Um pas fictcio da Amrica Central. Um tesouro que os
ndios maias querem doar ao governo em troca de
benfeitorias. O irmo do presidente raptado em troca do
tesouro.
1968 Lou Carrigan Publicado No Brasil Pela Editora Monterrey
Ilustrao De Capa: Bencio JVS - 400612 400731
CAPTULO PRIMEIRO Prova de identidade
Um tesouro maia
Seqestro
Boa inteno
Por toda luz, a que proporcionava uma pequena lmpada
de base flexvel, que dava diretamente sobre o carro da
mquina de escrever, na qual via-se uma folha de papel
escrita at a metade. O teclar era velocssimo, suave,
ouvindo-se apenas no luxuoso escritrio o leve zumbido
eltrico do motor da mquina quando as teclas ficavam
momentaneamente em repouso. Sobre o teclado, duas mos
belssimas, esguias, de um tom que parecia ncar dourado.
As unhas no eram muito longas e pareciam recortadas em
madreprola, magnfico remate de uns dedos afilados, geis,
perfeitssimos. Em todo o escritrio, um perfume sutil, que
sugeria o de uma rara flor no existente em nenhum lugar
do mundo. Sobre uma poltrona, na penumbra, um diminuto
cozinho de raa chihuahua, enroscado, dormitava, vez por outra movendo as agudas orelhas.
No princpio da pgina escrita estava o titulo daquele
rascunho, que depois se converteria num grosso volume,
num verdadeiro tratado que forosamente seria muito
interessante, pois que a pessoa que o escrevia tinha mais
conhecimentos que ningum sobre o assunto, O titulo era
Declogo do Espio. Eis o que estava escrito: Em nosso tempo, a espionagem torna-se uma
atividade cada vez mais comum. Estende-se por
isso a necessidade sempre crescente por parte de
pases, empresas particulares e at mesmo
pessoas, ele possuir informaes a respeito de
outras pessoas, seus projetos suas idias, suas
tendncias. Deste modo, existe a espionagem
poltica, militar, industrial, cientfica.
Tendo-se em conta o progresso considervel
verificado em todos os setores da atividade
humana, compreende-se que a espionagem sela
utilizada como arma poderosa, capaz de fazer
triunfar ou fracassar aquele.s que, de um ou de
outro modo, dependem no s de suas
possibilidades ou talento, mas da capacidade dos
demais em qualquer ramo do conhecimento.
Como conseqncia dessa vigilncia mtua
estabelecida em torno de qualquer criao ou
ideologia, surge uma concorrncia desleal
generalizada. Assim, por exemplo, a descoberta de
determinada vacina num pas pode provocar um
surto de espionagem, mais ou menos intenso
segundo a importncia atribuda dita vacina. De
um modo geral, o espio tem como misso bsica
a obteno de informaes para o pas que paga
seita servios; ou, tambm, para seu pas de
origem, considerando-se a existncia de espies
que ainda trabalham pelo que se chama
idealismo.
De qualquer forma, o espio profissional
deveria reger-se por um declogo, por dez regras
normalizadoras de sua atuao. Tais regras, no
meu entender, so as que se seguem.
Primeira: a morte no , necessariamente,
um...
A discreta batida na porta do escritrio fez com que
parasse o teclar. Por cima das mos belssimas, ouviu-se a
voz da exmia datilgrafa, em tom levemente irritado.
Entre, Peggy! A porta se abriu e a graciosa empregada nica da maior
espi de todos os tempos surgiu no limiar.
Uma visita, miss Montfort. Eu disso que no estava para ningum, Peggy. Tenho
trabalho.
Eu sei... Mas o cavalheiro que quer v-la assegura que o motivo de sua visita da maior importncia. Disse,
tambm, que vem da parte de um grande amigo seu.
Que amigo? Isso ele no disse. Ele... Est armado? O detector no acusa a presena de arma alguma. Bem... Est bem... Que entre. Mas se dentro de cinco
minutos no tiver sado, venha avisar-me que estou sendo
esperada com urgncia no Jornal. Entendido?
Entendido. Peggy desapareceu. Voltou segundos depois
acompanhada de um homem, o qual recebeu em cheio a luz
da lmpada, quando as bonitas mos a dirigiram para a
porta. Era um homem de trinta anos, cabelos pretos, olhos
da mesma cor, boca bem desenhada e simptica, embora de
expresso tristonha, queixo slido, firme. De estatura
elevada, era delgado e tinha ombros estreitos. Parecia um
pouco ossudo e de modo algum parecia que o esporte fosse
sua atividade favorita. Corretamente vestido, exibia uma
elegncia natural, inata: um desses homens que, vistam o
que vestirem, esto sempre bem.
Seorita Brigitte Montfort? perguntou em castelhano.
As es respondeu ela no mesmo idioma. Lhe agradeceria que fosse breve, seor...
Amadeo Torrealba. Lamento t-la interrompido... Eu tambm lamentarei se o motivo de sua visita no
for to importante quanto disse. Faa o favor de sentar-se.
O chamado Amadeo Torrealba voltou-se um tanto
timidamente para Peggy. Segurou a porta, olhou para ela e
fez meno de fechar. Peggy compreendeu e, como no
houve contra-ordem por parte de Brigitte, afastou-se.
O visitante fechou a porta, sentou-se numa poltrona e
ficou olhando para trs da lmpada, lugar onde devia
encontrar-se a dona da casa.
Hmmm... Antes de mais nada, devo dizer-lhe que no venho procura de miss Montfort, mas da agente Baby da CIA.
No sei se o compreendo, seor Torrealba. Acredito que sim. A coisa muito simples: estou em
grande dificuldade e um amigo comum assegurou-me que
s uma pessoa me poderia ser de auxilio.
Eu? Quero dizer a espi chamada Baby. Quem esse amigo comum, seor Torrealba? Chama-se Nataniel. Mas quando o conheceu, em
Capri, seu nome era Nathan1.
1 (ver UM EPISDIO EM CAPRI)
Creio que no sei o que est dizendo, seor Torrealba mentiu Brigitte.
Nataniel advertiu-me que no seria fcil convenc-la. Entretanto, se me permite, tentarei. Quer dizer, o prprio
Nataniel o tentar por meio de uma carta que trouxe comigo
para entregar-lhe.
Uma carta para mim ou para essa agente Baby? Leia a carta sorriu Amadeo Torrealba. Depois
poderemos prosseguir com o assunto. Est de acordo,
seorita Montfort?
Acho que no perderei muito tempo lendo uma carta. Uma das bonitas mos apareceu na luz, apanhou a carta
apresentada por Torrealba e desapareceu. Depois, no
escuro, viu-se um delgado raio de luz violcea, que
percorria lentamente as bordas do envelope, bem como o
brilho de uma poderosa lupa de forma circular.
A carta no foi aberta nem falsificada explicou amavelmente o visitante. Asseguro-lhe que genuna sob todos os aspectos.
Ouviu o rasgar do envelope. Depois uma folha branca
apareceu na luz, em cima da mquina de escrever. E ouviu-
se a voz da espi da CIA:
Querida Baby: Envio-lhe um amigo autntico, um homem que
merece quanto auxlio voc lhe puder prestar. Seu
nome Amadeo Torrealba. Incluo sua fotografia e
impresses digitais, assim como um trecho de
carta por ele escrita, para que voc possa fazer as
devidas com provaes. Ele est ao corrente de
nossa amizade e das circunstncias memorveis
em que esta nasceu. Poder responder a todas as
suas perguntas. Se der alguma resposta errada,
no se tratar de Amadeo Torrealba, por muitas
que sejam as provas em apoio dessa pretenso.
Uma vez dito isto, fica bem claro que minha
confiana nele total e ilimitada. Tambm posso
garantir que Amadeo Torrealba jamais trair a
agente Baby. Peo-lhe, que uma vez comprovada sua identidade, confie nele como o
faria em mim mesmo, e que o ajude desse modo...
diablico que a distingue de qualquer outra espi.
Compreendo que lhe acarretemos grande
incomodo, mas voc bem sabe que eu faria o
mesmo por Baby, se a situao fosse inversa. Naturalmente, tambm eu sou um espio
magnfico, mas no posso ausentar-me de meu
pais, no momento, j que se esto realizando
reunies polticas da maior importncia, que
exigem toda a minha ateno. S em voc me
atrevo a confiar e peo-lhe que, se nada puder
fazer por Amadeo, comunique-me imediatamente
a fim de que eu possa ajeitar as coisas da melhor
modo possvel para ajudar meu grande amigo.
Sempre seu,
com amor,
NATANIEL
Parece-lhe convincente? perguntou Torrealba. Sem dvida. Quanto fotografia, sua
evidentemente. Tenha a bondade de escrever alguma coisa
neste papel.
Amadeo Torrealba apanhou a folha, sacou uma caneta e
escreveu qualquer coisa, rapidamente. O papel desapareceu
na sombra atrs da limpada e novamente soou a voz de
Brigitte:
S falta confrontar minhas impresses digitais.
Estou as suas ordens, Baby. Muito obrigado. Amadeo Torrealba
So palavras muito infantis, no acha? sorriu o visitante.
O que interessa a forma, no o contedo. Tenha a bondade de colocar os dedos sobre este vidro, apertando
suavemente.
Torrealba viu aparecerem agora as mos e os braos,
aps ouvir o clssico deslizar de uma caixa. Comprimiu os
dedos contra a lmina de vidro, depois se recostou na
poltrona. A luz da lmpada dirigiu-se caixa com tampo de
vidro, sobre a qual foi assestada a mesma poderosa lupa.
Junto caixa, uma folha de papel na qual estavam
claramente impressas dez impresses digitais.
Parece mesmo que o senhor Amadeo Torrealba. Sem nenhuma espcie de dvida. Bem... Passo a ouvir. A luz da lmpada se apagou e, simultaneamente,
acendeu-se a do escritrio, iluminando tudo. Amadeo
Torrealba, que se dispunha a acender um cigarro, ficou
Imvel, com a boca aberta, olhos arregalados, olhando para
a lindssima jovem que tinha reflexos de ouro em sua pele e
que sorria para ele, do outro lado da mesa, ataviada
unicamente com um sumarssimo biquni vermelho.
Santo Deus!
Surpreendido, se fiar Torrealba? No lhe disse Nataniel que eu era a mulher mais bonita do mundo?
Sim... Disse, sim... Mas pensei que fosse exagero... E agora? Bem... Agora vejo que Nataniel no soube descrever
sua beleza...
Muito amvel riu Brigitte. Quer tomar alguma coisa?
Perignon 55, talvez, seorita Montfort? Oh... Muito bem: primeiro ponto a seu favor.
Tomaremos champanha.
Muito gelada, no isso? timo aprovou Baby. J marcou dois
pontos...
Ouviu-se a batida na porta. Brigitte autorizou a entrada e
Peggy tornou a aparecer.
Miss Montfort, hora de... Esquea isso, Peggy. E traga-nos champanha. Imediatamente. A porta fechou-se. Torrealba deixou de olhar para l e
fitou o diminuto chihuahua, que tambm parecia observ-lo, espetando as orelhas.
Suponho que seja o Ccero comentou. Terceiro ponto, seor Torrealba sorriu Baby.
Mas no exagere: um excesso de conhecimentos sobre
minha pessoa poderia fazer-me desconfiar. Qual o caso?
Suponho que ter alguma importncia poltica...
internacional.
Lamento. Trata-se apenas de uma questo interna de meu pas. Seja qual for seu desenlace, tudo continuar igual
no mundo. Entretanto, preferia que o resolvesse de modo
que, embora s em beneficio de meu pas, continuasse
havendo paz.
Uma formosa palavra. J h alguns anos venho lutando para que seja uma realidade. Espero que no se
engane a meu respeito, seor Torrealba: meu aspecto de
mocinha simptica no significa nada.
Sei muito bem que, se o achasse justo, me mataria tranqilamente, sem hesitao. Nataniel explicou-me sua
personalidade. Est disposta a ajudar-me?
Ao senhor ou a seu pas? A mim. Ser o mesmo que ajudar a meu pas. Compreendo. Qual esse pas, seor Torrealba. Maia Caribe... J ouviu falar? Muito pouco. um pais pobre, perto do Mxico, no
litoral do Caribe. Sem inteno de ofend-lo, seor
Torrealba, suponho que seja um pas insignificante.
No para mim, miss Montfort. Naturalmente. Que acontece em seu pas? Mmmn... Certamente, j ouviu falar dos Maias... Mais que de seu pas riu Brigitte. Imagino que
em Maia Caribe existam alguns milhares de ndios maias,
ainda um pouco primitivos... No exato?
No to primitivos, miss Montfort. Pelo menos, compreenderam a importncia que tem para o pas, e para
eles mesmos, uma melhoria do sistema nacional de direitos.
Ah... Est-me dizendo que seus ndios compreenderam a vantagem que para eles representaria
serem autnticos cidados de Maia Caribe, legalmente
reconhecidos, com direito a voto etc... etc...?
exatamente o que estou dizendo.
timo, eles esto preparados para ser cidados com
plenos direitos?
Se no esto, bem que o merecem. De qualquer modo, receio que os lese um pouco... claro que tenciono
assinar o pleno reconhecimento de seus direitos, mas a
riqueza que do em troca no creio que lhes traga os
benefcios que esperam.
Que riqueza? A que colocaram minha disposio. No estou compreendendo, desculpe... J percebi que
o senhor o chefe nacional de Maia Caribe, e que pensa
favorecer os ndios de seu pas. Acho isso uma grande
idia... Mas, entendi mal, ou disse-me que eles possuem
uma riqueza?
Algo assim como dez milhes de dlares. Brigitte ficou espantada.
Seus ndios possuem dez milhes de dlares? Incrvel!
um tesouro. Um...? Data de vrios sculos. Um desses remotos e
discutveis tesouros dos ndios maias, que permaneceu
oculto em certo lugar: ouro, pedras preciosas, prolas...
Ora, vamos, seor Torrealba, por favor... Eu o vi. Viu? Com meus prprios olhos sorriu Torrealba.
Pode crer, miss Montfort: vi esse tesouro, toquei-o com
minhas mos. Garanto-lhe que existe. s ir busc-lo.
E deseja que eu o v buscar?
No. Eu o colocarei em suas mos e lhe pedirei que o leve a um lugar que ainda no me foi indicado.
Acho que o senhor est comeando pelo fim. Ou ento estou num de meus dias opacos, pois no consigo
compreender...
A histria simples: os ndios maias enviaram-me dois emissrios, dois chefes da maior categoria, que me
pediram audincia e falaram do tesouro que me queriam
entregar, porque sabiam que eu era bom e seria justo com
eles. Queriam... ajudar-me a erguer o pas.
Com dez milhes de dlares? estranhou Brigitte. Tudo relativo neste mundo sorriu Torrealba.
O que para uns uma insignificncia, para outros pode ser
vital. Neste caso, seria realmente importante para Maia
Caribe um ingresso de dez milhes de dlares. Alm disso,
considerado como uma coleo de peas de arte maia, esse
tesouro poderia ser vendido por um preo bem maior.
Compreendo. E estou de acordo. Continue, por favor. Entregaram-lhe o tesouro?
Mostraram-me onde est. Como disse, resta apenas ir busc-lo.
Muito bem. Mas no vejo nenhum problema, francamente.
Tenho um irmo, miss Montfort. Chama-se Carlos. um rapaz algo extravagante... Mas, repito, tudo relativo:
talvez Carlos seja considerado extravagante unicamente
pelo fato de ser eu demasiado circunspeto...
Peggy entrou com a bandeja que continha um balde de
prata e duas taas. No balde, entre cubos de gelo, a garrafa
de champanha. Amadeo Torrealba permaneceu em silncio
enquanto ela enchia as taas, depois estendeu a mo para
receber a sua.
Brigitte sorveu um gole da bebida geladssima, olhos
atentamente fixos no inesperado visitante.
Prossiga. Estava dizendo que seu irmo extravagante, ou que produz essa impresso porque o
senhor demasiado circunspeto. Que mais?
Bem... O fato que tenho grande estima por ele. natural. Na verdade, meu meio-irmo, filho da segunda
mulher de meu pai.
No importa. Continua sendo natural. Eu no tenho famlia, entretanto, gosto de todo o mundo. Um irmo por
parte de pai ... muito irmo. Que acontece de especial com
ele?
Desapareceu. Houve um rpido claro de surpresa nos maravilhosos
olhos azuis de Baby. Tomou outro gole de champanha, antes de murmurar:
Desapareceu... E tem Isso alguma relao com o caso do tesouro mala de que me falou?
Amadeo Torrealba assentiu sombriamente.
H trs dias recebi uma mensagem: em troca da vida de meu irmo, era-me pedido o tesouro maia.
Brigitte entrecerrou os olhos, talvez por no querer que
Torrealba percebesse o interesse profundo com que o estava
escutando.
Assombroso... murmurou. Raptaram seu irmo e, como resgate, pedem-lhe um tesouro maia no valor de
dez milhes. Bem, isto parece uma questo de... deciso
prpria, seor Torrealba. O senhor tem o tesouro maia e
algum tem seu irmo. Sabe onde est, ou quem o
seqestrou?
No. Receberei instrues dentro de dois ou trs dias. Quantos anos tem seu irmo? Vinte e cinco. Oh... Bem, no sei que dizer, seor Torrealba. Veio,
talvez, pedir-me um conselho?
No. Como bem disse, para tomar essa deciso no necessito de conselhos de nenhuma espcie. Quero...
quisera que encontrasse meu irmo antes de que eu me veja
obrigado a entregar o tesouro maia, que tanto beneficiaria
meu pais.
Quer salvar o seu irmo e o tesouro maia... isso? Exatamente. Fui a San Nataniel para entrevistar-me
com Nataniel. Sei que ele seria capaz de encontrar Carlos.
Mas, realmente, est muito ocupado atendendo a questes
importantes em seu pais, de modo que, sem hesitar, disse-
me que aqui viesse pedir seu auxilio. Assegurou-me que
Baby s no capaz de conseguir o que no se propuser. E deseja que me proponha livrar seu irmo de seus
raptores antes de se ver obrigado a entregar o tesouro maia.
Sim. Brigitte ficou pensativa uns segundos, antes de indagar:
Compreende, seriar Torrealba, que seu procedimento irregular fazendo esta solicitao a uma agente da CIA?
Sugeriu-me Nataniel que lhe pedisse para considerar isto como um... trabalho particular. No vejo motivo para a
CIA intervir no caso. Mas Baby sozinha, sem comunicar a ningum, de um modo inteiramente particular... Suplico-
lhe: no me negue sua ajuda.
Compreenda que isto me coloca numa posio...
Nataniel disse-me que nem a CIA, nem mesmo os Estados Unidos tm para Baby uma importncia... especial: que luta a favor de ambos porque o merecem, de
acordo com seus pontos de vista. Mas que, acima de tudo, a
agente Baby luta sempre a favor de quem tem razo... No lhe pareo merecedor de sua ajuda?
Para lhe ser franca, no sei. Qual exatamente a sua inteno?
Salvar a vida de Carlos, ajudar meu pas e, ao mesmo tempo, ajudar alguns milhares de ndios, que por meio de
seus chefes mais respeitados decidiram formar realmente
parte de Maia Caribe. Isso significa que eles vivero melhor
em todos os sentidos. Se eu no puder dispor desse tesouro
mala, miss Montfort, as coisas continuaro como at agora...
Ou seja, muito ruins. No? Para os habitantes de Maia Caribe de um modo
geral... e para os ndios em particular. Eles o necessitam
muito mais que os brancos mestios: um novo sistema de
vida, de educao, de trabalho... Dois de seus chefes deram
o primeiro passo e eu... no gostaria de ludibri-los. Seria
como... roubar-lhes esse tesouro que durante tanto tempo
mantiveram oculto. No sei se compreende o que significa,
em toda a sua extenso, o fato de que eles tenham decidido
entregar-me essas relquias...
Em primeiro lugar, significa que esto vendo muito de perto as vantagens da civilizao. Alm disso, evidente
que confiam de um modo absoluto no senhor, em sua
palavra, em seus planos para o futuro, em sua bondade para
com eles... Colocaram no senhor toda sua confiana. Numa
palavra, esperam do chefe de Maia Caribe sua prpria
salvao.
bem como diz, miss Montfort. Vai-me ajudar? Brigitte terminou sua taa de champanha em silncio e,
durante alguns segundos, permaneceu pensativa. Por fim,
olhou para Torrealba:
Diga-me uma coisa: entendo que o senhor, para salvar seu irmo, entregaria esse tesouro maia?
Sim. Receio... receio que sim. Em cujo caso, seu pas continuaria impossibilitado de
progredir... e algum se transformaria num milionrio do
dia para a noite.
Sem dvida... Est bem. Temos ainda muito que falar, seor
Torrealba. E amanh a agente Baby partir para Maia Caribe animada da boa inteno de salvar esse tesouro
maia.
CAPTULO SEGUNDO Uma cabana no meio da mata
Espionagem indgena
Uma idia melhor?
Conforme o combinado com Amadeo Torrealba numa
conversa que durou quase at a uma da madrugada, a agente
da CIA profissionalmente conhecida como Baby, em misso de carter estritamente pessoal, chegou ao aeroporto
de Ciudad Caribe num avio misto de carga e passageiros,
j que to-somente aparelhos desta classe faziam escala na
capital. O que era facilmente compreensvel: apenas uma
vez em cada dez dias saltava um passageiro para ficar.
E assim, pelas cinco e meia da tarde, Brigitte Montfort
encontrou-se sozinha ao p do avio, esperando que
descarregassem sua bagagem.
Um empregado do aeroporto lhe informou que poderia
receb-la na Alfndega. Dirigiu-se para l, levando na mo
a mgica maleta de couro vermelho com pequenas flores
azuis, dentro da qual se podia encontrar desde o banalssimo
microfone at um par de alfinetes cuja cabea era uma
miniatura de emissor que facilitava sua localizao,
estivessem onde estivessem, por meio de um detector... que
tambm estava na maleta.
Na Alfndega no houve dificuldade alguma. Um
mestio de vasta cabeleira gordurosa sorriu para ela,
autorizou a entrada da nica mala, aps olhar seu
passaporte, e no perdeu de vista suas belas pernas quando a
forasteira encaminhou-se para a sada do aeroporto,
recusando sorridente o oferecimento de um carregador que
desejava incumbir-se da bagagem.
E efetivamente, diante do pequeno e modesto edifcio do
aeroporto, estava espera um carro preto, cujo modelo
datava de uns seis anos atrs, pelo menos. Havia um homem
sentado no volante, fumando, com a cabea voltada para a
sada. E apenas viu Brigitte, jogou fora o cigarro,
adiantando-se pressuroso.
Seorita Brigitte Montfort? Sim. Eu sou lvaro... Por favor, sua mala. Deixou-a no cho para abrir a porta do carro. Depois,
colocou-a sobre o assento a seu lado e voltou a tomar o
volante, sem dizer palavra.
O carro ps em marcha imediatamente. Baby acendeu um cigarro e, por ambas as janelas, dedicou-se a olhar a
paisagem. Apos algumas curvas, a cidade tornou-se visvel,
ao fundo, junto do mar. Uma cidade branca e vermelha,
pequena, com cintilantes manchas verdes que eram copos
de palmeiras. Brilhava ainda um formoso sol, mas ao longe,
terra a dentro, viam-se espessas nuvens negras que
certamente, dentro de pouco tem~, provocariam uma das
clssicas tempestades tropicais.
O carro ia a boa velocidade, apesar de seu motorista no
parecer muito hbil. Quando, e em outra curva, Brigitte
tornou a ver a cidade, compreendeu que no se estavam
aproximando desta, mas afastando-se para o interior.
Contraiu ligeiramente as sobrancelhas, mas conteve-se.
Continuou fumando tranqilamente, enquanto com a maior
naturalidade sua direita abria a maleta, introduzindo-se
nesta. Os dedos afilados tatearam a pistola de coronha de
madreprola, enquanto os ingnuos olhos azuis observavam
os do motorista, fixos nela pelo espelho retrovisor.
No nos estamos afastando da cidade? perguntou sorrindo.
No... A estrada assim mesmo, seorita... D muitas curvas.
Mas no vejo por que dar curvas para o interior a mo de Brigitte apareceu, empunhando a pistola. Tenha a bondade de fazer a volta.
Sinto muito, mas no posso. Est bem. Vai sentir muito mais quando eu apertar o
gatilho, de modo que, ou faz o que lhe digo ou...
No apertar gatilho nenhum... sorriu o homem. Veja: estamos beirando um precipcio... No l muito perigoso, mas com um pouco de m sorte qualquer um pode
morrer aqui. Guarde a pistola, por favor: garanto-me que
somos seus amigos.
Somos? Voc... e quem mais? No faa perguntas, seorita. De nada lhe adiantar
saber o que no de sua conta. Falando com franqueza, ns
achamos que no devia ter sado dos Estados Unidos.
lvaro se voc no... Meu nome no lvaro riu o homem. Oh, compreendo... Pois bem, amigo, seja voc quem
for: se no parar o carro imediatamente e saltar, acho que
ns dois vamos cair nesse precipcio.
Olhe: vou parar logo depois da terceira curva. Aqui seria difcil para fazer qualquer manobra. Este um pas
pobre, de estradas estreitas, aeroporto pequeno, uma velha
ferrovia para a Guatemala e o Mxico... No um lugar
para a seorita.
J estive em piores. Quem voc e o que est tramando?
S lhe posso dizer que somos amigos. No precisa temer nada de ns, pois s queremos que se mantenha
afastada deste assunto... No fcil?
Muito fcil. A que assunto se refere? Ao do tesouro maia! riu o homem. Por favor,
no nos julgue to idiotas, seorita Montfort. claro que se
eu fui esper-la no aeroporto, em lugar de lvaro, porque
sabemos o que est acontecendo, e o que... o que ns
queremos. Comportando-se bem, no sofrer nenhum dano
e dentro de poucos dias poder voltar aos Estados Unidos s
e salva. Bem... O carro j est parado.
Salte. Vejo que no entendeu, seorita. No parei o carro
onde lhe convinha, mas onde convm a mim... No
verdade, Pancho?
Pela outra janela apareceu um homem hirsuto, de dentes
branqussimos sorridentemente mostra. Tinha os olhos
muito pequenos, negros, vivos, um enorme bigode e um
revlver no menos enorme na mo que introduziu pela
janela.
linda a seorita, Benito comentou. Muito linda. No atire, salvo se ela quiser atirar...
Mas estou certo de que bastante inteligente para
compreender nossa atitude, que ser sempre amistosa
enquanto ela no preferir o contrrio. Quer guardar sua
pistola, seorita Montfort? Repito-lhe que somos seus
amigos.
Brigitte franziu graciosamente a testa e encolheu os
ombros.
Est bem sorriu, guardando sua pequena arma. Seria uma estupidez se me deixasse matar em circunstncias
que no beneficiariam a ningum.
O do volante olhou-a com simpatia.
Antes de morrer, poderia matar-me lembrou. E que ganharia com isso? Boa pergunta. Estou vendo que nos entenderemos
muito bem, seorita Montfort. Sero poucos dias... E pode
ter certeza de que a respeitaremos em todos os sentidos,
pois sabemos muito bem de suas boas intenes vindo a
Maia Caribe. Sente-se junto dela, Pancho. E... necessrio
que o Pancho fique lhe apontando o revlver durante a
viagem, seorita Montfort, ou d-nos sua palavra de que
no tentar nada?
Ser melhor que o Pancho fique me apontando o trabuco respondeu Brigitte, sorrindo suavemente. Nunca prometo nada que no estou disposta a cumprir.
Sinto por voc, Pancho: ter que manter os olhos abertos, mas bem abertos. Vamos.
Pancho tinha-se sentado junto de Brigitte e o carro ps-
se novamente em marcha antes que ele soubesse onde
colocar seu vastssimo sombrero de palha. Benito vestia-se
corretamente, com muita sobriedade, mas Pancho usava
umas calas brancas esfiapadas e sua camisa terminava por
um n frente do estmago: tinha o aspecto clssico do
bandolero centro-americano, mas sua expresso era
simptica e amvel. No obstante, os olhos midos no se
desviaram de Baby, e o grande revlver permanecia firme em sua mo nodosa e morena.
Entendo que no pretendem matar-me? indagou Brigitte.
No, por Deus! exclamou Pancho. A no ser que nos obrigue a isso apressou-se a
acrescentar Benito.
Para quem vocs trabalham? Para a ptria riu Pancho. No verdade,
Benito?
Claro que sim, Pancho. Mmm... Ser melhor voc levar a maletinha da seorita. onde ela guarda a pistola e
no sei o que... No abra!
Por qu? sobressaltou-se Pancho, a ponto de faz-lo.
Porque s vezes, abrindo coisas que no so nossas, podemos levar um susto. No verdade, seorita Montfort?
verdade sorriu Brigitte. Parece que entende um pouco de espionagem, Benito.
No, no... Que nada! Tudo quanto ns dois sabemos de espionagem aprendemos em alguns filmes... No
mesmo, Pancho?
. E alguns so muito bons... Diga, Benito: voc no gostaria de ser um espio?
Mas no somos? riu Benito. Bah! Ns somos uns pobres-diabos com vontade de
fazer grandes coisas. Isso tem seu mrito, no?
Claro que tem. Sabe alguma coisa de espionagem, senrita Montfort?
Um pouquinho sorriu Baby. Deve ser emocionante! Isso de nunca se saber quem
amigo e quem inimigo... E todos os truques: microfones,
bombas-relgio, armas secretas... Costuma usar tudo isso,
senrita?
Eu? pestanejou Brigitte. Muito raramente...
Mas sabemos que uma agente secreta e que veio meter o nariz no que no de sua conta, numa terra que no
sua.
Se sabem tanto, devero saber tambm que no estou aqui por um capricho pessoal.
Sabemos, claro. E de certo modo, agradecemos suas intenes. No verdade, Benito?
verdade, Pancho. Quem seu chefe? perguntou Brigitte. Pancho e Benito puseram-se a rir e, naturalmente, no
responderam.
O carro continuou rodando durante quase uma hora,
afastando-se cada vez mais da cidade, terra adentro. Por
fim, enfiou por um estreito caminho, entre grandes rvores.
Pouco depois, detinha-se diante de uma cabana pouco
menos que derruda, com paredes de taipa e teto de palha,
oculta entre o cerrado arvoredo, em meio sombra.
Pancho saltou do carro, sempre apontando o revlver
para Baby, que compreendeu dever saltar tambm. Benito fez o mesmo, e reuniram-se os trs a um lado do veculo.
Agora ele sacou seu revlver, que tambm apontou para
Brigitte.
Eu me encarrego dela. Voc, do lvaro. Bem. Para a cabana, senrita Montfort. Ser seu lar durante
alguns dias. Sinto muito no poder oferecer-lhe as
comodidades a que est acostumada, sem dvida.
Arranjo-me perfeitamente em qualquer lugar... No poderei sair da cabana?
Oh, sim. Quando quiser dar um passeio, ns a acompanharemos. Pancho e eu estaremos sempre aqui. E se
precisar de alguma coisa, pea. Faremos o possvel para
servi-la, de acordo com as ordens do chefe. No mesmo,
Pancho?
Mas Pancho no respondeu. Estava muito ocupado,
tirando um cadver do porta-malas, o que de modo algum
Impressionou Benito. E menos ainda, apesar do inesperado,
agente Baby da CIA. Como pesa o maldito! bufou Pancho. Por fim, o cadver caiu no cho. Ele agarrou-o por um
p e comeou a pux-lo para o denso bosque que rodeava a
cabana.
Est morto disse Benito. Oh... Sofreu um acidente? No, no... Tive que mat-lo com dois balaos.
Depois, Pancho me ajudou a met-lo a dentro, pois no
momento no se podia fazer outra coisa. Ento fui busc-la
no aeroporto e disse-lhe que era lvaro.
Mostrou que possui grande astcia sorriu Brigitte, com ironia. Est satisfeito com seu trabalho, Benito?
Por que no? Sente-se contente por ter assassinado um homem? Diga, antes: um traidor. Que espcie de traio tinha ele cometido? Bem, no sei exatamente, eis a verdade. Mas se o
chefe disse que lvaro um traidor...
Era. Era sorriu Benito. Enterre-o bem fundo,
Pancho gritou. Bem. Brigitte olhava para um e outro, bastante perplexa.
Tinham morto um homem, iam enterr-lo em qualquer lugar
e continuavam falando e agindo com a maior tranqilidade.
A nica explicao que davam era que lvaro, o enviado de
Amadeo Torrealba para receb-la no aeroporto, era... tinha
sido um traidor. Ele trara a quem? E que eram realmente
Benito e Pancho? Pela frieza com que aceitavam a morte de
lvaro, pareciam dois espies experimentados. Entretanto,
alm de ser evidente, eles prprios se declaravam dois
pobres-diabos metidos a espies... Naturalmente, sentia-se
interessada, sobretudo considerando que Pancho lhe
assegurara estarem ambos trabalhando para a ptria... Como
podiam estar trabalhando para a ptria homens que
matavam uma pessoa de confiana de Amadeo Torrealba,
chefe do pas, e que pretendiam ret-la para que no
pudesse ajudar em nada? Claro que estavam contra Amadeo
Torrealba. Entretanto, diziam trabalhar para a ptria.
Ento...
Vamos cabana, senrita. Olhou curiosamente para Benito. Era simptico e
amvel, e parecia certo que no pensavam fazer-lhe o
menor dano. Uma delicadeza da parte do chefe desconhecido, sem dvida.
Claro que, conforme estavam as coisas, Brigitte podia
desfazer-se dos dois espies quando bem entendesse. Podia, Inclusive, ensinar-lhes alguns truques que os
pobrezinhos no tinham aprendido no cinema. Pancho tinha
desaparecido entre o arvoredo, e Benito e ela estavam ss, a
caminho da cabana. Benito parecia esperto, mas s isto no
era o suficiente para que pudesse enfrentar uma espi de
categoria internacional, que dezenas de vezes arriscara sua
vida em muitssimo piores circunstncias.
Quando entraram na cabana, Benito moveu
circularmente o revlver.
Ter que se contentar com isto durante alguns dias, lamento.
Est bem. Posso arrumar minhas coisas? Benito hesitou visivelmente.
No... terminou por negar. Desculpe, senrita Montfort, mas sabemos que na bagagem dos espies h
coisas que no convm a pessoas como Pancho e eu.
Bombas e coisas assim? sorriu Brigitte. Mais ou menos. Compreendo o incmodo que lhe
acarretar esta situao, mas peo-lhe que aceite tudo com a
melhor boa vontade. So contratempos que lhe prejudicam
menos do que a morte, no acha?
Isso no sei: nunca estive morta. Benito soltou uma gargalhada. Parecia divertido, no
ntimo. E olhava com absoluta simpatia para aquela
preciosa boneca de olhos azuis. Com tanta simpatia, que
Brigitte compreendeu: a despeito de qualquer advertncia
que tivesse recebido, Benito no acreditava uma s palavra
a respeito da periculosidade que ela pudesse apresentar.
Sabe que uma excelente prisioneira, senrita Montfort? exclamou ele. Com exceo de suas coisas, poder pedir o que quiser. Se no tivermos, tentaremos
conseguir. Pancho e eu somos pessoas afveis.
Bem... Na verdade, causaram-me esta impresso, Benito. E tendo em conta a amabilidade, procurarei no ser
muito severa com vocs.
Muito severa? espantou-se Benito. Quero dizer que no os matarei, se puder evit-lo. Agora, Benito estava boquiaberto.
Matar-nos...? Olhe, senrita Montfort, quem est com o revlver sou eu, de modo que seja sensata o no
procure fazer como no cinema, porque se sairia mal. Tenha
pacincia, durma todo o tempo que quiser e, dentro de
poucos dias, poder voltar para seu pas, s e salva. No
uma boa idia?
Muito boa. Mas tenho outra melhor. Qual? Fazer as coisas a meu gosto, no ao seu. Benito abriu a boca disposto a dizer alguma coisa. Sem
dvida, o que menos esperava era que, depois daquelas
palavras, a delicada boneca de olhos azuis se atirasse contra
ele com tal mpeto que ficou entre seus braos. Assim, o
revlver de Benito apontava agora para a parede,
simplesmente. E quando quis encolher o brao, uma
daquelas mos de ncar rosado se aferrara a seu pulso. E de
imediato, aps uma eletrizante sensao de dor no brao, ele
foi projetado de cabea contra a parede. Bateu nesta com
tremenda fora, caiu no cho e, quando quis reagir,
encontrou-se com a ponta de seu revlver pouco menos que
metida no nariz.
Quieto, Benito. No d lugar a que eu revele meu lado desagradvel.
Minha... minha cabea... Isso no nada... sorriu Brigitte. Um pequeno
galo sem importncia. Agora, sente-se comodamente, de
costas para a parede... e pense que quem est com o
revlver sou eu. Alguma dvida?
Benito obedeceu. Ficou olhando turvamente para
Brigitte, aplicando a mo parte dolorida da cabea.
Que espera para matar-me?
Tenho sistemas muito diversos desse informou Brigitte. No vou bancar a boa moa, Benito, mas em geral, antes de apertar o gatilho, procuro possibilidades para
meus inimigos. Quem o mandou?
No vou dizer. Foi o prprio Amadeo Torrealba? Os olhos de Benito se arregalaram. Evidentemente, no
era um espio profissional. E como amador, era dos mais
deficientes.
De acordo sorriu Brigitte. No foi Torrealba. Quem foi?
Benito apertou os lbios. Certamente, tinha visto tal
expresso num filme, e isso obrigou Brigitte a sorrir outra
vez.
No estou brincando... advertiu. E pela ultima vez dou-lhe o conselho de no se fiar em meu sorriso de
garota inofensiva. Quem o mandou?
V para o inferno, espi! grunhiu Benito. Baby empunhava o revlver na mo direita. Moveu-a
como se fosse golpear Benito na cabea e, quando este
ergueu os braos para proteger-se, recebeu o impacto da
mo esquerda de Brigitte em plena garganta. Emitiu uma
espcie de ronco... e foi s. Caiu de lado, perdendo
instantaneamente os sentidos.
Baby se incorporou e aproximou-se da porta da cabana, olhando para o exterior. Viu apenas o carro preto,
ainda com o porta-malas aberto. No cho, a marca deixada
pelo cadver de lvaro ao ser arrastado para o bosque.
Tirou os sapatos, deixando-os cuidadosamente a um lado
da porta. Depois, deslizou com rapidez para fora da cabana,
rumo ao arvoredo, paralelamente trilha deixada pelo corpo
do morto.
Em poucos segundos encontrou-se no meio das rvores.
Permaneceu imvel por algum tempo, at orientar-se sem
possibilidade de erro em direo ao rudo que estava
escutando, para sua esquerda. Caminhou para l, no mais
completo silncio e, pouco depois, numa pequena clareira,
viu Pancho cavando um buraco no cho. Junto de uma
rvore, o cadver de lvaro.
Trs minutos mais tarde, Pancho terminava de abrir a
cova. Sacou um leno enorme, muito sujo, e passou pelo
rosto suado. Depois, olhou para o cu, respirou com fora e
deslocou-se para o lugar onde ficara o cadver.
Estava passando novamente o leno no rosto, quando
por trs dele soou a voz:
Agora, Pancho, tire o revlver, jogue-o para a cova e no se preocupe com mais nada.
Aps uns segundos de imobilidade, Pancho perguntou:
Que fez com Benito? Matou-o? No. E se voc se portar bem, tampouco morrer. No tenha dvida: me portarei bem. timo. Em primeiro lugar, jogue o revlver na cova. Pancho sacou o grande revlver, hesitou, olhou de
relance para trs e, finalmente, fez o que lhe mandavam.
E agora? Agora, diga-me uma s coisa, e tudo ir bem. Por
minha parte, poderemos continuar sendo amigos...
Que coisa tenho que dizer? Quem o chefe de vocs? Pancho foi muito menos delicado que Benito. Lanou
uma cusparada.
A tem a resposta! No quer dizer? Nem que me taa em pedaos, peste! Por muito que...
doe!
Pancho recebeu o golpe de culatra em plena cabea.
Caiu de joelhos pesadamente, e ento recebeu outro, que o
atirou de bruos. Brigitte apareceu por trs dele e olhou-o
com certa simpatia.
Uma dupla de idiotas. Se eu quisesse, diriam agora mesmo o que me interessa, mas tenho uma idia que pode
dar melhores resultados.
Agarrou Pancho por um p, tal como ele fizera com o
corpo de lvaro, e arrastou-o para a cabana. Depois o
amarrou solidamente com uma corda que encontrou no
carro. Fez isso de tal modo, que ficaram os dois atados com
a mesma corda. Ou se desatariam ambos, ou nenhum. E
para desatar-se, teriam trabalho para mais de um dia, com
sorte, pois Baby recorreu aos seus melhores conhecimentos s obre o assunto, saindo da cabana, ela foi a
demanda de lvaro e olhou-o por alguns segundos. De fato,
o melhor que se podia fazer pelo coitado era enterr-lo. Mas
s vezes o que primeira vista parece bom pode depois se
revelar muito ruim.
Pensou mais um pouco. Sim. Decididamente, sua ltima
idia era a melhor.
CAPTULO TERCEIRO Quatro personagens maia-caribenses
Um cadver ao volante
Delineia-se um tringulo amoroso
Algum est jogando sujo
Quatro pessoas estavam reunidas naquela pequena vila,
situada nos arredores de Ciudad Caribe, quase beira do
mar.
E as quatro revelavam preocupao, cada uma sua
maneira. Quem estava mais inquieto, sem dvida alguma,
era Amadeo Torrealba, que no parava de olhar pela janela
para o caminho que, vindo da cidade, rodeava a vila por trs
e terminava diante do grande prtico adornado de colunas
brancas.
Em inquietao, seguia-lhe a, nica mulher do grupo:
Mercedes Gutierrez. Vinte e dois anos, grandes olhos
negros, lbios vermelhos e polpudos, corpo fino e elstico,
elegante, longos cabelos negros suavemente ondulados.
Esteban Zorrilla, talvez por sua idade, era o que parecia
dominar melhor suas reaes. Movia-se lentamente, com
naturalidade, e nem uma vez sequer olhava pela janela.
Tinha um sorriso amvel, sereno, e parecia convencido de
que nada poderia acontecer. Seus cabelos quase
completamente brancos contrastavam com o tom bronzeado
da pele. Usava culos aparentemente destinados a proteger-
lhe a vista contra o sol, j que a cor de suas lentes situava-se
entre o marrom e o azul, mas de qualquer modo seriam
lentes de grau, pois do contrrio as teria tirado ao anoitecer.
Parecia homem inteligente, afvel, tranqilo.
O mais frio, de rosto duro, seco, impenetrvel, era o
general Juan de Dis Martinez. O muito jovem general
Martinez, que tinha alcanado as quatro estrelas aos trinta
anos, quer dizer, dois anos atrs. Moreno, de aspecto viril,
tinha uns olhos escuros de brilho intenso que denunciavam
o vigor de sua vontade. Maxilar slido, bigode bem
recortado, mos possantes, era de estatura regular, embora
parecendo menor devido robustez dos ombros.
Foi precisamente Juan de Dias Martinez quem, aps
esgotar o seu copo de rum, Insistiu, ornando para Torrealba:
No me custa nada ir ao aeroporto indagar, Amadeo Torrealba afastou-se da janela, movendo negativamente a
cabea.
No. Ela chegar mais cedo ou mais tarde. Mercedes Gutierrez, com uma fasca de raiva em seus
bonitos olhos, voltou-se para o jovem general do Exrcito
de Maia Caribe:
Sentiria muito se ela no viesse, general? Juan de Dis franziu a testa, entrecerrando os olhos,
como se incomodado pela fumaa do grosso charuto que
tinha entre os dentes.
No quero discutir, seorita Gutierrez. E menos ainda com uma mulher. Desculpe-me.
O senhor preferiria que essa mulher no chegasse jamais a Maia Caribe? Realmente, a nica pessoa que a
espera com autntica ansiedade sou eu! No fundo, o que os
trs desejam que tudo saia mal, que esse tesouro no possa
ser entregue... e que Carlos no volte nunca mais!
Esteban Zorrilla limitou-se a olh-lo com tolerncia.
Juan de Dis Martnez fez um gesto de resignao e
continuou fumando. Amadeo Torrealba empalideceu e
colocou-se nervosamente diante da jovem.
Mercedes... como pode dizer semelhante coisa?
Eu seu No discuta com ela, Amadeo aconselhou muito
sensatamente Juan de Dis. Est nervosa e assustada. bem capaz de acus-lo, e a todos ns, do rapto de seu noivo.
Pois uma idia que j me ocorreu, general Martinez! quase gritou a bela Mercedes.
Esto vendo? sorriu Juan de Dis. E diga-me, seorita Gutierrez, que ganharamos ns aqui presentes com
tudo isso? Se entregarmos o tesouro maia, perderemos uma
oportunidade nica para promover o progresso de Maia
Caribe; se no o entregarmos, provavelmente mataro
Carlos... Quem aqui sai ganhando com qualquer das duas
coisas? Eu, acaso?
Mercedes Gutierrez mordeu os lbios, apertou as mos
quase histericamente e nada encontrou para dizer. Esteban
Zorrilla aproximou-se dela, passou o brao por seus ombros
e conduziu-a a um sof. F-la sentar-se, sentou a seu lado e
acariciou-lhe as mos fidalgas.
Calma, Mercedes, calma... O general tem razo: todos gostamos de Carlos e todos queremos ajudar Maia
Caribe. Por isso, a idia de Amadeo foi a melhor: pedir a
interveno de algum que pudesse agir mais
objetivamente, com mais iseno do que ns. No
ganhamos nada discutindo, a no ser aborrecimentos.
Mas essa mulher no chega! J devia estar aqui h mais de duas horas!
Bem... Isso verdade. Talvez algum a tenha considerado... perigosa, julgando melhor privar-nos de sua
colaborao. Se assim , tudo continuar do mesmo modo:
organizaremos uma expedio para transportar o tesouro ao
lugar que nos for indicado. Todos estamos ansiosos pelo
regresso de Carlos... No verdade, cavalheiros?
Uma cintilao irnica, fria, passou pelas escuras pupilas
do jovem general Martinez. Por sua vez, Amadeo Torrealba
inclinou a cabea um instante, no que pareceu um gesto de
assentimento.
Naturalmente disse Martinez. Todos desejamos seu regresso. De um modo especial, lgico, sua noiva. E
seu irmo, est claro.
Tudo acabar bem disse Zorrilla moa, tranqilizando-a. No tenha nenhuma dvida a esse respeito.
Para quem? perguntou incisivamente Martinez. Para todos... No? O senhor quer dizer, sem dvida, que tudo acabar
bem para ns, que estimamos Carlos Torrealba... e para os
que ficarem com o tesouro maia. Mas eu pergunto: essa
uma soluo feliz para Maia Caribe?
Os trs olharam fixamente para Juan de Dis. Por um
instante, pareceu que a jovem ia dizer alguma coisa, mas
optou por calar. Todos sabiam o que estavam sacrificando
por um s homem... O que estavam dispostos a sacrificar. E
a sensao de culpa, de remorso ante aquele egosmo
pessoal, emudeceu os trs.
Juan de Dis continuou fumando, um duro sorriso
imobilizado no rosto. Olhou seu copo vazio, depois o
armrio aberto onde se viam garrafas de licor, e levantou-se.
Tinha a cintura fina e a tnica lhe cala esplendidamente,
acentuando a amplitude de seu peito.
Algum quer mais? ofereceu. Ssst! No fale, Juan de Dis! exclamou Torrealba.
Ficaram todos imveis. Torrealba apontava para fora, os
olhos quase fechados, com a expresso de que era todo
ouvidos. E, realmente, ouviu-se a chegada de um carro.
Quando isto foi uma certeza, todos se precipitaram para a
janela. E viram deter-se um carro preto. No diante da casa,
mas uns doze metros mais alm, sob um frondoso pltano.
ela! exclamou Torrealba. Eu vou...! A mo de Juan de Dis pareceu cravar-se no brao do
Chefe de Estado de Maia Caribe, imobilizando-o.
Fique aqui, Amadeo. Eu irei ver quem . Mas...! Ele tem razo disse Esteban Zorrilla, sombrio.
Esse carro devia ter parado diante da casa. lvaro sempre
faz assim. Pode ser uma cilada, Amadeo.
Uma cilada? Absurdo... Se temos que entregar o tesouro maia, ningum nos far nenhum mal at...
Eu irei cortou secamente Juan de Dis. Desabotoou seu coldre militar, deixou o copo e o
charuto e abriu a porta. Saiu ao prtico e caminhou at a
extremidade deste. O carro continuava, silencioso agora,
sob o grande pltano. Testa franzida, Juan de Dis hesitou
uns segundos antes de decidir-se a avanar mais, o que fez
j com o revlver na mo.
A poucos passos, reconheceu lvaro, sentado ao volante
do carro. Deteve-se de chofre, contraindo as plpebras.
Apontou o revlver e perguntou:
lvaro? Este no se moveu. Nem sequer deu resposta. Continuou
imperturbvel, apoiado ao volante.
Ouvia-se o rumor do mar, muito prximo. Juan de Dis
Martinez aproximou-se mais... e mais... Cautelosamente, a
arma pronta na mo.
Por fim, parou junto do carro. Viu que lvaro tinha, os
olhos fechados, o rosto rgido e lvido. Tocou-o com um
dedo, passando a mo por cima da porta, cujo vidro estava
baixado. lvaro deslocou-se para o lado, tombando sobre o
assento. Martinez olhou-o confuso, intrigado. Tanto, que
durante alguns segundos manteve-se esttico, incapaz de
tomar qualquer iniciativa.
Afastou-se um pouco do veiculo, olhando para todos os
lados. Naturalmente, no fora lvaro quem o trouxera at
ali. Mas era evidente que quem o tinha feito no pensava
deixar-se ver. Sem dvida, naquele momento estava se
afastando a toda apressa...
Amadeo! chamou Martnez. Torrealba apareceu no prtico e precipitou-se para o
carro. Mercedes Gutierrez saiu atrs dele e Zorrilla veio por
ltimo, com mais calma... Os quatro reuniram-se no mesmo
lado do carro.
Que...? Trouxeram o lvaro. Como? Trouxeram...? Mas... Juan de Dis abriu a porta e todos viram lvaro cado de
lado sobre o assento, o jovem general agarrou as pernas do
cadver, levantou-as e puxou, fazendo-o deslizar para fora.
Zorrilla e Torrealba agarraram-no cada um por um brao,
antes que batesse rudemente com a cabea no cho.
Mercedes tinha retrocedido uns passos e tinha as mos
diante da boca, olhando apavorada para aquele corpo.
Vamos para casa disse Martinez. E depressa. Ainda no estou certo de que isso no seja uma cilada.
Mas... que cilada? murmurou Amadeo. No normal enviar cadveres. Fizeram-no com
algum propsito determinado. Depressa.
Dirigiram-se apressadamente para a casa, seguidos de
Mercedes, que parecia no poder desviar os olhos do
cadver de lvaro, do trgico balanar de sua inerte
cabea...
Entraram na casa, ofuscados, atentos ao exterior,
temendo ainda alguma coisa.
Feche a porta disse Juan de Dis. Naquele momento Mercedes soltava um grito. Tinha
deixado de olhar para lvaro e agora seus olhos, mais
arregalados ainda, estavam fixos em algo ou algum que
estava atrs dos trs homens, que se voltaram
sobressaltados.
Juan de Dis Martinez largou os ps de lvaro e sacou
rapidamente o revlver, o qual ficou apontado para a
formosa jovem que, sentada numa poltrona, as magnficas
pernas cruzadas, tinha na mo uma taa de champanha e nos
lbios maravilhosos um amvel sorriso. Ao ver-se olhada
por todos, ergueu um pouco a taa e disse:
Agradeo-lhe a delicada ateno, seor Torrealba. Suponho que o balde de gelo com a garrafa de Perignon 55 estavam minha espera.
Amadeo Torrealba passou a mo pela testa suada.
Miss Montfort... Que... que...? Brigitte tomou um gole de champanha, inclinou
levemente a cabea para um lado e comentou:
Exatamente como eu gosto: geladssima. No vai guardar o revlver, general Martnez?
Juan de Dis olhou para Torrealba. ela? perguntou. ... ela, sim... Mas no compreendo... No se assombre com o espetacular de minha
chegada, seor Torrealba. que estou um pouquinho
desconfiada.
Desconfiada de qu? perguntou abruptamente Juan de Dis.
De tudo, general. E de todos. Oh... Juan de Dis sorriu secamente. Esta
formidvel! Suponho que me inclui nesse todos. Brigitte sorriu, desviando o olhar para Esteban Zorrilla,
que se adiantara alguns passas.
As explicaes disse ele amavelmente deveriam comear pelas apresentaes. Sou...
Esteban Zorrilla, conselheiro poltico de Amadeo Torrealba. Sei de tudo, seor Zorrilla. Ela Mercedes
Gutierrez Incln, noiva de Carlos Torrealba. O general
chama-se Juan de Dis Martinez e um brilhante militar...
dentro das possibilidades que oferece, neste campo, um
pequeno pas como Maia Caribe. O senhor Torrealba teve a
gentileza de informar-me sobre todos quando me visitou, j
que minha primeira entrevista ao chegar a Ciudad Caribe
seria com os quatro.
Juan de Dis olhou quase ironicamente para Torrealba.
No sei se ela conseguir o que voc espera. Amadeu... Mas, pelo menos, tenho que admitir que
simptica e inteligente.
Muito obrigada, general.
No h de qu Inclinou-se elegantemente Juan de Dis, sem contudo abandonar sua atitude irnica. Mas creio que os aqui presentes merecem uma pequena
explicao...
Sobre meu atraso? Ou sobre a morte de lvaro? Sobre ambas as coisas... que suponho sejam
relacionadas.
A seorita matou lvaro? perguntou Zorrilla. No. Que pena, seorita Montfort! exclamou Juan de
Dis. Isso lhe rouba um pouco de minha admirao. Juan de Dis estranhou Torrealba que est
dizendo?
No vai querer que eu lamente a morte de lvaro, hem, Amadeo? Faz tempo que no confiava nele.
Que no confiava em lvaro? Em absoluto. E espero que miss Montfort, com suas
explicaes, me d razo.
Pois temo que esteja enganado, general disse Brigitte, aps tomar mais um gole de champanha. Realmente, no poderia acusar ningum, de nada. Receio
que minha explicao possa parecer-lhes surpreendente,
ambgua... diria mesmo que quase incrvel. Pelo menos,
julgo-a assim.
Torrealba tinha aproximado outra poltrona e sentou-se
perto de Brigitte, olhando-a bastante excitado.
Bem... Que aconteceu? Cheguei ao aeroporto e, aps passar pela Alfndega,
dirigi-me para a sada, onde, de acordo com o combinado,
deveria estar minha espera um carro cujo motorista seria
um homem chamado lvaro... No era isso, seor
Torrealba?
Sim, sim... Continue, por favor. Bem... Com efeito, l estava o carro com o homem.
Disse que se chamava lvaro, recolheu minha bagagem e
partimos. Em pouco tempo, percebi que no estvamos
vindo para a cidade, mas que seguamos para o interior.
Suspeitei de alguma coisa, apontei-lhe minha pistola e
disse-lhe que parasse o carro e saltasse. Concordou e parou
o carro pouco depois. Ento apareceu outro homem, que me
apontou um enorme revlver, de modo que me pareceu
melhor no lutar, quanto mais que, ao mesmo tempo,
compreendia que no pretendiam prejudicar-me seriamente.
Quem eram esses homens? perguntou Juan de Dis.
Chamavam-se Benito e Pancho... Conhecidos? Olhou-os um por um, rapidamente, ao fazer a pergunta,
mas a negativa foi unnime.
Que queriam? Indagou Torrealba. No sei exatamente... Entendi que deviam levar-me
para algum lugar e reter-me l por alguns dias. Vendaram-
me os olhos e o carro prosseguiu. Depois, deteve-se, talvez
meia hora mais tarde... Disseram-me que saltasse e levaram-
me para uma cabana...
No disse que lhe vendaram os olhos? interrompeu Juan de Dis.
Brigitte olhou-o amavelmente e continuou como se no
tivesse sido interrompida:
... para uma cabana onde, segundo me disseram, teria que passar uns quantos dias. Deixaram-me l e saram.
Ento, tirei a venda dos olhos. Esperei um pouco e, como
no ouvia nem via nada, resolvi sair da cabana. E como j
no tinha mais os olhos vendados olhou sorridente para Juan de Dis Martinez pude v-la perfeitamente. O carro estava ali perto. Entrei nele, regressei ao aeroporto e, ento,
recordando as indicaes do seor Torrealba, vim at esta
vila onde me esperavam os quatro. Detive o carro no
caminho, pois queria ver se minha bagagem no tinha sido
roubada e estava no porta-malas. Estava. Bem como o
cadver de um homem que imaginei fosse lvaro. Isso me
deixou perplexa... e positivamente no me agradou. De
modo que pouco antes de chegar aqui, temendo alguma
cilada, sentei lvaro ao volante. Ao chegar, sai do carro e,
enquanto todos se dirigiam para l, entrei na, casa. J lhes
disse que sou um pouquinho desconfiada. E isso tudo,
senhores.
Os quatro personagens ficaram olhando-a
incredulamente.
tudo? murmurou Torrealba. Sim. Mas... Mas absurdo! Primeiro matam o lvaro e
levam-na a uma cabana, depois deixam-na escapar
tranqilamente...
Bem lhe disse que minha explicao podia parecer incrvel.
No tem a menor lgica acentuou Juan de Dis. Estive pensando... Talvez Benito e Pancho tenham
sofrido um contratempo e por isso no estivessem l quando
resolvi sair da cabana...
No os tornou a ver?
No. Nem me dei ao trabalho de procur-los, naturalmente. Vi o carro, entrei e dei a partida... Nem eu
mesma acreditava no que estava acontecendo.
Saberia voltar tal cabana? perguntou Torrealba. Mmm... Creio que no. Fui-me orientando primeiro
por uma pequena bssola de meu equipamento, depois pelas
luzes da cidade para chegar at a costa, mas parece-me que
me desorientei algumas vezes, errei caminhos... Gostaria de
voltar l para investigar bem, mas no o saberia fazer. Sinto
muito.
estranho tudo isto... murmurou Zorrilla. Esses dois homens no lhe disseram exatamente o que
pretendiam?
Reter-me por alguns dias. tudo o que sei. O que no me agradou, senhores, foi que soubessem meu nome, a hora
de minha chegada, os propsitos de minha viagem a Maia
Caribe... Sabiam tambm que um homem chamado lvaro
estaria esperando-me com um carro, j que um deles, o
chamado Benito, fez-se passar por lvaro... Talvez devesse
descrever-me o lvaro em nossa entrevista nos Estados
Unidos, seor Torrealba. Foi um erro no o fazer.
Tem razo... Mas no me ocorreu que pudesse acontecer nada de semelhante...
J no importa, realmente. O que importa que algum sabe de minha chegada a Maia Caribe e, se estou
certa, no querem de modo algum que eu intervenha. Mas
suponho que ser fcil encontrar essa pessoa.
Fcil? estranhou Torrealba. Sem dvida. Diga-me os nomes daqueles com quem
comentou minha chegada e... Que se passa, senhores?
Olhou-os um por um. Todos eles, por sua vez, olhavam-
na fixamente, embaraados. Mercedes Gutierrez
pestanejava, atnita. Brigitte optou por terminar sua taa de
champanha, esperando que reagissem de um modo ou de
outro, mas tal no aconteceu.
Disse algo disparatado... ou ofensivo? que... Torrealba passou a lngua pelos lbios.
que ningum mais que ns quatro sabia de sua chegada,
esta tarde, a Ciudad Caribe. Nem sequer lvaro, que o
soube apenas no momento de ir ao aeroporto com ordem de
traz-la a esta vila.
Brigitte abriu um pouquinho mais os esplndidos olhos
azuis, revelando uma lgica perplexidade. Por fim, sorriu
docemente.
Bem... Nesse caso, teremos que procurar por outro lado, no lhes parece? Suponho seja esta a vila na qual vou
ficar alojada, seor Torrealba.
Oh, sim. Est sua disposio. Amanh lhe enviarei alguns empregados, para que seja atendida devidamente.
Tambm pode dispor do carro. Quanto a esta noite, seria um
prazer que aceitasse jantar comigo...
Estou to cansada que tudo quanto me interessa dormir doze horas seguidas. De qualquer modo, agradeo. E
agora, se me permitem...
Os homens levantaram-se. Juan de Dis olhou-a
atentamente.
No pensa fazer nada esta noite? Penso dormir. Em minha opinio, no poderemos
fazer grande coisa at que indiquem ao seor Torrealba
onde e quando devemos levar o tesouro maia. Boa noite a
todos.
A primeira a dirigir-se para a porta foi Mercedes
Gutierrez. Amadeo Torrealba apressou-se a se despedir de
Baby, saindo a toda a pressa atrs da jovem beldade. Esteban Zorrilla tomou delicadamente a mo de Brigitte,
sorrindo como se estivesse muito fatigado. Juan de Dis
Martinez, limitando-se a bater com os calcanhares, saiu por
ltimo, cenho carregado, aparentemente no muito de
acordo com os mtodos da famosa espi amiga de Nataniel.
Apenas chegou ao seu carro, ele levou a mo cabea,
emitiu um resmungo e olhou para a casa. Hesitou um
instante, mas caminhou para l, esforando-se por no olhar
para o carro de Torrealba, junto ao qual Mercedes e
Amadeo conversavam quase excitadamente.
Subiu ao prtico, empurrou a porta e entrou. Brigitte, de
p janela, voltou-se para ele, sorridente.
Esqueceu alguma coisa, general? Meu quepe. Est... espiando algo de interessante, pela
janela?
Tudo interessante. Vendo o seor Torrealba e a seorita Gutierrez, dir-se-ia que no se do muito bem,
embora devam tornar-se cunhados.
Talvez no agrade a Amadeo t-la como cunhada. Sem
dvida, ele a merece mais que Carlos.
Mmm... No sei se o entendo, general. Garanto que sim. So coisas que acontecem com
freqncia. De qualquer modo, Amadeo um cavalheiro, e
um homem como melhor no poderamos encontrar para
governar Maia Caribe. Mercedes Gutierrez ... de
mentalidade mais acanhada.
Esto muito excitados... Ela parece recrimin-lo por alguma coisa. Espero que no lhe tenha ocorrido a idia de
que Amadeo quisesse descartar-se de Carlos para ficar com
ela.
Muito perspicaz sua observao, miss Montfort.
E acertada? perguntou Brigitte. Juan de Dis foi mesinha onde estava seu quepe,
apanhou-o e olhou para a maleta vermelho com pequenas
flores azuis, parecendo intrigado. Depois olhou para
Baby, que sorriu cndidamente. Nunca me separo dela: contm esses pequenos
segredos que... toda mulher necessita.
Oh... Entretanto, no me parece das que recorrem com excesso maquilagem e coisas assim. E devo admitir
que isso no lhe faz falta alguma.
Inesperada amabilidade a sua, general sorriu Baby. No estar procurando um modo de... ficar mais um pouco?
Claro que no grunhiu Martinez, colocando o quepe quase raivosamente. Tambm para mim o dia foi pesado, de modo que desejo o descanso mais que nenhuma
outra coisa.
O senhor quase me humilha, general... Boa noite. E oxal seu descanso seja perfeito.
Juan de Dis olhou-a, j da porta.
Sempre . Boa noite. Tornou a sair. Brigitte viu-o afastar-se quando
novamente olhou pela janela. Mas prestou mais ateno a
Amadeo Torrealba e Mercedes Gutierrez... Esteban Zorrilla
j havia partido.
Quando Juan de Dis Martinez passou em demanda de
seu carro, Mercedes afastou-se abruptamente de Torrealba e
correu para o militar. Falaram uns segundos, Martinez
parecendo hesitar... Torrealba meteu-se em seu carro e
ento o general prosseguiu para o dele, com a bela
Mercedes. Estava claro que esta, de to aborrecida com
Torrealba, preferia regressar com Martinez cidade
prxima.
Partiram os dois carros e Brigitte permaneceu ainda
alguns instantes janela, pensativa.
Por fim, foi sua maleta, abriu-a e sacou o detector de
sinais dos diminutos emissores montados em cabeas de
alfinete no maiores que meio gro de arroz. Pos em
funcionamento o detector e, ato continuo, ouviu o sinal: bip-
bip-bip-bip-bip...
Esteve ouvindo-o ainda por mais de um minuto, com
toda a clareza. Depois, o sinal foi baixando de tom, at que,
segundos mais tarde, emudeceu completamente.
Bem... Teria sido um prazer dedicar-se realmente ao
repouso, mas no se podia permitir esse luxo quando tinha a
possibilidade de Investigar, pelo menos, um dos
personagens que intervinham no assunto do tesouro maia.
Um dos quatro estava fazendo jogo sujo.
CAPTULO QUARTO Funo macabra de um jovem general
Tempestade no trpico
Problemas maia-caribenses
O antiptico inimigo
O carro com placa militar deteve-se junto da cabana,
fora do caminho, ficando quase oculto, sob as rvores.
Juan de Dis Martinez sacou do revlver e, sem sair do
carro, chamou:
Benito! Pancho! Ouvia-se o estridular dos insetos noturnos. Ao longe,
roncavam alguns troves, precursores da tormenta tropical
suspensa h vrias horas sobre Maia Caribe. E eram os
nicos sons.
O jovem general saiu por fim do carro, aps esperar
quase meio minuto, aproximando-se lenta e cuidadosamente
da cabana de taipa. Parou diante da porta e, ento, olhou
para todos os lados, como se tivesse a esperana de
enxergar na escurido. Empurrou a porta, devagar, com a
ponta do revlver, enquanto acendia a lanterna. Acabou de
abrir bruscamente e o jato de luz penetrou sbito na cabana,
projetando um circulo amarelento na parede fronteira.
Depois, o circulo deslocou-se para a direita e para baixo,
procurando... Depois, para a esquerda...
A luz passou banhando os perfis de Benito e Pancho
que, segundo parecia, estavam sentados no cho, costas
contra costas. Fixou-se no perfil de Pancho; depois, no de
Benito. O general Martinez aproximou-se deles, j sem
afastar a luz do rosto de Benito. Tinha os olhos abertos e
trs grandes manchas de sangue no peito. Pancho tinha os
olhos fechados, a cabea um pouco inclinada para um lado e
um fio de sangue escorria de sua boca para o queixo e o
peito; tambm em seu peito viam-se manchas de sangue.
Juan de Dis Martinez tinha guardado o revlver e sua
mo, algo trmula, deslizou pela cabea do simptico e
sorridente personagem.
Pancho, pobre rapaz... Que fizeram, que fizeram com vocs...
Estavam amarrados de costas um para outro. Amarrados
com uma solidez e um conhecimento da arte de dar ns que,
mesmo contando com a relativa vantagem de poderem usar
as quatro mos com certa liberdade, teriam precisado de
dois dias para desatar-se. E depois de amarrados, tinham-
lhes enchido o peito de balas...
O general deixou-se cair sentado no cho e apagou a
lanterna.
Foi ela... murmurou. Deve ter sido ela. A histria absurda que contou... Foi essa Brigitte Montfort
quem os matou. E mentiu porque espera que algum venha
v-los, para em seguida lhe pedir contas. Ento, saber por
quem foram mandados, pois estou certo de que vocs no
lhe disseram. uma armadilha contra mim. Se eu lhe pedir
explicaes, cairei nela, saber que fui eu... isso
exatamente o que ela est esperando.
Tornou a acender a lanterna, fazendo deslizar a luz por
toda a cabana. No havia ali nada que lhe interessasse. Saiu
e esteve examinando o solo em frente cabana. Viu a marca
deixada por um corpo ao ser arrastado e, pouco depois,
descobria a picareta e a p. que Pancho tinha utilizado para
abrir a cova destinada a lvaro.
Durante vinte minutos, dedicou-se a cavar unia fossa
bem funda na terra esponjosa, enquanto as nuvens iam-se
amontoando cada vez mais. Brilharam alguns relmpagos, a
cuja luz podia ver-se o rosto tenso do jovem general,
cavando com energia.
Quando os cadveres de Benito e Pancho desatados, j
estavam dentro da fossa, lado a lado, comearam a cair as
primeiras gotas, lentamente. Umas gotas enormes, mornas,
que se foram espessando rapidamente, at, transformar-se
em chuva torrencial. Em meio quele verdadeiro dilvio,
Juan de Dis Martinez continuou imperturbvel seu
trabalho, lanando terra, j quase lama, em cima dos dois
cadveres.
Dez minutos depois, completamente encharcado, entrava
em seu carro, apanhava a tnica que havia deixado sobre o
quepe, e enxugava as mos e a cabea.
Depois, ligou o motor, o rosto viril fortemente crispado.
No! murmurou. No me espere, Brigitte Montfort. Terei toda a, pacincia do mundo, no cairei em
sua armadilha... Ser voc quem cair na minha, juro!
Era quase uma hora da madrugada quando deteve o
carro porta de sua pequena vila. A chuva caa intensssima
e o cu, cheio de relmpagos, parecia ir partir-se em
pedaos de um momento a outro devido ao retumbar
incessante dos troves.
Juan de Dis saltou do carro, correu para o prtico e
parou um momento, procurando a chave no bolso. Abriu a
porta, entrou, fechou e dirigiu-se diretamente a seu quarto.
Atirou a tnica e o quepe sobre uma poltrona, ainda sem
acender a luz. Depois, aproximou-se da janela atravs de
cuja vidraa via-se a furiosa tormenta. Suas botas molhadas
rangiam sonoramente. Tirou-as, tirou o cinturo com o
coldre do revlver, e ficou pensativo..
Alguma coisa no vai bem, general? Juan de Dis Martinez estremeceu violentamente e
voltou-se em direo ao seu prprio jeito. Por um instante,
pareceu incapaz de raciocinar, mas em seguida ergueu o
cinturo, desabotoou o coldre e sacou rapidamente o
revlver, apontando-o para a cama.
No se mova! ordenou. Estou-lhe apontando meu revlver.
Foi ao interruptor e acendeu a luz. Efetivamente, era
Brigitte Montfort. Trajava calas pretas, coladas na perna, e
um jrsei tambm preto, muito fino que modelava
primorosamente seu admirvel busto. Estava sentada na
cama, pernas cruzadas, costas apoiadas na cabeceira. Em
sua mo brilhava a diminuta pistola com coronha de
madreprola.
Como v disse sorrindo tambm eu estou-lhe apontando uma arma, general Martinez.
Que faz aqui? perguntou ele, apertando ameaadoramente as plpebras. Como conseguiu entrar?
Oh, por favor, essa uma pergunta que no se faz a nenhum espio, general. Claro que entrei utilizando uma de
minhas gazuas. Que fao aqui? Tambm evidente:
esperava-o. Creio que nos est reservada uma interessante
conversa... Viu seus amigos?
Os olhos de Martinez pareceram despedir um autntico
relmpago.
Vi admitiu surdamente. Bem... Devem ter ficado muito satisfeitos por se
verem desamarrados. Com semelhante tormenta, e numa
cabana com o teto cheio de buracos, no lhes teria sido
agradvel passar a noite l.
Acha necessria essa ironia? Baby arqueou as sobrancelhas, surpresa. Estou falando srio... afirmou. Sobre que
poderia ironizar?
Sabe muito bem a que me refiro. No creio que Benito e Pancho se preocupassem muito com o tempo.
Depende de estarem habituados a... sbito, Brigitte parou de falar e olhou fixamente para Martinez. Encontrou-os mortos?
No me diga que isso a surpreende. No... ela mordeu os lbios. No me
surpreende. Talvez eu devesse ter imaginado...
De que est falando? Imaginado o qu? Que poderiam mat-los. Um esgar, que queria parecer um sorriso, crispou os
lbios de Juan de Dis Martinez.
Vai dizer-me que no os matou? Claro que no os matei. Por quem me toma, general?
Eram dois pobres-diabos... que terminei por achar
simpticos. Deixei-os bem amarrados e planejei toda a
mentira que contei aos senhores. Queria saber para quem
trabalhavam... e logo o soube.
Quando? Como foi que soube? Pouco depois de conhec-lo, general. Quando no
hesitou em demonstrar seu desagrado para com lvaro, e
inclusive comentou que h tempo desconfiava dele. Ouvi
isto, e sabendo que Benito e Pancho consideravam lvaro
um traidor, porque seu chefe o tinha dito, compreendi que esse chefe era o senhor.
Muito simples, no lhe parece?
Todos em Maia Caribe so simples assim. Mas, alm disso, quis certificar-me. Vou-lhe dizer como: cravei um
pequeno alfinete dentro de seu quepe. A cabea desse
alfinete um diminuto emissor, cujo sinal captado por
este detector.
Brigitte mostrou-o, fazendo-o funcionar, e de imediato ouviu-se um dbil bip-bip-bip... Pouco depois que o senhor saiu de minha vila, vim para c, j que
conheo seu domicilio, bem como os de Esteban Zorrilla e
Mercedes Gutierrez...
Por informao de Amadeo. Evidentemente. Antes de vir a Maia Caribe, fiz-lhe
multas perguntas. No vai imaginar que uma espi viaje a
um pas desconhecido completamente no escuro. E quando
lhe so mencionados alguns personagens interessantes,
lgico que trate de saber o mais possvel a seu respeito. Sei
tudo sobre sua pessoa.
Amadeo fala demais. S quando as perguntas so hbeis sorriu Brigitte.
Alm disso, se no me quisesse assessorar convenientemente, eu no teria aceitado vir a Maia Caribe.
Mmm... Como estava dizendo, pouco depois que o senhor
saiu de minha casa, vim sua. Dissera que desejava
recolher-se para descansar, mas meu receptor de sinais
indicava que no estava aqui, nem a menos de uma milha de
distncia. Foi o ltimo detalhe que me fez compreender
quem era o chefe de Benito e Pancho. De modo que resolvi esper-lo.
Sabendo que eu ia libert-los? No o quis impedir? Para qu? Achei-os simpticos e, sem inteno de
ofend-los, direi que no eram inimigos para mim. Pareceu-
me melhor que o senhor os libertasse... e aguardar sua
prxima jogada. Mas agora estou... um tanto confusa, j,
que segundo parece algum mais intervm no caso... Como
foi que os mataram?
Com trs balaos no peito. Sem desat-los, sem lhes dar a menor oportunidade.
Lamentvel... murmurou Brigitte. Mas isso algo que no deve surpreender a nenhum espio, general
Martinez. Procuraremos os responsveis.
Est mentindo... Quem os matou foi voc. No diga tolices, Juan de Dis. E guarde esse
revlver... No compreende que se tivesse querido mat-lo
voc j seria cadver? E tire essas roupas. Vista algo seco.
Juan de Dis Martinez ficou no pouco espantado, mas
seus olhos ainda revelavam desconfiana. Brigitte suspirou
resignada. Saiu da cama, inclinou-se e tirou de sob a mesma
sua maleta. Nela guardou o receptor de sinais e a pistola.
Olhou para o general.
Por favor, seu quepe? Quero de volta o meu alfinete. Martinez no se moveu e Baby, com outro suspiro de
cmica resignao, foi at onde estava o quepe, tirou o
alfinete de seu forro, mostrou-o a Juan de Dis e depois o
guardou na maleta. Por fim, olhou amavelmente para o
militar, um sorriso quase lhe aflorando os lbios.
Estou em suas mos... disse. Por obsquio, procure no me salpicar demasiado de sangue. de mau-
gosto.
Juan de Dis resmungou, guardou o revlver, atirou o
cinturo a um canto e foi ao armrio. Apanhou um pijama e
meteu-se no banheiro, de onde saiu um minuto depois, com
ele vestido. Brigitte estava sentada na beira da cama,
fumando pensativamente. Ergueu a cabea, sorriu e indicou
o lugar a seu lado. Juan de Dis sentou-se e aceitou o
cigarro que ela lhe oferecia.
Est bem... murmurou. Voc no os matou. Quem foi, ento?
Logo saberemos. Agora, querido general, diga por que no queria que eu interviesse.
No quero que esse tesouro maia seja entregue. Nem em troca da vida de Carlos Torrealba? uma vida que no vale nada. Carlos Torrealba
estar mais bem morto do que vivo. Se o matarem, todos
sairemos ganhando. Inclusive Amadeo.
Por qu? Porque mais tarde ou mais cedo casaria com
Mercedes. Mas no s isso. Acontece que Carlos
Torrealba um sujeitinho sem escrpulos, cnico, vivedor...
O mais perfeito tipo de intil, do irresponsvel, do
chantagista nato...
No est sendo severo demais com ele? o menos que posso dizer desse patife. No serve
para nada, a no ser para dar desgostos a Amadeo. Perde
dinheiro no jogo, persegue as mulheres casadas, embriaga-
se, comporta-se escandalosamente, ri dos que levam a vida
a srio e querem fazer alguma coisa em beneficio do pas.
um fardo para todos ns... Naturalmente, sabe que o
suportamos por causa de Amadeo, mas isso parece torn-lo
ainda mais insolente. No vale nada, nada.
Bem. Nesse caso, talvez seja melhor deixar que o matem, e no entregar o tesouro maia.
o que eu penso. Mas se disser isso a Amadeo, ele capaz de expulsar-me do Exrcito, apesar de sermos amigos
desde que nascemos. Eu poderia levantar o Exrcito em
armas, porm no quero isso. Quero que tudo continue em
paz e, sobretudo, quero que Amadeu continue governando
Maia Caribe. o melhor homem que j apareceu neste pas.
Sob sua direo, sei que minha ptria progredir
rapidamente.
Sobretudo, com o tesouro maia. Claro, seria um magnfico auxilio. E, portanto, voc no quer que seja entregue como
resgate de Carlos Torrealba.
Exato. Por isso, mandei Benito e Pancho intercept-la. Queria ret-la naquela cabana at que tudo estivesse
terminado.
No compreende que Amadeo entregaria esse tesouro mesmo que eu no tivesse chegado?
Talvez no. Eu o estava... convencendo. Mas com voc aqui, ele pensar que o pode entregar com
tranqilidade, j que voc capaz de recuper-lo. Mas se
voc no tivesse chegado, ele temeria que se entregasse o
tesouro nunca mais nele pusesse os olhos, e talvez
resolvesse no o fazer. Embora eu duvide... O coitado adora
o irmo. Seria capaz de qualquer coisa por ele.
Assim sendo, no provvel que o possamos convencer a no entregar o tesouro. Bem... Voc acha que a
morte de Carlos estaria... justificada?
Estou certo de que um traidor. Como outros de que tenho conhecimento... que s esperam o pretexto para armar
sua revoluo.
E esse pretexto poderia ser a entrega do tesouro mala, que se supe deva fazer parte do patrimnio nacional... No
assim?
. Quando Amadeo entregar esse tesouro, temo que haja uma revoluo em Maia Caribe. lvaro estava do lado
deles... Conheo-os quase todos: Luis Estrada, Ministro da
Fazenda; Juan Lpez, Ministro do Exterior; Marcos Ruiz,
Ministro do Exrcito... E tenho minhas suspeitas sobre
Esteban Zorrilla.
Ora, vamos, Juan de Dis! Faz tempo que Benito e Pancho trabalhavam para
mim como... informantes. E tambm outras pessoas me
informam de tudo o que voem e ouvem...
Deveria mand-las a uma escola de espionagem sorriu Brigitte, divertida. Ou encomendar para elas uns cursos por correspondncia. Em meu pas, h meninos que
so melhores espies que Benito e Pancho.
Este no o seu pas resmungou Juan de Dis. Mas apesar disso no quero revolues, nem mortes
disse tranqilamente Baby. Nem neste pas, nem em nenhum outro. E tal no acontecer enquanto eu estiver
em Maia Caribe.
Juan de Dis Martinez olhou-a francamente assombrado.
Se decidirem fazer uma revoluo, gostaria de saber como voc poderia evit-la.
Estudaremos isso mais adiante. Por ora, terminemos de esclarecer o assunto Benito-Pancho. Segundo parece,
foram assassinados por algum que est a favor da
revoluo. Creio que se eu no me tivesse livrado dos dois
por meus prprios meios, me teriam ajudado a escapar, j
que lhes interessa que eu proporcione a Amadeo a suficiente
confiana para entregar o tesouro maia. Certamente, no
puderam impedir que Benito e Pancho matassem lvaro,
mas vigiavam-nos de perto, dispostos a vingar lvaro e
deixar-me livre. Eu me libertei sozinha... E quando parti, os
que querem a revoluo mataram Bonito e Pancho. De
acordo?
De acordo. timo. Agora, o que faremos ser dedicar-nos a
vigiar esses... revolucionrios, enquanto esperamos
instrues sobre o modo de entregar o tesouro maia... H
uma coisa que no compreendo, Juan de Dis: se todos
gostam de Amadeo Torrealba em Maia Caribe, por que essa
revoluo? Entendo que o homem mais capacitado para
promover o progresso do pas, com ou sem tesouro maia,
Amadeo Torrealba. Por que derrub-lo, ento?
Porque pensa reivindicar para os maias certas zonas do pas que at agora tm sido exploradas por uns quantos...
privilegiados.
Ah! Bem, bem... Tudo isto mais complicado do que Torrealba me deu a entender.
Amadeo no sabe nada. E por que no lhe diz voc? Direi quando estiver resolvido o caso de seu irmo.
At l, no estar em condies de ouvir-me com a. lucidez
habitual.
Compreendo. E agora, esclareamos um ponto: voc est contra mim ou a meu favor?
Voc no entendeu... Entendi tudo muito bem. Carlos Torrealba uma
coisa-ruim que estaria melhor morto. Certo. No vou
discutir isso. Mas um amigo pediu-me um favor, e vou
atend-lo, ajudando Amadeo a entregar esse tesouro como
resgate de seu irmo. Feito isto, garanto-lhe que recuperarei
o tesouro maia pouco depois.
Vejo que tem muita confiana em si mesma. No conte comigo.
Inimigos, ento? sorriu Brigitte. J que voc quer assim. De acordo suspirou Brigitte. Eu quero entregar
o tesouro e voc quer impedir que o entregue. Veremos
quem vence, meu amigo. Mas atrevo-me a fazer-lhe uma
ltima sugesto: por que no deixa em minhas mos o
assunto do tesouro maia e passa a ocupar-se exclusivamente
em vigiar essa revoluo?
Juan de Dis Martinez franziu a testa, primeiro. Depois
pareceu bastante perplexo, quase sobressaltado. Esteve uns
segundos olhando para Brigitte, enquanto pestanejava.
No conseguir convencer-me resmungou. Sinto por voc, querido sorriu Baby. Bom
repouso.
J vai? Est chovendo muito e... Tenho o carro aqui perto e no me assusta molhar-
me. Estava imaginando que eu queria passar a noite com
voc, Juan de Dis?
Tenho coisas mais importantes em que pensar grunhiu ele.
Pois fique pensando riu Brigitte. At ...... antiptico inimigo.
CAPTULO QUINTO Pausa para o caf
O tesouro dos ndios
Rdio de bolso
Boa sorte, maias
Haviam-lhe dito que no dia seguinte viriam empregados
domstico da vila, mas o certo foi que nem sequer teve
tempo de conhecer tais personagens: logo s oito horas,
insistentes batidas na porta tiraram-na da cama. Vestiu um
leve peignoir, a toda a pressa, e saiu do quarto. Atravessou
o simptico living onde tivera lugar a entrevista na noite
anterior e, aps esconder na palma da mo esquerda a.
pistolinha de coronha de madreprola, abriu a porta,
colocando-se imediatamente a um lado.
O primeiro a entrar foi Amadeo Torrealba, j abrindo a
boca para dizer alguma coisa. Mas, no vendo ningum
sua frente, conservou-se mudo. E quando voltou a cabea
para onde estava Brigitte, j tinham entrado tambm
Esteban Zorrilla, Mercedes Gutierrez e Juan de Dis
Martinez; os primeiros com expresso ansiosa, o ltimo
com sua habitual frieza.
Mmm... Miss Montfort: temos as condies! H caf na cozinha? perguntou Brigitte. Hem? Sim, h um armrio com tudo o que... Oh, por
favor, estou dizendo que...
Entendi muito bem, seor Torrealba... Quer fechar a porta, general?
Martinez fechou a porta e ficou olhando torvamente para
aquela com quem, horas antes, tinha firmado um pacto de
inimizade.
Miss Montfort retomou Torrealba: esta manh, encontramos um envelope na caixa de correspondncia da
Casa Presidencial...
Isso significa que os raptores de seu irmo madrugam muito... ou tresnoitam muito. Como lhes ocorreu abrir to
cedo a caixa de correspondncia?
Foi aberta hora normal. A carta chegou pelo Correio Nacional de Maia
Caribe?
No, no... Quer dizer que foi colocada na caixa por algum
diretamente interessado no assunto. Imagino, seor
Torrealba, que essa caixa estaria devidamente vigiada.
Oh, no. No... Um erro tremendo... e infantil. Mmm... verdade... Eu no... Posso ver a carta? O entusiasmo de todos parecia ter recebido um duro
golpe. A excitao desapareceu ou, melhor, foi congelada
pela frialdade da espi profissional, que apanhou o envelope
da mo de Torrealba, olhou-o por todos os lados e, por fim,
introduziu os dedos pela abertura superior, j praticada pelo
destinatrio, sem dvida. Sacou a folha de papel,
desdobrou-a e ergueu as sobrancelhas, numa expresso algo
impertinente de estranheza.
Isto um mapa... Oh, vejo agora a explicao... Mmm... Posso ler em voz alta, seor Torrealba?
Pode... Claro! Bem... Seor Torrealba: Observe este mapa da parte
norte do litoral do pas. A linha pontilhada indica o
itinerrio que dever seguir o portador do tesouro maia.
Presumindo o peso do mesmo, autoriza-se a presena
mxima de trs ou quatro pessoas, que o transportaro at o
lugar marcado com um X. L, devero entreg-lo. Vinte e
quatro horas mais tarde, seu irmo, o senhor Carlos
Torrealba, ser devolvido a Ciudad Caribe so e salvo.
Qualquer suspeita de que a entrega no ser realizada nas
condies estabelecidas dar lugar morte imediata de seu
irmo. Repetimos: trs ou quatro pessoas, no mximo, que
iro a p, transportando o tesouro maia. Bem... No indica a data, nem sequer a hora da entrega.
Supe-se que nos devemos por em movimento imediatamente, no assim? perguntou Zorrilla.
Certamente. Isto implica uma vigilncia constante dessa zona por parte dos raptores de Carlos Torrealba.
Ignoro a escala deste mapa... Qual a distncia a percorrer?
Uns vinte quilmetros, depois de passado o Monte Atitcla. At l pode-se ir de jipe. Juan de Dis nos fornecer
um do Exrcito. Est pronta para partir?
No. Primeiro, tomarei caf. Alm disso, antes de seguir para o lugar indicado no mapa, quero um de todo o
pas... No. Ainda me pareceria melhor ter um detalhado,
em grande escala, dessa parte do litoral. possvel?
Claro que sim. Ser tambm fornecido pelo general Martinez? Fica por minha conta prontificou-se Zorrilla.
Posso ir agora mesmo ao Servio Cartogrfico e obter um.
timo, seor Zorrilla. Temos j o jipe, o mapa... Falta-nos uma caixa de primeiros socorros...
Para que isso? estranhou Torrealba. Nunca se sabe. Mas, por exemplo, se houver luta,
possvel que desses primeiros socorros dependa a vida de
alguns dos componentes da expedio de entrega. Por outro
lado, e o detalhe mais impo