120
1 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Instituto de Física Instituto de Química Instituto de Biociências Faculdade de Educação UM OLHAR WINNICOTTIANO SOBRE A RELAÇÃO DOS ESTUDANTES COM O PRÓPRIO PROCESSO DE APRENDIZAGEM LUCIANO MASSA FERNANDES Orientador: Prof. Dr. Alberto Villani Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Física, ao Instituto de Química, ao Instituto de Biociências e à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências. Comissão Examinadora: Prof. Dr. Alberto Villani (IFUSP) Profª. Dra. Elisabeth Barolli (UNICAMP) Profª. Dra. Nilce da Silva (FEUSP) SÃO PAULO 2007

Winnicott e aprendizagem

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Winnicott e aprendizagem

1

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Instituto de Física

Instituto de Química Instituto de Biociências Faculdade de Educação

UM OLHAR WINNICOTTIANO SOBRE A RELAÇÃO DOS

ESTUDANTES COM O PRÓPRIO PROCESSO DE APRENDIZAGEM

LUCIANO MASSA FERNANDES

Orientador: Prof. Dr. Alberto Villani

Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Física, ao Instituto de Química, ao Instituto de Biociências e à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências.

Comissão Examinadora: Prof. Dr. Alberto Villani (IFUSP) Profª. Dra. Elisabeth Barolli (UNICAMP) Profª. Dra. Nilce da Silva (FEUSP)

SÃO PAULO 2007

Page 2: Winnicott e aprendizagem

2

FICHA CATALOGRÁFICA Preparada pelo Serviço de Biblioteca e Informação do Instituto de Física da Universidade de São Paulo

Fernandes, Luciano Massa Um olhar winnicottiano sobre a relação dos

estudantes com o próprio processo de aprensizagem. São Paulo, 2007.

Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo. Instituto de Física. Departamento de Física Aplicada

Orientador: Prof. Dr. Alberto Villani Área de Concentração: Ensino de Ciências

Unitermos:1. Ensino; 2. Física; 3. Ensino e Aprendizado.

USP/IF/SBI-022/2007

Page 3: Winnicott e aprendizagem

3

ÍNDICE

Agradecimentos ................................................................................................................ 05 Resumo ............................................................................................................................. 06 Abstract ............................................................................................................................. 07 Introdução ......................................................................................................................... 08

CAPÍTULO 1 1 - CONTEXTUALIZAÇÃO ........................................................................................... 12 1.1 - O caminho percorrido antes do mestrado .............................................................. 12 1.2 - O início do mestrado ............................................................................................. 14 1.2.1 - Trabalhando com o referencial de grupos operativos ..................................... 14 1.2.2 - Trabalhando com o referencial de grupos operativos: uma segunda tentativa 16 1.3 - O novo referencial: uma introdução à teoria da transicionalidade de Winnicott .............................................................................................................. 20 1.4 - Novos objetivos para a pesquisa ........................................................................... 21 1.4.1 - Nova coleta de dados ....................................................................................... 22 1.5 - O ambiente das aulas ............................................................................................. 23 1.5.1 - As atividades aplicadas em 2005 ..................................................................... 24 1.5.1.a - Atividades em grupo .................................................................................. 24 1.5.1.b - Conversando sobre o processo de aprendizagem ...................................... 25 1.5.1.c - Trabalho de leitura e produção de textos ................................................... 27 1.5.1.d - Atividade livre ........................................................................................... 28 1.5.1.e - Auto-avaliação ........................................................................................... 29 1.5.1.f - Atividade de auxílio ao aluno (plantões) ................................................... 29 1.5.2 - Algumas considerações adicionais sobre as atividades aplicadas em 2005 .... 30

CAPÍTULO 2 2.1 - REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................. 34 2.1.1 - Os estágios da teoria do amadurecimento de Winnicott ................................. 34 2.1.2 - Fenômenos transicionais ................................................................................. 35 2.1.3 - Sobre o brincar ................................................................................................ 40 2.2 - METODOLOGIA DE PESQUISA ....................................................................... 42 2.2.1 - Instrumentos de pesquisa ................................................................................. 43 2.2.2 - Metodologia de análise .................................................................................... 44

CAPÍTULO 3 3.1 - ANÁLISE DOS DADOS INICIAIS ..................................................................... 46 3.1.1 - Reações às dificuldades encontradas no estudo da Física ............................... 46 3.1.2 - As primeiras interpretações ............................................................................. 49 3.1.3 - A obtenção de novos dados e a elaboração das categorias de análise ............. 51 3.1.4 - Classificação dos alunos feita de acordo com as categorias ........................... 53 3.1.5 - Análise das migrações de categorias ............................................................... 62

Page 4: Winnicott e aprendizagem

4

CAPÍTULO 4 4 - ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................ 70 4.1 - A dependência absoluta na primeira série do ensino médio - 2004 ..................... 70 4.1.a - Uma análise dos fatos ocorridos em 2004 ....................................................... 77 4.2 - A dependência relativa na segunda e na terceira série - 2005 e 2006 .................. 80 4.2.a - Aumento na capacidade de não desistir diante das dificuldades ..................... 80 4.2.b - As conversas com o professor usadas como objetos transicionais ................. 82 4.2.c - Os materiais de apoio usados como objetos transicionais .............................. 86 4.2.d - Mudança no relacionamento com os colegas .................................................. 89 4.2.e - Mudança na maneira de enfrentar as avaliações ............................................. 90 4.3 - Conclusões sobre a análise dos dados ................................................................... 92

CAPÍTULO 5 5.1 - A teoria do amadurecimento de Winnicott e o aprendizado da Física ................ 98 5.2 - Algumas reflexões sobre o professor suficientemente bom ................................. 100 5.3 - Recomendações ao professor ............................................................................... 108 5.4 - Considerações finais ............................................................................................. 109

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 112

APÊNDICES Anexo 1 ......................................................................................................................... 114 Anexo 2 ......................................................................................................................... 115 Anexo 3 ......................................................................................................................... 117 Anexo 4 ......................................................................................................................... 117 Anexo 5 ......................................................................................................................... 119 Anexo 6 ......................................................................................................................... 120

Page 5: Winnicott e aprendizagem

5

AGRADECIMENTOS

Acredito que toda obra intelectual acaba sendo, de certa forma, uma construção

elaborada sempre por muitas pessoas. Mesmo quando apenas uma dedica exaustivamente

seu tempo para escrevê-la, muitas outras sempre acabam dando suas contribuições das

mais variadas formas. Por isso, até por uma questão de justiça, eu não poderia deixar de

agradecer a todos os que me ajudaram a chegar até aqui.

Aos meus pais, Walter e Ilda, que deram todas as condições para que eu pudesse

conquistar tudo o que conquistei até hoje; à minha esposa, Renata, por ter aturado a

“bagunça” do nosso quarto de trabalho/estudo, “bagunça” esta de minha inteira

responsabilidade, e por ter suportado minhas ausências freqüentes; à Nina, pela

companhia diária; ao Villani, meu orientador, pelas excelentes idéias, sugestões e críticas

que sempre me traziam de volta para o caminho em momentos de desorientação; a todos

os integrantes do grupo Psicanálise e Educação, pelas inestimáveis sugestões; aos

membros da banca examinadora, Professora Nilce da Silva - pela disciplina oferecida

sobre as idéias de Winnicott e pela importante ajuda no entendimento das mesmas - e

Professora Elisabeth Barolli, pelas valiosas contribuições no Exame de Qualificação; aos

colegas do “corredor de ensino”, em especial ao Glauco e à Luciana, por estarem sempre

prontos a ajudar, apesar do pouco tempo que dispunham por conta das próprias

dissertações; a todos os meus alunos, pela paciência com que responderam aos

questionários, e por terem permitido que os dados obtidos fossem utilizados por mim; e,

finalmente, ao Professor Júlio Garcia por ter dedicado alguns dias das suas férias na

revisão gramatical deste trabalho.

Certamente devo estar deixando algumas pessoas de fora, por isso gostaria de

afirmar que guardo profundo respeito e admiração por todos que cruzaram o meu

caminho durante o mestrado, e que, de certa forma, contribuíram para que este trabalho

fosse concluído com sucesso.

Page 6: Winnicott e aprendizagem

6

FERNANDES, Luciano Massa. Um olhar winnicottiano sobre a relação dos

estudantes com o próprio processo de aprendizagem. 2007. Dissertação (Mestrado

em Ensino de Ciências - Modalidade Física) - Universidade de São Paulo.

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo investigar a relação que estudantes de ensino

médio possuem com o aprendizado da Física, e analisar a importância do professor como

facilitador do processo de aprendizagem. A partir das respostas a questionários

estabelecemos inicialmente algumas categorias representativas da relação dos alunos

com a aprendizagem de Física, bem como de suas ações diante das frustrações surgidas

durante a realização das tarefas sobre esse conteúdo. Em seguida procuramos aprofundar

nosso entendimento com um estudo longitudinal que analisou os dados referentes a uma

aluna ao longo de mais de dois anos. Para interpretar o processo de evolução da aluna

fizemos uso das idéias do psicanalista inglês D. W. Winnicott. Constatamos que sua

teoria do amadurecimento podia dar conta das fases de superação, por parte da aluna, das

dificuldades advindas do estudo da Física. Identificamos que, com o auxílio do professor,

responsável por disponibilizar aos alunos um ambiente propício ao aprendizado, a aluna

pôde fazer uso de determinados objetos – livros, anotações, a crença na própria

capacidade e a confiança no professor – que funcionaram como objetos transicionais da

teoria de Winnicott e sustentaram a superação das ansiedades e frustrações que

perturbavam sua aprendizagem em Física.

Finalizando, procuramos desenvolver uma analogia entre o desempenho de uma

mãe suficientemente boa (na teoria de Winnicott) e um professor suficientemente bom -

aquele capaz de prover seu aluno de um ambiente que assegure a estabilidade e os

incentivos necessários para que o contato deste com a Cultura se dê de forma criativa e

não intrusiva.

PALAVRAS CHAVES : Winnicott; Fenômenos Transicionais; Criatividade; Psicanálise

e Educação; Ensino de Física e Subjetividade.

Page 7: Winnicott e aprendizagem

7

ABSTRACT

The aim of this work is to investigate how the relationship of High School

students with the Physics learning is, and to analyze the importance of the teacher to

make the learning process easier. Using the answers to questionnaires we created some

representative categories about the relation between students and Physics learning and

about their actions because of the frustrations that appear while they are accomplishing

Physics tasks. Then, we decided to make a study in which we analyzed the two-year-data

from a student. To interpret the student’s evolution process we used the ideas of the

psychoanalyst D. W. Winnicott. We noticed that his maturity theory could explain the

student’s phases of success when facing difficulties on her Physics studies. The teacher

was responsible to create a good atmosphere to facilitate learning. So, we could identify

that, with the teacher’s help, the student could use some objects – books, notes, self-

confidence and the confidence on the teacher – which act like transitional objects from

Winnicott’s theory and sustain the success facing anxieties and frustrations that disturbed

her Physics learning.

Finally, we developed an analogy between the performance of a good enough

mothering (in Winnicott’s theory) and a good enough teaching - the one capable of

creating an atmosphere that guarantees student’s stability and the incentives needed to

establish the contact with the culture in a creative way.

Keywords: Winnicott, Transitional Phenomena, Creativity, Psychoanalysis and

Education, Physics Education and Subjectivity.

Page 8: Winnicott e aprendizagem

8

INTRODUÇÃO

A educação no Brasil parece se orgulhar do fato da maioria das crianças estarem

dentro da escola, pelo menos no que se refere à educação básica. Sem dúvida nenhuma

este foi um passo importante para a nossa sociedade. Mas, estar na escola não significa

necessariamente aprender o que nela é ensinado. Há de fato uma separação entre

processo de ensino e de aprendizagem. Podemos perceber claramente esta separação ao

analisarmos pesquisas que se propõem a investigar o nível de alfabetização dos

estudantes. Nossa posição no ranking mundial está longe de nos causar orgulho. É

possível que isso ocorra pelo fato de as escolas ainda não possuírem, com algumas

poucas exceções, estrutura e profissionais qualificados para lidarem com situações de

aprendizagem dos estudantes. Entretanto, como o problema do ensino e aprendizagem no

Brasil é muito complexo, por envolver também fatores econômicos, sociais, políticos e

institucionais, nosso foco será limitado somente ao seu aspecto psico-didático.

Apesar do discurso, muitas vezes mal interpretado, que os alunos podem aprender

brincando, sabidamente aprender não é uma tarefa fácil, e exige certa dose de

perseverança por parte de quem quer aprender e por parte de quem quer ensinar. Todos

os dias estudantes se defrontam com os inúmeros conflitos e dificuldades inerentes ao ato

de aprender, e sempre podem escolher entre seguir em frente na tentativa de solucionar

tais dificuldades, ou desistir, o que acaba sendo o caminho seguido por muitos. Deste

fato surgem, então, algumas questões: o que podemos fazer para evitar que parte dos

estudantes resolvam tomar o caminho da desistência ? Como podemos contribuir para

que um número maior de estudantes resolva enfrentar suas dificuldades, e acabe com isso

aprendendo mais sobre si mesmos e sobre o mundo em que vivem ?

A massificação do ensino, na prática, parece ter relegado aos próprios estudantes

a difícil tarefa de resolverem suas dificuldades, sem que estejam muitas vezes preparados

para isso. Se precisamos de algum tipo de apoio enquanto aprendemos a andar, para que

possamos manter o equilíbrio em determinadas situações, quais seriam, metaforicamente,

os “apoios” disponíveis aos nossos estudantes para que estes aprendam com o tempo a

“andarem com as próprias pernas” ? De certa forma, esta dissertação procurará investigar

alguns destes “apoios” no caso da aprendizagem de Física, focalizando as circunstâncias

nas quais eles funcionaram. Esperamos que isso contribua também para a aprendizagem

de outras disciplinas.

Page 9: Winnicott e aprendizagem

9

No primeiro capítulo, com o objetivo de contextualizar a pesquisa, será feito um

relato pessoal dos fatos ocorridos antes e após o início do mestrado, do ponto de vista do

professor. Este relato será importante para justificar os motivos que nos levaram a

começar investigando o trabalho em grupo dentro da sala de aula, e também os motivos

que nos levaram a mudar, durante o mestrado, o foco da investigação do grupo para o

indivíduo.

No segundo capítulo, apresentaremos o referencial teórico adotado para a análise

dos dados obtidos. A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott mostrou-se

adequada exatamente por sugerir uma maneira pela qual os indivíduos podem enfrentar

suas dificuldades e frustrações ao longo da vida, o que pôde ser estendido às dificuldades

relativas ao aprendizado da Física. Também serão apresentados, neste capítulo, a

metodologia de análise adotada e os instrumentos de pesquisa utilizados durante a coleta

de dados.

No terceiro capítulo, analisaremos o conjunto dos dados inicialmente obtidos,

recorrendo à elaboração de categorias que levaram em conta alguns aspectos da relação

de cada estudante com o próprio aprendizado. A tentativa de classificar os estudantes de

acordo com estas categorias, em dois momentos diferentes, permitiu que observássemos

a ocorrência de casos onde os estudantes relataram terem mudado de categoria durante o

ano de 2005, o que incentivou um estudo mais detalhado objetivando compreender a

mudança de uma estudante de ensino médio em particular.

No quarto capítulo, portanto, apresentaremos os dados obtidos para esta estudante

em particular, ao mesmo tempo em que faremos uma análise dos mesmos a partir do

referencial winnicottiano. Veremos como ela encarou o próprio processo de

aprendizagem, como reagiu às dificuldades inerentes ao aprender, e como se deu a

evolução na sua capacidade em superar tais dificuldades. Também analisaremos o papel

do professor como possível facilitador de todo este processo.

Em seguida, no quinto e último capítulo, extrapolaremos a idéia da mãe

suficientemente boa, proposta por Winnicott, para a idéia do professor suficientemente

bom, como aquele capaz de dar condições para que seus alunos possam desenvolver da

melhor maneira possível suas habilidades. Por fim, terminaremos com as considerações

finais na esperança de ter contribuído, um pouco que seja, para a compreensão do quanto

pode ser penoso para um estudante, no início, enfrentar a difícil tarefa de estudar Física,

e do quão importante pode ser a presença de um professor que esteja disposto a enfrentar

Page 10: Winnicott e aprendizagem

10

tais dificuldades junto do aluno, até que este consiga superar por conta própria as

adversidades decorrentes do processo de aprender.

Page 11: Winnicott e aprendizagem

11

CAPÍTULO 1

“Existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada uma pessoa viver - e essa pauta cada um tem - mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é que sozinho, por si, alguém ia poder encontrar e saber ? Mas, esse norteado, tem. Tem que ter”

J. Guimarães Rosa

Page 12: Winnicott e aprendizagem

12

1 - CONTEXTUALIZAÇÃO

Como se trata de um relato pessoal, os itens 1.1 e 1.2 foram escritos em primeira

pessoa, adotando o ponto de vista do professor. Do item 1.3 em diante, e durante toda a

dissertação, passaremos a usar o ponto de vista do pesquisador, narrando os fatos que

envolveram o professor e suas intervenções em terceira pessoa.

1.1 - O caminho percorrido antes do mestrado

Desde que comecei a lecionar no ensino médio, em 1997, questiono-me acerca da

real eficiência das minhas aulas no que se refere ao aprendizado por parte dos estudantes

dos conteúdos da Física. No início, ainda somente com o bacharelado em Física no

currículo, eu procurava em minhas aulas priorizar a exposição dos tópicos da forma

como estes habitualmente eram exigidos nos exames vestibulares mais conceituados do

estado de São Paulo. Eram, portanto, aulas predominantemente expositivas, avaliadas de

forma subjetiva somente por meio da relação “amigável” que conseguia obter com a

maioria dos estudantes de cada classe. Estes, por sua vez, eram avaliados por meio de

provas mensais que serviam para diagnosticar quem estudava e quem não estudava o

suficiente.

Depois que iniciei a licenciatura, em 2000, tomei contato com o rico universo da

pesquisa em Ensino, do qual eu sequer desconfiava a existência. Tive acesso a

informações que alteraram definitivamente minhas concepções sobre como um professor

deve atuar, quais objetivos deve ter na elaboração de suas aulas, e como estas poderiam

ser para que o aprendizado pudesse ser melhor estimulado.

Já com a licenciatura no currículo, e lecionando na Escola Campo Limpo1, acabei

tentando em 2002 reformular minha prática docente. Porém, esbarrei em obstáculos que

acredito serem comuns a todos que tentam reformular sua maneira de atuar dentro da sala

de aula. Eu era obrigado a cumprir exigências, por parte da escola, que afetavam de

forma negativa o ensino da Física, e não me era dada autonomia para tentar aplicar

algumas metodologias e estratégias supostamente mais eficientes. A coordenação do

colégio também costumava interferir na maneira como as aulas deveriam ser dadas,

demonstrando claramente não confiar na competência dos seus professores em gerir seus

próprios espaços de ensino-aprendizagem. Além disso, as salas de aula possuíam um

1 Todos os nomes das escolas citadas são fictícios.

Page 13: Winnicott e aprendizagem

13

número excessivo de estudantes (mais de 40 por classe), o que dificultava o trabalho,

principalmente na hora de avaliá-los. Como a carga de tarefas burocráticas também era

enorme, o tempo disponível para a elaboração das minhas aulas acabava reduzido, assim

como o tempo necessário para uma reflexão sobre a minha prática docente.

Na tentativa de conciliar um ensino supostamente mais eficiente com todos estes

fatores, resolvi promover o trabalho em grupo dentro da sala de aula - acreditando que

isso facilitaria minha atuação como professor - e procurar investigar o que ocorria

quando os estudantes eram submetidos a esta estratégia de ensino.

Basicamente, a idéia consistiu em formular e aplicar atividades, ou tarefas, que

pudessem ser executadas dentro da sala de aula, por grupos de cinco ou seis integrantes,

dependendo das características de cada classe. Ao final da aula, cada grupo entregava sua

atividade, que era corrigida e comentada por mim. Muitas vezes, a correção acontecia

durante a aula mesmo, e os comentários eram feitos no próprio grupo. Mas, por diversas

vezes foi necessário levar para casa os trabalhos dos alunos e trazê-los na aula seguinte,

corrigidos e comentados.

Os grupos foram mantidos sem rotatividade de integrantes durante todo o

semestre para possibilitar a cada um deles o retorno do próprio trabalho, e também para

tentar estimular o surgimento de vínculos, na esperança que isso trouxesse alguma

contribuição para a aprendizagem dos mesmos.

Vale ressaltar que os primeiros dias destas atividades foram, até certo ponto,

conturbados. Os estudantes não estavam habituados a trabalhar dessa maneira, e tinham

muitas dúvidas a respeito de como deveriam entregar a atividade, de qual era o grupo ao

qual faziam parte, se poderiam ou não trocar de grupo de uma aula para outra (apesar de

todas estas informações terem sido dadas antes das primeiras tarefas). No entanto, com o

passar do tempo as dúvidas foram diminuindo e eles foram se acostumando com as

atividades, que eram intercaladas com aulas expositivas, utilizadas normalmente para

introduzir o assunto que seria trabalhado.

As atividades em grupo e as observações realizadas ocorreram no ano anterior a

minha entrada no mestrado, enquanto tentava escrever minha monografia, e contribuíram

para o interesse inicial que tive, na pós-graduação, em continuar investigando o trabalho

com grupos dentro da sala de aula.

Page 14: Winnicott e aprendizagem

14

1.2 - O início do mestrado

Em 2003, já no mestrado, e com a intenção de aprofundar meus conhecimentos

sobre a dinâmica grupal, li a tese de livre-docência da Profa. Maria Helena Trench

Ciampone sobre Grupos Operativos, e a tese de doutorado de Marcelo Alves Barros,

intitulada "Análise de experiências didáticas com grupos de aprendizagens em Física".

Nestas primeiras leituras, tomei contato com a idéia dos possíveis papéis que poderiam

ser assumidos pelos integrantes de um grupo, bem como, as suas condutas defensivas, e

como elas poderiam interferir na dinâmica grupal durante a realização de uma tarefa

(apesar de as condutas defensivas aparecerem também fora do contexto grupal). Esta

tentativa de entender e identificar tais papéis, ou condutas, durante a realização das

tarefas propostas aos meus alunos, acabou fazendo com que eu me aproximasse da

Psicanálise, o que me obrigou a estudar conceitos até então desconhecidos para mim.

Confesso que esta não foi uma barreira fácil de ser transposta, e, para isso, precisei

recorrer inúmeras vezes a dicionários de Psicologia e Psiquiatria (SILLAMY, 1999 e

BALLONE), além de outras bibliografias (BLEGER, 1984 e 1993).

1.2.1 - Trabalhando com o referencial de grupos operativos

Durante todo o ano de 2003 tentei familiarizar-me com as principais idéias da

teoria de grupos operativos, teoria esta que sugere um modo de atuação inconsciente dos

indivíduos integrantes de um grupo. Estes indivíduos, movidos por fatores subjetivos

(ansiedades, defesas, identificações, projeções, resistências e transferências) acabam

assumindo papéis dentro do grupo, que determinam a maneira como cada um irá

interagir com os outros integrantes, com o coordenador e com a tarefa a ser realizada.

Segundo PICHON (1982), a identificação destes papéis (porta voz2, líder progressista3,

bode expiatório4 e líder da resistência5), e a elaboração de estratégias que estimulem a

circulação destes papéis entre os integrantes podem colaborar para que o grupo evolua

2 Membro que transmite ao professor todas as ansiedades e necessidades do grupo. 3 Faz-se depositário dos aspectos positivos do grupo, ou da tarefa. 4 Faz-se depositário dos aspectos negativos ou atemorizantes do grupo, ou da tarefa. 5 Membro que interfere de forma negativa na funcionalidade do grupo, e na mobilização dos integrantes para a realização da tarefa.

Page 15: Winnicott e aprendizagem

15

partindo de uma categoria denominada pré-tarefa6 para categorias mais avançadas, do

ponto de vista do funcionamento grupal, como a tarefa7 e o projeto8.

Assim, a idéia inicial do mestrado era identificar estes papéis dentro dos grupos e

elaborar estratégias que estimulassem a passagem da pré-tarefa (fase onde todos os

grupos inicialmente estudados se encontravam) para as outras fases subseqüentes. Para

isso, tentei manter anotações sobre as situações observadas em minhas aulas (ainda na

escola Campo Limpo), e pude, de fato, constatar, dentro da sala de aula, o aparecimento

dos papéis e das condutas defensivas. No entanto, encontrei sérias dificuldades para

orientar meus alunos e ao mesmo tempo anotar observações sobre cada grupo, para que

estas pudessem sinalizar atuações mais adequadas no futuro. Não consegui conciliar as

responsabilidades de um professor às tarefas de um pesquisador. Percebi que não

conseguia dar a atenção necessária a todos os sete ou oito grupos que eram formados

para a realização das atividades em cada classe. Notei que quando eu ficava um certo

tempo em um grupo, até tinha a oportunidade de conversar com os integrantes e tentar

descobrir um pouco das suas angústias e ansiedades. No entanto, isso acontecia sempre

em detrimento dos outros grupos que, apesar de solicitarem minha presença, acabavam

ficando muitas vezes sem a minha atenção. Com isso, de aula em aula, não pude manter

uma certa regularidade de visitas a cada grupo, o que me distanciava deles, apesar da

aproximação conseguida em relação a alguns grupos. A minha impressão era de estar

aumentando a influência sobre a classe, em comparação às aulas exclusivamente

expositivas, mas não achei que este aumento estava sendo suficiente para beneficiar ao

menos metade da turma. Em resumo, era muito difícil dar atenção aos alunos, com

relação as suas dúvidas sobre as tarefas, e ao mesmo tempo observar e investigar o

comportamento dos grupos. Esta fase acabou servindo apenas como experiência para o

trabalho com grupos, já que não fiquei satisfeito com as anotações que fiz durante o ano.

Decidi que realizaria nova tomada de dados no ano seguinte, porém, de maneira

diferente, e concentrando minha atenção em poucos grupos.

6 Fase onde a não elaboração dos medos e das ansiedades bloqueia a aprendizagem, na medida que “afasta” o indivíduo do conflito - ocasionado pela necessidade de questionar os próprios modos de pensar/agir - e gera resistências à execução da tarefa proposta. 7 Fase onde os integrantes já conseguem trabalhar suas ansiedades e superar suas condutas estereotipadas - ações inconscientes que não contribuem para a execução da tarefa - abrindo um canal de comunicação com seus colegas e com o coordenador, possibilitando o surgimento de vínculos. 8 Fase final caracterizada pela conquista da autonomia por parte do grupo.

Page 16: Winnicott e aprendizagem

16

1.2.2 - Trabalhando com o referencial de grupos operativos: uma segunda tentativa

No ano de 2004, agora no colégio Itupeva9, e com a carga didática reduzida em

função do mestrado, tentei trabalhar novamente com o referencial de grupos operativos.

Porém, houve desta vez uma certa divisão de tarefas: eu fiquei responsável pela função

de professor, enquanto outra pessoa acabou assumindo a responsabilidade de observar as

conseqüências do trabalho em grupo dentro da sala de aula.

A classe escolhida para a investigação era composta somente por doze estudantes,

o que resultou na formação de três grupos, com quatro integrantes cada. Desta vez quase

todas as aulas, de maio até dezembro de 2004, foram gravadas em vídeo, na tentativa de

se obter maiores detalhes a respeito da maneira como cada grupo trabalhava, e deveriam

servir, a princípio, para a minha dissertação e para a dissertação daquele que estava

fazendo o papel de observador dos grupos.

No entanto, durante o ano letivo, por conta de uma maior aproximação para com

os alunos, acabei percebendo fatos que me fizeram repensar o foco das minhas

observações, e culminaram na decisão de mudar a direção desta dissertação. Estes fatos

ocorreram, curiosamente, não só no colégio Itupeva, onde as aulas estavam sendo

gravadas, mas também em outro colégio onde eu lecionava (Escola Jundiaí), e onde as

mesmas estratégias de ensino estavam sendo utilizadas10.

Na medida em que o trabalho com grupos transcorria, agora com mais tempo

disponível, já que a classe observada possuía apenas três grupos, acabei conseguindo

também dar uma melhor atenção aos alunos, o que resultou numa maior aproximação

professor-aluno. Inicialmente, eu procurava anotar tudo o que achava interessante sobre

cada um deles: comportamentos, características dos trabalhos e avaliações, situações de

aula, entre outras coisas. Com o passar do tempo, e com o aumento no número de

informações referentes a cada estudante, pude começar a perceber certos padrões que

eram individuais, e outros comuns, que se repetiam entre eles. Muitas vezes senti a

necessidade de orientá-los individualmente, e conversar sobre assuntos que, na minha

opinião, não seriam de interesse do grupo todo. Para realizar essa orientação

individualizada, comecei então a usar as avaliações escritas na tentativa de abrir um

9 No final de 2003 eu pedi afastamento (licença não remunerada) da escola Campo Limpo, para poder dedicar um tempo maior às exigências do mestrado. Em 2004, portanto, lecionava somente nas escolas Itupeva e Jundiaí, ambas particulares. 10 Eu não estava coletando dados na Escola Jundiaí, mas acabei naturalmente transportando para todas as minhas outras classes o que achava estar fazendo de interessante na classe escolhida para a coleta de dados - na Escola Itupeva.

Page 17: Winnicott e aprendizagem

17

canal de comunicação com os estudantes, principalmente no caso daqueles que

aparentemente mais necessitavam da minha ajuda. Escrevia nas provas recados que, na

minha opinião, seriam úteis para cada um deles individualmente. Mandava recados

pedindo que me procurassem para conversarmos e os motivava quando percebia

pequenas evoluções na maneira como alguns enfrentavam os problemas propostos nas

avaliações, mesmo que essas evoluções não se refletissem necessariamente em aumento

de notas. Alguns atendiam ao meu chamado, outros não. Dentre os que não me

procuravam, por diversas vezes, tomei a iniciativa da aproximação. Alguns foram

receptivos, enquanto outros, somente ouviam, mas não se abriam para uma conversa

mais franca.

Durante estas conversas, uma aluna da Escola Itupeva desabafou que não sabia

mais o que fazer para entender Física. Ela relatou que sentava em sua escrivaninha para

estudar, e sempre colocava para si mesma um objetivo a ser cumprido: “somente levantar

depois de entender todo o capítulo do livro de Física que fora dado na aula”. Com esse

objetivo em mente, ela começava os seus estudos, mas na medida em que a leitura do

livro texto trazia dúvidas que não podiam ser sanadas de imediato, ela começava a ficar

irritada, e com o acúmulo de problemas sem solução ela acabava se levantando para “dar

um tempo”. Porém, durante este “tempo” a aluna confessou que sempre arrumava algo

“mais interessante” para fazer e acabava não mais voltando aos estudos.

Depois dessa conversa, considerei que ela estava, ao iniciar seus estudos,

colocando para si objetivos impossíveis de serem alcançados. Ou será que um estudante

de ensino médio pode entender um capítulo inteiro de um livro de Física em apenas um

dia ? Os conceitos físicos necessitam de tempo para serem compreendidos, e aquela

aluna não estava levando isso em consideração na hora de propor seus próprios objetivos

de estudo. Certamente havia um equívoco na maneira pela qual ela achava que iria

aprender Física.

Em outra oportunidade, uma outra aluna (agora da Escola Jundiaí) relatou que

estudava muito, mas que não conseguia obter boas notas nas avaliações. Vale ressaltar

que esta conversa somente ocorreu porque eu tomei a iniciativa da aproximação, uma vez

que a aluna em questão tinha vergonha de chegar até mim e iniciar uma conversa. Diante

da sua lamentação, pedi que ela me dissesse como estudava, e ela relatou que lia toda a

teoria, fazia resumos das partes que ela considerava mais importantes, e depois tentava

resolver os problemas propostos por mim como tarefa de casa. Ocorreu-me então de

perguntar se ela acertava os problemas e exercícios que tentava resolver, e ela respondeu

Page 18: Winnicott e aprendizagem

18

que conseguia acertar menos da metade. As questões não entendidas eram levadas então

para uma amiga, que acabava explicando como deveriam ser feitos (esta amiga costuma

tirar as maiores notas da classe). No entanto, depois da explicação dada a ela por outra

pessoa, a aluna relatou que considerava os problemas definitivamente entendidos e não

mais tentava resolvê-los em outra oportunidade. Diagnostiquei aqui também um

equívoco na maneira como ela achava estar aprendendo Física. Ver alguém resolvendo

um problema não garante que a pessoa conseguirá resolvê-lo sozinha depois. Se assim

fosse, bastaria a resolução do professor na lousa para que os alunos não tivessem mais

dúvidas ao chegarem em casa.

Conversamos um pouco sobre isso e sugeri que ela voltasse a pensar, dias depois,

naqueles problemas que haviam sido explicados por outra pessoa, e que ela somente os

considerasse entendidos se conseguisse resolvê-los sozinha depois de um tempo.

O fato foi que suas notas acabaram melhorando, e ela passou também a conversar

mais comigo sobre suas dúvidas. Novamente aqui uma aluna estava cometendo um

pequeno equívoco na maneira de estudar, que a estava prejudicando de certa forma.

Umas poucas conversas, e algumas orientações, parecem ter sido suficientes para

resolver o seu problema.

Diante destas e de outras ocorrências semelhantes, comecei a acreditar que

deveria dar mais atenção a estes detalhes particulares se quisesse orientar de forma

eficiente meus alunos, ajudando-os assim a superarem suas dificuldades. Percebi que

existia uma diferença muito grande entre a minha visão sobre o processo de

aprendizagem de cada um, e a visão que os alunos tinham a respeito do próprio processo

de aprendizagem, e que, muitas vezes, eles não conseguiam saber o motivo pelo qual

seus estudos não traziam os resultados esperados. Além disso, a atenção que eles

percebiam ter do professor parecia ser por si só um fator facilitador, como alguns

chegaram a comentar entre eles e comigo. Concluí que, um professor que não conversa

com seus alunos e alunas, e que não conhece suas necessidades, ou sua maneira de

encarar o mundo, fatalmente terá menor chance de ajudá-los com suas dificuldades.

Desta forma, na medida em que me aproximava mais dos meus alunos

(notadamente um dos pontos positivos de se trabalhar com grupos dentro de uma sala de

aula), pude perceber que existiam particularidades nas necessidades de cada estudante, e

a estratégia que aparentemente funcionava para uns, não contribuía para o

desenvolvimento de outros do mesmo grupo. Concluí que, apesar do trabalho em grupo

Page 19: Winnicott e aprendizagem

19

ser vantajoso, havia a necessidade, muitas vezes, de um tratamento individualizado

(concomitante ao trabalho em grupo) para certos alunos.

“ (...) o funcionamento coletivo pode marginalizar os alunos que têm mais necessidade de

aprender” (PERRENOUD, 2000 - p.45).

A massificação do ensino parece ter, na prática, relegado aos estudantes a

responsabilidade por superar suas próprias dificuldades, na medida em que não permite

ao professor, devido ao número excessivo de estudantes, dar a atenção e o apoio que cada

um necessita para o seu desenvolvimento, e muitos naturalmente não possuem a

maturidade suficiente para tamanha tarefa. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman relata

esta característica da modernidade. Ele afirma que vivemos numa época de infinitas

possibilidades, quase todas de consumo, onde as pessoas, em troca da aparente liberdade

de escolher o que fazer das suas vidas, carregam sozinhas as responsabilidades e as

incertezas das suas escolhas. “Tudo, por assim dizer, corre agora por conta do

indivíduo” (BAUMAN, 2001 - p.74). Quase não há a quem pedir apoio ou ajuda.

Apesar de as aulas na Escola Itupeva terem sido gravadas em vídeo, acabei

também não conseguindo realizar análises suficientemente satisfatórias desse material,

que valessem o esforço para uma dissertação de mestrado. Confesso que não estava

satisfeito com o referencial usado até então porque não dava conta dos detalhes que

estava descobrindo, pois apontavam para a grande influência de fatores aparentemente

individuais dentro do processo de aprendizagem.

Assim, por conta destes fatos resolvi, com a concordância do meu orientador,

mudar o foco da pesquisa e me interessar por outro referencial de análise. Decidi, então,

tentar investigar como um aluno pode interpretar e encarar as próprias dificuldades e

frustrações inerentes ao processo de aprendizagem, e o que um professor poderia fazer

para ajudá-lo neste processo. Tais indagações acabaram me levando, com a ajuda de uma

disciplina de pós-graduação, finalmente à teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott,

que acabou sendo adotada como o referencial teórico deste trabalho.

Termino assim o relato dos fatos que me levaram a escolher o referencial

winnicottiano para a análise dos dados obtidos. A seguir, antes mesmo de apresentar este

referencial teórico, faremos uma breve introdução do mesmo a fim de justificar sua

escolha, passando a usar, a partir de agora, o ponto de vista do pesquisador.

Page 20: Winnicott e aprendizagem

20

1.3 - O novo referencial: uma introdução à teoria da transicionalidade de Winnicott

“Entre vários sujeitos submetidos à mesma aprendizagem, constatam-se

diferenças, às vezes consideráveis, devido a fatores pessoais, como idade, inteligência,

motivação e atitude mais ou menos ativa de cada um deles” (SILLAMY, 1998 - p.27).

Isso nos sugere que, apesar do trabalho em grupo trazer, muitas vezes, benefícios ao

aprendizado de uma disciplina, fatores exclusivamente pessoais podem ser responsáveis

por dificultar, ou mesmo impossibilitar, tal aprendizado.

“Estou muito ‘desligada’... problemas pessoais. Sei que isso não deve interferir, mas fazer o quê ?

Eles acabam com a gente. Espero que você [professor] não esteja desapontado comigo. Sei que

não ando sendo uma grande aluna” (Bárbara11).

“Ultimamente estou muito cansada, e não estou conseguindo me concentrar muito nas coisas. (...)

Acho que estou sob muita pressão, tanto na escola quanto em casa, com outros problemas”

(Vânia).

Por isso, a escolha de um referencial que trabalhe com mecanismos individuais de

enfrentamento da realidade, mais especificamente de situações advindas do contato com

esta, pode ajudar na compreensão de fatos observados com freqüência dentro de um

ambiente de aprendizagem. Então, a partir desta perspectiva foi feita a escolha do novo

referencial.

Com a ajuda de conceitos como: objeto transicional, espaço transicional e o

brincar, o psicanalista inglês D. W. Winnicott deu-nos uma maneira de olhar como nos

relacionamos com o mundo, superando ou não os fracassos e as desilusões pelas quais

passamos durante nossas vidas. Conhecida como teoria da transicionalidade, que é parte

da teoria do amadurecimento elaborada pelo mesmo autor, ela sugere uma atividade

mental que, se presente no indivíduo, em decorrência de condições de maternagem12

suficientemente favoráveis no início da vida, habilita-o a elaborar de forma positiva as

frustrações e desilusões advindas da sua relação com a realidade externa.

11 Todos os nomes de alunos usados nesta dissertação são fictícios. 12 As condições de maternagem representam tudo o que uma mãe pode fazer para adaptar-se bem às necessidades de seu bebê, possibilitando que este tenha experiências de onipotência. Essas experiências produzem no bebê a ilusão de que a realidade corresponde a sua capacidade de criar, o que permitirá, mais tarde, que ele possa passar pelas desilusões advindas da percepção de fenômenos que estão fora do seu controle.

Page 21: Winnicott e aprendizagem

21

Basicamente, os objetos transicionais são “objetos” que, ao serem usados pelo

indivíduo, tranqüilizam-no em momentos de ansiedade e/ou frustração.

“Salvo para alguns, aprender exige tempo, esforços, emoções dolorosas: angústias do fracasso,

frustração por não conseguir aprender, sentimento de chegar aos limites, medo do julgamento

de terceiros” (PERRENOUD, 2000 - p.70).

Estes momentos de ansiedade e/ou frustração parecem possuir o potencial de

paralisar o processo de aprendizagem de alguns estudantes, que ao sentirem dificuldades

podem resolver deixar tudo de lado e procurarem algo “mais interessante” para fazer,

livrando-se, assim, da angustiante sensação de não conseguirem dar conta de uma tarefa

proposta pelo professor. Mas, se o indivíduo consegue fazer uso de tais “objetos”, abre-

se a possibilidade de que durante o brincar do adulto, caracterizado pelo uso dos objetos

transicionais no espaço transicional do mesmo, este acabe encontrando uma saída

razoável para suas dificuldades, permitindo assim a ocorrência de uma experiência de

aprendizagem.

O professor poderia então diagnosticar aqueles alunos com dificuldades em

brincar, e procurar aplicar atividades que “disponibilizem” possíveis objetos

transicionais, para que estes alunos possam eventualmente aprender a fazer uso de tais

“objetos” na superação das suas dificuldades.

No capítulo 2 faremos uma análise mais detalhada do referencial adotado. Antes,

porém, definiremos os novos objetivos que foram adotados para esta pesquisa e

relataremos o ambiente das aulas onde se deu a nova coleta de dados.

1.4 - Novos objetivos para a pesquisa

A maneira como os estudantes encaram o próprio processo de aprendizagem

resulta em um conjunto de ações que podem não favorecê-lo. As tensões e ansiedades

decorrentes deste não favorecimento, se não trabalhadas, podem realimentar o fracasso e

levá-los para cada vez mais longe de um relacionamento satisfatório com o estudar, um

relacionamento que seja capaz de proporcionar verdadeiras experiências de

aprendizagem.

Aprender implica enfrentar e superar conflitos, uma vez que pressupõe mudanças

na maneira do indivíduo pensar e agir, e cobra do sujeito alguma maneira de fazer isso. A

Page 22: Winnicott e aprendizagem

22

teoria winnicottiana postula a existência de um mecanismo psicológico que, se

desenvolvido durante o processo de amadurecimento do indivíduo, será capaz de dar

conta desta tarefa. Pretendemos com essa teoria, e a partir do diagnóstico da relação que

os estudantes de ensino médio da Escola Jundiaí possuem com o próprio processo de

aprendizagem, bem como suas ações diante das frustrações surgidas durante a realização

das tarefas, compreender os sucessos e os fracassos apresentados por eles. Em seguida,

procuraremos aprofundar este entendimento no caso de uma aluna, analisando os dados

referentes a ela ao longo de mais de dois anos: isso nos permitirá também tentar

identificar a influência do professor dentro do processo de aprendizagem dela.

Finalmente, procuraremos generalizar as informações coletadas durante nossa análise,

explorando também os saberes construídos durante nossa experiência didática, sugerindo

e analisando estratégias de atuação do professor que possam incentivar o

desenvolvimento da capacidade de estudar Física dos seus alunos.

1.4.1 - Nova coleta de dados

Como estávamos interessados em investigar a relação dos estudantes com o

estudo da Física, e os sentimentos decorrentes desta relação, decidimos que faríamos a

coleta de dados por meio de questionários, auto-avaliações, entrevistas e conversas

informais com os alunos. As observações e impressões do professor, ou de outras pessoas

que estivessem envolvidas no processo de aprendizagem dos alunos, também poderiam

contribuir para a obtenção de informações importantes para a pesquisa.

Assim, logo no início de 2005, pedimos aos alunos da segunda série do ensino

médio, da Escola Jundiaí13, que respondessem a um questionário (anexo 1) contendo

perguntas relativas ao cotidiano de cada um, bem como aos seus sentimentos e métodos

em relação ao estudo da Física. Através deste questionário, e das observações e

conversas ocorridas durante as aulas, constatamos que o brincar de Winnicott podia ser

utilizado para entender a maneira como os alunos que não apresentavam dificuldades

com a Física realizavam seus estudos. Esta constatação foi feita por meio dos relatos de

momentos de dificuldades decorrentes do estudo da Física, onde os alunos disseram

quais eram suas “estratégias” para superar tais dificuldades - “estratégias” estas que

puderam ser interpretadas como objetos transicionais sendo manipulados em seus

espaços transicionais. Por sua vez, aqueles que aparentemente sofriam com o estudo da

13 Em 2005 e 2006, o professor lecionava apenas na Escola Jundiaí.

Page 23: Winnicott e aprendizagem

23

Física não relataram tais estratégias e, portanto, de acordo com Winnicott, não eram

ainda capazes de explorar a capacidade de brincar, e encontravam maiores dificuldades

para transpor a barreira das frustrações decorrentes do processo de aprendizagem

(FERNANDES e VILLANI, 2006).

Ao final de 2005, pedimos novamente que os alunos respondessem ao mesmo

questionário, com a intenção de que, juntamente com as auto-avaliações e com as

conversas tidas pelo professor com os alunos, fosse possível diagnosticar eventuais

mudanças na maneira com que os estudantes encaravam o processo de aprendizagem,

relacionando-as, ou não, com a atuação do professor durante o ano.

Para viabilizar esta análise elaboramos algumas categorias que nos possibilitaram

classificar os alunos, de acordo com a relação que cada um possuía com o próprio

aprendizado, em dois momentos diferentes. Com elas foi possível começar a identificar

que alguns estudantes haviam mudado de categoria no decorrer de 2005.

Em 2006, mais precisamente nos meses de janeiro e maio, outros dois

questionários (anexos 2 e 3) foram aplicados com as seguintes intenções: melhorar a

categorização que havíamos feito dos alunos e obtermos algumas informações mais

específicas relativas à maneira com que os estudantes lidavam com as dificuldades

advindas do estudo da Física.

Depois, com a decisão de focar nossa atenção somente na aluna Ana, pedimos

que ela respondesse a um quarto questionário (anexo 4), em agosto de 2006, para que

algumas lacunas deixadas pelos questionários anteriores pudessem ser preenchidas.

De maneira geral, a quase totalidade dos dados desta investigação foram obtidos

entre janeiro de 2005 e agosto de 2006.

1.5 - O ambiente das aulas

Acreditamos ser importante, antes de relatar os fatos observados, descrever o

ambiente da sala de aula na qual os estudantes estavam inseridos quando responderam ao

primeiro questionário, em janeiro de 2005. Este ambiente, portanto, refere-se

inicialmente ao ano letivo de 2004.

O professor era obrigado a cumprir o curso apostilado de Física integralmente até

o final do ano letivo. Isso fazia com que o ritmo das aulas não fosse muitas vezes

compatível com o ritmo de aprendizagem de cada aluno. A rotina das aulas consistia

basicamente na exposição dos tópicos da Física, por parte do professor, e posterior

Page 24: Winnicott e aprendizagem

24

resolução de alguns problemas de demonstração e/ou aplicação dessa teoria.

Eventualmente, o professor selecionava questões para serem resolvidas pelos alunos,

reunidos em grupos, durante a aula. Estes momentos, apesar de não ocorrerem com tanta

freqüência, mostraram-se importantes para que o professor pudesse abrir um canal de

comunicação com os alunos que facilitasse o diagnóstico das suas dificuldades,

ansiedades e frustrações. Além disso, sempre existiam tarefas que os alunos deviam

realizar em casa. Estas tarefas consistiam geralmente de leituras do livro-texto e

resoluções de exercícios ou problemas.

Porém, em 2005, algumas atividades foram inseridas ao processo de avaliação

dos estudantes, enquanto outras foram modificadas a fim de se adequarem melhor aos

nossos objetivos. Dentre esses objetivos, citamos o de dar condições ao aluno de poder

perceber características sobre seu próprio processo de aprendizagem, além de poder falar

sobre seus métodos e dificuldades de estudo, e o de propiciar situações onde o professor

ficasse mais tempo com os alunos, fora das aulas normais, para poder acompanhá-los e

ajudá-los mais de perto com as suas necessidades.

1.5.1 - As atividades aplicadas em 2005

1.5.1.a - Atividades em grupo

Uma primeira estratégia foi o aumento na freqüência das atividades em grupo

dentro da sala de aula, o que permitiu ao professor uma maior aproximação para com os

alunos, principalmente com aqueles que mais aparentavam estarem precisando da sua

ajuda. Durante os atendimentos a cada grupo, o professor teve a oportunidade de

conversar com seus alunos sobre o “funcionamento” do processo de aprendizagem nas

pessoas, na tentativa de enfraquecer algumas idéias equivocadas que os alunos

mostravam possuir sobre o próprio aprendizado. Tais idéias eram: que eles poderiam

aprender Física somente lendo o livro-texto uma única vez, ou somente assistindo às

aulas; que decorar fórmulas e conceitos era um bom método para se aprender Física; que

a tentativa frustrada de se resolver algum problema era sinal de incompetência do aluno;

que errar não era normal dentro do processo de aprendizagem; que aprender não deveria

ser um processo lento e gradual; e que era sempre possível se compreender as utilidades

e vantagens de algo que ainda não havíamos aprendido, ou que ainda não conhecíamos.

Page 25: Winnicott e aprendizagem

25

Estas idéias costumavam aparecer com relativa freqüência quando os alunos eram

estimulados a relatar suas tentativas de realização das tarefas propostas.

Durante estas conversas, o professor também explorou, em determinadas

situações, o testemunho de alguns estudantes da classe que tiveram sucesso em suas

atividades de resolução de problemas. Estes testemunhos foram usados na tentativa de

corroborar a eventual decisão dos alunos de mudarem sua própria disposição em

enfrentar as próprias dificuldades.

Não temos a menor dúvida de que as atividades em grupo foram úteis, entre

outras coisas, para que o professor pudesse abrir um canal de comunicação importante

com seus alunos. No entanto, isto somente foi possível graças às investidas do professor

neste sentido, uma vez que, em várias ocasiões partiu dele a iniciativa de interagir com

alguns grupos, ou com alguns integrantes destes grupos.

“Eu não tenho o hábito de tirar minhas dúvidas com o professor, pois tenho muita vergonha

dele. Não sei direito o porque, mas acho que é porque antigamente os colegas faziam

brincadeirinhas sem graça. Me sentia muito mal, e por isso não pergunto” (Nádia).

“Tinha um pouco de vergonha de perguntar ao professor, mas agora estou perguntando mais”

(Isabel).

Esta aproximação inicial teve papel significativo na ajuda que pôde ser dada a

certos alunos durante os anos de 2005 e 2006.

1.5.1.b - Conversando sobre o processo de aprendizagem

No início do segundo semestre de 2005, o professor preparou uma aula especial

com o objetivo de tentar justificar quais eram os equívocos nos pensamentos relatados

pelos alunos acerca do próprio processo de aprendizagem. Como já dissemos, estes

equívocos surgiam com freqüência quando os alunos eram estimulados a falar sobre suas

tentativas de resolução das tarefas de Física.

“Convém que [o professor] favoreça a metacognição como fonte de auto-regulação dos

processos de aprendizagem” (PERRENOUD, 2000 - p.51).

Page 26: Winnicott e aprendizagem

26

A aula baseou-se na idéia, usada também por Winnicott em seus livros, de as

pessoas possuírem, ao menos, um mundo interno e outro externo. Trabalhou-se a idéia

de que o mundo interno é constituído por imagens e símbolos que construímos dentro de

nós de tudo o que nos é externo, e que a construção desse mundo interno, feita através

dos sentidos e da elaboração psíquica, não é algo que possa ocorrer da noite para o dia.

De fato, para a percepção das características de algo externo é sempre necessário certa

dose de manipulação e reflexão; assim, quanto mais a pessoa trabalhar com determinado

objeto, maiores serão as chances da representação interna deste incorporar detalhes que

dificilmente existiriam com uma manipulação apenas superficial. Foi ressaltado, no

entanto, que objetos internos criados nunca seriam iguais aos objetos externos.

Fazendo analogias com objetos do dia-a-dia, o professor tentou mostrar o quanto

pode ser equivocada a idéia que temos sobre as coisas quando ela é formada

rapidamente, sem muita reflexão ou manipulação, e relacionou isso ao estudo da Física.

“A Física que você usa no dia-a-dia, e até nas provas, não é a Física que está nos livros, mas

sim aquela que você construiu dentro de você, que pertence ao seu mundo interno. E

dependendo de como você estudou, elas podem ser muito diferentes. Errar é uma das maneiras

de, com o tempo, irmos ajustando a Física que aprendemos com a Física dos livros” (professor).

Tentou-se argumentar com os alunos que o mundo interno de uma pessoa daria

também subsídios para que ela pudesse pensar e criar. Um mundo interno repleto de

objetos internos deixaria o indivíduo mais capacitado a interagir com a realidade externa.

Estudar poderia ser, então, entendido como uma maneira de criar e enriquecer este

mundo interno, para que possamos ter condições não só de compreender a realidade

externa, mas também falar e pensar sobre ela.

Foi uma aula da qual os alunos relataram terem gostado, uma vez que, segundo

eles, ajudou na compreensão de muitas coisas que acontecem em suas vidas. Alguns

alunos até confessaram, dias depois, terem se envolvido mais na resolução das tarefas de

casa.

“ (...) depois que o professor falou sobre o mundo externo e mundo interno, compreendi que

para entendermos e aprendermos uma matéria de fato, é preciso trazê-la para o nosso mundo

interno e dedicar-se constantemente a ela. Não basta prestar atenção a aula, é necessário

Page 27: Winnicott e aprendizagem

27

chegar em casa, ler a teoria e fazer os exercícios logo após, e não ficar adiando para o fim de

semana, como eu fazia anteriormente. Aprendi a gostar mais das matérias em geral, aprendi a

valorizá-las (...)” (Amanda).

A intenção também foi, no decorrer do ano letivo, sempre fazer uso dessas idéias

na justificativa dos procedimentos necessários para a melhora na eficiência do

aprendizado da Física, e para o convencimento das possíveis vantagens em se investir no

enriquecimento do mundo interno de cada um deles.

1.5.1.c - Trabalho de leitura e produção de textos

Com o objetivo de estimular o contato dos estudantes com a ciência, propiciando

momentos onde os alunos poderiam opinar livremente sobre determinados assuntos,

dando também a oportunidade do professor interagir com estas opiniões através da

leitura dos textos produzidos, foi pedido que, trimestralmente, os alunos escolhessem um

artigo da mídia escrita que possuísse alguma relação com ciência ou tecnologia. Através

da leitura desse artigo, os alunos deveriam elaborar um texto estritamente pessoal sobre o

tema escolhido e entregá-lo ao professor no prazo estipulado e devidamente formatado.

Para isso, no início de 2005, todos receberam uma folha contendo as informações

relativas à entrega do trabalho, que deveriam ser seguidas durante o ano (anexo 5).

Este trabalho, após ser analisado pelo professor, era devolvido aos alunos com

sugestões de ajustes que, se realizados, conferiam-lhes o direito de ganhar um ponto na

média final trimestral14. Se o trabalho estivesse satisfatório logo na primeira entrega não

haveria a necessidade de tais ajustes. Ficava, então, a cargo do aluno escolher o artigo, e

ficava a cargo do professor avaliar se o trabalho produzido estava de acordo com as

recomendações dadas no início do ano.

A atividade em questão já estava sendo aplicada desde o início de 2004, mas

precisou ser modificada em 2005 para possibilitar uma melhora no canal de comunicação

entre as idéias dos alunos e as sugestões dadas pelo professor que, às vezes, precisava

escrever bastante nos textos antes de devolvê-los aos alunos, para que estes se sentissem

estimulados a melhorar sua produção. Em 2004, a entrega do trabalho era mensal, o que

não permitiu ao professor a dedicação necessária para a análise e correção dos mesmos,

de maneira a favorecer o progresso do aluno na realização dos próximos trabalhos.

14 A Escola Jundiaí dividia o ano letivo em trimestres, ao invés de bimestres.

Page 28: Winnicott e aprendizagem

28

Com as mudanças, pretendíamos que os alunos tivessem a chance de perceber

com maior clareza a idéia de processo na aprendizagem, fazendo com que, através dos

ajustes sugeridos pelo professor, o trabalho final ficasse melhor do que aquele

inicialmente entregue por eles.

Esta foi uma atividade onde os alunos e o professor puderam expressar livremente

suas opiniões sobre temas variados dentro da ciência. Constatamos que esta

oportunidade, em determinados casos, estimulou o diálogo entre professor e aluno,

ajudando a quebrar algumas barreiras que inicialmente pareciam separá-los.

1.5.1.d - Atividade livre

Aplicada desde o começo de 2005, esta atividade conferia ao aluno um ponto na

média trimestral final, se realizada de forma satisfatória, e também era dada ao aluno a

oportunidade de refazê-la, ou aperfeiçoá-la, utilizando-se das observações e sugestões

feitas pelo professor após a sua correção.

A atividade, inspirada em atividade semelhante adotada pela Dra. Nilce da Silva,

da Faculdade de Educação da USP, possibilitava ao aluno a oportunidade de escolha do

tipo de trabalho que desejasse desenvolver, de acordo com um tema de seu interesse -

contanto que o tema tivesse alguma relação com os conteúdos vistos em aula. A

estratégia de devolver o trabalho para as necessárias correções, por sua vez, objetivava

que o aluno novamente passasse por situações de erro e ajuste, até que o trabalho

assumisse uma forma satisfatória. Com isso, esperávamos que os alunos

experimentassem mais uma atividade onde o processo aparecesse como algo importante

na realização do produto final. Também pretendíamos estimular o uso da criatividade na

execução de algo relacionado à Física.

Somente a título de ilustração, o professor deu alguns exemplos do que poderia

ser feito: elaboração de uma pesquisa sobre determinado tópico (que não fosse cópia de

livros ou sites); realização de procedimentos experimentais; análise de filmes que

trouxessem para a discussão algum tema ligado à Física; elaboração de pinturas ou

desenhos, ou até histórias em quadrinhos, entre outros.

Dependendo do trabalho escolhido pelo aluno, havia a possibilidade da formação

de grupos para a realização do mesmo.

Page 29: Winnicott e aprendizagem

29

1.5.1.e - Auto-avaliação

Aproveitando as facilidades da internet, o professor abriu um outro canal de

comunicação com os alunos através do e-mail, fazendo uso deste para o envio de

atividades específicas, conversas particulares, recebimento de atividades propostas em

aula e entrega das auto-avaliações.

As auto-avaliações (anexo 6), de periodicidade variável, possibilitavam ao aluno

também receber um ponto na média trimestral, se entregues no prazo. Cada vez que o

aluno realizava uma avaliação formal, deveria entregar uma auto-avaliação contendo

uma reflexão sobre seus métodos de estudo, seu empenho e seu provável desempenho na

mesma. Esse relato deveria ser entregue ao professor preferencialmente por e-mail até

uma semana após cada avaliação.

Esta atividade permitiu a cada aluno exteriorizar seus métodos de estudo, e

procurou estimular uma reflexão sobre os mesmos. Além disso, serviu para que

pudéssemos obter informações importantes sobre a maneira como os alunos estudavam.

1.5.1.f - Atividade de auxílio ao aluno (plantões)

Houve, desde o início de 2005, e sempre fora do período de aula, um horário

semanal em que o professor esteve disponível para eventuais orientações e

esclarecimentos de conteúdos para os seus alunos. No entanto, a partir do segundo

semestre, devido à baixa freqüência inicial, resolvemos estabelecer um dia fixo para tais

plantões (quarta-feira à tarde). Decidimos também convidar certos alunos para que

freqüentassem estes plantões, na esperança de que uma orientação mais individualizada

pudesse ser disponibilizada para aqueles que enfrentavam problemas com o estudo da

Física.

“Depois do incentivo dos plantões comecei a ler os livros quando podia. Não tinha um dia certo,

ou hora certa (...). Não devia deixar de ter os plantões, ajudou muita gente” (Bárbara).

“Em apenas um dia que fiquei nos plantões percebi que me ajudou muito, pude fazer o exercício

da apostila e tirei minhas dúvidas enquanto ia fazendo” (Raíssa).

“Realmente você tinha razão, os plantões me fizeram muito bem. Começamos a usar mais o livro

Page 30: Winnicott e aprendizagem

30

e com isso comecei a me familiarizar com a linguagem dele” (Joana).

Ao dar mais atenção aos alunos e ao ajudá-los na realização das suas atividades, o

professor esperava contribuir para um aumento na capacidade de brincar de cada um e,

conseqüentemente, na capacidade de superação das dificuldades relativas ao aprendizado

da Física. Assim como, segundo Winnicott, uma mãe suficientemente boa não pode

deixar seu bebê sem assistência, para que este encontre naturalmente seus objetos

transicionais, acreditamos que um professor suficientemente bom teoricamente também

não poderia deixar seus alunos sem o apoio necessário para o desenvolvimento

intelectual de cada um.

1.5.2 - Algumas considerações adicionais sobre as atividades aplicadas em 2005

De maneira geral, todas as atividades implantadas em 2005 tiveram como

objetivos propiciar ao aluno: (A) a idéia de processo na aprendizagem da Física, em

detrimento da idéia de que não precisamos dispor do tempo no aprendizado; (B) a

oportunidade de se expressar com relação a determinados assuntos; (C) a oportunidade

de usar a criatividade na elaboração de trabalhos relacionados à Física; (D) a chance de

exteriorizar e refletir sobre seus métodos de estudo e sentimentos relativos ao

aprendizado da Física; (E) a oportunidade de obter até quarenta por cento da nota final do

trimestre em atividades não relacionadas às avaliações formais; e finalmente, (F) a

abertura de vários canais de comunicação com o professor, na tentativa de fazê-lo se

sentir acolhido e amparado nos momentos de dificuldade.

Por fim, o professor, durante as aulas, procurou, desde o início, manter uma

postura que estimulasse a convivência saudável com cada aluno, tentando, na medida do

possível, respeitar as características particulares de cada um, sem deixar de estimular o

desenvolvimento deles.

Se considerarmos os relatos dos alunos, podemos concluir que, pelo menos para

alguns, estes objetivos foram em parte alcançados.

“Quanto a isso eu estou bem melhor, de saber controlar minha ansiedade e meu nervosismo.

Antes eu não conseguia nem escrever o nome de tão nervosa, e hoje, se o professor chegar na

aula e disser que teremos prova surpresa eu consigo ficar calma, já é um grande avanço eu

acho” (Vânia).

Page 31: Winnicott e aprendizagem

31

“O jeito do professor é muito ‘legal’, eu gosto muito da atenção que ele dá para todos”

(Laura).

“Acredito que o que me deu impulso para estudar Física foram as conversas que o professor

teve com a classe sobre mundo interno e externo. Também comecei a ver a Física por um lado

diferente. Gostei muito dos diálogos que tive com o professor, perguntando-lhe sobre outras

dúvidas, sem ser as de Física, o que me aproximou do professor e me fez participar mais das

aulas” (Amanda).

“Quando você [professor] dá uma dica, ou fala sobre a sua experiência, eu presto atenção, e

penso em uma possível maneira de encaixar essa idéia no meu estilo de estudo” (Cláudia).

“Sinto muito mais confiança por ter a ajuda do professor” (Bárbara).

“Este ano meu desempenho melhorou, passei a entender um pouco mais sobre física, não a

decorar a matéria, mas a saber o conteúdo, que vale mais que pontos na média. Acho que isso

aconteceu pelo fato do professor estar abrindo espaço aos interessados na aula para estudar e

perguntar” (Rodolfo).

“Acho que não precisei falar com ele [professor], descobri os meus erros sozinha. Porém,

ouço muito o professor falar com minhas amigas que não gostam de física e resgatei algumas

dicas do que ele falou, como não deixar acumular os exercícios, tirar sempre dúvida. Reparei

que o professor está sempre aberto para conversas e dúvidas, principalmente com quem tem

mais dificuldades” (Raíssa).

“Antes (no primeiro ano) era bem difícil saber lidar com essas dificuldades [relativas ao

aprender Física]. Mas hoje, depois de muitas conversas com você [professor], dos plantões,

digamos que a situação melhorou bastante. Hoje vejo que o importante é entender,

aprender a matéria, e não a nota em si” (Joana).

“Eu li o livro texto! ! Nossa !! Isso nunca tinha acontecido. Sabe porque eu li ? Foi de tanto

você [professor] ter insistido para eu ler, que eu precisava ler e tal, ai eu li. Sabe, a primeira

impressão é que não mudou muita coisa. Mas eu pensei: pelo menos eu li, tentei uma vez....”

(Vânia).

“Bom eu nunca usava o livro texto para estudar, porque achava desnecessário. Mas venho

Page 32: Winnicott e aprendizagem

32

tentando ler e agora quando tenho uma dificuldade em vez de deixar para tirar dúvida em sala

eu pego o livro, acho que isto está ajudando de certa maneira” (Vânia).

“Muito obrigada por você [professor] ter me escrito, foi de muito valor suas palavras. E

obrigada também por seu elogio” (Vânia).

“Achei que meu desempenho em física melhorou muito este ano, tanto quanto ao meu empenho

quanto as minhas notas e meus resultados em geral. Vi que comecei a entender certas coisas

que não conseguia ver, que me fizeram tomar atitudes diferentes diante de certas situações.

Aprendi a me controlar um pouco mais este ano [2005], e percebo que a cada ano venho

progredindo e fico muito feliz em saber disso. Aprendi a confiar um pouco mais em mim e a

não desistir diante de um problema que não se resolveu de primeira. Pensar é uma grande

virtude e voltar para fazer novamente é outra muito grande também. Saber esperar e ter

paciência é essencial para tudo, não apenas na Física. Acho que tudo isso me fez ir melhor e

me fez progredir me dando resultados satisfatórios” (Vânia).

Page 33: Winnicott e aprendizagem

33

CAPÍTULO 2

“O fato de que o aluno não mostrou nenhum sinal de progresso ontem ou hoje é absolutamente compatível com um possível progresso na semana ou no bimestre seguinte. As sementes, de fato, germinam lentamente. Os músculos demoram para enrijecer. Você conseguiu nadar logo em sua primeira aula de natação ? Caso você não o tenha conseguido, isso significa que você nada aprendeu nessa aula ?”

Gilbert Ryle

Page 34: Winnicott e aprendizagem

34

2.1 - REFERENCIAL TEÓRICO

2.1.1 - Os estágios da teoria do amadurecimento de Winnicott

Podemos dividir o processo de amadurecimento proposto por Winnicott em três

estágios, que podem se sobrepor e não serem lineares - apesar de alguns estágios

precisarem ser transpostos para a ocorrência de outros. Os três estágios, dependência

absoluta, dependência relativa e independência relativa possuem a característica de

serem relativos por dependerem sempre de outro ser humano.

No estágio primitivo de dependência absoluta, como o próprio nome sugere, o

bebê depende totalmente do ambiente ao seu redor, ambiente este responsável por supri-

lo de cuidados favoráveis ao seu desenvolvimento. Em geral, estes cuidados se

relacionam com a maneira como a mãe sustenta e maneja o bebê, e como ela apresenta

objetos a ele, segundo suas necessidades. Estes cuidados permitem que o bebê realize

algumas conquistas básicas desta fase: a integração no tempo e no espaço, o alojamento

gradual da psique15 no corpo e o início das relações objetais.

As relações objetais ocorrem já no início do estágio da dependência relativa,

quando o ambiente começa a deixar de suprir parte das necessidades do bebê,

propiciando o aparecimento das desilusões e o início dos processos mentais. A partir daí

os estágios da transicionalidade e uso de objetos podem ocorrer, levando o bebê aos

estágios do EU-SOU16 e do concernimento. Na saúde eles se estabelecem por volta dos

12 aos 18 meses.

Na medida em que tudo isso vai ocorrendo, o si-mesmo (self) do bebê vai aos

poucos se constituindo pela repetição contínua de pequenas experiências de integração17,

fazendo com que o estado integrado torne-se cada vez mais estável, o que abre caminho

para a independência relativa. Neste estágio o indivíduo e o ambiente podem ser vistos

como independentes, e o indivíduo terá conquistado, entre outras coisas, a maturidade

necessária para enfrentar de forma saudável as desilusões advindas do viver.

15 A psique abrange, para Winnicott, tudo o que não é soma/corpo, incluída aí a mente. (DIAS, 2003 - p.105). 16 Este estágio representa a conquista da unidade num eu integrado. Winnicott também usa às vezes os termos eu e si-mesmo para referir-se a este estágio. 17 Para Winnicott, a integração representa a “(...) tendência inata ao amadurecimento, que leva ao estatuto unitário (...)” (DIAS, 2003 - p.196). No estado integrado o bebê conquista um sentimento de unidade, de si-mesmo, que é “(...) a conquista básica para a saúde no desenvolvimento emocional de todo ser humano” (WINNICOTT, 1996 - p.47).

Page 35: Winnicott e aprendizagem

35

2.1.2 - Fenômenos transicionais

Dentro da teoria do amadurecimento de Winnicott, os fenômenos transicionais

nos ajudam a compreender a maneira como um indivíduo se relaciona com o mundo a

sua volta, principalmente no início da dependência relativa, quando se dá também o

início das relações objetais. A teoria da transicionalidade, da qual os fenômenos

transicionais fazem parte, sugere uma atividade mental que, se desenvolvida no

indivíduo em decorrência de condições de maternagem suficientemente favoráveis no

início da vida, habilita-o a elaborar as frustrações e desilusões advindas da sua relação

com a realidade externa. Nela três conceitos são importantes para entendermos como um

sujeito, ainda nos primeiros anos de vida, pode começar a organizar seu mundo interno e,

ao mesmo tempo, reconhecer uma realidade externa a ele. São eles: espaço transicional,

objeto transicional e o brincar. Estes três conceitos também permitem a compreensão

das possíveis interações entre sujeito e realidade externa. Porém, antes de explicarmos os

seus significados, algumas considerações prévias fazem-se necessárias.

“Para D. W. Winnicott, a criatividade humana, bem como toda a experiência

cultural, tem seu ponto de partida na relação do bebê com a mãe. É essa relação que vai

determinar a amplitude e a qualidade das experiências transicionais” (ABADI, 1998,

p.25-6), que por sua vez determinarão a amplitude e a qualidade das relações que um

indivíduo poderá ter com o mundo externo, inclusive em situações que geram

ansiedades.

Logo ao nascer, e durante aproximadamente os dois primeiros meses de vida, o

bebê não tem consciência de si mesmo e da realidade externa, mas sente certas

necessidades advindas de seu instinto sem saber muito bem como satisfazê-las. Ele

encontra-se num estado de isolamento fundamental denominado não-integrado, onde “os

cuidados físicos [passam a ser também] cuidados psicológicos” (NEWMAN, 2003 -

p.231), e destes o bebê “está apenas em posição de obter proveito ou sofrer

perturbações” (DAVIS, 1982 - p.50).

“A experiência direta que o bebê faz do funcionamento, das sensações e dos movimentos do

corpo tem para ele um sentido, pelo fato de estar sendo imaginativamente elaborada. Apesar

desse sentido não ser diretamente observável, ele se tornará manifesto, posteriormente, no

brincar (...)” (DIAS, 2003 - p.106).

Page 36: Winnicott e aprendizagem

36

Através da chamada elaboração imaginativa, a psique do bebê começa seu

desenvolvimento passando então a elaborar e acumular experiências pessoais

relacionadas aos cuidados recebidos da mãe, os quais acabam por configurarem-se num

mundo para o bebê. O primeiro mundo habitado por ele é, e deve ser, portanto, subjetivo,

e suas características centrais precisam ser a confiabilidade e a previsibilidade. Sem este

mundo subjetivo desenvolvido o bebê não poderá prosseguir suas conquistas relativas ao

amadurecimento.

Com o passar do tempo, e com a estabilidade do meio, o bebê acaba adquirindo a

capacidade de reconhecer coisas e predizer acontecimentos; pelo fato de ainda não

possuir consciência da realidade externa, imagina ou fantasia estar criando tudo o que

chega até ele.

“(...) A fantasia e a realidade são uma só, e o bebê se torna o criador do mundo. Este mundo

criado por ele, que consiste de objetos subjetivos, é sentido como se estivesse sob seu controle”

(DAVIES, 1992 - p.58).

No trecho a seguir, Winnicott ilustra como se dá a elaboração imaginativa, da

necessidade instintual à ilusão da criação do que lhe satisfaz, e suas conseqüências para o

desenvolvimento emocional da criança.

“Imaginem um bebê que nunca foi alimentado. Surge a fome, e o bebê está pronto para

conceber algo; a partir da necessidade, o bebê está pronto para criar uma fonte de satisfação,

mas não existe nenhuma experiência prévia para mostrar a ele o que esperar. Se, neste

momento, a mãe coloca o seu seio ali onde o bebê está pronto para esperar algo e se deixar

suficiente tempo para ele explorar, com a boca e com as mãos, talvez com o sentido do olfato, o

bebê ‘cria’ exatamente aquilo que lá está para ser achado. Finalmente o bebê obtém a ilusão de

que este seio real é exatamente a coisa que foi criada a partir da necessidade (...). Mil vezes

antes do desmame o bebê pode receber exatamente esta introdução particular à realidade

externa [pela mãe]. Mil vezes existiu o sentimento de que foi criado algo que fora desejado, e

descoberta a sua existência. A partir disto, desenvolve-se uma crença de que o mundo pode

conter o que é desejado e necessitado, com o resultado de que o bebê possui esperança de que

há uma relação viva entre a realidade interna e a realidade externa, entre a criatividade

primitiva inata e o mundo em geral que é compartilhado por todos” (WINNICOTT, 1982 - in:

DAVIS, 1982 - p.58).

Page 37: Winnicott e aprendizagem

37

É no estado não-integrado, portanto, que o bebê pode fantasiar estar criando tudo

o que necessita e imaginar que tudo está sob o seu controle, permitindo assim uma ilusão

de onipotência - sentimento que ajudará, no futuro, a trazer esperanças sobre a existência

de algo que o aliviará do sentimento de angústia, quando este começar a aparecer nos

primeiros contatos daquele com a experiência da frustração.

A tendência ao amadurecimento, que de acordo com Winnicott é inata a todo ser

humano, representa a tendência à integração do indivíduo num todo unitário, fazendo-o

responder por um eu e sentir-se real, possuidor de um corpo separado do que será

posteriormente considerado não-eu, ou seja, do que será percebido como sendo externo a

ele.

“O estado de unidade é a conquista básica para a saúde no desenvolvimento emocional de todo

ser humano” (WINNICOTT, 1996 - p.47).

“(...) o oposto da integração é uma deficiência de integração, ou uma desintegração, a partir de

um estado de integração. Trata-se de algo intolerável. É uma das ansiedades mais inconcebíveis

e básicas da infância” (WINNICOTT, 2002 - p.09).

Porém, para que essa integração possa se realizar há a necessidade da existência

contínua de um ambiente facilitador que propicie ao bebê condições favoráveis ao seu

desenvolvimento. Dar estas condições favoráveis seria o papel de uma mãe

suficientemente boa18.

“Iniciar o bebê na capacidade de se iludir é a tarefa essencial da mãe suficientemente boa”

(DIAS, 2003 - p.173).

Podemos considerar que as condições favoráveis, neste estágio inicial, estão

relacionadas a possibilitar ao bebê a aquisição dos sentimentos de temporalização e

espacialização.

A temporalização começa a se desenvolver pela percepção da presença da mãe e

dos seus cuidados que, com o tempo, criam uma memória relativa a eles. Esses cuidados

passam, então, a ser esperados - desde que a confiança necessária instale-se no ambiente,

18 Uma mãe suficientemente boa é aquela “(...) que efetua uma adaptação ativa às necessidades do bebê, adaptação que diminui gradativamente, segundo a crescente capacidade deste em aquilatar o fracasso da adaptação e em tolerar os resultados da frustração” (WINNICOTT, 1975 - p.25).

Page 38: Winnicott e aprendizagem

38

se este possuir a característica de ser suficientemente previsível ao bebê. Saber esperar e

poder contar com o tempo são conquistas advindas do desenvolvimento desse

sentimento.

Por outro lado, o colo da mãe e os cuidados desta com relação ao manejo do bebê

contribuem para que ele adquira gradualmente um sentimento de unidade, em detrimento

da percepção fragmentada de suas partes - cabeça, tronco e membros. Quando a mãe

sustenta o bebê de forma segura e confiante, este vai adquirindo a sensação de possuir

um “lugar onde possa habitar”, onde possa “sentir-se em casa”, um lugar para onde se

possa voltar quando da necessidade de descanso.

Estes dois sentimentos, fundamentais para que o bebê possa habitar, por certo

tempo, num mundo subjetivo, e a partir daí estar preparado para tomar contato com a

realidade, vão gradualmente alojando a psique no corpo. Tudo se passa como se ele

“encontrasse” um local para habitar, um local que será, no futuro, diferenciado do que é

externo/não-eu. Esse alojamento da psique no corpo foi chamado por Winnicott de

personalização.

Uma seqüência para o desenvolvimento da integração seria: temporalização e

espacialização, personalização e relações objetais.

Com o passar do tempo, a mãe começa naturalmente a diminuir o suprimento de

cuidados oferecidos ao bebê, e este começa a experimentar breves momentos de

frustração e desilusão. Estes momentos irão desencadear e reforçar a idéia da existência

de uma realidade que não pode ser controlada pois está fora do seu alcance.

Porém, nos breves períodos de ausência da mãe, pode ocorrer de o bebê

“encontrar” e tomar posse de algum objeto que, por trazer algum tipo de conforto, seja de

ordem física ou emocional, acabe funcionando como um tranqüilizador para ele. No caso

de a mãe voltar, e isto é o que se espera de uma mãe suficientemente boa, o poder

tranqüilizador do objeto encontrado acaba sendo reforçado para o bebê. Assim, o objeto

passa a ter um significado importante na vida da criança, principalmente em momentos

de ansiedade.

Cabe destacar que, para o bebê, este objeto não pertence ao mundo externo e nem

ao seu mundo interno, mas sim a uma área intermediária chamada por Winnicott de

espaço potencial, que vai se desenvolvendo em direção ao espaço transicional na medida

em que é transitado pela criança. Segundo Winnicott, o que importa não é tanto o objeto

em si, mas sim o uso que a criança faz deste, pois se ocorrer numa área intermediária

entre o dentro e o fora, fará o paradoxo da negação da realidade, ou da existência do não-

Page 39: Winnicott e aprendizagem

39

eu, e o reconhecimento desta realidade coexistirem sem o surgimento de conflitos ainda

intransponíveis para o bebê.

“O original da teoria winnicottiana encontra-se na idéia de que, somente a partir da criação de

um espaço ambíguo entre o dentro e o fora e de uma investidura ilusória do mundo, se tornará

possível e tolerável o reconhecimento da realidade objetiva” (ABADI, 1998 - p.33).

A representação na área intermediária do objeto encontrado pela criança foi

chamada por Winnicott de objeto transicional, sugerindo que sua manipulação fosse

acompanhada de uma atividade de fantasia. Eis, então, a origem da capacidade de criar e

simbolizar, uma vez que o objeto transicional é símbolo do objeto interno, ao mesmo

tempo que deve ser criado para que possa ser usufruído.

O desenvolvimento da capacidade de uso desses objetos, que só pode ocorrer

quando há, por parte da criança, confiança no ambiente, permitirá a ela “substituir o

objeto ausente e, ao mesmo tempo, favorecer o reencontro com o objeto que representa”

(ABADI, 1998 - p.43). Desta forma, adquire-se uma maneira de tolerar/superar as

ansiedades decorrentes do sentimento de ausência, o qual é causado pela falta

momentânea daquilo que a satisfaz.

Ao conjunto destas experiências Winnicott deu o nome de fenômenos

transicionais, e o que torna possível o uso da transicionalidade, na tentativa de

compreensão do que acontece com os alunos durante o aprendizado da Física, é o fato de

este mecanismo transformar-se num modo de funcionamento psíquico que acaba sendo

transferido para outras experiências. Ele continua, portanto, atuando durante toda a vida

do indivíduo, porém, com novos objetos mais complexos (a amizade, a música, as artes,

a ciência).

“As angústias típicas da adolescência (...) repetem as dos estágios primitivos: o adolescente é, tal

como o bebê, essencialmente isolado. E, tal como o bebê, é apenas a partir desse isolamento que

ele pode se lançar e vir a estabelecer alguma relação sentida como real. (...). O adolescente

repete os estágios primitivos (...), e sua principal luta diz respeito a sentir-se real” (DIAS, 2003 -

p.293).

Page 40: Winnicott e aprendizagem

40

2.1.3 - Sobre o brincar

A manipulação dos objetos transicionais no espaço transicional é característica

do que Winnicott chama de brincar - que deve ocorrer sempre de forma espontânea e

descompromissada. O brincar proporcionará momentos em que a criança, através da

própria criatividade, irá surpreender a si mesma, facilitando assim a construção de uma

experiência existencial baseada na consciência da possibilidade de interação e

transformação da realidade externa, ao invés da submissão ou simples adequação a ela

(WINNICOTT, 1975 - p.75). Ainda segundo Winnicott (1975 - p.63), é interessante

notar que para se controlar o que está “fora” há de se fazer coisas, manipular o exterior, e

não simplesmente pensar ou desejar (usar o mundo interior). Por isso, brincar é fazer.

“A importância do brincar é sempre a precariedade do interjogo entre a realidade psíquica e a

experiência de controle de objetos reais. É a precariedade da própria magia, magia que se

origina na intimidade, num relacionamento que está sendo descoberto como digno de confiança”

(WINNICOTT, 1975 - p.71).

A capacidade de brincar, essencial na vida de qualquer indivíduo, começa a se

desenvolver em decorrência da habilidade materna em propiciar ao bebê o sentimento de

“controle mágico” em relação ao que satisfaz suas necessidades (sentimento de

onipotência). O estado de confiança na mãe, e no ambiente, e a gradual percepção

objetiva da realidade externa são condições necessárias para o desenvolvimento inicial

no bebê do que virá a ser o seu espaço potencial. Lembramos que este espaço não

pertence aos mundos interno ou externo, sendo o lugar onde a superposição de ambos

pode ocorrer.

Após a fase de “origem” do espaço potencial, a criança terá condições de

experimentar o sentimento de estar sozinha na presença de alguém, de brincar “com base

na suposição de que a pessoa a quem ama e que, portanto, é digna de confiança, e lhe dá

segurança, está disponível e permanece disponível quando é lembrada, após ter sido

esquecida” (WINNICOTT, 1975 - p.71). Ao “habitar” com maior freqüência esse

espaço, a criança vai desenvolvendo aos poucos sua capacidade de brincar.

No estágio final, se tudo correu bem nos estágios anteriores, a criança estará

pronta para “permitir e fruir uma superposição de duas áreas de brincadeira”, a sua e a

de outra pessoa. Em geral, no início, esta outra pessoa costuma ser a própria mãe, que ao

Page 41: Winnicott e aprendizagem

41

interagir com a brincadeira da criança abre caminho para o desenvolvimento do brincar

em conjunto, essencial para a habilidade de relacionar-se com outros indivíduos no

futuro, e para a posterior entrada no mundo das experiências culturais.

Curiosamente, essa idéia do brincar em conjunto pode ser muito útil ao professor,

se este também souber brincar, exatamente por representar uma possibilidade concreta

de atuação docente, e permitir uma contribuição para o enriquecimento interno do

estudante. Por outro lado, se a habilidade de brincar não estiver suficientemente

desenvolvida na criança, é provável que ela encontre dificuldades em tolerar as

frustrações e desilusões decorrentes dos seus estudos, e acabe por perder o interesse no

conteúdo ou na disciplina em questão. Fazendo uma analogia entre o trabalho de um

terapeuta e o do professor, lembrando obviamente das diferenças na formação de cada

um, e das características do trabalho de cada um, poderíamos ousar transpor a seguinte

afirmação de Winnicott ao trabalho docente: “onde o brincar não é possível, o trabalho

efetuado pelo terapeuta é dirigido então no sentido de trazer o paciente de um estado em

que não é capaz de brincar para um estado em que é” (WINNICOTT, 1975 - p.59). Essa

analogia é a base de tudo o que será feito nessa dissertação.

O brincar não ocorre somente na infância. Ele é, como já dito, um mecanismo

que evolui e atua durante toda a vida do indivíduo. Podemos pensar, por exemplo, no

brincar do adulto, quando este se entretém com algo do seu interesse e usa todo o seu

potencial criador na apercepção19 de uma realidade externa que já estava lá antes dele,

mas que passa com isso a ter também uma representação interna, que será somente sua, e

fará parte da sua vida.

“As crianças brincam para dominar angústias, controlar idéias ou impulsos que conduzem à

angústia se não forem dominados” (WINNICOTT, 1982 - p.162).

“É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e

utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu

(self)” (WINNICOTT, 1975 - p. 80).

Quando a criança brinca, ou quando o adulto brinca, experimenta a ilusão e a

desilusão, uma vez que o brincar proporciona isso, e através do uso dos objetos

transicionais aprende a lidar de forma saudável com os medos, sentimentos conflitivos,

19 O termo corresponde a um modo de percepção no qual o indivíduo adiciona algo de seu ao sentido do que está sendo percebido (NEWMAN, 2003 - p.73).

Page 42: Winnicott e aprendizagem

42

as dúvidas e frustrações decorrentes do viver, não os deixando interferir de forma

negativa em sua vida, já que pode se apoiar na riqueza das suas experiências criativas,

únicas responsáveis em justificar a própria existência.

2.2 - METODOLOGIA DE PESQUISA

A perspectiva interpretativa, também chamada por alguns autores de qualitativa,

foi adotada por considerarmos que ela melhor se adapta ao tipo de pesquisa que

pretendíamos realizar - e também ao referencial teórico adotado - pelo fato desta sugerir

uma atenção maior ao indivíduo, e às particularidades que o levam a apresentar

determinados comportamentos e maneiras de agir e/ou pensar.

“A preocupação primordial da pesquisa interpretativa é particularização ao invés de

generalização” (ERICKSON, 1986 - p.130).

“As crianças transportarão para a situação escolar as dúvidas e suspeitas que fazem parte de

seu próprio caráter e experiências, que constituem uma parcela integrante das distorções

sofridas pelo seu próprio desenvolvimento emocional (…)” (WINNICOTT, 1982, p.229).

Como cada criança é única, acreditamos que uma atenção mais individualizada,

dada pelo professor, terá maiores chances de ajudá-la a perceber novas possibilidades de

entendimento e de ação sobre suas necessidades.

“A construção do sentido deve ser, em parte, diferenciada e, sobretudo, inscrever-se em um

diálogo singular com um aluno ou com um pequeno grupo” (PERRENOUD, 2000 - p.72).

Para esta modalidade de pesquisa, de acordo com ERICKSON (1986 - p.130), a

possível percepção de universais concretos surge através do estudo detalhado de casos

específicos e da comparação desses casos com outros estudados igualmente em detalhe.

Ela é feita, portanto, do particular para o geral, ao contrário das pesquisas quantitativas,

que normalmente partem de análises estatísticas em busca de universais abstratos que

possam ser extrapolados a casos particulares. Na pesquisa interpretativa “o pesquisador

não procura testar hipóteses e, sim, desenvolvê-las” (MOREIRA, 1990 - p.34).

Page 43: Winnicott e aprendizagem

43

Um outro fator que contribuiu para a escolha deste método de pesquisa teve

relação com o fato de o pesquisador também acumular a função de professor, tendo,

portanto, a responsabilidade de atuar sobre o ambiente observado e interpretado por ele.

“O investigador interpretativo observa participativamente, de dentro do ambiente estudado,

imerso no fenômeno de interesse, anotando cuidadosamente tudo o que acontece nesse ambiente,

registrando eventos (...), coletando documentos tais como trabalhos dos alunos, materiais

distribuídos pelo professor; ocupa-se não de uma amostra no sentido quantitativo, mas de

grupos ou indivíduos em particular, de casos específicos, procurando escrutinar exaustivamente

determinada instância, tentando descobrir o que há nela de único e o que pode ser generalizado

a situações similares” (MOREIRA, 1990 - p.34).

2.2.1 - Instrumentos de pesquisa

A estratégia adotada para esta dissertação, dentro da perspectiva interpretativa de

pesquisa, consistiu basicamente na observação feita, por parte do professor-pesquisador,

de eventos ocorridos dentro e fora da sala de aula, quando os alunos eram colocados em

situações de contato com atividades ou conteúdos relacionados à Física. Durante a coleta

de dados propriamente dita, de 2005 a meados de 2006, as informações referentes aos

alunos foram obtidas através de:

(A) Aplicação de quatro questionários, que se encontram no apêndice (anexos 1,

2, 3 e 4) desta dissertação, com o objetivo de tentar levantar informações pessoais a

respeito do cotidiano de cada aluno, bem como sua maneira de estudar, seus gostos

pessoais e seus sentimentos em relação ao estudo da Física;

(B) Realização de uma tomada de depoimento com a aluna Ana, já no último ano

de coleta de dados, objetivando esclarecer algumas respostas dadas por ela nos

questionários;

(C) Entrega, por parte de cada aluno, após as avaliações formais, de auto-

avaliações contendo reflexões sobre sua dedicação, métodos de estudo, esperanças e

frustrações quanto ao aprendizado da Física (ver no anexo 6 as recomendações feitas

pelo professor aos alunos para a realização destas auto-avaliações). Elas foram entregues

através de e-mail, e possibilitaram acompanhar o desenvolvimento dos alunos com

relação aos métodos empregados por eles para o estudo da Física;

Page 44: Winnicott e aprendizagem

44

(D) Observação do comportamento dos alunos quando colocados diante de

avaliações e atividades de resolução de exercícios dentro da sala de aula. O professor

mantinha anotações a respeito das observações que fazia;

(E) Obtenção de informações, através de conversas informais com os alunos, da

relação que cada um possuía com o estudo da Física, bem como dos métodos

empregados por eles para estudar Física, além das dificuldades sentidas durante o

processo de aprendizagem;

(F) Obtenção do depoimento da professora que auxiliou a aluna Ana, através de

aulas particulares, a estudar Física;

As informações obtidas através dos instrumentos de pesquisa citados acima,

complementadas com as anotações mantidas pelo professor a respeito dos seus alunos em

2004, possibilitaram a análise da trajetória de uma aluna, que, como veremos, apresentou

mudanças em relação à maneira de se relacionar com o estudo da Física. Estas mudanças,

por sua vez, puderam ser interpretadas com o auxílio do referencial teórico adotado.

2.2.2 - Metodologia de análise

A metodologia adotada para proceder a análise dos dados obtidos seguiu alguns

critérios que achamos importante enumerar: (1) apesar de termos coletado, em 2005,

dados referentes a vários alunos, e de termos realizado uma análise preliminar destes

dados, em 2006 resolvemos focar nossa atenção apenas na aluna Ana, na esperança de

que uma análise mais detalhada pudesse contribuir para o entendimento dos fatores que

estariam afetando a sua relação com o estudo da Física. Tomamos esta decisão ao

constatar que esta aluna, assim como outros, apesar das tentativas de estudo, se mantinha

num nível de desempenho abaixo daquele esperado por ela própria. Este fato acabou

indicando, naquele momento, um caminho para as nossas investigações, caminho este

que resolvemos seguir. A partir daí, (2) passamos a comparar as respostas dadas por Ana

aos vários questionários aplicados pelo professor, fazendo uso também das informações

obtidas através dos outros instrumentos de pesquisa, (3) procurando dados que

mostrassem uma mudança, ou não, na maneira da aluna se relacionar com o estudo da

Física, bem como fatores que estivessem interferindo no processo, para tentarmos

interpretar estes dados a partir do referencial winnicottiano.

A análise de todo o material foi feita levando-se em conta sempre esta

perspectiva.

Page 45: Winnicott e aprendizagem

45

CAPÍTULO 3

“Alguém disse que fazer aquilo era impossível, mas ele, com uma risadinha, replicou que talvez fosse, mas que não diria isso antes de tentar. Então, ele se lançou à tarefa com um esboço de sorriso no rosto; se estava preocupado, não demonstrou. Começou a cantar, enquanto trabalhava naquilo que era impossível de fazer, e fez. Alguém zombou: ‘você não conseguirá fazer isso; pelo menos ninguém nunca fez’. Ele, porém, arregaçou as mangas, e, num piscar de olhos, lançou-se à tarefa. De queixo erguido e com um pequeno sorriso, sem duvidar ou vacilar, ele começou a cantar, enquanto trabalhava naquilo que era impossível fazer, e fez. Milhares de pessoas dirão a você que fazer aquilo é impossível, milhares profetizarão seu fracasso; milhares lhe apontarão, um por um, todos os perigos à espreita. Mas se você arregaçar as mangas e com um pequeno sorriso lançar-se à tarefa, se começar a cantar, enquanto trabalha naquilo que é impossível fazer, você fará”

Edgar A. Guest

Page 46: Winnicott e aprendizagem

46

3.1 - ANÁLISE DOS DADOS INICIAIS

3.1.1 - Reações às dificuldades encontradas no estudo da Física

Quando analisamos as respostas dadas ao questionário 1 (anexo 1), que procurava

investigar o cotidiano dos alunos, bem como seus sentimentos em relação ao estudo da

Física, alguns fatos chamaram nossa atenção. Um destes fatos foi a diferença no tipo de

resposta dada por aqueles que apresentavam muitas dificuldades na sala de aula em

relação àqueles que aparentavam não enfrentar tantas dificuldades. Quando perguntados

sobre como se sentiam quando não conseguiam resolver algum problema de Física, e o

que costumavam fazer nesta hora, os alunos que normalmente apresentavam dificuldades

durante as aulas relataram sentir algum tipo de frustração e um sentimento de raiva ou

irritação muito grande, que acabava desestimulando-os a continuar tentando resolver as

tarefas propostas pelo professor. Estes sentimentos, de certa forma, paralisavam o

processo de aprendizagem.

“Fico com muito ódio... muita raiva. Aí tento de novo, mas se não consigo deixo ‘quieto’ (...).”

(Bárbara).

“Sinto-me muito desmotivada quando não consigo resolver algum exercício, e isso [a

desmotivação] aumenta quando pergunto para algum colega e ele sabe resolver”(Ana).

“Sinto-me mal e arrependida por não ter prestado atenção na aula” (Luana).

“Sinto-me super mal, incompetente” (Kátia).

“Confesso que fico muito estressada, mesmo eu me controlando ao máximo, e então eu realmente

não consigo fazê-lo [o problema de Física]” (Cláudia).

“Eu fico com raiva, mas continuo tentando, se vejo que não consigo, desisto” (Bill).

“Eu me sinto incapaz e revoltada” (Fátima).

“Ou desisto de estudar, ou passo para outro [problema]” (Guilherme).

Page 47: Winnicott e aprendizagem

47

“ (...) desisto e vou fazer outra coisa, isso acontece quase sempre” (Breno).

Em contrapartida, os alunos que aparentemente não apresentavam dificuldades

durante as aulas descreveram em suas respostas uma série de ações realizadas na

tentativa de transpor os obstáculos inerentes às tarefas propostas pelo professor,

mostrando uma persistência muito maior. Nestes casos não observamos uma paralisação

do processo de aprendizagem devido às dúvidas ou dificuldades surgidas.

“Quando não consigo fazer algum exercício, releio o enunciado, destacando dados e o que se

pretende saber, refazendo-o quantas vezes forem necessárias até obter o resultado certo,

recorrendo a cadernos, livros e até a calculadoras. Se mesmo assim não conseguir, falo com

meus colegas para que me ajudem ou com o professor” (Amanda).

“Levo as dúvidas para a aula e pergunto para os meus colegas ou para o professor. É errando

que se aprende” (Laura).

“Sinto-me falha... Como se houvesse falhado... Mas procuro na hora reavaliar meus cálculos e, a

dúvida persistindo, pergunto para o professor ou para colegas” (Maria).

“Sinto-me mal, mas mesmo assim continuo tentando resolve-lo lendo mais uma vez o que foi

passado no caderno, ou vendo algum exercício de base” (Vânia).

Outro fato que chamou nossa atenção foi o relato, por parte daqueles que

apresentavam dificuldades nas aulas, da falta de hábito em esclarecer suas dúvidas com o

professor. Ainda mais interessante foi constatar que boa parte dos estudantes declarou

não sanar suas dúvidas com o professor devido ao sentimento de vergonha decorrente

desta possibilidade.

“Às vezes eu me sinto envergonhada” (Luana).

“Tenho vergonha muitas vezes de perguntar as coisas” (Guilherme).

“Tenho muita vergonha, (...) acho que é porque antigamente os colegas faziam brincadeirinhas

sem graça... eu me sentia muito mal, e por isso não pergunto” (Nádia).

Page 48: Winnicott e aprendizagem

48

“Eu sinto vergonha, insegurança e medo da minha pergunta ser inútil” (Mônica).

“Não tenho o hábito de tirar as minhas dúvidas... às vezes fico com vergonha de falar algo

‘feio’ ” (Tânia).

“Não tenho o hábito de tirar dúvidas com o professor porque sempre tenho muitas dúvidas”

(Breno).

“Não, não tenho esse hábito. Não sei porque, talvez por preguiça” (Tony).

“Não, pois eu às vezes me sinto insegura” (Teresa).

“Não tenho o hábito não [de tirar dúvidas com o professor], porque... sabe que eu não sei !!!”

(Bárbara).

Já os alunos que apresentavam um melhor rendimento durante as aulas relataram

que sempre esclareciam suas dúvidas com o professor. E realmente eles o faziam.

“Tenho o hábito de tirar dúvidas com o professor porque o professor é um profissional que

entende muito sobre Física e que com certeza, quando eu tiver uma dúvida, irá tirá-la ou pelo

menos tentar resolvê-la” (Amanda).

“Sim, pois são com as dúvidas que aprendemos” (Laura).

“Normalmente tiro minhas dúvidas enquanto o professor explica, mas a dúvida persistindo, vou

atrás dele” (Maria).

“Sim, pois acho que ele pode me ajudar a resolver minhas dificuldades e na hora de estudar fica

mais fácil” (Vânia).

Estas constatações iniciais indicaram uma possível interpretação, a partir do

referencial winnicottiano, que nos ajudou a entender um pouco melhor os dados obtidos

até então, e a vislumbrar um caminho a seguir.

No próximo item faremos o relato de tal interpretação.

Page 49: Winnicott e aprendizagem

49

3.1.2 - As primeiras interpretações

A leitura dos dados obtidos, e sua análise através da ótica winnicottiana, nos

permitiu relacionar as tentativas que os alunos faziam para resolver os problemas

surgidos durante seus estudos com o conceito do brincar. Observamos que os alunos

com maior aproveitamento nas aulas eram justamente aqueles que possuíam um

repertório maior de ações visando a transposição de suas dificuldades, ou seja, eram

aqueles que dispunham de uma capacidade maior de brincar. Inclusive a procura pelo

professor poderia também ser entendida como uma das maneiras de se brincar, assim

como:

“reler o enunciado”, “recorrer a cadernos, livros e calculadoras”, “refazer quantas vezes forem

necessárias” (Amanda); “reavaliar (...) cálculos” (Maria); “ [ler] mais uma vez o que foi

passado no caderno, ou [ver] algum exercício de base” (Vânia),

o que possibilitaria o entendimento do porquê de um grupo acabar procurando mais o

professor que outro.

Podemos argumentar que, quando o aluno enfrenta uma desilusão, ao perceber

que resolver as tarefas em casa é mais difícil do que ele imaginava ser, uma vez que o

entendimento das explicações e dos exemplos em aula o deixou com esta ilusão, ele pode

mudar o procedimento daquilo que está fazendo a fim de transpor a desilusão e conseguir

atingir seus objetivos, ou mudar o próprio objetivo, deixando as tarefas de lado e indo

fazer outras coisas. Esta fuga acaba sendo, de certa forma, uma defesa que o afasta dos

sentimentos de frustração e irritação relatados nos questionários. Entretanto, essa defesa

é momentânea, e deixa marcas implícitas que se traduzem em sentimentos de culpa por

não ter realizado a tarefa ou até por não ter entendido um determinado ponto da matéria

proposta. Isso parece desencadear um círculo vicioso que se repete mais e mais vezes. O

aluno foge da tarefa em casa, mas sente-se culpado quando encontra o professor,

evitando explorar a possibilidade de discutir suas dificuldades, o que torna mais difícil

ainda a resolução das próximas tarefas.

No entanto, a procura por novos procedimentos, o que caracterizaria o

“encontro/criação”, por parte dos alunos, de objetos transicionais para o brincar de

Winnicott, somente pode ser esperada dos que já possuem a capacidade de brincar e,

portanto, daqueles que sabem lidar com a díade ilusão-desilusão. Aqueles que não

Page 50: Winnicott e aprendizagem

50

possuem esta capacidade, pelo fato de ainda não a terem experimentado com a Física,

estariam fadados a fugir das dificuldades sempre que elas aparecerem; e elas sempre irão

aparecer.

Se pensarmos que o entendimento ocorrido nas aulas foi somente devido à

elaboração feita pelo professor, e que o aluno não teve participação, ou seja, não

necessitou usar sua capacidade de criação, podemos argumentar que ele não teve a

oportunidade de experimentar o brincar. Quando o aluno tenta realizar as tarefas em

casa, porém, é esta experimentação que o fará persistir, pois a criação nesta hora não

poderá ser prescindida (o que até pode acontecer durante a aula, sem que isto interfira no

entendimento desta).

Sabemos que o investimento que o aluno está disposto a fazer na superação das

suas dificuldades é fator fundamental para o seu desenvolvimento. Mas, de acordo com a

interpretação que estamos fazendo, este investimento parece estar relacionado com a

capacidade de brincar, que por sua vez é estimulada pelas “experiências de criação” já

pertencentes ao mundo interno dos alunos, ou, em outras palavras, ao uso de objetos

transicionais.

Devemos ainda ter em mente que outra situação é possível. Além daqueles que se

envolvem, e os que tentam ao menos se envolverem, apesar de não saberem que o

processo de aprendizagem é lento, o que acaba deixando-os desiludidos, pode existir

também aqueles que não desejam se envolver em algo que exija esforço da sua parte.

Alguns indivíduos, e isso é até comum na sociedade atual, estão mais acostumados a

terem experiências de consumo, rápidas e descartáveis, do que a terem experiências de

vivência, que para ocorrerem exigem envolvimento e tempo. Se estas pessoas não

percebem a possibilidade de se satisfazerem com experiências de vivência, é natural que

não se envolvam com atividades relativas a elas. Então, diante de tudo isso, e da

necessidade de se tentar reverter tal quadro, a pergunta natural que nos ocorreu foi: “o

que fazer para estimular a capacidade de brincar dos alunos?”

Acreditamos que ao professor restam, ao menos, duas possibilidades: (1) diminuir

a dificuldade das tarefas, para que a desilusão ocorra em níveis suportáveis ao aluno, até

que este vá adquirindo aos poucos a capacidade de brincar, e (2) desenvolver atividades

que permitam ao professor brincar junto com o aluno. Certamente a desvantagem da

primeira alternativa, principalmente em classes muito grandes, está no fato de cada aluno

possuir seu próprio limite. Uma tarefa nunca poderá ser adequada para todos, talvez até

nunca seja nem para a maioria.

Page 51: Winnicott e aprendizagem

51

“ (...) é difícil prever totalmente o nível de dificuldade da tarefa, já que esta dependerá da

dinâmica de grupo e da estratégia coletiva criada, às vezes surpreendente” (PERRENOUD,

2000 - p.44).

Naturalmente a melhor solução seria organizar a sala de aula de tal forma que as

duas possibilidades pudessem ser contempladas.

Nesse sentido, tentamos elaborar algumas estratégias que possibilitassem ao

professor iniciar seus alunos no brincar, a princípio brincando junto com eles, esperando

que estas estratégias ajudassem a melhorar a relação dos alunos com o estudo da Física,

tornando-os mais aptos a enfrentarem as dificuldades das tarefas propostas para casa.

Além disso, achamos que seria interessante se o professor abrisse espaço em suas aulas

para a discussão de idéias a respeito do processo de aprendizagem, uma vez que alguns

alunos relataram não saber o que fazer para aprender Física. E na tentativa de uma maior

aproximação daqueles que diziam sentir vergonha de procurar o professor para esclarecer

suas dúvidas, consideramos que o professor deveria estimular a abertura de novos canais

de comunicação com seus alunos. Assim, todas as atividades aplicadas em 2005, já

relatadas no item 1.5, foram elaboradas na tentativa de cumprir com estas finalidades.

3.1.3 - A obtenção de novos dados e a elaboração das categorias de análise

Ao final de 2005, resolvemos aplicar novamente o questionário do começo do ano

para tentar averiguar possíveis mudanças no tipo de resposta dada pelos alunos.

Esperávamos que estas novas informações nos ajudassem a identificar eventuais

mudanças, ou não, na maneira com que os alunos se relacionavam com o estudo da

Física ou com o professor, e tentar averiguar se estas mudanças estavam de alguma

forma relacionadas com a atuação do professor. Em termos winnicottianos, pretendíamos

apurar se houve a ocorrência, por conta das atividades aplicadas, e por conta da atuação

do professor, de um aumento na capacidade de brincar dos alunos.

Para realizar esta análise, resolvemos inicialmente classificar os alunos em

categorias que pudessem levar em conta a freqüência dos estudos, o relato do surgimento

de dificuldades e a persistência declarada no enfrentamento de tais dificuldades. Se a

classificação fosse feita em dois momentos diferentes, no início e no final de 2005,

poderíamos usar eventuais mudanças de categorias para caracterizar um aumento ou não

Page 52: Winnicott e aprendizagem

52

na capacidade dos alunos em enfrentar os problemas surgidos do ato de estudar Física.

Acreditávamos que, se o aluno demonstrasse, no decorrer do ano, uma maior persistência

no enfrentamento das dificuldades poderíamos associar este fato ao aumento na

capacidade de brincar do mesmo. Consideramos também que a informação sobre hábitos

de estudo era importante por mostrar, pelo menos para aqueles que relatavam

dificuldades, a disposição em dedicar um determinado tempo semanal para estudar

Física. Alguém que somente estudasse na véspera das avaliações, e não conseguisse

atingir seus objetivos, ao resolver aumentar a freqüência dos estudos mostraria a intenção

de fazer algo para resolver seus problemas.

Foram elaboradas então as cinco categorias a seguir:

(1A) Alunos que estudam somente às vésperas das avaliações e declaram sentir

dificuldades para entender os conteúdos.

(1B) Alunos que estudam somente às vésperas das avaliações e declaram não sentir

dificuldades para entender os conteúdos.

(2A) Alunos que possuem hábitos regulares de estudos, declarando sentir dificuldades

para entender os conteúdos. Desistem facilmente diante das dificuldades

encontradas.

(2B) Alunos que possuem hábitos regulares de estudos, declarando sentir dificuldades

para entender os conteúdos, mas que não desistem facilmente diante das

dificuldades encontradas.

(2C) Alunos que possuem hábitos regulares de estudos e conseguem resolver suas

tarefas sem declarar muitas dificuldades.

Todavia, por conta das categorias terem sido formuladas após a aplicação do

questionário, apesar de inspiradas em suas respostas, quando iniciamos a tentativa de

categorização dos alunos percebemos que em alguns casos as informações obtidas não

permitiam inferir com razoável segurança se determinados alunos estariam em uma ou

em outra categoria. Mesmo com o auxílio dos dados obtidos com as auto-avaliações. Por

isso, a fim de sanar tal problema, resolvemos aplicar o questionário 2 (anexo 2), que

continha questões específicas relacionadas ao que estávamos procurando investigar. Este

questionário dava, inclusive, a chance do próprio aluno se colocar nas categorias que

havíamos criado, tanto no início quanto no final de 2005.

Page 53: Winnicott e aprendizagem

53

O segundo questionário foi aplicado logo na primeira semana de aula de 2006, e

do cruzamento dos dados obtidos pudemos montar um quadro mostrando as mudanças,

ou não, de categorias que ocorreram durante o ano de 2005 com 30 alunos20. E as

mudanças relatadas pelos próprios alunos foram, em vários casos, corroboradas pelas

informações que já dispúnhamos do questionário anterior, aplicado, como já vimos, em

dois momentos diferentes.

3.1.4 - Classificação dos alunos feita de acordo com as categorias

Abaixo selecionamos as principais informações que nos permitiram classificar

cada aluno de acordo com as categorias que havíamos elaborado. As letras ou números

grifados representam dados obtidos do segundo questionário (anexo 2), aplicado em

janeiro de 2006, onde os alunos puderam escolher em qual categoria achavam se

encontrar nos dois momentos analisados. Optamos por usar esta informação quando os

dados obtidos do questionário 1 não eram suficientemente conclusivos.

Tony

fev. 2005 1A “Normalmente eu estudava antes do dia da prova”.

nov. 2005 1B

“[Meu] método [de estudo] tem um problema, que é estudar na véspera".

“Apesar de não estudar muito eu estava entendendo a matéria”.

“A maior de todas [as dificuldades] é a falta de vontade”.

Caio

fev. 2005 1A “Meu desempenho não foi tão bom porque eu me empenhei pouco, não levei

muito a sério”.

nov. 2005 1B ----- x -----

Rodolfo

fev. 2005 1A “Não gosto de estudar, (...) meu desempenho no ano passado [2004] foi

razoável, já que não estudava e não fazia os deveres”.

nov. 2005 1B “Eu não costumava estudar, apenas no dia anterior à prova refazia os

exercícios”.

20 Na primeira aplicação do questionário 1, a turma em questão possuía 37 alunos. Destes, somente 29 entregaram-no respondido. No momento da segunda aplicação do questionário 1 a classe possuía 36 alunos, dos quais 31 entregaram-no respondido. Já o questionário 2 foi respondido por 32 dos 34 alunos presentes.

Page 54: Winnicott e aprendizagem

54

“Este ano meu desempenho melhorou, passei a entender um pouco mais

sobre Física, não a decorar a matéria, mas ‘a saber’ o conteúdo, que vale

mais que pontos na média”.

jan. 2006 --- “No começo do ano [2005] eu desistia com mais facilidade, mas no segundo

e no terceiro trimestre eu fazia o possível para resolver os problemas (...)”.

Guilherme

fev. 2005 1A

“Só estudo Física quando tem prova ou lição. Uso as anotações do caderno,

os exercícios que tenho nele e nas apostilas, e pego outros livros que tenho

em casa. [Mas], apesar de fazer tudo isso, (...) faço tudo sem vontade, e

sempre tenho preguiça de estudar”.

“Estudo bastante para aprender, mas parece que a matéria não fica na

minha cabeça”.

“Apesar de ter passado de ano, eu quase não melhorava [provavelmente se

referindo ao desempenho nas avaliações]. O responsável de minha piora foi

minha preguiça”.

“Eu só estudei no dia anterior à prova e no próprio dia da prova”

nov. 2005 1B

“Só estudava um dia antes da prova, ou se tivesse trabalho ou lição de

casa”.

“Só estudava um dia antes da prova (...). Meu método [de estudo] até que

tem dado certo, mas não é o recomendado”.

“Esse ano eu fui melhor em Física do que no ano passado, esse ano os

assuntos eram mais fáceis”.

Paula

fev. 2005 1A ----- x -----

nov. 2005 2A ----- x -----

jan. 2006 --- “Eu acho que insistia menos [no começo de 2005] para resolver algum

problema quando sentia dificuldades”.

Teresa

fev. 2005 1A ----- x -----

nov. 2005 2A

“[Estudo Física] pelo menos uma vez por semana, e quando tinha prova

mais vezes”.

“Eu tenho vontade de aprender Física, mas às vezes eu não consigo fazer

alguma coisa e acabo desistindo”.

Page 55: Winnicott e aprendizagem

55

Bárbara

fev. 2005 1A

“ Quando eu tenho prova estudo a tarde inteira, às vezes no dia anterior da

prova ou, às vezes, bem antes (dependendo da minha dificuldade)”.

“ (...) não sei porque Física não entra na minha cabeça. Tento... tento, mas

não sei o que acontece”.

“ (...) sinceramente não sei mais o que fazer para aprender Física, (...) me

empenho sim, mas o que adianta se não consigo entender”.

nov. 2005 2B

“Eu antes não costumava pegar os livros, apenas antes das provas. Mas

depois do incentivo dos plantões comecei a ler os livros quando podia. Não

tinha um dia certo, ou hora certa”.

“Aprendi a me dedicar muito mais e a me organizar na hora de estudar”.

“Estou adorando ficar de tarde [nos plantões], está sendo muito bom pra

mim. (...) Estou aprendendo muito mais, e me esforçando mais”.

jan. 2006 --- “Nos plantões eu sempre tiro dúvidas, me sinto mais tranqüila depois”.

Nádia

fev. 2005 1A

“Eu costumo pegar para estudar física no máximo duas horas por semana.

(...) Esse foi um novo método que eu adotei esse ano [2005] ”.

“Eu sei que seria capaz de melhorar, talvez isso tenha ocorrido pela falta de

(...) vontade de estudar que eu tinha no ano passado [2004]”.

nov. 2005 2B ----- x -----

jan. 2006 --- “No começo do ano [2005] eu não era dedicada o bastante. [Hoje], quando

aparece alguma dificuldade costumo me dedicar bastante”.

Joana

fev. 2005 1A

“Eu estudei um dia antes da prova e fiz alguns dos exercícios que você

mandou pra casa. Não li o livro texto, acho muito complicado pra falar a

verdade. Também não resolvi muitos exercícios, vários não consegui fazer”.

nov. 2005 2B

“Geralmente eu estudo no plantão e uns dias antes da prova, no máximo

umas duas horas. Como toda a semana eu vou ao plantão acabo ficando

sem muitas dúvidas, afinal nós fazemos todos os exercícios e tiramos

dúvidas de todos com o auxilio do professor”.

“Como eu freqüento o plantão estudo semanalmente, assim não fica

‘puxado’. Quando chega a prova já estudei tudo, não tem um monte de

matéria, que resultaria em um monte de dúvidas, que não teriam tempo de

Page 56: Winnicott e aprendizagem

56

serem tiradas”.

“Antes eu desistia na hora, não tentava mais fazer nada. Mas hoje não, por

causa do plantão tenho a quem perguntar, posso perguntar tantos os meus

amigos quanto ao professor”.

jan. 2006 --- “Gosto de estudar Física com outras pessoas. Sozinha geralmente me

‘enrolo’ toda”.

Cláudia

fev. 2005 1A

“Estudo elas [as exatas] quando o professor marca a prova”.

“Mas em casa, sozinha, eu tenho que pensar muito para chegar aonde você

[professor] chegou na aula”.

nov. 2005 2C

“Eu pego nos livros de física uma vez por semana, durante mais ou menos

duas horas”.

“Confesso que não me esforcei tanto este ano, por causa de outras matérias

que estou com muita dificuldade em aprender”.

Fátima

fev. 2005 1B

“Como não gosto muito da matéria, acabo não estudando como deveria e

acabo ficando meio desleixada. (...) [Estudo] só uma ou duas vezes por

semana, e (...) menos de vinte minutos. (...) Meu esforço não é lá grande

coisa, mas também não é algo ‘lastimável’. Eu sei que poderia me esforçar

mais, mas falta vontade”.

“ (...) eu não diria que ele é totalmente eficiente [seu método de estudo], pois

entendo a matéria,(...) mas fico insegura sobre o quanto eu realmente sei.

Esqueço as coisas com facilidade quando fico nervosa, e só vou me lembrar

quando começo a ficar calma”.

“Eu dei uma revisada na matéria dois dias antes e depois dei uma estudada

um dia antes”.

nov. 2005 2A

“[Estudo] no máximo duas vezes por semana, durante uma hora e meia,

quase duas horas”.

“Por mais que eu tente entender parece que pior fica”.

“O fato de não me interessar muito pela matéria” (segundo ela, disso

decorre as dificuldades e a falta de persistência).

“A minha falta de interesse pela matéria [seria o responsável pela piora]” .

Page 57: Winnicott e aprendizagem

57

Tânia

fev. 2005 1B ----- x -----

nov. 2005 2B ----- x -----

jan. 2006 --- “Quando eu gosto da matéria eu insisto [em superar as dificuldades].

Quando não gosto logo desisto”.

Julia

fev. 2005 1B ----- x -----

nov. 2005 2C

“Estudo Física todos os dias depois das aulas. Refaço os exercícios, leio o

livro texto durante uma hora, mas quando é marcada a avaliação começo a

estudar com mais freqüência (3 vezes por semana)”.

“Acho [meu método de estudo eficiente] porque eu entendo a matéria

melhor quando faço o resumo com as minhas palavras, e me sinto segura

para fazer a prova”.

“Sinto que atualmente não tenho muita dificuldade em compreender a

Física”.

Ana

fev. 2005 2A

“(...) por mais que eu me esforçasse era dificílimo para eu entender a

matéria, eu estudava, mas não tinha segurança na matéria”.

“ (...) a Física é difícil, não adianta estudar, eu nunca vou conseguir

entendê-la”.

“(...) quando chego em casa revejo a matéria que foi dada e às vezes tento

refazer alguns exercícios, e quando julgo necessário faço um resumo da

matéria. Vejo também a matéria que terei no dia seguinte, senão fico

perdida na hora em que o professor introduzir um novo assunto”.

nov. 2005 2B

“[Estudo] às terças de tarde, quando vou dar uma olhada no que vou ter no

dia seguinte, e às quartas após a aula”.

“Esse ano me surpreendi comigo mesma. De repente me vi bastante

determinada e persistente, acho que melhorei [a persistência] em relação ao

ano passado [2004]”.

“Agora não, se não sei fazer algo, aí que quero mesmo fazer. Procuro

pesquisar em outros lugares (...), nunca desistir”.

Page 58: Winnicott e aprendizagem

58

Raíssa

fev. 2005 2A

“Estudo em média duas horas e meia por dia. Faço as tarefas de cada

matéria do dia, de segunda a sexta, e quando tem prova estudo um dia antes

para a matéria. (...) Esse método é eficiente”.

“Agora peguei o hábito de fazer todas as tarefas (...) no dia em que o

professor dá a matéria”.

“O fato de ter bolsa na escola me cobra bastante, [mas] tenho uma

disciplina desde cedo, em estudar e tirar notas boas, [e isso] facilita minha

vida escolar. (...) Tenho como meta fazer uma faculdade pública, e

minha área está muito relacionada com exatas. [Porém], estudar não é uma

das coisas que eu mais gosto de fazer. (...) Estudo em média duas horas e

meia por dia, faço as tarefas da matéria dada no dia”.

nov. 2005 2C

“Comecei a freqüentar [os plantões] na metade do ano e percebi a mudança

em relação à matéria. A facilidade é bem maior agora”.

“Estudo sempre no dia [da aula dada]. Faço as tarefas (gasto em média três

horas estudando), e quando tem prova fico até eu saber bem a matéria”.

jan. 2006 --- “[Eu] odiava estudar Física, aprendi a gostar no ano passado [2005]”.

Mônica

fev. 2005 1B “Eu estudo física somente quando tem provas, uns 3 dias antes”.

nov. 2005 1A “Sinceramente, só [estudava Física] quando tinha prova”.

jan. 2006 --- “Na maioria das vezes eu sinto muitas dificuldades”.

Luana

fev. 2005 2B

“Eu costumo pegar os livros de Física uma vez por semana e durante umas

quatro horas”.

“Eu estudava, mas não conseguia ter resultados, não conseguia fazer um

exercício. (...) Tentava todas as possibilidades possíveis de resolver, (...)

pedia ajuda a alguém, mas mesmo assim não ajudava muito”.

“Eu acho física uma matéria muito difícil de entender e cheia de detalhes.

Gostaria que fosse mais fácil (...). Eu me empenho (...), mas não entendo

nada”.

nov. 2005 2A

“Eu estudava [Física] duas vezes por semana, por uma hora e meia. Agora,

se a semana estava cheia de provas eu nem estudava muito. Mas se na

semana tinha prova de Física eu estudava muito. Ficava até tarde

estudando”.

Page 59: Winnicott e aprendizagem

59

Otávio

fev. 2005 1B

“Depende da necessidade eu estudo todo dia ou nenhum dia na semana”.

“Acho que se eu me esforçar mais com certeza [meus estudos seriam

eficientes]”.

nov. 2005 1B

“Só estudo quando tem prova. Se eu sei pouco eu estudo bastante, se eu

sei algo da matéria eu estudo pouco”.

“Meu esforço é grande quando estou precisando de nota e pequeno quando

não estou precisando”.

Mário

fev. 2005 1B

“[Reservo] muito pouco [tempo para estudar Física]”.

“[Meus métodos de estudos são eficientes], pois obtive bons resultados ano

passado [2004]”.

nov. 2005 1B

“Eu estudava Física durante o plantão de quarta feira e um dia antes da

prova fazia revisão”.

“Os plantões foram muito eficientes, pois quando tinha prova não precisava

estudar muito, apenas relembrar”.

Noel

fev. 2005 1B ----- x -----

nov. 2005 1B “Não gosto muito de estudar. Sinceramente, quase não dedico nenhum

tempo a elas [as disciplinas]”.

Breno

fev. 2005 1B

“ (...) não me empenho muito em Física porque não vejo utilidade em ficar

fazendo contas”.

“ (...) só estudo quando tem prova, pois acho muito inútil ficar fazendo conta

sem sentido e sem uma finalidade, um objetivo”.

“Quando não consigo fazer um exercício desisto e vou fazer outra coisa,

isso acontece quase sempre”.

nov. 2005 1B “Somente [estudo] quando tem prova”.

Bill

fev. 2005 1B “Não gosto de estudar, (...) estudo alguns dias antes da prova uma hora por

dia”.

Page 60: Winnicott e aprendizagem

60

“ (...) no decorrer do ano comecei a me esforçar um pouco mais e melhorei.

Passei sem dificuldades”.

nov. 2005 1B

“Quando gosto me sinto capaz e fazer qualquer coisa”.

“Raramente eu estudo Física, no máximo faço alguns exercícios e mais

nada”.

“Meu desempenho [em 2005] foi com certeza melhor do que nos outros

anos. Não sei o motivo. Acho que ‘me liguei’ mais nas aulas e entendi

melhor a matéria”.

jan. 2006 --- “No começo do ano passado [2005] eu era menos persistente, e me

empenhava menos”.

Micaela

fev. 2005 1B

“Sinceramente, [estudo] só quando tem prova”.

“Tive dificuldades em alguns [exercícios], mas consegui esclarecer minhas

dúvidas, e consegui fazê-los sozinha depois”.

“Eu resolvo os exercícios do livro (caderno de exercícios). E procuro ler o

livro texto. [Acho este método eficiente], pois quando eu fazia isso ia bem”.

“Sempre que tenho dúvidas procuro tirá-las. Assim eu me esforço para

entender como resolver os exercícios”.

nov. 2005 1B

“Pra falar a verdade dois ou três dias antes da prova eu estudava umas 3

horas. Na véspera umas 5 horas”.

“Poderia me empenhar mais; falta vontade”.

Kátia

fev. 2005 2B

“Física não é para mim, nunca vou aprender isso”, “ não consigo entender,

por mais que eu me esforce”, “ não adianta, eu sou ‘burrinha’ mesmo”.

“ (...) não tenho essa de me dedicar mais a uma do que a outra, todos os dias

estudo a matéria dada no dia, (...) de uma hora a uma hora e meia, (...) e de

sábado às vezes. (...) Mudei meu método de estudo no terceiro trimestre

[2004]”.

“Em primeiro lugar o responsável pela minha melhora foi eu mesma. Em

segundo lugar o professor, que me ajudou e deu apoio moral. E em terceiro

lugar meus pais que diziam que confiavam em mim e que eu iria conseguir,

era só um pouco mais de esforço que eu conseguiria, e foi o que aconteceu”.

nov. 2005 2B “Costumo estudar [Física] a tarde, quase toda quarta”.

“O meu desempenho no ano passado [2004] em Física foi péssimo, eu não

Page 61: Winnicott e aprendizagem

61

estava ‘nem aí’, pensava: ‘já que não gosto da matéria, não vou estudar’.

Porém, senti muita diferença nesse ano [2005]”.

“Acho que sem a ajuda de alguém não consigo entender bem a matéria e os

exercícios”.

“Pensei muito sobre os conselhos dados [pelo professor] no decorrer desses

dois anos, porém, às vezes tento desistir, mas logo lembro de que esses

conselhos vem me ajudando bastante, e não só na escola, mas também na

minha vida pessoal”.

jan. 2006 ---

“Na maioria das vezes eu insisto para resolver algum problema quando

sinto dificuldades. [No começo de 2005] eu iria dizer que desistiria

facilmente”.

Amanda

fev. 2005 2B

“(...) pego três vezes por semana os livros e o caderno de Física para

estudar, me dedicando umas duas horas no total”.

“Por ser uma matéria difícil e complicada presto muita atenção às aulas,

tiro muitas dúvidas com o professor e faço vários exercícios para testar se

realmente aprendi a matéria”.

nov. 2005 2B

“Como se trata de uma matéria difícil e complexa (não sou boa em exatas!),

me dedico mais tempo a ela do que as que tenho mais facilidade. Costumo

dedicar cerca de duas a três horas no total, duas vezes por semana”.

“Sou persistente, e enquanto não aprender a matéria e tirar minhas dúvidas

não desisto”.

Wagner

fev. 2005 2B “Estudo Física duas vezes por semana, pois acho que é uma matéria

importante”.

nov. 2005 2B ----- x -----

jan. 2006 --- “No início do ano passado eu insistia menos na superação das

dificuldades”.

Chico

fev. 2005 2B ----- x -----

nov. 2005 2B “Eu sempre procuro fazer o melhor nos estudos”.

jan. 2006 --- “No início do ano passado eu insistia menos na superação das

dificuldades”.

Page 62: Winnicott e aprendizagem

62

Isabel

fev. 2005 2C

“Costumo estudar física quando chego em casa, nos dias de aula (...)”.

“Acho meu método de estudo eficiente”.

“Meu desempenho no ano passado [2004] não foi dos melhores. Mas me

esforcei para entender e superar minhas dificuldades, e acho que no fim do

ano melhorou”.

nov. 2005 2C

“[Estudo Física] umas duas vezes por semana, e quando pego, costumo

estudar a tarde toda”.

“Com este método tenho obtido bons resultados”.

Laura

fev. 2005 2C

“ (...) gosto muito da matéria [Física], então fica até difícil de falar. Eu

gostei muito das minhas notas, acho que batalhei muito para alcançá-las“.

“Com certeza pelo menos uma vez na semana [estudo Física]. Têm semanas

que estudo mais”.

nov. 2005 2C

“Pelo menos uma vez por semana, para fazer os exercícios”.

“A Laura tem me ajudado muito nesta matéria, ela gosta de física e tem

facilidade pra resolver [os exercícios]” (Raíssa).

Maria

fev. 2005 2C

“Eu gosto muito de (...) estudar, (...) e estudo ‘bem’ (tanto que os resultados

colhidos são bons)”.

“Vou bem nas avaliações e acabo por não me ‘matar’, como meus colegas,

para compreender a matéria, o que faz com que continue gostando de

estudá-la”.

nov. 2005 2C

“Devo meu [bom] desempenho à quantidade de aulas em que eu fiz

exaustivamente as tarefas do caderno de exercícios”.

“Não acho a matéria difícil e raramente tenho muitas dúvidas”.

3.1.5 - Análise das migrações de categorias

Depois de identificadas as mudanças, ou não, de categorias tentamos organizá-las

de tal forma que pudéssemos perceber quais poderiam representar um aumento, por parte

dos alunos, na capacidade de enfrentar os problemas surgidos do estudo da Física, ou na

Page 63: Winnicott e aprendizagem

63

aquisição de hábitos regulares de estudos. Também procuramos organizar os dados que

faziam referência a dificuldades enfrentadas durante os estudos.

O quadro abaixo mostra as migrações de categorias a que estamos nos referindo.

CATEGORIAS

(início 2005 � final 2005) ALUNO(S) OBSERVAÇÕES

1A � 1B

Tony, Caio,

Rodolfo e

Guilherme

- Continuaram declarando estudar às

vésperas das avaliações.

- Não declararam mais estarem enfrentando

dificuldades consideráveis no estudo da

Física.

1A � 2A Paula e Teresa

- Declaram terem adquirido o hábito

semanal de estudo.

- Continuaram enfrentando dificuldades

com o estudo da Física.

- Desistiam facilmente diante das

dificuldades encontradas.

1A � 2B Bárbara, Nádia

e Joana

- Declaram terem adquirido o hábito

semanal de estudo.

- Continuaram enfrentando dificuldades

com o estudo da Física.

- Não desistiam facilmente diante das

dificuldades encontradas.

Page 64: Winnicott e aprendizagem

64

1A � 2C Cláudia

- Declarou ter adquirido o hábito semanal de

estudo.

- Não declarou mais estar enfrentando

dificuldades consideráveis no estudo da

Física.

1B � 2A Fátima

- Declarou ter adquirido o hábito semanal de

estudo.

- Começou a enfrentar dificuldades com o

estudo da Física.

- Desistia facilmente diante das dificuldades

encontradas.

1B � 2B Tânia

- Declarou ter adquirido o hábito semanal de

estudo.

- Começou a enfrentar dificuldades com o

estudo da Física.

- Não desistia facilmente diante das

dificuldades encontradas.

1B � 2C Julia

- Declarou ter adquirido o hábito semanal de

estudo.

- Continuou declarando não estar

enfrentando dificuldades consideráveis no

estudo da Física.

2A � 2B Ana

- Manteve o hábito semanal de estudo.

- Continuou enfrentando dificuldades com o

estudo da Física.

- Passou a não desistir facilmente diante das

dificuldades encontradas.

2A � 2C Raíssa

- Manteve o hábito semanal de estudo.

- Passou a não mais declarar dificuldades

nos estudos.

Quadro 3.1 - Mudanças de categorias que poderiam indicar algum “ganho” para o aluno em

2005.

Page 65: Winnicott e aprendizagem

65

Analisando o quadro anterior percebemos que quinze alunos obtiveram algum

tipo de “ganho” em relação ao estudo da Física, e se observarmos isoladamente cada

característica investigada notaremos que:

� 3 alunos relataram terem adquirido ao menos o hábito de estudar Física

(migrações das categorias 1A ou 1B para a categoria 2A);

� 7 alunos relataram não sentirem mais tantas dificuldades com o estudo da

Física (migrações 1A�1B , 1A�2C e 2A�2C);

� 5 alunos declaram terem aumentado a persistência com que procuravam

superar as dificuldades encontradas nos estudos (migrações 1A�2B , 1B�2B

e 2A�2B)

Por outro lado, constatamos que alguns alunos demonstraram terem diminuído

sua capacidade de persistir diante das dificuldades, ou declaram estarem sentindo mais

dificuldades do que anteriormente sentiam. Foram os casos das alunas Mônica e Luana,

como pode ser visto no quadro 3.2.

CATEGORIAS

(início 2005 � final 2005) ALUNOS OBSERVAÇÕES

1B � 1A Mônica

- Continuou declarando estudar às vésperas

das avaliações.

- Começou a enfrentar dificuldades com o

estudo da Física.

2B � 2A Luana

- Manteve o hábito semanal de estudo.

- Não manteve a persistência diante das

dificuldades encontradas.

Quadro 3.2 - Situações onde as mudanças indicaram um aumento nas dificuldades ou uma

diminuição na persistência em enfrentar os problemas decorrentes dos estudos em 2005.

Uma outra constatação foi a de que treze alunos não demonstraram terem mudado

de categoria durante o ano (permaneceram nas categorias 1B, 2B e 2C), como podemos

observar no quadro 3.3.

Page 66: Winnicott e aprendizagem

66

CATEGORIAS

(início 2005 � final 2005) ALUNOS OBSERVAÇÕES

1B � 1B

Otávio, Mário,

Noel, Breno,

Bill e Micaela

- Continuaram declarando estudar às

vésperas das avaliações.

- Continuaram declarando não estarem

enfrentando dificuldades consideráveis no

estudo da Física.

2B � 2B

Kátia,

Amanda,

Wagner e

Chico

- Mantiveram o hábito semanal de estudo.

- Continuaram enfrentando dificuldades

com o estudo da Física.

- Mantiveram a persistência diante das

dificuldades encontradas.

2C � 2C Isabel, Laura e

Maria

- Mantiveram o hábito semanal de estudo.

- Continuaram declarando não estarem

enfrentando dificuldades consideráveis no

estudo da Física.

Quadro 3.3 - Situações onde não ocorreram mudanças de categorias em 2005.

Destes treze alunos, seis declararam estudar somente para as avaliações,

conseguindo com isso as notas mínimas para a aprovação (categoria 1B). Para eles,

aparentemente, estudar Física não se constituía como um problema que trouxesse

sentimentos capazes de paralisar o processo de aprendizagem.

“Só estudo quando tem prova, se eu sei pouco eu estudo bastante e se eu sei algo da matéria eu

estudo pouco. (...) Costumo ficar muito tranqüilo, dificuldades como essas [relacionadas aos estudos]

não me causam desespero, pois sei que é só esperar um dia e ir tirar a dúvida com o professor”

(Otávio).

“Sinceramente, [estudo] só quando tem prova. (...) Tive dificuldades em alguns [exercícios], mas

consegui esclarecer minhas dúvidas, e consegui fazê-los sozinha depois” (Micaela).

“[Reservo] muito pouco [tempo para estudar Física]. (...) [Meus métodos de estudos são eficientes],

pois obtive bons resultados ano passado [2004]” (Mário).

Page 67: Winnicott e aprendizagem

67

“Não gosto de estudar, (...) estudo alguns dias antes da prova uma hora por dia. (...) No decorrer do

ano comecei a me esforçar um pouco mais e melhorei. Passei sem dificuldades” (Bill).

Já para os outros sete alunos (categorias 2B e 2C), que normalmente estavam

entre os que conseguiam as maiores notas da classe, com exceção da aluna Kátia, suas

motivações para o estudo faziam com que as dificuldades enfrentadas não chegassem a

causar problemas que interferissem na disposição em continuar estudando, como

podemos verificar pelas frases abaixo.

“Eu estudo Física para aprender! É a única coisa que me faz querer ir tanto pra escola e me faz ler

tantos livros. Eu PRECISO aprender. Acho que quando perdemos a capacidade de aprender

morremos; o cérebro precisa de exercício, e estudar é o melhor!” (Maria).

“O que me leva a estudar Física é aprender melhor o funcionamento de certas coisas, eu gosto dessa

matéria. Acho interessante estudar para compreender melhor e não apenas ficar decorando

fórmulas” (Laura).

“Estudo por obrigação, (...) para poder ser alguém na vida” (Wagner).

“Minha família, meu namorado, meus amigos e o professor com certeza me incentivaram muito a

aprender Física, sendo que o que mais me ajudou foi meu objetivo de ser uma boa aluna e superar

minhas dificuldades (já que na 8ª série eu não sabia praticamente nada de Física, que era para mim

uma matéria extremamente complicada) (...)” (Amanda).

“As dificuldades de certa forma ajudam, pois é com elas que aprendemos não só a resolver os

problemas, mas também a lidar com as situações. A ter persistência para poder ‘ultrapassá-las’”

(Isabel).

De maneira geral, acreditamos poder concluir que os alunos que não mudaram de

categoria possuíam uma maneira de lidar com os estudos que acabava satisfazendo, de

certa forma, suas necessidades ou desejos com relação ao estudo da Física.

Assim, começamos a considerar o fato dos alunos que não mudaram de categoria,

com exceção da aluna Kátia, possuírem a capacidade de brincar no estudo da Física

(categorias 2B e 2C), ou não considerarem este estudo como um problema em si, que

pudesse trazer algum tipo de sentimento de frustração muito grande (categoria 1B). Por

outro lado, percebemos que cinco alunos declararam terem aumentado sua capacidade de

Page 68: Winnicott e aprendizagem

68

persistir diante das dificuldades surgidas do estudo, o que poderia denotar um aumento

na sua capacidade de brincar, e nove alunos disseram que aumentaram a freqüência dos

estudos, indicando uma intenção de superar os problemas enfrentados com a matéria.

Porém, com relação aos alunos que aparentemente obtiveram algum “ganho” em

2005, uma característica em especial chamou nossa atenção. Vários alunos que

afirmaram terem aumentado sua dedicação ao estudo da Física, através dos questionários

ou verbalmente para o professor continuaram relatando estarem sentindo dificuldades

com a matéria. Foram os casos das alunas Paula, Teresa, Bárbara, Nádia, Joana, Fátima,

Tânia e Ana. Desta constatação surgiu um interesse natural em procurar entender quais

seriam as possíveis causas para este fato, e para isso decidimos aplicar, em maio de 2006,

um terceiro questionário (anexo 3) contendo perguntas específicas relacionadas aos

motivos pelos quais cada um estudava Física, às dificuldades encontradas, às maneiras

usadas para resolver tais dificuldades e aos sentimentos advindos do enfrentamento

destas dificuldades. Este questionário, enviado por e-mail para todos os alunos da classe,

foi respondido por apenas 13 alunos, dos quais acabamos selecionando a aluna Ana para

iniciar uma análise mais detalhada. Ana era uma das alunas que havia relatado enfrentar

dificuldades com o estudo da Física e que declarava insistentemente ao professor que,

apesar dos seus esforços, não conseguia obter um desempenho satisfatório.

No decorrer desta nova investigação, a medida em que as análises evoluíam,

ainda achamos necessário pedir que Ana respondesse, em agosto de 2006, a um outro

questionário (anexo 4), e efetuar a coleta de alguns depoimentos da aluna para que

pudéssemos obter algumas informações que considerávamos importantes para a

pesquisa. A análise completa que fizemos de todas as informações obtidas será relatada

no próximo capítulo.

Page 69: Winnicott e aprendizagem

69

CAPÍTULO 4

“Bebeu palavras preciosas, seu

espírito cresceu forte. Não mais

sentiu que era pobre e sua estrutura

pó”

Emily Dickinson

Page 70: Winnicott e aprendizagem

70

4 - ANÁLISE DOS DADOS

Nos próximos itens faremos uma análise detalhada dos dados obtidos para a aluna

Ana, e usaremos a teoria do amadurecimento de Winnicott na tentativa de compreender

tais dados.

4.1 - A dependência absoluta na primeira série do ensino médio - 2004

Ana é uma aluna que gosta de escrever, ler, cozinhar, e que sente satisfação em

ajudar outras pessoas. Dentre as disciplinas do ensino médio tem preferência por

Química e Biologia, e encontra dificuldades com Matemática e Física.

Em meados de 2006, já cursando a terceira série do ensino médio, Ana declarou:

“Não gosto de física desde o primeiro ano [ensino médio], onde encontrei obstáculos

que até hoje sei que não superei”. Assim, achamos que seria importante inicialmente

analisar alguns fatos ocorridos quando ela ainda cursava a oitava série do ensino

fundamental e a primeira série do ensino médio. É o que faremos a seguir.

Em conversas com o professor, Ana nunca declarou qualquer sentimento negativo

com relação aos três meses em que teve aulas de Física na oitava série do ensino

fundamental. Estes três meses foram seu primeiro contato com a Física. No entanto,

acreditamos que uma reflexão a respeito das avaliações a que era submetida servirá para

entendermos o que ocorreu com Ana na primeira série do ensino médio.

As avaliações na oitava série possuíam uma característica em particular: suas

questões eram, segundo Ana, idênticas às questões de uma lista de exercícios discutida

na véspera das mesmas. Ana comentou que não sentia na época nenhuma necessidade de

estudar Física em casa, uma vez que já sabia com antecedência o que seria exigido na

prova. Desta afirmação podemos deduzir que Ana estudava para a obtenção de notas, e

como ela não encontrava dificuldade para consegui-las, também não sentia a necessidade

de efetivamente estudar Física.

Se, por um lado, a Física não era para ela uma ameaça, o que pode ser benéfico

num primeiro contato com a disciplina, para que não se desenvolvam defesas que possam

obstruir um futuro aprendizado, por outro, a metodologia citada parece ter contribuído

para a permanência de Ana num estado de onipotência com relação ao próprio

aprendizado. Este método de avaliação, para o caso de Ana, não possibilitou que ela

tivesse um contato maior com as dificuldades relativas ao aprendizado da Física, o que

Page 71: Winnicott e aprendizagem

71

não estimulou o início da elaboração de mecanismos que pudessem fazer frente a estas

dificuldades.

Mas não estamos aqui afirmando que isso deveria ter sido feito naquela época.

Estamos apenas narrando um fato para que depois possamos entender melhor o tipo de

relação desenvolvida por Ana com o aprendizado da Física.

No ensino médio, diante da mudança repentina de métodos e de vários

professores, inclusive o de Física, Ana se viu num ambiente bastante diferente daquele ao

qual estava acostumada sem, segundo ela, possuir maturidade para tamanha mudança.

“Os conteúdos aumentaram e se tornaram mais complexos também, a cobrança foi maior. Eu

acho que não era madura ainda, não sabia administrar meu tempo e não insistia quando

encontrava alguma dificuldade” (Ana - agosto de 2006).

Tudo parece ter acontecido numa velocidade maior do que a possível de ser

assimilada por Ana.

“ (...) o desenvolvimento, especialmente no início, depende de um suprimento ambiental

satisfatório, (...) que facilita as várias tendências individuais herdadas, de tal forma que o

desenvolvimento ocorre de acordo com elas” (WINNICOTT, 1996 - p.18).

Uma destas mudanças, considerada importante por nós se levarmos em conta o

fato de Ana estudar objetivando a obtenção de notas, deu-se exatamente com as

avaliações a que ela passou a ser submetida. Estas avaliações começaram a exigir de Ana

um entendimento da Física maior do que o exigido no ano anterior. Sabemos que para a

simples reprodução de uma questão não é necessário o entendimento dos fenômenos

físicos envolvidos. Um aluno pode tirar uma excelente nota em uma avaliação sem ter

realmente aprendido Física. Alguns alunos “estudam” para lembrar da resolução de

certas questões, sem a preocupação de entender os motivos que fizeram a questão ser

resolvida de determinada maneira e não de outra. As avaliações na primeira série do

ensino médio exigiam mais do que a reprodução de questões trabalhadas em aula ou nas

tarefas de casa. O professor pedia sempre que os alunos justificassem seus raciocínios e

detalhassem suas resoluções, e formulava questões que não eram necessariamente

idênticas às trabalhadas durante as aulas. Este fato acabou trazendo algumas dificuldades

iniciais para aqueles alunos que possuíam o hábito de memorizar a resolução de algumas

Page 72: Winnicott e aprendizagem

72

questões imaginando que estas seriam cobradas na prova. Ana parecia ser uma destas

alunas.

De fato, durante as correções das avaliações feitas por Ana o professor constatou

que suas resoluções continham tentativas semelhantes àquelas vistas em aula, ou em

exercícios das tarefas, como se Ana tentasse fazê-las “servirem” aos enunciados

propostos nas avaliações. “Tive a impressão que Ana decorou alguns exercícios, uma vez

que resolveu os da prova de forma semelhante aos do caderno, sem saber o que estava

fazendo” (professor). Confirmando esta suposição temos um trecho do questionário 1,

onde Ana afirmou: “Numa prova os exercícios não são iguais. Sei fazer os exercícios que

já foram resolvidos, acho que se eu fizer mais exercícios vai ajudar”. Apesar de ela

perceber que as questões não eram exatamente iguais aos exercícios trabalhados em aula,

ela parecia acreditar que isso ocorria por ela não ter resolvido exercícios suficientes, e

que se resolvesse uma quantidade maior, acabaria fazendo um que fosse bastante

parecido ao da avaliação.

Estas avaliações, bem como os resultados precários obtidos começaram a deixar

Ana diante de situações que pareciam fugir ao seu controle, o que a fez intensificar seus

estudos. Ana passou então a estudar e se esforçar para conseguir entender a matéria dada

em aula. Porém, continuou não obtendo os resultados esperados. Sobre esta época Ana

fez, no início de 2005, o seguinte comentário: “(...) por mais que eu me esforçasse era

dificílimo para eu entender a matéria, eu estudava, mas não tinha segurança na

matéria”.

Até aqui, acreditamos que Ana estava pela primeira vez entrando em contato com

as dificuldades relativas ao aprendizado da Física, sem saber ao certo como enfrentá-las e

o que fazer para superá-las. Nos três ou quatro primeiros meses de 2004, Ana ficou

entregue à própria sorte, sem estar preparada para lidar com as desilusões decorrentes das

suas tentativas frustradas de tirar uma nota boa nas provas de Física. Se as notas eram

para ela a única referência para a medição do quanto os seus esforços estavam

contribuindo para que ela superasse suas dificuldades, elas não indicavam progresso

algum. Acreditamos que ela passou de um estado de ilusão, que apontava, na oitava

série, para um total controle sobre a Física, para um estado onde esta lhe fugia quase que

completamente do controle. Esta mudança ocorreu de forma brusca, sem que o professor

proporcionasse momentos de adaptação à nova realidade. Do ponto de vista da analogia

que estamos fazendo com a teoria winnicottiana, tudo ocorreu sem que Ana tivesse

tempo de encontrar gradativamente objetos capazes de facilitar a transposição de uma

Page 73: Winnicott e aprendizagem

73

fase para outra, para que as ansiedades não gerassem um rompimento na possibilidade de

aprender a Física. Parece que ela não teve condições ambientais favoráveis para construir

e “habitar” gradativamente uma área onde a ilusão do controle sobre a Física e o contato

com a realidade do seu aprendizado pudessem coexistir, sem a necessidade de separar o

fato do aprendizado da fantasia do controle sobre esse conteúdo. “A passagem do mundo

subjetivo, que nunca se perde, ao mundo transicional (...) requer tempo para

estabelecer-se como conquista” (DIAS, 2003 - p.239), e depois de iniciada necessita dos

cuidados do professor a fim de manter sustentada a continuidade do processo. O fato de o

professor não estar consciente do que ocorria com Ana fez com que ela não recebesse a

atenção de que precisava, e este “abandono”, juntamente com a sua inabilidade em lidar

com as dificuldades, contribuíram para o desenvolvimento da idéia de que aprender

Física não era algo possível para Ana, que chegou a afirmar: “(...) a Física é difícil, não

adianta estudar, eu nunca vou conseguir entendê-la”.

No entanto, após o término do primeiro trimestre letivo, em maio de 2004, o

professor percebeu que Ana passava por dificuldades e começou a investir em conversas

com a aluna. Seu objetivo era compreender a maneira como Ana estudava para poder, de

alguma forma, ajudá-la com os estudos.

Durante estas conversas, o professor se dispôs a ouvir o que Ana tinha a dizer

sobre os seus estudos, e a tentar diminuir sua aparente ansiedade sempre que ela

começava a falar das suas tentativas frustradas de conseguir um bom desempenho na

disciplina. Passou a conversar também sobre o desempenho de Ana nas avaliações e de

como ela poderia tentar superar as suas dificuldades. Sugeriu, entre outras coisas, que

montasse um grupo de estudos, que procurasse ler o livro-texto, mesmo que este se

mostrasse, no início, de difícil compreensão. Sugeriu também que ela anotasse no livro o

que não havia compreendido para perguntar posteriormente, que não iniciasse a

resolução dos exercícios sem antes estudar a parte teórica, que não deixasse o conteúdo

acumular, e que tentasse refazer alguns exercícios depois de alguns dias, para se

certificar se os mesmos haviam sido realmente entendidos ao invés de decorados.

A tentativa de auxiliar Ana a enfrentar suas dificuldades não se constituiu em

caso isolado dentro da sala de aula. O professor passou a manter anotações também a

respeito das observações que fazia dos outros alunos, e a partir de maio começou a

investir mais intensamente em conversas particulares com eles, sempre que julgava

necessário. Estas conversas ocorriam muitas vezes durante a própria aula, em momentos

em que a classe resolvia exercícios, ou então durante os plantões de dúvidas. Eram

Page 74: Winnicott e aprendizagem

74

conversas informais, mas que tinham o objetivo, assim como no caso de Ana, de

conseguir uma maior aproximação professor-aluno, na tentativa de entender o que

acontecia com eles para, de alguma forma, poder ajudá-los.

Do ponto de vista da teoria winnicottiana, foi nesta época, através do seu apoio e

das suas conversas sobre métodos de estudo, que o professor começou a propor para Ana

um brincar relacionado ao estudo da Física: vamos ver se você encontra um jeito de

aprender melhor ? Porém, como veremos adiante, Ana ainda precisaria de outro tipo de

ajuda antes de poder começar a brincar.

Com o passar do tempo e das conversas, Ana foi ao menos se sentindo à vontade

para procurar o professor quando achava que isso era necessário, não demonstrando

resistência em tentar seguir as sugestões dadas para os seus estudos. Paralelamente às

conversas informais o professor começou, sempre que percebia melhoras na maneira de

Ana lidar com as questões das provas, mesmo que essas melhoras não resultassem em

aumento significativo da nota, a escrever mensagens em suas avaliações do tipo: “Você

está melhorando, fique tranqüila. Só não pare de estudar (...). Quando esta fase passar

você verá que todo esforço terá valido a pena”. “ Você está no caminho certo, muitas

vezes as melhoras não são rápidas mesmo. Tenha paciência e continue sendo

persistente”. O professor acreditava que este apoio era importante para motivar Ana, e

não deixar que ela se sentisse desestimulada pelos resultados negativos que obtinha nas

avaliações. De fato, apesar da atenção e das sugestões de estudo, as notas de Ana não

aumentaram, e isso começou a deixar o professor preocupado. Ana dizia que o que a

motivava estudar era a perspectiva de uma aprovação no final do ano, e que o fato de

suas notas não estarem melhorando deixava-a muito nervosa e ansiosa com relação ao

que poderia acontecer. O professor acreditava que se fosse reprovada, todos os esforços

feitos por Ana teriam sido em vão, o que traria um impacto negativo para a sua auto-

estima, e para a sua crença na própria capacidade. E por achar que não estava

conseguindo dar a atenção necessária, pelo fato de também ter muitos outros alunos para

atender e se preocupar, decidiu indicar para Ana uma professora particular da sua

confiança, que pudesse acompanhar de perto os seus estudos, e que pudesse diagnosticar

com maior precisão se havia algo de errado com a sua maneira de estudar. A professora

em questão cursava o doutorado na área de ensino de Ciências, e participava, assim como

o professor, do grupo Psicanálise e Educação, coordenado pelo orientador de ambos.

Assim, ela estava em condições de auxiliar o professor na ajuda que Ana parecia

necessitar.

Page 75: Winnicott e aprendizagem

75

A sugestão foi feita no início do terceiro trimestre letivo, em setembro, mas

somente em outubro de 2004 Ana começou a freqüentar as aulas particulares. Como

veremos a seguir, estas aulas acabaram tendo um papel importante na mudança do tipo

de relação que Ana possuía com o aprendizado da Física.

“ (...) A grande responsável pela minha melhora (...) foram as aulas particulares que fiz”. “ (...)

meu desempenho em Física melhorou depois que comecei a ir a uma professora particular” (Ana

- fevereiro de 2005).

Sobre as aulas particulares, Ana comentou: a professora “explicava de uma forma

descontraída. (...) Na parte de forças, ela pegava carrinhos, bolinhas; ela me mostrava

na prática, e eu via como tudo acontecia”.

De acordo com a professora, as aulas particulares transcorriam da seguinte

maneira: Ana era estimulada a tentar explicar algo a respeito dos tópicos que seriam

estudados no dia, o que era feito com interesse por ela, e a professora ia fazendo

perguntas “até que algo pudesse ser sistematizado”. Depois era feita uma síntese do

assunto antes de se partir para a resolução de problemas.

Na resolução de problemas era pedido que Ana lesse o enunciado e depois

tentasse explicá-lo usando suas próprias palavras. A professora relatou que procurava

fazer com que Ana se envolvesse nas tarefas da aula, o que geralmente acabava

acontecendo, ao invés de simplesmente explicar os conceitos e mostrar como cada

problema ou exercícios deveria ser resolvido. Além disso, ela também procurava dar

algumas dicas para que Ana pudesse conseguir um melhor desempenho no estudo da

Física.

“Eu sempre dava uns toques sobre a forma de organizar os dados para resolver um problema,

sobre como iniciar uma seqüência de estudos; falava que precisava melhorar a concentração

nas aulas, porque seria fundamental para que ela conseguisse atingir o objetivo que me

apresentara. Quando ela falava que você [o professor] ‘acreditava nela’ eu dizia que ela também

tinha que acreditar e batalhar para justificar essa confiança” (professora).

Com o transcorrer das aulas, segundo a professora, Ana apresentou melhoras na

maneira com que organizava suas idéias e encarava os problemas a serem resolvidos.

Este fato também foi percebido pelo professor, que continuou a mandar mensagens de

estímulo nas avaliações feitas por Ana. Para a professora, estas mensagens dizendo que

Page 76: Winnicott e aprendizagem

76

Ana estava melhorando, e que tinha potencial, pareciam ser algo significativo para ela,

algo que a deixava mais segura e confiante, motivando-a a realizar as tarefas para que o

objetivo da aprovação pudesse ser conquistado no final do ano.

“A Ana diz sentir-se muito motivada com as mensagens de estímulo que você manda pelas

avaliações” (professora).

Mais ou menos nesta época, enquanto Ana fazia aulas particulares, ela começou

também a escrever mensagens para o professor no final das suas avaliações. Certa vez

Ana escreveu: “Nossa !! Nessa prova não fui nada bem, me enrolei na hora de aplicar os

conceitos. Agora é batalhar para obter um bom resultado na última prova, sou capaz

como os outros e não pretendo desistir”. Na mesma avaliação o professor respondeu: “É

isso aí... continue batalhando. Este é o segredo”.

Com as aulas particulares, e com o estímulo e apoio do professor, dizendo que ela

era capaz, reforçando as dicas de estudo, mostrando-se disponível a ajudar, tentando

diminuir sua ansiedade sempre que ela não conseguia algo nas aulas, e falando que ela

estava no “caminho certo”, e que já estava conseguindo organizar melhor suas

resoluções, mesmo quando estas não estivessem totalmente corretas, Ana parece ter

começado a acreditar que, apesar das enormes dificuldades, aprender Física não era algo

que estava fora das suas possibilidades. Ela passou ao menos a dizer que era capaz, e que

não iria desistir, apesar das dificuldades. Na última avaliação de 2004 Ana escreveu:

“nesta avaliação acho que fui bem melhor do que nas outras (...). Obrigada pela sua

ajuda”. Na mesma avaliação o professor respondeu: “Legal que você também esteja

percebendo a melhora. Parabéns pela dedicação e força de vontade. É isso que está

fazendo você superar as suas dificuldades. Se você continuar vai melhorar ainda mais.

Parabéns novamente”.

Ana acabou finalmente conseguindo a aprovação em Física, apesar de suas notas

não terem sido suficientes. Seus esforços e sua dedicação em tentar superar as

dificuldades tiveram um papel importante nessa aprovação, apesar de ela acreditar que

foram as aulas particulares que a fizeram atingir o seu objetivo.

Page 77: Winnicott e aprendizagem

77

4.1.a - Uma análise dos fatos ocorridos em 2004

Analisando tudo o que foi relatado, e pensando nas idéias de Winnicott,

acreditamos que quando o professor se propôs a ouvir Ana, conversando com ela sobre

as suas dificuldades, acabou também tendo a oportunidade de propor um brincar

relacionado ao aprendizado da Física. Esta foi sendo renovada sempre que o professor

dizia para Ana que todos eram capazes de aprender Física se estudassem e se estivessem

dispostos a aperfeiçoar seus métodos de estudo. Ana parece ter aceitado o desafio de

tentar aprender, sem estar, no entanto, preparada ainda para fazê-lo sozinha.

Para que Ana pudesse desenvolver o brincar, o professor procurou então manter

sua disponibilidade, na tentativa de proporcionar a segurança necessária para a

brincadeira, e procurou manter também a apresentação de objetos e o brincar junto,

sempre que conversava com Ana sobre as suas dificuldades, ou sempre que a ajudava na

resolução de alguma tarefa. Lembrando Winnicott: a criança brinca “com base na

suposição de que a pessoa a quem ama e que, portanto, é digna de confiança, e lhe dá

segurança, está disponível e permanece disponível quando é lembrada, após ter sido

esquecida” (WINNICOTT, 1975 - p.71).

A esperança inicial era que Ana pudesse “encontrar” alguns objetos transicionais

relacionados ao estudo da Física que possibilitassem o brincar proposto pelo professor, e

que isso contribuísse para o seu aprendizado. Porém, todo o apoio dado pareceu não ser

suficiente para Ana, e o professor começou a acreditar que as notas abaixo da média,

além de demonstrarem esse apoio insuficiente, estavam também colocando em risco a

crença da aluna no fato de que os estudos poderiam lhe trazer resultados positivos, já que

ela mantinha os estudos com o objetivo explícito de melhorar suas notas.

De acordo com o professor, Ana parecia necessitar naquele momento de cuidados

maiores ou melhores do que aqueles recebidos até então, e como não havia a

possibilidade de disponibilizar um tempo maior para Ana, por conta da atenção que o

professor também precisava dar aos outros alunos da classe, este decidiu sugerir a ela a

professora particular que pudesse realizar um melhor acompanhamento das suas

dificuldades com relação ao aprendizado da Física.

Na teoria de Winnicott, quando um bebê ainda encontra-se no estado não-

integrado, ele encontra-se como que “espalhado”, desorganizado. Segundo Dias (2003 -

p.128), este é um estado natural de imaturidade caracterizado pela falta de reunião num

Page 78: Winnicott e aprendizagem

78

si-mesmo, que é ocasionado, entre outras coisas, pela falta de integração no espaço e no

tempo.

Como conseqüência, o bebê não consegue contar com o tempo para a resolução

das adversidades que lhe são impostas pelo meio, ou seja, não possui ainda a capacidade

de esperar, e não consegue também encontrar um “lugar onde possa habitar e sentir-se

em casa” nos momentos onde o descanso do contato com a realidade se faz necessário.

“Às vezes caímos em pedaços, quando ocorre uma intrusão aterrorizante, e podemos - caso

tenhamos aprendido a estar sós - encontrar um lugar de descanso em modos de vida não-

integrados (quietos e contemplativos)” (NEWMAN, 2003 - p.235).

Da mesma forma, a ameaça de desintegração, a partir de um estado integrado,

trata-se também de algo intolerável, capaz de gerar ansiedades básicas da infância.

“As defesas organizadas contra a desintegração roubam uma pré-condição para o impulso

criativo e impedem, portanto, uma vida criativa” (WINNICOTT, 1996 - p.23).

Assim, o que a mãe pode fazer é fornecer um “suporte” confiável ao bebê para

que, deste modo, os seus cuidados fortaleçam o ego21 imaturo do bebê. Este “suporte”

implica também no que Winnicott definiu como “segurar22”, que no início representa os

cuidados físicos dados ao bebê, e depois se desenvolve transformando-se em cuidados

psicológicos.

“ (...) o apoio do ego materno facilita a organização do ego do bebe” (WINNICOTT, 2002 -

p.09).

“Se a mãe fornece apoio ao ego, e se ela faz isso de modo suficientemente bom, o ego do bebê

torna-se muito forte e passa a possuir sua própria organização” (WINNICOTT, 1994 - in:

DIAS, 2003 - p.143).

21 O ego, para Winnicott, é a “parte da personalidade que tende, sob condições favoráveis, a se integrar numa unidade (WINNICOTT, 1983 - in: DIAS, 2003 - p.142). Para SILLAMY, é a “parte da personalidade que equilibra as forças as quais o indivíduo é submetido, isto é, suas próprias pulsões (tendências profundas), sua moral (ou, mais exatamente, seu superego) e, finalmente, a realidade do mundo exterior” (SILLAMY, 1998 - p.86). 22 Tornar seguro, firmar, impedir que caia, serenar, sossegar, tranqüilizar.

Page 79: Winnicott e aprendizagem

79

No entanto, para “segurar” é necessária a “capacidade de se identificar, de

perceber como o bebê está se sentindo” (WINNICOTT, 1996 - p.22).

Parece-nos que estas idéias podem ser utilizadas para entendermos o que pode ter

ocorrido com Ana. As dificuldades relativas ao aprendizado da Física traziam consigo a

ameaça da desintegração, o que gerava uma ansiedade a qual Ana não estava preparada

para enfrentar. O apoio dado pelo professor, e depois pela professora particular,

acabaram ajudando no fortalecimento do ego ainda imaturo de Ana, para que ela

pudesse, aos poucos, atingir um estágio de integração onde a volta ao estado não-

integrado pudesse ser utilizado para o “descanso”, sem que isso representasse uma

ameaça de desintegração.

Verificando a metodologia usada pela professora particular nos quase dois meses

de aulas particulares, notamos que ela se mostrava disponível a ajudar Ana com as

dificuldades da Física, e que procurava fazer as tarefas junto com a aluna, ao invés de

simplesmente mostrar como elas deveriam ser feitas. Assim, além do reforço na

manutenção de um ambiente favorável ao brincar, a professora conseguiu fazer com que

Ana brincasse junto com ela, e este brincar em conjunto com outra pessoa parece ter

sido importante para que Ana desse prosseguimento ao desenvolvimento da sua própria

capacidade de brincar.

O fato da aluna se sentir motivada pelas mensagens de estímulo dadas pelo

professor mostra que, de alguma forma, era no olhar do professor que Ana se estruturava

quando a ameaça de desintegração era iminente. No entanto, para manter o olhar do

professor era necessário manter-se no processo de aprender Física, o que nos ajuda a

entender o fato de Ana nunca ter abandonado o estudo da Física, apesar das dificuldades

que enfrentava.

Com o passar do tempo, Ana parece ter começado a vislumbrar a possibilidade de

aprender Física, acreditando um pouco mais nas suas potencialidades. A partir deste

momento o “fazer” relativo ao estudo da Física pôde assumir também outros significados

para ela. Achamos que quando Ana afirmava que “(...) estudava, mas não tinha

segurança na matéria”, ela talvez não tivesse ainda segurança nela mesma, por

apresentar um ego ainda não fortalecido, e estava projetando este sentimento na

disciplina. O fato de a aluna não lidar muito bem com as angústias relativas ao processo

de aprendizagem fazia com que as dificuldades encontradas representassem uma ruptura

na continuidade do seu existir, ameaçando o processo de integração - que seria

responsável por fazê-la sentir-se real, capaz de responder por um eu diferenciado do que

Page 80: Winnicott e aprendizagem

80

é externo. A falta de segurança estaria então relacionada à falta de um ambiente capaz de

dar tal segurança, ou então na falta de alguém capaz de dar o suporte necessário ao

desenvolvimento de Ana naquele momento, alguém que pudesse efetivamente brincar

junto com ela, para que sua própria capacidade de brincar pudesse se desenvolver.

No final de 2004, Ana passou a relatar que acreditava poder superar as

dificuldades relativas ao aprendizado da Física.

“Agora é batalhar para obter um bom resultado na última prova, sou capaz como os outros e

não pretendo desistir” (Ana).

Os fatos de Ana ter conseguido uma nota um pouco melhor na última avaliação, e

ter finalmente conquistado sua aprovação, podem também ter reforçando a crença na

possibilidade de aprender melhor, e de conseguir atingir o objetivo do brincar proposto

pelo professor. A crença nesta possibilidade parece ter sido sua principal conquista no

ano de 2004. No entanto, como veremos a seguir, Ana ainda precisaria em 2005 da

manutenção de certos cuidados para finalmente deixar a fase da dependência absoluta.

4.2 - A dependência relativa na segunda e na terceira séries - 2005 e 2006

4.2.a - Aumento na capacidade de não desistir diante das dificuldades

Ao analisarmos a evolução das respostas dadas por Ana aos vários questionários

aplicados em 2005 e 2006, além do material obtido com as entrevistas e com as auto-

avaliações, percebemos que ocorreu uma mudança na maneira como Ana relatou

enfrentar as tarefas de Física. Ela dizia, no início de 2005, sentir-se desmotivada quando

não conseguia resolvê-las, e que esta falta de motivação aumentava quando ela percebia

que outras pessoas conseguiam obter sucesso onde ela não conseguia.

“Me sinto muito desmotivada quando não consigo resolver algum exercício. Isso aumenta

quando pergunto para algum colega e ele sabe resolver. Não me acho menos capaz do que

ninguém e nem menos esforçada; claro que sei que cada um tem suas dificuldades” (Ana -

fevereiro de 2005).

Page 81: Winnicott e aprendizagem

81

Apesar de dizer não se achar menos capaz do que os outros, era comum Ana

queixar-se com o professor por não conseguir resolver parte das tarefas, e mostrar-se

bastante irritada e desmotivada com este fato. Em 2006, relembrando desta época, Ana

relatou: “Eu me sentia incapaz quando não conseguia resolver os exercícios, (...) não

acreditava muito em mim, achava que eu não tinha condições de melhorar sem uma

ajuda profissional (...) ”.

Acreditamos que os sentimentos de capacidade e incapacidade se revezavam em

função do grau de dificuldade das tarefas propostas pelo professor. Ela ainda estava

aprendendo a lidar com tais dificuldades. A crença assumida da necessidade de ajuda

profissional para que o aprendizado pudesse ocorrer mostra que Ana iniciou 2005 ainda

insegura com relação a dar prosseguimento ao próprio aprendizado, num estágio,

portanto, de dependência absoluta. Porém, como veremos, apesar de ainda se encontrar

neste estágio Ana conseguiria superá-lo sem a necessidade da intervenção de um

professor particular.

Quando o brincar23 foi proposto pelo professor, em 2004, houve a necessidade de

um suporte ambiental favorável para que este pudesse começar a se desenvolver. No

entanto, “a passagem do mundo subjetivo (...) ao mundo transicional (...) requer tempo

para estabelecer-se como conquista” (DIAS, 2003 - p.239), e Ana parecia ainda

depender destes cuidados para dar prosseguimento ao seu desenvolvimento. Ao mesmo

tempo em que ela dizia acreditar ser capaz de superar suas dificuldades, também sentia

desmotivação diante dos problemas que não conseguia resolver. “Nesta época [início de

2005] eu não costumava ser persistente quando encontrava alguma dificuldade” (Ana -

Novembro de 2005). O fato de ela não conseguir entender um enunciado, ou não saber

por onde começar a resolução de um exercício, ou mesmo errar a resolução destes

exercícios ainda gerava uma ansiedade que fugia ao seu controle, e que pode ser

entendida como resultado das ameaças ao seu estado de EU-SOU ainda não

suficientemente fortalecido.

Então, se no final de 2004 Ana havia experimentado momentos em que foi

possível o brincar em conjunto com sua professora particular, no início de 2005 ela

estava experimentando uma situação diferente: agora ela deveria dar prosseguimento ao

brincar sem a companhia constante de um professor particular - ou seja, ela deveria

aprender o que fazer diante das dificuldades para que estas não se tornassem motivo de

desânimo e frustração, o que contribuiria para paralisar o processo de aprendizagem.

23 Lembrando que o brincar proposto foi: “vamos ver se você encontra um jeito de aprender melhor ?”

Page 82: Winnicott e aprendizagem

82

Fazendo uma analogia com as idéias de Winnicott, o sucesso desta nova fase

parece depender da capacidade do professor de manter um suporte adequado ao aluno, e

de facilitar também o “encontro”, por parte do aluno, de objetos transicionais que

possam fazer frente às angústias sentidas por ele no decorrer das tarefas. Por este motivo,

faremos a seguir um relato de como se deu o suporte e a apresentação de objetos feitos

pelo professor, e de como Ana se aproveitou deste ambiente para dar prosseguimento a

sua capacidade de brincar, atingindo assim o estágio da dependência relativa.

4.2.b - As conversas com o professor usadas como objeto transicional

Sempre que possível, o professor procurava ouvir pacientemente tudo o que Ana

tinha a dizer nos momentos em que ela se mostrava insegura ou irritada com as

dificuldades encontradas nas tarefas de Física. Muitas vezes estes momentos geravam

uma reflexão do professor sobre as dificuldades relatadas, fazendo com que delas

surgissem novos procedimentos que poderiam auxiliar Ana a desenvolver uma maneira

mais eficiente de estudar. Outras vezes elas serviam apenas para diminuir a aparente

ansiedade demonstrada pela aluna. De maneira geral, as conversas ocorriam durante as

aulas ou nos plantões semanais, e, segundo o professor, tinham o objetivo mesmo de

estimular uma reflexão sobre o processo de aprendizagem no qual os alunos estavam

inseridos. “Falar sobre os sentimentos que eventualmente podem surgir em decorrência

da realização das tarefas pode ajudar os alunos a se conhecerem melhor, e contribuir

para a melhoria das relações destes com o próprio aprendizado. Acredito que as

conversas devam ocorrer mesmo quando o aluno demonstre, de início, não estar de

acordo com as idéias apresentadas pelo professor” (professor).

“O professor tem de ser capaz de tolerar que duvidem ou suspeitem dele, tal como a mãe tolera

os vários caprichos alimentares dos filhos; (...) [uma eventual impaciência dos professores]

poderá torná-los incapazes de tolerar a seleção e comprovação pelas crianças daquilo que lhes

é oferecido, ou a sua reação inicial à rejeição” (WINNICOTT, 1982 - p. 228-9).

Certa vez o professor teve uma conversa com Ana sobre o papel do erro na

aprendizagem da Física. Isso ocorreu antes da aula que relacionou a construção do

“mundo interno” de cada um com a aprendizagem da Física, dada no início do segundo

semestre de 2005. A aluna relatou que ficava muito irritada quando não conseguia

Page 83: Winnicott e aprendizagem

83

entender alguma coisa, pois não achava isso normal. O normal para ela seria ler a teoria e

já conseguir resolver os problemas propostos. O professor, sabendo que Ana gostava de

cozinhar, perguntou se ela havia aprendido a cozinhar da noite para o dia, e se no começo

ela acertava tudo o que tentava fazer. Ana respondeu que não. Perguntou também se no

início ela acertava a quantidade de sal do arroz, ou se ela sabia os segredos para não

deixar o arroz “empapar”. Ana novamente respondeu que não. Então, o professor

perguntou se o fato de ler uma receita era garantia de acertar o cozimento do prato,

principalmente para quem ainda não tinha experiência na cozinha. Ana mais uma vez

disse que não. Finalmente o professor perguntou por que ela esperava que isso

acontecesse com o estudo da Física, ou com qualquer outra coisa, e explicou que o erro

fazia parte do processo de aprendizagem, não podendo muitas vezes ser evitado, e que as

pessoas estudam exatamente para superar as limitações decorrentes de algo que elas

ainda não conhecem muito bem.

A idéia desta conversa foi tentar mostrar algumas semelhanças entre o aprender e

o cozinhar, que era algo conhecido para Ana. O professor esperava que ela pudesse

“encontrar” nesta analogia algo que a fizesse gradualmente enfrentar os erros como parte

do processo de aprendizagem, não se sentindo mais tão angustiada quando estes

ocorriam.

Outro tema que várias vezes gerou discussão entre o professor e seus alunos, com

alguns deles em particular, foi o aparente conflito existente entre o fato de se entender

determinado problema com o fato de não conseguir depois resolvê-lo sozinho, apesar de

tê-lo entendido. Nas entrevistas, e também nos questionários, alguns alunos relataram se

surpreenderem por não conseguirem resolver problemas sobre determinados assuntos

considerados entendidos durante as aulas. Alguns até nem estudavam em casa por conta

desta confiança, e depois não encontravam explicações para os eventuais fracassos nas

avaliações. Diziam: “eu entendi a matéria, não sei por que não consegui resolver as

questões da prova”. Era comum o professor dizer para a classe:

“o fato de vocês entenderem um problema que eu faço na lousa, ou de vocês entenderem a

explicação de algum colega, não significa que vocês tenham aprendido, e que saberão depois

resolver também problemas relacionados ao mesmo assunto. Entender o que um professor faz é

uma coisa, saber fazer sozinho é outra diferente. Daí a importância das tarefas propostas para

casa. É com elas que vocês podem realmente aprender. E é por isso que não se deve deixar os

estudos para a véspera de uma avaliação. Vocês precisam de tempo para descobrir como

Page 84: Winnicott e aprendizagem

84

resolver as questões que não foram resolvidas na primeira tentativa”.

Além disso, o professor também sempre dizia: “não se pode aprender de uma

hora para outra”; “é preciso que tenhamos paciência e, ao estudar, saibamos esperar as

novas idéias irem aos poucos fazendo sentido para nós”; “ não se pode deixar de errar,

os erros servem para mostrar nossos pontos fracos”.

Sobre a importância do tempo no aprendizado, podemos lembrar Winnicott que

diz:

“para controlar o que está fora, há que fazer coisas, não simplesmente pensar ou desejar, e fazer

coisas toma tempo. Brincar é fazer” (WINNICOTT, 1975 - p.63).

Ou seja, para se conseguir um mínimo de “controle” sobre a Física é necessário

“fazer” coisas, o que significa realmente se envolver com os estudos. Apenas pensar e

desejar não são suficientes. Por outro lado, se “fazer” leva tempo, conseqüentemente

também leva tempo para se aprender; e se brincar é “fazer”, e o “fazer” faz parte do

estudar, o brincar deve estar presente no estudar para que este possa efetivamente

contribuir para o enriquecimento pessoal dos alunos. Porém, este enriquecimento não

poderá acontecer se os alunos não possuírem a capacidade de poder contar com o tempo,

para esperar chegarem os frutos das horas investidas sobre os livros ou sobre os

cadernos.

Este foi um resumo das conversas que muitas vezes o professor manteve com

seus alunos, e com Ana em particular. A seguir passaremos a ver as respostas que Ana

deu aos questionários e entrevistas no decorrer de 2005 e 2006, e faremos uma análise

das mudanças em relação ao questionário aplicado no início de 2005.

“Este ano me surpreendi comigo mesma. De repente me vi bastante determinada e persistente

(...). Agora, (...) se não sei fazer algo, ai é que quero mesmo fazer. Procuro pesquisar em outros

lugares, nunca desistir” (Ana - novembro de 2005).

“Quando estou estudando insisto em superar minhas dificuldades” (Ana - fevereiro de 2006).

“Quando estou estudando e encontro dificuldades, procuro não desistir” (Ana - agosto de 2006).

Page 85: Winnicott e aprendizagem

85

Quando Ana diz não mais desistir com facilidade, ela demonstra que sua

capacidade em se manter na tarefa aumentou, mesmo em momentos difíceis. Se antes ela

costumava desistir com facilidade, agora ela já consegue enfrentar as tarefas através de

outra perspectiva. “Hoje vejo a física como um desafio, um obstáculo a ser ultrapassado

COM MUITO MÉRITO24” (Ana - agosto de 2006). Em 2004 Ana sequer acreditava que

aprender Física fosse algo possível para ela. De acordo com a teoria da

transicionalidade, esta mudança seria possível se, no decorrer do ano Ana “encontrasse”

e fizesse uso de objetos que a auxiliassem no enfrentamento das dificuldades relativas ao

aprendizado da Física.

Acreditamos que podemos identificar tais objetos em trechos das suas entrevistas,

e também nas respostas dadas aos questionários. Na última entrevista, por exemplo, ela

relatou que quando encontrava alguma dificuldade, e não conseguia resolvê-la com o uso

do livro e dos cadernos, ela parava a resolução e ia fazer outras coisas.

“(...) se a dificuldade persiste, páro o que estou fazendo e vou ver um pouco de televisão, ou vou

fazer os exercícios de outras matérias para depois voltar aos de Física” (Ana - agosto de 2006).

O fato de Ana dizer ir fazer outras coisas não relacionadas à Física, quando não

conseguia resolver certas tarefas, e depois voltar a elas, mostra um artifício usado para

enfrentar uma possível frustração por não conseguir resolver a tarefa numa primeira

tentativa. Ana parece ter a esperança de poder encontrar a solução posteriormente,

evitando assim parte da ansiedade que, no passado, agia no sentido de paralisar o

processo de aprendizagem, fazendo-a sentir-se incapaz. Agora ela confia na possibilidade

de se chegar a uma solução, parecendo estar tirando proveito da idéia colocada pelo

professor durante as conversas de que muitas vezes a solução de um problema demora a

aparecer, e que, portanto, é necessário ter a paciência de deixar o tempo agir a seu favor.

Provavelmente este artifício já deve ter se mostrado útil em certas ocasiões. Desta forma,

acreditamos que a esperança em se poder encontrar a solução para um problema, apesar

da falta de êxito nas tentativas iniciais, e de se poder contar com o tempo para isso,

acabou se constituindo num objeto transicional para Ana. Mostrando sua capacidade de

contar com o tempo, ela chegou a declarar em agosto de 2006: “(...) quem tem

dificuldades não é ‘de repente’ que vai entender tudo”.

24 Grifo da própria aluna.

Page 86: Winnicott e aprendizagem

86

Além disso, também podemos argumentar que Ana encontrou uma nova maneira

de encarar os erros decorrentes da realização das tarefas. Agora eles parecem fazer parte

do processo, não trazendo mais o sentimento de incapacidade, como era relatado

anteriormente.

No entanto, mesmo contando com o tempo, algumas vezes Ana não conseguia

encontrar as soluções para os problemas, apesar de suas várias tentativas. Para estes

casos ela relatou fazer uso de uma frase do professor para afastar o sentimento de

incapacidade, possível ameaça ao seu sentimento de EU-SOU.

“Se ainda assim não conseguir, lembro de uma frase sua [do professor]: ‘ver o professor fazendo

e entender, é uma coisa, outra é o aluno fazer sozinho’” (Ana - agosto de 2006).

A frase do professor trazia tranqüilidade por não fazê-la se sentir incapaz somente

pelo fato de não ter conseguido encontrar a solução que buscava. Ela anotava então a

dúvida e procurava depois o professor para esclarecê-la, mostrando estar lidando de

maneira natural com as dificuldades. Assim, podemos verificar aqui o uso de uma fala do

professor como objeto transicional.

Um outro fato que deve ser levado em conta, com relação ao aumento na

capacidade de Ana em se manter na tarefa, está também no uso de determinados

materiais que se mostravam úteis na realização das atividades propostas pelo professor, e

que, apesar de já terem sido por vezes usados no início do ano, não haviam ainda se

constituído em ferramentas importantes para Ana. Estamos aqui falando dos livros de

Física e do seu material pessoal. Como veremos a seguir, Ana mudou sua maneira de se

relacionar com eles, a ponto de poder usá-los também como objetos transicionais em

momentos de dificuldade.

4.2.c - Os materiais de apoio usados como objetos transicionais

Era comum também o professor salientar a importância do livro de Física como

apoio na superação das dificuldades, dizendo que ele poderia ser o “professor particular”

dos alunos, se estes soubessem usá-lo.

O material didático adotado pela escola de Ana era apostilado, e consistia em:

livro-texto (com a parte teórica da Física), caderno de exercícios (que deveriam ser

Page 87: Winnicott e aprendizagem

87

resolvidos em casa pelos alunos) e uma apostila de aula (com exercícios que deveriam

ser trabalhados pelo professor durante as aulas).

O professor sempre enfatizou a importância da leitura do livro-texto antes das

tentativas de se resolver os exercícios propostos no caderno de exercício. Como já vimos,

Ana começou a tentar seguir este conselho no final de 2004, quando se viu numa

situação delicada com relação a sua aprovação. No entanto, no início de 2005, apesar das

tentativas, Ana ainda relatou sentir muitas dificuldades para conseguir entender o que o

livro se propunha a explicar: “O livro-texto, nem adianta, eu não entendo, acho muito

complicado e me ‘enrolo’ toda”. “Uma das minhas maiores dificuldades quando estou

estudando é quando tenho alguma dúvida e olho no livro-texto; geralmente a dúvida

aumenta porque não entendo o que o livro tenta passar”.

Então, percebendo que o problema do uso do livro-texto ocorria também com

outros alunos, a partir do segundo semestre de 2005 o professor começou a aplicar em

algumas das suas aulas atividades em que a leitura do mesmo era pré-requisito para uma

posterior resolução de problemas. Nestas aulas, o professor procurava ajudar os alunos

que o requisitavam, quando estes sentiam dificuldades na leitura. Em uma delas o

professor pediu que Ana procurasse identificar suas dificuldades com relação ao livro,

que ela grifasse o que não compreendia, e que viesse depois esclarecer o que havia sido

grifado. Além disso, sempre que Ana se queixava do livro-texto o professor procurava

acalmá-la dizendo para ela continuar se esforçando que com o tempo ela iria aperfeiçoar

sua leitura, fazendo com que certas dificuldades diminuíssem.

Vale ressaltar que, na opinião do professor, o livro-texto realmente deixava a

desejar no que se referia à exposição de alguns conceitos, principalmente em

determinados capítulos, e que para ele, o importante para a autonomia dos alunos era que

eles tentassem usar algum livro, e que pudessem aos poucos ir se familiarizando com a

sua leitura. Por isso, uma outra sugestão geralmente dada era que os alunos tentassem

usar outros livros de Física existentes na biblioteca da escola sempre que não

entendessem os tópicos do livro-texto.

Certa vez o professor levou Ana à biblioteca para que juntos escolhessem um

outro livro de Física. Depois deste dia Ana passou, por vezes, a levar o livro escolhido

nas aulas, e a dizer que estava tendo uma maior compreensão da matéria através dele. De

fato, em agosto de 2006, já na terceira série do ensino médio, Ana confirmou que

somente começou a usar outros livros de Física quando já estava no segundo ano, o que

nos faz acreditar que as tentativas do professor em fazer dos livros um material de apoio

Page 88: Winnicott e aprendizagem

88

para Ana surtiram algum efeito. Os trechos selecionados a seguir apontam para uma

mudança na maneira como Ana passou a se relacionar com tais livros:

“ (...) estou tentando entender o livro-texto” (Ana - setembro de 2005).

“ (...) estou começando a entender o livro-texto” (Ana - outubro de 2005).

“Comecei a ler o livro-texto; eu não o entendia, mas agora estou melhorando” (Ana - novembro de

2005).

Em 2006 Ana confirmou que sua relação com os livros havia mudado em

definitivo:

“Aprendi a lidar com o livro-texto (...)” (Ana - fevereiro de 2006).

“Atualmente me dou bem melhor com o livro-texto, mas uso-o somente como apoio. Leio os seus

itens, mas não fico só nele, prefiro procurar em outros livros de Física” (Ana - agosto de 2006).

“(...) eu tinha dificuldades para entender os outros livros de Física quando comecei a estudar por

eles, afinal, quem tem dificuldades não ‘é de repente que vai entender tudo’. Mas sempre achei mais

fácil do que o livro adotado pela escola” (Ana - agosto de 2006).

“O meu livro passou de um ‘ser’ insuportável para um material de apoio” (Ana - agosto de 2006).

[Quando não consigo resolver alguns exercícios pego] “ meus livrinhos queridos, que tanto me

auxiliam” (Ana - agosto de 2006).

Apesar de ela relatar ainda sentir algumas dificuldades na interpretação dos textos

encontrados nos livros de Física, ela passou ao menos a percebê-los como possíveis

aliados no estudo da Física e, o que é mais importante, a fazer uso dos mesmos.

Acreditamos que a habilidade de se usar um livro de Física não seja algo que o

professor deva supor que seus alunos já tenham consolidada quando entram em contato

com a Física. Acreditamos também que a linguagem utilizada pelos livros, assim como

os exercícios propostos, têm influência determinante no tipo de relação que os estudantes

terão com os mesmos e, conseqüentemente, com a Física.

“Continuo não gostando dos exercícios de Física; uns são muito ‘bobos’, outros não entendo

Page 89: Winnicott e aprendizagem

89

nada” (Ana - agosto de 2006).

Assim, nos pareceu que o suporte dado pelo professor teve importância na

maneira como Ana passou a se relacionar com os livros de Física, e que estes se

constituíram, a partir do momento em que começaram a ajudar Ana nas dificuldades, em

objetos transicionais para ela.

Outro fato interessante está relacionado à maneira com que Ana passou a usar o

seu caderno e a encarar as aulas, depois que começou a fazer uso dos livros. Certa vez

Ana relatou: “(...) a partir do ano passado [2004] comecei a fazer minhas próprias

anotações enquanto o professor falava, ajudou. [Quando] comecei a ler a matéria antes

de ir para a aula, eu comecei a saber selecionar o que era importante para ser

anotado”. De acordo com Ana, a leitura antecipada do livro contribuiu para a melhoria

da qualidade das anotações que eram feitas em seu caderno, aumentando, portanto, sua

importância na hora dos estudos. Ana já dizia fazer uso destes materiais no início de

2005, no entanto, parece que com o passar do tempo este uso foi aperfeiçoado, fazendo

com que ela conseguisse tirar maior proveito deles. Segundo Winnicott, “a criança

adquire experiência brincando” (1982 - p.163). Além disso, o aperfeiçoamento no uso

do material de apoio pode ter contribuído também para que Ana melhorasse o

entendimento que tinha das aulas de Física.

“Agora entendo um pouco mais o que você fala [nas aulas]. Sim, eu nunca entendia o que você

explicava, mas agora entendo” (Ana - agosto de 2006).

4.2.d - Mudança no relacionamento com os colegas

Um outro fato que merece ser relatado, por indicar um amadurecimento de Ana

no decorrer do ensino médio, diz respeito à maneira com que ela se relacionava com os

colegas. No início de 2005 Ana não tinha o hábito de estudar ou tentar tirar suas dúvidas

com colegas. Ela dizia: “não peço ajuda para ninguém na hora de estudar Física;

atrapalha estudar com outra pessoa (...). Prefiro estudar sozinha”.

Em 2006, no entanto, Ana relatou buscar a ajuda dos colegas quando encontrava

dificuldades com as tarefas: “quando estou estudando e encontro dificuldades (...) tento

rever meu material, pesquisar outras fontes, perguntar a algum colega quando isso é

Page 90: Winnicott e aprendizagem

90

possível (...) [ou] tento achar algum exercício de sala parecido, que já foi resolvido pelo

professor”.

Sobre a mudança no relacionamento com os colegas Ana relatou: “nestes três

anos de ensino médio eu acho que melhorei meu relacionamento em geral, sempre fui

muito impaciente e intolerante, principalmente com as pessoas que não me identifico

muito. Aprendi como conviver em grupo, o que facilitou meu relacionamento para os

estudos” (agosto de 2006).

Segundo Winnicott, “(...) o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o

brincar conduz aos relacionamentos grupais (...)” (WINNICOTT, 1975 - p. 63). Assim,

o fato de Ana afirmar ter melhorado a maneira de se relacionar com os colegas pode ser

usado para comprovar que houve mesmo uma evolução na sua capacidade de brincar, e

conseqüentemente, na capacidade de fazer uso dos objetos transicionais.

4.2.e - Mudança na maneira de enfrentar as avaliações

Uma outra mudança constatada em 2005 estava relacionada à maneira como Ana

passou a enfrentar as avaliações formais. Em 2004, era comum Ana relatar que ficava

nervosa e insegura sempre que precisava fazer uma avaliação de Física, colocando por

vezes a responsabilidade das notas ruins neste nervosismo. Ela dizia ficar muito

desmotivada quando recebia tais notas.

O professor conversou várias vezes com Ana procurando passar a idéia de que o

fator emocional estava interferindo negativamente na calma e na tranqüilidade

necessárias para que ela se concentrasse nas questões que deveriam ser resolvidas numa

avaliação. O objetivo destas conversas era disponibilizar meios que pudessem ser usados

por ela para mudar a maneira de lidar com o nervosismo. Certa vez o professor comentou

com Ana: “em uma avaliação você simplesmente mostra uma parte do que aprendeu. Se

você estudou para aprender, não precisa se preocupar. Mesmo que a nota não seja a

esperada, você deve tentar melhorar o modo como estuda, e isso não dá pra se fazer no

momento da avaliação. Assim, na hora da prova o melhor é tentar deixar as

preocupações de lado e fazer o que você conseguir fazer. Porém, se você não estudou,

não vai ser na hora da prova que você vai aprender. Faça o que der, e comece a pensar

no que fazer para que isso não ocorra novamente na próxima avaliação. Além disso, a

nota da prova não é a única coisa que conta para uma aprovação”.

Page 91: Winnicott e aprendizagem

91

O professor lembrava que o peso das notas na média final era de 60%. E que por

isso elas não deveriam ser encaradas como sendo a única maneira de se obter a

pontuação necessária para a aprovação. Além disso, um aluno que mostrasse estar se

esforçando para aprender sempre poderia ter sua dedicação reconhecida pelos

professores em uma eventual decisão de aprovação no final do ano. O professor chegou a

garantir certa vez, na tentativa de tranqüilizar Ana, que se ela mantivesse o empenho e a

dedicação que estava demonstrando provavelmente não teria problemas no final do ano,

mesmo se ela não atingisse a pontuação necessária para a aprovação. A idéia destas

conversas era fazer com que Ana passasse a se preocupar mais com o aprender do que

com as notas das suas avaliações.

Ao final de 2004, Ana foi aprovada em Física, com notas abaixo das necessárias,

sendo recompensada pelos seus esforços e por ter alcançado a pontuação suficiente nas

outras disciplinas. Acreditamos que, além do apoio dado pelo professor, a constatação de

que as notas realmente não eram as únicas responsáveis pela sua aprovação ou

reprovação também contribuiu para que, em 2005, elas não a deixassem tão insegura e

nervosa como antes, propiciando talvez uma nova maneira de enfrentar as avaliações.

Em 2005 Ana relatou:

“Desta vez eu não estava tão nervosa (...)” (março de 2005).

“ (...) quanto à prova eu estava segura, sabia a matéria. Porém, não fui nada bem (...).” (junho de

2005).

“ (...) achei que estava segura para esta avaliação. Tinha conhecimento da matéria, e fiquei

bastante tranqüila” (agosto de 2005).

Se observarmos a tabela 1, notaremos que suas notas continuaram abaixo da

média em 2005, e que, apesar disso, Ana não mais relatou ficar nervosa antes ou durante

uma prova.

1º trim 2° trim 3° trim Avaliação

(nota máxima) 1ª

(3,0) 2ª

(3,0) 3ª

(3,0) 4ª

(3,0) 5ª

(2,0) 6ª

(2,0) 7ª

(2,0) Nota obtida

por Ana 1,7 1,0 0,15 2,5 0,4 0,45 0,80

( % ) 57 33 5 83 20 23 40 Média da classe (%) 70 63 48 75 39 65 50

Tabela 1 - Desempenho nas avaliações realizadas por Ana em 2005. O desempenho médio da aluna foi de 37%, enquanto a classe teve um desempenho médio de 59%.

Page 92: Winnicott e aprendizagem

92

Ela foi aprovada em 2005 novamente graças à obtenção de notas em outras

atividades25 propostas pelo professor, e graças ao seu empenho na tentativa de aprender,

o que mais uma vez pode ter contribuído para a crença de que as notas das provas tinham

realmente importância relativa, fazendo diminuir então sua ansiedade com relação a elas.

No ano seguinte, já na terceira série, Ana confirmou haver mudado a maneira

com que encarava as avaliações quando relatou:

“Desde o ano passado [2005] passei a encarar as provas como um exercício que vale nota e que

ali vou colocar o que aprendi” (agosto de 2006).

“Coloquei na minha cabeça que (...), nervosa ou não, terei de fazer a prova do mesmo jeito.

Ficando nervosa eu só me prejudico. Então, aos poucos comecei a me acalmar” (agosto de

2006).

“Atualmente me preocupo com as notas no sentido de eu precisar delas para passar de ano (...),

o que antes pra mim era o mais importante. Mas, hoje consigo ver que aprendi muito mais do

que coloquei na última prova” (agosto de 2006).

Ana parece ter encontrado outras maneiras de identificar avanços na

aprendizagem, além das notas obtidas nas avaliações, o que nos faz concordar com

Winnicott quando ele diz: “nada é mais enganador na avaliação dos métodos educativos

do que o simples êxito ou fracasso acadêmico” (WINNICOTT, 1982 - p.230). Além

disso, parece que a satisfação de Ana, que no início estaria na conquista de notas, foi

transferida para o processo de aprendizagem da Física. Manter-se no processo significava

poder contar com o olhar e a atenção do professor, e poder fazer uso deste olhar para

manter-se estruturada, livrando-se assim das ameaças de desintegração causadas pelas

dificuldades encontradas durante a resolução das tarefas, ou durante as avaliações.

4.3 - Conclusões sobre a análise de dados

Acreditamos que no decorrer do ensino médio Ana passou por estágios

semelhantes aos propostos por Winnicott para o amadurecimento, e que a teoria da

25 Participação nas atividades de aula, entrega de trabalhos livres, entrega de trabalhos de leitura e reflexão sobre artigos “científicos” e entrega das auto-avaliações.

Page 93: Winnicott e aprendizagem

93

transicionalidade pôde nos ajudar a compreender como se deu a passagem do estágio da

dependência absoluta para o da dependência relativa para com o professor.

Mostramos que na primeira série do ensino médio, em 2004, por apresentar certa

vulnerabilidade em relação ao ambiente de aprendizagem da Física, e por não saber

muito bem como proceder diante das dificuldades e angústias surgidas durante a

realização das tarefas, Ana se encontrava num estágio de dependência absoluta do

professor, sem que este soubesse disso. Ana acabou não recebendo, nos primeiros meses

de 2004, os cuidados de que necessitava e acabou desenvolvendo a crença na

impossibilidade de se aprender Física. As angústias advindas do processo de

aprendizagem representavam para ela uma ameaça de desintegração do seu sentimento

de EU-SOU, ainda não suficientemente fortalecido.

Na medida em que o professor e a professora particular deram a atenção que Ana

necessitava, aproveitando em parte sua preocupação com uma possível reprovação no

final de 2004, acabaram também realizando duas tarefas que foram importantes no

desenvolvimento da capacidade de Ana começar a brincar com o estudo da Física: a

apresentação de objetos e o estabelecimento de um ambiente favorável para que Ana

pudesse, com o tempo, encontrar e usar tais objetos. O papel da professora particular foi

ainda além. Ela foi capaz de brincar junto com Ana, no início, quando ela parecia não ter

ainda desenvolvido a capacidade de brincar sozinha.

O ambiente de segurança e confiança propiciado pelo professor foi importante

para que as ansiedades relativas a uma possível reprovação não se constituíssem em

obstáculos intransponíveis para Ana, e o apoio egóico dado contribuiu para a diminuição

das angústias relativas ao sentimento de incapacidade constantemente relatado pela

aluna, o que a deixou em condições de iniciar o desenvolvimento do brincar em Física.

Assim como o bebê precisa do olhar da mãe para se estruturar, Ana fez uso do olhar do

professor para fortalecer o seu sentimento de EU-SOU, sentimento este necessário para

dar prosseguimento ao desenvolvimento na direção de uma independência relativa.

Em decorrência das aulas particulares e dos cuidados oferecidos pelo professor,

vimos que Ana passou com o tempo a acreditar finalmente na possibilidade de se

aprender Física.

Quando o ano letivo começou, em 2005, o professor manteve a apresentação de

objetos e o apoio egóico dado a Ana, por sentir que ela ainda não demonstrava estar

segura da própria capacidade, apesar de já acreditar na possibilidade de aprender Física.

Porém, com o passar dos meses estes cuidados foram naturalmente diminuindo na

Page 94: Winnicott e aprendizagem

94

medida em que o professor ia percebendo que Ana melhorava sua maneira de lidar com

as dificuldades da Física. Em 2005 e em 2006 as aulas particulares não foram mais

necessárias, e Ana passou a confiar no seu potencial, e a acreditar que poderia dar

continuidade ao seu aprendizado sem uma ajuda profissional.

Cronologicamente os dados obtidos nos mostraram o seguinte: em 2004 Ana não

acreditava na possibilidade de se aprender Física; nos primeiros meses de 2005 ela

passou a relatar que aprender Física era possível, mas somente com a ajuda de um

profissional; no final de 2005, e mais intensamente em 2006, ela passou a relatar

acreditar que poderia aprender Física sem auxílio de cuidados externos especiais.

“Aprendi muito, agora me acho capaz de continuar meu aprendizado” (Ana - fevereiro de 2006).

Na medida em que Ana fortalecia sua crença na capacidade de aprender Física

sem a ajuda profissional, ela foi também deixando para trás o estágio da dependência

absoluta para começar a entrar numa fase de dependência relativa do professor.

Não se pode ao certo precisar quando um indivíduo passa da dependência

absoluta para a dependência relativa, uma vez que estes estágios podem se sobrepor.

Além disso, o processo não é linear, podendo apresentar momentos em que o indivíduo

parece oscilar entre ambos os estágios, como de fato ocorreu com Ana. No entanto,

acreditamos que esta passagem começou a ocorrer em meados de 2005, e veio a se

consolidar no ano seguinte, quando a aluna já estava na terceira série do ensino médio.

Chegamos a esta conclusão através dos relatos de Ana, que ao final de 2005 já

aparentava estar confiando bem mais em sua capacidade (sentimento de EU-SOU

fortalecido), além de mostrar também evolução no uso de objetos. Por conta disso, Ana

passou a enfrentar de maneira diferente as dificuldades e angústias relativas ao processo

de aprendizagem da Física, não deixando mais que certas dificuldades interferissem com

tanta freqüência de maneira negativa na sua motivação.

De maneira geral, os novos objetos usados por Ana para lidar com tais angústias

foram, na nossa interpretação, os seguintes: (A) os livros de Física; (B) as suas próprias

anotações de aula; (C) a crença na própria capacidade, quando ela acredita poder

encontrar a solução para os problemas, mesmo depois de não conseguir nas primeiras

tentativas; (D) e a confiança nas palavras do professor, principalmente nas que se

referiam ao processo de aprendizagem, quando ela se lembrava de frases ou das

Page 95: Winnicott e aprendizagem

95

conversas tidas com o professor para se tranqüilizar nos momentos de dificuldade. A

ordem dos objetos relatada acima não significa que um seja mais importante que o outro.

Assim, 2005 foi o ano em que a transicionalidade e o uso de objetos começaram

efetivamente a se desenvolverem, possibilitando que pequenas experiências de

integração fossem experimentadas por Ana, fazendo com que o seu sentimento de EU-

SOU pudesse ser fortalecido. Com este fortalecimento, o estudar passou a ter outro

sentido para Ana: não era somente algo necessário para se conquistar uma nota, e uma

futura aprovação, mas também algo que poderia contribuir para o seu crescimento

pessoal. Esta perspectiva contribuiu para que Ana não se desmotivasse com tanta

freqüência diante das dificuldades encontradas durante o estudo da Física, fazendo-a

entrar definitivamente, em 2006, na fase da dependência relativa, quando a aluna passou

a relatar com maior ênfase estar se relacionando de maneira diferente com os livros, com

as aulas, com as provas, com o seu professor e com os seus colegas, além de mostrar ter

solidificado a confiança na própria capacidade de aprender.

Atualmente, ao terminar a terceira série, parece-nos que Ana está perto da

independência relativa, e bem distante da dependência absoluta, o que pode ser

considerado uma conquista da aluna durante os anos do ensino médio. Acreditamos

também que, por tudo o que foi relatado, a atuação do professor contribuiu

significativamente para que Ana pudesse realizar tal conquista. Uma frase da aluna pode

ser usada para ilustrar esta atuação:

“Sinceramente, eu tinha muita vergonha de chegar pra você [professor] e falar que eu estudava,

mas não conseguia demonstrar nas prova; na minha cabeça um professor não me entenderia,

acharia que era conversa de aluno que gosta de ser ‘PUXA SACO’ (algo que não me encaixo).

Mas agora que te conheço sei que você acredita no meu esforço; tudo ficou mais fácil” (agosto

de 2006).

Segundo Winnicott, “alguns adolescentes sofrem muito, e não oferecer ajuda

pode ser crueldade. (...) É deles a tarefa de tolerar a interação de muitos fenômenos

disparatados - a sua própria imaturidade, suas próprias mudanças relativas à

puberdade, suas próprias idéias do que é vida e seus próprios ideais e aspirações;

acrescente-se a isso sua desilusão pessoal a respeito do mundo dos adultos, que lhes

parece essencialmente um mundo de compromissos, de falsos valores e de infinitas

digressões em relação ao tema central” (WINNICOTT, 1996 - p.20). Eles devem

Page 96: Winnicott e aprendizagem

96

aprender a lidar consigo mesmo e com o mundo. “À medida que os rapazes e moças

adolescentes deixam esse estágio, começam a se sentir reais, e adquirem um senso de

self e um senso de ser. Isso é saúde. A partir do ser, vem o fazer, mas não pode haver o

fazer antes do ser - eis a mensagem que os adolescentes nos enviam”. (WINNICOTT,

1996 - p.20).

Assim, “quanto mais observamos, tanto mais concluímos que se os professores e

alunos estão convivendo de um modo saudável encontram-se empenhados num sacrifício

mútuo de espontaneidade e independência, e isso é quase tão importante, como parte da

educação, quanto o ensino e aprendizagem dos assuntos programados” (WINNICOTT,

1982 - p.230).

Page 97: Winnicott e aprendizagem

97

CAPÍTULO 5

“ (...) à frente da excelência os

deuses imortais colocaram suor; o

caminho para a excelência é longo,

íngreme e áspero, de início.

Quando, porém, você chega ao topo,

torna-se fácil, embora duro”

Hesíodo, 700 a.C

Page 98: Winnicott e aprendizagem

98

5.1 - A teoria do amadurecimento de Winnicott e o aprendizado da Física

Winnicott enfatiza a importância do ambiente em prover o indivíduo, nas fases

iniciais do seu desenvolvimento emocional, da confiança e da segurança necessárias para

que este possa, com o passar do tempo, criar um mundo subjetivo, habitando-o, e

desenvolver algumas ilusões26 que contribuirão para o enfrentamento de situações em

que a realidade externa se mostrar fora do seu controle. Com esta segurança o indivíduo

poderá ausentar-se distraído com objetos transicionais, e usar a sua criatividade27 a favor

da superação das dificuldades decorrentes do contato com a realidade.

“ (...) nenhuma criança pode vir a tornar-se uma pessoa real, a não ser sob os cuidados de um

ambiente que dá sustentação e facilita os processos de amadurecimento” (DIAS, 2003 - p.96).

“Certamente poderá existir um ambiente prejudicial ou coisa semelhante, mas (desde que

tenhamos realizado um bom começo) as dificuldades que encontramos em defrontar tal ambiente

resultam, principalmente, da existência de conflitos essenciais dentro de nós (...)”

(WINNICOTT, 1982 - p.225-6).

Destacamos que, além da segurança no ambiente, o uso da criatividade por parte

do indivíduo no enfrentamento das situações de contato com a realidade externa também

é de fundamental importância na teoria do amadurecimento de Winnicott.

Acreditamos que esta fase inicial do desenvolvimento de um indivíduo pode

guardar semelhanças com a fase onde o aluno tem seus primeiros contatos com a Física

- em geral na 7ª ou 8ª série do ensino fundamental.

Um aluno poderá ter maiores chances de construir uma idéia favorável acerca do

próprio aprendizado se no início lhe forem dadas condições ambientais favoráveis,

principalmente com relação às tarefas que deve realizar e ao tratamento que recebe do

professor.

O relacionamento com o professor terá sua importância se estimular o

estabelecimento de um padrão para as relações que o aluno venha a desenvolver no

26 Esta ilusão age como um fator motivador, que ajudará o aluno a permanecer dentro do processo de aprendizagem mesmo quando este exigir o enfrentamento de dificuldades. Sem esta motivação o aluno tenderia a desistir mais facilmente de aprender. 27 Segundo DIAS (2003 - p.242), a criatividade relaciona-se à maneira pela qual o indivíduo permite à realidade aparecer, ou à maneira pela qual este recepciona os acontecimentos, ou seja, ao modo como o indivíduo olha algo ou realiza alguma coisa. Se este o faz de maneira criativa, o acontecimento ou a realização terá maior significado no conjunto de experiências do indivíduo.

Page 99: Winnicott e aprendizagem

99

futuro com a Física, e se facilitar o surgimento de uma “ilusão” acerca da real

possibilidade de aprendê-la, manipulá-la, e de se poder tirar algum proveito pessoal dessa

manipulação. Assim, iniciar o aluno na capacidade de se iludir, ou se motivar, e

conseqüentemente, abrir caminho ao aprendizado seria a tarefa essencial de um

professor, assim como esta seria também, de acordo com Winnicott, a tarefa essencial de

uma mãe suficientemente boa para com seu bebê.

Poderíamos, então, em analogia à idéia winnicottiana da mãe suficientemente boa,

utilizar a idéia do professor suficientemente bom como sendo aquele que possibilitasse

aos seus alunos um ambiente propício ao amadurecimento de cada um, esperando que

este ambiente também acabe facilitando o aprendizado da Física.

É importante lembrar que esta é somente uma analogia, e como tal, possui suas

limitações. Certamente a relação professor-aluno difere da relação mãe-bebê em vários

aspectos. Um deles, por exemplo, diz respeito à confiança, ou não, que o aluno deposita

no professor. A relação do bebê com a mãe é essencial e inevitável, uma vez que o

primeiro é totalmente dependente do segundo. O bebê não tem a opção de evitar o

relacionamento com a mãe, diferentemente do aluno que pode não ver no professor algo

que lhe falte, ou que seja do seu interesse também possuir. O professor suficientemente

bom acaba tendo, então, uma tarefa anterior, que a mãe suficientemente boa não possui,

que é conquistar e depois manter a confiança do aluno - estabelecer a transferência

pedagógica. Para dificultar a situação, todo e qualquer esforço do professor nunca poderá

garantir que esta relação de confiança venha a se estabelecer.

Porém, acreditamos que a transferência pedagógica, uma vez estabelecida, abrirá

caminho para que o professor possa atuar de maneira a disponibilizar um ambiente

favorável ao aprendizado e amadurecimento dos seus alunos, podendo assim ser

considerado um professor suficientemente bom.

Apesar das limitações desta analogia, é notável como podemos, muitas vezes,

emprestar idéias originalmente pensadas para a relação mãe-bebê e usá-las para a relação

professor-aluno. No próximo item tentaremos propor algumas características desejáveis

para o professor, que poderiam contribuir para a criação de um ambiente facilitador

dentro da sala de aula para a aprendizagem dos alunos. Vale destacar que todas as

referências precedidas do termo “adapt. de” foram adaptadas da relação mãe-bebê para a

relação professor-aluno.

Page 100: Winnicott e aprendizagem

100

5.2 - Algumas reflexões sobre o professor suficientemente bom

A compreensão, por parte do professor, do que acontece com um aluno parece

não ocorrer exclusivamente por via intelectual ou mental, mas exigir algum tipo de

proximidade professor-aluno semelhante à existente na relação mãe-bebê (adaptado de

DIAS, 2003 - p.155). É desta proximidade que surgirão as observações que darão ao

professor condições de tentar facilitar o processo de amadurecimento dos alunos,

principalmente se estas observações levarem em consideração

“ (...) tudo o que pode auxiliar o aluno a aprender melhor: suas aquisições, as quais condicionam

as tarefas que lhe podem ser propostas, assim como sua maneira de aprender e de raciocinar,

sua relação com o saber, suas angústias e bloqueios eventuais diante de certos tipos de tarefas, o

que faz sentido para ele e o mobiliza, seus interesses, seus projetos, sua auto-imagem como

sujeito mais ou menos capaz de aprender, seu ambiente escolar e familiar” (PERRENOUD,

2000 - p.49-50).

De fato, com estas observações fomos capazes de conhecer características de

alguns alunos que dificilmente seriam conhecidas pela iniciativa dos próprios alunos, e

estas observações foram importantes para o estabelecimento de uma relação professor-

aluno que pudesse trazer benefícios aos alunos.

“Esqueço as coisas com facilidade quando fico nervosa e só vou me lembrar quando começo a

ficar calma” (Fátima).

“Sempre achei que os meus métodos de estudo resolveriam, mas acabei percebendo que algumas

vezes não resolvem” (Bárbara).

“Quando eu não consigo [resolver as atividades], sinceramente, eu sinto muita raiva de mim

mesma, por não conseguir, e acabo pulando o exercício. Se eu perceber que na maioria dos

exercícios isso acontece, eu desisto de fazer. No dia seguinte, mais aliviada, procuro ajuda. Nem

sempre resolve o meu problema” (Cláudia).

Outro fator importante é que, para que se possa educar os alunos de modo que

estes vivam num mundo de fatos reais, permanecendo criativos, o professor deve ser

muitas vezes paciente, aquiescente e adaptativo (adapt. de DIAS, 2003 - p.142), de modo

Page 101: Winnicott e aprendizagem

101

a deixá-los experimentar a descoberta, para que possam usufruir dessa experiência como

algo pessoal. Além disso, é preciso que o professor acredite no fato de o aluno estar em

fase de amadurecimento ou, ao menos, poder entrar nela. Esta confiança inconsciente

permite que o professor esteja disponível para favorecer ou, ao menos, não dificultar os

movimentos dos alunos de entrada ou de envolvimento na aprendizagem. Por outro lado,

a confiança do professor implica também que não serão os seus cuidados ou o controle

da situação os responsáveis decisivos por fazer este processo ser bem ou mal sucedido.

Enfim, existem aspectos inconscientes que interferem no processo de aprendizagem,

tanto do lado do aluno quanto do professor.

Assim, como a aprendizagem não pode ser vista como uma atividade meramente

racional, conseqüentemente o ambiente também não poderá fazer o aluno crescer, nem

determinará o sentido do crescimento; quando favorável, o ambiente apenas poderá

fornecer as condições facilitadoras para o processo maturativo agir (adapt. de DIAS,

2003 - p.148). Da mesma forma, não há nenhuma regra estipulável que faça o professor

ter a certeza de que um aluno irá aprender o que ele tem para lhe ensinar. Ao contrário,

qualquer normatização das qualidades desejáveis para um professor suficientemente bom,

em analogia às qualidades de uma mãe suficientemente boa, teria como efeito a

destruição das mesmas (adapt. de DIAS, 2003 - p.149), pois as raízes delas estão no

inconsciente do professor e como tal não podem ser controladas a-priori.

“Jamais se pode estar certo de que aprendizagens estão ocorrendo. Entretanto, um professor

experiente, modesto e lúcido é capaz de detectar com uma certa precisão: [1] de um lado, os

alunos que têm chances pequenas de aprender, porque a tarefa exige demais, porque não se

envolvem, entediam-se, trabalham com uma lentidão desesperadora, copiam de seus colegas,

não dialogam com ninguém, não têm objetivos, fixam-se obsessivamente em detalhes ou se

agitam para aprender, na expectativa de que se passe a outro ponto; [2] de outro, os alunos que,

ao contrário, têm boas chances de aprender, porque se envolvem, interessam-se, expressam-se,

engajam-se na tarefa, cooperam, parecem divertir-se, não a abandonam ao primeiro pretexto,

fazem perguntas e questionam-se” (PERRENOUD, 2000 - p.50).

No entanto, apesar disso, poderíamos dizer que um professor suficientemente bom

seria aquele que fosse capaz de oferecer condições favoráveis ao aprendizado de seus

alunos, que se adaptasse a eles no intuito de proporcionar situações reais de aprendizado,

e que se desadaptasse na medida em que os alunos fossem adquirindo condições de

Page 102: Winnicott e aprendizagem

102

suportar sozinhos suas dificuldades. Um professor suficientemente bom seria aquele que

conseguisse, antes de tudo, estabelecer uma relação de confiança com seus alunos.

Com relação a esta confiança, ao longo da nossa pesquisa verificamos que para

alguns alunos ela pôde ser estabelecida, ao passo que para outros não. Então, vamos

aproveitar este momento para tentar enumerar algumas características de atuação do

professor que acreditamos terem contribuído para o surgimento e manutenção da

confiança depositada por certos alunos no professor.

� Manter a coerência entre discurso e prática;

� Mostrar-se disponível para conversar com os alunos sobre suas dificuldades,

ajudando-os sempre que possível;

� Explicitar opiniões e pontos de vista com relação a assuntos que muitas vezes

podem não estar diretamente relacionados aos conteúdos trabalhados em

aula, concordando ou discordando dos alunos quando necessário (tomando

posição diante das discussões, argumentando-as);

� Mostrar que gosta do que faz;

� Cumprir com as obrigações de um professor, e com as promessas

eventualmente feitas em sala de aula;

� Passar segurança naquilo que ensina;

Os trechos abaixo talvez corroborem esta confiança e a intenção do professor em

sempre procurar ajudar os seus alunos em suas dificuldades.

“ (...) queria parabenizá-lo pelo professor que é (sei que é um pouco estranho da minha parte

dizer isso, mas... me sinto muito orgulhosa do senhor). Nunca vi um professor que se preocupa

tanto com o aluno quanto o senhor, e uma prova disso foi quando o senhor quis conversar com a

Mônica. Vejo que ela melhorou muito após essa conversa” (Amanda).

“[O professor] me deu algumas dicas, elas com certeza fizeram com que eu melhorasse e foram

ótimas” (Vânia).

“O jeito do professor é muito ‘legal’, eu gosto muito da atenção que ele dá para todos” (Laura).

“Gostaria de agradecer a ajuda que você me deu nas atividades de classe (...) e aos exercícios

que, no meio da aula, com paciência você me explicou” (Nádia).

Page 103: Winnicott e aprendizagem

103

“ (...) reparei que o professor está sempre aberto para conversas e dúvidas principalmente com

quem tem mais dificuldades” (Raíssa).

“Eu tenho muito a agradecer pela dedicação que tem para me ajudar. Foi muito válido o e-mail

que me mandou nas férias com o planejamento, aqueles itens me ajudaram bastante” (Ana).

“Às vezes são questionamentos que não têm nenhuma relação com a matéria, mas mesmo assim

sinto necessidade de compartilhá-los com o professor, pois assim como eu, eu acho que ele

também quer entender o mundo” (Amanda).

“Realmente você [professor] tinha razão, as aulas à tarde me fizeram muito bem” (Joana).

“ (...) eu queria que me dissesse o que achou, e porque eu fui mal e não consegui fazer a prova se

fiz tudo que lhe disse ? Você viu em sala de aula que eu me esforcei...” (Vânia).

“Mas agora que te conheço sei que você acredita no meu esforço; tudo ficou mais fácil” (Ana).

Um professor suficientemente bom também seria aquele que se empenhasse em

facilitar o processo de amadurecimento do aluno - que pertence exclusivamente ao aluno

- atendendo inicialmente às necessidades deste, ao invés das suas próprias (adapt. de

DIAS, 2003 - p.133).

Certamente, isto requer um certo despojamento por parte do professor. Porém,

sendo maduro, o professor não ficará narcisicamente ferido ao enfrentar os inevitáveis

confrontos decorrentes da tarefa de ensinar, e saberá tolerar seu próprio ódio, sem negá-

lo para si mesmo, mas também sem manifestá-lo diretamente nos alunos; terá a

capacidade de se deixar ferir pelo aluno, e de odiá-lo, sem se vingar (adapt. de DIAS,

2003 - p.138).

“Os professores deverão, com o tempo, apropriar-se de (...) capacidades relacionais que

permitam enfrentar, sem se desestabilizar, nem desencorajar, resistências, medos, rejeições,

mecanismos de defesa, fenômenos de transferência, bloqueios, regressões e todo tipo de

mecanismos psíquicos no decorrer dos quais dimensões afetivas, cognitivas e relacionais

conjugam-se para impedir que aprendizagens decisivas comecem ou prossigam normalmente”

(PERRENOUD, 2000 - p.60-1).

Page 104: Winnicott e aprendizagem

104

De acordo com DAVIES (1982, p.115), o amadurecimento do bebê necessita do

apoio egóico contínuo da mãe sempre que houver uma pressão que possa trazer confusão

ou desintegração. Acreditamos que todo este apoio e atenção dados pelo professor são

imprescindíveis para determinados alunos.

“Deparar-se com o obstáculo é, em um primeiro momento, enfrentar o vazio, a ausência de

qualquer solução, até mesmo de qualquer pista ou método, sendo levado à impressão de que

jamais se conseguirá alcançar soluções” (PERRENOUD, 2000 - p.31).

Segundo a analogia que estamos fazendo entre a mãe suficientemente boa e o

professor suficientemente bom, concluímos que a melhor maneira de inibir um aluno a

estudar e, posteriormente, dificultar a aprendizagem da Física, seria empurrá-la para ele

sem lhe dar a menor chance de “encontrar/criar” alguns objetos (adapt. de DIAS, 2003 -

p.181) que facilitem a sua transição entre o estado inicial de dependência absoluta, onde

o professor ainda precisa se adaptar às suas necessidades, e o estado de dependência

relativa, onde esta adaptação vai gradativamente se desfazendo com o objetivo de levá-lo

a estabelecer relações com o mundo externo28. A relação do aluno com estes objetos será

a base para o posterior uso dos mesmos (adapt. de DIAS, 2003 - p.245), o que ajudará a

trazer alívio diante das dificuldades inerentes ao aprendizado da Física. Se é o meio, e

não o aluno, que repetidamente tem a iniciativa, este pode desenvolver uma série de

reações a estas invasões. Neste caso, o movimento do aluno acaba sendo experimentado

apenas como uma reação à invasão (adapt. de DIAS, 2003 - p.183) e, enquanto o aluno

está somente reagindo não terá chances de ser (adapt. de DIAS, 2003 - p.160). O ser

deve preceder o fazer.

No entanto, se o contato com a Física se der por iniciativa do aluno, ou seja, se o

gesto espontâneo partir do aluno, o fato de ele estar vivo, e a própria experiência, serão

sentidos como reais, e o acúmulo dessas experiências pessoais começará a integrar-se na

personalidade do mesmo. Daí a idéia do professor inicialmente permitir que o aluno

explore a Física a sua maneira, sem cobranças excessivas, para tentar impedir a invasão

da realidade externa no mundo subjetivo do aluno, e contribuir para que este tenha a

sensação de estar, de certa forma, criando aquilo que descobre. O amadurecimento

28 São as falhas nos cuidados do professor para com os alunos que podem impulsionar o uso da mente, se isso ocorrer na fase certa do amadurecimento destes (adapt. de DIAS, 2003 - p.229). Já os objetos transicionais exercerão a indispensável função de ampará-los, uma vez que servirão de substituto do professor que, gradativamente, se desadapta e desilude os alunos (adapt. de DIAS, 2003 - p.237).

Page 105: Winnicott e aprendizagem

105

promove a capacidade de criar mundos e transitar entre eles (adapt. de DIAS, 2003 -

p.238). Para isso, é preciso que a apresentação de objetos, por parte do professor, seja

feita de tal maneira que, ao mesmo tempo em que o aluno estabelece uma relação com

esses objetos, ele é mantido na ilusão de onipotência, ou seja, ele cria o que necessita

sem nenhuma consciência da ajuda que recebeu do professor. E o professor, por sua vez,

nunca deve perguntar se o objeto foi criado ou encontrado; essa ilusão deve ser

sustentada para que depois possa servir de referência ao aluno quando este começar a

enfrentar as dificuldades relativas ao aprendizado da Física (adapt. de DIAS, 2003 -

p.170-1). É errado pensar que o sentido de realidade de um aluno depende da insistência

do professor quanto à natureza externa das coisas do mundo (adapt. de DIAS, 2003 -

p.216). A ilusão e a esperança de que sempre existe algo no mundo externo capaz de dar

fim às agonias e ansiedades decorrentes das dificuldades que surgirão pela frente parece

ser algo essencial para um aluno manter-se no processo de aprender.

Quando um aluno tem determinada tarefa para ser realizada, e esta lhe traz

dificuldades, ou seja, ele não consegue ou não sabe como fazê-la, é comum o relato de

sentimentos de ódio, frustração e raiva. O aluno parece não saber nada sobre a

necessidade que o aflige, nem que tipo de ação seria eficaz para aplacá-la; não sabe nem

ao menos da existência de objetos, quanto mais se dado objeto é adequado ao tipo de

necessidade que o assola.

“Os alunos não dispõem, no início, dos meios da solução buscada, devido à existência do

obstáculo a transpor para chegar a ela. É a necessidade de resolver que leva o aluno a elaborar

ou a se apropriar coletivamente dos instrumentos intelectuais necessários à construção de uma

solução” (PERRENOUD, 2000 - p.43).

Verificamos esta realidade durante nossa pesquisa:

“Sinceramente, não sei mais o que fazer para aprender Física” (Bárbara).

“Eu nunca acho que estou preparada para uma avaliação, mesmo quando fico estudando por

horas para resolvê-la” (Fátima).

Usar um objeto é, igualmente, uma conquista, que só poderá realizar-se no seu

devido tempo.

Page 106: Winnicott e aprendizagem

106

“A construção de atitudes, de competências ou de conhecimentos fundamentais leva meses, até

mesmo anos” (PERRENOUD, 2000 - p.50).

No início, a ação exigida pelo impulso é só um gesto, não tem meta certa; não

incide sobre um objeto em particular (adapt. de DIAS, 2003 - p.176). E um objeto só será

bom para um aluno se for criado por ele (adapt. de DIAS, 2003 - p.181). Eis a

importância de um contato inicial favorável com a Física, um contato que permita a

criação, por parte do aluno, de tais objetos.

“A melhor dica [dada pelo professor] foi a de estudar usando o livro-texto pra ver se eu entendia

melhor. Foi a melhor coisa, me ajudou muito a entender Física” (Bárbara).

“As dicas de estudar um pouco todo dia e não ficar desesperada quando não conseguir fazer

algo me ajudaram muito” (Raíssa).

“Bom eu nunca usava o livro texto para estudar, porque achava desnecessário. Mas venho

tentando ler e agora quando tenho uma dificuldade em vez de deixar para tirar dúvida em sala

eu pego o livro, acho que isto está ajudando de certa maneira” (Vânia).

“Algo que reconheço como sendo um esforço foi aprender a ler o livro-texto” (Vânia)

Porém, para que esta tarefa tenha maiores chances de ser bem sucedida

acreditamos ser necessária a existência de material de apoio adequado. Parece-nos que os

livros didáticos normalmente utilizados nas escolas, em parte pelo aparente receio de

pecarem nas definições exatas dos conceitos apresentados, não possuem uma linguagem

capaz de fazer a maior parte dos alunos vê-los como possíveis aliados no aprendizado.

Além disso, experiências práticas bem conduzidas, onde os alunos possam experimentar

situações, mesmo que, de início, sem a necessidade de concluí-las de maneira formal, ou

de apresentar resultados conclusivos, poderia contribuir para que o primeiro contato com

a Física fosse feito através da criatividade, e não da submissão.

Para que o mundo subjetivo do aluno se mantenha vivo e este continue a criar os

objetos de que necessita, é preciso que alguém se dê ao trabalho de continuamente

apresentar amostras do mundo ao aluno, de forma compreensiva e adequada à capacidade

maturacional do momento, o que muitas vezes não é possível em nossas escolas.

Page 107: Winnicott e aprendizagem

107

“Se a escola quisesse criar e manter o desejo de saber e a decisão de aprender [dos alunos],

deveria diminuir consideravelmente seus programas, de maneira a integrar em um capítulo tudo

o que permita aos alunos dar-lhe sentido e ter vontade de se apropriar desse conhecimento”

(PERRENOUD, 2000 - p.69).

Uma insuficiente apresentação de objetos bloqueia o caminho do aluno na direção

de sentir-se real e de relacionar-se com o mundo real de objetos e fenômenos.

Há ambientes que simplesmente deixam o aluno largado aos seus próprios

recursos, e que não lhe fornecem material para a criação (adapt. de DIAS, 2003 - p.215).

“A instituição escolar coloca os professores de ensino fundamental e médio em uma posição

muito difícil: eles devem instruir, 25 a 35 horas por semana, 40 semanas por ano, durante 10 a

20 anos, crianças e depois adolescentes que, algumas vezes, nada pediram” (PERRENOUD,

2000 - p.67).

Parece-nos ser este o caso nas salas de aula onde o número de aluno excede ao da

capacidade do professor em dar a atenção que cada um deles possa necessitar.

“A maior parte dos alunos tem necessidade de ser reconhecida e valorizada como pessoa única.

Os alunos não querem ser um número em uma sala de aula que tem um número. É por isso que o

ensino eficaz é um trabalho de alto risco, que exige que as pessoas se envolvam sem abusar do

seu poder” (PERRENOUD, 2000 - p.151).

Assim, pode ser comum encontrarmos alunos acreditando que o professor vai

para a escola simplesmente para “passar” o conteúdo do dia, sem se preocupar com todos

os outros fatores envolvidos no processo de aprendizagem.

“Sempre achei que a maneira de estudar o aluno é quem tem de descobrir, por si só” (Cláudia).

Por fim, concordamos com PERRENOUD (2000 - p.61) quando ele diz que para

que o professor possa enfrentar todos estes desafios deverá “ter domínio teórico e prático

dos aspectos afetivos e relacionais da aprendizagem e possuir cultura psicanalítica

básica”.

Page 108: Winnicott e aprendizagem

108

5.3 - Recomendações ao professor

De maneira geral, poderíamos então sugerir cinco recomendações que, a nosso

ver, contribuiriam para o ensino da Física, e que serviriam para caracterizar um professor

suficientemente bom:

1°) O professor poderia tentar estabelecer e manter uma relação de confiança para com

seus alunos, sempre sabendo que nada pode ser feito para garantir o sucesso desta tarefa;

2°) O professor poderia tentar propiciar um ambiente estável no início do contato do

aluno com a Física, onde este possa explorá-la sem cobranças excessivas. O objetivo

seria permitir que o aluno tenha a sensação de estar, de certa forma, criando aquilo que

descobre, o que contribuiria para a crença na possibilidade de se aprender Física. Em

outras palavras, este ambiente estável poderia permitir a criação, por parte do aluno, de

um mundo subjetivo que esteja relacionado ao aprendizado da Física;

3°) Depois de algum tempo, o professor poderia introduzir, gradativamente, falhas nos

cuidados oferecidos ao aluno, para que este possa começar a “encontrar/criar” substitutos

para tais cuidados. Este início deve ficar por conta da percepção do professor do

momento em que seus alunos estariam preparados para lidar com estas falhas. Por conta

desta desadaptação, o aluno começaria a enfrentar pequenas frustrações, que não

deveriam exceder sua capacidade de tolerá-las, e seria estimulado a “encontrar/criar”

objetos que fossem capazes de diminuir as agonias e ansiedades decorrentes destas

falhas. Tais objetos, chamados por Winnicott de objetos transicionais, terão sua

importância na medida em que se mostrarem úteis na superação das dificuldades que

originaram tais ansiedades;

4°) Juntamente com a desadaptação às necessidades do aluno, o professor deveria

proceder a apresentação de objetos que pudessem ser “encontrados” pelo aluno no

decorrer das aulas, ou dos estudos, para que estes possam ajudá-lo na superação das suas

dificuldades. Pela presente dissertação poderíamos sugerir alguns possíveis objetos:

livros e textos que não excedam a capacidade de compreensão do aluno, frases do

professor que contribuam para o esclarecimento de como funciona o processo de

aprendizagem e que contribuam também para estimular o aluno em relação as suas

Page 109: Winnicott e aprendizagem

109

potencialidades. É bom destacar que ao professor cabe somente a tarefa de disponibilizar

tais objetos, e esperar que o aluno possa “encontrá-los/criá-los”, para depois poder fazer

uso destes, com o passar do tempo, em benefício próprio. O professor pode somente

disponibilizar as condições que contribuiriam para o eventual desenvolvimento de um

aluno, não podendo, portanto, realizar tal desenvolvimento para o aluno;

5°) Como o amadurecimento não ocorre ao mesmo tempo para todos os alunos de uma

mesma classe, o professor deveria estar sempre atento, na medida do possível, às

necessidades individuais de cada um, procurando entender cada fase do processo de

amadurecimento. Seria importante que professor e aluno construíssem ao longo dos anos

de convivência na escola uma relação saudável, onde ambos estivessem “empenhados

num sacrifício mútuo de espontaneidade e independência” (WINNICOTT, 1982 - p.230).

5.4 - Considerações finais

Apesar da existência de inúmeras áreas de pesquisa em Ensino, e do que já

conquistamos até hoje, parece que muito ainda deverá ser feito para que possamos

finalmente oferecer uma educação de qualidade à grande maioria dos brasileiros.

Felizmente, muitas pessoas trabalham hoje com este objetivo. No entanto, além dos

conhecimentos técnicos, que devem ser diversificados, devemos também conquistar os

meios pelos quais todas as boas intenções possam realmente chegar às escolas, o que

exigirá uma mudança de valores da sociedade. Hoje nossa sociedade, moldada pelo

capitalismo, está fortemente presa ao lucro e à competição, o que tem sido o motor para o

enriquecimento de poucos em detrimento da enorme maioria e seu empobrecimento.

Somos estimulados diariamente ao consumo sem consciência e estamos nas mãos de

“líderes” corruptos e gananciosos.

Porém, sabemos que a educação é um caminho eficaz para a diminuição gradual

das conseqüências maléficas desta maneira insustentável de viver; uma educação que

estimule a cooperação, a ética e a solidariedade entre as pessoas; uma educação que saiba

acolher as novas gerações e prepará-las para a construção de um mundo para todos, sem

demagogias baratas. O caminho é longo, sem dúvida, mas a ilusão da sua existência é o

que nos dá forças para continuar lutando por dias melhores.

Iniciamos esta dissertação explorando as conseqüências do trabalho em grupo

dentro da sala de aula por conta de uma característica da nossa realidade educacional -

Page 110: Winnicott e aprendizagem

110

salas abarrotadas de alunos. Porém, na medida em que percorríamos o trajeto que nos

trouxe até aqui fomos percebendo o quanto fatores estritamente pessoais eram capazes de

dificultar, ou mesmo inviabilizar o aprendizado da Física. Esta percepção foi tão forte

que decidimos, na metade do caminho, mudar o rumo das nossas observações para

investigar como tais fatores poderiam interferir na aprendizagem, e para explorar

também o papel do professor na superação, por parte do aluno, das dificuldades surgidas.

Constatamos que o ato de estudar Física traz consigo situações com as quais o

aluno pode não saber como lidar, e que estas situações são potencialmente capazes de

gerar sentimentos que acabam afastando o aluno da Física.

Lançando um olhar winnicottiano sobre a relação dos alunos com o próprio

aprendizado, concluímos que o enfrentamento das dificuldades e angústias surgidas da

iniciativa de se estudar Física depende do uso de objetos transicionais que possam fazer

destas angústias algo suportável. No entanto, o uso de tais objetos implica que estes

sejam antes “encontrados/criados” pelos alunos, o que pressupõe um trabalho que pode

ser feito pelo professor no sentido de disponibilizá-los em um ambiente que seja

favorável a este fim.

Em nossa pesquisa verificamos que a aluna Ana aprendeu a fazer uso de alguns

objetos que, no início das observações, não contribuíam para o enfrentamento das

dificuldades decorrentes do estudo da Física. Dentre estes objetos, podemos destacar o

uso do livro de Física, o uso das próprias anotações, a crença na própria capacidade de

aprender e a crença no processo de aprendizagem exposto pelo professor. Observamos

também que estas conquistas ocorreram de forma gradual durante todo o ensino médio, e

contaram com o apoio do professor para que pudessem se realizar, uma vez que foi ele

quem se preocupou em proporcionar a Ana um ambiente onde estes objetos pudessem

desempenhar a sua função.

Estas conclusões foram possíveis graças às informações obtidas dos diversos

questionários aplicados aos alunos e das inúmeras conversas informais ocorridas entre

janeiro de 2005 e agosto de 2006. Com elas notamos o quão valiosa e importante pode

ser a relação entre professor e aluno para o desenvolvimento e amadurecimento deste

último, e de como as posturas e os valores assumidos pelo professor são determinantes

para que o aluno possa, com o tempo, além de confiar no professor, perceber coerências

naquilo que ouve e vê dentro da sala de aula, principalmente com relação aos fatos que

dizem respeito ao próprio processo de aprendizagem.

Page 111: Winnicott e aprendizagem

111

No entanto, acreditamos que o apoio dado pelo professor somente poderá se

realizar se houver por parte deste a iniciativa e a vontade de ajudar seus alunos; de

conversar com eles para descobrir quais são suas esperanças, seus medos e suas

dificuldades. Sem esta relação próxima, muitas vezes dificultada pela maneira como a

educação é aplicada na maioria das escolas brasileiras, o professor não terá subsídios que

o ajudem a contribuir para o amadurecimento dos seus alunos. Além disso, concluímos

também que deve existir, por parte do professor, a capacidade de, muitas vezes, saber

esperar o tempo agir a favor do amadurecimento de certos alunos, uma vez que este

amadurecimento é um processo que depende de inúmeros outros fatores que fogem da

competência docente.

Temos a consciência de que, por conta da carga excessiva de trabalho imposta aos

professores, esta dedicação acaba se tornando, na maioria das vezes, de difícil realização.

Mas, esperamos que este trabalho possa ao menos contribuir para uma reflexão sobre

como a educação poderia ser, e para a constatação de que, apesar das suas humanas

limitações, os professores são peças importantes e nunca substituíveis dentro do processo

educacional. Principalmente se desejarmos uma sociedade diferente desta que possuímos

hoje.

Page 112: Winnicott e aprendizagem

112

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABADI, S. Transições: O modelo terapêutico de D.W. Winnicott. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

DAVIES, M. & WALLBRIDGE, D. Limite e espaço: uma introdução à obra de D.W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago, 1982.

DIAS, E. O. A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago, 2003.

ERICKSON, F. Qualitative methods in research on teaching. In: Wittrock, M. C. (Ed.) Handbook of research on teaching (3ª edição). Nova York: Macmillan Publishing Co., 1986.

FERNANDES, L.M. & VILLANI, A. O “brincar” de Winnicott e a resolução de problemas em Física. Atas do 5o. Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, Bauru: ABRAPEC, 2006.

MOREIRA, M. A., Pesquisa em Ensino: O Vê Epistemológico de Gowin, Temas Básicos de Educação e Ensino, São Paulo: Ed. EPU, 1990.

NEWMAN, A. As idéias de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2003.

PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

PICHON RIVIÈRE, E. O Processo Grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1982.

SILLAMY, N. Dicionário de Psicologia Larousse. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.

WINNICOTT, D. W. A criança e o seu mundo. 6ª edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.

WINNICOTT, D. W. Explorações Psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.

WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

WINNICOTT, D. W. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

WINNICOTT, D. W. Os Bebês e Suas Mães. São Paulo: Martins Fontes, 2002. A - OUTRAS REFERÊNCIAS A.1 - Obras citadas

BALLONE, G. J. Dicionário de Psiquiatria PsiqWeb <http://www.psiqweb.med.br/gloss/>

BARROS, M. A. Análise de experiências didáticas com grupos de aprendizagem em Física. Tese de doutorado, USP, 2002.

BLEGER, J. Psicologia da conduta. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.

Page 113: Winnicott e aprendizagem

113

BLEGER, J. Grupos operativos no ensino. In: Temas de psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

CIAMPONE, M. H. T. Grupo Operativo: construindo as bases para o ensino e a prática na enfermagem. Tese (Livre-Docência) - Escola de Enfermagem. Universidade de São Paulo. São Paulo, 1998.

A.2 - Obras consultadas

BAUMAN, Z. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.

BION, W.R. Experiências com grupos: os fundamentos da psicoterapia de grupos. Rio de Janeiro: Imago Editora; Editora Universidade de São Paulo, São Paulo, 1975.

COSTA, R. Z. V. A "participação" dos estudantes num laboratório didático de Física. São Paulo: USP, 1997. Dissertação de Mestrado.

FERREIRA, D.B. (2004) Contribuições da Psicanálise para uma Metodologia de Pesquisa em Educação em Ciências. Ainda não publicado.

FRANZONI, M. Os pontos de ressonância entre os convites docentes e a construção de saberes na formação inicial de professores. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação da USP, 2004.

KUPFER, M. C. Freud e a educação: O mestre do impossível. São Paulo: Scipione, 1992.

LAPLANCHE, J. ; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

SANCHEZ, R., U., Grupos Operativos de aprendizagem: uma perspectiva de mudança para a relação ensino–aprendizagem. Tese de Mestrado, IFUSP, 2002.

TAPIA, J. A. Motivação e aprendizagem no ensino médio. In: César Coll (org) Psicologia da Aprendizagem no Ensino Médio. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.

VILLANI, A. (1999) O professor de ciências é como um analista? - Ensaio - Pesquisa em Ensino de Ciências 1(1), pp. 5-28

WINNICOTT, D. W. Privação e Delinqüência. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

WINNICOTT, D. W. Textos Selecionados da Pediatria à Psicanálise. 3ª edição. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.

WINNICOTT, D. W. Estabelecimento da relação com a realidade externa, in: Natureza Humana. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1990.

Page 114: Winnicott e aprendizagem

114

APÊNDICES

Anexo 1

QUESTIONÁRIO 1 (aplicado em fevereiro e novembro de 2005)

1 - Fale um pouco sobre as coisas que você mais gosta de fazer; aquelas que mais te dão

prazer.

2 - Existe algo que você, na sua opinião, saiba fazer bem? Fale um pouco sobre ela.

3 - Escreva como costuma ser o seu dia-a-dia depois que você sai da escola e aos finais

de semana.

4 - Quais disciplinas você gosta de estudar? Quantas vezes, e quantas horas, na semana

você dedica a cada uma delas?

5 - Como você avalia o seu desempenho em Física no ano passado? O que levou você a

ter o desempenho que teve?

6 - Quantas vezes por semana, e por quantas horas, você costuma pegar os livros e os

cadernos para estudar Física?

7 - Explique o que você costuma fazer para estudar Física (quanto mais detalhes você

puder relatar, melhor).

8 - Você acha o seu método de estudo eficiente? Por quê?

9 - Você acha que pode melhorá-lo? Dê algumas idéias de como você pode aperfeiçoar

seu método de estudo.

10 - Como você se sente quando está estudando e não consegue resolver algum problema

de Física? O que você costuma fazer nesta hora?

11 - Alguém o ajuda na hora de estudar ou tirar as dúvidas sobre Física? Quem?

12 - Você tem o hábito de tirar suas dúvidas com o professor? Por quê?

13 - Você já conversou alguma vez com o seu professor sobre a maneira como você

estuda? (Se você responder que não, explique o motivo. Se você responder que sim,

responda também a questão 14)

14 - Se você já conversou, ele lhe deu algumas dicas? Você pensou sobre elas? Elas o

ajudaram?

Page 115: Winnicott e aprendizagem

115

15 - Na sua opinião, quais as suas maiores dificuldades quando você está estudando

Física?

16 - Fale um pouco do seu esforço para aprender Física (e de quanto você se empenha

para isso).

17 - Quais foram, na sua opinião, os grandes responsáveis pela sua melhora, ou piora, no

desempenho em Física do ano passado (pessoas, atitudes, ações...) ?

Anexo 2

QUESTIONÁRIO 2 (aplicado em janeiro de 2006)

1 - Você gosta de estudar Física ? (e outras matérias ?)

2 - Se eu lhe fizesse a pergunta 1 no início do ano passado (2005), o que você

responderia ?

3 - O que você acha que acontece com você na hora de estudar Física ?

a) Na maioria das vezes você sente muitas dificuldades, o que acaba não

permitindo que você aprenda a maioria dos tópicos de Física;

b) Você sente muitas dificuldades, mas na maioria das vezes acaba aprendendo;

c) Só às vezes você sente dificuldades, mas na maioria das vezes acaba

aprendendo;

d) Você não sente dificuldades em aprender Física.

4 - Quando você sente alguma dificuldade na hora de estudar Física, ou resolver algum

problema, o quanto você costuma insistir (muito ou pouco), antes de desistir, para tentar

resolver essa dificuldade ou problema ?

5 - Como você acha que responderia a pergunta 4 se ela fosse feita no início do ano

passado (2005) ?

6 - Hoje você costuma ler o livro-texto para estudar Física ?

7 - Você já tinha o hábito de ler o livro-texto para estudar Física quando ainda estava na

1ª série ?

8 - Escolha entre as alternativas abaixo aquela que você acha em que mais se enquadra

hoje:

a) somente estudo Física quando tem prova, e sinto dificuldades para entender os

conteúdos;

Page 116: Winnicott e aprendizagem

116

b) somente estudo Física quando tem prova, e até que não sinto muitas

dificuldades para entender os conteúdos;

c) eu estudo Física pelo menos uma vez por semana, mas mesmo assim sinto

dificuldades. Normalmente desisto logo quando não entendo alguma coisa ou não

consigo resolver algo de Física;

d) eu estudo Física pelo menos uma vez por semana, mas mesmo assim sinto

dificuldades. No entanto, não desisto com facilidade quando não entendo alguma

coisa ou não consigo resolver algo de Física;

e) eu estudo Física pelo menos uma vez por semana e não sinto tantas

dificuldades, por isso nem preciso me dedicar muito aos estudos dessa matéria;

f) eu estudo Física pelo menos uma vez por semana e não sinto tantas

dificuldades. No entanto, mesmo não tendo dificuldades me dedico muito aos

estudos dessa matéria.

9 - Escolha entre as alternativas abaixo à qual você acha mais se enquadrava no início do

ano passado (2005):

a) somente estudava Física quando tinha prova, e sentia dificuldades para

entender os conteúdos;

b) somente estudava Física quando tinha prova, e até que não sentia muitas

dificuldades para entender os conteúdos;

c) eu estudava Física pelo menos uma vez por semana, mas mesmo assim sentia

dificuldades. Normalmente desistia logo quando não entendia alguma coisa ou

não conseguia resolver algo de Física;

d) eu estudava Física pelo menos uma vez por semana, mas mesmo assim sentia

dificuldades. No entanto, não desistia com facilidade quando não entendia alguma

coisa ou não conseguia resolver algo de Física;

e) eu estudava Física pelo menos uma vez por semana e não sentia tantas

dificuldades, por isso nem precisava me dedicar muito aos estudos dessa matéria;

f) eu estudava Física pelo menos uma vez por semana e não sentia tantas

dificuldades. No entanto, mesmo não tendo dificuldades me dedicava muito aos

estudos dessa matéria.

Page 117: Winnicott e aprendizagem

117

Anexo 3

QUESTIONÁRIO 3 (aplicado em maio de 2006)

1 - Com sinceridade, qual seria o motivo que o leva a estudar Física algumas vezes na

semana ou no mês: aprender coisas novas ou somente obter um desempenho satisfatório

nas avaliações ?

2 - Normalmente quais são os tipos de dificuldades que você costuma encontrar quando

resolve estudar Física ?

3 - Por quais motivos você acha que as dificuldades relatadas acima costumam aparecer

?

4 - Essas dificuldades costumam atrapalhar muito os seus estudos, ou na grande maioria

das vezes você consegue lidar com elas ?

5 - Você percebe que essas dificuldades, quando aparecem, causam em você algum tipo

de sentimento ? O que você costuma fazer nessa hora ?

6 - Normalmente como você costuma tentar resolver as suas dificuldades relativas ao

estudo da Física ? (o que você costuma fazer para superá-las ?)

Anexo 4

QUESTIONÁRIO 4 (aplicado em agosto de 2006 somente para a aluna Ana)

1 - Você havia dito que no 1° ano não costumava usar o livro-texto. Depois, acho que no

começo do 2° ano, começou a usar, mas ainda assim achava complicado. Depois você me

disse que estava melhorando sua relação com o tal livro. Como você também disse que

costuma usar outros livros de Física, gostaria de saber o seguinte:

- qual a sua relação com o livro-texto hoje ? Você continua achando muito complicado

ou as coisas melhoraram um pouco ?

- você prefere, na maioria das vezes, usar outros livros de Física ?

- desde quando você começou a usar outros livros ?

- no início também era difícil de você entender esses outros livros ou desde o começo

sempre foi mais fácil do que o livro-texto (aquele apostilado) ?

2 - Você consegue explicar por que não gosta de Física ? Você lembra desde quando não

gosta ?

Page 118: Winnicott e aprendizagem

118

3 - A que você se apega nos momentos de “desespero” quando está estudando e

enfrentando dificuldades ? O que a faz sentir mais aliviada e capaz de não deixar a

“peteca” cair nessa hora ?

4 - Como eram as aulas particulares ? A professora te ajudava com exercícios somente

ou também dava dicas de como estudar ? Quais foram essas dicas ? Ela lia o livro junto

com você ? Como você acha que ela a ajudou ? O que ela fez que a ajudou ? (já que

você disse que as aulas particulares a ajudaram muito)

5 - O que você achou de fazer os trabalhos de leitura (aquele dos artigos de jornais ou

revistas) ?

6 - O que você achou de fazer as auto-avaliações ?

7 - Hoje, qual é o valor que as notas das provas tem para você no sentido de apontar o

quanto você está aprendendo ? No 1° e no 2° ano você dava mais ou menos valor a elas

do que hoje ? Ou era a mesma coisa ? Você acha que antes, quando tirava uma nota ruim,

você ficava mais desmotivada do que hoje ou não ?

8 - Você saberia responder por que você não fica mais tão nervosa antes e durante as

avaliações ?

9 - Você acha que mudou, nestes anos, sua maneira de se relacionar com os colegas no

que se refere aos estudos ? Por quê ? Quem foi o responsável por essa mudança ?

10 - Você acha que mudou, nestes anos, sua maneira de se relacionar com Física ? Por

quê ? Quem foi o responsável por essa mudança ?

11 - Você acha que mudou, nestes anos, sua maneira de se relacionar com as provas ?

Por quê ? Quem foi o responsável por essa mudança ?

12 - Você acha que mudou, nestes anos, sua maneira de se relacionar com o livro ? Por

quê ? Quem foi o responsável por essa mudança ?

13 - Você acha que mudou, nestes anos, sua maneira de se relacionar com seu caderno e

suas anotações ? Por quê ? Quem foi o responsável por essa mudança ?

14 - Você acha que mudou, nestes anos, sua maneira de se relacionar com o professor ?

Por quê ? Quem foi o responsável por essa mudança ?

15 - Você acha que mudou, nestes anos, sua maneira de se relacionar com as aulas ? Por

quê ? Quem foi o responsável por essa mudança ?

16 - Você acha que mudou, nestes anos, sua maneira de se relacionar com os exercícios e

tarefas de Física ? Por quê ? Quem foi o responsável por essa mudança ?

17 - Desde quando você começou a estudar Física com freqüência ?

Page 119: Winnicott e aprendizagem

119

18 - Você estuda esperando que as questões da prova sejam as mesmas das tarefas ?

Você fazia isso nos anos anteriores ?

Anexo 5

Atividade de leitura, interpretação e reflexão (Tema central: Ciência e Tecnologia)

Você deverá entregar, no mês de fevereiro, e na primeira aula dos meses maio e

setembro, um artigo retirado de jornal, revista ou internet, que de alguma forma esteja

relacionado ao assunto "Ciência e Tecnologia" (…procure não selecionar artigos muito

grandes ou muito pequenos !!). Leia o artigo várias vezes, com atenção (quanto mais

você ler, mais fácil será para entender as idéias contidas nele), e escreva um texto que

contenha a sua opinião sobre o que você leu (não é para resumir o artigo e nem ficar

escrevendo o que você leu. Isto não seria dar a sua opinião).

Atenção: os artigos devem ter sido publicados nos dois meses anteriores ao da entrega

do trabalho. Então, o trabalho de maio deverá ser feito com um artigo publicado em

março ou abril, e o trabalho de setembro deverá ser feito com um artigo publicado em

julho ou agosto. Já o trabalho de fevereiro poderá ser feito com um texto publicado em

janeiro ou fevereiro.

Como deverá ser o seu texto e a entrega:

- Entregar o artigo (ou um xerox dele) e o texto que você escreveu na primeira

aula dos meses de maio e setembro. O trabalho de fevereiro poderá ser

entregue até a última aula de Física do mês. Os trabalhos entregues fora destas

datas perderão até 50% da nota obtida.

- O texto que você escrever deverá ter no mínimo 15 linhas e ser digitado usando-

se fonte Times New Roman de tamanho 12.

- Não colocar capa no trabalho. Você deverá entregar somente o seu texto,

grampeado ao artigo (o texto que você escreveu deverá estar na frente do artigo).

- Trabalhos sem grampear não serão recolhidos (e ninguém poderá sair da classe na

hora da aula para grampear trabalhos).

Page 120: Winnicott e aprendizagem

120

- Todos os trabalhos que não sigam algumas destas determinações, ou que estejam

com algum problema, não receberão nota. Eles serão devolvidos para que sejam

refeitos. A nota só será dada quando o trabalho estiver totalmente finalizado.

- Colocar e preencher o seguinte cabeçalho no início da folha que você for

escrever o seu texto:

Nome: nº Série:

Título do artigo:

Fonte e data da publicação:

Mês da entrega:

Anexo 6

Recomendações para a auto-avaliação

Ela deve ser feita de modo que você faça uma reflexão sobre como foi sua dedicação e

desempenho na última avaliação. Por exemplo, você pode responder perguntas do tipo:

a) Como foi a sua dedicação ao estudo da Física para esta avaliação ? (quanto tempo

estudou por semana, quantas vezes ? ... ou somente estudou na véspera da avaliação ?)

b) Você tem lido o livro-texto ? Tem consultado outros livros ?

c) Você tem feito as tarefas para casa ? Tem conseguido acertar ? Se não acerta, tem

procurado tirar as dúvidas com alguém ? Procura fazer novamente depois ?

d) Você achou que estava preparado(a) para realizar a avaliação ? Mudou de idéia depois

de ver a prova ?

e) Caso ainda não esteja bom, você acha que pode melhorar ? Você está disposto(a) a

trabalhar para isso, reservando algumas horas a mais na semana para estudar ? Já tem

alguma estratégia para mudar o que você acha não estar bom ?

... entre outras reflexões que você ache interessante fazer. Sinceramente, para mim,

quanto mais você escrever, melhor será.