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XII Seminário Nacional TCMSP
Educação Ambiental
Mudança de Cultura
Período: 26 a 28 de novembro de 2007
Dia: 27/11/2007
Palestrante: Miriam Duailibi
Jornalista Especialista em Educação Ambiental e
Professora convidada da FGV de São Paulo e da FESP
(Funcação da Escola de Sociologia e Política de São
Paulo
Tema: Educação Ambiental no Mundo
O Sr. Mestre-de-cerimônias – Bem, senhoras e senhores, o
Tribunal de Contas recebe, nesse momento, a jornalista Miriam
Duailibi, ela que tem formação em jornalismo pela Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Tem sua atuação
profissional como Professora convidada da Fundação Getúlio Vargas
de São Paulo e da Fundação da Escola de Sociologia e Política de
São Paulo, onde ministra o curso de Educação para a
Sustentabilidade. Ela é parceira, no Brasil, do Center of
Ecoliteracy de Berkeley, Califórnia, criado e presidido por Fritjof
Capra. É coordenadora geral do Instituto ECOAR para a Cidadania, da
Associação ECOAR Florestal e do Centro ECOAR de Educação para a
Sustentabilidade, onde criou, implementou e coordenou vários
projetos, entre outros, geração de trabalho e renda, com base em
sua experiência como Presidente do Banco da Mulher, elaborou e
ministra cursos onde o público-alvo aprende a transformar
habilidades em atividades produtivas, a montar um pequeno negócio
capaz de gerar renda para si e sua família em ambiente urbano.
Também, o Projeto Fomento à Cultura de Responsabilidade Social e
Sustentabilidade do Cenpes, projeto realizado junto ao Centro de
Pesquisa da Petrobrás, no Rio de Janeiro. Também, o Projeto De Olho
no Ambiente, projeto de construção de 81 Agendas 21, unitárias, no
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Estado de São Paulo, realizado em parceria com a Petrobrás. Também,
mais um projeto, que é o Bacias Irmãs, projeto realizado em
parceria com a Universidade de York, no Canadá, e a Universidade de
São Paulo, com vistas a formular novos métodos para a capacitação
da sociedade civil e para a participação qualificada na gestão dos
recursos hídricos, a sub-bacias do rio Pirajuçara, em São Paulo, do
rio Piracica-Mirim, em Piracicaba, e do River Creek, em Toronto –
Canadá, constituem-se no lócus do projeto.
Também participa de diversas redes de ONGs, onde se
destacam: Associação Brasileira de ONGs, o Conselho Estadual do
Meio Ambiente, o Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Fórum
Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais, a Rede Brasileira de
Educação Ambiental, a Rede Paulista de Educação Ambiental,
Observatório do Clima, o Fórum Brasileiro de ONGs, a Rede de
Tecnologia Social, o Centro de Saber Ambiental da Bacia do Prata.
Participa ainda, também, como coordenadora nacional da
CIVES, Associação Brasileira de Empresários e Profissionais
Liberais pela Cidadania, é membro do Conselho da Central de Crédito
Solidário do Município de São Paulo, Diretora do Instituto Agora em
Defesa do Eleitor e da Democracia.
Além de participar diversas ONGs, também tem diversas
publicações como destacamos. Os livros: Cadernos de Educação
Ambiental, Negócio de Mulher - capacitação em gênero e geração de
trabalho e renda, Um sonho de Energia com a participação do
professor Gilberto de Palma e professor José Domingos Vasconcelos.
Também fez diversas publicações sobre alfabetização ecológica; a
educação das crianças para um mundo sustentável; educação ambiental
para corredores de biodiversidade; e o Parque Estadual do Pedroso –
Belezas e tensões e o Instituto ECOAR para Cidadania.
Vejam, senhoras e senhores, que é um currículo muito
extenso, o da Doutora Miriam Duailibi, e o Tribunal de Contas,
nesse momento, tem a honra de recebê-la neste Seminário.
A Sra. Miriam Duailibi – Bom dia a todos e todas. Muito
obrigada ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo pelo
convite, obrigada a todos vocês por terem vindo.
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Vocês deram um olhada, pelo currículo, de quanta coisa
nós participamos, então, vocês podem imaginar o tanta de trabalho
que nós temos. Isso é um pouco a missão de todos nós, educadores e
educadoras nesse país. Minha primeira formação é em jornalismo,
mas, toda a minha trajetória tem sido nessa área cidadã, da
educação para a cidadania, da educação ambiental e, agora, nós
estamos falando muito em educação ambiental para a sociedade
sustentável.
Eu vou contar um pouco dessa história, dessa evolução da
questão da educação ambiental propriamente dita, como é que nós,
como é que o mundo, e o meu tema é educação ambiental no mundo,
então, eu vou começar mostrando para vocês como houve essa evolução
de um modelo excludente, predatório, que nunca levou em conta a
questão ambiental, para este modelo de hoje, em que a educação
ambiental só já não basta, que é preciso nós imprimirmos mais um
objetivo a ela, que não é um objetivo, é uma missão, que é o da
educação ambiental para a construção da sustentabilidade.
Então, eu queria dizer a vocês que a primeira surpresa
que nós temos quando paramos para pensar no que estamos falando,
quando falamos em ambientalismo, quando falamos em educação
ambiental, é saber que é tudo muito recente. Embora haja, e sempre
tem havido, desde a década de 30, 40, 50, existem registros até em
1800 de algumas pessoas, alguns cientistas, algumas pequenas
organizações já falando em ambientalismo, já falando em uma visão
ambiental no planeta, mas, na realidade, isto sempre estava
reduzido a pequenos grupos e com ações muito pontuais. A humanidade
só começou a se preocupar, realmente, com as questões ambientais,
percebendo e entendendo que elas eram globais, e que, portanto, as
soluções ultrapassavam e muito as fronteiras de um país, por volta
da década de 60. Na década de 60 começa a surgir uma nova
consciência no mundo, e essa nova consciência é fruto,
especialmente, das descobertas da ciência da década de 50, mais
especificamente da física atômica e subatômica, que vem trazer uma
série de mudanças na visão cartesiana e newtoniana que nós
tínhamos, e que todos nós, ainda, estamos impregnados por essa
visão cartesiana e newtoniana de mundo, e construímos todo o nosso
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modelo civilizatório dessa forma absolutamente fragmentada. Então,
as descobertas da ciência da década de 50, que começam a se
refletir e a se tornar mais conhecidas na década de 60, ajudam a
fazer, a sedimentar uma nova maneira de ver o mundo, que é
acrescida da força dos movimentos sociais que eclodem em toda a sua
magnitude na década de 60. É nessa época que vem o movimento mais
forte do ambientalismo, o movimento da liberação feminina, o
movimento dos direitos humanos, o movimento pelos direitos dos
negros, os movimentos pelos direitos do consumidor. Parece que toda
uma nova cultura, que hoje nós chamamos de contra-cultura, estava
sendo gestada na década de 60.
Todo esse caldo, aliado aos problemas ambientais que
começam a se tornar muito explícitos, muito nítidos, e que ninguém
mais consegue ignorar, faz com que essa década comece a mudar a
história, também, sobre o ponto de vista ambiental. É a primeira
vez, nessa década, que Governos e empresários começam a perceber
que precisam tomar atitudes conjuntas para enfrentar os problemas
que não mais se circunscrevem a um Município, ou a um bairro, ou a
um país, mas sim a todo o planeta.
E, aí, em 1968 acontece a primeira grande reunião para
discutir os problemas globais. É a primeira vez que Chefes de
Estado e homens de negócios se reúnem para discutir os problemas
globais. Foi o chamado Clube de Roma. E, quando eu falo homens de
negócio, eu não estou usando uma linguagem sexista, eram,
realmente, homens de negócios, porque, naquela época, não tinha
mulheres de negócio, só tinham homens de negócios. Então, era uma
reunião, basicamente, só de homens. O Clube de Roma é o grande
marco na questão ambiental mundial.
Em 1971, é encomendado ao MIT, que é o Instituto de
Tecnologia de Massachusetts, o mais famoso do mundo até hoje, um
estudo sobre o planeta. Esse estudo sobre o planeta deveria apontar
qual era a realidade que o planeta estava enfrentando e como que se
poderia fazer frente a esses problemas. O estudo mostra que nós
deveríamos parar, interromper o crescimento naquele momento. Ele
ficou conhecido como “Limites do Crescimento”. O MIT diz com todas
as letras que não havia mais espaço para se crescer no mundo, nem
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em forma de desenvolvimento, e nem em forma populacional. Houve uma
grande revolta com esse documento, porque esse documento sugeria
que se congelassem diferenças, isto é, aqueles países que já tinham
conseguido o seu desenvolvimento muito bem, e os que não tinham não
iam poder fazê-lo. E, é mais ou menos desta época aquela posição
controversa brasileira que dizia que se o problema do mundo era
poluição e se poluição significava desenvolvimento, que o resto do
mundo poderia mandar poluição para nós que nós aceitaríamos, porque
o nosso grande interesse era o desenvolvimento. Para vocês terem
uma idéia de quão equivocadas, e quão ainda toscas eram as visões
que a humanidade tinha sobre a realidade ambiental.
Bom, a partir desse documento, começam a acontecer com
muito mais rapidez, vocês vão ver, eu vou passar apenas por alguns
fatos para que nós possamos focar na educação ambiental, chegar até
a emergência da educação ambiental, mas começa a acontecer uma
série de ações e de Conferências no sentido de tentar debater e
refletir sobre a questão ambiental. E, é em 72, que é instituído
como marco o dia 05 de junho como dia do meio ambiente, e é feito o
primeiro plano de ação enfocando a terra como uma única terra. E, é
só em 1975, ou seja, só há trinta anos, que a UNESCO cria o
primeiro programa internacional de educação ambiental. Então, vocês
vejam que, em termos históricos, nós estamos falando de coisas
muito recentes. Talvez isso ajude a acalmar a nossa angústia quando
achamos que está tudo andando muito devagar, mas é porque trinta
anos, em termos históricos, não significa absolutamente nada.
Em 77 acontece uma grande Conferência, que é a
Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental, na Grécia, em
Tbilisi, e, essa Conferência pontua o que deve ser a educação
ambiental. E, pela primeira vez se fala em uma educação ambiental
baseada na ciência e na tecnologia. Então, ali sai uma resolução
que diz que a educação ambiental tem que estar baseada na ciência e
na tecnologia para tomar decisões. E, eu enfatizo bastante isso
porque, até hoje, tem muita gente, dentre os educadores ambientais,
que costuma não acreditar muito em ciência e tecnologia. Não que
elas sejam as únicas fontes do conhecimento, mas nós precisamos
estar muito ciente de seus avanços.
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Bom, em 83, começa a mudar, um pouco, isso tudo, quando a
ONU institui uma Comissão Mundial de Meio Ambiente, aliando a
questão do meio ambiente e do desenvolvimento. A ONU para e diz:
“Bom, então, vamos estudar como é que pode ser possível nós
trabalharmos a questão do desenvolvimento sem destruir o meio
ambiente, que nós já sabemos que, desde 72, com o relatório do MTI,
que é impossível nós continuarmos depredando e degradando como
temos feito historicamente”. Essa Comissão é presidida por uma
pessoa que se tornou uma das maiores líderes ambientais do mundo,
que é a Gro Harlem Brundtland, ela vai ser, depois, a Primeira-
Ministra da Noruega, Presidente da Noruega, e, recentemente,
Presidente da Organização Mundial de Saúde.
O relatório que sai desta Comissão fica famoso e
conhecido com Relatório Brundtland, em homenagem à Presidente da
Comissão, e, esse relatório tem o nome de “Nosso Futuro Comum”. Eu
tenho certeza de que todos vocês já devem ter ouvido falar dele, é
um dos relatórios mais famosos do mundo, e é ali que aparece, pela
primeira vez, a definição de desenvolvimento sustentável. Então, já
não está se falando mais, não se fala, neste ponto, na educação,
não se fala mais na preservação do meio ambiente, mas surge esse
conceito de desenvolvimento sustentável, que diz que o
desenvolvimento sustentável é aquele que atende as nossas
necessidades sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras
atenderem às suas. Para a época, essa definição é um avanço
considerável.
Bom, vamos pular um pouquinho, vamos pular cinco anos, e
vamos passar para aquela que foi, sem dúvida nenhuma, a mais
emblemática e importante de todas as Conferências até hoje, que foi
a ECO-92, ou a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, que aconteceu, para a nossa felicidade, no Rio de
Janeiro. Na ECO-92 surgem os mais importantes documentos ambientais
de toda a história. Documentos esses que, até hoje, estão muito
válidos e, alguns deles só agora começam a ser implementados.
Dentre eles eu destaco a Convenção do Clima, nós vamos nos deter um
pouco mais sobre a questão climática, uma vez que ela é a mais
importante do nosso século, e a Convenção do Clima data da ECO-92;
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a Convenção da Biodiversidade, ou o Documento da Agenda 21, sobre o
qual o Eduardo já falou rapidamente aqui, e não vai dar tempo de
nós tratarmos; e o Tratado de Educação Ambiental para as Sociedades
Sustentáveis e Responsabilidade Global, esse Tratado é um documento
que foi redigido à muitas mãos, por pessoas do mundo inteiro, em um
amplo trabalho preparatório que, depois, se concretiza na ECO-92,
dentre essas mãos eu destaco as mãos da Equipe do Instituto ECOAR,
que eu tenho a honra de presidir, e que estivemos todos
trabalhando, também, e contribuindo com uma série de estudiosos e
cientistas do mundo inteiro, na elaboração desse Tratado. Se vocês
repararem, ele já dá uma missão para a educação ambiental. Ele já
não fala mais da educação ambiental como um fim em si mesmo, porque
ela não é. Então, ele é o Tratado de Educação Ambiental para quê?
Para que nós queremos educar ambientalmente? Para a construção de
sociedades sustentáveis e responsabilidade global.
Esse conceito, de educação ambiental, já naquela época,
estava bastante popularizado, e, hoje, eu diria que ele está
bastante vulgarizado. Quando nós falamos hoje em educação
ambiental... É como aconteceu com a questão da cidadania, tudo
virou cidadania. E, com a educação ambiental aconteceu bastante
isso, para a nossa tristeza. A educação ambiental, já nessa década
de 90, e agora ainda mais, ela era vista apenas como aquela
educação nas escolas. Educação para coleta de lixo, a educação para
reciclagem, educação para fazer pequenas hortas. Quando nós
dizíamos que trabalhava educação ambiental com adultos, com
empresas, com Governos, as pessoas não entendiam nada, porque
achavam, realmente, que a educação ambiental era bastante limitada.
No entanto, enquanto o conceito de educação ambiental é
visto de uma forma apequenada, o conceito de desenvolvimento
sustentável, aquele que surgiu em 87, no relatório Brundtland, ele
começa a ganhar força, começa a se propagar e é assumido pelo
discurso das empresas. E, as empresas criam o chamado “triple
bottom”, que são os três pilares do desenvolvimento sustentável,
segundo as empresas, que é o pilar econômico, que se relaciona aos
impactos daquela organização sobre as circunstâncias econômicas das
chamadas partes interessadas, e sobre os sistemas econômicos como
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um todo, no nível local, municipal, regional e global. O tripé do
social, o impacto da organização sobre os sistemas sociais nos
quais opera. E, o ambiental, que é o impacto das organizações sobre
os sistemas naturais, vivos ou não, incluindo os ecossistemas
terra, água e ar. Esta definição, até hoje, é muito usada, e quase
todas as grandes empresas de todo o mundo usam como lema. Quase
todo o mundo diz que está trabalhando com o desenvolvimento
sustentável baseada nesse chamado “triple bottom”.
Essa definição de desenvolvimento sustentável também
evolui e já em 2002, o GRI, por exemplo, já diz que esse
desenvolvimento sustentável é um desenvolvimento sustentável para
quê? Ele tem que ter um resultado. E, o resultado é a
sustentabilidade nas suas várias dimensões. Eu estou querendo
mostrar para vocês a evolução desses conceitos e aonde é que nós
chegamos hoje, sobre como nós temos que refletir para entender essa
confusão conceitual que está colocada.
O conceito de sustentabilidade, então, é bastante
confundido com este conceito de desenvolvimento sustentável, com o
tripé que nós já falamos, que nós já vimos. No entanto, muito pouca
gente fala, e muito pouca gente pensa no que quer dizer a palavra
sustentabilidade. Muita gente acha que educar para a
sustentabilidade, ou educar para promover o desenvolvimento
sustentável é se preocupar só com o “triple bottom”, e esquece que,
na essência da palavra, na essência do conceito da sustentabilidade
está a garantia de manutenção da vida. Se nós olharmos a definição
de sustentabilidade, a definição científica de sustentabilidade,
como ela é usada nos meios ecológicos, nós vamos ver que ela se
refere à capacidade que a natureza tem de sustentar a vida há três
bilhões de anos. Esse equilíbrio cósmico, costurado pela natureza
há três bilhões de anos, costurado e sustentado pela natureza, é
que está, agora, ameaçado. E, está ameaçado, justamente, pelo não-
entendimento que nós, humanos, temos de como funciona essa
natureza. Então, se nós tivermos na nossa mente, no nosso coração
que sustentabilidade é a capacidade que a natureza tem de manter a
vida, nós vamos perceber que se nós quisermos fazer um
desenvolvimento sustentável, se nós quisermos caminhar para
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sociedades sustentáveis, o primeiro passo tem que ser o de entender
os princípios de organização que a teia da vida desenvolveu para
manter a vida e saber como é que nós vamos agir de acordo com eles.
E começam a surgir, a partir dessa visão, dessa
compreensão mais aprofundada do que é sustentabilidade, começam a
surgir vários outros conceitos que nascem, que bebem da fonte da
educação ambiental, mas procuram caminhar um pouco mais para além,
como o conceito da alfabetização ecológica, que é um conceito muito
usado no hemisfério norte, e que tem sido, particularmente,
trabalhado pela Universidade de Berkeley e pelo Centro de
Alfabetização Ecológica de Berkeley, onde estão grandes cientistas,
grandes educadores trabalhando esse conceito, que é muito parecido
com o da educação ambiental, muito parecido com a educação até de
Paulo Freire, porque ela é toda baseada no estudo do meio, educação
por projetos, mas ela começa dizendo que nós precisamos entender
esses princípios que regulam a vida. E educa para a
sustentabilidade, educar para sociedades sustentáveis é promover o
entendimento de como esses ecossistemas sustentam a vida. E, assim,
podemos desenhar comunidades humanas sustentáveis a exemplo das
comunidades naturais.
Um outro conceito que deriva da questão da educação
ambiental, da questão do desenvolvimento sustentável, da questão da
sustentabilidade é o conceito do “ecodesign”. Se alfabetização
ecológica nos diz o que fazer, o que nós precisamos fazer para
tornar o mundo sustentável, o “ecodesign” nos mostra como é que nós
vamos fazer. Então, o “ecodesign”, que é uma expressão muito
difícil de nós traduzirmos para o português, porque podemos
entendê-la como planejamento ecológico, o design é usado, em
inglês, nesse sentido, no sentido de planejamento, mas pressupõe
nós entendermos a totalidade das nossas relações com o ambiente e
com os demais seres. E, a partir daí, desenhar a nossa sociedade. É
a partir dessa noção de “ecodesign” que surge, por exemplo, a
agricultura orgânica, a permacultura, a chamada bioarquitetura, que
são maneiras de se trabalhar, de se construir uma infra-estrutura,
de se trabalhar os processos agrícolas, de se trabalhar os
processos industriais de uma maneira que respeite aos princípios da
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natureza. Então, esse é um conceito que está em franca evolução. No
Brasil ele chega atrasado, mas chega. Hoje, nós já temos vários, 60
ou 70 empreendimentos só aqui no Sul e Sudeste, já baseados nos
princípios do “ecodesign”. Fora do Brasil isso já está se tornando
absolutamente comum. O Eduardo Jorge, o Secretário que estava aqui,
já deu vários passos nesse sentido durante a sua gestão, uma delas
é exigir que os novos prédios façam coleta de água de chuva, reuso
de água de chuva. Tudo isso está ligada à questão de “ecodesign”,
tudo isso tem, na sua base, os conceitos da educação ambiental e os
conceitos da sustentabilidade. Então, os conceitos vão se
aprimorando e se sofisticando.
Um outro conceito que surge muito forte nessa grande
reflexão sobre o ambiental é o conceito da Ecoeconomia, que tem
sido defendido por grande parte dos economistas que têm uma
tendência ambiental. O Ignacy Sachs que é um desses economistas diz
que a economia ambientalmente sustentável requer que os princípios
da ecologia ditem, estabeleçam o arcabouço para a formulação de
políticas econômicas, e que os economistas e ecólogos precisam
trabalhar juntos para modelar a nova economia, e diz, também, que é
preciso fazer uma grande reengenharia, em escala global, para
imprimir novos fundamentos para o desenvolvimento. Esse, também, é
um discurso que tem sido apropriado nos países de primeiro mundo e
que chega ao Brasil com alguma dificuldade, mas que já começa a
permear alguns processos econômicos.
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A Sra. Miriam Duailibi – Não mais as decisões só pelo
lucro, não mais as decisões só pelos princípios econômicos, mas os
princípios ambientais dando o alicerce para os princípios
econômicos.
E aí, nós chegamos nessa definição de sociedade
sustentável que eu acho que é a melhor que eu conheço até hoje que
diz que uma sociedade sustentável deve ser projetada de uma tal
maneira que seu modo de vida, seus negócios, sua engenharia, sua
economia, sua estrutura física, sua tecnologia não interfiram na
inerente habilidade da natureza manter a vida. Então, eu espero ter
deixado claro para vocês que o fundamento é a manutenção da vida. A
vida não só da nossa espécie, mas de todas as espécies. A vida e a
solidez, a sustentabilidade dessa grande teia que entrelaça todas
as formas de vida.
E essa educação ambiental ou essa educação para a
sociedade sustentável como chamamos para fugir um pouco do
apequenamento da expressão deve nos ajudar a desenvolver, nutrir
uma consciência ética que contemple todas as formas de vida com as
quais compartilhamos o nosso planeta, impor limites à exploração
desse planeta.
E, aí, nós temos uma série de princípios de
sustentabilidade, mas o primeiro deles, o que dá toda a base, o que
faz todo o diferencial, o que se nós não acreditarmos, nós não
vamos mudar de atitude é aquele que nos diz que precisamos
reconhecer a Terra como um sistema fechado, finito, com recursos
escassos. Não é verdade que os recursos naturais são infinitos.
Todos eles são finitos, todos eles são escassos e nós, hoje, somos
6 bilhões de pessoas, com tendência a sermos 9 daqui a 20, 30 anos.
Não há recursos para atender a todos.
Então, nós precisamos internalizar este primeiro
princípio e, a partir daí, entender que precisamos reduzir nosso
consumo. Nós precisamos acabar com o supérfluo e, quando
consumirmos, consumirmos de forma responsável. Nós precisamos
respeitar a capacidade de suporte dos ecossistemas, nós precisamos
respeitar a capacidade de resiliência da natureza. O que eu quero
dizer com isso? É que a natureza se recupera sim. Se nós cortarmos
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uma floresta hoje, vai surgir uma outra floresta no lugar. Não será
a mesma floresta, mas vai surgir uma outra floresta, chamada de
floresta secundária. Só que pode levar 30 anos algumas espécies, 50
as outras, 100, 200 as outras.
A mesma coisa com o clima. Os gases de efeito estufa que
nós lançamos para a atmosfera serão absorvidos e dispersos num
processo de tempo que, provavelmente, nem os nossos bisnetos
estarão aqui para ver. Então, a capacidade de recuperação que
chamamos de capacidade de resiliência da natureza, ela existe só
que ela tem o seu tempo e nós precisamos respeitá-lo. Nós não
estamos fazendo isso.
Nós precisamos maximizar o uso potencial dos recursos
naturais. Isso implica em tecnologia, isso implica em nós mudarmos
a visão predatória e fragmentada de mundo que diz que nós plantamos
café, plantamos um pé de café, plantamos uma lavoura de café, cada
pé de café daquele tamanho, nós tiramos o frutinho e desperdiçamos
todo o resto. Nós pegamos a cana e jogamos fora o bagaço. Essa é a
nossa cultura. No entanto, já existe conhecimento e tecnologia para
dizer que do café nós podemos aproveitar tudo. Que da cana, nós
podemos aproveitar tudo, porque o bagaço vira energia e assim por
diante.
Então, esse conhecimento que é o que chamamos de
“ecodesign”, das tecnologias desenvolvidas segundo os princípios da
ecologia já estão aí. Vamos ver o exemplo dos carros. Hoje, nós
temos carros no mundo todo que são desenhados e já estão em forma
de protótipo que são carros que pesam 50% a menos do que esses
carros enormes, pesadíssimos que usamos para transportar uma pessoa
como eu. E o carro pesa não sei quantas vezes o meu peso. Para quê?
Porque nós, quando desenvolvemos a tecnologia, desenvolvemos com
modelo mental de que os recursos naturais eram infinitos, que nós
podíamos usá-los infinitamente. Hoje, já sabemos que não é.
Então, por que é que nós não mudamos ainda? Se esses
carros, esses desenhos já existem. Se esses carros que, por
exemplo, pesam 50% a menos do que os carros convencionais com a
mesma segurança e desempenho, usarão 50% a menos de combustível
fóssil para lhe prover energia. Mas, mais do que isso, esses carros
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já podem ser híbridos. Se eles forem híbridos, eles vão usar 50% da
sua energia apenas em petróleo, ou seja, esse carro consome 25% do
combustível fóssil que nós usamos os nossos carros de hoje.
Por que é que esses carros não estão nas ruas? Porque
custa caro. Porque a indústria não quer mexer nisso. Porque tem
lobby da indústria de petróleo. E como é que se muda isso? Apenas
com educação, com a educação do consumidor. Eu escrevo para a
Toyota todos os dias, eu e um grupo de ambientalistas, todos os
dias nós repetimos o mesmo e-mail: por que o Toyota Prius, híbrido,
que roda há mais de dez anos nos Estados Unidos e na Europa, não
chega ao Brasil? É uma pergunta que não quer calar. Eu quero ter um
carrão híbrido, não quero emitir tudo que eu emito de gases estufa,
não é? Então, por que isso não acontece?
Agora, vocês imaginam se todos vocês fizessem isso?
Imaginem se todas as pessoas, por exemplo, se juntassem ao Eduardo
Jorge nessa briga para manter o trólebus? Mudaria. Isso é uma
questão do quê? De educação ambiental.
Conservação e recuperação da biodiversidade,
fortalecimento das organizações comunitárias, proteção aos grupos
vulneráveis, conservação da vida e da biodiversidade.
Nós podemos pensar que a ciência e a tecnologia têm que
estar submetidas a critérios éticos a serviço da proteção e
melhoria de vida e não apenas dos benefícios de alguns e interesses
de mercado, que foi essa história do carro que eu acabei de contar
aqui para vocês.
Não vai dar tempo, mas eu quero dizer a vocês que aquele
“triple bottom”, que nós vimos do econômico, social e ambiental, é
muito pequeno, ele é muito modesto, ele não dá conta do
enfrentamento que nós precisamos fazer. Quando falamos em construir
sociedades sustentáveis, nós precisamos prestar atenção que tem que
ter uma sustentabilidade econômica, mas que essa sustentabilidade
econômica quer dizer que nós temos que ser eficientes, mas não
priorizar o lucro imediato, porque se nós pensarmos em priorizar o
lucro imediato, nós vamos abrir mão de todas as outras coisas.
Quando você prioriza o lucro imediato, você abre mão de todo o
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cuidado com as demais dimensões como, por exemplo, a dimensão
social.
Nossas atividades, nossos projetos, nossas empresas,
nossos processos precisam contribuir para diminuir a iniqüidade
social. Não é possível nós falarmos num mundo sustentável
preocupando-nos apenas com os sistemas naturais. O sistema de
iniqüidade social em que nós vivemos é absolutamente insustentável.
Basta nós darmos uma olhada ao nosso redor, basta que saiamos na
rua e perceba a insustentabilidade do que estamos vivendo em países
de Terceiro Mundo como o nosso, tendo que enfrentar essa guerra
urbana. Em países de Primeiro Mundo que também discriminam e que se
você não tem uma iniqüidade social, você tem outro tipo de
desigualdade, o fenômeno cruel do terrorismo. Então, são duas faces
da mesma moeda que deixam claro o que é diferença, o que a
iniqüidade social provoca e que corrói todo e qualquer sistema que
se pretende sustentar.
Nós temos que pensar também na sustentabilidade
ecológica, na preservação da biodiversidade. Eu, aqui em São Paulo,
hoje, dentro do Tribunal de Contas, aqui sentada olhando essa mesa
me pergunto de onde vem essa madeira. Não é mais possível que não
pensarmos nisso, porque senão pensarmos, nós podemos estar
contribuindo com a destruição da Amazônia. E, antes que alguém diga
“O que eu tenho a ver com isso, com o que esta moça está aqui
falando?”. Tem tudo a ver, porque a distribuição da Amazônia no
ritmo que vai, pode significar, por exemplo, que os ciclones,
furacões e enchentes na região sudeste sejam cada vez mais intensos
e dramáticos e pode significar um ciclo de desertificação enorme no
centro-oeste. E o que nós temos a ver com isso? Tudo.
Essa sustentabilidade ecológica tem que estar focada na
preservação dos ecossistemas, na preservação da biodiversidade, na
eco-eficiência, na recuperação das áreas degradadas, na busca por
novas tecnologias mais sustentáveis no nosso cotidiano, no não-uso
do papel branco para não imprimir o que não precisa, usar o mínimo
possível de descartáveis ou não usar descartável e assim por
diante.
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Mas, há uma outra dimensão que ameaça qualquer projeto de
sustentabilidade que é a dimensão espacial. Nós precisamos pensar
numa configuração rural urbana mais equilibrada. Nós estamos
urbanizando de uma maneira tão absurda a nossa vida. O Brasil,
hoje, tem uma taxa de 80% da população vivendo em áreas urbanas num
período muito curto de tempo, com todas as graves conseqüências que
nós conhecemos. É inadministrável, impossível alguém pensar em, por
exemplo, ter um equilíbrio na região metropolitana de São Paulo,
onde uma cidade está grudada na outra, que está acoplada a outra de
uma maneira ininterrupta. Está sendo assim no Brasil inteiro. É
assim nas grandes cidades do Terceiro Mundo inteiro. É
absolutamente insustentável. Então, quando nós falarmos em
sustentabilidade, ao invés de pensar naqueles modestos “triple
bottom”, vamos pensar nessas dimensões que são fundamentais.
Nós temos que pensar no aspecto cultural, de respeito às
culturas locais, as especificidades locais. Nós não podemos achar
como o grande erro que foi cometido nas fases desenvolvimentistas
do Brasil, por exemplo: vamos levar o progresso à Amazônia, vamos
levar o progresso ao centro-oeste. Nem sempre é o progresso que
levamos.
16
A Sra. Miriam Duailibi – As últimas pesquisas na Amazônia
mostram, por exemplo, que as populações têm um IDH baixo, mas elas
sobrevivem, elas vivem ali do seu extrativismo, elas vivem dos seus
recursos naturais, não têm muitas doenças, e têm um certo
equilíbrio. Quando chega a indústria ou os grandes negócios e
desmatam, vendem a madeira, em um primeiro momento tem um “boom” de
riqueza e de melhoria de IDH, depois, instala a pecuária, que dura
muito pouco tempo em terras amazônicas, quando acaba o ciclo de 10
anos, porque eles acabam esse ciclo e vão embora, a população está
profundamente empobrecida, ela passa de um estágio de pobreza para
um estágio de miséria, com uma saúde muito mais precária, tendo
adquirido todos os vícios das grandes cidades, como alcoolismo,
prostituição infantil AIDS, drogas, etc, e já se requer consegue se
relacionar mais com a floresta como se relacionava antes, até
porque aquele ambiente já está degradado. Então, aí você tem uma
queda violenta na qualidade de vida e estas pessoas só sobrevivem
graças aos programas sociais dos Governos. Ou seja, passam a ser um
ônus para o resto da sociedade. Esse é o desenvolvimento que nós
pregamos, isso é levar o desenvolvimento sem se preocupar com as
especificidades e características culturais de cada local, de cada
comunidade que nós nos aproximamos.
E, por último, eu gostaria de falar na dimensão ético-
política. Também não dá para ver uma empresa falando em
sustentabilidade, falando que está contribuindo para a construção
do desenvolvimento sustentável, da sociedade sustentável se ela não
tiver uma relação politicamente ética com o Poder Público. Se nós
temos problemas no Poder Público, se nós temos corrompidos no Poder
Público, nós temos corruptores do outro lado da sociedade. Então, é
preciso imprimir um modelo de seriedade na interface dos
empreendimentos, projetos e processos com a esfera governamental. É
preciso que as empresas, as sociedades, as associações de classes
participem ativamente da vida da cidadania, da vida da cidade para
poder influenciar, e não só jogar todo o ônus para o Governo.
Hoje nós enfrentamos cinco questões cruciais para a
sobrevivência da nossa sociedade no século XXI. A questão da
biodiversidade, da ameaça e dessa destruição contínua da
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biodiversidade, com o desaparecimento de milhares de espécies antes
mesmo que nós tenhamos descoberto qual é a funcionalidade, qual é a
contribuição que essa espécie pode dar para a manutenção da vida. O
problema da água, que nós estamos poluindo de uma maneira absurda.
Nós devemos nos lembrar sempre que a quantidade de água que existe
no mundo é a mesma, não existe diminuição da água, não existe
aumento da água. A água que existe é a água que existe e ponto. 12%
da água doce do planeta está no Brasil. E o que acontece que ela
escasseia? Nós a poluímos, nós a tornamos, absolutamente
impossível, de ser consumida. Então, a água precisa de um cuidado
extraordinário. Se as guerras, hoje, ainda são por conta do
petróleo, e eu acredito que vão continuar a ser por uns bons anos
ainda, infelizmente, já, já se tornarão por conta da água. Aliás, a
ONU já registra, não sei se vocês sabem disso, a ONU tem registrado
oficialmente 500 conflitos armados, nos últimos dez anos, por conta
de água. São conflitos pequenos em locais que não ganham o destaque
da grande mídia, mas que são seríssimos. Então, a água é um
problema crucial para a nossa sobrevivência no século XXI.
O lixo é um outro problema. Nós estamos nos afogando na
produção de lixo. No Brasil essa questão é muito mais dramática,
porque no Brasil uma parcela ínfima dos nossos resíduos vão para a
reciclagem, a grande maioria vai para aterro sanitário, ou para
lixão mesmo, porque nem em todos os lugares nós temos aterros
sanitários. De novo na contramão da história, de novo atrasados,
porque nos demais países este problema já está muito mais avançado.
Hoje, você tem países europeus como a Suíça, por exemplo, onde um
grande trabalho de educação ambiental aliado a uma política muito
forte de penalização e de cobrança, por parte do Governo, fez com
que, em dez anos, se reduzisse em 40% a produção de resíduos. Eu
não estou falando da reciclagem, estou falando da produção. Hoje os
suíços produzem 40% a menos de resíduos do há dez anos, como fruto
de um trabalho de educação ambiental, e fruto de uma política de
tornar cada vez mais caro o recolhimento daquele lixo. Então, você
tem um saco plástico de 20 litros custando cinco euros, e você não
pode dispor o seu resíduo sem ser naquele saco com o timbre da
Prefeitura. Então, as pessoas começam a ficar muito preocupadas.
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Aqui, nem sequer a coleta seletiva instituída em todo o Município
nós temos. A reciclagem nossa é muito pequena. A reciclagem de
resíduos da construção civil é, praticamente, inexistente. Tem dez
anos que o ECOAR, que é a organização que eu presido, trabalha no
sentido de tentar formar consciência para fazer reciclagem em
construção civil, e nós não conseguimos avançar nesse sentido.
Então, esse é um grande problema, é um desafio para todos nós,
brasileiros e brasileiras.
A questão da ocupação territorial, que eu já citei. E, o
dramático problema das mudanças climáticas que eu, como educadora
que sou, não poderia deixar de tocar nesse assunto. Hoje, é o
principal problema que nós enfrentamos. As mudanças climáticas têm
a ver com todos os demais, elas podem ser um catalisador de todas
as outras: elas já estão agravando e vão agravar muito o problema
da água, elas vão agravar profundamente a perda da biodiversidade,
eu recomendo a todos a leitura de um livro chamado “Senhores do
clima, com ele vocês vão ver o que está acontecendo com a
biodiversidade, a questão do lixo é, intrinsecamente, causadora do
aquecimento global, o gás metano, especialmente produzido pelo
lixão, é um grande causador do aquecimento global, e a ocupação
territorial também, grande parte dos gases estufa é causada pela
mudança nos usos da terra.
Este é um problema que eu tenho ficado muito preocupada,
enquanto educadora que sou, em relação ao pouco envolvimento que eu
tenho visto dos educadores e educadoras, no Brasil, com relação as
mudanças climáticas. O Brasil é um país que está ocupando uma
posição de destaque já há dez anos na discussão do tema do
aquecimento global, só que esta posição de destaque está sendo
puxada pela ciência e tecnologia. É o Ministério da Ciência e
Tecnologia que está representando o Brasil nas negociações, que
foca, que envolve, que concentra os esforços brasileiros de
reflexão, discussão e proposição neste tema.
O pessoal da educação, especificamente da educação
ambiental, ainda está muito afastado dessa discussão, como se não
fosse um problema de educação. Mas, é. E, eu vou mostrar para vocês
porque é um problema de educação. Porque, apesar de ter algumas
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controvérsias, ainda existe um pequeno grupo de cientistas que diz
que o aquecimento global não é devido ao fator antrópico. Tem
cientistas que discutem taxas. Mas, já existe um consenso de que o
aquecimento global está aí, a Terra já aqueceu 0.9 graus Celsius, e
pode chegar a aquecer 4 a 6 graus nos próximos 60 anos. Mesmo
trabalhando com as previsões mais otimistas do IPCC, que é o Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas, que recebeu o Prêmio
Nobel da Paz, e do qual fazem parte vários cientistas brasileiros,
mesmo a previsão mais otimista do IPCC diz que, se nós fizermos o
melhor dos nossos esforços, essa temperatura subirá dois graus.
Isso vai significar conseqüências muito mais graves do que nós já
temos enfrentado. Mas, se passar dos dois graus, essas
conseqüências deixarão de ser graves para serem dramáticas.
Então, todo o esforço, que todo mundo que está envolvido
nesse tema está fazendo, é no sentido de diminuir muito as
emissões. 50, 60% a menos do que nós emitimos hoje para que essa
elevação de temperatura chegue a “apenas” dois graus. Como é que
nós vamos fazer isso? Essa é a pergunta que nós colocamos. Isso é
uma decisão só de Governo? Isso é uma decisão que só os cientistas
podem tomar? Ou esse é o maior esforço já exigido da humanidade em
todos os tempos? Desde a segunda guerra mundial não há nenhuma
causa capaz de mobilizar a humanidade como um todo como o
aquecimento global. E, nós só vamos conseguir fazer esse
enfrentamento se todos nós fizermos a nossa parte. E como é que nós
vamos fazer isso? Na minha opinião só por meio de educação,
educação e educação.
O aquecimento global é cumulativo, é abrangente, é um
tema complexo, mas as conseqüências vão afetar a todos em todos os
lugares. E, é por isso que ele é um drama de toda a humanidade. Por
exemplo, os estudos de vulnerabilidade mostram que, na África, as
conseqüências do aquecimento global serão extremamente perversas,
com o aumento da área de deserto, com empobrecimento, com
propagação cada vez maior de doenças, etc. No entanto, o continente
africano contribui apenas com 3% dos gases estufa do mundo. Então,
é uma grande tragédia cósmica, e que todos nós vamos pagar o preço,
os países mais pobres pagarão mais, e os pobres dos países ricos
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também pagarão mais. E, nós aqui, de classe média, teremos
oportunidade, no Brasil, por exemplo, de mudar dos lugares de
enchente, teremos possibilidade, se tivermos morando na praia, de
abandonar a casa da praia e irmos para outro lugar, se morarmos em
encosta de morro, poderemos sair e procurar outro lugar em que não
vai haver deslizamentos, mas e os mais pobres, como é que eles vão
fazer? Para onde irão essas pessoas, que já estão sendo chamados de
refugiados do clima?
No entanto, a maioria das pessoas se quer sabe do que
estamos falando. Não sabe e desconhece totalmente as conexões que
existe entre o seu modo de vida e o aquecimento global. Se nós
perguntarmos para a grande maioria das pessoas o que elas têm a ver
com o aquecimento global, elas vão responder que não sabem. O fato
de você andar em um carro todos os dias, sozinho, contribui para o
aquecimento global? Não sei. A produção de lixo que você faz,
contribui para o aquecimento global? Não sei. E, mesmo assim, o
Brasil é considerado, pelas pesquisas, como um dos países em que as
pessoas mais estão informadas. Graças, principalmente, ao esforço
da Rede Globo que tem falado diuturnamente no assunto. Mas, ainda é
muito pouco, porque ninguém está preparado para enfrentar as
conseqüências, e o Brasil tem feito a lição de casa, viu
Presidente, há anos, na proposição de novos mecanismos do protocolo
de Kyoto, nas discussões, e está procurando fazer a lição de casa
no grande problema das emissões brasileiras que é o desmatamento.
75% dos gases estufa emitidos no Brasil vem do desmatamento e
mudança de uso do solo, porque nós temos uma matriz energética
limpa, 90% da nossa energia elétrica é hidrelétrica. Nós temos um
problema, como o Eduardo mostrou, que 75% do inventário das grandes
cidades é carros e ônibus, mas, no cômputo geral, a grande
contribuição do Brasil é desmatamento.
Então, o Brasil tem feito a lição de casa, mas ninguém no
Brasil está falando em adaptação. Enquanto os outros países,
especialmente os países mais ricos, já estão transferindo
populações de áreas de risco, construindo diques, nós temos, por
exemplo, no Rio de Janeiro, um sistema de esgoto tão mal planejado
que, se o mar subir meio metro, e a previsão é que suba mais, no
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Rio de Janeiro, vai acontecer a inversão do sistema de esgoto.
Alguém pode imaginar o que isso significa para a saúde pública? E
ninguém está falando nisso. Os educadores também estão falando
muito pouco. Então, a proposta que o ECOAR vem trabalhando há dez
anos, muito antes de as pessoas falarem com tanta veemência nesse
assunto é democratizar o conhecimento sobre aquecimento global e as
mudanças climáticas. Nós consideramos que democratizar, levar esse
conhecimento para os senhores, para as comunidades de base, para as
periferias, para os empresários, para quem quer que seja, é uma
questão de direitos humanos, é uma questão de ética. É antiético
não informar as pessoas do que está acontecendo. É desrespeito aos
direitos humanos deixar as pessoas tão vulneráveis. E tem que ser
um compromisso da educação ambiental, da educação para a
sustentabilidade trabalhar nesse sentido. Nós precisamos pensar, eu
já falei isso, em como é que nós vamos adaptar as nossas estruturas
físicas para o enfrentamento dessas novas e desconhecidas condições
climáticas. Nós ainda não sabemos como vai ser o clima, nós só
sabemos que os eventos extremos serão muito mais freqüentes. Então,
a incidência de ciclones, furacões, terremotos, tsunamis serão cada
vez mais intensos e de maior freqüência. E, nós precisamos convocar
a sociedade a assumir a sua cidadania planetária. Nós estamos,
hoje, vendo um movimento grande, mas ainda insuficiente, de pessoas
que estão dizendo que podem ser parte da solução, que é parte do
problema e assim pode ser parte da solução; eu posso reduzir de 25
a 30% das minhas emissões, mudando pequenas coisas no meu cotidiano
e sem mudar a minha qualidade de vida; eu posso trocar o meu
chuveiro elétrico, por exemplo, por um outro de aquecimento, o
aquecimento solar de baixo custo de água -, eu posso praticar
carona solidária, eu posso andar mais de bicicleta, eu posso fazer
uma série de coisas, eu posso comer menos carne, porque cada 36
quilos de carne que chega na mesa do consumidor corresponde a 37
quilos de CO2, equivalente, emitidos em todo o processo da criação
do gado, industrialização, transporte e etc, então, nós podemos
comer menos carne, podemos produzir menos lixo. Tem uma série de
pequenas atitudes que podemos fazer e que não significam grande
coisa. Eu pergunto a vocês: Qual o problema de tomar um banho de 7
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minutos ao invés de um banho de 10? Alguém vai ficar mais sujinho
por causa disso? E, no entanto, nós vamos estar diminuindo em 30% o
consumo de água e de eletricidade. E, antes que eu alguém me diga
que a eletricidade é limpa, eu digo que se nós diminuirmos a
demanda por eletricidade, nós vamos diminuir a necessidade de
construção de novas usinas, porque cada vez que nós vamos construir
uma nova usina, mesmo que hidrelétrica, nós temos um impacto
ambiental enorme. E assim vai. O Greenpeace estima que nós podemos
diminuir em 47% a demanda energética do mundo só diminuindo o
desperdício, só, por exemplo, abrindo janelas para poder trabalhar
com a luz do dia. Um trabalho que, inclusive, há muitos anos, já
foi feito nas escolas de Curitiba. E, nesse ponto, o “ecodesign”
ajuda muito. Nos Estados Unidos, o ex-Presidente Jimmy Carter, que
tem uma fundação, estabeleceu uma medida bastante simples e que fez
com que a diminuição do consumo de energia fosse mais de 30%, e lá
é termo elétrica, o que é muito mais grave ainda. Ele,
simplesmente, pediu para as pessoas que no inverno, quando fossem
tirar todos os casacos para ficar dentro da sala, eles ficassem com
uma suéter, porque assim, ao invés de eles aquecerem a sala a 22,
23 graus, eles poderiam aquecer só a 17, 16, o que já diminuiria o
consumo de energia. E, que no verão, eles viessem com uma roupa
mais fresca, com camisetas, com bermudas, porque assim eles não
precisariam refrigerar a 17, 16 graus, mas poderiam refrigerar a
23, 22 graus, e, assim, o consumo de energia caiu em 30%.
Então, são dessas medidas simples que nós, no ECOAR,
estamos falando em um grande programa que nós estamos lançando
chamado “ECOAR no Clima do Futuro”, onde nós criamos tabelas e
ensinamos as pessoas a diminuírem em 30% as suas emissões mexendo
em pequenas coisas. Mas isso não basta. Nós precisamos educar para
o exercício da cidadania. Além de trabalhar na nossa dimensão
individual, nós temos que trabalhar na nossa dimensão cidadã. Eu
preciso exigir que o Poder Público faça a sua parte. Nós precisamos
entulhar a Secretaria de Transporte, o Ministério dos Transporte de
emails, de cartas, de telefonemas que digam: “nós queremos
transporte limpo”. Apoiar os poucos políticos, pouquíssimos aliás,
que estão comprometidos com essa causa como o Eduardo Jorge. E, eu
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não tenho nada a ver com o Eduardo Jorge, eu falo porque é a
verdade e ela precisa ser falada. Quando nós temos um político que
está agindo nesse sentido nós temos a obrigação de apoiá-lo, porque
a briga interna dele para passar os projetos é enorme. Nós
precisamos exigir que o Poder Público faça a sua parte. Mas nós
precisamos, também, agir na dimensão de consumidor. Hoje, na
Europa, as grandes cadeias de supermercados já estão fazendo acordo
com os seus fornecedores, para que tenha, na embalagem, como tem
caloria e essas outras medidas, para que tenha a quantidade de CO2
que foi emitida na fabricação e transporte daquele produto, e eles
estão dando um selo que chama “low-carbon”, carbono baixo, e as
pessoas estão todas preferindo comprar esses produtos. Então, nós
também precisamos tomar muito cuidado de quem nós compramos.
E, por último, nós temos que nos preocupar, também, em
neutralizar as nossas emissões. Porque emissão zero não existe.
Impacto zero não existe. Mas, nós podemos minimizar muito as
emissões, e aquelas que nós não conseguirmos minimizar, nós podemos
neutralizá-las, por exemplo, plantando árvores. Por exemplo,
quebrando calçadas na frente das nossas casas e fazendo canteiro,
porque não é só árvore que seqüestra gás, canteiros também, vasos,
plantas, gramíneas, tudo isso pode ajudar a tirarmos um pouco
desses gases da atmosfera.
Então, o que podemos fazer? Qual o papel, hoje, do
educador e da educadora, seja ambiental, ou aquele que se diz
educador ambiental para a sustentabilidade, ou aqueles que se chama
de alfabetizadores ecológicos, ou os alfabetizadores ambientais,
como diz o Leonardo Boff, do que nós quisermos falar. Ou ativistas
ambientais, não importa a denominação, isso é mais uma questão de
Universidade, de semântica, e tem muito pouca diferença na prática.
Na pratica, o que nós precisamos fazer? Cada um de nós precisa se
tornar um ativista do clima, especialmente do clima, porque esta é
a grande oportunidade que a humanidade tem de mudar o modelo de
civilização sem fazer revolução, SM destruir qualidade de vida, sem
sair dizendo como algumas pessoas ainda dizem, que tem que parar
tudo, que tem que parar a indústrias do petróleo, que temos que
todos andarmos a pé, vivermos de agricultura organiza. Isso é
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impossível. Nós somos 6 bilhões. Mas nós podemos, aos poucos, ir
fazendo essa mudança, e essa mudança pode ser muito rápida se todos
nós tivermos consciência e pressionarmos para que seja. Eu não
conheço nenhuma grande mudança na história da humanidade, e olha
que eu pesquiso e estudo, que tenha vindo por decreto, que tenha
acontecido porque algum Governo de algum país decidiu, ou porque
alguma empresa decidiu. Todas as mudanças históricas vieram de
movimentos sociais, vieram de mobilização da sociedade. E é isso
que nós precisamos fazer agora, nos informando, e essa informação
já existe, tem inúmeros institutos, associações, ONGs, enfim, que
podem prover e democratizar esse conhecimento. Nós temos tecnologia
suficiente para enfrentar esse problema e fazermos a transição. Ou
nós podemos optar por não fazer nada e deixar com que as
conseqüências sejam muito graves para nós, para os nossos filhos e
para os nossos netos.
Aí são algumas idéias do que podemos fazer enquanto
educadores e enquanto ativistas. Uma das coisas que nós podemos
fazer muito é acabar com essa história de queimar lixo, que aqui,
em São Paulo, não é tão comum, mas que, no interior, é uma coisa
extremamente comum, se varre a calçada e se queima as folhas, nas
fazendas, nos sítios todo mundo queima lixo. Existe uma emissão de
gases estufa. E, lembrar que, nas próximas décadas, a sobrevivência
da humanidade vai depender de nós, da nossa capacidade de entender
a natureza, extrair conhecimento dela, entender os princípios
básicos da ecologia e viver de acordo com eles.
Então, eu queria terminar dizendo a vocês que educação
ambiental no mundo é cada vez mais fundamental, chame-se ela
educação ambiental, chame-se ela educação para sustentabilidade,
alfabetização ecológica, “ecodesign”, como quiserem, mas ela é
fundamental para que nós possamos sobreviver e deixar o mundo, não
igual ao nosso, mas eu tenho esperança que até muito melhor do que
o nosso, para os nossos filhos e para os nossos netos.
Muito obrigada pela oportunidade.