUINDO O PRODUTO EDUCACIONAL: ANÁLISE DE UM PROJETO
INTERARTES
A alfabetização envolve mais do que a palavra. E a disciplina de arte pode ser o espaço de ampliação do conceito de alfabetização que se faz na educação contemporânea.
(Maria Helena Wagner Rossi)
Neste terceiro capítulo, serão descritos, de forma mais detalhada, os
conteúdos prático e teórico que compõem a publicação digital que sintetiza a
pesquisa. Dessa forma, serão analisadas cinco etapas de um projeto envolvendo a
associação entre leitura de obras literárias e leitura de obras de Arte Moderna e de
Arte Contemporânea em diálogo, de modo que esse mergulho nas nuances
devidamente contextualizadas dessas manifestações artísticas trouxesse a
possibilidade de construção de sentido interpretativo mais amplo para os
estudantes. Seguindo os moldes da abordagem triangular, a metodologia de
trabalho em sala de aula ainda incluiu a produção artístico-literária como exercício
criativo ao longo de cada momento pedagógico.
Assim, as atividades aqui expostas surgiram em função do livro digital,
objetivando compartilhar com os professores práticas interartes e opções
metodológicas que favoreçam a leitura de obras literárias. Dessa forma, no produto
educacional (de maneira sintética), as reflexões inseridas podem funcionar como
material de formação continuada para professores de Arte e Língua Portuguesa.
Essas atividades foram desenvolvidas com três turmas de sextos anos do
Ensino Fundamental de um colégio da zona norte da cidade de Londrina, Paraná,
do mês de agosto ao mês dezembro de 2018, no qual os alunos em média
matriculam-se aos 11 anos de idade. A instalação da instituição no bairro é advinda
de lutas e longas reivindicações da comunidade, pois, na época em que isso
ocorreu, essa região da cidade de Londrina, hoje muito populosa, era afastada do
restante da cidade onde alguns conjuntos habitacionais populares foram
pulverizados propositalmente, muito distantes uns dos outros, para propiciar o
43
crescimento de bairros habitacionais no entorno, e a infraestrutura nem sempre
vinha completa para tais localidades.
A comunidade é composta por pais e alunos de baixa renda, a maioria
composta por trabalhadores do comércio e serviços, sendo a escola uma das
poucas opções de cultura e lazer desses jovens e adolescentes.
Foi verificado, em análise diagnóstica, que muitos possuíam dificuldades com
a leitura e a escrita de textos, apresentavam bastante resistência à leitura como
atividade prazerosa, bem como em realizar uma interpretação de contextos mais
abstratos. Também o contato dos estudantes com obras de arte nos primeiros anos
do Ensino Fundamental, tendo como base essa primeira análise, seria irrisório, com
algumas atividades envolvendo obras de poucos artistas, sem muita
contextualização.
No decorrer da explanação sobre o projeto, são expostos excertos dos textos
e produções visuais dos estudantes, transcritos literalmente, sem correção
ortográfica. Assim o leitor focará a ideia original dos alunos, como surgida na
primeira apreensão das obras de Arte/Literatura conjugadas como ponto de partida
para as atividades criativas.
Sobre o desenvolvimento das atividades com as obras de literatura
trabalhadas em sala de aula, esclareça-se que o tipo de leitura desenvolvida foi uma
fruição inicial, sem análise dos elementos formais e estruturais dos textos, embora
se considere este estudo relevante e bastante proveitoso para aprofundar os
conhecimentos sobre a obra. Optou-se por uma vivência mais global do texto,
considerando como possibilidade, no contexto do produto educacional destinado a
professores de Arte e de Língua Portuguesa, que os profissionais com formação
específica nesta área (Letras) possam desenvolver com maior propriedade as
atividades de análise dos elementos constitutivos do texto. Apenas alguns aspectos
foram apontados, como por exemplo, no livro Ernesto, o recurso de se finalizar a
história “antes do final”, ou nos poemas de Eucanaã Ferraz, as intercessões entre o
posicionamento do texto, as palavras e as imagens.
Quanto aos aspectos formais das artes visuais, procurou-se iniciar com a
análise de elementos como linhas, cores, formas, materiais, indo além daquilo que
constitui a fisicalidade da obra, buscando associá-los à expressão das ideias dos
artistas. Tal procedimento, de acordo com Rossi (2009, p. 20), estaria mais coerente
com o tipo de fruição adequada às obras de arte contemporânea. Segundo a autora,
44
na modernidade a ênfase estava na percepção dos aspectos formais das obras de
arte e, nos dias atuais, as capacidades interpretativas são evocadas, devido à fusão
entre a arte e a vida cotidiana. No excerto abaixo, a autora compara os dois pontos
de vista sobre o ensino de artes visuais a crianças, o que pode ser transposto para
o trabalho aqui desenvolvido com pré-adolescentes, na transição da contemplação
(ato passivo) para a interpretação (ato intersubjetivo).
Na modernidade a ênfase era na percepção. As questões eram, por exemplo: como as crianças percebem as qualidades estéticas, o estilo, as linhas? Como elas reagem às cores? Mas hoje precisamos perguntar, não como as crianças veem as coisas, mas qual o significado que atribuem a elas. Quais são as capacidades interpretativas que elas têm e como compreendem a arte? (ROSSI, 2003 p. 20).
Desse modo, as leituras literárias e também de obras visuais desenvolvidas
com os estudantes aproximam-se mais do conceito de leitura apresentado pela
autora, onde se supõe ler como apreciação/ interpretação, fazer perguntas ao texto,
produzindo sentido a partir das respostas ou dos silêncios do mesmo (ROSSI, 2003).
Nesse sentido, a análise formal embora seja relevante, aqui não foi tomada como
único recurso de abordagem das obras com as quais os estudantes interagiram.
Consequentemente o principal enfoque, tanto no caso das obras visuais quanto no
caso das obras literárias, foi o contexto: a cultura, os valores, as sensações e os
sentimentos evocados.
Essa visão, que reconhece os elementos formais, mas com enfoque na
compreensão de um significado contextual também aparece em Hernández (2000,
p. 49), apontando a dissolução de limites na arte, o que resulta em manifestações
que são mais para serem compreendidas (em seus significados) do que para serem
vistas (como estímulos visuais).
Desse modo, nesta pesquisa não se nega a importância dos elementos
formais tanto do texto quanto das obras de artes visuais, cênicas ou de linguagem
híbrida, pois, segundo Jouve (2012), a forma e o conteúdo de uma obra literária não
devem ser desvinculados, pois se complementam na formação do sentido. No
entanto, optou-se, em ambas as linguagens, por uma leitura com enfoque menos
formal e mais subjetivo, para um primeiro momento de aproximação – que é
importante ressaltar – tanto dos alunos com as obras literárias, quanto da autora da
pesquisa com a mediação dessas.
45
Nesse sentido, a abordagem das obras literárias trabalhadas junto aos alunos
está mais próxima de uma dimensão subjetiva da leitura. Sobre esse contexto a
estudiosa Annie Rouxel (2012) estabelece distinções entre a leitura analítica, que
contempla a análise e a interpretação de texto (bastante comum na escola) e a
leitura cursiva, que pressupõe uma leitura pessoal, livre de uma coerção avaliativa,
que, nesta pesquisa, pode ser comparada ao ato de fruir o que se lê.
Esse tipo de leitura baseia-se na experiência do sujeito: é o leitor que, ao
relacionar-se com o texto, imprime nele a sua forma singular de pensar e sentir.
Essa abordagem, assim como em Rossi (2001) e Hernández (2000), não renuncia
ao estudo da obra em sua dimensão formal e objetiva, mas abre as portas para a
dimensão dos sentimentos do leitor, incentivando a leitura como relação
intersubjetiva.
Esse tipo de leitura, cursiva, introduz na leitura escolar um espaço de
liberdade para o leitor. Enquanto a leitura com enfoque na análise de elementos
constitutivos do texto se interessa pelo jogo das formas e se organiza em torno de
eixos de estudo hierarquizados, a leitura cursiva se concentra nas reações do leitor
em detrimento das regras estruturais do texto (ROUXEL, 2012, p.1).
Em suma, as práticas de leitura de ensino de arte, aqui descritas,
demonstram que o fazer artístico na escola tem sido revisto e atualizado em relação
às manifestações da contemporaneidade. O fazer artístico descontextualizado,
pulverizado nos meios escolares, ainda é uma realidade que vem sendo superada
nos meios educacionais. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) integrantes
da Lei 9394 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – publicada no dia 20
de dezembro de 1996, trazem em seu conteúdo algumas correções para esse tipo
de distorção ou não aproveitamento adequado das potencialidades da Arte no que
diz respeito à educação. Em vista disso, os PCNs tratam de equiparar a arte às
demais disciplinas em termos de importância para o pleno desenvolvimento das
capacidades cognitivas do indivíduo em formação.
Nesse ato, a LDB coloca em evidência a importância da cultura na formação
do educando e também abre possibilidades para que os currículos escolares
possam incluir a arte de maneira mais integradora e inclusiva em relação às áreas
do conhecimento humano. Esse documento também adota a perspectiva da
abordagem triangular de Barbosa (1991), compreendendo que as três etapas
46
metodológicas que a compõem atuam positivamente na aquisição de
conhecimentos e desenvolvimento do potencial expressivo dos estudantes.
Nesse processo em que um significado de um texto varia diante de um contexto de atuação dos leitores, que sempre trazem pressupostos sobre ele, a relação texto-leitor também é dialógica: os significados do texto são indissociáveis da compreensão ativa de um leitor, e a compreensão por sua vez, está intrinsecamente relacionada ao contexto específico. Em outras palavras, o ato dialógico de leitura rompe a aparente posição fixa de texto e
leitor – comumente difundida nas escolas, a relação dialógica entre ambos
não os antecede, pois isso só acontecerá no momento da recepção do texto. Bakhtin entende a compreensão ativa como constitutiva do dialogismo num processo caracterizado pela tensão causada pelas contradições sócio-históricas e pelo caráter dinâmico do discurso que não devem ser desprezados (SANTOS, 2014).
Já a nova diretriz, documento nacional intitulado Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), estabelece a Arte como linguagem:
“[…] os sujeitos (inter)agem no mundo e constroem significados coletivos […] linguagem verbal, musical, visual e corporal que abrangem diversas formas de experiências: estéticas, sensoriais, sensíveis, corporais, sonoras, cinestésicas, imagéticas, performativas” (BRASIL, 2016, p. 86).
Mas existem alguns pontos questionáveis no que diz respeito aos objetivos,
nos quais são propostos temas integradores que limitam, na maneira como são
apresentados, a compreensão da arte, visto que, embora se valorize a
interdisciplinaridade, a formação dos professores não é polivalente nessas diversas
linguagens, mas, contraditoriamente, o documento indica que as linguagens das
Artes Visuais, da Dança, da Música e do Teatro possuem suas especificidades
epistemológicas, metodológicas e que, por esse motivo, precisa de profissionais
com formação docente especializada (BRASIL, 2016, p. 122).
Nos objetivos da Educação Básica, por exemplo, nos anos iniciais e finais do
Ensino Fundamental e Ensino Médio, as linguagens aparecem de forma separadas
e indicam, nesse momento, as singularidades.
Se por um lado a BNCC estabelece “bases”, orientações para que o ensino
de Arte para crianças, adolescentes, jovens e adultos tenham direito à
aprendizagem e ao desenvolvimento em relação aos conteúdos artísticos e à
interação entre as linguagens artísticas, por outro, o documento não deixa claros os
elementos metodológicos, o que prejudica a compreensão dos professores em
relação à reflexão em torno da nova proposta de trabalho, visto que tanto no
processo de formação inicial quanto na formação continuada dos professores ainda
não se tem discussões suficientes sobre as premissas do documento.
47
Esse caráter integrativo entre linguagens, que é sugerido na BNCC, aparece,
de certo modo ao longo do desenvolvimento dos cinco momentos pedagógicos que
integram o projeto. Buscou-se analisar criticamente a associação entre linguagens
objetivando criar um hibridismo de referências segundo as quais os estudantes
pudessem elaborar mais profundamente o próprio processo de fruição, apropriando-
se de conceitos e interligações conceituais de forma que, mais tarde, na produção
pudessem reorganizar os códigos à sua maneira, em forma de criação. Esse
hibridismo, no entanto, tem relação não com uma tentativa de polivalência, mas com
o estudo de elementos da própria arte contemporânea que tem fronteiras indefinidas
em suas linguagens.
Optou-se pelo caráter processual tanto para a produção dos estudantes
quanto para a avaliação dos resultados. Sendo assim, houve diversos momentos de
culminância, distribuídos ao longo do desenvolvimento dos cinco momentos em que
foram realizadas ações em diferentes linguagens expressivas, mas sempre com um
único enfoque: a leitura e a produção interartes como meio de ampliação das
capacidades interpretativas e expressivas dos estudantes.
Trabalhou-se com uma seleção de obras de literatura infantojuvenil e obras
de arte que pudessem ser associadas intertextualmente, enfocando cinco
características marcantes no que diz respeito às suas manifestações
contemporâneas. Essas características são: o hibridismo de linguagens; a
percepção fenomenológica, ou seja, a evocação multissensorial como forma de
construção de sentido; a expressão teatral; a multimodalidade dos textos e, por fim,
as formas de expressão contidas na ação. Essas características aparecem na
publicação digital que motivou essa pesquisa em forma de cinco momentos onde
serão expostos textos de apoio e imagens dos trabalhos em sala de aula, com o
objetivo de levar ao docente um olhar calcado em práticas possíveis e realizáveis,
com poucos recursos, integrando linguagens artísticas variadas.
A respeito da seleção das obras literárias, optou-se por trabalhar com livros
de literatura infantojuvenil e não com textos canônicos, considerados clássicos. Tal
opção deu-se em função das avaliações diagnósticas realizadas com os estudantes,
que levavam a depreender-se que textos curtos e mais simples em sua linguagem
poderiam favorecer a captação da atenção e interesse dos estudantes, convidando-
os a futuramente, talvez, fruir obras literárias mais complexas.
48
Desse modo, em um segundo momento, possivelmente, inclusive em acordo
com o processo metodológico de fruição, contextualização e processos criativos,
obras canônicas poderiam ser associadas às leituras interartes, com contribuições
significativas, pois:
Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes). (CALVINO, 2002, p.11).
Nas leituras e exercícios criativos expostos no material digital para
professores, foram desenvolvidas atividades em diversos formatos, como
encenações, poesias, desenhos, criação de histórias, expressão sonora, expressão
gestual e expressão tridimensional, com o objetivo de verificar a potencialidade
construtiva de um ensino interartes calcado na diversidade de linguagens e meios
interpretativos.
O termo interartes tem sido recentemente empregado nas investigações
transdisciplinares das interações intertextuais entre as diversas formas de
expressão artística. Entende-se por interartes o campo de estudos de caráter
semiótico que trata das questões da representação, da intertextualidade, do
intercâmbio e fusão de códigos e signos, da transposição intersemiótica, bem como
do papel do leitor nesse amplo contexto (CLÜVER,1997). Os estudos, nessa área,
denotam a mudança paradigmática da premissa de que um texto deva ser tratado
como absoluto em detrimento de seus vários contextos. Dessa forma, passam a ser
conjecturados outros contextos que se entrecruzam no entendimento do texto à
medida que sua vivência integral não é mais obtida unicamente dos signos nele
contidos de forma objetiva.
As atividades nos cinco projetos desenvolvidos para o estudo das
potencialidades do ensino interartes, contidas nesta dissertação e também na
publicação digital que leva os resultados da pesquisa a docentes interessados,
baseiam-se na ideia de que um texto se modifica à medida que o leitor se enriquece
de referências. Assim, a vivência da leitura será singular para cada indivíduo,
considerando a riqueza ou as lacunas do seu repertório pessoal. Em outras
palavras, “seria possível argumentar que quanto mais amplo for nosso acervo de
imagens e informações, tanto mais rica será a nossa vivência” (CLÜVER,1997 p.
40).
49
Os meios e formas de comunicação da nossa sociedade devem ser passíveis
de apropriação, nos meios escolares, fomentando não só a alfabetização, mas um
processo de formação de leitores que lhes permita interagir criticamente com as
novas linguagens, incluindo-se nesse contexto também a formação continuada dos
docentes. Por conseguinte, eles se sentirão preparados para interagir naturalmente
com tais formas comunicativas em sala de aula. Daí a ideia de sintetizar a pesquisa
em uma publicação digital, com caráter multimodal. No que será descrito e
analisado a seguir, buscou-se, trazer aos estudantes, por meio de leituras e
atividades interartes, recursos referenciais com o objetivo de potencializar,
aprofundar e ampliar a sua leitura de mundo.
3.1 Expressão teatral: vivências para a sala de aula
Embora seja uma linguagem que ofereça muitas possibilidades para o
desenvolvimento global do indivíduo, como o senso de intercooperação, a
capacidade de abstração e a autoexpressão, por diversos motivos nem sempre a
expressão teatral encontra lugar nos meios escolares. Seja pela deficiência no
espaço, que nem sempre é adequado para tal prática, ou pelo professor em sua
formação inicial não ter uma base de conteúdos segura nessa área para que possa
desenvolver atividades com grau de complexidade satisfatório, o teatro ainda é um
campo a ser explorado.
Considerando Bajard (2007 p.27), há no fazer teatral ou fazer de conta, o
fingir ser outro em outro mundo, a criação de situações imaginárias. Essas ações
fabulativas são intrinsecamente humanas e fazem parte do desenvolvimento do
indivíduo. Na ação teatral, estabelecem-se relações, o jogo, a criação e a
decodificação de signos, a elaboração e a reelaboração de sentimentos, situações e
referências.
O teatro, em si, é formulado na conjugação da linguagem verbal e da não
verbal, trazendo em seu bojo a fala e a escrita, mas também códigos não verbais
que se fundem indissociavelmente para a criação do sentido como: tom de voz,
expressões faciais, gestuais, corporais, imagens, desenhos, símbolos, músicas e
outros recursos. A arte teatral possui, então, um caráter hibrido, pois a leitura de
uma manifestação teatral requer o entrecruzamento interpretativo de manifestações
diversas que podem ser musicais, literárias, de dança, de artes plásticas (no
50
cenário), do mesmo modo que, nas manifestações contemporâneas, existem
diálogos cênicos na música, na dança ou numa instalação.
Assim, a formação do leitor, fruidor, tanto no caso do teatro ou das
manifestações linguísticas híbridas ou interartes, revela a importância da formação
de um tipo de leitor/espectador para o teatro que esteja presente de forma ativa,
participativa (DESGRANGES, 2011, p. 28).
Na idealização da sequência de atividades, as práticas de jogos de
improvisação teatral e as leituras dos livros infantis foram introduzidas com o
objetivo de instrumentalizar o estudante para a elaboração de uma compreensão e
interpretação mais profunda em relação às leituras e à sua própria expressão, visto
que tais atividades lúdicas exigem a desconstrução e a rearticulação desta leitura
em forma de ações corporais, vocais e estratégias de representação.
Em Reverbel (1996), encontra-se que os jogos teatrais se configuram
metodologicamente como espaços de liberdade expressiva, com enfoque mais no
processo de aquisição do domínio sobre a linguagem teatral do que em um produto
final em forma de peça teatral, por exemplo. O fazer teatral escolar se diferencia do
teatro do palco ou das ruas, não em sua potencialidade criativa e expressiva, mas
em seus objetivos. Na escola, o objetivo maior é a conquista da autoexpressão e
capacidade interpretativa, sem que com isso se almeje a formação de atores.
Busca-se o desenvolvimento de ferramentas comunicativas inerentes ao próprio
desenvolvimento e capacidades humanas.
Infelizmente, quando se trabalha o teatro como produto, em ambientes
escolares, pais, professores, colegas e até mesmo os próprios estudantes que irão
se apresentar acabam esperando um desempenho profissional, o que empobrece
consideravelmente o potencial educativo de tais ações. Não se deve almejar formar
na escola atores, e sim fomentar nos estudantes o desempenho das funções
lúdicas, propostas como atividade didáticas, ou seja, jogos teatrais.
No fazer teatral, o indivíduo permite a ligação do seu mundo interior com o
mundo exterior, adquirindo consciência de si e do outro. Assim, os participantes dos
jogos teatrais devem ser considerados na condição de experimentadores e não de
atores em formação (REVERBEL, 1996).
O teatro, para Reverbel (1997), é recurso auxiliar para os estudantes no
desenvolvimento de suas capacidades expressivas e relacionais, da
espontaneidade, da imaginação, da observação e da percepção. Poderá ser
51
desenvolvido em forma de atividades lúdicas, de cunho processual e de exercício da
linguagem como recurso na formação cultural e da personalidade das crianças e
dos adolescentes.
A referida autora divide a sua metodologia do ensino da expressão teatral em
quatro etapas, sendo que a primeira corresponde ao estímulo, despertando o
interesse do aluno diante de elementos como jornais e revistas, visita a exposições,
audição de concertos, participação em festas populares e campanhas comunitárias
ou o contato com formas artísticas e comunicativas do cotidiano visando à eleição
de um tema.
A segunda etapa corresponde à sensibilização, que consiste na promoção de
debates em torno de um tema eleito para ser trabalhado, na criação de cenas de
reprodução e na imitação dos aspectos observados pelos estudantes, bem como na
definição de situações e de personagens.
A etapa da sensibilização é seguida pela etapa do objetivo, ou seja, a
proposição, definição ou construção, por parte dos alunos e/ou do professor, do que
se deseja alcançar com a atividade. E por fim chega o momento do roteiro, quarta
etapa, em que um esquema será elaborado pelos alunos, contendo personagem,
ação, espaço cênico, local, tempo e duração.
Correspondendo à etapa de estímulo inicial descrita por Reverbel (1997), foi
feita a leitura do livro infantojuvenil Ernesto, de Blandina Franco e do ilustrador José
Carlos Lollo (2016). Na narrativa construída pela autora, uma solitária personagem
passa por uma série de situações que demonstram que ela não é muito querida
pelos colegas. Desajeitado e triste, Ernesto acaba cativando os leitores, que se
identificam empaticamente com ele. Na roda de leitura, os alunos foram percebendo
que sempre era dito algo sobre a personagem, porém tudo o que se referia a ela era
negativo.
Nessa primeira leitura, foi grande o estranhamento dos estudantes pelo fato
de a professora de arte estar realizando, junto com eles, uma roda de leitura. A
confusão, segundo o que alguns exclamaram, é que “livro não é arte”, então não
teria que estar em aulas de arte. Apesar disso acabaram se envolvendo com a
leitura e ficando surpresos com o final provisório que os autores colocam na história,
demostrando indignação, pois tudo acaba mal para Ernesto. Durante a leitura,
também teceram comentários sobre acontecimentos parecidos com os descritos no
livro, vivenciados na escola, inicialmente culpabilizando Ernesto pelas atitudes
52
atrapalhadas, e depois, concluindo coletivamente que as atitudes das pessoas em
relação a ele não eram as ideais.
Adaptando os momentos indicados por Reverbel (1997), iniciou-se um
momento de debates sobre a leitura, na qual os estudantes concluíram entre outras
coisas que o que “dizem” de Ernesto, poderia não ser exatamente a verdade. E isso,
aos poucos, fez com que criassem uma empatia com ele. Alguns apontaram que a
personagem era vítima de bullyng.
O debate foi favorecido por uma estratégia narrativa dos autores: colocar um
“Fim” na história, justamente quando todos os fatos estão contra a personagem
Ernesto, e sua grande tristeza diante da situação fica mais aparente. Ao perceber o
fim da narrativa dessa forma, os estudantes ficaram insatisfeitos e protestaram
contra a qualidade da história apresentada pela professora. Eis, a seguir, cinco
exemplos de desenhos feitos pelos jovens, no portfólio individual do aluno, para
ilustrar as atividades criativas relacionadas à leitura de Ernesto.
Figura 2: Versão de ilustração da personagem Ernesto 1
Fonte: Arquivo da autora
53
Figura 3: Versão de ilustração da personagem Ernesto 2
Fonte: Arquivo da autora
Figura 4: Versão de ilustração da personagem Ernesto 3
Fonte: Arquivo da autora
54
Figura 5: Versão de ilustração da personagem Ernesto 4
Fonte: Arquivo da autora
Figura 6: Versão de ilustração da personagem Ernesto 5
Fonte: Arquivo da autora
55
Foi novamente detalhada a proposta para o trabalho com o teatro, solicitando
que os estudantes confeccionassem, em casa, um boneco, para representar o
Ernesto na recriação teatral da história. Foram informados da possibilidade de
trabalhar com teatro, utilizando os bonecos construídos ou o próprio corpo como
suporte para a representação.
A reação dos alunos à proposta demostrou a pouca intimidade com a
linguagem artística de uma maneira geral, visto que os comentários de uma boa
parte deles continham protestos, sobre teatro também, assim como sobre a
literatura não ser arte. Questionados sobre o que seria arte e por que o teatro não
seria arte, os alunos responderam que arte seriam pinturas, coisas bonitas, mas não
souberam dizer o que seria o teatro já que não era arte. Nesse momento, foi
necessário explicar o teatro como expressão artística humana, assim como a
pintura, incluindo também a ideia de que a arte não necessita revelar exatamente o
que é belo, pois, se ela é expressão de sentimentos e ideias, nem sempre se possui
sentimentos e pensamentos bonitos e bons. Com isso, a maioria dos estudantes
concordou que a arte pode expressar todo o tipo de sentimentos e que teatro
poderia ser também arte.
Eis a seguir, quatro exemplos da variedade criativa dos alunos na construção
de bonecos para representar a personagem Ernesto.
56
Figura 7: Bonecos feitos por alunos – livro Ernesto
Fonte: Arquivo da autora
Figura 8: “Dedoche”– livro Ernesto
Fonte: Arquivo da autora
57
Figura 9: Boneca de palito confeccionada por aluna – livro Ernesto
Fonte: Arquivo da autora
Figura 10: Boneco de palito – livro Ernesto
Fonte: Arquivo da autora
No momento da exposição dos bonecos construídos, os estudantes ficaram
bastante satisfeitos em fruir a criação uns dos outros, achando graça muitas vezes,
da forma como o colega resolveu o mesmo problema: dar uma forma para Ernesto.
58
O formato do jogo teatral causou estranhamento na maioria dos estudantes,
pelo fato da definição do senso comum de teatro pressupor um palco, figurinos, um
texto pré-definido e não algo que se mostra em processo no formato de jogo lúdico.
Os estudantes foram informados de que os jogos teatrais fazem parte da
preparação do ator para estar no palco e que antes do momento da atuação no
teatro, os atores fazem um treinamento para trabalhar a espontaneidade, a projeção
da voz, as expressões corporais, faciais e vocais. Foi proposta a realização de
alguns desses exercícios. Com os alunos dispostos em um círculo, foram
trabalhados alguns exercícios do livro 200 jogos para ator e não-ator com
vontade de dizer algo através do teatro (BOAL, 1991 p. 74).
Figura 11: Jogos teatrais: espelho, espelho meu
Fonte: Arquivo da autora
Durante o desenvolvimento das improvisações teatrais, os estudantes riram e
se divertiram bastante, o que quebrou a resistência inicial de se colocar diante de
observadores, fazendo ações não usuais no cotidiano. Porém a característica
coletiva dos exercícios ofereceu segurança para que pudessem se expressar com
tranquilidade.
O diretor e dramaturgo brasileiro Augusto Boal é uma das mais expressivas
referências em pedagogia teatral, no Brasil e no mundo. Ele apostou no dinamismo
59
social da linguagem teatral pela sua capacidade de instrumentalizar o indivíduo para
exercer a cidadania como poderosa ferramenta de aquisição da consciência social.
Para ele, o teatro desenvolveria características como capacidade de expressão,
autoconhecimento, socialização, autoestima, raciocínio lógico, senso crítico,
espontaneidade, intuição, criatividade.
Para realizar o teatro com os alunos, ficou estabelecido que cada aluno
decidiria fazer uma representação da história da maneira que se sentisse mais à
vontade: poderia utilizar seus movimentos corporais ou usar o boneco construído
para representar a narrativa, que seria recriada a partir do momento em que se
interrompe no final provisório.
As histórias poderiam incluir a ilustração, tal como aparecia no livro
infantojuvenil Ernesto, como no exemplo da aluna A.Z, que, neste caso, poderia ser
exibida pelos estudantes durante a própria apresentação.
Ninguém gostava do Ernesto só por que ele andava com seu capuz e ninguém via seu rosto e se afastava dele falavam que ele era feio chato e suas roupas feias. Então Ernesto decidiu mudar e saiu e foi comprar roupas para se arrumar melhor e foi ao cabelereiro cortar seu cabelo. Um tempo depois ele tinha se arrumado. Ernesto ficou amigo de muita gente. Ele até se casou. (História criada pela aluna A.Z. a partir do livro de literatura infantojuvenil Ernesto, de FRANCO e LOLLO, 2016).
Figura 12: Ilustração de história criada por aluna – livro Ernesto
Fonte: Arquivo da autora
60
Nas apresentações, cada grupo de alunos reagiu de maneira diferente à
proposta: alguns incluíram novas aventuras para Ernesto; outros adicionaram
advertências aos que faziam comentários negativos sobre ele; outros criaram
histórias que só inicialmente seguiam a proposta da leitura, mas depois
enveredavam por outros contextos.
Figura 13: Apresentação de teatro com bonecos
Fonte: arquivo da autora
Na apresentação, solicitou-se aos alunos que encenassem para o grupo o
novo final que haviam planejado para a história. Os alunos foram, então, divididos
em grupos e a partir das versões individuais foram criadas novas versões, que eram
apresentadas ao restante da sala que seria a plateia.
Aos moldes do teatro do oprimido de Boal, a plateia, no entanto, poderia
intervir na apresentação. Dessa forma, a história foi construída e reconstruída
diversas vezes, em coautoria pelos alunos, a cada nova intervenção transformando
a aula em um rico campo de experimentações, onde “experimentar é penetrar no
ambiente, é envolver-se total e organicamente com ele” (SPOLIN, 2005, p. 3).
Essa etapa permitiu verificar que, considerando a possibilidade de construção
de propostas de ensino interartes, o recurso do contato da criança com o jogo vai
além dos momentos de diversão, tornando mais significativas a expressão e a
criatividade dos participantes
61
Os autores mencionados demonstram, por meio de suas técnicas para jogos
teatrais, a importância da ludicidade, da brincadeira, do jogo, como forma de
enriquecer o repertório pessoal dos estudantes e de contribuir para a estruturação
de uma sociedade autêntica, autônoma e crítica.
As atividades de expressão artística são excelentes recursos para auxiliar o crescimento, não somente afetivo e psicomotor como também cognitivo do aluno. O objetivo básico dessas atividades é desenvolver a autoexpressão do aluno, isso é, oferecer-lhe oportunidades de atuar efetivamente no mundo: opinar, criticar e sugerir. (REVERBEL, 1997, p. 34).
O trabalho desenvolvido direcionou-se para além do simples decifrar de
códigos na leitura em sala de aula, caminhando para um modelo sociointeracionista,
de interação com a linguagem, levando o estudante a relacionar-se com os
conteúdos enfocados. Sob essa ótica, acredita-se que atividades dessa natureza
possam oferecer aos estudantes condições para se posicionarem criticamente
frente aos desafios da comunicação na contemporaneidade.
As atividades propostas despertaram nos estudantes a necessidade de
colocar em uso habilidades necessárias para a vida social e humana. Apontaram
que a perspectiva do fazer artístico, conjugado à leitura contextualizada, pode ser
muito proveitosa tanto como recurso para o professor, em sala de aula, quanto para
o estudante, na aquisição de conhecimentos.
A observação, a percepção, a imaginação e, principalmente, a criatividade
são recursos que o indivíduo necessitará não somente nos meios escolares: são
pré-requisitos, sobretudo, para que este se torne um leitor que examina a
complexidade dos textos aos quais tem alcance, além da mera superfície, e seja
capaz de cruzar referências e buscar conteúdos para a sua própria
formação/humanização.
Assim, o fazer artístico conjugado à leitura contextualizada pode ser muito
proveitoso tanto como recurso para o professor em sala de aula quanto para o
estudante na aquisição de conhecimentos.
3.2 Percepção fenomenológica da obra de arte: vivências sensoriais
As propostas levadas à sala de aula, nesse conjunto de atividades,
combinaram leituras de obras de arte e da obra de literatura infantojuvenil O
menino mais bonito do mundo, de Ziraldo (1983). Tais ações pedagógicas
62
objetivaram a compreensão das manifestações da Arte Contemporânea,
perpassando entendimento de suas características híbridas e multissensoriais. A
obra literária trabalhada evocava elementos da natureza, sons, e imagens que
remeteram à reconstrução imaginativa de cenários e aromas, evidenciando os
sentidos.
No que diz respeito à paisagem sonora a e à sua relação com a recepção
das obras de Arte Contemporânea, a partir do momento em que se instauram
prioritariamente como ação (processo) que se completa por meio da presença de
um espectador, poderão ser melhor compreendidas com base na perspectiva
filosófica denominada fenomenologia, de Merleau-Ponty (1999). Desde as
experimentações das vanguardas históricas, e à medida que se aproximam os anos
sessenta do século XX, a leitura da obra de arte depende cada vez mais da vivência
do instante. Qualquer possível significado, que venha a surgir dela, depende dessa
relação. Assim o espaço da arte e o da vida cotidiana tornam-se elementos
indissociáveis.
Sob a ótica fenomenológica, as imagens e obras de arte têm o potencial de
estabelecer relações intertextuais formadoras de sentido. Elas podem ser
consideradas como elementos mediadores da vivência da realidade, estando
impregnadas conceitualmente por quem as percebe. As imagens seriam, em si,
realidade, elementos passiveis de ressignificação, potenciais geradoras de outras
imagens e significados. Logo, são interpretadas como um princípio gerador do
processo criativo. Concordando com o que diz Merleau-Ponty (2004), que o ato da
percepção já é em si um ato criativo, pode-se afirmar que a imagem sempre é
impregnada pelo ser vidente: a visão é sempre completada pela subjetividade
daquele que vê.
Assim como na interpretação filosófica citada, a artista Lygia Clark propõe
que o espaço vivido é a experiência do sujeito no espaço-tempo. Ao buscar uma
consciência gestual na experiência com os objetos e com o outro no mundo, a
artista coloca o corpo como sede do pensamento, aquele capaz de realizar uma
síntese entre sujeito e mundo (ALVIM, 2007, p. 196).
Isto posto, a referida artista propôs instalações nas quais o tato, o olfato, a
percepção, as sensações e os medos aterradores da infância poderiam vir à tona,
numa redescoberta do gesto, do corpo e da sensibilidade para a qual a proposta
filosófica da fenomenologia oferece recurso interpretativo.
63
Na primeira aula desta etapa, foi organizada uma roda de leitura e
interpretação da obra literária O menino mais bonito do mundo, de Ziraldo (1983).
Com base nessa leitura, foi pedido aos estudantes que identificassem os sons e
sensações sugeridas pela obra produzindo-se uma lista que foi anotada no quadro
negro. Com esse estímulo como suporte, apresentou-se aos estudantes o conceito
de paisagem sonora que foi exemplificado com o uso de alguns vídeos.
A ideia do trabalho com sons já foi melhor recebida pelos estudantes, devido,
possivelmente, à familiaridade adquirida com os exercícios de teatro. Já durante a
explicação da proposta, alguns começavam a fazer sons e brincar com as
possibilidades de construção expressiva com a voz, os objetos e o corpo, causando
inclusive um pouco de tumulto para terminar a explicação da atividade.
Foram propostos, então, aos alunos os jogos teatrais máquina de ritmos
(BOAL, 1991 p. 129), máquina de ritmos “amor e ódio” (BOAL, 1991 p. 130), nos
quais, um jogador vai até o centro da sala e faz um som, como se fosse peça de
uma máquina. A seguir, outros vão entrando e tentando, por meio da audição,
“encaixar-se” nas engrenagens sonoras, recriando o funcionamento de uma
máquina por meio de sons. Foi trabalhada também a recriação sonora de ambientes
diversos, com os estudantes sentados em círculo. Orientou-se que formassem um
circulo com as cadeiras voltadas para fora, de forma a ficarem de costas para os
outros, para que o foco do exercício ficasse nos sons produzidos.
Figura 14: Exercício de expressão sonora
Fonte: Arquivo da autora
64
Denominam-se paisagens sonoras os sons pertencentes ao ambiente, sejam
eles rurais, urbanos ou de outra natureza, como por exemplo o conjunto de sons
que podem retratar uma determinada época (SCHAFER,1991). O trabalho com
paisagens sonoras consiste em, por meio da expressão sonora (vocal, via sons
corporais ou instrumentais), criar um retrato sonoro, entrecruzamento entre os sons
percebidos e os que se consegue reproduzir.
Esse trabalho tornou-se conhecido dos educadores em música, como
consequência das atividades produzidas pelo professor canadense Murray Schaffer
(1991), que introduziu a percepção de sons de diversos ambientes como estratégia
para sensibilizar o ouvido de seus alunos. Exemplificando: fazer um passeio por um
bosque de olhos vendados.
Os alunos se divertiram bastante nos exercícios de composição de paisagens
sonoras, lembrando-se dos sons evocados na obra de Ziraldo e incluindo outros de
sua memória. Mesmo estando de costas uns para os outros, era inevitável que
achassem graça dos sons criados pelos colegas e também da situação
provavelmente inusitada para eles de ser possível expressar-se dessa forma, em
um ambiente escolar.
Na aula seguinte, aconteceu a leitura de imagem de algumas obras de Lygia
Clark: a série Bichos e algumas imagens do Livro Obra/ Livro Sensorial, 1964,
proposta da artista na qual há a substituição da estética puramente visual por outras
sensações: táteis, aromáticas e sonoras. O livro sensorial é um livro sem textos,
composto por volumes, odores, texturas. Os alunos foram previamente orientados a
trazer materiais capazes de produzir sons e sensações, além de objetos macios,
ásperos, molengas, duros e com cheiro.
Na leitura das imagens relacionadas ao trabalho da artista, os alunos ficaram
intrigados com o seu pensamento, e alguns, inclusive, não contiveram a sinceridade
e disseram que a artista era “doida”, diante da imagem de sua foto com duas
grandes conchas cobrindo os ouvidos. Mas, alguns segundos depois, perceberam
surpresos e maravilhados a inventividade da artista: “é para ouvir o barulho do
mar!”. O livro sensorial, a essa altura, já não causou tanto estranhamento, pois já se
havia discutido sobre as sensações, na proposta de criação de paisagens sonoras.
Então a reação dos alunos foi de ansiedade para “fazer algo” como a artista.
65
Lygia Clark é conhecida no meio das artes plásticas por causar uma
revolução na relação espectador-obra: suas intervenções artísticas, que passeiam
entre as inovações modernistas e as teorias psicanalíticas de Sigmund Freud, são
instauradas no campo da experiência, de uma nova vivência do espaço e do resgate
da condição primordial de unidade visceral entre o indivíduo, o ambiente, o outro.
Trabalhou-se também com a criação de esculturas em papel dobradura, com
ênfase nas características das esculturas intituladas Bichos. Nessa obra, Clark
inverte estruturas que poderiam ser ditas “hierárquicas”, na relação do público com
o objeto artístico, convidando aquele a abandonar sua posição distanciada e
passiva de mero observador para cocriar a obra na relação sujeito-objeto
conceitualmente, trazendo-o para um envolvimento mais direto com a esfera social.
A obra Bichos trouxe os estudantes para um limiar entre a zona de conforto e
algo extremante novo: a imagem de um “objeto concreto”, apesar de ter formas
geométricas que estão distantes do senso comum, recém abandonado, quanto às
possibilidades de expressão artística. Mas a possibilidade de dobrar papéis e criar
lhes pareceu muito factível, sendo que a maioria desenvolveu a atividade com
bastante facilidade, entusiasmo e prazer, o que também fez com que ficassem mais
“íntimos” do nome da artista Lygia Clark, respondendo em uníssono quem era ela e
o que produziu, quando a obra era mostrada no aparelho televisor ou no projetor de
imagens.
Observou-se que, no decorrer da atividade, os estudantes já apresentavam
postura diferente da inicial, quando nem todos queriam participar das atividades, por
desinteresse ou por talvez não compreender bem ao que levariam. Agora, diante
das imagens do trabalho da artista Lygia Clark, eles questionavam, comentavam e
comparavam com as atividades anteriormente desenvolvidas, apresentando uma
postura mais ativa e curiosa diante dos assuntos trabalhados, o que demonstra que
as atividade criativas podem ser muito proveitosas para evocar a participação dos
estudantes, tanto em aulas de arte, como as que aqui são descritas, como
possivelmente nas de outras disciplinas.
66
Figura 15: Esculturas em papel – Lygia Clark
Fonte: Arquivo da autora
A segunda atividade sobre o trabalho da artista para os estudantes do sexto
ano foi a vivência de uma dinâmica grupal, envolvendo um objeto relacional - uma
rede de elásticos -, a qual permitiu aos estudantes uma vivência corpórea baseada
na proposição da artista.
Os objetos relacionais eram objetos simples, de uso cotidiano, sem valor de
mercado: pedras, elásticos, sacos plásticos, conchas e outros, constituídos por
associações, feitas pela própria Lygia, valorizando a independência do espectador
em manipulá-los livremente sozinho (ALVIM, 2007). Logo, a artista passa da
proposição de relação dos espectadores com objetos, à relação dos espectadores
entre si, a principio em duplas, e depois em grupos, sendo que o objetivo era a
exploração do próprio corpo e do corpo do outro.
Os alunos receberam com muito entusiasmo a proposta da vivência
sensorial, não apresentando resistência como na atividade de jogos teatrais e, em
alguns casos, na de expressão sonora. Depois da leitura de imagens e
contextualização da proposta, os alunos estavam ansiosos para serem os primeiros
a experimentar. Assim, durante a explicação inicial de como se poderia interagir
com a rede de elásticos, sendo solicitados inicialmente quatro candidatos para
demonstração, houve tumulto para escolher entre a grande quantidade de dedos
levantados e apelos de “eu primeiro!”. Desse modo, a atividade se desenvolveu de
forma lúdica e quando a aula terminou os estudantes protestaram muito em ter que
voltar para a sala de aula. A forma de se relacionar com a rede foi diferente para
67
cada aluno: alguns experimentavam sozinhos enrolar-se e desenrolar-se em partes
da rede, encontrando um espaço no burburinho dos outros que riam e gritavam.
Outros queriam enrolar os colegas, ou envolver-se em grupos. Todos gargalharam
muito e foi difícil manter certa organização, visto que funcionários diversos do
colégio passavam e olhavam feio para “aquela bagunça” toda.
Figura 16: Vivência sensorial – Lygia Clark
Fonte: Arquivo da autora
Em sala de aula, debateram-se as sensações que os alunos haviam
identificado no decurso da leitura de O menino mais bonito do mundo e dos
exercícios sonoros. Os estudantes foram divididos em grupos e cada grupo deveria
criar coletivamente uma história para ser contada por meio das sensações e sons.
Nesse momento, os alunos puderam associar as leituras, os trabalhos práticos
feitos sobre a obra Bichos, e ficou demostrado na sua fala que conseguiam
estabelecer relações entre as etapas vivenciadas no percurso.
Para a próxima aula ficaria a apresentação dos grupos. Nesse momento da
explicação inicial, os estudantes tiveram muitas dúvidas sobre como combinar as
histórias criadas com os sons e as sensações. Foi então realizado um momento de
explicação sobre as onomatopeias e outros recursos que poderiam ser utilizados
durante a encenação das histórias. Assim, durante a escrita, os estudantes, em
68
diálogo acalorado com os seus grupos, já foram incluindo as expressões sonoras
que pretendiam expressar na aula seguinte, na própria composição do texto.
Figura 17: Exercício de contação de histórias e expressão sonora
Fonte: arquivo da autora
No campo do ensino das artes, temos o conceito de Objetos de Aprendizado
poético (OAP), que, apropriando-se do conceito de objetos de aprendizagem,
ligados às Tecnologias da Informação da Educação, presentificam a prática criativa
e poética de professores e alunos no envolvimento poético com um objeto artístico.
Nesta pesquisa, a obra Rede de elástico, de Lygia Clark, pode ser relacionada a
esse tipo de recurso de ensino, visto ela permitir que o estudante possa desenvolver
aprendizados por meio do ato criativo e poético, na interação com o objeto.
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) fizeram surgir os
Objetos de Aprendizagem (OA), que são objetos especialmente desenhados e
produzidos para favorecer o aprendizado. Foi Wayne Hodgins quem conceituou a
ideia central de um OA a partir de blocos Lego. Eles proporcionam alguma relação
de aprendizado, como os simuladores de voo. ( FERNÁNDEZ; DIAS, 2015).
Assim sendo, o Objeto de Aprendizagem Poético (OAP) permite que
estudantes possam considerar-se, por meio deles, como participantes na
construção da relação com o mundo e portanto com o conhecimento. O Livro
Sensorial de Clark, que foi apresentado ao estudantes antes da obra Rede de
elásticos, convida o leitor a lê-lo com os sentidos do corpo e a participar da
experiência, sendo também um exemplo de OAP.
69
Os OAP são, portanto, objetos especialmente pensados para reinventar e reconstruir conhecimento que continua se transformar. Isso significa provocar novas formas de pensar e se relacionar com os conhecimentos. Assim, pensar na construção de OAP já é, em si mesmo, um ato poético que exige pensar nas dimensões em que acontece a experiência estética e pedagógica. (FERNÁNDEZ; DIAS, 2015 p. 3489).
Levando em conta essa definição, alguns objetos utilizados ao longo do
percurso co-criado entre professora e estudantes podem se enquadrar na categoria
de objetos de aprendizagem poéticos: os fantoches, a rede de elásticos, as vendas
utilizadas nos exercícios de expressão sonora.
De tal modo, os OAP são objetos especialmente pensados para inventar e
construir o conhecimento que continua a se transformar e isso significa novas
formas de pensar e de se relacionar com eles. Portanto, pensar na construção de
um Objeto de Aprendizagem Poética exige pensar nas dimensões e o que acontece
nas experiências estética e pedagógica. Tais objetos pretendem criar um novo
espaço de coincidências, hibridações, contágios e contaminações que mudam as
formas de conhecer.
Ao apresentar as suas criações, a sala foi dividida em quatro grupos e dois
deles interagiram entre si, enquanto os outros dois ficaram como plateia até chegar
a sua vez. Um dos grupos ficou sentado com os olhos vendados; e o outro grupo
contou, à sua maneira, a história criada calcada na leitura de O menino mais
bonito do mundo. Foram usados sons, cheiros e sensações dos objetos diversos
para causar impressões nos colegas. Os objetos deveriam ser usados somente nos
braços e palmas das mãos para evitar acidentes. A seguir, dois exemplos da
transcrição dos textos das histórias criadas pelos grupos para esta apresentação,
com uso de onomatopeias.
O acampamento Numa noite fria_Shuuuu o vento soprava. Ernesto caminhava pela trilha na floresta, como estava escurecendo, ele teve a ideia de acampar. Ziiiii abriu o zíper da barraca para dormir, pegou uns palitos e os esfregou tic tic tic para acender o fogo! E foi dormir ronc, ronc. Amanheceu com o pássaro a assoviar fuuuuuu foi pegar frutas nas arvores, e pegou sua cesta, balançou e a arvore poff caiu na cabeça dele. Ai ele caiu no chão Paff e desmaiou, acordou com o barulho da cachoeira chuaaa, chuaaa, então ele comeu e foi tomar banho Tbummm depois voltou de taxi vrummm... (História criada pelos alunos J.V.R; L.A.V.S; M.E.A.A; G.F; A do 6º C). Sofie a bebê loba Era uma vez uma família Wolfa, a família de lobos. Sofie a bebê loba, joão o irmão lobo, Beatriz, a mãe loba e Felipe, o pai lobo. Eles moravam numa floresta, a floresta dos lobos, Toda manhã eles saiam para uivar. Essa
70
família tem seus defeitos, João já estava crescido e não sabia uivar. Beatriz, a mãe loba falou: _ Filho, ainda não está na sua hora. Mas um belo dia, Sofia a bebê estava em perigo, e João estava desesperado e derrepente: Auuuuuu! Ele começou a uivar e Felipe ajudou. (História criada pelos alunos L.S; G.L, V.S do 6º C).
Lygia Clark utilizou-se dos meios artísticos para, de forma metalinguística,
questionar a própria arte e aquilo que está ligado à concepção de arte na cultura
ocidental (MILLIET, 1992). Fugindo aos limites do concretismo, movimento pelo qual
seu nome começou a vir a público, a artista passou a aprofundar os
questionamentos sobre o uso do espaço, abandonando a pintura realizada no
espaço pictórico tradicional e caminhando em direção a uma incorporação gradual
da moldura à obra, o que, em suma, significaria um passo em direção ao espaço
habitado pelo outro, o espectador.
Para os estudantes, a vivência das atividades com foco mais sensorial,
fundamentadas na obra e no pensamento de Clark, pôde entrecruzar-se com a
metáfora da criação do universo, dos primeiros seres, do primeiro homem, O
menino mais bonito do mundo, Adão. Com base nas vivências, ensaiaram novas
histórias, com novos sons e novos sentidos.
Em seu livro Para gostar de aprender arte, Iavelberg (2003 p.40) discorre
sobre a importância de o arte-educador criar condições para que seus alunos
tenham “oportunidades para descobrir”, considerando que a verdadeira
aprendizagem é um descobrimento, e todo descobrimento é uma recriação da
realidade. Dessa forma, o clima lúdico construído nas atividades, apoiado na
percepção da obra de arte com base na perspectiva fenomenológica, pode servir ao
aluno como um campo de experiências criativas diferentes do que estão habituados,
sendo que a interpretação da história e das leituras chegou pela contextualização
dada às obras de arte e também pela vivência.
Por conseguinte, foram oferecidas ao longo dos projetos interartes, aqui
descritos, múltiplas oportunidades de interação dos estudantes com esses
conteúdos, variando as formas de apresentá-los, utilizando-se meios discursivos,
narrativas, imagens, meios eletrônicos, textos, enfim, meios tão diversos quanto os
que estão presentes nas comunicações nos dias de hoje (IAVELBERG, 2003 p.27).
Em vista disso, é importante considerar que a docência em arte/literatura transite,
na medida do possível, por múltiplas linguagens expressivas tanto as pouco usuais
71
quanto as mais tecnológicas, para que se possa compartilhar com os estudantes a
criação e a recriação do conhecimento a cada proposta em sala de aula.
3.3 Sem fim: as esculturas de Franz Krajcberg, a arte de Eduardo Srur e o
hibridismo na Arte Contemporânea
Hodiernamente, a sociedade se vê diante de problemas como o incremento
do consumo, a globalização, a desintegração social e a demasiada concentração
demográfica urbana, fatores que determinam o declínio da qualidade da vida nas
cidades. As deficiências na interação crítica com o conteúdo midiático estão
intimamente ligadas a esses problemas e, desse modo, o próximo conjunto de
ações pedagógicas a ser analisado tem como foco a intertextualidade entre o livro
de imagens Sem fim, da escritora e artista plástica Marilda Castanha (2016), e a
obra dos artistas Franz Krajcberg e Eduardo Srur, que abordam a questão do meio
ambiente.
Em vista disso, pelo seu próprio caráter abrangente, a compreensão da arte
pode atuar como mediadora para o enfrentamento desse hiato entre os gêneros
textuais e a leitura de mundo dos indivíduos. A apropriação crítica da chamada
cultura visual por meio da arte e de projetos interdisciplinares ou interartes pode
contribuir para a atuação mais lúcida dos indivíduos, emancipando-os para ler o
mundo de maneira mais coerente e sensível (HERNÁNDEZ, 2000. p 115).
Uma grande variedade de propostas da Arte Contemporânea tem se
preocupado com as relações do meio ambiente. Elas buscam uma nova lógica que
compreenda as relações humanas e ambientais de maneira mais crítica, sensível e
autêntica, frente aos padrões sociais vigentes (ARCHER, 2001, p. 61).
O primeiro contato dos estudantes com a temática foi uma atividade de leitura
de imagens e transposição para a escrita, momento em que foi feita a leitura do livro
de imagens Sem fim. Ele conta uma história, sem a utilização de recursos verbais,
utilizando somente imagens, por meio das quais sugere uma narrativa sobre a
convivência de um homem com uma árvore. As imagens permitem que o leitor
construa a história calcado nas suas referências à medida que folheia o livro e
observa as ilustrações.
72
Para Coelho (2000), os livros de imagem apresentam-se como uma
tendência ou linha da literatura infantil e infantojuvenil contemporânea. Ela os
descreve como “livros que contam histórias através da linguagem visual, de
imagens que falam” (COELHO, 2000, p. 161). Assim, as imagens podem ser textos
autônomos, sem necessitar da palavra escrita: “A criança não necessitaria das
explicações do adulto para fruir a história; e, o que é mais interessante, por meio de
uma linguagem que lhe é extremamente familiar, haja vista quanto o desenho é
importante na atividade da criança” (FURNARI, 2003 p. 65). A autora afirma ainda
que esse tipo de livro deve ter características como: estimular a imaginação e a
atividade da criança; ter linguagem e estrutura próprias apropriadas ao universo da
criança; as ilustrações devem ser originais, não estereotipadas (FURNARI, 2003).
No livro de imagem, é o leitor que transforma o enredo da história em
palavras, fazendo o entrecruzamento da linguagem verbal com a linguagem visual,
seguindo o caminho inverso do que se faz no processo de ilustração habitual,
narrando o que as imagens sugerem. Por conseguinte, nesse tipo de livro, são as
palavras que “ilustram” a imagem.
Marilda Castanha (2008), ao dissertar sobre a linguagem visual no livro sem
texto, destaca a importância do aprendizado relativo à leitura de imagens,
asseverando que utilizar a imagem como instrumento de linguagem foi – e ainda é –
crucial para todos os grupos culturais.
Foi realizado um trabalho em sala de aula com o livro de imagem,
contextualizado com as incursões pelas poéticas dos dois artistas (ambos que
discutem em suas obras a relação com o meio ambiente). Os alunos produziram
textos e ilustrações transpondo a sua leitura e interpretação do livro Sem fim. Eis
um excerto de texto e ilustrações extraído da produção de uma estudante:
73
Figura 18: Ilustração de aluna – leitura e criação de história 1
Fonte: Arquivo da autora
Figura 19: Ilustração de aluna – leitura e criação de história 2
Fonte: Arquivo da autora
Sem fim: Então um dia Lucas estava carregando suas tralhas. E os brotos começaram a crescer. Então ele regava todos os dias, elas cresceram e fizeram companhia para a árvore. Ele empurrando suas tralhas encontra
74
uma árvore. O Lucas cuidou da árvore e a arvore se alimentou. Ele ensinou truques para a arvore para ficar com outras formas. A árvore o amava. Então chegaram os animais. E passou o tempo. E os dois floresceram. Então os animais se alimentavam dos frutos e se protegiam da chuva. Deitados vendo o por do sol. Então ele olhou para a caixa. Então ele abriu a caixa. Então ele pegou seu machado. Então ele se aproximou... Ele levantou e se aproximou mais. Então todos saíram. A árvore desviou. Então ele plantou algumas coisas. (Produção textual da aluna M. E.).
Ainda no que diz respeito ao livro unicamente composto por imagens,
Castanha (2008, p.141) sugere que essa leitura siga alguns passos capazes de
conferir unidade à sequência de imagens, dirigindo a atenção aos pequenos
detalhes, reflexões e comparações das páginas, interpretação das nuances. De
acordo com a reflexão da autora, pais e professores se sentem desconfortáveis com
as possibilidades do livro de imagem, posto que, com base no aprendizado do
código escrito, as características relacionadas às ilustrações dos livros vão sendo
colocadas em segundo plano, como se o adulto fosse, aos poucos, “desalfabetizado
de imagens”.
É transgressor conceber uma obra aberta, onde várias leituras possam se relacionar. É transgressor propor uma narrativa somente por elementos visuais. E é transgressor considerar que o livro sem texto, aparentemente um objeto lúdico, também oferece uma narrativa literária para diferentes leitores, sejam eles crianças ou adultos (CASTANHA, 2008, p.148).
Garcia Canclini (2008) afirma que devido ao hibridismo das comunicações
contemporâneas, cada indivíduo faz uma espécie de recorte ou “coleção” própria de
repertório o que, de certo modo, permite que cada um construa um arcabouço
cultural próprio diante das mesmas referências. Exemplificando a multiplicidade de
possibilidades que a leitura de um livro de imagens pode trazer, seria interessante
transcrever a produção textual da aluna V.N.S.P, que criou uma narrativa com vários
elementos de fantasia, saindo da lógica que a maioria dos colegas estabeleceu para
a história de Castanha, na qual a relação do homem com a árvore é de amizade e
identificação, enveredando sua criação para outro veio interpretativo.
Sem fim: Era uma vez, a muito tempo atrás, existia uma árvore amaldiçoada. Todas as posições que um cara chamado Jubis fazia, a tal árvore fazia também. Ninguém sabe ao certo por que isso acontecia, algumas pessoas dizem que essa história era falsa e outros dizem que é verdadeira. A história deles era a seguinte, esse cara ia um dia a cada estação na casa da sua avo que morava no meio de uma floresta, em um certo dia nessas visitas ele foi passear na floresta e encontrei essa árvore, ele achou estranho a arvore era muito colorida enquanto as outras eram... verdes. Ele começou a ir, mais vezes naquele lugar, sem saber que a arvore era amaldiçoada. Dizem que tentaram tirar a árvore, mas ela era
75
inquebrável que quanto quebraram as árvores ao redor, nasceram outras igual ela ao redor (fragmento da produção textual da aluna V.N.S.P).
Lima (2009) defende, assim como Barbosa (1991), Hernández (2000), Rojo
(2002) e outros autores aqui mencionados, a necessidade de um alfabetismo visual
por meio de um “sistema básico de aprendizagem, identificação, criação e
compreensão de mensagens visuais” (LIMA, 2009, p. 73). A autora ressalta a
ênfase colocada pela educação em todas as formas de linguagem verbal escritas,
ao passo que identifica uma falta de preocupação com a experiência visual das
crianças. A referida autora postula a premente necessidade de que se leve em
consideração o universo visual presente no cotidiano dos estudantes, tornando esse
arcabouço recurso para uma educação mais completa. Nas palavras dela: “a
inteligência visual aumenta o efeito da inteligência humana e amplia o espírito
criativo” (LIMA, 2009, p. 76). Assim sendo, esse tipo de literatura é tão importante
para os professores alfabetizadores como os professores de classes mais
avançadas, devido à ampla capacidade narrativa que o livro composto de imagens
favorece.
A seguir, ilustrações compostas pelos estudantes com base no livro Ernesto,
de Blandina Franco e José Carlos Lollo (2016) são exemplos da utilização da
imagem como ferramenta narrativa.
76
Figura 20: Ilustração de aluno – recriação de Ernesto (1)
Fonte: Arquivo da autora
Figura 21: Ilustração de aluno – recriação de Ernesto
Fonte: Arquivo da autora
77
Figura 22: Ilustração de aluno – recriação de Ernesto (3)
Fonte: Arquivo da autora
Nesta etapa do projeto, procurou-se trazer para a sala de aula linguagens
diferentes discutindo uma mesma temática: as imagens contando histórias, com
Marilda Castanha; a escultura, com Krajcberg; a performance e a intervenção
urbana, com Eduardo Srur. A proposta de trabalho envolvia produção de textos
individuais, relacionando também as próprias referências na criação pessoal. Por
conseguinte, as obras dos artistas seriam apenas pontos de partida, cuja infinidade
de trajetos possíveis seria definida pelos estudantes com base na leitura das
imagens.
Em sala de aula, tendo a leitura do livro de Marilda Castanha como ponto de
partida, traçaram-se linhas intertextuais entre o trabalho dos artistas Franz Krajcberg
e Eduardo Srur. O diálogo entre os discursos dessas três vertentes teve como fio
condutor a questão ambiental, que aparece de maneiras diferentes, porém
relacionáveis. Essas leituras teriam como culminância a produção textual calcada na
leitura das imagens do livro de Castanha.
Os estudantes tiveram também contato com o pensamento do artista
(escultor, pintor, gravador e fotógrafo) polonês, naturalizado brasileiro, Franz
Krajcberg, que desenvolveu seu trabalho de maior destaque utilizando troncos e
78
raízes, sobre os quais realizou intervenções. Pautado nas questões ambientais, seu
processo de criação consistia em viagens constantes à Amazônia e ao Mato Grosso
onde fotografava os desmatamentos e as queimadas, revelando a destruição do
meio ambiente. Delas retornava também com os materiais utilizados em suas obras
- resíduos de queimadas e restos da devastação humana -, que serviram tanto
como protesto como para mostrar a voz da própria natureza, distorcida, torturada e
marcada pela destruição humana (RODRIGUES, 2002).
Figura 23 :Franz Krajcberg, sem título, 1980
Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra6822/conjunto-de-esculturas
Krajcberg faz um apelo mudo, por meio das imagens das árvores dilaceradas
em suas esculturas. Na sua poética, a degradação do meio ambiente, porém, não
será tratada com especificidade no contexto do Brasil. Considerando-se
encarregado da construção de pontes, pôde, em suas viagens pelo mundo,
vivenciar cenários catastróficos em que a natureza era transformada em cinzas e os
homens, com suas vidas interrompidas, eram reduzidos a lixo, em amontoados de
corpos. Lembranças de um polonês sobrevivente da Segunda Guerra Mundial e
79
seus horrores. Assim sua obra se constitui na voz da natureza, muitas vezes calada
pela violência da devastação humana.
Os alunos receberam a obra do artista Franz krajcberg com alguns protestos,
pois as formas para eles eram estranhas e as imagens não faziam muito sentido, o
que se abrandou depois da contextualização de sua biografia e dos motivos que
alegava para a sua produção.
Sobre o artista plástico brasileiro Eduardo Srur, foi apresentado aos
estudantes um vídeo de registro da performance Supermercado, no qual o artista,
que discute em sua poética os limites de linguagem da Arte Contemporânea,
confronta, por meio de uma ação performática, o consumismo como valor máximo
da sociedade. O artista propõe, então, ações ilógicas como derramar sobre si os
produtos das prateleiras de um supermercado. Sua obra permite discutir o papel da
mídia e dos meios de comunicação nos comportamentos dos indivíduos e as suas
consequências positivas ou negativas, caso do consumismo e também da
degradação da natureza.
Diante dessas considerações, ressalta-se, concordando com Rojo (2002),
que, historicamente, as tecnologias dos meios de comunicação em massa e as
mídias atuais têm representações quase insignificantes nos processos de ensino
escolar, fundamentado em práticas ligadas quase que exclusivamente ao escrito e
ao impresso, da maneira mais tradicional.
80
Figura 24: Leitura de imagens, Eduardo Srur
Fonte: arquivo da autora
Também foi realizada leitura de imagens de uma intervenção urbana de Srur
(2009), intitulada PETS, quando foram espalhadas ao longo da marginal do Rio
Tietê em São Paulo, gigantescas garrafas pet. Nessa obra, o artista pretende que,
por meio da admiração e estranhamento, e da inevitável percepção dos objetos de
descarte e consumo de dimensões grandiosas, o participante/observador da obra
recicle seu olhar e ideias sobre os problemas ambientais e o consumo desenfreado.
Os pré-adolescentes apreciaram muito a obra PETs, pois disseram ser
interessantes os grandes objetos espalhados por um ambiente urbano. Também
demostraram compreender e gostar da crítica feita pelo artista do ponto de vista da
preservação ambiental. Já a obra Supermercado, antes de se dizer algo sobre as
motivações do artista, recebeu muitas críticas nas quais os estudantes apontaram o
desperdício de alimentos, que eram jogados sobre o corpo do artista, e também
sobre a ilogicidade das suas ações. Nesse caso, as críticas da maioria não se
dissiparam após a contextualização.
O ensino da arte, sobretudo no que diz respeito à Arte Contemporânea, como
revelam as obras dos artistas estudados no projeto, precisa passar pela
compreensão contextual do objeto de estudo, indo além dos estudos dos elementos
formativos de uma obra de arte e se aproximando das inter-relações entre a obra e
outros contextos, entre estes os que fazem parte da vivência pessoal dos alunos.
81
Dessa maneira, a contextualização possibilitada pela incursão nas três referências
utilizadas proporcionou um enriquecimento do repertório dos estudantes.
Figura 25: Eduardo Srur, PETS, 2008
Fonte: http://www.eduardosrur.com.br/oartista
Observe-se que desenvolvimento da capacidade de produção textual está
intimamente ligado ao ato de ler, que, por sua vez, envolve diversos procedimentos
e capacidades ligadas à percepção, às práticas cognitivas, afetivas, sociais,
discursivas e linguísticas que se manifestam em interdependência. Capacitar o
aluno para ler criticamente as propostas constantes dos meios de comunicação
contemporâneos implica que se trabalhe na escola um conceito ampliado de leitura,
que inclua as novas formas de interação leitor/autor surgidas recentemente.
Podemos dizer que, por efeito da globalização, o mundo mudou muito nas duas últimas décadas. Em termos de exigências de novos letramentos, é especialmente importante destacar as mudanças relativas aos meios de comunicação e à circulação da informação (ROJO, 2009, p. 105).
Podem ser feitas aproximações conceituais entre as proposições de Rojo às
de Hernández (2000). Este reflete também sobre o modo como as mídias produzem
formas do indivíduo ver mundo e, como no contexto educacional, essas questões
podem ser problematizadas e contempladas.
A Arte Contemporânea traz no bojo das suas ideias assuntos pertinentes aos
problemas enfrentados no quadro histórico atual, bem como nos gêneros textuais,
imagens e outras formas comunicativas presentes no cotidiano dos estudantes.
82
Assim, em uma perspectiva sociointeracionista, a presente proposta de ensino
interartes buscou oferecer aos estudantes recursos interpretativos para
compreender as linguagens (livro-imagem, escultura, performance, vídeo,
intervenção urbana) envolvidas em torno de um mesmo problema, produzindo
reflexões ricas e profundas geradoras de novos textos, significados e fabulações.
Os alunos perceberam, dessa forma, que as linguagens artísticas podem interagir
em um mesmo contexto, da imagem à palavra escrita, da expressão plástica ao
audiovisual, reforçando-se a criação pessoal de uma poética das correspondências
por meio do desenvolvimento de suas capacidades de associar ideias e interagir
criativamente com elas.
3.4 Cada Coisa: palavras e imagens na mídia e nas obras da artista Isabel de Sá e
produção de textos multimodais
Uma das premissas mais importantes do ensino de Arte na escola é o
desenvolvimento da capacidade criativa do indivíduo para que este possa atuar
socialmente, de forma mais crítica e participativa: À vista disso, “ao transformarmos
as matérias, agimos, fazemos. São experiências [...] – processos de criação – que
nos envolvem na globalidade, em nosso ser sensível, no ser pensante, no ser
atuante” (OSTROWER, 1987, p. 69). Criar é, antes de tudo, transformar a matéria
dando-lhe nova forma, atribuindo-lhe significados, emoções e impregnando-a com
presença, captando-a e reconfigurando-a. Ainda segundo Ostrower, ao estruturar a
matéria, também dentro de si o ser humano se estrutura. Ao criar, ele se recria e se
constitui como ser humano criador, consciente, que toma posição ante o mundo.
As atividades propostas nesta etapa ofereceram recursos para que o
estudante pudesse compreender operações conceituais relacionadas à Arte
Contemporânea. As atividades desenvolvidas trataram do uso da apropriação de
objetos do cotidiano e da significação e ressignificação na obra do artista Marcel
Duchamp, bem como o uso da assemblagem pela artista portuguesa Isabel de Sá.
Esses procedimentos são importantes para compreender as manifestações
artísticas dos dias atuais e que podem também ser transpostas em conexões
conceituais para a ampliação da leitura de elementos-chave das comunicações
contemporâneas e sua intertextualidade.
83
O ponto de partida para o trabalho foi a leitura das obras Fonte e Roda de
Bicicleta, do artista Marcel Duchamp (1913, 1917). Houve um momento inicial de
estranhamento, por parte dos estudantes, visto que, pelo senso comum, objetos do
cotidiano, como um banco, partes de uma bicicleta ou um vaso sanitário não podem
ser considerados arte. Os questionamentos dos estudantes deram origem a um
breve debate e em que foram introduzidas informações sobre o artista e a sua obra.
Após a leitura inicial, os alunos foram indagados sobre a possibilidade de aqueles
objetos serem considerados obras de arte. Haveria por que considerá-los como
arte? Se não, o que seria a arte então? O que a definiria?
Os alunos demonstraram em suas respostas que já haviam ampliado seu
conceito pessoal de arte, pois já não identificam somente arte com objetos
concretos e coisas belas, mas também com expressão de sentimentos bons e ruins
e também de ideias, citando alguns artistas desde Lygia Clark a Romero Brito como
exemplos de artistas. Não sabiam muito bem dizer quem definiria os objetos como
obras de arte ou não, mas negavam a possibilidade de que isso pudesse ser
definido por um consenso ou mesmo por uma afirmação do artista.
As obras de Duchamp, sobretudo Fonte, de 1917, causaram risos nos alunos,
que acharam absurdo tal objeto ser chamado de arte. Alguns comentaram que,
sendo assim, também eles poderiam realizar “qualquer coisa” dizendo que é arte.
Porém a contextualização fez com que pudessem expressar, por meio dos seus
comentários, a compreensão, ainda que superficial, dos questionamentos propostos
por Duchamp com suas obras.
84
Figura 26: Marcel Duchamp, Fonte, 1917.
Fonte: http://www.acervosvirtuais.com.br/layout/museuvirtualdearte/9.php
O conceito de apropriação consiste na reprodução ou uso direto, seja de
objetos artísticos, seja de bens de consumo produzidos na cultura de massa. No
contexto do surgimento da obra de Duchamp, esse ato não significou apenas uma
atitude crítica por parte do artista, mas também um sério questionamento sobre o
que é e o que deve se considerar arte, bem como da própria tradição artística até
aquele momento (CRIMP, 2005 p.115). Vale complementar: no que concerne ao
seu uso na Arte Contemporânea, tal conceito não está somente relacionado a
elementos de natureza material, mas também a ações, músicas, imagens, conceitos
e ideologias.
Em uma comparação entre a produção de uma obra de arte, usando esse
recurso e a produção textual, o ato artístico da apropriação revela, ou torna
aparente, o processo de intertextualidade e o jogo de referências para a criação de
um conceito ou obra de arte. Pode-se, assim, aproximá-lo da operação dadaísta
intitulada assemblagem, que se refere a obras que se aglutinavam coladas em um
mesmo espaço. Assim, fragmentos de diversos objetos como papel, madeira, metal,
pedras, embalagens, bilhetes de transporte e outros eram reunidos, criando-se
artisticamente algo. Em suma, é uma justaposição de objetos para criar um
significado simbólico que transcende suas origens cotidianas.
Para contextualizar essa ideia, pode-se recorrer ao conceito de dialogismo,
ou diálogos intersemióticos em Bakhtin (1992), que são relações entre índices
85
sociais de valores que constituem um determinado texto. Portanto, são as relações
de sentido que se estabelecem entre dois enunciados, o que faz com que este
passe a atuar como unidade da interação social.
Isso se dá na medida em que o indivíduo é responsivo aos textos com os
quais tem contato, concordando, discordando, complementando e se modificando e
adquirindo outros repertórios nessa interação. Por conseguinte, a língua tem a
propriedade de ser dialógica em uma espécie de misto de vozes, pois o discurso de
alguém se encontra com o discurso de outrem, em uma interação contínua onde
ambos saem transformados. Destarte, a própria linguagem é constituída de uma
rede de interrelações em forma de diálogo. Essa dialogização interna da palavra
perpassa sempre pela palavra de outrem e, por esse motivo, todo o discurso ou
texto é entrecruzado por discursos alheios.
A segunda leitura de imagens foi então direcionada à linguagem da
assemblegem que aparece na obra da artista plástica e poeta portuguesa Isabel de
Sá, nascida em 1951, que desenvolve a sua poética utilizando a construção de
livros de artista. Neles apropria-se da escrita, em um hibridismo de linguagens entre
memórias, palavra, colagem de elementos diversos como imagens de fotografia e
revistas, pintura, bem como a apropriação de frases inteiras de alguns escritores,
que, no desenvolvimento desse processo operativo, também se tornam suas. A
leitura da obra requer que o espectador faça o entrecruzamento entre palavra,
imagens, apropriações da artista e suas referências pessoais, visto que o sentido da
junção de imagens e palavras configura-se como algo aberto, interativo e ao mesmo
tempo enigmático.
As obras de Isabel de Sá foram recebidas com mais familiaridade pelos
estudantes por se tratarem de trabalhos bidimensionais e talvez por terem sido
trabalhadas em contraste com as obras de Duchamp, sendo que a proposta de
trabalhar com colagens, assim como as da artista, foi recebida com entusiasmo pela
maioria dos estudantes. Eles também demonstraram, por meio de comentários,
apreciar - quando foi apontado pela professora – que os recursos utilizados pela
artista (palavras, recortes, tintas, registros feitos a caneta) estavam também ao
alcance da turma, com materiais facilmente acessíveis.
86
Figura 27: A Caixa do Livro, Isabel de Sá, 2013.
Fonte: http://isabeldesaescritora.blogspot.com/
Os poemas de Sá apresentam, junto com visualidade do colorido chocante da
pintura, citações declaradas e apropriações de frases de diversos autores
conhecidos ou desconhecidos. Misturam-se, assim, de maneira indiscriminada à
memória pessoal, em um hibridismo entre a poesia e as artes visuais. Para Castro
(2003), a artista instaura sua linguagem pictórica em uma espécie de figuração
violenta de um tempo interior, em que o feio e o difícil ocupam lugar de evidência.
Recorrendo à lembrança individual meticulosamente selecionada nas composições,
remete ao caráter secreto dos signos que sugerem um discurso, mas não o
revelam.
Depois da apreciação das obras dos artistas, os alunos, foram levados a
refletir sobre o potencial poético do olhar sensível sobre o cotidiano. Realizaram
então, a leitura do livro infantojuvenil do poeta brasileiro Eucanaã Ferraz (2016),
intitulado Cada Coisa. Nele, a cada página um objeto é evocado, poetizado,
aparecendo em forma de fotopoemas, figuras, palavras, nos quais dialogam - feitos
a caneta - os significados visual e textual.
87
Figura 28: página do livro Cada Coisa de Eucanaã Ferraz
Fonte: arquivo da autora
O livro de Eucanaã Ferraz faz um convite ao leitor: olhar os objetos do
cotidiano com criatividade, não necessariamente retirando os objetos dos contextos
usuais, como fez Duchamp, mas propondo que se encare o cotidiano de maneira
mais poética. O autor, em sua escrita, propõe variações sonoras, rítmicas, escalas
emotivas que exigem um envolvimento do leitor para que o sentido se complete.
O livro de fotopoemas, lido com os estudantes, foi concebido, em coautoria,
pelo autor e pelo ilustrador Raul Loureiro e o caráter de colagem foi o que
prevaleceu. As imagens que compõem o livro inicialmente eram figuras coladas ou
arranjos que obviamente não se limitaram a ornamentar a página. Elas serviram
como comentários que dialogam com os poemas; outras vezes, elas mesmas se
transformam no poema, como um texto independente. Há outros poemas em que a
diagramação é a própria ilustração, como no poema Faca, no qual uma listagem dos
tipos de faca é disposta horizontalmente nas folhas, sugerindo a imagem de uma
faca. Desta forma, a literatura infantojuvenil selecionada para esta etapa configura-
se como texto multimodal, exigindo do leitor que dialogue com as diversas
linguagens que a compõem.
88
Figura 29: Poema Faca, Cada Coisa, p. 52,53, Eucanaã Ferraz
Fonte: arquivo da autora
Na dinâmica proposta em sala de aula, foi solicitado para cada estudante, na
aula anterior, que trouxesse um objeto do dia a dia, de preferência que não
pertencesse ao universo dos materiais escolares. Depois de apresentadas as obras
de Duchamp, Isabel de Sá e Eucanaã Ferraz, os discentes foram desafiados a criar
poemas que expressassem a sua relação com os diversos objetos trazidos para
sala de aula. Essa ponte entre o objeto, mais concreto, e a ideia da poesia, mais
abstrata, facilitou que conseguissem compreender a infinidade de relações
intertextuais que podem ser estabelecidas entre o ato criativo, o próprio ato da
leitura e as atividades corriqueiras, nas quais nem sempre se coloca atenção.
89
Figura 30: processo de criação de poesias com objetos do cotidiano
Fonte: Arquivo da autora
Essas atividades objetivaram, ao evocar objetos do cotidiano, despertar o
estudante para as possibilidades criativas e poéticas daquilo que está ao seu redor,
enfatizando que é com base no pensamento criador que as relações do indivíduo
com o meio se ramificam em formas e significados. Assim, do objeto usual, que está
esquecido na sensibilidade, faz-se surgir o novo, a ressignificação, incrementando
as possibilidades de leitura de mundo do indivíduo. Como se exemplifica na
produção do aluno a seguir:
A bola
A bola é um brinquedo Um objeto de profissão
Que você usa para Ser um craque ou não
A bola corre pelo Gramado e pela quadra
ela não fica parada
No gramado a bola Corre pro futebol
Na quadra pro futsal E na rua por brincadeira
Na quadra e no campo
Para ganhar a liga, Na rua para ganhar
a copinha.
V.S. - Aluno do 6º D
90
A potencialidade do poema, como expressão escrita dos sentimentos e leitura
de mundo, aproxima os estudantes como leitores uns dos outros, revelando para
eles a expressão artística como forma de intervir no mundo, de maneira concreta,
ao interagir com os demais indivíduos. O processo criativo torna assim possível que
o indivíduo imprima a sua subjetividade à matéria, objetivando a sua ação/intenção.
O que antes era somente um processo de pensamento fica agora visível, tateável e
audível em forma de objeto socialmente constituído. Logo, o trabalho artístico tem o
potencial de objetivar o mundo e, ao mesmo tempo, subjetivizá-lo, estabelecendo
um paralelo com Candido (2004). Esse indivíduo, ao se expressar, será um ser
humanizado, inserido na cultura humana e na sua história de criação e
transformação do meio. Dessa forma, a viagem profunda entre as coisas e suas
significações pode ser ilustrada no poema da aluna N.L.R.
Anel Pode ser de papelão,
Qualquer matéria barata. A importância do anel
Está na coisa que Guarda.
Poema da aluna N.L.R, do 6ºD
No que diz respeito à multimodalidade, enfatizam-se as potencialidades
oferecidas em função da qualidade das obras de arte e da obra literária, de modo
que a própria leitura aponta caminhos para outras leituras e outras escritas. Esse
potencial apresenta proximidade com o que Umberto Eco denominou Obra Aberta,
ou seja, oferece um grande contingente de possíveis significações que seriam
preenchidas ou vivificadas na vivência de cada aluno. Dessa forma, apoiados na
leitura das poesias de Eucanaã Ferraz, foi possível aos estudantes vislumbrar a
poesia latente em cada um dos objetos trazidos, uma trajetória diferente para “cada
coisa”.
Assim sendo, poder-se-ia dizer que tanto o processo de criação quanto a
obra de arte em si se constituem em um campo de abertura de ideias inesgotáveis,
no qual interagem também as experiências de vida e leituras de mundo do
indivíduo. Logo, a expressão artística se estabelece em um espaço intersubjetivo,
pois uma criação irá interagir com repertórios a ela externos (ou seja, outros
91
indivíduos), multiplicando suas possíveis leituras que, muitas vezes, fogem da
leitura inicial do próprio artista. Esse espaço de liberdade interpretativa, no qual o
artista e o espectador (ou produtor de texto e leitor) co-criam a obra, foi denominado
por Marcel Duchamp de “coeficiente artístico”.
Na cadeia de relações que acompanha o ato criador falta um elo. Esta falha que representa a inabilidade do artista em expressar integralmente a sua intenção; esta diferença entre o que quis realizar e o que na verdade realizou é o 'coeficiente artístico' pessoal contido na sua obra de arte. (DUCHAMP, apud BATTCOCK, 1986, p. 73).
Na arte e nos meios de comunicação hodiernos essas novas estéticas
emergem cada vez mais com critérios próprios, tão múltiplos quanto a vastidão dos
tipos de personalidade, gosto, formação e visão de mundo dos indivíduos. A seguir,
a forma como a aluna M.R.V.S respondeu ao desafio da criação do fotopoema
calcado em embalagem de remédio.
O Remédio Cura dores nas
Costas das Dolores Nos pés das Marias Nas mãos dos Josés
Na barriga das Fátimas...
Poema da aluna M.R.V.S, 6ºD
Na produção dos alunos, foi possível observar que diante de uma mesma
proposta eles desenvolveram manifestações muito diferentes, revelando suas
aspirações pessoais, formas de ver o mundo, relações com o outro e com os
objetos. Selecionando objetos para a poesia, fizeram um recorte no cotidiano, para
ser revisitado pela produção artística e portanto ressignificado.
3.5 Isso eu posso fazer: algumas aproximações entre performance e fabulações
Neste momento pedagógico foi trabalhada a leitura do livro da artista plástica
e ilustradora japonesa Satoe Tone (2005). Nele uma ninhada de pássaros acaba de
irromper dos ovos, com uma personagem diferente das outras. Além de ser o último
a nascer, sua cauda é diferente das dos demais, com uma flor na ponta. Buscou-se
com esse livro, estabelecer um diálogo com o livro Ernesto, de Blandina Franco e
José Carlos Lollo (2016), que também possui uma personagem vista de maneira
diferente pelos seus pares.
92
Na aventura, a pequena criatura híbrida faz de tudo para corresponder à
expectativa dos pares, mas tem dificuldade para desenvolver toda a sorte de
atividades, parecendo sempre em desvantagem em comparação com os irmãos. No
desfecho da narrativa, a personagem cai em um descampado, ficando sozinha e se
lamentando por não conseguir realizar nenhuma das tarefas a que se propôs
anteriormente. Nesse momento, ela conhece algumas flores que precisam de ajuda
para que suas sementes germinem, fazendo com que, na intenção de ajudá-las, a
personagem se transforme completamente. Esse desfecho permite diversas
interpretações, de acordo com o repertório do leitor. A primeira leitura em sala de
aula deixou os estudantes bastante inquietos e, como na história de Ernesto, muito
identificados com a personagem.
Uma das interpretações possíveis está ligada à empatia, à amizade e ao
carinho entre a personagem e as flores, o que se tornou o fio condutor das
atividades que se seguiram. Depois de uma roda de conversa sobre a leitura do livro
Isso eu posso fazer (Tone, 2005), foi pedido aos estudantes para que assistissem
ao vídeo Removing Pain, da artista brasileira Beth Moysés (2010) registro de uma
performance.
Kátia Canton (2009, p. 9) discorre sobre os desdobramentos entre arte
contemporânea e o mundo atual, frisando que a arte mistura cada vez mais
questões artísticas, estéticas e conceituais aos meandros do cotidiano, em todas as
instâncias dos pontos: o corpo, a política, a ecologia, a estética, as imagens geradas
pela mídia etc. Esse tipo de arte requer um olhar curioso, livre de "preconceitos"
mais repleto de atenção, sendo incluído pela autora no conceito de Micropolíticas,
que tem sido utilizado com frequência para representar a grande diversidade de
posicionamentos conceituais pulverizados nas manifestações artísticas da
contemporaneidade. Assim discute-se, por exemplo, o gênero e a ecologia, ou
quaisquer outros posicionamentos de grupos sociais.
A artista Beth Moysés, ao discutir o desejo, o amor, a condição feminina e a
violência doméstica em seus trabalhos, enquadra-se no contexto das micropolíticas.
Para Canton (2009, p. 47), o trabalho ritualístico/performático da artista com as
mulheres tem “potência de cura”, situando-se no limiar entre a arte e a ação social
coletiva. Assim, no registro apresentado aos estudantes, um grupo de vinte
mulheres, aproximadamente, caminhava em ruas, com vestidos brancos, com dois
bolsos, na parte da frente, contendo um lenço para tirar a maquiagem.
93
Todas as participantes foram maquiadas, revelando ao público simulações
de hematomas nos olhos, braços e pescoço. Ao final de uma longa e muda
caminhada, elas formaram um círculo na grama; no centro dele, uma pedra de
mármore, que poderia evocar uma lápide, na qual estavam gravados os nomes da
performance, da artista e a data. Nesse momento, repleto de silêncio e solenidade,
cada uma delas tirou do bolso os lenços demaquilantes e limpou delicadamente o
rosto da sua companheira, fazendo uma corrente entre elas, até que todos os
hematomas desaparecessem. Esses lenços, marcados metaforicamente pela dor,
foram enterrados, relegados ao esquecimento e houve a ressignificação dos
sofrimentos nele contidos.
Não era o primeiro registro de performance com o qual os estudantes tiveram
contato, eles já haviam feito a leitura das imagens da ação Supermercado, de Srur
(2012), mas o silêncio e a ausência de qualquer irreverência, como aparecia na obra
do artista, pareceu deixar os estudantes mais intrigados. Durante a exibição do
vídeo, sem qualquer explicação prévia, os estudantes questionavam se a sequência
de imagens realmente se tratava de obra de arte e tentavam supor o que de fato
estaria acontecendo com aquelas personagens silenciosas que caminhavam
vestidas de branco por ruas desconhecidas, realizando ações fora do usual no
cotidiano.
Depois de realizada a leitura do registro da performance até o final, os alunos
foram questionados sobre o sentido que deram às imagens apresentadas e alguns
tentaram criar uma narrativa. Uma aluna sugeriu que aquelas ações pudessem ser
algum tipo de ritual, visto que as mulheres vestiam roupas brancas e se
organizavam em círculo, comentário que, depois, durante a contextualização foi
retomado, pois de fato a performance ritualiza (não de maneira mística ou religiosa)
elementos do cotidiano para ressignificá-los. Diante da contextualização sobre a
autora da obra e as possíveis indicações da sua poética, os estudantes logo
conseguiram estabelecer associações entre as imagens e o contexto da violência,
apontando que as mulheres queriam “apagar suas mágoas” quando passavam os
lenços demaquilantes sobre as marcas no rosto. Alguns comentaram saber de
situações semelhantes na vida cotidiana, posicionando-se a respeito.
Aos estudantes foi então informado que a artista plástica brasileira Beth
Moysés, que nasceu em São Paulo em 1960, em sua obra coloca a mulher como
foco central, evidenciando o uso de materiais relacionados com o afeto, as relações
94
humanas e a violência doméstica. Ela trabalha com diversas linguagens como
fotografias, vídeos, instalações e performances (CANTON, 2001). Destaque-se que
a característica social é inerente à leitura que pode ser feita de seus trabalhos, os
quais reúnem mulheres vítimas de maus tratos, suas memórias, suas ações de
autorreparação e ressignificação de um passado violento. Em uma gama diversa de
ações artísticas, Beth Moysés ritualiza temas como as relações entre homem e
mulher, a libertação e a cura das memórias nocivas, as marcas das ações violentas
vivenciadas no passado.
Depois da apresentação do conceito de performance e também e
contextualização sobre a artista Beth Moysés, foi retomada a roda de conversa com
os estudantes, que foram incentivados a apontar que tipo de ligações poderiam ser
feitas entre o registro da ação artística e a obra de literatura infantojuvenil
apresentada nessa aula. Com base nas suas considerações, foi definido o tema da
amizade e da empatia para que improvisassem breves ações, onde expressassem o
que sentiam e pensavam a esse respeito. Devido à grande dificuldade característica
dessa idade (11 anos), de se mostrar em público, e também com abstrações
maiores, estabeleceu-se que poderiam juntar-se em grupos ou duplas, desde que
cada um expressasse, em forma de ação cênica, conteúdos individuais.
Figura31: alunos realizando ações cênicas – performance.
Fonte: Arquivo da autora.
95
A essa altura, a proposta da performance, apesar de ser uma linguagem
relativamente nova para os alunos, já foi bem melhor aceita do que as primeiras
atividades com improvisação teatral, de modo que, apesar de algumas dúvidas
sobre exatamente como executar as ações, os estudantes as desenvolveram com
bastante naturalidade.
A sensibilização por meio da leitura de obra de arte permitiu que os
estudantes acessassem suas memórias e seu universo interior de referências. O
novo texto continha, obviamente, fragmentos das leituras, mas incorporava muito
mais as memórias e “coleções” de signos pessoais dos estudantes, forjando nova
rede de significações.
A proposta seguinte envolvia a fabulação e a criação de uma construção
tridimensional, em forma de cidade, para que construíssem uma narrativa na qual
pudessem incluir seus afetos, aquilo que haviam gostado das histórias anteriores,
suas personagens preferidas, suas leituras anteriores. Enfim, seria um objeto
tridimensional, denominado Cidade dos Afetos, e deveriam se tornar visíveis os
recursos de leitura de mundo dos estudantes, revelando suas referências pessoais.
Para tanto, pensou-se em Antônio Candido o qual defende que a literatura é
ou deveria ser um direito básico do ser humano. A fabulação e a literatura, quando
acessadas como deveriam, atuam no caráter e contribuem para o desenvolvimento
dos sujeitos com um papel humanizador. O mestre destaca que as fabulações
humanas (a literatura) estão presentes em todas as culturas, assumindo diversas
formas, como por exemplo o folclore, as lendas, as anedotas e também as formas
complexas de produção escrita das grandes civilizações. Logo, todos os seres
humanos, de uma forma ou de outra, necessitam de alguma espécie de
fabulação/ficção. À vista disso, seria impossível aos indivíduos uma vida totalmente
árida desse tipo de atividade.
A fabulação “parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa
ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito” (CANDIDO, 1989, p. 112). Basta,
para isso, pensar que as sociedades criaram suas manifestações literárias
(ficcionais, poéticas e dramáticas) em decorrência de suas crenças, de seus
sentimentos e de suas normas, assim fortalecendo a sua existência e atuação na
sociedade. O autor salienta ainda, de forma categórica, que talvez não haja
equilíbrio social sem a literatura. Para o crítico literário e autor de Direito à
96
literatura, a importância social da mesma é irrefutável, posto que ela confirma e
nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos
dialeticamente os problemas.
[…] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos à natureza, à sociedade e ao semelhante (CANDIDO, 2004 p. 117).
A literatura, por conseguinte, tem papel formativo e humanizador justamente
por dar espaço à fantasia e à imaginação que são os elementos que a nutrem. Na
fabulação, a criança e o adulto distorcem a realidade revelando ou presentificando
seus medos, amores, desejos, ignorâncias, necessidades. É através dela que a
literatura propõe respostas e refina questões que, sem esse recurso, não poderiam
ser tocadas. Esse caráter libertador e ao mesmo tempo aterrador da fabulação pode
ser exemplificado na história coletiva verbalizada pela aluna G., do 6º D, em uma
roda de contação de histórias, baseada na construção da cidade:
Era uma vez uma cidade assim, bem rica, sabe, bem boa... não rica de dinheiro, rica de plantar, essas coisas... era boa a terra.... Dai a cidade começou a ter muito terremoto assim....muito tsunami... o céu começou a ficar preto, dai... de repente, depois de uns três dias que teve esse negócio ai um meteoro cai. Dias atrás já estavam prevendo isso, né? Então os cientistas pegaram e fizeram tipo um negócio em um área que não tinha nada para deixar o meteoro cair e deixar o resto da área da cidade tudo boa assim, sabe? Só que esse negócio que eles fizeram que era tipo um plástico assim, derreteu, e foi para cidade e pra todos os lados, entendeu? Então o meteoro ficou lá, bem bonito, as pessoas foram lá só pra ver, construíram um zoológico também do lado e construíram uma praça assim bem bonita. Aí eles gostam dessa cidade por que é bem anormal, né? O meteoro que derreteu ficou parecendo um enfeite e até hoje a cidade lá é habitada. (Transcrição literal da verbalização da aluna G.M.S. do 6º D sobre a construção tridimensional da cidade)
Para compreender e para criar é necessário que o indivíduo passe pela
construção e desconstrução de conceitos, reelaborando-os à sua maneira, dando
significado aos seus fragmentos. A relação entre o mundo imaginário e o real, que
pode ser estabelecida nos alicerces da literatura e da fabulação, contribui para que
o indivíduo em formação aprenda lições de vida, a respeitar as diferenças e,
principalmente, a conviver com o outro.
Pretende-se não só desenvolver a criatividade através do fazer da arte, mas também através das leituras e interpretar das obras de arte [...]
97
desconstruir para reconstruir, selecionar, reelaborar, partir do conhecido e modificá-lo de acordo com o contexto e a necessidade são processos criadores desenvolvidos pelo fazer e ver arte e fundamentais para a sobrevivência no mundo cotidiano. (ROSSI, 2003 p.16).
É possível concordar com Candido quando afirma que a literatura
corresponde a uma necessidade universal, que deve ser satisfeita sob a pena de
mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do
mundo ela organiza, liberta do caos, forma e humaniza. O autor defende que todos
possam ter acesso aos diferentes níveis de cultura. Isso também pressupõe o
respeito aos direitos humanos. Assim, a fruição da arte e da literatura em todas as
modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável (CANDIDO, 2004 p. 126).
Durante o processo de construção da cidade tridimensional, os estudantes
praticavam a fabulação misturada a conversas amistosas, e a criação ia se fazendo
conjunta aos constructos plásticos. O desenho feito por um, integrava a área da
cidade construída por outro e, para isso, era inventada uma justificativa ou razão
que coubesse na história, um acidente com papel e tinta virou uma forma de papel
amassado que, depois, se tornou um meteoro. Por isso, o processo lúdico de
construção tridimensional transcorreu paralelamente com as diversas fabulações
criadas no decorrer do processo.
Essa fabulação a partir do acidente foi definida calcada no diálogo que
misturava histórias pessoais que os estudantes contavam sobre suas vidas, onde os
locais imaginários criados na cidade fictícia lembravam vivências reais e situações
que sentiam necessidade de compartilhar com os colegas. A criação em grupo ia se
completando nas concordâncias e discordâncias, que iam se tecendo nos
comentários a respeito de o que deveria ser feito em cada parte da cidade e na
criação dos personagens que iriam habitá-la. Desse modo, a criação da cidade se
fez do entrecruzamento de narrativas reais e imaginárias dos estudantes durante o
processo criativo.
98
Figura32: construção coletiva da Cidade dos Afetos
Fonte: Arquivo da autora
Vygotsky (1998), em seus estudos, apontou para a utilização da ludicidade no
processo de ensino. Por meio dela, a criança se apropria de seu próprio lugar social,
bem como se compreende em relação às pessoas que a rodeiam. Verifica-se que
ela estimula o sujeito a formar conceitos próprios, a socializar-se, a desenvolver
suas relações lógicas, além de tornar mais prazerosas as atividades desenvolvidas.
Em relação ao prazer na literatura, atividades lúdicas estimulam o pensamento e
instigam a vontade de aprender e de criar.
Vygotsky enfatiza a importância do brinquedo e da brincadeira do faz de conta para o desenvolvimento infantil. Por exemplo, quando a criança coloca várias cadeiras uma atrás da outra dizendo tratar-se de um trem, percebe-se que ela já é capaz de simbolizar, pois as cadeiras enfileiradas representam uma realidade ausente, ajudando a criança a separar objeto de significado. (CRAIDY; KAERCHER, 2001, p. 30).
Em suas fases de desenvolvimento, o indivíduo constrói significados e
aumenta em cima do seu conhecimento, somando novos conceitos aos que já
vivenciou. De acordo com Vygotsky (1998), essa construção ocorre na interação
com o outro. Assim sendo, os jogos e brincadeiras, nos quais se percebe a
socialização e a vivência lúdica, são importantes recursos educacionais, pois têm a
potencialidade de favorecer o aprendizado de regras, de movimento, de expressão
corporal e de desenvolvimento da imaginação. A aproximação dos estudantes com
a leitura literária e as obras de arte serviu como ferramenta lúdica para que
99
enriquecessem seu repertório de recursos para novas criações de fabulações e
enredos na construção da Cidade dos afetos.
Figura 33: criação tridimensional e criação de histórias
Fonte: Arquivo da autora
Conforme Fusari e Ferraz (2001), a expressão por meio da arte permite ao
estudante ressignificar situações diárias, ampliando a sua leitura de mundo, com
fundamento em uma interação mais crítica e sensibilizada. A interação com a arte
forma mentes pensantes, com potencial para observar e analisar profundamente os
fatos grupais e individuais, mostrando a relevância que cada um deve configurar
dentro da sociedade.
O conhecimento da arte abre perspectivas para que o aluno tenha uma compreensão do mundo na qual a dimensão poética esteja presente: a arte ensina que é possível transformar continuamente a existência, que é preciso mudar referências a cada momento, ser flexível. Isso quer dizer que criar e conhecer são indissociáveis e a flexibilidade é condição fundamental para aprender. (BRASIL, 1997, p. 19).
O indivíduo que tem possibilidade de interagir com a arte, na escola, torna-se
mais sensível ao observar as diversas situações e aprende a refletir de forma
ampla, dando sentido às inúmeras informações com as quais tem aproximação. Isto
posto, a contribuição do contato interartes, que será compartilhada com outros
docentes por meio da publicação digital construída, pode ser bastante significativa,
sobretudo no que diz respeito à interação com a Arte Contemporânea, pois esta, a
exemplo da performance, traz em si manifestações híbridas, permitindo que o
indivíduo estabeleça mais teias significativas em seu cotidiano e, com isso, se torne
100
mais ativa e potente sua capacidade de leitura de mundo. O ensino de Arte vem, por
conseguinte, contribuir com as demais disciplinas, permitindo ao estudante
absorver, dialogar, opinar e fazer com que suas ideias não se enraízem no senso
comum ou em repetições de ideias de outrem, mas na sua própria curiosidade e no
repertório adquirido nas vivências criadoras.
101
4 PRODUTO EDUCACIONAL
Neste quarto capítulo será exposto, de forma resumida, o produto
educacional desenvolvido o qual motivou as atividades descritas no terceiro
capítulo: uma publicação digital visando a orientar professores interessados em
atividades de ensino interartes. Vale ressaltar que os relatos de atividades e tópicos
de reflexão contidos no referido material não têm o objetivo de esgotar o assunto -
nem do ensino interartes nem das linguagens artísticas mencionadas ou do ensino
de literatura -, mas apresentar aos docentes interessados possibilidades de
experiências para que possam desenvolver sua própria metodologia de trabalho.
Sobre o uso da publicação digital, é preciso uma reflexão relacionada a
apresentação do material em forma digital e tecnológica e a natureza singela dos
recursos tecnológicos que foram utilizados com os estudantes, que, basicamente,
foram televisor e aparelho projetor de imagens. Essa opção justifica-se pela
tentativa de compartilhar com os docentes práticas possíveis, que, mesmo
discutindo a leitura de textos multimodais (que associam, em geral meios interativos,
palavras, imagens, sons etc), poderiam ser trabalhados na escassez de recursos
das escolas públicas em geral, sem, com isso, haver limitações para a aplicação
das propostas.
Nada impede, porém, que as ideias expostas no material digital possam ser
transpostas para o uso de recursos tecnológicos mais complexos, caso o professor
usuário tenha acesso a eles. As ideias aqui expostas apontam possibilidades, mas o
ideal é que de fato sejam ampliadas em todos os sentidos pelos docentes que com
elas tiverem contato.
Esse material aqui apresentado/compartilhado simboliza o processo de
transição necessário aos docentes da contemporaneidade: considerar ao máximo a
possibilidade da inclusão de novas tecnologias em suas práticas docentes, mesmo
que, paradoxalmente, muitas vezes, tenham que contornar a falta de recursos
suficientes para tal. Nesse sentido, o material composto em meio digital é tentativa
de incluir o professor, mesmo que a princípio como material de estudo virtual, na
discussão sobre as possibilidades das tecnologias no ensino.
Considerando a BNCC, embora a orientação preconize que o aluno deva
compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de
forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo
102
as escolares), para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir
conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida
pessoal e coletiva; a experiência da maioria dos docentes em exercício enfrenta
tanto limitações quanto à falta de recursos, quanto à fragilidade da formação inicial e
continuada para cumprir tais objetivos.
No entanto, os conteúdos da Publicação digital: experimentações do corpo,
espaço e afetos relacionados à leitura de textos literários e também multimodais,
podem levar à reflexão sobre como as tecnologias podem ser incluídas de maneira
mais humanizada no cotidiano da escola, não como fins em si, mas como redes de
conexão entre a subjetividade e o mundo.
Esse tipo de interação, como já alertava Erich Fromm (1975, p. 51) em suas
reflexões sobre a “sociedade tecnológica” de sua época, culmina em direcionar
todos os esforços para fazer mais, sendo que a qualidade de vida perde toda a
importância e as atividades que outrora eram um meio (instrumentos criados pelo
ser humano, tecnologia, trabalho) passam a ser um fim.
Logo, a intenção é que o produto educacional esteja para os docentes, que
com eles tiverem contato, mais próximo do conceito de Objeto de Aprendizagem
Poética do que dos Objeto de Aprendizagem comumente difundidos na era das
TICs: “Os OAP são intranquilos, não chegam a um ponto final, não se contentam
com as afirmações negações, sofrem mutações, se reproduzem e produzem suas
partes e geralmente, incomodam, emocionam, ou rompem com a ordem das coisas”
(FERNÁNDEZ; DIAS, 2015 p. 3493)
Para incluir as tecnologias, tanto na formação continuada dos docentes
quanto nas práticas escolares, a ressignificação das relações com os meios digitais
pode abrir portas para uma visão menos tecnicista e mais focada na troca
intersubjetiva, que pode ser feita tanto por produtos físicos, como obras de arte e
livros, mas também por mídias digitais, hologramas, imagens virtuais ou redes
sociais. Afetar, presencialmente ou on-line, é tocar.
Desse modo, o material intitulado Ensino interartes: práticas possíveis para
professores, não pretende trazer quaisquer soluções definitivas para o hiato entre a
docência atual e as novas tecnologias, mas estabelecer uma ponte, pelo menos
conceitual, entre o ensino de Arte e Língua Portuguesa e as novas linguagens
multimodais.
103
4.1 Livro digital para professores
Do ponto de vista técnico e material, a publicação digital destinada a
professores de Arte e de Língua Portuguesa pode dar suporte também a docentes
de outras disciplinas, com desejo de conduzir seus alunos a uma forma mais
profunda de ler o mundo, ao interesse pela literatura e pelas artes e às
possibilidades do ensino interartes. As atividades descritas no referido material não
devem ser tomadas como um conjunto de receitas a serem seguidas, mas como um
panorama de possibilidades a serem exploradas, transformadas, adaptadas e,
certamente, ampliadas nas práticas e metodologias desenvolvidas em sala de aula.
Nas atividades desenvolvidas ao longo da publicação digital, será possível ao
educador/leitor verificar o intercâmbio favorável com os conceitos das duas
disciplinas escolares e também da abertura dos estudantes para o convívio com o
diferente e a afirmação daquilo que é individual em si.
Nesse material, objetiva-se compartilhar a visão da escola como locus para
encontros, propício ao desenvolvimento de experiências, no sentido descrito por
Larossa (2016), e possibilidades, como local de abertura e escuta, no qual discentes
e docentes possam “cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos,
falar sobre o que nos acontece” (LARROSA, 2016, p. 34). Por conseguinte, o
material digital que motivou essa pesquisa tem como escopo convidar os
educadores que com ele tiverem contato a estarem atentos, abertos, receptivos e
expostos para as diversas possibilidades de sentir, entender, apreender e criar
espaços que possam afetar e transformar. Nessa perspectiva, pode ser concebida
como um espaço orgânico, no qual é plausível experimentar a travessia instaurada
no devir, ou seja, no vir a ser, no transformar-se.
Também a experiência, e não a verdade é o que dá sentido à educação. Educamos para transformar o que sabemos, não para transmitir o já sabido. Se alguma coisa nos anima a educar é a possibilidade de que esse ato de educação, essa experiência em gestos nos permita libertar-nos de certas verdades, de modo a deixarmos de ser o que somos, para ser outra coisa para além do que vimos sendo. (LARROSA, 2016, p. 5).
O material preparado para os docentes visa evidenciar que quanto mais
dinâmicas as interações pedagógicas, mais possibilidades interpretativas se criam,
a partir do envolvimento de diversos tipos de manifestação: produção escrita,
desenho, ilustração, representação teatral, vivências sensoriais. Cada uma dessas
104
atividades permite ao aluno colocar em prática os conceitos produzidos na leitura,
ao mesmo tempo exteriorizando expressões e internalizando referências para outras
leituras e ações criativas.
A publicação digital apresentada em conjunto com esta pesquisa tem enfoque
nas linguagens contemporâneas e na literatura infantojuvenil, demonstrando que
essas atividades interlinguagens contribuíram para que estudantes do Ensino
Fundamental pudessem compreender e se apropriar ativa e criativamente dos
códigos híbridos da leitura nos dias atuais.
Ao professor leitor da publicação digital são brevemente apresentados os
suportes teóricos utilizados na pesquisa – Ana Mae Barbosa, Fernando Hernández,
Roxane Rojo, no uso das imagens como formas comunicativas da
contemporaneidade e Mikhail Bakhtin, Lev Vygotsky, Antônio Candido no tocante à
linguagem e leitura/literatura – com um convite para leituras futuras relacionadas a
essas fontes. Espera-se que a visitação às páginas deste material possa oferecer a
outros professores, assim como proporcionou à autora, ferramentas para
desenvolver o potencial criativo e a leitura de mundo dos estudantes.
Os estudos de Nóvoa (1999) defendem que a formação docente é um
processo interativo, por meio do qual acontece um espaço de formação mútua, de
afirmação de valores da profissão, propiciando um conhecimento profissional
compartilhado, que, unindo a prática a discussões teóricas, gera novos conceitos.
Embora as mudanças no campo da escola pareçam mais lentas, parte-se da
premissa que o desenvolvimento da profissão docente está intimamente ligada às
transformações sociais.
Da mesma forma, a especificidade da docência está no conhecimento
pedagógico de natureza científico-cultural. No entanto, também as situações do
cotidiano da escola, como as que foram apresentadas na publicação digital para
professores podem ser fontes de atualização e descobertas para os profissionais.
Identifica-se a necessidade de uma formação continuada, com consistência teórica,
mas que realize uma relação entre a teoria e a prática.
Desse modo, o caminho para que outros docentes tirem proveito do material
construído foi traçado com base em experiências concretas e factíveis na maioria
dos espaços escolares. Embora se discutam tecnologias e leituras de textos
multimodais, o enfoque maior está em como levar esse campo de ideias aos
105
estudantes em diferentes formatos, porém sem a dependência de recursos mais
sofisticados.
Assim, na introdução do material, o leitor é apresentado ao conceito de
ensino interartes, definindo-se como será feita a ligação entre arte e literatura. Nos
tópicos subsequentes, apresentam-se as cinco etapas dos projetos interartes com
enfoques nas obras de literatura infantojuvenil e nas linguagens artística e literária.
São associadas também imagens e links para vídeos, com trechos de
gravações de atividades para que o docente interessado possa observar como foi
construída a parte prática de cada etapa. Em conjunto com as descrições dos
momentos pedagógicos, são disponibilizadas breves contextualizações sobre os
principais autores que guiaram a construção da metodologia de trabalho para cada
uma das práticas, de modo a indicar ao educador interessado caminhos para novas
pesquisas e aprofundamentos. Tais pressupostos teóricos aparecem
intrinsecamente ligados às vivências concretas dos estudantes, mostrando as
inter-relações entre teoria e prática docente.
Em consequência disso, busca-se no produto educacional indicar ao
professor/leitor tudo o que pode intervir no processo criativo: as referências dos
estudantes, suas leituras, a subjetividade da relação professor/alunos, a
sensibilidade desenvolvida ao longo do processo. Sobretudo, pretende-se mostrar
que a tecnologia tem o potencial e o objetivo de mediar a relação entre pessoas, ao
contrário de limitá-las. No decorrer do material, pretende-se tornar evidente ao leitor
que o ensino interartes pode ser baseado em uma construção coletiva, visto que na
publicação digital conduz-se o leitor a observar como o processo foi influenciado,
reestruturado, alterado e redesenhado a cada momento de interação entre alunos
(co-criadores) e professora.
No que diz respeito ao livro digital, a opção de criar um material nesse tipo de
suporte deve-se ao fato de que é de conhecimento comum que a formação
continuada de professores, nas circunstâncias atuais, enfrenta obstáculos
relacionados à falta de tempo e escassez de recursos financeiros pelos quais
passam boa parte dos profissionais da educação. Neste sentido, o livro eletrônico
proporciona diversas possibilidades e recursos intrínsecos ao seu formato, podendo
ser considerado um meio promissor de disseminação e circulação de informações
intelectuais e culturais, o que pode favorecer a possibilidade de democratização e
socialização da leitura.
106
Figura 34: imagem do livro digital em teste no telefone celular
Fonte: Arquivo da autora
Esse tipo específico de suporte do texto permite usos, manuseios e
intervenções do leitor infinitamente mais numerosos e mais livres do que qualquer
uma das formas tradicionais do livro. A exemplo disso, pode-se citar o mecanismo
de busca que possibilita a pesquisa por palavras e, em poucos segundos, a
obtenção do resultado, não sendo necessário folhear o livro ou relê-lo.
.
107
Figura 35: imagem do livro digital
Fonte: Arquivo da autora
A publicação digital apresentada como produto educacional desta dissertação
de mestrado, pretende, em suma, evidenciar que, com base na ampliação da leitura
de mundo, propiciada pela imersão na leitura e na criação artística e literária, o
indivíduo pode ser levado a perceber-se e a questionar-se.
Figura 36: imagem do livro digital
Fonte: Arquivo da autora
108
Portanto, a arte, como troca intersubjetiva, funciona na proposta apresentada
aos docentes/leitores como mediadora de uma visão ampliada da realidade,
considerando que as transformações sociais, aqui apontadas no campo da leitura,
suscitam um novo tipo de leitor e uma forma diferente de educar para a leitura,
contextos para os quais o entendimento e a práxis relacionada a um ensino
interartes pode oferecer grandes contribuições.
Para a autora desta pesquisa, o processo criativo de construção do livro
digital representou oportunidade de veicular as possibilidades do ensino interartes
no que diz respeito à aproximação entre arte e literatura. A organização das
informações nesse meio permitiu reflexões acerca da distância que ainda existe
entre os meios tecnológicos e o trabalho em sala de aula, mas também permitiu
verificar possibilidades concretas de incluí-los em forma de mediação, visto que os
estudantes, paradoxalmente, vivem e se comunicam diariamente via tecnologias. E
também sobre o processo de formação continuada, tanto como aprendizado das
possibilidades de novas formas de trabalho como também a apresentação de ideias
aos professores que tiverem contato com o material.
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observando-se que os modos de construir e interpretar os conteúdos
comunicativos estão cada vez mais distantes das formas de letramento tradicionais,
buscou-se desenvolver uma proposta de ensino interartes calcada na necessidade
de se refletir sobre o modo como os estudantes leem e interpretam textos e
imagens. Na aproximação do conceito de multiletramentos, são levados em conta
significados contidos em textos constituídos por mais de uma modalidade de
linguagem. Objetivou-se, então, desenvolver formas de ampliação da formação
leitora dos estudantes, que pudessem ser construídas, intertextualmente, de forma
enriquecedora entre obras de arte e obras literárias, propiciando a esses jovens
tornarem-se aptos a empreenderem o ato da leitura de maneira abrangente,
profunda e significativa com a integração das linguagens artísticas.
Outro ponto problematizado nesta pesquisa foi o papel da criatividade, diante
do fato de que ao estruturar, construir e desconstruir os conhecimentos a eles
apresentados, os indivíduos também estruturam a si mesmos, internamente.
Buscou-se, então, verificar até que ponto a criação artística e a produção escrita
poderiam contribuir para a sofisticação do ato da leitura nos estudantes envolvidos.
A Arte e a Leitura foram consideradas fontes de humanização por meio das
quais o sujeito torna-se capaz de interagir melhor com o seu mundo. Alicerçado na
ampliação da leitura de mundo propiciada pela imersão na fruição e na produção
artística/literária, apostou-se, então, nas possibilidades oferecidas pelo ensino
interartes capaz de levar o indivíduo a questionar-se criticamente, além de ampliar o
que percebe sobre si e sobre o outro.
Premissa importante no referido contexto é que a arte, com a sua intrínseca
característica interdisciplinar, apresenta inúmeras potencialidades quanto à
construção de um ensino integrador e multidisciplinar, posto que seus conteúdos
estabelecem naturalmente diálogos diretos com os contextos sócio-históricos,
filosóficos, literários e outros. A arte, assim, retira o ser humano de um estado de
fragmentação e dissociação do meio circundante para levá-lo a uma condição de
ser capaz de autonomia. Ela o instrumentaliza para compreender a sua realidade e
o ajuda não só a torná-la mais agradável da maneira que é, mas também tem
capacidade para transformá-la, por meio da criticidade e da ação criadora.
110
Com fundamento no que foi aqui exposto, a conjugação entre a arte e a
literatura ofereceu aos estudantes oportunidades para que desenvolvessem a
sensibilidade, ao lidar com diversas fontes da expressão humana, aproximando-os
também do universo da literatura. Ressalte-se que a arte, de uma maneira geral, e
nela incluída a literatura, atua como transposição do real para o imaginário e é
capaz de reorganizar, na subjetividade do indivíduo, as coisas, os seres, os
sentimentos e os objetos. Os textos literários, deste modo, são carregados de
linguagem poética, transportam sensações e desenvolvem as percepções humanas
para interpretações mais próximas dos sentimentos.
Os resultados aqui expostos não foram aferidos por instrumentos
quantitativos, portanto não haverá números e estatísticas. No entanto, a observação
do comportamento dos estudantes demostrou, entre outras coisas, o crescimento do
interesse pela leitura e pela produção artística de forma geral, sendo interpretados
como indicativos positivos dos resultados do trabalho.
Verificou-se, por exemplo, que os estudantes visivelmente passaram a
associar os momentos da aula em que se trabalhava com a leitura de livros de
literatura infantojuvenil, de imagens de obras de arte e de vivências sensoriais com
prazer e alegria, de modo que a resistência inicial à leitura, detectada nos primeiros
momentos do projeto, foi substituída pela expectativa em relação ao novo e pela
ansiedade em descobrir o que seria desenvolvido, expresso nos questionamentos
de “professora o que vamos fazer hoje?”
Outra forma de verificar os resultados, foi o aumento da adesão dos
estudantes às atividades, visto que, por apresentarem dificuldades no campo da
leitura, muitos, no início do desenvolvimento do projeto, ficavam apáticos e
resistentes, de modo que poucos chegavam a finalizar a atividade. No decorrer do
desenvolvimento dos jogos e atividades de criação motivados pela leitura, verificou-
se que os estudantes adotaram uma postura de envolvimento maior em relação às
propostas, aumentando o número de atividades completas e de trocas
intersubjetivas, em forma de diálogos entre colegas de classe sobre o que estavam
produzindo ou o que já haviam produzido. Houve, então, o aumento da vontade de
criar, verificando-se uma possível diminuição da aversão pela leitura, detectada nas
avaliações diagnósticas anteriores ao desenvolvimento do projeto.
Um terceiro viés de comparação, entre o estado inicial dos estudantes em
relação às imagens de obras de arte e de literatura infantojuvenil, foi que nos
111
primeiros momentos do projeto, eles recebiam os estímulos (livros, obras de arte,
propostas) com um grande estranhamento, expresso em palavras e protestos, que
se justificaram por diversos motivos: não haver o hábito da leitura para a maioria;
não considerar adequado leituras na aula de arte; as obras de arte trabalhadas pela
professora eram inusitadas, bastante diferentes do senso comum que tinham a
respeito de arte. No entanto, ao final do projeto, o estranhamento foi substituído pela
postura pesquisadora de “o que essa obra de arte, livro, proposta pode me trazer de
novo?” Isso foi demostrado pela atenção e tentativa de compreensão, por meio de
questionamentos, propostas e comentários.
Assim, houve um processo de redescoberta e ressignificação daquilo que é
cotidiano, calcado no trabalho com uma grande diversidade de linguagens artísticas
em sala de aula, explorando-se, de forma crítica, os textos e contextos no intuito de
instrumentalizar o olhar dos estudantes para a interpretação. Destaque-se, ainda,
que, para a efetivação das aspirações de possíveis respostas, apostou-se no
exercício da criatividade, no potencial humano de transformar a matéria, conferindo-
lhe novas formas e significados, impregnando os objetos do mundo com a sua
presença como alicerce importante da formação de leitores eficazes.
Em suma, este trabalho está calcado na premissa que uma educação pela
arte só pode ser plenamente vivenciada se houver também criação na recepção
pelo outro, estabelecendo-se uma troca entre sujeitos, mediada por significados
poéticos. Destarte, aquele que recebe a obra conecta seus sentidos com o objeto
criado e interage com as proposições dos artistas. Esse ato criativo só se completa
de maneira integral se o receptor for preparado em sua sensibilidade, possuindo
repertório que lhe permita dialogar com os conteúdos revelados no ato artístico.
Ao longo das cinco etapas de leitura e interação com manifestações da Arte
Contemporânea que, posteriormente, integraram o conteúdo da publicação digital,
produto educacional que sintetiza os resultados desta pesquisa para que possa ser
parte dos processos formativos de outros docentes, verificou-se a possibilidade de
intercâmbio favorável entre as linguagens artísticas e a literatura e também da
abertura dos estudantes para abordagens interartes no campo escolar.
Constatou-se, portanto, o papel fundamental da educação em conduzir os
estudantes a desvelar esse território pleno de possibilidades mais eficazes para a
leitura, pois com a participação em diferentes práticas sociais ligadas ao fazer
112
artístico, puderam exercitar a capacidade de leitura, de escrita e de oralidade,
inserindo-se nas diversas esferas de interação.
Em resposta às indagações iniciais que suscitavam estudos, observou-se que
quanto mais dinâmicas as interações pedagógicas, mais possibilidades
interpretativas se criavam alicerçadas no envolvimento de distintos tipos de
manifestação: produção escrita, desenho, ilustração, representação teatral,
vivências sensoriais. Cada uma dessas atividades permitiu ao aluno colocar em
prática os conceitos produzidos na leitura, ao mesmo tempo exteriorizando
expressões e internalizando referências para outras leituras e ações criativas.
Isso levou à conclusão que, ao criar, o sujeito se recria e se constitui como
ser criador consciente, que toma posição ante o mundo. As produções dos
estudantes, portanto, serviram como estímulo e espaço oportunizador para que
desenvolvessem suas potencialidades. Vale ressaltar, nesse contexto, que a
criatividade fomentada nos processos vivenciados não servirá ao educando para
que seja somente criador de obras artísticas, mas também para que seja co-criador
de sua realidade, que é o que se espera de um cidadão crítico.
Logo, a interdisciplinaridade entre o ensino da literatura e as atividades
lúdicas e artísticas abriram possibilidades para um aprendizado mais crítico,
referenciado em um novo olhar capaz de levar o educando a experimentar a
realidade além das aparências, como agente transformador e criador. Destaca-se
também que tal processo, consequentemente, pela própria compreensão do ato
criativo ampliou as suas possibilidades de fruição.
As vivências descritas e analisadas no terceiro capítulo desta dissertação,
foram base para a constituição do produto educacional. A ideia é que os relatos e a
síntese dos apontamentos teórico práticos nele contidos possam servir de
inspiração e, ao mesmo tempo, de indicador de caminhos aos educadores de Arte e
Língua Portuguesa, no desenvolvimento de propostas interartes. Dessa forma, o
material pode ser um recurso de formação continuada, visto que apresenta
discussões sobre a leitura e a influência das múltiplas linguagens e da própria
cultura visual.
Optou-se por um material digital, que pode inclusive ser acessado via celular,
no intuito de facilitar aos docentes interessados o alcance prático e gratuito ao
produto educacional, que trata de forma sintética das experiências e imagens das
produções construídas ao longo dos cinco momentos que o constituíram.
113
Além de sugestões de leitura e informações básicas de apoio para o trabalho
com as linguagens artísticas e literárias, é importante ressaltar que, embora, seja
um material feito para professores, ele não se constitui em um manual ou livro de
receitas pedagógicas, mas num compilado de ideias que devem ser aproveitadas
pelo docente para incrementar e enriquecer suas próprias metodologias. Portanto,
não é o objetivo deste ditar premissas pedagógicas, mas ampliar caminhos e
possibilidades, apostando no potencial criativo e renovador que cada docente
desenvolve ao longo de sua experiência profissional.
Observou-se, pois, que alguns pontos ainda necessitam de desenvolvimento
em pesquisas futuras como, por exemplo, a ampliação das discussões sobre como
implementar a interdisciplinaridade mais efetivamente no contexto escolar. Também
a importância de se estudar uma formação docente que permita olhar além da
fragmentação disciplinar que hoje ainda é predominante nos meios escolares.
Enfim, buscou-se discutir possibilidades de um ensino com olhar integrador entre as
disciplinas de Arte e Língua Portuguesa, deixando certamente muito a ser explorado
sobre como sistematizar essas ações com premissas metodológicas definidas.
Nesse sentido, para o encaminhamento de futuras abordagens em
continuidade do que aqui foi sistematizado, nesse compilado de experiências,
detectou-se como futuro veio para investigação o estabelecimento de alicerces mais
consistentes no entrelaçamento entre a pedagogia dos multiletramentos e a
abordagem triangular para o ensino de arte, premissas teóricas que estiveram
presentes nas práticas descritas neste trabalho.
No que diz respeito ao conceito de interartes, como possibilidade de
ampliação de pesquisa em próximos passos, na discussão sobre a intersecção das
áreas artísticas, aponta-se a abordagem metodológica atualmente conhecida no
Brasil como Pesquisa ou Investigação baseada em Artes, e também da A/r/tografia,
que tem contribuído para as pesquisas em educação (OLIVEIRA, 2013).
Tais perspectivas utilizam justamente a arte não apenas como elemento base
para suas investigações, mas como metodologia de pesquisa, de forma que se
utilizem procedimentos e/ou produtos artísticos no processo investigativo ou no
registro deste. Objetiva-se, assim, expandir a percepção sobre eventos
educacionais e permitir novos entendimentos sobre aquilo que pode contribuir para
as políticas educacionais e práticas pedagógicas, via investigação artística, havendo
mais preocupação com as problematizações do que com as respostas fechadas.
114
Essas tendências de pensamento diversificam as formas possíveis de se
desenvolver uma investigação no campo da Educação, apropriando-se da
Perspectiva Metodológica da Investigação Baseada em Artes, ou Pesquisa Baseada
em Artes (PBA). Então, considerando as pesquisas voltadas a essa perspectiva
metodológica, observa-se a pesquisa como processo que pode levar a outras
formas de investigação e estratégias, como um processo de composição artística
(OLIVEIRA, 2013).
Assim sendo, diante do que foi exposto ao longo desta dissertação,
comprova-se a transformação criativa do meio, pelo educando, seja pelo fazer
artístico seja pela produção literária. Ele se vê envolvido globalmente como ser
sensível, pensante e atuante, presente na simultaneidade de informações e
conhecimentos do mundo.
Defende-se, por conseguinte, em função dos dados analisados, a importância
dessas linguagens artísticas como fonte de humanização, capazes de oferecer
contribuições valiosas para o processo educacional, auxiliando os alunos a se
compreenderem melhor como sujeitos na construção contínua de sua autonomia,
motivando-os no desenvolvimento de sua criatividade e criticidade, tornando-os
mais abertos à aceitação do “outro” e a tirarem real proveito de diferentes leituras.
A presença da arte na escola, por meio do projeto interartes aqui descritos,
pode contribuir para que os espaços educacionais sejam menos áridos e difíceis no
que diz respeito ao desenvolvimento da sensibilidade humana, atributo que precisa
florescer primeiro nos docentes, para que possa também ser cultivado nos
estudantes.
Viver a experiência no contexto educacional, assim como descreveu Larossa
(2016), se aproxima da postura de abertura ao imprevisível, ao inesperado e ao que
está, de certo modo, fora de controle. Do mesmo modo, o produto educacional
advindo das experiências aqui descritas, transita pelo campo da imprevisibilidade,
na medida em que pode ser apenas mais um material ofertado ao docente já
desgastado pelo terreno árido da educação brasileira, mas também pode se tornar
uma semente para novas ideias, novas esperanças e para que se pense a sala de
aula como um espaço onde se pode criar, respirar e viver.
Não se pode, infelizmente, garantir que o produto educacional aqui exposto
resulte em trajetória produtiva ou não, pois depende do contexto em que será
difundido, da formação do professor leitor e de diversas outras variáveis. No
115
entanto, o processo de formulação da dissertação, em conjunto com a criação de
um produto educacional para um público docente, propicia uma reflexão sobre se o
produto criado é eficaz e suficiente para difundir as ideias nele contidas. Talvez
pudesse ser melhor compreendido se associado a vivências práticas, assim como
foi feito com os estudantes. A dimensão da ação poderia vir em desdobramentos
como oficinas, minicursos ou rodas de conversa sobre as vivências em sala de aula.
Como o objetivo do material não é ser uma série de comandos ou premissas
a serem seguidas com resultados garantidos, talvez fosse importante levar, aos
docentes interessados, vivências práticas que pudessem complementar e abarcar
toda a riqueza oferecida pelos processos de criação interartes. É possível, também,
que deste contato mais próximo com docentes e com a troca da experiências,
surgisse um novo material, talvez mais potente que este apresentado e carregado
de vivências e significados múltiplos que pudesse abarcar toda a complexidade da
vivência.
Desse modo, embora seja difícil fazer conter nas páginas eletrônicas e
conjunto de imagens que compõem o produto educacional a riqueza das vivências
nele descritas, e o potencial de novas vivências que se deseja com ele despertar, o
presente material pretende tornar a Arte e Educação um pouco mais próximas.
Trata-se de uma contribuição para uma escola com prevalência da experiência e do
humano, com a contribuição da interdisciplinaridade potencializada pela linguagem
interartes.
116
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ROJO, R. H. R. A concepção de leitor e produtor de textos nos PCNs: “Ler é melhor do que estudar”. In: FREITAS, M.T.A; COSTA, S. R. (Orgs). Leitura e escrita na formação de professores. São Paulo: Musa/UFJF/INEPCOMPED. 2002 p. 31-52.
ROJO, R. H. R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
ROSSI, M. H. W. Imagens que falam: leitura da arte na escola. Porto Alegre: Mediação, 2003.
ROUXEL, A. Autobiografia de leitor e identidade literária. In: ROUXEL, A.; LANGLADE, G.; REZENDE, N. L. de. Leitura subjetiva e ensino de literatura. São Paulo: Alameda, 2013. p. 67-101. ROUXEL, A. Práticas de leitura: quais rumos para favorecer a expressão do sujeito leitor? Cad. Pesqui. [online]. 2012, vol.42, n.145, pp.272-283. ISSN 0100-1574. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742012000100015. Acesso em: 2 out. 2019. SAMOYAULT, T. A intertextualidade. Trad. Sandra Nitrini. São Paulo: Aderaldo Rothschild, 2008.
SANTOS, J. O. C. S. Uma discussão sobre a produção de sentidos na leitura: entre Bakhtin e Vygotsky. In: Leitura: Teoria e Prática, Campinas, v. 32, n. 62, p. 75 e 86, jun. 2014. p. 75-86.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 10. ed. Campinas, Autores Associados, 2008.
SCHAFER, M. O ouvido pensante. Trad. Marisa Trench. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista,1991.
SPOLIN, V. Improvisação para o teatro. Trad. Ingrid Koudela e Eduardo José de Almeida Amos. São Paulo: Perspectiva, 2005.
122
SPOLIN, V. Jogos teatrais na sala de aula: um manual para o professor. Trad. Ingrid Koudela e Eduardo José de Almeida Amos. São Paulo: Perspectiva, 2007.
SRUR, E. Manual de intervenção urbana. São Paulo: BEI, 2012.
TONE, S. Isso eu posso fazer. Trad. Adilson Miguel, São Paulo: Edições SM, 2005.
TOZETTO, S.S.; BULATY, A. A história da formação de professores frente aos saberes e ao trabalho docente. In: RAIMAN, A. A graduação e a formação de professores: elementos implicadores da formação. Jundiaí: Pacto Editorial, 2015.
TOZONI-REIS.M.F.C. Metodologia da pesquisa. 2. ed. Curitiba: IESDE, 2007.
VYGOTSKY, L, S. Psicologia da arte. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Trad. José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Afeche e Solange Castro Afeche. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
YUNES, E. Literatura e educação: a formação do sujeito. In. KHÉDE, S. S. (Coord.). Os contrapontos da literatura: Arte, Ciência e Filosofia. Petrópolis: Vozes, 1984. p.123-132.
ZIRALDO. O menino mais bonito do mundo. São Paulo: Melhoramentos, 1983.
123
A P Ê N D I C E S
124
Apêndice A –
PLANOS DE AULA PARA O ESTÁGIO DE DOCÊNCIA
PLANO DE AULA 1
Descrição: Planejamento Pedagógico 1
Escola: Colégio Estadual
Cidade: Londrina – PR
Professor (a): Sirlene Felisberto Rodrigues
Turma: 6º B, C, D vespertino
Tema: EXPRESSÃO TEATRAL: VIVÊNCIAS PARA A SALA DE AULA
Data(s) e carga horária: 6º C, D: 17/09 e 25/09. 6 º B: 24/09 e 08 /10. Duração: 4 aulas.
Observação/ Justificativa: As Diretrizes Curriculares Estaduais (PARANÁ, 2007), na disciplina de Arte, orientam que o professor trabalhe com seus alunos a teoria e prática dos jogos teatrais e das improvisações cênicas, bem como, os conceitos de personagem, expressões corporais, vocais, gestuais e faciais e também princípios de ação e espaço relacionados ao fazer teatral. As práticas de jogos de improvisação teatral e as leituras dos livros infantis se justificam na medida que se tornem ferramentas para a elaboração de uma compreensão e interpretação mais profunda do aluno em relação às leituras e à sua própria expressão, visto que exigem a desconstrução e a rearticulação desta leitura em forma de ações corporais, vocais e estratégias de representação.
2. Conteúdos e Objetivos –
• Teatro do oprimido, de Augusto Boal, e jogos teatrais, de Viola Spolin.
• Obra de literatura infantojuvenil: Ernesto Autora: Blandina Franco e ilustrações de José Carlos Lollo. Editora: Companhia
das Letrinhas. Ano: 2016.
• Obra literária: Cena de Rua (livro de imagens) Autora: Angela Lago. Editora: MEC/FAE. Ano: 1994.
3. Metodologia 6º C, D: 17/09 6º B: 25/09 Duração da atividade: 2 aulas.
• Roda de leitura e interpretação das narrativas.
• Exibição com exemplos de improvisação teatral.
• Apresentação de proposta para exercícios de improvisação teatral calcada na
história de Ernesto. (Os exercícios serão baseados nas propostas do Augusto
Boal e Viola Spolin)
• Proposta para a construção de bonecos: apresentação em 24/09
• Vídeo de algumas possibilidades para construção de bonecos.
6º C, D: 25/09 6º B: 08/ 10 Duração da atividade: 2 aulas.
125
• Apresentação de teatro de bonecos com base na história de Ernesto.
• Proposição de improvisações teatrais calcados nas técnicas do Teatro do
oprimido propostas por Augusto Boal.
• Registros das atividades realizadas no portfólio do aluno.
• Nesta aula, será solicitado aos alunos que tragam objetos de sua escolha para as
atividades do próximo encontro.
4. Avaliação Avaliação contínua, por meio de itens como participação oral, registros em atividades propostas, realização das leituras, autocorreção, trabalhos individuais e em grupos, inferências e feedback oportunizado pelo portfólio individual.
6. Outros recursos
• Vídeo com contação do livro infantojuvenil Ernesto: https://youtu.be/_neOa-Kuoss
• Vídeo com improvisos teatrais: https: //youtu.be/cUgcFO6CxA8
• Curta de animação sobre bullyng: https://youtu.be/KKShIZAYF4I
7. Referências BOAL, A. Jogos para atores e não-atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. FRANCO. B; LOLLO. J.C. Ernesto. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2016. LAGO, A. Cena de rua. Belo Horizonte: RHJ, 1994. PARANÁ, SEED. Diretrizes Curriculares de Arte para a Educação Básica - Curitiba, 2007. SPOLIN, V. Jogos Teatrais na sala de aula: um manual para o professor. Trad. Ingrid Dormien Koudela e Eduardo José de Almeida Amos. São Paulo: Perspectiva, 2012.
126
PLANO DE AULA 2
Descrição: Planejamento Pedagógico 2
Escola: Colégio Estadual
Cidade: Londrina – PR
Professor (a): Sirlene Felisberto Rodrigues
Turma: 6º B, C, D vespertino
Tema: PERCEPÇÃO FENOMENOLÓGICA DA OBRA DE ARTE
Data(s) e carga horária: 6º B: 15/10, 22/10, 29/10. 6º D, C: 8/10, 15/10 e 22/10. Duração: 4 aulas.
Observação/ Justificativa: As atividades propostas justificam-se na medida em que a compreensão das manifestações da Arte Contemporânea perpassa o entendimento de suas características hibridas e multissensoriais. Á vista disso, as obras da literatura infantojuvenil trabalhadas evocam elementos da natureza, sons, e imagens que remetem à reconstrução imaginativa de cenários, aromas, evidenciando os sentidos. As Diretrizes Curriculares Estaduais (PARANÁ, 2007), para a disciplina de Arte, apontam a necessidade de o professor desenvolver, com seus alunos, atividades relacionadas aos conteúdos básicos da teoria musical (como ritmo) e também os elementos formais da composição musical (altura, duração, timbre, intensidade) bem como uma introdução aos conceitos ligados à expressão musical.
2. Conteúdos e Objetivos Percepção fenomenológica da obra de arte
• Arte Contemporânea
• Obra de literatura infantojuvenil: O menino mais bonito do mundo Autor: Ziraldo. Editora: Melhoramentos. Ano: 1983.
• Lygya Clark (artista brasileira)
• Paisagem sonora
3. Metodologia 6º B: 15/10 6º D, C: 8/10 Duração: 2 aulas.
• Roda de leitura e interpretação de O menino mais bonito do mundo.
• Debate sobre os sentimentos e sensações nelas contidos.
• Debate sobre os sons que ali aparecem na obra
• Apresentação do conceito de paisagem sonora
• Exibição de áudios e vídeos sobre a paisagem sonora.
• Proposta de improvisações da paisagem sonora encontrada no texto narrado.
• Jogos teatrais: Máquina de ritmos (Augusto Boal)
• Materiais para a próxima aula: trazer objetos que são capazes de produzir
sons, objetos macios, ásperos, molengas, objetos duros e com aroma.
6º B: 22/10.
127
6º D, C: 15/10. Duração: 2 aulas.
• Leitura de imagem da obra de Lygia Clark: Bichos, algumas imagens do “Livro
Obra/ Livro Sensorial” (1964), proposta da artista, onde há a substituição da
estética puramente visual por outras sensações: táteis, aromáticas e sonoras. O
livro sensorial é um livro sem textos, composto por volumes, odores, texturas.
• Leitura do livro infantojuvenil: Lygia Clark: linhas vivas
• Debate sobre sensações.
• Dividir a sala em 4 grupos: cada grupo deverá criar coletivamente uma história
para ser contada por meio das sensações.
• Na hora da apresentação: serão sorteados dois grupos que interagirão enquanto
os outros dois ficarão como plateia até chegar a sua vez. Um grupo ficará
sentado com os olhos vendados, e o outro, recontará, à sua maneira, a história
“do menino mais bonito do mundo”, usando sons, cheiros, e sensações dos
objetos para causar impressões nos colegas.
6º B: 22/10. 6º D, C: 15/10. Duração: 2 aulas.
• Finalização das apresentações de narrativas sensoriais.
• Escrita e ilustração coletiva das histórias criadas.
4. Avaliação Avaliação contínua, por meio de itens como participação oral, registros em atividades propostas, realização das leituras, autocorreção, trabalhos individuais e em grupos, inferências e feedback oportunizado pelo portfólio individual.
6. Outros recursos
• Vídeos sobre paisagens sonoras (arquivo da professora).
• Objetos diversos.
7. Referências BOAL, A. Jogos para atores e não-atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. SANT’ANNA, R. PRATES, V. Lygia Clark: linhas vivas. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2008. ZIRALDO. O menino mais bonito do mundo. São Paulo: Melhoramentos, 1983.
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PLANO DE AULA 3
Descrição: Planejamento Pedagógico 3
Escola: Colégio Estadual
Cidade: Londrina – PR
Professor (a): Sirlene Felisberto Rodrigues
Turma: 6º B, C, D vespertino
Tema: HIBRIDISMO DE LINGUAGENS DA ARTE CONTEMPORÂNEA
Data(s) e carga horária: 6º C, D: 6 º B: Duração 4 aulas.
Observação/ Justificativa: Na atualidade, a sociedade se vê diante de problemas como o incremento do consumo, a globalização, a desintegração social e a demasiada concentração demográfica urbana, fatores que determinam o declínio da qualidade da vida nas cidades. As deficiências na interação crítica com os conteúdos midiáticos estão intimamente ligadas a esses problemas. Pelo seu próprio caráter abrangente, a compreensão da arte pode atuar como mediadora para o enfrentamento desse hiato entre os gêneros textuais e a leitura de mundo dos indivíduos. A apropriação crítica da chamada “cultura visual” por meio da arte e de projetos interdisciplinares ou interartes pode contribuir para a compreensão do ser humano e das transformações do mundo. Pode, inclusive, emancipar o homem para “ler” de maneira mais coerente e sensível o mundo que o cerca. (HERNÁNDEZ, 2000. p.115). Uma grande variedade de propostas da Arte Contemporânea tem se preocupado com as relações com o meio ambiente, buscando uma nova lógica que compreenda as relações humanas e ambientais de maneira mais crítica, sensível e autêntica, frente aos padrões sociais vigentes. (ARCHER, 2001, p. 61). Dessa forma, essa abordagens justificam-se na medida que apresentam ligações fundamentais tanto com a forma como se dão as comunicações na contemporaneidade, quanto com o estudo das manifestações da Arte Contemporânea.
2. Conteúdos e Objetivos
• Obra de literatura infantojuvenil: Sem fim. Autora: Marilda Castanha. Editora: Positivo Ano: 2016.
• Artistas Franz Krajcberg e Eduardo Srur.
• Arte Contemporânea.
3. Metodologia 6º C, D: 6º B: Duração : 2 aulas. 29/10 duração da atividade: 2 aulas.
• Roda de leitura do livro Sem fim, de Marilda Castanha.
• Leitura de imagens e contextualização do trabalho dos artistas Franz Krajcberg e
Eduardo Srur que abordam em suas obras a questão do meio ambiente em
perspectivas diferentes.
129
• Escrita criativa e ilustração com base nas leituras realizadas.
6º C, D: 6º B: Duração da atividade: 2 aulas.
5/11 duração: 2 aulas.
• Leitura em coletivo das produções textuais dos estudantes.
• Registro das atividades realizadas no portfólio do aluno, em forma de escrita
e desenhos.
4. Avaliação Avaliação contínua, por meio de itens como participação oral, registros em atividades propostas, realização das leituras, autocorreção, trabalhos individuais e em grupos, inferências e feedback oportunizado pelo portfólio individual.
6. Outros recursos
• Projetor de imagens
7. Referências CASTANHA, M. Sem fim. Curitiba: Positivo, 2016. HERNÁNDEZ, F. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Trad. Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
RODRIGUES, C. Frans Krajcberg: o intérprete da natureza. Rio de Janeiro: Maanaim, 2002.
SRUR, E. Manual de intervenção urbana. São Paulo: BEI, 2012.
130
PLANO DE AULA 4
Descrição: Planejamento Pedagógico 4
Escola: Colégio Estadual
Cidade: Londrina – PR
Professor (a): Sirlene Felisberto Rodrigues
Turma: 6º B, C, D vespertino
Tema: IMAGEM, PALAVRA, GESTOS: O QUE SÃO TEXTOS MULTIMODAIS?
Duração: 4 aulas. Turmas: 6º B, 6º D, 6º C:
Observação/ Justificativa: As atividades propostas nessa etapa justificam-se pois oferecem recursos para que o estudante possa compreender operações conceituais relacionadas à Arte Contemporânea. Tratarão do uso da apropriação de objetos do cotidiano e da significação e ressignificação da obra do artista das Vanguardas Históricas Marcel Duchamp, bem como o uso da Assemblagem na obra da artista portuguesa Isabel de Sá. Tais procedimentos são importantes para compreender as manifestações artísticas dos dias atuais e podem também ser transpostos em conexões conceituais para a ampliação da leitura de elementos-chave das comunicações contemporâneas e sua intertextualidade.
Logo, as ações pedagógicas aqui apresentadas visam levar à compreensão dos estudantes a ideia de arte como forma sensível e não imitativa da realidade reveladora de uma visão de mundo socialmente construída com suporte no olhar do artista. Propor a arte como práxis criadora e processo operativo de pensamento ajudará os estudantes a compreendê-la como um produto resultante do movimento dialético entre artista, objeto artístico e espectador. A interdisciplinaridade entre a leitura de obras dos artistas, que culminará na proposta da criação de fotopoemas, cumpre os requisitos postulados por Ana Mae Barbosa (1991) sobre o fazer artístico embasado em conhecimentos formais contextuais relacionados à imagem, à poesia e à história da arte, fomentando no estudante o desejo da autoexpressão alicerçada na apropriação dos conceitos das obras estudadas em sala de aula.
2. Conteúdos e Objetivos Obra de literatura infantojuvenil: Cada coisa Autor: Eucanaã Ferraz
3. Metodologia Duração: 2 aulas.
• Leitura de imagens, Marcel Duchamp e os ready-mades (obras de arte feitas com
utilização de objetos do cotidiano).
• Roda de leitura do livro Cada Coisa de Eucanaã Ferraz
• Dinâmica com os objetos trazidos pelos estudantes: O que é? Para que serve?
Em qual objeto ou pessoa a imaginação pode transformá-lo?
• Proposta de criação de poesias, fotopoemas e composições híbridas nos quais
os estudantes poderão utilizar recortes de revistas, desenhos, palavras e outras
colagens.
Duração: 2 aulas.
131
• Apreciação conjunta dos poemas construídos na aula anterior.
• Criação plástica em grupo, baseada nas leituras feitas nas aulas anteriores.
• Registro das atividades realizadas no portfólio do aluno em forma de escrita e
desenhos.
4. Avaliação Avaliação contínua, por meio de itens como participação oral, registros em atividades propostas, realização das leituras, autocorreção, trabalhos individuais e em grupos, inferências e feedback oportunizado pelo portfólio individual.
6. Outros recursos Projetor de imagens
7. Referências ARGAN, G. C. Arte Moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. Trad. Denise Bottmann e Frederico Carotti; prefácio de Rodrigo Naves. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. BARBOSA, A. M. T. B. A imagem no ensino da Arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 1991.
FERRAZ, E. Cada coisa. Ilustrações de Eucanaã Ferraz e Raul. Loureiro. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2016.
132
PLANO DE AULA 5
Descrição: Planejamento Pedagógico 5
Escola: Colégio Estadual
Cidade: Londrina – PR
Professora: Sirlene Felisberto Rodrigues
Turma: 6º B, C, D vespertino
Tema: CONHECENDO A LINGUAGEM DA PERFORMANCE: A AÇÃO COMO OBRA DE ARTE
Duração: 6 aulas.
Observação/ Justificativa: A linguagem da performance é uma das mais recorrentes nas manifestações artísticas da década de 1960 do século XX para a época atual. No entanto, por ser bastante subjetiva e abrir um espaço infindável de interpretações, ela pode assustar tanto docentes quanto discentes, sendo pouco estudada no ensino da arte feito na escola talvez por ser considerada algo complexo. A performance na Arte Contemporânea vem instaurar o conceito primordial da presença do artista, um privilégio da fisicalidade e do espetáculo. A atenção passa então do objeto criado para o próprio processo de criação, entre a arte e a vida, configurando-se numa leitura fenomenológica do evento e todos os elementos que o formam num todo. A performance, nessa etapa, é apresentada aos estudantes como forma de revelar ao aluno o campo da subjetividade. Tendo como base o estudo dessa linguagem, será proposta aos estudantes a vivência criativa, por meio da fabulação, que é, em paráfrase ao que disse Antônio Candido, fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirmando o indivíduo em sua humanidade. (CANDIDO, 2004, p. 175). As propostas desenvolvidas não visam a que o aluno se transforme em um artista performático, mas que possa, de alguma forma, expressar-se de modo individual, compreendendo as possibilidades da arte para revelar a subjetividade. A transposição da ação performática para a fabulação será, nesse contexto, uma aproximação intertextual das duas, desvelando para os alunos novas possibilidades criativas.
2. Conteúdos e Objetivos
• Performance como linguagem da personalidade
• Arte como expressão pessoal da personalidade
• Leitura do livro Isso eu posso fazer, de Satoe Tone
• Leitura de imagens de registros da performance Removing Pain, da artista Beth Moysés.
• A criação de fábulas como manifestação da autoexpressão do indivíduo por meio da arte.
3. Metodologia ENCONTRO 1 Duração: duas aulas.
• Roda de leitura e interpretação da obra Isso eu posso fazer.
• Construção de possíveis interpretações para o livro de Satoe Tone.
• Leitura de imagens da performance Removing Pain, da artista Beth Moysés.
• Discussão sobre a importância da amizade e da empatia e estar disponível para
o outro por meio da leitura do texto e da leitura de imagens.
• Exibição de vídeos sobre performance e contextualização sobre o que é a
133
performance e a artista Beth Moysés.
• Proposta da criação de uma ação cênica pessoal de duração de um minuto.
• Breve apresentação das ações propostas pelos alunos.
ENCONTRO 2 Duração: duas aulas.
• Proposta da construção coletiva de uma maquete de histórias, uma fabulação
coletiva calcada na construção de uma composição tridimensional onde os
estudantes reflitam sobre as suas impressões do livro Isso eu Posso Fazer e
também sobre os efeitos pessoais das leituras realizadas durante o projeto.
• Com base nas leituras, nessa construção tridimensional, os estudante deverão
relembrar, dentre as leituras desenvolvidas ao longo do projeto, imagens, ideias,
histórias, sejam das suas criações ou dos colegas que os tenha marcado a ponto
de fazer parte da sua “coleção” pessoal de repertório de leitura e compreensão
de mundo. (ROJO, 2002)
ENCONTRO 3 Duração: duas aulas.
• Nova leitura coletiva do livro Isso eu posso fazer, de Satoe Tone.
• Construção tridimensional na qual os alunos deveriam representar as suas
impressões das 5 etapas de leituras realizadas no projeto.
• Roda de conversa e contação de histórias com os estudantes a respeito das
atividades desenvolvidas sobre leitura interartes.
4. Avaliação Avaliação contínua, por meio de itens como participação oral, registros em atividades propostas, realização das leituras, autocorreção, trabalhos individuais e em grupos, inferências e feedback oportunizado pelo portfólio individual.
6. Outros recursos Materiais para recorte e colagem, caixas de papel pequenas, cola, tesoura, lápis de cor, materiais para colorir, revistas para recorte. Projetor de imagens.
7. Referências ROJO, R. H. R. A concepção de leitor e produtor de textos nos PCNs: “Ler é melhor do que estudar”. In: FREITAS, M. T. A; COSTA, A.S.R. (Orgs.) Leitura e escrita na formação de professores, São Paulo: Musa/UJ.F/INEPCOMPED, ano 2002, p. 31-52.
CANTON, K. Novíssima arte brasileira, um guia de tendências. São Paulo: Iluminuras/ MAC-USP: Fapesp, 2001.
TONE, S. Isso eu posso fazer. Trad. Adilson Miguel. São Paulo: Edições SM, 2005
134
Apêndice B – Imagens: Expressão teatral, vivências para a sala de aula.
Figura 1: Ilustração da recriação do final de Ernesto
Fonte: Arquivo da autora
Figura 2: Ilustração da recriação do final de Ernesto
Fonte: Arquivo da autora
135
Figura 3: Ilustração da recriação do final de Ernesto
Fonte: Arquivo da autora
Figura 5: Jogos teatrais
Fonte: Arquivo da autora
136
Figura 5. Leitura do livro Ernesto
Fonte: Arquivo da autora
Figura 6: Jogos teatrais com “espelho” de movimentos
Fonte: Arquivo da autora
137
Figura 7: Jogos teatrais, hipnotismo colombiano
Fonte: Arquivo da autora
Figura 8: Apresentação de teatro de bonecos
Fonte: Arquivo da autora
138
Figura 9: Apresentação de teatro de bonecos
Fonte: Arquivo da autora
Figura 10: Jogos teatrais, hipnotismo colombiano
Fonte: Arquivo da autora
139
Apêndice C –
Imagens: Percepção fenomenológica da obra de arte
Figura 1: Criação de histórias com paisagens sonoras
Fonte: Arquivo da autora
Figura 2: Vivência sensorial rede de elásticos, Lygia Clark
Fonte: Arquivo da autora
140
Figura 3: Vivência sensorial rede de elásticos, Lygia Clark
Fonte: Arquivo da autora
Figura 4: Vivência sensorial rede de elásticos, Lygia Clark
Fonte: Arquivo da autora
141
Figura 5. Construção de esculturas de papel, Lygia Clark
Fonte: Arquivo da autora
Figura 6: Construção de esculturas de papel, Lygia Clark
Fonte: Arquivo da autora
142
Figura 7: Construção de esculturas de papel, Lygia Clark
Fonte: Arquivo da autora
Figura 8: Criação de histórias com paisagens sonoras
Fonte: Arquivo da autora
143
Figura 9: Criação de histórias com paisagens sonoras
Fonte: Arquivo da autora
Figura 10: Criação de histórias com paisagens sonoras
Fonte: Arquivo da autora
144
Apêndice D –
Imagens: Hibridismo de linguagens na Arte Contemporânea
Figura 1: Leitura de imagem da performance Supermercado, de Eduardo Srur
Fonte: Arquivo da autora
Figura 2: Leitura de imagens de trabalhos do artista Eduardo Srur
Fonte: Arquivo da autora
145
Figura 3: Ilustração da versão pessoal do livro Sem Fim
Fonte: Arquivo da autora
Figura 4: Produção de texto, Sem Fim
Fonte: Arquivo da autora
146
Figura 5; Produção de texto, Sem Fim
Fonte: Arquivo da autora
Figura 6: Produção de texto, Sem Fim
Fonte: Arquivo da autora
147
Figura 7: Produção de texto, Sem Fim
Fonte: Arquivo da autora
Figura 8: Produção de texto, Sem Fim
Fonte: Arquivo da autora
148
Figura 9: Produção de texto, Sem Fim
Fonte: Arquivo da autora
Figura 10: Produção de texto, Sem Fim
Fonte: Arquivo da autora
149
Apêndice E – Imagens: Imagens, palavras, gestos: o que são textos multimodais?
Figura 1: Criação de poesias para objetos do cotidiano, Cada Coisa
Fonte: Arquivo da autora
Figura 2: Criação de poesias para objetos do cotidiano, Cada Coisa
Fonte: Arquivo da autora
150
Figura 3: Leitura do livro Cada Coisa
Fonte: Arquivo da autora
Figura 4: Colagem e desenho, leitura de Cada Coisa
Fonte: Arquivo da autora
151
Figura 5. Leitura do livro Cada Coisa
Fonte: Arquivo da autora
Figura 6: Leitura do livro Cada Coisa
Fonte: Arquivo da autora
152
Figura 7: Criação de poesias para objetos do cotidiano, Cada Coisa
Fonte: Arquivo da autora
Figura 8: Criação de poesias para objetos do cotidiano, Cada Coisa
Fonte: Arquivo da autora
153
Figura 9: Colagem e desenho, leitura de Cada Coisa
Figura 10: Assemblage leitura de imagens de Isabel de Sá e do livro Cada Coisa
Fonte: Arquivo da autora
154
Apêndice F –
Imagens: Conhecendo a linguagem da performance
Figura 1: Ação cênica sobre leitura de registros de performance em vídeo
Fonte: Arquivo da autora
Figura 2: Ação cênica com base na leitura de registros de performance em vídeo
Fonte: Arquivo da autora
155
Figura 3: Ação cênica com base em leitura de registros de performance em vídeo
Fonte: Arquivo da autora
Figura 4: Roda de contação e criação de história coletiva
Fonte: Arquivo da autora
156
Figura 5. Processo de criação da Cidade dos Afetos
Fonte: Arquivo da autora
Figura 6: Processo de criação da Cidade dos Afetos
Fonte: Arquivo da autora
157
Figura 7: Processo de criação da Cidade dos Afetos
Fonte: Arquivo da autora
Figura 8: processo de criação da Cidade dos Afetos
Fonte: Arquivo da autora
158
Figura 9: Processo de criação da Cidade dos Afetos
Fonte: Arquivo da autora
Figura 10: Processo de criação da Cidade dos Afetos
Fonte: Arquivo da autora