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7/22/2019 Ze Alexandre Carvalho Os Alicerces Da Folia
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES
OS ALICERCES DA FOLIA:A LINHA DE BAIXO NA PASSAGEM DO
MAXIXE PARA O SAMBA
Jos Alexandre Leme Lopes Carvalho
Campinas
2006
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES
OS ALICERCES DA FOLIA:
A LINHA DE BAIXO NA PASSAGEM DO
MAXIXE PARA O SAMBA
Jos Alexandre Leme Lopes Carvalho
Dissertao apresentada ao Curso de Mestradoem Msica do Instituto de Artes da UNICAMP,como requisito parcial para obteno do grau deMestre em Msica, sob a orientao do Prof. Dr.Ricardo Goldemberg.
Campinas2006
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMPBibliotecrio: Liliane Forner CRB-8/ 6244
Ttulo em ingls: The foundations of the party: the bass line from maxixe tosamba
Palavras-chave em ingls (Keywords): Samba Maxixe(Dance) Music - BassTitulao: Mestrado em MsicaBanca examinadora:Prof. Dr. Ricardo GoldembergProf. Dr. Claudinei Rodrigues CarrascoProf. Dr. Luciano Allegretti MercadanteProf. Dr. Antonio Rafael dos Santos
Prof. Dr. Antonio Fernando da Conceio PassosData da defesa: 23 de Fevereiro de 2006
Carvalho, Jos Alexandre Leme Lopes.C253a Os alicerces da folia: a linha de baixo na passagem do
maxixe para o samba. / Jos Alexandre Leme Lopes Carvalho. Campinas, SP: [s.n.], 2006.
Orientador: Ricardo Goldemberg.
Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual deCampinas.
Instituto de Artes.
1. Samba. 2. Maxixe (Dana). 3. Msica. 4. Contrabaixo.I. Goldemberg, Ricardo. II. Universidade Estadualde Campinas.Instituto de Artes. III. Ttulo.
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Este trabalho dedicado minha famlia, Bia,
Pedro, Chico e Luiza, e aos meus pais Regina
e Carlos.
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AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Ricardo Goldemberg, pela objetividade e sinceridade.
Ao Profs.Drs. Claudinei Carrasco e Rafael dos Santos, pelas dicasvaliosas.
Ao amigo Ary Colares, msico e pesquisador, pelas valiosasinformaes.
Ao Prof. Jorge Oscar, mestre e amigo, pelos ensinamentos.
Ao Prof. Dr. Marcos Cavalcante, pelo incentivo.
Ao grande msico, dolo, e amigo Sizo Machado, pelo alto-astral, pela
msica, e pelas conversas.Aos amigos Alxis Bittencourt, Goio Lima e Bud Garcia, pela amizade
de sempre, e o companheirismo nesta fase de estudos.
Aos Profs.Drs. Luciano Allegretti Mercadante e Antonio Fernando daConceio Passos, por aceitarem participar da defesa desta dissertao.
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Eu conheo este bumbo, este bumbo da Mangueira.
Jorge Benjor
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RESUMO
Este trabalho faz uma retrospectiva histrico-musicolgica do maxixe e do samba do
perodo que vai de 1870 a 1940. Nesta retrospectiva procurou-se por informaes sobre
personagens, instrumentos e aspectos musicais que se relacionassem com o desenvolvimento da
linha de baixo nestes dois gneros. Na anlise dos dados, foram definidas as formaes
instrumentais mais utilizadas e os instrumentos responsveis pela execuo do baixo, bem comosuas origens e a forma de toc-los. Na segunda parte desta pesquisa, foi realizada a categorizao
e anlise musical das linhas de baixo das msicas transcritas do perodo. Como resultado, foram
definidos padres de acompanhamento, formas de estruturao e feito um levantamento dos
instrumentos mais utilizados. Atravs da comparao das anlises, foi possvel apontar algumas
transformaes ocorridas nas mesmas, com nfase particular no perodo que o maxixe se
transforma em samba.
Palavras-chave: Samba; Maxixe; Linha de baixo; Msica; Contrabaixo.
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ABSTRACT
This work makes a retrospective analysis of the maxixe and the samba, from 1870 to
1940, from the historical and musicological point. In this retrospective, information concerningpeople, instruments and other musical aspects related to the bass line development, in these two
styles of music, was searched. In the analysis, the main group formations, the instruments used in
the bass line performance, its origins and technique were defined. In the second part of this
research a categorization and musical analysis of transcribed bass lines from the period were
made. As a result, common comping patterns, structural forms and a survey of the most used
instruments were defined. By comparison of the analysis, the main changes that occurred in the
bass lines were noted with a particular emphasis in the period that the maxixe turned out to
samba.
Keys-words: Samba; Maxixe; Bass Line; Music, Double bass.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Baixo Rtmico 23
Figura 2: Baixo Meldico 1 24
Figura 3: Baixo Meldico 2 24
Figura 4: Linha de Baixo 25
Figura 5: Baixo e Bateria 25
Figura 6: Srie Harmnica 27
Figura 7: Baixo Cromtico 29
Figura 8: Baixo Pedal 1 29
Figura 9: Baixo pedal 2 30
Figura 10: Ostinato 31
Figura 11: Polca Europia 41
Figura 12:Habanera 42
Figura 13: Surdo de Primeira 64
Figura 14: Surdo de Segunda 64
Figura 15: Surdo de Terceira 65
Figura 16: Baixaria do Choro 1 75
Figura 17: Baixaria do Choro 2 75
Figura 18: Baixo Rtmico 1 76
Figura 19: Baixo Rtmico 2 76
Figura 20: Acento do Samba 1 77
Figura 21: Acento do Samba 2 77
Figura 22: Levadas Marciais 78
Figura 23: Preparaes do Surdo de Primeira 80Figura 24: Contrabaixo no Samba 80
Figura 25: Mo esquerda, baixo+acordes 87
Figura 26: Mo esquerda, s baixo 87
Figura 28: Mo esquerda, baixo hbrido. 88
Figura 29: Amap Introduo 91
Figura 30: Amap parte A 92
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Figura 31: Amap parte B 92
Figura 32: Amap parte C 93
Figura 33: Bumba-meu-Boi Introduo 94
Figura 34: Bumba-meu-Boi parte A 94
Figura 35: As Sapequinhas Introduo 95
Figura 36: As Sapequinhas parte A 95
Figura 37: As Sapequinhas preparao 96
Figura 38: Custe o que Custar Introduo 97
Figura 39: Custe o que Custar Ponte 97
Figura 40: De Bocca em Bocca! parte A 98
Figura 41: Domingo eu vou l 99
Figura 42: Um bando de Hervas! 99
Figura 43: Os Banzeiros na Poeira parte A 102
Figura 44: Os Banzeiros na Poeira partes B e C 103
Figura 45: Ignez Introduo, parte A, e parte B 104
Figura 46: Amap piano+sopros parte A 106
Figura 47: Amap pino+sopros parte B 107
Figura 48: Amap piano+sopros Trio 108
Figura 49: Bumba-meu-Boi piano+sopros Introduo 110
Figura 50: Bumba-meu-Boi piano +sopros parte A 111
Figura 51: Bumba-meu-Boi piano+sopros refro 111
Figura 52: Bem-te-vi piano+sopros - Introduo 112
Figura 53: Bem-te-vi piano+sopros parte A 113
Figura 54: Bem-te-vi piano+sopros parte B 114
Figura 55: Bem-te-vi piano+sopros Coda 115
Figura 56: Evoh! Evoh! piano+sopros Introduo e parte A 117Figura 57: Evoh! Evoh! piano+sopros parte B 118
Figura 58: Ser Possvel partes A, B e C 120
Figura 59: Cabea de Porco parte A 121
Figura 60: Cabea de Porco parte B 122
Figura 61: Cabea de Porco frase sincopada do maxixe 122
Figura 62: gua parte A 123
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Figura 63: gua partes B e C 123
Figura 64: No Tens Corao parte A 124
Figura 65: No Tens Corao parte B 124
Figura 66: No Tens Corao parte C 125
Figura 67: Chave de Ouro parte A 125
Figura 68: S na Flauta parte A 127
Figura 69: S na Flauta notas repetidas 127
Figura 70: S na Flauta parte B 127
Figura 71: Massada - parte A 128
Figura 72: Massada parte B 129
Figura 73: Massada parte C 129
Figura 74: Corta-Jaca Introduo e parte A 130
Figura 75: Corta-Jaca parte B 131
Figura 76: Corta-Jaca parte C 131
Figura 77: Fica Calmo que Aparece Introduo 132
Figura 78: Fica Calmo que Aparece parte A 133
Figura 79: Fica Calmo que Aparece frase sincopada do maxixe 133
Figura 80: Os Oito Batutas parte A 134
Figura 81: Os Oito Batutas parte C 134
Figura 82: Os Teus Beijos Introduo e parte A 135
Figura 83: Doutor... Sem sorte parte A 136
Figura 84: Doutor... Sem sorte parte B 137
Figura 85: Doutor... Sem sorte parte C 137
Figura 86: Brincando partes A, B e C 138
Figura 87: Burucuntum Introduo, parte A e refro 139
Figura 88: Faceira parte A 140Figura 89: Faceira frase 140
Figura 90: Faceira parte B 141
Figura 91: Samba de Fato Introduo 142
Figura 92: Filosofia Baixo+percusso 143
Figura 93: Ests no meus Caderno Baixo+surdo 143
Figura 94: Na Virada da Montanha Baixo Ostinato 144
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Figura 95: Na Virada da Montanha parte A 144
Figura 96: Alegria baixo 138
Figura 97: Alegria variaes do baixo 145
Figura 98: Da Cor do pecado baixo+violo 146
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Clulas Estruturais do Baixo no Maxixe e no Samba 85
Tabela 2 Principais Padres Rtmicos de Acompanhamento do Maxixe ao Piano 89
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SUMRIO
1. Introduo 1
2. Conceitos Fundamentais 72.1 O Baixo 7
2.2 A Linha de Baixo 10
2.2.1 Aspectos Histricos 12
2.2.2 Aspectos Estruturais 18
2.3 Os Instrumentos Graves 323. O Maxixe e o Samba 37
3.1 Aspectos Histricos 37
3.2 O Instrumental 49
3.3 Linha de Baixo 72
4. Transcries Comentadas 81
4.1 Observaes 81
4.2 Partituras Impressas para Piano 86
4.2.1 Amap 91
4.2.2 Bumba meu Boi 93
4.2.3 As Sapequinhas 95
4.2.4. Custe o que Custar 964.2.5. De Bocca em Bocca! 97
4.2.6. Domingo eu vou l 98
4.2.7 Um Banho de Ervas 99
4.3 Partituras Manuscritas 100
4.3.1 Os Banzeiros na Poeira 101
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4.3.2 Ignez 103
4.3.3 Amap 105
4.3.4 Bumba meu Boi 109
4.3.5 Bem-te-vi 112
4.3.6 Evoh! Evoh! 112
4.4 Fonogramas 119
4.4.1 Ser Possvel 120
4.4.2 Cabea de Porco 121
4.4.3 gua 122
4.4.4 No Tens Corao 123
4.4.5 Chave de Ouro 125
4.4.6 S na Flauta 126
4.4.7 Massada 1284.4.8 Corta-jaca 130
4.4.9 Fica Calmo que Aparece 132
4.4.10 Os Oito Batutas 133
4.4.11 Os Teus Beijos 135
4.4.12 Doutor... Sem Sorte 136
4.4.13 Brincando 137
4.4.14 Burucuntum 138
4.4.15 Faceira 139
4.4.16 Samba de Fato 141
4.4.17 Filosofia 142
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4.4.18 Ests no meu Caderno 143
4.4.19 Na Virada da Montanha 144
4.4.20 Alegria 145
4.4.21 Da Cor do pecado 146
4.4.22 Seu Man Lus 146
4.4.23 Quem me V Sorrindo 147
4.4.24 Seu Librio 147
5. Concluso 149
6. Bibliografia 1596.1 Discografia 163
7. Anexos em udio 165
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1. Introduo
Este estudo pretende, atravs da pesquisa histrica bibliogrfica e das anlises
musicais, investigar a linha de baixo na poca em que o maxixe se transforma em samba.
Tendo dedicado toda sua vida profissional e acadmica ao estudo, execuo e
ensino do contrabaixo, e com a carreira artstica direcionada msica brasileira,
especialmente ao samba em seus vrios estilos, o autor deste trabalho almejava realizar um
estudo que contribusse para definir e ensinar a execuo deste instrumento neste gnero.
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Seguindo esta determinao, foi com o intuito de se elaborar um mtodo de contrabaixo no
samba que esta pesquisa se iniciou.A anlise dos mtodos de contrabaixo popular que atualmente se encontram no
mercado, revela que a grande maioria desses livros aborda as questes estilsticas de
maneira excessivamente superficial. O que se nota, que essas publicaes dedicam um
grande nmero de pginas a questes tericas gerais (formao de acordes e escalas,
progresses, leitura, cifras, etc.), e a exerccios e estudos tcnicos, que no possuem vnculo
direto com os aspectos interpretativos. Como raramente esses mtodos apresentam mais do
que cem paginas, no sobra espao suficiente para serem abordadas questes estruturais e
interpretativas, o que resulta em um aprendizado no qual se privilegia o como se faz em
detrimento ao porque se faz.
A questo que se eliminando o porque se faz, aprende-se um como se faz
pobre e vazio, medida que no so fornecidos ao estudante os elementos que o auxiliem a
criar suas prprias linhas, e at mesmo a desenvolver um estilo prprio de interpretao,
pois, todo o processo de aprendizado se torna meramente imitativo, focado principalmente
nos aspectos tcnicos da execuo instrumental.
Acreditando que as questes criativas e estruturais desempenham papelessencial nos aspectos interpretativos dos instrumentos que, como o contrabaixo, fazem
parte do acompanhamento na rea da msica popular, o autor desta pesquisa pensa que um
mtodo de contrabaixo que se proponha a ensinar a execuo do samba, ou de qualquer
outro gnero, no deve apenas sistematizar os padres e estilos de acompanhamento, mas
tambm, apontar suas origens histricas, discutir suas diferenas e principalmente fornecer
elementos para a elaborao de novas linhas de uma maneira independente e criativa.
Em outras palavras: nos mtodos de contrabaixo voltados para o ensino de umdeterminado gnero, a linha de baixo deve torna-se mais importante do que o contrabaixo.
Aps um primeiro levantamento foi verificado que so raros os livros ou
trabalhos acadmicos que abordem exclusivamente a linha de baixo no samba, quer sob os
aspectos histricos, ou sob os interpretativos. So encontradas apenas algumas
informaes, espalhadas em livros sobre assuntos correlatos, e mtodos de ensino de
contrabaixo que no vo alm de apresentarem, nos captulos dedicados ao gnero, alguns
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padres rtmicos estereotipados, parcas sugestes sobre a execuo instrumental, e dois ou
trs pargrafos sobre questes histricas.Com base apenas nas informaes fornecidas nestas publicaes no se
conseguiu traar um panorama satisfatrio da evoluo da linha de baixo no samba, e
houve a necessidade da realizao de uma pesquisa mais aprofundada.
Tendo em vista o tempo disponvel para a realizao do trabalho e o escopo a
que se prope uma dissertao de mestrado, o autor realizou que o levantamento de dados
histricos atravs da pesquisa bibliogrfica, a transcrio das linhas de baixo, a definio
das principais formas de estruturao e interpretao, e outros procedimentos que
embasariam e ilustrariam os aspectos didticos da pesquisa, ocupariam todo o tempo
disponvel, e que desta forma, no sobraria tempo suficiente para o cumprimento das etapas
necessrias para a elaborao do mtodo. Assim sendo foi abandonada a idia da
elaborao do pretendido mtodo, e o foco da pesquisa passou a ser o levantamento de
informaes e a transcrio e anlise de exemplos musicais, procura de um mapeamento
da linha de baixo no samba.
Faz-se necessrio apontar que, mesmo esta pesquisa no tendo resultado em um
mtodo de ensino, o autor no pode abandonar durante todo o processo, suas intenespedaggicas, pois acredita firmemente na importncia e na necessidade de trabalhos que
contribuam para um aprendizado mais sistematizado, aprofundado e consciente dos
aspectos interpretativos da msica popular brasileira, e se sentir plenamente realizado, se o
atual trabalho vier a contribuir neste sentido.
Aps esta primeira etapa, notou-se que havia a necessidade de limitar a
pesquisa a um perodo de tempo, pois dada s dificuldades encontradas no levantamento
dos dados, no se conseguiria cobrir toda a histria do samba. Desta forma foi realizado umcorte temporal, e um perodo de tempo foi escolhido. Este perodo se inicia no apogeu do
maxixe, na virada do sculo XIX para o XX, at o surgimento do samba batucado do
Estcio, no final da dcada de 1920. Os motivos da escolha desta poca sero explicados a
seguir.
Apesar de ser praticado em todo o pas, e da grande variedade de estilos em que
o samba se divide, existe um consenso entre historiadores e sambistas, de que o samba tal
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qual o conhecemos hoje, surgiu no Rio de Janeiro, no final da dcada de 1920, e se
consolidou ao longo dos anos seguintes atravs do rdio e das escolas de samba. Antes delehavia o samba maxixado, das duas primeiras dcadas do sculo XX, e o prprio maxixe, do
final do sculo XIX.
As diversas transformaes sociais, polticas, estticas e culturais que
ocorreram no Brasil a partir de 1870, influenciaram os aspectos musicais envolvidos no
surgimento do samba carioca em fins da dcada de 1920. Diversos autores se dedicaram a
estudar esta poca, e na rea da msica popular muitos trabalhos foram lanados, tendo o
samba como tema, e principalmente ressaltando a importncia do perodo para a
consolidao e desenvolvimento, no s deste gnero, mais de toda a cultura nacional.
Entre eles podemos citar: Tia Ciata e a pequena frica no Rio de Janeiro de Roberto
Moura, O Mistrio do Samba de Hermano Vianna, Feitio Decente de Carlos Sandroni e
Da Marginalidade ao Estrelato de Fabiana Lopes da Cunha. Concordando com esses
autores, sobre a importncia do perodo para a compreenso da histria do samba, e
tambm para a definio de suas prticas interpretativas, o autor desta pesquisa optou por
investigar a linha de baixo neste importante perodo.
O presente trabalho est divido em duas partes: pesquisa histrico-musicolgicae anlises musicais.
Tendo em vista a escassez de trabalhos que se dediquem linha de baixo de um
modo geral, o trabalho se inicia com um captulo que apresenta os conhecimentos e
conceitos necessrios para a compreenso de como se estruturam os baixos. Neste captulo
abordado o surgimento e o papel do baixo na msica ocidental, as suas principais formas
de estruturao, e seus principais instrumentos. Estes conceitos fundamentais auxiliam na
compreenso e na anlise da linha de baixo no samba, j que ela herdeira de vriosprocedimentos e conceitos da msica europia, alm de compartilhar elementos estticos,
histricos e estruturais com baixos de outros gneros de msica popular.
Como este primeiro captulo no est diretamente relacionado com o tema, o
leitor que se julgar conhecedor da histria e dos processos estruturais da linha de baixo na
msica ocidental, pode facilmente pul-lo.
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Devido a grande parte da msica popular no ser tradicionalmente escrita;
como os sons graves so os que mais apresentam dificuldades de captao e reproduo; ecomo o samba foi no seu incio, duramente perseguido, no havendo registro musical
algum de suas prticas at a dcada de 1920, antes da coleta do material para as anlises,
foi realizada uma pesquisa histrica com a finalidade de orientar o trabalho nos casos em
que no havia registros. O segundo captulo apresenta os resultados desta pesquisa, e
aborda a histria do maxixe e do samba, priorizando os aspectos relacionados ao baixo,
alm de descrever os processos estruturais das linhas no mbito destes dois gneros.
No terceiro captulo esto as anlises de diversos trechos musicais onde as
linhas de baixo so abordadas. Por fim so apresentadas as concluses.
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2. Conceitos Fundamentais
2.1 O Baixo
O dicionrio Aurlio (FERREIRA, 1999) indica que a palavra baixo
proveniente do latim vulgar bassu, como inflexo de baixar. Usado tanto como adjetivo,
como substantivo masculino ou como advrbio, o termo possui diversos significados,
indicando desde situao fsica: baixa estatura, de pouca extenso vertical, inclinado para o
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cho, abaixo do nvel normal, ao sul, etc.; condio moral: vil, grosseiro, ignbil, chulo,
etc.No campo dos sons e rudos, baixo utilizado tanto como adjetivo; o que
mal se ouve, ou como substantivo significando:
A mais grave das vozes masculinas; o cantor que tem essa voz; o instrumento dediapaso mais grave de cada famlia de instrumentos; a parte mais grave dasrealizaes contrapontsticas, em relao s partes superiores do conjunto e no auma voz ou instrumento de diapaso grave (Ibidem. p. 256)
Nos livros e dicionrios de msica consultados, as definies no vo muito
alm das fornecidas pelos dicionrios gerais, com exceo do Dicionrio Grove que no
verbete Bass oferece uma descrio completa do termo, da qual est transcrito abaixo o
pargrafo introdutrio:
A parte mais baixa do sistema musical, em oposio parte aguda, ou parte alta.Especificamente: a parte ou voz em uma composio executada pelosinstrumentos ou vozes de registro mais grave (parte do baixo); a regio maisgrave em um som; por conseqncia, a sucesso das notas mais graves de umapassagem ou composio (linha de baixo); o segmento mais grave da tessiturade um instrumento; a oitava ou oitavas mais baixas utilizadas em umacomposio (registro grave); aquelas notas que atuam como suporte para asoutras partes, as quais determinam identidade harmnica das sonoridades e queso as principais responsveis pelas progresses harmnicas, cadncias,modulaes e nas relaes tonais em larga escala (baixo harmnico,funcional e musical). Estes significados distintos, porm superpostos, sousualmente simplesmente chamados de baixo (bass). Eles compartilham osentido de grave (low), assim como em baixo (voz humana mais grave) ebaixo (o instrumento mais grave); baixo cognato com o adjetivo base(baixo, pouco refinado), os dois derivados do latim tardio bassus (baixo,grosso, gordo) (SADIE, 2001, vol. II p. 849).
O termo bassus em msica apareceu primeiramente por volta da metade do
sculo XV, para designar a voz mais grave das polifonias, cuja uma das designaes era
contratenor bassus. Outros nomes eram: tenor secundus, theuma tenor, basistenor e
baritonuns(Ibidem.). Aproximadamente a partir do sculo XVI a palavra bassuspassa a ser
utilizada sozinha como um nome, significando a parte mais grave de uma composio.
Neste novo sentido rapidamente surgiram dois significados para o termo, um material e
outro figurativo: o de base (base) como a parte mais baixa ou alicerce, e o de base (basis)
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como o componente principal ou princpio fundamental (Ibidem.). Ao longo da histria o
termo baixo abarcou esses diversos significados correlatos: o que fica embaixo, omais grave, a base, a fundao, o alicerce; e tambm: o fundamento, a essncia, a origem,
etc.
Por conseqncia, eram chamados apenas de baixos, independente da famlia
ou do tipo, os instrumentos encarregados de executar esta parte nas composies. Esta
prtica era bastante comum em toda msica de concerto europia at o sculo XIX, onde
baixo ou baixos eram os termos encontrados nas partituras, no ficando especificado
qual ou quais instrumentos deveriam ser empregados. Ainda nos dias de hoje, alguns
regentes ao se referirem aos naipes de violoncelos e contrabaixos dizem os baixos.
Tambm nas bandas militares e em outras formaes menores, os instrumentos graves eram
chamados indistintamente de baixos.
Na msica popular a partir dos anos 1930 o contrabaixo acstico aparece como
o principal instrumento baixo, sendo que na dcada de 1950 ele passa a ser
progressivamente substitudo pelo baixo eltrico, que hoje em dia o instrumento mais
usado. Estes dois instrumentos tambm so comumente chamados apenas de baixo. Por
conseqncia o instrumentista que toca o contrabaixo passa a se chamar baixista, formaabreviada de contrabaixista.
Tambm so chamados indistintamente de baixos os instrumentos mais graves
das diversas famlias, por exemplo: na famlia das flautas, a flauta-baixo; na famlia das
clarinetas, a clarineta-baixo (clarone), na famlia dos metais, a tuba-baixo, o trombone-
baixo, etc.
A voz masculina mais grave tambm e designada de baixo, e possui uma
extenso aproximada de E1 ao F3.E finalmente, no estudo da harmonia, baixo o nome da nota mais grave de
um acorde, independente de sua funo harmnica.
A seguir est organizado um quadro resumido das definies atribudas ao
termo baixo:
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1-A melodia mais grave em uma composio ou trecho musical, quepossui importncia fundamental na estruturao rtmico-harmnica dascomposies (linha de baixo).
2-A nota mais baixa (grave) em um acorde.3-A voz masculina mais grave, com tessitura aproximada entre o E1 e o
F3.
4-Os instrumentos que executam a linha de baixo.5-O termo coloquial para o contrabaixo.
Nota importante: Para esta pesquisa, toda vez que se fizer referncia ao
instrumento contrabaixo, sero utilizados os termos: baixo acstico para o instrumento
mais grave da famlia dos violinos, e baixo eltrico, para a guitarra-baixo. O termo
contrabaixo ser empregado genericamente a esses dois instrumentos. A palavra
contrabaixo poder tambm designar a regio ou voz que vai do C1 ao C-2.
Instrumentos de outra famlia traro juntamente o seu nome de famlia:
saxofone-contrabaixo, baixo-tuba, flauta-baixo, etc. O instrumentista que toca contrabaixo
tanto poder ser chamado de baixista ou de contrabaixista.Os termos baixo ou os baixos sero empregados como forma diminuda de
linha de baixo, ou de um modo genrico englobando todos os cincos significados da
palavra acima descritos.
2.2 A Linha de Baixo
Definido o termo baixo, ser abordado agora um de seus significados, que o
utilizado para se referir a melodia mais grave de um trecho musical, o que tambm
denominado de linha de baixo.
Situada na regio mais grave de uma composio ou arranjo, a linha de baixo
possui importante papel estrutural rtmico e harmnico. Tanto no mbito da msica erudita,
como no da popular, ela est presente em praticamente todos os gneros musicais surgidos
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no ocidente a partir do sculo XVII. Existem vrias formas e tipos de linhas de baixo, tantas
quanto os diversos gneros e estilos, mas, todas guardam semelhanas entre si na suaorigem, funo e estruturao.
A histria da linha de baixo na msica ocidental est estreitamente relacionada
histria da tonalidade, pois ela surge no final da Renascena, onde o sistema tonal maior-
menor se estabelece, e com exceo das msicas atonais, mantm sua importncia at os
dias de hoje.
No dicionrio Grove em diversos momentos esta relao explicitada:
[sobre o perodo anterior ao sistema tonal maior-menor] Finalmente, a coernciana msica tonal depende do baixo, que governa as progresses harmnicas,cadncias (portanto frases e perodos) e relaes tonais em larga-escala (portantoforma). Especialmente nas relaes em larga-escala, nenhuma base [basis] destetipo encontrada na Renascena (Ibidem. vol. II p. 849).
[Sobre o baixo contnuo] Finalmente, a tonalidade em si prpria foi um dos pr-requisitos para o aparecimento da musica instrumental erudita autnoma [...],mas, como foi visto, a tonalidade dependente do baixo (Ibidem vol. II p. 850).
O casamento do baixo com a tonalidade permanece indissolvel (Ibidem. vol. IIp. 851).
Como os sons graves so aqueles que mais enfrentam problemas de
propagao, e como os instrumentos que atuam nesta regio so difceis de serem
construdos e tocados, outros fatores que estiveram relacionados histria dos baixos
foram: o desenvolvimento das tcnicas de fabricao de instrumentos e o aprimoramento
das tcnicas de execuo. Assim, melhores instrumentos e instrumentistas permitiram
linhas mais complexas, da mesma forma que, linhas mais elaboradas demandavam
melhores instrumentos e exigiam maior domnio tcnico dos msicos. Aos poucos, os
instrumentos foram tendo sua extenso em direo aos graves e sua potncia sonoraaumentadas, isto foi fundamental num perodo em que as orquestras e as salas de concerto
se tornavam maiores. Sobretudo os instrumentos contrabaixos (contrabaixo, contrafagote,
tuba, etc.) passam a ser especialmente importantes nas grandes formaes, a partir do
perodo Clssico.
Herdeira de toda tradio meldico-harmnica da msica europia, a linha de
baixo na msica popular surgida nas Amricas, incorporou a rtmica africana,
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multiplicando-se numa infinidade de novos padres. Uma das caractersticas da msica
popular o uso dos instrumentos de percusso na marcao do ritmo, construindojuntamente com os instrumentos de harmonia e os baixos a base rtmico-harmnica,
conhecida como levada (em ingls groove), que elemento fundamental para dana. A
linha de baixo por estar intimamente ligada a estruturao das levadas, foi influenciada
pelos novos ritmos e acentos, transformando-se, sem perder, no entanto, sua importncia
harmnica e formal.
2.2.1 Aspectos Histricos
As origens da linha de baixo podem ser encontradas na Europa no incio do
sculo XVII, com o surgimento do baixo contnuo.
O estilo contrapontstico que dominou a msica europia a partir do sculo XIII
comea a declinar no final do XVI, quando surge em Florena o estilo mondico. Alguns
fatores contriburam para esta mudana: reao contra a complexidade das obras
polifnicas, o que atrapalhava a compreenso do texto; secularizao da msica levando-a
tanto para os eventos sociais festivos, como para o teatro com o surgimento da pera;
melhoria das tcnicas de construo e execuo dos instrumentos musicais.
Na monodia a composio era formada por uma melodia nica, na forma de
recitativo, acompanhada de acordes simples sustentados por uma linha de baixo. Segundo
alguns historiadores este tipo de tcnica foi primeiramente utilizada pelo compositor
italiano Giulio Caccini (c.15531618) (WADE-MATTHEWS e THOMPSON, 2002;
ISAACS e MARTIN, 1985). Uma das formaes tpicas para a interpretao das rias no
Barroco Mdio (1620-1680), era a textura de dueto ou de trio de cmara, que consistia emuma ou duas vozes solistas, de igual importncia, sobre um baixo (LINDGREN, s/d).
Neste perodo ps-polifonia as vozes intermedirias passam a ter menos
importncia, a tal ponto que os compositores fazem apenas indicaes da sua execuo
atravs de cifras, deixando ao msico grande liberdade parta improvisar o
acompanhamento. A melodia principal surge como soberana, tornando-se a voz mais
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importante, sendo seguida pelo baixo. O acompanhamento do Barroco chamado de baixo
contnuo (ou apenas contnuo).O baixo contnuo tambm conhecido como baixo cifrado, era a linha de baixo
por definio, pois incorporava todos os aspectos importantes a esta: era a base rtmico-
harmnica, possua interesse meldico e contrapontstico, e era elemento fundamental na
estruturao da forma das composies. Ele no servia apenas de base para as outras partes,
mas determinava tambm todo contedo harmnico e formal, por esta razo alguns
compositores e tericos do Barroco acreditavam ser o contnuo a obra musical
propriamente dita (SADIE, 2001).
O contnuo era geralmente executado por um instrumento de teclado, que
tocava o baixo e os acordes, juntamente cm outro instrumento grave que dobrava a linha
de baixo. Os instrumentos mais usados eram: o cravo, e o rgo para a harmonia e baixo; e
as violas da gamba, violoncelo, violone e fagote para o baixo.
Aps atravessar todo o Barroco, no incio do perodo Clssico o baixo contnuo
caiu em desuso, tanto na prtica como na teoria. Por esta poca vrios instrumentos
comeam a ser usados para realizar a linha de baixo. Nas obras mais tardias de Haydn e
Beethoven as partes de violoncelo, contrabaixo e fagote se separam, e a trompa,ocasionalmente o tmpano e excepcionalmente o contrafagote e o trombone, tambm
comeam a assumir a funo de baixos (Ibidem.). No decorrer do sculo XIX o
contrafagote e o trombone passam a ser utilizados regularmente, e alguns outros
instrumentos como a tuba, o clarone e o trompete baixo so acrescentados.
Ao final do Classicismo todos estes instrumentos graves passam a ter suas
partes separadas, designadas pelos respectivos nomes na partitura, sendo que todos podiam
desempenhar, ou no, a funo de baixo. Neste perodo eram comuns, sobretudo na msicade cmera, os cruzamentos das partes, onde algumas vezes os instrumentos baixos
assumiam a melodia principal, enquanto outro instrumento assumia o baixo (Ibidem).
A linha de baixo mantm a sua funo estrutural e harmnica durante todo o
perodo Clssico e Romntico e, no sculo XX, no mbito da msica tonal, estas funes
continuam a ser exercidas.
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Caracterstica imprescindvel ao tonalismo, o baixo na msica erudita manteve
o seu papel durante mais de 300 anos, porm, a partir do atonalismo o quadro se altera, poisno s os conceitos de marcha harmnica e cadncia se transformam, como tambm os de
melodia e forma. Como relata o Grove, o baixo deixa de ser o alicerce e o componente
principal da harmonia: No dodecafonismo e em outros tipos de msica rigorosamente
atonais, pode ser posto em dvida se o baixo ainda funciona como base harmnica e
estrutural (Ibidem, vol. II p. 851).
A msica popular nascida nas Amricas herdou vrios aspectos estruturais da
msica erudita, entre eles o tonalismo. Iniciando o seu desenvolvimento quando a fase tonal
da msica erudita atinge o seu auge, na virada do sculo XIX para o XX, a msica popular
recebeu a linha de baixo j bem estruturada e a maioria dos instrumentos graves j
aprimorados, tanto na construo quanto nas escolas tcnicas de execuo. A novidade do
baixo surgido nas Amricas est nos novos padres rtmicos e no uso de tambores,
reforando a marcao.
Uma das funes primeiras da msica popular foi servir de base para as danas
em festas religiosas e pags, e nos cortejos, procisses, marchas e outras manifestaes
coletivas. O que todas estas atividades tinham em comum, era a necessidade de umamarcao que estimulasse e cadenciasse os movimentos, fossem eles passos de dana, ou
de uma marcha. Esta marcao foi reforada pelo acrscimo de instrumentos de percusso
ao acompanhamento, formando a base rtmico-harmnica dos grupos, que conhecida
como seo rtmica. Com a mesma importncia que o contnuo na msica barroca, a seo
rtmica foi fundamental para o desenvolvimento da msica popular, estruturando as formas
e definindo os estilos.
Entende-se por seo rtmica o grupo de instrumentos que desempenham umpapel rtmico e/ou harmnico dentro de um conjunto, esse grupo de instrumentos tambm
conhecido por base, ou cozinha. Os instrumentos normalmente usados nesta seo
podem ser divididos em trs grupos: eles podem ser instrumentos de percusso (tambores,
pratos, chocalhos, etc.); instrumentos baixos (baixo acstico, baixo eltrico, violoncelo, sax
tenor ou bartono, violo sete cordas, tuba, oficlide, bombardino, trombone, etc.); e
instrumentos harmnicos (piano, rgo, violo, guitarra, acordeo, vibrafone, etc.). Sem
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um nmero definido de msicos, a seo rtmica pode variar de um a mais de trinta
componentes.Um fato que observado hoje em dia a supremacia do contrabaixo (tanto o
eltrico como o acstico) e da bateria como os instrumentos mais utilizados na seo
rtmica. No importando o estilo ou o tamanho do conjunto, esses dois instrumentos,
geralmente formando um trio com algum instrumento harmnico, esto presentes no s
nos grupos que interpretam as msicas de origem afro-pan-americana*, mas em quase
todos os grupos que produzem a msica dita popular ao redor do mundo. Ser chamado de
seo rtmica moderna o ncleo contrabaixo/bateria acrescido de um ou mais
instrumentos harmnicos e/ou de percusso.
A seo rtmica moderna apareceu e se consolidou no jazz norte-americano nas
trs primeiras dcadas do sculo XX. Algumas formas rudimentares de bateria eram
encontradas nos conjuntos e bandas desde o incio do Jazz, mas foi apenas a partir da
dcada de 1940, que o formato atual deste instrumento se definiu. J o contrabaixo dividiu
a execuo da linha de baixo com a tuba at o incio da dcada 1930, e s a partir desse
perodo que ele passa a ser o instrumento preferido dos conjuntos e bandas. A bateria e o
contrabaixo acrescidos de um ou mais instrumentos harmnicos, se tornaram osinstrumentos mais utilizados na seo rtmica jazzstica.
Pode-se dizer que o aparecimento e a consolidao do uso do contrabaixo e da
bateria na msica norte-americana foram contemporneos ao desenvolvimento e
propagao do gramofone, do rdio e do cinema. No final do sculo XIX os Estados
* Apesar do termo afro-pan-americano no ser encontrado no dicionrio Novo Aurlio Sculo XXI, eprovavelmente no ter uso corrente, decidimos utiliz-lo. Chegamos a este termo pela fuso de afro-americano com pan-americano. Segundo o dicionrio Aurlio, o adjetivo afro-americano se refere a algo
que relativo ou pertencente frica e aos Estados Unidos, ou a cultura dos afro-americanos. J o termo pan-americano, segundo o mesmo dicionrio, faz referncia a algo relativo ou pertencente a todas naes daAmrica. procura de um termo que representasse os indivduos descendentes de africanos nascidos nasAmricas do Sul, Central ou do Norte, ou a cultura produzida por estes, pensamos primeiramente em alargar osentido do termo afro-americano, onde americano se referisse no apenas aos Estados Unidos, mas atodos ou quaisquer uns dos pases das trs Amricas. Passaramos a utilizar ento afro-norte-americano,quando quisssemos nos referir aos Estados Unidos. Porm, como o termo afro-americano tem sidoamplamente utilizado com referncia cultura ou aos indivduos norte-americanos de origem africana,optamos por manter o seu sentido mais comum. Utilizaremos, ento, afro-pan-americano quando quisermosnos referir s pessoas ou coisas de ascendncia africana, porm nascidas ou produzidas em qualquer uma dastrs Amricas.
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Unidos j estavam se destacando como a maior potncia mundial, e possuam junto com
sua forte economia e indstria, um poderoso mercado consumidor. Esse mercado eraparticularmente vido pelas novidades tecnolgicas e pelo entretenimento, o que
impulsionou fortemente a recente indstria do cinema e da gravao. Os novos produtos
criados para o mercado norte-americano passam a ser exportados para todo o mundo, e os
Estados Unidos comeam a ter no cinema e nos cilindros e discos para gramofone, dois
importantes veculos de divulgao de sua msica, de sua dana e de seus costumes,
especialmente aps o trmino da Primeira Guerra Mundial. A partir da, aos poucos,
substituindo a Europa, os Estados Unidos passam a ditar as novas modas para o mundo
inteiro, tendncia que se acentuaria na dcada 1950 com o sucesso da televiso.
As preferncias e principalmente os novos produtos do mercado norte-
americano so rapidamente copiados em diversos pases e culturas, sobretudo nos grandes
centros urbanos onde a busca pela modernidade era ainda mais acentuada. Com isso, as
ltimas novidades da msica e da dana norte-americana comeam a ser tocadas nos sales
de baile, nas festas, nos cafs e nos teatros de revista das grandes cidades do incio do
sculo XX, ganhando o espao ento dominado pelas danas europias. Mas, para que
esses novos estilos pudessem ser executados com perfeio, seus instrumentoscaractersticos deveriam ser utilizados e, desta maneira, os instrumentos dos conjuntos e
big-bands que tocam o jazz se difundem pelo mundo, entre eles estavam o contrabaixo e a
bateria.
Aps este primeiro momento, por influncia do jazz, a predominncia do uso
do contrabaixo e da bateria na seo rtmica dos grupos de msica popular viria a se
consolidar com o aparecimento do roque, a partir da dcada de 1950.
Ao longo de seus cinqenta anos de histria, a sonoridade do roque esteverelacionada s guitarras distorcidas e aos vocais gritados ou sussurrados, que simbolizavam
a rebeldia, o no-conformismo e o descontentamento, caractersticos do universo dos
jovens, e por isso, possuam grande apelo junto ao pblico, fato observado ainda hoje.
Porm, para que essas guitarras e vocais pudessem se exprimir com fora e energia, em
uma msica vibrante e muitas vezes danante, uma base rtmico-harmnica consistente era
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necessria, e o contrabaixo eltrico e a bateria se mostraram os instrumentos perfeitos para
essa funo.No por coincidncia a bateria e contrabaixo chegaram at o roque, eles foram
herdados das big bands, bandas de baile e grupos de jazz e blues, todas essas formaes
importantes na gnese deste gnero. A bateria, que j estava bem definida poca do
nascimento do roque, encontrada em todos os grupos, em todas as pocas e em todos os
estilos de roque. Com o contrabaixo no foi diferente, sendo que na dcada de 1950 ele era
utilizado na sua verso acstica, e a partir da, predominantemente na sua verso eltrica.
Conclui-se ento, que na primeira metade do sculo XX por influncia do jazz,
e na segunda metade por influncia do roque, o contrabaixo e a bateria se estabeleceram
mundialmente como os instrumentos mais utilizados na seo rtmica, em todas as formas
de msica popular.
Cabe acrescentar que alm do roque, todos os estilos afro-americanos que
surgiram da dcada de 1950 para c, possuem o contrabaixo e a bateria em suas formaes.
Atualmente com o rap e com a msica eletrnica, o som e os padres rtmicos desses dois
instrumentos continuam a servir como base, ainda que executados por samplers ou
seqenciadores.Instrumentos extremamente versteis, o contrabaixo e a bateria formam um duo
que pode ser empregado para a execuo de quase todos os estilos de msica popular, no
s a de origem norte-americana. Utilizados em um primeiro momento para a execuo dos
ritmos afro-americanos ao redor do mundo, eles foram prontamente empregados, atravs
da criatividade de seus executantes, tambm na interpretao dos gneros nacionais de
diversos pases. Adaptando-se bem aos mais variados ritmos da msica caribenha e
brasileira, so bastante difundidos nas Amricas do Sul e Central.Uma caracterstica importante da seo rtmica a liberdade que os msicos
tm de criarem o acompanhamento. Normalmente a parte dos instrumentos de base no
vem escrita nota por nota, e sim apenas so indicados os acordes por meio de cifras, e
definido o ritmo conforme o estilo. A partir destas indicaes que os msicos aplicam um
determinado padro rtmico a uma harmonia, estruturando a base do que chamamos de
levada, batida, ou em ingls, groove. A levada fundamental na definio dos
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estilos da msica popular, sendo que muitas vezes ela o nico elemento de diferenciao
entre um estilo e outro.A linha de baixo fundamental na estruturao da levada, e ela normalmente
executada pelo contrabaixo e pelo bumbo da bateria. Colocando de uma forma simples, o
baixista toca os baixos dos acordes no mesmo ritmo do bumbo da bateria, improvisando a
linha de baixo na hora, e promovendo a unio dos elementos rtmicos com os harmnicos.
No seu livro de arranjo Ian Guest faz um resumo dessa funo do
contrabaixista:
O contrabaixo executa o som mais grave da orquestra. encarregado, dentro daseo rtmico-harmnica, de tocar os baixos dos acordes, e notas de passagemque soam bem com os mesmos. Ao ler as cifras, o baixista usa o seu livre critrio,no s na escolha dessas notas, mas tambm na figurao rtmica, integrando-sena pulsao da msica (GUEST, 1996, p. 69).
A boa interao entre o baixista e o baterista fundamental para o bom
desempenho da seo rtmica, e ao longo da historia algumas duplas desses instrumentistas
se tornaram famosas pelo entrosamento e sungue.
2.2.2 Aspectos Estruturais
Se em harmonia o baixo a nota mais grave de um acorde, a linha de baixo
seria na sua definio mais simples, a seqncia dos baixos de uma progresso harmnica.
De fato, uma linha de baixo que apenas seja formada pelos baixos dos acordes, sem um
ritmo definido e sem apelo meldico, pode cumprir satisfatoriamente o papel de embasar a
harmonia, mas, normalmente ela deve ser bem mais do que isto.
Por estar situado, juntamente com a voz mais aguda, em uma das extremidades
(pontas) do espectro sonoro, o baixo facilmente percebido pelo ouvido. Este fato faz com
que compositores e arranjadores, tenham dedicado, ao longo da histria, ateno especial a
ele, pois, quando bem estruturado e belo, muito contribui para boa qualidade de uma obra.
Sendo assim, alm dos baixos dos acordes, outras notas so acrescentadas linha de baixo
com o intuito de transform-la em uma boa melodia. Notas de aproximao, ornamentos,
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inverses de oitava, arpejos, cromatismos, pedais, enfim, todos os recursos so vlidos e
devem ser utilizados, na elaborao de uma boa linha. fundamental, porm, que a linhamantenha uma de suas principais funes que a de mostrar com clareza e destaque as
seqncias dos baixos dos acordes, pois s assim ficam definidas as regies tonais e a
marcha harmnica.
Outro ponto importante o papel rtmico desempenhado pela linha de baixo.
Atravs de figuras rtmicas repetitivas (o que define a pulsao) e da seqncia das
fundamentais (o que define o ritmo harmnico), o baixo conduz temporalmente, ou seja, no
plano horizontal, o desenvolvimento das peas. Nas msicas feitas para a dana, e
conseqentemente em toda msica popular, este papel rtmico de sobremaneira
ressaltado, sendo o baixo o principal responsvel pelos acentos que definem o tempo, o
compasso e a cadncia da dana.
Alm disso, ele deve atravs dos movimentos contrrios, dobras, duetos,
respostas, ecos, etc. dialogar com a melodia principal, ora respondendo, ora contrastando,
ora acompanhando, contribuindo, para reforar o estilo e o carter da obra.
Todos os aspectos acima mencionados so comuns tanto no campo erudito
como no popular, e a partir do Barroco os relatos sobre a importncia do baixo e de como construda uma boa linha so bastante freqentes. Abaixo esto transcritas algumas
sugestes de Schoenberg de como se estruturam os baixos.
Quando no for um pedal, o baixo deve participar de cada mudana harmnica.No se pode esquecer que ele tem que ser tratado como uma melodia secundria,e que dever, portanto, mover-se no mbito de uma tessitura definida (excetoquando h intenes especiais) e possuir certo grau de continuidade. O ouvidoest acostumado a prestar muita ateno ao baixo, e mesmo uma nota curta percebida como uma voz contnua, at que a nota seguinte seja executada como
uma continuao (meldica).Em considerao fluncia, um baixo que no seja um contracanto deve fazeruso de inverses, mesmo que elas no sejam harmonicamente necessrias(SCHOENBERG, 1991 p. 112).
E no captulo Melodia e Tema do mesmo livro:
O baixo foi, anteriormente, descrito como uma segunda melodia. Isto querdizer que ele est sujeito de certa forma, aos mesmos requisitos da melodiaprincipal: deve ser ritmicamente equilibrado, deve evitar a monotonia com
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repeties desnecessrias, deve possuir certas variedades de perfil e deve fazerbastante uso de inverses (Ibidem, p.146).
Nos mtodos de arranjo de msica popular, por ser o contrabaixo o principal
instrumento grave da seo rtmica, a linha de baixo geralmente abordada na seo
dedicada a ele. A seguir esto algumas descries de sua importncia e de como estrutur-
la. No mtodo de Gordon Delamont:
Na orquestra moderna o contrabaixo ocupa uma posio nica. Ele muitoimportante por trs aspectos: rtmico, harmnico e meldico. (Ritmicamente) Aimportncia do contrabaixo como instrumento rtmico inegvel [...]
(Harmonicamente) Porque normalmente o contrabaixo o alicerce (botton) daorquestra seu papel harmnico vital... A parte do contrabaixo vai geralmentedelinear a progresso harmnica. O pulso harmnico, os acentos fortes e fracos, omovimento contrrio, as cadncias, as modulaes transientes, etc. so fatoresque devem ser considerados quando escolhemos as notas do baixo.(Melodicamente) Como o baixo uma parte exposta, e porque ele fornece umalinha forte e constante, contra a qual as partes superiores usam sincopes emovimento oblquo, a qualidade da melodia do baixo importante. Curvameldica, ao e reao, resoluo de saltos dissonantes, e todos os outros fatoresdo controle meldico devem receber ateno (DELAMONT, 1965, p. 2).
Assim como Delamont, Carlos Almada (2000) no seu manual de arranjo, na
parte dedicada ao contrabaixo, tambm diz que o instrumento deve exercer as trs funesacima mencionadas, e concorda com Schoenberg em considerar a linha de baixo uma
segunda melodia, citando tambm que o uso de inverses e rearmonizaes podem ajudar
na composio de um bom baixo. Almada, ao se referir funo harmnica do contrabaixo
acrescenta algumas observaes importantes:
J a funo harmnica aparece na correta traduo do vertical em horizontal,isto , os acordes transformando-se em linhas meldicas (intercmbio com afuno meldica), atravs do uso ponderado de arpejos e inflexes. Uma boa
linha de baixo deve bastar-se harmonicamente, isto , no deve precisar de outroinstrumento toque os acordes para que a progresso harmnica seja claramentepercebida (ALMADA, 2000, p. 58).
Essa importncia estrutural limita as possibilidades criativas na hora de se
estruturar a linha de baixo.
Quando foram analisadas acima as funes do baixo, foi dito que ele deve (
obrigado a) fornecer a base para as outras vozes, e por isso de certa forma, subordinado a
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elas. Por outro lado, o baixo o fundamento da harmonia e do ritmo, sendo que a partir
dele que as outras vozes se estruturam. Estas duas funes, a de servir e a de gerar o ritmo ea harmonia, pautam as possibilidades criativas na composio da linha de baixo, pois
restringem as alternativas de variao rtmica e meldica.
Ritmicamente o baixo est comprometido com a marcao dos compassos, ou
seja, com o cho. A linha de baixo tem que definir, por meio de notas graves e precisas,
onde est o tempo, para que os demais elementos rtmicos possam se estruturar.
As restries meldicas so originadas da importncia harmnica do baixo.
ele quem define o acorde, por isso, torna-se mais importante para percepo da harmonia
do que todas as outras vozes juntas. Se no for tocado suficientemente forte, para ser
ouvido, ou suficientemente grave para fundamentar as outras vozes, no cumpre o seu
papel, e a clareza harmnica prejudicada. Quando sob um mesmo acorde, h a
possibilidade de serem tocadas duas ou mais notas, a preferncia recai sobre as
fundamentais e quintas dos acordes.
Outro aspecto importante a relao entre a potncia e a extenso dos
instrumentos graves, com a formao dos grupos. Esta relao pautou ao longo da histria
no s a escolha dos instrumentos, mas tambm, o tipo de linha realizado. Como foi ditoacima, o baixo deve ser tocado suficientemente forte para ser ouvido, e relativamente grave
para ser baixo, mas, por outro lado, ele no pode encobrir os outros instrumentos e nem
atuar numa regio muito distante dos instrumentos de harmonia.
Um ponto de grande importncia como a regio em que est situado o baixo
influencia na sua estruturao. Como foi visto acima, a partir do sculo XIX devido ao
aumento do tamanho das salas e dos grupos, houve uma demanda por instrumentos mais
potentes e graves. Com isso novos instrumentos foram criados e os j existentesaperfeioados e estendidos para atingirem a regio do contrabaixo, que est situada abaixo
do C1. Sendo assim, juntamente com os instrumentos baixos que atuavam basicamente nas
duas oitavas abaixo do C3, como o violoncelo, o fagote e o trombone, comearam a
aparecer os instrumentos contrabaixos tocando uma oitava abaixo dos primeiros, entre eles
esto o contrabaixo, o contrafagote, e a tuba.
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Ao longo do sculo XIX os compositores que originariamente apenas dobravam
a linha dos instrumentos baixos com os instrumentos contrabaixos, passam a ter apossibilidade dividir os graves das orquestras criando duas linhas diferentes. Nesse
processo surge uma linha de baixo grave, geralmente mais simples, focada na marcao
rtmica e no reforo harmnico, e outra mais aguda, com maiores possibilidades meldicas
e contrapontsticas.
Este autor acredita que esta nova maneira de compor a linha de baixo tenha dois
motivos principais. Primeiramente os instrumentos contrabaixos so maiores e mais
pesados de serem tocados, por isso oferecem mais limitaes tcnicas. Soma-se a isso o
fato das freqncias graves terem ondas muito longas, que necessitam de mais tempo e
espao para se propagarem. Sendo assim, um trecho que tocado com relativa facilidade
pelo violoncelo, torna-se virtuosstico para o contrabaixo. E ainda que o contrabaixista
tenha um bom nvel tcnico e execute este trecho com perfeio, ele provavelmente soar
menos definido, por estar situado em uma oitava mais grave. Por este motivo, as linhas
mais graves que so tocadas pelos instrumentos contrabaixos tendem a ser mais simples.
Em segundo lugar, como conseqncia, na medida em que os instrumentos
contrabaixos realizavam uma marcao eficiente, fornecendo uma base segura para toda aorquestra, os instrumentos baixos tinham liberdade de realizarem linhas mais complexas,
pois o alicerce estava garantido. Ento surge uma linha sem tantas restries e obrigaes,
que pode tanto complementar o baixo grave, como responder a melodia principal.
Esta separao do baixo em duas linhas encontrada em diversos gneros
musicais, e ao longo do tempo algumas duplas destes dois tipos de instrumento foram se
estandardizando. Citando alguns exemplos aparecem: o bumbo da bateria e o contrabaixo,
na seo rtmica moderna; as tubas e os bombardinos, nas bandas militares; o cravo evioloncelo, no baixo contnuo; e os violoncelos e contrabaixos, nas orquestras sinfnicas.
Quando os dois instrumentos no dobram a mesma linha em oitavas, e cada e
cada um dos instrumentos executa uma linha diferente, a interao entre elas deve ser bem
planejada. Os choques de notas e ritmos entre duas melodias prejudicam a compreenso do
discurso musical sob quaisquer circunstncias, e nos graves eles so particularmente
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prejudiciais. Por este motivo, a interao entre os instrumentos que realizam o baixo dentro
de um mesmo grupo fundamental para a clareza da base. necessrio apontar, que a dobra da linha de baixo pelos instrumentos baixos e
contrabaixos continuou a existir, principalmente na msica sinfnica.
Nesta pesquisa chamaremos o baixo mais grave e simples de baixo rtmico, e o
baixo contrapontstico e mais agudo de baixo meldico.
O baixo rtmico o tipo mais comum de linha de baixo, ele encontrado em
todo tipo de msica, particularmente nas melodias acompanhadas. Formado basicamente
atravs da aplicao de um determinado padro rtmico aos baixos dos acordes, o baixo
rtmico geralmente utiliza padres que se repetem a cada um, ou a cada dois compassos.
Esse tipo de linha de baixo facilita a estruturao do acompanhamento, pois conduz
ritmicamente a base atravs das repeties, e define claramente os acordes e a marcha
harmnica, j que apenas os baixos dos acordes com algumas poucas notas de passagem
so utilizados.
Abaixo est transcrito um trecho da linha da tuba do maxixe gua, onde
esto presentes apenas semnimas, e algumas alteraes do baixo dos acordes, que ilustra a
linha rtmica.
Figura 1: Baixo Rtmico
Visando o aprimoramento meldico da linha, outras notas so acrescentadas aos
baixos dos acordes, e comeam a aparecer as notas de aproximao cromtica, os arpejos e
as inverses. Desta forma a linha torna-se mais cantabile e ganha maior destaque, a sim
atuando como uma segunda melodia, surgindo o baixo meldico. A importncia na
conduo harmnica e rtmica, porm, no pode ser esquecida, e de nada adianta uma linha
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de baixo melodicamente bem feita, se ela no mantiver o seu papel de servir como base
para as outras vozes.No mesmo maxixe gua, na terceira parte aparece este baixo meldico
tocado pelo bombardino.
Figura 2: Baixo Meldico 1
Ou, neste outro exemplo, no qual o bombardino executa uma linha tpica das
baixarias do choro.
Figura 3: Baixo Meldico 2
O baixo rtmico geralmente realizado nas oitavas mais graves, entre o C2 e o
C-1, pelos instrumentos contrabaixos, e o baixo meldico em regies mais agudas no indo
abaixo do E1.
A da linha de baixo em dois tipos e o nome escolhido para classific-las, um
procedimento relativo, j que em msica o ritmo, a melodia e a harmonia, so na maioriadas vezes inseparveis e complementares. Alm disso, somente em alguns casos o baixo de
uma msica possui uma nica forma de estruturao, sendo que muitas vezes, em um
trecho musical uma linha de baixo pode apresentar todas as caractersticas acima descritas,
como no exemplo abaixo:
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Figura 4: linha de baixo
Outro ponto que merece destaque o fato de que na msica popular a linha de
baixo rtmica ser geralmente composta por dois elementos, um essencialmente rtmicorealizado por algum tambor, e outro rtmico, harmnico e meldico, realizado por algum
instrumento baixo, seja ele meldico ou meldico-harmnico.
No exemplo abaixo est representada uma linha tpica de roque,onde se pode
notar a interao do contrabaixo com o bumbo da bateria.
Figura 5: Baixo e bateria
Com relao s opes de notas que podem ser utilizadas na estruturao dos
baixos existem trs categorias bsicas: fundamentais e quintas, notas do acorde e notas de
aproximao cromtica.
Na esfera da msica popular o fato de serem usadas majoritariamente
fundamentais e quintas nas linhas de baixo (o famoso tnica e quinta) tem sido algumas
vezes, motivo de incompreenso por parte dos estudantes de contrabaixo (que acham muito
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simples um acompanhamento s com estas opes) e at mesmo de ridicularizaro pelos
outros msicos (que pem em dvida os conhecimentos harmnicos e a criatividade dosbaixistas), existem, porm, razes estruturais importantes, que levam os baixistas a
adotarem este procedimento.
Para que a linha de baixo cumpra o seu papel rtmico, na maioria das vezes so
tocadas mais de uma nota sob o mesmo acorde. Diante desta situao, normalmente o
baixista opta por repetir o baixo do acorde, a sua oitava, ou o seu quinto grau. As razes da
repetio do baixo e de sua oitava so bvias, est-se apenas reafirmando o que j foi
ouvido, mas, como se explica o uso do quinto grau?
O som um fenmeno fsico, e como tal est sujeito a uma srie de leis
matemticas e fsicas. As relaes da srie harmnica com o sistema tonal maior-menor so
bem conhecidas, e existe um consenso entre tericos, fsicos e musiclogos, de que a srie
harmnica explica a organizao meldico-harmnica da msica ocidental.
Schoenberg expressa claramente esta idia:
A nossa escala maior, a seqncia c-d-e-f-g-a-b, cujos sons se baseiam nos modosgregos e eclesisticos, pode ser explicada como uma imitao da natureza.
Intuio e combinao cooperaram para que a qualidade mais importante do som,seus harmnicos superiores (que representamos - como toda simultaneidadesonora verticalmente), fosse transferida ao horizontal, ao no simultneo, aosonoro sucessivo (SCHOENBERG, 2001, p. 61).
Ou seja, em msica se imita a natureza na medida em que o sistema tonal
maior-menor originou-se de uma propriedade fsica (natural) dos sons, que a srie
harmnica.
Partindo da teoria de que o sistema tonal um espelho da srie harmnica,
conclui-se que, se uma caracterstica vertical do som (a srie harmnica) produziu umresultado horizontal (a escala), e que algum tempo depois esta escala originou um resultado
vertical (os acordes), estes acordes devem tambm estar de acordo com a srie harmnica.
Abaixo est representada a srie harmnica do C1.
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Figura 6: Srie Harmnica
Pode-se notar que na parte baixa da srie harmnica, os quatro harmnicos mais
graves so: a prpria fundamental, sua oitava, a quinta justa, e mais uma dobra da
fundamental. Quando estas notas so utilizadas na linha de baixo, o modelo da srie
harmnica respeitado, da mesma forma quando as dissonncias dos acordes (cores) sotocadas nas regies mais agudas.
O quinto grau naturalmente ouvido juntamente com qualquer nota,
especialmente nas regies graves, e por isso torna-se neutro, no causando mudana na
funo do acorde, pois no oferece nenhuma novidade em termos harmnicos, sendo assim
pode ser includo no baixo sem restries.
Soma-se a isto o fato que do ponto de vista meldico o movimento primeiro
grau/quinto grau justo/primeiro grau, utilizado em qualquer uma de suas possibilidades
meldicas, , juntamente com os meios tons, a principal fora da cadncia
tnica/dominante/tnica, caracterstica primeira do tonalismo. Realiz-lo no baixo confere
movimento, direo e coerncia ao ritmo harmnico, sobretudo quando o quinto grau
aparece na oitava abaixo da fundamental.
A fora deste movimento fundamental/quinto grau justo oitava
abaixo/fundamental - to grande, que algumas vezes at mesmo quando o acorde possui
quinta alterada, ignora-se a alterao da quinta e toca-se a quinta justa. O mesmo ocorrendo
com acordes com o baixo alterado, nos quais so tocadas as quintas justas do baixo, e no aquinta do acorde ou alguma outra nota.
Este padro fundamental/quinto grau justo oitava abaixo/fundamental
particularmente utilizado no baixo das marchas e em todas as situaes que se necessita de
um estmulo ao movimento.
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As outras vozes da ttrade, as dissonncias e outras notas permitidas pela
harmonia, quando utilizadas em valores longos, tempos fortes, ou sem nenhuma finalidademeldica, podem confundir a percepo do acorde, pois acabam soando como um outro
baixo, modificando o acorde. Essas outras notas, porm, desempenham um importante
papel quando utilizadas como notas de aproximao, conectando os baixos; em situaes
excepcionais quando se quer destacar o baixo.
Como foi dito anteriormente, existem diversas formas de estruturao dos
baixos, e certo que muitas dessas formas so bem mais complexas do que simples
tnicas e quintas tocadas nas cabeas dos tempos fortes. Mas, o fato que todas se
originaram deste esquema, ou podem ser reduzidas a ele.
Alm das fundamentais e quintas podem-se utilizar outras notas do acorde. As
teras de um modo geral, e as stimas nos acordes dominantes e nos menores com stima
menor, so as principais escolhas. As nonas aparecem tambm com freqncia, mas
geralmente no final das frases, aps as notas mais baixas do acorde terem sido tocadas.
As notas de aproximao cromtica so um recurso importantssimo na
estruturao dos baixos, pois, quando bem utilizadas, contribuem para uma boa conduo
harmnica da linha.O ltimo aspecto estrutural abordado so os recursos utilizados por
compositores, arranjadores e baixistas para alterarem, o carter, a textura ou o efeito de um
determinado trecho, atravs da linha de baixo.
Primeiramente o baixo cromtico. O uso de cromatismos no baixo geralmente
obtido atravs da alterao dos baixos dos acordes, ou atravs da rearmonizao. No est
se referindo aqui aos cromatismos que ocorrem, por exemplo, nas notas de aproximao, e
sim na utilizao clara de uma sucesso cromtica dos baixos de uma progressoharmnica. Abaixo esto dois exemplos de baixo cromtico. No primeiro exemplo apenas
foi alterado o baixo dos acordes; e no segundo os acordes.
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Figura 7: Baixo Cromtico
Outro recurso bastante utilizado o pedal, que pode atuar, tanto tencionando
uma determinada passagem harmnica, como criando um efeito de inrcia ou repetio.
Ele pode acontecer de duas formas: a primeira quando sob um nico acorde
tocado somente o seu baixo, sem nenhuma outra nota. Geralmente isto ocorre por meio de
uma nota longa ou por uma srie de valores curtos, mas tocados de forma legato, causando
a sensao de uma nota ininterrupta.
Figura 8: Baixo Pedal 1
A segunda a definio clssica de pedal, e ocorre quando sob vrios acordes
um mesmo baixo utilizado. O detalhe que para esse tipo de recurso sortir efeito
normalmente este baixo tambm tocado, como no primeiro caso, ou com uma nota longa,
ou com uma srie de valores curtos repetidos visando dar uma sensao de uma nota longa.
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Figura 9: Baixo Pedal 2
Existem tambm o ostinato e o vamp, que so muito importantes em toda
msica popular. O termo ostinatooriginou-se no Barroco e significa em italiano obstinado,
persistente. uma linha de baixo de tamanho e complexidade varivel, que
constantemente repetida ao longo de uma composio, tanto vocal como instrumental,
formando a base para o desenvolvimento meldico, harmnico ou contrapontstico desta
composio. Originou-se provavelmente das danas, e foi um dos elementos que ajudaram
a estruturar as monodias no incio do sculo XVII. Segundo Lowell Lindgren:
Durante o Barroco Mdio esses padres (do baixo ostinato), freqentementeajudaram a estruturar as msicas do tipo ria (aria-like music), onde o baixo eracomumente andante (walking) ou danante, ou seja, constantemente movendo-seem padres rtmicos regulares com notas de valores iguais ou no padro curto-longa [...]. O efeito era quase hipntico, especialmente quando um breve ostinatoem compasso ternrio era repetido milhares de vezes sob as variaes meldicas(LINDGREN, s/d, p. 329).
No a toa que o ostinatoseja uma das formas mais comuns de estruturao
dos baixos na msica popular e mais especificamente na msica pop, pois assim como na
msica erudita, o baixo formado por padres curtos e repetitivos especialmente prprio
para as danas, finalidade primeira da msica popular. O funk, o roque, o reggae, o rap e
at mesmo a salsa, nas suas descargasfazem uso freqente dos ostinatos.
Abaixo est representado o ostinatoda clssica Take Five de Paul Desmond,
esta pequena clula pode ser repetida durante centenas de compassos sem alterao.
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Figura 10: Ostinato
O ostinato s vezes tambm chamado de vamp, mas isso no totalmente
correto. Vamp uma palavra inglesa que como um verbo significa improvisar um
acompanhamento simples para um solo instrumental ou vocal, e como um substantivosignifica um pequeno trecho tocado como preparao para a entrada de um solista.
Acontece que muitas vezes este pequeno trecho formado por um baixo ostinato, da a
confuso.
Na msica popular e no jazz, vamp so as progresses introdutrias ou
transitrias de acordes repetidos at a entrada do solista. Este recurso se tornou
particularmente comum nos musicais, aonde os cantores pelas necessidades do enredo, s
vezes, se demoravam em voltar cena, sendo que as orquestras deveriam repetir um
pequeno trecho at a entrada do cantor (vamp till ready). Em algumas formas de jazz e
msica popular (principalmente funk) uma pea inteira pode ser baseada em um vamp
repetido ad libitum(openended vamp).
Por fim, a melodia principal pode ser dobrada pelo baixo, ou tocada apenas na
voz mais grave. De certa maneira este procedimento no se encaixa na definio de linha de
baixo, mas um importante recurso de orquestrao. Este recurso pode ser utilizado, tanto
para se reforar a melodia principal, quando o baixo dobra o tema; ou como recurso para
obteno de outros timbres, quando a melodia principal tocada na oitava mais grave doarranjo.
Encontra-se tambm, embora bastante raramente o baixo formando duetos com
a voz principal com intervalos de teras, sextas, etc., ou ento, realizando o mesmo ritmo da
voz principal, mas em movimentos contrrios. Esta tcnica originria da escrita a quatro
vozes, onde soprano e baixo eram a vozes mais importantes. Na msica popular isto no
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muito comum, mas algumas vezes o baixo imita apenas o ritmo da voz principal tocando
apenas a nota do baixo do acorde ou dos acordes.
2.3 Os instrumentos graves
No dicionrio Aurlio o adjetivo grave em msica possui dois significados,
um relativo ao andamento de uma composio, e outro altura de um som: Diz-se do mais
lento de todos os andamentos; Na escala geral dos sons, diz-se da regio que se estende do
C1 ao C2. Andamento lento, vagaroso (FERREIRA, 1999, p. 1007-1008).Segundo White em seu dicionrio de udio, bass, aqui traduzido por grave,
significa:
Grave (bass) aquela poro que engloba as alturas mais baixas (lower pitches)das freqncias audveis. A extenso dos graves considerada de mais ou menos30 a 200 Hz ( WHITE, 1987, p. 31).
Transformando oitavas em freqncias e vice-versa, obtm-se o seguinte
panorama: 30 Hz a freqncia da fundamental do B-2 (corda mais grave de um baixo decinco cordas), e no limite agudo 200 hz equivale aproximadamente fundamental do G2
(corda mais grave do violino). O C1 (corda mais grave do violoncelo) vibra a 65 Hz, e o C2
(corda mais grave da viola) a 130 Hz.
A oitava indicada pelo Aurlio (do C1 ao C2) era conhecida como a grande
oitava (great octave) e geralmente a oitava mais grave dos instrumentos baixos. Os
instrumentos que atingem sons abaixo desta oitava so chamados de contrabaixos, ou em
ingls doublebasses
Estes dois termos tm razes histricas nem sempre conhecidas, o que tem
gerado confuses, sendo que ambos se originaram de diferentes sistemas de classificao
das oitavas. Primeiramente ser definido o adjetivo ingls double, e depois o prefixo
contra utilizado em vrios idiomas. As definies se encontram no Grove:
Double (duplo):Adjetivo utilizado para indicar a oitava mais grave. Assim odoublebasson (contrafagote) toca uma oitava abaixo do basson (fagote), o
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doublebassuma oitava abaixo do violoncelo e assim por diante. Este uso derivada antiga prtica de se identificar as notas abaixo da gamma ut (o sol na
primeira linha da clave de f, ou o G 1) por letras duplas: FF, EE, DD, etc. Osconstrutores de rgos ainda se referem a estas notas como double F, doubleE, etc. (SADIE, 2001, vol. VII p. 519).
Contra: prefixo que significa a oitava mais grave, provavelmente derivado daantiga prtica de se indicar as notas abaixo da grande oitava (great octave) de Ca B por traos embaixo da cifra: C, D, etc. Estes traos eram opostos (contra) aosutilizados nas oitavas agudas (c, d, f). Da a contra-oitava aquela abaixo dagrande oitava e instrumentos com este alcance eram chamados de contrabaixos.Ex. saxofone contrabaixo, clarinete contrabaixo, contrafagote e o contrabaixopropriamente dito (Ibidem, vol. VI, p. 367).
Com base nesses dados conclu-se que, contrabaixo na verdade no um nomede um instrumento, e sim o nome de uma regio do espectro sonoro que engloba as
freqncias entre 30 e 300 Hz.
O problema em relao ao tamanho dos instrumentos graves sempre foi um
obstculo a ser vencido: tubos muito largos, cordas muito grossas, caixas de ressonncia
enormes. Difceis de construir, no apenas pelos problemas impostos pela construo
propriamente dita, mas, principalmente pelas dificuldades de projeto, pois os instrumentos
tinham que ser grandes, contudo ainda assim tocveis, apresentando um nvel mnimo de
recursos. O engenheiro francs E. Leipp no livro Acoustique et Musique aborda esta
questo:
A fora humana limitada. Ora, a msica se utiliza de sons bastante graves. Paraproduzirem sons de 30 Hz suficientemente intensos a fim de serem claramentepercebidos, os pulmes no seriam suficientes nos instrumentos de sopro, e nascordas, as caixas de ressonncia seriam enormes, impossveis de seremmanejadas. A experincia do lutier J. B. Vuilhaume, que construiu umcontrabaixo enorme, o octobaixo, de 4 metros de altura, uma demonstraoclara deste fato (LEIPP, 1977, s/p).
A inveno e o desenvolvimento de novos recursos e materiais foram
fundamentais para o sucesso dos grandes instrumentos. Nos sopros, com o aparecimento
das chaves, as notas ficam mais afinadas e ao alcance dos dedos; nas cordas a inveno das
cordas recobertas com metal, permitiu uma reduo do comprimento e da grossura das
mesmas, diminuindo os instrumentos e facilitando a execuo.
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Todavia, apenas o aparecimento de novos materiais e a melhoria dos projetos
no conseguiriam sozinhos resolver o problema do tamanho, pois, pelas leis da fsica, paraque um instrumento ou uma outra fonte sonora qualquer, possa irradiar uma energia
significante, ele precisa ser to grande quanto o comprimento da onda gerada. Por este
motivo, por maiores que a tuba ou o contrabaixo sejam, eles teoricamente no so grandes
o suficiente para produzirem notas audveis nas oitavas graves.
A nota A grave do piano que vibra a 27 Hz, por exemplo, tem uma fundamental
que possui um comprimento de onda de aproximadamente 30m. Obviamente que a corda
do piano que produz essa nota no possui este comprimento, mas mesmo assim, ouvimos a
nota na oitava certa. Isto acontece por causa de um fenmeno auditivo explicado pela
psicoacstica, que a capacidade que temos de perceber a altura de um som de onda
complexa, mesmo que a fundamental deste som seja muito fraca ou esteja faltando, pois,
mesmo quando ouvimos apenas os harmnicos superiores de uma nota, ns conseguimos
reconstruir e ouvir a sua fundamental. Este um fenmeno h muito tempo conhecido
pelos tericos e construtores de instrumentos, e faz com que os instrumentos graves
produzam sons mais graves do que eles, teoricamente, seriam capazes de produzir. Em
ingls este fenmeno chamado de fundamental tracking e em francs de sensation de
hauteur.
Mesmo com os melhoramentos ocorridos ao longo do tempo, a execuo dos
grandes instrumentos, pelo seu tamanho, pela energia empregada e pela regio grave em
que atuam, ainda trabalhosa.
Primeiramente pelo tamanho. No caso da famlia das cordas, por exemplo,
facilmente perceptvel a diferena de uma escala de duas oitavas tocada em um violino,
comparada com a mesma escala tocada em um contrabaixo. O violinista quase no mexe amo de lugar, apenas os dedos se deslocam, j o contrabaixista movimenta o brao inteiro.
Em segundo lugar, as notas graves como so percebidas pela sensao de
altura, necessitam de serem tocadas com mais energia do que as agudas, para serem
ouvidas na mesma intensidade. Em outras palavras o instrumentista faz mais fora.
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E por ltimo, os sons graves so os que apresentam maiores problemas de
propagao, pois em certas situaes os graves podem se tornar embolados, o quedificulta na clareza das notas, e principalmente na afinao.
Para a composio e execuo das linhas de baixo, essas limitaes nunca
podem ser esquecidas, pois do contrrio prejudicam uma das principais qualidades de um
baixo, que a clareza.
Apesar de toda a importncia da linha de baixo para o desenvolvimento da
msica ocidental e da presena de instrumentos graves em quase todas as formaes da
msica popular e erudita, o baixo e seus instrumentos continuam a ser pouco conhecidos. O
autor afirma isto com base na sua prpria experincia, pois nos mais de vinte anos como
contrabaixista profissional, raras foram as vezes em que os observaes sobre o seu
instrumento e a funo deste dentro da msica foram pertinentes, mesmo quando proferidas
por msicos.
Fazendo uma analogia com a engenharia, e aproveitando o ttulo deste trabalho,
conclui-se que: os alicerces, tanto musicais como arquitetnicos, no despertam o interesse
das pessoas de um modo geral, apenas os iniciados que os conhecem.Espera-se que os conceitos apresentados neste capitulo tenham ajudado a um
melhor conhecimento dos alicerces sonoros da msica ocidental, e possam ser teis para a
compreenso dos aspectos musicais expostos no captulo seguinte.
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3. O Maxixe e o Samba
3.1 Aspectos Histricos
O maxixe, o samba e o choro so trs gneros musicais que se misturam na sua
origem e nas suas caractersticas musicais. Todos surgiram na cidade do Rio de Janeiro,
durante a Primeira Repblica, nas classes mdia e baixa, compostas por negros e afro-
descendentes. Com instrumentao e padres rtmicos de acompanhamento muitas vezes
idnticos, estes trs gneros compartilhavam nas suas origens, dos mesmos ambientes e dos
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mesmos msicos. Analisando-os hoje em dia, nota-se que as diferenas entre eles, podem
estar apenas em um detalhe, como o andamento, a forma ou o arranjo.Na metade do sculo XIX, antes do aparecimento de qualquer um desses
gneros, as manifestaes musicais populares se dividiam em dois grandes grupos: um que
reunia as msicas de origem europia, e outro, as de origem africana. Desta forma, em um
grupo estavam as polcas, mazurcas, valsas, schottiches,quadrilhas, habaneras, entre outras,
todas elas danas da moda na Europa, executadas em um primeiro momento ainda com
partituras e interpretao europias; e em outro grupo, as manifestaes musicais africanas:
o cucumbi, o jongo, o batuque, a umbigada, as msicas do candombl, etc., que muitas
vezes, mesmo que bastante modificados dos seus originais africanos, eram executados
quase que exclusivamente por africanos e seus descendentes. Essas msicas, europias e
africanas, eram consumidas respectivamente pela classe alta e a aristocracia, e pela classe
baixa de negros forros e escravos.
Entre essas duas classes sociais, surge ao longo do sculo XIX, uma nova classe
mdia, composta por brancos mais pobres, negros libertos e remediados, e principalmente
mestios afro-descendentes. Esta nova classe, totalmente cosmopolita, visava ascender
socialmente, e por este motivo imitava as modas e os gostos da classe alta, mas, por serfortemente influenciada pela cultura negra, e tambm por uma srie de tradies populares
europias trazidas pelos imigrantes pobres, mantinha vrios costumes e tradies de seus
lugares de origem.
A classe alta, francamente europeizada, consumia, mas no produzia a sua
prpria msica, seja executando ou compondo. A ocupao de msico era considerada um
trabalho manual qualquer, e por isso era desprezada pelos homens de bem que se
ocupavam apenas das funes, burocrticas, administrativas e intelectuais. Por este motivo,a msica no Brasil foi confiada primeiramente aos negros, na msica de barbeiros dos
tempos coloniais; e posteriormente aos negros e mestios atravs dos chores e das bandas
militares da Primeira Repblica.
Esses msicos, na sua maioria pertencentes s classes mdia e baixa, passam a
executar os ritmos europeus em ambientes mais populares, aonde o povo comea a dan-
los sua moda, com gestos e movimentos francamente africanizados. Atrs do gesto, do
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movimento, vem a msica, alis, seguindo uma tradio africana, onde no s os msicos
estimulam dana, mas tambm os bailarinos transformam a msica, atravs de um dialogoimprovisado.
Assim nasce o maxixe.
Apesar do preconceito da sociedade da poca, contra sua dana indecente (que
na verdade estava muito mais relacionado sua origem mestia e pobre), o maxixe se
desenvolve, passa a ser executado nos teatros e sales da alta sociedade, e divulgado nas
casas de famlia atravs das partituras editadas para piano.
Nos primeiros anos do sculo XX o fongrafo vira um bem de consumo
acessvel, Fred Figner cria a Casa Edson, e j em 1897 comea a gravar msica brasileira,
impulsionando o consumo de msica e estimulando assim, a profissionalizao dos msicos
e a criao de novos grupos.
O maxixe vira sucesso mundial atravs dos ps do bailarino baiano Duque, e
em 1914, Dona Nair de Teff mulher do Mal. Hermes da Fonseca, ento presidente da
Repblica, executa o maxixe Corta-Jaca de Chiquinha Gonzaga no Palcio do Catete.
Paralelamente ao sucesso do maxixe, agora aceito e consumido por todos os
setores da sociedade, continuavam nos morros, terreiros e fundos de quintal das casas debaixa renda, as manifestaes da cultura africana, como os batuques e umbigadas, as rodas
de capoeira e pernada, e os cultos religiosos. Essas manifestaes eram perseguidas pela
policia e pela igreja, que as associavam marginalidade e vagabundagem.
A classe mdia baixa cresce com aumento das possibilidades de ascenso
social proporcionadas pelo comrcio e pela indstria. Esta perspectiva de melhoria de vida
atrai gente do Brasil inteiro, principalmente negros vindos das regies rurais. Dentre esses
negros que chegam Capital, os de origem baiana tiveram importante papel na organizaosocial deste contingente e na manuteno das tradies africanas, criando o que se tornou
conhecida como a pequena frica no Rio de Janeiro.
A partir da dcada de 1920 uma onda nacionalista se inicia na poltica, nas artes
e na cultura, e em busca de valores e produtos que pudessem representar a alma do povo
brasileiro, destaca-se o samba, ainda tocado de forma maxixada. O preconceito com as
manifestaes de origem negra diminui, e um grupo de compositores oriundos do bairro
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carioca do Estcio, tradicional reduto de malandros e desocupados, comea a se tornar
conhecido fora de seu gueto, transformando a maneira maxixada de se fazer o samba, nosamba batucado.
Nascia assim, o samba como conhecido hoje.
Com o aparecimento e o sucesso do rdio, e o apoio do governo no Estado
Novo, o samba carioca se consolida como msica nacional, e passa a ser produzido e
executado em todo o pas.
O perodo histrico relatado acima vai aproximadamente de 1850 a 1940; a
transformao das danas europias em maxixe se d em algum momento antes da virada
do sculo XIX para o XX; e do maxixe em samba, a partir da dcada de 1920.
Aps este