30Guarabira limita-se ao Norte com Pirpirituba, ao Sul com Mulungu e Alagoinha,
a Leste com Araçagi e ao Oeste com Cuitegi e Pilõezinhos. A altitude do município é
de 97m acima do nível do mar, sendo superado em sua microrregião por Pilõezinhos
(165m), Ingá (140m), Belém (149m), Alagoinha (134m), Mulungu (99m), Alagoa
Grande (143m), Serra da Raiz (143m), Caiçara (150m), Duas Estradas (150m),
Juarez Távora (200m), Serra Redonda (480m) e Itatuba (120m). A cidade de
Guarabira apresenta as seguintes coordenadas geográficas: 06°7’18“ de Latitude
Sul e 35°29’24” de Longitude Oeste.
A imagem de um simples painel1 na entrada do Centro de Documentação Cel.
João Pimentel consegue informar sobre aspectos geográficos do município, através
de um olhar rápido.
Situa-se a Sede do Município no centro-oeste do seu território, a 2Km da divisa
territorial com o município de Pilõezinhos, a 5Km da divisa com o território de Cuitegi
e a 4Km com a divisa do município de Pirpirituba. Sua maior ligação é com a Capital
do Estado João Pessoa, já que boas rodovias facilitam bastante o percurso entre
ambos. Relaciona-se com Campina Grande, Natal e Recife, em menor intensidade,
já que saem de seu Terminal rodoviário ônibus que fazem diariamente as linhas
Guarabira-Campina Grande, Campina Grande-Natal via Guarabira, Guarabira-Rio de
Janeiro e Guarabira-São Paulo.
A área do Município de Guarabira é de 148,85Km². Em 1945 era de 823Km²,
cuja porcentagem sobre o total do Estado (56.372Km²) apresentava 1,66%. A
população de Guarabira de acordo com dados de 2006 é de 53.090 habitantes.
Com os desmembramentos dos distritos de Alagoinha (86km²) e Pirpirituba
(75km²), em dezembro de 1953, sua área era de 662Km². Em abril e julho de 1959,
Mulungu (ex-Camarazal), com uma área de 238Km² e Araçagi, com uma área de
1 Painel geográfico do IBGE que tem a função de informar aos visitantes do Centro de Documentação Cel. João Pimentel, sobre a localização do município. (Anexo F).
31202Km², com os desmembramentos o Município de Guarabira ficou reduzido à
222Km².
Em 1961 o distrito de Cuitegi tornou-se município (42Km²); em 1963 o distrito
de Pilõezinhos (34Km²) ganhou sua Emancipação Político-administrativa, ficando o
município de Guarabira com a área do distrito sede e do distrito de Cachoeira dos
Guedes.
Com base nas divisões climáticas do Estado da Paraíba, feitas por W.
Koeppen, em 1884, complementando e atualizando, o Município de Guarabira está
incluído na região bioclimática “Mediterrânea” ou “Nordestina Quente de Seca
Atenuada”. Situando-se na faixa de Domínio Quente e Úmido Litorâneo, o Município
apresenta um clima dominantemente “quente e úmido”, com chuvas de outono e
inverno.
Ostentando o título de “Rainha do Brejo”, Guarabira não apresenta a mesma
temperatura dos municípios do Brejo Paraibano. Nas serras sua temperatura cai em
torno de 5°C. Sua temperatura média em °C das máximas: 34; das mínimas: 20;
compensada 29.
Seus terrenos pertencem ao complexo “Gnáissico-migmático-granodiorito” de
idade Arqueozóica, que é afetado por intrusões de rochas magmáticas: gabros,
granitos, basaltos, etc., do Proterozóico.
Guarabira pertence à unidade geomorfológica como “Escarpamento Oriental da
Borborema”, que é cedido por morros, serras e cristais que avançam na Depressão,
formando os primeiros contra-fortes orientais da Borborema, constituídos por
terrenos cristalinos antigos (pré-cambrianos). Algumas destas formas destacam-se
isoladamente do Conjunto da Borborema. Outras estão articuladas ao Escarpamento
Oriental do Planalto, configurando o chamado PIEMONTE DA BORBOREMA, com
altitude de 200 a 300 metros.
32À frente oriental do Planalto eleva-se para 500/600 metros, formando um
escarpamento que se alinha no sentido SW-NE. Dominam aí, um relevo acidentado,
DISSEGADO EM MAR DE MORROS, com ocorrência de “serras” e “cristais”. Este
compartimento da Borborema, sujeito aos ventos úmidos de Sudeste, apresenta um
elevado índice pluviométrico (entre 1.300 a 1.500), devido às chuvas orográficas,
que se distribuem, principalmente entre setembro e janeiro.
Constitui o domínio dos Brejos da Paraíba onde o clima tropical úmido exerce
papel relevante na formação do relevo.
À exceção de trechos planos na Caatinga, é bem irregular o solo do Município.
Suas serras, contrafortes da Borborema, são as seguintes: Serra da Jurema, Bonfim,
Cruzeiro, Tapado e Quati.
Dentre as características do sistema hidrográfico da Paraíba vale ressaltar a
predominância dos rios temporários ou intermitentes que reduzem seu volume
d’agua ou secam completamente nos períodos de longa estiagem – e dos rios de
regime pluvial – cujas cheias ou secas dependem das estações chuvosas
respectivamente.
De uma maneira geral podemos identificar oito Bacias Hidrográficas no Estado:
as bacias dos rios Piranhas, Paraíba, Curimataú, Camaratuba, Mamanguape, Miriri,
Gramame e Abiaí.
O Município de Guarabira é cortado pelos rios pertencentes à bacia hidrográfica
do Mamanguape. São afluentes do Mamanguape, no território do Município os
seguintes rios e riachos: Araçagi, que banha a Vila de Cachoeira dos Guedes; o Rio
Guarabira, que banha a sede municipal, sentido Oeste-Leste, nascendo no sítio
Olho D’agua, município de Pilõezinhos e deságua no Rio Araçagi, na povoação de
Escrivão. São afluentes do Rio Guarabira: riacho dos Cachorros, riacho Jacaré,
riacho Tananduba, riacho Quati e riacho Tapado.
33Não há lagoas de grande importância e açudes de médio porte podem ser
encontrados em algumas propriedades rurais e fazendas. Nas baixadas das serras
são comuns as barreiras ou pequenas represas feitas pelos agricultores para
servirem de bebedouros para os rebanhos bovinos.
A vegetação do Município foi estudada pelo botânico alemão Philipp Von
Luetzelburg, em 1924, quando de sua extensão à região do Brejo paraibano, relata
no trabalho “Estudo Botânico do Nordeste”, segundo Melo (1999) (Box 1):
Box 2 – Características da vegetação no município de Guarabira/PB
Fonte: Adaptado de Melo, 1999, p.29-30, apud VON LUETZELBURG, 1924, p. 19-20.
Atingida Soledade ficou terminada a primeira etapa de minha viagem através do Estado da Paraíba. A excursão através do brejo, a Picuí e Pedra Lavrada, deu-me valiosos elementos de estudos do canto Nordeste Paraibano. Devemos diferenciar três cantos de vegetação distintos daquela região. Em primeiro plano a região do brejo, outrora vasta mata verdadeira, higrófila e megatérmica, conforme demonstra a história; à parte acidentada e montanhosa da serra da Borborema, ainda demonstra os tristes restos de matas verdadeiras, hoje ainda existentes em algumas baixadas e encostas. Também estes pobres restos estão condenados a desaparecer se o governo não intervir energicamente para pôr termo a tão cruel devastação. O clima ameno com cerca de 22°, a abundância de fontes e riachos, o rico solo de humos das florestas, atraiu para ali os primeiros colonizadores, que não deixavam de estar sempre em contato com o litoral. Assim, as matas em pouco tempo, deram lugar a vastas culturas, desaparecendo com o machado e as queimadas, e somente altivas palmeiras e himenéas, cecropias e espécies de machaerium davam ainda testemunho da pujança e do esplendor das matas sacrificadas. Imensas culturas surgiram do solo, porém, logo depois, uma vez o solo exausto e cansado, nada mais de bom e aproveitável produzindo,, foi abandonado deixando a região desprovida e erma. Nessas culturas abandonadas formou-se uma nova camada de humos, empobrecendo pelo calor e pela escassez de umidade; assim a caatinga próxima encontrava solo adequado para contaminá-lo com suas sementes. Entre esta flora gerada posteriormente, de todo xerófila, meteram-se os brotos dos tocos das antigas matas, porém, não encontravam elementos necessários à sua existência e pouco a pouco se extinguiram. Deste modo formou-se a vegetação atual, que o morador do brejo a denominou de “caatinga brejada”. Esta caatinga brejada não é outra coisa senão uma capoeira com fortes introdução de elementos de caatinga e, quando mais os seus elementos se fazem sentir com pronunciada frenqüência, tanto mais a vegetação se assemelha ao arisco. Assim temos dois tipos de mestiçagem: a caatinga brejada, resultado de capoeira + caatinga = 1-3. arisco na proporção de 1-6, resultado de capoeira + caatinga. A Leste da região do Brejo, em direção ao litoral, temos uma vasta planura de caráter brejoso com uma camada de humos muitíssimo fértl, proveniente do curso dos rios da serra da Borborema, que ali se depositou do decorrer dos anos. Todas as fozes dos riachos estão fortemente obstruídas de areia que barram as águas do rio, auxiliado ainda grandemente pelo mangue que vegeta nas suas margens. Nesse solo rico de substâncias orgânicas, garantindo a necessária fertilidade e cada ano renovado o paraibano prepara o seu vasto plantio de cana-de-açúcar, que lhe garante a subsistência folgada. Em segundo plano temos ao Oeste e Norte do Brejo uma verdadeira caatinga seca, composta de elementos puramente xerófilos. Ali predominam as cactáceas, em tão porcentagem que atinge até 60%. Entretanto, na região do Arisco, as cactáceas são ainda esporádicas e apenas representada por uma espécie: o Cereus Jamacarú, o qual, em virtude de sua resistência, consegue penetrar em quase todas as regiões porque não está sujeito a oscilação proveniente do clima úmido ou temperado.
34A fauna do Município de Guarabira é representada por uma variedade de
voláteis, especialmente na ordem dos pássaros cantores: Canário, Pintassilgo,
Rouxinol, Galo-de-campina, João de barro, Chorró, Bem-te-vi, Lavandeira, Juriti,
Pardal, Andorinha. Os animais silvestres são representados por tatús, preás,
nambus, rolinhas, jabutís, ratos-do-mato, guaxinins ou cachorro-do-mato.
36
3. TRANSFORMAÇÃO URBANA E GEOGRAFIA CULTURAL
As transformações externas e internas, visíveis e invisíveis fazem parte do
cotidiano de todos os modelos de sociedade, porém enxergá-las, entendê-las para
melhor se adequar às mesmas é uma tarefa difícil e de longo prazo, tal dificuldade
deve-se principalmente a indiferença cultural a qual engloba uma série de fatores
como a insensibilidade e a insensatez de uma ideologia capitalista, disposta as
maiores atrocidades em prol de um pseudodesenvolvimento social, onde o
progresso torna-se cada vez mais distante da maioria.
Portanto, o presente capítulo vem tentar minimizar tal dificuldade de
compreender o contexto sócio-cultural, utilizando a Geografia Cultural e analisando a
visão de alguns teóricos preocupados com as conseqüências de um problema
aparentemente irrelevante, mas que vem acarretando a destruição da memória
cultural de uma geração à outra e desta maneira agravando a intolerância entre os
diversos grupos humanos em submissão à hegemonia imperialista.
Corrêa e Rosendahl (2000), mostram uma relação de interdependência entre
a geografia cultural e a geografia natural tendo em vista a complementação do
raciocínio acerca das transformações produzidas pela existência da vida humana e o
mundo natural.
[...] os geógrafos culturais compartilham o mesmo objetivo de descrever e entender as relações entre a vida humana coletiva e o mundo natural, as transformações produzidas por nossa existência no mundo da natureza e, sobretudo, os significados que a cultura atribui às suas relações com o mundo natural (CORRÊA; ROSENDAHL, 2000, p.34).
No contexto da geografia cultural existem diferentes fenômenos de analises
nas quais os autores destacam a busca da imaginação poética a principal fonte de
cultura, pois é nela que se encontra uma grande diversidade que não se deixa
confundir.
37A imaginação poética é a que desperta maior interesse nos geógrafos culturais. Ao gerar sentidos novos a criatividade poética é o elemento que produz culturas e as diferencia (CORRÊA; ROSENDAHL, 2000, p.42).
Corrêa e Rosendahl (2000), complementam acerca da atuação de grande
parte dos geógrafos culturais que:
Os geógrafos culturais e outros estudiosos desta rede interligada de lugares têm que refletir sobre suas próprias práticas intelectuais e as práticas intelectuais dos outros. Todavia ninguém que ocupe os “lugares incompatíveis” dentro desta disciplina deve ser excluído, afinal há muita diferença entre ser incompatível e estar errado (CORRÊA; ROSENDAHL, 2000, p.82).
Assim, a escolha teórica e a linha de pensamento da geografia que privilegia
a cultura e o espaço, foram de fundamental importância para esta pesquisa, pois a
escolha do objeto e o trato com as questões da imagem fotográfica na análise do
espaço urbano são bem melhor trabalhadas pelos argumentos dos geógrafos
culturais.
3.1 O lugar, a paisagem e seus significados Segundo Santos (1996), apesar do “lugar” apresentar suas singularidades ele
também transparece características de outros lugares cujas relações que mantêm
entre si, estão carregadas de marcas comuns e de relações estabelecidas entre as
pessoas de diferentes lugares.
Todos os lugares são mundiais, mas não há um espaço mundial. Quem se globaliza mesmo são as pessoas e os lugares. [...] cada lugar não importa onde se encontre, revela o mundo (no que ele é, mas também naquilo que ele não é), já que todos os lugares são suscetíveis de intercomunicações (SANTOS, 1996, p. 32).
O argumento de Santos (1996), desperta para a importância do lugar na
geografia cultural, pois cada local guarda em essência e identidade do que lhe é
particular e também do que não lhe é.
Como afirma Corrêa e Rosendahl (2004), ao analisarem Sauer sobre suas
idéias acerca de “Paisagem” nas quais vê a mesma como um produto de ações
culturais.
38A paisagem natural ou geográfica resulta da ação, ao longo do tempo, da cultura sobre a paisagem natural. Nas palavras de Sauer: “A paisagem cultural é modelada a partir de uma paisagem natural por um grupo cultural. A cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem cultural o resultado” (CORRÊA; ROSENDAHL, 2004, p.9, apud. SAUER,1924, p.17-33).
Nas concepções de Corrêa e Rosendahl (2004), a cultura é um instrumento
que altera, modifica, transforma, como também destrói, partindo das mãos do ser
humano, como um ser imperfeito e inacabado.
A paisagem natural está sendo submetida a uma transformação nas mãos do homem, o último é para nós o fator morfológico mais importante. Por meio de suas culturas faz uso das formas naturais, em muitos casos alterando-as, em alguns destruindo-as (CORRÊA; ROSENDAHL, 2004, p.56).
Trata-se de uma rara análise de Corrêa e Rosendahl (2004), quando explicam
que uma mesma paisagem pode ser enxergada de maneiras distintas dependendo
da cultura a que pertence o observador, e que esse tal conjunto de observações
individuais é o que tende sempre a generalizar, seja a paisagem, a sociedade ou o
indivíduo.
Sobre o observador na posição de geógrafo, a visualização de tal paisagem
torna-se bem mais ampla, pois o geógrafo não descreve apenas o que vê, como faz
um pintor de paisagens, e sim, além de descrever imagens invisíveis na paisagem o
mesmo analisa de maneira ilimitada, desvenda enigmas e por fim, define e classifica
os tipos e variações de paisagens, comparando-as cientificamente.
[...] a paisagem não é simplesmente uma cena real vista por um observador. A paisagem geográfica é uma generalização derivada da observação de cenas individuais. [...] “O geógrafo que descreve uma paisagem, tem a mesma tarefa de um pintor de paisagem”, tem, portanto somente validade limitada. O geógrafo pode descrever a paisagem individual como um tipo ou provavelmente uma variante de um tipo, mas ele tem sempre em mente o genérico e procede por comparação (CORRÊA; ROSENDAHL, 2004, p.24).
Ainda segundo Corrêa e Rosendahl (2004), a partir do momento em que o
homem dá significados, cria e torna-se também símbolo da paisagem, o mesmo vai
se apropriando de suas criações e conseqüentemente do meio por ele transformado.
39Todas as paisagens possuem significados simbólicos porque são produtos da
apropriação e transformação do meio ambiente pelo homem (CORRÊA;
ROSENDAHL, 2004, p.108).
3.2 Memória cultural e imaginário popular Corrêa e Rosendahl (2000), explicam com categoria o “toque” sutil da
imaginação popular no contexto cultural.
A imaginação é considerada aquilo que dá significado ao mundo, pois é por meio dela que o ser humano inicialmente realiza as transformações que condicionam sua existência na natureza. A imaginação não resulta apenas do intelecto, e seu papel não se vincula puramente à produção nem a reprodução social. Através de metáforas, a imaginação atribui novos significados aos diversos aspectos naturais e sociais da realidade (CORRÊA; ROSENDAHL, 2000, p.12).
Mariano Neto (2001), diz que a imagem conta uma história e quando se junta
aos sentimentos de quem a olha torna-se poesia recheada de proximidade, apego,
cumplicidade, afetividade que ultrapassam tempos e espaços ali, inertes e
sacramentados pela ação instantânea de seu registro.
A voz das imagens pode dar sentido ao espaço/tempo ritmadas pela luz e sombra do olhar. Uma linguagem poética da paisagem em que a fala de quem olha traça palavras que ultrapassam o sentido e a forma dos limites da afetividade momentaneamente congelada pelo clique do olhar (MARIANO NETO, 2001, p.105).
De acordo com Mariano Neto (2001), é através da experiência que o indivíduo
dá formas ao seu imaginário; logo, a mente, a imaginação e a razão tornam-se
fatores que aguçam os sentidos, revelando a todo o momento o que se sonha, o que
se acredita e o que se vivencia (Figura 5).
40
(Figura 5) – Maria Eulália Cantalice Cavalcanti – professora de Português casada com o músico Felinto Cavalcanti quem registrou momentos históricos, culturais e políticos de Guarabira por mais
de 70 anos.
De modo como sabemos, as imagens em nossas cabeças formam um saber baseado na experiência e na imaginação, em que a mente é a natureza revelada; a imaginação o filme e o olhar, e a razão um negativo momentâneo, diante do oculto, místico, esotérico ou ainda não desvelado (MARIANO NETO, 2001, p.104).
No decorrer da pesquisa foi de fundamental importância o encontro com
pessoas que nasceram, viveram e trabalharam na constituição de Guarabira, e
mesmo estando aposentadas, ainda continuam com suas mentes e memórias vivas,
guardando elementos culturais e populares em suas recordações ou em objetos
guardados e que aqui são revelados para um público mais amplo. Nesse sentido, foi
resgatado da memória e dos guardados de Dona Maria Eulália, 94 anos de idade,
importante documento sobre a origem de Guarabira escrito por seu esposo, Felinto
Cavalcanti o qual, além de escritor era um músico apaixonado pela história de
Guarabira o que o levou a registrar de próprio punho, durante décadas, as belezas
do lugar e alguns importantes momentos políticos, históricos e culturais do
município, escrevendo lindamente, como se estivesse compondo uma música
(Box 3), (Anexo D):
41Box 3 - “Histórico de Guarabira” manuscrito por Felinto Cavalcanti2
2 Músico “escritor” registrou com próprio punho, momentos históricos da cidade de Guarabira. (Anexo D)
Qualquer localidade pequena que apareça aos olhos perquiridores dos cronistas e historiadores tem sempre a sua história, nobre e ás vezes, de comum, interessante. Guarabira também possui seus ligeiros pontos históricos de que com muito prazer hoje me vou ocupar nas colunas do Jornal da Terra, para que melhormente conheçamos nós, os seus filhos, o seu passado e fiquemos integralizados e sabedores de como se deu o dealbar do seu aparecimento. O princípio da história deste rincão querido deve ser escrito e comentado com palavras repassadas de ternura, tão pinturesco e referto de novidades é o cunho que imprimiu nele o indígena ao vê-lo, ao contemplar a sua paisagem de um misticismo religioso, envolta no seu matagal enflorado e lindo, recortado de regatos prateados que vem do sopé da Borborema ou aba da Cupaoba, graciosos nas suas flexuosidades de serpes, beijar os recantos do Brejo. E foi assim em meio deste ambiente de perfumes, absorto, contemplando a natureza caprichosa, que numa explosão de sugestionado, exclamou o índio – GORABIRA! Ainda mais. Não foi somente o selvícola o fascinado das ingênitas belezas da MATA DA PASSARADA – Não. O francês sentiu-se também embevecido, enlevado pela melodia do cantar dos passarinhos e chamou-a de Bois d’Oiseau – Pau da Aves, que mais tarde por uma adulteração lingüística através dos anos se chamou Boi Sô e depois Boi Chôco. Começa a nossa história guarabirense, depois da restauração de Portugal. [...] Os terrenos que constituem o município de Guarabira, foram perlustrados desde o segundo quartel do ano de 1500, por contrabandistas franceses, depois por portugueses e mamelucos e até por flamengos, devido a sua proximidade com a terra de Cupaoba que, posteriormente tomou o nome de Terra da Raiz. Nesse local existiam outrora forte aldeamento de índios Potiguaras escaramuças com os colonizadores da capitania. Feliciano Coelho de Carvalho que foi nomeado Capitão-mor governador da capitania, a 2 de abril de 1592, tendo tomado posse em 1595, teve de sustentar guerra com os índios da Terra de Cupaoba, que nesse tempo estavam aliados aos franceses que se haviam internado nessa região. Duarte Gomes da Silveira teve notável influência nas remotas origens de Guarabira. Foi durante o domínio espanhol que Duarte Gomes da Silveira (aliás filho de Olinda nascido em 1557) iniciou nas férteis caatingas do rio Guaudús, perto de Araçagi, a pecuária e a agricultura. Entre 1586 e 1600 Duarte Gomes da Silveira como prêmio de seus trabalhos recebeu de S. Majestade o título de capitão-mor da Terra de Cupaoba, sendo portanto a primeira autoridade da região. [...] Guarabira teve como seu primeiro donatário o Padre Francisco Ferreira, a quem lhe foi referido o requerimento de duas léguas de terras em quadro. Conta-se que a 1º de novembro de 1755, com o grande terremoto de Portugal, que só em Lisboa morreram mais de 40.000 pessoas, destruindo a cidade, José Rodrigues da Costra Beiriz, tomado de pânico fugiu de Povoa de Varzim, província de Portugal. Católico como era, protestou a Nossa Senhora da Luz, padroeira de sua terra – Beiriz – que se mudaria de Portugal para onde não houvesse tremor de terra, conduzindo a família e a imagem de Nossa Senhora da Luz, a quem erigiria uma ermida. Assim fez, escolheu o Brasil, dentro do Brasil – Paraíba – e nas terras desta – Guarabira – cumpriu sua promessa levantando uma capela na terra que comprara ao Padre Francisco Ferreira. Diz-se que a pequena casa de oração era de taipa, onde oficiava o Padre Cosme, filho de Costa Beiriz.
[...] O português José Rodrigues da Costa Beiriz foi o verdadeiro fundador do aglomerado humano que deu origem a cidade de Guarabira pois o mesmo levantou no local uma capela sob a invocação de Nossa Senhora da Luz, construiu habitações, formando deste modo, o primitivo povoado em terreno a que o índio chamava “Guaraobira” ou “Guirabira”. A povoação cresceu sendo elevada à Vila com a denominação de ”Independência” pela Lei provincial de nº 17 de 27 de abril de 1837 e teve a sua instalação efetiva a 11 de novembro do mesmo ano, cuja Lei foi sancionada por Basílio Quaresma Torreão, então presidente da província. Dada a emancipação política de Guarabira com o nome de Vila da Independência, foi fundada a paróquia de Nossa Senhora da Luz, tendo sido o primeiro pároco o Padre José Pereira de Araújo (1837). Pela Lei nº 841 de 26 de novembro de 1887 foi elevada à categoria de cidade a Vila de Independência com a denominação de cidade de Guarabira, a Lei foi assinada pelo presidente da província Francisco de Paula Oliveira Borges [...] quem também pelo mesmo decreto denominou-a como Comarca de Guarabira, a comarca foi mantida na República pelas Leis nº 8 de 15 de dezembro de 1892 e nº 256 de 18 de setembro de 1906. [...] Em 1857 o presidente Antônio da Costa Paixoto mandou abrir o crédito de Quatrocentos Mil Reis para construção das obras da Matriz. O Governador do Estado nomeou em 30 de maio de 1895, prefeito deste município o cidadão Joaquim Francisco de Andrade Moura. Em 1907 foi nomeado prefeito o Cel. Manuel Pereira da Silva Simões, natural de Cuitegi, o edil fez alguns melhoramentos. [...] O ilustre sacerdote Padre Luis Santiago sobre Guarabira ele assim se expressa: “GUARABIRA” na língua tupi-guarani quer dizer – Guara – pora – ou bira - prepositivo nominal indicando moradia. Guarabira ou Guarapora moradia dos Guarás. “Guarabira” lembra o aparato faustoso das nossas Garças Azuis que naquela terra tinha o seu berço. O que hoje vale dizer, Berço das Garças Azuis.
42
3.3 Fragmentos do vazio urbano
A cidade de Guarabira já perdeu importantes monumentos arquitetônicos,
mais isso não é o vazio mais importante em foco, pois existem diferentes relações
de “vazios” urbanos estabelecidas entre cidadão e cidadão; cidade e cidadão e
cidadão e poder público. Estas são bases para este momento da pesquisa e sem os
quais a cidade poderá se descaracterizar por completo a cada nova geração.
O “vazio” não é de todo vazio, pois nele conserva-se a aura de tudo aquilo
que um dia ali esteve, devido cada matéria ter a sua razão de ocupar lugar no
espaço o qual um dia foi um espaço exclusivamente seu, de maneira que a essência
dos fatos que ali se sucederam, não serão encontradas em outro espaço senão
naquele.
Ao observar-se a ausência de um determinado prédio, nota-se o “vazio” em
seu sentido mais literal e, portanto da maneira mais óbvia e perceptível, por outro
lado observarem-se pequenas lacunas quase imperceptíveis, é o mais essencial na
perspectiva deste estudo, seguindo o raciocínio de Corrêa e Rosendahl (2004), visto
que o vazio urbano não está apenas na demolição de uma casa, edifício, igreja,
teatro, etc., mas também na ausência das suas características arquitetônicas
originais, nas lacunas preenchidas por um pseudomelhoramento.
Na verdade, uma indicação de seu status residual é a dificuldade que tem os arquitetos de encontrar um estilo apropriado para o papel cultural da igreja na vida moderna. Igrejas antigas tornaram-se discotecas e supermercados baratos, enquanto os prédios das novas igrejas parecem discotecas e supermercados baratos (CORRÊA; ROSENDAHL, 2004, p.118).
Não se trata de desvalorizar a arquitetura moderna e menos ainda banalizar o
crescimento horizontal e/ou vertical urbano, trata-se de preservar os traços culturais
presentes no desenho de um antigo prédio, para que o mesmo possa ser
identificado em meio a uma “selva” de muitos outros com seus designs de ponta,
43cujas formas tão modernas e mirabolantes, num futuro não muito distante,
expressarão também toda sua história, o tempo a qual pertenceram, a arte dos
homens do seu tempo, a qualidade dos materiais utilizados e uma infinidade de
revelações que serão úteis para o progresso de qualquer meio urbano.
Outros tipos de “vazio urbano” que não se percebem de imediato através das
imagens geofotográficas, mas que de alguma maneira ao analisar-se mais
profundamente em conjunto com as narrativas do imaginário popular, podem ser
encontrados nas relações cidade/cidadão, cidadão/cidadão e cidadão/poder público.
Tais relações fazem parte de todo tipo de grupo social, não importa o país, a classe
social, ou a cultura. Observe:
Na relação cidade/cidadão – existe hoje um vazio presente no descaso do
cidadão para com a cidade, como a indiferença e inconseqüência com o meio
ambiente (poluição sonora, poluição visual, infrações, etc.) o que não deixa de
interferir nas outras relações.
Na relação cidadão/cidadão – detecta-se a insegurança para com o outro,
gerando conflitos graves e distância (violência, desconfiança, negligência,
isolamento, etc.) desestruturando o vínculo cultural entre as pessoas, gerando o
individualismo e despreocupação com o conjunto da sociedade.
Na relação cidadão/poder público – o vazio se expande quando o cidadão não
se percebe como agente de transformação, quando o mesmo desconhece a força da
gestão participativa da sociedade (acomodação, conformação, impunidade, etc.)
desencadeando revoltas fantasiadas de revoluções. O mais grave é que o poder
local concentra-se nas mãos de uma minoria e o conjunto da sociedade no máximo
aclama com a democracia indireta do voto e na maioria das vezes nem a crítica faz.
Assim, a cidade que é transformada sem uma profunda reflexão dos seus cidadãos,
termina por perder a essência e o sentido cultural de sua existência.
45
4. PEÇAS QUE SE ENCAIXAM: O “ONTEM” E O “HOJE”
Ao tentar-se entender tudo o que está ao redor do ser humano, necessita-se
juntar retalhos de tempos perdidos em sua existência, num passado longínquo; um
pesquisador tem em suas mãos um “quebra-cabeça” o qual atravessou gerações,
cujas peças se separaram pelos caminhos e este com a bravura de um perspicaz
jogador, tenta buscá-las e encaixá-las para que possa ver se materializarem perante
seus curiosos olhos, os mistérios da vida humana.
A função científica da fotografia consiste em possibilitar ao cientista essa
aproximação com o passado e com tudo aquilo que fez parte de um tempo diferente
do presente, pois o instante de um minuto atrás já faz parte do passado, se tal
instante tivesse sido congelado por uma câmera fotográfica, proporcionaria todo um
leque de análises dentro do contexto de toda e qualquer ciência.
A análise comparativa proporciona a possibilidade de explorar as mais
diversas vertentes geográficas, entretanto enriquece de forma incomensurável a
vertente urbanista devido apresentar uma variedade arquitetônica passível de muitas
comparações entre si, como também um tecido urbano com desenhos que se
transformam constantemente.
Onde, mesmo que transformado, transparece a riqueza de um passado que
se mescla com o presente expondo assim, todo um cotidiano urbano, revelando-se
num simples clique. E que permite aos olhos do geógrafo o poder de visão analítica
entre o passado e o presente, presente este que nos oferece cada vez mais
oportunidades para entendermos o reflexo de um passado e que muitas vezes não é
tão distante. Na perspectiva subscrita montaram-se os pares das imagens que se
seguem, as quais revelam um mundo urbano transformado, porém recheado de
resquícios com seus significados e representações do que foram um dia (Quadros 1
a 15):
464.1 Desvendando em imagens antigas os enigmas das imagens atuais
Quadro 01 Catedral de N. Srª da Luz – Procissão de N. Srª da Luz (1908). Época do Império. Detalhe para a falta da torre da igreja sem calçamento.
47
Quadro 02 Casa de comércio IRMÃOS TRIGUEIRO – Atual Edifício Severino Brito. Detalhe para a Av. Dom Pedro II e para as árvores da praça ainda sequer haviam brotado.
48
Quadro 03 Casarão – Residência de grande riqueza arquitetônica localizada no centro da cidade de Guarabira, atualmente encontra-se completamente abandonado.
49
Quadro 04 Empório Comercial – Armazéns do início do século nas proximidades da atual “Bambuluar”.
50
Quadro 05 Estação Ferroviária – Há alguns anos o prédio foi totalmente restaurado e atualmente encontra-se mais uma vez abandonado.
51
Quadro 06 Feira Livre – No largo da igreja Matriz de Nossa Senhora da Luz no centro da cidade (1908 à 1912). Atualmente o centro desta rua encontra-se totalmente arborizado com a Praça Nossa Senhora da Luz e algumas casas preservam a arquitetura colonial, como por exemplo, a antiga primeira casa do Coronel João Pimentel que se tornou o Centro de Documentação com o seu nome.
52
Quadro 07 Prédio demolido – Antes de ganhar sua atual sede, edificada nos anos 50 a Prefeitura Municipal de Guarabira funcionou nesse prédio o qual foi demolido e em seu lugar foi edificado a atual Câmara Municipal de Guarabira (Casa Osório de Aquino) na década de 20.
53
Quadro 08 Rua Epitácio Pessoa – Sentido dos atuais restaurantes “Paraiguara” e “Mistura Fina” em direção a Estação Ferroviária. Detalhe para as casas construídas sobre o calçadão da praça Dr. Lima e Moura, nas proximidades do atual Edifício Severino Alves de Brito e Cartórios de 1º e 2º ofícios.
54
Quadro 09 Praça Dr. Lima e Moura – Torre da Igreja de N. Srª. Da Luz ao fundo e detalhe para a atual Igreja Universal do Reino de Deus cujo prédio ainda se encontra totalmente intacto em sua estrutura física.
55
Quadro 10 Transporte Coletivo – Mediante a seus Distritos, Guarabira começou a registrar o tráfico das Marionetes intermunicipais em fins da década de 40. O transporte coletivo de Guarabira na atualidade nos mostra que essa relação com os Distritos e com a Capital do Estado cresce a cada dia.
56
Quadro 11 Antigo Cine São Luiz – Localizado nas proximidades da Praça João Pessoa, vizinho aos Correios e Telégrafos, atualmente sede de uma Igreja Universal do Reino de Deus e em seu primeiro andar moradores.
57
Quadro 12 Centro de Guarabira – Vista panorâmica do centro da cidade de Guarabira no ano de (1964) e em (2007); (Anexo E)
58
Quadro 13 Praça João Pessoa – Detalhe para a ausência do coreto. Atualmente a mesma se encontra totalmente transformada e recebeu o pseudônimo “Bambuluar”
59
Quadro 14
Parque Infantil – Demolido para dar lugar a uma praça por traz da Matriz de N. Srª. da Luz.
60
Quadro 15 Procissão de N. Srª. da Luz – retratada acima no ano de 1908 e no ano de 2007. (Anexo E)
61
4.2 Reflexos culturais através das imagens
O trabalho com as imagens fotográficas aqui selecionadas demonstra a
constituição de um texto de imagens, considerando que as fotografias em preto e
branco, são fotografias feitas pela pesquisadora a partir das fotografias que estão
expostas no Centro de Documentação Cel. João Pimentel e suas respectivas
legendas. Destaca-se que as mesmas não estão datadas; que existe uma lacuna de
tempo para precisar o momento do clique fotográfico da época e que uma pesquisa
aprofundada poderá atingir esse estágio, trabalho que já vem sendo realizado pelos
os organizadores do centro e pela comunidade envolvida com o acervo fotográfico.
Por outro lado, todas as fotografias coloridas são imagens do ano de 2007,
considerando então, o espaço-tempo como as duas categorias gerais de análise
comparativa das imagens e suas diferentes situações geográficas. A escolha por
esta seqüência de imagens foi proposital e sua disposição aqui no trabalho
monográfico é para que cada leitor construa seu próprio entendimento do que as
imagens representam para a geografia.
Três coisas são fundamentais para entender o espaço geográfico de
Guarabira a partir das imagens fotográficas aqui expostas:
A primeira é no sentido de que o leitor ao fazer um passeio pela cidade,
poderá encontrar um roteiro de elementos arquitetônicos intactos, “tatuados” apenas
pelas marcas do tempo e expostos enquanto textos historicamente constituídos
pelas mãos humanas;
A segunda é observar significativas transformações vividas pelo espaço,
provocadas pelo processo de demolição, surgimento de novas edificações, alteração
dos roteiros de ruas, novas ocupações, reconstrução de fachadas e o próprio
abandono de algumas áreas e;
62A terceira é a possibilidade de a partir das imagens fotográficas, perceber que
o trabalho da memória e da imaginação pode fazer com que se viva ou reviva
momentos e movimentos humanos, em cenas do cotidiano, em cenários de um
espaço urbano que guarda na fotografia congelada um outro tempo, um outro
espaço e uma outra cultura, que são ao mesmo tempo de ontem e que estão aqui e
agora. Não mais nos mesmos humanos, mas nos seus descendentes diretos ou em
outras pessoas que aqui chegaram e que por aqui passaram e de uma maneira ou
de outra, marcaram com suas impressões, a paisagem, o lugar e a cultura
estabelecida socialmente.
Nesse sentido, foram estabelecidos os quinze pares de imagens que aqui
foram entendidos enquanto textos, não constituídos por palavras, mas
representados por sentidos imagéticos que dizem muito, sobre o cotidiano do lugar e
sobre a organização estabelecida espacialmente pela sociedade, pelos cidadãos e
pelo poder local. E, tanto o cidadão, quanto a sociedade está na base de
constituição do poder local, mas esse pode ser político, cultural e religioso, o que
representa nas imagens a força de significados que cada uma carrega em si.
Às vezes as imagens de um determinado ponto da cidade, podem trazer
significados de outros lugares, sentidos de movimentos ou deslocamentos de coisas
e pessoas, como em um roteiro ou itinerário de sentidos. Basta observar a estação
ferroviária e ler nas entrelinhas das fotografias que aquele espaço já teve grande
significado para Guarabira, mas que na atualidade representa uma cena “morta” na
paisagem.
Outro elemento de poder observado no cenário urbano é o espaço do
sagrado, que pode nem ser percebido nesse aspecto, mas diz respeito ao sentido
religioso de poder, revestido de fé e que ocupa área privilegiada do sítio urbano,
dando sentido de organização e direcionamento para a vida na cidade. O prédio
63representado pela igreja matriz conjuga forças da cultura local, apresenta cenas do
cotidiano e estabelece os princípios norteadores dos muitos cidadãos.
A igreja foi o tijolo fundamental para soerguimento das milhares de cidades
brasileiras. Em Guarabira a história se repete e as fotografias testemunham essa
significativa constituição espacial do sagrado, ordenando as outras unidades e
equipamentos urbanos que compõem a cidade de Guarabira os quais é possível ler
em cada fotografia. A praça, a rua, o cinema, a padaria, a prefeitura, as lojas
comerciais e as residências em destaque, estas são testemunhos imagéticos de
uma ordenação espacial, ora conservada ora alterada e que permitem importantes
análises comparativas da paisagem e da cultura local.
Mariano Neto (2001), refere-se à construção das imagens como resultado da
comunicação entre as sensações percebidas pelos sentidos e pelo comportamento
humano.
Sensação, percepção, representação, comunicação, e identidades. Um pentagrama do universo emocional e material do humano, confirmando-se assim os sentidos superiores, onde as sensações recebidas e percebidas se comunicam para a construção das imagens que permitem todos os comportamentos que nos identificam (MARIANO NETO, 2001, p.101).
Os verdadeiros significados da trajetória humana estão em tudo aquilo que,
embora tenha passado permanecerão pra sempre nas “esquinas” da memória, pois
é impossível definir cultura sem antes senti-la em na própria pele ou através das
crenças, costumes e valores de cada povo.
Ao observar-se as duas fotografias da Procissão de N. Srª. da Luz sendo que
uma do ano de 1908 e a outra do ano de 2007, primeiramente com os olhos de um
pintor de paisagem, vê-se que todo o cenário se transformou, a quantidade de fiéis
jovens, seus trajes e comportamento religioso, os rituais e costumes sacros; depois
64analisando-se com os olhos de um geógrafo cultural, vê-se então as circunstâncias
que levaram a tais mudanças.
A sociedade atual abre as portas para culturas alheias aos seus costumes,
deste modo se dá um processo gradativo de aculturação onde o principal fator não é
abrir as portas para outras culturas e sim deixar que a sua própria cultura vá embora
por essa mesma porta.
Percebe-se que a Procissão de N. Srª. da Luz trata-se de um ritual católico
mas, independente de qual religião seja, é algo que envolve boa parte da sociedade
guarabirense o que acaba por generalizar a cultura da cidade de Guarabira, então
deve-se refletir sobre, como tal tradição religiosa é percebida atualmente? Como era
percebida no século passado? Se havia uma supervalorização religiosa? Atualmente
existe uma desvalorização ou uma conscientização da cultura religiosa? Como
buscar uma revalorização da cultura religiosa? A cultura religiosa pode expressar
outras culturas?
No presente capítulo não se pretende aprofundar numa discussão religiosa,
entretanto como as imagens de análise geofotográfica trata da procissão de N. Srª.
da Luz, torna-se necessário as indagações subscritas, em função da leitura das
imagens expostas nas fotografias em questão.
O modo de percepção da população guarabirense também sofreu
transformações como, por exemplo, sobre a festa de N. Srª. da Luz. Antes a mesma
era percebida como um evento estritamente religioso e hoje a festa tomou um
caráter muito mais profano onde o único resquício de religiosidade é a procissão que
acontece no último dia da festa. Isto se deve a vários fatores como a proliferação de
“religiões” paralelas, rotuladas por nomes de igrejas (Universal do Reino de Deus,
Betel, Congregacional, Igreja dos Santos dos Últimos Dias, etc.) que por sua vez se
fortalecem a cada dia, devido justamente à vulnerabilidade cultural da sociedade,
que tem dificuldade de identificar suas raízes religiosas, e acabam por se
65equivocarem percebendo a religião como uma espécie de refúgio para suprir as
necessidades causadas pelas diferenças de nível social.
Outro aspecto que pode ser percebido na imagem acima é a questão da
supervalorização religiosa que atravessou séculos, submetendo os fiéis a uma certa
alienação entre a ciência e a crença, o que nos leva a refletir sobre as vantagens e
desvantagens deste processo de transformação religiosa. Se na primeira imagem da
procissão observa-se toda uma ordenação e posicionamento dos fieis, na frente da
igreja, na segunda imagem, nota-se que mesmo existindo toda uma “pompa” e uma
grande multidão no cortejo, o mesmo encontra-se misturado aos automóveis e ao
espalhamento dos fieis pelas calçadas denotando uma mistura de fé e de passeio
público. Ao mesmo tempo em que se nota a ausência das crianças vestidas de anjos
o que leva-nos a refletir sobre a participação dos jovens na procissão atualmente,
denotando um declínio no envolvimento sagrado da Festa da luz e um apogeu no
envolvimento com o profano durante toda a semana da festa.
Assim como a imagem geofotográfica oferece uma rica possibilidade de
elementos para análise, cada modalidade cultural possibilita a leitura de outras
culturas, observe que nas imagens em questão, além da procissão e dos aspectos
que já foram destacados aqui, pode-se notar a expressão de outras culturas como,
por exemplo, a cultura arquitetônica, de artefatos e vestimentas, até mesmo da
própria fotografia, a maneira como foi produzida é muito diferente da forma como se
produz fotografia hoje, sendo também uma transformação cultural.
Certamente foram respondidas as indagações acima, porém o objetivo é
instigar múltiplas indagações, pois é buscando respostas dentro da Geografia da
Percepção, da Geografia Cultural e da Geografia Urbana que se edifica uma
consciência cultural. Pois para Corrêa e Rosendahl (2004), a geografia está em toda
parte, reproduzida diariamente por cada um de nós (CORRÊA; ROSENDAHL, 2004,
p.121).
66
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Fundamentando-se minuciosamente com o propósito de buscar
conhecimentos precisos sobre um tema pouco explorado dentro da geografia,
detectou-se o quanto a Geografia Cultural e da Percepção são capazes de
fundamentar qualquer debate geográfico, visto que a cultura e a percepção são
elementos produzidos pela humanidade e esta por sua vez é responsável pela
produção do espaço como um todo.
A leitura das imagens fotográficas antigas e atuais de Guarabira/PB,
representadas em quadros que retratam o “antes” e o “depois” de alguns trechos da
cidade objetivou-se aguçar a percepção do leitor, o que o faz além do visível,
estimulando também a memória e o imaginário de quem viveu ou não o momento
retratado.
Na análise geofotográfica do urbano que se acaba de esboçar, com o
propósito de alcançar uma forma mais clara e precisa de leitura de paisagens para
compreensão das circunstâncias que produzem transformações na cidade, e
respectivamente as conseqüências dessas transformações dentro do contexto sócio-
cultural, convence-se que a fotografia para fins científicos, especificamente
urbanísticos é comprovadamente um instrumento essencial para a obtenção de
resultados consistentes e rendimento para a pesquisa.
Ao longo do trabalho em questão, foi possível constatar que os aspectos
urbanos confundem-se com os aspectos culturais e estes por sua vez dão um
caráter todo particular à cidade. Vê-se que as particularidades do urbano são
produzidas pelas singularidades do humano, expressadas através da cultura a qual
é responsável por desenhar toda trajetória das sociedades, gravando em cada lugar
algo que as identificam.
67 O processo de transformação urbana observado na cidade de Guarabira/PB
se deu de maneira complexa e relacionou-se aos diversos processos da dinâmica
urbana, o que levou-se em consideração foi o fenômeno produzido e depois
percebido fotograficamente, de modo que proporcionou singular compreensão ao
pesquisador. Portanto detectou-se que através daquele instante congelado na
fotografia se é possível analisar tempos passados e prever tempos futuros, logo,
conservar o que é positivo e descartar os erros de intervenções causadas no
espaço. Um claro exemplo dessa argüição foi à demolição do prédio da primeira
sede da prefeitura e que hoje é ocupado pelo novo prédio da câmara dos
vereadores. A fotografia que retrata a riqueza arquitetônica do antigo prédio é uma
demonstração fiel da negatividade que o atual prédio representa em sua pobreza
arquitetônica.
Observou-se durante todo este estudo que tais aspectos negativos presentes
no desenvolvimento e transformação da cidade, ao interferirem no contexto cultural
urbano podem acarretar a “opacidade” das características culturais de um
determinado lugar e desta maneiras ocultá-las do conhecimento de gerações futuras
cuja identidade cultural, desde suas raízes, encontra-se ali concentrada, pré-
disposta e inexplorada, onde, o observador aplicando e estimulando de algum modo,
a percepção, a análise, o estudo e explorando a “luminosidade” da imagem,
indubitavelmente encontraria respostas para perguntas que estão durante séculos e
séculos impedindo a humanidade de conhecer a si mesma.
Guarabira vista pelo prisma dos seus diferentes fotógrafos, conseguiu guardar
em seus registros, elementos da paisagem que em muitos casos restam apenas
naquelas imagens ou na memória dos seus antigos moradores, que viram e viveram
aqueles momentos e transformações urbanas. No entanto, a memória que não se
registra se perde com quem as constituiu em sua historia cotidiana de vida. Daí dizer
que a fotografia é uma memória congelada, é uma matéria da memória que a
68fotografia registra e permite que as gerações posteriores possam constituir novos
elementos memoriais daquelas imagens.
Como é bom observar uma fotografia e ver o que permanece, ver o que
mudou, observar as pessoas em seus trajes de época, os sentimentos e emoções
vividos em épocas passadas e que se percebe na memória dos velhos que viveram
aquelas cenas e que podem contar para o pesquisador. Aqueles eventos ou aqueles
lugares fotografados, quando observados pelo leitor que conhece aquela paisagem,
consegue construir estas imagens em movimentos como se fossem filmes que o
transportasse para aquele momento observado. Viajar na fotografia, ler os antigos
jornais3 de época que circulavam durante os eventos culturais da cidade e escutar
as narrativas de quem viveu aquelas imagens é poder valorizar culturalmente o
espaço e a memória enquanto patrimônios da humanidade.
Considera-se então que o presente trabalho ao analisar as imagens
geofotográficas do urbano reconhece metodologicamente que a fotografia seja um
meio de aproximação entre o geógrafo e um mundo perdido no tempo, onde se
revela a memória cultural de diferentes gerações, expressas em suas ações sociais
e que de diferentes maneiras interferiram na paisagem e deixaram registradas para
as gerações futuras.
3 O jornal A Faisca (1932) e O Jornal da Luz (1933) - (Anexo A e B).
69
6. REFERÊNCIAS
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