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~ eAc~ittes rvelari ~unlor HENRI © l!:ditions Denoêl.zGonthter Colecção: PERFIS Título original Psychologie et Marxisme Tradução de Calado Trindade PSICOLOGIA eív O Capa e orientação gráfica: Estúdio Vega Direitos de tradução para a língua portuguesa reservados por Editorial Vega Rua Jorge Ferreira de Vasconcelos, 8 - Lisboa-2 Composição e impressão : Tip. Garcia & Carvalho, Lda. Rua Santo António da Glória, 90- Lisboa 3000 ex., em Março de 1978 Colecção ~ '7

Zazzo - Henry Wallon Psicologia e Marxismo

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Page 1: Zazzo - Henry Wallon Psicologia e Marxismo

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eAc~ittes rvelari ~unlor

HENRI

© l!:ditions Denoêl.zGonthter

Colecção: PERFIS

Título originalPsychologie et Marxisme

Tradução deCalado Trindade

PSICOLOGIAeív O

Capa e orientação gráfica: Estúdio Vega

Direitos de tradução para a língua portuguesareservados por Editorial VegaRua Jorge Ferreira de Vasconcelos, 8 - Lisboa-2

Composição e impressão :Tip. Garcia & Carvalho, Lda.Rua Santo António da Glória, 90- Lisboa3000 ex., em Março de 1978

Colecção ~

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Page 2: Zazzo - Henry Wallon Psicologia e Marxismo

, . cAc~ittes q)elari 7JuniorRENEZAZ1D

HENRI

NOTA SOBRE O AUTOR

eRené Zazzo é Professor de Psicologia Genética na Universidadede Nanterre. Desde 1962, sucedeu a Wallon na Direcção doLaboratório de Psicologia da Criança da Escola Prática deAltos Estudos de Paris.Antigo assistente de Wallon e discípulo de Arnold Gesell, comquem trabalhou nos Estados Unidos e de cujas obras foi ointrodutor em França, Zazzo é por sua vez um psicólogo dainfância com individualidade própria. Dos numerosos livros eartigos que publicou, destacam-se Deoenir d'Intelligence et Quo-tient dJÁges (1941), Psychologues et Psychologies d"Amérique(1949), Les jumea'/,txJle couple et la perscmme (1962), Conduiteset consoience (1962), Mamuel de l'examen psychologique delJenfant (1962), Traité de PsyoholQgie .de fEnfant (1969) eLes Débélités (1969).

Prefácio deJOAQUIM BAIRRÃO

Professor no I. S. P. A. e Director do Centro deOrientação e Observação Médico-Pedagógica (M. A. S.)

Posfácio deJEAN PIAGET

WEDIfORIAL•••

Page 3: Zazzo - Henry Wallon Psicologia e Marxismo

PREF ACIO A EDIÇÃO PORTUGUESA

Não nos é possível por aqora, fazer uma reflexão aprofun-dada acerca do trabalho de René Zazzo, Vida e Obra de HenriWallon, pequeno livro que é) aliás) uma bela, introdução ao pen-samento de WaUon feito pelo seu discípulo e continuador, eque noutra altura aprofurvdarei como merece. Por agora) âaâaa impossibilwde de um tal estudo) sugiro ao leitor um possí-vel modo de abordar a presente obra.

Começarei por recordar reswmidamenie o capitulo «Retratode Henri Wallon» no qual Zazzo nos fala do homem.== -

Wallon foi realmente um mestre que permitiu. que algose orçomieaese à sua volta) sobretudo o trabaiho de váriaspessoas) graças à uüerliçaçõo do «afectioo» e do «científico».Ê essa presença física) psicológica e científica que Zazzo abordacom afecto e admiração.

Assim foi possível que nascesse '1!4lkPL~ggl!b uma comu-nidade de trabailho e não uma «seita» ou «capela». Daí a impor-tância de certas personalúladês que sirvam de modelo a outraspara o progresso do conhecimento. Sílvio Lima dizia num con-texto aproximado: «As noSSG!8Universidades e Instituios, ...têm enfermado da carência de poderosas indimdualidades cria-

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âoras à Wundt) Piéron e Michotte.» Direi sobretudo que sesente entre nós a falta de personalidades como W<lillon)ondeo cientista se liga atenta e militantemente ao político) contri-buindo para as grandes transformações. Como nos diz Zaezo:«1~ a ciência que faz o marxismo e não o marxismo que faz aciência.»

Da resistência à libertação) da longa noite da destruiçãoda razão - o fascismo - à alvorada de libertação) W allonfoi exemplar) congregando) apesar de tudo e de todos) amigose cotaooroâores que «à sua luz» fizeram progredir as ciênciasdo Homem e contribuíram) na medida do possível) para umasociedade mais justa.

Da libertação e dessa colaboração) recordo a Reforma Lan-gevin-Wallon, que ainda hoje a França não ousou par razõesóbvias pôr em prática na sua totalidade.

Vejamos em sequuia um outro capítulo) que escolhemospor nos parecer ser um resumo da obra de Wallon) feito emintenção dos psicólogos americanos que praticamente o des-conhecem. Ê o capítulo «Quem é Henri Wallon». Como nosdiz Zazzo) Wallon é conhecido por toda a parte, mas existe«um último universo para conquistar) o do mundo omçlo-saaxi- t; él

nico». Talvez que esse desconhecimento se deva à complexidadeda obra) que propõe }~!.!HL'IJÍ!:I-_originalpara explicação do com- c. .': 11,[.

portonnento.Em 1925, com a publicação de l/:iTInfan,t ~U1:bJ.+l~J}t.WaUon

propõe aquilo que mais tarde se chamará uma ~r...o.:R.sjc..ºlg-1l.ia». Em 1925 não tem ainda a possibilidade de erigir tal ciên-cia) que sob certos aspectos aprofunda por volta dos anos qua-renta) em Les Origines du Caractêre chez l'Enfant.

Na primeira obra ele tenta mostrar (descrever) e explicarçO'rl19. o~t.§'!'Ut nervoso se vai hierarquizando. De comporta-mentos' simples (cotos) ele vai dJiferenciando cada vez mais

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(génese dos tipos motores e peicomoiores ) até à qénese do~psiquico (~a1Y!-f:..1'!.to).Por outras palavras) do comportamentomotor às estruturas mais evoluídas) cogniti:vas ou categoriais),a conduta se vai organizando. Mas é através de uma noção-

o,> -chove, a emoção) que se estabelece a relação entre biológico)(L,~:ç~',..social e psicológico. Primeiramente ligada ao tónus, seu suporte) ,~:.,:,,'

a emoção diferencia-se através c!.:!!~ocialização.(o papel do 60-

cius ou de outrem 00 edificação do psiquismo) para culminarnaquilo que se poderá) impropriamente talvez) chamar perso-nalidade. ;/',(, "",,,.,':' /((i " /(')

·7 'Assim se estabelece um sistema. eqyd,libr{tç{6e articulado

entre aspectos r}§U!.obiológicos) aspectos sooio-ajectivo« e as- 'pecios cognitwos. v-- .

Essa neuropsicoioçia, hoje tanto em voga sobretudo nosi,t I)K\f, l-" _ ~

autores americanos e ~~tiç,Q§.. Wallon foi o primeiro a re- ,110• {()I,

conheoê-la embora com o nome de Psicobioloçia. Aliás) o Labo-!' I,~:'."'I"~ ,

ratório Wallon) nome que tomou após a sua morte ocorrida (em 1962) chama-se «Laboratório de P sicobiologia da criança»,

I

nome proqranuitico, e eluoidxüico do que vimos dizendo. Recor-demos finalmente que no_pr..Qj§cto walloniano de psicobiologia)estâ também para além da fundaçãº~r:~~iológicai e genética;(no sentido do desenvolvimento) ~ma fundarrr/,entação pato~~~ 'li ,)0.

,gica. Basta recordar q,ue os ti-;RQ~r!~c~t;!;tgr:f:;§estão intima-"~ I cwJ

mente relacionados com os ~~~,~d!! i-.-~ticiê~, psico- ~'!J!9t.ora. ./)i::.rcJ:_'x,

Vamos terminar este breve prefácio citando Zazzo: «A mo-trioidxuie e a consciência são os dois pólos entre os quais sepoderia classifcar as várias concepções de psicologia. A dia-léctica de Wallon consiste em unir aquilo que à primeira vistanos surge como não conciliável: através M 8UaJ teoria da emo-ção ele OP-eT'CU!..junç.,il-oJ2n,tn~.,_tLmotr.w1l!MkLfJ....!!.:r.f311I.~entaçãp.Jtenta a ~sag~ entre o orgâniQo Ç9,.P....siqu~» l ~lr'~',.(":--t.I)E

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Eis uma muito breve reflexão sobre uma obra gigantesca)que parece cada vez mais aotual, dados 08 progressos simul-tâneos dos estudos ne:wrobiológicos e da psicologia.

Wal~._é o ~f!.0!:!.'s~ de..•.•~~ov.a_ c~n:cia) é essa a adver-tência de Zazzo) na presente obra. I .

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Março de 1978.I t""L nt

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JOAQUIM BAIRRÃO

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PREFÁCIO

Ao decidir publicar uma recolha de alguns dos artigos queconsagrei a Henri WaZlon)renuncio sem dúvida definitivamenteao projecto de escrever um estudo de conjunto sobre a sua obra.

Deixo QI outros, menos próximos dele) o risco e o mérito deum tal empreendimento.

Se é oerâade que parece a todo o leitor que Wall<m é umautor difícil de apreender) de abarcar) de assimilar completa-mente e) sobretudo de transmitir a outros) nomeadamente aosestudantes) o facto é q:uea dificuldade é ainda mais paralisantepara mim que trabalhei com ele durante um quarto de século.

Se redigisse um livro sobre ele) recearia construir umaestátua de mármore e de sal) se desse uma apresentação siste-mática da sua obra) temeria torná-ta um sistema) com a cauçãoo.busiva que me dá a minha qualidade de sucessor na direcçãodo seu laboratório.

Os esboços que constituem. os meus artigos dispares nãoapresentam estes perigos. Oonvêm melhor ao tipo de relaçõesque se estabeleceram entre mim e Wallon) no plano intelectuale no plano humano. Em certos momentos) já não sei se é eleou se sou eu quem fala. Nestes textos que contêm repetições ine-vitáveis) não inponho a minha leitura de Wallon como a única

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possível. Digo o que ele me dá e as perspectivas que me abrenos campos da psicologia) esperando despertar o apetite do lei-tor e que este descubra nas obras de Wallon uma outra coisa,os alimentos de que precisa.

Estes esboços também são mais convenientes do que umaexposição didáctica das maneiras de pensar e de escrever ró-prias de Wallon. Não porque ele próprio proceda por esboço.M.uito pelo contrário) o traço do seu pensamento é sempre muito d, "

firme) o seu discurso frequentemente de uma extrema densi- r ,dtuie. E é esta densidade) esta riqueza) que se presta a uma ( .multiplicidade de leituras. Refiro-me a leituras complementaxes '. ,j,!

C não a uma diversidade de interpretações) pois o pensamento f:·., '.r,.

de Wallon não é ambivalente ou ambíguo. - .Wallon deu-me um dia o conselho) muito significativo vindo

.r. dele) mas que nunca segui) de não sublinhar nada nas meusescritos, de nada realçar mediante o emprego de itálicos ou porqualquer outra forma. Com este processo) dizia) você limita aliberdade do leitor e .fixa de Uma v~.z.P!!L todas: o movimentodo seu pensamento. '~>' 1 .... /,1.. -Ó, ;

Assím) mesmo nos modos de expressão tipográfica) velavapor que o pensamento jamais se congelasse em palavras) numacategorização intelectual sempre rejormâvel. Acima de tudo) ? ..;

o que Wallon nos ensina ~ a viJlilâncifLÇ!lJIka oespi.ritº=!b~e,

le.rrJ.a. ~ ". '- o:. .'.N a sua obra existem) sem dúvida), ::t~n~~siste~" como' por

exemplo a sua 1J;Qr:i.Ji fi,QS e..stá{f,io~.ou a Sua çg,Je,gori;:Jr,.çfiQdo~.tipos psic.Q1n...Qtor.es.Mas trata-se sobretudo das sínteses reta- r.tivas a um certo estado do saber) e) sobretudo, das construçõesdestinadas a ilustrar) num momento historicamente datado, ummétodo e uma direcção da investigação em psicologia. Tratan- ..do-se de estádios) hoje em dia contestáveis) o princípio quesubsiste é o de apreender a evolução da criança na sua ril.obali-

,"""'~ é o de não fra.gmentar o devir em períodos estáticos. Tra-tando-se dos tipos psicomotores, devemos reter que a motri-

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,~<k é o tecido comum e original de onde procedem as di/e-):' ,:i'~'; I

rentes realizações da vida psíquica. 'u.c.,J~Nestas duas construções aparece claramente o projecio ~);,"1

u-alloniano, ao mesmo tempo a questão fundamental que le- ,'.''vamto. e a direcção que propõe para resolcê-ta. Para Wallon, tal :Y _~,o

como para Freuâ, a questão principal é a passagem do biológico "":,,f!:~ao psíquico. No entanto) ao passo que Freud apela para uma ;..(, ';.:;roetopsicoloqia, para forças hipotéticas) Wallon empreende ao.nálise das emoções originais) isto é) afinal de contas, ~ moda-lidades arcaicas da sensibilidade e do movimento.< - •••• - •.•• \.~

As actualidades da psicologia) em 1975) confirmam a actua-lidade de Wallon.

A retomada dos trabalhos sobre a, primeira infância e, .~,:.~.i:nomeadamente) as recentes descobertas sobre 08 proceseos afec- 'tiooe, mostram-nos Wallon como um precursor. Sabe-se hoje emdia com plena certeza ,qy,().,Çty~~~ ~ à mi!~Latrarvés

.c}Cl§, ..'pcssoas que a. rodeiam) corresponde a uma necesSidadeinata. Ora WãZlon-ãfirrrui7;:ã)'há mais de quarenta anos, na basedas suas observações) que a criança é um ser social g~j-Cf!~1!J.l??'l.t..~).lt.i!2lf2g.iQa'!1lçnt(:[<Mas o que falta às teorias anglo-saxó-dcas da afeição é uma apreciação mais exacta do papel daemoção para a compreensão deste processo. Wallon pode aju-dar-nos a comrpletar esta teoria. Pode também ajudar-nos acompreender o súbito entusiasmo dos nossos contemporâneospelos problemas do «Corpo» e a desmi8tificar este entusiasmo.O misticismo é a conirapartida das incertezas da ciência.

"Inicialmente) desejava intitular esta compilação do se-

guinte modo: Henri Wallon. Contudo) aceitei o título Psicologiae Marxismo proposto pelo editor porque pensei que o próprioWallon o teria aceitado. A primeira obra que ele dirigiu intitu-lava-se Ã~lu~.<do~Js.m9J 1935) e ifefiniu eX1!:ligjJ..c!~!!teAem~'ários ar!iggs o seu método c~~n4.QQ_ do m:..a~~ism~.dia- I

léotico. j

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\ '':)0' ,,.' .

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...• ,,'X ;118 , .~~

Page 7: Zazzo - Henry Wallon Psicologia e Marxismo

II::j:,~r':1 No entanto,Liie_J:cc.ear um mal-entendido devido ao fadov.'{. do marxismo, q~~..JJ.. Jipnúncia e reCU8.aderrQ~91ggÍ1!u "0,,' C?rpgrecer.actualmente 11,0 espírito dos s.eus adversários e mesmo

no de muitos dos seus partidários ~Q. u'nUL-ideQwg},aJ~I:"~I) Na realidade, aquilo a que se chama marxismo é a emer-~'::'Ai' gência, em meados do século passado, de uma nova idade dof" "'" , pensamento. A súbita aceleração das irnsjormações da socie-

daâe, a revelação~lL01Jtlitos sQCiqi§.QQ.'!!.!&..JII-511~,r'Ii'1 J a revolução darwiniana que substitui a eternidade do homem'I' , . pela ideu: da sua qénese, os fulgurantes progressos das técnicas

6 das ciências, paralelamente aos desenvolvimentos da füosofiacrítica) tudo converge para uma tomada de consciência das lei«

'ít!Z;\.',\1'S 1ªue regem a sociedade, o homem, a natureza. O màterialismo;['.. é a afirmação de que a natureza, quer seja física ou mental,'

é uma realidade objectiva que existe [ora e independentemente•da consciência. A dialéctica é o método -tque consiste em cons-i-~.---------"'\.._------_.-

r'_ ['r" Iderar que a natureza não é uma acumulação acidental de objec-tos) que nenhum [enomenc pode ser compreendido se for enca-rado isoladamente) que os [enômenos devem ser consideradosnão apenas do ponto de vista das suas '(elaçõ~ e dos seus cim-dicic;nament08 reciproao:,s mas também do ponto de vista do seumovimento) da sua transformação, que comportam contradi-ções internas) conflitos) e que estas c.!!!I-tradiçõesdão conta.!!.osprocessos de df2.§:~rw.al..~'tlt..Q.

Nesta perspectiva, ~(jo do ~omem não é absol~ta, n.§!!11c-: ~Cc. bsolutS!:.mente relatW.~ razão forma-se e transforma-se pelas

'1 J-.&- \9f razões das coisas) humanas e materiais. «As leis do pensamento)~", ... .icscrece Wallon) 8Ó podem nascer e especificar-se através do seu~C~,o.AÍ'lincessante ajusttumenio às q,o univer80». E também, tratando-se~~ mais particularmente da psicologia, «a ciência essencialmentef":f>/,) 1·ez.a,:tivWa empenha-se em tecer novas relações entre todos os

sistemas nos q,UWÍ8 se reparte a nossa experiência das coisase âa vida) em [umâi-lo« cada vez 1naIÍ8uns nos outros, e)consoanteo que for exigido por esta obra de unificação pelo conhecimento I

em reformar ou abolir as distinções ou categorias intelectuaisdo passado que a tal se poderiam opor».

Mas Wallon considera que as belas declarações não resol-»em nada: a ciência não se deduz do :marxismo) é o marxismo -I.

,~,~qJ!:Z os seus principi3s de acçÍio a partir da ci~cia em h r i >

formação) a partir das acçôes empreendidas pelo homem. Wal-lon assim o exprime) claramente) em conclusão da frase acimacitada: «Fazer estas constaiações não é dar uma solução ...nem mesmo é dar um programa preciso de investigação; é ape-nas indicar uma direcção».

Tanto pela sua abertura em relação à experiência inéditadas coisas) como pela firmeza do seu método) Wallon foi o Pri:.-meiro aJluminar à luz 4Q_'lJ.§Idadeir9_rn:ar..a;,~~_~~~~inh08_dal!§...iqplggia;.a psicologia) a mais difícil das ciências) pois que énela que as ilusões da subjectividade encontram o seu últimorefúgio) pela insatisfação e pela impaciência que nos faz earpe-rimeniar, ~ a todQS QS misticism98) a todas as inupos-turas.

Wallon é a introdução e a ilustração do método marxistaem matéria de psicologia.

O leitor encontrará em posfácio uma homenagem de JeanPiaget a Henri Wallon. Este texto) publicado em 1962) algun ..'lmeses antes da morte de Wallon) é de um interesse excepcional:Piaget declara com muita clareza que acaba finalmente de com-preender o contributo fundamental de Wallon a uma tC1lLÍfJ,da~ ,,'representação e que escapa às suC!:spróprias análises. Empe-nha-se então em démonStrar que)- pelo menos-neste -a~to) asobras de ambos são complementares e não adversas. ' ,-'~.'", ,"',,:

Agradecemos a Jean Piaget por nos ter permitido ~~in-b'-" , :'auzir esta homenagem que Wallon recebeu como uma últimapalavra de amizade e de paz.

Outubro de 1975.REN'S ZAZZO

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M i.

CAPITULO I

ORIGENS E ACTUALIDADE DO PENSAMENTODE HENRI WALLON

Experimento sempre uma certa ansiedade ao falar deWallon quando se trata, como esta noite, de exprimir, de exporo essencial do seu pensamento. A minha longa familiaridadecom a sua obra, a minha longa colaboração com ele, e o factode me ter escolhido ·há mais de vinte anos para lhe sucederna direcção do seu laboratório, não me tornam a tarefa maisfácil. Muito pelo contrário. Estou por demais consciente dequanto há de inabitual na lógica de Wallon, de desconcertantenos seus esforços, nas suas maneiras de pensar, para ter a cer-teza de que não o trairei de algum modo junto de vós. Existem~utores que se ~--Bimpliflc.ar:.....s.e.m._qJ!e fiquem demasiado,Erejudicados, e até por vezes prestando-lhes um serviço,.Já q® ,p seu pe.D~.:a.me1Ú.Q é UID~_i§.t~:l!-m.,já que as suas aparentes com-r lexidades não passam de um ruído de fundo, de um sortilégioverbal. Em Wallon, as complexidades, ~, ~~:JC! s , l·,,·(j,<

çU~.Q.e~~~o,,-9~~~r~~s, pois ~pondem_~iQ~ ~~JQL des,.ÇQb~_~.9.uer_resJ?!;litarfielmente na própria natureza :,';;.:,'::1:...'1>,d . ~as COIsas. riJO/). f""~

Por conseguinte, não há, em Wallon, uma doutrina, não há~s~~ - que para o leitor é sempre, mais ou menos, um sis-tema de segurança e para o autor uma esperança de glória.- - __ w_ _ __ • _

1 172

Ii / f). I , p. "

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III .b~' .r~~'"- Wallon é uma maneira de abordar as coisas, uma atitude, um~eJ)P1-' método - e o mais difícil, o mais incómodo de todos.".-v'-1.IJUI!'.

--~'/;"'<'/ Por um lado, propõe-se como objectivo abarcar a realidadet:. :"':J J~l_c~~o ~e!a__~~(c.9~l~ .~!!~~~a~i?~~~~,

evitando a assimilação empobrecedora, def'ormante, da nossarazão clássica, mas, por outro lado, este método fundamenta-sena convicção de que_~:t~ ciência nAº~~~~_p~~.~~r_!!!!!_ci~-

l'jllm!~.Jlª,.re~~i.ª~~:Quanto à atitude que consiste para o psicólogo em se con-

fundir com o seu sujeito, Wallon denuncia-a não apenas comouma demissão científica mas também como uma ilusão, :l detodo o misticismo. Rejeita com vigor quase idêntico as pretenções de um certo objectivismo, Ciência objectiva, decerto tantoem matéria de psicologia como outra qualquer, mas cuja objec-tividade se define por uma reorganização contínua da razão emcontacto com as coisas. Assim, Wallon não é apenas um psicó-logo da criança. O seu projecto é uma. cíêncía do ho;mem.

k~ç _ j' Se consagrou a sua obra ao estudo da criança, foi sem dú-~~:(.{q, • • A·· ., .t/Ji"'U-'d'\ vida porque a infância o apaixonava e fOI tambem porque VIaJ~~:;,:~~I"i na análise ~o desenvo~vimento, na observação de u~a génes~,cc-, , - - 0e uma realidade em VIas de se fazer, a melhor maneira de apli-I ,..l. car o seu metodo.:::)[::;1u" ,,~) Este método, esta dialéctica entre razão e realidade, en-~2tk- contramo-Ia praticada, ou pelo menos afirmada, em muitos

outros autores. Em Piaget, por exemplo. Mas ~!~~~_q-.§eJ!5~I!!w~eJ1.gjm:R~1~'~~ o que já não épouco. 'Yallon~J:.:.Aj),e,t~Q&....tQi.al: por conse-guinte, a razão deverá aplicar-se a uma m.ª,~é~ª, que é, pelomenos na experiência, profundamente heterogénea. - ' ~) Q/ r} 'C'):.Gt?,

O que acabo de vos dizer sobre a obra de Wallon, ainda quea mesma se defina não por uma doutrina, mas por uma formanova de abordar as coisas da psicologia, não passa, bem o sei,de uma afirmação de ordem muito geral.

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Gostaria de vos tornar isto sensível, não penetrando nopormenor da obra (o que não é possível aqui), mas antes si-tuando esta obra na sua história, situando Wallon tal como elepróprio se situou em relação aos grandes psicólogos que foramseus contemporâneos, determinando as suas interrogações, osseus temas fundamentais, a forma por que os revelou e IHlaqual no-los legou.

Wallon no seu tempo, Wallon no nosso tempo. Wallon talcomo foi e Wallon tal como é entre nós, presente, e precursordas obras de amanhã. '---'

~,

No pensamento de Wallon, há um aspecto social e políticoque prejudicou a sua carreira e que alguns gostariam. de ignorarou de desculpar como algo puramente contingente e estranhoà sua obra científica. Não sou daqueles que consideram que sefaz necessariamente boa ciência de bons sentimentos. Contudo,tratando-se de Wallon, parece-me hoje evidente que a sua sen-sibilidade pelas coisas sociais, uma sensibilidade alimentada nomeio familiar desde a mais tenra infância, foi a mola inicial dasua obra científica. Ignorâ-lo seria o mesmo que nos condenar-mos a não compreender a gênese e o alcance desta obra.

Henri Wallon nasceu em 1879.1879. A república, terceira do nome, tinha quatro anos.

Era então presidida por um marechal, MacMahon, vencedor daComuna de Paris, e governada por um monárquico, o condeVictor de Broglie. Depois da derrota de 70 e do esmagamentoda Comuna, a «ordem moral» reinava em França. Em 1875, o .: i",'

termo de república fora admitido na Constituição, justamente, ". _' -,1'&'--'I',c I

por proposta de um deputado católico liberal. Este deputado: ~,~,<';chamava-se Henri Wallon e fora o avô do sábio que hoje home-i ,.•.': .nageamos. Henri Wallon .era um historiador, aluno de Michelef f~,(f' ~--

e. que este designara p~r.a lhe suceder q~a~do aban~on~u a SU~I~~l'~ ~."

cátedra, Entrou na política como secretário da comissao pre~n-i ,·.·.L·dida porWchoelcher] para a abolição da escravatura. I

19

Page 10: Zazzo - Henry Wallon Psicologia e Marxismo

A tradição liberal e republicana estava fortemente ~nrai-zada na família e Henri Wallon, o nosso Henri Wallon, passoutoda a sua infância num clima de interesse apaixonado pelascoisas públicas. Conta que uma das suas primeiras recordações,

. 'e a mais comovente, foi a morte de Victor Hugo. Em 1885.('-)Tinha, pois, seis anos. Na noite em que Victor Hugo faleceu,

depois do jantar, à mesa com a família, o pai leu fragmentosde Os Castigos. E, no dia seguinte de manhã, conduziu os filhosa casa de Hugo e explicou-lhes que o poeta sempre lutara contraos tiranos.

Alguns anos mais tarde, tinha então Henri Wallon dezl'.llOS, foi a aventura abortada do fogoso general Boulanger. De-

,I lí P pois, quando prestava serviço militar, o caso Dreyfus. O pai,todos os sábados à noite, vinha esperá-Io à estação e punha-oao corrente do processo durante o trajecto para casa.

Compreende-se assim o que terá inspirado esse espantosodiscurso de fim de ano que Henri Wallon, então jovem professorde filosofia, pronunciou perante os alunos do liceu de Bar-Ie..-Duc. Wallon convida os liceais, à espera da sua recompensa defim-de-ano e seguros de ter em breve uma situação no mundo,a interrogar-se sobre os seus pretensos méritos e sobre os seusdireitos.

«Para vocês, as honras: e porquê, digam-me, porque tiveramo privilégio de ir para o liceu... sem dúvida, no liceu, da socie-dade que trabalha para vocês chega-vos apenas um longínquorumor e vagos apelos... Vamos tentar esclarecer as COlS~s;esforcemo-nos.])or ver sem ambiguidades guªi~_as :r:elaçõesque

'" ",'-_.. ..-. - .'---. .- ..•--~ -nos unem aos outros homens ... Vocês não podem ser o contínuo- ---_.. -_. --".~--~.-:-:--- .-objecto de tanta solicitude e devotamento, não podem manterligados aos cuidados do vosso corpo e do vosso espírito tantostrabalhadores de todas as espécies ... não podem absorver sem-pre sem restituir... Esta dívida socia:l, apressem-se a procla-má-Ia espontaneamente, enquanto ainda podem consentir emfazê-Io livremente ... Viver para os outros, não será desafiar a

I

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morte, oculta no_cor!:Q.~._~<?egoísmo... não será toda a nossaindependência ?»

A emoção desta apóstrofe aos liceais, que é também umcompromisso para si mesmo, vem dos confins da sua infância,do meio generoso em que viveu, e voltaremos a encontrá-Iamuito mais tarde na interrogação que se encontra no cerne dasua obra científica, e que vai transformar as perpectivas dapsicologia: ~uaL é ..a. n~J~x~~-ª_das ~.!!.ç§~!lll(LnºªJlI!~~,_:.ªQs ( :.J.:::'outros homens? ---

Com este discurso, o primeiro texto que conhecemos deWallon, estamos em 1903. Henri Wallon tem vinte e quatro

. anos. Fez a Escola Normal Superior e é profes:sor efectivo defilosofia desde há um ano. Mas a sua aprendizagem ainda nãoterminou. Falámos do seu meio familiar; para compreender asua obra, precisamos também de dizer algumas palavras acercada sua formação intelectual. Os estudos de medicina a que selança depois da filosofia, a fim de se tornar neuropsiquiatra epsicólogo, constituem uma opção precisa em circunstânciashistóricas bem determinadas.

Hoje em dia, em França, é frequente o p~~quia!!.'ª_.ILar~cer-·JlQfLdivQ.~ciª-ªQ._ª-()~~QIQgº de profissão.., e isso acontece sobre-tudo quando este psiquiatra despreza a somátíca, se isola elaneurologia e opõe uma filosofia do vivido às perspectivas objec-tivas da ciência.

Na época de Wallon, trata-se muito pelo contrário de fun-damentar a psicologia na ciência do corpo, de romper com ametafísica a partir do conhecimento do físico. A grande tradi-ção médico-filosófica da psicologia francesa, inaugurada porPierre Janet, ilustrada por Georges Dumas, por Charles Bion-JeL por Henri Wallon, é ao ensino militante de Théodule Ribotque deve a sua origem e os seus princípios. :m Ribot quem acon-

"," selha os seus alunos mais brilhantes afazerem estUdOide meÇ!}~~. edificar a psicologia.

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Ora, a obra de Ribot é como que a encruzilhada de todosos ensinamentos, de todas as esperanças de uma ciência emruptura total com a tradição metafísica: Ribot dá a conhecera psicofisica desenvolvida na Alemanha e a psicologia inglesa,t.orna-se o arauto das ideias darwinianas na sua obra sobreL'hérédíté psychologiqUB, principalmente e sobretudo transpõe,para o plano da psicologia, os princípios de Claude Bernard queacabava de levantar a interdição do positivismo, de restaurar ovalor da razão pela análise da noção de facto, de abolir asfronteiras entre o patológico e o fisiológico. As noções geniaisde Claude Bernard não foram, sem dúvida, perfeitamente com-preendidas pelos seus 'contemporâneos. E Ribot, tal como Taineo Emílio Zola nos seus domínios respectivos, equivocou-se. Mas •a nova orientação da época, quer se trate da literatura ou dapsicologia, é testemunho de uma surpreendente fascinação pelonaturalismo e pela fisiologia onde Claude Bernard, do mesmomodo que Darwin, desempenhou um consídarâvel papel. «Assim,Wallon situa-se nesta corrente e neste combate em que cada umà sua maneira se esforçará por definir o estatuto científico e aespecificidade de uma ciência do homem, ao passo que se desen-volverá em paralelo, com sábios como Bourdon, Binet, HenriPiéron, a corrente puramente experimentalista, também ela sobo impulso de Ribot.

De todos estes psicólogos-médicos que citei, e que tive asorte de ter como professores - Dumas, Janet, Blondel -Henri Wallon foi, certamente, o mais médico de todos na suaprática quotidiana, de todos eles foi quem consagrou mais aten-ção, mais reflexão à neurologia, quem dedicou mais importância,ao corpo, como base material do psiquismo, de forma que foiconsiderado durante longo tempo - e já veremos que isso eraum profundo erro - como o paladino do organicismo.

tradição e por uma certa estrutura da Universidade. Nessetempo, a psicologia não existia como matéria autónoma de en-sino. A filosofia e a medicina eram então os meios mais seguros,senão os únicos, para chegar ao objectivo que se determinara.Meios que virão a orientar, a marcar a sua obra e que utilizou,aliás, num extraordinário esforço de assimilação e de anteci-pação.

Formação determinada pela época. Evidentemente. Mas asua opção não foi consequência nem dos seus estudos, nem dainfluência externa de um mestre ou de uma ideologia. A origemé muito mais profunda: uma atitude para com a vida, para comos outros, uma disposição anterior a qualquer formação univer-sitária, uma sensibilidade fundamental. Ele disse um dia: «A

/r{< psicologia começou por ser, para mim, uma questão de gosto,de curiosidade pessoal pelos motivos, pelas razões de agir da-queles que nos rodeiam. Acontece-me frequentemente, aindahoje, extrair uma palavra duma conversa e registá-la sem sa-ber porquê».

Não se trata de um traço anedótico.Em Wallon existe sempre, mesmo quando os longos desvios

da análise científica e os voos da imaginação ° afastam neces-sariamente do quotidiano, o contacto com esse quotidiano, apreocupação latente pelo indivíduo na sua totalidade, nos seustraços particulares, no significado dos seus comportamentos,nas suas relações com os outros. l!:: uma atitude fundamentalque confere à obra de Wallon a sua unidade e a sua tensão.Uma atitude que nos explica em grande parte o motivo porque a psicologia de Wallon é a das diversidades mentais e dascontradições, porque razão não está na sua natureza chegar aum sistema. A ciência do psiquismo, por mais elaborada queseja, não pode encerrar-se num sistema e também não numa'VIsãoeclética ou média das coisas, deve modelar-se, edificar-sesobre a diversidade e as contradições do seu objecto.

o curso dos seus estudos - Escola Naval Superior, facul-dade de Medicina - foi-lhe mais ou menos imposto por uma

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o termo «contradição» surge 'com excepcional frequêncianos escritos de Wallon, quer se trate de analisar as contradiçõesdas teorias entre si, ou as oposições factícias ligadas aos nossoshábitos mentais e verbais, quer os conflitos respeitantes à natu-reza das coisas, e esclarecer estas diversas formas de contra-díções umas através das outras. Em Wallon, não se trata de umjogo dialéctico, mas de um modo de pensamento, de um método.Um método que exerce a todos os níveis, tanto numa observaçãominuciosa e limitada (a analise de um equilíbrio muscular, asarnbiguidades do pensamento eincrétieo da criança) quer noqus respeita à abordagem dos mais vastos problemas.

A fecundidade do método revela-se certamente melhor aonível da observação minuciosa, observação e análise tais cornoas encontramos nas duas obras fundamentais de Wallon: Lesorigines du caraciêre (1934) e Les origines de Ia pensée chezl'enfant (1945).

No entanto, por ser menos difícil numa exposição tão breve,optarei por ilustrá-Ia ao nível dos problemas mais gerais. Aonível das interrogações em que a psicologia científica se dirigeà filosofia para lhe arrebatar os seus domínios reservados. Umúnico e mesmo problema, talvez, sob formulações ou perspecti-vas variadas: como resolver a questão apresentada pela antí-tese destes pares de noções-orgânico e social, indivíduo e sociedade, orgânico e psíquico, corpo e alma.

Todas as respostas dadas até então consistem em mantera oposição irredutível dos dois termos ou em reduzir um aooutro. Por conseguinte, continua aberta a questão que os meta-físicos, aliás divididos entre si, jamais souberam resolver. Apsicologia deve responder-lhe para se afirmar verdadeiramentecomo ciência. Mas não é fácil.

Henrí Wallon escrevia em 1958: «Um dos passos mais difí-ceis de dar para a psicologia é o que deve unir o orgânico e opsíquico, a alma e o corpo».

Em todo o caso, este texto já nos explica o que levou Wal-Ion a denunciar, em certos psicólogos, a tendência a fechar aexplicação psicológica sobre si mesma, sem referência às condições orgânicas, o que o levou a designar o seu laboratóriopelo termo de psicobioloqia, o que o levou a ser acusado deorganicismo. Negligenciar a realidade corporal é recair, pormais laícas que sejam as doutrinas, nas falsas soluções doespiritualismo ou do misticismo. Assegurar a especificidade dapsicologia por este preço é negar a psicologia, separando-a dasmas raízes.

O caminho mais seguro para tentar resolver o problemaé o de estudar o homem na sua génese. Vejamos então comose pode transformar esta famosa antítese indivíduo-sociedade.

Não há harmonia pré-estabelecida, diz Wallon, entre odesenvolvimento da criança e a sociedade. Uma tal harmoniasuporia um ser da natureza que trouxesse em si as virtuali-dades de adaptação a uma sociedade imutável, em princípioeterna. Ora, nós sabemos hoje em dia que as civilizações sãomortais, que as sociedades são diversas e mutáveis, que todo ohomem é o homem de uma certa sociedade. Não existe har-monia pré-estabelecida e, por conseguinte, também não existequalquer hiato. Desde o seu nascimento, a criança é modeladapelo seu meio ambiente.

Nem harmonia, nem hiato. Como compreender isto? Asnoções de harmonia e de hiato pertencem arnbas a uma maneirade pensar metafísica, isto é, que apresenta à partida, duas enti-dades, dois absolutos - o indivíduo e a sociedade ou ainda oorgânico e o social - dos quais, em seguida, ora se afirma quese harmonizam (graças a não sei que bondade divina), ora quese opõem, irredutivelmente. Existe, sem dúvida, um organismocom as suas leis próprias de desenvolvimento, existe sem dúvida,num outro plano, uma sociedade que pré-existe ao indivíduo 2

que lhe sobreviverá. Mas o indivíduo não é definível, rigorosa-

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mente, nem por um nem pela outra. Não é redutível nem a umnem à outra. É um centro de actividads no qual se realiza 3.

interacção entre ambos.li: bem conhecida esta frase de Wallon, tão frequentemente

citada: «Jamais pude dissociar o biológico do social, não porqueos creia redutíveis um ao outro, mas porque me parecem, nohomem, tão estreitamente complementares desde o nascimentoque é impossível encarar a vida psíquica de outro modo que nãoseja sob a forma das suas relações recíprocas».

Mas como podem ser tão estreitamente complementares?Não estaremos a voltar à definição tão factícia de harmonia?Wallon faz aqui intervir uma ideia já formulada por Baldwin,por Pierre Janet, mas que aprofunda como nenhum outro psi-cólogo o fizera antes dele: o social, ou, mais precisamente, anecessidade de outrem, inscreve-se no orgânico.

A análise do movimento mostra-nos que nos primeiros tem-pos da vida os gestos são acima de tudo expressões, portanto,viradas para outrem, que as primeiras emoções. - consubstan-ciais, aliás, da expressão motora - são uma linguagem.

É da natureza da emoção, é da natureza do organismo hu-mano, ser social. Esta sociabilidade não é adquirida no decursoda vida individual. Ela mesma é um facto biológico, uma contra-partida do desnudamento inicial da criança ao nascer, umacondição absoluta da sua sobrevivência e do seu desenvolvi-mento. É uma harmonia por carência, por complementaridade- a que a filogénese, a história das espécies, conduziu (o quenão significa que a criança seja maleável e tributável à von-tade) - a maturação do sistema nervoso impõe, por influênciado meio, limites a uma cronologia - o qus não significa nuetodas as crianças que vivem num mesmo meio serão modeladasnum mesmo molde - cada criança tem a sua tipologia e o seuestilo - o que não significa que não possam surgir conflitoscom outros indivíduos, com grupos, com a sociedade: o eu afir-mar-se-á nestes conflitos e nestas oposições.

Isto significa que a oposição indivíduo-sociedade não é deordem metafísica, que é de ordem histórica e, por conseguinte,perpetuamente modificável, ultrapassável.

Isto significa, mais directamente no que nos respeita. anós, psicólogos, que a solidão, a separação não se encontra nanatureza do homem. A imagem tradicional do organismo ''; anoção de indivíduo trazem consigo a ideia de um isolamentoinicial. E o nosso destino seria então ir à procura da nossa alma,errar em busca de outrem. Daí toda uma filosofia de desespe-rança. Walon inverteu esta perspectiva: nós não nascemos se-parados, não nascemos solitários. Vivemoa os nossos primeirostempos em estreita união com outrem, em simbiose, sem mesmoo sabermos e tanto mais profundamente. E o nosso eu formou--~e, foi talhado neste tecido primitivo no qual se desenhou aomesmo tempo uma imagem complementar, «esse fantasma deoutrem que cada um traz em si» para toda a vida, e que nosserve de intermediário, de mediação com os outros reais, coma sociedade tal como ela é.

A antítese orgânico-psíquico é iluminada à luz do que dis-semos sobre a antítese indivíduo-sociedade. Sobre esta, apre-senta a vantagem de uma argumentação baseada numa obser-vação mais directa.

O termo de passagem que Wallon empreg'a pode prestar-sea confusões, pode deixar persistir a ilusão de duas realidadesdistintas, de duas entidades, ou como se se tratasse de passarde uma a outra região. A bem dizer, é de promoção, de cons-trução, de génese que Wallon quer falar: como é que o movi-mento, inicialmente pura agitação, como é que os gritos e oschoros, puras descargas. motrizes, se tornam psíquicos (psíquicono sentido de ligação significativa ao meio ambiente), como éque a representação emerge da emoção e do gesto, como é queo sentimento do eu se destaca da simbiose inicial?

Bem entendido, para descobrir como se constroi 0 psí-quismo, não convém recorrer a conjuntos já constituídos como

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,o fazem a análise ideológica ou estatística. É preciso partir doque é primário na série cronológica dás transformações, em re-sumo, é preciso estudar a infância. Não há dúvida de que aperspectiva genética é a única que nos pode permitir apreendercomo é que o orgânico se torna psiquismo.

É sabido que é a observação da criança da mais tenra Idade,dos seus movimentos e das suas emoções que conduziu Wallonà sua descoberta fundamental. O papel que destinou à tonici-dade, à função postural na emoção e na representação esclarece--nos, sem dúvida pela primeira vez, sobre a transformação dofisiológico em psíquico. A emoção é um facto fisiológico nassuas componentes humorais e motoras e é também um compor-tamento social nas suas funções arcaicas de adaptação. A nós,adultos, aparece-nos como uma desordem, uma confusão: nacriança, é um faetor de organização, um meio de comunicação.Aparece-nos como uma obnubilação, pode ser para a criança«um primeiro modo concreto e pragmático de compreensão».Os paradoxos da emoção derivam do facto da actividade tónicado organismo concernir tanto ao jogo das atitudes visíveis (ex-pressões do corpo e do rosto) como às funções vis.cerais. Deforma que por intermédio destas atitudes sensíveis se estabe-lece um laço entre as mais profundas sensibilidades da cri mçae os seus contactos com outrem; de forma que, pelas alternân-das de comunhão e de oposição, se esboçam a consciência de si,a representação. Esta teoria da emoção é elaborada pela obser-vação [dos primeiros pneses de vida e só podia ser obra de umbiologista.

É muito menos conhecido o que Wallon disse acerca. dainteligência díscursíva. O livro no qual Wallon analisou as ori-gens do pensamento é, contudo, o mais rico, ou, pelo menos,o mais elaborado de toda a sua obra. O interesse suplementarque este livro nos oferece é o de comparar, num mesmo domínio,o método de Wallon com o de Piaget. Vou dizer algumas pala-vras a seu respeito para vos incitar a relê-lo ou a lê-Ia.

Aqui, não é o médico quem fala. Não se trata de analisaras condições orgânicas ou sociais do comportamento. Walloncoloca-se no plano da descrição psicológica. As crianças queexamina têm de cinco a sete anos. Será então que o pensamentosurge tão tarde? Não, Wallon falou, noutras obras, de inteli-gência das situações, aquela que se esgota completamente nascircunstâncias que utiliza e nos resultados que produz. Nestelivro, o projecto de Wallon consiste em estudar uma «actividadeque se discorre», as origens do pensamento discursivo.

Na idade dos cinco-sete anos encontramo-nos no pe-iodoque Piaget designa pela expressão das operações concretas.Onde Piaget faz obra de lógica, Wallon faz obra de psicólogo.Piaget interessa-se pela formação da razão lógica. Wallon inte-ressa-se de forma muito mais ampla pelo pensamento. E digoisto sem estabelecer valor relativo entre as duas obras. Trata-sede duas perspectivas, de dois pontos de vista diferentes. E, aliás,Piaget faz reflectir as crianças sobre 'O material, ao passo queWallon mantém a observação num plano verbal.

Ao multiplicar os diálogos com a criança, ao retomar osseus ditos sob ângulos variados para extrair de cada um delesas suas múltiplas significações, Wallon traz à luz do dia os obs-táculos com os quais a criança depara, todas as contradiçõesem que se embaraça o seu pensa.mento: contradições entre atradição e a sua experiência, contradições entre o formallsrnoda linguagem e a fluidez dos dados sensíveis, em si mesmoscontraditórios, entre o real e a sua representação. A observaçãoreita sobre a criança prolonga-se numa psicologia geral do pen-samento, do pensamento não tal como se pode formalizar numtratado de lógica, mas tal como verdadeiramente se desenrola.As contradições devem ser ultrapassadas para que em níveissucessivos de dificuldade o pensamento concorde com o real,mas sem que jamais desapareça totalmente um desfasamentode algum modo essencial, diz Wallon, «que deve incitar o pensa-mento a novos esforços, a novas sistematizações».

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:ro, talvez, nesta investigação sobre as origens do pensa-mente que se descobre melhor esse esforço sem dispositivosexperimentais, sem o aparelho nocional do médico, que se des-cobre melhor a primitiva vocação de WalIon, a sua arte de sus-citar, de escutar um dito, a sua curiosidade e a sua simpatia,enfim, o jogo por vezes atordoante das suas hipóteses, da suaimaginação.

WalIon disse um dia que os saltos do imaginário são indis-pensáveis ao psicólogo, como, aliás, ao matemático e ao físico.«Aquele que se proíbe imaginar não descobre nada, declarava,limita-se a acrescentar algumas migalhas de erva ao relvado» econcluia: «Imaginar é o primeiro dever, o segundo é verificar alegitimidade das suas imaginações pela comparação rigorosacom o objecto em questão».

Pergunto a mim mesmo se não residirá aí, nessa dupla exi-gência de rigor e de risco, de ,imaginação e de verificação, umaelas razões do isolamento de Wallon. Ela não pode ser adoptadovela família dos verificadores sem imaginação, nem pela famí-lia dos imaginativos que salvaguardam os benefícios da imagi-nação, rejeitando toda a verificação.

Espero que estes comentários vos ajudem a compreenuerem que consiste a atitude walloniana. Espero que possam reco-nhecer em que medida são esquemâticos e pobres os meuscomentários. Para terminar, gostaria de salientar certos aspec-tos do pensamento de Wallon através dos juízos que formulousobre alguns dos seus contemporâneos.

Em primeiro lugar, sobre Bergson, que foi seu professor naEscola Normal, mas do qual nunca gostou. Bergson foi o fíló-bafo do impulso vital, da duração. Wallon censura a Bergsonter mistificado a noção de duração. Com Bergson, «o devir apa-receu como existente em si e como que dotado do poder de secriar a si mesmo, isto é, em última análise, de criar as coisas».

Sobre Freud, Wallon reconhece-lhe o mérito de ter reje\-t ado a noção de consciência como princípio explicativo, mas

censura-lhe a futilidade de imaginar um terceiro termo, o in-consciente, fantasma combinado dos outros dois (corpo e espi-rito) que flutuaria entre a consciência e os fundamentos orgâ-nicos da consciência. Em resumo, censura-lhe o facto de tercriado um novo termo metafísico. Mais frequentemente, censu-ra-lhe ainda reconduzir tudo ao passado do indivíduo e aosprelúdios da civilização. Negar todo o verdadeiro devir.

Aos filósofos existencialistas que se ocupam de psicologiacensura o facto de oporem ser e consciência.

Quer estas censuras sejam fundadas quer não, o que sededuz, parece-me, é que Wallon encontra em todos estes auto-res as suas próprias preocupações. «O resíduo que pode resul-tar das suas especulações, diz ele, são precisamente essas noçõesde devir criador e de participação em conjuntos onde o homemdeveria encontrar as suas razões de existir. Despojadas dosseus impulsos místicos, é exactamente para elas que somos(orientados pelas necessidades da investigação científica. Masonde a metafísica, apaixonada pelo absoluto e pela imobilidade,cpõe ser e consciência, a ciência essencialmente relativista es-força-se por tecer novas relações entre os sistemas pelos quaisse reparte a nossa experiência das coisas e da vida, por fundi--Ios cada vez mais uns nos outros e, consoante o venha a exigiresta obra de unificação pelo conhecimento, por reformar ou abo-lir as distinções ou categorias intelectuais do passado que a t.alse poderiam opor».

A reacção a respeito de Georges Dumas, seu amigo, maisvelho do que ele, é de ordem completamente diferente. G. Dumasnada tem de místico. Wallon censura-lhe que pratique o métodoeclético. Que se esforce por conciliar todas as divergências nadiversidade dos autores, por apagar as contradições na descri-ção dos factos. Wallon estabelece uma ligação entre esta ati-tude intelectual de Dumas e a sua sociabilidade. Havia emDumas, pretende Wallon, como que uma necessidade de reco-nhecer em outrem todas as conformidades possíveis. O tempe-

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ramento de Wallon é, evidentemente, totalmente diverso, atéoposto. Não procura as conformidades., compraz-se em assina-lar as diferenças. ~ desprovido daquela sociabilidade queadmira e deplora em Dumas. Foge do mundo e das honras. 11:ge-neroso, não sociável, não mundano. Todo ele é emoção nas suasrelações com outrem. E é talvez isso que nos pode explicar omotivo por que foi o teórico da emoção, dos seus paradoxos, dassuas contradições, das suas flutuações onde se operam a rupturae a comunicação com outrem.

Há também, bem entendido, o laboratório que ele criou eonde trabalha actualmente uma vintena de pessoas, metade dasquais o não conheceram. Não pretendo afirmar que esse labo-ratório constitua uma escola walloniana no sentido em que Ge-nebra constitui uma escola piagetiana. Não há sistema, não háescola. E, se nós lhe somos fiéis, é de forma bem diferente doque a da fidelidade :a uma ortodoxia, a que ele tinha horror.Wallon não pertence a ninguém.

Não há qualquer dúvida de que a sua influência tem aumen-tado nestes dez anos decorridos desde que nos abandonou. Maisde dez anos ... foi exactamente a 1 de Dezembro de 1962. De hádez anos para cá, as suas obras, a maioria das suas obras, têmsido traduzidas para italiano, espanhol, húngaro, polaco, russo.Em França e no estrangeiro têm-lhe consagrado teses elivros (1). Em França, mais do que em qualquer outro ladosem dúvida, as suas ideias têm-se propagado. Recentemente, naSociedade Francesa de Psicologia) três homens que não foramseus alunos e que não se dizem wallonianos afirmaram-nos comoo tinham descoberto ou encontrado em caminhos muito diferen-tes: um psicanalista, D. Widlõcher, um neuropsiquiatra, Bergêse o mais eminente dos nossos psico-fisiologistas, Jacques Paíl-lard.

Actualmente, nas nossas Universidades, há uma dezena deprofessores que foram seus alunos.

Outra forma de sobrevivência: dezenas de grupos escolarese de instituições pedagógicas ou médico-psicológicas têm o seunome, nomeadamente nas municipalidades operárias. :m a home-nagem do povo àquele que simboliza, juntamente com Langevin,os projectos de uma reforma igualitária do ensino.

Tal como bem acentuei, Wallon é uma maneira de abordaras coisas. :m também, bem entendido, as descobertas que fez eque ilustram a fecundidade desta atitude. E estas descobertaspertencem doravante ao património da psicologia. Mas ele tinhaa consciência, e disse-o 'com excessiva modéstia, de que a revi-são que empreendera mal começam; a sua ambição consistiaapenas em indicar uma direcção.

Será nessa direcção que se orienta a psicologia de hoje?Verifica-se, desde há certo tempo, uma reabilitação do corpo.O corpo volta a estar na moda. Depois do Inconsciente, depoisdo' absoluto da relação com outrem, eis o corpo, com as suasprofundas sensibilidades, as suas linguagens anteriores à pala-vra e à razão. Isso compraz-me e inquieta-me. Temo que estecorpo que nos servem muito quente, seja um corpo místico, umnovo absoluto em função do qual tudo se explica. Aguardemos.

Deforma muito mais séria, parece-me que a direcçãowalloniàna é descoberta, paradoxalmente, nos países de línguainglesa que ignoraram quase totalmente a obra de Wallon.

Aludo aqui à proliferação de trabalhos a que se assistedesde há dez anos em Inglaterra, nos Estados Unidos, e queconduziu à teoria da vinculação (attachement).

Os autores, psicanalistas na sua maioria, mas afastadosda metapsicologia freudiana, evidenciaram que a vinculação dacriança à mãe não é o resultado de uma aprendizagem, que essavinculação resulta de uma necessidade biológica fundamental.

(') No momento em que aparece esta obra, publica-se nos USAuma tradução de textos fundamentais de Wallon. Cf. a nossa Introduçãoa esta compilação (cap. IX Quem é Wallonf)

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Estes autores esforçam-se então por analisar com extrema fi-nura todos os determinantes, todos os processos que estão emjogo na afeição. Quando se sabe que o homem que mais contri-buíu para desencadear este movimento de pesquisas e estasubversão da psicanálise clássica é René Spitz, e que René Spitzse inspirou 'na obra de Wallon, na sua teoria da emoção, aomesmo tempo que nas teorias freudianas, somos levados a per-guntar-nos se não se tratará de um inesperado renascimento(2).

Iniciador desconhecido ou precursor, Wallon sugeriu muitomais, creio, de que aquilo que nos oferece actualmente a teoria daafectividade. Desejo que os autores anglo-saxões, sensibilizadospelas suas próprias pesquisas., descubram finalmente Wallon ebeneficiem das sugestões que podem encontrar na sua obra.~ neste sentido que me empenho actualmente.

Num dos seus últimos textos, quando a doença já o pren-dera à sua poltrona, Wallon falou da morte e da sobrevivência.Este texto é como que um eco do discurso que pronunciou noinício da sua carreira.

Dissera aos seus jovens alunos: «Viver para 06 outros, édesafiar a morte 'Oculta no coração do egoísmo». Respeitou estecompromisso. Desafiou e venceu essa morte. Pagou, e com lar-gueza, aquilo que chamava a dívida social dos privilegiados.

Antes de nos abandonar repete pela última vez: «A socie-dade está na natureza do homem, pois fora da sociedade umhomem não poderia manifestar as suas vlrtualidades de homem.~ na medida em que o indivíduo tenta libertar-se a si mesmo e oconsegue que pode sobreviver à sua morte física».

Hoje em dia, ele está presente em toda a parte. Mais quenunca está presente. De acordo com a única forma que podiaadmitir, sobreviveu à sua morte física.

(') Cf. na obra colectiva, L'Attachement (Delachaux, 1974), as de-clarações de Spltz a este respeito.

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CAPlTULO II

DO CORPO À ALMA: AS RESPOSTAS DE WALLONE DE FREUD

Se alguém se lembrasse um dia de comparar, no mais pro-fundo das suas obras, Freud e Wallon, deveria começar poranalisar a forma pela qual cada um deles formulou a antigaquestão das relações do corpo e da alma.

«Um dos passos mais difíceis de dar para a psicologia éo que deve unir o orgânico e o psíquico, a alma e o corpo» (1).

Esta frase de Wallon, uma das últimas que escreveu, tam-bém poderia ser de Freud. Com efeito, encontra-se tanto numcomo noutro tudo quanto esta pequena frase implica: que asolução pertence à ciência, que não se devem «repelir comoextracientíficos os problemas relativos à natureza, às origensdo psiquismo»; simultaneamente, em suma, uma recusa dametafísica e do positivismo; e, também, a convicção de que doorgânico ao psíquico trata-se de uma verdadeira génese, isto é,que o psíquico não se poderia reduzir ao orgânico nem expli-car-se sem este. O objectivo doa dois autores é o mesmo, e igual-mente forte a sua determinação de abandonar os caminhos jáexplorados.

(') «Fundamentos metafís1cos ou fundamentos díaléctícos da psico-logia», La NouveUe Critique, Novembro de 1958; reproduzido em Enfance,1, 1963, cito p. 105.

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Se o passo de que fala Wallon é tão difícil de dar, é, muitoprovavelmente, porque a nossa razão, tal como é actualmenteconstituída, se mostra mais ou menos paralítica quando se tratade seguir, de compreender a mudança e, evidentemente, quandoa mudança é passagem: a passagem fundamental do orgânicoao psíquico, da vida ao pensamento, mas também do orgânicoao vivo. (E podemos perguntar-nos, e eu pergunto-me, indepen-dentemente do que Wallon possa ter dito, se aquilo que perce-bemos como solução de continuidade, como ruptura, e onde que-remos descobrir uma passagem, será em todo o caso um saltoda natureza ou, por vezes, um hiato da nossa razão).

A tendência habitual da razão consiste em escamotear apassagem ou considerá-Ia impossível. O reducionismo que ani-quila todo o efeito, toda a novidade na sua causa, e o tabu queproíbe _corno insensata toda a pesquisa das origens traduzem omesmo medo, a -mesma enfermidade da razão que deixa assim ocampo livre às múltiplas elucubrações do misticismo.

Wallon, tal como Freud, experimenta profundamente ainsatisfação que leva tantos espíritos a refugiarem-sano mis-ticismo. Contudo, tal como Freud, não é para renegar a razão,é .para reexaminá-la, para «reformar ou abolir as distinções oucategorias intelectuais do passado que poderiam opor-se» àobra do conhecimento. Nesse sentido, que para mim nada temde pejorativo, Wallon e Freud são cientistas. Herdeiros, ambos,da revoluçãodarwiníana, transferem-na, fazem-na manifestar--se no seu domínio, isto é, ao nível mais elevado das transfor-mações da natureza.

:€ certo que proclamar a necessidade de uma- revolução por-que as coisas vão mal não é o mesmo que fazê-Ia: «não -é dar asolução», diz ainda -Wallon, «nem mesmo é dar um programapreciso de investigações, trata-se apenas de indicar uma direc-ção» (2). A dificuldade das investigações, em que se devem defi-

(') Le8 Origines dn Ca?'actere chez l'enfant, Bolvín, 1934; reeditadopor P. U. F., cito p. XI.

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nin novos métodos, inventar-se novos processos sempre revogá-veis, emergir novas noções sempre sujeitas a revisão, apreen-demo-la por tudo quanto pode parecer à primeira vista laborioso,contraditório, desconcertante na obra de Wallon, com uma im-pressão perpétua de risco. Mas quem não arrisca não petisca,e isso é também válido em ciência, e numa ciência incerta maisdo que em qualquer outra.

Uma certa vantagem de Wallon sobre Freud é talvez, para-doxalmente, o facto de não ter conhecido o êxito das multidõesque multiplica infinitamente os riscos,não ter congregado mi-lhares de discípulos e de cortesãos prontos a traí-lo ou a vendê--10. A este respeito, recordo um incidente bastante significativo.No primeiro ano em que Wallon ensinou no Colégio de França,era eu seu assistente, alguns dos seus alunos vieram ter comigopara me pedirem que lhes «repetisse», que lhes explicasse o seucurso. Wallon, a quem transmiti este pedido, opôs-se comveemência. Não pode haver mediação entre eles e eu, disse-me,em resumo, não pode haver tradução para uma linguagem«clara» daquilo que eu digo. Tal tradução seria um regresso à«lógica» que me empenho em denunciar.

-Embora não me sinta hoje, mais do que há trinta anos, nodireito de ser seu intérprete, interrogo-me sobre a forma pelaqual as suas respostas se distinguem das de Freud e sobre asrazões de uma audiência ainda tão restrita, comparada com apopularidade da psicanálise.

Razões bem evidentes do êxito de Freud: o escândalo dosexo, o contributo de uma psícoterapia, uma ideologia à medidadas contestações do nosso tempo, o rigor de um sistema que temuma resposta para tudo com apenas o mínimo necessário demargem de sombra, de forma que os impulsos místicos aí encon-trem alimento, tanto como as necessidades de racionalidade.

Mais profundamente, creio, a diferença de audiência entreWallon e Freud deriva de uma diferença de interpretatividade.Do ponto de vista da razão clássica, o escândalo walloniano não

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é menor que o escândalo freudiano, mas é muito menos facil-mente susceptível de ser traduzido ou traído em linguagem«clara», e não se identifica, evidentemente, com um escândalode «boa vida e costumes».

Há em Freud o gosto pelo sistema, a tendência para espe-cializar as peças do aparelho psicobiológico - com uma pes-quisa de noções e de imagens, aliás, sempre inacabada, de formaque é difícil saber quais são para ele a parte do reaf e a dasmetáforas. Um tal sistema é sem dúvida dinâmico, sem dúvidaque as contradições irredutíveis à razão clássica subsistem,mas os conflitos desenvolvem-se entre sistemas claramente defi-nidos, facilmente ímagínáveís.

Em Wallon, nada existe de comparável aos tópicos deFreud, nenhum lugar onde a imaginação do leitor possa des-cansar, nenhuma armadura em que ele possa buscar o apoio.Entre o corpo e a psique, nenhuma instância que sirva de me-diador, mesmo a título de metáfora. Em Wallon, a dinâmicaencontra-se como que no estado puro. Toda a sua análise incidesobre processos. Para tentar explicar como o orgânico se tornapsiquismo, ou como é o seu substrato, Wallon, com efeito, partede quatro noções para ele estreitamente solidárias: a emoção, amotricidade, a imitação, o Socius.

Deve começar-se por pôr em dúvida a lógica unilineardos processos e das funções. Com frequência, a contradiçãoentre as doutrinas provem de facto de cada uma delas só verum aspecto das coisas. A contradição deve ser procurada naprópria realidade.

Assim, pondo de parte a noção de socius (a qual, aliás, sótardiamente aparecerá de forma explícita na obra escrita deWallon) , todos os processos psieobiológicos fundamentais sãoabordados a partir de uma busca da sua bipolaridade, da suaambivalência funcional. E é quando ataca o problema da emo-

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ção que Wallon logo se coloca no cerne das contradições, defineo seu método dialéctico, afirma o seu projecto revolucionário.

A emoção reveste-se na obra de Wallon de uma importância(senão de uma função) comparável à do libido na obra de Freud.Está em primeiro lugar, cronologicamente, na sua elaboraçãoteórica, está também em primeiro lugar na génese psicobiológicado ser humano. A criança nasce para a vida psíquica pela emo-ção. ~ pela emoção que se aprende melhor a indistinção primi-tiva do orgânico e do psíquico e em seguida a passagem de um aooutro. Ela é «aquilo que solda o indivíduo à vida social peloque aí pode haver de mais fundamental na sua vida biológica» (3).

Da sua tese de 1925 (4) aos seus últimos artigos, durantemais de trinta anos, Wallon aprofundará a sua análise da emo-ção, nas suas condições fisiológicas, como condição do caráctere da representação, como prelúdio da linguagem, tanto nasorigens do pensamento humano como na ontogénese. O carácterequívoco da emoção que a fez considerar, segundo as teorias,ora como uma actividade útil ora como uma reacção de desor-dem, deriva em primeiro lugar da diversidade dos centros ner-vosos de que depende. ~ na sua obra de 1925 que Wallon inau-gura o método repetidas vezes demonstrado mais tarde. Expõe,para opô-Ias uma à outra, as teses de Lapicque e de Cannon.Lapicque considera apenas as manifestações motoras da emo-ção e, por conseguinte, considera o córtex cerebral como o pontode partida desta última. Cannon parte das manifestações visce-rais e converte assim a emoção numa actividade puramente vege-tativa e bioquímica. Evidentemente, não basta operar a síntesede duas concepções opostas para se chegar à verdade e, sobre-tudo, para apreender a realidade nos seus íntimos mecanismos.O desacordo das doutrinas pode exprimir numa primeira aproxi-

(') «0 orgânico e o social no homem», Scientia, Abril de 1973;reproduzido em Enfance, 1, 1963, cito p. 64.

(') L'Enfant turb1tlent, Alcan, 1925.

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mação uma real contradição das coisas. Mas, como é o caso aqui,a aproximação é demasiado esquemática, demasiado grosseirapara fornecer algo mais do que uma orientação geral. Wallonretoma então o conjunto dos dados fisiológicos, desenvolve, clari-ficando, cada uma das duas concepções, depois fá-Ias encon-trar-se. Entre os dois princípios explicativos, entre a actividadecortical e as reacções vegetativas, diz ele, abre-se um arco de-masiado amplo. Lembra que existem no sistema cérebro-espinalcentros sobrepostos, mais ou menos submetidos ao córtex, masque fornecem também energia e coordenação à vida de relação;que, por outro lado, as manifestações viscerais supõem umaorganização de uma grande complexidade, cujo papel é devol-vido ao sistema autónomo; finalmente, que estes dois sistemasnão são totalmente independentes um do outro.

A análise assim conduzida revela, não uma oposição radical,mas uma bipolaridade à qual Wallon volta repetidas vezes. «Aemoção, afirma, move-se entre duas espécies de centros nervo-sos, os da vida vegetativa no cérebro central e aqueles que cor-respondem à parte frontal dos hemisférios cerebrais... Pode,consoante as circunstâncias, aproximar-se mais de um ou deoutro polo, mas o seu antagonismo também lhe pode dar ... umcarácter equívoco» (11).

Convém não esquecer esta bipolaridade fisiológica da emo-ção para compreender o que são as contradições e as diferencia-ções funcionais do desenvolvimento. A emoção será a matériados sentimentos electivos, mas é também, e em primeiro lugar,sensibilidade sincrética, contágio, confusão. Particularmentefavorável ao estabelecimento de reflexos condicionados, con-duz, numa idade em que é impossível qualquer deliberação,à formação de complexos irredutíveis a qualquer raciocínio.Mas é também um prelúdio da representação.

No entanto, a função inicial da emoção é a comunhão comoutrem. Com efeito, à «emoção cabe o papel de unir os indiví-duos entre si pelas suas reacções mais orgânicas e mais íntimas,devendo esta confusão ter por consequência ulterior as oposi-ções e os desdobramentos de onde poderão surgir gradualmenteas estruturas da consciência» (6).

Deste modo, as influências afectivas do meio têm umaacção decisiva sobre a criança. O que não significa, evidente-mente, que criem tudo a partir do nada. Mas infiltram, car-regam de significado, à medida que aparecem, os movimentos,as reacções (o sorriso, por exemplo) em potência na maturaçãodas estruturas nervosas.

Nas primeiras semanas de vida não há, verdadeiramente,emoção, no sentido em que Wallon a sntende. A motivação psícológica do grito ao nascer, pressentimento ou lamento, é pura-mente mítica. Neste estádio elementar não há distinção no es-pasmo entre sinal e causa, mais especialmente entre movimentoe sensibilidade (7). lj'; para além desta indiferenciação primitiva,período de pura impulsívidade, que, por maturação, o grito sediferencia como meio de expressão e se torna, com as reacçõesdo meio e graças a elas, meio de comunicação. O social captouo fisiológico para tornâ-lo psíquico.

Contudo, «desde que a mímica se torna linguagem e con-venção, multiplica os matizes, as cumplicidades tácitas, ossubentendidos e subtiliza, ao contrário do raptu» unânime queé uma emoção autêntica (8). Assim, as emoções determinamuma evolução que tende à sua própria redução.

(') «o orgânico e o social no homem», Sciential Abril de 1953;reproduzido em Enfance, 1, 1963, p. 64.

(6) L'Jl:volution psychologique de l'anfant, A. Colin, 1936, p. 136.Na sua análise da carência precoce dos cuidados maternais, René Spitzutilizou explicitamente a teoria de Wallon com o qual manteve relaçõesdurante muito tempo.

(') L'Jl:volution psychologique de l'enfant, p. 128.(') L'Jl:volution psychologique de l'enfant, p. 136.

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Tudo quanto acabo de expor ficaria praticamente incom-preensível se a noção de movimento não estivesse constante-mente subjacente à de emoção.

Na criança que ainda não fala, «o movimento é tudo quantopode testemunhar a vida psíquica e tradu-Ia inteiramente» (9).Além disso, o movimento, pela sua própria natureza, contém empotência as diferentes direcções que a vida psíquica tomaráulteriormente.

Entre as diferentes formas ou funções da motilidade, a queconcerne directamente à expressão emocional é a função pos-tural, mais amplamente a tonicidade. Emoção e função posturalsão associadas por WaUon desde a sua primeira obra consa-grada (sob o titulo de l'Enfant turbuleni) às anomalias do de-senvolvimento motor e mental. :m depois da sua dupla crítica dasconcepções de Lapicque e de Cannon sobre a emoção, baseadasrespectivamente, como deveis estar lembrados, no primado docórtex cerebral e no das reacções viscerais, que Wallon chega,muito naturalmente, a definir a emoção como reacção ou ex-pressão afectivo-tónica.

Entre as reacções musculares víscerais e as mímicas dorosto e do corpo, existe parentesco ou filiação através das fun-ções primordiais do tónus e do equilíbrio. Esta teoria, apenasesboçada em 1925, será abundantemente desenvolvida algunsanos mais tarde no seu curso na Sorbonne publicado em 1933sob o título de Origines du caraciêre chez l'enfan; e retomadaem numerosos artigos. Constitui, parece-me, a trave-mestra dapsicologia walloniana. Ã distinção estabelecida desde há muitopelos fisiologistas entre função cinética ou clónica e funçãotônica, Wallon confere, nas emergências do desenvolvimento,um significado psicológico. A actividade de ordem cinética, o

(') «Importância do movimento no desenvolvimento psicológico dacriança», Bnfance, 2, 1956; reproduzido no número especial Enfance, 3,1959, cito p. 235.

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movimento propriamente dito, é principalmente acção, relaçãocom o mundo externo: locomoção, preensão, manipulação. A to-nicidade é, especificamente, expressão) meio expressivo de simesmo e de relação com outrem.

O que, para o fisiologista, constitui sobretudo a função evi-dente do tónus, é acompanhar o movimento, dar ao gesto a suaagilidade, a sua finura, a sua estabilidade, regular a justa adap-tação do gesto ao seu objecto. Mas o que Wallon sublinha é afunção até então desconhecida das posturas, das atitudes, quepor um lado se relacionam com a acomodação perceptíva, poroutro com a vida afectiva.

No recém-nascido entrelaçam-se sem poder ainda coorde-nar-se, nem ter qualquer eficácia, bruscas distensões muscula-res e reacções tónicas, espasmos. É o período que Wallon de-signa como de impulsividade pura. «Incapaz de efectuar seja oque for por si mesmo, é manipulado por outrem, e é nos movi-mentos de outrem que as suas primeiras atitudes tomamforma» (10). Com efeito, estabelece-se progressivamente umaligação entre as necessidades da criança, que exprime a suaagitação, e a intervenção do meio. «Os primeiros gestos que lhesão úteis são, assim, gestos de expressão, não sendo os, seusactos ainda susceptíveis de nada lhe fornecer directamente dascoisas mais indispensáveis» (11). Trata-se, na idade de dois outrês meses, do início do estádio emocional.

Efectivamente, todas as emoções correspondem, cada umaà sua maneira, a variações do tónus tanto periférico como vis-ceral (12). Variações essas que dependem todas da inervação dosimpático. Espasmo intestinal ou orgasmo, gritos e lágrimas,

(\O) «o papel do ontro na consciência do eu», J. 29Y1Jt. Psych., 1,1946; reproduzido em Enfance, 3, 1959, cito p. 281.

(11) «Importância do movimento no desenvolvimento psicológico dacriança», ob. cit.} p. 236.

(") U2volution P8Ychologiq1tede l'enfant, p. 130.

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risos e sorrisos, atitudes e posturas, mímicas do rosto e docorpo, linguagem dos olhos e das mãos, intonações da voz,pormais que nos afastemos das fontes orgânicas, jamais serão rom-pidas as afinidades e as filiações, será sempre possível o mare-moto emocional. A convenção mais sofis.ticada, a mais subtilatitude de simulação só podem funcionar em referência à ver-dade primária da emoção.

Assim, o movimento, tanto no seu aspecto cinético comona sua função tónica, não é um traço de união, um simples me-canismo de execução entre as condições externas e as condiçõessubjectivas de um acto ou de uma atitude. :m a. emoção etcterio-rizada, Ê o próprio acto. «Pertence à estrutura da vida psí-quica» (13). Princípio de genética geral, o movimento pode fun-damentar também uma psicologia tipológica ou diferencial. Comefeito, o jogo complexo das funções motoras, a sua exacta coor-denação pressupõem «uma soma de regras que podem não seras mesmas de um para outro sujeito» (14).

O estudo das diferenças individuais, levado tanto quantopossível aos seus determinantes neuro-fisiológicos ou lesionais,é um método de análise. Permite também, ao clínico e ao inves-tigador, fazer corresponder a diversidade que se observa entreos indivíduos a condições precisas e alicerçar sobre estas eon-dições a sua distribuição em grupos mais ou menos. claramentediferenciados (15). Assim se esboça, pela passagem do patoló-gico ao normal, do sindroma ao tipo, uma ciência do indivíduo.Os tipos descritos por Wallon e que ele designa como psicomo-tores são essencialmente compleições afectivo-tónicas, fórmu-

(") <.<8indromasde insuficiência psicomotora e tipos pstcomotores»,Ann. Médic. Psychol., 4, 1932; reproduzido em Enfance, 3, 1959, p. 241.

(H) Ibid.) p. 241.(")' Ibid'l p. 242; Enfance, 3, 1959, p. 240-241. cr, também a des-

crição do sindroma de «A instabilidade posturo-psrquíca na criança»,Enfance, I, 1963, p. 163-171.

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Ias em que o indivíduo Se caracteriza pelas inevitáveis irregu-laridades do tónus e, por conseguinte, pelo estilo dos seus actose das suas relações com outrem.

Esta tipologia é totalmente estranha às antigas noções demorfologia e de temperamento tais como as encontramos aindaactualmente, por exemplo, em Sheldon. :m pela sua motricidade,pela sua tonicidade, pelas suas funções posturais, assim comopelos seus modos de sensibilidade, que o corpo se torna psique,e uma tal pessoa em vez de outra. Wallon é alérgico a tudoquanto possa parecer uma fixidez, uma estrutura imutável.

Além disso, se a importância do tipo psicomotor é, a seuver, manifesta em todo o comportamento, tal não significa quese possa concluir que seja possível deduzir tal comportamentoa partir de tal tipo. «Pois, em biologia, e por maioria de razãoem psicologia, o número de factores em jogo, e, sobretudo, odos .choques e das circunstâncias imprevisíveis, tornam qual-quer dedução impossível» (16).

Por conseguinte, no decurso da infância, a transmutaçãodo orgânico no psíquico opera-se graças à marca social, à duplanatureza da emoção, e quando as condições de maturação a 10r-nam possível. Mas este psíquico acabado de emergir das reac-ções .orgânicas, observável tanto no animal como na críançamuito jovem, permanece prisioneiro do presente, atolado noaeto sensitivo-motor. Sob o ângulo afeetivo, são as confusões eos efeitos da emoção; sob o ângulo cognitivo, é aquilo queWallon designou, com tanta profundidade, de inteligência-dassituações.

Levanta-se então um outro problema, fica por explicar umaoutra grande passagem: como é que, no decurso do seu segundoano, a criança dá o passo decisivo que a leva da inteligência' dassituações à representação, do acto ao pensamento?

(lC) <.<8indromas·deinsuficiência psícomotora e tipos psícomotores»,p. 251, ob. cito

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:m sabido qUeWallon atribui à linguagem um papel primor-dial do advento da inteligência representativa, que vê nela, con-trariamente a Piaget, uma segunda fonte de inteligência, sendoa primeira a sensorimotricidade. Mas o aparecimento da lingua-gem nada explica sobre o processo da passagem, sobre a junçãoentre as duas formas de inteligêcia.

:É pela imitação que Wallon dá conta desta passagem. Nãohá dúvida de que este recurso à imitação não contém em simesmo nada de original. Encontramo-Io também em Piaget, c,em primeiro lugar, nos alvores da psicologia genética, em J. M.Baldwin. A originalidade de Wallon a este respeito deriva dadialéctica que aplica, mais uma vez, e em estreita ligação comas suas análises preliminares da emoção e da motricidade (17).

A imitação é movimento. Contudo, na sua origem, trata-semenos de movimento orientado para o mundo físico, para objec-tivos externos, que da actividade sobre si mesmo ou postural«que tem por meios e por objectivos as próprias atitudes dosujeito» (18), que é, ao mesmo tempo, acomodação às atitudesde outrem. Nos seus prelúdios e em si mesma, aJ imitação éactividade plástica.

Os primeiros sorrisos em resposta ao sorriso, os primeirosmurmúrios, os gestos em eco aos outros e a si mesmo, distin-gue-os Wallon da imitação propriamente dita, cujo critério éser diferida. São, contudo, o seu tecido primitivo: fenómenosde indução, de contágio, de consonância. Mas o gesto, quercomeçasse por ser mímetismo quer simples eco, traz consigo a

(1') Ver em posfácio do presente volume o texto de Jean Piaget«0 papel da iniciação na formação da representação».

Wallon viria a morrer alguns meses depois da publicação do artigode Piaget. Não pôde responder-lhe. Mas sentira-se tocado e interessadopor esta tentativa de reconciliação de Jean Piaget.

(18) De L'Aote à la Pensée, Flammarion, 1942, p. 243.

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razão do seu próprio progresso, Modifica aquele que o faz; pelafunção postural à qual pertence, dá progressivamente à criançao sentimento, a consciência ainda obscura da sua coerência,reforçada pela percepção doe desacordos com o modelo imitado,desejado, rejeitado (19).

Assim, nesta actividade mimética, e em seguida imitativa,a partir desta motricidade que começa por se orientar para simesma, inicia-se uma diferenciação, prepara-se uma espécie deviragem. Da confusão vai sair o seu contrário: a distinção, emesmo a oposição. Evidentemente, sempre com uma possívelregressão, uma oscilação entre os dois poIos da imitação: alie-nação de si mesmo no objecto, em outrem, e desdobramento doacto a executar a partir do modelo. «A imitação concretizou--se... como um dinamismo produtor, um modelo em potênciaque 'começoupor se apreender apenas na sua realização efectiva,masque em seguida se destacou para se tornar representaçãopura» (20).

Assim, a dialéctica da imitação dá conta da passagem àinteligência discursiva, sob a qual, aliás, continua a subsistir ainteligência das situações, intuição plástica no instante pre-sente. Ao mesmo tempo, explica-se a formação conjunta dosocius e do eu.

A t~oria do socius, considerada isoladamente, não é sem dú-vida o contributo mais pessoal de Wallon. Deriva de J. M. Bald-

(19)' Wallon indica que, passado o período da imitação automática,a imitação na criança é electiva e muito ambivalente: absorver o objectoamado e, inversamente, ser absorvido por ele. As duas tendências, diz,podem estimular-se, eclipsar-se mutuamente, suceder-se. A partir da aná-lise desta imitação electiva, reinterpreta o drama que Freud simbolizoupelo complexo de llXlipo,generalizando o seu significado. De l'acte à lapensée, pp. 162-164.

("') De l'aote à la pensée, p. 244.

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win, directamente ou por intermédio de P. Janet (21). MasWallon integra-a com uma felicidade de expressão e uma forçaque a tornam 'como que o remate da sua obra, a última peçaque confere ao conjunto amplitude significante.

A ideia de que a criança começa por se alienar totalmentena ambiência humana, confundida com o seu parceiro, a ideiade uma indiferenciação primitiva a partir da qual se constróio eu encontra-se presente em toda a sua obra. Mas só maistarde, num artigo publicado em 1946, é o que o termo de sociuse a teoria explícita do eu aparecem. Teoria precisada e aprofun-

C"') Para uma epistemologia da ciência do desenvolvimento psico-biológico, para compreender uma das fontes principais da obra de Wallone de Piaget e também, .em menor medida, a de Freud, será preciso remon-tar a James Mark Baldwin, inspirado em Darwin e Hegel que foi, junta-mente com Freud e ao mesmo tempo que ele, aluno de Charcot naSalpêtriêre. Foi Baldwín o primeiro a falar do eu ideal como resultadode uma «ejecção», da díaléctíca emotiva e motora da imitação, foi '0

primeiro a construir uma teoria do socius que, como é evidente, veio ainspirar Wallon, foi também ele quem esboçou os contornos dessa lógicagenética, ulteriormente desenvolvida por Piaget e que lhe forneceu ofamoso esquema funcional: assimilação-acomodação~adaptação.

Baldwin não é um antepassad-, tão longinquo de nós como podeparacer: a última etapa da sua carreira decorreu em Paris, onde morreuem 1934. Lamento a desenvoltura com a qual o tratei outrora, há umquarto de século, no meu livro Psychologues et Psychologies d'Amérique.A título de reparação e de ilustração, eis um texto de Baldwin que dámuito bem - a propósito da noção de socius - a medida do seu géniode percursor: «0 eu e o outro têm ... uma origem comum. Estas noçõescomeçam por ser grosseiras e irreflectidas, amplamente orgânicas, e sãounicamente constituídas por agregados de sensações, tais como aquelasque resultam dos esforços, dos impulsos, das correntes nervosas correta-tivas da dor e do prazer. Contudo, pouco a pouco, através da díaléctíca [ ... ]entre o sujeito e a ejecção [... ], estas noções precísarn-ss e clarificam-se.O sentimento do eu desenvolve-se pela imitação dos outros, e o sentimentodo outro enriquece-se em proporção com a riqueza do seu consciente. O eue o outro, ou ainda o eço e o alter são, assim, essencialmente sociais; cadaum deles é um socius, um associado, um produto da imitação». Le déve-toppement mental ch.ez Veniant et dans la race, Paris, 1897, p. 309-310.

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dada num segundo artigo, dez anos mais tarde (22). Tudo sepassa como se Wallon tivesse levado vinte 'anos a elucidar osprocessos, os meios (emoção, movimento, imitação) pelos quaiso orgânico se torna psiquismo, a amadurecer lentamente asimplicações das suas análises, antes de formular a sua dialéc-tica do eu-outrem.

Não haverá em Freud uma evolução análoga? Não signifi-cará a viragem de 1920 uma passagem da análise dos processosfundamentais, dos conflitos, às partes salientes destes conflitose, como eixo de uma nova tópica, à teoria do eu? Não será esseo caminho quase obrigatório do psicólogo que parte do biológicopara chegar ao homem? Com a diferença de que, entre Freude WaIlon, para este último a teoria do eu não implica a destrui-ção ou a reestruturação de uma construção anterior.

Em resumo, a teoria de Wallon formula-se do seguintemodo: entre o eu e os outros) a relação estabelece-se por inter-médio do outro que cada um traz consigo. E'sse outro é desig-nado por Wallon também pelos termos de alier, de outro íntimo,da socius.

Qual é a sua origem? Não é certamente, diz-nos Wallon,um decalque abstracto das relações que pode ter havido entreo sujeito e a sua mãe, entre o sujeito e pessoas reais. Inicial-mente, não há sujeito onde se possa imprimir este decalque, nãohá um Narciso à procura da sua imagem. Existe, sim, um estadode indiferenciação total. Wallon, ainda que pouco dado a metá-foras, compara este primeiro estado da consciência «a umanebulosa onde se difundiriam, sem delimitação própria, acçõessensório-mataras de origem exógena ou endógena. Na sua massa,contínua, acabaria por desenhar-se um núcleo de condensação,o eu, mas também um satélite, o sub-eu, ou o outro (23) . Entre os

(") «0 papel do outro na consciência do eu», J. Egypt. P8Ychol.,1, 1946 e «Níveis e flutuações do eu», L'Evolution P8Ychiatrique, 1, 1956;reproduzidos nos números especiais de Enfance, 1958 e 1963.

(23) «o papel do outro na consciência do eu», ob. cit., p. 288.

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dois, a repartição da matéria psíquica nunca é fixada de umavez para sempre, nunca é constante. Varia com a idade, con-forme os indivíduos, e, para cada um deles, segundo as circuns-tâncias.

li: de fado isto o que existe de original na concepção wal-loniana do 8ocius; o outro íntimo data de um período em queos outros ainda não existiam, «fantasma que cada um traz con-sigo», é ele, são as suas próprias variações que regulam asnossas relações com os outros «tendo em conta, evidentemente,a adaptação às circunstâncias que exige uma actividade nor-mal».

E se é assim, é porque o 80C'ÍUS é o efeito de uma necessi-dade absoluta para a criança. Incapaz de fazer seja o que forpor si mesma, nem mesmo de sobreviver, as suas reacções devemser constantemente completadas, compensadas, interpretadas.O indivíduo humano é um ser social, não devido a contingênciasexternas, mas geneticamente, biologicamente.

O organicismo de Wallon?Poderíamos discuti-l o indefinidamente, tal como acontece-

ria com o biologismo ou a tendência naturalizante de Freud, etanto mais que o significado destes rótulos é variável, incerto,polémico. O que é evidente é que, tanto para Wallon como paraFreud, o substracto orgânico é o tecido material do psiquismo,ou, mais precisamente, que o psiquismo, a todos os seus níveis,procede ou emerge de processos biológicos.

Wallon, tal como Freud, é evolucionista. Freud, tal comoWallon, e mais ainda na segunda. tópica, é geneticísta. Tantoum como o outro, descrevem a gênesecorno uma diferenciaçãoa partir das fontes orgânicas, tanto um como o outro descobremou imaginam as ambivalências, as contradições, os conflitosatravés dos quais se realizam as passagens da ontogénese e seorganizam as estruturas da personalidade. Na dialéctica dodesenvolvimento, um e outro fazem intervir o social simultanea-

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mente ao biológico. Mas é aqui que surge a sua divergência,a qual, segundo creio, se torna muito mais profunda quandoWallon substitui a noção de sensualidade infantil pela de sexua-lidade.

li: indubitável que tanto para Freud como para Wallon, aintervenção do social se explica pelo desnudamento da criançaao nascer. Mas, para Freud, o factor social é exógeno, o socialé exterior ao biológico, o papel da sociedade consiste em policiare reprimir.

Para Wallon, no homem, o social é consubstancial ao orga-nismo. li: verdade que não nega que o indivíduo possa estar emconflito com outros indivíduos, com grupos, com a sociedade eque as estruturas sociais possam prejudicar o livre desenvolvi-mento da personalidade. Mas a oposição indivíduo-sociedade nãotem o carácter inexpiável, a tonalidade pessimista que lhe atri-bui a ideologia individualista, em parte devido ao facto daspróprias sociedades evoluírem por intermédio das suas lutasinternas, mas, sobretudo, porque o indivíduo é em si mesmo umeooius, um ser social. A oposição radical indivíduo-sociedade é ade duas entidades metafísicas.

li: numa polémica com Piaget (que o acusa, aliás, não deorganicismo, mas de sociologismo à maneira de Durkheim) queWallon exprime com o máximo vigor a sua forma de ver ascoisas. «Jamais pude díssociar o biológico do social, não porqueos creia redutíveis um ao outro, mas porque me parecem, nohomem, tão estreitamente complementares desde o nascimentoque é impossível encarar a vida psíquica de outro modo que soba forma das suas relações recíprocas» (24).

No entanto, Wallon não subestimará em momento algum opapel de maturação, noção de que foi o promotor, em França, eque tanto contribuiu para a sua reputação de organicísta. li: a

(24) «Post-scriptum em resposta a Plaget», Oah. interno Sociol., 1951,vol. X, p. 175.

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maturação do sistema nervoso «que torna sucessivamente pos-síveis diferentes espécies ou diferentes níveis de actividade».Mas é preciso que se acrescente o exercício à maturação e é danatureza da emoção, da natureza da imitação, em suma, danatureza do organismo humano, tal como foi elaborado pelafilogénese, o ser social.

Contudo, é precisamente esta renovação na espécie humana,esta infiltração do social no organismo, que tem por conse-quência a ontogénese não poder reproduzir verdadeiramente afilogénese, como Freud persistiu em acreditar. Para Freud, amarcha do desenvolvimento é predeterminada por todo um pas-sado que o indivíduo recapitula e a força que impõe à huma-nidade este desenvolvimento é a necessidade que decorre davida, o AvayK17; existe um destino e o destino é o corpo. Asinfluências externas recentes só podem produzir modificaçõessuperficiais ou perturbações no desenvolvimento predetermi-nado.

Para Wallon, não há destino. O biológico e o social sãocondições necessárias, mas apenas condições. O desnudamentoda criança ao nascer traduz-se por uma necessidade absoluta deoutrem, mas é um absoluto que abre o caminho da liberdade, deum progresso indefinido. A infância do homem é efectivamenteo produto da evolução do passado, mas explica-se também pelomeio no qual o indivíduo se desenvolve, pelas inovações da téc-nica que impõem formas inéditas de sentir e de pensar. Acriança entra ao mesmo nível na sua civilização, não tem derecapitular, e tende, como um sistema, para o seu estado deequilíbrio, para o tipo de adulto que pode realizar e, porventura,ultrapassar. O devir, em vias de se construir, explica-a pelomenos tanto como o passado.

Existe em WaIlon um optimismo fundamental e, como járeferi, uma recusa ou uma desconfiança em relação a toda afixidez.

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A noção de inconsciente, tal como a de invariante piage-tiano, submete-a Wallon a uma critica impiedosa, pois descobrenela a sobrevivência ou uma forma modernizada do velho pen-samento substancíalista. Formulando pela primeira vez «o pro-blema biológico da consciência», começa por dizer que se secolocarem à partida duas substâncias, o corpo e a alma, duasséries heterogéneas, nunca será poasivelcombiná-las. Mas «quefutilidade imaginar um terceiro termo, fantasma combinado dosoutros dois, espécie de psiquismo inconsciente, que flutuariasempre inacessível à experiência, entre a 'consciência e os fun-damentos orgânicos da consciência» (26) ! O artigo é de 1923 e acrítica não se dirige a Freud, que nem sequer é citado, mas sima Hõffding e a Herbertz. O que Wallon recusa é uma nova enti-dade, um inconsciente que, ultrapassando os processos bioló-gicos, não passaria de um «preconceito metafísico» (20). Masconclui que o psicólogo não se deterá «nos limites da consciên-cia se se revelar à experiência um inconsciente já não teórico,mas real, eficaz, indispensável às manifestações da vida men-tal» (27).

Ora, efectivamente, Wallon seguiu a direcção e cumpriu aspromessas deste artigo-programa. Quanto à noção de consciên-cia, enquanto entidade e princípio explicativo, rejeita-a tãoclaramente como a noção de ínconsciente. Ninguém denunciou

(") «o problema biológico da consciência», Traité de psychologiede Dumas, 1923, t. 1, p. 202-229.

(") A sua vigilância em detectar, denunciar sob todos estes dis-farces, a ideologia fixista, leva-o, como acontece a muitos marxistas, acultivar o que eu chamaria de ideologia heraclítica. No mínimo, é reticenteem relação às teorias da estrutura, aos modelos da hereditariedade forne-cidos pela genética, às primeiras formulações da cibernética. Da sua parte,não se trata de submissão a um credo politlco. :m uma questão de tempe-ramento. E, bem entendido, como homem de ciência, sabe inclinar-se pe-rante o facto estabelecido.

(27) Le probleme biologique de Ia consoience, ob. cito

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com tanta insistência como ele a introspecção, mostrando, aliás,que as suas ilusões têm menos a ver com a sua subjectividadedo que com a sua superficialidade. O que estuda a propósito daemoção, da tonicidade, das ligações com outrem, não será o ele-mento, os secretos dinamismos das manifestações da vida men-tal? E este 80GÍUS que se encontra no nosso próprio âmago, nãoagirá sem que jamais se revele, salvo o caso de certas desorga-nizações mentais? O facto é que Wallon não emprega, nuncatem necessidade de empregar o substantivo de Inconsciente.

Os seus esforços concentram-se na tentativa de nos con-vencer, por um lado, que há planos de realidades distintos, irre-dutíveis (corpo e vida mental, por exemplo), estádios de desen-volvimento, unidades funcionais e, por outro lado, que não élegítimo talhar a direito entre estes planos, entre estes estádios,entre estes sindromas. A geração de um pelo outro não é infali-velmente definitiva, o antigo pode subsistir sob o novo, e aflutuação é a regra.

:m certo que se pode preferir uma concepção mais ordenadada vida mental, imagens menos fugidias, menos móveis.

Mas não compreendo que os psicanalistas tenham censu-rado Wallon por «só ter estudado as manifestações desencar-nadas, descarnalizadas e, para dizer tudo, desinvestidas desseser social que é a criança desde a sua vinda ao mundo» (28). Ne-nhum autor dáa todas as manifestações psíquicas uma colora-ção mais sensual, mais carnal.

Não será que «o pass.o que deve unir o orgânico e o psí-quico» tenha sido finalmente dado por Wallon, sem ele mesmoo suspeitar? E que nós tenhamos a esse respeito como que umpressentimento sem que o possamos ainda compreender perfei-tamente?

I :(")' Citação de M. Bergeron (Psychologie du premier age, P. U. F.,

1961,p. 250) de J.-L. Lang, o qual agruparia em 1951as críticas dirigidasa Wallon pelos psicanalistas ...

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CAPITULO m

O PROBLEMA DO OUTRO NA PSICOLOGIADE RENRI WALLON

Quem és tu, que posso saber de ti? Como é possível que,por vezes, me sejas tão próximo, e por vezes tão longínquo?Es meu semelhante e, 'contudo, os teus pensamentos, os teussentimentos, como poderei sabê-los ao certo? Tu és eu e tu nãoés eu" e é,sem dúvida por isso, por essa Íntima estranheza, quete procuro. Como foi possível que eu saísse da minha solidão eme aproximasse de ti? Mas, antes do mais, onde está a ilusão:quando me sinto só ou quando creio que estamos juntos?

Um solilóquio de apaixonado? Sim, é possível que se trateda linguagem de um enamorado, uma vez que é o amor que dáa experiência mais viva da comunhão e da separação, pois repre-senta a busca mais intensa do Outro. Mas é um problema muitomais vasto do que aquele que é suscitado pelas angústias e ascertezas do amor.

O outro, como o poderei realmente conhecer, sendo eleprecisamente o outro, o estranho, e uma vez que a única certezaque existe é aquela que experimento no mais fundo de mimmesmo, certeza essa tão incomunicável para ele como para mim?Que relações existem entre o eu e o outro? Serão superficiais,artificiais, ilusórias, ou serão profundas, essenciais, mas, nestecaso,como será isso possível ?

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o problema do outro é também o problema do eu, da con-dição humana. Todos os homens o sentiram, com lucidez maiorou menor. Todos os grandes filósofos o formularam com maiorou menor penetração.

Mas como formular um ta'! problema sem correr desde logoo risco de uma falsa orientação, de uma resposta preconcebida?O entendimento, 'consoante as categorias comuns da lingua-gem, desenha e separa uma da outra duas palavras - o eu e ooutro -, por conseguinte, duas realidades distintas.

E, quando aparece, a reflexão psicológica confirma e re-força esta distinção. Na realidade, começa por ser reflexão sobresi próprio. E, à medida que a análise se toma mais exigente,mais aguda, mais inquieta, tudo quanto não é o eu, os outros eas coisas, se torna estranho, irreal. No limite, encontramos osolipsismo do filósofo ou o autismo do esquizofréníco, para osquais nada mais existe para além deles mesmos.

Contudo, o pensador que não perdeu 'completamente o sensocomum, pretende restabelecer a unidade perdida, encontrar umfundamento para a realidade externa, justificar a existênciade outrem. A sua atitude não será negação, mas problema. Talcomo Descartes, poderá entregar-se à sabedoria de Deus quenão quis defraudar as suas criaturas: ou então poderá funda-mentar a existência e o conhecimento de outrem por analogiacom a experiência que tem de si próprio. Se for psicólogo, esta-belecerá uma teoria das comunicações ou descreverá os pro-cessos da projecção do eu no outro, da introjecção do outro noeu. De qualquer forma, a dualidade é admitida 'comoum postu-lado, e a prioridade do conhecimento de si próprio sobre o conhe-cimento de outrem.

Enfim,selectivamente, tendenciosamente, a nossa afectivi-dade dá ao problema a sua tonalidade, a sua orientação. É ofracasso, a decepção, o sofrimento e não a alegria que nos fazemreflectir; não é a nossa comunhão com os nossos semelhantes ea ingénua evidência de que existem tal 'como nós, é a solidão

em que nos encontramos quando os laços se quebram ou seafrouxam. Então, e só então, interrogamo-nos: porquê estaseparação, este divórcio?

'I'ratar-se-á de um problema eterno, de um problema inso-lúvel? Ou será, muito simplesmente, um problema verdadeiro,na realidade, mas mal proposto?

Com o tempo, longe de se resolver ou de se desvanecer,torna-se mais agudo, a julgar pelas filosofias contemporâneasda existência e, sobretudo, por essas obras de imaginação, ro-mances ou filmes, que testemunham de modo tão evidente asensibilidade da nossa época.

Se é verdade que o amor é a experiência mais profunda darelação com outrem, o facto é que não subsistem dúvidas de quejamais esta relação foi desejada tão explicitamente, tão arden-temente, tão desesperadamente. O amante de Lady Chatterley,o homem desprovido de qualidades de Musil e, menos retorica-mente, as personagens de Fellini e de Bergman, parecem dizer--nos que num mundo em que tudo se desmorona o amor subsistecomo o valor fundamenta'! e também como a única esperança,ainda que perpetuamente frustrada.

A aceleração 'vertiginosa do tempo, a extensão explosiva dacultura fizeram estalar por todo o lado o cimento das nossasevidências e das nossas 'crenças. Uma decadência, uma corrup-ção? Não, trata-se antes de uma crise de consciência, como se,demasiado brutalmente, a civilização sofresse uma metamorfoseou se tornasse adulta, trazendo ao desamparo de cada um denós a confissão das nossas responsabilidades e da nossa solidão:uma civilização da inteligência que procura os seus novos valo-res, um novo equilíbrio. E, precisamente devido a esta busca,um valor começa por se afirmar no desvanecimento de todosos outros: a lucidez.

Mas bastará a lucidez, quando a luz perdeu a sua 'chama?Os impasses do entendimento tornam-se, com demasiada fre-quência, um refúgio do misticismo. .

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Henri Wallon retoma «o problema do Outro» e altera pro-fundamente os seus dados. Talvez não ofereça uma solução per-feita, mas indica uma direcção.

Não haverá solução, diz, se se postular entre o eu e o outrouma exterioridade inicial e radical. A busca é votada ao fra-casso se nos encerrarmos na introspecção ou em qualquer outraforma de intuição subjectiva que nos feche sobre nós mesmos.Devemos observar o que se passa no decurso da evolução dacriança e constataremos então que o psiquismo, nas suas ori-gens, é como que uma nebulosa em que o eu e o outro estãoainda confundidos, ou, melhor dizendo, são ainda inexistentes.

esforça por definir a personalidade 'como um processo integradona vida social.

Mais próximo de nós, mais próximo de Wallon, devemos,finalmente e sobretudo, nomear Pierre Janet. Pelo seu discursono Congresso Internacional de Psicologia, em 1937, encontra-mo-nos perante um convite dirigido às novas gerações de psicó-logos para reformar a psicologia na base de uma ideia directrizda natureza social da personalidade e da distinção entre o eue o tu, como problema-chave (1). A título de hipótese, indicaque «a distinção de mim mesmo e do socius talvez não seja tãofundamental, tão primitiva como se julgava» e diz ainda que éprovável que o eu e o outro «se edifiquem conjuntamente deforma confusa e apresentem ambos os mesmos progressos».

Henri Wallon, cujos trabalhos foram citados por Janet noreferido discurso, surge-nos hoje como aquele que realizou oprojecto e executou o testamento do pioneiro da psicologia fran-cesa. E isso aconteceu com uma facilidade tanto maior quantojá existia convergência, em 1937, entre a orientação de PierreJ anet e a sua.

A bem dizer, na obra tão profundamente pessoal de Wal-lon, tão fortemente integrada, onde são tão raras as referênciasa outros autores, jamais alguém poderá ter a certeza de quaisforam as influências directas, os empréstimos, as coincidências.Enriquecidacom as heranças da cultura clássica, criadora deum pensamento dialéctico de vanguarda, e como que antecipa-dora do devir, radica, 'contudo, solidamente nas preocupações,nos temas da psicologia de hoje. Ao seguirmos a sua trajectóriaonde, gradualmente, se esclarece o aspecto social do psiquismosem que alguma vez se diminua a importância do aspecto bioló-gico, temos a sensação de uma necessidade interna de desco-berta de tal forma que, se analisarmos a obra do fim para o

Wallon não é o único, nem sequer o primeiro, a rejeitar aprioridade do eu 'como postulado fundamental da psicologia.Toda uma corrente de pensamento, onde encontramos filosofiasexistenciais e personalistas, tende a apresentar como primitivoo par «eu-tu» que condiciona essencialmente o desenvolvimentoda consciência. Trata-se de uma reacção de moralistas ao fra-casso da filosofia clássica, muitas vezes um acto de fé paraescapar ao absurdo da solidão, «ao trágico das almas fechadas€' separadas», segundo a expressão de La Senne. Será então rela-tivamente fácil admitir, taí como Gabriel Marcel, um Deus 'como«tu» absoluto e considerar que o diálogo humano é a transpo-sição do frente a frente entre a alma e Deus. Mas, quer se tratede filósofos crentes ou ateus, «o par eu-tu impôs-se, diz-nosMaurice Nédoncelle, pois é impossível um cogito estritamentesolitário».

Nã'O se deve negligenciar esta tendência da filosofia con-temporânea, na medida em que exprime uma insatisfação àqual a própria ciência deve estar apta a responder.

Podemos discernir as tentativas de resposta em Max Sehe-ler e também em toda uma tradição da psicologia americana, aqual, com Willíam James, J. Marc Baldwín, George H. Mead, se

(') Áctes du Onzieme Oongr8s International de Psychologie, Paris,1937. P. Janet, «Les conduites socíales», p. 138-149.

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princípio, nos parece que as noções que surgiram mais recente-mente já se encontravam em gérmen nas suas origens. Ê o quese passa com as noções relativas ao problema do Outro.

Wallon só consagrou dois artigos a este problema, distan-ciados entre si de dez anos, em 1946 e 1956. Tais artigos surgemcomo que um prolongamento, um aperfeiçoamento, mais aindacomo a construção teórica, a chave que permite apreender ple-namente o que Wallon escrevera antes sobre as origens docarácter e sobre a emoção, ainda que, como é provável, estateoria do Outro só tenha amadurecido lenta e tardiamente (2).

Aliás, do artigo de 1946 ao de 1956, nota-se claramente oamadurecimento desta teoria.

Não é possível resumi-Ia em poucas palavras. A sua elucí-dação exigiria longos comentários em referência ao conjunto daobra.

Ficaremos a meio caminho, entre a formulação esquemà-tica e um comentário impossível nos limites que aqui devemosrespeitar.

De forma lapidar, a teoria de Wallon pode formular-se doseguinte modo: entre o eu e os outros) a relação estabelece-sepor intermédio do outro que cada um de nós traz em si mesmo.

Que é esse outro, de onde provém? Wallon designa-o tam-bém pelo termo de alter e igualmente pelo de socius, que vaibuscar a Pierre Janet, o qual já o extraíra de Baldwin, e quali-fica-o de outro íntimo para o opor aos outros e ao conceito geraldo Outro) e diz ainda que ele é, em nós, o fantasma de outrem.

Wallon, depois de Janet, começa por apreender a existênciadeste outro secreto através da sua emancipação em casos pato-

(') «o papel do outro na consciência do eu», J. Egypt. Psychol.,vol, 2, 1946, n.s 1. - «Níveis e flutuações do eu», V:evolutiOn Psychia-trique, 1956, n.> 1, p. 389-401. Estes dois artigos foram novamente publi-cados na recolha das obras de Wallon, editada pela revista Enfance (n .•especial de 1959 e n.· especial de 1963).

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lógicos, como aqueles que Clérambault descreveu pelo nome deautomatismo mental. O doente julga-se interpelado, insultado,roubam-lhe os seus mais íntimos pensamentos, impõem-lhepensamentos estranhos, ditam-lhe os seus actos: é perseguidoe possuído por um ser, ao mesmo tempo íntimo e estranho. Masé igualmente normal que cada um de nós conheça esses momen-tos de incerteza em que se dialoga consigo mesmo, mentalmenteou mesmo em alta voz. Tal como Sócrates, cada um de nós temoso nosso demónio, conselheiro, censor, objector: o outro, «o per-pétuo parceiro do eu na vida psíquica», quase senpre reprimido,domesticado, ignorado, mas revelando a sua existência e refor-çando o seu papel nas flutuações e nas incertezas do eu.

Qual será, então, a sua origem? No seu primeiro artigo,Wallon sublinha fortemente que o outro íntimo não é uma ima-gem, uma interiorização dos outros, Não é, diz, «um decalquedas relações habituais que o sujeito possa ter tido com pessoasreais». A afirmação adquire um cunho paradoxal que desorien-tou a maioria dos leitores, a começar por Piaget e a acabar emestudantes de psicologia incapazes de a comentar num dia deexame, quando Wallon escreve: «As pessoas que o rodeiam nãopassam, em suma, de ocasiões ou motivos, para o sujeito, de seexprimir e de se realizar». Se pode dar-lhes vida, consistência,exterioridade, é graças a esse estranho essencial que é o outro,o 80GÍu8.

E quando, algumas linhas mais adiante, Wallon, numa fraseque ficou 'célebre, conclui que o indivíduo não é um ser social«devido a contingências externas» mas que o é intimamente,essencialmente, geneticamente, haveria todos os motivos paracrer que, segundo ele, o meio social real pouco representa naevolução da criança, que o essencial reside na subjectividade.Contudo, isso seria um contra-senso total. Nada seria mais con-trário ao pensamento profundo de Wallon que esta espécie deidealismo. Parece, no entanto, que nesse artigo Wallon teráquerido assinalar com o máximo vigor e concisão as frases que

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exprimem toda a originalidade do seu pensamento. O vigor foidemasiado para espíritos ainda mal preparados para compreen-der a sua originalidade.

No seu artigo de 1956 em que as relações com o meio am-biente, pessoas e' grupos, são estudadas mais directa e maislongamente, Wallon emprega fórmulas 'complementares das fór-mulas de 1946, complementares mas que parecem, em muitosf.

• "casos, antitéticas, como se quisesse responder a objeeções, dis-sipar mal-entendidos, esclarecer o complexo sentido do seu ensi-namento. «O Alter, não é mais que um produto da ambiência».E precisa: «O Alter não tem qualquer prioridade sobre oOutro», é a sua «primeira forma». Poderá notar-se, aliás, umaligeira modificação de terminologia: a expressão de Outro nãodesigna neste caso, pelo menos exclusivamente, o alter eqo, oduplo do eu, mas todas as formas que o outro pode tomar; asua forma íntima e larvar, mas também os outros reais: «OAlter não é todo o outro, há também os outros: Alii».

Assim, como poderá afirmar ao mesmo tempo que «as pes-soas que o rodeiam não passam de ocasiões» e contudo, que oalter não passa de um produto da ambiência? Que o indivíduo ésocial geneti-camente, não devido a contingências externas e,no entanto, que o 80GÍU8 íntimo não tem qualquer prioridade?

A resposta tem a a ver com duas noções: a da indiferencia-ção primitiva do psiquismo e da sua diferenciação progressiva,a das relações do biológico e do social na ontogénese humana.

Quando Wallon diz qus o homem é um ser social genetica-mente, essencialmente, e não em virtude de influências externas,esse é um facto fundamental mas também uma ambiguidade deexpressão. O próprio Wallon o reconhece quando concede a Pia-get: «talvez seja exagerado dizer ... que a criança é desde essemomento (nos dois primeiros meses de vida) um ser social» (3).

(') «0 estudo psicológico e sociológico da criança», Oahiers Intern.Sociol., 1947, vol, IH, página 20. Este artigo é reproduzido na primeiraantologia de textos de Wallon (Enlance, n." especial, 1959).

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É perfeitamente evidente que ao nascer e nas primeiras sema-nas que se seguem a criança não é um ser social, que é mesmoincapaz de qualquer reacção adaptada ao meio: trata-se umperíodo vegetativo, o estado da impulsividade pura, identifi-cado e analisado pelo próprio Wallon. E, ainda segundo Wallon,só cerca dos dois/três meses é que «se opera a fusão da criançacom os seus próximos». Então, em que sentido se poderá dizerque é essencialmente social? Pela sua estrutura biológica, peiasua fragilidade nativa, pela sua incapacidade de sobreviver sema ajuda de outrem. De forma negativa, de algum modo, pelassuas carências, pelo seucarácter de algo incompleto. A enfer-midade biológica do recém-nascido pressupõe uma sociedade,um meio, um outro ser que vele por ele e que o complete.

Por conseguinte, a natureza social do homem não é acres-centada por influências externas: o social já se encontra ins-crito no biológico, como uma necessidade absoluta. Esta con-cepção walloniana é radicalmente diferente tanto do biologismo,tal como Freud, por exemplo, o exprime, como do sociologismode Durkheim.

Com efeito, para Freud o social não se encontra na naturezado homem, ao passo que para Durkheim ele é toda a sua natu-reza. Segundo Freud é a libido, o impulso da espécie, que dá àevolução psíquica do indivíduo as suas forças e a sua orientação,ao passo que o seu carácter social sempre superficial e a SU:l

consciência mais ou menos frágil, lhe chegam exclusivamente doexterior, pela acção dos obstáculos, das limitações, dos imperati-vos sociais. Em Durkheim, pelo contrário, o biológico é negli-genciado: os comportamentos individuais são na sua totalidadee exclusivamente de natureza social, e se os indivíduos de umamesma sociedade diferem entre si é porque cada um se apro-priou das «representações colectivas» por certos aspectos maisou menos ricos, mais ou menos diversos.

A originalidade de Wallon, o seu mérito mais eminente, con-siste precisamente em ultrapassar a oposição entre o biologismo

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e o sociologismo, sem se refugiar nos impasses das conciliaçõesverbais ou do positivismo, de forma que - e dou o devido pesoàs minhas palavras - Wallon é, sem dúvida, o primeiro a de-monstrar verdadeiramente quais são os fundamentos da psico-logia e a sua legitimidade: ciência de um plano de realidade quenão pode ser reduzida nem ao biológico nem ao sociológico masque, se se trata da psicologia humana, integra um e o outro.«Jamais pude dissociar o biológico e o social, diz ele, não porqueos creia redutíveis um ao outro, mas porque me parecem, nohomem, tão estreitamente complementares desde o nascimentoque é impossível encarar a vida psíquica de outro modo que nãoseja sob a forma das suas relações recíprocas» (.).

Se a teoria do Outro vem na sua obra depois-da teoria daemoção, da qual é como que a consequência e o desenvolvimento,esta fornece àquela os seus materiais, os seus argumentos maisdecisivos.

Ao nascer, o Outro não existe, bem entendido, e a naturezasocial do recém-nascido define-se negativamente: pelas suasincapacidades que o ligam imediatamente a outrem.

Quando, graças aos progressos da sua maturação nervosa,o bebé desperta para o mundo, passado um mês ou dois de vidavegetatíva, as suas primeiras reacções emotivas definem posi-tivamente a sua natureza social. Todavia, o Outro não se encon-tra ainda delineado na consciência nebulosa da criança. Ê umasituação de simbiose afectiva. Não há delimitação conscientepossível entre as suas próprias acções sensivo-motrizes e o quelhe chega do exterior. Mas as emoções que o unem ao meio deuma forma que começa por ser global e indivisível determinamgradualmente uma situação bipolar. Ainda que confusamente,a criança experimenta sentimentos de acordo e de desacordo

(') «Post-scriptum em resposta a Piaget, Oahicrli Intern. Sociol.,1951, voI. X, págína 175.

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com o meio. A emoção faz alternar o calor e o frio, a comunhãoe a separação.

Assim, muito antes da criança poder ?istinguir objectiva-mente entre o seu eu e outrem, e entre as diversas pessoas quea rodeiam, estabelece-se uma certa delimitação na sua sensibi-lidade entre o eu e aquilo que lhe é estranho. Para retomar aimagem da nebulosa, poder-se-ia dizer que se formam na suamassa «um núcleo de condensação, o eu, mas também um saté-lite, o sub-eu, o outro».

O eu e o Outro constituem-se, assim, conjuntamente. E evo-luirão como um par indissociável de forças, vindo a tornar-serealidades objectivas e conceitos. Ã medida que o eu afirma asua identidade e a sua integridade, rechaça o Outro íntimo paraum papel secundário e secreto. O Outro vai objectivar-se namultidão indefinida das pessoas reais. E, por reflexo, o eu vaisaber colocar-se a si mesmo no número dos Outros) com essareciprocidade das perspectivas necessária à compreensão inte-lectual.

Mas sejam quais forem as formas evoluídas do Eu e doOutro, sejam quais forem a evidência e a solidez das realidadesassim conquistadas, as formas arcaicas permanecem.

Não essencialmente como uma ameaça de regressão, mascomo a base e a garantia da nossa comunicação, da nossa comu-nhão com outrem.

Posso finalmente responder à questão desde sempre colo-cada.

Tu e eu não somos seres separados, consciências fechadas,mas abertos e prometidos um ao outro antes. de nos termosencontrado. É certo que pode haver divórcio entre ti e eu, talcomo em mim mesmo. Divórcio de um instante ou afastamentoirremediável. Contudo, nesse caso, é preciso que a amargura daseparação ou a indiferença não nos façam renegar a alegria quejá não conhecemos. Podemos sofrer de solidão. O mal é menos

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profundo do que se julga, de qualquer modo não é essencial ànossa natureza. li: preciso que o saibamos para não cultivarmoscom uma lógica medonha uma filosofia do absurdo. Para con-servarmos os nossos profundos recursos, as nossas possibilida-des de amor, o nosso verdadeiro significado. A minha verdadenão é a solidão. É o meu encontro contigo.

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CAPITULO IV

A DIALÉCTICA DA INTELIGÊNCIA:WALLON - PIAGET

o pensamento de Henri Wallon nem sempre é de fácilacesso.

Não por esoterismo dos conceitos ou por virtuosidade deabstracção. Nem mesmo, como muitas vezes se afirmou, peloseu estilo. Ou então, se o estilo desorienta certos leitores, é porser justamente a expressão, a forma de um pensamento poucocomum.

Wallon constrange os nossos hábitos mentais. Avança con-tra a corrente do movimento natural da explicação científicaque consiste em suprimir as contradições das 'coisas, em redu-zir a diversidade, pois explicar é, em última instância, encon-trar princípios, elementos, factores comuns a todos 'Osníveisdo real.

Um tal processo explicativo é rendível até certo ponto nasciências físicas, pelo menos nos domínios em que a realidadepode ser considerada provisoriamente de forma estática. Tor-na-se ilegítimo quando aplicado ao estudo de tudo quanto devevir a ser para ser.

Wallon situa-se imediatamente na diversidade, na contra-dição, não para reduzi-Ias, mas, ,pelo 'contrário, com a preocupa-

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ção de nelas descobrir respostas para os problemas da existên-cia e do devir.

Mas esta atitude não bastaria para definir a sua origina-lidade e a profunda dificuldade da sua obra.

O sentimento agudo das contradições, das ambiguidades,é uma característica do pensamento contemporâneo, ainda quena maioria das vezes conduza às filosofias do irracional, doabsurdo.

Evidentemente, nada disso existe em Wallon. Se é verdadeque ele experimenta a necessidade de uma revisão das antigasdistinções e categorias, se se esforça por romper os estreitosquadros do nosso entendimento, fá-lo para alargar a nossarazão.

Instalar-se imediatamente na contradição e na diversidade,não significa que aí se encerre. Toda a realidade. psicológicatem uma história e condições materiais de existência. Ê a re-constituição desta história, é a análise destas condições quenos permitem compreender.

Contrariamente à metafísica, diz ele, a ciência não estáenamorada de absoluto e de imobilidade. Não 'afirma a oposiçãoirredutível do ser e do conhecimento, «Esforça-se por tecernovas relações entre todos os sistemas nos quais se reparteanossa experiência das coisas e da vida, em fundi-los cada. vezmais uns nos outros e, consoante o exigir esta obra de unifi-cação pelo conhecimento, em reformar ou abolir as distinçõesou categorias intelectuais do passado que a tal se poderiamopor» (1).

Esta é a atitude deliberada do materialísmodialéntico.. ~certo que podemos não aderir a esta maneira de ver. Não sepode contestar, como em tempos o fez o nosso amigo Marcel

('} Les odgines du camctere chez l'enfant, p. XI, P. U. F., 2." ed.,1949.

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Bergeron, que Wallon se reclama muito explicitamente do mate-ríalísmo dialéctico (2).

Aliás, se é verdade que o termo de dialéctico é terrivel-mente ambíguo, a expressão de materialismo dialéctico, pelocontrário, é perfeitamente clara.

O materialismo dialéctíco é um método de pensamento queWallon soube ilustrar magistralmente, melhor que qualqueroutra psicologia. Um método de pensamento, e não um dogma.Expor os princípios deste método, diz ele, não é dar uma solu-ção; nem mesmo indicar uma direcção.

Este esforço dialéctico que procura desposar a dialécticadas coisas, é sabido a que renovação conduziu na psicologia dacriança: nomeadamente, no que respeita ao esclarecimento dasrelações da motricidade e do carâcter, melhor ainda, talvez,quanto a dar da emoção urna explicação genética, onde se de-nunciam e ultrapassam as oposições formais das teorias clás-sicas.

A teoria da inteligência, tal corno se depreende de váriasobras de Wallon, não é menos característica nem menos ori-ginal. No entanto, sendo mais recente que os seus trabalhossobre a afectividade, e de um interesse menos evidente para apsiquiatria, é muito menos conhecida. Eis porque a escolhi,agora, como exemplo do pensamento walloniano.

(') Compraz-me reconhecer que a contestação formulada por M.Bergeron no seu artigo de 1950 (Evol. PS'Jjchiatrique, p. 225) foi clara-,mente abandonada no seu presente estudo. Aliás, Bergeron tem razão emdizer, em certo sentido, que o materialismo díaléctíco não aparece explici-tamente nas primeiras obras de Wallon. Isso é verdade na medida em queWallon não sente a necessidade de citar Marx ou de declarar que é mar-xista. Nas obras em questão, o materíalísmo dialéctico é explícito emvirtude do método utilizado e não de profissões de fé.

Recordemos, contudo que, desde 1935, Wallon exprimiu a sua adesãoplena e completa ao materialismo dJaléctico (Cf. a sua introdução à obracolectlva: A Ia lumi6re du marxisme, E. S. I.).

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Além disso, este exemplo goza do privilégio de ser possívela sua comparação com a teoria que Piaget construiu no mesmodomínio. A controvérsia que os dois grandes psicólogos dainfância prosseguem desde há mais de um quarto de século ésempre apaixonante, mas, com frequência, desconcertante comoum diálogo mal harmonizado: é que, habitualmente, os seuscampos de observação e de experimentação são diferentes.

Ao abordar o domínio da inteligência, Wallon situa-se nopróprio terreno de Piaget. A partir daí, a confrontação dosmétodos e das concepções é directa. Ambos partem dos mesmosproblemas fundamentais, ambos se colocam numa perspectivagenética, ambos, finalmente, parecem animados de uma mesmaexigência dialéctica.

Com efeito, em Piaget, tal como em Wallon, a evolução dainteligência não é concebida como um simples crescimento.Tanto um como o outro admitem a existência de estádios, istoé, em suma; de mudanças qualitativas. Da inteligência, sensório--motora à inteligência lógica, do acto ao pensamento, tantopara um como para o outro é toda uma história feita de trans-formações, de reorganizações, de emergências. E, afinal decontas, trata-se para ambos de explicar a inteligência, simul-taneamente na permanência das suas condições e das suas fun-ções e na novidade de cada um dos seus estádios evolutivos.

Na evolução intelectual da criança existe ao mesmo tempo,diz-nos Piaget, homogeneidade e heterogeneidade, o que nãomuda e o que muda. O que muda são as estruturas, escalonadaspor patamares, e cujo aparecimento depende de condições neu-rológicas e das condições de meio. O que não muda, é a funçãofundamental de adaptação pela acção perpétua da assimilaçãoe da acomodação. De tal forma que se pode afirmar uma «con-tinuidade funcional radical» entre as formas inferiores da adap-tação motora e as formas superiores do pensamento (5).

(') La psychologie de l'intelligence, p. 11, A. Colin, Paris, 1947.

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Em Wallon, o problema coloca-se nos mesmos termos. Paraele, também se trata de explicar simultaneamente a continui-dade e a heterogeneidade. Em primeiro lugar, a frase com quetermina De t'acte à la pensée não está em contradição com aperspectiva de Piaget: « ... do acto motor à representação houvetransposição, sublimação dessa intuição (do espaço) que, deincluída nas relações entre o organismo e o meio físico, se tor-nou esquematização mental. Entre o acto e o pensamento, aevolução explica-se simultaneamente pelo oposto e pelo idên-tico» (1).

A oposição tradicional entre a tese da diferença quantita-tiva entre a criança e o adulto ea tese das mentalidades hete-rogéneas encontra-se radicalmente ultrapassada. Devemos come-çar por reter este ensinamento comum aos nossos dois autores.

Mas sabemos que o seu acordo não vai mais longe.Porquê? Qual é a natureza exacta das divergências? E

qual a via justa?Não me sinto com forças para pôr os nossos autores de

acordo sobre os seus desacordos. Piaget tende a minimizâ-Ios.E Wallon a realçâ-los, a «acentuar as diferenças». Questão detemperamento e de feição de espírito ...

Também não me sinto capaz, nos limites de algumas pági-nas, de empreender uma comparação séria entre a concepção deWallon e a de Piaget.

No entanto, se é licito esquematizar em extremo, e com orisco de empobrecer tanto Wallon como Piaget, diria o seguinte:Piaget preocupa-se, acima de tudo, com a identidade funcional,o seu interesse é sobretudo a axiomática dos estados de equilí-brio do pensamento, a logística. Wallon preocupa-se principal-mente com as diferenças) as mudanças da evolução. Esta preo-cupação ordena as suas perspectivas, dita-lhe os seus esforçose, em suma, o seu método.

(') De l'acte à Ia pensée, p, 250, Flammarlon, Paris, 1942.

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o problema fundamental da evolução intelectual é o dadualidade e da sucessão de duas inteligências: a inteligênciasensório-motora e a inteligência discursiva.

A psicologia tradicional procura um princípio explicativoúnico para estas duas formas de inteligência. Wallon declara,pelo contrário, que só importa «o problema da passagem» deuma para a outra (5).

Ê uma questão de método, mas é também uma questão defundo «constatar as passagens e acentuar as diferenças». Seráexagerado dizer que só o problema da passagem importa, quesó ele faz sentido? Wallon acrescenta que, a haver qualqueridentidade, esta depois se revelará. Postular um princípio expli-cativo único é correr o risco de negligenciar o essencial. Ora «omeio de descobrir os factores comuns não é escamotear as dife-renças, mas sim aprofundá-Ias e levá-Ias às suas últimas con-sequências» (6)

Que um princípio explicativo único, seja ele qual for, leveà supressão do que pretendia justamente explicar é perfeita-mente evidente, tanto na psicologia tradicional como na psico-logia pragmática da inteligência.

Na psicologia tradicional o RCtOinteligente, ou supostocomo tal, como o instinto, é reduzido em última análise à inte-ligência discursíva, ao pensamento: isto é, às operações de juizo,cujos modelos são dados pela lógica e para as quais a introspec-ção fornece os meios de análise. Assim, no que se refere à inte-ligência dos comportamentos nos seres desprovidos de lingua-gem, as crianças muito pequenas e os animais, atribui-se o seumérito à sabedoria da espécie, ou, melhor ainda, à intenção deDeus.

(') Les origines de la pensée chez l'enfant, p. VII, P. U. F., Paris,] 946.

(0) Les origines de la pen.séechee l'enfant, p. VII, P. U. F., Paris,

No princípio do século opera-se uma reviravolta total dospontos de vista, com a concepção pragmática da inteligência eo êxito do behaviorisrno. Surge, então, um interesse directopela inteligência sensório-motora e esta torna-se, por sua vez, oprincípio explicativo geral. Entre inteligência sensório-motora einteligência discursiva ou especulativa existe uma diferença decomplexidade, de mobilidade, mas não de natureza. Ao princi-pio muito geral de adaptação não se junta nenhum novo prin-cípio que dê conta da nova forma da inteligência. Esta encon-tra-se no prolongamento da inteligência sensorimotora, numagénese simples e contínua. Segundo o velho adágio referido porLeibniz, a natureza não dá saltos.

Wallon vê na obra de Piaget o exemplo mais recente destatese: os esquemas sensorimotores sobrepõem-se,combinam-se,ordenam-se, coordenam-se, acabando por realizar representa-ções. No essencial, a representação não é um facto novo, ori-ginal. Para Piaget é, muito simplesmente, um movimento pro-gressivamente interiorizado.

Na verdade, Piaget preocupa-se bastante com o duplo as-pecto biológico e lógico da inteligência. E pode mesmo afir-mar-se que toda a sua obra é um esforço sistemático para ela-borar uma teoria geral onde estejam presentes a lógica da vidae a lógica do pensamento. Para ele, a natureza da lógica residena lógica da natureza. De tal forma que jamais terminará acontrovérsia na qual tanto se censurará a Piaget reduzir tudoao biológico, como tudo reduzir à lógica.

E, não obstante as respostas que ele mesmo deu repetidasvezes, podemos perguntar-nos se a questão que um dia levantounão permanecerá na sua obra como uma questão ansiosamenteaberta: «Poderemos esperar uma explicação propriamente ditada inteligência, ou constituirá esta um facto primário irredu-tível, enquanto espelho de uma realidade anterior a qualquerexperiência, e que seria a lógica» (7) ?

(;) La psychologie de l'intelligence, p. 25, A. Colln, Paris, 1947.

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I '

Em todo o caso, a gênese da sua teoria aparece claramentenum estudo que consagrou à obra de :mdouard Claparêde, seumestre. Reagindo contra o associacionismo, Claparêds define ainteligência de um ponto de vista biológico e funcional. A inte-ligência, a todos os seus níveis, é uma adaptação às novas cir-cunstâncias. A sua função consiste em suprir a insuficiênciadas adaptações inatas ou já adquiridas, mas automatizadas.Nos seus níveis mais modestos, os seus esforços consistemem tateios, em ensaios e erros. A sua organização progridepor selecção, pelas sanções externas do êxito e do fracasso. Ateoria pragmatista da inteligência assume, em Claparêde, a suaforma mais coerente. Contudo, Piaget chama-nos a atenção parao facto de Claparêde rectificar nas suas últimas obras a susperspectiva inicial sobre este assunto: ao admitir que nenhumatentativa se subtrai inteiramente a uma dada direcção, é levadoa «reintroduzir no próprio terreno que escolhera uma das noçõescentrais da psicologia do pensamento lógico», a noção de impli-cação (8). Claparede designa por este termo de implicação 2-

capacidade de relacionar uns com os outros os dados da expe-riência.

Mas a introdução deste termo é uma rectificação, não umarevira volta da sua teoria. A implicação dos dados percebidosrealiza-se de forma imediata por coalescêncía, sem estruturaçãoprévia ou concomitante.

li: Piaget quem opera a reviravolta, ao fundear a implicação«sobre uma assimilação sensório-motora que atribui de imediatoaos dados perceptívos uma significação em função do esquemamotor da acção». A inteligência é associada a todos os poderesda vida; mas a própria vida é assimilação, implicação, lógica.A inteligência é uma estrutura biológica entre outras, obede-

cendo à lógica, à fórmula universal de todo o sistema de equilí-brio: assimilação, acomodação, adaptação.

Wallon retém da teoria de Piaget que a mesma é «assimila-dora» , quer no plano da biologia quer no plano da lógica. E oesforço de Piaget no sentido de «tornar lógico» o biológico nãoé feito com o objectivo de suprimir as objecções! Se o esforçode Piaget tende a ultrapassar a teoria intelectualista tradicionale a teoria pragmática é, afinal de contas, para conduzir a umprincípio explicativo tão geral que nada é explicado!

Wallon destaca de cada uma destas duas teorias o que elacontém de positivo.

:mverdade que a inteligência aparece antes da linguagem,que não requer, para ser definida, os critérios do raciocínio eos meios de introspecção. O comportamento adequado do animale da criança de tenra idade não se reduz à acção cega dosinstintos e dos hábitos. Muito pelo contrário, deve falar-se dainteligência ao surgir uma conduta para atenuar a insuficiênciados automatismos «quando os movimentos espontâneos e nusdo animal não podem permitir-lhe alcançar o seu objectivo» (D).

Com efeito, não pode contestar-se o título de intelectuaisa esta intuição variável e apropriada das circunstâncias, a estacapacidade de combinação e de invenção. Nos animais, nascrianças, mas também em todas as idades da vida observam-seactos cujo carácter de dependência imediata os torna írredutí-veis a qualquer forma de raciocínio. :muma inteligência prática,ou, melhor ainda, para sublinhar o essencial, a inteligência dassituações (na condição de não incluir as puras situações men-tais). A situação a que responde então o indivíduo não é essarealidade objectiva que o intelecto situa fora de nós, mas umconcurso de circunstâncias vivido sincreticamente, «um campoperceptivo sempre transformável onde os incitamentos vindos

(') Introdução de Jean Piaget à P8ychologie de l'enfant e Péâa-gogie expérimentale, de E. Claparêde, tomo lI, p. 21-22, Delachauxet Niestlé, Neuchã.tel, Suíça, 1946.. (0) De l'acte à Ia pensée, p. 16.

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das coisas só entram ao se organizarem em sistemas que re.=;-pondem à actividade total do momento» (1). A inteligência dasituação encont.ra-se na estrutura que une ao objecto o desejodo sujeito, um certo «poder constelante que opera pela atracçãomútua do real e dos impulsos correspondentess.

Deste modo,a inteligência, nas suas primeiras formas, dis-tingue-se simultaneamente do instinto e do entendimento. Dis-tingue-se do instinto, na medida em que é uma modificação nasformas de operar: começa «com a necessidade do rodeio e suadescoberta» (11). Distingue-se do entendimento na medida emque não procede por análise, mas num conjunto dinâmico «ondefaetores subjectivos e objectivos formam uma unidade indivi-sível» (12).

O aspecto francamente positivo dos estudos consagradosdesde o fim do século passado à inteligência prática no animale na criança consiste em ter inaugurado uma verdadeira pers-pectiva genética, em ter desembaraçado a psicologia das ilusõesintrospectivas, e reposto, assim, o acto antes do pensamento,o ser antes da consciência.

Mas o perigo de tais estudos residia na tentação de recon-duzir mecanicamente o pensamento ao acto, ao comportamentosensorimotor, em reduzir cada momento do desenvolvimento aomomento anterior, segundo o raciocínio post hoc propter Me.

Com efeito, as condições formais do pensamento, que ti-nham sido a única preocupação da concepção tradicional, sãoignoradas ou desconhecidas na nova perspectiva biológica, ondea inteligência se define como função de adaptação ao real.

Wallon remete para primeiro plano, nomeadamente na suaobra sobre les Origines de Ia pensée chez l/enfon», o estudo des-tas condições formais da inteligência verbal e discursiva, con-

('0) De l'acte à Ia pensée, p. 17.

(") Les Origines ele Ia pensée chez Venfant , p. VIII.(") De l'acte à Ia pensée, p. 17.

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servando O contributo positivo dos trabalhos anteriores sobrea inteligência prática. Não se entrega, aliás, a um exame pura-mente ideológico das duas concepções contraditórias, mas auma descrição das duas inteligências, começando por levar ocontraste tão longe quanto pode.

.'~r--;

Na verdade, entre a inteligência das situações e a inteli-gência discursiva pode distinguir-se uma diferença essencial.

A inteligência das situações, ou prática, ou sensorimotora,é intuição plástica no instante presente. Quer dizer que «seesgota inteiramente nas circunstâncias que utiliza e nos resul-tados que produz. Para ela, a combinação dos meios não passada aplicação dos recursos actualmente fornecidos pela disposi-ção dos lugares e das coisas. A combinação dos movimentosnada mais exprime que o poder de manejar o campo operatório;até fazê-Io coincidir com o efeito a obter. Por mais engenhososque sejam os rodeios, por mais subtis que sejam os gestos, a suarazão de ser confunde-se com a suaexecução presente» (13).

A' inteligência díscursiva, pelo contrário, é o meio de esca-par à ordem actual das coisas, de substituir a intuição domundo pela sua representação, pelo seu duplo. «Em lugar dese fundir com o real para realizar estruturas que organizem osseus dados consoante fins úteis, o pensamento dá-lhe um duplono plano da representação. Em lugar de ordenar entre si Osele-mentos concretos de uma situação, opera sobre símbolos ou coma ajuda de símbolos» (H).

. O aparecimento da função simbólica, esse poder de operarsobre puras significações, assinala o limiar decisivo entre ainteligência prática e a inteligência discursiva.

Bem entendido, ao passo que é evidente que este limiarsepara radicalmente o homem das outras espécies animais, já

(13) De l'aete à Ia v.en.sée,p. 123-124, ob. eit.(H) Les 01'igines de la pensée! t. r, p. IX.

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a separação não aparece tão claramente no desenrolar da infân-cia humana.

:m que, desde os primeiros estádios no seu desenvolvimento,a criança é submetida às influências do meio que se antecipamao poder de colocar a actividade motora ao serviço da repre-sentação. Na medida em que a criança se orienta para o meiohumano de que depende a sua subsistência e a sua existência,os seus primeiros comportamentos «trazem já o reflexo dasrelações às quais a palavra e o dom de imaginar as coisas ser-vem de instrumento indispensável nas relações humanas» (lõ).Por outro lado, uma vez transposto o limiar crítico, é evidenteque a criança não tem imediato acesso à omnipotência da fun-ção simbólica. A coerência do pensamento consigo mesmo, e dopensamento com as coisas é uma conquista muito lenta, da qualse pode dizer,aliás, que nunca está terminada verdadeiramente,mesmo no adulto. A linguagem, antes de se tornar o instru-mento por excelência da análise conceptual, «permanece envol-vida em toda a espécie de ligações sensorimotoras e afecti-vas» (16). Finalmente, a coexistência da intuição e da represen-tação não se limita a dar conta dos obstáculos que a criançadeve ultrapassar progressivamente, assegura também a nossaadesão ao real: o acto intuitivo permite em certos momentosorientar a intelecção e ultrapassá-Ia, fazendo dela uma com-preensão ou uma evidência novas (17). A intuição nunca perdea sua função positiva e os seus direitos.

E, no entanto, a coexistência das duas inteligências, a suaincontestável colaboração, a sucessão genética de uma para aoutra não autorizam a concluir que provenham pura e simples-mente uma da outra.

Deste acto essencialmente intuitivo e assimilador que é ainteligência sensório-motora não pode resultar «essa outra forma

(") De l'acte à la pensée, p. 129, ob. cito('0) Les Origines de Ia ~nséel t. 1, p. 146-147, ob. cito(17) Les Origines de la pensée, t. 1, p. IX.

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da inteligência que, na acção, se exprime por instruções; napercepção, por enumerações, advertências, associações; da quala linguagem, expressa ou íntima, é o indispensável substituto ...em que cada espécie de relações tende para uma fórmula explí-cita» (18).

A passagem de uma à outra exige faetores novos, estru-turas anatómicas e funcionais; e novas condições de vida pos-sibilitadas por essas novas estruturas. A linguagem, nomeada-mente, proporciona à criança o meio de agrupar, de refazer assuas impressões perceptivas. Ora, a linguagem tem as suas con-dições próprias de existência e de desenvolvimento. Pelo voca-bulário e pela sintaxe «contém em potência um mundo de rela-ções, de afinidades ou de oposições que precedem o momento emque receberá ... significações precisas» (19). :m uma fonte socialde conhecimento e de pré-eonhecimento claramente distinta dafonte sensório-motora.

Acentuar as diferenças não é, contudo, negar que a passa-gem se opere de uma para a outra. E esta passagem da inteli-gência prática à inteligência díscursiva constitui, para Wallon,como já o dissemos, o problema essencial.

A actividade que prepara esta passagem é a imitação.Na obra de Wallon, a imitação é um tema tão importante,

tão frequentemente retomado sob diversas perspectivas como otema da emoção. :m que a imitação e a emoção são comporta-mentos essencialmente ambívalentes, e como que as matrizes detodas as dualidades futuras, o eu e o outrem, o sujeito e oobjecto, a imagem e o conceito. Irredutíveis a todo o princípiounívoco, desconcertantes para todos os teóricos que recusam ocontraditório, são como que noções-chave da psicologia wallo-niana. Aquelas em que melhor se afirma a originalidade e ogénio da sua análise.

(18) De l'acte à la penséel p. 17, ob. cito(") Les Orig.ines ele la pensée, t. I, p. 147, ob. cito

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Não basta sublinharmos que se a imitação é descrita porWallon como algo que assegura a passagem entre as duas for-mas da inteligência é porque, na sua génese, pertence a ambas,é porque se inscreve entre dois polos contrários: a fusão, a alie-nação de si próprio, a participação no modelo, e a cópia, o des-dobramento, em suma, a representação que ela acaba por oporao modelo.

No entanto, não basta constatar que a imitaç-ão é uma acti-vidade através da qual se realiza a passagem de uma forma deinteligência a outra. É preciso também investigar as condiçõesdessa passagem, um fundo comum às duas inteligências que apermita e que a explique ..

Esse fundo comum é o espaço.":m indubitável que o espaço imaginado e o espaço motor são

realidades distintas entre as quais pode haver oposição e con-flito. Mas o espaço, isto é, um certo ordenamento, tanto estáimplícito na coerência da linguagem como na 'coerência do movi-mento. Tanto para uma como para o outro é necessário um certopoder de intuição espacial.

Esta teoria do espaço como fundo comum a toda a inteli-gência e como condição de passagem encontra-se já claramentedesenvolvida, em 1937, numa comunicação de Wallon ao Con-gresso Internacional de Psicologia: «A passagem (da actividadepsicomotora à actividade mental) parece produzir-se no ins-tante em que a noção de espaço, deixando de se confundir como espaço dos nossos movimentos e do próprio corpo, parecesublimar-se em sistemas de lugares, de contactos, de posições ede relações que nos são independentes. Os graus desta sublima-ção vão desde o mais concreto ao mais abstracto e encontram-sena base dos diferentes esquemas com a ajuda dos quais a nossainteligência pode classificar e distribuir as imagens concretasou os símbolos abstractos sobre os quais se torna capaz de es-pecular» (20).

(") Actas do Congresso Internacional de Psicologia (Paris, 1937), p. 131.

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Cinco anos mais tarde, na suo obra de síntese De I'octe àla pensée, esta teoria do fundo comum é retomada, desenvol-vida, sendo-lhe consagrados um capítulo inteiro e as últimaslinhas de conclusão. «De orientação inversa, a inteligência dis-cursiva e a inteligência das situações, ainda que uma opere noplano das representações e dos símbolos e a outra no plano sen-sorimotor, uma por momentos sucessivos e a outra pela apreen-são e utilização globais das circunstâncias, ambas pressupõema intuição de relações cujo terreno é o espaço» (21).

E é neste contexto, algumas linhas mais adiante, que Wal-lon termina a sua obra com esta frase lapidar já citada: entre oaeto e o pensamento, a evolução explica-se simultaneamentepelo oposto e pelo idêntico.

Tal como a realidade psicológica que quer abarcar, o pensa-mento de Wallon não se deixa reduzir a proposições simples.Para lhe sermos fiéis, para não trairmos os seus meandros e osseus matizes, retomamos as suas fórmulas, multiplicando ascitações, caímos facilmente no defeito da paráfrase.

Só Wallon pode repetir Wallon, comentar-se. E aquilo quepode parecer redundância é um aprofundamento progressivo,'com novas perspectivas, com factos, exemplos, demonstraçõesmultiplicados de uma para outra obra.

Como seria possível transmitir a riqueza das Origines de Iapansée chez l'enfanu, ainda que parcialmente, num resumo crí-tico? E, no entanto, é esta riqueza de ideias e de factos, descon-certante pela sua abundância e pela forma como se oferece, quepermitiria, na verdade, compreender e seguir Wallon.

A imagem que transmiti não passa de um pálido decalque.Oxalá possa incitar o leitor, se ainda o não fez, a estudar o mo-delo.

(21) De l'acte à Ia pert8ée, p. 250, ob. cito

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CAP1TULO V

AS ORIGENS DO PENSAMENTOSEGUNDO HENRI WALLON

A última obra (1) de Henri Wallon constitui uma tal somade observações e de reflexões, não apenas sobre a infância,como também sobre os destinos espirituais do homem, que opobre critico nem sabe como começar a sua análise no caso deter realmente lido as suas setecentas e cinquenta páginas, ne-nhuma das quais é negligenciável.

O leitor não está habituado a tanta riqueza. Riqueza deideias e riqueza de factos. Não que as observações sejam maisnumerosas do que é costume encontrar num estudo clínico. Maisde uma das observações contidas na obra tem o cunho da pró-pria vida. Não tem, como acontece com Piaget ou Gesell, o rigorde um instantâneo fotográfico. Apresenta-se com uma multidãode sentidos que o autor destaca, ao longo do seu trabalho, con-soante perspectivas sem cessar renovadas. A riqueza de ideiasnão reside também na quantidade excepcional de noções explici-tamente novas. A obra de Bachelard, por exemplo, é mais fértilem neologismos e descobertas. Neste caso, o enriquecimentoprovém de sugestões proporcionadas por algumas descrições

(1) H. Wallon, Les origines de lo. pensée chez t'enfant . PressesUniversltalres, Paris, 1945.

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que nos obrigam a modificar o ângulo sob o qual estávamoshabituados a encarar a infância e, de uma forma mais geral, agénese do homem.

Estas descrições conduzem nomeadamente Wallon a falarde pensnmento-por-por e de ulira-coisas,

A chuva é vento, diz uma criança de seis anos. Então, achuva e o vento são a mesma coisa? - pergunta-lhe o psicólogo.- Não. ~ Que é o vento? - É chuva. - Então é a mesmacoisa? - Não, não é a mesma coisa. - Que é que não é amesma coisa? - É o vento.

No plano da vida prática e da linguagem, os termos dechuva e de vento têm já, é certo, a sua individualidade e é issoque ilude o adulto sobre o valor dos meios intelectuais dacriança e sobre as próprias origens do pensamento. Ingenua-mente, ou com as subtilezas de um sistema filosófico, o precon-ceito do adulto faz-nos conceber a vida psíquica como uma com-binaçãocada vez mais complexa de elementos simples, idéias,sensações, imagens, nitidamente individualizados à partida. Etorna-se então um problema insolúvel compreender a unidade ea diversidade que o acto de conhecimento simultaneamente pres-supõe. Ora, desde a sua origem, o pensamento é estrutura, liga-ção, relação. Se quisermos um termo de comparação com asciências físico-químicas, não é de átomos que devemos falar,mas de moléculas. O par - a mais simples das estruturas -é anterior ao elemento isolado. «Qualquer termo identificávelpelo pensamento, pensável, exige um termo complementar, emrelação ao qual seja diferenciado e ao qual possa ser oposto.O que é verdade no que respeita à distinção entre as cores,por exemplo, as quais inicialmente, segundo Koffka, são apenasreconhecidas por contraste, é-o também no que se refere àsnoções intelectuais. Sem a relação inicial que é o par, seria im-possível todo o edifício ulterior das, relações».

Com efeito, o par contém já em si o uno e o diverso, essadupla condição de saber, e, no exemplo 'em que a criança pro-

8q

cura definir a chuva e o vento é bem evidente (com esta fór-mula de identidade e o sentimento de alterabilidade) o seu duplocarácter de unidade elementar e de diferenciação. Assim, ofacto a explicar na génese do pensamento não é o acordo entredois termos distintos; pelo contrário, é a diferenciação internaque dá conta ao mesmo tempo da forma e do conteúdo, corres-pondendo uma ao acto intelectual e o outro à sua matéria.

Mas se o par contém, 'como estrutura que é, a condiçãonecessária da diferenciação, constitui também, como sistemafechado, um obstáculo a esta diferenciação, à própria evoluçãodo pensamento. A reflexão da criança, as suas observações, assuas descrições, são fragmentadas entre os pares que são si-multaneamente a condição e a negação de uma verdadeira acti-vidade categoria!. Será necessário que ao contacto da experiên-cia os pares interfiram e se rompam e que os termos, pelo factode pertencerem a vários pares, adquiram uma independência euma disponibilidade tais que se tornem as categorias e as quali-dades graças às quais todas as coisas possam ser situadas eclassificadas.

«Na medida em que o encarnado é a cor do morango, acriança considera os dois termos de tal modo equivalentes quesó o morango pode ser encarnado e que o encarnado do morangoé o único que é encarnado. Se no momento seguinte chamar en-carnado ao pião, isso não significa admitir que esse encarnadopermita associar o pião ao morango ... Para que admita que osmorangos possam não ser encarnados e que o encarnado possaser a cor de quaisquer objectos, será necessário que substitua apercepção das coisas, ou melhor, as suas imagens, por séries dealgum modo ideais em que cada uma delas, cada uma das suasqualidades possam ser classificadas.»

Quer seja no estudo dos meios intelectuais da criança(Tomo 1), quer no das suas actividades classificadoras e expli-cativas, tarefas essenciais da razão (Tomo TI), quer no acessoàs ultra-coisas, deparamos sempre com tendências eontraditó-

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rias e é nestas contradições que entrevemos o dinamismo deuma razão conquistadora.

Toda a riqueza de que falávamos há pouco encontra-se nestarealidade que uma filosofia preguiçosa e uma lógica demasiadosimples deixavam até então escapar.

Podemos estar em desacordo com Wallon sobre alguns por-menores de observação e de interpretação. Eu, por exemplo,teria objecções a apresentar sobre: a pretensa precocidade dasperguntas espontâneas sobre o nome das coisas e dos lugares,a pretensa atitude solipsista da 'criança, etc. Mas estas objec-ções inscrevem-se na própria perspectiva que descobrimos atra-vés de Wallon e é imposta pelos factos. A obra de Wallon nãose caracteriza apenas pela audácia revolucionária que demole,sem receio de se comprometer, preconceitos e pré-noções, mastambém por uma honestidade prudente e escrupulosa. Não é umnovo sistema filosófico que nos é proposto, mas o universo men-tal despojado das suas ilusões milenárias com todos os seusaspectos ainda obscuros. Não é uma dialéctica verbal, mas a pró-pria dialéctica das coisas, dialéctica essa difícil e para a qual anOSSarazão ainda não tem suficiente flexibilidade.

Henri Wallon é marxista, Mais exactamente, a obra experi-mental de Wallon descobre e confirma, na psicologia, essa visãodas coisas que Marx e Engels aplicaram há um século no planode economia política e das ciências da natureza. Mas o métodomarxista corresponde tão mal à sua miragem convencional e,por outro lado, a psicologia corresponde tão pouco a uma trans-posição da sociologia marxista que o leitor não avisado, ao lerWallon, corre o risco de fazer marxismo sem o saber. Não por-que o autor o oculte: vários artigos de metodologia preveniramclaramente o leitor. Mas este, de um modo geral, acha maissimples ou mais tranquilizante ver nisso uma manifestação filo-sófico-política exterior à obra científica. Daí a confusão doscríticos, o paradoxo das acusações. Com efeito, não parece pos-

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sível enveredar pelas vias desbravadas por Wallon sem adoptarde boa vontade ou forçadamente uma atitude marxista: emprimeiro lugar, é preciso ser capaz de pensar as contradiçõesque a realidade nos apresenta, o que não se consegue sem umaruptura violenta do nosso conforto intelectual. Por conseguinte,uma crítica coerente de Wallon exigiria, à partida, uma tomadade consciência das suas perspectivas marxistas, o que permitiriadistinguir, na sua obra, entre o essencial e o adventício.

Não é contestando a existência de tal tipo psicomotor, porexemplo, ou a validade desta ou daquela expressão, que o co-mentador fará uma crítica eficaz e fecunda. Com efeito, é quasesempre pelo pormenor que os trabalhos de Wallon são discuti-dos, como se o comentador não fosse capaz de apreender o seutodo ou como se se tratasse para ele de descobrir «o defeito dacouraça». Mas as hipóteses da ciência em nada se parecem comum agregado mecânico e os defeitos de um pensamento vivo nãosão mortais.

Como crítica geral, e, talvez, para combater o seu mate-rialismo, censura-se a Wallon que seja organicista. A sua céle-bre tese sobre o Enfant turbuleni, os seus estudos sobre a motri-cidade, o seu artigo sobre a função biológica da consciência noTraiié de Dumas valeram-lhe esta reputação. Na verdade, seWallon mostrou tudo quanto pode ser proporcionado pelo es-tudo minucioso das condições de existência de um fenómeno, 0

facto é que sempre distinguiu entre estas condições e o própriofenómeno que constitui uma realidade original, 'como o físicoem relação ao orgânico e ao social.

Mesmo admitindo que o organicismo tenha constituído umprogresso no estudos dos factos psíquicos, já não é possível, noestado actual dos nossos conhecimentos, ensina-nos Wallon,reduzir as estruturas intelectuais do pensamento às estruturasorgânicas, reduzir o físico ao fisiológico. Não há dúvida de que«no decurso do seu desenvolvimento, a função só pode consoli-dar-se num conjunto evolutivo, cujas condições são orgânicas»,

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não há dúvida de que «a evolução psíquica não pode antecipar-seàs estruturas orgânicas». E é desta dependência que deriva aimpossibilidade de desenvolver na criança mediante simplesexercício aptidões ainda não amadurecidas. Mas esta depen-dência e este condicionamento não impedem as funções psíqui-cas, uma vez existentes, de pertencer a um mundo de causase de efeitos que já não são de natureza orgânica. Entre os doissistemas de condições orgânicas e de condições sociais existeuma margem para a actividade de todos e de cada um em que«as combinações de objectivos e de aptidões, de reacções recí-procas, de incidências em cascata são susceptíveis de todos osgraus entre o conformismo e o políformismo, entre a coacçãoe a liberdade». Esta margem define o domínio próprio da psico-logia, um plano da realidade em que o psíquico não se definenem como substância material, nem como substância espiritual,mas como uma conduta original num mundo em que constituiverdadeiramente uma novidade.

Não existe autor que tenha defendido mais energicamente,tanto contra os organicistas como contra os sociólogos, e quemais tenha contribuído para definir experimentalmente a exis-tência de um plano original dos comportamentos individuais, aexistência de uma realidade psíquica irredutivel a outros planosda realidade.

Levar tão longe quanto possível o estudo das condiçõesorgânicas e sociais; aceitar a filiação biológica do psiquismosem nada negligenciar da sua originalidade; admitir, em toda agénese, a possibilidade de fenómenos novos, evitando explica-ções em que a emergência se tornaria um deus e» machina;aceitar como tais as contradições do real.

Em suma, explicar sem empobrecer. Não considerar comoum fracasso da razão essa impossibilidade de reduzir total-mente o complexo ao simples, o fenómeno às suas condições deexistência. Mas, pelo contrário, encontrar ai uma afirmaçãodo real e a existência de uma conversão da nossa lógica. Re-

pelir ao mesmo tempo a .pseudo-explicação das virtudes e dosprincípios, e a explicação parcial que, reduzindo o efeito à causa,conduz dnevitavelmente - em psicologia - ao aniquilamento.

Apreender numa perspectiva ousadamente genética e dinâ-mica, e 'ao mesmo tempo, a estrita causalidade das condiçõesmateriais e os aspectos originais de uma génese.

Mas eis, a propósito do seu último livro, uma outra formade crítica diametralmente 'Oposta. Acusam-no de ser íntelectua-lista por ter estudado «as origens do pensamento» sem ter des-cido às profundezas abissaís que a psicanálise nos deixa ante-ver, e por ter negligenciado as fontes mais antigas da infância.

Deverá entender-se por isso que a obra não corresponde àpromessa do seu título 'Ouque Wallon situa as origens do pensa-mento «no período que vai dos 6 ao 8 ou 9 anos, isto é, nos pri-meiros anos da actividade escolar?» Nos trabalhos anteriores, enomeadamente nas Origines du caractêre, a que se liga a suaúltima obra, Wallon estudou com bastante firmeza a determi-nação afectiva da inteligência para que se possa hoje legitima-mente acusá-lo de ter negligenciado as fontes mais antigas emais profundas do pensamento. :m sobre este próprio termo depensamento que talvez haja motivo para dissipar um mal-enten-dido. Que é o pensamento, em que idade aparece? Não seráanterior ao homem, como se esforçam, ao que parece, por de-monstrar os colaboradores do J ournal de Psychologie no nú-mero especial que consagraram ao «Pensamento dos animais»?Trata-se de uma questão de definição, 'a qual é, contudo, muitoimportante, se, num primeiro caso, o do J.ournal de Psychologie~«pensamento» serve para designar toda a conduta que exigerodeios, em que as montagens «instintivas» não bastam - e, nosegundo caso, o de Wallon, em que «pensamento» é definidocomo inteligência verbal e discursiva: o termo de pensamentoé reservado a uma forma nova de inteligência na evolução dasespécies e na história da criança.

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Assim, desde as primeiras linhas da obra, e no seu própriotítulo, surge a atitude dialéctica.: Para Wallon, é bem evidenteque o pensamento assim definido se encontra na filiação dainteligência animal e mesmo das reacções mais elementares davida, mas é igualmente evidente que o pensamento, como com-portamento verbal e discursivo, constitui uma realidade nova,e que o facto de aplicar este mesmo termo às condutas inteli-gentes do animal ou da criança de mama não constitui umaexplicação e, menos ainda, uma descrição do pensamento; queaqui ele é ainda «uma superstição do mesmo».

Parece a muitos que ter suposto o pensamento em toda aparte é ter explicado. Mas subsiste o problema de saber comose opera a passagem entre esta inteligência (animal) e as cons-truções variáveis da inteligência explícita. Este problema é o«único que importa, só ele tem um sentido ... » Por conseguinte,o método consiste em constatar a passagem entre formas di-versas de existência re, por conseguinte, em acentuar as dije-renças. «Esse é, não restam dúvidas, o melhor meio de evitara intervenção sub-reptícia de princípios que nada podem expli-car, pois com eles e-stão já pressupostos todos os efeitos a expli-car».

Torna-se então perfeitamente compreensível que autores deinspiração freudiana como Juliette Boutonier tenham algumadificuldade em aceitar uma descrição que demole, ao mesmotempo que as faculdades da psicologia clássica, os novos mitosda libido. Wallon não desconhece certamente o contributo daprimeira infância; estudou longamente o papel primordial daafectividade no aparecimento das funçõe-s cognitivas, a acçãocomplexa dos sentimentos de amor e de ódio, de rivalidade ede admiração, na formação da personalidade moral e intelec-tual. Aliás, neste ponto, a sua descrição não discorda muito dados psicanalistas. E os próprios psicanalistas conhecem bem ademarcação da idade escolar de que se vai servir para definiruma etapa nova: período de 'calma sexual, de descarnalizaçâo,

de latência. Descrição sobretudo negativa, sempre em função domesmo grande princípio de impulso vital. Wallon, chegado aoestudo desta etapa, vai empenhar-se em acentuar a diferença)em estudar positivamente as novas condutas naquilo que têmde novo. E a novidade desta idade, que corresponde ao princípioda actividade escolar, à aprendizagem da escrita e da leitura,a novidade desta idade é o nascimento daquilo que os autoreschamaram diversamente razão conhecedora, inteligência espe-culativa, discursiva, teórica, o poder de operar «sobre símbolosou com a ajuda de símbolos».

A «análise» de Freud não dispensa a análise lógica doscomportamentos, o estudo da evolução afectiva não pode darconta da evolução intelectual, mesmo que nos dois casos setrate, para a criança ligada às coisas pelos seus actos, pela suasensibilidade, pelos seus desejos, de reduzir a sua união comelas; mesmo que os níveis de desprendimento intelectual sejamcomparáveis, como sugere Wallon, às fixações da líbido que acriança deve ultrapassar sucessivamente na sua evolução afec-tiva.

Em todo o caso, o simbolismo complexual não tem maisrelaçõe-s com o simbolismo operatório do que a poesia com asmatemáticas, ainda que devam ligar-se na perspectiva de umapsicologia integral.

As contaminações do afectivo e do racional e a sua deter-minação recíproca serão tanto mais evidentes para o psicólogoquanto melhor ele for capaz de se isolar das contaminações. e detodos os entraves de um pensamento sincrético.

Na-s Origines de la pensée chez l)enfant) assim como noconjunto da sua obra, tal é o exemplo dado por Henri Wallon,o qual se esforça sempre por conciliar o rigor do experimen-tador com a intuição do clínico.

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CAPITULO VI

WALLON, PSICôLOGO DA INFANCIA

Wallon, psicólogo da infância.Um nome, uma qualidade indissoluvelmente ligados.Uma vida, uma obra, cuja riqueza me perturba e descon-

certa.Como transmitir esta riqueza? Como dizer, e no tempo

limitado desta homenagem, o que foi esta obra, sem esquematí-zar, sem trivializar - sem 'correr 'O risco de traduzir em frasesdemasiado banais, numa lógica demasiado simples, o que foiem Wallon um esforço perpétuo para nos arrancar à preguiçadas palavras e dos pensamentos habituais?

Isso não é possível, pelo menos para mim.Para aqueles que já conhecem bem esta obra, o meu dis-

curso será uma lembrança, uma alusão. Para O'S outros, esperoque 'constitua uma introdução a esta obra, um incitamento aencontrar o próprio Wallon. Para todos nós, uma calorosa home-nagem, a 'despeito da eventual imperfeição, imperícia, da minhaparte.

Para apreciar a obra de Henri WaHon, o que ela tem deoriginaâ, de inovador, é necessário poder situá-ia na história dapsicologia e compará-Ia com as obras dos seus 'contemporâneos,outros eminentes psicólogos da infância.

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Um autor como Gesell, nos Estados Unidos, elaborou uminventário muito mais completo sobre os comportamentos dacriança do que aquele que nos foi deixado por Wallon.

Um autor 'ComoPiaget, na Suíça, construiu através de umaquinzena de obras uma teoria da inteligência cuja sistematiza-ção nada tem de comparável na obra de Wallon.

Wallon não é um autor 'de síatema icomn Piaget, Wallonnão é umcoleccionador de factos como foi Gesell, de forma,aliás, magistral.

WaUon é um observador, um clínico, um homem de intui-ção tanto e mais que um experimentador, mas também um filó-sofo no sentido mais profundo e mais válido do termo - isto é,um homem que sabe reflectir nas tomadas de posição do espí-rito face à realidade - e que sabe criticar, modificar estas to-madas de posição para se destacar das ideologias e abarcar oreal com cada vez mais verdade e eficácia.

Assim, Wallon aparece-nos como um inovador, como umcriador da psicologia mais que qualquer outro, pois os seuscontributos científicos não são apenas uma pedra, um tijolonovo no edifício comum, mas provocam uma reorganizaçãoneste edifício, ou, melhor ainda, a abertura de perspectivasinsuspeitadas.

Em 1925, quando Wallon começa a publicar, a psicologia dacriança encontrava-se numa espécie de impasse. Uma longatradição pedagógica e psicológica, tradição proveniente de Jean--Jacques Rousseau, conduzia à teoria das mentalidades hete-rogéneas. Ã força de afirmar a orígínaíidads irredutível dacriança, com Dewey, Montessorí, Claparêde e muitos outros,estabelecera-se um corte radical entre a criança e o adulto.Dois mundos à parte. Duas mentalidades totalmente diferentes,distintas, heterogêneas. De tal forma que um psicólogo-médico,Gilbert Robin, podia então concluir: «O espírito da criançaserá sempre para nós impenetrável». Na mesma época, esta

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mesma heterogeneidade era, aliás, afirmada noutros domíniospara opor a mentalidade dos primitivos à do civilizado, paraopor a consciência mórbida do doente mental à consciência dohomem são.

No domínio da psicologia, esta teoria opunha-se agressi-vamente a uma atitude tradicional, arcaica, que apresentava acriança como uma imagem reduzida e imperfeita do adulto.

Na perspectiva deste problema, a obra de Wallon aparececomo um esforço no sentido de ultrapassar a contradição dasduas teorias em presença: a teoria do homúnculo, a criançacomo redução do adulto, e a teoria das mentalidades distintas.

Evidentemente, não pretendo que Wallon tenha sido oúnico a tentar este esforço. Também Piaget se empenhou expli-citamente nesta 'via (não sem ter, aliás - pela sua primeiraobra escrita em 1925 - posto a circular a noção de egocen-trismo que reforçava a teoria das mentalidades heterogéneas).Enfim, sem que o problema tenha sido sempre claramente for-mulado, toda uma geração de psicólogos contribuiu para expli-car a passagem da criança para o homem, descrevendo minu-ciosamente as etapas desta passagem.

Mas descrever não basta para explicar. E a coerência deuma eXPlicrão não basta para fundamentar o seu valor.

li: perfs itamenteevidente que a criança se torna homem.Nenhuma t oria pode nada contra isso. E, fazer intervir não seique metamorfose para dar conta desta passagem é uma solu-ção puramente verbal. Seria também necessário analisar ascondições e o mecanismo desta metamorfose, desta conversãototal.

Não, se o crescimento nos coloca um problema, se apenassabemos opor a ideia de conversão brutal à ideia arcaica dohomúnculo, é porque não sabemos pensar a duração verdadeira,a duração criadora de formas novas, é porque a nossa lógicahabitual é uma lógica do estático, do intemporal. E nada ganha-

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remos se dissermos, como Bergson, que a duração é o elementoda reaiidade. A duração bergsoniana é ainda uma abstracção.Com ela, nada sabemos dos seres que duram, dos seres na suaencarnação, nas condições reais, materiais da sua existência.

Um tal problema não se resolve mediante uma pura dialéc-tica verbal ou uma simples acumulação dos factos. A sua solu-ção exige que se aplique aos factos uma interrogação, umareflexão, e que, em contacto com os factos, se opere uma re-forma ou uma abolição das distinções 'Ou das categorias inte-lectuais do passado que podem opor-se à nossa 'compreensãodas coisas. Em resumo, uma reforma da nossa razão emcon-tacto com as coisas e para a sua conquista.

Com lucidez e paciência, com esse gosto pelo risco sem oqual a ciência é estéril - utilizando todos os recursos da suaformação médica, da sua intuição de observador, mas tambémcriticando, dissipando as ilusões ideológicas que prevertem anossa visão das coisas, Henri Wallon debruçou-se sobre o pro-blema da génese do espírito.

Segundo a sua tendência essencial e mais profunda, diz,«é assimilando-a a si que o adulto pretende penetrar na almada criança». E esta pretensão é vã: limita-se a descobrir nacriança uma projecção de si mesma. A atitude de J.-J. Rousseaue de todos quantos o seguiram não é mais válida. Procede de umespírito de rebelião que se exprimiu no século XVIII pela ingé-nua oposição do indivíduo à sociedade.

A oposição da criança ao adulto, a oposição do biológicoao social, não são mais válidas, naquilo que têm de absoluto,do que a oposição do indivíduo à sociedade de que procedemideologicamente, historicamente.

Assim, Wallon vai repensar estas 'Oposições,vai ultrapas-sã-Ias, investigando as contradições reais e como estas contra-dições podem constituir por si mesmas um motor da evoluçãoda criança. O seu método consiste em estudar as condições ma-

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teriais do desenvolvimento da criança, condições essas tantoorgânicas como sociais, e a 'ver como, através destas condições,se edifica um plano novo de realidade que é o psiquismo, apersonalidade.

Os comenta dores de Wallon, muitas vezes, limitaram-se aapreender um momento deste método. Acusam-no então deorganicismo, ou de sociologismo, outros fazem o elogio do seuespiritualismo, pois afirmou a existência de um plano psíquicooriginal. Certos comentadores, finalmente, anexando WaUon àssuas próprias fileiras, apresentam as suas explicações neuro-lógicas como um erro de juventude que ele teria posteriormenterenegado.

Em todos estes indivíduos e, muitas vezes, na melhor dasboas-fés, existe uma incapacidade de compreender que a dialéc-tica waíloniana não pressupõe de modo algum uma mínímízaçãoe mesmo, no caso extremo, um aniquilamento das componentesneurológicas e sociais do desenvolvimento em benefício de nãosei que confuso psicologismo. Contudo, Wallon explicou-se nu-merosas vezes a este respeito, e as suas descobertas ilustramperfeitamente o método que seguiu. •.

Sou «pelo organicismo, diz, mas não na forma unilateral emecanicista do materialismo tradicional». É que, acrescehta,aliás, «as necessidades do seu organismo e as exigências soc~_são só dois polos entre os quais se desenvolve a actividade dohomem».

E, por ocasião de uma controvérsia com Piaget, o qual,pelo contrário, o acusava de ser soeiologista, Wallon faz umaafirmação decisiva: «Na realidade, jamais pude díssocíar o bio-lógico eo social} não 'porque os creia redutíveís um ao outro,mas porque me parecem no homem tão estreitamente comple-mentares desde o nascimento que é impossível encarar a vidapsíquica que não seja sob a forma 'das suas relações recíprocas».

Relações recíprocas? Quer dizer que desenvolvimento bio-lógico e desenvolvimento social são, na criança, condição um

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do outro. As capacidades biológicas são as condições da vidaem sociedade - mas o meio social é a condição do desenvolvi-mento destas capacidades. Nesta perspectiva, Wallon renovaprofundamente as teorias cientificas da motricidade e da emo-ção.

Os fisiologistas tinham distinguido na função motricidadedois aspectos: o movimento propriamente dito ou actividadeclónica e o estado de tensão variável dos músculos ou tónus,A originalidade de Wallon consiste em dar à função motora e,nomeadamente, à tonicidade, um sentido psíquico. O tónus nãoé apenas um estado de tensão necessário à execução da con-tracção muscular, é também atitudes, posturas. Ora as atitudes,as posturas, são modeladas pelo adulto e constituem na criançaos seus primeiros meios de expressão. «Incapaz de efectuar sejao que for por si mesmo, diz Wa:llon,o recém-nascido é manipu-lado por outrem e é no movimento de outrem que as suas pri-meiras atitudes tomarão forma». As atitudes, em relação comos seus estados de bem-estar, de indisposição, de necessidade,constituem o estofo das suas emoções.

Essa- é uma descoberta fundamental de WaHon.Estudada no adulto, a emoção dera lugar a teorias múlti-

plas e contraditórias. Recolocada numa perspectiva genética,adquire entã:o o seu verdadeiro significado funcional. E emoçãoé um facto fisiológico nas suas componentes humorais e motorase é um comportamento social nas suas funções arcaicas de adap-tação.

A emoção é uma linguagem antes da linguagem. Mas maisainda. A emoção é 'contraditória nos seus efeitos. Oscila entreum estado de comunhão, de confusão com outrem e de oposiçãoa outrem, de discriminação. Assim, a emoção esboça o pensa-mento, a representação que Ihe é contraditória e não contráriae dá também inicio à distinção do eu e de outrem, preludia asafirmações da personalidade.

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Esta «mutação de reacções puramente fisiológicas emmeios de expressão», este enxerto muito precoce do social noorgânico revestem-se na espécie humana de uma importânciadecisiva, pois 'ligam-se às condições de existência do indivíduodesde o seu nascimento.

Desde o seu nascimento, geneticamente, a criança é um sersocial. Será. sem dúvida necessário estudar através de que difi-culdades, e eventualmente por intermédio de que crises, acriança se tornará adulto. Mas suprime-se a oposição metafísicacriança-adulto. O 'caminho está desbravado. Abre-se uma novaperspectiva.

Wallon, psicólogo da infância?Será Wallon, na verdade, um psicólogo da criança, não será

antes o promotor de uma psicologia geral, considerada numaperspectiva genética?

A questão pode parecer insólita. Coloca-se devido ao factode se opor cada 'vez mais frequentemente psicologia da criançaa psicologia genética.

Bem entendido, WaUon ocupou-se apenas de crianças, masdefiniu o seu domínio e as suas perspectivas de uma formamuito ampla. A psicologia da criança, afirmou, recebeu muitopouco da psicologia tradicional. Em contrapartida, modificou ospontos de vista desta última e mesmo os seus princípios. Aoconfrontar a criança e o adulto, permitiria revelar de etapa emetapa o verdadeiro plano da vida mental. Em resumo, o estudoda criança, ao analisar uma génese real, permitiria descobriro homem.

Por conseguinte, Wallon definiu-se a si mesmo como umpsicólogo no sentido mais completo do termo.

Mas, precisamente, uma vez que a criança volta a estarligada ao homem, a nossa questão deixa de ter sentido. Temposhouve em que se criavam termos para compartimentar as idadesda vida como outros tantos domínios 'distintos: a pedologia, ou

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ciência da criança, a nipiologia ou ciência da criança de mama,a hebelogia, ou ciência do adolescente. Este tempo já passou,embora as especializações continuem a ser necessárias.

Wallon é ao mesmo tempo psíco-geneticista e psicólogo dainfância. Para ele, a psicologia da criança subsiste na medidaem qUe a infância temcaracteres próprios e problemas especí-ficos, como o da educação. 1t nas últimas linhas da sua obraintitulada lJ'Svolution psychologiqu6 de l'enfant que Wallondeclara: «Em cada idade, a criança constitui um conjunto indis-solúvel e original». :€ este conjunto, esta unidade, que o psicó-logo da infância 'deve apreender através da sucessão das idadese no dinamismo que conduz a criança ao estado adulto.

Assim, a imagem da infância, tal como se deduz dos tra-balhos e das reflexões de Wallon, não corresponde, evidente-mente, à imagem tradicional, mas também não correspondeà imagem moderna ligada ao individualismo do Renascimentoou de Jean-Jacques Rousseau. Wallon rejeita tanto uma 'como aoutra como sistemas falsos, construídos sobre ideologias de con-formismo ou de rebelião, mas conserva de cada uma - e numaperspectiva nova - a sua parte de verdade. l!: verdadeira a afir-mação de que as idades da infância possuem a sua originalidade,o seu aspecto próprio. ll:: verdade também que a infância nãotem significado fora do objectivo adulto: «A criança tende parao adulto, afirma,como um sistema para o seu estado de equi-líbrio».

No entanto, a concepção de Wallon não é um ecletismo.As verdades parciais, arrancadas aos seus sistemas, tomam umnovo sentido. Se a assimilação da criança ao adulto é falsa éporque o próprio adulto é o resultado de uma construção pro-gressiva, de uma evolução qualitativa, de uma génese. Se a opo-sição abstracta do indivíduo à sociedade é igualmente falsa, éporque no próprio indivíduo, desde a sua origem, desde o nas-cimento, se inscreve a necessidade social. O ser humano é so-cial, afirma, geneticamente. ll:: feito de tal sorte que a própria

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sobrevivência seria impossível sem os constantes cuidados, du-rante numerosos anos dos que os rodeiam.

Desta psicologia da criança derivam alguns grandes princí-pios pedagógicos.

Wallon denunciou nas doutrinas de educação nova (comexcepção de Decroly) o erro que consiste em tomar simples-mente a contrapartida dos defeitos e dos vícios da pedagogiatradicional. E, aliás, como estes vícios não são os mesmos aosolhos de todos os reformadores, o que acontece é verificar-seuma diversidade heteroclita de sistemas.

Uns disseram: «O ensino é autoritário, depende muito domestre. Por conseguinte, eliminemos o mestre». Outros desco-briram que «o ensino é demasiado intelectual. Suprimemos,assim, tanto quanto possível o esforço intelectual e façamospassar o ensino pelas mãos, ligando-o a trabalhos manuais».Outros ainda declararam que «o ensino é demasiado didáctico.Deixemos a criança descobrir por si mesma a verdade».

E cada uma destas afirmações, erigindo em absoluto umaverdade parcial, conduziu a um sistema utópico. 1t possível queas soluções propostas tenham sido muito felizes nas suas apli-cações de pormenor, mas são insuficientes e falsas como sistemageral de educação.

A educação nova deve às suas origens de rebelião contra asdisciplinas autoritárias uma inultrapassável desconfiança emrelação à sociedade. Ê viciada pelo desacordo (suposto ou real,entre os direitos da criança e o meio em que é destinada a vivere que se procura preservar. Mas a educação nova permitiu quese colocassem problemas, foi uma etapa necessária enquantose esperava por um conhecimento mais científico da criança,do escolar, da escola. Actualmente, estamos a passar do períodoutópico ao período científico.

O que sabemos hoje acerca da psicologia da criança permi-te-nos compreender que não pode haver questão nem de eli-minar o mestre, nem de suprimir o esforço puramente intelec-

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I '

tual, nem de contar unicamente com a espontaneidade do esco-lar. As soluções são muito mais complexas e exigem uma me-lhor adaptação da 'Criança à escola, uma melhor apropriação daescola à criança. - sem pressupor nem operar uma oposiçãometafísica entre a natureza e o meio, entre o indivíduo e asociedade. Entre um e outra pode haver, bem entendido, contra-dições, conflitos, mas não se trata de uma oposição absoluta,pois a sociabilidade reside na própria natureza do homem, poisa criança precisa da intervenção do adulto e das pressões domeio para afirmar a sua pessoa, para desenvolver todas as suasvirtualidades.

Wallon já não se encontra entre nós, mas a sua obra e oseu pensamento subsistem, mais vivos do que nunca.

Que nos legou ele? Disse pouco a tal respeito. Mas, dequalquer forma, não é possível fazer um inventário definitivo,pois trata-se de um legado que dará novos frutos no futuro. Eledeixa uma nova concepção da motricidade, da emotividade, dainteligência, da génese humana e, sobretudo, através de tudoisto, uma maneira original de pensar a psicologia, de reformularos seus problemas. A bem dizer, o método acerca do qual nosdá magistrais exemplos não é novo. :m o do materialismo díalêc-tíeo, ao qual ele próprio consagrou numerosos comentários.

Mas é o primeiro autor que 'com tal força, com tal enver-gadura, aplicou este método ao domínio da psicologia. Wallonmostrou-nos como os princípios e o método marxistas deviamser aplicados na base da mais rigorosa honestidade científica.Não procedeu de forma dedutiva a partir de um dogma, de umaIdeologia. E é 'por ~~ que foi um criador. E é por isso que oseu pensamento se impõe e se imporá cada vez mais, mesmoàqueles que não são marxistas. Não são os argumentos de auto-ridade que valem, mas os factos devidamente estabelecidos.

No nosso respeito pelo próprio Wallon, pela sua abra, ja-mais esqueceremos isto.

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"í'

A sua 'Voz calou-se. Nenhum de nós terá alguma vez o di-reito de falar em seu nome. Legou-nos uma maneira de tra-balhar, uma maneira de pensar num domínio que é também onosso. Mas a forma pela qual a utilizaremos é da nossa inteiraresponsabilidade. Esta é a lição que dele recebemos.

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CAPITULO VII

A OBRA DE HENRI WALLON Ã LUZ DO MARXISMO

Na luta ideológica contra as mistificações da ciência, apsicologia encontra-se com tanta frequência numa posição incó-moda que poderíamos, afinal de contas, interrogarmo-nos sobrea legitimidade desta «ciência» na infância, uma infância de talmodo prolongada que poderia fazer pensar num irremediávelcretinismo, pelo menos numa doença infantil das ciências huma-nas. Assim, depois de ter denunciado o bergsonismo, o behavio-rismo, a psicanálise, Georges Politzer, irritado por tanta pre-sunção, declarava nas últimos tempos da sua vida que a psi-cologia sob todas as suas formas, em breve estaria condenada.Se Politzer fosse vivo, acharia hoje no mundo da psicologiatoda uma população de acrobatas, de malabaristas, de prestidi-gitadores, de leitores de sina e de taumaturgos sobre os quaisexercer a sua verve, toda a descendência abastardada de Berg-son e de Freud, a geração de um novo pós-guerra.

A terrível experiência da guerra total levantou brutal-mente os problemas da psicologia individual: problemas dadesadaptação humana e da dissolução social, da resignação e darevolta, da traição e do heroísmo, da razão e das forças instin-tivas. Em todos os laboratórios onde, durante este período, fo-ram registadas as reacções humanas, os psicólogos fizeram

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amplas colheitas. Mas o trigo das observações experimentaisestá misturado a tanto joio, e o tratamento desta colheita é sus-peito de tantas fraudes que é grande a tentação de rejeitar tudo,de fazer tábua rasa. No período de crise que vivemos, a psico-logia parece ser a via pela qual se prevertem o racionalismodas ciências e a esperança dos homens num futuro melhor: osdeterminismos sociais são reduzidos a forças individuais, eestas aos obscuros impulsos do instinto, aos eternos arquétiposdas nossas paixões, dos nossos amores e dos n06SOSódios.

E, contudo, hoje em dia, em 1950, quando se compara oestado da psicologia com o que apresentava no início do século,ficamos estupefactos ao verificarmos os seus consideráveis pro-gressos. Mas choca-nos ao mesmo tempo a dispersão de tantasriquezas, a fragmentação do homem nos sectores isolados dasua actividade - e ver como os sistemas psicológicos estãoainda longe de uma verdadeira síntese.

Foi graças às respostas que soube dar às necessidades daprática industrial, psiquiátrica, que a psicologia se afirmoucomo técnica, mas faltava-lhe ainda muitas vezes uma pers-pectiva total do seu objecto para se tornar uma ciência. Estamiséria da psicologia é sobretudo evidente nos Estados Unidos,onde, precisamente a acumulação de materiais, a utilizaçãopragrnatista atingiram o seu máximo: divórcio entre a práticae a teoria, desfasamento entre o nível técnico e o nível ideoló-gico, confusão entre psicotécnica e psicologia, entre a realidadeviva e o instrumento que serve para medi-Ia,

:m graças ao crédito de uma psicologia eficaz, mas tambémà sua debilidade teórica que se desenvolvem com tanta facili-dade as imposturas de hoje.

A psicologia nasceu na idade de ouro das democracias in-dustriais, num período de relativa estabilidade em que a adap-tação do homem ainda se podia formular em termos simples.Mas já não se trata de adaptação individual, quando a própria

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sociedade é desequilibrada pelas suas contradições, num regimede desemprego, de greves e de guerras.

O conhecimento do homem encontra rapidamente os seuslimites e depressa se obscureceu num universo em que se pre-vertem todos os valores. Resta então à psicologia ou o refúgiode um positivismo cego, ou a mistificação que consiste em trans-ferir para o indivíduo, para os pretensos instintos de combati-vidade e de agressividade, todas as taras da sociedade, O enge-nho das suas técnicas, a força das suas verdades parciais sãoentão pura vaidade, quando muito um divertimento de eruditos.

Nesta situação da psicologia contemporânea, a obra deHenri Wallon adquire excepcional importância. Não apenaspelo contributo de novos materiais ou pelas suas consequên-cias de imediato alcance, mas também pela originalidade da suaatitude. A recusa de reduzir a psicologia a alguns processos deanálise, a recusa de reduzir o homem à imagem imóvel e parcialdada por uma época, e, pelo contrário, um esforço por atingiras realidades mais profundas, por constituir uma ciência inte-gral do homem. Simultaneamente, uma exigência de razão cde simpatia. Ao mesmo tempo, uma preocupação de rigor expe-rimental e a aceitação do risco que comporta a hipótese. E eisporque a visão walloniana da evolução psíquica é, sem dúvida,de todas as que se nos propõem actualmente, a mais lúcida.

A mais lúcida, mas talvez também a mais desconcertante.Henri Wallon não passa por ser um autor fácil. Sei que o leitordeve fazer um verdadeiro esforço para manter o contacto 0

seguir o seu autor em todos os meandros do seu pensamento.Em parte, isto deve-se à singularidade dos processos de

demonstração e de argumentação. Raramente se encontra emWallon a bela ordenação desses protocolos de experiências a queo psicólogo se habituou e que Jean Piaget, por exemplo, nosdá no mesmo domínio.

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Com efeito; no decorrer das suas investigações, Henri Wal-lon é muito mais um observador) um naturalista do que umexperimentador. Ou, mais exactamente, foi sobre a experimen-tação instituída pela natureza (comparação do patológico como normal, por exemplo) que a sua reflexão incidiu, muito maisque sobre experiências artificialmente provocadas. Não que te-nha negligenciado estas últimas, mas sempre considerou queeram para a psicologia muito mais um processo de controloque de descoberta, e que a sua prioridade conduziria a dissolvero indivíduo numa colecção de aptidões ou de funções. Por con-seguinte, não se trata para ele de negar o valor dos exames delaboratório, mas de fixar os seus limites e precisar o seu exactosignificado (<<Oisolamento do laboratório é necessário à explo-ração em profundidade da criança» ) (1) por métodos de aná-lise e de medida; medidas psicológicas, sensoriais, mentais.Mas se, por exemplo, «é injustificado censurar os testes pelasua abstracta simplicidade» (2), seria inútil esperar deles algomais que uma imagem impessoal e abstracta da realidade. Ou,melhor dizendo, a análise e a medida assim praticadas pelométodo dos testes e pela psico-fisiologia informam-nos sobreas condições de existência do indivíduo, sobre os seus quadrossociais e sobre os seus sistemas funcionais, mas não nos per-mitem apreender a sua organização, o drama real, l!: do próprioreal que é preciso partir, ou mais exactamente dos problemasque nos coloca esta realidade para chegar, se e quando for pre-ciso, à verificação analítica, mas não seriam combinações desensações ou colecções de aptidões que nos permitiriam com-preender um indivíduo que não tivéssemos já apreendido comoum ser vivo nos diferentes campos da sua actividade quotidiana.Neste sentido, a experimentação subordina-se à observação ea observação aos problemas.

(') Curso inaugural no Colégio de França, Pour I'Plre rI01ll:cllc,

n." 129, 1937, p. 137.('} L'~volution lJsychologique de l'entant, p. 30.

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A mais abstractiva das experimentações deve ainda POl--

mitir a observação, e eis o motivo porque Wallon professa tantadesconfiança pela análise factorial, sobretudo quando esta seaplica ao conhecimento do carácter. E a mais simples das obser-vações já é, por intermédio das nossas questões, uma experiên-cia que se esboça. Dialéctica enfim das nossas questões, dasnossas hipóteses e de uma observação totalmente simples. «:m aobservação, afirma, que permite pôr os problemas, mas são osproblemas a pôr que tornam possível a observação» (5).

Este vai-e-vem perpétuo da investigação, este controlo per-manente das ideias pelos factos e dos factos pelas ídeías, estasexigências contraditórias da abstracção e do concreto: emsuma, esta psicologia que quer ser uma ciência pela apreensãodo individual é absolutamente o oposto de uma confortável filo-sofia: para jela, a ciência não é nem criação doespirito nemdecalque da realidade, mas uma activa conquista onde nadaestá jamais terminado.

Assim, a dificuldade das obras de Wallon deriva, em suma,da mobilidade da sua observação, da multiplicidade dos seuspontos de vista sucessivos de um mesmo objecto, da densidadedas questões com que insta o real.

A observação quer-se fiel ao real, sem nada escamoteardas suas ambiguidades e das suas vivas contradições e o relatoque dela se faz quer-se fiel à observação, aos seus dificultososesforços. Pretendeu-se muitas vezes que a linguagem psicoló-gica de Wallon era difícil por estar recheada de termos mé-dicos. Com efeito, trata-se menos de vocabulário que de sintaxef> de construção. Apercebemo-nos disso na sua última obra sobreLes Origines de la pensée) despojada de qualquer terminologiatécnica e, no entanto, sem dúvida,a mais difícil de todas, a maisdifícil e a mais profunda. O estilo é interior à própria dialéctica

----- -_._--(') Curso inaugural no Colégio de França, p. 137.

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dos problemas e em Wallon os problemas encontram-se dema-siado intimamente ligados à observação para que seja de todoem todo legitimo, na sua obra, julgar separadamente a formae o fundo.

O próprio movimento da sua frase, o movimento da suaargumentação são já para nós uma exigência de conversão, umaviolência contra a confortável preguiça dos nossos hábitos, dosnossos preconceitos. Wallon jamais sacrifica a complexidade deum problema à aparente clareza do exposto. Ser compreendidocom pouca dificuldade seria, no fundo, não ser compreendido.

Nenhuma complacência com o leitor, nenhum compromissocom o estilo, nenhuma preocupação com a elegância. Masquando uma fórmula emerge na plenitude da perfeição, sente-seentão que vem das profundezas da obra e que nos põe dírecta-mente em contacto 'com a realidade.

Seria fácil, talvez demasiado fácil, explicar as qualidadesda obra pelo temperamento e pela formação do seu autor. HenriWallon é filósofo e médico. A sua experiência de clínico alerta-ocontra o verbalismo dos ideólogos. A sua experiência das ideiasalerta-o contra o empirismo e a intuição dos médicos. Mas seesta dupla formação combina as suas qualidades, quantos filó-sofos-médicos ou médicos-filósofos serão visionários duplamentelimitados, cuja suficiência radica no duplo quadro das suasvaidades profissionais!

Trata-se então, sem dúvida, de uma questão de tempera-mento, de excepcional vigor e de honestidade, Mas a obrade Wallon só se compreende devidamente à luz do marxismo,esse método que praticou com uma consciência cada vez maisclara. Trata-se, em primeiro lugar, para o psicólogo, tal comopara qualquer outro investigador, de compreender que estácomprometido na história, que as suas concepções são deter-minadas directa ou indirectamente pelo sistema geral das ídeíasda sua época, pelo estado das técnicas, pelas lutas sociais doseu tempo.

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li: a perspectiva do materiaZismo histórico) na qual HenriWallon procura muitas vezes situar as concepções da psicologiapara explicar o seu aspecto decadente ou, pelo contrário, o seuvalor de progresso.

Assim, no seio de um período que subordina os valoresintelectuais aos resultados de ordem prática, ele acentua oparentesco e a antítese entre o pragmatismo e a psicotécnica.O ano de 19001 'diz, assinala o momento em que a burguesiarenuncia ao setI ideal industrialista «e em que se fragmentanuma série de ~perialismos rivais, implicando a divisão dosmercados, a conquista ou a reserva de domínios de exploraçãoexclusivos. E as pretensões estenderam-se à própria ideologia.A cada um a sua verdade, a verdade que lhe convinha ... Con-tudo, é necessário não simplificar demasiado ... Esta época estálonge de se caracterizar por um declínio das ciências físicas.Digo o mesmo da psicologia. :m mesmo desta época que data oprogresso que conheceu, a partir de técnicas que se tinhamconstituido sob pressão de certos interesses utilitários, de cer-tas necessidades industriais e pedagógicas ... :m uma preocupa-ção de rendimento mais económico que se encontra no pontode partida da psi.cotécnica ... belo exemplo da influência queexercem os interesses da produção sobre a ideologia. Recorde-sea interdição lançada por Bergson contra uma psicologia que sepretenderia científica, pois não há ciência sem medidas preci-sas, sem intervenção do número, uma vez que o domínio da sen-sibilidade, da consciência é essencialmente o do qualitativo. Masnão afirmam os matemáticos que o próprio número é quali-dade? E, aliás, a oposição entre número e qualidade é factícia.Que importa a natureza interna do número e do que se enu-mera? O número não tem que exprimir a própria coisa, mas olugar da coisa numa série ou numa certa escala. Será aindapreciso encontrar uma escala com que relacioná-Ia. Foi a solu-ção desta dificuldade que, por intermédio dos testes, abriu

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Ser materialista, significa, do ponto de vista da teoria doconhecimento, colocar a existência do real antes da represen-tação que dele se faz no espírito, a matéria antes da consciên-cia (8). Por conseguinte, do ponto de vista rnetodológíco, signi-fica abordar o estudo de todo o fenómeno, de toda a realidade,pela pesquisa das suas condições de existência.

Em todos os seus esforços, e de forma explícita, a psicolo-gia de Wallon é materialista.

As condições de existência do homem, por outras palavras,as condições materiais dos seus comportamentos, são de ordemfisiológica e social. Consoante o rríve! de reacção que estuda,mas também segundo a etapa de evolução da sua obra, Walloncomeçará por sublinhar o condicionamento biológico, mais tardeo condicionamento social. Os primeiros trabalhos consagradosà motricidade da criança valeram-lhe e valem-lhe ainda a re-putação de organicista, reputação provavelmente reforçada pelasua qualidade de médico. É verdade que Wallon, aluno de Na-geotte e do célebre neurologista Babinski, fez beneficiar a psi-cologia das aquisições recentes da ciência médica. A sua famosatese sobre l'Bnfam: 'I'urbuleni , que deveria consagrá-Io comoum dos mestres da psicologia contemporânea, renova o estudodo carácter e da consciência, explicando as variações individuaisde reacção e de conduta através de factores fisiológicos, nomea-damente as funções motoras da tonicidade.

forma, cuja estrutura penetra, através dessas referências incessantementesusceptíveis de ser modificadas pelas suas investigações.» (H. WALLON,Matérialisme dialectique et Psychologie (Curso da Universidade Nova)."Éditions Sociales, 1946, p. 15 e 21.

(8) «Bem entendido, a oposição entre a matéria e a consciência sótem um sentido absoluto num domínio muito restrito: no caso dado dateoria do conhecimento, no quadro da questão fundamental que é a desaber o que deve ser considerado como primário e o que deve ser consi-derado como secundário. Para além destes limites, a relatividade destaoposição é indiscutível.» L:f:NINE, Matérialisme ct empirio-criticisme.

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O conhecimento dos centros ou feixes nervosos que cor-respondem a cada aparelho,conhecimento esse tornado possívelpelas perturbações patológicas e pelas etapas normais do desen-volvimento, essas fontes de informação que se completam everificam mutuamente «facultam o meio de reconduzir a diver-sidade que se observa entre os indivíduos a condições precisase de fundamentar sobre estas condições a sua distribuição emgrupos mais ou menos diferenciados» (9).

Assim, o estudo das condições fisiológicas permite dese-nhar tipos psicomotores, fundamentar uma psicologia diferen-cial. E, ao mesmo tempo, substituir a análise ilusória da íntros-pecção, da consciência por si mesma, «pelas reacções que ligamao meio o ser vivo, desde as mais elementares e as mais ime-diatas até às mais indirectas e às mais complexas, cada umadelas encarada no conjunto das suas condições e na sua tota-lidade».

Entre as condições em jogo na conduta de cada um, osfactores de motricidade são, assim, «os mais objectivamentereveláveis e os mais fundamentais». Não há conduta, estadomental, por mais despojado que seja, ao qual não adiram inti-mamente atitudes motoras.

Contudo, seria limitar a obra de Wallon e trair o seu espí-rito abordar isoladamente condições neurológicas. A motrici-dade não se exerce no vazio, e o meio ao qual as suas reacçõesmotoras ligam o ser humano é, sobretudo, um meio humamo,A simples descrição das funções motoras e dos tipos psicomo-tores é já uma contribuição importante para a edificação deuma psicologia científica. Mas a originalidade de WaIlon con-siste em ter tratado tipos psicomotores e etapas do desenvolvi-mento não como entidades neurológicas, mas como realidadespsicológicas de um condicionamento muito mais complexo. Num

(9) «8indromas de insuficiência psicomotora e tipos psicomotores»,Annales méd. psycho., 1932, n." 4.

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~c~i(les GfJelari ~unior

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artigo relativamente recente (10), voltando à questão da motri-cidade para explicar 'a génese da consciência, Wallon escreveu:«é um ser cujas reacções, todas, precisam de ser completadas,compensadas, interpretadas. Incapaz de nada efectuar por simesmo, é manipulado por outrem, e é nos movimentos de outremque as suas primeiras atitudes tomarão forma» (11).

E Wallon lembra então que os gestos e as atitudes dacriança, sobretudo em relação com os seus estados de bem-estar,de mal-estar ou de necessidade, pertencem ao domínio emocio-nal, ao sistema espontâneo das reacções afectivas. Mas estaexplicação em que a emoção nos aparece, não já como umareacção parasita, mas como a função psíquica e social das ati-tudes num período em que a criança ainda não fala, esta expli-cação em que se descobre, no alvor de uma consciência aindaindiferenciada, a comum matriz do eu e de outrem, já se encon-tra exposta, nos seus aspectos essenciais, no primeiro capítulode lJEnfant turbuleni, quando Wallon descreve a emoção comoestádio da evolução psíquica: «Pela emoção que o fez vibrar,o indivíduo encontra-se virtualmente em uníssono com qualqueroutro no qual se produzissem as mesmas reacções».

Assim, a emoção, que se encontra nas origens da experiên-cia de si mesmo e da experiência de outrem, do carácter e dacompreensão, aparece-nos como um facto fisiológico nas suascomponentes motoras, como um facto social nas suas funçõesarcaicas de adaptação.

('0) «o papel do Outro na consciência do Eu», Egyptian Journal 01Psychology, n.O 1, 1945.

(") Todos os sublinhados nas citações são da minha responsabili-dade, não do autor. Nunca encontrei um único texto de Renri Wallon queela tenha decidido sublinhar. Quer, sem dúvida, deixar ao leitor a sualiberdade total de apreciação. Espero que Renri Wallon me desculpariapor ter acentuado os seus próprios textos. Mas praticar citações é jãatentar contra a espontaneidade do autor, contra a liberdade do leitor.

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A dimensão social não é acrescentada, mais ou menos tar-diamente, a uma consciência individual autónoma. Encontra-seimplícita nas primeiras adaptações da criança, incapaz, repe-te-ee, de nada efectuar por si mesma, de nada ser se não for porintermédio dos outros. «Por conseguinte, não existe hiato inicialentre o social e o individual», embora possa aí haver, na vidado indivíduo e, nomeadamente, no decurso da infância, todas asespécies de dificuldades e de conflitos. Mas a socialização cul-tural da criança exerce-se sobre um ser já sociável nas estru-turas mais profundas do seu comportamento. O indivíduo, dizainda Wallon, é um ser social não «devido a contingências exter-nas, mas sim a uma necessidade íntima. :m-ogeneticamente».

Por outras palavras: «Quando há homem, o grupo e o indi-víduo parecem indissoluvelmente solidários» (12).

Condição primária da génese de uma consciência, a vidasocial em todos os seus níveis e sob todas as suas formas deter-mina as reacções do indivíduo. «Desde a infância, não há, porassim dizer, reacção motora ou intelectual que não implique umobjecto modelado pelas técnicas industriais, pelos hábitos, pelasatitudes mentais do meio. A actividade da criança só pode reve-lar-se a propósito e por intermédio dos instrumentos fornecidostanto pela utensilagem material como pela linguagem em usono seu meio. É modelada por estas e é desta prática, que pre-cede habitualmente a reflexão, que se destacará o fundo dasnossas noções sobre o qual se edifica a representação dascoisas».

Wallon tem o cuidado de voltar a esta noção de modelagemsocial de cada vez que as suas análises correm o risco de con-duzir o leitor a uma interpretação organicista. «O homem não€o totalmente explicável pela psicologia, pois o seu comporta-mento e as suas aptidões específicas têm por complemento e

(") Les Origines de Ia pensée, t. II, p. 436.

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por condição essencuü a sociedade, com tudo quanto esta com-porta em cada época de técnicas e de relações em que se mode-lam a vida e as condições diversas de cada um» (13).

É indubitável que a vida de cada um, repete-se, é uma rea-lidade original que não se reduz às suas condições de existênciae, nesta vida original, neste nó de realidade, a fusão do bioló-gico e do social é demasiado íntima para que a sua análise sejaalguma vez perfeita. A análise das condições de existência, épela ultrapassagem do caso individual que se pode operar: aná-lise estatística pelo método dos testes, análise genética pelacomparação das crianças de idade em idade, análise patológicaem que a doença dissocia os níveis funcionais, enfim, todos osmétodos comparativos e, por exemplo, esta comparação privi-legiada da criança de hoje com o adulto das civilizações pas-sadas.

Tema de reflexão ao qual Wallon volta várias vezes nosseus trabalhos: os limites da criança são de origem fisiológica,ao passo que os do adulto dependem em cada época das condi-ções históricas e sociais (11). A comparação entre a inteligênciada criança e a do primitivo é fecunda, pois as causas de insu-ficiência são inversas e opera-se, assim, uma clivagem entre ascondições necessárias - fisiológicas e sociais - ao desenvolvi-mento do pensamento.

A investigação das condições de existência define o pontode vista materialista. Agora, é ao aspecto dialéctico da psico-logia que deveríamos consagrar os nossos comentários. Maspara um marxista a dialéctica não se sobrepõe ao materialismo.

(13) Les Origines de Ia pensée, p. 436.(H) A mentalidade primitiva e a da criança. Revue Philosophlque,

Agosto de 1928. - Da imagem ao real. .. Revue Philosophique, Junho de1930. - Da experiência concreta à noção de causalidade ... Journal dePsychologie, Fevereiro de 1932. - O real e o mental... Journal de Psy_chotooie, Junho de 1935. - De l'acte à Ia pensée, p. 97-121.

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Il

As causas materiais como objectos de ciência são já uma reali-dade dialéctica. É assim que, na análise do comportamento hu-mano, as causas fisiológicas e sociais se misturam e determinamum novo plano, um novo reino da natureza. Mas não é apenasnas relações gerais de uma ciência com outra, de um plano daexistência com outro, e como que de uma vez por todas, que ométodo dialéctico deve apreender a dialéctica das coisas.

A dialéctica é um atitude permanente de investigação quetoma em consideração o facto de que nenhum fenómeno podeser compreendido se for encarado isoladamente, que a naturezaestá envolvida num processo de movimento e de mutações, queestas mutações não são simples repetição circular, mas evolu-ção, não apenas quantitativas e graduais, mas qualitativas, queesta evolução tem por motor a acção recíproca das forças danatureza.

A dialéctiea não é um exercício verbal, uma doutrina for-mal, um malabarismo de teses e de antíteses, mas um métodoque se empenha em apreender a unidade da natureza e a suadiversidade, as suas contradições e a sua evolução.

Sem dúvida que a obra de Wallon é a sua demonstraçãomais brilhante no domínio das ciências experimentais, em todoo caso no que respeita à psicologia.

Abundam os exemplos em que a refutação das teoriasmetafisicas, a ultrapassagem das explicações parcelares e par-ciais, o renovar dos problemas e a sua solução aparecem nouso consciente da dialéctica - e, sobretudo, uma descrição maisexacta, mais concreta, mais viva' de fenómenos. É o que se passa,para começar por um facto nos confins da psicologia e da fisio-logia, com a acção contrária dos músculos agonistas e antago-nistas na equilibração. A imobilização obtida pela regulação epelo ajustamento das actividades tónicas. O movimento de umsegmento tornado possível pela imobilidade de outros segmen-tos. Relações de antagonismo, mas também de filiação entre a

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emoção e as duas formas de actividade que põem o homem emrelação com o meio: a aptidão a reagir por movimentos apro-priados e a aptidão a representar-se as realidades do mundoexterior. Pela sociabilidade que inaugura nas origens da vidapsíquica, «a emoção serviu de transição entre o puro automa-tismo que permanece subordinado às incitações sucessivas domeio, e a vida intelectual que, procedendo por representações esímbolos, pode fornecer à acção outros motivos e outros meiospara além dos que se referem ao momento presente e à realidadeconcreta» (1~).

Dialéctica da linguagem e do pensamento. A linguagemsubtrai a criança aos trilhos da inteligência animal, introdu-Iano mundo dos símbolos, mas, à pureza destes símbolos que criou,a própria linguagem opõe os entraves do seu formalismo e opeso afectivo das palavras. «Antes de ser instrumento por exce-lência da análise e das classificações, começa por ficar empe-nhada em toda uma estratificaçâo de dependências em que seatolam as suas puras significações» (10).

Unidade e contraste na génese das noções. «Não há pensa-mento punctiforme, mas, desde a origem, dualismo ou desdo-bramento ... O par é o último grau aquém do qual não há pensa-mento formulável» (17).

O pensamento por par opõe-se a todo o pensamento discur-sivo, a todo o sistema de ligações intelectuais : contudo, é a cé-lula inicial de onde sairá a representação, a dupla orientaçãointelectual de assimilação e de discriminação.

Unidade e contraste ainda na estrutura original da cons-ciência. O «eu» opõe-se ao «outro», mas nasce ao mesmo tempoque ele, de uma mesma experiência arcaica, a partir de umamesma «nebulosa» psíquica.

Contradições internas do jogo. O jogo implica a negaçãodas coacções habituais, mas introduz novas coacções, regrasque por sua vez podem ser negadas. pela trapaça.

Terminamos aqui a apresentação dos exemplos, sem termosa certeza absoluta de ter exprimido e não destruído o essencialdo pensamento walloniano, sem estarmos certos de ter comu-nicado o sentimento de uma necessidade experimental, e nãouma impressão de gratuitidade ideológica. Estes exemplos, abs-traídos do seu contexto, fixados numa fórmula, só têm o valorde uma indicação. A convicção só poderá vir se se retomar como autor o exame minucioso dos factos, a difícil marcha das suasinvestigações.

(lO) Les Origines du caractêre ... Edit. 1934, p. 85.('6) Les Origines de la Pensée, t. II, p. 154.(") Ibid.) t. I, p. 44.

De passagem, Henri Wallon explicou-se repetidas vezes -directa ou indirectamente - sobre as dificuldades da investi-gação psicológica. E esta explicação faz-nos penetrar aindamais longe naquilo que é a atitude dialéctica.

Para alcançar as contradições reais das coisas, é precisoultrapassar as contradições próprias do espírito que as pensa;para apreender' as relativas constâncias da natureza (tantopsicológica como física) exige-se que se utilize e denuncie simul-taneamente as constantes artificiais das noções e das cate-gorias.

Poderiam encontrar-se em Wallon os prolegómenos a todoo exercício dos processos de análise: desde a análise falaciosada introspecção até à análise, perigosa e, contudo, necessária,da experimentação. ~ a este nível, em que a dialéctica da natu-reza se complica através de uma dialéctica da inteligência hu-mana, que a crítica dos testes adquire em Wallon o seu plenosignificado, numa crítica geral dos processos de análise.

A propósito de motricidade, mais exactamente do polimor-fismo do tónus nos seus diferentes empregos, Wallon é levadoa precisar ainda melhor a sua perspectiva. Uma função nãopode ser reduzida aos seus factores elementares, afirma. Além

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disso, uma função, ao realizar-se, não pode resolver certas dis-paridades ou diecordâncias dos factores em questão. Com efeito,é às suas condições que é preciso ir, da função aos seus meiosou aos seus órgãos, do conjunto às suas partes. Pois o poderdeterminante encontra-se naquilo que se realiza, não no queserve à sua realização. Ponto de vista globalista e funcional,mas também, contra o fixismo da inevitável análise, ponto devista genético que tem simultaneamente em conta as origensem que as forças contrárias ainda se encontram confundidas, asetapas com a originalidade de cada uma e pela ordem da sua su-cessão, o objectivo para o qual tende a evolução: «O estudo ana-lítico de uma função exige que esta seja sempre comparada, eno estádio de evolução em que, não estando os seus órgãos aindadiferenciados, a sua unidade assenta na unidade global deum comportamento muito mais simples, e nas manifestaçõesmais totais do seu actual destino» (18).

Do facto da inteligência começar por proceder por assimi-lação, por redução analítica, não se segue que a realidade, nasua diversidade original, deva escapar à ciência. Segundo Wal-lon, o erro de Êmile Meyerson quando define o domínio da razãocomo sendo o Ido idêntico, o erro de Jaspers quando define odomínio do espírito como sendo o das assimilações intuitivas,consiste em omitir o essencial na obra de ciência, «a saber, asoperações que se intercalam entre o real e o idêntico, entre oreal e o inteligível, e que só conferem eficácia ou inteligibilidadeaos símbolos do idêntico ou aos das ideias na condição de poderconstatar o seu acordo com as operações da natureza» (19).

Para dar conta da diversidade, a inteligência começa pornegá-Ia; explica o efeito reduzindo-o à sua causa; para apreen-der o movimento, dissolve-o em representações estáticas ..Etapaou momento necessário. Mas a inteligência não é apenas assimi-

('8) Les Origines du Oaractêre, p. 126-136.("') Les Origines de la Pensée, t. II, p. 316.

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lação, é também discriminação, é também diferenciação. O ho-mem de ciência deve procurar, sobretudo, e decididamente,acentuar as diferenças, descobrir cada plano de existência nasua irredutível originalidade. «O que só deveria contar», dizWallon, a propósito das controvérsias sobre as relações entreo psiquismo e o organismo, «é a descrição e a análise diferencialdos órgãos e das condutas» (20).

O «racionalismo moderno» não propõe quebrar os instru-mentos intelectuais, como lhe 'censurava ainda recentementeJulien Benda, o qual, aliás, nos dá desse modo um belo exemploda confusão a que pode conduzir a prática das pretensas ideiasclaras e distintas: pois mete no mesmo saco do «mobilismo» edo irracional, Bergson, Sartre e Karl Marx (21). O racionalismo,tal como o desenvolve a tomada de consciência marxista, mos-tra-nos que a razão não se reduz aos seus. instrumentos, queela se encontra essencialmente nas suas tentativas, nas suasoperações, nesse esforço das estruturas do pensamento paraatingir as estruturas das coisas. «Sem dúvida que o acordo dopensamento com as coisas, sendo uma exigência do conheci-mento, não é um dado primário, e há sempre entre ambos umadistanciação de algum modo essencial, que deve incitar o pensa-mento a novas sistematizações» (22).

Assim, entre a irreversibilidade absoluta do empirismobruto e a reversibilidade total do acto intelectual, aparece umanecessidade de integração, de alternâneía, para traduzir aomesmo tempo o que há de constância e de evolução nas coisas.

Não foi por aposta que expus até aqui a obra de Wallonsem falar uma só vez da psicologia da criança. m certo que

(20) Les Or~gin'esde la Pensée, t. II, p. 433.(21) Julien BENDA: De quelques constantes de l'esprit humain,

Paris, Gallimard, 1950.(") Les Origines de la Pensée, t. II, p. 434.

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Wallon é, por excelência, o psicólogo da infância: consagrou-lhea quase totalidade dos seus trabalhos. Mas, na sua perspectivageral, a obra de Wallon é uma psicogénese que ultrapassa delonge o aspecto estritamente pedológico. O conhecimento dainfância não interessa apenas à criança, mas igualmente aoadulto. A evolução do ser humano através da sua infância, talcomo a evolução do adulto através das civilizações, mas maisrigorosamente ainda que esta última, mais experimentalmente,permite-nos compreender o sentido da evolução psicológica.A génese do espírito humano revela-nos todas as suas dificul-dades, as suas contradições, os seus recursos. Para guem saibaobservar, a gênese realiza a mais objectiva das análises, poisque o faz sem qualquer artifício.

Mas revela também ao adulto, na direcção de uma evoluçãosempre inacabada, ao mesmo tempo que os seus limites actuais,as suas esperanças de os ultrapassar. É o ensinamento maisprofundo que eu desejaria extrair da obra de Wallon, nomeada-mente da sua última obra sobre as origens do pensamento. O es-tudo de uma génese informa-nos não sobre o que é, mas sobre oque poderia ser, sobre o que será. Permite uma tomada de cons-ciência e, no sentido mais profundo da palavra, uma autocritica.Confrontando o psiquismo com as suas condições de existência,as estruturas orgânicas com as estruturas intelectuais do pen-samento, as estruturas mentais com as estruturas das coisas,explicitando esta dialéctica incessante do espírito à conquista doreal, favorece o nascimento de um homem novo.

E eu creio que este homem novo compreenderá melhor doque nós próprios, este ensinamento magistral. Relendo a obrade Henri Wallon à luz do marxismo, adquiri a profunda convic-ção de que a sua carreira mal começou.

Paris, 1950.

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CAP1TULO Vil!

PSICOLOGIA E MATERIALISMO DIALÉCTICO

O homem cujos oitenta anos celebramos hoje é provavel-mente um dos maiores sábios de que o nosso país se pode orgu-

lhar.O seu domínio é a psicologia. Nesta ciência, a mais incerta

e a mais ambígua das ciências, Wallon realizou uma obra pro-fundamente inovadora. Não se limitou a contribuir com a suapedra para o edifício comum, a acrescentar as suas ideias aoutras ídeias, operou uma reorganização total. Então, se a psi-cologia é na verdade uma pedra angular entre as ciências danatureza e as ciências do homem, pode considerar-se a obra deWallon não apenas como uma contribuição para um domínioespecial e limitado, mas também como um contributo decisivopara a teoria do conhecimento.

E, contudo, apesar da grandeza desta obra, apesar da suaoriginalidade, Wallon continua a ser, parece-me, um cientista

desconhecido.Não há dúvida que 'a sua celebridade desde há muito ultra-

passou as nossas fronteiras. E ainda hoje lhe são rendidas ho-menagens no mundo inteiro. Mas estas homenagens não atin-gem, apesar do fervor dos seus amigos e da 'estima dos seuscolegas, a universalidade que ele merecia.

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Como explicá-Io ?

Tudo se deve, muito simplesmente, ao facto de Henri Wal-lon ser um cientista marxista.

Em primeiro lugar, os poderes públicos não pretendemhonrar um homem que fez uma opção política como a sua. Issoé bem evidente e, no fundo, bastante normal. Mas também éabsolutamente evidente não ser esse o obstáculo essencial aoconhecimento e à compreensão da obra de Wallon.

Uma ciência verdadeiramente marxista é difícil de admitir,difícil de compreender - não apenas para os seus adversárioscomo também para os próprios marxistas.

Se é verdade qus o marxismo de Wallon é com demasiadafrequência considerado como uma opção política sem granderelação com a sua obra, isso deve-se ao facto de que, por razõesdiversas, a solidariedade que une política e ciência não é facil-mente compreendida.

A classe operária honra Wallon como um camarada, comoum grande cientista, mas, bem entendido, é incapaz por en-quanto de entrar na compreensão Íntima da sua obra.

O mundo científico honra Wallon como um colega de valormas sem querer e sem poder, de um modo geral, entrar na pers-pectiva marxista que dá à sua obra o seu pleno significado.

E poderá, aliás, dizer-se que 08 próprios intelectuais mar-xistas tenham fornecido o esforço necessário de compreensão?E certamente mais. fácil falar de marxismo do que fazê-lo.E mais confortável repisar fórmulas do que compreender omarxismo nas suas criações novas.

Nestes últimos tempos falou-se muito de um enfraqueci-mento do pensamento marxista. Sempre me chocou que nosinventários tendenciosos da produção marxista se tenha negli-genciado os trabalhos científicos. Evidentemente, se nos refe-rirmos aos escritos puramente filosóficos, o inventário é bas-tante breve. Mas, em primeiro lugar, não é essencialmente dessa

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forma que o marxismo se. exprime. Exprime-se na acção polí-tica, exprime-se no acto científico.

A fecundidade do materialismo dialéctico é em físicos comoLangevin, Joliot, que é preciso procurá-Ia, em biologistas comoPrenant e Georges Tessier. E, se se trata de psicologia, emHenri Wallon.

Por conseguinte, gostaria esta noite de mostrar que o mar-xismo, em Wallon, não se juntou à sua obra científica como umsimples pensamento generoso, e menos ainda como o quadrode um dogma. Que ele é o próprio movimento da sua obra, ométodo graças ao qual Wallon pôde quebrar todas as espéciesde contradições doutrinais para atingir as próprias contradiçõesdas coisas, para abarcar o espírito do homem em toda a suacomplexidade.

E óbvio não ser possível num quarto de hora dar uma pano-râmica completa e exacta da obra de Wallon. Limitar-me-ei aalguns pontos de referência, a algumas ideias dírectrizes.

Examinar a fundo a obra de Wallon seria fazer ao mesmotempo o inventário das dificuldades fundamentais da psicologia("entrever as soluções que, à luz do marxismo, podem ser dadaspela ciência a estas dificuldades.

Se nos colocarmos para já no plano das dificuldades funda-mentais podemos enunciá-Ias do seguinte modo: I

Como passar do biológico ao psíquico?Como passar do individual ao social?Ou, por outras palavras, se utiilzarmos uma formulação

ainda mais tradicional: quais são as relações entre o indivíduoe a sociedade, quais são as relações entre o corpo e a alma?

Esta última interrogação pode parecer muito antiquada,mas tem pelo menos o mérito de evidenciar claramente umaatitude metafísica, substancialista, que formulações mais subtistendem a camuflar.

E certo que do ponto de vista da ciência. não se trata deadmitir a noção de alma. Mas enquanto não se tiver explicado,

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de forma verdadeiramente completa, como se opera a promoçãoqualitativa do fisiológico ao psíquico, a noção de alma subsis-tirá - quer o queiramos quer não. Subsistirá porque todostemos a noção do nosso eu, de uma autonomia, de uma realidadeespiritual que não é redutível pura e simplesmente à nossacarne.

O materialismo mecanicista que reduz o psiquismo a cor-relações psíquicas, ou essa espécie de positivismo que, comWatson, suprime a 'consciência para só deixar subsistir movi-mentos musculares, tiveram sem dúvida a sua utilidade - emdado momento da história - de um ponto de vista crítico edescritivo. Mas deixam inteiramente por resolver, tanto umcomo o outro, o problema essencial da psicologia, o qual con-siste em saber o que é o psiquismo como plano novo de reali-dade: 'como este corpo é uma pessoa, como estes movimentosse tornam consciência.

Não se rejeitam as explicações teológicas e metafieicas poruma recusa de explicação. E dizer que um problema está malcolocado, não é negar que o problema exista e ainda menosresolvê-lo,

Wallon jamais se instalou num universo simplificado pelasrecusas do espírito e da consciência, instalou-se logo de iníciono cerne de uma realidade complexa. Não negou o espírito e aconsciência, também não os aceitou como realidades em si,como princípios explicativos, procurou compreender qual eraa sua génese, ou seja, estudou as suas condições de existência.

Se, para compreender o que é o psiquismo, o melhor métodoconsiste em ver como se formou, então a psicologia da criançaaparece como o meio privilegiado para responder aos problemaslevantados pela psicologia geral. Em Wallon, a psicologia dacriança é um estudo dialéctico do ser humano.

Ao dizer isto, não quero diminuir em nada o interesse queWallon dedica à infância por si mesma. Como médico e comopedagogo prodigalizou incessantemente às crianças os seus cui-

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dados e a sua ajuda. E como psicólogo sempre considerou que,em cada idade, cada criança é um ser original que deve sertratado com respeito e amor.

Mas nada seria mais estranho à sensibilidade e ao pensa-mento wallonianos que uma concepção da criança confinada napieguice, na valorização da puerilidade. Por um lado, a sua con-cepção da infância é essencialmente dinâmica. Quer dizer que'ainda que reconheça à criança caracteres que lhe são próprios,concebe-a em relação ao adulto que esta criança deve um diarealizar numa sociedade bem determinada. «A criança tendepara o adulto, diz, como um sistema para o seu estado de equi-líbrio». Por outro lado, a infância não é apenas um objecto deestudo, um fim em si, é também um meio, um método de análise.Para quem sabe observar, a génese realiza, pelo seu esclareci-mento das sucessões, das contradições, das ultrapassagens, amais delicada mas também a mais objectiva das análises, poisque é feita sem qualquer artifício.

Todas as filosofias contemporâneas, foi dito, são marcadaspelo dinamismo, pelo sentimento do tempo e da duração. Masa mais célebre dentre elas, o bergsonismo, mostra até que pontoa própria noção de duração, daquilo que no ponto de partida éo mais concreto, se pode tornar uma pura abstracção quando seesvazia de todo o conteúdo material.

Se Wallon se liga à nossa época - a todo este movimentode ideias inaugurado há cem anos pelo evolucionismo de Dar-win -, se ele próprio foi aluno de Bergson na Escola Normal-isso não implica, contudo, que adira a essa filosofia mística damobilidade. Não há duração pura, incondicionada, mas seresque duram. Quer dizer que nascem e se desenvolvem em funçãode um estatuto orgânico que lhes é próprio e das condiçõesmateriais e culturais do seu meio.

Se quisermos colocar numa ordem discursiva as principaisideias de Wallon que na sua obra se cruzam e se encadeiam con-

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tinuamente, a primeira a sublinhar é que a criança, desde o seunascimento, é um ser simultaneamente biológico e social. Estadupla determinação suprime a oposição radical entre o orga-nismo e o sociologismo. Mas como entendê-Ia? Que pretendeWallon dizer exactamente?

Escusado será dizer que o comportamento do recém-nas-cido é determinado fisiologicamente, Mas em que sentido sepoderá dizer que ele é já, nesse momento, um ser social?

A resposta é dupla.A criança humana é um ser social, virtualmente. «O apare-

cimento de campos cerebrais, tal como o da linguagem, implicaa sociedade, afirma Wallon, tal como os pulmões implicam aatmosfera». Vê-se, assim, que o social, no homem, está impli-cado no orgânico. Mas esta implicação, por mais primordialque seja, não é tudo. Se Wallon se limitasse a esta constataçãopoder-se-ia dizer da sua obra que ela aperfeiçoa o organicismo,mas que não o ultrapassa.

O mérito de Wallon consiste em chamar a nossa atençãopara o facto de que a imperícia, a pobreza inicial da criançahumana é a condição negativa mas decisiva da sua socialização.«O indivíduo, diz ele, é um ser social, não devido a contingên-cias externas, mas devido a uma necessidade Íntima. É-o gene-ticamente».

Houve quem desprezasse este ensinamento ao mesmo tempotão simples e tão novo de Wallon. Piaget, o célebre psicólogo deGenebra, e certos autores soviéticos admiraram-se que fossepossível qualificar o recém-nascido de ser social, e manifesta-ram o receio de que Wallon operasse uma redução do social aobiológico. Isso aconteceu, sem dúvida, pelo facto destes autoresdarem ao termo «social» um sentido diferente e serem incapa-zes de compreender o raciocínio dialéctico de Wallon.

Conciliador no que se refere às palavras, mas firme na suaposição, Wallon tenta fazer-se entender melhor. «Talvez seja

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exagerado dizer, concede, .que a criança é desde esse momentoum ser social». O recém-nascido, evidentemente, não é um mem-bro da Sociedade, mas é um ser primitiva e totalmente orien-tado para a Sociedade. Precisa de assistência «não apenas parase alimentar, mas. para ser tirado de uma posição incómoda,para sair de uma imobilidade penosa, para ser removido, trans-portado, embalado, enxugado quando se molha, para obter asatisfação das suas exigências mais elementares e mais urgen-tes. Daí resulta que todas as suas actividades, todas as suasaptidões sejam polarizadas ... para as pessoas».

Assim, desta observação perfeitamente banal, extrai Wal-lon um ensinamento da mais alta importância e, à primeiravista, paradoxal. A debilidade física do recém-nascido confereao ser humano, desde o nascimento, uma dimensão social. A suafraqueza inicial é a condição da sua superioridade sobre todasas outras espécies animais.

Esta luz que Wallon faz incidir sobre a infância do homemafasta-nos definitivamente do materialismo mecanicista, doorganícismo, Para o organicismo, é o organismo tomado isola-dcnnenic que se coloca na origem de todos os fenómenos pró-prios da vida e de todos quantos são próprios da sociedade. ParaWallon, pelo contrário, a explicação reside na incessante acçãorecíproca entre o ser vivo e o seu meio.

Também aqui se deve evitar um mal-entendido que se en-contra na; origem de numerosas controvérsias.

Evidentemente, Wallon não nega a existência de factoresfisiológicos que podem ser estudados à parte. E, bem entendido,admite um plano de realidades sociais que ultrapassa o indíví-duo, tanto no tempo como no espaço.

Mas se se tratar do plano psicológico, então é preciso com-preender devidamente que o indivíduo não é uma adição, umajustaposição de factores biológicos e sociais.

Numa resposta a Piaget que o acusava, desta vez, não deorganicismo, mas de sociologismo, Wallon escreve: «Jamais

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pude dissociar o biológico do social, não porque os creia redu-tíveis um ao outro, mas porque me parecem no homem tão es-treitamente complementares desde o nascimento que é impossí-vel encarar a vida psíquica de outro modo que não seja sob aforma das suas relações recíprocas».

Esta dialéctica das relações aparece mais claramente aindaquando, na idade de dois ou três meses, a criança começa adirigir-se às pessoas que a rodeiam não apenas por intermédiode gritos relacionados com as suas necessidades materiais, mas.também por sorrisos que são os primeiros laços afectivos com omeio, por toda uma mímica que é uma linguagem antes da lin-guagem. :m na observação desta comunhão afectivacom aspessoas que a rodeiam e, particularmente, com a mãe, que Wal-lon elaborou a sua teoria da emoção que é um dos aspectos maisimportantes da sua obra, um dos mais belos êxitos do pensa-mento marxista.

Nas teorias clássicas que estudavam a emoção, sobretudono adulto, a emoção era considerada acima de tudo nos seusaspectos negativos, nas suas perturbações da actividade motorae intelectual. Ao estudá-Ia nas suas origens, na criança pe-quena, Wallon mostrou que a emoção tinha funções positivas ede importância fundamental.

Em primeiro lugar, a emoção realiza, num plano novo desocialização, uma união estreita, uma simbiose da criança como seu meio. «Pelas emoções, escreve Wallon, a criança pertenceao seu meio antes de pertencer a si mesma». As emoções sãoum meio de comunhão efectiva, mas são também um sistemade expressão, de comunicação. O paradoxo da emoção consisteem ser simultaneamente um factor de perturbação, de confusãoe a condição primordial, o começo da vida intelectual, poisconfronta a criança com outrem num jogo de alternâncias.

Não teria sido possível chegar à descoberta que exponho,aliás, empobrecendo-a consideravelmente, sem observar a emo-ção nas suas origens, isto é, na criança; e sem admitir - o que

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nos é possibilitado pelo método marxista - uma lógica da con-tradição.

A teoria da emoção conduz-nos muito naturalmente à noçãode consciência, a qual é, sem dúvida, a pedra angular de todosos sistemas psicológicos, assim como de todas as ideologias.Ê sabido que sob a influência daquilo que se chama o behavio-rismo, doutrina de origem americana e de inspiração positi-vista, a noção de consciência foi excluída durante muito tempodas pesquisas em psicologia de laboratório. Wallon, numa al-tura em que esta atitude prevalecia nos meios científicos, tantoem França como no estrangeiro, teve o mérito de rejeitar umatal condenação da consciência. «Seja qual for a necessidade dereagir contra o papel tendencioso que o idealismo tenta fazer-lhedesempenhar à custa da realidade cientificamente conhecível, épreciso, não obstante, admiti-Ia como uma: realidade entre todasas outras. Ela pressupõe um sujeito que sente, conhece, deli-bera, decide e em função do qual actuam em leis das suas diver-sas actividades»,

Também aqui encontramos em Wallon os dois aspectoscomplementares de uma crítica negativa e positiva. Contra oidealismo, nega à consciência e à introspecção a pretensão denos dar uma imagem fiel das coisas e menos ainda da nossavida íntima. Contra o positivismo, mantém que a consciênciaé uma realidade sem a qual a psicologia não passa de uma somade 'cegas constatações.

E, ao longo da sua obra, desde o livro intitulado Les Ori-gines du caractêre chez l'enfant até aos seus últimos artigos,esforçou-se por mostrar como emergia a 'consciência, quais eramas suas condições materiais, através de que contradições e deque flutuações se desenvolvia, por um lado na criança, por outrona história das civilizações e através das lutas sociais.

Falávamos há pouco das primeiras manifestações emotivasda 'criança. «Essa é, para Wallon, a primeira fase por onde passaa consciência da criança».

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Como é evidente, a primeira condição material da 'cons-ciência é a maturação do sistema nervoso. Mas ela é, em últimainstância, o resultado das trocas contínuas de ordem afectiva,motora, verbal, intelectual entre a criança e aquilo que a rodeia.E numa confrontação perpétua com os seres e com as coisasque a criança adquire pouco a pouco uma imagem de si mesma.E num mesmo esforço que se delineiam, a partir da confusãoprimitiva, a consciência de si mesmo e a consciência de outrem.

Também aqui não há a passagem de uma individualidadefechada a um ser socializado, mas antes uma construção solidá-da da individualidade e da sociabilidade.

Devo pedir desculpa por, ao mesmo tempo, ter sido tãolongo e ter feito uma exposição tão sistemática da obra de Wal-lon. As duas exigências de brevidade e de fidelidade não eramelemodo algum conciliáveis.

A minha exposição da obra de WaIlon não deu certamenteuma ideia exacta da sua riqueza, da sua originalidade e, devoacrescentar, da sua dificuldade. Wallon não é um autor fácil.E isso não acontece por utilizar palavras difíceis, termos téc-nicos. ~ que ele obriga-nos a pensar em termos dialécticos.

O próprio movimento da sua frase, o movimento da suaargumentação são já para nós uma exigência de conversão,uma violência contra a confortável preguiça dos nossos hábitos,dos nossos preconceitos. WaUon nunca sacrifica a complexidadede um problema à aparente clareza de uma exposição.

Em suma, Wallon é marxista em todos os rodeios, em todosos pormenores do seu pensamento.

E que representa esta atitude para um cientista? O próprioWallon nos responde a esta pergunta num artigo publicado háalguns meses: «O conhecimento do materialismo dialéctico per-mite descobrir ou explicar as formas variadas da causalidade:conflitos autogéneos, resolução de contradições, acções recí-procas, etc. Ele é tanto mais necessário quanto mais o objectode estudo oferecer relações mais complexas, mais encadeadas,

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I mais subtis, mais frágeis, mais variáveis entre factores de as-pectos mais heterogêneos, como é o caso da psicologia, a qualé a charneira entre as ciências ditas da natureza e as ciênciasditas do homem».

Por conseguinte, o materialismo dialéctico é um método detrabalho, não um conjunto de dogmas.

O materialismo dialéctico não é uma dialéctica verbal, ummalabarismo de palavras-chave, mas a descoberta activa da dia-léctica das coisas.

O marxismo, enfim, é o bom-senso. Mas o bom-senso dohomem novo, do homem de amanhã - um bom-senso que aindanos não é familiar. Ora Henri Wallon possui este bom-senso.

Eis porque a sua obra é ao mesmo tempo tão desconcer-tante, tão perturbante, mas espantosamente luminosa quandoconseguimos finalmente 'compreendê-Ia.

Este homem, este camarada ao qual exprimimos esta noiteos nossos sentimentos de afeição e de admiração, é não apenasum grande cientista como um precursor. Nos tempos que hão-devir, e que espero próximos, as suas ideias darão todos os seusfrutos.

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CAPITULO IX

QUEM É HENRI WALLON ...

Carta aos psicólogos americanos

Ele é por excelência :o psicólogo da infância. Assim seafirma hoje em dia em França o renome de Henri Wallon, fale-cido em 1962 com a idade de oitenta e três anos.

Em França, mas também quase ao mesmo tempo na maio-ria dos países da Europa (Itália, Espanha, URSS, Polónia, Hun-gria) e na América Latina. A~ suas obras estão aí traduzidas,pelo menos parcialmente, e são-lhe consagrados artigos, livros,teses de doutoramento.

Resta a Henri Wallon .um universo a conquistar, o domundo anglo-saxónico, fora do qual - é preciso reconhecê-lo -não há, neste fim de século, verdadeira consagração. Para todoo psicólogo de língua francesa, a dificuldade de conquistar aAmérica não deriva apenas, nem mesmo principalmente, doobstáculo da língua. Provém da auto-suficiência do universoanglófono. Provém também, talvez ainda mais, da desconfiançados americanos em relação às ideias gerais, ao tom filosóficodos autores franceses. Ora, deste ponto de vista, Wallon é tipi-camente francês, tanto quanto o podiam ser os homens da suageração. Foi a partir de uma formação filosófica, de uma cul-

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tura filosófica extremamente sólida, que se empenhou em dis-sipar as ilusões da filosofia. No entanto, é preciso assinalar queos seus próprios compatriotas levaram bastante tempo a reco-nhecer o génio de Wallon.

A lentidão deste reconhecimento corresponde, talvez, nassuas razões profundas e com um inevitável desfasamento tempo-ral, à lentidão do amadurecimento do seu pensamento, e estaprópria lentidão deve-se ao método que Wallon inaugura parao esclarecimento da psicologia genética. Os primeiros artigosde Wallon datam de 1913, mas já tinha quase cinquenta anosquando apareceu, em 1925, L'Enfant Turbuleni , o seu primeiroescrito original, e será preciso esperar ainda quase uma dezenade anos para que se afirme em Le« Origines do caractére chezl'enf amt todo o seu poder inovador. É nesta obra, publicada em1934, que se encontra formulada a teoria das emoções, a trave--mestra da sua psicologia genética, a qual inspirará alguns anosmais tarde René Spitz quando este procura interpretar os efei-tos da perda da mãe na criança de mama. Contudo, este livro nãotem a elegância de apresentação ou a lógica de demonstraçãosusceptíveis de seduzir um leitor apressado: trata-se de umarecolha de artigos e de conferências feitas na Sorbonne no de-curso dos anos precedentes.

Les Origines du caractêre, esse primeiro grande livro con-tinuado em 1945 por Les Origines de la pensée chez l'enjomi,não tem apenas o mérito de esclarecer de forma nova a géneseda vida emocional, é também uma perfeita ilustração do tra-balho walloniano, da força de penetração deste trabalho, mas, aomesmo tempo, das dificuldades que pode apresentar para o leitor.Tem-se afirmado com frequência que a dificuldade de ler Wallonderiva do seu estilo. Dificuldade com a qual se defrontaria nomea-damente o tradutor de uma língua estrangeira. Na realidade,não se trata de uma dificuldade de ordem formal. O tradutorque compreendesse bem Wallon não teria, creio, qualquer difi-culdade particular em transpô-Io para uma outra língua, nomea-

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damente para o inglês. A dificuldade provém do facto de que,em Wallon, o estilo desposa os meandros do pensamento, e opensamento esforça-se por aderir ao real, às suas ambiguidades,às suas ambivalências, às suas contradições. O que não significa,aliás, que Wallon se interesse apenas pelas aparências, como ofaria um fenomenólogo. Efectivamente, para ele, trata-se deexplicar e não apenas de descrever. E, por outro lado, para ele,8J ciência nunca é um decalque da realidade; é, evidentemente,uma construção. Mas a explicação, quer seja de ordem intrapsí-quica, quer em referência com as condições de existência, deveevitar a tentação de redução. É uma atitude metodológica vá-lida a todos os níveis, em todos 00 domínios: não começar porreduzir a diversidade dos indivíduos e das condutas em funçãode um princípio explicativo que poderia ser-lhes comum, mas,pelo contrário, começar por acentuar as diferenças; não reduzirdemasiado rapidamente as contradições sob o pretexto de queelas têm a ver com os jogos ilusórios da linguagem, poispodem derivar também da própria natureza das coisas; nãoreduzir o plano psíquico às suas condições de existência, emborao conhecimento destas condições, tanto biológicas como sociais,seja um momento absolutamente necessário da explicação.

É preciso admitir, por hipótese, que as diferenças, as con-tradições, as emergências evolutivas não são apenas para expli-car mas que também podem ser explicativas. Escamoteá-Ias, éempobrecer a nossa visão das coisas, é deter a explicação a umnível irrisório. Assim, Wallon lutará durante toda a sua vidaem duas frentes: por um lado, contra os filósofos da existên-cia que, para evitar a redução, se recusam a qualquer explicação;por outro lado, contra os psicólogos ocupados num trabalho desimplificação lógica, de formalização. E nada ilustra melhoreste combate que a disputa prosseguida durante mais de trintaanos entre Wallon e Piaget, onde vemos oporem-se, reforça-rem-se, precisarem-se, duas atitudes radicalmente distintas.Piaget, tentando, aliás em conformidade com o seu próprio tem-

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peramento, advogar a complementaridade das obras de ambos;Wallon procurando, bem entendido, aqui como em qualqueroutro lado, acentuar as irredutíveis diferenças.

:m evidente que a perspectiva walloniana não atribui à expe-rimentação um lugar privilegiado. Esta não passa de um mo-mento completamente secundário da investigação psicológica.Por gosto e pela sua formação médica, Wallon é acima de tudoum observador. Um observador, por um lado, impelido à deci-fração do desenvolvimento humano pelas coacções das condi..ções orgânicas e, por outro lado, orientado por toda! a sua sensi-bilidade pessoal para a compreensão da relação com outrem.Por um lado, destaca vigorosamente a noção de maturação ner-vosa, condição necessária de toda a aprendizagem, como, aliás,o faz ao mesmo tempo nos Estados Unidos, Arnold Gesell, re-mando contra a maré do behaviorismo. Por outro lado, na filia-ção directa de J. M. Baldwin, e como precursor dos teóricos davinculação, considera primitiva e primária a necessidade deoutrem e as suas análises visam compreender como a partir deum estado original de indiferenciação se vão construir solida-riamente a imagem de si mesmo e a imagem de outrem, o socius.Assim, a seu ver, o psiquismo cria-se pela maturação, que éduração, pela relação com outrem, que é história e sem que sepossa negligenciar uma ou a outra - sem que possamos, tam-bém, satisfazer-nos com este esquema geral. Pois cada indivíduorealiza-se no decurso de uma história e das relações que lhe sãopróprias, mas a sua história depende também da velocidade dematuração, da sua particular compleição psicomotora: umacriança hipotónica, por exemplo, não está predisposta para asmesmas modalidades relacionais, nem talvez para o mesmoestilo de inteligência, que uma criança hipertónica. Em França,sem dúvida, Wallon é o autor que contribuiu mais consideravel-mente para definir o psiquismo na-e-pela-relação, mas nada émais estranho à sua concepção que a psicologia actualmente

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em moda que fez da «relação» um absoluto, isto é, um princípiometafísico. A relação afectiva, por si mesma, é relativa às suascondições de existência tanto biológicas como sociais.

t-

A motricidade e a consciência são os dois polos entre osquais se poderiam classificar as diversas concepções da psico-logia. A dialéctica de Wallon consiste em solidarizar o que apa-rece à primeira vista como inconciliável: pela sua teoria da emo-ção, opera a junção entre motricidade e representação, tentafranquear a passagem entre orgânico e psíquico. «O movimento,diz ele, não é um simples mecanismo de execução ... no seuaspecto tónico-postural, é a emoção exteriorizada». «Cada umaà sua maneira, as emoções respondem a variações do tónus tantoperiférico como visceral». Expressão de si mesmo, a emoçãotorna-se rapidamente expressão para outrem. Funcionalmente,é comunhão e comunicação, uma linguagem antes do verbo.E será sempre «aquilo que solda o indivíduo à vida social, peloque aí pode haver de mais fundamental na vida biológica». Noentanto, a oposição habitual entre emoção e representação sóabarca um aspecto da vida emocional. É certo que a primeirafunção da emoção consiste em unir, em confundir os indivíduosentre eles pelas suas reacções mais íntimas, mas «esta confusãodeve ter como consequência as oposições e os desdobramentosde onde poderiam gradualmente surgir as estruturas da cons-ciência».

Daqui se deduz tudo quanto opõe o ponto de vista de Wallonao de Piaget. Este último analisa a gênese da lógica, ao passoque Wallon analisa a génese do homem nas suas relações ini-ciais com os outros homens. Para Piaget, a socialização dacriança é um processo intelectual, a conquista da reciprocidadedos pontos de vista, a partir do autismo e do egocentrismo. Para~ a socialização mergulha as suas raizes na emotividade,na _~r~_on~!idade global. Wallon interessa-se principalmen tepela representação," pelas tomadas de consciência. Piaget con-

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sidera a operatividade, isto é, a acção sobre as coisas e os sím-bolos das coisas.

:E indubitável que os dois autores identificam um mesmoperíodo nos primeiros tempos da vida, e ambos o descrevemem termos de motricidade. Mas .Eiaget designa-o -~Q!l]~J~~ríododa _intel igência sensorirnotora, ao passo que Wal~C?!!-.fof~. aexpressão de inteligência das situações. JA motricidade de quefala Piaget concerne à conquista dos objectos físicos, ao passoque Wallon se interessa pela atitude motora, pelas posturas--signos que integram a criança no seu meio e lho tornam com-preensível. Serão os dois pontos de vista conciliáveis ou mesmocomplementares? :Ir; o que Piaget tenta estabelecer num artigopublicado em homenagem a WalIon pelo seu 80/ aniversário (1).Quero crer que o artigo de Piaget não era uma simples delica-deza de circunstância, que a sua confissão de ter sido incom-pleto nas suas análises era mais do que a galantaria de uminstante: urna vez que, nos anos que se seguiram, ele mesmoretomou o estudo da representação e da imagem. Quanto aWallon, a morte selou o seu destino antes de ter podido r_e§~-der ao convite do seu velho amigo e adversário. Sei apenas quese mostrou muito sensibilizado pela homenagem de Piaget. Pelaprimeira vez, Piaget dizia que compreendera finalmente a jus-tiça de certas censuras que Wallon lhe fazia. Pela primeira vez,Wallon admitiu sem dúvida que se poderia lançar uma ponteatravés das suas discordâncias. Mas permanece o facto de queo génio de cada um se define por contraste com o génio do outro.

o génio de WalIon consiste em ter introduzido na psico-logia a noção de duração concreta. Não é certamente o único,nem mesmo o primeiro, a tê-Ia mencionado. Bergson, nomeada-mente, que foi seu professor na Escola Normal Superior, é umfilósofo da duração. Mas precisamente o que Wallon censura a

(') Cf. este artigo reproduzido em posrácío, p. 163.

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Bergson é O ter feito da duração um princípio metafísico, umnovo absoluto. Não há dúvida que Bergson tinha razão ao dizerque a nossa inteligência habitual se mostra inapta a apreendera duração. Para ultrapassar a negação da duração pela inteli-gência, a solução reduz-se a negar 'a própria inteligência. Destaforma, os problemas reais colocados ao século XIX pelo evolu-cionismo e pelas mudanças revolucionárias da sociedade levama uma renovação do misticismo. Para escapar ao erro de Berg-son e de toda a sua descendência, para encontrar outra saídaalém da sua, é preciso compreender que a duração em si nãoexiste. O que existe, não é a duração, são coisas que duram)isto é, que se desenvolvem, que se transformam.

A duração, nomeadamente quando se trata do desenvolvi-mento da criança, ELª}en~a transformação ~~ estruturas orgâ-nicas, é também, .por conseguinte, a. modificação gradual ou~01~êa~.qu;:~titativa Ol} qualitativa, da~~~~aç_ões. com o meio,são os conflitos de onde saiem novas ~ºrmas_de equillbrio, aemergência de novas maneiras de ser, é, um belo dia, a -dura-ç~o_gu~ se transcende a si mesmapelas actividades da memóriae da imaginação, pela construção do conceitodetempo. ~ impor-tância que Wallon 'atribui à maturação e à tonicidade ilustrabem o que é para ele a materialidade de toda a duração; talcomo a dialéctica da duração é sublinhada pelo termo prelúdiosque emprega tão frequentemente ao analisar as origens docarácter e do pensamento. Remontar às origens, para ele, é pro-curar não necessariamente uma forma embrionária, mas umcomportamento que pode ser de uma outra ordem, e mesmoem aparente contradição com o comportamento a explicar. Oprelúdio é verdadeira emoção, aquela que é relação com outrem,são os gritos, os choros, as gesticulações que só exprimem sen-sibilidades internas; o prelúdio à imitação, à cópia mais oumenos intencional de um modelo, é o automatismo do eco ou domimetismo; um dos prelúdios à actividade de definição, é aresposta tautológica.

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Na' sua própria evolução, a psicologia walloniana chegaassim ao que se designa como materialismo dialéctico. Mas tam-bém aí, Wallon desvia-se dos esquemas habituais. Ê significa-tivo que durante muito tempo os comunistas tenham mostradoalgumas reticências em reconhecer Wallon como marxista.O empenhamento político de Wallon (aderiu ao Partido Comu-nista em 1942, isto é, sob 'a ocupação alemã) varreu sem dúvidaquaisquer reservas a seu respeito. Não obstante, os mal-enten-didos podem subsistir e mesmo amplificar-se. O materialismodialéctico, consoante é entendido como um método de pensa-mento ou como um rótulo ideológico, explica ao mesmo tempoa dificuldade em assimilar Wallon e o êxito que encontra actual ..mente junto de certos psicólogos em busca de uma crença, deuma escola. A expressão de ideologia marxista era para Walloncontraditória nos seus termos. E eu, pela minha parte, acres-centaria que falar de wallonismo seria trair fundamentalmenteWallon. Não foi por acaso que ele acolheu no seu laboratórioos mais diversos espíritos. Tinha um tal respeito pela sua indi-vidualidade, pela diversidade das suas perspectivas, dos seuspontos de vista, que nos proibia mencionar o laboratório aopublicarmos os nossos artigos. «O nosso laboratório, dizia, nãoé uma estrebaria de corridas». E também: «Não somos umacapela».

O facto das suas descobertas confirmarem no domínio dapsicologia os princípios metodológicos enunciados por Marx eEngels, reforçava nele a convicção de que os nossos trabalhosnão podiam conduzir à coerência de um sistema. O materialismodialéctico, tomada de consciência das tentativas eficazes daciência e permanente vigilância contra toda a ideologia, sóadmite um único postulado: a crença no mundo exterior. Quantoao resto, trata-se apenas de uma direcção de pesquisas, de umainvestigação atenta à desconcertante lógica de tudo quanto vive,!se desenvolve e morre. O respeito pelos factos, que, aliás,comanda 'a nossa acção, é um corolário da crença no mundo

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exterior. Uma dialéctica verbal, que se serviria da contradiçãocomo de uma receita, seria muito mais nociva que a lógica clás-sica, pelo menos válida a um certo nível de aproximação. A dia-léctica marxista é função do real. E nada custa mais para ocientista, tal como para o indivíduo na sua adaptação quoti-diana, que o exercício desta função. Repito-o e insisto: assimse explica, em última análise, creio, a dificuldade da obra wallo-niana. O marxismo não é a trombeta de Jericó.

Por mais judiciosa que seja a escolha dos textos de Wallonaqui reunidos, por mais fiel que seja a minha apresentação dohomem com o qual trabalhei durante um quarto de século, émais que evidente que o leitor americano só terá de Wallono retrato parcial e esquemático de um autor que é impossívelesquematizar. Possa esse retrato, verdadeiro ou falso, ser sufi-cientemente atractivo ou estranho para despertar no leitora curiosidade de conhecer o modelo. Possa a publicação destestextos criar a necessidade de uma tradução das obras funda-mentais de Henri Wallon.

Há quarenta anos, ao voltar dos Estados Unidos, esforça-va-me por fazer conhecer em França os psicólogos americano»e, nomeadamente, Arnold Gesell, com o qual aprendera, no des-lumbramento de um olhar novo, a observar meticulosamente a6crianças da mais tenra idade. Com a colaboração de vários dosmeus colegas de então, nomeadamente de Irêne Lézine, e oestímulo de Henri Wallon, empreendemos a tradução das prin-cipais obras de Gesell e a adaptação francesa da sua escala dedesenvolvimento. Assim, também, se lançava uma ponte entreo laboratório Wallon e o Centro de Pesquisas de Gesell.

No termo da minha carreira, imagino com os Estados Uni-dos um efeito de retorno, uma espécie de [eeâ-back. O que fizoutrora por Gesell, meu primeiro patrão, espero que os colegasamericanos possam agora fazer por Wallon. E sentir-me-ia felizpor ter contribuído para isso, por pouco que fosse.

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CAPITULO X

RETRATO DE HENRI WALLON

Escrevi demais, falei demais sobre a obra de Wallon semnada dizer acerca do homem que ele foi. :m e1epróprio que hojepretendo encontrar. Aliás, para mim que o 'conheci durante maisde trinta anos, será possível expor as suas ideias de formaabstracta, impessoa'l? Com efeito, é algo completamente dif-e-rente para a compreensão de uma obra tê-Ia podido apreender,dia após dia, na sua criação, no seu desenvolvimento, indisso-luvelmente associada ao rosto do seu autor, de forma tal quea trama desta obra parece ao mesmo tempo, estranhamente,necessária e contingente. Melhor ou pior compreensão? Não sei.Provavelmente, será consoante a força interna da obra e a nossaprópria força.

Em todo o caso, a minha compreensão de Wallon é feitatanto de simpatia 'comode razão. Os seus escritos falam-me coma sua voz, com a entoação da sua voz que eu sei, em tal palavra,em tal frase, em tal argumento, hesitante ou peremptória. Nãoposso meditar sobre a sua obra sem o ouvir, sem o ver.

No entanto, quando tento encontrar, no decorrer dos anos,a correspondência do seu pensamento e do seu rosto, não oconsigo. O pensamento de Wallon, ao amplificar-se de uma paraoutra obra, faz com que eu sinta que estou a segui-Io sem rup-

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tura, na sua 'continuidade. Mas do próprio Wallon só guardoimagens descontínuas, a da maturidade e a da velhice. É umpouco como o que se passa quanto aos sucessivos retratos deVictor Hugo, entre os quais nos é impossível estabelecer qual-quer filiação, por exemplo, encontrar na fotografia do exiladode Jersey a figura romântica gravada por Deveria.

Não percebemos a lenta duração da vida, no que res-peita aos outros ou a nós mesmos. Neste aspecto, não somosdiferentes das crianças. A duração, real ou imaginária, encon-tramo-Ia, reconstruímo-Ia através do próprio movimento donosso pensamento, e tanto mais facilmente quanto não formosperturbados pela fascinação de estádios demasiados concretos,de recordações demasiado vivas. Deste modo, podemos recons-tituir o desenrolar de uma obra, de uma vida, mas nunca ametamorfose, o envelhecimento de um corpo, de um rosto.

A bem dizer, raramente nos apercebemos desta desconti-nuidade da recordação e, quando a constatamos, somos tran-quilizados por uma profunda convicção de identidade e de con-tinuidade. É o mesmo homem que se encontra por detrás damultiplicidade dos seus rostos, dele é o mesmo olhar que nosliga, um olhar que não pode envelhecer. Juntos, matámos otempo.

O seu olhar, acabo de escrever estas palavras e, brutal-mente, encontro-o.

Uma noite de Inverno, o seu último Inverno. Wallon imó-vel, fixo, na sua poltrona. Sobre a secretária, papéis, revistas, asua máquina de escrever. Â sua volta, alguns amigos, os seusalunos, os seus colaboradores. Discutimos. Escuta-nos. As suasmãos poderosas, onde brilham alguns pêlos ruivos, parecempresas aos braços da poltrona. A sua cabeça, 'ligeiramente incli-nada, não faz um único movimento. Mas o seu olhar vai de uminterlocutor para outro. Tudo quanto lhe resta da vida refu-giou-se neste olhar, neste rosto. Rosto colorido, quase rosado,sob a doce auréola dos cabelos brancos. Rosto que um frémito

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percorre de tempos a tempos como uma vaga de emoção. Volta-mo-nos para ele, buscamos a sua opinião. Hesita. Como se pro--curasse as suas palavras e a sua voz. Fala. A sua voz débil cfrágil torna-se mais firme. Muito simplesmente, modestamente,dá a sua opinião, examina os nossos argumentos, pouco a poucoordena as nossas ideias. Com um gesto comedido, a sua mãoergue-se ...

Tão diferente e, contudo, tão profundamente semelhante aohomem que vi, que ouvi pela primeira vez há um terço de século.Mil novecentos e vinte e nove. Vagueio de um curso para outronos corredores da Sorbonne, à procura de não sei quê. Entro noanfiteatro Guizot. Por acaso ou por curiosidade. lil uma quinta--feira à tarde. O anfiteatro já está à cunha, alguns minutosantes de começar a aula. Fico de pé, sobrepujando a multidãoruidosa dos estudantes. Toca a sineta e, imediatamente, junto dacátedra, abre-se uma porta para deixar passar o professor. Numpasso rápido, encaminha-se para a imensa mesa onde brilha oquebra-luz verde de uma 'lâmpada. Não tenho tempo de mepreparar, de me orientar, de mudar progressivamente as veloci-dades. Wallon já está lançado. Sem frase de introdução; semuma tentativa de estabelecer contacto 'com o público, entra noâmago do assunto, como se reatasse o seu discurso a partir daúltima palavra da sua última lição, e sem mesmo se sentar. Estáerecto, tenso, com as pontas dos dedos apoiadas na mesainundada de luz. Fala. A voz está colocada alto. O seu discursoé denso, rápido. O tom é igual, sem inflexões, sem pausas cal-culadas. Wallon não é um orador e não procura sê-lo, A suafrase é destituída de atractivos e não utiliza qualquer dos arti-fícios que captam habitualmente um auditório e, no entanto,o auditório está conquistado, a julgar por mim mesmo e pelosilêncio que reina agora no anfiteatro. Isso acontece sem dúvidaporque a total simplicidade da sua fala, a sua ausência de arte,

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nos pgõe em contacto directo com o seu pensamento, talveza 'emoção secreta dê a este pensamento uma força insuspeitadade penetração.

Mais tarde, muito mais tarde, quando Wallon me desaeon-selhar a utilização do artifício tipográfico, do itálico, por exem-plo, para destacar uma ideia, terei uma explicação ou uma justi-ficação do tom que empresta às suas lições: a força da sua argu-mentação, dir-me-á ele, deve bastar por si mesma, e depois,quando expuser os factos, é preciso que deixe ao seu leitor umacerta liberdade de vê-Ios, de organizá-Ios de um modo diferentedo seu. Ao sublinhar uma frase, um argumento, corre o riscode fixar o seu texto, de privar o leitor da sua liberdade deinterpretação.

Mas, de momento, neste primeiro encontro, eu não saberiaque fazer desta liberdade. Não é de ideias que me apercebo,não seria capaz de tal, mas de palavras, de um estilo e, atravésdesse estilo, é um homem que adivinho. Esse grande homemruivo que me choca pela sua espantosa juventude. Embora asrecordações que guardo desse dia tenham sofrido uma lentametamorfose, de modo que têm para mim a cor indecisa dosonho, esta impressão de juventude é demasiado viva, dema-siado brutal para que possa, neste aspecto, duvi-dar da minhamemória. Juventude da voz, juventude do comportamento. Aliás,ó nessa altura que descubro com espanto que os adultos podemser jovens. Henri Wallon tem precisamente cinquenta anos. Euainda não tenho vinte. Encontro-me naquele limiar da vida emque a perspectiva das idades se modifica bruscamente, Aindamal terminada a infância, dizemos então para connosco queas pessoas parecem mais jovens que a sua idade, e essa é umaconstatação tão frequente que se torna insólita. Isso deve-se,sem dúvida, ao facto de já não serem como o eram alguns anosantes os sinais e a significação da juventude. Quando crianças,dávamos à juventude o rosto da infância, uma simples aparên-cia externa; como adolescentes, descobrimo-Ia em nós, depois

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fora de nós, na disponibilidade, no entusiasmo, na sinceridadeque 'animam um rosto. Então, aquele que possui esta qualidadeespiritual da juventude, conservando todo o prestígio do adulto,tem vocação para modelo e mestre.

Neste primeiro dia, é assim que me aparece Henri Wallon.E esta imagem de Wallon, esta «idéia» mais forte que o tempo,jamais se apagará.

No entanto, que conservo do que disse? A que ligá-I o? Nãoli nada dele. Sei apenas que professa opiniões heréticas, tantoem psicologia como em política. Em política, no plano das nos-sas acções estudantis, I. Meyerson, então assistente na Facul-dade de Letras, está muito mais próximo de nós. Em psicologia,pouco conheço e, aliás, sob o império de Bouglé e de Fauconnetoptei pela sociologia contra a psicologia. Proclamo-me durkhei-miano e rejeito a psicologia. Mas a reputação de Wallon é a deum organícísta. O organicismo é ainda uma maneira de negara psicologia. Então, a partir de um mal-entendido, desta reputa-ção falsa e malévola, estou prestes a tornar-me seu partidário.

Aliás, como poderia eu saber que o tecido apertado dassuas frases, onde talvez me embaracem termos estranhos debiologia, é a matéria do que se tornará alguns anos mais tardea famosa obra sobre les Origines du caractêre't

Assisto ao nascimento de uma obra, uma criação magistralque modifica as perspectivas da psicologia. E nada sei a seurespeito. Muito ingenuamente, observo um homem a dar a sualição e este homem agrada-me.

Será cinco ou seis anos mais tarde, quando este cursoaparecer nas livrarias, que descobrirei o seu significado, e muitomais tarde ainda, na verdade não há muito tempo, que sabereisituá-lo na génese do seu pensamento. O curso sobre les Origi-nes du coractêre chez lJenfant segue-se a l'Enfant iurbuleni, é oseu prolongamento, ou, melhor dizendo, o seu desenvolvimento.E l'Enfant turbulent, apresentado em 1925 como tese para o

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doutorado em letras, se não ouso dizer que é um começo abso-luto na obra de Wallon, parece-me, pelo menos, assinalar o iní-cio da era walloniana em psicologia.

Um primeiro livro (se pusermos de parte a tese de medi-cina sobre Le délire de persécuiion, publicada em 1909). A pri-meira formalização, a primeira elaboração de um pensamento,de uma tese, no sentido mais completo da palavra. Aliás, o títulocomercial deste livro limita a sua verdadeira intenção e chegaa traí .•la. O subtítulo é mais satisfatório: «estudo sobre osatrasos e as anomalias do desenvolvimento motor e mental».Mas ainda peca por modéstia. É 'certo que são unicamente crian-ças anormais que fornecem a Wallon as observações por meiadas quais a tese é construída. Mas a construção ultrapassa delonge a psicologia patológica. Esta é sobretudo um método deaproximação para atingir as leis gerais do desenvolvimento.A descrição dos sindromae psicomotores, que constitui a se-gunda parte da obre, esboça, com um efeito de ampliação emque a análise das causas, aliás, é mais fácil, tipos observáveisem sujei tos normais, dizendo, desde a primeira linha da intro-dução, da intenção de reformular o problema muito geral dasrelações entre a actividade mental e o movimento. Quanto àprimeira parte, o rodeio pela patologia leva efectivamente arevelar os primeiros estádios do desenvolvimento normal dacriança. E é então que Wallon anuncia, logo de uma forma com-pleta e perfeita, a sua concepção da emoção, sem dúvida a pri-meira e fundamental peça de toda a sua obra. Por conseguinte,em 1925, e num trabalho que se apresenta inexactamente comouma psicologia da criança turbulenta, o que se propõe é umasolução para o problema-chave das relações entre motricidade,emoção e psiquismo. A noção destas relações já era banal empsicologia, mas obscura, confusa, e contraditória de um autorpara outro. Reconsiderando esta noção, desembaraçando-a nasfalsas facilidades do paralelismo e do organicismo tradicional,Wallon libera uma reflexão até então prisioneira de uma lógica

demasiado simples. O que faz, nada menos, é tornar cientifica-mente pensável o que os metafísicos designam como problemadas relações entre o corpo e a alma.

Substituir pela noção de relações recíprocas a de uma cau-salidade unilateral e mecanicista é já um progresso, mas aindanão é ir suficientemente ao fundo das coisas. l1l de implicaçõesque é preciso falar: implicação da sociabilidade futura dacriança nas suas reacções corporais, implicação mútua entreos factores de origem orgânica e de origem social que operamna génese do psiquismo. A motricidade é, na espécie humana,uma função de expressão antes de ser também, mas muito maistarde, uma função de realização. Expressão, quer dizer inter-câmbio, relação com 'Outrem. Pelos seu gestos, pelas suas pos-turas, pelas suas atitudes, a criança, ainda incapaz de nada efec-tuar por si mesma, age sobre o seu meio, e por intermédio do

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seu meio, quando se trata de satisfazer as suas necessidades eos seus desejos. Assim, por encadeamentos extremamente pre-coces - e nesta condição de incapacidade inicial da criança-,o movimento torna-se gesto, o tónus muscular torna-se mímica,isto é, condutas, comportamentos carregados de significaçãohumana. Mas a significação, a eficácia destes comportamentosnão são, evidentemente, de natureza intelectual como o serámais tarde, em grande parte, a linguagem. Têm a ver com aemoção que desencadeia estes comportamentos e que estes com-portamentos traduzem, canalizam, amplificam. A emoção é in-dissociâvel das suas expressões tónicas: posturas, atitudes. E épela emoção que se estabelecem as primeiras relações com ou-trem. Relações de comunhão, de contágio. Mas começa progres-sivamente a estabelecer-se uma distinção nesta confusão pri-mitiva. Pela resistência de outrem, e também por uma espéciede complacência da criança em reproduzir as suas próprias reac-ções emocionais, em ensaiá-Ias, em diversificá-Ias, em dá-Ias asi mesma como espectáculo. Assim, a emoção que inicialmente

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amalgama a criança ao seu meio por intermédio das mais con-fusas, das mais arcaicas sensibilidades, leva um dia à noção deoutrem e à consciência de si mesmo.

E deste modo que Wallon confere à emoção o seu papel nagénese do psiquismo. Antes de se tornar «uma antena entre omundo interior e o estranho», ela é o comportamento primárioem que ainda não existem diferenciações do psíquico e do fisio-lógico, do eu e do outrem, mas que preludia estas diferenciações.

Esta concepção de Wallon, ainda hoje desconhecida pelosfisósofos, essas pessoas, no entanto, que fazem profissão depensar os problemas humanos ao nível mais elevado, assimi-lada imperfeitamente pelos próprios psicólogos, e que por conse-guinte ainda não deu todos os seus frutos, esta reorganizaçãoda psicologia genética é uma obra de maturidade.

Wallon trabalhou longos anos antes de chegar a esta con-cepção e ele próprio a apresenta como o resultado tanto de umamadurecimento como de uma conversão. A tese sobre lJEnfantiurbulent estava já praticamente pronta em vésperas da pri-meira guerra. Todas as observações estavam redigidas, comen-tadas e quase coordenadas em Agosto de 1914. Exactamenteem que perspectiva? Ê provável que jamais o saibamos. O quesabemos, é que depois da guerra em que participou como médicode batalhão, WalIon abandona o seu primeiro manuscrito e reco-meça uma redacção inteiramente nova. Que se passou? Não dizmuito a este respeito no seu prefácio a l'Enfant iurbuleni, a nãoser que o seu trabalho de 1914 já não corresponde às suas actuaisconcepções. Doze anos mais tarde, em 1937, no projecto deensino que redige para a sua candidatura ao Colégio de França,explica-se mais longamento.

E o exame de adultos, feridos de guerra, que vai fornecer aWallon a sua perspectiva de psicologia genética. Ê a constata-ção de perturbações profundas e duradouras, devidas unica-mente à emoção, sem qualquer lesão do sistema nervoso, que vailevá-lo a ultrapassar a concepção estritamente fisiológica da

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emoção e a resolver por essa mesma via as contradições dasdoutrinas clássicas.

Por conseguinte, reforça ao mesmo tempo a análise neu-rológica da motricidade, estudando as perturbações causadaspelas feridas situadas nos diferentes graus do sistema nervoso,e descobre nas expressões emocionais um aspecto que não per-tence à neurologia, nem mesmo à fisiologia entendida num sen-tido mais amplo, mas ao plano das relações inter-individuais:à psicologia. Deste modo, a comparação de duas categorias dedoentes estabelece a complementaridade de dois planos de ex-plicação, e compreende-se então como nasceu em WalIon estaideia segundo a qual os factores biológicos e os factores psico--sociaís estão indissoluvelmente ligados em todo o comporta-mento humano: é a análise da emoção que se encontra na ori-gem desta ideia que é essencial para WalIon.

Os trabalhos anteriores de Wallon consagrados à infânciapreparavam-no para interpretar de forma original as suas obser-vações de guerra e, por efeito de retorno, estas observaçõesiam permitir-lhe fazer incidir uma nova luz sobre os seus tra-balhos antigos. Compreende-se então em profundidade o pro-cesso de comparação e, em seguida, a intuição racional quebruscamente é descoberta: a fase puramente emotiva pela qualpassa a criança é comparada ao mesmo tempo às perturbaçõesde origem afectiva observadas nos adultos, e ao estádio queocupam na sistema nervoso os centros coordenadores dos meca-nismos emocionais. A teoria genética da emoção nasceu e, comela, a ideia directriz e organizadora de toda a obra de Wallon.

Faz quatro anos que esta teoria nasceu, ou pelo menos foipublicada, quando, esta quinta-feira à tarde, escuto Wallon semC' compreender.

Como poderia compreendê-lo ? Outros mais avisados doque eu o não compreenderam ou compreendem-no de través.Habitualmente, os médicos-psicólogos reduzem o espírito ao

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orgânico, ou antes, o que é hoje em dia mais frequente, desem-baraçam-se, pelo contrário, da sua bagagem médica para pro-fessar a psicologia, e praticar a cura pelo espírito com umasegurança doutoral tanto mais contestável quanto é verdadeque só conservam de doutor o título, pois rejeitam como inútilou falacioso tudo quanto aprenderam como médicos.

Assim, não é de admirar que Wallon tenha sido classificado,ora como pertencente ao primeiro, ora ao segundo tipo destesmédicos abusivos. Contudo, não pertence a um nem a outro.Wallon é um homem desconcertante. Define a psicologia comoplano original da realidade e, não obstante o orgânico, para ele,continua a ser a condição material, umas das condições mate-riais do psiquismo. Enquanto psicólogo, ultrapassa a neurologiamas não a nega: integra-a no plano das condutas e confere-lhe,assim, um novo significado.

:m isto a dialéctica. E eu, então apaixonado por Hegel, quegosto de fazer malabarismos com as oposições e as conciliaçõesdas tríades dialécticas, não me apercebo disso, Mas, precisa-mente, em Wallon nada é malabarismo. A sua dialéctica ée-sforço e não um jogo do espírito.

E, depois, na lição desse dia talvez nada haja que me per-mita descobrir Wallon. Mas, nesse dia ou em qualquer outro,Wallon não é um homem que se dá em espectáculo, nem umautor que comenta 'Ü seu próprio pensamento, nem um profes-sor que conduz os seus alunos pela mão. Avança pelo seu difícilcaminho, por desvios ou atalhos, e segue-o quem pode.

Só mais tarde, quando o assistir no seu ensino, terei a ex-plicação ou a justificação desta forma de proceder, tão poucodidáctica, pelo menos na aparência. Estamos em 1937. a pri-meiro ano de Wallon no Colégio de França. Uma delegação deestudantes procura-me para que lhes explique este curso quetêm dificuldade em seguir. Antes de aceitar, dou conhecimentoa Wallon. Meio divertido, meio vexado, mostra-se admirado com

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tal pretensão e proíbe-me claramente que faça esse trabalho deexplicador. Pode ser que pense que n8.0 sou capaz de o fazer.~ demasiado cortês para mo dizer. A explicação que dá paraa sua recusa é completamente diferente: os estudantes devemoperar uma conversão profunda da sua maneira de pensar paracompreender a psicologia. a que os perturba no meu curso, diz,não é a terminologia, para a terminologia bastar-lhes-ia umdicionário, é o seu encadeamento, uma forma inabitual de pôros problemas, de apreender as causalidades, de aceitar e anali-sar as contradições reais com que deparamos em psicologia.a que esperam de si é uma tradução do meu curso na sua lógicahabitual. Seria destruir o que quero ensinar-Ihes. a único mé-todo válido consiste em trabalharem sem tradução. Que sedeitem à água, imediatamente. Ao princípio será difícil. Mashão-de conseguir. Quanto àqueles que não conseguirem nadar,bem, tanto pior: de qualquer forma, não têm muito a perder.Quanto a si, esteja tranquilo. li; uma questão a resolver entre osestudantes e eu.»

Não garanto, literalmente, estas declarações que acabo dereconstituir vinte e cinco anos mais tarde, mas devo confessarque pesaram no meu próprio ensino, criando-me mal-estar, ansie-dade de cada vez que devo falar da obra do meu mestre, comoneste mesmo instante, e desde esse mês de Fevereiro de 1942,em que Wallon, proibido pelas autoridades de Vichy, me encar-regava de o substituir: iniciar gerações sucessivas de estudan-tes no pensamento de Wallon sem o traduzir, sem o trair.

a valor do seu argumento é incontestável, fiz essa expe-riência demasiadas vezes para que o ponha em dúvida. Mas asua forma de ensinar, como, aliás, os temas privilegiados dasua investigação, encontram-se demasiado estreitamente liga-dos ao seu temperamento, à sua sensibilidade, para que nãosejam tidos em conta numa evocação como esta.

Oacontactos humanos, 'a relação com outrem, sempre fo-ram um problema para Wallon, não apenas na sua obra, como

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também, e sobretudo, na sua vida quotidiana. Wallon é umtímido. Mas isso não é dizer muito. Todos nós somos tímidos,há mil maneiras de sê-to, de compensá-Io, e de mascará-Io.

A timidez de Wallon é vibrante de emoção. Não é aqueladesses seres acanhados, fugidios, timoratos, que se abrigamdos olhares e dos golpes. Wallon afronta e ataca. Como emcada lição, quando se precipita para a sua cadeira e, abrupta-mente, se põe a falar. No frente-a-frente com um visitante ounum dia de exame, com um candidato, é outra coisa : procura ocontacto que a sua emoção entrava, tanto mais que é conta-giosa. A palavra torna-se então breve, seca ou, pelo contrário,graças a não sei que imponderável, toda fremente de pudor,quase de humildade.

Quando Wallon descreve a reacção de porte, os paradoxosda emoção, a necessidade e as dificuldades das relações comoutrem, sentimos que o que nos comunica são confissões sobresi mesmo. Então, lamento que ele tenha falado tão pouco acercadas relações entre a personalidade e a personagem. Afirmou-seque o ser humano assume em cada encontro um papel que devevir a desempenhar, e que assim se forma a sua personalidade, asua segunda natureza. Ora, raramente encontrei homem quedesminta tão totalmente esta definição da personalidade. Nãohá papel, não há personagem. Revejo Wallon, ministro da Edu-cação Nacional em 1944, assumindo com uma ingenuidade de-sarmante as suas funções oficiais, deslocando-se a pé para oMinistério, por discrição, para não incomodar um motorista ...No encadeamento das recordações, associação por contraste, afigura de Paul Langevin surge em mim, toda facilidade, urba-nidade, graça sedutora: uma personagem. Langevin, Wallon,dois homens tão próximos um do outro pela inteligência, pelagenerosidade, tão estreitamente amigos, e contudo tão dife-rentes!

Aliás, com a idade, o que havia de anguloso na abordagemde Wallon suavizou-se até desaparecer e, nos últimos anos, das

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antigas atitudes apenas subsistiam o sorriso púdico, afectuoso,e os frémitos, as súbitas colorações do rosto.

Se é verdade que a sua expressão era mais calma, maisserena, o que é facto é que a sua sensibilidade permanecia amesma. Uma sensibilidade por outrem, uma sensibilidade porsi mesmo, uma aguda consciência do mínimo gesto, da intençãoadivinhada ou imaginada, a tensão que uma palavra podia re-solver ou agravar, a oferenda de um olhar e a reserva, a discri-ção e a necessidade de comunhão.

Será um dia aplicada a Wallon a análise que ele própriofez acerca das compleições psicomotoras ? Então, sem dúvida,alguém havia de sugerir que a inabilidade dos seus movimentos,a paratonia das suas atitudes são um reflexo do seu carácter.A explicação seria muito sumária.

O que é certo, e só isso nos importa, é que Wallon viveucom intensidade a complexidade, a perplexidade das relaçõescom outrem e que foi graças a esta experiência, ora dolorosa,ora exaltante, que se tornou o psicólogo que conhecemos.

Foi graças a esta experiência, à sua emotividade vigilante,a este calor e a esta força colhidos nas fontes mais profundasque ele soube, no domínio da psicologia, subverter as antigascategorias intelectuais; não para renegar a razão, nem mesmopara lhe impor limites, mas, pelo contrário, para descongelá-Ia,vivificá-Ia, conferir-lhe poderes ilimitados de conquista.

Depreende-se, assim, que a timidez de Wallon tem comocontrapartida uma inesperada audácia no plano das ideias. Aospsicólogos que procuram a segurança numa experimentaçãodemasiado estreita, ou que fazem um seguro contra todos osriscos por intermédio de minuciosos cálculos estatísticos, eleobjecta a fecundidade das hipóteses. A investigação intelectual,afirma, nunca se pode reduzir à simples aplicação mecânica detécnicas, ainda que intelectuais. Quando, por exemplo, tiverdesconstatado que uma correlação entre duas séries de factos nãoé significativa do ponto de vista estatístico, isso não elimina

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de modo algum a existência de uma relação real. A estatísticasó responde às questões que lhe propuserdes, e nem mesmo ésempre capaz de o fazer.

Wallon tem o gosto do risco, e considera o risco como umanecessidade. Dessa forma, foi, sem dúvida, conduzido 'a afirma-ções contestáveis, por vezes a erros. Mas esse é precisamenteo preço que é preciso pagar, e aceitar pagar, para avançar noscaminhos da descoberta.

Afirmou-se frequentemente a respeito de Wallon que eleé um homem de intuição. E exacto, na condição de não se que-rer sugerir por essa via que nele a inspiração ocupa o lugardo esforço intelectual.

Em todo o caso, como muito bem disse Minkowski, a intui-ção em Wallon não é subjectividade. Os primeiros escritos meto-dológícos de Wallon marcaram uma recusa categórica da pers-pectiva subjectiva em psicologia, uma crítica severa da intros-pecção. A intuição é simpatia, participação afectiva, mas tam-bém força estruturante dos dados objectivos. Wallon explica-seclaramente a este respeito. Se a explicação do indivíduo é oobjectivo do psicólogo, diz ele, se o objecto essencial da psico-logia é a personalidade mais íntima do sujeito, então a descriçãonão poderia consistir no simples agrupamento de caracteres ini-cialmente esparsos e dissociados, A identificação destes carac-teres «pressupõe habitualmente uma espécie de intuição divina-tória que precede a visão clara dos pormenores e que nos incitaa verificar a sua existência». E, por exemplo, um tipo psicoló-gico, muitas vezes, só é 'apreendido na sua fisionomia própria,«por uma espécie de intuição plástica. Aqui, intervém o géniodo observador».

Felizmente, esse génio não exige obrigatoriamente que seseja genial. A intuição é apenas um momento da investigação,mas um momento necessário, quer se trate do diagnóstico indi-vidual, quer da construção de uma teoria. A intuição é prece-dida, preparada, pela experiência,pela reflexão, e deve ser se-

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guida por uma análise escrupulosa. «O contacto sempre ime-diato que o psicólogo deve manter com a realidade concreta nãoé um contacto qualquer. Deve delimitar o objecto próprio dosseus estudos». E é nestes limites que se exercerá a verificaçãoexperimental, eventualmente o controlo estatístico.

Deste modo, a ciência progride, como sob a acção de ummovimento alternativo do pensamento, entre a intuição e li

análise intelectual. Assim, Wallon desconfia de tudo quantopode imobilizar o pensamento, de tudo quanto pareça postulara fixidez do real: a prática dos testes, por exemplo, ou, no do-mínio da biologia, a teoria cromossomátíca da heredit:ariedade.Seria conhecer muito mal Wallon crer que as suas posições con-tra o uso de testes e contra a genética traduzem, por pouco queseja, um conformismo em relação à teoria soviética de umacerta época. Procedem de uma convicção muito pessoal, de umareserva que, aliás, nada tem de dogmático. Deixemos de lado agenética, que não é da sua competência e a propósito da qualteve, aliás, a sensatez de não se pronunciar publicamente, aopasso que tantos outros, até mesmo poetas, se ridicularizaramao amalgamarem ciência e política. Pelo contrário, sobre o mé-todo dos testes, Wallon explica-se repetida e Iongamente, Em-bora o tom das suas explicações varie de um período para outro,consoante se trata de dá-lo a conhecer, por volta de 1930,quando publica a sua Psychologie aqrpliquée, ou quinze anosmais tarde ao combater o seu abuso, a sua atitude fundamentala respeito deste método nunca mudou. Vê nele, como na esta-tística de que é solidário, «um precioso instrumento de investi-gação e de análise». Melhor, o meio de «reconduzir os diferentesaspectos ou aptidões do indivíduo aos efeitos constatados sobrecolectividades ou categorias apropriadas de indivíduos». Semdúvida, acrescenta, testar um indivíduo, é enquadrá-Ia numsistema impessoal de referências, mas não é afogar a sua per-sonalidade nesse sistema. Muito pelo contrário, é pôr «em evi-

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dência índices pessoais que parecem irredutíveis e que atestama originalidade do desenvolvimento próprio da cada indivíduo».

Em conclusão, explica no seu projecto de ensino apresen-tado em 1937 ao Colégio de França, «senti que aos métodos psi-cobiológicos era necessário acrescentar outros, pois as relaçõespsicobiológicas não formam um sistema fechado, mas antesabrem-se sobre possibilidades de existência cujo número e va-riedade aumentam com a diferenciação da actividade humanae as condições de ambiência que esta realiza. O método maisobjectivo e mais concreto de conhecer ia influência destas con-dições [ ... ] !é o método dos testes». E não deixará de utilizareste método na sua consulta de crianças.

Mas o que ele teme, pois constata-o com demasiada fre-quência, é a atitude preguiçosa que acompanha demasiadas ve-zes a prática dos testes, a esclerose da observação, a confusãoentre a realidade e o instrumento da sua descrição, a reduçãoda individualidade a um mosaico de características, à fixidezdefinitiva de um número. E Wallon vitupera a imbecilidade dequem realiza o teste, a demissão do psicólogo.

A audácia e a timidez encontramo-Ias igualmente na vidade Wallon, consoante se trata de compromisso pessoal ou depromoção social, de carreira académica.

A coragem de Wallon tinha algo de provocante e de ingé-nuo: quando, por exemplo, na frente de Madrid, durante aguerra de Espanha, fica de pé sobre um parapeito, recusandoabrigar-se das balas; quando, sob a ocupação alemã, milita naResistência, mas recusa entrar na clandestinidade, ao passoque o seu curso é proibido por Vichy e que receamos todos osdias a sua prisão pela Gestapo. Recordarei sempre a sua reacçãode indignação e de vergonha, o seu rosto subitamente rubori-zado, à minha descrição do desastre de Dunquerque. Quando setem medo não se recua, atira-me ele com uma voz trémula deemoção, foge-se para a frente.

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Não é certamente est-e o género de audácia que mais con-vém para triunfar no meio universitário. É preciso elasticidade,uma certa flexibilidade, uma afirmação de si mesmo que nãodesperte demasiada desconfiança ou inquietação, enfim, um sen-tido estratégico, senão de intriga, de que Wallon estava com-pletamente desprovido. E a sua carreira foi difícil. Os seus ami-gos pretenderam que uma oposição política travou sempre asua promoção. Ê possível e mesmo provável. Mas esta oposiçãoera então tanto mais eficaz quanto Wallon era incapaz de ma-nobrar contra ela. Durante longos anos, permaneceu na Sor-bonne numa posição precária, com um encargo de conferênciasdepois das aulas: não souberam atribuir-lhe uma cadeira.

Foi fora da Sorbonne, nomeadamente graças à combativí-dade de Henri Piéron, seu camarada de juventude, seu amigode sempre, que Wallon pôde mostrar o que valia. Primeiro, naEscola de AItos Estudos onde Piéron fazia integrar em 1927o Laboratório de Ps,icobiologia da Criança, criado por Wallonalguns anos antes, com meios irrisórios, no vestiário desafec-tado de uma escola dos arrebaldes. Depois, dez anos mais tarde,no Colégio de França.

Mas a sua nomeação para o Colégio de França, sabemo-Iohoje, por um recente artigo de Piéron, que foi obtida com jus-tiça. Desde 1935 que a Assembléia do Colégio aceitara Wallon.Mas foi preciso esperar dois anos para que fosse assinado odecreto que permitia a criação da nova cadeira. Piéron escreve:«Wallon, naturalmente, inquietou-se e sofreu com este atrasorevelador de manobras e de intrigas».

Quatro anos mais tarde, em 1941, era a proibição do CUr5:lpor Carcopino, antigo condiscípulo de Wallon e ministro dePétain. O curso recomeçou a seguir à Libertação, mas, em1949, Wallon foi reformado, na idade legal, sem que se ti-vesse em conta os anos perdidos sob a ocupação alemã,

Contudo, a sua carreira de professor parecia dever pros-seguir: por ocasião das Jornadas Internacionais da Infância

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organizadas em sua honra em Paris, em 1950, a Universidadede Cracóvia chamava-o para ocupar uma cadeira de psicologiada criança.

Mas a desgraça atingi-lo-ia terrivelmente. Em 1953, Ger-rn:aine Wallon, sua mulher e colaboradora, morria. Em 1954,Wallon, derrubado por um automóvel, foi condenado, depoisde longos sofrimentos, a uma imobilidade quase total. A umjornalista indiscreto que o interrogava sobre o prolongamentoda vida humana, aliás vários meses antes do seu acidente, Wal-lon respondia com uma certa amargura: «Seria preciso supri-mir a velhice para que, chegados ao termo, nos dissolvessemossem ter de sofrer a enfermidade. E, depois, há o desapareci-mento de todos os próximos, o que é uma coisa muito dura parao homem que envelhece. Então, o prolongamento da vida hu-mana ... »

Só e atingido por um mal muito pior do que poderia temer,perde o interesse pela vida. Contudo, recupera a coragem, reco-meça a trabalhar, pelos seus colaboradores, pelas crianças quelhe são confiadas, provavelmente também porque a fuga nãoestá no seu temperamento e nos seus princípios. Trabalha atéao último dia. :€ numa quinta-feira que adoece. As criançasdevem vir à sua consulta no dia seguinte. A consulta é desmar-cada no último momento. ~ no sábado que Wallon morre. A 1 deDezembro de 1962.

Sobre a sua pequena secretária, tento em vão redigir algu-mas linhas para anunciar o seu falecimento à imprensa; é adesordem viva de um homem que não preparou a sua partida.Na máquina de escrever, uma folha branca repousa: as pri-meiras linhas de um artigo sobre a memória.

Que teria ele dito sobre a memória, sobre o esquecimento,sobre o tecido de que é feita a nossa consciência? O acaso quisque no dia seguinte à sua morte eu encontrasse um texto extra-ordinário, pois parece-me responder à minha pergunta, e tam-bém porque é a imagem mais juvenil de Wallon que ele nos res-

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titui como que miraculosamente: um discurso pronunciado em1903 por ocasião de uma distribuição de prémios, quando Wal-lon é professor de filosofia no liceu de Bar-le-Duc. O texto écom frequência enfático mas não pleno de força, de convicção!«Será, pois, do esquecimento que devemos tecer a nossa exis-tência?, pergunta aos alunos do último ano, prestes a abando-nar o liceu... Será num aniquilamento progressivo que marcha-mos para a nossa última hora? Porquê deixar ao acaso dosacontecimentos o cuidado de fazer ou desfazer a nossa vida?Se, num impulso que nos absorveria completamente, desejás-semos deixar de ser para além das nossas obras e pelas nossasobras; se toda a nossa vida não fosse mais que o nosso idealrealizado por nós mesmos e realizado pelos outros, poderíamosnunca mais morrer.»

E é toda a generosidade de Wallon que passa através doseu discurso, que o faz vibrar, é a sua paixão pelo homem epela solidariedade entre os homens. «~ preciso e basta que esteideal que quisemos com toda a nossa melhor vontade não sejaum absurdo, não seja uma falta contra a sociedade pela qualexistimos e para a qual devemos agir [... ] Esforcemo-nos porver sem ambigüidade que relações nos unem aos outros ho-mens [... ] Não podeis manter ligados aos cuidados do vossocorpo e do vosso espírito tantos trabalhadores de todas as espé-cies sem jamais restituir. [ ... ] Viver para os outros, não seráviver com intensidade, desafiar a morte oculta no coração doegoísmo?»

Depois, a peroração explode como um canto de puxadoresde sirga: «Pois quê, toda essa força desenvolvida por todosentra nos nossos músculos? Eu sou toda a sua força, eles sãotoda a minha força? A nossa vida triunfa, é o canto do traba-lho emancipador, é a humanidade que avança num grandeclamor de forças, de confiança, de alegria e de liberdade».

Estou a ver Wallon. Ele que não ama os papéis, como estárígido no seu fato de cerimónia, com os seus modos que lem-

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bram o adolescente! Mas falou aos seus primeiros alunos comtoda a sua fé; por eles e por si mesmo fez um juramento. Estávermelho de emoção. Resplandecente de juventude.

Tem precisamente 24 anos. É a última imagem sua que medeixa. Ela desposa estranhamente o rosto imóvel, apaziguado,que admiro nessa noite de 1 de Dezembro. Ela é um desafio 2velhice, à morte, ao esquecimento.

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POSFACIO

o PAPEL DA IMITAÇÃONA FORMAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO

por JEAN PIAGET

Para prestar a minha homenagem à obra de Henri Wallonneste número jubilar, tanto ao homem como ao amigo, escolhium dos pontos em que os nossos trabalhos convergem e se com-pletam sem contradição.

Não há dúvida de que a viragem mais decisiva na evoluçãomental da criança é aquela que assinala os inícios da represen-tação. Durante pelo menos todo o seu primeiro ano, a criançanão testemunha qualquer representação, enquanto evocação deobjectos ou de acontecimentos não directamente perceptíveisou não assinalados por índices perceptíveis. As suas condutassão exclusivamente sensório-motoras, ou sensório-tónicas, emo-cionais, etc. (e é bem conhecido o contributo de Wallon parao conhecimento destes últimos pontos). Em particular, a suainteligência é apenas sensório-motora: tal como Wallon o dizcom profundidade, trata-se apenas de uma «inteligência dassituações». No decurso do segundo ano, pelo contrário, e sobre-tudo na sua segunda metade, assistimos à produção desse acon-tecimento de importância capital para o pensamento humanoque é o nascimento da representação, permitindo à inteligência

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interiorizar-se em pensamento propriamente dito. Como dar,assim, conta desta representação?

A representação implica seguramente a constituição deuma função simbólica, isto é, de uma diferenciação dos signi-ficantes e dos significados, pois consiste em eyQQ.arsignificadosnão presentes e, por conseguinte, só pode evocá-Ios por meio designificantes diferenciados. Nos precedentes níveis sensorimo-tores, é verdade que todas as condutas já manipulam significa ..ções, atribuídas aos objectos, aos gestos das pessoas, etc., masos significantes utilizados são «índices» perceptíveis ou sinaisde condicionamentos, etc., isto é, significantes indiferenciadosdos seus significados e que constituem simplesmente uma dassuas partes ou um dos seus aspectos. Assim, não existe aindafunção simbólica, a caracterizar-se esta por uma diferenciaçãodos significantes e dos significados. Com a representação, pelocontrário, uma tal diferenciação afirma-se e apresenta-se mesmocomo uma condição constitutiva do acto representativo comotal.

Sendo uma das formas mais específicas de significantesdiferenciados constituída pelo sistema dos «signos» verbais,poderia pensar-se que a formação da representação se encontrasimplesmente ligada à aquisição da linguagem e é evidente queeste factor é efectivamente capital. Mas se a linguagem, já todaorganizada no meio social e imposta à criança por transmissãoeducativa, desempenha de facto um tal papel no desenvolvi-mento da representação e do pensamento, nem tudo está dito,pois subsistem dois problemas fundamentais a resolver. O pri-meiro consiste em compreender porque é que a linguagem nãoaparece nem mais cedo nem mais tarde e, portanto, qual o con-texto que favorece a sua aquisição. A este respeito, não bastaapelar para o condicionamento, pois este é muito mais pre-coce. Assim, é preciso recorrer a um contexto mais preciso deimitação, mas falta determinar de que forma de imitação setrata, pois existem numerosas, algumas das quais são igual-

mente muito mais precoces, e outras contemporâneas destaaquisição.

O segundo problema consiste em estabelecer se o signo verbalé o único dos significantes diferenciados ou se intervêm outrosno nascimento da representação; e se são contemporâneos ou nãoda aquisição da linguagem, podendo um certo sincronismo ser oíndice de uma solidariedade. Ora, é notável que ao nível em quese aprende a falar, a criança comece também a utilizar todo umsistema simbólico, o qual, no entanto, assenta sobre os «sím-bolos» e já não sobre «signos» (sendo o símbolo um significante«motivado» ou que se assemelha ao seu significado, e não «arbi-trário» ou convencional como o «signo») : é o sistema dos jogossimbólicos, sucedendo aos simples jogos funcionais ou de exer-cício, únicos representados até então. Ora, a simbólica gestualdestes jogos de ficção consiste essencialmente numa imitação,Além disso, é digno de nota que neste mesmo nível apareça urnanova forma de imitação, a que se chama vulgarmente a imitaçãodiferida (quer dizer, que começa na ausência perceptiva do mo-delo e que comporta, assim, desde a partida, uma espécie deevocação pelo gesto e pela mímica) e que Wallon considera comoa única imitação autêntica por oposição à imitação sensório--motora (adquirida em presença unicamente dos modelos, aindaque possa continuar-se após o seu desaparecimento), consideradapor si como uma pseudo-imitação e chamada «ecocinésia», etc.

Esta presença da imitação em todas as formas da funçãosimbólica que aparecem sincronicamente no decurso do segundoano (e veremos em seguida mais uma com a imagem mental),levara-me outrora em La naissancede l'intelliflence~ em 1935 (I) ,

a considerar a imitação como o processo que assegura a transi-ção entre a inteligência sensório-motora e a representação figu-rada. Muito antes da imitação diferida, a imitação sensório-mo-tora testemunha, com efeito, desde os 8-9 meses, um esforço de

(') P. 334-335, etc.

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cópia do modelo apresentado, por exemplo no caso da imitaçãodos movimentos relativos ao rosto de outrem sem equivalentevisual no próprio corpo, e que não se reduzem, apesar das belasobservações de Guillaume, a simples transferências associatívascomandadas por sinais. Quando, na idade de 11 meses e 14 dias,uma das minhas crianças me observa a fechar e abrir alterna-darnente os olhos e responde abrindo e fechando a boca; depois,nos dias seguintes, quando esfrego os olhos, responde passandoa mão sobre a boca, em seguida sobre as faces, a orelha, e acaba;1.08 11 meses e 21 dias por ajustar as mãos aos olhos (2), oserros não se explicam por falsas agulhagens associativas, mastestemunham ensaios sistemáticos e controlados, por conse-,~'uinte, um esforço de correspondência. Desde antes do seu nível«diferido» e propriamente simbólico, a imitação constitui, assim,já uma espécie de representação, mas em actos e no sentido»róprio de uma reprodução material da apresentação, sem quehaja ainda qualquer evocação mental ou representação interior.Assim, uma vez adquirida a técnica imitativa, nomeadamentena capacidade de imitar modelos novos (o que é o caso desde(,S 10 a 12 meses no que respeita a ensaios sistemáticos) e .iaacção de fazer corresponder partes visíveis do corpo de outrema partes não visíveis do próprio corpo (rosto), é compreensívelque a imitação deixe de estar sujeita à condição até então neces-sária, de só 'começar, no queconcerne a um novo modelo, na suapresença perceptiva, e possa dar lugar a ensaios «diferidos», ouseja, iniciados após o desaparecimento do modelo. Com efeito,é a este mesmo nível que o acto de inteligência, até então subor-dinado à necessidade de proceder por tateios dirigidos, dálugar pela primeira vez na criança a estas interrupções momen-tâneas da acção, seguidas de súbitas reorganizações novas,

(') A formação do símbolo na criança. Obs. 25. Outra das minhascrianças com 11 meses e 5 dias, em presença do modelo de abrir e fechara boca, começa por abrir e fechar as mãos, e s6 em seguida a boca(Obs.29).

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ambas tão bem descritas por W. Koehler no chimpanzé (por-tanto, independentemente da linguagem). E, coisa interessante,estes novos actos de inteligência dão por vezes lugar, na criançade 15 a 18 meses, a representações imitativas do objectivo aalcançar: abrir lentamente a boca em face de uma abertura queé preciso alargar para atingir o interior de uma 'caixa; abrir efechar a mão no vazio, numa situação análoga, etc. (obs. 56-58de La formation du symbole). Mas, bem entendido, admitir quea imitação sensório-motora se interioriza em imitação diferida,é supor que o elemento novo que entre ambas intervém, a sabera miragem, não surge de forma exterior a este processo de inte-riorização, mas resulta directamente da interiorização da pró-pria imitação, no seu poder de acomodação. Por conseguinte,a imagem 'como tal seria, também ela, um produto da imitação.

Ora, é notável que Wallon, cuja tendência é sempre a deinsistir sobre as descontinuidades e as crises, tenha igualmenterecorrido à imitação para assegurar a transição sensório-motorapara o representativo, em 'lugar de estabelecer entre ambos umcorte radical, assinalado pelo aparecimento da linguagem por sisó. Neste livro cativante e pleno de ídeias que Wallon teve a'coragem de publicar em 1942 (3), escreve: «A imitação 'concre-tizou-se como um poder latente, um dinamismo produtor, ummodelo em potência que 'começou por só ser apreendido na suarealização efectiva, mas que em seguida se destacou para setornar representação pura. Nunca foi estritamente acomodaçãoa outrem; tornou-se imitação de cenas e de acontecimentos; fez--se instrumental; deu lugar aos simulacros, que opunham deforma decidida o signo e a coisa» (p. 244). :m verdade que, emtodo o capítulo que consagra à «Imitação e Representação»,Wallon só utiliza, como já dissemos, o termo de imitação apartir da imitação diferida, começando na segunda metade dosegundo ano por taxar de ecolálias, ecocinésias, etc., as formas

(a) H. WALLON, De l/acte à la pemée, F'lammarton, 1942.

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sensório-motoras anteriores à imitação. Mas tem um certo inte-resse constatar que Wallon, que habitualmente desconfia tantoda tendência para utilizar uma sucessão genética como pontode apoio de uma explicação, não receia tais perigos na passagemdas formas inferiores de imitação às suas formas representati-vas: «As etapas sucessivas da imitação respondem, assim, muitoexactamente ao momento em que a representação que não exis-tia deve vir (J) formular-se (o sublinhado é nosso). Obrigam areconhecer um estado do movimento, onde este deixa de con-fundir-se com as reacções imediatas ... e um estado da repre-sentação, em que o movimento já a contém antes que ela saibatraduzir-se em imagem (id) ou explicitar os traços de que deve-ria ser composta». (p. 134-5.)

A verdadeira razão que leva Wallon a passar aqui sobreas descontinuidades que, aliás, ele próprio introduz, liga-se aum aspecto fundamental do seu sistema e sobre cuja importân-cia insistiu, facto pelo qual todos nós lhe somos devedores: tra-ta-se do papel que faz desempenhar aos processos sensório-tó-nicos ou posturais nas funções afectivas e cognitivas, desde asmais primitivas condutas emocionais (que para ele têm umasignific,ação igualmente cognitiva) até esses «simulacros» colec.tivos que descreve com tanta sagacidade no seu capítulo sobre«Ritos e representação» e de que estabelece, finalmente, umaaproximação com as ideias platónicas (p. 245), aproximaçãoessa a nosso ver notável, na medida em que evidencia o factode causalidade por imitação na doutrina dessas ideias-imagensdesignadas pelo termo de Eidos ou de «formas».

Ora, o papel do sistema postural é, evidentemente, muitoanterior à imitação diferida, pondo à disposição desta um «es-quema corporal já muito completo e bem orientado. Nestaidade (1), com efeito, os jogos sensório-motores da criança leva-

(4) Trata-se de observações sobre a criança de Guiliaume na idadede 1 ano e 10 meses.

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rarn-na a estabelecer as conexões mais extensas e mais varia-das entre os seus campos sensoriais ou exteroceptivos e postu-rais ou proprioceptivos. Trata-se de conexões activas, isto é...que são o resultado de móbeis investigações e que comportampor conseguinte um certo grau de previsão ou de dedução»(p. 158). Em suma, é a «plasticidade perceptivo-postural» (p.161) que, para Wallon, estabelece a ponte entre o sensório-motore o representativo, apesar das descontinuidades relativas entreas suas formas ecocinéticas e as suas formas «diferidas».

Mas se é satisfatório para o espírito - e, evidentemente,também para um artigo escrito em homenagem a Wallon! -insistir aqui sobre este ponto de convergência entre as nossasinterpretações, não o é menos poder sublinhar este facto essen-cial e que, ao que me parece, tão pouco tem sido apercebido, ouseja, que a diferença mais marcante entre a obra de Wallon ea minha se reduz, afinal de contas, muito mais a uma comple-mentaridade que a uma oposição. Esta diferença refere-se <1dupla natureza da «representação», de tal forma que as notasque se seguem prolongam muito directamente as que acabamosde fazer sobre os começos do simbolismo.

Ao nível do pensamento científico, a representação podeapresentar um carácter «figurativo», isto é, tender ao forneci-mento de uma imagem mais ou menos conforme às realidadesrepresentadas, que serão, então, configurações. A geometria,por exemplo, constituiu durante muito tempo uma representa-ção figurativa e não foi por acaso que a sua acção foi tão forteentre os gregos, por oposição à álgebra, e que o filósofo quereservava só aos geómetras o acesso à sua República construiuuma teoria das Idéias onde Wallon entendeu ver (recordámo-lohá pouco) o parentesco psicológico com um certo primado daimagem ou do simulacro.

Mas ao nível do pensamento científico moderno, a represen-tação também pode incidir sobre as transformações como tais,e visar menos a cópia do que operar e construir. A álgebra

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assenta inteiramente sobre sistemas de representações e a geo-metria contemporânea, desde o «programa de Erlangen», tendea subordinar todas as variedades de espaços a «grupos» funda-mentais de transformações, derivando eles mesmos uns dosoutros. A corrente de conjunto que conduz da acção e das téc-nicas à ciência propriamente operatória obriga, assim, a distin-guir, em oposição aos aspectos figurativos precedentes, umaspecto «operativo» da representação e do pensamento.

Parece-nos que é mesmo a totalidade das funções cognitivasque depende de uma tal dicotomia. Ao aspecto figurativo doconhecimento podem estar ligadas as percepções, a imitaçãosob todas as suas formas e as múltiplas variedades de imagensmentais, três grandes categorias cujo carácter comum consisteem levar exclusivamente a configurações (e traduzir em figurasou em símbolos figurativos os movimentos e mesmo as trans-formações quando o sujeito tenta percebê-Ias ou reproduzi-Ias),O aspecto operativo das funções cognitivas oculta, pelo con-trário, a sequência ininterrupta das condutas que conduzemacções sensório-motor as com os seus esquemas às acções interio-rizadas pré-operatórias e, finalmente, às operações logico-mate-máticas enquanto operações que incidem sobre transformações.Ora, os mecanismos operativos, por um lado, tendem a subordi-nar a si mesmos os dados figurativos, enquanto estes incidemsobre «estados» que só vêm a adquirir significações quando liga-dos entre si por transformações. Por outro lado, estes mesmosmecanismos ultrapassam incessantemente o figurativo, na me-dida em que nunca podem ser «figurados» adequadamente. Umaacção pode ser percebida por via proprioceptiva e o seu resul-tado por via exteroceptiva, mas o seu esquema, ou seja, aquiloem que é generalizável e assimilável, não é perceptível. Umaoperação pode ser simbolizada, mas, enquanto acto contínuo,permanece irrepresentável em imagem; e pode mesmo, comoem matemáticas «puras», deixar de incidir sobre qualquerobjecto a não ser por uma imaginação simbólica muito aproxi-

í7 J,

mativa. Não obstante, é impossível pensar sem um apoio simbó-lico e os mais abstractos dos matemáticos concordam em reco-nhecer que, se a «intuição» (por conseguinte, o aspecto figura-tivo do pensamento matemático) é destituída de qualquer valordemonstrativo, o facto é que permanece indispensável do pontode vista heurístico.

Sendo assim, é evidente que a filiação genética sobre a qual'i:_ '

parece que concordávamos, Wallon e eu, por V~~I!!..itação ~L ,,",,;,,1'~

PMê-ª~IJlJJQ.E.en~Q~to.:!n..o_torao r:~J?.I~~Iüat~vo,s~ e~pli~~, efec- ;.,.r,.·

tlvament~.,_a...Itl)reseI!1açã9._§.0!LO_S~u.jL.ê.pectQ.~igl!!::'!Jivo.Nesse '1' =: fcaso, resta dar conta da formação tão laboriosa das «operações»,de que uma série de estudos em todos os domínios logico-mate-máticos elementares (elasses, relações, número, espaço, movi-mento e velocidade, tempo, acaso e combinatório, lógica daspropos.ições e «grupo» das inversões e reciprocidades, etc.) nosmostraram que se preparam apenas entre os 2 e os 7 anos, nodecurso da um longo processo de descentração a partir da acçãoprópria, e que só terminam nos dois patamares de 7 a 11 anose de 12 Ia 15 anos. Ora, ao passo que o aspecto figurativo da ,I:representação está ligado ao sistema sensório-tónico ou posturalpor intermédio da imitação e da imagem, o aspecto operatívo emgeral (acções e operações), e operatório em particular, só SIJ

pode explicar remontando às coordenações entre as acções cornotais, coordenações que, muito mais profunda~epte do que as da "r,.".

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)~~:;g~ ~~r.~a~j:L~ses elementos de ord~m e de ajus-tamento que se encontram em todos os níveis: por conseguinte,aqui, é. o sensorlü-motor no' serÍtJdo ~-st~i~9_que é necessário

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J_~y_ocaI.:."Para voltarmos então a essa complementaridade entre as

investigações de Wallon e as minhas, que julgo vislumbrar hojeem dia, a mesma é a que resulta de interesses divergentes, masque necessariamente se completam. A ideia central dos traba-lhos de Wallon é a do papel do sistema postural. A minha é ade operação. Onde Wallon fala de um período pré-categorial do

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pensamento da criança, eu vejo aí um período pré-operatório.Onde Wallon, depois de ter falado de Platão, diz que a ciênciaactual, também ela, é «em certa medida a criação do seu objecto»(p. 245), mas entendendo por-i;'~qu~, se há ~;rel:açãoestreita dosnossos pensametltosço_m o seu objecto», é pàrque-estes_«te.n'Ôema- reprõduzi=iõ>; (p. 246);eu-diria, por meu lado, que a ciêncialeva, sobretudo, à transformaçã., do objecto, E Wallon continua,falando Ia «'representação, inicialmente solidária do mito, emseguida das técnicas experimentais' e científicas. Ela corres-ponde, sob estas formas diversas, a uma mesma ~,~ces~idadELd~figuração,~ (p. 246). Pela minha parte, diria.que a figuração é apenas um aspecto das coisas, e que os sis-temas de transformações são um outro, que se subordina pri-meiro e que caracteriza a especifícidade da ciência por oposiçãoao elemento figurativo conservado em comum com o mito (~~.Nesta mesma obra «De l'acte à Ia pensée» que comentamosneste artigo, Wallon critica-me longamente (p, 25-49) por terestudado a inteligência sensório-motora e a construção do real doponto de vista daquilo que chama uma «psicologia da consciên-cia» e projectando todo o espírito nos esquemas sensorimotores.Com a serenidade permitida por vinte anos de distância, com-preendo hoje que Wallon, pensando na representação tal comoa descreveu nos últimos capítulos do seu estudo, se recusavacom razão a encontrar nos meus esquemas sensório-motores oque só pode ser fornecido pela imagem, pela linguagem, pela re-presentação figurativa em geral. Mas também eu tinha razão emantecipar nas coordenações entre esquemas de acção o pontode partida das operações ulteriores, e na constituição do es-quema do objecto permanente, fundado sobre uma forma muitoprática e activa do «grupo das deslocações», a primeira mani-festação destes invariantes (ou esquemas de conservação) que a

(') De l'acte à la pensée, loco cit,

176

sequência dos nossos trabalhos mostrou serem inerentes àstransformações operatórias.

Numa passagem de notável lucidez e quase profética quantoaos resultados ulteriores das nossas respectivas pesquisas, Wal-lon declara: «Entre os efeitos ulteriores do movimento, há-osde duas espécies. Primeiro, aqueles que estão virados para omundo exterior e que são ainda comumente considerados comoestando na origem da vida mental. .. Mas um gesto modifica,ao mesmo tempo que o meio, aquele que o faz, e esta é a modi-ficação mais imediatamente apreendida. Abrem-se então duasorientações na actividade, uma virada para os objectivos exterio-res, e outra que é a actividade sobre si mesmo ou «postural»,que tem por meios e por objectivos as próprias atitudes do su-jeito. li: uma actividade plástica. Encontra-se na origem daimitação» (p. 242-3). «Na tese dos esquemas motores que sesobrepõem e se ordenam entre si para finalmente realizaremrepresentações, aqueles amontoar-se-iam por uma espécie deprogressão mecânica, cuja utilidade só depois se revelaria.A função postural, pelo contrário, traz em si mesma a razão dosseus progressos» (p. 243). Não se poderiam caracterizar melhoraa duas formas da «representação», efectivamente bem distin-tas mas exactamente complementares, que despertaram o inte-resse de Wallon e o meu: a forma figurativa, que engendra aimagem a partir da imitação e procede do sistema postural; ea forma operativa que começa com os esquemas motores e sóchega às operações propriamente ditas do pensamento «depois»,como Wallon claramente enuncia, pois é preciso esperar entre2 e 7-8 anos para que se elaborem as primeiras estruturas ope-ratórias representativas ou sistemas de transformações que jánão se contentam em copiar ou reproduzir, mas modificam oobjecto ... Mas porquê então este intervalo entre os esquemassensório-motores e as operações? Em primeiro lugar, isso acon-tece precisamente por se tratar de constituir previamente umsistema suficiente de representações figurativas. Em seguida,

17712

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porque, entre a acção própria, material e directamente centrada,e um sistema de operações coordenadas e objectivas, J.orna~~~sário um hmgo j)r..9.~~s~®....ge=de.AAentraç~.Mas, como diziao romancista inglês, «isso é outra história», e que é inútil abor-dar aqui.

Em resumo, embora nos acontecesse, a Wallon e a mim,termos di~ussÕ€s que o nosso comum amigo Zazzo comparourecentemente a diálogos de surdos, é evidentemente porque, 119empregarmos as mesmas pal~vra~,~nsá~os ~m....~Q!~~ª--di~~-rentes. Assim, depois de ter procurado (e, confesso, com algumadificuldade) um ponto sobre o qual estivéssemos certos de terconvergido, a fim de o evidenciar neste artigo jubilar, aperce-bi-me" ao reler a bela obra de Wallon, que o termocentral de«representação» era justamente um desses termos ambivalentesque nos tinham separado. Ora, uma vez que o aspecto figurativoe o aspecto operativo da representação são, fundamentalmente,complementares, tal como o são já, antes da representação, osistemas postural e o sistema sensório-motor, compraz-me termi-nar ~ta~a not_ª-.~mhomenagem a, WJlilon..p.elaexpr.e.s:s..ã.Q-º.~minha certeza na complementaridade das nossas próprias obras.

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REFERltNCIAS

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LE PROBL1!lME DE L'AUTRE DANS LA PSYCHOLOGIE DE HENRIWALLON

Número especial de homenagem a Henri Wallon de Vers l'lMucationN ouvelle, 1964

LA DIALECTIQUE DE L'INTELLIGENCE: WALLON ET PIAGETPublicado sob o titulo de «La dialectique de l'intelligence dans l'oeuvrede Henri Wallon», em ~volution Psychiatríque, número de homenagema Henri Wallon, Março de 1962.

LES ORIGINES DE LA PENSltE SELON HENRI WALLON~volution Psyquiatríque, Dezembro de 1947.

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L'OEUVRE DE WALLON A LA LUMI1!lRE DU MARXISMELa Pen.sée,n.s 31, 1950

PSYCHOLOGIE ET MAT:eJRIALISME DIALECTIQUEAlocução proferida a 16 de Junho de 1959 na Sala das SociedadesCientíficas de Paris, por ocasião de uma sessão de homenagem aHenri Wallon pelo seu 80.° aníversárío.

QUI EST WALLON ...Prefãcio à tradução inglesa dos textos de Wallon, New York, 1975

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Page 89: Zazzo - Henry Wallon Psicologia e Marxismo

PORTRAIT DE HENRI WALLONJournal de Psychologfe, n.v 4, Outubro/Dezembro de 1963.

Posfácio: Jean PIAGETLE ROLE DE L'IMITATION DANS LA FORMATION DE LA RE-PRl!:SENT ATION "

Bvolutwn Psychiatriquc: número de homenagem a Henri \Vallon,Março de 1962.

180

i'

Nasido em Paris, a 15 de Junho de 18791899-1902 Escola Normal Superior1902 Professor de filosofia no liceu de Bar-Ie-Duc1903-1908 Estudos de medicina1908 Doutor em medicina1908-1931 Assistente de Nageotte em Bicêtre e na Salpêtriêre1914-1918 Mobilizado como médico de batalhão1920-Ht37 Encarregado de curso na Sorbonne.1925 Doutor em Letras com uma tese sobre l'Ercjant: Turbulent1925 Criação do Laboratório de Psicologia da Criança em Boulougne

-BíllancourtO Laboratório é integrado na Escola Prática de Altos Estudos,da qual WaUon é nomeado directorParticipa na criação do Instituto de Psicologia de Paris e L10

Instituto Nacional de Orientação ProfissionalPríncipes de Psychologie appliquéeAdesão ao «círculo da Rússia Nova»Les Origines du caractére chez l'enfantProfessor no Colégio de FrançaL'évolutwn psychologique ele l'enfantProibido de ensinar pelo governo de VlchyAdere ao partido comunista clandestino depois da execução dePolitzer e do físico Salomon

1927

1929

1930193119341937-19491941

1942

HEN~I WALLON

Algumas docas da vida e da obra

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19441945

Secretário-Geral da Educação no Governo da LibertaçãoDelegado do «Front National» à Assembleia consultiva pro-visóriaL68 origines de la pensée chez l'enfantDeputado por Paris na Assembleia Constituinte sucede a Lan-gevin como presidente da comissão para a reforma do ensinoCriação da revista Bniance~formadoProfessor na Universidade de Cracóvia (Polónía )Les mécanismes de la mémoireAtropelado por um automóvel. Daí em diante fica condenadoà imobilidadeÚltimo artigo: «Pluralité et nombre chez les enfants de ~ à'1 ans»

Morre em Paris no dia 1 de Dezembro de 1962

19451946

194819491950-195219501953

1962

BIBLIOGRAFIA

estabelecida em colaboração comRACHEL MANARANCHE

1903

A - PUBLICAÇ6ES DE HENRI WALLON

1908

1909

1910

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1938; rééd. in Enfance, 1959, 3-4, 401-401.. 102 _ Discipline et troubles du caractere (cornm. au Congrês

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8.06.1- 8.06.7.- La. caractériologie, 8.10.7 - 8.10.12.._ Avertissement SUl' le plan de l'ouvrage, 8.14.1._ Les insuffisances sous-eort!cales, 8.18.6 - 8.18.10.- Le nourrísson, 8.22.1. - 8.22.3.- L'lnfirme, 8.22.4. - 8.22.6._ Rapporta affectifs: Ies émotions, 8.24.1. - 8.24.7._ L'activlté sensorl-motricc, 8.28.1. - 8.28.5._ La réalisation mentale de l'object, 8.32:1 - 8.32.6._ La croíssance intellectuelle ele l'enfant, 8.32.10. - 8.32.12.et 8.34.1. - 8.34.2._ Les disciplines lntellectuelles, 8.44.1: - 8.44.10._ Indiscipline et perversité, 8.46.2 - 8.46.8._ L'activlté mentale diffuse et son utiUsation publícítaire.

8.52.8. - 8.52.10._ Formation de Ia personne, 8.54.3. - 8.54.4.

188 189

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- La vle1llesse, 8.56.1. - 8.56.3.- Sclenees oeeultes et scienee aetive, 8.58.3. - 8.58.4.- Les faux et les vrals problêrnes, 8.64.3. - 8.64.5.

1939 104 - Préface à: Segers (J. E.), La psychologie de la lecture, etl'itnitiation à 1a Zecture par Za méthode globale, Anvers,Boekhandel, 1939, I-IV.

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122 - L'édueation nouvelle et Ia réforme de l'enseignement, Pourrs-e Nouvelle, 1946, 1, 5-6.

123 - Formation des maitres: rapport préllminalre, Pour 1'P:reNou»velle, 1946, na spéeial, 88-91.

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1947 126 - Rapport de Ia Commission de Ia Réforme de I'Enseignementà MIe Ministre de 1'11:ducation Nationale, 1947; rééd., ave epréfaee de H. Wallon, UFU, 1960; republié dans Le planLangevin Wallon de 1a réforme de VEnseigrw11"tent,Paris,PUF, 1964, 175-236:

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128 - Préfaee à: Prudhommeau (M.), Lo ciessin de l'enfant, Paris,PUF, 1947, Vli-IX.

129 - Les stades de l'évolutlon psyehologlque de -l'enfant, :educoNationaZe, 1947, 27, 1-3 et 25.

130 - Qu'est-ee que Ia filmologie? La Pensée, 1947, 15, 29'-34.131 - Nous aurons demaín un enselgnement unifié et ouvert sur Ia

vie, Avenirs, 1947, 5, 1-4.132 - Le Pr. Langevin, Bull. Soe. Fl'. Pédag., 1947, 77, 154-159.133 - De quelques problêrries psyeho-physiologiques que pose le

cínéma, Revue lntern, F~lmo1., juillet-aoüt 1947, 15-18.134 - Psyehologie et éducation, Enseign. public., 1947, 24, 10.135 - Taylorisme, ratíonalísatíon, sélectíon, orientation, Rev. Bn-

seign. Teeh., 1947, 1, 5-7.136 - Préfaee à: Paul Langevin: écríts phiJosophlques et pédago-

giques, Pour l'P:re, NouvelZe, 1947, no:spécial, 165-166.

1948 137 - Préface à: Premler numero' d'Enfanee; Enfance, 1948, 1, 5-7.138 - Réforme de l'enseignement et psychologie, Enlance, 1948,

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191

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145 - Préface à: Dr. Hesnard, L'urnver8 morbide de lá [cute,1949, 5-7.

146 - L'évolutlon psychlque de l'enfant, In Cours de pédiatrie so-ciale, Paris, Flammarion, 1949, vol. 2, 799-812.

. 14í - Le jeu chez I'entant, In Oours de pédiatrie socia!e, Paris,F'lammàrlon, 1949, vol, 2, 919-930.

148 - Pédagogie expérimentale, Pour. Z't!JreNousielle, 1949, 6, 1-2.149 - Perception et concept, Pour l'Sre Nouvelle, 1949, 6, 8-9.150 - L'hygiêne physíque et mentale de l'enfance, Bull. Soe, Fr.

Pédag., 1949, 85, 54-62.151-- Langevin éducateur, Pcur l't!Jre Nouoeüe, Paris, 1949, 4, 3-6;

rééd, in Le l)la-n Langevin- Wallon de Réformede l'Snseigne-ment, Paris, PUF, 1964, 292-296; rééd.ln Enfance, 1968, 1-2,147-149 ..

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1951 164 - Les tests psychologiques et Ia clinique mentale, Bniancc,1951, 1, 1-4 .

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167 - Préface à: Brunet (O) et Lézine (I), Le développementpsyehologique de Ia premwre enfance, Paris, PUF, 1951.

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170 - Psychopathologie et psychologie génétique, La Raison, 1951,2, 46-53; rééd. inEnfanee, 1963, 1-2, 35-42.

171 - Soclologie et éducation, Cah. Intern. Social., 1951, X, 19-33;rééd. In Enfance, 1959, 3-4, 324-333.

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rééd. ín Enfanee, 1959, s-i, 309-323.181 - 30' anníversaíre du Groupe Françaís d'l1.:ducationNouvelle

(GFEN), POUl' re-e Nouvelle, 1952, 10, 2-6.182 - Intervention dans les dlscussíons sur l'enseignement de l'his-

toíre, Pour 1'1?JreNouvelle, 1952, 10, 29-30.183 - Discours d'ouverture (Congrês du GFEN), Pour 1'1?JreNou-

eeue, 1952, 11-12, 1-2.184 - Intervention dans les discusslons sur Ia notion d'intérêt (Con-

grês du GFEN) , Pour l'1?JreNouoelle, 1952, 11-12, 22-23.185 - Intervention dans les díscussíons sur I'éducatíon morale (Con-

grês du GFEN), Pour l'1i:re Nouoeüe, 1952, 11-12, 38-39.186 - Rapport de Ia psychologie et de Ia pédagogie chez DecroIy,

Pour l'1?JreNouvelle, 1952, 11-12, 58-64.187 - Origines et tendances de l'l1.:ducationNouvelle, in Edueation,

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188 - Préface à: Wolff (Ch.), La main humaine, Paris, PUF, 1952.189 - Pourquoi des psychologues scolaires? Enfance, 1952, 5, 373-

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190 - L'associationnisme de Pavlov, Bull, de Psyehol., déc. 1952;rééd. ín Enfance, 1963, 1-2, 51-58.

1953 191 - L'enfant et le cínéma, Enseignement audio-vÍ8uel, 1953, 2, 3-4.192 - L'oeuvre du Dr O. Decrolu, Pantin, CFEP, (Comité Fr. pour

l'l1.:ducationPréscolaire), 1953, 3-14; rééd. ín Bnjamoe, 1968,1-2, 91-10l.

193 - L'acte perceptif et le c!néma (cours à l'Institut de F'ílmolo-gie), Revue Intern. de Filmol., avríl-juín 1953, 97-110.

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195 - La pédagogle de Rabelais, La Pensée, 1953, 48-49, 77-80.196 - Prefácio a: Les jt>rnaux pour les enfants, Enfance, 1953, 5,

369-370.197 - Sur Ia spécificité de Ia psychologie, La Raison, 1953; rééd.

ín Enfanee, 1963, l-B, 67-71.198 - Le cerveau et Ia pensée, Oahiers Rationalístes, 1953, 128, 1-5.199 - L'organique et le social chez l'homme, S'eientia, 1953; rééd.

in Bnfcnoe, 1963, 1-2, 59-66.200 - Réforme ou sabotage de l'enseignement: le projet Brunold,

La Pensée, 1953, 48-49, 8-10.201 - L'éducation polytechnique chez Marx et ses contínuateurs,

La Pensée, 1953, 48-49, 172-176.202 - Le Laboratoire de Psychobiologie de l'enfant, BINOP (Bull,

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1954 204 - Psychologie anímale et psychologle humaíne, La Pensée,1954, 57, 91-93.

205 - Discours de culture au 2" Colloque de La Pensée (1-3-1954)sur Lénine phílosophe et savant, La Pensée, 1954, 57, 125-130.

206 - Kinesthésie et image visuelle du corps propre chez l'enfant,Buü. psyehol., 1954, 5, 239-246; rééd. in Enfance, 1959, 9-4,252-263.

207 - Les milieux, les groupes et Ia psychogenêse de l'enfant, Oah.Intern. Sooiot., 1954, XVI, 2-13; rééd. in Enfanee, 19'59, 9-4,287-296.

208 - Journées internationales de psychologie de I'enfant (Paris,1954). Rapport inaugural, Enfance, 1954, 3,253- 261.

209 - L'íntérêt de l'enfant pour les événements et les personnagesdu film, Reviu~ Intern. Filmol., 1954, 1"1, 93-103.

210 - Le cinéma éducatif, sou. Soe. Fr. Pédag., 1954, 106, 58-79.211 - Préface à: Lézíne (I), A. S. Makarenko, pédagogue sovié-

tique, Paris, PUF, 1954, V-VII.212 - Préface à: Sadoul et CoI!., Le« jornaux pour oofants, Paris,

PUF, 1954, 1-2.213 - Préface à: Seclet-Riou, Les méth0de8 d'enseignement en

URSS, Paris, Assoe. France-URSS, 1954, 3-4.

1955 214 - Message au 2" Congrês Intern. de FilmoIogie (Paris, fév.1955), Rev. Intem; Filmol., 1955, ~0-~4, 13-14.

215 - Pavlovisme et psychologíe, La NouvelIe Oritique, 1955; rééd.in Enfance, 1963, 1-2, 79-86, '.

1

195

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219- Tristesse .ou espoir des «viemo>,La Pen.sée, 1955, 63, 15-17.220- L'enseignement des seienees à I'école, En.seignants du Monde,

1955, 16.1956 221- Importanee du mouvement dans le développement psyeholo-

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b) Enfance, 1963, 1-2, n- spécial intitulé: Buts et Méthodes de Iapsychologíe, 171 p.; réf. A: 47, 62, 84, 91, 165, 169, 170, 190, 197, 199,215, 217, 223, 224, 225, 241.

(entra tradução)

c) Enfanee, 1968, 1-2, n- spécíal, lntitulé: Henri Wallon, ltcrits etSouvenirs. Recueils d'articles, 154 p.; réf. A: 1, 107, 120, 1'f>I, 152, 192,194, 236, 237, 247, 252, 254.

d) Bull, Assoe. des Psyehol'Ogues Beo:'taire8,1967, 5, n- spécial íntí-tulé : Hommage à Henri Wallon, Recueil d'artlcles et de conférences, 59 p.;réf. A: 70, 74, 116, 142, 155, 168, 173, 187, 189, 216, 228, 229, 251.

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98 - Henri Wallon, Encyclopédie pédagogique, Moscou, 1964, t. I (enrusse).

SEABRA-DINIS (J.):

99 - Henri Wallon, Domaine Nouveau, Llsbonne, fév. 1963, 1408, 29,41 et 49-51 (en portugais).

100 - Préface à une traduction en portugais de L' Acte à la Pensée,Lisbonne, Ed. Portugalia, 1966, 9-41.

SECLET-RIOU (F.):

101- Introduction aux Journées Henri Wallon, Pour l'Elre Nouvelle,1950, 7, 1-2.

102 - La formation des maitres, La Pensée, 1950, 30, 139-144.103 - Henri Wallon et Ia réforme de l'ensegnement, L'2cole et la Nation,

1954, 31, 1.104 - Henri Wallon: le savant, le combattant, l'homme, Pédagogie

Soviétique, Moscou, 8, 92-104 (en russe).105 - Notre ami et notre mattre, L'2cole et ta Nation, 1963, 115, 26-30.106 - Henri Wallon, une pédagogie de progrês, La Pensée, 1964, 116,

49-55.107 - Henri Wallon: une pédagogie de progres, in Le Plan Langevin-

-Wallon, Paris, PUF, 1964, 257-269.

SECLET-RIOU (F.) ET DELANQUE (P.):

108 - A notre présldent, Bull, Intern. de l'Enseignement, juin 1950,'11,0 spécial, 3-4.

SIMON (J.):

109 - Aspects méthodologiques de l'oeuvre de Henri Wallon, Homo IV,(Annales de Ia Faculté des Lettres et Se. Hum. de TouIouse),1965, I, 1, 41-48.

TEISSIER (G.):110 - Henri Wallon, militant progressiste, Bull, Intern. de l'Enseigne-

ment, juin 1950, '11,0 spécial, 59-60.

TOMASZEWSKY :

111 - Allocution, in Buli. Intern. del 'Enseignement, juin 1950, n° spécial,10-11.

TRAN-THONG:112 - Btaâes et concept de staâe de déveZoppementde l'enfant dans Ia

lJsychologie contemporaine, Paris, J. Vrin, 1967, 455 p.(Dans cet ouvrage consacré à Ia confrontation des conceptionsde Freud, Gesell, Wallon et Piaget, Renri Wallon occupe uneplace privilégiée, l'auteur adoptant son point de vue).

113 - La pensée pédagogique de Henri WalZon,Paris, PUF, 1969, 174 p.

TUTUNDJIAN (H. M.):114 - L'évolution des conceptions psychologiques de Renri Wallon,

Que.stions de Psychologie, Moscou, 1966, 1, 169-115 (en russe).115 - La psychologie de Henri Wallon, Erevan (URSS), M. Rayastan

1966, 212 p. (en russe).

206 ~01•

Page 103: Zazzo - Henry Wallon Psicologia e Marxismo

VOYAT ro.»116 - The work of Henri WaHon (article introductif à une traduction

en anglaís de textes de Wallon), Int. J. of Mental Health; NewYork, 1972-1973, vol, 4, 1, 4-23.

117 - PrincipIes in Action: The Work of Henri Wallon, The UrbanReview, New York, 1974, 4, 274-292.

ZAZZO (R.):

118 - L'oeuvre du Dr Wallon à Ia lumiêre du marxisme, Bull. âesar.d'2tudes de Philos., 1935, 6, 99-104.

119-Les origines de Ia pensée chez 1'enfant (analyse), in AnnéePsychol., 1944-1945, XLV-XLVI, 299-301.

120 - Les origines de Ia pensée chez l'enfant selon Henri Wallon,L'2vol. Psychiatr., 1947, 4, 109-116.

121 - Les facteurs sociaux dans Ia psychologie wallonienne, Bull.Psychol., 1950, 3, 102-105.

122 - L'oeuvre de Henri Wallon à Ia lumiêre du marxisme, La Pensée,1950, 31, 39-59.

122 - Henri Wallon, Bull. Syndic. Nat. Ens. Sup., déc. 1962, 7-8.124 - La dialectique de l'Intellígence dans l'oeuvre de Henri Wallon,

L'2vol. Psychiatr., 1962, XXVII, 1, 161-173.125 - Wallon, psychologue de 1'enfance, La Pensée, 1963, 112, 38-44.126 - Portrait de Henri Wallon (1879-1962), J. de Psycho., 1963, 4,

385-400.127 - Le problême de l'autre dans Ia psychologie de Henri Wallon,

Vers 1'2ducation Nouvelle, 1964, n° hors série, 72-79.128 - Les deux sources de l'intelligence selon Henri Wallon, Inform.

Psychiat., 1964, 40, 1, 43-51.129 - Du corps à l'âme (réflexions sur 1'oeuvre de Henri Wallon),

Nouvelle Rev. Psychanal., 1971, 3, 147-160.130 - Préface à une Anthologie âes oeuvres de WaUon, (en hongrois),

Budapest, M. Gondolat, 1971, 5-12.131- Préface à Martinet (M.): Théorie âes émotions. Introduction à

l'oeuvre de Henri Wallon, Paris, Aubier Montaigne, 1972, 9-12.132 - Origines et actualité de Ia pensée de Henri Wallon, allocutíon

à Ia Journée Internationale de l' O. M. E. P. (23 mai 1973), in2dit. du Oomité Français pour 1'2ducation Préscolaire, O. M. E. P.,1973, 27-40.

133 - Qui est Wallon .... Introduction à Ia traduction anglaíse des textesde Wallon, New York, 1975.

208

r'

Números especiais de Revistas

(artigos acima citados)

a - Pour l'~re Nouoelle, 1950, 7, Numéro en hommage à HenriWallon, journées d'études pédagogiques 19-20 fév. 1950, avec Ia collabora-tion de différents auteurs et notamment: réf. B: 54, 63, 90, 92, 101.

b - Buli Intern. de l'Enseignement, éd. par Féd. Intern. Synd. del'Enseignement (F. I. S. E.l, Paris, juin 1950, Numéro en hommage àHenri Wallon, journées d'études pédagogiques 19-20 fév. 1950, avec Iacollaboratíon de différents auteurs et notamment: réf. B: 36, 54, 90, 92,108, 110, 111.

c - U2volution Psychiatrique, 1962, XXVII, 1, Numéro d'Hommageà Henri Wallon; réf. B: 1, 6, 30, 31, 55, 59, 61, 66, 85, 91, 93, 124.

d - Oahiers du Groupe F. Minkowska, déc. 1963, Numéro d'Hornrn ageà Henri Wallon; réf. B: 10, 51, 52, 71, 86, 87, 89.

e - L'information psychiatrique, 1964, 40, 1, Hommage à HenriWallon (1879-1962); réf. B: 2, 11, 48, 128.

f - Vers 1'2ducation Nouvelle, 1964, n° hors série, Hommage à HenriWallon; réf. B: 12, 24, 27, 38, 40, 47, 56, 60, 67, 74, 82, 127.

209

Page 104: Zazzo - Henry Wallon Psicologia e Marxismo

··r,.

INDICE

PREFÁCIO À EDIÇÁO PORTUGUESA .Por Joaquim Balirrão

PREFÁCIO 11

CAPITULO I

ORIGENS E ACTUALIDADE DO PENSAMENTODE RENRI WALLON " 17

CAPITULO li

DO CORPO À ALMA: AS RESPOSTAS DE WAL-LON E DE FRIDUD.. " .. """ .. " .. """ " 35

CAPITULO mO PROBLEMA DO OUTRO NA PSICOLOGIA DERENRI WALLON.......................................... 55

CAPITULO IV

A DIALÉCTICA DA INTELIGÊNCIA: WALLON--PIAGET 67

CAP!TULO V

AS ORIGENS DO PENSAMENTO SEGUNDOHENRI WALLON :~... ... ...... 83

.!

7

1

III

J

Page 105: Zazzo - Henry Wallon Psicologia e Marxismo

fl CAPlTULO VI

WALLON, PSICÓLOGO DA INFÂNCIA 93\

I'j" .

fI

1,<i .

CAPITULO Vil

A OBRA DE HENRI WALLON Â LUZ DO MAR-XISMO 105

CAPíTULO VIII

PSICOLOGIA E MATERIALIS'MO DIAUlCTICO.. 125, .i I

~1-'

CAPíTULO IX

QUEM ~ HENRI WALLON 13'7CAPíTULO X

RETRATO DE HENRI WALLON . 147

i:iI,

POSFÃCIO

O PAPEL DA IMITAÇÃO NA FORMAÇÃO DAREPRIDSENTAÇÁO 167Por J ea:n Puujet

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