1
ILDO RODRIGUES OLIVEIRA
INDÚSTRIA DE CALÇADOS E IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS: A GRANDE
FÁBRICA DE CALÇADOS NO MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO - BA
Salvador
2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
2
ILDO RODRIGUES OLIVEIRA
INDÚSTRIA DE CALÇADOS E IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS: A GRANDE
FÁBRICA DE CALÇADOS NO MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO - BA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Geografia da Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Cristóvão Brito.
Salvador
2012
3
O48 Oliveira, Ildo Rodrigues
Indústria de calçados e implicações socioespaciais: a grande fábrica de calçados no município de Santo Estevão - BA. / Ildo Rodrigues Oliveira. – Salvador, 2012.
150f. : il.
Orientador: Prof. Dr. Cristóvão de Cássio da Trindade Brito. Dissertação (mestrado) – Curso de Pós-Graduação em Geografia
Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia, 2012.
1. Geografia econômica – Santo Estevão (BA). 2.Indústria – Aspectos sociais. 3. Investimentos – Indústria de calçados. 4. Desenvolvimento regional. I. Brito, Cristóvão de Cássio da Trindade. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Geociências. III. Título.
CDU 911.3:33(813.8) __________________________________________________________________________
Ficha elaborada pela Biblioteca do Instituto de Geociências da UFBA
4
ILDO RODRIGUES OLIVEIRA
A INDÚSTRIA DE CALÇADOS E AS IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS: a grande
fábrica de calçados no município de Santo Estevão-BA
Dissertação aprovada pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia como requisito para a
obtenção do grau de Mestre em Geografia.
Banca Examinadora:
Orientador: Prof. Dr. Critóvão de Cássio da Trindade Brito
Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Prof. Dr. Noélio Dantaslé Spinola
(UNIFACS).
Prof. Dr. Onildo Araujo da Silva
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
Salvador-Ba, _____/______/_____.
5
Dedico este trabalho a todos aqueles que acreditam na
possibilidade da construção de um espaço geográfico em
que a justiça social e a dignidade humana sejam os
objetivos centrais.
6
AGRADECIMENTOS
Ao orientador desta pesquisa, o professor Dr. Cristóvão Brito, por ter me atendido
tão prontamente nos momentos cruciais do processo de investigação e por ter possibilitado o
desenvolvimento de um diálogo extremamente agradável.
Ao Mestrado em Geografia da Universidade Federal da Bahia, pela acolhida. À
CAPES que, por meio de bolsa de pesquisa, possibilitou o financiamento deste trabalho.
Aos amigos e colegas do Mestrado em Geografia, por terem me proporcionado o
amadurecimento acadêmico durante as aulas; suas idéias e suas compreensões de mundo me
marcaram muito.
À minha esposa, meu filho, minha mãe e minha irmã por terem tolerado os longos
dias e horas que tive que subtrair do convívio com eles, pois precisava me dedicar às leituras,
escrita e trabalho de campo.
Aos meus amigos da cidade de Santo Estevão-BA que, com suas reflexões poéticas e
filosóficas, fizeram com que meu pensamento pudesse se expandir: José Agnaldo Barreto de
Almeida (Kiko), Ricardo Leal, Edson Oliveira, Tasciano Santa Isabel, Xan Falcão. Em
especial ao amigo, eterno patrão, Mestre em Políticas Públicas, José Agnaldo de Almeida, por
ter lido os originais deste trabalho e sugerido correções.
Aos trabalhadores, chefes e gerentes da fábrica de calçados Dass Clássico em Santo
Estevão-BA, por me atenderem com presteza quando da realização de entrevistas e aplicação
de questionários. Aos diretores e ex-diretores do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de
Calçados (SINTRACAL) por terem aceitado abrir as portas do sindicato e responder os
questionários e entrevistas. Aos dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo
Estevão, principalmente a Senhora Jacirene e ao Senhor Otávio.
Aos integrantes da Secretaria de Obras (SEOBS) e da Secretaria de Finanças
(SEFIN), por fornecerem as informações solicitadas.
Aos professores da rede estadual e municipal de ensino da cidade de Santo Estevão.
Aos trabalhadores em educação das Escolas: Professora Maria Irene Santiago (em
Santo Estevão) e da Escola Estadual Ieda Barradas Carneiro (em Ipecaetá).
7
O desenvolvimento econômico, [...], é uma ilusão. A
riqueza do Ocidente é análoga à riqueza oligárquica de
Harrod. Não pode ser generalizada porque se baseia em
processos relacionais de exploração e de exclusão que
pressupõem a privação relativa continuamente
reproduzida da maioria da população mundial (ARRIGHI,
1998, p. 282).
8
RESUMO
O processo de instalação de fábricas de calçados na Bahia, a partir da década de 1990, tem sua
origem na reestruturação produtiva, no acirramento da competitividade mundial e na “guerra
fiscal”. O município de Santo Estevão-BA se insere nesta lógica de instalação de novas
fábricas a partir do ano 2001, com o funcionamento da fábrica de calçados do grupo
empresarial Dass Clássico. A proposta do presente trabalho de pesquisa foi analisar o
processo que resultou na instalação da fábrica de calçados Dass Clássico na cidade de Santo
Estevão – BA, enfocando as características da produção de calçados e as práticas espaciais
desenvolvidas pela empresa e suas principais implicações socioespaciais. Como resultado foi
possível compreender e identificar os principais motivos da instalação da fábrica de calçados
em Santo Estevão - BA, as práticas espaciais desenvolvidos pela empresa para manter a
localização geográfica da unidade produtiva, caracterizar e analisar as principais implicações
socioespaciais da instalação da fábrica de calçados no município.
Palavras-chave: Santo Estevão; Fábrica de calçados; Implicações socioespaciais.
9
ABSTRACT
The installation process of manufactures footwear in Bahia, starting from decade in 1990, has
its origin in the restructuring process, the intensification of global competition and “fiscal
war". The municipality of Santo Estevão-BA inserts in this logic of installation of new
factories starting in 2001, with operation of manufacture footwear business group Dass
Clássico. The propose of this research was to analyze the process that resulted in the
installation of manufactures footwear Dass Clássico in Santo Estevão-BA, focusing on the
features of shoes production and the spatial practices developed by the company and its main
implications sociospatial. As result was possible understand and identify the main reasons for
the installation of the manufactures footwear in Santo Estevão-BA, the spatial practices
developed by company to keep the geographic location of the plant, characterize and analyze
the main implications sociospatial of the installation manufactures of footwear in the
municipality.
Keywords: Santo Estevão-BA; manufactures footwear; sociospatial implications.
10
MAPAS E CROQUIS
Mapas – 1 Município de Santo Estevão..................................................................... 20
Mapas – 2 Brasil - Porcentagem de empregos na fabricação de calçados por
estado – 2007.....................................................................................
63
Mapas – 3 Brasil - porcentagem de empresas na fabricação de calçados por estado
– 2009...............................................................................................
65
Mapas – 4 Municípios da Bahia que possuem fábricas de calçados (2010).............. 66
Mapas – 5 Distribuição espacial das unidades produtivas e administrativas do
Grupo Dass Clássico – 2011...............................................................
83
Mapas – 6 Distribuição espacial das fábricas de componentes e assessórios para a
produção de calçados na Bahia – 2010................................................
108
Mapas – 7 Municípios de origem dos produtos que são vendidos na Feira Livre de
Santo Estevão – BA, 2011.................................................................
134
Croqui – 1 Uso da terra urbana em Santo Estevão-BA, 2001.................................. 117
Croqui – 2 Uso da terra urbana em Santo Estevão-BA, 2010................................... 127
11
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
Tabela 1 – Principais países produtores de calçados: 1994 e 2004.............................. 36
Tabela 2 – Principais produtores mundiais de calçados: produção em milhões de
pares por ano (2004/2010).........................................................................
46
Tabela 3 – População absoluta e produção de calçados por país em 2011................. 47
Tabela 4 – Desligamento de trabalhadores dos subsetores da indústria de
transformação – Anos selecionados...........................................................
51
Tabela 5 – Importação brasileira de calçados – 2008............................................... 52
Tabela 6 – Principais economias mundiais, importação e exportação de calçados -
2006...................................................................................................
53
Tabela 7 – Fábricas e sede administrativa do Grupo Dass Clássico – 2011................ 82
Tabela 8 – Empresas que compõem o Grupo Orsa – 2008.......................................... 104
Tabela 9 – Relação de empresas, investimentos e mão de obra – 2006....................... 102
Tabela 10 – Estrutura fundiária em Santo Estevão-BA, 2006....................................... 113
Tabela 11 – Santo Estevão-BA: PIB Municipal – 1999 a 2007..................................... 114
Tabela 12 – Unidades indústrias existentes em Santo Estevão-BA – 1996................... 115
Tabela 13 – Santo Estevão-BA: número de veículos automotores - 2006 a 2009......... 119
Tabela 14 – Atividades econômicas em Santo Estevão-BA – 2000 a 2006.................. 120
Tabela 15 – Santo Estevão-BA: trabalhadores da Dass Clássico e aquisição de bens
– 2010....................................................................................................
121
Tabela 16 – Santo Estevão-BA: evolução da instalação de novas empresas
comerciais (2002 - 2010)..........................................................................
123
Tabela 17 – Santo Estevão-BA: população que realiza movimento migratório
pendular – 2010..........................................................................................
124
Tabela 18 – Crescimento demográfico entre municípios – 2000 e 2010....................... 125
Tabela 19 – Município de Santo Estevão-BA: adicional no PIB municipal por setor
de atividade (R$ mil) – 2003 a 2008.........................................................
126
Tabela 20 – Santo Estevão-BA: número de domicílios particulares permanentes -
1996 a 2010.........................................................................................
126
Tabela 21 – Dass Clássico em Santo Estevão-BA: trabalhadores que possuem casa
própria – 2010............................................................................................
126
Tabela 22 – Santo Estevão-BA: primeiro emprego na fábrica de calçados – 2010....... 129
12
Tabela 23 – Santo Estevão-BA: número de residências com energia elétrica e água
encanada, 1985 – 2011...............................................................................
129
Tabela 24 – Santo Estevão-BA: classificação quanto aos índices econômicos e
sociais entre os municípios da Bahia – 2002 a 2006................................
130
Tabela 25 – Santo Estevão-BA: população rural e população urbana – 1970 a 2010.... 133
Tabela 26 – Santo Estevão-BA: local de residência dos feirantes entrevistados, 2011... 135
Tabela 27 – Santo Estevão-BA: desigualdade de renda - índice de Gini, 1970 a 2006... 136
Tabela 28 – Município de Santo Estevão-BA: intensidade da pobreza, 1991 – 2003..... 137
Gráfico 1 – Brasil -exportações de calçados - 1970 a 2008.......................................... 35
Gráfico 2 – Histórico da exportação brasileira de calçados em milhões de pares por
ano – 1970 a 1990.....................................................................................
58
Gráfico 3 – Bahia: evolução do PIB em indústria de transformação – 2002 a 2010...... 75
Gráfico 4 – Evolução de PIB Municipal Santo Estevão–BA (R$ Milhões) – 1999 a
2007............................................................................................................
132
13
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA: produtos, insumos e
resíduos-2010.......................................................................................
87
Quadro 2 – Relação de fábricas pertencentes ao Grupo FCC...................................... 101
14
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABICALÇADOS – Associação Brasileira das Industriais Calçadistas
APAEB – Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região
Sisaleira
APL – Arranjo Produtivo Local
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CME – Conselho Municipal de Educação
CDL – Câmara de Dirigentes Lojista
DEM – Partido Democrata
DESENVOLVE – Programa de Desenvolvimento Industrial e de Integração
Econômica
EBDA – Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola
FCC– Grupo Empresarial Fornecedora
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
IPTU – Imposto Predial Territorial Urbano
IR – Imposto de Renda
ISS – Imposto Sobre Serviços
NPIs – Novos Países Industrializados
PFL – Partido da Frente Liberal
PIB – Produto Interno Bruto
OCPE – Orsa Celulose, Papel e Embalagens
PALNDEB – Plano de Desenvolvimento do Estado da Bahia
PROBAHIA – Programa de Promoção do Desenvolvimento da Bahia
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
RMS – Região Metropolitana de Salvador
SEI – Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia
SEFIN – Secretaria de Finanças
15
SEOBS – Secretaria de Obras de Santo Estevão
SINE – Sistema Nacional de Emprego
SINTRACAL – Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Calçados
SUDIC – Superintendência da Indústria e Comércio
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
16
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................... 18
1 ESPAÇO GEOGRÁFICO E INDÚSTRIA:................................................... 25
1.1 A INDÚSTRIA NO CONTEXTO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO..................... 25
1.2 A IDEIA DE DESENVOLVIMENTO E A INDUSTRIALIZAÇÃO................. 27
1.3 A GLOBALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E O MODELO DE
ACUMULAÇÃO.................................................................................................
34
1.4 AS REDES E ESCALAS GEOGRÁFICAS.................................................... 39
2 A INDÚSTRIA CALÇADISTA MUNDIAL E BRASILEIRA..................... 44
2.1 A INDÚSTRIA DE CALÇADOS E O CONTEXTO DA RELOCALIZAÇÃO
DE UNIDADES PRODUTIVAS......................................................................
45
2.2 BRASIL: DO SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS FÁBRICAS DE
CALÇADOS À RELOCALIZAÇÃO DE UNIDADES FABRIS.......................
55
2.3 A INSERÇÃO DA INDÚSTRIA DE CALÇADOS BRASILEIRA NA
COMPETITIVIDADE MUNDIAL: O NORDESTE BRASILEIRO EM
DESTAQUE........................................................................................................
59
2.4 A POLÍTICA DE ATRAÇÃO DE EMPREEDIMENTOS INDUSTRIAIS NA
BAHIA..............................................................................................................
68
2.4.1 Os programas de atração empreendimentos industriais................................ 72
3 O GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO E AS PRÁTICAS
ESPACIAIS........................................................................................................
78
3.1 O GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO: ORIGEM, FORMAÇÃO
CORPORATIVA E PRÁTICAS ESPACIAIS................................................
80
3.2 AS PRÁTICAS ESPACIAIS DO GRUPO EMPRESARIAL DASS
CLÁSSICO.........................................................................................................
84
3.2.1 Seletividade espacial......................................................................................... 84
3.2.2 Expansão espacial....................................................................................... 88
3.2.3 Marginalidade espacial...................................................................................... 90
3.2.4 Reprodução da região produtora...................................................................... 94
17
3.3 EMPRESAS FORNECEDORAS DE COMPONENTES E
ASSESSÓRIOS.................................................................................................
100
3.3.1 A empresa Fortik e o grupo FCC..................................................................... 100
3.3.2 Brisa: indústria de tecidos tecnológicos........................................................... 102
3.3.3 Grupo ORSA...................................................................................................... 103
3.4 SÍNTESE DA REDE PRODUTIVA DA EMPRESA DASS CLÁSSICO NO
MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO-BA.......................................................
105
4 O MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO-BA E AS PRINCIPAIS
IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS PÓS-INSTALAÇÃO DA
FÁBRICA DE CALÇADOS...........................................................................
111
4.1 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS SOCIOESPACIAIS DO MUNICÍPIO DE
SANTO ESTEVÃO ANTERIORES À INSTALAÇÂO DA FÁBRICA DE
CALÇADOS.......................................................................................................
111
4.2 IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS NA ZONA URBANA............................. 114
4.3 IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS NA ZONA RURAL............................. 133
4.4 ALGUNS INDICADORES SOCIOECONÔMICOS......................................... 136
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 138
REFERÊNCIAS................................................................................................ 143
18
INTRODUÇÃO
Desde a década de 1990, o estado da Bahia, bem como outros estados do Nordeste
brasileiro, a exemplo do Ceará, tem sido o destino para a instalação de inúmeras unidades de
produção de várias empresas, dentre elas fábricas de calçados oriundas do Rio Grande do Sul
e de São Paulo. Ao construírem suas redes de filiais industriais, de fornecimento de insumos e
componentes, essas empresas convergem no sentido de moldar a organização do espaço
geográfico, por meio de práticas espaciais que resultam em modificar algumas características
socioespaciais locais. Esse processo de instalação de fábricas obedece aos ditames da
reestruturação produtiva que ocorre globalmente, sobretudo com a inserção da China e da
Índia na produção industrial de baixo custo, e de uma nova lógica de divisão territorial do
trabalho nas distintas escalas espaciais: desde o local até o mundial.
As transformações ocorridas na economia capitalista mundial, notadamente no que se
refere aos novos padrões de concorrência e de competitividade entre os países, implicam
modificações na organização do espaço nacional, regional e local. O estado da Bahia, apesar
de historicamente não possuir tradição na produção calçadista, vem adquirindo posição de
destaque nesse segmento produtivo por causa das ações dos sucessivos governos estaduais,
desde 1990 quando implantou-se programas de atração de empresas via utilização dos
mecanismos de incentivos fiscais que dão origem à “guerra fiscal” e também pela ação das
próprias empresas em busca da redução de custos de operação.
Ao longo da década de 1990, os programas de atração de investimento, fortemente
influenciados pela ideias de competitividade divulgadas pela “onda” neoliberal que atinge o
Brasil, bem como outros países da América Latina, tiveram um êxito significativo em atrair e
instalar novas fábricas do setor calçadista em diversos municípios do interior baiano. As
vantagens econômicas adquiridas pelas empresas desse setor produtivo vão desde a
diminuição dos custos de produção até os benefícios advindos dos incentivos fiscais e
infraestrutura cedida pelos governos nas três escalas governamentais – federal, estadual e
municipal.
Todavia, as vantagens da localização geográfica para as empresas calçadistas não
estão separadas de um conjunto complexo de outras variáveis. Existe uma gama de fatores
que torna certas localidades do interior baiano muito atrativas para a expansão das atividades
19
fabris: a possibilidade de utilização de uma numerosa força de trabalho dócil1 e de baixa
remuneração; a fragilidade da organização classista em sindicatos; a oferta de infraestrutura
de transporte e energia elétrica, etc. Pode-se dizer que a expansão de parte da produção
calçadista para alguns estados do Nordeste brasileiro trata-se, com efeito, de mais um
processo de expansão do capital, renovado e específico, cujo motivo principal é o
esgotamento das condições objetivas de reprodução ampliada em outras localidades, tais
como na região Sul do Brasil e também em alguns países europeus.
Neste contexto de instalação da indústria calçadista na Bahia, o município de Santo
Estevão-BA, onde se encontra em atividade uma grande fábrica de calçados pertencente ao
grupo empresarial DASS CLÁSSICO (ex Dilly Nordeste), desde 2002, vem passando por
rápidas e significativas redefinições na organização socioespacial. Essas transformações que
passaram a envolver o município estão associadas, sobretudo, à forte dinâmica econômica
imposta pelo aumento da circulação de dinheiro com o aumento da massa de trabalhadores
formais que recebem salários e pela consequente desenvolvimento de novas redes geográficas
que tornam os fluxos comerciais e empresariais mais complexos.
A grande corporação empresarial não só pode tornar os espaços mais complexos nos
locais onde são instaladas as unidades fabris (atraindo também novas empresas comerciais)
como também cria um conjunto de práticas e relações corporativas que atravessa diversas
escalas espaciais. Conexões entre a grande fábrica de calçados, as lojas de varejo e demais
firmas fornecedoras de insumos e componentes contribuem para a efetivação e manutenção da
fabricação de mercadorias, originando assim verdadeiras redes empresariais que, em conjunto,
mantém as condições de lucratividade das empresas e a gestão da organização do espaço
geográfico.
Nesse processo, o município de Santo Estevão-BA, com 47.880 habitantes em 2010,
dos quais 27.690 residentes na área urbana, localizado na região Econômica do Paraguaçu,
redefinida e denominada, em 2007, pelo Governo do estado como “Território de Identidade
Portal do Sertão”, constitui a área de influência urbana da cidade de Feira de Santana-BA,
passou a fazer parte da rede coorporativa do Grupo Empresarial Dass Clássico. Esse
município passou a fazer parte, no ano de 2002, dos locais nos quais foram instaladas grandes
fábricas de calçados. Uma complexa rede corporativa calçadista que envolve fluxos de
insumos, acessórios, componentes, design, patentes, pontos de vendas etc. passou a ter, na
cidade de Santo Estevão-BA, um dos nós da conexão. As características produtivas e
1 O termo aqui está empregado no sentido de que a organização sindical dos trabalhadores ainda é muito
insipiente, o que os faz, à curto prazo, aceitar as regras estabelecidas pelos dirigentes da fábrica.
20
econômicas que até então vigoravam no município, tais como as atividades agropecuárias,
comerciais e de prestação de serviços, passaram a ter novas densidades e relações provocadas
pela instalação da fábrica de calçados Dass Clássico.
Mapa 1 – Município de Santo Estevão-BA, 2010
21
As novas atividades econômicas atraídas pelo crescimento do mercado consumidor na
cidade de Santo Estevão-BA e o fluxo migratório proveniente de municípios vizinhos e da
zona rural do próprio município desencadearam a instalação de lojas de redes comerciais
(vestuário, eletrodomésticos, motocicletas, calçados, utilidades etc.) e supermercados. O
crescimento do mercado imobiliário (bem como a especulação imobiliária) e o valor dos
alugueis criaram dificuldades para a população com renda baixa na medida em que comprar
ou alugar uma residência se tornou mais caro; o crescimento horizontal da cidade e o maior
número de carros e motocicletas contribuíram para a expansão do uso comercial da cidade;
além disso, houve a migração de parte da população do campo para a cidade. A divisão do
trabalho entre os municípios circunvizinhos, como também no interior do município, adquiriu
uma dimensão mais evidente, sendo que a cidade de Santo Estevão-BA se afirmou como um
centro comercial e de fornecimento de serviços.
Com base nesse contexto, compreende-se que, diante das transformações na economia
nacional e mundial nas últimas décadas (a reestruturação produtiva, desconcentração
industrial, divisão territorial do trabalho e redefinição no papel do Estado na economia) e
levando-se em conta as relações entre processo que se desenvolvem entre escalas de análise
que vão desde o global até o local (reproduzindo as relações sociais e de produção capitalistas
e a divisão territorial do trabalho) com a configuração de novos fluxos e redes geográficas,
busca-se entender e explicar nesta pesquisa os motivos da instalação da fábrica de calçados do
grupo empresarial DASS CLÁSSICO no município de Santo Estevão-BA e suas principais
implicações socioespaciais. Outros objetivos são: analisar e compreender as práticas espaciais
desencadeadas pelo Grupo Empresarial Dass Clássico tendo como referência a unidade fabril
localizada no município de Santo Estevão-BA, caracterizar e explicar as principais
implicações socioespaciais no município de Santo Estevão a partir da instalação da fábrica de
calçados.
Entende-se que esta pesquisa justifica-se pelo fato de ainda serem poucos os estudos
sobre a geografia da indústria de calçados na Bahia, sobretudo por ser uma atividade
inteiramente nova e robusta, no interior do estado, com muitas características do fordismo
periférico2, intensiva em mão-de-obra e que paga salários baixos a seus funcionários, mas
lança uma grande soma de dinheiro mensalmente na economia local a título de pagamento de
salários e atrai outros negócios, funções urbanas, populações externas e também jovens da
2 O fordimo periférico é caracterizado por Lipietz (1989) como um modelo de industrialização dos países
periféricos, com a adoção parcial e frequentemente ilusória do modelo de produção e de consumo dos países
centrais da economia capitalista. O modelo fordista periférico não possui e não desenvolveu as relações sociais
que correspondessem ou fossem similares às características do fordismo central.
22
área rural do próprio município.
Nesse sentido, foram elaboradas as seguintes questões de pesquisa:
1- No contexto da reestruturação produtiva mundial e diante das características inerentes a
produção de calçados, quais os motivos da instalação de uma grande fábrica calçadista no
município de Santo Estevão-BA?
2- Que práticas espaciais são desenvolvidas pela empresa de calçados em Santo Estevão-BA e
como tais práticas contribuem para a manutenção da localização da fábrica?
3- Quais as principais implicações socioespaciais ocasionadas pela instalação da grande
fábrica de calçados no município de Santo Estevão-BA?
Por ser uma pesquisa que tem como um dos objetivos analisar a dimensão socioespacial
da instalação de um grande empreendimento fabril sobre uma determinada escala geográfica,
os procedimentos metodológicos pautaram-se por um caminho que permitisse articular as
diferentes variáveis do processo de localização industrial (econômico, político e institucional)
e as principais dimensões das transformações socioespaciais (mudanças nas características
econômicas e sociais, adensamento e desenvolvimento de novas redes e fluxos). Por isso, a
pesquisa não se limita à fábrica em si, mas considera também todo o entorno geográfico que
se transforma com a instalação da unidade fabril. Compõe o campo desta pesquisa: o processo
de localização da grande fábrica de calçados esportivos, as práticas espaciais desenvolvidas
pela empresa e os efeitos do funcionamento da fábrica sobre o espaço geográfico.
A pesquisa envolveu dados quantitativos e o uso de técnicas qualitativas. Os primeiros
foram utilizados para dimensionar as mudanças pelas quais passaram a indústria calçadista no
Brasil e na Bahia, traçar o perfil de alguns trabalhadores empregados na fábrica calçadista no
município de Santo Estevão-BA e caracterizar algumas mudanças econômicas nos espaços
rural e urbano do município.
Alguns dados quantitativos foram adquiridos no site eletrônico da empresa DASS
CLÁSSICO, em informativos publicados pela empresa e no site da ABICALÇADOS, na
internet, e de empresas fornecedoras de componentes, pois a gerência da fábrica em Santo
Estevão-BA rechaçou qualquer possibilidade de prestar maiores informações alegando que as
empresas internacionais (sobretudo a norte-americana Nike) exigem completo sigilo quanto às
informações mais precisas sobre as fábricas que produzem os calçados que levam sua marca.
De posse das informações quantitativas disponíveis no site eletrônico, foi possível a
elaboração de um mapa com a rede corporativa do grupo empresarial Dass Clássico, bem
como a confecção de tabelas e quadros com número de trabalhadores e função de cada
unidade produtiva distribuída pelo Brasil e no exterior. Outros dados quantitativos foram
23
adquiridos com a aplicação de questionário a trabalhadores que estudam em escolas da rede
pública estadual durante o turno noturno. Também foram adquiridos dados junto ao site
eletrônico da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), na Agência
da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), no site do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), na Secretaria de Finanças do município de Santo Estevão-BA
(SEFIN).
Foram realizadas diversas entrevistas semi estruturadas3 junto a representantes e ex-
representantes de instituições sindicais, representantes de órgãos governamentais municipais,
ex-prefeitos, gerentes da fábrica e chefes de setor de produção. Cada entrevista possuía
objetivos preliminares, quais sejam: a entrevista junto a sindicalistas e ex-sindicalistas
associados a trabalhadores na produção de calçados visava conhecer a organização daqueles
que reivindicam melhores condições de trabalho, bem como buscar conhecer suas relações
com os representantes da empresa e do Governo do estado. As entrevistas junto aos ex-
prefeitos objetivavam elucidar o processo político de tomada de decisão quanto à instalação
da fábrica no município bem como as relações institucionais e políticas que a prefeitura
tinha/tem com a administração da empresa. As entrevistas com alguns chefes e gerentes da
fábrica objetivaram levantar informações quanto à rede de empresas fornecedoras de
materiais, componentes e acessórios para a fabricação dos calçados; no entanto, vale destacar
preliminarmente que não foi possível identificar todas as empresas que fornecem
componentes para a fábrica de calçados em Santo Estevão-BA. As entrevistas junto aos
líderes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Estevão-BA buscaram revelar
algumas mudanças ocorridas no espaço rural que sejam relacionadas à presença da fábrica de
calçados na cidade4.
Para conhecer melhor as características e funcionamento da fábrica, tentou-se por três
vezes, via ofício, solicitar a marcação de uma visita ao interior da mesma, porém não se
obteve respostas. Os dois únicos documentos produzidos pela empresa Dass Clássico,
analisados nesta pesquisa, foram um “Manual de Integração” que é fornecido aos
trabalhadores recém-ingressos na fábrica (que os informa quanto à organização interna da
empresa e da fábrica) e uma publicação intitulada “fala! Dass” em comemoração aos 9 anos
da empresa.
3 A escolha por este tipo de entrevista se deu em função da necessidade de combinar questões fechadas (ou
estruturadas) com questões abertas, possibilitando aos entrevistados mais liberdade para tratar algumas questões
e suscitar outras. 4 Haja vista que a produção de calçados precisa de uma grande quantidade de trabalhadores em decorrência da
elevada taxa de rotatividade.
24
O trabalho de campo foi utilizado para observar e mapear a expansão física da cidade de
Santo Estevão-BA, como também para observar e anotar os nomes das empresas contidos nos
veículos que transportavam materiais para o interior da fábrica. A partir do nome das
empresas foi possível constatar que a rede corporativa entre a fábrica de calçados e os seus
fornecedores ultrapassa as fronteiras do estado da Bahia e da região Nordeste. Foram feitas
várias anotações e observações de acontecimentos na cidade de Santo Estevão-BA que
estavam associados a alguma “prática espacial” exercida pela empresa Dass Clássico.
Por fim, a dissertação está dividida em quatro capítulos:
No capítulo 1, destaca-se a concepção de espaço geográfico que permeia todo o trabalho
de pesquisa, colocando-o à luz do processo de industrialização que ocorre nos NPIs (Novos
Países Industrializados), sobretudo após a crise do fordismo, a formulação de um novo
modelo de acumulação e a reestruturação produtiva. Nesse capítulo, também se evidencia a
importância das redes e das escalas geográficas como mecanismos teórico-conceituais
relevantes para entender as novas configurações do espaço geográfico.
O capítulo 2 situa o debate a respeito do processo de relocalização de unidades
produtoras de calçados nas escalas mundial e nacional, fazendo-se um breve resumo do
surgimento das primeiras fábricas de calçados no Brasil até o processo de relocalização das
unidades fabris, mencionando o papel da região Nordeste brasileira e do estado da Bahia em
particular.
O capítulo 3, intitulado “O grupo empresarial Dass Clássico e as práticas espaciais”,
versa sobre a história do Grupo Empresarial Dass Clássico, seu crescimento, a distribuição de
suas unidades produtivas, a rede funcional entre as unidades fabris (bem como a lógica da
divisão territorial do trabalho) e as práticas espaciais desenvolvidas pela empresa tendo como
referência a unidade produtiva localizada na cidade de Santo Estevão-BA.
O capítulo 4 tem como objetivo caracterizar e analisar as principais implicações
socioespaciais ocorridos no município de Santo Estevão-BA após a instalação e
funcionamento da fábrica de calçados DASS CLÁSSICO. Expõe-se algumas características
econômicas e sociais do município antes do efetivo funcionamento da fábrica de calçados,
comparando com as características socioeconômicas presentes até o ano de 2010.
25
1. ESPAÇO GEOGRÁFICO E INDÚSTRIA
A localização das atividades industriais e suas implicações na transformação do espaço
geográfico têm sido um tema frequentemente discutido na geografia e nas demais ciências que
estudam o desenvolvimento local e regional (economia, sociologia, administração etc.).
Autores importantes para os estudos geográficos como Harvey (2005), Santos, M., (2003,
2006, 2008), Smith (1988), Lipietz (1988), entre outros, contribuem diretamente para a
interpretação dos fatos, processos e para o enriquecimento dos debates sobre a produção do
espaço. Subjacente ao fenômeno da produção, esses autores fazem referência à importância
que possui o grande capital representado pelas grandes corporações e suas implicações na
produção do espaço geográfico.
Os estudos disponíveis sobre o tema “indústria e espaço geográfico” são diversos.
Centraremos as análises e investigações contidas neste trabalho nas referências produzidas por
autores que estão mais próximos das discussões teóricas e metodológicas da geografia em
razão da importância ímpar dessa ciência no entendimento da produção do espaço social:
vide, por exemplo, a localização dos agrupamentos humanos, das lavouras, das jazidas de
minério, das atividades produtivas em geral e a organização do espaço subjacente a elas. No
âmbito da geografia é, prioritariamente, a produção e organização do espaço, como mediação
entre a sociedade e a natureza por meio do trabalho, que se constitui o centro da investigação,
sobretudo porque as atividades econômicas, entre as quais as industriais, fomentam, de
maneira acelerada, transformações substanciais no espaço geográfico, a partir dos locais onde
estão instaladas.
1.1. A INDÚSTRIA NO CONTEXTO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO
Com relação ao conceito de espaço geográfico, vários autores formularam contribuições
teóricas e metodológicas que possibilitaram, cada vez mais, novos avanços no entendimento
dos processos de produção e organização do espaço e suas respectivas formas espaciais.
Durante a década de 1970, com base nos pressupostos da dialética e da geografia crítica
marxista, Santos, M., (1978) defendia a ideia de que o espaço geográfico se constituía como
26
uma linguagem do modo como a sociedade se reproduz. O autor ressaltou que o espaço
geográfico não é apenas o reflexo da sociedade de uma determinada época, como se fosse um
espelho. Como em uma relação dialética, o espaço geográfico seria uma instância que ao
mesmo tempo em que é condicionada pela sociedade, também a condiciona.
Desta forma, abordando o espaço geográfico como uma totalidade social, Santos, M.,
(1978, p. 145) destaca que “[...] o espaço organizado pelo homem é como as demais estruturas
sociais, uma estrutura subordinada-subordinante. E como as outras instâncias, o espaço,
embora submetido à lei da totalidade, dispõe de certa autonomia [...]”. Em obras posteriores e
com uma abordagem mais complexa no que se refere à totalidade dos processos sociais,
Milton Santos concebe o espaço geográfico como sendo formado por “[...] um sistema
indissociável, solidário e também contraditório, de sistema de objetos e sistemas de ações, não
considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS,
M.,1996, p. 51).
Nessa perspectiva, entende-se que o espaço geográfico é produzido pela sociedade, por
meio de relações sociais em seus mais diversos aspectos (econômicos, políticos e culturais),
sendo que o espaço é também uma instância que influencia a forma como a própria sociedade
se reproduz. Assim, escreve Milton Santos: “A organização do espaço é também uma forma,
um resultado objetivo de uma multiplicidade de variáveis atuando através da história”
(SANTOS, M., 2008, p. 45). Na sociedade capitalista, diferenciada internamente por uma
complexa organização de classes e desigual desenvolvimento das forças produtivas, a
organização espacial resultante é necessariamente desigual, em qualquer parte do mundo, por
causa da dinâmica própria do sistema capitalista que se baseia essencialmente no lucro dos
diversos empreendimentos econômicos, nas diferenças entre as próprias classes e frações de
classes sociais, na divisão social e territorial do trabalho e no desenvolvimento
geograficamente desigual.
A instalação intencional de objetos no espaço geográfico, segundo Santos, M., (1996),
faz com que a natureza artificializada funcione como máquina. É por meio da existência de
hidroelétricas, fábricas, portos, estradas, cidade etc. que o espaço é marcado por conteúdos
técnicos. Assim, “[...] o espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais,
povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais
tendentes a fins estranhos ao lugar e aos seus habitantes” (SANTOS, M., 1996, p. 51).
No contexto das transformações sociais proporcionadas pela indústria, desde a
Revolução Industrial, na Inglaterra, a expansão do modo de produção capitalista, tendo por
base a atividade industrial, ganhou força a ponto de influenciar grandemente a organização do
27
espaço geográfico segundo a lógica da produção e reprodução ampliada do capital (grandes
corporações empresariais nacionais e transnacionais). Em termos gerais, como a história tem
evidenciado, grande parte da população tende a migrar das áreas rurais para pequenas, médias
e grandes cidades, sobretudo como resultado da expropriação dos meios de produção e das
condições de sobrevivência; as trocas comerciais são ampliadas; as atividades agropecuárias e
extrativistas no campo passam a ter como mercado consumidor preferencial os médios e
grandes centros urbanos, transformando sua lógica de produção e, consequentemente,
organizando o espaço geográfico segundo as necessidades de reprodução das mercadorias e
sua troca.
Desta forma, a acumulação capitalista está assentada na ampliação da taxa de lucro, na
internacionalização das trocas comerciais e na produção industrial como mecanismos para a
reprodução ampliada do sistema social. A expansão para “novos” espaços, muitas vezes
classificados como “áreas reserva”, onde o custo da força de trabalho é mais baixo e onde as
matérias primas são mais abundantes e baratas, possibilita o aumento da taxa de mais-valia,
levando à expansão crescente e de maneira seletiva da atividade industrial em países (e
regiões) periféricos, que são assim, mais efetivamente integrados em um amplo e complexo
sistema econômico mundial por meio das redes corporativas (CORRÊA, 2001).
1.2. A IDEIA DE DESENVOLVIMENTO E A INDUSTRIALIZAÇÃO
A costumeira relação de equivalência entre industrialização, crescimento e
desenvolvimento atravessou as escolas de pensamento da “Dependência” e da
“Modernização”. Para ambas as escolas, desenvolver-se era equivalente a crescimento da
produção industrial. A rápida industrialização de países classificados como pobres foi, em
geral, considerada como equivalente ao “desenvolvimento” nos moldes ocidentais. Os
defensores desta idéia de desenvolvimento (muitas vezes sinônimo de crescimento
econômico) viam na industrialização o único meio de buscar a produção de riqueza, ou de
poder, ou de bem estar, ou da combinação disso (ARRIGHI, 1997). Porém os
questionamentos elaborados por Arrighi (1997), com base nas idéias de Emmanuel
Wallerstein, colocam um ponto de interrogação na possibilidade de os países periféricos e
semiperiféricos da economia capitalista mundial conseguirem adquirir riquezas, poder e bem-
estar, alicerçando-se nos pressupostos e premissas de equivalência entre industrialização e
28
crescimento produtivo difundidos até então.
Nesses termos, é importante esclarecer que a ideia de “desenvolvimento”, veiculada
pelos organismos internacionais durante o século XX (OMC, BID, FMI etc.), foi construída
tomando como modelo as características econômicas e industriais que predominavam em
alguns países europeus (França, Alemanha, Inglaterra) e nos Estados Unidos da América.
Esse modelo de “desenvolvimento” que foi propagado com fórmulas pensadas e arquitetadas
nos países do “Norte”, desconsiderava as características culturais, históricas e ambientais das
diferentes localidades dos países do “Sul”. Mais uma vez as regiões do mundo que não se
enquadravam no modo capitalista ocidental de vida foram atingidas por ideias “colonialistas”
que visavam subjugá-las. Com relação à produção desse modelo, Esteva (2000) afirma que:
O modo de produção industrial, que era nada mais que uma entre as muitas formas
de vida social, tornou-se por definição o estágio final de um caminho unilinear para
a evolução social. Esse estágio, por sua vez, passou a ser visto como a culminância
natural de potenciais já existenetes no homem neolítico e como sua evolução lógica.
Assim, a história foi reformulada nos termos Ocidentais (ESTEVA, 2000, p. 63).
Presumir que o modelo de crescimento econômico, criado por países capitalistas
europeus e pelos Estados Unidos, seja o melhor exemplo a ser seguido pela humanidade rumo
a um suposto desenvolvimento faz pensar também que todas as localidades ou regiões do
planeta onde vivem comunidades indígenas, ribeirinhos, comunidades rurais cooperativas etc,
que não se enquadram nas metas de industrialização e produções crescentes, sejam
classificadas com termos pejorativos como: atrasados, pobres, subdesenvolvidos etc. Tal visão
capitalista e ocidental deixa de levar em conta todas as mazelas criadas pela expansão do
modelo capitalista. Como afirma Esteva, “a metáfora do desenvolvimento deu hegemonia
global a uma genealogia da história puramente ocidental, roubando de povos com culturas
diferentes a oportunidade de definir as formas de sua vida social” (ESTEVA, 2000, p. 63).
A compreensão a respeito da concentração de riquezas e capital nos países centrais do
capitalismo mundial, e consequentemente das desigualdades regionais e nacionais, não pode
estar desvinculada de um entendimento a respeito da colonização e subjugação de vários
povos africanos, asiáticos e americanos que tiveram seu habitat destruído pela força do
crescimento econômico. Neste caso, pode-se afirmar que o “subdesenvolvimento” é
consequência do “desenvolvimento”. Segundo Esteva (2000):
Ninguém parece compreender que “subdesenvolvimento” é um adjetivo
comparativo cuja base de apoio é a premissa, muito ocidental, mas inaceitável e não
demonstrável, da unicidade, homogeneidade e linearidade da evolução do mundo.
Ela exibe uma falsificação da realidade produzida através de um desmembramento
29
da totalidade de processos interligados que compõem a realidade mundial e a
subseqüente utilização de um dos fragmentos resultantes deste desmembramento,
isolamento dos demais, como ponto de referencia geral (ESTEVA, 2000, p. 66)
O dito crescimento capitalista ocidental (em muitos casos, restrito à vertente
econômica), por meio da industrialização, não seria possível de ser alcançado nos países
considerados “pobres” pelo fato de que as trocas comerciais, entre os países, na economia de
mercado, são desiguais por natureza, existindo também diferenças de nível salarial entre os
trabalhadores, diferenças de produtividade e de taxas de lucros, além da transferência de
capital a título de remessa de lucros dos países pobres para os países ricos. Por conta da
dinâmica própria da economia capitalista, que promove reconcentrações de capital em
diferentes locais e épocas, a idéia de desenvolvimento econômico permanente, considerando
apenas determinados recortes espaciais, não seria possível (ARRIGHI, 1997).
Para dois terços da população mundial, o modelo de crescimento econômico difundido
por países ocidentais capitalistas significou completamente o contrário daquilo que
geralmente se prometia. Profundamente enraizado, após dois séculos de sua construção social,
esse modelo faz com que muitos povos se lembrem de uma condição indesejável e indigna,
efetivada a partir da escravização às experiências e sonhos alheios (ESTEVA, 2000).
De acordo com a teoria da análise do “sistema mundo” (ARRIGHI, 1997;
WALLERSTEIN, 2009), a capacidade de um país em se apropriar dos benefícios da divisão
mundial do trabalho está relacionada à hierarquia de riquezas entre os próprios países. Essa
capacidade é determinada principalmente por sua posição, não apenas numa rede de trocas,
mas numa hierarquia de riqueza. As oportunidades de avanço econômico não constituem
oportunidades equivalentes de avanço na riqueza para todos. A riqueza e o suposto
“desenvolvimento” apregoados pelos governos dos países que ocupam o núcleo orgânico do
capitalismo mundial “[...] não podem se generalizar porque se baseiam em processos
relacionais de exploração e processos relacionais de exclusão que pressupõem a reprodução
continua da pobreza da maior parte da população mundial” (ARRIGHI, 1997, p. 217).
Mesmo centrando sua análise na vertente econômica, Arrighi (1997) traz contribuições
substanciais para o entendimento das relações entre países ricos e pobres. Na análise contida
na obra “A ilusão do desenvolvimento”, fica claro que o modelo calcado na industrialização
não pode ser generalizado e não conduz à distribuição da renda e da riqueza produzida
mundialmente, tampouco promove o bem estar para a maioria da população. Isso, pois,
segundo Arrighi (1997):
30
Os processos de exclusão são tão importantes quanto os processos de exploração.
[...], esses últimos se referem ao fato de a pobreza absoluta ou relativa dos Estados
periféricos ou semiperiféricos induzir continuamente seus dirigentes e cidadãos a
participar da divisão mundial do trabalho por recompensas marginais que deixam o
grosso dos benefícios para os dirigentes e cidadãos dos Estados do núcleo orgânico
(ARRIGHI, 1997, p. 217).
Seguindo essa análise, compreende-se que os processos de exclusão e concentração de
riqueza são complementares no modo de produção sociometabólico do capital (MÉSZÁROS,
2011). Os processos de exploração fornecem aos países do núcleo orgânico do capital e a seus
agentes os meios para iniciar e sustentar os processos de exclusão. Os processos de exclusão,
por sua vez, geram a pobreza necessária para induzir os dirigentes e cidadãos dos países
periféricos e semiperiféricos a buscar continuamente a reentrada na divisão mundial do
trabalho em condições desfavoráveis a eles próprios. Arrighi (1997) compreende que a
industrialização da periferia e da semiperiferia foi, em último caso, um canal, não de
subversão, mas de reprodução da hierarquia da economia mundial.
Ao trazer para dentro de suas fronteiras algumas das características dos países mais
ricos, como a industrialização e a urbanização, os governos dos países periféricos e
semiperiféricos esperavam (e de certa forma ainda esperam) desvendar o segredo do sucesso
e, dessa maneira, atingir o nível de riqueza e poder dos países mais ricos. A célebre metáfora
do “bolo” (“é preciso primeiro esperar o bolo crescer, para só então distribuí-lo”), proferida
pelo ex-ministro da fazenda do Brasil, Delfin Neto, nos anos 1970, talvez seja fruto desta
“ilusão” em acreditar que a industrialização promoveria o crescimento e, logo após, a
distribuição da riqueza. Os países ricos, com isso, conseguiram manter o padrão de renda e
riqueza relativamente na mesma proporção de distância com relação aos países pobres e, em
alguns casos, a diferença de renda entre as populações dos países ricos e a população dos
países pobres chegou a aumentar significativamente na década de 1980 (ARRIGHI, 1997).
A busca desenfreada pela industrialização, como sinônimo de crescimento econômico
generalizado, que pudesse ser permanentemente sustentado e levasse os países pobres a
condições econômicas e sociais similares aos países ricos, constituiu-se numa verdadeira
ilusão. De acordo com Arrighi (1997),
Quanto mais os Estados nacionais competem entre si no fornecimento de espaços
produtivos seguros, rentáveis e de suprimento de mão-de-obra barata e disciplinada,
piores eram os termos que cada um deles obtinha pelo desempenho dessas funções
subordinadas na acumulação global do capital (ARRIGHI, 1997, p. 236).
As condições de trabalho para as quais são submetidos milhões de trabalhadores em
diferentes regiões dos países pobres e em países considerados ricos indicam que a
31
industrialização não apenas deixou de promover o tão sonhado “desenvolvimento”, mas, pelo
contrário, promoveu a mutilação, a carga horária de trabalho excessiva e, em muitos casos, a
ausência de direitos trabalhistas que pudessem promover a integridade e a dignidade dos
trabalhadores. Basta ressaltar que os índices de mutilação e de doenças laborais que
acometem os trabalhadores da indústria calçadista espalhados por vários países do mundo são
bastante altos, sobretudo em países como Vietnã, China, Índia e Brasil (SANTOS, L., 2008).
A análise crítica feita por Arrighi (1997) traz uma contribuição muito peculiar quanto à
compreensão do processo de industrialização e do desenvolvimento econômico. Porém, de
acordo com Souza (1997), a ideia de desenvolvimento, sobretudo a de desenvolvimento
socioespacial, deve ser encarada numa vertente multiescalar (global, nacional, regional e
local) que possa abrir margem à autonomia dos agentes posicionados nessa escala para a
decisão a respeito das estratégias e políticas de desenvolvimento. Segundo Souza (1997),
urge, nos dias atuais, a formulação de uma “teoria aberta do desenvolvimento sócio-espacial”,
onde o caráter multidimensional, multifacetado e multiescalar possam não apenas levar em
conta a escala mundial, mas também as escalas nacional, regional e local.
Para Souza (1997; 2003), o conceito de desenvolvimento não se esgota na dimensão
puramente econômica. Refletindo a respeito da importância do espaço geográfico para a
“teoria do desenvolvimento”, o autor busca fomentar a dimensão socioespacial do mesmo, de
modo que os aspectos econômicos, políticos, culturais e ambientais possam ser expostos e
levados em conta na formulação de novas abordagens a respeito da temática.
Ratificando a crítica, àqueles que limitam a ideia de desenvolvimento apenas ao viés
econômico, Souza (1997) destaca que as tentativas de quantificação de elementos que
pudessem “medir” o grau de desenvolvimento de determinado país, inclusive por meio da
noção de renda per capita, podem representar uma ficção estatística, uma vez que nada
revelam a respeito da distribuição da riqueza socialmente produzida. Os milhares de
empregos, gerados com a industrialização, em inúmeros países e regiões pobres em todo o
mundo, não produziram verdadeiros saldos positivos na distribuição da riqueza. Pelo
contrário, a industrialização desses países ocorreu em virtude dos baixos salários pagos à
força de trabalho e da possibilidade das grandes empresas transnacionais conseguirem
concentrar mais riqueza e ampliar a exploração sobre a força de trabalho.
A obsessão pelos números, pela posição no ranking industrial, a euforia por vencer a
concorrência na atração de novos investimentos, o crescimento do PIB, tudo isso parece
suplantar qualquer ideia de desenvolvimento mais amplo do ponto de vista de possibilitar a
maior autonomia da população dos municípios onde, por exemplo, as grandes fábricas de
32
calçados estão instaladas. Autonomia essa que deve ser respeitada até mesmo quando
determinados grupos humanos resolvem rejeitar os padrões de sociabilidade e consumo
difundidos pelo mundo moderno.
Apesar da multiplicidade de visões e críticas a respeito da ideia de desenvolvimento
capitalista, o crescimento econômico continua a se constituir como o grande objetivo dos
governos nas diferentes escalas de análise. A oportunidade de uma interação local e até
mesmo regional efetiva que possa fazer emergir os distritos industriais “marshallianos” ou os
arranjos produtivos locais com possibilidades para incluir amplos setores de diversos
seguimentos produtivos/criativos/educacionais e culturais (e, por que não, autonomia política
classista), não entram na pauta da discussão quando da decisão da instalação de grandes
empreendimentos industriais, sem mencionar que as populações locais podem ter sua base
produtiva completamente alterada e criar um vínculo de dependência com uma única
empresa5.
O espaço das grandes empresas é tratado pelo Estado como um espaço diferenciado do
espaço “banal” e é favorecido pelas ações de planejamento e aplicações orçamentárias
estatais. O resultado desse favorecimento para as grandes empresas e discriminação para com
os outros espaços é o quase abandono das populações (SANTOS, M., 2003). É sabido que a
supervalorização da abordagem econômica e industrial não pode ser encarada como a única
vertente do desenvolvimento em geral e, até mesmo, deve ser criticada pelo fato de que,
segundo Souza (1997), o modo de produção vigente não pode abdicar do imperativo do
crescimento, da espiral da degradação ambiental e da exclusão socioespacial. Tais
características do capitalismo parecem ser um fato bastante sério e não podem ser corrigidas
mediante ajustes econométricos.
Dessa forma, a abordagem escalar é importante no sentido de entender o processo, não
só de industrialização, mas também das estratégias de desenvolvimento. Evocando a
particularidade dos recortes espaciais e temporais, Souza (1997) entende que o
“desenvolvimento” (enquanto meta aceita e acordada entre os membros de uma sociedade)
deve ser atrelado a cada um destes recortes, levando-se em conta o universo cultural e social
particular, sendo logo, em um nível de detalhe que se preste à operacionalização, variável,
plural.
O termo “autonomia” é evocado por Souza (2003) para questionar a imposição de uma
5 Às vezes, nem mesmo essa grande fábrica interage com o local, agindo como um enclave; é como se não
existisse e somente sugam do lugar suas forças – a juventude e a energia dos trabalhadores, os recursos
ambientais etc.
33
determinada concepção e “estratégia de desenvolvimento” (acrescentaríamos: de
industrialização) de cima para baixo. A autonomia se constitui, para Souza (2003), na base do
desenvolvimento, o processo de auto-instituição da sociedade rumo a mais liberdade e menos
desigualdade. A repartição do poder de decisão entre as populações de determinado recorte
espacial, não raro doloroso (pois encontra a resistência de determinados agentes
privilegiados), mas muito fértil, não está presente nos planos governamentais, sobretudo nos
planos de alocação de grandes fábricas. O autor esboça uma concepção de desenvolvimento
onde a territorialidade assume importância capital. Segundo o autor:
[...] sem que se aborde preliminarmente essa questão, que é a questão do exercício
do poder de decidir em uma sociedade (e não apenas no âmbito amesquinhado de
um “projeto de desenvolvimento”), o discurso da emancipação cultural, da
tecnologia adaptada etc. cairá no vazio (SOUZA, 2003, p. 103).
Levando-se em conta esta abordagem a respeito do poder decisório, pode-se afirmar que
o fenômeno da expansão das indústrias em direção aos países “pobres” deve ser analisado não
como uma garantia de desenvolvimento socioespacial, mas apenas de crescimento econômico
e produtivo. Dessa forma, os ganhos de eficiência e produtividade econômica dos países e
regiões onde essas indústrias são instaladas promovem uma aceleração da circulação de bens
e pessoas, porém a objetividade dessa eficiência embutida no próprio espaço é o pré-requisito
da acumulação de capital, e não a melhoria das condições de vida. Assim, afirma Souza
(1997):
[...] a organização espacial precisa estar em consonância com as relações de
produção e necessidade tecnológica, com as relações de poder e com as
representações sociais – enfim, com o imaginário instituído – de uma dada
sociedade, e precisará ser modificado para adaptar-se a cada transformação social
(SOUZA, 1997, p. 29).
O espaço geográfico, em suas múltiplas dimensões e escalas, tem um papel importante
na concepção e formulação de estratégias de desenvolvimento, sobretudo no que se refere à
efetivação da autonomia das populações de determinadas regiões e países periféricos. A forma
como o espaço se apresenta está estreitamente ligada à forma como se dão os processos
sociais. Os processos desencadeados pela dinâmica do sistema econômico capitalista, nesse
sentido, imprimiram uma suposta homogeneização econômica e funcional do espaço para
atender os objetivos de acumulação e exclusão. Conforme Brandão (2007):
O processo homogeneizador é atinente à imposição do capital, em qualquer espaço,
de seus pressupostos imanentes; à capacidade do capital em incorporar massas
34
humanas à sua dinâmica; à atração de todos os entes à órbita de seu mercado; à
subordinação a si de todas as unidades societárias; busca de construção de um
espaço uno de acumulação à destruição de quaisquer barreiras espaciais e temporais
que possam gerar atrito e fricções a seu movimento geral (BRANDÃO, 2007, p.73).
Deixando de considerar as características e fatores sociais próprios nas diferentes
regiões e localidades, os governos dos estados nacionais (principalmente em países
sulamericanos e asiáticos) aceitam a suposta homogeneização imposta pelas forças
econômicas industriais e formulam estratégias para a alocação de grandes empreendimentos
produtivos. As populações de diferentes países, estados e regiões do mundo, principalmente
as populações dos países de industrialização tardia (Brasil, México, Chile etc), não são
incluídas nos diálogos a respeito dos projetos de desenvolvimento e de instalação de fábricas
em suas localidades, tendo, muitas vezes, modificada fortemente a dinâmica de suas vidas e
ampliadas as péssimas condições de sobrevivência a que são submetidas.
1.3. GLOBALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E O MODELO DE ACUMULAÇÃO
Para facilitar a fluidez do capital e proporcionar às empresas uma maior lucratividade,
os Governos dos países têm negociado protocolos bilaterais, o que leva, preponderantemente,
a desobrigações dos Estados para com os serviços públicos e ao favorecimento das atividades
privadas (SANTOS, 2001). As ideias neoliberais6 tornam-se hegemônicas, e o estímulo à
concorrência provoca disputas entre Governos estaduais e municipais por investimentos
privados.
No Brasil, a partir da década de 1990, a concorrência entre municípios e estados no
sentido de atrair investimentos econômicos, sobretudo unidades fabris que pudessem dar
origem a um número significativo de empregos, passou a ser chamada de “guerra fiscal” ou
“guerra dos lugares”. Esse processo de competição entre os países e unidades subnacionais
pode ser interpretado como o resultado de uma busca mais voraz e constate das grandes
corporações empresariais no sentido de manter favoráveis as taxas de lucros. Isso reflete as
transformações no modelo de acumulação pós-fordista.
Após a Segunda Guerra Mundial, o fordismo, regime de acumulação intensiva, pôde ser
aplicado em alguns países considerados subdesenvolvidos. Isso porque a produção havia
6 Apesar de em alguns países da América Latina ter ocorrido a chegada ao poder de governantes que se
intitulam contrários às ideias neoliberais, o livre comércio continua a ser apregoado por muitos integrantes
desses governos (vide o caso Brasil) como a única via necessária para se alcançar o crescimento econômico.
35
incorporado o consumo de massa no mercado interno, em países centrais da economia
capitalista, sobretudo nos Estados Unidos da América, em proporção aos ganhos de
produtividade. Em outras palavras, a produtividade e a lucratividade estavam
proporcionalmente associadas à incorporação do consumo. Com o crescimento dos salários
nos países centrais sob modelo fordista de acumulação (Estados Unidos, Inglaterra etc.), o
objetivo principal era um novo modo de regulação que permitisse o pleno crescimento
econômico, pelo acréscimo de uma vertente na qual a adaptação contínua do consumo de
massa fizesse crescer os ganhos de produtividade (LIPIETZ, 1988).
Para Lipietz (1988), a crise do modelo fordista de acumulação tornou-se mais clara
entre os anos 1967 – 1974. Segundo ele, o fato mais claro da crise do regime de acumulação
consiste na desaceleração geral dos ganhos de produtividade nos países centrais, que começou
no fim da década 1960 e afetou até os ramos mais tipicamente fordistas, como, por exemplo, a
indústria automobilística. Justamente durante a década de 1970, o Brasil e outros países de
industrialização tardia começaram a obter ganhos significativos na produção e exportação de
calçados. Conforme se pode observar nos dados a respeito das exportações de calçados
contidos no Gráfico 1, houve um crescimento significativo nos últimos 40 anos.
Gráfico 1: Brasil - exportações de calçados - 1970 a 2008
FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009
Entre 1994 a 2004, a produção mundial de calçados deslocou seu eixo de produção em
direção aos países asiáticos, tanto por um aumento do consumo interno em algumas partes do
mundo como por uma verdadeira revolução em termos de terceirização, exportação e
1970 1980 1990 1992 1994 1998 2000 2008 1996 Ano
36
afirmação de marcas.
Os números contidos na Tabela 1 podem evidenciar o grande avanço do continente
asiático e, em particular, da Ásia oriental; passaram de um percentual total de 67,7% de
produção mundial de calçados, em 1994, para 83,3%, em 2004 (SANTOS, F; DIAS, A. M.,
2007).
Tabela 1
Principais países produtores de calçados: 1994 e 2004
Países Milhões de pares
em 1994
Milhões de pares em
2004
Variação %
China 3.750 8.800 135
Índia 540 850 57
Brasil 590 750 27
Indonésia 436 564 29
Itália 471 281 -40
Vietnã 135 445 230
Tailândia 350 260 -26
Paquistão 175 250 43
França 155 53 -66
Portugal 110 86 -22
Espanha 190 147 -23
Reino Unido 106 16 -85
E.U.A 234 35 -85
Japão 245 102 -58
Demais países 2.269 1.751 -23
Produção Mundial 9.756 14.390 47 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira com base em SANTOS, F; DIAS, AIRTON
M., 2007.
É evidente o declínio dos países tradicionalmente produtores de calçados,
principalmente no período de 1994/2004. A Itália, que se constituía em uma referência
mundial em produção e exportação de calçados na década de 1970, passou de 471 milhões de
pares produzidos em 1994 para 281 milhões de pares em 2004; a Espanha caiu de 190
milhões para 147 milhões de pares; Portugal passou de 110 milhões de pares para 86 milhões;
França caiu de 155 milhões para 53 milhões; Reino Unido teve queda de 106 milhões para 16
milhões (SANTOS, F; DIAS, AIRTON M., 2007).
Com a crise do modelo fordista de produção, desenvolvem-se novos mecanismos para
manter os ganhos de produtividade das empresas calçadistas. Além de muitas empresas
instalarem suas unidades fabris em países considerados subdesenvolvidos (como o Brasil e a
China), o toyotismo tornou-se, no Japão, uma resposta à crise do modelo fordista.
No modelo toyotista de gestão da produção, contrariamente ao fordismo, o operário
torna-se polivalente; no lugar da linha de montagem individualizada, os operários são
37
integrados em uma equipe; em vez da produção em massa, a empresa produz sob demanda
para evitar custos com perdas e estoques. Com o toyotismo, a produção é variada,
diversificada e pronta para suprir as encomendas dos consumidores. É o consumo que
influencia a decisão a respeito do que será produzido e não o contrário como se procedia na
produção em série e de massa do fordismo (ANTUNES, 2010).
Considerando a crise do fordismo no final da década de 1960, com a dificuldade em
manter a regularidade do crescimento dos ganhos de capital e manter também a regularidade
do crescimento do consumo, o grande capital, representado por empresas transnacionais, vê
no exterior (sobretudo na China, Índia e Brasil) um reservatório onde existe aquilo que não
poderia, naquele momento, estar disponível nos países centrais da economia capitalista: força
de trabalho barata e matéria prima em abundância, bem como a ampliação do mercado de
consumo.
Dados divulgados pelo Banco Mundial, em 1995, apontam que a força de trabalho
global dobrou de tamanho entre 1966 e 1995, sendo que a maior parte dessa força de trabalho
assalariada vivia nas mais lamentáveis condições (HARVEY, 2006). Nesse contexto de
precarização das condições de vida em diversos países, começam a surgir os Novos Países
Industrializados (NPIs), onde uma espécie de fordismo periférico é colocada em prática com o
objetivo de aumentar os ganhos de produtividade e de lucratividade das grandes empresas
monopolistas, através da utilização intensa de força de trabalho e da grande demanda
encabeçada pelas pessoas do grupo de renda classes média e alta dos países periféricos.
Segundo Harvey (1992),
Foi também perto dessa época [1966 - 1967] que as políticas de substituição de
importação em muitos países do Terceiro Mundo (da América Latina em particular),
associada ao primeiro grande movimento das multinacionais na direção da
manufatura no estrangeiro (no Sudeste Asiático em espacial), gerando uma onda de
industrialização fordista competitiva em ambientes inteiramente novos, nos quais o
contrato social com o trabalho era fracamente respeitado ou inexistente (HARVEY,
1992, p. 135, acréscimo nosso).
Corroborando com os argumentos de Harvey (1992), Wallerstein (2009) destaca que no
bojo das mudanças geopolíticas no sistema-mundo a década de 1970 foi intitulada pelas
Nações Unidas como a década do desenvolvimento. Conforme Wallerstein (2009), o que se
presenciou nessa década do desenvolvimento foi justamente o contrário do que se poderia
vislumbrar:
Os anos 1970 se tornaram a década da morte do desenvolvimento como idéia e
como política. O que aconteceu foi que a expansão da economia-mundo tinha
38
alcançado os limites de muitos produtores na indústria de ponta (resultado da
reconstrução da Europa Ocidental e da Ásia Oriental) e, por conseguinte, um agudo
declínio dos níveis de lucros nos setores mais lucrativos da produção mundial. Esse
é um problema recorrente na operação da economia-mundo capitalista, e levou a
resultados padrões: remanejamento de muitas dessas indústrias para países
semiperiféricos, onde os níveis salariais eram mais baixos (com esses países
considerando esse remanejamento como sendo “desenvolvimento”); crescimento do
desemprego no mundo (mais notadamente nos países mais ricos), levando ao
declínio dos salários reais e dos níveis de tributação nesses países; concorrência na
“tríade” dos Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão com a Ásia Oriental para
exportar reciprocamente o desemprego; transferência do capital de investimento das
empresas produtivas para a especulação financeira; e aguda crise da divida pública (WALLERSTEIN, 2009, p. 61).
Com o crescimento da atividade industrial nos países periféricos, disseminou-se o que
Lipietz (1988) chamou de “fordismo periférico” que seria um “fordismo incompleto” em suas
características essenciais, se comparadas às características do fordismo nos países centrais do
capitalismo. Segundo esse mesmo autor:
Esse modelo de industrialização das periferias, por adoção parcial e frequentemente
ilusória do modelo central de produção e de consumo, porém sem a adoção das
relações sociais correspondentes, fracassou efetivamente na sua inserção no “círculo
virtuoso” do fordismo central (LIPIETZ, 1988, p.77).
Lipietz (1988) aponta os motivos do fracasso do fordismo periférico adotado nos países
pobres como possibilidade de crescimento econômico similar aos países centrais da economia
capitalista. Os principais argumentos do autor têm como base as seguintes ideias: não se pode
importar tecnologias e máquinas nos países pobres sem construir relações sociais de trabalho
que sejam compatíveis com o potencial produtivo; os operários dos países periféricos não
apresentavam a qualificação e experiência que os operários dos países centrais haviam
acumulado durante seu percurso histórico. Lipietz (1988) ainda considera que, nos países
periféricos, não houve uma ampliação significativa do poder aquisitivo dos operários e do
campesinato, como ocorreu na maioria dos países centrais do fordismo. Com isso, o consumo
de massa, ou a inserção das classes populares no mundo do consumo, não ocorreu. Nesse
caso, os mercados continuavam limitados à população dos grupos de renda elevada e média
(LIPIETZ, 1988).
Dessa forma, o fordismo, enquanto modelo, possui características que não foram
sistematicamente adotadas em todos os países periféricos. De certa forma, as características
sociais, culturais e epoliticas influenciaram decisivamente na forma como o modelo foi sendo
executado. A forma como a organização da produção em massa e padronizada foi implantada
em diversos locais guardam características singulares em todos os países periféricos em que o
modelo foi sendo colocado em prática.
39
1.4. AS REDES E ESCALAS GEOGRÁFICAS
Buscando compreender os processos socioespaciais e as formas resultantes
desencadeadas com a instalação de uma importante atividade econômica, como a indústria
calçadista, em uma localidade sem tradição industrial e ligada a atividades comerciais de
baixa complexidade e agropastoril, julga-se necessário utilizar os conceitos de rede e de
escala geográfica como recurso de análise, no intuito de decifrar algumas interações espaciais
que envolvem tal fenômeno no contexto de expansão do setor calçadista brasileiro cuja
competitividade das empresas baseia-se no menor custo de produção, que para tanto explora
os mecanismos de “guerra fiscal”, incorporando localidades periféricas e os integrando
produtivamente nas redes corporativas.
Levando em conta o conceito de escala geográfica, Castro (2003) avalia que a
investigação geográfica enfrenta o problema básico do “tamanho”, que pode variar da escala
espacial local ao global. Destaca ainda que, na relação entre fenômeno e tamanho, não se
transfere leis de um tamanho a outro sem que surjam alguns problemas.
Pensando dessa maneira, entende-se que a escala geográfica não deve ser vista como
relação de proporção, isso se aplica à cartografia para ampliar ou reduzir determinado recorte
espacial representado em carta/figura. A escala geográfica deve ser entendida como uma
dimensão espacial descontínua de pertinência dos fenômenos/ fatos. Assim, concorda-se com
Harvey (2006) quando o mesmo afirma que:
O exame do mundo em qualquer escala particular revela de imediato uma série de
efeitos e processos que produzem diferenças geográficas nos modos de vida, nos
padrões de vida, no uso dos recursos, na relação com o ambiente e nas formas
políticas e culturais. A longa geografia histórica da ocupação humana da superfície
da Terra e da evolução das distintas formas sociais (línguas, instituições políticas e
valores e crenças religiosas) inseridas integralmente em lugares com qualidades
todas suas tem produzido um extraordinário mosaico geográficos de ambientes e de
modos de vida socioecológicos. [...] Mas as diferenças geográficas são bem mais do
que legados histórico-geográficos. Elas estão sendo perpetuamente reproduzidas,
sustentadas, solapadas e reconfiguradas por meio de processos político-econômicos
e socioecológicos que ocorrem no presente (HARVEY, 2006, p. 110 – 111).
Entende-se, assim, que a questão da escala deve ser decifrada mediante a capacidade
analítica de superação das aparências. A análise transescalar é, então, o mecanismo
fundamental do reconhecimento e caracterização dos processos e fenômenos socioespaciais.
A questão primordial é, então, entender o fenômeno, indo de uma escala a outra, mas sem
hierarquizá-la para dar visibilidade ao mesmo. Conforme Castro (2003): “A escala é, na
40
realidade, à medida que confere visibilidade ao fenômeno. Ela não define, portanto, o nível de
análise, nem pode ser confundida com ele, estas são noções independente conceitual e
empiricamente” (CASTRO, 2003, p. 123).
O estudo das transformações socioespaciais está diretamente associado à coerência da
escolha deste ou daquele fenômeno e à objetivação dos espaços na escala em que o
pesquisador julgue que o fenômeno pode ser apreendido. Assim, o fenômeno objeto de
estudo, mesmo em sua particularidade, deve ser encarado como articulado a um conjunto
maior de localizações. Mesmo contido em determinado recorte de análise, o fenômeno
constitui-se um elo entre as escalas da realidade por meio de redes geográficas a fim de evitar
o isolamento e não perder a ideia de totalidade. Castro (2003), pautada nas concepções de
Merleau-Ponty (1964), destaca que a aparente fragmentação do real que ocorre quando nos
aproximamos da realidade é apenas perspectiva, uma vez que cada objeto percebido possui o
mesmo valor, já que cada um participa conjuntamente de uma realidade tal que este ou aquele
fenômeno se destaca apenas como uma projeção particular.
A formulação de Castro (2003) sugere que não há hierarquias entre as escalas, pois elas
não constituem projeções mais ou menos aumentadas de um real em si, já que o real está
contido e/ou projetado em cada uma delas. Por outro lado, também significa dizer que o
importante é a percepção resultante, em que o real está presente, assim “[...] a escala é,
portanto o artifício analítico que dá visibilidade ao real” (CASTRO, 203, p. 133). A referida
autora estabelece três pressupostos para o entendimento da escala como conceito de análise:
1) não há escala mais ou menos válida, a realidade está contida em todas elas; 2) a
escala da percepção é sempre ao nível do fenômeno percebido. Para a filosofia este
seria o macrofenômeno, aquele que dispensa instrumentos; 3) a escala não
fragmenta o real, apenas permite a sua apreensão (CASTRO, 2003, p. 132).
Smith (1988), por sua vez, sugere uma perspectiva importante sobre a análise das
escalas sob a égide do sistema econômico capitalista. Segundo ele, a análise escalar de alguns
fenômenos socioespaciais, sobretudo o processo de reprodução ampliada do capital, deve ser
entendida no contexto das diferentes formas como o capital aparece fixado, ou materializado
no espaço – daí sua relevância na compreensão da produção dos padrões de desenvolvimento
desigual. Podemos inferir que a produção das diferentes escalas geográficas corresponde a um
conjunto de determinações políticas, ideológicas, econômicas, culturais e espaciais, que
mediam os padrões de produção, estruturação e reestruturação do espaço.
As regiões e locais do mundo são imersos em tal lógica e, segundo Silveira (2004), é a
41
“[...] funcionalização dos eventos no lugar que produz uma forma, um arranjo, um tamanho
do acontecer. Mas, no instante seguinte, outra função cria outra forma e, por conseguinte,
outros limites” (SILVEIRA, 2004, p. 90).
O acontecer dos processos desencadeados nas escalas global, nacional, regional e local
pressupõe a existência de redes geográficas que conectam as ações e eventos no espaço
geográfico. Para tanto, as empresas normalmente constroem novas redes técnicas nos locais
onde se instalam, associando-as a redes criadas em escala regional, nacional e mundial, dando
condição para determinadas modificações das relações entre determinados recortes de escalas
geográficas. Quando uma empresa age introduzindo novas redes geográficas, recria as
condições de organização do espaço geográfico, seguindo a lógica da divisão internacional e
nacional do trabalho.
Os diferentes agentes sociais têm acesso às redes de maneira diferenciada, de acordo
com o seu poder econômico. “No dia-a-dia é costume pensar nas redes, na sua constituição,
sua forma, sua fisionomia e sua estrutura. As pessoas apenas usam as redes, e usando, as
constroem e as reconstroem” (SANTANA, 2006, p. 33).
Segundo Corrêa (2001),
Por rede geográfica entendemos um conjunto de localização geográfica inter
conectadas entre si por um certo número de ligações. Este conjunto pode ser
constituído também por uma sede de cooperativa de produtores rurais e as fazendas
a elas associada; como pelas ligações materiais e imateriais que conectam a sede de
uma empresa, seu centro de pesquisa e filiais de venda. Pode ser ainda constituído
pela agência de um banco e o fluxo de informações que circulam entre elas; pela
sede da igreja católica, as dioceses e paróquias; ou ainda pela rede ferroviária de
uma dada região. Há, em realidade, inúmeras e variadas redes que recobrem, de
modo visível ou não, a superfície terrestre (CORRÊA, 2001, p. 107).
Está claro que as redes são constituídas enquanto ligações entre pontos-localidades e
entre espaços visando determinados fins. No entanto, as redes geográficas possuem
propriedades fundamentais que não devem ser negligenciadas nas análises socioespaciais: a
conectividade, a seletividade e, em alguns casos, a instantaneidade. A conectividade está
associada à capacidade das redes em ligar localidades e fenômenos. A seletividade é a escolha
das conexões e localidades a serem incorporadas ao objetivo de existência da rede. A
instantaneidade é o compartilhamento dos processos sociais inerentes à rede geográfica.
Estudando as redes técnicas, Dias (2003, p. 141) afirma que “[...] a história das redes é a
história das inovações que, uma após a outra, surgem em resposta a uma demanda social antes
localizada que uniformemente distribuída”. Todavia, em sentido mais amplo, o conceito de
rede ultrapassa a concepção material e pode ser abordado do ponto de vista imaterial no
42
sentido de conectar, por meio da internet, pessoas e empresas em diversas regiões e lugares da
Terra.
Com relação às redes técnicas a serviço da produção do espaço capitalista, as redes
geográficas constituem um mecanismo essencial para a manutenção e ampliação do capital,
pois são criadas e modificam os espaços nacionais, regionais e locais, doravante sulcados por
linhas técnicas que permitem maior velocidade na circulação de bens, de pessoas e de
informações (DIAS, 2003).
A organização espacial da sociedade é significativamente influenciada pela presença das
redes. De acordo com Santana (2006),
A rede por ser vista como técnica que se impõe na organização espaço-temporal,
uma vez que pode criar elementos espaciais sobre o território, elementos que darão
temporalidades diferenciadas aos fluxos ou poderão suprir ou ampliar
temporalidades relativas às distâncias nestes territórios e que dependerão de sua
matriz técnica, [...] (SANTANA, 2006, p.43).
As redes parecem se constituir, na maioria das vezes, como a infraestrutura básica
visível e invisível da sociedade em seu viés econômico e produtivo. As redes são tecidas por
diversos agentes, porém, no atual estágio de organização da globalização capitalista e
neoliberal, as empresas transnacionais, em parceria com o Estado, traçam as principais redes
econômicas e políticas de conexão entre vários lugares. A partir da distribuição de unidades
fabris e escritórios de administração, pontos de vendas etc. sobre determinados pontos da
superfície terrestre, as localizações são articuladas aos mais variados fluxos e vias.
Portanto, deve-se ter em mente que as redes são resultado do trabalho de numerosos
agentes que, em diferentes lugares e momentos, e com capacidades distintas de ação, exercem
seu papel como sujeitos históricos e geográficos. As conexões entre as redes são instrumentos
de determinados agentes sobre o espaço. O propósito das redes é manter a circulação dos
fluxos. Conforme Santana (2006),
A circulação, motivo principal da existência das redes se fará, então, de forma
desigual de acordo com o desenho, quantidade, qualidade, e capacidade de cada um
dos pontos e linhas em transmitir os fluxos com o mínimo de retenção possível,
além da própria qualidade do elemento em transporte, dado por sua viscosidade e
atrito dentro da rede (SANTANA, 2006, p. 46).
Quanto à adaptação dos espaços regionais às demandas externas, Silveira (2003)
destaca que os vetores da transformação não encontram espaços totalmente submissos às
determinações. Segundo a autora:
43
Existe uma totalidade prévia, um mundo construído. É um arranjo de objetos e
normas que, ao mesmo tempo que é transformado, obriga os vetores a uma
adaptação. [...] um verdadeiro limite normativo, porque material e organizacional, ao
processo de totalização (SILVEIRA, 2003, p. 92).
Ante o “mundo construído” encontrado pelos vetores das grandes corporações
empresariais nos locais onde as mesmas almejam aumentar o faturamento, torna-se regra
comum a disseminação do pensamento neoliberal hegemônico e a ação estatal em
favorecimento aos empreendimentos capitalistas. Percebe-se isso, por exemplo, no contexto
da reestruturação produtiva, observando principalmente o recorte temporal do início dos anos
1990, quando houve uma crescente concorrência entre os produtos da indústria brasileira de
calçados e os produtos chineses (mais baratos).
44
2. A INDÚSTRIA CALÇADISTA MUNDIAL E BRASILEIRA
Neste capítulo, são analisadas as principais características da produção mundial de
calçados, destacando sua distribuição mundial, as características e evolução da distribuição
espacial da produção calçadista no Brasil e o papel do estado da Bahia no processo de
relocalização de fábricas. Este exercício de análise busca colocar a ciência geográfica em
evidência, sobretudo porque essa ciência tem, no âmago de suas reflexões, a análise da
produção do espaço e o estudo da localização geográfica dos fenômenos. Porém, não se
podem desconsiderar as contribuições de outras ciências para o estudo da localização
industrial, haja vista serem contribuições imprescindíveis os estudos desenvolvidos por
economistas, sociólogos e administradores que colocam a localização industrial e o
desenvolvimento regional como questões principais em suas pesquisas.
Tal investigação está diretamente vinculada à tentativa de desdobrar uma reflexão sobre
as transformações socioespaciais provocadas pela grande fábrica de calçados nos locais onde
esse segmento industrial instala suas unidades fabris. No âmbito da geografia, é prioritária a
análise da distribuição espacial das atividades produtivas e suas implicações sobre a produção,
organização e/ou reestruturação do espaço, como mediação entre a sociedade e a natureza,
que se constitui o centro da investigação.
Assim, pode-se inicialmente afirmar que existem diversas variáveis – econômicas,
políticas, institucionais, culturais etc. – que interferem na produção do espaço e na localização
das atividades industriais. A decisão da localização industrial dependerá do tipo de
empreendimento, tipo de produto fabricado, matéria prima utilizada, ambiente institucional e
político do país ou localidade de interesse dos empresários.
Neste ínterim, o espaço geográfico, transformado e produzido pela sociedade
capitalista, constitui o que hoje se caracteriza como conjunto indissociável de sistemas de
objetos e sistemas de ações, sendo que: “Através da presença desses objetos técnicos:
hidroelétricas, fábricas, fazendas modernas, portos, estradas de rodagem, estradas de ferro,
cidades, o espaço é marcado por esses acréscimos, que lhe dão um conteúdo extremamente
técnico (SANTOS, 1997, p. 51)”. A respeito dessa funcionalidade do espaço, Santos (1997)
afirma ainda que:
Em realidade, não há apenas objetos, novos padrões, mas igualmente, novas formas
de ação. Como um lugar se define como um ponto onde se reúne feixes de relações,
45
o novo padrão espacial pode dar-se sem que as coisas sejam outras ou mudem de
lugar. É que cada padrão espacial não é apenas morfológico, mas, também,
funcional. Em outras palavras, quando há mudança morfológica, junto aos novos
objetos, criados para atender a novas funções, velhos objetos permanecem e mudam
de função (SANTOS, 1997, p. 77).
Comentando a respeito da expansão das relações capitalistas pós-Revolução Industrial
e suas implicações sobre a hierarquia entre as cidades, Corrêa (2001) destaca que:
Com o capitalismo verifica-se a ampliação em escala até então nunca vista da
divisão social e territorial do trabalho, a perda dos meios de produção de parcela
considerável dos que ainda detinham estes meios, e o aumento do trabalho
assalariado, levando àquilo que Lenin se refere como a criação de um mercado
interior para a crescente produção capitalista, onde tanto os meios de produção como
os de subsistência, bem como a própria força de trabalho, se constituem em
mercadorias a serem vendidas e compradas. Com o capitalismo a atividade
comercial ganha novo significado social (CORRÊA, 2001, p. 18).
A respeito da emergência de um mercado mundial criado pelas forças capitalistas de
produção e o processo de modernização, Berman (2001) cita as características do que para ele
seriam centrais na modernidade, ensejadas pelo capital em escala mundial:
Em primeiro lugar, dá-se a emergência de um mercado mundial. Enquanto se
dissemina, esse mercado absorve e destrói todos os mercados locais e regionais em
que toca. A produção e consumo – e as necessidades humanas – tornam-se cada vez
mais internacionais e cosmopolitas. O escopo das exigências e dos desejos humanos
se amplia muito além da capacidade das indústrias locais, que consequentemente
quebram. A escala das comunicações torna-se mundial, e surgem meios de
comunicação de massa tecnologicamente sofisticados (BERMAN, 2001, p. 119).
As tendências de expansão das relações capitalistas industriais se mostraram claras nas
últimas quatro décadas (1970 – 2010). A procura por espaço onde as condições de produção
propiciassem maior lucratividade provocou a instalação da atividade industrial em países ditos
“subdesenvolvidos”. A atividade industrial que estava concentrada majoritariamente em
países centrais da economia capitalista passa a se instalar também em países periféricos.
2.1. A INDÚSTRIA DE CALÇADOS E O CONTEXTO DA RELOCALIZAÇÃO DE
UNIDADES PRODUTIVAS
O Brasil figura, atualmente, entre os países de maior produção de calçados do mundo
(terceiro maior produtor), concorrendo internacionalmente, neste segmento industrial, com a
46
China e a Índia. Comecemos, portanto, a discutir as características da indústria calçadista
mundial, utilizando um recorte geográfico global, relacionando as reflexões gerais obtidas a
partir da economia mundial e entendendo as tendências e alguns pressupostos da localização
de unidades fabris calçadistas. Cabe, no entanto, ressaltar que a divisão analítica em recortes
espaciais, desenvolvida nestas páginas, não tem como objetivo hierarquizar a relação entre as
escalas geográficas, mas buscar um entendimento dinâmico dos processos que favorecem ou
influenciam a instalação de fábricas de calçados em determinadas localidades.
Entre os países de maior produção de calçados na atualidade, destacam-se a China,
Índia e Brasil, conforme se pode observar na Tabela 2. Preponderantemente, esses países
possuem os operários com as mais baixas remunerações no setor couro-calçadista e de
confecções. A utilização intensiva de força de trabalho na produção dos calçados, a
“necessidade” de as empresas disporem de um número grande de indivíduos como força de
trabalho “livre”, vendendo seu labor em troca de uma remuneração que apenas provê suas
necessidades mínimas de existência, é de suma importância para a cadeia produtiva couro-
calçadista.
Tabela 2
Principais produtores mundiais de calçados: produção em
milhões de pares por ano (2004/2010)
País Ano
2004 2007 2010
China 8.800 10.209 10.682
Índia 850 980 1.117
Brasil 750 796 835
Vietnã 445 665 825
Indonésia 564 565 559
Tailândia 260 268 273
Itália 281 242 228
Paquistão 250 246 242
México 244 172 155
Turquia 224 170 142
FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em
www.couromoda.com (acesso em 02/03/2012)
A associação entre a produção de calçados e a disponibilidade de força de trabalho
abundante e barata vem sendo apontada nas duas últimas décadas, por alguns pesquisadores,
como Garcia (2010), Costa (2002), Brito (2010), Santos, L.(2008), como um fator de grande
relevância na competitividade e nos lucros das grandes companhias internacionais produtoras
de calçados, sobretudo por conta da reestruturação produtiva que diversos segmentos
industriais tiveram que programar e executar. Conforme se pode observar na tabela 3, os
47
principais produtores de calçados estão entre os países que possuem grandes contingentes
demográficos.
Tabela 3
População absoluta e produção de calçados por país em 2011
País População absoluta Posição quanto a
população
% Produção mundial de
calçados
China 1.354.146.443 1ª 64
Índia 1.214.464.312 2ª 6
Indonésia 232.516.799 3ª 4
Brasil 190.755.799 5ª 5
FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2011.
Seguindo os argumentos supracitados, observa-se que os quatro maiores produtores de
calçados do mundo, na atualidade, estão entre os cinco países que possuem os maiores
contingentes populacionais absolutos. Apenas o Vietnã, que é o quarto maior produtor de
calçados, não figura entre os dez países que possuem os maiores contingentes de população.
Mesmo assim, pode-se considerar que o Vietnã, com uma população absoluta de 89.028.741
habitantes em 2010 (IBGE, 2011), figura entre aqueles países que possuem um número
grande de força de trabalho disponível e com baixo custo de remuneração para trabalhar
conforme as exigências de lucratividade do setor calçadista mundial. Em âmbito mundial, a
indústria de calçados empregava, até o ano de 1995, cinco milhões de trabalhadores e
produzia mais de 10 bilhões de pares anuais, sendo que dois terços dessa produção foram
realizados em países asiáticos (TECNOCOURO, 1995 apud COSTA, 2002).
A remuneração da força de trabalho, diretamente associada à produção de calçados, é
um fator que interfere diretamente no preço do produto. O grande acirramento na
concorrência mundial para a produção e comercialização de calçados, fortemente crescente a
partir da abertura comercial durante a década de 1990 com o crescimento econômico de
alguns países asiáticos, especialmente da China, obrigou muitas empresas produtoras de
calçados a adotar estratégias de reestruturação produtiva, com forte implicação sobre as
tendências de instalação de unidades fabris. “Em geral, esse processo guiou-se pela busca de
novas fontes de suprimentos que apresentassem custos mais baixos, especialmente aqueles
associados com a força de trabalho” (GARCIA, 2010, p. 98). Ainda, segundo Garcia (2010),
O crescimento dos países asiáticos esteve fortemente vinculado com a organização
da cadeia global dessas indústrias, em que os compradores globais buscam
incessantemente fontes de suprimentos diversos, que apresentem as melhores
condições em termos dos atributos do produto, com destaque para o preço
(GARCIA, 2010, p. 98).
48
Assim, quanto menor for a remuneração oferecida aos trabalhadores do setor
industrial calçadista, maior será a possibilidade das empresas que utilizam esta força de
trabalho vencerem a concorrência para a venda dos produtos no mercado internacional7, haja
vista ser o preço do calçado o requisito principal na concorrência internacional. O trabalho
intensivo exigido pelas cadeias têxtil e couro calçadista em diversas partes do mundo, o
crescimento do consumo e o processo de abertura econômica em muitos países fizeram a
distribuição geográfica das fábricas de calçados ganhar uma nova dinâmica.
Segundo Harvey (2006), vem crescendo em todo o mundo a produção de mercadorias
que exigem uma grande quantidade de trabalhadores na linha de produção (a indústria de
confecções e a calçadista têm destaque neste segmento). Harvey (2006) cita o Programa de
Desenvolvimento das Nações Unidas para evidenciar o processo de expansão da produção de
“manufaturas trabalho intenso”:
A parcela de manufaturas trabalho intensivo com relação ao total de exportações
passou de 36% em 1975 a 74% em 1990. Entre 1985 e 1993, a taxa de emprego na
indústria têxtil passou por um incremento de 20%, a de produtos de vestuário e de
fibras por um incremento de 43%, e produtos derivados do plástico por um
incremento de 51%. A China é agora um importante exportador de produtos trabalho
intensivo para muitos países industrializados [...] (UNIDAS, 1996 apud HARVEY,
2006, p.64).
Como a China e a Índia, em grande medida, não possuem leis trabalhistas que
possibilitem aos trabalhadores direitos similares aos direitos adquiridos por trabalhares de
países capitalistas ocidentais, o saldo total das despesas para a manutenção da produção, em
muitas empresas que atuam nestes países, é significativamente reduzido. Assim, a mais valia
adquirida neste processo ganha proporções enormes. Por exemplo: direitos como décimo
terceiro salário, seguro desemprego, férias remuneradas, limite de horas de trabalho por dia
etc. não são assegurados, em muitos países asiáticos. Nesse sentido, as maiores companhias
que produzem calçados esportivos, tais como a norteamericana Nike e a alemã Adidas,
mantêm grande quantidade da produção em países periféricos.
Fazendo um paralelo entre as condições de vida dos trabalhadores, descritas por Karl
Marx em O Capital, Harvey (2006), tomando como referência a pesquisa desenvolvida por
Herbert (1997), cita um trecho que descreve as condições de trabalho dos operários, nas
fábricas de calçados e vestuários no Vietnã.
7 Tendo por base a concorrência pelo preço, o que predomina na competitividade entre as empresas calçadistas
nos países periféricos. Pois, nas fábricas ainda existentes nos países ricos, a concorrência é pela qualidade do
produto.
49
[...] o tratamento dos trabalhadores pelo gerente da fábrica no Vietnã (de modo
geral coreanos e taiwaneses) é uma “fonte constate de humilhação”, que ocorrem
maus-tratos verbais e assédio sexual com freqüência e que é “comum o uso de
punições corporais”. [...]. “É uma ocorrência comum”, escreve o senhor Nguyen em
seu relatório, “o desmaio de vários trabalhadores por exaustão, por causa do calor e
da má nutrição, durante a troca de turnos. Disseram-nos que vários trabalhadores
chegaram a vomitar sangue antes de desmaiar” (HERBERT, 1997 apud HARVEY,
2006, p.67).
Vale ressaltar que o exemplo citado por Harvey (2006) diz respeito a operários que
produzem, em uma fábrica subcontratada pela empresa norte-americana Nike, uma das
maiores marcas de calçados esportivos do mundo.
As condições a que são submetidos os trabalhadores da indústria calçadista, nos países
periféricos, parecem ter características bastante similares, apesar de algumas diferenças. Veja-
se, então, a caracterização feita por Brito (2010), tomando como referência entrevistas feitas
com um representante sindical dos trabalhadores calçadistas a respeito da forma como os
operários de uma grande fábrica de calçados, na cidade de Ipirá-BA, eram tratados no dia a
dia de trabalho, antes de terem fundado o seu sindicato:
Imposição de horas extras não remuneradas, computadas como banco de horas,
sobre o que os trabalhadores não tinham a menor condição de discussão, e jornadas
de trabalho excessivas – das 05h até 19h ou 20h, quando o horário oficial era até
14:48h.
Gravidade e conseqüência dos acidentes de trabalho sofridos pelos operários,
causados pelas condições do processo fabril (queimaduras, luxações e até casos de
mutilação) [...].
Cárcere privado, ocorrido quando os trabalhadores decidiram reunir-se em
assembléia para a fundação do sindicato [...].
[...] maus tratos ou a prática do assédio moral, que ocorriam abertamente, com
proibição ou fiscalização de idas dos funcionários ao banheiro, escárnio público dos
funcionários que não conseguiam atender às metas de produção, cada vez mais
inatingíveis e distinções pejorativas para com os operários baianos, chamados de
preguiçosos, burros e famintos (BRITO, 2010, p. 172 – 173).
Com uma organização sindical mais acentuada nas regiões tradicionais de produção de
calçados no Brasil, nas regiões Sul e Sudeste, dificilmente as humilhações descritas acima
seriam toleradas sem uma postura de embate em que os trabalhadores exigissem respeito aos
seus direitos. Assim, corroborando com este pensamento, pode-se afirmar que a falta de uma
organização sindical mais efetiva, que defenda os direitos dos trabalhadores, favorece a
instalação de grandes fábricas de calçados no interior do Nordeste brasileiro, em especial nos
estados da Bahia e no Ceará. Em muitos casos, a baixa escolaridade e a falta de alternativa
para os trabalhadores das localidades onde se instalam esses grandes empreendimentos fabris
favorecem a subserviência aos ditames dos gerentes das fábricas.
A falta de outras oportunidades de emprego e a pouca exigência na qualificação para o
50
trabalho na indústria calçadista contribuem, assim, diretamente para que a relocalização da
produção se torne um processo exequível. O nível de escolaridade necessário para que os
trabalhadores lidem com as máquinas e com todo o processo produtivo na fabricação dos
calçados é praticamente inexistente. Não é necessária a escolaridade completa em nível de
ensino básico (ensino médio), pois a produção dos calçados se dá por meio da utilização de
máquinas que, em muitos casos, exigem apenas a execução de movimentos sequenciais e
repetitivos na linha de produção. Essa característica da produção de calçados torna maior a
disponibilidade de força de trabalho nos países populosos como a China, a Índia e o Brasil.
Sobre o aspecto da necessidade de qualificação da força de trabalho para a produção de
calçados, um dos gerentes responsáveis pela linha de produção da marca Nike, na maior
unidade produtiva do grupo empresarial Dass Clássico, localizada no município de Santo
Estevão-BA, afirmou que:
A qualificação se dá dentro do próprio processo de trabalho assim que o funcionário
adentra o espaço da fábrica. Para a produção de calçados não há exigências muito
grandes; as pessoas passam um mês conhecendo e se adaptando às exigências de
manuseio das máquinas e acabam se acostumando ao trabalho repetitivo (Entrevista
concedida a Ildo Rodrigues Oliveira, em 16/02/2011).
Analisando as palavras do gerente de produção dos calçados de marca Nike, pode-se
constatar que, na execução do trabalho repetitivo na linha de produção de calçados, não há
exigência de formação e preparo técnico; segundo ele, basta se “acostumar” com a repetição
dos movimentos das máquinas e desenvolver os movimentos repetitivos necessários para
confeccionar os produtos. Nesse sentido, tem-se um modelo de produção que se assemelha ao
fordismo e à produção de mercadorias em massa. Estudos disponíveis sobre as implicações
desse modelo de produção sobre a saúde dos trabalhadores das fábricas de calçados
comprovam que as graves lesões provocadas por movimentos repetitivos assolam uma
quantidade significativa dos operários (SANTOS, L., 2008).
Classificados pela empresa como “trabalhadores polivalentes da indústria de calçados”,
esses trabalhadores, após passarem alguns anos desenvolvendo uma atividade mecânica e
repetitiva, embora possam vir a desempenhar outras funções dentro da fábrica, podem
alcançar um alto grau de cansaço físico e adquirirem doenças relacionadas às funções que
desenvolvem e serem demitidos quando não atenderem mais às metas de produção exigidas
diariamente. Essa condição de trabalho associada à confecção dos calçados, contribui para
promover a mais alta taxa de rotatividade de trabalhadores neste segmento da indústria de
transformação, conforme índice de desligamentos do trabalho na tabela 4:
51
Tabela 4
Desligamento de trabalhadores dos subsetores da indústria de transformação – Anos selecionados.
Setores e subsetores da indústria
de transformação
Taxa do
subsetor
(%)
Taxa do
subsetor
(%)
Taxa do
subsetor
(%)
Taxa do
subsetor
(%)
Taxa do
subsetor
(%)
2001 2004 2007 2008 2009
Mineração não-metálica 43.8 39.8 44.9 52.6 48.5
Metalúrgica 37.3 35.6 40.8 48.8 43.5
Mecânica 39.0 36.5 45.0 53.9 44.3
Material elétrico e comunicação 44.8 32.9 40.7 44.0 39.2
Material de transporte 25.5 20.6 22.9 32.2 25.7
Madeira e mobiliário 52.0 53.3 53.5 57.1 52.5
Papel e gráfica 35.9 32.2 35.8 40.3 38.3
Borracha, fumo e couro 47.3 48.3 52.8 56.9 51.0
Química. 37.0 31.9 37.2 43.8 39.4
Têxtil 47.6 42.4 48.9 54.0 50.7
Calçados 64.5 57.3 65.3 73.8 58.8
Alimentos e bebidas 54.2 54.6 62.2 67.2 62.7
FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em DIESSE, 2011
É frequente a necessidade da disponibilidade de pessoas para ocupar os postos de
trabalho na produção de calçados deixados pelos trabalhadores acometidos pelas doenças
ocupacionais, como as Lesões por Esforço Repetitivo (LER) e as Doenças Osteomusculares
Relacionadas ao Trabalho (DORT) (SANTOS, L,.2008)8. Têm-se, nesse caso, mais um dos
fatores que explicam a estratégia, empreendida pelas grandes empresas de calçados, de
instalarem suas unidades produtivas ou subcontratarem empresas, durante as últimas décadas,
em países ou regiões que possuam um grande contingente populacional. A procura por locais
com disponibilidade de uma numerosa população com baixo custo de remuneração tem como
objetivo repor a grande quantidade de desligamentos mensais de trabalhadores nas linhas de
produção de calçados, o que confirma a elevada rotatividade da força de trabalho no setor.
De acordo com o exposto até agora sobre as variáveis para a localização de
empreendimentos produtivos, em particular das fábricas de calçados, pode-se inferir que cada
empresa ou corporação pode utilizar ou organizar o espaço geográfico em função de suas
próprias demandas ou interesses, e, exclusivamente, em função desses interesses. Assim, os
trabalhadores empregados nas unidades produtivas dessas empresas, distribuídas por todo o
mundo, em especial nos países periféricos da economia capitalista e nos países “emergentes”,
são tratados como objetos, como mercadorias que, após serem utilizadas e “gastas”, são
“jogadas fora”. Os trabalhadores, na visão funcional que lhe é atribuída pelas empresas, são
como uma espécie de “bateria” que vão ceder energia para manter a produção das
8 O trabalho na produção de calçados é enfadonho e como o setor emprega a maioria de jovens, eles não
permanecem por muito tempo no emprego.
52
mercadorias (produtos) e, uma vez que estiverem “descarregadas”, serão descartadas e novas
“baterias” serão incorporadas, repetindo o círculo de dispensa e contratação até a última turma
ser esgotada e a empresa mudar a fábrica de lugar, se o sindicato operário não intervier antes;
se isso acontece, a fábrica vai embora mais cedo. Para Santos (2001):
As empresas apenas têm olhos para os seus objetivos e são cegas para tudo o mais.
Desse modo, quanto mais racionais forem as regras de sua ação individual tanto
menos tais regras serão respeitosas do entrono econômico, social, político, cultural,
moral e geográfico, funcionando, as mais das vezes, como um elemento de
perturbação e mesmo de desordem (SANTOS, M., 2001, p. 85).
Para além de as empresas calçadistas se deslocarem, nas últimas décadas, para países
com grande contingente populacional, pode-se constatar, como um dos fatores preponderante
no deslocamento da produção, a existência de mercados consumidores potenciais para os
calçados produzidos. Há uma associação entre a absorção de um grande contingente de
trabalhadores para a produção de “mercadorias trabalho intensiva” e um crescimento do
mercado consumidor nos países emergentes, sendo o consumo, o mecanismo que garantirá o
ciclo de manutenção das relações de produção em seu objetivo maior que é o lucro
Percebendo a dinâmica do consumo e da produção de mercadorias, favorável à maior
competitividade nestes países “emergentes”, empresas brasileiras do setor têxtil e couro-
calçadista, como o Grupo Empresarial Dass Clássico, começam a montar unidades
administrativas na China para subcontratar força de trabalho para a produção de calçados e
confecções, haja vista as vantagens competitivas que existem nesse país, somando-se ao fato
de ser a China o maior exportador de pares de calçados para o Brasil (85% dos calçados
importados pelo Brasil em 2008 vieram deste país), conforme se pode visualizar na Tabela 5.
Tabela 5
Importação brasileira de calçados – 2008.
País US$ % Número de pares %
China 218.715.996 71.1 33.572.118 85,4
Vietnã 47.098.722 15.5 3.213.898 8,2
Indonésia 15.459.810 5.0 1.026.922 2,6
Itália 8.566.597 2.8 74.678 0,2
Tailândia 3.919.715 1.3 223.638 0,6
Argentina 3.049.593 1.0 191.780 0,5
Taiwan 2.611.360 0.8 261.646 0,7
Espanha 1.107.236 0.4 47.279 0,1
Hong Kong 730.827 0.2 171.574 0,4
Reino Unido 725.932 0.2 31.331 0,1 FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009.
53
Outras empresas, entre elas as do segmento têxtil, a exemplo da experiência
internacional, desativaram unidades produtivas no Brasil e também em outros países, e
passaram a subcontratar parte da produção em países asiáticos, sobretudo na China. Os
segmentos têxteis e calçadistas têm destaque significativo entre os produtos mais consumidos
no mercado de países emergentes e nos países considerados de economia capitalista
desenvolvida.
Nos últimos anos (1990 a 2010), os países denominados “emergentes” vêm
alcançando índices de crescimento econômico que favorecem a expansão do consumo interno,
a exemplo da China, Índia e Brasil9. Com uma política econômica que visa atrair investidores
externos, esses países assumem a liderança no processo de expansão industrial em alguns
segmentos, sobretudo o têxtil e calçadista. Conforme se pode observar na tabela 6, esses
países ganham destaque entre as maiores economias do mundo, com uma dinâmica muito
forte de importação e exportação de calçados.
Tabela 6
Principais economias mundiais, importação e exportação de calçados - 2006
Países PIB (US$
Trilhões)
Exportação
(US$ Milhões)
Importação
(%)
Importação (US$
Milhões)
Importação
(%)
EUA 14,7 822,6 1,1 20.091,4 26,1
China 5,9 27.784,7 39,3 5.862 7,6
Japão 5,5 X X 3.771,1 4,9
Alemanha 3,3 2.823,9 3,9 5.888,9 7,6
França 2,6 1.572,7 2,2 4.876,8 6,3
Reino Unido 2,2 942,5 1,3 5.025,1 6,5
Brasil 2,1 1.966,5 2,7 149 0,1
Itália 2,1 9.407,9 13,3 4.939,7 6,4
Canadá 1,6 X X 1.520,2 1,9
Índia 1,5 1.215,3 1,7 140 0,1
FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009 e 2011; FIESP, 2007
NOTA: X dado não encontrado
Para além dos fatores de custo de remuneração de força de trabalho, baixa escolaridade
da população, disponibilidade de população numerosa e um potencial de demanda interna
para os calçados, existem também fatores institucionais que tornam determinados países ou
regiões do mundo suscetíveis à instalação das fábricas de calçados.
Entre os fatores históricos que fizeram algumas regiões se tornarem o destino para a
9 Nos últimos anos, o Brasil vem obtendo números crescentes e significativos nos índices de consumo interno
devido, entre outras coisas, ao surgimento do que alguns especialistas chamam de “nova classe média”. Ao
mesmo tempo em que contribui para o crescimento do consumo interno, a “nova classe média” brasileira
também contrai significativos índices de endividamento de seus rendimentos, o que pode comprometer
futuramente a continuidade do ciclo do consumo e a sustentação dos índices de crescimento.
54
migração de inúmeras atividades industriais, inclusive a produção de calçados, pode-se
destacar algumas em particular. A intensificação da concorrência entre empresas e os salários
cada vez mais altos, que o capital empresarial de alguns países desenvolvidos tinha que pagar
à força de trabalho (da metade para o final da década de 1960), não formam um fenômeno
isolado em determinadas localidades. O conjunto da economia mundial passou por mudanças
importantes, principalmente a partir da década de 1960, conforme explica Arrighi (1997):
[...] entre 1968 e 1973 – isto é, antes do primeiro “choque do petróleo” do final de
1973 – essa intensificação geral das pressões competitivas e dos custos crescentes de
mão-de-obra em localidades do núcleo orgânico se combinou a uma súbita
aceleração da expansão transnacional de empresas capitalistas do núcleo orgânico
(ARRIGHI, 1997, p. 77).
Desse modo, com o acirramento da concorrência intercapitalista e do crescimento do
valor pago pela remuneração da força de trabalho, nos países do núcleo orgânico do
capitalismo, o fluxo anual de investimentos estrangeiros diretos, saído de muitos países
desenvolvidos, que haviam aumentado em menos de 50% entre 1963 e 1968, mais do que
dobrou entre 1968 e 1973 (ARRIGHI, 1997); investir na produção em países periféricos ao
núcleo orgânico do capitalismo tornou-se a alternativa para manter os índices de
lucratividades. Conforme Arrighi:
Muita, se não a maior parte, dessa aceleração, remonta a uma tentativa generalizada,
por parte de empresas capitalistas do núcleo orgânico, de escapar, através de uma
diversificação espacial de sua atividade, da diminuição das margens de lucro que
resultou da competição cada vez mais intensa e dos salários cada vez mais altos nas
localidades do núcleo orgânico (ARRIGHI, 1997, p. 77 - 78).
Concomitante a esse processo de expansão da atividade industrial em diversos países,
ocorre também a inserção do setor industrial calçadista brasileiro na concorrência
internacional, principalmente a partir da década de 1960 com uma significativa mudança em
sua trajetória de crescimento. Conforme Costa (2002),
A abertura do setor ao mercado externo em fins da década de 1960 introduz uma
inflexão em sua trajetória de crescimento. A manufatura do calçado do Vale dos
Sinos sofre um impacto de modernização. Aumenta a parte mecânica se seu
processo de fabricação, a qualidade do produto recebe maior atenção, assim como
passam a ser observados prazos de entrega e outros atributos de eficiência (COSTA,
2002, p. 56).
Dessa forma, a indústria brasileira de calçados, para criar vantagens competitivas a
ponto de concorrer internacionalmente com os países que se destacam na produção e
55
comercialização de calçados, tem um ambiente propício para a relocalização ou instalação de
fábricas calçadistas. Concorreram diretamente para a configuração deste “ambiente propício”:
a abertura econômica, concorrência internacional, reestruturação produtiva, disponibilidade de
mão de obra com baixa remuneração (sobretudo no Nordeste brasileiro), mercado consumidor
e os instrumentos de flexibilização tributária que deram origem à chamada “guerra fiscal”.
2.2. BRASIL: DO SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS FÁBRICAS DE CALÇADOS À
RELOCALIZAÇÃO DE UNIDADES FABRIS
Durante as últimas três décadas (de 1980 a 2010), o Brasil vem se destacando no
cenário internacional da produção, exportação e importação de calçados. Figurando entre os
principais países emergentes no cenário econômico mundial, o Brasil vem se consolidando
como a sexta mais importante economia capitalista do mundo, no ano de 2011. Nesse
processo de crescimento econômico, a produção calçadista brasileira foi reestruturada para
concorrer com a produção de calçados da China, Índia, Indonésia e Vietnã.
O processo de desenvolvimento da produção de calçados, no Brasil teve início em 1824,
com a chegada de imigrantes alemães no Rio Grande do Sul. Instalados no Vale do Rio dos
Sinos, mais especificamente no município de São Leopoldo, os imigrantes alemães
trabalhavam na agricultura e na pecuária. Entre esses imigrantes já havia aqueles que
possuíam habilidades na produção artesanal, sobretudo artigos de couro, o que facilitou a sua
inserção na produção direta de calçados de couro (ABICALÇADOS, 2009; COSTA, 2002).
Após o ano de 1870, a produção de calçados, no Rio Grande do Sul, começou a
crescer e ganhar importância com a expansão também da atividade agropecuária e da
produção de charque, conforme relatório estatístico da Associação Brasileira das Indústrias de
Calçados:
A produção que inicialmente era caseira e caracterizada pela confecção de arreios
de montaria, ganhou mais força com a Guerra do Paraguai, que ocorreu nos anos
1864 – 1870. Após o episódio, surgiu a necessidade de ampliar o mercado
comprador. Assim, surgiram alguns curtumes e a fabricação de algumas máquinas,
que tornavam a produção mais industrializada (ABICALÇADOS, 2009, p. 3).
No Brasil, a primeira fábrica de calçados com características de indústria, com a
utilização de máquinas, surgiu em 1888, no Vale do Rio dos Sinos. Chefiada por descendentes
56
de alemães, as primeiras unidades fabris criaram um “Arranjo Produtivo Local” (APL) que
ligava a criação de gado em fazendas, de onde se retirava o couro, às demandas de matéria-
prima para a fabricação de calçados. Assim, muitos descendentes de alemães que possuíam
fábrica de calçados e que também eram donos de curtumes, ocupavam-se com a criação de
animais, utilizando couro como matéria-prima para a confecção dos calçados. Nota-se que,
subjacente a esta ligação entre produção de calçados e a pecuária, existia uma “prática
espacial” que visava sustentar a produção de calçados; a necessidade de expansão da pecuária
por parte dos produtores de calçados, visando obter matéria-prima (couro), é evidente.
O estado gaúcho fomentava a demanda por calçados, fazendo com que a produção se
expandisse a cada ano, formando, ao longo do tempo, um dos maiores clusters calçadista do
mundo, associado a uma grande cadeia de APLs distribuídas por toda a região do Vale do Rio
dos Sinos. Os principais municípios gaúchos tradicionalmente ligados à produção de calçados,
especializados em calçados femininos, são: Novo Hamburgo, São Leopoldo, Estância Velha,
Campo Bom, Sarapiranga, Taquara, Três Coroas, Rolante e Igrejinha.
Necessitando ampliar a comercialização de calçados para também ampliar os lucros das
empresas do ramo calçadista, sobretudo com a intenção de exportar calçados, iniciaram-se, na
década de 1960, às primeiras exportações de calçados brasileiros. Precisamente em 1968
ocorreu a primeira exportação de calçados brasileiros em larga escala para os EUA. Não
obstante, atualmente, os EUA continuam sendo o principal destino das exportações brasileiras
de calçados, com 25,7% do valor da exportação (ABICALÇADOS, 2010).
O ano de 1968 não só é importante para o início das exportações brasileiras de calçados,
mas também simboliza um período de mudanças substanciais na produção industrial em
diversos setores produtivos em todo o mundo. É sintomático que estudiosos como David
Harvey e Lipietz classifiquem o final da década de 1960 e o início da década de 1970 como o
período em que o modelo de acumulação fordista começou a apresentar os primeiros sinais de
crise, e algumas atividades produtivas começaram a crescer em países considerados ou
classificados como “subdesenvolvidos”, com a ativação da chamada política de substituição
de importações. A partir desse período, passou a haver um deslocamento de grande parte da
produção de calçados dos países economicamente mais poderosos em direção a regiões
periféricas que apresentavam condições mais favoráveis de competitividade. Soma-se a isso a
ideia que o final dos anos de 1960 constitui-se na “[...] fase derradeira dos chamados ‘anos
dourados’, período de acelerado crescimento econômico que se iniciou ao término da Segunda
Guerra Mundial” (COSTA, 2002, p. 58).
Segundo Harvey (1992), o modelo de acumulação fordista em seu núcleo essencial
57
manteve-se forte até pelo menos o ano de 1973, baseado numa produção e consumo em
massa. Segundo esse autor, os padrões de vida da população trabalhadora dos países
capitalistas centrais mantiveram relativa estabilidade, e os lucros monopolistas também eram
estáveis. Porém, depois da aguda recessão instalada a partir de 1973, teve início um processo
de transformação no interior do processo de acumulação de capital e expansão da atividade
industrial.
Países com grande contingente de população formam um mercado consumidor potencial
para os calçados e confecções produzidos pelas empresas que decidiram pela relocalização de
fábricas ou pela expansão da produção com a instalação de novas unidades de produção.
Como exemplos, pode-se citar o Brasil, a Índia e a China, países que atualmente figuram entre
as dez maiores economias do mundo, sendo classificados como países emergentes, com um
grande potencial de consumo interno.
Na década de 1960, a produção média brasileira de calçados por ano somava 80 milhões
de pares, no final da década de 1980, a produção de pares de calçados ultrapassava os 140
milhões. Com o transcorrer dos anos, novos mercados no exterior começaram a surgir e as
exportações aumentaram significativamente, aumentando também o faturamento das
empresas e favorecendo a expansão das unidades produtivas. Nesse período, começou a
ganhar forma a organização produtiva das empresas calçadistas em redes transnacionais,
articulando os fluxos de mercadoria e capital que estimularam a modificação de alguns
aspectos competitivos do setor calçadista brasileiro. Segundo Costa (2002),
Esse é um período marcado por um acúmulo de pedidos dos importadores de
calçados, gerando um intenso crescimento externo do setor com incorporação de
recursos e mão-de-obra, bem como a ampliação da escala das firmas. Esse caminho
foi facilitado pelas encomendas dos importadores de alto volume de calçados –
pedidos de 100 a 150 mil pares – padronizados e de preços baixos (menos do que
cinco dólares o par) permitindo uma maior mecanização da produção e a difusão de
técnicas tayloristas-fordistas de organizar o processo de trabalho (COSTA, 2002, p.
56).
As empresas brasileiras de calçados começavam a fazer os contatos com as empresas
internacionais compradoras de calçados (em sua maioria compradores norteamericanos) e
começaram também a trabalhar diretamente com os responsáveis pela criação das “linhas” de
calçados, haja vista serem as empresas brasileiras, naquela época, pouco desenvolvidas em
termos de criação de design. Até o início dos anos 2000, o setor de design das empresas
fabricantes de calçados no Brasil era considerado pouco competitivo se comparado com
países como França e Itália, países estes que têm uma tradição na produção de calçados de
alta qualidade e o desenvolvimento frequente de novos materiais para a produção.
58
No Brasil, houve um crescimento da produção e exportação de calçados de baixo custo
gradativamente a partir do final da década de 1970. Essa tendência de crescimento da
produção e de exportação de calçados foi acompanhada também pelo crescimento da
produção na China e na Índia. Conforme se pode visualizar no Gráfico 2, em uma linha
ascendente, as exportações atingiram um significativo saldo entre as décadas de 1980 e 1990
(ABICALÇADOS, 2009).
Gráfico 2 - Histórico da exportação brasileira de calçados em milhões de pares por ano -
1970/1990
FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em MDIC/ SECEX in ABICALÇADOS, 2009.
Desde a década de 1970 até a presente data, o Brasil se consolidou como o maior
produtor de calçados da América Latina. Apesar de ter surgido na região Sul do Brasil, onde
concentra a maior parcela de fábricas e pessoas empregadas na atividade de produção de
calçados, nos últimos anos, a produção brasileira de calçados está sendo deslocada para outras
regiões do país que, tradicionalmente, não eram ocupados com a confecção de tal produto.
Na Bahia, em particular, a atividade industrial calçadista foi ampliada
consideravelmente com a instalação de fábricas de calçados de grande porte, ou seja, unidades
fabris com mais de 1000 trabalhadores. No geral, as grandes fábricas são responsáveis por
58% da produção brasileira de calçados. Considerando a produção brasileira de calçados de
modo geral, pode-se constatar que conjuntamente a região Sul e a região Nordeste, são
responsáveis por 78% da produção nacional, sendo o Nordeste responsável por 44% e o Sul
Milhões de pares
Ano
59
por 34% da produção calçadista. Pelo volume de produção geral, a região Nordeste foi a que
mais cresceu em percentual produtivo. O Sudeste aparece com 21% da produção total de
calçados (ABICALÇADOS, 2009).
2.3. A INSERÇÃO DA INDÚSTRIA DE CALÇADOS BRASILEIRA NA
COMPETITIVIDADE MUNDIAL: O NORDESTE BRASILEIRO EM DESTAQUE
No contexto de expansão do modelo de acumulação fordista para os países periféricos e
semi-periféricos, os Estados se inserem no mundo produtivo frequentemente para estimular e
garantir a necessária fluidez e lucratividade do grande capital representado pelas grandes
empresas. Não é que o Estado se ausente ou se torne menor, ele apenas se omite quanto aos
interesses dos cidadãos e se torna mais forte, mais ágil, mais presente, a serviço da economia
dominante (SANTOS, M., 2001). Em nome da ordem econômica, implantam-se
infraestruturas que barateiam o valor final do produto e organizam o fluxo de capital na escala
planetária. Nessa relação, as corporações acumulam o capital e o Estado, liderado pelos
Governos (federal, estadual e municipal), banca com recursos públicos o papel estruturante,
formando uma alavanca que distribui a indústria e elimina a velha divisão do mundo em
países industriais e países agrários.
Para Santos, M., (2001), as empresas são os grandes agentes que têm como objetivo a
produção e a reprodução do capital em grande escala, ao qual o Estado está subordinado,
provocando mudanças no espaço. A postura tomada por muitos Governos de países centrais e
periféricos da economia capitalista em estimular a produção e maior eficiência competitiva de
grandes empresas no mercado global é uma marca recorrente, sobretudo atualmente, com as
transformações nos meios de transporte e das telecomunicações, que favorecem a localização
geográfica das unidades de gerenciamento e administrativas em áreas específicas do mundo,
enquanto as unidades produtivas estão localizadas onde os fatores que levam a uma maior
competitividade são mais favoráveis.
A competitividade acirrada entre as nações e regiões estimulou a criação de
mecanismos fiscais e creditícios cujo objetivo é estimular a produção industrial, sobretudo a
produção industrial que demanda uma grande quantidade de força de trabalho. Porém,
segundo Porter (1999), a competitividade entre as nações se dá através de um conjunto muito
grande de variáveis. Esse autor defende a ideia que as determinações das vantagens nacionais
60
podem ser divididas, de modo geral, em: estratégia, estrutura e rivalidade das empresas;
condições de fatores; condições de demanda; indústrias correlatas e de apoio. Para ele, as
condições de fatores para a competitividade podem ser discriminadas da seguinte forma:
1. Condições de fatores. A posição dos países nos fatores de produção, como
trabalho especializado ou infra-estrutura, necessária à competição em determinadas
indústria.
2. Condições de demanda. A natureza da demanda interna para os produtos ou
serviços da indústria.
3. Indústrias correlatas e de apoio. A presença ou ausência, no país, de indústrias
abastecedoras e indústrias correlatas que sejam internacionalmente competitivas.
4. Estratégia, estrutura e rivalidade das empresas. As condições que, no país,
governam a maneira pela qual as empresas são criadas, organizadas e dirigidas, mais
a natureza da rivalidade (PORTER, 1999, p. 87).
De modo geral, existem elementos que favorecem ou não a ação das empresas e sua
localização de acordo com os elementos de competitividade disponíveis no mercado. Tais
elementos da competitividade encontram variações de acordo com as características do país,
região, estado e setor da produção industrial. Segundo Porter (1999), a indústria italiana de
calçados de couro, que tem uma qualidade em termos de acabamento e desenhos mais
sofisticados e de alto custo, tem um poder de competitividade internacional muito grande,
pois contribuiu com o surgimento e aprimoramento das indústrias fornecedoras. Segundo
Porter (1999):
Particularmente valiosa num país é a presença de grandes segmentos que exigem
formas mais sofisticadas de vantagens competitivas. Sua presença proporciona um
caminho visível para as firmas locais aperfeiçoarem sua vantagem competitiva com
o tempo e as posições nesses segmentos são mais sustentáveis (PORTER, 1999, p.
106)
Existe, na Itália10
, um conjunto de empresas que desenvolvem novas tecnologias de
materiais e insumos para atender a demanda da indústria de calçados. Conforme se pode
visualizar no organograma contido na Figura 1, várias empresas contribuem para formar os
Arranjos Produtivos Locais (APLs) da indústria de calçados. Na indústria de sapatos de couro,
por exemplo, os produtores se comunicam regularmente com os fabricantes de couro sobre
novos estilos e técnicas de manufatura. Segundo Porter (1999):
Os fabricantes de calçados informam-se sobre novos materiais e cores de couro na
prancheta de desenho. Os fabricantes de couro, por sua vez, têm conhecimento
10 A Itália é um tradicional produtor de calçados em escala mundial. Utilizando materiais primas “top de linha”,
a indústria de calçados italiana segue promovendo o desenvolvimento de novos materiais e tecnologia para a
confecção desse produto.
61
prévio das tendências da moda, o que os ajuda a planejar novos produtos (PORTER,
1999, p. 122)
Porte (1999) atribui à existência de indústrias de abastecimento ou indústrias correlatas
a terceira posição na ordem de fatores que favorecem a competitividade internacional.
Figura 1 – Indústrias italianas de êxito internacional ligadas à indústria de calçados.
FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em PORTER, 1999.
As vantagens competitivas de algumas indústrias fornecedoras podem conferir
vantagens potenciais às indústrias de calçados de um país, pois produzem insumos
amplamente utilizados e importantes para qualidade do produto. Um dos principais fatores de
fortalecimento de vantagens competitivas é o acesso eficiente, precoce, rápido e, por vezes,
preferencial à maioria dos insumos economicamente rentáveis.
No entanto, no Nordeste brasileiro, onde se encontram instaladas diversas fábricas de
calçados, não existia uma tradição na fabricação de calçados; a infraestrutura geralmente é
precária, como praticamente também não existiam indústrias de apoio ou correlatas que
pudessem fornecer matérias primas ou produtos acessórios para a fabricação de calçados. Isso
62
ocorre, pois as empresas escolhem verticalizar a produção, incorporando outros locais à rede
produtiva.
Para Costa (2002), a competitividade da indústria de calçados no Brasil não se dá
apenas pela formação de APL (Arranjos Produtivos Locais) ou pela formação de distritos
industriais, como ocorre no Vale dos Sinos no Rio Grande do Sul. O padrão de competição da
indústria de calçados está centrado no valor de remuneração da força de trabalho e na
existência de incentivos fiscais e financeiros a esta atividade, elementos importantes para
explicar a localização de grandes fábricas de calçados no interior do Nordeste, principalmente
na Bahia e no Ceará.
Nessa dinâmica por uma localização onde a força de trabalho seja abundante e barata,
bem como os incentivos fiscais e creditícios se constituem como política de Estado, as
grandes corporações não só disputam diferentes fatias de mercado, mas também contribuem
para dinamizar, embora em níveis baixos, as economias locais, podendo até transformar a
vida das pessoas e das instituições. Refletindo a respeito das modificações provocadas pelas
grandes empresas sobre as localidades onde as mesmas atuam, Milton Santos (2001) afirma
que:
É assim que também se alteram as relações sociais dentro de cada comunidade.
Muda a estrutura do emprego, assim como as outras relações econômicas, sociais,
culturais e morais dentro de cada lugar, afetando igualmente o orçamento público,
tanto da rubrica da receita como no capítulo da despesa. Um pequeno número de
empresas que se instala acarreta para a sociedade como um todo um pesado processo
de desequilíbrio (SANTOS, 2001, p. 68).
Atrelado a esta capacidade dos empreendimentos em dinamizar a economia local,
tornou-se recorrente, durante a década de 1990, o discurso do “desenvolvimento local”.
Tomando como base uma concepção puramente econômica de desenvolvimento, muitos
municípios, no Brasil, empreenderam uma verdadeira política de atração de empresas.
Argumentando criticamente a respeito da “guerra” travada entre lugares que disputam a
instalação de empreendimentos econômicos produtivos como forma de favorecer o
“desenvolvimento local”, Brandão (2009) afirma que:
Essa luta dos lugares para realizar a melhor “venda da região ou da cidade”, com a
busca desenfreada de atratividades a novos investimentos, melhorando o “clima
local dos negócios”, subsidiando os custos tributários, logísticos, fundiários e
salariais dos empreendimentos, tem conduzido a um preocupante comprometimento,
a longo prazo, das finanças locais e embotado o debate das verdadeiras questões
estruturais do desenvolvimento (BRANDÃO, 2009, p. 39).
63
Neste contexto, no Brasil durante a década de 1990, seguindo as orientações das ideias
neoliberais, inicia-se uma maior abertura ao mercado externo e à competitividade
internacional entre empresas e entre países, uma significativa reestruturação produtiva, um
movimento de caráter estrutural que emergiu como consequência da maior concorrência
internacional, visando reduzir custos de produção e aumentar a competitividade dos produtos,
que vai estimular a desconcentração da indústria calçadista do Rio Grande do Sul e de São
Paulo em direção ao Nordeste (NAVARRO, 2006). Estados como a Bahia e o Ceará, que em
anos anteriores à década de 1990 tinham uma tímida participação na produção de calçados,
passaram a figurar com percentuais significativos de absorção de força de trabalho neste
segmento, conforme se pode constatar no Mapa 2.
Mapa 2: Brasil - Porcentagem de empregos na fabricação de calçados por estado - 2007
Fonte: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009
64
Os grandes pólos produtores de calçados no Brasil (Vale dos Sinos - RS e Franca - SP)
tiveram que reorganizar e dinamizar sua produção, diversificando os modelos de calçados,
para conseguir competir principalmente com a China, a Índia, Vietnã e Indonésia, onde os
custos de produção são muito baixos, devido, sobretudo, aos baixos salários pagos e a
ausência de leis trabalhista que sejam orientadas pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT). Quanto ao processo de reestruturação e suas consequências no setor calçadista,
destaca-se que:
Nesta década [1990], mudaram as condições de produção e concorrência na cadeia
produtiva de calçados. O aumento da concorrência externa, sobretudo, no mercado
interno, que adotou os padrões internacionais, fez com que as empresas buscassem a
redução de custos de produção e o aumento de participação no mercado externo
(SANTOS, A., et al., 2002, p. 65, acréscimo nosso).
Em sintonia com a necessidade de as empresas aumentarem seu grau de
competitividade, os Governos de alguns estados do Nordeste brasileiro adotaram mecanismos
fiscais e creditícios para atrair fábricas de calçados para a região. Esse tipo de estratégia
ganhou fôlego durante a década de 1990 e se transformou em “política de Estado” devido às
mudanças na legislação tributária e político-administrativas previstas e não previstas na
Constituição Federal de 1988. Segundo Dulci (2002):
É inegável o sentido democrático da descentralização estabelecido na carta de 1988;
porém, ela estimulou uma espécie de anomia no que diz respeito ao quadro tributário
no âmbito da federação, ao atribuir a cada estado o poder de fixar autonomamente as
alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) - imposto
que constitui a base da receita estadual (DULCI, 2002, p. 96).
Com isso a região Nordeste, na década de 1990, começa a se projetar nacionalmente
como uma região de destaque neste ramo produtivo. As fábricas de empresas de calçados
foram sendo instaladas em um grande número de municípios, participando diretamente do
crescimento da produção nacional. No Nordeste brasileiro, em 2007, apenas os estados do
Ceará, Bahia, Paraíba e Sergipe possuíam fábricas de calçados. No Ceará, existiam 236
unidades produtivas que geravam 52.746 postos de trabalho diretos; na Bahia, existiam 106
unidades que geravam 28.134 postos de trabalho; na Paraíba, existiam 111 unidades com
geração de 12.070 postos de trabalho e, em Sergipe, 15 unidades que geravam 3.000
(ABICALÇADOS, 2009). De modo geral, as empresas de médio e grande porte que são
originárias do Rio Grande do Sul e de São Paulo mantêm poucas fábricas no local de origem.
Por outro lado, as sedes administrativas dessas empresas permanecem nestes estados,
erigindo, assim, uma divisão territorial do trabalho em escala nacional.
65
Mapa 3: Brasil - porcentagem de empresas na fabricação de calçados por estado - 2009
Fonte: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009
Com a atração de diversas unidades fabris de calçados, via programas de incentivos
fiscais e creditícios aplicados pelo Governo do estado, a Bahia é um dos grandes destaques da
produção nacional de calçados. No primeiro semestre de 2011, a Bahia já abrigava 48 fábricas
ligadas diretamente à produção de calçados. Até então, outras 13 unidades fabris estavam em
processo de licitação para ampliação ou solicitação de áreas. O reflexo da expansão da
produção de calçados na Bahia é evidente:
Antes, a Bahia ocupava o oitavo lugar entre os exportadores do setor calçadista do
País, atrás de Rio Grande do Sul (líder com vendas externas superiores a US$ 1
bilhão ao ano), São Paulo, Ceará, Paraíba, Santa Catarina, Minas Gerais e Paraná.
Hoje, o Estado já superou os três últimos e ocupa o quinto lugar no ranking
(BAHIA, 2011, p. 7).
Diversos municípios no interior do estado da Bahia receberam as instalações de fábricas de
66
calçados, conforme se pode constatar no Mapa 4; em sua maioria, fábricas de grande porte
que produzem calçados esportivos de baixo custo. Os empregos gerados alcançam um número
de 33,5 mil em todo o estado, segundo a Secretaria de Indústria, Comércio e Mineração do
Estado da Bahia (SICM).
Mapa 4 – Municípios da Bahia que possuem fábricas de calçados (2010).
67
Os reflexos econômicos sobre o espaço geográfico no interior do estado são marcantes,
sobretudo porque os incentivos oferecidos pela política de atração de novos investimentos são
tanto maiores quanto maior a interiorização dos empreendimentos. Há a isenção de 99% do
Imposto sobre Circulação e Mercadorias e Serviços (ICMS) para empresas que se dirigem
para áreas fora da capital e da Região Metropolitana de Salvador (RMS), onde o desconto é de
75%.
Para além da atração de unidades fabris, o estado da Bahia tem acompanhado o
crescimento do número de fábricas que fornecem acessórios e componentes para a produção
de calçados. O número de postos de trabalho se multiplica, pois, além de a indústria calçadista
ter um grande potencial de absorção de força de trabalho, demanda também um conjunto de
outras indústrias para fornecer os acessórios e componentes necessários para a fabricação dos
calçados, principalmente se a produção for majoritariamente de calçados esportivos, pois estes
demandam um grande número de componentes e acessórios sintéticos.
As transformações importantes por que passou a cadeia global de produção de calçados,
com impactos substanciais sobre a dinâmica de competição por maiores mercados e menor
custo dos produtos finais, liderados principalmente por países asiáticos, fez o cenário
brasileiro, neste segmento industrial, se reorganizar ou se reestruturar nos últimos 30 anos. De
acordo com Garcia:
Um dos elementos desse movimento de reestruturação foram as estratégias de
desverticalização produtiva, pois diversas empresas passaram a focalizar as suas
atividades principais. Foram intensificadas as práticas de subcontratação produtiva,
muitas vezes com utilização de formas de evasão de impostos e encargos sociais
com o intuito de rebaixamento de custos (GARCIA, 2010, p. 99).
As modificações na distribuição geográfica das unidades produtivas de calçados no
Brasil, além de estarem intrinsecamente associadas à reestruturação produtiva, pela qual passa
diversos setores da atividade industrial em geral, estão relacionadas também a um conjunto de
fatores, tais como: incentivos ao investimento, benefícios fiscais relacionados com a
devolução de parte dos impostos indiretos pelos Governos estaduais e custos mais baixos com
a remuneração da força de trabalho11
(GARCIA, 2010).
No caso da tributação indireta, a exemplo do ICMS, muitos governos de estados
nordestinos, a exemplo da Bahia, reduzem as alíquotas para as empresas que se enquadram
nos projetos de atração de investimentos. Com relação à redução do Imposto de Renda (IR), a
11 Havia outra razão que motivava empresas a instalarem unidades fabris na região Nordeste, que era a prática de
formas de evasão de encargos sociais por meio da criação de “cooperativas” de trabalho, em que os
trabalhadores não obtinham algumas garantias trabalhistas. A remuneração dos mesmos se dava por peça
fabricada, o que dava à empresa maior flexibilidade e redução de custos. Diversas ações do Ministério Público
reduziram bastante a adoção dessas práticas (GARCIA, 2010).
68
Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) também tem um papel de
destaque na atração de grandes empresas calçadistas para a região.
2.4. A POLÍTICA DE ATRAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS INDUSTRIAIS NA
BAHIA
Muitos estados brasileiros (a exemplo da Bahia e do Ceará) iniciaram o século XXI
influenciados fortemente por uma política de crescimento econômico calcada no fiscalismo12
como meio de promover a atração de novos empreendimentos cujo objetivo mais apregoado
era gerar emprego e renda. Para muitos governos estaduais e municipais que empreendem tais
ações, o mercado é interpretado como o grande agente norteador e estruturador das bases
produtivas.
Esse processo culmina com a prática da política fiscalista, sobretudo os programas de
isenções e incentivos fiscais, sendo gestado desde o final do século XX, quando o pensamento
neoliberal começou a ditar as metas para a efetivação e distribuição geográfica dos
empreendimentos econômicos e a formulação da reestruturação produtiva como mecanismo
para que os espaços ditos “subdesenvolvidos” alcançassem as tão sonhadas vantagens
competitivas e a falsa ideia de “desenvolvimento”.
As ideias colocadas em prática pelos sucessivos governos da Bahia, desde 1990, quando
da consolidação de seus programas de atração de empreendimentos industriais por meio de
incentivos e isenções fiscais, apontaram para um Estado cada vez mais atuante no que se
refere à efetivação dos interesses do mercado. É a deificação do mercado como motor da
diversificação e alicerce da ideia de “desenvolvimento” veiculado pelos órgãos que compõem
o aparelho estatal. Os programas de atração de empresas para a Bahia têm entre seus objetivos
a interiorização de vários segmentos produtivos, acompanhados por um “jogo” de relações
político-eleitorais, cuja meta é viabilizar e consolidar as bases eleitorais de políticos
vinculados aos governantes estaduais e municipais até então em vigência (SANTOS, L.,
2008).
O aumento do número de firmas atraídas pelos programas de industrialização do estado
da Bahia, que vem ocorrendo nos últimos 20 anos, em grande parte, está vinculado ao
12 Ação de governo para a atração de investimentos industriais pautada na isenção e nos incentivos fiscais.
69
contexto da “guerra fiscal”. Desde o início dos anos 1990, a Bahia vem ganhando destaque na
atração e instalação de novos empreendimentos produtivos, sobretudo de fábricas de calçados
esportivos. Em sucessivos governos, o Estado foi munido de prerrogativas que favorecem a
criação de programas de atração de segmentos empresariais variados. De acordo com Andrade
(2011):
Essa política de atração de investimentos industriais adotada pelo Governo do estado
da Bahia, com o objetivo de incentivar a vinda de empresas dos mais variados
segmentos, vem ao longo dos anos contribuindo de forma positiva para o
desenvolvimento econômico e social do estado, com a diversificação do parque e a
mudança, mesmo que gradativa, do perfil da sua matriz, com a instalação de
empreendimentos dos mais variados segmentos (ANDRADE, 2011, p. 56).
Essa decisão de atrair empresas ou investimentos por meio de incentivos fiscais e
creditícios, sobretudo com a diminuição do ICMS, coloca a Bahia no rol dos estados
brasileiros que mais disputam investimentos produtivos por meio da concorrência na “guerra
fiscal”. Essa concorrência entre estados, na disputa pela atração de empresas de diversos
segmentos produtivos, é consequência da dificuldade de o governo federal equilibrar
interesses regionais em face da histórica concentração econômico-industrial, no eixo Rio/São
Paulo. Porém, a concentração não se revela apenas no âmbito nacional (SANTOS, 2008). Na
Bahia, a despeito de muitos Governos colocarem como meta e objetivo do planejamento
estatal a tentativa de modificar esse quadro, há uma grande concentração de investimentos
produtivos industriais na RMS que evidencia um significativo hiato entre essa região e outras
regiões do estado.
Um dos pontos mais discutidos entre os objetivos e metas dos programas do Governo da
Bahia, nos últimos 30 anos, no tocante à industrialização é, sem dúvida, a intenção de
promover a interiorização de atividades industriais como mecanismo de levar o crescimento
econômico às áreas onde esse tipo de atividades praticamente não existe. O segmento
industrial calçadista, com o grande potencial que tem de geração de empregos, ganha destaque
por ter instalado um significativo número de unidades fabris em áreas afastadas da RMS. Esse
setor industrial cria inúmeros empregos diretos e emprego “fator renda” em cidades
interioranas, promovendo, assim, mudanças importantes na economia local.
A princípio, as tentativas dos Governos estaduais baianos de promover a
desconcentração dos empreendimentos industriais da RMS anteveem uma preocupação com
relação à distribuição geográfica das firmas que trariam repercussões sobre a melhoria dos
indicadores sociais da população local onde estão instaladas.
Apesar das ponderações com relação aos programas de atração de empresas, criados
70
pelo Governo baiano, e da mudança no comando do Governo estadual, no ano de 2006, a
industrialização, calcada na atração de novos investimentos por meio de concessão de
incentivos fiscais e creditícios, não foi alterada, devido, sobretudo, à vigência de leis
tributárias que mantêm as disputas entre os estados da federação brasileira. A obsessão pela
competitividade, uma consequência do medo de ficar fora da corrida em busca do aumento
das taxas de crescimento econômico, obriga muitos Governos estaduais a aceitarem o jogo da
“guerra fiscal” e se inserirem em planos transnacionais condizentes com as demandas do
mercado mundial e a legitimação da divisão internacional do trabalho. Nessa linha de
pensamento e considerando a insustentabilidade socioeconômica de tal concorrência por
investimentos industriais, Brandão (2004) propõe, como um dos meios de organizar e
coordenar o “sistema socioeconômico e decisório regional”, a “Repactuação Federativa
Cooperativa, assumindo que somos um Estado Federativo e não Unitário”. Caso essa nova
repactuação não seja viabilizada, os governos estaduais não poderão fugir das premissas até
então seguidas por muitos de seus predecessores.
A vitória eleitoral obtida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) na Bahia, consolidada na
esfera federal na Presidência da República, e a derrota do Partido da Frente Liberal (PFL) 13
,
não levaram ao esboço de grandes rupturas nos rumos da política industrial baiana. A
efetivação dos programas industriais do novo Governo indica a permanência dos mecanismos
de atração de investimentos, calcados nas mesmas premissas até então criticadas pelos arautos
do PT, que assumiu o mando no Governo estadual em 2006. As previsões para os próximos
anos apontam a continuidade dos programas que promovam o investimento industrial,
conforme destaca Andrade (2011): “Os investimentos industriais para o estado da Bahia
devem chegar a R$ 33,3 bilhões; espera-se que sejam implantadas e/ou ampliadas 664
empresas de diversos setores, que deverão gerar cerca de 113.093 mil empregos diretos até
2013” (ANDRADE, 2011, p. 56).
Segundo estudos feitos por Pessoti e Sampaio (2009), a economia da Bahia nos últimos
17 anos tem revelado o caráter industrialista com medidas fomentadas pelo governo estadual
no sentido de promover transformações nas bases estruturais produtivas. Os caminhos
adotados pelo governo do estado não são novos, trata-se da já bastante utilizada política de
isenções ficais, “[...] usada desde os tempos remotos como mecanismos de atração de agentes
econômicos e dinamizadores da economia” (PESSOTI; SAMPAIO, 2009, p. 36). Nessa
13 Partido que comandou o governo baiano durante vários anos e que foi a organização partidária responsável
por colocar em prática programas de atração de investimentos produtivos alicerçados numa política fiscalista
agressiva. O PFL trocou de nome e atualmente é denomina DEM (Partido Democratas).
71
perspectiva, o crescimento do número de fábricas calçadistas na Bahia é uma evidência deste
processo, conforme consta em documentos oficiais.
A fase de expansão da economia baiana se consolidou, em 2010, com o investimento do
Governo de cerca R$ 42 milhões. Em 2009, graças também ao apoio estadual, o setor
fechou a balança com mais de 35 milhões de pares de calçados produzidos na Bahia, num
valor global de R$ 850 milhões (BAHIA, 2011, p. 7).
As medidas adotadas pelos governos estaduais (de 1990 a 2012) ao elaborar programas
de investimento com base em incentivos fiscais para atração de novos investimentos
empresariais se enquadram na falta de um projeto nacional e integrado de desenvolvimento, o
que estimula a concorrência desenfreada de estados e Governos na atração de atividades que
possam gerar emprego e renda. Há muito abandonados pelo Governo federal, os programas de
desenvolvimento que incluem todo o espaço nacional são considerados arcaicos e anacrônicos
pelos defensores das ideias neoliberais. Segundo Pessoti; Sampaio (2009), esta falta de um
projeto nacional que enquadre todos os estados é consequência das
[...] mudanças ocorridas no cenário econômico mundial, no decurso das últimas
décadas do século XX, mostrando um novo panorama, em que o processo de
internacionalização do capital se intensificara e as fronteiras econômicas entre as
nações tornaram-se mais tênues (PESSOTI; SAMPAIO, 2009, p. 38).
Nesse processo, há uma presença maior das iniciativas provenientes do mercado, quase
que completamente livres para implantar unidades industriais14
em diferentes locais.
Vários estados da federação brasileira, a exemplo da Bahia, recorrem à utilização das já
conhecidas isenções fiscais. Assim, os Governos implantam e ampliam os programas de
incentivo a empreendimentos econômicos, sobretudo e principalmente de grande porte
industrial. Esse olhar “especial” para os grandes empreendimentos parece reforçar as palavras
de Magdoff (1978) ao afirmar que “[...] qualquer sucesso das políticas do governo resulta da
manutenção ou restauração da saúde da economia por meio da promoção do poder de
empresas gigantes, pois sem a prosperidade dessas empresas a economia só pode ir ladeira
abaixo” (MAGDOFF, 1978 apud MÉSZAROS, 2011, p. 230).
Segundo Pessoti; Sampaio (2009), a política de incentivos fiscais do governo da Bahia
conseguiu atrair empreendimentos dos mais variados segmentos industriais, dentre esses
podem ser citados os setores têxtil, de calçados, eletrônicos, químico, automobilístico e de
14 Apesar da oferta de crédito e isenções fiscais em diversos estados brasileiros, a economia nacional vem
passando por um processo de desindustrialização em diversos segmentos produtivos. A participação da indústria
manufatureira na economia brasileira, que chegou a ser de 19,2% em 2004, caiu para 15,8% em 2010
(http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/valor/2011/09/12/siderurgicas-apontam-desindustrializac).
72
papel e celulose. Assim, esclarecem os autores:
No período entre 1999 e 2005 foram investidos aproximadamente R$ 30,7 bilhões
no setor industrial resultando em cerca 135 mil empregos diretos. Do montante das
inversões realizadas no período, 80% foram direcionadas para a implantação de
novos empreendimentos e os 20% restante foram destinados à reativação de
indústrias já existentes (PESSOTI; SAMPAIO, 2009, p. 39).
Pensando retrospectivamente, pode-se afirmar que a política de atração de novos
empreendimentos industriais na Bahia teve, no ano de 1990, com o então governador Antônio
Carlos Magalhães, instituídas as diretrizes de um plano de crescimento econômico que se
originou com o Plano de Desenvolvimento do Estado da Bahia (PLADEB). Desde 1959 com
o PLANDEB, no governo de Antônio Balbino de Carvalho Filho (1954/1958), existe um
conjunto de estudos que aponta para a efetivação de práticas diversas, tais como:
diversificação da matriz industrial da Bahia e a interiorização dos empreendimentos.
Sucessivos programas de industrialização foram colocados em prática, dando primazia a uma
política de crescimento produtivo pautada nas isenções fiscais e creditícios, inserida na lógica
da “guerra fiscal”. Por falta de uma política nacional de desenvolvimento regional, o Estado
da Bahia vem utilizando essa política fiscal para atrair empreendimentos econômicos,
propagando a ideia de que tais empreendimentos promoverão o “desenvolvimento” das áreas
“subdesenvolvidas”.
2.4.1. OS PROGRAMAS DE ATRAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS
A Bahia foi um dos primeiros estados brasileiros a colocar em prática a atividade de
planejamento e pesquisa aplicados ao desenvolvimento econômico. Desde 1959, com o Plano
de Desenvolvimento do Estado da Bahia (PLANDEB), no governo de Antônio Balbino de
Carvalho Filho (1954/1958), existiam propostas precedidas por um conjunto de estudo sob o
título “Situação e Problemas da Bahia-1955: Recomendações de medidas de governo”. Em
1961, no governo de Juracy Magalhães (1958/1962), foi criado o Conselho de
Desenvolvimento Industrial (CDI), cujos objetivos eram estudar a conjuntura econômica da
Bahia e aplicar incentivos fiscais e estaduais à indústria (SPINOLA, 2009).
Apesar de não ter sido aprovado de imediato, por causa da resistência dos grupos que
dominavam a política estadual – fortemente alicerçados em uma oligarquia atrasada e
73
coronelista – as indicações do PLANDEB foram sendo implantadas com o passar dos anos.
De acordo com Spinola (2009):
[...], muitas das indicações do PLANDEB foram sendo gradativamente implantadas
na Bahia até o final da década de 1980, à medida que a sociedade local se
modernizava e sempre que existia o respaldo coincidente de programas e projetos do
governo federal e/ ou correspondência com os interesses do capitalismo nacional e
internacional (SPINOLA, 2009, p. 17)
No início da década 1990, o “carro chefe” da política de “desenvolvimento” do estado
da Bahia era o Programa de Promoção do Desenvolvimento da Bahia, o PROBAHIA (Lei Nº
6.335 de 31 de outubro de 1991), que estabelecia objetivos calcados nas seguintes premissas:
I – promover a diversificação de indústrias, complementando a matriz industrial do
Estado;
II – estimular a transformação, no próprio Estado, dos seus recursos naturais,
interiorizando o processo industrial;
III – incentivar o aumento da capacidade tecnológica, da qualidade e produtividade
dos bens do parque industrial baiano, visando a sua maior competitividade (BAHIA,
1991, p. 9).
Esse programa buscava diversificar o setor industrial na Bahia e dinamizar a economia
em várias regiões do estado. Outros programas foram sendo criados com base nas diretrizes
estabelecidas pelo PLANDEB e o PROBAHIA. Como exemplo dos programas associados
pode-se citar: Programa Estadual de Desenvolvimento da Indústria de Transformação de
Plástico na Bahia (Bahiaplast), o qual visa fomentar a indústria de transformação plástica por
meio da concessão de créditos; o Programa de Incentivo ao Comércio Exterior (Procomex),
voltado ao setor produtivo exportador, principalmente o ramo calçadista e seus derivados; o
Programa Especial de Incentivo ao Setor Automobilístico da Bahia (Proauto), destinado à
concessão de incentivos fiscais para montadoras de automóveis e fabricantes de autopeças e
acessórios (PESSOTI; SAMPAIO, 2009).
O programa PROBAHIA teve uma abrangência que incluía não só as atividades
produtivas industriais, mas também incluía os segmentos da agroindústria, a mineração,
turismo, geração de energia elétrica e outros empreendimentos “considerados relevantes para
o desenvolvimento do estado”. Os projetos que estivessem com suas atividades paralisadas
também poderiam requerer isenções e incentivos desde que dessem garantias de implantação
de modernos padrões de competitividade. O programa PROBAHIA propunha também a
utilização de recursos financeiros de órgãos oficiais de crédito do estado da Bahia.
Os empreendimentos industriais, que produziam bens ainda não fabricados na Bahia,
74
foram beneficiados com incentivos diretos. Considerando-se o fato de que a Bahia não
possuía tradição na fabricação de calçados, o setor produtivo calçadista apareceu como um
dos maiores beneficiários dos programas de atração de empresas, tendo em vista as condições
até então presentes para a competitividade do setor no Brasil: preço “maior” dos salários nas
regiões produtoras pioneiras, bem como, obviamente, os impostos, sobretudo o ICMS – no
Estado da Bahia as empresas de calçados obtêm redução de 99% deste imposto, se instaladas
fora da RMS, no Estado do Rio Grande do Sul há uma alíquota de 12% de cobrança do ICMS,
enquanto que o Estado de São Paulo cobra alíquota de 18%.
Os projetos industriais localizados em diferentes regiões do estado da Bahia, destinados
à fabricação de bens que ainda não estivessem sendo produzidos, seriam beneficiados com as
reduções decrescentes na alíquota do ICMS. De acordo com o programa, as alíquotas de
isenção do ICMS iniciariam com desconto de 75% nos primeiros dois anos, 65% no terceiro e
quarto, 55% no quinto e sexto, 40% no sétimo e oitavo e 25% no nono e décimo ano de
vigência do projeto.
O Programa de Desenvolvimento Industrial e de Integração Econômica do Estado da
Bahia (DESENVOLVE) substituiu os programas anteriores sem deixar de lado a lógica
fiscalista e a “guerra fiscal”. A partir de 2003, o então recém eleito e empossado governador
do estado, Paulo Ganem Souto15
, autorizou a instalação de várias fábricas calçadistas nos
municípios, preferencialmente naqueles governados por seus aliados políticos. Mais uma vez
a ideia principal era levar o “desenvolvimento” aos espaços econômica e socialmente
atrasados. O próprio nome do programa traz, em si, uma tentativa de transmitir ou propagar a
ideia do suposto “desenvolvimento”.
Com a implantação do programa DESENVOLVE, o estado da Bahia conseguiu disputar
em escala nacional, e até mesmo internacional, a atração de empreendimentos industriais em
diferentes segmentos produtivos. A montadora de automóveis norteamericana Ford foi um
dos grandes empreendimentos a serem instalados na Bahia via concessão de incentivo e
isenções fiscais alicerçados nas promessas e propostas de geração de milhares de empregos
diretos e indiretos que ajudariam a “desenvolver” o estado e “retirar a pessoas da pobreza”.
Tendo em vista os dados disponíveis a respeito do crescimento econômico da Bahia, no
quesito de indústria de transformação, o estado teve um crescimento substancial, desde 2002
até 2010, no que se refere ao PIB, evidenciando o poder de atração de novos investimentos.
Conforme se pode constatar no Gráfico 3.
15 Paulo Souto sucedeu o Governador César Borges, ambos compunham os quadros dirigentes filiados ao
Partido da Frente Liberal (PFL) e grandes aliados do ex-governador Antônio Carlos Magalhães.
75
Gráfico 3 - Bahia: evolução do PIB em indústria de transformação –
2002-2010*
FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em SEI, 2010.
*Considerando que o valor do PIB industrial em 2002 equivale a 100
A continuidade do modelo de atração de novos empreendimentos com a utilização de
isenções fiscais é levada ao extremo no governo liderado por Paulo Ganem Souto, sendo
caracterizada por Pessoti; Sampaio (2009) como uma verdadeira “renúncia fiscal”. No
entanto, o novo programa, DESENVOLVE, tinha um perfil mais ambicioso que os anteriores
no que se refere à ampliação dos objetivos propostos até aquele momento. Para além de
manter uma das metas principais dos programas anteriores, que era a promoção da
desconcentração dos investimentos industriais da RMS, o programa tem como meta dinamizar
a economia de outras regiões e melhorar a integração econômica entre elas, conforme o
Decreto da Lei que estabelece as diretrizes do programa:
I – o fomento à instalação de novos empreendimentos industriais ou agro-industriais
e à expansão, reativação ou modernização de empreendimentos industriais ou
agroindustriais já instalados;
II – a desconcentração espacial dos adensamentos industriais e formação de
adensamentos industriais nas regiões com menor desenvolvimento econômico;
III – a integração e a verticalização das cadeias produtivas essenciais ao
desenvolvimento econômico e social e à geração de emprego no Estado;
IV – o desenvolvimento tecnológico dos processos produtivos e assimilação de
novas tecnologias;
V – a integração da empresa com as comunidades em que pretende atuar;
VI – a geração de novos produtos ou processos de redução de custos de produtos ou
processos já existentes;
VII – prevenção dos impactos ambientais dos projetos e o relacionamento da
Evolução do PIB
76
empresa com o ambiente (BAHIA, Decreto Lei nº 8.205 de 3 de Abril de 2002).
Apesar de expor em suas diretrizes a necessidade da integração das empresas às
comunidades onde as fábricas são instaladas, o programa não evidencia como isso seria
possível. A instalação de fábricas em determinadas localidades tende a privilegiar as
necessidades de escoamento da produção, acesso a matérias primas, disponibilidade de força
de trabalho abundante e barata e disponibilidade de energia.
Após o ano de 2006, com a mudança no comando do Governo do estado, liderado pelo
PT, aparentemente a política de industrialização da Bahia ganharia novas abordagens, haja
vista as críticas direcionadas ao modelo praticado pelos governantes anteriores feitas pelos
arautos do novo Governo. A partir desse pressuposto, a política de desconcentração industrial,
as tentativas de interiorização dos empreendimentos, a efetivação de arranjos produtivos
locais e a valorização dos micro e pequenos empreendimentos, que pudessem incluir as
potencialidades ambientais e sociais da geografia do semi-árido baiano e a efetivação do tão
propalado desenvolvimento com geração de emprego, renda e com o respeito às diversidades,
era o mote de alguns dos defensores e colaboradores que vieram a compor o novo governo
reeleito para o segundo mandato, em 2010 16
.
Apesar do discurso crítico com relação ao modelo de fomento a novos
empreendimentos fabris adotado pelos governantes anteriores, as forças que compõem o novo
Governo estadual deram continuidade, em grande medida, ao modelo em vigência. O
Governo comandado pelo PT não promoveu mudanças substanciais nos programas de atração
de investimento. Uma das medidas a ser ressaltado como mecanismo de diferenciação do
Governo do PT, na Bahia, foi a criação do Programa de Incentivo a Micro e Pequena Empresa
(ACELERA BAHIA).
Com a ação do Governo do estado da Bahia, comandado pelo PT, o número de
protocolos de intenções para a instalação de empresa chegou a 259, englobando 59
municípios para a instalação de fábricas, com investimento de 63 bilhões de reais e uma
expectativa de geração de 97 mil empregos. A resolução de incentivo fiscal, contida no
programa DESENVOLVE, atraiu 257 empresas para o estado da Bahia, enquanto o programa
PROBAHIA atraiu 60 empresas (SICM, 2011).
16 Alguns colaboradores do projeto da Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidários da Região
Sisaleira (APAEB), na cidade de Valente, cujo exemplo de associação entre pequenos agricultores rurais,
conhecido nacional e internacionalmente pela formação de um grande Arranjo Produtivo que incluiu diversas
pessoas, criticavam os governos baianos anteriores por tentarem desarticular o empreendimento da associação
com a instalação de uma grande indústria de calçados no município de Valente. A APAEB não tinha apoio do
governo por ser considerada uma entidade partidária, enquanto as grandes fábricas de calçados gozavam de
prioridade.
77
O Programa ACELERA BAHIA concede crédito às empresas que adquirem
mercadorias junto às micro e pequenas empresas industriais, em percentual que varia de
acordo com o volume de compras e o tipo de produto comprado. O mecanismo é o seguinte:
as empresas que realizarem até 40% de compras internas, junto às micro e pequenas
empresas, terão direito a 10% de crédito presumido17
. Já a empresa que comprar mais de 40%
alcançará 12% de crédito presumido (SEBRAE, 2008, p.12).
Tanto a região Nordeste, quanto o estado da Bahia, apresentam fortes indícios de que a
presença da indústria não representa efetivamente a elevação dos níveis de condições de vida.
Com salários pagos aos operários da indústria calçadista, no Nordeste brasileiro, bem mais
baixos que os salários médios pagos por este mesmo setor industrial nas regiões Sul e Sudeste
do país (em média 40% menos), a exploração do trabalho e a produção da mais-valia não só
induzem a efetivação de um quadro de desigualdade econômica, social e regional, mas
também consolida uma divisão territorial do trabalho. Essa, por sua vez, está estreitamente
ligada à divisão internacional do trabalho que cria áreas econômicas de baixos salários. O
discurso escrito nos documentos oficiais do Governo da Bahia indica o que, para o próprio
Governo, parece ser mais importante: a busca pelos números e índices de crescimento
econômico que, muitas vezes, não levam em conta as condições reais de vida da maioria da
população. As palavras a seguir são reveladoras da obsessão pelos números do crescimento
econômico:
Antes a Bahia ocupava o oitavo lugar entre os exportadores do setor calçadista do
País, atrás de Rio Grande do Sul (líder com vendas externas superiores a US$ 1
bilhão ao ano), São Paulo, Ceará, Paraíba, Santa Catarina, Minas Gerais e Paraná.
Hoje, o Estado já superou os três últimos e ocupa o quinto lugar do ranking
(BAHIA, 2011, p. 7).
Apesar de o Programa ACELERA BAHIA beneficiar também as micro e pequenas
empresas, o grande foco do Governo continua sendo os grandes investimentos. A ideia de
desenvolvimento apregoada até então segue sem grandes sinais de modificação. Essa
concepção de desenvolvimento, muitas vezes, é concebida como a legitimação das forças
excludentes do livre mercado, da destruição dos ecossistemas, da insustentabilidade, do
desrespeito à identidade e à cultura dos grupos humanos.
17 Crédito presumido é uma técnica de apuração do imposto devido que consiste em substituir todos os créditos,
passíveis de serem apropriados em razão da entrada de mercadorias ou bem, por um determinado percentual
relativo ao imposto debitado por ocasião das saídas de mercadorias ou prestações de serviço.
78
3. O GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO E AS PRÁTICAS ESPACIAIS
Desde 2001, acompanhado o movimento de reestruturação produtiva e relocalização de
fábricas, a empresa Dass Clássico vem instalando fábricas de calçados no Nordeste brasileiro
e, em particular, na Bahia. Ao longo deste processo de relocalização, o Nordeste brasileiro foi
o destino da instalação de 3 fábricas de calçados e 1 fábrica de confecções pertencentes à
empresa Dass Clássico. Imersa no contexto de relocalização de unidades produtivas de
calçados, essa empresa desenvolve diversas práticas de manutenção das condições objetivas
de produção e organização das condições geográficas que implicam a divisão territorial do
trabalho, a produção desigual do espaço e as condições socioespaciais dos lugares onde
começam a operar.
Neste capítulo, coloca-se em destaque as características corporativas do grupo
empresarial Dass Clássico: surgimento, crescimento, distribuição de unidades produtivas, a
rede corporativa entre as unidades fabris, bem como a lógica da divisão territorial do trabalho
e as práticas espaciais desenvolvidas pela empresa para manter as condições favoráveis à
produção de calçados, inserindo no transcorrer a análise da unidade produtiva localizada no
município de Santo Estevão-BA.
A forma como a produção industrial se realiza, no espaço geográfico, implica diversas
estratégias: seletividade espacial, fragmentação espacial, marginalidade espacial, reprodução
da região produtora, e interações espaciais em fluxos de mercadorias e matérias-primas, além
de informações e serviços, muitos dos quais se realizam por meio de redes geográficas.
Associadas às ações das empresas, as práticas espaciais necessariamente contribuem
para moldar e organizar o espaço geográfico, atendendo à lógica da geração de lucros,
sobretudo para as grandes corporações nacionais e internacionais. Sem a possibilidade de
expansão, incorporação de “novos espaços” e sua organização segundo a lógica do capital,
promovendo o desenvolvimento geograficamente desigual, a ação das grandes empresas,
alicerçadas no sistema capitalista, enfrenta sérios obstáculos para a reprodução ampliada do
capital, haja vista ser característica inerente ao próprio sistema capitalista manter e criar
condições constantes para o aumento dos lucros (HARVEY, 2006).
As diversas corporações empresariais e suas respectivas unidades fabris distribuídas
pelo globo, regidas pelas forças de ampliação de lucros e concentração do capital, submetem
diversas frações do espaço geográfico a sua lógica e ações de manutenção de domínio
econômico e político. As práticas de tais corporações, mesmo que não sejam visíveis de forma
79
imediata, somam-se ao contexto social para manter ou criar determinadas características
sociais, econômicas e políticas favoráveis no que se refere à expansão de seus interesses e
manutenção de um domínio relativo sobre o espaço geográfico.
Corrêa (1992) analisa a relação entre a forma de gestão do espaço praticada pela grande
corporação e a criação ou manutenção de uma organização espacial que favoreça as próprias
empresas. Partindo do conceito de gestão do território18
, Corrêa (1992) estuda a ação do grupo
empresarial Souza Cruz e as diversas práticas espaciais deste grupo que repercutem na
organização espacial, que estão intrinsecamente associadas a um modelo de gestão do
território. Segundo o autor:
Entendemos por gestão do território o conjunto de práticas que visa, no plano
imediato, à criação e ao controle da organização espacial. Trata-se da criação e
controle das formas espaciais, suas funções e distribuição espacial, assim como de
determinados processos, como concentração e dispersão espacial, que conformam a
organização do espaço em sua origem e dinâmica (CORRÊA, 1992, p. 115).
Apesar de o autor citado ter estudado uma corporação produtora de cigarros, entende-se
que a análise feita por ele pode servir de alicerce para investigar outras corporações
empresariais e suas respectivas práticas espaciais. Assim, concebe-se as práticas espaciais
como ações inseridas na lógica da organização do espaço geográfico como parte integrante do
processo de “gestão do espaço geográfico” das grandes empresas que vem a se constituir em
mecanismos de criação e um relativo controle da organização espacial. Desta forma, as
diversas ações das empresas interferem, direta e indiretamente, na produção e organização do
espaço em diferentes escalas.
Estudando a gestão do território e as “práticas espaciais” do grupo Souza Cruz19
, Corrêa
(1992) caracterizou as ações dessa grande corporação empresarial na produção e
comercialização de cigarros no Brasil, bem como sua dimensão espacial. As práticas espaciais
identificadas pelo autor foram: seletividade espacial; fragmentação/remembramento espacial;
antecipação espacial; marginalidade espacial e reprodução da região produtora. Utilizar-se-á,
nas próximas seções deste trabalho, algumas ideias elaboradas por Corrêa (1992) para
identificar e explicar as antigas e novas práticas espaciais desenvolvidas pelo grupo Dass
Clássico, tomando como referência a fábrica de calçados instalada em Santo Estevão-BA.
18 O conceito de território utilizado por Corrêa (1992) se confunde muitas vezes com o conceito de espaço
geográfico. O autor não estabelece uma diferenciação clara entre os conceitos de espaço geográfico e território,
pois não evidencia as relações de poder subjacentes e fundamentais para a caracterização do conceito de
território. Quanto ao conceito de território, Brito (2008) traz contribuições importantes. 19 O grupo Souza Cruz, controlado pelo conglomerado londrino Britsh American Tabaco (BAT), atua no Brasil
no segmento de fumo, cigarro, celulose, papel, sucos, filmes de prolipopileno, biotecnologia e diversos serviços.
80
3.1. O GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO: ORIGEM, FORMAÇÂO
CORPORATIVA E PRÁTICAS ESPACIAIS
O grupo empresarial DASS CLÁSSICO surgiu em 2003 com a fusão entre duas
empresas, a Clássico e a Dilly. O nome DASS é a junção da letra “D” do nome Dilly e das
letras “ASS” do nome Clássico. Na composição entre as empresas, o Grupo Clássico adquiriu
45% das cotas empresariais; o Grupo Dilly detém 27,5% e a American Fashion, 27,5%.
Assim, o Grupo Clássico controla o Grupo DASS, detendo quantidade suficiente de ações da
companhia que lhe permite determinar e controlar a gestão desse último. Formando uma
holding, essa empresa se configura como a maior fabricante nacional de artigos para prática
esportiva e de lazer, estando entre os três maiores grupos industriais do Brasil e entre os cinco
maiores na America Latina, no setor de materiais esportivos (DASS, 2010). Segundo material
informativo divulgado pela empresa:
A fusão dos Grupos Dilly e Clássico cria uma nova força no segmento de marcas
esportivas: o Grupo Dass. Ao somar a expertise de gestão do Grupo Clássico com a
experiência na fabricação de artigos esportivos do Grupo Dilly, o Grupo Dass
potencializa as forças das duas organizações e permite a construção de uma única
cultura corporativa (DASS, 2010, p. 3).
Além da produção direta de confecções e de calçados masculinos e femininos, as
empresas que compõem o grupo Dass Clássico estão há mais de 45 anos desenvolvendo
soluções industriais e mercadológicas para marcas esportivas, sendo responsável pela
produção de artigos com marcas próprias ou marcas sob concessão, como Fila, Tryon, Dilly e
Umbro, e de clientes estrangeiros, como Nike, Adidas, Oakley e Converse. A empresa
American Fashion Confecções e Comércio Ltda compõe o grupo Dass Clássico com o
atributo de especialidade em moda, vestuário e confecções, atuando principalmente no estado de
São Paulo.
As duas principais empresas que compõem o Grupo DASS, a Clássico e a Dilly, são
oriundas, respectivamente, dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e possuem
larga experiência na indústria de calçados e materiais esportivos. As duas empresas atuam na
produção de calçados para atender a demanda, do mercado externo e interno, de materiais
esportivos, com potencial para a produção de 10 milhões de peças anuais entre calçados
esportivos, calçados femininos e peças de vestuário. A formação da holding propiciou um
faturamento para a Dass Clássico em torno de R$ 527 milhões em 2008.
81
O grupo Clássico, fundado em 1979, na cidade de Saudade, oeste catarinense, dedica-se
à produção de vestuário para a prática esportiva e de lazer, a exemplo de agasalhos e
uniformes oficias de clubes de futebol. Nos últimos anos, o Grupo Clássico ganhou
notoriedade quando firmou acordos para produzir uniformes para clubes de futebol, no Brasil
e no exterior. Em Santa Catarina, o grupo produz confecções com diversas marcas e ainda
detém todo o processo de gestão da produção e comercialização das marcas Kappa (japonesa),
Umbro (inglesa) e Fila (italiana). No ano de 2007, a Clássico assinou contrato para produzir
calçados e materiais esportivos para uma das maiores marcas esportivas mundiais, a
norteamericana Nike. A empresa Clássico é fornecedora, basicamente, de artigos para lazer
cujo modelo segue os padrões da empresa contratante. Nesse caso, a Nike, uma das marcas a
contratar os serviços por meio da terceirização, tornou-se parceira da Dass Clássico no sentido
de que a produção é desenvolvida pela empresa brasileira, ficando a Nike apenas com a
logística de distribuição e controle de qualidade.
No Rio Grande do Sul, na cidade de Venâncio Aires, o grupo empresarial Clássico
possui uma unidade de produção de calçados esportivos, onde se produz principalmente
artigos para futebol, com capacidade para produzir 1,4 milhão de pares anuais. São feitos
produtos com as marcas Kappa (empresa japonesa), desde 1994, e Umbro (empresa inglesa),
desde 1999, ambas sob compra de concessão de licença.
O Grupo Dilly foi criado sob o comando dos empresários José Dacilo Dilly, Aloísio
Dalson Dilly e Nilson Inácio Führ, em 1965, na cidade de Ivoti (colonizada por imigrantes
alemães), a 55 quilômetros de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Segundo consta
nos documentos oficiais da empresa, o maior mérito do grupo empresarial Dilly foi ter
investido fortemente em tecnologia, o que fez o grupo empresarial se transformar em uma das
organizações industriais calçadistas mais modernas da América Latina (DASS, 2010).
Com fábricas instaladas em quatro estados brasileiros, o grupo Dass Clássico emprega
aproximadamente 10.000 trabalhadores; é responsável pela produção anual de mais de 15
milhões de peças de artigos esportivos (calçados esportivos, uniforme para futebol, chuteiras,
confecções) e teve um faturamento de R$ 15 milhões, em 2008.
Conforme a Tabela 7, observa-se que, nos últimos 10 anos, o Grupo Dass criou 5 novas
unidades de produção, 3 unidades para a produção de calçados na Bahia e 2 para a produção
de confecções, uma na Bahia e outra em Santa Catarina. A instalação destas novas fábricas de
calçados na Bahia vem acompanhando, desde a década de 1990, um movimento de expansão
de unidades produtivas de diversos outros tipos de indústrias do Sudeste e Sul do Brasil em
direção ao Nordeste.
82
Tabela 7
Fábricas e sede administrativa do Grupo Dass Clássico – 2011 Estado Cidade Atividade
produtiva
Ano de instalação Número de
trabalhadores
BA Santo Estevão Calçados 2001 2.596
CE Itapipoca Calçados 1996 2.186
BA Vitória da Conquista Calçados 2004 1.130
BA Itaberaba Calçados 2005 1.011
BA Vitória da Conquista Confecções 2005 900
RS Ivoti Confecções 1964 680
SC Saudades Confecções 1980 542
RS Venâncio Aires Calçados 1998 202
SC São Carlos Confecções 2004 142
SC Pinhalzinho Confecções X 120
SP São Paulo Sede
administrativa
X 104
RS Nova Hamburgo Solado X 16
Fonte: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em: http://www.grupodass.com.br (acesso em
05/06/2011)
NOTA: x dados não encontrados.
Entre as 5 maiores unidades produtivas de confecções e calçados do grupo empresarial
Dass Clássico, 4 estão na Bahia e 1 no Ceará. Do total de 9.625 empregos gerados no Brasil
pela empresa Dass Clássico, 7.823 estão em fábricas instaladas no Nordeste; isso representa
81,2% do total de empregos gerados. Todas as unidades administrativas e comerciais do
Grupo estão localizadas no Sudeste e Sul do Brasil, entre elas pode-se citar: a unidade sede
em São Paulo-SP, a unidade administrativa e sede do grupo em Saudade-SC e a unidade
administrativa em Ivoti-RS. Essas localizaçãos geográficas das unidades produtivas da
empresa Dass consolida a divisão regional e espacial do trabalho em âmbito nacional e
internacional .
Encontra-se também em São Paulo a sede Anvel que é a divisão de varejo do Grupo
Dass Clássico e que administra a rede de lojas Dass Outlet. Ao todo, o grupo Dass Clássico
possui sete lojas Dass Outlet que comercializam os produtos fabricados pela empresa, mais
três lojas de marcas específicas que estão sob concessão ao grupo Dass Clássico e ainda
possui o site de compras SportsOn.com.br.
Observa-se que há um recorte claro de divisão do trabalho entre a região que produz as
mercadorias a serem comercializadas (o Nordeste) e a região que administra as operações
comerciais e financeiras do grupo DASS CLÁSSICO (Sul e Sudeste). Conforme o Mapa 5,
pode-se identificar, em dimensão nacional, a divisão territorial e regional do trabalho erigida
pela corporação empresarial Dass Clássico e ligações funcionais entre as unidades da
empresa.
83
Mapa 5 – Distribuição espacial das unidades produtivas e administrativas do Grupo Dass Clássico –
2011
FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em www.dass.com.br
As principais marcas de calçados produzidas pelo grupo Dass Clássico, na fábrica
instalada no município de Santo Estevão-BA, são a Nike e Fila. A Nike é uma empresa
norteamericana de artigos esportivos que figura entre as maiores produtoras do mundo e que
tem como uma de suas características corporativas a terceirização da maior parte da produção,
em países como China, Índia, Brasil, Indonésia e Vietnã. Ao todo, a Nike possui mais de 700
fornecedores em todo o mundo e frequentemente enfrenta críticas por explorar a força de
trabalho de homens, mulheres, crianças e idosos em países considerados economicamente
pobres. A Fila é uma marca de origem italiana (Milão) da qual a Dass Clássico comprou os
direitos de fabricação e comercialização dos produtos no Brasil. Além dessas marcas, o Grupo
Dass Clássico produz calçado também para as marcas: Kappa (Japão), Puma (Alemanha),
Umbro (Inglaterra).
84
3.2. AS PRÁTICAS ESPACIAIS DO GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO
As práticas espaciais, identificadas através da análise de documentos, informações
disponíveis nos endereços eletrônicos da própria empresa e de instituições públicas e privadas
associadas ao grupo empresarial Dass Clássico, e entrevistas feitas a trabalhadores e gerentes
da unidade fabril, demonstram que essa corporação desenvolve diversas ações que podem ser
enquadradas nas seguintes práticas espaciais: seletividade espacial, marginalização espacial,
expansão espacial20
e reprodução da região produtora. Tais práticas estão imersas em um
ambiente de reestruturação produtiva do mercado e da produção internacional e nacional da
indústria calçadista, vinculada a um novo ciclo de expansão das relações produtivas iniciadas
desde a crise do modelo fordista, na década de 1970, e a uma nova configuração da divisão
territorial do trabalho nas escalas global e nacional nas quais o estado da Bahia e a cidade de
Santo Estevão-BA estão inseridos.
3.2.1. SELETIVIDADE ESPACIAL
As corporações empresariais no processo de organização de seus espaços de produção,
que envolve várias localizações, agem seletivamente. A localização geográfica de unidades
produtivas (fábricas), escritórios administrativos e escritórios comerciais, além de laboratórios
para o aprimoramento de materiais, estão estreitamente ligados às necessidades das empresas
capitalistas de manterem e ampliarem os lucros. A distribuição geográfica e a forma como se
dá a articulação entre as localidades nas redes corporativas fazem parte de um conjunto de
medidas que visam criar e gerir uma determinada organização do espaço geográfico. A
distribuição geográfica de unidades corporativas e a articulação funcional fazem com que as
empresas se constituam em um dos mais importantes agentes de produção e organização do
espaço geográfico em diferentes escalas.
Decidir sobre o lugar onde a corporação instala suas unidades leva em conta um
conjunto de variáveis indissociáveis que está estreitamente ligada a funcionalidade das
20 Optou-se por esta denominação para o fenômeno de instalação de novas fábricas de calçados em outras regiões
do Brasil e do mundo onde a empresa Dass Clássico não possui unidades fabris. Com a incorporação de novas
áreas à rede produtiva da empresa, a Dass Clássico faz uma verdadeira espacial de sua área de atuação.
85
unidades no interior da rede corporativa das empresas, ao tipo de produto fabricado, às
matérias- primas e insumos utilizados; relações institucionais com o Estado e com os
diferentes Governos (vantagens fiscais e infraestrutura física) e outras empresas (fornecedores
de matérias-primas, componentes, insumos e serviços), características da força de trabalho
empregada; organização sindical dos trabalhadores; o acesso ao mercado consumidor; a
proximidade de vias de circulação em boas condições de tráfego para o escoamento da
produção e a escala da produção, entre outras. Esses fatores podem ser denominados de
ambiente organizacional e estão ligados às características produtivas internas à empresa, bem
como ao contexto econômico externo a ela.
Os itens/fatores comumente citados para a explicação da localização de unidades fabris
fazem parte de um conjunto de variáveis e elementos indissociáveis, modificados de lugar
para lugar de acordo com os contextos econômico, social, político e histórico. Ao longo do
tempo, com as transformações socioespaciais e as mudanças na conjuntura de competitividade
nacional e internacional, as corporações puderam reavaliar os índices de lucratividade e as
condições de manutenção dos ganhos reais de capital. Planejando suas ações de maneira
articulada, as empresas criaram estratégias em médio e longo prazo para decidir sobre a
permanência ou não de determinados segmentos produtivos em determinados locais.
Neste contexto, vê-se que o processo de seleção de lugares para a produção de calçados
esportivos dá-se desde o início das operações das empresas que vieram compor o grupo
empresarial Dass Clássico. Nos últimos anos, mesmo antes da fusão entre as empresas Dilly e
a Clássico (empresas que compõem o Grupo DASS), a produção de calçados, organizada pela
corporação, tinha na localização das unidades produtivas uma variável muito importante para
a manutenção dos lucros e gestão corporativa. Mais especificamente, na produção de calçados
esportivos, a Dilly tem uma história peculiar com relação à seleção de espaços onde instala
suas unidades produtivas, comerciais e administrativas. Para demonstrar esse processo de
seletividade espacial, é necessário remontar, de forma sintética, à dinâmica espaço/temporal
da empresa, desde suas origens até os dias atuais.
Historicamente, a empresa Dilly Calçados tem sua origem na cidade de Ivoti-RS, em
1965, na região do Vale do Cai21
, dedicando-se à produção de calçados femininos. Em 1990, a
Dilly ingressou no segmento de calçados esportivos (masculino e feminino) compostos
21 O Vale do Cai é composto por vinte municípios do Rio Grande do Sul: Alto Feliz, Barão, Bom Princípio,
Brochier, Capela de Santana, Feliz, Harmonia, Linha Nova, Maratá, Montenegro, Pareci Novo, Portão, Salvador
do Sul, São José do Hortêncio, São José do Sul, São Pedro da Serra, São Sebastião do Caí, São Vendelino,
Tupandi,Vale Real.
86
majoritariamente por materiais de origem sintética. A produção de calçados femininos era
100% exportada para o mercado norteamericano com marcas como: Cole Hann, Hugo Boss e
Unisa. Os modelos fabricados pela Dilly possuem alto valor agregado, destinado a um público
que procura produtos com alto padrão de qualidade e padrões exclusivos.
Fabricando calçados esportivos, confeccionados com materiais sintéticos, a empresa
negocia grandes volumes de componentes com empresas fornecedoras, isso favorece a
barganha quanto ao preço dos componentes adquiridos. Esse fator se constitui como uma
variável importante na seleção espacial dos lugares onde as unidades fabris serão instaladas.
Mesmo após a fusão com o grupo empresarial Clássico, a Dilly continua (agora sob a
denominação Dass) instalando suas unidades produtivas em locais distantes das empresas que
produzem componentes. Há, nesse caso, uma diferença entre as empresas de calçados que
utilizam intensamente o couro animal e as empresas que produzem calçados utilizando
materiais sintéticos. A utilização do couro animal na produção de calçados estimula a
formação de determinado Arranjo Produtivo Local (APL), ligando as fábricas aos curtumes e
à pecuária, como ocorria no século XVIII quando do funcionamento das primeiras fábricas de
calçados no Rio Grande do Sul, onde muitas empresas produtoras de calçados detinham o
controle de curtumes e de grandes fazendas para a criação de gado.
Uma das variáveis importantes que interferem na localização geográfica das unidades
produtoras de calçados é a necessidade das empresas em utilizar uma grande quantidade de
trabalhadores na produção. Esse fator obriga a empresa a selecionar espaços onde a
disponibilidade de força de trabalho seja abundante. Geralmente, o valor do salário pago aos
trabalhadores é baixo, haja vista ser o preço final do produto (calçados) um fator
imprescindível para determinar a competitividade do mesmo no mercado. Aos trabalhadores
não há a exigência de formação escolar para a operação das máquinas no processo produtivo,
o que permite às empresas, deste setor produtivo industrial, certa flexibilidade na seletividade
espacial, sobretudo no Nordeste brasileiro onde há uma significativa disponibilidade de mão
de obra com baixa escolaridade.
A partir de 1998, a Dilly Calçados passou a produzir calçados esportivos
confeccionados com materiais sintéticos, para a empresa norteamericana Nike e, em 1999,
passou a produzir também calçados esportivos para a empresa italiana Fila. Entre as cidades
do Nordeste brasileiro, com fábricas de calçados que pertenciam exclusivamente à Dilly,
estão: Vitória da Conquista e Santo Estevão (ambas na Bahia) e Itapipoca (no Ceará). Na
fábrica instalada em Santo Estevão-BA, a empresa utiliza os produtos e insumos que constam
no Quadro 1.
87
Quadro 1
Fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA: produtos, insumos e resíduos-2010 Produto Insumo Resíduos
Tênis Sintético
Calçados para esporte
Tênis: sola de borracha e cabedal
tecido
Sapato: sola sintética e cabedal couro
Sapato: sintético e cabedal sintético
Forro sintético PVC
Solado de borracha
EVA
Nylon
Contraforte
Espuma
Papel
Papelão
Plástico
Retalho de forro sintético
Retalho de espuma
Embalagens vazias FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em pesquisa de campo, 2011.
Observando-se os dados disponíveis (RAIS/MTE), pode-se verificar o aumento do peso
relativo da região Nordeste do Brasil na geração de emprego na atividade de fabricação de
calçados, que passou de 7% do emprego total, em 1995, para 27%, em 2005, ano em que a
região Nordeste foi a segunda maior empregadora de força de trabalho nessa atividade
(GARCIA, 2010).
A disponibilidade de mão de obra para atender a alta rotatividade de trabalhadores tem
sido uma necessidade patente onde as fábricas de calçados passam a operar. Para além de
atender a necessidade de disponibilidade de força de trabalho, a grande empresa busca
também superar as dificuldades em colocar seus produtos no mercado externo, em particular
no mercado argentino, submetido a controle de importações. Dessa forma, o grupo Dass
Clássico anunciou, no ano de 2010, a ampliação de uma de suas unidades fabris na Argentina,
na cidade de Eldorado, Misiones, com clara intenção de manter o fornecimento de seus
produtos para o mercado consumidor argentino e, assim, manter o crescimento de lucros da
empresa.
A planta industrial localizada na Argentina tinha uma previsão de aumentar a produção
de calçados em 60 mil pares por mês (das marcas Nike, Fila e Converse), utilizando uma
força de trabalho de 1000 funcionários em 2011, 400 trabalhadores a mais que os contratados
em 2010. Outras empresas brasileiras, como a Penalty, também começam a instalar plantas
industriais nesse país. A empresa Penalty anunciou investimentos de R$ 10,6 milhões para
produzir 400 mil pares de calçados por ano, em parceria com sócios argentinos. A instalação
de algumas fábricas na Argentina acontece desde 2005, quando o país passou a proteger sua
indústria de calçados por meio da administração de volumes de produtos que são importados,
nisso infere-se uma ação para evitar o pagamento de tarifas alfandegárias crescentes.
Especificamente no município de Santo Estevão-BA, os fatores ou variáveis para a
seletividade espacial podem ser explicados ao se analisar vários itens, tais como: políticas
estaduais de isenções e incentivos fiscais, o baixo valor de remuneração da força de trabalho,
88
a organização sindical incipiente e a existência de rodovias como a BR 116, que interliga as
regiões Sul, Sudeste e Nordeste, facilitando o escoamento da produção. De acordo com um
dos gerentes da fábrica em Santo Estevão:
De modo geral, a Bahia oferece isenções e incentivos fiscais; em primeiro lugar
estão estes itens. Depois o baixo valor da mão-de-obra. Durante o período em que
nós discutimos a vinda para a Bahia, observamos que o Governo do estado fez um
mapeamento das regiões onde mais interessava instalar indústrias que gerassem
empregos. Portanto a maior preocupação do Governo da época era gerar emprego
em determinadas regiões. Nós da empresa só exigimos que ficasse próximo a
rodovias que facilitassem o escoamento da produção (Gerente da fábrica Dass
Clássico - Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira em 05/05/2010).
Assim, a seletividade espacial praticada pelo grupo Dass Clássico está articulada a um
conjunto de variáveis indissociáveis que tem, nas políticas de Estado (isenções e incentivos
fiscais), na existência de força de trabalho em abundância que pode ser submetida à baixa
remuneração, e na oferta de infraestrutura (rodovias, energia elétrica, água etc.), os critérios
principais para a sua localização geográfica.
Figura 2 – Propaganda de incentivos e benefícios fiscais da SUDENE –
2012
FONTE: Ildo Rodrigues Oliveira, pesquisa de campo, 2010.
3.2.2. EXPANSÃO ESPACIAL
Na dinâmica de uma dada corporação, o espaço geográfico e sua funcionalidade na rede
89
corporativa podem ser submetidos à fragmentação e/ou remembramento espacial. Ao
reorganizar a sua configuração e distribuição espacial, a corporação interfere na organização
do espaço de um país, uma região ou de um município. A fragmentação representa-se
consolidada com o processo de divisão “[...] em razão da intensificação da atuação da
corporação, que leva à implantação de novas unidades vinculadas quer ao processo de
produção, quer à distribuição atacadista ou varejista” (CORREA, 1992, p. 117).
Considerando a dinâmica de criação e instalação de novas unidades produtivas de
calçados e confecções, colocadas em prática pelas empresas que formaram o grupo Dass
Clássico, pode-se perceber que as fábricas e o processo produtivo não foram fragmentados, no
entanto houve uma tendência à criação de novas fábricas no Nordeste brasileiro e em países
da América Latina, ou seja, houve uma tendência ao que será denominado de expansão
espacial das unidades de produção. Um percentual significativo dos índices de produção de
calçados está sendo deslocado para o Nordeste e para países da América Latina, o que não
impossibilitou a existência das fábricas pertencentes à Dass Clássico já instaladas no Sul e
Sudeste do Brasil.
O grupo Dass Clássico ao expandir a distribuição espacial de suas unidades produtivas
tem estabelecido fábricas maiores para os estados do Ceará e Bahia. Nas primeiras atividades
industriais da empresa Dilly Calçados, desenvolvidas no Rio Grande do Sul, as fábricas eram
também unidades administrativas da corporação. A necessidade de expansão da produção e o
vínculo frequente à empresa Clássico fizeram com que as novas fábricas instaladas no
Nordeste brasileiro tivessem apenas o caráter produtivo, sendo que o processo de gerência e
administração da empresa se concentra no Sul e Sudeste do país, reafirmando assim uma
divisão territorial do trabalho.
Com o crescimento constante da produção calçadista chinesa, devido, sobretudo, ao
baixo valor da força de trabalho e à falta de consolidação de leis trabalhistas nos moldes da
maioria dos países ocidentais regidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o
grupo Dass Clássico instalou uma unidade de outsourcing na China para aumentar a
lucratividade. A unidade outsourcing contrata uma entidade exterior à empresa para executar
serviços, em vez de produzi-los internamente. A grande vantagem econômica da unidade de
outsourcing reside na redução de custos em diversos aspectos, sobretudo no valor pago pela
força de trabalho.
A expansão da produção de calçados, a criação de empresas e a instalação de novas
fábricas pertencentes a Dass Clássico, em países da América Latina, têm ocorrido
substancialmente desde o ano de sua criação (2007). Em 2011, a Dass instalou unidade
90
produtiva no México (Dass México), no Peru (Dass Peru), no Chile, e incorporou uma fábrica
no Uruguai. Em 2012, está prevista a inauguração da Dass Paraguai.
A evolução da distribuição geográfica das unidades produtivas e administrativas do
grupo Dass Clássico divide espacialmente a corporação em unidades que produzem os
calçados/confecções e unidades que gerenciam comercial e administrativamente a empresa,
além de unidades que subcontratam empresas para a fabricação de calçados. Das 9 unidades
do grupo Dass, que desenvolvem atividades eminentemente produtivas no Brasil, 7 foram
criadas a partir da década de 1990, das quais 5 estão na região Nordeste brasileira.
A distribuição espacial das unidades fabris e administrativas/gerenciais do grupo Dass
Clássico aponta para a ampliação da unidade outsourcing na China e a ampliação da fábrica
na Argentina e em outros países da América Latina no intuito de ampliar as margens de lucro
e competitividade. No Brasil, a consolidação do Nordeste como área com disponibilidade de
“vantagens competitivas” projeta a região como grande responsável pela produção de
calçados esportivos do grupo Dass Clássico.
As fábricas pertencentes ao grupo Dass Clássico na Bahia são, em determinados
aspectos, desarticuladas entre si; são ilhas de produção. Existe uma tênue integração
produtiva, pois as fábricas são quase que totalmente autossuficientes em termos de aquisição
de insumos e matérias primas, limitando a possibilidade de integração horizontal. Quase todo
insumo e matéria prima da fábrica de calçados Dass Clássico, no início de seu funcionamento,
eram trazidos de fora do estado da Bahia. A cola, tecido sintético ou outros materiais, como
um assemelhado à borracha sintética atualmente são adquiridos no Pólo Industrial de
Camaçari, no município de Camaçari-BA.
3.2.3. MARGINALIDADE ESPACIAL
Alterações nas condições competitivas e nas condições de produção podem provocar
mudanças constates na dinâmica das corporações e levar a um processo de abertura de novas
unidades e fechamento de outras. O preço das matérias primas, dos componentes, da
remuneração da força de trabalho, dos insumos, e a alteração da carga tributária sobre os
produtos fabricados pelas empresas são apenas alguns dos itens que podem provocar o
fechamento ou a abertura de novas unidades produtivas.
O processo de encerramento de atividades fabris corporativas em um determinado local
91
e a abertura de unidades em outros pode levar à seleção de lugares que no passado foram
avaliados como sendo pouco atrativos para a implantação de unidades de uma corporação.
Porém, o que pode causar problemas sociais e econômicos de grande vulto é o abandono de
lugares que anteriormente foram considerados atrativos e que participavam efetivamente da
rede de localidades da corporação. O processo de abandono de lugares pelas grandes
corporações é classificado por Corrêa (1992) como marginalidade espacial.
Segundo Corrêa (1992), são diversas as implicações socioespaciais advindas da
marginalização espacial. Segundo esse autor:
A marginalização espacial tem impactos diversos, afetando, por exemplo, o nível de
emprego e de impostos via fechamento das unidades da corporação e daquelas
diretas e indiretamente ligadas a elas. Afeta também as interações espaciais dos
lugares marginalizados, situados fora da rede de ligações internas da corporação
(CORRÊA, 1992, p. 119).
Em diversos momentos, o grupo empresarial Dass Clássico, por meio das empresas
Dilly e Clássico, praticou a marginalização espacial. Visando manter a taxa de lucro e os
ganhos crescentes de capital, em dezembro de 2005, devido a fortes restrições tributárias
criadas pelo governo argentino para a importação de calçados brasileiros e por causa da taxa
de câmbio desfavorável, a empresa Dilly Calçados fechou uma fábrica que funcionava há 23,
anos na cidade de Mato Leitão - RS, a 140 km de Porto Alegre-RS. Cerca de 300 funcionários
foram demitidos, contingente que se somou, na mesma semana, a mais 800 trabalhadores
demitidos por conta do fechamento de uma fábrica de calçados da Azaléia, localizada no
município de São Sebastião do Cai - RS (ABICALÇADOS, 2011).
Outras empresas calçadistas desativaram fábricas em municípios do Rio Grande do Sul
e colocaram milhares de trabalhadores nas filas de desempregados. Em junho de 2007, uma
das maiores empresas do setor calçadistas brasileiro, a empresa Reichert, fechou suas fábricas
e 5.500 trabalhadores ficaram desempregados no município de Campo Bom - RS. Centenas de
famílias que sobreviviam dos rendimentos adquiridos com o trabalho na empresa ficaram
desempregadas (COLOMBO, 2007). Toda a experiência de trabalho e rendimento salarial de
famílias inteiras do município de Campo Bom - RS se resumia à esteira de montagem da
indústria de calçados. Além dos trabalhadores diretos, os trabalhadores dos ateliers de
calçados também perderam o emprego. Tal quantidade de trabalhadores demitidos pela
empresa Reichert provavelmente não será absorvida rapidamente pelo mercado de trabalho
em outras empresas. Muitos deles deverão se qualificar em outras atividades profissionais
para serem inseridos novamente no mercado de trabalho. Em outras palavras, a vida de
92
centenas e até mesmo milhares de pessoas ficam submetidas à dinâmica das empresas.
As implicações da desativação de uma fábrica de calçados para a população dos
municípios onde as mesmas funcionam podem ser de grande magnitude, a depender da
quantidade de pessoas empregadas. Na cidade de Parobé - RS, por exemplo, o fechamento da
fábrica da Vulcabras/Azaléia, em maio de 2011, além de demissão de 800 trabalhadores,
provocou impactos sobre a economia municipal. Houve a diminuição da arrecadação de
impostos, entre eles o ICMS cujo percentual de 22% provinham da unidade desativada
(PAROBE, 2011). A competição desenfreada do capital industrial submete os trabalhadores a
uma condição de apêndice do processo. Esses trabalhadores são “usados” e descartados como
verdadeiros objetos no processo produtivo. Essa condição reforça as palavras de Galeano
(2011) quando o mesmo afirma que “o sistema vomita homens, mas a indústria se dá ao luxo
de sacrificar mão de obra numa proporção maior que na Europa” (GALEANO, 2011, p. 348).
Quatro outros municípios do Rio Grande do Sul, com destaque para os municípios do
Vale dos Sinos, também tiveram mudanças econômicas por conta do fechamento da empresa
Doublexx Calçados. Os municípios de Estância Velha, Boa Vista do Buricá, Horizontina e
Humaitá onde operavam unidades produtoras de calçados ligadas à Doublexx tiveram ao todo
700 pessoas demitidas. As maiores implicações são as reduções da arrecadação do ICMS. No
município de Boa Vista do Buricá, a empresa Doublexx correspondia com 30% da
arrecadação do ICMS, ISS e IPTU; em Humaitá – RS, a perda foi de 15% da arrecadação
(UNISINOS, 2012).
Essa situação toma ares diferenciados no Rio Grande do Sul, sobretudo no Vale do Rio
dos Sinos, haja vista a formação de APLs (Arranjos Produtivos Locais) e cadeias produtivas
que estão diretamente associados à produção de calçados de couro com o fornecimento de
matérias-primas e componentes:
Pode-se localizar o começo dessa cadeia produtiva na atividade pecuária, passando
pelo abate dos animais, pelo descarne nos abatedouros, pelo tratamento das peles
animais, pelo tratamento das peles animais nos frigoríficos ou nos curtumes, onde se
realiza o processamento do couro, chegando, finalmente, na indústria calçadista,
cujas empresas desenvolvem atividades de modelagem, corte da matéria-prima,
costura, montagem, acabamento e embalagem do produto final (ABDI, 2009, p 1).
Após as fábricas de calçados estarem instaladas e funcionando em municípios da Bahia,
muitos deles distantes da Região Metropolitana de Salvador (a exemplo da fábrica de calçados
no município de Santo Estevão), é comum a utilização de argumentos por parte de alguns
governos e dos próprios empresários do setor calçadista de que, caso estas fábricas não
estivessem nas localidades onde foram instaladas, as pessoas não teriam outra oportunidade
93
de emprego. Tal discurso busca impor a ideia de que não há alternativa à política de
crescimento econômico via relocalização de fábricas. Esse discurso impõe um modelo
econômico e social à população que limita as possibilidades da existência de
empreendimentos coletivos que viabilizem a sobrevivência dos trabalhadores que não sejam
subordinados aos grandes empreendimentos fabris. Pode-se afirmar, nesse contexto, que o
modelo produtivo, apregoado e difundido pelas empresas calçadistas e pelos sucessivos
governos do estado da Bahia, desde a década de 1990, tenta reafirmar um modo único de
produção baseado na atração de empreendimentos de outros estados brasileiros e até mesmo
de fora do país.
Os discursos de subserviência e aceitação da implantação de grandes fábricas de
calçados no interior da Bahia indicam uma reprise da obediência aos ditames das elites
conservadoras. O coronelismo de outrora, que subjugava e segregava milhares de pessoas no
sertão semi-árido, ganha nova roupagem com a ideia de que a única alternativa para a
população é aceitar o trabalho precário e degradante nas fábricas.
No município de Santo Estevão-BA em particular, onde a empresa Dass Clássico
emprega mais de 2.500 pessoas, observa-se que o fenômeno do “emprego efeito-renda22
” é
marcante e frequentemente utilizado como um “fenômeno extremamente positivo”. Por outro
lado, criou-se uma dependência evidente da economia local para com a única fábrica de
calçados existente no município. Nessas condições, é comum se ouvir da população o
argumento que reafirma a ideia da dependência com relação aos empregos que são gerados. É
comum se ouvir dos dirigentes do governo municipal e dos gerentes da fábrica que, caso o
grupo Dass Clássico resolva pela escolha de outra localidade para instalar sua fábrica, a
marginalidade atingirá o município de Santo Estevão-BA e a população não terá outra
possibilidade de sobrevivência.
A retirada da fábrica de calçados do município de Santo Estevão-BA para outra
localidade é verdadeiramente factível, considerando as mudanças nas condições de
competição entre empresas e entre nações e estados. Torna-se preocupante para a maioria dos
trabalhadores a possibilidade do crescimento do número de desempregados e a estagnação da
economia local, juntamente com todas as implicações socioespaciais negativas. Na maioria
das vezes, tal prognóstico não leva em conta que a permanência da fábrica no município pode
dar origem a uma legião de mutilados e inválidos por conta do trabalho repetitivo, o que pode
22 O Emprego Efeito-Renda é obtido por meio da transformação da renda dos trabalhadores em consumo. Os
trabalhadores gastam parte de sua renda adquirindo produtos e serviços diversos, segundo seu perfil de consumo,
estimulando a produção de um conjunto de setores e realimentando o processo de geração de emprego
(NAJBERG; PERREIRA, 2004).
94
causar também implicações negativas para o futuro da economia local e para população de
modo geral.
Apesar do discurso de dependência com relação aos empregos originados pela
instalação da fábrica em Santo Estevão-BA, é importante salientar que a associação coletiva e
comunitária dos trabalhadores da cidade e do campo pode criar alternativas de geração de
emprego e renda que levem em conta as potencialidades e características ambientais e
culturais das localidades e do município, o que pode dar origem a condições mais dignas de
trabalho para a maioria das pessoas. Melhor seria que as localidades e regiões comportassem
uma grande variedade de atividades econômicas, o que permitiria uma complementaridade
entre elas.
3.2.4. REPRODUÇÃO DA REGIÃO PRODUTORA
As corporações empresariais necessitam frequentemente reafirmar e manter uma
determinada organização socioespacial no intuito de ampliar os lucros. Mesmo que as
atividades produtivas sejam desenvolvidas com baixo ou alto grau de articulação e
complexidade, há uma organização do espaço inerente a elas e que precisa ser mantida.
A produção de calçados utiliza uma quantidade grande de trabalhadores, daí se afirmar
que o calçado é um produto intensivo em força de trabalho. Geralmente, os salários pagos
pelas grandes corporações que instalam unidades produtivas na região Nordeste do Brasil são
baixos, em média 40% menores que os salários pagos às mesmas categorias de operários nas
regiões de tradição calçadista (como Rio Grande do Sul e São Paulo). As práticas
desenvolvidas pela administração da empresa, como a imposição de horas extras e o banco de
horas, provocam um descontentamento entre os trabalhadores. Além disso, os frequentes
casos de mutilações no manuseio das máquinas e os casos de Lesões por Esforço Repetitivo
(LER) e Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho (DORT) são frequentes. Essas
características associadas à produção calçadista, sobretudo a produção de calçados esportivos
que utilizam material sintético, conduz os trabalhadores e a população dos municípios onde as
fábricas são instaladas à construção de um imaginário negativo sobre o processo produtivo na
indústria de calçados.
A vigilância e a exigência de ritmo acelerado na produção de calçados provocam
mazelas graves na saúde dos trabalhadores. Ante a visão negativa associada às fábricas de
95
calçados, as empresas buscam diminuir essa imagem negativa e reproduzir as condições para
a manutenção de suas atividades. Essas ações das empresas são denominadas de “reprodução
da região produtora” (CORRÊA, 1992).
Uma dessas práticas se baseia em estratégias de relação com o “capital humano”.
Segundo documento da própria empresa, o “Manual de Integração”, em seu item intitulado
“Relação com a comunidade”, a empresa abre oportunidades para a promoção de eventos para
o recebimento de visitas técnicas e de familiares de trabalhadores.
Estas visitas são coordenadas pelo setor de Recursos Humanos e divididas em dois
momentos: apresentação institucional do Grupo Dass e apresentação das
dependências da unidade. A visita de familiares tem programação bimestral e
divulgação antecipadas nos placares (DASS, 2010, p. 12).
As visitas à unidade fabril do grupo Dass Clássico, em Santo Estevão-BA, são feitas
preponderantemente por alunos de escolas do ensino fundamental acompanhados de seus
professores. O maior interesse dos gerentes e do setor de Recursos Humanos (RH) da fábrica
é mostrar que a empresa tem preocupação com a saúde dos trabalhadores e que as pessoas que
trabalham na Dass Clássico têm carteira assinada e um conjunto de direitos trabalhistas
garantidos.
Sem dúvida, “assinar a carteira” do trabalhador provoca uma euforia entre as pessoas,
haja vista que, antes da instalação da fábrica, os trabalhadores que conseguirem um emprego
cujo empregador garantisse o pagamento do salário mínimo e o respeito às leis trabalhistas
não era uma coisa frequente, sobretudo se levarmos em consideração os trabalhadores mais
jovens e com baixa escolaridade.
Há indícios de que o intuito de tal ação seja tentar criar um discurso contrário à
repercussão negativa dos casos de problemas de saúde que acometem os trabalhadores da
fábrica de calçados. Os dados adquiridos por meio da aplicação de questionário com os
operários da fábrica apontam que o trabalho na produção de calçados em Santo Estevão-BA
compromete negativamente a saúde das pessoas, deixando-os adoentados com LER/DORT.
Os números apontam que 90% dos funcionários não possuem plano de saúde; dores
constantes são os principais tipos de queixas registradas por 47% dos empregados; 33%
sentem dores na coluna; 30% sentem dores nas pernas; 24% sentem dores de cabeça e/ou
tonturas; 13% sentem dores nos braços.
Todos os trabalhadores que responderam ao questionário aplicado afirmaram que
passaram a sentir esses desconfortos depois de terem começado a trabalhar na fábrica de
calçados. As queixas não são somente de ordem física, há também as pressões psicológicas
96
com vários registros de assédio moral. De acordo com Ramos e Brito (2012), na fábrica de
calçados em Santo Estevão-BA: “22% dos trabalhadores já sofreram algum tipo de mau trato,
com adjetivações como “a batata podre do saco”, “burro”, “inútil”, entre outras distinções
pejorativas, inclusive com um caso de “castigo” de uma funcionária colocada pela chefia da
fábrica” (RAMOS; BRITO, 2012).
Segundo informação do sindicato dos trabalhadores que representa os funcionários da
fábrica (associado ao Sintracal23
), têm ocorrido casos de acidentes graves durante o processo
de produção, a exemplo de mutilações de membros superiores ou parte deles. O motivo
principal apontado pelos dirigentes sindicais como causa dos acidentes é a exigência cada vez
mais excessiva e rigorosa para que os trabalhadores cumpram as metas de produção, o que
implica o aumento da velocidade e a exigência de destreza dos operadores das máquinas.
Seguindo um modelo de produção similar ao fordismo, a produção de calçados na
fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA possui um mecanismo de controle de produção
em que a função de cronometrista exige que os trabalhadores cumpram as metas pré-
estabelecidas. O trabalhador, nesse caso, é incessantemente pressionado a cumprir as metas,
tendo, inclusive (segundo informações dos próprios trabalhadores) pré-estabelecido também o
número de vezes que podem ir ao banheiro ou beber água. Os mecanismos de exigência de
produtividade são uma das marcas principais da fabricação de calçados. Conforme
informativo da empresa Dass Clássico:
[...] as 12 operações se tornaram três grandes sistemas e foram colocadas em linha
de fluxo contínuo. Assim, o caminho de produção está mais curto e controlado, com
aumento significativo de eficiência. Além disso, os estoques foram reduzidos e as
ferramentas para gerenciamento visual, com painéis e demarcação, colocadas em
prática (DASS, 2012).
O controle do tempo de produção e a exigência frequentes para que se atinja uma maior
produtividade podem induzir os operários a intensamente repetir várias vezes durante o dia de
trabalho os mesmos movimentos. Esses movimentos mecânicos e repetitivos exigem a
utilização exaustiva dos membros superiores (braços e mãos), o que ocasiona as lesões e em
muitos casos mutilações, conforme se pode observar, na Figura 3, a mão de um operário que
teve seu dedo indicador amputado ao lidar com uma das máquinas no interior da fábrica
(casos como estes são freqüentes na linha de produção de calçados não só do Brasil mas em
todo o mundo).
23 Sindicato dos Trabalhadores Calçadistas
97
Figura 3 – Ex-trabalhador da fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA
com amputação do dedo indicador.
FONTE: pesquisa de campo do autor.
Esses funcionários lesionados são afastados e amparados pela previdência social pública
e, ao retornar ao trabalho, geralmente são demitidos sem demais esclarecimentos. Esse é um
dos motivos da alta rotatividade da força de trabalho nas empresas desse setor. Segundo o
Sistema Nacional de Emprego (SINE) 24
, essa rotatividade de trabalhadores na fábrica, em
Santo Estevão-BA, chega a 20 trabalhadores por semana a depender da época do ano; aliado a
isso, há o desconhecimento dos direitos trabalhistas e a precariedade da formação política
classista, o que se comprova pela quantidade de filiados ao sindicato (30 trabalhadores
filiados). Segundo um dos ex-dirigentes do sindicato:
Após a criação do sindicato conseguimos filiar até 403 trabalhadores. Destes
filiados, 183 tinham a contribuição sindical descontada em folha e os outros
pagavam em boleto bancário por medo dos gerentes da fábrica os perseguir e
demitir. Durante determinado período chegou a existir 50 rescisões de contratos em
1 único dia (Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira em 12/05/2010).
As visitas oferecidas pelo setor de recursos humanos da fábrica Dass Clássico, em
24 O Sistema Nacional de Emprego é uma instituição ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego.
98
Santo Estevão-BA, visam convencer as crianças e adolescentes de que o trabalho na Dass não
é ruim como algumas pessoas dizem; e que eles podem ser futuramente “colaboradores” 25
da
empresa, trabalhando na produção de calçados. Para enfatizar tal “interesse” na condição
social da população, o setor de RH (Recursos Humanos) da Dass Clássico também promove
apoios a diversos projetos “sociais” com ênfase em educação, cultura e esportes.
A necessidade de repor trabalhadores na linha de produção obriga a administração da
fábrica a utilizar diversos mecanismos de propaganda e promoção de eventos para evitar ou
minimizar uma suposta “imagem” negativa criada na população. Convencer os jovens a,
futuramente, ter a possibilidade de trabalharem na produção industrial de calçados torna-se
vital para a Dass Clássico na medida em que a rotatividade de trabalhadores neste segmento
produtivo é muito grande.
Entre as diversas atividades criadas pela administração de recursos humanos da fábrica
Dass Clássico, em Santo Estevão-BA, pode-se mencionar, além da promoção e incentivo às
visitas de estudantes do ensino fundamental e de familiares de trabalhadores à fábrica, o
oferecimento de 30% de desconto aos trabalhadores da Dass Clássico que comprarem na loja
Dass Outlet (loja da fábrica) e 20% de desconto a funcionários públicos municipais e
estaduais. As compras podem ser parceladas e descontadas diretamente na folha de
pagamento dos trabalhadores; o valor das parcelas referentes às compras na loja não podem
exceder o valor da remuneração mensal de cada trabalhador. Segundo alguns operários
entrevistados, alguns dos calçados na loja Dass Outlet têm pequenos defeitos de fabricação.
A rede de lojas Dass Outlets é administrada pela empresa Anvel (Comércio de Artigos
Esportivos), pertencente à divisão de varejo do Grupo Dass Clássico. Além da rede de lojas, a
Anvel também administra o endereço virtual na internet para comercialização de artigos
esportivos Sportson.com.br (DASS, 2012).
A oferta de patrocínio a eventos populares locais também é utilizada pela empresa
como forma de divulgar sua marca. Diversas festas recebem o patrocínio da Dass, no entanto,
as festas juninas são o marco maior de mobilização de patrocínio na empresa, pois mobiliza
toda a cidade, atraindo também pessoas que residem em municípios vizinhos. O grupo Dass
Clássico se referencia como um dos grandes agentes da iniciativa privada (se não o maior) a
patrocinar a festa, conforme se pode observar nas figuras 4.
25 Em meio à metamorfose do mundo do trabalho nos últimos anos, com o advento da “produção flexível”,
desregulamentação econômica, o neoliberalismo, crescente competitividade entre empresas e entre países, além
das ideias localistas de desenvolvimento, os trabalhadores passam a ser chamados de colaboradores. Tal
denominação visa inseri-los na dinâmica da gestão produtiva e do desenvolvimento local no sentido de
colocados como co-responsáveis pelo desenvolvimento local e responsabilizá-los também pela manutenção de
seus postos de trabalho (ANTUNES, 2010; BRANDÃO 2007).
99
Figura 4 – Propaganda Dass Clássico nas festas juninas em Santo Estevão-BA – 2011
Fonte: Ildo Rodrigues Oliveira, pesquisa de campo.
Outros eventos, como passeios ciclísticos, maratonas, torneios de futebol, sorteio de
cestas básicas, grupo de dança e semanas de apresentações artísticas e de talentos, também
são promovidos pela empresa, a fim de minimizar as constantes críticas e reclamações dos
operários e da população para com as condições de trabalho que são impostas no interior da
fábrica. Um dos eventos internos da fábrica que mobiliza quase todos os operários é a
“Semana Dass”, que em 2011, teve sua terceira edição, promovendo competições entre
modalidades de talentos como “arte, cultura, culinária, esporte, diversão, estética,
entretenimento, ornamentação”. Nesse evento a competitividade entre os trabalhadores é a
característica principal. Os trabalhadores que mais destacam nesse evento ganham prêmios e
se destacam perante aos outros.
Sendo assim, pode-se constatar que, para reprodução da região produtora, ou seja, para
a manutenção da disponibilidade de uma grande quantidade de pessoas para o trabalho na
linha de produção de calçados, a empresa Dass Clássico utiliza intensamente diversos
mecanismos, tentando dirimir assim a má impressão ou imagem negativa criada na população
e nos operários que trabalham na própria fábrica de calçados.
100
3.3. EMPRESAS FORNECEDORAS DE COMPONENTES E ASSESSÓRIOS.
Constituindo variadas e diversificadas ligações em rede entre as suas unidades
produtivas e as diversas empresas fornecedoras de componentes para a fabricação de
calçados, o grupo Dass Clássico, direta e indiretamente, constrói determinadas características
espaciais que são de suma importância para a manutenção da produção de mercadorias
(calçados) em larga escala, nos locais onde possui unidades fabris.
Haja vista ter instalado grande parte de suas unidades produtivas em locais onde a
produção de calçados esportivos e de couro não se constituía em uma atividade tradicional, a
necessidade do grupo Dass Clássico em manter contatos entre empresas de outras localidades
que podem suprir a demanda por materiais, acessórios e componentes é premente. Com o
crescimento do número de fábricas de calçados no estado da Bahia, muitas empresas de
componentes e acessórios começaram a se instalar para atender a demanda existente, assim o
grupo Dass Clássico, que no início de suas operações adquiriu grande parte de insumos e
acessórios para a fabricação de calçados esportivos em outros estados e até fora do país,
começa a adquirir insumos, acessórios e componentes nas novas empresas que se instala na
Bahia.
3.3.1. A EMPRESA FORTIK E O GRUPO FCC
A fábrica de calçados Dass Clássico, localizada no município de Santo Estevão-BA,
adquire componentes e cola da empresa Fortik Nordeste, que iniciou suas operações em 1999,
no município de Conceição do Jacuípe, onde ocupa uma área de 12 mil metros quadrados,
produzindo calçados e sandálias de plástico, materiais de couro, compostos para saltos,
solados, adesivos, auxiliares para colagens, selantes e produtos químicos para calçados. O
investimento estatal destinado à implantação da unidade fabril da Fortik, no município de
Conceição do Jacuipe, foi estimado pela SUDIC em R$ 12 milhões, enquanto o investimento
privado foi estimado em R$ 4.236.616,11, ou seja, pouco mais de 1/3 de investimento
privado. O grupo econômico que dá suporte à empresa Fortik Nordeste é eminentemente
nacional, formado por duas fábricas do segmento de calçados (o nome das fábricas não é
informado pela Fortik) e a empresa denominada Fornecedora (FCC), oriunda da cidade de
101
Campo Bom-RS.
Inserida no maior complexo rodoviário do Nordeste, próximo às rodovias BR 116, BR
101 e BR 324, a empresa conta com uma posição estratégica sob o ponto de vista logístico,
principalmente na distribuição dos produtos para o Nordeste e Sudeste do país. Os produtos
desenvolvidos são: adesivos, injetados, elastômeros termoplásticos, palmilhas, solas e solado
de couro e de borracha. Os adesivos Fortik contam com uma linha completa de produtos e
sistemas de colagem para o setor coureiro-calçadista.
O Grupo FCC Fornecedora, um dos parceiros e controladores da Fortik Nordeste,
tornou-se, nos últimos anos, o principal fornecedor de elastômeros termoplásticos da América
Latina. Além da fábrica da Fortik, em Conceição do Jacuípe-BA, o Grupo FCC controla
também a empresa Norplast com unidade de produção no mesmo município e em outros
estados brasileiros. Com uma característica forte de aquisição de empresas concorrentes, o
conglomerado FCC comprou a empresa Plastine e formou a Norplast. Além das unidades
fabris descritas, o Conglomerado FCC possui uma fábrica no Uruguai, conforme se pode
observar no Quadro 2.
Quadro 2 Relação de fábricas pertencentes ao grupo FCC.
Pais Estado Cidade Tipo de atividade
Brasil Bahia Conceição do Jacuípe Produção de adesivos, termoplásticos e
componentes.
Brasil Rio Grande do Sul Campo Bom Produção de adesivos, vedantes,
termoplásticos e componentes.
Brasil Ceará Morada Nova Adesivos
Brasil São Paulo São Paulo Escritório comercial, depósito, centro
de distribuição e laboratórios de testes.
Uruguai Canelones* Canelones Termoplásticos e adesivos
FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em http://www.fcc.com.br/ .Acessado em 21/05/2011.
*O Uruguai é dividido em 19 departamentos.
Como a maioria dos conglomerados industriais capitalistas, o Grupo FCC também
desenvolve práticas espaciais para manter as condições socioespaciais de produção. A
Norplast de Conceição do Jacuípe-BA desenvolveu, nos últimos anos, um trabalho de
renovação e recuperação de prédios escolares no município. As escolas são indicadas pela
prefeitura segundo critérios de necessidade da obra. Os 48 trabalhadores da empresa são
convocados para ajudar na limpeza do pátio, pintar paredes e muros, recuperar a rede elétrica
e hidráulica das escolas, além de construir espaços para despensa e refazer os banheiros.
A ação de reforma de algumas escolas no município de Conceição do Jacuípe-BA,
promovido pelo grupo empresarial FCC, completou três anos em 2010. Segundo documentos
102
divulgados pela empresa em seu endereço eletrônico (http://www.fcc.com.br), essas ações
oportunizadas aos seus “colaboradores” se constituem como uma atividade de
“responsabilidade social”. A empresa fornece todos os materiais necessários para a
recuperação do prédio da escola (parte hidráulica, elétrica, cimento entre outros materiais de
construção) e os colaboradores “doam” seu trabalho. Porém, vale salientar que tal prática de
reforma de escolas, promovida pela empresa da FCC, pode render benefícios fiscais na
medida em que alguns municípios do estado da Bahia, a exemplo do município de Santo
Estevão, possuem leis que isentam as empresas do pagamento do ISS (Imposto Sobre
Serviçoes) caso as mesmas façam reformas em prédios de escolas da rede pública de ensino
municipal.
Em consonância com os interesses de expansão de suas atividades na Bahia e
aproveitando os benificios discais já existentes, a corporação FCC ampliou, em novembro de
2010, sua unidade fabril localizada no município de Conceição do Jacuípe-BA. O
investimento de R$ 8 milhões em equipamentos favoreceu a expansão física da fábrica, que
por sua vez triplicou a capacidade de produção e transforma a unidade baiana da FCC na
maior fábrica de adesivos para a indústria de calçados da América Latina, acompanhando
assim o atual momento de expansão da economia brasileira e em espacial da economia da
Bahia.
Entre as novas ações que a FCC está implementando em Conceição do Jacuípe-BA,
está a instalação de laboratórios completos para o desenvolvimento de novos adesivos e testes
de novos materiais, contribuindo para a desconcentração da produção da industrial neste setor.
A unidade da Bahia responde pelo fornecimento de adesivos para as regiões Sudeste, Norte e
Nordeste do Brasil. O investimento em pesquisas permitiu à FCC o desenvolvimento de
componentes e assessórios para a fabricação de calçados esportivos que atende a diversas
fábricas no Nordeste do Brasil.
3.3.2. BRISA INDÚSTRIA DE TECIDOS TECNOLÓGICOS
Nos últimos anos, a fabricação de calçados esportivos vem ganhando cada vez mais
atenção quanto à utilização de novos materiais. A crescente necessidade de diversos grupos
empresariais transformou a produção de calçados em um verdadeiro laboratório de descoberta
e produção de novos materiais para o setor. Seguindo as necessidades do mercado, o grupo
103
Dass Clássico, entre outras empresas que produzem calçados no Nordeste e na Bahia, utiliza
tecidos sintéticos desenvolvidos pela empresa Brisa Indústria de Tecidos Tecnológicos S/A.
A Brisa, empresa que fornece componentes para produção de calçado, está instalada no
município de Simões Filho, no Centro Industrial de Aratu (CIA) e é uma das grandes
fornecedoras de componentes para a fabricação de calçados para a fábrica do grupo Dass, no
município de Santo Estevão-BA. A Brisa fornece tecidos sintéticos, produtos de couro, forro
sintético, tecidos impregnados, revestimentos, recobertos ou estratificados com poliuretano
para várias fábricas de calçados na Bahia, entre elas estão: Azaléia, Via Uno, Bison, Malu,
Arezzo e Paquetá. Para o início das operações de fabricação dos componentes citados, os
investimentos privados estimados pela empresa chegaram a R$ 20 milhões, enquanto o
investimento público estimado pela Superintendência de Desenvolvimento Industrial e
Comercial (SUDIC) chegou a R$ 138.189,80. Com previsão de produção de 4 milhões de
metros quadrados de tecido sintético por ano, a fábrica emprega cerca de 240 trabalhadores.
3.3.3. GRUPO ORSA
O grupo Orsa trabalha há trinta anos na produção de celulose, papel e papelão.
Produzindo mais de 1,1 milhão de toneladas anuais de produtos de origem vegetal, desde o
plantio das árvores até a produção das embalagens. A empresa Orsa Celulose, Papel e
Embalagens fornece embalagens e chapas de papelão ao grupo Dass Clássico. O faturamento
da empresa Orsa, em 2006, foi de R$ 1,4 bilhão.
O primeiro empreendimento que deu origem ao que hoje se constitui no grupo Orsa teve
início em 1981,em uma pequena cartonagem na Vila Zelina, localizada na zona leste da
cidade de São Paulo. O Grupo começou a se expandir em 1986, quando construiu uma planta
para a produção de chapas e embalagens na cidade de Suzano-SP. Em 1994, a empresa criou a
Fundação Orsa para organizar a atuação do grupo na área socioambiental, respondendo às
críticas das organizações ambientalistas quanto à utilização de amplas áreas para plantio de
eucalipto, haja vista ser esse tipo de plantio prejudicial à biodiversidade, muitas vezes sendo
denominado de “floresta homogênea”.
Em 2000, o conglomerado Orsa fez o maior movimento de expansão empresarial até
então, quando adquiriu o controle acionário da empresa Jarí Celulose S/A. Instalado na
Amazônia, no Vale do Rio Jarí, o projeto Jarí possui uma das maiores áreas de floresta nativa
104
do planeta (1,7 milhão de hectares). O comando acionário da Jarí Celulose, em conjunto com
outras ações e estratégias do grupo Orsa, contribuiu para um crescimento significativo dos
lucros entre os anos de 1994 e 2006, quando atingiu 275% enquanto o PIB brasileiro teve uma
expansão de 41%.
A origem da empresa que hoje é controlada pelo grupo Orsa, a Jarí Celulose, remonta
ao ano de 1967, quando um bilionário empresário norteamericano chamado Daniel Keith
Ludwig adquiriu uma grande extensão de terras às margens do Rio Jarí, no intuito de utilizá-la
para produzir celulose.
Com unidade de produção de celulose no Japão, onde empregava técnicas inovadoras de
cultivos em plataformas flutuantes, Ludwig ambicionava expandir seus negócios por várias
regiões do planeta, antevendo a crescente demanda por celulose que iria ocorrer na economia
mundial. Formando a empresa Jarí Florestal e Agropecuária Ltda, o empresário
norteamericano planejava instalar um projeto de reflorestamento com árvores de crescimento
rápido, além de pretender a expansão das atividades no segmento da mineração, pecuária e
agricultura. O projeto ocupa uma área extensa entre os estados do Amapá e Pará e abriga uma
população de 139 mil habitantes em três municípios e dezenas de comunidades espalhadas
pela floresta.
Com a execução do grandioso Projeto Jarí em uma área de 16 mil quilômetros
quadrados, foi necessária a construção de uma cidade. Uma espécie de “cidade-empresa” nos
moldes das cidades analisadas por Piquet (1998). A cidade denominada Beiradão abrigou
(além das instalações da empresa) os trabalhadores, hospitais e escolas. Em 1982, ano da
venda da empresa Jarí Florestal e Agropecuária Ltda, a cidade de Beiradão tinha 30 mil
habitantes.
Conforme se pode constatar na Tabela 8, o grupo Orsa está organizado em quatro
empresas que atuam de forma integrada:
Tabela 8
Empresas que compõem o Grupo Orsa – 2008
Empresa Atividade Número de trabalhadores
OCPE Produção de celulose, papel, embalagens, chapas
para embalagens e papelão ondulado.
2.636
Jarí Celulose Plantio de árvores e produção de celulose de
eucalipto.
710
Orsa Florestal Produção de madeira 14.000
Fundação Orsa Programas e projetos sociais ...
FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em Orsa, 2008.
NOTA: ... Dado não disponível
105
A empresa que mais interessa para análise da produção e comercialização dos calçados
esportivos, produzidos pelo grupo Dass Clássico, é a Orsa Celulose, Papel e Embalagens
(OCPE), pois essa fornece as embalagens para os calçados produzidos pelo grupo empresarial
Dass Clássico em todo o Brasil.
Produzindo embalagens para diversas empresas nacionais e internacionais que
funcionam no Brasil e no exterior, a OCPE é a segunda maior empresa integrada de papel
para embalagens, chapas e papelão ondulado do Brasil. A empresa tem capacidade para
produzir, por ano, 368 mil toneladas de papel para embalagens e 336 mil toneladas de chapas
e embalagens de papelão ondulado (ORSA, 2008). Subjacentes à produção de papel e
celulose, estão a degradação ambiental ocasionada pela monocultura do eucalipto, que
provoca a diminuição da biodiversidade; a concentração de terras (formação de latifúndios); a
penetração das raízes do eucalipto nos lençóis freáticos, prejudicando o abastecimento de
água nas regiões, além de implicar na mudança do nível das águas fluviais.
3.4. SÍNTESE DA REDE PRODUTIVA DA UNIDADE FABRIL DA EMPRESA DASS
CLÁSSICO NO MUNÍCPIO DE SANTO ESTEVÃO-BA
Com a instalação de fábricas de calçados na Bahia, diversas empresas fornecedoras de
componentes e acessórios para a produção calçadista e confecções, foram instaladas no
estado, atraídas pelas ações de concessão de isenções fiscais, pelos investimentos públicos
para a instalação das fábricas e pela possibilidade de ampliar sua produção e,
consequentemente, seus lucros. Essas empresas de componentes, que no início dos anos de
1990 praticamente eram inexistentes na Bahia, passaram a se instalar e criaram uma complexa
rede geográfica que dá suporte à manutenção das fábricas de calçados na Bahia.
Até 2006, 23 empresas que fabricam acessórios e componentes para calçados estavam
instaladas na Bahia, são elas: Artecola, localizada na cidade de Dias D’Avila, que fabrica
cotraforme, couraças e forros; Baplastil, localizada em Feira de Santana e fabrica solado de
poliuretano; Brasflex, instalada em Camaçari e fabrica artigos têxteis (alças, fitas, cadarços e
fios) produzidos a partir de material sintético ou natural; Brisa S/A, localizada na cidade de
Simões Filho e fabrica produtos de couro e forro sintéticos, a base de poliuretano; Cia das
Etiquetas, localizada na cidade de Cruz das Almas e fabrica palmilhas para calçados;
Colorgraf, localizada na cidade de Itapetinga e fabrica estampas e etiquetas transferência para
106
calçados; Curtume Mastrotto Reichert, localizada na cidade de Cachoeira, produzindo
acabamento de couro para a indústria de artefatos de couro e de calçados e a fabricação de
artefatos de couro; Diklatex Nordeste, localizada na cidade de Itapetinga, fabricando tecidos
para calçados, tecidos para confecções, tecidos para móveis e tecidos dublados; Dubahia,
localizada na cidade de Santo Antonio de Jesus e fabrica componentes para calçados, como
dublagem industrial para calçados e adesivos em tecidos para calçados e confecções; Espra,
localizada na cidade de Salvador e fabrica palmilhas para calçados; Fipan-tonet, localizada na
cidade de Jequié e fabrica elásticos, fitas e cadarços para calçados e confecções; Fortik
Nordeste, localizada na cidade de Conceição do Jacuípe, fabrica materiais de couro, partes,
componentes, compostos para saltos e solados e produtos químicos para calçados; Fortik
Bahia, também localizada na cidade de Conceição do Jacuípe e fabrica compostos
termoplásticos e elastômeros, adesivos, auxiliares para colagem e selantes; Killing, localizada
na cidade de Simões Filho, produz adesivos para a indústria de calçados e móveis e de tintas
industriais e prediais; Marfim Bahia, localizada na cidade de Cruz das Almas e produz
cadarços e elásticos para calçados; Moschen Bahia, localizado na cidade de Cruz das Almas e
produz palmilhas para calçados; Polibhela, localizada na cidade de Serrinha e produz solados
de poliuretano para indústria de calçados em geral; Polytana, localizada na cidade de Simões
Filho, produzindo solados e outros componentes para calçados; Empresa Rui Barbosa,
localizada na cidade de Riachão do Jacuípe e produz fivelas, enfeites para calçados, navalhas,
cintos, calçados, bolsas e afins; Sivam Bahia, localizada na cidade de Itapetinga, produzindo
componentes para calçados; Solajit, localizada na cidade de Cruz das Almas produzindo
solados e componentes plásticos para calçados; Una Química, localizada na cidade de
Salvador e produz adesivos para calçados; Vinilex, localizada em Jequié e produz materiais
de couro, partes, componentes, compostos para saltos e solados e produtos químicos para
calçados.
Outras empresas de componentes assinaram protocolo de intenção no sentido de pleitear
os benefícios concedidos pelo Governo da Bahia. Entre essas empresas estão: Beta Plástico,
Emanual Colagens, Espugum Faberpeiper, ILP Têxtil, Kenda, Liko Bahia, Marcon Bahia,
Projeto Moda, Texpal Tec Tecnológico. Ao todo, o investimento privado estimado para a
implantação das empresas é de R$ 21.750.000,00. Os municípios indicados no protocolo de
intenções para a implantação das fábricas de componentes foram: Milagres, Camaçari,
Teixeira de Freitas, Jequié e Simões Filho.
Além das empresas que fabricam calçados e acessórios para calçados, o estado da Bahia
recebeu também outras empresas. Talvez o exemplo mais lembrado e discutido foi a
107
instalação da montadora nortemericana de automóveis Ford. A Ford foi instalada no
município de Camaçari-BA. O BNDES financiou R$ 1,3 bilhão para a instalação da fábrica,
com juros de 2% ao ano. Foram concedidas isenções de impostos de importação, de IPI, de
imposto de renda sobre o lucro que a montadora tiver, e mais doação do terreno para
instalação com toda a infra estrutura.
As ações do Governo baiano para atração de fábricas de calçados envolvem também a
atração de fábricas de componentes e acessórios. São várias as empresas nos últimos 10 anos
(2000 a 2010), que receberam investimentos públicos para a instalação na Bahia, conforme se
pode observar na Tabela 9.
Tabela 9
Relação de empresas, investimentos e mão de obra - 2006
Empresa Investimento privado
(R$) – Protocolo
Investimento público
(R$) - SUDIC
Mão de obra
empregada
Artecola 4.970.000,00 5.000,00 26
Baplastil 1.240.000,00 .... 46
Brasflex 9.200.000,00 .... 38
Brisa S/A 20.000.000,00 138.189,80 143
Cia das Etiquetas 1.000.000,00 .... 45
Colorgraf 2.000.000,00 .... 46
Curtume Mastrotto 90.000.000,00 1.571.509,98 636
Diklatex Nordeste 4.000.000,00 .... 20
Dubahia 350.000,00 885.602,50 20
Espra 1.437.000,00 .... ....
Fipan – tone 1.000000,00 130692,38 41
Fortik Nordeste 12.000.000,00 4.234.616,11 360
Fortik Bahia 0,0 .... ....
Killing 5.000.000,00 .... 22
Marfim Bahia 1.500.000,00 .... 35
Moschen Bahia 2.000.000,00 .... 18
Polibhela 2.000.000,00 517.597,76 140
Polytana 7.500.000,00 797.899,36 59
Rui Barbosa 19.000.000,00 2.086.733,75 40
Sivam Bahia 500.000,00 .... 5
Solajit 800.000,00 79.319,79 42
Una Química 500.000,00 .... 13
Vinilex 12.000.000,00 1.080.000,00 129
TOTAL 197.997.000,00 11.527.161,43 1.924
FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira com base em dados da SUDIC, 2006
NOTA: .... Informações não disponíveis
O grupo empresarial Dass Clássico consegue suprir a maior parte da necessidade desses
componentes comprando materiais de fornecedores que já estão instalados na Bahia, mais
108
especificamente em fábricas localizadas no Polo Industrial de Camaçari.
Mapa 6 – Distribuição espacial das fábricas de componentes e assessórios para a produção de calçados
na Bahia - 2010
109
Na Bahia, a falta de um agrupamento de fábricas em municípios vizinhos vai de
encontro à ideia veiculada por órgãos estatais que afirmam existir no estado um “pólo
calçadista”. Tornou-se frequente a associação do conceito de “pólos industriais” às fábricas
calçadistas que se localizam no interior do estado. No entanto, o conceito de “pólo industrial”
pressupõe um agrupamento de uma série de atividades industriais e empresariais que podem
vir a estar relacionado entre si, o que não é o caso da indústria de calçados na Bahia.
A fábrica de calçados, localizada na cidade de Santo Estevão-BA, desde 2006, passou a
não contratar muitos fornecedores de outros estados para adquirir componentes para os
calçados fabricados na Bahia. De acordo com um dos gerentes da fábrica de calçados em
Santo Estevão-BA:
Segue-se um conjunto de exigências da Nike quanto ao padrão de qualidade dos
materiais. Há alguns anos todo o material era adquirido no Sul e Sudeste do Brasil.
Atualmente adquirimos 90% do material em indústrias e fábricas que já se instalam
na Bahia para acompanhar as indústrias de calçados que se instalaram neste Estado.
Por exemplo: espuma, cola e EVA adquirimos no atacado, no Pólo Petroquímico,
CIA e CIS. Alguns materiais, em casos eventuais, são importados da China
(Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira em 05/05/2012).
O funcionamento e operacionalização da rede da fábrica da empresa Dass Clássico pode
ser dividido em pelo menos quatro instâncias principais: 1- Relação entre as empresas que
formam a holding; 2 - as marcas internacionais que contratam o serviço da Dass Clássico; 3 -
a relação com os fornecedores de componentes e acessórios; 4- as marcas sob o comando da
própria empresa. Pode-se notar a organização da corporação na Figura 6.
Figura 5 - Grupo empresarial Dass Clássico – 2011
FONTE: elaborada por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em trabalho de campo e
entrevistas.
110
Produzindo diversas marcas de calçados internacionais, a Dass Clássico tem no mercado
consumidor das regiões Sudeste e Sul do Brasil seu principal destino de vendas, conforme
depoimento de gerentes da fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA:
[...] a fábrica Dass Clássico em Santo Estevão sempre teve como alvo principal
produzir para o mercado interno; em casos eventuais produzimos para suprir o
mercado argentino. Nos últimos anos vem crescendo muito a demanda no mercado
interno, principalmente para o Sudeste, devido aos índices de crescimento
econômico do país. O mercado consumidor do Brasil se ampliou muito (Entrevista
concedida a Ildo Rodrigues Oliveira, em 02/05/2011).
Desta forma, entre as empresas que compõem o grupo Dass Clássico existe uma relação
administrativa e produtiva que funciona em rede e que evidencia uma divisão espacial do
trabalho. As unidades fabris pertencentes à antiga empresa Clássico, na maioria dos casos,
especializaram-se na gerência administrativa e na produção de confecções esportivas; as
ordens de distribuição, local de produção e diálogo com os fornecedores são gerenciados por
este segmento da rede corporativa. Por outro lado, as unidades que pertenciam à antiga Dilly
incorporaram a produção quase que total de calçados, que em sua maioria são vendidos para a
região Sudeste do Brasil.
111
4. O MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO-BA E AS PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES
SOCIOESPACIAIS PÓS-INSTALAÇÃO DA FÁBRICA DE CALÇADOS
O espaço geográfico, assim como outras instâncias que compõem a sociedade (o tempo,
a cultura, a política etc.), é influenciado e influencia diretamente a forma como a própria
sociedade se reproduz. A organização do espaço é, ao mesmo tempo, uma condição
fundamental para a efetivação da reprodução social ou do modo de produção em vigência. À
medida que a sociedade muda em sua dinâmica econômica e social, o espaço geográfico
também muda, concomitantemente, como forma de resposta e condicionamento aos novos
processos e novas finalidades; isso ocorre em virtude de os processos sociais e o espaço
geográfico estarem estritamente ligados de maneira indissociável.
Evidenciando essa indissociabilidade entre sociedade e espaço geográfico, neste
capítulo, destaca-se as principais implicações socioespaciais na cidade de Santo Estevão-BA,
após a instalação da fábrica de calçados pertencente ao grupo empresarial Dass Clássico. Esse
município foi inserido na lógica da rede de produção de calçados esportivos na escala
nacional com instalação e operação da fábrica Dass Clássico, a partir de 2001. Características
econômicas e sociais, que até 2001 vigoravam no município, passaram por redefinições, tanto
na cidade como no campo, sobretudo na cidade. A tímida participação na economia do estado
da Bahia, com destaque para a agricultura e pecuária, alterou-se com o incremento de uma
maior quantidade de dinheiro em circulação, de trabalhadores que se inseriram no mercado de
trabalho formal e proporcionou à economia local uma maior diversificação em termos de
oferta de serviço, atração de novos empreendimentos comerciais e fluxo de pessoas.
4.1. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS SOCIOESPACIAIS DO MUNICÍPIO DE
SANTO ESTEVÃO ANTERIORES À INSTALAÇÃO DA FÁBRICA DE CALÇADOS
Historicamente, a ocupação do espaço onde hoje se encontra os limites políticos do
município de Santo Estevão-BA teve na pecuária e na agricultura as principais atividades
econômicas. Majoritariamente praticada em pequenos e médios estabelecimentos rurais, é
com a atividade agropecuária que o município se inseria na economia baiana, até 2002,
produzindo principalmente feijão, milho, carne bovina e aves. A figura 7 esboça os principais
112
produtos comercializados por comerciantes e trabalhadores rurais, bem como as cidades que
faziam parte do processo de trocas comerciais praticadas até 2002.
Figura 6 – Produtos comercializados no município de Santo Estevão–BA, 2002
FONTE: Organizado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em PDDU de Santo Estevão, 2001.
Tendo parte de suas terras localizada no vale do Rio Paraguaçu, a zona rural de Santo
Estevão-BA desenvolveu, ao longo dos anos, uma diversidade significativa de produção
agrícola. De acordo com informações adquiridas junto aos dirigentes do sindicato dos
trabalhadores rurais, a policultura, em pequenos e médios estabelecimentos rurais, constituía-
se em fonte de alimento e renda (via comercialização do excedente) para a maioria da
população do campo. Com o passar dos anos, os estabelecimentos agrícolas foram sendo
subdivididos ainda mais, pois, à medida que os chefes das famílias foram morrendo, deixaram
as propriedades para serem subdivididas entre vários herdeiros. Conforme se pode observar na
Tabela 10, a maior parcela dos estabelecimentos rurais no município possui dimensões
113
consideradas pequenas, levando-se em conta que o tamanho do módulo rural26
, estabelecido
pelo INCRA para o município de Santo Estevão-BA, é 50 hectares. A estrutura fundiária, no
município, atualmente é caracterizada essencialmente por minifúndios que, devido às suas
dimensões, pode dificultar a manutenção da população no campo, pois a produção
agropecuária familiar se torna insuficiente.
Tabela 10
Estrutura fundiária em Santo Estevão-BA, 2006
Grupo de Área Estabelecimentos Área
(ha)
Estabelecimentos
(%)
Área
(%) Mais de 0 a menos de 1 ha 2102 1082 45,38 5,14
De 1 a menos de 2 ha 620 895 13,38 4,26
De 2 a menos de 3 ha 315 754 6,80 3,58
De 3 a menos de 4 ha 230 793 4,96 3,77
De 4 a menos de 5 ha 209 922 4,51 4,38
De 5 a menos de 10 ha 304 2.108 6,56 10,02
De 10 a menos de 20 ha 138 1.910 2,98 9,08
De 20 a menos de 50 ha 84 2.605 1,81 12,39
De 50 a menos de 100 ha 23 1.534 0,50 7,30
De 100 a menos de 200 ha 11 1.564 0,24 7,44
De 200 a menos de 500 ha 21 6.296 0,45 29,94
De 500 a menos de 1000 ha 1 X 0,02 X
FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE.Censo Agropecuário 2006.
X dado número omitido a fim de não individualizar a informação
Essa caracterização da estrutura fundiária, efetivada ao longo do tempo, contribuiu para
provocar, durante as décadas de 1980 e 1990, uma gradativa migração da população para os
centros urbano-industriais mais “prósperos” (RMS, São Paulo, Rio de Janeiro etc.). A zona
rural, após a instalação da fábrica de calçados na cidade de Santo Estevão, continuou com a
tendência de perder população.
A geração de empregos diretos e dos “empregos efeito renda”, estimulada pela presença
da grande indústria de calçados, imprimiu uma nova dinâmica econômica e populacional.
Devido à soma de dinheiro que é lançada na economia municipal, via pagamento de salários
aos mais de 2.500 trabalhadores, a atividade terciária expandiu-se e se diversificou,
absorvendo, assim, um contingente significativo de trabalhadores. A maior circulação de
dinheiro na economia local pode ser evidenciada por meio do crescimento do PIB municipal
26 O módulo rural corresponde à área mínima necessária a um estabelecimento rural para que sua exploração seja
economicamente viável. O cálculo para o estabelecimento do Módulo Rural para cada município é feito pelo
INCRA e leva em conta os seguintes aspectos: tipo de exploração predominante; a renda média obtida com a
exploração predominante; outras explorações que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da
renda e da área utilizadas; conceito de propriedade familiar.
114
representado na Tabela 11.
Tabela 11
Santo Estevão-BA: PIB
Municipal – 1999 a 2007
FONTE: elaborado por Ildo
Rodrigues Oliveira, com base em
SEI, 2010.
Como exemplo da geração de emprego, pode-se citar que, no mês de agosto de 2011, a
economia do município de Santo Estevão-BA gerou 132 novos postos de trabalho, conforme
os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED). O índice colocou o
município na sexta posição, no estado da Bahia, no ranking que mede a evolução do emprego
formal em municípios com mais de 30 mil habitantes. Essa foi a melhor posição alcançada
desde a criação do CAGED, em 1992. Durante o mês de agosto, foram admitidos 227
trabalhadores e demitidos 95.
O crescimento do número de empregos formais e dos “empregos efeito renda”
proporcionou também o crescimento do mercado consumidor local, passando por sua vez a
exercer uma força de atração para novos empreendimentos comerciais, migração permanente
e migração pendular proveniente de municípios vizinhos.
4.2. IMPLICAÇÕES SOCIESPACIAIS NA ZONA URBANA
Na zona urbana de Santo Estevão-BA, durante a década de 1990, as atividades
industriais que mais se destacavam eram as de confecções e a atividade de fabricação de
tijolos e telhas nas olarias, correspondendo esses dois segmentos industriais a 64,14 % do
Ano PIB (R$ Milhões)
1999 49
2000 54
2001 60
2002 85
2003 102
2004 116
2005 141
2006 151
2007 180
115
número de unidades produtivas, conforme se pode observar na tabela 12.
Tabela 12
Unidades indústrias existentes em Santo Estevão/BA - 1996
Tipo de empresa Quantidade %
Indústria de confecções 37 52,7
Olarias 07 11,4
Panificadoras 05 8,2
Serralherias 03 4,8
Serraria 03 4,8
Mobiliário 03 4,8
Refringerante 02 3,3
Moinho de milho 01 1,6
Beneficiadora de castanha de caju 01 1,6
Torrefação de café 01 1,6
Produtos de limpeza 01 1,6
Pré moldados de concreto 01 1,6
Móveis tubulares 01 1,6
TOTAL 61 100
FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em Prefeitura
Municipal – 1996.
A atividade comercial na cidade possui uma dimensão limitada no que se refere a
diversidade e ao mercado consumidor atendido. A compra e venda de produtos e alimentos
diversos eram feitas em pequenas mercearias ou na feira livre local que se realiza aos dias de
sábado. Não existiam lojas ou supermercados que fossem filiais de outras empresas e que se
articulassem a um conjunto de outras lojas espalhadas pelo país ou pelo estado da Bahia. Na
maioria dos casos, as empresas existentes não possuíam outros pontos comerciais ou filiais, e
sua área de influência comercial dificilmente ultrapassava os limites do município. Pode-se
afirmar ainda que, nesse período, anterior à instalação da fábrica de calçados Dass Clássico, a
circulação de mercadorias e a atividade econômica eram menos expressivas e os serviços
menos diversificados.
Para além das determinações escalares globais e nacionais que contribuem para a
análise e explicação da instalação de uma atividade fabril em determinado país ou região
(cujos principais fatores são a reestruturação produtiva, divisão internacional e territorial do
trabalho, expansão das relações capitalistas), existem as determinações ligadas a alguns
agentes sociais que possibilitam a efetiva instalação de unidades fabris em determinado local.
Uma das instituições responsáveis pela atração da fábrica de calçados para o município de
Santo Estevão-BA foi a Prefeitura Municipal, por meio do prefeito, entre os anos de 1997 e
2000.
Segundo entrevista concedida pelo prefeito que governou o município na época das
116
negociações para a instalação da fábrica de calçados, foram diversas as reuniões realizadas na
SUDIC, no sentido de entregar a pauta de solicitações da prefeitura ao Governo do estado. O
então prefeito do município, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), solicitou
reuniões com o então Governador do estado da Bahia (Paulo Ganem Souto), com o objetivo
de encaminhar uma pauta do que seriam (segundo ele e sua equipe de governo) as
necessidades mais urgentes para a “melhoria das condições de vida da população do
município”. Entre as dez necessidades esboçadas pelo prefeito, o governador estabeleceu que
devessem ser escolhidos os três pedidos considerados mais importantes. Assim, o prefeito de
Santo Estevão escolheu a instalação de um posto de saúde, uma escola de ensino médio e a
instalação de uma fábrica. As características da fábrica a ser instalada não foram discutidas.
De acordo com o prefeito:
Eu não sabia qual seria o tamanho da fábrica e nem queria estabelecer o tamanho. O
que era mais importante e urgente na época era a geração de empregos. Os jovens
estavam tendo que migrar para outras cidades, como Salvador ou São Paulo, para
poderem trabalhar e sobreviver. Quando a fábrica começou a funcionar eu percebi
que ela era muito mais grandiosa do que eu imaginava. Eu imaginava que gerasse
uns 400 ou 500 empregos, mas para minha surpresa são mais de 2000 postos de
trabalho. Até hoje sou muito grato ao Governador Paulo Souto e me sinto
comprometido a votar nele em todas as eleições que ele participar (Entrevista
concedida a Ildo Rodrigues Oliveira, em 05/06/2012).
Considerando os argumentos do ex-prefeito de Santo Estevão-BA, pode-se destacar que
o Governo do estado da Bahia, nesse processo, deu mostras de que não existiam estudos
prévios que pudessem avaliar, mesmo que a priori, as repercussões econômicas e as
implicações socioespaciais da instalação de uma grande fábrica de calçados sobre a economia
e a população local.
No processo de instalação da fábrica, o Governo do estado cedeu provisoriamente a
infraestrutura com a construção dos galpões, viabilizando assim o efetivo funcionamento do
empreendimento industrial calçadista. Antes da instalação efetiva dos galpões, a prefeitura
concedeu a isenção de impostos por 10 anos. O terreno onde a fábrica foi instalada,
pertencente à família do então prefeito, foi considerado de utilidade pública pela prefeitura e
pela SUDIC e foi desapropriado mediante indenização seguindo os trâmites legais. No ano de
1999, por meio do Decreto nº 7.583 de 26 de maio de 1999, o Governo do estado autorizou a
SUDIC, com o apoio da Procuradoria Geral do Estado, a promover a desapropriação do
terreno na sede do município, com o intuito de utilizá-lo para a implantação da fábrica de
calçados.
Mesmo com a existência de terrenos públicos municipais às margens da rodovia BR
117
116, que legalmente, via Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), em 2002, foram
considerados área para a instalação de empreendimentos industriais e atração de atividades
correlatas, a fábrica de calçados foi instalada próxima ao centro urbano e comercial.
Conforme se pode observar no Croqui 1, o “distrito industrial” do município de Santo
Estevão-BA, que fica localizado à margem Sul da rodovia BR 116, deveria ser o local onde os
empreendimentos econômicos atraídos para o município fossem instalados, no entanto a
fábrica de calçados teve suas instalações erguidas próximo ao centro da cidade e em uma zona
de expansão habitacional.
Croqui 1 – Uso da terra urbana em Santo Estevão-BA, 2001.
FONTE: PDDU de Santo Estevão, 2001 (Adaptado pelo autor).
118
A circulação de centenas de operários pelas ruas da cidade, nas horas de entrada e saída
da fábrica e no horário de almoço, contribui para que os moradores da cidade evitem trafegar
de um extremo a outro da cidade nesses horários, devido à grande quantidade de trabalhadores
que ocupam as ruas se deslocando a pé, utilizando bicicletas, motos e automóveis. A
velocidade do deslocamento dos trabalhadores, nas ruas da cidade, costuma ser alta, pois os
mesmos têm pouco tempo para o almoço (90 minutos) e tentam chegar o mais rápido possível
às suas residências, que geralmente estão localizadas na periferia da cidade. Acidentes com
vítimas fatais já foram registrados por conta desse deslocamento intenso.
A decisão de instalar a fábrica de calçados próximo ao centro da cidade é uma ação da
empresa no intuito de evitar o pagamento de auxílio transporte e concessão de alimentação
aos trabalhadores.
Figura 7 – Trabalhadores saindo da fábrica Dass Clássico (2012)
FONTE: pesquisa de campo feita por Ildo Rodrigues Oliveira (2012)
A necessidade de deslocamento mais rápido por parte dos trabalhadores contribuiu para
que a venda de motocicletas aumentasse consideravelmente nos últimos 6 anos, conforme
119
Tabela 13. A partir do levantamento feito por meio de aplicação de questionário aos
trabalhadores da Dass Clássico em Santo Estevão-BA, constatou-se que 65% dos
trabalhadores possuem motocicletas, dos quais 52% informaram tê-las adquirido após estarem
trabalhando na fábrica. Essa aquisição de meio de transportes se explica, entre outras coisas,
em virtude de a empresa Dass Clássico não oferecer transporte a seus funcionários; a distância
entre o local de moradia e o local de trabalho exige um meio mais rápido de deslocamento.
Vale ressaltar que três redes de lojas revendedoras de motocicletas se instalaram na
cidade de Santo Estevão-BA (a Motopel, Yamaha e a Shineray) atraídas pela crescente
demanda de motocicletas.
Tabela 13
Santo Estevão-BA: número de veículos automotores - 2006 a 2009
Ano Automóvel Caminhão Camioneta Micro-ônibus Motos Ônibus Outros
2006 1.789 171 377 61 2.305 29 609
2007 1.932 189 420 65 2.779 29 731
2008 2.101 193 451 65 3.282 29 898
2009 2.353 206 469 63 3.848 35 1.055
2011 2.923 238 604 75 5.076 51 1.331 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base SIDE (Sistema de Dados Estatísticos),
SEI, 2011 (www.sei.ba.gov.br)
A área delimitada legalmente por meio do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
do município de Santo Estevão, elaborado no ano de 2001, para a implantação de
empreendimentos industriais, ficou fora dos interesses do poder público quando da instalação
da fábrica de calçados. O PDDU de Santo Estevão denomina a área destinada à instalação de
empreendimentos industriais como sendo um “Distrito Industrial”, porém o mesmo não
possui órgão público específico que gerencia sua estrutura. Apenas uma fábrica de
embalagens plásticas (Paraguassú Embalagens) se encontra instalada nessa área; essa fábrica
não fornece embalagens plásticas para a fábrica Dass Clássico e sim para os comerciantes
locais que, devido ao crescimento do mercado consumidor local, demandam maior número de
embalagens para a venda de mercadoria nas lojas, supermercados e mercearias.
Com o descumprimento dos planos de uso e ocupação da terra urbana contidos no
PDDU do município, houve implicações substanciais sobre a dinâmica socioespacial da
cidade de Santo Estevão-BA. A instalação da fábrica próxima ao centro urbano contribui
diretamente para a valorização de imóveis/edificações e terrenos; para a especulação
imobiliária. A migração de população tanto de cidades vizinhas quanto da zona rural do
próprio município – que se desloca a procura de emprego tanto na fábrica de calçados quanto
120
no comércio – contribui para o crescimento dos valores de terrenos e habitações na cidade.
Atualmente, algumas propriedades têm alcançado uma valorização tão significativa que as
habitações são vendidas /compradas levando-se em conta a valorização do terreno e não da
habitação em si. O m² de terreno no centro comercial da cidade de Santo Estevão-BA pode
chegar a custar R$ 5.000,00.
Até 2002, o grande destaque na atividade industrial, na cidade de Santo Estevão, era a
produção de confecções em micro e pequenas empresas. Devido à fábrica Dass Clássico
produzir calçados esportivos com materiais sintéticos, os quais dispensam o manuseio do
couro natural, as habilidades adquiridas por uma quantidade significativa de trabalhadoras na
costura de confecções podem ter facilitado a adaptação ao corte e à costura de materiais
sintéticos para a confecção dos calçados. Há destaque para a indústria de confecções que se
desenvolvia em pequenas fábricas, correspondendo, entre as poucas atividades fabris
existentes à época, a 52,73 % das unidades de produção, o que, em números absolutos,
correspondia a 37 fábricas.
O número de estabelecimentos industriais não se alterou significativamente após o
efetivo funcionamento da fábrica de calçados, conforme Tabela 14.
Tabela 14
Atividades econômicas em Santo Estevão-BA – 2000 a 2006
Tipo de Atividade Número de
unidades
Número de pessoas
ocupadas
2000 2006 2000 2006
Comércio 295 489 637 1.210
Indústria de transformação 33 36 97 2.764
Intermediação financeira 2 34 X 22
Transporte e armazenagem 10 27 17 66
Construção 16 32 24 84
Atividade imobiliária 20 29 29 51
Alojamento e alimentação 8 18 18 85
Total 384 665 822 4.282 FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE – 2008.
NOTA: X Dado numérico omitido a fim de não individualizar a informação.
Com a absorção da força de trabalho dos 2.700 operários na linha de produção e
lançamento de aproximadamente R$ 1.800.000,00 via pagamento de salários, a intensificação
e o crescimento dos fluxos comerciais e o adensamento populacional urbano, a atividade
econômica que mais cresceu em números absolutos foram as empresas comerciais. Novas
lojas de rede de eletroeletrônicos, material de construção, supermercados, farmácias, provedor
de internet etc. chegaram a cidade.
As novas lojas se instalaram, segundo informações da Câmara de Dirigentes Lojistas
121
(CDL), devido ao aumento do potencial de consumo registrado nos últimos anos. Em
questionário aplicado com cem trabalhadores da fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA,
notou-se que 34% deles declararam ter adquirido mais de um bem de consumo durável após
estarem trabalhando na fábrica. Na Tabela 15, estão relacionados os bens mais citados pelos
trabalhadores.
Tabela 15
Santo Estevão-BA: trabalhadores da Dass Clássico e aquisição de
bens - 2010
Tipo de bem de consumo adquirido Número de trabalhadores
Celular 27
Aparelho de DVD 14
Rádio 13
Televisão 11
Fogão 9
Geladeira 8
Máquina fotográfica 4
Computador 2
Máquina de lavar 2
FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em pesquisa de
campo, 2010 e 2011.
A atividade comercial alcançou uma representatividade mais forte na economia local, a
população urbana superou em números absolutos a população rural e novas atividades
econômicas começaram a se desenvolver, gerando mais renda e empregos. No entanto, os
empregos gerados se limitam a pagar o mínimo de salário exigido por lei. A maior parte da
renda fica concentrada nas mãos de uma parcela reduzida da população ou é drenada para
outras localidades via bancos e lojas. A divisão do trabalho entre a cidade e o campo se tornou
mais acentuada.
As empresas que se instalaram em Santo Estevão-BA, após o funcionamento da fábrica,
não têm vínculo direto com a rede produtiva de calçados; a maioria dessas empresas é
eminentemente terciária (comerciais e prestadoras de serviços à população). Em Santo
Estevão-BA, a fábrica Dass Clássico não utiliza insumos, produtos, matérias-primas ou
componentes produzidos localmente, pois, no município, não existem empresas que possam
fornecer tais produtos para a fabricação de calçados esportivos. A ausência de fábricas de
componentes para calçados, bem como outras fábricas de calçados no município de Santo
Estevão-BA, contribui para a não existência de uma APL, como ocorre nos moldes dos
existentes em algumas localidades do Vale dos Sinos, no estado do Rio Grande do Sul, onde
122
os curtumes, a pecuária, as fábricas de papel, papelão, cola, tinta, vernizes, plásticos e
serviços, além dos ateliês de calçados, têm um vínculo permanente com a produção de
calçados de couro.
De acordo com os dados disponíveis no censo do IBGE (2010), o número de pessoas
empregadas na atividade comercial em Santo Estevão-BA quase dobrou entre os anos de 2000
e 200627
(de 637 para 1.210), enquanto o número de pessoas empregadas nas indústrias de
transformação multiplicou-se por 28 vezes28
. A progressiva atração e o surgimento de novas
empresas comerciais na cidade são potencializados com a geração de empregos diretos e
“empregos efeito renda”. Algumas das atividades mais relevantes que surgiram na cidade
foram as revendedoras de motocicletas Motopel (Honda), Yamaha e Shinerai, supermercado
“Tododia”, lojas de eletrodomésticos “GBarbosa” e “Guaibim”, loja “Real Confecções”. A
multiplicação de lojas e empresas que potencialmente atendem à demanda criada no
município está ligada a empresas pequenas, médias e grandes, potencializando também a
hierarquia urbana exercida pela cidade de Santo Estevão-BA sobre as cidades mais próximas
(Ipecaetá, Rafael Jambeiro e Antonio Cardoso). Os dirigentes da CDL reconhecem um
aumento substancial do comércio devido à presença da fábrica de calçados.
Eu acredito que um percentual em torno de 30% a 40%. Minha opinião se baseia na
quantidade de lojas que existem hoje em Santo Estevão e no movimento que você
tem justamente em períodos que os funcionários [da fábrica de calçados] recebem
seus salários.
.............................................................................................................................
O percentual de crescimento do número de lojas é bem maior do que o percentual de
crescimento do consumo. Eu observo que há 15 anos o número de lojas de
confecções, que é o ramo que eu atuo, era bem menor. Eu acho que na ordem de uns
60% a 70%. Quando eu falo nestes números, eu falo de todas as lojas, não só as
maiores, mas lojas menores, lojas de bairro que começaram a existir. O comércio de
Santo Estevão era concentrado aqui no centro. Hoje você já chega a um bairro e vê
lojas bem arrumadas (Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira).
Observa-se que a atividade comercial que ganha destaque na cidade está ligada também
aos pequenos empreendimentos que se espalham pelos chamados “bairros”. A partir da
análise dos dados adquiridos junto à secretaria de finanças do município (SEFIN), pode-se
constatar que houve um crescimento substancial e constante de estabelecimentos comerciais,
no intervalo de 8 anos que vai de 2002 a 2010, conforme a Tabela 16 pode evidenciar.
27 O número de pessoas empregadas no setor terciário do município de Santo Estevão-Ba, em 2000, era de 637.
No ano de 2006, o número de trabalhadores empregados no setor terciário era 1.210. 28 Vale ressaltar que, segundo os dados do IBGE e da SEI, apenas uma fábrica classificada como integrante do
setor da indústria de transformação se instalou no município de Santo Estevão-BA, entre os anos de 2000 a 2006;
que nesse caso é a fábrica de calçados.
123
Tabela 16
Santo Estevão-BA: evolução da instalação de novas empresas comerciais (2002 - 2010)
FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em SEFIN de Santo Estevão – 2011.
Esses dados não podem ser compreendidos separados da dinâmica populacional que
passou a prevalecer no município, entre os anos de 2000 e 2010. Devido ao crescimento
populacional e econômico, a cidade de Santo Estevão-BA adquiriu uma nova dinâmica de
circulação com o aumento do adensamento da população na cidade, com uma evidente
expansão do comércio que ocupa os espaços mais antigos e valorizados e que tende a se
prolongar nas vias principais, sobretudo por conta da maior circulação de consumidores. O
comércio cresce e se expande por diversas ruas da cidade, concentrando casas comerciais na
praça principal, a Praça 7 de Setembro, na Rua Benjamim Constant, Av. Castro Alves, Rua
Marechal Floriano Peixoto, e a Praça Lineu Cerqueira da Silva.
Os dados a respeito da migração pendular podem indicar um aumento na dinâmica
espacial adquirida pelo município, sobretudo se considerado o número de cidades de destino e
de origem das pessoas que saem ou chegam a Santo Estevão. Segundo a CAR (1996), em
1995 quatro municípios mantinham movimentos pendulares com o município de Santo
Estevão, quais sejam: Amélia Rodrigues, Antonio Cardoso, Feira de Santana e Salvador.
Tanto o número de municípios de destino quanto o número de municípios de origem do
movimento pendular, em 2010, sinalizam uma ampliação espacial das relações funcionais do
município de Santo Estevão-BA com os que participam dessas relações.
Número de novas empresas por intervalo de tempo
(anos)
Tipo de atividade comercial 2002 a 2004 2005 a 2007 2008 a 2010
Lojas de variedades 30 97 134
Mat. de construção 06 03 07
Oficinas mecânicas 18 13 13
Papelaria 02 01 02
Lan house 03 03 04
Emp. de alimentos 03 03 07
Supermercados 02 03 04
Mercearias e mercadinhos 29 11 22
Fábricas de confecções 02 03 05
Lojas de móveis e eletrodomésticos 02 02 05
Lanchonetes e padarias 09 02 07
Restaurantes 02 03 03
Farmácias 06 03 03
Salões de beleza e barbearias 06 02 02
Emp. de transporte 00 03 09
Construtoras 01 04 06
124
Tabela 17
Santo Estevão-BA: população que realiza movimento migratório pendular - 2010
Só trabalha Só estuda Número de municípios de
destino
Número de municípios de
origem
Saída Entrada Saída Entrada 16 9
880 149 152 61
FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE, 2010.
Esse movimento populacional contribui para a fixação de novos moradores na cidade
de Santo Estevão-BA. Segundo dados da Secretaria de Obras do Município (SEOBS), a
média de construção de casas residenciais na cidade dobrou em comparação ao período
anterior à instalação da fábrica de calçados (a média de construção de casas por ano era de
150 até 2001, enquanto a média de construções por ano após a instalação da fábrica é de 300
casas); os estabelecimentos comerciais passaram a ocupar as principais vias de circulação
(principais ruas e avenidas da cidade).
Nas últimas três décadas, o município em estudo passou por um processo relativamente
rápido de crescimento da população urbana, com um percentual de 17,82% em 1970, 47,86%
no ano de 2000 e 58% em 2010. Há evidência de que o processo de crescimento da população
urbana estava ocorrendo mesmo antes da instalação da fábrica de calçados e que o mesmo
processo foi acelerado pela atração que essa atividade econômica provoca sobre a população
rural, sobretudo por conta da capacidade da fábrica de calçados em absorver um grande
contingente de força de trabalho.
A taxa de crescimento demográfico do município como um todo, que era de 1,9% entre
as décadas de 1970 e 1980, declinou para 1,2 ao ano (1991 a 2000), manifestando saldo
migratório ligeiramente negativo. No entanto, após a instalação da fábrica de calçados em
2001, segundo se pode deduzir dos dados divulgados pelo IBGE, entre os anos de 2000 e
2010, o município de Santo Estevão-BA teve o maior saldo de crescimento demográfico em
comparação aos municípios vizinhos.
Entre os anos de 1996 e 2000, o município de Santo Estevão-BA, obteve índice
percentual de crescimento demográfico de 5%, sendo que o município de Feira de Santana, a
maior e mais dinâmica economia do “Território de Identidade Portal do Sertão”, atingiu um
índice de 6,5%. Os números evidenciam um maior crescimento demográfico do município em
estudo. O destaque do crescimento populacional de Santo Estevão-BA em comparação aos
municípios vizinhos é evidente, e pode-se considerar está evidência como um dos fatores que
demonstram o crescimento econômico. Conforme se pode visualizar na Tabela 18, o
crescimento demográfico do município de Santo Estevão-BA.
125
Tabela 18
Crescimento demográfico entre municípios – 2000 e 2010
Número de habitantes
Municípios 2000 2010 % crescimento
Antonio Cardoso 11.620 11.548 -0,62
Cabaceiras do Paraguaçu 15.547 17.327 11,45
Feira de Santana 480.949 556.756 15,76
Ipecaetá 18.383 15.334 -16,59
Rafael Jambeiro 22.600 25.555 13,08
Santo Estevão 41.145 47.880 16,42
FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE, 2010.
Entre os anos de 2000 e 2010, período em que a fábrica de calçados começou a
funcionar no município de Santo Estevão-BA, o índice percentual de crescimento
demográfico superou o índice do município Feira de Santana. O primeiro obteve um
crescimento demográfico de 16,42%, enquanto Feira de Santana-BA obteve um crescimento
de 15,76%.
Esses dados demonstram que a dinâmica econômica adquirida pelo município atraiu
uma quantidade significativa de população que migra em busca de emprego. Nesse processo,
o município que perdeu o maior contingente de habitantes foi Ipecaetá cuja característica
econômica é alicerçada na agropecuária tradicional e dista 12 km da cidade de Santo Estevão.
A sede do município de Santo Estevão-BA durante o período de 1970 a 2000, manteve
uma taxa de crescimento populacional de mais de 5% ao ano, em consequência do fluxo
migratório rural. Em períodos anteriores à instalação da fábrica de calçados, o município já
apresentava uma tendência de concentração da população na cidade, paralelamente à
diminuição da população rural. Concomitante a este processo de migração, também cresceu a
venda de alimentos, confecções, medicamentos, produtos de uso doméstico e bebidas, sendo
que esses últimos representam a maioria e está sendo disseminados por todo o município,
inclusive em vilas e pequenos povoados rurais que até então não possuíam tais atividades o
que forçava os moradores a se deslocarem para a cidade a fim de adquirirem as mercadorias
necessárias à sobrevivência.
Com o processo de crescimento mais acelerado da cidade, por conta da instalação da
grande fábrica de calçados Dass Clássico e da geração de empregos diretos e “empregos fator
renda”, entre os anos 2001 e 2009 a principal vertente econômica que obteve maior acréscimo
nos preços correntes foi o setor de serviços, conforme números apresentados na Tabela 19.
126
Tabela 19
Município de Santo Estevão-BA: adicional no PIB municipal por setor de
atividade (R$ mil) – 2003-2008.
Ano
Tipo de adicional 2001 2009
Valor na agropecuária a preços correntes 3.954 14.890
Valor na indústria a preços correntes 7.655 58.953
Valor nos serviços a preços correntes 43.997 171.167
Impostos a preços correntes 4.653 19.917
PIB a preços de mercado correntes 60.259 264.767
FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE, 2010.
As localizações mais favoráveis ao uso terciário e à especulação com a terra urbana
fizeram com que os terrenos aumentassem significativamente de preço. Com o crescimento
populacional na cidade, o número de empresas que se ocupam da construção civil dobrou
entre os anos de 2000 e 2006, somando, respectivamente, 16 e 32 unidades.
De modo geral, os contingentes populacionais adicionados à cidade, muitos deles
trabalhadores da fábrica de calçados, não possui condições econômicas favoráveis à aquisição
de imóveis – terreno, habitação na cidade –, haja vista o crescimento do valor dos terrenos
urbanos, sendo obrigado a construir suas residências ou adquirir terrenos em locais
“periféricos29
” afastados do centro da cidade.
O número de domicílios, na cidade de Santo Estevão-BA, foi ampliado
consideravelmente entre os anos de 2000 a 2010. Por outro lado, o número de domicílios
rurais praticamente não foi alterado, apontando para um índice de crescimento muito
pequeno. A demanda crescente por domicílios na cidade contribuiu para a ampliação
considerável do número de casas, segundo se pode constatar por meio da Tabela 20.
Tabela 20
Santo Estevão-BA: número de domicílios particulares permanentes - 1996 a 2010
Ano Número de domicílios urbanos Número de domicílios rurais
Número absoluto % Número absoluto %
1996 3.160 38,5 5.040 61,5
2000 5.095 44,6 5.212 55,4
2010 7.778 59,8 5.348 40,2
FONTE: organizado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em www.sidra.ibge.org.br
29 O termo periférico é utilizado aqui como periferia social e não simplesmente como periferia espacial.
127
Conforme se pode observar no Croqui 2, a expansão da zona urbana entre os anos de
2000 e 2010 é significativa.
Croqui 2 – Uso da terra urbana em Santo Estevão-BA, 2010
FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em pesquisa de campo e PDDU,
2001.
Com o encarecimento dos terrenos e das moradias na cidade, principalmente nos
locais próximos à fábrica de calçados e às áreas de uso terciário da terra urbana, muitos
trabalhadores (sobretudo os da fábrica da Dass Clássico) alugam, coletivamente, casas nas
áreas de expansão habitacional urbana como estratégia de diminuir o impacto dos custos com
128
moradia sobre o salário. Existem casas que são compartilhadas entre 10 e 12 pessoas,
conforme relato de um dos integrantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo
Estevão.
Eu tenho um filho que divide o aluguel de uma casa entre várias pessoas. Chega a
ter umas 10 a 12 pessoas morando na mesma casa, para não pagar aluguel caro. Na
cidade de Santo Estevão, o valor do aluguel aumentou muito nos últimos tempos.
Tem famílias inteiras dividindo o mesmo teto.
.............................................................................................................
A cidade inchou muito nos últimos anos, cresceu demais. Os jovens que moram na
zona rural querem vir para a cidade e trabalhar na fábrica ou no comércio, não
querem mais lidar com a roça. As pessoas que ficam na zona rural geralmente são
pessoas mais velhas, que já estão aposentadas. (Entrevista concedida a Ildo
Rodrigues Oliveira em 10/12/2011).
As falas registradas por meio das entrevistas supracitadas confirmam os dados
adquiridos por meio de pesquisa de campo, na qual se constata que 52,7% dos trabalhadores
da Dass Clássico não possuem casa própria, conforme se pode observar na Tabela 21.
Tabela 21
Dass Clássico em Santo Estevão-BA: trabalhadores que
possuem casa própria - 2010
Possui casa própria Número absoluto %
Sim 42 38,2
Não 58 52,7
Não responderam 10 9,1
FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira com base em
pesquisa de campo, 2010 e 2011.
A geração de emprego principalmente para os trabalhadores mais jovens (entre 18 e 30
anos), e o crescimento da atividade comercial motivado pela instalação da fábrica são
apontados por autoridades do município como elementos capazes de proporcionar melhorias
na qualidade de vida não só dos trabalhadores da fábrica e do comércio, mas também para
população santoestevense de modo geral. No entanto essas autoridades se esquecem de
mencionar o processo de exclusão de muitos trabalhadores do acesso à moradia e à infra-
estrutura disponível nos locais mais centrais da cidade.
O grande número de jovens, que estão exercendo o primeiro emprego na fábrica de
calçados, teria dificuldades de se inserir no mercado formal de trabalho, caso esse
empreendimento que é a fábrica não fosse instalado na cidade de Santo Estevão-BA. As
características e a dinâmica econômica do município, antes da chegada da fábrica, não
129
ofereciam condições de absorção dos trabalhadores no mercado formal de trabalho e não
havia organizações comunitárias e associação estruturadas para desenvolver projetos para o
desenvolvimento local que pudessem proporcionar alternativa de renda à população. Esses
fatores poderiam influenciar parte dos jovens a migrar para os centros econômicos mais
dinâmicos do estado da Bahia ou para cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.
Conforme questionário aplicado com os trabalhadores da fábrica Dass Clássico, pode-se
observar na Tabela 22 que a maioria está exercendo o primeiro emprego formal.
Tabela 22
Santo Estevão-BA: primeiro emprego na fábrica de
calçados - 2010
FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues, com base em
pesquisa de campo, 2010 e 2011
As implicações sociais não ficam restritas à oferta de empregos formais. A respeito da
oferta de serviços públicos básicos (principalmente saúde e educação), pode ser mencionado
que o crescimento do número de habitantes na cidade aumentou a demanda por vários
serviços: infraestrutura, abastecimento de água, transporte, iluminação etc. Por exemplo, o
número de consumidores residenciais de energia elétrica e água encanada cresceu nos últimos
anos no município, conforme se pode constatar na Tabela 23.
Tabela 23
Santo Estevão-BA: número de residências com energia elétrica e água
encanada, 1985 - 2011
Ano Número de residência
Energia elétrica Água encanada
1985 2.119 1.995
1995 4.392 4.079
2011 13.667 10.077 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em CAR, 1996; SEI, 2011.
De acordo com os dados disponíveis pela SEI, o índice que fez com que o município
em estudo tivesse a maior perda de posicionamento, com relação aos outros municípios da
Bahia, foi o de infraestrutura. O crescimento da demanda por conta da instalação e
funcionamento de diversas empresas comerciais e o crescimento da população urbana
contribuiram para tornar a infraestrutura existente obsoleta ante ao crescimento econômico
Primeiro emprego Número absoluto %
Sim 79 72
Não 23 20,8
Não responderam 8 7,2
130
dos últimos 10 anos. Conforme se pode observar na Tabela 24, o índice de infraestrutura foi o
que apresentou maior perda relativa.
Tabela 24
Santo Estevão-BA: classificação quanto aos índices econômicos e sociais entre os municípios da
Bahia – 2002 a 2006.
Índices Anos
2000 2002 2004 2006
Índice de Desenvolvimento Econômico 67ª 68ª 54ª 80ª
Índice de Desenvolvimento Social 109ª 111ª 123ª 161ª
Índice da Renda Média por Chefe de Família 72ª 117ª 117ª 117ª
Índice de Produto Municipal 65ª 82ª 67ª 65ª
Índice de Infraestrutura 65ª 59ª 56ª 163ª
Índice de Qualificação da mão-de-obra 71ª 54ª 41ª 43ª
Índice do Nível de Educação 207ª 90ª 204ª 173ª FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira com base em SEI – BAHIA, 2010. Disponível em
http://www.sei.ba.gov.br (acesso em 01/02/2012
Essa perda relativa na posição, quanto ao índice de infraestrutura, ocorre em virtude da
demanda de serviços públicos e privados que foi criada nos últimos anos. Em entrevista feita
com o ex-prefeito do município, que teve sua administração exercida entre os anos de 2000 e
2008, ele discorreu sobre as implicações da instalação e funcionamento da fábrica de calçados
sobre a cidade de Santo Estevão. De acordo com o ex-prefeito:
Quando a fábrica chegou para aqui só se falava na geração de empregos, mas
ninguém aprofundava a discussão sobre as consequências da fábrica, das demandas,
na moradia, na saúde, quanto isso passava a exigir; da própria mobilidade urbana,
com quatro mil motos para satisfazer hoje os empregados da fábrica; restaurantes.
Isso impacta no município todo no que se refere aos serviços públicos (Entrevista
concedida a Ildo Rodrigues Oliveira em 15/02/2012).
O crescimento do número de trabalhadores formais acarretou a atração de população de
municípios vizinhos para trabalhar na fábrica, produzindo uma maior demanda por serviços
públicos. Um exemplo disso é que, com a crescente inserção das mulheres no mercado de
trabalho, sobretudo com a fábrica Dass Clássico absorvendo 1.300 trabalhadoras na produção
de calçados (que representam aproximadamente 50% da força de trabalho empregada), muitas
crianças, filhos e filhas de trabalhadores e trabalhadoras, são deixadas em creches
clandestinas, haja vista a diminuição do tempo das mães em seus lares devido à inserção no
trabalho fabril durante 8,5 horas por dia.
Devido à falta de um número suficiente de creches públicas ou particulares autorizadas
a funcionar e capazes de atender a demanda crescente nos últimos anos, muitas famílias de
trabalhadores da fábrica de calçados deixam seus filhos em “creches improvisadas”. Em
muitos casos, as “creches” não possuem as mínimas condições de salubridade e estrutura
131
física necessárias para estarem em funcionamento. Essas creches clandestinas, obviamente,
não atendem às exigências legais estabelecidas pelo ministério da educação (MEC), no que
tange a infraestrutura, existência de profissionais com formação técnica necessária para cuidar
das crianças.
Segundo o Decreto Lei número 5.452 de 1º de Maio de 1943, da Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT), que versa sobre a obrigatoriedade da oferta de creches, toda empresa com
pelo menos 30 mulheres com idade acima de 16 anos de idade é obrigada a manter local onde
as mães possam deixar seus filhos até seis meses de idade. A Portaria 3.296 de 1986, do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), estabelece que a empresa poderá, em substituição
à exigência da oferta de creche contida na CLT, adotar o sistema de “auxílio-creche”. No
entanto, a empresa Dass Clássico não oferece esse auxílio às funcionárias de sua fábrica
localizada na cidade de Santo Estevão-BA.
Como consequência do processo de surgimento de creches clandestinas, no ano de
2009, o Conselho Municipal de Educação (CME) acatou denúncia contra a creche “Cantinho
do Bebê” por essa não possuir autorização de funcionamento e condições adequadas para
abrigar recém-nascidos e crianças. Por meio de relatório elaborado a partir da visita dos
conselheiros municipais de educação ao local da creche, averiguou-se que a mesma não
atendia os pré-requisitos para o funcionamento. Em reunião do CME, os conselheiros votaram
pela interdição da creche. Nesse processo, foi verificado que a maioria dos bebês e crianças
que frequentavam o local eram filhos de trabalhadores da fábrica de calçados. A demanda por
creche, para abrigar essas crianças, tornou-se tão evidente que, em 2010, foi iniciada, ao lado
da fábrica de calçados, a construção de uma instituição escolar pública especializada na
educação infantil, para suprir parte dessa necessidade.
As demandas em prestação de serviço cresceram paulatinamente com o crescimento
também do Produto Interno Bruto per capita do município e com o crescimento do número de
habitantes na cidade. Apesar de o cálculo do PIB per capita não ser um dado que represente a
realidade concreta do acesso de toda a população aos recursos monetários existentes, pois se
trata de uma média aritmética, os números demonstrados por esse índice podem indicar o
crescimento da circulação de dinheiro na economia local.
A partir do ano de efetivo funcionamento da fábrica de calçados Dass Clássico, no
referido município, até o ano de 2007, o PIB municipal cresceu 112%. Esses índices
representam uma média de crescimento de 20,4% para o PIB municipal entre os anos de 2002
e 2007. Pode-se considerar que a economia de Santo Estevão-BA criou um vínculo de
dependência do crescimento econômico estimulado pelo funcionamento da fábrica de
132
calçados, haja vista que 95% da população empregada formalmente na indústria de
transformação, a partir de 2002, estão trabalhando na Dass Clássico, bem como os empregos
criados no comércio local, devido ao “efeito-renda” provocado pelo pagamento de salários
aos trabalhadores da fábrica, que consequentemente estimula o consumo, aumentando a
demanda por mercadorias e serviços.
Conforme se pode visualizar no Gráfico 4, o PIB municipal cresceu significativamente
a partir da instalação e funcionamento da fábrica de calçados.
Gráfico 4
Evolução de PIB Municipal Santo Estevão–BA (R$ Milhões) – 1999 a 2007.
FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em SEI, 2010.
Esses dados não só podem comprovar a dependência da economia local com relação à
fábrica de calçados, mas também oferecem margem para projeções socioespaciais futuras,
sobretudo se levantar a hipótese de a empresa desativar30
a fábrica de calçados localizada em
Santo Estevão-BA. A prática da marginalização espacial por parte da empresa Dass Clássico
pode provocar efeitos socioespaciais de empobrecimento generalizado da população, com o
grande número de desempregados. Por outro lado, caso a fábrica permaneça instalada nessa
cidade, os casos de doenças como LER e DORT, além dos acidentes de trabalho e mutilações
30 Devido às condições de competitividade no mercado de produção e comercialização de calçados, as
corporações podem desativar unidades produtivas localizadas em determinadas regiões e instalar em outras,
sempre em busca de maior lucratividade. Existem exemplos contundentes de empresas instaladas no estado do
Rio Grande do Sul que deixaram milhares de trabalhadores desempregados devido à prática da marginalização
espacial.
Ano
Evolução do PIB
133
podem atingir uma quantidade muito grande de trabalhadores.
4.3. IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS NA ZONA RURAL
Com a tendência à migração da população rural em direção à cidade (principalmente a
população mais jovem), como resultado do fracionamento dos estabelecimentos
agropecuários e o não surgimento de novas atividades econômicas no campo, capazes de
absorver a força de trabalho, a zona rural de Santo Estevão-BA apresenta uma tendência ao
decréscimo do número de habitantes. Essa tendência de diminuição da população rural
começou a ocorrer mesmo antes da instalação da fábrica de calçados na cidade. Esse
prognóstico traz consequências importantes para a vida das pessoas na cidade, haja vista a
necessidade de os comerciantes locais adquirirem, em outras localidades, os produtos
alimentícios que antes eram adquiridos através da produção agrícola familiar do próprio
município. Há, nesse caso, uma reconfiguração na divisão territorial do trabalho, no sentido
de que a economia do município passou a desenvolver novas atividades econômicas,
sobretudo com o crescimento da atividade terciária na cidade, com aquisição de produtos em
outros locais.
Conforme Tabela 25, pode-se observar que a tendência de aumento da população
urbana e diminuição da população rural já ocorria, mesmo antes da instalação da grande
fábrica de calçados. A absorção de trabalhadores na produção de calçados na cidade apenas
fez acelerar o processo já existente de concentração da população na zona urbana.
Tabela 25
Santo Estevão-BA: população rural e população urbana – 1970 a 2010 População
Área 1970 1980 1990 2000 2010
Urbana 4.530 7.404 12.654 19.693 27.690
Rural 20.880 23.465 24.353 21.452 20.190
TOTAL 25.410 30.869 37.007 41.145 47.880 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE, 2010
Alguns produtos alimentícios que antes eram cultivados na zona rural, passaram a ser
adquiridos em localidades longínquas para atender a demanda criada pelo crescimento da
população urbana. O crescimento do setor terciário e o aumento do consumo estimulam a
134
divisão territorial do trabalho no sentido de que uma quantidade maior de produtos que são
vendidos no próprio município é adquirida em outros locais, conforme Mapa 7.
Mapa 7 – Municípios de origem dos produtos que são vendidos na Feira
Livre de Santo Estevão – BA, 2011.
135
A produção municipal é responsável por apenas uma pequena parte do abastecimento
de verduras, feijão, hortaliças e carnes, na feira livre. A maior parte das mercadorias
comercializadas é oriunda de municípios da região e até de outros estados, como é o caso de
Pernambuco, por exemplo, no fornecimento de confecções vendidas nas barracas na feira, fato
que se torna interessante, pois as “fábricas” 31
de confecções tinham um destaque relevante na
economia do município de Santo Estevão-BA, até o ano 2000. De acordo com informações
concedidas pelos próprios feirantes, cerca de 80% dos produtos vendidos na feira são
adquiridos fora do município. Os municípios que formam a rede de vendedores são: Feira de
Santana, Cruz das Almas, Amargosa, Rafael Jambeiro, Ipecaetá e Antônio Cardoso.
Na feira livre, os pequenos agricultores comercializam os seus produtos (cereais,
grãos, frutas, verduras, pequenos animais) e, com o dinheiro acumulado das vendas, fazem as
suas compras. Conforme questionário aplicado a 80 feirantes, observa-se que uma quantidade
significativa deles reside na cidade de Santo Estevão-BA; são pessoas que compram as
mercadorias nas mãos de agricultores ou comerciantes vindos de municípios vizinhos,
geralmente denominados de atravessadores32
. O número de feirantes de outros locais supera o
número de feirantes que residem na zona rural de Santo Estevão-BA, conforme se pode
observar na Tabela 26.
Tabela 26
Santo Estevão-BA: local de residência dos
feirantes entrevistados, 2011.
Local de residência %
Santo Estevão (zona urbana) 46
Santo Estevão (zona rural) 28
Ipecaetá 10
Feira de Santana 8
Antônio Cardoso 6
Itatim 2 FONTE: pesquisa de campo do autor.
Entre os diversos produtos que são comercializados na feira livre de Santo Estevão-
Ba, pode-se destacar: farinha de mandioca e feijão; verduras, frutas, legumes; derivados de
mandioca; peixes, aves; confecções; arreios de animais; bijuterias, perfumarias; cerâmicas,
chapéus esteiras e sacolas de palha, entre outros.
31 No município de Santo Estevão-BA existem aproximadamente 32 pequenas fábricas de confecções. Muitas
destas fábricas não têm registro formal; são, às vezes, classificadas pelos moradores locais como “fábricas de
fundo de quintal”. 32 A presença do atravessador é comum nas feiras livres das cidades do interior da Bahia. Segundo a presidente
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Estevão-BA, grande parte da produção agrícola municipal é
comercializada na feira livre por atravessadores.
136
4.4. ALGUNS INDICADORES SOCIOECÔMICOS
Alguns indicadores socioeconômicos podem evidenciar as implicações socioespaciais
ocorridas no município de Santo Estevão-BA, após o funcionamento da fábrica de calçados.
De modo geral, o crescimento econômico quantificado por meio do aumento do PIB
municipal tanto pode ser uma evidência do dinamismo econômico, como também pode
esconder o aumento das desigualdades socioeconômicas típicas das localidades onde os
grandes empreendimentos capitalistas são instalados. Um conjunto de outros indicadores
quantitativos pode servir de base para a investigação e evidenciar os impactos socioespaciais
negativos.
O incremento de dinheiro na economia local pode criar uma inserção maior da
população economicamente ativa, no mercado de trabalho formal, no entanto as riquezas
tendem a se concentrar nas mãos de uma menor parcela da população, bem como a maior
parte da renda gerada localmente é drenada para outros lugares por meio de lojas e bancos. A
concentração de renda pode ser demonstrada por meio da evolução do índice de Gini33
no
município em estudo, conforme Tabela 27.
Tabela 27
Santo Estevão-BA: desigualdade de
renda - índice de Gini, 1970 a 2006. Ano Índice de Gini
1970 0,725
1975 0,722
1980 0,740
1985 0,732
1996 0,703
2006 0,826 FONTE: Projeto Geografar, 2011.
Disponível em: www.geografar.ufba.br
Levando-se em conta o índice de Gini, observa-se que, entre os anos de 1996 e 2006, a
desigualdade de renda obteve um crescimento considerável. Enquanto houve uma circulação
maior de dinheiro na economia local, a maioria dos trabalhadores da fábrica de calçados
recebe salário mínimo (R$ 622,00), o que os insere no emprego formal com remuneração
33 O índice de Gini é um cálculo usado para medir a desigualdade social e apresenta dados entre os números 0 e
1, sendo que o número 0 corresponde a uma completa igualdade na renda (onde todos detêm a mesma renda per
capta) e o 1 corresponde a uma completa desigualdade entre as rendas (onde um indivíduo, ou uma pequena
parcela de uma população, detêm toda a renda e os demais nada têm).
137
mensal, porém as poucas alternativas de exercício de outra atividade profissional no
município podem limitar a ascensão social. Enquanto uma parcela dos comerciantes locais
lucra e concentra riqueza através da venda de mercadorias e serviços, a renda mensal dos
trabalhadores é limitada ao mínimo.
Apesar do crescimento da desigualdade econômica demonstrado pelo índice de Gini, a
intensidade da pobreza34
, no município de Santo Estevão, obteve uma redução relevante,
conforme Tabela 28.
Tabela 28
Município de Santo Estevão-BA:
intensidade da pobreza, 1991 - 2003 Ano % Intensidade da pobreza
1991 48,50
2000 54,57
2003 38,58
FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues
Oliveira, com base no Atlas do
Desenvolvimento Humano, 2000 e IBGE,
2003.
Considera-se, nesse caso, que o fato de a população passar a ter acesso ao trabalho
formal seja um fator positivo, haja vista que essa formalidade no emprego praticamente não
existia na zona rural e apresentava dificuldade de absorver a população economicamente
ativa, por conta do número reduzido de estabelecimentos industriais (que se resumiam a
pequenas fábricas de confecções), atividade comercial pouco diversificada e da baixa
capacidade de consumo da população local. Com o emprego de 2.750 trabalhadores na fábrica
de calçados da empresa Dass Clássico e mais os empregos gerados pelo efeito-renda no
comércio local, muitos trabalhadores passaram a receber uma remuneração mensal de um
salário mínimo. Essa remuneração, contudo, é 40% mais baixa que a média salarial dos
trabalhadores da indústria de calçados no Rio Grande do Sul.
O emprego na fábrica de calçados, além de não propiciar uma renda que garanta o
acesso a bens de consumo mais sofisticados e diversificados, submete o trabalhador a um
modelo de produção calcado no fordismo periférico e um taylorismo extenuador, alta
rotatividade da força de trabalho e doenças relacionadas ao trabalho repetitivo.
34 Apesar das intensas discussões a respeito do conceito de pobreza contidas nos documentos do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento, em que alguns estudiosos, como Amartya Sen, tentam incluir uma
visão multidimensional que abrange todas as necessidades humanas, optou-se, neste trabalho, por utilizar índices
que colocam as pessoas “pobre” como sendo o indivíduo que não possui renda suficiente para ter acesso a bens e
serviços essenciais, de acordo com os padrões vigentes em uma sociedade.
138
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reorganização ou os “ajustes espaciais” promovidos por empreendimentos industriais,
alicerçados na competitividade e na reestruturação produtiva, vem instalando fábricas de
calçados por diversas regiões e localidades onde essas atividades produtivas não existiam ou
possuíam uma baixa representatividade. A instalação de fábricas de calçados na Bahia, em
particular no município de Santo Estevão-BA acompanha esses “ajustes espaciais” da
indústria mundial com um importante papel exercido por políticas de Estado e por políticas de
Governo via programas de isenções e incentivos fiscais. A presença de fábricas de calçados
em municípios do interior baiano causa significativas implicações sociespaciais, sobretudo no
que se refere à dinâmica populacional e na dinâmica econômica local, com um destaque
significativo para as atividades do setor terciário na cidade.
Na Bahia, a lógica da localização geográfica da indústria de calçados leva em conta um
conjunto de fatores, tais como: proximidade de rodovias, disponibilidade de um número
grande de força de trabalho com baixa remuneração, disponibilidade de energia elétrica,
incentivos fiscais, sindicatos pouco combativos e desorganizados, política eleitoreira entre os
grupos políticos que estão no comando dos governos estadual e municipal. No entanto,
constata-se que se deve atribuir um papel importante às “práticas espaciais” no que se refere a
manutenção do funcionamento da fábrica de calçados do grupo Dass Clássico, no município
de Santo Estevão-BA. As “práticas espaciais” desenvolvidas localmente pela empresa são um
fator primordial para viabilizar e manter a localização, como também os índices de
produtividade e taxas de lucros.
As práticas espaciais desenvolvidas pela empresa Dass Clássico, como forma de manter
as condições socioespaciais favoráveis à própria empresa, são: seletividade espacial, expansão
espacial, marginalidade espacial, reprodução da região produtora. No entanto, no município
de Santo Estevão-BA, as práticas espaciais mais evidentes e importantes são a seletividade
espacial, a expansão espacial e a reprodução da região produtora.
Quanto à seletividade espacial, observou-se que há, no município de Santo Estevão-BA,
uma unidade de fabricação de calçados esportivos e uma unidade de comercialização de
confecções e calçados ligados à empresa Dass Clássico.
No processo de seleção dessa localidade, vários aspectos foram levados em conta:
disponibilidade de força de trabalho abundante e com baixa remuneração, concessão de
139
isenção de impostos, concessão de terreno para a instalação da fábrica, concessão de
infraestrutura, proximidade da rodovia BR 116.
A expansão das unidades fabris do grupo Dass Clássico para o Nordeste, e em particular
para a Bahia, colocou Santo Estevão-BA no hall das cidades que foram inseridas na rede
coorporativa de produção de calçados. A prática de “expansão espacial” da empresa Dass
Clássico instala unidades fabris de grande porte que absorvem uma grande quantidade de
força de trabalho na linha de produção. A unidade fabril instalada na cidade de Santo Estevão-
BA insere-se no bojo desse processo de expansão espacial da produção de calçados que se
deslocam da região Sul e Sudeste do Brasil em direção ao Nordeste.
A prática espacial desenvolvida pela empresa Dass Clássico, que tem uma maior
evidência na cidade pesquisada, é a “reprodução da região produtora”. Devido à imagem
negativa associada à fábrica de calçados, por conta dos casos de doenças que acometem os
trabalhadores e da jornada exaustiva de trabalho repetitivo na linha de produção, a Dass
Clássico desenvolve diversas atividades e ações no município e no interior da própria fábrica,
a fim de amenizar as críticas e garantir a existência de pessoas dispostas a trabalhar na
empresa.
Foram identificadas as seguintes atividades relacionadas à prática de “reprodução da
região produtora”: “relação com a comunidade”, em que a empresa abre oportunidades para a
promoção de eventos para o recebimento de visitas técnicas, de familiares de trabalhadores e
estudantes; descontos que podem chagar a 30% para os trabalhadores da fábrica e
funcionários públicos que comprarem na loja “Dass Outlet”; oferta de patrocínio para eventos
privados e públicos em todo o município, principalmente o patrocínio para as festas típicas
(Festas Juninas); realização de passeios ciclísticos, maratonas, torneios de futebol, sorteio de
cestas básicas, grupo de dança e semanas de apresentações artísticas e de talentos. Um dos
eventos realizados pela empresa é a “Semana Dass”, que promove competições entre
modalidades de talentos como arte, cultura, culinária, esporte, diversão, estética,
entretenimento, ornamentação.
No contexto de manutenção de produção e taxas de lucro da empresa, há uma
divisão territorial do trabalho com suas respectivas espacializações e complementações. A
empresa Dass Clássico instala suas unidades administrativas e fábricas em diferentes locais.
Ao instalar uma grande fábrica de calçados em Santo Estevão-Ba, a Dass Clássico contribui
para concentrar a atividade econômica e a renda na sede do município. Essa concentração da
atividade econômica, sobretudo no setor terciário, promove o surgimento de novos serviços e
atividades comerciais com uma determinada especialização, bem como a ampliação de alguns
140
serviços já existentes.
As práticas espaciais desenvolvidas pela empresa e o funcionamento efetivo da fábrica
de calçados provocaram mudanças socioespaciais importantes no município de Santo
Estevão-BA. Isso porque a utilização de uma quantidade significativa da população
economicamente ativa na linha de produção de calçados, com uma elevada rotatividade de
trabalhadores, pode vir a se tornar um grave problema social por conta dos casos frequentes
de mutilações de membros superiores e lesões associadas ao trabalho repetitivo que
geralmente afetam os trabalhadores do setor industrial calçadista.
Os empregos diretos originados pela instalação da fábrica de calçados, bem como os
empregos oriundos do fator “efeito renda” tornaram-se as justificativas principais para a
permanência da mesma no município. Há um discurso alarmista de que, caso a empresa
decida, após o término da isenção de impostos, retirar as suas instalações e se deslocar para
outra localidade, milhares de trabalhadores da linha de produção de calçados perderão seus
empregos e outros milhares de trabalhadores do comércio local também podem ficar
desempregados, haja vista a consequente diminuição do potencial de consumo da população e
a retração do comércio que cresceu significativamente, nos últimos dez anos, em virtude da
massa de dinheiro lançada na economia local, via pagamento de salário aos trabalhadores da
fábrica.
O discurso que coloca a fábrica de calçados como única possibilidade de manter os
empregos desconsidera qualquer alternativa de atividade econômica cooperativa e
associativista entre os trabalhadores e a comunidade local. Esse discurso reafirma o modelo
que coloca a atividade industrial como única capaz de promover o “crescimento” nos moldes
dos locais economicamente mais dinâmicos.
A presença da fábrica Dass Clássico na cidade pesquisada exerce uma espécie de
“comando” sobre a economia local. Apesar da inexistência de fábricas de componentes e
acessórios que possam fornecer produtos para a fabricação dos calçados em Santo Estevão-
BA , a fábrica exerce uma influência importante na atividade econômica de toda a cidade. As
atividades terciárias locais criaram uma dependência da massa salarial que é injetada na
economia via pagamento dos salários aos trabalhadores. Em período de pagamento dos
salários dos operários da fábrica de calçados, as lojas e supermercados preparam seus
estoques para atender à demanda.
Toda essa dinâmica econômica deve ser compreendida na própria dinâmica do
capitalismo e inserida no contexto da “guerra fiscal” entre os estados da federação, a grande
competitivadade que alcançou o setor calçadista e as “práticas espaciais” desenvolvidas pelas
141
empresas. O grupo Dass Clássico, caso venha a ocorrer a desativação da fábrica em Santo
Estevão-BA, pode vir a provocar o surgimento de um verdadeiro espaço marginalizado. As
consequências da desativação podem ser inúmeras, entre elas pode-se citar a queda no
potencial de investimento da prefeitura municipal, pois alguns recursos financeiros
provenientes da arrecadação de impostos estão ligados ao crescimento do comércio local
proporcionado pelo funcionamento da fábrica. Parte da arrecadação de impostos é utilizada
para investimentos na educação pública, na infraestrutura urbana e na saúde. Com a redução
do potencial de investimento da prefeitura, os serviços públicos podem se tornar mais
precários.
Ao promover a industrialização da forma que está sendo posta em prática há várias
décadas, o Estado promove também o processo corriqueiro e dialético de concentração de
riqueza, típico das áreas de industrialização tardia. O crescimento da desigualdade de renda,
que alcançou um índice alto no município, segundo o índice de Gini (0,826), pode ser
apontado como uma tendência que se aplica a outras localidades no atual padrão de
competitividade da indústria de calçados.
Porém, a desigualdade de renda em Santo Estevão-BA é um dado entre vários outros
que evidenciam as implicações socioespaciais promovidas pela instalação da fábrica de
calçados Dass Clássico. O perfil das atividades econômicas locais evidencia modificações nos
últimos 10 anos (2002 a 2012). A tendência a uma concentração da população na zona urbana,
atraída pela oferta de emprego formal na fábrica e no comércio, provoca uma relativa
diminuição da população rural.
Com essas características passando a envolver o espaço geográfico do município, pode-
se afirmar que a ideia de desenvolvimento contida nos programas de Governo do estado da
Bahia, principalmente no Programa DESENVOLVE, não foi atingida no que se refere à
integração e a verticalização das cadeias produtivas essenciais ao desenvolvimento econômico
e social. Assim, não houve uma integração com a economia local no sentido de promover o
surgimento e a manutenção de atividades econômicas que pudessem fornecer insumos e
matérias-primas à fabricação de calçados. As potencialidades locais e as características
socioeconômicas, culturais e ambientais do município pesquisado foram deixadas de lado.
Nesse sentido de exclusão de alternativas de geração de emprego e renda que levem em
conta as características locais, caso a lógica da “guerra fiscal” não seja revista, por meio de
uma nova proposta de repactuação federativa entre os estados da federação brasileira (como
propõe Brandão, 2004), a disputa desenfreada por maiores investimentos produtivos pode
provocar maiores desigualdades socioespaciais. A população local continuará sendo
142
conduzida rumo a um modelo de crescimento econômico cujo único objetivo é a possibilidade
de maiores taxas de lucratividade para as empresas e não a diminuição das desigualdades
sociais e econômicas típicas das localidades que estão sendo integradas à rede corporativa das
grandes empresas de calçados. Esse crescimento econômico constitui um processo
desequilibrado em que sua expansão pode submeter grande parte dos trabalhadores e da
população a péssimas condições de vida.
143
REFERÊNCIAS
ABDI; UNICAMP. Relatório de Acompanhamento Setorial: couro e calçados. Volume IV.
Campinas, 2009.
ABICALÇADOS (2009). Resenha estatística. Novo Hamburgo - RS: Associação Brasileira
das Industriais de Calçados.
ANDRADE, Fabiana Karine Santos. O estado da Bahia espera investimentos industriais de
cerca de R$ 33,3 bilhões até 2013. Conjuntura e Planejamento, Salvador, n. 170, p. 56 – 58,
jan./mar. 2011.
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade no
mundo do trabalho. 14 ed. São Paulo: Cortez, 2010 (p. 23-42).
ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do desenvolvimento. 6 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
BAHIA. Diário Oficial do Estado da Bahia (01/11/1991). Salvador: Egba, 1991.
BRASIL. Decreto Lei Nº 5.452, de 1º de Maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do
trabalho. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-
5452-1-maio-1943-415500-normaatualizada-pe.html (acesso 17/07/2012)
BAHIA. Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR). Santo Estevão-BA: perfil
municipal, 1996.
BAHIA. Decreto nº 8.205, de 3 de abril de 2002. Aprova o Regulamento do Programa de
Desenvolvimento Industrial e de Integração Econômica do Estado da Bahia –
DESENVOLVE e constitui o seu Conselho Deliberativo. Diário Oficial do Estado da Bahia.
Poder Executivo, Salvador, 4 abril, 2002.
BAHIA. Informativo da Secretaria da Indústria, Comércio e Mineração do Governo da Bahia.
Janeiro/ Fevereiro de 2011.
144
BERMAN, Marshall. Aventuras no marxismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.
108 – 171.
BRANDÃO, Carlos. Teorias, estratégias e políticas regionais e urbanas recentes: anotações
para uma agenda do desenvolvimento territorializado. Revista Paranaense de
Desenvolvimento, Curitiba, n. 107, p. 57 – 76, jul./dez. 2004.
BRANDÃO, Carlos. Território e Desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o
global. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007. p. 35 - 88.
BRITO, Cristóvão. Do espaço ao território: a grande fábrica de calçados e o sindicato dos
trabalhadores calçadistas em Ipirá (BA) in FONSECA, Antonio Ângelo Martins; BRITO,
Cristóvão; LÉDA, Renato (Org.) Dinâmica da reestruturação do espaço local e regional no
estado da Bahia. Salvador, BA: JM gráfica e editora, 2010. P. 157 – 182.
BRITO, Cristóvão. Algumas observações sobre o conceito de território. Ágora, Santa Cruz do
Sul, v. 11, p. 115-131, jul./dez., 2005.
CARVALHO, Fernanda Ferrário. A extinção da SUDENE – um marco das transformações
na política de desenvolvimento regional no Brasil. Tese (Doutorado) – Universidade de
Campinas (Unicamp), Instituto de Economia, Campinas 2006.
CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo Cesar da Costa; CORREA, Roberto Lobato (Orgs.).
Geografia: conceitos e temas. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003. p. 117-140.
CASTRO, Iná Elias de. O problema da escala. In CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo
Cesar da Costa; CORREA, Roberto Lobato (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. 6 ed. Rio
de Janeiro: Bertrand, 2003.
CORREA, Roberto Lobato. Corporação, práticas espaciais e gestão do território in Revista
Brasileira de Geografia/ Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Rio de
Janeiro, v. 54, nº 3, p. 115 – 122, jul/set, 1992.
COLOMBO, Angélica. O fim de uma geração. Disponível em
http://www.recantodasletras.com.br/artigos/2936230 (acessado em 02/05/2012)
CORRÊA, Roberto Lobato. Trajetórias geográficas. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2001.
145
______. Estudos sobre a Rede Urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
______. Espaço: um conceito-chave da Geografia in CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo
Cesar da Costa; CORREA, Roberto Lobato (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. 6 ed. Rio
de Janeiro: Bertrand, 2003.
______. Território e corporação: um exemplo. In: SANTOS, M.; SOUZA, Maria Adélia A.;
SILVEIRA, Maria Laura (Orgs.). Território: Globalização e fragmentação. 5 ed. São Paulo:
Hucitec, 2006. p 251 – 256.
COSTA, Achyles Barcelos. Organização industrial e competitividade da indústria de calçados
brasileira. Revista Análise Econômica. Porto Alegre, ano 20, nº 38, Porto Alegre/ RS, p. 55
– 66, set. 2002.
DASS. Comunicação interna: manual de integração. 2010.
DIAS, Leila Christina. Redes: Emergência e organização in CASTRO, Iná Elias de; GOMES,
Paulo Cesar da Costa; CORREA, Roberto Lobato (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. 6
ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003.
DIEESE. Rotatividade e flexibilidade no mercado de trabalho. São Paulo – DIESSE, 2011
(disponível em http://www.dieese.org.br/livroRotatividade11.pdf).
DULCI, Otávio Soares. Guerra fiscal, desenvolvimento desigual e relações federativas no
Brasil. Revista de Sociologia e Políticas Públicas. Curitiba, n. 18, p.
95-107, jun. 2002.
ESTEVA, Gustavo. Desenvolvimento in SACHS, Wolfgang. Dicionário do
Desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 2000.
GALVÃO, Olímpio J. De Arroxelas. Flexibilização produtiva e reestruturação espacial:
considerações teóricas e um estudo de caso para a indústria de calçados no Brasil e no
Nordeste. Revista de Economia e Política, vol. 21, nº 1 (81), jan.-mar./ 2001.p 78 – 100.
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre – RS, L&PM, 2011.
GARCIA, Renato. Uma Análise dos Processos Recentes de Desconcentração Regional nas
Indústrias Têxtil e de Calçados e a Importância dos Sistemas Locais de Produção. Revista
146
BNB, volume 41, número 1, Janeiro-Março, 2010. Disponível em: www.
bnb.gov.br/projwebren/exec/artRenPDF.aspx?cd_artigo_ren=1175. Acesso em 23/08/2011.
GRUPO ORSA. Perfil corporativo – 2006. Disponível em: www.grupoorsa.com.br (acesso
em 11/06/2011).
GRUPO ORSA. Relatório de Sustentabilidade-2007. Disponível em: www.grupoorsa.com.br
(acesso em 14/06/2011).
GRUPO ORSA. Relatório de Sustentabilidade -2008. Disponível em: www.grupoorsa.com.br
(acesso em 14/06/2011).
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança
cultural. São Paulo: Loyola, 1992.
HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005.
HARVEY, David. Espaço de esperança. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2006.
IBGE. SIDRA: Banco de Dados Agregados. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br.
Acesso em 02/05/2011.
LIPIETZ, Alain. Miragens e milagres: problemas da industrialização no terceiro mundo. São
Paulo: Nobel, 1988.
MANZAGOL. C. Lógica do espaço industrial. São Paulo: Difel, 1983.
MÉSZÁROS, Istiván. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo:
Boitempo, 2011.
MOREIRA, Ruy. Pensar e ser em geografia: ensaios de história, epistemologia e ontologia
do espaço geográfico. São Paulo: Contexto, 2010.
NAJBERG, Sheila; PERREIRA, Roberto. Notas estimativas do modelo de geração de
emprego do BNDE. 2004. Disponível em
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhec
imento/estudos/estimativas.pdf (Acesso em 12/07/2012).
NAVARRO, Vera Lúcia. Trabalho e trabalhadores do calçado: A indústria calçadista de
147
Franca (SP): das origens artesanais à reestruturação produtiva. São Paulo: Expressão
Popular, 2006.
PERROUX, François. A economia do século XX. Editora Herder, 1964.
PESSOTI, Gustavo Casseb; SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Transformações na dinâmica da
economia baiana: políticas de industrialização e expansão das relações comerciais
internacionais. Conjuntura e Planejamento, Salvador, n. 162, p. 36 – 49, jan./mar. 2009.
Disponível em: http://www.sei.ba.gov.br (acesso 12 de março de 2011)
PORTER, Michael. A vantagem competitiva das nações. 6 ed. Rio de Janeiro, campus,
1999. (p. 85 – 158).
OLIVEIRA, Lúcia Elena Garcia de. Algumas considerações sobre a implantação de
distritos industriais. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Geografia, ano 38, nº 4, 1976.
PAROBE. Reunião discute ações ante desativação da fábrica da Azaléia. Disponível em
http://www.parobe.rs.gov.br (acesso em 02/05/2012).
RACINE, J. B., RAFFESTIN, C., RUFFY, V. Escala e ação, contribuições para uma
interpretação do mecanismo de escala na prática da Geografia. In: Revista Brasileira de
Geografia. Rio de Janeiro, 45 (1): 123-135, jan/mar. 1983.
RAMOS, Ana Paula S. R.; BRITO, Cristóvão. As ações do Governo Estadual para atração de
empresas e as principais implicações socioespaciais da instalação de uma fábrica de calçados
no município de Santo Estevão-Bahia. Disponível em
http://www.seted.ufba.br/modulos/submissao/Upload/43852.pdf. Acesso em 14 de jul. 2012.
SANTANA, Mário Rubem Costa. O Espaço Urbano em Construção: as redes técnicas na
cidade do Salvador do início do século XXI. Tese (Programa de Pós Graduação em
Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UFBA, Salvador, 2006.
SANTANA, Raimundo. Indústria calçadista baiana: paga mal e prejudica saúde do
trabalhador, 2012. Disponível em
www.cienciaecultura.ufba.br/agenciadenoticias/noticias/destaques/industria-calcadista-baiana
148
(Acesso em 07/04/2012).
SANTO ESTEVÃO. Secretaria de Obras e Serviços Públicos. Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano. 2002.
SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova. São Paulo, HUCITEC, 1978.
______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6 ed.
Rio de Janeiro: Record, 2001.
______. Economia espacial. 2 ed. São Paulo: Edusp, 2003.
______. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 2ª ed. São Paulo: Editora
HUCITEC, 1997.
______. Da Totalidade ao Lugar. 1 ed. São Paulo: Edusp, 2008.
______. SOUZA, Maria Adélia A.; SILVEIRA, Maria Laura (Orgs.). Território:
Globalização e fragmentação. 5 ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
SANTOS, Luis Rogério Cosme Silva. Políticas Públicas do governo do estado da Bahia
para a atração de empresas e qualidade de vida da população trabalhadora do pólo
calçadista da região sudoeste. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Cultura
Memória e Desenvolvimento Regional) – Departamento de Ciências Humanas 5, UNEB,
Santo Antonio de Jesus, 2008.
SANTOS, A. et al. Deslocamento de empresas para os estados do Ceará e da Bahia: o caso da
indústria calçadista. BNDES Setorial. Rio de Janeiro, nº 12, p. 63-82, março de 2002.
SANTOS, FRANCISCO; DIAS, AIRTON M. Panorâmica da Produção e Distribuição
Mundial de Calçados, 2007 (Disponível em http://www.couromoda.com)
SAQUET, Daniele Batistella; SAQUET, Marcos Aurélio. Parques industriais, fluxos e
redefinição do espaço urbano. In: SPOSITO, Eliseu Savério; SPOSITO, M. Encarnação B.;
SEBRAE. Conexão: Publicação do Sebrae/Ba para o Empreendedor Baiano. Bahia, agosto de
149
2008, nº 169. (Disponível em www.biblioteca.sebrae.com.br)
SILVA, Sylvio Bandeira de Mello e; SILVA, Barbara-Christine Nentwig. Estudos sobre
globalização, território e Bahia. Salvador. UFBA, 2003.
SILVEIRA, Maria Laura. Escala geográfica: da ação ao império? Revista Terra Livre.
Goiânia. Ano 20 v. 2, n. 23, Jul. – Dez./ 2004. p 87 – 89.
SMITH, Neil. Desenvolvimento Desigual: natureza, capital e produção de espaço. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.
SOUZA, Marcelo Lopes. A teorização sobre o desenvolvimento em uma época de fadiga
teórica, ou: sobre a necessidade de uma “teoria aberta” do desenvolvimento sócio-espacial. In
Revista Território, 1 (1), 1996 (p. 5 – 22).
SOUZA, Marcelo Lopes. Algumas notas sobre a importância do espaço para o
desenvolvimento social. In Revista Território, ano II, jul./dez. 1997 (p. 13 – 35).
SOUZA, Marcelo Lopes. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento.
In CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo Cesar da Costa; CORREA, Roberto Lobato
(Orgs.). Geografia: conceitos e temas. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003.
SPINOLA, Noélio D. Políticas de localização industrial e desenvolvimento regional: a
experiência da Bahia. Salvador: Unifacs, 2003.
SPINOLA, Noélio D.O PLANDEB. Revista de Desenvolvimento Econômico – RDE, Ano
X, Nº 20. Julho de 2009. Salvador, BA.
UNISINOS. Calçadista fecha e demite cerca de 700 funcionários do RS. Disponível em:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/505573-calcadistafechaedemitecercade700funcionarios-
no-rs (acesso em 02/05/2012).
SILVA, Zilmar Alverita. Divisão sexual do trabalho: o sexo e a idade na dinâmica do capital
flexível numa unidade de calçados em Ipirá – Ba. Dissertação (Programa de Pós-Graduação
em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo) – Universidade Federal
da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Salvador, 2008.
WALLERSTEIN, Immanuel. Mudando a geopolítica do sistema-mundo: 1945-2025 In:
SADER, Emir; SANTOS, Theotonio dos (Orgs.). América Latina e os desafios da