William da Silva-e-Silva - A Trajetória do Graffiti Mundial

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    Revista Ohun, ano 4, n. 4, p.212-231, dez 2008 ISSN 1807-595479

    A TRAJ ETRIA DO GRAFFITI MUNDIAL

    William da Silva-e-Silva

    Resumo:

    Atualmente o graffiti realizado em inmeros pases. Em diferentes lugares do globoterrestre, a exemplo da Blgica, Canad, China, Cuba, Espanha, EUA, Frana, Per eSenegal, a escritura de rua mantm forte presena.

    Na China a inscrio urbana um fenmeno novo. Recorrente atualmente nas cidadesde Beijing e Xangai onde foi transformada em anncios de publicidade educativa sobredoenas contagiosas.

    Tal fenmeno chegou ao Brasil em 1964.

    A histria desta interveno parietal se mistura com a histria pessoal dos artistas, taiscomo Keith Haring, Dmtrius, Alex Vallauri e Jean Michel Basquiat (um dos

    primeiros a pintar em telas utilizando tcnicas e materiais de graffiti).

    Palavras-chaves: graffiti, cidade, arte..

    Summary:

    Currently graffiti is carried through in innumerable countries. In different places of theglobe, the example of Belgium, Canada, China, Cuba, Spain, U.S.A., France, Per andSenegal, the street writing keeps fort presence.

    In China the urban inscription is a new phenomenon. Recurrent currently in the cities ofBeijing and Xangai where it was transformed into announcements of educativeadvertising on contagious diseases.

    Such phenomenon arrived at Brazil in 1964.

    The history of this parietal intervention if mixture with the personal history of theartists, such as Keith Haring, Dmtrius, Alex Vallauri e Jean Michel Basquiat (one ofthe first ones to paint in screens being used techniques and materials of graffiti).

    Word-keys: graffiti, city, art.

    Mestrando em Psicologia Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, email:[email protected]

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    Revista Ohun, ano 4, n. 4, p.212-231, dez 2008 ISSN 1807-595479

    Graffiti uma arte grfica, uma comunicao visual capaz de t ramitar mensagens

    atravs de desenhos, smbolos e letras elaborados a partir de um repertrio simblico

    que pode ser comum sociedade em geral ou de conhecimento restrito a pequenos

    grupos de sujeitos. Pode ser de compreenso clara ou no na medida em que tanto possvel que a interveno fornea uma leitura fcil como distorcida das imagens e

    letras. O graffiti uma representao iconogrfica. Para que exista uma escritura de rua

    necessrio pelo menos uma forma imagtica, que pode ser uma palavra ou um

    smbolo. Geralmente criado com tinta leo em jato(s) de spray, uma expresso

    plstica que retrata os mais variados temas ou simplesmente constitui assinaturas

    elaboradas. A produo materializada sobre paredes e muros, suportes que podem ser

    internos ou externos, privados ou pblicos.

    O impacto visual que provoca, tanto atravs das grandes dimenses que geralmente

    assume como pelas cores fortes, vibrantes e contrastantes que utiliza um choque que

    altera a disposio esttica das cidades modernas.

    Geralmente uma criao elaborada com tinta leo em jato de spraye em cores e

    dimenses que propiciam uma viso as longas distncias.

    A escritura urbana uma prtica discursiva exercida por uma minoria social -

    majoritariamente homens, jovens, negros, pobres, moradores de subrbios e favelas.

    Um dispositivo simblico usado para expressar, perante a sociedade, suas recusas e

    expectativas. Com seus temas, cdigos e relaes simblicas so na verdade complexose variados registros do imaginrio social. Identidades, tanto a individual, como a grupal

    so criadas e nutridas pelo imaginrio social, para o caso que nos interessa pelo

    imaginrio do graffiteiro carioca.

    Acontece, algumas vezes, do graffiteiro receberspray, pincis e tinta ltex, e at

    dinheiro pelo servio prestado. Auxlio que tanto pode ser oriundo do proprietrio do

    muro, como de prefeituras. Contudo, qualquer tipo de incentivo a esta arte, at o

    momento, responsvel por patrocinar um percentual nfimo de intervenes. O fato

    que aescritura de rua tem sua confeco custeada com o dinheiro do artista, que paga o

    deslocamento no campo (passagens, lanches), os materiais usados, enfim, tudo custo sai

    bolso do graffiteiro.

    No centro da cidade do Rio de Janeiro so recorrentes as pinturas de crianas,

    graffiteirose assinaturas dos artistas.

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    As crianas so mostradas nos muros indiferentes ao gnero - meninos e meninas, s

    vezes bebs. Os graffiteiros,por outro lado,so quase sempre representados no sexo

    masculino, homens com latas de spraynas mos ou nos bolsos. Ambos, crianas e

    graffiteiros, por costume de seus criadores so inseridos em enredos, ou, pelo menos,

    fazem parte de um tema.

    A representao de adultos tambm realizada com certa regularidade. Aparecem,

    contudo, poucas pinturas de natureza morta e arte abstrata.

    Tadavia os temas mais recorrentes so a paz, a desigualdade social, o amor e f

    (explcita ou implcita).

    J as assinaturas so as transposies para as edificaes e muros do apelido do escritor

    de rua, nica palavra, solitria, sem tema, sem personificaes. Elaboraes em letras

    grandes, coloridas, compreensveis aos leigos ou em forma de tatuagem tribal

    codificada.

    Os apelidos so obrigatrios entre os membros deste grupo. E o codinome, tanto pode

    ser uma inveno auto-atributiva dos iniciados na arte, como uma imposio de sua

    crew.

    Observaes realizadas revelaram altos ndices de associaes interpessoais dentro

    deste universo restrito, isto , a maior frao dos graffitisexpostos aqui que so

    amostras qualitativamente representativas do universo composto pelos graffitis do

    centro da cidade do Rio de Janeiro, no foram realizadas por indivduos isolados, maspor homens (genericamente falando) organizados em grupos - crews.

    Tudo o que vimos at agora sobre esta arte est sujeito a influncias culturais locais que

    acabam moldando o aspecto final do graffiti de cada regio.

    Todavia, a escritura de rua foi fortemente marca pelo surgimento do hip-hop, um

    movimento cultural que emerge em Nova Iorque, EUA ao final da dcada de 60 nos

    subrbios de Bronx, Harlem, Brooklyn, redutos de negros e latinos, bairros de extrema

    pobreza, violncia, racismo, trfico de drogas. Gangues de rua se confrontavam armadas

    belicamente pelo domnio territorial. Num dado momento as gangues comeam a

    encontrar na arte uma forma de canalizar a violncia de seu mundo, passam, ento, a

    freqentar festas e danarBreak. A dana passa a ter, ento, para estes grupos, a funo

    de substituir as armas-de-assalto. O dono do pedao que era escolhido atravs de

    confronto armado, agora escolhido atravs de competies de dana.

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    O Dj Afrika Bambaataa foi o criador do termo hip-hop e idealizador da juno dos

    elementos que compem o movimento. Bambaataa declara:

    Quando ns criamos o hip-hop, o fizemos esperando que seria sobre a paz, amor, unio

    e diverso e que as pessoas se afastariam da negatividade que estava contaminando

    nossas ruas (violncia de gangues, trfico de drogas, complexos de inferioridade,conflitos entre afros-descendentes e latinos). Embora esta negatividade ainda acontea

    aqui e ali, a medida que a cultura cresce, ns desempenhamos um grande papel na

    resoluo de conflitos e no cumprimento da positividade. [1]

    Imediatamente aps chegar ao Brasil nos anos 80 o movimento cultural hip-hop foi

    adaptado s periferias do pas com objetivo de servir como veculo de politizao e

    mobilizao da juventude pobre rumo transformao social, fortalecendo e criando

    alternativas contra o racismo, a fome e a desigualdade social. O hip-hoppianismo

    implica, prioritariamente, engajamento social efetivado, tanto atravs dos seus quatroveculos - graffiti, a msica Rap, os MCs (Master of Cerimony) e os Djs (Disk J ockey) -,

    como por intermdio de suas ONGs e oficinas que realizam inmeros trabalhos

    socioculturais.

    No Brasil este movimento tem por ideologia manter a luta contra o racismo e o

    preconceito, com atitudes que direta e indiretamente venham propiciar a incluso social

    dos indivduos que foram at ento mantidos ou jogados margem da sociedade. Em

    2004 a juventude brasileira representava 45 milhes de pessoas na faixa entre 15 e 29

    anos. Segundo dados do IBGE sobre o mesmo perodo, cerca de 22% dos jovens do pas

    encontravam-se abaixo da linha de pobreza,imersosna misria.

    A metodologia do hip-hop instruir e ocupar os jovens retirando-os das drogas e do

    cio. Visa criar sonhos, despertar a auto-estima, a conscincia social e talentos latentes.

    A ao primeira do hip-hopvem atravs da arte. Partindo da, as ONGs e os ncleos

    espalhados pelo pas se alternam no trabalho de: ensinar a histria geral e do Brasil;

    administrar cursos de violo, percusso, teatro, break, ingls, computao e locuo de

    rdio; educar sobre o risco das doenas venreas, ensinar sobre o diagnstico e

    tratamento da hansenase, ensinar aos jovens o uso dos mtodos anticoncepcionais;

    ministrar palestras e seminrios voltados para a conscientizao da cidadania e daimportncia que possui o patrimnio material e imaterial para a melhoria da qualidade

    de vida; criar e gerenciar cooperativas de trabalho.

    A cultura hip-hoppianaest repercutindo em todo o Brasil, aglomerando inmeras

    organizaes. Representantes de Maranho, Cear, Piau, Rondnia e Par realizaram

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    em janeiro de 2000, na cidade de Belm, no Par, um projeto na tentativa de criar uma

    unidade dessa regio.

    Porm, a desejada unidade at o momento no se realizou e o movimento hip-hop

    demonstra caractersticas prprias em cada regio conforme a cultura de seus

    organizadores e praticantes.

    O graffiti: do mundo, para o Rio de J aneiro.

    Atualmente o graffiti realizado em inmeros pases, numa ao que intervm tatuando

    o corpo das metrpoles em cinco continentes.

    A origem desta arte pode estar nos desenhos rupestres ou no muralismo, no entanto,

    trata-se de uma discusso que no far parte deste estudo. Vamos partir da exploso do

    imaginrio social, que teve como marco a Frana de 1968, e atribuiu inscrio urbana

    poder e difuso.

    A referida exploso mundial desta manifestao cultural ocorreu em 1968 e teve como

    epicentro a Frana. Um dispositivo simblico que naquele momento histrico - Paris de

    maio de 1968, foi manipulado pela massa popular constituda, majoritariamente, por

    estudantes e trabalhadores revoltados e revoltosos com a situao socioeconmica da

    Frana.

    Os graffitisserviram para registrar na cidade tal descontentamento, foi uma

    possibilidade que as pessoas envolvidas nos protestos encontraram para reconhecer e

    demarcar as recusas e expectativas do movimento.

    Gitahy diz em seu livro O que Graffiti: Durante a revolta dos estudantes iniciada em

    maio de 1968 em Paris, vimos como o sprayviabilizou que as mesmas reivindicaes

    que eram gritadas nas ruas, fossem rapidamente registradas nos muros da cidade.

    (GITAHY, 1999, p. 21). Clia Maria Antonacci Ramos [2] considera maio de 1968 o

    marco do ressurgimento do graffiti e cita na pgina quatorze de seu livro exemplo de

    interveno que teria sido veiculado nos muros franceses neste perodo:

    LA BOURGEOISIE N'A PAS D'AUTRE PLAISIR QUE CELUI DE LESDEGRADER TOUS.

    Para Antonacci Ramos, toda cidade um sistema semitico de produo e consumo de

    cdigos.

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    A Enciclopdia Einaudi outra fonte que trata do tema reconhecendo o domnio do

    imaginrio social como um importante lugar estratgico. A obra trs um artigo escrito

    por Bronislaw Baczko que discuti os sistemas simblicos e as estruturas de dominao,

    tendo como objeto as inscries que ornavam as paredes de Paris, ou seja, o graffiti

    no seu clmaxrevolucionrio.

    Maria Lcia Bueno pesquisou a inscrio urbana nos EUA sob recorte temporal anterior

    a 1968, incluiu um rpido estudo sobre a existncia dos programas governamentais

    Public Works of Art Projecte o Federal Art Program do Works Progress

    Administration, que propiciaram incentivos econmicos produo de inmeros

    graffitisentre os anos de 1935 a 1943 cinco mil artistas produziram 2500 afrescos

    expostos pelos prdios pblicos, escolas e hospitais em um exerccio de artes plsticas

    que alcanou grandes propores.

    Anos mais tarde as paredes dos vages de trens do metr de New Yorkcomeam aincitar o interesse dos escritores urbanos que passam ento a utilizar este espao como

    suporte ao graffiti. Dois nomes se destacaram como artistas do metr nova-iorquino:

    Keith Haring e Jean Michel Basquiat, um dos primeiros a pintar em telas utilizando

    tcnicas e materiais de graffiti.

    Harry Bellet num artigo de duas pginas faz uma rpida passagem pela histria do

    graffiti norte-americano. Fala sobre pichao; hip-hope, cita inclusive a Zulu Nation

    organizao fundada par Afrika Bambaataa; disserta sobre graffiti e sobre alguns

    propulsores da escritura urbana.

    Para autor o graffiti obteve forte impulso e se propagou no cenrio internacional, mais

    largamente, aps a Segunda Guerra Mundial.

    A substituio gradativa das pichaes pelos graffitistornou-se um fenmeno

    expansionista. A Big Appleassume pouco a pouco um nmero cada vez maior de

    lugares ocupados por pichaes. Big Apple - grande maa - nada mais que o throw-up

    muito usado para expor os codinomes dos interventores, vulgarmente conhecido como

    apelidos.

    Bellet tambm da posio de que os pseudnimos reproduzidos atravs dos graffitis

    so na verdade forma de marcar o territrio impondo uma conquista sobre os outros.

    Um personagem importante neste universo, um nome que repercutiu no mundo na

    dcada de 1980 foi Jean-Michel Basquiat, nascido em 1960 no Brooklyn.

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    A histria pessoal de Basquiat foi curta, uma overdose de droga o mata. Interrompida

    drasticamente, sua vida encerra em 1988 aos vinte e oito anos de idade.

    Basquiat assinava Samo - abreviao de "same old shit". Mais tarde passou a escrever

    "Samo is dead". Bellet chama a este tipo de interveno de graffitis littraires.

    Samo as an end to mindwash religion, nowhere politics, and bogus philosophy' (Samo

    comme une fin au lavage de cerveau religieux, au nulle part politique, et au

    charlatanisme philosophique), ou, plus lapidaire, `Samo save idiots'. (BELLET, 2006,

    p.2)

    Em 2002, uma de suas telas a Profit I foi vendida por 5milhes de dlares.

    Bellet cita um jovem de nome Dmtrius que 1971, na cidade de New York cativava o

    hbito de espalhar por quatro quarteires o apelido Taki e o nmero de sua rua no

    Harlem - 183. Taki - 183.

    Manhattan, Bronx, Brooklyn, New York so alguns dos Estados norte-americanos

    marcados por forte presena de intervenes parietais.

    Milhes de dlares so gastos anualmente no pas, pelo governo, para limpar o espao

    pblico das intervenes que transgridem invadindo os lugares sem a permisso dos

    proprietrios. A estimativa fornecida por Michael Walsh da cifra de 25 milhes de

    dlares ao ano.

    Na maioria das cidades analisadas, em diferentes pases do globo terrestre, a exemplo da

    Blgica, Canad, China, Cuba, Espanha, EUA, Frana, Per e Senegal, a escritura de

    rua mantm forte presena nos subrbios, contrapondo a uma menor participao nos

    centros urbanos. Diferente do que acontece no Rio de Janeiro onde os graffitisso

    extremamente numerosos no centro da cidade, com menor ocorrncia nos subrbios e

    periferias.

    consensual que em todos os lugares os escritores de rua transcendem dos subrbios,

    periferias e favelas. A arte sai dos guetos. Todavia, uma diferena marcante que

    distingue a interveno parietal carioca da maioria dos graffitisestrangeiros; que aquios sujeitos se deslocam de seu ambiente privilegiando a maior visibilidade que

    proporciona o centro da Cidade.

    A interveno urbana atualmente ilegal na Frana.

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    Peintre et graffiti artiste um artigo publicado no final de 2005 que fala da homenagem

    feita pela galeria de arte parisiense Nora Herman ao escritor urbano judeu Daniel P. P.

    Be'houkot.

    O artista partiu do subrbio de Paris para graffitar as milenares muralhas de Jerusalm.

    Na China a inscrio urbana um fenmeno novo. Recorrente atualmente nas cidades

    de Beijing e Xangai onde foi transformada em anncios de publicidade educativa sobre

    doenas contagiosas.

    A ilegalidade da interveno urbana tambm vigora neste pas.

    O espao pblico regulado pelo Estado. Das autoridades competentes dependem as

    autorizaes necessrias ao uso de anncios comerciais e a prtica de qualquer arte.

    ilegal tambm no Senegal.

    Em alguns pases onde a escritura de rua ilegal, governos representados pela

    administrao pblica local, ONGs ou o meio artstico, promovem eventos para que a

    interveno seja exercida em espaos controlados.

    Existe em Cuba o projeto Art Kitchen que promove intervenes nos muros. Poetas so

    chamados para escrever nas ruas.

    Em Montreal, Canad, a organizao MU promoveu entre jovens um evento para

    estimular a produo coletiva de graffitis. Um meio encontrado para minimizar a

    freqncia de pichaes na cidade.

    O artigo Sauvez mon art! faz referncia a encomendas de escritura parietais por

    comerciantes canadenses, que queriam livrar-se das pichaes. uma soluo com altos

    ndices de sucesso, visto que paradoxalmente, os pichadores respeitam os graffitis, estes

    ltimos permanecem intactos, o que poupa os proprietrios dos muros do convvio com

    a imundcie dos pichos, ou o liberta da guerra freqente da limpeza de seus muros e

    paredes. Grande desprendimento de tempo de trabalho e dinheiro (com solventes, por

    exemplo) poupado atravs da encomenda desta arte.

    O jornal Elpais.com tambm refere-se a demanda de graffitispor pequenos empresrios,

    como uma maneira de combater o vandalismo arquitetnico e o abandono que degrada o

    espao pblico. Segundo a reportagem, os artistas contratados decoram o centro de uma

    Madrid deteriorada.

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    Este tipo de encomenda evoca uma outra questo: a interveno urbana movimenta hoje

    enormes fortunas.

    A encomenda, propriamente dita, pouco fornece de retorno. Entretanto, um comrcio

    vultoso gira entorno das intervenes parietais.

    A indstria anti-interveno cresce anualmente satisfazendo a enormes demandas por

    solventes, pelcula protetora e outras tecnologias anti-spray. Atualmente, somente nos

    Estados Unidos milhes de dlares so gastos com estes produtos.

    Por outro lado, as telas elaboradas com os materiais e tcnicas de graffitispodem custar

    entre 200$ e 20.000$ no Canad. A Profit I tela de Basquiat atingiu o preo, para

    venda, de 5milhes de dlares.

    Empresas so montadas para empregar escritores de rua:

    Graffiteiroscriaram no Canad a empresa Caf Graffiti, voltada para aqueles jovens que

    desejam a expresso por meio de sua comunicao visual de maneira legal, dentro da

    Lei.

    Outra empresa canadense desse nicho a Urban X-Pressions.

    Tal fenmeno chega ao Brasil em 1964, quatro anos antes de sua exploso global

    atravs das mos do talo-etope Alex Vallauri. A permanncia e propagao do graffiti

    pelo pas no se deu ao acaso, mas por compatibilidade entre este e grupos de jovens

    que teriam ento parte de suas necessidades psicossociais atendidas com esta prtica de

    expresso alternativa.

    O processo histrico de assimilao da inscrio urbanano Brasil pode ser mostrado

    mais claramente a partir de Rodrigo Naves em A Forma Difcil: ensaios sobre a arte

    brasileira, passando ento a Dulio Battistoni Filho com o livro Iniciao s Artes

    Plsticas no Brasil. Ambos fornecem a seqncia lgica e no ocasional da evoluo da

    arte plstica no Brasil, um verdadeiro roteiro da arte visual na Amrica portuguesa, o

    que introduz a conjuntura cultural e poltica do tempo presente.

    Conforme Naves, o incio da arte plstica brasileira (Amrica portuguesa, incio do

    sculo XIX) foi direcionado ornamentao dos templos com enorme dependncia da

    influncia externa. Alguns artistas se esforavam em ser originais, como exemplo,

    Mestre Atade, pintor nascido em Mariana, Minas Gerais, que se preocupou em criar e

    manter em suas obras uma iconografia autntica, na qual anjos, santos e madonas tm

    traos mulatos.

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    Com objetivo de criar o ensino clssico no pas, Dom Joo mandou vir da Frana no ano

    de 1816 uma caravana que ficou conhecida como a Misso Artstica Francesa. Reuniu

    na Europa e trouxe para o Brasil vrios artistas, dentre os quais, estavam os pintores

    Nicolas Antoine Taunay, Debret e Rugendas.

    Os trabalhos de Debret e Johann Moritz Rugendas so considerados as maiores fontesiconogrficas do Brasil do incio do sculo XIX pelo grande nmero de obras que

    retrataram em detalhes os costumes, a fauna e a flora.

    Debret se esforou em fazer uma arte que incorporasse certos traos da sociabilidade

    brasileira, porm o resultado de seu trabalho foi demonstrar o quanto tal sociedade

    tornava difcil uma produo visual incisiva e intensa.

    A escravido brasileira tornava o ambiente imprprio arte visual, pois infestava o

    meio urbano com as conseqncias da segregao racial: dor, injustia, desigualdade

    generalizada.

    Agravava mais ainda este quadro a precariedade da higiene urbana.

    De onde os artistas tirariam inspirao para exercer seu ofcio, estando em um lugar

    assim? Essa era uma pergunta que inquietava Debret.

    Tambm no havia, nestas paragens, nenhum heri ou lder digno de qualquer tipo de

    exaltao.

    Outro grande mal nesse incio das artes no Brasil foi a alienao, visto que as

    encomendas de tais produtos culturais estavam restritas s igrejas e ao crculo rgio que

    ditavam, com total controle, os temas e o ritmo da produo artstica brasileira no

    perodo.

    aterrorizante olhar para a situao traada por Rodrigo Naves sobre o contexto do

    sculo XIX e verificar seu paralelo com o sculo XXI muito pouco amortizado:

    discriminao racial, desigualdade social, misria, precariedade de higiene urbana

    (ainda hoje nos subrbios e favelas). Permanncias infelizes no processo histrico.

    Disse um graffiteiro paulista da dcada de 80: A arte ser sempre o reflexo social de

    um povo. Celso Gitahy: No nosso caso o reflexo de um povo oprimido. Que sofre

    desrespeito em seus direitos humanos, falta de t rabalho e habitao, sade, educao,

    segurana, lazer, etc. (GITAHY, 1999, p. 23).

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    Em 1820 criada a Academia e Escola Real de Belas-Artes incumbida de normalizar e

    consolidar o ensino artstico do pas nos moldes neoclssicos.

    Somente aos poucos os pintores escapam da obsesso temtica acadmica com

    imposio de temas buscados no Velho Testamento e na antiguidade clssica.

    O neoclssico, o quadro de gnero e a natureza-morta foram tendncias marcantes

    nas artes plsticas do Brasil ao longo de mais de cem anos. Neste intervalo, na Europa,

    ocorreram fortes alteraes no campo das comunicaes visuais.

    Num dado momento, a cor emerge como elemento essencial e comea a disseminao

    da impresso em quadricromia: negro, vermelho, azul, amarelo.

    A criao da tinta sinttica facilitou muito a vida dos pintores.

    Em 1897, Toulousse-Lautrec revolucionou as artes plsticas inaugurando o cartaz,conjugando pela primeira vez a imagem e a palavra.

    A pintura, que predominava no incio do sculo XIX, doravante convive em constantesinterfaces de linguagens coma fotografia, o jornal, o cinema, a televiso, os quadrinhos,o cartaz, a publicidade, o grafite, o vdeo e a computao grfica. Um processo que teveincio com as experincias das vanguardas histricas das dcadas de 10 e 20 (ascolagens cubistas e dadastas, por exemplo). (MEDEIROS, 1998, p. 28, grifo nosso).

    No ano de 1922 a Semana de Arte Moderna, movimento ocorrido em So Paulo,

    inaugura a arte contempornea brasileira. De forte tendncia nacionalista, procurou

    reviver os valores indgenas, bem como o carter futurista.

    O historiador e negociante Paulo Prado foi o principal idealizador e financiador do

    movimento.

    Como representes da pintura estavam Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignat, Zita

    Aita, Martins Ribeiro, Regina Graz, Yan de Almeida Prado e Rego Monteiro.

    Dulio Battistoni Filho descreve detalhes sobre a tcnica de Anita Malfatti, como a cor

    descompromissada, o trao rasgado, a dramaticidade de seu estilo expressionista.

    Outro marco na histria da arte brasileira foi a Bienal, idealizada pela primeira vez no

    ano de 1951. Francisco Matarazzo Sobrinho organizou a exposio com propsito de

    colocar a Arte Moderna brasileira em contato com a produo estrangeira e situar So

    Paulo como centro artstico nacional. As formas geomtricas e matemticas foram

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    destaques e no rumo desse abstracionismo rigoroso que as artes brasileiras vo

    caminhar. (Idem, p. 77).

    Em 1953 ocorre a segunda Bienal, que aglutinou na ocasio consagraes do Velho

    Mundo, como o Cubismo, o Futurismo, o Neoplasticismo. Havia obras de mestres a

    exemplo de Picasso e Klee.

    As Bienais posteriores quelas importaram o Expressionismo, o Surrealismo e nomes

    como Leger e Chagall.

    A arte aps o expressionismo no considerada mais, ao menos consensualmente,

    como representao da realidade, entretanto como algo que se realiza.

    No ano de 1959 a Bienal elimina o abstracionismo e impe a todos os pases ali

    representados, o Tachismo - umaarte informal definida pela oposio a qualquer

    forma ou estrutura racional -, nova esttica que significa aplicao de manchas

    coloridas, independente a qualquer motivo representado, estilo desenvolvido na Europa

    em 1950 por Nabuco Mabe, Tomie Ohtake e Iber Camargo.

    Como conseqncia do golpe militar, surge o estilo Nova Objetividade, voltado para a

    cultura de massa, tratando das estrias em quadrinhos, affiches e fotonovelas.

    Ainda sobre a influncia da inflamada conjuntura poltica do golpe de 1964, emerge em

    1967 no MAM do Rio de Janeiro a Tropiclia, movimento que representou a primeira

    tentativa consciente e objetiva de se impor uma imagem brasileira ao contextoVanguarda e das manifestaes em geral das artes brasileiras. (FILHO, 1990, p. 85).

    O graffiti inserido na histria brasileira neste momento em que a representao

    coletiva [3] era de ruptura com o passado, de busca por mudanas.

    Fortificando-se a cada dcada, esta arte deixa de ser apenas popular e alcana em alguns

    crculos statusde arte. A participao dos intelectuais comeou a legitimar o grafite

    como arte. (KNAUSS, 2001, p. 338). Paulo Knauss relata o apoio de Carlos

    Drummond de Andrade que defendeu as qualidades da poesia do tapume do graffiteiro

    Gilson de Abreu Marinho. Contudo, o reconhecimento mais importante advindo dacomunidade artstica brasileira foi dado pela corrente organizadora da Bienal de 1987

    que convidou graffiteirosa expor em suas galerias. Entre os expositores estavam Alex

    Vallauri, Waldemar Zaidler e Carlos Matuck.

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    Vallauri pintou sob influncia da pop artnorte-americana, estilo que utilizava mscaras

    de papelo preparado como moldes para os desenhos, moldes vazados o nome da

    tcnica.

    Gitahy delimita trs estilos de graffitagem: a escola vallauriana utiliza mscaras que so

    moldes elaborados a partir de material flexvel como o vinil; estilo americano ligado aomovimento hip-hop; e o estilo mo livre, escola Keith Haring. O autor faz uma diviso

    na escritura urbana onde chama ateno para a esttica de natureza grfica e pictrica, e

    para os temas que permitam ao graffiti interferir na arquitetura das cidades e apropria-se

    do espao urbano.

    Depois que Vallauri chegou ao Brasil graduou-se em comunicao visual, estudou

    xilogravura e especializou-se em litogravura, vindo a falecer em So Paulo no ano de

    1987.

    Neste momento tambm graffitamem So Paulo Tomie Ohtake, Jaime Prades e Cludio

    Tozzi. Ginzburg atravs da obra A Metrpole e a Arteacrescenta a este elenco Maurcio

    Villaa, graffiteiro tambm citado por Gitahy no livro O que Graffiti?. Gitahy era

    graffiteiro antes de se tornar escritor de literatura acadmica. Portanto, no foi difcil

    para ele relacionar em seu livro nomes de escritores de muros como Numa Ramos,

    Cludio Nonato, grupos como 3ns3, TupinoD, Rastronautas, A Trinca, Masters do

    Imirim.

    Uma referncia de graffiti deste perodo est no livro A Metrpole e a Arteque cita o

    projeto Arte nos Muros, que inaugurou em 1984 um mural na parede cega da EscolaNacional de Msica, na Lapa, centro do Rio de Janeiro, belssima obra de Ivan Freitas

    remanescente at hoje (paisagem urbana; tinta acrlica s/concreto; 960m2; 1984, Escola

    Nacional de Msica). Ginzburg cita no livro os nomes de Roberto Magalhes e Alusio

    Carvo que pintaram (Pssaros; tinta acrlica s/concreto; 350m2; 1985, rua da quitanda,

    esquina com a rua So Jos, centro do Rio de Janeiro).

    Em 1988 o grupo paulista TupinoD realizou um trabalho no Rio de Janeiro a convite

    da galeria do Centro Cultural Cndido Mendes. A crewpintou tambm a Avenida

    Presidente Vargas no elevado do Sambdromo, no centro da cidade; e o asfalto da ruaCarlos Peixoto que d acesso ao shoppingRio Sul na zona Sul do Rio.

    Antonacci Ramos na obra Grafite, Pichao & Cia descreve como os graffiteirosda

    crewpaulista TupinoD esboaram controle sob o processo de criao de sua arte: [4]

    No ano de 1989 o grupo convidado a graffitar o interior de uma igreja catlica, no

    vilarejo Mato de Dentro, em Sorocaba, So Paulo. O que fizeram ao curso de quatro

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    meses resultando num trabalho com conotaes msticas. O espao incomum, no

    convencional, inspirou nos membros do grupo, sem interferncia do contratante, uma

    abordagem distinta composta por madonas, bebs, avies e mandalas.

    Da dcada de 1960 at meados de 1990 graffitou no Rio de Janeiro um homem de nome

    Jos Datrino que costumava assinar Jozze Agradecido ou Gentileza. Suas imagens aindaesto visveis pelos viadutos dos bairros da Leopoldina e Caju. Um exemplo de arte que

    o livro Brasil: Tempo de Gentileza, de Leonardo Caravan Guelman [5] trata

    excepcionalmente em detalhes, incluindo inmeras amostras fotogrficas do trabalho

    realizado por este escritor urbano. Esse livro contribui para a ligao histrica entre o

    incio do graffiti no Rio de Janeiro, e sua existncia nos dias atuais. Gentileza plantou

    idegrafos que podem ter influenciado no graffiti atual, ou at mesmo, contribudo para

    a permanncia deste no Rio, uma vez que ao longo de 35 anos geraes de jovens

    cresceram observando as intervenes de Gentileza.

    Com dimenses aproximadas em 4m2por unidade os graffitisde Gentileza so

    mensagens poticas que, pelo impacto visual que provocam alteram a paisagem inspita

    ao seu redor.

    Um lugarfrio, sujo, com mendigos e prdios abandonados, mas que foi tomado pelas

    obras deste artista, e por muitos outros interventores urbanos que respeitam o espao

    onde as inscriesde Gentileza vm ocupando por tantos anos, e, portanto, poucos

    pintam os pilares do viaduto, mas enchem os muros e edificaes as margens da via

    numa manifestao que pretende, dentre outras coisas, diminuir o impacto que pode ser

    causado por este tipo de paisagem cinza e escura.

    Dezenas de graffitisdo Gentileza esto ao longo de alguns quilmetros entre o

    cemitrio do Caju e a Rodoviria Novo Rio, um em cada pilar do viaduto. Foi na

    sustentao do viaduto do Gasmetro, no Caj, uma slida estrutura de concreto

    armado, que este escritor urbano cravou uma outra significao ao lugar e propiciou

    ento aos transeuntes, passantes motorizados ou no, que tivessem uma nova e mais

    elaborada percepo visual daquele espao da cidade. Percepo que pode ser ao

    mesmo tempo esttico-contemplativa e/ou potico-reflexiva.

    O livro de Guelman trs uma entrevista onde a cantora Mariza Monte, em reportagem a

    revista Isto Gente,dirige elogios ao profeta Gentileza, enaltecendo suas caractersticas

    de homem bondoso, atencioso e proftico. Segundo a cantora, o artista criou obras com

    o propsito de falar aos coraes dos homens.

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    O graffiteiro criou idioletos [6] como F?P?E (Pai, Filho, Esprito), UUU, RR e SS. [...]

    amor material se escreve com um R, amor universal com trs R: um R do Pai, um R do

    Filho, um R do Esprito Santo AMORRR. (GUELMAN, 2000, p. 37). Na pgina

    sessenta e cinco Guelman destaca o CAPETALISMO usado por Gentileza, uma

    manipulao criativa da cor e da forma que cria novos smbolos com forte capacidade

    dramtica. No graffiti da foto I so visveis alguns idioletos de Gentileza, como o

    JESSUSS e SSO - (SS); ALTARR (RR).

    Transcrio de um graffiti do Gentileza:

    RELIGIO TODA AS NAES

    COMO UMA SSO! FAMILIA TODOS MO

    RANDO EM UMA SSO CASA EOUNIVERSO

    O CEU EO TETO IGREJA O BOMCORAO

    O ALTARR O BOM PENSAMENTO PORESTE

    MOTIVO PRECISAMOS DE JESSUSSTODOS OS

    MOMENTOS DISSE PROFETA GENTILEZAPAZ

    Existe uma ambigidade artisticamente colocada na escrita e na forma, uma vez que

    Gentileza liga as palavras utilizando setas que so pssaros-avies constituintes de um

    itinerrio textual prprio, que marca o incio de cada texto com uma estrela, e pontua o

    final das linhas com uma bandeira do Brasil.

    Alternam nas obras do graffiteiro as cores verde e amarela com fundo branco, palavras

    e smbolos em azul.

    H trs caractersticas marcantes no trabalho de Gentileza: o modelo de exposio de

    sua obra; o modo com que mantm a rigidez de forma entre os painis; e a fidelidade atemas morais.

    O acervo est atualmente em timo estado de conservao porque foram restaurados em

    1999 por uma equipe da Universidade Federal Fluminense atravs de uma parceria com

    a Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, o Consrcio Novo Rio, a Fosroc

    Reax e a SOCICAM Terminais Rodovirios.

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    O reconhecimento oficial da administrao pblica sobre a importncia deste acervo

    ocorreu quando o conjunto da obra tornou-se patrimnio histrico tombado pelo

    municpio no ano de 2000.

    Hoje agem no centro do Rio de Janeiros os graffiteirosAcme, Agente, Atari, Akuma,

    Al, Amog, Areste, Bands, Bia, Bile, Bone, Bula, Br, Brakoa, Bunys, Chico, Crespo,

    CH2, Coiote, Cora, Criz, Dan, Dante, Denit, Duim, Dmtek, Eco, EMA, Fada, Fanac,

    Gais, Gago, Gusf, HSSA, Heloi, Ira, Kaj, Kar, Kiera, Lets, Lima, Mad, Maf, Magro,

    Mente, Mer, Merlin, Mukk, Nando, Nessa, Niw, Nob, Nia, OCrespo, Ox5, Paula,

    Pedro, Pi, Pontogor, PHBS, Pre, Prema, Prima Dona, Rasta, Reis, Rod, Seta, Scrau,

    Smael, Stile, Timmy, Ultrafunk, Vargas, Wark, dentre muitos outros.

    H artistas reunidos em diversas crewscomo a Nao Gaffiti, Inde, FB, P471 e Coletivo

    TPM grupo composto somente por mulheres.

    Aps compararmos intervenes do Rio de janeiro, Minas Gerais, So Paulo, Bahia e

    outras regies do pas atravs de viagens realizadas nos trs primeiros Estados e

    principalmente por meio de fontes especializadas como a revista RAP Brasil Cultura de

    Rua e a revista Almaque de graffiti conclumos que a interveno urbana circula

    atualmente no Brasil atravs da migrao permanente ou provisria dos artistas

    viajantes e por aprendizes que imitam tcnicas de diferentes origens regionais.

    A escritura de rua propagada pelo mundo, preserva, entretanto, caractersticas locais

    das culturas dos sujeitos que a realiza, ou seja, varia o grau e a quantidade de crticas,

    altera os estilos, os temas (no Rio de Janeiro por exemplo, freqente pedidos de Paz e

    ataques, tanto a polticos, como contra a Violncia).

    Artistas brasileiros ignoram fronteiras culturais e exportam sua arte para outras partes

    do mundo. Exemplo disso um grupo de graffiteirosdo Estado de So Paulo que saiu

    do pas para impor seu estiloao velho continente europeu. Quatro pessoas: dois irmos

    conhecidos como Os Gmeos, e o casal Nina Pandolfo e Nunca foram

    contratados para revitalizar a fachada de um castelo escocs do sculo XIII.

    O castelo de Kelburn, em Ayrshire, foi todo reformado em meados deste ano, 2007,

    num processo que incluiu os escritores urbanos paulistas como responsveis pela

    pintura das paredes externas que contornam a edificao.

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    Os proprietrios, um conde e seus filhos, tiveram a idia de utilizar o graffiti como

    soluo para substituir a camada de concreto que, dado seu estado de deteriorao,

    estava destruindo as paredes da construo. Ao mesmo tempo, como resultado previsto

    ou no (pelos nobres clientes), o que aconteceu foi o surgimento de uma onda de

    marketingdo castelo nos canais de comunicao de massa. TV, internet e jornais

    impressos noticiaram a interveno no castelo que a partir de ento obteve enorme

    aumento em seus ndices de ocupao hoteleira.

    A nobreza incorporou a plebe. O tradicional foi fundido ao moderno. A descrio e

    seriedadeda antiga fachada do castelo cederam lugar a extravagncia, alegria e

    variedade das novas cores e formas, um processo que pode ser considerado como a

    sobreposio vitoriosa do graffiti.

    Uma nova recuperao est prevista para ser realizada daqui a dois anos.

    Notas

    [1] Histria do Hip Hop. In: PORTAL DE CAMPO GRANDE. Disponvel em:

    . Acessado em 01.12.2006.

    [2] Celia Maria Antonacci Ramos brasileira, graduada em Letras, com mestrado e

    doutorado em Comunicao e Semitica na Pontifcia Universidade Catlica de So

    Paulo, PUC/SP.

    [3] Les reprsentations individuelles ont pour substrat la conscience de chacun et lesreprsentations colletives, la socit dans sa totalit. (JODELET, 2001. p. 64).

    [4] Crew uma palavra que significa turma em ingls, utilizada para designar grupos de

    graffiteirosque costumam pintar em conjunto.

    [5] Guelman obteve mestrado pela UERJ com a dissertao UNIVVVERRSSO

    Gentileza: A Gnese de um Mito Contemporneo. De orientao do Dr Leonardo Boff.

    Foi o responsvel em 1999, pela equipe da UFF que restaurou as obras de Gentileza.

    [6] Do dicionrio Aurlio Buarque Nas lnguas naturais temos o idioleto (lngua doindivduo), dialeto (lngua entre indivduos do mesmo grupo ou regio) e o idioma

    (Lngua de um grupo maior: nao).

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