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Weber, Max - Metodologia Das Ciencias Sociais Vol. II

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METODOLOGIA DASCIENCIAS SOCIAlS

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Max Weber

METODOLOGIA DASCIENCIAS SOCIAlS

Traducdo deAugustin Wernet

Iruroducdo aedifiio brasileira deMauricio Tragtenberg

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L

sUMARro

rrefido do editor alemiio, IX - XIntrodU<;:ao a edi<;iio brasileira, XII - L

Parte II. Roscher e Knies e os Problemas I.Ogicos de Economia

Politica Hlst6rica: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 1 - 106Nota preliminar, 1I. 0 "Metodo Hist6rico" de Roscher, 2

A classificacao das cieneias de Roscher, 2Roscher e 0 seu conceito de desenvolvimento e a in'adonalidadecia realiclade, 16A psicologia de Roscher e a sua rela.,;;o para com a teoriaclassica, 22Os limites do conhecimento discwsivo e a causalidade melafisicados organismos em Roscher, 24Roscher e 0 problema das normas praticas e dos Ideais, 'l:7

II. Knies e 0 Problema da Irradonalidade, 311. A irradonalidade do agir. Caraeterfsticas da obra de Knies, 31

"Liberdade de arbitrio" e "condicionamentos naturais" na ohra deKnies em comparacao com teorlas modemas, 33A teoria de Wundt cia "sintese criativa", 38A iITacionaliclade do agir concreto e a iITacionalidade do devernatural concreto, 46A "categoria" cia "interpretacao", 49ReflexOes eplstemo16g1cas sabre esta "categoria": 1) As ciencias de"tendencia subjetiva" confonre MUnsteIberg, 51 - 2) Slmmel e osconceitos de "compreender" e "lnterpretar", 68 - 3) A teoria deciencia de Gottl, 69.

III. Knies e 0 Problema da Irradonalidade (oont.), 784) A "compreensao empatica" em Lipps e a contemplacao

em Croce, 78

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,!

"Evidencia" e "Validade", 8S

• "Sensibilidade heuristica" e representacao "sugestiva" dohistoriador, 88

• A interpretac;ao "racional", 94

• A dupla mudanca da categoria de causalidade e a relacao entre irra­cionaIidade e Indererminlsrro, 100

• 0 conceito de individuo em Knies. Emanatismo antropologlco, 101

(Anuario de Schmoller; Ano 27, 29 e 30, 1S(l3-1906,)

n. A "Objetividade" do Conhecimento OIl Cien-cia Social e naClencia. Po1itica . , , , 107 - 154

• Notas introdut6rias, 107

1. 0 sentido cia ct1tica dennflca de ideias e de juizosde valor, 100

• Separacao fundamental entre conhecimento empfrico e juI.zo de valor, 113

n. 0 significado constitutivo dos interesses eptsternologicos dasciencias culturais, 118

• A relacao entre consideracoes te6rtcas e historicas nas cienciasculturais, 135

• A estrutura logica da formacao de conceitos tipieos-ideais, 139

- 0 sentido da "objetividade" do conhecimento empfrtco social. A mu­danca das ideias culturais de valor e dos interesses nas ciencias cul­turais, 153

(Arquivo para Ciencia Social e Politica Social. Torno 19, 1904.)

DL Estudos C.riticos sohre a L6gi.ca das Cle.n.ciM daCultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 - 210

I. A Polemica com Eduard Meyer• Notas introdut6rias, 1SS

• Os conceitos de acaso, 158

• "Liberdade" e "Necessldade", 160

• 0 objeto da historia, 169

II. Possibilidade Objetiva e Causacao Adequada na ConsideracaoCausal da Hist6ria

• A formacao hist6rica da realidade, 193

• A teoria da "possibilidade objetiva", 195

• A modalidade da "validade" de "jufzos de possibilidadeobjetiva", 204

• A categoria da "causacao adequada" , 207

• "Causacao adequada" e causacao ocasional como abstracoes dopensamento, 208

(Arquivo para Ciencia Social e Politica Social. Torno 22, 1505.)

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Parte II

~ st:amm1er e a Su~ daCon~Materialistacia HistOrla . . . . . . . . . . , . . . , . . . . . . . . . .. 211 - 261

1. Notas prelirninares, 2112. A exposicao de Stammler sobre 0 Materialismo Hist6rico, 213

3. A "epistemJlogia" de Stammler, 217

4. A analise do conceito de "regra", 233• A "regra" como "regularidade" e corro "norma": 0 conceito de

"rrroctma", 234• Regra do jogo, 248

• Regra juridica, 249• Conceitos juridicos e conceitos empiricos, 250

(Arquivo para Ciencia Social e Politica Social. Torno 24, 19J7.)

v. Suplemento ao Artigo: Rudolf Stammler e a "Su~"cia Concep;.io Materialista cia HistOria . . . . . . , , . . 263 - 279• Stammler e os conceitos de "causalidade" e ''telos"j

stammler e 0 conceito de "vida social", 269(Escrito postumo.)

VI. A teoria sabre 0 Limite do Aproveita1nento e a "Lei funda-mental psico&ica" 281 - 291

(Arquivo para Ciencia Social e Politica Social. Torno 27, 1SQ8.)

VII. Teorias Culturais "EnergeticM.. . 293 - 311(Arquivo para Ciencia Social e Polftica Social. Torno 29, 1509,)

vm. Sobre A1guttJas Categorias da Sociologia~iva313 - 3481. 0 sentido de uma sociologia 'compreensiva", 313 - 2. A sua rela-yio com a "psicologia", 317 - 3. A sua relacao com a dogrratica,322 - 4. A "ac;ao comunltarta", 323 - 5. "Soclaltzaeao" e "ac;ao socie­taria", 325 - 6. 0 "consenso", 332 - 7. "Institute" e "Associacao", 341

(logos. Torno 4, 1913.)

IX. Os Tres Tipos Puros de Dotnina~ I.egitlma 349 - 359• Legitirnacao cia dominacao: fundamentacao da legitimidade, 349

1. Dominacao legal, 349 - II. Dominacao Traditional, 351 - Ill. Do­minacao carisrnatica, 354

(Escrito posrurno, Anuarios cia Prussia, Torno 187, 1922.)

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x. 0 Sentido da "Neut1'alidadc Axiol6gica" nas CienciMSoclais c Econ~ . . . . . . . . , . . . . . . , . . . . 361 - 398I. Avaliac;Oes pratlcas no enslno academico, 362 Pormacao profissionale ava1ia~o feita pela cltedra, 363II. Separacao fundamental entre 0 conhecimento de natureza purarnen­te 16gica ou empirica e a avalia¢o valorativa: problematicas heteroge­neas: 0 conceito de "ju1zo" de "valor", 369• Ctitica referente a separacao entre "meios" e 'fins", 370 Esferas here­

ron6micas de validade des imperatives praticos e de constatacoesfactuais de carater empirico, 370 Normas eticas e ideals culturais.Os "limites" cia enca, 372 Tensoes entre a etica e outras esferas devalores, 373 A luta entre "eticas", Verdade de experiencia, teoria devalor e decisao pessoal, 374 Dlscussao de valores e interpretacaode valores, 376 Tendencias de evolw;aa e a "adaptacao", 378 0 con­ceito de "progresso", 382 Progresso racional, 387 0 lugar do norma­tivo das disciplinas empiricas, 392 Tarefas cia teoria cientffica cia eco­nomia, 395 0 papel do Estado, 397

(Logos. Torno 7, 1918.)

XI. Conceitos Socio16gicos Fundament;ai4; 399 - 429Nota introdut6ria, 399S 1. 0 conceito da sociolagia e do "sentido" cia ac;ao social, 400

I. Fundamentos metodo16gicos, 400 II. 0 conceito de ayio social, 415S 2. Razoes que defmem a a~o social, 417 § 3. A rela~o social, 419S 4. Tlpos cia aVio social: Costume e Habito, 421 § 5. 0 conceito ciaordem legitima, 423 S6. Tipos cia ordem legitima: Convenyio e Direi­to, 425 S7. ]ustificayia cia ardem legitima: Tradic;ao, Crenca e Estatu­to, 428

(Fundamentos cia Econornia SoclaI. Parte III, cap. I, §§ 1-7, 1921.)

XU. A Ciencla comoV~(palestra, 1919.)

'~__-

431 - 453

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von

herausgegeben von

MAX WEBER

ZUR

PARTE ....

JOHANNES WINCKELMANN

Vierte, erneut durchgesehene Auflage,

GESA1\1MELTE AUFSATZE

WISSENSCHAFTSLEHRE

1973

J. C.B.MOHR <PAUL SIEBECK) TQBINGEN

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STAMMLER E A "SUPERA<;AO" DACONCEP<;AO MATERIALISTA DE I-llST6RIAl

(1907)

CONfEODo:1. Notas preliminares 2. A exposi<;iio de Stammler sabre 0 materialismo hist6rioo,

3. A "epistemologia" de Stammler 4. A analise do concerto de "regra", - A "regra" como-regclaridade" e como "norma": 0 conceito da maxima - Regras de jogo - Regra ju­ridica, - Conceitos juridicose emplricos.

I.

E urn empreendimento melindroso 0 de negar a justiflcacao dentffica deexistenda i "segunda edi~o revista" de urn livro que, incliscutivelmente, exer­ceu grande influencia sobre a analise de quest6es fundamentais da ciencia sa­dal, mesmo que esta edi~o tarnbem tenha exercido luna grande intluencia. Seassim 0 fazernos, acirna de tudo de maneira brutal, faz-se necessario algumasreservas e apresentar uma justificacao, De anternao, temos de reeonhecer que,na obra de Stammler, esta presente, em grau multo elevado, nao apenas a in­formacao, 0 espirito critico e uma tendencia idealista de conhecimento, mastarnbem de "espfrlto". Porem 0 monstruoso deste livro consiste, exatamente, nadesaprovacao que hi entre os resultados conseguidos e que podem Set apro­veitados, e a imensa ostentacao urn tanto superflua dos meios, parece que deu­se algo semelhante com 0 proceclimento de urn fabricante que utilizou e p6sem movimento todos os recursos e todas as conquistas da tecnologia moderna,um imenso capital e urn grande nurnero de forcas de trabalho, para, numa fa­brica das mais patentes e modernas, produzir apenas "0 ar da atmosfera" (em

1 Rudolf Stammler; Wimchajl und Recht nach der materialistischen Gesdlidltsauffassung. Einesozialphflosophische UnJersuchung. (Eronomia e Diretto oonformea ccecepcao rnateriallsta cia His­t6ria - Vma investigaQlo sccio-filosoftca). Segunda ediQlo conigida, Veit & Co. Leipzig, 1906, 702p;\ginas.

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estado gasoso, e nao liquido"). Reafirmo que 0 livro indiscutivelmente conternalguns elementos de grande valor, os quais devem satisfazer a todos, e, emlugar apropriado, deveriam set salientados e, na medida do possfvel, elucidados,Mas, mesmo se se considerar 0 seu elevado valor, com relacao as desmedidaspretens6es do autor, infelizmente, passa a ser de climinuta importancia, a seulugar teria sido melhor, par urn lado, numa pesquisa espedalizada, par exem­plo, sabre as relacoes entre a formacao de conceitos juriclicos e econ6micos,00, par outro lado, numa Investigacao espedalizada sabre os pressupostos for­mais de ideals socials, temas, portanto, que, teriam side, sem duvida, continua­damente de utilidade e de interesse, como este livro escrito em estilo exaltadoe patetico, Seus resultados desaparecem "na mata espessa" de inverdades, derneias-verdades mal formuladas, e por tras das forrnulacoes pouco clams seescondem inverdades que estito cheias de conclus6es malfeitas e safismas quetransformam a discussao de livre, ja par causa de resultado essencialmente ne­gativo, num assunto desagradavel, enfadonho e prolixo, Mas mesmo assim, eindispensavel a analise de um nurnero relativamente grande de formulacoes, sequisermos ter uma impressao melhor de pouco 00 do nenhum valor destas for­mulacoes que Starnrnler apresenta com a certeza mais desconcertante, Sem du­vida e verdade: peccatur intra mums et extra. Sem excecao, e possfvel encon­trar itens nos trabalhos de todos os escritores nos quais 0 respectivo problemanao foi pensado ate as ultimas consequencias, e as formulacoes sao malfeitas,pouco clams 00 cliretamente falsas. E isto acontece sobretudo no caso de nao­especialistas em 16gica, que se veem na obrigacao de apresentar discuss6es 16­gicas em nome do interesse objetivo de nossas clisdplinas espedalizadas. E ine­vitavel que, nestes cases, sobretudo com referenda a pontos tais que, para 0nosso problema concreto, nilo eram essendais 00 menos essenciais, nestes ca­sos, portanto, e inevitavel que a seguranca no manejo do aparelho conceitualda 16gica espedalizada logo climinua, com 0 qual nilo estamos acosturnadospelo uso cotidiano que unicarnente poderia garantir aquela seguranca. Assim,em primeiro lugar, 5tanunIer pretende falar como "epistem6Iogo", e, em segun­do, trata - como veremcs - das partes de sua argumentacao que, na suapr6pria opiniao, seriam as prindpais. Nao podernos esquecer que enconrrama­nos em face da segunda edicao, com referenda il qual podemos, com todo 0

clireito, fazer outras exigencias que nao somente as referentes il primeira, Starn­mler permitiu a si mesmo nos oferecer uma edicao em tal estado, que e exa­tamente a tal feito que se dirige sobretudo a minha critica. A minha rejei910absoluta desta segunda OOi91o nilo se dirige, em primeiro lugar, il sua existenciacomo livro, mas il existencia de uma segunda OOi91o em tais condicoes, Nurn"primeiro lancamento", como e 0 caso da primeira OOi91o, lembrarno-nos debom grado da sentenca de que e sempre mais fadl criticar urn produto do queproduzir algo. Mas, numa segunda edicao corrigida, sendo que a primeira foipublicada ha quase dez anos, exigimos do autor urna autocritica, e achamosinaceitavel que, tratanda-se de cliscuss6es l6gicas, os trabalhos de espedalistasem 16gica simplesmente nem sequer silo mencionados. E, por fim, Stamrnlercliz que seria urn representante de "idealismo critico" e espera que set reco-

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nhecido como verdadeiro discipulo de Kant, seja no que diz respeito a etica,seja com relacao a dimensao epistemol6giea. Nao sera possivel, dentro das dis­cuss5es que se seguern, fazer ainda mais amplamente consideracoes sobre osseries mal-entendidos da teoria de Kant, a qual e evocada por Stammler a seufavor. Mas, em todo 0 caso, exatamente os seguidores de "idealismo enrico"tern toda a razao de afastar de si os resultados desta obra. Pois a especificidadedesta obra e, realrnente, apropriada demais para sustentar aquela conviccao na­turalista, au seja, a afirrnacao de que a crftica dos epistemologos, no dogmatis­mo naturalista, sernpre e sornente tenha a opcao entre dois rnodos de demons­trac;ao: "au uma conclusao falsa de grosse calibre, ou uma finfsslma captacao".

2.

A obra de StammlerZ pretende, como repetidas vezes lemos, "superar" den­tificamente a "concepcao materialista da historia''. Por causa disso, ternos so-bretudo e, em prirneiro lugar, de perguntar como Stammler reproduz e apre-- I

senta esta concepcao de hist6ria e, em segundo, perceber depois em que mo-mento comeca 0 seu distanciamento em relacao a esta, Para perceber arnbasas coisas com bastante plasticidade, vale a pena fazer alguns rodeios.

Suponharnos que surgisse urn autor no nC\5SO tempo, em que hi urn inte­resse cada vez mais forte no alcance dos elementos religiosos para a hist6riacultural, que afirmasse: A Hist6ria nada mais e do que 0 processo de lutas etomadas de posicao religiosas da humanidade. Em Ultima analise, sao os inte­resses religiosos e os posicionamentos em face do fenorneno religiose que con­dicionarn "de maneira absoluta" todos os fenornenos da vida cultural, inclusiveas fenornenos polfticos e economicos, Todos os acontecimentos e processos,nestes serores, tarnbem sao, em ultima analise, reflexos de determinados posi­cionamentos da humanidade com referenda aos problemas religiosos. Eles sao,portanto, em ultima instancia, apenas manifestacoes de forcas e ideias religiosase, portanto, de maneira geral, sao expllcados apenas dentificamente, no rno­mento em que sao explicados causal mente a partir destas ideias. Um tal regressocausal, ao mesmo tempo, e a unica maneira possivel de se apreender todo de­senvolvimento "social" conforme leis bern estabelecidas dentificamente e osconceber como uma unidade (final da pagina 66 e inicio da pagina 67), ciamesrna maneira como 0 fazem as ciencias naturais referente a evolucao "natu­ral". Se urn representante do "empirismo" objetasse que, indubitavelmente, inu­meros fenomenos concretos da vida polftica e economica, rnanifestamente, naorecebem nenhuma influencia por motivacoes religiosas, 0 nC\5SO "espiritualista"- continuamos a supor - darla a seguinte resposta: Sem duvida, nao hi paraeada acontecimento singular uma unica causa, e encontrarnos, indiscutivelmen-

2 A attica cpe e apresentada neste ensaio, e, para manter uma certa coerencia, de tal modocomo se tivessem sido apresentadas, pela primeira vez, as suas conslderacoes e reflexoes mais 00­sicas. Obviamente, isto rno e COITeIo referente a alguns dos porxos levantados, apesar de q.Ie 0

"entendido no assunto 0 sabe", De vez em cpando referimo-nos tarnbem as criticas feitas anterior­mente por outros intelectuais.

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te, portanto, na cadeia causal, rnuitos elementos e rnotivacoes que carecem to­talmente de uma dimensao rellgiosa. Mas, e sabido que podernos levar 0 re­gresso causal ad irifinitum e, fazendo isto (p. 67, linha 11) sempre, certarnente,em algum lugar, encontraremos uma influencia "decisiva" de motives religiQ'iossobre a vida humana. Portanto, de acordo com Stammler, todas as outras rno­difica~5es que havia, de uma ou de outra maneira, tiverarn uma influencia "de­dsiva" sobre 0 comportamento humano. Portanto, todas as outras modftcacoesde conteudos de vida tern, em Ultima instancia, a sua origem no pcsicionarnentoem face do fenomeno religiose (p. 31, linha 215) e nao tern uma existencia reale aut6noma (p. 39, linha onze, de baixo para cima), ja que sao apenas cs seusreflexos. Pois, cada rnodificacao das condicoes rellgiosas tern como consequen­cia uma correspondente modiflcacao da conduta de vida (p. 24, linha 25) emtodos os setores imaginaveis, Pois, indiscutivelmente, as ultimas forcas impul­soras verdadeiras e reais da vida social, bern como - de maneira conscienteau inconsciente - de cada existencia humana particular, e conhecendo total­mente a cadeia causal na sua "conexao uniforme", sempre, por fim, se chegaraa alcanci-las (p. 67, linha 20). Mas, poderfamos perguntar, como poderia serdiferente? As formas externas polfticas e econ6micas da vida nao existem, ob­viamente, como mundos fechados e isolados de maneira autonorna na sua pro­pria serie causal (p. 215, linha 6 de baixo para cirna), mas poderiam ser consi­derados apenas como sendo "incornpletas" e elaboradas atraves da abstractodo todo da unidade de vida (p. 68, linha 11).

o "born senso'' de nosso representante de "empirisrno" talvez Fosse incli­nado a fazer, no que diz respeito a isso, a seguinte obje9io: a de nao ser pa;­sivel, a priori, fazer uma afirrnacao generica sobre a maneira e a medida docondidonamento de "fenornenos sociais" de especies diferentes. Talvez fossepossivel, pela cornparacao de casos identicos au (aparentemente) semelhantes,elaborar, superando a mera apreensao da medida de condidonamento religiosede fenornenos sociais singulares, regras gerais - mas que esteja bern claro,certarnente nao de regras sobre 0 significado causal do "fenomeno religioso"como tal para a "vida social" - isto seria certamente uma problematica vagae dernais deslocada -, mas com referenda a relacao causal de deterrninadose bern caracterizados tipos de elementos culturais e religiosos em relacao a ou­tros tipos de elementos culturais e religiosos igualmente bern definidos e ca­raeterizados dentro de determinadas constelacoes hist6rico-culturais. E 0 nQSSorepresentante "espiritualista", talvez, ainda pudesse acrescentar: os respectivospontes de vista a partir do quais sao rubricados os fenornenos culturais, ouseja, 0 ponto de vista politico, 0 ponto de vista religiose, a ponte de vista eco­nomico etc. seriarn, de maneira consciente, rnaneiras unilaterais de consideraras coisas que apenas em funcao da "economia" do trabalho cientffico sao feitasem todas as ocasioes, nas quais, par motives praticos, forern consideradas comodeseiaveis, A "totalidade" do desenvolvimento cultural, no senti do dentifico dotermo, au seja, aquilo que nele se apresenta para nos como "digno de ser co­nhecido", 56 poderia ser conhecido dentificamente atraves de uma integracao,atraves do progresso que vai da "unilateralidade" para a "unilateralidade" da"concepcao'', mas de maneira nenhuma pela tentativa sem perspectivas de que­rer representar forrnacoes hist6ricas que seriarn determinadas e qualificadas, ex-

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clusivamente por particulates e artificialrnente singularizados cornponentes, 0regressc causal, neste procedimento, nao teria e nao levaria a resultado ne­nhurn se voltasse para os tempos mais remotes da pre-histona, sempre seriao destacar dos componentes "religiosos" dentro da totalidade dos fenomenos,e a intenupc;.ao do regresso causal, teriarn, exatamente neles, a mesma "unila­teralidade" como naquele estagio hist6rico, a partir do qual se iniciou 0 regressocausal. A limita<;ao da constatacao do significado causal de elementos "religio­sos" poderia ter, em casas singulares, em termos de heuristica urn valor muitosignificativo; mas, no que diz respeito a isso, unicamente sera deddido pelo"sucessa" au pelos "resultados". Mas a tese do condidonamento da totalidadedos fen6menos culturais, "em Ultima instancia", seria unicamente por rnotivosreligiosos uma hip6tese, ja em si insustentavel, e sobretudo nao-condliavel comdeterminadas "fatos" comprovados.

Com estes argumentos, ate 0 nosso "born senso comum" se sairia mal comeste nosso "representante espiritualista da hist6ria", Oueamos 0 que este respon­deria: "a duvida de se 0 elemento religioso, causalmente decisivo, poderia serreconhecido em todos as casas, de se isto seria irnportante, deveria questionarcomo tal a finalidade de urn conhecimento "legal" (p. 66, linha 11). Mas todae qualquer consideracao dentffica particular se enquadra nos parametros defundamento da lei causal, e deve, portanto, supor como condicao fundamental,a existencia de uma conexao global de todos as fen6menos particulares: se essenao for 0 caso, a aflrmacao de urn conhecimento baseado em "leis" nem teriasentido (p. 67, linha 5 de baixo e pagina 68 em dma). 0 postulado da reducaoexplicativa de todos as fen6menas sodais a rnotivacoes religiosas, nem de longepretende afirmar que 0 regresso a estas motivacoes - sao obtidas, efetivamente,sempre au na maiaria das vezes au como tal (p, 69, linha 8 de baixo paracima). Pois, este procedimento nao apenas pretende ser uma mera aflrmacaode fatos, mas urn metoda (p. 68, linha 6 de baixo para dma), e a repreensaode que tudo isso apenas significaria uma generalizacao que foi levada longedemais com referenda a particulares acontedrnentos s6cio-hist6ricos, par causadisto, ja esta errada na sua dirnensao "conceitual". Pois aquele postulado naofoi 0 resultado de uma generalizacao deste tipo, mas a priori a partir da per­gunta: "com que direito se deve fazer generahzaeoes como esta?" (p, (J), linha3). A generalizacao como metoda para se obter urn conhecimento causal pres­supoe a existencia de urn Ultimoponto de vista unitario, que deveria ter a tarefade apresentar a Ultima unidade fundamental da vida social, pois, sem isto, todoconhecimento causal perder-se-ia no infinito, Aquele postulado, portanto, e urnmetodo sistematico para 0 fato de que maneira de validade universal, os pro­cessos concretos da vida social como tais possarn ser apreendidos dentiflca­mente (p. 69, linha 12 e segs.), e, portanto, apresenta-se como urn princfpioformal - fundamental (p. 69, linha 24) da pesquisa social. Mas urn metodonao pode ser "rejeitado" e questionado a partir de fatos historicos, pois, paraa questao da validade essendal de tais principia; formals nao interessa nemurn pouco se a sua aplicacao, nurn caso concreto, e confirmada, pais, rnuitasvezes, tambern principles indubitavelmente de validade universal nao satisfazemao interesse cognoscitivo do ser humane (p. 69, linha 10 de baixo para dma).Aquele princfpio fundamental nao depende de nenhurn conteudo dos aconte-

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cimentos sociais, mesmo no caso em que nenhum fato particular e realmenteexplicado par este: isto se explica pela dificuldade particular que - 0 que naoprecisarnos detalhar aqui - (p. 70 no inicio) - a investtgacao da vida socialdos homens apresenta, quando e feita de acordo com 0 modo causal de ex­pltcacao 0 que, diferentemente, nao e 0 caso da "expllcacao causal" dos feno­rnenos naturals, Mas, se, dtferentemente, 0 pnnciplo formal de todo conhed­rnento causal pode ser aplicado tarnbem it vida social, deveria ser suficientepara aquele postUlado, e isto nao significa apenas a possibilidade de uma re­duc;ao de toda legalidade social a uma "regularidade fundamental": a depen­dencia do religioso. Portanto, 00:0 e possivel refutar, com base em fates, a afir­macae de que, em Ultima instancia "as forcas impuIsoras religiosas" condicio­nam a vida social, e que somente seria posstvei representar "de maneira den­tifica" esta reducao de todos a; fenornenos a esta condicao de acordo com "leisrnecanicas", E e!a, tampouco, tern a sua origem numa mera generalizacao a par­tir de fates ernpfricos (final da p. 68 e infcio da p. (9). Esta afirrnacao e urnaconsequencia da natureza do nosso pensarnento, na medida em que este ternpar finalidade 0 estabelecimento de leis que deve ser feito par cada procedi­rnento cientffico que se baseia no prindpio da causalidade. Quem, portanto,deseja levantar objer;6es a esta aftrmacao, poe em discussao 0 proprio fim cog­nosdtivo. Neste caso, a pessoa deve dirigir-se a teoria do conhecimento e fazera seguinte pergunta: 0 que e, e 0 que significa conhecimento de "leis" da vidasocial? (p. 69, linba 22). Somente quando se questiona 0 proprio conceito de"conhecimento de leis" podem ser feitas objec;5es ao mendonado metodo deurn regresso causal de todos os fen6menas sociais a urn ponte de vista unicoe unitario, e, somente desta maneira, pode ser questionada a justificacao daaftrma9io de que, em Ultima instanda, todos os fenornenos podem ser expli­cados a partir de modvos rellgiosos. "Mas ate agora" - 0 nOiSO espiritua!istaem Hist6ria muito provave!mente ainda rulO conhece os trabalhos de Stammler- "ainda ninguem procurou fazer lsso", Tudo isso nao passa de uma discussaova score alguns fates singulares que rulO clizem nada sabre 0 principio em si(p. 63, linha 2 de baixo para cima),

o que dina 0 born senso do nosso "empfnco" sabre estas ooservacoeslFico a pensar que se ele e alguern que 00:0 deixa fadlmente enganar-se, deveriadassifica-las como uma ingenua mistificac;ao escolastiea e afirrnar 0 seguinteque e possfvel - usando a mesma "16gica" - estabelecer tarnbern "0 principiometodol6gico" de que "a vida social" poderia ser deduzida, em Ultima instancia,de erini.os (a partir das influencias das rnanchas solares, ou a partir de dificul­dades no aparelho digestivo), e que este principio deveria ser considerado c0­

mo sendo inquestionavel enquanto 00:0 se estabelecesse "0 sentido" das "leissocials". Ell, pessoalrnente, estaria plenamente de acordo com este homem doborn senso,

MM, obviamente, 0 raciocfnio de StammIer seria diferente. Em nossas ob­servacoes feitas ate agora, as quais, intencionalmente, foram apresentadas demaneira difusa e imprecisa, bern de acordo com 0 estilo de Starnmler, com re­ferenda as opinioes do nOiSO "espiritualista em historia'', apenas predsarfarnossubstitulr 0 termo "religiose" pelo termo "materialista", no sentido de "econo­mico'' - e terfarnos feito uma observacao que, em grande parte estaria de acor-

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do com 0 sentido daquela "concepcao materialista cia hist6ria" que se encontrano livro de Stammler e que par ele foi, neste sentido, assirniladaf - com a(mica restrir;ao de que nele, em Stammler, finalrnente veio aquele homem, que,colocando-se nos fundamentos cia "teoria do conhecimento", conseguiu veneereste "Golias" ate entao invieto - isto nao signiflca que a tenho superado comosendo "nao-correta", mas apenas como sendo "nao-completa" - nao no sentidode "unilateral" mas no de "inacabado", Esta perfeicao e esta "superacao" saofeitas de maneira a demonstrar, atraves de uma serie de manipulacoes do pen­samento, que "legalidade social", no sentido da existencia de uma "unidade fun­damental" da vida social e do seu conhecimento (estas duas coisas, como ve­remos mais tarde, muitas vezes sao confundidas), como "principio formal" so­mente deveria servir, a situado "no mundo dos fins", como urn determinadoprincipio que detennina "a forma da vida social d05 homens", como uma ideia"unitiria", que deveria ser a estrela a conduzir todos a> esforcos e ooietivos davida sociaL

Em primeiro lugar nao nos interessa aqui se Stammler realmente reproduziuau nao de maneira correta a "concepeao rnaterialista da hist6ria". Esta teoriapassou pelas mais variadas modificacoes, pensando na sua formulacao no Ma­nifesto Comunista, ate as de seus epigonos de hoje. Concedamos e suponhamosa priori que seja provavel e possivel ela se enquadrar de maneira aproximadanas respectivas ooservacoes de Stammler a seu respeito.! E se isso eventual­mente nao for 0 caso, a tentativa de uma construcao pr6pria em diferenca coma que "eta deveria haver", teria a sua justlflcacao. Mas aqui nao tratamos disso,mas unicamente da versao de Stammler. E por isso, neste lugar, apenas per­guntamos de que modo ele desenvolveu e fundamentou a sua "teoria do c0­

nhecimento" a qual ele, seja corretamente ou nao, pressupoe e sustenta comosendo inatacavel ou apenas corrigivel a partir dos seus pr6prios pontes de vista.Talvez lhe tenhamos feito injustica e ele talvez, na verdade, nao se identifiquea tal grau como prima facie parece? vejamos acerca desta proolematica, os ca­pitulos introdutorios do seu livro que aborda quest5es da "teoria do conheci­mento",

3.

Para que se perceba bern a particularidade da argurnentacao de Stammler,nao podernos deixar de lado, de transcrever textualmente e como exemplosalgumas passagens e maneiras de raciocinio da sua parte introdut6ria. Tomemosinidalmente 0 princfpio deste capitulo e desrnernbrerno-lo numa serie de sen­tencas que, em seguida serao comparadas entre si. Nas primeiras paginas (p. 3-6)do texto encontramos a seguinte ooservacoes. cada "pesquisa predsa e indivi-

3 Compare as paginas 63 e segs., nas qJ3is, iodubitavelmente, a palavra e5ti com 0 proprioStanunler e rno com 0 "socialista" ao qual ele se refere nas pagmas 51 e segs,

Sobre 0 senlido do tenno "materialista", em Marx, veja-se Max Adler, Kausalita: 14M Teleologie14m Streit 14m die Wisserlschaft (causalidade e teleologia m disputa ciendfica) - In: Marx-Studien,Band I (Esnidos de Marx, tomo I.), p. 108, nota 1, e p. 111 (argumento oorreto conlJ'a Stammler),e p. 116, nota 1 e em rruitas outras passagens,

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dual" fica "sem valor" e "addental" n06 seguintes cases: (1) sem urna "conexao"da existencia de urna "regularidade fundamental" e "basica", (02) sem a orien­tacao de urna "linha-mestre do conhecimento", (03) sern relacao a uma "regu­laridade fundamental", (04) sem "relacao a urn determinado" ponto de vista"unitario" (p. 03), (05) sem a percepcao (p. 4) de urna "conexao legal universal",ja que (06) a hip6tese de uma regularidade legal seria urn "pressuposto'' emtodos 06 casas em que se pretende u1trapassar os "fenornenos individuais ob­servados", mas, aqui, seria 0 caso de se perguntar (07) (p. 5) se seria possivelestabeleoer urna "regularidade legal e universal" referente a vida social dos ho­mens, da mesma maneira como uma "regularidade legal na natureza como fun­damento das dencias naturais". Com referenda a esta pergunta, entretanto, (00)na qual se aborda "a questao do carater legal de todo 0 nosso conhecimentodas situacoes sodais'', infelizmente nao se percebe, ate este passo, grandes pro­gressos, Mas a pergunta fundamental (09) que se refere ao carater legal, daqual se percebe urna dependencia de toda a vida sodal, em ultima instilnda,refere-se, basicamente e fundamentalmente, a concepcao essendal que se ternreferente a relacao entre a totalidade (au a todo) e as partes singuiares (I), erealmente - citando Stammler - "0 esforco para perceber uma formacao re­gular com referenda a vida sodal... e.. neste caso... nada mais do que urnaquestao social". "Por meio do entendimento dentffico, nas regularidades legaisda convivencia hurnana como tal, e posstvel elaborar... e, base a leis... a con­vivencia humana".

Mas parernos por ora com este tipo de radodnio. Levando em considera­910 estas mats diversas afirmacoes, sendo que todas se referem a "reguiaridadelegal", ternos de lamentar que Stammlee nunca levou ao serio a sua pr6priaafirmacao (p. 4): Aquele que fala de "processos regidos por leis", deveria, emprimeiro lugar, saber "0 significado desta sua afirmacao", Pois enquanto e bas­tante 6bvio que quase cada urna das dez afirmacoes dtadas adma se refere aurna coisa diferente, a leltura do livro de Stammler leva ao resultado surpreen­dente de que ele engana a si pr6prio, acreditando que fala de maneiras dife­rentes da mesma questao, Este fato sem duvida e facilitado pela impreeisao edubiedade de suas forrnulacoes, Voltemos para as aflrmacoes transaitas e supra­citadas para analisa-las em pontes decisivos e essendais: a numero (01), porexemplo, e obscura no seu sentido: 0 que pode significar "urna conexao de­pendente de urna legalidade"? E multo difidl perceber tal aflrmacao, Seria pos­sfvel se se entendesse por isso, por urn lado, que s6 se poderia fazer uma in­vestlgacao particular para, a partir d06 seus resultados, se deduzir reguiaridadesuniversals (gerais) - conhecimento nomoterlco -, 01.1, par outro lado: nao se­ria posslvel interpretar conex6es individuais sem urn "conhecimento geral deleis" - conhecimento historico. Se se entende uma dessas duas possibilidades01.1 ate as duas possibilidades, poderiamos deduzir, com certa probabilidade, daafirmacao numero (07), de acordo com a qual "a pergunta principal" deveriaser a seguinte e novamente temos que interpretar a apresentacao da questaodo seu carater impredso e inexato -, se leis da "vida social" podem ser apre­endidas da mesma maneira como as leis da chamada "natureza inanimada". Apartir das afirmacoes nurnero (03) e (06), poderiarnos conduir - referem-se anecessidade de "uma regularidade legal e fundamental" que seria 0 "pressu-

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pa;to" para a validade concreta de cada urn dos 'fatos" como sendo "necessa­rio") - que aquelas teses relativas a validade universal da categoria de causa­lidade (no sentido da "legalidade") foi fundamentada e justificada de rnaneirabastante insarisfatoria. Mas, diferentemente, nos ClSOS de mirnero (02) e (00)nao mais da "regulandade legal" do clevir a ser conhecido, mas da "regularidadelegal do nosso conhecimento", nao mais, portanto, de "leis" que dominam eregem 0 "oonheddo" e 0 "que deveria ser conhecido"; portanto, 0 mundo dos"objetos" (a "natureza" e a 'vida social") dominam e regem empiricamente eMO se referem a respecnva tarefa da inducao (do "particular" para 0 "geral")para dar (OS) a "determinados fates particulates e individuals 0 carater da ne­cessidade" (p. 4), mas, em vez disso, falam de normas que seriam validas parao nosso conhecimento. Pois, dificilmente podetiamos entender entre "linhas ge­rais e universals do conhecimento" (02) e por "carater "legal" de todo 0 nossoconhecimento a partir de situacoes socials" (08). Nestas afirrnacoes, tudo se"mist\.lf'3." e tudo "se confunde", sobretudo no que diz respeito adiferenca entreas "nonnas de pensamento" e "leis da natureza". Mas nao somente isso a (con­forme 05) indispensavel apreensao na conexao fatual - urn dado concreto naoe apenas totalmente confuso com aquilo que se entende por "regularidade le­gal" - urn abstractum -, mesmo que este Ultimo termo seja entendido como"exist~ncia de leis da natureza", modes, portanto, que sao opostos, mas quesao, pensando na dirnensao das "normas de pensamento", contradit6rios - masque, nem por isso, qualquer "conexao legal" de antemao e qualificada com 0

predicado de ''universalmente valida". Que nao se trate, nestes cases, cia vali­dade do jufzo empirico cientffico referente a uma "conexao de fatos", ja, deantemao, indica a infeliz formulacao, e ate mesmo incompreensfvel, que en­contramos em (05). E6bvio que, neste caso, que nao se trata da "validade" do"jufzo ernpirico ciennfico" com referenda a uma "conexao de fates", percebe-secom bastante lucidez na mais que clara formulacao numero tres, na qual sefala da necessidade cia "relacao' com urn "ponto de vista unitario", e, para serrnais exato, com urn "ponto de vista incondicionado". Seja a colocacao de fatosnuma conexao concreta, como tambern a abstracto de "regularidades" a partirde fatos costumam se fazer normalrnente sob determinados "pontes de vista":nisto, exatamente, consiste a divisao do trabalho dennfico da maioria das den­das especializadas. Mas nem par isso podemos falar de urn "ponto de vistaincondicional", pensando sobretudo na totalidade das disciplinas empfricas. 0princfpio da quantificar;ao e da elaboracao matematica, no qual talvez se pensounesta colocacao, nao e igual e unlforme nas assim chamadas "ciencias cia na­tureza", e, como e do conhecimento de todos, as chamadas "ciencias do espf­rito" sao caracterizadas exatamente pela multiplicidade e pela diferenciacao dosseus "pontes de vista", a partir dos quais elas se dirigem a realidade, Mas, demaneira nenhuma, podemos, neste estudo de coisas, identificar urn "ponto devista unitario" com "regularidade legal", a ser exigido para todas as ciencias, Emesmo que se concebesse que a categoria da "causalidade" seria equivalentea urn "ponto de vista unitario" - voltaremos a isso mais tarde - nas disciplinashist6ricas que explicam ooietos individuais pelo represso causal a OUt:r05 objetosindividuais, 0 "carater legal" do dev1r teria, sem duvida, uma carae:tetistica espe­cial, talvez alga como urn pressuposto geral, mas obviamente nao 0 unico, ao

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qual seja referida a "observacao individual". Enquanto, portanto, encontramosuma confusao total nos escriros de Stammler entre conceitos como "unidade","unifonnidade", "legalidade", "conexao" e "ponto de vista", percebernos que setrata, em verdade, de coisas diferentes, e 0 tarnanho da confiisao criada ficamais manifesta quando se percebe confonne a sentenca numero (09), 0 que,real mente, se entende par "ponte de vista". A "mais suprema regularidadelegal" "da vida social" "desem.boca" - novamente se usa urn termo meio vago- na "COJ1cep;ao fundamental sabre a relacao entre 0 particular e 0 todo".Aceitando a aflrmacao nesta sua formulacao malfeita, pergunta-se, obviamentetrata-se, naquela "concepcao'', da explicacto cientffica das "relacoes fatuais dosingular" a "totalidade", ou se faz aqui urn "salto mortaie" no "mundo dos va­lares" do "dever-ser''? A sentenca numero (10), confonne a qual "0 entendi­mento da regularidade existente na vida social humana" e a condicao da "pos­sibilidade da sua organizacao com base em leis", eventualmente alnda poderiaser entendido, como tal, da seguinte maneira: trata-se de uma "intuic;ao" nasleis do devir. Se fosse realmente possfvel descobrir "leis" da evolueao da vidasocial a maneira das "leis naturals" - e a economia polftica realmente quasesempre procurava descobrir tais leis -, 0 seu conhecimento, indubitavelmente,teria grande valor para nos, tendo em vista a dominacao "racional" dos feno­rnenos sociais e a influenda sabre 0 seu decurso, conforme as nossas intencoes,E 0 mesrno caso do conhecimento das "leis" da natureza - e importante parao seu domfnio tecnico, Mas como demonstra a referenda a "questao social",feita na afirrnacao nurnero (09), de acordo com 0 sentido desta frase, nao po­deria ser entendido pelo conceito "decurso legal" da vida social urn procedi­mento sodo-polfuco da natureza que, como e 0 caso das leis da natureza, levaapenas em consideracao, como de validade fatual, as conhecidas "leis" do dew,mas deveria eonsiderar tambem as leis do "dever-ser", au seja, as normas "pra­ticas". E, mesrno que Stammler empregue com muita tranqililidade 0 mesmotermo, na rnesrna frase com dais significados diferentes, podemos, apesar detudo, supor que tarnbem aqui a 'vigenda" das "leis" deve ser entendida comosendo urn irnperativo, e 0 seu "entendimento" deveria equivaler ao conheci­mento de um "mandamento" fundamental de toda a vida social. 0 salto mortalede que nos suspeitamos, portanto, foi rea1mente feito e, por enquanto, encon­trarno-nos no auge desta confusao conceitas como leis da natureza, categoriasde pensamento, e imperatives do agir, "universalidade", "uniformidade", "cone­:tio" e "ponto de vista", validade como necessidade empfrica: todos estes termosdevem Set entendldos como principles metodologicos, normas 16gicas au nor­mas pclticas? Tudo isso se encontra no lnicio do livro numa grande confusaoque faz com qut' uma discussao que e feita com base numa "teoria de conhe­cimento" e de tal modo que pode se fazer bons prognosticos,

Mas talvez Stammler apenas finja esta "confusao", pais 0 seu Iivro nao etotalmente isento da intencao de provocar "efeito", efeitas que gerarn "tensao",e, portanto, pode ser que ele, nas suas primeiras paginas, escolheu intencio­nalmente uma maneira de se expressar na qual de modo proposital predominaa obscuridade para, em seguida, assumir gradativarnente posturas de dareza 16­gica e de ordenarnento mental e "salvar' 0 leitor daquela confusao, apresen-

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tando-lhe palavras maduras, definitivas, que geram uma ordem Mas, prosse­guindo com a leitura, nao se percebe pelo rnenos no que diz respeito a "In­trodu~o", uma diminui~o cia confusao (pags, 3 a 20). Encontramos novamente(p, 12 e p. 13) expressoes ambiguas como "doutrlnas sociais" e "concepcao uni­taria fundamental" da vida social e (p. 13), acrescentando "conhecimento" na"legalidade" como "flo condutor" de acordo com 0 qual tcx:las as ooservacoesindividuais (NBO· cIa hist6ria social (NB!) "poderiam ser uniformemente conce­bidas, avaliadas e julgadas" - percebernos, portanto, sobretudo nestas ultimasexpress5es destacadas par n65, que a "ciencia social" teria como finalidade emi­tir julzos de valor, ao passo que 0 leitor, em conformicIade com as duas pri­rneiras expessoes destacadas, tern a impressaoi de que se trata de urn co­nhecimento te6rico. E, na pagina catorze, lemos a seguinte afirmacao, que pre­tende explicar a base da "ftlosofla social" - "Quem fala da legalidade da vidasocial" (termo ambiguo, veja-se acima), "de desenvolvimento social" (terrno teo­rico), "de prejufzos socials" (conceito normative) e da "possibilidade ou irnpos­slbilidade" (conceito te6rico)6 "do seu sanearnento" (conceito normative),"quem faz surgir (!) as leis dos fen6menos socio-econornicos" (conforme 0 lugare urn conceito te6rico), "quem trata de conflitos sociais" (conceito te6rico) "eacred.ita num progresso" (conceito normativo) da existenda social do homemou nega (conceito te6rico) quem 0 quer negar (conceito te6rico), este deve, sequiser evitar falacias subjetlvas e irrelevantes (86 vale para os juizos de valor),sobretudo sabre as particu1aridades do conhecimento social-dentffico (portanto,nao de natureza "s6c:io-filos6fico" como ate agora) "ter plena clareza que... ­como se percebe claramente, nesta passagern, as explicacoes caem sempre econtinuadamente de urn "conhecimento de fatos" para a "avaliacao de fates".E se ele, em seguida, ainda afirma (p. 15): "a legalidade universal (NB 0 davida social que se desenvolve na hist6rfa" (portanto legalidade ou existendade leis referente ao "objeto do conhecimento") "signlfica (!) a maneira universal(NB !) e uniforme (?) do seu conhecimento" (NB !) -, percebe-se que hi,manifestarnente, uma coofusso e mistura entre legalidade do devir e norma doconhecimento, como tambem entre "fundamento de conhecimento" e 'funda­mento real". 0 mesmo se percebe tambem na pagina dezesseis, na qual se aflr­rna que, de urn lado, "a unldade mais e1evada de todo 0 conhecimento social"teria validade como "fundamento de toda a vida social" e, par outro lado, (al­gumas linhas adiante) que esta mesma unidade rnais elevada de todo 0 c0­

nhecimento social "deveria ser" 0 "fundamento universal" a partir da qual seria

• NB significa "IDta bene" (do latim) • veja-se bem· 0 auror quer chamar a aten;ao do leitorpara a afrrrmo;;ao (Nota do Tradutor),

S Os trechos grifados nasd~ de Stamrnler sao da minha resporsabilidade, se nao hoi urncomentario a respeito,

6 E "te6rico" depois de coostatar cpal dos estados pode ser considerado oomo "recuperacao"e "progresso", Pols, oeste sentido, a perguota pela recuperao;;ao deste estado "possfvel" ou se sel10ttlU urn progresso na sua aproximayio, e, portanto, urn oerto progresso, naturalmente, apenasseria urna qJeslilo puramente factica qJe, sem problerm nenhum, pede ser respondida (em prin­cipio) pela cieooa empfrica".

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possfvel estabeleoer "a possibilidade de uma observacao com base em leis ciavida social humana". Nesta aflrmacao Stammler consegue misturar e confundircoisas bern diferentes como "leis naturais", "normas praticas" e "normas logieas".E, numa leitura atenta, fica sempre a impressao de que Stammler, ate certo grau,teve consdencia da ambigilidade das expressoes como "legalidade" e ''univer­salmente valido" e tutti quanti aparece no seu llnguajar de termos semelhantes,e, ate as modiflcacoes feitas - riscar e acrescentar - fazem com que aumenteesta impressao, Stammler, indubitavelmente, em muitas ocasioes, tern plenaconsdencia de que a sua maneira de expressar-se e vaga e ambfgua. Mas, nemde longe, pretendo fazer par causa desta ambigOidade, difici1mente apenas in­consciente, mesrno num sentido indireto, uma repreensao - quero deixar issobern claro e de modo explfdto - nao e, diversamente, aquela particular e ins­tintiva "diplomada" de urn dogmarico convicto que acredita ter deseoberto re­almente ou pressupostarnente uma nova "f6nnuJa de explicac;ao do mundo",para a qual ja esta certo a priori que a seu "dogma" e a "ciencia" de maneiranenhuma podem se contradizer e que, por causa desta sua certeza de quase"fe" com uma seguranea absoluta, evita "comprometer-se" em cases ambfguooe duvidosos com aflrmacoes bern definidas, mas em vez disso, prefere a con­fusao, que esta presente nas suas formulacoes vagas e irnprecisas, tendo a con­vi~o de que, com a ajuda de Deus, estas poderiarn set adaptadas e enqua­dradas em "f6rmulas" bern precisas, no que tange ao conhecimento. Ao naoprevenido, parece-nos, deve parecer que seja bern lmprovavel que alguern quecomece a "viagem com bagagem tao leve" com uma "mistura" tfpica de alunosiniciantes de categorias 16gicas das rnais simples, como nos a encontramos jana primeiras paginas do livro de Starnmler, dificilmente vai chegar a grandesresultados sabre a questao de a que deve ser e 0 que pode ser a fim cognos­citivo de urna disdplina "empfrica", como e a case da "ciencia social". E tam­bern e fadl de compreender, agora, que Stammler, na argurnentacao do mate­rialismo histonco supradtada - Independentemente de ser ela real Oll fieticia- da maneira como ele a reproduziu, pede acreditar que seja reproduzido demaneira carreta e que seja irrefutavel (exceto, obviamente, a partir do Sell "pon­to de vista epistemol6gico"). Para quem "leis da natureza" e "normas" da 16gicasao a mesma coisa, s6 podernos direr que Stammler e urn escolastico no sentidorestrito da palavra, e, par causa dtsto, tarnbern se acha indefeso contra a argu­mentacao escolastica Que seja exatamente esse a caso, percebe-se com bastan­te clareza na pagina dezenove, na qual, pela primeira vez, se caraeteriza a es­sencia dentffica geraI do materialismo hist6rico. Depols de ter sido reconhecidode rnaneira explfcita (p. 18, § 2) a carater ernpirico do problema, encontrarnos,logo depois, no paragrafo tres, a afirmac;.ao de que 0 materialtsrnohist6rico pro­eura estabelecer urna "relaeao de ordem rigida" entre as elementos cia vida so­dal - pelo menos, aparentemente, pretenderia estabelecer 0 significado causaldaqueles "elementos" na sua mutua inter-relacao de maneira generica, Porernacontece que, no rnesrno paragrafo, urn pouco anteriormente, afirrna-se que aconcepcao propria do rnaterialisrno hist6rico, com referenda a este ponto, seriaurn "principia metodol6gico" de "significado formal", e, em consequenda disto,bern de acordo com 0 carater vago do raciodnio de Stammler, uma ootra aflr­macao, ou seia, a de que, de acordo com a "opiniao fundamental" (p, 18, ultima

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llnha) da "concepcao materialista da hist6ria" (p. 19), - nao se afirrna aquique e esta a opiniao consciente dos seus representantes, mas uma "consequen­cia" que lhes foi imputada por Stammler, au que, deveria ser a sua opiniao -,dever-se-ia fazer uma distincao entre "as leis particulares conheddas" e "a le­galidade formai geral", isto e, a maneira fundamental das sinteses corretas entrefatos e leis. Sabe-se muito bem que nao hi termo nenhurn tao ambiguo quantaa de "formal" e a de "sentido" na oposicao conteudo-forma, 0 que poderiaser entendido por estes termos, deveria ser estabelecido predsamente de casopara caso. Posta que - de acordo rom a opiniao de Stammler - a "opiniaofundamental" do materialismo hist6rico pareca ter a direr,;ao conforme a qualpoder-se-ia afirmar que seriam os "fenornenos'', na sua particularidade e no seudesenvolvimento, os fatores que sao decisivos para a formacao de todos os ou­tros prooessos hist6ricos, isto e, que sao eles as suas causas urtivocas, podernos,eventualmente, objetar a carater impredso do conceito "fenomenos economi­cos", mas, mesmo assim, podemos afirmar que uma coisa e certa: que sao de­cisivas as causas "economicas", seja em urn ou em mais de urn caso concreto,seja em especies de casos concebidos de maneira mais ampla ou mais vaga, ee exatamente nisto que consiste, de maneira geral, a diferenca do materialismohist6rico com outras concepcoes, Ela e uma hip6tese, com referenda a qual,par exemplo, podemos tentar mostrar a sua verossimilhanca de "maneira de­dutiva", a partir de condicoes reais e fatuais da vida humana, e, em seguida,sempre de novo e repetidamente, verifica-la por fates - mas, mesmo assim,ela continua sempre como apenas uma hip6tese. Nesta condicao de hip6tesetampouco muda algo se alguem, par exemplo, declara que a teoria materialistade Hist6ria nao seria uma doutrina, mas deveria apenas ser reconhecida comourn "principio heuristico", e, par causa dissa, se apresenta como urn rnetodo"especifico" para a investigacao do material hist6rico de "pontes de vista eco­n6micos". Pois este procedirnento, como nos ensina a experiencia, que podesob certas circunstancias, se se precede de maneira objetiva e rigorosa, dar re­sultados frutlferos, em altissimo grau, sigrtifica, novamente apenas e somenteque aquela afirmacao generica sabre a sigrtificado das condicoes econornicascleve ser tratada como hip6tese e a seu a1canoe e os limites de sua validade­devem ser examinados pelos fatos empiricos. Portanto, de maneira nenhuma econcebivel que a sentido passa ser modificado como se fosse uma afirrnacaogeral e objetiva, como se adquirisse um carater "formal" de uma digrtidade 16­gica especifica com relacao a "leis particulares" - isto e, afirmacoes ou teoriasde carater menos geral e abrangente -, fazendo com que seja passivel afirmarque aquelas "leis particulares" se ap6iam "logicamente" naquela relativa ao ''valorde sua validade" a "justiflcacao dentifica de sua existencia". Muitas vezes aeon­teoe, e, natural mente e permitido terminologicamente falando, que as respecu­vas ultirnas (e "mais elevadas") generalizacoes de uma disdplina - como, parexemplo, a teoria sabre a "conservacao da energia" - sejam classificadas comosendo "formas'', exatamente par causa disso, ou seja, porque nelas encontramosjuntamente com urn maximum de abrangencia de sua validade, urn minimumde conteudo concreto - mas, vejamos bem, nao podemos afirmar "nenhumconteudo concreto". Neste sentido, portanto, seria "formal", como tal, cada ge­neraltzacao "mais elevada" em relacao a"menos elevada'', isto e, "menos abran-

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gente". Todos "os axiomas'' da ftsica, pot exemplo, sao generalizacoes "maiselevadas" daquele tipo, isto e, hip6t:eses de "evidencia" rnatematica e de urngrau extraordinariamente elevado de "verificabilidade" por fates que cresceramsempre rnais por seu emprego como "princfpios heuristicos" (mas que, rnesrnoassim, e continuadarnente, como vimos claramente na recente "discussao sabrea radicatividade", sempre e de manelra absoluta depende da "verificacao" pelos'fatos"). Mas, a nosso ver, ja urn estudante que cursa 16gica no prtrneiro semes­tre tem a obriga~o de saber que nem par Isso estes axiomas alcancaram, potcausa disso, ;a a priori, 0 carater l6gico de principios de conhecirnentos "for­mais" no sentido de "categorias epistemol6gicas" e que, logicamente falando,isso simplesmente e irnpossivel. Se querernos assumir 0 papel de urn "episte­m6Iogo", como 0 faz Stammler, e queremos apoiarmo-nos, de maneira explicita,em Kant, podemos dizer que ha aqui 0 rnesmisstmo erro, e urn erro que nemse perdoa a urn aluno, que ha quando se eleva "axiomas", isto significa afir­macoes que "sintetizam" a experienda, no nlvel das "categorias", cuja quaIidadeformativa, como tal, poosibilita que a "experiencia "seia significativa, e, em se­guida, as classifica como sendo aflrmacoes gerais de experienda, e, par exern­plo, posto que nos falernos, de maneira muito imprecisa, de vez em quando,de "lei causal" que entende que as "leis naturals" particulares sejarn depen­dentes, sob certas condicoes, da "lei causal eficaz geral" como sendo a "gene­ralizacao a mais geral possivel". 0 Ultimo erro mendonado e, pelo rnenos, urnretrocesso de Kant e Hume, e, 0 primeiro que mendonarnos e urn erro quevolta ate a escolastica Mas eexatarnente nesta volta aescolastica, do rnais gra;­so calibre, que se baseia toda a argurnentacao de Stammler: leia-se, pot favor,as transcncoes feltas anteriormente e procure-se convencer, na medida do pos­sfvel, se elas correspondem as afinna~ dtadas do livro de Stammler nas pa­ginas dezoito e dezenove. 0 outre erro, bern diferente e ate oposto, e 0 se­guinte: a transformacao de categorias em afirmacoes de experiencia. Temos queadmitir que ele nao 0 cometeu de maneira explicita - pelo contrario ele seesforca de ficar na base da doutrina de Kant Que este erro foi realmente co­metido, veremos logo em seguida, e mals ainda, ficaremos convencidos, levan­do em consideraeao a fraqueza e a inconsequencia com as quais ele aborda 0

problema da "causalidade", que, no efeito pratico, nao ha muita diferenca sese eleva 05 "axiomas" a "categorias" ou se se rebaixa as "categorias" a "axio­mas", 0 rnesrno, alias, vale tarnbern para 0 procedimento que eleva "funda­mentes" puramente metodol6gicos ao grau de "principles formais" episternolo­gicarnente ancorados, como Starnmler 0 fez na sua reproducao da concepcaornaterialista cia Hist6ria, que foi Inicialmenre apresentada neste en.saio - so­mente no sentido inverso, OIl seia, a transforrnacao da "sentenca da razgo su­ficiente" num "princfpio heuristico", que entretanto significa: numa hip6tese quedeve ser comprovacla pela observacao - e tais erros imperdoaveis nos saoapresentados pot urn pretenso "disdpulo" de Kant (1).

Por fim urn erro imperdoavel de todos esses procedimentos l6gicos falsosda-se no momenta em que Stammler dassifica as "categorias" como sendo "pon­too de vista", a partir dos quais se elaborarn as generalizacoes, como e1e afirmano final da pagina doze. Nessa. passagem, lernos que e irnprescindi'vel a "eternapergunta" sabre a partir de quais pontes de vista unitarios "se faz" determinadas

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generali:mc;5es "com referenda ~ ooservacoes" (NB I). Isso da-se a partir ciaideia da causaliclade au cia teleol.ogia? Por que esta pergunta par um au por(X.l1IO sentido? - Em primeiro lugar, esta altemativa, se ela realmente existe,olo euma alternativa exclusivista. 0 conceito geral, per exemplo, de "objetosbnnca;", nao foi forrnado nem a partir de pontos de vista "causais", nem apartir de pontes de vista cia "teleologia", pois ele e apenas uma idea geral lo­gteamente elaborada, au seja, urn simples conceito classificat6rio. Mas, mesmoque olo levemos em consideracao esta inexatidao de expressao, fica totalmentesem respa;ta 0 que, em Ultima analise, seria 0 sentido daquela alternativa. Pois,o que significa, realmente: "generalizacao de ooservacoes no senndo da ideateleo16gica"? Vamos apresentar as eventuais possibilidades desta aflrmacao, potsestas reflex5es podem contribJir para 0 esclarec:i.mento de posteriores coloca­r;Pes. Significa eventualmente a apreensao de "fins naturals" de carater metaff­sico a partir de "leis naturals" empiricas - talvez no sentido em que procuravademonstrar Eduard von Hartmann a partir da chamada "segunda sentenca prin­cipal" da doutrina cia energia referente ao "fim" do processo cosrnico finito? ausignifica outra coisa, como, per exemplo, 0 usc de conceitos "teleol6gicos", co­mo e 0 case, per exemplo, na biologia, au seja, como principio heurfstico paraa aquisic;ao de conhecimentos gerais referentes ~ conexoes dos fenomenos devida? No primeiro case pretende-se sustentar e apoiar uma fe metafisica porafirma~ de experienda, e no segundo case usa-se a metafisica "antropom6r­fica" de modo heutistico, para se elaborar afirmacoes de experienda. OJ de­vernos entender por isso aflrrnacoes de experienda referentes aos "meios apro­priados" genericamente, para certos e genertcamente deterrninados "fins"? NesteUltimo caso, entretanto, tratar-se-ia apenas de urn simples conhecimento gene­rico causal que se reveste de urn "radodnio pratico", Por exemplo, a afinnac;ao:"a medida de natureza poHtico-econ6mica X, que serve para alcanear 0 fim Y,nada rnais e do que uma formuladto diferente cia aflrmaclo empfrica relativaa uma conexao causal geral que diz: 'se acontece X, 0 fato Y e apenas umaconseqaencia geral sua'" (seja tuna conseqaenda "adequada" au tuna conse­qoenda que nao tern exceeoes). Esuperavel que Stanunler tivesse querido dizerque a sua observacao estaria de acordo com a primeira afirma~o, ja que elenao pretende fazer rnetaffsica, sobretudo mo uma metafisica naturalista, as cluasoutras versoes poderiam ser aceitas eventua1mente, par Stammler, interpretan­do-as como "generalizacoes no sentido cia causalidade", au sem que ele se re­fere a elaboracao 16gica de juizos gerais de valor e de gerais postuiados eticosau polfticosi A afirma~o par exemplo: "A~o dos fracas e uma tarefado Estado", e - se levannos em consideracao 0 carater vago dos conceitos de"protet;ao" e 'fraco" - uma maxima geral de natureza pratica, cuja validadena dlmensao do "dever-ser", obvtamente, e susceptivel de diS0JSS3:o, nurn sen­tido taaImente e ahsolutamente diferente da constatac;;ao de urn fato empfricoQU de tuna "lei da natureza", Mas, pod.emos perguntar, pelo menos: tern elacomo conteudo "tuna generalizacao de ohseJvac;5es"?, QU, "e possfvel deddir 0

sell conteodo de verdade par meio de "generallzacoes de observacoes'? Eestaexatarnente a diferenea que temo6 de fazer. OJ se retira cia maxima diretamente° caniter de um "imperative" valido - neste caso, a discussao se eta em nfve!de "norrnas" eticas -, au se discute a sua "posstbilldade de realizacao efetiw"

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_ neste caso, trata-se do supramencionado 'terceiro caso"; proeura-se urn X,cuia consequencia geral e normal seja Y (neste caso, no exemplo concreto: aprotecao do; fracas) e, em seguida, levanta-se uma discussao sabre a questiiode haver ou nao uma medida estatal referente a este X: urna consideracao pu­ramente causal com a aplicacao de "regras de experiencia". au, finalrnente, tra­ta-se de urn ultimo caso - 0 mais freqiiente, alias -, onde proeura-se provarsem urn direto questionarnento da validade da imaginada maxima, que esta parcausa dtsso, nao pode ser imperativo, porque a sua observacao, levando emconsideraeao as suas inevitaveis consequencias, impediria a realizacao de outrasrnaximas que tambern foram aceitas e reconhecidas. Para isso, 0; oponentesdesta aflrmacao, indisrutivelmente, procurariarn estabelecer afirmacoes gerais deexperiencia sobre as consequendas da aplicacao daquelas maxirnas socio-poll­ticas e, depois de te-las obtido ou supostarnente obtido, seja par meio de urnaindu~o direta, ou atraves do estabelecimento de hip6teses, que foram elabo­radas com 0 apoio de outras teorias e doutrinas genericamente aceitas, eles vaocontestar a "validade" da maxima par causa, caso seja ela aplicada, de haveruma violacao de wna outra maxima, como, par exemplo, a da obriga~o doEstado de proteger a saude fisica da na~o e 0; portadores da "culnira" esteticae intelectual (obviamente, tambern, neste exernplo, nao levarnos multo a serioa nossa maneira de formular a questao), As aflrrnacoes de experiencia, que se­rao colocadas, novamente, se encontram no tercelro caso acima mencionado,ou seja: elas sao coloeacoes gerais sabre conex6es causals conforme 0 seguinteesquema: Y e - sempre conforme a "regra" - urna consequencia de X Masonde ha nisso generalizacoes de ooservacoes "do ponto de vista teleol6gico"em opa;i~o a afirrnacoes gerais? - As duas rnaximas que neste caso se opOemsao, sem duvida, valores que deveriam sec "ponderados" no seu significado eentre 0; quais deveria sec escolhido urn Mas esta escolha, sem duvida, nao sefundamenta par via de "generalizacao" de "ooservacoes", mas atraves da ave­riguacao "dialetica" das suas "consequencias intrinsecas", isto e, levando emconsideracao, portanto, 0) "axiornas" de conotacao "pratica" mais elevada, axio­mas, portanto, que sao 0; fundamentos daquelas mesmas rnaxirnas, De rnaneiraquase totalmente identica tarnoem procede Stammler, como veremos rnais tarde,no Ultimo capftulo do seu livro. E nao sornente nesta ocasiao e que ele acentuatarnbem, e de maneira correta, 0 cariiter disparatado em absolute na sua di­mensae 16gica entre "explicacao causal" e "jufzo de valor" da previsao de umdesenvolvimento e do "dever-ser", Esta opa;i~o jii foi discutlda par ele no de­correr de sua apresentacao do materialismo hist6rico (pp, 51-55) num "dialogo"entre "burgueses'' e "socialistas", urn dtalogo que. alias, foi por ele elaboradonuma plasticidade memoravel, Os dois oponentes "divertern-se, com base emelementos diversos", pois urn fala daquilo que - conforme conhecidas regrasde expenencia, reais ou supostas - inevttavelmente val acontecer, enquanto aoutro fala daquilo que - de acordo com determlnados valores culturais, reaisou supostos - de maneira nenhuma deve acontecer. Confonne a expressaode Stammler, trata-se "da luta entre 0 urso e 0 tubarao", Muito bem, mas epossfvel acreditar, levando tudo isso em consideracao, que Stamm!er, par suavez, poucas pagmas depots, conseguiria, bern de acordo com 0 seu estilo deargumentacao, tratar de maneira igual as duas quest6es que, por essenda, sao

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totalmente diferentes? OJ, por acaso, lsso se da quando ele pergunta (p. 7'1:):qual e, finalmente, "0 procedimento... de validade universal, de acordo com 0

qual ooservacoes singulares (NB) da hist6ria... pela generalizacto (NB) podemser conhecidas e detenninadas como fen6menos "regidos pot leis"? - para logoem segulda continuar afirmando, sem hesitar urn momento, na mesma linha deradocinio: "Se alguern nem sequer sabe 0 que significa 'justificar' (NB), 0 quese entende pot 'fen6meno da vida social', tarnbem nao tern sentido discutir,em detalhes, quest6es mais especificas se, pot exemplo, uma determinada opi­niao ou uma determinada intencao e justificada, ou nao, Quem nao percebeque, em todos esses exemplos, confunde-se, logicamente, elementos separados,e, supondo que realmente se faz isso, nao consegue elisfazer a "luta entre 0

urso e 0 tubarao" numa coofraterntzacao confusa, pacifica e suave, parece-meque este nao entendeu a questiio.

Mas, como mostra a leitura do livro, como seria provavelmente qualqueroutra leitura, esta mistifica<;a:o que sempre se repete de 0 leitor estar nurn con­tinuo "jogo de equilibrista" entre duas proolematicas heterogeneas, nem de lon­ge se apresenta como sendo a pior das continuas "tergiversacoes" com as quaisa infra-estrutura da critica stammleriana opera, no que eliz respeito ao "mate­rialismo hist6rico". Devetiamos perguntar: 0 que significa realmente, paraStammler, 0 conceito de "rnaterialisrno social"? Eurn termo que, muitas vezes,no linguajar de Stammler, se identifica com 0 conceito de "concepcao materia­lista de hist6ria". Stammler denomina de "materialista", au, para ser mals correto,de "pretensamente materialista", a concepcao "criticada" pot ele, pelo fato deque ela - assim, pelo menos, conforme communis opinio dos seus repre­sentantes - afinnava 0 conelidonamento inequivoco da a<;a:o "hist6rica" doshomens dos processos hist6ricos pela respectiva constituicao e maneira de apro­veitamento dos bens "materials", isto e, neste caso, "econ6micos" e, sobretudo,tarnbern a deterrmnacao inequlvoca, a a<;a:o "hist6rica dos homens par interessesmaterials", isto e, "econ6micos". A concessao muito benevola que podemos fa­zer com referenda a Stamm1er no sentido de aceitar que todos os conceitossingulares que aqui foram usados para uma definicao muito provis6ria contemproblemas e sao, no que respeita ao seu conteudo, muito indefinidos e nemmesmo podem ser definidos com muita predsao e, portanto, devem ficar meio"vagos", e de que a constatacso explicita (mas 0 que e 6bvio para cada urnque conhece as condicoes de urn trabalho dentifico) de que se trata semprede urn isolamento mental, quando se pretende distinguir entre "determinanresecon6micos" e "determinantes nao-economtcos", do devir -, mas tudo issonem de longe modifica nada no fato de que interesses "economicos", fen6me­nos "econ6micos", condicoes "materials" etc. devem ser pensados ou conside­rados como sendo uma parte objetiva da totalidade dos fen6menos "hist6ricos"ou "culturais", sobretudo tambem como uma parte da ''vida social" ou "da vidaem sociedade" de acordo com a terminologia de Stamm1er. 0 proprio Stammlerreconheceu (p. 18) que 0 materialismo hist6rico queria fazer uma afirrnacaogeral sobre "a relacao de graus de importancia dos diversos elementos da vidasocial", e, numa outra passagem, ele (pp. 64-67) apresenta, bern de acordo comesta sua posicao, exemplos referentes it relacao causal reciproca de motivos"economicos" ("materiais'') e motives "nao-economicos" e os comenta critica­mente. Tres paginas mais adiante (p. 70, penultimo paragrafo) lemos de repente:"somente quando se identifica 0 conceito de legalidade da vida social com 0

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de decurso das rnodificacoes sociais causalmente explicado: como seria posstvelevitar a afirmaeao de que podem ser reduzidos, Iinalmente, todos os aconted­mentes da vida social ao fundamento da economia social?"?

Em vilo fazemos a pergunta com que Stammler pretende demonstrar estaargurnentacao que, no seu resultado, como se ve clararnente, concorda comtudo e em tudo com 0 materialismo hist6rico. Pais, obviamente, nao e possivelentender como, com a vaIidade desta aIirma<;;iio da razao su/idente para todoo devir hist6rico e para cada urn dos fenOmenos da vida sodal, deverfamostirar a conclusiio de que todo 0 devir hist6rico e cada urn dos fen6menos davida social, em Ultima instanda podem ser explicados, unicamente, a partir deurn unico dos seus elementos, e em caso contrario tratar-se-ia de uma trans­gressao de categoria de causalidade. Mas, urn momenta! - Se voltarmas duaspiginas (p, 68) encontraremas a aIirma<;;iio de que seria impassive! supor a exis­tencia de uma muitipliddade de "unidades fundamentals", "nas quais se dariamparalelarnente cadelas causais diversas". Posta que nenhurn especlalista no setorda hist6ria acelte tal opiniao, pelo contrario, tado mundo sabe que 0 regressocausal daqueles "fen6menos pania.ilares" se dlspersa no inlinita e que ha umacontinua lntera<;;iio entre fen6menos "econe.micos" - isto signlfica fenornenoscujas "dimensoes econ6micas" sao, nos cases dados, 00 (micas que despertamo nosso interesse e, portanta, a nossa necessidade de expliea-Ios - e condicoespolfticas, religiosas, eticas, geograficas etc., naturalmente com esta aIirma<;;iionao e nada demonstrada para a tese de Stammler, ja que ele mesmo, logo emseguida, oomeca a fazer retlexOes a partir das quais ele faz a aIirma<;;iio de quecada considera<;;iio de uma (mica "dimensao" - portanto, tambem da dimensaoecon6mica - com a linaiidade de elaborar uma analise separada apenas podesignificar uma ab;tra<;;iio em nfvel de pensarnenta da "conexiio gerai e global",Portanto, alnda nao foi esclarecida a fundamentacao da opiniao mendonada.Se retroeeelermas urn pouco mais, somente uma pigina (p, 67), encontraremosuma DUtra a1irma<;;iio que aIirma que "... cada observa<;;iio particular, feita como fundamento da lei da causalidade, tern que supor como condi<;;iio basica efundamental a conexiio total de todos os fen6menos partia.ilares a partir deurn lei gerai e universal, lei que de caso para caso deveria ser encontrada pelaInvestigacao". Parece que, claramente, nos encontramos - pelo menos confor­me a opiniao de Stammler - em face de uma aflrmacao basica do materialismohist6rico que e1e demonstra, com bastante evidencia - e da qual ele se apro­pria incondicionalmente como bern mastra a sua tese na pagina setenta, quenada mais edo que uma conseqUencia disso, Se nos perguntamas pela maneira

? Veja-se0 ",,,,rr,,10 ra pagjm 71 Qnfdor, "a~a dedsiva", em Ultima jmtlo::la, das con­di¢es~ sabre 0 desenvolvlmmto da arqaltemra (urn case melo corrplicado, e que di­ficilmenre pode ser mostrado de manei ra oonvincente, mas que, mesmo ass Im, proc:ura fundamen­tar-se em argumen!a9OeS objetivas e rears, estl em contradi~o com acpele "carater" formal do prin­cipio) - AqJeIe procedimento diplomltlco tipico, que cbamamoo de 'falta de dareza", pe",ebe",,,.ncvarrente nestl almra da argumen~o, e peRebe".,. em expreo.sOes como em "depaod!tv:ia defazer urn regreseo", "inIlumcla sobremaneira" que sao expreo.sOes _ permten a Stunmler umasaida, case for recessano, IX) sentid<> de _ poder afitmar _ eIe, de manei ra aIgnma, afinnavaurn"oondidonamento eeooomi.con (como, indisaJtiveJ.mente, e 0 case> na argumen~o de urn "ma­tertalista" no senlido esutto do tertrD). Mas, em Ultimaanatlse, wdo lsso serJa fOf111J1ado de maneira"matedalisra dernais" para sranvnler, para cpe possa ser utiUzado poe ele.

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com que Stammler chegou a esta aflrmacao, muito provavelmente - pois cer­rezas ab501utas difidlmente encontram-se no seu livre - chegarnos :l conclusaoque em tudo isso deve haver alguns silogismos falsos - sofismas. Muito pro­vavelmente e em primeiro lugar, Stanunler teve a vaga ideia - pelo rnenos eaquilo que podemos deduzir de muitas de suas colocacoes - que as ciendasnaturais "exatas" trabalham com a idem da "reducao" das qualidades a quanti­dades ou, para exemplificar, da "reducao" de fenomenos como luz, calor, e sometc. a processes de movimento de "unidades" ultimas, que seriam sem quali­dades e materials, e, pot causa disso, alimentariam a ideia de que apenas aque­las modificacoes quantitativas da materia seriam "realidades" verdadeiras, masas "qualidades" nao seriarn nada rnais do que 0 "reflexo subjetivo" delas naconsci~da e, portanto, nao teriam 0 carater de "realidades verdadeiras". Bernde acordo com esta coloeacao, opina Stammler, seriarn, de acordo com a dou­trina do materialismo hist6rico, as (micas coisas "verdadeiramente reais" na vidahist6rica, a "materia" ("as condic;;Oes e os interesses economlcos" e as suas "mo­dificat;Oes") e todo 0 restante nada mais seria do que 0 seu "reflexo" e "supe­restrutura" ideol6gica. ~ muito conheddo que esta analogia, que esta totalmenteerrada e que dentificamente nao tern valor nenhum, real mente ainda dominaas mentes de alguns "partidarios do materialismo hist6rico" - e parece-nos quetarnbern 0 pensamento do nosso aliter. Mas, no que se refere a Stammler, en­contrarnos ainda urn outre soflsma - urn falso silogismo - que alias j3. cxrmentamos, Visto que falamos de maneira irnprecisa e ate, indubitaveImente, demodo diretamente errado, da lei causal, muito facilmente se apresenta a "sen­tenca da razao sufldente", pelo menos na sua formulacro mais geral, como sen­do a mais elevada generalizacao que e possfvel dentro des lirnites dos feno­rnenos empiricos, ou como, para usar outros termos, a ''teoria'' mais ahstradada ciencia empfrica, wjos "casas concretes de aplicacao", que tern "validade"para deterrninadas condicoes particulates, seriam, consequenterneote, "leis danatureza". A "lei da causalidade", interpretada desta maneira, certarnente naoaflrma nada sabre a realidade de qualquer situa~o concreta Mas - muito fa­cilmente chega-se :l esta opiniao - deveria surgir, quando nos a aplicamos arealidade concreta, uma sentenea primeira de validade absolutarnente universal,uma "lei geral", portanto, aljo contel1do objetivo nao pode ser outre do que"a lei causal" que foi aplicada e tern validade para os "elementos" mais simplese mais gerais da propria rea1idade concreta, Seria algo como uma "formula douniverse" como e 0 sonho de alguns adeptos do naturalisrno. Os processes par­ticulares da realidade concreta seriarn, "ern Ultima instanda", a lei causal que"atua" sob condicoes particulares, como; por exemplo, a 6lbi.ta da terra nadarnais e do que urn caso particular da "validade" da lei da gravitacao, Nuncaencontramos no livre de Stamm1er uma formulacao explfdta desta confusao en­tre leis da natureza e "categorias", confusac alias que nao honra muito urn dis­cipulo de Kant - como constatarnos anterionnente - e ele muito provavel­mente faria altos protestos se sugenssernos que seria esta realmente a sua po­sir;<io. Mas, neste caso, deveria fazer a pergunta quanto a que outra rnaneirapoderia ser explicada como tal, por exemplo, a afirrnac;ao totalmente "absurda"que ele escreveu nestas duas paginas, aqui comentadas (p. 70, penultimo pa-

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ragrafo), juntamente com a sua Ideia, ja bastante conhecida, de que a teoriamais geral de uma cienda seria 0 seu "prindpio formal", e, finalmente, a suaeterna e continua confusao entre "pontos de vista" e "principia; metodologicos"com (no sentido kantiano) "formas" transcendentais e, portanto, apriorfsticas,isto e, pressupostos logicos da experiencia?

Seja como for, a afirmacao sabre a necessidade de urna lei geral que, emtodos os casas, seria constitufda a partir do ponto de vista unitario para a to­talidade de todos 00 fenomenos da realiciade social, que deveriam ser explica­dos causalmente, traz resultados perturbadores, como tarnbem a ideia de quea "generalidade" mais elevada seria a "forma" do ser e, ao mesmo tempo, doconhecimento cia realidade social como a sua respectiva "materia". Ao subs­tantivo "materia" corresponde 0 adjetivo "materialista", e, portanto, e possfvelconstruir urn conceito de uma "concepcao materialista cia hist6ria", cuja parti­cularidade chega ao cCimulo da afirmacac de que a "forma" da vida "historica",au - 0 que para Stammler e usado como sendo urn sinonimo - da vida "so­dal", seria determinada pela "materia" desta mesma vida. A nosso ver, esta "con­cepcao" nao tem nada em comum com aquilo que se chama costumeirarnente"materialismo hist6rico" e 0 que tarnbem Starnmler repetidas vezes assim 0 de­nominou. Pois esta claro que, no sentido desta terminologia, todos os elementosparticulates (para usar 0 termo de Stanunler) cia "vida social", portanto, a reli­giao, a polltica, a arte, a cienda, cia mesma forma que a "economia", perten­ceriam a "materia", ao passo que 0 tradicional e assim tambern chamado ma­terialismo hist6rico, pela afirmacao do 'fator economico", seria determinante pa­ra todos 00 outros elementos, diz apenas algo sabre a dependencia de umaparte da "materia" de uma outra parte da materia, mas, de maneira nenhuma,algo aflrrna sobre a dependencia da "forma" da "vida social" - no sentido novodo termo - da "materia" da rnesma vida sodal. Pois, quando a tradidonalmenteassim chamada concepcao rnaterialista cia hist6ria diz que determinadas oposi­c;Oes entre pensamentos politicos e religiosos,.. "apenas seriam a forma" dentroda qual se manifestam 00 "interesses conflitantes materials", au quando se de­nomina os fenomenos da luz do calor da eletricidade, do magnetismo etc. comodiversas "formas" da "energia" - entao e mais que 6bvio que a palavra "forma"aqui tern exatamente 0 sentido oposto do que 0 existente naque1a argumenta­«;:10 de Stammler. Pois, enquanto na argumentacao de Stanunler, designa-se 0

"formal" como sendo 0 unitario, 0 generico, 0 "geral fundamental" em oposicaoa variedade do "conteudo", aqui 0 termo "forma", diferentemente, denominaexatamente aquilo que muda e a variedade do "fenorneno" pot tras da qual seesconde a unidade do verdadeiramente real. As "formas" que se modificam nosentido da concepcao materialista da hist6ria sao aqui predsamente aquilo queStammler designa com 0 termo "materia". Percebe-se, portanto, como e perigosousar categorias tais como "forma-conteudo" sem fazer interpretacoes ambfguas.Mas e exatamente a ambigCridade que e 0 elemento mais tipico de StammIer,pais exatamente e1a e apenas ela possibilita, no seu procedimento escolastico,"pescar nas aguas turvas'', Este continuo USO ambfguo e sempre modificado dedois conceitos profundamente diferentes de "materialista" faz com que seja pas­sfvel para Stammler afirmar, por exemplo (p. 37), que a religiao e a moral, a

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...arte e a ciencia, ideias sodais etc. dependem da vida econornica, do mesmomodo, na CP, 64 e segs.) apresenta como exemplos da validade da concepcaomaterialista da hist6ria, por urn lado, 0 condicionarnento econ6mico das C1U­

zadas, a recepcao do direito romano etc. e, par outro lado, 0 condidonamentopolitico cia vida camponesa. Mas, em seguida, em outras passagens, como, porexemplo, na pagina 132, procede bern diferentemente, designando como "ma­terial" a "colaboracao entre os homens que teria por objetivo a satisfacao denecessidades" (isto e, conforme pagina 136: a "procura do prazer e 0 evitar 0

desprazer") e, em seguida procura rnostrar que seria possivel explicar totalmentea partir dlsto "0 decurso empfrico da vida humana" (p. 136, penultimo para­grafo), rejeitando, de maneira decidida, a possibilidade de qualquer separacaodentro desta "materia" de acordo, talvez, com 0 "tipo" de necessidades que de­veriam ser satisfeitas (p, 138) e confonne cs "meios" (na medida em que hajarealmente uma "cooperacao") que sao empregados (p. 140). E, destarte,Stammler pensa que a uso de urn tal conceito de "material" (em oposicao ao"formal") da vida social seja apto para "refutar" 0 materialismo hist6rico queopera com urn conceito totalmente diferente de "material" (em oposicao, emprimeiro lugar, ao "ideol6gico"). Mas, talvez, nestas colocacoes, tenhamos nosadiantado urn poueo.

Nos cornentarios que constam na pagina 125 e nos seguintes, aos quaisnos referimos em nossos exemplos, Stammler ja havia introduzido urn sentidomais estreito da oposicao "conteudo - forma", que, na sua opiniao, teria va­lidade especificamente para a "vida social" e seria ate particular e constitutivoda vida social. Expliquernos, em seguida, este conceito, e elaboremos 0 nucleopositivo desta teoria, ja que flzernos ate agora tantas cnticas nas explicacoesde Stammler. Mas Stammler talvez n05 objetaria (ou pelas palavras dos seuspartidarios) apesar de todas as nossas coservacoes anteriores: "Eu consegui rnis­tifica-los, pois eles me levararn a serio, Obrigado pelas circunstancias, usei nurnprimeiro momento a linguajar do matertalismo historico, - mas e exatamentea meu objetivo mostrar 0 absurdo deste linguajar conceitual, na medida emque eu a faco desaparecer no terreno pantanoso da sua propria confusao, Con­tinuem com a leitura e voces perceberao a autodissolucao desta concepcao eao mesmo tempo, em substttuicao a ela, uma nova e pura teoria. Eu, 0 profetadesta teoria, par assim dizer, inc6gnito, 'uivava apenas com os looos",

Obviamente, a imitacao - se e que podemos afirmar tratar-se de uma ­seria de certa bonornia suspeita, mas poderfamos, sem dUvida, levar em con­sideracao a possibilidade desta "mistifica¢o nossa" par parte de Stammler. Eleevita sistematicamente nos explicar sem ambigUidade, onde terrnina a concep­¢o materialista de historia e onde corneca a colocacao de Stammler. E e1e ter­rnina 0 prirneiro livro de sua cora, que ate agora foi unicamente a ooieto danossa analise, com a seguinte observacao solene "carmina non prius audita".Vamos ver, entao, 0 que Stammler nos oferece de coisas boas. Mas talvez fossebom nao esquecer totalmente a atitude cetica que fora provocada pelas provasescolhidas ate agora, e, tambem, ter na mem6ria a rnaneira como determinadascategorias fundamentalmente diferentes sao confundidas, mesmo em ocasioesnas quais stammler nao apenas falava 0 linguajar do rnaterialismo hist6rico.

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E finalidade declarada de Stammler mostrar que a "cienda da vida social"e uma ciencia fundamentalmente diferente das "ciendas da natureza", insistindono fato de que ele provar:i que e logicamente inevttavel perceber que 0 objetoda "vida social" e totalmente diferente do da "natureza", e que, em coosequen­cia disto, deve haver urn prindpio metodol6gico para as ciendas sociais quedifere fundamentalmente do prindpio metodo16gico das ciencias naturals, ]aque a opostcao parece ser do modo de uma alternativa exclusiva, seria, natu­ralmente, da mais elevada importancia, estabelecer com unfvoca c1areza 0 quedeve ser entendido pelos conceitos de "natureza", "dencias naturais" e "rnetododas dendas naturais". Que woo isso nao e evidente pot si proprio e 6bvio,percebe-se claramente quando pensamos nas discussOes 16gicas dos ultimosanos - dlscussoes que, parece-nos, Stanunler nao conhece multo bem, ouconhece apenas superficialmente. Mas, temos de conceder rea1mente, de ante­mao, que nos usamos estas palavras como "natureza" 00 "cienda natural" de­masiadamente, com urn descuido impreciso, acreditando talvez que 0 seu sen­tido no caso concreto 000 seja ambfguo. Mas esta ingenuidade pode vingar-se,e para alguern que estrutura toda a sua teoria a partir de uma oposi~o con­ceitual insuperavel entre os objetos de "natureza" e "vida social", pelo menosapresenta-se como uma questao vital (ou de vida e motte) a pergunta quantoao "0 que" deve Set entendido, em Ultima instancia, par "natureza". Aconteceque, par "natureza" costumeiramente e no linguajar popular, se entende variascoisas. (01) a natureza "marta" (00 inanimada), au (02) esta natureza em opo­si9io a fenomenos de vida "especificamente humanos", ou (03) 05 dais ooleros,e alem disso, tarnbem aqueles fen6menos de vida, seja do tipo "vegetativo" 00do tipo "animal", que 0 homem tern em comurn com 0 animal, admitindo, Db­viamente, as atividades de vida "mais elevadas" ou "espirituais" que sao espe­cificas da espede humans, Levando em conslderacao estas diferencas, poderia­mas dizer que 0 limite do conceito "natureza" situar-se-ia em dependenda apartir do objeto a Set destacado dentro da totalidade dos fenornenos empiricos,ou seja, se isto se faz (admitimos que ha uma grande trnprecisao em tudo isso)em diferenca a (01) referente a (01) "Fisiol.ogia" (fisiologia de plantas Oll ani­rnais); 00 (02) referente a (02) "psieologia" (psicologia dos animals 00 dos sereshurnanos), au (03) referente a (03) as disciplinas empfricas dos "fen6menos cul­turais" (etnologia e "hist6ria cultural" lato sensu). Consegue-se elaborar urn se­gundo conceito de "natureza" que e, logicamente falando, diferente do primeiro,se se classifica a investigacao da realidade empfrica do ponto de vista do "geral",das regras empfricas atemporalmente validas ("leis naturals") como sendo "den-

. das naturals", enquanto, com referenda a mesrna reaIidade, a investigacao quese interessa diferentemente pelo "individual" no seu condidonamento causal,surgem como oposicoes: 0 decislvo, neste modo de ver, e a maneira da Db­servacao, neste caso 0 contrario a "natureza" e a "hist6ria" e outras dendascomo par exemplo a "psicologia", a "psicologia social", a "sociologia", a "eco­nomia social te6rica", a "ciencia de cornparacao das religi5es" e a "jurispruden­cia comparativa" pertencem as "dendas naturals", enquanto as disciplinas dog­maticas nem podem ser enquadradas neste esquema de ciencia, Finalmente'l

8 "Flnalmente" nilo slgnifica, nesta passagem, que se trata de uma enumera,.ao exausnva dos<X>B:ei.t06 possfvei.s e efetivamente em "uso" do tenno "na1UreU". ~-se tambem p. 332, e p. 382e segs,

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surge urn terceiro conceito de "ciencia natural" e, com isso, tarnbem, pelo me­nos de modo indireto, de "natureza", quando se opoe a totalidade das disci­plinas que pretende apresentar uma "explicacao" empfrico-causal aquelas disci­plinas que perseguem fins cognitivos de natureza dogrnatica, ou "normativa",de analise conceitual: a logica, a etica te6rica, a estenca, a maternatica, a dog­matica jurfdica e as dogmaticas metafi'sicas (e teolOgicas). Neste caso, 0 que ededsivo e a oposicao das categorias "ser" e "dever-ser", e, neste caso, obvia­mente a totalidade dos objetos das "dendas hist6ricas" inclusive, per exemplo,a hist6ria da arte, a hist6ria dos costumes, a hist6ria das economias e a hist6riado direito, sao colocados sob 0 r6tulo de "ctencias naturals", cuja abrangenciadependeria, basicamente, do fato de a investigacao trabalhar com a categoriade causalidade,

Mas tarde voltaremos a esse assunto, apresentando mais dois possiveis con­ceitos de "natureza": mas interrompemos, per enquanto, 0 nosso radocfnio,acreditando que ficou 6bvio que ha uma ambiguidade no entendimento deste"conceito". Levando em consideracao este fato, temos de ver sempre em quesentido este conceito e empregado por Stammler quando ele fala da oposicaoentre a "vida social" e a "natureza", Em seguida investigaremos, em primeirolugar, as caraeteristicas dedsivas e constitutivas desta antitese "natureza" e "vidasocial", pois e exatamente esta anntese que e a base de toda a argumentacaode Stammler.

4.

A caraeteristica dedsiva da "vida social", de sua particularidade "formal",consiste, de acordo com a opiniao de Stammler, no fato de que se trata deuma convivenda em "confonnidade com regras", de relacoes rmmias, regidasper "regras extemas". Varna; logo parar aqui e fazer a pergunta, antes de acorn­panhar os reciocfnios de Stammler: 0 que deveria ser entendido por terrnos co­mo "regrada" e "regra"? Por "regra" podern ser entendidas, em primeiro lugar:(1) afirmacoes gerais sobre conexoes causais, "leis da natureza", portanto. Pre­tende-se entender por "leis" apenas sentencas causais genericas de rigor abso­luto (no sentido de nao haver exceeoes), entao surgem varias possibilidades:a) Podemos ficar com 0 termo "regra" para todas as aflrmacoes de experiencia,que naopossam ser enquadradas neste rigor. b) E obviamente, mais ainda paratodas aquelas assim denominadas "leis empfricas", para as quais nao podemosafirmar nao haver excecoes, mas tern 0 necessario condicionamento causal,mesmo sem 0 entendimento sufidente sobre 0 fato de haver eventualmente ex­cecoes. Por exemplo, e uma "regra" no sentido da "lei ernplrica" (referente ab, portanto) que os homens "necessariamente vilo morrer", e e uma "regra" nosentido de uma afirmacao de experiencia geral (referente a a), que uma bofe­tada vai provocar, adequadamente, determinadas reacoes per parte de urn estu­dante (Couleyr) que a recebeu Por "regra", podernos tarnbem entender uma"norma (2), na qual serao medidos acontecimentos atuais, passados e futurosno sentido da "ernissao de urn juizo de valor". Trata-se, oeste caso, de afirrna-:9Jes gerais de urn "dever-ser" (no sentido l6gico, etico ou estetico), em opo-

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sir;ao ao "ser" empirico, que sao os "objetos" unicos de uma "regra" entendidano primeiro sentido. No segundo caso, a 'vigencia" de uma regra significa urnpostulado imperativo geral,9 rujo conteudo e a propria norma No prirneiro ca­so, "a vigencia" da "regra" significa apenas a pretencao a "validade" da afirma­r;ao de que a respeetiva regularidade factica esta "dada" e presente efetivamentena realidade empfrica au que seia deduzfvel via generalizacao,

Ao lado destes dais significados fundamentais e simples do conceito deregra - "regra" e "norma" - encontramos ainda outros que nao se enquadramfacil e totalmente nos dais primeiros sentidos ja cornentados, A estes tipos deregra pertence, em primeiro lugar, aquilo que se chama costumeirarnente de"maxima" do agir - Defoes Robinson, por exemplo, executa, no Sell isolamen­to, de acordo com as drcunst:1ndas de sua existencia, uma economia "racional",e isto significa sem duvida alguma, que ele submete 0 Sell gasto de hens e 0

seu ganho de hens a determinadas "regras" e, mais especificamente falando, adeterminadas regras "economicas", Conclulrnos antes de mais nada, deste fato,que e supasto que a "regra" econornica, conceitualmente falando, apenas po­deria pertencer e ser pr6pria da "vida social", ou seja, que esta e urna opiniaoerrada, qual seja, a de que uma "regra'' s6 poderia existir quando ja uma maioriaou multiplicidade de sujeitos estejam submetidos a esta "regra"lO - obviamente,se for possivel como tal querer provar alga com Robinson. Sem duvida, Robin­son e urn produto irreal da poesia, um ser conceitual, poderfarnos dizer, como qual 0 "escolastico'' gosta de argumentar. Mas ternos de ver, em primeiro Iu­gar, que tambem Stammler e urn escolastico e, por isso, obviamente, tern deadmitir que os seus leitores 0 tratam da mesma maneira como ele a seus lei­tores, e mais ainda: se se discutem delimitacoes precisas de "conceitos" e aconceito de "regra" e tratado como sendo constitutivo logicamente para a "vidasocial" e quando, alern disso, se acrescenta que 'fenomenos economicos'' abor­dados "conceitualmente" somente seriam algo pensavel em terrnos de funda­mento em "normas" (regras "sociais"), 0 que StarnmIer afirma nao deveria serentendido como sendo uma "brecha" no "conceito" que se exempli fica com urnser construfdo como Robinson, apresentado como uma "possibilidade de poderexistir" sem contradicao 16gica. E para Stammler fica muito mal, se ele, preve­mndo-se, objeta contra isso (p. 84), que urn Robinson seja possivel de ser cons­truido causalmente como produto da "vida social" da qual, ele, por acaso, SUf­

glu: ele mesrno, par outro lado, fez sermoes, com todo 0 direito, mas talveztambern aqui com pouco, sabre 0 fato de que a origem causal da "regra" sejaalgo totalmente irrelevante para a sua essenda conceitual. Ese Stammler, ade­mais, insiste (p. 146 e muitas outras) no fato de que urn ser particular imaginadodeste modo possa ser explicado por meio das "ciencias naturals", ja que oob­jeto cia discussao vern a ser a "natureza e a sua dorninacao tecnica" (NB), temosde Iembrar ao leitor, em primeiro lugar, a ambigl1idade e os muitos sentidos

9 Se oecessariamente deve Set "geral", deixarnos, por enqJanto, sem comentario.10 Para a "regra" entendida no sen1ido de nonna etica, compreende-se q;ase cpe automati­

camente que esta regra, cooceitualmente falando, mo se restringe ao"ser social" (veja-se, por exem­plo, 0 paragrafo 175 do RSLGB, case oomero dais).

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-possiveis des concertos de "natureza" e "ciencia natural": qual destes rnuitossentidos, Stammler, nesta passagem, tern em mente? Em seguida, ternos de lern­brar ao leitor sobretudo a fato de que - se a que importa unicamente e acanceito de "regra'' - a tecruca e exatamente urn procedimento cooforme re­gras que forarn elaboradas a partir de "determinados fins". A "cooperacao" dasvatias partes de uma rnaquina, pot exemplo, se cia no mesmo sentido "16gico"que a colaboracao entre os seres humanos, seguindo "regras que foram elabo­radas pot seres humanos", como tarnbern a colaboracao forcada de cavalos ede escravos, ou, finalmente, da colaboracao "livre" des seres hurnanos numafabrica. Neste ultimo caso talvez seja a "coercao psiquica" que faz com queo operario coedeca a ordern do meeanismo global, ou seja, a "ideia" de queseja expulso da fabrica no caso em que ele nao ooedeca "regras estabelecidaspara 0 trabalho", ou imaginar a earteira vazia frente a familia que passa fomeetc. e, ainda eventualmente, talvez provocada por outras "imaginacoes'' e ideias,de natureza etica, por exemplo, au pelo simples C05tU1lle. No caso do meca­nisrno global entre as partes da rnaquina, diferentemente, se trata apenas daqualidade ffsica e qu1mica das mesmas partes. Temos de ver daramente queestas diferencas nao significam nada para a sentido l6gico do conceito de "re­gra". As ideias na mente de urn operario, 0 seu "conhecimento de experiencia",isto e, a sua alirnentacao, a Sell vestir-se, a calefacao, dependem do faro deele falar certos C6dig05 cornbinados e do fato de dar outros sinais igualmentecombinadas (que, se usarmos a linguajar do jurista, constam no chamado "con­trato de trabalho"), e do fato de, em seguida, tarnbem fisicamente se adapta aeste mecanismo ate em determinados movimentos musculares. Se eIe faz tudoisso, tem a oportunidade de, periodicamente, receber determinados "objetos demetal" (moedas) ou papeis, as quais, se colocados em rnaos de outras pessoas,fazem com que ele consiga obter pao, carvao e calcas etc. Tudo com 0 resul­tado de que, se alguern tentasse the tirar tudo isso, e se ele pedisse a ajudades outros, muito provavelmente surgiria uma rnultidao de pessoas com pica­retas e outros instrumentos para lhe ajudar. Toda esta sene de complicados com­plexos de raciocfnio, pode ser comprovada na mente dos operarios com grandeprobabilidade. E 0 rnesrno acontece tambern com os donos das fabricas quelevarn em consideracao como fatores causais a cooperacao das forcas mus­culares humanas no processo tecnico de producao como, por exemplo, 0 peso,a dureza, a el.asticidade e muitas qualidades ffsicas dos materials e das maqui­nas, como tarnbern as qualidades ffsicas daquelas maquinas que serao movi­mentadas por esta. Uns e outros podem ser considerados - no mesmissimosentido 16gico - como condicoes causais de urn detenninado resultado "tec­nol6gico" - como, por exemplo, a producao de X toneladas de ferro a partirde Y toneladas de rninerios num tempo Z. E, em ambos os casas, a "cooperaeaoconforme regras" e, no identico sentido 16gico, uma "pre-condicao" daquele su­cesso tecnico": nao hi irnportancia nenhuma, se nos primeiros casas ha a pre­senca de "processes conscientes" e nos segundos cases, nao, Se, portanto,Starnrnler opoe consideracoes "tecnicas" a "consideracoes das "ciencias socials",em todos os casas, 0 criterio dedsivo para isso nao pode consistir na "presenca"

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de regras de eooperacao, 0 dono da fabrica leva em consideracao e calcula 0

fato de que hi pessoas que tern fome e que talvez sejam impedidas JXlf outraspessoas com a sua picareta de empregar neste sentido a sua forca fisica, paraconseguir os meios necessaries para sadar a fome. Aceita-os simplesmente nolugar de outros, da mesmissima forma como urn cacador leva em consideracaoa qualidade do seu cachorro. E, da mesma forma como 0 cacador espera queo cachorro reaja de uma certa maneira ao seu apito ou depois de urn tiro facadeterminadas coisas, assim tambem espera 0 empresario que a afixacao de umadeterrninada ordem de trabalho tenha, com maior probabilidade, urn deterrni­nado efeito. Bern semelhante ao comportamento "economico" de Robinson nasua ilha, no que diz respeito as "reservas de mercadorias" e aos "meios de pro­ducao", e tarobem - para dar mais urn exemplo - a maneira como uma pes­soa particular do nosso presente dispoe das moedas que tern (pedacos de me­tal) no seu balsa, ou as quais, conforme determinadas possibilidades e certoscalcolos, tern a "chance" de, eventualmente, ficar no seu bolso atraves de de­terminadas manipula¢es (por exemplo, escrever algo num pedaco de papel,que se chama "cheque", au pelo destacar de urn rnpom numa determinadaloja, os quais e1e sabe que sao empregados de detenninada rnaneira, tern 0

resultado de que consiga obter determinados bens, que ve par tras das vitrinase em restaurantes, os quais e1e sabe - por experienda pr6pria e pessoal aupor ensinamento - que nilo os pode pegar sem mais nem menos, sem quedeterminadas pessoas com "picaretas" (polidais) venham e 0 coloquem atrasdas grades. Como e possivel que aquelas "placas de metal" - moeclas - pos­suam tal particular qualidade e capaddade? Nilo e necessario que 0 individuoo saiba, tarnpouco precisa saber como se explica 0 fato de que consegue andar:ele pode contentar-se com a ooservacao feita desde a infanda que as pernasdesenvolvam esta capacidade com uma reguIaridade como tarnbern, par exem­plo, 0 fato do aquecedor aquecer 0 quarto e que no rnes de julho normal mentefaz mais calor do que no rnes de abrtl. De acordo com este conhecimento da"natureza" do dinheiro, 0 individuo organiza 0 seu uso, administra 0 dinheiroe e1abora "regras" para 0 seu gasto, Como urn indivfduo concreto faz, de fato,esta elaboraeao de "regras" ou como fazem os mllhoes e milhares de individuos,baseando-se em "experiendas pr6prias" ou em "experiendas transmitidas dasmais diversas maneiras" e as suas respectivas conseqaendas no metal (au nosrespectivos "pedacos de papel") - tudo isso, conforme Stammler, deveria sertambern a tarefa de uma reflexao 'tecntco-ctentfftco-natural", e nao urna das"ciendas socials", tudo isso observar e na medida do possivel entender, paisaqui se trata de uma expllcacao do comportamento dos indivfduos concretes.Pois estas regras, de acordo com as quais os individuos procedem, sao "maxi­mas", como no caso de Robinson, que se apoiam na sua eficlda de inlluenciacausal referente ao comportamento empfrico do individuo, par "regras de ex­periencia" que eles mesmo descobriram ou que eles aprenderam com a ajudade outros, mais au rnenos da seguinte maneira: se eu fizer :x, vai acontecer Y,de acordo com "regras de experienda", Com base em tais afirmacoes de "ex­periencia", faz-se 0 "agir regrado par fins" de Robinson - como tarnbem a do

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capitalista. A complexidade das condicoes de existencia com as quais este Ul­timo pode "esperar", pode ser, em relacao as de Robinson, imensa - mas nasua dirnensao logica nao ha diferenca nenhuma. Urn e outro tern de calcular amaneira costumeira de reagir aos seus "nao-eus" em relacao a determinadoscomportamentos que tern Que, nurn caso, se encontrem entre estas apenas"rea<;C>es bumanas" e, em outro, apenas reacoes de animais, plantas e objetoscia "natureza nao-animada", isso nao faz diferenca nenhuma na essencia "logica"da maxima. se a comportamento de Robinson nao e urn "comportamento eco­n6mico", como Stammler acredita, mas apenas uma "tecnica", e, par isso, naopede sec objeto das consideracoes das "dendas sodais", entao, logicamente,tarnpoUCO e objeto destas dencias 0 comportamento de urn determinado indi­vfduo com relacao e uma multipliddade de pessoas, de qualquer grope quesejarn, enquanto nao seja investigado com referenda aos "efeitos" provocadospela "regularnentacao" de determinadas rnaximas "economicas". A "economiadomestica'' au "a" "econornia particular" - poderiamos dizer, para escolher urnautro exemplo - tarnbem e regida por rnaximas, Estas, de acordo com a ter­minologla de Stammler, deveriarn ser denominadas "maxirnas tecnicas", Elas re­gulam 0 comportamento do indivfduo de maneira empfrica com uma constanciaque sernpre muda urn pouco. Mas estas "rnaxirnas tecnicas", de acordo com aafirrnacao de Stammler sabre Robinson, nao podem ser as "regras", ao nossover, das quais ele sempre fala. Mas, antes de abordar mais detalhadamente estaquestao, faremos ainda esta pergunta: Qual e a relac;ao do conceito de "maxi­rna", do qual falamos tanto, com os dais outros tipos do conceito de "regra",que mencionamos no inicio cia nossa exposicao, ou seja, por urn lado, a "re­gularidade ernpfrica", e, por outre, a "norma"? Esta questao, entretanto, exigeuma reflexao rnais ampla e geral sobre 0 sentido cia afirmacao de que urn de­terminado comportamento se darla conforme "regras".

A afirrnacao: "a minha dtgestao e normal" esta dentro de uma "regularida­de". Alguem, num primeiro momento, afirma apenas e simplesmente uma"constatacao natural", au seja, ela se cia em determinados intervalos de tempo.A "regra" e a abstracao de urn processo natural. Mas ele tarnbem pede encon­tra-se, por exemplo, numa situacao de precisar "norrnaliza-lo'', eliminando certasperturbacoes - e se ele, nesta situacao, afirma a mesma coisa, a forma externadesta afirmacao e a mesma, mas 0 sentido da afirmacao e DUtro. No primeirocaso, a "regra" significava aquilo que foi observado na natureza; no segundocaso, a "regra" signifies aquilo que deveria ser de acordo com a "natureza" au"regra pretendida". Regularidades observadas e regularidades pretendidas po­dem, de fato, ser ate identicas, e, se este fosse 0 caso, sem duvida, seria bornpara 0 respectivo individuo, Mas, conceitualmente falando, continuam sendoduas coisas bern diferentes: uma e urn faro empfrico, a outra, urn ideal preten­dido, au, ern outras palavras, uma "norma", a partir da qual serao rnedidos osfatal atraves de uma "avaliacao", A "regra ideal", par sua vez, pede desernpe­nhar a sua funcao de duas maneiras diferentes. Por urn lado (1) podemos per­guntar qual seja a realiclade factica que the poderia corresponder, e, par outrelado, (2) e em seguida, que medida de regularidade factica, atraves de umapretensao causal, levou a que resultado. Pois 0 fato, par exernplo, de que al­guem faca aquela "rnedicao" de acordo com normas higienicas, e se ortente

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par elas, e, obviamente, urn dos compon.en~e:' ca~ais cia regu~aridade empfricaque deveria ser observada na sua ~onsutUly!O ftsica, Esta ultima, no caso. hi­poteticamente colocado, foi influenciada causalmente por uma irnensa multipli­ddade de condicoes, entre as quais se encontra tambem 0 remedio que lhetomou para atingir a "norma" higienica, A "maxima" empfrica cia ideia da "nor­ma", como se ve, atua como agens real cia acao, A situacao nao e nem urnpouco diferente quando se trata cia "regularidade" do comportarnento dos ho­mens em face dos bens materials e de outros seres humanos, especialmente,no que diz respeito ao comportamento "econ6rnico". Que Robinson e 0 capi­talista, dos quais falamos, apresentem urn certo cornportarnento concernente aosbens materiais e as reservas ern dinheiro, cia maneira que este comportarnentose nos apresenta, aparentemente, como urn comportamento "que se baseia emregras", pode ser para alguem 0 motivo para formular teoricamente aquela "re­gra" que, na nossa opiniao, pelo menos parcialmente, possui influencia deter­rninante sabre aquele comportamento: como 0 "principia do lISO maximo pas­sivel de racionalidade", por exemplo. Esta regra ideal, neste caso, contern umaafirrnacao doctrinal te6rica sabre aquilo que e 0 conteudo cia "norma", confor­me a qual Robinson "deveria" proceder se ele pretende, como tal, observar 0

ideal de urn "agir radonalmente orientado pelo fim", Ao lado disso, podernostrata-la como urn "padrao de avaliacao". Obviamente nao se trata de uma ava­liac;ao no sentido "etico", mas "teleoI6gico" que pressup6e como urn "ideal" aac;ao "radonalmente orientacla por urn fim'', Mas, par outro lado, e de maneiradestacada, ela funciona tambem como urn princtpio heurfstico, para que se con­siga perceber na a9io empfrica de Robinson 0 efetivo condicionamento causal- se pressupomos ad hoc a existencia real de semelhante individuo. Neste ul­timo caso, ela serve como construcao "ideal-tipica", e n6s a usamos como hi­p6tese cuja comprovacao deveria ser "verificada" nos "fatos'', Desse modo, aju­dar-nos-ia apreender a causalidade efetiva do seu agir e 0 grau de aproxirnacioao ''tipo ideal"11.

Para 0 conhecimento empirito do comportamento de Robinson deveria serlevada em consideracao aquela regra cia "ac;ao radonalmente orientada por urnfirn" em dais sentidos bern diferentes. Por urn lado, au, em primeiro lugar, comopossibilidade, como partes das "rnaximas" de Robinson que constituem-se emobjel:o cia investigacao, portanto, como agens real cia sua ac;:ao ernpirica. Porautro lado, e, em segundo lugar, como "repert6rio real conceitual e de conhe­cimentos'', a partir do qual 0 pesquisador enfrenta a sua tarefa: 0 saber de urn"sentido" idealmente posstvel cia sua ac;ao the possibilita 0 conhecimento em­pfrico deste. As duas coisas devem ser distinguidas logicamente com muito ri­gor. No fundamento empfnco, "a norma", indubitavelmente, e fator determinan­te do devir, mas e exatamente apenas uma, logicamente falando, no mesmosentido como no "restabelecimento do normal" na digestao, 0 consumo indi­cado "normativamente" do remedio e, portanto, a "norma" que 0 medico indi­cou, e apenas uma, e exatamente uma entre muitas outras, das deterrninantesdo resultado efenvo. E esta determinante pode deterrninar a ac;ao em graus di­versos da certeza de sucesso, Quando urna crianca "aprende" a andar, a higiene,

11 Sobre 0 sentido "l6gioo" do tipo ideal, veja-se pagina 190 e pagioas seguintes deste volume.

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evitar comer coisas prejuelidais a saude, ela "assimila" simplesmente "regras"de acordo com as quais ela ve que se processa a vida de outras pessoas; "apren­de" expressar-se corretamente na sua lingua, "aprende" lidar com a "vida dosneg6cios", e "apreende'' tudo isso, parcialmente (1) sem formulacao subjetiva01..1 explicita da "regra", de acordo com a qual ela age realmente - e naturalque com certas variacoes -, e parcialmente (2) com 0 fundamento em certouso de "afirmacoes de experiencia" do seguinte tipo: sob determinadas condi­r;5es, 0 Yeo resultado de :x, e, pardalmente (3) porque hi uma interiorizacaoda opiniao de que a "regra" e uma "norma" de validade absoluta, fato que foio resultado da "educacao" 01..1 0 de uma simples Imitacao que, em seguida, foielaborada de maneira mais "consciente" pela reflexao pessoal e/ou pela "expe­riencia de vida". Se se afirrna, pensando nos ultirnos casos (2 e 3), que a res­pectiva regra etica, convendonal ou teleologica, seria a "causa" de uma deter­minada ac;ao, encontramo-nos diante de urna expressao relativarnente impredsa:a razao nao se baseia na "vigencia ideal" de uma determinada norma, mas naimaginacao empfrica, na ideia empfrica daquele que age e acredita que a norma"deveria ser valida'' para 0 seu comportamento. Esta colocacao tem a sua va­lidade referente as "norrnas eticas" como tarnbem para as normas cujo "deveriaser valido" nada rnais e do que "algo convencional" 01..1 algo como uma "sabe­doria geral". A regra convendonal da saudacao, por exemplo, par si s6 faz comque a minha mao desnude a minha careca, se eu me encontro com urn dosconheddos - mas, esta, por sua vez, esta acostumada a fazer isso, seja porcostume apenas, 01..1 seja por urn conhecimento de experiencia do fato de que,se nao se faz isto, se e classificado como "deseducado'', fato que tern comoconsequencia certa falta de gentileza, Portanto, estamos diante de urn calculosabre vantagens e desvantagens, 01..1, finalmente, tarnbern por minha opiniao deque nao seria "decente" de nao se observar uma "regra convendonal" arnpla­mente aceita e "inofensiva" sem a existencia de uma razao forcosa: portantopor causa de uma "ideia normativa".l2

Com este ultimo exemplo, chegamos ja ao conceito de "regularnentacaosocial", isto e, uma "regra" que possui "validade" para 0 inter-reladonamentodos homens entre si, portanto, refere-se a urn conceito no qual esta sendo li­dado por Stammler 0 abjeto de ''vida social". Neste momento, nao pretendemoseliscutir a validade e a justificacao desta definicao conceitual de Stamrnler, mas,em vez disso, levamos adiante, num primeiro momento, a n05Sa exposicao so­bre a conceito de "regra", independentemente da opiniao de Stammler.

Cornecamos com urn exernplo que, ocasionalmente, tambern e mendonadopor Starnrnler para a exemplificacao do significado de "regra" para 0 conceitode "vida social". Irnaginemos que dois homens que se encontram fora de qual­quer "relacao social" - portanto, dais selvagens de tribes diversas, 01..1 urn eu­ropeu que se encontra na Africa negra com urn selvagem - e, imaginemosque estes dois fazern uma troca de quaisquer objetos. Neste caso, insiste-se ­e com direito - que se trata apenas de uma exposicao de urn processo externoque pode ser observado empiricamente: as movimentos musculares, portanto,

12 0 Ieitor deve desa.ilpar estas observacoes relatiVllmente triviais e, as vezes, fortes, ad ho­minem, que fazernos em relaeao as argumentar;6es de Stammler.

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neira consdente, comprometer-se com uma "norma" que a; obriga, ou seja, queeles tiverarn a opiniao (subjetiva) que a sua ac;ao como tal teria urn carater deobrigatoriedade. foi fundada neles uma "maxima normativa".14 au, par outroIado, apenas se pretende afirmar com isso que cada urn dos partidpantes pre­tendia alcancar pela troca determinados "sucessos", em relacao des quais a suaa9io, de acordo com a sua "experiencia", nada mais era do que urn "meio",no qual a "troca" teve urn detenninado "fim" (subjetivo). Obviamente, e bastanteduvidoso, se e em que grau, cada uma dessas duas espedes de maxirnas esta­yam presentes, ou, se no que se refere a "maxima normativa", podemos per­guntar se ela esteve presente como tal. As duvidas sao as seguintes: 1. Em quemedida as duas pessoas que fizeram a troea - pensando no nosso exemplo- tiveram realmente "consciencia" da "conveniencia" da sua a~o? 2. Em quemedida havia mna consciencia da "maxima normativa" de que a sua relacao"deveria" ser "regulada" de modo que um objeto pudesse ser "equivalente" aooutro, e de que maneira cada urn que, pela troca, conseguisse a posse de urndeterminado objeto, deveria respeitar esta situacao de posse com referenda aoobjeto que anteriomente era 0 seu, Em que medida, portanto, pensaodo oeste"sentido", era a ideia do "sentido'' cia troea (1) causalmente determinante paraa ratificacao da dedsao deste "ato de troea", e (2) ate que grau esta rnesrnadecisao era 0 grau decisivo para a ranficacao deste ate de "troea"?Indiscutivel­mente trata-se de perguntas para as quais a nossa "imagem mental" dogmatica,com referenda ao "sentido" cia "troca", nos pode ajudar muito para a formula­910 de hip6teses e tambern como "principle heurfstico", mas que, par outrolado, nao podem ser resolvidas, de uma vez por tadas, naturalmente, com 0simples comentario de que, "objetivamente falando", 0 "sentido" daquilo quefizeram, uma vez par todas, apenas seria urn "sentido" que unicamente poderiaser apreendido de maoeira dogmatics, por detenninados "principia; logicos",Pois seria, realmente, pura fic910 e tal corresponderia a hipostaseacao da "ideiaregulativa" de urn "contrato entre Estados", se se decretasse simplesmente 0 se­guinte: a; dais queriarn regulamentar as suas mutuas relacoes sociais de maneiraque correspondesse a uma "ideia" ideal de "troca", ja que nos, os que partici­pam da observacao, estamos "imputando" este "sentido" a partir de urn pontode vista dogmatico de classificacao, Poderiamos dizer cia mesma maneira -

14 Se nos enteodemos par "sentido" da troea conforme as primeiras, aqui, menciooadas signi­ficao;;6es, entre outras POSSlveiS, ou seja, no sentido de uma "maxima normativa", 0 que significaurra "regulamentaclo das relaooes" dos qJe fazem trocas, e se designamos como sendo "regula­mentacb" a relacao mutua no seu comportamenro futuro como "nonna" ideal, temos de Vel" logoque os terrros "regrado", "regulamentado" e "regularnentacao" nao necessariamente oompreendemuma subsun910 de urra "regra" geral abrangente, deixando de lado aflrrracocs como par exemplo:"oontratos devem sec cumpridos legalmente", mas isto nao significa OUlra coisa alern do faro deque a regulamentacao deve sec tratada COfTX) regularrentacao. Os dais envolvidos na troea naa pre­dsam saber oada sobre a "essencia" geral e ideal da norma de troea, ate podemos supor, even­tualmente, que dais individuos facam urn contrato cujo sentido .seja absolutarnente individual e naade car-iter geral como e ° caso da "troea". Em outras palavras 0 coooeito de "regulamentado" demaneira alguma pressupoe, logicarnente falaodo, a ideia de regras gerais de urn detenninado con­teUdo. N6s apenas corstatamos este faro, nesta altura das nossas reflexoes, e daqui em diante, con­urxiamos a tratar, por modvos de Simplicidade, a regularreotacao normativa como urn caso de sub­sun910 de regras gerais.

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levando em consideracac 0 ponto de vista "logico": 0 cachorro que latia queria,par causa do "sentido" que 0 latir tern para 0 seu proprietario, realizar a "ideia"cia prctecao cia propriedade. 0 "sentido" dogmatico cia "troca" e, para a reflexaoempirica, urn "tipo ideal" que nos estarnos usando, par urn lado, de "maneiraheunstica", e, por outro, de "maneira dassificatoria", ja que na realidade empi­rica se encontram em grande quanticlade processos que the correspondem nu­rna menor ou maior "pureza". "M.aximas-nonnativas" que tratarn este "sentidoideal" cia troca como sendo "obrigatorio", sao, indubitave1mente, uma das rnaisdiversas determinantes possfveis da ar;ao efetiva das pessoas "que fazem umarroca", mas, bem entendido, apenas uma, cuja presenca empfrica no ate con­creto, apenas euma hip6tese, tanto para 0 ooservador como tarnbem, para naoesquecer isso, para cada uma das duas pessoas que estao envolvidas na troea.E bastante natural que muitas vezes aconteca 0 seguinte: que uma das duaspessoas au mesmo as duas pessoas envolvidas na "troca" costumem tratar 0

"sentido" nonnativo da troca, 0 qual sabem que e1e e valido "idealmente" fa­lando, isto e, que deveria ser tratado como se tivesse valiclade, sem considera-locomo sendo "maxima normativa", mas, diferentemente, uma das pessoas au asduas, ao rnesmo tempo, fazem especulacoes sabre a probabilidade de validadedas "maximas": a sua "maxima", neste caso, e nada mais do que uma "maximaracionalrnente orientada nurn firn", Q..Ie 0 processo, neste caso, seria de acordocom "regras" no senti do de uma norma ideal no sentido "ernpfrico", e que osagentes socials tivessern seguido no seu comportamento determinadas relacoes,e uma afirrnacao que, empiricamente falando, obviamente nao tern sentido em­pfrico nenhum Se usamos, rnesmo assim, de vez em quando, esta expressao,defrontamo-nos com a mesma ambigUidade do tenno "de acordo com regras",arnbiguidade alias, ja encontracla no exemplo daquele homem, anteriormentecitado, cuja digestao foi artifidalmente normal izada, obedecendo certas regrasnaturals. E encontrarernos a mesma ambiguidade aincla muitas vezes. Esta am­biguidade nao e prejudicial se se tern sempre daramente em mente 0 que, nocaso concreto, entendemos por isso, Mas, obviamente, nao teria sentido ne­nhurn se denominassernos a "regra" a qual as duas "pessoas" que fizeram umatroca se submeteram (no sentido "dogrnatico" do seu comportamento) como"forma" da sua "relacao social", e, portanto, como "forma" do devir. Pois aquelaregra que foi apreendida de maneira dogmatica, ela mesma "e", em todo 0 caso,uma "norma" que pretende vigorar idealmente para a "a~o humana", mas, demaneira nenhuma, pretende ser uma "forma" de algo que empiricamente"existe".

Quem quer discutir a "vida social" como sendo empiricamente existente,nao deve, obviamente, introduzir uma "meta-base" no setor do "dever-ser dog­matico". No setor do "realmente existente", aquela "regra" do nosso exemplosornente existe no sentido de uma "maxima" entre as duas pessoas que fizerama troca, fato este que pede ser explicado causalmente e no qual pode havereficicia causal. No sentido como foi apresentado na ultima colocacao nossa(p. 322) a conceito de "natureza", poderfarnos dizer isso com outras palavras,da seguinte maneira: tarnbem a "sentido" de urn processo externo transforma-se,entendido no sentido 1000co, em "natureza", todas as vezes que se faz urna re-

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os outros nao queeem violar conscienternente as "regras de jogo" e des agemracionalmente para alcancar tun certo flm

Podemos dizer que, Indubitavelmente, as "regras de jogo" sao 0 pressupos­to de tun "jogo concreto". Mas, fazendo iSS?, tem~ de tee c~aro ? que si~~caesta concepcao para a consideracao empfnca. A regra de logo , em pnmeirolugar se apresenta como urn "momento causal". Obviamente, nao pensarnosag~ na "regra de jogo" como norma "ideal" do "direito do Skat', mas, sim,a ideia que os respectivos jogadores tern do seu conteudo e do seu eompro­misso para com ela. Tudo isto, sem duvida, pertence aos fatores que co-deter­minam 0 seu agir efetivo. Os "jogadores" normalmente pressupoem que cadaurn dos partidpantes observara a regra de jogo como "maxima" do seu proce­dimento. este pressuposto efetivo que normalmente existe - que em seguida,em nivel empfrico, sera realizado apenas em diferentes graus - enorrnalmenteurn "pressuposto" objetivo para 0 fato de que cada urn se decide, cada urn parsua vez, deixar determina-se pelas respect:ivas "maximas" - realmente, ou sede e urn "esperto", apenas aparentemente. Quem pretendesse estabelecer asconexoes causais de urn jogo concreto de Skat, deveria conceber a regra comourn fator determinante que atua constantemente de modo causal, como tarnbemtodos ex> outros fatores do comportamento concreto de urn jogador, ou seja,estar dente de que todos seguem as "regras" constumeiras como tarnbern 0 seuconhedmento referente a estas mesmas regras, Neste sentido nao ha diferencanenhuma entre este procedimento e a relacao geral que 0 homem tem frenteaas "condicionamentos'' sob os quais ele decide a sua ac;ao de rnaneira cons­ciente,

Obviamente nao ha urn sentido 16gico essendalmente difeeente, quandodizemos que a "regra do jogo de Skat' seria 0 "pressuposto" do "conhecimentoempfrico de Skat', Isto significa dizer que esta regra e para nos - em oposicaoa todos aqueles outros "pressupostos" gerais e os oblenvos do devir - umamarca "caraeterfstica" do Skat. au numa formulacao mais complexa: as proces­sos que, a partir do ponto de vista de uma "maneira de jogar cartas", costu­meiramente chamada "regra do jogo de Skat', sao tidos par relevantes, carac­terizarn todo um complexo de procedimentos que se chama "jogo de Skat", 0conteudo mental, portanto, da "norma" e decisivo para a selecao da "essenciado conceito", constituida pelas variantes de furnaca de cigarros, consurno decerveja, bater-ria-mesa e raciocinios de todos os tipos, drcunstancias sob asquais se nQ5 apresenta urn Skat tipicamente alemao, e, obviamente, juntando-seainda 0 ambiente ocasional e concreto de cada jogo de Skat. N6s c1assificamosurn complexo de procedimentos como Skat se sao encontrados estes procedi­mentes tidos par relevantes para a justiflcacao desta mesma classificacao. Estesprocedimentos podem see classificados como sendo Skat, tambem se se apre­senta uma analise "hist6rica" de urn Skat concreto no seu decurso empfrico ­ou seja, estes elementos sao os componentes do coletivo empirico de urn "jogode Skat' e abrangern 0 conceito empirico generico Skat. Em surna: a relevandavista a partir do ponto de vista da "norma" delimita 0 objeto de investigacao,Eclaro, pelo menos nurn primeiro rnornento, que temos de fazer uma distinr;aoentre 0 sentido em que a regra de Skat e "pressuposto" do nosso conhecimentoempirico sabre Skat, isto e, trata-se, neste caso, de uma caraeterfstica espedfica

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do conceito, e 0 sentido em que a regra, au melhor, 0 conhecimento dela ea; cilculos feitos a partir dela por parte dos jogadores sao 0 "pressuposto'' dodesenvolvimento empirico do jogo concreto de Skat, Temos que lembrar, en­trentanto, que este service prestado pelo conceito de norma na classificacao edelimitac;;:ao do objeto nada muda 0 carater logico da investigacao ernpirico-cau­sal do objeto que foi delimitado com a sua ajuda.

A partir do conteudo normativo percebemos - e nisso consiste 0 seu ser­vico prestado - aqueles fatas e processas em cuja explicacao causal, even­tualmente, urn "interesse hist6rico" poderia se concentrar: isto significa que elesseledonam e delimitam as pontos iniciais do regresso causal e do progressocausal da variedade dos fen6menos dados. A partir deste ponto de partida, en­tretanto, urn regresso causal ultrapassaria muito 0 circulo dos fen6menos queforam classificadas como sendo "relevantes" em consequenda do ponto de vistada norma - se alguem, por exemplo, quisesse elaborar 0 regresso causal numoutre jogo empirico-concreto de Skat, ele deveria ver e levar em consideracaopara poder expltcar devidamente 0 decurso concreto do jogo, por exemplo, fa­tores como: a disposicao dos jogadores, a medida da atencao prestada em cadamomento que depende da "vivacidade" e da esperteza e, finalmente, a quan­tidade de cerveja consumida par cada urn dos jogadores, au seja, em que me­dida esta quanti dade influencia 0 seu raciodnio logico entre "rneios e fins". Par­tanto, e apenas 0 ponto de partida do regresso que foi detenninado pela "re­levancia" a partir do ponto de vista da "norma". Trata-se, aqui, de urn caso deformacao ''teleoI6gica'' de conceitos, de como pode ser encontrado nao apenasfora da reflexao sabre a vida "social", mas tarnbem fora cia reflexao sobre avida "humana", A biologia, por exemplo, seleciona, a partir da variedade dosprocessos, apenas aqueles que tern importancia num deterrninado sentido, auseja, aqueles que sao "essenciais" para a "conservacao da vida". Da variedadedos fenomenos, "escolhemos'', na discussao sabre uma obra de arte, apenasaque1es que nos parecem ser "essenciais" a partir do ponto de vista da "estetica"- isto nao quer dizer fen6menos "esteticamente" preciosos, "relevantes parapoder emitir urn juizo estetico. E isto fazemos tarnbem no caso em que naopretendemos fazer uma apreciacao estetica da obra de arte, mas elaborar a "ex­plicacao" hist6rico-causal de suas caracteristicas individuais, au se exemplifica­mos com a sua ajuda a discussao de sentencas causais gerais sobre as condicoesda evolucao da arte - em ambos os casos, portanto, trata-se de afirrnacoesempfricas. A nossa selecao do objeto que deve ser expHcado empiricamenterecebe determinadas "perspectivas" por sua relacao com "valores" esteticos, bio­16gicos e, no nosso caso, de regras de jogo do Skat, respectivamente. a objetoem si, em todos estes casos, nao sao normas artfsticas, "fins" vitalistas de urnDeus au de urn espirito do mundo, au regras de Skat, mas, se pensamos numacora de arte, os traces de pincel desta obra de arte que foram determinadospelas disposicoes da alma do artista que, por sua vez, deviam ser explicadascausalmente (por exemplo, pelo "meio ambiente", pelo "talento", pelos "desti­nos da vida" e monvacoes concretas etc.). No "organismo'' devem ser explicadosdeterrninados processos que podem ser percebidos fisicarnente, no jogo de Skatos pensamentos dos jogadores e os seus movimentos externos que foram con­didonados pelas "maxirnas" efetivas,

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Urn senti do novamente diferente, de acordo com 0 qual a "regra de Skat'e "pressuposto" do conhecimento empfrico do Skat, conforme 0 qual se podedizer que a "regra de Skat' seria e a "pressuposto'' do conhectmento empfricodo Skat, esta ligado ao fato empirico de que a conhecimento e a observacaocia "regra do Skat" pertence as "mfudmas" empfricas (normais) dos Jogadoresde Skat e, portanto, influi causalmente nos seus "movimentos". 0 nosso c0­

nhecimento do "direito do Skat', naturalmente, nos ajuda na tentativa de quererconhecer a maneira desta influenda e, portanto, a causalidade empfrica dos mo­vimentos dos jogadores. N65 usamos aqul este nosso conhecimento sabre a"norma ideal" como "meio heuristico", da mesrna forma que, par exemplo, urnhistoriador cia arte se utiliza da sua capacidade de "emitir juizos de valor" nosetor da estetica (de carater normativo) como de fato sendo urn meio heuristicoindispensavel para discernir as "intencoes" efetivas do artista no interesse deuma explicacao causal da particularidade cia respectiva obra de arte. E a mesmo,obviamente, tambem e valido se pretendemos estabelecer afirmacoes gerais so­bre as "possibilidades" de urn determinado decurso do jogo dentro de uma de­terminada e empiricamente dada distribuicao das cartas, Partindo, neste caso,do "pressuposto" que (1) seja observada efetivamente a regra de Jogo ideal (0"direito do Skaf') e que (2) se faca as jogadas de modo estritarnente racional,escolhendo os meios mais adequados para obter "racionalmente 0 fun" - co­mo, par exemplo, esta acontecendo nos assirn chamados "problemas do Skat'(au para 0 jogo de xadrez, os chamados "problemas de xadrez") que sao pu­blicados em folhetins 1S - percebemos que estes pressupostos sao usados pamconseguir uma menor au maior "probabilidade" para poder afirmar que jogoscom esta distribuicao de cartas leva, de maneira npica, "para aquele bern de­terminado desenvolvimento de jogo", ji que, de acordo com a experienda, ge­ralmente pretende-se chegar - e chega-se realmente - a uma certa "aproxi­rnacao" deste "tipo ideal" de jogo.

Percebemos, portanto, que a "regra do Skat", entendida como "pressupos­to", pode desernpenhar um papel determinado na discussao empfrica, em tresfuncoes logicamente bern dlferentes. - urn papel c1assificat6rlo e constitutivona formacao de conceitos na delirnltacao do obJeto; - urn papel heuristico noseu conhecimento causal; - e, finalmente, 0 papel de ser uma determinantecausal do objeto a ser conhecido. E ji anteriormente chegamos a conviccao deque, em sentidos fundamentalmente diferentes, a pr6pria regra de Skat podeser obJeto do conhecimento: no sentido politico, no sentido juridico - em am­bos os casas trata-se da "regra" como "norma ideal" - e, finalmente, no sentidoempfrico; neste caso, a regra de Skat fundona como sendo condicionante econdicionada. Provisoriamente podemos tirar a conclusao de ser necessario, demaneira incondicional, que se constate da maneira mais precisa possivel, emque sentido se afirma au se fala da "significacao'' da "regra" como "pressuposto"de qualquer tipo de conhecimento, e como, sobretudo, sempre hi 0 perigo dehaver uma confusao desesperada, se nao se procura evitar de maneira precisaa ambigilidade do conceito. A confusao, obviamente, se situa entre 0 sentido

15 E1as ma conespondem, na sua dime:ns;lo 16g1ca, :is "leis" cia ecooomla politica te6rica.

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normattvo e 0 sentido empirlco da afirrnacao feita sabre a "significacao" da "re­gra" como "pressuposto",

Em seguida, deixemos de lado 0 setor das norrnas "convendonais" do Skate 0 da "quase-jurisprudencia" do "direito de Skat", pam 0 direito "legitime" e"autentico" sem, entretanto, nesta altura das nossas reflexoes, fazer uma consi­dera~o acerca da diferenca decisiva que Wi. entre regra de direito e regra con­vendonal - e, supondo que 0 n06SO exernplo supradtado com referenda a"troca" fique dentro do ambito de validade do direito positivo que, portanto,tambern regulamenta a pr6pria troca, acrescenta-se, indiscutivelmente, umacornplicacao a mais, Para a formacao do conceito ernpirico de Skat funcionavaa norma do Skat como urn "pressuposto" que de1imitava 0 conceito no sentidoda determinacao do ambito do objeto: sao exatamente a> movimentos relevan­tes dentro dos parametres do direito de Skat que fomecem a> pontes de partidapara uma analise historico-empirica do mesmo - se alguern pretende fazer estetipo de analise. Esta situacao e bern diferente se pensarmos na relac;ao entre anorma juridica e 0 decurso empirico da "vida cultural" humanal 6 . No momentoem que um "constructe" regulamentado jurldicamente se converte em objeto,03:0 de urna reflexao de carater dogmatico-jundico, tampouco de carater histo­rico-juridico, mas, sirn - como, provisoriamente, poderfamos expressar - decarater "hist6rico-aJ1tural" ou de carater "te6rico-cultural", isto e, no momentoem que - como igualmente pode-se afirmar de maneira meio indeterminada- deveriam set explicadas determinadas partes (de constderacao "hist6rica")significativas em relacao a "valores culturais" de uma realidade ideal earacteri­zada par normas jurfdicas, na sua genese causal, ou (numa reflexao te6rlco­cultural) no memento que deveriam ser e1aboradas afirmacoes genericas sabreas condtcoes causais do surgimento de tais partes ou concementemente aosseus efeiros causais. Enquanto na inteneao suposta nas c1iscussOes anteriores ainvestigacao ernpirtco-historica do decurso de urn jogo concreto de Skat fez comque a fonna<;;:ao do objeto (do "individuo hist6rico'') dependesse, de maneiraabsoluta, da relevancia das situacoes reais do ponto de vista da "norma doSkaf', 0 mesmo 03:0 se di quando se trata .de urna abordagem de carater pu­ramente "hist6rico-jurldico", mas, diferenternente, do carater "historico-cultural"a norma jurldica. NOs classificamos fates economicos, polfticos etc tarnbem sobcaracteristicas jurfdicas, e tarnbern fates que sao, juridicarnente falando, rncitoirrelevantes da vida cultural nos interessam "historicamente", e, conseqnente­mente, e uma questao aberta se, e em que medida, as caraeteristicas relevantesa partir do ponto de vista de urn direito ideal em vigor, e a partir dos concertosjundicos que deveriam ser formados em consequencia disso, seriam, tarnbem,relevantes para a formacao dos concertos hist6ricos e para a dos conceitos "teo­rico-culturais" 17. Na sua condicso de "pressuposto" da formacao de conceitos

16 0 conceito de "cultura'' que usamos aq..U e a de Rickert - Grenzen tiernatu~dichenBegriffsbiJdung (Os limites da for~o dos ccocenos nas cieocias nallJIais). Caplwio q,Jarto,pacigrafo Il e Yilt Inrendonalmeote, eviramos aqui 0 conceito de "vida social", mesmo antes dadisc::uss:lo a respeito com Stammler. Quero lembrar, nesta ocaslao, que eu abordei. 0 assunto emv.irias oeasloes e publica¢es (veja·se p. 146 e segs, e 215 e segs.).

17 0 rnesmo, obvlamente, aconteoe com a "norma" do Skat, se, por exemplo, faennos a su­posivto que urn fato regularnentado por uma legisla~ de !JtBt fana parte de urn "projeto de pes­quisa que tivesse interesse para pontos de vista da Histona Universal.

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nonnativo e a sentido empirico da afirrnacao feita sabre a "sigruficacao" da "re­gra" como "pressuposto".

Em seguida, deixernos de lado 0 setor das normas "eonvencionais" do Skate a da "quase-jurisprudencia" do "direito de Skat', para a direito "legitime" e"autffitico" sern, entretanto, nesta altura das nossas reflexoes, fazer uma consi­dera9io acerca cia diferenca decisiva que hi entre regra de direito e regra con­vendonal - e, supondo que 0 nosso exemplo supradtado com referenda i''troca'' fique dentro do ambito de validade do direito positive que, portanto,tamJ::>em regulamenta a pr6pria troca, acrescenta-se, indiscutivelmente, umacomplica9io a rnais, Para a formacao do conceito empfrico de Skat fundonavaa norma do Skat como urn "pressuposto" que delimitava a conceito no sentidoda determinacao do ambito do objeto: sao exatamente as movimentos relevan­tes dentro dos parametres do direito de Skat que fomecem as pontes de partidapara uma analise hist6rico-emplrica do mesmo - se alguem pretende fazer estetipo de analise, Esta situacao e bern diferente se pensarmos na relagio entre anorma juridica e a decurso empfrico cia "vida cultural" humana16. No momentoem que urn "constructe" regulamentado juridicarnente se converte em objeto,DaO de uma reflexao de caciter dogmatico-jundico, tampouco de caciter hi516­rico-jurIdico, mas, sim - como, provisoriamente, poderfarnos expressar - decarater "hist6rico-cultural" au de carater "te6rico-cultural", i510 e, no momentaem que - como igualrnente pode-se afirmar de maneira meio indeterminada- deveriam ser explicadas determinadas partes (de conslderacao "hist6rica")significativas em relacao a ''valores culturais" de uma realidade ideal caraeteri­zada por normas juridicas, na sua genese causal, au (numa reflexao te6rico­cultural) no momenta que deveriam ser elaboradas afirmacoes genericas sobreas condicoes causais do surgimento de tais partes ou concementemente aosseus efeitos causais. Enquanto na inteneao sUPOSta nas discussoes anteriores ainvestigacao empfrico-hist6rica do decurso de urn jogo concreto de Skat fez comque a formacao do objeto (do "lndivfduo hist6rico") dependesse, de maneiraabsoluta, da relevancia das situacoes reais do ponto de vista da "norma doSkat", 0 mesmo DaO se da quando se trata .de uma aborclagem de carater pu­ramente "hist6rico-juridico", mas, diferenternente, do carater "historico-cultural":l norma jurfdica, NOs classificamos fatos econ6micos, politicos etc. tarnbem sobcaractetisticas juridicas, e tarnbem fatos que sao, juridicamente falando, muitoirrelevantes da vida cultural nos interessam "historicamente", e, consequente­mente, e uma questao aberta se, e em que medida, as caraetetisticas relevantesa partir do ponto de vista de urn direito ideal em vigor, e a partir dos conceitosjurfdicos que deveriam ser formados em consequenda russo, seriam, tarnbem,relevantes para a formacao dos conceitos historicos e para a dos conceitos "teo­rico-culturais'S", Na sua condicao de "pressuposto" da formacao de conceitos

16 0 conceito de "culnua" que usarnos acpi e a de Rickert - Gnmzen tier natuugi.ssenschaftJidIen Begrijfsbildung (Os Iimiles da formao;aodos con::eitos nas ciencias naturais). Capitulo cparto,paragrafo II e VIIL Inteneionalmente, evitarnos acpi 0 conceito de "vida social", rnesmo antes dadiscussao a respeilO oom Stammler. Quem lembrar, nesta ocasiilo, que ell abordei 0 a5SunID emv:irias ocasioes e publica¢es (veja-se: p. 146 e segs. e 215 e segs.),

17 0 mesmo, obviamente, acorseoe com a "norma" do Skat, se, por exemplo, flZeJl110S a su­posio;ao que urn fato reguiamentado por uma legislacao de Skat faria parte de urn ·projelO de pes­quisa que tlvesse interesse para pontos de vista da Hisrbria Universal,

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coletivos, esta relevancia, conseqilentemente, nao existe, a princfpio. Mas, rnes­rno assim, 0 caso nao pode ser simplesrnente resolvido no sentido de afinnarque os dois tipos de formacao de conceitos nao teriam nada que ver urn como outro, pois, como veremos, determinados terrnos jurfdicos muito usados po­dem ser utilizados para a formacao de conceitos, por exemplo, de conceitosecon6micos, que - e nao podemos esquecer isso - podem ser relevantes depontos de vista que, na sua essenda, sao diversos, E este procedimento naopodemos simplesrnente rejeitar como sendo urn mal usa terminologico, pois 0

respectivo conceito jurfdico, no seu uso empfrico, serviu au poderia servir, fre­quentemente, como "arquetipo'' do respectivo conceito econ6mico, e, mais ain­cia, porque, 0 que e 6bvio, a ordem juridica, ernpiricamente existente - urnconceito do qual temos logo que falar mais -, costuma ter uma importanciamuito e1evacla (como afirrnamos de passagem e de rnaneira vaga), por exemplo,para a> fates relevantes sob 0 ponto de vista econ6mico. Mas - como veremosmais tarde, de maneira mais detalhacla - a> dois conceitos, de maneira alguma,sao identicos, 0 conceito de "troca", por exemplo, e estendido de reflex5esecon6micas a fates de carater 0 mais heterogeneo possivel, pois as respectivascaracteristicas relevantes encontram-se em todos estes fatos. E, vice-versa, a re­flexao econ6mica aborcla, como veremos, muitas vezes, traces caracterfsticos ir­relevantes para a jurisprudentia, comecando, a partir deste fato, a e1aborar de­terminadas distincoes, Mais tarde tratarernos dos problemas espedficos que talprocedimento acarreta. Aqui, por enquanto, lembramo-nos apenas e provisoria­mente que, por urn lado, os tipos de possfveis consideracoes l6gicas, demons­traclas atraves do nosso exemplo do jogo de Skat, encontrarnos tambern ou,pelo menos, podemos encontrar no ambito cia "regra jutidica", e, por outro lado,indicarnos, tarnbern provisoriamente, os limites da validade desta analogia, sem,neste memento de nossa exposicao, ja querer tentar elaborar uma formulacaodefinitiva e correta desta situacao 16gica no sentido objetivo18. Mas voltaremosa esse assunto somente rnais tarde, ou seja, 56 depois de termos apreendido,por meio de retomada das argurnentacoes de Stammler, a rnaneira como naodevem ser tratados tais problemas.

Urn determinado "paragrafo" do C6digo Civil pode, cia manelra a mais di­versa, ser objeto de uma reflexao. Em primeiro lugar, numa maneira juridico­polftica: podemos discutir a sua "justificacao" normativa a partir de principioseticos, ou, 0 seu valor au 0 seu "nao-valor" para a realizacao claque1as ideias

18 Qoerfamos lembrar os comentarios que foram feitos por Jellinek na segunda edio;ao de Systemder subjekJiven Qlfendidlen Rechte (0 sistema dos direitos pliblicos subjetivos) Capinilo IlI, p. 12e segs. Veja-se tarnbern a sua A1Jgemeine Staatslehre (Teoria Geral do Estado), segunda edir;ao, ca­pitulo VI. Be se interessa pelo rnesrno assunto sob urn ponto de vista oposto ao nosso. EnqJantoele refuta intromissi5es raturalistas no pensamento juridico-dogrnatico, p=rrns aiticar, aqui, fal­sificaooes de carater dogmitico-juridico no pensamento empirico. Gott1 talvez e 0 Unico qJe tratouobjetivamente 0 proolerra das relacoes entre 0 radodnio ernpfrico e 0 raciocinio dogmitico a partirdo ponto de vista do primei.ro. A este respeito, encomramos referenda de melhor qualidade emsua obra Die Herrschcft des Worles (0 dominio da palavra). No livro de von BOhm-Bawerk, inti­tulado Rechte un Verhaltnisse vom Standpunkt der vo!ksu:trtscha.ftJichen GUterlehre (1881) (Direitose relacoes do ponto de vista da teoria sobre hens economicos) foram desenvolvidas, com bastantec1areza, referente ao tratarnento dos interesses subjetivamente protegtdos (direitos subjetivos), oo­viamente do ponto de vista do pen.samento ecoronsco,

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a partir de determinados "ideais culturais" au "ideals polfticos" - ou a partirde postuIados de "polftica de poder" au de postulados de carater "social-poli­tico" -, au podemos fazer esta discussao, pensando no "prejufzo" au nas "van­tagens" para os interessados a partir dos interesses de "classes" au interessespessoais. Provisoriamente, deixernos totalmente de lado este tipo de discussaoda "regra" que se refere diretamente a valores, os quais, alias, tarnbem ja foramencontrados no nosso exemplo no jogo de Skat, mutatis mutandis, obviamente.Farernos isto, pois nao ha, ern principio, problemas novos. Com isto, restamduas possibilidades. No que diz respeito ao paragrafo referido podemos per­guntar: 0 que ele "significa", pensando conceitualmente? - au podernos per­guntar, qual "e 0 seu efeita" ernpfrico? Equestao irnportante e geralmente aceitasern muita discussao que a resposta a essas duas perguntas e pressuposto deuma discussao frutifera sobre a questiio do valor etico, politico etc., do res­pectivo paragrafo, a pergunta pelo "valor", portanto, e uma pergunta natural e6bvia, que deve ser nitidamente separada das duas acima mendonadas. Masanalisernos, em primeiro lugar, essas duas perguntas, da perspectiva de sua 10­giddade. Em ambos os cases, 0 sujeito gramatical da pergunta e 0 "ele" auseja, "0 paragrafo", mas, mesmo assim, trata-se, nos dois casas, de oposicoestotalmente diferentes que se escondern por tras deste "ele" au deste "paragrafo",No primeiro caso este "ele", au seja, "0 paragrafo", nada mais e do que umacombinacao de pensamentos expressa ern palavras, que sera tratada, sempre econtinuadamente, como urn objeto a ser analisado pelo pesquisador jurfdico co­mo sendo idealmente existente, No segundo easo este "ele", "0 paragrafo", e,num primeiro momento, 0 fato empfrico da pessoa que pega e consulta este"conjunto de folhas'' que se chama "C6digo Civil", e 0 consulta em determinadaspaginas e 0 consulta com certa constancia, encontrara, em detenninado lugar,normal mente, uma "afirmacao impressa" que evocam determinadas ideias sabreconsequencias efetivas, atraves de "principles" interpretativos existentes na suaconsciencia ern consequencia de sua educacao com menor au maior clareza- que possam resultar de um detenninado com mente tern par consequenciaempirica - mesmo que nao seja 0 caso absolutarnente valldo em todos os ca­sos ernpfricos - que ha determinados "instrumentos de forca" de carater psi­quico au fisico para aquelas pessoas que tradidonalmente e costumeiramentese chamam "[uizes" impor a oplniao, de uma determinada maneira, que teriatido ou haja, nurn caso concreto, aquele "comportamento". Adernais, ha a con­sequencia, independentemente dos esforcos daquelas pessoas que costurneira­mente se chama de "julzes", ele pode calcular "com urn elevado grau de pro­babilidade, que haja urn comportarnento das outras pessoas referente a ele mes­rna - au para expressar a mesma coisa em outras palavras, que hi uma certapossibilidade, por exemplo, de que ele espere a disposicao sabre um determi­nado objeto sem que haja contestacto, e que ele, em consequencia desta pos­sibilidade, possa organizar a sua vida e, obviamente, organize.-a realmente. A"vigencia empfrica" daquele "paragrafo'' significa, portanto, em ultima instancia,que hi uma serie de complicadas conex6es causais nesta realidade efetiva daconexao empfrico-hist6rica, fato esse que foi descoberto devido ao fato de queurn detenninado papel foi preenchido por detenninados sinais escritos 19. E este

19 A nossa colocacao, obviamente, e uma simplificaQlo artificial.

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papel faz com que haja urn determinado comportamento entre os homens edos homens com a "natureza". A "vigencia" de uma sentenca juridica no sentido"ideal" supracitado, diferentemente, significa uma relacao mental valida entreconceitos para a consciencia cientifica daquela pessoa que se interessa pela"verdade juridica": trata-se de "dever-ser valido" de urn detenninado processopara urn deterrninado "sujeito juridico". Por outro lado, a circunstancia de este"dever-ser valido" ideal de uma deterrninada "sentenca juridica" se compoe dedeterminadas conexoes verbals de pessoas empiricamente existentes que sepreocupam e procuram a ''verdade juridica", efetivamente ou realmente, costu­ma ser "descoberta", por sua vez, tem determinadas consequencias empfricasque, talvez, sejam da mais elevada irnportancia empfrico-hist6rica. Pois tambeme de alcance e significado pcltico-empfrico para 0 comporramento hurnano jao simples fato de haver uma "jurisprudencia" e determinados "modos costumei­ros de pensar" que se desenvolveram historicamente E isto se cia pelo fato deque na realidade ernpfrica 0 "juiz" e outros "funcionartcs'', que infiuenciam estecomportamento atraves de determinadas medidas punitivas, trsicas e psfquicas,se encontram em condicoes, e ate foram educadas para isso, de querer "realizar'a "verdade juridica" e de viver "esta maxima" - obviamente de caso para caso,ou pessoa para pessoa, de maneira diferente. A nossa "vida social" se desen­volve sob determinadas "regras" empfricas, isto e, neste caso, de acordo comcertas "reguiaridades", no sentido, pot exernplo, de que todos os dias esta pre­sente 0 jornaleiro, 0 padeiro etc. Esta "reguiaridade ernpfrica", obviamente, edeterminada, 0 rnais profundamente possivel, pela circunstancia de que haja,empiricamente e realmente, uma determinada "ordem juridica", isto e, urna "or­dem juridica" que juntante oo-condiciona, na forma de urn conjunto de deter­minadas ideias de maneira causal, 0 comportamento dos homens. Este conjuntode ideias se refere a algo que na Imaginacao das pessoas "devia ser" uma "nor­ma", ou uma "maxima", portanto. Mas, nao apenas aquelas reguiaridades em­plricas, como tarobern a "existenda" empfrica do "direito'', sao naturalmente a1­go que e de modo absolute totalmente diferente da "ideia juridica" do "dever­set", do "dever-vigorar". Hi uma relacao analoga entre 0 ''vigor'' empfrico doeventual "erro juridico", e a "verdade juridica", e, portanto, ha uma diferencal6gica profunda entre a pergunta pela "verdade juridica" in concreto - isto e,o que deve ou deveria "ser valido", mentalmente falando, de acordo com osprindpios "cientfficos" - e a pergunta que procura saber 0 que, de faro, acon­teceu, empiricamente, num caso concreto ou numa multiplicidade de cases con­cretos, como "consequencia" causal da "vigencia'' de um determinado "paragra­fo". Nurn caso, a "regra do direito" e uma norma ideal que pode ser apreendidapelo raciocinio, e, no outro caso, esta mesma regra e apenas uma maxima decomportamento de homens concretes que pode ser deteetada como regra que,empiricamente falando, muitas vezes, em menor ou em rnaior grau, e observa­da. Neste caso, "uma ordem juridica" se organiza nurn sistema de pensamentoe de conceitos do qual se utiliza 0 dogmatico juridico cientffico como mediade avaliacao para 0 comporramento efetivo de deterrninadas pessoas hurnanascomo, pot exemplo, do "juiz", do "advogado", do "delinquente", do "cidadaode um determinado Estado" etc., para rejeitar ou aceitar, de acordo oom estasnorrnas, 0 respectivo comportamento. No segundo caso, esta mesma "ordem ju-

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ridica" se dissolve, na cabeca de determinadas pessoas empiricas e concretas,num complexo de maximas que influenciam efetivamente 0 Sell agir e 0 agitdas outras pessoas humanas. Ate agora, parece-nos que tudo ainda e relativa­mente simples. A situacao fica bem mais complexa quando se pensa na relaeaoentre 0 conceito juridico de "Estados Unidos da America do Norte" e a "formageografica correspondente de carater empirico-hist6rico dos Estados Unidos daAmerica do Norte". Os dois conceitos sao, logicamente pensando, coisas dife­rentes, devido ao fato de surgir em ambos os casas a pergunta pela relevanciano fen6meno empirico a partir do ponto de vista da norma jurldica, OIl seja,pela pergunta se esta mesma relevancia jurfdica tambem vem a ser importantenuma reflexao empirico-hist6rica, numa consideracao politica OIl numa abotda­gem dentro dos parametres das "ciendas sociais". Selia multo enganoso afirmarque as duas maneiras de abordagem tenham 0 "mesmo nome". Os Estados Uni­dos - como uniao - tern, em cornparacao aos estados dos "Estados Unidos",o direito de fechar "tratados comerciais". Neste sentido, por exemplo, os "Esta­dos Unidos" fizeram urn determinado ''tratado comercial" de conteudo "N' como Mexico. Mas 0 "interesse de comercio politico dos Estados Unidos", na rea­lidade, teria exigido um ''tratado de comercio'' do tipo ''B'', pois os "EstadosUnidos" exportaram para 0 Mexico, do produto "C" a quantidade "D". Por causadisso, a "balanca de pagamento" dos Estados Unidos encontra-se numa situacloX Este fato deve ter uma influencia Y na "volta" dos "Estados Unidos". Nasseis aflrrnacoes feitas, 0 termo "Estados Unidos" e usado de maneira diferente20.Ai n6s nos defrontamos com urn ponto que nao hi analogia com os conceitosusados no exemplo dos jogo de Skat. 0 conceito empirico de urn jogo concretode Skat e identico com 0 que esta em questao nos processos relevantes dodireito de Skat. Nao ternos motivo nenhum de usar 0 conceito de jogo de Skatde maneira diferente/I. A situacao e bem diferente no caso do conceito "EstadosUnidos'', Este fato, indiscutivelmente, estJi relacionado com 0 costume que jacomentamos anteriomente de transpor "termos de natureza juridica" a outrossetores (como, por exemplo, 0 conceito de "troca"). Procuraremos, em seguida,esclarecer, de maneira a mais precisa, mesmo que fique dentro dos panimetrosde uma abordagem gcnerica, de que maneira esta "transposicao de conceitos"tem influencia sobre 0 conteudo 16gico da respectiva questao, Em primeiro lu­gar, apresentaremos algumas recapitulacoes sinteticas de acordo com tudo aqui­10 que ate agora foi exposto por n6s. Podemos afirmar que nao tem sentidoconceber a relacao entre a norma jurldica e a ''vida social" da maneira que 0Direito poderia ser concebido como "an - ou "uma" - 'forma" cia «vida social"a qual poderia se opor uma outra forma de "materia", e, a partir dai, tirar "de­terminadas conclus6es 16gicas". A regra juridica, concebida como "ideia", naoe, obviamente, uma regularidade empirica" ou uma "regularnentacao", mas, di­ferentemente, nada do que uma norma que pode ser pensada e imaginada co­mo "norma que deveria vigorar", e, portanto, nao se trata de uma "forma em­pirica" daquilo que realmente existe e acontece, mas como sendo um "padraode normas "no qual se mede, pela ernissao de julzos de valor, aquilo que acon-

20 Veja-se tambem Goal, Of> cit, p. 192, nota 1 e as pagiras q.Ie seguem21 Por causa do motivo empirioo e efetivo do alcance lnsigniflcante qJe a 0 jogo de Skat tem

para a vida cultural.

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tece efelivamente, a; fatal que sao considerados da perspectiva de querer esta­belecer urna ''verdade juridica". A "regra juridica", considerada empiricamente,de nenhurna maneira e urna 'forma" do ser social, seja como for que se definaesta expressao, Ao contcirio, e urn componente objetivo da realidade emplrica,urna maxima, que determina causalmente, numa maior 01.1 menor "pureza", 0comportamento empiricamente observado de urna parte dos homens, sendo queesta parte dificilmente pode ser determinada quantltatlvamente. E, ao mesmotempo, esta maxima e realmente observada par esta parte dos homens, obvia­mente de modo mais au rnenos conseqilente e, as vezes, consciente, as vezesinconscientemente A drcunstanda em que a; jufzes normalmente observam ~"maxima", e, de acordo com urna determinada regra juridica "decidem" "con­flitos de interesse", fazendo com que outras pessoas, oficiais de justica, policiaisetc. tenham, em seguida, a "maxima" de executar esta dedsao, eo faro de que,como tal, a grande maioria dos homens pensa de acordo "com as regras jurf­dicas", isto significa que aceitam a observacao da regra juridica como uma ma­xima de sua vida - todos esses fatal sao elementos componentes e, elementoscomponentes da maior importancia, da realidade emplrica da vida, 01.1, maisespectficamente, da "vida social". N6s denominarnos de "ordem juridica" empl­rica, ou seja, 0 ser emplrico "do direito como elemento formador de urn "co­nhecimento" de rrulxima que existe na mente de hornens concretes. Este conhe­cimento, 01.1 seja, a "ordem juridica emplrica" e, para a a<;;ilo do homem, urndos elementos que determinam a sua a<;;ilo na medida em que ele procede demaneira racional. Esta ordem jurldica pode funcionar como "oostaculo" 0 qualele procura superar seja sem grande prejulw, seja adaptando-se ate certo grauil norma. Mas esta ordem juridica tambem pode desempenhar 0 papel de urn"meio" de que se usa para alcanear determinados fins pessoais, exatamente nomesmo sentldo como tambem e 0 caso de qualquer outro saber de experienda.Talvez ele procura modificar esta ordem juridica pela influencia sabre outraspessoas, por exemplo, par causa de determinados "interesses" seus - consi­derado apenas logicamente no mesmlssimo sentido como se faz referente a umadeterminada constelacao natural pelo uso tecnico das forcas da natureza. Seele, por exemplo - para usar urn exemplo de Stammler -, nao quer maisaguentar a fumaea dos charnines vizinhos, entao consuJta 0 seu proprio saberde experiencia 01.1 0 de outras pessoas (por exemplo 0 de urn aclvogado) sabrea questao se se apresenta determinados escritos, nurn determinado lugar ("fo­rum"), onde poderia set esperado que certas pessoas que se chamam "julzes",depois de uma sene de procedimentos, pudessem assinar urna folha ("senten­ca") que traz como consequencia adequada que se exerce sabre determinadaspessoas uma coacao ffsica 01.1 ate pslquica, para que cessem a acender 0 res­pectlvo Forno que e a causa da fumaca, Para 0 cilculo sabre 0 fato de queisto poderia ser esperado com grande probabilidade, ele, 01.1 0 seu "advogado",faz consuJtas, sobretudo, sabre a pergunta pelo sentldo "conceitual" da regrajuridica conforme 0 qual os jufzes "deveriam" formular a sentenca. Mas comesta consulta apenas "dogmitica" ainda nao se resolveu tudo. Pois para os seusfins ernplricos, 0 resultado desta consulta, mesmo que Fosse "indiscutlvel", eapenas urn dos elementos no cilculo de probabilidade sabre 0 decurso empl-

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rico concreto: pode acontecer, por exemplo, que ele perca a jogo "no forum"- como a povo caraeteriza muito bern estes fatos - apesar de, depois deestudos minucicsos do advogado, a "norma", interpretada confonne a seu sentidoideal, claramente ser a seu favor.

E realmente: urn processo judicial apresenta-se numa analogia perfeita coma "jogo de Skat' que, parece-me, nem precisa ser explicada mais atentamente.Neste caso, nao apenas e a ordem juridica empirica a "prcssuposto'' do processoempirico concreto, isto sigrufica a "maxima" para os juizes que decidem, e"rneio" para os grupos que nele participam e nao apenas desempenha a co­nhecimento do seu "sentido'' uma funcao importante para a "explicacao" em­pirico-causal do decurso efetivo do processa concreto, portanto, a sua signifi­cacao dogmiitico-juridica, como meio heuristico lndispensavel desempenha, re­almente, urn papel tao importante como numa analise "historica" de urn jogoconcreto de Skat a "regra de Skat', mas tarnbern, e rnais alnda, ela e urn fatorconstitutivo para a delimitacao do individuo hist6rico: sao as partes juridica­mente relevantes do processo as quais se dirige 0 Interesse da "explicacao", senos queremos explicar causalmente urn processo concreto como sendo "urnprocesso". Aqui, portanto, a analogia com a "regra de Skat' e completa. 0 con­ceito empirico do "caso juridico" concreto esgota-se - da rnesrna maneira comoa caso concreto num jogo de Skat - nas partes relevantes do setor da realidadea partir do ponto de vista da "regra juridica" - como a "regra de Skat. Masse nao Fosse a nossa tarefa explicar a sentido de urn resultado juridico a partirda "historia" de urn "caso juridico" concreto, mas, per exemplo, a "historia" deurn objeto que e profundamente influenciado pela ordern juridica como, porexemplo, as "relacoes trabalhistas" numa determinada industria, por exemplo,na industria textil da Saxonia, entao a situacao seria outra. Aquila que nos "in­teressa" neste caso de maneira alguma e, necessariamente, inclufdo naquelaspartes da realidade que sao "relevantes" para uma "regra juridica". Ii indiscutivele 6bvio que a regra juridica tern uma Imensa lmportancia causal para a "relacaotrabalhista", seja qual for a "ponte de vista" sob a qual consideramas a caso.Ela e uma das "condicoes" gerais objetivas que em qualquer investigacao deveser levada em consideracao, Mas, vista deste angulo, os fatos "relevantes" naosao mais necessariamente as partes do "individuo historico" - a relacao entrea "regra de Skat' e a jogo concreto de Skat, e entre a regra juridica e a processoconcreto -, sendo que entendemos por "individuo historico'' aqueles "fatos"para cuja particularidade e para cuja explicacao causal se dirige a nasso "inte­resse", mesrno que seja talvez para todas estes fates, a particularidade da "or­dem juridica" concreta (situada num detenninado momenta temporal e num de­terminado lugar) seja uma das mais decisivas "condicoes" causais e mesrno queseja a existencia como tal de uma "ordern juridica" urn "pressuposto" objetivogeral como, por exemplo, e a existencia de la au algodao au linha e a suapossfvel utilizacao para a satisfacao de determinadas necessidades humanas.

Poderfarnos tentar construir uma sene de especies de objetos possiveis deinvestigacao - a que aqui nao e a nosso intuito. Seria uma sene na gual, emcada exemplo sucessivamente apresentado, sempre diminuiria a irnportancia ge­ral causal da particularidade concreta da "ordem juridica empirica", e, conse­quentemente, outros elementos ganhariam sempre mais, na sua particularidade,

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importancia causal, fazendo talvez possfvel elaborar, destarte, afirmacoes geraissabre a medida da importancia causal de ordens juridicas empiricas para de­terminados fen6menos culturais. Aqui, para n6s e sufIciente ter mostrado demaneira geral que, por principio, ha uma alteracao desta Importancia causal emdependencia do objeto em questao, Tambern a particularidade artistica da Ma­donna da Capela Sistina, par exemplo, tem par "pressuposto uma bern espe­dfica "ordem juridica", e 0 regresso causal deveria encontra-la como urn doselementos, imaginando, obviamente, que este regresso causal seria feito de rna­neira exaustiva. E sem "ordem juridica nenhuma" - que apenas e uma dascondicoes gerais - 0 seu surgimento hist6rico-concreto seria irnprovavel au areirnpossivel. Mas os fatos que sao os elementos constitutivos do "indivfduo his­torico" que e "a madona da capela sistina" sao juridicamente bastante irrele­vantes.

o jurista profissional, entretanto - 0 que e facilmente compreensivel ­tern a tendencia de entender 0 homern civilizado como urn potencial 1100 doprocesso, da mesma maneira como, par exemplo, 0 entende como urn potencialcomprador de sapatos e 0 jogador de Skat 0 ve como eventual "terceiro par­ceiro". Mas urn e autro da mesma maneira nao teriam direito, se quisessemafirmar que 0 homem civilizado somente deveria set objeto de uma investigacaode carater s6cio-cultural na medida em que ele e uma au autra coisa, se parexemplo 0 jurista considera 0 homem apenas como urn potencial "jogador deSkat juridico'', tendo a conviccao de que, de maneira exdusiva, apenas seriampossiveis partes de urn "indivfduo hist6rico" aquelas partes das relacoes entreos homens que possuem uma relevanda sob 0 ponto de vista de urn eventualprocesso. A necessidade empirica de explicacoes causais pode estar ligada adeterminadas partes da realidade e sobretudo tambern a determinados compor­tamentos dos homens entre si e dos homens com a natureza que, sob 0 pontode vista da "regra juridica", sao totalmente irrelevantes, e este e exatamente 0

caso que continuadamente acontece na pratica concreta das ciencias culturais.Contra isso ha 0 fato que como devemos acrescentar aos comentarios feitosanteriorrnente a este resto - ramos importantes das disciplinas emplricas sabrea vida cultural - sobretudo a investigacao econ6mica e a politica - se servemde conceitos jurldicos, nao apenas, como ja acentuarnos teminologicamente,mas tambem, por assim dizer, como uma pre-moldacao de seu pr6prio materia!.Isto se explica, em primeiro lugar, pelo desenvolvimento bastante elevado dopensamento juridico, que faz com que se empreste estes conceitos com a fl­nalidade de por uma ordem provis6ria na multiplicidade de relacoes socials quenos circundam Mas, exatamente par causa disso, se faz necessario ter semprebastante dareza que esta "pre-moldacao" juriclica sera deixada de lado, em se­guida, e na medida em que a reflexao polltica au econ6mica come<;a a trabalharcom 0 material a partir dos seus "pontos de vista", e, com isto, efetivamente enecessariamente, modifica 0 significado dos termos juridicos. Nada mais impedeesta percepcao do que a intencao de querer elevar a regulamentacao juridicaa urn "principio formal" da convivencia humana par causa dos services rele­vantes que foram prestados pela conceituacao juridica. 0 fato de se cometerfacilmente este erro, explica-se exatamente pela drcunstancia de que a impor-

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tfulda efetiva da "ordern juridica" empirica e de grande significado. Pais, deaoordo com aquilo que foi explicado, se foi deixando de lado a eslera da ob­servacao de fenomenos que sao tidos como "interessantes" apenas por causade sua relevancia juridica. Tambern desaparece, ao mesmo tempo, a significadoda "regra juridica" como "pressuposto" no sentido de ser a principia que dirigeou orienta a delimitacao do objeto, temas que ver, por outro lado, que a uni­versalidade do significado causal da "regra juridica" e muito grande para cadatipo de observacao referente ao cornportarnento das homens - novamente va­mas exemplificar com 0 Skat - parque ela sendo regra do direito empirico,normalmente, reveste-se de forca de coacao e, rnais ainda, tern validade uni­versal. Num jogo de Skat, de maneira geral, ninguem predsa expor-se aos efel­tos da ''validade" ernpfrica da "regra do Skat'. Diferenternente, de rnaneira ne­nhuma, de fato pode evitar de pisar constantemente 0 terreno das fatas quesao "relevantes" ern dependenda da ordem juridica empfricamente existente ­ja antes do Sal nasdmento - e, portanto, nao ser exposto - ernpiricamenteentendido - de precisar transformar-se em "potencial jogador de Skat conformea regra de Skat'. E, por causa disso, deve adaptar 0 Sal comportamento a estasituacao, seja par puras "maximas" de utilidade apenas ou seja par "rnaxirnas"de justica mesmo. Neste sentido, certamente, pensando apenas empfricamente,a existencia de uma "ordem juridica" pertenoe aas "pressupostas" ernpiricos uni­versals de urn tal comportamento efetivo dos homens entre si e seu reladona­mento com as objetas externas, que, como tais, fazem possfveis a surgimentode "fen6menas culturais". Mas ela e, neste sentido, urn fato empfrico, como parexemplo tarnbern 0 e um certo grau mlnimo de calor do sol, e, portanto, per­tenoe como este fato as "condicoes" causals que ajudam a determinar aquelecornportamento. E semelhantemente a "ordem juridica objetiva", no sentido em­ptrico, aconteoe tarnbern com a drcunstilnda de, numa determinada situacaoconcreta, situada e detenninada no espa~ e no tempo, urn determinado "fato"concreto pertence aos fatas que sao regulamentadas "juridicamente", como parexemplo - para com isso voltar ao nosso exemplo do charnine que polui 0

ar pela fumaca - a quantidade de influencias de furnaca que aborrece, e cujamodificacao 0 vizinho pode esperar com a ajuda da "ordem jutidica", pois eletern respectivo "direito subjetivo" referente a esta drcunstilnda. Este Ultimo, nu­rna abordagem econ6mica, apenas se apresenta como uma possibilidade facnca.Mas, esta possibilidade e susceptfvel a urn "cilculo", ou seja, que os "jul'zes"(1) executem rigorosamente a dedsao de acordo com a norma, como "maxima"- uma vez que sejam conscienciosos e nao corruptas -, (2) que e!es "inter­pretem" 0 sentido da norma da mesma maneira como a fizeram 0 advogadoe 0 vizinho que sentilJ-se aborreddo pela furnaca, (3) que seja possivel con­vence-los das opinioes facticas que condidonam as aplicacoes daque!a "norma",que (4) deve ser executado. Portanto, a partir dai, esta possibilidade e suscep­trvel a urn "cilculo" da mesma rnaneira, no sentido 16gico, como a e qualquerprocesso tecnico ou urn bom resultado no jogo de Skat. Alcanca-se realmenteo suoesso desejado, a "regra juridica" teve sem duvida uma influencia causalreferente ao termino desta furnaca apesar do protesta de Stammler sabre essapossibilidade -, obviamente nao no sentido de urn "dever-ser" objetivo ("nor-

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ma") mas no sentido de urn determinado cornportarnento dC6 homens que par­ticiparam nesta acao, por exemplo, C6 juizes, nas cabecas das quais a "norma"esteve presente como "maxima" de sua "decisao" ou dC6 vizinhos ou dC6 oficialsde justica.

E da mesma maneira atua 0 carater de "regra" da "ordem juridica empftica",lsto significa a circunstancia que pode ser constatada como faro. E do conhe­cimento de uma multidao de pessoas, que a "maxima" dC6 "julzes" vai no sen­tido de emitir sentencas geneticamente iguais referente a determinadcs fatosque tambem se apresentam como sendo genericamente iguais. A circunstanda,portanto, que as "normas jurfdicas" possuern 0 carater de afirmacoes generali­zantes: "regras jundicas", portanto, e, sob esta [anna vivern como "rruiximas"nas cabecas dC6 jufzes - esta circunstancia, portanto, tern 0 efeito, em pane,diretamente, e, em parte, indiretamente, que surjam regulatidades empfricas nocomportamento dos homens entre si e com os bens materials. De rnaneira ne­nhuma, naturalmente, as regularidades empfricas da "vida culturai" seriam, demaneira geral, "proiecoes" de "regras jurfdicas". Mas 0 carater de "regra" do di­reito pode ter, como consequencia "adequada", 0 surgimento de regulatidadesempfricas. Neste caso, ele se apresenta como urn elemento causal para essasregularidades empfricas, entre OUtrC6 elementos causals, obviamente. Que eleseja urn fator determinante de grande peso, baseia-se no fato de que as pessoasempfricas normaimente sao "seres racionais", isto e (empiricamente entendido),que elas estao aptas para a percepcao e ooservacao de "rnaxirnas orientadaspar fins" e que tambem sao capazes de adquirir "ideias norrnativas'', Talvez sejaeste 0 fundamento para 0 fato de que a "regulamentacao'' juridica do seu com­portarnento, sob determinadas circunstandas, consegue efetivamente mais "re­gularidade" empfrica do que a "regularnentacao" feita pelo medico da digestaode urn detenninado homem referente a sua "regularidade" fisiol6gica. Mas ediferente de caso para caso - e par isso nao e determinavel genericamente- qual seja a rnaneira eo grau com C6 quais a "regra juridica" ernpiricamenteexistente (como maxima para determinadas pessoas) realmente deve ser con­cebida como fator determinante causal para as regularidades empiricas, Ela e,de maneira diferente, a causa decisiva para 0 comparecimento "normal" do ca­pitalista no seu esctit6rio, como, par exemplo, para 0 comparecimento empiricoregular do acougueiro ou para as regularidades empfricas de detenninada rna­neira de dispor de dinheiro e hens caraeteristicos de urn determinado set hu­mano, ou para' a periodizacao com a qual surgem fenornencs como "ctises"22e "desemprego" ou oscilacoes de "precos" depois das colheitas ou para 0 011­mero de nascimentos em fanu1ias com "crescente" poder aquisitivo ou para a"crescente cultura" inteleetual de deterrninados grupos sociais. E 0 "efeito" dofaro de que urn determinado "paragrafo juridico", empiricamente falando, estasendo "criado", e, portanto, e novo, isto significa que, nurn quadro bern espe­cifico no qual uma multiplicidade de seres humanos se acosturnaram em Vet

regras jurfdicas normais e tradicionais e ja "fixadas", se processa algo "sirnb6lico·referente a este comportamento costurneiro - ja que 0 "efeito" deste faro sabreo cornportarnento efetivo destes e de outros seres humanos que foram infiuen-

22 NOs mo levamoe em consideracao, nestas colocacces, a analise do conteUdo empfriro desfatos qJe correspondem a estes conceitos.

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ciados, em principio, e, por "calculos'', acessfvel da mesma maneira como 0

"efeito" de quaisquer fenomenos naturais, e passive! fannular afirmacoes geraisde experiencia sabre estes "efeitos" no mesmo sentido 1000co conforme 0 se­guinte esquema: Yea sequencia de X - e tudo isso e muito claro e comurnpara todos se se pensa, por exempia, na vida cotidiana, na politica. Estas "re­gras" empiricas, que aflrmarn 0 "efeito" adequado da validade ernpirica de umasentenca juridica, sao, logicamente considerada, naturalmente, a oposicao ex­trema daquelas "regras" dogrnancas que podem ser desenvolvidas coma "con­sequencia" de pensamenta daque!a mesma sentenca juridica, se eta e tratadacoma objeto da "jurisprudencia", E issa e correto, mesma que ambas as regras,da mesma maneira, partarn do faro "empirico", que uma norma juridica de urndeterminado conteudo e considerada coma sendo "valido", porque as duas ope­racoes mentais de carater heterogeneo cornecarn 0 seu raciocfnia com este "fa­to". Podernos denaminar de "dogrnatica" uma reflexao "formal", porque eta ficano mundo dos "conceitos" - se Fosse assim, a seu contrario deveria significar"emplrico" no sentido da reflexao causal corno tal. Mas nao hi nenhurn impe­dimenta de denaminar de "naturalista" a "concepcao" ernpfrico-causal das "re­gras juridicas" em oposlcao ao seu tratamento na dogmatica juridica. Somentetemos que ter clareza sabre 0 fato de que, neste caso, deve ser denaminadode "natureza" a tatalidade do ser ernpfrico coma tal, e que, portanto, por exem­plo, tambern a "hist6ria do direito", sob 0 ponto de vista l6gica, seria uma "dis­ciplina naturalista", pois tarnbern ela tern por objeta a facticidade das normasjuridicas, e naa 0 seu sentida ideal.23

NOs deixarnos de analizar tarnbern a "regra convencianal", cuja definicaoconceitual por Starnmler sera logo em seguida assunto de nossa reflexao, Tam-

23 As operacces mentais da "Histcria do Diretto", as vezes, 000 podem ser fadlmente classifi­cadas na sua logicidade, COmJ pode parecer rom primeiro memento. 0 que significa, por exemplo,nurra abordagem emplrica, que urn detenninado Instinno de Direito, nwn determinado tempo dopassado, "reve validade", ji que 0 fato e, per urnlado, .surmmente importante, que 0 principia seercontra impressa num conjunto de fasciculos denominado "Codigo de Diretto", que contem sfm­bolos impresses. Mas este £a1O, poe outro lado, nao e 0 unlco sintoma decislvo para isso, e, rraisainda, em rruitos casos nao ha urn c6digo que funciona como foote do conhecimento que, porsua vez, sernpre precisa de uma "interpretaclo" e uma "aplicaclo" em cada caso concreto, proce­dimento este q,Je, par sua vez, tambem pode se apresentar corm sendo problemacco. Poderfamosexpressar 0 sentido "logico" daqueia aflrmacao que "teve validade" no passado, no sentido cia His­t6ria do Direito, nurm formulacao hipotetica: se naqoele tempo urn "jurista" tivesse que decidirnom ronflito de interesses de acordo com regras juridicae de uma detenninada rraneira, poderiamoster esperado rom grande probabilidade uma determirnda decisao qJe estaria de acordo com 0 pen­samento juridico que efetivarnente esteve predominante naquele tempo. Mas, mnto facilmente te­rros a tendenda de levantar a seguinte pergunra: Nilo: Qual "seria" com grande probabilidade adecisao efetiva do juiz? Mas: Q.1a1 "deveria ser' a decisao do juiz oeste caso? Trara-se aqui, clara­mente, de uma corsrrucao dogmitica denrro de urra consideracao empirica. Isso mats ainda pelofato (1) de que nOs nao podemos, realmente, dispensar uma tal ccostrucao como "rreio heuristico":m.titas vezes e com grande regularidade procedemos do modo que, num primeiro memento, n6sIraerpretamos as "fontes jurfdtcas" hist6ricas de maneira dogrratica, e, em seguida, "verificamos",na medicla do posslvel e do conveniente, nos "fates" (sentencas judictais que nos foram transmiti­00), a validade historico-empfrica desta nossa interpretacao. E, (2) para chegar a uma ccostatacaodeste "ter tido validade", temos que usar, pelo menos muitas vezes, a nossa lnrerpretacao comourn meio de represeraacao, sern° qual oem seria possfvel de apresentar, de maneira compreensfvel.,urra slntese coerente do direito do passado, pois urn conceito juridico, bern defmido, unlVOCO enao-contradirorio. muitas vezes nero foi elaborado empiricamente e as vezes rna foi amplamente

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bern deixamos de relaciona-la as "regularidades facticas" de manelra aruiloga.Coisas totalmente diferentes no sentido l6gico sao "regras" no sentido de umimperativo e "regras" no sentido de "regularidades" empfricas. E, numa reflexaoque tern por objeto regularidades emplricas, tarnbem a "regra convencional" e,no mesrno sentido, urn fator determinante causal, que e encontrado no seu Db­jeto como "a regra juridica" e que de maneira nenhuma e "forma" do ser ou"principio formal" do conhecimento.

Podemos imaginar que 0 leiter nao tern mais paciencia com as nossas ex­pcsicoes complicadas sabre coisas que em Ultima analise sao 6bvias - sabre­tudo se pensarmos que a nossa formilacao ainda e provis6ria e irnprecisa. Maso leitor deve ficar convencido de que os sofismas do livro de Stamrnler exigemexatamente este nosso procedimento, e exigem que facarnos todas essas distin­~, ja que os "efeitos" paradoxais por ele pretendidos e conseguidos se 00­seiam nurna continua confusao e mistura de conceitos como, entre outros: "re­gulamentado", "regulamentado juridicamente'', "regra", "maxima", "norma", "re­gra jutfdica" - "regra jutfdica" como objeto de uma analise jutfdico-conceituale "regra jutfdica" como fenomeno ernplrico, isto e, como componente causalda ac;ao humana. Tarnbem ha uma coofusao entre "ser" e "dever-ser", "conceito"e "concebido" - como ja e de nosso conhecimento como sendo npico deStamrn1er - sem falar da confusao continua e sempre repetida dos diferentessignificados dos termos de "regra" e de "pressuposto". Se Stammler fizesse umaleitura atenta destas linhas, provavelmente faria com grande entase 0 aviso quea maioria de tudo aquilo que, neste ensaio, de maneira complicada foi discu­tido, realmente consta nas mais diversas passagens do Sell livro e ate foi colo­cado com enfase, Repetidamente, afirmou Starnmler, de maneira explfcita, que,obviamente, a "ordem jutfdica" pode Set convertida em objeto de abordagem"causal" como tambem de uma abordagem "teoI6gica". Certamente. NOs mesmotemos que constatar ou admitir isso. Mas, deixando de lado as meias-verdadesque hi nestas colocacoes, novamente chegarnos ao seguinte resultado: que elesirnplesmente, por completo, esqueceu estas verdades simples, como as suastarnbem simples consequencias em outras passagens, mesmo em passagens de-

aceito (podemos por exemplo pensar nos Geuere nas fontes rnedievais). Neste Ultiroo caso, temosque procurar constatar com mnta cautela, em que medidauma "teoria" co varias "teorias" por n6selaboradas teriam correspondido a"consciencia jurfdica" dos homens d.aqJele tempo remoto. A nos­sa propria "teoria" nos serve apenas como urn esq,Jema provis6rio para estabelecer uma ordemMas esta -ccoscreocta jurfdica" dos homens de entao tambem moe, necessariamente, uravoca, mui­to menas ainda alga q,Je e dado e qJe nlo tern contradicoes. Em todo caso, usamos a 1106Sa cons­tn..k;:1o dogrnatica como "tipo ideal" naq..re:le sentido que eu procurer mostrar numa outra passagerndesta- obra. Urn tal constructo rrersal fJ..Il1Cl e 0 resultado final do conhecimento empfrioo, masserrpre aperas urn meio heurfsticoou urn meio de representa~o (00 ambas as ooisas). De mane:irasemelhanre fundooa uma "regra;.nidica" de carater juridico-historico q.re teve validade para umadelenninada epoca, espacial e remporalmente deUmitada, por sua vez, como "tipo ideal" para 0

cornportamento efetivo des hornens, para os cpais eta testa lido validade: fX)S predispomos a "veea probabilidade" q.Je 0 comportamearc efetivo dos homens de entao teria sido influendado real­mente, pelo monos em parte, por aq.rela regra e, ponanto, se adaptaram a ela, e, em seguida tes­tames em 'fates", na medida do necessario e do possfvel, a hip6tese cia validade das respectivas"miximas juridicas". E exatamente poe causa dtsso que se usa mntas vezes terroos juridicos parafeocrreoos ecoo6mioos e 0 fate de, as vezes, se ldendflcar "regra jurldica" com "regu!aridade" em­plrica.

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cisivas do seu livro. Fsta falta de mem6ria, por outro lado, ajudau muito 0 "efei­to provocado" por Sell livro. Se ele tivesse, par exemplo, dito desde 0 infciodo seu livro, com nftida clareza, que apenas estava interessado por aquilo que"deveria ser'', ou que ele pretenderla demonstrar urn prindpio "formal" que de­veria desempenhar 0 papel de guia para 0 legislador, quando se trata de ques­toes de legeferenda, au, para 0 juiz, nos casos em que se apela ao seu "bornsensa" - em todos os casas, sem duvida, esta sua tentativa teria provocadourn certo interesse, seja como for que se pense 0 valor das solucoes indicadas.Mas, neste caso, 0 Sell livro seria totalmente irrelevante para as "ciencias sociais"empiricas, e Stammler nao teria tido motivo qualquer para escrever aquelas co­locac;6es itnprecisas sabre a "essencia da vida social". A crftica destas posturasde Stammler sera 0 nosso proximo assunto, au seja, em oposicao as colocacoesde Stammler procuramos precisar a oposicao entre uma reflexso dogmatica euma reflexso empirica, assunto que, par ora, apenas foi abordado de maneiraprovis6ria e itnprecisa24.

24 Deveria seguir urn outro ensalo. - A continuacao iocompleta (de Marianne Weber) que foiencontrada esp6Ho do autor, foi. impresso, em seguida, como suplemento.

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V. SUPLEMENTO AO ARTIGO: RUDOLFSTAMMLER E A "SUPERA<::AO" DA

CONCEP<::A0 MATERIALISTA DA HISTORIA 1

- Stanunler e OS conceitos de -causalldade e telos", Stammler e 0 conceito de"vida social."

(escrito p6stumo)

Na pagina 372 lernos: "Logo que se faz reflex6es sabre a causacao dasacoes humanas, entrarnos no terreno das constderacoes quanto ao tipo das den­da naturals"; e, logo em seguida (gtifo de Stammler): "somente lui causas deuma ayoo em ref/e>cOes de tipo fisidogico", E, rnais tarde, encontramos uma pre­cisao desta colocacao no sentido da afirmacao de que "as razoes causalmentedeterminadas de uma ac;ao... localizam-se no sistema nervoso'', Dificilmente,qualquer uma das diversas teorias hoje existentes sabre as relacoes entre feno­menos ftstcos e sornaticos aceitaria tal oplniilo. au e1a e totalmente identica apastura do "rnaterialisrno", entendido no sentido restrito do terma - isto e, 0

caso em que ela afirma que a "ac;ao" deveria ser dedutfvel a partir de processosffsicas se ela, em si, pudesse ser explicada causalmente e que uma tal deducaotambern, realmente e par principio, deveria ser suposta como uma possibilidade- au, por outro lado, pode ser interpretado como esta opiniilo pretende manteraberta uma porta para 0 indeterminismo, na medida em que ela aflrrna queaquilo que nilo pode ser "deduzido" "materialmente", isto e, que nilo pode serdeduzido de processes fisiol6gicos, de maneira alguma pode ser submetido auma expllcacao causal. Uma ambigOidade semelhante e que tern as mesmasconsequencias encontra-se na pagina 339 (final da pagina), 340 (inicio da pa­gina). Nestas passagens, Stammler afirma que algumas acoes poderiam ser irna­ginadas de duas maneiras possfveis: "au como acontecimento efetuado na na­tureza extema (NB) au como urn acontecimento que deve Set efetuado pormim". "No primeiro caso, temos (deveria ser 'pretendo ter') urn conhecimentosegura a maneira das ciencias naturals sabre determinadas acoes futuras como

1 Veja..., 0 <:orr<!IltIrio que consta na pagtra 359 deste Iivro.

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processes exteriores (NB)... na segunda alternativa esta ausente a ciencia (qual?)da necessidade causal desta a<,;iio bern determinada: esta a<,;iio e possfvcl (NB)na experiencia, mas como tal e em si (?) nao e necessaria ...". Percebe-se logoa obscuridade provocada pela lirnttacao totalmente imotivada do conceito de"ao;;5es" nos "puros" processos exteriores, como consta na primeira metade daa1ternativa. Uma consideracao causal tarnbern se refere ao lade "interno" do pro­cesso respectivo. Inclui portanto a imaginacao da a<,;iio como sendo uma queeu pretendo realizar, a "ponderacao'' sabre os meios e, finalmente, a "ponde­ra<,;iio" sabre 0 seu fim: todos estes fen6menos sao induldos e estritamente de­terminados, nao apenas os processos "externos". Parece que 0 proprio Stammlercomecou a perceber isla no paragrafo seguinte, au seja, na p:igina 340, logono infcio, na passagem em que ele reflete sobre "a a<,;iio humana como sendourn acontedmento natural", e, logo em seguida, que "aquele que tern fome eaquele que tern sede... quer alimentacao e toma a comida irnpulsionado cau­salmente". Pois 0 "desejar" e a1go "psiqulco", e, portanto, nao e a1go "exterior"au algo que pede ser ''percebido'' diretamente, mas, diferentemente, algo quepede ser induzido a partir de "sinais exteriores". E 0 arranjo e 0 alirnentar-see - de acordo com a terminologia do proprio Stammler - uma "a<,;iio" que,par sua vez, pede basear-se em graus diversos de ponderacoes entre "meios"e "fins". Do pegar irtefletidamente urn menu ate a sua combinacao e compo­si<,;iio das mais refinadas possiveis que consta numa carta no Vefor, h:i uma pas­sagem e urn limite que nao e posstvel indicar com precisao, e e 6bvio quetodas as nuances possiveis e pensaveis que vao de uma a<,;iio totalmente "ins­tintual" ate uma que e totaimente "calculada", sao objetos no mesmo sentidode uma reflexao causal que, naturalmente, pressup6e a sua determinacao totalo proprio Stammler refuta, nas p:iginas 342 e 343, a distincao feita par Iheringentre causalidade "meclnica" e causahdade "psicol6gica, islo e, causalidade quese baseia em ideias de finalidade, argumentando que nao e possivel estabelecerlimites daros e precisos entre as duas. Mas por que, entao, ele mesmo fez, nassuas exernpliflcacoes duas paginas antes, uma distincao entre uma a<,;iio "instin­tual" e uma a<,;iio "radonal"?2 Sem duvida, nao se rtata de urn lapso; multo pelocontrario, ele mesmo recai, fazendo isto, inteiramente, naquela distincao feitapor ihering. Na p:igina 340 lemos (paragrafo 3) que (1) a "ideia" (NB) de umafome humana que deve ser saciada se movimenta "na dire<,;iio do conhecimentocausal da natureza", se 0 processo de "alimentar-se pede ser colocado comocausalmente necessario a partir das necessidades instintuais" (NB) - por exem­plo "0 bebe no seio da mae", e que, diferentemente- "a preparacao e 0 oferecer(!) de uma ceia fina e apresentado como urn acontecimento (NB) que nao pedeser reconhecido como sendo inevitavelmente necessario" (NB), mas "deveria serrealizado pelo proprio agente". Mais uma vez, deparamo-nos com diplomadada ambigOidade: a afirrnacao numero (1) suscita a ideia de que apenas os fe­nornenos da vida "instintual" seriam passfveis de uma analise causal, mas estaafrrma<,;iio nunca e feita de maneira explidta. E, da mesma maneira, no exemplo

2 E'tuOO isso, mesmo que Vorlander I105 seus Kans Studien (EstuOOs sobre Kant), volwne I,tenha chamado a ateo;ao sobre 05 possiveis "rral-entendtdos" qJe estes exemplos podem provocar.Mas temos cpe ver, <pando vcdander fala de rral-entendidos, em realidade, trata-se de uma poeturatimida de Stammler; no sentido de evitar "ambigilidades".

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(2), a "ceia" e uma parte do "reino da liberdade", sem evitar cuidadosamentea questiio da "ideia" de quem esta em jogo, ou do "conhecimento" de quemesta sendo tratado. e 0 proprio agente que, num caso, a tem, e outro, nao, ousoma; nos, a; "sujeitos de conhecimento", que se aproximam a partir de pro­blernancas diferentes do objeto, ou seja, do comportamento do agente? Pareceque, no primeiro caso, trata-se da nossa ideia do sujeito de conhecimento (eo caso da fome a ser saciada) e no case da "refeicao fina", eliferentemente, daideia daquele que "tem uma vontade" de "resolver a questiio" - nao fosse as­sim, a condusao nao teria sentido: novamente encontramo-nos com urn exem­plo da coofusao, tao caras a Stammler, entre 0 objeto de conhedmento e 0

sujeito de conhecimento, par falta de uma formulacao mais precisa,Encontramos esse tipo de confusao do comeco ao fim no capitulo intitu­

lado "Causalidade e tela;". 0 que foi elito neste capitulo de correto restringir-seapenas as exposicoes da pagina 374, Ultimo paragrafo, ate a pagina 375. Temde ser rigorosamente separada da questao se e par que "raz5es" um conheci­mento referente ao seu conteudo deve ser aprovado, seja este de carater em­plrico-cientffico, seja de natureza etica ou estetica, da questiio ou da perguntapela maneira do seu surgimento em termos de causalidade, ou seja, a perguntapelas "causas" do seu surgirnento. Mas tratando-se de duas proolemaucas dis­tintas, como 0 proprio Stammler corretamente admite, 0 que significa, entao,quando como, par exemplo, na pagina 375 (meio da pagina) se afirma: "A Ul­tima questao levantada (a questao, portanto, do 'significado sistematico', isto e,da validade do conhecimento) seria a questiio objetivamente prefertda e deci­siva"? Para quem? E mais: parece que ele admite 0 direito de fazer uma inves­tiga<;iio empirica rigorosa da genese de todos a; conteudos "ideals" de vida, seele afirma (p. 374, §1) que seria "possfvel'', havendo urn conhecimento "corn­pleto'' dos condidonamentos empfricos para a existencia de uma "ideia", queo "efeito empirico" grifado par Stammler - que isto acontece e aquilo naoacontece - pode ser calculado com tanta seguranca, a partir das condicoesdadas, como qualquer outre fen6meno da natureza. Mas, ja a maneira de ex­pressar-se parece rneio artificial: apesar de urn conhecimento "complete", pareceser apenas "possfvel" este cilculo e, em seguida, emprega-se 0 conceito de"efeito ernplrico" em vez de fazer a simples constatacao de que a existendaempirica da "ideia" seria determinada absolutamente. 0 proprio conceito de"efeito empfrico" fica com certa arnbiguidade no que diz respeito ao seu sen­tido. Ambiguo pelo fato de que a expressao lembra a ja anteriormente dtadalimitacao a processes (fisioI6gicos) "externos" e pelo fato de que, par causa detoda uma serie de aflrrnacoes semelhantes no mesmo capitulo e tamoern noscapitula; seguintes que dao a entender a problernatica estritamente empirica,teria a sua validade tarnbem e da mesma maneira para a esfera das "ideias"como para qualquer outro setor da realidade. Mas todas estas coloeacoes saofeitas daquele modo meio confuse, afirmando-se algo e retirando alga destamesma afirmacao, se a ocasiao 0 exige. As aflrmacoes sabre 0 sentido e oslimites do conhecimento empfrico-causal das acoes humanas, podemos conduir,padecem de ambigOidade, de obscuridade e de contraditoriedade.

Com referenda ao "conhecimento da natureza", afirma-se na pagina 355(Ultimo paragrafo) que ele sempre passa de uma causa a uma causa mais ele-

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vada, da qual a primeira seria a efeito - au, em outras palavras, as leis naturaissao hipostasiadas como sendo alilO como forcas "atuantes", Mas, em sentidobem oposto, dtscuttu-se cinco paginas antes, de maneira exaustrva, que a cau­salldade MO seria uma conexao "inerente as pr6prias coisas", mas apenas urnelemento do pensamento, urn conceito fundamental unitario do n05SO conhe­cimento. E enquanto lernos na pagina 351 (final da pagina) que a "experiencia''seria apenas a essencia das "experiencias" que tendern a uma ordenacao uni­tana, conforme prtncipios fundamentais, par exemplo, (NB) a "lei da causali­dade", da mesma maneira, na pagina 371, afirma-se que a causalidade seria urn"exemplo" d05 seguros conceitos gerais que orientam a conhecimento e lemosna pagina 36B que "MO ha outro tipo de conhecimento cientiflco de fenomenosempiricos do que a conhecimento causal"3; afirrnacao essa que, em seguida,par sua vez, MO comhina com aquila que lernos na paglna 378, na qual sefala de uma "dencia teleol6gica" e "fins dos homens que devem ser cientifica­mente guiados" (p. 379). Em seguida opoe-se a "ciencia teleol6gica" :l "ciendanatural" (p. 378) que, portanto, ao n05SO ver, nesta passagem, esta sendo iden­tificada com a conhecimento "causal". E na pagina 350 afirma-se que a causa­lidade seria uma categoria fundamental de todas as "dendas da experiencia",Onde fica, finalmente, a limite entre a "ciencia teleol6gica" e a "ciencia empi­rica" ? Novamente, em vez de receber uma resposta simples e precisa, lemosque se trata de uma problematica totalmente diferente, e, em vez de uma ex­plicacao desta problematica e de sua analise 16gica, encontramos uma confusaode colocacoes que realmente MO levam :l clareza nenhuma.

Na pagina 352 lemos, par exemplo: "no conteudo das nossas ideias hi apensamento de elei<;6es que deveriam ser feitas, au a<;6es que deveriam pro­vocar urn determinado efeito...". Multo bem A existencia de tais ideias e urnfato de experiencia cotidiana interna da qual dificilmente alguem duvida. Quale a consequencia disso? Par que este conteUdo de "ideias" deve ser uma "ima­ginacao'' vii? Do ponto de vista do determinismo, este "conteudo" de maneiraalguma e uma "imaginacao errada". Empiricamente esta constatado, de maneiraabsoluta, que a capacidade do homem de poder refletir sabre a seu propriocornportamento tern urn alcance multo importante para a proprio comportamen­to do homem Que, par exemplo, aquele que age, para poder agir, precisa daideia de que a seu comportamento MO seja determinado - assunto do qualno momenta MO estamos fazendo aflrmacao nenhuma. Tampouco tratarnosaqui a assunto, de que a tratamento do seu comportamento como sendo urnprocesso claramente determinado transforme a "ideia" de uma "escolha" au ado "livre-arbitrio" numa "ilusao", Entre as ideias teleol6gicas interpretadas cons­cientemente como "possibilidade'' havia, sob a consideracao "psicoI6gica", algacomo uma "competicao". Tampouco, finalmente, que conviccoes determinadasreferentes a uma "elei.,ao" feita au "escolha feita" au referentes a uma que de­veria Set feita futurarnente, tira a conotacao de que se trata de uma "a.,ao" (es­colha) "pr6pria" do eleito, au seja, de uma a.,ao que seria a "sua", isto significa,- no sentido empirico - de urn processo que pode Set imputado racional-

3 A fOfTTl.lia91o _ fol feita de maneira totalmente errada sugere, aparenterrente, qJe a fwv,;iomais apropriada de wna abordagem causal n10 seria a generalizacao, e qJe "jufzos de valor" nWpodertam referir-se a coisas individuais.

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mente a partir de sua particularidade pessoal e por causa dos seus "motivosconstantes" (empiricamente falando). 0 terreno da "ilusao" seria "pisado" ape­nas no momento em que 0 sujeito da a.,ao comecasse a ser partidario de umametafisica "indeterminista", isto e, no momenta em que ele pretensamente re­quer para 0 seu agir a "liberdade" no sentido de uma total ou parcial "ausendade causalidade". Uma tal metafisica e exatamente a de R Stamrnler, Pais seriauma "ideia va" aquela imaginacao de "escolha" se levarmos em consideracaoas suas exposicoes anteriores (pp. 351 e 352), e, em seguida, considerando taft}.

bern que as "a~" a serem provocadas, apesar da presenca daquela ideia deescolha, sao pensadas como se fossem detenninadas. Isto, como ja lemos napagina 344, iria contradizer 0 conceito de "escolha" que exclui a extstenda deuma "causalidade concludente" - uma afirmacao cuja nao-arnbiguidade nova­mente, logo em seguida, seria lintitada com a seguinte colocacao. "nao ha du­vida" que "na grande maioria dos casas" 0 futuro exito da a.,ao humana poderiaser visto "como sendo possivel, mas tambem seria possivel que ele nao 0C0f­

resse",

Esta concepcao de Stammler, na sua opiniao, nao contradiz (p. 352) a va­lidade incondidonal da sentenca da razao sufidente pelos seguintes motives:1. pols aquelas a~, enquanto ainda nao se fez uma "escolha" definitiva, naoseriam fates da experienda, mas apenas possibilidades (0 que, obviamente, se­ria valtdo para qualquer "fen6meno" ou "processo natural "como, par exemplo,a luta entre dais animais enquanto ainda nao consta qual dos dois e 0 vence­dor), 2. parque 0 problema da escolha "certa", isto e, aquilo que deveria serescolhido, nao seria urn problema da "investigacao da natureza". Esta Ultimatese esta, sem duvida, correta - mas a sua condicao iria piorar se 0 seu "estarcorreto" dependesse do fato de que fosse correta a outra argurnentacao deStammler, referente ao processo da "escolha" de alguem que age sabre os li­ntites da reflexao causal, 0 que, alias, nao tern nada a ver com esta "questaode valor". Obviamente que esse nao e 0 caso. Eu posso achar que urn per-do­sol seja "bonito" e urn dia chuvoso, 'feio", au julgar que uma deterntinada afir­macae e urn "sofisma", mesmo que se referente aos tres cases esteja convictoda determinacao causal do respectivo processo. Eu posso analisar do ponto devista da "finalidade" higienica, da mesma maneira, uma alirnentacao "instintiva"como tarnbem urn jantar muito fino e, como no caso de qualquer a.,ao humana,posso tarnbem, referente a qualquer processo natural, fazer a seguinte pergunta:como deveria ter sido 0 seu decurso (no passado) e como deveria dar-se 0

seu decurso (no futuro) com "a finalidade" de mostrar que 0 exito foi au deveriaser 0 seu resultado? Cada medico, par exemplo, (implidte) deve fazer em cadahora esta pergunta, Para uma reflexao ernpfrica e, Indubitavelrnente, uma mo­dalidade dedsiva e fundamental dos 'fenornenos psiquicos" e aquele que age"radonalmente" tern em mente vanes resultados diversos como "possfveis", deacordo com 0 seu proprio comportamento e, talvez mais ainda, tarnoern varias"rnaximas" diferentes, como "motives basicos" de sua escolha. Neste Ultimo ca­so, entao, 0 seu agir e "tolhido" durante todo 0 tempo ate chegar ao fim desta"luta interior". Mas, naturalmente, nao podernos adntitir que, destarde, se aban­donasse 0 terreno de uma reflexao causal, fazendo uma analise de tais proces­sos nos quais se econtra entre os deterntinantes causais do comportamento de

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um homem a imagina<;iio de urn au varies possiveis "resultados" - note-sebem, sempre apenas urn d06 elementos deterrninantes. 0 decurso de uma"escolha" entre diversos "fins" pensados como "possiveis", logo que ele sejaconvertido em objeto de uma coservacao ernpirica, deve ser pensando comorigolO6affiente deterrninado, da mesma maneira como um "processo natural", eisso do seu infdo are 0 seu fun, incluindo tambern todas as ponderacoes ra­donais e ideias eticas que surgem no sujeito que deve fazer uma deterrninadaescolha. Stammler, que nunca negau isso, fala a respeito de maneira vaga du­rante paginas e paginas, As vezes, ele diz que nao hi liberdade no "realizar-se"(p, 3(58), mas entao hi (empiricamente falando) liberdade no "querer"1 As vezesidentifica 0 processo da "experiencia" com 0 "ooservado", ja que processes pst­quicos nao podem ser "ooservados", e 0 leitor nao recebe a devida informa<;iiosabre a questao de eles serem au nao "deterrninados", sobretudo pelo fato deque na pagina 341 (infdo) se denomina, de maneira explfdta, "a ideia sabrealga que deveria set feito pelo ser humano" que nao seria identico a natureza(p. 378), classificada como sendo 0 reino das "observao;:5es"4. au - veja-separ exernplo a passagem ja comentada na pagina 352 - argumenta-se que "re­sultados" "futuros" pensados como "possiveis" ainda nao seriam "fates de ob­servacao". Como se 0 progressus causal, em sentido 16gico, nao tivesse 0 rnesmofunbito e 0 mesmo alcance que 0 regressus; duvidas que surgem quando seafirma diretamente que uma experiencia somente seria possivel referente a fatosdo passado (p. 346), pois ela seria, pot principio, "inacabada" e "incompleta".Numa coofusao com tais colocacoes, afirma-se, em seguida, que a experiencianao seria "onisciente" e que ela, mais ainda, nao abrangeria "0 todo do enten­dirnento humano" (ibidem) - uma metabase do objeto para 0 sujeito -, eque ela (p. 347) teria apenas validade dentro do ambito de suas "leis formais"(1), e, portanto, nao n06 daria ''verdades eternas" de "validade imutavel'', Masna pagina 345 (infdo) acabarnos de ler, diferentemente, que acoes futuras namaior parte das vezes rem uma validade nao necessaria. E assitn continuamestas colocacoes vagas e impredsas que abordam quase todos 06 problemaspossiveis, mas apenas para mistura-los e eriar mais conlusao, A possibilidadede "pensar" uma a<;iio como "uma que deve set feita" (NB) - novamente naosabemos se para aquele que age au para "nos", a06 quais a sua a<;iio e objetode conhedmento - e colocada, por urn lado (veja-se p. 357, final, e infdo da358), ao lado da possibilidade de concebe-la como "condidonada causalmente",mas, par outro lado, chama-se a atencao, ao mesmo tempo, para 0 faro deque esta Ultima possibilidade seria lirnitada e que ainda nao foi descoberta "uma(mica lei da natureza absolutarnente valida" conforme a qual "a necessidadecausal de futuras acoes humanas poderiam ser entendidas da maneira como,

4 Tarnbem a<pi, naturalmente, pacebemos a jli mais que conhecida ambigilidade de Starranler;ou seja. fica bastante obscure se aquela "ideta" deve ser entendida como sendo a nossa ideia auoomo serdo urn objeto ef11'frico. Mais ainda, de maneira alguma da para entender por cpe urn"irnpulso" ou urn "instinto" deve ser eoqcadrado mquele reino, mas uma "ideia" mo. Pais nem 0

"impulso" ou "instinto" e sensive1mente "perceptivel'', tampouco a 'fdeia" ou 0 "pensarrerao". Eo"transpor-se" pode set feito me apenas no "impulse" de urn COIro, mas tarnbern 00 -persarrento"de urnoutre (vejap. 340). Aquela ideia da possibilidade de transpor-se fPS "Impulses" au "instintos",alias, n'lo impede cpJe Stammler - 13 no final da mesma pagina - correce a falar novamente docondiCionamento causal de acoraedrrenros "extemos",

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por exemplo, a lei da gravidade". E se esta lei seria urn pouoo "melhorada" (!),mesmo assim "ainda nao abrangeria tada a a<;iio futura das pessoas". Como seFosse posslve! "calcular'' a "totalidade" dos fen omena; naturais (excluindo a;fenomenos humanos) mesmo com a absoluta totalidade do oonhecimento "no­mol6gioo" a partir destas leis. A situacao referente a conceituacao melhora urnpouoo quando Stammler aborda a relacao entre "lei" e "devir" e, de rnaneirageral, quando trata do significado epistemol6gioo da irracionalidade da realida­de. Mesmo que Stammler, as vezes, afirme que grandes eventuais efetivamenteexistente lacunas da "experiencia" nao significara nada sabre situacao 16gica,sempre oontinua-se a nao considerar isso devidamente e desta rnaneira a "reinodos fins" fica degradado a Set "tapa-lacuna", enquanto, por outre lado, se rei­vindica para e1e urn carater epistemol6gioo heterogeneo. Mas varna; parar comeste jogo cruel e constatemos, sinteticamente, qual poderia ter sido a opiniaode Stammler.

N6s deverfamos e1aborar urn outro conceito de "natureza" para apreendera oposicao feita, no sentido de Stammler, entre a conhecimento das "cienciasnaturais" e a das "ciencias socials". Mas antes de acompanhar a; proprios esfor­cos de Stammler, poderiamcs perguntar, n6s mesrnos, tendo em mente as ex­posicoes feitas no pariigrafo anterior, quais poderiam Set as possibilidades nestesentido.

Como ja virnos, para Stammler as normas "externas" sao vistas como a "for­ma", "0 pressuposto", a "condi<;iio epistemol6gica" etc. da "vida social" e doseu conhedmentoja anteriormente, atraves do exemplo da regra de jogo,5 00­cutimos as diversas possibilidades de encontrar urn sentido radonal nestas co­locacoes que sempre se repetern, e agora tirarnos a!gumas consequencias, Parenquanto, deixarnos de lado a possibilidade que a "conhecimento" da ''vidasoda!" e uma ponderacao "politico-social" dos fatos empfricos poderia Set pen­sado a partir de padrao estabelecido. Suponharnos diferentemente que a obje­tivo de uma ciencia emplrica deveria ser delimitado para aquele que as normas"externas" (normas juridicas e normas "convencionais'') desempenham a pape!de uma "pressuposicao",

o segundo livro da obra de Stammler, intitulado 0 objeto da CWncia Social,como ja vimos anteriormente, pretende fazer urna conexao entre a conceito de"regra" e a de "vida social", ao qua! seriarn subordinados a conceito de "so­ciedade" (conforme Rilmelin) e a de "Estado". Mas ja na primeira vez em queele efetivamente surge (p. 83, linha 15) comecarn as ambigilidades que sao tf­picas de Stammler: lema; que a momenta que faz constituir "a vida soda!" c0­

mo "objeto proprio do nosso conhecimento" seria a "regulamentaeao criada pe­10 homem" (p. 85, mais claramente ainda: "urna norma que no homem tern asua origem") referente "a sua convivencia e ao seu intercimbio, as suas relacoessocials". Isto pode ter varies significados: que aquela "regra" na qual se originaa concerto de "vida soda!" deve ser entendida como sendo criada pelo homem(a) como uma norma "que deveria ter validade", au (b) que deveria Set abe­decida como uma "maxima", ou (c) ambas as coisas? Ela deveria ser, como tal,urna "maxima" para os homens ernpfricos? au seria sufidente (II) urn inter-re-

5 Veja~.se pagina 337 e segulntes desre Iivro.

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lacionamento de homens que vivem juntos nurn determinado lugar e nurn de­terminado tempo que "n66" - 06 sujeitos da ooservacao - interpretamos "con­ceitualrnente" como sendo uma "regra", isto e, no sentido de que seja possivelpara n66 dai podermos "abstrair" ainda uma ''regra'', ou em outras palavras, queesta convivencia se eli de acordo com regras? Ou, (2) num sentido totalmentediferente do primeiro - como discutimos amplamente - que "n66" "sujeitosda ooservacao" ternos a impressao de poder ou dever aplicar a esta convivenciaurna "norma", bem-entendido, uma norma "ideal".

o caso II, 1 (regulamenta<;ffo empirica) seria rejeitado par Stammler no sen­tido de que, obviamente, MO e isso que ele queria dizer: "regra" deve ser en­tendida como urn "imperativo" e MO como "regras empiricas". Referente a co­rnentarios de Kistiakowski, Stanunler afirma, falando com bastante conviccao,que nunca imaginou que alguern que tivesse lido 0 seu livro pudesse fazer taisperguntas.6 Realmente? Mas, entao, 0 que poderia significar que ele, logo emseguida, repetidamente, afirma que a convivencia d06 homens e 0 seu motuointeragir, numa observacao puramente de carater "emplrlco-causal", se dissol­vesse num mesmo "tumulto'', num "cans", numa "confusio"... para usaf apenasalgumas das suas expressoest? E mais ainda - levando em consideracao a res­posta dada a Kistiakowski, conforme a qual (p, 641), de rnaneira explicita, areflexao que nao aceita 0 conceito de "regra" como "norma", como "urn impe­rativo" de relaeoes entre 06 homens, MO seria uma discussao sobre "a vidasocial", conforme Starnmler entende este termo - como e possivel que Stam­mler tenha coragem de afirmar (p. 84) que a oposicao "objetiva" da vida "emsociedade" seria a existencia isolada do "individuo" e, explicitamente, se refe­rindo a vida totalmente isolada do hipoteticamente existente homem primitivo?- Equanto, naturalmente, a oposicao (por enquanto formulada de maneira in­determinada) poderia ser expressa apenas da seguinte maneira: "as relacoes en­tre 06 homens (e dos homens para com a natureza) que MO se enquadramem "regras elaboradas pelos homens" (no sentido de urn "imperative"). Tambemchamo a atencao - mas, pensando bern, e tipico do procedimento de Stanunler- para 0 fato de que, na passagem citada, de repente 0 nosso autor fala deoposicoes "objetivas", e nao mais de oposicoes "conceituais" ou "l6gicas", di­ferentemente daquilo que consta na pagina 77 e em outras paginas, Mas, logoem seguida, na pagina 87 (inicio), 06 dois conceitos sao usados novamente, demaneira identica, tratando como sendo a mesma coisa a diversidade da finali­dade da reflexiio e a diversidade d06 fates empiricamente dados. Na verdade,trata-se: 1. Se da delimltacao 16gica de urn "objeto do nosso conhecimento",pela demonstraeao do seu sentido especifico na reflexao, deveriam ser excluidasda ''vida social" - da maneira como Stanunler entende este termo - "todasas reflex5es para com os outros seres humanos" (e para com a "natureza"), ese estas apenas deveriam ser tratadas na sua facticidade, e MO como "parcial­mente" possiveis nos casos de aplicacao de "regras" (no sentido "imperativo").Ism significaria que nao haveria "vida social" para uma ciencia "emplrlco-cau-

6 cc., Stammler, Rudolf. Wirlschq{l und Rechte (Eoonornla e Dlreito) Nota 51 da pagira 88 (coo­fira tarnbem p. 641).

7 Veja-se pagina 91 do Iivro de stammler;

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sal", mas apenas para uma ciencia "dogrnatica'', 2. Se diferentemente signifi­caria que a selecao "objetiva" de partes da realidade empfrica - portanto iria-sereferir a "objetos reaimente no mundo" com diferencasqualitativas que forama base da selecao - se for assim, a "oposicao" objetiva do conceito de Stam­mler de "vida social", deveria ser formulada da seguinte maneira: tados os re­lacionamentos humanos para com os outros seres humanos (e para com a "na­tureza'), para cuja forma efetivamente os homens au nilo "elaboraram'' uma"norma" que deveria ser obedecida eN" I, 1, inicio da pagina) au a qual oshomens efetivamente nao obedecem eN" I, 2 e 3). Em outras palavras: se algapode ser classificado como sendo um "processo natural" au um fenomeno da"vida social", depende do fato, se e em que medida, in concreto, a seu respeitofoi elaborado I, 1 um "Estatuto",s au, se e em que medida, alem do mais, (N'I, 3) por parte dos homens envolvidos, in concreto, agiu-se de acordo comaqueles "estatutos'', seja conscientemente, seja numa tomada de posicao nega­tiva au positiva, au, "finalmente, se e em que medida, (N' I, 2) mesmo na au­senda de um "estatuto" explfcito, pelo menos subjetivamente, a ideia de normasque deveriam vigorar teve influencia sobre 0 comportamento humano exteriornos casos concretos das ac;6es humanas.

Seria inutil e em vao querer explicacoes mais precisas sobre estas quest6es.Stammler nao assume a obrigacao de dar uma expltcaeao clara referente a taisquestoes com um procedimento, como ja sabemos, que e bem tfpico dele, auseja, uma mistura entre "diplomacia e ohsa.uidade", 00, neste caso concreto,atraves de um procedirnento multo simples, a de falar "metaforicamente", oua de "personlficar" a "regra". Nas paginas 98 e 99, par exemplo, lemos que a"regra externa" seria de tal maneira - neste caso em opcsicao a norma eticaque se "interessa" pela "mentalidade" - "que seria totalmente independenteno seu sentido (NB) da forca impulsora de cada individuo".9 Lendo isto, cadaum val interpretar a metafora da seguinte maneira: trata-se de sua "validade"ideal que pede ser encontrada dogmaticamente, e esta interpretacao possuimaior grau de validade, levando em conslderacao que no paragrafo seguintese afirma de maneira explfcita que nilo "interessa" a "regra" se a sudito refletesabre ela como tal - mas entao, parece que sim, se ele a conhece, ou nilo?- ou se ele se comporta conforme ela apenas par "mero e estupido costume"- que obviamente poderia ser igualado ao "instinto animal" a partir do pontode vista de uma separacao empfrica e precisa entre comportamentos pragrna­ticos e orientados por normas de outros tipos de comportamento. Sabre a pos-

8 Ternes que chamar a aterY;1o para 0 fate de q.,Ie na pagina 92, paragrafos 3 e 4, substitui 0

termo per "combinacao", em oposicfo (num sentido mei.o impreciso) a"pura vida instintual", romosendo a sua caractertstica. Na pagina 94 fala de regulamento humano e na mesma pagina de urn"ser social" dos animais que realmente existe nos casos em qJe nas uraoes animais (pensemos,por exemplo, na organizacao das abelhas) tais regras extemas rem side estabelecidas pe100 respec­tivos animais, cpJe no memento tambem sao pontos de referenda.

9 Costumeiramente, faz-se urra distinQIo entre "moralidade", par urn lado, e "direiro" e "con­ve:n9I0". por outro. 0 fato de 000 ser irrelevante para a jurisprudencia detenninadas qJestCies, teresque sempre tee em mente, para 000 superestimar a precisao principal desta distiry;ao. Referimo-nosa questOes com a pergunta pol" que, ou por q..mis motivos rno corresponde urn romportamentoexterior a uma detenninada norma juridica? OJ q..tal foi a mentalidade na q..tal se originoo urraat;;:3o que viol.ou interesses alheios que erarn juridicamente protegidos (dolus, culpa, bonafides,error etc).

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I'!

sibilidade da "nao-observaeao" efetlva da ''regra'', encontramos nos escntos deStamrnler urn "silencio" absolute, mesmo que se saiba que somente levandoisso em consideracao, haveria, efetivamente, clareza no significado desta afir­macao, se tambem neste caso, sem ambigiiidade, ficasse estabelecida a sua ir­relevanda em cornparacao it "validade" ideal (dogrruitica) da "regra". Esta "nao­ambigiiidade" indiscutivelmerue teria irnpossibilitado a seguinte rnanipulacaoescoIastica: (p. 1(0) "pelo fato de que ha uma diferenca entre a regra (perso­nificada) e as "forcas irnpulsoras (NB) que sao pr6prias do homem isolado (I)"(anterionnente foi feita a colocacao "que seria independente" - desempenhaela urn novo papel de fundamentacio autOnoma") (NB). Nas piginas 98 e 99lemos que 0 fundamento (empfrico) ("for", impulsora" e ele denominado) seriairrelevante para 0 comportamento exterior, 00 seja, para a "regra" - de acordocom 0 linguajar de Stamrnler - "seria independente disso", isso, ao nosso ver,quer dizer, deixando de lado 0 metaf6rico, n6s farfamos numa avaliacfo nor­mativa, uma abstra.,aolO da motiva.,ao emplrica daquele que age e somente ilia­mos perguntar pela legalidade do comportamento externo. Nesta coloeacao, 113:0apenas se introduz, meio clandestinarnente, 0 homem "isolado" como oposi.,aoconceitual, mas tarnbem, e ao mesmo tempo, introduz-se (meio clandes­tinamente) a ''va1idade'' ideal de uma norma como medida da avallacao, quee usada por n6s, 00 seja, pelos sujeitos da observacao, que novamente foi mo­dificado no seu significado empitico humano e este faro empitico e apresentadocomo sendo caracteristica especffica de urn "comportamento organizado exter­namente por regras" - 00, em expressao mais clara, a possibilidade que foideclarada como sendo irrelevante na pagina 99, a de que aquele que e sub­metido itquela norma (ideal) the obedece conscientemente por mentalidade eli­ca e fonnal-jutidica. Este procedlrnentol! obviamente e possfvel pelo fato deque 0 leitor lnatendoso, quando se afirma que a "regra" independentemente,niio fica esclareddo que somos n6s, os sujeitos fazemos uma abstracto no casoem que fazernos "dcgmatica'' e, portanto, tratamos a "regra", como se fosse urn"vigorar ideal", enquanto que, no segundo caso, em que se trata de urn co­nhecimento emplrico, que faz parte do nosso objeto de conhecimento e visa"garantir' aos homens emplricos urn "sucesso" mediante 0 estabelecimento deuma regra - e com graus diferentes de garantia - tambern costumamos 0

conseguir. E, para cottar esta leve introducao de clareza na penumbra escolas­tica, Stammler, no paragrafo seguinte (p. 100, linha 23) personifica, em paraleloao "estatuto", tarnbern a "lei de natureza", e opoe it prirneira, que pretende "rea­lizar' determinada convivenda, a Ultima, 00 seja, a regulatidade emplrica comosendo a "unidade cognosdtiva" (sic!) dos fenOmenos "naturals". Uma "regra quetern vontade", pelo menos e uma metafora possivel, porern mesmo pensandoneste caso, bern inoportuna, ou, talvez ate absolutamente nao-perrnitida -

10 Stammler evita cuidadosamente esta expressao, •11 Eu apenas qJero lembrar as minhas colocacoes anteriomente fei.tas e repito que de maneira

nenhuma estou imputando a Stammler quakper tipo de dolus. .Mas a nossa Ifngua nllo dlspoe deoutraspalavras para a culpa lata que (numa eventual segunda edi~o) mo mais totem tais soflsrms,e, ao contrario, ap6ia-se reles, e sobretudo neles. Se estouusando tais expressOes fortes e expres­sOes semelbantes, apenas qJeria dizer uma Unica coi.sa: QJt; se 0 aunprimento de deveres dentf­flees estivesse submetido a regras extemas, oeste caso, realmente, 0 procedimento de Stammlersena urn "case de policia".

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mas uma "regra cognosdtiva", simplesmente, e urn absurdo, Acho que nao saonecessarias mais criticas, levando em coosideracao as nossas colocacoes nos pa­ragrafos anteriores, pois tarnbem nao pretendemos fazer comentarios mais espe­cificos sobre 0 assunto como, por exemplo, de que maneira seria possivel trans­fonnar 0 "fundamento aut6nomo" (empirico) - uma regra, portanto - em ele­mento "formalmente determinante" de urn conceito (pp. 100, 101 e 102), e, emseguida, fazer a recornendacao e admoestaeao de que nao deveria ser ser feitada "condicao epistemol6gica" - critica por motivos da funcao l6gica (!) da re­gulamentacao exterior de urn "efeito causal" - exatamente 0 que 0 proprioStammler fez numas paginas anteriores, como ja mencionamos claramente. Masa propria recornendacao nao leva a consequencias nenhumas na continuacaode sua exposicao - trata-se da recornendacao de nao misUJrar relacoes l6gi­co-conceituais com relacoes empirico-fatuais. Pois, ja no paragrafo seguinte (p.105), chega-se a conclusao de que nao poderia haver, nem na realidade em­pirica, fatos que nao possam ser enquadrados numa subsuncao limpa e claradentro destes dois conceitos, ja que os dois conceitos "vida social" e (conformea expressao de Stamm1er) "vida isolada". Num primeiro momento aceitamos aopiniao de Stammler que diz que tarnbern na realidade ernpirica nao hi fatosque nao possam ser enquadrados numa subsuncao clara e indiscutivel a partirde urn desses dois conceitos e que sempre apenas pode haver uma subsuncaoa partir de urn destes dois conceitos (NB), ou seja, uma terceira possibilidadenao e possfvel. Mas quais sao, ao final das contas, estas duas "circunstincias"que sao as (micas a serem pensadas? Por urn lado "urn ser humano que moratotalmente isolado" (NB), e por outro, urn ser humano cuja vida esta, por regrasextemas, em interdependencia com a vida de outros. Stammler acha que estaalternativa e tao completa que apenas poderia ser possfvel uma "evolucao" den­tro dos limites "destas duas circunstincias", mas nao seria possfvel uma evolu­<,;ilo a partir da ''vida isolada" para a ''vida social" 0 que, em seguida, se procurademonstrar com a hist6ria de Robinson12 - nurn procedimento dentro daquela

12 Tarnbem referente a lsso cp..1erem05 tecer atgurms reflexOes sobre as pdgiras 105 e seguintes.LetTKlS que "IJJm primeiro estagio" apenas havia "tecni.ca de uma ecoronaa isol.ada" (NB). A partirdo rrcrreoto em qJe ele aceitou como companheiro 0 Freitag (Sexta Feira), quando (NB) 0 jovemIndio coloccc na sua mea 0 pedo Jovern branco com a irxlica910 simb6lica c:pe "ele deveria seco sal dono", correccc a existir uma "oonvivencta regrada", JX>IqUe junrou-se a qJestio "tecnica"uma outra cpestao (NB) para ambos (NB): a "q.restJo social". Portanto, 1110 haverta "vida social"sem aqcele ate simb6lioo (ou q.Ja1quer 00110 ate qJe teria 0 rresrro sentido simb6lico). Por exem­plo, no caso em cp..1e Robinson trancou 0 frdio e 0 alimentou e 0 treincu semelhantemerie a urndono de cachorros cp.re tern rraiito senlimento humano. Pois - de modo semelhante ao treimmentode cachorros - Robinson predsava fazer sinais para axnunicar-se com ele (veja-se, a respeitc disso,os correraarios de Stammler no initio cia pagina 86. Seria, sem dUvida, de grande utilidade ensi­nar-lhe a "[alar" - 0 qJe, no caso do cachorro, ;a rso e posslvel. De acordo com as aflrmaccesde Stamrnler, feitas na paglna 96 (final) e na pagina 'J7 (Ulfdo), teria tido "vida social", se uvesseaconteddo isso. Desta rrareira, tudo ficou como antes: 'ordeos", "mei.os de conJ.JllicaQlo", "sim­bolos"... ha, obviarrente, entre 0 homem e 0 c:achorro, e se Braslg disse que "para wn homem epara wn cachorro 0 cacete e a melhor confraternizayld', poderros apenas dlzer que os doros deescravos, como e bern conhecido, extenderam este prindpio pam os negros. Espero que 0 leiterdesculpa esta casulstica se ele Ie (na pdgina 1(6) como Stamrnler, de maneira triuntante, exclama,"Nio pode haver nenhum estagio mtermediario entre a condi~o isolada do fDSSO Robinson e aconvivencia regrada (NB) com 0 sal Freitag (Sexta Feira). Realrnente, a economia poIftica te6rica,ridicularizada por Robinson, 1110 poderia fer feito uso melhor da figura imortal de Defoes do qJeo nosso escolastico

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postura diplomatica da qual ja falamos. a procedimento errado, neste caso,consiste em que, tarnbem nesta passagem decisiva, 0 leltor tenha a lmpressaode que 0 unico par de oposicao passive! seria - para fiear dentro da am­bigilidade da expressao usada por Stanunler - entre uma multidao de ho­mens unidos por "estatutos" e urn indivfduo totalmente isolado, enquantoque 0 pr6prio Stanunler, em diversas outras passagens, fala de varios indi­viduos que vivem juntos, cuja convivencia nao apenas nao e regrada por"estatutos", mas tarnbem estes estatutos nao desempenham 0 pape! de "fun­damental! de sua convivencia.

Uma tal sltuacao, conforme Stanunler, deveria ser a mesma coisa como"morar sozinho", Neste tipo de argurnentacao encontramos logo mais algo in­correto no momenta em que tal coexistencia - comparada par Stanunler acon­vivencia dos animals, que rno e regulamentada par "estatutos" - e designadacomo sendo urn conviver "puramente fisico" e com isso sugere junto ao leitora idea de que se trate de urn conviver sem nenhuma tnterdependencia, sendoapenas urn estar juntos no tempo e nurn detenninado lugar. Este tipo de con­vivenda, portanto, seria a unica oposicao possfvel a "vida social" - enquantoque 0 proprio Stanunler fala em outras passagens do predomfnio dos "instintos"apenas e de "forcas instintivas" etc., tratando-se, portanto, de uma convivenciaque contem elementos "psiqulcos". E nesta colocacao ocasional referente ao"instintual", que evoca no leitor a ideia de forcas profundas e inconscientes, hinas respectivas passagens urn erro l6gico: a "economia" de Robinson, que emencionada de maneira explicita (p. 5, final), mesmo que ela, de acordo comDefoe, de maneira nenhuma e regulamentada "instintualmente", mas "radonal­mente", no sentido teleog6gico, pertence, nas colocaeoes de Stanunler, nao aosetor "do comportamento regulamentado externamente", mas, ao contrario, a"mera tecnica", E, se Stammler pretende ser consequente, tarnbem a sua "a<;;iioque visa certos fins" em relacao a "outros", isto e, com a intencao conscientede influencia-los na sua a<;;iio, neste caso, nao pertenceria ao setor da ''vidasocial", se ela nao e regulamentada par "estatutos", N6s ja explicitamos ante­riormente as consequendas 16gicas de tudo isso. Aqui, apenas queremos coos­tatar que tambern Stammler as reconhece numa determinada passagem (p.101, final e p. 102, inlcio), Sern duvida, numa outra passagem (p. 96, final ep. 97, inlcio) faz-se a restri<;;iio que apenas 0 usa da lingua ja seria uma "re­gulamentacao convencional" da relacao entre os hornens, portanto seria fatoconstitutive de uma vida social. Embora 0 usa de "meios lingOfsticos" seja uma"comunicacao" - ela rno e uma cornunicacao estatutaria, nem uma que se 00­seia em "estatutos". Esta ultima colocacao e uma afirmacao de Stamrnler polsas regras da grarnatica seriam prescricoes cuja "assimilacao" visa urn detenni­nado comportamento. Isso, sem duvida, e carreto se pensamcs na relacao entreo aluno da primeira sene do ginasio e 0 seu professor, e, para possibilitar umatal maneira de "aprendizagem" de uma lingua, realmente os autores das "gra­maticas" enquadraram as regularidades emplricas da fala nurn sistema de nor­mas cuja ooservacao e forcada pela palmat6ria. Mas 0 proprio Stammier diz napagina 97 (final) que "urn conviver tota1mente isolado" somente seria imaginivelse se abstraisse tambern de urn consenso referente a lingua e aos gestos" (NB).

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Aqui vinga-se 0 erro que hi na antitese: "convivencia estatutariamente re­gulamentada'' oersus "isolamento total". Pois a ultima colocacao feita par Starn­mler e correta. Dela podernos conduir, pot urn lado, 0 fato de que urn "con­senso" deveria ser suficiente para a constituicao da "vida social" - nao noslnteressa no momento de que maneira se chegou a este consenso, se ele, potexemplo, surgiu "causalmente", au pot "estatutos", au par reacoes ffsicas invo­luntarias, au par "reflexo", "instintos", "gestos" etc. Por outro lado, temos quever que tambem, com referenda aos animais, somente nao hi vida social ­apesar das difusas colocacoes de Stammler nas paginas 87 a 95 - quando naohi de manelra nenhurna "gestos" que sao entendidos, au nurna formulacao maisgeral, quando Ihes faltam tota1mente "meios de comunicacao", sendo que nesteconcelto cabe tudo aquilo do qual falarnos ate agora. E, com referenda aoshomens, Stammler deveria admltlr que ha vida social em tados os cases emque efetivamente existem "meios de comunicacao" - nao interessa 0 seu tipo,e tanto faz se elas sao criadas au nao pot "estatutos" hurnanos. Mas, ao mesmotempo, ao que parece, esta nao pode ser a opiniao de Stammler. Pois, na pagina106 (paragrafo do melo), defende-se, nurna formulacao ingenua, 0 ponto devista contrario, ou seja, que somente hi "vida social" quando se elaborau urn"estatuta", escrevendo: "Se alguem,.. iria transpor a sua fantasia nurn periododa existenda hurnana, e em que, de maneira geral (NB), se desenvolveu nossentimentos... urn impulso para se unirem sob regras externas... tudo dependeria(NB) no momento do novo surgimento (NB) de tais estatutos (NB). A partirdeste momenta haveria vida social, antes nao, E nao h:i sentido (I) de imaginarurn estagio 'lntermediiirio",13. Parece nao ser novidade nenhuma que, para 0

escolasnco juridico, a formacao da "vida social" s6 paderia ser possivel na formade urn contrato. Mas percebe-se 0 carater "verdadelro" deste escolastico na pa­gina 107 (inicio), onde sao ldentificados os conceltos de "evolu.,ad' e "transicaoconceltual" e, portanto, se acredita ter demonstrado atraves da lmpossibilidadel6gica do Ultimo concelto - a liga.,ao de palavras na forma de "transicao con­celtual" e urn absurdo em sl - como tarnbern a irnposslbilidade empfrica doprimelro concelto.

Mas, exatamente quando urna tal "transicao" deveria ser "indispensavel",surge com maior peso a pergunta pela caraetetistica decisiva deste surgimentonovo, au, de manelra mais gerai, para a existencia au formacao de urn "esta­tuta"? Paderiamos dar a resposta: que os selvagens costumelramente nao pos­suem c6digos juridicos, Aquela caraetetistica e urn comportarnento dos homens,o qual (pensando juridlcamente) e "condudente" para a existencia da norma.Mas quando e que isso acontece? Apenas em casos nos quais eta vive nas ideiasdos homens, quando estes, portanto, de manelra subjetivamente consciente, vi­vem essas "rnaximas" como "norma" - au ate lhes desobedecem, mas tendoconsdencia que se trata da 'violacao" de urna norma? Mas, pot outro lado, c0­

mo vimos, 0 comportamenta subjetivo interior referente a norma juridica e 0

conhecimento dela como tal, conforme Stammler, seria irrelevante para a exis­tencia da norma - au seja, "costumes idiotas" (veja-se adma) leriam 0 mesmoefelto que a "maxima normativa", Neste caso seria 0 essencial que a existenda

13 0 ..~o tern sentido" de Stammler slgnifica nadarrats do que "mo cabe hem00 meu esque­ma coocettual".

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~'!

de urn "estatuto" pudesse ser conhecida pelo fato de que os homens se com­portarn exterionnente como se existisse urn estatuto? Mas quando e que issoaconteee? 0 "C6digo Geral da prussia", par exemplo, recomenda as maes daPrussia a pratica de amamentar e, portanto, 0 "arnamentar' seria urn elementoconstitutivo da "vida social" de acordo com a opiniao de Stammler. A mae prus­siana que amamenta 0 seu filho sabia tao pouco desta norma como uma mulhernegra da Australia que faz a mesma coisa com 0 mesmo efeito, numa maiorau menor regularidade, sabe algo a respeito de que 0 amamentar nilo Ihe foiirnposto par "regras externas" e que, portanto, de acordo com Stammler, 0 ama­mentar naquele pais nao faria parte da "vida social", nem mesmo no sentidoda existencia de uma respectiva norma "convendonal" - s6 se entende quehaja uma tal norma convendonal todas as vezes em que ha uma "regularidade"de comportarnento a este respeito que pode ser constatada empiricamente. Le­vando em consideracao 0 lado subjetivo da questao, desenvolvem-se, certamen­te, ideias normativas convendonais a partir de regularidades reais e empiricas.Isto acontece talvez par causa de urn certo receio de menosprezar e violar com­portamentos costumelros e tradidonais, ou, talvez, par causa de oerta aversaofrente a desvios de comportamento. Tambern pode resultar da preocupacao deque possa haver uma vinganca por parte dos deuses ou drn homens cujos in­teresses (muito egoistas) possam, talvez, ser contrariados par comportamentosde desvio. Eo medo de cornportamentos de "desvio social" pode transformar-sena ideia da "oorigacao" da observacao dos costumes tradidonais au na aversaoinstintuaI e individualista a quaisquer "inovacoes" e a "inovadores" de qualquertipo que seja.

Mas em quais cases este comportamento subjetivo, concretamente, incluia ideia de urn "estatuto" ficaria, provavelmente, multo vago. Mas se, de maneiranenhuma - de acordo com Stammler - impotta a situacao "subjetiva", a "men­talidade", falta indiscutivelmente qualquer caraeteristica empirica: 0 comporta­memo "externo" (0 amarnentar) nao mudou em nada. E se este comportamento,sob a inlluenda da formacao de ideas "normativas", lentamente se transforma,e somente uma questao de opiniao, quando podemos conduir a existencia deuma norma externa ("convendonal" ou "juridica").

]a que e urn absurdo afirmar a existencia, nos "sentimentos" dos homensprimaries que vivem em total (NB) isolamento, de urn "lmpulso" consdente doseu sentido e de sua finalidade para "estatutos", ficaria apenas, seguindo 0 tipode radocfnio de Stammler, a pergunta - que foi cottada pelo proprio Stanunlerde maneira explfdta - de como poderfamos imaginar 0 surgimemo empfricode ''vida social" em urn conjunto de animais. E, ao final de tudo isso, a respostapoderia ser arenas a seguinte: ele nilo e pensavel como urn prooesso empfricoque se deu no tempo. A "vida social", por assim dizer, e "transtemporal'<l, dadoque coexiste com 0 conceito "ser humano". Obviamente trata-se aqui de urnainformacao que nilo e uma resposta a uma pergunta ernpfrica, mas e uma mis­tifica<;1(o. Mas mesmo assim e ela a (mica safda inevitavel, se se condui a partir

14 Nllo tenho m.litas duvidas cpe a respectiva afrrmac;ao de Gott1 - Grenzen tier GescJric;hIe(Os limitescia Hist6ria) - com referercia avidahist6rica, de alguma maneira, teria side influenciadapelas colccacoes de Stammler. Starnmler nem usa esre lama.

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da possibilidade de pensarnento, de se estabelecer urn detenninado "conceito"da "vida social", para a efetiva irnpossibilidade que a este conceito possa corres­ponder na realidade uma respectiva realidade empirica, ou seja, no sentido deque os hornens empiricos tivessern exatamente a tarefa de "realizacao" daqueleoonceito e de que esta tarefa deveria ser a finalidade de sua ac;ao. Se n65 nosafastarnos desta pragmatica ingenua, naturalmente, a ideia hipotetica de urn sur­gimento "lento" de "ideias normativas" nao encontra grandes dificuldades. Emoutras palavras, tratar-se-ia da conviccao de que (para usar as palavras de Stam­mler) certas acoes executadas "par costume idioca", por infinitos espacos tem­porais, sern qualquer ideia de urn "dever-ser' ou de urn "estatuto", a<;6es exe­eutadas "instintualrnente" se transformariam em "deveres" cuja violacao acarre­taria certas desvantagens das quais se tern medo. Neste sentido, ate urn cachorrotem urn sentimento de dever. De certo, falta qualquer notfda "hist6rica" sabrea ideia de que tais "deveres", como Stammler pretende, se baseiam em "esta­tutos hurnanos" e de que estas ideias apenas requerern "legalidade exterior" (p,98) em oposlcao :l "etica". Toda esta oonfusiio conceitual de Stammler, portanto,nao tern fundamento hist6rico-empirico. Se insistimos na necessidade da exis­tencia (empfrica) de urn "estatuto" para urn processo que faz parte do rnundodas acoes hurnanas, 0 funbito da "vida social", descrito desta maneira, transla­dou-se, oonstante e lentarnente, de puras factiddades para processos "externa­mente regulamentados", e n65 podernos observar continuadarnente este proces­so, sobretudo se inclulmos (oomo Stammler 0 faz) a "convencao". A saida cui­dadosamente deixada aberta par Stammler (p. 106, final e p. 107, inlcio) deque se trata, neste processo, de uma evolucao do "conteudo" da "vida social",naturalrnente nao diz nada a respeito da dernonstracao da irnpensabilidade deurna transicao, pols nao pode ser exclufdo urn desenvolvimento semelhante pa­ra nenhurna parte daquilo que de aoordo oorn Stammler faria, hoje em dia, parteda "vida social". Alem disso, nos parece que 0 oonceito de "normas externas",oomo caraetetisticas da vida "social" em oposicao :l vida "etica", nao tern utili­dade nenhurna, pelo menos no que se refere a urna ooservacao puramente em­plrica. Por urn lado, toda etica "primitiva" exige exatamente legalidade "externa"e dificilmente pode ser distinguida com bastante clareza do "direito" e da "oon­veneto", por outro, temos que ver que as ideias normativas "primitivas", ouseja, "as norrnas", exatamente nao sao "mandarnentos hurnanos" mas "manda­rnentos divinos", se fizerrnos a pergunta pela origem dela. Certamente haveriarnuitas dificuldades para 0 etn6grafo se ele quisesse responder a pergunta pelosurgirnento dos diversos componentes do nosso oonceito atual, por exemplo,de "direito" ou "normas juridicas" e talvez, efetivamente, nunca sera possivelesta questao com base em s6lidos conhecimentos hist6ricos. Mas, sern duvida,ele nao ia desempenhar 0 papel ridicule do nosso escolastico que, frente aosfen6menos da vida dos povos primitivos, sernpre de novo deveria fazer a per­gunta infantil: par favor, este processo faz parte da categoria "externa", isto e,de urn cornportarnento reguiarnentado por estatuto hurnano (no sentido comooonsta na obra de Stammler, intitulada: Wirlscluift und Recht - "Economia eDireito'', p. 77 e segs.), ou pertence :l categoria "convivencia hurnana puramenteinstintual" (no sentido contido na pagina 87 e segs.), A urn destes dois sentidosdeveria pertencer, senao nao poderia ser classificado conceitualrnente dentro do

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meu esquema e, conseqiientemente, seria - que horror- impensavel paramim

Mas, par horn, chega de discussoes sabre uma doutrina, que, par desco­nhecer 0 "sentido" da formacao de conceitos, mistura etemamente 0 conhecidoe 0 sujeito do conhecimento como mostra, servindo muito bern de fun paraestas observacoes, a bela aflrrnacao seguinte (p. 91) sobre 0 conceito (NB) como qual n6s nos defrontamos (1) na experiencia relativa :l. "vida social": "... estavida social que nos e dada empiricamente (NB) baseia-se" (somente pode sig­nificar "empiricamente" na "regulamentacao extema" - termo ambfguo, comoja sabemos) "e que faz com que seja compreensfvel" (parece, aquele fato) "co­mo conceito peculiar (!) e 0 seu pr6prio objeto" (entao urn "conceito", Begri.ff,que se toma "compreensfvel", begreijlich), "parque n6s percebemos nela" (na"regularnentacao", pois, termo ambfguo) "a possibilidade... de compreender(NB) uma conexao entre os homens que, como tal, independente da mera cons­tatacao (!) da vida instintual natural do individuo" (portanto), ''urn fato 'empf­rico': uma 'conexao de homens' que, certamente, independe do nosso conhe­cimento de outros fatos empfricos". Mais uma vel, a confusiio, realmente, e ex­oessiva. Se quisessernos desernbaracar todos os fios desta rede de sofismas queStammler apresentou aos seus leitores - e sobretudo tarnbern para si - de­verfamos pegar cada afirmacao do livro no sentido literal das palavras e ana­lisa-las sob 0 ponto de vista de suas contradicoes com os seus pr6prios con­ceitos, comparando-as com as outras afirrnacoes do livro.

Apenas querernos ainda constatar, aqui, 0 erro em que se baseia a afirma­c;ao total sabre a "impensabilidade" daquela "transic;ao". Uma tal oposicao queexclui aquela "transicao" existe realmente se opomos 0 vigorar ideal de umanorma a uma circunstancia real, par exemplo, a a<;5es teals de homens empf­ricos. Esta opostcso e realmente incondliavel, e uma "transicao" em dimensiioconceitual e irnpensavel, mas par uma raziio muito simples, 00 seja, par causado fato de que se trata aqui de questoes totalmente diferentes do nosso co­nhecimento, pois, nurn caso, trata-se de uma reflexiio dogmatica sabre urn re­gulamento referente ao seu sentido "ideal' e a "avaliacao" de a<;5es empfricascom base naquele regulamento, e, no outro caso, trata-se da constatacao da"ac;ao empfrica" como urn "fato" e da sua "explicacao" causal. Este fato 16gicofoi projetado par Stamm1er na realidade empfrica. Por causa disso, ao lado destaUltima afirrnacao encontramos aquela afirmacao absurda sabre a impossibilidade"conceitual" de uma "transicao", E no que se refere :l. l6gica, a confusiio criadaroo e menon inversamente mistura-se, neste ruvel, as duas questOes 16gicas quesiio totalmente heterogeneas, Exatamente par causa desta mistura foi que Starn­mler criou enormes obstiiculos para a tarefa que ele mesmo indicou para si,00 seja: delimitacao da area a dos problemas da "cienda social". Isto logo sepercebe se prestamos atencao as consideracoes finals do final do primeiro ca­pftulo do segundo livro (p. 107 e segs.). Aqui, Stammler CO!Ile9' a falar sabreo principio de sua problemiitica. A "ciencia social" deveria ser caraeterizada na"sua peculiaridade propria, ao lado da (!) ciencia da natureza. Isto, obviamente,significa: deveria ser delimitada em comparacao a ela, A "condicao" (que signi­fica "objeto" no sentido de "essencia") da "ciencia natural", na opiniiio de Starn­mler, seria "ffiosoficamente assegurada". Realmente? Todo mundo sabe que nos

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U1timos dez anos, nas discuss6es logicas, nada foi mais questionado do queeste ponto. Nas explicacoes anteriores apresentamos nada mais do que quatromodalidades possiveis do conceito de "natureza"t5. Mas nenhum conceito podeser utilizado como sendo urna oposicao ao conceito de Stammler, que e 0 de"convivencia regular e externa". Aqueles conceitos de narureza que opoem urnaparte da realidade empiricamente dada em oposicao a urna outra parte, ou seja,em Ultima instancia, as funcoes "superiores", ja nao dilo conta da questao, par­que, por exemplo, todo 0 setor das norrnas apenas "eticas" que se referem aocomportamento "interior" deve ser exclufdo por se situar fora do conceito. Pelamesma razao tarnbern nao pode ser utilizada a oposicao de "natureza" comosendo 0 "absurdo" em oposicao a urn objeto que teria "sentido" , pois nao eque tudo que "tem sentido", e nem toda a a<;i[o hurnana que tern "sentido"pode ser enquadrada no conceito stammleriano de "regularnentado externamen­te", A oposicao l6gica entre conhecimento das "dencias naturais", como sendoo conhecimento geral 00 nornotetico, e 0 conhecimento individualizante, 00

hist6rico, tambem fica totalmente fora da abordagem de Starnmler, Levando emconsideracao tudo isso, podemos dizer que apenas ficaria a oposicao entre urnaabordagem "naturalista", no sentido "empirico", e, portanto, nao de urna abor­dagem dogmatics e de urn respectivo conceito de natureza que deveria ser me­Ihor definido. Mas, para Stammler, tarnbem esta oposicao nao e de tanta im­portancia, ja que a "ciencia social" de Stammler nao pretende ser urna "juris­prudencia" e, tampouco, uma cienda que, diferentemente da jurisprudencia, dis­cutisse tambern regras "convencionais" a maneira da jurisprudencia dogmattca,Problemas "s6cio-politicos" (no sentido mais amplo do termo) seriam todosaqueles problemas praticos aos quais se pergunta: de que maneira deveriamosenquadrar 0 comportamento hurnano exterior a norrnas "juridicas" e "conven­cionais"? Se delimitarmos urna ciencia empirica em funcao de sua dependenciade problemas prances, e se - por consideracao a Stammler - ao objeto da"ciencia social" deveriamos denominar "vida social", poderiamos afirmar 0 se­guinte: pertencem a "vida social" todos aqueles processos empiricos cuja regu­larnentacao externa atraves de estatutos elaborados por homens, em principio,pelo menos pode Set pensada. Nao nos interessa neste momenta se uma taldelirnitacao do conceito de "vida social" teria urn valor "ciennflco'', Esuficientesaber se isso pode ser feito sem haver urna contradictio in se. Pelo menos de­ver-se-ia possibilitar a delimitacao do objeto do ponto de vista da "regra exter­00" e nao da regra que empiricamente e real 00 vida concreta, 00, em outraspalavras, delimitar a ideia l6gica e objetiva pela eliminacao da eterna mesclaentre a "ser empirico", "0 ideal" e " a norrna".

15 Veja-se paginas 321 e 332

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meu esquema e, conseqOentemente, seria - que horror- impensavel paramim

Mas, par hora, chega de discussoes sabre uma doutrina, que, par desco­nhecer 0 "sentido" da formacao de conceitos, mistura etemamente 0 conhecidoe 0 sujeito do conhecimento como mostra, servindo muito bern de fun paraestas observaeoes, a bela afirrnacao seguinte (p. 91) sabre 0 conceito (NB) como qual n6s nos defrontamos (!) na experiencia relativa a "vida social": "... estavida socia! que nos e dada empiricamente (NB) baseia-se" (somente pede sig­nificar "empiricamente" na "regularnentacao extema" - termo ambfguo, comoja sabemos) "e que faz com que seja compreensivel" (parece, aquele fato) "co­mo conceito peculiar (!) e 0 seu pr6prio objeto" (entao urn "conceito", Begri.ff,que se torna "cornpreensfvel", begreiflich), "porque n6s percebemos nela" (na"regulamentacao", pols, termo ambfguo) "a possibilidade... de compreender(NB) uma conexao entre os homens que, como tal, independente da mera cons­tatacao (I) da vida instintual natural do inelividuo" (portanto), "urn fato 'empl­rico': uma 'conexao de homens' que, certamente, independe do nosso conhe­dmento de outros fatos ernpfricos". Mais uma vez, a coofusao, realmente, e ex­cesslva. Se quisessemos desembaracar todos os fios desta rede de sofismas queStammier apresentou aos seus leitores - e sobretudo tarnbern para si - de­veriamos pegar cada aflrrnacao do livro no sentido literal das palavras e ana­lisa-las sob 0 ponto de vista de suas contraelig3es com os seus pr6prios con­ceitos, comparando-as com as outras afirrnacoes do livre.

Apenas queremos ainda constatar, aqui, 0 erro em que se baseia a afirma­.,ao total sabre a "Impensabilidade" daquela "transl.,ao". Uma tal oposicao queexclui aquela "transicao" existe realmente se opomos 0 vigorar Ideal de umanorma a uma circunstiinda real, par exemplo, a ac;;6es reais de homens empf­ricos. Esta oposlcao e rea1mente inconciliavel, e uma "transi.,ao" em dirnensaoconceirual e irnpensavel, mas par uma razao muito simples, ou seja, par causado fato de que se trata aqui de questoes totalmente diferentes do nosso co­nhecimento, pais, nurn case, trata-se de uma reflexao dogmatlca sabre urn re­gularnento referente ao seu sentido "Ideal' e a "avaliacao" de acoes empfricascom base naquele regulamento, e, no outro caso, trata-se da constatacao da"a.,ao emplrica" como urn "fato" e da sua "explicacao" causal. Este fato 16gicofei projetado par Stammier na realidade empfrica. Por causa elisso, ao lado destaUltima aflrmacao encontramos aquela afirmacao absurda sabre a impossibilidade"conceitual" de uma "transicao", E no que se refere a 16gica, a confusao criadanao emenon inversamente mistura-se, neste nivel, as duas quest6es 16gicas quesao totalmente heterogeneas, Exatamente par causa desta mistura foi que Stam­mier criou enormes obstaculos para a tarefa que ele mesmo indicou para si,00 seja: delimitacao da area a dos problemas da "cienda social". Isto logo sepercebe se prestamos atencao as consideracoes finals do final do primeiro ca­pltulo do segundo livre (p. 107 e segs.). Aqui, Stammier comec;;a a falar sabreo principio de sua proolemanca. A "ciencia soda!" deveria ser caraeterizada na"sua peculiaridade pr6pria, ao lado da (I) ciencia da natureza. !sto, obviamente,slgnifica: deveria ser delimitada em comparacao a ela. A "condicao" (que slgni­fica "objeto" no sentido de "essencia") da "ciencia natural", na opiniao de Stam­mler, seria "ftlosoficamente assegurada". Realmente? Todo mundo sabe que nos

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ultirnos dez anos, nas discuss6es l6gicas, nada foi mais questionado do queeste ponto. Nas explicacoes anteriores apresentarnos nada mais do que quatromodalidades possiveis do conceito de "naturcza'">, Mas nenhum conceito podeser utilizado como sendo uma oposicao ao conceito de Stammler, que e 0 de"convivenda regular e externa''. Aqueles conceitos de natureza que opoern umaparte da realidade empiricamente dada em oposicao a uma outra parte, ou seja,em ultima instancia, as funcoes "superiores", ja nao dao conta da questao, por­que, por exemplo, todo 0 setor das normas apenas "eticas" que se referem aocomportarnento "interior" deve ser excluido por se situar fora do conceito. Pelamesma razao tambern nao pede ser utilizada a oposicao de "natureza" comosendo 0 "absurdo" em oposicao a urn objeto que teria "sentido'', pois nao eque tudo que "tem sentido", e nem toda a ac;ao humana que tern "sentido"pode ser enquadrada no conceito stammleriano de "regulamentado externamen­te". A oposlcao 16gica entre conhecimento das "ciencias naturals", como sendoo conhecimento geral au nomotetico, e 0 conhecimento individualizante, auhist6rico, tambem fica totalmente fora da abordagem de Stammler. Levando emconsideracao tudo isso, podernos dizer que apenas ficaria a oposicao entre umaabordagem "naturalista", no sentido "empirico", e, portanto, nao de uma abor­dagem dogmatica e de urn respectivo conceito de natureza que deveria ser me­ihor definido. Mas, para Stammler, tarnbem esta oposicao nao e de tanta im­portancia, ja que a "ciencia social" de Stammler nao pretende ser uma 'juris­prudencia'' e, tampouco, uma ciencia que, diferentemente da jurtsprudencia, dis­cutisse tarnbem regras "convencionais" it maneira da jurisprudencia dogmatica.Problemas "socio-polfticos" (no sentido mais amplo do termo) seriam todosaqueles problemas praticos a06 quais se pergunta: de que maneira devenamosenquadrar 0 comportamento humano exterior a normas "juridicas" e "conven­cionais"? Se delimitarrnos uma ciencia emplrica em funcao de sua dependenciade problemas praticos, e se - por consideracao a Stammler - ao objeto da"ciencia social" deveriarnos denominar "vida social", poderiarnos afirmar 0 se­guinte: pertencem it "vida social" todos aqueles processes ernpfricos cuja regu­larnentacao extema atraves de estatutos elaborados por homens, em principio,pelo menos pode ser pensada. Nao n06 interessa neste momento se uma taldelimitacao do conceito de "vida social" teria urn valor "cientlfico". Esuficientesaber se isso pode ser feito sem haver uma contradictio in se. Pelo rnenos de­ver-se-ia possibilitar a delimitacao do objeto do ponto de vista da "regra exter­na" e nao da regra que empiricamente e real na vida concreta, au, em outraspalavras, delimitar a ideia l6gica e objetiva pela eliminacao da eterna mesclaentre 0 "ser ernpirico", "0 ideal" e v a norma",

15 Veja-se paginas 321 e 332.

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VI. A 1EORIA SOBRE 0 LIMI1E DOAPROVEITAMENTO E "A LEI

FUNDAMENTAL PSICOFlSlCA"

Lujo Brentano, Die Entwicklung tier Wertlehre (A Evolucao da teoria devalor) Alas da Academia Real Baoara de Ciencia. Setor: Filasofia, Filologia eHist6ria. Ano 1S08, nurnero 15/2, 1S08, Munique, Editora da Academia.

a tratado e uma exposicao parcialrnente resumida, parcialmente ctitica, dosresultados das investigacoes sabre a evolucao da teoria de valor desde Aristo­teles. Foi uma sugestao de Brentano, de infcio feita pelo infelizmente iii falecidoLudwig Fiek, e em seguida continuada par urn dos seus disdpulas, Dr. R Kaul­la, que a tenninou, aquela altura, iii sem a orientacao de Brentano-. Entre asmuitas sugestoes que encontramas nesta pesquisa, como tarnoern na de Bren­tano, queremas apenas acompanhar as discuss6es sabre a relacfo dos conceitosde ''utilidade'' e "valor de uso" (p. 42 e segs.) que, a nosso ver, apresentam damaneira a mais clara passive! tudo aquila que em poucas linhas pode ser escritosabre este assunto.

Ocupamo-nas aqui de urn unico ponto das explicacoes de Brentano queprovoca 0 nasso protesto. Este se refere as pretensas relacoes de qualquer teoria"subjetiva" de valor com certas afirrnacoes gerais de psicologia experimental,sabretudo com a assim chamada Lei de ,*,ber-Fechner. Como 0 proprio Bren­tano afirma, nao e a primeira vez que se tenta compreender as teorias de valorda economia como caso particular desta lei. NOs a encontramas, com absolutacerteza, iii na segunda edicao do livro de F. A Lange sobre a questao operaria

1 R Kaulla, Die geg;hkhtJidlen EntuickJu~tier modernen We71theorien (0 desenvolvimenlohist6rico das modemas teorias de valor), Tiibingen, 1906. Veja-se tantbem: 0. Krause, Die aristote­lische Wer1!heori£ in ihrer I3ezWhung zu den Lehren tier modernen PsycJwk>genschuIe (A teoriaaristotel.ica de valor em sua relacao is teorias da modema escola de psicologia) - In ZeitschriftjUr StaaIsWIssenschaft (Revista para a Cienda Polltica) volume 61, 1905, p. 573 e segs.

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e as primeiras tentativas ja se encontram na primeira edicao da psicofisica deFechner (1860), e, a partir dai encontramo-la inumeras vezes. Tambern Langeinterpretou aquela conhecida "lei" como uma confirmacao e generalizacao da­quelas aftrmacoes, as quais, no momento, foram eiaboradas por Bernoulli, comreferenda :l. relacao entre a avaliacao relativa (pessoal) de uma quantia de di­nheiro e a totalidade absoluta dos bens do seu possuidor ou receptor, Ele pro­cum ainda dar exemplos tirados da vida politica (percepcao da pressao politicae sensibilidade frente a ela etc.) para mostrar que sua validade seria ainda malsuniversal. Repetidas vezes, encontra-se a afirmacao que a teoria do valor dachamada "escola austrfaca" teria fundamentos "psicol6gicos", ao passo que, dooutro lado, a "escola hist6rica", nos seus mais eminentes representantes, requerpara si a pretensao de ter dado uma grande contribuicao para que se firmassea "psicologia", em vez das abstracoes "jusnaturalistas''. Levando em conta a am­bigilldade da palavra "psicoI6gico", nao h:'i razao para se entrar em discussaocom estes dois partidos, dos quais cada um requer para si este fato - depende,talvez ate os dois ou nenhum dos dois, Trata-se, neste momento, diferentemen­te, da aftrmacao muito precisa de Brentano de que a "lei fundamental psicofl­sica" seria 0 fundamento da Grenznutzlehre teoria do limite do uso, ou seja,esta ultima seria uma aplicacao concreta daquela lel. Procuramos mostrar queesta afirmacao nao esta correta,

A chamada lei fundamental psicofisica, como, alias, 0 pr6prio Brentanotarnbem menciona, passou par modificacoes, seja no que se refere :l. sua for­mulacao, ao ambito de sua validade ou :l. sua interpretacao, Brentano (p, (6)faz 0 seguinte resumo do seu conteudo, Fechner teria mostrado "que se percebeem todos os setores da sensacao que ha a mesma lei com referenda :l. depen­dencia da sensacao ao estimulo, a qual Bernoulli teria estabelecido para a de­pendenda do sentimento de felicidade resultante do aumento da quantidadede dinheiro a relacao com 0 tamanho dos bens daquele que tern este senti­mento". Bra forrnulacao pode ser mal entenclida, mesmo que se encontre areferenda a Bernoulli, da mesma maneira, na obra de Fechner, Sem duvida,Fechner recebeu, entre outras, a inlluencia do rnetodo de Bernoulli, Mas e maisuma questao da hist6ria da literatura saber como e em que meclida duas den­cias heterogeneas aproveitaram mutuamente, no caminho de sua genese, con­ceitos semelhantes dentro dos seus fins metodol6gicos. Bra questiio nao temnada que ver com a nossa problemiltica, qual seja, a de se a lei de Weber-Fe­chner e realmente 0 fundamento te6rico da Grenznutzlehre. Darwin, por exem­plo, recebeu a influencia de Malthus, mas as teorias de Malthus nao sao asmesmas que as de Darwin, tampouco as teorias de um caso particular sao asde outro. No nosso caso, a situacao e bem semelhante, "Felicidade" nilo e urnconceito qualitativamente uniforme que pode Set apreendido psicofisicamente,como talvez se acreditasse no periodo da etlca utilitaria. Sem duvida, os psic6­logos fariam muitas restricoes se fosse identificado 0 conceito de "felicidade"com 0 de "prazer" - obviamente, tarnbem opini5es divergentes sabre 0 alcancedesta identificacao ou nao-identificacao, Mas sem levar em consideracao esteproblema, este paralelismo perman~ sendo apenas uma analogia vaga, ou Be­ja, pensado apenas como uma analogia vaga, ou como uma comparacao, aumera imagem Pois admitindo supostamente este caso, ela apenas seria corretaexternamente e para apenas uma parte da problemiltica. Ao conceito de "esti-

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mulo" de Fechner paderia corresponder, e corresponde realmente, aquilo queesta sendo afirmado por Bernoulli no que refere ao "aurnento da quantidadede dinheiro", pois 0 "estlmulo" de Fechner sempre e urn estlmulo externo, auseja, mediado pelo "corpo'< e, portanto, urn processo que paderia ser medido,talvez nao realmente, mas pelo menos "potencialmente" - pelo menos em prin­cipio - ja que, neste processo, padem ser observados certos "sentimentos"conscientes coma "efeitos" au como "processos paralelos", e ja que tambem,na aflrrnacao de Bernoulli, trata-se de urn "processo extemo". Mas 0 que corres­ponde, agora, na lei psicofisica fundamental, aos "bens'' que aquele que per­cebe urn aumento de dinheiro (Bernoulli) ja passui? Parece que tambern estapergunta, pelo menos aparentemente, pode ser respondida com facilidade.Poderiarnos, por exemplo, pensar em algo como uma correspondencta quepaderia haver, de acordo com as experiencias bastante conhecidas de Weber,entre uma diferenca de sensibilidade individual para urn aumento de pesoreferente ao peso ja existente, portanto, aumento de bens em relacao a bensja existentes. Pademos, par enquanto, ate aceitar esta colocacao, Neste caso,de acordo com a lei fundamental psicoflsica, na qual se baseiam as observacoesde Weber, deveria ter plena validade a seguinte afirmacao. quem, na colocacaode urn peso de 6 Lot (urn Lot corresponde a meia onca, portanto, seriam seis"meias onr,;as"?) (par exemplo, pensando na sua milo) ainda sente a acrescirnode 1/3 Lot, portanto, 1/5 Lot, esta mesma pessoa sente, em 12 Lot, igualmente,1/3, ou seja, 2/5 Lot como diferenca. E a mesma situacao, como no nosso exem­plo referente ao tato (urn dos cinco sentidos), hi! tambem, nos estfmulos, daisdos autros sentidos. A diferenca de dais estlmulos seria sentida, em nivei deconscienda, da mesma maneira, no caso em que a relacao entre 0 "aumentode estlmulo" referente ao "estfmulo basico" fosse a mesma. au em autras pa­lavras: 0 vigor do estirnulo deve aurnentar na relacao geornetrica, enquanto 0

vigor ou a medida da percepcao da sensacao deve crescer em relacao aritme­tica. Nao abardamos, neste ensaio, a questao de se a "lei" formulada desta ma­neira pade ser confirmada empiricarnentc, Se se acrescentasse os conceitos deinicio de estimulo e grau do estimulo "subpercebido" e "super-percebido", esta­names no meio de urna confusao de leis sem solucao (como, por exemplo, alei de "Merkel''). Se a gente transpusesse a velha e simples formula de Webera processes economicos e acrescentassernos com Brentano - sern duvida, istoe algo arriscado - aumento de bens ao aumento do "estfmulo", teliamos comoresultado (como, por exemplo, no caso de Bemoulll) -, se urn indivfduo quepassui 1000 marcos, com urn aurnento dos seus bens em 100 marcos, estariatendo tarnbern urn "sentimento" de aumento de sua "felicidade", neste caso, no­te-se bem, este mesmo individuo, se tivesse urn milhiio de marcos e se houvesseurn aurnento dos seus bens correspondente a 100 000 marcos, teria tarnbern eparalelamente urn aumento da mesma intensidade do seu "sentirnento de feli­cidade". Considerando-se que fosse esse realmente 0 caso, e supondo que fossepossivel transpor para a aquisicao de capital, os conceitos de "limite de esti­mulo" e "grau de estimulo" e, como tal, a curva de lei de Weber referente aos"sentimentos de felicidade" na aquisicao de dinheiro, tudo isso, por acaso ternalgo a ver com quest6es e petguntas as quais a teoria econornica pretende daruma resposta? E pademos dizer que, para a teoria economica, a validade da

2 Naruralmente como sendo tambem urn processo que se origina no 'fntertor" do proprio coIJ'O.

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linha logaritmica dos psicofisicos seria 0 fundamento sem 0 qual a teoria eco­nomlea 000 poderia set compreendida? Sem dUvida, vale a pena investigar osgrandes setores de "neoessidades", que sao relevantes para a economia na di­mensae de que maneira sao apropriados para a "sua satisfacao" - para 0 qualmuito provave!mente, a lei fundamental da psicofisica 000 nos fomece resu\:tados satisfat6rios. Pertenceriam tambern muitas discussoes, pot exemplo, sabreo significado da economia monetaria para a expansao quantitativa das neces.sidades, como tarnbem as investiga<;iies sabre as mudancas no setor da allmen­ta<;iio, que se processaram per causa da pressao das modiflcacoes econOmicasetc. Mas todas essas reflex5es realmente nilo se orientam, de maneira nenhumana chamada teoria de Weber-Fechner. E se nos flzessemos uma analise dos eli:ferentes grupos de necessidades, como, per exemplo: necessidade de allmen­ta<;iio, necessidade de habltacao, necessidades sexuais, necessidade de alcool,necessidades espirituais e esteticas no seu surgimento e na sua eliminui<;iio namedida da oferta dos "meios para satisfaze-las", numa curva logaritmica de We­ber e Fechner encomrarfamos, de vez enquando, vagas analogias, :Is vezes ateanalogias insignificantes ou ate nenhuma analogia (veja-se mais abalxo), sendoque esta curva ate poderia set colocada de cabeca para baixo. As vezes, ascwvas seriam interrompidas, ou ficariam no negative, talvez logo em seguidanovamente no positivo, :Is vezes estariam de acordo com a "satisfacao", ou atede modo nao sintornatico a proximar-se do ponto zero - seria diferente, muitoprovavelmente, para cada tipo de necessidade. Mas, mesmo assim, encontrarfa­mos, pelo menos :Is vezes, analogias. Suponhamos ainda, sem investiga-lo sis­tematicamente, que tais analogias - sempre vagas e imprecisas - ainda tam­bern pudessem ser encontradas na tao importante possibilidade de modiflcar amaneira, ou seja, os meios, para a satisfacao das necessidades. Mas continuemosno nosso radocinio: na Grenznutzlehre que pertence, cientifieamente falando,a elisciplina "economia polftica", como em qualquer teoria "subjetiva" do valor,no inlcio de todo 0 processo 000 ha urn "estimulo" externo, mas uma "neces­sidade", diferentemente, portanto, da lei fundamental psicoffsica - se n6s nosperguntamos pelas situacoes e condieoes da alma - (a nossa maneira de ex­pressar-se, sem duvida e "psicol6gica"). Em outras palavras, essas necessidadesseriam, pot exemplo, urn complexo de "sentimentos" e "sensacoes", situacoesde "tensao", de "desgosto" e de "expectativa" etc. de uma qualidade e compo­si<;iio muito complexa, e, combinado ainda com "imagens referentes ao passado,que se fixaram na memoria", "ideias que se referem ao problema meios-fms,e, eventualmente, ate motivacoes das mais diversas caraeteristicas que estao nu­ma situacao de conflito entre umas e outras. E, enquanto a lei fundamental psi­cofisica nos quer ensinar algo como urn "estimulo externo" e provoca certosestados psiquicos que nos chamamos de "sensacoes'', a economia politica, eli­ferentemente, se ocupa com a circunstancia ou com 0 fato de que urn deter­minado comportamento exterior (a<;iio) seria provocado por tais "estados" psi­quicos..Este comportamento exterior, pot sua vez, tern determinados efeitos so­bre a "necessidade" que estava na origem do seu surgimento, na medida emque esse (0 comportamento exterior) elimina-a (a necessidade) pela sua "satis­facao" - pelo menos, pretende elimina-la. Novamente nos defrontamos, doponto de vista psicol6gico, com urn processo muito complexo e, de maneira

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nenhuma, com urn processo unico. Talvez em alguns casos - que sao excecoes- estes podern set identificados como uma simples "sensacao'' no sentido psi­col6gico do termo, Portanto, 0 problema nao seria 0 modo de "sentir", mas ­psicologicamente falando - 0 modo de "reagir", Portanto, nestes processos ele­mentares (intendonalmente esbocados de maneira sintetica) da "a<;iio", perce­bemos urn decurso de acontecimentos que talvez pode corresponder a umaanalogia em algumas partes, mas na sua totalidade e na sua estrutura e berndiferente daquelas experiencias de peso de Weber. Acrescenta-se ainda 0 fatode que este processo fundamental, da maneira como 0 deserevemos aqui, nun­ca, ohviamente, podera sec a condicao au possibilidade 0 surgimento da eco­nomia politica como dencia, E apenas urn dos componentes daqueles aconte­cirnentos que sao 0 objetivo de nossa disciplina. Como Brentano em algumasdas suas abreviacoes pressupiie, e tarefa da economia polftica investigar de quemaneira se organiza a vida dos homens, levando em consideracao 1. a con­correncia das diferentes "necessidades" que pretendem sec "satisfeltas" - 2. alimitacao nao apenas da "capacidade de necessidades", mas tarnbern a lirnitacaodos "bens disponiveis" e da "mao-de-cora" dos quais se necessita para a "sa­tisfa<;iio" daquelas necessidades, e finalmente - 3. uma maneira bern espedficade co-existencia de homens que tern necessidades iguais ou semelhantes, masque dispiiem de bens ern quantidades diferentes para a sua satisfacao, surgindo,portanto, uma concorrencia referente aos meios capazes de satisfazer as neees­sidades. Os problemas que surgem a partir desta sttuacao nao podem sec vistosapenas como casas especiais au cornplicacoes daquela "lei fundamental psico­ffsica", e os rnetodos para soluciona-los nao sao apenas metodos da psicot!sicaaplicada au da psicologia, mas, ao contn'irio, ambas essas ciencias nao tern nadaa vee com estes problemas. As aflrrnacoes da Grenznutzlehre, como a mais sim­ples reflexao claramente mostrada, e totalmente independente de que alcancetern a lei de weber, e de se ela, como tal, tern au nao urn alcance - e tam­bern de se ela, como tal, tern possibilidade de estabelecer uma afirmacao uni­versalrnente valida sabre a relacao entre "estfmulo" e "sensacao". Para as pos­sibilidades da Grenznutzlehre e totalmente suficiente, se: - 1. a experlenciacotidiana esta certa de que os homens nos seus procedirnentos, entre outrosfatores, tarnbern sao impulsionados poe tais "necessidades", que podem sec sa­tisfeitas apenas pelo consumo de uma quantidade limitada de bens, poe resul­tados do seu trabalho au pelos produtos poe este produzidos, e, rnais ainda,2. se esta correta a experiencia cotidiana, que, para a rnaioria das pessoas comurn aumento do consumo daqueles bens, ha tarnbern urn aurnento da "satisfa­<;iio", sendo que esta afirmacao vale sobretudo para aquelas necessidades que,do ponto de vista subjetivo, sao tidas como as mais prementes, - ese, final­mente, 3. os homens possuem a capaddade - mesmo em graus diferentes ­de agir "metodicamente", au seja, utilizando-se slstematicamente da "experien­cia" e do "cllculo". Fazendo isso, significa que os homens agern de maneira aserern distribufdos os "bens" e a "mao-de-obra" disponfveis e existentes emquantidade limitada, para as diversas "necessidades" do presente e futuro pro­ximo, de acordo com 0 significado e a importiinda que estas necessidades, sub­jetivamente, PJSSuem Este "Significado", obviamente, nao e identico a "sensa-

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c;ao" resultante de um "estlmulo" fisico. Nao n06 preocupa no momento se a"satisfacao" das "necessidades" se da numa rena proporcionalidade anaIoga aoseu aurnento que e uma afirmacao da lei de Weber-Fechner referente a inten­sidade das "sensacoes'' provocadas pot "esnmulos". Mas, a curva logarltmica da"lei fundamental psicofisica", na sua analogia, fica multo problematica se pen­samos aoerca do conceito "progressao da satisfacao em Tlffany-vasos, papel hi­gienico, salslchao, edicoes d06 classicos, meretrizes e orientacao medico e sa­cerdotal". E tambem nenhuma analogia psicofisica faz com que fique mals corn­preenslvel do que ja e, se, pot exernplo, alguern para satisfazer as suas neces­sidades espirituais, a custa de sua altmentacao, adquire Uvros e, a custa da sa­tisfac;ao de sua fome, gasta dinheiro com 0 colegio, Ii mais que sufidente paraa teoria econ6mica que podemos imaginar, baseando-nos naqueles fatos men­cionados como simples, multo triviais, mas Incontestaveis da experienda deuma maioria, que se dispOe sobre os "bens" e "forcas de trabalho" disponlVeisde modo "racional" ou sob a protecao de uma "ordem juridica", tendo comofun exclusivo 0 de obterurn optimum de satisfacao das diversas "necessidades"que estao entre si numa situacao de concorrencia, Ii bern provavel que cadapsicologo "desconfiaria" quanto a esse prooedimento, ou seja, 0 de tornar comofundamento de uma teoria dentlfica as "experiencias cotidianas": "necessidade"- que categoria banal e "psicologicamente vulgar". Esta nossa afirrnacao pede,sem duvida, movimentar muitas cadeias causais: "a necessidade" de comer pode1, ter 0 seu fundamento numa situacao psicofisica detenninada que e multocomplexa (a fome) que, pot sua vel, pode se basear essendaimente em dr­cunstancias diversas que, pot sua vel, fundonam como "estlmulos" como, potexemplo, 0 estomago vazio au, simplesmente, 0 costume de ingerir aiimentosem detenninadas horas do dia; 2. porem, tambern e possivel que aquele habitosubjetivo esteja ausente e a "necessidade" de comer pode Set condidonada de"maneira ideogenea", ou seja, pot uma ooediencia em relacao a uma ordemdo medico. A "necessidade de tamar alcool" pode basear-se nurn "estar acos­tumado" a06 "estlmulos" externos, que, pot sua vel, criam uma "situacao deestlmulo interior", e este estlmulo pode ser aumentado pelo consumo de alcool,apesar da curva logaritmica de Weber. "A neoessidade de leitura" de determi­nado tipo pode Set determinada pot processos que seria posslvel que 0 psico­fisico, para os seus fins, os pudesse, talvez, "interpretar' como modificacocs fun­Donais de determinados processos eerebrais que, dificilmente, podem Set escla­reddos pot uma referenda simpies a lei de Weber e Fechner, 0 "psic61ogo"ve nestas coisas uma sene de problemas dos mais diflceis para as suas proble­rnaticas. E a "teoria" da economia polltica nao levanta estas quest5es? Continuacom a consciencia tranquilar E mais ainda: "agir de acordo com urn fim", "fazerexperiencias", "previsao calculada" sao coisas de carater 0 mais compiicado pas­sivel para a psicologia, talvez sejam ate nesses termos incompreenslveis, mas,pelo menos, pertenoem aos termos mais dificeis de Set analisados: podem sertais conceitos e termos semelhantes 06 "fundamentos" de uma disdpiina den­tlfica? - sem que sejam suosuncoes a partir de experiencias em urn iaborat6rioqualquer. E, apesar de tudo isso, esta disdplina reivindica, reclama e tern a pre­tensao de, apesar de tudo, poder encontrar f6rmulas rnatematicas para 0 de­curso teoricamente apreendido referente as acoes economicamente relevantes

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- sern se preocupar nem urn pouco se poderiam set fundamentos uteis paraas disciplinas psicol6gicas como do tipo do materialismo, do vitalismo, do pa­ralelismo psicoffsico, teorias de ac;ao reciproca, teorias referente ao "inconscien­te", seja ela a de Freud 00 de Lipp, ate com a explicita garantia que todasessas teorias seriam sem importancia. Mas 0 que ainda e mais importante e 0

faro de que a economia polftica consegue provar isso. E mesmo que 06 seusresultados, que pelas mais diversas razoes se baselem em seus proprios rneto­d06, podem ser discutidos referente em Sell real a1cance e na sua exatidiio. Emtodos 06 casos, eles tern uma absoluta independenda, 00 seja, sao tao inde­pendentes que MO seriam atingidos par nenhuma, nem pelas maiores modifi­ca<;;6es nas hip6teses basicas na area da biologia 00 da psicologia, como tam­bern e para ela sem interesse se, eventualmente, a teoria de Copernico 00 ade Ptolomeu esta certa, como par exemplo acontece com teses teol6gicas, 00

eventualmente com as perspectivas "problematicas" do segundo teorema da ter­rnodinilmica. Todas essas modiflcacoes em teorias basicas das ciencias naturaisMO conseguem transformar em sendo discutivel nem uma (mica aflrmacao dateoria sabre juros e precos da economia polftica, se ela for const:nJfda de ma­neira "correta".

Com isso, naturalmente, nao se aflrmou, de maneira a1guma 1. que, nosetor da analise empfrica da vida eeonomica MO haja urn ponto em que osfates que foram estabelecidos pelas respectivas ciencias naturais (00 por ootrasdencias) MO teriam uma Importancia significativa, e tampouco 2. que a maneirada formacao d06 conceitos que se mostraram de grande utilidade naquelas dis­ciplinas, nao poderiam set rnodelos, pelo menos ocasionalmente, para a solucaode certos problemas da reflexao da economia politica. No que se refere ao pri­meiro, posso dizer que tenho a esperanca de ter em futuro proximo oportuni­dade de fazer uma investigacao que julgo poderia ser felta, poe exemplo, nosecor da pesquisa de determinadas condicoes do trabalho nas fabricas, levandoem consideracao pesquisas da psicologia experimental. No que conceme ao se­gundo, posso afirmar que hi tempo, MO apenas categorias rnarematicas, parexemplo, mas tarnbem categorias tfpicas da biologia sao familiares no procedi­mento da economia politica. Qualquer especialista na economia politica vai ad­mitir, e deve admitir, que 06 economistas devem estar em continuo contato eem intercambio frutffero com 06 resultados cientfficos das ootras disdplinascientfficas. Mas depende inteiramente das nossas proolematicas, se, e em quemedida, este contato e intercambio concretamente se da no nosso setor, e cadatentativa de querer decidir a priori sabre a questao de quais das teorias dasootras disciplinas deveriam ser as "fundamentais" para a economia politica einutil, como tarnbern qualquer "hierarquizacao'' das ciencias como, par exem­plo, no modelo de A Comte. Pelo menos, de uma maneira geral, podemosdizer que exatamente as hip6teses e pressupostos mais gerais das "ciencias na­turais" (no sentido usual deste terrno) sao, para a economia polftica, 06 maisirrelevantes. Diferentemente, podernos afirmar: nos somos autonomos no quediz respeito ao ponto decisivo da particularidade das nossas problernaticas, 00

seja, na teoria economica (na "teoria do valor). A "experiencia cotidiana" e,para. a nossa disciplina, 0 ponto de partida, e, naturalmente, tambem 0 pontode partida de todas as disciplinas empfricas. Mas cada uma quer superar esta

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experiencia e deve querer supera-la - pois exatamente nisto consiste 0 direitode sua existencia como "disciplina dentifica". Mas, cada uma delas "supera" e"sublima", fazendo isso, a experiencia cotidiana numa maneira diferente e numadirecao diferente. A Grenznutzlehre e, em si, cada "teoria" economica, nao fazisso, por exemplo, da maneira da psicologia, mas nurn sentido exatamenteQ]JOSta. Ela nao disseca vivencias interiores da experiencia cotidiana em "ele­mentos" ffsicos e psicoffsicos ("estfmulos", "sensacoes", "reacoes", "automa­tismos", "sentimentos" etc.), mas ela faz a tentativa de "cornpreender' as "adap­tacoes" do comportarnento externo do homem a partir de uma determinada rna­neira das suas condicoes existenciais externamente situadas. Seja este mundoexterno, que e relevante para a teoria da econornia polltica, nurn caso concreto,a "natureza" (no sentido usual do termo), seja 0 "ambiente social", sempre seprocura tamar compreenslvel a "adaptacao'' a ela a partir da suposicao feitaad hoc como urn pressuposto heurfstico, ou seja, se procura mostrar que aquelaa.,ao da qual a teoria esta tratando se deu de modo estritamente "racional'' nosentido discutido anteriormente. A Grenznutzlehre aborda as acoes humanas,em funcao de determinados fins cognosdtivos, como se tivesse dado 0 percursode A a Z como par urn controle comerdal: conforme urn cilculo que teria co­nhedmento de todas as condicoes realmente existente. Portanto, ela trata as"necessidades" individuals e os bens que estao disponlveis au que devem serproduzidos para a "satisfacao" como "nurneros" numa contabilidade continua,e 0 homem e tratado como urn "empresario" e a sua vida como sendo 0 objetodesta sua "empresa" administrada nas regras da contabilidade. 0 ponto de par­tida das construcoes desta teoria, portanto, e a mentalidade da contabilidadecomerdal. E esta postura 0 fundamento da lei de ~ber? au e uma aplicacaode algumas afirmacoes referentes it relacao entre "estimulo" e "sensacao'? AGrenznutzlehre se ocupa, para os seus fins, da "psique" de todos, tanto dohomem que vive isolado do processo de compra e venda, como da alma ouda mentalidade de urn comerdante que faz urn calculo numerico referente it"intensidade" das suas necessidades, e, atraves deste procedimento, chega assuas construcoes te6ricas. Tudo isso nos parece ser 0 contrario de uma "psi­cologia". A teoria que surgiu no contexto desta situacao sodal nao chegau aosseus resultados sem estar em contato com este melo-ambiente. 0 "valor" dosbens na "economia isolada", apresentada e construfda por esta teoria, seria igualao valor "contabilizado", como deveria constat numa economia domestica sese fizesse uma contabilidade dela.3 Ele possui 0 mesmo nurnero de coisas reaise de coisas irreais como qualquer contabilidade comercial. Se, na balanca, 0

capital de a<;:6es e do montante de urn milhao e foi anotada no "Passiva", ause urn predio consta na contabilidade com 0 valor de 100 mil marcos - aquelernilhao ou aqueles 100 mil encontram-se numa gaveta? Mas mesmo assim temsentido a introducao destes valores, Mutatis mutandis, 0 mesmo sentido comoo "valor" na economia isalada da Grenznutzlehre. Este valor apenas nao podeser explicado baseando-se na "psicologia". Os "valores" te6ricos que estao pre­sos na Grenznutzlehre nos tornam compreensiveis os processos da vida eco­n6mica, pelo menos a principio, como a contabilidade comerdal forneoe ao

3 Com tsso, obviamente, nOCo queremos dizer que a "tecnica" cia contabilldade poderia set pen­sada como identica as tecnicas de uma das nossas modemas disdplinas dentfficas.

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cornerciante Informacoes sabre a situacao de sua empresa e sabre as condicoesde wna futura passive! maior rentabilidade. E as teorias gerais que sao estabe­lecidas pela teoria econ6mica sao apenas construcoes, que dizem algo sabreas consequencias das acoes de uma pessoa interligadas a a~ de outras pes­soas, quando cada uma destas pessoas se comporta de acordo com as leis fun­damentais da contabilidade comercial, e, portanto, neste sentido, se comportade maneira "radonal", Todo mundo sabe que isso, realmente, nao e 0 caso. Eo decurso empirico daqueles processos, para cuja compreensao a teoria foi cria­da, apenas mosrra uma "aproxirnacao", diferente de caso concreto para casoconcreto do decurso teoricamente construfdo dos comportamentos estritamenteracionais. Mas a particularidade hist6rica da epoca capitalista e, com isso, tam­bern 0 significado da Grenznutxlehre (como de qualquer teoria econ6mica so­bee 0 valor) se baseiam no fato de que - enquanto, lndiscutivelmente, seriaposstvel c1assificar, nao sem corneter urna iniustica, 0 tempo passado como sen­do uma "hist6ria nao-economlca" - nas condicoes de vida da atualidade, aque­la aproximacao da realidade as aflrrnacoes te6ricas esta sempre crescendo e fazcom que sempre uma malor parte da hwnanidade seja atlngida par ela - eainda nao cia para ver se esta evolucao val continuar 0lI nao, a fundamentodo Significado heuristico da Grenznutzlehre situa-se nesta evolueao hist6rico­cultural, e nao, como poderia-se acreditar, na lei de Weber Fechner. Nao e, porexemplo, urn acaso que urna aproximacao impressionante das afirrnacoes teo­ricas sabre a formacao dos pr~ foi representada pela constatacao da balsade valores de Berlim no chamado sistema de cimbio uniforme, como foi feitopar Menger e von Bohn-Bawerk, Poderia ate servir de paradigrna''. Mas, obvia­mente, nao porque os donos das balsas de valor de maneira especffica se In­teressam pela relacao entre 0 "estlmulo" e a "sensacao" contidos na lei funda­mental da psicologia, mas parque na balsa enconrramos urn calculo economi­camente "racional" nurn grau muito elevado. A teoria radonal dos precos naos6 nao tern nada a ver com os conceitos da psicologia experimental, como tam­bern nao tern nada a ver com qualquer tipo de psicologia que pretenda seruma "ciencia" que supere a experiencia cotidiana. Quem, por exemplo, acentuaa necessidade da consideracao da "psicologia especifica das balsas de valores"ao lado da doutrina te6rica sabre pre~os, se irnagina como sendo objeto deinfluencias Irracionais, portanto, de "perturbacoes" na formacao te6rica dos pre­cos, como foi formulada. A Grenznutzlehre, como tambem qualquer teoria sub­jetiva dos valores, nao tern fundamentos psicol6gicos, mas, diferentemente ­se quisermos para isso usar urn termo metodol6gico - fundamentos "pragma­ticos", isto e, usa-se as categorias de "meios e fins", Voltaremos mais tarde aeste assunto.

As afirmacoes te6ricas que sao os elementos basicos da teoria econ6micanao representarn, co1110 todo mundo sabe, 0 "todo" de nossa ciencia, mas, aocontrario, sao apenas urn meio - as vezes urn rneio subestimado - da analise

4 N;lo oompreendemos bernJXlf que os "austrfacos" nao sao mJito considerados por Brentano.Karl Menger apresentou Ideias da mefuor qualidade, rresmo que rilo tenham sido, metodologica­mente falando, Ievadas as suas Ultimas conseqaencias, e, 00 q.Je lange ao "esnlo", a nosso ver,hoje em dia uma qeesuo supervalorizada, a custa do coeteodo, mas, no que se refere ao estilo,urn mestre e von Bchm-Bawerk e ~o Menger.

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das conex6es causais da realidade emplrica. No momento em que quetemosapreender essa propria realidade nas partes que tern significado hist6rico-cuI_rural, e ainda pretendemos explici-la causalmente, percebemos que estas teoriasecon6micas nada sao senao uma soma de "tipos ideais". Isto e, as suas afirrna­,.oes te6ricas nada mais sao do que uma sene de prooessos mentalmente cons­truidos, que nao encontramos nesta "pureza ideal" na respectiva realidade his­torica, mas que, por autro lado, tern urn grande valor, seja como meio heurlsticopara a analise, seja como meio construtivo na representacao da variedade em­plrica, ja que os seus elementos foram tirados da experiencia e apenas foramradonalmente exagerados.

Voltemos, no final desta exposicao, a Brentano. Depois de ter (p. 67) for­mulado a lei de Weber-Fechner mais na forma, em que tarnbem seria 0 fun­damento da economia polltica, tira ele uma determinada conclusao, A formu­la9!o e a seguinte: para provocar uma sensacao, como tal, dever-se-ia ultrapas­sar 0 "infcio do estlmulo" (veja-se acima) e depois deste ultrapassar cada au­mento de esnmulo, na mesma proporcao, tambern deveria aumentar a sensacao,Este processo dar-se-ta ate alcancar urn optimum (que, de pessoa para pessoa,e diferente), e a partir dai ainda seria possfvel urn awnento da intensidade dasensacao, em termos absolutos, que, entretanto, nao seria mais equivalente aoawnento proporcional, ate, finalmente chegar a urn ponto de estfrnulo a partirdo qual a sensacao diminuiria. A continuacao e a conclusao, portanto, ease­guinte: "esta lei conseguiu reconhedmento na economia polltica... como lei dadirninuicao da fertilidade da terra, pols e a lei que rege 0 crescimento das plan­tas". Num primeiro, pergunta-se, com estranheza: a terra destinada it agriculrurae as plantas reagem conforme leis psicol6gicas' Mas na pagina 67 (inicio) Bren­tano formulau a questao de uma maneira mais geral, ou seja, que, conformeuma lei geral de natureza psicofisica, cada "processo vital" ou "processo de vi­da" diminui em intensidade com 0 aumento ate um optimum conforme as con­dicoes tipicas e, parece, que 0 exemplo da fertilidade da terra se refere a estaafirrnacao e nao it anterior. Em todo 0 caso, a nosso ver, podemos dizer queBrentano interpreta a lei de \'lieber-Fechner como sendo um caso .especial deprinclpio sabre urn optimum e, neste caso, a Grenznutzlehre seria novarnenteurn caso especlfico de uma lei mais gera!. Com isso, ela e apresentada comoaigo que esta intimamente ligado a uma lei fundamental de todo e qualquertipo de ''vida''. Decerto, 0 conceito de Optimum e urn conceito que encontra­mos na teoria econ6mica e nas teorias fisiol6gicas e psicol6gicas. E talvez possahaver valor pedag6gico de chamar a atencao para esta analogia. Mas, estas 01'rima nao sao restritas a "processos de vida". Cada maquina, por exemplo, ternurn optimum de capaddade para determinados fins: dar mais combusriveis aumaterias-primas, iria diminuir relativamente, e em seguida absolutamente, 0 re­sultado de seu vencimento, E af temos uma correspondencia entre inlcio doestimulo psicofisico e 0 inicio efetivo de aquedmento. 0 conceito de optimum,portanto, como tarnbern autros conceitos, utilizados por Brentano, tern uma areade aplicacao muito ampla e nao sao restritos aos "processos de vida". Por outrolado,esconde-se naquele conceito, como ja se percebe numa primeira olhadela,no seu sentido etimol6gico, urn ''valor fundonal", de conotacao teleol6gica: 01'

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timum - para que? Percebemos isso sabretudo - nilo interessa, no momento,se sempre ou se s6 nestes cases - nos casos em que n6s operarnos intencio­nalrnente, explicitamente ou tacitamente com a categotia de 'firn''. E isto aeon­tece quando pensarnos como sendo uma unidade, urn dado complexo de va­riedades. E, em seguida, reladonarnos esta unidade com urn determinado re­sultado e em seguida a urn resultado concreto - na medida em que este re­sultado e realmente atingido, nao atingido au parcialrnente atingido. 0 qualifi­camos como "meio" para alcancar aquele fim: por exemplo, nos casas em queuma variedade dada de diversos pedacos de ferro e metal, que, reladonadosao fun da fabricacao de tecidos e de flos, se apresentarn como sendo uma de­terminada maquina, n6s a qualiflcamos pensando au perguntando que quanti­dade de teddos de urn determinado tipo, nurn detenninado tempo, ela e capazde fabricar, levando em conslderacao ainda as quantidades de carvao e 0 con­junto das forcas de trabalho. au nos cases em que n6s experimentarnos de­terminadas forrnacoes de "celulas nervosas" para saber qual seria a sua 'funcao",isto e, sua contribuicao para 0 "fim" de transmitir determinadas sensacoes parao organismo vivo. au nos cases em que n6s fazemos a pergunta as constelacoesc6smieas e meteorol6gieas: quando, e em que" momento, por exemplo, umasuposta ooservacao astron6mica teria urn optimum de sucesso? au nos easosem que n6s observamos 0 homem economico e 0 seu mundo do ponto devista da "satisfacao" de suas neoessidades. Nao pretendemos aqui continuar comeste tipo de consideracoes, jii que voltaremos, numa outra ocasiao, a estes pro­blemas de formacao de conceitos, enquanto estes problemas se localizam nonosso setor cientffico - pois as quest6es biol6gicas sao melhores, a nosso ver,para a; blologos, Sabre algumas destas questoes, foram feitas, ultimarnente, al­gumas ooservacoes importantes por parte de von Gott1 e Otto Spann - espe­dalrnente par Gaul - mesmo que nao possamos concordar com todas as suasafirmacoes, Para acalmar a; anima;, quero apenas, por fim, acrescentar aindao seguinte: ternos de ver claramente que quest6es como valores "absolutes" au"valores culturais universals" - assunto multo discutido, ultimamente - autarnbern a oposicao entre "causa" e "tela;" apresentada por Stammler de umamaneira totalrnente deforrnada, nao tern nada a ver com estas quest6es rnera­mente tecnicas da formacao dos conceitos, dos quais estarnos tratando aqui.Acredito que a situacao como tambern a contabilidade comercial - indiscuti­velmente urn processo de natureza "teleol6gico-radonal" que pode ser muitobem interpretado - tern algo a ver com a teleologia de urn govemo divinodo mundo.

o que queriamos mostrar aqui era exclusivamente que tarnbem aqueleconceito de Optimum, que para Brentano tem tanto peso, nao e, tipicamente,de natureza psicol6gica, nem psicoflsica, nem fisiol6gica ou biol6gica; pelocontrario, que ele e comum a um grande numero de problemas heterogeneosentre si, e que, finalmente, este conceito nada diz sobre a questao que se­riam os fundamentos cia teoria econornica, mas, certamente, nao qualifica aGrenznutzlehre como .sendo urn caso particular da iei de Weber-Fechner aude qualquer autra lei fundamental fisiol6gica.

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Teorias culturais "Energeticas" 1

In: Arquivo para Ciencia Social e Politica Social tomo 29, 1909.

o professor W Ostwald de Leipzig, deixando de lado a importancia obje­tiva dos seus trabalhos cientificos, prima, em grau multo elevado pela sua par­ticular maneira de representacao e redacao dos seus textos, Porem, ele nao seenquadra naquilo que, hoje em dia, se chama "estilo estetico", Na medida emque levarnos em consideracao quest6es de estilo, 0 seu procedimento e bemdiferente daquilo que hoje e bastante comum, au seja, ele consegue, com umacapacidade muito rara hoje em dia, com urn minima emprego de recursos este­ticos, com uma simplicidade e clareza sui generis, permitir que a "essencia" dapaiavra se rnanifeste, e ele, a autor, desapareca par tras desta palavra. Par arteda representacao, entende-se aqui, sobretudo, a qualidade dos instrumentosmentais que ele sabia usar para conseguir uma sirnpliflcacao dos objetos dopensamento. Tamhern 0 leigo deve se alegrar com a elegancia do estilo deOstwald se conhece atraves de leituras as expllcacoes das partes gerais de ve­lhos compendios referente ao peso dos atomos, a peso das composicoes e as­suntos aflns, au no que diz respeito as solucoes em oposicoes as composicoes,au sabre problemas eletroqufrnicos, sabre isonomia etc., e se ele agora camparaa significativa economia de forca, 0 que se encontra na exposicao de Ostwaldrelativa a tendencia da liberdade ou abstencao de hip6teses e a Iirnttacao aquilanos processos quimicos que realmente pode ser classificado de "geral". E eleainda vai acreditar que seja totalrnente compreensivel que Ostwald, da mesmamaneira como Mach, que pensa da mesma maneira, tenha tendencia para aerro: 1. por um lado - na dimensao l6gica - por absolutizar detertninadasformas abstratas das ciencias naturais como sendo 0 padrao do pensamentocientifico; e que 2. ele, por causa disso, acha que formas heterogeneas de pen­samento, as quais (para fazer usa da linguagem de Mach) sao exigidas pela"economia do pensar" nas problematicas de autras ciencias, nao seriam maisdo que imperfeicoes e atrasos, porque nao chegam a resultados 0 que elas den-

1 Wilhelm Ostwald, Ene7getische Grnndlagen tierKulturuissenschoft (Fundarnentos erergeccoscia clencla cultural) - Philosophisch - soziokJgisdle Biicherei (Livraria fllosofica e sociologica) ­redas-a0 de von Roo. Eisler, Wien (Viena), Band XVI (tome XVI, O. W. Klinkhardt, Leipzig, 1909,184 pilginas).

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tro dos seus fins nem sequer deveria conseguir - (nao apenas a "economia.do pensar" da hist6ria - no sentido rnais amplo - mas jii, na "economia do'pensar" da biologia, e, como se ressalta explicitamente, seja ela entendida nalinha "vitalista" au na "mecanista") - e que, em conexao com isso, 3. par outrolado - na dimensao objetiva -, ele tende a enquadrar 0 maximo passivel detodo 0 devir como casas especiais de relacoes "energeticas" - e que, final­mente, 4. a sua tendencia apaixonada de dominar os objetos intelectualmentepar meio de seus conceitos tambern desliza para 0 mundo do dever-ser, ten­dencia essa que 0 seduz a deduzir, dos fatos do seu setor cientifico, padrOesedcos de conotacao "patri6tica". Esta transforrnacao da "imagem do mundo" deuma disciplina numa "visao de mundo" e hoje urn costume multo divulgado:sabe-se muito bern em que dire<;;iio costumeiramente se vai na biologia que sebaseia nos fundamentos de Darwin entre os antidarwinistas cientificos - hojeem dia urn conoeito muito relativo - costurna-se transformar-se nurn pacifismoextremo). Mach deduz do feito de nao haver solueao para 0 individuo, impe­rativos eticos de carater altnJista (esta deducao nao se da apenas "efetivamente",mas tambem no sentido l6gico). 0 historiador L.M. Hartmann que, nas suasopini6es metafisicas, se aproxima muito de Mach e de Exner, deduz a partirde determinadas opini6es sabre a prognose dos prooessos hist6ricos, 0 seguinteimperativo categorico: "Age da maneira que. 0 seu agir possa servir a sociali­zacao" (social) - 0 que teria como consequenda que Jay Gould, Rockefeller,Morgan, cujas atividades devem ser classificadas nurn sentido eminente como"precursores" do socialisrno, de acordo com aquela teoria conseqilente do de­senvolvimento socialista, devam Set qualificadas como personaiidades geniaisna sua etica) etc. Nos escritos de Ostwald, de acordo com 0 imenso significadoda quimica para 0 complexo tecnico-economico, naturalmente, ideais tecnicosque, soberanamente, indicam as linhas de procedimento.

Sabernos que Ostwald, em grande medida, reoebeu influencias do rnetodosociol6gico "exato", orientado (pretensamente) no comtismo e no quetelismo,para cujo cultivo Ernest Solvay fundau, em Bruxelas, urn Institut de Sociologie(Institut Solvay) que possui uma biblioteca com todo 0 material sociol6gico ne­cessano para as pesquisas e tambern com urn "fundo'' importante para pesquisasempiricas e publicacoes: uma criacao exemplar feita por mecenas tao magnificae exemplar como e larnentavel 0 rnetodo "cientifico" que foi usado por Solvaynos seus trabalhos e que foi aceito por seus colaboradores. Uma olhada emqualquer urn destes trabalhos, sobretudo nos trabalhos do proprio Solvay2,

2. 1bmamos como exemplo uma analise slntedca da ohm; F. Solvay, Formules d'introductionaL'Energe1ique physio - el psycho-socidogique (lnstilUt Solvay, Notes et Menroires, Fasc. I, 1906­o respective rendimento energetico (rendement=R) de urnorganismo vivo e a resultado cia seguintef6~

R = EI • Ec -rEf + Er)Ec Ec .

sendo;Ec = (E~) eeergias =rridas OJ assirrfladas via respira<;ao OJ~ OJ luz etc.Ef - (E.}1xees) energias rnorfologicamente flxadas, foram aproveitados,EI • (E Iiberees) energias Iiberadas pelo processo de oxigenacao, A fra\;30 decistva ~p"ra 0

rendimento (rendemen!) esta no processo Ec de melhoramento a partir da infl1nda Conde 0 valor

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mostra que fatos pcx:lem ser produzidos quando tecnologos formadas nos pro­cedimentas das ciencias naturais apllcam uma camisa de forca nos "procedi-

de Ef e mute grande) lite 0 cresdmento do povo ate urn optimum e entra num processo de di­minui910 na ve1hice poecausa do crescimento do Er (pe1a crescente incapacidade de aproveitarnentodas energias consurnidas). Mas, a partir do ponto de vista cia sociologia, sO pode sec levada emcoraideacao para 0 calculo apenas uma parte de todas as energias que foram liberadas (energiasorganicas) = E (energies utiJizables): e 0 qJota que pode sec aproveitada para 0 trabalho, ao con­trario do Et, parte cia energia transfonnada em calor que naa e aproveitada como tambem no casodas maq..Jinas. Mas a "energia utilizavel" do lndividuo nao e em sua total "energia utilizavel social"(E. ~energetique), dado <pe os individuos perseguem, em primeiro Ingar; os seus pr6prios in­teresses "fisio-energeticos" e, poe causa disso, apenas uma pane desta energia pode ser aproveitadasociahnente. Epossfvel constatar a socio-utilisabiJite do individuo para cada "dura~o de tempo" tpela rrailtipllcacao cia energia Individual utillzavel com 0 coeftderite qJe tern graus ou valores di­ferentes em fun~o cia "energia socialmente utilizavel'v Para 0 tempo T = dura910 total da vida doindivfduo = chega-se ao valor:: Sigma u E u t. E podemos elaborar a f6rmula Rs (rendement social= capacidade de aproveitamento social de todos os individuos rom determinado momento) :pela adi9io do rendement simples eoergeticos de todos os individuos de uma sociedade de umadetenninada unidade temporal; - pela elabcracao do valor medic da fra~o U q..ze indica a suautilizabilidade social; e - pela divisao 00 produto U soma de rendement individual pela soma dasenergias consumidas pela scciedade nesta unidade temporal. E esta a f6rmJIa:

U(E-[E+ER+EIJ);0 E

e. ~

Podem ser incluldos nesta formula, objetos que 000 tern caracterfstica ftsto-erergeuca, isto e,cujo consume 000 eonsiste na destruicao da energia em ftu19io do interesse 00 individuo, masque, rresrro assim, tern uma Inlluencia sobre a relacao de rendemeru. Estas podem ser consideradascorm diminulcao 00 aumento de Ec, ou seja, podem ser igualados a energia q..ze foi gasta pelaalimentacao (0 tipo de eonsumo energetico). Solvay acredita poder afirmar isso tambem para De­

cessidades q..ze silo puramente d'ordre imaginatif 00 moral (p. 12). Tarnbern JXXle ser inclufdona f6rm..tl.a consumo que 000 esta de acordo com 0 consumo normal dos hammes normal. Istoacontece quando se leva em corslderacao q..ze tun tat energetisme excessif de alguns, em certasctrcunsarctas, pode desempenhar 0 papel energetisme privati! favorecendo a totalidade da socie­dade, mas que ele, em outrns circunstancias, cpando se trata de hommes capables q..ze, como re­compensa deste rmior-consumo fomecem rendimentos rnaiores, e, portanto, de maneira nenhumaseria este consumo anti-social, mas, ao contrario, em ultima insranda, melhoraria ° rendimento ener­getico total da sociedade. Portanto, as formulas energeticas e as unidades tradicionais de medidasao universalmente apliciveis (quilogramas, calorias...).

Para q..ze, por mei.o das palavras, tomemos uma posicao em face destas exposlcoes, podemosdizer que deveria haver receio em se acreditar que absoluta inutilidade de 0CKla essa construcao deSalvoy talvez exista devido ao fato de as suas f6rm..das 000 tern considerado, devidamente a com­plexidade dos fen6menos. A uma obje9lo tal, Salvoy certamente responderia que rom uma continuaintroducao de mais variaveis, seria possivel elaborar; em principio, uma integracao clesta complexi­dade. Talvez tampooco seja tun erro fundamental 0 Ill..Iito dos seus coefidentes rarnca poderemser medidos de manei.ra exata, 00 de maneira cpantitativa. Pais a teoria sabre ° limite do aprovei­tamento usa, rom razao, 0 procedirrerao fictido da mensurabilidade de necessidades. Nolo quere­mos, oeste momenta, explicar porque "rom toda razso'? Mas a total inutilidade de toda essa cons­t:rI.J9lo se baseia na Inclusao de juizos de valor de carater puramente subjetivo, nesta focmrla rna­terratica aparenterrente tIo exata, 0 point de vue social, a socio-utilisabiJite de urn homem (estaqualidade e, mais ainda, 0 grau desta q.m.lidade) e tude cpe lsso depende, apenas podem ser de­tenninados a partir de ideais totalmente subjeti.vos, a partir des quais 0 individuo mede ° "dever-ser"das cordlcoes sociais de uma derermirada sociedade. Devem ser levados em consideracao inlimerasnuaflVlS de rairrerosos e posslveis criterios, e urn numero imenso de rompromissos entre 0'> ioo­meros ideais possfveis que ooncorrem entre si, 00 0'> metes mo desejados para 0 fun desejado,ou os efeitos colaterais que existem ao lado do resultado desejado. E tude isso existe per dlreitoe plena razao, na medida em cpe mo sao introduzidos fatores de fe pela porta traseira, seja elade natureza "teolcgica" ou "metafisica", que 0 positivismo pretensamente ji teria superado.

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:! menta; sociologicos". E 0 tragic6mico do desperdicio de muito dinheiro parafins dlletantistas em nada aparece com mais clareza do que no fato de que 0

Se isto 030 acontece, se um individuo determinado que desenvolveu urn energetisme excessif teriasido "reraavel'' (rentave), pensando no ponto de vista -soao-eeegeuco'' COm::>, por exemplo, os se­guintes individuos: Greg6rio VII, Robespierre, Napoleao, Augusto 0 Forte, Rockefeller; Goethe, OscarWilde, Ivan 0 'Ierrivel etc. Surge are uma pergunta ainda mais impcxtante: somente urn jui"zo devalor de carater objetivo poderia ded.dir sobre a "rentabilidade" ou "o3o-rentabilidade" de tais per­sonalidades. Euma brincadeira de mau 80510 usar, para tais juizos de valor, f6rrnu1as matematicasque deveriam tel" coeficientes diferentes para cada urn dos indMduos, seja para 0 proprio Solvay,ou seja, por exernplo, para IDs proprtcs, supondo cpe mdo isso, como tal, tivesse urn sentido. Euma loucura total, enquanto se acreditar que, com bJdo isso, ter-se-ia feito uma conIribui~o paraa denda. QJe todo este resultado de Solvay 030 vale urn tiro de p61vora queremos j3. derronstrardaramente a esta altura em nossas ceeevacees. apesar de cpe 56 agora comecam (p. 15) aqcelasem cpe 0 pr6prio Solvay reconhece a existenda de difiwldades para a aceita¢o de suas f6rm.J1as.Trata-se, exatamente, d05 phenomenes d'ordre inteUectuel. Eles mo correspondem, diz Solvay ­consideresen eux mIJmes - a urn desenvol.vimento energetico cpe JXXle ser medido cpantitativa­mente, mas representam, na realidade essentiel/ement uma sccessao de siwaQ5es de distlibui~odeenergias neuro-rraisculares. (Esta maneira de VC'f representa urn paralelismo "psico + flslco"). A roes­ma qaantidade de energia consumida J.XXle representar rendemerus de valor (vaJeuf) diferentes.Mas nem por isso deveria ser passive! (par ordre de qui!) enqaadra-los na f6m..J1a e de rredi-loequantitativamente, p. que ela desempenha urn papei importante na soci.ologia (sic) (e, para ccoriraiareste silogismo, a priori a sociologia deve set enquadrada nas 16rrrulas erergericas). E, realmente,a coisa e relativarnente simples: mo podemos medir diretamente 0 desenvolvimento erergeuco neroseqJC'f no sentido do paralelismo fisio-psfqaico medir os desenvolvimentos concomitantes (conco­mitanle), mas pcx:Iemos medir 05 sees efeitos (e.ffets). E agora, segce-se uma serie das mais engra­cadas brincadeiras. Como se mede, por exemplo, ° efferda Madona Sixtina au ° elfel de uma pro­dU¢o artistica de uma ern gladal? ]a que Solvay tern medo de reconhecer abertamente qJe 0 tenno

effet esra sendo usado no lugar do teIlnO equivoeo de valeur, se faz a seguinte argurrentacao 0

fim normale dos efforl cerebral conslste, pensando no indivfduo normal (NB) e, por causa disso,tambem pensando no individuo coletivo - a soci.edade -, na autoconservacao, isto e, a protecaocontra danos fisicos e "morals" (sic). Por isso (I), significa 0 esforco nonnal cerebral sempre CD urnmelhoramento no rendimento energetico, Isto 000 vale apenas persardo nas inveo;Oes tecnicas,no trabalhador intelectual em oposicao ao trabalhador nao-tmelecrual, mas tambem fora da esferaintelectual. A rmstca, por exemplo, provoca situa¢es cerebrais cpe resulramem modificaQ5es dosprocessos de oxigenacao qJe, poe sua vez, servem para urn melhor aproveitamento da energia or­gantca Iiberada (presumivelmente de melhor digestao ou algo semelhante, apesar de que, anterior­mente, Solvay tinha ex:plicado que 0 efeito da Ideo-energia em rela~o a Er mo seria signit'icativo).Portanto, foi demonstrada a sua signiflcacao energetica e esta, por sua vez, e subordinada ao "prin­cipio" da mensurabilidade e com isso, felizmente, chegamos novamente ao reino das formulae E eEu etc. Decerto, M muitos coeficientes de cuia medida ainda 030 temos padroes estabelecidoe porexemplo, 0 nUmero possivel de ideias que podem surgir rwrra determinada unidade de tempo.'Iambem hi criacoes do intelecto ou cia arte nas quais 0 ganho contiraia apenas em nlvel potencial,e hi outras cp.1e apresentam urn deficit, e que portanto, seriam prejudidais socialrrerue, (Solvaypersa, nesta ocasuo, no suicidio de Werther, qJe prejudicou 0 valor energetico cia obra Werlher).Mas, em principle, diz ele, pode set calrulado (sic: calquer) qualqaer homem de acordo com amedida (cpe rnrda obviamente no de.correr de sua vida) 0 seu valor social psico-energCtico ­negativo ou positive - com base na norma da avalfacto (me1h.oramento direto OJ indireto do seurendimento sccio-energetico). Este cllrulo da mesma natureza de urn calculo referente a urn valorfisio-erergetico (veja-se anteriormente). Esta possibilidade basica e de enonne import3rria, pols,em principles, naturalrnente, tarnbem s6 Be pode fazer 0 calculo "de tais" "ideo-energias" qJe tiveramo seu efeito real depois de seculos - direito it falta de rrarurtdade d05 seus contemporaneos. Fe­lizmente - para 0 autor - "000 pertenee ao seu trabalho" analisar 0 rnetodo atraves do cpalpode sec leila a rredil'1o dos valeur.phy;io el psyc;h<>errergetiqtur.;, pois, ern Iinhas gerais, isto de­verla ser feito, a seu ver e com tun belo engano de (sic) nab.lralista a urn tout l'ensemhJe des re­cherches sociologiques J7r0premem dites.

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Instituto, par exemplo, publica urn trabalho totalmente sem valor de Ch. Henry3que se esforca em elaborar, atraves de calculos complicados, 0 valor de usosocial (NB) do trabalho (como conhecemos em todos os representantes do "po­sitivismo, e tambem ja nos escritos de A Comte) e tambem procura elaborara quantia do salario atraves de "f6rmulas energeticas" - pois a nao-publicacaocontraria a tradicao criada por Solvay. Mas 0 diretor atual do Instituto, 0 pro­fessor Maxweiler, nurn apendice, muito bern chama a atencao para 0 fato deque esta tentativa nao teria sentido - naturaImente com palavras bastante po­lidas, opiniao que qualquer urn que possui urna formacao especffica em socio­logia perfeitamente sabe - ja que foi feita tentativa semelhante por von rno­nen; cujo trabalho, pelo menos, era mais inteligente e teve urna orientacao eco­n6mica. ]a que 0 Instituto, sob a direcso de Marxweiler, publicou tambern re­almente trabalhos valiosos, seja em nlvel rnais popular au seja em nlvel cien­titlco, podemos esperar que estas rerniniscencias "energeticas" logo sejam total­mente pastas de lado onde, realmente, e 0 seu lugar.

As prelecoes populares, que sao dedicadas a Ernest Solvay, rnostrarn bernas vantagens da maneira de pensar e da maneira de representar de Ostwaldem conexao as consequencias das supramencionadas tendencias gerais de pen­sadores "naturalistas" e merecem destaque apesar dos seus pontos fracas, comosendo urn "tipo" especial de pensar e escrever. Na medida em que se toea nosproblemas econornicos e sodo-politicos, aborda-se a partir de urna dimensao

Em seguida, vern 0 comentario que, hoje em dia, por tras dos pre;os da economia de troease escordem como padrilos de medida definitivos das colonias e dos processos de oxigena¢o ascalorias que, diretamente ou indiretarnente, sao conduzidas na forma de hens para 0 organismo.o nosso autor mo se preccupa com nrdo aq..U1o que urn estudante de economia escuta em salade aula sobre "teoria econ6mica", 00 seja, que nolo epossfvel dizer qJe n6s compramos 0 oxigeniodo ar, enquanto a terra dtspoe em excesso e que 0 "processo de oxigena~o" rno Intlui profun­damente 0 valor de urn tapete cia Persia (conforme Solvayesse seria 0 caso), mas e urn sfmboloda avalia~o subjetiva dos hens aqual rso correspcode nenhuma qJota energetica - 0 que tarnberne valido para todos 05 outros valores "socials", Dado <pe jano inicio passam::>s do valeur - istoe, acreditamos "valor estetico" - ao ejJel - as conseqcercias da oxigenaylo da obra de arte, emnossa reflexolo chegarros ao resultado de qJe a melhoria do rendimento ftsico-psico-energetico dohomme~ seria 0 meio decisivo para a melhoria do rendimento da sociedade como tal. Por­tanto, os calculos deste "produttvisrro'' devem indicar ao legislador para atingir 0 rendemenl normal,que por sua vez depende da existenc:ia da humanise normal; Isto e, da complementacao de hommesidealmenl sains et sages que nao fazem mais do q..Je e necessaria para a conservacao e a manu­tenr;aa do seu proprio rendemeru nonnal e, por causa disso, colocam-se a dtspostcto de fins socialssomente 0 mfnimo "socialmente necessaria" de suas energias.

J;i que cada grupo social representa tambem uma unidade de reacao onmtca, e j<i que naoesta lange 0 tempo em qJe cada processo no universe recebera a sua avaliacao energetica, eva­luation energelique, na opiruao de Solvay, tambem mo esta mnto lange a dia em qJe sera possivelurra tal sociologia positiva e "norrrauva'' - terros de acrescentar; talvez, "em prindpio", Nao co­mentaremos aqui as propostas praticas de Solvay. 0 seu "produtivismo" e a seu "contabilismo" com­param-se no q,Je diz respeito ao seu conteUdo mental as concep;Oes do utopismo classico frances- as ideias de Prcedhon por exemplo - e sao muito modistas. E a rresma relacao pode ser esta­belecida no que se refere aos "redimentos'' com as ideias de Quelet e de Comte,

Mas Ostwald, JXIf sua vez, nesta publicacao aqui comentada, fica rrarito por tras daqueles escri­tos mencionados, apesar au talvez, exatamente pelo fato de os superar em bon sens. Por exemplooeste livro, q,Je foi aqui comentado por n6s, nunca encontramos comentarios de Solvay sobre aimpossibilidade de estabelecer uma correlacac clara entre conteUdo "mental" e relacoes quantitativasde energia.

3 Ch. Henry, Mesure des Capacites inselectuelle et energetique, caderro das Notes et Memoires.

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s6cio-politica. Por isso, deixo de lade as exposicoes sobre este assunto - asquais nao podemos deixar de mencionar, pertencem as piores coisas escritaspar Ostwald - e limitamo-nos em apresentar urn resumo sintetico daquelescapitulos que apresentam, consequentemente, e em parte num estilo formalmulto bonito, a concepcao "energetica" dos process os culturais, incluindo aindaalguns cornentarios, em parte, de carater geral, e, em parte, de natureza espe­cifica, que nilo se situam diretamente no nucleo da problemiitica (nucleo 56­cio-econOmico).

Capitulo I (0 trabalho). Tudo 0 que n6s sabemos do mundo exterior, po­demos express:i-lo em relacoes de energia: rnudancas temporais e espaciais dascondicoes das energeticas existentes (Energia ~ trabalho e todos os produtosmodificados pelo trabalho). Cada rnudanca cultural e condicionada por novasrelacoes energeticas (sobretudo a descoberta de novas fontes energeticas au denovas utiltzacoes das fontes energeticas ja existentes). - Segue a discussao daparticularidade dos cinco tipos de energia, dando-se enfase especial ao signifi­cado da energia qufmica que destacar-se-ia por poder ser facilmente conservadae transportada). Capitulo II (Das GUtewrhuJtnis). GiUewrlldltnis (e um conceitofundamental de toda discussao) ~ relacao da quanti dade da energia uti! B quefoi produzida par nos numa rnudanca de energia pretendida para fins praticosa partir da energia basica A e, em fun~o do surgimento inevitavel de <JUtrasenergias ao lado da energia util sempre e menor do que 1. Todo 0 trabalhacultural tem por finalidade: 1. 0 aurnento das energias basicas, 2. 0 melhora­mento dos Guteterhaltnis: este e sobretudo 0 sentido da ordem juridica (a eli­minacao do desperdicio das energias em oposicao e analoga a substituicao dalampada de petr6leo com 2:'/0 de GUte!Rrilaltnis pela lampada de gas com 10%de Giueterhaltnis). Posto que seja apenas utiltzavel a energia "livre", isto e,energia que pode ser movimentada pelas diferencas de intensidade dentro dasqualidades de energia existentes, e esta energia livre, conforme a seguinte leifundamental da cnergetica, sempre esta dentro de cada sistema corporal fecha­do por uma dispersao irreversivel, 0 trabalho cultural consciente pode ser de­signado como sendo a tendencia "para a conservacao da energia livre". Afas­tar-se sempre deste ideal nos obriga sobretudo a fatos determinantes de valoresque e 0 ''tempo'': a aceleracao das lentas mudancas energeticas (no caso "ideal",infinitamente lento) faz com que nos utilizemos esta energia, mas ao rnesmotempo, leva, inevitavelmente, a uma destruicao acelerada da energia livre. E demaneira que na intencionada relacao entre ambos os lados haja urn optimum,em cuja transgrcssao, uma maior aceleraeao toma-se antiecon6mica. A segundalei fundamental da energetica, portanto, e a linha mestra da evolucao cultural.Capitulo III (As energias basicas). "Praticameme tudo que acontece sabre a ter­ra" acontece a eusta da "energia livre", que 0 sol fornece a terra pela radiacao(a unica excecao conforrne Ostwald sao a mare vazia e a mare chela e todosos fenomenos que surgern par causa destas). A afirmacao parece ser incorreta,ja que Ostwald nega a pr6ptia energia terrnica do nucleo da terra, que, talvezapenas de maneira muito insignificante, tem influencia sabre as condlcoes datemperatura na superficie da terra, mas, talvez - ja que ha, nurn sentido ab­soluto, camadas de pedras trnpenetraveis pela agua - condiciona 0 respectivolimite definido da observacao e, portanto, teria uma influencia sabre a efetiva

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quantidade de agua na superfide e sabre todos os fenornenos que dependemdesta situacao. Uma economia estavel, portanto, deve se basear exclusivamenteno aproveitamento regular das quantidades da radiacao anual, cujo aproveita­mento referente ao seu GiifewrhijJtnis ainda pode ser aurnentado rao imensa­mente que - poderiamos fazer uma comparacao talvez nao multo feliz como "esbanjamentc de uma heranea" - parece quase irnpossivel que haja urnoonsumo rapido (desperdido) desta energia solar que esta acumulada nas re­servas de carvao e que pode ser transformado em energia quimica. 0 autornem mendona 0 gasto urn pouoo mais lento - na medida das reservas exis­tentes - das energias qufmicas, das energias formais oontidas no ferro e dasreservas de oobre e zinoo que sao rao importantes para a producao da energiaeh~trica. Tambem teria sido apropriado fazer uma reflexao sabre a eventualsubstitui<;ito da energia qufmica e da energia formal pelo alumirtio, que e pro­duzido com poucas custos, existe em grande quantidade e desempenha multasfuncoes, ja que as consideracoes feitas incluiram ate a passibilidade do apro­veitamento direto da energia solar para produzir energia qufmica e eletrica, Emulto mais que isso, ja que Ostwald nao acredita numa diminuicao do forne­dmento de energia par meio de radlacao solar dentro de epocas geol6gicas,no que se refere ao passado, nern no que se refere ao futuro. Levando issoem consideracao, nao parece ser rao urgente, a partir do ponto de vista ener­getico, uma discussao sobre uma economia desta fonte de energia, enquantona producao, no fornedmento e no aproveitamento das mais importantes ener­gias utilizaveis provindas daquelas materias-primas nota-se urn processo de dis­persao, como e 0 caso referente a todas as energias livres de acordo com alei da entropia. Esta dispersao se cia oom 0 aurnento oontfnuo da exploracaoem tempo e espaco, nurn prazo de urn rnilenio, ern relacao a outras fontes deenergia para as quais 0 seu esgotamento pode ser previsto de maneira maisexata. Concentrando toda a discussao nas relacoes energeticas, nao sao levan­tadas outras questOes oomo: 1. a abten<;ito de novas fontes de energia Rohe­nergien, 2. 0 melhoramento dos Giiteveerhaltnisses na producao de energiasuteis que e sem duvida urn papel importante para os oondutores de energia.

Mas, se os aspectos da criacao direta de novas energias, principalrnente 0

aproveitamento dos raios solares, utilizados ate agora quase exclusivamente nosetor das plantas vivas au mortas, sao rao favoravels no futuro, oomo e a opi­niao de Ostwald, surge para a analise energenca da cultura a pergunta: comose explica 0 atribuirmos importancia ao Guteterhaltnis, se levamos em consi­deracao estas drcunstancias e a continua redueao do nurnero da natalidade?Porque estas questoes sernpre se tornam mais irrelevantes do que importantes?Uma resposta a estas perguntas apenas dificilmente pode ser enoontrada a partirdas explicacoes dos capitulos seguintes, au seja, no Capitulo N (Os seres vivos),Capitulo V (0 homem) e Capitulo VI (A dorninacao de energias alheias). SeOstwald tivesse feito estas perguntas e sobre elas tivesse refletido, oomo, parexemplo, 0 fez B. Somban nas suas discuss6es sabre 0 conceito de Reuieauxsabre rnaquina, sern duvida teria side conduzido de maneira util areflexao maisprofunda sabre tais questOes. Estes problemas sao mendonados na pagina 82apenas superfidalmente, e de maneira errada: de maneira algurna e correto queo progresso da cultura (seja qual for a ideia que se tern sabre 0 conceito "pro-

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gresso") seria identico a uma diminuicao absoluta da utiliza<;a:o da energia hu­mana. Pode ser esse 0 caso quando comparamos a cultura atual com a culturaantiga, mas nem por isso se pode afirmar que esta aflrmacao seja correta paratodo e qualquer "progresso cultural" - somente se por "progresso cultural" en­tendemos "progresso" energetico, 0 que seria, neste caso, urna tautologia. Aque.las reflex5es omItidas teriam sido bem aproveltadas por Ostwald, sobrelUdo noSell salto mortale para a area da disdplina especifica da economla, au seja, noCapitulo Xl. Ele teria se prevenido com a ideia que pode ser percebida clara­mente nas suas colocacoes, mas que sao totalmente erroneas, que aquilo quenos chamamos de progresso tecnico sempre e necessariamente se baseie nummelhoramento da "propor<;iio de qualidade", Como se, por exemplo, pensandona transi<;a:o do tear manual para 0 meclnico, a proporcao de qualldade pura­mente energetica seria sempre mais favoravel au melhor na organizacao meca.nica do que no artesanato, se atribulmos as energias de raios solares acumu­ladas no carvao as energias rnais diversas como as energias cineticas, qufmicas(humanas e extra-hurnanas) que pro rata recaem em urn produto textil meca­nico (naturalmente incluindo tarnbem as partes inutilmente dispersas) e, em se­guida, faria 0 mesmo calculo referente ao artesanato. Mio se justifica fazer umparalelismo entre "custos" econ6micos e despesas energeticas no sentido fisi­calico da palavra, e, alem disso, niio podemos fazer uma !:OffiP"ra<;a:o com re­ferenda aos precos entre urna economla de troca e uma economla de rnercado,no que diz respeito 11 "capacidade de concorrencia", como tambern com refe­renda as qualidades de energia consumldas, mesmo que estas tenham uma in­fluencia "energetica'' . 0 pr6prio Ostwald rnenciona, as vezes, momentos eco­nOmicosvitais, de modo fundamental, que possam ter influencia na maiotia dos"progressos tecnlcos" e diretamente levarn a urn agravamento da Giltewrhaltnisenergeuca: a tendencia inevitavel para uma rnudanca energetica. Esta circuns­tancia niio e alga isolado. Se fosse possfvel, como, por exemplo, Ostwald espe­ra, descobrir urn mecanismo que pennita a transformacao da energia solar, poeexemplo, em energia elerrica, a chamada Guteterhaltnis poderia ficar muitoarras do aproveitamento da energia do carv:io numa maquina a vapor e, mesmoassirn, poderia haver urna capaddade de concorrencia elevada por meio destenovo camlnho de produzir energia, Podemos, por exemplo, perguntar se os mo­sculos do ser humane, au seja, se 0 instrumento "primitivo" que a naturezadeu a cada homem teria uma melhor Giiteverhiiltnis no aproveitamento da ener­gia liberada pelos processos bioquimicos da oxigenacao do que a melhor rna­quina de dfnamo - mas, mesmo assirn, esta Ultima e superior na concorrenda,Muito provavelmente, Ostwald sabe muito bem quais sao as raz5es para isso.Mas, na ocasiao dada, sempre acontece que Ostwald pretende sempre e nova­mente basear "codo 0 desenvolvimento cultural" apenas numa das condicoesenergeticas, au seja, na Giitewrhaltnis, apesar de que ele mesmo mendonoua possibilidade da desooberta de novas energias, Mesmo 0 problema purarnentetecnol6gico niio foi promovido poe Ostwald sob 0 ponto de vista energetieoPois 0 interesse mais importante diz respeito 11 rela<;a:o mutua entre 0 aprovei­tamento de energias novas e as exigencias da Guteveriliiltnis. Mas, referente a

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isso, nao recebemos informacoes interessantes, ou mesrno nenhuma. TambemrulO foi devidamente considerada uma particularidade de tudo isso, tao pertodas questoes tecnol6gicas, como e 0 case da abordagem "econOmica".

Na introducao, 0 proprio Ostwald fez a restrir;ao, de ter consdenda deque se ocupava apenas de urn lade dos 'fenornenos rulturais", afirmar;ao queternos de reconhecer, lembrando a desejo de rnuitos outros pensamentos natu­ralistas de encontrar urna "formula do rnundo", Mas a sua rna estrela quer queele ainda acredite na velha e superada "hierarquia das ciencias de Comte e ainterpreta no sentido (p. 113, final) de que os conceitos que se encontrarn nosdegraus inferiores da piramide pettenceriam as disdplinas "mais gerais" e teriamvalidade para a; que se encontram em degraus mais elevados, isto e, para asdisciplinas "menos gerais" e, portanto, deveriam ser "fundamentais" para estasUltimas. Sem dUvida, Ostwald, incredulo, moverla a cabeea negativamente, sealguern the dissesse que, para a teoria econ6mica (a parte especifica das disci­plinas econOmicas que a separa das outtas disciplinas), aqueles conceitos rulOapenas rulO desempenham funr;ao nenhuma, mas tambern que, para a economiapolitica, sao totalmente insignificantes exatamente a; teoremas abstratos das dis­ciplinas "mais gerais" que, por causa do seu carater abstrato, se afastam muitoda experiencia cotidiana. Para a economia politica e totaImente insignlficantese, por exemplo, a astronomia aceitou 0 sistema copernicano ou 0 de Ptolo­meus. Da rnesrna maneira, seria tambern totaImente insignificante r.ara a teoriaecon6mica algo como teorias hipotencas "ideal tfpicas" - se, par exemplo, ateoria energetica da flsica passa par mudancas ate rnesrno profundas, se a teoriada conservacao da energia aflrrnaria 0 seu alcance de validade de hoje (comoseria de esperar) para todos a; outros tipos de conhedrnento como a ffsica, aqufmica e bioquirnica, ou se talvez, urn dia, urn "anti-Rubner" refutar as expe­riencias de Rubner sobre a economia de valor dos organismos (0 que, obvia­mente, e muito irnprovavel), au, para exemplificar logo a questao daquele pro­blema que durante muito tempo ligou a investigacao ffsica aos interesses eco­nornicos: mesmo a existenda de urn perpetuum mobile, isto e, a existenda deuma fonte de energia que fomecesse, sem que nada custasse, energia livre paraurn determinado sistema energetico, 1. rulO significaria que aquelas afirma<,;6eshipoteticas da teoria abstrata da economia "rulO seriam corretas", e - mais ain­da - mesmo que se imaginasse sendo imenso 0 alcance tecnico de uma talfonte energetica ut6pica (e tenamos toda razao para isso), 2. mesmo assim, 0

alcance da validade pratica daquelas teotias abstratas e hipoteticas seria redu­zido a zero apenas no caso de aquela fonte energetics estar a disposicao, a)qualquer energia, b) em todos os lugares, c) em todo 0 tempo, d) em cadadtferenca de tempo em quantidade ilimitada e e) de qualquer dlrecao referenteao seu efeito. Q.lalquer limltacao, par pequena que seja, de 50 uma dessas con­di<,;6es faria com que tivesse validade os principios do limite do aproveitamentode uma respectiva partfcula. - NO; nos aternos nestas utopias urn momentoapenas, para deixar bern claro 0 que sempre se esquece, apesar de toda merdema teoria sobre metodologia: a hierarquia das ciencias de Comte nada maise do que 0 esquema de urn caturra Oil escrupuloso, que nao entendeu que hadisciplinas que tern fins cognosdtivos totalmente diversos, a partir dos quaiscada ciencia, partindo de determinadas experiencias cotidianas imediatas, deve

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sublimar e elaborar 0 conteudo deste conhecimento "nilo-cientlfico" de pontosde vista que sao diferentes e que possuern total autonomia. E evidente por siproprio que, em seguida - e, poe exemplo, na economia poUtica jiino prirneiropasso para fora da teoria "pura" - as diversas disciplinas se cruzam e se en­contram nos seus cbjetos do modo mais diverso. Mas quem, como Ostwald,nao percebe esta situa<;:iio fundamental, 00 pretende fazer justica apenas pelareserva de urn lugarzinho de eficicia da "energia psfquica" (p. 7rJ), de acordocom 0 esquema de Comte, pelo rnenos, de maneira nenhuma, faz jusnca apar­ticularidade das "cienctas da cultura" (cuja fundarnentacao e 0 objeto deOstwald).4 Pais cada te6rico, especializado em metodologia moderna, sabe (00

4 Acredltc cpe e uma qrestao discutivel a de se urn q..llmico modemo deve ou nolo falar de"energia psiquica", cerro Ostwald 0 faz. Em todo 0 case, tambem para aquele que aceita 0 pontode vista da causalidade psicofisica, e, portanto, rejeita 0 "paralelismo", sera diflctl entender 0 qJeOstwald entende par processes "psicolcgicos", co seja, "pensamentos" cpe ~o aprcveitaveis ener­geticamente, romo encontramoe nos escntos de Ostwald, seja implic11e, seta exptic11e. Determinadasaflrrracoes nero qJeremos comerxar; tais corm (p. 97, nota): "os pensamentos podem (sic) ser en­tendldos sem a dirnensa:o do eepaco (sic) mas, nero per isso eles existem fora do tempo e semenergia, e sao 'subjetivos'" (sic). Podemos pensar q.Jalquer coisa sobre a pslcologia de MOnsterberg00100 urn todo - mas a leitura de alguns dos seus capitulos seda muito recornerdivel paraOstwald 0 -eoergeuco'', de aoordo com a sua merodologia rulo se inreressa par "subjetividades",mas apenas par "ooisas objetivas", cc seja, rendimemos dos nerves e rendimentos cerebrais cperepresenram qJ3ntidades de energias <pfmicas. Pols entre estas e as relacoes cpantitativas "e:nerge.­ticas", par causa da partirolaridade qualitativa das primeiras, rae hoi uma rredlda qJe perrnita umatransposi¥'o - cerro serla de acordo com a essencta conceptual de cada.."energia". Dado qJefosse possivel, por exemplo, encontrar uma medida no balance energenco para processos condi­cionados "espiritualmente" e dado q.Je se entendesse 0 conhecimento "introspecnvo" cerro sendo6rgao sensorial espedfico "para a energta psfqcica" e os "coraeudos" (que sempre se alteram) dassuas uansforrracoes - conforme Ostwald (p. ~ isto seria necessarto pais, no outro caso, prC>CeSSOSpsfquicos tao poderiam sec lrcluldos no tempo do "devir" - mesmo assim, a falacia absurda eidiota de urn paranO.oo referente iI proporcao de qualidade 00 reiao;ao de q.Jalidade "energeticodentro da epiderme" n!1o poderta.ser distinguido de uma producao cientiflca altamente qualificada,e Inlito menos poderia sec indic:adocomo criterio cpalquer GUteverhii/mis erergeaco para distinguirurn "juizo certo" de urn "Jufzo errado". Ambos exigem energia., e rdo hi criterio para distinguir 0

GideverhiUtnis no caso em que se trata de urn "juizo COITeto", au no caso em que se trata de urn"juIzo errado". 0 GUteverilii/tn;s tarnbem roo JXXIe sec entendido como a ldentificacao entre 0 'ver­dadeiro" e 0 "(nil", 0 cpe exigiria uma confirmaylo pelos fatos empfricos extemos, 0 que tambeme a opini~o de Solvay (veja-se nota, na p. 402). Pas indubitavelmente h3. muitas verdades rujobalance utilitirio energetioo e eoormemente prejudicado par desperdicios energeucos (energia qut­mica, por exemplo, pensando-se numa fogueira) au energia dnetica, por exemplo, pensando emguerras e em organiza¢es de partldos. E este deflcit ditlcilrnente pode sec compensado por urnmelhoramento de quakper Giiteverhaltnis energOtioo, Ii <pJe estas verdades roo tem intluencra nen­burna sobre tal GiiteW1MJ1nis.

Ostwald, naturalmente, nilo e partidario das teorias epistem:>l6gicas utilltitias, parem, acha eleque todas as verdades hist6ricas, isto e, <pJe as "verdades nilo-paradigm:lticas" (p. 170) serlam apenasde c:arater teenico, e, por isso, cientificarralte sem valor. No seu livro sobre grandes horne:m, mJitorecornenclavel, sao apresenr.adas pessoas que 1. rrdhoraram tnJito 0 GiiteW1MJtn;s energetico, e2. fala destes homem como sendo paradigmas para perguntas praticas oomo: qJe aJrSO e melhorpara capadtar 06 homens para conttibuir para0 melhocamento do GU1etJe1hiJ!tnis? Pomnte, trata.-sema1s de uma obra dentffica do qJe de Umil obra pedagOgico-hist6rica (a sua ob;erva.;ao, no sentidode que os "grarrles her6is" sedam as forylS propulsoras do desenvol.vimento dentffiC'Ot 000 faz jusiI verdadeim contril>.rio;ao e Influencja des"" e OOslante conheddo """ mJitas desoobertas denlfficas000 510 0 resu1tado de determinadas prioridades COIl5Cientemente coIocadas, porem 510 mais qJefatores ocasionais. Os historiadores. poe exemplo, nero poderlam ter especado 0 surgimento de urnmelhor paradigma c:pe fosse espedfico para as "ciencfas naturais" (ate no seotido 16gico) cx:xnoesla Ingenuidade das ooloca~ de Ostwald (lela-se, par exerq>lo, a obra de Rickert).

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melhor: deveria saber) que a "teoria" pura da nossa disciplina nao tem nada(nem 0 minima) a ver com "psicologia",

Nos tries capftulos sabre os seres vivos (IV, V, VI) encontramos, em primeirolugar (p, 53), a divisao dos "anabionta" (Anabiontes ~ plantas), como catalisa­dores de energia, dos "catabionta" (Katabionten = animais), como, consideradoenergeticamente, consumidores parasitarios dos raias solares que foram reco­lhidos pelos primeiros, sendo que 0 homem, par enquanto, ainda pertence aosultimos (provisoriamente). Energeticamente considerado, 0 homem se distinguedo animal apenas pela quantia enorme e sempre em maior grau de energias"externas" (existentes fora da sua epiderme) que ele conseguiu dominar em for­ma de instrumentos e maquinas: a hist6ria da evolucao da cultura e identica ahist6ria da medicao da energia alheia na esfera do dominio humano (aqui, par­tanto, tambem sem melhoramento de "proporcoes de qualidade"), referente aoque fica a restricao (foi sinteticamente comentado por nos) que deveria ser "per­mitido", para a viabilidade desta opiniao, falar de "energia psiquica". Em meioa tais reflex6es, encontramos consideracoes sabre a evolucao energetica das ar­mas belicas (p. 73 e scgs.), sabre 0 valor encrgetico da paz em oposicao aqualquer tipo de luta, pois ela sempre diminui 0 Guteterhaltnis (cnergeticos,sabre a dorna dos animals) (p, 85 e segs.). Aqui, como tambern nas explicacoessabre a escravidao, faltam-ihe os conhedmentos dos resultados importantesdapesquisa espedfica, e tambern encontramos uma analise energetica, bern ela­borada, do significado do fogo (p, 92), sabre transporte e conservacao de ener­gias e 0 "comportamento rnutuo" sabre os diversos tipos de energias (CapituloVII), 0 modo de distincao entre "instrumentos e rnaquinas" e muito superficiale, sodologicamente, sem Significado (se e em que medida se transforma energiahumana au extra-humana ou a de anirnais - (p, (9). Em seguida (CapituloVIII) 0 autor fala de "processo da formacao de urna sociedade", Haveria hojeum exagero no que concerne a seu significado para a cultura, posto que "a

Basta: te1l1QS, indiscutivelrrenre, uma contril::lI..li91o de valor minima para a 'fudarreraacao dasciencias da culmra" se inclulmos, no sentido de Ostwald, 0 psfquico na teoria energetica - rojapossibilidade Ostwald apenas menciona na pdgira 70 (nesse livro), erxpanto, por cerro lado, erepetitivamente acentua CPJe tambem 06 "llmites" de sua retlexao localizar-se-iam exatamente la orxleco~m a tel" influenaa 'fatores pslcolcgicos", E OOlTX) pode SeI" imaginada esta inclusao? Namedida que e passive! para urn Ieigo, procurei mostrar isto, para mim mesmo e para os leitoresdo Arquioo para a ciencia social, rom artigo CPJe se refere a Kraepelin - trata-se da influenciado "psiqalco" no "psico-ffsico". Mas, parece que Ostwald, nem de longe, se refere a problemastratados naqaele trabalho. Tern ele, eventualmente, em mente qJe a teoria de Wurxlt, hi temposja superada, sobre a "lei do aumento da energia psiquica", qJe mistura 0 aumento daqailo q;enos denomiramos "oonteUdo espiritual" de urnprocesso culmralmente relevante com as categoriaspsfquicas do ser (portanto, urra avalia~o), neste, a contusao provocada por Lamprecht deveria ser,para nos, urn exemplo. As teorias de Sigrrund Freud, finalmente, as quais nas suas primei.ras for­rrolacoes, pareciam estabelecer alga como una lei "lei da conservacac da energia psfquica (afetiva)"- seja qual for 0 seu valor psicopatol6gioo - foram no interim modificadas poe seus pr6priosautores, de modo CfJe perderam toda a precisao no sentido "energetico", au, pelo rrenos, em todoo c:aso, ainda nao podem ser devidamente utilizadas pelo erergetico stricto sensu. Mesmo cpJe sejaesse a caso, de acordo rom a sua particularidade, de maneira alguma, poderiam servir de eeoc­minador comum para a "Iegitimacao" dos pontes de vista das "ciencias culturais" sobre teorias ener­geticas e sabre cpalquer "teoria psicologia". Mas e 0 bastante. Seria interessante indicar clara e ni­tidament:e, de maneira geral, em qJe momento do seu procedimento metodol6gico 0 auror ultra­passa, teoncarrente falando, oa falarros da pcitica) 0 ambito da validade doe seus pontos de vistas.

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gente" (quem?) identifique toda a clencia cultural com a sociologia, ja que ainvencao dos instrumentos mais simples pode set feita par individuos e devidoao fato de tarnbern a sua utilizacao podet ser feita par individuos. Cientifica­mente, a sociedade somente deveria set levada em consideracao nos casas emque ela se apresenta como urn "fator cultural", isto significa, na medida em queela melhote as GUtewriliiltnis que novamente funciona como unico criterioEnergicamente considerada, ela faz isso quando influencia a "relacao de apro.veitamento" pelo estabelecimento de uma ordem e pela distribuicao das fun­,.oes. A medida decisiva para a "perfeicao" dos seres vivos, de acordo comOstwald, e a balanca energetica, nao a diversidade uma abordagem que, numaoutra versilo, ja foi - e com justeza - ridicularizada por KE. von Baer. Alias,se inelulmos as outras energias dominadas do homem que, na malaria das ve­zes, silo aproveitadas apenas parcialmente - 0 mUsculo e, como ja foi dito, 0

dinamo mais conhecido, neste caso, e levando em consideracio a atual situacaoda tecnologia, nilo podemos, de maneira nenhuma, falar de urn balance deenergia relativamente favoraveJ.;(Giiteverlll'iltnis). E de que modo a situa9!o noque se refere ao "balance de energia" da cultural

Ostwald, por exemplo, nilo inelui nos "fatotes culturals" a arte (no sentidoamplo do termo), se levannos a seno as expllcacoes da pagina 112 (infcio) ­s6 se ela evita, finalrnente (como se Ie na pagina 88), tais "erros", como aindasilo encontrados na obra de Schiller sabre 0< Deuses cia Grecia, como urn pa­radigma da "limitacao" do principiante, e toma como assunto as transformacoesda energia em materia e a "ida" da energia a materia, fazeqdo com que, nestecaso, as artes sejam pastas a service da conscientizacao das massas, opondo-seao desperdicio da energia. Percebe-se que, nestas observacoes, par causa doprincipio do naturalismo, foram de longe superadas 0 anatema de Du BoisReymond contra a formacao das figuras de "asas" (pois estas seriam constitui­,.oes "atipicas" e "paratipicas" e seriam ineotretas, ja que os mamiferos nilo ternseis extremidades). Perguntamos apenas como poderia eotresponder a arte aestas exigencias! 0 maximo de transformacao energetlca se da, par metro qua­drado de tela, quando se pinta explos6es ou batalhas navais. Muito provavel­mente aproximou-se deste ideal uma pintura da autaria do proprio imperadotGuilherme II: dois couraeados, com uma enorrne massa de p6lvora, pintura quen6s mesmos vimos na sua residencia particular. Mas isto compensa 0 desper­dicio de energia dos civis? A conhecida fabrica de lampadas A von Menzel sesai talvez ainda melhor no que diz respeito ao "energetico" (GiUewrhiiltnis),mas dificilmente produz urn efeito didatico maior, especialmente pensando nasdonas de casa que teriam au que deveriam ter interesse. Parece que facilmentepoder-se-ia aceitar receitas que silo ilustradas artistica e poeticamente. Porem,que mais? E sobretudo: como? A lei da conservacao da energia e a teoria daentropia poderiam ser representadas pela arte apenas "simbolicamente" e, comisso, novamente surgiriam todas aquelas fatais "irrealidades". Os antecessoresde Ostwald na defesa de uma definicao "racional" dos fins da arte - par exem­pia, Comte, Proudhon e Tolstoi - procederam banausis como ele, mas essesnilo procederam com tanta cegueira como ele. Parece que em Leipzig hi estadesproporcao que, par exemplo, que Lamprecht, pensando em finalidades cien-

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tificas, tern demais sensibilidade para a arte, enquanto Ostwald, inclisrutivelmen­te, tern pouqufssima sensibilidade para a arte - sem 0 prejufzo dos seus me­rnos, no que toea a analise das materias-primas para a pintura, E ha, outrossim,uma desproporcao entre a palticularidade fatal da "energia pslquica" e a "com­pensa.,ao" das diferenc;as de intensidade, apesar de freqaentes "contatos". Nestesentido, Ostwald nem elaborou, a bern dizer, teoria "energetica" da arte. Pois,como poderia pensar-se uma tal teoria? De acordo com 0 GUtez.erlJiiltnis "ener­getico", a coroa deveria ser entregue ao Iuca fa presto, bern ao contrario daopinHio "normal" de hoje; pois nao seria decisivo urn pretenso valor do resul­rado da atividade artistica como tal, mas, diferentemente, deveria Set decisivoo resultado ern comparacao com 0 "consumo energetico", ou seja, 0 Giiteuer­haltnis. E 0 verdadeiro "progresso" artistico consistiria na "economia de energia"que, hoje em dia, resultam das "conquistas" tecntcas para a fabricacao de tintaspara a pintura, para 0 levantamento de pedras nas grandes construcoes e paraa fabncacao dos m6veis; portanto, nao seria decisivo para a oora do arquiteto,do pintor e do marceneiro, pois ele, como tal, nao rnelhora 0 Guteterhaltnis.Para 0 assim chamado "artista", parece, de modo maravilhoso, que poderia Set

fundamentada a pregacao da "simplicidade" nos meios artfsticos, e, de maneiraenergetica (a partir do Giiteverhiiltnis). NOs nao entendernos multo bern 0 por­que de nao ter tirado radicalmente tais conclusoes, depois de ter assumido cla­ramente a; postulados anteriormente menctonados, Ele deveria faze-lo com ur­gencia. Pois, "energeticamente pensando", e realmente urna coisa intoleravel,imaginando que na fabricacao, por exemplo, de urna mesa, que e uma perfeitaoora de arte, se gastou uma grande quantidade de energia de todos - energiacinetica, energia qufmica e energia bioqufmica, por exemplo - que nunca maispode Set recuperada (retirada da mesa), ja que esta mesa, avaliada energica­mente, niio representa mais calorias do que urn pedaco de madeira do mesmopeso, e a sua forma "especifica", que the transforma nurna obra de arte, naointeressa para 0 ganho de energias. Ii 6bvio que a "arte" comeca exatamenteai onde terminam a; "pontes de vista" do tecnico, Mas talvez aconteca isso tam­bern da mesma maneira com aquilo que nos denominamos de "cultura"? Nestecaso, Ostwald deveria ter reconhecido este fato e deveriater exposto clararnenteesta opiniao. Mas, da maneira como ele procedeu, a relacao entre a; seus pen­sarnentos e as "ciencias" fica obscura,

Mas retornemos 0 raciocinio de Ostwald Parece que a forma mais elevadado melhoramento da Guteuerhaltnis, que a "sociedade" possibilita, e manifesta­mente (p. 122) a formacao da tradicao ernplrica pela formacao de conceitosgerais, os quais, como, em Ultima instancia, toda e qualquer dencia (p. 169 esegs.), estao a service da profecia do futuro e da sua dorntnacao pelas inven­~6es (pp. 121-122). Alias - numa ampliacao discutfvel do termo "teleol6gico"(p. 152) ja as plantas teriam feito "invencoes". a instrumento da sodalizacaoneste sentido, sem duvida, seria a lingua.

Porem que se atente para isso; como e lamentavel a situacao dela, e tam­bern e a sltuacao da ciencia que dela trata (Capitulo IX). Depois do fracassode estabelecer "leis foneticas" (pp. 127-128 - pareoe que Ostwald nao esta

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muito bern informado a respeita deste problema), as especia1istas em filologianao fizeram esforcos series para atingir 0 ponto mais alta - 0 cUmulo - 00­quela denda, au seja, a sintese artificial de linguas que satisfazem as exigenciasenergeticas, (veja-se, sabre isso, p. 126, final). Parece que nestas ooservacoestern-se em mente a analogia do sIgnIficado 00 sintese do Hamsalz para a quf­mica organica. Perdern-se enormes quantidades de energias em discussoes dl­retas verbals e sobretudo nas diflculdades lingillsticas tnternadonais, jii que aslinguas naturals nao sao perfeltas 0 bastante para desempenhar esta funcao,Esta Ultima colocacao nossa nao pode, obviamente, ser demonstrada, Pareceque Ostwald nao sabe, ao certo, em que sentido realmente tern "razao" no quese refere aos "filologos": a conservacao do latim como lingua universal erudita- oomo ela realmente foi - ficau impossfvel a partir do renascimento, ooma eliminacac puritana das tentativas de manter a latim escolasdco, que pelosrenascentistas fol ridlcularizado oomo sendo "barbaro'', A ausencia de uma tallingua erudita universal e, de fato, a falha rnais essendal e induvidosa, jii quetroca dos bens em Ingles possui urn instrurnento suficiente, A eliminacao daslinguas naturals e as consequencias dlsso sao coisas rnais complicadas do quese pode ver nas ooservacoes de Ostwald E sem duvida difidl, au ate lmpos­sivel, compreender uma pessoa como Ostwald, que possui uma formacao den­t!fica tlplca das ciencias naturals (no sentido 16glco e nao na dimensao objetiva)pelo faro de que hii urn significado positive e criatlvo no que tange :l multi­plicidade de significados das formacoes lingufsticas naturais que apenas, emparte, se apresentam mais pobremente e, em parte, ate possuem maior riquezade conteudo potencial do que os conceitos teoricos e abstratos 0 exigem Emseguida, seguem as capitulos sabre "Direita e punicao" (Capitulo X)", "Valor eTroca" (Capitulo X1), "0 Estado e 0 seu poder" (Capitulo XIII), nos quais en­contrarnos observacoes as vezes absurdas mas, de acordo oom 0 postulado ba­sica, explicacoes pouco "energeticas", que nem comentaremos, exceto algumaspoucas passagens. Ostwald ignora a particularidade dos concertos jurfdicos qua­se sempre e, para rnostra-lo, exernplificamas com 0 "furto" de eletriddade (p.12): estes nao se interessarn, de maneira alguma (veia-se as explicacoes de ]e1­linek a respeito), pelas caraeterlsticas "energeticas", mas pelas caraeterlsticas noC6digo Penal (por exemplo, uma "ooisa" alhela que e m6vel) e tem urn sentidornuito pratico, nao tendo nada que ver oom ignoranda quimica, se a jurispru­dencia tern uma tendencia (talvez ate demasiada) de proceder formalmente edeixa, normalmente, ao criterio do legislador, e nao do juiz, de poder estenderau nao a norma juridica a fates "novas": "a forma e a atbitrariedade, Irma 00liberdade''. Se urn determinado fato e "novo" no sentido juridioo, nunca depen­de unicamente das ooservacoes das ciencias naturals, mas, em primelro lugar,00 conexao global das respectivas normas juridicas em vigor que, naquele mo­mento, nao sao questionadas, e cuja elaboracao para urn sistema mental semcontradicao e, fundamentalmente, uma tarefa 00 jurisprudencia e que forneceo padrao e 0 criterio para 0 julgamento que, prima facie (e, as vezes, de rna­neira de.finitiva), sao casas duvidosos no sentido da validade de suas normas,fato que tarnbem os partidarios dos pensamentos "nao jusnaturalistas" nao

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eontestam Depende totalrnente, de caso para caso e em certas situacoes dadas,em que meclida tambern poderta ser uti! a abordagem a maneira das clenciasnaturais. Mas, em Ultima analise, exatarnente nos casas imprevistos, em decisivas"reflex6es axiol6g1cas" que pouco tern em comum com as ciencias naturais, in­dependentemente de 0 quimlco ver nisto um retrato ou nilo. No que c1iz res­peito as observacoes sobre 0 sentido da "lgualdade jurlclica" (p. 142) e sabrea "proporcionalldade da pena" (p. 143), a exigenda de penas suaves para osque socialmente pertencem as camadas mais elevadas c1ificilmente pode serclassificada como sendo de carater "energetico". Ao contrario, estes Ultimos de­veriam pertencer it represalia que, entretanto, nos meios dos partidarios do na­turalismo, e tido como superado. Sem duvtda, e possivel, a partir de uma re­flexao "energetica", chegar, certamente, a resultados semelhantes que, entretan­to, em ultima analise, significam outra coisa. Mas, neste caso, deverla ser esta­belecido 0 Guteterhaltrus energetico entre a norma penal e 0 resultado da pe­na. Considerando 0 ponto de vista de Ostwald, parece que deverfamos, refe­rente a "proporcao de qualldade", anallsar crIticamente 0 gasto energetico paraa fabricacao das paredes da cidade, e tambem a energia quimlca que foi des­penclida par ocasiao da prisao e as energias bioquimlcas que foram gastas naadrninistracao das cadeias, e depois de tudo i550, dever-se-ia fazer a seguintepergunta: com que quantidade minima de energia foi atingida a finalldade"energetica" da punicao, ou seja, a rnanutencao da ordem existente pela elimi­nac;ao dos elementos perturbadores, Do ponto de vista energetico, a Guteter­haltnis seria mais favoravel do que no procedimento recomendado por Ostwaldpara os portadores do instituto de matar (par que somente para estes?), ou seja,a castracao, pensando no gasto insignificante de energia cinetica e de energiaformal, caso se adotasse uma outra alternativa, ou seja, a "surra" ou 0 "enfor­camento". ]a que, para bstwald, tambern e irnportante a necessidade da con­servacao da energia de trabalho do crimlnoso com referenda a sociedade, naohaveria impedimenta nenhum para fazer uma distincao "cnergetica" concernen­te as respectivas profiss6es: deveriam ser enforcados os apontados, mas tarnbernos fil61ogos, os historladores e outros inuteis, ja que, de maneira nenhuma, con­tribuem para 0 rnelhoramento do Giitewrhiiltnis energeuco (e, se pensarmosna sua total inutilldade, nao sena melhor eltrnina-los de uma vez, antes de elesincomodarem a sociedade com um crime qualquer?). Em seguida, logicamente,deveria ser aplicada a punicao corporal para os operarios, os tecnicos, os em­presarios, pois estes sao pessoas que sobremaneira melhoram 0 Giitewrhiiltnis.Se Ostwald nilo rejeita tals consideracoes, ele deverla ter claro que reflexoesde outra natureza eram mals decisivas, do que as suas consideracoes energe­ticas. Mas os seus escritos queriam apenas abordar questoes energeticas, Per­cebe-se tarnbern que nas suas observacoes sabre a "igualdade jurlclica" nilo seencontram ideals "energeticos'', mas ideais do "cIireito natural", enquanto tam­bern os comentarios sobre 0 "sentido" da ordem jutidica (p. 215) ganham maiorfor", de convencer par causa de sua fundamentacao energenca aquele que niloos ja aceitou par outros motives. Estes comentarios estao bem de acordo como "velho clireito natural" dos fisiocratas. lnfelizmente, so pode provocar um aba-

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genre" (quem?) identifique toda a ciencia cultural com a sociologia, ji que ainvencao dos instrumentos mais simples pode ser feita par indivlduos e devidoao fato de tarnbern a sua utilizacao poder ser feita par indivlduos. Cientifica­mente, a sociedade somente deveria ser levada em consideracao nos casas ernque ela se apresenta como urn "fator cultural", isto significa, na medida em queela rnelhore as GU.tewrlldllnis que novamente funciona como unico criterio,Energicamente considerada, ela faz isso quando influencia a "relacao de apro­veitamento" pelo estabelecimento de uma ordem e pela distribui<;:1lo das fun­r,;6es. A medida decisiva para a "perfeicao" dos seres vivos, de acordo comOstwald, e a balanca energetica, nao a diversidade uma abordagem que, numaoutra versao, ji foi - e com justeza - ridicularizada por KE. von Baer. Alias,se inclulmos as outras energias dominadas do homem que, na maioria das ve­res, sao aproveitadas apenas parcialmente - 0 miisculo e, como ji foi dito, 0

dinamo mais conhecido, neste caso, e levando ern consideracao a atual situacaoda tecnologia, nao podemos, de maneira nenhuma, falar de urn balance deenergia relativamente favoravel,(GU.tewrlldllnis). E de que modo a situacao noque se refere ao "balance de energia" da cultura?

Ostwald, por exemplo, nao inclui nos "fatores culturals" a arte (no sentidoamplo do termo), se levarmos a sene as explicacoes da pagina 112 (inicio) ­s6 se ela evita, finalrnente (como se le na pagina 88), tais "erros", como aindasao encontrados na obra de Schiller sabre a Deuses da Grecia, como urn pa­radigrna da "Iimitacao" do principiante, e toma como assunto as transforrnacoesda energia em materia e a "ida" da energia :l materia, fazendo com que, nestecaso, as artes sejam pastas a service da conscientizacao das rnassas, opondo-seao desperdicio da energia. Percebe-se que, nestas ooservacoes, par causa doprincipio do naturalismo, foram de longe superadas 0 anaterna de Du BoisReymond contra a formacao das figuras de "asas" (pais estas seriam constituf­r,;6es "atfpicas" e "paratfpicas" e seriam incorretas, ji que os mamfferos nao remseis extremidades). Perguntamos apenas como poderia corresponder a arte aestas extgenctas/ 0 maximo de transformacao energetica se da, par metro qua­drado de tela, quando se pinta explos5es ou batalhas navais. Multo provavel­mente aproximou-se deste ideal uma pintura da autoria do proprio imperadorGuilherme II: dois couracados, com uma enorme massa de p6lvora, pintura quen6s mesmos vimos na sua residencia particular. Mas isto compensa 0 desper­dicio de energia dos civis? A conhecida fabnca de larnpadas A von Menzel sesai talvez ainda melhor no que diz respeito ao "encrgetico" (GUtewrhiiJtnis),mas dificilmente produz urn efeito didatico maior, especiahnente pensando nasdonas de casa que teriam ou que deveriam ter interesse. Parece que facilmentepoder-se-ia aceitar receitas que sao ilustradas artfstica e poeticamente. Porem,que mais? E sobretudo: como? A lei da conservacao da energia e a teoria daentropia poderiam ser representadas pela arte apenas "simbolicamente" e, comisso, novamente surgiriam todas aquelas fatais "irrealidades". Os antecessoresde Ostwald na defesa de uma definieao "racional" dos fins da arte - par exem­plo, Comte, Proudhon e Toistoi - procederam banausis como ele, mas essesnao procederam com tanta cegueira como ele. Parece que ern Leipzig hi estadesproporcao que, par exemplo, que Lamprecht, pensando ern finalidades cien-

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ti/icas, tern demais sensibilidade para a arte, enquanto Ostwald, indisrutivelmen­te, tern pouqufssima sensibilidade para a arte - sem 0 prejulzo dos seus me­ritos, no que toea a analise das materias-prirnas para a pintura, E ha, outrossim,uma desproporcao entre a particularidade fatal da "energia pslquica" e a "com­pensa<;iio" das dtferencas de intensidade, apesar de freqaentes "contatos". Nestesentido, Ostwald nem elaborou, a bern dizer, teoria "energetica" da arte. Pois,como poderia pensar-se uma tal teoria? De acordo com 0 GiUer.erlIiIJtnis "ener­getico", a cocoa deveria ser entregue ao Iuca fa presto, bern ao contrlrio daopinHio "normal" de hoje; pois nao seria decisivo urn pretense valor do resul­tado da atividade artistica como tal, mas, diferentemente, deveria sec decisiveo resultado em comparacao com 0 "consumo energetico", ou seja, 0 GUtewr­haltnis. E 0 verdadeiro "progresso" artistico consistiria na "economia de energia"que, hoje em dia, resultam das "conquistas" tecnicas para a fabricacao de tintaspara a pintura, para 0 levantamento de pedras nas grandes construcoes e paraa fabricacao dos m6veis; portanto, nao seria dedsivo para a oora do arquiteto,do pintar e do marceneiro, pois ele, como tal, nao melhora a GUtewrhi:iltnis.Para a assim chamado "artista", parece, de modo maravilhoso, que poderia secfundamentada a pregacao da "sirnplicidade'' nos meios artistioos, e, de maneiraenergetica (a partir do GUtewrhiiltnis). N6s nao entendemos multo bern a par­que de nao tee tirado radicalmente tais conclus6es, depois de tee assumido cla­ramente os postulados anteriormente mencionados. Ele deveria faze-lo com ur­gencia, Pais, "energeticamente pensando", e realmente urna coisa intoleravel,imaginando que na fabricacao, par exemplo, de uma mesa, que e uma perfeitacora de arte, se gastou uma grande quantidade de energia de todos - energiacinetica, energia qufmica e energia bioquimica, par exemplo - que nunca maispode sec recuperada (retirada da mesa), jii que esta mesa, avaliada energica­mente, nao representa mais calorias do que urn pedaco de madeira do mesmopeso, e a sua forma "espedfica", que lhe transforma numa obra de arte, naointeressa' para a ganho de energias. E 6bvlo que a "arte" corneca exatamenteaf onde terminam os "pontes de vista" do tecnico Mas talvez aconteea isso tam­bern da mesma maneira com aquila que n6s denominarnos de "cultura'? Nestecaso, Ostwald deveria ter reconheddo este faro e deveria ter exposto claramenteesta opiniao, Mas, da maneira como ele procedeu, a relacao entre os seus pen­samentos e as "ciencias" fica obscura.

Mas retomemos a raciodnio de Ostwald Parece que a farma rnais elevadado melhoramento da Guteoerhaltnis, que a "sociedade" possibilita, e manifesta­mente (p, 122) a formacao da tradi<;iio ernplrica pela formacao de conceitosgerais, os quais, como, em Ultima instancia, toda e qualquer ciencia (p. 169 esegs.), estao a servico da profecia do futuro e da sua dominacao pelas inven­c;:Oes (pp. 121-122). Alias - numa ampliacao discutlvel do termo "teleol6gico"(p. 152) jii as plantas teriam feito "invencoes", a instrumento da sodalizacaoneste sentido, sem duvida, seria a lingua.

Pacem que se atente para isso; como e lamentavel a situacao dela, e tam­bern e a situacao da ciencia que dela trata (Capitulo lX). Depois do fracassode estabelecer "leis foneticas'' (pp. 127-128 - parece que Ostwald nao esta

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muito bern inforrnado a respeito deste problema), a; especialistas em filologianao fizeram esforcos series para atingir 0 ponto mais alto - 0 cUmulo - da­quela denda, ou seja, a sintese artifidal de linguas que satisfazem as exigenciasenergeticas, (veja-se, sabre isso, p. 126, final). Parece que nestas ooservacoestem-se em mente a analogia do significado da sintese do Hamsa1z para a qui­mica organica. Perdem-se enormes quantidades de energias em discuss6es di­retas verbais e sobretudo nas dificuldades lingOfsticas internadonais, ji que aslinguas naturais nao sao perfeitas 0 bastante para desempenhar esta fun<;a:o.Esta Ultima colocacao nossa nao pode, obviamente, ser dernonstrada. Pareceque Ostwald nao sabe, ao certo, ern que sentido realmente tern "razao" no quese refere aos "fil610g00": a conservacao do latim como lingua universal erudita- como ela realmente foi - ficou impassive! a partir do renasdmento, coma eliminacao puritana das tentativas de manter 0 latim escolistico, que pelosrenaseentistas foi ridicularizado como sendo "barbaro". A ausencia de uma tallingua erudita universal e, de fato, a falha mais essendal e induvidosa, ji quetroea dos bens em Ingles possui urn instrumento sufldente. A elirninacao daslinguas naturais e as consequencias disso sao coisas mais complicadas do quese pode ver nas ooservacoes de Ostwald E sem duvida difldl, au ate irnpos­sive!, compreender uma pessoa como Ostwald, que possui uma formacao den­tifica tipica das ciencias naturais (no sentido l6gico e nao na dimensao objetiva)pelo fato de que hi urn significado posltivo e criativo no que tange ft multi­plicidade de significados das formacoes lingi'Jisticas naturais que apenas, emparte, se apresentam mais pobremente e, em parte, ate possuem maiot riquezade conteudo potendal do que a; conceitos teortcos e abstratos 0 exigem Emseguida, seguem os capitula; sabre "Direito e punicao" (Capitulo X)", "Valor eTroca" (Capitulo Xl), "0 Estado e 0 seu poder" (Capitulo XIII), nos quais en­contrarnos observacoes as vezes absurdas mas, de acordo com 0 postulado ba­sico, explicacoes poueo "energeticas", que nem comentaremos, exeeto algumaspoucas passagens. Ostwald ignora a particularidade dos conceitos jutidicos qua­se sempre e, para rnostra-lo, exernplificamos com 0 "furta" de eletricidade (p.12): estes nao se interessam, de maneira alguma (veja-se as explicacoes de jel­linek a respeito), pelas caracteristicas "energeticas", mas pelas caracteristicas noC6digo Penal (por exernplo, uma "coisa" alheia que e m6ve!) e tern urn sentidomuito pratico, nao tendo nada que ver com ignorancia quimica, se a jurispru­dencia tern urna tendencia (talvez ate demasiada) de prooeder formalmente edeixa, normalrnente, ao criterio do legisladot, e nao do juiz, de poder estenderau nao a norma jutidica a fatos "nova;": "a forma e a arbitrariedade, irma daliberdade". Se urn determinado fato e "novo" no sentido juridico, nunca depen­de unicamente das ooservacoes das dencias naturals, mas, ern primeiro lugar,da conexao global das respectivas nonnas jutidicas ern vigor que, naque!e mo­mento, nao sao questionadas, e cuja elaboracao para urn sistema mental semcontradicao e, fundamentalmente, uma tarefa da jurisprudencia e que forneceo padrao e 0 criterio para 0 julgamento que, prima fade (e, fts vezes, de ma­neira definitiva), sao casos duvidosos no sentido da validade de suas normas,fato que tarnbem os partidarios dos pensamentos "nao jusnaturalistas" nao

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contestam, Dependc totalmente, de caso para caso e em certas situacoes dadas,em que medida tambem poderia ser uti! a abordagem a maneira das ciendasnaturals. Mas, em Ultima analise, exatarnente nos casos imprevistos, em decisivas"reflexoes axiologicas" que pouco tern em comum com as ciencias naturais, in­dependentemente de a qufmico ver nisto urn retrato ou nao, No que diz res­peito as observacoes sobre a sentido da "igualdade jutidica" (p. 142) e sabrea "propordonalidade da pena" (p. 143), a exigenda de penas suaves para osque socialmente pertencem as camadas mais elevadas dificilmente pode serclassificada como sendo de carater "energetico", Ao contrario, estes Ultlmos de­veriam pertencer a represalia que, entretanto, nos meios dos partidirios do na­turalismo, e tldo como superado, Sem dirvida, e possivel, a partir de uma re­flexao "energetica", chegar, certamente, a resultados semelhantes que, entretan­to, em ultima analise, significam outra coisa. Mas, neste caso, deveria ser esta­belecido a Giueterhdltnis energetico entre a norma penal e a resultado da pe­na. Considerando a ponto de vista de Ostwald, parece que deverfamos, refe­rente a "proporcao de qualidade", analisar criticamente a gasto energetico paraa fabricacao das paredes da cidade, e tamoem a energia qufmica que foi des­pendida por ocasiao da prisao e as energias bioqufmicas que foram gastas naadministracao das cadeias, e depois de tudo isso, dever-se-ia fazer a seguintepergunta: com que quantidade minima de energia foi atingida a finalidade"energetica" da punicao, ou seja, a rnanutencao da ordem existente pela elimi­nacao dos elementos perturbadores. Do ponto de vista energetico, a Guteter­haltnis seria mais favoravel do que no procedimento recomendado por Ostwaldpara os portadores do instituto de matar (par que somente para estes?), ou seja,a castracao, pensando no gasto insignificante de energia cinetica e de energiaformal, caso se adotasse uma outra alternativa, au seja, a "surra" au a "enfor­carnento". Ja que, para Ostwald, tambern e importante a necessidade da con­servacao da energia de trabalho do crtminoso com referenda a sociedade, naohaveria impedimenta nenhurn para fazer uma distincao "energenca" concernen­te as respectivas profiss6es: deveriam ser enforcados os apontados, mas tarnbemos fil61ogos, os historiadores e outros inuteis, ja que, de maneira nenhuma, con­tribuem para a melhoramento do Giiteverhiiltnis energetico (e, se pensarmosna sua total inutllidade, nao seria melhor elimina-los de uma vez, antes de elesincomodarem a sociedade com urn crime qualquer?). Em seguida, logicamente,deveria ser aplicada a punicao corporal para os operarios, os tecnicos, os em­presarios, pais estes sao pessoas que sobremaneira melhoram a Giitewrhiiltnis.Se Ostwald nao rejeita tais consideracoes, ele deveria ter claro que reflex6esde outra natureza eram mais decisivas, do que as suas consideracoes energe­ticas. Mas os seus escritos queriam apenas abordar questoes energencas, Per­cebe-se tarnbem que nas suas ooservacoes sabre a "igualdade jutidica" nao seencontram ideais "energeticos", mas ideais do "direito natural", enquanto tam­bern os cornentarios sobre a "sentido" da ordem jutidica (p. '2£J) ganham maiorforca de convencer par causa de sua fundamentacao energetics aquele que naoos ja aceitou par outros motivos. Estes comentarios estao bern de acordo coma 'velho direito natural" dos fisiocratas. Infelizmente, s6 pode provocar um aba-

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no da cabeca do historiador social, quando Ostwald afirma alegremente queseria a sua conviccao (p. 38) que somente a burrice d05 homens impediria aaflrmacao da tendencia do optimum do Guteterhaltnis.

Esta confusao continua entre jufzos de valor e ciencia empfrica se encontrafatalmente em todos os lugares. Are urn diletante como Ostwald poderia per­ceber que a relacao entre a necessidade e 0 custo MO pode ser definida "ener­geticamente", sem se considerar as explicacoes - quase identicas as da esco­lastica - sabre 0 conceito de valor e do justum pretium (p. 152), pois no quese refere a isto ate intra muros se cometem muitos erros, E, finalmente, elemesmo, muito provavelmente, sabe que a afirmacao (p. 55) de que "0 problemamais geral d05 seres viV05" consiste no fato de que "estes deveriam assegurarpara si 0 maximo posslvel de vida" e que deveriam entender a "especie" como"ser global", MO e de proveniencia energetica. Mas, neste caso, ele deveria terfeito a pergunta: De onde, entao, vem a legitirnacao daquele "imperativo cate­g6rico"? 0 que tem isso a ver com 0 "genero'? Uma ciencia natural nem deveriater a ousadia de querer dar uma resposta decisiva a quest5es pciticas. Muitornenos ainda e possrvel perceber como qualquer dever etico poderia estabelecercomo deveria ser 0 comportamento referente it especie em funcao de urn de­terminado Guteterhaltnis energetico.

Nas explicacoes do Ultimo capitulo (A Ciencia) que sao dedicadas it peda­gogia, percebe-se, num primeiro momento, nas afirmacoes da pagina 182, umacerta desorientacao de Ostwald sabre 0 estado atual da pedagogia dentffica.Quem quer que esteja ligado a interesses religiosos ou a outros interesses au­toritarios concordara, naturalmente, 05 seus cornentarios sabre 0 ensino religio­so (na nota). Mas, a questao das linhas antigas dassicas nao e tao simples comoOstwald supoe, e afirrnamos isso tendo em mente 0 seu pr6prio ponto de vista.Ficamos bastante impressionados quando - temos porern, de dizer que estaopiniao e oposto it postura oficial institudonal da Igreja Cat6lica - urn peda­gogo muito esforcado e de nitida tendencia clerical manifestou a sua prcferenciapara uma formacao da juventude, na medida do possivel, nos moldes das cien­cias naturais (ao lado da formacao religiosa, obviamente), pois, atraves destaformacao, a juventude MO seria prejudicada n05 seus interesses confessionais(e isto e bem provavel se levarmos em consideracao 0 esplrito do catolidsmomaderno e a sua capaddade de adaptacao). Ao mesmo tempo, este pedagogoespera, procedendo desta maneira, que sejam eliminados os ideais libertarios e"subjetivistas", e que estes ultimos sejam substituldos por ideais "organicos'', nosentido do tomismo. E outros conhecimentos eruditos de primeira grandeza ­cuja paixao pelo progresso tecnico satisfaria ate Ostwald - acentuaram e ar­gumentaram que, considerando a sua experiencia em "ginasios" e "eseolas tee­nicas" (RealschuJen), hi uma menor capacidade para urn radocinio l6gico nosultirnos - talvez tarnbem seja aqui 0 momento "energetico" decisivo, As coisas,entretanto, MO sao tao simples. Caso se identifique (p, 180) a 'formacao docarater" com "desenvolvimento das caraetetisticas sociais", e, em seguida, seidentifica este eonceito equivoco - 0 que, indiscutivelmente, Ostwald fez ­com "caraeterfsticas energicamente (isto e, tecnicamente) uteis", chegarnos comeste procedimento a consequencias que sao muito mais distantes do queOstwald acha, para garantir a "liberdade do pensamento" e de "mentalidade"

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que Ostwald, na frase do seu livro (nota 84) espera da divulgacao dos conhe­eimentos das ctencias naturals, Pois urn ap6stolo da "ordern" que pretende evitarque se desperdice "energia" par EchaujJements para outras finalidades que naoOS ideals tecnol6gicos - que deve set 0 caso de Ostwald - divulga (0 apos-tolo), queira 00 nao (e muito provavelmente aconteeeria contra a vontade de I'Ostwald), inevitavelmente uma mentalidade de docilidade e de facil adaptaetoas situa¢es socials e polfticas existentes, como e tipico para os matter-cf-fact-men de todas as epocas, A liberdade de mentalidade nao e, de maneira ne-nhuma, urn ideal tecnol6gico e utilitariamente importante e tampouco pode setfundamentada "energeticamente". E tampouco, e claro, se servisse realmente econtinuadamente aos interesses da ciencia, supondo que todo 0 progresso dopensamento eientifico deve ser avaliado com 0 valor da "dominacao" efetivado mundo externo. Pois nao e totalmente par acaso que nao foi 0 pai-fundadordeste ponto de vista te6rico-cientffico - Bacon - que moo os fundamentosdas modemas ciencias naturals exatas, mas que tal foi feito por pensadores detendencias bern diferentes. 0 que hoje em dia se chama "a busca da verdadeeientlfica par ela mesma", denominava, par exemplo, Swammerdam, na lingua-gem do seu tempo, como "demonstrar a sabedoria divina na anatomia de urnpiolho". E 0 born Deus, naquele tempo, nao funeionava muito mal como prin-cipio heuristico. Por outra parte temos de ver claramente que forarn e aindasao sooretudo interesses econ6micos que contribuiram de maneira eficaz parao desenvolvimento das eieneias como tarnbem da qufmlca (e tambern de algu-mas outras dencias naturals). Porem deveriamos transforrnar este agente efen-vamente mais importante do desenvolvimento da qufmJca no "sentido" do tra-balho eientlfico como foi antigamente 0 "sentido" da ciencia mostrar "Deus" e :Ia "gloria divina"? Se esse for 0 caso, daria preferenda ao "ultimo sentido". !I

Se alguem, devido a essas minhas ooservacoes, tivesse a impressso de que 'minha opinHio e a de que nao teriam as consideracoes energeticas Interesse . !a1gum para a nossa disciplina, isso nao corresponderia bem a minha oplniao.Indiscutivelmente, e correto que se procure obter clareza sabre 0 fato de quemodo se formam as balancas energeticas qufmicas e flsicas dos processos evo-lutivos tecnicos e econ6micos. Ostwald certamente tern plenamente ramo aomeneionar que Ratzel se aproveitou muito de tais coosideracoes. Tarnbem todosnos podemos aproveitar delas e tanU:>em e correto 0 seu romentario geral (p. 3)que seria necessario se constatar as afirmacoes especificas que resultam da apli-cacao da lei energetica aos fenomenos sociais. Mas, se ele, logo em seguida,acrescenta (pigina 3) que se trata na verdade de uma "fundamentacao" da so-dologia a partir do ponto de vista da teoria energetica, nesta ooservacao, per-cebe-se claramente uma consequencta do errado esquema eientlfico de Comte.Silo exatamente os resultados particulares e especificos da investigacao qufmJcae fisica que suseitam 0 nosso interesse, na medida em que se referem a nossaciencia, mas de maneira nenhuma nos interessam - como deve ter ficado bemclaro - os teoremas fundamentals - talvez apenas excepctonalmente, e nuncao "fundamento" essendal. E exatamente isso que parece set de dif'icil compre-ensao para os representantes das ciencias naturais - mas nao deveria set SUf-

presa para um pensador que defende 0 ponto de vista da "econornia" tambem

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rno que toea 0 "pensamento". Tarnbem nilo para negar que a tenninologia dealgumas disciplinas como, por exemplo, a nC6Sa, na sua teoria da producaoecon6mica, ganharia grau de clareza se levasse em consideracao a formacaode conceitos de disciplinas das ciendas naturals como, por exemplo, da qufmicae da fisica. Mas Ostwald supervaloriza essas possfveis vantagens de uma rna­neira realmente ridicula, fazendo com que pessoas verdadeiramente entendidasnos problemas das "ciencias culturais" 0 ironizassem Exatamente por causa dis­so, ninguem deve se ofender se tambern as nossas observacoes, aqui e acola- devido ao tipo de tratamento que sao dados aos nossos problemas nos escri­tos de Ostwald -, assumirem uma conotacao de certa "ironia". Temos boasrazoes para nilo atirarem pedras em pessoas que, no que respeita a assuntosque estao fora de sua especialidade, cometem alguns faux pas, pois tal fato einevitavel em todos os casos em que se experimenta transportar conceitos deuma determinada especialidade a ciencias que se loealizam no limite ou nasfronteiras da propria, Mas e absolutamente necessario constatar, em considera­9io ao orgulho desmedido com que representantes das ciencias naturais julgamo trabalho de outras disciplinas (especialrnente os da Hist6ria), que, par causados seus fins metodol6gicos diferentes, tomam rumos de procedimentos, quetamoem para um pensador tao extraordinario como Ostwald tern plena valida­de, e, com razao, 0 "decimo segundo mandarnento" de Chwolson Ostwald foimuito mal aconselhado, no que diz respeito as suas fontes de informacoes e,alem disso, prejudicou profundamente a sua propria causa pela infiltracao dosseus postuIados prediletos prances em todos os possfveis setores polfticos (po­Iftica econ6mica, polftica criminalfstica, polftica educacional etc.), sendo queuma investigacao sabre os conceitos energeticos deveria se Iimitar a problema­ticas puramente cientfficas, relaeoes causais e problemas de procedimento me­todol6gico. Pois aqueles postulados aceitos a partir de fatos "puramente ener­geticos'' revelam a existencia de proposicoes de outra natureza.

Isto e lamentavel em todos os casas em que hi opinioes diferentes. Apesarda critica grosseira daqueles numerosos e grotescos deslizes que constam em2/3 deste livro, lamentavelrnente mal redigido (n6s apenas levamos em consi­deracao 10",(,), Ostwald e, e continua a ser, "urna mente" cuja colaboracao seriauma satisfacao para cada qual que quisesse trabalhar no setor abrangente de"Iecnica e Cultura", par causa do seu entusiasmo renovador e da ausencia totalde qualquer dogrnatismo. Se n6s cornentamos aqui, de maneira tao abrangente,o seu livro, podemos indicar como razao deste procedimento nao apenas a im­portiincia do autor, mas tambern no fato de que 0 seu livro, com todas as suasvantagens e desvantagens, se apresenta como um ''tipo'' para a maneira do pro­cedimento do "naturalisrno" como tal, isto e, fica a tentativa de deduzir jufzosde valor de fatos provoeados pelas dencias naturais. Muitas vezes tiramos maisproveito dos erros dos eruditos importantes e significativos do que das opiniOescorretas de cientistas sem valor. Exatamente par causa dos seus erros tfpicos ecaraeteristicos, abordamos tao profundamente "esta criatura deformada" que eeste livro pequeno. Acreditamos que, hoje em dia, nilo existe nenhum histo­riador economista ou qualquer outro representante das disciplinas "hist6rico-

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culturals" que tenha a ousadia de prescrever a06 quimicos e ftstcos qual deveriaser 0 rnetodo por eles usado, E urn pressuposto de qualquer colaboracao fru­tffera que os representantes destas disdplinas apreendam a ser rnodestos, Urnacolocacao frutifera nao e possfvel enquanto nao chegarem os representantesdestas disdplinas ao entendimento fundamental de que sao, e sempre foram,determinadas condicoes sociais, historicamente dadas e historicamente muctveis,o que possibilitou 0 aproveitamento de "invencoes" tecnicas e 0 que possibilitae possibilitara (ou impossibilitariio, eventualmente) 0 aproveitamento de "inven­<;oDes" tecnicas, e de que depende unicamente do desenvolvimento destas cons­telacoes de interesses, e de maneira nenhuma "das possibilidades" tecnicas, 0

futuro do desenvolvimento tecnico,

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Sobre algumas categorias da sociologiacompreensiva 1

1913.

1. 0 sentido de uma "Sociologia Comproensivll", 2. A sua re~ rom a "p5iroJogia",3. A sua rela¢o rom a "teoria juridica", 4. 0 "agir comunitario", 5. "Vergesellschaftung" e"agir em sodedade", 6. 0 "oonsenso", 7. "InstituiQlo" e "Associayao".

I

Bern sernelhante a todos 06 fenornenos, 0 comportamento humano ("ex­terior" au "interior") revela, no seu decurso, conexoes e regularidades. Entre-

1 AD lado das exposicces de G. Simmel (1ft Die ProbIeme tier Geschichisphilosophie [Problemasda fllosofla da Hlstcria], Leipzig, 18')2) e ceres trabalhos anterioces (reunldos oeste rresrro volume),devem ser mendonadas as obsevacoes de H Rickert (veja-se a segunda edi~o da obra Die G1Ymzen der na turwissensdIaftIk Begrlffsbildung (Os limites da fOJml~o de coeceitos ras dm:tasnaturais) Tiibingen, 1913, OOlID tambem os diversos trabalhos de Karl jaspers espeda1menre DieAllgemeine PsychoIcgie (psioologia Geral), Berlin, 1913. Diferen;as de concetwaQlo 00lID podemser enoontradas entre estes autores e tambem no cpe diz respeito aobra, de extrema importlnda,de F. T6nnies, inlitulada Gemeinsdtaft und Gesellschoft (Commidade e Sodedade), Berlin, 1887, eaos trabalhos de A Vierkarrlt e outros, tUO devem ser erundidas como diferencas de opiniao, Noque diz respeito ao aspecto rnetodologico, ~ possfvei acresceraar, aos trabalbos j3. rreodorados, aobra de Goal Die Henschaft des Worle5 (0 dominlo da palavra) Berlin, 1913 e a de RadblUch (re­ferente il categoria da "possibiltdade objetiva"), e, mesmo que de uma maneira indireta, as obrasde Husser! e Iask, Facilmente se percebera que a elabora~o concetwal mostra rela.,oes de umaextrema semelhanca, mesmo havendo uma aguda contradi~o Jraerra, com as forrrarlacoes de Ru­dolf Starrmler em Wit1Sdlaftund Rechte nach tier materiaJis/is(;hen Geschichlsaujfassung (Eoonomiae Direlto oonforme a coocepo;io mater1alista da Hist6ria) leipzig, 18')6, sendo cpe Stammler e tllodestacado eeqcanto jurista como e confuso enquanto te6rtoo cia sociedade. Isto e, parece-me, urncaso deliberado. A maneira da forma~o de ccocenos sodol6gioos, a nosso ver, e, em grande parte,uma <pestllo de oportunidades. De maneira alguma estavamos obrigados a formar todos os con­ceitos que constam CDS capftulos V a vn. N6s os colocarros, em parte, para mostrar 0 qJe Stammler"terla pretendido dtzer", A segunda parte do ersaio e urn fragmenro de uma expostcao escrita cpefoi redigido jl\ hi rrarito tempo, e q.Je deveria servir para a fundamen~o metodol6gica das in­vestigacoes positivas, com 0 intuito de e1aborar funrramenre uma obra abrangente para mais tudeser publicada, Wit1Sdlaft und GeselIschqfI (Eoonomia e Soderlade). 0 carater pedantesco de for­mJ~ corresponde ao desejo de dislinguir com nitidez 0 sentido subjedvarrente imaginado oupensado referente ao obfelivamente valido (neste procedimento, sem dUvida, afastarro-nos do pro­cedirrentc rnetodol6gioo de Simrnel).

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ltanto, algo hi que e pr6prio somente do comportamento humano, pelo menosno seu sentido pleno: 0 deeurso das conex6es e das regularidades pode serinterpretado pela compreensiio. Uma compreensiio do comportamcnto humanoque tenha sido obtida pela interpretacao acarreta uma "evidencia" qualitativa­mente especifica que e, em grau e dimensiio, sui generis. 0 fato de possuiruma compreensiio esta evidencia em grau elevado ainda niio prova nada noque se refere a sua validade empirica. Rea\mente, urn comportamento igual noSal deeurso e n05 seus resultados externos, pode se basear em constelacoesde mOtiV05 de natureza muito diversa, dentro d05 quais 05 compreensfveis demaneira mais evidente, nem sempre e necessariamente foram 05 mais decisivos,Antes de tudo isso, 0 "entender" de detenninadas conex6es deve ser controlado,na medida do possfvel, com 05 rnetodos usuais da tmputacao causal, antes queuma interpretacao, mesmo que muito evidente, se rransforme numa "explicacaocompreensiva" vallda, 0 grau maximo de evidenda, indubitavelmente, encon­trarnos na "interpretacao radonal com relacao a fins" (zuechrationale Deutung).Por "cornportarnento radonal com relacao a fins, ternos de entender aquelecomportamento que se orienta, exclusivamente, par meios tides par adequados

, ,(subjetivamente) para abter fins deterrninados, tidos por indiscutiveis (subjeti­" vamente). De maneira alguma e compreensivel para n65 apenas a ac;ao radonal

com relacao a fins: entendernos tambern 0 decurso tfpico d05 afetos e as suasconsequencias tlpicas. Para as disdplinas empfricas, 05 limites do "compreen­sivel" siio flutuantes. 0 extase, a experienda mistica e tambem certos tipos deconex6es psicopatas, ou 0 comportamento de criancas pequenas (ou tarnbemo d05 animais, que niio interessam aqui) niio silo acessiveis, do mesmo modocomo outros precesses, a n05Sa compreensiio e a nossa explicacao compreen­siva. Decerto, niio se trata de niio ser 0 "anormal", como tal, acessivel a expli­cac;ao compreensiva. Pelo conmirio: apreender 0 absolutarnente "compreensf­vel" e, ao mesmo tempo, "mais simples", na medida em que corresponde a urn''tipo regular" (0 sentido deste termo explicaremos daqui a pouco), pode ser,precisamente, a obra daquele que se sobressai da media. Como ja foi dito mui­tas vezes, "niio e predso ser cesar para compreender cesar". Se fosse diferente,toda a historiografia niio teria senti do. Por outro lado, hi cases em que consi­derarnos serem atividades cotidianas de urn homem, "pr6prias" dele e, certa­mente, "psiquicas", mas que, em sua conexiio, niio possuem aquela evidenciaqualitativa tfpica que caraeteriza 0 compreensivel. Da mesma forma, par exem­plo, rnuitos process05 psicopatas, 05 processes da mem6ria e 0 inteleeto hu­mano somente em parte silo compreensiveis. Por isso, as dencias compreensi­veis rratam as regularidades comprovadas de tais processes psiquicos da mesmamaneira como as regularidades da natureza ftsica.

A evidencia espedfica do comportamento radonal com relacao a fins niiotem, naturaimente, como consequencia, que a interpretacao radonal deva serconsiderada, de modo especial, como meta da explicacio sodoi6gica. Comigual direito poderfarnos afirmar predsamente 0 conmirio, pensando no papelque, na ac;ao do homem, desempenham os "estados emodonais" e 05 afetos"irradonais com relacao a fins", e posto que toda a consideracao compreensivaradonal com relacao a fins encontre continuadamente fins que, par sua parte,ja niio podem ser interpretados como "meios'' radonais para OUtr05 fins, mas

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precisam ser aceitos como orientacoes teleol6gicas nao suscetiveis a uma pos­terior interpretacao radonal - por mais que sua origem, por sua vel, possaser objeto de uma explicacao compreensiva de natureza "psico16gica". Mas eevidente, certarnente, que 0 comportamento que e interpretiivel radonalmente,se apresenta no que diz respeito it analise sodol6gica das conex6es cornpre­ensfveis, como 0 "tipo ideal" mais apropriado: tanto a sodologia como a His­rona fazem interpretacoes sobretudo de carater pragmanco a partir das conex6esradonalmente compreensfveis de uma a<;;iio. Assim, par exernplo, procede aeconomia sodal com a sua construcao radonal do "homem econ6mico". E, pareerto, tarnbem a sodologia compreensiva. Pois 0 seu oojeto especffico nilo epara nos qualquer tipo de "estado interno" au de compottamento externo, se­nao a a<;;iio. Por "a<;;iio" (incluindo a omissilo e a toleranda) entendemos sernpreurn comportamento compreensivel em relacao a "objetos", isto e, urn compor­tamento especificado ou caraeterizado por urn sentido (subjetivo) "real" au"mental", mesmo que ele quase nao seja percebido. A medltacao budista e aaseese crista da consciencia intima tern sentido subjetivo como objetos "inte­riores", enquanto a disposicao econ6mica racional de urn homem que se preo­cupa com os bens materiais silo objetos "exteriores". A a<;;iio que espedfica­mente tern importilnda para a sodologia compreenslva e, em particular, urncomportamento que: 1) esta relacionado ao sentido subjetivo pensado daqueleque age com referenda ao comportamento de autros; 2) esta co-determinadono seu decurso par esta referenda significativa e, portanto, 3) pode ser expli­cado pela cornpreensao a partir deste sentido mental (subjetivamente). Com 0

mundo exterior e, espedalmente, com a a<;;iio dos outros, relacionam-se, de ma­neira subjetivamente provida de senti do, as a<;6es afetivas e os "estados emo­cionais" que tern importanda sobre 0 decurso da a<;;iio - portanto, apenas in­diretamente - como, por exemplo, "0 sentido de dignidade", 0 "orgu1ho", a"inveja" e 0 "ciume", A sodologia compreensiva, entretanto, nao se interessapelos fen6menos fisiol6gicos e pelos anteriormente charnados fen6menos "psi­coffsicas", como, por exemplo, curvas de pulsacao au modificacoes no tempode reacao au processos semelhantes; tampouco se interessa pelos dados fisicosbrutas, como, por exernplo, a cornbinacao de sentimentos de tensiio, de prazere desprazer au desgosto pelos quais estes processos poderiam ser caraeteriza­dos. Pelo contrario, estabelece diferencas da a<;;iio conforme referendas tipicas,providas de sentido, (sobretudo referencias ao exterior), pelo qual, como ve­remos, 0 radonal, com relacao a fins, !he serve como tipo ideal, precisarnentepara poder avaliar 0 alcance do irracional com rela<;;iio a fins. S6 se se quises­se denominar 0 senti do (subjetivamente imaginado) de sua maneira radonal co­mo "aspecto interior" do comportamento humano - sem dUvida, uma expres­silo problematica - podenamos afumar que a sodologia compreensiva consi­dera aqueles fen6menos, exclusivamente, "a partir do interior", au seja, semenurnerar entao os fen6menas ffsicos e psiquicos. Portanto, as diferencas dasqualidades psicol6gicas nao sao par si s6s importantes para nos, A igualdadeau identidade da relacao prevlsta de sentido nao esta Iigada it igualdade auidentidade das constelacoes "psiquicas" que eventua1mente estao presentes. Cer­tamente, diferencas em urn lado podem ser condicionadas par diferencas dooutre lado. Mas, por exemplo, uma categoria como "afa de lucre", de modo

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algum pertence a "psicologia". Com efeito, uma "identica'' procura de "rentabi­lidade" par parte da "mesrna" empresa comerdal, em mao; de dois proprietarlossucessivos, com "qualidade de carater'' absolutarnente diferenres, pode nao s6ser a mesrna, como tarobern estar condidonada, diretamente, no que diz res­peito ao Sell decurso e a05 seus resultados identicos, exatamenre pelas cons­telacoes ''pslquicas'' opostas, e tarobern as "orientacoes diredonals" Oltirnas e,portanto, decisivas (para a psicologia) nao predsam necessariamenre serern se­melhantes. Processos que nao tern sentido subjetivo referenres ao comportamen­to de outros, nem par isso sao indiferentes para 0 ponto de vista da soctologia.Pelo contn'irio, eles podem conter em si as condiifJes dedsivas e, por isso, 05fundarnentos determinados da a<,;ilo. A a<,;ilo, decerto, esta reladonada de rna­neira provida de sentido numa parte essencial para as dendas compreensivas,ao "mundo exterior" que nao possui sentido, as coisas e aos processes da na­tureza: de modo exclusive, por exemplo, no caso da a<,;ilo, teoricamente cons­truida, do isolado homern de negodos, Mas a relevancia para a soctologia com­preensiva de processes que nao possuem uma "rela<,;ilo subjetiva ao sentido",como, por exemplo, series estatlsticas de nascimentos e mortes e processes deselecao do; tipos antropologicos, como tarnbem fatos merarnenre psfquicos,consiste, exclusivamente, no seu papel de "condicionamentos" e "consequen­cias" nas quais se orienta a a<,;ilo provlda de sentido, como e 0 caso, referenrea econornia pol1tica, 0; estadcs e as sltuacoes climliticas e fisiologico-vegetati­vas.

Os processes da hereditariedade, par exemplo, nao sao compreenslveis apartir de um sentido subjetivamenre irnaginado e, como e 6bvio, eles 0 saosernpre menos na medida em que as comprovacoes dentffiro-naturais das suascondieoes se tornam mais exatas, Suponharnos que a1gurna vez seria possivelau conseguir-se-ia - sabernos que nao no; expressarnos aqui ''profissionalmen­te" - colocar em conexao, de rnaneira aproxirnadamenre univoca, 0 grau deexistencia de qualidades e de deterrninados irnpulsos que sao relevantes doponto de vista soctol6glco, de modo que, par exemplo, favorecessem 0 surgi­mento da aspiracao a certas forrnas de poder social, au a possibllidade de 05alcanear - eventualmente, a capacidade de orientar radonalmenre a a<,;ilo demaneira gera!, au, de maneira especffica, outras qualidades inrelectuais particu­lares -, a partir de um indice eraniano au da origem de determinados gruposhumanos que podem ser caracterizados atraves de cerro; traces tipicos de qual­quer natureza. Em tal caso, obviamente, a sociologia compreensiva deveria, noSell trabalho, levar em consideracao estes fatos espedficos da mesrna rnaneiracomo 0 faria, par exemplo, com a sucessao das idades tipicas do homem au,de rnaneira gera!, com 0 fato da mortaIidade dos homens. Mas, a sua tarefaespedfica teria infcio predsamente no memento em que procurasse explicar,de modo interpretativo: 1) mediante que a<,;ilo, provida de sentido, com refe­renda a oojetos, quer pertencarn ao mundo exterior, quer ao interior, procura­ram 0; homens dorado; com aquelas qualidades herdadas e espedficas realizaro conteudo de sua aspiracao, de tal modo co-detenninada e favoredda, e parque e em que medida conseguiu-se aquilo (au par que se conseguiu); 2) queconsequencias compreenslveis teve esta aspiracao (condidonada hereditaria­mente) no seu comportamento, com referenda ao comportamento de outroshomens, 0 qual tambem era provldo de sentido.

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De acordo com tudo 0 que foi dito, a sociologia compreensiva rulOe partede uma "psicologia", A "maneira mais imediatamente compreenslvel" da estru­turn provlda de sentido de uma a<;:lio, e, par certo, a a<;:lio orientada subjetiva­mente de maneira esuitamente racional, conforme meios que sao considerados(subjetivamente) como univocamente adequados para alcancar os fins propos­tos, os quais tarnbem, par sua vez, sao (subjetivamente) claros e urUvocos. Eisto melhor ainda quando, inclusive para 0 pesquisador, aqueles meios parecemser adequados para esses fins. Quando se "explica" uma tal a<;:lio, isto certa­mente rulO significa que rulO se pretende deduzi-la a partir de situacoes "psi­quicas": pelo contrario, se pretende deduzi-la unicamente a partir das expecta­tivas que havlam, de maneira subjetiva, referentes ao comportamento dos oo­jetos (radonalidade com rela<;:lio a fins subjetivos), e as expectativas que, dedireito, poderiam ser alimentadas conforme as regras validas da experiencla ­radonalidade em rela<;:lio ao que regu!armente e objetivamente acontece, 0 seudecurso, lndiscutivelmente, ruio ganha clareza maior par qualquer reflexao psi­col6glca. Pelo contrario, toda explica<;:lio de processos irracionais - isto signi­fica, processos nos quais nao foram devldamente considerados e observadosas condlcoes "objetivamente" regulates da a<;:lio racional com rela<;:lio a fins au(0 que e outra coisa) os que eliminaram em parte relativamente grande as con­stderaeoes "subjetivamente" racionais com rela<;:lio a fins do autor, par exemplourn panico na bolsa de valores - necessita, antes de tudo, a constatacao: comoteria se comportado no caso limite ideal tfpico radonal com rela<;:lio a fins eradonalidade regular. Pois somente quando for estabelecido isto pode ser esta­belecida a irnputa<;:lio causal - parece-me que a esta conclusao se chega atravesdo mais simples radoclnio - referente aos componentes "irraclonais", sejameles "subjetivos" au "objetivos" do decurso, pols sornente a partir deste proce­dimento sabe-se 0 que, na a<;:lio - para usar uma expressao que e multo ca­racteristica - "de maneira exclusivamente psicologica", pode ser imputado aconexoes que dependem de uma orientacao objetivamente erronea, au, 0 quetarnbern e possfvel, de uma irradonalidade subjetiva com relacao a fins, au,par Ultimo, de motivos que podem Set interpretados e apreendidos unicamentesegundo regras de experiencia que sao totalmente incompreenslveis ate certograu, mas que rulO sao radonais com relaeao a fins. Nao ha outro rneio paraestabelecer 0 que, na "situa<;:lio psiquica", seja relevante para 0 decurso da a<;:lio- supondo-se que esta situacao pslquica seja totalmente conhecida. Tal colo­ca<;:lio nossa vale, sem excecao nenhuma, para qualquer irnputacao causal his­tOrica au sodol6glca. Sem dUvida, entretanto, as "oriernacoes teleol6glcas" U1­timas que sao apreenslveis, e, por causa disto, "compreenslveis" neste sentido(au seja, suscetlveis de uma revivencia empanca), com as quais tropeca sempreuma psicologia compreensiva (par exemplo, "0 impulso sexual"), sao apenasdados que, em principio, devem ser aceitos da mesma maneira como qualsquerautros dados, como, par exemplo, uma constelacao de fatos que, como tais,nao tern sentido nenhum. Entre a a<;:lio que esta orientada (subjetivamente)de modo absolutamente racional com relacao a fins e os dados pslquicos ab­solutamente incompreenslveis, encontram-se, mediante rnultiplas transacoes, as

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conex6es oompreenslveis (irracionais oom relacao a fins) que se chamam, co­mumente, de "psicol6gicas", e cuja altamente diflcil casulstica nao pocle setabordada aqui, nem mesmo de maneira superficial. A ac;1io orientada subjetiva­mente de maneira raciona! com relacao a fins e a ac;1io ("racional de aoordocom 0 regular'') ortentada de modo "correto" conforrne 0 "objetivamente valt­do", sao oolsas diferentes, Ao investigador, uma ac;1io a ser explicada pode pa­recer racional com relacao a fins, nurn grau elevado, mas poc1e apresentar-seem base de suposicces do agente, que para ele nao teriam validade nenhuma.Por exemplo, urna ac;1io orientada oonforme representacoes magicas esta muitornais distante, subjetivamente falando, de urn carater mais racional oom relacaoa fins de que oomportamentos religiosos "nao-magicos", dado que a "religiosi­dade", na medida em que avanca 0 desencantamento do mundo, se ve forcadaa aceitar cada vez rnais (subjetivamente) referendas de sentido Irracionais comrelacao a fins (par exemplo, "referencias" au "rela¢es" de "consdencia'' 00

"mlsticas''). Mas, prescidindo da imputac;1io causal, a historiografia e a sociologiatern que ver, continuamente, tarnbern com as relacoes que urn decurso de fatode uma ac;1io compreenslvel, provida de sentido, mantem com aquele tipo quea ac;1io devia "aoeitar" no caso em que oorresponda ao "v::iIido" (para 0 proprioinvestigador), au seja - e e isso que queremos dizer -, ao ''tipo regular".Com efeito, 0 fato de que urn comportamento orientado, subjetivamente pro­vido de sentido, oorresponda a urn tipo regular, se oontraponha a ele au delese aproxime em maior ou menor grau, pocle constituir, para detenninados fins(nao para todos) da historiografia e da sociologia, um sentido, urn estado decolsas de extrema Importincia - para 0 bern de si mesmo -, em consequenciadas relacoes de valores diretrlzes. E mais ainda, isto sera, sobretudo referenteao terrnino externo da ac;1io - au seja, do "resultado" - urn momento causaldecisivo. Trata-se, portanto, de urn estado de coisas referente ao qual, em cadacaso, devem ser desoobertas as pre-condicoes hist6ricas ooncretas, au pre-con­dicoes sociol6gicas npicas, de tal maneira que se tome oompreensivel; tambernpor essa via poc1e set explicada, atraves da categoria de "causac;1io adequadaprovida de sentido", a proporcao de identidade, 0 afastamento au contradicaode decurso emplrioo referente ao tipo regular. A coincidenda oom 0 "tipo re­gular" e a conexao causal "mais oompreenslvel" porque e a "mais adequadaprovida de sentido". "Causado adequadamente de uma maneira provida de sen­tido", a partir da hist6ria da l6gica, e 0 fato de que dentro de um contexte deargumentos sabre quest6es 16gicas, que sao bem deterrninadas e subjetivamenteprovidas de sentido (isto e, dentro de uma proolematica), ooorre a um pensadorurna ideia que se aproxima do tipo regular (correto) da "solucao", E isto emprincipio, como tarnbern a onentacao de uma ac;1io oonforme a realidade "dapr6pria experiencia" nos pareoe "causada de maneira adequada provida de sen­tido". Entretanto, 0 fato de urn certo decurso da ac;1io real se aproxirnar emgrande parte e fortemente do ''tipo regular", isto quer dizer, da racionalidadecom relac;1io ao regular facttco e objetivo, esta multo longe de colncidir neces­sariamente corn urna ac;1io orientada subjetivamente em relacfo a fins, isto e,orientada segundo fins daros e unlvocos, com plena consciencia, e adotados"meios" dos mais racionais possiveis que sao oonsiderados oomo os "mais ade­quados". Uma parte muito especial e essencial da pesquisa oompreenslva con­siste precisamente, hoje em dia, em revelar conexoes observadas de modo in­suficiente au nem peroebidas, que portanto, no nosso sentido, nao silo cone-

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xoes orientadas subjetivarnente e racionais, mas que, mesmo assim, de fato, seprocessam de acordo com uma conexao que e cornpreensivel objetivamentede uma maneira "racional". Prescindimos aqui, por completo, de certas partesda pesquisa da chamada psico-anilise que, sem duvida, apresentam estas ca­raeterfsticas. Tarnbem a construcao da teoria do ressentirnento de Nietzsche im­plica uma interpretacao, na medida em que deduz, a partir de uma situac;aode interesses pragmatieos, uma racionalidade objetiva do comportamento exte­rior e interior - coservada de uma maneira deficiente, ou nern devldamenteobservada, devido ao fato de nao terem sido declarados os seus respeetivosfundamentos. E ele, alias, faz 1550 da mesma maneira como 0 fez, algumas de­cadas antes, 0 materialismo econ6mico. Em tais casos, 0 racional com relac;aoa fins, subjetivamente falando, mesmo que nao seja sempre percebido, e 0 ob­jetivamente racional, com relacao ao regular, entram facilmente numa relac;aoque necessariamente nao e bern esclarecida, mas da qual, no momento, naoqueremos nos ocupar mais detalhadamente. 56 nos interessava aqui delinearem traces gerais (e de maneira inevitavelmente imprecisa) aquilo que no "me­ramente psicoi6gico" do "compreensivel" se apresenta sempre como problema­tico e lirnitado, Par urn lado, tem-se uma racionalidade "nao-percebida" (e "nao­declarada") e relativamente abrangente do comportamento que se apresenta c0­

mo totalmente irracional com relacao a fins: ela se torna "cornpreensivel" porcausa daquela racionalidade. Por outro lado, ternos 0 fato, ja mais de cern vezesdocurnentado (na hist6ria da cultura) de que fen6menos que aparentementeestao condicionados de maneira racional com relacao a fins, surgiram historl­camente, na verdade, por motlvos inteiramente irracionais e, em seguida, so­breviveram "adaptando-se'' e difundiram-se universalmente porque as condicoesmodificadas de vida lhes atribuiu urn alto grau de "racionalidade com relacaoao regular".

A sociologia, naturalmente, nao apenas se ocupa da existenda de "motivespressupostos" da ac;ao, de "satisfac;;5es substituidas", de ortentacoes impulsivase coisas similares, mas tambem, em maior grau, considera que elementos qua­litativos, totalmente "incompreensiveis", de urn processo de motivac;;5es 0 co­determinam de modo mais estrito, tambem no que diz respeito a sua relacaoprovida de sentido, em se tratando das consequenctas. Uma ac;ao "igual" comreferenda a sua relacao provida de sentido, considera vez por outra, unicamen­te, a causa dos diferentes "tempos de reac;ao" quantitativos dos participantes,urn eurso radicalmente diferente no que se refere ao seu efeito final. Precisa­mente tais diferenr;as e dispcsicoes, e multo mais as qualitativas conduzem, con­forme cadeias de motivacao originalmente "identicas" referente a "relacao pro­vida de sentido'' dos partidpantes, a caminhos heterogeneos quanto ao seu sen­tido.

Para a sociologia existem os seguintes tipos de ac;ao, ligados "em" e "arespeito de" urn homem mediante continuas transicoes 1) 0 tipo regular quee alcancado de maneira mais ou menos aprox1mada; 2) 0 tipo orientado demaneira (subjetivamente) racional com relaeao a fins; 3) 0 tipo mais ou menosconsciente e, percebido e orientado de maneira radonal com relac;ao a fins, demodo mais ou menos univoco; 4) 0 tipo nao-racional com relacao a fins, quemostra porem conexao compreensivel, provida de sentido; 5) 0 comportamemomotivado mediante conexao mais ou menos compreensivel provida de sentido,mas co-detenninado e interrompido com maior ou menor intensidade par ele-

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mental tncompreensfveis, e, finalmente, 6) os fatal psfquicos au ftslcos que saototalmente incompreensiveis. No que diz respeito a tais tipas de a.,ao, a socio­logia sabe que nem toda a.,ao que transcorre de maneira "radonal oom relacaoao regular" esteve condidonada subjetivamente oomo sendo racional com re­la.,ao a fins. E sobretudo e 6bvio para ela que nao sao conexoes discerniveisde maneira l6gica radonal as que deterrninam a a.,ao real, como se costumadizer, as "psicol6gicas". Logicamente, e posslvel, par exernplo, deduzir oomo"consequencia" a partir de uma religiosidade mfstioo-contemplativa a indiferencapara com a salvacao dos outros, e, a partir da crenca na predesnnacao, 0 fa­talismo au 0 anomismo moo. Entretanto, a primelra pode levar, de fato, emdeterrntnados cases nptcos, a uma especie de euforia, "possuida" subjetivamenteoomo tun sentimento de amor, que, na verdade, nao tern objeto - e, na medidaem que isso ocorre, deparamo-nos oom uma conexao "incompreensivel'', pelomenos, pardalmente - e, na a.,ao social, as vezes aparece como "acosrrusmode arnor" - conexao "cornpreensfvel", naturalmente, 113.0 como "racional comrelacao a fins", mas oomo psicol6gica. Por sua parte, a crenca na predestinacaopode, em casal nos quais se apresentam oertas condicoes (inteiramente com­preensfveis), contribuir, inclusive oomo compreensivel de maneira especifica­mente radonal, para que uma a.,ao ativamente etica se transforme para 0 crenteem fundamento cognoscitivo de sua salvacao pessoal, e, com isto, desenvolversistemaricamente esta qualidade, pardalmente de maneira radonal oom relacaoa fins, e, pardaimente, inteiramente compreensivel e provida de sentido. Porautra parte, 0 ponto de vista da crenca na predesnnacao pode ser, entretanto,psicologicamente compreensivel, produto de destines e sltuacoes de vida e daqualidade do "carater' (que devem Set aoeitos como fatal) muito deterrninadase tambem compreensiveis e oom sentido referente as suas conexoes, Sem du­vida, ja e suficiente, Para a sociologia compreensiva, as relacoes com a psico­logia diferem de caso a caso. A radonalidade regular serve il sociologia comotipo ideal no que diz respeito il a.,ao empfrica, a racionalidade, com rela¢oa fins, referente ao compreensicel psicdogicamente com sentido, e 0 compre­ensue! com sentido referente a a¢o motioada de maneira incompreensiiel.Atraves da comparacao com 0 tipo ideal se estabelecem, pensando na impu­ta.,ao causal, os elementos Irracionais causalmente relevantes (em cada casonum sentido diferente deste termo).

Mas a sociologia nao aceitaria nem rejeitaria a suposicao de que "compre­ensao" e "explicacao causal" nao apresentam nenhuma relacao reclproca, rnes­mo que Fosse verdadeiro 0 fato de cornecar seu trabalho nos pontes totalmenteopostos do devir e, em particular, porque a frequenda estatistica de urn com­portarnento de modo algum 0 tome mais "compreensfvel", nem provido de sen­lido, oomo tarnbern a compreensibilidade "6tima" nada diz, como tal, em setratando da frequencia, muito pelo contrario, na maiaria das vezes uma racio­nalidade subjetiva com relacao a fins setnpre dificulta a compreensao, Com efei­to, apesar desta argumentacao, as conexoes anlrnicas compreendidas com sen­lido, e, em especial, os processos de modvacao orientados de maneira radonaloom relacao a fins, valem, para a sociologia, como elemental de uma cadeiacausal, a qual, por exemplo, parte de circunstandas "externas", e, no seu fun,novamente leva a tun oomportarnento "extetior". As interpretacoes "providas desentido" de tun comportamento ooncreto para a sociologia nao sao, natural­mente, mesmo quando apresentam uma "evidencia" muito grande, mais do que

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meras hip6teses para uma imputacao causal. Faz-se necessaria, portanto, umaverificacao na qual se emprega os mesmos meios como em qualquer outra hi­p6tese. Elas valem para nos como hip6teses utilizaveis enquanto vemos uma"possibiliclade", que e muito diferente de caso para caso, de poder supoe queexista cadeias de modvacoes "providas de sentido" (subjetivamente). Cadeiascausais nas quais, mediante hip6teses interpretativas, sao introduzidas motiva­<;6es orientadas de maneira racional com relacao a fins que sao diretamenteacessfveis como "explicacoes"; obviamente, em determinadas circunstancias fa­voraveis e em relacao - tambem - com a mesrna racionalidade, a compro­vacao estatistica, e, nesses casos, portanto, sao provas 6timas (re!ativamente)cia sua valiclade. E, no sentido inverso (e entre estes encontramos tambem cladoscia "psicologia experimental"), todas as vezes que influem no decurso ou nasconsequencias de urn comportamento que como tal e pela compreensao inter­pretavel, somente sao para nos "explicados" quando sao interpretados realmenteno caso concreto como "provistos de sentido".

o grau de racionalidade com relacao ao regular de urna ac;ao, e, para urnadisciplina empfrica, tambern e definitivarnente uma questao empfrica. Realmen­te, as disciplinas empfricas trabalham, todas as vezes em que se trata das rela­<;6es reais entre os seus objetos (e nao quando se trata d06 seus proprios pres­supostos 16gicos), inevitavelrnente na base de um "realismo ingenue" que s6aparece sob diversas formas de acordo com a particulariclade qualitativa do ob­[eto, Por isso tarnbem proposicoes e normas 16gicas e maternaticas, no caso emque sao objeto de uma investigacao sociol6gica - poe exemplo, quando 0 graudo S('U emprego racional com relacao ao regular se converte em terna de umainvestigacao estatfstica -, nao sao para nos outra coisa, do ponto de vista "16­gico", do que habitos convencionais de urn comportamento pratico - se emque, poe outro lado, a sua valiclade e urn ''pressuposto'' do trabalho do inves­tigador -. 0 nosso trabalho tambern inclui, decetto, tarnbern aquela importanteproblernitica que se refere ao grau cia relacao do comportamento empfrico como tipo regular que passa a ser, na verclade, um momenta de desenvolvimentocausal real d06 processes empfricos. Mas indicae a situacao objetiva como talde rnanelra alguma e proprio de uma investigacao que tira do objeto 0 seucarater empfrico, mas de urn procedimento que e determinado por relacoes devalor que condiciona a caracteristica e a func;ao d06 tipos ideais usados, Naoe predso considerar aqui como sendo resolvicla a importante problernitica uni­versal e tao dificil no seu proprio sentido, do "racional'' na Hist6ria.2 Do pontede vista d06 conoeitos gerais cia sociologia, com efeito, 0 uso do "tipo regular",logicamente considerado, nao e, em principio, outra coisa do que urn caso deformacao de tipos ideais, mesmo que tenhamos que aclmitir. que se trata de

2 Pretendo expllcar eventualmente com urn exemplo (a hlst6ria da m:lsica) a maneira como"atual" a rela~o entre 0 tipo regular de urn comportarnento e 0 oomportaroento ernpfrico e deque maneira este memento do desenvolvimento se reladona com as inlluencias sociol6gicas. Nlloapems para a hist6ria da 16gica 00 de ourras cienctas, mas tambem ern todcs os setores isto assumea maior importincia do ponte de vista cia drnamlca do desenvolvimento destas relacoes. lsto e. doponte de \1s13 dos "n6s" rDS <pais podem irromper tensOes entre 0 empirtco e 0 tipo regular. Etudo isso vale para a situayIo que se apresenta em cada setor particular da cuhura de maneiraindividual e fwxIamentalmente diferente, CAJ seja: em que sentido nao e possfvel aplicar de maneiratotalmente raeional urn tlpo regular de modo unico, ems, dfferenremente, apenas e posslvel au ine­vttavel fazer urn comprorrssso au uma selecao entre os diversos fundamentos da racionalizacao.Tais problemas, porem, no nosso caso, rno sao pertinentes ao conteUdo.

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urn caso da maior importancia, De acordo com 0 Sell principio 16gico, preci­samente, ele nao desempenha este papel de maneira diferente como, sob certascircunstJIncias, 0 faria urn ''tipo irregular" convenientemente pensado confonnea respectiva finalidade da investigacao. Referente a tal tipo, entretanto, ainda ededsiva a sua distJlncia com referenda ao valido. Mas do ponto de vista 16giconilo ha diferenca se um tipo ideal e construfdo a partir de conexoes compre­ensfveis providas de sentido ou a partir de conexOes especificamente carentesde sentido. Assim como no primeiro caso a "norma" valida e urn tipo ideal,no segundo caso, 0 tipo esta formado por uma facticidade sublimada a partirdo empfrico como tipo "puro". Mas tarnbem no primeiro caso 0 material em­pfrico nilo e farmado atraves de categorias da "esfera da validade". Da realidadeempfrica e apenas extrafdo 0 tipo ideal construfdo. E, mais ainda, em que me­dida urn tipo regular torna-se adequado como tipo ideal e algo que depende,inteiramente, da relacao de valores.

I/ -----~--III.

A finalidade da reflexao "compreender", finalmente tarnbem a razao parquea sociologia compreensiva (no nosso sentido) trata 0 individUo isolado e a suaa<;iio como unidade ultima, como seu "atomo", se nos e permitido de fazer estaperigosa comparaeao, Outras abordagens podem trazer no Sell bojo a tarefa deconsiderar 0 individuo talvez como urn complexo de processos "psfquioos", qui­micos ou de qualquer outro tipo. Mas para a sociologia, tudo 0 que uitrapassao limiar de urn comportamento que e suscetivel de interpretacao com sentidorelacionado com objetos (interiores ou exteriores) nao sao considerados de DU­

tro modo como os prooessos da natureza que "nilo tern sentido", ou seja, comocondi<;iio ou como objeto de referenda subjetivo para 0 primeiro. Exatamentepar esta razao, nesta maneira de ver, 0 individuo constitui 0 limite e 0 unicoportador de urn comportarnento provido de sentido. Nenhuma maneira de ex­pressao divergente - aparentemente - pode esconder este fato. Pertence apatticularidade, nilo s6 da linguagem, mas tarnbern do nosso pensamento, queos conceitos com os quais apreendernos 0 agir fazem aparece-lo de uma rna­neira fixa, como urn COnstnlto que se assemelha a uma coisa au a uma "pessoa"e que leva a sua vida propria. 0 mesmo sucede, e de maneira bern particular,com a sociologia. Conceitos como "Estado" I "feudalismo", "corporacao" e outrossernelhantes designam para a sociologia, de maneira geraI, categorias que sereferem a determinados modos de "0 homern agir' em sociedade; portanto, ea sua tarefa consiste em reduzi-Io a urn "agir" que e "compreensfvel" e istosignifica, sem excecao, urn agir de homens que se relacionam entre si. Estenao e necessariamente 0 caso quando se trata de outras abordagens. Sobretudonisto clistingue-se 0 procedimento sociol6gico do jurfdico. A jurisprudencia, parexemplo, em certas circunstJlncias, trata 0 "Estado" como se fosse uma "perso­nalidade de direito" igual a urn inclividuo, porque 0 seu trabalho, orientado nainterpretacao do sentido objetivo, isto e, no conteudo normative dos preceitosjurfdicos, faz com que tal instrumental conceitual se apresente como (njJ, e tal­vez ate, imprescindivel. Desta maneira, urn preceito jurfdico considera os em-

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bri6es como "personalidades de direito", enquanto que para as disdplinas com­preensivas emplricas e sempre impredso e flutuante, tambern na crianca a tran­sit;iio de puras facticidades do comportamento pratico relevante para urn "agir"compreenslvel e com sentido. A sodologia, pelo contrario, na medida em queo "direito" e considerado como seu objeto, nao se preocupa com a elaboracaodo conteudo do sentido "objetivo" e "logicamente correto" dos "preceitos juri­dices", mas com urn agir, para cujos deterrninantes e resultantes, naturalmente,entre outros fatores, desempenham urn papel importante, assim como as re­presentacoes dos homens sobre 0 "sentido" e 0 "valor" de detenninados pre­ceitos juridicas. Ela vai alem da constatacao da existencia efetiva desta repre­sentacao da validade, na medida em que 1) leva em consideracao tarnbern aprobabilidade da divulgacao de tais ideias, e 2) faz uma reflexao no sentidode que, em determinadas circunstancias bern precisas, 0 fato de predominar nacabeca de determinados homens certas ideias, fato que pode ser constatadoempiricamente, certas ideias que dizem respeito ao "sentido" de urn "preceitojuridico", considerado como sendo valido, tern, por consequencia, que 0 agirpode ser orientado radonalmente em certas "expeetativas" e, portanto, propor­dona a indivlduos concretes deterrninadas "possibilidades". Este fato pode tergrande inlluencia sobre 0 seu comportamento. Nisto consiste 0 significado so­dol6gico conceitual da "validade" empfrica de urn "preceito juridico", Conse­quentemente, para uma reflexao sodol6gica, 0 termo "Estado" - caso a sodo­logia empregue esta palavra - significa apenas 0 processo de a<;6es humanasbern particulares. E portanto - neste caso como em muitos outras - quandoela se ve na oorigacao de usar as mesmos termos que a jurisprudencia, elanao se preocupa com 0 sentido juridicamente "correto" destes termos, E, indu­bitalvelmente, e 0 destino inevitavel de toda e qualquer sodologia 0 fato de,referindo-se a transicoes contlnuas e sempre existentes entre as casas "tipicas"que estilo presentes no agir real, deve usar as exatas express6es juridicas ­exatas por se basearem na interpretacao siloglstica das normas - para, logoem seguida, atribuir-lhes 0 seu pr6prio sentido (sodol6gico) que e radicalmentediferente do sentido juridico. Acrescenta-se ainda que, conforme com a naturezado objeto, a sodologia deve proceder continuamente da maneira seguinte: usarconex6es "usuais" da vida cotidiana, cujo sentido e bern conheddo, tendo emmente a defirucao de outras conex6es que, em seguida, serao usadas para de­flnir as primeiras. Examinemos agora algumas dcfinicoes deste tipo.

IV.

Falarnos de "agir em comunidade" todas as vezes que a at;iio humana serefere de maneira subjetivamente provida de sentido ao cornportamento de ou­tros homens. Uma colisilo involuntaria de dois dclistas, por exemplo, nao podeser considerada como urn "agir em comunidade". Mas seria 0 caso se as doistivessem tentado evitar a colisao, ou se surgisse entre as dois, depois do cho­que, uma "discussao", uma "briga" au urn "entendimento amigavel". Mas a im­putacao causal sodol6gica nao e 0 elemento mais Importante para 0 agir emcomunidade, embora seja, sem duvida, 0 objeto primordial de uma sodologia

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"compreensiva", Urn elemento irnportante e normal - rnesrno que nao seja in­dispensavel - do "agir em comunidade" e, particularmente, a sua orientacaoprovida de sentido em expeaativas de urn determinado comportamento parpane d06 outros e nas possibilidades calculadas (subjetivamente) para 0 exitoda propria a<;iio. Urn principio explicativo extremamente importante do agir emcornunidade e, obviamente, a existencia objetiva destas possibilidades, isto e,a probabilidade maior ou menor - e que pode ser expressa nurn "julzo depossibilidade objetiva" - de que estas expeaativas sejam fundamentadas. Vol­tarernos logo em seguida a este assunto. Por ora, considerernos 0 fato de umaexpeetativa subjetivamente existente, De maneira espeeifica, qualquer agir "ra­cional com relacao a fins" se orienta em expectativas, Aprimeira vista, pareceindlferente 0 fato de as expeetativas que indicam 0 caminho ao agir serem ex­peetativas referentes a processes naturais que acontecetiam sem que houvessea lntervencao de urn agente humano, ou referentes a urn determinado compor­tamento de outras pessoas em funcao do proprio agir. Porern, as expeetativasde urn determinado comportamento por pane de outras pessoas, tratando-sede urn agir subjetivamente racional, pode tambern se basear no fato de alguemesperar um agir subjetivamente racional destas pessoas, e, portanto, poder cal­cular, de antemao, com diversos graus de probabilidade, as suas possibilidadesreais, Em particular, esta expectativa pode se basear subjetivamente no fato deque 0 agente "se entende" com 0 outro, ou com outros, ou fez "acordos'' comeles, cuja "ooservacao" e altarnente provavel a partir da existencia de modva­~6es para isso, Este fato proporciona ao agir em comunidade uma particulati­dade qualitativa especifica, pois podernos acreditar que hi uma possfvel am­pliayao essencial daquel e ambito de expectativas dentro do qual 0 agente podeorientar 0 seu proprio agit de maneira racional com relacao a fins. 0 sentidopassive! (subjetivamente irnagmado), entretanto, do agit em comunidade, demodo algum se esgota na orientacao especifica das "expeetativas" do "agir" deterceiros, Em caso limite podemos totalmente prescindir disso e 0 agir otientadoem terceiros tarnoem poderia Set orientado exclusivamente no "valor", subjeti­vamente imaginado, do seu conteudo de sentido como tal ("0 dever" ou qual­quer coisa semelhante). Neste caso, 0 agir nao se orienta pelas expeaativas,mas por valores. Da mesma rnaneira, no caso das expectativas, 0 conteudo podenao ser necessariarnente urn agir, mas pode Set apenas 0 comportamento Intimode urn terceiro (uma "alegtia", por exemplo). Em todo caso, e muito imprecisaa transicao do tipo ideal do relacionamento provido de sentido do comports­mento proprio ao de um terceiro, incluindo 0 caso em que este terceira sejaquase nada rnais do que urn objeto - como, par exemplo, uma crianca pe­quena. 0 agir que se orienta par expectativas no agir provido de sentido epara n65 apenas 0 caso racional limite.

Em todo caso, "agir em comunidade" para n65 significa: 1) urn comports­rnento historicamente observado, ou 2) urn comportarnento teoricamente cons­truido como sendo objetivamente "possivel" ou "provavel" e que e praticadopar individuos com relacao a comportamentos de outros indivfduos, podendoser comportamentos reais ou pensados como potencialmente poss1veis. E pre­ciso que sempre tenharnos em mente esta afirmacao, principalmente nos casase nas categorias que serao tratados daqui para frente,

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v.

Denominamos "agir em sociedade" urn agir em comunidade na medida emque 1) se orienta, de maneira significativa, par expeetativas que sao alimentadascom base em regulamentacoes, 2) na medida em que tal "regularnentacao'' foifeita de modo puramente radonal com relacao a fins, tendo em mente 0 agiresperado dos associados como conseqoencta, e quando 3) a orientacao providade sentido se faz, subjetivamente, de maneira radonal com relar,;iio a fins. Umaorganizar,;iio com "regulamentos" nurn sentido puramente emplrico - como foidefinido aqui provisoriamente - e, ou 1) urn convite de uns homens a outros,expteSSO unilateralmente e, no caso limite, radonal explidtamente, ou 2) umaexplicar,;iio reciproca bilateral, feita de maneira explfcita no caso limite, com aconteudo subjetivamente decJarado de que seja previsto e se espere urn deter­rnlnado modo de agir. No momento, deixamos de lado uma melhor e mais pre­cisa ooservacao a respeito disso.

Que urn agir esteja subjetlvamente provido de sentido, que esteja "orien­tado" nurn regulamento, pode significar, em primeiro lugar, que 0 agir subjeti­vamente provido de sentido dos individuos associados corresponde tarnbern ob­jetivamente ao agir efetivo. 0 sentido de urn regulamento existente, e, portanto,a pr6pria ar,;iio - prevista - au a ar,;iio dos outros - esperada - pode serentendida de varias maneiras por parte dos individuos associados, ou pede serinterpretada par eles, posteriormente, de modo diferente, fazendo com que urnagir que <;stii orientado subjetivamente conforme urn regulamento consideradoidentico, subjetivamente, pelos associados, nao necessariamente leve a urn agiridentico em casos objetivamente identicos. E mais ainda, uma "orientacao" doagir num regulamento estatufdo pode tambern fazer com que 0 sentido subie­tivamente apreendido seja consdentemente infringido por urn membro associa­do. Alguem que conscientemente e deliberadamente infringe, por exempio, 0

sentido subjetivamente apreendido da regra de urn jogo de cartas e, portanto,joga de maneira errada, continua pattidpando no jogo de eartas (co-jogador),diferentemente de alguern que se recusa a jogar. 0 mesmo acontece com urn"iadriio" ou com urn "assassino" que escondem a si e a sua ar,;iio, ou seja, quecontlnuam a se orientar por aquelas normas e regulamentos, os quais eles rnes­mos consciente e subjetivamente infringiram Portanto, para a "validade" empf­rica de uma ordem existente que e racional com relacao afins, nao e "decisivo"e que os agentes individuais orientem continuamente 0 seu proprio agir con­forme 0 conteudo do sentldo interpretado subjetivamente pelos mesmos. Istopode significar duas coisas: 1) que realmente (subjetivamente) individuos comoo batoteiro e 0 ladriio alirnentem a expectativa - peio menos normalmente ­de que os outros individuos "associados" se comportem da maneira "como se"a observacao das regras estatufdas fosse a norma do seu procedimento, e 2)que eles, de acordo com a avaliacao referente as possibilidades do comporta­mento humane que deveria ser levado em consideracao, podem ol::jetivamentealimentar tais expectatlvas (isto e, uma formacao particuiar da categoria de "cau­salidade adequada"). Do ponto de vista da 16gica temos de fazer uma clara

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distincao entre as hip6teses 1) e 2). A primeira e urn fato subjetivamentetente entre os agentes que formam 0 objeto da observacao, isto e, urn fatoposto como "normalmente" existente na opiniao do pesquisador. A segundanada mats do que uma "possibilidade" que 0 sujeita cognoscitivo (0 investigl\dor ou pesquisador) deve calcu1ar objetivamente, levando em considera9ioconhecimentos e os provaveis hibitos de pensamento do agente. Na forma\;il~

dos conceitos gerais, entretanto, a sociologia atribui aos que participam da a\;ilo~como subjetivamente existente, uma certa "capacidade" media de cotnpreensa~

que e exigida para 0 agir. Par causa disso, tarnbem para n65, a "qualida~,'

empirica de uma ordem estabelecida consiste em nada mais do que a funda-,'mentacao objetiva daquela media de expecrativas de comportamento (categorla)'da "possibilidade objetiva''). Neste caso, par urn agir "adequadamente causado".',entendemos, num sentido especial, urn agir orientado - normalmente - sub-),jetivamente referente ao Sell conteudo de sentido conforme urn cl1cu1o pro."babilistlco que leva em conslderacto as respectivas cirClll1Stincias e fates, NISto, ,portanto, as possibilidades objetivamente calculadas das possiveis expectativas, , .vez por outra funcionam tambem como fundamento cognoscitivo suficiente- "mente compreensfvel da existencia provavel daquelas expeetativas entre os .agentes. Ambas as coisas coincidem aqui de fato, quase inevitavelmente en­quanto expressao, sem que, 6bvia e naturalmente, desapareca com isso o gran­de abismo 16gico. E 6bvio que apenas no primeiro dos sentidos considerados- como juizo de possibilidade objetiva - aquelas possibilidades sao - nor­malmente - entendidas como apropriadas para servir de fundamenta para asexpecrativas dos agentes de rnaneira provida de sentido e que, "por causa dis­sb", servem tambem efetivamente (em grau considerivel). Acreditamos que atra­yes de nossa exposicao tenha ficado claro que em vez da aparentemente ­no sentido 16gico - exclusiva alternativa entre persistencia ou terrnino, existe,na realidade, uma continua escala de transicoes, Mas, na medida em que todosos participantes de urn jogo de cartas sabem que as "regras combinadas" dojogo de cartas nao serao observadas, ou, na medida em que nao hi nenhumapossibilidade objetivamente calculavel, e, portanto nao pode ser calcu1ada demaneira "subjetiva" - par exemplo, aquele que destr6i a vida dos outros nor­malmente ainda se preocupa com a ordem e as normas que ele cons­cientemente e subjetivamente violou, exceto se esta violacao para ele nao tiverconsequencia nenhuma -, nestes casos, poderiamos dizer, desaparece a exis­tencia empirica desta ordem e destas normas e tarnbem o respectivo "agir emsociedade" tarnbern nao existe mais. Ele existe apenas e na medida em queperdura, no ilmbito significativo a partir do ponto de vista pratico, urn agir quese orienta segundo as suas normas e regulamentos, quaisquer que eles sejamMas, os limites de uma tal existencia sao, indiscutivelrnente, muito imprecisos.

Daquilo que ate agora foi exposto, podemos inferir que 0 agir real dosindividuos pode ser orientado, de rnaneira subjetivamente provida de sentido,segundo diversos regulamentos que, de acordo com os habitos de pensamentospredominantes em cada caso, se "contradizem'' de maneira provida de sentido,mesmo que sejam "validos" "paralelamente" e "empiricamente". As concepcoesdominantes referentes ao "sentido" de nossa legislacao, por exemplo, prolbem

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absolutamente 0 duelo. Enquanto certas ideias multo difundidas com referendaao "sentido" de convencoes sociais aceitas como validas 0 imp5em Quandourn indivfduo se bate em duelo, de orienta 0 seu procedimento segundo estesprocedimenta; convendonais.3 E na medida em que oculta a seu procedimenta,ele se orienta nas leis em vigor. a efeito pratico da ''validade'' ernplrica - istoe, "aqui e para sernpre", a "validade" que e tida como sendo uma media espe­rada com relacao a orientacao subjetiva e provida de sentido do agir - e, nestecaso, diferente. Mesmo assim, atribuirnos a ambo; uma ''validade ernplrica", istoe, 0 fato de que a agir se orienta com referenda ao sentido que e apreendidosubjetivamente atraves de uma orientacao provida de sentido e que par ela einfluendado. Decerto, a expressao normal da ''validade'' emplrica de urn regu­lamento au de uma ordem deveria ser considerada a possibilidade de esta or­dem ser respeitada. !sto significa que a; "associados" contam com a fato deque, multo provavelrnente, a cornportamento dos outros, de acordo com a con­cep.,a:o media vigente, adaptar-se-a ao regulamenta ao passo que eles mesmosorientam a seu proprio agir conforme expectativas semelhantes alimentadas pe­los outros ("agir em sociedade" conforme ordens estabelecidas). Temos de cha­mar a atencao, para 0 fato de que a ''validade'' emplrica de urn regulamentonso se esgota no fata de que sejam fundamentadas numa media de expectativasdos "associados" referente ao seu comportamento efetivo. Esta e apenas a sig­niflcacao mais racional e a maneirapor que sociologicamente e apreensfvel deforma imediata. Mas urn comportamento que, da parte de todos e de cada urndos partidpantes, se orientasse exclusivamente conforme as "expectativas" docomportamento dos outros seria apenas 0 caso-limtte absolute no que se refereao "agir em cornunidade'', e significaria, tarnbern, a absoluta fragilidade destasmesmas expectativas. Estas Ultimas, pelo contririo, sao tanto mais fundarnenta­das com maior probabilidade media quanta mais podemos contar que - namedia - os partidpantes nao orientam 0 seu proprio agir unicamente nas ex­pectativas do agir dos outros e, na medida em que, diferentemente, esra difun­dida entre eles, em grau importante, a conviccao subjetiva de que a "Iegalidade"(apreendida subjetivamente de maneira provida de sentido) referente a ordem,e "obrigatoria" para eles.

a comportamento do "ladrao" e do ''batoteiro'' sera considerado par n6scomo urn agir em sociedade (subjetivo) "contririo a ordem estabelecida" quee, no que diz respeito asua inten.,ao, urn agir orientado subjetivamente de acor­do corn uma ordem, mas que se afasta da media da lnterpretacao da ordem ecomo tal sera vista como urn agir em sociedade objetivamente "anormal". Maspara Ii destas categorias temos casas de urn agir que e excluslvarnente "con­didonado pela sodedade", Por exernplo, quando alguern se sente obrlgado alevar em consideracao, de maneira radonal corn relacao a fins, nas suas a<;i)es,as necessldades que Ihe sao impostas pela sodalizacao (par exernplo, deixandode lado determinadas despesas par causa de outras despesas). au quando e

3 Nio discutiremosacp.U de maneira especial este corceito, Observamos apenas que por"direito"em serafdo sodol6gioo entendaros urn regulamenlD garanndo na sua validade empfrica po< urn"aparatocoercidvo" (no sersfdo que secl. exposto mals adiante); e por"~d' urn regulamentogararaido apenas pela "desaprova>;ao social" do grupo associado ruma oorn.mIdade "jUIidico" ou"convencioral''. Natwalmenre, os lirrates sfo e podem ser mJito irq>redsos.

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influenciado no seu agir cotldiano (por exemplo, na escolha e no desenvolvi­rnento de suas "amizades" ou do seu "estilo de vida"), "sem quer" nem perceberde manelra racional com relacao a fins, pelo faro de que partes ou setores doSell agir sao orientados conforme certos estatutos combinados (por exemplo,os de uma seita religiosa). Na realidade, todas essas distincoes sao imprecisas.Nao ha, por exemplo, em principio, uma diferenca se 0 agir em sodedade sedesenvolve segundo relacoes providas de sentido entre os pr6prlos individuosassociados, ou com relacao a terceiros, pais exatamente esta segunda alternativapode ser 0 sentido predornlnantemente atrlbuido do acordo. Diferentemente, 0

agir orientado em regulamentos de assodaeao pode ser dividido em dois tipas:pode ser urn agir "relacionado com a assodacao", que assume de maneira diretaos regulamentos da associacao (interpretados, como sempre, de maneira sub­jetiva, provida de sentido) e que, portanto, de acordo com 0 sentido em mente,dirige-se a realizacao universal e sistematica de sua validade empirica, ou in­versamente, a sua rnudanca e ao seu aperfeicoarnento, e, (segundo tipo) urnagir que e apenas "regulamento pela assodacao", isto e, se orienta nos regu­lamentos, mas naquele sentido de ser "diretarnente relacionado a associacao",Mas tambem esta diferenca e imprecisa.

Urn tipo racional de assodacao e para n6s, provisoriamente, uma "asso­da"ao com fins": urn agir em sodedade conforme 0 estabelecimento do con­tendo e dos melos da a"ao social que resultou de urn entendimento e de urnacordo entre todos os integrantes. Quando estabeleceram 0 regulamento (ou 0

"estatuto") os agentes associados, tratando-se de urn caso tipico-ideal de racio­nalidade, estipularam tambem a a9!o de que pessoas deve ser desenvolvida ede que modo (modo e pessoas podem ser indicados, sendo que as pessoaspodem ser entendidas como meres "6rgiios da associacao"); 0 que deve seratrlbufdo a "assodacao" e que "sentido", isto e, quais consequencias isto deveacarretar para os associados. Estipularam tambem se e que bens materials eganhos devem estar disponiveis para os fins combinados do agir em sodedade("fins da assodacto"). Da mesma maneira, tambem estipularam que 6rgaos ciaassociacao devem dispor destes e de que modo devem faze-lo, e que contri­bui~iies os sodos devem oferecer tendo em vista os fins da assodaeao, e, fi­nalmente, que a<;5es sao "obrigat6rias", quais sao "proibidas" e quais sao "per­mitidas", alern dos beneffcios que os pr6prios s6cios podem esperar. Par Ultimo,estipulou-se que 6rgiios da assodacao devem existir e sob que condicoes e atra­yes de que meios devem ser garantidos a efetiva observacao do regulamentoe dos estatutos ("aparato de coa"ao'). Neste "agir em sociedade", cada s6cioconfia, dentro de urn oerto ambito, que os outros s6cios se cornportariio con­forme os estatutos (pelo mencs de maneira aproximada) e esta expectativa eievada em consideraeao na orientacao radonal do seu pr6prio procedimento.Para a existenda empirica da associacao sao indiferentes os fundamentos queo individuo possa ter para esta confianca, se ele pode supor objetivamente que,no que diz respeito ao resultado, interesses quaisquer, numa configura"ao qual­quer, recornendariio aos outros s6cios, com eficicia sufidente e nurna media,a observa"ao dos referldos estatutos. Como e natural, a posslbilidade pressu­pasta pelo individuo, a saber, que no caso da niio-observa"ao se imponham"coacoes fisicas au psiqulcas" (mesmo que sejam multo suaves como, por exern-

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influenciado no seu agir cotidiano (por exemplo, na escolha e no desenvolvi­mento de suas "amizades" au do seu "estilo de vida"), "sem quer' nem perceberde manelra racional com relacao a fins, pelo fato de que partes au setores doseu agir sao orientados conforme· certos estatutos combinados (por exemplo,os de uma seita religiosa). Na realidade, todas essas distin«Jes sao imprecisas.Nao hi, por exemplo, em principio, uma diferenca se 0 agir em sociedade sedesenvolve segundo relacoes providas de sentido entre os pr6prlos indivfduosassociados, au com relacao a terceiros, pais exatarnente esta segunda alternativapode ser 0 sentido predomlnantemente atribuldo do acordo. Diferentemente, 0

agir orientado em regulamentos de assodacao pode ser dividido em dois tipos:pode ser urn agir "relacionado com a assodacao", que assurne de maneira diretaos regulamentos da assodacao (interpretados, como sempre, de maneira sub­jetiva, provida de sentido) e que, portanto, de acordo com 0 sentido em mente,dirige-se a realizacao universal e sistematica de sua validade empirica, au in­versamente, a sua rnudanea e ao seu aperfeicoamento, e, (segundo tipo) urnagir que e apenas "regulamento pela associacao", isto e, se orienta nos regu­larnentos, mas naquele sentido de ser "diretamente relacionado a associacao".Mas tarnbem esta diferenca e imprecisa.

Um tipo racional de assodacao e para n6s, provisortamente, uma "asso­cia.,ao com fins": urn agir em sociedade conforme 0 estabelecimento do con­teudo e dos melos da a.,ao social que resultau de urn entendimento e de urnacordo entre todos os integrantes. Quando estabeleceram 0 regulamento (au 0

"estatuto") os agentes associados, tratando-se de urn caso tipico-ideal de racio­nalidade, estipulararn tambem a a.,ao de que pessoas deve ser desenvolvida ede que modo (modo e pessoas podem ser indicados, sendo que as pessoaspodem ser entendidas como meros "6rgaos da assodacao"); 0 que deve seratribuido a "assodacao" e que "sentido", isto e, quais consequencias isto cleveacarretar para os associados. Fstipularam tambem se e que hens materials eganhos devem estar disponiveis para os fins combinados do agir em sociedade("fins da assodacao''). Da mesma maneira, tambem estipularam que 6rgaos daassociacao devem dispor destes e de que modo devem faze-to, e que contri­bui«Jes os sodos clevem oferecer tendo em vista os fins da assodaeao, e, fi­nalmente, que a«Jes sao "obrlgat6rlas", quais sao "proibidas" e quais sao "per­m1tidas", alern dos beneficios que os pr6prios s6cios podem esperar. Por Ultimo,estipulau-se que 6rgaos da associacao devem existir e sob que condicoes e atra­yes de que meios devem ser garantidos a efetiva observacao do regulamentoe dos estatutos ("aparato de coacao"). Neste "agir em sociedade", cada sodoconfia, dentro de urn certo iimbito, que os outros s6cios se cornportarao con­forme os estatutos (pelo menos de maneira aproximada) e esta expectativa elevada em consideracao na orientacao racional do seu pr6prio procedimento.Para a existencia empirica da associacao sao indiferentes os fundamentos queo individuo possa ter para esta confianca, se ele pode supor objetivamente que,no que diz respelto ao resultado, interesses quaisquer, numa conflguracao qual­quer, reeomendarao aos autros s6cios, com eflclcia suficiente e numa media,a observacao dos referidos estatutos. Como e natural, a possibilidade pressu­posta pelo individuo, a saber, que no caso da nao-observa<;1io se imponham"coacoes ftsicas ou psiquicas" (mesmo que sejam muito suaves como, por exem-

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pia, a "adrnoestacao fraternal" no cristianismo) reforca fortemente a certeza sub­jetiva no sentido de que aquela conlianca nilo sera decepcionada (como media)e que haja uma probabilidade objetiva de que aquelas expeetativas sejam fun­dadas. a aglr que, de acordo com seu contecdo de sentido subjetivamenre pres­suposto e imaglnado como "media", implica urn acordo e, para n65, urn "aglrassodativo" (Vergesel/schaftungshandeln), em oposi<;iio ao "aglr em sociedade"(Gesel/schaftshande/n), que e orientado segundo este acordo. Dentro do aglrorientado segundo acordo se encontra a tipo rnais importante de aglr em so­cledade "relaclonado socialmente"; por urn lado, 0 aglr em socledade especificodos "6rgaos", e, par autro, a aglr em socledade dos assoclados que se referede rnaneira provida de sentido ao agir dos 61'8aos. De maneira especifica, denrrodas "categorias assoclativas" das "instituicoes" (em particular a ''Estado'') - queserao discutidas rnais adiante - faz-se cosrumeiramente uma distin<;iio entre osregulamentos que forarn criados para a onentacao deste aglr como direito ins­titucional (0 "direito publico", no caso do Estado) e dos que regem as outrasa<;;6es dos individuos associados. Mas tambern, dentro da associacao de fins, evalida a mesrna distincao ("direito da assodacao" em oposi<;iio aos reguJamenroscriados pela associacao), No rnomento, porem, nao nos preocupemos com estasdiferencas sutis.

Plenamente desenvolvida, a associacao de fins nilo euma 'formacao social"efemera, mas duradoura. Isla significa que, a despeito da renovacao dos s6closda associacao, au apesar de certas pessoas deixarem de Set socios, au 0 fatode a lugar Set ocupado par novos sodos, faz com que nilo se considere quese trata de uma nova assodacao, mas da mesma, Isla e valido par tanto tempoquanto, apesar da Inovacao das pessoas, pode-se esperar que de fato haja, so­clologlcamente falando, de rnaneira pertinenre, urn aglr do "grupo" que eorien­tado naqueles regulamentos "identicos''. Em sentido sociol6glco, entretanto, 0

identico da orientacao nos regularnentos (apreendidos subjetivamente) significaque os habitos medics de pensamento dos indrvfduos assodadcs suponhamesta identidade em relacao aos pontes deste reguIamento que sao lidos comoimportantes. Podem Set aceitos unfvocos au aproxirnados parque, sociologica­mente, tal "identidade" e urn estado de coisas intelramente relative e fluido. Osmernbros da associacao podem transforrnar de rnaneira consclente os regu1a­mentos atraves de urn novo agir assoclativo, au podem altera-lo pela rransfor­macao do "sentido" predominante do aglr em sociedade, au, mais atnda e espe­cialmente, pela transforrnacao das circunstancias, modificando au elirninandopar completo - sem que haja urn novo agir assoclativo - as caracterfsticasdo Significado pratico do aglr (tarnbern se chama isla "rnudanca de significado"au, de urn modo mais impreclso, "rnudanca dos fins''). Se, nestes casos, a so­cl6lago considera 0 agir modificado em sociedade como uma "continuacao daantiga formacao social", au como uma "nova formacao social", isso dependedos seguintes elementos: 1) da continuidade das transformacoes, 2) do alcancerelativo dos regulamentos antigos que continuam validos empiricamente sob aforma de urn agir que se orienta neles, e 3) da continuacao dos 6rgaos dogrupo e do aparato de coacao que subslstern com as mesmas pessoas au compessoas escolhidas da mesrna rnaneira au que continuam a aglr do mesmo mo-

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Ii,

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do. Tarnbern aqui trata-se de situacoes que apresentam transicoes continuas.Igualmente depende de cada caso individual (e pottanto nilo esta determinadopeI06 fins concretes da investigacfo) em que casas uma assodacao deve setconsiderada uma formacao "independente", e em que cases apenas "parte" deuma associacao mais ampla. Este ultimo caso pode set encontrado, entretanto,de duas maneiras diferentes. Em primeiro lugar, porque 06 regularnentos "vaIi­d06" ernpiricamente de urn agir em sociedade nao derivam exclusivamente doestatuto a set observado pelos S6ci06 (regulamentos autonornos), mas 0 agirem sociedade e co-determinado pelo faro de que 06 seus partidpantes orientarna sua a<;ilo (sempre normalmente) n06 regulamentos de uma outra associacaoda qual tambem partidpam (regu1amentos heteronornos) como, par exernplo,o "agir em sociedade" da Igreja e nos regularnentos politicos au vice-versa. Emsegundo lugar, porque 06 6rga06 de uma associacao estao, muitas vezes, en­trelacados de algum modo numa formacao mais ampla de 6rga06 de outra as­sodacao, como, por exernplo, 06 6rga06 de urn "regimento" dentro da organi­za<;ilo global da "administracao militar" (assodacao "heterocefala" de fins emoposicao "associacao autocefala" de fins), como, par exemplo, pode set encon­trada numa associacao 00 num "Estado autonorno" e independente. Muitas ve­zes, mas nao necessariamente, M uma coincidenda entre a heteronomia d06regularnentos e a heteronomia dos 6rga06. 0 agir em sociedade numa associa­<;ilo autocefala esta hoje em dia par regra geral co-determinado par uma orien­ta<;ilo do agir dos seus membros segundo 06 estatutos da associacao polltica aqual pertencem e e, portanto, em grande pane, heterocefala; isto significa queesta orientado conforme 06 regulament06 de outras associacoes, sabretudo deoutras assodacoes polfticas que, em prindpio, agem de maneira autocefala, masque se transformam em a<;ilo "heterocefala'' em oposicao a06 6rga06 de qual­quer tipo de 'totalidade".

Mas nao e toda associacao fundada que leva ao surgimento de uma asso­ciacao de fins, para cuja defini<;ilo podem ser considerados 06 seguintes ele­mentes constitutivos: 1) uma cornbinacao de regras gerais e 2) a existencia deorgaos proprios da associacao, Uma associacao ocasional (Gelegenheitswrgesel­lchaftung) pode ter urn sentido muito efernero, como, par exernplo, urn assas­sinato par vingancas que deve set executado em comum, e, pottanto, estacloausentes todos 06 elementos que foram mendonados como sendo caracteristicasde uma associacao com fins, inclusive 0 "regulamento" radonal elaborado doagir em sodadade que, de acordo com a nossa deflnlcao, deveria set urn d06seus elementos constitutivos, Um exernplo facil da transicao desde a assodacaoate a assodacao ocasional ate a assodacao com fins e 0 da "cartelizacao" (Kar­teJlierungen) industrial, que come<;:a com urn simples acordo transitorio entre06 concorrentes individuais para fixar precos minirnos, ate chegar ao "sindicato",provido de poderes proprios, de grandes bens, de centros de venda e de urnamplo aparelho organizadonal. 0 Unico ponto comurn a todos eles e 0 regu­lamento combinado cujo conteudo, de acordo com 0 que estabelecernos aquiexpressamente de maneira ideal-tlpica, contern pelo menos urn acordo sabreaquilo que sao as imposicoes para 06 sodos, 00, dito de outra maneira, urnacordo sabre aquilo que lhes e pennitido e proibido. Num ate de troca isolado

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(al:J6traindo da existencia de "regras jurfdicas", por exemplo, e pensando no casotfpioo-ideal de explicitacao plena) hi pelo menos uma combinacao referentea05 seguintes pontes: 1) e exigida a entrega e eventualrnente, tarnbem a obri­ga.,ao da garantia do possuidor dos bens de troea contra terceiros, 2) e proibidaa reapropria.,ao, 3) e pennitida a disposicao it vontade sobre cada parte dobern trocado. Uma troea radonal isolada deste tipo e urn dos casos-Iirnite daassocia.,ao "que nao tern orgaos". Faltam-lhe todas aquelas caraetetisticas quesao pr6prias de uma associacao com fins, exceto as do regulamento combinado.Ela pode ser uma orgaruzacao heter6noma (por regulamento jurfdico au porconvencao) au existir de maneira autonoma, condidonada pela confianca mu­tua em suas expectativas, pela confianca mutua que a outra parte se comportarade acordo com a combinacao, sem a questao de saber quais seriam as basesdeste interesse. Mas neste caso nem se trata de urn agir em sodedade autocefalonem heterocefalo, dado que nao hi uma "formacao" duradoura. :Ii natural quetampauco a presenca de atos de troea como fenomenos de massa, mesmoquando se trata de fenornenos de massa causalmente inter-relacionados entresi (0 "mercado"), representa uma formacao de associacao com fins, antes pelocontrario, tern diferencas fundamentals. 0 caso de troca tambern e apropriadopara ilustrar 0 fato de que 0 agir que leva it formacao da assodacao (agir as­sodativo) nao necessariamente deve estar orientado unicamente nas expeetati­vas do agir dos individuos associados, No nosso exemplo, alem disso, deveestar orientado de modo que os terceiros - que nao sao associados - respei­tern 0 resultado da "troca", au seja, "a rnudanca de propriedade". Neste caso,trata-se apenas de urn "agir em comunidade" do tipo que mais adiante dena­minaremos "atuar por consenso" (Einwrstiindnishandeln).

Historicamente encontramos com muita freqaenda os graus de desenvol­vimento que comecam com a assodacao ocasional para chegar no fim e demaneira progressiva a uma 'formacao" duradoura. 0 gerrnen tipico da associa­.,ao que hoje denominamos "Estado" se encontra em assodaeoes ocasionais li­vres formadas por individuos que por urn lado, procuram urn botim, nurna ex­pedicao guerreira sob 0 cornando de urn chefe escolhido por eles mesmos, e,por autro lado, na assodacao ocasional de individuos ameacados com a fina­lidade de se defender. Tendo tido exito (au nao) 0 botim (au a defesa), depoisde sua distribuicao a assodacao desaparece. Ha urn lange caminho de transi­~Oes continuas destes inidos ate a associacao permanente de urn exercito coma irnposicao sistematica de tributos a mulheres, homens desarmados au sub­metidos, sobretudo, ate a consolidacao do agir em sociedade sob normas juri­dicas e administrativas. Inversamente tambem pode acontecer - e este e urndos rnais diversos rnodos e processos que confluem para 0 surgirnento e a for­macae da "economia politica" - que, a partir da dissolucao de assodacoes du­radouras que subsistiram com a finalidade de satisfazer as necessidades, surgea formacao amorfa do "mercado", que representa urn "agir em comunidade".

o comportamento "pslquico" dos integrantes, isto significa, a pergunta:quais "estados internes" ultimos levaram-nos a assodar-se e a orientar-se, emseguida, na sua a.,ao conforme os regulamentos combinados - isto e, se elesse adaptam a tais regulamentos por frio calculo de oportunismo, por apego

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apaixonado aos fins combinados ou pressuposto da associacao, ou se a causada aceitacao nada mais e do que a aceitacao destes como urn mal inevitavel,ou porque correspondem aquilo que e habitual ou por qualquer motivo quefor, tudo isto e indiferente para a existencia da associacao tanto tempo quantoill, de fato, a possibilidade de que, dentro dos limites sociologicamente perti­nentes, efetivamente, a orientacao contida no acordo persiste. Os membros queparticipam do agir em sociedade, podern, sern duvida, perseguir fins inteira­mente distintos, opostos e dirigidos ern sentido diferente, 0 que, alias, ocorremuitas vezes. A associacao juridica dos povos guerreiros, a associacao juridicapara 0 agir em comunidade no mercado, com a sua luta em torno da troca edos precos, sao apenas exemplos particularmente nitidos deste estado de coisasque em todas as partes se repete. Todo agir em sociedade e, naturalmente, aexpressao de uma constelacao de interesses dos participantes que se dirige aorientacao do agir, quer se trate do agir alheio ou do agir pr6prio, de acordocom os seus proprios regularnentos e de acordo com nenhurn outro regula­mento e, par causa disso, percebe-se sempre a presenca dasmais diversas cons­telacoes de interesses dos participantes. Este Sell conteudo pode ser caracteri­zado e definido, de maneira inteiramente geral e formal, da seguinte maneira,como alias ja foi feito muitissimas vezes: os individuos acreditam poder contarcom urn agir combinado atraves da associacao referente ao agir do outro e dosoutros, e que ele mesmo, exatamente par causa disso, tambem pode orientaro seu pr6prio agir conforrne os mesmos regulamentcs,

VI.

Hi complexes de agir em comunidade que mesrno sern urn regulamentocombinado de maneira racional com relacao a fins 1) decorrem efetivamentecomo se tivessern urn tal regulamento e 2) nos quais este efeito especifico eco-detenninado pelo tipo de relacionamento de sentido do agir dos individuos,Por exemplo, toda troca de "dinheiro" que e racional com relacao a fins contern,ao lado do ato individual de associacao com a outra parte, a relacao providade sentido a uma eventual ar;ao futura de urn circulo, representado e repre­sentavel apenas de maneira indeterminada, de possuidores, atravessadores e ou­tros interessados ern dinheiro que podern ser reais ou potenciais. Pois, real­mente, 0 agir proprio e orientado segundo a expectativa de que tambern outros"aceitararn" dinheiro, 0 que e 0 pressuposto de toda e qualquer troca de di­nheiro. Por isso, a orientacao provida de sentido e certamente, de maneira geral,uma orientacao de acordo com os interesses individuais proprios, e, indireta­mente tambem de acordo com interesses alheios que sao representados pelasatisfacao das necessidades pr6prias ou alheias. Mas e1a nao e, de maneira ne­nhuma, uma orientacao num regulamento estatufdo e oficial referente ao modode satisfazer as necessidades da parte dos que participam Muito pelo contrario,o pressuposto do emprego do dinheiro e, exatamente - pelo menos relativa­mente, a falta de urn tal regulamento ("econ6mico-comunitirio") para a satisfa­r;ao das necessidades dos que participam disto. Mas mesmo assim, 0 seu re­sultado global, normalmente, sob rnuitos aspectos, esta sendo apresentado da

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·manelra "como se tivesse que ser" alcancado atraves de uma orienta¢o segun­do um regulamento da satisfa.,ao das neeessidades para todos os panicipantes.

· E, decerto, isto e 0 caso em consequencia da rela.,ao provida de sentido da· a.,ao daquele que emprega 0 dinheiro, cuja situa.,ao, como alias de todo que

participa de urna troea, e, dentro de certos limites da manelra que seu interesseIhe imp&e cerro grau de consideracao para os interesses dos outros, dado queestes sao OS fundamentos normals daquela "expeaativa" que ele, par sua vez,pode e deve alimentar da sua a.,ao. a "mercado", como complexo tlpico-idealde urn agir de tal tipo, mostra, portanto, a caractetistica que introduzimos coma expressao "como se".

Uma comunidade lingOfstica, no caso limite tlpico-ideal que e racional comrela.,ao a fins e representada par inumeros atos individuais de agir em comu­nidade, os quais se ortentam confonne a expectativa de encontrar nos outrosuma "compreensao" do sentido. Que isto acontece em rnassa entre urna mul­tidao de homens mediante urn emprego semelhante provido de sentido de slm­bolos externamente sernelhantes, "como se" os que falam orientassem 0 seucomportamento obedecendo regras grarnaticais combinadas tendo em mente urnfirn, representa por certo tambem urn caso, dado que esta determinado paraquela relacao ao sentido dos atos dos falantes individuais que correspondema caracterlstica jii mencionada.

Enttetanto, esta caraeteristica e quase a unica em comurn entre os dais.Pais a rnaneira como surge aquele efeito global pode ser ilustrado em ambosos casos atraves de alguns paralelisrnos os quais, entretanto, nao tern muito va­lor cognoscitivo. Para esse "como se", portanto, apenas e passlvel em ambosos casos elaborar para a sociologia urna problernatica que, enttetanto, imedia­tarnente leva a series conceituais totalmente diferentes no que diz respeito aoseu conteudo. Todas as analogias com 0 "organismo" e conceltos semelliantestranspostos da biologia estao condenados a serem infrutiferos. Acrescenta-seainda que urn efeito global que se apresenta "como se" 0 agir estivesse deter­mlnado par urn regulamento deterrninado nao somente pode set elaborado paragir em comunidade, mas tarnbem, e isso de rnaneira muito ~ca, pelas di­versas formas do agir "unifonne" e do agir "de massas" que nao perteneern aoagir em comunidade.

Pois de acordo com a defini.,ao, 0 "agir em comunidade" deve set urn re­lacionamento provido de sentido do agir de urna pessoa "com 0" agir de outrapessoa. Nao e sufidente, pois, a mera "uniforrnidade" do comportamento. Tam­pouco pode ser urn tipo qualquer de "a.,ao reciproca" ou de "imitacao", Uma"raca", mesmo que 0 comportamento dos que a ela pertencem seja uniformeem alguns pontos, somente passara a ser para n65 urna "comunidade de raca"quando surge entre 0 seus membros urn agir que inc\ui uma relacao reciprocaprovida de sentido. Por exemplo, para apresentar urn caso rnlnimo, quando cer­tos membros da raca "se isolam" do mundo drcundante - Umueltt - "querno pertence a sua raca'' visam a meta de que "os membros da outra raca"facam a mesrna coisa (nao interessa no memento se eles fazem isso da mesrnamaneira ou com 0 mesmo alcance). Quando numa rua urna massa de pedestresreage par ocasiao de uma chuva forte no sentido de abrir os seus guardas-chu­vas, nao se trata neste procedirnento de rnaneira nenhuma de urn "agir em co-

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munidade" (mas e urn "agir unifonne de massas"). 0 mesmo vale para 0 casoem que 0 agir foi provocado pela mera intluencia do compottamento dos outrose nao reladonada a uma interacao provida de sentido. Um paruco, !XJf exem­plo, ou quando uma massa de pedestres submete-se a uma "sugestao de massa",Nestes cases falarernos de urn "cornportarnento determinado pela massa", ouseja, cases nos quais 0 comportamento dos individuos foi influendado pelo me­ro fato de que tamoem ootros individuos que se encontravam na mesma situa­"ao se comportaram de uma determinada maneira. Pais Mo ha dUvida de queo mero fato de uma "rnassa" agir slmultaneamente (e mesmo que ela estejaseparada espadalmente - pode entrar numa relacao redproca, !XJf exemplo,atraves da imprensa) pode ter influencia sobre 0 comportamento dos individuosde uma maneira que nao pretendernos analisar aqui, pais esta analise seria ob­jeto da "psicologia das massas'', Naturalmente a passagem de urn "agir deter­minado pela massa" para urn agir em comunidade e na realidade muito irnpre­dsa. Ja 0 panico, !XJf exemplo, contern junto aos elementos de urn "agir de­terminado pela rnassa" outros elementos que sao proprios do agir em comuni­dade. 0 cornportarnento daqueles pedestres passa a ser urn agir em comuni­dade quando, por exemplo, frente it ameac;a de urn bebado armado, alguns sejogam sabre ele e 0 agarram numa a"ao comurn que possa are ter, eventual­mente, elementos da "divisao de trabalho'', Aconteee algo semelhante quandose presta ajuda comurn a alguern que ficou gravemente ferido, 0 fato de quenestes cases se procede mediante "divisao de trabalho" mostra bem claramenteque 0 agir em comunidade nada tem a ver com um "agir uniforme" como tal,mas que muitas vezes pode significar 0 contrario, 0 mesmo ocorre com 0 agir"imitativo". A "imitacao" pode ser urn mere comportamento "determinado pelamassa" 00 pode Set urn agir orientado no cornportamento da pessoa a qual seimita no sentido de "reproduzir 0 seu comportamento", E isto, por sua vel,pode aconteoer !XJf causa de uma apredacao do valor do agir imitado comotal - a apredacao sera racional com relacao a fins - ou pode ser urn agirque se refere de uma maneira provida de sentido a certas expectativas - parexemplo, !XJf causa de neoessidades de concorrencia, H:i uma ampla escala detransicoes ate chegar ao caso especIfico do agir em comunidade: aquele no qualurn cornportarnento e imitado ou reproduzido pelo fato de ser caracte1istica dapertenca a urn determinado cira.J1o de homens - nao importa a razao paraisso - que requer uma "honra social" especifica e, dentro de certos limites, ausufruem Obviamente, este Oltimo caso ja ultrapassa 0 ambito do agir mera­mente "imitativo" e MO e exaustivamente caraeterizado mediante esta categoria.

A existencia de uma "comunidade lingilistica" nao significa para n65 quehaja uma uniformidade determinada pela massa em proferir deterrninados com­plexos foneticos (isto nem e necessario) e tampooco que urn individuo "imita"o que a; outros fazem, mas sim urn cornportamento que nas "exteriorizar;5es"se orienta conforme determinadas possibilidades, que exIstem como "media"nurn determinado drculo de homens, de fazer-se "compreender" e que, parcausa elisso, "pode" esperar normaimente este mesmo efeito provido de sen­tido. Da mesma maneira oomo "dominacao" MO significa que uma forca naturalpoderosa abre 0 caminho de qualquer maneira, mas, pelo contrario, que a a:;:ilode uma ordem esta reladonada de maneira provida de sentido it a"ao de urn

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outro ("obediencia") e inversamente, de maneira tal que, normalmente, se podeesperar que as expectativas sejam realizadas, expectativas nas quais esta orien­tado 0 agir por ambas as partes.

Portanto, aquele fenomeno que caracterizamos com a expressao "como se"nao nos proporciona uma categoria de fenornenos importantes por causa dassuas caracterfsticas utilizaveis, No lugar dela, pretendernos introduzir em ligacaocom aquilo que foi dito sobre "imitacao" e "dominacao'' urn tipo de diferen­dacao nesta multiplicidade de es.ados de coisas. Por "consenso" entendernoso fato de que urn agir orientado em expectativas de comportamento de outraspessoas tenham, exatameme par causa disso, wna possibilidade empiricamente"valida" de ver cumpridas essas expectativas, exatarnente porque existe objeti­vamente a possibilidade de que estas outras pessoas entendam essas expecta­tivas, apesar cia inexistencta de urn "contrato" I como sendo, para 0 seu com­portamento, "validas" e provida de sentido. 0 conjunto das a<;6es em comuni­dade que acontecem par serem deterrninadas pela oriema.,ao em tais "possibilida­des" de consenso denominaremos de "agir par consenso" (Einwrstiindnishanddn).

o consenso objetivamente "valido" - no sentido das possibilidades calcu­laveis - nao deve ser confundido, naturalmente, com 0 fato de que os agentesindividuais contam, subjetivamente, com 0 fato de que outras pessoas tratamcomo validas e providas de sentido as expectativas por eles alimentadas. Tam­pouco deve ser confundida a validade emplrica de uma ordem combinada comexpectativa subjetiva da observacao do seu sentido subjetivo. Mas em ambosas casas, entre a "media" das possibilidades da validade objetiva (possibilidadesapreendidas atraves da categoria da "possibilidade objetiva") e a "media" dasexpectativas subjetivas surge a categoria da relacao da causacao adequada viacompreensao.

A orientacao subjetiva da a.,ao conforme 0 consenso pode, da mesma ma­neira como no acordo, apresentar-se em casas particulares como sendo apenasaparente ou aproximativa, e este fato nao deixara de ter consequencias sabreo grau e a univocidade das possibilidades da validade emplrica. Os individuosque entram numa comunidade mediante consenso podem infringi-lo delibera­darnente da mesma maneira como as individuas associados podem infringir asestatutos. Da mesma maneira que 0 "ladrao" do nosso exemplo da associacao,no caso de um consenso de dominacao 0 "desobediente" pode orientar a suaa.,ao segundo 0 conteudo de sentido daquela dlssirnulacao. Por isso, 0 conceitode "consenso" nao pode ser confundido, nem sequer na sua dirnensao subjetiva,com 0 "contentamento" dos participantes referente a sua validade emplrica. 0temor de consequencias nocivas pode determinar 0 "enquadramemo" dos in­dividuas no conteudo do sentido rnedio de uma relacao da mesma maneiraque a "entrada" numa associacao "livre" mas nao desejada por eles. Uma insa­tisfacao permanente arneaca certamente as possibilidades da existencia emplricado consenso, mas nao elimina este consenso na medida em que 0 dominadorou dominante tenha uma possibilidade consideravel de poder contar objetiva­mente com 0 cumprimento de suas ordens (referente a "media" do sentido).Isto e irnportante, pois - bern como 0 nasso caso da associacao - a meraorientacao segundo as "expeetativas" do comportamento do outre ou d05 outros

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(por exemplo 0 mero "ternor" do "sudito'' em relacao ao Sell "senhor") significaurn caso limite e implica nurn alto grau de labilidade; pois tambem nestes casosas expectativas sao tanto mais "fundadas" objetivamente quanto rnais se podecontar com a probabilidade de que os individuos que entram no "consenso",conslderam, normalmente, como "obrigatorio" para eles (subjetivamente) esteagir (nao importa quals sejam os motivos para isso). Tarnbern sao "validos" emUltima analise por causa deste consenso (referente a legalidade). Por isso, 0

consenso valido nao pode ser ldentificado com 0 "acordo tacite". Naturalmentedesde urn acordo que recebe a sua forma explldta nurn regulamento, ate urnconsenso, M muitas formas intermediarias, entre as quais tambem se encontraum comportamento tal que os associados, normalmente e na pratica, acreditamque seja urn acordo tacite referente a urn determinado ordenamento. Mas este,em princfpio, nao apresenta patticularidade nenhuma em comparacao com umacordo exp1fdto. E, sooretudo, urn acordo "impreciso'' e um regulamento em­pirico multo exposto a possibilidade de provoear consequencias praticas diver­sas de acordo com os habitos de trnerpretacao em vigor de caso para caso.Urn consenso "em vigor", diferentemente, em seu tipo puro, ja nao contem nemestatuto e, especialrnente, acordo nenhurn, Os indMduos que entram em co­munidade mediante urn consenso podem ate nem ter-se conhecido, e, mesmoassim, 0 consenso pode representar uma "norma" valida e quase inviolavel em­piricamente: este e 0 caso, par exernplo, do comportamento sexual entre osmembros de urn gropo ex6gamo quando eles se encontram pela primeira vez,um grupo que se estende rnuitas vezes a comunidades po1fticas e llngilisticas.o mesmo acontece no caso do emprego de dinheiro, de acordo com 0 sentidodo ato de troea correspondente, que e tratado por uma rnultidao de individuosque nao se conheoem mutuamente como "meio valido para pagar dividas", istosignifica, algo que e "valido" e "obrigat6rio" para 0 cumprimento de uma ac;aoem comunidade.

Nem todo agir em comunidade pcrtence a categoria do agir por consenso,apenas aquele agir que, normalmente, se fundamenta em sua orientacao na pos­sibilidade do consenso. A segregacao social dos membros de uma ra", pertencea esta categoria, por exemplo, quando, numa medida multo importante (media)se pode esperar que os membros a considerem praticamente como urn com­portamento obrigat6rio. Nos casas contraries, de acordo com as circunstancias,trata-se de urn agir dos individuos condicionado pela massa, au de urn simplesagir em comunidade sem consenso. E bastante manifesto 0 carater imprecisedas transicoes, sobretudo quando se trata da rnanutencao do alcoolatra e daajuda em ernergencia Nestes cases, referentes aos individuos que agem juntos,s6 ha mais do que mera cooperacao factica atraves de urn simples agir em co­munidade no caso em que a ac;ao esta orientada segundo urn consenso que etido como empirtcamente "valido" de tal maneira que cada individuo se ve obri­gado a seguir como participante daquele agir efetivo em conjunto por tantotempo quando este corresponde ao "sentido" compreendido pela media dos s6­cios, Aqueles dois exemplos rnencionados cabem dentro de uma linha de tran­sicao graduals: a ac;ao de assistencia implica mals na existencia de uma possi-

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bilidade de consenso, enquanto que a outra implica apenas num mero agir emcomunidade como uma cooperacao de faro, Ademais, e natural que nern todoo comportamento que se apresenta exterlormente como uma "cooperacao'' devarias pessoas ja seja urn agir em comunidade ou um agir pot consenso, Poroutra parte, tampouco urn agir em conjunto pertence a categoria de agir porconsenso. Este falta, por exemplo, em todos os casos da relacao provida dosentido a a<;:1lo de terceiros desconhecidos. De maneira semelhante como nosexemplos antes rnencionados, tambem 0 agir pot consenso dos membros datribo ex6gamos se d1stingue por uma serie de transieoes graduais do agir emcomunidade em relacao a a<;:1lo potencial de outros interessados na troca. NesteUltimo caso, somente quando as expectativas se baseiam nas possibilidades deque a a<;:1lo dos estranhos se oriente "na media"em comportamentos suposta­mente tidos como validos, isto e, na medlda em sao normalmente "expectativasde legalidade", havera aqui um consenso. E somente nesta medlda, portanto,o agir sera urn agir por consenso. Alias, e apenas um agir em comunidade con­dicionado pot urn consenso. Por outre lado, 0 exemplo do socorro ja rnostraque 0 "consenso" pode ter pot conteudo uma relacao a fins bern concretos,sendo ausente urn carater abstrato de "regras". Mas tambem em casas em quesupomos a "continuidade" de uma e da mesma comunidade por consenso ­numa amizade, por exemplo - pode tratar-se de um conteudo que e sujeitoa continuas modiftcacoes, determinadas somente em relacao a um sentido con­tinuo ou persistente que foi construido de maneira ideal-tipica e que e consi­derado como valido de alguma maneira por parte dos respecnvos partidpantesda a<;:1lo. Mas tarnbern este pode modlficar de conteudo mesmo se permanecemidenticas as pessoas: e tarnbern neste caso e apenas uma mera questao de opot­tunismo denominar esta relacao como sendo uma "nova" ou apenas como sen­do uma "continuacao" modlficada. Este exemplo, e muito mais 0 de uma rela­<;:110 er6tica, demonstra que, obviamente, a relacao de sentido e expectativasque constituem 0 consenso, de maneira alguma precisam ter 0 carater de urncilculo radonal com rela<;:1lo a fins de uma orientacao em vista de "regulamen­tos" racionalrnente construidos. A orientacao "valida" em vista a "expecratlvas"significa no caso do consenso apenas que 0 individuo tern a chance de poderajustar "pela media" 0 seu pr6prio comportamento a urn conteudo de sentidodeterminado supostamente como "valido" em maior ou menor grau de frequen­cia - mas mesmo assim talvez de carater altamente irradonal -, pelo com­portamento dos outras. Portanto, semelhantemente ao caso da assodacao, a me­dida em que a partir do conteado do sentido do consenso e susceptivel a serexpresso em "regras", e algo que depende em cada caso individual, e segue aexistencia de regularldades gerais do comportamento pratico, Tambem aqui, 0

agir determinado pot consenso nao e identico ao agir com consenso. Uma "con­venr,;ao estamental-profissional" pot exemplo e urn agir pot consenso constltui­do pot aquele comportamento que, em cada caso e como media, vale empiri­camente como obrigat6rlo: a "convencao" se clistingue do consenso de "vali­dade" do mero "costume" baseado em algum tipo de "repeticao" ou de "habito"da mesma maneira como se distlngue 0 "direito" da mera ausencia de urn apa-

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rata de coa9io. As transicoes, nao obstante, silo obviamente impredsas e flu­tuantes. Mesmo uma "convencao estamental-profissional" pode ser apropriadapara produzir, no que diz respeito ao comportamento dos seus membros, con­sequencias que de faro nao valem obrigatoriamente conforme as regras do con­sensa. As convencoes feudais, par exernplo, podem deterrninar que se concebaa atividade comercial como uma atividade vii (widersittlich) e que, em conse­quencia disso, haja urn rebaixamento do grau da propria legalidade no inter­cilmbio e nos negocios com a; comerdantes.

Motives, fins e "estados interiores" subjetivos totalmente diferentes que silocompreenslveis de maneira radonal com relacfo a fins ou "somente psicologi­camente" podem provocar como resultantes urn agir em comunidade identicode acordo com sua relacao subjetiva de sentido e, ao rnesrno tempo e da mesrnamaneira, urn "consenso" identico de acordo com a sua validade empfrica. 0fundamento real do agir por consenso e a validade unica em cada caso distinto fdo "consenso" J e nao uma constelacao de interesses "exteriores" au "interlaces" fque provoque aigo diferente e cuja existencia pode ser condidonada par esta- Idos interiores dos indivfduos e por fins diverscs dos individuos que, alern dornais, silo muito heterogeneos, Com isso nao se nega, naturalmente, que noque diz respeito aos tipos singulares de agir em comunidade e, espedalmente,de agir por consenso, que podern ser distinguidos conforme a "orientacao desentido" subjetivamente prevalecente e predominante, nao podem indicar refe-rente ao conteudo, ao motivos, aos interesses e aos "estados interiores" que,na maioria das vezes, silo os fundarnentos de sua origem e de sua frequenda.Esta comprovacao e, sem duvida, uma das tarefas de uma sociologia de con-teodo (inhaltliche Soziologie). Mas estes conceitos totalmente universals da ma-neira como nos os definirnos aqui silo, necessariamente, pobres de conteudo,Obviamente e imprecisa a transicao entre 0 agir por consenso e 0 agir em so­ciedade - que nada mais e do que urn caso espedfico do agir que e regula­mentado par estatutos. Assirn, 0 agir por consenso dos passageiros de urn bon-de que nurn conflito com urn DUtro passageiro com 0 cobrador "tomam partido"par aquele, se tratara de urn agir em sociedade no caso em que, posteriormente,se unam para fazer uma queixa em comum, E, por DUtra parte, havera sempreuma "associacao", rnesrno em grau e alcance diferentes, quando se cria urn re­gularnento radonal com rclacao a fins. Destarte, ji nasce uma associacao, porexemplo, quandose funcla uma "revista" com "editor", "diretor", "colaboradores"e "suscritores'' proprios, dirigida aos membros de uma raca que se "segrega"par urn consenso mas sem urn acordo explicito. Esta revista dara diretrizes comgraus diversos de possibilidades reais para 0 agir par consenso ate entilo exis-tente de maneira amorfa. au quando, no que diz respeito a comunidade lin­gOfstica, surge uma "Academia" na maneira da "Crusca" e "escolas" nas quaissilo ensinadas as regras da gramatica, au, no que se refere its relaeoes de "do­rnlnacao", e criado urn aparato de reguiamentos racionais e uma organizacaoracional de funcionarios, E, no sentido inverso, quase tada assodacao costurnafazer nascer urn agir por consenso entre a; assodados (condicionado pela as­sociacao) que ultrapassa 0 ambito dos seus fins racionais. Todo clube de joga-dores de boliche (Kegelklub) tem, no que diz respeito ao comportamento dosseus rnembros, consequencias "convendonais" recfprocas. Isto significa que ele

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crta wn agir em comunidade com vista a Ulna "consenso" que esta situado forada propria assodacao.

Individualmente 0 homem participa continuamente, no seu agir, de mUlti­plas e diversas a<;5es em comunidade, a<;5es par consenso e acoes em socie­dade 0 seu agir em comunidade pede refenr-se, com sentido, em cada atoindividual a um drcuIo diverso de a<;5es alhelas au a autros consensos au as­sodacoes, Quanto mais nurnerosos e diversos, de acordo com as possibilidadesconstitutivas sejam estes drcuIos em relacao aos quais 0 individuo orienta ra­cionalmente a a¢o, tanto mais avancada sera a "diferencia¢o social racional",e quanto mais assume 0 carater de uma assodacao, tanto maior sera a "orga­niza¢o social racional'', Desta maneira, como e 6bvio, 0 individuo pede par­ticipar num e no mesmo ato de procedimento numa multiplicidade de tipos deagir em comunidade. Um ato de troca que alguem faz com X que e 0 pleni­potendarto de Y, que, por sua vez, e "6rgao" de uma assodacso com fins, parexemplo contem, 1) Ulna assodacao linguistica, 2) uma associacao escrita, 3)uma associacao de troca com X de carater pessoal, 4) uma associacao de in­tercimbio com Y pessoalmente, 5) este mesmo tipo de assodacao com 0 agirem comunidade com os membros daquela assodacao com fins, e, finalmente,6) Ulna co-orientacao do ato de troca, em suas condicoes, com vista as expec­tativas da a¢o potencial dos outros participantes do intercimbio (concorrentesde aruba; os lados) e dos consensos de legalidade correspondentes etc. Paraser wn agir por consenso, urn agir deve set, decerto, urn agir em comunidade,mas para ser wn agir orientado par urn consenso. Tada a disposicao sabre asreservas e score os bens, tomada par wn homem - prescindindo inteiramentede que ela normalmente somente e passive! mediante a possibilidade de pro­te¢o que oferece 0 aparato da comunidade politica - e orientada par urnconsenso na medida em que tem consequenctas exteriores no que diz respeitoi possibilidade da alteracao das pr6prias reservas pela troea. Uma economia"privada" fundada na moeda abrange e inclui urn agir em sociedade, urn agirpar consenso e um agir em comunidade Somente 0 caso limite da economiade um Robinson Crusoe esta completamente livre de todo e qualquer agir emcomunJdade, e, portanto, tambem de todo e qualquer agir orientado par urnconsenso. Realmente, esta economia seria provida de sentido apenas no quediz respeito as expectativas do comportamento dos objetos naturals. Destarte,a sua pensabilidade e suflciente para ilustrar com c1areza 0 fato de que rootoda a¢o "econorntca" inclui ji conceitualmente urn agir em comunidade. Emlinhas gerais, a situacao real e a seguinte: que os tipos conceltuais mais purosde cada uma das esferas da a¢o se encontram alern do agir em comunidadee do agir consensualrnente. Isto se da quer seja no setor religioso, quer no eco­nomico, au no que diz respeito as concepcoes cientfficas e artisticas. 0 camlnhoda "objetiva¢o" roo leva necessariamente, via de regra, ao agir em comunidadee, em especial, ao agir par consenso - mesmo que tambem neste caso nemsempre se de necessariamente dessa forma.

De acordo com tudo aquilo que expusemos are agora, esta bastante claroque, de manelra nenhurna, podernos identificar 0 "agir em cornunidade", 0 "agirpar consenso" e "0 agir em sociedade" com a ideia de urn agir de nuns comos outros e para os outros" em oposicao a urn "agir de uns contra os outros".

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Como e 6bvio, nao somente a comunidade totalmente amorfa, como tambemo "consenso" e, para n66, algo inteiramente distinto da "exclusividade" contra05 outros. Euma questao de cada caso concreto saber se um agir por consensoe "aberto", isto e, que em todo momento a participacao nele seja possfvel paraqualquer urn que 0 deseje, ou se e "fechado" - e em que medida - isto e,se a partidpacao e impassivel - no sentido da admissao de terceiros - pardeterminacao e consenso da pr6pria associacao, Uma comunidade lingilisticaconcreta au uma comunidade de mercado sempre tern, em todos 05 lugares,certos limites (00 maioria das vezes, estes limites sao irnprecisos), !sto significaque nas "expectativas" nao e possivel levar em consideracao a participacao doconsenso atual potencial a qualquer homem, mas a um certo nurnero de pes­soas, numeros delimitados de maneira bastante imprecisa. Mas 05 membros deuma comunidade linguistica, por exemplo, normalmente nao «em de consensoo interesse de excluir terceiros (exceto 0 caso de, naturalmente, uma conver­sa",ao concreta, da mesma maneira como 05 mernbros de urn mercado «em mui­tas vezes 0 interesse de ampliar este mercado. Mesmo assim, tanto uma llngua(sagrada, proflssional au secreta) como um mercado podern ser "fechados", amaneira de um monop6lio, por via de urn consenso au assodacao. E, par outrolado, inclusive a participacao normalmente fechada par via de associacao, nurnagir em comunidade especlfico de concretas formacoes de poder polltico, emantida em boa parte aberta no interesse do proprio poder (para "imigrantes",par exemplo).

Os membros de um agir consensual com isso podern perseguir urn inte­resse orientado contra 05 que estao do lado de fora. Mas isto nao e necessaria.o agir por consenso nao equivale a "solidariedade", e tarnpouco 0 agir em so­ciedade implica uma oposicao exclusiva daquele tipo de agir em comunidaded05 homens que chamarnos de "luta", isto e - em linhas muito gerais - aaspiracao de impor a pr6pria vontade contrariamente avontade d05 outros, soba orientacao nas expectativas do comportamento alheio, Multo pelo contrario,a luta abrange potencialmente todos 05 tipos de agir em comunidade. Dependede cada concreto, par exernplo, em que medida urn ate de associacao implicapraticamente, de acordo com 0 fun subjetivamente imaginado como "rnedlo"(mesmo que isso vane de inclivlduo para inclivlduo), a expressao da solidarie­dade contra terceiros au urn compromisso de interesses contra 05 interesses deterceiros ou ate urn simples deslocamento au rnodificacao de formas e de ob­jetos de luta, significa realmente para os outros. Nao existe nenhuma comuni­dade de consenso (nem a que e acompanhada de um extremo sentimento deentrega a ela, por exernplo, como as relacoes er6ticas e caritativas) que, apesarde tal sentimento, nao pode conter em si, apesar de tudo isso, a mais atroz eopressao sabre 05 OUtr05. E a maioria de todas as lutas, par outro lado, incluinecessariamente algum grau de associacao au de consenso. Estamos aqui emface do caso, muito comum no que se refere a05 conceitos sodologicos, deque se recobrem parcialmente os fates, decerto par serem considerados a partirde pontes de vista c1iferentes. A luta na qual nao ha, de maneira nenhuma,qualquer tipo de assodacao com 0 inimigo e, realmente, urn caso-limite, Desdeurn ataque d05 mong6is, passando pelo modo atual de conducao de guerra,que esta conclicionado, rnesrno que em grau talvez insignificante, pelos "direitosdos POV05", incluindo a contenda d05 cavalheiros, na qual as armas e 05 meios

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de lutar estavam rigorosamente "regrades" (Messieurs les Anglais; tirez les pre­miers) are chegar ao duelo judidalrnente codificado dos dias de hoje (entre estu­dames) que ja pertenoe ao genero da dlsputa esponiva, encontramos em graucrescente fragmentos de uma comunidade par consenso dos lutadores; e ali,onde a lura se cia em concorrencia, seja par urna coroa ollmpica, par urn votoeleitoral au par qualquer DUtro modo de poder, par honra social au por Ge­winn, ele se desenvolve inteiramente no terreno de uma assodacao radonal,eujos regulamentos servem como ''regras de jogo" que determinam as formasda luta, mas ao mesmo tempo, alteram as possibilidades. A gradual "pacifica­c;ao", no sentido da rejeic;ao da violencia f'islca, somente a empurra para tras,sem entretanto elimina-la por completo. Ocorre que no decurso do desenvol­vimento hist6rico a sua aplicac;ao tern side monopolizada de maneira cresoentepelo aparato coercitivo de urn determinado tipo de assoeiacao au de comuni­dade por consenso, au seja, 0 poder politico, e transformado numa forma ame­nizada e regrada par parte dos poderosos e, em deflniuvo, de urn poder queforrnalmente se comporta como se fosse urn poder "neutro". A cireun.stincia deque a "coacao", de tipo ffsico au psiquico, esteja de algurna rnaneira na basede todas as comunidades, ocupar-nos-a, em seguida, mesmo que brevemente,mas apenas na medida em que e exigfda para complementar a conceituacaoideal-npica.

VII.

Nos exemplos que temos empregado ocasionalmente, muitas vezes noschamou a atencao e agora se apresenta de rnaneira mais especifica uma situac;aoa que, no momento, queremos dar destaque especial: 0 fato de que alguern"sern querer" passe a participar de uma comunidade consensual e nela perma­neoer. No caso de urn agir par consenso amorfo - como, par exemplo, no"falar" - nao e necessario comentario algurn. Pais nele "participam" todas aspessoas cu]o agir respectivo corresponde ao que ternos suposto como caraete­ristico (consenso). Mas a situac;ao nao e sempre tao simples. Ja assinalamos c0­

mo tipo ideal de "associacao" a "associacao de fins radonal" que se baseia nurnaeordo explicito no que se refere aos meios, aos fins e aos regulamentos Comisso tambem ja estabelecemos que, e em que medida, uma formacao desta pedeser caraeterizada como duravel, apesar das alterac;:Qes no que diz respeito aosseus integrantes, Seja como for, fez-se 0 pressuposto de que a participacao dosindividuos, isto e, a e:xpeetativa justificada "pela media" orienta 0 agfr de todostendo em mente 0 regulamento e, e portanto baseada nurn acordo racional par­tieular entre todos os individuos. Mas existem formas muito importantes de as­sodacao nas quais 0 agfr em sociedade esta, em grau consideclvel, organizadoracionalmente, como no caso da assoeiacao de fins atraves de estatutos quedizem respeito a fins e meios elaborados pelos homens e que, portanto, saoreferentes a sua organizacao de "sociedade" dentro da qual, exatamente, valecomo suposto basico de sua existencia que os individuos nela entrem sem que­rer (involuntariamente) e comecem a fazer parte do agtr em sociedade, envol­vidos par aquelas expeetatlvas no seu proprio agir, tendo em vista aqueles re-

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Como e oovto, nao somente a comuniclade totalmente amorfa, como tarnberna "consenso" e, para nos, alga inteiramente distinto cia "exclusiviclade" contraos outros, Euma questao de cacla caso concreto saber se urn agir por consensoe "aberto", isto e, que em todo momenta a participacao ne1e seja possive1 paraqualquer urn que a deseje, au se e 'fechado'' - e em que medicla - isto e,se a participacao e irnpossivel - no sentido cia admtssao de terceiros - pardeterminacao e consenso cia propria assodacao. Uma comuniclade lingilisticaconcreta 00 uma comuniclade de mercado sempre tern, em todos os lugares,eertos limttes (na rnaioria das vezes, estes limites sao impredsos), Is10 signlficaque nas "expectativas" nao e possivel levar em conslderacao a parddpacao doconsenso atual potencial a qualquer hornem, mas a um certo m1mero de pes­soas, numeros delimitados de maneira bastante impredsa, Mas os membros deuma comuniclade lingiifstica, por exemplo, normalmente nao tern de consensoa interesse de excluir terceiros (exceto a caso de, naturalmente, uma conver­sa,.ao concreta, cia mesma maneira como os membros de urn mercado tern rnui­tas vezes a interesse de ampliar este mercado. Mesmo asslrn, tanto uma lingua(sagrada, profissional au secreta) como um mercado podern ser "fechados", amaneira de um monop6lio, por via de urn consenso 00 assodacao, E, par DUtrolado, inclusive a partidpacao normaJmente fechacla par via de assodacao, nurnagir em comuniclade espedfico de concretas formacoes de poder politico, emanticla em boa parte aberta no interesse do proprio poder (para "imigrantes",par exemplo).

Os membros de um agir consensual com isso podem perseguir urn inte­resse orientado contra os que estao do lado de fora. Mas isto nao e necessaria.a agir por consenso nao equivale a "soliclarieclade", e tampouco a agir em so­cieclade implica uma oposicao exclusiva claquele tipo de agir em comunicladedos homens que chamamos de "luta", isto e - em linhas multo gerais - aaspiracao de impor a propria vontade contrariamente avontade dos outros, soba orientacao nas expectativas do comportamento alheio. Multo pelo contririo,a luta abrange potencialmente todos os tipos de agir em comuniclade. Dependede cacla concreto, par exernplo, em que medicla urn ato de assodacao implicapraticamente, de acordo com a fun subjetivamente imaginado como "media"(mesma que isso varie de individuo para individuo), a expressao cia solidarie­clade contra terceiros 00 urn compromisso de interesses contra os interesses deterceiros au ate urn simples deslocamento au modificacao de formas e de ob­jetos de luta, significa realmente para os outros, Nao existe nenhuma comuni­clade de consenso (nem a que e acompanhacla de um extrema sentimento deentrega a ela, por exernplo, como as relaeoes er6ticas e caritativas) que, apesarde tal sentimento, nao pode conter em si, apesar de tudo isso, a mais atroz eopressao sabre os outros, E a maioria de todas as lutas, par outre \ado, incluinecessariamente algum grau de assodacao au de consenso. Estarnos aqui emface do caso, muito comum no que se refere aos conceitos sociol6gicos, deque se recobrem parcialmente os fatos, decerto par serem considerados a partirde pontos de vista diferentes. A luta na qual nao hi, de maneira nenhuma,qualquer tipo de associacao com a inimigo e, realmente, urn case-limite, Desdeurn ataque dos mong6is, passando pelo modo atual de conducao de guerra,que esta condicionado, mesmo que em grau talvez insignificante, pelos "direitosdos povos'', incluindo a contencla dos cavalheiros, na qual as annas e os rneios

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de lutar estavam rigorosarnente "regrades" (Messieurs les Anglais, tirez Iespre­miers) ate chegar ao duelo ludicialmente codificado dos dias de hoje (entre estu­dantes) que ja pertence ao genero da disputa espottiva, encoraramos em graucreseente fragmentos de uma comunidade par consenso dos lutadores; e ali,onde a luta se da em concorrencia, seja par uma coroa oUmpica, par urn votoeleitoral ou par qualquer outro modo de poder, par honra social ou por Ge­winn, ele se desenvolve inteiramente no terreno de uma assodacao radonal,cuios regularnentos servem como "regras de' jogo" que determinarn as formasda luta, mas ao rnesrno tempo, alteram as possibilidades. A gradual "pacifica­.,ao", no sentido da rejei.,ao da violencia fisica, somente a empurra para tras,sem entretanto eltmina-la por completo. Ocorre que no deeurso do desenvol­vimento hist6rico a sua aplieacao tern sido monopolizada de maneira crescentepelo aparato coercitivo de urn determinado tipo de associacao ou de comuni­dade por consenso, ou seja, 0 poder politico, e transformado numa forma arne­nizada e regrada par parte dos poderosos e, em deflnitivo, de urn poder queformalmente se comporta como se fosse urn poder "neutro", A circunstancia deque a "coaeao", de tipo ffsico ou psfquico, esteja de alguma maneira na basede todas as comunidades, ocupar-nos-a, em segulda, mesmo que brevemente,mas apenas na medida em que e exIgida para complementar a conceituacaoideal-tfpica.

VII.

Nos exernplos que ternos empregado ocasionalmente, muitas vezes noschamou a atencao e agora se apresenta de rnaneira mais especffica uma situacaoa que, no momento, queremos dar destaque especial: 0 fato de que alguern"sern querer" passe a participar de uma comunidade consensual e nela perma­necer. No caso de urn agir par consenso amorfo - como, par exemplo, no"falar" - nilo e necessario cornentario algum Pols nele "participam" todas aspessoas cujo agir respectivo corresponde ao que temos suposto como caraete­ristico (consenso). Mas a situa.,ao nilo e sempre lilo simples. Ja assinalamos c0­

mo tipo ideal de "associacso" a "associacfo de fins radonal" que se baseia nurnacordo expllcito no que se refere aos rneios, aos fins e aos regulamentos, Comisso tarnbern ja estabelecemos que, e em que medida, uma formacao desta podeser caraeterizada como duravel, apesar das alteracoes no que diz respeito aosseus integrantes. Seja como for, fez-se 0 pressuposto de que a partieipacao dosindividuos, isto e, a expeetativa justificada "pela media" orienta 0 agir de todostendo em mente 0 regulamento e, e portanto baseada nurn acordo racional par­ticular entre todos a; indlviduos, Mas existem formas muito importantes de as­soctacao nas quais 0 agir em sociedade esta, em grau consideravel, organtzadoracionalmente, como no caso da associaeao de fins atraves de estatutos quedizem respeito a fins e meios elaborados pelos homens e que, portanto, siloreferentes ii sua organizacao de "sociedade" dentro da qual, exatamente, valecomo suposto basico de sua exIstencia que a; individuos nela entrern sem que­rer (involuntariamente) e comecem a fazer parte do agir em sociedade, envol­vida; par aquelas expeetativas no seu pr6prio agir, tendo em vista aqueles re-

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gularnentos que foram feitos pelos homens. a agir em comunidade, constitutivodestas formas, se caraeteriza predsamente pelo fato de que a partir da existenciade oertas circunstancias objetivas, se espera de urna pessoa- e, par certo, espe­ra-se ate certo grau - e com justica, que participe do agir em comunidade e,em particular, que aja de acordo com os regulamentos. E isto devido ao fatode os individuos em questao se encontrarem empiricamente "obrigados" a par­ticipar neste agir em comunidade que e constitutivo da pr6pria comunidade eporque existe a possibilidade de que, eventualmente, sejam foreados a isto me­diante urn "aparato coercitivo" apesar de sua resistenda (mesmo que seja elamulto fragil), Na comunidade polftica, as circunstandas as quais se liga aquelaexpeetativa nurn caso particularmente importante sao, sobretudo, a descenden­cia de oertas pessoas, 0 nascimento delas, OIl, as vezes, a mera permanencianum pais, ou certas ac;aes que foram empreendidas dentro de urn determinadoterrit6rio. A rnaneira normal de 0 individuo ingressar na comunidade, entao, eo ter ele "nascido'' numa detenninada comunidade e ter se educado nela. De­norninamos "instituicoes" aquelas comunidades nas quais se apresenta 0 seguin­te estado de coisas: 1) em oposicao it "associacao voluntaria com fins", a im­putacao, com base em drcunstilncias realmente objetivas, independentementedas declaracoes dos imputados, e 2) em oposicao as comunidades consensuaisque nao possuem urn regulamento racional deliberado (e, neste sentido, amor­fas), a existencia de tais regulamentos racionais, criados pelos homens e a exis­tencia de urn aparato coercitivo como uma circunstilncia que co-determina 0

agir. Portanto, nem toda comunidade, no seio da qual alguem tenha nascido ecrescido e, norrnalmente, uma "instituit;:lo". Nao e uma instltuicao, par exemplo,a comunidade lingillstica, nem a comunidade domestica. Pois ambos, realmente,nao possuem aqueles estatutos racionais. Mas, diferentemente, sao instituicoesaquelas fonnas estruturais da comunidade polftica it qual constutneiramente cha­mamos de "Estado" e aquelas formas da comunidade religiosa as quais se dao nome de "Igreja", nurn sentido puramente tecnico,

Assim como 0 agir em sodedade orientado em vista de urn acordo racionalesta em relacao com urn agir consensual, a instituicao com os seus estatutosracionais 0 e em relacao it associacao, Urn agir em associacao significa urn agirorientado n1io conformemente urn estatuto, mas segundo urn consenso, isto e,urn agir consensual em que: 1) a irnputacao do individuo no seu carater demembra se da de acordo com 0 consenso, sem que este 0 queira de maneiraraciona! com relacao a fins; 2) apesar da ausencia de urn regulamento estatuidocom fins, detenninadas pessoas (os senhores do poder) promulgam regularnen­tos eficazes para a at;:lo dos individuos que pertencem it assodacao de acordocom 0 consenso, e 3) estas mesmas pessoas ou outras, estao dispostas a exercereventualmente coacao psiquica au ffsica - de qualquer tipo - referente acemembros que se comportam de rnaneira contraria ao consenso. Trata-se sempre,natural mente, como alias em todo "consenso'', de urn conteodo de sentido com­preendido de rnaneira precis a "par media" e de possibilidades medias de vali­dade empirica. A "comunidade domestica" prirnitiva na qual 0 "chefe da familia"e 0 dono do poder, a formacao polftica "patrimonial" que n1io possui urn esta­tuto radonal, no qual 0 "principe" desempenha esta funeao, a comunidade de

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urn "profeta" com 00 seus "d!Scipuloo", em que 0 dono do poder e 0 primeiro,au uma "comunidade'' religiosa que existe apenas par consenso e na qual 0

dono do poder e urn hierarca hereditario, todas estas sao "assodacoes'' de tipobastante puro. Por principio, elas nao apresentam particularidades, comparan­do-as com autras "a<;;5es por consenso", e podemoo nestas aplicar toda a ca­sulstica. Na dviliza<;;iio moderna, quase todo agir em assodacao e regu1amen­tado, pelo menos parcialmente, par regularnentos radonais - a comunidadedomestica, por exemplo, 0 e de maneira heteronoma mediante 0 "direito fami­liar" estatufdo pelo Estado. A transi<;;iio para a institul<;;iio, portanto, e f1ulda. Tan­to mais quando existem muito poucos tipos "puros" de instituicoes. Pais quantomais multifaeetada e a a<;;iio institudonal que as constitul, tanto menos regu1ar­mente a tatalidade desta e reguiamentada de maneira radonal com rela<;;iio afins, atraves de estatutos, Por exemplo que foram criados para 0 agir em so­dedade de institul<;;5es politicas - supornos ad hoc que sejam inteiramente ra­donais com relacto a fins - e tern 0 nome de "leis" referern-se, pelo rnenosvia de regra geral, somente a fates fragmentarios euja regulamenta<;;iio radonale vallda por quaisquer interesses. 0 agir por consenso, que de fata e 0 ele­mento constitutivo da existencia da formacao, nao sornente abrange normal­mente 0 agir em sociedade que pode orientar-se em vista de estatutos radonaiscom rela<;;iio a fins, como tarnbem a maiaria das assodacoes com fins de fun,mas que tarnbern normalmente emais antiga do que este. A "a<;;iio institucional"e a parte racionalmente organizada da "a<;;iio associadonista", e a institul<;;iio euma assodacao organizada pardalmeme de maneira racional. au - a transicaoesodologicamente impredsa - a institul<;;iio e par urn lado uma "criacao nova"inteirameme racional, mas nem par isso age nurn ambito de validade no qualseria totalmente ausente a "a<;;iio da associacao". Pelo contrario, este ultimo esubordinado de anternao a uma a<;;iio da associacao existente au a urn agir re­guiamentado pela associacao, par exernplo, mediante "anexacao" ou unifica<;ftodas assodacoes anteriores para forrnar uma institul<;;iio global nova, atraves deuma sene de estatutos arientados neste sentido e de regulamentacao inteira­mente nova para 0 respectivo agir em assooacao au para 0 agir reguiamentadoconforme associacao au para arnbas as coisas. au se empreende apenas umamudanea do grupo social ao qual a a<;;iio agora deve referir-se ou que se con­sideram afetados par estas regulamentacoes, au se modifica apenas 0 pessoaIdos orgaos institucionais e, de maneira especial, do aparato coerdtivo.

o surgirnento de novos estatutos de institul<;;5es de todo 0 tipo se faz nor­malmente, quer ista se ligue a urn processo que deve ser considerado comosendo uma "nova criacao" de uma instituicao, quer aconteca no decorrer normalda a<;;iio institucional; somente em casas excepcionais se faz mediante urn "acor­do" aut6nomo entre todos 00 interessados nurn agir futuro, referente ao qualse espera, de acordo com 0 sentido rnedio pensado, a lealdade no que se refereaos estatutos. Faz-se, sobretudo, quase que exclusivameme par "impasi<;;iio". Istosignifica que deterrninados homens proclamarn urn estatuto como valido paraa a<;;iio da respectiva associacao au para a a<;;iio regulamentada pela respectivaassoeiacao e 00 rnembros da instituicao (au os suditos desta institui<;;iio), pelornenos de forma aproximativa, se adequam a este estatuto no seu agir de rna­neira leal e pravida de sentido. Isto quer dizer que 0 regu!amento estatuldo

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adquire, no que se refere as Instituicoes, uma validade empfrica na forma do"consenso". Mas temos que fazer, claramente, uma distinr,;ilo entre este proce­dirnento e 0 "estar de acordo com 0 consenso", OIl a1go semelhante a tun "acor­do impllcito". Tarnbern aqui temos que entende-lo como tuna media de possi­bilidade de que os individual ''visados'', na meclida em que estao de acordocom a cornpreensao do sentido, e os que sao atingidos par tun estantto impastotarnbem 0 respeitam e ooservam realmente - conceiwaJmente nilo importa seisso acontece par temor, par fe religiosa, respeito frente ao dono do poder,par uma consideraeao puramente radonal com relar,;ilo a fins 0lI par quaJqueroetro motivo possive!. a que importa e que 0 estatuto seja praticamente "va­lido" para 0 comportamento dos seus sodos e estes, conseqiientemente, orien­tem 0 seu comportamento nestes mesmos estatutos, A itnpa5ir,;ilo pode ser feitapar "6rgila; institudonals" atraves de sua ar,;ilo institudonal espedfica, que deacordo com 0 estatuto e v:ilida empiricamente em virtude do consenso (impo­slr,;ilo autonoma), como no caso das leis de uma institulr,;ilo autonoma referenteaquilo que e 0 externo a ela (par exemplo, 0 "Estado"), au pode ter origemde rnaneira "heteronoma", estabeledda a partir de fora, como e 0 caso do agirem comunidade, dos mernbros de uma Igreja OIl de uma comunidade, OIl dequaJquer outro tipo de associar,;ilo, como uma assodacao politica, par exemplo,sendo assim uma irnposir,;ilo a quaJ a; membros se adaptam no seu agir emcomunidade.

A imensa maloria de tados os estatutos, tanto das Institui~ como dasassociacoes, nilo tem como origem tun "acordo" mas uma "irnposir,;ilo". Isto sig­nifica que estes estanttos foram estabeleddos par homens OIl por grupos dehomens que, de fato, par qualquer razao, tiveram influencia sabre 0 agir emcomunidade, e em base neste fato impuseram uma "expectativa de consenso".Este poder efetivo de irnposi¢o pode ''ter validade" empirica de acordo como consenso e recai em certos homens, seja pessoalmente, seja em hornens quepossuem eertas caraeteristicas OIl foram escolhidos de acordo com eertas regras(par exemplo, atraves do voto). Estas pretensoes e representacoes de uma irn­posicao "valida", que valem de fato empiricamente, parque em media determi­nam de maneira sufidente a ar,;ilo dos mernbros, podemos denornina-las de"constituicao" da respectiva instituir,;ilo. Ela consta em estatutos escritos radonaisque se apresentam das mais variadas formas possiveis. Muitas vezes as questOesmais importantes do ponto de vista pratico nilo constam nela, embora as vezesconstem, mas as vezes nilo constamintendonalmente - questOes estas quenao pretendemos discutir aqui de maneira rnais detalhada. Interessa que a; esta­tutos proporcionam apenas tun saber inseguro sabre 0 poder de Imposir,;ilo, quevale empiricamente, e se baseta em Ultima insrancta nurn "consenso" da respec­tiva associacao. Em verdade, pois, 0 conteOdo decisive daquele "consenso", querepresenta a "constituicao" realmente v:ilida no empirico, esta constirufdo, emcada caso, pela possibilidade de ser tun objeto de clIcula: a que homens, emque meclida, e com respeito a que, se submetenam praticamente par media,em deftrutrvo, os individuos que partidpam na coacao pensada, conforme coma mterpretacao habitual. Os fundadores de constituicoes que sao racionais emrelacao ao fim podem, atraves destas, ligar a lmposicao de estatutos obrig1toriostambern, par exemplo, a aceitacao da malaria dos mernbros, ou da rnaioria das

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pessoas que apresentam certas, caraeteristicas ou sejam eleitos conforme deter­minadas regras. Mas no que se refere it maiaria, naturalrnente, continua sendouma "irnposicao" como por exemplo a concepcao, multo difundida entre n6sna ldade Media e tambem no Mir russo predorrunando ate 05 <lias de hoje queurn estatuto verdadeiramente "valido" exigitia (apesar de que ja existia, por prin­cipio, 0 principio da rnaioria) a aceitacao pessoal de todos aqueles que saopar ele atingidos.

Na realidade, todo poder de irnposlcao se baseia numa influencia especificaque em cada caso e mutavel com referenda ao seu alcance e it sua indole ­au seja da "dominacao" - de homens concretos (profetas, reis, senhores pa­trimoniais, pais de familia, anciaos, fundonartos, chefes de partido e autras qua­lifica<;6es honorificas, cujo carater sociol6gico apresenta uma diversidade multogrande) sabre a ar;ao em associacao de outros, Esta intluencia baseia-se em mo­tivos muito diversos nas suas caraeteristicas, entre os quais se encontra a pos­sibilidade de que se aplique uma coacao ffsica au psiquica de qualquer tipoque seja. Mas tambern aqui a ar;ao par consenso orientada em vista de merasexpeetativas (em particular, 0 "temor" dos que devem obedecer) e apenas urncaso e relativamente labil, As possibilidades da validade empitica do consensoficam tambem aqui iguais as demais drcunstancias, mas sao tanto maiores quan­to rnais pode-se esperar que 05 individuos que obedecem 0 fazem, em media,parque consideram "obrlgat6rla", tambern subjetivamente, a relacao de domI­nar;ao. Enquanto isto acontece em media au aproximadamente, a "dominacao"baseia-se no consenso da "legitim/dade". A dominacao como fundamento maisimportante do agir em associacao, cuja problernatica comeca exatamente agora,necessatiamente e urn objeto especial que, neste momento, nao pretendemosexam/nar detalhadamente. Para a analise sociol6gica, realmente, interessam osdiversos fundarnentos possfveis daquele consenso de "legitim/dade" que saosubjetivamente providos de sentido, 05 quais determlnam, de maneira funda­mental, 0 seu carater espedfico, exatamente na situacao em que 0 mero temorde uma violencia diretamente existente como ameaca condiciona a conform/­dade dos individuos. Porern nao 0 podemos exarninar de passagem, e par issotemos que desistir neste momenta da tentativa de considerar rnais profunda­mente as quest6es "autenticas" da teoria sociol6gica das associacoes e das ins­titui<;6es.

o cam/nho do desenvolvimento dos casas particulares - como ja vimosanteriormente - leva continuamente de regulamentos racionais concretes con­fonne uma associacao com eerto fim, it fundacao de urn agir por consenso mals"abrangente". Mas no todo, no decurso do desenvolvimento hist6rlco que po­demos abordar panoram/camente, temos que comprovar, nao par certo a exis­tencia de uma "suh5titulr;ao" do agir por consenso pela assodacao, mas 0 esta­belecirnento de uma ordem radonal em relacao a fins cada vez mais ampla doagir par consenso, que e obtida mediante estatutos, e, em particular, uma ctes­cente transformacao das associacoes em institul<;6es organizadas de maneira ra­cional em relacao a fins.

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Mas na pratica 0 q>Je significa esta ractonalizacao das ordens de uma co- .munidade? Para que urn empregado de escrit6rio au mesmo 0 chefe de urnescrit6rio "conheca" as regras da contabilidade e oriente a sua a<;iio atraves deuma aplicacao correta delas - ou, em casos partirulares, falsa em funcao deurn erro au de urn engano - nilo eprecise, como e6bvio, que tenha presentesos prindpios radonais por meios dos quais aquelas regras foram pensadas. Paraque apliquemos corretamente a tabuada de Pitagoras nao e necessario que te­nhamos a inteleccao racional das proposicoes de algebra que, par exemplo,sao 0 fundamento da maxima da subtra<;iio. Nao e passivel tirar 9 de 2 e vaiurn "A validade" empfrica da tabuada e urn caso de "validade par consenso",Mas "consenso" (Finwrstiindnis) e "compreensao" (Verstiindnis) nilo sao iden­ticos. A tabuada nos foi imposta quando criancas da mesma maneira como eimposto urn decreto radonal a urn sudito. E isso nurn sentido multo mais pro­fundo, como alga totalmente incompreenslvel par nos em seus fundamentos efins pr6prios, mas que, apesar disso, e obrlgatariarnente "valido'' 0 "consenso",portanto, e sabretudo a simples "conformidade" com 0 habitual porque e ha­bitual. Mais au menos sempre fica assim Nao par via de exarnes, mas atravesde contraprovas emplricas ensaiadas (impostas) verifica-se se alguern fez urncalculo "corretamente" conforme 0 consenso. Esta sltuacto apresenta-se em to­dos os campos: assim quando nos servimos adequadamente de urn bonde ele­trico, de urn elevador hidraulico ou de urn fuzil sem conheoer a!guma coisasabre as regras da dencia natural em que se baseia a sua constructe, com re­ferenda a qual inclusive 0 motarista de bonde e outro profissional qualquernao sao devidamente familiarizados. Nenhurn consumidor normal sabe hoje,nem sequer de modo aproximado, qual a tecnica de producao dos bens do

t uso cotidiano, e a maiaria desconhece tarnbem os materials de que sao feitose as indUstrias que os produzem Somente Ihes interessa as expectativas, que

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para eles tern grande imporra.nda pratica, referente ao seu cornportamento, Naoe DUtra a situacao no caso das instituicoes socials, como, par exemplo, 0 di­

\... nheiro. Quem usa 0 dinheiro normalmente nao sabe nada sabre as suas extra­'" ordinarias qualidades e mesmo os espectalistas levantam grandes discussOes a

respeita. E algo sernelhante ocorre com os regularnentos criados de maneiraradonal com relacao a fins. Enquanto se discute a cria<;iio de uma nova "lei"ou de novo paragrafo dos "estatutos da associacao", pelo menos as pessoaspraticarnente afetadas por eles costumarn compreender de maneira global 0

"sentido" real do novo regulamento. Mas quando 0 sentido pensado au imagi­nado originalmente pelos que os elaboraram ja esta "estabeleddo", com malarau menor uniformidade, pode Set esquecido e obscureddo tao completamente,atraves de rnudancas de significado, que e minima a fraccao dos juizes e ad­vogados que compreendem de maneira global 0 "fim" para 0 qual aquelas nor­mas juridicas foram criadas, modificadas e sao no momento impostas. Mas 0

publico conhece 0 fato de "ela ser criada" e da sua ''validade'' emplrica dasnormas juridicas e, portanto, das "possibilidades" que sao consequencias delassomente numa medida absolutamente indispensavel para evitar as contrarieda­des mais desagradaveis que possam resultar delas. Corn a crescente complexi­dade dos regulamentos e a progressiva diferenciacao da vida social, este fatose torna sempre mais universal. No melhor dos casos, quem conhece de rna-

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neira indubitivel 0 senti~o empirico valido daqueles regulamentos - isto e, as"expectativas" que provavelmente resultam deles "pela media" uma vez que fo­ram criados e que agora sao interpretados de maneira igual ate certo grau eque sao garantidos pelo aparato de coacao - sao precisamente aqueles queagem de maneira planejada contra 0 consenso, au seja, os que propositalrnentepretendem "infrigi-los" au "evIti-Ios". Os regulamentos radonais de uma asso­cia,.ao, tanto faz se se trata de uma institui,.ao au de uma associacao proprla­mente dita, sao, portanto, impastos au "sugeridos" pot parte de um primeirogrupo de pessoas, tendo em mente determinados fins que sao, por sua vez,conhecidos de diversas rnaneiras. Par parte de urn segundo grupo, au seja, daparte dos "6rgaos" da assodacto, eles sao interpretados subjetivarnente de rna­neira mais au menos homogenea e executados efenvamente - mesmo que nsohaja necessariamente urn conhecimento dos fins da sua criacao. Um terceirogrupo os conhece subjetivamente corn uma aproximacao do tipo da execucaocorrente, na rnedida em que sao absolutarnente necessaries para os seus finsparticulares, e na medida em que os elegem em meio de orientacao do seuagir (legal e ilegal) porque como susdtarn determinadas expectativas referentesao comportamento de autros (tanto dos 6rgaos como tambem dos membrosda respectiva "assodacao" au "instltui,.ao"). Da parte de urn quarto grupo, en­tretanto, e este grupo nada mais e do que a "massa", e ensinado "tradicional­mente" - no nosso modo de entender - urn agir que corresponde, dentrode cettas aproximacoes, ao sentido compreendido pela "media" das pessoas, e,na maioria das vezes, esse agir e mantido com total desconhecimento do fim,do sentido e are da extstenda daqueles regulamentos. A ''validade'' empiricade urn regulamento "radonal", precisamente, baseia-se, de acordo com 0 seucentro de gravidade, consequenternente de novo, no consenso na conformidadereferente ao habitual, ao adquirido e ao que sempre se repete. Considerado nasua estrutura subjetiva, 0 comportamento apresenta, pelo menos, de maneirapredontinante, 0 tipo de um agir em massa que e mais au menos uniforme,mas no qual esti totalmente ausente toda e qualquer referenda a um sentido,o progresso da diferenciacao social e da radonalizacao, portanto, mas no quese refere ao resultado, significa, nao sempre, pelo menos normalmente, um dis­tanciar-se sempre maior, no conjunto, das pessoas que estao na pratica envoi­vidas nas tecnlcas e nos regulamentos radonais da sua base, os quais, paraeles, costumam permanecer tao ocultos como para os "selvagens" os procedi­mentos maglcos dos seus feiticeiros. Conseqiienternente, de maneira algumaesta racionalizacao leva a uma universalizacao do conhecimento sobre os con­dicionamentos e as conex5es do agir em comunidade, mas, na maioria das ve­res, ao contrario. 0 "selvagem" conhece infinitamente melhor as condlcoes eco­n6nticas e sociais da sua propria existencia do que 0 assim chamado "dviliza­do". E tampouco e eerto que a a,.ao dos "civilizados" procede, de maneira sub­jetiva, de modo inteiramente "racional com relacao a fins". Mas, diferenternente,a situacao e distinta de acordo com os setores da a,.ao e como tal constituiurn problema em si. No que diz respeito it situacao do "civilizado", neste sen­tido, sua nota espedficamente "radonal" em oposicao ao "selvagem", consiste,mais au menos, no seguinte: 1) a fe geralmente adntitida no fato de que ascondicoes de sua vida cotidiana - bonde, elevador, dinheiro, tribunais, exer-

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cfcios cia medicina - sao, par princfpio, de natureza radonal, isto e, artefatoshurnanos suscetiveis de conhecimento, criacao e controle radonais, fato que ternalgumas consequencias importantes referentes ao carater do "consenso", e 2) aconfianca no fato de que elas fundonarn racionalmente, isto quer dizer, de acor­do com regras conheddas e rno irracionalmente, como e 0 caso das forcassabre as quais quer ter influenda 0 selvagern atraves do seu feiticeiro, e nofato de que, pelo menos em princfpio, e possivel "contar" com estas regras,calcular 0 pr6prio comportarnento, e orientar a sua pr6pria a,.ao conforme cer­tas expectativas que estao de acordo com elas. E aqui, exatamente, reside 0

interesse especffico cia "empresa" capitalista racional em possulr regularnentos"racionais" cujo fundonamento pratico possa ser calculado no que diz respeitoas suas possibilidades cia mesma maneira como uma maqulna. Mas este assuntosera aborclado em outra ocasiffo.

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os 'TIllis TIPOS PUROS DE DOMINAyAOLEGITIMA1

LEGITIMA<;AO DA DOMINA<;AO FUNDAMENI'A<;AO DA LEGmMIDADEI. Dominacao Legal, II. Dominac;i!o Tradicional, ill. Dominac;i!o Carlsmatica.

A domina~o, islo e, a probabilidade de encoottar ooedienda a uma de­terminada ordem, pode ter 0 seu fundamento em diverses motivos de submis­sao: pode ser determinada diretamente de uma constelacao de interesses, 00

seja, de conslderar,;6es racionais de vantagens e desvantagens (referente a meiose fins) por parte daquele que obedece; mas tarnbem pode depender de urnmero "costume", 00 seja, do habito cego de urn comportamento inveterado; 00

pode, finalmente, ter 0 seu fundamento no puro afeto, 00 seja, na mera incli­na~o pessoal do domlnado. Nao obstante, podemos afirmar que uma domi­na~o que repousasse apenas nesses fundamentos seria relativamente instavel,Temos que ver que nas relacoes entre dorninantes e dominados existe, costu­rneiramente, urn apoio em bases juridicas nas quais se fundamenta a sua "le­gitimldade", e 0 abalo na crenca nesta legitirnidade normalmente acarreta con­sequencias de grande lmportincia.

Em forma totalmente pura, as "bases de legitimldade" da dominacao saoapenas tres, cada urna das quais se encontra entrelacada - no tipo puro ­com urna estrutura sodol6gica profundamente diversa dos quadros e dos meiosda administracao,

I.

A dominacao "legal" em virtude de ser "estatuto", 0 seu tipo mais puro eindiscutivelmente a dorninacao burocratica. A sua ideia basica e a seguinte:qualquer direito pode ser crtado e modificado mediante urn estatuto sancionado

1 Trata-se de wna obra p6stuma de Max Weber que 101 publlcada pela primeira vez por Ma­rlame Weber oos Preussisclumjahrl7iidJen, Torno CLXXXVJI, 1922, pp. 1-12 corn 0 subdwlo "Urnestude> sodol6gioo" (Anais cia PnJssta).

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os 'IRES TIPOS PUROS DE DOMINA<;AOLEGITIMA1

LEGmMA<;:AO DA OOMINA<;:AO FUNDAMENTA<;:AO DA LEGITlMIDADEL Do~o Legal, II. Do~o Trndicional, III. Do~ Carlsmatlca.

A dorninacao, isto e, a probabilidade de encontrar ooedienda a urna de­terminada ordem, pede ter 0 seu fundamento em diversos motives de submis­sao: pede ser de1erminada cliretamente de urna coostelacao de interesses, 00

seja, de considerar,;Oes radonals de varnagens e desvantagens (referente a meiose fins) par parte daquele que obedece; mas tambem pode depender de urnmero "costume", 00 seja, do habito cego de urn comportamento inveterado; aupode, finalmente, ler a seu funclamento no puro afeto, au seja, na mera incli­na<;i{o pessoal do dominado. Nao obstante, podemos afinnar que uma domi­na<;i{o que repousasse apenas nesses fundamentos serla relativamente tnstavel,Temos que ver que nas relacoes entre dominantes e dominados existe, cosru­meiramente, urn apoio em bases jurlclicas nas quais se fundamenta a sua "le­gitlmidade", e a abalo na crenca nesta legitirnidade nonnalmente acarreta con­sequencias de grande irnportancia,

Em forma totalmente pura, as "bases de legitimidade" da dominacao saoapenas tres, cada uma das quais se encontra entrelacada - no tipo puro ­com uma estnJtura sodol6gica profundamente c1iversa dos quadros e dos meiosda administra<;i{o.

1.

A dominacao "legal" em virtude de ser "estatuto", 0 seu tipo mais puro eincliscutivelmente a domina<;i{o burocrauca. A sua ideia basica e a seguinte:qualquer c1ireito pede ser crtado e moclificado mediante urn estatuto sancionado

1 'Irata-se de uma obra p6sUJma de Max Web« que Col publicada pela primeira vez por Ma­rlame weber nos Preussischen jahrlJiidIen, ToaD C1XXXVII, 1922, pp. 1-12 oorn 0 subtitulo "Urnestudo sociol6gloo" (Ami. da !'IUssla}

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corretamente no que diz respeito it sua forma, A associacao que domina e eleitaau nomeada, sendo ela propria e todas as suas partes alga como "empresas".Denomina-se "pessoal de service" uma empresa au parte dela, heteronorna eheterocefala (isto e, cujos regulamentos e 6l'gaos executives nao sao definidosapenas internamente, mas pela sua participacao em uma assodacao mais ampla,portanto, nao-autonoma e nem autocefala), a quadro administrativo consisteem funcionarios nomeados pelo dono, e os subordinados sao membros da as­sodacao ("ddadaos", "camaradas").

Obedece-se it pessoa nao em virtude do seu direito pr6prio, mas it regraestatuida, que estabelece ao mesmo tempo quem e em que medida se deveobedecer. Aque!e que manda tambern obedece a uma regra no momenta emque ernite uma ordem obedece it "lei" au a um "regulamento" de uma normaformalmente abstrata. a tipo daque!e que manda e a "superior", cujo direitode mando esta legitimado pelas regras estatuidas no Wlbito de uma cornpeten­cia concreta cuja legitimacao e especializacao se baseiam na utilidade objetivae nas exigencias profissionais estipuladas para a atividade do functonano. atipo do funcionario e aquele de formacao profissional especifica, cujas condi­t,;Oes de servtco se baseiam num contrato, com um pagamento fixo, graduadoconforme a hierarquia do cargo e nao conforme a volume de trabalho e direitode ascensao profissional de acordo com regras fixas. Sua administracao e tra­balho profissional ern virtude do dever objetivo do cargo. a seu ideal ease­gulnte: proceder sine ira et studio, au seja, sem a menor influencia passive!de motivos pessoais e sern a influencia de sentimentos de qualquer espede quesejam, portanto, livre de arbitrio e capricho, e, patticularmente, "sem conside­ra.,ao it pessoa"; portanto, de maneira estrttamente formal segundo regras ra­cionais au, no caso ern que e!as falham, segundo pontes de vista de conve­niencia "objetiva". a dever de ooediencia esta graduado numa hierarquia decargos, com subordinacao dos inferiores aos superiores, e preve urn direito dequeixa que e regulamentado. A base do funcionarnento tecnico e a disciplina.

1. Correspondem naturalmente ao tipo da dominacao legal nao apenas aestrutura moderna do Estado e do Municipio, mas tarnbem a relaeao de dorninionuma empresa capitalista prtvada, numa associacao com fins utilitarios, au numauniao de qualquer DUtra natureza que disponha de um quadro administrativonurneroso e hierarquicamente atticulado. As associacoes politicas modernasconstituem os representantes mais conspicuos do tipo. Sem dUvida, a domina­.,ao da empresa capitalista moderna e ern parte heteronorna: a seu funciona­menta acha-se parcialmente prescrito pelo Estado, E, no que diz respeito aoquadro coercittvo, e totalmente heterocefala: sao os quadros judicial e polidalestatals que (normalmente) executam estas funcoes, Mas e autocefala no quediz respeito it organizacao administrativa, cada vez mais buroeratica, que lhe epropria, a fato de a ingresso na associacao de dominio ter-se dado de modoformalmente voluntario, nada muda no carater do domini0, posto que a exo­neracao e a renuncia sao igualmente "livres", fato que, normalmente, submeteos dominados as normas da empresa, devido as condicoes do mercado de tra­balho. a parentesco sociol6gico da dominacao legal com a moderno dorninioestatal rnanifestar-se-a ainda mais claramente ao se examinarem os seus funda-

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.menta" economicos. A "vigencia'' do contrato como base da empresa capitalistaimpOe-lhe a timbre de urn tipo eminente da rela<,;Jio de domlnacao legal.

2. A burocrada constitui a tipo teenicamente rnais puro da dominacao legal.Nenhurna dominacao, todavia, e exclusivamente burocratica, ja que nenhurnae exerdda unicamente par fundonarios contratados, Isso e totalmente impos­stvel. Com efetto, os cargos rnais altos das associacoes pol1ticas 00 sao "roo­narcas" (soberanos hereditariamente sooeranos carismaticos hereditartos) au"presidentes" eleitos pelo povo (00 seja, senhores carismatico-plebiscitarios) aueleit05 par urn colegiado parlamentar cujos senhores de fata nao sao propria­mente os seus memoros, mas CIS chefes, sejam carismancos, sejam dignitirios(honorationei) dos partidos majoritartos. Tampouco e possivel encontrar urnquadro administrativo que seja de fata puramente burocriitico. Costurnam par­ticipar na administra<,;Jio, sob as forrnas mais diversas, dignitaries (honorationes)de urn lado e representantes de interesses par outro (sabretudo na chamadaadministracao aut6norna). Edecisivo tadavia que a trabalho rotineiro esteja en­tregue, de maneira predominante e progressiva, ao elemento burocriitico. Tadaa hist6ria do desenvolvimento do Estado moderno, particularmente, identifica-secom a cia moderna burocrada e da ernpresa burocriitica, da mesrna forma quetada a evolucao do grande capitalismo moderno se identifica com a burocrati­za<,;Jio crescente das ernpresas econ6micas. As formas de dorrunacao burocriticaestao em ascensao em todas as partes.

3. A burocracia nao e a unico tipo de dorninacao legal. Os funcionariosdesignados pot turno, par sorte au pot e!ei<,;Jio, a administracao pelos parla­mentes e pelos comites, assim como todas as madalidades de corpos coIegiadosde governo e adrninistracao correspondem a esse conceito, sempre que suacompetencta esteja fundada sabre regras estatuidas e que a exercicio do direitode dominio seja congruente com a tipo de adrninistracao legal. Na epoca dafundacao do Fstado moderno, as corporaeoes colegiadas contribuiram de ma­neira decisiva para a desenvolvimento da forma de dominaeao legal, e a con­ceita de "services", em particular, deve-lhes a sua existencia. Por outre lado, aburocracia eletiva desempenha pape! importante na hist6ria anterior a ciaadministra<,;Jio burocriitica moderna (e tambem hoje nas dernocracias).

II.

A dorrunacto ''t:radidonal'' e a que existe em virtude de crenca na santidadedas ordenacoes e dos poderes senhoriais de hi muito tempo existentes. 0 seutipo mais puro e a da dominacao patriarcal. A assodacao de dorninio e de ca­titer comunitirio. 0 tipo daque!e que manda e a "f"nhor", e os que obedecemsao os "suditos". Obedeoe-se a pessoa ern virtude de sua dignidade pr6prla,santificada pela tradi<,;Jio: par fidelidade. 0 conteUdo das ordens esta fixado pelatradi<,;Jio, euja viola<,;Jio por parte do senhor poria ern perigo a legitimidade doSell proprio dominlo, que repousa exclusivamente na santidade delas. Em prin­cipio, considera-se impassive! ajar novo direito diante das norrnas e da tradi­<,;Jio. Consequenternente, isso se <la, de fato, atraves do "reconhedmenta" deurn estatuta "valido desde sernpre" (par "sabedoria"). Por outro lado, fora das

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normas tradidonais, a vontade qe senhor somente se acha fixada pelos limitesque em cada caso Ihe poe 0 sentimento de eqilidade, ou seja, de forma su­marnente elastica. Daf a divisao do seU domfnio em uma area estritamente fir­mada pelo tradicao e em outra, da graca e do arbitrio Iivres, onde age confonneseu prazer, sua simpatia ou sua antipatia, e de acordo com pontos de vista pu­ramente pessoais, sobretudo suscetivel de se deixarem influenciar por preferen.cias tambern pessoais. Nao obstante, na medida em que na base da admini­stracao e da composicao dos litigios existem principios, estes sao os da eqOi­dade etica material, da justica ou da utilidade pratica, mas nao os de caraterformal, como, par exemplo, na dorninacao legal. No quadro adm!nistrativo, ascoisas ocorrem exatamente da mesrna forma. Ela consta de dependentes pes­soais do "senhor" (farniliares ou funcionarics domesticos), de parentes, de ami­gos pessoais (favoritos), ou de pessoas que the estejarn ligadas par urn vinculode fidelidade (vassalos, prfncipes tributaries). Falta aqui 0 conceito burocraticode "cornpeteneia" como esfera de jurisdicao objetivarnente delimitada. A exten­sao do poder "legitimo" de mando do servidor particular e em cada caso re­guIado pela discri<;iio do senhor, da quaJ ele tarnbern e completamente depen­dente no exercido deste poder nos cargos mais Irnportantes ou mais altos. Defato, rege-se em grande parte pelo que os servtdores podem se permfrir perantea docilidade dos suditos, 0 que domina as relacoes do quadro administrativonao e 0 dever ou a disdplina objetivamente ligados ao cargo, mas a fidelidadepessoal do servidor.

Conforme a modalidade de posi<;iio desse quadro administrativo e possivelooservar, contudo, duas formas distintas em suas caraeterfsticas:

1. A estrutura totalmente patriarcal de adrninistracao. os servidores sao re­crutados em completa dependencia pessoal do senhor, seja sob a forma pura­mente patrimonial (escravos, servos, eunucos etc.), ou extrapatrimonial, de ca­madas nao totalmente desprovidas de direitos (favoritos, plebeus). A sua admi­nistracao e totalmente heteronorna e heterocefala: nao existe direito proprio al­gum do administrador sabre 0 cargo, mas tampouco existe seleeao profissionainem honea estamental para 0 fundonario, os rneios materials da administracaosao aplicados em nome do senhor e por sua conta. Sendo 0 quadro adminis­trativo inteiramente dependente dele, nao ha nenhuma garantia contra 0 seuarbftrio, cuja extensao possivel e, em conseqaenda disso, maior aqui do queem quaJquer outra parte. 0 tipo mais puro dessa dominacao e 0 sultanato. To­dos os verdadeiros "despotismos" tiveram esse carater, segundo 0 quaJ 0 do­mfnio e tratado como urn direito corrente do exercido do senhor.

2. A estrutura estamentaI: os servidores nao sao pessoalmente do senhor,e sim pessoas independentes, de posi<;iio propria, que angariam proernlnendasocial, Eles estao investidos em seu cargos (de modo efetivo ou conforme afic<;iio de legitimidade) par privilegio ou concessao do senhor, au possuem, emvirtude de um neg6cio jurfdico (compra, penhora au arrendamento) urn direitoproprio ao cargo, do qual nao se pode despoia-los arbitrariarnente. Assim, asua administracao, ainda que limitada, e autocefala e autonorna, exercendo-separ conta propria e nao por causa do senhor. E a dominacao estamental. Acompencao dos titulares dos cargos em relacao ao ilmbito dos mesmos (e desuas rendas) determina a delirnitacao reciproca dos seus conteudos administra-

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tiV05 e figura no lugar da "competenda". A articula.,ao hierarqulca e frequen­temente fetida pelo prtvilegio, falta a disciplina 0 conceito de disciplina, As re­lacoes sociais e gerais sao reguladas pela tradicao, pelo prlvilegio, pelas relacoesde fidelidade feudais ou "patnmoniais", pela honra estamental e pela ''OOa von­tade". 0 poder senhortal acha-se, pois, repartido entre 0 senhor e 0 quadroadministrativo com titulo de proprledade e de privilegio, e esta divisao de po­deres estamental imprime um earater altarnente estereotipado ao tlpo de admi­nistra.,ao.

A dorrunacao patriarcal (do pal de familia, do chefe da parentela ou do"so1Jerano") nao esenao 0 tipo mais puro da dorninacao tradicional. Toda sortede chefe que assume a autoridade legftima com urn exito que deriva simples­mente do habito inveterado pertence a mesma categorla, ainda que nao apre­sente uma caracterizacao tao clara. A fidelidade inculcada pela educacao e pelohabito nas relacoes da crianca com 0 chefe da familia constitui 0 contraste maistipico com a posi.,ao do trabalhador ligado par contrato a uma empresa, deurn lado, e com a relacso religiosa emocional do membro de um comunidadecom rela.,ao a urn profeta, de outro. E, efetivamente, a assodacao domesncaconstitui uma celula reprodutora das relacoes tradlcionais de dominio. Os "fun­cionarios" tipicos do Estado patrimonial e feudal sao ernpregados dornesticosinicialmente encarregados de tarefas afetas puramente a admlnistracao domes­tica (senescal, camareiro, escancao, mordomo).

A coexistencia da esfera de atividade Iigada estritamente a tradl.,ao com ada atividade livre e comum a todas as formas de dominacao tradicional. NoMlbito desta esfera livre a a<,;ilo do senhor ou do seu quadro administrativotern que ser comprada ou conqulstada par meio de relacoes pessoais. 0 sistemade taxas tern af uma das suas origens, A falta de dlreito formal, que e de im­portancia decisiva, e sua suhstitui.,ao pelo predominio de principios materiais(em contraste com 05 prindpios formais) na admlnistracao e na conciliacao deIitigios, e tarnbern comum a todas as formas de dorninacao tradlcional e ternconsequencias de amplo alcance, em particular no que dlz respeito Ii relacaocom a economia. 0 patriarca, assim como 0 senhor patrimonial, rege e decidesegundo principios da "justl<;a de Cadi" (islamico), 00 seja, par urn lado, presoestritarnente a tradi.,ao, mas por outro, e na medida em que esse vinculo deixaalguma Iiberdade, segundo pontes de vista juridicamente informais e irracionaisde equidade e justica em cada caso particular, e "com consideraeao da pessoa".Todas as codificacoes e leis da dorninacao patrimonial respitam 0 espfrito dochamado "Estado-Providencia": predornina uma cornbina.,ao de prindpios eti­co-sodais e utilitario-sociais que rompe tada rigidez juridlca formal.

A separacao entre as estl\l!UraS patriarcal e estamental da dominacao tra­dlcional e basica para tada sociologia do Estado da epoca pre-burocranca. Semduvida, 0 contraste somente se torna totalmente compreensfvel quando asso­ciado ao seu aspecto econOrnico, de que se falarli mais adlante. separacao doquadro administrative com rela.,ao a05 rneios materiais de adrnimstracao, auapropriacao desses meios par aqueles quadros. Tada a questiio sabre a exis­tenda de "estamentos" que tenham side portadores de bens culturais ideais esabre quais tenha sido depende histortcamente, em primeiro lugar, dessa sepa­ra<,;ilo. A admirustracao por meio de elementos patrimoniais dependentes (escra-

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vos, servos tal como e encontracla no Oriente Medio e no Egito are a epocados mamelucos, constttuio tipo rnais extremo e aparentemente (nem semprena realiclade) mais consequente do domfnio puramente patriarcal, absoiutamen­te desprovido de estamentos, A administracao par meio de plebeus llvres si­tua-se proximo do sistema burocr:1tico racional. A adrnlntstracto par meio deletrados pode se revestir, segundo 0 car:iter deles (contraste tipico: br:1maneshindus de um lado e mandarins chineses de outro, e, em confronto com ambos,clerigos budistas e cristaos), de formas muito diferentes, aproximando-se seen­pre, porem, do tipo estamental. Este e representado na sua forma rnais nftidana administracao pela nobreza e, na sua modaliclade mais pura, pelo feuclalis­mo, que coloca a rela",ao de lealclade totalmente pessoal e 0 apelo a honraestamental do cavaleiro investido no cargo no lugar cia obrigacao objetiva ra­cional devicla ao proprio cargo.

Toda forma de dominacao estamental baseacla numa aproprtacao mais aumenos fixa do poder de administra",ao encontra-se, relativamente ao patriarca­lismo, rnais proxima cia dorninacao legal, pois se reveste, em virtude das ga­rantias que cercam as cornpetencias dos privilegiados, de urn "fundarnento ju­rfdico" de tipo especial (consequencia cia "divisilo de poderes" estarnental), quefalta as contiguracoes de car:iter patriarcal, com suas administracoes totalmentedependente do arbitrio do senhor. POl' outro lado, porem, a disciplina rigida ea falta de direito proprio do quadro administrativo do patriarcalismo situaen-setecnicarnente mais proximas cia disciplina do cargo cia dominacao legal do quea administracao fragmentacla pela apropriacao e, por conseguinte, estereotipadadas configura<;5es estamentals. 0 ernprego de plebeus (juristas) a service dosenhor, na Europa, praticamente constituiu 0 elemento precursor do Estado rno­derno.

III.

Dorninacao "carisrrultica" em virtude de devocao afetiva apessoa do senhore a seus dotes sobrenaturais (carisma) e, particularmente, a faculclades magicas,revelacoes ou herofsmo, poder intelectual ou de orat6ria; 0 sempre novo, 0

exrra-coddiano, 0 inaudito e 0 arrebatamento ernotivo que provocam, consti­tuem aqui a fonte cia devocao pessoal. Seus tipos mais puros silo a dormnacaodo profeta, do her6i guerreiro e do grande demagogo. A associacao dominantee de car:iter cornunitario, na comuniclade e no obsequio - "sequito", 0 tipoque mancla e 0 lfder; 0 tipo que obedece e 0 "apostolo", Obedece-se exclu­sivamente a pessoa do lfder devido as suas qualiclades exoepcionais e ruio emvirtude de uma posicao estatuicla au de uma digniclade tradicional; portanto,tambem sornente enquanto essas qualiclades the silo atribuidas, ou seja, enquan­to seu carisma subsiste. POI' outro lado, quando e "abandonado" pelo seu deusou quando decai a sua forca her6ica ou a fe dos que creem em suas qualidadesde lfder, entao seu domfnio tarnbern se torna caduco. 0 quadro administrativoe escolhido segundo carisma e vocacao pessoais, ruio devido a quahficacao pro­fissional (como 0 funcionario), a posicao (como no quadro admirtistrativo esta­mental) ou a dependencia pessoal, de car:1ter dornestico ou outro (como e 0

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caso do quadro administrativo patriarcal). Falta aqui 0 conceito racional de"competencia", assim como 0 estamental de "prtvilegio", A rnissao do senhor esua qualificacao carismatica pessoal sao exclusivarnente deterrninantes da ex- .tensao da legitirnidade do sequaz designado au do ap6stolo. A admlnistracao- na medida em que assim se JXl6Sa dizer - carece de qualquer orientacsodada par regras, sejam elas estatuldas au tradidonais. sao caraeterfsticas dela,sobretudo, a revelacao au a criar;ao momentinea, a ar;ao e 0 exemplo, as de­cis5es particulares, au seja, em qualquer caso - medido com a escala das or­denacoes estatuldas - a irraciona\. Nao esta presa a tradir;ao: "esta escrito, po­rem, eu lhes digo..." vale para 0 profeta, enquanto para 0 her6i guerreiro daespada, e para a dernagogo, em virtude do "direito natural" revolucionario queele proclama e sugere, A forma genuina da jUrlsdir;ao e a conciliacao de litigioscarisrnaticos e a proclamacao da sentenca pelo senhor au pelo "sabio" e suaaceitacao pela comunidade (de defesa au de crenca); esta sentenca e obrigatbrlasempre que nao se the oponha outra corrente, de carater tarnbern cansmanco,Neste caso, encontramo-nos diante de uma luta de lideres, que, em Ultima ins­tancia, s6 pode set resolvida pela conflanca da comunidade e na qual a direitosomente pode estar de urn dos lados, ao passo que para a DUtro somente podeexlstir iniustica merecedora de castigo.

1.) 0 tipo de dominacao carismatica foi brilhantemente descrito pela pri­meira vel, ainda que sem apreda-la como tipo, por R Sohm em sua obra sabreo direito eclesidstico para a antigo comunidade cristiI. A partir de entao, aexpressao foi sendo reiteradamente utilizada, sem que sua extensao, porem, fos­se apreciada por completo. 0 passado remota somente conhece, ao lado detentativas insignificantes de dominio "estatuido", que sem dUvida niio estao to­talmente ausentes, a divisao do conjunto de todas as relacoes de dominacaoem tradicao e carisma. Ao lado do "chefe econ6rnico" (sachem) dos indios (nor­teamerlcanos), tipo essencialmente tradidonal, figura 0 principe guerreiro carts­matico (que corresponde ao "duque" alemao) com seu sequito, As cacas e ascampanhas belicas, que requerem ambas urn Mer pessoal dorado de qualidadesexcepcionais, constituem a area mundana da lideranca carismatica, enquantoque a magia constitui a seu ambito "espiritual". A partir de entia, a dorninacaocarisrnatica dos profetas e dos principes guerreiros estende-se sabre os homens,em todas as epocas, atraves dos seculos, 0 politico carismatico - a "demago­go" - e urn produto da cidade-estado ocidental; na ddade-estado de Jerusalemsomente aparecia com vestimenta religiosa, como profeta. Ja em Arenas, a partirdas inovacoes de Pericles e Efialtes (na reforma constitucional dernocratica de462 antes de CrIsto), a Constituir;ao ajustava-se exatamente a sua medida e rna­quina estatal niio teria podido fundonar sem ele.

2.) A autoridade carismatica baseia-se na "crenca'' no profeta ou no "re­conhecimento" que pessoalmente 0 her6i guerreiro, 0 her6i da rua e a derna­gogo encontram, e com eles cai. E, todavia, sua autoridade nao deriva de formaalgurna desse reconhecimento par parte dos submetidos mas, ao contrario, afe e a reconhecimento sao considerados urn clever cujo a.unprimeito aqueleque se ap6ia na Iegitimidade carismatica exlsge para si, e cuja negligencta epassivel de castigo. Sem dovtda, a autoridade carisrnatica e uma das grandes

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foreas revoludonanas da Hist6ria, porern em sua forma totalmente pura temcarater eminentemente autoritario e dominador.

3.) Eevidente que a expressao "carismatica" e empregada aqui num sentidoplenamente livre de "julzos de valor". Para 0 sociologo, a c6lera rnanlaca do"homem-fera" (berserker) n6rdico, os milagres e as revelacoes de qualquer pro­feta de esquina, au os dotes demag6gicos de deonte (lider da fac910 oposi­cionista do partido democratico contra Pericles em Atenas, de 431 a 422 antesde Cristo) sao "carisma" com 0 mesmo titulo que as qualidades de urn Napa­leao, de urn Jesus au de urn Pericles. Porque para n6s 0 decisive e se forarnconsiderados au se atuaram como tai, vale dizer, se encontraram au nao re­conhecimento. 0 pressuposto indispensavel para isso e "fazer-se acreditar": 0senhor carisrnatico tem de se fazer acreditar como senhor "pela graca de Deus",par meio de milagres, exitos e prosperidade do sequito e dos suditos Se lhefalha 0 exito, seu dominio oscila. Esse conceito carisrnatico da graca divina teveconsequencias dedsivas onde vigorou. 0 monarca chines via-se arneacado emsua posicao tao logo a seca, inundacoes, perda de colheitas au outras calami­dades punham em tela de jufzo se estava au nao sob a protecao do ceu, Tinhade proceder it auto-acusacao publica e de praticar penitencia e, se a calamidadepersistia, ameacavam-no de queda do trono e ainda eventualmente de sacrifido.o fazer-se acreditar par meio de milagres era exigido de todo profeta (comoainda fizeram com Lutero os fanaticos de Zwickau).

A subsistencia da grande maiaria das relacoes de dominio de carater fun­damental legal repousa, na medida em que contribui para sua estabilidade, nacrenca na legitimidade sabre bases mistas: 0 habito tradicional e 0 "prestigio"(carisma) figuram ao lado da cren~ - iguaimente inveterada, no final das con­las - na importilnda da iegitimidade formal. A comocao de uma dessas basespar exigencias postas aos suditos de forma contraria it ditada pela tradlcao, paruma adversidade aniquiladora do prestigio au par violacao da correta formalegal usual, abala igualmente a crenca na legitimidade. Contudo, para a subsis­tencia continuada da subrnissao efetiva dos dominados, em todas as relacoesde dominio e de suma importancia 0 fato primordial da existencia do quadroadministrativo e de sua atuacao ininterrupta no sentido de executar as ordena­<;;6es e de assegurar (direta au indiretamente) a subrnissao a elas. A segurancadessa a910 realizadora do dominio e 0 que se designa "organizacao". E paraa leaidade do quadro administrativo perante 0 senhor, tao importante segundoo que se acaba de ver, e par sua vez decisiva a solidariedade - tanto idealquanto material - de interesses com relaeao a ele. No que diz respeito as re­lacoes do senhor com 0 quadro administrativo, normalmente 0 senhor, em vir­tude do isolamento dos membros desse quadro e da solidariedade de cada urndeles para com ele mesmo, e 0 mals forte diante de cada indivfduo renitente,porern e em todo caso 0 mais fraco, se estes - como tem ocorrido ocasional­mente, tanto no passado quanto no presente - se associarn entre si. Requer-se,todavia, um acordo cuidadosamente planejado entre os membros do quadro ad­ministrativo para bloquear, par meio da obstru91o au da reacao deliberada, aInfluencta do senhor sobre a sua associacao e, par essas vias, paralisar 0 seudominio. E isso requer, da mesma forma, a criacao de urn quadro administrativoproprio.

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4.) A dominacao carismiitica e uma rela~o social especificamente extraco­tidlana e puramente pessoal. E, no caso de subsistencia continuada, a mais tar­dar com 0 desaparecimento do portador do carisma, a relacao do domfnio ­quando nso se extingue de imediato mas subsiste de alguma forma, passandoa autoridade do senhor a seus sucessores - tende a se tamar rotineira, coti­diana. Isso pode ocorrer: 1. Por conversao das ordenacoes carismiiticas para 0

tipo tradidonal. No lugar da reiterada recriacao carismiitica na [urtsprudenda ena ordem adm1nistrativa pelo portador do carisma, au pelo quadro adm1nistra­tivo carismaticarnente qualificado, introduz-se a autoridade dos prejuizos e desprocedentes, que os protegern au \hes SaO atribuides. 2. Pela passagem do qua­dro adm1nistrativo carismiitico, isto e, do apostolado au do sequito, a urn qua­dro legal ou estarnental mediante assuncao de direitos de dominacao internaau apropnados par privilegio (feudos, prebendas). 3. Por transformacao do sen­tido do pr6prio carisma. E determinante para isso 0 tipo de solucao da palpi­tante quest1io, tanto par motivos ideals como materiais (sobremaneira frequen­tes), do problema da sucessao,

A sucess1io pode processar-se de diversas maneiras. A mera espera passivado aparecimento de urn novo senhor carismaticamente ereditado au qualificadocosturna ser substituida - sobretudo quando se prolonga e interesses podero­50S de qualquer natureza se acham ligados a subsistencla da assodaeao domi­nante - pela atuacao direta, tendo em vista a sua obtencao:

a. pela busca de indfdos da qualiftcacto carismatica Urn tipo bastante putoe 0 da busca de urn novo Dalai Lama (no TIbete). a carater estritarnente pessoale extraordinario do carisma converte-se assim num atributo suscetivel de veri­flcacao conforme regras;

b. par rneio do oraculo, da sorte au de oUtras tecrucas de designacao. Acrenca na pessoa do qualificado converte-se assim em crenca na tecnica cor­respondente;

c. par designacao do qualificado carismaticarnente, que par sua Vf2. podeocorrer de vanes modes.

1) Pelo proprio portador do carisma. E a designa.,ao do sucessor, formamulto frequente, tanto entre os profetas como entre os ptindpes guerreiros, Acrenca na legitirnidade pr6pria do carisma converte-se assim na crenca na aqui­sl.,ao legitima do domfnio em virtude de designacao jurfdica au divina.

2) Por urn apostolado ou urn sequito carismaticamente qualificados, ao qualse soma 0 reconhecirnento pela comunidade religlosa au rnilitar, conforme 0

caso. A concepcao deste procedimento como direito de "elei.,ad' ou de "pre­elel~o" e secundaria. Este concelto moderno deve ser inteiramente descartado.Com efeito, de acordo com a ideia originaria, nso se trata de uma "vota~o"

referente a candidatos elegiveis entre os quais se de uma elei.,ao livre, mas dacornprovacao e do reconhecirnento certo daquele qualificado carismaticarnentee chamado a assurnir a sucessao, Uma "elei.,ao" erronea constituiria, par con­seguinte, uma iniustica a ser expiada. a postulado propriarnente dito compor­tava erro de debilidade. Em todo 0 caso, a crenca ja nao era diretamente napessoa como tal, mas no "senhor" correta e validamente "designado" (e even-

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tua1mente entronizado) au instaurado de alguma outra forma de poder, comourn objeto de posse;

3) Por "carisma hereditario", na ideia de que a qualificacao carismatica estano sangue, 0 pensamento ern si, obviamente, e prirneiro 0 de urn direito "desucessao'' no dominio. Este pensamento somente se impos no Ocidente na lda­de Media, Freqiienternente 0 carisma esta ligado a familia e 0 novo portadorefetivo tem, primeiro, de ser determfnado especiaimente, segundo uma das re­gras e dos metoda; rnendonados nos nurneros 1 a 3, Onde quer que existamregras flxas com relacao a pessoa, estas nao sao uniformes, Somente no Oci­dente Medieval e no Japia foi impasto sem excecao e de modo unlvoco 0

"direito hereditario da primogenltura", com consideravel esforco da dominaclocorrespondente, ja que todas as autras formas au as demais formas apretensaodo domfnio e neste caso inteiramente independente das qualidades pessoais,

4) Por objetiva¢o ritual do carisma, ou seja, na crenca de que se trata deuma qualidade rnagica transferivel ou susceptivel de ser produzida medianteuma determinada espede de hierurgia (a¢o sacerdotal: un¢o, Impostcso demaos au outras acoes sacramentais), Entao, a crenca ja nao esta ligada apessoado portador do carisma - de cujas qualidades a pretensao de domfnio e antesabsolutamente independente, como aparece de forma especialmente clara noprincipio cat61ico do "carater indelevel" do sacerdote - mas a eficida do atosacramental em questao,

5) 0 principio carisrnatico de legitimidade, interpretado conforme seu sig­nificado primario em sentido autoritario, pode ser reinterpretado de forma an­ti-autoritaria. A vaIidade efetiva da dominacao carismitica baseia-se no reco­nhedrnento da pessoa conereta oorno carismaticarnente qualificada e acreditadapar parte dos suditos. Conforme a concepcao genufna do carisma, este reco­nhedmento e devido ao pretendente legitimo, enquanto qualificado. Esta rela­¢o, todavia, pode fadlmente ser interpretada, par desvio, no sentido de urnreconhedmento livre por fundamento (legitimidade democratica). Nestas con­di<;Oes, 0 reconhedmento converte-se em "elei¢o", e 0 senhor, legitimado emvirtude do seu proprio carisma, converte-se em detentor de poder par gracados suditos e em virtude de mandato. Tanto a designacao pelo sequno, comoa aclamacao pela comunidade (militar au religiosa), au 0 plebisdto adotaramfrequcntemente na Hist6ria 0 carater de uma eleicao efetuada par votacao, con­vertendo deste modo 0 senhor, escolhido em virtude de suas pretens5es caris­rnaticas, nurn fundonario eleito pelos suditcs conforme sua vontade livre,

E de forma analoga converte-se fadlmente 0 principio carisrnatico, segundoo qual uma ordem juridica carismatica deve ser anunciada a comunidade (dedefesa au religiosa) e ser reconhedda par esta, de modo que a possibilidadede que conoorram ordens diversas e opastas possa ser deddida par rneios ca­risrnaticos e, em Ultima instilnda, pela adesao da comunidade a ordenacao cor­reta, na representacao - legal - segundo a qual ,os sUdita; deddem livrementemediante manifestacao da sua vontade sabre 0 direito que prevalecera, sendoo c6rnputo das vozes 0 meio legitimo para isso (principio majoritirlo).

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A diferenc;a entre urn Uder eleito e urn funcionario eleito ji nao passa, nes­sas condicoes, do sentido que 0 proprio eleito de a sua atitude e- conformecom as suas qualidades pessoais - tenha oondiifles para imprimir ao quadroadministrativo e aos suditos, 0 funcionario cornportar-se-a em tudo como man­datario do seu senhot - aqui, pais, dos eleitores - e 0 lider, diversamente,agiri como responsavel exclusivamente perante si pr6prio. au seja, enquantoaspire oom extto it oonfianc;a daqueles, agiri estritamente segundo seu proprioatbftrio (democracia de caudilho) e nao oomo funcionirio, consoante a vontade,expressa ou suposta (nurn "mandato imperativo") dos eleitores,

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....,J",....... _ --

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o SENTIOO DA "NEUTRAUDADEAXIOL6GICA" NAS QENQAS SOQAIS E

ECON6.MICAS 1

1917

I. Avalia¢>es praticas no ensino academico, Formacao profissional e ava­lia<;l[o feita pela catedra,

II. Separacao fundamental entre 0 conhedrnento de natureza purarnente16gica e empirica e a avaliacao valorativa: prcolemancas heterogeneas. 0 con­ceito de "julzo de valor".

A critica referente aseparacao entre "meios" e "fins". Esferas heteronomicasde validade dos imperatives praticos e de constatacoes factuais de carater em­pirieo. Normas eticas e ideais culturais: "lirnites da et:!ca". Tens5es entre a encae outras maneiras "valorativas", A luta entre "eticas", a verdade cia experiencia,teoria de valor e de vlsifo pessoa\. Discussiio de valores e ioterpretaeoes devalores. "Tendencia de evolucao" e "adaptacao". 0 eonceito de "progresso". Pro­gresso raciona\. 0 lugar do "norrnativo" nas clisciplinas empirlcas.

XIII

o SENTIOO DA "NElITRAIlDADE AXIOLOGlCA" EM OENCIASSOOAIS E ECONOMICAS

1 Devo lembrar 0 qJe foi dito em eosalce anteriore:s (06 defenos de certas formuJ~ noloafetam OS pontes essenciais) e, no que diz respeitc ao "carater inconciHavel" de certas posturasaxiol6g1cas iiltimas, quem menclonar 0 livro de G. Radbroch, Eiifiihrnng in die Jlechtswissenschaft2' 00., 1913 (lntroc....;.o il jurispIUd<!nda). Disccrdo com ele em alguns pontes, 0 que, enrretanto,nila tern importinda para 0 problema aqui dtscutido,

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Neste texto, quando utilizarmos 0 tenn6';;;;li;~, seu sentido sera, sem­pre que nada rnais esteja implicito ou expressamente afirmado, 0 de juizos devalor praticos quanto ao carater Insatisfat6rio ou satisfat6rio de fenomenos su­[eitos a nossa influencia. 0 problerna envolvido em estar detenninada disciplina"livre" de avaliacoes dessa especie, isto e, a validade e 0 significado desse prin­cipio l6gico, de modo algum e identico aquestao que sera em breve discutida,ou seja, se, na atividade docente, deve-se ou nao declarar sua aceitacao de ava­lia~ praticas, independente de se fundamentarem elas em principios eticos,ideais culturais ou pontes de vista filosoficos, Esta questiio nao pode ser pro­posta dentiflcamerneEla e em si, inteil'amente, urna questiio de avallacao pra­tica e, par isso, nao pode ser definitivamente resolvida. Com referenda a esseterna, defendem-se opini6es extrernamente diversas, das quais mencionaremosapenas os dois extremes, Em urn dos p6105 encontra-se (a) 0 ponto de vistade que evalido distinguir entre, por um lado, afirmacoes jedutiveis de maneirapuramente logtca e aflrrnacoes puramente ernpfricas 7.':.~ outro, avaliacoespraticas, eticas ou filosoficas, mas que, nao obstante - ou talvez por isso rnes­mo -, essas duas classes de problemas sao, adequadamente, de competenciada universidade. No outro p610, encontra-se (b) a proposicao de que, mesmoquando a distincao nso pode ser feita de maneira logicamente completa, e naoobstante desejavel que a declaracao de avaliacoes praticas deveria ser evitadao quanto posslvel na atividade docente.

Este segundo ponto de vista parece-me ser insustentavel, Especialmente In­sustentavel e a dtstincto, muito freqCJentemente feita em nossa area, entre ava­lia~ vinculadas a poslcoes de "partidos politicos" e outros tipos de avaliacao,Nao se pode fazer essa dlstincao de maneira sensata: ela encobre as implicacoespraticas das avallacoes que sao expostas ao publico, Uma vez que se admitaa declaracao de avallacoes em prelecoes na universidade, a alegacao de queo professor universitario deveria ser totalmente destitufdo de "paixiio" e de quedeveria evitar todos 05 assuntos que arneacassern introduzir ernocao nas con­troversias e urna opiniao estreita e burocratica que todo professor de espiritoindependente deve repudian

Dos acadernicos que julgavam nao dever renunciar a declaracao de ava­liacoes praticas em discussoes empfricas, os mais apaixonados - comoTreitschke e, a seu modo, Mommsen - eram 05 mais satisfatorios, Em conse­quenda de seu tam intensamente emocional, 05 que 05 ouviam tinham condi­~ de nao levar em conta a influencia de suas avaliacoes em qualquer dis­torcao d05 fates que ocorresse, Assim, 0 publico fazia par SI pr6prio 0 que osexpositores nao podiam fazer devido a seu temperamento, 0 efelto sobre amente d05 estudantes devia produzir a mesma profundidade de sentimento mo­ral que, em rninha opiniao, querem assegurar 05 que prop6em a declaracaode avaliacoes praticas no ensino - porem, sem que 0 publico fique confusoquanta a distincao l6gica entre 05 diversos tipos de proposicao, £,st;!_confusao_()(»nera,n=sariamente,._sempreque~exposi,.aodQL!atos .emptricos e..aexortacao a que se adote detenninado ponto de vista avaliativo sobre temasimportantes se facam com 0 mesmo tom de fria imparcialidade.

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o primeiro ponto de vista (a) e aceitavel, e pode ser de fato aceltavel daperspetiva dos que 0 propoern, apenas quando 0 professor veja como deverincondicional seu - em cada caso individual, ate mesmo ao ponto de implicaro pertgo de tomar sua prelecao menos estimulante - tornar absolutamente cla­ro para seu publico, e especialmente para si proprio, quais~s afirma<;5essao fates logicamente dedutfveis ou empiricamente observados quais sao aflr­ma¢es de avaliacao pranca. Quando se tenha adm/tido a di c;ao entre essasduas esferasl.parece-me que faze-lo e uma exigencia imperativa de honestidadelntelectual. E, neste caso, 0 requisito absolutamente minima.

Por outro lado, a questao de se dever, em geral, declarar avaliacoes pratieasna atividade docente, ainda que com essa reserva, e uma questao de politicauniversitaria pratica. Por causa disso, em Ultima analise, deve-se decidir comreferenda apenas aquelas tarefas que 0 individuo, segundo seu proprio quadrode valores, atribui as universidades. Aqueles que, com base em suas qualifica­~6es coma professores universitarios, atrlbuem as universidades, e desse modoa si mesmos, 0 papel universal de formacao do carater, de Inculcacao de crencaspoliticas, eticas, esteticas, culturais ou de outras crencas, assumiriio posic;ao di­versa das dos que julgam necessario afirmar a proposicao, e suas implicacoes,de que 0 ensino universitario somente alcanca resultados realmente valiososmediante formacao especializada dada par pessoas especialmente qualificadas.Daf ser a ''integridade intelecrual" a uruca virtude especifica que as universida­des deverlam procurar inculcar. 0 prirneiro ponto de vista pode Set defendidoa partir de tantas diversas posicoes avaliativas finals quanta 0 segundo. 0 se­gundo - de que sou pessoalmente adepto - pede provir de uma apredacsoa mais entusiastica, bern como de uma apredacao inteiramente moderada, dosignificado de 'formacao especializada". Para defender essa posicao, nao e pre­ciso ter a opiniao de que todos deveriarn tornar-se, 0 quanto possivel, urn"especialista" puro. Ao contriirio, pode-se a.ds~:iicla_Q9Lm:~esejarver as~~_ pessoais mais .profuridas e. essendais que alguemdeJ!l!JQmar, relati­vamenre a propria vida, serem tratadas exatamente como se fosserna .mcsrnacoisa que uma formacao especializada. Pode-se assumir essa posicao, por matselevado que seja 0 julgamento que se faca do significado da formacao espe­cializada, roo s6 em prol da formacao intelectual geral mas, indiretamente, tam­bern em prol da autodisciplina e da atitude etica do jovem. Outra razao paraassumir essa posicao e roo se desejar ver 0 estudante tao influenaado ..pelassugestoes do professor, a ponto de Set impedido de resolver os proprios pro­blemas de conformidade com os ditames de sua conscienda,

A tendenda favoravel do professor von Schmoller a que 0 professor declareas pr6prias avaliacoes na sala de aula e, para mim, perfeitamente compreensivelcomo repercussao de uma epoca grandiosa que ele e seus amigos contrlbuirampara eriar. Nem mesmo ele, porem, pede negar 0 fato de que, para a geraeaomais jovem, a situacao objetiva modificou-se consideravelmente sob urn aspectoimportante. Ha quarenta anos arras, havia, entre os especialistas atuantes emnossa disciplina, a crenca muito difundida de que, dos diversos pontos de vistapossiveis no dominio das avalia¢es prattco-politicas, apenas urn era, essencial­mente, 0 uruco eticamente correto. (0 pr6prio Schrnoller s6 assumiu essa po­sic;ao ate certo ponto.) Hoje em dia, jii roo e isso que sucede entre os quepropOem a declaracao das avallacoes dos professores - como se pode observar

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imediatamente. ]a nao se defende mais a legitimidade da dedaraeao de avaJia­<;iIo do professor em nome de urn imperativo €:tico alicercado num postuladode justica, relativamente simples, que, nao apenas em suas bases ultirnas, comotambem em suas consequendas, em parte era e ern parte parecia ser relativa­mente inequfvoco e, sobretudo, relativamente impessoal, em consequenda deSell carater espedficamente transpessoal. Alem disso, como resultado deurn decsenvolvimento inevitavel, isso se faz agora em nome de uma colcha de retalhosde "avaliacoes culturais", isto e, reivindicacoes culturais realmente subjetivas,LlU,de maneira bastante franca, em nome dos alegados "direitos de personalidade"do professor. Pode-se ficar indignado quanto a esse ponto de vista, mas ...:... iiOrser ele uma "avaJia<;ilo pratiea" - nao se pode refuta-lo. De todos os ti~ deprofecia, essedpo de profeda professoral de coloracao "pessoal" e o rnais"re­pugnante. -Nao ha preeedentes de uma situacao como essa, em que grancte'ii(i:

'mero de profetas oflcialrnente nomeados fazem sua pregacao, ou fazem suasproftssoes de fe, nao como outros profetas fazem, nas ruas, nas igrejas ou emoutros lugares pUblicos - au, quando de modo privado, em reunic3es fechadasde adeptos pessoalmente escolhidos - antes, porem, considerando-se os maisqualificados para enundar suas avaliacoes sobre questc3es essenciais "em nomeda ciencia" e na tranqOilidade cuidadosamente protegida de salas de aula pri­vilegiadas pelo governo, dentro das quais nao podern ser controlados, ou con­frontados pela discussao, ou submetidos :l. contestacao.

Ii urn velho axioma, vividamente adotado par Schmoller em certa ocasiao,que 0 que ocorre em sala de aula devetia ser inteiramente confidendal e rnoestar sujeito a discussao pobllca. Embora se possa sustentar que, mesmo parafins puramente acaderrucos, isso tenha vez par outra determinadas desvanta­gens, ~minha qpjl-Jiao,gue wna."prele<;il()"deyeriaser diferente deUl))_"~so". 0 rigor ilimitado, a fatualidade e a sobrledade da prelecaose detertoratn,com claras perdas pedag6gicas, desde que se tome objeto de publtddade.porexemplo, atraves da imprensa. Apenas na esfera de suas qualificacoes espeda­lizadas e que 0 professor universitario tern direito a esse privilegio de liberdadede flscalizacao ou publiddade extema. Nao hi, contudo, qualificacao especia­lizada para a profeda pessoal e, por essa ramo, nao se Ihe devia atribuir 0

privilegio da liberdade diante da contestacao e do escrutfnio publtco. Alem dis­so, nao se deveria tirar partido do fato de que 0 estudante, a lim de tomar Sell

rumo na vida, deva frequentar detenninadas instituicoes educadonais e assistira cursos de determinados professores, disso resultando que, acrescido ao queele necessita - isto e, 0 estimulo e 0 cultivo de sua capaddade de compre­ensao e radodnio e urn determinado conjunto de informacao fatual -, recebatarnbern, furtivamente embutido no meio daquilo, a propria atitude do professorperante 0 mundo, a qual, multo embora as vezes interessante, freqOentementee sem impottinda e, ern todo caso, nao e submelida a qx»i<;iio e a contestacao,

Como qualquer outra pessoa, 0 professor tern outras oportunidades paraa propagacao de seus ideais. Quando faltam tais oportunidades, ele pode fa­dlmente rna-las de maneira apropriada, como tern demonstrado a experiendano caso de cada ilustre tentativa. Mas 0 professor nao deveria reivindicar 0 di­reito de, como professor, trazer em sua mochila 0 bastso da autoridade do ho­mem de Estado ou do reformador cultural. Contudo, e exatamente isso que fazao se utilizar da inatingibilidade da tribuna da prelecao acadernica para a ex-

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pressao de sentimentos politicos - ou cultural-politicos. Na imprensa, em reu­ni5es publicas, em associacoes, em ensaios, em todo caminho aberto a qualqueroutro cidadao, ele pode e deveria fazer aquila que seu Deus, au seu dernonio,lhe exige. De seu professor na sala de aula, a estudante deveria receber a fa-

t!a.J!dade de contentar-se com a execucao ponderada de uma dada tarefa; de

t: reconhecer os fates, mesmo os que possam ser pessoalmente desagradaveis, ede distingui-los de suas pr6prias avaliacoes, Deveria aprender, tambem, a su­jeitar-se a sua tarefa e a reprimir 0 impulso de exibir desnecessariamente suassensacoes pessoais ou outros estados emocionais. Isto e muitfssimo rnais im­portante hoje em dia do que ha quarenta anos, quando 0 problema sequer exis­tia em sua forma atual. Nilo e verdade - como muitos tern insistido - quea "personalidade" e e devetia ser urn "todo", no sentido de que ela se defonnaquando roo se manifesta em todas as ocasioes possiveis,

Toda tarefa profissional tern suas "resraeabili~~~' ..Il-r6prias e .~.~~aa:::ae..awrdQ..glmjsso. Na execucao sua responsabilidade profissio-.5 nal, uma pessoa deve restringir-se apenas a ela e afastar 0 que quer que roo

pertenca estritarnente a ela - de modo especial seus amores e seus 6dios. Apersonalidade vigorosa nao se manifesta procurando dar urn ''toque pessoal" atodas as coisas, em todas as ocasi5es passiveis. A gera~o que agora se tornaadulta deveria, acima de tudo, habituar-se a ideia de que "ser uma personali­dade" e condicao que nao se pode levar a efeito intencionalmente apenas par­que se quer, e de que s6 ha urn meio pelo qual ela pode - talvez - serconseguida: au seja, a dedlcacao incondidonal a uma "tarefa", qualquer queseja ela - e as decorrentes "exigencias do rnomento'' -, em cada caso indi­vidual. .Ii de rnau gosto misturar assuntos pessoais,i!.:l¢lise~a!iza,¢l.~_

/ f'!IOS. Estaremos destituindo a palavrn "j5rofissao" Oil (mica acepeao significativa, que ainda possut, se nao nos conservarrnos fieis aquele genero espedfico de'/ !'ut9:restriS'!.().'l':'eela exige. Mas se 0 "culto da personalidade" em yoga procura

dominar 0 trona, 0 service publico ou 0 magisterio - sua eficida impressionaapenas superficialmente. Intrinsecamente, ela e muito insignificante e tern sem­pre consequencias danosas. Nilo seria necessario que eu enfatizasse que os quedefendem as opinioes contra as quais se dirige este ensaio muito pouco podemrealizar com essa especie de culto da "personalidade", exatamente par ser ele"pessoal", Em parte, veem as responsabilidades do professor universitario soburn anguio diferente, em parte tern outros ideais educadonais, que respeito,mas de que nilo partilho. Por essa razao, devemos considerar seriamente moapenas 0 que eles estao lutando par alcancar, mas tambem de que modo asopini5es, que legitimam par sua autoridade, influendam uma gera910 que japassui uma predisposicao extremamente pronundada a superestimar a propriaimportanda.

Finalmente, quase nao e precise assinalar que multo dos que se op5emostensivamente a declaracao academica de avaliacoes politicas nilo se juslificamde modo algum quando invocam 0 postuIado da "neutralidade etica", que fre­quentemente interpretam muito mal, para desacreditar as discuss6es culturais esodopoliticas que tern lugar em pUblico, afastadas na sala de aula da univer­sidade, A indubitavel existencia dessa tendenciosidade falsamente "neutra eli­camente" que, em nossa disciplina, mamfesta-se no sectarismo oostinado e de-

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liberado de poderosos grupos de interesse, explica porque urn numero signifi­cativo de eruditos intelectualmente honestos alnda persistern ern declarar pre­ferendas pessoais em sua atividade docente. Sao orgulhosos demais para seidentificarem oom essa falsa abstencao da avaliacao, A despeito disso, 000 queo que ern minha oplniao e certo deverla ser feito, e que a influenda das ava­li~ prancas de urn erudito, que se limita a lutar par elas ern ocasloes opor­tunas fora da sala de aula, tamar-se-a maior quando se souber que, dentro dasala de aula, ele tern a forea de carater para fazer exatamente aquilo para quefoi nomeaclo. Essas aflrmaeoes, porern, sao, par sua vez, todas elas, materia deavalla<;:io e,~nto, cieniillcaffiente "Indernoristravels. --

Em todo caso, ';-prlrldPi6furioamentai que justifica 0 costume de declararavalias:5es praticas na atividade dooente s6 se pode sustentar coerentementequando seus proponentes reivindiquern que se conceda, aos proponentes dasavaliacoes de todas as <JUtras faa;oes, a oportUnidade de dernonstrar, do altoda trilxJna academica, a validade de SU£lS avallacoes, 2 Na Alemanha, porem, ainsistenda sabre 0 direito de professores declararem suas preferendas tern esta­do associada exatamente ao oposto da exigenda de representacao 19ua\ de to­das as tendencias - inclusive das mals "extremadas". Schmoller julgava estarsendo perfeltarnente coerente ao declarar que "os rnarxistas e a escola de Man­chester" nao erarn qualificados para ocupar posicoes academicas, embora rnofosse tao injusto a ponto de ignorar suas reali~ intelectuals. Exatarnentequanto a esses pontos e que nunca pude concordar oom nosso reverenciadomestre. Evidentemente, rno se pede, nurn f6lego s6, justificar a expressiio dasavaliacoes na atividade dooente e - quando dar se tirarern as conclusoes ­acentuar que a universidade e uma lnsti1Ui91o do Estado destinada a forma91ode servidores pUblicos "fiefs". Tal procedimento faz da universidade rno umaescola tecnica especializada - que a rnuitos professores parece tao degradante-, antes porem urn serninario teoI6glco, embora sem possulr a dignidade re­ligiosa deste Oltimo.

Tem-se procurado colocar determinados limites puramente "\6gIcos" agarnade avalias:5es que seriam permitidas na docenda universit:1ria. Urn de nossosmais avaneados professores de direito explicou oerta vez, expondo par que seopunha a exclusiio dos socialistas de cargos universit:1rios, qu~Jaml~!!L.tJiIo

estaria<!i~o a admitir urn "anarquista" como professor de direito, l!fI!'l._ vezque c\5 anarquistas, em principio, negam a validade da lei- argumento SJ).!econsiderava definitivo. Minha oplniao e exatarnente contraria, Par ceItl2jJ!Il

anarquista pede ser urn born estudioso das leis. Ese ele 0 e, entao de fa19...Qponto central de suas convtccoes, que se encontra fora daiicoovens:5es e pres­supostos que se mostrarn tao evidentes para n6s, poderia capacit:1-lo a per~problemas nos postulados fundamentals da teorla juridica que escapam a quem

2 Dal nAo poderrros estar satisfeitos oorn 0 pdnciplo holando!s de Ii~o, ate rresreo dasfaculdades de teologia, das exig_ confesslonais, juntamente oom a liberdade de Be fundaremursversldades ohservadas as seguintes oondi~, garantla flnanceira, manuten<;io de ceres padroesquanlD a <fJ'lllfi~o de professores e 0 direito de do<a91o particular de c:itedras assodado aodireito do furdador de apresentar urn OOJpalU: para ela, Isso propordona vantagens aoe q.re dis­peen de grandes somas de dinheiro e aos 8lUP'" <pe 1:1 estilo no poder. Apenas drculos do clero,ao que saibamos, fizeram uso desse privilegio.

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os tern como dados, (d(lyida mais fundamental e fame de conhedm~jurista e tao responsavel par "provar" a valor desses objetos culturais que saocongregados como "a lei", quanta a medico, por demonstrar que se deve lutarpelo prolongamento da vida sob quaisquec condi~. Nenhurn deles pode fa­ze-lo com os rneios de que dispOe. Se, contudo, se quisec fazer da universidadeurn forum para a discussao de avaliacoes prancas, entao e obviamente irnpe­rativo que se pennita a mais irrestrita liberdade de dlscussao de quest6es fun­damentais sob todos os ftngulos.

Sera factivel isso? Hoje em dia, as avallacoes polftlcas mais conclusivas eirnportantes nao podem sec rnanifestadas nas universidades alemas, pela pr6prtanatureza da atual situacao polltlca. Para todos aqueles para quem os interessesda sociedade nacional rranscendem a cada urna de suas instituicoes concretas,constitui questao de importanda essencial se a concepcao hoje predominanterelatlva it posiyio do monarca na Alemanha rode conciliar-se com os interessesmundiais do pals e com os meios - guerra e diplomada - mediante os quaissao perseguidos. Nem sempre sao os piores patriotas, nem mesmo os antimo­narquistas, que oferecern uma resposta negativa a essa questao e que duvidamda possibUidade de urn exito duradouro nessas duas esferas, a nao sec reali-zando profundas mudancas, Sabemos todos, porem, que essas quest5es vitaisde nossa vida nacional nao podern sec discutidas com plena liberdade nas uni­versidades alemas.3 Diante do fato de que determinadas avaliacoes, de decisivosignificado politico, sao perrnanentemente prolbidas em debates na universida- /de, parece-me estar simplesmente de acordo com a dignidade de urn repre-~sentante da ciencia e da erudicao silenciar a respeita de tais avaliacoes quandolhe for permitido fazer comentarios.

Em caso algum, pacem, devera a insoluvel questao - insoluvel par secem ultima analise uma questao de avaliacoes -, dese alguern pode, deve, audeveria advogar determinadas avaliacoes praneas na atividade docente, sec con­fundida com a discussao meramente 16gica da rela<;lio entre as avaliacoes e dis­ciplinas emplricas tais como a sociologia e a economia. Q.1alquec coofusao aesse respeito apenas ira tolher a profundidade da discussao do problema 16gico.Contudo, nem mesmo a solucao do problema 16gico sera de ajuda para bus­car-se resposta para a autra questao, alern das duas condicoes de clareza apenaslogicamente exigidas e de uma dlstincao expllcita feita pelo professor entre asdiferentes classes de problemas.

E nao e predso discutir mais extensamente se e "dificil" fazer a distinyioentre proposicoes emplricas, au constatacoes de fato e avaliacoes praticas, Edificil. Todos nos, aqueles que assumirnos essa posi<;lio, bem como outros, ve­mo-nos repetidamente diante dessa dificuldade. Mas como devem estar cientespartieularmente os representantes da assim chamada "economia etica", rnesmoquando a lei moral nao ecumprida, ainda assim ela "se imp6e" como urn dever.o auto-exame talvez mostrasse que a cumprimento desse postulado e especial­mente dificil, exatamente porque nos recusamos renitenternente a abordar a

3 lsto de modo algum e peculiar a Alemanha. Em q.Je todos os paises edsten as daras oudtssjm..dadamente, restrir;6es reds. As (micas diferetlQlS se enoontram em c:pais ~o as posic;Oes ava­ltanvas parucularee assfm excluidas,

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atraente assunto cia avaliacao com urn excitante "toque pessoal". Todo professortera observado que os rostos de seus alunos se iluminam e que eles se tornammais Interessados quando ele comeca a fazer uma proflssao de fe, e que 0 com­parecimento a suas prelecoes aumenta enormemente pela expectativa de queira agir desse modo. Alem disso, todo mundo sabe que, em sua oompeti~o

pelos estuclantes, quando as universiclades tornam dedsoes relativas apromo.,aode docentes, frequeorernente darao primazia a urn profeta, ainda que de !J]§)Ofimportancia, que possa lotar as salas de aula, sabre urn estudioso multo maisponderado e mais equilibrado que nao apresente as pr6prias avallacoes, Natu­ralmente, !' sabIdo que 0 profeta deixara intactas as avallacoes convet}~pu politicamente dominantes generalizadamente aceitas na epoca. Apenas 0

profeta falsamente, "eticamente neutro", que fala em nome de grupo poderosos,tern, naturalmente, melhores oportuniclades de promocao em consequencia ciainfluencia de tais grupos sabre os poderes politicos predominantes.

Encaro tudo isso como multo inadequado e, assim sendo, nao YOU discutira proposicao de que a exigencia de abster-se de avaliacao e "fUtil" e que tornaas prelecoes "aborrecidas". Nao tratarei cia questa:o de se os que fazem prele­<;6es sabre problemas emplricos especializados devem proeurar, antes de maisnacla, ser "interessantes", De qualquer forma, de minha parte terno que os quetomam suas prelecoes estimulantes mediante a intromissao de avallacoes pes­soais irao, a longo prazo, enfraquecer 0 gosto do estudante por analises em­plricas ponderadas,

Reconheco, sem mais discussao, que e passlvel, sob 0 pretexto de eliminartodas as avaliacoes praticas, instilar tais avaliacoes de modo excepcionalmenteforte, meramente "deixando os fates falarem par si mesmcs", A rnelhor especiede discursos parlamentares e eleitorais na Alemanha funcionam dessa maneira- e multo legitimamente, dados os objetivos a que vtsarn, Nao se deveria des­perdtcar palavra alguma para proclamar que todos esses proeedimentos em pre­lecoes na universiclade, particularmente se se esta preocupado com a ooser­vanda dessa distincao, constituem, de todos os abusos, os mais abominaveisa fato, porern, de que uma ilusao desonestamente crlacla, do cumprirnento deurn Imperative etico possa ser impingicla como se fosse a realiclade, nao cons­titui critica do imperativo em si mesmo. De qualquer maneira, mesmo que 0

professor 000 creia que deveria recusar a si mesmo 0 direito de oferecer ava­liacoes, deveria tomar perfeitamente ecpacito para os estudantes e para si mes­mo que 0 esta fazendo.

Finalmente, devemos cornbater ao maximo a ()P..inia~amplamentedissemj­

nada de quese :itmgea "oojetiVioaae" cientfficarelo confronto entre as diversas/ avallacoes e par urn compromisso "diplornaticd'entre elas. a "meio-termo"Oao

s6 e tao indemonstravel cientificamente - com osreeursos das ciencias empl­ricas - quanto as avallacoes "mais extremadas": na esfera das avallacoes, elee 0 rnenos inequlvoco. Nao se coaduna com a universiclade - mas antes comos programas pollticos, os 6rgaos do govemo e 0 parlamento. As ciencias, tanto

CfJ normativas quanto emplricas, tern condicoes de prestar inestirnavel service aspessoas engajadas em atividade polltica, dizendo-Ihes que: 1) tais ou quais po­

i ..( /) sicoes avaliativas "essenciais" sao conceblveis com referenda a tal problema pra­J j tico; 2) que sao estes ou aqueles os fates que se devem levar em conta ao

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faze!" sua escolha entre tais posicoes avaliativas. E com isto cbegamos ao ver­dadelro problema.

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o termo "juizo de valor" provocou permanentemente urn mal-entendidoe, sobretudo, uma discussao tenninol6gica totalmente esteril. Evidentemente istonao contribui em nada para a solucao do problema. Como ja rnendonamos, eindubitivel que estas discussOes se referem, no que diz respeita as nossas dis­dplinas, a avalia?'1:d pclti~ sobre a desejabilidade au indesejabilidade tendoem vista d@;fmm os pontos de vista eticos, culturais au de qualquer outrotipo. Apesar de tudo aquilo que foi explicado are agora, foram apresentadascom toda a seriedade obje<;ties as nossas ooservacoes, obje<;ties quanta ao fatode que 1) a dencia se esforc;a em alcancar resultados "providos de valor" (uer-

~_. tvolle) isto e, resultados que sao corretos a partir do ponto de vista da l6gicaT e com relacao aos fates, e 2) resultados que SaO importantes no sentido do

interesse cientifico, e, mais ainda, que a propria sel~o do objeto implica numa"avalia~0"4_ Outras incompreensOes quase inconcebiveis que se repetem con­tinuadamente consistern no fato de que as d~<:ias,_eIl1plricas nao podem abor- j<:\ar ;IS "avaliacoes" subjetivas dos homens como sendo-o seu'objeto(enquanto ;1 ja sociologia e, no campo da economla polltica, toda a teoria da utilidade mar,ginal se baseia na prernissa oposta). Mas trata-se, na realidade, da mais trivial / fexigencia de que 0 pesquisador e 0 expositor do resultado da investigacao de-vem de maneira absoluta separar a comprovacao dos fatos ernplricos das suaspr6prias avaliar,:aes gr:aticas, pelas quais ele julga estes fatos corno sendo satis­fat6tio ou insatlSfat6rios (incluidas as "avalia<;ties" dos homens emplricos quesao objeto de sua investigacao), Decerto, como se argumenta, ambos os pro­blemas sao de natureza diversa. Num certo tratado, que de resto tern bastantevalor, 0 autor afirma 0 seguinte: urn pesquisador poderia tamar a sua pr6priaavaliacao como urn fato e desse fato extrair, em seguida, as suas conclusOes.o que se pretende dizer nesta ooservacao e tao inquestionavelmente corretoquanto inequivoca a sua forma de expressao Enatural que se possa fazer urnacordo, antes de comec;ar a discussao, que certa medida pritica - par exernplo,finandar uma expansao do exercito a eusta da contribuicao dos possuidoresde bens - seja a prernissa desta dlscussao e apenas serao discutidos os meiosde como levar isto para frente. Frequentemente, este procedimento emulto con- )veniente. Mas urn tal proposito pratico, supondo-se que seja de comurn acordo,nzo deve ser denominado de "fato" mas de "fim estabeleddo a priori". Queambas as coisas sao diferentes, seria logo reve!ado na pr6pria diseussao dos"meios", exceto a questao de que 0 "fim suposto" seria tao concreto e indiscu-tivel como "acender um dgarro". Em tais casos, naturalmente, a discussao dosrneios, raras vezes se faz necessaria. No que diz respeito a quase todos os pro­positos formulados de rnaneira geral, como no exemplo escolhido antes, se fara,pelo contrario, a experiencia: na discuss1io dos melos nao apenas se mostra

4. Veja-se 0 sal artigo Die VoIk.smr1schqfl5khre - tooria da economia poIitica - 00 Handui!~

_ der =tsuissensdlaten, Berlin, 3' OOil'1o, 1911, Vol. VID, pags. 426-501 - Didonarto dasCiendas do Estado -.

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que os individuos entenderam algo completamente diferente daquilo que su­postarnente se acteditava fosse "univoco", mas que, em particular, 0 mesmo fime pretendido com fundamentos ultirnos mUlto diversos, fato que, obviamente,vai exeroer certa intluencia na discussao dos meios. Mas deixernos, pot enquan­to, isto de lado. Pois, com efeito, roo e passivel negar - pensando em tudoo que jii ocorreu - que se pode partir de urn fun determinado de comurnacordo e apenas discutir os meios atraves dos quais este mesmo fim pode seralcanc;ado e que, a partir deste procedimento, pode haver uma discussiio nonivel estritamente empfrico. Mas, na realidade, toda discussao gira em torno daescolha dos fins (e roo dos meios para se a1cane;ar os fins). Em outras palavras:a discussao gira em torno do sentido em que a avaliacao suposta pot urn in­dividuo pode ou roo ser assumido como urn "fato", mas, pelo contriirio, deveser transformado em objeto de critica cientifica. Se nos nao levarnos em contaeste fato, toda a nossa reflexao posterior sera em vao,

De maneira nenhuma vamos discutir a questlio de em que medida as ava-lia<;Qes prancas, particularmente as avahacoes eticas, podem pretender 0 esta-

,/1',"// tuto de uma dignldade normativa, isto e, terem urn carater diverso, pot exern­

/',':c plo, da questao de se devem ser preferidas as mulheres loiras as morenas, e',J outros ju1zos subjetivos de gosto, Estes problemas pettencem a filosofia dos va­

. ( lores e de maneira nenhuma a metodologia das ciencias empfricas. A esta In-teressa unlcamente que a validade de um imperativo pratico enquanto norma,pot urn lado, e 0 valor da verdade de uma eomprovacao empfrica dos fatos,pot outra, se encontrem em pianos totalmente heterogeneos da problemiitica eque, com referenda a ambas, se Ihes tire a dignldade especffica quando tall)iio se ve claramente, e quando se pretende juntar as duas esferas. Este erro.foi cometido em multas ocasi6es, em especial pelo Professor von Schmoller. Iiexatamente 0 respeito que devotamos a n05SO mestre 0 que nos impede depassar por cima de pontes com referenda aos quais roo estamos de acordocom ele.

Primeiro, gostariarnos de questionar a opiniao dos partidarios da "neutra­lidade axiol6gica", para os quais a mera instabilidade hist6rica e individual dastornadas de posi\%o valorativas prevalecentes tem apenas 0 carater necessaria­mente "subjetivo" da etica, por exemplo. Tambem cornprovacoes empfricas defatos sao multas vezes discutivels, e talvez haja mals aeordo sobre a questaode se deve uma pessoa ser considerada como canalha do que, por exemplo(precisamente entre os especialistas) sabre a interpretacao do fragmento de urndocumento. A conjetura de von Schmoller, a saber, que existe uma crescenteunanimidade de todas as confissOes e de todos os homens sabre os pontesprincipals das avaltacoes praticas, esta em franca oposicao com 0 mal pontode vista. Mas isto nao tem importancia no problema em questlio. Q...<jlle real­!11<'nte_e d1SCl!t1yel e9.segtlinte:que na denda sejaposstvel se .£OOtentar~com

qualquer uma de tais evidenctas fatuals, que foram estabeleddas converidcoal­mente, no que se refere a oertas tornadas de posicao, pot rnais difuiid1das(]~J~

sejam, Ac fun\%o da ciencta e, a nosso ver, exatamente a contraria. ~forrnarem problema 0 que e evidente por convencao. Foi exatamente isso que vonSchmoller e os seus companheiros fizeram na epoca, a fato de que se Inves­tigue e, em eertas circunstlincias, se valorize multo a eficicia causal da existenciaefetiva de oertas conviccoes sabre a vida econOmlca, roo implica 0 fato de que,

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'r~\; Ii~" I, )'por causa disso, se deva considerar como. "providas de valor" taJs convie@, ",~ \ que talvez realmente tenham sido de grande eficacia causal; tambern na sltua.,ao~\ 1\, I,' inversa, a aflrrnacao de elevado valor do fen6meno enco au religioso em si ,~,'~ ',l ,j mesma nada diz sobre a questiio de se as irnensas consequencias que este fe- ~ .,',

'c:< ( ": nomeno teve au poderta ter devem receber 0 mesmo predicado positivo no 0\I '0 ",' que concerne ao seu valor. As cornprovacoes empiricas em nada esclarecem \,6 <" .: estas quest5es e 0 individuo deve julga-las de maneira multo diferente, confor- l'

~'9 .' , \1 me as suas pr6prias avaliacoes religiosas e outras avaliacoes praticas, Todas '&,u ' estas questoes no momento nao estiio em dtscussso, Pelo contrario, nos opomos

~-tocalmente a opinilio de que uma dencia "realista" do etico, isto e, a demons-

\\ tra.,ao das influendas que as convtccoes encss predorninantes em certo grupo, humane tern sofrido per parte das demais condlcoes de vida e, inversamen~e,

'j' exerceram, per sua vez, estas influendas; destarte, poderia resultar numa "etica' ,,".'", que seria capaz de dizer algo sobre 0 que deveria valer. Tampouco uma -. !~

posicao "realista" sobre as concepcoes astron6micas dos chineses - demons- 'do v',~ tran portanto os motivos praticos que os levaram a cultivar a astronomia, a :' '!J'

) I" maneira como a exeroeram, os resultados a que chegaram e 0 porque de terem \\ () chegado a tais resultados - poderia ter como meta a dernonstracao do carater \'"', ~ " correto da astronomia chinesa. E, da mesma forma, tampouco a comprovacao " "~ , de que os agrimensores romanos e os banqueiros florentinos (estes, quando se ' ,~

:@ ~: ' tratava da reparticao des grandes patrimonies) chegaram freqUentemente com ~"~ '\ " os seus rnetodos a resultados que sao incondliaveis com a trigonometria au aAl '\'1,~ \! ~, tabuada, fazem com que se possa questionar a validade desta Ultima. Com$! \\.J~ investiga.,ao empirico-psicol6gica e com a hlst6ria de urn determinado ponto c

~ " de vista axiol6gico referente ao seu condidonamento individual, social e hlsto/:9 \"j, ,~ rico, nunca se chega a autra coisa a nlio ser a sua explicacao compreensiva/ ,',

~ E isto nao e pouco, Nlio somente uma tal explicacao e deseiavel por causa d0 1'il Sal efeito a0ess6rio e de carater pessoal (e nao cientifico), como permite 'fazer '

~justica" mals facilmente aquele que, real ou aparentemente, pensa diferente (ckrl:/,mim). Mas reveste-se de suma importiincia cientifica 1) para a finalidade de uma ' ",

d\:. ~i', consideracao causal empirica da a.,ao humana, a fim de aprender a discernir, c:', i. , os seus motivos ultimos e reais, e 2) para a deterrninacao dos pontos de vistj;<

" ' axiol6gicos opostos, quando se diseute com alguem que, real ou aparentemeK- 'c..

~ (v te, sustenta pontos de vistas eticos diferentes. Pois realmente e este 0 verdadeiroiI" 'c:sentido da discusslio sabre valores: apreender 0 que 0 oponente (au ate e tarn-:~ "~ ,t'!,em eu mesmo) realmente entende, isto e, 0 valor ao qual cada uma de ambas" ,'1\8,as panes se refere - realmente e nao apenas aparentemente - e a partir disso ,

I ~ ?se poder posicionar no que diz respeito a este valor. Muito longe, portanto, daI' .' exigencia da "neutralidade axiolOgica" das explanacoes empiricas implicariamII'que as discussoes ao redor das avaliaeoes valorativas estejam estereis au sertamsem sentido, dado que 0 reconhecimento deste seu sentido e a premissa de

, toda e qualquer consideracao uti\. Elas apenas pressup5em a compreenslio da 0possibilidade de haver posturas axiol6gicas e avaliacoes ultirnas, divergentes e, , ':em principia, inconciliaveis, Pols nlio e verdade que "compreender tudo" Slgnfl~'\ 'i?fica "perdoar tudo" e nem a mera compreenslio do ponto de vista do au~" "em prtndpio, leva a sua aprovacao, Pelo contrario, leva, pelo menos, com a -, ~mesma facilidade e com uma maior probabilidade, ao reconhecimento do que

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-,(/; concerne a "0 que", "porque" e "em que" niio se pode chegar a urn acordo.d / Exatamente este conhecimento eurn saber sabre a verdade e precisarnente para

este (saber sabre a verdade) contribuem as "discuss5es axioI6gicas". Pelo con­trario, 0 que com esta via nao se pode chegar - de maneira nenhuma, pais

( esta situada exatamente em direcao oposta -, e a uma etica normativa au i, '7 obrigatoriedade de urn "imperativo". Muito pelo contrario, todo mundo sabe

r') que 0 efeito "relativizador" de tais discuss5es dificulta, pelo menos aparente­mente, chegar a esta meta. Isto obviamente nao significa que tais discuss6esdevessem sec evitadas, pelo contrario, Vma.<:Ql:lviq;aa..."eti~~e, ser fa­cilmente destruida pela "cornpreensao" psicol6gica de posturaaaxiologicaadi­vergentes niio tem maior valor do que uma conviccao religiosa que pode secdestruida pelo conhecimento cientffico, 0 que, decerto, ocorre frequenternente,Por Ultimo, quando von Schmoller aflrrna que a; partidarios da "neutralidadeaxiol6gica" nas disciplinas empiricas nao podem reconhecer mais que verdadeseticas e 'formals" (no sentido da Critica cia Raziio Purdy temos que fazer algunscomentarios - mesmo que 0 problema nao pertenca inteiramente ao tema como qual nos ocupamos aqui,

Em primeiro lugar, temos de rejeitar a Idcntificacao implfcita na concepcao.de von Schmoller entre tmperanvos eticos e "valores culturais", mesmo consi-

'.' F. "'''derando estes mais elevados. Pols pode haver urn ponte de vistapara a. quala; "valores culturais" sejam "obrigat6rios", mesrno quando se encontram numaluta inevitavel e irreconciliavel com qualquer etica, E, inversarnente, e passivelurna etica querejeite_toda; a; Ya1=-..culturais,_senL<i\Je hi!ja.llisto uma con-

~. ,di<;iio intel-ria.'De qualquer maneira, as duas esferas de valores niio sao iden­ticas. Considerar que as proposicoes "formals", pot exemplo, as da etica kan­

d 'tiana, niio incluem indicacoes de conteudo, representa igua1mente urn grave er-'. " ro (mesmo que seja multo difundido). A pa;sibilidade de uma etica normativa

niio e questionada, decerto, p<Jtque hi prOblemas de canfter-pratico'comrefe-­-rencia aos quais ela niio pode dar, pot si mesma, indici<;<5es unfvocas (entreestes se encontram, pelo menosfia'-IDinha opiniao, de maneira bem particular,certos problemas institucionais, isto e, precisamente, a; "polftico-sociais''). Tam­pouco e questionado 0 fato de niio sec a etica 0 unico que e "valido" no mun­do, mas que juntamente e ao lado dela existem autras esferas de valor que,

I,em certas condicoes, sornente podem sec realizadas por aquele que "assume".! 0"uma "culpa" moral. Isto se aplica, em especial, i a<;iio polftica. Selia uma de­

11,'/' ,," ,-. bilidade, na rninha opiniao, querer negar as tensoes contra a etica que exata­;/., " mente ela contem, Porern de maneira nenhuma e exclusivo, como faz crer a

,. . oposicao habitual entre moral "privada'' e "polftica". Investiguernos alguns des-.. ,ses lirnites da etica a que nos referimos, __ ) )-,:,. " !' C, ..

As consequendas do postulado da "justica" nao sao questoes que podem., ser univocamente decididas pot uma etica, Se, por exemplo - como estaria

mais de acordo com as opini6es expressas em seu tempo pot Schmoller ­deve-se muito ao que muito faz, au, inversamente, se exige muito de quemconsegue fazer muito, au se, portanto, se deve em nome da justica (pois e pre­ciso pot ora deixar de lado outras consideracoes, como, pot exemplo, os "in­centivos" necessaries) dar tarnbem grandes possibilidades ao grande talento, ause, pelo cootrarto (como opinava Babeuf), se deve compensar a injusti<;a dadesigual distribuicao dos bens espirituais cuidando com todo rigor que 0 talen-

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to, cuja passe jii propordona urn sentimento de prestigio gratificante para 0

indivfduo, nao poderia aproveitar para si as melhores oportunidades que ternno mundo - trata-se aquJ de questoes Insoluveis que se baseiam em premissas"eticas". A este tipo, entretanto, pertence a proolernatica etica da maioria das .questoes da politica sodal.

Mas tambern no setor da a<:;1io pessoal hi problemas fundamentais, de ca- '"rater espedficamente etico, que a etica nao pede resolver com as suas proprias i;'prernissas, A estes pertence, sobretudo, a pergunta fundamental: se 0 valor pro- ?prio da a<:;1io etica - a vontade "pura" 00 a "mentalidade", como e habitual ,",denomlna-la - deve ser unicamente sufidente para a sua justifica<:;1io, seguindo ~

~ \La maxima "0 cristao age justamente e remete a Deus os efeitos do seu agir", .,.\(/ '! como foi formulada por certos eticos cristaos. OJ se, diferentemente, e predso ;,

levar em conslderacao a responsabilidade referente as coosequendas da a<:;1io ;que podem ser previstas como possfveis e provaveis, determinadas pela inser- ::'<:;1io desta num mundo eticamente irradonal. Do primeiro postulado parte toda ::posi<:;1io politica revolucionaria, em espedal 0 chamado "sindicalismo"; do se­gundo, toda a politica realista. Ambas as posturas se baseiam em m:'iximas eti­cas. Mas estas m:'iximas se encontram nurn eterno conflito, insoluvel com osrecursos de uma etica que se baseie em si mesma.

Ambas as m:'iximas eticas assumem urn carater estritamente "formal", tendon1sto uma sernelhanca com os conheddos axiomas da Critica da Razllo Prdtica; '.No que diz respeito a estes ultimos, foi comurn acreditar que, por causa desteformalismo, nao incluir-se-iarn lndicacoes de contelido para a avalia<:;1io do com­portamento. Como jii explicamos, isto nao e correto. Tomemos deliberadamente .urn exernplo, 0 mais estranho posslvel it polftica, que talvez possa esclarecer ..o verdadeiro sentido do carater "meramente formal" de que tanto se faloo com .referenda a esta etica. Se urn hornem afirma sobre as suas relaeoes er6ticascom uma muiher: "inldalmente a nossa rela<:;1io era unicamente uma paixao,mas agora ela e urn valor", a fria objetividade kantiana expressaria a primeirametade desta proposicao da seguinte forma: primelro "eramos apenas melos urnpara com 0 outro", com 0 que se toma toda a proposicao como urn caso par­ticular deste conheddo prindpio que curiosamente se apresentoo como sendouma expressao de urn "individualismo" condidonado somente pela h!st6ria,apesar de, na verdade, representar uma formulacao genial de uma infinidadede situacoes eticas que apenas predsam ser compreendidas corretamente. A suaforrnulacao negativa e deixando de lado qualquer aflrrnacao sabre a questaodo que seria oposto a tratar uma ootra pessoa "como melo", 0 que deveriamosrejeitar por razoes eticas, evidentemente implica: 1) 0 reconhedmento de esferasautonomas de valores que nao sao valores eticos; 2) a delimitacao da esferaenca dessas outras esferas, e, por Ultimo, 3) a comprovacao de que e em quemedida e possfvel atribuir it a<:;1io posta a service de valores extraeticos dife­rencas no que diz respeito it dignidade etica, Realmente, aquelas esferas de va­lores que pennltem 00 prescrevem 0 tratamento do outro "somente como melo"sao multo heterogeneas com referenda it etica, Nao podemos examina-las aqutcom maiores detalhes. Em todos os casos percebe-se que 0 carater "formal",mesmo de uma proposicao etica tao abstrata como aque!a, nao e indiferentepara 0 conteudo da a<:;1io. Porern agora 0 problema fica ainda mais complicado.

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Aquele predicado negativo, expresso pelas palavras "somente uma paixao", pa­de ser considerado urn ultraje (ofensa grave) no que conceme ao que hi demais genuino e de rnais puro na vida; 0 unico, ou, pelo menos, 0 principalcaminho que permite ultrapassar e desfazer os mecanismos "de valor" impes­soais ou suprapessoais e, portanto, hostis a vida, do ser preso a pedra inerteda existenda cotidiana e das pretensoes de uma "irrealidade imposta". Epas­sfvel, pelo menos, imaginar uma concepeao deste ponto de vista que - mesmoque subestime 0 termo "valor" para 0 concreto da vivenda a qual se refere ­constirua uma esfera tal que, rejeitando como coisa estranha e hostil toda san­tidade e toda bondade, toda legalidade etica au estetica, todo significado cul­tural au valorizacao pessoal, reclama para si, apesar di550 e talvez exatamentepot causa di55O, uma dignidade "lmanente" no sentido rnais abrangenre possl­vel. Qualquer que seja a nossa posicao em face desta pretensao de maneiranenhuma e oomproviivel au "refutavel" com os meios da "ciencia'',

Tada oonsideracao empirica desta situar;llo conduziria, como ja oI:J,<;etyQ\,!Stuart Mill~'ao reconhedmento dO politeisrno absolute como a (mica metafisicaapropriada a e!a. Vma consideracao nao-empfrtca mas interpretativa, e, portan­to, ~ma verdadeira filosofia dos,yalores, nil0 poderia, se avancasse mal~_i\!l:ln,

ignciar que urn esquema conceitual de valores, pormais ofg:inizado que seja,seria incapaz de prestar contas da questao no seu ponte crucial. No quediz

_\,)0, respeito aos valores, na realidade, sempre e em toda parte, definitivamente, roo• ( se trata de alternativas, mas de uma luta de vida e motte irreconciliavel entre

"Deus" e 0 "DemOnio". Entre estes nao e posslvel uma relativizacao e tra~nenhumas. Bem entendido, roo e passrvd segundO 0 seu pr6prio sentido. Na­tucilmente que tais existem, como qualquer urn ja experirnentou no dea.Jrsode sua vida, verdadeira au aparenternente e, pot cerro, as podemos encontrara cada passo. Em quase qualquer tomada de posicao importante os homensconcretes, as esferas dos valores se entrecruzam e se en~~ A superficia­lidade da 5'lda_~ana", no sentido mais pr6prio da palavra, consiste preci-

. samente no fato de que 0, homemque nelavive imerso nao toma consdendai - e nem quer faze-lo ~ -aesra meSCla,oondicionada, em parte, psicologica­

mente, e, em parte, pragmaticamente, pot valoresirrecondllaveis, nem tampon­,co toma consdenda - e nem quer tomar - do fato de que e1e evita a opr;lioentre "Deus" e ''DemOnio'' e sua pr6pria dedsao Ultima com referenda a qualdos valores em conflito ele rnesrno estasendo regido e em que medida. 0 fnnoda arvore do conhecimento, inevitavel, mesmo que seja inc6modo para a co­modidade humana, roo consiste em outra coisa que roo 0 faro de tee que saberda existencia daquelas oposicoes, e, portanto, de tee que ver que toda a,.aosingular importante e, muito mais que i55O, que a vida como urn todo, se 000quer transcorrer como urn fen6meno puramente natural, mas pretende set con­duzido consdentemente, significa uma cadeia de decisoes ultimas em virtudedas quais a alma, assim como em Platao, escolhe 0 seu pr6prio destino - isto

I- I () e, <::' sentido do seu fazer e do ~seu ser. 0 mais grosseiro rnal-entendido em

que sempre~m a, partidarios da colisao de valores encontramo-lo na in­terpretacao deste ponto de vista como sendo urn "relativisrno", isto quer dizer,como uma eoncepcao de vida que se baseia na opiniao, radicalmente oposta,

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da relacao reciproea das esferas dos valores e que somente e realizavel (numaforma conseqOente) cozsenti,no terreno de uma metafislca muito particular(metafislca "organica").

Mas, voltando ag ao n05SO caso espedfico, pareoe-me, sem possibilida-de de dOvidas, que no ambito das avaliacoes prauco-polmcas (espedalmentenas da poIitica economica e social), na medida em que devem ser exuafdas -./ /dtretrizes para uma ar;ao que tern sentido, uma disciplina empfrica com os seus. /' l'recursos somente pede mostrar. 1) OS rneios indispensaveis, 2) as repercu.ssOesinevitave!s, e 3) a concorrenda reciproca, deste modo condionada, de muitasavalia<;6es possfvels no que tange as suas consequencias prancas, As disciplinasfilos6ficas podem, com os seus recersos conceituais pr6prios, ir mais alem edeterminar 0 "sentido" das avaliacoes, isto e, determinar e indicar a sua estnltUraUltima assim como as suas consequencias providas de sentido, 00 seja, que po-dem indicar 0 seu "lugar" dentro da totalidade dos valores ''Ultimos'' posslvelsde mane!ra geral e deUmitar as esferas de sua validade slgnificativa. Mas ja ques- ltoes liIo simples como em que medida urn fim justifica os meios indispensaveis ~Ipara 0 seu exito, au, da mesma maneira, de que mane!ra devem ser levadosem consideraeao os efeitos colaterais, como tambem a teroelra, ou seja, de quemaneira podem ser apaziguados concretamente conflitos entre vartos fins opos-tos que sao resultantes do querer au do dever, tudo isso depende totalmente -­da escolha au do compromisso. Nao ha procedirnento cientifico (raciona\ auemplrico) de quaiquer tipo que nos possa dar uma solucao nestas questl5es.Mas, muito menos alnda, pode a nossa denda, que e estrltamente empfrica,pretender poopar 0 individuo de semelhante escolha, e, par isso, ela tambemnao deve suscitar a irnpressao de que seria capaz para tanto.

Por fim, cabe ressaltar de maneira patente que 0 reconhecimento da exis­tencia desta situacao, no que diz respeito a nossa disciplina, e intelramente in­dependente da posir;ao que se adote nas consideracoes slnteticas da teoria devalor que se seguem Nao existe, com efeito, urn ponto de vista logicamentesustentavel, a partir do qual se poderla negar esta situacao exceto se pensandonuma hierarquia de valores que fosse inequivocamente prescrita par dogmaseclesiasticos, Mas quero crer e constatar se realmente ha pessoas que afirmamque perguntas aluslvas a problernaticas como "se ocorre urn fato concreto deste00 daquele modo?" au "par que 0 estado das coisas concretamente se desen­volveu desta e nao de DUtra maneira?" ou "se urn determinado estado de coisascosturna suceder, de acordo com cerra regra do acontecer, e em que grau deprobablUdade efetiva?", no que diz respeito ao seu senti do, nao sao fundamen­ta1mente diferentes de petgUl1tas coma: "0 que eque se deve fazer praticamentenuma situacao concreta?" au "a partir de que ponto de vista esta situar;ao pedeaparecer como sendo satisfatoria au insatisfat6ria?", au, par Ultimo, "existemproposicoes (axiomas), nao importa quais, suscetiveis de uma formular;:lo gera\e universal as quais possam ser reduzidos estes pontes de vista?" Tarnbem gas­taria de esperar e saber se, para alguem, nao ha uma diferenca l6gica entreestas perguntas. par urn lado, em que direr;ao provavelmente se desenvolverauma situacao concretamente dada (au, de maneira gera\, uma situacao de urn

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certo tipo e det:enninada de a1guma maneira) e com que grau de probabilidadeela se desenvolverti naquela dire¢o (quer dizer, costurna desenvolver-se tipi­camente)? E, par outro lado, uma outra pergunta, ou seja, "deve-se contriOOirpara que determinada situa"ao se desenvolva numa oerta dire¢o dada, seja istourn desenvolvimento provavel oposto ou de quaJquer tipo imagiruivel? E, final­mente, a pergunta: que opiniao formaram corn probabilidadade (ou rnesrno comabsoluta certeza), referente a certa questiio, determinadas pessoas em deterrnl.nadas circunstancias coneretas ou uma multidao nao especificada de pessoasem dramstfu1das similares?, e a pergunta "tal opiniao e COlTet:a?" ou "as per­guntas de cada uma destas afirmacoes opostas, referente ao seu sentido, remalga em comum?" e "elas, como muitas vezes se afirrna, nao podem ser sepa­radas umas das outras?", e por lim, "esta Ultima afirrnacao nao infringe as exi­gencias do pensarnento dentifico?" Se alguern que, pelo contrario, admite a he­terogeneidade absoluta de ambos os tipos de quest5es, rnesmo assim reivindicapara si: no rnesmo livro e na rnesma pagina deste livro, e rnesrno numa pro­posicao principal e proposicao subordinada da rnesma unidade sintatica - istoe realmente uma COISA DElE. Tudo 0 que se pede exigir e apenas que elenao confunda os seus leitores corn a absoluta heterogeneidade destes problemas- nao sem inten"ao ou com deliberada ironia. Pessoalrnente, creio que ne­nhuma medida, ou nenhurn melo, ou nada e demaslado "pedante", se servepara evitar as confusoes,

Portanto, 0 sentido das disa.JSSOes sabre as avaliacoes axiol6gicas praticas(inclusive das que nelas partidpam) sornente pede consistlr no seguinte:

a) A elaboraeao dos axiomas de valor Ultimos, inte:rnarnente coerentes, dosque partem posturas redprocamente opostas, Corn bastante freqaenda nos nosenganamos nao apenas quanto as posturas e opini5es dos nossos oponentes,mas tambem quanto as nossas pr6prias opinioes, Este prooedimento constilUi,par essenda, uma operaeao que parte dasavaliacoes particulates e da sua ana­lise provida de sentido e que, ern seguida, se refere a avaliacoes fundamentaisde carater rnais elevado. EIa nao utiliza os melos de uma disdplina empfrica,e nem propordona urn conhecimento sobre os fatos, Sua "validade" e seme­lhante a da l6gica.

b) A dedu"ao das "consequendas" para a tomada de posi"ao valorativa,conseqaendas que iam se originar em determinados axiomas de valor Ultimos,se estes e apenas estes estivessern na base das avaliacoes prancas de situa¢esde fato, Esta dedu"ao esta ligada, de maneira provida de sentido, par urn lado,a argumentacso l6gica, e, par outro, a comprovacoes ernpfricas, tendo em vistaa casuistica rnais exaustiva possfvel das situacoes ernpfricas que podem ser con­sideradas para uma avaliacao pratica ern gera!.

c) A determinacao das consequendas efetivas que deveria ter 0 cumpri­mento de uma certa tamada de posieao valorativa na pratica. 1) como resultadode sua liga"ao a certos melos indispensiveis, e 2) da inevitabilidade de certasrepereussoes que nao sao desejadas diretarnente.

Estas cornprovacoes puramente ernpfricas podern ter como conseqMnda .ou como resultados, entre outros:

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certo tipo e detenninada de alguma maneira) e com que grau de probabUidadeela se desenvolvera naquela dire9l0 (quer dizer, costuma desenvolver-se tipi­camente)? E, par outro lado, uma outra pergunta, 00 seja, "deve-se contribuirpara que detenninada situacao se desenvolva numa certa dire",ao dada, seja istourn desenvolvimento provavel oposto 00 de quaJquer tipo imagtnavel? E, final­mente, a pergunta: que opiniao formaram com probabilidadade (00 mesmo comabsoluta certeza), referente a certa questao, determinadas pessoas em determi­nadas circunstancias concretas ou uma multidilo nao especifieada de pessoasem circunstaneias similares?, e a pergunta ''tal optnlao e correta?" au "as per­guntas de eada uma destas afirmacoes opostas, referente ao seu sentido, ternalga em comum?" e "elas, como muitas vezes se afirma, nao podem set sepa­radas umas das ootras?", e por fim, "esta ultima afirmacao nao infringe as exi­gencias do pensamento cientifico?" Se alguem que, pelo contrario, admite a he­terogeneidade absoluta de ambos os tipos de quest5es, mesmo assim reivindicapara si: no mesmo livro e na mesma pagina deste livro, e mesmo numa pro­posicao principal e proposicao subordinada da mesma unidade sintatica - istoe realmente uma COISA DELE. Tudo 0 que se pode exigir e apenas que elenao confunda os seus leitores com a absoluta heterogeneidade destes problemas- nao sem intencao 00 com deliberada ironia, Pessoalmente, creio que ne­nhuma medida, 00 nenhurn meio, 00 nada e demasiado "pedante", se servepara evitar as confusoes,

Portanto, 0 sentido das discussoes sabre as avaliaeoes axiol6gicas praticas(inclusive das que nelas participam) somente pode consistir no seguinte:

a) A elaboracao dos axiomas de valor ultirnos, intemamente coerentes, dosque partem posturas reciprocamente opostas, Corn bastante frequenda n6s nosenganamos nao apenas quanto as posturas e opini6es dos nossos oponentes,mas tarnbern quanto as nossas pr6prias opinioes, Este procedimento constitui,par essencia, uma operacao que parte das avaliacoes particulares e da sua ana­lise provida de sentido e que, em seguida, se refere a avaliacoes fundamentaisde carater mais elevado, Ela nao utUiza os meios de uma disciplina empirica,e nem proporciona urn conhecimento sabre os fatos. Sua "validade" e serne­lhante it da 16gica.

b) A dedueao das "conseqaencias" para a tomada de posi9io valorativa,consequencias que iam se originar em detenninados axiomas de valor ultirnos,se estes e apenas estes estivessem na base das avaliacoes praticas de situacoesde fato. Esta deducao esta ligada, de maneira provida de sentido, par um lado,it argumentacao 16gica, e, par outro, a comprovacoes empiricas, tendo em vistaa casuistica mais exaustiva possfvel das situat,;iies empiricas que podem set con­sideradas para uma avaliacao pratica em geral.

c) A deterrrunacao das consequendas efetivas que deveria ter 0 a.unpri­mento de uma certa tomada de posicao valorativa na pratica. 1) como resultadode sua liga9io a certos melos indispensaveis, e 2) da inevitabilidade de certasrepercuss6es que nao silo desejadas direramente.

Estas comprovacoes puramente empiricas podem ter como consequencia00 como resultados, entre outros:

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1) a completa impassibiliclade de realizar 0 respeetivo postulado de valor,mesmo que de uma maneira muito remota e aproximativa, pois nao e posslveldescobrir urn caminho que permita a sua realizacao,

2) a maior ou menor improbabilidade de sua realizaeao plena 00, inclusive,aproximacla, seja pelos mesmos mcdvos 00 por causa cia provavel intervencaode repercussoes e efeitos colaterais niio desejados que fariarn a sua execucaopraticamente impossivel, seja de maneira direta 00 indireta, e

3) a neoessiclade de tomar em consideracao meios 00 repercussoes queniio foram considerados pelo respeetivo defensor deste postulado pratico, demodo que a sua dedsao valorativa que inclui fins, meios e repercussoes 00

efeitos colaterais, converta-se em urn novo problema para ele e se imponhaaos demais com bastante forca,

d) POl' Ultimo, podern se apresentar novos axiomas de valor e postuladosque os postulantes de urn postulado pratico niio perceberatn 00 nao levaramdeviclamente em considcracao, apesar de a execucao do seu proprio postuladoentrar em confllto com aqueles, seja 1) por prlncipio, 00 2) pelas consequen­cias, isto e, de acordo com as suas consequencias praucas, No prlmeiro casotrata-se de uma arnpliacao.da ~'scussaode roblemas do tipo a), e, no segundocaso, de problemas do tipo c).

j:onseqUentemente, muito onge de niio terem sentido, as discussOes deste .tipo em tOl'nOdequest6es axiol6gicas podem Set muito impoit,intes;-se'- ena minha opiniao arenas se - elas sao entendidas e interpretadas corretamente<:<:)1l1 relacao as suas finaliclades.

Mas a utiliclade de uma discussao de avallacoes praticas, feitas no lugaraproprlado e no sentido aproprlado, niio se esgotam com os "resultados" diretosque se possarn coeer. Se sao feitas corretarnente, resultarso em benefidos paraa investigacao empirlca, num sentido perrnanente, na medicla em que Ihes pro­pordona as problemiticas que estao envolvidas nas suas pesquisas.

Os problemas das disdplinas empirlcas, certamente, devem Set resolvidosdentro de uma postura de "neutraliclade axiol6gica". Eles nao sao problemasde valor au "problemas axiol6gicos". Mas, mesmo assim, no ambito de nossasdisdplinas, sofrem a influencia do reladonamento das realiclades "com" os va­lores. No tocante a expressao "reladonamento com valores" (Wertbeziehung)devo remeter a formulacoes anterlores minhas e sobretudo as conhecidas obrasde H Rickert. Selia impossivel apresentar 0 conjunto destas ideias aqui. Bastalembrar que a expressao "relacao com valores" refere-se unicamente a interpre­tac;ao ftIos6fica que precede a selecao e a constituicao empirlca.

Dentro de uma investigacao empirlca, neste estado de coisas puramente16gico, sao legitimadas "avallacoes praticas", Mas, em consoniinda com a ex­periencta hist6rlca, percebe-se que sao os interesses culturais e, portanto, osinteresses de valor que indicam a direcao para 0 trabalho das ciencias pura­mente empirlcas. Fica claro agora que estes interesses de valor podem se de­senvolver na sua casuistica mediante discuss6es referentes a valores. Este fatopode reduzir consideravelmente, 00, pelo menos, aliviar a tarefa cia "interpre­tracao do valor" propria do dentifico e, em especial, do historiador, que e para

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1) a completa [mpossibilidade de realizar 0 respectivo postuIado de valor,mesmo que de uma maneira muito remota e aproximativa, pois roo e possiveldescobrir urn caminho que permita a sua realizacao,

2) a maior ou menor improbabilidade de sua realizacao plena au, inclusive,aproximada, seja pelos mesmos motivos au par causa da provavel intervencaode repercussoes e efeitos colaterais roo desejados que fariarn a sua execucaopraticamente impossivel, seja de maneira direta au indireta, e

3) a necessidade de tomar em consideracao rneios au repercuss6es queroo foram considerados pelo respectivo defensor deste postulado pratico, demodo que a sua dedsao valorativa que inclui fins, meios e repercuss6es auefeitos colaterais, converta-se em urn novo problema para ele e se imponhaaos demais com bastante forca,

d) Por ultimo, podem se apresentar novos axiomas de valor e postuladosque os postuIantes de urn postulado pradco roo perceberam au nao levaramdevldamente em consideracao, apesar de a execueao do seu proprio postuIadoentrar em conflito com aqueles, seja 1) por prlncipio, OIl 2) pelas consequen­das, isto e, de acordo com as suas consequendas praticas No prlmeiro casotrata-se de uma amplia<;iio.cla ~'scussaode roblemas do tipo a), e, no segundocaso, de problemas do tipo c).

Q>n.seqiiente~te, muito onge de roo terem sentido, .as discuss6es deste .tipo em torno de quest6es axiol6gicas podem ser muito importantes, se-:....ena minha opiniao arenas se - elas sao entendidas e interpretadas corretamentecol11 reiacao as suas finalidades.

Mas a utilidade de uma discussao de avaliacoes praticas, feitas no lugaraproprlado e no sentido aproprlado, roo se esgotam com os "resultados" diretosque se pcssam obter. Se sao feltas corretamente, resultarao em beneflclos paraa investigacao empirlca, num sentido permanente, na medida em que lhes pro­porciona as problerruiticas que estao envolvldas nas suas pesqulsas.

Os problemas das disdplinas empirlcas, certarnente, devem ser resolvidosdentro de uma postura de "neutralidade axiol6gica". Eles nao sao problemasde valor ou "problemas axiol6gicos". Mas, mesmo assim, no Wlbito de nossasdisdplinas, sofrem a influenda do reladonarnento das realidades "com" os va­lares. No tocante a expressao "reladonarnento com valores" (Wertbeziehung)devo remeter a forrnulacoes anterlores minhas e sobretudo as conhecidas obrasde H Rickert. Serla impossivel apresentar 0 conjunto destas idetas aqui. Bastalembrar que a expressao "relacio com valores" refere-se unicamente a interpre­ta<;iio filos6fica que precede a selecao e a constituicao empirica.

Dentro de uma investigacao empirlca, neste estado de coisas puramente16gico, sao legitimadas "avaliacoes praticas". Mas, em consonanda com a ex­perienda hist6rica, percebe-se que sao os interesses culturais e, portanto, osinteresses de valor que indicam a dire<;iio para 0 trabalho das ciencias pura­mente empirlcas. Fica claro agora que estes interesses de valor podem se de­senvolver na sua casuistlca mediante discuss6es referentes a valares. Este fatopode reduzir consideravelmente, au, pelo menos, alivlar a tarefa da "interpre­tra<;iio do valor" pr6prla do dentlfico e, em especial, do historiador, que e para

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e!es sem duvida uma atividade previa, mas swnamente importante para a sua" r7_ investigacao empirica. ]a que a distin.~-",mr"'_':<!y"lt!.gjo" e "int~fetac;ao" do//T valor (isto e, 0 desenvolvimento das tomadas de posicao possiveis providas de

sentido frente a urn fen6meno) com bastante frequencia nao se apresenta comtoda clareza a natureza l6gica da hist6ria - surgem neoessariamente amblgDi­dades que Impedern esta mesma clareza - tenho que remeter 0 leitor as ob­servacoes formuladas nos Estudos Crfticos sabre a L6gica das Ciencias da Cui­tura3, sem que minha opiniao seja de que as colocacoes feitas nestes estudossejam definitivas,

Em vez de discutir mals uma vez estes problemas metodol6gicos funda­mentals, queria examinar com maiores detalhes alguns pontes que sao de irn­portancia pratica para a nossa disciplina.

Ainda e difundida a crenca de que se "deve" ou "precisava" ou 8e "deveria"deduzir orientacoes referentes a avaltacoes praticas a partir de "tendencias dedesenvolvimento", Mas a partir de "tendencias", por univocas que sejarn, seootem imperativos univocos de ac;ao somente referentes aos meios previsivel­mente rnais apropriados para tomadas de posicao dadas, e nao no que diz res­peito a estas mesmas tomadas de posicao consideradas como tais. As proprias"avaliacoes'' nao podem ser deduzidas destas "tendencias". Aqui, naturalmente,devemas conceber 0 termo "meias" da maneira rnais abrangente posstvel, Quemconsiderasse par exemplo os interesses do poder do Estado como urn fim ul­timo, em determinada situacao, tenderia aver numa constituicao absolutists, ounuma constituicao dernocratico-radical, 0 meio (relativamente) mais apropriado,e seria ridiculo, de uma maneira extrema, modificar a avaltacao deste aparatoestatal como meio para uma mudanca da tomada de posicao ultima. :E evidente,entretanto, que 0 individuo se defronta continuadamente com 0 problema dese eie deve renunciar as suas esperancas na posslbilidade de realizacao das suasavaliacoes praticas, tendo em vista que e!e conhece uma ceria tendenda quaseque univoca do desenvolvimento que condidona a aftrmacao e a vitoria daquiloque e a sua asplracao. Tal realizacao esta ligada a aplicacao de nova; melosque the parecem duvidosas do ponto de vista etico ou outro, ou que requeiramque sejam considerados efeitas colaterais repugnantes, ou que, fmalmente, tor­nem tao improvavel aquela esperanca que as seus esforcos, medidas pela pro­babilidade do exito, se apresentem como urna esteril "quixotada". Mas 0 co­nhecimento de tais 'tendencias de desenvolvimento"quepodemser modifica­das em rnaior oumeti6fgrntCde maneiranenhuma representa urn caso patti­cular. Cada novo fato singular pode ter por consequencia urn reajuste entre fime meias indispensaveis, entre objetlvos desejadas e efeltas subsidiaries inevita­veis. Mas a questao, se e com quais conclusoes praticas deve acontecer 1850,nao e uma pergunta somente para uma ciencia empfrica, mas, sobretudo, paraqualquer ciencia. Podemos, par exemplo, demonstrar ao convieto 8indicalistaque 0 seu agir nao somente e inutil, do ponto de vista social, isto e, nao pro­mete nenhum resultado para a rnodificacao da situacao de classes do proleta­riado, mas que a piora continuadamente pela "criacao" de atitudes "readom­nas"; com isso, entretanto, nao se provou nada para ele, se e mesma fiel as

(r~Veja-se 0 ensaio Fstudos cruicce sabre a I6gica das Ciendas da CuJtura.

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suas convtccoes. E isto nao aconteceu porque ele seja urn insensato, mas par­que, a partir do seu ponto de vista, ele pode ter "razao", colocaeao que ana­lisaremos logo em seguida. De uma maneira geral, os homens tern uma fortetendencia a se adaptar interiormente ao exno, ou a quem quer que 0 prometa,nao somente - 0 que seria cSbvio - no que diz respeito aos meios au a me­dida em que proeuram realizar esses mesmos ideals. Na Alemanha, acredita-sepoder "glorificar" este procedimento com 0 nome de "realisrno polltico" (Reat­politik). De qualquer maneira nao se compreende porque os representantes deuma ciencia empirica deveriam experimentar a neoessidade de apoiar este tipode comportarnento, fundonando como plateia de aplausos a "tendencia do de­senvolvirnento" respectiva, e convertendo a "adequac;a:o" a esta num principiosupostamente "coberto" pela autoridade de uma ciencia, enquanto que, na rea­lidade, e urn prcblema de "postura axiol6gica ultima" que deve ser resolvidode caso para caso no foro intimo dos indivlduos.

E exato - se se entende de maneira carreta - que a polltica que temexito e sempre a "arte do possfvel'', Mas tarnbem nao e menos cerro que 0

"possivel" sornente pode ser obtido porque se proeurou 0 impassivel que estapara alern dele. Nao foi, decerto, a unica etica realmente conseqDente da "adap­tacao" ao possivel - a moral burocratlca do confucionismo - a que produziuaquelas qualidades de nossa cultura que, apesar de todas as diferencas, subje­tivarnente sao apredadas por n65 como pcsitivas de uma au outra maneira ecom menor e maior grau. No que se refere a mim, por nada no mundo queriaque a Nacao se afastasse sistematicamente - au em nome da ciencia - daideia (que foi exposta anteriormente) de que junto ao valor do "exito" de umaac;a:o esta 0 seu valor de "intencao". Em todos os casos, 0 desconhedmentodo estado de coisas desta situacao impede a compreensao da realidade. Emefeito, para ficar no caso do sindicalista anteriormente mencionado tarnbern noplano 16gico nao tem sentido confrontar pelos fins de uma crftica urn compor- _..tamento que deve tomar par principio 0 valor de "intencao'' de maneira exdu- ./ ~5/>siva como sendo 0 seu valor de "exito". 0 sindicalista consequente somentequer sustentar uma determinada intencao, que lhe parece, obviamente, absolu-tamente valiosa e sagrada, como tarnbern pretende induzir esta opiniao a outraspessoas, na medida do posstvel 0 fun Ultimo de suas ac;6es externas, e emparticular daquelas ac;6es que estao desde 0 comeco condenadas ao fracassoabsolute, consiste em obter, no seu foro intimo, acerteza de que a sua intenc;iioegenuina; isto significa que ela tenha a forca de "provar" a sua verdade napratica, Mas para isso, tals acoes somente Sao meios. De resto - supondo queele seja consequente - 0 seu reino, como 0 reino de qualquer etica de men-talidade au de intencao - nao e deste mundo. 0 uruco que e "dentificamente" ...1./demonstravel e que esta concepcao referente aos seus pr6prios ideals e a unica .r", y'que PDSSUi coerencia interna e que pode ser refutada par 'fates externos". E (rugostaria de acreditar que com isso se presta urn service e tanto para os defen-sores como para os opositores do sindicalismo, servioo que, para dizer a ver- C((/dade, pode ser esperado da dencia. Ninguern deve se enganar com as colo-cacoes da ciencia no sentido de argumentar "por um lado" de sete raz6es afavor e "seis razoes" contra de um certo fen6meno (par exemplo, a proclamacaode uma greve geral) e a sua ulterior ponderacao referente a vantagens e des-

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vantagens de acordo com os antigos prooedimentos "cameralistas" e dos rno­demos "memorandos chineses". Com essa redw;ao do ponto de vista sindicalistana sua forma rnais radonal e consequente posstvel, e com a comprova<;;iio dascondicoes emplricas do Sell surgimento, das suas chances e das suas conse­quencias praticas, dernonstradas pela experiencia esgotam-se praticarnente, de-certo, as tarefas de uma ciencia classificada par nos de partidaria da "neutrali­dade axiol6gica". Que se deva set ou nao set sindicalista, e algo irnpossivel dese provar dentificamente, se nao se recorre a premissas metaffsicas muito de­finidas que, par sua vez, nunca foram comprovadas e nunca poderao Set pro­vadas par qualquer ciencia que seja. Se urn oficial prefere saltar pelo ar seubaluarte antes de render-se, Sell ato pode set totalmente inutil, mesmo que semeca pela probabilidade de exito tal procedimento. Mas nao deveria ser total­mente indiferente a existencia ou nao da intencao que fez com que ele tomassetal atitude sem se preocupar com a sua utilidade. Esta intencao e tilo pouco"sem sentido" como a do sindicalista consequente, Nao e muito apropriado paraurn professor recomendar tal catonismo a partir da sua comoda postura de cl­tedra. Mas tampouco se recomenda que haja a apologia do contrario au se con­sidere um dever a adaptacao dos ideais as chances que sao ofereddas pelas"tendencias de desenvolvimento" e situacoes atualrnente existentes.

NOs empregamos repetidamente 0 termo "adaptacao" nurn sentido que naoe totalmente claro em cada colocacao e em cada contexto. Na realidade, 0 seuSignificado pode existir de duas maneiras: 1) a adaptacao dos rneios de umatomada de posicao Ultima a situacoes dadas (Realpolitik, no sentido estrito dotermo), e 2) adaptacao das proprias tomadas de posicao Ultimas, que sao ge-

~ c/ ralmente possiveis, enquanto se seledona aquela que oferece chances imedia-: / tas, reais ou aparentes (este e 0 tipo de Realpolitik com que 0 nosso pars con­

seguiu significativos exitos hi 27 anos - 1890). Mas, com isso, nao sao esgOotadas as possfvels significacoes, Por esta razao, acredito eu, seria aconselhavel,na abordagem dos nossos problemas de "avahacao'' e de outros problemas, ex­cluir par compieto este conceito que provoca tantos mal-entendidos. Pois naopassa de um mal-entendido 0 seu emprego como expressao de um argumentodentffico que se apresenta sempre como sendo renovado, tendo em vista a "ex­plicacao" (por exemplo, da existencia emplrica de certas concepcoes eticas emdeterminados grupos hurnanos durante algumas epocas) ou a avaliacao (parexemplo, destas concepcoes eticas enquanto sao subjetivamente "adaptadas", eportanto "corretas" e "valiosas"). Em nenhurn destes sentidos hi urn service real,pois sempre necessitam de uma interpretacao previa, Este procedimento tem asua patria na biologia. Mas, se se entendesse, realmente, no sentido biol6gico,como, par exemplo, a chance dada pelas drcunstandas, que e relativamentedeterrninavel, de que um que grupo soda! conserve a sua propria hereditarie­dade psicoflsica mediante a reproducao, as camadas sodais economicamentemais fortes e os que regulamenta, a sua vida de maneira mais racional seriam,de acordo com as estatlsticas de nascimento, os nao-adaptados", Os poucos In­dios que moravam na zona de Salt Lake antes da migracao dos m6rmons esta­yam, no sentido biol6gico - mas tarnbem em qualquer wna das autras signi­ficacoes purarnente emplricas tmaginaveis -, adaptados ao ambiente tilo bemtal mal, como tambem as posteriores nurnerosas col6nias dos rnormons. Esta

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vantagens de acordo com os antigos procedimeruos "cameralistas" e dC6 rno­demos "memorandos chineses". Com essa reducao do ponto de vista sindicalistana sua forma mais radona! e conseqiiente possivel, e com a comprovaeao das

'\ condicoes ernpfricas do Sell surgimento, das suas chances e das suas conse-.. y( quencias praticas, demonstradas pela experiencia esgotam-se praticamente, de-/ certo, as tarefas de uma ciencia classificada par nos de partidaria da "neutrali­

dade axiol6gica". Que se deva ser au nao ser sindicalista, e algo impossivel de, se provar dentificamente, se nao se recorre a premissas metaflsicas multo de­

finidas que, par sua vez, nunca foram comprovadas e nunca poderao ser pro­vadas par qualquer ciencia que seja. Se urn ofidal prefere saltar pelo ar seubaluarte antes de render-se, Sell ate pode ser totalmente inutil, mesmo que serneca pela probabilidade de exito tal prooedimento. Mas nao deveria ser total­mente indiferente a existencia au nao da intencao que fez com que ele tomassetal atitude sem se preocupar com a sua utilidade. Esta inten~o e tao pouco"sem sentido" como a do sindicalista consequente, Nao e muito apropriado paraurn professor recomendar tal catonismo a partir da sua c6moda postura de cl­tedra. Mas tampouco se recomenda que haja a apologia do contrario au se con­sidere urn dever a adaptacao dos ideals as chances que sao oferecidas pelas"tendencias de desenvolvimento" e situacoes atualmente existentes.

NOs empregarnos repetidamente 0 termo "adaptacao" nurn sentido que naoe totalmente claro em cada colocacao e em cada contexto. Na realidade, 0 seusignificado pode existir de duas maneiras: 1) a adaptacao dos rneios de wnatomada de posicao Ultima a situacoes dadas (Realpolitik, no sentido estrito dotermo), e 2) adaptacao das pr6prias tomadas de posicao Ultimas, que sao ge-

«-{;/ ralmente possfveis, enquanto se seleciona aquela que oferece chances imedia-• / tas, reais ou aparentes (este e 0 tipo de Realpolitik com que 0 nC6SQ pais con­

seguiu significativos exitos hi 27 anos - 1890). Mas, com isso, nao sao esgo­tadas as possiveis significacoes. Por esta razao, acredito ell, seria aconselhivel,na abordagem dos nossos problemas de "avaliacao" e de outros problemas, ex­clulr par completo este conceito que provoca tantos mal-entendidos. Pois naopassa de urn mal-entendido 0 seu emprego como expressao de urn argumentociennflco que se apresenta sempre como sendo renovado, tendo em vista a "ex­plicacao'' (por exemplo, da existencia empirica de certas concepcoes eticas emdeterrmnados grupoo humanos durante algumas epocas) ou a avaliacao (parexemplo, destas concepcoes eticas enquanto sao subjetivamente "adaptadas", eportanto "corretas" e "valiosas"). Em nenhurn destes sentidos hi urn service real,pois sempre necessitam de uma interpretacao previa. Este procedimento tern asua patria na biologia. Mas, se se entendesse, realmente, no sentido biol6gico,como, par exemplo, a chance dada pelas circunstiindas, que e relativamentedeterrnlnavel, de que urn que grupo social conserve a sua pr6pria heredltarie­dade psicofisica mediante a reproducao, as camadas sociais economicamentemais fortes e 00 que reguiamenta, a sua vida de maneira mais raciona! seriam,de acordo com as estatisticas de nascimento, 00 nao-adaptados''. Os pouoos in­dios que moravam na zona de Salt Lake antes da migracao dos m6rmons esta­Yam, no sentido biol6gico - mas tambern em qualquer urna das autras signi­flcacoes puramente empiricas Imaginavels -, adaptados ao ambiente tao berntal mal, como tarnbem as posteriores numerosas colonias dos m6rmons. Esta

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maneira de ver em nada contribui para a nossa cornpreensao empirica, masfacilmente imaginamos que tal coisa Fosse real. E apenas no caso de duas or­ganlza«les absolutamente identicas em todas as suas caraeteristicas pode se as­severar - queremos deixarbern claro esta nossa colocacao - se uma diferencaconcreta particular e mais "adaptada" para a existencia da organizacao que ternessa caraeteristica, sendo portanto "melhor adaptada" as condlcoes dadas. Masno que se refere a avalia<;:io, e passivel que alguem defenda 0 ponto de vistade que 0 maior numero de prestacoes e de resultados ntaterials, e de outrosresultados de quaJquer espeeie que os m6rmons levararn a este lugar e queeles ali desenvolveram, constituem uma prova da sua superioridade sobre osindios, como tambem urn outro que abomina os meios e os efeitos colateraisda enca dos m6nnons, que pelo menos parcialmente e responsavel par aquelesresultados, pode preferir a estepe e a existencia romannca dos indios sem queciencia algoma, quaJquer que seja, possa pretender convence-lo do contclrio.N~~caso, trata-se do problema, Irnpossrvel de ser resolvido cientificamente,de um eqUi1lliifo' razoaverentre fins, rneios e conseqaendas.

Quando, para urn flrrldadO-de maneira absolutamente unfvoca, se buscao meio mais apropriado, sornente ai trata-se de uma questao que pode ser de-cidida empiricamente. A proposicao "X e 0 unico meio para Y' nao e, na rea-Iidade, outra coisa do que 0 inverso da proposicao "de X se segue Y'. 0 con-ceito de "adaptacfo" (e todos os conceitos que se asseme!ham a ele) mo for-nece, entretanto - e isto e 0 principal - a menor informacao sabre as ava-Iia<;iies fundamentais U1timas que ele, pelo contclrio, apenas oculta, da mesmamaneira como faz, par exemplo, 0 conceito que u1timamente esta tao em modade "economia humana", conceito que, a meu ver, e totalmente confuse. Deacordo com 0 sentido que se atribut ao conceito "adaptado", podemos dizerque no setor da "aJltura" tudo e nada esta adaptado. Pois nao epassivel excluirda vida aJltural 0 contlito ou a luta, Epassive! alterar seus melos, seu objetoe ate a ortentacto fundamental e seus protaganistas, mas nao podemos elimi-na-los, Pode tratar-se de uma luta externa de antagonistas em torno de coisas

-externas, de uma luta interna de pessoas que se amam, mas lutam par hensinteriores, e, conseqiientemente, no lugar da coacao externa pode haver urncontrole interno (em forma de uma dedica<;:io er6tica ou ate caritativa) au, fi­nalmente, pode tratar-se de urn confiito Interne e intirno que se desenvolve naalma do individuo - 0 conflito esta sempre presente, e as suas consequenciassao pelo menos tanto mais importantes quanto menos sao percebidas, quantamais assumem a forma de uma passividade indiferente au c6moda, de urn qui-merico autoengano, 01.1, inclusive a forma de uma "selecao'', f!. "paz" mo signi-fica autra coisa do que um deslocamento das formas, dos protagonistas 01.1 dosobjetos de lura, au, finalrnente das chances de selecao, Se e quando tais des­locamentos resistem it prova de um juizo enco au valorativo de quaJquer outranatureza, e alga que nao esusceptivel a formula<;6es gerais. Somente uma coisa ;/e indubitavel: sem excecao alguma, qualquer ordenamento das relacoes sociais, Y'.'.,/quando se pretende avalia-la, em Ultima analise, tarnbern deve ser analisada noque diz respeito ao tipo humane ao qual, atraves de uma selecao interna OtC­

extema (de motivos), se propordona as chances 6timas para tornar-se predo-

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minantes. Em caso contrario, realmente, nem existe a base real necessaria parauma avaliacao, tanto faz se esta pretende ser conscientemente subjetiva refe­rente it sua validade. Temos que lembrar este fato aqueles numerosos colegasque acreditam que seja posslvel "operar" para a: determinacao do desenvolvi­mento social com conceitos unlvocos de "progresso". Isto nos leva a uma con­slderacao mais detalhada deste tao importante conceito.

Naturalmente podemos usar 0 conceito de "progresso" de uma maneira to­tahnente neutra referente a valores quando 0 identificamos com 0 "progredir'de um processo concreto de desenvolvimento, considerado isoladamente. Masna maioria das vezes a situacao e mais complicada. Examinaremos aqui unspoucos exernplos que tiramos des mais diversos setores nos quais 0 entrelaca­mento com questoes de valor e muito estreito.

No Mlbito dos conteudos irradonals e sentimentais do nosso comporta­mento pslquico pode ser caraeterizado, de maneira neutra referente a valores,o aumento quantitativo e - ligado a este na maloria dos casas - a diversifi­ca.,ao qualitativa dos modos de comportamento posslveis como urn progressoda "diferenciaeao" pslquica. E imediatamente estamos envolvidos com urn con­ceito valorativo: aumento da "envergadura", da "capacidade" de um "espirito"concreto, ou - 0 que ja e uma construcao nao-univoca - de uma "epoca"(como no caso da obra de Simmel, intitulada Schopenhauer e Nietzsche).

Nao hi duvtda que existe de fato aquele "progredir da diferenciaclo", mascom a reserva de que nem sempre existe este "progredir" ali onde se ere queele existe. A aten.,ao crescente que se nota nos nossos dias para as rnatizes dosentimento provem da radonalizacao e tntelecnialtzacao cada vez maiores emtodos os setores da vida, como tarnbern da maior importancia subjetiva que osindividuos atribuem as suas pr6prias manifestacoes de vida (para outros total­mente indiferentes), que fadlmente suscita a ilusao de uma diferenciacao cres­cente. Pode ate realmente haver au promove-la. Mas, nem pot isso, fadlmentenos enganamos e tenho que dizer, da minha parte, atribuo urn alcance signi­ficativo a este tipo de engano. Seja como for, 0 fato realmente existe. Que estadiferenciacao cada vez maior deva set caraeterizada como "progresso" e umaquestao de convenienda terminol6gica. Mas se ela devia ser classificada ou ava­liada como urn "progresso" no sentido de uma crescente "riqueza interior" ealga que nenhuma ciencia emplrica pode deddir. Pais nao compete a ciencia,realmente, a questao de deddir se as possibilidades novas de sentimento quese desenvolveram e que provocaram tambern novas 'tensoes" e novos "proble­mas" devem ser reconhecidas como "valores". Mas quem quer assumir uma po­sic;ao de avallacao referente a este fato da dlferenciacao como tal - e, certa­mente, nenhuma ciencia ernplrica pode proibir isso - e quem para fazer talavaliacao procura urn ponto de vista adequado, a este, certamente, muitos fe­nomenos do presente the sugeririam a pergunta pelo "preco" deste processona medida em que constitui algo mais do que uma meta ilusao intelecrualista.Ele difidlmente podera passar pot dma do fato, por exemplo, de que esta "ca­r;:a" da "vivencia" - uma verdadeira moda na Alemanha de hoje - pode set,num grau muito elevado, 0 produto de uma diminuicao das forcas para aguen­tar interiormente a "vida rotidiana"; e que aquela publiddade que 0 individuo

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atribui a sua "vivencia" e que experirnenta uma necessiclade cacla vez malar arespeito disso par causa de uma perda do sentimento de distandamemo, e par­tanto, tarnbern de digniclade e de estiIo. Em todos os casos, no ~to das ava­lia<;6es das vivencias subjetivas, 0 "progresso cia diferendacao" se Identifica como aumento do "valor", em primelro lugar apenas num sentldo Intelectua1lsta deurn aumento de experimentar vtvendas de maneira cacla vez mals consdenteOIl de uma capadclade de expressao e de comunicacao cacla vez malores.

As coisas sao um pouco mals complicadas no que diz respelto :l posslbi­liclade de aplicar 0 concelto de "progresso" (no sentido de ava1la.,;ao) no limbitocia arte. FreqOentemente se discute com palxiio esta questlio no sentido de queMO e poss!vel usar a neutraliclade axIo16gica neste setor, E dependendo do ca­so, com au are sem 0 devldo fundarnento. Nenbuma reflexao valorativa sabrea arte admltlu que seja sufidente fazer uma diferenca apenas entre "arte'' e "nao­arte" e que MO deveriam ser levadas em consideracao ainda outras dlferencascomo as de tentativas OIl intencao e 0 resultado, entre 0 valores dos diferentesresultados, entre realizacoes totals e pardais, parclals em multos pontos ou ape­nas em alguns pantos essendals, mas mesmo assIm MO sendo rea\lza<;6es semvalor nenhum, e tudo Isso MO apenas no que diz respelto a uma concreta von­tade de aia.,;ao artfstlca mas tambem referemes a tocla uma epoea. a conceltode "progresso" quando aplicado a taIs fatos apresenta-se como sendo multo tri­vial, dado que e aplicado apenas em referenda a problemas puramente tecni­cos. Mas como tal, nem por isso ele e sem sentido. Num sentido diferente apre­senta-se 0 problema para a hIst6rIa cia arte e a sodologla cia arte entendidascomo meras disdplinas emplrlcas. Para a prlmeira, como e natura.l, MO hi um"progresso" no sentido cia ava1la.,;ao estetica das obras de arte como realizacoesprovidas de sentido; taIs avaliaeoes, obviamente, MO podem ser feltas com osmeios e os procedimentos tecnicos de uma considera<;;ilo emplrlca e, conse­quentemente, esta totalmente fora do seu alcance. Mas, no seu lugar, pede serusado um concelto de "progresso" que eexclusivarnente tecnieo, radonal e par­tanto, univoco, do qual temos que falar logo em seguicla, e roja utiliclade paraa hist6ria empirlca cia arte resulta no fato de que se limita :l comprova<;;ilo dosrneios tecnicos que uma determinacla vontade artfstica usou para conseguir umdeterminado prop6lito. Com facillclade se menospreza 0 alcance que para ahist6ria cia arte reveste-se este tipo de consideracoes que fixa os seus pr6prloslimites, OIl ate os desvirtua no senndo de confundi-los com uma pressuposta"sabedoria", inteiramente suba1terna e inautentica que diz que terla "compreen­dido" um artlsta par ter abrido a cortina do sell eso1dio e quando tem revistadoos seus meios de expressao e a sua "rnaneira" de ser. Mas 0 progresso "tecnlco",caretamente entendido, e um campo proprio cia propria hist6ria cia arte, par­que ele e a sua influenda sabre a vontade attfsIica representam, no decursodo desenvolvimento artfstlco, 0 constatavel e comprovavel por via puramemeemplrlca, isto quer dizer, sem avaliacao estetica, Tomemos alguns exemplos queilustrem 0 verdadelro significado que 0 "tecruco", no sentido pr6prlo deste ter­mo, tem para a historia cia arte.

a surgimemo do g6tlco, par exemplo, deu-se, prlndpalmente como resul­tado cia solucao tecnlca de um problema relative :l construcso das ab6badas:alcancar 0 6tlmo para a aia.,;ao dos pontes de apoio, junto com alguns outros

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detalhes que nao examinaremos aqui. Resolverarn, portanto, problemas de cons­uu<;:ilb bern concretes. 0 conhecimento de que com isto se tornou possivel urndeterminado tipo de construcao de ab6badas nao-quadraticas susdtou urn apai­xonado entusiasmo daqueles primeiros arquitetos, aos quais devemos 0 desen­volvimento deste novo estilo arquitetonico - que talvez seriam esquecidos parasempre. 0 seu radonalismo tecnico executou de maneira conseqDente todosos novos princlpios. A sua vontade artistica utilizou este conhecimento para re­solver tarefas cuja solu<;:ilo ate entao era quase Irnpensavel e, ao rnesmo tempo,empurrou a plastica para urn novo camlnho "sentimento do corpo" que foraprovocado sobretudo pelas novas forrnulaeoes arquitet6nicas do espaco e dassuperficies. 0 fato de que esta transformacto, prindpalmente tecnica, juntou-secom determlnados contelidos de sentimento, que foram condicionados em gran­de parte sociologicamente e na hist6ria das religi6es, proporcionou, em grandeparte, os componentes essendais daquele material de problemas com os quaistrabalhou basicamente a cria<;:ilo artistica na epoca g6tica. _Na medida em quea hist6ria e a sociologia da arte mostram as condicoes psicol6gicas, socials, tee­nicas e objetivas de novo estilo, a sua tarefa empfrica sera esgotada, Mas comisto nao se "valoriza" 0 estilo g6tico em relacao ao romannoo ou ao renascen­tista, tambem multo ligado ao problema tecnico da alpula e tarnbem orientado,sociologicamente, segundo as transforrnacoes do ambito da arquitetura. Tam­pouco "valoriza-se" estetieamente a obra arquitet6nica individual, na medida emque se permaneee dentro do ambito da hist6ria emplrica da arte. Concluindo~ltillcia esteticaCjlle as obras de arte apresentam, e, consequentemente,oseu objeto, sao heter6nomas a ela, isto e, sao dadas a priori atraves do valorestetico que, dentro dos parametros dos seus pr6prios meios, de modo algumpode set estabelecido.

Algo semelhante ocorre no ambito da hist6ria da mUsica. Do ponto de vistado interesse do homem europeu modemo ("referenda a valores'') 0 problemacentral e 0 seguinte: pot que a mUsica harmonica, a partir dos elementos dapolifonia conhecida par quase todos os povos da Europa, apenas se desenvol­veu na Europa e nurn determinado perfodo, enquanto que em todos os outroslugares a radonalizacao da mUsica seguiu outros caminhos e are urn camlnhooposto, ou seja, 0 desenvolvimento pela divisao dos intervalos (na rnaioria dasvezes em "quartos'') e nao a divisao harm6nica em quintos? No centro do pro­blema, pais, e 0 surgimento da terceira no seu significado harmonica comoelernento Integrante de tritono e, alem disso, 0 problema da moderna titmicamUsical (as partes bem-sucedidas e malsucedidas das partes do compasso), que- substituindo urn compasso meramente metronomico - de urna ntmica serna qual seria impensavel a moderna mUsica instrumental. Novamente trata-se,em primeiro lugar, de questoes tecnicas no que se refere a urn "progresso" ra­cional e tambem puramente tecnico, Que pot exemplo a crornatica era conhe­cida multo antes da mUsica harmonica como urn meio de expressar a "paixao"mostra multo bern a rnusica cromatica antiga (presumivelmente ate urna musicamono-harmonica) referente aos recentemente descobertos fragrnentos de Euri­pedes. Portanto, nao na vontade de expressao artistica, mas nos meios tecnicosde expressao consiste a diferenca desta mUsica antiga referente a rnusica ero­rnatica, criada pelos grandes inovadores musicais do Renascimento, no mcio de

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uma. busca quase que febril de descobertas racionajs que, decerto, tiveram afinalidade de poder dar uma forma radonal musical a "paixao", A novidadetecnica consistiu, indiscutive!mente, no fato de que tal crornatica se transforrnouna nossa crornatica, caracterizada pelos intervalos harm6nlcos e nao como nocaso da dos gregos, que era caracterizada pelas distilncias mel6dicas de semI­tons e de quartos de tons. E 0 fato de que esta mudanea pudesse aconteoerteve novamente 0 seu fundamento em solucoes antenores de problemas tecni­cos-racionais. Contribuiu para tsso, de modo particular, a cria9io da repre­sentacao racional das notas (sem a qual setia impensavel a composicao mo­derna) e ja mals anteriormente ainda, a cri~o de determlnados lnstrumentosque impuseram uma interpretacao harmoniosa dos intervalos musicals, e sabre­tudo 0 canto polif6nlco raciona!. A contribuicao principal, entretanto, para estasmudancas, cabe, nos tempos iniciais da ldade Media, as ordens monasticas nasregioes missionarias do centro e do norte da Europa Ocidental, as quais, semperceber 0 a1cance posterior daquilo que fizeram, radonalizaram para seus finsas polifonias populares em vez de adaptar a sua mUsica, como fizeram os bi­zantinos aos melopoios [compositor, poeta 1frico] da tradi9io helenica. Caraete­risticas concretas, condicionadas sociologicamente pela situa9io interna e ex­terna da Igreja Crista, perrnitiram que ali, a partir de urn racionalismo exclusivodas ordens monasticas ocidentals, surgisse esta problematica musical a qual, nasua essenda, e de natureza "tecnica", Por outro lado, a ado9io e a racionali­m9io do ritmo da danca, foote das forrnas musicals que levaram ao surgimentoda sonata, foram determlnadas par certas formas da vida social da sociedaderenascentista. E, finalmente, 0 desenvolvimento do piano, urn dos mais Impor­tantes apoios tecmcos da modema evolu9io musical e da sua difusao na bur­guesia, teve a sua origem no especifico carater Interdornestico da cultura donorte da Europa. Tudo isso sao "progresses" dos meios tecnicos da mDsica queinfluendaram fortemente a sua hist6ria. A_bi~a e!!lPirica da~Usica~

e devera acompanhar e descobrir estes cornponentes do desenvolviillentQ Ijls­torico, sem, par sua parte, emitir um jufzo de Valor soore 6 valorestetico dasohms de arte musicals. 0 "progresso" tecnico deu-se muitas vezes em realiza­¢es que na sua dirnensao estenca erarn insignificantes. A direcao de interesse,istr e, 0 objeto a set explicado histOlicamente, e dado a hist6ria da mDsica dernaneira heter6noma atraves de sua significa9io estetica,

No que se refere ao setor do desenvolv1mento da pintura, a elegante dis­cricao com que W6ff1in apresenta os problemas na sua obra Arte Classica(Klassische Kunst) e urn exemplo exce!ente da capacidade de fomecer resulta-dos para a pesquisa empirica. !

A separaeao total entre a esfera dos valores/e da empiria surge de maneiracaraeteristica pelo fato de que 0 emprego de urha determinada tecnica, par mals"progressiva'' que ela seja, nao diz ainda nada no que diz respeito ao valorestetico da obra de arte. Obras de arte que usam uma tecnica que e a mais"primitiva" passive! (por exemplo, um quadro sem a nocro de perspectiva), po­dem set esteticamente falando equivalentes a ooras que forarn criadas com 0

uso da mais perfeita tecnica racional possfvel, em todos os casos em que avontade artlstica se limitou nas formas adequadas para esta tecnica "primitiva",A criacao de novos meios tecnicos significa num primeiro momento sobretudo

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urna busca quase que febril de descobertas racionais que, decerto, tiveram afmalidade de poder dar uma forma radonal musical it "paixao", A novldadetecnica consistiu, indiscutivelmente, no fato de que tal crornatica se transformouna nossa cromatica, caracterizada pelos intervalos harm6nicos e nito como nocaso da dos gregos, que era caracterizada pelas distancias mel6dicas de semi­tons e de quartos de tons. E 0 fato de que esta mudanca pudesse acontecerteve novamente 0 seu fundamento em solucoes anterlores de problemas teeni­cos-racionais. Contribuiu para isso, de modo particular, a cria.,ao da repre­sentacto radonal das notas (sem a qual seria Irnpensavel a composi.,ao mo­derna) e ja mais anteliormente ainda, a cria.,ao de determinados insttumentosque impuseram uma interpretacao harmoniosa dos intervalos musicals, e sabre­tudo 0 canto polifonico radonal. A contribui.,ao principal, entretanto, para estasrnudancas, cabe, nos tempos inidais da ldade Media, as ordens monasticas nasregioes missionarias do centro e do norte da Europa Oddental, as quais, semperceber 0 alcance posterior daquilo que fizeram, radonallzaram para seus finsas polifonias populares em vez de adaptar a sua mUsica, como fizeram os bi­zantinos aos melopoios [compositor, poeta lirico] da tradi.,ao helenica, Caracte­risticas concretas, condidonadas sodologicamente pela situa.,ao interna e ex­terna da Igreja Crista, pennitiram que ali, a partir de urn radonallsmo excluslvodas ordens monasncas oddentais, surgisse esta problematica musical a qual, nasua essencia, e de natureza "tecnica", Por outro lado, a adocao e a radonall­za.,ao do ritrno da danca, Fonte das formas musicals que levaram ao surgimentoda sonata, foram determinadas por certas formas da vida social da sodedaderenaseentista. E, fmalmente, 0 desenvolvimento do piano, urn dos mais impor­tantes apoios tecrucos da modema evolucao musical e da sua difusao na bur­guesia, teve a sua origem no espedfico carater Interdomestico da cultura donorte da Europa. Tudo isso sao "progresses" dos meios tecnicos da mUsica queinfluenciaram fortemente a sua hist6ria. A hL~~-"rppfricad" ~Usicayoder:'ie devera acompanhar e descobrir estes componentes do desenvolvlrner,!9.!}iS­t6rlco, sem, par sua parte, emitir um jufw de valor sobre 6 valorestenco dasobras de arte musicals. 0 "progresso" tecnico den-se muitas vezes em realiza­<;Des que na sua dimensao estetica eram lnsignificantes. A dire.,ao de interesse,lstr e, 0 objeto a set expllcado historlcarnente, e dado it hist6ria da rnusica demaneira heter6noma atraves de sua significacao estetica.

No que se refere ao setor do desenvolvimento da pintura, a e!egante dis­crtcao com que W6fflin apresenta os problemas na sua obra Arte Classica(Klassische Kunst) e urn exemplo excelente da capacidade de fomecer resulta-dos para a pesquisa emplrica. j

A separacao total entre a esfera dos valores-e da empiria surge de maneiracaracteristica pelo fato de que 0 emprego de tuha determinada tecnica, par mais"progressiva" que ela seja, nao diz ainda nada no que diz respeito ao valorestetico da obra de arte, Obras de arte que usam uma tecnica que e a mais"primitiva" possivel (por exemplo, urn quadro sem a nocao de perspeetiva), po­dern set esteticamente falando equJvalentes a obras que foram criadas com 0

uso da mais perfeita tecnica raciona! passive!, em tados os casos em que avomade artistica se limitou nas formas adequadas para esta tecnica "primitiva".A criacao de novos meios tecnicos significa num primeiro momento sobretudo

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uma dlferenciacao crescente e apenas propordona a possibilidade de uma "ri­queza" cada vez maior da arte no sentido de urn aumento de valor, De fato,nao poucas vezes esta diferenciacao teve um efeito inverso, ou seja, levou aum "ernpobredmento" das formas, Mas para a consideracao ou investigacao em­plrica co-causal, apresenta-se a transformacao da tecnica (no sentido mais ele­vado do tenno) oorno 0 mals importante memento de desenvolvimento da arteque pode ser comprovado ernpiricamente.

Nao sornente os historiadores da arte, mas tambem os historiadores em ge­raj, costurnam fazer a seguinte obje<;iio: que nao querem abster-se do direitode emitir julzos de valor sabre quest5es pollticas, culturais, eticas e esteticas, eque nem teriam condicoes de desenvolver 0 set! trabalho sem estes julzos devalor, A metodologia nao tern a forca nem 0 proposito de prescrever a ninguemo que uma obra literaria the pretende oferecer, E1a apenas reclama para si 0

direito de estabelecer e mostrar que oertos problemas sao heterogeneos no quediz respeito ao sentido e que sua confusao sornente traz como consequenciaum debate ocioso como entre surdos e que tern sentido uma discussao sabreuns problemas recorrendo aos melos e recursos da 16gica e da ciencia emplrica,o que e impassive! para OUlros problemas, Talvez possamos aqui acrescentarainda uma ooservacao geraJ sem, entretanto, prova-la agora: um exame atentodos trabalhos hist6ricos mostra oom fadlidade que 0 estabelecimento conse-

(/ qoente da cadela causal emplrico-hist6rica costurna quebrar-se quase que sem'" excecao, oom preju1zo para os resultados dentfficos, quando 0 historiador co­

rneca a "emitir julzos de valor", Ele carre en~.Q0 riSC9L£O~~elIlQlg~ expMcaroomo consequencia de uma "falha" ou de urna vdecadencia" aguilo 'Ille talvezfoi um efelto de ide:tis-c!as'"gentesque-Ihe sao' eStranhose, nesteC3s0~~e

falha na sua verdadeira t:l""fa)'2'l,~ejaLcl~,"cort1p_reend."r:',Tal mal-entendidose explica par duas razoes, Em primeiro Iugar - para ficar na exemplifica<;iioda esfera da arte - pelo fato de que a realidade artistica e aoesslvel, nao apenasvia conslderacao valorativa puramente estetica, por um lado, ou via irnputacaocausal e puramente de maneira emplrica, par outro lado, mas tarnbem por umterceiro caminho, au seja, via intcrpretacao valorativa. Mas nao pretendemosrepetir aqui tudo aquilo que foi dito sabre este assunto em outro lugar. Nao~a menor duvida sobre 0 seu valor proprio e sabre a sua impresdndibilidadepara 0 historiador, 0 mesmo vale - 0 que alias e natural - para 0 leitor co­mum de obras da hist6ria da arte que exatamente espera este tipo de exposicaoque emite julzos de valor, Mas somente no que se refere a sua estrutura 16gicauma tal exposicao nao e identica a conslderacao ernpfrica.

Tern de se admitir, entretanto, que quem quer obter em materia de hist6riade arte bons resultados, por mais emplrico que seja 0 Set! procedimento, predsa"compreender" na produ<;iio artlstica 0 que realmente e im!'<'nsaveL=JJPJil,~ capadtlade de jUl~m_~!<:>_e,pottanlO, capaddade'de avalia,'.i!p, 0 mesmovale tarnberri, como ~ natural, para 0 historiador da polltica, da literatura, dareligiao e da filosofia. Mas isto, obviamente, nao diz nada sabre a essencia lo-

i/'ca da investigacao historica.I Mais tarde voltaremos a este assunto. Aqui queriamos apenas e exclusiva-L mente dlscutir a questao seguinte: em que sentido poderlamos falar de "pro-

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gresso" na hist6ria da arte fora da avaltacao estettca. Chegamos:l. conclusiio deque este conceito ganha urn sentido tecnico e racional referente aos rneios paraa realizacao de urn proposito artfstico e que como tal pode ser lmportante parauma hist6ria da arte de caciter empirlco. Devemos agora Investigar este conceitodeprogresso "racional" no seu setor mats proprio e irivestig;i-Io -no -seu caraterel11pirlco au nilcrempirioo. 0 que ate agora disse e, nil realidade, apenas urncaso partiCular de uma situa<;iio bastante universal.

Da rnaneira como Winde1band na sua Hist6rla da Filosofia (Geschk:hte tierPhilasophie, 4.00. §2, p.~ - Hist6rla da Filosofia -, paragrafo 2, pagina 8 daquarta edi<;iio) delimita a tema de sua "hist6ria da filosofia" ("0 processo atravesdo qual a hurnanldade europeia(...) formulau a sua concepcao do mundo me­diante conceitos ciennflcos") fundamental referente a sua pragmatica - bri­lhantissima ao meu ver - a emprego de urn conceito especifico de "progresso"que se deriva desta referenda ao valor da cultura (cujas consequencias ja seencontram nas paginas 15 e 16) e que, por urn lado, de maneira nenhuma e6bvio para cada "hist6ria" da filosofia, mas que, par autro lado, no que dizrespeito :l. sua fundamentacao numa referenda sernelhante ao valor da respec­tiva cultura e adequada, nilo somente para uma hist6ria da filosofia au nilosomente para uma hist6ria de qualquer autra ciencia, mas tarnbem - diferen­temente daquilo que Wmdelband sustenta (paglna 7, nurnero 1 pacigrafo 2) ­para qualquer hist6ria em geral. Nas paginas seguintes n6s referiremos apenas:l.que1es concertos "radonais" que desernpenham urn papel nas nossas discipli­nas sociol6gicas e econ6micas. A nossa vida econbmica e social da Europa eda America do Norte e "racionaiizada" num modo e nurn sentido bern especi­fico. Explicar esta racionalizacao e formar os conceitos correspondentes e, par­tanto, uma das principais tarefas das nossas disciplinas. Fazendo isto, surge no­vamente a problema que ja abordamos par ocasiao do exemplo da hist6ria daarte, mas que deixamos em aberto, au seja,~~~~--"-qtl~ se querdizer propriamente quando se caraeteriza urn processo como sendo urn "pro­gressg:f.idonal".

.- Ta~ aqui se repete a entrelac;amento dos ires sentidos de "progresso":1. 0 mero "progredir" da dlferenciacao; 2. a progressiva racionalidade tecnicados meios, e, par Ultimo; 3. a aumento do valor. Em primeiro lugar,~p<>rtamento subjetivamente "radonal" nilo e identic()3!'1lJ'l as;iio racioQ'llmente"correta", isto e, uma a<;ilo que emprega os meios corretosobi~""mente, (Ieacordo com a conhecimento cientifico. Mas signiflca apenas que a intencao sub­[etiva segue uma "rienta<;iio planejada referente aos meios constderados corretospara atingir uma determinada meta. Urn progr"SS(UllLraci..QMHl!l\;~2_stJbjetivada a<;iio nao irnplica, portanto, necesSiii1amente, tambern objetivarnente, llUm"progresso" em direcao a uma a<;iio racionalmente "correta". A magia por exem­1'16 sofreu uma "racionalizacao" tao sistematica comoa Flsica. A prirnetra tetapla"racional" de acordo com a sua pr6pri,.-ihten<;iio signlfica quase sempre urndesprezo pela cum de sintomas ernpiriccs mediante ervas, au de eficicia ern­piricamente comprovada em favor da eliminacao das (supostas) "causas verda­deiras" (magicas, demonlacas) da enfermidade. Percebe-se que formalmente elateve a rnesrna estrutura racional que encontramos tambem em multos dos maisimportantes progressos da terapia moderna. Mas nao podemos atribulr a estas

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terapias magicas d05 sacerdotes 0 valor de urn "progresso" em dlreeao a umaacao "correta" com relacao aquelas praticas emptncas, E, por autro lado, naotodo "progresso" em dtrecao ao emprego d05 meios "corretos" que se obtevemediante urn "progredir'' no primeiro sentido au seja no sentido subjetivamenteracional. Que uma a<;1io racional subjetivamente progressiva conduz a urna a<;1ioobjetivamente "adequada ao lim" e apenas uma entre muitas possibilidades eurn processo cuja efenvacao pode set esperada apenas em graus diversos deprobabilidade. Mas no caso particular e corret:a a pf0JJ06i<;1io: a medida X eomeio (suponhamos que seja 0 Unico) para obter 0 resultado Y - 0 que e umaquestao ernpfrica e, decerto, nada mais do que a inversiio da proposlcao causal"de X segue-se Y". E se esta pf0JJ06i<;1io - que tambem por sua vez apenaspode ser constatada empfricamente - e empregada de maneira consciente parhomens para a orientacao de sua a<;1io dirigida para uma determinada meta,entao podemos dizer que tal a<;1io esta orientada de maneira ''tecnicamente cor­reta". E no caso em que 0 comportamento humano (de que tipo for) se orientacom referencia a qualquer ponto espedfico neste sentido tecnicamente mais"correto" ate entao, podemos dizer que n05 encontramos frente a urn "progressotecnlco", Se isto e 0 caso, e - supondo naturalmente a absoluta univocidadedo lim pretendido de fato, para uma disciplina empirica uma constatacao em­pfrica, au seja, deve ser estabelecido com 05 rneios da experiencia ciennfica.

Existem, portanto, neste sentido - note-se bem no caso de fins univoca­mente dados - conceitos univocamente comprovaveis de carater "tecnicamen­te" correto e de progresso "tecnico" referentes a05 meios (entendernos aqui ''tec­nica" no sentido mais ample como comportamento racional em geral e em to­dos 05 setores, incluindo 0 manejo e a dominacao politicos, sociais, educacio­nais e propagandisticos dos homens), Epossivel, em particular (para mencionarapenas aspectos que sao imponantes para nos), falar de maneira aproximada­mente precisa de "progresso" nurn setor espedfico que e habitualmente deno­minado "tecnica", sendo que sao incluidas as tecnicas do cornercio e da juris­prudenda, se 0 ponto de partida e uma sltuacao univocamente determinadade uma formacao social concreta. E dissemos "aproximadamente" porque osprindpios particulates, tecnicamente racionais, entram em conflito mUtuo, comosabe qualquer especialista, e e possfvel conseguir urn equilibrio a partir do pon­to de vista de cada uma das pessoas interessadas, mas nunca de_ maneira ob­jetiva. E por autra parte, supondo a existenda de necessidades dadas, e, alemdlsso, supondo que todas estas, assim como tarnbern a sua apreciacao, nao de­vern ser submetidas a critica, e supondo, par Ultimo, a existencia de uma de­terminada ordem econ6mica e social - de novo sob a restricao que, par exem­plo, os interesses relatives a perrnanenda, a seguranca e ao tarnanho da salis­fa<;1io destas necessidades podem entrar e entram realmente em conJlito - podehaver tarnbern urn progresso "econ6mico" em direcao a urn optimum relativode satisfa<;1io das necessidades sob urn determinado dado conjunto de possibi­lidades e de disposicao de meios. Mas isso somente e possfvel sob estes pres­supostos e restricoes,

Assim, foram feitas tentativas de derivar dar a possibilidade de avaliacoesunivocas e, conseqOentemente, puramente econ6micas. Urn exemplo caraetetis­tico e 0 caso apresentado 1"'10 professor Uefmann: a destruicao deliberada de

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bens de consumo a.Jjo preco desoeu abaixo do seu preeo de custo de prodU9io,tendo em vista os interesses de rentabilidade dos produtores. Esta destruicaocJeveria ser avaliacla como objetivamente "correta" a partir do ponto de vistaeconOmico. Mas ~ta_~lana~o e - 0 que nos inreressa aqui - gualqtJerexpl~o semelIiante, ,aOOta como 6bvia urna sene de pressupostos que, om'reaIiclade, nao 0 sao: em primeiro lugar, que 0 interesse do indivlduo nao ape­nas sobrevlve multas vezes de fato a sua marte, mas tarnbem que deve valercomo tal, de uma vez pot todas. Sem esta transposi~O-do"ser" para 0 "deverset", a respectiva avalia~o correspooaente, precensamente de pura naturezaecooOiiUci, seria irrealizavel de marieira unlvoca.f>ciiS Sem ela, por exemplo,i possfvel'referir-se 30S interesses dos produt6res e dos consumidores comose fossern interesses de pessoas lmortais. 0 fato de que 0 indivfduo leva emconsIdera~o os interesses dos seus herdeiros nao ~ apenas e puramente umac1ramsranda econOmica. Pols, neste caso, homens vivos e teals sao sulNituldospot seres lnteressados que usarn e empregam "capital" e "ernpresas" e existemem fun~o disso. 'Irata-se se uma fi~o util com fins de carater te6rlco. Masinclusive como fi~o isla nao combina com a situa~o dos operartos, especial­mente daqueles operarios que nao tern filhos. Em segundo lugar, este tipo deraclodnio ignora 0 fato cia "condi~o de c1asse", a qual, sob 0 ponto de vistado domfnlo do prlncipio do mercado, pode (nao: deve) reduzir em termos ab­solutos (e portanto piorar) a provisilo e distrlOOi~o de bens para certos estratossocials, considerando-as a panir do ponto de vista cia sua possibiliclade. Paisuma distrlOOi~o, a mais "6tIma possfvel" cia rentabi1iclade que(;()llclicl~aeoostancli 00 investimento de capital, depende,por-suaparte'das_<;()Jl!;tela~de' poderentre as classes aljas conseqaendas podem (nio:devem) debilitar,em casos concretos, a posi~o daqueles estratos que estao numa luta e numadiscussso ao redor dos precos. Em tereeiro lugar, esta postura ignora a possi­biliclade das lnsolOveis, continuadaS e persistentes opa;tf;oesde mteress~'os diversos membros das distintas unIc1ades po\fticas e posIciona-se priorifavor do ""llllJffi"nto cia liberclade de cornerdo", 0 qual, sendo apenas~oheurtStico sumamente uti!, se transformalogo nurn postulado de urn "clever set"em fun~o de uma avalia~o que de manelra nenhuma ~ 6bv1a. Mas se elasupoe, a fim de evftar este confIito, a unIc1ade po\ftica cia economia mundial- 0 que pode ser feito indiscutivelmente nurn nivel apenas te6rlco - entaose desloca 0 ambito sabre 0 qual poderta recair a aftica cia destrui~o daquelesbens que poderiarn Set consumidos a favor do interesse em obrer 0 optimumde rentabi1iclade (de consumidores e prodUtores) permanente para as relacoescladas, apenas no seu alcance cia maneira como aqui se supoe, Neste caso, acritica se dirige ao prlncipio como tal do abastedmento do mercado mediantetaIs diretrizes, tais como resultam do optimum de rentabiliclade que pode Set

expresso em dinheiro como meio de unidades econOmicas lntercambiiveis entre51. Uma organizaeao de abastecimento de hens que nao ~ regida pelo mercadonao terla modvo nenhum para levar em consideracao a constelacso de interes­ses das unidades econOmicas particulates regidas pelo principio do mercado,e, consequenternente, tampouco se veria na obriga~o de tirar do consumo pas­sivel aqueles bens ja exIstentes e suscetivels ao consumo.

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A opiniao do professor Liefrnann nao e apenas teoricamente correta, mastarnbem autoevidente se pressupomos as seguintes condicoes: 1. interesses derentabilidade constantes de pessoas consideradas tarnbern constantes que terncomo meta condutora tambem necessidades constantes e perrnanentes; 2. 0 to­ta! e exelusivo predominio da satisfacao dessas necessidades mediante urn ca­pitalismo privado atraves de uma troea inteiramente livre no mercado; 3. urnpoder de Estado desinteressado como mera instiinela que garante 0 direito. Nes­te caso, realmente, a avaliacao se refere ao meio raelonal para uma solucao arnais 6tirna possivel de urn problema tecnico particular de distribuicao de bens.Mas e preclso ver que as ftccoes de uma econornia pura que silo uteis parafins te6ricos nilo podem ser convertidas em base de avaliacoes praticas de fatosreais. Com isto fica estabelecldo que a teoria econ6rnica nao pode dizer algoalern do seguinte: para 0 fim tecnico dado X, a medida Yeo unico meio apro­priado, ou 0 e juntamente com Y1 e Y2. Neste Ultimo caso, existem tais e quaisdiferencas no que diz respeito aos efeitos de sua aplicacao entre Y, Y1 e Y2,e, eventualmente, ate tern efeitos colaterais do tipo Z, Zl e Z2. Todas essassilo inversOes de proposicoes causais, e na medida em que e passlvel coloci-lasdentro de avaliacoes, estas apenas se referem ao grau de radonalidade de umaprojetada a9!0. Nestes casos, consequentemente, as avaliacoes silo univacasapenas se 0 fim econ6rnico e as estruturas sociais silo elaramente dadas e uni­camente M a necessidade de escolher entre diferentes meios economicos, ealem disso, quando estes se diferendam exelusivamente com rela9!0 a segu­ranca, certeza, rapidez e produtividade quantitativa do resultado, mas fundonamde maneira totalmente identica com relacao a qualquer outro aspeeto que podeter irnportancia para os interesses humanos. 56 nestes casos e possivel fazeruma avaliacao no sentido de dizer que urn deterrninado meio e, de modo uni­VOCO, 0 "meio mais correto do ponto de vista puramente tecnico", e unicamenteneste caso e univoca uma avahacao, Em qualquer outre caso, isto significa, casoque nao se refere ao aspeeto purarnente tecnico, a avaliacao deixa de ser uni­voca e inclul avallacoes e valares que nao podem ser definidos e decldidosunicamente com meios economicos,

Mas com 0 estabeleclmento da univoddade de uma avaliacao tecnica den­tro da esfera puramente econ6rnica nilo se obtern ainda, como e natural, umaunivoddade da "avaliacao' definitiva. Multo pelo contrario, cornecaria agora, pa­ra la destas exposicoes, aquela confusao referente a inflnita multipliddade pas­sivel de avaliacoes que somente poderia ser superada mediante 0 recurso aaxiomas ultimos. Realmente, para mencionar urn unico ponto - atras de qual­quer "a9!0" esta 0 "hornern". Para ele, 0 aurnento da radonalidade subjetiva edo "carater carreto" tenico-objetivo da a9!0 pode significar - quando ela ul­trapassa certos lirnites, sobretudo a partir do ponto de vista de certas concep­<;;5es gerais - uma cerra ameaca a bens e valores importantes (por exemplo,valares e bens eticos ou religiosos). A etiaU:Uwdma) bJldista que-rejeita comotal qualquer a9!0 conduzida em _dlfe9!o·a \l111 QS'!ermin-",..QQ_JLl1l!CQmo sendoalga que desvia 0 homem da salva9!o;C1i11cllmente pode ser compartilhada comariossa etica, Mas e dificil de refutii-la no senti do como se fazcom urn cllculomatematico OU urn diagn6stica medico. Mas sern recorrer a exemplos tais ex­tremos, entretanto, sera facil perceber que as racionaltzacoes economicas, por

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@lis indubitavel seja 0 seu "carater correto" no sentiOOtecnico,demaneira al­goma podem ser legitimadas dlante do forum da aValia,.ao unicamerueem fun-,.ao desta sua qualidade, ou caraaerlstica. Isto evalido, sem exce,.a:o, para qual­quer racionalizacao, inclusive as racionalizacoes que estao presentes nurna areaapropriada para tais procedirnentos como na area banciria. As pessoas que seop5em a tais radonalizacoes nao sao necessartamente idiotas. Mas seja comofor, sernpre quando se quer avaliar, e necess3rio levar em consideraeao a in­fluencia das racionalizacoes tecnicas sobre os deslocarnentos em todo 0 con- /junto das condicoes de vida, sejam elas internas ou externas. Sem excecao, 0

conceito de progresso legltimo em nossaclisciplinad""eref'er!r:§ew_''tEcniw",isto e, como ja expornos, ao "meio'tparaum-firn.univocamente estabeleddo.jamais se refere it esfera dos valores "Ultimos". De acordo com tudo 0 que foiexplicado aqui considero muito inoportuno 0 ernprego do termo "progresso"mesmo dentro do limite bern delirmtado do seu uso empirico. E impossivel im­pedir 0 uso de oertas expressoes, mas, certamente, e possfvel evitar os seuspossiveis mal-entendidos.

Antes de passar para urn outro terna ou assunto, ainda temos que diseutirurn grupo de problemas referente it posicao do racional dentro das disciplinasempiricas.

Quando 0 normativamente valido se torna objeto de urna investtgacao em­pfrica, este "valido" enquanto objeto perde 0 seu carater de norma: apenas deveser tratado como "algo que e" e nilo como "algo que deve ser". Por exernplo,se mediante uma estatistica se quisesse estabelecer 0 numero dos "erros arit­meticos'' dentro de urna determinada esfera de cilculo profissional - 0 quepoderia ter muito sentido para a ctencia - as proposicoes basicas da tabuadapoderiam set validas em dois sentidos completamente distintos. Por urn lado,a sua validade normativa constituiria, naturairnente, urn pressuposto absolutode seu proprio trabalho de cllculo. Mas, por outro lado, na medida em que 0

grau da aplicacao "correta" da tabuada e colocado como sendo objeto da in­vestigacao, a situacao modlfica-se pot completo, do ponto de vista puramente16gico. Neste caso, a aplicacao da tabuada, pot parte de pessoas cujos cllculossao a materia da investigacao estatistica, e tratada como urna maxima de com­portamento facnco que se tomou habitual atraves da educacao e 0 seu empregodeve ser comprovado referente a sua frequencia, da mesma maneira como de­terminados fenomenos de erro podern ser convertidos em objeto de compro­va,.ao estatistica. Que a tabuada "valha" normativamente, quer dizer, que elaseja "correta" e, por exemplo, indiferente no caso em que ela mesma e 0 temada discussao e e logicamente indiferente. 0 estatistico, naturaimente, deve nasua mvesngacao estatistica dos cllculos das pessoas que sao objetos da pesqui­sa, adequar-se a esta convencao, ou seja, ao cilculo de acordo "com a tabuada".Mas, da mesma maneira, deveria usar urn procedimento de cllculo que, nor­rnativamente considerado, e "falso", se, pot exemplo, este fosse tido pot "cor­reto" no meio de urn certo grupo humano, e se ele investigasse estatisticamentea frequencia do seu ernprego de fato "correro" a partir do ponto de vista dorespectivo grupo considerado. Referente a qualquer consideracao empirica, so­dol6gica ou hist6rica, a nossa tabuada quando e objeto de investtgacao, nao

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e senilo uma maxima de comportamento pratico valido convendona\mente den­tro de urn certo circulo de pessoas e que e respeitado em maior ou menorgrau de aproxirnacao. Qualquer expasi.,ao da teorla musical de Pltagoras cleve,antes de tudo, admitir 0 cilculo 'falso" - segundo os nossos conhedmentos- de que 12 quintos seriam iguais a 7 oitavas. 0 mesmo vale para qualquerhist6ria da L6gica referente it existenda hist6rica de formulaeoes contradit6rias- para nos e humanamente compreenslvel, mas nilo pertence mais aos resul­tados dentfficos e it atividade dentffica, quando alguem acompanha tais "ab­surdos" com explos5es ou ataques de raiva como de fato aconteceu com urnprofessor de grande mente na L6gica Medieval

Esta metamorfose de verdades normativamente validas em opinioes que va­lem convendonalmente, rnetamorfose a que podem ser submetidos conjuntosftlos6ficos inteiros, ideias l6gicas e matemancas, na medida em que passam aser objeto de uma consideracao que faz reflex5es sobre 0 seu ser emplrico enao sobre 0 seu carater ou 0 seu sentido (nonnativamente) correto, existe comtotal independenda do fato de que a validade normativa das verdades l6gicase matematicas sao, por outro lado, 0 a priori de todas e de cada uma das den­das empfricas. Menos simples e a sua estrutura l6gica no caso de uma fun.,aoja indicada anteriormente que lhes convem numa investigacao empfrica sobreconex5es espirituais e que temos que distinguir claramente das duas seguintes:o lugar como objeto de investigacao e 0 lugar como 0 Sell a priori. Toda denciade conexoes espirituais e sodais e uma denda de comportamentos humanos(em cujo conceito se inclui, neste caso, qualquer ato de pensamento e qualquerato psfquico). Tal dencia quer "compreender" este comportamento e, em funcaodisso, "interpretar pela explicacao" 0 seu decurso. Nao podemos aqui abordareste conceito diffd! de "compreensiio". Neste cootexto nos interessa apenas umtipo particular dela: a interpretacao "radonal". Eevidente que "compreendemos"sem mais nem menos que urn pensador "resolva" urn deterrninado "problema"de maneira que nos mesmos 0 consideramos normativamente "correto", ou queurn homem calcule, por exemplo, da maneira "correta", ou que ele empregue,para certo fim a que se propoe, 0 meio "correto" (na nossa opiruao). E a nossacompreensao destes processos e sobremaneira evidente, porque se trata pred­samente da realizacao de alga que e objetivamente "valido". Mesmo assirn, naose deve acreditar que, considerado sob este ponto de vista l6gico, 0 normati­vamente correto apareca neste caso com a mesma estlUtura como na sua si­tua.,ao ou posicao gerai como sendo 0 a priori de toda investiga.,ao dentifica.Pelo contrario, a sua fun.,ao como meio de "compreender" e a mesma que acaptaeao "empitica" puramente psicol6gica desempenha referente its conexOesde afetos e sentimentos irradonais do ponto de vista l6gico, enquanto se tratado seu conhedmento compreensivo. Neste caso, 0 meio da explicacao com­preensiva nao e 0 carater de correto no sentido normativo, mas, par urn lado,o habito convendonal do pesquisador e do professor de pensar assim e nilode outro modo, e, por outro lado, a capaddade - nos casos em que e ne­cessaria - de conseguir "transpor-se empaticamente" de maneira compreensivanum pensamento que difere daquele habito e que, portanto, !he parece ser,normativamente falando, "falso". 0 fato de que 0 pensamento "falso", 0 "erro",seja em principio acessfvel para a compreensiio da mesma maneira como 0 pen-

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sarnento "certo", demonstra que aquele que e lido como sendo normativamente"certo" au "correto" como tal, aqui nao se leva em consideracao, mas somentecomo urn tipo convencional ruja cornpreensao e patticularmente factl, E istonos leva a uma Ultima colocacao sabre 0 papel do normativamente correto den­tro do conhecimento socio!6gico.

Para "compreender" urn cilculo rnaternatico errado au uma formulac;ao 16­gica "falsa" e para poder estabelecer e explicar sua influencia sobre as conse­quencias facncas, evidentemente sera necessario nao somente comprovar aquiloatraves de urn cilculo "correto" au repensar aquilo logicamente, mas sobretudoindicar expressamente por meio da 16gica e do cilculo "correto", aquele pontoem que 0 cilculo au a forrnulacao 16gica investigados se afastam daquilo queo pesquisador considera como normativamente "correto". E isto nao apenas auneoessariamente com a flnalidade pratico-pedagogica como Windelband, parexemplo, na sua Historia da FiJosifla 0 destacou (estabelecer ''placas de ad­vertenda" contra possiveis "carninhos errados") 0 que apenas signiflca urn naodesejado resultado lateral do trabalho hist6r1co. E tampouco parque a qualquerproblematlca hist6r1ca, a cujo objeto pertencem conhedrnentos logicos, mate­maticos au cientfflcos de autra disciplina, sornente e inevitavelmente pode ba­sear-se no "valor de verdade" que e reconhecido par nos como sendo valido,a partir do qual se estabelece a unica relaeto de valor possivel que e decisivapara a selecao do objeto e que indica a direc;iio do "progresso''. Mas rnesmoassirn, e se isto realmente fosse 0 caso, ainda deveria ser levado em conside­rac;ao a observacao que exatamente foi feita inumeras vezes par Windelband,ou seja, que 0 "progresso" neste sentido muitas vezes nao tomou 0 caminhodireto mas, usando termos econ6micos - urn caminho mais comprido - paraa produeao mais rendosa via "erros" e "confus6es de problema". Mas sera ne­cessario faze-lo (e tambem urucarnente e na medida em que) aqueles pontesnos quais a formacao espiritual investigada como objeto se afasta daquilo queo proprio pesquisador deve considerar como sendo "correto", se tornam (ospontos) importantes para ele - pelo rnenos normalmente - referente a suasespeclflcas caracteristicas e na opiniilo se referem diretamente a valores ou estaoem relacao causal sob 0 ponto de vista de outras situacoes que se referem acertos valores, E isto sera 0 caso em mais elevado grau quando 0 valor deverdade de certas ideias e 0 valor condutor de uma exposicao hist6rica, da ma­neira como e 0 caso, par exemplo, na hist6r1a de uma determinada "ciencia"(a filosofia au a economia polltica). Mas nao apenas necessariamente nestescases. Uma situacao pelo rnenos semelhante encontrarnos todas as vezes queuma ac;ao subjetivamente racional passa a set 0 objeto de uma exposicao equando, portanto, certos "erros" do racioclnio logico ou do "calculo maternatico"podem ser componentes causais do decurso dos acontecimentos, Para cornpre­ender, par exemplo, a maneira como uma guerra e conduzida, e imprescindivelimaginar - se rnesmo que seja necessariamente expressamente au em formaacabada - que em ambos os lados esteja no comando urn comandante ideal,que conheca a situacao total e global e 0 deslocamento das forcas militaresdos dois lades e tarnbem a totalidade das possibilidades da1 resultantes e a meta

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samento "certo", demonstra que aquele que e tido como sendo normativamente"certo" ou "correto" como tal, aqui nao se leva em conslderacao, mas somentecomo urn tipo convendonal cuja compreensao e particularmente fadl. E Istonos leva a uma Ultima colocacao sabre 0 papel do normativamente correto den­tro do conhecimento sodol6gico.

Para "compreender" urn cilculo matematico errado ou uma formulacao 16­gica "falsa" e para poder estabelecer e explicar sua influencia sabre as conse­quencias facticas, evidentemente sera necessario nao sornente comprovar aquiloatraves de urn cilculo "correto" ou repensar aquilo logicamente, mas sabretudoindiear expressarnente por meio da 16gica e do cilculo "correto", aquele pontoem que 0 cilculo ou a formulacto l6gica investigados se afastam daquilo queo pesquisador considera como normativamente "correto". E isto nao apenas ounecessariamente com a finalidade pratico-pedagogtca como Windelband, parexemplo, na sua Hist6ria da FilOScffta 0 destacou (estabelecer "placas de ad­vertencia" contra possiveis "caminhos errados") 0 que apenas significa urn nlIodesejado resultado lateral do trabalho hist6rico. E tampouco parque a qualquerproolematica hist6rica, a cujo objeto pertencem conhecirnentos 16gicos, mate­maticos ou cientificos de outra disciplina, somente e inevitavelmente pode ba­sear-se no "valor de verdade" que e reconheeido par no' como sendo valido,a partir do qual se estabelece a Unica relacao de valor possivel que e dedsivapara a selecao do objeto e que indica a dire¢o do "progresso". Mas mesmoassim, e se isto realmente fosse 0 caso, ainda deveria ser levado em conside­ra¢o a ooservacao que exatamente foi feita inumeras vezes par Windelband,ou seja, que 0 "progresso" neste sentido muitas vezes nlIo tomou 0 caminhodireto mas, usando termos econ6micos - urn caminho mais comprido - paraa producao mais rendosa via "erros" e "confus5es de problema". Mas sera ne­cessario faze-lo (e tarnbem unicamente e na medida em que) aqueles pontosnos quais a formacao espiritual investigada como objeto se afasta daquilo queo proprio pesquisador deve considerar como sendo "correto", se tornam (ospontos) importantes para ele - pelo menos normalmente - referente a suasespecificas caraaeristicas e na opiniao se referem diretamente a valores ou estaoem relacao causal sob 0 ponto de vista de outras situacoes que se referem acertos valores. E iSID sera 0 caso em mais elevado grau quando 0 valor deverdade de certas ideias e 0 valor condutor de uma exposicao hist6rica, da ma­neira como e 0 caso, par exemplo, na hist6ria de uma determinada "ciencia"(a filosofia ou a economia polltica). Mas nao apenas necessariamente nestescasos. Uma situacao pelo menos semelhante encontramos todas as vezes queuma a¢o subjetivamente racional passa a set 0 objeto de uma exposicao equando, portanto, certos "erros" do raciocinio l6gico ou do "cilculo matematico"podem set componentes causais do decurso dos acontecimentos. Para cornpre­ender, par exemplo, a maneira como uma guerra e conduzida, e impresdndivelimaginar - se mesmo que seja necessariamente expressamente au em formaacabada - que em ambos os lados esteja no comando urn cornandante ideal,que conheea a situacao total e global e 0 desloearnento das forcas militaresdos dois lados e tambern a totalidade das possibilidades dai resultantes e a meta

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1concreta a ser alcanc;ada que nada mais e do que a destnncao das forcas mi- Ilitares do inimigo; e tarnbem temos que imaginar que esse comandante, combase neste conhecimento, tivesse procedido sern corneter erros e sem incorrerem fa!has 16gicas. Somente neste caso seria realmente possivel estabelecer demaneira unlvoca a influencia causal que teve sobre 0 desenvolvirnento das coi-sas 0 faro de os comandantes reais nao pcssufrem tal conhecimento e nem talimunidade total frente a erros, e, de maneira geraI, tampouco serem meras rna-quinas racionals de pensar. A construcao racional, portanto, tern aqul 0 valorde desempenhar 0 papel de rneios para uma "imputa.,ao" causal eorreta. Exa-tamente 0 mesmo sentido possuem aquelas construeoes ut6picas de urn agirracional stricto sensu e livre de qualquer erro que foram criadas pela teoriaeconOmica "pura".

Para 0 lim da imputa.,ao causal de processos emplricos necessitamos, exa­tamente, construeoes racionals, tecnico-empiricas ou 16gicas, que ciao uma res­posta apergunta: como se desenvolveria (ou teria se desenvolvido) certo estadode coisas, consistindo este numa conexiio externa da a.,ao ou numa forma.,aode pensarnentos (pot exemplo, urn sistema filos6lico), no caso de uma absolutalogicidade e de uma total "ausencia de contradicoes", no que diz respeito adirnensao l6gica ou a empIrica. Sob 0 ponto de vista l6gico, a oonstrucao deuma tal utopia ou utopia sernelhante que e racionalmente correta e apenas umadas mais diversas formaeoes possfveis de urn ''tipo ideal" - termo que eu deia tais forrnacoes conceltuais (terminologia que me parece mais apropriada doque qualquer outra). Pois, na verdade, nao somente Sao conceblveis, como jiiexplicamos, casos em que urn raciodnio falso de maneira tfpica ou um com­portamento determinado que e tipicamente contriirio ao lim pretendido podemprestar 0 melhor service como tipo ideal, mas, sobretudo, existern esferas decomportarnento (a esfera do "irractonal") em que tal service e prestado da me­lhor maneira posslvel, nilo pelo maximo de racionalidade l6gica, mas, sincera­mente, pela univoddade alcancada mediante a abstra.,ao isolante, De fato, 0

pesquisador emprega com muita frequencia ''tipos ideais" que foram construidosnormativamente de maneira "eorreta". Mas, considerado a partir do ponto devista l6gico, 0 "cariiter corretd' normativarnente falando nilo e 0 essencial. Urninvestigador, pot exemplo, pode, a fim de caraeterizar um tipo especlfico deconsciencia tfpica dos homens de uma eerta epoca, construir urn tipo de cons­denda ao seu julzo eticamente normal, considerando-o, neste sentido, objeti­vamente "correto", ou construir urn tipo que !he parece inteiramente oposto aoeticamente normal, com 0 prop6sito de comparar com e!e 0 componamentodos hornens que e objeto da investigacao, ou pot Ultimo, constnJir um tipo deconsdencia ao qual ele pessoalmente nilo atribui predicado algum, nem nega­tivo nem positivo. Portanto, 0 normativamente "correto" nao goza de nenhumrnonopolio para este lim Com efeito qualquer que seja 0 conteudo do tipoideal racional - seja que e!e representa uma norma de fe etica, juridico-dog­rnatica, estetica ou religlosa, Oil uma maxima tecnica, econOmica, de polfticajuridica, social ou cultural ou uma "avaliacao" de qualquer tipo, expressa numaforma a mais racional passive! - a sua construcao tern sempre, dentro das in­vestlgacces emplricas, 0 unico fim de "comparar" a realidade empfrica, estabe­leoer 0 contraste ou a divergencia com ela, ou a sua aproximacao relanva, a

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lim de poder, deste modo, descreve-la, cornpreende-la e expliea-la par via daimputa~O causal com 00 conceitos compreensiveis 00 mais uruvoeos possfveis,Estas funcoes sao as que desempenha, par exemplo, a formacao de eonceitosda dogrnatica juridica racional referente a disciplina empirica da hist6ria do di­reito e a teoria radonal dos calculos referente a analise do comportamento realdas unidades econ6mlcas na economla do mercado. As duas disciplinas dog­maticas mencionadas tern, nawraimente alem disto, como coisas attlsticas) finsnormativo-pratiCal emtnentes, E ambas as disciplinas, no que se refere a esteseu carater como ciencias dogrnaticas, de maneira algurna sao disciplinas em­piricas no sentido aqul explicado, mas disciplinas que se assemelham a mate­matica, a l6gica, a etica normativa e a estetlca.

A teoria economica, fina\rnente, e obviamente uma dogmattca num sentido16glco rnuito diferente do que, par exemplo, a dogmatica juridica. Os seus con­ceitos se relacionam com a realidade econornica de maneira especificamentediferente do modo que 00 concertos da dogmatica juridica se relacionam coma respectiva realidade e com a hist6ria e a sociologia do direito. Mas, assimcomo, no que diz respeito a estas Ultimas, 00 conceitos da dogmstica juridicapodem e devem ser ernpregados como "tipos ideais", este modo de empregoe 0 unico sentido que a teoria economica pode ter referente ao conhecimentoda realidade social presente e passada. Uma teoria deste tipo estabelece deter­rninados pressupostos que na realidade nunca se verificam em sua totalidade,mas 00 quais se verificam em menor au maior grau de aproximacao e exigema pergunta: como se teria configurado sob estes pressupostos a a~o social doshomens no caso em que se tivesse desenvolvido esta a~o de maneira estrita­mente racional? Em particular, ela pressupoe 0 predomlnio de interesses pura­mente economtcos, excluindo, portanto, a influencia de uma orienta~o do agirsegundo diretrizes politicas ou extraecon6mlcas de quaiquer tipo posstvel.

Mas, referente a essa teoria, deu-se de rnaneira tfpica a "confusao de pro­blemas". Pois, realmente, essa teoria pura, "individualista" neste sentido, "neutrafrente a moral e frente ao Estado" que foi e sera sempre indispensavel comoinstrurnento metodologico, foi concebida pela escola radical que e partidariado livre comercio como uma c6pia exaustiva da realidade "natural", quer dizer,nao falsificada pela estupidez dos homens, portanto; levando em consideracaoisso, foi concebida como um "clever ser", ou seja, como um ideal valtdo naesfera do valor e nao como urn tipo ideal que e utilizavel para a investiga~o

empirica daqullo que e. Como consequencia das modtficacoes e altera,.oes naapreciacao do Estado referente a politica econ6mlca e social se produziu umarepercussao na esfera dos valores e das avaliacoes a quaJ se propagou em se­guida para a esfera do ser e refutou a teoria econ6mlca pura, nao sornentecomo expressao de urn ideal - dignidade a qual nso poderia ter aspirado -,mas tarnbem como procedimento para a investigacao dos fatal. Explica,.oes "fi­loscficas" das mais diversas naturezas deveriam substttuir a pragmitica racional,e na identificacao do que e "psicologicamente real" com 0 que e eticamentevalido tomou irrealrzavel uma separacao nitida entre a esfera das avaliacoes edo trabalho puramente empirico. Os extraordinanos resultados dos responsaveisdo desenvolvimento cientifico nos setores da hist6ria, da sociologia e da politicasocial sao tao amplamente reconheddos, que urn julgamento lmparcial tarnbern

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fun de poder, deste modo, descreve-la, cornpreende-la e explidi-la par via dairnputacao causal com 05 conceitos compreens!veis 05 mais unlvocos possiveis.Estas fufi0es sao as que desempenha, pot exemplo, a formacao de conceitosda dogrruitica juridlca radonal referente a disdplina empirica da hist6rla do dl­reito e a teoria radonal dos calculos referente a analise do comportamento realdas unidades econ6micas na economla do mercado. As duas dlsciplinas dog­rnancas rnendonadas tern, naturalmente alem dlsto, como coisas artisticas) finsnormative-prances eminentes. E ambas as dlsciplinas, no que se refere a esteseu carater como ciencias dogmancas, de maneira a1guma sao dlsciplinas em­piricas no sentido aqui explicado, mas dlsciplinas que se assemelham a mate­matica, a 16gica, a etica nonnativa e a estetica,

A teolia econOmica, finalmente, e obviamente uma dogmatica num sentido16gico muito dlferente do que, pot exemplo, a dogmatica juridlca. Os seus con­ceitos se reladonam com a realidade econOmica de maneira especificamentedlferente do modo que 05 conceitos da dogrruitica juridlca se reladonam coma respeetiva realidade e com a hist6ria e a sociologia do dlreito. Mas, assimcomo, no que dlz respeito a estas Ultimas, 05 conceitos da dogrnatica juridlcapodem e devem ser empregados como "tipos ideals", este modo de empregoe 0 unico sentido que a teoria econOmica pode ter referente ao conhecimentoda realidade social presente e passada. Uma teoria deste tipo estabelece deter­minados pressupost05 que na realidade nunca se verificam em sua totalidade,mas 05 quais se verificam em menor au maior grau de aproximacao e exlgema pergunta: como se teria configurado sob estes pressupostos a a.,ao social doshomens no caso em que se tivesse desenvolvido esta a.,ao de maneira estrita­mente radonal? Em particular, ela pressup5e 0 predominio de interesses pura­mente econOmicos, excluindo, portanto, a inlluencia de uma orientacao do agirsegundo dlretrizes politicas ou extraecon6micas de qualquer tipo posstvel,

Mas, referente a essa teoria, deu-se de maneira tipica a "confusao de pro­blemas". Pois, realmente, essa teorta pura, "individualista" neste sentido, "neutrafrente a moral e frente ao Estado" que foi e sera sempre indispensavel comoinstrumento metodo16gico, foi concebida pela escola radlcal que e partidariado livre cornercio como uma c6pia exaustiva da realidade "natural", quer dlzer,roo falsificada pela estupidez dos homens, portanto; levando em consideracaoisso, foi concebida como um "dever ser", ou seja, como urn ideal valido naesfera do valor e roo como urn tipo ideal que e utilizavel para a investigacaoempirica daquilo que e. Como consequencia das modlficar;aes e alteracoes naapreciacao do Estado referente a politica econ6mica e social se produziu umarepercussao na esfera dos valores e das avaliaeoes a qual se propagau em se­guida para a esfera do ser e refutou a teoria econ6mica pura, nao somentecomo expressao de urn ideal - dlgnidade a qual roo poderia ter aspirado -,mas tarnbem como procedlmento para a investigacao dos fatos. Explicacoes "fi­los6ficas" das mais dlversas naturezas deveriam substituir a pragmatica radonal,e na identificacao do que e "psicologicamente real" com 0 que e eticamentevalido tomau irreahzavel uma separaeao nitida entre a esfera das avaliar;aes edo trabalho puramente empirico. Os extraordtnanos resultados dos responsaveisdo desenvolvimento dentifico nos setores da hist6ria, da sociologia e da politicasocial sao tao amplamente reconheddos, que urn julgamento imparcial tambern

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nilo pode ignorar a completa confusao que persiste ha dezenas de anos, detrabalho te6rlco e de ciencia econ6mlca stricto sensu. Uma das duas teses prin­dpais com que argumentaram os oponentes da teoria pura fol a de que as cons­trucoes radonais seriarn "meras ficcoes" que nada diriam sabre a realidade em­pirica. Cortetamente entendida, esta afirmacto e certa. Pois, realmente, as cons­trucoes te6rlcas estao exclusivamente ao service do conhecimento das realida­des que e!as mesmas nilo podern propordonar. E as realidades, as consequen­das de sua a.,ao redproca com outras circunstancias e series de modvacoes,nao estao contidas naquelas coostrucoes te6rlcas e mesmo no caso extremaapresentam apenas aproximacoes do processo construido. Mas tudo isso nadaprova, de acordo com tudo que foi explicado, contra a utilidade e necessldadeda teoria pura. A segunda tese prindpal era a seguinte: que em nenhum casopoderia haver uma teoria da politica econ6mica como ciencia axiologicamenteneutra. Esta, decerto, e totalmente errada, tao errada que precisarnente a "neu­tralidade axiol6gica" - no sentido que explicamos no decorrer destes ensaios- e 0 pressuposto de qualquer abordagern purarnente dentifica da politica, e,em particular, da politica social e econ6mica. Com efeito, como e 6bvio, e pas­sive! assim como util e necessario para a ciencia desenvolver proposicoes dotipo: para obter 0 resultado X (de polftica economlca), Yeo unico e maisefidente meio, 01.1 0 sao YI, Y2, Y3 - sob as condicoes BI, B2, B3. Acteditoque seja desnecessario repetir isso. Somente queremos lembrar pela insistendano fato de que 0 problema consiste na possibilidade de uma univoddade ab­soluta da caracterizacao da aspiracao, Se esta condicao e dada, trata-se de umasimples inversao de proposicoes causais Y, portanto, de um problema puramen­te ''tecnico". Precisamente par causa disso, a cienda, em todos os casos, niloe obrigada a conceber e:stas proposicoes tecnicas te!eol6gicas de urn outro m0­

do do que como simples proposicoes causais, e, portanto, da seguinte forma:de Y segue sempre 0 resultado X, 01.1, sob as condicoes BI, B2, B3, X e se­qaenda de YI, Y2, Y3. Pois isso significa, na realidade, a mesma coisa, e 0

"pr:itico" pede dai extrair as suas "receitas". Mas a teona dentifica da economiatern outras tarefas ao lado da de propordonar f6rmulas purarnente npico-ideats,par urn lado, e, par outro, de comprovar tais conexoes particulares econ6ml­co-causais - pais destas se trata, sem exceeao, quando X e sufidentementeunivoco, e, portanto, a imputa.,ao causal do efelto :\ causa (01.1 do meio ao

V tim) deve ser sufidenternente estrita. Alem disso, ela tern que investigar a to­'-l\ talidade dos fen6menos sodais referente ao modo como esta e co-condidonada

par causas econ6mlcas. Ela deve fazer isso pela interpretacao econ6mlca dah1st6ria e da sodedade. E,- par outro lado, talTl~lLte.!IUj!J~_PJ:9RQf<ionar ournostrar 0 condicionamentodos p~econOmicoo e das formas da econo­mia pelos fenomenos socials conforme os seus diferentes tipos e estagios dedesenvolvirnento: esta e a tarefa da h1st6rla e da sodologia da eeonomia. Aestes fenomenos sodais pertencem, naturalrnente, decerto e ern primeirfssimalinha, as at;Oes e forrnacoes politicas e, sobretudo, 0 Estado e 0 Direito que egarantido pelo Estado, Mas, obviarnente os fatos politicos nao sao 00 unicoo.Tambem a totalidade das formaooes que - num grau sufidentemente signifi­cativo para 0 interesse dentifico - tern influencias sobte a economia. A ex­pressao "teoria da politica econOmica" seria, naturalmente, muito pouco apro-

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priada para a totalidade destes problemas. Mas a difusao do seu uso se explicapelas caracterfsticas das Urtiversidades, enquanto Institutos educativos para osfuncionarios do Estado, e tambem, interiornente, pelos reeursos que 0 Estadopossui para influlr na economia, em virtude da qual sua consideracao alcancaImportancia pratica, Q.1eapenas e necessarto comprovar de novo que, em todasas investigacoes, e sempre possfvel inverter as proposteoes sabre "causas e efei­tos'', Transforrna-las em proposicoes sabre "rnelos e fim", obviamente, sempreque 0 resultado em questao pode sec dado de maneira suficientemente unlvoca.Com isto, natura1rnente, nada se modifica aqul aoerca da rela910 16gica entrea esfera da avalia.,ao e a esfera do conhecimento empfrico. Neste contexto ecomo conclusao querernos apenas asslnalar ainda uma Unica colsa.

o desenvolvimento dos ultirnos deceruos e, em particular, os acontecimen­tos sem precedentes de que hole somos testemunhas, elevararn forternente 0prestigio do Estado, Somente a ele, entre todas as comunldades sociais, se atri­bui hojeo poder "legitimo" sabre a vida, a rnorte e a liberdade, e a; 6rgaosutilizam-se de tal poder contra os inimigos externos na guerra e, na guerra ena paz, contra os opositores internal. Na paz, 0 Estado e 0 malor empresarioe 0 mals poderoso tributarto dos cidadiies, e na guerra ele dispoe de mancirailimitada de todos os bens econOmicos ao seu alcance. A sua forma mod.erna,racionalizada the permitiu resultados em rnuitos setores que, sem dUvida, naopoderiam sec alcancados por uma outra forma de a.,ao associada. Nao podiadeixar de aconteoer que de tudo isto se tirou a conclusao de que 0 Estadodeveria tarnbem - sobretudo quando as avaliacoes se movem no setor politico- constituir 0 "valor" Ultimoem cujos interesses existenciais deveria secmedida,em ultima instiincia, toda a.,ao social. Mas isto sigrtifica uma interpretacao in­devida de fates que pertencem 11 esfera do sec em normas da esfera das ava­lia¢es, razao pela qual devemos prescindir aqul por causa da falta de urtivo­cidade das consequencias extraidas, de toda avaliacao, que se rnostra de ime­diato em qualquer discussao dos "meios" (para a "conservaeao" ou 0 "fomento"do Estado). Dentro da esfera dos puros fates cabe comprovar, sobretudo, emoposicao a tal prestigio, que 0 Estado nao tem poder sabre determinadas coisas,E, inclusive, no ilmbito que se apresenta como sendo 0 seu domirtio mais pro­prio: 0 militar. A observacao de multos fenomenos que a atual guerra pos emevidencia referentes aos exercitos de Estados compostos poe diversas nadona­lidades ensina que a consagracao dos individuos 11 causa que 0 seu Estado de­fende, de modo a1gum e indiferente para com 0 resultado ou exito militar. E,no que diz respeito ao setor econOmico, afirmamos s6 que a transposicao deformas e de principios da economia de guerra para a economia de paz comofenOmeno perrnanente, multo rapidamente poderia trazer conseqaendas queestragariam OS pianos dos pr6prios partidarios do ideal de urn Estado expansivoPor ora nao falaremos disto. Na esfera das avaliaeoes, entretanto, ha urn pontode vista que poderia multo bern sec sustentado: que 0 poder do Estado se in­cremente are 0 maximo concebivel no interesse do seu usa como meto coer­citivo contra a; opositores, mas que, por outro !ado, se the negue todo 0 valorpr6prio e que se 0 caracterize como mero instrumento tecnlco para a realizacaode valores inteiramente distintos, dos quais ele urticamente poderia abler a sua

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digniclade e mante-ls enquanto nao proeurasse fugir deste seu papel de auxiliarde construcao,

Niio pretendemos aqul nem desenvolver, nem defender, naturalrnente, este00 qualquer ootro ponto de vista axiol6gico posslvel, Somente querial1106 lem­brar que, se hi urn tal ponto de vista, a obriga¥lo mais recomendavel para urn"pensador" de profissiio e a de manter a cabeea fria frente aos ldeais domlnan­tes, mesmo frente aos Ideals mais majestosos, no sentldo de conservar a capa­cidade pessoal de "nadar contra a correnteza" caso seja necess3rlo. As "Ideiasalemiis de 1914" eram urn produto cia literatura. 0 "socIalismo do futuro" e umaFrase referente a racionalizacao cia economla atraves de uma cornbmacao dernaior burocracia e adminlstracfo, ajustacla a fins por parte dos InteressadcsQuando 0 fanatlsmo dos patriotas de oficlo em materia de politica econOmicadefende hoje medidas puramente tecnlcas em vez cia dtscussao objetlva de suaconveniencia, que em boa parte e condiclonacla pela politlca financelra, e evocaa coosagracao nao sornente ciafilosofia alernii, mas tambem ciareligiiio - comoaconteee hoje em larga escala - tudo isto nao slgniflca senao uma repugnantedegradacao do gosto de literatos que se acham Importantes. Nada podemos di­rer hoje anteelpaclarnente score 0 "como deveriam 00 poderiam" ser as "ideiasalemiis de 1918" reais, em cuja forma¥lo particlpariio tambem os soldados quevoltam para casa. Isto compete ao futuro.

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Conceitos Socio16gicos Fundamentaisl

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Nola Introdut6ria: § 1. a Conceito de Soclologia e 0 "significado" da A¢o Social.§ I. Fundamentos Metodologicos. § IT, a Conceito de A<;iio Social. § 2, RazOes que De­flnem a A<;iio Social, § 3, A Relacao Social, § 4, Tipos da A¢o Social: Costwne e Habito,§ 5, a Conceito da Otdem Legitima, § 6. Tlpos da Otdem I.egltima: Conven<;iio e Direito,7, ]ustiflCa<;iJ.o da Otdem I.egitima: Tradi<;iio e Cren9',

o rnetodo desta defini~o introdut6tia de conceitos, da qual nao podemosprescindir facilmente, nao obstante ser ela inevitavelmente abstrata e alheia arealidade, nao pretende de modo nenhurn ser uma novidade. Pelo contrario,ela deseja apenas formular - tendo a esperanca de 0 conseguir - numa formamais conveniente e correta (talvez, par causa disso, assuma urn tom pedanteo que toda a sociologia ernpfrica de fato entende quando fala das mesmas col­sas. E isso tarnbem n05 cases em que ela utiliza expressoes nao muito habituaisau ate novas, Em comparacao com 0 ensaio na pagina 427ss deste livro, a ter­minologia foi muito simplificada e, em funcao disso, tarnbern foi modificadacom 0 prop6slto de ser de mais facil compreensao, Mas a exigencia de umavulgarizacao absoluta nao e sernpre conciliavel com a de uma maxima precisaoconceitual, e esta Ultima deve prevalecer, em comparacao com a prtmeira,

Sobre 0 conceito "compreender" (Verstehem veja-se a obra de KarlJaspersAllgemeine Psychopathoiogie (psicopatologia Gera!) (tambern algumas observa­<;5es de Rickert na segunda edi~o da obra Grenzen tier naturunssenschaftii­chen BegriffsbiJdung (Limites da formacao conceitual das ciencias naturais) e,particularmente 0 trabalho de Simmel no livro Probleme tier GeschichtsphiJoso­phie (Problemas da filosofia da hist6ria). Metodologicamente remeto aqui no­vamente - como varias vezes ja 0 fiz - a obra anterior de F. Gott1, DieHerrschaft des Worles (0 domfnio da palavra) que certamente e escrita nurnestilo eliffcil, no sentido de nao levar 0 seu raciocinio sempre plenamente auma conclusao, No que se refere ao conteudo menciono 0 bela livro de F.

1 FDN'!'E' Grundriss der Sozia/iJkonimie (Fundamenros cia Eoonomia Social) Parte Ilk Wirt:o:hajlund GesellscJ!fl (Eoonomia e Sodedade) parte I, capitulo I, §S 1-7, 1921.

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Tonnies Gemeinschaft und Gesellschaft (Comunidade e Sociedade). E, poe 01­tirno, a equivocada obra de Stammler, Wirlschaft und REcht nach der materia­listischen Geschichtsaujfassung (Economia e Direito confarme a concep;ao rna­terialista da hist6ria), e a minha crftica a este livro que consta nestes ensatosnas paginas 29185 e 3&Jss que em grande parte ja contern 0 que sera expostoneste artigo. Distancio-me da rnetodologia de Simmel (na 5ociologia e na Fifo.scfia do Dinheiro) pelo fato de separar rtitidamente aquilo que e 0 "irnaginado"e aquilo que e objetivamente valido, que portanto, tem urn "sentido", conceitosque Simmel nem sempre distingue, mas ate com frequenda propa;italmentepertrtite que se confundam

§ 1. 0 CONCEITO DA SOCIOLOGIA E 00 "SENTIOO"DA Ae;AO SOCIAL

Deve entender-se por sodologia (no sentido aceito desta palavra que eaqui empregado das mais diversas maneiras possiveis) uma dencia que preten­de entender pela interpretacao a a<;ilo social para desta maneira explici-la cau­salmente no seu desenvolvimento e nos seus efeitos. Par "a<;ilo" deve enten­der-se urn comportamento humane, tanto faz que se trate de urn comportar-seexterno au interno au de urn pertrtitir au omitir, sempre quando 0 sujeito au05 sujeitos da a<;ilo ligam a ela urn sentido subjetivo. A "a<;ilo social", portanto,e uma a<;ilo na qual 0 sentido sugerido pelo sujeito au suieitos refere-se aocomportamento de outros e se orienta nela no que diz respeito ao seu desen­volvimento.

I. FUNDAMENTOS METOOOL6GICOS

1. Par sentido entendemos aqui 0 sentido irnaginado e subjetivo dos su­jeitos da a<;ilo, au que a. existe de fato, seja a' num case historicamente dado,au b' como media e de urn modo aproximado referente a uma determinadaquantidade de casas, au b. numa construcao ideal-tfpica relativamente puro auconstrufdo de maneira tipico-ideal."

2. Os limites entre uma a<;ilo com sentido e urn modo de comportamentosimplesmente reativo (como pretendemos denornina-lo aqui) sao inteiramenteimpredsos. Uma parte multo importante dos modos de comportamento que in­teressam it sodologia, espectalmente 0 cornportamento puramente tradidonal,localiza-se nos limites entre ambos. Uma a<;ilo com sentido, quer dizer, umaa<;ilo "compreensfvel", nao se faz presente em muitos casos de processos psi­coffsicos, e em multos autros somente existe para os espectalistas. Processesmisticos e, portanto, nao comuniciveis poe meio de palavras, rno podem sercompreendidos na sua plertitude por pessoas que nao tern acesso a este tipode experiencias. Mas, inversamente, nao e necessario ser urn cesar "para com-

• Cf. original p. 542.

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preender cesar". 0 poder de "reviver plenamente" algo que e alheio e impor­tante para a evidencia da compreensao, mas nao e uma condlcao absoluta paraa interpreta<;;iio do sentido, Pais elementos compreensfveis e elementos nao-com­preensiveis de urn processo estao muiras veu» untdos e rnisturados entre si.

3. Toda interpretacao, como toda denda em gerai, tendendo it evidendada compreensao, pode ser de carater racional (e, portanto, de natureza 16gicaau rnatematica), ou de carater empattco (au seja de carater afetivo au recepti­vo-artlstico). No domfnio da a<;;iio e racionalmente evidente, sobretudo, 0 que,referente it "conexao de sentido", se compreende intelectualmente de uma rna­neira exaustiva e transparente. Racionalmente compreensivel - isto e, neste ca­so, captavel intelectualmente no seu sentido de urn modo imedlato e univoco- sao sobretudo, em grau muito elevado, as conexiies significativas em relacaorecfproca que sao encontradas nas proposicoes 16gicas e maternaticas, Destarte,compreendemos de urn modo univoco 0 que se da a entender quando alguern,pensando na proposicao 2 x 2 igua1 a 4, ou pensando nos teorernas de Pita­goras, extrai urna conclusao 16gica - de acordo com os nossos habitos mentais- de uma moda correta, Da mesma maneira quando alguem, baseando-se nosdados cferecidos pot fates da experiencia que nos sao "conhecidos" e a partirde certos fins dados, deduz para a sua a<;;iio consequencias claramente inferivels(segundo a nossa experiencia) sabre 0 "tipo" dos "rneios" a serern empregados.Toda a interpretacao de uma a<;;iio orientada a fins de maneira racional destetipo - para a compreensao dos meios usados - e de grau maximo de evi­dencia. Por uma evidencia nao-identica, mas que seja suficiente para as nossasexigencias de explicacao, entendemos tarnbem aque!es erros (inclusive as con­fusees de problemas) nos quais facilmente somos capazes de incorrer ou decujo conhecimento podemos ter uma experiencia pr6pria. Pelo contrario, muitosdos "valores" cia; "fins" ultimos que parecem orientar a a<;;iio de urn homem,nao podemos compreender, pelo menos com plena evidencia, mas tao sornentee sob cerras circunstancias, entende-los inte!ectualmente, tendo continuamentedificuldades crescentes para poder "revive-los" pot meio de uma transposicaoernpatica, na medida em que se afastam mais radlcalmente das nossas pr6priasavahacoes dltimas. Temos de nos contentar com a sua Interpretacao exclusiva­mente intelectual, au, em determinadas circunstancias, aceitar aque!es valoresau aqueles fins sinceramente como dados para tratar de fazer compreenslvelso desenvolvimento de uma a<;;iio que foi motivada pot e!es para a melhor in­terpretacao intelectual possivel au para urn reviver os pontos de orientacao 0

mais fielmente possfvel, A isso pertencem, pot exemplo, muitas a<;Oes virtuosas,religiosas e caritativas para aquele que e insensfvel a tais procedimentos, Mastambern, e da mesma maneira, muitos fanatismas de racionalismos extremos("direitos do homem'') para quem se aborrece com isso. Muitos a.fetos reais (me­do, raiva, arnbicao, inveia, amor, entusiasmo, orgulho, vinganca, piedade, de­vo<;;iio, e desejos de toda especie) e rea<;6es irracionais (do ponto de vista daa<;;iio racional considerando-se os meios para obter urn detenninado fim) quesao derivados deles, podemos "reviver" a.fetivamente de modo tanto mais evi­dente quanto mais suscetfveis somas a estes mesmos sentimentos. E, em todo

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caso, mesmo que excedam em absolute por sua intensidade as nossas possi-bilidades, podemos cornpreende-los empaticamente no seu seotido e calcular 'J"intelectualmente os seus efeitos tendo em vista a direcao e os meios da ac;ao.

o rnetodo dentffico que consiste na constructe de tipos investiga e expoetodas as conexoes de sentido irradonais e afetivas sentimentalrnente condicio­nadas do comportamento que tern influenda sabre a ac;ao como "desvios'' deurn desenvolvimento desta mesma ac;ao que foi construfdo como sendo pura­mente radonal em relac;ao aos fins. POl exemplo, para a explicacao de urn "pa­nico na balsa de valores" seria conveniente fixar, em primeiro lugar, a descric;aoque se refere ao desenvolvimento da ac;ao, se ela foi oriunda de reacoes pu­ramente irradonais, para "introduzir" depois, como "perturbacoes", aque!es mes­rnos componentes irracionais. Da mesma maneira poderfamos proceder na ex­plicaeao de uma ac;ao polftica au militar: teriamos de fixar, em primeiro lugar,como teria se desenvolvido essa mesma ac;ao no caso em que conheddas todasas circunstancias e todas as intencoes dos protagoolstas se tiver se orientado aselecao dos rneios - a partir dos dados da cxperiencia tidos como realmenteexistentes - de urn modo rigorosamente radonal em relacao aos fins. Somentedesta maneira seria possivel a lmputacao dos desvios as irradonalidades queos causaram A construeao de uma ac;ao rigorosamente radonal comrelacao afins serve nestes casas para a sodologia - por causa de sua evidente inteligi­bilidade e do seu carater de radonalidade e de univocidade - como tipo ("tipoideal") mediante 0 qual e passive! compreender a ac;ao real que e influendadapor irradonalidades de todo tipo e de toda especie (afetos, sentirnentos) comourn desvio do desenvolvimento esperado de uma ac;ao radona!.

Somente desta maneira e por causa destes fundarnentos de convenienciametodol6gica podemos dizer que 0 rnetodo da sociologia "compreensiva" e "ra­donalista". Este procedimento, portanto, nao deve ser interpretado como urnpreconceito radonalista da sodologia, mas somente como urn recurso metodo­l6gico, e de modo algum, portanto, deveria ser entendido como se implicassena crenca de urn predominio do irradonal na vida. Pois nada nos diz acercada questao se as a<;i5es reais estao au nao determinadas por conslderacoes ra­donais no que diz respeito a fins (nao podermos negar a existencia do perigode interpretacoes radonalistas em lugares e ocasioes inadequadas. Mas toda aexperienda, par desgraca, confirma essa sua existencia),

4. Os processos e os objetos alheios ao sentido au que nao rem sentidoentram no ambito das dencias da ac;ao como sendo ocasiao, resultado, estfmuloau obstaculo da ac;ao humana. "Nao reladonar ao senti do" nao signlfica "ina­olmado" au "nao humano". Todo artefato, como uma rnaquina, por exemplo,se compreende e se interpreta, no final das contas, a partir do sentido que aac;ao humana atribui a sua producao e ao seu uso (ou queira atribuir) (com asmais diversas finalidades), Setn recorrer a este senti do, esta rnaquina au artefatofica totalmente incompreensivel. 0 compreensive! e, pols, a sua referenda :l.ac;ao humana, seja como "meio", seja como "fim" imaginado pelo agente aupelos agentes que orientaram a sua ac;ao. Somente mediante estas categoriaspode haver uma compreensao destes objetos. Pelo contrario, ficam sem sentidotodos os processos ou estados humanos - arumados, inanirnados, humanos e

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extra-humanos - nos quais nao se sugere urn sentido, e, portanto, nao se en­quadram numa relacao entre "rneio" e "fun", apresenrando-se somente comofenornenos que sao um estlrnulo au urn costaculo, A inundacao e a irrupcaodo Dollart no ana de 1277 (ralvez) teria urn significado "hist6rico" par ter pro­vocado certos processos de deslocamento popu1adonal de alcance hist6rico. 0ritmo da morre e a ciclo organico da vida desde a desamparo da crianca area do anciao -, tem, obvlamente, alcance socio16gico de primeira importiindapelas diversas rnaneiras como a a<;:iio humana se orienra e se orientau a esterespeito. Uma outra classe de categorias esta formada por conhecimentos refe­rentes a certos fenomenos fisicos e psicofisicos (cansaeo, habito, mem6ria etc.),e referentes, par exernplo, a certas eufodas tipicas em detetminadas formas demortificacao (e diferencas tipicas nos rnodos de reacao conforme ritma, modoe univoddade etc.) que se ap6iam em expertendas que nao sao objeta; dacompreensao, Em ultima analise, a situacao, entretanto, e a mesma que existeem outras drcunstancias que nao sao acessiveisa cornpreensao aquele que agena pranca coridiana, coma rambem a consideracao compreensiva, aceita estesfenomenos coma "fatos" que devem set levados em consideracao,

Existe, sem dUvida, a possibilidade de que a Investigacao futura talvez en­contre regularidades nao sujeitas a compreensao de determinados comporra­menta; com sentido, por mais rara que tenha sido ate agora ral coisa. Diferencasna heranca biol6gica (das "racas"), por exemplo - se, e em que medida sejacomprovada com concludente material estatistico a influencla sabre a; modesde comportamento sociologicamente relevantes, especialrnente sabre a a<;:iio so­cial, no que diz respeito a sua referenda ao sentido - deveriam set aceitaspela sociologia como dada; da mesma forma como a; fatos fisiol6gicos do tipoda necessidade de alimentacao au a; efeitos da senilidade sabre a a<;:iio huma­na E a reconhedmento da sua significacao causal em nada alteraria a rarefada sociologia (e das cieneias da a<;:iio de rnaneira geral), au seja, compreenderpela interpretacao as a~6es orienradas nurn sentido. Nao Faria nada mais doque enxertar em determinados pontes das suas conexoes de motives compre­ensiveis e interpretaveis fates nao-corupreensiveis (assim, par exemplo, cone­xoes tipicas da frequencia de determinadas finalidades de a<;:iio au do grau desua radonalidade tipica como indice craniano au a cor da pele au quaisquerautras caracteristicas hereditarias), a que hoje ja esta sendo feito.

5. Podemos entender par compreensao 1. a compreensao atual do sentidopensando numa a<;:iio (inclusive: de uma rnanifestacao). Compreendemos, parexemplo, de maneira atual, a sentido da proposicao 2 x 2 = 4, pols ouvimose lema; (compreensao radonal atual de pensamentos), au urn ataque de raivaque se marufesta em rnudancas na face, Interielcoes e mcvimentos irradonais(cornpreensao atual radonal de afetos); au 0 comportamento de urn lenhadorau de alguem que coloca a mao na macaneta para fechar a porta, au a com­portamento daquele que com a espingarda atira nurn animal (cornpreensao ra­donal atual de acoes). Mas compreender tambem pode significar: 2. Compre­ensao explicativa. Cornpreendernos par seus motives que sentido teve em men­te aquele que formulou ou escreveu a proposicao 2 x 2 = 4, que ele fez isso

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exatarnente agora e neste contexte, se vernos que ele esta ocupado com urncalculo comercial, uma dcrnonstracso cientffica, urn cllculo tecnieo au autraa~o a cujo contexto pertenoe aquela proposicao pelo sentido "compreenslvel"que pertenoe a esta propostcao, Em autras palavras: esta proposicao ganha (ge­winnt) uma "conexao de sentido" oompreenslvel para nos (eornpreensao demotivos racionais). eompreendemos 0 lenhador au aquele que apoma uma ar­ma, nao somente de uma maneira atual, mas tarnbern a partir dos seus motivos,quando sabernos que 0 primeiro (olenhador) executa aquela a~o para ganharurn salario, au para oobrir as suas neoessidades, au par divertimento (racional),au porque reagiu "de tal maneira em funcao de uma excitacao" (irracional), auquando aquele que dispara a arma 0 faz par obedeoer ordem de executar al­guem, au de defender-se oontra um inimigo (racional), au par vinganca (afetivoe, neste sentido, irracional). Finalmente, eornpreendemos urn ato de raiva parseus motivos quando sabemos que par tras deste ato hi dume au inveja, val­dade au honea ferida (afetivamente oondidonado, isto e, cornpreensao de rna­tivos irracionais). Todas estas oompreens5es representam oonex5es de sentidooompreensfveis, aJja compreensao entendemos oomo sendo uma expltcacao dodesenvolvimento real da a~o. "Explicar", portanto, significa, desta maneira, paraa dencia que se ocupa com 0 sentido da a~o, algo que pode ser formuladodo seguinte modo: apreensao da conexao de sentido em que esta inclulda umaa~o que ja e oompreendida de maneira atual, no que se refere ao seu sentido"subjetivamente imaginado" (sabre a significacao causal deste sentido do termo"explicar", veja-se abaixo 0 ponto 6). Em todos estes casas, tambem nos pro­oessos afetivos, entendemos par sentido subjetivo dos fatos, inclusive da cone­xao de sentido, 0 sentido imaginado (afastamo-nos, portanto, do usa habitualdo termo e "achar", au seja, Meinen), superando-o, nesta significacao aludida,pensando apenas nas a¢es racionais e intendonais que se referem a um fun

6. Em todos esses casas, compreensao significa: apreensao interpretativado sentido au conexso de sentido:

a) pensada realmente na a9ao particular (na consideracao hist6rica);b) pensada oomo sendo uma media e de modo aproximativo (na consideracaosociol6gica de massa); c) oonstrufda dentificamente (pelo prooedimento "1fpl­co-ideal") para a elaboracao do tipo ideal de urn fenOmeno freqaente, Taisconstrucoes npico-ideais sao, par exemplo, os conceltos e as leis da teoria eco­n6mica pura. Elas explicam como se desenvolveria uma forma especial do com­portamento humano se fosse orientado com todo 0 rigor tendo ern mente 0

fun, sem a presenca de perturbacoes algurna par parte de erros e afetos, e sefosse unicamente orientada e de modo univooo num unico fim (0 econ6mioo).Mas a a~o real samente em casas raros e de manelra aproximada ocorre se­gundo 0 tipo ideal.Z

Toda interpretacao pretende demonstrar uma evtdenda (ponto 3). Mas ne­nhuma Interpretacao de sentido, par mais evidente que seja, pode pretender,par causa deste seu merito, ser tambem a interpretacao causal valida. Em si,

Z Sobre 0 sentldo de tatsoom~ veja-se p. 190 desre Iivro e nota rf' 11 na p. 42&

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ela nada mais e do que uma hip6tese causal particulannente evidente. 1) Comfrequenda, "motives" transferidos, pressupostos e "repressOes" (quer dizer, mo­tivos niio adrnitidos) encobrem, mesmo para 0 pr6prlo autor, a conexao realda trama de sua a~o, de modo que 0 pr6prio testernunho subjetivo, rnesmosincero, possul apenas urn valor relativo. Neste caso, a tarefa que cabe a so­ciologla e averiguar e interpretar essa conexao, mesmo que niio esteja ela aonfvel da coosdencia, ou, em outras palavras, 0 que ocorre na maioria das vezese apenas 0 limite da interpretacao de sentido. 2) Manifestac;<ies externas daa~o, tidas por n6s como sendo "iguais" ou "semelhantes" podem apoiar-se emconexOes de sentido muito diversas, pensando no agente e nos agentes, e n6s"compreendernos", tarnbem, urn agir fortemente diverso, ou pelo menos nurnsentido frontalmente oposto, em face de situac;<ies que julgamoo "semelhantes"entre si (veja-se os exernplos dtados poe Simmel, em Problemes tier Geschi­chrsp.iJosophie (Problemas da filosofla da hist6ria). 3) Em situac;<ies dadas, oshomens sao subrnendos em sua a~o a uma situa~o de oposi~o a partir deimpulsos contraries que sao todos "compreensiveis". Seja qual for a intensidaderelativa com que se manifestam na a~o as diferentes referencias significativassubjacentes nesta "luta de motives", que sao para n6s tarnbem compreensiveis,mas tudo i55O, confocme a experiencia, e coisa que niio se pode apreciar nuncacom toda a seguranca, e, na maior parte, nem sequer de maneira aproxirnativa.De resto, s6 ha a possibilidade da cornparacao do maximo passivel de casasda vida cotidiana ou da vida hist6rica, que sao, de maneira geral, de naturezaidentica, mas que se diferenciarn nurn ponto decisivo: no que se refere ao "mo­tivo" da sua importancia pratica, Isto e realmente uma das tarefas importantesda sociologia compreensiva. Muitas vezes, obvIarnente, tem-se apenas 0 inse­guro meio do "experimento ideal", isto e, 0 pensar como sendo nao-presenteecertos elementos constitutivos da cadeia causal e "construir" a partir dai 0 de­curse provavel para obter uma imputacao causal

A charnada "lei de Gresham", poe exemplo, e uma interpretacao racionalevidente da a~o humana em determinadas condieoes, tendo como seu pres­suposto ideal-tipieo uma a~o estritarnente radonal com relacao aos fins, Emque medida 0 comporramento real esta realmente de acordo com esta constru­~o ideal somente pode sec mostrado poe uma expertenda (que pode sec ex­pressa, pelo menos em principio, de maneira estatistica) que comprova, poeexemplo, com referenda as relaeoes econ6micas, 0 desaparecimento efetivo dasmoedas avalladas com baixo valor (desaparecimento da circula~o). Este fatonos ensina uma validade arnpla da lei de Gresham Na realidade, a evolu~o

do conhecimento foi essa: em primeiro lugar existiram as ooservacoes empiri­cas, e, em seguida, formulou-se a interpreta~o. Sem esta interpretacro bemsucedida, a nossa necessidade de uma explieacao causal niio seria satisfeita.Neste exemplo, a concordancia da adequacao do sentido com a comprovacaoempirtca e evidente e ha casos em nUmero suficiente para considerar a com­provacao como sendo segura. A hip6tese de Eduard Meyec sabre a significa~o

causal das batalhas de Maratonas, Salamina e Plateia, com referenda a partieu­laridade do desenvolvirnento da cultura helenica (e, com isto, da cultura 00­dental) niio ganha em evidencia apenas devido aquelas cornprovacoes e suges­toes que foram feitas com referenda ao comportarnento dos persas em caso

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de vit6ria (exemplos de Jerusalem, Egito e Asia Menor) e que, obviamente, sern­pre ficarilo incompletas em muitos aspectos, A evidencia radonal interpretativada hip6tese fundona neste caso indiscutivelmente, como sendo urn apoio 10­gfstico. Em muitos outros casos de Imputaeao causal hist6rica, entretanto, rooha pcssibilidade de uma tal comprovar,;Jio, 0 qual, sern dUvida, e possfvel nestecaso.

7. Chamamos de "motivo" a conexiio de sentido que, para 0 agente e parao obsetvador, se apresenta como 0 "fundamento" com sentido do seu compor­tamento. Dissemos que urn comportamento que se desenvolve como urn todocoerente e "adequado com referenda ao seu sentido" na medida em que perdemos afirmar que a re!ar,;Jio entre 05 seus elementos e uma "conexao de sen­tido" tipica (00, como costumamos dizer, "rnais correta") no que diz respeitoa05 habitos mentals e afedvos medics, Falamos, pelo contn'irio, que uma su­cessao de fatos e "causalmente adequada" na medida em que, segundo regrasda experiencia existe a seguinte possibilidade e probabilidade que ela semprese de efetivamente de maneira identica. Adequada conforme 0 seu sentido e,par exemplo, a soIur,;Jio correta de urn problema aritrnerico conforme as normashabituais do pensamento e do cilculo matematico, Causalmente adequada ­no ambito do procedimento estatistico - e a probabilidade real e realrnenteexistente de acordo com as regras comprovadas da experiencia de uma solucfo"correta" 00 "falsa" - a partir do ponto de vista das n055aS norrnas habituais- e portanto, tarnbem de urn "erro de cilculo" tipico au de uma confusao deproblemas tarnbem tipica). A explicacao causal, portanto, significa a seguinteaflrmacao; que, de acordo com uma determinada regra de probabilidade ­qualquer que seja 0 modo de calcular, que somente em casos raros e ideaispode ser dernonstrado como sendo correto conforme os dados empiricos -,a urn determinado processo (interno 00 externo) efetivamente observado, Be­

gue-se urn DUtro processo determinado (au surge juntarnente com ele).Uma interpretacao causal correta de uma ar,;Jio concreta significa que 0 de­

senvolvimento externo e () respectivo motivo foram conhecidos na sua conexiiosignificativa. Uma interpretar,;Jio causal correta de uma ar,;Jio tipica (tipo de ar,;Jiocompreensivel) significa que 0 suceder considerado tipico se apresenta comoadequado no que se refere ao sentido (nurn determinado grau) e tambem podeser comprovado empiricamente como causalmente adequado (nurn determinadograu). Se falta a adequacao de sentido, n6s simplesmente n05 encontramos emface de uma probabilidade estatistica que roo esuscetivel de eompreensao (au,apenas compreenslvel de maneira incompleta). Por outro !ado, a rnais evidenteadequaeao de sentido 56 pode sec considerada como sendo uma proposicaocausal correta para 0 conhedmento sodol6gico, na medida ern que se provaa existencia de uma probabilidade (determinavel de uma certa maneira) de quea ar,;Jio concreta tornara de fato, com determinada freqnenda 00 determinadaaproxirnacao (numa "media" concernente ao caso puro) a forma que foi con­siderada adequada com relacao ao sentido. Somente aquelas reguiaridades esta­tisticas de urn sentido pensado "compreensivel" de uma ar,;Jio sao tipos de ar,;Jiosuscetiveis a compreensi!o (no sentido do termo que n6s usamos aqui) quepodem ser observadas na reaJidade pelo menos de maneira aproximativa. Esta­moo longe de afirrnar que, paralelamente ao grau eomprovavel de adequacao

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de sentido, aurnenta a probabilidade efetiva da frequencla de desenvolvimentoque the corresponde. Se isso realmente acontece ele pode ser dernonstrado efe­tivamente apenas pelas estatisticas (pela estatistica referente ii monalidade, iifadiga, aC6 rendirnentos das maquinas, ii quantidade de chuvas etc.). A estatls­tica sodol6gica somente se refere aC6 ultimos cases (estatistica criminalistica,estatistica profissional, estatistica de preeos, estatistica de cultivo - estes casassao frequentes, 00 seja, as estatisticas que incluem ambas as coisas).

8. Processos e regularidades que, por incompreensiveis no sentido aqui en­tendido nao podem ser qualificados de fatos au de leis sodol6gicas, nem parisso sao rnenos importantes. Tampouco para a sodologia, de acordo com a de­finicao dada aqui (que implica uma certa hrnitacao da sodologia para ser ape­nas "sodologia compreensiva", sentido que, entretanto, nao se imp6e forcosa­mente a ninguern), Eles sornente pertencem a urn lugar diferente, 0 que, me­todologicamente falando, e inevitavel na ar,;ao compreensivel, ou seja, a ar,;aocondicionada par "condicoes" au situacoes, "ocasioes", "estimulos" e "oostacu­1C6" da mesma.

9. "Ar,;ao" como orientacao significativamente compreensivel do propriocomportamento s6 existe para n6s enquanto comportarnento de uma ou variaspessoas individuais.

Para outros fins do conhedmento, pode ser Uti! ou necessario conceber 0

individuo, por exemplo, como uma "assodacao'' de celulas, ou como urn com­plexo de reacoes bioquimicas, 00 a sua vida "psiquica" pode ser consideradacomo sendo constituida por varies elernentos (seja qual for 0 modo com quesejam qualificados). Sem duvida nenhuma, olxem-se, procedendo desta manei­ra, conhedrnentos valiosos (leis causais). Mas nao podernos "compreender" 0

comportamento destes elementos que se expressam em leis. E isto ate sucedecom relacao aos elementos psiquicos, e tanto rnenos quanta mais forem con­cebidos de acordo com a exatidao do procedimento das clencias naturals estenunca e 0 caminho para uma interpretacao a partir do sentido imaginado. Masa captacao do sentido 00 conexiio do sentido e exatarnente 0 sentido e a tarefada sodologia (00 maneira como n6s a entendemos aqui, e tambern da hist6ria).Podemos observar 00 pretender captar (em principlo, pelo menos) 0 compar­tamento das unidades fisiol6gicas, das celulas, por exemplo, 00 de quaisqueroutros elementos psiquicos a partir das observacoes empiricas e, a partir daf,formular "regras" 00 elaborar "regularidades" (leis) com referenda a estes com­portamentos e "explici-los" causalmente 00 explicar causalmente processos in­dividuais com a sua ajuda. A interpretacao 00 ar,;ao, entretanto, somente levaem consideracao tais fatos e tais leis na mesma maneira como 0 faz referentea outros fatos e regu1aridades (como por exemplo: fatos fisicos, astronomicos,geologiccs, meteorol6gicos, geograflcos, botanicos, zoologicos, anatomicos, psico­patologicos sem significado 00 condicoes dentifico-naturais dC6 fates tecrucos),

Novamente, para outros fins cognoscnivos (por exemplo, juridicos), 0L1 parfins prances pode ser conveniente 00 ate inevitavel tratar e abordar com bas­tante precisao deterrninadas forrnacoes sociais C"F.stado", "cooperativas", "socie­dades de acoes", "fundacoes") como se fossem individuos (por exemplo, comosujeitos de direitos e de deveres ou de determinadas acoes de alcance juridico).

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Para a interpretacao compreensiva da sociologia, pelo contrario, estas formacoesnao sao outras coisas que desenvolvirnentos e entrelacamentos de acoes espe­cificas de pessoas individuais, ja que somente estas podem ser suieltos de umaa.,ao que se orienta nurn sentido. Mas, apesar dissa, a sociologia nilo pode igno­rar, mesrno em funcao dos seus proprios fins, aquelas ideias coletivas que naosao Instrumentos para outras maneiras de observar a realidade. Pais a interpre­ta.,ao da a.,ao tern, no que diz respeito aqueles concertos coletivos, tres relacoes.1) Frequenternente se ve obrigada a trabalhar e a usar tais conceitos (que pelornenos tern este nome) para conseguir estabelecer uma temJinologia inteligfvel.A linguagem do jurista bern como a linguagem cotidiana em comum designacom 0 termo "Estado" tanto 0 conceito juridico como aquela situacao real eefetiva da a.,ao social para a qual as regras juridicas ou a norma juridica deveter validade. Para a sociologia, a realidade "Estado'' nilo consiste apenas nemnecessariamente nos seus elementos jurfdicos relevantes. Para a sociologia naoexiste uma personalidade coletiva em a.,ao. Quando usa os terrnos "Estado","Na.,ao", "Sociedade anonirna", "Familia", "Corpo Militar" ou de quaisquer for­rnacoes socials seme1hantes, ela se refere unicamente ao desenvolvimento, nu­ma determinada forma, da a.,ao social, ou de uma forma da a.,ao social cons­truida como sendo "possfvel" de individuos singulares, introduzindo, portanto,no conceito juridico que ela usa per causa des seus rneritos de precisao, urnsentido totalmente diferente. 2) A interpretacao da a.,ao deve levar em consi­deracao a importante e fundamental fato de que aqueles conceitos usados tantopela linguagem comurn e cotidiana como pelo linguajar dos juristas (e tambernde outros proflssionais) sao representacoes de alga que, em parte, existe e, emparte, se apresenta como urn "dever set" na mente dos homens concretes (naosomente na dos juizes, dos burocratas, mas tambern do publico em geral), nasquais a a.,ao concreta se orienta realmente; e, tambern, deve levar em consi­deracao que essas representacoes, em si, possuem uma signlficacao causal po­derosa e importante no desenvolvimento do comportamento concreto humano(sobretudo no que range a algo que "deveria ser" ou a alga que "nao deveriaser"). Urn Estado moderno, entendido como urn complexo de uma especificaacao e atuacao humanas em conjunto, funciona em maneira bastante conside­ravel do seguinte modo: eurn conjunto complexo de interacao humana, perquena representacao daquilo que a Estado deveria ser, isto e, que as ordens pos­suem validade pelo fato de ser orientadas juridicamente. (Mais tarde voltaremesa este assunto.) E mesmo que Fosse possivel, nao sem cetto pedantismo e pro­lixidade, que a tenninologia da sociologia eliminasse tais conceitos da lingua­gem usual (0 que sempre procurou evitar), substitulndo-os per termos novosde sua criacao, essa possibilidade ficaria pelo rnenos excluida, pelo fato taoimportante como a fato de que tratamos. 3) 0 mctodo da assim chamada so­ciologia "organica'' (tipo classico: a livro brilhante de Schaffie, Bau und Lebendos sozialen Korpers [Estrutura e vida do corpo social]) pretende explicar 0 agirsocial a partir de urn "todo" (par exemplo, a partir da "economia nacional")dentro do qual, em seguida, a individuo e a seu agir sao interpretados de ma­neira semelhante au analogamente a rnaneira como a fisiologia trata da funcao

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de urn "6rgao" na economia de organismo (isto e, a partir do ponto de vistade sua conservacao), (Veja-se a famosa frase de urn flsiologo - "Do 00'>'>,Senhores, nao sabemos nada", Na reaiidade, a pessoa em questiio sabia sabreo 00,>,> muitas coisas: localizacso, tamanho, forma etc Ele apenas nao podiaindicar a funr;ao do 0090, e, a esta falta de conhecimento, ele chamara "naosaber nada''). Nao se pode discutir aqui ate que ponto em <JUtras disciplinasdeve ser definitiva au nao (necessatiamente) esta abordagem funcional das par­tes de urn "todo'', Em todos os casos sabe-se muito bern que a ciencia bioqul­mica e biomeclnica nao esta satisfeita com este prooedimento. Para uma so­ciologia compreensiva, uma tal abordagem 1) pode servir para fins provis6tiose como ilustracao pratica (nesta funr;ao, ela e muito util e necessaria, mas tam­bern pode ser prejudicial no caso em que hi urn exagero referente ao seu valorcognosdtivo e no caso em que hi urn falso realismo). 2) Em deterrninadas dr­cunstancias somente ela pode ajudar-nos a descobrir aquela ar;ao social cujacompreensao interpretativa e importante para a explicacao de uma conexao so­cial, Mas, precisarnente neste ponto, tern inicio a tarefa da sodologia proptia­mente dita, da maneira como nos a entendemos aqui. Com referenda a "forrnassodais" (em oposicao a "organismos"), nos nos encontramos na situacao, paraIi da simples deterrninacao das suas conex6es e regras ("leis''), de chegar aurn resultado que e negado as ciendas naturais (no sentido do estabelecimentoe da formulacao de leis causais referentes aos fenornenos e :Is formas, e daexpllcacao destes atraves das mesmas leis): a sodologia pode "compreender"o comportarnento dos individuos que participam neste todo, ao passe que, con­trariamente, nao podemos "oornpreender" 0 cornportamento, par exemplo, dascelulas, mas apenas aprcende-lo fundonalmente e, em seguida, determina-Iocom a ajuda de leis :Is quais estao submetidos. Este maior resultado da expli­cacao interpretativa em cornparacao com a explicacao ooservadora tern certa­mente como preco 0 carater essencialmente mais hipotetico e fragmentario dosresultados obtidos pela interpretacao, Mas ela e exatamente 0 especifico do c0­

nhecimento sodol6gico.Em que medida tambem 0 comportamento de animals nos e compreensivel

par seu sentido - ambas as coisas, indubitavelmente, nurn sentido altamenteimprecise e proolematico - e em que medida, portanto, tambern podetia haveruma sodologia sabre as relacoes dos homens para com os animais (animaisdornesticos, animais de caca) e urn problema que nao se pode discutir aqul(muitos animais "compreendem" ordens, raiva, amor e Intencoes agressivas oude agressividade, e reagem em face destas atitudes nao somente e exclusiva­mente - pelo menos, isso parece ser 6bvio de uma maneira medinica-instin­tiva, mas de urn modo que parece incluir consdencia, urn certo sentido e umaorientacao adquirida pela experiencia). Como tal, a medida da nossa capacidadede apreender empaticamente 0 comportamento dos "homens ptimitivos" naoe, na sua essencia, de grau mais elevado. Mas n6s nao temos seguros de ve­tificar a situacao subjetlva no que diz respeito ao animal, e, se hi tais meios,estes sao indubitavelmente imprecisos. TodOS sabem que os problemas da psi­cologia animal sao reconhecidamente tao interessantes como espinhosos. Hi,

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sobretudo - e que e do conhecimento geraI - relacoes e vida social de ani­mais dos rnais eliferentes tipos. "familias" mon6gamas e poligamas, rebanhos,tropeis, bandos de animals como "matilha", "manada" etc., e, finalmente, "Esta­dos" com elivisao de funcoes, 0 grau de diferenciacao fundonal destas sode­dades animais de maneira alguma se desenvolve paralelamente em grau igualda diferenciacao evolutiva organol6gica e morfol6gica alcancado pela respectivaespecie animal em questao. Assim, par exemplo, a diferenciaclo funcional exis­tente entre os terrnitas ou formigas e, em consequencia elisso, a diferenciacaodos seus artefatos e maior do que a existente entre as formigas e as abelhas.E evidente que aqui a investigacao se deve contentar em aceitar pelo menosprovisoriamente como definitiva a consideracao ou a abordagem puramentefundonal, isto e, deve se contentar com 0 descobrimento das funcoes decisivaspara a conservacao da sodedade animai, au seja, a alimentacto, a defesa, areprodu<;;iio e a renovacao destas sociedades para os quais surgem determinadostipos de individuos ("rei", "rainha", "operarios", "soldados", "zangoes", "repro­dutores", "rainhas substitutas" etc. 1\100 alem destas constatacoes e considera­<;6es, forarn, durante multo tempo, puras espeeulacoes au Investigacoes sabrea respectiva medida em que hereditariedade e meio-ambiente poderiam parti­dpar na formacao destas dlspcsicoes "socials", (Assim, sobretudo as controver­sias entre \'Ieismann e GOne, nas quais 0 primeiro procurou fundamentar a "oni­potenda da for", de meio ambiente" em rnuitas deducoes nilo-empfricas.) Mashoje em elia M, sem duvida, consenso entre os investlgadores series e rigorososno que se refere ao fato de que a limitacao a abordagem funcional neste casoede carater forcoso, esperando-se, obviamente, que ela nilo seja definitiva. (Ve­ja-se, par exemplo, a situacao atual sabre as investiga<;6es dos termitas na pu­blica<;;iio de von Eschesson.) Mas, nilo e que se pretenelia apenas apreender asfuncoes que - 0 que e de fadl cornpreensao - sao "irnportantes" para a con­servacao da especie (no que eliz respeito aos mais eliversos tipos fundonais),e tampouco apenas explicar aquela diferenciacao sem 0 pressuposto da here­elitariedade das capacidades adquiridas au inversamente na adrnissao desta he­reditariedade (e, neste case, quaiquer que seja a maneira de interpretar estepressuposto), mas tarnbern pretendia-se saber: 1) 0 que e aquilo que decideau que e decisivo para 0 inlcio da diferenciacao de indivfduos que original­mente sao neutros e indiferendados, e 2) qual 0 motivo para 0 inelivfduo eIi­ferenciado comportar-se (pelo menos em media) da maneira que e de fato Uti!para 0 interesse da conservacao deste grupo animal diferendado. Sempre quese notou urn progresso de Investigacao nesta direcao, este se deu pela demons­tra<;;iio experimental (ou suposicao) da existencia de estfmulos qulmicos au dedrcunstanclas fisiclogicas (processos de alirnentacao au processos eligestivos,castracao parasitaria etc.) dos inelivfduosem questao, Em que medida M a espe­ran", de mostrar, como sendo verossimil, par meios experimentals, a existenciade uma orientacao "psicol6gica" e de uma orientacao "com sentido", e algo que,hoje em elia, are mesmo 0 especialista elifidlmente poderia afirmar. Uma des­cri<;;iio controlavel da psique destes animais socials com base numa "compre­ensao" a partir de urn sentido parece ser uma meta que nao pode ser atingida,

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ou a pode apenas dentro de limites muito estreitos. Em todo caso, nao podernosesperar a partir destas investigacoes a "cornpreensao" da a<;;iio social hurnana,mas a situacao e exatamente inversa: naquelas investigacoes usa-se e deve usar­se a analogia humana, Talvez possarnos esperar que essas analogias sejam urndia uteis para a solucao do seguinte problema: a de como deve ser apredado,num estado primitive de diferenciacao social humana, a relacao entre a setorda diferendacao puramente meclnico-instintiva e a que e a produto de umaa<;;iio individual com sentido e a que posteriormente foi criado de modo cons­dente e radonal. A sociologia compreensiva deve levar em consideracao, comtada a clareza, que, tarnbem para os homens, nos estagios primitrvos predomi­nam os prirneiros componentes e, nos estagios posteriores da sua evolucao,continuam estes existindo como fatores que cooperam sempre (e, as vezes, atede modo dedsivo). Tada a a<;;iio tradicional (§2) e amplas camadas do "carisma"3na sua qualidade de nucleos de "contagio" psiquico e, portanto, portadores de"estimulos de desenvolvimento" sociol6gicos, estao multo pr6ximas, e em grausinsensiveis, daqueles processos que s6 podem ser apreendidos biologicamente,e que nao sao expliciveis par seus motives, nem sao compreensiveis, ou ape­nas compreenslveis de maneira fragmentaria. Mas tudo isso nao libera a socio­logia compreensiva da tarefa que the e pr6pria e que ela pode cumprir, mesmotendo consciencia dos limites estreitos dentre os quais pode atuar.

Os diversos trabalhos de Othrnar Spann - com frequenda repletos de mui­tas ideias boas ao lado, obviamente, de alguns equlvocos, sem duvida ocasio­nais, e sobretudo repletcs de argumentacoes que se ap6iam em julzos de valore que nao pertencem a investigacao empirica - tern, indubitavelmente, razaoem insistir na sigruficacao - que ninguern jamais negou - do carater de pres­suposto previa da proolematica fundanal para a sociologia (ele chama isso de"metoda universalista''). Certamente ternos de saber, em primeiro lugar, qual ea irnportancia de uma a<;;iio social do ponto de vista fundanal para a "conser­vacao" (porem mais, e sobretudo tambem para a peculariedade cultural) e paraa desenvolvimento em urn determinado sentido de um tipo de acao social, an­tes de poder perguntar pela origem daquela acao e pelos motives. Temos desaber primeiro quais sao os services que sao prestados par um "rei", urn "fun­donatio" l urn "empresario'' 1 urn "rufiao'' e urn "rnagico", au seja, temos que sa­ber que a<;;iio tipiea (aquila par causa do que esta incluido nesta categoria) eimportante para a analise e que a<;;iio merece ser considerada antes de poder­mos inidar a analise propriamente dita ("referenda a valores" no sentido deRickert). Mas somente esta analise nos propordona aquila que a compreensaosodologica da acao dos individuos tipicamente diferenciados pode e deve ofe­recer (unicamente no que diz respeito a a<;;iio "humana"), Em todo caso deveeliminar-se seja a enorme equivoco que esta presente na ideia de urn metodaindividualista (em qualquer sentido possivel) que significa tambem urna avalia­<;;iio individualista como a opiniao de que uma construcao conceitual de caraterinevitavelmente racionalista (em terrnos relatives) significa uma crenca no pre-

3 Veja-se: Wirtschaft und Gese/lschafi (Economia e Soctedade), parte I, capitulo III.

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dorninio dos motives racionais ou simplesmente uma avaliacao positiva do"racionalismo". Tambern uma economia socialisra deveria ser compreendida pe­la lnterpretacao, sociologicamente falando, "de maneira individualisra", isto e,a partir da a~o dos individuos - ou seja, dos tipos de "funcionarios'' que nelaexistem - com a mesma maneira "individualista" que caracteriza a compreen­sao dos fenornenos como troea ou limite da utilidade (ou qualquer outro ana­logo neste sentido que talvez seja melhor). Pois tarnbem naquele caso, a inves­tiga~o empfrico-sociol6gica comeea com esta pergunta: quais sao os motivesque determinaram ou determinam os funcionartos e membros desta "comuni­dade" a comportar-se da maneira que esra comunidade poderia surgir e podecontinuar a existir? Toda a construcao conceitual funcional (que parte de urn"todo") somente cumpre uma rarefa previa para a verdadeira pesquisa soctolo­gica, 0 que, obviamente, nao significa que ela nao teria a sua utilidade e quenilo seria indispenslivel quando ela esta sendo feita de maneira adequada.

10. As "leis", como se costuma chamar muitas proposicoes da sociologiacompreensiva - como, par exemplo, a "lei" de Gresham -, nada mais saodo que determinadas probabilidades tfpicas e confirmadas pela observacao, deque determinadas situacoes efetivamente dadas se dao numa maneira esperadade certas acoes sociais que sao compreensfveis par seus motivos tipicos e pelosentido tipico pensado e imaginado pelos sujeitos da a~o. Estes rnotivos saounivocos e compreensiveis nurn grau muito elevado quando 0 motive subja­cente no desenvolvimento ttpico da a~o (0 que foi colocado como sendo 0

fundamento do tipo ideal construido metodologicamente) e puramente racionalem relacao aos fins e, portanto, a relacao entre meio e fun, de acordo com aexperiencia, e univoca (isto significa: os meios sao "inevitliveis"). Neste caso eadmissivel a aflrmacao de que quando se age de uma maneira rigorosamenteracional, deveria ter agido desta maneira e nao de outra maneira (porque, porraz6es tecnicas, os participantes em funcao dos fins - que sao claramente de­finidos - que somente poderiam estes meios e nao outros meios), Exaramenteeste caso mostra claramente como e "equivocado" supar que seja 0 Ultimo "fun­damento" da sociologia compreensiva, uma psicologia de qualquer natureza queseja. Hoje em dia, cada urn entende par psicologia coisa diferente. Raz6es me­todol6gicas justificam inteiramente com referenda a uma direcao dennfico-na­turalisra a separacao entre 0 "psfquico" e 0 'flsico'', coisa que e toralmenteestranha neste senti do as disciplinas que se ocupam com a a~o humana. Osresultados de uma ciencia psicol6gica que unicamente investiga 0 psiquico deacordo com os metodos das ciencias naturais e com os meios proprios destasciencias, e nao se ocupa com a interpretacao do comportamento humane a par­tir do seu sentido - 0 que e realmente algo toralmente diferente - interessamil sociologia, qualquer que seja a metodologia particular desra psicologia, comopodem, obviamente, ser interessantes para qualquer outra ciencia, e, em casosconcretes, podem ate alcancar uma significacao eminente. Mas nao existe, nestecaso, uma relacao mais estreita referente il sociologia do que em relacao a qual­quer outra ciencia, 0 erro consiste no conceito do "psfquico", ou seja, aquiloque nao e "flsico'' seria "psfquico". Sem duvida, 0 sentido de urn cilculo arit-

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metico, pensado par alguem, nao e, deceno, coisa "psiquica". A reflexiio racio­nal de urn homem sabre si mesmo e sobre 0 fato se em funcao de detenninadosinteresses exige-se au 000 uma certa ac;ao par causa das consequencias quese espera dela, e a decisao que se toma em funcao destes raciocinios, sao coisascuja compreensao da maneira alguma nos facilitam as consideracoes "psicolo­gicas". Mas exatamente sabre tais pressupostos tradidonais sao construidas pelasocfologia, na rnaioria das vezes, as "leis" (com relacao it economia vale a mes­ma coisa). Pe!o contrario, a psicologia compreensiva pode prestar indubitavel­mente services decisivos para a explicacao socfol6gica no que se refere aosaspectos irradonais. Mas isto nao altera em nada a situacao basica metodol6gicafundamental.

11. A sociologia constr6i - como ja supomos evidente - tipos ideais eprocura descabrir regras gerais do acontecer. Em oposicao it hist6ria, que seesforca em conseguir a analise e a imputacao causal das personalidades, dasestruturas e das acoes individuais consideradas eulturalmente importantes. Aconstrucao conceitual da sociologia encontra 0 seu material paradigmatico, demaneira essencial, mas 000 de maneira exclusiva, nas realidades da ac;ao con­sideradas tarnbem irnportantes a partir do ponto de vista da hist6ria. Ela constr6itambern os seus conceitos e busca as suas leis com 0 proposito, sabretudo, depoder prestar urn service para a imputacao causal hist6rica dos fenornenos eul­turalmente importantes, Como acontece com toda ciencia generalizadora, umacondicao da peculiaridade das suas abstracoes, no que se refere aos conceitos,tende a dar-se de maneira que estes mesrnos conceitos tendem a ser vaziosem relacao ao seu conteudo, 0 que e!a pode oferecer em contrapartida e aunivocidade elevada dos seus conceitos, Esta e!evada univocidade se alcancaem vinude da possibilidade de urn optimum da adequacao de sentido tal comoacontece na conceituacao sociol6gica. Por sua vez, esta adequacao pode seralcancada na sua forma rnais plena - e isto, sem duvida, foi considerado ateagora - atraves de regras e conceitos radonais (radonais com relacao a valoresau racionais com relacao afins). Mas a sodologia procura tambem apreender,mediante conceitos te6ricos e adequados por seu senti do, fenomenos irradonais(rmsticos, profeticos, pneumaticos e afetivos). Em todos os casos, seja nos ra­donais au nos irradonais, a sociologia se afasta da realidade e contribui parao conhecimento desta mesma realidade na medida em que pode coloci-la den­tro de uma teoria mediante a indicacao do grau de aproximacao de urn feno­rneno hist6rico a urn au varies destes conceitos. 0 mesmo fen6meno hist6rico,par causa de uma pane dos seus elementos, pode s~ classificado como "feu­dal", "patrimonial", "burocratico" au "carismatico", Para que com estas palavrasse afirme algo univoco, a sodologia deve formar, por sua pane, tipos (ideals)destas estruturas que mostrem em si a unidade mais conseqOente de uma ade­quacao de sentido a mais plena possfvel, sendo, por isso mesmo, pouco fre­qOente na propria realidade, da mesma maneira como uma reacao fisica quepressupoe urn espa~ absolutamente vaZio. Mas a casufstica sodol6gica apenase passive! a partir destes tipos ideais (puros), QJe, alern disso, emprega tamoemtipos e conceitos "medios" da natureza dos conceitos ernpirico-estatfsticos, e au-

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to-evidente: e urn procedimento que aqui niio requer maiores e rnais detalhadasexpltcacoes, Mas quando a sociologia fala de cases "tfpicas", ela, em caso deduvida, sempre pensa no tipo ideal, 0 qual pode ser, por sua vel, racional ouirracional, rnesmo que na maioria das vezes seja racional (na teoria econ6micasempre) e em todos os casos sao construidos com adequacao referente ao sen­tido.

Deve ficar perfeitamente claro que no domfnio da sociologia somente po­dem ser construidos conceitos "medics" e "tipos-rnedtos'' com uma certa 00­vocidade quando se trata de diferencas de grau entre acoes qualitativamentesemelhantes referentes ao seu sentido. Isto e indubitavel, Na maior parte dQScases, entretanto, a a<;;:lo de import:1ncia hist6rica ou sociol6gica sofre a inlluen­cia de motives qualitativamente cliferentes ou heterogeneos, entre QS quais niioe posstvel obter-se uma "media" no sentido pr6prio deste termo. Aquelas cons­tru¢es tfpico-ideais da a<;;:lo social como as que sao preferidas pela teoria eco­nomica sao "estranhas a realidade" no sentido em que - como no caso men­cionado - elas, sem excecao, levam a perguntar: 1) como seria 0 proceclimentono caso ideal de uma pura radonalidade econOntica com relacao afins, com 0

pr0p6sito de compreender a a<;;:lo codeterminada par obstaculos traclicionais,etT06, afetos, propositos e considera¢es de carater nao-economlco, na meclidaem que tambern esteve deterntinado par uma consideracao radonal em rela<;;:loa fins ou par estar conclidonado por rnedio; 2) com 0 pr0p6sito de facilitar 0

conhedmento dos seus motivos reais par meio da distancia existente entre aconstructe ideal e 0 desenvolvimento real. De maneira inteiramente analogsdeveria proceder-se na construcao tfpico-ideal de uma consequente atitudeacosrnica frente a vida que e ntisticamente conclidonada (par exemplo, frentea polittca e frente a econontia). Quando estes tipos ideals sao construidos commais precisao e rnais univocidade e quando sao, neste sentido, mais estranhosou alheios a realidade, a sua utilidade quanto maior sera a sua utilidade sejano sentido terntinol6gico ou no c1assificat6rio ou heuristicamente falando. A im­putacao causal que a hist6ria faz em determlnados acontecimentos e cases, narealidade, niio procede de outra maneira. Por exemplo, quem quer explicar adesenvolvimento da batalha de 1866, tern que imaginar idealmente - 0 mesmovale para Moltke e tarnbern para Benedek - como teria proceclido cada urn,com absoluta racionalidade, no caso de urn conhecimento total tanto no quecliz respeito asua propria situacao quanto asituacao do seu inintigo, para com­parar com aquilo que foi a a<;;:lo real e explicar, logo em seguida, causalrnente,a distancia entre ambos QS comportamentos (seja por causa de uma mforrnacaoerrada, etT06 de fato, erros de calculo, temperamento pessoal ou consideracoesnao-estrategicas). Tambern aqui se aplicou uma (latente) construcao racional tf­pico-ideal.

Os conceitos construtivos da sociologia sao tfpico-ideais nao somente nasua dlmensao externa, mas tarnbem internamente. A a<;;:lo real se da na maiariados casos com uma obscura serniconsciencia ou com plena inconsciencia dosentido pensado. 0 agente talvez 0 "sente" ou "tern urn sentimento" de umamaneira indeterntinada, que ele 0 "sabe" ou tern dele uma clara ideia, mas narnaioria dos casas age par instinto ou por costume. Apenas ocasionaimente ­e quando se trata de a¢es de massas, apenas no que range a alguns individuas

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- percebe conscientemente a sentido da ac;ao (seja ele racional au irracional).Rea\mente, urna ac;ao com sentido conscientemente percebido e, na realidade,urn caso limite. Toda consideracao au reflexao hist6rica au sociol6gica deveter plena consdenda deste fato nas suas analises da realidade. Mas isto naodeve impedir que a sodologia construa OS SaJS conceltos atraves de urna clas­sificac;ao dos "possiveis sentidos imaginados" e como se a ac;ao real se dessesob a onentacao consciente neste sentido. Sempre deve ser levada em consi­deracao a distlncia que ha em relacao a realidade quando se trata do conhe­cimento desta mesma realidade.

Em termos de m<todologia, temos que fazer muitas vezes uma escolha en­tre termos obscures au termos claros, sendo que estes U1timos sao termos irreaise "Ideal-tipicos". Nesta situacao, temos que dar a preferenda aos ultimos emnome do procedimento cientffico.4

II. 0 CONCEITO DE N:;J...O SOCIAL

1. A ac;ao social (incluindo toler:l.ncia au ornissao) orienta-se pelas a~dos outros, as quais podem ser a~ passadas, presentes au esperadas comosendo futuras (por exemplo: vinganca par ataques anteriores, replica a ataquespresentes, medidas de defesa diante de ataques futuros). Os "outros" podemser individuos e conhecidos au are uma pluralidade de individuos indetermi­nados e inteiramente desconhecidos (0 dinheiro, par exernplo, significa urn bemde troca que a agente admite no cornercio porque a sua ac;ao esta orientadapela expectativa de que muitos outros, embora indeterminados e desconheci­dos, estejam dispostos tambem a aceita-lo, par sua vez, numa troca futura).

2. Nem todo tipo de ac;ao - inclutndo a ac;ao externa - e "social", nosentido aqui explicado. Nio e uma ac;ao social a ac;ao exterior quando esta seorienta pela expectativa de determinadas rea~ de objetos materiais. 0 com­ponamento intima e ac;ao social somente quando esta orientado pelas acoesde outras pessoas. Nao 0 e, por exemplo, a componamento religioso, quandoeste nao passa de conteroplacao, ora,.ao solitaria etc. A atividade econOmica(de urn indMduo) somente e a,.ao social na medida em que leva em conside­m,.ao a atividade de terceiros, De urn ponto de vista formal e muito geral: quan­do reflete respeito par terceiros de seu proprio poder efenvo de disposic;ao so­bre bens econOmicos. De uma perspectiva material: quando no "consumo", parexemplo, entra a consideracao das futuras necessidades de terceiros, orientandopar elas, destarte, a sua pr6pria poupanca, Ou quando, na "produ,.ao" se colocacomo fundamento de sua orientacao as necessidades futuras de tercelros etc.

3. Nem toda especie de cantato entre os homens e de carater social, massomente uma a,.ao com sentido dirigida para a a,.ao dos outros. 0 choque dedois ciclistas, por exemplo, e um simples acontecimento como urn fen6menonatural. Mas poderia ser classificado como a,.ao social se tivesse havido par

4 Sobre tsso veja-se p. 137ss deere volume.

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parte dos dois ciclistas a tentativa de se desviarem, ou uma briga, ou discuss5essubsequentes de carater amistoso depois do choque.

4. A a~o social MO e Identica a) nem a uma a~o homogenea de muitos,b) nern a toda a~o de alguem influendada pelo comportamento dos outros,a) Quando na rna, no inldo de uma chuva, nurnerosos individuas abrem aomesmo tempo seus guarda-chuvas, entao (nonnalmente) a a~o de cada urnMO esta orientada pela a~o dos demais, mas a a~o de todos, de urn modohomogeneo, esta impe1ida pela neoessidade de se proteger da chuva. b) Esa­bido que a a~o do individuo e fortemente intluendada pela simples circuns­tancia de estar no meio de uma "rnassa" espedalmente conoentrada (objeto daspesquisas da "psicologia das massas", veja-se, per exemplo, as lnvestigacoes deLe Bon). Neste caso, portanto, trata-se de uma a~o condidonada pela massa.fuse mesmo tipo de a~o pede se dar tarnbem num determinado individuo par.intluencia de uma massa dispersa (per interrnedio da Imprensa, per exemplo),a qual foi perceblda per esse individuo como sendo proveniente da a~o demuitos, Algumas fonnas de rea~o sao facilitadas, enquanto que outras sao di­ficultadas, pelo simples fato de urn individuo se "sentir" fazendo parte de umamassa. !sso acontece de tal maneira que urn detenninado aconteclmento 00 urndeterminado comportamento humane pode provocar determinados estados deespfrito ou de animo - alegria, raiva, entusiasmo, desespero e paixc5es de todae qualquer natureza - que MO se dariam no individuo isolado (ou nao sedariam tao fadlmente), sem que exista, todavia, (em muitos cases, pelo rnenos)urna relacao significativa entre 0 comportamento do individuo e 0 fate de suaparticipacao numa situa~o de massa. 0 desenvolvimento de uma a~o seme­lhante, determinada ou co-determinada pelo simples fato de ser uma situa~o

de rnassa, mas sem que exista para com ela uma relacao significativa, MO sepode considerar como a~o social na acepcao do tenno aqui explicado. A dis­tin~o, sem duvida, e Impredsa ao extremo. Pois, nao somente no caso dosdemagogos, per exemplo, mas tarnbem, freqOentemente, no pUblico de rnassa,pode existir, em diferentes graus, uma rela~o de sentido no que diz respeitoiI situacao de "massa", Tampouco se pode considerar como sendo uma "a~o

social especfflca" a lmltacao de urn comportamento alheio (cuja importilndaG. Tarde com justeza salientou) quando ela e puramente de natureza reativa eMO esta presente uma orientacao com sentido da pr6pria a~o pela a~o alheia.o limite e tao impredso e fluido que dificilmente e possivel fazer uma distin~o

a respeito. 0 simples fato, porern, de que alguem aceite para si uma detenni­nada atividade, apreendida em outros e que parece conveniente para seus fins,MO e uma a~o social na nossa acepcao, Pols neste caso, a a~o MO se orien­tou pela a~o dos outros, mas, pela ooservacao, alguem se deu conta de certasprobabilidades objetivas que, em seguida, orientaram 0 seu comportamento. Asua a~o, portanto, foi determinada causalmente pela a~o alheia, mas pelo sen­tido desta a~o alheia. Quando, ao contrario, se imita urn comportamento alheioporque esta em "rnoda" ou porque e tido como "distinto" enquanto estamental,tradicional, exemplar ou per quaisquer outros motives semelhantes, entao sirn,ternos uma relacao de sentido no que se refere iI pessoa imitada, a teroeiraspessoas ou a ambas as pessoas. Natualmente entre os dais tipos hi! transicoes,Ambos as condicionamentos pela rnassa ou peia irnita~o sao fluidos, tepre-

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sentando casas limites da a<;:iio social, como os que encontraremos frequente­mente, por exernplo, na a<;:iio tradicional (2). a fundamento da fluideza destescasos, como 0 de varies outros, consiste na orientacao pelo comportamento a­lheio, e 0 sentido da pr6pria a<;:iio de nenhuma maneira pede ser sempre espe­cificado com absoluta clareza, e nem sempre e consciente. Por essa razao nemsernpre se pode separar com toda seguranca ou certeza a mera "influencia" da"orientacao com sentido". Mas, par outro lado, podern set separadas concei­tualmente, mesmo que, naturalrnente, a irrutacao puramente reativa tenha so­ciologicamente pelo menos 0 mesmo a1cance que a "a<;:iio social" propriamentedita. A sociologia de modo algum apenas se refere it a<;:iio social, mas, esta (aa<;:iio social) e (para 0 tipo de sociologia aqui desenvolvido) 0 dado central,ou seja, aquele dado que para ela (a sociologia), par assim dizer, e constitutivo.Mas, com isso, nada se afirma a respeito da importancia desses dados em com­paracao a outros dados,

§ 2. RAZOES QUE DEFINEM A AyA.O SOCIAl

A a<;:iio social, como toda a<;:iio, pede set: 1) racional com relacao a fins:determinada par expectativas no comportamento tanto de objetos do mundoexterior como de outros homens, e, utilizando essas expeetativas, como "con­dic;;oes" ou "meios" para 0 alcance de fins pr6prios racionalmente avaliados eperseguidos. 2) racional com relacso a valores: determinada pela crenca cons­ciente no valor - interpretavel como etico, estetico, religioso ou de qualqueroutra forma - proprio e absoluto de urn determinado cornportamento, consi­derado como tal, sem levar em consideracao as possibilidades de exito, 3) afe­tiva, especialmente emotiva, determinada por afetos e estados sentimentaisatuais; e 4) tradicional: determinada par costumes arraigados.

I. A a<;:iio estritamente tradicional - da mesma forma que a irnitacao pu­ramente reativa (veja-se acima) - esta inteiramente na fronteira, e frequente­mente mais alern do que se pode propriamente chamar de uma a<;:iio "com sen­tido", Isso acontece porque frequentemente nao passa de uma reacao opaca aestlmulos habituais, dirigida conforme uma atitude ja arraigada. A massa de to­das as acoes cotidianas e habituais se aproxima deste tipo, que par sua vez seinclui na sistematica nso somente enquanto caso-limite, mas tambem porque avinculacao ao habito pede se manter consciente em diferentes graus e diferentessentidos. Neste caso, esse tipo se aproxima do tipo 2 que sera tratado logo emseguida.

2. a comportamento estritamente afetivo esta igualrnente nao apenas nafronteira, como, muitas vezes, mais alem daquilo que e conscientemente orien­tado "com semido". Pode ser uma reacao sem limites a urn estimulo extraor­dinaric, fora do cotidiano. E sublimacao quando a a<;:iio emocionalmente con­dicionada aparece como descarga consciente de urn estado sentimental. Nestecaso se encontra a maior parte das vezes (mas, nem sempre) no caminho paraa 'racionalizacao axiol6gica" ou para a a<;:iio com relacac a fins, ou para ambasas coisas.

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3. A a"ao orientada racionalmente com relacao a valores distingue-se daa"ao afetiva pela elaboracao consciente dos principios ultimos da a"ao e potorientar-se por eles de maneira conseqiientemente planejada. Por outro lado,ambas tern em comurn 0 fato de que 0 sentido da a"ao nao reside no resultado,que ja se encontra fora dela, mas na propria a"ao em sua peculiaridade. Ageafetivarnente quem satisfaz a sua necessidade atual de vinganca, gozo ou en­trega, beatitude contemplativa ou vazilo a suas paixOes do momento (sejam elastolas ou sublimes).

Age de modo estritamente racional com relacao a valores quem, sem con­siderar as conseqaendas previsfveis, se comporta segundo as suas convtccoessabre au referente ao que e 0 dever, a dignidade, a beleza, a sabedoria reli­giosa, a piedade ou a importancia de uma "causa", qualquer que seja 0 seugenero, Urna a"ao racional com relacto a valores esempre (no sentido de nossaterminologia) uma a"ao segundo "mandates", isto e, de acordo com "exigencias"que 0 agente acredita serem dirigidas para si (e diante das quais ele se acreditaobrigado). Falaremos de uma racionalidade com relacao a valores somente namedida em que a a"ao humana se oriente pot essas exigencias - 0 que apenasocorre numa fra"ao, 0 rnais das vezes, rnodesta, dos cases, Como se mostrar:iposteriormente, atinge signlficacfo suficiente para destaca-la como urn tipo par­ticular, ainda que nilo se pretenda aqui apresentar uma classiflcacfo que esgotea; tipos de a"ao.

4. Age racionalmente com relacao a fins aquele que orienta a sua a"aoconforme 0 firn, meios e consequendas implicadas nela e nisso avalia rado­nalmente os meios relativamente aos fins, a; fins com relacao :Is consequenciasimplicadas e a; diferentes fins posslveis entre si. Em qualquer caso, pols, eaquele que nao age nem afetivamente (sobretudo emotivamente) nem com re­la"ao a tradi"ao. Por outro lado, a decisilo entre a; diferentes fins e consequen­cias concorrentes e conflitantes pode Set racional com relacao a valores. Nestecaso, a a"ao e racional com relacao a fins somente nos seus meios. au aindao agente, sem nenhuma orientacao racional com relacao a valores sob a formade "mandates" ou "exigendas'', pode aceitar esses fins concorrentes e em con­flito na sua simples qualidade de desejos subjetivos numa escala de urgendasestabelecida de forma conseqiiente, orientando pot ela a a"ao de tal maneiraque, na medida do possfvel, fiquem satisfeitas na ordem desta escala (principioda utilidade marginal). A orientacao radonal com relacao a valores pode, pois,estar em rela"ao multo diversa no que diz respeito a a"ao racional com relacaoa fins, Da perspecliva desta Ultima, a primeira e sempre irradonal, acentuan­do-se esse carater a medida que 0 valor que a move se eleva a significacfodo absoluto, porque quanto mais confere carater absoluto ao valor proprio daa"ao, tanto rnenos reflete sobre as suas conseqaencias, A absoluta radonalidadeda a"ao com rela"ao a fins, todavia, tern essencialmente, 0 carater de construcsode urn caso limite.

5. Raras vezes a ""ao, especialmente a a"ao social, esta exclusivamenteorientada poe uma ou pot outra destas modalidades. Tarnpouco essas formasde orientacao podem ser consideradas como uma classflcacao exaustiva, massim como tipos conceituais puros, construidos para os fins da pesquisa socio­16gica, com rela"ao aos quais a a"ao real se aproxima mais ou rnenos, ou, 0

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que e mais frequente, cornposta de uma mescla. 56 os resultados que com estesproeedimentos se obtem e que podem nos propordonar a medida de sua con­venlenda,

§ 3. A RELA<;:AO SOCIAL

Por "relayio soda!" deve-se entender urn comportamento de vanos - re­ferido redprocamente conforrne a seu contel1do significativo e orientando-separ essa reciproddade. A relayio sodal consIste, pais, plena e exclusivamente,na probabilidade de que se aglra sodalrnente numa forma indicivel (com sen­tido), sendo indiferente, par ora, aquila em que a probabilidade repousa.

1. Urn mfnimo de redproddade nas a,.oes e, portanto, uma caraeterfsticaconceitual. 0 conteudo pode ser a mais diverso: conflito, inimlzade, amor se­xual, amizade, piedade, troca no mercado, "cumprimento", unao-a.JJnprlmento","ruptura" de urn pacta, "concorrencia" econOmica, er6tica ou de outro tipo, "co­munidade" nadonal, estarnental au de classe (nestes uldmos cases, sim, se pro­duzem "a,.oes socials", para alem da mera situayio comum do que se falaramais tarde). 0 conoeito, pais, nada diz sabre se entre os agentes existe "soli­dariedade" au exatamente a contrario,

2. Trata-se sempre de urn conteudo significativo emplrico visado pelos par­tidpantes - seja numa ayio concreta, au numa media, au nurn tipo "puro"construido - e nunca urn sentido normativamente "justa" au metaflsicamente"verdadeiro". A relacao sodal consiste so e excluslvamente - ainda que se tratede 'forrnacoes sociais" como "Estado", "Igreja", "corporacao", "mat:ritnOnio" etc.- na probabilidade de que uma determlnada forma de comportarn.ento social,de carater reciproco pelo seu sentido, tenha existido, exista au venha a existir.Isso deve ser sempre considerado para evitar a suostancializacao desses con­ceitos. Urn "Estado" deixa, pois, de "existir' sociologlcarnente quando desapa­reoe a probabilidade de que ocorram determlnadas a,.oes socials com sentido.Esta probabilidade pode sec muito grande au reduzlda ate 0 limite. Na mesmamedida em que subsistiu au subsiste de fato esta probabilidade (segundo a esti­mativa) subsistiu au subsiste a relacao soda! em questiio. Nao cabe unir urnsentido mais claro a afinnayio de que urn determlnado "Estado" ainda existeau deixau de existir.

3. Nao afirmamos de modo algum que nurn caso concreto os partidpantesda ayio mUtuamente referida ponham 0 mesmo sentido nessa a<;;llo, au queadotam em sua intimldade a atitude da outra parte, vale dizer, que exista "re­ciprocidade" nessa acepcao do termo, 0 que num e "amlzade", "arnor", "pie­dade", "fidelldade contratutal", "sentirnento da comunidade nadonal", pode en­contrar-se noutro com atitudes completamente diferentes. Q; partlclpantes as­sodam entiio a sua conduta urn sentido diferente: a relacao social e assim, paraambos os lados, objetivarnente "unllateral". Nao deixa, todavia, de estar referidana rnedida em que 0 agente pressup6e uma determinada atitude de seu parceirodiante dele (talvez de modo pardal au totalmente errOnea), e nesta expeetativaorienta a sua conduta, a que podera ter, e na materia das vezes tern, conse-

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quencias para 0 desenrolar da a.,ao e para a configuracao da rela.,ao. Natural­mente, ela s6 e objetivamente bilateral na medida em que haja "corresponden­cia" no conteudo significativo da a.,ao de cada qual, segundo as expectativasmedias de cada urn dos partidpantes. Por exemplo, a atitude do filho com re­la.,ao a atitude do pai se da aproximadamente como 0 pai (no caso concreto,em media au tipicamente) espera. Uma a.,ao apoiada em atitudes que signifi­quem uma correspondencia de sentido plena e sem resfduos e na realidadeurn caso limite. A ausencia da redprocidade, todavia, s6 exclui, em nossa ter­minologia, a existenda de uma rela.,ao "social", quando tem par consequenciaa falta efetiva de referenda miitua das duas a<;5es. Aqui tamoern a regra e apresenca de transicoes de toda especle,

4. Uma relacao social pede ter urn carater inteiramente transit6rio au im­plicar permanencia, vale dizer, pede existir neste caso a probabilidade da re­correncia continua de urn comportamento com 0 sentido correspondente (istoe, 0 tido como tal e, conseqUentemente, esperado). A existencia de relacoessocials consiste tilo somente na presenca desta possibilidade - a maior au me­nor probabilidade de que ocorra uma a.,ao de urn sentido determinado e nadarnais -, 0 que se deve sempre levar em consideracao para evitar pensarnentosfalsos. Que uma "amizade" au urn "Estado" existiu au exista, significa pura eexclusivamente: n6s (os observadores) julgamos que existiu au existe umaprobabilidade de que, com base numa certa atitude de homens detenninados,se aja de uma certa maneira com relacao a um sentido visado determinavel emmedia, e nada mais do que isto cabe dizer (conforme NO 2 final). A alternativainevitavel na consideracao jutidica de que urn detenninado preceito jutidico te­nha au nao validade (no sentido jutidico), de que se de au rulo uma determi­nada relacao jutidica, nao pesa, portanto, na consideracao sodol6gica.

5. 0 "conteiido significativo" de uma relacao social pede variar: por exem­plo, uma relacao polftica de solidariedade pede se transformar numa colisaode interesses, Neste caso, dizer que se criau uma "nova" relacao au que a an­terior continua com urn "novo conteudo significativo" e urn simples problemade conveniencia terminol6gica au de grau de continuidade na transformacao,Tambern esse conteiido rode ser em parte permanente e, em parte, variavel,

6. 0 conteodo significativo que constitui de modo permanente uma relacaopede Set formulado como "rnaximas", cuja lncorporacao aproximada ou em me­dia podern os partidpantes esperar da outra au das outras partes e, par suavez, orientar-se par elas na sua propria a.,ao (aproximadamente au em media).o que ocorre quanto maior for 0 carater radonal - com relacao a valores auafins - da a.,ao. Nas relacoes er6ticas ou afetivas em geral (de piedade, parexemplo), a pcssibilidade de uma formulacao radonal de seu conteudo signi­ficativo e muito rnenor, par exemplo, do que numa arte rela.,ao contratual deneg6dos.

7. 0 conteudo significativo de uma relacao sodal pede ser pactuado pardeclaracao redproca. Isto significa que os que nela partidpam fazem uma pro­messa quanto a sua conduta futura (seja de um a outro ou de outra forma).Cada urn dos partidpantes - na medida em que procedem radonalmente ­conta normalmente (com diferente grau de seguranca) com que 0 DUtro oriente

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a sua ac;ao pelo sentido da promessa tal como ele entende. Orientara sua ac;aoem parte - de modo racional com relacao afins (com maior au menor lealdadeao sentldo da promessa) - nessa expectatlva, e, em parte - de modo racionalcom n;lac;aoa valores - no dever de se. ater, pot seu lado, apromessa segundoo sentido que nela pas. As n06SaS explicacoes, pot ora, sao suficientes.f

§ 4. TIPOS DA Ac;AO SOCIAL: COSTIJME E BABITO

Na esfera da ac;ao social podem ser ooservadas regulartdades, de faro, istoe, a presenca de uma ac;ao social repetlda pelos rnesrnos agentes sociais aupot rnuitos agentes (em muitos casas constata-se as duas coisas ao mesmo tem­po), cujo sentido imaginado e tipicamente identico, A sociologia se ocupa comestes tipos do desenvolvimento, em oposic;ao a hist6ria, que esta interessadanas conexoes singulares mais importantes para a imputacao causal, isto e, maiscarregadas com 0 peso do destino.

Pelo termo "costume" deve entender-se a probabilidade de uma regulari­dade do comportamenro, de urn grupo de homens, quando e ern que medidaesta probabilidade e dada urucamente por seu exerdcto de fato. a costumedeve charnar-se habito quando 0 exercido de faro se baseia num enraizamentoduradouro. Diferentemente, deve ser denominado como "condicionado" pot "si­tual;c3es de interesses" ("condidonado por interesses") quando e em que medidaa possibilidade de sua real existencia empirica se baseie unicamente no fatode que os individuos orientam racionalmente a sua ac;ao em relacao afins potexpectativas similares.

1. No costume se inclui, tambern, a "moda", "Moda" em oposicao a "habito"denominarnos 0 costume nos casos ern que (diretamente de rnaneira inversa,como no caso do "habito") 0 fato da novidade do respective componamentose transforma em elemento orientador da ac;ao. a seu lugar e proximo ao daconvencao, dado que, como esta (na maioria das vezes), surge a partir de in­teresses estamentais de presngto No momenta nada mais sera dito sobre a rnes­mao

2. Em oposicao a "convencao" e ao "direito", pot habito entendernos umanorma rno garantida exteriormente e a qual e ooservada pelas pessoas 'volun­tariamente", au simplesmente "sem reflexilo alguma", pot "comodidade" au potoutros motivas quaisquer, e cujo provavel cumprimento pot causa de tais roo­tivos pode ser esperado pot parte dos outros homens que pertencem ao mesmocirculo OU grupo. a habito, neste sentido, nao seria algo que tern ''validade'':nilo se exige de ninguem que ele seja realmente observado. Naturalmente, atransic;ao do habito para a convencao au para 0 direito e fluido e impredso.Em todos os lugares, tradicionalmente, 0 efetivamente existente foi sempre 0

5 Veja-se tambem Wit1.'ichaft und Geseil-<dr<ifi, (Eoonomia e Sodedade) Parte L Capitulo I. S 9e S 13.

6 Sobre costume e Milito ainda sao reoomendavels as respectivas passagens do livre de )bering,Zueck im Recht (Finalidade ''0 Dire/to). Veja-se tarnbCm P. Oertrrero, Rechlsordnung und Ver·1teh=it1e, 1914 (Ordem juridica e Costume co Tdnsito) e recentemente E WeigeUn, Sitte, Rechtund lrbraJ, 1919 (Costume, Diretto e moral) 0 qual corcorda comigo e discorda de Stammler.

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pai daquilo que e valldo, Hoje e habito que de manhii tomemos urn desjejumau 0 cafe de manha de urn certo tipo, mas niio ha com referenda a isso umaobrigatoriedade (exceto para os hospedes de hotel), e tarnbem isso nao foi sern­pre habito, Diferentemente, a maneira de se vestir, mesrno que tenha surgidode um habito, hoje nada mais e do que uma conven,.ao.6

3. Numerosas regularidades muito visiveis no desenvolvimento de umaa,.ao social, patticularmente (mas nao exclusivarnente) da a,.ao econ6mica, demaneira alguma baseiam-se numa orienta,.ao, numa norma considerada comovalida ou nurn habito, mas unicamente no seguinte que 0 modo da a,.ao socialdos que nela patticipam corresponde par natureza, nurn grau rnedio e da maiormaneira possivel, aos Sa!S interesses normais subjetivamente apreciados, oden­tando a sua a,.ao precisamente par esta opiniao au por este conhecimento sub­jetivos. Um exemplo disso e 0 caso das regularidades dos precos no mercado.Os interesses do mercado orientam a sua a,.ao, que e urn "melo" - por de­terminados interesses econornicos pr6prios, tfpicos e subjetivos) que repre­sentarn 0 "fun" - incluindo por determinadas expectativas U:picas sabre 0 pre­visivel comportamento dos outros, as quais desempenharn 0 papel de "eondi­t,;5es" de realizacao do "fun" almejado. Na medida em que procedem com maiorrigor na a,.ao racional com relacao a fins, e na medida em que sao mais ana­logas as suas reacoes na situacao dada, e destarte, surgem homogeneidades,reguIaridades e cantinuldades na atitude e na a,.ao, muitas vezes multo maisestaveis do que as que se dao quando 0 comportamento e orientado par de­terminados deveres e normas que, dentro de urn cerro cfrculo de pessoas saotidas como "obrlgat6rios". Este fen6meno, au seja, 0 fato de que uma orientacaoque se cia nos interesses nus e crus, sejam eles os nossos au os de pessoasalheias, produz efeitos analogos aos que se pensa obter pela coa,.ao - multasvezes sem resultado - por uma regulamentacao normativa, charnou multo aatencao especialmente nos setores da economia. Podemos are afirmar que estefato foi precisamente uma das fontes do nasclmento da dencta econ6mica. Masisto vale para todos os domfnios au setores da a,.ao humana de maneira ana­laga. Este fato constitui no seu carater consciente e inteiramente livre a antftesede todo tipo de vincula,.ao interior, pela submissiio a urn mero habtto arraigado,como tambern, pela entrega a determinadas normas de carster racional referentea valores. Um elemento essencial da racionalizacao do comportamento e a subs­titui,.ao da submissao intima par hablto arraigado par uma adaptacao planejadaa uma situacao objetiva de interesses. Este processo, obviarnente, nao esgota 0

conceito de racionalizacao da a,.ao. Pois pode aoonteoer que ocorra, de maneirapositiva, na dire,.ao da consciente racionalizacao dos valores, mas, de manelranegativa, :l. custa niio somente do habito, mas tambem, e mais alem, da a,.aoafetiva, e finalmente tambern, a favor de uma a,.ao puramente racional comrelacao afins, que se darla :l. custa de um prooedimento racional com rela,.aoa valores, Desta equlvocidade do canceito de racionalizacao da a,.ao ocupar­nos-emos com bastante frequencia,

4. A estabilidade do mero habito se ap6ia essencialmente no fato de queaquele que niio orienta a sua a,.ao nela procede au age de "modo impr6prlo",isto quer dizer, aceita de antemao incomodidades e tnconvenlencias, maioresau rnenores, durante todo 0 tempo em que a maioria dos que formam 0 seu

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meio-ambiente acreditam na existencia do habito e dirtgem 0 seu comporta­mento par ele.

A estabilidade de uma siwa~o de interesses basela-se analogamente nofaro de que alguern que niio orienta 0 seu comportamento nos interesses dosoutrcs - niio os inclui no seu "clIa.J1o" - provoca a sua resistencia 00 acarretaconsequencias nao desejadas e nem previstas por ele, e, conseqUentemente,carre 0 perigo de prejudiear os seus pr6prios interesses.

§ 5. 0 CONCErTO DA ORDEM LEG11IMA

A a~o, espeeialmente a a~o social e, singularmente, a rela~o social, po­dem orientar-se, par lado dos que parricipam dela, na representaeao da exis­tenda de uma ordem legitima. A probabilidade do que isto realmente ocorrachama-se "validade" da respecdva ordem

1. A "validade" de uma ordem significa para nos alga mais do que a meraregularidade do desenvolvimento da a~o social, que e simplesmente detenni­nado pelo hililto 00 par uma siwa~o de interesses. Quando as sociedades 00

as firmas enearregadas com 0 transporte de m6veis fazem regu!annente publi­cidade nos jornais referente ao tempo e eondi<;Oes do transporte, estas regu!a­ridades sao determinadas pela siwa~o de interesses. Quando um comercian­te-viajante visita os seus clientes de manelra regular em determinados dias dome. 00 da semana, isto se deve a um habno arralgado, 00 a uma siwa~o deinteresses (rota~o de sua zona comereial). Mas quando umfuncionario chegadiariamente ao seu esait6rio na mesma hora, isto nao ocorre apenas par causade um costume (00 par causa de um hililto) arralgado, e nem tampouco parcausa de uma siwa~o de interesse - que seria passlvel entender - mas tam­bern (pelo menos via de regra) par causa da ''va1idade'' de uma ordem (regu­lamento do servico), que e considerada como um mandamento roja rransgres­sao niio somente traz prejufzos, mas que (normalmente) e rejeltada devido ao"sentimento do clever" pelo pr6prto fundonario (dos mais diversos graus pas­slvels e imaginaveis, obviamente).

2. 01amatn<><; "contelJdo de sentido" de uma rela~osocial: a) uma "ordem"apenas no caso em que a a~o se orienta (de maneira media 00 aproxirnati­vamente) em m3ximas que podern set claramente dadas; b) "va1idade" destaordem quando a orienta~o de fato par aquelas nWdrnas se da pelo menosnum grau significatlvo (lSto quer dizer, num grau que realmente rem um cettoefelto pensando na pratica) de maneira que elas sejam v:llidas para. a a~o, 00

seja, sejam vistas como cbrigat6rias, 00 como mode1os do comportamento, Defato, a ortenta~o da a~o por uma ordem se da entre os que partidpam destaa9lO par muitos motIvos diferentes. Mas a ciraJnstinda de que, ao !ado deoutros motIvos, pelo menos para uma parte dos que partlcipam da a~o, estaordem e t1da como obrigat6ria 00 como um modelo, au seja, alga que deveser, aumenta a passibilidade de que a a~ se oriente par ela e isso, obvia­mente, num grau consideravel. Uma ordem que e mantida apenas par motlvos

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racionats em rela~o afins, e, de maneira geral, muito mais frigil do que umaordem que baseia a sua orientacao unicamente na forca do habito, Mas, mesmoassim, ela e muito mais frigil comparada com a ordem que surge como sendo"de prestiglo" e modelar, quer dizer, com 0 prestlglo da legltimidade. As tran­si~ da orientacao de uma ordem inspirada em motivos racionais em rela~o

afins para aquelas simplesmente tradicionals na crenca na sua legitimidade, narealidade, sao muito fluidas e impredsas.

3. Nao somente pode ser orientada a ~o na validade de uma ordem pot"a.unprimento" do seu sentido (num sentido "medio" do entendimento destetermo). Tambem no caso em que este sentldo e "desvirtuado" au "alterado", apossibilidade de sua validade dentro de certos limites pode ter efeitos reais, 0ladrao orienta a sua a~o na validade da lei penal: ocultando-a. Q.1e a ordemtern validade dentro de um cerro drculo de homens percebe-se no fato de queele tern que esconder au ocultar a sua transgressao, Mas presdndindo destecaso limite, a transgressao muitas vezes se limita a transgressOes pardais emmaior au menor grau, au procura apresentar-se, com boa fe, como sendo le­gitirna, au ate existem de fato concepeoes diferentes relatlvas ao sentido daordem, sendo que, neste caso - para a sodologia - cada uma tem a suavalidade na medida em que determinam efetlvamente 0 comporramento. Paraa sodologia nao hi nenhuma difia.ddade em reconhecer que hi realmente di­ferentes ordens opostas entre si que podem ter a sua validade dentro de ummesmo drculo de homens. Ii are possivel que 0 mesmo indivfduo oriente 0

seu componamento par diferentes ordens que enquanto tais sao contradit6rlas.Isto pode nao apenas acontecer - como reaJmente acontece - pensando nassuas a~ sucessivas - mas tambem tratando-se da mesma a~o. Q.1em sesubmete au se bate em duelo, orienta a sua a~o no c6digo da honra, mas namedida em que oculta esta sua a~o, au - inversamente - se apresenta aotribunal, orienta essa mesma ao C6digo Penal. Quando "evitar' "transgredir'uma ordem se transforma em regra, neste caso, realmente, a validade da mesmaordem e multo limitada e are deixa de existir de fato. Entre a validade e anao-validade de uma ordem nao ha uma alternatlva para a sodologia, como eo caso, pot exernplo para a jurisprudencia em razao dos seus fins. Sem diivlda,existem transicoes fluidas e impredsas entre ambos os casos e pode acontecer- como jii mencionamos - haver a validade paralela de uma e de DUtra ordemem si contradit6rlas, na medida em que haja a possibilidade de que a a~o

efetlva se oriente realmente nelas,Os especialistas em literatura se lembram certamente do papel importante

que 0 conceito de ordern desempenha no prologo do jii citado livro de RStamrnler, escrito - como todos os seus livros - num estilo brilhante, masprofundamente equivocado, em que hi uma grande confusao de todos os pro­blemas levantados,? Stamrnler nao somente nao faz uma diferenca entre a va­lidade norrnativa e a validade empirica, mas desconhece ainda 0 fato de quea a~o social se orienta unicameme em "ordens", E sobretudo ele transforrna

7 Veja-se a minha crfnca que lei citada naq.rele livro; eIa lei dUll danais pc< causa do meuaborredmento acerca destas confusOes.

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a "ordem", de tuna maneira logicamente erronea, nurna "forma" de ao;ao sociale the atribui urn pape! referente ao conteudo de maneira semelhante como de­sempenha tuna "teoria"8 do conhecimento (deixando de lado par enquanto ou­tros erros), Realmente podemos afirmar que a ao;ao economica, par exemplo,se orienta (primariamente) pela ideia da escassez de determinados meios dis­poniveis para a sansfacao das necessidades, em relacao 11 "suposta" necessidadee ao comportamenta presente e fururo de terceiros que levam em consideracaoos mesmos argurnentos e reflex5es. Mas, alern disso, como referencta a escolhade suas medidas "economicas", ela se orienta naquelas "ordens" que e!e - 0

agente - sabe que sao leis e convencoes em vigor e que, em caso de trans­gressao, provocaria a reacao de terceiros. Estasimples situacao empfrica foi con­fundida par Starnrn1er da maneira mais simplista, afirmando, particularmente,que seria conceitualmente impassive! estabelecer tuna relacao causal entre a or­dem e a ao;ao concreta. De fato, nao hi uma relacao causal entre a validadenormativa, dogrnatico-jurfdica de tuna ordem, e a ao;ao concreta. Mas surgemperguntas: e atingido pela ordem, juridica (interpretada de maneira correta) 0

desenvolvimenta empfrico efetivo? A ordem juridica deve ter carater normativopara ele? Em caso afirmativo, 0 que e!a afirma como sendo normativo com re­lao;ao a e!e? Mas, entre a possibilidade de que urn comportamento se orientepela ideia de sua validade, entendida, de certa maneira, como sendo tuna va­lidade media, e a ao;ao economica, existe evidentemente (neste caso dado) tunarelacao causal no sentido totalmente normal deste termo. Para a sociologia, avalidade de uma ordem consiste unicamente naquela possibilidade e proba­bilidade de pocler orientar-se par esta ideia.

§ 6. l1POS DA ORDEM LEGITIMA: CONVEN<;:AO E DIREITO

A legitimidade de uma ordem pocle ser garantida:I. De maneira puramente interior - e, neste caso: 1. puramente afetiva,

pela entrega sentimental; 2. radonal em relacao a valores: pela crenca na suavalidade absoluta como expressao de valores ultimos gerais e obrigat6rios que,por sua vez, geram deveres (morais, esteticos, ou de qualquer outro tipo);3. religiosa: pela crenca au conviccao de que da sua ooservacao depende aobteno;ao de bens de salvacto,

II. Tambem (e unicamente) pela expectativa de determinadas consequen­cias externas, au seja, par uma situacao de interesses, mas par expeetativas deurn determinado tipo.

Vma ordem deve charnar-sea) Convencao; quando a sua validade e garantida externamente pela pas­

sibilidade de que, dentro de um determinado drculo de hornens, urn compor­tamento discordante devera encontrar uma (relativa) reprovacao gerai e prati­camente sensfvel.

8 veja-se Wirt.schaft und Gesellschaft (Economia e Sociedade) Parte I, Capitulo II, pagtna31e segs..

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b) Direito: quando a validade e garantida externamente pela possibilidadeda coacao (fisica ou pslquica) que e exercida par urn conjunto de indivfduosinstituidos com a rnissao de obrtgar a ooservanda desta ordem ou de castigare punir a sua transgressao,

1. "Conven.,ao''9 deve chamar-se ao "habito" que, dentro de urn circulo dehomens, se considera como valido e que esta garantido pela reprovacao docomportamento discordante. Em oposi.,ao ao Direito (no sentido em que usa­mas esse terma) falta 0 quadro de pessoas que esta espedalrnente dedicado aimpor este a.unprimento. Quando Stammler pretende fazer uma diferenc;a entreo direito da convencao pelo carater inteiramente livre da subrnissao nesta Ulti­ma, ele deixa de estar de acordo com 0 uso corrente do linguajar e nem sequere exato no caso dos seus pr6prios exemplos. A ooservanda da "convencao"(no sentido normal do termo) - da saudacao costumeira, do vestido conve­niente, dos limites do tn1nsito conforme forma e conteodo, ou do trato humano- e exigida muito seriamente para 0 individuo como obrtga.,ao ou modelo ede maneira alguma como no simples "habito", par exemplo, de preparar decerta maneira urn prato culinario, Uma falta contra a convencao (costume esta­mental) se sanciona com frequenda com muito mais forc;a do que poderia al­canc;ar qualquer forma de coacao jurfdica, par meio das consequencias eficazese sensiveis e 0 boicote declarado pelos demais membros do pr6prio estamento.o que falta unicamente e0 corpo de pessoas espedalmente destinado a mantero seu cumprimento (juiz, fiscais, funcionarios administrativos etc.). Mas a tran­si.,ao e Iluida.

o caso limite da garantia convencional de uma ordem em fase de transicaopara a garantia juridica se encontra na aplicacao do boicote formalmente orga­nizado e ameac;ado. Conforme a nossa terminologia isso seria ja urn meio decoacao jurldica. Nao interessa aqui 0 fato de que a convencao pode estar pro­tegida tambem par outros meios e niio s6 par meio de uma simples reprovacao(par exemplo, 0 uso do direito domesttco [Hau.srochtj no caso de urn compor­tamento prejudicial :l corrvencao), Pois 0 decisivo e que, nestes casos, 0 indi­viduo, precisamente por causa da desaprovaeao convencional, usa rneios re­pressivos (as vezes, are drasticos), mas nao disp6e de urn corpo de pessoasencarregadas desta fun.,ao.

2. Para nos, 0 decisivo no conceito de "direito" (que para outros fins podeser delimitado de manelra bern diferente) e a existenda de urn quadro coerci­tivo. Este, naturalmente, de modo algum precisa assernelhar-se ao que nos hojeconhecemos. Sobretudo, nao e necessario que haja uma instancia "judicial".Tambem 0 cla, par exemplo, e urn quadro coercitivo (pensando nos casas devinganc;a de sangue [Blutmehe] e lutas internas), quando hi para 0 modo doseu funcionamento reahnente uma ordem Mas, indiscutivelmente, este caso estano limite extrema daquilo que pode ser qualificado como sendo "coa.,ao jurf­dica". Como se sabe, foi repetidamente rejeitada e discutida a qualidade de "di­reito" ao "direito internacional", pais niio haveria urn poder coercitivo superes­tatal. Desde jii queremas deixar claro que, segundo a terminologia aqui adotada

9 Sobre "con~o'" veta.... ]hering "1'. cit., ~in, op. en, e R TOnnies, DW stile, 1909,(0 Milito).

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(como conveniente) nao poderia ser realmente designado pelo termo "direito"uma ordem que somente e garantida pela expeetativa da reprovacao e das re­presaJias dos lesados - em ausencia de urn quadro de pessoas que sao espe­dalmente destinadas a impor a cumprimento desta ordem Para a terminologiajuridica pode acontecer a contrario. Os melos de coacao sao irrelevantes. Tam­bern a admoestacao fraternal - uma pratica comurn em muitas seitas comomeio suave de coacao frente ao comportamento dos pecadores - pertence aestes meios sempre que se orienta numa norma e quando e executada par urnquadro de pessoas que existe exatamente para isso. 0 mesmo vale, par exem­pia, na repreensao do censor como urn rneio para a cumprimento das "normasmorais" do comportamento. Muito mais, naturalrnente, a coacao psiquica comoautentico meio disciplinario da Igreja. Trata-se, portanto, de urn "direito", nao[nteressa se este e garantido paliticamente, au par uma forma hierocratica, aupar estatutos de uma associacao, au pela autoridade de urn patriarca, au porcooperativas au qualquer autro tipo de associacao, Da mesma manelra cabedentro do termo "direito" aqui adotado as regras de urn benefido. No caso do§ 888, parte 2 do RZPO ("Lei de procedimentos dvis referente a direitos ine­xecutaveis") podemos dizer que tarnbern ele esta inclufdo em nossa conceitua­c;:ao. As leges imperfectae e as "obrigacoes naturais" sao formas do linguajar ju­ridico que mostram de modo indireto limites e condicoes da aplicacao da coa­c;:ao jutidica. Urn "costume de comportamento"~o por forca e obrigatorioe, par isso tarnbern, "direito" (§ 157, 242 DBGB). 0

3. Nem toda ordem v:ilida tern necessariamente urn carater abstrato e geralA "norma jutidica" valida e a "decisao jutidica" de urn caso concreto nao foram,de modo algum, sempre lila separadas como hoje em dia. Uma ordem, par­tanto, pode tambem unicamente ser alga como uma situacao concreta. Os de­talhes a respeito fazem parte da sociologia do direito, Sempre que nao disser­mas Dutra coisa, usarernos, par razoes de conveniencia, os conceitos modemosreferentes as relacoes entre norma jutidica e decisao jutidica.

4. Ordens que sao garantidas "externamente'' tambem podem ser garantidas"intcrnamente", A relacao entre direito, convencao e "etica" nao e urn problemapara a sociologia. A norma moral se irnpoe ao comportamento humano parcausa de uma determinada crenca em valores, pretendendo aquele oomporta­menta 0 predicado de "moralmente born" da mesma maneira como se da apredicado de "bela" aquila que se mede em padr5es esteticos. Neste sentido,representacoes normativas de carater etico podem influir muito profundamenteno comportamento e, mesmo assim, nao ter nenhuma garantia externa, Esteultimo caso ocorre frequenternente quando a sua transgressao pouoo atinge osinteresses alheios. Mas, muitas vezes, estes sao garantidos religiosamente. Aque­las tarnbern podem ser garantidas de maneira convendonal (no sentido da ter­minologia aqui adotada) mediante reprovacao de sua transgressao au boicote,au, ao mesmo tempo, tambern juridicamente, mediante determinadas reacoesde natureza penal au palidal au par certas consequencias dvis. Cada etica que

10 Sobre 0 conceito de "born costume" (consuime que deve ser aprovado e jundicamente san­cicoado), veia-se Mac RUmelin, "Die Verweisungen des bargerlicben Rechts auf das Siuengesetz'(As referencias do direito burgees as leis costumeiras). - In Schuiibische Heimatgabe fur 7heodorHilrirbg 1918 (presente da patna Suabia para Theodor Haring).

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efetivamente "vale" - no sentido da sociologia - normalmente e garantida demaneira convendonal, ou seja, pela possibilidade de uma reprovaeao da trans­gressao. Por outro lado, nem todas as ordens garantidas convendonal ou judi­dalmente pretendem ser (ou pelo menos mo necessariamente) normas morals,muito menos as normas juridicas - pelo menos as puramente racionais comrelacao afins - e as convencionais. Se uma detenninada representacao norma­tiva, dentro de urn determlnado drculo de pessoas, pertence ou nao ao dominiccia "etica" (neste caso, nao apenas uma "simples" convencao au urn "puro" d.i­reito) e algo que a sociologia somente pode deddir com relacao aquele con­ceito de "moral" que seja valida e que valha realmente. Por isso mo podernosfazer aflrmacoes gerais sobre isso,

§ 7. ]USTIFICA<;:Ao DA ORDEM LEGITIMATRADI<;:A.O, CREN<;:A, ESTATUfO.

Os que agem socialmente podem atribuir uma validade legitima a uma de­termlnada ordern

a) Por causa da tradicao. validade daquilo que sempre existiu.b) Por causa de uma crenca afetlva (emotiva espedalmente): validade do

recente revelado ou do exemplar.c) Por causa de uma fe radonalizada com relacao afins: validade do reve-

lado ern forma absoluta e definitiva.d) Por causa de urn estalUto positivo, ern cuja legalidade se ere.Esta legalidade pode ter validade legitima:a) Por causa de urn entendimento entre 06 interessados.b) Por causa do outorgarnento por parte de uma autoridade que e consi­

derada legitima e da respectiva subrmssao e obediencia a ela.Os detalhes a respeito (sobretudo no que diz respeito a alguns conceitos

que ainda deveriam ser melhor definidos) pertencem asociologia da dorninacaoe asociologia do direito, Aqui apenas efetuamos algumas poucas consideracoes:

1. A validade de uma ordem por causa do carater sagrado da tradicao ea forma mais universal e mais primltiva. a medo de determinados prejuizosrnagicos fortalece a resistencia pstquica em relacao a qualquer tipo de mudanc;ade formas habituais e inveteradas de comportamento, e 06 varies interesses quecostumam ser vinculados a manutencao da submissao a ordem existente coo­peram no sentido de sua conservacao.U

2. Criacoes novas e conscientes de novas ordens eram originalmente quasesernpre oraculos profeticos ou, pelo rnenos, se apresentavarn como revelacoesconsagradas profeticamente e tidas, portanto, por sagradas, Isto vale ate para06 aisymnetas helenicos, A submissao dependia, entao, da crenc;a na legitimi­dade dos profetas. Nas epocas domlnadas por urn rigoroso tradicionalismo, a

11 Sabre Isso veja-se :Wirtschajl und Gesellschafl (Economia e Sodedade) Parte I, Capitulo Ill.

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forma.,ao de "novas" ordens, quer dizer, de ordens que erarn consideradas co­mo tais, somente era possivel mediante uma reflexao no sentido de que, narealidade, estas ordens sempre tinham side validas, mas, embora fossem muitobern conhecidas, flcaram par urn tempo obscurecidas e s6 entao foram redes­cobertas.

3. 0 tipo mais puro de uma validade radonal com rela.,ao afins e 0 "direitonatural". Qualquer que tenha sido a sua limitacao frente a suas pretensoes ide­ais, nao pode negar-se entretanto, a influencia efetiva e nao insignificante dosseus preceitos logicamente deduzidos sabre 0 comportamento, os quais temosque separar dos preceitos revelados, dos estatll1dos e dos direitos tradidonais.

4. A forma de legitimidade mais corrente e a crenca na legalidade: a abe­diencia a preceitos jurfdicos positives estatufdos segundo 0 procedimento usuale formalmente corretos. A oposicao entre ordens combinadas e outorgadas eapenas relativa. Pois no caso em que a validade de uma ordem que se originaunum pacta nao se baseie nurn acordo unanime - 0 qual com frequencia foiexigido na Antiguidade para haver legitimidade autentica - mas apenas na sub­rnissao de fato, dentro de urn cfrculo de homens que tiverarn certa discordanciareferente a maioria - caso muito frequente - temos na realidade urna ordemautorgada - au imposta - a essa minoria au a essas minorias. Por autro lado,tarnbern e muito freqOente 0 caso de minorias poderosas e sem escrUpulos im­porern uma ordem que logo vale como legitima para os que no inido se Ihesopuseram Quando as votacoes sao legalmente reconhecidas como meio paraa criacao de urna ordem, e muito frequente que a vontade minoritiiria a1cancea rnaioria formal e que, portanto, a maioria a aceite: 0 carater majoritiirio existeapenas aparentemente. A cren<,;a na legalidade de ordens que se originaramnum pacto ja se encontra em tempos bastante remotos e se encontra com fre­quenda entre os povos primitivos. Mas na maioria das vezes esta legalidade ecompletada pela autoridade de oraculos,

5. A obedienda ao autorgamento de ordens par uma ou muitas pessoas,na medida em que nao sao decisivos para isso apenas 0 medo au motivos ra­donais com relacao a fins, mas se existe realmente a ideia da legalidade, pres­supoe a crenca nurn determinado sentido referente a autoridade legitima da­quele au daqueles que sao responsaveis pelo outorgamento. Mas este assuntotemos que abordar separadamente.F

6. Em todo 0 caso, a obediencia a ordens e condidonada a situacoes deinteresses da mais diversa natureza, por uma mistura de adesao a urna ordemtradidonal e ideias de legalidade. Isto apenas rulo acontece quando se trata deestatutos totalmente novos. Em muitos casas, 0 sujeito cujo comportarnentomostra a adesao nao e, naturalmente, consciente de que, no respectivo caso,se trata de urn costume, de uma convencao au de urn direito. Cabe asociologia,entao, descobrir a que tipo de legalidade 0 caso concreto penence.

12 vep-se. Wim;;hajt und GeseUschajt (Economia e Sociedade) parte I, Capitulo I, §§ 13 e 16e Capitulo TIL

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A Ciencia como vocacao (parte II e III)1919

XIV

A OENQA COMO VOCA<;Aol

De acordo com 0 desejo de voces, devo falar sabre a "ciencia como vo­ca.,ao". Ora, n6s, os economistas, temos determinado costwne pedante, a queme manterei fiel, de comecar sempre com a situacao objetiva. Assim, neste caso,cornecarei com a pergunta: quais sao os aspectos materials do cultivo da ciendae da erudicao como vocacao? Isto equivale, hoje em dia, a indagar: qual a si­tuacao de urn graduado que esta decidido a ingressar numa carreira dentlficaou erudita no mundo academicor A fim de compreender 0 que ha de peculiarna situacao alema, sera conveniente prooeder por comparacao e tracar para n6smesmos como se prop6e a questao nos Estados Unidos, onde a divergenciacom a Alemanha a esse respeito e maior,

Na Alemanha, a carreira de urn jovem que se decide pela profissao emciencia comeca narmalmente como Pruatdozeru. "Habilita-se" a uma universi­dade, apt>; consulta aos representantes de sua disdplina e aprovacao por eles,tendo antes submetido a apreciacao urn texto escrito, e passado par urn examebastante formal na presen<;a da congregacao. Nao recebendo um salario regular,mas apenas as taxas per capita dos estudantes que frequentam seus cursos, daaulas sabre assuntos que ele pr6prio escolhe dentro dos terrnos de sua tenialegenda.

Nos Estados Urudos, uma carreira academica se inida habitualmente de rno­do bem diverso, ou seja, par nomeacao como "assistente". Isso se assemelha,de certo modo, ao que se faz na Alemanha, nos grandes institutes de cienciasnaturals e nas faculdades de medidna, onde a "habilnacao'' formal a Pritatdo­zent 56 e alcancada por uma fracao dos assistentes e, mesmo nesses casos, ape-

1 wissenschafl aIs Beruf MuniqJe e Leipzig, Duneker und Humblol, 1919. pp.3-15.

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nas ap6s certo lapso de tempo.. Na pratica, isto significa que, na Alemanha, acarreira de um cientista au erudite depende de dispor ele de recursos pr6pnos,pols e extremame;lle arriscado pa~ um ~n:dia;o jovem, que nao tet;h~ recur­sa; financeiros proprios, expor-se as condicoes de uma carreira academka. Eledeve ser capaz de levar as coisas desse modo pelo menos por alguns anos,sem saber se, ao fim desse periodo lndeterminado, tera a oportunidade de con­seguir uma nomeacao que a tome capaz de sustentar-se. Nos Estados Unidos,ao contrario, existe urn sistema burocriltico, dentro do qual 0 jovem e remu­nerado logo desde 0 lnido - ainda que, por certo, modestamente. Comurnente,seu salario mal corresponde ao ganho de urn operario serniqualificado. Niloobstante, corneca numa posicao aparentemente segura, pois recebe urn salariodefinido. 0 comum e que, do mesmo modo que 0 assistente alernao, ele podeser despedido, e deve estar preparado para lsso, caso nao corresponda as ex­peetativas. Contudo, essa arneaca desaparece se ele "lotar a casa". Essa ameacade demissilo nao existe para 0 Priiatdozent alemao. Uma vez nomeado, per­manece para sempre. Certamente e verdade que nao tem "direitos" a promocao,E compreensivel, porem, que tenha em mente que se for Priuudozent par al­guns anos, tera uma especie de direito moral a ser considerado; rode pensarassim ate mesmo quando esta em foco a habilitacao de outros Priuudozenten.

Se se deveria habilitar sistematicamente todo especialista que tenha dadoprovas de competencia, au se deveria levar em conta "as necessidades do en­sino", isto e, se deveria conceder um monop6lio aos Prioatdozenten ji habili­tados, constitui dificil dilema que esta ligado ao carater duplo da profissao aca­dernica, de que trataremos logo mais. Na maiaria dos casos, a dedsilo tem sidotomada em favor da segunda altemativa. Isso aurnenta 0 risco de 0 catedraticoem determinado campo, mesmo sendo multo escrupuloso, vir a favorecer seusesrudantes. Pessoalmente, tenho seguido a principia de que um estudioso quetenha obtido seu titulo comigo deve demonstrar seu valor alhures, e habilitar-seem autra universidade, com a1gum autro professor. Resultado disso, porern, foique urn de meus melhores estudantes foi rejeitado em outro lugar, pois ninguemacreditou fosse essa a verdadelra razao de estar tentando habilitar-se Ii.

Uma dlferenca a mais entre a Alemanha e os Estados Unidos e que, naAlemanha, a Pritatdozent tem menos a ver com 0 enslno do que gostaria. Ebem verdade que tem a direito formal de ledonar qualquer assunto dentro desua area, Conrudo, exercer concretamente esse direito e considerado uma des­leal falta de consideracao para com os Pritatdozenten. mais antigos e, comoregra, os cursos "principals" silo dados pelos catedraticos, ocupando-se aPriiatzonten com os eursos suplementares. A vantagem e que, mesmo que elenao pretenda que seja assim, seus primeiros anos estao disponiveis para a tra­balho cientifico.

Nos Estados Unidos, as coisas estao organizadas segundo um principia di­ferente. De fata, em seus primeiros ana; e que 0 assistente esta pesadamentesobrecarregado, exatamente porque e remunerado. Num departamento de ale­mao, por exemplo, um catedratico dara um CUlSO de tres horas sobre Goethe,e nada mais - enquanto 0 assistente mais jovern tera sorte se entre suas obri­gacoes de doze horas semanais houver, junto com a trabalho corriqueiro deensinar gramitica alerna, uma oportunidade de dar uma aula sobre poetas mais

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r- ou menos da categoria de Uhlan 0 rum,"," , estabeleddo pd. ~OO_, do departamento; quanto a isso, 0 assistente e tao dependente quanto 0 assis­

rente de instituto na Alernanha.E bastante claro, agora, que, na Alemanha, os ultirnos acontecimentos em

nossas universidades, nas diversas areas da dencia e da erudicao, caminhamna mesma dire<;iio que nos Estados Unidos. Os grandes institutes de pesquisaem rnedicina ou em ciendas naturais sao empresas "capitalistas estatais". Naopodem ser administradas sem instalacoes, equiparnentos e outros recursos emlarga escala, e os resuitados ali sao os mesrnos que se veem onde quer quese estabeleca 0 tipo capitalista de organizacao - isto e, a "alicnacao entre 0

trabalhador e os rneios de producao". 0 trabalhador - neste caso, 0 assistente- deve utilizar os meios de producro postos it disposicao pelo Estado, Emvirtude disso, depende do diretor do instituto tanto quanto, numa fabrica, urnempregado depende do gerente, uma vez que 0 diretor do instituto acredita,com toda a sinceridade, que 0 instituto e "seu", ali, ele e 0 padrao, Conse­quenternente, 0 assistente cientista alemao leva 0 mais das vezes 0 mesmo tipode vida precaria de qualquer pessoa em posicao de tipo proletario, e como 0

assistente na universidade norte-americana.Do mesmo modo que a vida alerna de modo geral, a vida academica alerna

esta se americanizando sob muitos aspectos importantes. Fstou convencido deque essa tendencia prosseguira naquelas areas em que, como se da hoje am­plamente em minha area, 0 proprio erudito e dono dos meios de producao ­basicamente sua biblioteca -, tal como os artesaos de antigamente. Esse de­senvolvimento esta agora a toda a forca.

Sao certamente indiscutiveis as vantagens tecnlcas, semelhantes as todas asorganizacoes capitalistas, burocratizadas. Mas 0 "espirito'' que nelas predominae diferente da atmosfera tradicional que ootrora caracterizava as universidadesalernas, Hi urn abismo extraordinariamente grande, no comportamento manifes­toe na atitude, entre 0 diretor de uma grande empresa academica capitalistadesse tipo e 0 catedcitico do estilo antigo. Mas nao quero estender-me aquisabre isso, Internamente, tanto quanto externamente, a estrutura da universida­de tradidonal tornou-se uma ficcao, Urn trace essencial da carreira acadernica,porern, se manteve e ate mesrno se tornou mais acentuado: e simplesmenteobra do acaso que urn Prioatdozent ou urn assistente alguma vez seja bern-su­cedido em se tornar professor ou diretor de instItuto. 0 caso nao e apenascomum - e exrraordinariamente frequente, Nao sei de quase carreira algurnano mundo em que ele desempenhe papel como esse. Talvez eu seja 0 maishabilitado a dize-lo, uma vez que sou pessoalmente grato a varies fatores ab­solutamente acidentais para que, ainda muito jovern, me tornasse catedriticonuma area em que, naquela epoca, meus contemporaneos sem duvida haviamrealizado muito mais do que eu Gabo-me cle crer que, com base nessa expe­riencia, tenho urn olhar urn tanto agucado para 0 destino injusto de muitos comquem 0 acaso desempenhou 0 papel exatamente oposto e que, apesar de todasua excelencia, mo atingiram a posicao para a qual estavam habilitados.

Agora, 0 fato de que 0 acaso, e nao a capacidade como tal, desempenhatao grande papel, nao depende apenas, nem mesmo primordialmente, daquelasfalhas que, naturaimente, sao tao atuantes neste, como em qualquer outro tipo

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de seleeao. Nao seria justo culpar as inadequacoes pessoais das congregacoes00 dos funcionarios dos ministertos de educacao pelo fato de que tantas me­diocridades desempenhem papel tao destacado nas universidades, Antes, issoe consequencia inevttavel da interacao humana, especialrnente da interacao en­tre organizacoes e, neste caso, interacao entre a congregacao que recomendauma norneacao e 0 Ministerio da Educacao, Algo correspondente a isso pode-seencontrar atraves dos seculos nas eleicoes papais, que representam 0 exemplomais importante de urn tipo semelhante de selecao. Apenas raramente 0 cardealconsiderado "favorito" sera bem-sucedido. Regra geral, ocupa 0 segundo 00 0

terceiro lugar. 0 mesmo se cia nas indicar,;6es para presidente, nas convencoespartidarias dos Estados Unidos. Apenas excepdonalmente 0 favorito conquistaa "indlcacao'' na convencao partidaria e concorre as eleicoes, Ao inves dissa,este e em geral 0 segundo, e muitas vezes 0 terceiro colocado entre os can­didatos.

Os sod6logos norte-americanos ja possuem uma terminologia tecnica parareferir-se a essa espede de evento, e seria bastante interessante investigar 0

processo de selecao em situar,;6es que exigem 0 consenso. Nao faremos issoagora. Essas leis de selecao tambem se aplicam as comunidades acadernicas, enao nos deve admirar que muito frequenternente ocorram enganos. Realmentenotavel e que, apesar de tudo, seja relativamente tao consideravel 0 numerode nomeacoes acertadas. Mediocres submissos 00 oportunistas conseguem van­tagem quanto a nomeacao 00 promocao academica apenas quando, como emcertos Estados, 0 parlarnento 00, como are agora na Alemanha, 0 monarca fun­cionarn ambos da mesma maneira e, como atualmente os ditadores revolucio­narios, intervem par raz6es politicas.

Nao hi professor universitarto que goste de pensar em discuss6es a res­peito de nomeacoes, porque raramente sao agradavets, Nao obstante, devo di­zer que a boa vontade e 0 desejo de decidir exclusivamente com base em fun­damentos relevantes para 0 assunto, sernpre, sem excecao, estiveram presentesnos muitos casas que tive conhecimento,

Pois deve-se afirrnar enfaticamente que nao e par imperfeicfo de dedsoesque exigem consenso que a determinacao de destinos academicos e em grandemedida uma questao de acaso. Todo jovem que se sente atraldo para uma car­reira academica deve ter muito claro para si mesmo que a tarefa que 0 aguardatem duas faces. Ele deve ter qualificacoes nao s6 como pesquisador, mas tam­bern como professor. Essas duas coisas nao sao nem identicas nem insepariiveis..Alguern pode Set multo destacado em pesquisa e larnentavel como professor;para ilustrar essa afirrnacao, citarei apenas a atividade docente de homens taiscomo Helmholtz 00 Ranke. E eles nao constituem excecoes pouco frequentes,

A situacao e de tal ordem, que nossas universidades - espedalmente aspequenas - estao empenhadas na mais ridicula espede de competicao parestudantes. Os proprietaries da hospedaria das cidades universitarias comemo­ram 0 milesimo estudante com uma festa, 0 de numero dois mil de preferendacom urn desfile a luz de tochas. As taxas par prelecao em urn departamento- deve-se admiti-lo francamente - sao afetadas par uma nomeacao com "po­der de atrar,;ao" no departamento vizinho; mesmo sem considerar isso, a fre­quencia as prelecoes euma evidencia quantitativamente palpavel, enquanto quea alta qualidade em pesquisa e irnponderavel e freqUentemente, e com toda a

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certeza no caso de inovadores ousados, objeto de controversia, Pensa-se emquase tudo em terrnos de perspectiva dos beneficia; e do valot incomensur:iveisde urn grande publico. Se se diz que urn Pritatdozent e urn professor mediocre,isso representa quase que uma sentenca de motte acadernica, ainda que eleseja urn dos melhores eruditas em sua area. Contudo, a questao de se ele eurn born ou mau professor tern sua resposta na presenca com que a; estudanteso distinguem

Porern, 0 fato de que a; estudantes acorram em massa para urn professote determinado em medida incrivelmente grande por fatores meramente super­ficiais, tais como 0 temperamento ou mesmo 0 tom de voz. Depois de umaexperiencia bastante longa e de ponderada reflexao, desconfio multo das gran­des audiencias, pot mais que elas sejam inevitaveis. A democracia deveria serpraticada onde e pertinente. A formacao cientffica, porern, se devemos leva-laavante segundo as tradicoes das universidades alernas, implica a existencia dedeterminado tipo de aristocracia intelectual, Nao devernos ocultar tal fato denos mesrnos. Talvez a mais dificil de todas as tarefas pedag6gicas seja a expo­sir;iio de problemas de ciencia ou de erudicao de maneira tal que uma menteinexperiente, porem receptiva, possa entende-los e pensar autonomamente so­bre eles. Este Ultimo ponto e decisivo para nos, Mas se isso e bem-feito aunao e coisa que nao se pode decidir pelas dirnensoes do publico em uma pre­lecao. E - para voltarmos novamente a nosso tema - ate mesmo essa habi­lidade e um dom extremamente pessoal e de modo algum se associa necessa­riamente as qualidades de urn investigador cientifico au erudito. Diferentementeda Franca, a Alemanha nao possui uma sociedade dos "imortais" da ciencia eda erudicao. Ao contrario, as tradicoes da universidade alerna exigem que sefaca justica tanto apesquisa como ao ensino. A coexistencia desses dois talentosem uma mesma pessoa e, porem, inteiramente uma questilo de acaso.

Assim sendo, as carreiras acadernicas sao intensamente assediadas pelo aca­so. Quando urn jovem cientista ou erudito vern ern busca de conselho a respeitode habilitacao, a responsabilidade que se assume em aconselha-lo e de fatomuito grande. Se fot urn judeu, naturalmente se diz a ele: lasciate ogni spe­ranza. Porern, tambern aos demais devera indagar-se com a maior seriedade:"Voce ere que sera capaz de, ana apos ano, continuar vendo urn mediocre ap6soutro ser promovido passando pot cima de voce, e ainda assim nao se deixarexasperar au abater?" Gam que a resposta sempre e: "Naturalrnente que sim,vivo apenas para minha 'vocacao'", Apenas em muito poucos casas, porern, euos vi serem capazes de suportar isso sem sofrer serial dana; espirituais.

Essas coisas todas precisavam ser ditas a respeito das condicoes externasda carreira academica,

Creio, porem, que voces realmente desejam ouvir sobre alguma coisa mais,a respeito da mais intima e profunda vocacao da ciencia. Nos dias que correm,o cerne mais profundo, diante da organizacao objetiva da ciencia como voca­r;iio, esta afetado pelo fato de que a ciencia entrou nurn estagio de especiali­zacao como nunca se conheceu antes, e do qual jamais voltara a sair. Cadaurn esteja certo de que a reallzacao de algo realrnente definitivo e completono campo da ciencia s6 sera possivel se seguir 0 QJfSO exigido pela especia­lizacao mais rigorosa, Todo investigador que invade as areas vizinhas, como

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vez por outra n65 fazernos, e como de fato 0 soci6logo, par exemplo, devefazer repetidas vezes, sente-se oprimido pelo sentimento resignado de que sirn­plesmente esta provendo 0 espedalista de hip6teses uteis as quais, de seu pontode vista espedalizado, este nao chegaria fadlmente; 0 invasar fica com a sen­sacao de que seu pr6prio trabalho pcrmanecera inevitavelmente lncompleto elmperfeito. Somente mediante rigorosa especializacao pode 0 cientista ter a p06­sibilidade, par uma vez e talvez nunca mais, de ter urn sentimento de realizacaodefmitiva - a sensacao de que realizou algo que realmente perdurara. Umarealizacao tealmente definitiva e sempre urna realizacao espedalizada. Aquelea quem falta a capaddade de, por assim dizer, p6r antolhos em si mesmo, ede convencer-se de que 0 destino de sua alma depende de ser correta sua in­terpretacao particular de determinada passagem de urn manuscrito, estara sern­pre a1heio a ciencia e a erudicao. jamais sera capaz de "experimentar" 0 sen­timento daquilo que 0 trabalho dentlfico implica. Sem essa preciosa intoxicacao,ridicularizada pelos que estao do lado de fora, sem essa paixao, essa sensacaode que "milhares de anos passarao antes que voce ingresse na vida de outrosmilhares esperarao em silencio" - dependendo de sua interpretacao ser correta,a ciencia nao e sua vocacao, e voce deve fazer alguma outra coisa. Porquenada tern valor para urn ser humane como ser hurnano se nao puder faze-locom dcdicacao apaixonada.

Contudo, resta 0 fato de que a dcdicacao apaixonada, sozinha, por rnaisintensa que seja, e por mais incondidonal que seja a outros respeitos, nao pro­duz resultados cientfficos da mais alta qualidade. Seguramente, e urn pre-re­quisito da "inspiracao", que e dedsiva. Hoje em dia, existe em deterrninadoscirculos da geracao mais jovem uma ideia muito difundida de que a ciencia setomou urn problema de aritrnetica que se realiza em laboratories 00 em gabi­netes de estatistica, nao pela "pessoa total", mas por uma razao fria e calculista,"como algo produzido numa fabrica'', Ideias como essas revelam nao existir amais leve compreensao nem do 'l'le ocorre numa fabrica, nem do que ocorrenum laborat6rio. Neste, como naquela, a pessoa deve ter uma "ideia'', para quep06Sa realizar algo de valor. Essa "inspira.,ao" nao pode ser forcada. Nada terna ver com 0 cilculo desapaixonado. E certamente verdade que este e tarnbernurn pre-requisite indispensavel para a realizacao inteleetual. Nenhum sod61ogo,par exemplo, se vena, nem mesma na velhice, consumindo muitos meses afazer dezenas de milhares de calculos sem qualquer importancia. Nao se pede,impunemente, deixar tudo para equiparnentos mecanicos se deseja produzir al­go de significativo - e 0 que finalmente se produz e multas vezes desgraca­damente pouco. Mas se ele nao tern alguma "ideia" para orientar seus cilculos00, no decorrer dos calculos, a respeito do alcance d06 resultados que surgem,neste caso sequer aquela ninharia sera ptoduzida. Essa "ideia" comumente apa­rece apenas no correr de trabalho multo duro. Na verdade, porern, nem sernpre.

o palpite de urn diletante sobre determinado fen6meno pode ter igual oumaior irnportancia que 0 de urn espedalista. Devernos muitas de nossas me­lhores hip6teses e intuicoes a diletantes. 0 diletante diferenda-se do espedalista- como disse Helmholtz sabre Raben Mayer - apenas por carecer de urnprocedimento claro, e, consequenternentc, por sua incapaddade de controlar eavaliar, 00 de concretizar e utilizar as potendalidades de seu palpite. Uma ideia

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imaginosa nao substitui 0 trabalho. Por outro lado, 0 trabalho nao subsntui umaintuicao imaginosa; 0 trabalho perseverante, tanto quanto a dedicacao apaixo­nada, e capaz de estimular a intuicao. Tanto esta quanto aquele - e especial­mente ambos juntos - faz com que ela sutja. Mas isso s6 se cia quando lheapraz e nao de acordo com 0 que deseiamos. E certo, na verdade, que as me­lhores ideias ocorrem, como disse certa vez lhering, quando se esta tranqilila­mente fumando um charuto, ou como Helmholtz conta de si pr6prio, com pre­cisao cientlfica, durante uma caminhada em uma rua ligeiramente inclinada, oude algum modo semelhante; em todo caso, elas chegam quando nao sao espe­radas - e nao quando se esta quebrando a cabeca na mesa de trabalho. Con­tudo, tais ideias nao teriam chegado a imaginacao se nao tivessem sido prece­didas pela reflexao na mesa de trabalho e pelo incessante questionamento. Detodo modo, 0 cientista e 0 erudito devem contar com a chance que e insepa­ravel de todo trabalho de pesquisa - a chance de que a inspiracao pode vir,ou nao, Pode-se ser urn pesquisador multo bom e jamais se ter tido uma unicaideia pr6pria de valor.

Constitui sene engano, porern, julgar que isso s6 acontece em ciencia eque, por exemplo, a situacao num escrit6rio comercial seja diferente da de urnlaborat6rio. Um negociante ou um grande industrial sem "imaginacao comer­cial", isto e, sem ideias, ideias originais brilhantes, continua a ser, quando multo,um funcionario ou um tecnico; jamais sera capaz de criar uma nova organiza­r;ao. a papel desempenhado pela inspiracao nao e maior na area da ciencia- como poderia fazer-nos erer a presuncao academica - do que e no perfeitodominio dos problemas praticos por um empreendedor moderno. Por outro la­do, seu papel nao e menor na ciencia do que no campo da arte; e frequentenao se atentar para isso. E tolice pensar que um matematico em sua mesa detrabalho possa chegar a algum resultado cientificamente irnportante apenas comuma regua de cilculo ou qualquer outro instrumento mecinico ou rnaquina decalcular; a imaginacao rnatematica de um Weierstrass naturalmente se orientade maneira diferente, em sua intencao e resultados, da imaginacao de um artistae, do ponto de vista qualitative, e fundamentalmente diferente. Psicologicamen­te, porem, elas sao a mesma coisa - caraeterizam-se ambas por uma especiede intoxicacao (no sentido da "mania" de Platao) e de "inspiracao'',

Se alguem cientiflcamente inspirado depende de fatores que conhecemospouco a nao ser pelo fato de que implicam "talento". Porern, nao e uma acei­tacao dessa verdade indubitavel que se deve 0 fato de que intenso entuslasmopor determinados novos fdolos se tenha tornado tao predominante no seio dageracao mais jovem - embora seja perfeitamente compreensfvel essa predo­minancia, Os fdolos da "personalidade" e da "experiencia" - comprecndidascomo um estado de espfrito - sao agora reverenciados em cada esquina e emcada jomal. Eles se relacionam intimamente: e opiniao amplamente disseminadaque a "experiencia" alimenta a "personalidade" e pertence a ela. Existe umaansiedade multo grande a respeito de "viver a experiencia'' - ja que isso e ne­cessario ao modo de vida adequado a uma pessoa que reivindica a "persona­lidade". Quem nao se tenha subrnetido a "experiencia", segundo essa doutrina,deve entao pelo menos agir como se realmente possufsse esse dom de graca.Antigamente, costumava-se chamar essa "experiencia" de "sensibilidade", e cos-

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turnava haver, creio eu, uma concepcao mais apropriada sabre 0 que constitulaa "personalidade".

Em cieneia, apenas aquele que cumpre sua tarefa tern "personalidade". Eisso e verdade nao 56 para a ciencia. Nao conheoemos grande artista algumque tenha feito DUtra coisa senao cumprir sua tarefa, e nada rnais do que i55O.Mesmo com uma personalidade da ordem da de Goethe, 0 fato de ter ele to­mado a liberdade de fazer da pr6pria vida uma ohra de arte voltou-se contrasua realizacao artistica. Pode-se duvidar disso, mas e predso ser Goethe atemesmo para ousar permitir-se tal privilegio. Deve-se, pelo menos, admitir que,mesmo com uma pessoa da ordern de Goethe, que aparece uma vez a cadamil anos, tal privilegio nao passa sem ser pago. Em politica, a situaeao e exa­tamente a mesma, mas nao falaremos hoje isso. Na cienda, contudo, certamentenao sera uma "personalidade" aquele que, como ernpresario do assunto a quedeveria dedicar-se, sobe ao palco procurando legitimar-se atraves da "experien­cia" e pergunta: "Como posso dernonstrar que sou alga mais que urn 'especia­lista'? Como posso conseguir dizer algo - quer na forma quer na substanciade meu trabalho - de urn modo que ninguem mais tenha dito antes?" Esse eurn fen6meno muito disseminado hoje ern dia e que possui urn efeito degra­dante. Ao inves de, pela dedicacao a suas tarefas, elevar-se a dignidade do as­sunto a que simuia servir, os que assumem tal posicao degradam-se. Nolo e di­versa a situacao entre os artistas.

Ao contrario dessas condicoes necessarias que sao comuns a ciencia e aarte, hi urn aspecto fundamental que as distingue nitidamente uma da outra.o trabalho pastula 0 progresso do conhecimento. Na arte, nao existe progresso- nesse sentido. Uma obra de arte de urn periodo que elaborou novos recursostecnicos como, por exemplo, os principios da perspectiva, nao e, devido a i55O,necessariamente superior, esteticamente, a uma obra de arte produzida semqualquer conhecimento de tais recursos e principios - na rnedida em que sejaadequada a seu conteudo e a sua forma, isto e, na medida em que tenha esco­lhido e dado forma a seu objeto de maneira artisticamente adequada a ausenciadaquelas condicoes e procedimentos. Uma obra de arte e realmente uma "rea­lizacao" em sentido artistico e jamais uma obra de arte subsequcnte a tornaabsoluta. Cada qual pode apreciar de maneira diversa 0 significado que ela ternpara si pr6prio, mas ninguern podera jamais dizer, de uma dada obra que sejauma "reallzacao'' no sentido artistico, que tenha sido "ultrapassada'' por outraque seja do mesmo modo uma "realizacao". Em contraposicao a isso, todo den­tista sabe que 0 que ele realiza estara fora desatualizado dentro de dez, vinteou cinquenta anos. Cada "realizacao" dentffica levanta novos "problemas" e ternde ser "ultrapassada" e de se tomar obsoleta. Este e 0 destino - e, de fato,o significado da obra dentffica, a isso ela se submete e se dedica. Isto a dis­tingue de todas as demais esferas da cultura que tambern exigem submissao ededicacao,

Todo aquele que deseja servir a ciencia deve adaptar-se a isso. Os empre­endirnentos dentfficos, e bern verdade, podem.perdurar como "satisfacoes" de­vido a sua qualidade artfstica; podem tarnbern continuar sendo irnportantes co­mo recurso de treinamento para 0 trabalho cientffico atual, Porern - deve serrepetido -, nao 56 e nosso destino, como tarnbern nosso objetivo, que sejamoscientificamente superados, Em principio, esse progresso vai ad infinitum.

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n, com isso, chegaffiQ'; ao problema do significado da ciencia. Pois rulo eevidente par si mesrno que uma atividade, regulada par uma lei desse tipo,deva ser intrinsecamente significativa e razoavel, Por que levarmos avante umaatividade que jarnais se completaci? Podemos responder que 0 fazemos, antesde mais nada, par modvos meramente praticos, tecnol6gicos, no mais amplosentido, isto e, para sermos capazes de Olientar nossa conduta prauca segundoas expectativas que a analise cientlfica coloca a nosso dispor; Otimo! Mas issos6 tern algum sentido para 0 homem de a9\o. Q..1a1 e, porem, a atitude doproprio cientista e erudito para com sua profissao - quando busca descobrirseu sentido mais profundo? Ele sustenta que continua na ciencia "par ele mes­rna", e rulo apenas para que outros possarn conseguir exito comercial 00 tee­nico, estar mais bern nutrido, vestir-se melhor, ter luz de melhor qua1idade, 00

governar melhor. Mas 0 que julga ele estar realizando de significativo com essascriacoes sempre fadadas a se tornar obsoletas - qual seu objetivo em perml­tir-se ficar preso dentro desse empreendimento especializado que segue semdeter-se para a infinidade? lsto exige algumas ooservacoes gerais.

o progresso cientlfico e urn fragrnento, 0 mais importante inclubitavelmen­te, do processo de intelectualizacao a que estamos submetidos desde rnileniose relativamente ao qual algumas pessoas adotam, em nossos dias, posieaoestranhamente negativa.

Vamos esclarecer, primeiro, 0 que significa praticamente essa racionalizacaointeleetualista, criada pela ciencia e orientada cientificarnente pela tecnologiaSignificara, par acaso, que todos os que estao reunidos neste audit6rio possuemmaior conhecimento sabre as condicoes de vida em que existimos do que urnindio americano ou urn hotentote? Ii pouco provavel, Aquele entre n6s que en­tra nurn bonde nao tern nocao alguma do mecanlsmo que pennlte ao bondepar-se em marcha - exceto que seja ffsico de protlssao, Alias, ele nem precisasaber esse mecanismo. Basta-lhe "contar" com 0 comportamento do bonde eorientar a sua conduta de acordo com essa expectativa. Mas ele nao precisasaber nada sabre 0 que e necessario para produzir 0 bonde Ol.l sabre comomovirnenta-lo. 0 selvagem, ao contrario, conhece, de maneira incomparavel­mente melhor, os instrumentos de que se utiliza, Eu acredito que todos os meuscolegas economistas, par acaso presentes nesta sala, dariam respostas diferentesa pergunta: como explicar que, utilizando a mesma soma de dinheiro, ora sepossa adquirir grande quantidade de coisas, e ora uma quantidade minima? 0selvagem, diferentemente, sabe perfeitamente como proceder para obler 0 ali­mento cotidiano e conhece bern os rneios capazes de favorece-lo em seus pro­p6sitos. A crescente intelectualizacao e radonalizaeao nao indicam, portanto,urn conhecimento maior e rnais geral das condicoes sob as quais vivemos. Sig­nifica antes, que sabernos 00 acreditamos que, a qualquer instante, poderfamos,bastando que 0 quisessernos, provar que nao existe, em pnndpio, nenhurn po­der misterioso e imprevisivel no decurso de nossa vida, 00, em outras palavras,que podemos dominar tudo par meio de calculo, Isto significa que 0 mundofoi desencantado. Ja nao precisamos recorrer aos meios rnagicos para dominaros espiritos ou exordza-los, como fazia 0 selvagem que acreditava na existenciade poderes misteriosos. Podernos recorrer a tecnica e ao calculo, Isto, acimade tudo, e 0 que significa a intelectualizacao.

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Surge af nova pergunta: este processo de desencantamento, realizado aolongo dos milenios da civtlizacao ocidental e, em termos gerais, esse "progresso"do qual participa a ciencia como eiernento e forca propulsora, tem significadoque ultrapasse essa pura pratica e essa pura tecnica? Este problema mereeeuatencao vigorosa na obra de Le6n Tolst6i, 0 qual chegou a essa problematicada maneira propria e particular dele. 0 conjunto de suas medita<;5es cristali­zou-se crescentemente ao redor do seguinte tema: a morte eou nao eum aeon­tecimento que tem sentido? Sua resposta ea de que, para urn homem civilizado,aquele sentido nao existe. E nao pode existir porque a vida individual do ci­vilizado esta "imersa" no "progresso" e no inJinito e, segundo seu sentido ima­nente, esta vida nao deveria ter fim Com efeito, hi sempre urna possibilidadede UIl! novo progresso para aqueie que vive no progresso. Nenhum dos quemorrem chega jarnais a atingir 0 pico, pols que 0 pica se poe no infinito.Abra:io e os camponeses de outrora morreram ''velhos e plenos de vida", paisque estavam colocados nurn cicio org:inico da vida, que lhes havia oferecido,ao fun dos seus dias, tado 0 sentido que poderia proporcionar-lhes e parquenao subsistia enigma que eles ainda teriam desejado resolver. Paderiam, par­tanto, considerar-se satisfeitos com a vida. 0 hornem civilizado, ao contrario,colocado em rneio ao caminhar de uma crvtllzacao que se enriquece continua­mente de pensamentos, de experiendas e de problemas, pode sentir-se "can­sado" da vida, mais nao "pleno'' dela. Com efeito, ele nao pode jamais apos­sar-se senao de uma parte infima do que a vida do espfrito incessantementeproduz, eie nao pode captar senao 0 provis6rio e nunca 0 definitivo. Por essemotivo, a morte e, a seus olhos, um acontecimento que nao tem sentido. Eparque a morte nao tem sentido, a vida do civilizado tambem nao a tem, paisa "progressividade" despojada de significado faz da vida urn acontecimentoigualmente sem significacao. Nas ultirnas obras de Tolst6i, encontra-se, por tadaa parte, esse pensamento, que cia tom :l. sua arte.

Que posicao devemos assumir frente a isso? Tem 0 "progresso", como tal,urn sentido discernivel, que se entende para alem da tecnica, de maneira talque por-se a seu service equivaleria a urna vocacao dotada de sentido? E in­dispensavel levantar este problema. A questao que se coloca nao e mais a quese refere t:io-somente :l. vocacao cientffica, ou seja, a de saber 0 que significaa cienda, enquanto vocacao, para aqueie que a ela se consagra. A pergunta einteiramente diversa: qual e 0 significado da denda no contexto da vida hu­mana e qual e 0 seu valor?

A este respeito e enorme a contraste entre 0 passado e 0 presente. Lern­bremos a maravilhosa alegoria que hi no corneco do livre setimo da RepUblicade Plat:io: a dos prisioneiros confinados :l. caverna. Os rostos desses prisioneirosestao voltados para a parede rochosa que se levanta diante deles. Atcis deiesse encontra urna Fonte de luz que nao podem ver, condenados que est:io a s6se ocuparem das sombras que se projetam sabre a parede, sem DUtra possibi­lidade alem da de examinar as relacoes que se estabelecem entre tais sombras.Ocorre, porem, que urn dos prisioneiros consegue romper suas cadeias, volta-see encara 0 sol. Deslumbrado, ele hesita, caminha em sentidos diferentes e dian­te do que ve s6 sabe balbuciar. Os seus companheiros 0 tomarn par louco.Aos poucos, ele se habitua a encarar a luz, Feita essa experiencia, a dever de

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rI • que se incumbe e 0 de tornar dos prisioneiros da caverna, a fim de conduzi-los, I para a luz. Ele e 0 fil6sofo e 0 sol representa a verdade da ciencia, cujo

objetivo e 0 de conhecer nao apenas as aparencias e as sombras, mas tam­bern 0 verdadeiro.

Quem continua, entretanto, adotando em nossos dias essa rnesma atitudediante da ciencia? A juventude, em particular, esta passulda de sentimento in­verso: a seus olhos, as consrru<;5es inteleetuais da ciencia constituern um reinoirreal de abstracoes artificiais e ela se esforca, sem exito, por colher, em suasmiios insensiveis, 0 sangue e a seiva da vida real. Acredita-se, atualmente, quea realidade verdadeira palpita justamente nessa vida que, aos olhos de Platao,nao passava de urn jogo de sombras projetadas contra a parede da caverna,Entende-se que 0 resto sao fantasrnas inanimados, afastados da realidade, e na­da mais. Como ocorreu esta transforma<;iio? 0 apaixonado entusiasmo de Platao,em sua RepUhlica, explica-se, em Ultima analise, pelo fato de, naquela epoca,haver sido descoberto 0 sentido de urn dos maiores instrumentos do conheci­mento cientffico; 0 conceito. 0 merito cabe a Socrates que compreende, de ime­diato, a importancia do conceito. Mas nao foi 0 unico a percebe-la, Nos ritoshindus, e possfvel encontrar os elementos de uma l6gica analoga a de Aristo­teles. Conrudo em nenhum outro lugar senao na Grecia tem-se a conscienciada importancia do conceito. Foram os gregos os prirneiros a saber utilizar esseinstrumento que permitia prender qualquer pessoa aos grilh5es da l6gica, demaneira tal que ela nao se podia libertar senao reconhecendo ou que nadasabia, au que esta, e nao aquela afirrnacao correspondia a verdade: uma ver­dade eterna que nunca se desvaneceria como se desvanecem a a<;iio e a agi­ta<;iio cegas dos homens. Foi uma experiencia extraordinaria, que se difundiuentre os discipulos de S6crates. Acreditou-se que fasse posslvel concluir quebastava descob1ir 0 verdadeiro conceito do Belo, do Bern au, par exemplo, daCoragem au da Alma - ou de qualquer outro objeto - para que se tivessecondicoes de compreender-lhe 0 verdadeiro ser. 0 conhecimento, por sua vez,permitiria saber e ensinar a forma de agir correramente nessa vida e, antes detudo, como cidadao. Com efeito, entre os gregos, que s6 pensavam com refe­rencia a categorta da politiea, tudo conduzia a essa questao, Tais as razoes queas levaram a se ocupar da ciencia.

A essa descoberta do espirito helenico assodou-se, em seguida, 0 segundogrande instrumento do trabalho cientifico, engendrado pelo Renascimento: a ex­periencia racional. Tornou-se ela urn meio seguro de controlar a experiencia,sem 0 qual a ciencia empiriea moderna nao teria side possivel. Por cerro, quenao se haviam feito muitos experimentos antes dessa epoca. Haviam tido lugar,par exemplo, experiencias fisiol6gicas, realizadas na India, no interesse da tee­niea ascetica da Ioga, assim como experiencias matematicas na antiguidade he­lentca, visando fins militates, e ainda esperiencias na Idade Media, com vistasa exploracao das minas. Foi, porern, 0 Renascimento que elevou a expertmen­tacao ao nivel de urn principio da pesquisa com tal. Os precursores foram, in­contestavelmente, as grandes inovadores no domlnio da arte: Leonardo da Vincie seus companheiros e, particularrnente, e de maneira caraeterfstiea no domlnioda rmisica, as que se dedicaram a experimentacao com 0 cravo, no seculo XVI.Dai, a experimentacao passou para 0 eampo das ciencias, devido, sobrerudo,

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a Galileu e alcancou 0 dom1nio da teoria, gracas a Bacon Foi, a seguir, per­fllhada pelas diversas unlversidades do continente europeu, de inlcio e princi­palmente pelas da Italia e da Holanda, estendendo-se :l. esfera das ciencias exa­tas,

Qual fol para esses homens, no inicio dos tempos modernos, 0 significadoda dencia modema? Aos olhos dos experimentadores do tipo de Leonardo daVinci e dos inovadores no campo da rnusica, a experimentacio era 0 caminhocapaz de conduzir a verdadeira natureza, A arte deveria set elevada ao nlvelde uma ciencia, 0 que significava, ao rnesmo tempo e antes de tudo, que 0

artista deveria ser elevado, socialmente e por seus pr6prios mentes, ao nivelde um doutor, Essa ambi.,ao serve de fundarnentacao ao Tratado de Pinturade Leonardo da Vinci, E 0 que se diz hoje em dial "A denda vista como ca­rninho capaz de conduzir :l. natureza" - seria frase que haveria de soar aosauvidos da juventude como uma blasfernia. Nao, e exatamente 0 oposto queaparece hoje como verdadeiro. Libertando-nos do intelectualismo da ciencia eque podemos apreender nossa pr6pria natureza em geraL Quante a dizer quea dencia e tambem caminho que conduz :l. arte - eis opinlao que nao mereceque nos detenhamos nela, Todavia :l. epoca da formacao das ciencias exatas,esperava-se ainda mais da denda, Lembremos 0 aforisrno de Swammerdam"Apresento-lhes, aqui, na anatomia de urn piolho, a prova de provtdenda di­vina" e compreendemos qual foi, naquela epoca, a tarefa pr6pria do trabalhocientifico, sob influencia (indireta) do protestantismo e do puritanismo: encon­trar 0 cam1000 que conduz a Deus, Toda a ecologia pietista daquele tempo,sobretudo a de Spener, estava ciente de que jarnais se chegaria a Deus pelavia que tinha sido tomada par todos os pensadores da Idade Media - e aban­donau seus rnetodos filos6ficos, suas concepcoes e deducoes. Deus esta oculto,seus carninhos nao sao os nossos, nem seus pensamentos os nossos pensamen­tos, Esperava-se contudo descobrir traces de suas Intencoes atraves do exameda natureza, mediante as ciencias exatas, que permitiriam apreender fisicamenteas suas obras, E em nossos dias? Quem ainda acredita - salvo algumas criancasgrandes que encontramos justamente entre os especialistas - que os conhed­mentos astronomicos, blol6gicos, fisicos au quimicos podem ensinar-nos algosobre 0 sentido do mundo au podem ajudar-nos a encontrar sinais de tal sen­tido, se e que ele existe? Se as dencias naturals levam a qualquer coisa nestesentido, levarao ao desaparecimento da crenca de que existe algo como 0 "sen­tido" do untverso, E, finalmente, como poderia a dencia nos conduzir a Deus?Nao e ela, especificamente, uma potencia a-religiosa? Atualmente, homem al­gum, no seu intima - independentemente de adrniti-lo explicitamente - co­loca em duvtda esse carater da ciencia, 0 pressuposto fundamental de qualquervida em comunhao com 0 divino impele 0 homem a se emancipar do racio­nalismo e do intelectualismo da denda: essa afirmacao, au outra de sentidosemelhante, e uma das palavras de ordem fundamentais entre a juventudealema, cujos sentimentos estao voltados para a religtao au que anseiam pelasexperiencias religiosas, Alias, a juventude alema nao corre arras da experiendareliglosa, mas da experiencia da vida, como taL 56 parece desconcertamente,dentro destas aspiracoes, 0 metodo escolhido, no sentido de que 0 dominlodo irracional, unico dominio em que 0 intelectualismo ainda nao havia tocado,

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tOffiau-se objero de urna tomada de consciencia e e minudosamente examina­do. A isso conduz, na pratica, 0 moderno romantismo intelectualista do irrado­nal. Contudo, esse metodo, que se propoe livrar-se do intelectuaiismo, se tra­duzira, indubitave!mente, nurn resultado exatamente oposto ao que esperamatingir os que se empenham em seguir essa via. Depois da devastadora ctiticafeita par Nietzsche aos ultimos homens "que" inventaram a fellcidade, p06Sodeixar totalmente de lado 0 otimismo ingenue no qual a ciencia - isto e, atecnica de dorninar a vida que depende da ciencia - foi celebrada como 0

caminho para a feliddade. Quem acredlta nisso - a parte algumas poucascriancas grandes, que ocupam citedras universitarias au escrevem edltoriais?

Retomernos a n06Sa argumenta<;iio. QJaI e, afinal, nestes termos, 0 sentidoda ciencia como vocacao, se estao destruidas todas as ilusoes que nela viamo caminho que conduz ao "ser verdadeiro'', a "verdadeira arte", :l "verdadeiranatureza", ao "verdadeiro Deus", a "verdadeira feiiddade"? Tolst6i deu a estapergunta a mais simples das respostas, dizendo: "A ciencia nao tem sentido par­que nao responde a nossa pergunta, a (mica pergunta irnportante para n65: 0

que devemos fazer e como deverncs viver?" De fato, e incontestavel que a den­cia nao nos fornece uma resposta a estas perguntas. Fica, apenas, 0 problemade saber em que sentido nao da esta resposta e se a dencia, mesmo assim,para aquele que formule bem esta pergunta, pode ter alguma utilidade. Hojeem dia, falarnos costurneiramente de uma "ciencia sem pressupostos". Ha umatal clencia? Tudo depende do que se entende por isso. Todo trabalho dentificopressupoe sempre a validade das regras da 16gica e da metodologia, que cons­tituem os fundamentos gerais de n06Sa orientacao no mundo. Quanto :l. questaoque nos preocupa, estes pressupostos sao 0 que ha de menos prcolemanco, Adenda pressupoe ainda que 0 resultado a que 0 trabalho dentifico leva sejaimportante em si, isto e, mereca set conheddo, Ora, enesse ponto, obviamente,que se concentram todos os n06SOS problemas: esse pressuposto escapa a qual­quer dernonstracao por meios cientificos - au seja, a dencia s6 pode set in­terpretada com referenda ao significado ultimo, 0 qual podernos rejeitar auaceitar, dependendo da n06Sa posicao com relacao ao sentido da vida.

A narureza da relacao entre 0 trabalho clentifico e os pressupostos que 0

condidonam varia muito conforme a estrutura das diversas ciencias. As cienciasda natureza, como a Fisica, a Qulmica au a Astronomia, pressup6em, natural­mente, que valha a pena conhecer as ultirnas ieis do devir cosmico, na medldaem que a ciencia esteja em condicoes de formula-las. E isso nao apenas porqueesses conhedmentos nos permitem atingir certos resultados tecnicos, mas, so­bretudo, porque tais conhecimentos rem urn valor "em sl", na medida, predsa­mente, em que traduzem uma "vocacao", Pessoa alguma podera, entretanto, de­monstrar esse pressuposto, E menos ainda se podera provar que 0 mundo des­crito par esse conhedmento merece existir, que ele encerra senti do ou que naoe algo absurdo hablta-Io. A ciencia nao fomece respostas para tais quest6es.Vejamos, par exemplo, a medicina moderna, que e uma teenologia altamentedesenvolvida do ponto de vista dentifico. Expresso de maneira trivial, 0 "pres­suposto'' geral da medldna assim pode ser apresentado. a medidna tem a tarefade conservar a vida e a de diminuir a dor e 0 sofrimento ao maximo possfvel.Tudo isso e, porem, problemanco, Gracas aos meios de que disp6e, 0 medico

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rnantem vivo 0 moribundo, mesmo que este the implore que ponha fim a seusdias e ainda que as parentes desejem e devam desejar sua motte, consciente­mente au nao, porque aquela vida jii nao tem mais valor, porque os sofrimentoscessariam au porque as gastos para conservar aquela vida inutil - trata-se, tal­vez, de urn pobre demente - se fazem pesadfssimos. S6 as pressupostos demedicina e do c6digo penal impedem 0 medico de se apartar da linha que foitracada, A medicina, contudo, nao tem condicoes de responder i questao dese merece aquela vida ser vivida au em que condicoes merece ser vivida. Todasas ciencias da natureza nos dao uma resposta i pergunta que devemos fazer,se quiserrnos tecnicamente dominar a natureza. Mas elas deixam totalmente delado, au fazem apenas suposicoes que se enquadram nas suas finalidades, se,afinal, devernos e queremos realmente ''tecnicamente'' dominar a vida, ese, emUltima analise, ha urn sentido em tudo isso.

Vejamos uma disciplina como a estetica. A estetica pressupoe a existendade obras de arte. E, em consequencia disso, apenas se propoe pesquisar ascondtcoes que condicionam a genese da obra de arte. Mas nao se pergunta,absolutamente, se 0 reino da arte nao seria urn reino de esplendor diab6lico,reino que e deste mundo e que se levanta contra Deus, e se levanta, igual­mente, contra a fraternidade humana, em razao de seu espfrito fundamental­mente aristocratico. Consequenternente, a estetica nao se pergunta se deveriaau nao haver obras de arte, Vejamos a jurisprudencia. Esta disciplina estabeleceo que e valido segundo as regras da teoria juridica, organizada em parte logi­camente, e em parte convencionalmente. 0 pensamento juridico e valido quan­do certas regras juridicas e certos rnetodos de interpretacao sao reconheddoscomo obrigat6rios. Se deve haver lei e se devernos estabelecer essas regras ­tais questoes nao sao respondidas pela jurisprudencia. Ela s6 pode afirman paraquem quiser este resuitado, segundo as normas de nosso pensamento juridico,esta norma juridlca e a meio adequado de alcanca-lo,

Vejamos as ciencias hist6ricas e culturais, Elas nos enslnam como compre­ender e interpretar os fenornenos poltticos, artlsticos, literarios e sociais em ter­mas de suas orige.ns. Mas nao nos dao resposta i questiio de se a existenciadesses fenomenos foi, au e compensadora. E nao respondem i questao de sevale au nao a pena fazer urn esforco necessaria para conhece-las, Elas pressu­poem, simplesmente, que haja interesse em tamar parte, pela prauca dessesconhecimentos, na comunidade dos "homens civillzados". Nao podern, entre­tanto, provar cientificamente que ha vantagem nessa participacao, E a faro depressupar esta vantagem nao prova, de forma nenhuma, que ela exista. Emverdade, nada do que foi mencionado e, par si proprio, evidente. Vejarnos, fi­nalmente, as disciplinas que nos sao pr6ximas, au seja: a sociologia, hist6ria,economia, ciencia polltica e aqueles tipos de fllosofla cultural que tern par ob­jeto a interpretacao dos diversos tipos de conhecimentos procedentes. Afrrma-se,e eu concordo, que a polltica nao tem a seu lugar em sala de aula das uni­versidades. Nao e a lugar adequado, no que diz respeito aos alunos, Se, parexemplo, na sala de aula do meu ex-colega Dietrich Schafer, de Berlim, os alu­nos pacifistas the cercaram a mesa e provocaram um tumulto, eu deploro estefato da mesrna maneira como deploraria uma agitacao provocada pelos estu­dantes antipacifistas contra a professor FOrster, do qual, em razao de minhas

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convia;Oes, me sinto entretanto muito afastado e par muitos motives, Mas apolitica tarnbern nao deve entrar em sala de auia pelo docente e, muito menosainda, quando este se interessa cientificamente pela politica. Tomar uma posicaopolitica pratica e uma coisa e analisar as estruturas polfticas e as posicoes par­tidanas e outra. Ao falar nurn comlcio politico sabre a dernocrada, nao escon­demos 0 nosso ponto de vista pessoal. Na verdade, expressa-lo claramente etomar uma posteao e 0 nosso dever. As palavras que usamos neste comidonao sao meios de analise dentffica, mas meios de conseguir votos e veneer osadversaries, Nao sao arados para revolver 0 solo do pensamento conternplativo,sao espadas contra os inimigos: tais palavras silo armas. Seria urn ultraje, porem,usa-las do mesmo modo na sala de aula au na sala de conferendas. Se, parexemplo, estivermos discutindo "democrada", examinaremos as suas varias for­mas, analisaremos os modos pelos quais fundonam, determinaremos que re­sultados uma forma tern para as condicoes de vida em comparacao com a outra.Entao, confrontamos as formas da dernocrada com formas nao-democrattcas deordern politica e procuramos chegar it posicao em que 0 estudante possa en­contrar 0 ponto do qual, em termos de seus ideais ultimos, venha a tomar umaposi9l0. Mas 0 verdadeiro professor evitara impor, da sua citedra, qualquer po­si9l0 politica ao aluno, seja ela expressa au sugerida. "Deixar que os fatos falempar si" e a forma mais parcial de apresentar uma poslcao politica ao aluno.

Por que razoes devemos fazer isso? Acredito, antecipadarnente, que algunscolegas muito estimados sao de opiniao de que nao e possfvel praticar esta"autocontencao" e de que, mesmo se 0 fosse, seria uma extravag:1nda adotaresta postura. Nao e possfvel demonstrar dentificamente qual seria 0 dever deurn professor academico, 56 podernos pedir a ele que tenha a integridade in­telectual de ver que uma coisa e apresentar os fatos, determinar as relacoesmatematicas e 16gicas, au a estrutura interna dos valores culturais, e autra coisae responder it pergunta sabre 0 valor da cultura e sabre seus conteudos indi­viduais, e it questao de como devemos agir na cornunidade cultural e nas as­sociacoes polfticas. Sao problemas totalmente heterogeneos. Se perguntarmospar que nao nos devemos ocupar de ambos os tipos de problemas na sala deaula, a resposta sera: porque 0 profeta e 0 demagogo nao pertencem it catedraacademica. Ao profeta e ao demagogo dizemos: "Ide para as ruas e falai aber­tamente ao mundo", au seja, falai onde a critica e possfvel, Numa sala de aula,enfrenta-se 0 audit6rio de maneira inteiramente diferente os professores tern apalavra e os estudantes estao condenados ao silencio, As circunstancias exigemque os alunos sejam obrigados a seguir os cursos de urn professor, tendo emvista a futura carreira, e que nenhurn dos presentes a uma sala de aula possacriticar 0 mestre. A urn professor e Irnperdoavel valer-se de tal situaclo paraincutir, em seus disdpulos, as suas pr6prias concepcoes polfticas, em vez delhes ser util, como e do seu dever, transmitindo-Ihes conheornentos e expe­riencia dentifica. E possfvel, sem duvida, que 0 professor nao consiga eliminartotalmente as suas simpatias pessoais. Fica, entao, sujeito it critica mais violentano foro de sua propria consciencia, E tal deficiencia nada prova. Outros errostarnbern sao possiveis, par exemplo, erros como exposicoes err6neas de fates,e, nao obstante, nada provam contra 0 dever de se buscar a verdade. AMm

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disso e exatamente em nome do interesse cia dencia que eu condeno essa,forma de proceder. Recorrendo as obras de nossos historiadores, tenho condi­~ de fornecer provas de que, sempre que urn homem de cienda penniteque se manifestem seus pr6prios jufzos de valor, ele perde a compreensao in­tegral dos fatos. Tal demonstra<;ilo se estenderia, contudo, para alern dos limitesdo tema que nos ocupa esta noite e exigiria digressoes demasiado longas.

Gostaria de colocar apenas uma questao simples: como e possfvel, numaexposicao que tem por objetivo 0 estudo das diversas formas do Fstado e dasIgrejas, ou a hist6ria das religioes, levar um erente cat6lico e urn franco-macorna submeterem esses fen6menos aos mesmos criterios de avalia<;ilo? au isto ealgo em que nilo se cogita? E, entretanto, 0 professor deve ter a arnbi<;ilo eexigir de si mesmo servir a um e a outro, com 0 seu conhecimento e com osseus rnetodos de raciocinio. Pode objetar-se, justamente, que 0 crente cat6licojamais aceitara a maneira de compreender a hist6ria das origens do cristianismotal como a expOe um professor que nao admite os mesmos pressupostos dog­mancos, lsto e verclade. As razoes das discordancias provern do fato de que a"dencia sem pressupostos", recusando a submissilo a uma autoridade religiosa,nilo conhece nem "rnilagre", nem "revelacao". Se 0 fizesse, a cienda seria infiela seus pr6prios pressupostos. 0 erente, entretanto, conhece as duas posicoes,A dencia "sem pressupostos" exige dele nacla menos - mas, igualmente, naclamais - que a cautela de simplesmente reconheoer que, se 0 fluxo das coisasdeve ser explicado sem intervencao de qualquer dos elementos sobrenaturais,e que a explicacao empfrica recusa carater causal, aquele fluxo 56 pode serexplicado pelo rnetodo que a ciencia se esforca por aplicar. E Isso 0 erentepode admitir, sem ser infiel a sua crenca,

Contudo, uma nova questao se levanta: a contribuicao cia ciencia tera qual­quer sentido para um homem que nilo se interessa em conhecer os fatos comotais, e para quem apenas 0 ponto de vista prance tem importiincia? Creio que,mesmo em tal caso, a ciencia possa contribuir com alguma coisa. A tarefa prin­cipal de urn born professor e ensinar aos seus alunos reconhecer que ha fatos"inconvenientes" - e quero dlzer que se trata de fatos que silo lnconvenientespara as suas opinioes partidarias, E para cacla opiniiio partidaria ha fatos quesilo extremamente inconvenientes, para a minha propria opiniiio e para a opi­niilo de outras pessoas. Acredlto que um professor que obriga seus alunos ase habituarem a esse tipo de coisas realiza uma obra mais que puramente in­telectuai, e niio hesito em qualifici-ia de "moral", embora esse adjetivo possapareoer demasiado grandloso para designar uma evidencia tao banal.

Ate agora, mencionel apenas as razoes pciticas que ievam a evitar a im­posicao de urn ponto de vista pessoal. Mas estas nilo silo as (micas raz5es. Almpossibilidade de defender "cientificamente" as poslcoes pratlcas - exceto nadlscussiio entre melos e fins ftrmemente clados e pressupostos - baseia-se emrazoes multo mais profundas. Tal atitude e, em principio, absurda, porque asdiversas ordens de valores se defrontam no mundo, em luta incessante. Sempretender tracar 0 elogio cia filosofla do velho Mill, irnpoe-se, nilo obstante,reconhecer que eie tern raziio ao dizer que, quando se parte cia pura expe­riencia, chega-se ao politefsmo. A formula parece ser superficial e mesmo pa-

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radoxal, mas, apesar disso, encerra algo ~ verdadeiro. Se hi uma coisa queatualmente nilo ignoramos e que uma coisa pode ser santa, sem ser bela ­mas por que e em que medida e bela - e a isso hi referencias no capitulo53 do livro de Isaias e no salmo 21. E, desde Nietzsche, compreendemos queuma coisa pode ser bela, nilo s6 por ser boa, mas antes por ser bela. Isso foiexplicado anteriorrnente nas Reurs du mal, nome que Baudelaire deu ao seulivro de poemas. A sabedoria nos ensina, enfim, que uma coisa pode ser ver­dadeira, nilo sendo bela, nem santa, nem boa. Esses porern nilo passam doscases mais elementares da luta que opOe OS deuses das diferentes ordens edos diferentes valores. Nlio sei como poderemos desejar decidir "cientificamen­te" 0 valor da cultura francesa e aletnil: pois tambern aqui deuses diferenteslutam entre si, agora e em todos os tempos futuros. Tudo se passa, portanto,exatamente como se passava no mundo antigo que se encontrava sob 0 encantodos deuses e dos demOnios, mas assume urn sentido diferente. Os gregos ofe­reclam sacrifldos a Afrodite, depois a Apoio e, sobretudo, a cada qual dos deu­ses da cidade; e, da mesma maneira, n6s continuamos a fazer, embora 0 nossocomportamento haja rompldo com 0 encanto e se haja despojado do mito queainda ha em n6s. E 0 destine que governa os deuses e nilo uma clencia, sejaesta qual for. 0 truixlmo que podemos compreender e 0 que 0 divino signlficapara determinada sodedade, 00 0 que esta 00 aquela sodedade considera co­mo divino. Eis ai 0 limite que urn professor nilo pode ultrapassar quando mi­nistra uma aula, 0 que nilo quer dizer que se tenha assim resolvido 0 irnensoproblema vital que se esconde por tras dessas questoes, Entrarn, entao, em jogo,ootros poderes que nao slio os de uma catedra academica universitaria, Quehomem teria a pretensao de refutar "cientificamente" a etica do Sermao da Mon­tanha, 00, por exemplo, a maxima "nilo oponha resistencia ao mal", ou a pa­rabola de oferecer a ootra face? E, entretanto, claro que, do porno de vista estri­tamente humano, esses preceitos fazem 0 ap6logo de uma etica que se levantacontra a dignidade. A cada urn cabe decidir entre a dignidade religiosa conferidapor essa etica e a dignidade de urn ser viril, que prega algo muito diferente,como, por exemplo, "resiste ao mal 00 serss respoosavel pela vit6ria que elealcance". Nos termos das conviccoes mais profundas de cada pessoa, uma des­sas eticas assumlra as fei<;5es do diabo, a ootra as fei<;5es divinas e cada indi­viduo tern de decidir, de seu proprio ponto de vista, 0 que, para ele, e deuse 0 que e diabo. 0 mesmo acontece em todos os pianos da vida. 0 raciona­lismo grandioso, subjacente a onentacao etica de nossa vida e que brota detodas as profedas religiosas, destronou 0 po1itelsmo em beneflcio do "Unicode que temos necessidade", mas, desde que se viu diante da realidade da vidainterior, fo! compelido a consentir em compromissos e acornodacoes de quenos deu nodcia a hist6ria do eristianismo. A religiao tornou-se, em nossos tem­pos, "retina cotidiana". Os deuses antigos abandonaram as suas tumbas e, soba forma de poderes impessoais, porque desencantados, esforcam-se por ganharpoder sobre nossas vidas, reiniciando suas lutas eternas: como se mostrar a al­tura do cotidiano? Todas as buscas de "experienda vivida" rem sua fonte nessafraqueza, pols e fraqueza nilo ser capaz de encarar de frente 0 severo destinedo tempo em que se vive.

Tal e 0 fato de nossa civiliza¢o: irnpoe-se que, de novo, tomemos clara­mente oonscienda desses choques que a odentacao de nossa vida em fun¢o

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exclusiva de pathos grandiose da etica do cristianismo conseguiu mascarar poemil anos.- Basta, porern, dessas questoes que arneacam levar-nos dernasiado longe

o erro que urna parte de nossa juvenrude comete, quando, aquilo que obser­vamos, replica: "Seia. Mas se frequentarnos os eursos que voces ministram epara ouvir coisa diferente das analises e deterrninacoes de fatos", esse erro con­siste em procurar no professor ooisa diversa de urn mestre diante de seus dis­dpulos: a juvenrude espera urn Ifder e nao urn professor, Ora, s6 oomo pro­fessor e que se ocupa urna citedra Epreciso que nao se faea confusao entrecoisas tao diversas e, facilmente, podernos convencer-nos da necessidade dessadistincao. Permitam-me que os oonduza mais urna vez aos Estados Unidos daAmerica, pois que la se pede observar oerto numero de realidades em sua fei­\;iio original e mais contundente, 0 jovem norte-americano aprende muito me­nos coisas que 0 jovem alemao, Entretanto, e apesar do rnimero incrivel deexames a que e sujeitado, nao se tornau ainda, em razao do espinto que do­mina a universidade norte-americana, a besta de exames em que esta transfer­mado 0 esrudante alernao, Pois, na America, a burocracia que pressupoe 0 di­ploma de exame como bilhete de entrada para 0 reino das prebendas, estaapenas em seus prtrnordios, 0 jovem norte-americano nada respeita, nem a pes­soa, nem a tradi\;iio, nem a situacfo profissional, mas inclina-se diante da qua­lidade profissional de qualquer individuo. E a isso que ele chama de "demo­cracia", Por mais caricarural que possa parecer a realidade americana quandoa colocarnos diante da significacao verdadeira da palavra democracia, aquele eo sentido que Ihe atribuem e, de momento, so isso importa, 0 jovem norte­americana faz do seu professor urna ideia simples: e aquele que Ihe vende co­nhecimentos e metodos em troca do dinheiro pago pelo pai, exatamente comoo merceeiro vende repolhos a mae, Nada alern disso, Se 0 professor for, poeexemplo, carnpeao de futebol, runguem hesitara em conlerir-lhe a posicao deurn lider em tal setor, Se, porern, nao for urn trelnador (au qualquer outra coisanum setor esportivo diverso), e simplesmente urn professor, e nada mais, E aurn jovem norte-americano jamais ocorreria que Sell professor pudesse vender­lhe "concepcoes de mundo", au regras validas para a oonduta na vida, Claroesta que nos, alemaes, rejeltamos urna concepcao deste tipo, Cabe, entretanto,perguntar se nessa manelra de ver, que poe mim foi exagerada ate oerto ponto,nao ha algurna verdade,

Meus caras alunas: V~ acorrem aos nossos curses, exlgindo de nos, quesomos professores, qualidades de lider, sem jamais levar em consideracao que,de cem professores, noventa e nove nao tern e nao devem ter a pretensao deser carnpeoes de futebol da vida, nem "orientadores'', no que diz respeito asquest5es que se referem a conduta da vida, Epreciso nao esquecer que 0 valorde urn ser hurnano nao se poe, necessariamente, na dependencia das condlcoesde lider que ele possa possuir, De qualquer manelra, 0 que faz, 0 que trans­forma um homem em sabio eminente au professor universitario nao e, poe cer­to, 0 que poderia transforrna-lo num lfder no domlnio da conduta pratica davida, e, especial mente, no domfnio pratico, 0 fato de urn professor possuir estaUltima qualidade e alga que brota do puro acaso. Selia inquietante 0 fato detodo professor titular de urna citedra universitaria ter a opiniao de estar diante

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da absoluta necessidade de provar que e um lider. E mais inquietante alndaseria 0 faro de perrnitir-se que todo professor de universidade julgasse ter apossibilidade de desempenhar esse papel na sala de aula. Com efeito os quea si mesmos se julgam l1deres sao, freqOentemente, os menos qualificados paratal funcao de qualquer forma, a sala de aula nao sera jamais 0 local em queo professor possa fazer prova de tal aptidao. 0 professor que sente a voeacaode conselheiro da juventude e que tem a confianr;a da juventude, deve desem­penhar esse papel no contato pessoal com os jovens. Se ele se sente chamadoa intervir nas opini6es dos partidos, deve faze-lo fora da sala de aula, devefaze-lo em lugar publico, 00 seja, atraves da imprensa, em reunioes, em asso­ciacoes, onde queira. E, com efeito, dernasiado comedo exibir coragem numlocal em que os assistentes e, talvez, os oponentes, estao condenados ao 81­lendo Ap6s tais coostderacoes, os senhores poderao dizer: "se assim e, quecontrtbuiclo real e positiva traz a denda para a vida pratica e pessoal?" Comisso estamos novamente de volta ao problema da cienda como "vocacao",

Em prirneiro lugar, a dencia coloca naturalmente a nossa disposteao cerronumero de conhecimentos que nos permitem dominar tecnicamente a vida potmeio da prevtsao, tanto no que se refere a esfera das coisas exteriores comoao campo da atividade dos homens. Os senhores replicarao; "afinal das contas,isso nao passa do comercio de legumes do jovem norte-americano". Concordoplenamente. Em segundo lugar, a denda pode contribuir com algo que 0 co­merciante de legumes nao pode rnetodos de pensamento, instnunentos tecnicose treinamento cientifico. Os senhores poderao replicar: "talvez nao se trate malsde legumes, porem de melos atraves dos quais se consegue facilmente obterlegumes". Admitamos pot enquanto essa optniao Felizmente, a contribuicao daciencia ainda nao termina com isso. Temos a conviccao de apontar claramenteuma terceira contribuicao; a dencia contribui para a clareza. Na medida emque isso ocorre, podemos afinnar 0 seguinte. na pratica, podeis tomar esta 00

aquela posicao em relacao a um problema de valor simplificando; pensai, porfavor, nos fenornenos sociais, pot exemplo. Quando se adota esta 00 aquelaposicao, sera preciso, de acordo com 0 procedimento ciennfico, aplicar tais 00

quais rneios para se levar 0 projeto a bom termo. Pode acontecer que, em cerromomento, os rnetodos apresentem um carater que nos obriguem a recusa-los,Neste caso, sera precise escolher entre 0 fim e os meios inevitaveis que essefun exige. 0 fim justifica 00 nao justifica os meios? 0 professor s6 pode rnostrara necessidade da escolha, mas nao pode ir alem, caso se limite a Sell papelde professor e nao queira transformar-se em demagogo. Alem disso, ele poderademonstrar que, quando se deseja tal 00 qual fim, torna-se necessario consentirem tais consequencias subsidiarias que tarnbern se manifestarao, como mostramas li~Oes da cxperiencia. Hipoteticamente podem apresentar-se as mesmas di­fieuldades que surgem a proposlto da escolha dos meios. A este nivel s6 de­frontarno-nos, entretanto, com problemas que podem apresentar-se igualmentea qualquer tecnico. Este se ve compelido, em numerosas circunstancias, a de­cidir, apelando para 0 principio do mal menor 00 para 0 principio do que erelativamente melhor. Com uma diferenca, entretanto: geralmente, 0 tecnico dis­poe, de antemao, de urn dado e de um dado que e capital, a objetivo. Ora,quando se trata de problemas fundamentais, 0 objetivo nao nos e dado. Com

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base nesta consideracao, podernos referir, agora, a Ultima contribuicao que aciencia di ao service da clareza, contribuicao alern da qual nao hi outras, Oscientistas podem - e devem - rnostrar que tal pa;i<;iio adotada deriva, logi­camente e com toda a clareza, quanto ao seu significado, de uma vtsao Ultimae basica do mundo. Uma tomada de pa;i<;iio pode derivar de uma visilo iinicado mundo au de varias, diferentes entre si. Desta forma, 0 dentista pode escla­recer que determinada posicao deriva de uma e nao de outra concepcao. Re­tornernos a metafora de que hi pouco falamos. A denda mostrara que, ado­tando tal pcsicao, certa pessoa estara a service de tal Deus e ofendera outroDeus e que, se desejar ser fiel a si rnesma, chegara, oertamente, a detenninadasconsequencias intimas, Ultimas e significativas. Eis 0 que a ciencia pode pro­pordonar, ao rnenos em prindpio, Essa mesma obra e a que procura realizara disdplina espedal que se intitula filosotia e as disciplinas metodol6gicas pr6­prias das autras disdplinas. Se estivermos, portanto, enquanto dentistas, a alturada tarefa que n06 incumbe (0 que, evidentemente, e predso aqui supor), po­demos compelir uma pessoa a dar-se conta do sentido Ultimo de seus pr6priosatos au, quando menos, ajuda-la em tal sentido. Pareoe-me que este resuitadonao e desprezfvel, rnesmo no que diz respeito a vida pessoal. Se urn professoralcanca esse resultado, inclino-me a dizer que ele se poe a service de "forcasmorals", au seja, a service do dever de levar a brotarem, nas pessoas alheias,a clareza e 0 sentido da responsabilidade. Creio que the sera tanto mais facilrealizar este intento quanto mais ele evite, escrupulosamente, Impor au sugerira audiencia uma conviccao,

As opiniCies que aqui lhes exponho tern par base, em verdade, a condicaofundamental seguinte: a vida, enquanto encerra em si rnesma urn sentido e en­quanto se compreende par si rnesma, s6 conhece 0 cornbate eterno que 06deuses travam entre si au - evitando a metafora - s6 conhece a Incornpati­bilidade das atitudes ultirnas possfveis, a imp06sibilidade de dirimir seus con­flitos e, consequentemente, a necessidade de se deddir em prol de urn au deautro. Quanto a saber se, em condicoes tais, vale a pena que alguem faca daciencia a sua "vocacao", au a indagar se a denda constitui, par si rnesma, umavocacao objetivamente valiosa, Impoe-se reconhecer que esse tipo de indagacaoimplica, por sua vel, urn jufzo de valor, a pr0p6sito do qual nao cabe mani­festacao em sala de aula. A resposta afirmativa a essas perguntas constitui, comefeito e predsarnente, 0 pressuposto do ensino. Pessoalmente, respondo-as dernaneira afirmativa, tal como e atestado par meus trabalhos. Tudo isso se aplicaigualmente e, ate mesmo, espedalmente ao ponto de vista fundamentalmentehostil ao intelectualismo onde vejo, tal como a juventude moderna ve ou narnaior parte das vezes imagina ver, 0 mais perigoso de todos 06 demonios, Etalvez este 0 momento de relembrar a essa juventude a sentenc;a: "Nao esquec;aque 0 diabo e belo e, assim, espere tornar-se velho para poder compreende-lo",o que nao quer dizer que se faca necessario provar-lhe a idade apresentandouma certidilo de nascimento. 0 sentido daquelas palavras e diverso: se vocedeseja se defrontar com essa especie de diabo, nao cabera optar pela fuga, talcomo acontece muito frequentemente em nOSS06 dias, mas sera necessario exa­mioar a fundo 06 caminhos que trilha, para conhecer-lhe 0 poder e as limita­~Cies.

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A ciencia e, atualmente, uma 'vocacao" alicercada na especializacao e postaao service de uma tomada de consciencia de n6s rnesmos e dos conhedmentosdas relacoes objetivas. A ciencia nao e um produto da revelacao, nem e gracaque um profera au urn visionario hauvesse recebido para assegurar a salvacsodas almas: nao e rampouco porcao integrante de medJrar;ao de sabios e fil6sofosque se dedJcam a refletir sobre a sentido do mundo. Tal e a dado inelutavelde nossa situar;ao hist6rica, a que nao podernos escapar se desejamos perma­necer fies a n6s rnesmos, E agora, se a maneira de Tolst6i, novamente se co­locar a indagacao "Falhando a ciencia, onde poderernos abler uma respostapara a pergunra - que devernos fazer e como devernos organizar a nossa vi­da?", au, colocando a problema nos termos empregados nesra noite: "Que deusdevernos servir dentre os muitos que se combatem? Devemos, ralvez, servir aurn autro deus, mas a qual?" - a essa tndagacso, responderei: urn profera auurn salvador. E se esse salvador nao existe mals au se nao e mais ouvida asua mensagem, estejam certos de que nao conseguirao faze-lo descer a Terraapenas porque milhares de professores, transformados em pequenos proferasprivilegiados e pagos pelo Estado, procuram desempenhar esse papel em umasala de aula. Par esse caminho s6 se consegulra uma coisa: impedir a geracaojovem de se dar conra de um fato decisivo: a profeta, que tantos integrante:sda nova geracao chamam a plena voz, nao mais existe. Alem disso, s6 se con­seguira impedir que essa geracao apreenda a significado arnplo de tal ausenda,Esrou cerro de que nao se presta nenhum servtco a uma pessoa que exulracom uma religiao quando dela se esconde, como, alias, dos homens, que seudestino e viver numa epoca indiferente a Deus e aos proferas. au quando, aosolhos de ral pessoa, se dissimula aquela situar;ao fundamenral, par rneio dossucedaneos que sao as profecias feitas do alto de uma catedra universitaria,Pareee-me que 0 crente, na pureza de sua fe, deveria insurgir-se contra seme­lhante engodo. Talvez, entretanto, ocorra-lhe pergunra nova: qual e a posir;aoa adorar diante de uma teologia que pretende a titulo de "ciencia'? Nao vamosnos esquivar e contornar a questao, Por cerro que nao se encontram, em tadaparte, "teologia" e "dogmas", a que, entretanto, nso equJvale a dizer que eless6 se encontram no cristianismo. Conternplando a curso da hist6ria, encontra­mos teologias amplamente desenvolvidas no islamismo, no manique1smo, nagoose, no orfismo, no parcismo, no taoismo, no budismo, nas seitas hindusnos Upanishadas e, naturalmente, rambem no judalsmo. Tais teologias tiveram,em cada caso, desenvolvimento sistematico diferente. Nao e, porem, produtodo acaso a fato de a cristianismo ocidental ter nao somente elaborado au pro­curado elaborar de maneira mais sistematica a sua teologia - contrariarnenteao que se passau com os elementos de teologia que se encontram no judafsmo- como tarnbern procurado ernprestar-lhe desenvolvimento cuja signlflcacaohist6rica e, indiscutivelrnente, a de maior relevancia. ISla se explica par influen­cia do espirito helenlco, pais tada teologia ocidental dimana desse espfrito, parapoder pensa-lo, Trata-se de ponto de vista idennco ao enfrenrado pela teoriado conhecimento, elaborada par Kant, que, partindo do pressuposto "a verdadecientifica existe e e valida" indaga, em seguida, acerca de dois pressupostosque a tornam passive!. A questiio nos lembra ainda a ponte de visra dos esterasmodernos que partem (expliciramente, como faz, par exernplo, G.V.Lukacs, au

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de forma afetiva) do pressuposto de que "existem obras de arte" e indagarn,em seguida, como e isso possfvel. Certo e que, em geral, as teologias MO secontentam com esse pressuposto Ultimo, que brota, essendalmente, da filosofiada religiao, Partern elas, nonnalmente, de pressupostos elementares: por urn la­do, do pressuposto de que se irnpoe crer em certas "revelacoes" que sao im­portantes para a salvacao da alma, isto e, fatos que sao os unicos a impregnarde sentido posslvel certa forma de comportamento na vida. Contudo tamoerna teologia se ve diante da questao: como compreender em functo de nossarepresentacao total do mundo esses pressupostos! Responde a teologia que taispressupostos pertencem a uma esfera para Iii da "ciencia", Nao corresponde,por conseguinte, a urn "saber", no sentido comurn da palavra, mas a urn 'ter",no sentido de que nenhuma teologia pode fazer as vezes da fe e de outroselementos de santidade em que MO os possui, Com mais forte razao, MO 0podera tambern nenhuma outra ciencla, Em tada teologia "positiva", 0 crentechega, necessariarnente, num momento dado, a um ponto em que 56 the eposslvel recorrer :l maxima de Santo Agostinho: Credo non quod, sed quia ab­surdum est. a poder de realizar essa proeza, que e 0 "sacriflcio do intelecto",constitui 0 trace decisive e caraeteristico do crente praticante. Se assim e, ve-seque, apesar da teologia (ou, antes, par causa dela) existe uma tensao invenc1vel(que a teologia precisamente revela) entre 0 dominic da crenca na "ciencia" eo dominic da salvacao religiosa.

56 0 discipulo faz legitimamente 0 "sacriftcio do inteleeto" em favor doprofeta, como s6 0 crente 0 faz em favor da Igreja, Nunca, porem, se viu nasceruma nova profecia (repito deliberadamente essa metafora que a alguns talveztera chocado) em razao de certos inteleetuais modernos experimentarem a ne­cessidade de mobiliar a alma com objetos antigos e portadores, par assim dizer,de garantia de autenticidade, aos quais acrescentam a religiao, que, alias, MOpraticarn, simplesmente pelo fato de recordarem que ela faz pane daquelas an­tiguidades. Dessa maneira, substituem a religiao par urn sucedaneo com queenfeitam a alma, como se enfeita uma capela privada, ornamentando-a com Ido­los trazidos de todas as panes do mundo. au criam sucedaneos de todas aspossiveis formas de experiencta, aos quais atribuem a dignidade de santidademistica, para trafici-los no mercado de livros. Ora, tudo isso nao passa de umaforma de charlatanismo, da maneira de se iludir a si mesrno, Ha, contudo, urnoutre fen6meno que nada tem de charlatanismo e que consiste, ao contrario,em algo muito serio, embora as vezes interpretado, talvez falsamente, em suasignificacao, Pretendo referir-me a esses movimentos de juventude que se verndesenvolvendo nos ultirnos anos e que tern 0 objetivo de dar as relacoes hu­manas de carater pessoal, que se estabelecem no interior de uma comunidade,o sentido de uma relacao religiosa, c6smica au mistica. Se e certo que todoate de verdadeira fratemidade e acompanhado da consciencia de incluir algode imperecivel no mundo das relacoes suprapessoais, parece-me, ao contrario,duvidoso que a dignidade das relacoes comunitarias possa ser realcada por es­sas tnterpretacoes religiosas. Essa consideracao, contudo, nos afasta do assunto,

a destino do nosso tempo, que se caraeteriza pela racionalizacao, pela in­telectualizacao e, sobretudo, pelo "desencantamento do mundo", levau os ho­mens a banirem da vida publica os valores supremos e rnais sublimes, Tais va-

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lores encontraram refugio na transcendencia da vida mistica ou na fraternidadedas relacoes diretas ou reciprocas entre individuos isolados. Nada hi de fottuitono fato de que a arte mais erninente de nosso tempo e Intima e nilo monu­mental, nem no faro de que, hoje em dia, 56 nos pequenos drculos cornuni­tarios, no contato de homem a homem, em pianissimo, se encontra alga quepoderia correspander ao pneuma profetico que abrasava as comunidades anti­gas e as mantinha solidarias, Enquanto boscamos, a qualquer preco, "inventar"urn novo estilo de arte monumental, soma; levados a esses lamentaveis horroresque sao a; monurnentos cia> Ultima; vinte anos, E enquanto tentarmos fabricarintelectualmente novas religi6es, chegaremos, em nosso intima, a ausencia dequalquer nova e autentica profecia, a alga sernelhante e que tern, para nossaalma, efeitos ainda rnais desastrosos, As profecias que caem das citedras uni­versitilrias nao tern outro resultado senao 0 de dar lugar a seitas de fanancose jamais produzem comunidades verdadeirns. A quem nao e capaz de suportarvirilmente esse destino de nossa epoca, 56 cabe dar a conselho seguinte: voltaem silencio, com simplicidade e recolhimento, a06 braces abertos e cheios demlseric6rdia das velhas Igrejas, sem dar a teu gesto a publicidade habitual cia>renegades, E elas nao dificultarao este retorno. De uma forma ou de autra, eletern de fazer 0 seu "sacrificio do intelecto" - isso e Inevttavel, Se ele puderrealmente faze-lo, nao 0 criticaremos de maneira nenhuma. Pois tal "sacriffciodo intelecto" em favor de uma dedicacao religiosa, e eticamente alga diferentedaquela tentatlva de evitar urn posicionamento claro - urn dever de probidadeintelectual - que surge quando falta a coragem de explicitar e de esclarecera Ultima posicao escolhida, fazendo com que se percebe, em vez de fazer i55O,surge uma inclinacao para consentir em urn relatlvismo precirio. A meu ver,esta atitude, ou seja, 0 retorno as Igrejas tradicionais, e superior ao procedi­mento de todas as profecias de catedraticos que nao compreendem claramenteque nas salas de aula da universidade nenhuma autra virtude e v:\lida a niloser a simples integridade inteleetual. A integridade, porern, nos obriga a dizera06 muitos que hoje anseiam por nova; profetas e por nOV06 redentores quea situacao e a mesma que ressoa na bela canc;ao edomlta do vigia - do periododo exilic do povo hebreu - e que foi inclufda n06 oraculos de Isaias: "Vemuma voz de Seir em Edam que diz: Quanta tempo ainda havera noite? 0 vigiaresponde: Vem a rnanha, mas ainda e noire. Se quereis perguntar, Voltai noutrodla",

o povo a quem foram ditas essas palavras nao cessau de fazer esta per­gunta e de esperar mais de dais mil ana; e conhecernos 0 seu destino pertu­bador e comovente. Temos de aprender esta lic;ao: apenas esperar a aguardarnilo e suficiente. Temos de proceder de maneira diferente, au seja: temos deentregar-nos ao trabalho e correspander as "exigencias de cada dia" - tantono campa das nossas relacoes humanas, como das atividades profissionais. Estaexigenda, decerto, e simples e clara, se cada urn de n6s encontra e obedeceao "dernoruo'' CO) que tece as teias de sua vida.

• "DemOnio", em alerrao "Damon" cpe pode significar: a divindade do mal, oc seta 0 demOnic,mas tambem - veja-se nos escritos de Socrates - "a voz interior" au seja "a consciencia" endT.)

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de forma afetiva) do pressuposto de que "existem obras de arte" e indagam,em seguida, como e isso possfvel. Certo e que, em geral, as teologias nao secontentam com esse pressuposto Ultimo, que brota, essencialmente, da filcsofiada religiao. Pattern elas, nonnalmente, de pressupostos elementares: por um la­do, do pressuposto de que se imp6e erer em certas "revelacoes" que sao im­portantes para a salvacao da alma, isto e, fates que sao a; (mica; a impregnarde sentido posslvel certa forma de cornportamento na vida. Contudo tarnbema teologia se ve diante da questiio: como compreender em fun9io de nossarepresentacao total do mundo esses pressupostos? Responde a teologia que taispressupostos pertencem a uma esfera para Ii da "ciencia", Nao corresponde,par conseguinte, a um "saber", no sentido comum da palavra, mas a um "ter",no sentido de que nenhuma teologia pode fazer as vezes da fe e de outroselementos de santidade em que nao a; possui. Com mais forte razao, nao 0

podera tambem nenhuma outra ciencia, Em toda teologia "positlva", 0 crentechega, necessariamente, num momenta dado, a um ponto em que s6 the epossivel recorrer a maxima de Santo Agostinho. Credo non quod, sed quia ab­surdum est. 0 poder de realizar essa proeza, que e 0 "sacrifido do intelecto",constitui 0 trace dedsivo e caraeteristico do crente praticante. Se assim e, ve-seque, apesar da teologia (ou, antes, par causa dela) existe uma tensao invencfvel(que a teologia precisarnente revela) entre 0 domfnio da crenca na "ciencia" eo domfnio da salvacao religiosa.

56 0 disdpulo faz legitimamente 0 "sacriffdo do inteleeto" em favor doprofeta, como s6 0 crente 0 faz em favor da Igreja. Nunca, porem, se viu nasceruma nova profeda (repito deliberadamente essa metifora que a alguns talveztera chocado) em razao de certos inteleetuais modernos expetimentarem a ne­cessidade de mobiliar a alma com obietos antigos e portadores, par assim dizer,de garantia de autenticidade, aos quais acrescentam a religiao, que, alias, naopraticam, simplesmente pelo fato de recordarem que ela faz pane daquelas an­tiguidades. Dessa rnaneira, substituem a religiao par um sucedaneo com queenfeitam a alma, como se enfeita uma capela privada, ornamentando-a com fdo­los trazidos de todas as partes do mundo. au criam sucedaneos de todas aspossiveis formas de experiencia, aos quais atribuem a dignidade de santidademfstica, para trafica-los no mercado de livros. Ora, tudo Isso nao passa de umaforma de charlatanismo, da maneira de se iludir a si mesmo. Hi, contudo, urnoutro fen6meno que nada tern de charlatanismo e que consiste, ao contrario,em algo muito serio, embora as vezes interpretado, talvez falsamente, em suasignificacao. Pretendo referir-me a esses rnovimentos de juventude que se verndesenvolvendo nos Ultima; ana; e que tern 0 objetivo de dar as relacoes hu­manas de carater pessoal, que se estabelecem no interior de uma comunidade,o sentido de uma relacao religiosa, cosrnica ou mfstica. Se e certo que todoato de verdadeira fraternidade e acompanhado da consciencia de incluir algode imperedvel no mundo das relacoes suprapessoais, parece-me, ao contrario,duvidoso que a dignidade das relacoes comunitarias possa Set realcada par es­sas Interpretacoes religiosas, Essa consideracao, contudo, nos afasta do assunto.

o destino do nosso tempo, que se caraeteriza pela racionalizacao, pela in­tclectualizacao e, sobretudo, pelo "desencantamento do mundo", levou a; ho­mens a banirem da vida publica os valores suprema; e rnais sublimes. Tais va-

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lores encontraram refugio na transcendencia da vida mfstica au na fraternidadedas relacoes diretas au recfprocas entre individuos isolados. Nada M de fottuitono fato de que a arte mais eminente de nosso tempo e intima e nao monu­mental, nem no fato de que, hoje em dia, s6 nos pequenos cfrculos comuni­tarios, no contato de homem a homem, em pianfssimo, se encontra alga quepoderia corresponder ao pneuma profetico que abrasava as comunidades anti­gas e as mantinha solidarias, Enquanto buscamos, a qualquer preco, "inventar"urn novo estilo de arte monumental, somos levados a esses lamentaveis horroresque sao os rnonumentos dos ultirnos vinte anos. E enquanto tentarmos fabricarintelectualmente novas religic3es, chegaremos, em nosso intima, a ausenda dequalquer nova e autentica profecia, a alga semelhante e que tern, para nossaalma, efeitos ainda mais desastrosos. As profecias que caem das cltedras uni­versitarias nao tern outro resultado senao a de dar lugar a settas de fanaticose jamais produzem comunidades verdadeiras. A quem nao e capaz de suportarvtrilrnente esse destino de nossa epoca, s6 cabe dar a conselho seguinte: voltaem silencio, com simplicidade e recolhimento, aos braces abertos e cheios demiseric6rdia das velhas Igrejas, sem dar a teu gesto a publicidade habitual dosrenegados. E elas nao dlficultarao este retorno. De uma forma au de ootra, eletern de fazer a seu "sacriffclo do intelecto" - isso e inevitavel, Se ele puderrealmente faze-lo, nao a criticaremos de maneira nenhuma. Pais tal "sacrifidodo intelecto" em favor de uma dedicacao religiosa, e eticamente alga diferentedaquela tentativa de evitar urn posidonamento claro - urn dever de probidadeintelectual - que surge quando falta a coragem de explidtar e de esclarecera Ultima posicao escolhida, fazenda com que se percebe, em vez de fazer isso,surge uma inclinacao para consentir em urn relativismo preclrio. A meu ver,esta atitude, au seja, a retorno as Igrejas tradicionais, e superior ao procedi­menta de todas as profecias de catedraticos que nao compreendem claramenteque nas salas de aula da unIversidade nenhuma autra virtude e valida a naoser a simples integridade intelectual. A integridade, porem, nos obriga a dizeraos muitos que hoje anseiam par novos profetas e por novos redentores quea situacao e a mesma que ressoa na bela cancao edomita do vigia - do periododo exflio do povo hebreu - e que foi incluida nos oraculos de Isaias: ''Vernuma voz de Seir em Edam que diz: Quanta tempo ainda havera noite? 0 vigiaresponde: Vern a manila, mas ainda e noite. Se quereis perguntar, Volta! noutrodi "a.

o povo a quem foram ditas essas palavras nao cessau de fazer esta per­gunta e de esperar mais de dais mil anos e conhecemos a seu destino pertu­bador e comovente. Temos de aprender esta li<,;iio: apenas esperar a aguardarnao e sufidente. Temos de proceder de maneira diferente, au seja: temos deentregar-nos ao trabalho e corresponder as "exigencias de cada dia" - tantono campo das nossas relacoes humanas, como das atividades profissionais. Estaexigencia, deoerto, e simples e clara, se cada urn de n6s encontra e obedeceao "dem6nio" (') que teee as teias de sua vida.

• "Dem:n1io". em alerrao 'Damon" cpe pode significar: a divindadedo mal, cu seja 0 demOnio,mas tambem - veja-se nos escntos de SOcrates - "a voz interior" ou seja "a consciencla" (ndT.)

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