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XIV Encontro Nacional da ABET 2015 Campinas/UNICAMP GT 5 Reconfigurações do trabalho NATURALIZAÇÃO DO TRABALHO INFORMAL E FORMALIZAÇÃO DOS EMPREENDIMENTOS INDUSTRIAIS DE CONFECÇÕES NO AGRESTE PERNAMBUCANO. Mariana Scussel Zanatta UFRGS

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XIV Encontro Nacional da ABET – 2015 – Campinas/UNICAMP

GT 5 – Reconfigurações do trabalho

NATURALIZAÇÃO DO TRABALHO INFORMAL E FORMALIZAÇÃO DOSEMPREENDIMENTOS INDUSTRIAIS DE CONFECÇÕES NO AGRESTE

PERNAMBUCANO.

Mariana Scussel ZanattaUFRGS

NATURALIZAÇÃO DO TRABALHO INFORMAL E FORMALIZAÇÃO DOSEMPREENDIMENTOS INDUSTRIAIS DE CONFECÇÕES NO AGRESTEPERNAMBUCANO.

RESUMOA região do Polo de Confecções do Agreste Pernambucano é composta por diversosmunicípios com uma significativa produção de artigos de vestuário. Este aglomeradoprodutivo já vem sendo objeto de pesquisa e os autores tem enfatizado que o PCAP vempassando por processos crescentes de modernização, industrialização e uma imbricação cadavez maior com a dinâmica capitalista, atraindo a ação do Estado e do capital. Dentre asprincipais características a informalidade, além de ser um traço constitutivo das atividades deprodução e comercialização, permanece, a despeito das transformações, como umacaracterística central. Nossa problemática se volta para o processo de formalização doempreendimento industrial em um contexto de informalidade histórica e dominanteobjetivando investigar o que este processo vai refletir em termos de significados sob a novadinâmica formal-informal. O objeto empírico são empreendimentos industriais formais eempreendimentos informais, na cidade de Caruaru, para investigarmos as entrelinhas doprocesso de formalização e as formas de relações de trabalho que esses empreendimentosestabelecem com os fabricos e facções. O trabalho de campo foi realizado entre Julho de 2013e Fevereiro de 2015.Palavras-chave: processo de formalização, informalidade, relações de trabalho, polo deconfecções, dinâmica formal-informal.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como lócus de análise o Polo de Confecções do Agreste

Pernambucano (PCAP), na cidade de Caruaru, a partir de duas dimensões: a) investigação a

respeito dos processos de formalização dos empreendimentos da indústria de confecções; b)

uma análise voltada para a identificação e compreensão das características e da dinâmica de

funcionamentos dos empreendimentos informais.

A região do PCAP é composta por três municípios principais: Caruaru, Toritama e

Santa Cruz do Capibaribe; e em torno de mais outros 10 municípios onde existe uma

significativa produção de artigos de vestuário. Este aglomerado produtivo já vem sendo

objeto de pesquisa, sob diferentes perspectivas, e os autores tem enfatizado que o PCAP vem

passando por processos crescentes de modernização, industrialização e uma imbricação cada

vez maior com a dinâmica capitalista, atraindo a ação do Estado e do capital (LIRA, 2011;

VÉRAS DE OLIVEIRA, 2011b; LIMA, 2011; PEREIRA NETO, 2011; SÁ, 2012).

Diante do seu crescimento e desenvolvimento1 nos últimos anos, o Polo ganha

1 Embora aqui estejamos afirmando que o crescimento do Polo de Confecções tenha proporcionadodesenvolvimento, é importante destacar que, nesse caso, estamos diante de um intenso crescimento econômicoque não, necessariamente, reverte-se em desenvolvimento social e melhoria das condições de vida da população.

visibilidade pela sua importância econômica para o Estado de Pernambuco, provocando nos

órgãos governamentais e não-governamentais algum interesse em organizar e formalizar os

empreendimentos. Isso se daria por meio de estratégias que vão desde o incentivo à criação de

associações formadas por confeccionistas, a consolidação de instituições públicas e privadas

que visam qualificar o trabalhador e o empresário, até a organização dos espaços das “Feiras

da Sulanca”. A diminuição do emprego de mão de obra familiar é um exemplo de reflexo do

movimento de racionalização e modernização, no sentido atribuído por Max Weber, das

atividades produtivas. Essa transformação fica visível quando comparamos os dados da

primeira pesquisa realizada pelo Sebrae, em 2003, com os dados do diagnóstico realizado dez

anos depois. Naquele, 83% das unidades produtivas utilizavam mão de obra familiar, em

2013, 68%. A diminuição do emprego de mão de obra familiar pode ser tomada como um

reflexo dos processos de modernização uma vez que se abandonam, lentamente, as relações

pessoalizadas e com a conotação de “ajuda” para se estabelecerem outros tipos de vínculos na

contratação de mão de obra.

Frente a isso, inferimos que:

a) Embora o Polo não tenha sido fruto da ação do Estado e nem do capital, observa-se,

atualmente, transformações no sentido de uma maior imbricação com a dinâmica de

acumulação de capital; b) A informalidade é uma característica constitutiva do Polo e

permanece como uma característica central, embora venha modificando-se em seus sentidos

quando passa a ser comparada ao trabalho formalizado; quando a mão de obra informal passa

a ser a principal estratégia de redução dos custos de produção pelas empresas maiores; quando

se substitui o trabalho familiar por outros tipos de vínculos na contratação de mão de obra; c)

Sobretudo a partir de 2000, têm surgido esforços de formalização. Esses esforços vêm por

vias diversas. Sugerimos, inicialmente, que aconteçam por quatro caminhos, quais sejam, pela

agência do Estado, dos empreendedores confeccionistas, dos trabalhadores, e pelos atores

institucionais (ex: SEBRAE, SENAI, Sindicatos....).

Tendo a flexibilização do processo produtivo e das relações de trabalho como

paradigma atual, sendo o trabalho familiar, informal e precário uma condição histórica e

constitutiva do PCAP, existindo o crescente movimento de imbricação com a dinâmica

capitalista cujos processos de formalização, orquestrados por diversos agentes, são uma

expressão, perguntamos:

No que consiste esse processo de formalização? Quais tipos de formalização? Quais

são as agências? (no sentindo de investigarmos quais os atores que influenciam nos processos

de formalização). Por que os processos de formalização não têm avançado na superação da

informalidade como elemento constitutivo das dinâmicas produtivas do Polo? A partir da

formalização dos empreendimentos, o que está se constituindo como (novo) padrão em

termos de relações de trabalho? Em que medida a formalização dos empreendimentos tem

significado formalização das relações de trabalho através do assalariamento e garantia dos

direitos trabalhistas? A formalização proporciona uma nova relação com o trabalho em termos

de saída da condição precária?

Em resumo, nossa problemática se volta para o processo de formalização do

empreendimento industrial em um contexto de informalidade histórica e dominante

objetivando investigar o que esse processo de formalização vai refletir em termos de

significados sob a nova dinâmica formal-informal. Para isso, tomaremos como objeto

empírico os empreendimentos industriais que se formalizaram (através do registro no

Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica- CNPJ) analisando as relações de trabalho que esses

empreendimentos formalizados estabelecem com os fabricos e facções. Para corroborar com

esta análise também tomaremos como objeto empírico os empreendimentos informais.

Conjecturamos que para compreender o significado da formalização é necessário

compreender como se dá a produção de confecções em bases informais e, sobretudo, como

estão entrelaçados.

As ideias apresentadas e discutidas neste artigo são os primeiros resultados da

pesquisa, em andamento, realizada no âmbito do curso de doutorado em Sociologia na

UFRGS. Para o trabalho de campo elegemos como técnica de coleta de dado a entrevista em

profundidade, semiestruturada. E, na análise, a técnica da análise de conteúdo temática. Para

os objetivos deste artigo nos concentraram na análise das entrevistas realizadas com os

ATORES DA PRODUÇÃO, divididos da seguinte maneira: 20 confeccionistas formais,

identificados como EMPREENDEDORES CONFECCIONISTAS; 10 confeccionistas

informais, referidos como TRABALHADORAS(ES) E CONFECCIONISTAS INFORMAIS.

2. PECULIARIDADES DA PRODUÇÃO DE CONFECÇÕES EM CARUARU:SUBCONTRATAÇÃO, TRABALHO EM DOMICÍLIO, FACÇÕES EINFORMALIDADE.

Lira (2011), Véras de Oliveira (2011b), Sá (2012) indicam que a região do Agreste

Pernambucano e o PCAP também sofrem os efeitos da nova ordem econômica mundial.

Concordamos com esse princípio e seguiremos a sugestão de Sá, quando enfatiza que:

Deve-se observar o capitalismo contemporâneo em seus contornosperiféricos, ou seja, na forma em que vai tomando em regiões marginais, demodo a impelir às pessoas à busca por soluções de vida-trabalho queprecisam se ajustar aos imperativos de mercado – na forma como estes se

apresentam neste contexto. Deslocando-se ao máximo seu sentido,atendendo ao “discurso da prosperidade”, modificando aspiraçõesindividuais [...] (SÁ, 2012, p. 347).

Esses movimentos de reconfiguração do capitalismo deslocam para a periferia dos

países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos o aparato produtivo antes concentrado nos

grandes centros, nos países economicamente dominantes. Nesses países, sublinha Sá, desde a

segunda metade do século passado, surgem aglomerados similares ao PCAP e que apresentam

características específicas:

[...] informalidade, estruturas produtivas domésticas; terceirização de etapasda produção; formas alternativas de (sub)contratação de trabalho; difusão de“casos de sucesso” e da “ideologia da prosperidade” entre muitos daquelesque estão em luta pela sobrevivência (e não apresentam os requisitos paraum ingresso em boas condições no mercado formal)” (SÁ, 2012, p. 350).

No caso do PCAP, desde a sua origem até os dias atuais, a maior parte do trabalho é

desenvolvida de maneira informal. Contudo, pelo fato da informalidade ser uma característica

constitutiva das relações de trabalho e dos empreendimentos na região, aventamos que

estamos diante de uma situação na qual a nova e velha informalidade se entrelaçam e

produzem uma forma de ser muito peculiar.

A primeira peculiaridade que deve ser destacada, e que na atualidade está enraizada

como uma forte característica da cultura de trabalho local, é o destaque dado por Cabral

(2007, apud Véras de Oliveira 2011b, p. 29) ao analisar a trajetória do Polo, ao papel que nela

têm tido os “agentes individuais”2. Visto isso, pode-se acrescentar que a constituição do Polo

como um aglomerado de unidades produtivas para a indústria de confecção e sua inicial

comercialização da produção nas feiras locais, que acabaram, a posteriori, tornando-se centros

de referência em comercialização para além do Agreste Pernambucano, teve como importante

elemento catalizador a ação do trabalhador informal.

A segunda peculiaridade, também relacionada com a cultura de trabalho local e,

especialmente, com a própria história da atividade de produzir peças de vestuário, é a

produção em domicílio. Entretanto, a costureira em domicílio não é mais a trabalhadora

autônoma, dona de seu tempo, ritmo de trabalho e da produção, mas desponta a costureira e o

costureiro faccionista, prestadores de serviço e importante elo de uma cadeia produtiva.

2 Ao referir “agentes individuais”, os autores objetivam dar ênfase ao fato de que a constituição doPolo não surgiu dos esforços ou de um plano de desenvolvimento que partiu e foi concebido pelaação do Estado. Antes o contrário, a mesma surgiu por meio de iniciativas locais associadas àsaptidões e costumes locais. Identifica-se já em 1940 e início da década de 1950 a ação decomerciantes e produtores artesanais de sulanca de Santa Cruz do Capibaribe e Caruaru – quepromoviam o intercâmbio comercial entre essas cidades e Recife – por meio da venda de produtosagrícolas que era intercalada com trocas e comercialização de tecidos.

Conforme recente estudo do SEBRAE, denominado Estudo econômico do arranjo

produtivo local de confecções do Agreste Pernambucano, publicado em maio de 2013, o Polo

de Confecções do Agreste tem como uma de suas características mais marcantes a

organização das Unidades Produtivas em “empresas”, 57% do total, em 2012, e 43% de

“empreendimentos complementares” ou “facções”3.

Em Caruaru foram identificadas 4.530 unidades produtivas. Deste total, 1.313

classificam-se como empresas e 3.217 como empreendimentos complementares (facções), o

que, conforme o relatório, correspondem a 29% e 71% do total de unidades produtivas do

município, respectivamente. Existem em torno de 18,8 mil empresas em todo o Polo de

Confecções, sendo apenas 19,49% destas empresas formais. Esses dados, quando esmiuçados,

também revelam outra classificação importante: a dicotomia entre Unidades Produtivas

formais e informais. As porcentagens referidas baseiam-se no total de Unidades Produtivas

pesquisadas: 18.803, no Polo-104. Conforme o estudo publicado, embora a informalidade seja

bem maior entre os empreendimentos complementares (93%) do que entre as empresas

(66%), existe enorme quantidade de empresas informais (os fabricos) assim como existem

empreendimentos complementares formais. Isto demonstra o quão complexa e diversificada

são as formas como as relações de trabalho são construídas, e como são diversas, também, as

dinâmicas de reprodução dessas práticas uma vez que o processo produtivo típico de uma

peça de vestuário feita no Polo combina intervenções realizadas nas empresas e nos

empreendimentos complementares.

Os dados nos permitem afirmar que o trabalho em domicílio continua em constante

crescimento e para analisá-lo não podemos cometer o erro de vê-lo apenas por um caráter

individual ou familiar, mas olhar para ele como um tipo de trabalho que se integra na

produção capitalista e que desempenha algumas funções estratégicas, como a possibilidade de

barateamento dos custos de produção. Em pesquisa que investiga acerca do trabalho das

mulheres faccionistas em Minas Gerais, Rosangela Pereira (2011) destaca que hoje ele

“adquiriu importante papel nas estratégias das empresas em decorrência da nova ordem

econômica, das pressões impostas pela competição internacional e pela busca crescente de

3 Conforme SEBRAE (2013), o principal critério empírico utilizado para separar, nos questionários, asempresas dos empreendimentos complementares foi a declaração do empresário ou gerenteentrevistado quanto à atividade de vendas de sua unidade produtiva. Se a Unidade Produtivadeclarou vender produtos finais (para o consumidor, para o atacadista, para a rede de lojas, etc.), elafoi classificada como empresa. Caso contrário, foi considerada um empreendimento complementar.4 A expressão “Polo 10” é usada pelo SEBRAE (2013) para identificar o grupo das cidadespesquisadas onde existe produção significativa de confecções para o Polo. São elas: Agrestina, Brejoda Madre de Deus, Caruaru, Cupira, Riacho das Almas, Santa Cruz do Capibaribe, Surubim,Taquaritinga do Norte, Toritama e Vertentes.

trabalhadores menos remunerados em diferentes regiões” (p. 80).

3. EMPREENDEDORES CONFECCIONISTAS

Os elementos acima referidos podem ser relacionadas com os primeiros dados

empíricos analisados. Quando perguntado sobre os motivos da utilização de subcontratação

através do trabalho em domicílio em pequenas oficinas (facções e fabricos) informais, os

empreendedores confeccionistas afirmaram que o fazem pela necessidade de driblar a

concorrência dos confeccionistas informais (confeccionistas de fundo de quintal) e também a

concorrência dos produtos chineses.

Também é muito presente a concepção de que funcionário dentro da fábrica é: “dor de

cabeça”, é “muito caro”, o funcionário “só quer tirar proveito do seguro desemprego”, é

“aproveitador” porque aprende a costurar e depois pede para sair do emprego e vai fazer

facção em casa, e os funcionários “só têm direitos”. Analisando este discurso percebemos que

os empresários confeccionistas, apesar de quase todos eles terem iniciado em um “fundo de

quintal”, como costumam definir, e já terem sido funcionários de alguma fábrica, fabrico ou

facção, quando na posição de empresários introjetam o discurso capitalista, e usam o discurso

“modernizado” quando lhes convêm.

Isto fica claro com a passagem abaixo, do nosso entrevistado nº55. Neste caso, o

empresário afirma não externalizar nenhum processo de produção, contudo, tem 16

funcionários e apenas metade deles são registrados em carteira. O confeccionista afirma ter

consciência de que isto está errado, mas usa como base de justificativa os argumentos que

foram destacados acima. É confeccionista há 17 anos, os 3 primeiros anos foram como

“clandestino”, expressão usada pela maioria dos entrevistados para referir-se ao tempo que

trabalharam sem ter firma registrada. Quando estimulado a falar sobre os planos pra o futuro

afirma não querer expandir seu negócio para não ter mais funcionários. Nesta fala também

aparece outro elemento, a falta de incentivo do poder público:

Não, de jeito nenhum. A tendência é mais para diminuir do aumentar. Agoranão é culpa minha não, é culpa do sistema. É culpa do sistema. Uma fábricadessa aqui que tem 16 empregados, poderia ter 30. Mas, aí vai ser mais 30dor de cabeça que a gente vai ter. Entendeu. Tanto de funcionário que não éa maioria, mas como também dos órgãos governamentais que apertamdemais e é como diz, não dão nada em troca. Porque se eles apertassem,

5 Ao longo do texto faremos referência aos nossos sujeitos de pesquisa e apresentaremos trechos de entrevistas.Foram realizadas 20 entrevistas com EMPREENDEDORES CONFECCIONISTAS, objetivando observar comofoi o processo de formalização do negócio, e 10 entrevistas com TRABALHADORAS(ES) ECONFECCIONISTAS INFORMAIS, objetivando observar as características e dinâmica de funcionamento dosempreendimentos informais.

mas dessem alguma coisa em troca. Não. É como eu falei para você, oGoverno só sabe arrecadar, investir para gente eles não investem nada. Aífica difícil. Aí como diz, eu não tenho intenção de crescer mais não. E agoracomo diz, a culpa não é minha não, a culpa é do sistema”.

Para explorarmos os motivos da subcontratação apresentamos a fala do entrevistado

nº6, que já chegou ter em sua fábrica 36 funcionários, todos registrados, e desde 2011 segue

com apenas 6 funcionários registrados em carteira trabalhando dentro da fábrica, e

subcontrata, através do trabalho de quatro facções informais, todo o processo de costura das

peças assim como o corte e a modelagem.

Discorrendo acerca dos produtos que são comercializados a partir da Feira da Sulanca

em Caruaru, nosso entrevistado afirma que:

Porque a feira daqui é em função de preço.... Em função de preço. Eu vi quenão tava sendo futuro, eu ter vinte funcionários empregados dentro naminha casa. Dentro da minha fábrica, pagando impostos altos. O custo damercadoria, alto. Se comparando com as de fundo de quintal, porque a defundo de quintal é toda “desinformada”, ninguém paga um imposto.Ninguém, não paga-se imposto, não paga INSS de funcionário. Não paganada. Você pega a mercadoria bota lá, eles produzem, você pagou, você nãotem mais responsabilidade nenhuma. E isso, pra mim, ainda é errado...sóque o formal, ele paga pelo informal. Eu estou aqui produzindo, que nem euestava com a empresa produzindo direitinho, tendo o meu lucro. Mas o queé que acontece? A informalidade foi engolindo o lucro, foi engolindo. Ocusto na minha peça foi aumentando”.

Temos, portanto, que a medida que explica sua visão da relação entre confeccionistas

formais e informais, também justifica sua opção por começar a subcontratar através de facção.

Ele demonstra que foi forçado a fazer esta escolha, a culpa, por contratar serviço em bases

informais não é dele, é da própria concorrência desleal que os informais impõem.

Este confeccionista, assim como a maioria dos entrevistados, começou a trabalhar na

confecção ajudado por alguém, neste caso, pelos pais. Iniciou sua própria confecção em 2000

e depois de cinco anos, em 2005, motivado pela possibilidade de vender a um bom cliente do

Rio de Janeiro, resolveu registrar firma. Produziu durante três anos exclusivamente para esse

cliente, cresceu muito em pouco tempo, deixou de produzir em domicílio, construiu um

galpão no terreno da casa do seu pai, comprou mais máquinas e saltou de 2 para 36

funcionários.

Cresceu muito. Cresceu muito. Aí o que é que acontece? Eu cresci,realmente, cresceu, o rapaz do Rio de Janeiro me deu uma certa, vamos dizerassim, uma estrutura. [...]. Agora, assim, como eu trabalhava pra ele e eutrabalhava muito barato, porque eu tinha que produzir muito. Eu produziamuito e ganhava pouco. Aí eu passei três anos trabalhando pra ele, aí nãodeu certo mais. Por quê? Porque eu pagava muito imposto, meu lucro erapouco [...].Eu fui, justamente, pulando, aumentando o faturamento. Porque

vai aumentando o faturamento, certamente vai aumentando a... sai de micro,fui pra empresa. Daqui a pouco, eu tava numa empresa de médio porte. AíPronto. Aí foi que comecei a pagar imposto caro. Na realidade, o governo,pra gente que trabalha com esse ramo de confecção, o governo, ele é muitoomisso na parte de dar um suporte a você. E foi ficando difícil, foiapertando, apertando. E chegou um momento que não deu mais para eutrabalhar para o rapaz do Rio. Por quê? Lucro pouco. Pagava muito imposto[...].Todos funcionários eram registrados. Eu comecei, quando eu comeceicom esses três funcionários. Esses três funcionários ficaram até o, vamosdizer, até três anos atrás. Eles ficaram sete, oito anos, esses funcionários quecomeçaram comigo. O negócio foi apertando, apertando. Chegou o tempoque eu fiz uma demissão em massa. Uma redução geral, mesmo. É isso queeu digo, é isso que a gente fala, da oscilação que é esse ramo.

Situações como a descrita acima não são raras na produção de confecções em

Caruaru, como estamos verificando pelo trabalho de campo. Os fabricos tornam-se fábricas,

legalizam o negócio, formalizam as relações de trabalho e depois de um tempo, como

alternativa para as dificuldades financeiras, readaptam e reestruturam seu negócio escolhendo

a via da externalização da mão de obra.

3.1 Empreendedores confeccionistas: características da fábrica, do negócio e dasrelações de trabalho.

No intuito de elaborar um breve perfil dos confeccionistas e das empresas destacamos

que das 20 apenas uma é registrada como Microempreendedor Individual (MEI), 3 como

Empresas de Pequeno Porte, 15 são Microempresas e 1 Grande empresa, esta última uma das

pioneiras no segmento surfwear em Caruaru e na introdução de inovações por meio de

maquinários e da concepção de design e de “fazer moda”, como afirma a confeccionista: “O

sistema CAD, a máquina de bordar, fomos os primeiros a comprar nessa região”. As

confecções produzem mercadorias variadas em tecidos jeans, brim, surfwear em tactel,

camisaria masculina, assim como confecção infantil, e também uma empresa de moda íntima

masculina. Das 20 apenas 5 empresas são mais recentes iniciando suas atividades entre 2010 e

2012. As outras 15 empresas já vêm atuando em Caruaru entre 24 e 13 anos. Queremos

salientar com esse dado que são confeccionistas que começaram seus negócios na década de

1990 e que vem acompanhando as mudanças significativas pelas quais o aglomerado

produtivo tem passado. Entre os confeccionistas mais antigos estão aqueles que, sobretudo a

partir de 2005 optaram por externalizar alguns processos, como costura das peças, demitindo

funcionários e os “reempregando” como prestadores de serviço.

Dos 20 confeccionistas 5 afirmam não subcontratar nenhuma etapa do processo

produtivo e apenas um afirmou subcontratar através de facões formalizadas. A confeccionista

de nº 20, uma grande empresa, não deixou claro se o processo de subcontratação é formal ou

informal, entretanto, relatou que externaliza por meio de células de produção todo o processo

de costura das peças. O que a confeccionista denominou de reestruturação da empresa,

coincidiu com momento em que o filho mais velho também assumiu a administração, há 6

anos (2009). Neste momento optaram por investir em novas tecnologias dentro da empresa, a

ampliação dos setores de bordado, estamparia e da área comercial por meio de novas lojas e

representantes. Afirma que decidiram ampliar e concentrar o setor de criação dentro da

fábrica ao mesmo tempo em que externalizaram toda a costura das peças. Esse movimento de

externalizar e subcontratar se dá por duas vias, conforme descrito pela confeccionista: células

de produção criadas e incentivadas pela própria fábrica por meio de antigos funcionários que

vão pagando o maquinário através dos serviços prestados. E, o que denomina de células de

produção particulares:

O que nós fizemos? Pessoas que tinham conhecimento técnico para dominare tinham um conhecimento, alguma condição, a gente negociou com essapessoa e essa pessoa abriu um imóvel, alugou e a gente negociou asmáquinas e eles passaram a ser donos das facções. [...]. Porque era muitagente, era muita coisa para se resolver, os problemas era tudo concentradosem um lugar só. E não tinha também espaço para eu crescer, porque euprecisava tirar essa mão-de-obra externa, colocar externa, separar essaspessoas por grupo para facilitar o trabalho, porque imagina umaquantidade de pessoas desse tipo aqui, uma costureira está se sentindo mal,a fábrica toda se envolve, aí para tudo, é fofoca, aí não era viável. [...]É,cada um faz uma coisa. Uma célula de produção só faz casaco, outra só fazgola polo, outra só faz bermudão, outra só faz surfwear, outra faz regatamachão, outra faz... células de produção. Aí têm várias células, fora ascélulas de produção particulares, que são pessoas que construíram suaprópria fábrica, tinha a marca anteriormente, não deu certo na feira,tiveram dificuldade financeira e nos procuraram e a gente fechou com elespara produzir para gente.

Processo semelhante ocorreu com o confeccionista nº 11, contudo, este frisou que não

tem facções, mas industrializadores, justamente para destacar a condição de prestadores de

serviço formalizados. Este confeccionista quando estimulado a falar sobre as etapas do

processo produtivo, nos explica que:

Hoje, a partir de 2012 para cá, nós começamos a trabalhar com facções.Hoje a empresa tem quatro facções. Fora o nosso prédio aqui que a gentetrabalha e tem 70 funcionários, ainda tem quatro facções fora [...]É aestamparia. Ela está terceirizada. E três linhas na parte de costura. Entãoque nós tiramos daqui de dentro, até por uma questão de espaço físico,também, que a gente não tinha o espaço físico suficiente, que a gente estavatentando procurar um prédio. E também por uma questão de acomodação,que a facção... Qual é a vantagem que eu tenho com a facção hoje? Afacção, a nossa facção, aliás, nossas facções, elas são todas facçõeslegalizadas. Todas tem empresa. Na realidade, nós chamamos de facção,

mas eles não são facções, eles são industrializadores.Importante destacar que a situação do confeccionista acima parece ser uma rara

exceção, é o único caso dentre nossos entrevistados, em que as facções são formalizadas.

Esses movimentos de reestruturação do processo produtivo, descrito, sobretudo pelos

confeccionista nº11 e nº18, uma vez que são empresas e marcas bem consolidadas no

mercado regional e nacional, respectivamente; podem indicar um caminho a ser seguido, uma

tendência que está se consolidando na produção de confecções em Caruaru, a flexibilização

do processo produtivo e das relações de trabalho incentivada pelo protagonismo das empresas

maiores.

Outra tendência, identificada pela análise dos dados de campo, é a de “produzir sem

ter um fábrica”. Em diversos momentos nossos entrevistados afirmaram conhecer pessoas que

não tem fábrica própria, são donos de uma marca e que produzem tudo através de facções.

As percepções do nosso entrevistado nº1, confeccionista desde 1991, servem de

ilustração desta tendência:

Mas dos últimos cinco anos para cá, quatro anos para cá houve umaguinada na questão de produção na maioria das fábricas, aqui em Caruaru.Principalmente as mais informais, que é a questão da terceirização, e aí euparti para a terceirização [...]. Muita gente demitiu funcionário e nãoreadmitiu mais ninguém, pegou a produção dele e terceirizou. E isso nãoaconteceu comigo, não aconteceu com meu irmão, não aconteceu com o meuvizinho. Aconteceu com, acho que oitenta por cento das pessoas que temfábrica aqui na nossa região [....]. Eu já ouvi falar de pessoas que não temuma máquina de costura. Não tem estrutura de fábrica nenhuma. Tem umdepósito para receber a mercadoria em casa e um funcionário para receber.Ele tem uma empresa. Então, assim, o que é que ele faz? Ele procuraempresas que são registradas, que ele manda fabricar a mercadoria dele.Ele recebe a nota fiscal, porque tem que justificar, já que ele é umaindústria, ele abriu como indústria, mas só que essa indústria terceirizou oserviço dela, para justificar essa produção ele tem que ter uma nota fiscalterceirizada, que meu irmão faz isso, também, além de ele ter algunsfuncionários em casa, ele, também, faz isso. Então, isso, de alguns anospara cá tem sido muito forte.

Disto podemos concluir que além da informalização das relações de trabalho, via

externalização, também é forte a tendência da externalização total da produção via

terceirização. Neste sentido podemos conjecturar que os confeccionistas ao escolherem esse

caminho pressionam os prestadores de serviço para que registrem seu negócio, talvez estejam

utilizando-se do cadastro do Microeempreendedor Individual - MEI, que é o que interessa

para que o contratante possa manter sua cadeia produtiva “legal”. O prestador de serviço, por

sua vez, pode estar lançando mão de trabalho informal para atender a demanda do contratante,

o seu fornecedor.

Ressaltamos que esta dinâmica não é recente e muito menos nova na cadeia de

produção de confecções ao redor do mundo. Contudo, ela é uma nova prática nas

transformações que vem ocorrendo na produção de confecções para o PCAP. Estamos

verificando, pela pesquisa empírica, que em um contexto de informalidade generalizada, a

formalização dos negócios quando desponta já traz consigo a flexibilização da relação de

emprego marcada por uma ampla utilização de facções e trabalho a domicílio resultando em

um afastamento de determinados trabalhadores subcontratados de seus direitos.

3.2 Processo de formalização dos empreendimentos industriais e seusdesdobramentos.

Tratando-se do processo de formalização fiscal dos empreendimentos industriais

destacamos que, conforme a perspectiva dos confeccionistas, o que denominamos de atores

coletivos exerceu pouca ou quase nenhuma influência para a decisão de registro do negócio

como também não orientou e acompanhou o desenvolvimento do mesmo. O SEBRAE é o

ator coletivo mais referido justamente para ser associado à falta de diálogo com os

confeccionistas. Alguns afirmam que procuraram o órgão e acharam a consultoria onerosa

demais, outros que procuraram o serviço e não obtiveram a atenção que esperavam.

Contudo, os confeccionistas mais articulados, que participam de associações como

Associação Comercial de Caruaru – ACIC (apenas 6 entrevistados), e do Sindicato dos

Lojistas de Caruaru – Sindilojas (apenas 1 entrevistado), atribuem alguma importância ao

SEBRAE, SENAI e à própria ACIC. Mas, todos, sem exceção, afirmam que é o

conhecimento prático de uma trajetória iniciada desde muito cedo, ainda crianças, tanto com a

comercialização como com a produção de confecções que os fizeram crescer, estruturar o

negócio, e tornarem-se empreendedores.

Dentre os atores institucionais, o Estado aparece como um agente atuante e influente

para as decisões de formalização do negócio, por meio da ação fiscalizadora. Entretanto, ele

aparece quando apenas 1 entrevistado explica suas motivações para a decisão de registrar

firma. O entrevistado nº 9 afirma que:

Levou uns cinco anos. Veja só, na realidade a gente sempre pensava emformalizar, porque a gente tem funcionários, às vezes você quer comprar umproduto direto, você quer fazer uma venda para lojista, eles só compramcom nota. Só que o custo é alto. E a gente ficava sempre com o pé atrás. Oque motivou, um dia a gente trabalhava num fabrico que a gente tinha, ealguém da rua, não sei se por inveja ou por maldade, denunciou a gente aReceita Federal. Aí, uma bela tarde a gente estava trabalhando, erasegunda-feira, e alguém chegou, bateu na porta, o pessoal ia pegar asmercadorias na segunda para revender, na quarta-feira depois da feiraprestava contas. Quando a gente chegou, bateu na porta, quando eu abri era

o pessoal da Receita Federal, policial, tudo, porque eles andam compolicial. O que foi que aconteceu? A gente recebeu uma denúncia que aquitem um fabrico que tem não sei quantos estoques de tecido lá embaixo. Não,a gente tem um fabrico, realmente, mas não tem outro depósito não. Aí elespediram para entrar, entraram e deram a intimação.

De maneira geral as motivações para o registro do negócio estão relacionadas à

ampliação das possibilidades de comercialização e de compra de produtos, principalmente

tecidos e máquinas de revendedores e fabricantes fora de Caruaru. Com muito menos

frequência é relacionada a possibilidade e/ou preocupação em registrar funcionários.

Dentre os pontos positivos da formalização fiscal, elencados pelos confeccionistas,

estão novamente a possibilidade de comprar tecido de outros Estados, a possibilidade de fazer

uso de linha de crédito para comprar máquinas modernas e, até, a possibilidade de poder

contratar funcionário com carteira assinada. Entretanto, o único confeccionista que relacionou

este ponto positivo, entrevistado nº12, proprietário de uma confecção de peças masculinas em

jeans e de uma lavanderia, tem atualmente 28 funcionários registrados em carteira, entre

confecção e lavanderia, mas externaliza a costura das peças infantis e a atividade denominada

de “tirar pelo”, que é o processo de retirar os excessos de linha, trabalho feito manualmente.

Para essas tarefas aciona o trabalho de 3 a 4 facções informais.

Dentre os principais pontos negativos da formalização fiscal estão a concorrência

desleal do informal; os impostos, a fiscalização anual do Ministério do Trabalho (fiscalização

injusta); a denuncia de funcionários que pediram para não se registrar e depois acabam

acionando a justiça. Temos, portanto, que os pontos negativos estão em consonância com os

motivos indicados pelos entrevistados para a “necessidade” de subcontratar facções informais.

A partir dos dados analisados até o presente momento podemos afirmar que a despeito

do movimento de modernização caracterizado pela introdução de maquinário moderno e

novas formas de gerir o processo produtivo representando o que há de mais organizado e

referido a um padrão capitalista de gestão empresarial, algumas características constituintes

são conservadas, a exemplo da permanência de relações de trabalho informais.

De certa forma já tínhamos esta constatação como uma hipótese através da revisão

bibliográfica de pesquisas acerca do PCAP, contudo, a partir dos dados de campo podemos

começar a mapear e identificar de que forma acontecem os movimentos que produzem a

informalização das relações de trabalho. Até o momento verificamos que a formalização fiscal

não garante a formalização das relações de trabalho e esta contribuindo para gerar mais

informalidade na medida em que os confeccionistas estão recorrendo a externalização da

produção, estratégia que se intensifica em Caruaru nos últimos cinco anos.

4. TRABALHADORAS(ES) E CONFECCIONISTAS INFORMAIS

4.1 Empreendimentos informais: características e dinâmicas de funcionamento.

Como vimos as indústrias de confecções se utilizam da mão de obra e do trabalho dos

pequenos estabelecimentos informais e dos trabalhadores em domicílio em algumas etapas do

processo produtivo. Ao nos voltarmos para a análise do empreendimento informal visamos

identificar as práticas que sustentam os laços entre o formal e informal e também investigar

como o trabalho informal, na produção de confecções, se propaga na medida em que é tomado

como algo rotineiro, comum e natural, isto é, como uma opção de geração de renda e um

negócio promissor. Na sequência, iremos apresentar, individualmente, as 10 entrevistas, ao

mesmo tempo em que estabelecemos as relações.

A entrevistada nº1, tem 52 anos, é casada e tem três filhos e segundo grau completo.

Dona do seu próprio fabrico trabalha há apenas um ano e cinco meses com a costura, e sua

casa é o local de produção. No momento, quase todos os cômodas da casa estão sendo

ocupados para este fim. Afirma não ter uma rotina diária única, pois tudo depende da

demanda de produção do fabrico, uma vez que ela é responsável tanto pelo acabamento do

produto, quanto pela sua comercialização. Além das suas atividades no fabrico, a entrevistada

faz alguns serviços extras de estética de onde retira a renda para pagar a sua faculdade, que é

de Serviço Social. Assim que se formar, ela pretende trabalhar como Assistente Social,

deixando que seus filhos continuem tomando conta do negócio. Antes de produzir confecção

tinha salão de beleza, mas viu na confecção a possibilidade de ter uma renda melhor.

Nem todas as etapas da produção são feitas exclusivamente pelo trabalho da

entrevistada e de seus dois filhos, sócios do negócio. Contratam o serviço de corte dos tecidos

por meio de um cortador que atende a domicílio, e o serviço de um jovem rapaz, que

geralmente é fica responsável pela prensa de sublimação. A figura do “cortador a domicílio” é

uma atividade que vem crescendo muito na região porque os prestadores deste tipo de serviço

geralmente tem um vínculo de trabalho fixo em fábricas de Caruaru e nos horários

alternativos fazem o famoso “bico”. Para os confeccionistas menores, que ainda não dispõem

de todo o maquinário também é interessante uma vez que eles só precisam ter a mesa para

enfestar e cortar. Alguns confeccionistas também afirmaram que é uma forma de garantir que

o tecido vai render a quantidade de cortes esperada.

Além do corte, que é subcontratado, as peças do fabrico são feitas por costureiras

faccionistas, as quais entregam a roupa com toda a costura pronta e são pagas por produção.

Um dos filhos da entrevistada é o responsável pelo design e sublimação das peças. Ela nos

conta que tem como plano para o futuro formalizar o seu negócio, mas por enquanto estão em

fase de investimento, consolidação da marca e experimentação. Por isso, eles não tem uma

remuneração fixa, tudo o que sobra é voltado para o investimento do negócio.

Atualmente ela repassa a costura das peças para 3 costureiras faccionistas. Paga

R$0,50 por peça, é uma confecção infantil.

Entrevistada: Nós começamos com 140 peças. Hoje, nós estamos chegandono patamar por semana, de duas mil peças. Pesquisadora: Em dois anos?Entrevistada: Isso em um ano... é... novembro, dezembro, janeiro, fevereiro,março... um ano e cinco meses. Pesquisadora: Um ano e cinco meses jáaumentou tudo isso a produção? Entrevistada: Tudo isso, graça a Deus. Euchamo assim que isso é a qualidade do que a gente faz. Porque, se não fossepor essa qualidade, eu conheço pessoas que estão no ramo, estão no ramohá muito tempo e não conseguem produzir o tanto que eu produzo hoje.

Nossa entrevistada fez questão de frisar que o preço que ela paga é bem acima do

que é oferecido normalmente, por isso não tem dificuldade em encontrar costureiras. Suas

peças são simples de costurar, ela entrega a peça cortada, e a faccionista tem que

responsabilizar-se pelo restante. A fala destaca abaixo ilustra a realidade relata por ela:

Pesquisadora: E elas colocam o quê? Elas na facção, a linha...Entrevistada: Elas colocam tudo, não dou nada, tudo é delas. Pesquisadora:Alinhamento, agulha? Entrevistada: Agulha, tudo, tudo que tiver é comelas. Pesquisador: A senhora só leva... Entrevistada: Só leva a peçacortada. Diferente de Toritama é que, lá em Toritama... Pesquisadora: Darealidade que a senhora conhece? Entrevistada: ... a realidade que eu vi láé que lá é um trabalho muito escravo. Muito, muito, muito. É assim fora docomum. Pesquisadora: Por causa do ritmo de trabalho? Entrevistada: É oritmo, a quantidade de horas, é o valor que é pago. Porque uma peça dessaminha, ela não troca linha. Pega branquinha é toda branquinha e eu pago50 centavos. Eu cheguei lá a conversar com uma dona de facção, e ela temuma facção de jeans claro. Aí ela passa por um processo de quase cincomáquinas, porque uma faz todo o processo de viés do bolsinho, o viés não, opontear, faz o ponteamento todinho. Depois da ponte, ela vai pra outramáquina, faz outra coisa, depois vai pra outra costureira, faz outra coisa eelas ganham 45 centavos, 35 centavos em uma peça jeans. Entrevistada: Emuma peça jeans! Que é mais difícil de costurar.

Além das atividades de costura e do corte, o aprontamento final também é feito com

auxílio de mão de obra subcontratada. Normalmente ela tem 2 mulheres que trabalham no

aprontamento final da peça, sendo uma regular, que recebe semanalmente e outra menina que

recebe pelo dia que trabalha. É a figura da diarista, que apareceu em inúmeras atividades

voltadas para a produção de confecções. Nesta atividade a diarista recebe R$20,00.

A entrevistada nº 2, divorciada e mãe de dois filhos, trabalha há 14 anos com costura.

Dona de um fabrico em sociedade com a sua mãe produzem moda infantil em jeans. A

varanda da sua casa é seu local de produção. Este espaço é reservado apenas para o corte e o

acabamento da peça, uma vez que todo o trabalho de costura é realizado na forma de facção.

Em casa, portanto, faz-se o corte e o aprontamento das peças (embolsar e separar os pedidos).

Depois que voltam das facções de costura, as peças passam por outros processos quando

necessário, a exemplo do bordado, que são feitos por outra prestadora de serviços (na fábrica

de sua irmã), e por último vão para a lavanderia (de propriedade de outra irmã). Todas as

costureiras faccionistas são da área rural, nos sítios, e o pagamento é feito por produção. O

volume de produção varia entre 1.500 ou 2.000 peças por semana.

Sobre a divisão de tarefas com sua mãe a entrevistada conta que como não sabe

costurar fica responsável pelos acabamentos finais da confecção, além da comercialização na

feira da Sulanca e administração geral do negócio. O contato com as faccionistas, levar e

buscar mercadoria e primar pela qualidade da costura é feito pela sua mãe, uma senhora com

mais de sessenta anos. Nossa entrevistada afirma que trabalha de domingo a domingo e é

totalmente sem horário correto para a divisão das tarefas da casa e do negócio, vai fazendo

conforme aparece a urgência, mas afirma que prima pelos compromissos com a confecção.

Assim como a maioria das demais histórias de vida dos nossos sujeitos de pesquisa,

ela iniciou no ramo da costura através da sua mãe, que sempre incentivou suas filhas a

trabalhar por conta própria e nunca ter que depender de patrão nenhum. Embora tenha

desenvolvido ao longo dos anos problemas de saúde em função do trabalho, a exemplo da

insônia devido aos horários de funcionamento das feiras e pela necessidade de fazer serão

afirma que nunca se arrependeu de trabalhar com a produção de confecções, pois o seu

trabalho lhe concedeu a independência financeira e um padrão de vida que lhe permite algum

conforto.

Quando estimulada a falar sobre o processo de produção, nossa entrevistada expressa a

concepção, comum e naturalizada na região, do tipo de relação entre confeccionistas

informais, geralmente os fabricos com as facções:

Pesquisadora: Então, vamos falar um pouquinho lá da produção. Asenhora passa para as costureiras e costureiros. Entrevistada: Sócostureira. Pesquisadora: É só mulher? E quantas têm? Entrevistada:Porque não é nossa. A facção é delas. Vamos dizer, você abre uma facção,você fala para mim assim: Entrevistada, você tem mercadoria para meentregar? Eu tenho uma facção. Você diz para mim. A responsabilidade ésua, eu não tenho nada a ver com isso. A minha responsabilidade é lheentregar a minha mercadoria. A sua responsabilidade é de me entregarpronta. Quantas pessoas você tem, a mim não cabe. Você pode ter 5, 6, 7.Quanto mais costureiras você tiver, mais produção você vai ter, porque maismercadoria você vai pegar.

A história da entrevistada nº 2 é muito interessante, também, pela rede de relações de

trabalho e cooperação entre os familiares. Elas são três irmãs e todas trabalham com

confecção, mas em situações diferentes e compõem uma cadeia de etapas do processo

produtivo. Uma de suas irmãs tem indústria de confecção, é a nossa entrevista nº 8 dos

confeccionistas formais. A outra irmã é dona de lavanderia e também tivemos a oportunidade

de conhecer o estabelecimento e conversar com seu marido, que atualmente é o Presidente da

Associação das Lavanderias de Caruaru –ALC. Essas relações permitem uma troca de

serviços, principalmente para a confeccionista informal que conta com os serviços de

lavanderia e acabamento final das peças, através de suas irmãs, que dispõem de maquinário e

serviços com mão de obra mais especializada.

Nossa entrevistada nº3 trabalha com costura há 10 anos, tem 36 anos de idade e ensino

fundamental incompleto. Tem um fabrico de roupas femininas, confecciona camisetas e

conjuntos de dormir, é proprietária do seu negócio e também presta serviço de costura, através

de facção, para outros intermediários (comerciantes). Neste caso, ela afirma que também faz

facção uma vez que ao produzir coloca a etiqueta/marca de quem está comprando o produto.

O fabrico é dentro da su casa e fica em um dos quartos onde estão as maquinas misturadas

com as roupas. Não tem muita organização, as cadeiras e mesas são gastas e parecem

desconfortáveis para o trabalho. Apesar de na sala ter material de bordado (imagens e

adesivos) a entrevistada afirma que a produção acontece somente no espaço do quarto. Ela

nunca trabalhou com carteira assinada e afirma ter consciência de que se formalizasse seu

negócio não conseguiria ter a renda que tem hoje. Diz não se preocupar tanto com o futuro,

pois está investindo na educação de seu filho, que estuda medicina na Argentina.

Para dar conta das encomendas ela repassa trabalho para mais quatro pessoas, as

costureiras faccionistas. Produz para comercializar na feira da Sulanca de Caruaru e também

para alguns clientes fixos, por isso afirma ser um fabrico uma vez que ela é a confeccionista,

ela quem cria os modelos e vende para as pessoas que irão comercializar, embora nem sempre

com sua marca na etiqueta. É um fabrico que subcontrata o trabalho de facções, no mesmo

sistema que a entrevistada n.º4, como veremos a seguir.

Nossa entrevistada mais jovem tem 22 anos, ensino médio incompleto, trabalha há 3

anos como confeccionista produzindo moda feminina em malha fria. Também iniciou no

ramo da confecção por influência familiar e depois de já ter trabalhado como empregada em

uma loja no centro da cidade e ter tido a experiência da carteira assinada. Ela enfatiza que

realizou uma escolha preferiu montar seu negócio, mesmo que informal e sem possibilidades,

por enquanto, de fazer as contribuições previdenciárias, ou ter um CNPJ, do que continuar no

ramo do comércio como assalariada. Seu fabrico fica no andar debaixo da sua casa. No salão

de produção para distração uma televisão e um rádio. As cadeiras para costura parecem

desconfortáveis e o ambiente não é muito iluminado, tem pouca ventilação e as peças de

tecido ficam amontoadas no chão. Produz de 4.000 a 5.000 peças por semana. Vende sua

produção na Feira da Sulanca em Caruaru para clientes eventuais e, principalmente, clientes

fixos, que, conforme a entrevistada, são os melhores compradores. Nesse sentido, ela afirma

que faz fabrico (confecção própria, marca própria) e também facção, porque para os clientes

fixos ela produz, na maioria das vezes, conforme a encomenda e coloca a etiqueta dos

clientes.

Interessante ressaltar que os clientes fixos da entrevistada nº4 são quase todos da

mesma família. São várias irmãs que depois de terem seus fabricos e facções por mais de duas

décadas, decidiram investir no ramo da comercialização e abriram lojas no interior dos

estados de Pernambuco e Alagoas. Para dar conta desta produção e desta clientela nossa

entrevistada externaliza sua produção para facções menores, ao todo são 7 facções

subcontratadas. As entrevistadas nº 3 e nº 4 tem um cliente fixo em comum, que é nossa

entrevistada nº5.

Esta última tem 47 anos, ensino médio incompleto e trabalha há 25 anos no ramo da

confecção. Nunca teve carteira assinada, mas adquiriu um bom patrimônio com a atividade de

confeccionista informal. Atualmente apenas comercializa, mas já teve fabrico dentro de sua

casa com até 18 pessoas costurando. O fabrico ficava no mesmo local onde mora hoje, um

prédio de três andares no Bairro Petrópolis, bairro considerado de alto padrão. Na época toda

sua família - marido e dois filhos-, estavam envolvidos na atividade. Seu marido também

costurava e os filhos trabalham de maneira indireta separando, transportando e embalando os

produtos.

A entrevistada parou de confeccionar a mais ou menos três anos. Quando gerenciava

seu fabrico afirma que trabalhava mais de dez horas por dia, principalmente em épocas com

mais movimento comercial, pois faziam serões quase todas as noites, ultrapassando 12 horas

de trabalho. Atualmente, o ritmo de trabalho é menor, mas as viagens para o interior são

sempre cansativas. A ex-confeccionista afirma que conhece muita gente na Feira da Sulanca,

devido às duas décadas de atuação no ramo, por isso é fácil de estabelecer contatos para

comprar as confecções que revende em suas lojas no interior.

A entrevista nº 6 foi realizada com um casal, parceiros na vida e no trabalho. A esposa

sempre costurou, trabalhou em firma como costureira com careira assinada, mas há 10 anos

faz facção em seu domicílio. Seu esposo começou a costurar junto há 6 anos, ele já havia

trabalhado fichado como pintor automotivo e marceneiro, mas como estava ficando

constantemente sem emprego resolveu aprender a costurar e desde então são donos da própria

facção, trabalhando em casa. Produzem roupas femininas em malha fria, vestidinhos e/ou

macaquinhos, o que na região é conhecido como “modinha”. Pela simplicidade em costurar,

tem uma produtividade maior, mas, em contrapartida, isso se reflete no preço pago/cobrado

para produzir a peça. O casal ganha R$0,40 centavos por peça.

A esposa tem como planos futuro montar seu próprio fabrico, mas para isso precisa de

capital, coisa que eles não tem. Conforme afirmou: “[...] para ter fabrico é preciso ter tudo

certinho, não pode ser na casa e tem que contratar mão de obra”. Na visão dela, no serviço

de facção não existe um compromisso entre as partes, se o fornecedor não trouxer mercadoria

eles, os faccionistas, não podem exigir nada “Se tu é dono de fabrico tem que pagar

funcionário mesmo não tendo produção, então, para começar é muito difícil”.

Atualmente trabalham (faccionam) apenas para 1 fornecedor. Classificamos este tipo

de fornecedor como fornecedor/intermediário, uma vez que ele é quem faz a ponte entre os

que fabricam e os que comercializam nas Feiras da Sulanca. Este fornecedor/intermediário

não tem banco/box na feira, ele recebe os pedidos/encomendas dos feirantes e comerciantes e

providencia a produção em várias facções espalhadas pela cidade de Caruaru. Geralmente são

facções muito pequenas, com mão de obra familiar e localizada nos bairros de periferia e com

difícil acesso. Nosso casal entrevistado afirmou que a maioria das encomendas que seu

intermediário recebe é de outros municípios de Caruaru e de outros Estados. Mas, também

tem pedidos de sulanqueiros.

Este fornecedor/intermediário é o responsável pela compra do tecido e também

subcontrata o corte, em outras facções, além da costura da peça. Os fabricantes colocam a

etiqueta de quem encomendou a mercadoria. O fornecedor/intermediário vende as peças a R$

4,00. O casal não sabe por quanto a peça é vendida no banco/box nas feiras e/ou lojas em

outros Estados.

Como as máquinas são dos nossos entrevistados (não todas, uma é emprestada da

irmã), ao todo são três máquinas, a manutenção é por conta própria. O

fornecedor/intermediário fornece o tecido, o viés e a etiqueta. O restante, linha, energia,

manutenção das máquinas é tudo por conta deles.

Sobre o controle de qualidade eles nos disseram que o fornecedor/intermediário não

confere na hora em que retira as mercadorias porque são muitas peças. Mas, eles têm que ser

perfeccionistas porque se o cliente recebe reclamação de defeito o fornecedor/ intermediário

traz a peça de volta para arrumarem e se isso se tornar uma constante eles vão estar sempre

concertando as peças e deixando de ganhar por peças novas.

Nossa entrevistada nº7 tem em sua casa uma facção de “tirar pelo” (retirar os fios de

linha que sobram da costura) das peças em jeans. Ela tem 48 anos, ensino fundamental

incompleto e há oito anos dedica-se e intercala esta atividade com as responsabilidades de ser

uma dona de casa. A pequena facção está concentrada na garagem da casa e ela conta com a

ajuda de mais seis outras senhoras. Ao todo, elas tiram pelo (como a atividade é conhecida na

região) de mais ou menos 3.000 peças semanalmente. A entrevistada relata que as demais

mulheres que vem à sua casa para realizar esta atividade não tem um compromisso de horário

de trabalho. Como cada uma ganha por produção, elas também podem dedicar o tempo que

acharem necessário para este compromisso. A garagem da casa de nossa entrevistada é como

um “ponto de encontro”, as mulheres podem optar em trabalhar ali mesmo ou levar o trabalho

para casa.

Ela nos relata que não sofre pressão com relação a um ritmo exagerado de trabalho,

entretanto, afirma nunca ter recusado trabalho. Sempre que o fornecedor diz que tem um

pedido grande para entregar e que tem prazo, ela e as demais mulheres se organizam para

atender e dar conta desta demanda. Abaixo nos explica o funcionamento de uma facção de

tirar pelo e a dinâmica da produção de confecções em Caruaru:

Pesquisadora – Quer dizer que a pessoa que manda essas peças, eles nãoestipula uma quantidade de peças? Entrevistada – Não. Se eu quiser tirardez mil eu tiro, só se chegar assim, vamos dizer, tem um pedido praentregar, aí chega aquele pedido, hoje tem assim, cem peças tem que sair, aíagente se organiza pra fazer aquelas cem peças. Pesquisadora – E eleentrega semanalmente pra senhora? Ele traz aqui e vem buscar também?Entrevistada – Sim, semanalmente. Traz e vem buscar. O pessoal dalavanderia. Pesquisadora – E como é que vocês fazem um acordo, opagamento é por peça? Entrevistada – É por peça. R$0,15. Pesquisadora –E quanto tempo a senhora leva pra trabalhar em uma peça? Entrevistada– Depende da peça, eu acho que... Tem peça que você vai de 3 minutos, 4minutos, depende da peça [...] Só jeans. É calça, bermuda, mas é maiscalça, a gente trabalha mais com calça. Pesquisadora – Tem uma marca?Entrevistada – Algumas têm e outras não têm. É várias, assim, porque é elesque colocam a marca. Lá são vários tipos de marca que botam, muitas vezeseles colocam da Mariza, mas tem a Riachuelo também. Pesquisadora –Então depois é que eles colocam a marca? Entrevistada – O fornecedor,ele trabalha com a Mariza, mas lá também têm várias outras empresas queeles trabalham [...] Tudo é confeccionado aqui em Caruaru, porque aquitambém tem muita lavanderia né? Pesquisadora – Mas aqui ela vem quasefinalizada? Entrevistada – Aqui elas já vem das facções que costuram, alavanderia que me fornece, aí aqui a gente tira o pelo, a função da gente ésó tirar o pelo dela, tirou o pelo da peça eles recolhem e lá, na lavanderia,eles vão dar, como eu já disse, o acabamento final. Aí vai colocar etiqueta,vai colocar botões, se tem outros acessórios que vai colocar é tudo lá.Pesquisadora – Esse processo de costura da calça jeans ele é feito amaioria em facção? Entrevistada – A maioria é em facção. Pesquisadora –

Dividido assim como a atividade da senhora. Entrevistada – É como o pelo,eles também dividem o pelo, não só tem eu que tira o pelo, parece que équatro pessoas que fazem essa função do pelo, como a facção de costuratambém é em vários lugares. Tem aqui em Caruaru, tem em Santa Cruz, temem várias cidadezinhas, no presídio tem a facção também.

Com os relatos de nossa entrevistada nº7 foi possível identificar mais uma dimensão

da cadeia de subcontratação das etapas do processo produtivo de confecções em Caruaru e

que reflete a realidade de toda a região do PCAP. Aqui foi possível visualizar que grandes

redes de magazine atuam na região e “entram” através da contratação dos serviços das

lavanderias. Estas, por sua vez, ramificam suas atividades podendo subdividi-las em facções

de corte, de costura, de bordado, de tirar pelo... enfim, por meio da parcialização de várias

etapas do processo produtivo executadas através de relações de trabalho informais.

A entrevistada nº 8 tem 47 anos, não concluiu o ensino fundamental e trabalha com

produção de confecções há 33 anos. Suas duas filhas, de 19 e 18 anos trabalham junto na

facção da mãe e seguem cursando o ensino médio, pela noite. A filha mais velha afirmou que

trabalha desde os 7 anos de idade e a menina de 18 trabalha desde os 11 anos. A trajetória das

filhas de nossa entrevistada nº 8 não é incomum. Estão reproduzindo o mesmo estilo de vida

de sua mãe e começaram na costura muito cedo porque desejavam ter o seu próprio

dinheirinho, como afirmou uma delas.

A facção em questão fica localizada num prédio de dois andares construído pelo sogro,

não pagam aluguel, mas também não são as proprietárias do local. Todo o trabalho de costura

é feito para um mesmo cliente, chamado por elas de fornecedor fixo. A entrevistada já

produziu para si mesma, vendia na Feira da Sulanca em Caruaru, mas há 10 anos optou por

fazer apenas facção. Faz cinco anos que elas trabalham para o mesmo fornecedor. Neste caso

existe um contrato verbal de exclusividade. O diferencial é que o maquinário é da

entrevistada, e com isso constatamos que “o contrato de exclusividade” não acontece apenas

quando o fornecedor fixo empresta e/ou vende suas máquinas para os faccionistas. Para

atender a demanda de produção, ela também contrata, sobre bases informais, o trabalho de

mais duas costureiras que trabalham dentro da facção, como funcionárias. Como de praxe

todas recebem por produção, tanto a dona da facção, como suas “funcionárias”.

Na fala abaixo a entrevistada nº8 nos relata as peculiaridades desta forma de fazer

facção:

Pesquisadora: - A senhora trabalha só pra um cliente, Seu Henrique?Entrevistada: - Sim. Mas também foi o único mesmo que sempre pagoudireitinho, graças a Deus. Às vezes vinham só com a metade do dinheiro. Agente não conseguia segurar costureira nenhuma porque não pagavam

direitinho. Aí diziam: ‘Pagou mas a gente gastou o dinheiro’. Mas não eranada disso..... Aí, graças a Deus, assim que Henrique paga a genteautomaticamente paga as meninas. E graças a Deus está dando certo.

Com estas informações podemos afirmar que a condição de produzir confecção na

informalidade, neste caso, às expõem a situação de vulnerabilidade, uma vez que podem não

receber pelo trabalho realizado, ficando mais difícil a cobrança judicial e gerando a situação

de agarrar-se ao “menos pior”, isto é, trabalhar para aquele fornecedor que paga em dia mas

que não pagaria um valor justo por peça produzida. Entre ter sua mão de explorada e estar

exposta constantemente ao risco de não receber pelo trabalho e ter, talvez, a sua mão de obra

super explorada, mas ter a certeza do pagamento, fica-se com a última opção: a “menos pior”.

Nossa entrevistada nº9 tem 36 anos, ensino fundamental completo, casada e tem três

filhos. Diferentemente das outras confeccionistas informais, ela tem a peculiaridade de ter

uma história de trabalhado, sempre na confecção, mas com vínculos de trabalho que se

alteram entre o trabalho informal e formal com carteira assinada dentro de uma das maiores

fábricas de confecção de Caruaru. Atualmente, retornou para a informalidade para ser dona do

próprio negócio.

Aos 14 anos, em 1993, começou a trabalhar como costureira na zona rural de Caruaru,

no fabrico montado pela hoje dona de uma grande indústria de confecção, e para quem

trabalhou por 15 anos. Ficou em torno de um ano trabalhando informalmente e quando a

fábrica maior foi construída, já na área urbana de Caruaru, nossa entrevistada passou a

trabalhar com carteira assinada e foi desenvolvendo uma carreira dentro da indústria,

assumindo postos de gerência e controle de produção. Contudo, relatou que era uma rotina

demasiadamente cansativa pois era obrigada a cobrar dos funcionários produtividade, a

pressão para atingir a meta do dia a deixava constrangida e estava constantemente infeliz e

estressada. Seu esposo também trabalhava na mesma fábrica e decidiram sair para tornaram-

se donos de seu próprio negócio.

Há 7 anos eles tem seu próprio fabrico/facção, na zonal rural de Caruaru. Quando

estimulada a falar sobre seu empreendimento relatou:

[...] Ele saiu primeiro, depois eu saí e aí eu comecei em casa, na minha casamesmo, aí depois foi crescendo, crescendo, fui adquirindo mais maquinárioe hoje eu tenho 10 pessoas. Pesquisadora: 10 pessoas trabalhando contigo?Entrevistada: - 10 pessoas na facção. E pronto, e veja, essa parte de facçãoé diferente de fábrica, porque quando você produz sua própria mercadoriavocê agrega um valor, você tira todos os custos, entendeu. Pesquisadora: Aprópria mercadoria você diz é a tua marca? Entrevistada: É, a minhamarca. Então você paga salário, mas você vende o seu produto num preçoque dá para você tirar todas as despesas e também se manter. Facção édiferente, facção aqui como o nosso lugar tem a feira que precisa de

confecção muito barata a facção não é muito valorizada por causa disso, aspessoas querem pagar, assim matando, entendeu.

Nossa informante faz facção, atualmente, para 2 fornecedores, mas até um ano atrás

trabalhou exclusivamente para apenas 1 deste fornecedores, o fornecedor fixo. Afirma que

procurou mais trabalho e quebrou a exclusividade porque a produção estava cada vez menor.

Sobre a relação com os fornecedores e características do fabrico, ela nos explica que:

Entrevistada: É, eu tenho dois fornecedores. Pesquisadora: E como é,assim, eles que trazem o modelo, eles que fazem o controle de qualidade,como que é essa relação? Entrevistada: É assim, eles trazem uma peça e elajá vem pronta, eles me fornecem linha, eles me fornecem todo o material,zíper, entendeu. Pesquisadora: Tu entra com o que, maquinário?Entrevistada: Com o maquinário. Pesquisadora: E mão de obra?Entrevistada: É, e mão de obra. Pesquisadora: E a manutenção, luz, etc.,tudo isso? Entrevistada: Sim, e o salário das pessoas que trabalham comigo.Então eu agrego aquele valor na peça. Pesquisadora: E qual é o volume depeças que tu produz, vocês contam semanalmente, quinzenalmente, comoé? Entrevistada: É, olha, o modelo que eu trabalho é um modelo maiscomplicado. É bermuda para homem, masculina, então a gente, quando éassim, quatro abas, quatro bolsos, uma média de 600 peças por semana, quea gente produz. Pesquisadora: E como que é a questão do valor, tu estipulaum valor, a pessoa que bota preço? Entrevistada: É, eu monto a peça e vejoa dificuldade da peça porque primeiro como eu sei fazer, sei costurar emtodas as máquinas, então primeiro eu monto a peça todinha. Então aí euvejo o tempo, porque tem peças que valem até mais, só que eles não pagamse você pedir. Pesquisadora: Mas tu sugere um valor? Entrevistada: É,sugiro ‘dá para fazer por tanto’, às vezes cai um pouquinho porque tambémeles me fornecem linha, que linha é muito cara, todo o aviamento, então agente cai um pouquinho, eu peço um valor para a gente ter um valor médioali, nem que fique muito baixo para mim nem também muito alto para ele.Pesquisadora: E tu disseste que está com dois porque um só fornecedornão tava repassando muito trabalho pra ti, é isso? Entrevistada: É isso.Porque você sabe que quem depende de feira tem semana que a feira é boa,tem semana que a feira não é, entendeu. Aí como também ele tem a fábricadele, eu sou uma adicional, uma prestadora de serviço, então é claro que elevai primeiro colocar o serviço para a empresa dele, depois é que ele vaifornecer para a minha. Pesquisadora: E as pessoas que tu trabalha, érelação informal? Entrevistada: É, relação informal. Pago um salárionormal... Pesquisadora: Paga um valor, o salário é baseado em que maisou menos? Entrevistada: O salário de costureira. Como eu não depositoFGTS, eles ganham o salário total, R$835,00, mas se você desconta 8% vaidar 700 e alguma coisa, então eles ganham um salário e eles já têmconsciência, recibo, eles assinam quando recebe aquele valor bruto, masassim ainda não consegui formalizar, por conta da nossa região que aindanão agregou valor ao produto... e as fábricas maiores, elas já procuramessas facções para aumentar a produção deles, para não pagar tantoimposto.

Vale destacar que a entrevistada nº 9 demonstra ter consciência de que as facções são

usadas como forma de driblar os impostos e aumento dos lucros por parte daqueles que

contratam esse tipo de serviço. Com isso ela consegue expor a situação desleal e também de

exploração que estão submetidos todos e todas aquelas que prestam serviço através de facções

informais. Lembrando, atualmente ela tem 10 “funcionários”. Essa consciência a motiva a

sonhar em ter a própria fábrica, a própria marca e ser, de fato uma confeccionista.

A entrevistada nº 10 é moradora do distrito rural mais afastado de Caruaru, Itaúna, que

dista 50 km da cidade. Tem 23 anos e há 1 ano, aproximadamente, está fazendo facção. É

preciso ressaltar que apenas recentemente a produção de confecções está se enraizando nesta

localidade. Com isso, se ampliam as possibilidades de trabalho para as mulheres. Ela trabalha

para um fabrico, na forma de facão, e a dona deste fabrico colocou três máquinas na casa de

nossa entrevistada: a overloque, a reta e a goleira. Ela comenta que preferiu trabalhar na sua

casa para poder cuidar de seu filho na parte da manhã. A realidade dessa entrevistada é muito

semelhante a todas as demais faccionistas que trabalham em casa e prestam serviço para

outras pessoas: recebe por produção e esta produção também pode ser incerta uma vez que

está diretamente associada à comercialização nas Feiras da Sulanca, que ocorrem em Caruaru,

Santa Cruz ou Toritama. Ela recebe R$ 0,70 para costurar blusas femininas de malha que são

vendidas na feira a R$ 10,00. Entretanto, devido à falta de oportunidades de emprego na

localidade, a atividade com a costura é vista como uma excelente oportunidade de gerar

alguma renda.

Por fim, destacamos que os sujeitos de pesquisa descritos nas entrevistas nº6 e nº10

estão na mesma categoria de trabalhadores: faccionistas em domicílio que não subcontratam

trabalho, entretanto, diferenciam-se com relação à posse dos meios de produção.

Com base nesses relatos e informações é possível criar uma classificação acerca das

diversas formas de ocorrência do trabalho informal:

A) confeccionistas com “funcionários”: caracterizam-se pelo fato de terem

trabalhadores e/ou trabalhadoras que são como “funcionárias” dentro dos fabricos e facções

(entrevistada nº8 e nº9).

B) confeccionistas que subcontratam os faccionistas em domicílio: caracterizam-se

pelo fato de externalizarem etapas do processo de produção (entrevista nº1, nº2 ,nº3,nº4).

C) faccionistas em domicílio: caracterizaremos pelo fato do trabalho ser gerado pela

demanda de fabricos e facções que subcontratam a prestação de serviços, (entrevista nº 6,

nº10) e/ou por prestarem serviços a fabricas e lavanderias formalizadas (entrevista nº7).

Ainda, os faccionistas em domicílio podem ser donos dos meios de produção (nº6) ou

não (nº10).

D) dona de loja e “cliente fixo” dos confeccionistas informais: aqui temos uma

história de vida e de trabalho que se apresenta como uma tendência forte na região, o

abandono da atividade de produzir confecção e a migração para a comercialização mantendo,

contudo, um “pé” na informalidade uma vez que compram de confeccionistas informais.

Neste caso, nossa entrevistada nº5 foi por mais de duas décadas confeccionista com

“funcionários”, hoje é cliente fixo dos fabricos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: FÁBRICAS, FABRICOS E FACÇÕESENTRELAÇADOS.

O objetivo deste estudo foi o de compreender o processo de formalização dos

empreendimentos industriais e as características e dinâmicas de funcionamento dos

empreendimentos formais e informais. A partir disto, alguns pontos merecem destaque.

Enfatizamos que a informalidade tem sido capaz de se preservar e se reproduzir por

meio dos novos métodos de gestão empresarial, tais como os processos de

terceirização/externalização da produção e de flexibilização das relações de trabalho que, no

contexto de Caruaru, e do PCAP de uma forma geral, encontram uma atmosfera favorável e

fértil devido à “naturalização” do trabalho informal. Neste contexto, a informalidade não pode

ser relacionada, exclusivamente, a situações arcaicas e atrasadas de trabalho e

desenvolvimento econômico e tecnológico, por exemplo.

Identificamos que a informalidade, como estratégia de sobrevivência, é sim ainda

muito presente entre a população de baixa renda, que fabrica por conta própria e usa a Feira

da Sulanca de Caruaru para a comercialização e/ou tem nos comerciantes e intermediários o

contato e o laço que garante sua produção e sua renda. Contudo, ao que parece, essa mão de

obra disponível está sendo incorporada na cadeia produtiva dos confeccionistas maiores. Com

isso, observamos, nesse processo, que por mais que haja uma tentativa de reconfiguração da

dinâmica do trabalho voltada para a formalização dos negócios e das relações de trabalho, o

que vem se apresentando é uma formalização institucional que engendra relações de trabalho

informal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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